Universidade Do Estado do Centro de Educação e Humanidades Instituto de Artes

Carla Machado Lopes

Entre educação e espetáculo: escolas de samba mirins no Rio de Janeiro

Rio de Janeiro 2019 2

Carla Machado Lopes

Entre educação e espetáculo: escolas de samba mirins no Rio de Janeiro

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.

Orientador: Prof. Dr. Roberto Conduru

Co-Orientador: Prof. Dr. Luiz Felipe Ferreira

Rio de Janeiro 2019 3

CATALOGAÇÃO NA FONTE UERJ/REDE SIRIUS/ BIBLIOTECA CCS/A

Autorizo, apenas para fins acadêmicos e científicos, a reprodução total ou parcial desta tese, desde que citada a fonte.

______Assinatura Data 4

Carla Machado Lopes

Entre educação e espetáculo: escolas de samba mirins no Rio de Janeiro

Tese apresentada como requisito parcial para obtenção do título de Doutor, ao Programa de Pós-Graduação em Artes, da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Área de concentração: Arte e Cultura Contemporânea.

Aprovada em ___ de novembro de 2019.

Banca examinadora: ______Prof. Dr. Roberto Conduru (Orientador) Instituto de Artes - UERJ

______Prof. Dr. Luiz Felipe Ferreira (Co-Orientador) Instituto de Artes - UERJ

______Profa. Dra. Ana Paula Alves Ribeiro Faculdade de Educação da Baixada Fluminense- UERJ

______Prof. Dr. Otair Fernandes Instituto Multidisciplinar - UFRRJ

______Profa. Dra. Maria Laura Viveiros de Castro Cavalcanti Instituto de Filosofia e Ciências Sociais - UFRJ

Rio de Janeiro 2019

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DEDICATÓRIA

Aos meus ancestrais, aqueles que me fizeram ser o que sou hoje, especialmente, meu pai Candido de Souza Lopes (In memorium)e e minha mãe Syla, a minha posteridade, aquelas que colherão e espalharão pelo mundo tudo aquilo que venho plantando nesta vida, minha filha Gabriella e minha neta Sophia Candido

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AGRADECIMENTOS

Em primeiro lugar, agradeço a DEUS, pois é o meu Senhor, por sua proteção, amparo e fortaleza, que me faz conduzir por águas plácidas, mesmo nos momentos de grande tribulação. Para a escrita desta tese, há muitos responsáveis, aos quais devo agradecer também, não somente pelo protocolo, mas pela sincera gratidão que devemos dispensar àqueles que realmente estão sempre nos ajudando, incentivando, apoiando, sugerindo, discutindo, concordando, discordando, sustentando, contribuindo e, por fim, nos sustentando espiritualmente em suas crenças e orações, reconhecendo o quão grandioso é o caminho que estamos seguindo na vida acadêmica. Este universo é muito amplo, mas devo agradecer especialmente a George A. de Araújo pelo incentivo e cumplicidade que vêm marcando nosso encontro nesta vida. Hoje estou cumprindo mais uma etapa que sonhamos e conquistamos. Durante este percurso, passamos por todas as fases boas, ruins, nem tão boas, mas conseguimos chegar até aqui. Grata por tudo que vivemos! À minha família, meus pais, meus irmãos, sobrinhos e minha amada filha pelo incentivo e apoio nos momentos mais difíceis desta longa caminhada. Esta caminhada foi de grandes ausências junto a todos e todas, mas com o apoio total de vocês. Aos meus colegas do Arquivo Nacional minha gratidão. Em primeiro lugar, à minha chefia imediata, Inez Stampa, pelo apoio incondicional e por ser muito mais do que uma superiora hierárquica, na verdade uma grande amiga e parceira, que soube compreender as angústias e sofrimentos dos últimos dias. A Vicente Rodrigues, profissional ímpar, que sempre colaborou comigo nas múltiplas aprendizagens em nosso labor cotidiano, a Jucélia, companheira de repartição e que em pouco tempo também se tornou uma grande amiga, aos demais integrantes da equipe do Centro de Referência das Lutas Políticas no Brasil (1964-1985), que durante estes últimos meses têm compreendido a minha dedicação máxima a esta escrita. Aos meus companheiros Vítor Fonseca e Sílvia Ninita, que me apoiaram, me preservaram, e na medida de suas possibilidades colaboraram para que finalmente chegasse à reta final. Não posso esquecer dos primeiros livros ofertados por vocês, 7

como forma de estímulo e apoio, ao saberem que tinha conseguido, enfim, ser selecionada para o doutorado, no Instituto de Artes da UERJ. Devo muito ao senhor Edson Marinho, presidente da Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM-Rio) pelo apoio incondicional à pesquisa desenvolvida, Luiz Antonio, Diretor de Planejamento e Desenvolvimento da AESM- Rio, Érica Lobo, Diretora Pedagógica, a equipe de Comunicação Social, especialmente, Ana Valéria Gonçalves e Arleson Rezende, aos presidentes da escolas de samba mirins, Valéria Pires (G.R.C.E.M. Golfinhos do Rio de Janeiro), Marilene Monteiro (G.R.C.E.M. Corações Unidos do CIEP), Celsinho Andrade (G.R.C.E.M. Filhos da Águia) e Gabriel Azevedo (G.R.C.E.M. Estrelinha da Mocidade) e Leandro Pereira, Juliana Lopes Tutunji e Silvana Aleixo, juntamente com os demais integrantes da direção do GRCEM Cavalinhos Marinhos da Ilha. Meu carinho especial a Luciano Moreira, carnavalesco da escola de samba mirim Filhos da Águia, Alessandra Mendonça, diretora do G.R.C.E.S.M. e Nilce Fran, passista e diretora da ala de passistas do G.R.E.S. e do G.R.C.E.S.M. Filhos da Águia. A professora Marly Lopes Lima, ex-diretora da escola municipal Ministro Gama Filho, e Claudia Regina Marques, ex-aluna do mesmo colégio, foram fundamentais para ampliar meus conhecimentos sobre a escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras, primeira experiência pedagógica em uma escola da rede pública de ensino, que realizou em seu projeto político-pedagógico a relação da cultura das escolas de samba e currículo escolar, prática que vem sendo utilizada em outros colégios, ainda como forma de combater o fracasso escolar, as desigualdades sociais dos processos de ensino e a evasão das escolas de crianças e adolescentes. Aos amigos Cida Guimarães, Juciara Gonçalves, Cida Silva, Renata Bastos e Jorge Gouvinhas, meu irmão de fé, amigo incansável, lutador, guerreiro, parceiro do Samba e da alegria, que em nenhum momento permitiu-me desanimar, ainda que os tropeços parecessem barreiras intransponíveis, você sempre esteve ao meu lado, oferecendo seu imenso coração para consolar-me e os braços para me acolher. Às minhas leais amigas que DEUS me presenteou nesta vida: Valéria Morse, Cristina Ruth, Sônia Rezende e a nossa “novinha” Aline Cardoso, pelo apoio incondicional e pela rede de proteção e afetos que temos dia a dia costurado, fortalecido e sido nosso acolhimento. Não esquecendo jamais da alegria que nosso convívio diário nos proporciona, nossas risadas fazem nossos dias serem melhores e 8

mais coloridos, e os desafios, ah, estes não são obstáculos, mas eventos que nos unem mais e mais. Ao meu coorientador Felipe Ferreira, nosso grande Faraó, gratidão pelos conselhos, ensinamentos e pela oportunidade de conhecer, conviver, aprender e adquirir novos amigos, como Antônio Vieira, João Gustavo Melo, Viviane Martins e Leonardo Antan, que reunidos com outros integrantes fazem parte do Laboratório de Arte e Carnaval (LAC), no Instituto de Artes, na UERJ. Não posso deixar de agradecer imensamente ao meu orientador, Roberto Conduru, que aceitou me conduzir na realização deste trabalho, mesmo que fisicamente estivesse distante pelos compromissos assumidos fora do país, sendo um porto seguro, estimulando-me, transmitindo calma e sendo generoso em compartilhar seus conhecimentos e experiências. Por fim, não posso deixar de agradecer a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, equipamento público no qual me graduei no curso de História, fiz o mestrado em Educação e, agora, cumpro a última etapa acadêmica, o doutorado, no Instituto de Artes. Esta universidade prima pelos melhores professores, pela diversidade étnico-racial e pelo espírito comunitário, que foram basilares para minha formação como pessoa e profissional. #UERJRESISTE!

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A missão do ensino educativo é transmitir não o mero saber, mas uma cultura que permita compreender nossa condição e nos ajude a viver, e que favoreça, ao mesmo tempo, um modo de pensar aberto e livre.

Edgar Morin 10

RESUMO

LOPES, Carla Machado. Entre educação e espetáculo: escolas de samba mirins no Rio de Janeiro. 2019. 290f. Tese (Doutorado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

A tese estuda as escolas de samba mirins no Rio de Janeiro desde meados dos anos 1980 até hoje. Inicialmente, é revisto o surgimento das escolas de samba mirins no Rio de Janeiro a partir da criação da escola de samba mirim Império do Futuro, em 1984, bem como os modos anteriores de participação de crianças em escolas de samba, sejam as alas de crianças existentes ao menos desde 1981, a miniescola de samba constituída como uma ala de crianças e incluída no desfile da escola de samba Beija Flor, em 1982, e a escola de samba infanto-juvenil Império das Princesas Negras, um projeto pedagógico da escola da rede municipal de ensino público no bairro Lins de Vasconcelos em 1982. Em seguida, analisamos as formas pelas quais a escola de samba mirim Império do Futuro conseguiu estabelecer-se como modelo representativo identitário de negritude e da cultura das escolas de samba entre seus pares, as escolas de samba. A partir de quatro tipos de escolas de samba mirins, a saber, Alegria da Passarela, primeira reprodução do modelo criado por Careca, fundada por Osmar Valença (1985), com o objetivo de as crianças serem ensinadas a desfilar e ter contato com o público; a Corações Unidos do CIEP (1986), formada por alunos das escolas da rede estadual de ensino existente na Passarela do Samba, com coordenação de Xangô da Mangueira; a escola de samba mirim Flor do Amanhã (1991), fruto de projeto social desenvolvido pelo carnavalesco Joãozinho Trinta. voltado para crianças em situação de vulnerabilidade social; e a Pimpolhos da Grande Rio (2002), que é uma organização não-governamental que tem suas atividades nos campos da arte, da cultura e do carnaval; identificamos os diferentes conceitos e transformações sobre o termo escola de samba mirins e suas transformações no período entre 1984 a 2002, bem como a primeira entidade representativa do grupo, a Liga Independente das Escolas de Samba Mirins (LIESM) e a Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM-Rio), atual interlocutora e responsável pela realização dos desfiles anuais na Passarela do Samba. Por fim, são analisadas as experiências pedagógicas desenvolvidas pelas escolas de samba mirins, que transitam entre os conceitos de tradição e modernidade, as dimensões de conhecimento no ensino das linguagens artísticas, as relações de aprendizagens fora do âmbito da escola de samba mirins e as práticas culturais as quais crianças e adolescentes são imersos - o desfile, desde a concentração até o seu final. Em síntese, as escolas de samba mirins devem ser compreendidas como representações sociais identitárias da cultura das escolas de samba, formando comunidades de aprendizagens e qualificando novos sambistas, gestores e profissionais voltados para a indústria criativa do carnaval carioca.

Palavras-Chave: Escolas de Samba Mirins (RJ). Educação. Artes. Carnaval. Infância e Adolescência.

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ABSTRACT

LOPES, Carla Machado. Between education and performance: mirins samba schools in Rio de Janeiro. 2019. 290f. Tese (Doutorado em Artes) – Instituto de Artes, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.

The thesis studies the samba mirin schools in Rio de Janeiro from the mid 1980s until today. Initially, the emergence of the samba mirim schools in Rio de Janeiro is reviewed from the creation of the Império do Futuro samba mirim school in 1984, as well as the previous modes of participation of children in samba schools, be they the wings of children. existed at least since 1981, the samba mini-school established as a children's wing and included in the parade of the Beija Flor in 1982, and the Império das Princesas Negras children's samba school, a pedagogical project of the school's network public school hall in the Lins de Vasconcelos neighborhood in 1982. Then we analyze the ways in which the Império do Futuro samba school managed to establish itself as a representative identity model of blackness and culture of samba schools among its peers, the samba schools. From four types of junior samba schools, namely Alegria da Passarela, the first reproduction of the model created by Careca, founded by Osmar Valença (1985), with the aim of teaching children how to parade and have contact with the public.; CIEP's United Hearts (1986), made up of students from the state schools of Passarela do Samba, coordinated by Xangô da Mangueira; the little samba school Flor do Amanhã (1991), the result of a social project developed by Carnavalesco Joãozinho Trinta. Aimed at children in socially vulnerable situations; and Pimpolhos da Grande Rio (2002), which is a non-governmental organization that has its activities in the fields of art, culture and carnival; We identified the different concepts and transformations about the term samba mirins school and its transformations from 1984 to 2002, as well as the group's first representative entity, the Independent League of Samba Mirins Schools (LIESM) and the Association of Samba Schools. Mirins of Rio de Janeiro (AESM-Rio), current interlocutor and responsible for holding the annual parades at Passarela do Samba. Finally, we analyze the pedagogical experiences developed by the samba mirins schools, which move between the concepts of tradition and modernity, the dimensions of knowledge in the teaching of artistic languages, the relations of learning outside the samba mirins school and the practices children and adolescents are immersed in - the parade from concentration to its end. In short, the samba mirins schools should be understood as social identity identities of the culture of the samba schools, forming learning communities and qualifying new samba dancers, managers and professionals focused on the creative industry of the carioca carnival.

Keywords: Mirins Samba Schools (RJ). Education. Arts. Carnival. Childhood and Adolescence.

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1- 40 Tabela 2- 45 Tabela 3- 46 Tabela 4- 47 Tabela 5- 47 Tabela 6- 47 Tabela 7- 48 Tabela 8- 126 Tabela 9- 126 Tabela 10- 127 Tabela 11- 199

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1- 49 Figura 2- 57 Figura 3- 61 Figura 4- 63 Figura 5- 64 Figura 6- 76 Figura 7- 76 Figura 8- 80 Figura 9- 80 Figura 10- 85 Figura 11- 89 Figura 12- 91 Figura 13- 94 Figura 14- 100 Figura 15- 111 Figura 16- 137 Figura 17- 137 Figura 18- 138 Figura 19- 138 Figura 20- 141 Figura 21- 144 Figura 22- 145 Figura 23- 145 Figura 24- 146 Figura 25- 148 Figura 26- 173 Figura 27- 174 Figura 28- 177 Figura 29- 182 Figura 30- 187 14

Figura 31- 187 Figura 32- 188 Figura 33- 201 Figura 34- 203 Figura 35- 206 Figura 36- 207 Figura 37- 208 Figura 38- 209 Figura 39- 210 Figura 40- 211 Figura 41- 212 Figura 42- 212 Figura 43- 213 Figura 44- 214 Figura 45- 215 Figura 46- 216 Figura 47- 216 Figura 48- 218 Figura 49- 218 Figura 50 219 Figura 51- 221 Figura 52- 222 Figura 53- 222 Figura 54- 229 Figura 55- 229 Figura 56- 233 Figura 57- 236 Figura 58- 238 Figura 59- 239 Figura 60- 240

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

BNCC Base Nacional Comum Curricular CIEP Centros Integrados de Educação Pública EDKB Escola de Dança Kátia Bezerra AESM-Rio Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro ECA Estatuto da Criança e do Adolescente LIESM Liga Independente das Escolas de Samba Mirim LIESA Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro RIOTUR Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro AESCRJ Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro FLUMINTUR Empresa de Turismo do Estado do Rio de Janeiro, SME/RJ Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro CEMADE Complexo Educacional Avenida dos Desfiles ETC Escola Tia Ciata PEE Programa Especial de Educação IPHAN Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional FAETEC Fundação de Apoio à Escola Técnica GIFE Grupo de Institutos Fundações e Empresas ONG Organização Não-Governamental CBIA Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência UFRJ Universidade Federal do Rio de Janeiro CIBRAZEM Companhia Brasileira de Armazenamento ECO 92 Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente (1992) PSE Plano da Secretaria da Economia Criativa CTC Companhia de Transportes Coletivos do Estado do Rio de Janeiro PTB Partido Trabalhista Brasileiro COB Comitê Olímpico Brasileiro LSN Lei de Segurança Nacional SNI Serviço Nacional de Informações PDT Partido Democrático Trabalhista MDB Movimento Democrático Brasileiro MNUCDR Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial 16

MNU Movimento Negro Unificado GRANES Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba Quilombo AVGESRJ Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância FBCERJ Federação Blocos Carnavalescos do Estado Rio de Janeiro SCDP/RJ Serviço de Censura e Diversões Públicas - Superintendência Regional do Rio de Janeiro CULTNE Acervo Digital de Cultura Negra DEC Distrito de Educação e Cultura MEC Ministério da Educação e Cultura

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 19 1 INVENÇÕES CARNAVALESCAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: ESCOLAS DE SAMBA MIRINS...... 27 1.1 Breve contextualização histórica...... 27 1.2 As primeiras experiências com crianças e escolas de samba como espaços formativos na cidade do Rio de Janeiro...... 37 1.3 Ala ou miniescola de samba seria uma escola de samba mirim?. 42 1.4 Miniescola de samba: o início das escolas de samba mirins?..... 51 1.5 Surge o formato escola de samba mirim: Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Império do Futuro...... 55 1.6 Construindo um sonho: Careca e a escola de samba mirim Império do Futuro...... 60 1.7 Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mirim Império do Futuro...... 67 1.8 O binômio cultura-educação simbolizados na Império do Futuro...... 75 1.9 Império das Princesas Negras: uma escola de samba nascida em um ambiente formal de ensino...... 83 2 CONCEITOS DE ESCOLAS DE SAMBA MIRINS: TRADIÇÃO, MODERNIDADE OU PROJETOS SOCIAIS...... 96 2.1 Alegria da Passarela: o início da multiplicação do modelo escola de samba mirim...... 99 2.2 Corações Unidos do CIEP: educação patrimonial e escola de samba mirim...... 107 2.3 Flor do Amanhã: escola de samba mirim como projeto de inclusão social de crianças em situação vulnerável...... 120 2.4 Pimpolhos da Grande Rio: uma ONG de arte-educação...... 128 18

2.5 Escolas de samba mirins: extrapolando os limites da Passarela do Samba...... 135 2.6 Representações institucionais das escolas de samba mirins: LIESM e AESM-Rio...... 146 2.6.1 Liga Independente das Escolas de Samba Mirim (LIESM)...... 156 2.6.2 Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM–Rio)...... 160 3 APRENDIZAGENS: TRADIÇÃO, ESPETÁCULO E PRÁTICAS CULTURAIS...... 168 3.1 Mestre-sala e porta-bandeira e comissão de frente – relações de aprendizagens fora do âmbito da escola de samba mirim...... 171 3.2 “Abram alas para as Escolas de Samba Mirins” – aprendizagens e práticas culturais...... 197 3.2.1 Desfiles das escolas de samba mirins – Aprendizagens e cultura material...... 204 CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 243 REFERÊNCIAS...... 253 ANEXO A...... 265 APÊNDICE A...... 267

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INTRODUÇÃO

O carnaval carioca tem no desfile das escolas de samba, senão o maior, o mais destacado evento que transcorre durante os dias de folia. De sexta-feira, quando ocorre a abertura oficial da festa momesca em nossa capital, até segunda-feira, vemos estas agremiações desfilando de acordo com os grupos a que pertencem, no palco desses desfiles, a Passarela do Samba (Sambódromo), localizado na rua Marquês de Sapucaí. Para muitos espectadores que assistem a este espetáculo no próprio local, ou mesmo de casa, o fechamento deste ciclo de apresentações ocorre na segunda-feira, restando apenas esperar pelo Desfile das Campeãs, no sábado, logo após a quarta- feira de cinzas. Mas, para tantos outros, e, neste caso, crianças e adolescentes, a maratona dos desfiles de fato se finaliza na terça-feira, no último dia da folia, quando as escolas de samba mirins cruzam o chão da Passarela do Samba como um exemplo de continuidade desta expressiva manifestação artístico-cultural, nascida nos idos de 1980, do século XX, a partir da formação destas novas agremiações. Na abertura oficial do carnaval do ano de 2008, eu estava, junto com uma equipe, dando os primeiros passos do projeto Guardiões da Memória, que documentava a Associação da Velha Guarda do Estado do Rio de Janeiro (AVGESRJ),1 que faria o desfile de abertura dos desfiles das escolas de samba na Passarela do Samba. Logo que encerraram os desfiles dos baluartes do samba, tão fortemente simbólico para o samba e para o carnaval, as senhoras e os senhores integrantes das galerias das velhas guardas se apressaram para se acomodarem no camarote que lhes era reservado, pois em seguida desfilariam as crianças, ou melhor, as escolas de samba mirins. Aquelas senhoras e aqueles senhores vibravam, aplaudiam e saudavam em mais alto som que podiam, prestigiando cada ala, carro alegórico, passista, bateria, enfim, cada uma das agremiações mirins.

1 Ver LOPES, Carla; ARAUJO, George; CONDURU, Roberto (Org.). Guardiões da memória. A Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Outras Letras, 2009. 20

Entendi ali, vi claramente que estava diante de uma grande transmissão de energia que aqueles mais velhos, como griots, guardiões da cultura e personificações das histórias das agremiações recreativas, que dançam e cantam o samba e que fazem o carnaval carioca, faziam aos seus continuadores, ao futuro, como eles próprios assim diziam para mim. Como nesta época estava envolvida no desenvolvimento do projeto Guardiões da Memória, ainda bem no começo das pesquisas e registros, não pude aprofundar- me nesta e em outras questões que dali me vieram à mente. Guardei-as como lembranças, muito embora, insistentemente, tornassem a vir. Deixei para mais adiante um estudo aprofundado sobre tais indagações, o que está sendo possível nesta tese de doutorado. O objetivo principal de nosso trabalho de pesquisa é o de investigar o surgimento das escolas de samba mirins e as ações de estabelecimento deste fenômeno sociocultural e os diferentes processos de transmissão de valores artísticos, culturais e identitários das culturas das escolas de samba, na/para formação das novas gerações de sambistas. Desde 2007, quando o samba carioca e suas matrizes - samba de terreiro, partido-alto e samba-enredo foi reconhecido como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, sendo catalogado no Livro de Registro das Formas de Expressão, do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), e com o projeto Guardiões da Memória em desenvolvimento, passei a aprofundar os estudos sobre processos educativos formais e não-formais, da experiência diaspórica negra no Brasil, especialmente, carnaval, samba e escolas de samba na cidade do Rio de Janeiro. A conquista do registro o samba carioca e suas matrizes - samba de terreiro, partido-alto e samba-enredo foi realizada pelo Centro Cultural , com apoio da Associação das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (AVGESRJ) e da Liga Independente das Escolas de Samba (LIESA), que reuniram uma série de referências históricas, como monografias, teses, livros, vídeos, reportagens, discografia da época e o testemunho de sambistas da velha guarda, como Monarco, Xangô da Mangueira, , para formar o Dossiê das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro2.

2 THEODORO, Helena; et al. Dossiê das Matrizes do samba no Rio de Janeiro. RJ: IPHAN, 2005. 21

Neste dossiê, identificamos as escolas de samba como espaços de aprendizagens, sendo este o primeiro fato que chamou minha atenção para o objeto de pesquisa: escolas de samba mirins. A própria nomenclatura “Grêmio Recreativo Escola de Samba” faz com que imediatamente associemos a essas agremiações a ideia de espaços de desenvolvimento de atividades lúdicas, ligadas ao entretenimento e de processos de ensino e de aprendizagem cultural. Inicialmente, relembrei as conversas com os senhores e senhoras, integrantes da AVGESRJ, realizadas durante entrevistas e/ou contatos próximos, os quais nos relataram como quando ainda crianças, ou no período de suas adolescências, aprenderam a gostar de samba e de desfilarem. Havia uma compreensão de que seus aprendizados se deram de forma natural a partir do convívio com familiares, ou ainda, com pessoas próximas como amigos e vizinhos, no interior de suas residências ou terreiros e quadras dos blocos ou escolas de samba. Esta naturalização deste aprendizado é descrita no próprio Dossiê de Matrizes do Samba como característica das comunidades negras:

Nas comunidades, a transmissão do samba se dá pela oralidade e pela vivência. O aspecto presencial é fundamental. Desde pequenas as crianças das comunidades acompanham seus pais, irmãos e vizinhos às quadras das escolas de samba. Como é sabido, é forte a marca da oralidade na cultura popular: a transmissão do conhecimento se dá longe dos compêndios e do ensino formal. Por isso, a expressão escola de samba se reveste de forte significado, porque é, de fato, um espaço privilegiado de transmissão de saberes e fazeres. Ao mesmo tempo, a cultura afro-brasileira é marcada pelo respeito aos mais velhos, aqueles que sabem mais e, portanto, têm mais a dar3.

Entendendo que as agremiações já seriam espaços de aprendizagem da cultura das escolas de samba e - diante das reminiscências de alguns baluartes - comecei a indagar qual seria a necessidade de se criar um espaço específico para ensinar crianças e adolescentes a sambar e desfilar na avenida. Em princípio, a forma como o fenômeno surgiu na cidade do Rio de Janeiro apresentava-se bastante simplificada, pois na literatura sobre a temática, nas conversas com outros pesquisadores e na pesquisa de campo, havia uma certa unanimidade e o consenso de que: “Foi o Careca (Arandir dos Santos) quem criou a primeira escola de samba mirim, a Império do Futuro”. O pioneirismo da ação do

3 Dossiê das Matrizes do samba no Rio de Janeiro, 2005, p. 86. 22

sambista imperiano Arandir Cardoso dos Santos, o Careca, em 1983, mostrou-se como um dado consolidado entre sambistas, escolas de samba e escolas de samba mirins. Em sendo ele o pioneiro, o que o motivou a criar um espaço somente para crianças e adolescentes? Após um ano de pesquisa, uma nova frase, bastante sutil, começou a me ser dita, por algumas poucas pessoas: “Que nada! A primeira escola mirim foi a Império das Princesas Negras, que desfilava lá no Méier, podes crer!”. Então, não haveria sido Careca o autor de estabelecimento da primeira escola de samba mirim? Em havendo outra escola de samba mirim, quais os motivos para sua criação? Ela surgiu antes ou depois da Império do Futuro? Outro dado instigante foi o de verificar que as agremiações infantis desfilavam no consagrado palco dos desfiles – a Passarela do Samba - já havia alguns anos, tendo um status de valorização e importância como as escolas de samba dos principais grupos das agremiações que desfilam naquele palco: as do grupo especial e as do grupo de acesso. O fato das escolas de samba mirins desfilarem na Passarela do Samba, tendo um dia todo dedicado aos seus desfiles, que, em 2008, ocorria na sexta-feira, antecedendo aos desfiles das escolas de samba adultas, e, a bem da verdade, abrindo a Passarela do Samba para o ciclo de desfiles anuais, também foi uma surpresa demonstrado outro dado a ser analisado. Afinal, como as crianças haviam obtido este privilégio? O espaço é altamente disputado pelas escolas de samba dos demais grupos que existem na cidade do Rio de Janeiro e que desfilavam na Estrada Intendente Magalhães, no bairro de Campinho, zona norte da cidade. O terceiro ponto de nossas indagações e análises recaiu sobre as diferentes constituições das agremiações mirins, que hoje, em 2019, somam 16 entidades mirins que desfilam na Passarela do Samba, e o fato de que este modelo de aprendizagem tornou-se usual fora do âmbito das escolas de samba mirins, sendo identificado como projetos sociais desenvolvidos em comunidades carentes, geralmente, em regiões periféricas da cidade, como estímulo ambiental para aprendizagens e inclusão social dos sujeitos educativos ali presentes. Mas, para entendermos estas mudanças e buscar respostas para nossos questionamentos iniciais, foi preciso investigar as transformações sócio-político- culturais que ocorreram no interior da sociedade brasileira e nas escolas de samba da cidade do Rio de Janeiro, que haviam se iniciado cerca de trinta anos antes, ou seja, 23

na década de 1980, e que foram fatores históricos colaboradores para o surgimento destas agremiações mirins, de acordo com nossa perspectiva de análise. Por último, nossas atenções se focaram na transformação dessas escolas de samba mirins em ambientes de aprendizagens, assumindo, para si, a missão de formar novas gerações, procurando entender as formas de (re)invenções de uma tradição, que até então era compreendida como natural, a partir da convivência intergeracional presente nas quadras das escolas de samba ou em ambientes familiares, passando a ser uma “educação não-formal, realizada fora do sistema oficial de ensino para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos como infantis” (GHANEM; TRILLA, 2008). A partir dessas questões, elaboramos dois pressupostos de nossa tese: o surgimento e estabelecimento das escolas de samba mirins na cidade do Rio de Janeiro e a formação deste grupo que desfruta do privilégio de desfilar na Passarela do Samba, além de suas constituições como comunidades de aprendizagens das culturas das escolas de samba e de qualificação profissional de sambistas e de outros profissionais para inserção no mercado de trabalho da cadeia produtiva do Carnaval carioca (PRESTES FILHO, 2009). Em nossa investigação, nos aproximamos de leituras de teóricos da Análise do Discurso (AD), tomando como principal referencial conceitual Dominique Maingueneau. Esta perspectiva de análise nos auxiliou a identificar, nas falas dos entrevistados e dos sujeitos observados, a presença de polissemias e polifonias com relação ao surgimento, estabelecimento e transformações conceituais sobre as escolas de samba mirins. A prática da “escuta sensível”, que nos serviu como ferramenta de pesquisa da Etnometodologia Multirreferencial, para “[...] compreender a microrrealidade do cotidiano, das crenças, os comportamentos do senso comum, tendo como destaque a linguagem dos sujeitos pesquisados [...]” (BARBOSA; BARBOSA, 2008, p. 240). Informamos que todas as falas aqui reproduzidas foram extraídas de encontros formais e informais e de entrevistas, havendo casos em que alguns optaram por não desejarem serem identificados. As fontes primárias utilizadas foram os arquivos públicos e privados, que se encontram sob a guarda do Arquivo Nacional, a saber: arquivo privado Jotaefegê e Maria Beatriz do Nascimento; e arquivo público do Serviço Nacional de Informações (SNI), conjunto documental que se compõe de cerca de 117 fundos/coleções 24

arquivísticas, com destaque para a Agência Regional do Rio de Janeiro e o Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP) – delegacia do Rio de Janeiro, Como fontes secundárias, utilizamos os periódicos jornais O Globo e Jornal do Brasil, ambos no período de 1980 até 2010; e matérias em sítios eletrônicos, como Carnavalize, Academia do Samba, Corações Unidos do CIEP, Cartilha do Samba, Dentre os diversos autores que utilizamos, destacamos Felipe Ferreira, Roberto Conduru, Helena Theodoro, Maria Beatriz do Nascimento, Jorge Siqueira, Helenise Guimarães, Maria Laura Cavalcanti, Ana Paula Alves Ribeiro, Luis Simas, , John Storei, Walter Benjamin, Stuart Hall, Lívio Sansone, Thomas Skidmore, Moniz Sodré, Renato Noguera, Carlos Feijó, João Gustavo Melo, José Carlos Sebe B. Meily, Fabíola Holanda, , Jô Gondar, Vera Dodebei, Candeia e Isnard, Cristina Tramonte, Izack Dahora, Zilá Bernd, Eric Hobsbawm e Terence Ranger, Marcelo Braz, Augusto Lima, Claude Rivière, Nelson da Nóbrega Fernandes, Elie Ghanem e Jaume Trilla, , Christoph Wulf, Dominique Maingueneau e Sérgio Cabral, os quais foram essenciais para cotejamento e aprofundamento das análises das hipóteses principais da tese e as problematizações delas decorrentes. Dessa forma, o primeiro capítulo, “Invenções carnavalescas e tradições (re)inventadas na cidade do Rio de Janeiro: escolas de samba mirins”, busca identificar o surgimento das escolas de samba mirins na cidade do Rio de Janeiro, na década de 1980, analisando o fenômeno sociocultural como uma tradição (re)inventada dos saberes e fazeres presentes nas culturas das escolas de samba, dialogando com o seu contexto histórico, marcado pelo período da redemocratização brasileira e da reorganização do Movimento Negro Unificado (MNU), que trouxe para as comunidades negras um novo posicionamento frente às desigualdades sociais e conquistas, evidenciando a população negra dentro do cenário político nacional, que na cidade do Rio de Janeiro teve como aliado político o Partido Democrático Trabalhista (PDT). Além de tudo, temos a própria elaboração do modelo escola de samba mirim, que foi criado por Careca, ancorada no binômio educação-cultura e fortemente imbuída dos valores tradicionais existentes nas culturas das escolas de samba, que criou para si e sua escola mirim a narrativa do ineditismo, ou da fenomenalidade do objeto, e sua relação com o social, a sociedade. Essa montagem, fez com que a escola de samba mirim e suas coirmãs deixassem de ser um mero entretenimento juvenil para ser também um produto social educativo. 25

As questões levantadas pelo Movimento Negro e sua ação discursiva, naquele momento, traziam a valorização das culturas negras e a necessidade para estas populações da preservação identitária cultural, o que proporcionou a Careca e seu empreendimento, a escola de samba mirim Império do Futuro, se estabelecerem como pioneiros dentro dos espaços das escolas de samba, por se configurarem como representação étnico-racial, considerada autêntica e de negritude, que lhes trouxe reputação entre ativistas, militantes, bem como para uma parte da comunidade de sambistas que partilhavam deste entendimento. O segundo capítulo intitulado “Conceitos de escolas de samba mirins: tradição, modernidade ou projetos sociais” traz como questão central a apresentação do objeto da pesquisa, as escolas de samba mirins, que desfilam na Passarela do samba, suas diferentes constituições e, por conseguinte, mudanças conceituais e institucionalização, que por meio da composição de entidades representativas de interesse em comum, que inicialmente com a Liga das Escolas de Samba Mirins (LIESM), em 1988, esteve focada na organização de seus desfiles, e a Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM-Rio), em 2002, que para além da organização dos desfiles trouxe para estas agremiações mirins a absorção do conceito de projetos sociais. Com o advento da AESM-Rio, as escolas de samba mirins passaram a adotar o perfil conceitual de projetos sociais, cujas características são expressas no estatuto social da própria Associação, que de acordo com a Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO):

[...] é um plano ou um esforço solidário que tem como objetivo melhorar um ou mais aspectos de uma sociedade. Estas iniciativas potenciam a cidadania e consciência social dos indivíduos, envolvendo-os na construção de um futuro melhor. (FLACSO, s.d, p. 5).

Esta mudança conceitual sobre as escolas de samba mirins as adequaram para os novos tempos de predomínio de ações políticas públicas implementadas pelas diferentes instâncias governamentais e pelo chamado Terceiro Setor, organizações sem fins lucrativos de origem privada, como Organizações Não-governamentais, sindicatos, associações de moradores, fundações etc. Inserindo-se, neste espaço, o grupo inicial se ampliou bem próximo da configuração atual ao desenvolver ações sociais em seus territórios de pertencimento. 26

Nesse sentido, foi fundamental a parceria com a prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, que - por meio das capilaridades locais das agremiações carnavalescas infanto-juvenis - implementou o projeto Célula Cultural em regiões de altos índices de desigualdades sociais e violência local. Investidas desse novo formato, as escolas de samba mirins se consolidaram como instituições desenvolvedoras de projetos socioeducativos, adquirindo respeitabilidade e impulsionando novas formações desse modelo, não somente no campo das escolas de samba como fora delas. Este é um momento de transbordamento do fenômeno sociocultural. O terceiro e último capítulo “Aprendizagens: tradição, modernidade e práticas culturais” analisa os processos de aprendizagens e práticas culturais da cultura desenvolvidos nas escolas de samba mirins, como comunidades de aprendizagens que têm como parâmetro modelar as escolas de samba, permeados pelos conceitos de tradição e modernidade em suas práticas culturais. Tendo como uma de nossas bases metodológicas a etnografia dos espaços educativos, esta tese objetiva, por meio de relatos, investigar e aprofundar o olhar sobre as diferentes formas de apropriação que os sujeitos educativos envolvidos têm sobre as escolas de samba mirins, “[...] possibilitando espaços de discussão quanto às interfaces dos processos de ensino e às dimensões de aprendizagem e, assim, consolidando marcos de referência nessa área [...]” (PIERRO, 2009, p. 101), e buscando dar conta da “intensidade, organicidade e dinamicidade” (PIERRO, 2009, p. 102) das experiências redimensionando o fenômeno escolas de samba mirins.

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1 INVENÇÕES CARNAVALESCAS NA CIDADE DO RIO DE JANEIRO: ESCOLAS DE SAMBA MIRINS

… E essa juventude que começa a caminhar será a Velha Guarda de amanhã... (Dicró. Velha Guarda)

1.1 Breve contextualização histórica

No período da Ditadura civil-militar (1964-1985), a sociedade brasileira vivenciou a resistência armada de grupos contrários ao regime totalitário; houve a supressão dos partidos políticos de esquerda; cultura e arte foram severamente monitoradas e vigiadas; estudantes, intelectuais, artistas e lideranças políticas que faziam parte da resistência ao estabelecimento do novo regime foram presos, sendo que alguns “desapareceram” nos porões dos quartéis. Desde 1967, o país viveu sob o domínio da Lei de Segurança Nacional (LSN), instrumento jurídico-legal utilizado para perseguir todos aqueles que fossem contrários ao regime vigente, ou melhor, que se opusessem a ele. Junto à LSN, o Estado brasileiro implantou uma rede capilar de órgãos de informação e contrainformação que formaram o Serviço Nacional de Informações (SNI). De posse dos relatórios de monitoramento e vigilância e do instrumento jurídico-legal, a LSN, a perseguição às lideranças políticas, como o ex-presidente Juscelino Kubitschek; jornalistas, como Wladimir Herzog; e artistas, como , , foram constantes, o que levou muitos militantes a forçosamente se exilarem ou serem exilados pelo Estado brasileiro. Durante o último governo militar, o do general João Figueiredo (1978-1985), houve o esgotamento do regime militar, com a grave crise econômica que assolou o país. A inflação e a dívida externa dispararam e a população vivenciou um período de forte arrocho salarial. Ao mesmo tempo, os partidos políticos de oposição iniciaram um processo de protestos e de fortalecimento de movimentos sociais pelo retorno à democracia. 28

Em 1983, ficaram em evidência partidos políticos representantes de diferentes partidos oposicionistas, dentre eles, o Partido Democrático Trabalhista (PDT), liderado por Leonel de Moura Brizola, identificado com a “socialdemocracia europeia e com amplas bases no Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul” (SILVA, 1990, p. 375), e o Partido dos Trabalhadores (PT), tendo como base o “sindicalismo independente, particularmente de São Paulo, católicos progressistas, socialistas e diversos grupos da esquerda não-reformista” (SILVA, 1990, p. 375). Assim como vale ressaltar as ações populares pelas quais o Brasil passou, neste período, agitando todo o país. Sociedade civil, artistas e intelectuais promoveram comícios e passeatas formando um movimento popular denominado Diretas Já, cujo objetivo era a retomada das eleições para a presidência da República. O governo do general Figueiredo teve como um de seus pontos altos a Anistia Política (Lei nº 6.683, de 28/08/1979) e as alterações na legislação partidária, o que permitiu nova organização dos partidos políticos, quebrando o monopólio do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), o qual se desintegrou em outros por uma fase de transição para se efetivar o processo eleitoral de escolha para a presidência, na qual o Colégio Eleitoral, sob a vigência da Constituição Brasileira de 1967, formado por parlamentares do Congresso Nacional, em processo de eleições indiretas, elegeram o governador do estado de Minas Gerais, Tancredo Neves, candidato pela Aliança Democrática, para a presidência do país, tendo como vice-presidente o senador José Sarney, pelo partido da Frente Liberal, em 15 de janeiro de 1985. Mas Tancredo Neves não conseguiu tomar posse do cargo, pois adoeceu e veio a falecer em 21 de abril do mesmo ano. O então vice-presidente, José Sarney, que era interino, após sua morte, foi declarado oficialmente presidente da República, iniciando o processo de Redemocratização, que se consolidou com a promulgação da Constituição Brasileira de 1988, em 5 de outubro de 1988, chamada também de “Constituição Cidadã”, por adotar a concepção do Estado democrático de direito, que trouxe o conceito de cidadania, de forma ampliada, para o da dignidade da pessoa humana, por atrair “conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida” (SILVA, 2008, p. 13). Essas características são fundamentais pela garantia constitucional de asseguramento da justiça social e do compromisso político de eliminação das desigualdades sociais. A referida característica “cidadã” da Constituição Brasileira de 1988 é resultado efetivo das bandeiras de lutas empreendidas pelos movimentos sociais, que - 29

“catalisando o esforço de inúmeras gerações de brasileiros contra o autoritarismo, a exclusão social e o patrimonialismo” (BARROSO, 2008, p. 23) - garantiram constitucionalmente os direitos humanos, direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais dos cidadãos. A repressão vivenciada pelos movimentos sociais durante os anos iniciais do estabelecimento do regime militar no país foi pouco a pouco sendo ampliada com a retomada, em nível nacional, dos debates e manifestações pelas ruas das grandes metrópoles, por mulheres, educadores, homossexuais, indígenas e negros, que exigiam o retorno do país à democracia, a efetiva justiça social e a eliminação das desigualdades sociais. Essa efervescência política foi relevante para a (re)construção dos diferentes segmentos sociais, em face das violações dos direitos humanos, as quais estavam submetidos, e nas ações reivindicativas do pleno exercício da cidadania no país. Dentre os grupos que voltaram à cena política, ou que se reorganizaram, destacamos o Movimento Negro4, o qual julgamos fundamental para nossas análises sobre escolas de samba e escolas de samba mirins. Em 1978, emerge uma nova entidade com atuação em âmbito nacional – o Movimento Negro Unificado Contra a Discriminação Racial (MNUCDR)5, lembrando os anos de atuação da Frente Negra Brasileira6 (FBN), muito embora não tenha conseguido a centralização de todas as instituições e coletivos negros, como fora a própria FBN, dada a pluralidade existente entre os grupos. O Movimento Negro Unificado (MNU) desafiou o Estado ao se posicionar contra o regime militar por via das lutas antirracistas que foram protagonizadas por seus militantes e ativistas. Sob a influência de movimentos políticos, artísticos e culturais e o Pan- africanismo7, o MNU colocava na pauta das discussões o combate ao preconceito e

4 De acordo com LOPES (2017, p. 251), em 1988, existiam 573 grupos catalogados, conforme levantamento do Instituto de Estudos da Religião (Iser), publicado em 1988, com o título Catálogo de entidades do movimento negro no Brasil, e que foi elaborado com o auxílio de vários integrantes. 5 “No seu 1º Congresso, o MNUCDR conseguiu reunir delegados de vários estados. Como a luta prioritária do movimento era contra a discriminação racial, seu nome foi simplificado para Movimento Negro Unificado (MNU).” (DOMINGUES, 2007, p.114) 6 Sobre a atuação da Frente Negra Brasileira (FBN), ver artigo de Arilson dos Santos Gomes “Oásis e desertos no Brasil: da Frente Negra Brasileira aos congressos nacionais sobre a temática afro- brasileira e negra.”. Acervo, Rio de Janeiro, v. 22, nº 2, jul/dez 2009, p. 131-146. 7 Sobre o movimento Pan-africanismo Abdias Nascimento, em seu pronunciamento como senador, em 06/06/1997, assim o resume: “O pan-africanismo é a teoria e a prática da unidade essencial do mundo africano. Não há nenhuma conotação racista, nessa unidade, que se baseia não em critérios superficiais, como a cor da pele, mas na comunidade dos fatos históricos, na comunidade da herança cultural e na identidade de destino em face do capitalismo, do imperialismo e do colonialismo. O pan- 30

ao racismo, a valorização das culturas de matrizes africanas e a promoção da Igualdade Racial. Em termos econômicos, na década de 1970, identificada como o período do “milagre econômico” (SKIDMORE, 2003), a pobreza no país perfazia um total de 49% de toda a população. Em 1980, o citado número reduziu a 43% do total populacional brasileiro, contudo a queda do índice não é demonstrativa de melhoria expressiva nas condições de vida, mas do aumento populacional. Além do aumento demográfico, por conta da precariedade de vida, houve um movimento de deslocamento de cidadãos, das áreas rurais para as urbanas, na busca por melhoria de condições de vida, o que provocou colapsos sociais, aumentando as desigualdades sociais nas grandes capitais do país (SANTAGADA, 1990). No campo educacional, o país, o estado e a cidade do Rio de Janeiro estavam diante de uma grave crise no processo de escolarização da população, quando, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), na década de 1970, o analfabetismo de pessoas de 15 anos ou mais de idade no país era de 33,6% do total da população Na mesma década, a taxa líquida de escolaridade no país era de 80,1% de alunos no ensino fundamental e de 14,3% de alunos no ensino médio matriculados. Contudo, em 1982, o país tinha 76,2%8 desses alunos das redes de ensino na condição de distorção idade/série, ou seja, com - pelo menos - mais de 2 anos de atraso escolar. Neste recorte, procuramos transparecer os problemas vivenciados pela infância e adolescência brasileira, que estando fora das salas de aulas, ou, em situação de não finalização da educação básica, engrossavam as fileiras daqueles, denominados à época, de “menores carentes, meninos de rua ou menores abandonados”, encontrando-se em situação de vulnerabilidade.

africanismo reivindica a unidade do Continente Africano e a aliança concreta e progressista com a diáspora unida, que incorpora populações asiáticas, como os dravídicos da Índia e os aborígenes australianos, saídos do Continente Africano há dezenas de milhares de anos. E também a nova diáspora negra na Europa, constituída, fundamentalmente nos últimos 30 anos, pela migração procedente da África e do Caribe.”. NASCIMENTO, Abdias. Pronunciamento no Senado Federal em 05/06/1997. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/pronunciamentos/- /p/texto/206794>. Acesso em: 5 jan. 2019. 8 Todos os percentuais aqui demonstrados foram extraídos das séries estatísticas e históricas, referentes à educação, do sítio eletrônico do IBGE, para os anos 1980-1990. Disponível em: < https://seriesestatisticas.ibge.gov.br/lista_tema.aspx?op=0&no=1>. Acesso em: 10 jan. 2019. 31

A má formação dos professores, o conteúdo disciplinar distante da vivência cotidiana dos alunos da educação básica e as faltas de criatividade e criticidade dos processos pedagógicos eram alguns dos problemas levantados por secretários municipais e estaduais de educação e de pesquisadores, como Zaia Brandão9, que expunham estes fatores e as falhas como demonstrativos da falta de qualidade da educação no país como um todo (JORNAL DO BRASIL – 20/01/1980). Durante o período do regime militar, o engajamento de artistas esteve presente nas lutas democráticas fazendo frente ao regime de repressão e censura instalado, sendo por conta disto constantemente monitorados pelos órgãos integrantes do SNI, assim como as expressões culturais populares, como as escolas de samba. A partir das décadas de 1960-1970, as escolas de samba do Rio de Janeiro passaram por transformações que refletiam as tensões existentes entre os conceitos de tradição e modernidade, muito embora a expressão cultural popular tivesse bem pouco tempo de existência, cerca de 40 anos, para que se reivindicasse e/ou se exigisse a manutenção de uma tradição. Os debates sobre a manutenção de suas tradições e o excessivo uso de inovações, aqui compreendidas por nós como modernidades10, geraram apreensões diante das possíveis perdas de suas autenticidades. Oscilando entre o apoio ao regime militar, utilizando-se sambas de apelo nacional e contestando a moralidade e nacionalidades impostas pelo governo, as escolas de samba foram se tornando um produto cultural de grande alcance mercadológico. Vários fatores internos e externos contribuíram para esta nova condição. As alterações estéticas atraíam cada vez mais pessoas oriundas da classe média (FERREIRA, 2004) para estas agremiações, a utilização de novas formas e materiais em fantasias e alegorias trazia cada vez mais luxo ao espetáculo, projetando-as na indústria do entretenimento. Todo este movimento levou a uma

9 Professora Emérita (2015) Titular da PUC-Rio. Mestrado e doutorado em educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992). Especialização em Sociologia no IUPERJ. Criou o SOCED (Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação). Desenvolveu durante cerca de duas décadas pesquisas sobre a escola básica (1º segmento do ensino fundamental) e condições da escolaridade das camadas populares. Disponível em: . Acesso em: 6 jan. 2019. 10 A modernidade implica inovações que consagram o desfile carnavalesco como espetáculo, dando- lhe visibilidade social, dentro e fora do país, e participação no mercado de consumo da cultura, que, em 1984, será marcado pela espetacularização e a entrada definitiva das escolas de samba dentro do sistema da economia criativa cultural no estado do Rio de Janeiro. 32

valorização e implosão destas agremiações, que muitas das vezes passaram a desfilar com até 6.000 integrantes. Outro aspecto denotativo desta mudança se deu nos espaços físicos das sedes – as quadras, que inicialmente eram relativamente pequenas, de terra batida, sem cobertura, foram ampliadas para dar vazão a um número cada vez maior de pessoas que passaram a frequentar estes espaços para dançar e cantar os sambas e conviver com esta cultura. A entrada nestes espaços passou a ser paga, aliás, desde 1961, escolas como Portela e Mangueira cobravam ingressos ao público para assistirem seus ensaios em suas quadras (CABRAL, 2011). De acordo com Sérgio Cabral (2011), algumas escolas de samba, como a Portela, a Acadêmicos do Salgueiro e a Mangueira, ainda que permanecendo localizadas em seus bairros de origem, ou em bairros próximos, viram a necessidade de transferência de suas sedes para espaços maiores para oferecer uma infraestrutura melhor a este novo público que adentrava as quadras: a classe média carioca. É assim que, em 1972, a sede do G.R.E.S Portela - “Portelinha”11, que está localizada até hoje na Estrada da Portela, número 406, em Madureira, fazendo divisa com o bairro de Oswaldo Cruz, foi transferida para uma antiga garagem de ônibus, localizada na rua Clara Nunes, 81, tendo sido inaugurado o “Portelão”, tornando-se sua sede oficial. Seguindo esta trajetória, também no mesmo ano, o G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, em 07 de abril, celebrou sua nova sede, o “Palácio do Samba”, no morro da Mangueira. No dia 03 de outubro de 1976, a Acadêmicos do Salgueiro passou sua sede para a rua Sílvia Telles, no Andaraí, saindo do morro do Salgueiro, descendo para o asfalto.12 Todo este crescimento físico serviu para dar melhores acomodações para o público que se mostrava cada vez mais interessado na expressão cultural popular, contudo este crescimento provocou a perda do espírito comunitário, marca das

11 A Portelinha tem sido utilizada como espaço para atividades culturais promovidas pela velha guarda da Portela, como ambiente de aulas de mestre-sala e porta-bandeira, que são ministradas pela ONG Madureira, Canta, Toca e Dança, de mestre Waldir Gallo e D. Estelita Silva e durante um curto período foi também a sede da Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, criada em 1983, até o ano de 1987, quando adquiriu sede própria, situada na avenida Dom Hélder Câmara, nº 8144 - Piedade, Rio de Janeiro (ARAUJO; LOPES; CONDURU, 2009) 12Todos os detalhamentos sobre as alterações físicas das quadras das escolas de samba foram complementados nos sites destas agremiações, a saber: http://www.gresportela.org.br/; http://www.salgueiro.com.br/; e http://www.mangueira.com.br/. 33

escolas de samba em seus territórios como equipamento cultural aglutinador dos moradores, conforme observado por Hiram Araújo13 (JORNAL DO BRASIL – 17/02/1980). De acordo com as palavras de Rubem Confete, sambista e jornalista, a experiência de Candeia (Antonio Candeia Filho) com a criação da escola de samba Grêmio Recreativo de Arte Negra e Escola de Samba (GRANES) Quilombo, em 1978, seguiu movimento contrário, valorizando a comunidade. Portanto, para ele, era preciso retomar esta proposta e “revalorizar os temas e costumes nacionalistas, partindo-se do reensino, da reeducação, da orientação da criança para o seu folclore, a música popular, sua cultura. E dentro dela o samba puro e espontâneo” (JORNAL DO BRASIL, 17/02/1980). Entre os anos de 1970 e 1980, as velhas guardas14 das escolas de samba também se sentiram abaladas e desprestigiadas diante das tensões entre tradição e modernidade, um fator significativo foi a criação de uma entidade representativa para o grupo, o que ocorreu em 1983, com a fundação da Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (AVGESRJ). A criação da instituição buscava manter o grupo unido, dar sentido às suas existências, enquanto baluartes das escolas de samba e resistir a qualquer possibilidade de sua extinção devido às mudanças. A principal delas diz respeito à formação das comissões de frente, que eram compostas por integrantes da velha guarda. Desde a década de 1960, estas comissões vinham apresentando modificações, que fizeram com que este grupo buscasse formas de defender sua posição em meio às transformações. Em 1965, no carnaval do IV Centenário, o carnavalesco Fernando Pamplona, estando à frente do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, inovou neste quesito trazendo a comissão de

13 Hiram Araújo – médico, escritor e pesquisador de carnaval, tendo exercido o cargo de diretor cultural da LIESA, entre os anos de 2001 a 2017, sendo fundador do Centro de Memória do Carnaval desta instituição. 14 Uma velha guarda de uma escola é formada por seus fundadores e seus membros mais antigos e experientes, que viveram e fizeram a história da agremiação, e representam suas tradições, até a década de 1970, este grupo compunha a comissão de frente das escolas de samba em seus desfiles, praticamente desde a fundação das escolas de samba. Não havia coreografia de dança, o grupo caminhava de forma lenta, os homens vinham vestidos de terno, gravata, camisa, colete, sapatos e chapéus, rigorosamente idênticos, no antebraço, o galhardete com as cores e o nome da agremiação. Elegantes e serenos, na frente do júri e das autoridades, em certos trechos do percurso, seus membros retiravam o chapéu e, em breve curvatura, realizavam a saudação. Caminhavam na horizontal e, por vezes, adotavam a formação vertical na pista, para dirigir-se de um lado a outro. (ARAÚJO; LOPES; CONDURU; 2009, p.18-19). 34

frente adaptada ao enredo apresentado pela escola de samba, ao invés dos usuais baluartes das escolas de samba, vieram rapazes com as burrinhas criadas pelo auxiliar do carnavalesco, Joãosinho Trinta. Na década de 1970, as mulheres passaram também a ocupar este espaço restrito aos homens, dando provas da força da telecomunicação, explorando a sensualidade feminina nas imagens televisionadas, e também do movimento feminista, que - pregando a igualdade dos sexos - trazia mulheres ocupando espaços outrora exclusivos da presença masculina (CORRÊA, 2011, p. 230). Ainda na mesma década, em 1978, o G.R.E.S decidiu compor sua comissão com jovens negros atletas, coordenados por Alcir Portela, jogador do Vasco da Gama (ARAUJO; LOPES; CONDURU, 2009, p. 18), depois disso, vieram dançarinos e cenógrafos que ao longo do tempo eliminaram seus protagonistas da honra de apresentarem suas respectivas escolas de samba, “a figura dos atores sociais da chamada velha guarda e cedendo espaço para a expressão artística” (CORRÊA, 2011, p. 237), fazendo com que a tradição fosse pouco a pouco sendo substituída por performances e por tantas outras inovações, as chamadas modernidades. Se para alguns sambistas, como Rubem Confete, e pesquisadores, como Hiram Araújo, estas perdas eram significativas para as escolas de samba, é preciso também verificar que elas são provas de como estas instituições “haviam tido sucesso em negociar significados e formas de modo a manter sua tradicionalidade em novos modos de expressão” (FERREIRA, 2012, p. 176), não devendo ser consideradas como perda de tradições em detrimento das inovações, mas formas de encontros culturais que provocam adaptações ou interculturalidades (BURKE, 2011) dentro da cultura popular. A presença da telecomunicação, com um alcance populacional maior a partir de 1970, com a presença de diferentes emissoras de televisão, como a TV Continental, TV Tupi e TV Globo, dentre elas, muito impulsionou os desfiles das escolas de samba atraindo o público para este tipo de programação. Estima-se que havia um público de 25 milhões de potenciais telespectadores, em 1970, passando, na década seguinte, para 80 milhões (CUNHA, 2009, p. 4). O alcance do potencial público em muito dependia da qualidade das imagens transmitidas, bem como do visual apresentado para a conquista deste mesmo público. O aumento de inovações tecnológicas nos desfiles foi intenso e a figura do carnavalesco, profissional que coordenava estas inovações, foi ganhando espaço cada vez maior dentro das escolas 35

de samba. A transmissão dos desfiles pelos canais televisivos também se mostrou como outra forma de renda para as escolas de samba, assim como a produção e venda dos discos de samba de enredo. Dessa forma, as adaptações (inovações) se provaram como palpável retorno e sedimentaram o estabelecimento dessas modernidades como novas tradições, se trouxermos nossos olhares para os dias de hoje. Em 1980, os sambas de enredo também passaram por modificações, algumas dessas agremiações carnavalescas apresentaram algumas letras tendo caráter de crítica política, o que não foi bem recebido pelo SNI, que reconheceu, na maioria dos casos, como de atuação de grupos comunistas dentro das escolas de samba. A associação de oposição ao regime militar com a prática e disseminação ideológica do comunismo era muito utilizada pelos agentes dos órgãos de vigilância como forma de legitimação de sua atuação coercitiva e de monitoramento das manifestações sociais. Um exemplo desse tipo de ocorrência foi o caso do enredo do G.R.E.S. , em 1981, “Macaobeba, o que dá pra rir dá pra chorar”, que narra a história do herói caboclo Mitavaí contra o monstro estrangeiro Macobeba. Em detalhado parecer emitido pelo Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA)15, o agente público que analisou a letra do samba de enredo considerou o “uso da micropoética folclórica proveniente de intelectuais comunistas”, pois em sua compreensão o herói nacional Mitavaí simbolizaria o povo brasileiro, contra o monstro Macaobeba, que representaria as multinacionais (Arquivo Nacional. 1981)16. Para o agente, a letra do samba de enredo era uma crítica flagrante ao regime militar e a escola de samba vista como um novo espaço de veiculação de mensagens ideológicas contrárias ao governo estabelecido. É diante deste panorama político, econômico, educacional e cultural que o estado e a cidade do Rio de Janeiro passariam por transformações políticas, econômicas, educacionais e culturais a partir de 1982, que incidirão sobre a cultura das escolas de samba e propiciarão o surgimento do fenômeno sociocultural denominado escolas de samba mirins.

15 O Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (CISA) foi criado em 1970 e de acordo com artigo “Movimento Negro e ditadura civil-militar: muitas questões com poucas respostas, de Lopes (2017), no estado do Rio de Janeiro, era o principal órgão de monitoramento das ações das comunidades negras, entidades e coletivos do Movimento Negro. 16 CISA. Código de referência: BR DFANBSB V8.MIC, GNC.AAA.81014047). 36

O retorno do político Leonel de Moura Brizola para o país, em 1979, e a fundação do PDT fizeram com que ele se candidatasse ao governo do estado, tendo o antropólogo Darcy Ribeiro, como vice-presidente. A eleição foi vitoriosa, sagrando- os vencedores nas eleições de 1982. Esta primeira gestão de Leonel Brizola foi sintomática para o estado e a cidade, principalmente, nos campos da educação, cultura, escolas de samba e do Movimento Negro. Não havendo eleições para prefeito na cidade, o cargo era ocupado por indicação do governador e, assim, o PDT conseguiu também ter a gestão da cidade do Rio de Janeiro. A emblemática figura de Leonel Brizola, com seu cunho populista, estabeleceu-se nas duas esferas de poder administrativo. A prefeitura da cidade foi inicialmente ocupada por Jamil Haddad, que exerceu esta função por oito meses, sendo em seguida substituído por Marcelo Allencar, em cinco de dezembro de 1983, que finalizou o mandato. As articulações e estratégias das políticas públicas implementadas por Leonel Brizola tiveram como destaques: a construção do Sambódromo e dos Centros Integrados de Educação Pública (CIEP), escolas em horário integral com assistência médico-odontológica e com proposta educacional influenciada por educadores, como Anísio Teixeira, um dos precursores do movimento Escola Nova (ARRUDA, 2006), cujo princípio educacional “é a pessoa integral, constituída não só da razão, mas de sentimentos, emoções e ação” (ARRUDA, 2006, p. 226), e Paulo Freire, que desenvolveu métodos educacionais que concebiam a educação como “ato de conhecimento, uma aproximação crítica da realidade” (FREIRE, 1980, p. 25). Essas unidades escolares tinham a intenção de promover uma integração entre estudo disciplinar, artes e cultura, no intuito de trazer os alunos para a escola formal e mantê- los combatendo a evasão escolar, além de propiciar uma escolarização conectada ao seu cotidiano, fazendo deles protagonistas no processo de escolarização. Será a partir da eleição e posse do governo de estado do Rio de Janeiro, por Leonel Brizola e Darcy Ribeiro, em 1982, durante sua gestão, que identificamos uma configuração de forças e discursos políticos que tornaram favorável o surgimento do fenômeno sociocultural escolas de samba mirins, em nossa cidade.

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1.2 As primeiras experiências com crianças e escolas de samba como espaços formativos na cidade do Rio de Janeiro

No início da década de 1980, existiram experiências com crianças tendo como modelo de aprendizagem a cultura das escolas de samba, que consideramos como marco para o surgimento do fenômeno sociocultural escolas de samba mirins, na cidade do Rio de Janeiro. Estas agremiações surgiram como uma nova prática discursiva representacional (HALL, 2016, p. 27) das escolas de samba, ou ainda, uma invenção, que - conforme demonstramos nesta tese - se tornará uma tradição no tocante à formação de novas gerações de sambistas. Entendemos que essas práticas discursivas representacionais:

[...] são maneiras de se referir a um determinado tópico da prática ou sobre ele construir conhecimento: um conjunto (ou constituição) de ideias, imagens e práticas que suscitam variedades no falar, formas de conhecimento e condutas relacionadas a um tema particular, atividades social ou lugar institucional na sociedade. (...) Assim, “discursiva” se tornou o termo geral utilizado para fazer referência a qualquer abordagem em que o sentido, a representação e a cultura são elementos considerados constitutivos. (HALL, 2016, p. 26).

As experiências que envolveram crianças, adolescentes e cultura das escolas de samba consolidaram as escolas de samba como espaços culturais educativos não- formais e simbolizaram sua cultura e desfiles como bens patrimoniais material e imaterial formativos de continuadores – as novas gerações de sambistas, bem como atividades de aprendizagens promotoras de inclusão social. A primeira delas ocorreu em fevereiro de 1982, no desfile do G.R.E.S. Beija- Flor de Nilópolis. O carnavalesco Joãozinho Trinta fez da ala das crianças daquela agremiação uma reprodução de uma escola de samba, cujo número de componentes foi de 400 crianças e adolescentes, quantitativo bastante elevado para a época, e mesmo atualmente, já que há certa padronização de, no máximo, 100 crianças neste tipo de ala17, pelo menos nas escolas de samba do chamado Grupo Especial, as quais têm a LIESA como sua representante jurídica.

17 Dados levantados a partir de análises dos cadernos Abre-alas das escolas de samba do Grupo Especial, entre os anos de 2015 a 2019, disponibilizado no sítio eletrônico da LIESA. 38

Em agosto de 1983, Arandir Cardoso dos Santos o Careca18, sambista do G.R.E.S. Império Serrano, fundou oficialmente a escola de samba mirim Império do Futuro, no morro da Serrinha, Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. No ano seguinte, no domingo, antecedendo as escolas de samba adultas do Grupo 1A19, que desfilaram naquele dia20, assim a agremiação mirim teve o privilégio de desfilar no novo palco de exibição dos desfiles das agremiações carnavalescas – a Passarela do Samba ou Sambódromo. Em dezembro de 1983, foi realizado o desfile da primeira escola de samba infantojuvenil na cidade do Rio de Janeiro, a Império das Princesas Negras. A escola de samba mirim resultou da realização de um projeto pedagógico desenvolvido por professores, psicólogos, animadores culturais e artistas na escola municipal Ministro Gama Filho, localizada no Complexo do Lins21, no bairro do Méier. No ano de 1984, a escola de samba infantojuvenil realizou seu segundo e último desfile. Ambos os desfiles ocorreram no mês de dezembro, por ser o mês de sua culminância ou finalização do projeto pedagógico, sendo este o momento de apresentação das atividades desenvolvidas ao longo de sua execução. O desfile de 1983 partiu da rua Eufrásio Borges, local de estabelecimento da unidade escolar, percorrendo as ruas de entorno e parte do bairro do Méier, sendo finalizado na rua Cônego Tobias, na escola municipal Bento Ribeiro, local onde a Sociedade Recreativa (G.R.E.S.) Escola de Samba Lins Imperial batizou a escola de samba infanto-juvenil22. No ano de 1984, o percurso foi praticamente o mesmo, tendo sua finalização ocorrida na própria unidade escolar.

18Arandir Cardoso dos Santos pertence a uma das famílias fundadoras do G.R.E.S Império Serrano, no Morro da Serrinha, na Zona Norte da cidade do Rio de Janeiro. Ao longo de sua trajetória no samba, criou inovações, como o grupo “Os Pelés do samba”, junto com Jorginho do Império e Jamelão do Império, que, em 1963, tornou-se a ala coreografada “Sente o drama” e fundou a primeira escola de samba mirim do Rio, a Império do Futuro. (ARAÚJO, 2015). Neste trabalho, utilizaremos o codinome do sambista Arandir Cardoso dos Santos, Careca. 19 O grupo 1A era composto das escolas de samba Portela, Império Serrano, , Acadêmicos do Salgueiro, União da Ilha, Império da Tijuca, Unidos da Tijuca, Estação Primeira de Mangueira, Mocidade Independente, Beija-Flor, Imperatriz Leopoldinense, Unidos de , Estácio de Sá e Unidos da Ponte. 20 Esclarecemos que este formato do desfile em dois dias seguidos para o Grupo 1A é mantido até o presente momento. 21 Extenso complexo de favelas que se estende pelos bairros do Engenho Novo, Lins de Vasconcelos e Engenho de Dentro, ocupando as encostas ao longo da estrada Grajaú-Jacarepaguá e Serra dos Pretos Forros 22 É um ritual comum entre as escolas de samba a realização do ritual de batismo, momento em que uma escola mais antiga apadrinha a mais nova ou mesmo uma ala. Com relação a este, rito ver BLASS, Vera. A dimensão pedagógica da Embaixada do Samba. Revista eletrônica ponto-e-vírgula, n°10: 46-56, 2011. Disponível em:< https://revistas.pucsp.br/pontoevirgula/issue/view/948/showToc>. Acesso em 20 set. 2019. 39

Entendemos que as três experiências são distintas, mas identificamos que o ponto de convergência entre as mesmas é a utilização do modelo escolas de samba, com constituição exclusiva de crianças e adolescentes, como protagonizadores e aprendizes promovendo a socialização deste grupo por meio da cultura. Nesse sentido, houve a inovação e renovação da prática discursiva representacional desta expressão cultural popular, ao mesmo tempo que uma renovação identitária da própria expressão por meio de criação de uma nova categoria esquemática: crianças – educação – samba. Salientamos que em todas as experiências nenhum adulto desfilou com elas, mas coordenaram e orientaram as ações desenvolvidas pelas crianças nas exibições das três experiências, havendo a intencionalidade de demonstrar e evidenciar o viés democrático e educativo das ações realizadas ao apresentar crianças e adolescentes como sujeitos ativos dos processos de aprendizagens ali vivenciados. Dessa forma, acreditamos que as três experiências nos fornecem elementos para compreendermos o surgimento e estabelecimento do fenômeno sociocultural Escolas de Samba Mirins como um desdobramento do modelo escola de samba, voltado para o fortalecimento discursivo de preservação artística das culturas negras formadoras do samba e da cultura das escolas de samba, tornando-se uma prática discursiva representacional (HALL, 2016) dos valores da arte afro-brasileiro, que compreendemos como: “campo plural, composto por objetos e práticas bastante diversificados, vinculados de maneiras diversas à cultura afro-brasileira, a partir do qual tensões artísticas, culturais e sociais podem ser problematizadas estética e artisticamente” (CONDURU, 2009, p. 11). Compreendemos também que esse formato inicial sofrerá transformações, deslocando este eixo formativo para um novo, o de projetos sociais inclusivos, a partir da década de 2000, conforme analisaremos no próximo capítulo. Após o desfile da escola de samba mirim Império do Futuro, a multiplicação desse modelo ocorreu praticamente de imediato. Em 1985, outra escola foi criada, neste caso, a Alegria da Passarela, e, em seguida, novas escolas de samba mirins surgiram mantendo um padrão de exibição semelhante às escolas de samba, com seu paradigma cultural, mas com características constitutivas diferenciadas. Entre os anos de 1984 e 2019, o quadro se ampliou para 16 agremiações mirins, que continuam desfilando na Passarela do Samba, sendo que na terça-feira de carnaval. O grupo tem origens geográficas diferenciadas, que ultrapassa as 40

fronteiras da cidade do Rio de janeiro, conforme se pode conferir na tabela 1, com forte presença em regiões periféricas da cidade, especialmente em bairros da Zona Norte (seis agremiações), o que foi possível a partir do momento em que foram identificadas e assumiram estatutariamente o modelo de projeto social cultural- educativo.

Tabela 1- Relação das escolas de samba mirins em 2019 Agremiação mirim Bairro ou município Observação 1 – G.R.C.E.S.M. Ainda Bangu Existem Crianças na Vila Kennedy 2 -G.R.C.E.S.M. Aprendizes Tijuca do Salgueiro 3 - G.R.C.E.S.M. Corações Centro da cidade do Rio A escola de samba mirim Unidos do Ciep de Janeiro Corações Unidos do Ciep não tem sede. Esta funciona como projeto pedagógico extracurricular da Secretaria Municipal de Educação e a presidente da agremiação é a professora responsável pela realização do projeto na rede municipal de ensino, da cidade do Rio de Janeiro. 4 - G.R.C.E.S.M. Estrelinha Padre Miguel da Mocidade 5 - G.R.C.E.S.M. Filhos da Madureira Águia 6 - G.R.C.E.S.M. Herdeiros Vila Isabel da Vila 7 - G.R.C.E.S.M. Infantes do Complexo do Lins Lins Imperial (bairro do Méier) 8 - G.R.C.E.S.M. Inocentes Pilares da Caprichosos 9 - G.R.C.E.S.M. Mangueira Mangueira/Maracanã do Amanhã 10 - G.R.C.E.S.M. Miúda da Cachambi Cabuçu 11 - G.R.C.E.S.M. Nova Estácio de Sá Geração do Estácio 12 G.R.C.E.S.M. Pimpolhos Município de Duque de da Grande Rio Caxias 13 - G.R.C.E.S.M. Golfinhos Copacabana do Rio de Janeiro 14- G.R.C.E.S.M. Tijuquinha Tijuca do Borel 15 - G.R.C.E.S.M. Petizes da Região do bairro da Penha Leopoldina Fonte: O autor, 2019. 41

Além dessas agremiações, existem escolas de samba mirins em outros municípios do estado do Rio de Janeiro, em outros estados da federação brasileira e até mesmo fora do país. Dentre as agremiações mirins existentes na cidade do Rio de Janeiro que não fazem parte do grupo que desfilam na Passarela do Samba, temos, como exemplo, a escola de samba mirim Cavalinhos Marinhos da Ilha, fundada em 23 de agosto de 2014, na Ilha do Governador. Temos também, em outros municípios, a escola de samba mirim Construindo Sonhos, em Niterói; e em Teresópolis, o Grêmio Recreativo Escolinha Arte do Samba do Amanhã (G.R.E.A.S.A), que - a exemplo do que já ocorreu na cidade do Rio de Janeiro - fez parte da abertura oficial do desfile das escolas de samba daquele município. Fora do estado do Rio de Janeiro, temos: 1 - Frutos do Xequerê (Belém do Pará – no bairro de Guamá); 2 - Novinhos de Julho, Os Herdeiros do Dragão Imperial, Vila do Amanhã, Nascente da Águas Claras e O Pequeno Cisne (São Paulo - Bragança Paulista), Escola de Samba Mirim Flor do Itapeti (São Paulo – Mogi das Cruzes), 3 – Ramirinho, Mocidade do Simões Lopes, Águia de Ouro, Princesa Isabel, Brilho do Sol, Mocidade do Obelisco, Explosão do Futuro e Acadêmicos da Lagoa (Rio Grande do Sul – Pelotas -) e Moleques de Alvorada, Unidos da Intersul, Algarve do Futuro, Estrela do Umbu (Rio Grande do Sul - Alvorada-). Em outros países, existem as escolas de samba mirins: Sierras Del Carnaval (Argentina – San Luis), Carumbecitos, Zumzunitos, e Leoncitos de Tradición (Argentina – Paso de los Libres)23. As escolas de samba mirins da cidade do Rio de Janeiro são compostas dos mesmos elementos que compõem uma escola de samba, que - de acordo com os moldes vigentes - se consiste de comissão de frente, casal de mestre-sala e porta- bandeira, bateria, alas, carros alegóricos, adereços, samba-enredo, carro de som, intérpretes, passistas, destaques de chão e carros alegóricos.

23 Os dados das escolas de samba fora do estado do Rio de Janeiro e do país foram extraídos do sítio eletrônico , único até o presente momento que disponibiliza tais informações. Disponível em:< https://pt.wikipedia.org/wiki/Escola_de_samba_mirim>. Acesso em: 10 jan. 2018. 42

1.3 Ala ou miniescola de samba seria uma escola de samba mirim?

Uma ala é uma unidade básica ou “célula organizacional das escolas de samba” (LOPES; SIMAS, 2015, p. 20). Para fins de entendimento do que vem a ser uma ala de crianças, estamos considerando a referida definição, pois esta unidade faz parte do corpo de desfile das agremiações carnavalescas que a utilizam. Esclarecemos que esse espaço para as crianças foi o primeiro a ser criado com o objetivo de agrupá-las em um determinado lugar no desfile das escolas de samba. Antes da existência desta área, as crianças acompanhavam seus responsáveis nas diferentes alas das escolas de samba. Contudo esse não foi o primeiro espaço somente dedicado a elas, houve um tempo em que os meninos ao exercerem a função de porta-machado formaram o primeiro lugar determinado para uma criança, ainda que fosse exclusivo somente para os meninos. A figura do porta-machado, espécie de figurante que desfilava protegendo a porta-bandeira e fazendo uma posição de honra, foi a primeira experiência de alguns sambistas no início do surgimento das escolas de samba. O próprio compositor Getúlio Marinho24, Amor, em matéria publicada pelo Jornal Correio da Manhã, de 13 fev. 195825, confirma esse fato ao comentar sobre sua carreira artística, demonstrando ter sido esta função um de seus primeiros envolvimentos com escolas de samba. Talvez o termo esteja associado a uma herança cultural da prática do Jongo, que também influenciou melodicamente o samba e é um dos elementos culturais presentes na constituição das escolas de samba. No Jongo, o termo machado é

24 No Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira, no verbete Amor, encontramos uma pequena biografia sobre o sambista Getúlio Marinho, que confirma a informação relatada por João da Baiana sobre o exercício dessa função que o compositor Amor desempenhou quando criança. “Filho de Paulina Teresa de Jesus e de Antonio Marinho da Silva, conhecido por ‘Marinho que toca’. Aos seis anos mudou com a família para o Rio de Janeiro. Com essa mesma idade passou a integrar o Rancho Dois de Ouro. Foi apelidado de Amor desde a infância. Foi criado frequentando as casas de tias baianas - como Bebiana, Gracinda, Ciata e Calu Boneca. Participou dos primeiros ranchos carnavalescos cariocas criados por baianos do bairro da Saúde. Saía como porta-machado no Dois de Ouros e desfilava ainda no Concha de Ouro. Frequentou as rodas de samba organizadas pelos baianos que se reuniam no Café Paraíso, situado na antiga Rua Larga de São Joaquim, atual Avenida Marechal Floriano. Com o pioneiro Hilário Jovino Ferreira aprendeu a coreografia dos mestres-sala dos ranchos, tornando-se um grande especialista nesta arte”. Ver link: < http://dicionariompb.com. br/amor/biografia>. Acesso em 20 dez 2018. 25 ARQUIVO NACIONAL. Fundo/coleção: Arquivo privado Jotaefegê. Notação: 4.1.308. 43

utilizado para a troca dos pontos cantados e tocados durante a dança26 que é praticada. Mas acreditamos que o termo porta-machado está vinculado à figura de um soldado, conforme definição encontrada no dicionário Caldas Aulete, cujo significado é “soldado que marcha à frente dos regimentos, sendo, além do armamento ordinário, provido de um machado que serve para, em caso de necessidade, abrir caminho por matos, florestas, etc., ou também para auxiliar o trabalho dos sapadores ou substituí- los”, bem como descrita na obra “Uniformes do Exército brasileiro”, de 1922, p. 65. Assim, os meninos agiriam como uma espécie de soldado protegendo o estandarte da agremiação de serem roubados ou maculados por integrantes de outras escolas de samba. Aliás, esta função é hoje identificada como a do mestre-sala. No livro de Roberto Moura (1983), “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, há a citação deste termo na parte de reprodução de uma entrevista de Hilário Jovino Ferreira, para o jornal Diário Carioca de 1931, na qual ele descreve esta função como um dos elementos presentes nos antigos ranchos (MOURA, 1983, p. 59), o que nos leva a afirmar que possivelmente esta função tenha sido uma nomenclatura inicial da função do mestre-sala, que também era conhecido como baliza27, sendo ao longo do tempo tendo substituído a figura das crianças (meninos) pela de um adulto. Após a criação dessa função e espaço dedicado aos meninos, oficialmente somente em 1981, teremos a criação de um espaço exclusivo para as crianças e adolescentes nas escolas de samba – a ala de crianças. De acordo com o portal da Liga Independente das Escolas de Samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro (LIESA), no ano de 1981, houve a obrigatoriedade da presença de ala de crianças nos desfiles das escolas de samba, entretanto não há nenhum tipo de explicação sobre a necessidade de obrigatoriedade deste elemento dentro do corpo de desfile das escolas de samba. A nosso ver, esta obrigatoriedade pode ser uma primeira maneira de oficializar e fixar este espaço voltado para a presença de crianças e adolescentes nos desfiles das escolas de samba, como uma forma de atender legalmente à presença deste grupo perante a sociedade e ao sistema de controle sobre o fluxo das mesmas durante a exibição dos desfiles.

26 Disponível em: < http://jongodaserrinha.org/historia-do-jongo-no-brasil/>. Acesso em: 10 jan. 2019. 27 Conforme palavras de Heitor dos Prazeres, descritas no livro de Roberto Moura “Tia Ciata e a pequena África no Rio de Janeiro”, de 1983. 44

Dessa forma, a LIESA atenderia ao controle do Juizado de Menores28 sobre as condições físicas das crianças e sua exposição durante os desfiles, pois cabia a este órgão assegurar uma “formação sadia, zelando pela proteção e bem-estar delas”, sendo este acompanhamento realizado desde a criação deste tipo de juizado, que ocorreu em 1923, ainda que - até a década de 1970 - o controle fosse mais omisso. A partir dessa década, os juízes passaram a ser mais incisivos nas ações de prevenção contra a “exploração em atividade contrária aos bons costumes” (letra b, do artigo 2º da Lei nº 6.697 – Código de Menores de 1979), além do mais, uma das principais regras para liberação das crianças nos desfiles, por parte do juizado, era a comprovação de que eles estivessem matriculados em escolas (Jornal do Brasil – 20/02/1962), sendo esta determinação mantida até os dias atuais. Uma das razões do rigor mais acentuado por parte do Juizado de Menores está relacionado com a mobilização mundial, entre debates e incentivos a políticas públicas sobre proteção social e ações para o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social das crianças e adolescentes, que teve seu ponto máximo de reflexão e disseminação mundial com a proclamação do Ano Internacional das Crianças, em 1979, pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), que promoveu atividades comemorativas pelo vigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança (1959). Sendo a participação das crianças e adolescentes nos desfiles das escolas de sambas um fato concreto, foi preciso disciplinar um lugar para que elas estivessem presentes nos desfiles, atendendo às demandas judiciais e ao mesmo tempo promovendo a convivência intergeracional como forma de se manter a transmissão dos saberes e fazeres da expressão cultural. De fato, na prática dos desfiles, a obrigatoriedade da ala de crianças teve um efeito relevante e de valorização histórica sobre este grupo, pois fez das escolas de samba um espaço de experiência lúdica, podendo ser compreendida como o direito da criança de aprender valores sociais e culturais brincando, indo ao encontro do que estava preconizado no 7º artigo da Declaração dos Direitos da Criança.

28 Os Juizados de Menores foram criados em 1923, tendo Mello Mattos como o primeiro Juiz de Menores da América Latina. Em 1979, por meio da Lei nº 6.697, de 10 de outubro de 1979, foi criado o código de menores. Disponível em:< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/1970- 1979/L6697.htm>, que foi revogado pela Lei nº 8. 069, de 1990, que promulgou o Estatuto da Criança e Adolescente (ECA). 45

Socialmente, as escolas de samba, perante o público, passavam a expor sua função social de integração entre jovens e idosos na manutenção de um bem patrimonial comum, a cultura das escolas de samba. Esta questão já lhes era inata, mas tornou-se visível para a sociedade como um todo. Essa valorização das crianças e adolescentes dentro dos espaços das escolas de samba e da importância de se tê-las nos desfiles será “reconhecido” após quatro anos, como a inclusão desta ala como uma das categorias de premiação do prêmio Estandarte de Ouro29, durante os anos de 1985 a 1994 (ver tabela 2).

Tabela 2 - Premiação do Estandarte de Ouro (1985-1994)30 ANO ALAS PREMIADAS 1985 Ala de crianças do G.R.E.S. Em cima da Hora 1986 Ala de crianças do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira 1987 Ala de crianças do G.R.E.S. Império da Tijuca 1988 Ala de crianças do G.R.E.S. 1989 Ala de crianças do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro 1990 Ala de crianças do G.R.E.S. São Clemente 1991 Ala de crianças do G.R.E.S. Unidos da Viradouro 1992 Ala de crianças do G.R.E.S. Estácio de Sá 1993 Ala de crianças do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro 1994 Ala de crianças do G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense Fonte: O autor, 2019.

Entendemos que a finalização da premiação esteja diretamente ligada à consolidação do modelo escola de samba mirim, que, em 1994, já era constituída por 13 agremiações, número bastante expressivo, uma vez que as escolas de samba do grupo especial, neste mesmo ano, contavam com 16 agremiações, sendo necessário cada vez mais reafirmá-lo. Como vemos, então, a ala de crianças atendia ao poder público no controle sobre o fluxo dos grupos de crianças e adolescentes dentro das escolas de samba adultas, que eram, como o são até o presente momento, monitoradas pelo uso de

29 Prêmio extraoficial do carnaval do Rio de Janeiro criado em janeiro de 1972, é organizado e oferecido pelo Jornal O Globo a personalidades e segmentos que se destacam nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro. Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Estandarte_de_Ouro>. Acesso em jan. 2017. 30 Os dados foram extraídos do sítio eletrônico Academia do Samba. Disponível em: < http://academiadosamba.com.br/memoriasamba/estandartedeouro/criancas.htm>. Acesso em: 8 ago. 2017. 46

crachás de identificação, listagem previamente entregue aos Juizados e comprovação de cada criança estar matriculada em escolas (redes públicas e privadas). Muito embora as escolas de samba mirins já estivessem estabelecidas na década de 1990, pelo que constatamos, em nenhum momento esta situação inviabilizou os deslocamentos das crianças e adolescentes entre os dois grupos, ala de crianças e escolas de samba mirins. Mediante as entrevistas realizadas, no período de 2015 a 2019, com crianças e adolescentes integrantes das agremiações carnavalescas mirins, comprovou-se que muitos deles participam em ambos os desfiles, havendo casos de fazerem parte de um ou mais desfiles de escolas de samba mirins, como também de alas ou de baterias de escolas de samba. O trânsito entre grupos e intragrupal é recorrente, especialmente, entre os adolescentes e jovens, pois já se encontram praticamente em fase de término de sua passagem nas escolas de samba mirins, devido às prescrições do estatuto. No sentido de verificarmos as possíveis causas para a manutenção ou retirada das alas de crianças nas escolas de samba, analisamos os livros Abre-alas31 dos anos de 2015 a 2019, do Grupo Especial, que é aquele que apresenta o maior número de escolas que têm escolas de samba mirins. Verificando os resultados finais dos desfiles e os livros Abre-alas, documento oficial contendo todas as informações a respeito dos desfiles das escolas de samba do Grupo Especial, não identificamos qualquer tipo de penalização sobre as escolas que não desfilaram com alas de crianças; o que nos leva a crer que a obrigatoriedade é uma espécie de “letra morta”, servindo, no passado e no presente, apenas para constar o posicionamento oficial da LIESA sobre a questão da presença de crianças e adolescentes nos desfiles. Tabela 3 - Ano: 2015 Escolas de samba com alas de crianças Escolas de samba sem alas de crianças G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis G.R.E.S. São Clemente G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro G.R.E.S. Portela G.R.E.S. Unidos da Tijuca G.R.E.S. União da Ilha do Governador G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel G.R.E.S. Viradouro ______TOTAL: 6 TOTAL: 5 Fonte: O autor, 2019.

31 Disponível em: < https://liesa.globo.com>. Acesso em: 5 abr. 2019. 47

Tabela 4 - Ano: 2016 Escolas de samba com alas de crianças Escolas de samba sem alas de crianças G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense G.R.E.S. São Clemente G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre G.R.E.S. Portela Miguel G.R.E.S. Estácio de Sá G.R.E.S. Unidos da Tijuca G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio G.R.E.S. União da Ilha do Governador TOTAL: 4 TOTAL: 8 Fonte: O autor, 2019.

Tabela 5 - Ano: 2017 Escolas de samba com alas de crianças Escolas de samba sem alas de crianças G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro G.R.E.S. União da Ilha do Governador G.R.E.S. São Clemente G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel G.R.E.S. Portela TOTAL: 3 TOTAL: 8 Fonte: O autor, 2019.

Tabela 6- Ano: 2018 Escolas de samba com alas de crianças Escolas de samba sem alas de crianças G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense G.R.E.S. Unidos da Tijuca G.R.E.S. Império Serrano G.R.E.S. Portela G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel G.R.E.S. União da Ilha do Governador G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio G.R.E.S. São Clemente G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti TOTAL: 4 TOTAL: 9 Fonte: O autor, 2019.

48

Tabela 7 - Ano: 2019 Escolas de samba com alas de crianças Escolas de samba sem alas de crianças G.R.E.S. Império Serrano G.R.E.S. G.R.E.S. Acadêmicos do Grande Rio G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis G.R.E.S. São Clemente G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense G.R.E.S. Portela G.R.E.S. Unidos da Tijuca G.R.E.S. União da Ilha do Governador G.R.E.S. Paraíso do Tuiuti G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel TOTAL: 5 TOTAL: 8 Fonte: O autor, 2019.

Ainda foi possível constatar outras questões sobre as alas de crianças, escolas de samba mirins e escolas de samba, dentre elas, observamos que a presença da ala de crianças, em algumas escolas de samba adultas, como Portela, Grande Rio e Mangueira32, que já possuíam escolas de samba mirins, foram pontuais no emprego da ala de crianças. Na verdade, em alguns casos, o uso deste tipo de ala foi coincidente com desfiles em que os enredos necessitavam do grupo infanto-juvenil caracterizados. Nesse sentido, em 2016, o G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira com o enredo "Maria Bethânia: a menina dos olhos de Oyá" pode exemplificar este tipo de evento. O carnavalesco da escola, Leandro Vieira, homenageando os santos católicos, Cosme e Damião, um dos ícones religiosos do catolicismo, criou fantasias para crianças representando os respectivos santos, concluímos que a escola Estação Primeira da Mangueira, ao manter uma escola de samba mirim, a Mangueira do Amanhã, não teve a necessidade de atrair ou buscar esse tipo de público fora do âmbito de si mesma, já que a escola de samba mirim pôde contribuir com seus integrantes, que - já acostumados com a prática dos desfiles - não precisaram de nenhum tipo de preparação especial; ao mesmo tempo que - ao se manter uma escola de samba mirim - há uma certa garantia de reserva de aprendizes, que estariam sempre à mão para preencher este tipo de ala, quando necessário. Outro dado que também deve ser considerado para as escolas de samba não investirem mais na manutenção deste tipo de ala, pelo menos um grupo delas, é o

32 Estas escolas de samba mantêm escolas de samba mirins, como já dito: Filhos da Águia, Pimpolhos da Grande Rio e Mangueira do Amanhã. 49

fato de que, com o avanço das igrejas pentecostais e neopentecostais, que combatem e demonizam o carnaval, as escolas de samba adultas e as mirins, de igual forma, vêm perdendo, a cada um ano, quantitativo de integrantes, que por convicção religiosa não participam dos eventos carnavalescos e nem deixam as crianças participarem, fazendo com que cada dia fique mais difícil atrair crianças e adolescentes para participarem dos desfiles de ambas as agremiações. O G.R.E.S. União da Ilha do Governador foi a única escola que se manteve em condição de exceção, pois após a fundação de sua escola de samba mirim, no ano de 2014, a Cavalinhos Marinhos da Ilha, não trouxe mais nenhuma ala de crianças em seu corpo de desfile, talvez como forma de prestigiar a agremiação mirim e/ou pela percepção de que pela existência deste novo espaço dedicado às crianças não caberia trazê-las para o desfile adulto. E não havendo identificação de uma data específica para o surgimento deste tipo de ala dentro das escolas de samba e muito menos sua finalização, que como vimos não existe, alguns pesquisadores tentaram precisar o momento de surgimento deste tipo de ala, como Ribeiro (2018), que identifica seu surgimento, sem qualquer tipo de obrigatoriedade imposta institucionalmente, no ano de 1960, no G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira. A informação da autora é, de certa forma, corroborada pela foto publicada pela revista “Rio, samba e carnaval”, em seu perfil no Facebook, em 2016. Na postagem, na mídia social, há identificação indicando que aquelas crianças formariam uma ala na escola de samba Mangueira, em 1960.

Figura 1- Acervo da Revista Rio, Samba e Carnaval. Fonte: Disponível em sua página no Facebook. RJ, 12/01/2016.

50

Outro pesquisador, Sérgio Cabral (2011, p.81), também assinalou e descreveu o pioneirismo da escola Estação Primeira de Mangueira, não na criação de uma ala, mas na formação de uma escola de samba mirim, só que em 1933. No entanto, em sua própria descrição do episódio ocorrido, o autor revela que se tratava de um bloco infantil, que competira em uma batalha de confetes, na rua Dona Zulmira, no bairro da Tijuca. Entre uma escola de samba e um bloco existem diferenças, motivos pelos quais o próprio autor deve ter corrigido logo em seguida sua afirmativa de que se tratava de uma escola de samba mirim, reconhecendo e destacando o pioneirismo deste formato por Careca. O autor Júlio Ferreira33 (2016, p. 65) nos descreve três tipos de blocos carnavalescos no Rio de Janeiro: os blocos de rua (desfilam em formato de procissão, sem uso de fantasia obrigatória e sem necessidade de filiação a qualquer entidade representativa do grupo), de empolgação ou de embalo (desfilam no formato de parada, sem necessidade de alegorias ou enredos, todos vestindo fantasias iguais) e de enredo (desfilam no formato de parada, com estética visual e musical semelhante às das escolas de samba, possuindo estrutura competitiva, sendo originados e organizados pela Federação Blocos Carnavalescos do Estado Rio de Janeiro (FBCERJ). Como os blocos de enredo são semelhantes às escolas de samba, isto sugere o equívoco demonstrado pelo pesquisador Sérgio Cabral ao descrever o bloco de crianças da Estação Primeira de Mangueira como uma escola de samba mirim. No portal eletrônico do G.R.E.S. Portela34, há a indicação de criação de uma miniescola de samba, na década de 1940, pelo compositor , dado contido na biografia do sambista Tijolo (Alexandre de Jesus). A história sobre a miniescola, que seria composta por um coro feminino e um pequeno grupo de percussionistas, foi o palco de exibição de Tijolo. Na história do sambista Tijolo, a agremiação carnavalesca considera grupo de meninos percussionistas e um coro de meninas, representando as antigas pastoras, como formação de uma miniescola. Nesse caso, acreditamos que esta relação foi feita partindo da identificação com as primeiras formações das escolas de samba, no início do século XX:

33 Ferreira, Júlio Cesar Valente. Os blocos de enredo do carnaval carioca: identidade e organização. Disponível em: . Acesso em: 15 de ago. 2019. 34Disponível em: . Acesso em: 14 jan. 2019. 51

Nos primeiros anos de existência, tendo como matriz os ranchos carnavalescos, as escolas de samba não apresentavam em seus desfiles um samba-enredo. Um refrão era entoado pelas pastoras (nome extraído dos pastoris natalinos) e os mestres-de-canto, posicionados à frente e atrás do contingente formado por dezenas de pessoas, improvisavam os versos, submetidos ao tema do estribilho. (DOSSIÊ das Matrizes do Samba no Rio de Janeiro, 2007, p. 52.)

As descrições contidas em autores como Ribeiro (2018), Cabral (2011) e no portal eletrônico do G.R.E.S. Portela trazem novos dados sobre as alas de crianças, blocos infantis e miniescolas e escolas de samba, na tentativa de situar os espaços a elas dedicados dentro das escolas de samba, como forma de situá-las dentro desse universo cultural e ao mesmo tempo indicar um ponto inicial de surgimento para o fenômeno sociocultural escolas de samba mirins. É nesse espaço de conhecimentos, ainda difuso, que, em 1982, um ano após a LIESA ter oficializado a obrigatoriedade da ala de crianças como parte integrante dos desfiles das escolas de samba, que o carnavalesco Joãozinho Trinta levou para o desfile do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis cerca de 400 crianças, neste tipo de ala, caracterizando-a como uma miniescola de samba, corroborando para as diferentes confusas concepções existentes sobre o que vem a ser uma ala, uma miniescola de samba e uma escola de samba mirim.

1.4 Miniescola de samba: o início das escolas de samba mirins?

De acordo com sinopse de enredo entregue ao Serviço de Censura e Diversões Públicas35, na Superintendência Regional do Rio de Janeiro (SCDP/RJ) (anexo 1), em

35 Cabia ao Serviço de Censura e Diversões Públicas – Superintendência regional do Rio de Janeiro (SCDP/RJ) - o controle sobre toda e qualquer tipo de atividade artística a ser realizada, emitindo parecer (certificado) para sua ocorrência ou não, motivo pelo qual o carnavalesco Joãozinho Trinta teve que enviar a sinopse do enredo para análise no Serviço de Censura de Diversões Públicas (SCDP). Sobre as atribuições deste órgão, cumpre verificar o decreto n. 70.665, de 2 de junho de 1972, que definiu a estrutura do Departamento de Polícia Federal (DPF). A instrução normativa n. 1, de 2 de março de 1973, definiu como competência dos SCDP: I - Executar a censura dos programas ao vivo nas emissoras de rádio e de televisão; II - Realizar o exame censório de: a) ensaios gerais das representações teatrais de qualquer natureza; b) letras musicais, fonogramas e originais destinados a qualquer forma de gravação ou reprodução; c) anúncios a serem divulgados por qualquer meio de comunicação social, inclusive cartazes e fotografias, quando se referirem a espetáculo de diversões públicas e a programas de rádio e televisão; d) anúncios, avisos e propaganda comercial de qualquer espécie a serem feitos no interior de locais públicos onde se realizem espetáculos de diversões públicas ou cinema, rádio e televisão; III) Examinar textos, 52

18 de fevereiro de 1982, sob o título “O olho azul da serpente”36, o carnavalesco Joãozinho Trinta previa o encerramento do desfile da escola Beija-Flor de Nilópolis, com uma ala de crianças, com as seguintes características:

[...] apresentando pela primeira vez num desfile de Carnaval, uma miniescola de samba, com apresentação de comissão de frente, 3 casais de mestre-sala e porta-bandeira, ala de passistas, baianinhas, preparando os futuros sambistas da escola (Arquivo Nacional. Fundo: Serviço de Censura e Diversões Públicas – Superintendência regional do Rio de Janeiro, 1982, grifo nosso)37

De fato, trazer uma reprodução de uma escola de samba dentro de uma ala de uma escola de samba adulta era, até aquele momento, um feito inédito dentro do ambiente das agremiações carnavalescas. O diferencial utilizado pelo carnavalesco de reproduzir, nesta ala, elementos por ele considerados representativos de uma escola de samba trouxe um novo significado ou uma nova invenção (modernidade) para a cultura das escolas de samba. O carnavalesco por meio de sua linguagem artística trouxe símbolos e signos para representar uma escola de samba, ainda que não em sua totalidade, reforçando este espaço como um ambiente de aprendizagens e de formação de novas gerações, não de forma naturalizada, mas com intenção pragmática: “preparando os futuros sambistas da escola”, conforme descreveu em documento entre ao SCDP/RJ. Ao denominá-la de miniescola, dava mostras que sua proposta era uma adaptação do conceito de escola de samba, em um formato já conhecido, ala de crianças, contemplando somente crianças e adolescentes. A intenção se fazia presente no uso das fantasias e das funções peculiares, e podemos até mesmo considerar como basilares de uma escola de samba: comissão de frente, casais de mestre-sala e porta-bandeira, ala de passistas e baianinhas

ilustrações, audições, gravações e quaisquer outras comunicações destinadas à divulgação pública com o fim de autorizar as autoridades aduaneiras a permitir sua entrada no país; IV- Aprovar previamente os programas de espetáculos de diversões públicas de qualquer natureza, bem como dos comerciais destinados à divulgação pelo rádio, pela televisão ou no interior de locais onde se realizem espetáculos de diversões públicas; V- Aplicar as penalidades de advertência, multa e apreensão, mediante despacho em processo próprio; VI- Autorizar alterações em programas aprovados; VII- Receber, preparar e distribuir todo o expediente\". Arquivo Nacional. Disponível em: < http://sian.an.gov.br/sianex/Consulta/Pesquisa_Multinivel_Painel_Resultado.asp?v_CodReferencia_id =1475&v_aba=0>. Acesso em: 5 ago. 2019. 36 Samba-enredo de autoria de Carlinhos Bagunça, Joel Menezes e Wilson Bombeiro. 37 Arquivo Nacional. Fundo: Serviço de Censura e Diversões Públicas – Superintendência regional do Rio de Janeiro, 1982, Código de referência: BR_RJ_ANRIO_TN_CPR_CNV_ ESS.37. 53

A escolha por estes elementos identificadores do que seja uma escola de samba já fazia parte, no senso comum e entre sambistas, de um sistema representacional (HALL, 2016) constitutivo da própria expressão cultural popular. O que o carnavalesco fez foi chamar a atenção sobre este caráter formativo literal, fazendo uso do termo escola, no sentido de formação de crianças e adolescentes, seus continuadores. Todavia somente a descrição do enredo não deixa transparecer o referido objetivo, já sua trajetória como carnavalesco do G.R.E.S Beija-Flor de Nilópolis nos indica este objetivo. Desde o momento em que passou a ocupar este cargo e a morar no município de Nilópolis, Trinta, junto com o patrono da escola de samba Anízio Abraão David, iniciou um processo de atendimento social àquela população e de demonstração do equipamento cultural local como um espaço de formação profissional. Em algumas matérias jornalísticas, o carnavalesco demonstrava sua preocupação com o futuro das crianças daquela localidade, e com Anízio Abraão apresentou e desenvolveu propostas sociais (O GLOBO, 13/02/1982), dentre elas: a arregimentação de crianças para participarem do processo produtivo de fantasias dentro do barracão da escola, que ele considerava como formação de artesãos e que seriam utilizadas pelas próprias crianças no desfile da escola de samba Beija-flor de Nilópolis, na ala de crianças. As crianças não recebiam pagamento pelo trabalho realizado, somente comida e ajuda de custo para se deslocarem até o barracão. Joãozinho Trinta se dizia motivado a dirimir a situação de desigualdade local e oferecia seu conhecimento como carnavalesco e o aprendizado sobre “folclore” (cultura popular) como forma de inclusão social de crianças e adolescentes carentes na região. A miniescola de samba era composta por crianças de até 14 anos de idade, o gesto de Trinta era provocativo, inovador e uma exibição de sua vaidade e estratégia para obter um dos troféus Estandarte de ouro38, conforme declarara algumas vezes para a imprensa. Aliás, por diversas vezes durante o ano, deixara claro na imprensa que aquela ala era sua “menina de ouro” (JORNAL DO BRASIL, 13/02/1982).

38 Prêmio organizado em 1972 e oferecido pelo Jornal O Globo a personalidades e segmentos que se destacam nos desfiles das escolas de samba do Rio de Janeiro Disponível em: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Estandarte_de_Ouro>. Acesso em: 3 set. 2017. 54

A forma imagética de Joãozinho Trinta traçar a finalização do desfile do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis, trazendo crianças, as quais universalmente simbolizam o futuro, pode ser interpretada como um ato cíclico de vida da própria expressão cultural, aproximando-se de antecessores neste tipo de demonstração, como foi o caso de Paulo da Portela (Paulo Benjamin de Oliveira) em 1940. Conforme matéria noticiada no O Jornal39, de 11/10/1964, sobre a visita do cartunista Walt Disney ao Brasil, houve a consagração de Paulo da Portela publicamente como o grande professor do samba carioca, tendo sua ginga e conhecimentos encantado Walt Disney e toda sua comitiva também no ano de 1940. Paulo da Portela, ao recepcionar o cartunista e sua equipe, que desejava conhecer os sambistas e as escolas de samba na quadra da G.R.E.S. Portela, demonstrou profundos conhecimentos sobre samba e escolas de samba, encantando os visitantes. Um dos pontos altos do encontro se deu quando Paulo da Portela fez questão de demonstrar aos visitantes “que o samba estava na ‘massa do sangue’ do povo de Sebastianópolis” (O JORNAL, 11/10/1940). Para tal, exibiu crianças sambando, com menos de seis anos de idade, como prova de que sua fala era uma “verdade inconteste”, pois, com desinibição e desembaraço, as crianças dançavam o ritmo, dando provas de suas “precocidades” entre o povo do samba. Em tempos históricos diferentes, mas com objetivos semelhantes, Paulo da Portela e Joãozinho Trinta tiveram a mesma intenção: indicar a criança como continuadora da expressão cultural popular Escolas de Samba. Contudo, na visão do carnavalesco, as escolas de samba já eram concebidas como uma empresa de entretenimento, que necessitava cada vez mais de mão de obra especializada e, portanto, era necessário preparar este profissional não somente como mestre-sala ou passista, mas como artesãos, produtores do próprio espetáculo, o que fez ao levá-las para dentro do barracão da Beija-Flor de Nilópolis confeccionando suas fantasias. Esse entendimento representava para aquele momento uma inovação e mesmo uma invenção: a escola de samba passava a ser vista não somente como um lugar de transmissão de saberes e fazeres, mantenedora de uma tradição, mas também de um espaço de profissionalização baseada em saberes e fazeres, sob uma ótica técnica, a do profissional do carnaval. Esse pensamento também correspondia ao processo de inserção das escolas de samba no mercado do entretenimento

39 Arquivo Nacional. Arquivo Particular Jota Efege. Notação: 4.1.273. 55

cultural, o qual era questionado por muitos sambistas e pesquisadores, já que o dilema de manter uma tradição cultural se mostrava conflitiva com um suposto excesso de invenções que a descaracterizavam. Ter as crianças e adolescentes como aprendizes de novos conhecimentos que impulsionavam a escola de samba dentro do mercado do entretenimento também era um demonstrativo de que a tradição estava sendo mantida. E por que não? A ala das crianças, tão esperada, impactou, mas não ao ponto de obter o tão sonhado Estandarte de Ouro, mas as ações desenvolvidas e o desfile da miniescola de samba foram inovadores dentro da cultura das escolas de samba. Para Joãozinho Trinta e a escola de samba Beija-Flor de Nilópolis essa experiência foi assimilada de formas diferentes: o carnavalesco não reproduziria o mesmo feito nos anos subsequentes, nem na Beija-Flor de Nilópolis, nem em outras escolas pelas quais passou. A miniescola de samba ficou apenas como um momento eventual, mas que serviu de base para suas aspirações pessoais e profissionais em um próximo momento futuro. Sua ideia de formação de crianças e adolescentes como profissionais para empregabilidade na prática dos desfiles das escolas de samba somente se concretizaria em 1991, quando fundou o projeto social escola de samba mirim Flor do Amanhã, desvinculado de qualquer escola de samba e voltado para crianças em situação de vulnerabilidade social, moradoras nas ruas do centro da cidade do Rio de Janeiro. Com relação à escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, ela deu prosseguimento à formação de crianças e adolescentes de sua comunidade por meio de oficinas e projetos sociais, não enveredando pelo caminho de criar uma escola de samba mirim, mesmo depois da fundação da escola de samba mirim Império do Futuro, mas mantendo-as na ala de crianças, fortalecendo os laços entre o equipamento cultural e a comunidade local, sem necessidade de gastos maiores com a criação de uma escola de samba mirim. Ressaltamos que a experiência citada teve como diferencial a ideia de apropriação de um espaço, ainda que fosse uma ala de crianças, como um ambiente de preparação/formação. Ou melhor, dizendo de aprendizagem intencional para continuadores da expressão cultural, já que a convivência intergeracional nos anos iniciais do aparecimento das escolas de samba, que ocorria em suas quadras como uma espécie de extensão dos quintais de suas casas, integrando a vivência 56

comunitária de homens e mulheres moradores das áreas periféricas, e que Rubem Confete descreveu como sendo uma “orientação da criança para o seu folclore, a música popular, sua cultura” (JORNAL DO BRASIL, 17/02/1980), estava ficando cada vez mais distante. À medida que essa convivência foi se esgarçando, as quadras deixaram de ter esta característica de lugar de vivência familiar, crianças e adolescentes ficaram afastados dos referenciais formativos das escolas de samba e do samba, das histórias de seus fundadores, da proximidade com os mais velhos e da transmissão dos conhecimentos. E é diante desta espécie de vácuo que surge uma outra experiência, a escola de samba mirim Império do Futuro.

1.5 Surge o formato escola de samba mirim: Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Império do Futuro

Com relação ao surgimento da escola de samba mirim Império do Futuro, desde integrantes de escolas de samba mais antigos - como as velhas guardas40 - até pesquisadores como Ana Paula Alves Ribeiro (2009), Maximiliano de Souza (2010), Guilherme Ayres Sá (2013), Maura Quinhões (2015) e publicações, como a revista Cartilha do Samba (figura 2), todos são unânimes em referenciá-la como sendo a primeira a existir e, portanto, a instituir este formato, o qual logo em seguida foi multiplicado. O sambista Arandir Cardoso dos Santos, o Careca (figura 2), é identificado como o criador deste modelo, apesar de ter sido uma ação conjunta entre ele, familiares e moradores do Morro da Serrinha (O GLOBO, 28/10/1988), que não se configurou a partir de uma ala de crianças, mas que já surge como um desdobramento de uma escola de samba, no caso, o G.R.E.S Império Serrano.

40 As entrevistas e conversas informais foram realizadas com senhores e senhoras, velhas guardas, integrantes da Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (AVGESRJ) para a realização de projeto sobre a cultura imaterial do samba no subúrbio carioca. O projeto resultou na organização de um livro e de um videodocumentário, elaborados por alunos do Colégio Estadual Professor Sousa da Silveira, de ensino noturno, que ministrou aulas de ensino médio regular, no bairro de Quintino Bocaiuva, no período entre 2007 a 2009. O livro e o vídeo têm o título “Guardiões da Memória: a da Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, com a organização realizada pela autora, pelo professor Roberto Conduru e o produtor cultural George A. de Araújo. 57

Figura 2- Cartilha do Samba, ANO VIII, n.5, fev. 2015.

Constatamos que reputação e reconhecimento foram valores agregados e atribuídos discursivamente à escola Império do Futuro, que passou a ser vista como uma legítima continuadora da expressão cultural das escolas de samba para um grande grupo de sambistas - como Alcione, Roberto Ribeiro e . Esses atributos vieram fundamentalmente a partir do discurso de preservação da tradição da cultura das escolas de samba e de suas “raízes” nas diferentes matrizes africanas existentes no país, o que fez com que a escola de samba mirim adquirisse além do apoio de sambistas, o de ativistas e militantes do Movimento Negro por unir educação, cultura e negritude. As narrativas presentes nos autores citados e também conforme dito pelo próprio Careca41 descrevem os percalços passados por ele, familiares e amigos, que tentando tirar as crianças de sua localidade, o Morro da Serrinha, das más influências do tráfico local e sua violência, teriam formado a escola mirim para ocupá-los por meio da transmissão das culturas africanas presentes em sua localidade, como o maculelê, o jongo e a cultura da escola de samba Império Serrano, que, segundo Careca, estão presentes na formação das agremiações carnavalescas como elementos fundacionais. Seguindo a narrativa de Careca, a ideia proposta por ele sofreu influência nos debates ocorridos no ano de 1979, que foi declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o "Ano Internacional da Criança”. Este ancoramento social de sua criação é mais um fato que qualificou sua criação como espaço educativo trazendo-lhe reputação por ser uma ação educativa e também cultural.

41 Dados extraídos de entrevista concedida à autora em julho de 2017 e comparado com descrições existentes em trabalhos acadêmicos, na publicação Cartilha do Samba (periódico da Associação das Escolas de Samba Mirim do Rio de Janeiro – AESM - Rio) e em entrevista concedida à autora da tese em 26 de julho de 2017. 58

Ainda na década de 1970, segundo ele, a ideia - quando apresentada à diretoria do G.R.E.S. Império Serrano - não foi aprovada, devido a algumas resistências, principalmente, pela responsabilidade e cobranças do Juizado de Menores com relação à presença das crianças nos desfiles. Contudo, após alguns anos, ele junto com seus familiares, como Valdemir dos Santos (Priminho), seu sobrinho e a Associação de Moradores do Morro da Serrinha, que entrou como “respaldo institucional para a criação da escola” (O GLOBO, 28/10/1988), já que não havia a possibilidade, à época, da escola de samba mirim existir como pessoa jurídica, conseguiu que a direção da escola Império Serrano acatasse a criação da escola mirim, que como vemos moveu as bases comunitárias da região, adotando-a como sua filha” do G.R.E.S Império Serrano, ou seja, poucos meses depois do desfile da miniescola de samba do carnavalesco Joãozinho Trinta, embora, em entrevista concedida à autora, ele tenha afirmado desconhecer a experiência do carnavalesco Trinta. Diante deste suposto impasse, compreende-se que ao se utilizar como fio condutor de nossa pesquisa a história oral de vida (MEIHLY, 2007), admitimos a presença de interditos, incertezas, silêncios, omissões e distorções, que são peculiares às narrativas e decorrentes dos processos seletivos da memória. A negação de Careca demonstra a necessidade de trazer para si a criação como algo inédito, inusitado, dentro da cultura das escolas de samba e que se tornou sua “assinatura” como inovador dentro deste ambiente e fora dele também. O foco da aprendizagem da escola de samba Império do Futuro estava centrado desde o saber sambar, usar os instrumentos de uma bateria de escola de samba, confeccionar fantasias, até aprender a organizar a escola na avenida, sendo todas estas ações desenvolvidas por crianças e adolescentes sob a supervisão de adultos. A escola de samba mirim Império do Futuro, ao assumir um discurso de valorização dos valores da cultura das escolas de samba, passou a ter um caráter responsivo, que encontrou acolhimento entre muitos sambistas, justamente em um dos momentos de intensos debates e disputas entre aqueles que apoiavam que as escolas de samba se mantivessem fiéis às suas tradições, opondo-se às modernidades. Entretanto, ao criar uma escola de samba mirim, ainda que preservadora das tradições da cultura das escolas de samba, Careca se lançava como um inovador, 59

trazendo uma modernidade. Então, como podemos observar, estes posicionamentos entre tradição e modernidade se apresentavam como variáveis, móveis e, até mesmo, dúbias, não sendo campos limitantes, mas intercambiantes. Dentre o grupo de apoiadores da ideia de Careca, destacam-se os sambistas Roberto Ribeiro e Martinho da Vila, e também a cantora e a sambista e cantora Alcione, que compreenderam que aquele empreendimento seria importante para a manutenção da cultura presente nas escolas de samba, por meio de processos de ensino-aprendizagem, nos quais a criançada aprendesse o que de fato seria uma escola de samba. Martinho da Vila (JORNAL DO BRASIL, 16/11/1983) declarava que a Império do Futuro tinha a possibilidade de fato de vir a ser uma agremiação carnavalesca promotora de um aprendizado, o que ele não enxergava nas chamadas escolas de samba, que nada ensinavam, havendo uma certa discordância em sua própria titulação “escolas” de samba. Contudo Felipe Ferreira (2019) e outros autores contemporâneos nos alertam para o fato de que o termo escola de samba deve ser compreendido menos por sua conceituação, espaço de aprendizagem, e mais como uma forma de aceitação popular utilizada pelas agremiações carnavalescas para se incluírem nos desfiles públicos na cidade: O termo escola que não significa escola, mas vai servir para que estes grupos [escolas de samba] sejam aceitos na sociedade. Aos poucos, ao se perceber, ao se ouvir o termo escola, a sociedade e os próprios grupos e pessoas que se organizam em torno daquele grupo carnavalesco, vão se autoalimentando dessa ideia e vão começando a pensar, a se perceber, como um espaço de troca de saberes, informações, enquanto que outros grupos, como os blocos, os ranchos, os cordões ou as sociedades não têm esse, vamos dizer, guarda- chuva conceitual. Então é interessante pensar como este termo vai ser determinante para a própria constituição da organização daqueles grupos que vão se inspirar na ideia de escola e vão começar a se ver como espaço de troca (GOGAN; NAME; FERREIRA, 2019, p. 21).

No mesmo artigo/entrevista, Daniela Name (2019) complementa essa análise acrescentando:

[...] porque acho que essa virada para os anos 30 com o Ismael, com a Deixa Falar, com o nome escola de samba, com o Noel, que é fundamental também para organizar o samba como a gente conhece hoje, e com os cortejos, a gente tem essa profecia virando verdade. Com os cortejos a gente vai ter de fato a escola de samba e o samba se tornando uma escola, porque ela passa a ter que cumprir quesitos e cada um desses quesitos, que seriam gaiolas, passam a ser asas também porque passa a formar pessoas para aquelas modalidades artísticas. Ser passista, ser instrumentista, ser compositor e 60

cada escola com a sua escola de fato, com seu DNA, com seu instrumento de ênfase (GOGAN; NAME; FERREIRA, 2019, p. 21)

Interessante observar que a pesquisadora Name (2019) traça um paralelo entre o ambiente escolar formal e não formal nas escolas de samba. A grosso modo, podemos dizer que, na escola formal, o aluno para ser aprovado ao final do ano deve obter notas mínimas necessárias nas disciplinas oferecidas; no ambiente não formal das escolas de samba, os desfiles são como avaliações finais que premiam as melhores colocadas por meio de notas aplicadas nos quesitos. As escolas de samba que têm péssimos resultados são “reprovadas”, ou seja, descem para um grupo abaixo da qual se encontram, podendo até chegarem ao ponto de se tornarem apenas blocos ou mesmo deixarem de existir (“enrolarem” seu pavilhão – a bandeira da escola) Mas de onde e como surge o sentido discursivo responsivo da escola de samba mirim Império do Futuro para com o grupo de sambistas que apoiavam a manutenção das tradições nas escolas de samba e o seu objetivo de ser um espaço de aprendizagem?

1.6 Construindo um sonho: Careca e a escola de samba mirim Império do Futuro

Careca (figura 3), integrante do Grêmio Recreativo Escola de Samba Império Serrano, é um sambista que, segundo ele próprio afirma42, sempre se opôs às perdas das “origens” das escolas de samba, fazendo coro a outros que, como ele, também se preocupavam e ainda se preocupam com os rumos das agremiações carnavalescas.

42 Entrevista concedia à autora da tese em 26 de julho de 2017. 61

Figura 3- Arandir Cardoso dos Santos (Careca), nos jardins de sua casa no bairro da Praça Seca, Rio de Janeiro). Fonte: O autor, 2017.

Mas longe de ser um saudosista ou entender que manter a “tradição” das escolas de samba fosse algo estático no tempo, Careca, como outros sambistas, sempre soube que as inovações eram fundamentais, principalmente como passista43, que foi durante sua juventude. Atualmente, Careca é benemérito do Império Serrano e durante muitos anos participou de vários shows nacionais e internacionais com o G.R.E.S. Império Serrano, acompanhando músicos e bandas como ritmista e passista. Como artista ele se mostrou incentivador de inovações que oferecesse ao Império Serrano um diferencial sobre as demais escolas. Na década de 1970, ele criou a ala coreografada “Sente o Drama”, considerada como a primeira neste formato a desfilar na avenida44. Entendemos que a questão da inovação para Careca não deveria ser sinônimo de oposição das tradições das escolas de samba, pois se ele próprio junto com amigos foram sambistas inovadores e compreenderam que a arte do sambista deveria ser valorizada como outra qualquer, sem distinção entre popular e erudito.

43 Careca, no desfile do ano de 1963, junto com Jorginho do Império e Sérgio, conhecido como Jamelão, criaram a ala coreografada “Sente o drama”, na qual os passos eram coreografados de acordo com a letra do samba de enredo. O ápice das exibições que a ala fazia foi em 1965, quando o público entusiasmado com a performance do grupo os exaltou. Ver entrevista do jornal O Globo, em 15 de fevereiro de 2015. Disponível em < https://oglobo.globo.com/rio/duas-aguas-a-conta-com- careca-do-imperio-15321391> Acesso em: 20 mar. 2016. 44 Em muitas referências, é comum atribuir a Mercedes Batista a primeira criação deste formato de ala, contudo a primeira bailarina negra do Teatro Municipal, junto com os carnavalescos Arlindo Rodrigues e Fernando Pamplona foi idealizadora da primeira Comissão de Frente coreografada dançando o minueto, na escola de samba Acadêmicos do Salgueiro, em 1963. 62

Para Careca,45 a primeira questão a ser revista dentro das escolas de samba é a da não valorização e reconhecimento delas como arte. Um dado que durante muitos anos o revoltou foi ter que exibir suas performances em troca de “passar o chapéu”, ou seja, não ter um cachê, e sim mendigar atenção e valorização sobre o seu trabalho. A segunda questão, diretamente relacionada à primeira, diz respeito às perdas dos conhecimentos e saberes, os quais ele e tantos outros não mais passavam para as novas gerações, que estavam cada vez mais distantes dos fundamentos da cultura das escolas de samba e de sua administração, muito provavelmente pelo distanciamento entre as crianças e adolescentes da convivência com os baluartes das escolas de samba. Em entrevista46 ao Acervo Digital de Cultura Negra – Cultne (1985), Careca mostrava-se preocupado com a “alienação que as escolas de samba tinham quanto aos seus elementos fundacionais de origem” e, por isso, ao explicar os motivos para a criação de uma escola de samba mirim, ressalta seu objetivo:

[...] fundamentos dos segmentos de uma escola de samba (....) sendo também ao mesmo tempo uma fórmula de preservar essa cultura [da escola de samba] que se encontra tão alienada do seu ambiente de fundação e de origem [...] E aqui nesta escola [Império do Futuro] nós achamos de uma maneira diferente. Eu quero que estas crianças demonstrem a arte, porque o samba é uma arte, que precisa ser melhor entendida pelos outros... (Trechos de entrevista de Arandir Cardoso, o Careca, para o Acervo Digital de Cultura Negra - Cultne. 10/03/1985).

Durante a entrevista, ele afirmou que era preciso ser um preservador da cultura das escolas de samba, que - no caso específico da escola de samba Império Serrano - estava fundamentada nos conhecimentos do jongo, mesmo que o carnaval e as escolas de samba, naquele momento, década de 1980, fossem mais bonitos, era preciso se ter uma “retaguarda” que preservasse a história construída ao longo dos anos. Na verdade, sua fala cruza com a de Rubem Confete, que também dizia que era preciso o “reensino, da reeducação, da orientação da criança para o seu folclore, a música popular, sua cultura. E, dentro dela o samba puro e espontâneo” (JORNAL DO BRASIL, 17/02/1980). Ambos os sambistas estavam alinhados discursivamente sobre a perda dos valores, crenças, conhecimentos e fazeres que compunham a cultura das escolas de

45 Entrevista concedida à autora em 2017. 46 Disponível em: . Acesso em: 25 set. 2019. 63

samba e na ruptura da sequência destes conhecimentos e sua transmissão para crianças e adolescentes, os continuadores da expressão cultural popular. A vida comunitária, sobre a qual Rubem Confete também alegou não mais existir, era sentida por Careca. Entre 1960 e 1980, as escolas de samba deixaram de ser um equipamento cultural local para se tornarem espaços de shows e de entretenimento, deixando os laços de pertencimentos territoriais mais fluidos. Os tempos idos haviam modificado a estrutura das sedes das quadras não somente fisicamente, como também socialmente. Cenas de crianças envolvidas nos ensaios, como em 1972, na quadra do bloco Flor da Mina (figura 4) e da escola de samba Unidos de São Carlos, atual G.R.E.S. Estácio de Sá (figura 5), momentos de uma convivência mais direta, próxima, foram se transformando, dando lugar aos eventos e com forte presença de pessoas fora da ambiência local.

Figura 4- Bloco Flor da Mina, 1972. Fonte: Arquivo Nacional. Correio da Manhã BR_RJANRIO_PH_0_FOT_04224_18.

64

Figura 5- Escola de Samba Unidos de São Carlos, 1972. Fonte: Arquivo Nacional. Correio da Manhã. BR_RJANRIO_PH_0_FOT_04280_25.

De acordo com Careca47, a vivência na Serrinha com outras expressões culturais afro-brasileiras, como o Jongo, que também contribuiu na formação das escolas de samba, o motivou no sentido de preservar este patrimônio cultural. Além disso, como muitos baluartes - como seu próprio pai - não compartilharam os conhecimentos sobre a administração e condução da escola de samba, deixando ele e tantos outros jovens à parte deste processo, ele trazia - e ainda hoje é presente em sua fala - a mágoa e tristeza por esta situação, que com outras corroboraram para que os “verdadeiros” conhecedores dessas culturas não estivessem à frente das escolas de samba, evitando suas perdas identitárias culturais. Em um dado momento da entrevista, disse-nos que estes “mais velhos” costumavam dizer para os mais jovens: “Aqui não é lugar de criança”. Este gesto provocava o afastamento, desinteresse e mágoa de alguns jovens, como ele, para com os rumos diretivos da agremiação. Esse sentimento foi um dos motores para que ele acreditasse na proposta de criar uma escola de samba mirim, o que nos parece uma forma de um começar de novo evitando os erros do passado. Descendente da família Cardoso, que saíra do morro da Mangueira para se estabelecer na Serrinha, em 1926, Arandir é um dos 14 filhos de Augusto Cardoso,

47 Entrevista concedia à autora da tese em 26 de julho de 2017. 65

empregado da Estrada de Ferro Central do Brasil/ RFFSA, e de Juci Cardoso, enfermeira do hospital maternidade Herculano Pinheiro. Sua família é considerada como uma das fundadoras do G.R.E.S. Império Serrano e tanto seu pai quanto ele estiveram à frente de cargos/funções dentro da escola. Por isso, durante a entrevista, Careca foi veemente sobre a falta de oportunidade dele e de outros jovens em desenvolver potencialidades e participarem na condução da produção artístico-cultural dessas entidades, que fortalecia laços de pertencimento e fidelidade aos princípios fundadores. Dando prosseguimento às atividades de convívio já estabelecidas por seus pais na Serrinha, ele e Celia Regina A. Santos, sua esposa, professora formada pelo Instituto Carmela Dutra, desenvolveram não somente ações de solidariedade, mas também educativas, artísticas e musicais. Durante anos, o casal com familiares e amigos realizaram oficinas de carnaval, fantasias e adereços, percussão, reforço escolar e esporte, a fim de que a garotada uma vez ocupada nessas atividades se mantivesse afastada da violência local, como o tráfico de drogas. Observa-se que este discurso de proteção e afastamento das crianças e adolescentes viventes em áreas periféricas da cidade e/ou de risco, agregado ao de defesa da arte do samba, e da identidade cultural das escolas de samba, manifesto por Careca, em 1985, em entrevista fornecida ao CULTNE, também relaciona a ideia de samba e escolas de samba como ferramenta pedagógica de inclusão social, fator preponderante para destacar a Império do Futuro e agregar valores morais para si. A apropriação desse discurso por Careca vai ao encontro do novo papel social que crianças e adolescentes passaram a ter desde a promulgação, em 1959, da Declaração Universal dos Direitos da Criança e da necessidade do Estado e a sociedade de protegê-las e ampará-las:

Declaração dos Direitos da Criança Os princípios e valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos serviram de base para a elaboração de inúmeros tratados internacionais e para a formulação da Doutrina da Proteção Integral das Nações Unidas para a Infância, uma construção filosófica que teve sua semente na Declaração Universal dos Direitos da Criança, de 1959, em que foi desenvolvido o princípio do “interesse superior da criança”, destacando-se os cuidados especiais em decorrência de sua situação peculiar de pessoa em desenvolvimento. “em que foi desenvolvido o princípio do ‘interesse superior 66

da criança’, destacando-se os cuidados especiais em decorrência de sua situação peculiar de pessoa em desenvolvimento48.

Esse movimento internacional encontrou acolhimento no Brasil, que - entre 1970 e 1990 - vivia um novo cenário político e social, na luta pela retomada do Estado Democrático de Direito e a efetivação dos direitos sociais a todos os cidadãos (SKIDMORE, 2003). Os diferentes movimentos sociais exerceram pressão e conquistaram vários direitos, dentre eles, a ratificação pelo Brasil, no ano de 1990, da Declaração dos Direitos da Criança. Quando, na entrevista para o Acervo Digital de Cultura Negra (CULTNE,1985), Careca assinalava que sua ideia de formar uma escola mirim foi inspirada nos debates ocorridos no ano de 1979, declarado pela Assembleia Geral das Nações Unidas como o "Ano Internacional da Criança”49., percebe-se que ao trazer esse histórico para a sua invenção, dava a ela um sentido educacional e social, deixando de ser apenas um objeto de uma vaidade pessoal. O domínio do binômio educação e cultura não era completamente desconhecido para Careca e seus amigos, pois, durante um tempo, atuou como professor de cultura popular brasileira no Instituto de Educação Carmela Dutra (Madureira), ou seja, ele tinha o domínio de como combiná-los pela prática como educador em uma escola formal, mesmo que sem o domínio de um corpo teórico sobre estes dois campos de conhecimento. Os debates, naquele momento, na década de 1980, traziam uma nova abordagem sobre o lugar social de crianças e adolescentes, que exigiam da sociedade e do Estado uma atenção especial, em vista do profundo abismo das desigualdades e exclusões sociais em que regiões periféricas (países e cidades) do planeta se encontravam. Sem grandes atenções do poder público e com carência de equipamentos culturais nas áreas periféricas da cidade, cuja maioria da população era de negros e mestiços, como ainda é hoje em dia, o samba e o futebol foram atividades que uniram moradores e promoviam o lazer, criando laços afetivos nas comunidades e, ao mesmo tempo, pela utilização de poucos investimentos financeiros, de maior possibilidade de realização nas comunidades, seja por seus moradores ou por qualquer outra entidade.

48 Disponível em: . Acesso em 28 dez. 2013. 49 Disponível em: . Acesso em: 28 dez. 2013. 67

1.7 Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mirim Império do Futuro

Em cinco de agosto de 1983, foi fundado o Grêmio Recreativo e Cultural Escola de Samba Mirim Império do Futuro. Careca cercou-se de sambistas que como ele compartilhavam da posição de manutenção e preservação da tradição do samba e das escolas de samba. Soube aproveitar seu prestígio e conhecimento para projetar sua criação dentro da ambiência das escolas de samba, trazendo para si e sua criação apoiadores e divulgadores de seu projeto no meio artístico e dos sambistas. Uma prova foi que a escola de samba mirim foi apadrinhada pelo cantor, compositor e sambista do Império Serrano, Roberto Ribeiro, que se encontrava no auge de sua carreira artística, e a cantora Alcione, que doou todos os instrumentos da bateria mirim. Como também o compositor e cantor Martinho da Vila, que chegou a levar Careca para a Câmara dos deputados estaduais do Rio de Janeiro com o objetivo de ele demonstrar a relevância de sua criação para o carnaval e as escolas de samba. No período de agosto de 1983 até janeiro de 1984, a divulgação da escola de samba mirim foi intensa, conforme verificamos no Jornal do Brasil e em O Globo, a novidade da escola de samba residia no fato de ser identificada como uma nova entidade, sendo um espaço especifico de aprendizagem artística, cultural e identitária das matrizes culturais afro-brasileiras, base da cultura das escolas de samba (O GLOBO, 08/01/1988): A forma discursiva de Careca de manutenção e valorização da cultura das escolas de samba encontrou apoio dentro do Movimento Negro, que tinha como uma de suas ações este eixo de mobilização social, podendo a Império do Futuro ser considerada como uma representação política:

[...] a representação surge como “representação política” que, em seu ato de representar, constitui não somente a identidade, mas a própria qualidade existencial, ou “realidade” (ontologia), da comunidade política, sendo representada em seus valores, interesses, posicionamentos, prioridades, com seus membros (e não membros), suas regras e instituições. (HALL, 2016, p. 13).

De agosto de 1983 até março de 1984 e mesmo depois deste período, a escola Império do Futuro foi convidada a diferentes eventos, sendo apresentada como uma 68

representação cultural da cultura das escolas de samba. A novidade encontrou apoio no meio artístico, participando ativamente de shows no Projeto Seis e Meia, ao lado do padrinho Roberto Ribeiro (1983); na tomada de posse do Museu do Carnaval, organizada pela Secretaria Estadual de Ciência e Cultura50 (1984); o Show Brasil 84; em participação no musical “Tem criança no samba (Garimpeiros da Cultura Popular), produzido por Guto Graça Mello, na TV Globo (1984); em comícios de deputados, na Feira da Providência (1984 e 1985); na Semana Zumbi dos Palmares – Canto Livre, no Circo Voador, e II Encontro de Arte Negra – Kizomba, na UERJ/Maracanã, ambos no ano de 1985, dentre outros. Não existe nenhuma vinculação do sambista Careca51 com a militância do Movimento Negro, mas sempre existiu a aproximação discursiva ou cruzamento discursivo entre ele e a militância, no que se refere à valorização das culturas de matrizes africanas, na cultura popular brasileira, como as escolas de samba. Ensaiando as crianças desde agosto de 1983 na quadra da escola de samba Império Serrano, aos sábados e domingos, a criação de Careca foi ao encontro da abordagem do samba de enredo “Bum-bum Paticumbum Prugurundum” (1982), de autoria de Beto Sem Braço e Aluísio Machado, que criticavam as escolas mais inovadoras, dando-lhes a alcunha de “super escolas de samba s.a”. Esse fato é importante por marcar a fala responsiva da escola de samba mirim que a alinhava ao grupo daqueles que resistiam às mudanças, modernidades, pelas quais as escolas de samba vivenciavam. Valendo-se das crianças e adolescentes de sua comunidade, Careca trouxe para si Washington Luis Lopes Coelho e Marcelo Silva Ramos para escreverem o samba-enredo, de acordo com as orientações fornecidas por ele (JORNAL DO BRASIL – 19/02/1984). Washington Luís, de 13 anos, e Marcelo Ramos de 12 anos, os autores do primeiro samba-enredo da escola de samba Império do Futuro, ao descreverem suas participações no início da agremiação mirim, disseram que tudo havia começado a partir do bloco de latas que eles e outras crianças da localidade mantinham, que era

50 De acordo com a matéria do Jornal do Brasil, de 02 de março de 1984, a cerimônia de “Tomada de posse do Museu do Carnaval” representou a ocupação da área onde ficaria localizado futuramente o Museu, na região do Sambódromo. 51 Em entrevista concedida à autora, em nenhum momento, Careca assumiu ser um militante, mas um ativista na preservação dos valores culturais africanos e das escolas de samba. 69

apoiado pelo Império Serrano, escola de samba que doava as fantasias da escola para eles reutilizarem. Se Careca foi o pioneiro como idealizador do modelo escola de samba mirim, que não era uma ala dentro do G.R.E.S Império Serrando, mas uma agremiação completa, sua criação praticamente já se encontrava pronta, de acordo com as falas de Washington Luís e Marcelo Ramos, pois as crianças já tinham o seu próprio bloco, que serviu de base para a escola de samba, além de outras crianças que já eram beneficiadas nas atividades desenvolvidas por Careca e seus familiares. Este movimento realizado pelas crianças, a criação do bloco, que era despretensioso, poderia ser mantido, contudo criar a escola de samba mirim Império do Futuro mostrava-se como um projeto maior, que visava não somente às atividades lúdicas, mas também tinha a intencionalidade de reproduzir a cultura das escolas de samba de forma total, a partir dos conhecimentos dos mais velhos, dos adultos, como Careca, Célia Regina e os demais envolvidos, independente da vontade e do querer dos sujeitos educativos. O apoio do padrinho Roberto Ribeiro, nessa primeira etapa, foi fundamental, pois ajudou na gravação do primeiro compacto do samba-enredo que Washington e Marcelo compuseram para a agremiação mirim, na gravadora Odeon, trazendo retornos financeiros para aquelas crianças. Além disso, sempre que possível, Roberto Ribeiro os levava para participar de apresentações em seus shows. As apresentações e a gravação do disco compacto do samba-enredo permitiram aos meninos comprar material escolar e roupas novas para se apresentarem nos shows (JORNAL DO BRASIL, 19/02/1984). Ou seja, a profissionalização era também uma via que se apresentava dentro da escola mirim para todos aqueles que ali se achegavam. Para crianças que viviam em situação de pobreza, a escola de samba mirim trouxe-lhes uma possibilidade de qualificação profissional, o mundo do trabalho, que até então não era vislumbrado ou sequer almejado. Em sua primeira atuação, o enredo escolhido para ser desenvolvido pela agremiação demonstrava a posição da escola de samba mirim de se firmar enquanto mantenedora da cultura da escola de samba Império Serrano, fazendo eco a tantas outras vozes que defendiam a não descaracterização das escolas de samba. O título por si só já assim demonstrava esta peculiaridade: “Serrinha, fiel às suas origens”. O texto contava a história do berço de surgimento do G.R.E.S. Império Serrano, através de seus componentes mais destacados, como Silas de Oliveira, Vovó 70

Maria, rainha do Jongo, dos partidos altos e do primeiro rancho – Prazer da Serrinha, que deu origem à escola de samba.

Serrinha, fiel às suas origens Vamos, vamos, vamos, cantar Que a Escola Mirim vem homenagear “Prazer da Serrinha”, primeira Escola de Samba De Partido-Alto e outras coisas mais Depois, nosso “Império Serrano” Nosso poeta popular. Simbolizando a Serrinha, Vó Maria que veio do Congo Abênção, vovó, Nossa rainha do Jongo Ô ire ire iô Ô ire ire iô

Que na Serrinha nasceu. Salve, Silas de Oliveira,

Canta, canta pessoal Vamos relembrar O meu povo vai cantar

A serrinha, desperta você Vamos falar e ser fiel Às suas origens De um mistério, de beleza A “Borboleta Amorosa” Foi um rancho surgido, Na Serrinha

A escola Império do Futuro trazia consigo parte da história do próprio G.R.E.S. Império Serrano, não estando dissociada de suas características principais: resistência, inovação e manutenção da tradicionalidade da cultura das escolas de samba:

A organização do Império Serrano passa pelos estivadores e suas práticas políticas. Figuras importantes da escola, como Aniceto do Império, Sebastião Molequinho, Mano Décio da Viola e Mano Elói faziam parte da Resistência, como era chamada a união da classe. Inovações que chegaram ao desfile, formas de organização, dentro e fora do Carnaval, tudo se aprendia nas reuniões dos estivadores. O Império Serrano já nasce pronto, em 1947, com a experiência do Prazer da Serrinha unida à organização dos estivadores. Apesar de mais jovem do que agremiações como Mangueira e Portela, a verde e branco já entra no Carnaval sendo campeã quatro vezes seguidas, em um domínio que se perpetuaria pela década seguinte. (ARAÚJO, 2015, p. 43).

71

Mas se havia uma divulgação massiva da escola de samba mirim, faltava o principal, sua apresentação junto às escolas de samba, no palco de seus desfiles, como reconhecimento por seus pares. As negociações realizadas por Careca, Martinho da Vila, Roberto Ribeiro e Alcione garantiram o desfile da escola de samba mirim no dia de apresentação das escolas do grupo 1A, hoje conhecido como especial. As tratativas junto ao coordenador dos desfiles das escolas de samba, o funcionário da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur) senhor Antônio Lemos,52 foram realizadas, contudo, no dia do desfile, após a chegada das crianças e em meio à organização do evento, que foi bastante aguardado pelo público, pois era a inauguração do novo palco, a Passarela do Samba, houve recuo da parte do coordenador do desfile para a entrada da escola de samba mirim Império do Futuro. O coordenador, como lembrou Careca, foi categórico na proibição das crianças desfilarem, a alegação foi de que elas iriam “atrapalhar” toda a organização do desfile, atrasando-o. Aliás, uma das principais queixas relatadas por Careca, durante a entrevista realizada, foi a falta de entendimento e sensibilidade dos dirigentes e componentes das escolas de samba para com a real importância que deve ser dada às crianças e aos adolescentes, tanto naquele momento, como hoje em dia também. A solução encontrada pelos adultos responsáveis foi das crianças se perfilarem sentadas ou mesmo deitadas no chão, no portão de entrada da avenida, impedindo o desfile de ser iniciado. De igual forma, Alcione, Roberto Ribeiro e Martinho da Vila e outros sambistas que compunham a comissão de frente da escola mirim resolveram apoiar o ato das crianças formando um bloqueio humano para garantir o desfile. Os sambistas - unindo as mãos - formaram uma espécie de pelotão, impedindo que qualquer coisa fosse feita no sentido de remoção do grupo infanto-juvenil, afirmando que eles iriam desfilar de qualquer forma, o que de fato ocorreu. Embora não pudesse adivinhar este imbróglio todo, Careca ao levar para a avenida dos desfiles sambistas de renome para compor a comissão de frente de sua escola de samba mirim trazia consigo “as bênçãos” de parte dos sambistas sobre sua criação e reforçava imageticamente sua relevância tanto no evento quanto junto a seus pares, associando-se àqueles que como ele defendiam a preservação dos valores tradicionais das escolas de samba.

52 Jornalista, cronista, carnavalesco e ex-diretor do Império Serrano, que disciplinou os desfiles com uma série de atos que persistiram até o ano de 1997. Informações extraídas do sítio eletrônico da LIESA. 72

A narrativa do feito de Careca e da escola mirim linguisticamente marca a primeira apresentação da escola mirim como uma epopeia, sendo uma narrativa teleológica, na qual o final, a realização do desfile, mesmo contra a vontade de Antônio Lemos, marca uma vitória não somente da exibição, mas do novo modelo de formação de novos sambistas por meio da cultura das escolas de samba, bem como de seu objetivo: a valorização desta cultura em detrimento ao processo de descaracterização que as escolas vinham sofrendo. Muito provavelmente a reação de Antônio Lemos ao negar o desfile da escola de samba mirim mais se deveu ao fato do desfile estar extremamente atrasado e com superlotação, tendo muitas pessoas com crachás e sem crachás circulando na pista, do que efetivamente discordar da escola de samba mirim, tanto que no ano seguinte a Império do Futuro voltou a desfilar na Passarela do Samba, antes das escolas de samba. O fato de inserir mais uma escola, a mirim, comprometia o tempo de exibição das escolas. Mas esta narrativa eloquente e os fatos relatados fazem jus à construção discursiva de luta e resistência da escola de samba mirim, a exemplo de sua escola mãe o G.R.E.S. Império Serrano, e reforça o seu pioneirismo perante as demais que vieram, fazendo com que de fato seja reconhecida como a pioneira. A Império do Futuro desfilando na Passarela do Samba abriu um precedente para que outras escolas de samba mirins também gozassem dessa possibilidade, tanto que, em 1985, outra escola de samba mirim junto com ela abriu os desfiles do grupo especial - a Alegria da Passarela. Identificamos, com o surgimento da escola de samba Império do Futuro, que Careca conseguiu relacionar os elementos discursivos identitários das escolas de samba com a prática pedagógica de formação de novos sambistas, ao mesmo tempo em que atraiu para si além de sambistas que compartilhavam dos mesmos sentimentos e compreensões sobre as escolas de samba, a militância do Movimento Negro, que percebeu em seu feito uma proposta inovadora de conscientização sobre valorização e preservação da cultura negra, por meio da educação de crianças e adolescentes dessas comunidades culturais. 73

Em matéria ilustrativa no Jornal Maioria Falante53 (fev./mar. 1991), periódico dedicado às comunidades negras, na matéria “Educação Popular no Carnaval”, as escolas de samba Império do Futuro, Corações Unidos do CIEP e Flor do Amanhã são descritas como exemplos de educação popular por meio da cultura do samba e das escolas de samba, e traz uma história complementar a respeito da criação da escola de samba mirim Império do Futuro, na qual Careca, “Manu”, Rogério dos Santos Bastos e Waldemir dos Santos Lino teriam criado a escola Império do Futuro, por conta da decisão do juiz de menores Liborni Bernardino Siqueira ter proibido que crianças menores de 14 anos estivessem no desfile após o horário das 24h, fazendo com que eles decidissem criar a escola de samba mirim. Esse relato - longe de ser oposto ao descrito por Careca em vários depoimentos e entrevistas - complementa suas falas, por demonstrar que a perda de convivência entre a criançada com os mais velhos estava ameaçada, na década de 1980, o que motivou não somente ele, mas também outros sambistas a investirem no formato escola de samba mirim como forma de solucionar este impasse vivenciado pelas escolas de samba. Ao final da década de 1980 até o ano de 1992, o juiz Liborni Siqueira demonstrou ser um grande apoiador das escolas de samba mirins, como ele próprio descreve em matéria publicada no Jornal do Brasil de 20/02/1991, intitulada “Onde estão nossas raízes?”, quando se posiciona contrariamente à decisão da Riotur de retirar o desfile infantil da Passarela do Samba, identificando essas agremiações como as “raízes do samba” carioca. A reputação e respondibilidade da escola de samba mirim Império do Futuro não deixou de ser percebida pelo Movimento Negro (MN), a referida entidade - constituída de tantas outras - identificou nas falas e no comportamento adotado pela escola de samba mirim uma representação identitária racial fundamentada no sentido de negritude, por defender a valorização das culturas africanas, presentes nas escolas de samba. No Brasil, a negritude não é uma categoria racial fixada numa diferença biológica, mas uma identidade racial e étnica que pode basear-se numa multiplicidade de fatores: o modo de administrar a aparência física negra, o uso de traços culturais associados à tradição afro-brasileira (particularmente na religião, na música e na culinária), o status, ou uma combinação desses fatores (SANSONE, 2003, p. 25).

53 O Jornal Maioria Falante circulou entre os anos de 1987 a 1996. Periódico afro-brasileiro destinado à comunidade negra, cuja sede encontrava-se no bairro da Lapa, na cidade do Rio de Janeiro. ARQUIVO NACIONAL. Acervo Maria Beatriz do Nascimento – cx 34. 74

Nesse contexto, a ação de Careca, e tantos outros sambistas, que são identificados como baluartes de uma resistência nascida no seio das escolas de samba, reforça aquela necessidade já anunciada por Candeia e Isnard (1978):

Consideramos da máxima importância a preparação das novas gerações de sambistas que na própria Escola poderiam e deveriam ser estimulados. E para tal, podiam lançar mão de sambistas especializados nos diversos setores supervisionando e criando técnicas de atividades e torneios infantis e juvenis. Estas questões que levantamos em nosso trabalho estão vinculadas ao futuro e ao ideal das Escolas de Samba, nossa finalidade não é outra senão a de preservar e defender a arte-popular cujos valores precisam ser alicerçados (CANDEIA; ISNARD,1978, p. 79).

Resistência que, considerada à luz de seu tempo, fazia parte de uma nova pauta política: A redemocratização do Brasil, a partir do início dos anos oitenta, trouxe uma nova onda étnica e preparou o terreno para o surgimento de políticas de identidade numa sociedade que, até esse momento, vivenciara uma poderosa tradição universal. Essa nova “política da identidade” chega a receber apoio dos aparelhos de Estado, mas também celebrada na arte e na cultura popular através de inúmeras reinterpretações do “mito das três raças”. (SANSONE, 2003, p. 98)

Um exemplo da apropriação discursiva em defesa da valorização das culturas negras da escola de samba mirim Império do Futuro pode ser identificado nos eventos sobre esta temática na qual esteve envolvida como “Um toque negro no circo” (JORNAL DO BRASIL, 1985). A aprendizagem da cultura das escolas de samba, outrora restrita ao convívio intergeracional presente nos ambientes familiares e/ou das quadras e terreiros, já aqui descritos e reconhecidos, constituiu-se como uma tradição típica das escolas de samba. Com o advento do G.R.C.E.S.M. Império do Futuro, houve uma transformação desse processo. Ao transpor aquela ação educativa para a entidade mirim, Careca procedeu ao deslocamento dessa tradição para um outro lócus e, dessa forma, a (re)inventava, naquilo que Hobsbawn e Ranger (1997, p. 9) definem como tradição inventada:

Por ´tradição inventada´entende-se um conjunto de práticas, normalmente reguladas por regra tácita ou abertamente aceitas, tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade de relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico apropriado”. (HOBSBAWN; RANGER, 1997, p. 9).

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Nesse processo pedagógico, a escola de samba mirim Império do Futuro trouxe novas problematizações para a cultura das escolas de samba: a) a formalização do processo formativo de sambistas por meio de conhecimentos inerentes aos valores existenciais da cultura das escolas de samba; e b) a mudança no modo de inserção das crianças e adolescentes no interior das agremiações carnavalescas; que até então se dava na ala das Crianças ou – ainda - dispersa em alas de adultos. Apesar do compromisso da manutenção da tradição da cultura das escolas de samba, é preciso ter clareza que, em se tratando de celebrações, festas, a “[tradição] não é restauração no sentido de conservação, mas é uma reciprocidade constante entre nosso presente e seus objetivos e os passados que também somos” (GADAMER, 1985, p. 74). E é nessa perspectiva de trazer o antigo, sob nova roupagem, mas mantendo a tradição que a Império do Futuro estabelece como um novo modelo de escola de samba, voltada para o público infanto-juvenil, fundamentando na aprendizagem da cultura das escolas de samba. Ou seja, a obra estava aberta a novas traduções, interpretações e invenções, como é próprio na cultura popular, o que irá ocorrer com as demais escolas mirins que surgirão após a Império do Futuro. Mas de que maneira os campos da educação e cultura foram plasmados na escola mirim Império do Futuro?

1.8 O binômio cultura-educação simbolizados na Império do Futuro

Para identificar a maneira como Careca construiu imageticamente o binômio cultura-educação na escola de samba mirim Império do Futuro, analisamos alguns elementos que caracterizaram essa relação. A primeira delas é o próprio nome da escola “Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mirim Império do Futuro”. Assim como Antônio Candeia Filho (Candeia) utilizou o termo Arte negra para diferenciar sua escola de samba, o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo (1975), mais conhecida como Escola de Samba Quilombo ou GRANES Quilombo, cujo objetivo era ser um centro de resistência e resgate das culturas negras brasileiras, buscando reconstruir uma identidade afro-brasileira, que para ele e muitos sambistas estava perdida em meio às 76

muitas inovações que as escolas de samba vinham adotando, Careca manteve em parte a identificação de uma escola de samba, o grêmio recreativo, mas acrescentou a palavra cultural, identificando-a com uma cultura específica, no caso, a das escolas de samba, e além dessa palavra utilizou o termo mirim, que significa pequeno, reduzido. Dessa forma, a Império do Futuro está fundamentada na cultura desenvolvida na ambiência de uma escola de samba, sendo um formato reduzido deste tipo de expressão cultural. O pavilhão (bandeira) é a imagem que apresenta e se sedimenta como identidade visual de qualquer escola de samba, não tendo sido diferente com a escola de samba mirim Império do Futuro, que - até os dias atuais - teve somente duas bandeiras. A primeira vigorou até o ano de 2015 (figura 16), tendo sido alterada no ano de 2016 (figura 7).

Figura 6- Primeiro emblema do pavilhão (bandeira) do GRCES Império do Futuro. Fonte: O Globo, 07/10/1983 (detalhe da matéria jornalística).

Figura 7- Bandeira do G.R.C.E.S.M. Império do Futuro. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bandeira_do_G.R.C.E.S.M. _Imp%C3%A9rio_do_Futuro.png. 77

A elaboração do pavilhão da escola de samba mirim foi realizada por Careca, conforme nos relatou, já que em ambas as configurações teve como objetivo demonstrar claramente a união entre o ensino formal escolar e a cultura do samba. Além disso, a configuração do pavilhão foi - e ainda é - uma escolha sua, não havendo intervenção das crianças e/ou adolescentes na elaboração da bandeira da escola mirim. Esse é mais um indicador do poder limitado que as crianças têm sobre a agremiação. Para ele, estava errado ao afirmar que samba não se aprenderia na escola. Ao contrário, Careca afirma que é possível sim e exemplifica sua fala citando como exemplo o ato de compor uma melodia. Em sua visão, o conhecimento das escalas musicais e padrões rítmicos é uma leitura feita a partir de conhecimentos matemáticos. Ao se ensinar uma criança a tocar os instrumentos e compor um samba, este conhecimento seria explicado de forma natural, o que faz com que o samba e a cultura das escolas de samba sejam conteúdos que dialogam com os conteúdos disciplinares, não sendo impossível de serem disseminados e utilizados nas escolas formais como um meio de aprendizagem lúdica. A própria vivência de Careca como professor, no Instituto Educacional Carmela Dutra, como professor de cultura popular, foi importante para essas compreensões e elaborações conceituais. Essa associação entre ensino formal e cultura em muitos casos foi, ou mesmo ainda é, posta em prática por alguns professores das redes de ensino como forma mais dinâmica e prazerosa de ensino, um exemplo deste método de trabalho é a utilização das letras de samba de enredo em conteúdos disciplinares em língua portuguesa, história e artes54. A escolha pela utilização do esquadro, do compasso e do livro (cultura letrada), objetos colocados no centro do pandeiro (um signo representativo do samba) tem a intenção de demonstrar ao público esta relação. E, acima destes objetos, está a coroa imperial, insígnia do Império Serrano, que demonstra a vinculação da agremiação mirim com esta escola adulta.

54 Um exemplo é o livro “Aula de Samba. A História do Brasil em Grandes Sambas-enredo”, de Maria Lúcia Rangel e Tino Freitas (2014), como também “Samba de Enredo - História e Arte”, de Alberto Mussa e Luis Simas (2010).

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Quando indagado sobre a inserção do título “A pioneira” no pavilhão confeccionado em 2016 (figura 7), que não aparecia na primeira bandeira (figura 6), ele nos contou que foi como uma espécie de demarcação de território, para que todos, na avenida, tivessem o conhecimento de que: se hoje existem outras escolas mirins, a primeira foi a Império do Futuro. Entende-se que - passados 31 anos e com tantas outras escolas de samba mirins presentes na Passarela do Samba e o desconhecimento de boa parte da população sobre este modelo de aprendizagem das escolas de samba, não havendo uma divulgação massiva das propostas de trabalho - o apagamento sobre quem iniciou este processo é um percurso natural de ocorrer, portanto, retomar esta informação de maneira visível a todos foi uma forma de evidenciar a referência entre seus pares e o grande público. Analisando os dois pavilhões, observa-se um dado curioso: a retirada das crianças que seguravam o pandeiro. O casal de crianças com aparência de pré- adolescentes representava o protagonismo infanto-juvenil, que gestualmente, ao segurar o pandeiro como uma bandeira, apresentava a escola de samba mirim. Para Careca, durante algum tempo, a figura do casal o incomodava, já que não via as crianças sambando, mas de uma forma estática e sem estarem sobre uma base firme, o chão, e como o samba não é uma coisa estática, resolveu retirá-los do emblema da escola de uma vez por todas, daí elas não constarem mais no pavilhão desde o ano de 2016. Continuando sua fala, para ele, o casal também dava a impressão de morte (corpos parados). Como ele nunca viu ou sequer desejou mostrar ao público que o samba fosse algo imóvel ou algo morto, era preciso retirar aquela imagem. Em nossa interpretação, a figura 16, referente ao ano de 1983, foi utilizada para afirmar o protagonismo infanto-juvenil e a continuidade da tradição do samba por meio das crianças. Essa relação ficava clara, pois como a figura do casal segurava o pandeiro, símbolo representativo do samba, bem no centro da bandeira, revelava ao público a proposta da escola de samba mirim. Ainda sobre isso, a representação do casal demonstrava o símbolo da juventude que marcava continuidade da cultura do samba e das escolas de samba. Nesse sentido, relacionamos esta imagem àquela cantada na música, de Dicró, Velha Guarda, transformada no hino oficial da Associação da Velha Guarda do Estado do 79

Rio de Janeiro55: “E essa juventude que começa a caminhar será a velha guarda de amanhã...”. O caderno/livro representa a escrita e sobre ele encontram-se o compasso e o esquadro, que estão relacionados ao estudo da arte (conteúdo disciplinar), remetendo à geometria e à matemática. Esses elementos - ao estarem inseridos no pandeiro - criam um nexo entre a arte do samba com a arte (expressões artísticas). A utilização das representações da cultura letrada e do ensino da arte por meio do livro, do compasso e esquadro reporta-se também a uma ideia do ensino artístico ligado ao ensino do desenho, que foi uma prática comum nas escolas públicas primárias e secundárias brasileiras, durante o século XX (BARBOSA, 2012), formando a trilogia: arte – ensino – desenho. De acordo com estudos realizados por Ana Mae Barbosa (2015) sobre o ensino de arte no Brasil, a régua e o compasso, por muitos anos, foram sinônimos do ensino do desenho, sendo entendido como o ensino da arte:

[...] identificação do Desenho com as artes da palavra foi, para uma cultura predominantemente literária como a nossa, elemento de aceitação social e concepção que ultrapassou as barreiras do tempo, indo desde os escritos de Rebouças e Abílio Cesar Pereira Borges, também datados de 1878, até Mário de Andrade, um dos responsáveis pela introdução da arte moderna no Brasil.” (BARBOSA, 2015, p. 35).

Ao indicar a data de sua fundação, Careca sinalizava para o público o ano de “nascimento” de sua criação, mas também mantinha um aspecto comum aos pavilhões das escolas de samba de terem inscrito o ano de suas respectivas fundações, como ainda hoje ocorre com o G.R.E.S. Império Serrano (figura 8) e em outras escolas de samba, mas que não é mais uma regra comum a todas.

55 Sobre a Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro, ver a obra “Guardiões da Memória: a Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro”, organizado por Carla Lopes, George Araújo e Roberto Conduru. Editoria: Outras Letras Edição: 1ª Ano: 2009. O livro é um registro das memórias dos integrantes da Associação da Velha Guarda das Escolas de Samba do Rio de Janeiro feito por alunos do Colégio Estadual Professor Souza da Silveira, escola noturna, situada em Quintino Bocaiúva (RJ). 80

Figura 8- Desfile do G.R.E.S. Império Serrano. Fonte: Léo Cordeiro, 2018.

A cada ano, as escolas de samba confeccionam um pavilhão novo para ensaios e outros eventos, assinalando o ano vigente, e não mais o de fundação da escola de samba. Uma das muitas inovações que se fazem presentes nas culturas das escolas de samba. O conjunto dos elementos estampados no pavilhão mirim (figura 9) traz as informações-chave dos objetivos expostos por Careca para a criação da entidade, a relação educação (ensino) e cultura (escolas de samba e afrobrasilidade), e, acima destes, a coroa imperiana (símbolo da escola adulta), expressando sua relação direta com a escola-mãe (adulta), o que faz dela uma escola filha.

Figura 9- Desfile do G.R.C.E.S.M. Império do Futuro. Fonte: O autor, 2017.

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Tanto na bandeira de 1983 (figura 6), quanto na de 2016 (figura 7), a sobreposição da coroa do Império Serrano sobre os elementos do ensino acadêmico demonstra a superioridade hierárquica dos conhecimentos culturais do samba, aliás é visível que a coroa não está se apoiando nesses elementos. Ela, na verdade, paira sobre eles, o que demonstra a superioridade da cultura das escolas de samba frente ao ensino formal, além de demonstrar a vinculação da escola de samba mirim com o G.R.E.S. Império Serrano. Acreditamos que - em 2016, após 32 anos de existência, estabelecimento e reconhecimento das escolas mirins como espaço de formação de sambistas - alguns elementos deixaram de ser necessários na bandeira da Império do Futuro. A retirada do casal de crianças, símbolo-chave de sua constituição, deixara de ser relevante, pois a escola mirim já se consolidara na cultura das escolas de samba, sendo inclusive reconhecida e também incentivadora da multiplicação deste formato, tanto no interior de escolas de samba, como fora destes espaços. A coroa imperiana que pairava acima dos conhecimentos acadêmicos, sem deles precisar para se sustentar, no pavilhão atual, encontra-se firmada sobre o compasso, o esquadro e o caderno/livro, marcando o entrelaçamento estruturado ao longo dos 33 anos de existência deste formato de ensino e aprendizagem do samba e das escolas de samba com o ensino-formal e não-formal, presentes nas entidades mirins - em algumas com maior força, em outras com menor, por conta de incentivos e investimentos no desenvolvimento de projetos sociais. Se, em 1983, a bandeira era a base plana que sustentava todos os elementos - casal de crianças, esquadro, compasso, livro e a coroa imperiana - em 2016, a bandeira é o próprio pandeiro, que abriga em seu interior os demais elementos, sem o casal mirim, fortalecendo a presença da cultura das escolas de samba. Na verdade, o pandeiro, que sustenta todos os demais itens, transformou-se em bandeira. Dessa forma, a relevância do samba e das escolas de samba se sobrepõe aos demais elementos, o que demonstra a consolidação do processo de valorização cultural dessa expressão cultural e do modelo escola de samba mirim. A visibilidade do nome da escola e o título “A pioneira” tem o caráter afirmativo de autoridade discursiva da Império do Futuro perante as demais escolas mirins, indicando que esta nova (re)invenção da tradição de ensino nas escolas de samba foi idealizada e realizada primeiramente por esta escola. 82

Por meio do binômio cultura-educação, a Império do Futuro caracterizou este espaço para o público infanto-juvenil como local de brincadeira (o gostar de brincar de sambar); difusão da cultura das escolas de samba (por meio da preservação e transmissão de aprendizagem do patrimônio cultural); campo complementar de ensino, relacionando cultura e educação; e a formação de sambistas, retirando das escolas de samba esta tarefa, passando para si esta responsabilidade. A criação e constituição da escola mirim Império do Futuro inspirou o aparecimento de outras agremiações semelhantes, além de outras com perfis diferenciados, tais como: Alegria da Passarela, Pimpolhos da Grande Rio, Planeta Golfinhos da Guanabara (atualmente nominada Golfinhos do Rio de Janeiro), dentre outras. Algumas delas existem até hoje, outras enrolaram seus pavilhões; algumas desfilam na Passarela do Samba e outras almejam um dia chegarem a esse patamar de exibição. Ou seja, a obra estava aberta a novas traduções culturais promovidas por novos encontros (BURKE, 2011), como é próprio das dinâmicas existentes na cultura popular. Mas, antes de novas criações, no mesmo ano de criação da escola de samba mirim Império do Futuro, houve o surgimento de uma outra experiência de formação de escola de samba voltada para crianças e adolescentes, tendo a cultura das escolas de samba como eixo norteador das atividades desenvolvidas em uma proposta pedagógica realizada no ensino formal, no caso, na rede municipal de ensino: a escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras. Esse novo modelo também influenciou o surgimento de uma outra escola de samba mirim, em 1985, e demonstrou que o ensino formal também poderia e deveria utilizar o samba e as escolas de samba como base de ações pedagógicas envolvendo sujeitos educativos, corpo docente e comunidade de entorno.

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1.9 Império das Princesas Negras: uma escola de samba nascida em um ambiente formal de ensino

O Grêmio Recreativo Império das Princesas Negras56 (1983), embora nunca tenha desfilado na Marquês de Sapucaí, é considerada, ainda que por poucas pessoas, como a primeira escola de samba mirim a surgir na cidade do Rio de Janeiro, contrapondo-se a versão oficial de que Império do Futuro seria a pioneira. Visto que um dos poucos registros de sua atuação fora do espaço escolar e de sua comunidade de origem faz com que algumas pessoas e também sambistas tenham esta lembrança, pois, no ano de 1984, ela junto com a escola de samba mirim Império do Futuro desfilaram na Avenida Rio Branco, no Projeto Aleluia (JORNAL DO BRASIL, 21/04/1984), em companhia da ala das crianças da escola de samba Estação Primeira de Mangueira e a União das Escolas, que fora formada por crianças de todas as escolas de samba do grupo 1. Aliás, essa participação fora do espaço de origem foi a primeira e última, pois a mesma não fora continuada após este ano. A escola infanto-juvenil é resultado da implementação de um projeto pedagógico para promover a interação entre a unidade escolar, escola municipal Ministro Gama Filho e sua comunidade de entorno, no bairro do Lins de Vasconcelos, na rua Engenheiro Eufrásio Borges, que fica entre as comunidades do Gambá e da Cachoeira, bem como de combater a evasão escolar e a distorção série-idade, que - entre os anos de 1970 a 1990 - foram questões-chave no que diz respeito aos processos educativos desenvolvidos na cidade e no estado do Rio de Janeiro. A unidade escolar foi erguida pelo esforço comunitário, com a participação de moradores e de sua respectiva associação, coube a Secretaria Municipal de Educação da cidade do Rio de Janeiro (SME/RJ) o provimento de professores, corpo diretivo, serventes, material escolar e merenda para os alunos. A escola tinha como particularidade a proposta de ensino técnico, que não foi de fato implementado completamente, tendo ofertas de cursos de educação doméstica e corte e costura, mas tendo uma infraestrutura para tal, com salas e maquinários para a realização das atividades propostas.

56 Disponível em: < https://sites.google.com/site/escolamiriminfantes/historia>. Acesso em: 10 maio. 2016. 84

Seu surgimento encontrava-se diante de um contexto educacional com sérios problemas de letramento e de alfabetização, já que cerca de 35% do total população com 15 anos ou mais era analfabeta; o estado do Rio de janeiro, em 1982, tinha 76,2% dos alunos das redes de ensino na condição de distorção idade/série, ou seja, com - pelo menos - mais de 2 anos de atraso escolar; com pesquisas educacionais realizadas indicando a má formação dos professores; o conteúdo disciplinar distante da vivência cotidiana dos alunos da educação básica; além da falta de criatividade e criticidade dos processos pedagógicos, conforme dados levantados e analisados pela pesquisadora e professora universitária Zaia Brandão57. O Ministério da Educação (MEC) decidiu colocar em prática uma forma inovadora de ensino, mas que somente foi realizada em algumas escolas do país, como projeto-piloto – “Projeto Interação entre Educação Básica e os Diferentes Contextos Culturais Existentes no País58”, ou “Projeto Interação”, como ficou mais conhecido. A proposta era resultante das articulações da sociedade civil, movimentos populares, partidos políticos, educadores, artistas, dentre outros segmentos da sociedade que criticavam duramente o modelo educacional vigente no período do regime militar e que reivindicavam novas formas de processos ensino-aprendizagens com base em diálogos com as comunidades locais (QUINTAS, 1992)59. O projeto foi iniciado em 1981, sendo executado em 1982 e finalizado em 1985. A proposta conceitualmente foi concebida como “uma construção coletiva promovida por equipes executoras de cada projeto, comunidade escolar, atores sociais do lugar e, em momentos específicos, pela contribuição dos técnicos do Interação e consultores externos” (QUINTAS, 1992, p. 2).

57 Professora Emérita (2015) Titular da PUC-Rio. Mestrado e Doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992). Especialização em Sociologia no IUPERJ. Criou o SOCED (Grupo de Pesquisas em Sociologia da Educação), que divulgou no Boletim SOCED online os resultados das pesquisas em andamento desenvolvidas pela equipe (pesquisadores colaboradores UFRJ e UFF e pós-graduandos). 58 Ver obra IPHAN. “EDUCAÇÃO PATRIMONIAL: histórico, conceitos e processos”. Disponível em: < http://portal.iphan.gov.br/uploads/publicacao/EduPat_EducacaoPatrimonial_m.pdf>. Acesso em 6 mar. 2019. 59 QUINTAS, José Silva. Coordenador do Grupo de Trabalho do Projeto Interação entre Educação Básica e os Diferentes Contextos Culturais Existentes no País (1981/1986). O projeto interação 33 anos depois: um depoimento. In: Seminário 33 anos do Projeto Interação promovido, em Brasília, de 27 a 29/08/2014, pela Coordenação de Educação Patrimonial, Departamento de Articulação e Fomento do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - IPHAN/DAF/Ceduc em conjunto com o Núcleo de Estudos da Cultura, Oralidade, Imagem e Memória do Centro-Oeste do Centro de Estudos Avançados Multidisciplinares da Universidade de Brasília - UnB/CEAM/Necoin. 85

A escola municipal Ministro Gama Filho, inaugurada em 1981, foi uma das escolhidas para a implementação deste projeto na cidade do Rio de Janeiro, tendo sido a proposta apresentada pelo Distrito de Educação e Cultura60 (DEC), responsável pela região do Méier, pois havia um grupo enviado pelo Ministério da Educação e Cultura responsável em identificar uma escola com condições necessárias para ser atendida pelo projeto, conforme informado pela ex-diretora, a professora Marly Lima Lopes61 (figura 10).

Figura 10- Marly Lopes Lima, ex-diretora da escola municipal ministro Gama Filho. Fonte: O autor, 2019.

A proposta pedagógica foi desenvolvida sob a supervisão e uma equipe composta por artistas62 e pedagogos para identificar escolas que poderiam implementar o projeto Interação. Confirmada a adesão, a equipe responsável realizava uma anamnese na unidade escolar e na comunidade na qual estava

60 Os Distritos de Educação e Cultura (DECs) foram criados em 1975, com a finalidade de fornecer apoio pedagógico e administrativo às unidades escolares de uma determinada região administrativa, sendo responsáveis pela execução da política planejada pela Secretaria Municipal de Educação. (ALMEIDA; COIMBRA, 2019, p. 58). Disponível em: < ALMEIDA, Adir de Luz e COIMBRA, Cecília Maria Bouças. É possível os Distritos de Educação e Cultura estarem a serviço da transformação. Psicol. cienc. prof.[online]. 1990, vol.10, n.2-4 pp. 58-61>. Acesso em: 3 set. 2019. 61 Dados extraídos de entrevista concedida a autora em 9 jul. 2019. 62 De acordo com a ex-diretora da escola municipal ministro Gama Filho, a professora Marly Lima Lopes, o grupo de artistas podem ser considerados como arte-educadores, nomenclatura mais comum hoje em dia, como forma de se perceber de maneira mais concreta suas ações. 86

instalada para levantamento de informações sobre a demanda local, no que se referia aos problemas educacionais e às práticas culturais daquele grupo social. Após esse processo, havia a apresentação das informações sistematizadas em reuniões públicas, elaboração do projeto, aplicabilidade do mesmo e apresentação pública dos resultados obtidos durante o ano letivo. Os artistas tinham o compromisso de elaborarem a proposta pedagógica junto com a comunidade escolar e os moradores, além de acompanharem por um ano as atividades a serem desenvolvidas, havia uma verba para financiamento do próprio MEC, cujo objetivo principal era o de promover processos de ensino-aprendizagem com centralidade na cultural local, de forma a realizar a “integração entre educação e cultura, através da compatibilização dos planos e programas nos níveis formal e não- formal, tornando a escola centro cultural da comunidade.” (QUINTAS, 1992, p. 4.). A base do projeto Interação era a participação popular e a autonomia dos sujeitos sociais:

O compromisso com a participação e a autonomia permeava todo o discurso do Interação. Propunha a participação da comunidade na esfera decisória do processo educacional, postulando sua transcendência para além da escolarização e chamando atenção para os protagonismos de outros agentes educativos, além da escola, tais como “associações de classes religiosas, recreativas, sindicatos, grupos de teatro, escolas de samba, grupos musicais, associações de bairro. (QUINTAS, 1992, p. 10.).

Um dos motivos para a adesão à proposta do MEC, de acordo com a professora Marly Lima Lopes, também se deu pelo fato de que os alunos daquela escola se encontrarem no parâmetro distorção série-idade (alguns já tinham alcançado a faixa de 17 anos, não tendo ainda finalizado o ensino fundamental). Portanto, havia possibilidades de que esses alunos permanecessem na escola e concluíssem os seus estudos, ao mesmo tempo que compromissava os responsáveis, bem como atraía outros jovens que haviam abandonado sua formação escolar. O projeto também fortalecia a instituição escolar dentro do bairro, tornando-se uma referência comunitária. De acordo com a professora Marly, o desafio posto foi de adequar os conteúdos disciplinares com as atividades a serem desenvolvidas na escola de samba mirim. Esse processo de escuta entre os moradores e alunos trouxe para a escola a marca de um processo educacional mais democrático e envolvente. De acordo com Marly Lopes Lima, esse foi o primeiro projeto desenvolvido pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro e Secretaria Estadual de 87

Educação e Cultura que foi aprovado pelo MEC. O desenvolvimento de proposta pedagógica foi elaborado, discutido e efetivado junto com a comunidade escolar e moradores do entorno da escola. Todo o processo foi feito por intermédio de entrevistas e consultas públicas entre professores, alunos, direção e comunidade, os quais decidiram formatar a proposta de ensino-aprendizagem interativa entre a educação básica e o contexto histórico-cultural local, identificando o samba como elemento aglutinador entre os moradores. Diante dos dados coletados, o projeto pedagógico construído coletivamente chamou-se “Escola dá Samba”, que tinha como culminância a exibição de uma escola de samba, na qual alunos, professores e comunidade seriam os responsáveis pela confecção de fantasias, carros alegóricos e adereços. Esse trabalho coube aos profissionais destacados pelo MEC e professores responsáveis pela orientação e coordenação das oficinas de composição, música para a formação da bateria e de dança, adequando os conteúdos disciplinares às etapas de formação de uma escola de samba, como composição de sambas de enredos, que foi feita pela professora de Língua Portuguesa Nelia Marcelos. Muitos dos moradores que eram integrantes ou participantes da escola de samba Lins Imperial, cuja sede fica próxima ao local, e tinham filhos, netos e parentes como alunos da escola municipal ministro Gama Filho, se tornaram apoiadores do projeto e auxiliaram a organização da escola de samba, orientando na bateria e confeccionando fantasias. O nome da escola foi decidido por meio de plebiscito, tendo os alunos escolhido o nome Império das Princesas Negras, que compôs sua comissão de frente com 10 meninas negras. Integrantes do G.R.E.S. Lins Imperial também participaram de todo o processo desenvolvido na escola municipal, orientando as crianças, participando das entrevistas realizadas pelos alunos, confeccionando fantasias e cedendo instrumentos para a bateria mirim. O enredo da escola ficou a cargo de uma das alunas da 8ª série, Claudia Regina Ribeiro Marques, de 16 anos, cujas partes se dividiam desta forma: 1ª parte – A influência do negro na Lins de ontem; 2ª parte – A comunidade e sua cultuara (costumes, crenças e danças); e 3ª parte – Atualidades. A autoria do samba-enredo ficou por conta do aluno Samuel Alves da Silva, aluno da 6ª série, e tendo como puxadores os alunos Alexandre, da 3ª série, e Antônio Carlos, da 8ª série. De fato, a história do lugar e de seus moradores foi expressiva, o 88

que assinala a interação entre escola e comunidade local. A madrinha da agremiação mirim foi a Escola de Samba Lins Imperial, que já cedia sua quadra para os ensaios:

A Agremiação tinha a finalidade didática de aproveitar ao máximo o saber da Comunidade como forma de ampliar o conhecimento dos alunos e incentivar neles o cultivo de valores genuinamente nacionais a partir da própria realidade. A ‘Escola de Samba’ fez seu primeiro desfile no mês de dezembro de 1984, apresentando-se em 18 alas com fantasias de mães de santo, acendedores de lampiões, escravos e escravas, moleques, tropeiros, lavadeiras, lobisomens, sacis, rezadeiras, boêmios, domésticas, operários, baloeiros, turma da bica, estudantes e baianas.63

O projeto pedagógico desenvolvido aproxima-se dos métodos desenvolvidos pelo educador Paulo Freire, visto que o primeiro passo de um processo educativo deve estar voltado para a “investigação do universo temático” (FREIRE, 1997), no qual os alunos vivenciam em seu cotidiano para - a partir daí - identificar os “temas geradores” (FREIRE, 1997) do projeto a ser implementado, de forma que os conteúdos disciplinares sejam revestidos de uma releitura coletiva da realidade social experienciada. Professores e direção da escola municipal ministro Gama Filho produziram uma experiência de ensino não-formal, em um ambiente formal de ensino, no sentido de que “...toda atividade organizada sistemática, educativa, realizada fora do marco de sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos como infantis...” (TRILLA; GHANEM, 2008, p. 33) fora implementada. Esse tipo de proposta pedagógica, na qual o ensino não-formal é um recurso para a prática de aprendizagem, de forma extracurricular (não fazendo parte do currículo oficial), de forma complementar, integrando o social, o lúdico, o afetivo e a capacitação para o mundo do trabalho aos conteúdos disciplinares, é uma prática que se tornou comum em escolas públicas e/ou privadas, podendo ser identificada em algumas unidades escolares, como na Escola Técnica Henrique Lage64, ligada à Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), que desenvolve o projeto Educasamba, que “visa levar o samba para a escola, promovendo a valorização que

63 Disponível em: < https://sites.google.com/site/escolamiriminfantes/historia>. Acesso em: 10 de maio de 2016. 64 Ver matéria do Jornal O Globo de 09/12/2018, com o título: Projeto levará oficinas de carnaval para Faetec Henrique Lage, no Barreto”. Disponível em: < https://oglobo.globo.com/rio/bairros/projeto- levara-oficinas-de-carnaval-para-faetec-henrique-lage-no-barreto-22381475> Acesso em: 30 jan. 2019. 89

a cultura tanto merece, e, através dele, oferecer oficinas gratuitas aos alunos, tais como: samba no pé, precursão, mestre-sala e porta-Bandeira, confecção de fantasias e cavaquinho”, que é desenvolvido desde 2015, e que já tem uma escola de samba mirim, a Unidos do Henrique Lage, com apoio da direção escolar e do G.R.E.S. Unidos da Viradouro. A proposta, conforme declara a direção da Escola Técnica Henrique Lage, é de que: “Esse tipo de iniciativa proporciona a integração do aluno por meio de um experimento cultural. O carnaval também envolve emprego, renda, engajamento dos jovens, história, literatura e conhecimento”. Claudia Regina Marques (figura 11), ex-aluna da escola municipal ministro Gama Filho, afirma que o fato da escola ter se aberto para a comunidade e ouvido os alunos no desejo de formarem uma escola de samba foi fundamental enquanto vivência escolar, bem como o convívio com a escola de samba Lins Imperial em seu aprendizado escolar, além de conhecimento sobre seu local de pertencimento por meio das pesquisas e entrevistas feitas com os moradores locais.

Figura 11- Claudia Regina Marques com seu álbum de recortes de jornal sobre a escola mirim Império das Princesas Negras. Fonte: O autor, 2019.

Dessa convivência, hoje, relembrando suas memórias, ela constata que muitos como ela mesma deram continuidade à cultura das escolas de samba, como profissionais, ou como ela, agora adulta, faz em seu trabalho na creche Aconchego, situada na comunidade do Complexo do Lins, desenvolvendo atividades educativas balizadas na história do samba e seus principais sujeitos sociais, bem como de personagens locais, como João Banana, antigo compositor do G.R.E.S. Lins Imperial:

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O diretor de bateria lá [Império das Princesas Negras] era o Paulinho, [hoje] muita gente conhece ele como Paulo Cachaça, que [depois] foi diretor de bateria [da escola] Lins [Imperial], e hoje, ele é diretor de bateria de escola de samba. Só não sei dizer qual é, mas é diretor de bateria. E. assim, tem outros meninos também, o Ernandez, que virou compositor da Lins, que concorreu e ganhou lá [na Império das Princesas Negras], no segundo desfile, e é compositor da Lins [Imperial], já concorreu em outras escolas. E, alguns, [que] chegaram pra mim e falaram: olha, se não tivesse este projeto eu teria partido pro mundo do crime. Muitos falam isso pra mim. E muitos deram certo, nesse ramo de samba, tem um outro, é o Edson Alexandre, ele é produtor musical de pagodes, organiza pagodes, festas lá... em Nova Iguaçu. Eu, assim, até hoje, apesar de ter me afastado do mundo do samba, e tá doida pra voltar. Eu trabalho em creche com Educação Infantil, e lá, eu faço tudo, quase, que eu fazia, que se faz num barracão de escola de samba. E, ainda, o que se fazia na época de antigamente, que não tinha os recursos de agora, que [é] tipo você fazer escultura com jornal [e] cola de farinha de trigo (MARQUES, 2019).

O fato de terem frequentado de forma assídua a escola de samba Lins Imperial, que abraçou o projeto desenvolvido no seu entorno, oportunizou Claudia Regina Marques e alguns de seus colegas a se integrarem à escola de samba, mesmo após o término do projeto “Escola dá samba”, que era desenvolvido pela escola municipal Ministro Gama Filho. Claudia Regina Marques nos disse que desde o nome da escola de samba, Império das Princesas Negras (figura 12), até as cores, que eram azul e branco, as mesmas do uniforme do colégio, tudo foi discutido coletivamente. A partir das pesquisas desenvolvidas nas disciplinas de História e Geografia, as crianças tomaram contanto com a história de formação do lugar, identificando a serra dos Pretos Forros, que compreende uma boa parte da região onde está localizada a comunidade local, tomaram conhecimento dos primeiros moradores que foram escravos fugidos e/ou libertos e com o samba e outras expressões culturais afro-brasileiras que formaram aquela população. Tanto assim que o primeiro samba- enredo retrata essas histórias e teve como título “Lins, o passado que se fez presente”.

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Figura 12- Convite para o desfile da Grêmio Recreativo Escola de Samba Império das Princesas Negras de 1983. Fonte: Marcelo O’Reilly, 2019.

Simbolizando a força feminina nas culturas africanas e também naquela comunidade, como também nacionalmente tendo em vista a explosão do Movimento Feminista nas décadas de 1970/1990, o emblema da escola mirim é formado por um círculo, representando uma espécie de pandeiro, no qual quatro passistas usando coroas (as princesas negras) as abraça. Representando a ligação afetiva afro- brasileira com o passado monárquico africano, não mais de escravos, mas de reis, rainhas e princesas, tem-se ao fundo, bem ao centro a figura de um elefante (elemento visual representativo do continente africano) sobre uma coroa, o império das princesas negras, que têm aparências mais próximas do fenótipo caucasiano, com cabelos aparentemente lisos, e não africano como era de se esperar a partir do título princesas negras da própria escola de samba. Esse aparente deslize demonstra que apesar de se sentirem herdeiros de uma cultura afro-brasileira, o samba e a escola de samba, assim como a questão da representatividade negra, ainda eram um patamar imagético não reconhecido ou apropriado por aquelas crianças, ou mesmo discutido com elas, no que se refere à valorização do padrão estético africano ou mestiço, como hoje é tão debatido e 92

questionado pelas comunidades negras. Ver-se enquanto negro ainda era uma discussão que se encontrava em curso pela militância do Movimento Negro, que trazia à tona este tipo de debate, mas que ainda não havia sido absorvido, o que demarca um mapa conceitual cultural (HALL, 2016) ainda preso a uma estética europeia. O fato das decisões terem sido tomadas democraticamente foi muito impactante para Claudia Regina Marques, que vê neste modelo de construção coletiva a participação total das crianças e um envolvimento mais efetivo. Contudo a formação da escola de samba Império das Princesas Negras era um projeto pedagógico, sob a responsabilidade de adultos, mas - mesmo assim - sua memória afetiva desta experiência está inculcada na participação democrática, processo que mesmo que ela não tenha lembrança, vinha sendo retomado dentro do país pela sociedade civil, e que no projeto Interação era a condição central para seu desenvolvimento:

Tudo foi criado pelas crianças, é o que eu falo hoje: pra mim a escola mirim de hoje, não é escola de samba mirim. E a primeira escola de samba mirim foi a nossa que surgiu em 1982. O desfile foi em 1983 em dezembro, não foi lá no Sambódromo. A escola saiu daqui da Gama Filho, da [rua] Engenheiro Eufrásio Borges 15, no Lins, e fez o percurso até o Méier, na rua Cônego Tobias, na escola municipal Bento Ribeiro, onde então, a Lins Imperial ensaiava. E, lá, então houve o batismo da escola, com várias presenças famosas do mundo do samba65.

Antes de descrever o ineditismo da escola mirim Império das Princesas Negras, que foi totalmente formada e conduzida por crianças, conforme ela sempre enfatiza em seu relato, e que - para ela - é oposto ao que se estabeleceu na Passarela do Samba, com a escola de samba mirim Império do Futuro, Claudia Regina Marques relata como o projeto se estabeleceu na comunidade escolar pelas mãos dos adultos, o grupo de artistas que apresentaram a proposta à direção escolar – a própria direção, os professores e os integrantes do G.R.E.S. Lins Imperial – que aderiram à proposta educacional. Acreditamos que as lembranças da vivência de tomada de decisões participativas – todas elas feitas por meio de eleições entre as crianças da escola municipal Ministro Gama Filho, que decidiram desde o nome da escola e suas cores até a escolha do carnavalesco, sendo ela mesma, Claudia Regina Marques vencedora nos dois anos de existência do projeto na escola – foram um impacto muito forte em seu inconsciente.

65 Entrevista concedida à autora em 9 de julho de 2019. 93

O sentido comunitário que a escola proporcionou aos alunos, pois os moradores locais e a escola formaram um todo acolhedor e incentivador, foi fundamental em uma comunidade (Complexo do Lins) que estava desgastada e maltratada pelas lutas entre traficantes e pela violência urbana. De certa forma, essas memórias afetivas de convivência participativa e de relativa paz entre as facções, gerando um ambiente mais propício às trocas comunitárias, foi um elemento de ocultamento do real papel exercido pelos adultos, pois:

[...] de todas as experiências que nós vivemos no aqui e no agora, selecionamos como impressões ou lembranças, aquelas que nos afetam em um campo de relações. Todavia o que nos afeta é o que rompe com a mesmidade em que vivemos; a mesmidade não nos impressiona ou nos marca. O que nos afeta é, antes, um encontro uma palavra nova, uma experiência singular. (GONDAR; DODEBEI, 2005, p. 25).

Por dois anos, apesar de o MEC ter estipulado um ano de vigência para a realização do projeto, que teve início em 1982, o projeto Escola dá Samba se findou em 1984, muito pelo entusiasmo e incentivo da comunidade escolar e do entorno, conforme nos disseram a ex-diretora Marly Lima Lopes e a ex-aluna Claudia Regina Marques, que mesmo sem o dinheiro da verba colocaram a escola de samba para desfilar em 1984. O projeto foi fundamental para construir laços de afetividade entre a comunidade local e a escola e conseguiu trazer resultados positivos em se tratando de aprendizagem dos conteúdos disciplinares e do combate à evasão escolar. O primeiro desfile da escola de samba mirim (figura 13) foi realizado nas ruas do bairro do Lins de Vasconcelos, Boca do Mato, Engenho Novo e no Méier, no mês de dezembro, como momento de culminância escolar, tendo apoio de alguns sambistas de escolas de samba, como G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, Acadêmicos do Salgueiro, Em Cima da Hora, Arranco do Engenho de Dentro, Mocidade Unida de Jacarepaguá, dentre outras, bem como apoio da Riotur, que foi acionada pela diretora da escola para cessão do carro de som, e até mesmo do bicheiro José Caruzzo Scafura (Piruinha).

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Figura 13- cartaz confeccionado para divulgação do desfile da escola de samba Império das Princesas Negras. Fonte: Marcelo O’Reilly, 2019.

O desenvolvimento do projeto não foi ignorado pela imprensa, o Jornal do Brasil, de 21/11/1983 e de 14/12/1984, divulgou suas ações exaltando o desfile e a nova metodologia empreendida na escola municipal ministro Gama Filho, ressaltando o caráter democrático do projeto, em um período político que se encontrava em transição de um regime militar repressor para o estabelecimento do Estado democrático de direito, que tinha o efeito de fazer eco às vozes cidadãs que lutavam pelo pleno exercício da cidadania. As três experiências: a do carnavalesco Joãosinho Trinta, com a apresentação da miniescola de samba; a de Careca, criando a escola de samba mirim Império do Futuro; e o projeto Escola dá samba, que resultou no Grêmio Recreativo Escola de Samba Império das Princesas Negras têm aspectos complementares entre si. A partir de uma ala de crianças representando uma (mini) escola de samba, como Trinta assim denominou, capacitando crianças e adolescentes profissionalmente para atuarem no desfile da escola de samba Beija-Flor de Nilópolis, Careca ampliou esta concepção para criar uma escola de samba reduzida (mirim) em tamanho e quantitativo, com o objetivo de preservar a cultura das escolas de samba e qualificar novos sambistas, valorizando e disseminando os valores culturais afro- 95

brasileiros, base cultural formativa das escolas de samba, fazendo de uma atividade lúdica sambar e desfilar um aprendizado informal unindo cultura e educação. Por sua vez, a escola de samba Império das Princesas Negras - por meio da cultura local de seus moradores, negros, brancos e mestiços, que tinham no samba e na escola de samba elementos de entretenimento e de comunhão comunitária - utilizou como ferramenta pedagógica, em uma unidade de ensino formal, o modelo escola de samba como ambiência de aprendizagem de conteúdos disciplinares, combatendo a evasão escolar e criando laços afetivos com sua comunidade de entorno, valorizando os saberes e fazeres locais. É a partir da junção tripartite, aqui apresentada nas experiências de Joãozinho Trinta, Careca e escola de samba Império das Princesas Negras, de preservação dos valores culturais afro-brasileiros (tradição), inovação (qualificação/profissionalização de jovens sambistas) e educação, na perspectiva dos estudos no campo de pesquisa da Nova História Cultural (BURKE, 2008), que analisamos o fenômeno sociocultural escolas de samba mirins. Compreende-se que elas “enfatizam que a ‘performance nunca é uma mera interpretação’ ou expressão, mas tem um papel mais ativo, de vez que a cada ocasião o fenômeno é recriado” (BURKE, 2008, p. 123), ou seja, elas continuamente constroem, reconstroem e negociam suas conceituações e os processos de aprendizagem das culturas das escolas de samba e prática dos desfiles. Sendo assim, serão os elementos fundamentais de constituição de novas escolas de samba mirins a partir do ano de 1984, transformando o contexto de transmissão dos saberes e fazeres na/da cultura das escolas de samba no Rio de Janeiro.

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2 CONCEITOS DE ESCOLAS DE SAMBA MIRINS: TRADIÇÃO, MODERNIDADE OU PROJETOS SOCIAIS

As tradições são como áreas de construção, sempre construídas e reconstruídas, quer os indivíduos e os grupos que fazem parte destas tradições se deem ou não conta disto (BURKE, Peter)

Após a apresentação na Passarela do Samba da Escola de Samba Mirim Império do Futuro, no ano de 1984, o mais novo palco dos desfiles veria duas outras escolas de samba mirim riscarem o chão da avenida. No caso, a Alegria da Passarela, fundada pelo ex-presidente do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, Osmar Valença, e a Corações Unidos do CIEP, fundada pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, e o vice-governador, Darcy Ribeiro. O pioneirismo de Arandir Cardoso dos Santos, o Careca, além de ser uma novidade entre as escolas de samba, deixava de ser uma exclusividade passando a ser multiplicado em novas escolas de samba mirins, entre os anos de 1988 a 2002, que se uniriam em uma entidade representativa para o grupo, a Liga Independente das Escolas de Samba Mirim66 (LIESM), responsável pela administração e captação de recursos para a realização de seus desfiles e desenvolvimento de projetos educativos e disputa política junto às demais escolas de samba dos grupos 1B e 2B, cuja instituição que as representava era a Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ), para manterem suas apresentações na Passarela do Samba. Os dois grupos administrados pela AESCRJ eram compostos por 22 agremiações carnavalescas: sendo 10 escolas de samba no grupo 1B, que desfilava no sábado na Passarela do Samba; e 12, do grupo 2B, que desfilavam na Avenida Rio Branco. Entre os anos de 1984 a 1988, as escolas de samba mirim se dividiram em apresentações entre a Passarela do Samba e a Avenida Rio Branco. Contudo esta

66 Em algumas matérias jornalísticas, foi identificado o uso de grafia diferenciada da sigla da Liga Independente das Escolas de Samba Mirim, LIESM ou LIESMI. Essa representação será substituída em 2002 pela atual entidade, Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM- Rio). 97

divisão privilegiava algumas em detrimento de outras, não sendo de interesse das que ficavam de fora da Passarela do Samba em permanecer nessa situação. À medida que as escolas de samba mirins foram se ampliando, as condições de realização de seus desfiles na abertura dos desfiles das escolas de samba do grupo especial, no domingo e na segunda-feira, foram ficando cada vez mais difíceis, sendo preciso manter a coesão do grupo para que todas desfrutassem da condição de reconhecimento, condição fundamental para continuarem a existir e recebimento de financiamentos, dada a visibilidade que tinham alcançado. A partir de 1991, em vez de se dividirem entre dois espaços (Passarela do Samba e Avenida Rio Branco), houve a seguinte definição: as escolas de samba mirins passariam a desfilar somente na Passarela do Samba. As tratativas para esta solução ocorreram entre o juiz de menores, Liborni Siqueira, um dos defensores das escolas de samba mirins, como já citado no capítulo anterior, pois as compreendia como sendo as “raízes do samba” carioca (Jornal do Brasil de 20/02/1991), e o presidente da Riotur, Trajano Ribeiro, acordando que a partir do ano seguinte todas elas desfilariam em um único dia na Passarela do Samba, o sábado, a partir das 17:00h, antes das escolas de samba do segundo grupo. A falta de definição do dia fez com que elas, de acordo com os interesses das escolas de samba, oscilassem entre a quinta-feira, sexta-feira e terça-feira de carnaval, sendo este último dia o que tem sido escolhido para os desfiles ocorridos desde o ano de 2013 até agora (2019), mas nada impede que haja alterações. Conforme as escolas de samba mirins cresceram, em quantidade e em integrantes, já existiram desfiles com cerca de 40 mil desfilantes. Número exorbitante se temos em conta que a Império do Futuro, no ano de 1984, levou para a avenida cerca de 600 crianças. O aumento das escolas de samba mirins fez com que o modelo referenciado por Careca de preservação da cultura das escolas de samba e de seus valores afro- brasileiros fosse também modificado, criando novas definições sobre o papel destas agremiações, seus objetivos e estabelecimento como representantes (HALL, 2016, p. 24) identitárias das escolas de samba, oscilando entre os conceitos de tradição, preservação da cultura das escolas de samba e modernidade, a prática dos desfiles e seu treinamento, sem a preocupação com a preservação e transmissão das culturas das escolas de samba. 98

Ao longo de nossas pesquisas e análises, nos deparamos com a falta de uma conceituação sobre o que viria a ser uma escola de samba mirim e os diferentes tipos de escolas que compõem o grupo das agremiações mirins que desfilam na Passarela do Samba, o que dificultava a elucidação sobre esta questão. Além disso, de acordo com as palavras do presidente da AESM-Rio, Sr. Edson Marinho67, elas já eram vistas como de “cunho social”, não centradas somente na formação de novas gerações de sambistas, mas de qualificá-las para o mercado de trabalho em cursos profissionalizantes e desenvolvimento de atividades desportivas:

[...] as escolas de samba mirins foram criadas para “formar material para o samba, componentes para o nosso patrimônio cultural, com o objetivo também de cunho social, aonde a gente tem uma preocupação muito grande com as nossas crianças.... eh... porque nossas crianças são muito de comunidades carentes, quase cem por cento das crianças, que desfilam nas escolas de samba mirins são de comunidades carentes, e a gente tem uma preocupação muito grande de ver estas crianças, no espaço ocioso, eh.. a gente tem a pretensão de tá fazendo alguns cursos, alguns projetos sociais aonde a gente possa dar ... trazendo essas crianças, dando uma oportunidade, pois temos muitas crianças que param de estudar, e as vezes o pai e a mãe não têm noção dessa importância, e estas crianças ficam perdidas, a gente tá muito cansado de tá perdendo as nossas crianças pras drogas, principalmente esta droga maldita que é o crack, a gente tem uma preocupação muito grande, a gente tá aguardando o prefeito da cidade do Rio de Janeiro que nos prometeu de construir pra gente um planeta do samba mirim, que é a mirim, aonde a gente, vai ter a oportunidade de estar dando a essas crianças, o direito de aprender uma profissão, de ter um reforço escolar digno para estas crianças, de ter uma parte esportiva... (MARINHO, 2015).

Diante dessa fala e das modificações identificadas nos diferentes tipos de escolas de samba mirins, observamos a necessidade de compreender como esses processos incidiram no entendimento do que vem a ser uma escola de samba mirim nos dias atuais e quais as formas que as fizeram se tornar um fenômeno sociocultural entre as escolas de samba, para isto nos preocupamos em analisar as formações das escolas de samba mirins que foram moldando-as até a configuração atual de projetos sociais. Nossas análises se focaram no surgimento daquelas agremiações mirins que cunharam este modelo. Dessa forma, elencamos as seguintes escolas de samba mirins para fins de análises: Alegria da Passarela, Corações Unidos do CIEP, Flor do Amanhã e Pimpolho da Grande Rio.

67 Entrevista concedida à autora em 17 de fevereiro de 2015. 99

2.1 Alegria da Passarela: o início da multiplicação do modelo escola de samba mirim

Quando em 1985, Osmar Valença funda a escola mirim Alegria da Passarela, ele afirmava que seu objetivo era o de “ensinar a desfilar”68. Ele intuía a necessidade de formação de novas gerações de sambistas com foco nos desafios técnicos e artísticos que a nova estrutura montada - o Sambódromo - exigia de seus dirigentes e integrantes. A escola de samba mirim participou somente por apenas quatro anos dos desfiles. Identificamos que com essa escola surgia uma segunda vertente conceitual sobre ser uma escola mirim, que não estava estreitamente ligada à preservação da cultura das escolas de samba, mas preocupada em ensinar o domínio do novo palco – o Sambódromo, como ele mesmo complementou: “ter contato desde cedo com o público” (JORNAL DO BRASIL, 02/02/1985, p. 20). A escola Alegria da Passarela surgia com o comprometimento de investir na formação de apresentação (performance) dos futuros sambistas no novo palco e não estando vinculada a uma escola de samba. Era um projeto independente, criando uma primeira categoria para/no grupo que se formaria a seguir – as escolas de samba mirins que não têm uma vinculação direta com uma escola de samba, sendo autônoma e independente e financiada por um patrono. O objetivo e a categoria de Osmar Valença estavam refletidos no pavilhão que foi conduzido pela escola nos quatro anos que esteve na avenida. A Alegria da Passarela tinha como pavilhão uma bandeira branca, tendo ao centro o arco da Passarela do Samba e as cores do arco-íris, no canto superior esquerdo (figura 14).

68 Jornal do Brasil. “Escolas mirins ensinam samba à gente miúda”. 02/02/1985. 100

Figura 14- Alegria da Passarela. Fonte: Cartilha do Samba, Ano VIII, n. 5, fev. 2015.

Ao utilizar o icônico símbolo representativo da Passarela do Samba, o arco parabólico de concreto com um pendente ao centro, que fica localizado na Praça da Apoteose, chamava a atenção justamente para o espaço que fora tantas e tantas vezes motivo de reclamações e de confronto entre sambistas e o arquiteto . Para o arquiteto, a praça ficando no final do desfile era uma solução que daria “uma nova possibilidade de dança, beleza e movimento: sua monumental apoteose69”. Mas para os sambistas tornou-se um tormento por ser justamente o local de desfazimento do cortejo e de liberação dos carros alegóricos, não proporcionando a beleza imaginada pelo criador do projeto. Interessante observar a distinção entre essa escola e a Império do Futuro, que fez questão de trazer no título de seu nome a palavra cultural, deixando manifesto sua condição de expressão artística fundamentada no campo da cultura, que - como já dissemos no capítulo anterior - é a cultura das escolas de samba. No caso da Alegria da Passarela, sua titulação Grêmio Recreativo Escola de Samba não a diferenciava das demais escolas de samba, não houve a preocupação em demarcar visualmente sua condição de atendimento ao público infanto-juvenil, a exemplo do que fora feito na Império do Futuro. Em vez de vincular a escola de samba mirim a uma outra escola de samba, Osmar Valença fez da Alegria da Passarela filha do símbolo de um novo momento histórico nos desfiles protagonizados pelas escolas de samba, o próprio palco – a Passarela do Samba, relacionando-a com o espetáculo, com a modernidade ali

69 Dados extraídos da descrição do projeto arquitetônico disponível em: < niemeyer.org.br>. Acesso em: 5 fev. 2018. 101

simbolizada. Assim, sua escola de samba mirim era uma representante destes novos tempos, nos quais a expressão cultural popular ganhava status de “o maior show do planeta”. O que passou a ser um problema para os sambistas, a Praça da Apoteose, para Osmar Valença representava o símbolo máximo de conquista de um espaço fixo para a realização dos desfiles, um reconhecimento público da importância para a cidade dos desfiles que anualmente as agremiações apresentavam e que daquele momento em diante teriam um espaço digno, projetado por um dos mais brilhantes arquitetos do país. Interpretando os elementos dispostos na bandeira da escola mirim, vemos que o fundo da bandeira - que era branco, de certa forma - demonstrava sua neutralidade, em não estar ligada a uma escola de samba. Mas ao mesmo tempo faz representar uma espécie de união de todas elas, já que a cor branca simboliza a soma de todas as cores da luz, que no caso é projetada pelo arco-íris, que se encontra no canto esquerdo da parte de cima da bandeira. O fato de não estar ligada a nenhuma escola de samba, que poderia ser um facilitador pelo uso da quadra para os encontros e ensaios das crianças da comunidade local, fez surgir uma outra diferenciação dentro da escola de samba mirim: a de ser um elemento agregador de crianças de diferentes pontos e regiões, já que para compor a escola de samba mirim Osmar Valença (JORNAL DO BRASIL, 28/01/1985) chamou os filhos de sambistas amigos e conhecidos para comporem o grupo, que era diverso, com crianças já acostumadas com os desfiles e outras não, organizando o que aqui denominamos de coletivo disperso. Com os olhos voltados para o desfile, Osmar Valença trouxe para as escolas de samba mirins não o compromisso com a valorização da cultura das escolas de samba, mas, sim, com uma das práticas presentes nesta cultura, os desfiles competitivos realizados anualmente. Esta é uma vertente comum entre algumas das escolas de samba mirins que não tendo uma escola de samba mãe, focam suas ações na realização dos desfiles como momento de ludicidade entre as crianças, não havendo um trabalho educativo formativo pela falta de um ponto comum de convivência e por ser um projeto de adultos que utilizam as crianças e adolescentes na projeção pessoal dentro do espaço das escolas de samba. Os ensaios da escola Alegria da Passarela eram realizados no Clube Maxwell (JORNAL DO BRASIL, 24/07/1984), no bairro de Vila Isabel, e o barracão localizado 102

no antigo Pavilhão de São Cristóvão, a agremiação era totalmente financiada por Valença e “seus amigos” (JORNAL DO BRASIL,24/07/1985), o que parece ter sido facilitado pelo fato de como já ter presidido o G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro e ter como profissão o fato de ser “bicheiro”, a questão financeira não ser um impedimento concreto para os gastos com a escola de samba mirim, ao contrário da coirmã Império do Futuro. Enquanto a Império do Futuro, no desfile de 1985, realizou o seu desfile com Cr$ 15 milhões por meio de recursos da Riotur, Osmar Valença dispendeu a quantia de Cr$ 120 milhões para o desfile da Alegria da Passarela (JORNAL DO BRASIL, 25/02/1985, p. 15) em sua primeira apresentação na Passarela do Samba. Na mesma matéria jornalística, Osmar Valença disse que - há alguns anos - desejava fazer uma escola mirim, contudo, como os gastos com duas escolas de samba seria muito alto, ele acabou desistindo. A nós parece que esta fala de alinhamento discursivo com o projeto desenvolvido por Careca serviria para justificar o seu empenho em um projeto com crianças e adolescentes, o que estava fora do tipo de trabalho que desenvolveu na Acadêmicos do Salgueiro. Visto isso, acreditamos que o principal motivo para que Osmar Valença resolvesse investir neste novo formato era o desejo de voltar para o centro das atenções dos desfiles carnavalescos, no comando de uma escola de samba, ainda que fosse mirim, somente sua e de seus amigos, não necessitando de processos eleitorais para estar no comando. Apesar da escolha de uma diretoria infantil, que serviu mais para identificar a escola de samba mirim tendo crianças como protagonistas, Osmar Valença convidou diretores de outras escolas de samba para participarem da escola mirim com o objetivo de orientar esta diretoria, como Tijolo (Alexandre de Jesus), do G.R.E.S. Portela, convidado para exercer a função de diretor de harmonia. De acordo com Osmar Valença, durante o desfile, somente as crianças seriam responsáveis pela condução da escola, interpretando o samba, empurrando carros e dirigindo as alas. Para ele, todas essas atividades seriam supervisionadas pelos adultos, que das laterais da passarela acompanhariam o desfile, como até hoje vemos esta formação em todas as escolas de samba mirins. A soma vultuosa dispendida por Osmar Valença também foi utilizada na contratação de um carnavalesco para a escola de samba mirim, no caso, Renato Lage, que, de 1983 a 1986, era o carnavalesco oficial do G.R.E.S. Império Serrano. Apesar de tudo, em nenhum momento, identificamos o envolvimento de crianças ou 103

adolescentes nas atividades de elaboração do carnaval mirim, a não ser a participação do compositor Dudu do Cavaco (conhecido atualmente como Dudu Nobre) como compositor do primeiro samba-enredo da agremiação mirim, sendo que o patrono da escola mirim havia distribuído a sinopse para os compositores adultos interessados, mas o samba oficial foi desenvolvido por Dudu do Cavaco (JORNAL DO BRASIL, 28/01/1985), que na época tinha 8 anos de idade, junto com o compositor Beto Sem Braço, que ganhou o título “O mundo encantado da Mônica”. A união dos dois compositores não se trata de um ato extraordinário, pois desde cedo o menino já se sobressaía como compositor e cantor, nas rodas de samba do restaurante gerenciado por seus pais, fazendo uma carreira desde pequeno e convivendo com grandes compositores daquela época, ou seja, era mais um detalhe de sua vivência no mundo do samba, não estando diretamente ligada ao espaço da escola de samba mirim Alegria da Passarela. Durante os quatro anos que esteve na escola, junto com sua irmã Lucinha Nobre, porta-bandeira da escola de samba mirim, o jovem compositor esteve nas disputas de samba com Nei Lopes e Jangada (Nelson dos Santos), um dos fundadores do G.R.E.S. Unidos da Viradouro. Mais tarde, prosseguiu disputando sambas em escolas mirins, como Aprendizes do Salgueiro, Herdeiros da Vila, Império do Futuro e Estrelinha da Mocidade. Todas as escolhas de mestre-sala e porta-bandeira até a diretoria infantil foram realizadas em um grito de carnaval realizado no Clube Maxwel (JORNAL DO BRASIL, 24/07/1984), para o qual foram convidados amigos do patrono Osmar Valença, integrantes de quase todas as escolas de samba e seus descendentes, não havendo um atendimento exclusivo às crianças do Morro do Salgueiro e adjacências, pois a escola não tinha esse compromisso comunitário como ocorria na Império do Futuro. Os ensaios da Alegria da Passarela, conforme explicou Osmar Valença, seriam realizados aos domingos, no mesmo clube. A escolha do tema Turma da Mônica (JORNAL DO BRASIL, 24/07/1984) resultou de uma parceria firmada, no segundo semestre de 1984, entre Osmar Valença e Maurício de Souza, sendo que este compôs os esboços de croquis, de fantasias de alas, de mestre-sala e porta-bandeira e carros alegóricos. Maurício de Souza, em entrevista, alegou que era um sonho antigo ver os seus personagens em uma escola de samba, e - ao mesmo tempo - aproveitou a oportunidade para a 104

filmagem de um longa-metragem sobre os personagens da Turma da Mônica no carnaval, que estava em fase de produção, mas que não se realizou de fato. A participação da Turma da Mônica se estendeu aos seus patrocinadores (empresas licenciadas), que aproveitariam o espaço para inserirem suas marcas no desfile das crianças da Alegria da Passarela. Toda essa articulação realizada por Osmar Valença fez da primeira apresentação da Alegria da Passarela um verdadeiro espetáculo comercial, já dando mostras de que a suposta brincadeira infantil era uma possibilidade de gerenciamento de recursos, o que não deixou de ser notado pela imprensa. O comportamento na administração da escola de samba mirim muito se assemelhava ao dos grandes patronos e presidentes das Escolas de Samba, que - de certa forma - viam os desfiles como evento de caráter mercadológico e de projeção pessoal, não mais no G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, mas na escola de samba mirim Alegria da Passarela. Dos dados coletados e analisados, constatamos que - para Osmar Valença - a questão da escola de samba mirim ser uma forma de resistência ou de preservação da cultura das escolas de samba não era um fator determinante ou sequer imaginado, na verdade, a escola de samba mirim que criou pode ser compreendida como um espaço de preparação para a prática do desfile em si mesmo, como se depreende de sua fala, em entrevista, quando perguntado sobre o objetivo da escola de samba mirim: “que fossem treinados no novo palco dos desfiles”. Não havia um nexo educacional no sentido de atendimento social às crianças, como Careca e Joãozinho Trinta fizeram em suas experiências. Mas pelas ações desenvolvidas e seu discurso é bem provável que a escola de samba mirim tivesse sido uma forma dele manter-se ligado aos desfiles das escolas de samba, já que havia quatro anos que tinha deixado a presidência do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. Quem sabe investir na escola de samba mirim não foi uma forma de demonstrar seu prestígio e força almejando um possível retorno à presidência da Acadêmicos do Salgueiro? Após quatro anos de existência da escola de samba mirim Alegria da Passarela, Osmar Valença decidiu não mais continuar com o projeto da escola. De acordo com Leonardo Bessa70 (ex-Leonardo Alegria, intérprete da Alegria da Passarela), devido a

70 Entrevista concedida em janeiro de 2019, tendo em vista que - por motivos de saúde - Tia Mirtes, sua mãe, encontrava impossibilitada de nos receber. 105

problemas de saúde e alegando cansaço, o presidente decidiu não mais continuar com a escola de samba mirim, que cumpriu seu último desfile no Projeto Aleluia71, realizado pela Riotur, no sábado de aleluia, na avenida Atlântica, em Copacabana. Mas nem tudo foi perdido... No último ano de existência da escola mirim Alegria da Passarela, o G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro cedeu sua quadra para os ensaios da agremiação mirim, e esta aproximação foi muito proveitosa. Tia Mirtes Rodrigues, mãe de Leonardo Bessa, uma das diretoras do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, e também diretora atuante na escola Alegria da Passarela, conquistou da presidência da escola adulta o compromisso de manter o projeto, mas criando uma outra escola mirim vinculada à agremiação, que veio a se chamar Aprendizes do Salgueiro, em 1989. Apenas com dois anos de inauguração da Passarela do Samba, já existiam duas escolas de samba mirins desfilando, a Império do Futuro e Alegria da Passarela, as quais tinham objetivos diferentes sobre as atividades desenvolvidas por estas agremiações e conceitualmente distintas. Compreendemos que a Império do Futuro estava direcionada para a manutenção da tradição da cultura das escolas de samba, como já vimos no primeiro capítulo, e a Alegria da Passarela preocupada com a prática dos desfiles e o treinamento de crianças e adolescentes para fins deste mesmo espetáculo. Embora contendo os mesmos elementos constitutivos de uma escola de samba, a Alegria da Passarela e a Império do Futuro se distinguem conceitualmente, mantendo apenas alguns aspectos semelhantes. Conceitualmente, a escola de samba mirim Império do Futuro trouxe-nos a definição de uma escola de samba mirim como sendo uma agremiação carnavalesca mantenedora da cultura das escolas de samba, como um bem patrimonial afro- brasileiro e formadora de continuadores desta expressão cultural popular, tendo como integrantes somente crianças e adolescentes e estando vinculada filialmente a uma escola de samba. A vinculação a uma escola de samba não está restrita a um suporte financeiro, mas na convivência comunitária entre crianças, adolescentes, adultos e idosos

71 Projeto Aleluia, realizado pela Secretaria Estadual de Educação, Flumintur (empresa de turismo do Estado do Rio de Janeiro, atualmente TurisRio) e Riotur, entre outras entidades privadas. Promovia desfiles de escolas de samba, escolas de samba mirins, blocos e grupos folclóricos na avenida Rio Branco e depois na avenida Atlântica, em Copacabana, durante o sábado de aleluia, durante a década de 1980. 106

pertencentes à escola de samba mãe, quando - na quadra da escola de samba - os saberes e fazeres típicos da ambiência de uma escola de samba são vivenciados coletivamente. Sendo a cultura da escola de samba identificada como valores, atitudes e modos de comportamento presentes nas reuniões realizadas por esta agremiação carnavalesca, assim definida por Candeia e Isnard (1978):

A Escola de Samba, berço de nossa música popular, é uma fonte de cultura com características próprias. A presença de uma cultura dessa natureza, com seus valores, atitudes e modos de comportamento tem sido amplamente notada nas atividades e reuniões sociais realizadas nas Escolas através dos ensaios, rodas de samba, nas brincadeiras de Partido-alto nos diversos tipos de festas características das Escolas, na maneira de vestir, na linguagem, nos hábitos alimentares, nas danças e ritmos. Ao participar dessas atividades o sambista formula e é envolvido por sua própria cultura, influenciado pelos valores adquiridos dos seus predecessores ou ainda pelo auxílio de meios de divulgação da cultura (imprensa, rádio e televisão). Como exemplo de cultura própria de Escola de Samba podemos citar: 1º - Nos cânticos e ritmos o Partido-Alto com seu estilo, repetição do refrão e obediência dos versos e ao tema do Partido; o Samba-enredo com características identificadoras em sua linha melódica, com estilo baseado no afro-brasileiro e narrando a história que sua escola representa no Desfile; O samba de Terreiro e o Samba de Exaltação; 2º - Na alimentação: A linguiça com farofa, feijoada, peixe, carne seca com farofa, angu e mocotó; 3º - Na dança: A evolução do Mestre-Sala e Porta-Bandeira com a malícia e o samba nos pés do passista, a ginga do malandro e a cadência das baianas; 4º - Nas reuniões sociais: Rodas de Samba, ensaios, brincadeiras de Partido Alto, o Jongo; 5º - Na vestimenta: o chinelo charlote, tamanco português, o chapéu, lenço no pescoço, o boné, o sapato carrapeta que dominaram, durante muito tempo; 6º - Na linguagem: os sambistas deram sua contribuição através da gíria e de termos característicos utilizados nos sambas ‘Minha Preta’, (Anézio) ‘Menina eu Parei na Tua’ (Martinho), ‘Mora no Assunto’, ‘Morou’, e ‘Vê se te manca’ (Padeirinho). Todas estas formas de cultura das Escolas se acham nitidamente separadas e não estão livres de influências externas. Como linguagem: ‘Que grilo é este’ usado no samba-enredo da Império Serrano, termo que não nasceu no ambiente do samba, influência estranha à Escola. (CANDEIA; ISNARD. 1978, p.68).

Com o surgimento da Alegria da Passarela, o conceito de uma escola de samba mirim foi modificado, ainda que de forma sutil, passando a escola de samba mirim a ser uma agremiação carnavalesca voltada para a prática dos desfiles de escolas de samba e formadora de praticantes desta expressão cultural popular, tendo como integrantes somente crianças e adolescentes sem qualquer vinculação filial com outra escola de samba, portanto, sem o compromisso direto de imergir crianças e adolescentes na cultura do samba, sendo uma (re)interpretação do modelo conceitual criado por Careca. 107

Mas estes dois conceitos serão modificados com o surgimento de uma outra escola de samba mirim, a Corações Unidos do CIEP, modificando a conceituação inicial elaborada por Careca. No ano de 1986, o governador do estado do Rio de Janeiro e o vice-governador, Darcy Ribeiro, surpreenderam a população e os sambistas com a criação de uma escola de samba mirim formada por crianças estudantes do Centro Integrado de Educação Pública (CIEP) Avenida dos Desfiles, existente no Sambódromo, trazendo uma nova definição sobre escola de samba mirim, mas pautada, mesmo sem ser de modo direto, com a experiência da escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras.

2.2 Corações Unidos do CIEP: educação patrimonial e escola de samba mirim

Em dezembro de 1985, já era anunciado o surgimento da escola de samba mirim Corações Unidos da Passarela72, já tendo o carnavalesco Júlio Mattos, sendo coordenada por Olivério Ferreira (o Xangô da Mangueira) e por demais sambistas - como Jorge Paes Leme, Oscar Pereira de Souza (o Oscar Bigode, ex-diretor de bateria do G.R.E.S. Portela), Mestre Taranta, Hélio Alexandre e José Carlos Faria Caetano73 (Machine, o síndico da Passarela do Samba) - todos convidados pelo governador Leonel Brizola e seu vice-governador Darcy Ribeiro para desenvolverem o projeto junto com professores e os animadores culturais das escolas que compunham o CIEP Avenida dos Desfiles74. Havia a previsão de 1.200 alunos desfilantes (alunos estudantes das escolas existentes entre as arquibancadas e os setores de camarotes da Passarela do Samba e outros residentes nas áreas próximas, como Catumbi, Estácio, Cidade Nova e Praça Onze) e apoio financeiro da Riotur para a compra de instrumentos da bateria e

72 Jornal O Globo – 19/12/1985 – “Alunos trocam lápis e papel pelo ritmo da Corações Unidos do CIEP”. 73 Desde 1983, a partir de convite feito pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, José Carlos Faria Caetano - sambista e passista do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis - passou a coordenar os ensaios técnicos da avenida, o que faz até hoje em dia, sendo o detentor das chaves da Passarela do Samba, daí veio o cognome "Síndico da Passarela". 74 Depois que os CIEPs foram municipalizados, em 1991, o conjunto de escolas existentes na Passarela do Samba passaram a denominação Complexo Escolar Municipal Avenida dos Desfiles (CEMADE). 108

também confecção das fantasias, alegorias e adereços, os quais foram realizados pela empresa do carnavalesco Júlio Mattos. A formação da escola de samba mirim sofreu várias críticas e questionamentos, particularmente, do carnavalesco Fernando Pamplona (JORNAL DO BRASIL - 31/01/1986), que identificou em sua formação um ato de propaganda política do governador do estado do Rio de Janeiro, como uma maneira de promover sua gestão junto à população. Nesse sentido, no discurso do carnavalesco, a valorização tanto de Careca quanto de Osmar Valença em terem fundado as escolas mirins Império do Futuro e Alegria da Passarela, por valorizarem as crianças como protagonistas do espetáculo, o que não é identificado na nova criação do governador, apesar de ser semelhante às duas escolas mirins existentes. Pamplona, na verdade, defende as criações por compreendê-las como oriundas da cultura das escolas de samba, já as considerando como os seus pares (as escolas de samba), o que não ocorre com a Corações Unidos do CIEP, que nasce sem essa referência identitária, mas com peso financeiro e artístico bancado por uma autoridade pública, cooptando alguns sambistas, como Xangô da Mangueira, no sentido de legitimar e relacionar a nova escola de samba mirim com a cultura das escolas de samba:

No Império Serrano, o Careca fundou o Império do Futuro com as crianças da comunidade, organização e dinheiro da comunidade imperiana. Osmar Valença, do Salgueiro, foi atrás e fundou, mais aberta, nas mesmas circunstâncias, a Alegria das Crianças. Ambos garantiram abrirem o desfile no domingo e na segunda de carnaval, e mais o enredo, harmonia, o samba, a bateria, nestes grupos pelas crianças. Mal copiando a originalidade, o nosso engenheiro-governador manda fundar, com dinheiro do povo, através da Riotur (que deveria atender a todas as comunidades indistintamente, pagando profissionais da maior categoria na harmonia, no samba e na bateria para produzirem uma escolinha de samba por decreto, com isto alijando o Império do Futuro, que teria a primazia cronológica. ... E o que estava escondido apareceu, o samba é uma apologia estadonovista de seu governo e serve de outdoor dinâmico, adulatório para seu pretenso caminho à presidência; (onde estão os juízes que vêm proibindo propaganda eleitoral antecipada?). É uma cópia com roupa nova dos cravos de Getúlio Vargas, que no estado novo, pregava em nossa cultura (...) a batuta do gênio de Villa-Lobos agora substituído por Xangô, cantando louvores ao “chefe da nação e à sua ditadura”. (JORNAL DO BRASIL, Seção Cartas, 31/01/1986)

A resposta ao carnavalesco veio na mesma seção de cartas do jornal, por um animador cultural e coordenador de animação cultural do CIEP São Gonçalo (RJ) 109

Laranjal, João Luiz de Souza, que partiu em defesa da função do animador cultural75, que era uma das peças fundamentais na criação da escola de samba mirim, fato que provavelmente era desconhecido pelo carnavalesco Fernando Pamplona. Ao assumir a defesa do ato do governador, o coordenador louvava a concepção de nova escola trazida pelo governo do PDT e implementada a partir do Plano Especial de Educação (PEE) elaborado pelo vice-governador, declarando o quanto esta nova proposta era entendida pelos alunos como contrária à “escola desonesta de alguns anos atrás”, que lhes era oferecida. Para fins de esclarecer a fala do coordenador, João Luiz de Souza, é preciso entender que um dos principais objetivos de Darcy Ribeiro e do PEE era o de fomentar uma “intensa e profunda vida cultural”, a partir do entendimento da:

[...] importância de incorporar à escola o universo cultural dos alunos, respeitar sua linguagem e as características da cultura produzida no meio em que vive, para que a vida possa se concretizar no cotidiano institucional e as novas vivências pedagógicas possam repercutir além do espaço escolar.” (SECRETARIA DE ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 1991, p. 62).

O citado diferencial dos CIEPs, que era um modelo de escola que se opunha ao modelo escolar em vigor, eurocêntrico e marcado pela violência simbólica (BOURDIEU, 1989), no qual a classe dominante impunha às classes dominadas sua cultura como legítima e desqualificava a cultura das classes dominadas, não valorizava e não considerava como de real importância dentro do ambiente escolar as culturas locais de seus viventes. Esse fato também foi identificado pela secretária estadual de educação, professora Maria Yedda Leite Linhares, logo no início de sua gestão, no governo de Leonel Brizola, ao constatar que as escolas que tinham “pretos” e eram próximas ou situadas em favelas eram as mais prejudicadas pela falta de professores (O GLOBO, 05/02/1984), os quais não gostavam de trabalhar com esta clientela, preferindo as

75 A função do animador cultural, que fazia parte do quadro de profissionais que atuavam dentro dos CIEPs, era ocupada por pessoas que não eram profissionais da educação, mas elementos indicados e aprovados pela comunidade local, que tinha como principal atividade fazer o elo entre escola- comunidade. Esta função sempre foi bastante questionada pelos profissionais dos quadros da Educação. Muitos animadores culturais eram formados em artes, mas a grande maioria era constituída de moradores locais, que exerciam atividades culturais nos territórios onde foram construídos os CIEPs. Uma das críticas é que eles não prestavam concurso público para ingressarem no corpo docente escolar.

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escolas da zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Com isso, a própria rede de ensino evidenciava um tratamento diferenciado entre as unidades escolares, o que demonstra que se não havia valorização e atendimento a este público, o mesmo ocorria com suas culturas. As escolas localizadas na região da zona sul eram frequentadas pela classe média, sendo as preferidas pelos professores concursados para serem lotados, ao passo que aquelas das regiões periféricas da cidade conviviam com a falta dos professores, pois não eram escolhidas por estes. E quando tinham obrigatoriamente de ali se tornarem regentes, costumavam faltar em demasia ou pediam remoção para a administração da secretaria de educação ou ainda em outras. Com isso, ficou perceptível aos olhos da secretária estadual o tratamento diferenciado existente para com as crianças e adolescentes pertencentes às camadas de população pobre e de trabalhadores, e como este fato era um ponto nevrálgico para o processo de escolarização das redes públicas de ensino. Assim, para o coordenador de animadores culturais, João Luiz de Souza, dentro da nova visão de escola trazida pelo governo de Leonel Brizola, a possibilidade de se criar uma escola de samba mirim não seria inviável, já que as culturas locais das comunidades eram valorizadas e colocadas como eixo de aprendizagem, como forma de valorizar os conhecimentos dos sujeitos educativos. Pelo que nos parece, o que o carnavalesco Fernando Pamplona e o coordenador João Luiz de Souza desconheciam era que dentro da comunidade escolar do CEMADE já havia sido expresso o envolvimento daquelas crianças com o samba, mais precisamente na Escola Tia Ciata, que fazia parte de uma das escolas que compunham o complexo escolar. Além disso, a experiência da escola municipal Ministro Gama Filho, que teve como resultado da implementação do Projeto Interação entre Educação Básica e os Diferentes Contextos Culturais Existentes no País (parceria entre o Ministério da Educação e as secretarias estaduais e municipais de educação), a criação da escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras já era uma referência concreta de que era possível em uma escola de ensino formal se criar uma escola de samba formada por crianças e adolescentes, fato que podia não ser conhecido por todos os sambistas ou pessoas ligadas às escolas de samba, como Fernando Pamplona, ou de toda a rede de ensino municipal, mas que - com certeza - deveria ser de conhecimento dentro 111

dos Distritos de Educação e Cultura, não sendo algo de todo inusitado ou inviável de ser realizado. A Escola Tia Ciata (ETC), como as demais componentes do CEMADE, foi fundada em dezembro de 1983, estando atuante até o ano de 1989 naquele espaço físico, sendo posteriormente deslocada para um outro prédio também inserido na região da Praça XI (figura 15), já que as crianças que ali estudavam não eram benquistas e “incomodavam” os demais professores e responsáveis que tinham receio delas por viverem em meio às violências das ruas da cidade.

Figura 15- Região da Praça Onze nos dias atuais. Fonte: Google Maps, 2018.

A escola fazia parte das 19 metas do Programa Especial de Educação (PEE) e pretendia atender a jovens de 14 a 20 anos com produção de material didático e o reforço adicional de horas de aula para aumentar o rendimento escolar”76. Os alunos, em sua maior parte, eram crianças e adolescentes negros, mestiços e moradores de rua, que se encontravam em situação de vulnerabilidade social:

Os meninos que vieram para a escola eram “pivetes”, “menores”, “trombadinhas”, “marginais”, que viviam nas ruas, e por esses nomes que os marcavam, percebe-se que já tinham sido decretados incorrigíveis e afastados da escola padrão. Suas vidas eram mesmo feitas nas ruas, e a escola de educação juvenil que estava se formando assumiu que precisava funcionar durante o dia, para recebê-los, para que eles tivessem para onde ir, para substituir na escola o tempo gasto nas ruas. Além disso, propor-se a

76 MADALEN, Regina Garcia; CASTRO, Mônica Rabello de. Representações sociais da pedagogia diferenciada da escola Tia Ciata. Revista EDUCA, Porto Velho (RO), v.3, n. 5, p. 63-85, 2016. 112

investigação de melhores práticas para evitar a sua evasão. (MADALEN, 2016, p. 67-68).

De acordo com Brandão (2017), as professoras se dedicaram a buscar formas de ressignificar os conhecimentos, previstos na escolarização formal, a partir da realidade que eles vivenciavam, sendo totalmente diferenciado das demais escolas do CEMADE e da rede de ensino, tendo como foco instrumentalizar aqueles alunos para o mundo do trabalho, promovendo sua inclusão social. O relato de Martha de Abreu77 (1999), em seu livro “O Império do Divino”, que foi uma das docentes que lecionaram na ETC, nos fornece informações sobre um desfile realizado pelos alunos daquela escola, cuja configuração aproximava-se de uma escola de samba, o que provavelmente deve ter chamado a atenção do governador Leonel Brizola e de seu vice-governador Darcy Ribeiro para a ideia de se criar uma escola de samba mirim, como as que desfilavam na Passarela do Samba, a Império do Futuro e Alegria da Passarela. Além de perceberem que esta criação poderia ser usada como trunfo político e propagandístico de suas gestões, no Estado e na Secretaria Estadual de Educação e Cultura. A professora - ao relatar sua experiência como coordenadora de um dos projetos ali desenvolvidos - nos diz que:

Como em qualquer escola, os melhores momentos para os meninos e as meninas eram os das festas. Na Tia Ciata especialmente, talvez honrando o nome, todas acabavam sempre em “batuque”, que mesmo planejado, reunia uma boa dose de improvisação e espontaneidade. Certa ocasião tínhamos que nos organizar para uma apresentação, daquelas bem oficiais. Estariam presentes o governador, na época Leonel Brizola, em seu primeiro mandato, e o vice, Darcy Ribeiro, comemorando um ano de existência das escolas no Sambódromo. A responsável pela ‘organização’ do evento, que já vou colocando entre aspas para não esconder as dificuldades, era eu. Na primeira reunião com os interessados em participar, os alunos decidiram apresentar um samba. “Muito fácil”, pois não tínhamos instrumentos e eu nem sabia como começar. (...) Na hora ‘H’, entretanto, tudo aconteceu diferente e muito rápido, completamente distante de meu controle e intervenção. Ao sairmos do setor 2 em direção à Apoteose para a concentração, a nossa escola crescia em entusiasmo e orgulho, com Cristiano em destaque. Os meninos e meninas dirigiam-se para o local estabelecido como se estivesse valendo. Anteciparam-se à hora marcada e entraram na avenida como heróis, aplaudidíssimos pelas outras escolas. Só aí entendi que nossos alunos haviam decidido desfilar, sem ensaio algum, como se sempre soubessem o que iriam fazer. No mesmo momento, percebi que estavam reinventando a festa a partir de tudo o que conheciam e receberam de herança. (...)

77 Dentre o corpo docente, havia Lígia Costa Leite (Coordenadora geral) de 1983 a 1989; Martha Campos Abreu (Coordenadora de História) de 1984 a 1989; Monica Rabello de Castro (Coordenadora de Matemática) de 1983 a 1989; e Joel Rufino dos Santos historiador, professor e escritor brasileiro, ativista do Movimento Negro e que atuava como consultor na unidade escolar. 113

Para mim, o episódio, além da grande emoção, provocaria algumas sugestivas reflexões sobre a surpreendente criatividade e capacidade de inovação que aqueles alunos constantemente demonstravam. Mais diretamente, colocou-me o desafio de procurar entender a complexa relação, quase sempre difícil e conflituosa, por vezes próxima e simbiótica, entre os representantes de uma certa cultura popular, ou seus herdeiros, e os demais segmentos sociais da cidade, naquele caso específico, políticos, intelectuais e professores. (ABREU, 1999, p. 24-25).

A manifestação espontânea dos alunos surpreendeu a docente e demonstrava a que tipo de cultura os alunos, se não todos, pelo menos a maioria, estavam inseridos, que era o samba e as escolas de samba. Sendo assim, afirmamos que este foi o nascedouro da ideia de criação da escola de samba mirim Corações Unidos da Passarela, tanto que o presidente da escola de samba mirim, chamada por Martha de Abreu de “Escola de Samba Mirim do Sambódromo”, foi o aluno Cristiano Pereira Bonfim, filho de Joel Toledo de Araújo (Xangô do Estácio e embaixador do Morro do São Carlos), que veio a falecer alguns anos mais tarde, mas que - antes do trágico fim - foi o presidente da agremiação mirim. Se inicialmente o nome da escola foi conhecida como “Escola de Samba Mirim do Sambódromo” nos jornais, praticamente em todo o ano de 1985, ou ainda, “Corações Unidos da Passarela”, logo em seguida, a ter denominação final grafada como Corações Unidos do CIEP (O GLOBO, 9/02/1986). Por ser um projeto patrocinado pelo governo do estado do Rio de Janeiro, a escola de samba mirim teve primazia perante as duas outras existentes, sendo a primeira a abrir os desfiles das escolas de samba do grupo Especial, no domingo, sendo seguida pela Império do Futuro e cabendo à Alegria da Passarela desfilar na segunda-feira de carnaval, na Passarela do Samba. De fato, Fernando Pamplona estava correto no tocante ao uso da escola de samba mirim como propaganda do governo de Leonel Brizola, seu samba de enredo com o título “Grandes realizações” foi composto por Xangô da Mangueira, enaltecendo a personalidade do gestor e o novo palco dos desfiles, a Passarela do Samba, o que fazia sentido para um sambista que - como outros - reconhecia a importância deste espaço para as escolas de samba.

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Grandes Realizações

Marco genial da moderna arquitetura templo do carnaval obra de arte, beleza pura. O governador voltado com talento e energia para o bem-estar e a alegria do povão do nosso Estado

É tempo de estudar é hora de aprender para o futuro caminhamos apostando na vitória

Cidade maravilhosa agora com automóveis é a beleza suntuosa matriz da democracia

A escola de samba mirim trazia uma terceira vertente conceitual consigo e semelhanças com a escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras. Ela era uma agremiação carnavalesca oriunda de uma escola pública, o CIEP Complexo Avenida dos Desfiles, sem filiação com nenhuma escola de samba, sendo um projeto pedagógico com o objetivo de despertar a criatividade e o talento dos alunos da rede municipal de ensino, ainda que - naquele momento - seus integrantes fossem os alunos do CEMADE e de algumas escolas próximas à área da Passarela do Samba, para melhorar seus desempenhos em sala de aula, complementar e enriquecer sua vida escolar, contribuindo para sua formação. Completamente diferente das criadas por Careca e Osmar Valença, importa ainda dizer que a Corações Unidos do CIEP não foi criada com o objetivo de preservar a cultura das escolas de samba e nem de qualificar crianças e adolescentes para serem uma nova geração de profissionais, porém - a partir das práticas desenvolvidas - pode-se considerá-la como um projeto educacional de Educação Patrimonial, que de acordo com definição do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN)78: Trata-se de um processo permanente e sistemático de trabalho educacional centrado no Patrimônio Cultural como fonte primária de conhecimento e enriquecimento individual e coletivo. A partir da experiência e do contato direto com as evidências e manifestações da cultura, em todos os seus múltiplos aspectos, sentidos e significados, o trabalho da Educação Patrimonial busca levar as crianças e adultos a um processo ativo de conhecimento, apropriação e valorização de sua herança cultural,

78 Disponível em < http://portal.iphan.gov.br/uploads/temp/guia_educacao_patrimonial.pdf.pdf> Acesso em 4 ago. 2018. 115

capacitando-os para um melhor usufruto destes bens, e propiciando a geração e a produção de novos conhecimentos, num processo contínuo de criação cultural. O conhecimento crítico e a apropriação consciente pelas comunidades do seu Patrimônio são fatores indispensáveis no processo de preservação sustentável desses bens, assim como no fortalecimento dos sentimentos de identidade e cidadania. A Educação Patrimonial é um instrumento de “alfabetização cultural” que possibilita ao indivíduo fazer a leitura do mundo que o rodeia, levando-o à compreensão do universo sociocultural e da trajetória histórico-temporal em que está inserido. Este processo leva ao reforço da autoestima dos indivíduos e comunidades e à valorização da cultura brasileira, compreendida como múltipla e plural. O diálogo permanente que está implícito neste processo educacional estimula e facilita a comunicação e a interação entre as comunidades e os agentes responsáveis pela preservação e estudo dos bens culturais, possibilitando a troca de conhecimentos e a formação de parcerias para a proteção e valorização desses bens. A metodologia específica da Educação Patrimonial pode ser aplicada a qualquer evidência material ou manifestação da cultura, seja um objeto ou conjunto de bens, um monumento ou um sítio histórico ou arqueológico, uma paisagem natural, um parque ou uma área de proteção ambiental, um centro histórico urbano ou uma comunidade da área rural, uma manifestação popular de caráter folclórico ou ritual, um processo de produção industrial ou artesanal, tecnologias e saberes populares, e qualquer outra expressão resultante da relação entre os indivíduos e seu meio ambiente.(HORTA; GRUNBERG; MONTEIRO. S/d, p. 5, grifo dos autores)

Nesse sentido, o fato da escola de samba mirim estar localizada na Passarela do Samba, um monumento símbolo da cultura do samba e das escolas de samba, expressão cultural popular, característica da cidade do Rio de Janeiro e também do estado, promovia, como ainda o faz, a comunicação e a interação entre as escolas municipais ali existentes e a cultura local, o equipamento público, a escola de samba Estácio de Sá e seus moradores, possibilitando a proteção e valorização desses bens culturais (material e imaterial) junto às comunidades escolares. A qual consolida a prática pedagógica cultural no currículo escolar, que não está restrita ao conjunto arquitetônico, ou que compõe um equipamento público, mas que concebe seus protagonistas, os “arquivos vivos” (LACOUTURE, 1995, p. 217) e sua história, em atividades dialógicas educacionais. É nessa perspectiva ampliada que o museólogo Maximiliano de Souza (2010) ressignifica a ação da escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP para uma ação de educação patrimonial museal.

O Programa [Escola de Bamba] está realizando uma experiência de valorização do patrimônio, de reconhecimento da identidade cultural e de formação da cidadania, centrado nos objetos “samba e carnaval”, sendo estes elementos de manifestação popular reconhecidos como referências patrimoniais culturais. Segundo Mario Chagas (2009), a metodologia da 116

Educação Patrimonial firmou-se no Brasil como um desejo de se constituir um marco zero para as práticas educativas vinculadas ao patrimônio cultural. De certa forma, foi uma proposta de trabalho que proporcionou aos educadores e profissionais de museus rever os trabalhos realizados com o objeto patrimonial que estava fora do âmbito das instituições museais. Considero aqui educação patrimonial também como educação museal, pois interpreto que sua teoria metodológica foi desenvolvida no Brasil, basicamente em ações que centrava no objeto museal. (SOUZA, 2010, p. 79)

A partir do momento que a escola foi assumida pelo governador do estado e seu vice, a coordenação da escola de samba mirim ficou a cargo de Xangô da Mangueira com participação dos professores e animadores culturais até o ano de 1990, quando ele entregou para a professora regente de uma das escolas do CEMADE, Marilene Monteiro,79 a responsabilidade de prosseguir como sua presidente. A partir do momento que a professora assume a escola de samba mirim, ela sofrerá mais uma mudança conceitual. Ao ser lotada no CIEP Avenida dos Desfiles, a professora Marilene Monteiro desenvolveu atividades artísticas, sua disciplina de formação, com os alunos de uma das escolas, localizada no setor 9 da Passarela do Samba, desenvolvendo como processo de trabalho o projeto “Brincando de Carnaval”, ao mesmo tempo que se envolvia com a escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP:

E, aí, comecei a trabalhar samba enredo na sala de aula, desenho de figurino, maquete de carro, é pesquisa de enredo na sala de aula. E isso durou dois anos. Quando chegou em 1989, então, eu transmutei este projeto, no outro nome, que é o Escola de Bamba, que figura até hoje. (MONTEIRO, 2019).

Ao receber a incumbência de assumir a presidência da escola de samba mirim, Marilene Monteiro criou o projeto “Escola de Bamba”, nome muito próximo ao que deu origem à escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras “Escola dá Samba”, apesar de que, segundo ela nos disse, desconhecia este projeto. A entrevistada negou categoricamente ter qualquer tipo de ciência a respeito daquela agremiação infanto- juvenil na rede pública de ensino, mas o mesmo não deveria ocorrer entre as regionais administrativas da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro. Professora Marilene Monteiro considera sua experiência diferenciada por ter sido realizada em salas de aulas nas quais atuou como regente, fazendo com as crianças pesquisas e confecção de materiais, como maquetes, sobre carnaval e

79 Entrevista concedida à autora em 10 de junho de 2019. 117

escolas de samba, cujo nome do projeto era “Brincando de carnaval”. A passagem deste projeto para o “Escola de Bamba” aconteceu após ter sua responsabilidade de conduzir o projeto, que como ela mesma disse: lhe foi passado por Xangô da Mangueira. Em seguida, ela veio a registrar o projeto no Cartório de Títulos e Documentos e depois no Ministério da Educação, embora sobre este registro haja desconhecimentos, já que o Ministério não tem esta função de registros, apenas divulga práticas e projetos pedagógicos:

Registrei ele [em cartório de títulos e documentos] e depois no MEC para poder trabalhar efetivamente com ele, e comecei a dar peso a ele, porque ele não trabalhava mais com a maquete. Ele trabalhava com o tamanho real. Fui procurada pelo falecido Xangô da Mangueira, que era fundador e um dos diretores desta escola [Corações Unidos do CIEP], e aí ele durante um ano trabalhou com a gente, durante dois, quando chegou 1990, ele chegou pra mim, faltava dias para o carnaval, viu que as coisas estavam prontas com todo sacrifício, quando chegou... nós desfilávamos, na quinta-feira, ele no recuo, que hoje chama Jamelão, ele falou pra mim, olhou pra mim e eu disse: tá aí a escola pra passar, ele olhou pra mim me entregou um documento naquele momento, e disse pra mim tome conta você, tome conta desta escola, como se fosse um filho seu [lágrimas e choro contido], e é o que faço até hoje. O registro é pra você ter uma marca e o direito pelo uso da marca. Agora isso na realidade, não consigna proventos. (MONTEIRO, 2019).

A escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP, a partir de 1991, foi absorvida pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, sendo incorporada ao Núcleo de Artes, da SME/RJ, que hoje está vinculado à Gerência de Projetos de Extensão Curricular, para onde a professora Marilene Monteiro foi deslocada. Lá, sob a coordenação do professor José Henrique de Freitas, o projeto foi oferecido às escolas para toda a rede pública municipal de ensino da cidade. Portanto, passou a ser uma proposta pedagógica de caráter extracurricular oficial da secretaria, sendo não mais responsabilidade de uma única unidade escolar, deixando de ser circunscrita aos alunos do CEMADE, alunos de escolas municipais próximas à Passarela do Samba e de moradores da vizinhança, passando a fazer parte de um conjunto de 74 projetos pedagógicos, os quais são oferecidos às escolas da rede de ensino, sendo assim definido: “O Projeto Escola de Bamba consiste na articulação de um conjunto de ações de caráter pedagógico e técnico, que se constitui na formação de uma escola de samba genuinamente pública municipal80” (SME/RJ).

80 Disponível em: < http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=2448293>. Acesso em: 18 de. 2018. 118

De acordo com a SME/RJ:

Com o projeto, ao longo do ano, a escola possui uma programação que inclui a capacitação de professores, seleção do samba-enredo, mostra coreográfica, seleção de figurinos e alegorias, ensaio geral e, finalmente, o desfile na Marquês de Sapucaí. A escola de samba mirim conta com cerca de 2 mil alunos e 250 professores oriundos de escolas municipais da Rede. Mais do que uma escola de samba o projeto visa, principalmente, ao lado educacional e social onde o foco é o aluno. (SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, 2017).

Esse trabalho é um tipo de educação que desenvolve comunidades de aprendizagem do ensino da história do samba e das escolas de samba e as artes carnavalescas, além de formação identitária cultural e cidadã. A relação de aprendizagem é mutua, nela, professores e alunos se qualificam e são qualificadores:

A composição em nossa escola foi realizada através da oficina ministrada pela professora de Língua Portuguesa, Nídia Duarte, contou também com a participação do secretário da U.E., Jimmy Charles, que é compositor, além da sala de Leitura. "- Relatou a diretora da E.M. Cuba, Anna Paula Gomes. A escola, através da oficina, orientou os alunos a compor o samba de acordo com a sinopse do enredo. Feita a composição, o samba foi levado para a disputa na quadra da Estácio de Sá, em setembro de 201881.

Para a escola municipal se inscrever no projeto, ela precisa fazer uma adesão oficial se inscrevendo no período de abertura das inscrições, depois participar da apresentação do enredo para o desfile, que geralmente é um seminário com especialistas da temática escolhida previamente no ano anterior, frequentar as oficinas com especialistas e profissionais de escolas de samba, as quais são oferecidas sobre música e composição de sambas-enredo, alegorias e adereços, dentre outras, que se iniciam no mês de julho e seguem até o mês de novembro, período em que se realiza a escolha do samba-enredo e também são apresentados os protótipos das fantasias. Os sambas-enredo da escola mirim têm sempre um caráter didático, por exemplo, “Carnaval através da música” de 1991, “Uma aquarela francesa descobre o paraíso tropical” de 2009, como sobre as contribuições das artes visuais para a história sociocultural da cidade do Rio de Janeiro, “Na dialética do amor, um traço de Shakespeare na Sapucaí” de 2013,

81 Disponível em: < http://www.rio.rj.gov.br/web/sme/exibeconteudo?id=2448293>. Acesso em: 18 de. 2018.

119

Segundo a professora Marilene Monteiro, as alas são constituídas por alunos de uma ou mais escolas municipais, a ala das baianas da escola de samba mirim é formada por alunos de escolas da Vila Aliança, por exemplo. O intérprete da escola finalizou o ensino fundamental e passou para o ensino médio em uma das escolas que compõem a Fundação de Apoio à Escola Técnica (FAETEC), sendo que ele já está nesta função há três anos, representando investimento pessoal do aluno e da escola de samba mirim. Assim, mesmo ele não fazendo mais parte da rede municipal de ensino, Marilene Monteiro irá mantê-lo, pois como havia dito que gostaria de se manter como intérprete até alcançar a idade limite prevista pelo estatuto da AESM-Rio, a presidente o manterá nesta função: “ele me disse (o aluno): eu quero ser intérprete de escola de samba. Então, ele vai ficar até quando a família dele permitir e até quando a idade couber, não é isso?”. De certa forma, hoje a Corações Unidos do CIEP, em se tratando de componentes, é semelhante à escola de samba mirim Alegria da Passarela, que reunia crianças e adolescentes que eram oriundas de alas de crianças de diferentes escolas de samba, não atendendo a uma determinada comunidade, só que, neste caso, as crianças vêm de diferentes bairros e regiões da cidade do Rio de Janeiro, como Anchieta, Copacabana, Higienópolis, Sepetiba etc., sendo por nós considerada também como um coletivo dispersivo. O foco da escola de samba mirim não é preservar a tradição das culturas das escolas de samba, mas “o lado educacional e social onde o foco é o aluno”, e por este ângulo a professora Marilene Monteiro exige dos professores que não esqueçam de correlacionar as atividades que irão desenvolver com os alunos com as habilidades e competências requeridas pelo currículo escolar adotado pela SME/RJ. Se a Alegria da Passarela é conceitualmente uma escola de samba mirim voltada para a prática dos desfiles de escolas de samba e formadora de praticantes desta expressão cultural popular, tendo como integrantes somente crianças e adolescentes sem qualquer vinculação filial com outra escola de samba, portanto, sem o compromisso direto de imergir crianças e adolescentes na cultura do samba, sendo uma (re)interpretação do modelo conceitual criado por Careca. A escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP é totalmente diferenciada dos dois modelos. A Corações Unidos do Ciep é um projeto extracurricular de educação patrimonial desenvolvido na SME/RJ, por professores e alunos das escolas públicas, 120

sem filiação com alguma escola de samba, o que favorece à prática interdisciplinar dos conteúdos previstos no currículo básico da rede, relacionando-os com a cultura material e imaterial das escolas de samba, a partir do desenvolvimento das atividades necessárias para a prática dos desfiles de uma escola de samba. Essa é a terceira vertente conceitual identificada entre as escolas de samba mirins que desfilam na Passarela do Samba, a quarta será apresentada por meio de análises do projeto social escola de samba mirim Flor do Amanhã, criado em 1991, pelo carnavalesco Joãozinho Trinta.

2.3 Flor do Amanhã: escola de samba mirim como projeto de inclusão social de crianças em situação vulnerabilidade

No que se refere aos conceitos sobre escolas de samba mirins, há uma terceira vertente conceitual, que foi desenvolvida pelo carnavalesco Joãozinho Trinta, quando fundou o projeto social escola de samba mirim Flor do Amanhã, em 1990. O carnavalesco tinha como finalidade trabalhar com crianças e adolescentes, no âmbito da educação não-formal, que caracterizamos como do tipo social. Dentro do repertório dos âmbitos da educação não formal, temos instituições que desenvolvem a educação sob o aspecto social: “aquelas instituições e programas destinados a pessoas ou coletivos que se encontram em alguma situação de conflito social: centros de acolhida, centros abertos, educadores de rua, programas pedagógicos em centros penitenciários, etc.” (TRILLA, GHANEM, 2008, p. 44). Joãozinho Trinta - já tendo a experiência de ter feito de uma ala de crianças, com crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade na cidade de Nilópolis, em 1982- ampliou sua visão para o modelo escola de samba mirim e o público beneficiário, passando a se voltar para os menores carentes moradores de rua do centro da cidade do Rio de Janeiro. O objetivo era que estas crianças conhecessem as técnicas e funções que envolvem o desfile de carnaval e as escolas de samba para que - diante dessas possibilidades - eles pudessem ser inseridos no mundo do trabalho, no campo do carnaval. Dessa forma, por “mundo do trabalho”, compreende-se todos os processos que envolvem a elaboração, confecção e produção dos desfiles carnavalescos, cujos profissionais são compositores, intérpretes (puxadores de samba, mestres de bateria, instrumentistas (ritmistas), designers, coreógrafos, estilistas, figurinistas, roteiristas, 121

costureiros, maquiadores, artesãos, bailarinos, passistas, mestres-sala, porta- bandeiras, musas do carnaval, rainhas de baterias e outros. A experiência do carnavalesco em trabalhar com crianças já ocorrera no G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis, em 198282, na formação de uma miniescola de samba, na ala de crianças da agremiação, que teve a participação de 400 integrantes, conforme já analisamos no primeiro capítulo desta tese. A modalidade de ensino proposta por Joãozinho Trinta estava alinhada aos objetivos estipulados para atendimento às crianças e adolescentes, em situação de risco ou conflito social, e amparada no Estatuto da Criança e Adolescentes (ECA), promulgado em julho de 1990, não sendo um mero acaso a criação de seu projeto praticamente um ano após esta promulgação. Discursivamente, o carnavalesco adotou como linha pedagógica em seu trabalho a ressocialização e qualificação profissional de crianças e adolescentes em situação de risco, fazendo delas protagonistas de uma nova história para si. É a partir dos anos de 1990 que a disseminação dos projetos sociais alcança um grande “boom”, prosseguindo pelos anos de 2000, conforme explica Fernando Rossetti, secretário-geral do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE) (Apud ZAVALA, 2007):

Para Fernando Rossetti, secretário-geral do GIFE, apesar das diferenças estatísticas, o fato é que todas as pesquisas mostram que houve mesmo um boom do terceiro setor no Brasil na década de 90 e que aparentemente isso está continuando nesta década [2000]. “São muitas as variáveis que levam a esse crescimento; desde a abertura do mercado brasileiro a partir dos anos 90 até a queda do Muro de Berlin em 1989, passando pela revisão do papel do Estado.”83

Conforme identificado por Fernando Rosseti, o cenário político nacional encontrava-se pautado na luta pela retomada do Estado Democrático de Direito e na efetivação dos direitos sociais a todos os cidadãos, mobilizando a sociedade civil para equacionar a questão dos “menores carentes”, tendo relevante papel a atuação de educadores, psicólogos, assistentes sociais e organismos ligados ao Terceiro Setor, como as Organizações Não-Governamentais (ONGS).

82 Situação descrita no Capítulo 1. 83 Artigo publicado no portal do Grupo de Institutos, Fundações e Empresas (GIFE), instituição fundada como organização sem fins lucrativos, em 1995, por investidores sociais do Brasil, sejam eles institutos, fundações ou empresas. Disponível em . Acesso em: 31. Jan. 2019. 122

A atuação política desses grupos foi importante para a promulgação do ECA e, anteriormente, na promulgação da “Constituição Cidadã” (1988), representativa das conquistas populares pela retomada da via democrática de governos, trazendo em seu corpo jurídico uma nova postura sobre a infância e adolescência, prescrita no artigo 227: É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (BRASIL, 1988).

Os campos da Educação e Cultura foram ganchos fundamentais para a disseminação de projetos sociais, muitos deles desenvolvidos por ONGS ou grupos formais para capacitar e qualificar crianças e adolescentes viventes de áreas carentes. É justamente inserido nesta via social que Joãozinho Trinta dará sua contribuição, pois, para ele, o trabalho com essas crianças e adolescentes contribuiria para “mudar o quadro de abandono e falta de perspectiva em que vive o menor de rua”84. Para trabalhar nesse projeto, o carnavalesco Trinta reuniu pedagogos, assistentes sociais e empresários de médio e grande porte que o auxiliaram com o financiamento do projeto. Obteve o investimento de empresas privadas e de órgãos públicos, como a Centro Brasileiro para a Infância e Adolescência (CBIA – antiga Fundação Nacional do Bem-estar do Menor) e o apoio dos professores da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Lígia Costa Leite85, coordenadora do projeto, e Sergio Murilo Pereira Gomes 86, que ocupou a função na escola mirim de Gerente de Cultura e Profissionalização. Dessa forma, Joãosinho Trinta criou o projeto social escola mirim Flor do Amanhã, que também conquistou o direito de desfilar no Sambódromo, pelo grande apelo social que o projeto tinha junto ao público e também devido às suas relações como profissional do carnaval. A sede do projeto era instalada nos armazéns da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem), no bairro da Saúde, centro da cidade do Rio de Janeiro,

84 Matéria do Jornal do Brasil. RJ, 06/10/1990. 85 A professora Lígia Costa Leite é ex-diretora da escola Tia Ciata, criada durante o primeiro mandato do governador Leonel Brizola, que atendia menores carentes e moradores de rua. 86 Ocupou a função na escola mirim de Gerente de Cultura e Profissionalização do espaço. Para assessor do projeto, foi chamado o historiador Joel Rufino dos Santos. 123

e que foram doados à CBIA. As atividades idealizadas pelo carnavalesco propunham oficinas profissionalizantes para ocupar o tempo dos jovens, restituindo-lhes a cidadania “roubada pelos anos de desamparo pelas ruas”. A participação democrática das crianças na agremiação mirim era sempre acentuada pelos jornais por ser estimulada por Trinta entre as crianças, visto que eles são os protagonistas. Um dos fatos que sustentam essa afirmativa eram as assembleias que ele realizava para que os jovens decidissem, por si, os rumos da escola mirim. As ações desenvolvidas por Trinta foram bastante exploradas pela mídia, que o identificou como um mentor democrático dos jovens. Todo o processo criativo, administrativo e financeiro era conduzido pelo carnavalesco, fato também presente nas outras escolas de samba mirins, cabia aos adultos o gerenciamento das agremiações. Cabe ressaltar que os trabalhos desenvolvidos por Joãozinho Trinta, pelas ONGs e pelos presidentes das escolas de samba mirins - ao conceberem as crianças como cidadãos ativos e sujeitos educativos - dinamizaram os mercados de trabalho e de consumo dentro das escolas de samba ou fora delas, sobre a infância e adolescência, ao criarem estes espaços de gerenciamento de atividades voltadas para elas, não sendo exclusivos somente aos denominados projetos sociais:

Argumentamos que, nas sociedades contemporâneas, apesar de cada vez mais afastada da produção econômica, a infância produz recursos econômicos, é “útil”. Em primeiro lugar, a demarcação de sua especificidade dinamiza os mercados de trabalho e de consumo. Ao se lhe reconhecerem necessidades (ou direitos) específicas(os), geram-se novas profissões no mercado de trabalho adulto que, por sua vez, geram, também, a produção de novas mercadorias e serviços, inclusive os de natureza política, acadêmica, filantrópica, comunitária, ou solidária. Oldman (1994) assinala esse valor econômico da infância com base no que denomina “trabalho para criança” [childwork], “isto é, trabalho realizado por adultos na organização e controle das atividades infantis” (p.45). (ROSEMBERG; MARIANO, 2010, p. 696).

Tanto que as escolas de samba também passaram a desenvolver projetos sociais para suas comunidades, independente de terem escolas de samba mirins ou não, como forma de constituir novas gerações de sambistas, como também oferecendo cursos de idiomas, reforço escolar, artesanato e de mestres-sala, porta- bandeiras, passistas e outras atividades com vistas à qualificação profissional para adultos, jovens, adolescentes e crianças. Nos casos em que estas escolas de samba também têm escolas de samba mirins, muitos dos resultados retornam para elas, principalmente, nas confecções de fantasias, já que as fantasias das crianças que desfilam nas escolas de samba mirins são gratuitas. 124

Retornando a Joãozinho Trinta e o projeto social escola de samba Flor do Amanhã, vê-se que o carnavalesco atuava como orientador junto aos meninos nas técnicas que envolviam a confecção de um desfile de carnaval. Os enredos eram polêmicos, pois falavam da vivência das crianças pelas ruas da cidade e os problemas enfrentados no cotidiano, sendo uma grave questão social. Joãozinho Trinta, ousado em sua carreira artística, também chocava a sociedade ao exibir uma das maiores mazelas da cidade: os menores abandonados. Ainda que se apresentando como parte da solução do problema, investindo em uma escola de samba mirim, na qual o riso e a alegria eram doses certas de ânimo, o problema das crianças carentes era assunto da ordem do dia, conforme noticiava a imprensa, Jornal do Brasil – 03/01/1991 “Menores assassinados em 90 chegam a 445”. Tanto assim, que o título do enredo do primeiro desfile da escola de samba mirim, em 1991, foi “O ônibus”, escolhido pelas crianças para falar sobre suas vidas nas ruas, das brincadeiras infantis e de viagens imaginárias (O GLOBO, 10/01/1991). Mas se, por um tempo, a ação do carnavalesco foi louvada na mídia, em seguida, esta mesma imprensa irá derrubá-lo desta posição, expondo os desacertos do projeto, que mesmo tendo recebido doações de empresários, ainda não havia implementado os projetos de profissionalização e nem a reforma do prédio doado. A questão educacional para inclusão social das crianças não conseguia deslanchar, apesar da coordenadora do projeto ter sido uma das diretoras da Escola Tia Ciata, além de especialista na área, sendo uma referência neste tipo de processo educacional, a professora Lígia Costa Leite teve embates com o carnavalesco, que fez do galpão onde estava localizado o projeto o asilo para as crianças, o que ia de encontro ao trabalho por ela a ser desenvolvido, além dos riscos para as próprias crianças por falta de pessoal especializado para estar 24 horas as atendendo. Apesar dos investimentos financeiros, a escola não deslanchou (JORNAL DO BRASIL, 15/02/1992), pois para manter um abrigo era necessário uma taxa alta de manutenção de todo projeto. No último ano da escola, 1992, seu nome foi trocado para Usina da Alegria (JORNAL DO BRASIL, 19/03/1992), sendo idealizada como uma fábrica de carnaval, estabelecendo a qualificação das crianças como eixo principal das atividades, porém, mesmo assim, o projeto não conseguiu ir à frente. Joãozinho Trinta - devido ao trabalho que desenvolvia no G.R.E.S. Beija-flor de Nilópolis - não pode se envolver completamente com o projeto, o que parece, em parte, justificar o insucesso, além da 125

completa incompatibilidade de objetivos com a professora Lígia Costa Leite. Ainda no ano de 1992, ele e as crianças foram ameaçados de morte, por duas vezes, nas noites em que dormiu no galpão. Daquele momento para frente, o carnavalesco se afastou do projeto e o Juizado de Menores, em visita feita ao local, constatou condições insalubres, decidindo fechar o estabelecimento. Diante desses fatos, os conselheiros afastaram o carnavalesco da direção do projeto, sendo substituído pelo antropólogo e educador Darcy Ribeiro, que não deu continuidade ao projeto escola de samba mirim, mas continuou com a proposta de qualificação das crianças ao criar o curso de reforma de móveis antigos. Contudo esta atitude por parte do ex-governador gera espanto, tendo em vista o apoio que ele manteve no passado, apoiando a escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP, mas o projeto foi descontinuado. A escola de samba mirim Flor do Amanhã somente conseguiu brilhar na Passarela do Samba por dois anos, muito embora, devido à projeção social do carnavalesco, ela tenha participado durante este período de vários eventos importantes na cidade, como o Rock in Rio (1991) e a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como Eco-92. Ainda fiel aos seus ideais quando criou a miniescola de samba, na ala de crianças da Beija-Flor de Nilópolis, o sonho de profissionalização, a partir da prática de elaboração, confecção e organização dos desfiles de escolas de samba, para crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, o carnavalesco trouxe como conceito para o termo escolas de samba mirins o de projeto social, que abriu portas para o surgimento de outras escolas de samba a partir da década de 1990, as quais se agregaram ao grupo desfilante na Passarela do Samba e mesmo fora deste espaço. Para fins de visualização deste crescimento expressivo, compusemos as tabelas 8 e 9. Ao verificá-las, pudemos comprovar que, em 1990, houve o acréscimo de 11 escolas de samba ao grupo inicial (década de 1980), que era composto por apenas 5 agremiações, não contando com a escola de samba mirim Alegria da Passarela, que deixou de existir a partir de 1989.

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Tabela 8 NOME DA AGREMIAÇÃO ANO DE FUNDAÇÃO OBSERVAÇÃO Império do Futuro 1983 Alegria da Passarela 1984 A escola findou suas atividades no ano de 1989. Corações Unidos do CIEP 1985 Mangueira do Amanhã 1987 Herdeiros da Vila 1988 Aprendizes do Salgueiro 1989 Total: 6 agremiações Fonte: O autor, 2019.

Tabela 9 NOME DA AGREMIAÇÃO ANO DE FUNDAÇÃO Nova Geração do Estácio 1990 Miúda da Cabuçu 1991 Inocentes da Caprichosos de 1991 Pilares Infantes do Lins 1991 Ainda existem crianças na Vila 1991 Kennedy Leãozinho de Nova Iguaçu 1991 Inocentes da Caprichosos 1991 Estrelinha da Mocidade 1992 Flor do Amanhã 1992 Planeta Golfinhos da Guanabara 1996 Total: 11 agremiações Fonte: O autor, 2019.

Ou seja, o processo começa e tem ritmo constante entre os anos de 1983 a 1992, com lapso em 1986 e culminância em 1991, tendo um período estacionário de 1993 a 2000, com uma exceção 1996 e volta com força menor, ainda que com um novo pico em 2002, embora menor que o anterior, parando novamente desde 2003 (ver tabela 10).

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Tabela 10 DÉCADA DE 2000 NOME DA AGREMIAÇÃO ANO DE FUNDAÇÃO OBSERVAÇÃO Filhos da Águia 2001 Pimpolhos da Grande Rio 2002 Apesar de ter o G.R.E.S. Acadêmicos da Grande Rio como escola mãe. Em 2004, se constituiu como uma Organização Não Governamental (ONG). Tijuquinha do Borel 2002 Petizes da Penha 2002 Meninada, Esperança e 2003 Liberdade (MEL) do Futuro Virando Esperança 2006 Desfilou até o ano de 2009. A escola é oriunda de Niterói. Em 2014, a escola de samba mirim trocou seu nome para Construindo Sonhos e tentou retornar ao grupo que desfila na Passarela, contudo não fixou seu lugar. Total: 6 agremiações Fonte: O autor, 2019.

Nos anos 2000, surgiram mais outras escolas de samba mirins, conforme verifica-se na tabela 3. As seis agremiações que surgem já foram formadas tendo conceitualmente como objetivo atuarem como projetos sociais comunitários. E a referida mudança está relacionada com o surgimento da nova representação jurídica do grupo, a AESM-Rio, que sob a liderança do professor Sérgio Murilo, o mesmo que era coordenador de projetos do projeto social Flor do Amanhã, tornou-se presidente da associação, trazendo este novo conceito para ser implementado entre as escolas de samba mirins, com exceção da Pimpolhos da Grande Rio, que - após dois anos de criada - mudou sua condição jurídica para Organização Não-Governamental (ONG), que será analisada ainda neste capítulo. Esse grupo que surge finaliza o grupo das escolas de samba mirins, tendo em vista que algumas escolas não existem mais (Alegria da Passarela) ou encontram-se sem desfilar, na posição de licenciadas, pois não mantêm um representante legal ou estão sem condições financeiras para realizarem seus desfiles.

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2.4 Pimpolhos da Grande Rio: uma ONG de arte-educação

A escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio é filha do G.R.E.S. Acadêmicos da Grande Rio, sendo uma das duas escolas que se estabeleceram fora da cidade do Rio de Janeiro87, e que participa do grupo que desfila na Passarela do Samba até hoje, 2019. O primeiro desfile da agremiação foi em 2003 e, no ano seguinte, em 2004, ela se constituiu como uma Organização Não-governamental (ONG) de arte-educação, sendo independente da escola mãe juridicamente, mas se apoiando nela para desenvolvimento de suas atividades, com missão, visão, valores e objetivos. A presidente da entidade é Camila Soares, filha do patrono da escola de samba Acadêmicos da Grande Rio, desde sua fundação. A Pimpolhos - ao se constituir como uma ONG - tem liberdade para realização de parcerias com empresas privadas, com União, estados, Distrito Federal e municípios e participação de editais, especialmente na área de educação e cultura. E talvez esta real possibilidade tenha propiciado a transformação de uma sociedade civil sem fins lucrativos para uma ONG, pois, no ano de 2004, a agremiação mirim participou de edital do Fundo Nacional de Cultura, com o projeto “Programa de Aprimoramento em Artes Carnavalescas – Arte Folia”, obtendo o apoio por ser uma instituição que desenvolve ações de natureza cultural, como o carnaval e as culturas das escolas de samba, dando oportunidade para dezenas de jovens aprenderem técnicas artísticas voltadas para a produção do carnaval, criando uma perspectiva de trabalho e promovendo a inclusão social88. Muito embora temos que advertir que as escolas surgidas antes da década de 1990 - Mangueira do Amanhã (1987), Herdeiros da Vila (1988) e Aprendizes do Salgueiro (1989), que são escolas de samba mirins identificadas como seguidoras da linha conceitual implementada pela Império do Futuro de preservação e valorização

87 A outra escola de samba mirim é G.R.C.E.S.M. Virando Esperança, oriunda de Niterói, tendo como escola de samba mãe o G.R.E.S. Unidos da Viradouro, que - até o ano de 2009 - desfilou junto com o grupo que desfila na Passarela do Samba, cessando suas atividades. A escola era oriunda de Niterói, Em 2014, a escola de samba mirim trocou seu nome para Construindo Sonhos e tentou retornar ao grupo que desfila na Passarela, contudo não fixou seu lugar entre as demais do grupo, pois como tinha participada como escola convidada, não era integrante do grupo, mesmo sendo filiada a AESM- Rio. Consta que – em seguida - a escola de samba mirim oficialmente encerrou suas atividades. 88 Informações extraídas do sítio eletrônico da agremiação mirim, disponível em: < http://pimpolhos.org.br/historico/>. Acesso em: 8 fev. 2016. 129

das tradições da cultura das escolas de samba - também tenham absorvido conceitualmente suas atividades como projetos sociais. A escola Mangueira do Amanhã desenvolvia projetos sociais, desde 1987, que - junto com a área de esportes e com a instalação de sua Vila Olímpica - tornou-se espaço de inclusão social para as crianças daquela região, fazendo a triangulação esporte-cultura-educação. Na década de 2000 e fechando o grupo de escolas de samba que desfilam na Passarela do Samba, em 10 de agosto de 2002, foi criada a escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio, trazendo outros valores para serem agregados conceitualmente ao grupo. A escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio surgiu em 2002, fazendo seu primeiro desfile no ano seguinte e tendo como presidente Camila Soares. Situada no município de Duque de Caxias, sendo uma das duas escolas de samba mirins a estar localizada fora da cidade do Rio de Janeiro. A outra escola é a Construindo Sonhos89, que fica em Niterói. A agremiação carnavalesca é filha do G.R.E.S. Acadêmicos da Grande Rio, mas desde o ano de 2004 é totalmente autônoma da escola mãe, tendo reformado seu estatuto tornando-se uma Organização Não- Governamental (ONG), desde o ano de 2004. O patrono da escola é Jayder Soares, presidente de honra do G.R.E.S. Acadêmicos da Grande Rio, e seu pai O principal diferencial identificado nesta agremiação mirim é ter como eixo condutor de suas ações “Ser uma ONG autossustentável e referência em arte educação, que promove a inclusão social, o desenvolvimento educacional e profissional de crianças e jovens, levando o conhecimento para diversas camadas da sociedade sobre assuntos primordiais, como: meio ambiente, cidadania, saúde e cultura90”, e tendo como visão “Promover interação social e educar através da arte, da cultura e do carnaval, criando oportunidades de aprendizado e crescimento para centenas de crianças e adolescentes91.” O principal diferencial entre essa agremiação

89 A escola de samba mirim Construindo Sonhos (2014) anteriormente tinha como nome Virando Esperança, tendo como escola mãe o G.R.E.S. Unidos da Viradouro, tendo sido criada em 24/06/2006, e que desde 2009 não participa mais dos desfiles das escolas de samba mirins. Esclarecemos que mesmo sendo filiada à AESM-Rio, a escola de samba mirim desfilou na condição de convidada. Esta forma de introduzir novas escolas foi comum durante um tempo na associação, mas recentemente a escola de samba mirim Cavalinhos Marinhos também filiada à AESM-Rio somente conseguiu desfilar como uma ala da escola de samba madrinha Império do Futuro, no ano de 2015. 90 Dados extraídos do sítio eletrônico da Pimpolhos da Grande Rio. Disponível em: < http://pimpolhos.org.br/sobre-nos/>. Acesso em: 7 de ago. 2017. 91 Idem. 130

e as demais é a compreensão de uma escola de samba mirim como uma empresa (entidade privada da sociedade civil), sem fins lucrativos, cujo propósito é promover o ensino de arte (arte-educação) a partir dos valores simbólicos do carnaval, cultura do samba, cultura das escolas de samba, que está abrigado no conceito de cultura, que é parte integrante de sua missão empresarial. Apesar de ser autônoma diante de sua escola mãe, a Pimpolhos da Grande Rio utiliza como sua sede aquela escola, bem como seu barracão para o desenvolvimento de suas atividades educativas, que se encontram centradas em seu principal projeto: a Escola de Carnaval e dois produtos: Barracão Axé e Carnaval Experience. É por meio da Plataforma Escola de Carnaval: Um espaço de educação, pesquisa, reflexão, produção e aprimoramento da cultura do Carnaval no Brasil que a escola desenvolve programas artísticos e educacionais para capacitação nas áreas de gestão, criação e produção dos desfiles da escola de samba mirim92, que, neste caso, é um laboratório de trocas de ideias e aperfeiçoamento técnico, propiciados, de acordo com informações em seu portal, pelas oficinas, cursos, visitas de seus integrantes a diferentes espaços culturais (exposições, espetáculos musicais, apresentações teatrais), mantendo contato constante com profissionais do carnaval e do mercado de entretenimento. A metodologia de trabalho, segundo consta no portal, é “lúdico-pedagógica. Uma metodologia que valoriza e pensa o Carnaval como grande espetáculo cultural, síntese e símbolo da identidade nacional brasileira, articulando os aspectos artísticos dessa manifestação nas proposições de atividades educativas”, respaldando seus processos de ensino-aprendizagem no ensino da arte, atribuindo um valor artístico aos seus projetos:

A arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Através da arte, é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica e assim analisar a realidade percebida, pela criatividade, de modo a mudar de alguma forma a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2005, p. 292).

92 Dados extraídos do sítio eletrônico da Pimpolhos da Grande Rio. Disponível em: < http://pimpolhos.org.br/sobre-nos/>. Acesso em: 7 de ago. 2017.

131

Ao formar a escola mirim em 2002 e mais tarde, em 2004, transformá-la em uma ONG, Camila Soares, que é graduada em cinema e, portanto, ligada às artes, deve ter percebido o potencial das escolas de samba mirins, dentro da cadeia da economia criativa do Carnaval:

[...] economia criativa é o conjunto de atividades econômicas que dependem do conteúdo simbólico – nele incluído a criatividade como fator mais expressivo para a produção de bens e serviços. (...) as indústrias criativas podem reforçar a cultura como valores e tradições que identificam uma comunidade ou nação. Além do papel de coesão social e inclusão, este reforço tem o potencial de gerar atratividade turística. Esta é a maneira pela qual a economia criativa se relaciona com a cultura e com o turismo. Outra maneira se relaciona ao turismo cultural centrado no patrimônio. A abordagem da economia criativa pode contribuir para a exploração racional e sustentável desse tipo de turismo e para a preservação do patrimônio, do meio ambiente e para o benefício das populações locais. (IPEA, 1990).

Dessa forma, a escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio é um produto cultural, como vertente antropológica e sentido funcional, pois:

[...] sua produção requer participação expressiva da criatividade humana e, por consequência, de conteúdo simbólico; são veículos de mensagens simbólicas para quem os consome, ou seja, são mais do que simplesmente veículos de comunicação, na medida em que, adicionalmente, servem a algum propósito maior; e eles contêm, pelo menos potencialmente, alguma propriedade intelectual que é atribuível ao indivíduo ou grupo de produção do bem ou serviço. (...)pode-se sugerir que esses bens e serviços têm um valor cultural em adição a qualquer valor comercial que possam possuir e que esse valor cultural não pode ser totalmente mensurável em termos monetários. Em outras palavras, as atividades culturais de vários tipos e os bens e serviços que eles produzem são valorizados por razões sociais e culturais que possam complementar ou transcender uma avaliação puramente econômica. Essas razões podem incluir considerações estéticas ou a contribuição das atividades para a compreensão da comunidade da identidade cultural. Se o valor cultural pode ser identificado, ele pode servir como uma característica observável para distinguir bens e serviços culturais, em comparação com diferentes tipos de commodities (IPEA, 1990).

Não sendo meramente uma agremiação que tem o objetivo de preservar a cultura e tradição das escolas de samba ou estar voltada para a prática dos desfiles como forma de preparar as novas gerações de sambistas ou ainda um projeto social para atender crianças e adolescentes em situação de vulnerabilidade, a escola de samba mirim foi modelada conceitualmente como uma instituição cultural que produz bens, a própria escola de samba por educar através do ensino da arte, da cultura e do carnaval, crianças e adolescentes, além de produzir serviços, como o Barracão Axé e Carnaval Experience. 132

O Barracão Axé “oferece o aluguel de seus espaços para artistas plásticos, cenotécnicos, produções de eventos, teatro, dança, circo, cinema e televisão, escritórios, ateliês, oficinas e depósitos93. Dessa forma, dá suporte financeiro para a ONG no desenvolvimento de projetos junto às crianças da comunidade do município de Duque de Caxias, sendo este barracão de propriedade da escola mãe, a Acadêmicos da Grande Rio, localizada na Cidade do Samba; e o Carnaval Experience, que é um programa de turismo com vivências (oficinas) de criação dos desfiles com conteúdo histórico sobre carnaval e o surgimento do samba e das escolas de samba, ambos os serviços são fontes de recursos da escola de samba mirim para sua sustentabilidade. Entendemos que ao optar por ser uma ONG de arte-educação, a escola de samba mirim se inseriu no campo do ensino da arte na perspectiva de “reconstrução social de crianças e adolescentes” (BARBOSA, 2005, p. 291), tendo como objetivo “promover a inclusão social e educar através da arte, da cultura e do carnaval (...) criando oportunidades de aprendizado e crescimento para centenas de crianças e adolescentes94.”, pelo que pudemos depreender em sua visão: “Ser uma ONG autossustentável e referência em arte educação, que promove a inclusão social, o desenvolvimento educacional e profissional de crianças e jovens, levando o conhecimento para diversas camadas da sociedade sobre assuntos primordiais, como: meio ambiente, cidadania, saúde e cultura95.”

Mas, ao mesmo tempo, a agremiação que poderia ter suas atividades apenas centrada no modelo de projetos sociais, ultrapassou estes limites conceitualmente se posicionando como uma organização “socialmente includente, ecologicamente sustentável e economicamente sustentad[a]” (MARCHI, 2013, p. 38), indo ao encontro da perspectiva implementada pelo governo federal de fomento a setores de economia criativa no país (governo Luís Inácio Lula da Silva, 2003-2011), sendo previsto no Plano da Secretaria da Economia Criativa (PSE - 2011-2014), que privilegiava: “atividades produtivas [que] têm como processo principal um ato criativo gerador de um produto, bem ou serviço, cuja dimensão simbólica é determinante do seu valor,

93 Dados extraídos do sítio eletrônico da Pimpolhos da Grande Rio. Disponível em: < http://pimpolhos.org.br/sobre-nos/>. Acesso em: 7 de ago. 2017. 94 Dados disponíveis em: . Acesso em: 8 jan. 2019. 95 Idem. 133

resultando em produção de riqueza cultural, econômica e social.” (MARCHI, 2013, p. 45), citando uma parte do PSEC (2011, p. 22, grifo nosso). Dessa forma, ao se inserir metodologicamente no campo da arte-educação, a escola de samba mirim Pimpolhos da Grande Rio ancorou seus projetos sociais na linha da economia criativa, agregando valor econômico às suas ações e se posicionando como um setor dentro da cadeia produtiva da economia do carnaval. Acreditamos que as escolas de samba mirins sempre foram empreendimentos sociais, acontece que nos anos de 2000, com o advento da Pimpolho da Grande Rio e o seu desenvolvimento de suas atividades, sob o ponto de vista da economia criativa do carnaval, o grupo passou a ser reconhecido como um setor de produção de bens e serviços (ainda que a maioria das escolas tivessem que se reestruturarem para tal, como a Pimpolhos assim o fez), deixando de serem instituições carnavalescas educacionais para se tornarem um negócio empresarial, o que as caracteriza e as coloca de frente com a modernidade. E talvez seja por este motivo que Lopes e Simas (2015) não as tenham considerado relevante para/na história social do samba, quando, em sua produção literária, identificamos que não há a existência do termo escolas de samba mirins, havendo somente referência a elas no vocábulo crianças:

A participação de crianças em agremiações do samba carioca é um dos traços assinaladores das origens comunitárias dessas associações, e remonta aos ranchos carnavalescos. [...] Educação – O ensino da história do samba para crianças, em seus aspectos sociais e culturais, nas escolas de ensino fundamental e médio das redes públicas e privadas, ganhou impulso com a Lei 10.639/03, que tornou obrigatório o ensino da cultura e história africana e afro-brasileira no Brasil. Ainda assim, a maioria dos livros didáticos de História continua privilegiando uma visão centrada na clássica perspectiva eurocêntrica dos processos históricos. O samba, não raro, é tratado como algo pitoresco ou apenas a partir das políticas que o Estado adotou para interferir em suas bases e em sua circulação nas sociedades do consumo. Escolas mirins – Surgidas em 1983, a partir da fundação do Império do Futuro, as escolas de samba mirins foram, de início objeto de interesse. Com o tempo, entretanto, e por reproduzirem em grau muito elevado das práticas vigentes no ambiente geral das agremiações dos adultos, foram perdendo a atenção. No momento deste texto, por exemplo, essas escolas também se dividem em grupos de desfile, sendo igualmente filiadas a duas entidades gestoras diferentes. Registre-se que em Araújo e Jório (1996:117) está consignada a fundação em janeiro de 1949, no morro do Salgueiro, da primeira escola de samba formada exclusivamente por “menores de idade”, a Independente da Ladeira.... (LOPES; SIMAS, 2015, p. 80-81).

Os autores Nei Lopes e Luiz Antonio Simas consideram a “[reprodução] em grau muito elevado [de] práticas vigentes no ambiente geral das agremiações dos 134

adultos” um demérito das escolas de sambas mirins, não levando em consideração as transformações aqui analisadas, que demonstram que sendo estas agremiações mirins um modelo formativo de novas gerações de sambistas, elas absorvem os elementos que são produzidos pelas agremiações carnavalescas como forma de qualificá-los para esta ambiência. E que - a exemplo das escolas de samba - também estão inseridas na cadeia produtiva da economia do carnaval no mercado do entretenimento. A partir das constituições e contribuições dessas escolas, é possível definirmos o termo escolas de samba mirins, ainda que este não seja um termo definitivo devido às constantes transformações pelas quais elas passaram e passam para se estabelecerem como modelos da cultura das escolas de samba, o que nos revela as tensões e negociações entre a tradição e a modernidade. Diante dos principais modelos identificados, elencados e analisados, hoje, podemos defini-las como: representações sociais identitárias da cultura das escolas de samba, formada por crianças e adolescentes, realizando desfiles anuais, estando filiadas a uma escola de samba ou não, promovendo qualificação de profissionais, por meio de projetos sociais que atuem no carnaval e que preservem os saberes e fazeres da cultura das escolas de samba, formando continuadores da expressão cultural popular. É importante registrar que o fenômeno sociocultural escola de samba teve o seu conceito e formato extrapolado do ambiente da Passarela do Samba e das escolas de samba devido à sua utilização no desenvolvimento de projetos sociais comunitários e tendo como linha metodológica de execução as ações educativas e o ensino da arte (arte-educação), a partir dos anos de 1990, tendo em vista que:

A arte na educação, como expressão pessoal e como cultura, é um importante instrumento para a identificação cultural e o desenvolvimento individual. Através da arte é possível desenvolver a percepção e a imaginação, apreender a realidade do meio ambiente, desenvolver a capacidade crítica e assim analisar a realidade percebida, pela criatividade, de modo a mudar de alguma forma a realidade que foi analisada. (BARBOSA, 2009, p. 292).

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2.5 Escolas de samba mirins: extrapolando os limites da Passarela do Samba

A terminologia e execução de projetos sociais não surgiu nos anos 1990, embora seja a partir desta década que tenha se expandido pelo país, visto que o processo já vinha ocorrendo desde a década anterior, sendo apropriado por escolas de samba, bem como por instituições ligadas ao Terceiro Setor. Como exemplo, temos o projeto desenvolvido pelo Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo. Alinhada com essa linha de trabalho de escolas de samba como projeto social, foi a experiência pedagógica desenvolvida pelo Centro Cultural Municipal Laurinda Santos Lobo (JORNAL DO BRASIL, 02/02/1986), em 1986, no bairro de Santa Teresa. A instituição reuniu 142 crianças dos Morros da Coroa e dos Prazeres, em nove alas, tendo como carro alegórico um bonde cedido pelo Departamento de Bondes, da Companhia de Transportes Coletivos do Estado do Rio de Janeiro (CTC/RJ), vestidas de palhaços, fadas, com ritmistas e o casal de mestre-sala e porta-bandeiras. O enredo da escola mirim “O bonde da paz e a verdadeira história de Santa Teresa” tinha como tônica contar a história de ocupação da região desde o ano 1700 até 1986, destacando-se os espaços culturais existentes na localidade, como o Museu da Chácara do Céu. Trabalhar com a história local foi uma maneira de promover a paz entre os moradores da região, pois, em 1980, a comunidade de Santa Teresa já sofria e convivia com as lutas entre facções criminosas (Comando Vermelho e Neutros) em seu território, demonstrando o quanto a cultura das escolas de samba, como proposta pedagógica de ensino não-formal, transbordou os espaços da Passarela do Samba e das quadras das escolas de samba. Outro exemplo mais recente foi o criado pelo Instituto Floriano Peixoto dos Santos96. O Instituto fundado como uma associação sem fins lucrativos em 28 de agosto de 2015 e formalizado em janeiro de 2016, que desenvolve atividades nas zonas oeste (Guaratiba) e norte da cidade (Engenho Novo), trabalhando com esportes e cultura das escolas de samba e dos desfiles, se associou ao Centro Sociocultural Letícia Fonseca para “fortalecer a disseminação da Cultura da Paz junto a populações

96 Sobre a instituição, ver o portal da mesma no link: . 136

empobrecidas, por intermédio de ações socioeducativas e culturais, que as empoderem para realizar mudanças positivas em sua realidade” 97. O instituto, com apoio financeiro da Secretaria de Cultura da cidade do Rio de Janeiro, trabalha com crianças de 4 a 14 anos de idade, desenvolvendo atividades artísticas e socioeducativas, com ênfase na cultura afro-brasileira, atividades de reforço e acompanhamento escolar, incentivo à leitura, oficinas de história do samba, jongo, capoeira, horta/culinária, teatro e artes, priorizando o reaproveitamento de sucatas (educação ambiental). O projeto oferece atendimento com fonoaudiólogos, psicólogos e de orientação e acompanhamento de assistentes sociais. O gênero musical samba e samba-enredo, além dos valores da cultura das escolas de samba, como solidariedade, união, respeito ao próximo e aos mais velhos (relação intergeracional), o sentimento de irmandade, a cultura afro-brasileira em suas expressões como jongo, maculelê e a performance de sambar são alguns dos aspectos trabalhados junto às crianças. Nesse mesmo caminho, tem-se o projeto, identificado como bloco, que veio a ser da escola de samba mirim Batuqueiros do Amanhã (figura 16), atendendo crianças oriundas das comunidades dos morros São João, dos Macacos, do Encontro e do conjunto de favelas do Lins. Em 2016, o projeto realizou o seu primeiro desfile (figura 17). As crianças que participaram do projeto confeccionaram as próprias fantasias, compuseram e participaram da gravação do samba-enredo. O enredo apresentado foi uma homenagem ao centenário do samba, contando ainda com exibição de jongo. O desfile da escola ocorreu na Vila Olímpica do bairro de Vila Isabel.

97 Sobre a instituição, ver o portal da mesma no link: . 137

Figura 16- Imagem do perfil do Facebook da instituição.

Figura 17- O Globo, 21/11/2016.

Outro exemplo é a escola mirim Embaixadores da Alegria (figura 18), uma organização social “voltada às pessoas com deficiência, a qual utiliza a arte e cultura do carnaval como instrumento de inclusões social e emocional98” De acordo com o Paul Davies, o fundador da escola de samba mirim, o projeto reúne “o sonho da

98 Disponível em: . Acesso em: 4 abr. 2019. 138

Avenida com a realidade do dia a dia destes sambistas especiais, visando quebrar todas as barreiras de acessibilidade e os preconceitos de quem ainda os vê como incapacitados.”

Figura 18- https://somostodosgigantes.com.br/embaixadores-da-alegria-um-carnaval-de-todos/.

As instituições passaram a empreender projetos sociais por meio desta vertente pedagógica nas regiões periféricas da cidade. Algumas Escolas de Samba também desenvolveram ações neste setor educativo em suas agremiações por meio de seus próprios quadros, como no G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis, com o Projeto Sonho do Beija-Flor (figura 19).

Figura 19- https://extra.globo.com/noticias/rio/selminha-sorriso-coordena-oficinas-de- projeto-social-na-beija-flor-doacao-de-amor-21724409.html.

O projeto foi iniciado e coordenado pelo mestre de bateria Edinho, da própria escola de samba, sendo uma escolinha de passistas. No ano de 2009, a porta- 139

bandeira Selminha Sorriso, há 24 anos atuando na escola, abriu uma seleção para oficina de mestre-sala e porta-bandeira e algumas crianças da oficina de passista também foram participar de seu trabalho. Vale lembrar que a famosa porta-bandeira deu seus primeiros passos como passista em 1986, no G.R.E.S. Império Serrano. Em 2009, após a morte do mestre de bateria, ela foi convidada pelo carnavalesco Luiz Fernando Ribeiro do Carmo (o Laíla) e o presidente da agremiação, Anísio Abrahão David, para dar aulas de passistas e coordenar as oficinas de passista, mestre-sala, porta-bandeira e ritmista. Desde 2017, a equipe do projeto, que tem 15 profissionais vem formando as novas gerações nestas funções, na quadra da Beija- Flor de Nilópolis, bem como oferece reforço escolar, aulas de ballet, pré-vestibular, dentre outras atividades. Assim, por meio de conhecimentos da cultura das escolas de samba, educação e as artes, os projetos sociais vêm desenvolvendo metodologias de transmissão dos conhecimentos da cultura afro-brasileira para crianças carentes, promovendo aumento da autoestima e inclusão social. Em muitas escolas de samba, houve também a adoção dessa prática de aprendizagem, fortalecendo o papel social destas instituições frente às suas comunidades, com oferta de atividades ligadas às artes, educação e esporte, como uma maneira de se consolidarem enquanto equipamento cultural local. A administração pública também soube se utilizar deste modelo penetrando nas áreas carentes, fortalecendo-se politicamente entre as camadas mais pobres da população. Um exemplo de investimento público nas escolas de samba mirins enquanto projetos sociais foi o apoio da prefeitura do Rio de Janeiro por meio do projeto Célula Cultural99, em 2007, ano em que a cidade sediou os Jogos Panamericanos e o Parapanamericanos. As agremiações receberam investimento financeiro para desenvolver programas de iniciação artística e de formação cultural junto à população infanto-juvenil, em regiões nas quais estas agremiações estavam localizadas (áreas periféricas, carentes de equipamentos culturais e desportivos). O Projeto Célula Cultural foi desenvolvido pela Secretaria Municipal das Culturas, em 2007, tendo em vista a cidade ter sediado os Jogos Panamericanos Rio 2007, sendo uma iniciativa do Prefeito César Maia, que atendeu trinta mil crianças, a maioria da rede municipal de ensino. O desenvolvimento do projeto ocorreu em

99 Disponível em: . Acesso em: 01 mar. 2019. 140

parceria com a Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro, como instrumento de inclusão social. Ele obteve chancela da UNESCO, desde 2004, e tinha como objetivo estimular e oferecer às comunidades estruturas próprias para programas de iniciação artística e de formação cultural. A gestão das ações era compartilhada por organizações da sociedade civil. O projeto teve a abrangência de treze escolas mirins, as quais tiveram a oportunidade de conhecer e de participar de oficinas de artesanato, máscaras, adereços, chapelaria, dança, percussão e de outras manifestações da cultura popular, tendo o compromisso de desenvolver como enredo em seus desfiles a temática dos Jogos Panamericanos. O Projeto Células Culturais também estava inserido na Agenda Social dos jogos Panamericanos Rio 2007. As 13 comunidades beneficiadas estavam localizadas nas quadras ou sedes das seguintes agremiações mirins: Infantes do Lins, Virando Esperança, Império do Futuro, Mel do Futuro, Nova Geração do Estácio de Sá, Corações Unidos do CIEP, Miúda da Cabuçu, Inocentes da Caprichosos, Mangueira do Amanhã, Herdeiros da Vila, Petizes da Penha, Tijuquinha do Borel, Aprendizes do Salgueiro, Filhos da Águia, Pimpolhos da Grande Rio, Golfinhos da Guanabara e Estrelinha da Mocidade. Devemos esclarecer que os diferentes modelos conceituais até aqui apresentados não significam que são posições estanques, mas interpenetráveis. Não obstante à apresentação desses exemplos de mudanças conceituais sobre escolas de samba mirins, não se pode entendê-los como situações estanques, mas conceitos com linhas tênues de limites, que - por vezes - se interpenetram. Como bem disse Gabriel Azevedo, presidente da Estrelinha da Mocidade, “não é só festa, a gente forma cidadãos também. A gente tem um trabalho social, cultural daquela criança da comunidade, que não tem acesso a entretenimento, cultura”100, ou seja, uma formação cidadã. Dentro de cada microrganismo que é uma escola mirim, o processo ensino- aprendizagem, a preservação da tradição, a imersão nos processos inovadores, a modernidade e a qualificação em diferentes técnicas artísticas fazem parte da educação não-formal ali ministrada. Estes percursos algumas vezes correm

100 Entrevista concedida à autora em 27/01/2019, durante o evento “SOS Escolas Mirins: Não deixe o Samba morrer”. Ver íntegra da entrevista autora no link: < https://www.facebook.com/CarlaMachado Lopes/videos/2059005140858754/>. 141

paralelamente ao desenvolvimento das atividades das escolas de samba mirins, contudo, durante entrevistas e contatos realizados em suas quadras com responsáveis pelas crianças, dirigentes e profissionais, percebemos que estes caminhos muitas das vezes são concomitantes. Há tensões e paradoxos que os entrelaçam. O transbordamento conceitual sobre escolas de samba mirins, conforme procuramos demonstrar, ainda motiva escolas de samba a investirem neste formato de aprendizagem, almejando que suas “crias” possam desfrutar de um dia estarem na Passarela do Samba, obtendo visibilidade e destaque. A busca por participação neste espaço restrito das escolas de samba mirins é uma forma de se projetarem por meio de seus jovens integrantes. É o caso do G.R.C.E.S.M. Cavalinhos Marinhos da Ilha (figura 20), que é filha do G.R.E.S União da Ilha do Governador e que tem como madrinha a coirmã Império do Futuro.

Figura 20- Segundo casal de Mestre-Sala e Porta-bandeira do G.R.C.E.S.M. Cavalinhos Marinhos da Ilha – Desfile de 2019. Fonte: O autor, 2019.

Seus desfiles ocorrem dentro do bairro, mas em um gesto de apoio e solidariedade e sendo apadrinhada pela escola mirim Império do Futuro, conseguiu desfilar em uma das alas de sua escola de samba madrinha, em 2017. Analisando o estatuto social do G.R.C.E.S.M. Cavalinhos Marinhos da Ilha, identificamos que a 142

linha discursiva utilizada é a mesma que conceitualmente está em vigor nas escolas de samba mirins:

Artigo 1 – O Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mirim Cavalinhos Marinhos, fundada em vinte e três de agosto de dois mil e quatorze, é uma associação civil sem fins lucrativos, de natureza social, recreativa, educacional, carnavalesca, cultural, filantrópica e esportiva. Se regerá por esse Estatuto por regimento interno e pela legislação aplicável. Artigo II (...) tem por objetivo, diretamente ou mediante apoio ou patrocínio a entidades congêneres, sobretudo àquelas que constituem o universo cultural do samba. I – exercer as atividades do samba como carro-chefe pedagógico; II constituir defesas e promoção dos valores culturais do samba de forma operacional, filosófica, política e institucional, III – Dar assistência jurídica em defesa das crianças e adolescentes, em situações públicas; IV – Construir projetos de Educação Social, em especial para as áreas de exclusão e risco social, consoante ao que apregoa o Estatuto da Criança e Adolescentes, para crianças de zero a vinte e um anos; V - Proteger em conjunto com os órgãos púbicos, crianças e adolescentes de 5 (cinco) a 21 (vinte e um) anos aqueles contemplados por esta faixa etária permitida para desfilar no evento do carnaval e outros afins; (...) VII – Dar suporte a seu público-alvo para que cada um desses espaços sejam, promovidas atividades de capacitação de jovens a partir dos ofícios de uma Escola de Samba; (Estatuto Social do Grêmio Recreativo Cultural Escola de Samba Mirim Cavalinhos Marinhos da Ilha, 2014, f.1).

As transformações conceituais também reverberaram nos métodos de ensino que - nos anos iniciais do surgimento das escolas de samba - eram de caráter informal, havendo uma intencionalidade, mas não um caráter metódico de aprendizagem, pois era como “um processo que dura a vida inteira, em que as pessoas adquirem e acumulam conhecimentos, habilidades, atitudes, modos de discernimento por meio de experiências diárias e de relação com o meio.” (COOMBS, 1975 apud TRILLA, 2008, p. 33); passando para um processo não-formal de ensino, em que “toda atividade organizada, sistemática, educativa, realizada fora do marco do sistema oficial, para facilitar determinados tipos de aprendizagem a subgrupos específicos da população, tanto adultos quanto infantis” (COOMBS, 1975 apud TRILLA, 2008, p. 33). Principalmente após o surgimento da escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP, ainda que os padrões não sejam substitutíveis, mas correlatos em muitos casos. É a partir destes novos paradigmas de processo ensino-aprendizagem que as escolas de samba mirins adotaram, aqui compreendidos como (re)invenções das formas de aprendizagem sobre a tradição da cultura das escolas de samba e dos desfiles, que acompanhamos as formas de inserção das crianças desde o interior das agremiações adultas carnavalescas até o surgimento das escolas de samba mirins. 143

De certa forma, entendemos que - com as escolas de samba mirins - a essência do carnaval, que seria a digressão, inversão dos valores sociais, o lúdico, o brincar de sambar, parece ter sido subjugado pelo trinômio educação-cultura-arte, em prol de uma formação cidadã, tão preconizada nos projetos sociais, como forma de se mostrar um serviço educativo à sociedade, o de “educar” crianças e adolescentes, por meio da cultura das escolas de samba, o que ao mesmo tempo as legitimou como empreendimentos culturais, inserindo-as como bens e serviços na economia criativa do Carnaval. Por outro lado, também verificamos que modernidade e tradição nem sempre são conceitos opostos, mas complementares, introduzindo novas pessoas, novos contextos sociais, novas expectativas e projeções, emoldurando novos cenários. Sem, contudo, o passado ser esquecido, como nos mostram as comissões de frente das escolas de samba mirins Filhos da Águia (tradição) e Tijuquinha do Borel (modernidade). Na Filhos da Águia, a presidência retomou o passado de glória da escola mãe G.R.E.S. Portela, desde 2015, sob a presidência de Celso (Celsinho) de Andrade. Vem resgatando a representatividade identitária cultural, principalmente no que concerne a elementos de negritude e à história da escola mãe, como à escola de samba mirim, ao reeditar o samba de enredo “Teste ao samba”, do mestre e ícone da escola de samba de Madureira, Paulo da Portela, no primeiro ano de sua gestão (2015). A reedição do samba de enredo da Paulo da Portela foi uma lição metalinguística para os integrantes da Filhos da Águia, da história de sua escola mãe, promovendo e estimulando orgulho, sentimento de pertencimento e estreitando laços identitários ao formar um mapa conceitual destes valores e atitudes junto às crianças e adolescentes (figura 21).

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Figura 21- Comissão de Frente – Paulo da Portela – Desfile de 2015. Fonte: O autor, 2015.

Para Celsinho de Andrade101, reviver as histórias da escola mãe e suas tradições era preciso para que as crianças conhecessem a origem de sua escola de samba mirim. Retornando com a figura do mestre maior, Paulo da Portela, o professor e elegante fundador da escola-mãe, o objetivo foi de passar para os jovens brincantes as principais características que a agremiação adulta identifica em si mesma: elegância, respeito, negritude e apreço por suas tradições. Para outras escolas de samba mirins, as inovações e símbolos da modernidade são elementos motivacionais e estéticos que devem ser introduzidos nos desfiles dos mais jovens, a exemplo do que pensava Osmar Valença, para prepará-los para os desafios que a cada ano a Passarela do Samba impõe aos sambistas, na luta para vencer o campeonato, enaltecendo os aspectos criativos de carnavalescos, como Paulo Barros, que se consagraram na avenida por introduzirem novas ideias de apreciação do espetáculo. Um exemplo de nossa afirmativa foi identificado na coreografia apresentada pela escola de samba mirim Tijuquinha do Borel, também em 2015, quando a mesma reproduziu a comissão de frente do samba de enredo de 2010, da escola de samba mãe, com adaptações pertinentes ao enredo de seu desfile, e que é autodenominada

101 Entrevista concedida à autora em 10/10/2016. 145

pelo carnavalesco como uma obra “histórica e poética”102, que segue ilustrada nas figuras 22, 23 e 24.

Figura 22- Sequência de apresentação da comissão de frente do G.R.C.E.S.M. Tijuquinha do Borel. Fonte: O autor, 2015.

Figura 23- Sequência de apresentação da comissão de frente do G.R.C.E.S.M. Tijuquinha do Borel. Fonte: O autor, 2015.

102 Disponível em: . Acesso em: 9 ago. 2019. 146

Figura 24- Sequência de apresentação da comissão de frente do G.R.C.E.S.M. Tijuquinha do Borel. Fonte: O autor, 2015.

Todas estas transformações conceituais, reciprocamente, cooperaram no fortalecimento do grupo de escolas de samba mirins e trouxeram modificações em seu conceito ao longo de seus 35 anos de existência. Mas não podemos deixar de revelar que também foram propiciadas pela existência de uma entidade representativa para o grupo, que - como já dissemos em um primeiro momento - foi a Liga Independente das Escolas de Samba Mirim (LIESM), fundada em 1988, e que, em 2002, foi substituída pela Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM- Rio), sobre a qual passaremos a analisar na próxima seção.

2.6 Representações institucionais das escolas de samba mirins: LIESM e AESM- Rio

No ano de 2019, as escolas de samba mirins que desfilam na Passarela do Samba sofreram ameaças de não desfrutarem mais dessa condição pela falta de recebimento de verba de subvenção da Riotur. As consequências desta situação financeira foram reverberadas pela direção da AESM-Rio e por presidentes das escolas de samba mirins como uma real condição de suspensão de suas atividades, que incluem os desfiles anuais na Passarela do Samba e desenvolvimento de projetos sociais locais de formação dos jovens sambistas. 147

A falta de tempo de recebimento da verba do governo municipal incidia em não haver tempo hábil para cumprimento de pagamento da rede de apoio ao evento, como fornecedores e pessoal de apoio (costureiras, pagamento de ônibus para deslocamento das crianças, confeccionadores dos carros alegóricos, carnavalescos, carros de som etc.), de acordo com o presidente, em exercício, da AESM-Rio, Sr. Edson Marinho (que atualmente integra a ala dos compositores do G.R.E.S. Estácio de Sá). Após a conquista do direito das escolas de samba mirins de se exibirem no “maior palco de exibição”103 desta expressão cultural, o desfile das escolas de samba, e sob o risco eminente de não conseguirem desfilar, no fundo, trouxe inseguranças para o grupo. Para os representantes da AESM-Rio, estava em risco o comprometimento de todo trabalho desenvolvido com as crianças e adolescentes, mas também como toda uma rede social de serviços montada em torno do evento, além de repercutir entre as comunidades de pertencimento das agremiações mirins, que são beneficiadas com os desfiles e outras atividades por elas desenvolvidas, tais como cursos de qualificação profissional, oficinas de mestre-sala e porta-bandeira, por exemplo, bem como em parcerias já existentes, especialmente patrocinadores, como a empresa Guaracamp. Analisamos que ao não se exibirem como previsto na terça-feira de carnaval, a principal motivação desse desconforto eram as chances do esquecimento e da perda de espaço social alcançado dentro do mundo do Carnaval, o que faria com que as chances de serem retirados definitivamente do evento aumentasse, provocando, quem sabe, a não mais existência do fenômeno sociocultural entre as escolas de samba. Profundamente preocupados - e até mesmo consternados - sobre as citadas hipóteses, esses representantes decidiram fazer um “clamor” em prol das agremiações mirins.

103 Assim como o Carnaval do Rio de Janeiro, que apesar de reunir outras práticas culturais além dos desfiles das escolas de samba, também ficou conhecido e reconhecido internacionalmente como sendo o “maior espetáculo da Terra”, o Sambódromo passou a ser também identificado como sendo o “maior palco de exibições” desta modalidade.

148

Para sensibilizar a população e as autoridades responsáveis pelo repasse das verbas, a Associação das Escolas de Samba Mirins do Estado do Rio de Janeiro (AESM-Rio) juntou-se aos dirigentes de outras entidades, como a Liga Independente das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA), a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIERJ) e a Federação dos Blocos do Estado do Rio de Janeiro (FBCERJ), que também se encontravam na mesma situação, e promoveu o encontro: “SOS Escolas Mirins: Não deixe o Samba morrer” (figura 25), no dia 27 de janeiro desse ano de 2019, na quadra da escola de samba Estácio de Sá, no bairro Cidade Nova, no centro do Rio de Janeiro.

Figura 25- Material de divulgação da AESM-Rio.

O evento, inédito no calendário da instituição, mostrou-se um eficiente canal de comunicação entre as escolas mirins e o mundo do Carnaval, pois houve um retorno de público acima do esperado, relações de aproximações com outras entidades. Sendo assim, o presidente da AESM-Rio, Sr. Edson Marinho104, compreendeu que seria relevante para a instituição doravante a inserção deste encontro no calendário de eventos promovidos pela entidade anualmente, de forma a destacar a relevância das agremiações, pois ao somar forças com outras entidades, a situação das escolas mirins deixaria de ser um problema localizado neste grupo, mas

104 Ver íntegra da entrevista concedida à autora no link: < https://www.facebook.com/CarlaMachado Lopes/videos/2059005140858754/. 149

associado às entidades carnavalescas, que coletivamente promovem eventos na cidade, formando a cadeia produtiva do Carnaval carioca (PRESTES FILHO, 2009). Os recursos financeiros despendidos pela prefeitura, aos olhos dos presidentes das entidades mirins, não atenderiam ao gasto necessário, mas lembramos de que esta situação não é inédita, e também é comum entre as escolas de samba. Contudo, há alguns anos, os recursos da prefeitura deixaram de ser a única fonte de renda para esse grupo, pois cada uma delas obteve sua autonomia jurídica, através de estatuto de pessoa jurídica, como sociedade civil sem fins lucrativos ou como Organização Não-governamental (ONG), o que deveria desvinculá-las financeiramente das escolas mães ou de qualquer outra instituição, já que passaram a ter um Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica (CNPJ) próprio, fazendo com que elas próprias se tornassem administradoras de suas próprias verbas, parcerias e a captação de recursos. Entretanto a má gestão destes recursos ou o valor abaixo do desejado, questões futuramente a serem analisadas, ainda fazem com que a maioria das escolas de samba mirins estejam presas ao principal montante que recebem, a verba da prefeitura. Antes de possuírem essa autonomia, elas viviam à espera dos repasses, que chegavam por rotas terceirizadas, via escolas mães ou ligas e/ou associações, que estando com problemas de prestação de contas e negativação de CNPJ junto à Receita Federal, acabavam por se desviarem os capitais que deveriam ser repassados para si. Esse processo de repasses, por outras vias, comprometia a execução dos desfiles e outras atividades por elas desenvolvidas105, mas também temos casos de alguns presidentes de escolas mirins utilizarem os recursos indevidamente, comprometendo a agremiação mirim, ou mesmo auxiliando as escolas mães, com recursos destas últimas, conforme nos foi relatado em algumas entrevistas e rodas de conversas. Dentro dessa visão, as escolas de samba mirins se transformaram em mais um negócio dentro do carnaval carioca, o mercado da cadeia produtiva da economia do Carnaval (PRESTES FILHO, 2009), a exemplo do que ocorre com as escolas de samba. Este leque de opções de captação de recursos destaca dentro do grupo o papel dos presidentes das agremiações mirins, já compreendidos como gestores das

105 De acordo com relatos, durante o percurso da pesquisa, junto aos presidentes de algumas das escolas mirins, esta situação era muito recorrente, bem como também a forma de distribuição de outras verbas. 150

escolas de samba mirins e do carnaval mirim, sendo eles que mantêm relações e negociações com outras entidades que se movimentam dentro deste círculo, como autoridades públicas e instituições educacionais (universidades) e outras que atuam no campo da cultura, assim como a imprensa e mídias sociais, e especialmente seus maiores parceiros que são a Liga das Escolas de Samba do Rio de Janeiro (LIESA) e a Riotur. Estar à frente de uma agremiação mirim - ainda que haja toda uma visão romantizada de amor e dedicação para com as crianças e o futuro dos jovens sambistas - é também ser um gestor de carnaval, profissional ligado à produção e gestão de eventos, e que rivaliza com outros, mostrando força e prestígio dentro de sua escola de samba de origem, na agremiação infantil e na associação que reúne as escolas mirins. Por isso, o encontro da AESM-Rio teve como principal interlocutores esses presidentes, tendo a intenção discursiva de reunir o maior número de pessoas envolvidas diretamente e indiretamente com as escolas mirins, com o objetivo de chamar a atenção política para a perda da existência destas agremiações para a festa do carnaval, no campo educacional, na assistência aos grupos de crianças e adolescentes e seus territórios, enquanto projetos sociais, dando visibilidade às agremiações mirins, o “futuro do samba”. Este foi o cerne do evento, tendo sido bastante explorado pela mídia, que centrou nos benefícios educativos das agremiações mirins e nos territórios nos quais atuam a relevância dessas entidades e de sua manutenção. A demonstração de força da irmandade entre as escolas mirins também foi um aspecto positivo, por demarcar a pujança do grupo perante os reveses em torno dos repasses da prefeitura, seus patrocinadores atuais e de outros que poderiam vir a se converterem diante do “clamor” de socorro. Esses aspectos deram a medida do evento, que buscou reunir e mostrar os aspectos educativos, culturais e de qualificação profissional que caracterizam uma escola de samba mirim. O evento foi menos formalizado, o que permitiu a total integração entre crianças e adolescentes integrantes das escolas mirins ali presentes. A tônica da exibição era o brincar de sambar e a diversão dos jovens sambistas, expressando que antes de qualquer outro aspecto está a força lúdica que a cultura popular tem, sendo este um dos principais motores de destaque dessas agremiações, 151

uma demonstração pública de que estas agremiações mirins são vitais e, portanto, relevantes. A forma como as crianças dominaram o espaço de apresentações de forma divertida, alegre, sem ingerência dos adultos, facilitou esta demonstração, o que não significou que nos momentos de apresentação dos casais de mestres-sala e porta- bandeiras a formalidade necessária não fosse exigida. O que dizemos é que houve uma menor obrigação, daquelas que são necessárias nas exibições em dias de show e demais festas. Em momentos de encontros formais, como os promovidos pela AESM-Rio, é quase impossível de se ver este tipo de brincadeira entre os jovens, estas manifestações são mais comuns nos encontros realizados pelas agremiações mirins, nas quadras de escolas, onde a tônica dos encontros é a confraternização entre agremiações coirmãs. É claro que havia um cerimonial de apresentações, no entanto as crianças e adolescentes demostraram-se extrovertidos e “senhores” da festa brincando de sambar, estimulando os passistas mirins a se exibirem em rodas de samba por eles montadas, bailando com suas porta-bandeiras ou de outras agremiações. Foi um dia em que a porta-bandeira pôde se deixar levar como uma passista, que as crianças que ali se encontravam se misturavam às demais, sem a necessidade de serem retiradas do meio do grupo para não comprometer a exposição do grupo, por não fazerem parte. A liberdade de ação deve ser traduzida como impacto visual demonstrativo das escolas de samba mirins, como representantes sociais identitárias da cultura das escolas de samba. É fundamental assinalar que foi visível a amostra de seus talentos, habilidades e competências, já em formação, e a preocupação dos presidentes em marcar aquele ato de protesto para com os organizadores da festa. O encontro patrocinado pela AESM-Rio reuniu antigos e novos talentos mirins, como aqueles que já se encontravam em processo de desligamento, por conta da idade máxima atingida (21 anos), ou os que tiveram uma passagem por uma agremiação mirim, que - compartilhando experiências - incentivavam os jovens integrantes a permanecerem nos diferentes ofícios escolhidos, como uma clara demonstração de importância para o futuro do samba e das escolas de samba, além da função imprescindível da manutenção desta formação para o mundo do trabalho e da cadeia econômica na qual está inserida. 152

Zé Paulo Sierra, atual intérprete do G.R.E.S. Unidos da Viradouro, e Chiquinho, mestre-sala, filho da célebre porta-bandeira Maria Helena, com quem por 25 anos desfilou no G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense, dedicaram suas falas ao microfone para externarem como a vivência em uma agremiação mirim os capacitou para conquistas profissionais dentro das escolas de samba, dando testemunhos de suas passagens pelas agremiações mirins. Ambos mantiveram um discurso de incentivo à garotada para continuar neste caminho por eles trilhado de profissionalização dentro das escolas de samba, que, tendo em vista suas trajetórias pessoais, são possíveis de serem alcançados por aqueles que desejarem seguir um caminho profissional neste segmento cultural. Os dois artistas também corroboraram com as ações discursivas de outras autoridades presentes, na defesa pela continuidade dos trabalhos realizados pelas entidades mirins, chamando a atenção do poder público para os projetos sociais que cada uma desenvolve, “afastando meninos e meninas de serem desviados para o mal caminho106”, este ponto da violência infanto-juvenil é crucial na defesa das escolas mirins, que atuando como projetos sociais, assim como fora no passado, têm como objetivo demonstrar a sua importância para a sociedade, não sendo uma instituição As posições do presidente da AESM-Rio e dos artistas mencionados, mais do que impactar o púbico presente, foram um meio de esclarecer sobre os trabalhos desenvolvidos, que - no percurso das escolas mirins - nunca foram atrelados somente ao desfile do carnaval, mas como projetos sociais vinculados à inclusão social, que deveria ser promovida pelo Estado em suas diferentes instâncias, mas que foram absorvidas pela sociedade na ausência deste. Essa também pode e deve ser considerada como uma estratégia de conquista de um público (infanto-juvenil) que vem passando por dificuldades de serem reunidos entorno das agremiações mirins, por diferentes motivos, dentre eles, a opção religiosa pentecostal e neopentecostal, que tem afastado famílias dos espaços das escolas de samba e também crianças e adolescentes.

106 Expressão sempre muito utilizada por dirigentes, organizadores e colaboradores das Escolas de Samba Mirins, que valorizam as agremiações mirins pela atuação social desempenhada em áreas carentes (periféricas) de propostas ocupacionais de aprendizagem cultural e cidadã, evitando que as crianças sejam absorvidas pelo tráfico local. 153

As palavras dos presidentes das escolas mirins, Celsinho de Andrade (Filhos de Águia) e Gabriel Azevedo (Estrelinha da Mocidade),107 estão alinhadas nesse sentido discursivo, sendo veementes diante do que provocariam na cultura das escolas de samba as perdas destas agremiações. Como já vimos, esta linha de condução discursiva é bastante cara aos sambistas, pois implica a manutenção das tradições e a preservação da expressão cultural, as quais são garantidas regimentalmente pelo estatuto da AESM-Rio, replicando-se no das agremiações mirins, que integram ou não a AESM-Rio. Nesse ponto de vista, Celsinho de Andrade108 alertou sobre a possibilidade de finalização do evento Carnaval, no que diz respeito aos desfiles das escolas de samba e escolas de samba mirins, visto que o não repasse de verbas para estas entidades inviabilizaria a realização dos desfiles. Ainda, continuando sua fala, disse que sem a realização dos eventos e sem apoio aos sambistas e – principalmente - ao sambista mirim, ao longo de um período de tempo de 10 a 15 anos, a não formação de sambistas passaria por uma grave crise, pois “o profissional de amanhã é formado hoje nas escolas mirins”. Finalizando a entrevista, declarou que “a cultura carioca é o Samba”. É preciso observar a mudança da posição das escolas mirins frente aos novos tempos. Se outrora poderia ser vista como uma extensão das escolas de samba, diante desse quadro discursivo, elas foram alçadas a centro propulsor da expressão cultural popular escolas de samba. Gabriel Azevedo, presidente da escola mirim Estrelinha da Mocidade, foi enfático sobre a importância das escolas mirins e o seu papel preponderante como projetos sociais, o que as insere em uma cadeia social, dando-lhe maior proeminência:

Não é só festa, a gente forma cidadãos também. A gente tem um trabalho social, cultural daquela criança da comunidade, que não tem acesso a entretenimento, cultura. Então, a gente precisa levar isso às crianças e fazer com que ela enxergue a outra realidade da vida, que não é aquela que elas enxerguem lá dentro. Então, a gente faz este trabalho, que bem dizer, é o que a prefeitura deveria fazer e muita das vezes não faz. E a gente tá lá dentro fazendo. Um trabalho de conscientização. A gente tira a criança da rua, vem cá, vamos aprender, participar de uma oficina de percussão. Aquela mãe que não tem perspectiva, então, muitas escolas como a nossa, a gente tem é... cursos. No nosso caso, lá na nossa escola, a gente tem até pré-vestibular

107 Ver íntegra da entrevista concedida à autora no link: < https://www.facebook.com/ CarlaMachadoLopes/videos/2059005140858754/ -Comentários. 108 Idem. 154

oferecido à comunidade; curso de corte e costura. Então é assim [...] uma mãe que hoje não tem perspectiva nenhuma, que tá lá com aquela crianças é... ás vezes, até vagando até na rua, pedindo ajuda às pessoas. As escolas até acabam ajudando nesse papel, de dando uma profissão para poder trabalhar num barracão de escola de samba pra poder ter rentabilidade e manter sua família. Então, o Carnaval, ele é... gira tudo isso, o sustento da família, a cultura e o lazer. (AZEVEDO, 2019).

Relacionar as ações das escolas mirins a outros projetos de cunho comunitário, sendo ela própria identificada como um projeto social, dentro de um encadeamento de atendimentos sociais, que atinge a família e a produção de renda familiar, amplia sua atuação dentro do território de origem e demonstra como a cultura do carnaval é benéfica e relevante para a economia da cidade, opondo-se a um discurso de demonização da festa e de sua real efetividade econômica para os cofres públicos. A atual relação entre as agremiações carnavalescas com o poder público tem sido colocada como de descaso desta instância de poder para com a festa, especialmente desde a eleição do atual prefeito da cidade – Marcelo Crivella, em 2017. É visível que tal posicionamento difere das gestões anteriores, como pode ser visto na fala do ex-prefeito, Eduardo Paes (2009-2017):

O carnaval é o grande momento do Rio de Janeiro, quando todos os anos cariocas e turistas se unem em torno do amor ao samba e à Cidade Maravilhosa. É quando as preocupações do dia a dia cedem lugar para os blocos, concursos de fantasias, bailes e, claro, o tradicional e mundialmente famoso desfile das escolas de samba, que tomam conta de nossas ruas e nossos corações. Em meio a esse verdadeiro ritual de alegria, a sexta-feira e suas escolas mirins têm lugar único e inspirador no olimpo do carnaval, mostrando que o samba não tem idade e garantindo o futuro brilhante de nossas agremiações. Não à toa as crianças do nosso Rio de Janeiro têm a responsabilidade e a honra de abrir o carnaval carioca, o que fazem com graça e coração. Como prefeito do Rio e apaixonado pelo samba, faço questão de assistir e aplaudir de pé a mais esse espetáculo que só a nossa cidade pode proporcionar. (PAES, 2012, p. 8).

Ressaltamos, no entanto, que mesmo na gestão do prefeito anterior, apesar do discurso acima descrito na publicação da AESM-Rio, gerou insatisfações, visto que ele não realizou o erguimento do grande sonho das escolas mirins e da AESM-Rio - o Planeta do Samba Mirim109, que seria como a Cidade do Samba Joãozinho Trinta110,

109 Dados extraídos de entrevista concedida pelo presidente da AESM-Rio, Sr. Edson Marinho, em fevereiro de 2015, no Sambódromo. 110 Espaço destinado à concentração dos barracões das 14 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. No complexo, são executados os carros alegóricos e parte das fantasias e adereços das agremiações. Disponível em: < http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/cidade-do-samba>. Acesso em: 2 jan. 2019. 155

que representa para as escolas de samba uma vitrine, espaço de realização de eventos e faz parte das rotas de turismo sobre Carnaval dentro da cidade do Rio de Janeiro, ampliando as formas de rentabilidade para a cidade do Rio de Janeiro e para as escolas que ali estão alocadas. Interessante observar que ao usar o nome Planeta para a cidade do samba mirim, a Associação faz uma relação direta com o programa televisivo apresentado por Xuxa Meneghel, na TV Globo, entre os anos de 1997 a 2002, chamado de Planeta Xuxa, levando-nos a imaginar que este local teria uma natureza de exposição das crianças e das escolas mirins, pautada em uma linha mercadológica do fenômeno sociocultural, atingindo um público maior do que é hoje mantido pela rede associativa. A AESM-Rio tem na bandeira de luta desta construção a defesa de oferta de cursos para qualificar crianças, adolescentes e adultos em diferentes funções que são exigidas para a realização do desfile infanto-juvenil, como aderecistas, escultor de isopor, pintores, costureiras e outras, bem como ter um local apropriado para a confecção dos carros alegóricos, os barracões, já que atualmente este tipo de serviço é feito em uma área embaixo do viaduto da Avenida Trinta e Um de Março, no Catumbi, região central da cidade, ao lado do Sambódromo, cabendo os retoques finais serem realizados na Avenida presidente Vargas, horas antes do início do desfile. As escolas mirins não têm o espaço dos barracões e entre as que têm escola mãe nem todas desfrutam desse privilégio, o local utilizado é insalubre e sem condições de terem crianças circulando, o que faz com que somente os adultos realizem a ornamentação dos carros alegóricos. Esta situação fragiliza a AESM-Rio no quesito qualificação profissional, que tanto a mesma procura ressaltar sempre que é possibilitada esta oportunidade, pois não há condições de execução de qualquer tipo de atividade de capacitação naquele local, o que reforça suas reivindicações neste sentido. A defesa do erguimento deste equipamento público deve ter uma utilidade pública para as agremiações mirins, não sendo somente justificável em se tratando de investimentos externos, como espaço de preparação dos desfiles mirins como entretenimento, muito embora seja altamente pertinente no mercado da economia criativa do carnaval. Todavia, mesmo com o expresso apoio do prefeito anterior, Eduardo Paes (2009-2017), o dilema vivenciado, neste ano de 2019, não se trata de uma novidade para as escolas mirins, já que desde a apresentação da primeira agremiação, Império 156

do Futuro, convive com esta situação de instabilidade no recebimento de verbas governamentais. A luta pela continuidade das atividades das entidades mirins seja na avenida dos desfiles, seja em suas comunidades locais é uma constante, tanto assim que, ao longo desses 35 anos de existência, algumas agremiações que fizeram parte deste grupo foram extintas, principalmente pela falta de apoio financeiro para execução destas atividades. Na cultura popular, tensões e negociações sempre estão presentes. No caso das escolas de samba mirins, dizem respeito às disputas pelo direito ao espaço público e também, por outro aspecto, pela valorização de seus saberes e fazeres frente à cultura etnocêntrica hegemônica. Muito embora tenham adquirido reputação após tantos anos em exercício, as relações políticas entre as escolas mirins e os organizadores do espetáculo sempre se mostraram tensas, assim como com as escolas de samba, os blocos e outras expressões populares. Ora há a valorização destas entidades por parte dos organizadores da festa como a Riotur e a prefeitura do Rio de Janeiro; ora eles as ameaçam com cortes de verbas colocando empecilhos para suas exibições111. A disputa pelo espaço público, a conquista de novas fontes de renda e a administração dos desfiles mirins geraram a necessidade de reunião destas agremiações em torno de uma entidade que as representasse frente às negociações com o poder público e outras instituições. E foi assim que ocorreu o surgimento de sua primeira entidade representativa, a Liga Independente das Escolas de Samba Mirim (LIESM).

2.6.1 Liga Independente das Escolas de Samba Mirim (LIESM)

A primeira entidade representativa das escolas mirins, a Liga Independente das Escolas de Samba Mirim (LIESM),112 foi criada no ano de 1988, sendo formada por

111 É importante informar que este apoio da Riotur e outras empresas ou secretarias estaduais ou municipais trata-se não somente do suporte estratégico e logístico, mas principalmente de aporte de recursos financeiros. 112 Em algumas publicações, é comum vermos a sigla da entidade mirim ser escrita como LIESMI. 157

ordem de aparecimento das escolas mirins, as seguintes fundadoras: Império do Futuro, Alegria da Passarela, Corações Unidos do CIEP, Mangueira do Amanhã, Herdeiros da Vila e Aprendizes do Salgueiro. O processo se inicia com a disputa pelo direito à exibição na Passarela do Samba e pelo recebimento de verbas para realização dos desfiles das agremiações mirins. Se no ano de inauguração do palco, a escola de samba mirim Império do Futuro fez sua exibição, o mesmo não ocorreu no ano de 1985. A Império do Futuro e mais a Alegria da Passarela desfilaram na Avenida Rio Branco junto com os blocos e as escolas de samba dos grupos 2A e 2B, que integravam a Associação das Escolas de Samba da Cidade do Rio de Janeiro (AESCRJ), somente se apresentando naquele palco para o desfile das campeãs e vice-campeãs, no sábado após o término oficial do carnaval carioca. No ano de 1986, as duas escolas mirins voltaram a gozar do privilégio de desfilarem no Sambódromo. O gesto não era devido à relevância das escolas, mas, sim, porque o então governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel de Moura Brizola e seu vice-governador, Darcy Ribeiro, queriam reforçar a apresentação de sua mais nova criação - a escola mirim Corações Unidos do CIEP. O momento político era de promover publicamente a exaltação ao Plano Especial de Educação Pública (PEE)113, criado pelo antropólogo e vice-governador Darcy Ribeiro, de forma mais palpável, com a exibição dos alunos da Escola Tia Ciata (ETC), localizada nas salas de aula, do CIEP Complexo Avenida dos Desfiles, que trazia meninos e meninas marginalizados pela sociedade e que viviam uma nova experiência educacional, que buscava levá- los à inclusão social. Interpretamos que o governador, famoso por sua veia política populista, desejava evidenciar o Sambódromo não apenas como um equipamento público voltado para o carnaval, mas também um espaço educacional que inovava pela implementação do binômio educação-cultura. O desfile, chamado de populista pela imprensa local (JORNAL DO BRASIL, 1986), de fato, foi realizado para fazer com que a escola mirim dos CIEPs fosse a estrela da noite, tanto que - na ordem de

113 O PEE, elaborado por Darcy Ribeiro, tinha como princípios teóricos e metodológicos aqueles contidos no movimento educacional chamado Escola Nova, que surgiu no final do século XIX, e que no Brasil aparece na década de 1920, sendo difundido pelos Pioneiros da Educação Nova, dentre eles, Fernando de Azevedo, Lourenço Filho e Anísio Teixeira.

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apresentações - a escola Corações Unidos do CIEP foi a primeira, muito embora, em se tratando de antiguidade, de fato o posto fosse da Império do Futuro, seguida da Alegria da Passarela. Polêmicas e constrangimentos à parte, as três escolas mirins retornaram a Passarela, no desfile das campeãs de acordo com esta ordem. Se a Império do Futuro gozou de privilégios políticos, tendo o aval do governador e vice-governador para se apresentar no ano de inauguração do Sambódromo (1984), com o surgimento da Corações Unidos do CIEP, um novo cenário mostrava que sua posição mudara radicalmente, inclusive se valendo do apoio de outros sambistas, que além de Xangô da Mangueira, também tinha Machine114 (o síndico da passarela), que era amigo do primeiro, conforme já foianalisado no início deste capítulo. No âmbito da empresa Riotur, a inserção da Corações Unidos do CIEP reforçou o time de eventos que eram realizados para a divulgação do carnaval carioca. Com apenas dois anos de existência do fenômeno sociocultural escolas de sambas mirins, Império do Futuro e Alegria da Passarela já participavam desses eventos junto com grupos populares, ou folclóricos, como capoeira, maculelê e afoxés, como eram descritos nos jornais, foi o caso do Projeto Aleluia, que era realizado no período da Páscoa, com desfile na Avenida Rio Branco. Neste panorama político, a Império do Futuro viu que seu poder de negociações políticas estava abalado, pois após o surgimento da Alegria da Passarela115 e da Corações Unidos do CIEP, mais duas escolas mirins, filhas de duas grandes escolas adultas, vieram se unir ao grupo: a Mangueira do Amanhã e a Herdeiros da Vila (Vila Mirim). Com o número de escolas aumentando, havia a possibilidade de diminuição de verba para contemplar a todas, as lutas políticas pelo direito ao desfile no

114 Nasceu na Baixada Fluminense e ainda menino manifestou interesse para o samba. Por essa época, através de concurso interno na Escola Beija-Flor, ganhou como Primeiro Passista. Mais tarde, a convite do carnavalesco Geraldo Cavalcanti, foi para a Escola Unidos da Ponte, onde atuou como passista e coordenador da escola mirim. Conhecido também como "Síndico da Passarela", é considerado figura histórica do Sambódromo, passando a morar em uma das salas durante os dois meses que antecediam o carnaval. O pseudônimo "Machine" surgiu em 1983 quando era passista na Escola de Samba Beija-Flor. Na época, a escola fazia uma temporada em Paris e o empresário Daniel de Castro o chamou de 'Machine du Samba", logo resumido para 'Machine'. A pedido de Xangô da Mangueira, organizou a escola de samba mirim Corações Unidos do Ciep, na qual também trabalhava com meninos de rua. Dados extraídos do sítio eletrônico Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Disponível em: < http://dicionariompb.com.br/machine/biografia />. Acesso em: 10 out 2018. 115 Escola criada pelo ex-presidente do Acadêmicos do Salgueiro, Osmar Valença, em 1985, que reunia crianças filhas de sambistas ou que desfilavam nas escolas adultas e que enrolou sua bandeira no ano de 1989. 159

Sambódromo também ficaram intensas, portanto, era chegado o momento de se garantir direitos já adquiridos e equilibrar estas forças políticas. O grupo então formado pôde ser comparado a um barril de pólvora pronto a explodir, pois por trás das escolas mirins havia a figura de representantes, que desfrutavam de respeitabilidade dentro das escolas de samba e na política do estado: Careca e a escola mãe G.R.E.S Império Serrano (Império do Futuro), o ex-presidente do G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro, Osmar Valença (organizador e presidente da Alegria da Passarela), o governador e vice-governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro (Corações Unidos do CIEP), a Dona Jô (presidente executiva da Mangueira do Amanhã, que tinha também a cantora Alcione116 como presidente de honra) e D. Dinorah117 (fundadora e presidente da Herdeiros da Vila). A formalização de uma associação, que em princípio seria blindada para os interesses pessoais de cada um, para representar o interesse coletivo do grupo, a exemplo da LIESA, era mais do que oportuna. Com uma liga representativa do grupo, haveria melhores condições de se negociar junto ao setor público, no tocante às verbas advindas para realização dos desfiles e dos eventos, bem como para o equilíbrio das forças internas. E, assim, foi criada a Liga Independente das Escolas de Samba Mirim (LIESM) em 1988, utilizando-se nome semelhante ao das escolas de samba do Grupo Especial, que haviam criado a LIESA em 1984. A presidente de honra da liga ficou sendo a cantora Alcione, já que desde a criação da escola mirim Império do Futuro, escola da qual ela era madrinha, já se mostrava apoiadora desse modelo de aprendizagem da cultura das escolas de samba. Além disso, ela também foi uma das fundadoras da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã. Tendo como parceira a LIESA, uma das grandes conquistas da LIESM foi a decisão do Juizado de Menores, Liborne Siqueiram, em proibir a presença de crianças de sete a quatorze anos de idade nos desfiles das agremiações adultas, com isso havia o reforço desse público para as entidades mirins, fortalecendo a posição

116 Cantora de Música Popular Brasileira, integrante do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira, onde realiza diferentes projetos sociais. Após ter sido madrinha da escola mirim Império do Futuro, tendo doado os instrumentos da bateria da escola para realização de seu desfile no Sambódromo, fundou a escola mirim Mangueira do Amanhã. 117 Affonsina Pires, nascida no interior de Minas Gerais, morou nas cidades de Divinópolis e em Belo Horizonte antes de mudar definitivamente para o Rio de Janeiro. Como cantora, fez parte do grupo As Gatas e era integrante do G.R.E.S. Unidos da Vila Isabel e após o desfile de 1988, que teve como enredo Kizomba – festa da raça, fundou a escola mirim Herdeiros da Vila. 160

dessas agremiações como um novo espaço para crianças e adolescentes, desvinculando-os do mundo dos adultos. Na verdade, à medida que os cuidados com a presença de crianças e adolescentes foram se tornando mais constantes, por conta do monitoramento do Juizado de Menores, que exigia rigor no cumprimento do Estatuto da Criança e do Adolescente118 (ECA), cada vez mais a presença deste grupo dentro das escolas adultas entra em declínio. Já que - a cada infração cometida - pesadas multas sobre a agremiação carnavalesca se amontoavam. Criança no samba começou a se tornar um caso de “prejuízo financeiro” para as escolas de samba. Com isso, o fortalecimento das entidades mirins aumentou consideravelmente, pois elas foram se capacitando e se adaptando às novas demandas sociais. A LIESM conseguiu permanecer até o ano de 2002, quando surge a Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM–Rio), com uma nova composição de forças políticas, tendo a liderança saído das mãos de Dona Jô, passando para o professor Sérgio Murilo, que havia estado à frente da coordenação de projetos de capacitação no projeto social Flor da Manhã, que foi criado pelo carnavalesco Joãozinho Trinta.

2.6.2 Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM–Rio)

A nova Associação nascia de uma dissidência no grupo de escolas de samba mirins, que - em 26 de junho de 2002 - era formada pelas seguintes escolas de samba mirins: Império do Futuro, Corações Unidos do CIEP, Mangueira do Amanhã, Herdeiros da Vila, Aprendizes do Salgueiro, Nova Geração do Estácio, Miúda da Cabuçu, Inocentes da Caprichosos de Pilares, Infantes do Lins, Ainda existem crianças na Vila Kennedy, Estrelinha da Mocidade, Planeta Golfinhos da Guanabara.

118 O ECA é considerado um marco na proteção da infância e tem como base a doutrina de proteção integral, reforçando a ideia de “prioridade absoluta” da Constituição. No ECA, estão determinadas questões como os direitos fundamentais das crianças e dos adolescentes; as sanções, quando há o cometimento de ato infracional; quais órgãos devem prestar assistência; e a tipificação de crimes contra criança. Sua promulgação ocorreu por meio da Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Disponível em: < http://fundacaotelefonica.org.br/eca-e-legislacao/>. Acesso em: 3 ago. 2019. 161

A grande insatisfação do grupo para com a LIESM partia dos interesses de D. Turquinha (presidente da escola mirim Ainda existem crianças na Vila Kennedy), que substituiu D. Jô (presidente da Mangueira do Amanhã), que junto com Careca (presidente do Império do Futuro) tinham o predomínio político dentro da LIESM,119 cuidando tão somente da realização dos desfiles e visando interesses dirigidos para suas agremiações. Além dessa questão, havia a possibilidade de novas parcerias com instâncias públicas e privadas, mas que não eram obtidas, já que as agremiações mirins não tinham o perfil de projetos sociais, como a escola de samba Mangueira do Amanhã, que já havia sido absorvida pelo Instituto Mangueira do Futuro, já sendo desenvolvida como um projeto social desde seu surgimento em 1987, que junto com a área de esportes eram atividades em pleno desenvolvimento na Vila Olímpica da Mangueira, tornando-se espaço de inclusão social para as crianças daquela região, fazendo a triangulação esporte-cultura-educação. Em 2002, as escolas que se encontravam mais próximas desse perfil eram a Império do Futuro; a Planeta Golfinhos da Guanabara, que era institucionalmente uma Organização Não-governamental, fruto de projetos sociais sobre carnaval, desenvolvidos pelo professor Sérgio Murilo; e a Herdeiros da Vila. Estas escolas mirins recebiam verbas federais para desenvolvimento de projetos sociais em suas comunidades, via programa Comunidade Solidária120, que, por sua vez, tinha financiamento do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Tendo em vista que este tipo de recurso somente atendia a três escolas mirins no universo de 12 escolas afins, foi importante a atuação do professor Sérgio Murilo, que já sendo beneficiário do programa Comunidade Solidária, trouxe esta oportunidade para que as demais politicamente se inserissem junto à prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, no mandato de César Maia, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), sendo que sob a bandeira de uma nova instituição a ser criada, a AESM-Rio.

119 Esses fatos foram extraídos de entrevista realizada com um dos participantes da direção da AESM-Rio, que não quis ser identificado. 120 “Programa proposto pelo governo Fernando Henrique Cardoso, no início de sua gestão, tem como alvo os segmentos mais pobres do país, inseridos em patamares inferiores a condições dignas de vida. Para administrar este programa, foi criada uma Secretaria Executiva e um Conselho Consultivo vinculado à Casa Civil, composto pelos ministros das áreas sociais e econômicas e 21 membros da sociedade civil. Não possui prerrogativas executivas, e suas finalidades estão mais voltadas à mobilização da sociedade civil, de entidades governamentais e não-governamentais, e à integração entre os níveis federal, estadual e municipal, visando a ações conjuntas no ataque aos problemas da fome e da pobreza.” (SUPLICY; MARGARIDO NETO, 1995, p. 41). 162

A necessidade de reformulação e adaptação aos novos tempos pela LIESM era premente, mas havia resistência entre as presidências, talvez pela presença de um integrante fora do grupo inicial e que vinha com uma visão inovadora, podendo ser considerada perigosa, no sentido de manutenção da preservação da cultura das escolas de samba. Estes desentendimentos e a oportunidade de se integrarem em projetos desenvolvidos e financiados pela prefeitura do Rio de Janeiro acabaram por provocar a ruptura do grupo, surgindo uma nova liderança, o professor Sérgio Murilo, presidente da escola de samba mirim e ONG Planeta Golfinhos da Guanabara. O histórico profissional de Sérgio Murilo como um dos assistentes de Joãozinho Trinta no projeto social escola de samba mirim Flor do Amanhã e a criação de sua ONG Planeta Golfinhos da Guanabara, que ele adaptou para ser uma escola de samba mirim, foram fundamentais para as mudanças institucionais das escolas de samba mirins. As escolas dissidentes se organizaram e construíram uma nova associação, sendo elas: a Aprendizes do Salgueiro, Herdeiros da Vila, Mangueira do Amanhã, Golfinhos da Guanabara, Miúda da Cabuçu, Corações Unidos do CIEP e Petizes da Penha, que juntas se tornaram as entidades fundadoras da Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM-Rio), tendo como sede provisória, a quadra e sede do G.R.E.S Mangueira, na rua Visconde de Niterói, 1072. Com um grupo mais equilibrado, três escolas da década de 1980 e três da década de 1990, e voltado para oportunizarem suas atividades com recursos mais efetivos, o estatuto social da AESM-Rio trazia um formato que facilitava as escolas de samba mirins na introdução neste nicho de mercado, como projetos sociais de cunho educativos, culturais e esportivos, ampliando sua atuação para além da cena do carnaval carioca: “AESM-RIO é uma sociedade civil sem fins lucrativos, de natureza social, recreativa, educacional, carnavalesca, cultural, filantrópica e esportiva” (ESTATUTO AESM-RIO, 2002, p. 1). De acordo com um dos dirigentes da AESM-Rio, o estatuto já veio todo formatado pelo professor Sérgio Murilo e pronto para abrir novas possibilidades para todas as agremiações que aderissem à nova associação, sendo a oferta principal de conquista a inserção dessas instituições no projeto Célula Cultural, a ser implantado pelo prefeito César Maia em 2003. A possibilidade de realização de eventos e parcerias - como forma de aumento de renda entre as escolas mirins com outras instituições públicas e/ou privadas - tornou-se uma realidade. 163

Com pouco mais de um mês de existência, a AESM-Rio já estava em tratativas com o grupo Carrefour para realização da festa de protótipos para o carnaval do ano seguinte, nas áreas de cada uma de suas 13 filiadas. No discurso de sensibilização para o futuro parceiro, além de abordar o quantitativo de crianças envolvidas nos desfiles mirins, “quase 25 mil jovens”, demonstrando o expressivo tamanho de seu público beneficiário, a justificativa apresentada para a realização do evento se pautava na “grandeza que jovens das áreas de exclusão e risco sociais precisam para atenuar os efeitos negativos próprios do contexto onde estão” (carta-ofício de 28/08/2002, expedida para o Grupo Carrefour), agora mais do que no passado, o valor social no atendimento a esse grupo em situação vulnerável era a moeda de troca mais politicamente correta. A participação no projeto Célula Cultural, da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, foi um divisor de águas para o fortalecimento da nova entidade representativa, que ampliou esse grupo para 13 filiados, obtendo chancela, junto à prefeitura, de ser a responsável pelos desfiles das escolas de samba mirins, daí o aumento de quantitativo descrito na tabela 3. Assim, a LIESM ficou resumida à escola mirim Ainda existem crianças na Vila Kennedy, pois as demais foram se desligando pouco a pouco e se integrando à nova associação, que foi reconhecida pela Riotur como interlocutora oficial do grupo. A escola mirim Ainda existem crianças na Vila Kennedy desfila como convidada da AESM-Rio, integrando o grupo de suas filiadas, nos desfiles mirins. A escola desfila como convidada da associação e recebe, como as demais, sua parte na verba recebida para a realização de seus desfiles da Riotur, mas também tem recursos próprios advindos com a LIESM, já que esta entidade não foi cancelada, além da captação de recursos que faz ao longo do ano. Se as escolas de samba mirins tiveram um período áureo na década de 1980, apesar de alguns percalços com relação ao local de exibição de seus desfiles, é muito em função do apoio político do governador e vice-governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola e Darcy Ribeiro. Com o prefeito César Maia, nos anos 2000, para muitos presidentes e dirigentes, sua gestão foi a melhor, superando Eduardo Paes, muito por conta do projeto Célula Cultural. César Maia, antigo aliado de Leonel Brizola, no PDT, soube fazer de seus mandatos na prefeitura do Rio carreira bastante semelhante ao do mestre populista, especialmente, em sua segunda gestão quando realizou a construção da Cidade do 164

Samba Joãozinho Trinta, das Vilas Olímpicas de Vila Isabel, no parque Recanto dos Trovadores e na quadra do G.R.E.S Acadêmicos do Salgueiro, do Centro de Tradições Nordestinas e das “Escolas Padrão”121, que tinham em suas dependências salas de informática, artes e ciências, além de quadras poliesportivas. Os anos 2000 ampliaram os conceitos pedagógicos do binômio educação-cultura, alcançando a área dos desportos, no atendimento social às crianças e aos adolescentes, em regiões carentes da cidade do Rio de Janeiro. Esses empreendimentos tinham a meta de preparar a cidade para a realização dos jogos Panamericanos e Parapanamericanos de 2007. Estes eventos de grandes proporções internacionais também foram almejados pelas escolas de samba mirins, conforme esboço-modelo de carta de apoio encaminhada pelo professor Sérgio Murilo às afiliadas da AESM-Rio, na qual cada uma delas manifestaria o apoio integral à Associação no desenvolvimento de projeto de participação das escolas de samba mirins em desfile durante os Jogos Panamericanos de 2007, na cidade do Rio de Janeiro, as quais deveriam ser encaminhadas ao presidente do Comitê Olímpico Brasileiro (COB), Carlos Arthur Nuzman: O objetivo de Sérgio Murilo era o de realizar um desfile com as crianças, em um total de 4.500 meninos e meninas, na abertura dos Jogos ou mesmo no encerramento, ou em qualquer atividade. Ao final da escrita, o professor explicava que era necessária a participação das filiadas, “não podendo ficarmos de fora da participação no evento de repercussão mundial”. Como o documento é um esboço, o autor informa que o projeto está em fase de elaboração, mas, logo em seguida, ele fez um risco assinalando, “pronto”, e explica que, como os custos devem correr por conta do COB ou de empresas, ele já considerava o projeto finalizado. A AESM-Rio, de certa forma, profissionalizou e instrumentalizou as escolas de samba mirins como captadores de recursos, apresentando-se com uma expertise de gerência empresarial, que antes não era realizada pela LIESM, o que fez com que houvesse o aumento de suas filiadas e respeitabilidade no mercado de entretenimento da cultura do carnaval e de esportes, com geração de renda para as crianças e núcleos familiares. Esta prática empresarial e a ação discursiva de legitimação das escolas de samba mirins são os grandes diferenciais entre esta associação e a antiga liga, bem

121 O termo escolas-padrão deve-se à construção de escolas com dependências para uso de tecnologias da informação, desenvolvimento de atividades artísticas e esportivas. 165

como a sedimentação da posição das agremiações carnavalescas mirins, diante das instâncias públicas de poder e o público em geral, criando um marco de posicionamento político, cultural e social da/para as escolas de samba mirins. Este posicionamento está consubstanciado na fala do presidente da escola de samba mirim Estrelinha da Mocidade, Gabriel de Azevedo, no evento “SOS Escolas de Samba Mirins – Não deixe o samba morrer”, realizado em janeiro deste ano:

A gente tem um trabalho social, cultural daquela criança da comunidade, que não tem acesso a entretenimento, cultura. Então, a gente precisa levar isso às crianças e fazer com que ela enxergue a outra realidade da vida, que não é aquela que elas enxerguem lá dentro. Então, a gente faz este trabalho, que, bem dizer, é o que a prefeitura deveria fazer e muita das vezes não faz. E a gente tá lá dentro fazendo. Um trabalho de conscientização. A gente tira a criança da rua, vem cá, vamos aprender, participar de uma oficina de percussão. Aquela mãe que não tem perspectiva, então, muitas escolas como a nossa, a gente tem é... cursos. (AZEVEDO, 2019).

Com a AESM-Rio, o foco das agremiações passou a ser a capacitação profissional, a partir dos ofícios inerentes a uma escola de samba, no desafio de formar cidadãos. A visão do professor Sérgio Murilo era a de implementar projetos sociais, culturais e esportivos, oferecendo à garotada oportunidade de desenvolver suas potencialidades e participação na produção artística e cultural, bem como habilidades desportivas. Algumas escolas mirins formaram times de futebol, participando de campeonatos, como a Copa Danone, evento desportivo realizado pela empresa Danone e pela Speed Sports Marketing, que tem por objetivo incentivar a prática esportiva no meio estudantil e comunitário, além de promover o intercâmbio, a socialização e a integração entre os participantes. Uma das escolas de samba mirim que esteve presente neste tipo de atividades foi a Pimpolho da Grande Rio, que participou de três campeonatos. A AESM-Rio trouxe para as agremiações mirins um posicionamento mais adequado aos princípios do Estatuto da Criança e Adolescente (ECA), que fora promulgado em 1990, fazendo constar em seu estatuto social, destacadamente: o contribuir para projetos de educação social, em especial, para as áreas de exclusão social e risco sociais e proteger em conjunto como os órgãos púbicos, crianças e adolescentes de 5 (cinco) a 21 (vinte e hum) anos, que estão contemplados para participarem dos desfiles no evento de carnaval e outros afins. 166

O objetivo de formar cidadãos e qualificá-los para o mercado de trabalho do mundo do samba acabou virando sua marca dentro da cultura das escolas de samba, e abriu precedentes para que outras instituições - além das escolas de samba mirins e as escolas de samba adultas - igualmente assim o fizessem. Como projetos sociais de formação de passistas, mestre-sala e porta-bandeiras, oficinas de percussão, adereços e de composição, dentre outras atividades. As escolas de samba mirins se tornaram um modelo educacional de aprendizagem cultural, performances artísticas e assistência social. Além das oficinas sobre ofícios inerentes ao desenvolvimento dos desfiles carnavalescos, foi comum a execução de projetos ligados ao esporte e reforço escolar. Após a década de 2000, é comum observar que algumas quadras de escolas adultas levaram para as comunidades assistência médica, atividades físicas, realizando orientação pedagógica e profissional junto às crianças e adolescentes, por si só, ou via escolas de samba mirins. Nesse ponto, é possível distinguir que a questão identitária cultural das escolas de samba e a profissionalização dos jovens sambistas são dois percursos que parecem ocorrer paralelamente no desenvolvimento das atividades das escolas de samba mirins. Contudo, durante entrevistas e contatos realizados nas quadras das escolas de samba com responsáveis das crianças, dirigentes e profissionais, percebemos que estes dois caminhos nem sempre foram ou são concomitantes, há ainda tensões e paradoxos que os entrelaçam e os rodeiam por meio da dicotomia tradição e modernidade. Aparentemente, pode-se levantar uma divergência de opiniões entre Careca, o criador da primeira agremiação mirim, e o professor Sérgio Murilo sobre o objetivo de se criar este tipo de escola de samba para crianças e adolescentes. Acreditamos que não há este tipo de divergência totalmente, pois ambos sempre mantiveram a valorização cultural das escolas de samba e a inclusão social das crianças carentes, buscando fazer uma conexão entre os saberes formais e informais. E ambos também as geriram de forma empresarial, buscando espaços de exibição do fenômeno sociocultural, com objetivo de dar-lhes visibilidade para obter recursos financeiros, dando continuidade aos projetos sociais locais em realização. Em 2010, como prova de coesão do grupo de escolas que formavam a associação, o presidente Edson Marinho, que continua em exercício, em parceria com Alexandre Moraes, Hugo Bruno e Jorge Xavier compuseram o hino da associação homenageando cada uma de suas filiadas, o que denota também um círculo fechado, 167

que não oferece espaço para a integração de outras escolas de samba mirins, como de fato ocorre:

Hino da Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro Somos a família AESM-Rio O futuro do amanhã Nova Geração de aprendizes Inocentes crianças petizes Golfinhos no mar de fantasias Herdeiros da alegria Miúda poesia pelo ar Na passarela a ecoar Como pimpolhos trazemos algo mais Com os corações unidos pela Paz A Nossa estrelinha vai brilhar Para Tijuquinha iluminar Filhos infantes da nação da esperança No nosso carnaval ainda existem crianças Venha pra cá extravasar Comemorar arrepios Bis Na nossa festa vem dar gargalhadas Sambando junto com a criançada122

122 Disponível em: https://soundcloud.com/srzd/aesm-rio-hino-de-2017. Acesso em: 30 jul. 2016. 168

3 APRENDIZAGENS: TRADIÇÃO, ESPETÁCULO E PRÁTICAS CULTURAIS

“Fico muito feliz de ver as crianças mantendo a nossa tradição, nossa cultura acesa”123. Philipe Lemos

A partir de nossa definição do termo escolas de samba mirins como representações sociais identitárias da cultura das escolas de samba, formada por crianças e adolescentes, realizando desfiles anuais, estando filiadas a uma escola de samba ou não, promovendo qualificação de profissionais, por meio de projetos sociais, para atuarem no carnaval, e que preservam os saberes e fazeres da cultura das escolas de samba, formando continuadores da expressão cultural popular, identificamos estas agremiações como comunidades de aprendizagens:

As comunidades de aprendizagem constituem um ambiente intelectual, social, cultural e psicológico, que facilita e sustenta a aprendizagem, enquanto promove a interação, a colaboração e a construção de um sentimento de pertença entre os membros. Estas comunidades surgem como uma alternativa curricular aos moldes tradicionais de ensino-aprendizagem, sob a forma de grupos descentralizados de sujeitos que se auto organizam em comunidades funcionais e estáveis, e cuja meta principal é o apoio mútuo para o desenvolvimento eficaz de atividades construtivas de aprendizagem. (AFONSO, 2001, p. 429).

Como comunidades de aprendizagens, elas desenvolvem experiências de aquisição de conhecimentos sobre o carnaval, a cultura das escolas de samba e seus desfiles, entendendo-se os desfiles como “obra de arte totalizante” (DAHORA, 2019), que não está limitada à qualificação (formação) de novas gerações de sambistas, mas que promove a imersão das crianças e adolescentes nas dimensões de conhecimento do ensino das linguagens artísticas. Linguagens essas como a criação, que prevê a produção artística, individual ou coletiva como uma maneira de expressar sentimentos, ideias, desejos e representações; a crítica, que articula ação, pensamentos propositivos, envolvendo aspectos estéticos, políticos, históricos, filosóficos, sociais, econômicos e culturais; a estesia, que articula a sensibilidade e a percepção da arte como uma forma de

123 Fala de Philipe Lemos, mestre-sala do G.R.E.S. União da Ilha do Governador em entrevista concedida à revista eletrônica Carnavalesco, em 01/03/2017. Acesso em: 03 mar. 2017. 169

conhecer a si mesmo, o outro e o mundo, trazendo o corpo como protagonista da experiência com a arte, em sua totalidade, incluindo as emoções; a expressão, que diz respeito às possibilidades de exteriorizar e manifestar as criações subjetivas por meio de procedimentos artísticos, tanto em âmbito individual quanto coletivo; a fruição, que refere-se ao deleite, ao prazer, ao estranhamento e à abertura para se sensibilizar durante a participação em práticas artísticas e culturais; e a reflexão, que refere-se ao processo de construir argumentos e ponderações sobre as fruições, as experiências e os processos criativos, artísticos e culturais. É a atitude de perceber, analisar e interpretar as manifestações artísticas e culturais, seja como criador, seja como leitor. A nosso ver, essas dimensões de conhecimento no ensino das linguagens artísticas (criação, crítica, fruição, estesia, expressão e reflexão), as quais são abordagens de linguagens artísticas prescritas na Base Nacional Comum Curricular124 (BNCC, 2018), que se encontra em vigência no país, não estão restritas aos currículos das escolas formais de ensino, mas que - ao serem assinaladas como abordagens que “caracterizam a singularidade da experiência artística (BNCC, 2018, p. 190)” - estão presentes em qualquer ambiência que promova o ensino das múltiplas linguagens artísticas. Mas escolas de samba mirins não são as únicas comunidades de aprendizagens sobre a cultura das escolas de samba e seus desfiles, existem outros espaços que desenvolvem atividades deste tipo, como já dissemos no capítulo anterior. No modelo de projetos sociais, como a Escola de Mestre-Sala, Porta-Bandeira e Porta-Estandarte Manoel Dionísio, que - desde 1990 - forma dançarinos do samba e atualmente tem sua sede no Centro de Artes Calouste Gulbenkian; o Projeto Minueto do Samba, de mestres-sala e porta-bandeiras, coordenado por Viviane Martins e criado em 2017, que tem como padrinho José Carlos Machine, o síndico da Marquês de Sapucaí, e é desenvolvido no Imperator - Centro Cultural João Nogueira, no bairro do Méier, zona norte da cidade do Rio de Janeiro; e a ONG Associação Cultural Madureira Toca Canta e Dança, que foi fundado por mestre Gallo (Waldir Gallo) e sua

124 Sobre a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2018), ver portal do Ministério da Educação. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view= download&alias=79601-anexo-texto-bncc-reexportado-pdf-2&category_slug=dezembro-2017- pdf&Itemid=30192>. Acesso em: 25 jan. 2019. 170

esposa Estelita Oliveira, em 1996, que atualmente realiza somente a formação de mestres-sala e porta-bandeiras na quadra do G.R.E.S. Portela, no bairro de Madureira, localizado na zona norte da cidade, que inicialmente tinha o objetivo de repassar experiências carnavalescas, mantendo a tradição do carnaval através da capacitação de jovens e crianças para o mercado de trabalho com cursos gratuitos de desenho e confecção de fantasias, adereços, chapelaria, arte com espuma, dança do mestre-sala e porta-bandeira; além de academias de danças, como a de Carlinhos de Jesus, que mantém profissionais para capacitação em mestre-sala e porta-bandeiras, bem como de outras academias que atuam na área de elaboração de coreografias de comissão de frente, por exemplo. As crianças e adolescentes das escolas de samba mirins que exercem a função de mestre-sala e porta-bandeira costumam frequentar as aulas desenvolvidas nos projetos sociais de Mestre Manoel Dionísio, Madureira Toca, Canta e Dança e o Projeto Minueto do Samba, quando não existem este tipo de oficina dentro das quadras de suas escolas de samba mãe ou pelas agremiações mirins, que por não ter uma escola-mãe e sem espaço para reunir seus integrantes, tem que procurar este tipo de formação nos projetos sociais. A escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP, que é uma escola de samba mirim, é um projeto extracurricular da rede municipal de ensino, e, portanto, não tem uma quadra disponível para si, tem o seu casal de mestre-sala e porta- bandeira realizando sua formação na academia de dança do coreógrafo e dançarino Carlinhos de Jesus. Analisaremos um desses projetos sociais sobre formação de mestres-sala e porta-bandeiras, que cuidam da qualificação de - pelo menos - três casais de escolas de samba mirins e a participação das academias de dança, no caso específico na escola de samba mirim Filhos da Águia, que entre os anos de 2016 e 2017 foi realizada pela Escola de Dança Kátia Bezerrada, para compreendermos os processos ensino-aprendizagem ali desenvolvidos.

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3.1 Mestre-sala e porta-bandeira e comissão de frente – relações de aprendizagens fora do âmbito da escola de samba mirim

É importante observar que o surgimento desse tipo de projeto social, de formação de mestres-sala e porta-bandeiras, a partir da década de 1990, é o momento em que houve o aumento expressivo de disseminação de projetos sociais e de expansão das ONGs, que prosseguem nos anos de 2000, no país como um todo, e também do crescimento das escolas de samba mirins, década que houve o acréscimo de 11 dessas agremiações em relação ao período inicial de surgimento das agremiações mirins, que foi a década de 1980 (ver tabela 10, capítulo 2). Dessa maneira, demonstra-se que o fato de que a multiplicação de agremiações mirins suscitou também o surgimento de outros espaços para o desenvolvimento de ações educativas semelhantes ou complementares às escolas de samba mirins, com foco na formação de determinadas funções nelas exercidas, no caso, mestres-sala e porta-bandeiras, incluindo-se mais recentemente, a partir da década de 2000, a inserção das academias de ballet, jazz, dança contemporânea, sapateado e outras modalidades, bem como de seus professores e dançarinos, participando nas comissões de frente. Um dos elementos de maior destaque dentro de uma escola de samba é o casal de mestre-sala e porta-bandeira. O seu bailado destoa da agremiação, pois eles conduzem o pavilhão (bandeira) da agremiação e o seu dançar é diferenciado do sambar: O mestre-sala e a porta-bandeira talvez sejam os componentes mais importantes das escolas de samba em seus desfiles, pois são eles que levam o seu símbolo máximo – a bandeira. Historicamente a formação desse casal de ‘defensores’ ou ‘guardiões’ da bandeira, assim como a estruturação da dança, são pouco conhecidas, possivelmente, tal como ocorreu na gênese das escolas de samba, as origens da dança e do próprio casal devem ter sido resultado de apropriações, adaptações, transformações, variações e combinações em vários níveis de elementos, motivos e temas existentes em outras manifestações das culturas popular e erudita. Juntamente com outras figuras típicas das escolas e samba, como o ‘malandro’ e a ‘baiana’, o mestre- sala e a porta-bandeira constituem-se em verdadeiros exemplos de elementos que articulam distintos níveis de influências de culturas na cidade do Rio de janeiro. (LOURENÇO, 2009, p. 8).

O casal representa a própria escola, pois eles têm a guarda do pavilhão e sobre eles têm todas as atenções voltadas para si, não só no momento de exibição no 172

desfile, nem dentro da quadra de uma escola de samba, mas no comportamento comedido, que é severamente cobrado desde a direção da escola até pelos mais velhos na agremiação.

Ao observarmos um casal de mestre-sala e porta-bandeira se apresentando notamos que há uma maneira distinta de dançar: eles não “sambam no pé” como os passistas ou a comunidade em geral, mas bailam executando movimentos específicos. Suas vestimentas e comportamentos são frequentemente elegantes e corteses, permitindo-nos identificar peculiaridades que o caracterizam como casal de mestre-sala e porta- bandeira. (MARTINS, 2018, p. 26).

Assim como nas escolas de samba, as agremiações mirins costumam ter até três casais desfilando, implementando a hierarquia existente nas escolas de samba, os jovens aprendizes já identificam as responsabilidades que cada um desses lugares representa dentro de uma agremiação carnavalesca:

O primeiro casal tem a responsabilidade de ser avaliado como quesito no dia do desfile. Geralmente é ele quem representa a escola de samba em viagens e grandes eventos. O segundo casal substitui o primeiro casal em alguma eventualidade e pode ser escalado para participar de shows e eventos da agremiação, geralmente está sendo preparado para que assuma o posto de primeiro casal quando este se desligar da escola. O terceiro casal tem a função de substituir ambos os casais quando solicitado e igualmente deve se aperfeiçoar para futuramente assumir o posto de segundo (ou até mesmo de primeiro). O segundo e terceiro casais não pontuam como quesito mestre- sala e porta-bandeira, porém estão inseridos nas notas de enredo, fantasia, evolução e harmonia. (MARTINS, 2018, p. 25).

O Projeto Minueto do Samba, de mestres-sala e porta-bandeiras (figura 26), que é coordenado por Viviane Martins, professora de educação física e coreógrafa de casais de mestre-sala e porta-bandeira, e pelo mestre-sala Carlinhos Brilhante, que realizou seu último desfile nesta função defendendo o pavilhão do G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, tem como alunos os casais de mestre-sala e porta-bandeira das seguintes escolas de samba mirins: Cavalinhos Marinhos da Ilha, Inocentes da Caprichosos e Império do Futuro. 173

Figura 26- Logo do Projeto Minueto do Samba. Fonte: Fecebook, 2019.

Viviane Martins125 nos relatou que sua formação acadêmica a ajuda na aprendizagem que desenvolve com as crianças, mas o fundamental para estar nesta posição foi o fato de ter participado por cerca de 14 anos em duas companhias de dança parafolclóricas, na Universidade Gama Filho e na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), além do fato de ter sido porta-bandeira entre os anos de 2003 a 2007. De acordo com Viviane Martins, a participação nesses grupos proporcionou-lhe o conhecimento de danças, como jongo, tambor de crioula e a capoeira, que a fizeram compreender melhor o significado e o respeito pelos ritos que envolvem estas expressões culturais, e que foram fundamentais para sua compreensão sobre o papel a ser desempenhado pelo casal de mestre-sala e porta-bandeira. Observando-a como orientadora e capacitadora de crianças, identificamos sua metodologia de trabalho, que é semelhante às utilizadas por outros mestres e professores que desenvolvem este tipo de ensinamento de mestres-sala e porta- bandeiras: a transmissão oral dos conhecimentos adquiridos, a imitação (método mimético), no qual os professores apresentam a forma correta de se praticar a dança, a observação constante para ajuste e identificação dos erros apresentados, e que são

125 Dados extraídos de entrevista concedida à autora em 8 de maio de 2019. Viviane Martins é formada em Educação Física, mestre em Artes, pelo Instituto de Artes da UERJ, e também desempenhou a função de porta-bandeira entre os anos de 2003 a 2007, e atualmente é coreógrafa de casais de mestres-sala e porta-bandeiras. Participou de duas companhias folclóricas entre os anos de 1996-2010, nas universidades Gama Filho e Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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corrigidos na hora, formam a metodologia de aprendizagem dessas crianças, que têm nos colegas mais avançados parceiros de aprendizagem (figura 27).

Figura 27- Projeto Minueto do Samba - aula da turma de iniciantes. Fonte: George Araújo, 2019.

Nas devolutivas para os alunos, os dois professores se utilizam dos recursos tecnológicos, como o aparelho celular, que são utilizados para filmagem dos exercícios desenvolvidos durante as aulas e, posteriormente, enviados para os alunos com o objetivo de eles estudarem e analisarem seus erros e acertos. A modernidade se faz presente como agente facilitador nos métodos de ensino e aprendizagem desenvolvidos por Viviane Martins e mestre Carlinhos Brilhante, que é o responsável pelas filmagens, ao mesmo tempo que também corrige os alunos junto com Viviane. Segundo Viviane Martins, esta metodologia não é engessada, mas dinâmica, pois é preciso respeitar a corporeidade de cada criança, a história corporal de cada pessoa, não tendo como aplicar uma única metodologia para todos. Para ela, há de se respeitar as características pessoais de cada porta-bandeira e mestre-sala, a partir da história de seu próprio corpo, que ao longo de sua trajetória, nesta profissão, vai compor o seu estilo, que é sempre diferenciado de um para outro. Este ponto diferencial de seu trabalho é pertinente com sua formação como professora de educação física, mas, segundo ela, não é determinante. Viviane Martins e Carlinhos Brilhante não perdem o foco de identificar as vivências corporais de cada um daqueles que se integram ao projeto, pois a metodologia e didática praticamente são individualizadas, por isso, eles mantêm apenas duas turmas, uma de iniciante com 10 casais e outra, de avançados, com 20 175

casais, que são crianças, adolescentes ou adultos. A faixa etária não está diretamente relacionada às turmas, mas, sim, ao grau de conhecimento do bailado que os alunos demonstram, aqueles que nada conhecem são alocados na turma de iniciantes, mesmo sendo adultos. Sua atenção está voltada a cada movimento realizado pelos alunos. As instruções básicas para os casais são o olho no olho, o movimento dos pés dos mestres-sala que devem riscar o chão e não pular de forma abrupta e desorganizada, o cuidado dos mestre-sala para com a porta-bandeira, a forma elegante do bailado das porta-bandeiras, a todo momento é chamada a atenção para a relação de cumplicidade que o casal deve sempre manter. A preocupação dos professores que ministram aulas é cada vez mais orientar os alunos sobre a condução do pavilhão de forma respeitosa. A preocupação de Viviane Martins e Carlinhos Brilhante é manter as tradições que envolvem o bailado do casal de mestre-sala e porta-bandeira, mas compreendo que ao longo do tempo, este bailado já vem sofrendo alterações, que, uma vez implementadas nas escolas de samba, são absorvidas pelos casais mirins, a tradição não se mostra para os coordenadores do projeto como algo estático e que não seja receptivo às inovações. O bailado de mestre-sala e porta-bandeira tem no manual de julgadores (2018) das escolas de samba, contém regras do julgamento do quesito, que devem ser seguidas pelos aprendizes:

[...] jurados, para concederem suas notas, devem observar a indumentária do casal, verificando sua adequação para a dança e a impressão causada pelas suas formas e acabamentos; beleza e bom gosto.//a exibição da dança do casal, considerando-se que não “sambam” e sim executam um bailado no ritmo do samba, com passos e características próprias, com meneios, mesuras, giros, meias-voltas e torneados, sendo obrigatória a sua exibição diante dos Módulos de Julgamento;//a harmonia do casal que, durante sua exibição com graça, leveza e majestade, deve apresentar uma sequência de movimentos coordenados, deixando evidenciada a integração do casal;//que a função do mestre-sala é cortejar a porta-bandeira bem, como proteger e apresentar o pavilhão da escola, devendo desenvolver gestos e posturas elegantes e corteses, que demonstrem reverência à sua dama (porta- bandeira);//que a função da porta-bandeira é conduzir e apresentar o pavilhão da escola, sempre desfraldado e sem enrolá-lo no próprio corpo ou deixá-lo sob a responsabilidade do mestre-sala. (Apud, MARTINS, 2019, p. 29),

Ainda que nos pareça que as regras de uma forma geral seja subjetivo como “executam um bailado no ritmo do samba, com passos e características próprias, com 176

meneios, mesuras, giros, meias-voltas e torneados”, que dá margens para que os estilos de cada um dos dançantes possam incrementar sua apresentação, estas são as balizas que os educadores sociais que trabalham na preparação dos casais de mestre-sala e porta-bandeira seguem e orientam seus aprendizes, mas em se tratando de uma aprendizagem pautada na oralidade e na imitação dos movimentos, cada orientador tem suas visões próprias que são repassadas aos alunos, que - por sua vez - recriam para si movimentos que lhe são mais propícios, de acordo com sua história corporal, gerando novas e outras interpretações nos bailados que executam. Este de ensino informal, baseado na oralidade (memória), em gestos icônicos e metafóricos e rituais, “gestos icônicos são definidos por suas características visuais, gestos metafóricos são acessíveis somente quando se está familiarizado com seu contexto cultural” e rituais “encenações e representações das relações sociais” (WULF, 2013, p. 15) projetam passagens de um estado para outro de aprendizagem com força mágica, lúdica, que promove o grupo de aprendizagens e os projetos sociais em comunidades de aprendizagens sobre segmentos (mestre-sala e porta-bandeira, passistas, ritmistas e outros) da cultura das escolas de samba.

Para a conservação, transformação e transmissão do patrimônio cultural intangível e sua contribuição para o desenvolvimento da identidade cultural, os processos miméticos desempenham um papel central. Eles contribuem para a encenação e performance, para a performatividade dessas formas culturais e para que os importantes conhecimentos práticos sejam adquiridos e transmitidos de uma geração para a próxima. (WULF, 2013, p. 17)

Com relação às academias de dança, suas presenças são mais nitidamente percebidas nas comissões de frente de boa parte das escolas de samba mirins. Identificamos que a presença delas ocorreu de modo semelhante à das escolas de samba, pela necessidade de se trazer para o espetáculo do desfile profissionais capacitados para produzir um efeito mais dramático, criando um diferencial.

A comissão de frente originalmente era composta pelas figuras importantes da escola que desfilavam na frente da agremiação envergando a roupa típica do malandro elegante ou mesmo de fraque e cartola. A partir da década de 1980, a comissão de frente foi perdendo sua função de simples apresentadora do desfile e incorporando características teatrais, tornando-se desse modo, uma espécie de introdução ao espetáculo (FERREIRA, 2004, p. 368).

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Em alguns casos, nas escolas de samba mirins, toda a comissão de frente é formada por bailarinos de uma academia; em outros, há uma mistura entre integrantes mirins e bailarinos, este movimento é percebido a partir dos anos 2000, de acordo com alguns integrantes das escolas de samba mirins. Existem casos de coreógrafos contratados que por exercerem esta função, ajudam a divulgar o seu próprio nome e/ou das academias a que estão vinculados, podendo também serem premiados pelo trabalho realizado, como ocorreu com o Márcio Dellawegah, coreógrafo e professor de dança, responsável pela comissão de frente da escola de samba mirim Aprendizes do Salgueiro, que ganhou o prêmio Tamborim de Ouro de 2019, na categoria Comissão Sensação. Alguns desses coreógrafos recebem um salário, mas, na maioria das vezes o fazem sem remuneração, bem como os alunos que levam para integrarem a comissão de frente. Dessa forma, tanto para a academia, quanto para os coreógrafo e bailarinos, participarem na comissão de frente é uma atividade que agrega um valor aos seus currículos profissionais. Acompanhando o trabalho realizado pela professora de dança Kátia Bezerra, coreógrafa e diretora artística da Escola de Dança Kátia Bezerra (EDKB) (figura 28), que esteve responsável pela comissão de frente da escola de samba mirim Filhos da Águia, nos desfiles de 2016 e 2017, ela relatou que a liberdade de criação que ela detinha na criação da coreografia do grupo era limitada por conta da manutenção de alguns elementos considerados tradicionais pela escola de samba mirim.

Figura 28- Material de divulgação da EKDB. Fonte: Facebook, 2019.

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No caso da escola de samba mirim Filhos da Águia, os ensaios iniciaram-se no mês de dezembro, nos dois anos em que foi responsável por este quesito, passando por janeiro até o dia de realização do desfile. Isto, de certa forma, segundo foi um complicador para a participação de suas alunas na comissão de frente, pois exigia dedicação em período de férias, tanto na academia quanto na escola regular, o que motivou uma frequente reorganização do grupo, pois existiram alunas que acabaram deixando de participar, sendo substituídas por outras. Conversando com o grupo de responsáveis das bailarinas126, no ano de 2017, na quadra do G.R.E.S. Portela, muitas mães mostraram-se deslumbradas, radiantes, contrariadas e até mesmo inseguras quanto à participação de suas filhas na comissão de frente, que para elas era visto como um lugar de destaque no desfile, já que é a dianteira da escola de samba mirim, que tem a responsabilidade de apresentar o enredo e a própria escola. O deslumbre e a alegria foram emanados de muitas mães e avós, que eram amantes do samba, tinham sido sambistas ou eram apreciadoras dos desfiles, mesmo não sendo portelenses, outras mostraram-se contrariadas pelo fato de estarem presas durante o período das férias, mas reconheciam que era uma boa oportunidade para suas filhas, que - até aquele momento - mostravam-se dispostas a trilhar a profissionalização no campo da dança. Algumas das senhoras disseram que ao serem contatadas por Kátia Bezerra para que suas filhas participassem dos desfiles da escola de samba mirim, muitas mães do grupo rejeitaram o convite, por conta de motivos religiosos, “algumas mães são evangélicas e não deixaram, suas filhas participarem de uma festa que não é de Deus”, frase ditas por uma delas. Durante a pesquisa, o fator religioso se apresentou por vezes como um impedimento para que crianças e adolescentes participassem das escolas de samba mirins, especialmente os evangélicos ou neopentecostais, que por conta da opção religiosa não participam deste tipo de festa popular e não permitem que eles o façam também, sendo um fator a se considerar como esvaziamento de integrantes nas agremiações mirins, bem como nas escolas de samba. Para a professora Kátia Bezerra, ter que reunir crianças com diferentes níveis de aprendizagem ou sem qualquer conhecimento técnico da arte da dança era muito difícil para iniciar os preparativos da comissão de frente, pois este quesito exige um

126 O grupo era formado por mães que não quiseram se identificar para a pesquisa. 179

tempo maior de preparo, uma maturidade profissional, que não existe em crianças que não estão acostumadas com a disciplina que uma escola de dança impõe aos alunos, além, é claro, de treinamento, sendo este o motivo de nos dois anos ter trabalhado exclusivamente com suas alunas da academia da qual é professora e proprietária. Além disso, conforme ela também nos relatou, o fato da academia ter sido muitas das vezes chamada quase que “em cima da hora” da realização do desfile, dificultaria a aprendizagem das técnicas necessárias para a participação de crianças da agremiação mirim na comissão de frente, sem nenhum preparo. De fato, muitos dos profissionais que coreografam as comissões de frente mirins alegam a mesma situação para justificarem a opção de trabalharem com seus alunos da academia com maiores chances de serem premiados, foi a mesma justificativa apresentada pela coreógrafa da escola de samba mirim Tijuquinha do Borel. Contudo, analisando estas falas, entendemos que o fato de não haver uma remuneração ou - em havendo alguma - não ser satisfatória, para este profissional investir em uma preparação com crianças que não dominam o repertório que já é de domínio de bailarinos, haveria a necessidade de que este tipo de remuneração alcançasse outro patamar, o que nem sempre é possível de se obter junto aos presidentes das agremiações. Ainda existem escolas mirins que têm suas comissões de frente compostas por crianças, como a escola de samba mirim Aprendizes do Salgueiro e Mangueira do Amanhã, que dispõem de oficinas de danças oferecidas nas quadras de suas escolas de samba mãe, mas percebemos que este tipo de formação de comissão de frente, por coreógrafos contratados ou academias de danças tende a se firmar no grupo. De acordo com Kátia Bezerra e Alessandra e Carneiro, coreógrafa parceira, que dividiu com ela a elaboração da coreografia, nos anos de 2016 e 2017, as etapas de seu trabalho ocorrem em primeiros contatos com o carnavalesco para conhecerem o enredo e para discutirem a indumentária, e - em seguida - elas estudam as possibilidades de movimentos a serem desenvolvidos na coreografia, de acordo com a indumentária, selecionam as alunas, apresentam a coreografia para elas e iniciam os ensaios. No ano de 2016 e 2017, a escola Filhos da Águia possibilitou o ensaio técnico da comissão de frente na avenida, o que ajudou na realização do trabalho por elas 180

desenvolvido. Tanto Kátia Bezerra quanto Alessandra Carneiro127 identificaram que a escola Filhos da Águia segue bastante as tradições da Portela:

Kátia Bezerra: [Eles] estão sempre enaltecendo as pessoas daqui, os autores, os personagens, [pelo] que eu percebi neste dois anos que estou aqui, os compositores que eles sempre falamos nomes, ou menção, exaltando. E esta exaltação tem que ser bem demonstrada pela comissão. E, eu acho isso uma tradição, é uma tradição. Mas, eles também usam a modernidade, mas nunca saindo dessa questão da tradição, que é o que eu acho, o que eu vejo. Alessandra Carneiro: Acho que os valores eles enfatizam bastante. Os valores eles querem que mantenham. Acho que a modernidade entra assim, ah, em uma surpresa durante a coreografia, uma, uma novidade que a gente vai fazer de movimento. De repente uma coisa acrobática. Isto são novidades. Antigamente não tinha nada disso. Antigamente a comissão de frente eram os mais antigos da escola, velha guarda e eram roupas sérias. Uma coisa mais lenta, uma coisa mais séria, contida. Hoje em dia, a gente pode trabalhar vários movimentos. Isso eu acho que é uma coisa moderna, mas sem nunca deixar de enfatizar o pavilhão, enfatizar os nomes que são citados. No nosso caso, temos atrás um carro abre-alas que é a águia com os filhotinhos, o símbolo da escola, e aí, durante o movimento coreográfico, a gente sempre faz menção, mostra a águia. Kátia Bezerra: A gente não tem a mesma flexibilidade de uma escola grande, eu estava falando com o carnavalesco [Luciano Portela]... porque não tem como a gente ter um carro para poder trocar as pessoas. Alessandra Carneiro: A estrutura. A estrutura não pode ser usada mesmo porque tem até a questão da altura para ter no carro, por conta da segurança. E, aí a gente fica restrito coreograficamente. Se a gente inventar demais aí tem coisa vai não vai conseguir se fazer porque não é permitido. Até o caso da gente não ter um carro para algumas das pessoas ir trocar uma roupa, ou pegar um acessório não tem. Tudo tem que ser feito dentro da coreografia128.

A forma como as coreógrafas descrevem a apresentação da comissão de frente na escola mirim Filhos da Águia demonstra que a escola de samba mirim preserva os valores antigos pertinentes a uma comissão de frente, como o de apresentar a escola de samba, quando em determinado momento da coreografia deve-se voltar e exibir os símbolos da escola, e ao mesmo tempo desenvolver o tema proposto pelo enredo. A percepção de tradição demonstrada pelas coreógrafas está na questão da ênfase a ser dada nos símbolos da escola mirim, sejam insígnias, sejam os atores sociais identificados como pessoas ilustres na escola-mãe, “mas sem nunca deixar de enfatizar o pavilhão, enfatizar os nomes que são citados” (CARNEIRO, 2017), que constem nos enredos desenvolvidos, demonstrando a forte presença da escola-mãe. No entanto, a partir do acompanhamento realizado na Filhos da Águia, é nítido que esta manutenção das tradições na escola de samba mirim está centrada na figura

127 Entrevista concedida à autora em 28 de janeiro de 2017. 128 Idem. 181

de seu presidente, Celsinho de Andrade, desde que assumiu a escola de samba mirim em 2015, sob a gestão de Marcos Falcon, no G.R.E.S. Portela, que também se iniciou naquele ano. Desde a chegada de Marcos Falcon à Portela, a escola de samba mirim iniciou um processo de “retorno às suas raízes”, fortalecendo laços com a escola-mãe e a comunidade portelense. Este movimento é consequência do processo de reestruturação da própria escola-mãe. Marcos Falcon, superintendente do G.R.E.S. Portela, que posteriormente, como presidente, iniciou uma sequência de ações de recuperação da imagem e prestígio da escola-mãe129 e tinha em seus planos a aproximação com a escola mirim. Para ele, a agremiação infanto-juvenil não poderia mais ser vista como um grupo dissociado e sem apoio da Portela, mas como um filho de fato.

A Filhos da Águia, como todo filho, tem que ter um pai e uma mãe, e o pai é a história da Portela, a mãe também é a história da Portela, então a Filhos da Águia não é apenas uma escola qualquer, é a Escola da Portela, que no caso somos todos nós, somos uma família, a família Portelense130.

Com o objetivo de que as crianças e adolescentes portelenses de fato conhecessem sua história e mantivessem o amor pela agremiação e as tradições portelenses, Falcon escolheu Celsinho Andrade, filho de um dos fundadores da agremiação e compositor “das antigas”. Celsinho de Andrade131 (figura 29) declarou que sua estada na Portela se deu praticamente desde a fundação da escola, já que seu pai o levava desde os três anos de idade para os ensaios, e sua avó D. Menemozina de Andrade, mais conhecida como D. Zizina, ajudou na criação da escola de samba. A história da Portela é também um pouco da história de sua família, que como algumas outras foi uma das fundadoras da agremiação. A ligação entre a família e a agremiação sempre foi visceral. Seu pai, Avelino Andrade, foi cronner predileto de Natalino José do Nascimento, o conhecido Natal da Portela, suas tias e tios sempre desfilaram pela agremiação.

129 Dados extraídos de reportagens do sítio eletrônico Carnavalesco. Disponível em: < http://www.carnavalesco.com.br/noticia/cara-a-cara-com-o-site-carnavalesco-marcos-falcon-vice- presidente-da-portela/10736> Acesso em: 05 mar. 2016. 130Entrevista de Marcos Falcon ao sítio eletrônico Carnavalesco. Disponível em: < http://www.foliadosamba.com/2014/12/filhos-da-aguia-renovada-para-o-desfile.html> Acesso em: 05 mar. 2016. 131 Entrevista concedida à autora em 10/10/2016. 182

Avelino de Andrade foi o último interprete a ser campeão na avenida, pois em 1970 ele era a primeira voz do carro que fez o desfile do antológico enredo Lendas e mistérios da Amazônia. Convivendo com tantos bambas, a começar por seu pai, Avelino de Andrade, e sua avó, D. Zizina, Celsinho de Andrade também se tornou um compositor consagrado dentro da Portela, pois, em 2007, em parceria com Diogo Nogueira e Ciraninho, sagraram-se campeões na disputa do samba de enredo, com o samba “Os Deuses do Olimpo na terra do carnaval - Uma festa dos esportes, da saúde e da beleza.”

Figura 29- Celsinho Andrade – Sala da Diretoria no G.R.E.S. Portela. Fonte: O autor, 2016.

Seu primeiro contato com a Filhos da Águia remonta ao ano de 2006, quando Osnir, fundador da escola mirim, o chamou para colaborar. Após este período, existiram algumas idas e vindas. Entre 2013 e 2014, Celsinho foi chamado por Pedro Faria, naquela época presidente da escola mirim, para retornar à agremiação, o que ele aceitou, passando a frequentar as reuniões da AESM-Rio. Em setembro de 2013, sem nenhum posicionamento concreto da escola-mãe sobre o desfile do próximo ano, e diante da decisão da AESM-Rio para aquele desfile de que todas as suas filiadas deveriam abordar o tema Copa do Mundo em seus enredos, mesmo sem estar investido da autoridade da presidência da agremiação, 183

procurou fazer um enredo no qual a história da Portela fosse exaltada pelos filhos da escola-mãe. Seu objetivo era fazer com que crianças e adolescentes fossem sensibilizados para a condição de pertencentes à família portelense, compreendendo o valor identitário e cultural da escola-mãe. O tema indicado pela AESM-Rio para a Filhos da Águia foi o tricampeonato de 1970, conquistado na cidade do México pela seleção brasileira, assim, junto com o presidente Pedrinho, fez uma relação entre aquele campeonato com o antepenúltimo título conquistado pelo G.R.E.S. Portela, reeditando o enredo “Lendas e Mistérios da Amazônia”, de autoria de Catoni, Jabolô e Valtenir, na verdade, o mesmo que seu pai, Avelino Andrade, interpretou na avenida. Com este trabalho, Celsinho Andrade conseguiu ser notado por Marcos Falcon e conquistou definitivamente seu lugar na Filhos da Águia como presidente. Celsinho Andrade trouxe para a escola mirim o compromisso de ser uma mantenedora da cultura da escola de samba Portela, assim como das escolas de samba em geral. Sua história é semelhante à de Careca no Império Serrano, por serem integrantes desde bem jovens de suas escolas de samba, tendo suas histórias de vida entrelaçadas com elas. Ambos fazem parte de um grupo de dirigentes, que - mesmo passados 35 anos de criação da escola de samba mirim Império do Futuro - reconhecem as escolas de samba mirins como representações sociais culturais das escolas de samba, que desenvolvem projetos sociais comunitários, mas que não devem esquecer as tradições destas agremiações carnavalescas. Reforçando esta conduta, verificamos que - naquele ano de 2015 - a Filhos da Águia levou para a avenida a história de Paulo Benjamim de Oliveira, Paulo da Portela, cantando o samba de enredo “Teste ao samba”, um samba clássico dentro da agremiação e que deu à escola-mãe o título de campeã em 1939. Além disso, este samba é considerado por muitos especialistas e sambistas o primeiro samba-enredo a ser criado entre as escolas de samba (SIMAS, 2012). Paulo da Portela é considerado o inventor dessa modalidade – samba de enredo, que caracterizou os desfiles das escolas de samba.

‘Teste ao samba’ é a primeira referência que existe a uma dramatização completa do cortejo das escolas de samba, do primeiro ao último componente, de acordo com o enredo proposto. Quando pensamos que 50 anos depois Joãozinho Trinta transformou o desfile da Beija-Flor, com o enredo ‘Ratos e urubus, larguem a minha fantasia’, em uma grande ópera 184

popular, ou quando assistimos a um desfile de Paulo Barros, com uma concepção de escola de samba muito ligada à teatralização do cortejo, é impossível não reconhecer o pioneirismo de Paulo Benjamin de Oliveira, transformando o desfile da Portela de 1939 em um verdadeiro teatro popular. (SIMAS, 2012, p. 48).

O G.R.E.S. Portela - reconhecida pelas demais agremiações e reforçando sua conduta de ser uma escola tradicional - advém de inovações (modernidades) que foram ousadas para a época, mas que lha trouxeram destaque e conquista de títulos. O que confirma nosso entendimento de que tradição e modernidade nem sempre são conceitos opostos, mas que se complementam, e, no caso das escolas de samba, isto é bem visível. Assim, o primeiro desfile da Filhos da Águia trouxe para a avenida e para a presidência da escola-mãe uma nova imagem da escola mirim, respaldada e legitimada pela manutenção da tradição consolidada pela escola-mãe, conforme noticiado no sítio eletrônico Folia do Samba, que divulgou esta renovação da escola mirim, em 2014132:

Será o primeiro ano que a escola Filhos da Águia terá o apoio de verdade da escola-mãe a G.R.E.S. Portela, pois principalmente na gestão anterior, a Filhos da Águia em vista do atual presidente na época o senhor Nilo Mendes Figueiredo, de que a Filhos da Águia não tinha nada com a Portela. Hoje com palavras do atual Vice-Presidente Marcos Falcon vimos que de verdade o Carnaval de 2015 para a Filhos da Águia será diferente: “A Filhos da Águia, como todo filho, tem que ter um pai e uma mãe, e o pai é a história da Portela, a mãe também é a história da Portela, então a Filhos da Águia não é apenas uma escola qualquer, é a Escola da Portela, que no caso somos todos nó, somos uma família, a família Portelense”, E dito também que todos os Atelieres das fantasias da Filhos da Águia para o desfile de 2015, já foram pagos. O novo presidente da Filhos da Águia, Celsinho Andrade, que já vem dentro da escola por muitos anos, viu a dificuldade da escola não ter apoio nos outros anos, mas nesse ano ele conta com apoio da escola-mãe (G.r.e.s. Portela), e com uma equipe nova e reestruturada em busca de duplicar no mínimo os dois prêmios que teve no ano passado. (FOLIA DO SAMBA, 2014, grifo nosso).

A reedição do samba de enredo da Paulo da Portela foi uma lição metalinguística para os integrantes da Filhos da Águia, da história de sua escola-mãe, promovendo orgulho, sentimento de pertencimento e estreitando laços identitários, fundamentados no conceito de negritude, conforme a própria sinopse apresentada no caderno Abre-alas informa:

132 Disponível em: < https://www.foliadosamba.com/2014/12/filhos-da-aguia-renovada-para-o- desfile.html>. Acesso em 3 fev. 2018. 185

O MESTRE DO SAMBA

Príncipe Negro do Samba, Cantor, Compositor e Grande Liderança Negra. Muitas referências poderiam emoldurar a figura refulgente e inesquecível do mito Paulo Benjamin de Oliveira, mais conhecido como Paulo da Portela. Figura emblemática e referência absoluta do caminho percorrido pelo gênero samba e pelas escolas de samba dentro do panteão cultural do país, Paulo foi o agente principal da sociabilização de um movimento cultural ainda hoje tido como maldito, marginal, subversivo. Sua inegável contribuição para a afirmação do samba é reconhecida como pedra fundamental para consagrá- lo como grande gênero representativo da cultura negra. O G.R.C.E.S.M. FILHOS DA ÁGUIA orgulhosamente reverencia Paulo da Portela como O MESTRE DO SAMBA em seu enredo 2015, homenageando o grande baluarte portelense por seu legado, deixando para as crianças da Portela uma preciosa lição de vida e engajamento. Guerreiro sutil, mestre genuíno, professor intuitivo das coisas que praticava, Paulo dedicou-se exclusivamente ao carnaval da Portela no ano de 1939, para o qual criou uma grande inovação. O então presidente portelense apresentou uma proposição temática para o desfile da Águia naquele ano, com a concepção de uma “aula de samba” a ser dada na avenida durante a passagem da escola. O enredo “Teste Ao Samba” trazia Paulo caracterizado como professor e os componentes como alunos, o que redundou no primeiro desfile com fantasias temáticas e também na criação do primeiro samba- enredo, de sua autoria, para ilustrar o tema. Inspirados por esse professor e mestre do samba, os FILHOS DA ÁGUIA voltam à Avenida Principal para mostrar as lições que aprenderam com o grande mestre e as difundirem também. São os herdeiros da MAJESTADE DO SAMBA trazendo uma mensagem de sabedoria e esperança no futuro. (CADERNO ABRE-ALAS, 2015).

A escola mirim repetiu a concepção artística elaborada por Paulo da Portela, desde a comissão de frente, coreografada por Valci Pelé, composta apenas por meninos, uniformizados de terno e gravata, representando os baluartes da escola (fundadores e portelenses históricos) que, conforme no passado costumava ocorrer, apresentavam a escola ao público. Esta tradição foi abandonada em 1990 pela escola- mãe (SIMAS, 2012, p. 50). Nesse desfile, esteve presente o cantor e compositor Gabrielzinho do Irajá (Gabriel Gitahy da Cunha), intérprete da escola de 2006 a 2009, que compôs o hino da agremiação mirim. Para Celsinho reviver as histórias da escola-mãe e suas tradições foi preciso para que as crianças conhecessem a origem de sua escola mirim. Retornando com a figura do mestre maior, Paulo da Portela, o professor e elegante fundador da escola-mãe, o objetivo foi de passar para os jovens brincantes as principais características da agremiação adulta: elegância, respeito, negritude e apreço por suas tradições. Dessa forma, os integrantes da escola mirim, naquela noite, tornaram-se os estimados alunos do Mestre; a sala de aula foi a Passarela do Samba e o desfile foi a avaliação final dos jovens formandos (brincantes) junto ao 186

público presente. Mas, esta mensagem subliminar também atingiu ao público externo, que se viu diante de uma nova etapa da escola mirim Filhos da Águia. No ano de 2016, ao homenagear Monarco e Clara Nunes, duas figuras simbólicas para o G.R.E.S. Portela, a escola mirim trouxe para os seus integrantes uma leitura sobre os seus antigos representantes, principais agentes e destaques tanto dentro da escola, como fora dela, mas que se projetaram pelas suas experiências dentro da agremiação adulta. Monarco e Clara Nunes são modelos que podem e devem ser seguidos pelos “filhos” da Portela, pois representam profissionais que se projetaram a partir dela e nela. É relevante também indicar que dois anos depois, sob a direção da carnavalesca Rosa Magalhães, a escola Portela também homenageou o sabiá, Clara Nunes, com o enredo “Na Madureira Moderníssima, Hei Sempre de Ouvir Cantar uma Sabiá” (autores do samba de enredo: Jorge do Batuke, Valtinho Botafogo, Rogério Lobo, Beto Aquino, Claudinho Oliveira, José Carlos, Zé Miranda, D’Souza e Araguaci). Salientamos este fato, pois o mais comum é que a escola-mãe tenha essa primazia, e não a escola mirim, que tende sempre a reeditar os sambas da escola-mãe. Em 2017, a escolha por diversas personagens femininas reforça a questão da forte presença do matriarcado dentro das escolas de samba e também da mulher portelense, parte integrante de uma escola inovadora, sensual, fiel à sua bandeira, majestosa e destaque, como o cisne da avenida Wilma Nascimento, que é uma referência entre as porta-bandeiras. O cuidado em contar essas histórias se materializou nas alas que representaram a força feminina religiosa que envolve a escola, desde a padroeira da agremiação (figura 30), Nossa Senhora da Conceição, cujo orixá correspondente é oxum, até a comissão de frente, cujo elemento de apresentação era um leque (figura 31), com estampas do rosto de cada homenageada, que cada integrante do grupo utilizava (figura 32). 187

Figura 30- Ala representando Nossa Senhora da Conceição padroeira do G.R.E.S. Portela. Fonte: O autor, 2017.

Figura 31- Detalhe do leque da comissão de frente. Fonte: O autor, 2017.

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Figura 32- Comissão de frente na concentração. Fonte: O autor, 2017.

O samba enredo de 2018, “Dez, nota dez”, faz uma menção direta à escola- mãe. O enredo relata um fato que compromete um campeonato que a Portela deveria ter ganhado em 1952. Como o desfile daquele ano não foi computado por conta de um forte temporal, as escolas de samba acordaram que a campeã do desfile de 1953 também seria campeã do ano anterior. O G.R.E.S. Portela obteve a nota máxima – 10, em todos os quesitos, no desfile de 1953, contudo somente recebeu o título daquele ano, e não o de 1952, como fora acordado. A escola de samba mirim levou para a avenida este imbróglio denunciando este acontecimento e demonstrando que a majestade não perdera seu brilho, pois continuava sendo a maior detentora de títulos nos desfiles carnavalescos. A intencionalidade de Celsinho de Andrade em ensinar às crianças a história da agremiação mãe, que teve percalços, é uma ação educativa de interpretação dos códigos comportamentais da própria entidade, frente às coirmãs, fortalece a identidade do sentimento de ser portelense, ao mesmo tempo, em que cria no brincante o sentimento de comunidade. É importante ressaltar que a utilização de reedições de sambas de enredo de uma escola-mãe, mesmo para as escolas mirins que não têm escolas mães, deve ser analisada como recurso utilizado pela falta de compositores mirins que elaborem uma composição nova, pois em muitas escolas mirins não há oficina de compositores, há falta de disponibilidade dos compositores da escola adulta para fazer uma 189

composição; falta de recursos financeiros para pagar compositores para fazerem o samba, e também como forma de reverenciar as escolas adultas, cujos sambas tiveram um grande apelo popular, neste último caso, este tipo de procedimento auxilia as crianças nos desfiles, pois ao contagiar o público, que reconhece a letra, o público os auxilia no canto do samba na avenida. No caso da Filhos da Águia, no período pesquisado, somente houve uma reedição que foi utilizada como um marco demarcatório de uma nova era dentro da agremiação. Celsinho Andrade tinha o objetivo de demonstrar para a presidência da escola e para os demais diretores que sua gestão seria marcada pelo compromisso de recuperar valores da família portelense, pedagogicamente introduzindo as crianças na cultura da escola de samba Portela. No ano de 2019, a temática mudou, o tema foi a vida do cartunista Lan (Lanfranco Aldo Ricardo Vaselli Cortellini Rossi Rossini), uma outra academia de dança assumiu a direção artística da comissão de frente, mas pelo que constatamos na avenida e na quadra da escola de samba Portela, a ênfase na manutenção da tradição permaneceu. O tema do enredo da escola de samba mirim para o ano de 2020, que já foi apresentado na quadra da escola-mãe, sob as bênçãos de Mãe Edelzuíta de Oxaguian, no dia em que a agremiação mirim completou 18 anos de existência, que foi especialmente convidada para realizar este ato, conforme no passado era comum ocorrer, de acordo com muitos presentes. O tema do enredo do ano que vem reforça este posicionamento da presidência da escola de samba mirim que será “Nova Ilu Ayê”, uma releitura do samba de enredo da escola de samba mãe de 1972, “Ilu Ayê (Terra da vida), no qual homenageará as crianças, as novas gerações de negros e negras. O carnavalesco da escola de samba mirim declarou que o presidente Celsinho Andrade fez questão de que no ano de 2020, a escola mirim trouxesse como tema a negritude, ou seja, a valorização dos negros e suas representações na sociedade brasileira. O trabalho que vem sendo desenvolvido na Filho da Águia está alinhado com a pedagogia da ação cultural, que autora Tramonte (2001) assim descreve:

Fundada no princípio da valorização da ‘negritude’. Ou seja, mesmo buscando contemplar a pluralidade racial e social brasileira, o valor mais importante para legitimar uma escola de samba como veículo cultural é ‘ter negritude’. Trata-se de uma inversão do preconceito social vigente na sociedade. Além da afirmação as raízes culturais, a valorização da ‘negritude’ significa também um signo de resistência. Em torno desta organizam-se 190

diversas atividades comunitárias de caráter cultural, como dança, música, etc. O elemento mais importante da ‘negritude’ é o samba, símbolo máximo integrador e catalisador do Mundo do Samba, uma vivência concreta e cotidiana que supera a visão folclórica e conservacionista que, por vezes, lhe é atribuída. O samba promove a familiaridade, a convivência íntima no momento do lazer regula toda uma rede de relações de apoio aos integrantes, contribui para a articulação social e promove a criação artística coletiva. Apesar da modernidade, as escolas de samba não abdicam das tradições culturais, as raízes afro-brasileiras, uma preocupação particularmente presente em meados da década de 90, ‘num processo de ‘retomada da autenticidade’. (TRAMONTE, 2001, p. 160).

Dessa forma, contrariando a posição do presidente da AESM-Rio, Edson Marinho133, no ano de 2015, que ao ser indagado sobre a existência de elementos que remetessem às tradições da cultura das escolas de samba dentro das escolas mirins, ou de transmissão de conhecimentos nestes moldes, negou esta possibilidade, se focando mais no aspecto delas como projetos sociais. No entanto, neste ano de 2019, diante da ameaça de ter a suspensão dos desfiles das escolas de samba, na Passarela do Samba, o mesmo modificou seu discurso dizendo que “as escolas de samba mirins foram criadas para formar material para o samba, componentes para o nosso patrimônio cultural, com o objetivo também de cunho social” (capítulo 2, p. 3), retornando, em parte, ao discurso conceitual de Careca da escola de samba mirim como preservadoras da cultura das escolas de samba, valorizando as africanidades. Celsinho Trindade e Careca foram sambistas que tiveram suas histórias de vida na cultura das escolas de samba formadas no que Tramonte (2001) identifica no conceito de negritude como elemento de valorização dentro das escolas de samba, que promove rede de relações de apoio e a criação artística coletiva, estes são aspectos que consideramos como também de preservação da cultura existente nas agremiações mirins, fazendo com que elas permaneçam em um estado de transição entre a tradição, entendida não como algo estático, orgânico, e sim enquanto conceito que relaciona as escolas de samba mirins como representações sociais identitárias da cultura das escolas de samba e a prática de seus desfiles; e a modernidade, concepção na qual as escolas de samba mirins como projetos sociais são setores de bens e serviços da cadeia da economia criativa do carnaval134.

133 Informações passadas em nosso primeiro encontro na sede da AESM-Rio, no bairro do Rio Comprido (RJ), em julho de 2015. 134 Esclarecemos que os conceitos tradição e modernidade têm múltiplas formas de significância dentro da temática cultura popular. Em nosso caso, estamos relacionando-os com os seguintes significados: tradição – expressão cultural popular e modernidade – espetacularização. 191

A questão de uma escola de samba mirim ou dos professores de projetos sociais, como os de mestres-sala e porta-bandeiras, que são realizados fora dos espaços das quadras das escolas de samba, terem seus focos na manutenção da cultura das escolas de samba mirins, aqui identificados como relacionados à tradição, ou promovendo qualificação de profissionais, por meio de projetos sociais, para atuarem no carnaval, o que os relaciona com a modernidade, passam pela posição política e histórica pessoal de cada um daqueles que estão desenvolvendo estas ações. Como comunidades de aprendizagens da cultura das escolas de samba, as escolas de samba mirins, que possuem escolas mães, ainda que não totalmente, mas em parte têm condições de vivenciarem as estratégias de ações pedagógicas (processos ensino-aprendizagens), identificadas por Cristina Tramonte (2001) nos espaços das escolas de samba: a pedagogia da ação social, a pedagogia da ação política, pedagogia de ação escolar e a pedagogia de ação cultural.

O caráter pedagógico das escolas de samba (...) se desdobra em múltiplos processos que se inter-relacionam e se combinam representando uma oportunidade formidável de formação das classes populares, as quais muitas vezes, não têm acesso a outros espaços educativos, como a escola formal, ou não participam de outras instâncias associativas. Os processos educativos promovidos pelas escolas de samba levam em conta a omnidimensionalidade e a omnilateralidade do ser humano, ou seja, abrangem variados aspectos essências da realidade humana e natural. As escolas de samba indicam que existe, na sociedade, uma energia de dimensões político-pedagógicas que possibilita às classes populares educarem-se entre si nas relações, tornarem- se conscientes, viverem conflitos e contradições e construírem cultura. O objetivo que congrega este universo é o desfile, o rito carnavalesco principal. Este exprime as relações sociais que o engendram e geram as estruturas necessárias à sua realização, como as instâncias organizativas das escolas de samba. (TRAMONTE, 2001, p. 153).

A questão de pertença territorial, na qual o atendimento às crianças do bairro e do seu entorno eram uma espécie de marca comum entre as escolas de samba mirins, foi ampliado desde o início de surgimento do fenômeno sociocultural. Com a sedimentação das agremiações mirins, ao longo do tempo, no contexto do carnaval carioca, houve o achegamento de outras crianças e adolescentes vindo de outros lugares, deixando de ser um espaço de atendimento local e passando a formar novas redes sociais, conforme observa Ribeiro (2018):

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Se antes havia a sociabilidade, (...) pura, sem interesses imediatos ou grandes problemas estruturais, mas restrita aos círculos de conhecidos de longa data –, hoje essa circulação ganha um novo significado, abrangendo também os desconhecidos. A escola de samba modernizou-se quanto à sociabilidade e à reciprocidade. (RIBEIRO, 2018, p. 194).

A circulação de integrantes de diferentes territórios, em uma mesma escola de samba mirim, que não se trata apenas de grupos pequenos, ou ainda de um ou outro integrante, mas, em muitos casos, de alas inteiras. Na Império do Futuro, a concentração de seus integrantes inicialmente se fez nas comunidades da Serrinha e do Cajueiro (Madureira). Careca explicou como a desterritorizalização foi ocorrendo no interior da agremiação mirim:

As escolas mirins não ampliaram sua atuação. Desde o nascedouro nós deixávamos [que] eles [as crianças] virem de qualquer lugar. Criança não tem bandeira. Eu não tenho mais comunidade, porque nem elas pertencem a elas mesmas. [Nós temos alas de crianças dos bairros de] Irajá, Cajueiro, Serrinha, Vila Isabel, Vaz Lobo, Lima Dumont e Nova Sepetiba. (CARECA, 2017).

No caso da escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP, desde que ela passou a ser um dos 76 projetos extracurriculares oferecidos pela Secretaria Municipal de Educação/RJ, na década de1990, as crianças de outros bairros além do centro da cidade do Rio de Janeiro passaram a fazer parte do projeto, compondo um grupo bastante diverso, conforme nos descreveu a presidente professora Marilene Monteiro: As nossas passistas vêm de Sepetiba. As baianas da Vila Aliança. Ficam janeiro inteiro debaixo do sol ensaiando e chegam na Sapucaí maravilhosas. São 36 bairros que são abraçados pelo projeto. Nós temos Rocinha, Santo Cristo, Inhaúma, Maré, Vigário Geral, Ramos, olaria, Bonsucesso, Vicente de Carvalho, Marechal Hermes, Irajá, Anchieta, temos Pavuna, temos Curicica, Anil, Gardênia Azul, temos Vila Aliança, Senador Camará, Vila Kennedy, Barata, Realengo, temos Vila Cosmos, temos Sepetiba, Pedra de Guaratiba, Ilha do Governador dentre outros. (MONTEIRO, 2019).

Por outro lado, as lutas entre facções nas comunidades na cidade do Rio de Janeiro não somente expulsaram famílias, mas fizeram com que as populações locais passassem a não mais se comunicar. Em algumas áreas é terminantemente proibida a convivência e o trânsito entre territórios por moradores que convivam com poderes locais diferentes, a sentença de morte é real. E, com isso, juntar crianças de áreas com domínios diferenciados fica impossível, o que compromete a formação de integrantes para o desfile. Este cenário urbano compromete o desejo e a vontade de 193

aprender a gostar de sambar de muitas crianças e a convivência com a cultura das escolas de samba. É o caso também vivido pela presidente Valéria Pires, da escola de samba mirim Golfinhos do Rio de Janeiro, que - como não tem escola-mãe - utiliza a quadra da escola de samba G.R.E.S. Unidos da Villa Rica, na ladeira do Tabajaras, em Copacabana, para reunir pelo menos a bateria, já que suas alas são oriundas de diferentes comunidades da cidade do Rio de Janeiro. Mesmo reunindo somente a bateria, a presidente Valéria Pires, vem sofrendo baques para compô-la e para o desfile mirim, já que as crianças, dependendo dos lugares onde moram, são proibidas de conviverem com outras de regiões com domínio do tráfico diferente aos de suas moradias. Observamos que este cenário urbano compromete o desejo e a vontade de aprender a gostar de sambar de muitas crianças e a convivência da cultura das escolas de samba é um dos fatores que dificultam a realização das ações pedagógicas identificadas por Tramonte (2001, p. 153-161), que as define da seguinte forma: Pedagogia da ação social – o aprendizado gesta-se na convivência com o igual e com o diferente, o viver em comunidade, que mantém a coesão interna e o espírito de solidariedade, valorizando a autoestima destas comunidades, cria condições de trabalho para seus integrantes, regula as relações existentes, aproximando tradição e modernidade, combinando características possíveis de serem articuladas; Pedagogia da ação política – atua no sentido de construir consenso nos níveis interno e externo e fazer conviver as diferenças político-partidárias, atrelando ou mantendo as autonomias das escolas, faz parte desta pedagogia a articulação em torno de uma única entidade associativa que represente a totalidade de suas filiadas e dialogue com o poder público pela garantia de espaços já conquistados, sendo relevante a construção de credibilidade pública, desenvolvendo habilidades e capacidades diversas, tais como: senso de responsabilidade e noção de representatividade. É neste âmbito que também se fundamenta a pedagogia de valores éticos e morais, que diz respeito ao comportamento social que é rigidamente controlado, não permitindo a exploração sexual no ambiente das escolas de samba; pedagogia de ação escolar – pautada nos aspectos educativos identificados nas letras dos sambas de enredo, nas noções de dramaturgia, no registro da memória oral e a pesquisa da história local, contribuindo para o reconhecimento da comunidade nos 194

níveis internos e externos, desenvolvem noções de artes plásticas, pintura, escultura, costura, serralheria, marcenaria, música etc., que atuam com uma visão interdisciplinar de educação, abarcando diversos campos de saberes que poderiam ser aproveitados pelas escolas públicas. Além do mais, contribui para a manutenção da escola e incentiva a aprendizagem, na medida em que organiza atividades que propõem o bom desempenho como única precondição para participação; Pedagogia de ação cultural – fundada no princípio da valorização da “negritude”. Ou seja, mesmo buscando contemplar a pluralidade racial e social brasileira, o valor mais importante para legitimar uma escola de samba como veículo cultural é “ter negritude”, que tem no samba seu símbolo máximo de valor, o samba promove a familiaridade, a convivência íntima no momento de lazer, regula toda uma rede de relações de apoio e promove a criação artística coletiva. Essas ações pedagógicas elencadas e definidas pela autora Cristina Tramonte (2001) dentro das escolas de samba, também estão presentes dentro das escolas de samba mirins. Como comunidades de aprendizagens, identificamos nas agremiações mirins a pedagogia da ação social a partir do momento em que crianças e adolescentes mantêm vivências com crianças de faixas etárias diferenciadas, nas relações intergeracionais com adultos e idosos que fazem parte de seu processo formativo e no convívio com outras que apresentam deficiências e também histórias de vida, bagagens culturais daquelas que lhe são pertinentes. A preparação e a realização dos desfiles lhes permitem construírem laços de solidariedade e coesão grupal em torno da entidade agremiativa escola de samba mirim. No caso da pedagogia da ação política, ainda que as crianças e adolescentes não sejam envolvidos diretamente, pois esta parte de diálogos com o poder público pela garantia de espaços e de captação de recursos seja realizada pelos adultos, as crianças convivem com ela na medida em que convivem com as dificuldades de execução dos desfiles, quando não é possível para a escola de samba mirim assim realizá-los, como vimos no capítulo 2, onde todas elas foram convocadas por suas agremiações para comparecem ao evento ““SOS Escolas de Samba Mirins – Não deixe o samba morrer”, para participarem na reivindicação do grupo escolas de samba mirins pela realização de seus desfiles na Passarela do Samba, passando a ter contato com a questão política ali estabelecida. A pedagogia de ação escolar é a própria essência das escolas de samba mirins que estão focadas na aprendizagem dos códigos culturais, artísticos e estéticos 195

nas diferentes linguagens que são desenvolvidas pelas escolas de samba mirins e seus desfiles. No caso da pedagogia de ação cultural, que para a autora está fundamentada no princípio da negritude, enquanto para autores, como Sansone (2003, p. 25), pode ser interpretado como o “uso de traços culturais associados à tradição afro-brasileira”, para BERND (1988, p. 20), representa “trajetória da construção de uma identidade negra, dando-se a conhecer ao mundo como movimento que pretendia reverter o sentido da palavra negro, dando-lhe um sentido positivo” e que - para Sodré (1998, p. 59) - tem o sentido de resistência cultural, “no samba tradicional há fortes aspectos de resistência cultural ao modo de produção dominante na sociedade atual, porque a produção desse samba tem lugar no interior de um universo de sentido alternativo, cujos processos fixadores partem da cultura negro-brasileira”. Sendo este último o que mais se aproxima da autora Tramonte (2001), que é uma pedagogia implementada nas escolas de samba mirins sob o viés de educação patrimonial, fortemente identificadas nas escolas Corações Unidos do CIEP e Pimpolhos da Grande Rio, como eixo educativo, e em escolas como Império do Futuro e Filhos da Águia, como entendimento da proposta conceitual do fenômeno social, mas ao longo do tempo vemos que esta ação pedagógica tem se diluído nas escolas de samba mirins por meio da valorização e preservação da educação patrimonial, sendo mais uma proposta de trabalho de alguns indivíduos que a implementa do que uma proposta em si do grupo. É claro que também devemos levar em consideração que a própria existência do fenômeno sociocultural como representação social identitária da cultura das escolas de samba é um ato pedagógico de valorização e preservação da questão da negritude, que muitas das vezes está embutido na palavra samba, como declarou a cantora e compositora Alcione “a escola de samba mirim é importante porque tem como função básica preservar as raízes do samba” (REVISTA MANCHETE, 1986). Acreditamos que esta linha intencional de aprendizagens não é enfrentada publicamente para não parecer sectária, pertencente a um único segmento social, as populações negras, muito embora este tipo de entendimento seja uma prática do racismo reverso, ainda comum na população brasileira, e já desmitificado por outro sambista, Candeia, que, na década de 1970, denunciava que os negros ao se posicionarem pela valorização dos saberes e fazeres afro-brasileiros eram tidos como 196

radicais, conforme declarou em entrevista à Revista José Literatura Crítica e Arte, n. 8, maio de 1977 135. Para a AESM-Rio, este entendimento já estaria incluso em seu próprio estatuto, no item II, do 2º artigo, sobre objetivos da instituição, que declara: “construir defesas e promoção dos valores da cultura do samba de forma operacional, filosofia, política e institucional” (grifo nosso), o que de fato não corresponde de forma propositiva sobre a demanda de se criar, preservar, valorizar a negritude dentro do samba e das escolas de samba, estando cada vez mais diluída de sua cultura, desterritorializado, indo de encontro a proposta de Paulo da Portela:

[Paulo da Portela] vislumbrou que a construção das escolas de samba, um território majoritariamente afro-brasileiro, não segregado aos brancos, poderia abrir a brecha para a penetração do afro-brasileiro na sociedade racista brasileira. Uma penetração que não fosse indivíduo, mas do grupo. Uma territorialização. (LIMA, 2013. p. 116).

Dentro da pedagogia da ação cultural, além dos presidentes e dirigentes que fossem comprometidos com este eixo educativo, seria preciso também que os educadores sociais que são artistas (passistas, mestres-sala), coreógrafos e pedagogos, responsáveis pelos processos de aprendizagens para desenvolvimento de habilidades e/ou potencialidades das crianças também tivessem esta postura crítica para implementá-la em sua prática pedagógica. Todas estas ações pedagógicas não se limitam às escolas de samba mirins (tendo espaços físicos para tal ou não), mas também fora delas. A Passarela do Samba, local de exibição delas, deve ser considerada como um espaço de intencionalidade de experiência pedagógica artística e educativa, para além da festa, celebração, conforme Gadamer nos diz com relação às celebrações:

[...] o fato de a festa ser comemorada significa, portanto que esse festejar é de novo uma atividade. Com uma expressão artística, pode-se chamar a isso de uma atividade intencional. Comemoramos – e isso fica bastante claro, quando se trata de uma experiência da arte – reunindo-nos para algo. (GADEMER, 1985, p. 63).

Lá, no jogo da celebração (o espetáculo, a festa), no contato entre os protagonistas (brincantes) e o público (jurados, familiares, curiosos, expectadores), os

135 Arquivo privado de Maria Beatriz do Nascimento – Caixa 64 (o acervo não está organizado, somente identificado, motivo pelo qual o documento não tem código de referência ou notação). 197

conhecimentos adquiridos são exibidos e novos saberes são incorporados, principalmente, pelos iniciantes136.

3.2 “Abram alas para as Escolas de Samba Mirins” – aprendizagens e práticas culturais

Com o objetivo de apresentar os conhecimentos tácitos elaborados, as formas de entendimento do senso comum sobre as agremiações mirins, suas práticas e as atividades que envolvem os sujeitos participantes, compomos um histórico baseado no desfile das escolas de samba mirins, relacionando-o com seus processos de aprendizagens e práticas culturais, que não se restringem aos bailados e ritmos, mas a comportamentos sociais identificados nas escolas de samba mirins. Dentro de estudos do campo de pesquisa da Nova História Cultural (BURKE, 2008), entendemos que as escolas de samba mirins também são performances sociais que “enfatizam que a ‘performance nunca é uma mera interpretação’ ou expressão, mas têm um papel mais ativo, de vez que a cada ocasião o fenômeno é recriado (BURKE, 2008, p. 123), por elas continuamente construírem, reconstruírem e negociarem suas conceituações e processos de aprendizagem das culturas das escolas de samba e dos desfiles. Entendendo que as escolas de samba mirins são comunidades de aprendizagens, partimos do pressuposto teórico que elas e o espaço físico de preparação de realização dos desfiles – a Passarela do Samba formam zonas de desenvolvimento proximais (VYGOTSKY, 1996), que intercambiam sentidos, práticas, sentimentos, valores nas quais as crianças e adolescentes quando imersos aprendem significados em diferentes tipos de linguagens inteligíveis, os quais formam os mapas conceituais (HALL, 2016, p. 38) sobre carnaval, cultura das escolas de samba, desfiles e as próprias escolas de samba mirins como representações sociais culturais presentes na cultura brasileira.

136 Consideramos iniciantes, aqueles que estão desfilando pela primeira vez e que nunca participaram dos ensaios técnicos, nas quadras e/ou ruas dos bairros onde se localizam as escolas mirins, ou ainda próximo dos locais de moradias de pessoas que são responsáveis pelas alas. 198

Dessa forma, acompanhando este processo de aprendizagem nesta seção, daremos curso às nossas discussões sobre cultura material e imaterial nas escolas de samba mirins, a partir do momento em que as crianças e adolescentes chegam à Passarela do Samba percorrendo os segmentos de uma agremiação mirim até final do desfile. Entre a multiplicidade de crianças, em diferentes faixas etárias e oriundas de diferentes territórios, que muitas das vezes somente se encontram no dia do desfile, antes e durante o desfile as crianças e adolescentes são introduzidos no processo de “relacionar produção artística com apreciação estética e informação histórica” (BARBOSA, 1998, p. 17) da cultura dos desfiles passando pelas etapas de experimentação, decodificação e informação (BARBOSA, 1998, p. 17), que são intrínsecos a esta cultura metalinguística, sendo “capaz[es] de desenvolver a autoexpressão, apreciação, decodificação e avaliação dos trabalhos produzidos por outros” (BARBOSA, 1998, p. 19). Inicia-se assim, o processo mimético de aprendizagem cultural (WULF, 2013), por meio da escuta e da interpretação dos sentidos da evidência linguística performática: “as origens da mimésis residem na cultura das práticas performáticas e têm um aspecto distintamente sensorial, com ênfase nos movimentos dos corpos” (WULF, 2013, p.46). Durante o período de espera e posteriormente na avenida, os sentidos estarão voltados para a imitação dos corpos que se movimentam ao redor de si. Em alguns casos, haverá a recusa do querer participar do desfile ou ainda querer participar, sem poder por conta da idade abaixo do permitido pelo Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que se traduzirá em choro, caras amarradas, birras e posições corporais travadas. O imaginado e esperado nem sempre corresponde ao vivido, presenciado O Juizado estabeleceu a idade mínima de 05 anos (completos) para o ingresso na Passarela do Samba, desde o ano de 2015, e a máxima 25 anos de acordo com o estabelecido pelo regulamento da AESM-Rio, sendo variável a idade nas categorias conforme pode ser verificada na tabela 11.

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Tabela 11 FUNÇÃO IDADE MÁXIMA (anos) OBSERVAÇÃO Mestre de bateria 25 Em apresentações públicas, não pode ultrapassar a idade máxima Coreógrafo 25 Independente da formação acadêmica, não pode desfilar a frente da escola nem das alas acima da idade máxima Casal de mestre-sala e porta- 16 Não pode ultrapassar a idade bandeira máxima Intérprete 18 Não pode ultrapassar a idade máxima Rainhas e princesas 10 Não pode ultrapassar a idade máxima Destaques em carros alegóricos Entre 11 e 18 Não pode ultrapassar a idade e alas máxima Ritmistas 18 Não pode ultrapassar a idade máxima Passistas femininas Com até 11 anos de idade, não podem estar fantasiadas com qualquer tipo de biquíni Não é permitido a presenças de adultos fantasiados ou no meio das alas. A Harmonia será feita pelas laterais durante o desfile oficial Fonte: Caderno Abre-alas, 2015.

De acordo com o estatuto da AESM-Rio, em vigência, que é de 2002, os limites estabelecidos para se desfilarem é entre 5 e 21 anos de idade, contudo, como quem dá a palavra final é o Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro e todo ano, meses antes da data prevista para o desfile, há reuniões entre estas instituições, as faixas etárias podem ser modificadas. No Brasil, de acordo com parâmetros elaborados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) e a Organização das Nações Unidas (ONU), segue-se para fins de atendimento populacional em programas comunitários e projetos sociais voltados para infância e adolescência os limites etários de 10 a 24 anos, o que de alguma forma deve ser o parâmetro utilizado pela AESM-Rio ao fixar como limite máximo a idade de 25 anos. É preciso ter claro que o termo mirim não se refere somente ao termo criança, infantil, pueril, mas também reduzido, pequeno, o que pode ser utilizado para se caracterizar uma escola de samba mirim, lembrando também que a preocupação de 200

Careca ao criar a escola de samba mirim era de atender crianças e jovens do Morro da Serrinha, termo que atualmente contempla a faixa etária de 10 a 24 anos. A discrepância etária, em um primeiro momento, nos surpreende, mas também faz sentido quando se pensa nas escolas de samba mirins como projetos sociais de formação de profissionais para o setor de entretenimento do carnaval, no caso, as escolas de samba e seus desfiles, beneficiando jovens até 24 anos, os quais têm como se inserirem em programas governamentais de geração de renda e trabalho, abrindo seu leque de atuação no campo da qualificação para o de empregabilidade. Ressaltando que - entre as faixas etárias - a maior idade assinalada é de 25 anos, para as funções de mestre de bateria e coreógrafos, é provável que este limite estipulado seja alusivo ao tempo de formação ideal para estes profissionais. De qualquer maneira é preciso também deixar explícito que estas regras nem sempre são cumpridas de maneira rígida pelos presidentes de algumas escolas de samba mirins, motivo pelos quais muitos deles são multados pelo Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro todas as vezes que existem divergências e pela AESM-Rio, neste caso, com perda de pontos nos desfiles realizados. Identificamos também atos demonstrativos de não concordância para com os desejos dos pais, em especial, das mães (figura 33), que muitas das vezes projetam- se nos filhos, desejando participar nos desfiles das escolas de samba mirins, sem poder, acabando por obrigarem as crianças a participares dos desfiles, o que causa um grande transtorno e dispersão entre aquelas que estão organizadas para o desfile. Embora haja a presença dos pais, em menor quantidade, as mães (figura 33) são as que mais se envolvem emocionalmente e fisicamente com a participação de seus filhos, parentes ou filhos de amigos nos desfiles, tanto no cuidado em vesti-los para o evento, na maquiagem realizada, nas fotos tiradas, que serão postadas nas redes sociais, como também na responsabilidade para com elementos importantes de apresentação como o pavilhão, no caso das porta-bandeiras.

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Figura 33- Mãe, na área de concentração, arrumando fantasia em criança. Fonte: O autor, 2018.

Nesse sentido, Yuri Gomes, mestre-sala do G.R.E.S. Renascer de Jacarepaguá, reflete sobre essas responsabilidades maternas, entendendo o fato de que as crianças menores são desprovidas deste senso de cuidado, justamente por serem pequenas:

A criança não faz isso (ter a responsabilidade), a criança lembra de pegar a bandeira e de guardar. Mas, quem cuida realmente é a mãe. A mãe é que acaba fazendo o que o filho deveria fazer. Porque o filho ainda é criança. O filho ainda não pensa: tenho que guardar! A mãe é que vai e que faz. Quando tudo isso começou as pessoas eram adultas, já tinham responsabilidade. As crianças não têm responsabilidade. As crianças querem se divertir. (GOMES, 2019).

Esta fala reflete o quão cedo as crianças têm sido estimuladas ou mesmo dirigidas por seus pais, pelos mais diferentes motivos (status social e destaque entre os outros integrantes da família e conhecidos), forçando uma aprendizagem e maturidade que não correspondem àquela faixa etária, ou ainda, não respeitando os desejos das crianças. As escolas de samba mirins projetam sobre adultos e crianças o poder midiático de exposição, que, muitas das vezes, age como um dispositivo de projeção social dos indivíduos por meio das crianças. Nesse primeiro momento, que antecede ao desfile, constatamos o desenvolvimento das competências sociais, dentre elas, o companheirismo, o relacionamento interpessoal, a solidariedade, o cuidado de si e para com o outro, na alimentação, na maquiagem etc., que estão presentes no saber agir e saber conviver no coletivo. A criança maior cuida da menor e esta de outra que está na mesma faixa etária ou ainda, menor. A experiência e maturidade são competências - a todo 202

momento - requisitadas, pois os que já desfilam “ficam de olho” nos iniciantes, pois todos devem estar com os adereços e fantasias corretamente colocados e atentos para o momento de entrada na avenida. Ainda que os responsáveis possam acompanhá-los neste momento, os diretores de harmonia e os responsáveis pelas alas, também chamados de “tios e tias”, como no ambiente escolar, também os orientam, às vezes, até mesmo corrigindo uma orientação dada por outra criança ou os responsáveis, e também, os incentivando. Fazendo com que eles reconheçam a grandeza do espetáculo, mas - ao mesmo tempo - se divirtam. Um dos diretores de harmonia do G.R.C.E.S.M Golfinhos do Rio de Janeiro, andando ao longo da avenida Presidente Vargas, conferindo as alas, verificando se as crianças estavam com suas identificações, vendo se os responsáveis das alas estavam acompanhando a arrumação das alas, perfilamento etc., chegando próximo a um grupo de desfilantes, assim os orientou: “criançada, vamos sambar muito, ok? “Mas, quem não sabe sambar, pode pular ou andar, o importante é vocês se divertirem, tudo bem?” Estas palavras de estímulo refletem para os ouvintes um acolhimento e um entendimento de que não existe certo ou errado em não saber sambar ou cantar o samba, mas que ali é um espaço de exposição, mas também de brincadeira. E por falar em cantar o samba de enredo, nem todas as crianças que desfilam conhecem a letra e a música, pois não conhecem por não frequentaram as quadras das escolas de samba participando de ensaios, ou ainda por não ter este cuidado da parte dos responsáveis pelas alas em estimular este conhecimento, outras sequer sabem o que vão vivenciar, pois é a primeira vez que ali estão reunidas. Portanto, algumas irão aprender ali na concentração a letra do samba de enredo e como ocorre o desfile, trocando informações ou mesmo utilizando o celular (figura 34) e o papel escrito, como uma espécie de “cola” para aquelas que têm um mínimo de convivência com a escola de samba mirim. 203

Figura 34- Criança fazendo a leitura do samba de enredo. Fonte: O autor, 2017.

Embora haja a obrigatoriedade de que todas as crianças cantem o samba, na avenida, identificamos um grande número de desfilantes que desconhecem a letra e mesmo o ritmo, por conta desses motivos. Também percebemos que alguns destes desfilantes após a experiência do primeiro desfile passaram a frequentar as quadras das escolas de samba mirins, como também, a exemplo dos adultos, desfilam em mais de uma escola de samba mirim, tanto em alas quanto em funções diferenciadas A concentração na avenida é um período longo, se contarmos que muitas famílias chegam bem cedo. O desfile, neste ano de 2019, por exemplo, começou às 18:00h e terminou às 2:00h, como existem famílias que chegam à Passarela do Samba por volta das 14:00h, há uma extenuação de crianças, adolescentes e adultos, fato que - mesmo sob a vigilância do Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro - é permitido pelo mesmo, e que nos causa estranheza em se tratando do bem-estar físico destas crianças não somente pelo tempo de exposição, mas pela espera em desfilar nas escolas de samba mirins e dificuldade de locomoção destas crianças com seus familiares e/ou responsáveis após o desfile. Manter o desfile na Passarela do Samba nestas condições, semelhantes às vivenciadoa pelos adultos, não deveria ser admissível, o que nos leva a afirmar que o espetáculo mirim, nestas condições, não é pensado pedagogicamente para este público, que é conveniente aos adultos, dirigentes e organizadores da festa, sendo 204

completamente destoante do previsto pelo Estatuto da Criança e Adolescente (ECA, 1990), especialmente no que concerne aos artigos 71, “A criança e o adolescente têm direito à informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” e 74, “O poder público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.”

3.2.1 Desfiles das escolas de samba mirins – Aprendizagens e cultura material

Entre os anos de 1980 até 2000, para desfilarem os brincantes deveriam comprovar estarem matriculados em escolas e apresentar os seus respectivos boletins escolares provando que tinham boas notas, que - de acordo com as falas de Tia Jô (Maria Joseli Joia), presidente da LIESM e vice-presidente da escola de samba mirim Mangueira do Amanhecer, - “Exigimos que elas estudem.” (O GLOBO, 17/02/1995). Se as escolas de samba mirins foram espaços criados com propostas de desenvolvimento de conhecimentos e aprendizagem de forma lúdica, fora do espaço formal de ensino, os dirigentes ao exigirem esta condição para autorizarem a participação delas no desfile, nos revela o quanto as escolas de samba mirins, apesar de estarem circunscritas ao espaço não formal de aprendizagem, transpunha, e o faz ainda hoje, valoriza o saber científico sobre o cultural, pois ainda que saibamos que a exigência de comprovar matrícula seja uma determinação do Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, como forma de não corroborar para que as crianças ficassem sem a escolarização formal, a exigência de ter boas notas, não fazia parte desta determinação, sendo uma imposição da AESM-Rio. Como exigir boas notas? E o que se compreendia à época com boa nota? Quais critérios eram elencados? Como diretores de uma associação representativa de agremiações mirins poderiam ter condição legal para aferirem este tipo de condição escolar? Ao tentarem se projetar como uma comunidade de aprendizagem desenvolvedora de projetos sociais, as escolas de samba mirins, se colocavam no 205

mesmo patamar do ensino formal ao “exigirem notas boas”, quando durante este período as reflexões, oriundas de pesquisas científicas produzidas sobre a escolarização no país, como as realizadas pela professora Zaia Brandão,137 que apontavam a escola formal como excludente e alimentadora das desigualdades sociais educacionais entre os filhos da classe trabalhadora, sendo estas crianças o público beneficiário das escolas de samba mirins. Essa situação se modificou a partir dos anos 2000, vigorando até hoje em dia, somente a necessidade de comprovação de escolarização dos alunos, por meio de matrícula escolar, como exigido pelas instâncias governamentais. O desfile mirim é composto de comissão de frente, carro abre-alas, alas dos compositores, baianas, sendo obrigatória a presença desta ala, como também o é nas escolas de samba, passo marcado, passistas e aquelas onde são os demais integrantes, destaques de chão, destaques em carros alegóricos (somado ao carro abre alas, o máximo permitido é de três unidades), mestre-sala e porta-bandeira, carro de som e bateria. O quantitativo mínimo exigido pela AESM-Rio de componentes para cada escola de samba mirim é de no mínimo 1000 crianças, que não é seguido fielmente, tendo em vista que - muitas das vezes - há uma grande dificuldade de reunir este quantitativo. Mas já tendo sido possível, no passado, agremiações mirins apresentarem em seus desfiles 2.500 componentes, como foi o caso da Mangueira do Amanhã, no ano de 1990 (O GLOBO – 14/01/1990). Reproduzindo os ritos e práticas culturais das escolas de samba, as agremiações mirins têm como parâmetro pedagógico as escolas de samba que reproduzem em seus desfiles o cortejo realizado por aquelas, procurando manter a mesma ordem, funções e elementos visuais. Apresentam-se na terça-feira de carnaval, acompanhadas pela corte mirim, que é composta pelo rei Momo mirim, a rainha e princesas do carnaval, cidadão samba mirim e o mestre-sala e porta-bandeira da Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM-Rio). - A corte mirim

137 Sobre a democratização do ensino e a escolarização das camadas populares, ver produção científica da pesquisadora e professora Zaia Brandão, professora emérita (2015) titular da PUC-Rio, com mestrado e doutorado em Educação pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1992). 206

Ao contrário da corte adulta, cujo rei Momo recebe as chaves da cidade e comanda os dias de folia na cidade, a corte mirim tem a função de representar esta corte indicando o ritual iniciático da festa momesca, mas relacionando-a com a abertura dos desfiles mirins.

Figura 35- Corte Mirim. Fonte: O autor, 2015.

Ao longo do ano, a corte mirim e o casal de mestre-sala e porta-bandeira têm a responsabilidade de se apresentarem nos eventos oficiais para os quais a AESM- Rio é convidada ou realiza. A corte mirim (figura 35) é eleita anualmente por meio de concurso. O chamamento para as inscrições é feito em seus canais de comunicação (como sua página no Facebook) e de outras entidades ligadas à divulgação das atividades carnavalescas na cidade (como os sítios eletrônicos Carnavalizados e SRzd - Notícias sobre o Brasil, Entretenimento, Carnaval e muito mais!, mantido pelo jornalista Sidney Rezende). No ano de 2018, segundo matéria publicada na revista eletrônica Carnaval138, as orientações para inscrição, que ocorre dentro de um prazo determinado pela AESM-Rio, constou das seguintes diretrizes/obrigações para cada criança: comprovação de matrícula na rede pública ou privada de ensino, por meio de declaração da instituição escolar; ter idade entre cinco a dez anos e onze meses de idade; envio de foto 3X4; cópia da certidão de nascimento; autorização os responsáveis e remessa de vídeo, com duração de 2 a 3 minutos, mostrando a criança sambando, para avaliação de sua performance como sambista.

138 Revista eletrônica Carnaval - < https://www.revistacarnaval.com.br/inscricoes-para-a-corte-mirim- do-carnaval-estao-abertas/>. 207

Os prazos de chamamento e envio de material variam de ano para ano, de acordo com o suporte administrativo e financeiro da instituição representativa mirim, já que existem gastos previstos para a cerimônia de entrega de coroas, faixas e shows para receber o público, que prestigia o evento, contudo, as orientações são as mesmas. Após a seleção, realizada pela diretoria e/ou convidados da AESM-Rio, os candidatos eleitos são apresentados em evento público e iniciam o seu mandato real (figura 36). A corte mirim durante o mandato real tem seus compromissos organizados pela AESM-Rio, já que ela e o casal de mestre-sala e porta-bandeira da associação são figuras representativas do trabalho realizado tanto pela associação quanto por cada escola de samba mirim.

Figura 36- Divulgação sítio eletrônico SRZD –23/12/2018139 Fonte: O autor, 2018.

Para se candidatar a uma das vagas, não há exigência de que a criança pertença a uma escola de samba mirim, contudo a maioria daquelas que se inscreve é integrante de alguma delas e geralmente pertence às alas de passistas. Portanto, no dia do anúncio público, é muito comum as torcidas organizadas das agremiações mirins se fazerem presentes torcendo por suas “crias”, forma carinhosa a qual eles se referem aos seus integrantes mirins. No ano de 2018, a inscrição ocorreu no mês de

139 Ver link disponível: https://www.srzd.com/carnaval/rio-de-janeiro/abertas-inscricoes-rei-momo- rainha-carnaval-mirim/. Acesso em: 28 dez. 2018. 208

dezembro e se encerrou em 10 de janeiro de 2019, com indicação de realização do evento em 13 de janeiro, praticamente às vésperas do carnaval de 2019. Toda esta formalização visa garantir a seriedade, idoneidade e transparência das escolhas da corte mirim, entretanto, como a escolha é feita pela direção da AESM- Rio, que tem nos presidentes das agremiações mirins forças políticas que transparecem como opositoras, a total isenção é muito difícil de ser efetiva, havendo mais a possibilidade de arranjos políticos entre a presidência da associação e seus integrantes.

- Casal de mestre-sala e porta-bandeira da AESM-Rio

Após a passagem da corte mirim, vem o casal de mestre-sala e porta-bandeira da AESM-Rio, ao som do hino da associação, que é cantado durante todo o cortejo, na primeira parte dos desfiles mirins. O casal de mestre-sala e porta-bandeira (figura 37) é escolhido pela direção da associação, que, ao longo do ano, observa o desempenho dos jovens brincantes nos eventos em suas agremiações, ou mesmo, aqueles realizados pela própria entidade associativa, bem como os desfiles anuais. O casal, que defendeu o pavilhão da associação mirim de 2016 até o ano de 2018, era o primeiro casal da agremiação mirim Inocentes da Caprichosos.

Figura 37- Casal de mestre-sala e porta-bandeira da Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro. Fonte: O autor, 2018.

Em 2019, a AESM-Rio resolveu investir em um casal mais novo (figura 38 para o desfile de 2020. A escolha recaiu sobre o terceiro casal da escola mirim Filhos da Águia, formado por Caio e Amanda Freitas, filha da porta-bandeira Roberta Freitas do G.R.E.S. Acadêmicos de Santa Cruz. Amanda Freitas é um exemplo de como as redes sociais vêm sendo uma forma de se identificar novos valores e captação de integrantes para as escolas de samba 209

mirins, principalmente o Facebook e Instagram, que é muito difundido como divulgação das ações realizadas pelas escolas de samba mirins. Amandah Freitas e seu primo Guilherme Oliveira, ambos de 4 anos de idade, por meio de um vídeo caseiro, que repercutiu nas redes sociais, o pequeno casal de mestre-sala e porta-bandeira desfilavam cantando o samba do G.R.E.S. Portela de 2015. Em poucos dias, o vídeo viralizou chegando às mãos do presidente da escola de samba mirim Filhos da Águia. Levado à quadra da Portela, receberam o convite para desfilar na escola de samba mirim, o que não pôde ocorrer, pois eles tinham menos de cinco anos de idade. Amandah Freitas é filha de Roberta Freitas, porta-bandeira do G.R.E.S. Acadêmicos da Rocinha, que postou o vídeo em sua timeline, ou seja, já havia um convívio familiar com as práticas culturais das escolas de samba e envolvimento com estas representações sociais identitárias. Daquele ano para cá, Amandah Freitas já vem participando de eventos no carnaval e fora deste período. Inicialmente era orientada por sua mãe, mas, desde 2017, vem participando do projeto social Madureira, Toca, Canta e Dança, que é realizado na quadra da Portela, e este ano foi escolhida para junto com Caio formarem o casal de mestre-sala e porta-bandeira da AESM-Rio. O casal se destaca entre os demais pela precocidade, pelo apoio da escola- mãe e da escola de samba mirim Filhos da Águia, que neste processo sai fortalecida perante as demais escolas de samba mirins pelo fato de ter uma de suas “crias” representando não só a AESM-Rio, como também a escola Filhos da Águia.

Figura 38- Post da página do G.R.C.E.S.M. Filhos da Águia, 2019.

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- O público

A entrada é gratuita para o grande público (figuras 39, 40 e 41), que tem acesso a todas as arquibancadas e frisas, sendo formado, em sua maioria, por pais, mães, familiares, amigos, amantes do Carnaval, caçadores de talentos, estudiosos da temática e muitas crianças e adolescentes, que assistem aos desfiles a partir das 18:00h.

Figura 39- Público na arquibancada do setor 1 – início do desfile. Fonte: O autor, 2018.

Ainda que não haja um grande lotação de lugares nas arquibancadas e nos camarotes, a maior parte da concentração deste público ocorre no meio da avenida, onde ficam as cabines de avaliadores dos desfiles mirins. Mesmo sendo um público pequeno, se compararmos com os demais dias de desfile na Passarela, existe um apreço e valorização pelo trabalho desenvolvido pelas crianças e escolas de samba mirins. Muitos presidentes de escolas de samba mirins alegam que o esvaziamento de público nos desfiles está diretamente relacionado à transferência do dia de exibição delas, que, até 2017, era na sexta-feira e foi transferido para a terça-feira, pois os responsáveis passaram a ter que permanecer na cidade durante os dias de carnaval, o que não ocorria quando o desfile era na sexta-feira. Outro dado é que na sexta-feira muitos responsáveis, que trabalham no centro do Rio de Janeiro ou arredores, levavam seus filhos consigo, saindo de seus trabalhos se dirigindo diretamente para a Passarela do Samba, mais uma vez a disponibilidade 211

do adulto é levada mais em conta do que a adequação do horário e dia para atendimento do público infanto-juvenil. Mas, além deste fato, existe a falta de divulgação de seus desfiles, principalmente pela televisão, que - de 1986 até 1990- eram transmitidos ao vivo pelas emissoras de TV. Como é comum nos dias de desfiles das agremiações adultas, as famílias costumam levar comidas e bebidas de casa, vestem as camisas das agremiações, levam bandeiras, que nem sempre são das escolas de samba mirins, mas das escolas de samba mãe, para as quais torcem estabelecendo uma rede de afetos e trocas em torno das crianças. A cada escola de samba mirim que surge na avenida, o público a recebe com palmas, gritos e muita empolgação, como forma de incentivar todas as crianças que ali se exibem. Existem torcidas para as escolas de samba mirins, que muitas das vezes é um ato de transferência afetiva do sentimento nutrido pela escola-mãe para a escola de samba mirim. Algumas dessas torcidas demonstraram que o reconhecimento imediato da relação da agremiação mirim com a escola-mãe, pelo uso das mesmas cores e semelhanças nos emblemas dos pavilhões, propiciou esta transferência afetiva.

Figura 40- Frisas e arquibancadas – desfile. Fonte, O autor, 2015.

De acordo com alguns entrevistados, nas arquibancadas e camarotes, apesar de torcerem por uma agremiação específica, segundo eles, o entusiasmo distribuído entre outras agremiações mirins, que não a de seus interesses, era para “fortalecer os continuadores do samba e do carnaval”. 212

Como o desfile é gratuito, a arquibancada do setor 1 não é muito disputada, mas continua atraindo um público que gosta de acompanhar o desempenho de seus filhos, parentes, sobrinhos, netos ou amigos, pois é ali que é possível ver a escola se montando para o desfile, onde ocorre o chamado “esquenta” do samba e da bateria (figuras 41 e 42, chamando a atenção de todos, exibindo toques e ritmos para empolgar os componentes e o público em geral, ritual realizado pelas escolas de samba e que faz parte da aprendizagem das crianças.

. Figura 41- Bateria do G.R.C.E.S.M. Filhos da Águia – desfile. Fonte: O autor, 2017.

Figura 42- Detalhe bateria do G.R.C.E.S.M. Filhos da Águia – desfile. Fonte: O autor, 2017.

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É também em frente ao setor 1 que ficam localizados as cabines das emissoras de rádio, tv e da AESM-Rio, sendo que esta se torna um ponto de apoio para convidados, que esperam sua hora de desfilarem nas agremiações mirins como homenageados, e também para descanso e guarda-volumes dos presidentes das escolas mirins. Lá também fica localizada a cabine da LIESA, que sempre mantém representantes da entidade e de outras entidades representativas carnavalescas, como a Federação dos Blocos Carnavalescos do Rio de Janeiro, que apoiam o préstito infanto-juvenil acompanhando o desfile. Como nos desfiles adultos, há um número expressivo de jornalistas, fotógrafos, e diretores de agremiações (adultas e infantis) que circulam pelas laterais dos desfiles (figura 43), muitas das vezes, acompanhando o desfile até a Praça da Apoteose. Isso causa desconcentração, principalmente para as crianças menores, e atrapalha a evolução dos passistas mirins, que ficam divididos querendo mostrar seus talentos para este grupo, contagiar as torcidas e o público em geral e se apresentarem para os avaliadores.

Figura 43- O acúmulo de pessoas no setor 1 da Passarela do Samba. Fonte: O autor, 2018.

A queima de fogos marcando a entrada da agremiação infantil na avenida também é utilizada. Contudo alguns presidentes deixaram de usar este recurso, muito comum nos desfiles das escolas adultas, pois “causam muita dispersão entre as 214

crianças, que em vez de olhar para frente e iniciarem o desfile, ficavam impactadas olhando para trás para verem os fogos”140, o que é natural, pois chama a atenção tanto de adultos e crianças, atrapalhando o desfile e sendo retirado por algumas escolas de samba mirins, mas - mesmo assim - o atrativo continua a ser utilizado por outras para contagiar público e integrantes das escolas mirins e manter uma “tradição” presente nos desfiles das escolas de samba. Os camarotes (figura 44) reservados pelas escolas adultas, que já os possuem para os desfiles das agremiações adultas, no sábado, domingo e segunda-feira, continuam enfeitados e alguns deles são ocupados nos desfiles das escolas de samba mirins, como espaço oferecido a convidados, daí haver serviço de buffet e bebidas, sendo que, neste caso, as bebidas oferecidas são refrigerantes, e a comida distribuída é cachorro-quente, picolés e pipoca, por meio do serviço de garçons. Este é um luxo que não é comum a todas as escolas de samba mirins. Nesses ambientes, há cuidado de não se oferecerem bebidas alcoólicas para os adolescentes, o que não quer dizer que não haja farta oferta para os adultos, nem que os adolescentes beberiquem uma ou outra bebida.

Figura 44- Detalhe do camarote do G.R.E.S. Grande Rio, escola-mãe do G.R.C.E.S.M. Pimpolhos da Grande Rio – desfile. Fonte: O autor, 2015.

140 Declaração de Valéria Pires, presidente da escola mirim Golfinhos do Rio de Janeiro, em entrevista concedida em julho de 2017. 215

Durante a pesquisa de campo desenvolvida no ano de 2015 a 2019, identificamos que presidentes de agremiações adultas, filhos, parentes, amigos, rainhas de escolas de samba adultas, artistas e convidados estiveram presentes nestes camarotes (figura 45) como forma de manter os laços afetivos entre a escola- mãe e a filha, reconhecimento do trabalho desenvolvido pelos responsáveis pela escola de samba mirim, a presença de autoridade para as crianças é uma ação pedagógica de conhecimento e (re)conhecimento das hierarquias existentes dentro de suas escolas de samba e agremiações mirins e apresentação dos resultados obtidos na manutenção destas agremiações mirins durante todo o ano.

Figura 45- Atriz Juliana Alves, rainha de bateria do G.R.E.S. Unidos da Tijuca – desfile mirim. Fonte: O autor, 2015.

Além de ficarem nos camarotes, muitas dessas pessoas, utilizando credenciais que lhe são entregues, também circulam pela avenida antes, durante e depois dos desfiles de cada agremiação, contribuindo para o excesso de pessoas na passarela., mas também como manifestação de apoio e reconhecimento artístico. Muitos convidados aproveitam para irem à concentração para parabenizar e cumprimentar as crianças das agremiações nas quais estão envolvidos, seja por motivos profissionais, seja por afetivos, como foi o caso do casal de mestre-sala e porta- bandeira do G.R.E.S. Unidos da Tijuca, em 2017 (figura 46), e da atriz e rainha de bateria da mesma agremiação, Juliana Alves (figura 47).

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Figura 46- Jackeline Pessoa e Alex Marcelinho, primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira do G.R.E.S. Unidos da Tijuca (2017) e primeiro casal do G.R.C.E.S.M Tijuquinha do Borel no desfile mirim (concentração – setor 1). Fonte: O autor, 2017.

Figura 47- Atriz Juliana Alves, rainha de bateria do G.R.E.S Unidos da Tijuca, na concentração setor 1) do desfile mirim de 2017 do G.R.C.E.S.M Tijuquinha do Borel. Fonte: O autor, 2017.

É muito comum a presença de turistas adultos e crianças nestes camarotes, pois muitas escolas adultas e mirins oferecem esta oportunidade por meio de compra de pacotes, que incluem, em alguns casos, a possibilidade das crianças desfilarem nas agremiações mirins141. A cada ano, há mudanças, já que os camarotes não são fixos, mas adquiridos por cada agremiação adulta, de acordo com interesses e recursos financeiros. No dia do desfile, é comum ver a força representativa dessas comunidades, pelo número de convidados e autoridades, que estão presentes como

141 Uma escola mirim que utiliza este procedimento é o G.R.E.C.S. Pimpolhos da Grande Rio por meio do programa de turismo “Carnaval Experience” – que tem a ideia de apresentar o universo das escolas de samba do Rio de Janeiro, mostrando os bastidores da criação do espetáculo e a história do nascimento do samba e do carnaval carioca. 217

os presidentes das agremiações (adultas), artistas, rainhas e musas de baterias das escolas mães, as madrinhas ou padrinhos das agremiações mirins. As escolas mirins, a exemplo das escolas adultas, costumam parar e reverenciar este público cativo de suas escolas, especialmente as comissões de frente. Este ato deve também ser interpretado como uma ação pedagógica social no respeito aos seus superiores hierárquicos, mais velhos e com mais autoridade, dentro de suas escolas mães.

- O percurso

Seja debaixo de intenso sol ou sob forte chuva, as crianças desfilam os 700 metros da Passarela do Samba, conforme as escolas adultas e mantendo o formato original de composição. Hoje em dia, as escolas mirins costumam utilizar, no máximo, três carros alegóricos, já incluindo o abre-alas, que traz o nome da agremiação mirim. A quantidade de crianças em cada carro alegórico e a altura máxima permitida para que as crianças desfilem nele são definidos por meio de regulamento142 da AESM-Rio e são conferidos pelos representantes do Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro. Em muitas escolas, é possível ver a presença da velha guarda (figura 48), mães acompanhando o desfile como sinal de apoio e benção aos jovens sambistas. No ano de 2015, em nosso primeiro registro audiovisual dos desfiles entrevistamos um dos integrantes da Velha Guarda do G.R.E.S. Unidos da Vila Isabel que nos declarou “que acompanhar e apoiar as crianças era fundamental, pois os meninos eram a garantia de continuidade do samba e do sambista”, o que demonstra o valor da relação intergeracional, não apenas para as crianças, mas também, para estes baluartes, a maioria das vezes bem distantes deste aprendizado que é realizado nas escolas de samba mirins.

142 O regulamento é discutido anualmente em reuniões entre a AESM-Rio, a LIESA e o Juizado da Vara da Infância e adolescência, meses antes da realização do desfile. Os principais itens eram publicados no caderno Abre-alas, que, por sua vez, era distribuído aos avaliadores do desfile. Mas o caderno não vem sendo publicado desde o ano de 2018. 218

Figura 48- Velha Guarda do G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel - desfile do G.R.C.E.S.M. Herdeiros da Vila. Fonte: George Araújo, 2015.

No ano de 2018, escola mirim Aprendizes do Salgueiro inovou e surpreendeu ao trazer para a avenida a “velha guarda” de sua agremiação (figura 49), não como uma ala, pois é proibido, mas como encerramento do desfile, prestigiando adultos que fizeram parte da agremiação mirim.

Figura 49- “Velha guarda” do G.R.C.E.S.M Aprendizes do Salgueiro – desfile. Fonte: O autor, 2018.

Ao reeditar o samba de enredo “Peguei um Ita no norte”, que foi composto por Demá Chagas, Arizão, Bala, Guaracy e Celso Trindade, no ano de 1992. A escola comemorou os 25 anos desse samba (figura 50), que ficou famoso por conta do refrão: “Explode Coração!/Na maior Felicidade!/É lindo meu Salgueiro!/Contagiando e sacudindo essa Cidade”; e, ao mesmo tempo, anunciava a grande comemoração que 219

ocorreria no carnaval de 2019, quando completaria 30 anos de existência. No ano de 2019, o carnavalesco Victor Brito coordenou os trabalhos de celebração da escola mirim na avenida.

Figura 50- G.R.C.E.S.M. Aprendizes do Salgueiro – desfile. Fonte: O autor, 2018.

- Regras de participação das crianças e adolescentes nos desfiles

As crianças e adolescentes têm suas inscrições para participarem dos desfiles realizadas nas quadras das escolas mães, ou ainda em postos estabelecidos pelos presidentes das agremiações mirins, já que nem todas têm escola-mãe. A ficha de inscrição que contém dados das crianças, desde nome completo, idade, nível de escolaridade, nome do colégio em que está matriculado, e identificação de seu responsável, com telefone e endereço atualizado, além de duas fotos 3X4, não sendo mais necessário a apresentação do boletim escolar. Todas estas fichas são organizadas e levadas pela presidência da agremiação mirim para serem entregues, em tempo regular, ao Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro, que autoriza, ou não, o desfilante a participar do evento. As crianças que desfilam devem usar crachás de identificação, pois a qualquer momento podem ser confrontados pelos juízes presentes na avenida dos desfiles. Se alguma criança não tiver identificação, há aplicação de multa à escola mirim tanto pelo Juizado, quanto pela direção da AESM-Rio, além de outras penalidades, como a suspensão de participação nos desfiles. Todas as alterações legais sobre a 220

participação dos brincantes ocorrem em audiência pública com representantes da 1ª Vara de Família, da Infância, da Juventude e do Idoso, da Liga Independente das Escolas de Samba do Rio (LIESA), da Associação das Escolas de Samba-Mirim do Rio (AESM-Rio), do Sindicato dos Clubes e da Empresa de Turismo do Município do Rio de Janeiro (Riotur) com o propósito de melhor garantir a segurança e proteção dos brincantes. A AESM-Rio tem a responsabilidade de estabelecer as regras e procedimentos para a realização do desfile, bem como zelar pela sua efetivação na avenida por parte das agremiações. Algumas dessas orientações dizem respeito ao tamanho das alegorias e a idade permitida dos brincantes para estarem sobre elas; as idades máximas para o casal de mestre-sala e porta-bandeira, que não podem ser superiores a 16 anos; ao fato das rainhas e princesas de bateria não podem ultrapassar a idade de 10 anos; e a não permissão de adultos fantasiados. Há também a proibição de apresentação de crianças a adolescentes que fiquem com a genitália a mostra, decotada, pintada, fio dental e parte superior do corpo que mostrem os seios (mamilos), para evitar a sexualização do corpo infanto-juvenil, o que não impede a ocorrência de um episódio desta natureza. Nenhuma forma de erotização do corpo infantil é permitida ou mesmo estimulada, nem no desfile, nem em outros eventos dos quais eles participam, a Associação e o Juizado da Infância e da Adolescência da Comarca da Capital do Estado do Rio de Janeiro exigem rigor com relação a esta questão da indumentária mirim por conta da objetificação do corpo infantil. No caderno Abre Alas Mirim (figura 51) para os avaliadores,143 que nos foi disponibilizado no ano de 2015, consta o regulamento da AESM-Rio, com todos os itens acima descritos e as fichas técnicas de cada agremiação. A exemplo do livro Abre Alas das agremiações adultas, os avaliadores analisam e conferem se a proposta do enredo desenvolvido está sendo cumprida. As avaliações apontando melhorias ou falhas são redigidas para serem entregues aos presidentes das escolas mirins.

143 Os avaliadores são pessoas escolhidas pela AESM-Rio para atuarem na avaliação dos desfiles e que se reúnem anteriormente para serem orientadas a respeito dos quesitos estabelecidos para premiação. 221

Figura 51- Caderno Abre Alas Mirim. Fonte: O autor, 2015.

Até o ano de 2002, as escolas de samba mirins não sofriam nenhum tipo de avaliação, mas com o estabelecimento da AESM-Rio este procedimento passou a ser adotado, levando crianças, adolescentes, educadores sociais, artistas, carnavalescos e presidentes de escolas de samba mirins investirem cada vez mais na parte visual dos desfiles realizados, pois com os avaliadores vieram também a entrega de troféus e a competitividade, que sempre é negada e não aparece nas reportagens que são realizadas sobre o desfile mirim, pelo contrário, há a exaltação de que elas não competem entre si. Desde o ano de 2017, contudo, a AESM-Rio não teve mais condições de contratar estes profissionais avaliadores e nem publicou o caderno Abre Alas, tendo decidido por meio de sua diretoria a classificação de cada agremiação mirim nos quesitos estipulados: samba de enredo, enredo, ala das baianas, conjunto, intérprete, fantasias, mestre-sala e porta-bandeira, alegorias e adereços, harmonia, rainha de bateria e bateria. O desfile também é marcado pela presença de crianças, adolescentes e até mesmo adultos que possuam qualquer tipo de deficiência física e/ou mental (figuras 52 e 53). Neste caso, é permitido que os acompanhantes desfilem com eles. Aliás, esta é a única forma de pessoas adultas saírem fantasiadas no cortejo infantil, de 222

acordo com o estatuto, contudo muitos adultos não saem nas alas, mas lotam as laterais acompanhando os desfiles.

Figura 52- Concentração do G.R.C.E.S.M. Filhos da Águia - Desfile. Fonte: O autor, 2017.

Figuras 53- Concentração do G.R.C.E.S.M. Filhos da Águia - Desfile. Fonte: O autor, 2017.

Os demais adultos, geralmente usando camisas de identificação da agremiação ou mesmo do corpo de apoio da AESM-Rio, auxiliam os sambistas mirins sobre posicionamento nas alas, estimulando-os na evolução da cadência do samba. Ou ainda, como bem disse um dos diretores de harmonia da agremiação mirim Golfinhos do Rio de Janeiro, durante a concentração na avenida Presidente Vargas, às crianças em tom animador e explicativo (e já foi comentado anteriormente): “vamos 223

sambar muito, ok? Mas quem não souber não tem problemas. Brinca de sambar, porque o importante aqui é brincar!” Apesar do desejo manifesto do diretor esta brincadeira não é livre, pois cada ala não deve se misturar com a outra, as crianças não devem correr de um lado para o outro, mas seguir o cortejo mantendo um ritmo marchante. Ou seja, por mais que haja um estímulo para que aquele espaço não seja limitador, as condições de sua realização são limitadoras para o universo infanto-juvenil, tanto que no ato de finalização do desfile, na Praça da Apoteose, as crianças costumam de fato se soltarem tocando, dançando e cantado o que eles de fato querem, pois não há mais o compromisso com o desfile, ali o espetáculo é somente deles, para eles.

- Fantasias

As escolas mirins não cobram pelas fantasias dos desfilantes. E, em alguns casos, os presidentes auxiliam os responsáveis das crianças que desempenham as funções de mestres-sala e porta-bandeiras, no pagamento de suas roupas, que são feitas por ateliês especializados e que são bem mais caras. Boa parte do material utilizado tanto nas fantasias quanto na decoração dos carros alegóricos são obtidos na reciclagem de materiais utilizados em anos anteriores pela própria escola ou cedidos pela escola-mãe, ou ainda cedidos por outras escolas de samba ou escolas mirins coirmãs, especialmente para aquelas que não têm vinculação com nenhuma escola adulta. A arte da reciclagem é uma realidade para as agremiações mirins, aliás a reutilização de materiais sempre foi uma ação presente na confecção de seus desfiles, de acordo com presidentes como Valéria Pires (Golfinhos do Rio de Janeiro), Valéria Monteiro (Corações Unidos do CIEP), mas não abrange o quantitativo total, sendo parcial, até pelo fato de muitas delas somente contarem com a verba obtida pela Prefeitura do Rio de Janeiro.

- Condução do espetáculo e das escolas mirins

O espetáculo é conduzido e controlado pelos adultos, que formam as diretorias das escolas mirins, mas à medida que estas crianças vão se tornando maiores, é comum vê-las assumindo estes cargos, chegando até mesmo à presidência. É o caso de Renato Santos, que começou a desfilar aos cinco anos no GRECS Infantes do 224

Lins. Já maior passou a integrar o carro de som e depois tornou-se intérprete, função na qual permaneceu por 4 anos. Após este período, e já tendo sido desligado por conta de ter alcançado a faixa etária limite, integrou a equipe de direção do carnaval de sua agremiação e em 2016 assumiu sua presidência144. As escolas mirins associações filantrópicas e sem fim lucrativo são registradas em cartórios públicos tendo caráter de pessoa jurídica, e para tal é necessário que os diretores sejam todos maiores de idade. Além disso, essas agremiações recebem financiamento público, contratam empregados, realizam parcerias com empresas públicas e privadas, o que juridicamente impede as crianças de serem os gestores de seu próprio espetáculo. Toda a parte de orientação e coordenação das oficinas de aprendizagem também ficam sob responsabilidade dos adultos, mas conforme as crianças vão se aperfeiçoando e demonstrando interesse em prosseguir na agremiação mirim, se aprofundando nos conhecimentos, elas passam a compartilhar a coordenação e, em muitos casos, passam a também participar da coordenação destas funções, este fato é muito comum na escola de samba mirim Pimpolho da Grande Rio. Um dado relevante dentro das escolas mirins é que as crianças são estimuladas a participar das várias funções que existem nas agremiações. Com estas experimentações que elas vivenciam ao longo do tempo, os talentos são estimulados e orientados para que identifiquem as possibilidades profissionais dentro das escolas de samba adultas e mirins. Em algumas escolas, esses talentos são, em boa parte, absorvidos, mas, independentemente da inserção em seus territórios de pertencimento ou outros, as projeções profissionais são de fato palpáveis. Pesquisando a publicação Cartilha do Samba identificamos a evolução e a profissionalização de muitas dessas crianças como de Fábio Arerê, ex-rei momo de 2017, que se iniciou como passista na escola Estrelinha da Mocidade; Laís Ramos, que foi integrante de ala e porta-bandeira da Pimpolhos da Grande Rio, e que desde 2017 assumiu como segunda porta-bandeira do G.R.E.S. Império da Tijuca; Thiago Acácio, intérprete por cinco anos na Estrelinha da Mocidade e que hoje é primeiro

144 Dados extraídos da coluna “Nossa gente” da revista Cartilha do Samba, ano 9, n. 6, ano 2016, p. 6, publicação da AESM-Rio, distribuída no dia do desfile das escolas mirins, e que se encontra disponível no formato digital em sua página do Facebook. 225

cantor do G.R.E.S. Barroca da Zona Sul (agremiação paulista) e também integrante da ala musical do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis.145 - Premiações

A grande graça e beleza atribuídas aos desfiles das escolas mirins e também sempre difundidas em matérias jornalísticas é o fato de que estes desfiles não possuem um caráter competitivo. Um dos motivos, é que inicialmente cada uma das escolas era premiada em cada uma das categorias elencadas, de forma que todas eram consideradas vencedoras. Outro dado é que como não há uma campeã do desfile anual, e nem classificação por pontuação, como ocorre nas escolas adultas, acredita-se que não há competição entre elas. Por isso, também não existe a figura do jurado, mas de avaliadores, que contribuem com suas observações para a melhoria da performance das crianças e da escola mirim146. Mas há controvérsias sobre esta situação. De acordo com o presidente da AESM-Rio, Edson Marinho, a falta de competitividade vem criando uma situação de acomodação por parte das agremiações mirins em suas apresentações. No convívio com os profissionais responsáveis pela aprendizagem das crianças nas quadras, verificamos que alguns deles exigem que as performances das crianças sejam impecáveis, pois desejam que elas consigam conquistar os troféus entregues pela associação. Esse é o caso da diretora da ala de passistas da escola mirim Filhos da Águia e do G.R.E.S. Portela, Nilce Fran exige a perfeição de seus alunos e a obtenção da premiação, pois entende que o papel do passista é de extrema relevância dentro das escolas de samba por serem eles os mantenedores da tradição do “samba no pé” e por ter a visão de que seu trabalho é de qualificação profissional. Entrevistando crianças que ocupam funções como mestres-sala e porta- bandeiras, rainhas de baterias, destaques de chão e de carro, diretores de bateria e comissão de frente, por exemplo, observamos que alguns se ressentem da falta de competitividade, que é muito estimulada no ambiente adulto, mas também entendem

145 Ressaltamos que em nossa pesquisa não realizamos estatísticas acerca do aproveitamento profissional das crianças que passaram pelas agremiações mirins, por não haver tempo hábil para um levantamento deste porte a ser realizado nas 16 agremiações. 146 Informações coletadas junto à avaliadora Viviane Martins, coordenadora do Projeto Minueto da dança, e com as presidentes das escolas mirins Corações Unidos do CIEP e Golfinhos do Rio de Janeiro, Valéria Monteiro e Valéria Pires, respectivamente. 226

que ao adquirirem um dos troféus da AESM-Rio estão sendo vencedores naquela categoria. A presidência da AESM-Rio não deixou de perceber essa polêmica. Buscando formas de cada vez mais tentar estimular a competitividade entre as crianças e agremiações, decidiu criar o troféu “Sementes do Samba”, no ano de 2015. Neste prêmio ficou estabelecido que para cada categoria haveria a seleção de três indicados e os vencedores somente seriam conhecidos no dia da premiação, que teria uma data a ser previamente divulgada. A equipe de julgadores seria formada por pesquisadores, jornalistas, e profissionais do carnaval. A peça do troféu foi desenvolvida pelo carnavalesco Vinícius Ferraz, carnavalesco e a logomarca por Renato Silva, designer e também carnavalesco. Para os organizadores, esta premiação teria um status do “Oscar”147, o que evidencia o estímulo à competitividade entre as agremiações, contudo ela não conseguiu se estabelecer por falta de apoio financeiro. Mas o Prêmio “Machine Bastidores do Carnaval Carioca” 148, que vem sendo realizado por José Carlos Faria Caetano, o Machine, conhecido como o Síndico da Passarela, acabou por dar continuidade ao desejo da presidência da AESM-Rio, pois faz a indicação de três escolas mirins para ao final ter uma vencedora. No primeiro ano do prêmio Machine, em 2016, foram consideradas vencedoras todas as três agremiações mirins indicadas: Inocentes da Caprichosos, Miúda da Cabuçu e Corações Unidos do Ciep. No ano de 2017, mantendo três indicadas, a única vencedora foi a Herdeiros da Vila; em 2018, a premiada foi Ainda Existem Crianças na Vila Kennedy; e em 2019, a vencedora foi a escola mirim Mangueira do Amanhã. Os prêmios e troféus oficiais das Escolas de Samba Mirins são o “Olhômetro”, oferecido pela AESM-Rio e o “Estandarte do Samba Mirim ”, premiação concedida por um grupo de profissionais de carnaval. O prêmio “Olhômetro”, criado em 2003, pelo primeiro presidente da AESM-Rio, professor Sérgio Murilo, premia 12 categorias, que são os seguintes quesitos: samba

147 A referência utilizada pela presidência AESM-Rio foi o prêmio da academia de cinema de Hollywood – o Oscar, no sentido de demonstrar o quão importante seria esta premiação. Também cabe lembrar que - em se tratando de escolas de samba e carnaval - a utilização de formas superlativas de expressão tem o objetivo de sempre supervalorizar a expressão cultural. 148 Sobre a história do prêmio, ver o site “Prêmio Machine” < http://www.premiomachine.com.br/ > Acesso em: 18 mar. 2019 227

de enredo, enredo, ala das baianas, conjunto, intérprete, fantasias, mestre-sala e porta-bandeira, alegorias e adereços, harmonia, rainha de bateria e bateria. O prêmio “Estandarte do Samba Mirim”, é também realizado pela AESM-Rio, mantém os mesmos quesitos do prêmio Olhômetro, com o acréscimo de outros quatro: comunicação com o público, evolução, harmonia e ala de passistas. Esses prêmios são considerados os mais importantes, pois são um reconhecimento público da própria instituição organizadora dos desfiles mirins para com suas filiadas. Nos anos de 2018 e 2019, houve uma guinada na questão dos avaliadores nos desfiles mirins, pois a AESM-Rio, que decidiu por meio de sua diretoria, não utilizar mais os mesmos; decidindo ela própria indicar os premiados, tal ato talvez esteja relacionado a redução das verbas dispendidas ou um retorno aos tempos inciais de surgimento do fenômeno sociocultural, que não tinha como objetivo a realização deste tipo de competição. . Em um primeiro momento, parecia que a falta de verbas seria um dos componentes responsáveis por esta decisão, entretanto, ao que parece, houve uma disputa interna, entre a manutenção dos aspectos pedagógicos do espetáculo e a adoção do modelo competitivo característico das escolas de samba. De acordo com Érica Lobo, responsável pela coordenação pedagógica da AESM-Rio, a decisão adotada de não ter mais avaliadores passou pela necessidade de se rever esta avaliação. Ela e Marilene Monteiro, presidente da Corações Unidos do CIEP, e sua mãe, compartilham a opinião de que a avaliação necessitava ser reformulada por diversos fatores, dentre eles, as diferenças etárias das crianças e adolescentes que se exibiam na mesma função e que eram avaliadas da mesma maneira que as maiores, o que é uma comparação desigual, e pela formação dos jurados que não teriam uma formação pedagógica. Érica Lobo, acredita que pedagogicamente habilidades e competências são específicas para cada faixa etária, assim ficava muito desestimulante para as crianças menores concorrer com crianças maiores, gerando muitas frustrações e o não reconhecimento dos avanços dos menores frente aos maiores. Assim, em processo de mudanças e reformulações no campo pedagógico na associação, a primeira modificação adotada foi esta revisão do formato premiação. Nosso entendimento é de que por mais que haja uma narrativa da falta de competição entre as agremiações mirins, no sentido, de que elas não percam seu caráter formativo experimental, é claro que uma escola ao dividir ou mesmo ao ganhar sozinha uma 228

das premiações, sente-se movida pela competição. Em suma, a conquista dos troféus é um estímulo para a competição, mesmo sendo compartilhada por duas escolas149. E esta competição não é somente sentida entre as crianças, mas principalmente entre os presidentes das escolas mirins, que têm seus portfólios enriquecidos e suas atuações valorizadas. Como muitas escolas mirins têm escolas-mães, o bom desempenho das escolas filhas legitima as presidências das primeiras dentro dos quadros diretivos das escolas de samba. No ano de 2018, como forma de valorizar as agremiações mirins, houve a inclusão deste grupo nas categorias de premiação do prêmio Tamborim de Ouro150. Para o diretor de publicidade do Jornal O Dia, Daniel Penalva: “Com essa iniciativa, estamos preservando as raízes do samba. Essa tradição caracteriza o carioca e precisamos preservar esse elo”.151 Após 21 anos de promoção do prêmio, foi a primeira vez que as escolas mirins foram incluídas na premiação, nas seguintes categorias: escolas de samba e samba, bateria e mestre-sala e porta-bandeira. O júri foi composto pelos jornalistas Alberto João, Aydano André Motta, Bárbara Pereira, Eugênio Leal e Fábio Fabato, em parceria com a AESM-Rio. No dia da entrega dos prêmios, conseguimos entrevistar o jornalista Fábio Fabato,152 que nos explicou a relevância de se premiar as escolas mirins:

Olha, a premiação este ano das escolas mirins foi uma necessidade que a gente enxergou. E, eu acho, que é uma necessidade de outros prêmios, enxergarem o sambista do futuro. No momento em que o carnaval está perdendo um pouco de representatividade junto à cidade. É fundamental que a gente olhe para as crianças e traga um novo público que abraça o carnaval do Rio. Afinal, essa festa discursa muito sobre a identidade do carioca e do brasileiro. Então, assim, apoiar, amar, abraçar as escolas mirins, é absolutamente fundamental. (FABATO, 2018).

Indagamos o jornalista sobre os quesitos elencados, e ele nos respondeu desta forma:

149 Houve, durante um espaço de tempo (2003-2012), a entrega de outro prêmio, o troféu Corujito (concedido pelo Centro Universitário Augusto Motta (UNISUAM) e Núcleo Hans Donner), uma parceria com a AESM-Rio, destinado às agremiações e segmentos que obtivessem destaque no carnaval. 150 A premiação é realizada pelo Jornal O Dia. 151 Dados extraídos de matéria publicada no Jornal O dia de 18/02/2018. . Acesso em: 20 fev. 2018. 152 Entrevista concedida à autora em 27/01/2019, durante o evento. 229

Olha, a gente acredita que são os quesitos [escolas de samba e samba, bateria e mestre-sala e porta-bandeira] fundamentais do carnaval. São aqueles elementos que dão robustez a uma escola de samba. Uma escola é feita de samba, de bateria e do casal de mestre-sala e porta-bandeira, que protege o pavilhão. Nós enxergamos que os fundamentos do carnaval estavam focados nestes quesitos, e por isso, nós premiamos. (FABATO, 2018).

As escolas mirins homenageadas foram: Mangueira do Amanhã (nas categorias Escola de Samba e Samba) (figura 55), Pimpolhos da Grande Rio (no quesito Bateria) (figura 54) e Corações Unidos do CIEP (por Mestre-Sala e Porta- Bandeira).

Figura 54- Escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP – Prêmio Tamborim de Ouro. Fonte: O autor, 2018.

Figura 55- Escola de Samba Mirim Mangueira do Amanhã – Prêmio Tamborim de Ouro. Fonte: O autor, 2018. 230

Para a AESM-Rio, também foi importante conquistar este lugar na tradicional premiação carioca153:

Segundo o diretor de Comunicação da Aesm-Rio, Ricardo Dias, o movimento existe desde 1984, quando a Império do Futuro abriu o Carnaval no ano de inauguração do sambódromo. Desde então, outros grupos mirins foram criados. "Como não há disputa de fato entre as escolas mirins, ou seja, não existem colocações oficiais, a premiação acaba sendo uma forma de homenagear o trabalho de todos. É um estímulo para que as crianças se aperfeiçoem e continuem participando do projeto", disse Ricardo Dias. Além de fomentar talentos para o samba, as agremiações infantis cumprem importante função social. "Uma série de artistas e pessoas que hoje brilham no Grupo Especial começaram em escolas mirins, como Pretinho da Serrinha, Dudu Nobre, a porta-bandeira Lucinha Nobre e o Leonardo Bessa, intérprete do Salgueiro. Tem ainda a questão social, porque você tira o menor das ruas e o leva para dentro da quadra", destacou Dias. (O DIA, 18/02/2018).

No ano de 2019, a premiação das escolas mirins, no prêmio Tamborim de Ouro,154 foi diferenciada. Dessa vez, foi realizada uma enquetei publicada no sítio eletrônico do jornal O Dia. A lista dos resultados foi divulgada em 6 de março. Embora as categorias elencadas para a premiação tenham sido escola, bateria, mestre-sala e porta-bandeira e samba-enredo, o resultado final indicou outros quesitos de premiação, a saber: rainha de bateria – Irys Gabryelly – escola mirim Mangueira do Amanhã; omissão sensação - Márcio Dellawegah (coreógrafo) – escola mirim Aprendizes do Salgueiro; baianas - escola mirim Mangueira do Amanhã; e a voz da avenida - Enzo Belmonte – Escola Mangueira do Amanhã. Assim como a escola-mãe foi a grande campeã do desfile de 2019, a escola mirim Mangueira do Amanhã foi a agremiação que mais se destacou no desfile deste ano para os jurados do prêmio Tamborim de Ouro. Influência política ou reflexos do campeonato obtido pelo G.R.E.S. Estação Primeira da Mangueira? Além disso, contrariando o primeiro ano da premiação, neste ano, um adulto foi premiado, em vez de somente as crianças serem valorizadas, o que reforça as escolas de samba mirins, como espaço de projeção profissional dos adultos dentro da cultura das escolas de samba

153 Dados extraídos de matéria publicada no Jornal O dia de 18/02/2018. . Acesso em: 20/02/2018. 154 Dados extraídos de matéria publicada no Jornal O dia de 06/03/2019. . Acesso em: 07/03/2019. 231

- O papel dos carnavalescos

Muitos carnavalescos em ascensão no carnaval carioca - como Luciano Santos (Planeta Golfinhos da Guanabara, 2015), ou mesmo já consagrados como Max Lopes (Herdeiros da Vila, 2015) - são os responsáveis pelo desenvolvimento dos enredos das escolas de samba mirins. Também há casos de ex-integrantes mirins que integram algumas comissões de carnavais mirins, como ocorre na escola mirim Pimpolhos da Grande Rio. Explicações para esta situação seriam a falta de um espaço na maioria das agremiações (barracão) para que houvesse o contato entre o carnavalesco e os aprendizes e a falta de verba, pois às vezes o dinheiro somente “aparece” muito próximo ao acontecimento do desfile. Com isso, ficaria inviável compor uma turma de aprendizes junto ao carnavalesco, que tem que apresentar soluções para o desfile, praticamente “para ontem”. Soma-se a isso a própria vaidade das agremiações em se mostrarem luxuosas e competitivas, contratando profissionais experientes que lhes possam garantir a conquista dos prêmios. Para Luciano Moreira155, carnavalesco da agremiação mirim Filhos da Águia, desde o ano de 2008, quando se capacitou em cursos de aderecista, escultura de espuma entre outros, em projetos sociais desenvolvidos no G.R.E.S. Portela, a proximidade com a agremiação mirim sempre existiu, pois, os cursos eram realizados tendo em vista a confecção de fantasias das crianças para o desfile. Apesar de não desenvolver o enredo e a confecção das fantasias junto com as crianças, ele se preocupa em envolvê-las no trabalho156. Por meio da apresentação dos protótipos das fantasias, explica os modelos e suas funções nos enredos que vem desenvolvendo para a escola. Além disso, busca conversar com os integrantes das alas, antes do desfile, ou mesmo na entrega das fantasias para explicar o que a fantasia representa dentro do contexto do enredo escolhido para o desfile. O carnavalesco tem a preocupação, que é uma diretriz da presidência da escola, em demonstrar para as crianças que estão chegando à escola a importância

155 Entrevista concedida à autora em 10 de outubro de 2016. 156 A situação em que se encontra o carnavalesco, de afastamento na lida cotidiana com as crianças, é muito comum nas outras escolas mirins. Nelas, em sua grande maioria, os carnavalescos contratados, de renome ou desconhecidos, ficam distanciados do envolvimento com as crianças, estando mais próximos dos diretores das alas e dos outros cargos de comando.

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de ser um representante da Filhos da Águia, que é ser também um portelense. O respeito à agremiação mãe é o princípio básico difundido e valorizado pela escola de samba mirim. Em suas palavras, há sempre a preocupação presente no grupo que coordena o carnaval mirim em demonstrar a necessidade de as crianças participarem dos projetos e oficinas que são desenvolvidos. Tais oficinas e projetos são importantes não somente pela aprendizagem das técnicas necessárias, mas, acima de tudo, para se conhecer a história da agremiação mãe e o diferencial que ela apresenta. As crianças são estimuladas e orientadas sobre o que é o G.R.E.S. Portela, sua história e o sobre o significado de ser um integrante desta agremiação. É uma relação de formação identitária, de pertencimento e de representatividade tendo como parâmetro a escola-mãe. Nas entrevistas com o carnavalesco e o presidente da escola mirim Filhos da Águia, Celsinho Andrade, a questão de manutenção da tradição da cultura da escola e o estímulo em desenvolver o respeito à tradição da escola-mãe é uma característica marcante na agremiação e a linha condutora dos trabalhos que ali são desenvolvidos, marcando a gestão do presidente na agremiação mirim. Luciano Moreira - em sua preocupação com a sensibilização das crianças para o desenvolvimento deste sentimento - tem o cuidado de ao entregar as fantasias colocá-las em um saco azul com aplicação do emblema da escola mirim, de forma que a identificação visual já transmita o sentimento de pertencimento e filiação para com a escola-mãe. Na escola Aprendizes do Salgueiro (figura 56), tivemos a oportunidade de presenciar este tipo de ligação afetiva e representatividade identitária com a escola- mãe, conforme nos relatou o carnavalesco Luciano Moreira com relação a escola mirim Filhos da Águia, quando da entrega das fantasias aos jovens brincantes.

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Figura 56- Bolsa de entrega de fantasias do G.R.C.E.S.M. Aprendizes do Salgueiro. Fonte: O autor, 2018.

Geralmente a entrega é realizada durante todo um dia, na quadra da escola- mãe, ou em outro espaço designado, como a casa de uma tia responsável por uma ala. A entrega deve ocorrer, preferencialmente, com uma semana de antecedência, mas nem sempre isto ocorre por conta das dificuldades financeiras que atrasam as confecções. Com isto, muitas das vezes, as crianças recebem sua fantasia no próprio dia do desfile, poucas horas antes dele começar. As emoções que envolvem estes momentos são diversas: empolgação, discussão, alegrias e tristezas, pois nem sempre as fantasias são de acordo com as expectativas das crianças. Por isso há também muita decepção, principalmente quando alguns elementos faltam ou não são condizentes, como um número de sapatilha menor, a falta de um chapéu, o tamanho da indumentária menor que o corpo da criança. Aqueles que retiram suas fantasias nas quadras das escolas-mães podem passar por outros dissabores, como a frustração de, mesmo estando ali naquele lugar, saber que não vai desfilar, pois o seu responsável não entregou a documentação exigida, e com isso, a escola mirim não computou aquela criança para sair na ala. Ou alguns responsáveis que souberam em cima da hora sobre a escola mirim e acreditam que podem naquele dia adquirir alguma fantasia de última hora, criando desapontamentos na criança. A brincante Manuela157 (nome fictício), 14 anos, que desfila há cinco anos pela Aprendizes do Salgueiro, tomou-se de paixão pelo G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro,

157 A entrevista completa com a adolescente sambista encontra-se disponível em página do Facebook, no link: < https://www.facebook.com/CarlaMachadoLopes/videos/1600525660040040/>. Acesso em 30 abril 2019. 234

ainda bem pequena, ao ver o desfile da agremiação pela televisão. Desfilando há cinco anos pela escola mirim, sua trajetória nos dois primeiros anos fora nas alas comuns, mas há três anos decidiu sair na ala das baianinhas, pois o seu “amor pelas [ala das] baianas” já é bem antigo, e como também não sabe sambar, fica mais cômodo sair nesta ala”. De acordo com seu relato, o amor que sente pelo Salgueiro vem desde pequena. Para ela, é indescritível sair (desfilar) pela Aprendizes e não existem, segundo ela, palavras que possam explicar o amor que ela sente pelo Salgueiro Ao final da entrevista ela nos diz: “se você não desfilou, você não sabe o que é”. As palavras de Manuela corroboram com as diferentes narrativas que envolvem o G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, que tem como lema a frase: “Nem melhor, nem pior. Apenas uma escola diferente158”, e que como todas às demais agremiações, estimula entre seus integrantes o orgulho de ser pertencente àquele território. Na letra do samba de enredo do ano de 2017, A divina comédia do carnaval159, há a frase: “dessa paixão que encanta o mundo inteiro, só entende quem é Salgueiro”, que desde então tem sido um dos “gritos de guerra”, que mobiliza a escola nos desfiles e ensaios realizados, fora ou dentro de sua quadra. Ao expressar seus sentimentos, Manuela demonstra estes discursos existentes na escola de samba, diferencial e a paixão, que são transpostos para a escola mirim, criando um discurso de pertença e identidade cultural.

- Intérpretes e carros de som

As escolhas dos intérpretes das escolas de samba mirins ocorrem dentro da própria ala dos compositores mirins. Esta tem apoio e coordenação de antigos compositores das escolas mães ou de convidados, no caso daquelas que não possuem uma escola de apoio, que orientam as crianças sobre como elaborar e desenvolver os sambas de enredos. Em algumas escolas de samba mirins, como Pimpolhos da Grande Rio, Corações Unidos do Ciep e Esstrelinha da Mocidade, acontecem concursos para escolha do samba-enredo.

158 Informação constante no sítio eletrônico do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro. Disponível em: http://www.salgueiro.com.br/simbolos/. Acesso em: 10 mar. 2018. 159 A composição é de autoria de Francisco Aquino / Fred Camacho / Getúlio Coelho / Guinga Do Salgueiro / Marcelo Motta / Ricardo Neves. 235

O evento congrega integrantes e visitantes, sendo um dia de várias atrações, como apresentação da ala de passistas mirins, shows da bateria mirim e convidados. O público também participa da escolha e assim o samba vencedor passa a ser divulgado entre as crianças. Geralmente, esses eventos são anunciados com bastante antecedência, utilizando-se as páginas que as agremiações mirins mantêm no Facebook e Instagram e divulgados em outras mídias. Mas nem todas as escolas mirins adotam esta forma de escolha de samba de enredo. E, em muitos casos, como aconteceu na Aprendizes do Salgueiro, em alguns anos, o departamento cultural ou a ala dos compositores da escola-mãe desenvolvem o tema, escolhido para o enredo, e entregam para a presidência da escola. A participação infantil neste grupo também pode ser conflituosa, pois os autores do samba de enredo têm direito ao recebimento de pagamento pelos direitos autorais, portanto, ao ter uma criança menor de idade, deve se ter um adulto responsável para receber este pagamento. Mais uma vez, as escolas de samba mirins tornam-se um nicho de mercado para muitos compositores que atuam junto a essas agremiações, tirando das crianças esta oportunidade. Intérpretes (“puxadores” do samba de enredo), compositores e bateria são grupos muito próximos e que estão conectados por meio do “carro do som”, que é responsável pela “a voz” da escola que contagia seus integrantes e anima a escola mirim. O termo “carro de som” é usado para definir o conjunto de cantores da escola, reunindo o intérprete oficial (pode haver mais de um), músicos e cantores de apoio que sustentam a harmonia musical. Este grupo anima a escola cantando sambas antigos da agremiação mirim ou da escola-mãe, com o objetivo de “esquentar” o desfile. É comum ver os intérpretes e músicos caminhado ao lado do carro, que irradia a música pela passarela. Se, nas escolas adultas, há o predomínio dos homens na função de intérpretes, cabendo às mulheres a função de coro (remetendo às antigas pastoras), nas escolas mirins, as meninas são estimuladas desde cedo a (figura 57) desempenharem esta função, sendo muito comum a presença de quartetos ou duetos defendendo os sambas de enredo de seus pavilhões.

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Figura 57- Intérpretes do G.R.C.E.S.M. Império do Futuro. Fonte: O autor, 2015.

De 2015 a 2017, a escola mirim Filhos da Águia não promoveu a escolha de seus sambas-enredo entre os compositores de sua escola, mas, no ano de 2019, o presidente Celsinho Andrade solicitou ao intérprete e compositor da agremiação mirim, Rafael Faustino, que o desenvolvesse, o que foi feito. Rafael Faustino encerrou sua passagem pela escola mirim, neste ano de 2019, obtendo a confiança da presidência e inaugurando sua estreia na escola-mãe, passando a integrar seu carro do som, da escola-mãe, galgando um espaço mais restrito de participação, pelo desempenho realizado na escola de samba mirim.

-Apoteose – término do desfile

A Praça da Apoteose, que hoje abriga a finalização e dispersão da escola de samba, tem, para as crianças e adolescentes, o sabor do fim de realização do compromisso para com a escola, onde o rigor do desfile, as performances impecáveis e a atenção na execução de uma exibição perfeita são trocadas pela alegria do dever cumprido. Os gritos de “é campeã”, os risos de alegria e o despojamento com a retirada das fantasias e o jogar para o alto as alegorias de mãos e os chapéus são embalados pelo som da bateria. Observamos que em algumas escolas esta desenvoltura e brincadeira traz para a avenida outros ritmos, como as “paradinhas” 237

do funk, a liberdade dos corpos, pois afinal agora é por conta deles a festa, o compromisso findou-se. - Participação das escolas mirins em eventos para além dos desfiles

Alguns deles já foram descritos por nós como as festas de apresentação de protótipos das fantasias, mas existem outros, como encontros de baterias mirins (nos quais uma escola convida as demais para um almoço e confraternização), eleição de rainhas e princesas de baterias, ensaios dirigidos para o público específico das quadras ou em espaços públicos (para os casos daquelas que não possuem este tipo de equipamento), entrevistas para diferentes meios de comunicação, visitas as escolas de ensino fundamental e médio (privadas ou particulares), participação das crianças e adolescentes em eventos com a escola-mãe em festas, encontros em outras agremiações adultas e feiras de negócios, como o evento Carnavália Sambacom160; e participação na maioria dos eventos realizados pela escola-mãe. Como já dissemos, os ritos que são desenvolvidos nas escolas de samba são absorvidos pelas comunidades de aprendizagens escolas de samba mirins, os gestos, o comportamento a apresentação das crianças e adolescentes são adquiridos também nestes momentos. Dentre os eventos realizados durante o período de nossa pesquisa, o dia das Crianças é um dos mais relevantes, pois as escolas de samba mirins preparam um dia de diversão para as crianças, com direito à entrega de brinquedos e atrações artísticas. Entre uma atração artística e os brinquedos alugados, há sempre oportunidade para pais/responsáveis apresentarem aos filhos o ambiente das escolas de samba, bem como a comunidade das escolas de samba mirins, vivenciando experiências educativas por meio de brincadeiras, estimulando entre elas o gostar e o brincar de sambar. Mas este é também um momento de descoberta de novos talentos e de exibição das “pratas da casa”, que apoiam moralmente os menores que têm vontade

160 A Carnavália Sambacom é um evento anual que reúne em um mesmo espaço prestadores de serviço, fornecedores, artistas e entidades ligadas ao planejamento, organização e execução da maior festa do país. Seu objetivo é proporcionar novos negócios, aproximando fornecedores e compradores, além de trazer para o mercado formal um grande número de pequenas empresas, artistas e artesãos que vivem do carnaval, mas que não fazem parte das estatísticas hoje existentes. Texto de apresentação do evento disponível em . Acesso em: 23 de jul. 2017. 238

de participar. Além disso, as oficinas que são desenvolvidas pelas escolas mirins também são divulgadas, de forma a estimular crianças e responsáveis para realizarem as inscrições. Existem compromissos que não estão diretamente relacionados à cultura do samba e das escolas de samba. Foi o que ocorreu em 2017, quando sob o comando do padre Omar Raposo, as escolas de samba mirins foram convidadas a participarem do I Desfile Mirim da Padroeira (figura 58).

Figura 58- Desfile Mirim da Padroeira – 15/10/2017. Fonte: Fonte: O autor, 2017.

Entre o sagrado e o profano, as comemorações pela padroeira do Brasil, Nossa Senhora de Aparecida, foram embaladas pelos desfiles das agremiações mirins. O articulador do encontro foi o embaixador José Jerônimo Moscardo de Souza, que promoveu o evento na orla do Leme. Cantando o hino composto especialmente para a festa, 13 agremiações mirins desfilaram com camisas do evento e com imagem da padroeira do Brasil (figura 59). 239

Figura 59- G.R.C.E.S.M. Tijuquinha do Borel – desfile. O autor, 2017.

A participação na festa foi um momento de divulgação para as entidades mirins e corroborou com a proposta de demonstrar a aproximação entre samba, carnaval e fé161, o que de certa forma já é vivenciado nas quadras das escolas de samba, onde há forte presença religiosa de matrizes africanas com os altares dos santos católicos, padroeiros das escolas de samba, e que ao mesmo tempo representam os orixás das religiões de matrizes africanas, expressando as adaptações culturais (BURKE, 2008) presentes nas culturas das escolas de samba. Outro tipo de evento que faz parte da rotina das escolas mirins é a escolha da ordem dos desfiles e a entrega das premiações da AESM-Rio, que geralmente ocorrem no mesmo dia, na quadra de alguma escola de samba.

161 Vale lembrar que padre Omar é um declarado folião, tendo sido convidado este ano para integrar o carro de som da Unidos da Tijuca, ao lado do intérprete Wantuir, defendendo o “samba-oração” “Cada macaco no seu galho. Ó, meu Pai, me dê o pão que eu não morro de fome! Jornal O Globo de 16/01/2019. 240

Figura 60- Evento de premiação do desfile de 2016 e sorteio para o desfile de 2017. Quadra do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro – 02/06/2016. Fonte: George Araújo, 2016.

Durante este evento, a ordem do desfile para o ano seguinte é sorteada por crianças ou presidentes das escolas mirins (figura 60). Após o sorteio, há um momento para troca das posições sorteadas, pois a logística de arrumação das escolas na avenida é comprometida pela ordem dos desfiles das escolas mães, nos dias que antecedem ao desfile infantil, o que implica na disponibilidade dos responsáveis para estarem presentes e nas estratégias que algumas escolas mirins utilizam para levar seus carros alegóricos à Passarela do Samba. Ao contrário das escolas adultas, cujos desfiles implicam no fechamento das vias de acesso organizada pela Prefeitura, para facilitarem o acesso a Marquês de Sapucaí, o desfile mirim não tem este tipo de atendimento, o que dificulta a chegada de seus carros alegóricos. O evento também demarca o poder de barganha entre os presidentes, as negociações e tensões existentes entre eles na disputa pelas posições na ordem dos desfiles, são as articulações adultas que também são momentos de aprendizagem das relações políticas (TRAMONTE, 2001) existentes nas escolas de samba e nas escolas de samba mirins.

- Barracões

As escolas mirins não têm um espaço próprio (barracões), mesmo as que tem uma escola-mãe nem sempre desfrutam deste espaço. Com exceção de cinco agremiações, as demais ornamentam seus carros alegóricos em uma área embaixo do viaduto da Avenida 31 de Março, no Catumbi, região central da cidade. O lugar é insalubre e sem condições de ter crianças circulando, o que faz com que somente os adultos realizem a ornamentação dos carros alegóricos. Nesta 241

situação, fica difícil a capacitação de crianças e adolescentes para os ofícios, ligados ao carnaval, conforme proposta da própria AESM-Rio, no que se refere à qualificação profissional, havendo, portanto, uma falha no discurso de capacitação e qualificação profissional de crianças e adolescentes, que não é cumprido pela associação. Os retoques finais são realizados na Avenida Presidente Vargas, horas antes do desfile. Neste momento, é possível ver algumas crianças que desfilam auxiliando a equipe de ornamentação dos carros alegóricos e os carnavalescos na finalização da confecção das alegorias. Como uma forma de terminar com esta situação e poder oferecer cursos de capacitação para as crianças e adolescentes, há alguns anos, a direção da AESM-Rio, anseia pela construção de uma Cidade do Samba para as agremiações mirins, o Planeta do Samba Mirim162, que seria como a Cidade do Samba Joãozinho Trinta163, que representa para as escolas de samba uma vitrine, espaço de realização de eventos e faz parte das rotas de turismo sobre Carnaval dentro da cidade do Rio de Janeiro, ampliando as formas de rentabilidade para a cidade do Rio de Janeiro e para as escolas que ali estão alocadas, ações de divulgação que seriam adotadas também pela AESM-Rio, além do conforto proporcionado às agremiações mirins. Interessante observar – mais uma vez - que ao usar o nome Planeta, para a cidade do samba mirim, faz-se uma relação direta com o programa televisivo apresentado por Xuxa Meneghel, na TV Globo, entre os anos de 1997 a 2002, chamado de Planeta Xuxa, levando-nos a imaginar que este local teria uma natureza de exposição das crianças e das escolas mirins, pautada em uma linha mercadológica do fenômeno sociocultural, atingindo um público maior do que é hoje mantido pela rede associativa. A cultura material e práticas culturais dentro das escolas de samba mirim seguem os padrões adotados pelas escolas de samba, o que leva a um certo menosprezo por elas pelo entendimento equivocado de que elas são uma “mesmice”, ou seja, com uma mera reprodutividade técnica da arte total dos desfiles, como é o caso de autores como Nei Lopes e Luís Simas (2015). Para outros, como Martinho da

162 Dados extraídos de entrevista concedida pelo presidente da AESM-Rio, Sr. Edson Marinho, em fevereiro de 2015, no Sambódromo. 163 Espaço destinado à concentração dos barracões das 14 escolas de samba do Grupo Especial do Rio de Janeiro. No complexo, são executados os carros alegóricos e parte das fantasias e adereços das agremiações. Disponível em: < http://mapadecultura.rj.gov.br/manchete/cidade-do-samba>. Acesso em: 2 jan. 2019. 242

Vila (como demonstramos no capítulo 1), são entidades que preservam a tradição das escolas de samba. Ainda que sendo consideradas apenas como meras reprodutoras da pratica dos desfiles, o que não é real, acreditamos que as escolas de samba mirins dinamizam a tradição, aqui entendida como cultura das escolas de samba, por meio de seus métodos de aprendizagem e da imersão experimental nas diferentes linguagens existentes nos desfiles que elas realizam, pois “a reprodutividade técnica da arte modifica a relação da massa com a arte” (BENJAMIN, 2013, p.81), sendo este processo cotidianamente reinventado, reimaginado e reapropriado por cada um dos sujeitos envolvidos. E assim transitando entre a educação e o espetáculo as agremiações mirins se destacam como representações sociais identitárias da cultura das escolas de samba que preservam os saberes e fazeres desta expressão cultural popular, sob suas diferentes faces, formando continuadores como comunidades de aprendizagens.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre as décadas de 60 e 70, do século XX, houve um conjunto de alterações significativas na composição e ordenação dos desfiles das escolas de samba, que acabaram por gerar diversas insatisfações entre os próprios sambistas e o público em geral. Neste ponto, a perda das africanidades, identificadas como elemento tradicional, de ordem formativa das agremiações carnavalescas, fomentou intensamente debates e contrariedades entre sambistas, pesquisadores e público em geral As alegações manifestas eram de que o “samba de raiz” estava sendo perdido, um dos exemplos levantados dizia respeito à composição dos sambas-enredos, aqueles clássicos compostos por mestres, como Silas de Oliveira, estavam sendo substituídos pelos “boi com abóbora”, que - na gíria dos sambistas - refere-se a composições mal construídas, em letra e melodia, atendendo a um consumo mercadológico da indústria fonográfica. Os protagonistas da festa - sambistas, passistas e ritmistas - estavam sendo ofuscados pela grandiosidade das alegorias e o compasso do desfile, que outrora era cadenciado, demonstrando as virtuoses destes sambistas, tornava-se mais uma marcha, do que propriamente um gingado artístico. As inovações técnicas introduzidas pelos profissionais da escola de belas artes, os carnavalescos, os diretores artísticos do espetáculo, desfiles de escolas de samba, o grande volume das alegorias, o luxo excessivo das indumentárias, dentre outros aspectos, trazia à tona a polarização entre os conceitos de tradição e modernidade. As tensões decorrentes desta oposição tradição X modernidade colocavam na pauta do dia a necessidade para alguns sambistas na defesa do conceito de tradição. Identificamos, dentre estes, Antônio Candeia Filho (Candeia), que nos idos de 1970, junto com militantes do Movimento Negro, sambistas e compositores fundaram o Grêmio Recreativo de Arte Negra Escola de Samba Quilombo (GRANES Quilombo – 08/12/1975), como um ato claro e concreto de protesto. Martinho da Vila e Arandir Cardoso dos Santos (Careca), contemporâneos de Candeia, partilhavam também de suas preocupações com relação às culturas das escolas de samba, que estavam em situação de descaracterização frente à grandiosidade do espetáculo. Para sambistas como Candeia, Martinho da Vila e Arandir Cardoso dos Santos (Careca) era o momento de rever os caminhos tomados e de se retomar o 244

fortalecimento identitário das escolas de samba para manter sua autenticidade, elemento basilar para elas continuarem sendo identificadas como expressões culturais populares. Além desses debates, as escolas de samba passavam também por uma mudança no perfil de seus frequentadores, a classe média carioca, cada vez mais, se mostrava interessada e envolvida com os desfiles carnavalescos produzidos por estas agremiações, invadindo as quadras das escolas de samba, que foram se expandindo para dar conta da afluência destas pessoas. Ao mesmo tempo, os bicheiros fortaleciam suas presenças nestes espaços, trazendo recursos financeiros que garantiam o investimento cada vez maior em luxo e riqueza. As quadras das escolas de samba, antes terreiros a céu aberto, ganharam aumento espacial para dar vazão a este contingente de pessoas que passaram a frequentar estes lugares. As escolas de samba também iam ao seu encontro, realizando shows na zona sul da cidade em clubes, como o Mourisco, em Botafogo, e desfiles na orla da praia de Copacabana, promovendo suas agremiações e atraindo mais espectadores e aficionados, tendo a Riotur, empresa de turismo da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro, como fomentadora destes tipos de eventos pela cidade, que também era, e até hoje ainda é, a responsável pela estratégia e logística da realização dos desfiles das escolas de samba, na Passarela do Samba. Este trânsito demonstra como as escolas de samba ascenderam de forma “meteórica”, alcançando posição destacada dentro da cultura popular e aumentando seu poder de negociação junto às instâncias governamentais e patrocinadores, valorizando suas atividades, seus modos de fazeres e seus desfiles, bem como sua entrada dentro do mercado do entretenimento. Autores como Muniz Sodré (1998) acreditam no samba como uma expressão cultural popular de resistência cultural negra, mas reconhecem que nesse processo o samba-enredo (as escolas de samba) se viu sucumbido a um ritmo de produtividade e de consumo acelerados, que - ao longo dos anos - tomou rumos convenientes a serviço do mercado do entretenimento, perdendo características originais, ou seja, sua autenticidade. Em 1980, sob os ventos da redemocratização política no Brasil e o avanço dos movimentos sociais, houve uma retomada, em nível nacional, dos debates e manifestações pelas ruas das grandes metrópoles, por mulheres, educadores, 245

homossexuais, indígenas e negros, que exigiam o retorno do país à democracia, assim como a efetiva justiça social e a eliminação das desigualdades sociais. Este novo cenário político favoreceu os movimentos sociais, dentre eles, o Movimento Negro, não mais institucionalizado por uma única entidade coletiva, como na década de 1930, com a Frente Negra Brasileira (FNB), mas como um articulador político dos diferentes grupos, instituições e militantes que denunciavam o racismo e combatiam o preconceito racial. Criando e divulgando uma nova escrita sobre o papel de negros e negras na sociedade brasileira, a intelectualidade e militância deste movimento social encontrou na via cultural uma forma de achegarem-se às camadas populares com o fito de promover uma conscientização de classe, com destaque para Lélia Gonzalez, Maria Beatriz do Nascimento, Helena Theodoro e Jorge Siqueiraa, todos pertencentes ao Instituto de Pesquisa das Culturas Negras (IPCN), no Rio de Janeiro, questões como identidade, cultura e representatividade eram os eixos norteadores de suas atividades e as escolas de samba fizeram parte dos grupos de atuação desta militância. Ainda na década de 1980, no ano de 1984, o governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola e seu vice-governador, Darcy Ribeiro, erguem um equipamento público que se tornará o espaço definitivo dos desfiles das escolas de samba, a Passarela Professor Darcy Ribeiro ou - como é chamada - Passarela do Samba. Este conjunto arquitetônico era formado inicialmente pela avenida dos desfiles, as arquibancadas, o museu do carnaval e um complexo de unidades escolares (Complexo Municipal Avenida dos Desfiles – CEMADE). De lá para cá, a Passarela do Samba tornou-se um ícone de espetacularidade, demarcando uma nova era para as escolas de samba, sendo um conceito existente em vários domínios culturais dentro da cultura popular, e não uma exclusividade desta expressão popular, podendo ser considerada como uma tradição dentre os domínios da cultura popular. Opondo-se a esta situação, temos a defesa pela preservação e manutenção das tradições das escolas de samba, a tradição, que será adotada discursivamente e fortemente impregnada da ideia de africanidade advinda com o movimento político e de ideias pan-africanismo, em sua terceira geração formada por intelectuais e ativistas, como Amilcar Cabral, Franz Fanon e Aimé Cesaire, que representaram uma modernidade de pensamento sobre negritude entre os militantes do Movimento Negro, 246

na década de 1980, mas que podem ser consideradas tradicionais diante do pós pan- africanismo que se estabeleceu no período a partir da década de 1960. É durante a década de 1980 que emergirá, entre estes debates, um fenômeno sociocultural em defesa da manutenção dos valores culturais das escolas de samba por meio da formação de novas gerações de sambistas, a escola de samba mirim Império do Futuro, por Arandir Cardoso dos Santos (Caereca). Careca, sambista e passista do G.R.E.S. Império Serrano, tinha preocupações com a “invasão” daqueles de fora do ambiente familiar de origem das escolas de samba e que cada vez mais contribuíam para a descaracterização das escolas de samba. Para ele, preservar a tradição não era deixar as inovações (modernidades) de fora, mas um equilíbrio de forças, tanto assim que durante sua carreira profissional foi reconhecido por introduzir inovações, como a formação dos passistas, os Pelés do Samba e, mais tarde, uma ala coreografada, que ainda hoje é utilizada em desfiles de várias escolas de samba. A data de criação da escola de samba Império do Futuro, por mais que possa parecer ocasional, nos levaram a refletir e, posteriormente, constatar que não fora um mero acaso. Apresentar sua criação, a escola de samba mirim, no novo palco de exibição dos desfiles das escolas de samba, a Passarela do Samba, em 1984, era dar visibilidade à sua criação e mostrar publicamente que se os desfiles eram, naquele momento, compreendidos como um showbusiness, ali, com aquelas crianças, ele demonstrava que havia um outro caminho, o da recuperação dos antigos valores (tradições) perdidos ou em processo de perda. A escola de samba mirim Império do futuro materializou a oposição entre tradição e modernidade, na inauguração de seu icônico palco, deixando à mostra sua estratégia de atingir as escolas de samba, seus pares, o público, criando empatia e entusiasmo, e os políticos de maior na cidade do Rio de Janeiro, especialmente o governador Leonel de Moura Brizola e seu vice-governador, Darcy Ribeiro, chamando atenção e apoio para seu feito. Em seu primeiro mandato como governador, Leonel Brizola deu mostras de seu alinhamento com o Movimento Negro, fruto de aliança formada com um de seus mais destacados líderes, Abdias Nascimento, sendo cultura e educação marcas indeléveis de seus mandatos (o primeiro entre os anos de 1983 a 1987 e o segundo de 1991 a 1994), deixadas por suas gestões no estado do Rio de Janeiro. Durante seus mandatos, formou um grande cordão de monumentos evocativos de negritude, na 247

região da Praça XI, com a construção da Passarela do Samba, do monumento a Zumbi dos Palmares, a Escola Tia Ciata (ETC) e o Terreirão do Samba. Tendo o antropólogo Darcy Ribeiro, vice-governador, sempre à frente desses projetos. A epopeia descrita por Careca, em várias entrevistas, sobre o esforço para fazer com que a escola de samba mirim desfilasse no dia de inauguração da Passarela do Samba, faz do surgimento da escola mirim Império do Futuro ajuda na fixação coletiva da marca de resistência, de luta, da escola mirim, agregando-lhe valor social e cultural, fazendo dela uma pioneira dentre as demais que surgiram. Ela é a referência, o parâmetro conceitual sobre o que é escola de samba mirim. Mas, além disso, Careca compreendeu que a educação, o ensinar a “verdadeira arte” do samba, cunhada nas culturas de matrizes africanas, mantidas por seus descendentes, que como ele desde pequeno já conhecia, por exemplo, o Jongo, e que foram a base de formação das agremiações carnavalescas, era um outro caminho de se manter estas mesmas tradições que estavam sendo perdidas. A valorização do lugar de pertença e dos conhecimentos e fazeres do G.R.E.S. Império Serrano era o seu parâmetro. Fazer com que as crianças conhecessem as origens da escola de samba, que surgiu na Serrinha, era elemento fundamental para ele. E, com isso, ela vinculou sua criação a uma escola de samba, criando as categorias, escola mãe e escolha filha. Esta valorização do campo educacional por Careca se apoiava nos debates, à época, sobre o fracasso escolar, as desigualdades sociais dos processos de ensino e a evasão das escolas de crianças e adolescentes, principalmente das camadas populares, como vários pesquisadores, como a professora Zaia Brandão, já haviam identificado. Para o país e o estado do Rio de Janeiro, a educação era um sério problema social e a busca por soluções para resolvê-lo era o grande motor das instâncias governamentais (união, estado e município). Este dado é relevante, pois nos levou a identificar uma prática pedagógica, iniciada em 1982, em uma escola pública municipal, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, que antes mesmo de Careca, já havia criado uma escola de samba infanto- juvenil com o propósito de obter uma maior integração entre a comunidade escolar e os moradores de seu entorno, justamente para combater o fracasso escolar, as desigualdades sociais dos processos de ensino e a evasão das escolas de crianças e adolescentes, tendo a cultura das escolas de samba como eixo pedagógico de desenvolvimento das atividades educativas em seu processo ensino-aprendizagem. 248

Em dezembro de 1983, foi realizado o desfile da primeira escola de samba infanto-juvenil na cidade do Rio de Janeiro, a Império das Princesas Negras. A escola de samba mirim resultou da realização de um projeto pedagógico desenvolvido por professores, psicólogos, animadores culturais e artistas na escola municipal Ministro Gama Filho, localizada no Complexo do Lins, no bairro do Méier. No ano de 1984, a escola de samba infanto-juvenil realizou seu segundo e último desfile. Ambos os desfiles ocorreram no mês de dezembro, por ser o mês de sua culminância ou finalização do projeto pedagógico, sendo este o momento de apresentação das atividades desenvolvidas ao longo de sua execução. Apesar do apoio recebido pelos integrantes do G.R.E.S. Lins Imperial e de outros sambistas, a escola não é lembrada e referenciada por muitos dos sambistas ou pessoas ligadas às escolas de samba, tendo caído no ostracismo. Um dos fatos para este esquecimento foi a falta de continuidade de suas atividades, que - mesmo sendo um projeto pedagógico - poderia ter sido continuado pela comunidade escolar, mas não foi esta opção, talvez pelo desgaste das múltiplas atividades desenvolvidas e que, com certeza, demandaram uma dedicação maior do corpo docente da escola para durar por mais anos, que não deveria estar disposto a este tipo de envolvimento ad eternum. Por outro lado, um projeto político pedagógico tem um tempo de execução e sua avaliação contínua, muitas das vezes, requer mudanças, alterações e/ou substituições da temática desenvolvida para dar maior dinamicidade às práticas pedagógicas. O fato da escola Império das Princesas Negras não ter sido continuada e de não ter adentrado o novo palco dos desfiles das escolas de samba, como assim fez a Império do Futuro, não propiciou o seu conhecimento e reconhecimento por seus pares, as escolas de samba, fazendo com que dentro da cultura das escolas de samba haja, em alguns momentos, por algumas pessoas, a vaga lembrança de sua experiência. É interessante apontar que ambas as escolas de samba mirins utilizaram o termo Império como título de suas agremiações, o que nos levar a considerar que Careca já tinha tomado conhecimento desta agremiação mirim antes de criar a sua própria escola de samba mirim, o que não foi confirmado por ele, que afirmou ter usado este termo como referência ao G.R.E.S. Império Serrano, a escola mãe. No caso, da Império das Princesas Negras, após as pesquisas realizadas pelos alunos sobre a história e culturas africanas e da formação de seu lugar de 249

pertencimento, interpretamos que o termo Império é também utilizado como forma valorativa destas culturas de matrizes africanas e como forma de empoderamento daquelas crianças e adolescentes excluídos socialmente, e que tiveram oportunidade no projeto desenvolvido de se tornarem protagonistas de suas próprias histórias, de vida e de local de pertença. Assim, como antes de Careca existiu a escola infanto-juvenil Império das Princesas Negras, Joãozinho Trinta, em 1982, já havia feito um protótipo de uma escola de samba mirim, ou o que o carnavalesco nominou de miniescola de samba, ao caracterizar uma ala de crianças de uma escola de samba, no desfile do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis realizado naquele ano. Seu ato de reunir cerca de 400 crianças e adolescentes chamou atenção, como era de seu interesse, para o processo de inclusão social de crianças carentes que poderia ser realizado por uma escola de samba e ao mesmo tempo como espaço formativo de novas gerações de sambistas. Qual das experiências foram pioneiras? Nossa tese de doutorado não trata dessa questão, nosso interesse foi o de identificar o surgimento do fenômeno sociocultural escola de samba mirim e conceituá-lo no campo teórico dos estudos culturais, compreendendo os diferentes modelos de constituição de escolas de samba mirins que foram criadas, após o surgimento do Império do Futuro, e as formas pelas quais esta invenção se tornou uma (re)invenção dos modos de aprendizagem das culturas das escolas de samba, formando novas gerações de sambistas e novos brincantes, bem como este conceito de educação cultural ultrapassou os muros da Passarela do Samba, estando presente em fundações, associações de moradores, que absorveu este modelo como projetos sociais de inclusão social, utilizados pelo Terceiro Setor, como forma de equacionar o problema dos jovens carentes, capacitando-os para o pleno exercício da cidadania, da qual passaram a serem reconhecidos como sujeitos ativos, a partir da década de 1980. Mas, da mesma forma que as escolas de samba mirins foram apropriadas pelas ONGs, nessa metodologia de trabalho, principalmente após a década de 1990, as escolas de samba também foram “despertas” para esta questão, realizando em suas quadras, oficinas e/ou escolinhas de aprendizagem de passistas, ritmistas, mestres- sala e porta-bandeiras, reforço escolar, confecção de fantasias, independente de terem escolas de samba mirins ou não, fortalecendo-se como equipamentos públicos culturais locais. 250

Ao surgirem outras escolas de samba mirins, houve a necessidade do grupo de garantir seus direitos e para tal elas viram a necessidade de criar uma entidade representativa para si, que hoje é a Associação das Escolas de Samba Mirins do Rio de Janeiro (AESM-Rio). Este caminho de institucionalização representativa criou para as escolas de samba mirins uma nova oposição entre tradição e modernidade. De um lado, aquelas cuja linha de atuação está voltada para a preservação das tradições das culturas das escolas de samba (tradição) e aquelas que já se compreendem como um dos setores de oferta de bens e serviços dentro da indústria criativa do carnaval no Rio de Janeiro (modernidade), no qual elas foram possíveis de serem identificadas a partir do momento que se assumiram como projetos sociais educacionais-culturais. Elas, a exemplo das escolas adultas, fazem parte do nicho deste negócio chamado entretenimento cultural. Mas, longe de serem posições opostas, compreendemos que o trânsito entre um lugar e outro é comum e frequente, pois não há posições estanques, e sim processos de tensões e negociações constantes, o que foi possível de identificar pelos perfis conceituais, nestas quase quatro décadas de existência das escolas de samba mirins, deixam entrever as disputas que os presidentes destas entidades travam continuamente, não somente entre elas, como externamente, para continuar com a prática cultural, garantido seu lugar ao sol. O fato da maioria das escolas de samba mirins terem uma escola mãe não é garantia de amparo e cuidado, às vezes, é bem oposto. Estas instituições mirins quando adotaram o formato de autonomia com a obtenção de um Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ), obtiveram a chance de se organizarem e se manterem por si, o que também não é tão real assim. O apoio das escolas mães não é incondicional e presente, em alguns casos, as escolas de samba mirins são um poder paralelo dentro das escolas de samba, ao mesmo tempo que um trampolim para seus presidentes e diretores, todos adultos, dentro dos quadros administrativos existentes em uma escola de samba. Como representações sociais identitárias da cultura das escolas de samba, formada por crianças e adolescentes, realizando desfiles anuais, estando filiadas a uma escola de samba ou não, promovendo qualificação de profissionais, por meio de projetos sociais, para atuarem no carnaval, e que preservam os saberes e fazeres da cultura das escolas de samba, formando continuadores da expressão cultural popular, estas agremiações são comunidades de aprendizagens de continuidade das culturas 251

das escolas de samba e aproximam de si profissionais e artistas, os quais contribuem e entendem que passar por uma escola de samba mirim é formação curricular, visibilidade e projeção neste segmento de mercado profissional. Daí a incidência de coreógrafos, bailarinos, carnavalescos, compositores e tantos outros atuando dentro das escolas de samba mirins, bem como de profissionais - como passistas, ritmistas, orientadores de mestres-sala e porta-bandeiras. Esses sujeitos promovem aprendizados e conhecimentos a partir de suas próprias vivências/experiências nos ambientes das escolas de samba, divulgando esta prática cultural. E, mesmo com tantas diferenciações, verificamos que elas mantêm, em comum, os quatro pilares da educação para o século XXI164, que não estão restritos ao campo da educação formal, mas a todo e qualquer ambiente educacional:

[...] a educação deve organizar-se em torno de quatro aprendizagens fundamentais que, ao longo de toda a vida, serão de algum modo para cada indivíduo, os pilares do conhecimento: aprender a conhecer, isto é adquirir os instrumentos da compreensão; aprender a fazer, para poder agir sobre o meio envolvente; aprender a viver juntos, a fim de participar e cooperar com os outros em todas as atividades humanas; finalmente aprender a ser, via essencial que integra as três precedentes. É claro que estas quatro vias do saber constituem apenas uma, dado que existem entre elas múltiplos pontos de contato, de relacionamento e de permuta. (DELORS, 1997, p. 89-90).

A intencionalidade educativa das culturas das escolas de samba, a partir da formação das escolas de samba mirins, vem promovendo o entrecruzamento discursivo entre os ensinos formal, não-formal e informal, fazendo com que essas agremiações sejam um patamar de entrada dentro para as escolas de samba. Elas referencialmente se construíram como um ritual de passagem da infância e adolescência para o mundo adulto dentro das escolas de samba. Pode parecer que com as escolas de samba mirins, que não é conduzida por crianças, mas uma comunidade de aprendizagem na qual os conhecimentos são transmitidos por aqueles que são mais experientes na arte do samba e das culturas das escolas de samba, para muitos, seja destituída de valor por ser um espaço de projeção dos adultos e não dos verdadeiros protagonistas. Ou ainda, podem ser identificadas como um produto de simples repetição das escolas de samba, como assinalou os pesquisadores Nei Lopes e Luís Antônio Simas, e que muitas pessoas,

164 DELORS, Jacques. Educação: um tesouro a descobrir. Relatório para a UNESCO da Comissão Internacional sobre Educação para o século XXI. São Paulo: Cortez, 1997. 252

independentemente de estarem ligadas ao carnaval e às escolas de samba, também concordam. Mas reconhecemos que - marcadas pelo contexto social dos tempos vividos - as escolas mirins se inventaram e (re)inventam a cada momento, demonstrando suas próprias dinâmicas culturais e outras provenientes da própria prática cultural dos desfiles, o que talvez gere desconfianças e falta de credibilidade, por parte de alguns saudosistas ou desconhecedores do processo dinâmico, que é a cultura popular, como esclarece Cristina Tramonte (2001, p. 154) quando se refere à pedagogia de ação social, existente nas escolas de samba: “combinar características possíveis de serem articuladas, trabalhar os constantes embates, recriando-se permanentemente. Assim, as escolas de samba cumprem uma função pedagógica de regulação das relações sociais”.

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Anexo A

266

Fonte: ARQUIVO NACIONAL. Serviço de Censura de Diversões Públicas (RJ). Código de Referência: – BR_ RJANRIO_TN.CPR.CNV, ESS.37

267

APÊNDICE A

ESCOLAS DE SAMBA MIRINS DA CIDADE DO RIO DE JANEIRO (que desfilam ou desfilaram na Passarela do Samba por ordem alfabética)

1 - GRÊMIO RECREATIVO PROJETO CULTURAL AINDA EXISTEM CRIANÇAS DE VILA KENNEDY OU GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM AINDA EXISTEM CRIANÇAS

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ainda_Existem_Crian%C3%A7as_na_Vila_Kennedy

Fundação: 21/04/1991 Cores da bandeira (pavilhão): Vermelho e branco Presidente: Maria da Conceição Cardoso (Dona Turquinha)

A escola de samba mirim é a mais diferenciada de todas com relação ao uso dos símbolos em seu pavilhão, trazendo em seu emblema a figura de uma criança negra, tendo ao fundo a estátua da liberdade, um dos maiores símbolos da cidade de Nova York e dos Estados Unidos, e que tem uma miniatura no centro da Praça Miami, 268

desde 20 de janeiro de 1964, quando foi inaugurado o conjunto habitacional que deu origem ao bairro Vila Kennedy165. Em sua logomarca (figura 1), podemos ver que a estátua da liberdade tem ao seu redor crianças negras saltitando de alegria. Mas seja no emblema do pavilhão ou na logomarca, o fato de trazer como seu símbolo a estátua da liberdade e criança(s) negra(s) demonstra a relação territorial e o grupo étnico-racial que a escola de samba mirim tem como público beneficiário. O emblema, assim como o nome da escola, pode ser entendido como uma forma de protesto social e de (re)existências da infância e juventude, os quais residem em um dos bairros considerados mais violentos da cidade do Rio de Janeiro, Vila Kenndy166. O uso da estátua americana – A Liberdade167 - está relacionado ao nome dado à comunidade, que - até antes de 2017 - pertencia ao bairro de Bangu, lugar de nascimento da escola. O nome Vila Kennedy foi uma homenagem ao presidente norte americano John Kennedy, pois o bairro foi construído com verbas do programa Aliança para o Progresso168, criado por este presidente, que veio a falecer meses antes da inauguração do conjunto habitacional de casas populares que deu origem à antiga comunidade, hoje bairro.

165 Sobre a estátua da liberdade no bairro da Vila Kennedy e sua relação com a política americana implementada pelo presidente John Kennedy, ver artigo de Cecília Azevedo “Essa Pobre Moça Indefesa - Estátua da Liberdade da Vila Kennedy”. In: Paulo Knauss. (Org.). Cidade Vaidosa - Imagens Urbanas do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999, v. , p. 93-116. 166 Sobre o problema do alto índice de violência na comunidade de Vila Kennedy, ver matéria no sítio eletrônico UOL de 01/04/2018, sob o título: “"Fuzil das tropas, fuzil dos traficantes": moradores da Vila Kennedy comentam intervenção no Rio. Disponível em: Acesso em 10 ago. 2019. 167 Sobre a estátua americana, ver o sítio eletrônico The Statue of Liberty-Ellis Island Foundation (SOLEIF). Disponível em: < https://www.libertyellisfoundation.org/statue-history>. Acesso em: 10 ago. 2019. 168 A Aliança para o Progresso foi um programa lançado no dia 13 de março de 1961, quando o presidente americano, num discurso em Washington, reconheceu a necessidade de integração e crescimento autossustentado para todo o continente. Meses depois, representantes de 22 países latino-americanos se reuniram no Uruguai para ratificar a chamada Carta de Punta Del Este, assinada em 16 de agosto na cidade de mesmo nome. A aliança esboçou uma cartilha de boas intenções em apoio à América Latina, sob a rica proteção dos Estados Unidos, interessados em conter o comunismo. Poucos projetos da aliança foram bem-intencionados: a construção de alguns hospitais e escolas, além do intercâmbio de estudantes. Com o tempo, a proliferação de grupos revolucionários na América Latina fez os EUA investirem tudo na repressão a rebeliões comunistas com o claro objetivo de apoiar golpes para a instalação de governos de direita. Disponível em: . Acesso em: 6 ago. 2019.

269

Apesar de o bairro ser violento e sofrer com a falta de infraestrutura por parte das autoridades governamentais, como, aliás, a maior parte da zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, o fato das crianças estarem alegres demonstra que apesar de todas as dificuldades que o lugar mantêm, a infância ali (re)existe mantendo a alegria. Por exemplo, em participar da escola mirim, um espaço de brincadeira e de oportunidades, tão escasso na região, mesmo com as adversidades existentes naquela aridez social. Daí concluímos que o nome utilizado pela agremiação é mais do que sugestivo, é um ato de resistência - “Ainda existem crianças na Vila Kennedy”, ou seja, apesar desse histórico do bairro, no meio da violência, ainda existe um futuro para aquelas crianças, fora da violência.

2 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM APRENDIZES DO SALGUEIRO

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Aprendizes_do_Salgueiro

Fundação: 03/11/1989 Cores da bandeira (pavilhão): Vermelho e Branco Presidente: Tatiana Ribeiro

Essa escola de samba mirim não é continuadora da escola de samba mirim Alegria da Passarela, mas seu início se confunde com esta, pelo fato de Osmar Valença - por intermédio de Tia Mirthes Rodrigues, vice-presidente da agremiação Alegria da Passarela - ter doado todo o material pertencente a esta escola mirim para a presidência do G.R.E.S. Acadêmicos do Salgueiro, que viu a possibilidade de manter as crianças da comunidade neste modelo de formação de novos sambistas. 270

Tal fato é relevante e é demarcado até mesmo pela ausência dos símbolos utilizados pela Alegria da Passarela na nova escola de samba mirim, Aprendizes do Salgueiro, que ao se manter fiel à sua vinculação com a escola-mãe, utiliza o mesmo pavilhão, que não traz nenhuma menção às crianças, nos parecendo uma forma de reafirmar a presença e identidade cultural da escola-mãe diante das demais escolas de samba mirins. Este fato nos sugere que a escola mirim Aprendizes do Salgueiro é uma espécie de extensão da escola-mãe, trazendo para crianças e adolescentes uma marca única.

3 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM CORAÇÕES UNIDOS DO CIEP

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Cora%C3%A7%C3%B5es_Unidos_do_Ciep

Fundação: 15/08/1985 Cores da bandeira (pavilhão): Laranja, amarelo e branco Presidente: Marilene Monteiro

A escola de samba mirim Corações Unidos do CIEP utiliza o icônico arco do Sambódromo como elemento simbólico de sua ligação com o equipamento público e ao mesmo tempo com o Complexo Educacional Municipal Avenida dos Desfiles (CEMADE), cuja Escola Tia Ciata era uma das unidades escolares integradas, unidade escolar que deu origem à escola mirim. A escola de samba mirim foi criada a partir do interesse do governador Leonel Brizola e o vice-governador Darcy Ribeiro de demonstrarem que o binômio educação 271

e cultura eram pilares de promoção de uma educação inclusiva, já que esta escola tinha como público beneficiário crianças e adolescentes que se encontravam em situação de vulnerabilidade social. A escola era um projeto pedagógico desenvolvido por professores e animadores culturais, sendo coordenada por Olivério Ferreira (o Xangô da Mangueira), que teve como auxiliares outros sambistas, como Jorge Paes Leme, Oscar Pereira de Souza (o Oscar Bigode, ex-diretor de bateria do G.R.E.S. Portela), Mestre Taranta, Hélio Alexandre e José Carlos Faria Caetano169 (Machine, o síndico da Passarela do Samba). Em 1991, com a municipalização dos CIEPS, foi absorvida pela Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, sendo incorporada ao Núcleo de Artes, da SME/RJ, que hoje está vinculado à Gerência de Projetos de Extensão Curricular, tornando-se um projeto pedagógico extracurricular, dentre os 74 que são desenvolvidos na rede municipal de ensino, com o objetivo de despertar a criatividade e o talento dos alunos para melhorar seus desempenhos em sala de aula, complementar e enriquecer sua vida escolar, contribuindo para sua formação. Mesmo não tendo uma escola-mãe, o próprio palco dos desfiles é o seu útero materno, bem como o Complexo Educacional Municipal Avenida dos Desfiles (CEMADE), que não é mais a única unidade escolar que fornece seus integrantes, mas continua sendo sua referência de origem. Atualmente, enquanto projeto extracurricular da SME/RJ, o projeto é oferecido à rede pública de ensino, bastando que a direção e respectivos professores manifestem adesão ao projeto para dele participarem formando alas, comissão de frente e compondo o samba-enredo. Todas as atividades são coordenadas por professores da rede pública de ensino que fazem parte de oficinas e/ou workshops com profissionais das escolas de samba ou de carnaval, para relacionarem as atividades com os conteúdos pedagógicos requeridos pelas disciplinas do currículo vigente.

169 Desde 1983, a partir de convite feito pelo governador do estado do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, José Carlos Faria Caetano, sambista e passista do G.R.E.S. Beija-Flor de Nilópolis, passou a coordenar os ensaios técnicos da avenida, o que faz até hoje em dia, sendo o detentor das chaves da Passarela do Samba, daí veio o cognome "Síndico da Passarela". 272

4 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM ESTRELINHA DA MOCIDADE

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Estrelinha_da_Mocidade

Fundação: 02/06/1992 Cores da bandeira (pavilhão): Verde e Branco Presidente: Gabriel Azevedo

A escola de samba mirim Estrelinha da Mocidade tem a estrela de cinco pontas, caracterizada de maneira infantil, pois o pentagrama é o símbolo principal de sua escola-mãe, o G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, cuja imagem simbolicamente representa força, energia e a estrela guia de seus integrantes, bem como o misticismo. Já a estrela de cinco pontas, nesta linha de estudos, significa a potência dos cinco elementos: terra, ar, água, fogo e o espírito. A versão infanto-juvenil do símbolo da escola-mãe vem no formato infantil como forma de representar o seu público beneficiário, as crianças e os adolescentes. A escola mirim nasceu na sede da Mocidade Independente de Padre Miguel, tendo como sua primeira presidente e madrinha Beth Andrade, nora do patrono da escola, Castor de Andrade, tendo sido escolhida pelo Conselho Deliberativo da escola-mãe. A vice-presidente foi Lena Miranda, sendo a diretoria composta por integrantes do departamento feminino da escola-mãe. O público beneficiário atendido inicialmente foi a comunidade do entorno do G.R.E.S. Mocidade Independente de Padre Miguel, a Vila Vintém, favela localizada entre os bairros de Realengo e Padre Miguel, na zona oeste da cidade do Rio de Janeiro, com o compromisso de formar os futuros componentes da escola-mãe. 273

5 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM FILHOS DA ÁGUIA

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Filhos_da_%C3%81guia

Fundação: 31/07/2001 Cores da bandeira (pavilhão): Azul e branco Presidente: Celso Andrade

A Filhos da Águia utiliza a águia (símbolo do G.R.E.S. Portela, sua escola-mãe) sobre um ninho com seus filhotes, cujo animal apresenta-se em posição altaneira e de vigilância para com seus filhotes (filhos). O ninho representa não somente o local de cuidado, pois os filhotes são indefesos perante o mundo, exigem cuidados para a sobrevivência da espécie, mas também espaço de acolhimento às crianças que ali se achegam. Estando na posição altaneira, a postura da águia representa o orgulho que seus filhos devem ter por serem parte integrantes de tão majestosa escola de samba. O emblema da escola de samba mirim vai ao encontro do que propunha Natal (Natalino José do Nascimento), grande líder da Portela e seu presidente de honra, que dizia: “o sambista de Madureira deveria pisar na avenida como uma águia, sambando com a destreza de sua ave-símbolo”, esta relação imputa aos seus integrantes o sentido de orgulho e de defesa de uma postura garbosa perante as demais escolas. A utilização do símbolo da escola-mãe tem também como objetivo provocar o orgulho de ser portelense nas novas gerações, sendo pertencentes a uma escola de samba que tem um passado marcado pelo maior quantitativo de vitórias nos desfiles das escolas de samba, estabelecendo laços identitários com a escola-mãe, sendo sua representação. 274

6 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM GOLFINHOS DO RIO DE JANEIRO

Fonte: Desfile das escolas de samba mirins de 2017

Fundação: 01/05/1991 Cores da bandeira (pavilhão): Verde e rosa Presidente de honra: Prof. Sérgio Murilo Presidente: Valéria Pires

A escola de samba mirim Golfinhos do Rio de Janeiro (ex- Planeta Golfinhos da Guanabara) utiliza como emblema a imagem, ao fundo, do cartão-postal da cidade do Rio de Janeiro, os morros do Pão de Açúcar e da Urca. Ao redor da imagem, há três golfinhos que parecem abraçar a cidade maravilhosa, paisagem natural, daquela que se autodenomina cidade maravilhosa. Os golfinhos fazem menção ao antigo emblema da escola de samba mirim quando se chamava Planeta Golfinhos do Rio de Janeiro, mas é também um dos símbolos da cidade carioca, representando o fato de ela ser uma cidade marítima. Além disso, a escola de samba mirim ganhou o título de ser a “primeira escola de samba mirim da Zona Sul” (Jornal O Globo 20/7/1995), fazendo jus aos elementos estampados em seu pavilhão, que reforça visualmente o seu território de pertencimento, o bairro de Copacabana, a orla marítima da cidade do Rio de Janeiro. A escola de samba mirim Golfinhos do Rio de Janeiro, ex-Planeta Golfinhos da Guanabara, é resultado do desenvolvimento de oficinas de carnaval promovidas pelo 275

carnavalesco e professor de Língua Portuguesa Sérgio Murilo Pereira Gomes (Jornal O Globo 20/7/1995) na Organização Não-Governamental (ONG) que ele fundou. Seu objetivo era criar um espaço de atividades lúdicas para atender as crianças e adolescentes moradores dos morros Dona Marta (Botafogo), Chapéu Mangueira (Leme), Tabajaras (Copacabana), Pavão-pavãozinho (Leme), Cantagalo (Ipanema) e Urca. A ONG contou com o apoio institucional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), na qual esteve sediada, criando um diálogo entre a universidade e as comunidades carentes próximas àquele estabelecimento de ensino e do programa Comunidade Solidária (RIBEIRO, 2018, p. 200), de onde obtinha as verbas necessárias para realização dos projetos. Em seu início, a escola de samba mirim tinha como escola-mãe o G.R.E.S. São Clemente e como padrinho de honra o historiador Joel Rufino, contudo, após a morte do professor Sérgio Murilo, a presidência passou às mãos de Valéria Pires, que foi uma das alunas dos projetos desenvolvidos pela ONG, crescendo ao lado de Sérgio Murilo, do qual tornou-se amiga e “herdeira” da escola de samba mirim. Os laços afetivos com a escola-mãe continuam, entretanto, não há uma vinculação direta entre ambas. A escola de samba mirim sempre teve a peculiaridade de manter crianças de diferentes territórios, não somente das favelas da Zona Sul do Rio de Janeiro, como também do “asfalto”, convivendo em conjunto na prática das atividades desenvolvidas, que além da cultura do samba, relacionavam-se com as áreas de educação, ecologia e as artes cênicas. Os produtos finais destas oficinas resultavam na confecção de fantasias, adereços e nos carros alegóricos para a escola mirim. Desse modo, uma das principais características da escola mirim é ter o seu corpo de brincantes formado por diferentes grupos de crianças, oriundas de diferentes comunidades da zona sul, como também de outras regiões. A escola não tem uma sede própria, mas conta com o apoio do G.R.E.S. Vila Rica, que cede sua quadra para os ensaios da bateria da escola de samba mirim, meses antes do desfile na Passarela do Samba. Em 2016, após problemas financeiros, a presidente Valéria Pires teve que se desfazer da pessoa jurídica Planeta Golfinhos da Guanabara, passando a adotar o nome Golfinhos do Rio de Janeiro.

276

7 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM HERDEIROS DA VILA

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Herdeiros_da_Vila

Fundação: 22/07/1988 Cores da bandeira (pavilhão): Azul e branco Presidente: Analimar Ventapane

A escola mirim Herdeiros da Vila teve como fundadora e sua presidente Dinorah Lemos170, que ocupou o cargo de presidente da agremiação por 17 anos seguidos. Além disso, juntamente com a cantora Alcione, colaborou na criação da escola de samba mirim Mangueira do Amanhã. De acordo com Dinorah (Jornal O Globo – 18/07/1989), o objetivo de criar a escola de samba residia no desejo de “formar futuros sambistas e preservar a cultura e tradição”, despertando o interesse para o assunto”, pois já fazia parte do grupo que apoiara Careca e a fundação da Império do Futuro. É importante assinalar que o fato de existirem - além da escola de samba mirim Império do Futuro - outras escolas de samba mirins, como Alegria da Passarela e Mangueira do Amanhã, estimulou as crianças do bairro de Vila Isabel em também quererem participar dos desfiles. Dinorah, assim como Careca, procurou fazer com que a escola de samba mirim Herdeiros da Vila preservasse a tradição cultural das escolas de samba, reforçando o papel da cultura de matrizes africanas, sentido da negritude, na agremiação. Em suas

170 Cantora. Nascida no interior de Minas Gerais, morou nas cidades de Divinópolis e em Belo Horizonte, antes de mudar definitivamente para o Rio de Janeiro. Trabalhou na roça e também como babá, balconista, caixa de supermercados. Foi funcionária pública federal. Faleceu de câncer na bexiga. Disponível em: < http://dicionariompb.com.br/dinorah-lemos>. Acesso em: 5 mai. 2019. 277

palavras: “cada agremiação [escola de samba] deveria formar uma escola mirim, para preparar sambistas sem vícios, que saibam competir honestamente e lutar por nossas raízes” (Jornal O Globo – 31/1/1989). Esta questão fica visível no primeiro desfile realizado, cujo tema foi “Sementes da raça”, e o enredo era sobre “a herança deixada sobre os negros africanos (Jornal O Globo – 31/1/1989). A escola mirim reproduz - em seu pavilhão - o brasão da escola-mãe, G.R.E.S. Unidos de Vila Isabel, sendo que em sua insígnia, metade dela está hachurada em azul e branco, tendo sido colocado um casal de mestre-sala e porta-bandeira sobre o pandeiro, ladeados por um pergaminho com a nota musical sol inscrita e do outro lado por uma caneta pena tinteiro, e a coroa, como a da escola-mãe, encontra-se acima do brasão. No emblema, na caneta tinteiro, houve uma espécie de aperfeiçoamento dos elementos utilizados da bandeira da Unidos de Vila Isabel, que - no lugar do pergaminho - tem somente a nota sol e uma pena, no qual foi colocada a caneta pena tinteiro. A hachura na metade do brasão se aproxima mais da representação dos brasões nobiliárquicos presentes na cultura imperial do país durante o tempo em que esteve sob a regência da família real, conferindo à escola de samba mirim notabilidade nobiliárquica tal qual a escola-mãe.

8 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM IMPÉRIO DO FUTURO

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Bandeira_do_GRCESM_Imp%C3%A9rio_do_Futuro.png

Fundação: 05/08/1983 Cores da bandeira (pavilhão): Verde, branco, ouro e prata 278

Presidente: Arandi Cardoso dos Santos (Careca)

Primeira escola de samba mirim a ser formada e a se apresentar na Passarela do Samba, em 1984, no ano de inauguração deste novo palco de apresentações das escolas de samba. A escola traz em seu pavilhão a coroa imperiana do G.R.E.S. Império Serrano, que demonstra sua vinculação com aquela escola de samba, considerada sua escola-mãe. Arandir Cardoso dos Santos (Careca) cercou-se de sambistas que - como ele - compartilhavam da posição de manutenção e preservação da tradição do samba e das escolas de samba para criar uma escola de samba mirim que formasse novas gerações de sambista conhecedores da arte do samba e da cultura do G.R.E.S. Império Serrano. A agremiação mirim foi apadrinhada pelo cantor, compositor e sambista do Império Serrano Roberto Ribeiro, que se encontrava no auge de sua carreira artística, e pela cantora Alcione, que doou todos os primeiros instrumentos para a bateria mirim. Careca soube aproveitar seu prestígio e conhecimento para projetar sua criação dentro da ambiência das escolas de samba, trazendo para si e sua criação apoiadores e divulgadores de seu projeto no meio artístico e dos sambistas, criando uma nova prática educativa dentro das escolas de samba, conceitualmente definida como escola de samba mirim. 9 – GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM INFANTES DO LINS

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Infantes_do_Lins

Fundação: 01/05/1991 Cores da bandeira (pavilhão): Verde e rosa Presidente: Erica Renata 279

A escola de samba mirim Infantes do Lins, vinculada à Sociedade Recreativa Escola de Samba Lins Imperial, ou G.R.E.S. Lins Imperial, trazendo em seu emblema a pomba da paz (pomba branca com o ramo de oliveira), tendo por trás de si um pandeiro, nos revela uma mensagem de união, que pode ser compreendida como um desejo de paz entre os moradores dos diferentes morros que compõem o Complexo do Lins de Vasconcelos171. A paz sempre foi - e é - uma importante questão para estes moradores, que desde 1980 convivem com as disputas territoriais entre traficantes de drogas na região. Essa situação provoca dissensões entre as diferentes partes da região e dificuldades de relacionamento entre os moradores por conta destes diferentes domínios. Quem sabe o samba, reconhecido como um fator de união e de convívio solidário, possa instaurar a paz entre estes grupos? O samba sempre foi uma expressão cultural de muito valor e de reunião comunitária para os moradores do Complexo do Lins, identificável desde a realização do projeto Império das Princesas Negras172, que foi criado a partir do interesse local de alunos e moradores em terem uma escola de samba infanto-juvenil. Durante a realização do projeto, também houve a necessidade de negociação entre as lideranças comunitárias e do tráfico local para que todos pudessem conviver dentro do espaço da escola pública ministro Gama Filho, onde surgiu o projeto. Com o término da proposta pedagógica, a comunidade sentiu a necessidade de retomar com o projeto, o que somente ocorreu em 1991, com a fundação da escola mirim Infantes do Lins. Contudo, apesar de alguns moradores identificarem que a escola de samba mirim Infantes do Lins seja herdeira da escola de samba mirim Império das Princesas Negras, não há nenhuma relação formalmente entre elas, pois - conforme nos declarou a professora Marly Lima Lopes - não haveria como esta situação ocorrer, tendo em vista que a Império das Princesas Negras era um projeto pedagógico desenvolvido na escola municipal Ministro Gama Filho, não tendo como ser transferido para uma entidade fora do ambiente escolar.

171 Complexo de favelas que se estende pelos bairros do Engenho Novo, Lins de Vasconcelos e Engenho de Dentro, ocupando as encostas ao longo da estrada Grajaú-Jacarepaguá e Serra dos Pretos Forros. 172 O projeto já foi mencionado no primeiro capítulo e será analisado neste, mais a seguir. 280

Na verdade, a Império das Princesas Negras criou na comunidade local uma marca identitária cultural, que não se limitou ao espaço escolar, justamente por ter sido uma demanda dos próprios moradores e dos alunos, criando entre eles um sentimento de continuidade entre a escola infanto-juvenil Princesas Negras e a Infante do Lins, mesmo elas se originando em diferentes locais.

10 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM INOCENTES DA CAPRICHOSOS

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Inocentes_da_Caprichosos

Fundação: 04/04/1991 Cores da bandeira (pavilhão): Azul royal, azul turquesa e branco Presidente: Jefferson Rocha

A escola de samba mirim Inocentes da Caprichosos traz em sua bandeira um coração azul com asas e uma auréola acima desse elemento, que está pairando sobre um pandeiro, dando a impressão que estaria voando. Parece-nos que a escola da azul e branco de Pilares utilizou a imagem da áurea, que representa amor e candura, fazendo menção às crianças como anjos, e, como este coração angelical está sob o pandeiro (um dos símbolos referentes ao samba e a bateria de uma escola de samba), nota-se a referência da escola como a própria infância do samba, do bairro de Pilares. A partir do movimento de criação de outras escolas de samba mirins, o presidente do G.R.E.S. Caprichosos de Pilares, Jocimar Pereira do Couto, resolveu investir na formação de “futuros componentes da Caprichosos de Pilares”, os novos talentos. Com o objetivo de diminuir custos e aproximar os adultos das crianças, 281

criando laços afetivos, cada uma das alas da escola de samba adotou uma ala infantil, sendo responsável pelas fantasias de cada uma delas (Jornal O Globo – 12/02/1992). Além dos laços afetivos, a diminuição dos gastos para a escola-mãe foi fundamental neste ato de “apadrinhamento” das alas adultas. Inicialmente, a escola de samba mirim contou com a participação dos filhos dos integrantes da escola de samba mãe, que já integravam a ala de crianças (Jornal O Globo – 17/4/1991). Desde seu surgimento, já havia a projeção de se realizar projetos sociais para atrair crianças e adolescentes das áreas do entorno da quadra da escola- mãe. A escola de samba mirim foi uma espécie de motor que propiciou alavancar a escola de samba dentro do bairro de Pilares e adjacências com o equipamento cultural e também de atendimento social.

11 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM MANGUEIRA DO AMANHÃ

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Mangueira_do_Amanh%C3%A

Fundação: 12/08/1987 Cores da bandeira (pavilhão): Verde e rosa Presidente: Arcindo José (Soca)

A escola de samba mirim foi fundada pela cantora Alcione, que é sua presidente de honra, sendo um dos projetos que compõem o programa social da Mangueira, e 282

vinculada ao Instituto Mangueira do Futuro173 (criado em 1987), que teve como patrocinadores as empresas Petrobras S.A. e Xerox do Brasil, empresa que financiou a construção da Vila Olímpica da Mangueira (Jornal O Globo - 01/11/1987). A coroa e o instrumento musical surdo que constam na bandeira do G.R.E.S. Estação Primeira de Mangueira também estão presentes no pavilhão da escola mirim. A importância deste instrumento musical para a escola-mãe foi repassada para sua escola-filha. De acordo com Farias (2010, p. 76), a Estação Primeira de Mangueira é a única escola de samba que utiliza somente o surdo de primeira em suas evoluções rítmicas, como uma tradição, que outrora era comum a todas, mas que esta agremiação mantém, sendo um de seus diferenciais perante as demais. A Mangueira do Amanhã continua mantendo esta tradição musical, não apenas como emblema, como uma das características herdadas da escola-mãe. O surdo traz dentro de si um sol em posição de nascimento, que nos parece significar o amanhecer, ou ainda, o surgimento de uma nova geração que ali é formada. Com a ampliação das atividades do projeto Recriança174, projeto de formação de atletas, desenvolvido pelo professor de educação física na região do Morro da Mangueira, Francisco de Carvalho, o Chiquinho da Mangueira, contou com a ajuda de Tia Alice, Agrinaldo, Dona Zica, Dona Neuma, dos ex-presidentes da agremiação, Álvaro Luiz Caetano e Elmo José dos Santos, para criar um programa esportivo com a finalidade de ocupar as crianças e adolescentes da região. Colaborando com seu projeto, houve o erguimento da Vila Olímpica da Mangueira, em 1987, que ampliou o projeto desenvolvido por Chiquinho da Mangueira, transformando- em um programa social, vindo a tornar-se o Instituto Mangueira do Futuro, cujo objetivo principal é o de educar e formar cidadãos com autonomia. O primeiro grupo beneficiário de suas ações foram as crianças e adolescentes do entorno do Morro da Mangueira, abarcando, mais tarde, a terceira idade. No campo da cultura, o Instituto desenvolve ações como a escola de samba mirim Mangueira do Amanhã e o projeto Dançando para não Dançar. .

173 Sobre o Instituto Mangueira do Amanhã, ver seu respectivo sítio eletrônico, disponível em:< http://www.mangueiradofuturo.com.br>. Acesso em 10 jan. 2019. 174 O projeto era financiado pela Secretaria de Esporte e Lazer do Estado e pela Legião Brasileira de Assistência (LBA). Jornal do Brasil (01/11/1987). 283

12 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM MENINADA ESPERANÇA E LIBERDADE DO FUTURO,

Fundação: [2004]175* Cores da bandeira (pavilhão): Preto e amarelo Presidente: Magda Maria Tourinho Oberlaender

A bandeira da escola de samba mirim tem as cores de uma abelha, preta e amarela, que é o seu símbolo, em referência ao seu nome MEL do Futuro. Tendo ao fundo, a paisagem carioca do Morro do Pão de Açúcar e o Cristo Redentor, e, abaixo dela, faixas pretas e brancas, que se relacionam com o calçadão da orla de Copacabana, chamado de “Mar do Largo”, símbolo do bairro. A alteridade fica demarcada com a presença de crianças brancas e de uma negra, que estão se movimentando, como se estivessem sambando, neste caso, a menina, que fica entre os dois meninos. Os meninos, um branco e outro negro, seguram em suas mãos um chocalho e um pandeiro, instrumentos musicais característicos de uma bateria de escola de samba, atuando como ritmistas. As letras musicais que estão assinaladas acima das crianças dão dinamicidade à cena. O nome da escola de samba mirim – MEL - não é uma alusão ao alimento produzido pelas abelhas, mas, sim, às letras iniciais do programa MEL176 (Movimento

175 Não identificamos fontes que fornecessem uma data precisa de constituição da escola. De acordo com matérias veiculadas nos Jornais O Globo e Jornal do Brasil, as primeiras informações sobre a escola surgem no ano de 2004, referindo-se a ela. 176 Os dados sobre o programa foram extraídos da publicação XXXXX. Disponível em:< https://www.yumpu.com/pt/document/read/12758504/revista-n-39-multirio>. Acesso em: 10 out. 2019. 284

Esporte e Lazer), da Secretaria Municipal de Esporte e Lazer (SMEL). A escola de samba mirim - adaptando as letras iniciais do programa - construiu seu nome para MEL do Futuro (Meninada Esperança e Liberdade do Futuro), a diretora técnica do programa foi Magda Maria Tourinho Oberlaender, que se tornou presidente da escola de samba mirim. A agremiação que surgiu no ano de 2003 (Jornal do Brasil – 5/12/2004) deixou de desfilar no ano de 2012, justamente no ano em que houve uma mudança na estrutura organizacional da Secretaria Municipal de Esportes e Lazer (SMEL), pelo decreto municipal n. 36.113, de 21 de agosto de 2012. A nova estrutura não mais comportou a escola de samba mirim, mantendo somente as atividades de esporte e lazer.

13 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM MIÚDA DA CABUÇU

Fonte: < https://pt.wikipedia.org/wiki/Mi%C3%BAda_da_Cabu%C3%A7u>

Fundação: [06/1993]177* Cores da bandeira (pavilhão): Branco e azul Presidente: Antonio Faria

Além disso, identificamos dados no Tribunal de Contas do Município do Rio de Janeiro (TCM) disponível em: < http://www.tcm.rj.gov.br/Noticias/3510/40_0390_2009.pdf>. Acesso em: 10 out. 2019. 177 De acordo com matéria do Jornal O Globo de 24/11/1993, a escola de samba mirim Miúda da Cabuçu havia sido criada cinco meses antes, sem indicação de uma data precisa. 285

A escola de samba mirim reproduz o pavilhão da escola-mãe, com alterações no emblema, que no caso da agremiação mirim é formado pela imagem, ao fundo, de um brasão nobiliárquico, que tem dois leões vazados, de frente um para o outro, em tamanho de filhotes, símbolo que representa força, grandeza e coragem, envolvido por uma roda de crianças, os filhos menores da escola-mãe, os quais estão identificadas pelo uso das cores azul e rosa. A agremiação mirim atende as crianças da comunidade do Morro do Barro Vermelho, da Favela do Barro Preto e do Amor, localizadas na região que compreende os bairros de Engenho Novo, Lins e Méier, sua sede é a quadra da escola-mãe G.R.E.S. Unidos do Cabuçu. A escola de samba mirim foi fundada por Elisabeth Rodrigues. Os objetivos da escola mirim são de formar novos sambistas para integrarem a escola-mãe e prestar assistência social às crianças e adolescentes do entorno da escola de samba mirim.

14 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM NOVA GERAÇÃO DO ESTÁCIO

Fonte: https://www.carnavalcarioca.net.br/2019/01/nova-geracao-do-estacio-de-sa-promove- ensaio-no-berco-do-samba/

Fundação: [2002]178 Cores da bandeira (pavilhão): Vermelho e branco Presidente: Joel Toledo de Araújo Filho

178 Até a presente data, não existem informações consistentes sobre a data precisa de fundação da escola de samba mirim. 286

A escola de samba mirim Nova Geração do Estácio de Sá estampa no fundo de sua insígnia um carrossel, tendo à frente deste equipamento um casal de crianças, sorridentes, sendo que o menino tem em seu pé esquerdo uma bola de futebol, no qual a menina aponta para ele sorridente. A imagem do carrossel nos remete ao entretenimento e também aos parques de diversões, que, muitas das vezes, existiam nas áreas dos circos, comum no imaginário infantil e de muitos adultos. O fato de o menino estar com uma bola de futebol traz uma associação não somente de uma brincadeira comum entre os meninos, o futebol, muito embora, hoje em dia, as meninas já tenham conquistado o direito de brincar, mas também remete às escolas de samba, já que muitas agremiações carnavalescas nasceram de grupos de times de futebol. Futebol e samba quase sempre são eixos de atividades preponderantes quando a questão é a realização de projetos sociais em áreas carentes. Outra forma de se interpretar estes símbolos é que os parques de diversões, o futebol e o samba tiveram presenças marcantes nas áreas periféricas da região como entretenimento infanto-juvenil de baixos custos, ou até mesmo nenhum, no caso do futebol e do samba, sendo formas de diversão mais acessíveis às camadas populares mais pobres. A escola de samba mirim Nova Geração do Estácio foi fundada a partir da extinção da escola de samba mirim Sementes do Estácio, na década de 1990. A escola já veio configurada para ser um projeto social a ser implantado dentro da quadra da escola-mãe, o G.R.E.S. Estácio de Sá, para desenvolvimento de ações culturais e esportivas, com foco na formação cidadã das crianças e adolescentes da comunidade do Complexo do Morro de São Carlos, Zona Central do Rio de Janeiro, pois era uma das escolas de samba mirins integrantes do projeto Célula Cultural, desenvolvido pela Secretaria Municipal das Culturas, da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro179.

179 Disponível em:< http://www0.rio.rj.gov.br/pcrj/destaques/escola_samba_mirim.htm>. Acesso em: 6 fev. 2018. 287

15 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM PETIZES DA PENHA

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Petizes_da_Penha

Fundação: 26/06/2002 Cores da bandeira (pavilhão): Verde e branco Presidente: Darcília Lima dos Santos

A escola mirim Petizes da Penha traz em seu emblema a referência infantil de seu próprio nome, pois petizes quer dizer crianças. A figura do boneco de braços abertos no centro de um sol, com raios bem definidos, transmite a sensação de uma alegria infantil irradiante, que incentiva as crianças e adolescentes da região da Leopoldina180, zona norte da cidade do Rio de Janeiro, a viverem intensamente a alegria deste momento de vida. A imagem da criança sorridente, irradiando alegria, também pode ser interpretada como a crença na possibilidade de entretenimento e aprendizagens lúdicas, as quais as crianças têm a oportunidade de se ocuparem por meio do samba e da cultura das escolas de samba, em uma região carente de equipamentos culturais e também sob forte pressão da violência, devido a constantes guerras entre facções criminosas. A agremiação surgiu no desdobramento do projeto Célula Cultural, com foco em desenvolvimento de atividades ligadas ao esporte e cultura, que foram desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Esportes em parceria com a Secretaria Municipal das Culturas, na década de 2000, em comunidades carentes da cidade,

180 A região da Leopoldina contempla os seguintes bairros: Bonsucesso, Brás de Pina, Cordovil, Del Castilho, Engenho da Rainha, Higienópolis, Inhaúma, Jardim América, Manguinhos, Maria da Graça, Olaria, Parada de Lucas, Ramos, Tomás Coelho e Vigário Geral, Complexo do Alemão e Maré. 288

uma delas a região da Leopoldina. O foco destes projetos era promover a inclusão social de meninas e meninos em áreas carentes.

16 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM PIMPOLHOS DA GRANDE RIO

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Pimpolhos_da_Grande_Rio

Fundação: 10/08/2002 Cores da bandeira (pavilhão): Verde, vermelho e branco Presidente: Camila Soares

A escola de samba mirim Pimpolho da Grande Rio é a única escola fora da circunscrição da cidade do Rio de Janeiro em atividade e a única, dentre as agremiações mirins, que é uma Organização Não-governamental (ONG). Está localizada no município de Duque de Caxias e tem em sua bandeira as cores da escola-mãe (verde, vermelho e branco), utilizando o símbolo global da reciclagem universal181. A agremiação carnavalesca tornou-se, ao longo dos anos, uma instituição com foco na educação e nas áreas de ecologia, educação patrimonial (o samba e as escolas de samba) e artes, desenvolvendo atividades educativas que envolvem a

181 O símbolo da reciclagem universal foi criado pelo designer Gary Anderson, em 1970, que ao desenhar as “três setas planas em preto e branco que se curvam e recuam entre si resgata a figura topológica da fita de Möbius; e traz a ideia de infinito, um conceito muito próximo da ideia de reciclagem, que é o significado do símbolo. Mas Gary Anderson também se inspirou na arte psicodélica, na moderação e no equilíbrio”. Dados disponíveis em: < https://www.ecycle.com.br/6287- simbolo-da-reciclagem-coleta-seletiva> Acesso em: 10 ago. 2019. 289

comunidade do município de Duque de Caxias, ultrapassando os muros da escola- mãe, participando e promovendo eventos com outras instituições, tais como universidades e centros culturais. O símbolo utilizado pela Pimpolho da Grande Rio está diretamente ligado a alguns dos valores assumidos pela ONG, os quais são preservar o meio ambiente, valorizar o trabalho em coletivo e reciclar materiais e ideias. Contudo é preciso lembrar que a escola mirim, ainda que seja autônoma, faz com a escola-mãe parcerias, mantendo fortes os laços que as unem. Prova disso é a utilização do barracão e da quadra da escola-mãe para a realização de diversas atividades que propõe para a comunidade do município, bem como ofertas de serviços que envolvem a cultura do carnaval fora deste espaço, tais como: “Escola de Carnaval182”, “Barracão Axé” e “Carnaval Experience”.

17 - GRÊMIO RECREATIVO CULTURAL ESCOLA DE SAMBA MIRIM TIJUQUINHA DO BOREL

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Tijuquinha_do_Borel

Fundação: 19/06/2002 Cores da bandeira (pavilhão): Amarelo ouro e azul pavão Presidente: Bruno Simões

182 A Escola de Carnaval faz parte do Programa de Aprimoramento em Artes Carnavalescas – Arte Folia”, que foi apoiado pelo Fundo Nacional de Cultura (MinC), no ano de 2004, sendo a primeira e norteadora atividade desenvolvida pela escola de samba mirim. Disponível em: < http://pimpolhos.org.br/>. Acesso em: 3 abr. 2018. 290

A escola de samba mirim é uma instituição sócio-cultural-educativa. A sua criação foi uma iniciativa do presidente do G.R.E.S. Unidos da Tijuca, Fernando Horta. A Tijuquinha do Borel desfilou pela primeira vez em 2003, com o enredo "Era uma vez um Pavãozinho branco". A agremiação mirim traz em seu pavilhão um filhote de pavão adaptado em um formato infantil, já que o pavão é o símbolo do G.R.E.S. Unidos da Tijuca, adotando o símbolo da escola-mãe. A agremiação surgiu no desdobramento do projeto Célula Cultural, com foco em desenvolvimento de atividades ligadas ao esporte e cultura, que foram desenvolvidas pela Secretaria Municipal de Esportes em parceria com a Secretaria Municipal das Culturas, na década de 2000, em comunidades carentes da cidade, uma delas a região da Leopoldina. O foco destes projetos era promover a inclusão social de meninas e meninos em áreas carentes.