Biobibliografia De MANUEL LOPES
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2 A Semana - Sexta-Feira, 28 de Jan. 2005 K R I O L I D A D I MANUEo últimoL POR: JOSÉ VICENTE LOPES Logo agora que já nos tínhamos, todos, acostu- flagelados do vento leste (1960). mado com a eternidade de Manuel Lopes, prepa- Ainda que os primeiros sinais de Chuva braba, rando-nos para comemorar o seu centenário em cujo nome inicial era Terra viva, tivessem surgido vida, eis que ele morre aos 97 anos, em Lisboa, no número 4 de Claridade (Janeiro, 1947), os dois onde residia há 45 anos. Com ele extingue-se tam- romances são de um autor que se encontra em ple- bém o último sobrevivente dos fundadores de Cla- na maturidade pessoal e estética, porque publica- ridade, revista criada por ele, Baltasar Lopes da dos quando ele tinha 49 e 53 anos, respectivamen- Silva, Jorge Barbosa e Manuel Velosa, já lá vão te, portanto, numa altura em que encontrara já o ca- quase 70 anos, marcando para sempre a literatura minho que todo o artista tem de procurar. E, nessa cabo-verdiana em antes e depois dessa publicação. busca, quem quiser haverá de encontrar ressonân- E nesta hora ficamos também a saber que, afinal, cias dos regionalistas brasileiros (José Lins do Rego, Manuel Lopes era o único cabo-verdiano “natural” Graciliano Ramos...), dos neo-realistas portugueses de três ilhas: de S. Nicolau onde nasceu realmente; e até do americano John Steinbeck, de que Manuel de S. Vicente para onde foi levado e registado dias Lopes era um assumido admirador. depois do seu nascimento, até ser levado, criança Na terça-feira, a propósito da sua morte, ouvi ainda, para Coimbra (Portugal), de onde retornaria Germano Almeida dizer à Rádio de Cabo Verde que jovem adulto por não aguentar as saudades; e, fi- Manuel Lopes era o mais politizado dos claridosos, nalmente, de Santo Antão, por obra e graça de Ma- bastando para isso a leitura das suas “tomadas de nuel Ferreira que, No reino do Caliban I, lhe fixa vista”, publicadas na Claridade. Eu diria que Ma- essa ilha como seu local de nascimento, induzido nuel Lopes era, ao lado de Baltasar Lopes, o mais certamente pelo facto de o grosso da ficção deste intelectualizado do grupo. Veja-se já agora o que claridoso ter a ilha das montanhas como o espaço ele escreve logo no primeiro número de Claridade, de acção. Haverá, em Cabo Verde, maior glória do na sua primeira “tomada de vista” sobre a nossa que esta ubiquidade? vocação de conhecer o mundo: “Todo o caboverde- Ao longo de todos estes anos, quando o assun- ano vive na ilusão de que não morrerá antes de to é Claridade e os claridosos (por claridosos en- conhecer o mundo. Esta ilusão é alimentada pelos tenda-se vários outros escritores e intelectuais que que regressam, pelos marítimos, pelos emigrantes, se foram juntando ao grupo), a atenção dos críticos pelas cartas que vêm de longe, pelo sentimento ob- tem-se centrado em Baltasar Lopes da Silva e Jor- sessional de lugares melhores. O caboverdeano tem ge Barbosa, mas é provável que, dos três, seja Ma- o espírito cheio de visões distantes. Sonha libertar- nuel Lopes aquele que melhor conseguiu realizar o -se do ‘palude’. Partir é, para ele, viver. ‘C’est ne que hoje se chama “programa claridoso”. Antes de pas partir qui est mourir en peu’, como disse Mo- mais, por ter, a nível da ficção, produzido uma no- rand”. Isto antes, minha gente, de Jorge Barbosa velística onde o drama existencial dos cabo-verdi- dar à estampa Ambiente (1941) onde consta o “Po- anos ficou a todos os títulos bem patente. Primeiro ema do mar” com aqueles célebres versos que são a no romance “Chuva Braba” (1956) e depois, e so- divisa da poesia claridosa: “Este desespero de que- bretudo, nesse épico que é também o romance “Os rer partir / e ter que ficar”. Um lugar cativo na galeria As reacções à morte de Manuel Lopes são unâ- dever de tudo fazer para que não sejamos jamais Lopes, segundo o autor de “Memórias de um Es- mio Camões, era saber que uma geração de escri- nimes, independentemente da sua proveniência. ‘Os flagelados do vento leste’ e, teimosamente, con- pírito”, “tivesse uma intervenção política muito tores cabo-verdianos pugnavam para que ele fosse Todos, sem excepção, mostram-se pesarosos por ver tinuemos de pé, superando, dia após dia, os desafi- mais activa do que os outros membros da Clarida- agraciado com tal galardão”, afiança o presidente desaparecer uma figura tão marcante da literatura os que se colocam à nação cabo-verdiana no seu de, isso sem desmerecer os outros”. da AEC, para quem Cabo Verde perdeu uma das cabo-verdiana e de uma época, tão importante para percurso de paz de desenvolvimento”. A morte do escritor põe assim fim às hipóte- suas maiores referências culturais. o despertar da consciência do cabo-verdiano. A Pedro Pires juntou-se depois o coro de pesar ses de ele poder ser distinguido com o Prémio De acordo com o poeta, “Manuel Lopes po- O presidente Pedro Pires foi um dos primeiros do primeiro ministro José Maria Neves, intelectu- Camões, como tantas vezes defendeu o poeta voou a nossa memória colectiva com as persona- a a manifestar o seu pesar ao dizer: “A nação cabo- ais e políticos de todo Cabo Verde. O bispo D. Pau- Corsino Fortes, presidente da Associação dos Es- gens dos seus romances, Chuva Braba e Os Flage- verdiana acaba de perder um dos vultos maiores da lino Évora rezou por Manuel Lopes e pediu paz critores de Cabo Verde. Mas, para Germano Al- lados do Vento Leste, que não eram meras mario- sua literatura”. Manuel Lopes, de cuja pena bro- para a sua alma. meida, “muito dificilmente nós cabo-verdianos netas mas figuras com vontade própria. Quanto à taram obras de insofismavel beleza e profundida- “Com toda a dignidade e justiça, Manuel Lo- vamos algum dia obter esse prémio ou outros do sua poesia, é emblemático o Poema de quem ficou”. de histórica sociológica como ‘Os flagelados do ven- pes vai fazer parte da história da literatura cabo- mesmo tipo porque estão marcados”. Ou seja, “te- Herdeiro do testemunho dos denominados na- to leste’ e ‘Chuva Braba’ ficará guardado na me- verdiana, não só por fazer parte do Movimento da mos que ser conhecidos. Por isso, não estranho tivistas, entre eles Eugénio Tavares e Pedro Car- mória colectiva dos cabo-verdianos como um dos Claridade, mas também pelos textos que escreveu que ele não tenha recebido o Prémio Camões”. doso, Manuel Lopes foi, segundo Fortes, “um dos que melhor souberam traduzir todo o drama de antes disso, e que mostravam como ele era um ho- Aliás, conforme declaração de Corsino For- primeiros a pronunciar-se a favor da independên- um povo em luta titânica permanente contra as mem preocupado com Cabo Verde”, afirma Ger- tes ao Kriolidade, para Manuel Lopes, mais im- cia das ilhas de Cabo Verde, e com Jorge Barbosa lestas, a escassez das chuvas e outras adversidade. mano Almeida, lembrando que o malogrado es- portante do que esse prémio era saber que os e Baltazar Lopes da Silva fundou o regionalismo O grito de denúncia subjacente as obras de Ma- critor “estava sempre a desafiar a juventude cabo- cabo-verdianos o consideravam merecedor de tal cabo-verdiano”. nuel Lopes e de outros claridosos ecoou fundo no verdiana no sentido de tomar partido a favor do distinção. “Um dia Manuel Lopes telefonou-me e E a melhor maneira de exaltar a sua obra, peito das novas gerações, incutindo-lhes o pátrio seu país”. Uma postura que fez com que Manuel disse que o essencial para ele, mais do que o Pré- agora que não pertence ao mundo dos vivos, é, A Semana - Sexta-Feira, 28 de Jan. 2005 3 K R I O L I D A D I L LOPES, claridoso Biobibliografia de MANUEL LOPES Entre os seus pares, Manuel Lopes era aquele que vento leste, cuja importância se deve fundamentalmen- parecia ter um projecto literário e conseguiu realizá-lo, te à carga dramática e épica, de tal modo que acabou POR: ARNALDO FRANÇA não na plenitude certamente, mas, ainda assim, levou-o por servir de mote para Ovídio Martins escrever o seu avante quer através dos seus contos de O galo cantou não menos célebre poema “Flagelados do vento leste”, Manuel dos Santos Lopes que nasceu na localidade de Campinho, ilha de São Nicolau, a 23 de Dezembro de 1907, com baptismo, dois anos de- na baía, quer sobretudo através dos seus dois roman- dedicado a Manuel Lopes. pois em São Vicente, freguesia de Nossa Senhora da Luz, figura errada- ces, sendo no entanto um poeta com muito menos força Mas enquanto Chuva braba termina com um sinal mente no respectivo assento como dela natural. Nesta ilha frequenta a telúrica do que Jorge Barbosa e Osvaldo Alcântara. En- de esperança (a chuva que cai e leva Mané Quim a escola primária residindo durante algum tempo, coincidente com o da I tre os seus pares, Manuel Lopes deu mostras de levar desistir da emigração), Os flagelados do vento leste é Guerra Mundial, no sítio do Mato Inglês, situado a umas duas dezenas de quilómetros da cidade do Mindelo. Com a morte do pai, acompanha a ma- mais a sério a literatura, sendo disso prova suplementar todo ele desolação, falta de perspectiva e fatalidade, drasta que se fixa em Coimbra, aí residindo de 1920 a 1923, tendo-se matri- alguns dos seus ensaios, especialmente “Considerações que levariam qualquer observador no seu juízo nor- culado no Colégio São Pedro e depois na Escola Comercial.