Discurso Do Presidente Da República No Acto Constitutivo Da Academia

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Discurso Do Presidente Da República No Acto Constitutivo Da Academia Discurso do PR no Acto Constitutivo da Academia Cabo-verdiana de Letras . 28 de Setembro de 2013 às 15:47 O acto constitutivo da Academia Cabo-verdiana de Letras – ACL é prova irrefutável da saúde da nossa Nação. Em boa verdade, quando uma Nação, com raízes tão profundas no tempo como a nossa, demonstra ter ainda húmus para continuar a afinar a sua organização e sistematização é porque está bem. A Nação cabo-verdiana antecede o Estado cabo-verdiano. Muito antes da constituição do ente que confere personalidade jurídica à Nação cabo- verdiana, esta já se havia constituído e consolidado. E se dúvida houvesse a esse respeito, o rol de Imortais da nascente Academia Cabo-verdiana de Letras está aí para elucidar os mais cépticos. Todos eles nasceram e assumiram a sua cabo-verdianidade muito antes do 5 de Julho de 1975, e mesmo deram contribuição decisiva para a orientação dos movimentos sociais e políticos que viriam a liderar a luta para a autodeterminação e independência de Cabo Verde. Todos eles, de André Alvares D' Almada (1555 – 1650) a João Baptista Rodrigues (falecido recentemente), passando Por Antónia Gertrudes Pusich, José Evaristo de Almeida, Guilherme Dantas, Luís Loff de Vasconcelos, Januário Leite, Eugénio Tavares, Pedro Monteiro Cardoso, João Lopes, António Aurélio Gonçalves, Jorge Barbosa, Manuel Monteiro Duarte, Jaime de Figueiredo, Manuel Lopes, Baltasar Lopes da Silva, Manuel Ferreira, António Nunes, Henrique Teixeira de Sousa, Amílcar Cabral, Yolanda Morazzo, Ovídio Martins, Gabriel Mariano, Leopoldina Barreto, João Varela, Mário Fonseca, João Henrique de Oliveira Barros e tantos outros valorosos descendentes desta pátria que, pelo seu engenho e pela sua arte, se foram da lei da morte libertando, nasceram, medraram e deram a sua contribuição para a construção desta Nação valente, ainda antes das lutas que conduziriam ao nascimento do Estado cabo-verdiano. Presidente da República, Poeta Jorge Carlos FonsecaPresidente da República, Poeta Jorge Carlos Fonseca O acto de hoje só é possível porque a Nação mantém intacta a sua vitalidade; resulta do esforço de um punhado de notáveis filhos da nossa terra que resolveram organizar e sistematizar a potente corrente de produção literária que continua a manifestar-se entre nós. De facto, a pujança do movimento literário cabo-verdiano clamava por alguma organização, quanto mais não fosse para aproveitar as sinergias e conferir um sentido prático às intervenções dos seus actores. Em Cabo Verde, nunca a literatura foi meramente diletante. Ela sempre cumpriu um papel social muito forte. É dado adquirido que os movimentos sociais e políticos cabo-verdianos só começaram a arrecadar sucessos quando ganharam a liderança dos intelectuais das ilhas. E um dos factores do sucesso da nossa luta foi o envolvimento da juventude, fortemente influenciada pelas produções dos nossos imortais, de entre os quais considero ser um acto de justiça destacar os Claridosos. As elites cabo-verdianas sempre foram muito importantes em Cabo Verde e, de alguma forma, mantiveram ligações profundas com a população e procuraram exprimir as suas preocupações e anseios. A cultura foi, nesse contexto, o campo de intervenção escolhido durante muito tempo. Os intelectuais cabo-verdianos, ao mesmo tempo que pugnaram, afirmaram e cantaram a especificidade do país, relativamente a Portugal, preocuparam-se com a condição de vida das populações e, à sua maneira, denunciaram o sistema colonial e contribuíram, de forma decisiva, para que em pleno regime colonial uma Nação fosse forjada. Os poetas e escritores cabo-verdianos, estes, muito cedo sentiram necessidade de se nortear pela via da literatura de intervenção. Passar da literatura pela literatura para uma literatura intervencionista, fazendo da arte também um instrumento de esclarecimento e de ânimo para o bom combate que era preciso levar a cabo. Isto faz dos nossos imortais eternos credores. Pela evolução dos movimentos sociais em movimentos políticos; pelo sucesso dos movimentos políticos na luta pela autodeterminação e independência; pela construção da Liberdade. Os nossos imortais foram fundamentais numa circunstância em que se lutava pela satisfação de necessidades básicas, quais sejam, o pão de cada dia, a educação e os cuidados de saúde, um lar e uma pátria, enfim, a aceitação como cidadãos de pleno direito. A contribuição desses imortais foi inestimável também, e ao mesmo tempo, a outro nível: porque captaram e recriaram a essência da nossa alma, do nosso modo de ser, e contribuíram, assim, de forma decisiva, para a construção da nossa personalidade colectiva, ao mesmo tempo que escancaram as portas da liberdade sem limites que só a arte nos proporciona. Presidente da Academia Cabo-verdiana de Letras, Poeta Corsino FortesPresidente da Academia Cabo-verdiana de Letras, Poeta Corsino Fortes Tornaram possível imaginar um engajamento com a arte, nomeadamente com a literatura, que não supõe, necessariamente, militância política. Dito de outro modo, ainda que fosse em essencial uma literatura social e politicamente engajada, o Belo reflectido na obra desses imortais mostrou-se muito além da utilidade política, animada por uma espécie de dinâmica progressista da libertação, de liberdade. Ajudaram-nos a enxergar que literatura e a arte, de um modo geral, se devem, de certa forma, reflectir a sua época, o seu tempo e, possivelmente, assumir algumas das bandeiras que procuram combater situações que dilaceram a alma não podem ser prisioneiras de compromissos políticos ou sociais. Neste sentido, também entendemos nós. A escolha entre o compromisso político e a actividade desengajada e de puro prazer resulta de uma escolha filosófica individual, do criador. Isto não deve implicar que ele, o criador, deva alhear-se de tais problemas e nem que esteja proibido de os tratar. Sendo o intelectual, de todo o modo, um cidadão especial, guiado por uma visão crítica do mundo e das coisas, um seu engajamento seria esperado, mas, a sua liberdade deve ser total, podendo ou não abordar a história imediata , resultando a sua decisão de uma opção livre e não de uma qualquer obrigação e muito menos de uma imposição. Penso poder dizer como Roland Barthes, neste mesmo debate: “Admito, perfeitamente, que seja possível uma coincidência profunda com os problemas militantes de sua época, ao mesmo tempo que não se crê ser obrigatório, por esta razão, censurar a actividade erótica de reescrever…”. O compromisso primeiro é com a estética e deve caber ao criador, e só a ele, a decisão de escolher os conteúdos que devem dar corpo à sua vertigem criadora. Do mesmo modo que a graça e a beleza que emanam das ondas ou que brotam de um brisa matinal, independem do aproveitamento que delas se possa fazer, a criatividade do poeta ou do romancista, a sua força, não pode ser aferida pela maior ou menor funcionalidade da sua obra. Os temas sociais, políticos, místicos, religiosos, filosóficos, o amor, a morte, a paixão, entre outros, são o menu onde, livremente, o criador deve beber para criar o Belo, que poderá ou não ser aprendido pelo Outro, cujo espírito necessita tão intensamente dessa comunhão estética, como o físico necessita do pão. Com isso queremos afirmar que o criador deve alienar-se do drama dos que sofrem, dos que são subjugados pelos diversos tipos de tirania, dos que têm o corpo aprisionado e a alma destruída, do funcionamento geral das sociedades? Como qualquer ser humano, qualquer cidadão, não deve fazê-lo. Poderá fazer da sua arte uma arma de combate pela liberdade, contra todas as opressões. Mas, assim como não faz sentido que se exija a um cirurgião que assuma esta ou aquela postura política, - ainda que seja desejável que defenda a que melhor favoreça ou promova a saúde das pessoas, - o que se espera e se exige de um cirurgião é que opere bem, que trate bem, com competência e humanismo os seu pacientes - também, o único que se deve exigir ao criador é que, ao partilhar a sua subjectividade criativa com o Outro, procure fazê-lo com total liberdade e com qualidade estética máxima. Se deve emprestar a causas sociais ou políticas o sopro da sua arte é uma decisão que só a ele diz respeito (em todo o caso, nós mesmos tivemos já oportunidade de subscrever, há uns anos, num encontro com escritores senegaleses, algo como isto: «Dans notre continente déchiré par la violence et par des guerres fratricides,la responsabilité de l’ écrivain/intellectuel est accrue. - Il ne peut pas être libre sans les autres; - il ne peut pas – et il ne doit pas – abandonner lesa utres; - il ne peut pas se procurer le salut sans les autres» Como é possível que um escritor genial como Jorge Luis Borges tenha sido condenado pelo crime de conservadorismo? Portanto, mais além de uma função político-social da literatura, quero acreditar na capacidade de humanização profunda que dela advém. Pelo diálogo, leitor e obra, que se concretiza na leitura e nas várias interpretações e maneiras possíveis de apreender os significados e valores contidos numa obra, a literatura pode contribuir para transformar o nosso olhar sobre as coisas, para superarmos o singular e alcançarmos o genérico. Cabe à literatura, para tanto, oferecer-nos boa literatura, agindo em sua esfera própria. É esse um dos propósitos que, creio, norteia, os escritores que, de forma abnegada e corajosa, decidiram erigir este monumento, a Academia de Letras, aos nossos imortais, - premiar a boa literatura. Não duvido que a ACL constituirá uma autêntica Catedral das nossas letras. O anunciado sucesso da vossa iniciativa será mais um cântico à Criatividade, um grande louvor à universalidade da Alma cabo-verdiana um autêntico Hino à nossa Nação. .
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