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16 n fevereiro DE 2011 n PESQUISA FAPESP 180 Primórdios da rede_

la chegou sem pompas, banda de música A história dos ou discurso. Em um dia incerto de janeiro primeiros momentos de 1991, no início do período tradicional de férias da FAPESP, de 20 dias, começa- da internet no Brasil ram a entrar em um dos computadores da e Fun­dação os primeiros sinais da internet no Brasil. Há 20 anos começava a nascer ali tudo o que se Marcos de Oliveira conhece hoje da grande rede mundial de computadores Ilustração Guilherme Lepca no país. “Para nós a chegada da internet não foi surpresa, estávamos esperando, porque ela estava crescendo nos Estados Unidos e sabíamos que seria mais fácil fazer um computador da marca Digital conversar com outro IBM, por exemplo”, diz Demi Getschko, o então superinten- dente do Centro de Processamento de Dados da FAPESP e atual diretor presidente do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br), entidade que é o braço executivo do Comitê Gestor da Internet (CGI) e coordena os serviços da rede no Brasil. A entrada da internet na Fundação se deu porque havia uma conexão direta com o Fermilab, o laboratório de física de altas energias especializado no estudo de partículas atômicas, com sede na cidade de Batavia, em Illinois, nos Estados Unidos. Essa linha conectada em 1989 dava acesso aos pesquisadores brasileiros às informações e a contatos com seus pares naquela instituição norte-americana e em outras daquele país e da Europa por meio de uma das predecessoras da internet, a Bitnet. A conexão funciona- va via linha telefônica ponto a ponto sem necessidade de discagem, por um fio de cobre dentro de um cabo sub- marino, porque ainda não havia fibra óptica para esse tipo de serviço. Ela era operada pela Academic Network at São Paulo, a Ansp, a rede acadêmica de São Paulo, cria- da e mantida financeiramente pela FAPESP desde 1988 para suprir a comunicação eletrônica entre as principais instituições de ensino e pesquisa paulistas. A Bitnet, sigla de Because It’s Time Network, era muito usada por pesquisadores no exterior. Ela utili- zava uma linguagem de computação criada pela em- presa IBM. A Ansp operava com a rede Decnet, própria

pESQUISA FAPESP 180 n fevereiro DE 2011 n 17 dos computadores da empresa Digital. berto Gomide, engenheiro e analista de Soft­wares especiais de conversão faziam sistemas da Ansp, esteve no Fermilab uma máquina se comunicar com outra. para conhecer a nova tecnologia. “Lá Como a internet crescia no meio aca- eles adiantaram que iriam migrar para dêmico norte-americano e o Fermilab ‘Ficou decidido a internet, com TCP/IP, e que a rede também resolveu entrar nessa rede sem iria se chamar Energy Science Network desligar as conexões Bitnet ou Decnet, que, quando (ESNet)”, conta Getschko. “Ficou deci- a Fapesp, por meio da rede Ansp, foi dido que, quando o Fermilab mudas- junto. A partir desse início até 1994, o Fermilab se para a internet, nós iríamos junto”, quando começou a internet comercial lembra. O Transmission Control Pro- no país, a conexão com o Fermilab pro- mudasse para tocol/Internet Protocol (TCP/IP) é o via todas as transmissões via internet principal protocolo, ou linguagem, usa- do Brasil com o exterior. do pela internet. O software para rece- Não há registro dos conteúdos das a internet, primeiras mensagens da internet que chegaram ao Brasil. Getschko e sua nós iriamos equipe não registraram e não lembram o que diziam os primeiros e-mails. junto, diz Para eles, naquele momento tratava- se de mais uma rede a administrar e getschko fazê-la funcionar, e evidentemente todos, inclusive nos Estados Unidos, não tinham noção do sucesso que ela alcançaria dentro de poucos anos. Mas, para receber a internet, a equipe de Getschko se preparou. Ela começou a ser planejada em 1990, quando Al-

1941 1º computador

É criada a Arpa, a agência militar , da de pesquisa que Ucla, apresenta tese busca tecnologias de doutorado sobre que não centrali- o que viria a ser cha- zem o processa- mado de comutação mento de dados de pacotes eletrônicos

Z3: o primeiro 1941 computador progra- mável do mundo. Foi desenvolvido em Berlim, na 1958 1961 Alemanha, por Konrad Zuse Criação da Arpa Kleinrock

18 n fevereiro DE 2011 n PESQUISA FAPESP 180 ber a internet no Brasil era chamado e softwares da Digital], instalou no VAX praticamente as mesmas que tínhamos Multinet, comprado da empresa TGV e conseguiu rodar o software e testar os com a Decnet. A única mudança foi norte-americana e que Joseph Moussa, primeiros pacotinhos [pacotes são a for- a efetivação do domínio.br para os especialista em software da rede Ansp na ma de identificar os sinais eletrônicos e-mails”, disse Gomide em entrevista época, instalou no computador VAX da de dados com informação na internet]”, para um livro que a Fapesp está pre- marca Digital na FAPESP. O Multinet lembra Getschko. parando sobre o assunto (os autores tinha características comuns aos com- Gomide disse que na época não são Claudia Izique, Marcos de Oliveira, putadores da Digital e podia substituir o viu muita diferença entre as duas tec- e Roberto Tanaka). Naquela altura do roteador na conexão com a nova rede. nologias. “A Decnet era tão completa desenvolvimento de redes, a troca de “O jeito certo de conectar a internet quanto a própria internet. Conside- mensagens servia como correspon- teria sido usar uma caixinha externa, um rando que não existia nem ao menos dência e troca de dados, e não exis- roteador, que só conseguimos um ano a ideia do www, todas as possibilidades tia a possibilidade de enviar e receber depois”, diz Getschko. O software Multi- de conexão com outras máquinas eram fotos, por exemplo. A conexão com o net instalado por Moussa foi especifica- Fermilab era então de 9.600 kilobits do por Gomide e conseguia estabelecer a (Kbps) – até setembro de 1990 ela não conexão usando uma interface comum passava de 4.800 Kbps –, algo muito dos computadores Digital. “Quando o inferior, por exemplo, a uma conexão Multinet chegou, no meio das férias doméstica atual de 1 megabit por se- do Gomide, o Moussa desempacotou gundo (Mbps) ou com a atual conexão aquilo, pegou as fitas, que eramdectapes da Ansp com os Estados Unidos, de 10 [fitas magnéticas para armazenar dados Gigabits por segundo (Gbps).

1969

Robert Kahn, da Dar- pa, convida Vinton Cerf, do Instituto Primeira comunicação Stanford, para aju- entre computadores dá-lo a desenvolver Raymond Tomlin- da Arpanet. Acima, um novo protocolo A Arpa contrata son, da empresa esquema de funciona- para a Arpanet que Joseph Licklider, BBN, cria um pro- mento da rede origi- resultou no TCP/IP um dos mentores da grama de correio nal e trecho da rede mundial de com- eletrônico para agenda de Kleinrock putadores e um dos a Arpanet usando do dia 29 de outubro criadores da Arpanet o símbolo @

1962 1969 1971 1974 Licklider 1a conexão da Arpanet 1º e-mail Kahn e Cerf

pESQUISA FAPESP 180 n fevereiro DE 2011 n 19 1981 Bitnet 1983 1986 1º PC TCP / IP NSFnet

A Bitnet é cria- da por pesquisa- dores das univer­sidades da Cidade de Nova York e Yale

Depois de anos de testes, o TCP/ IP é implantado em todos os A National computadores Science Foun- da Arpanet dation lança a NSFnet com 1981 o objetivo de A IBM popula- interligar redes riza o compu- à “inter net” tador pessoal (PC). É o modelo 5150 foi formado quando a Fundação decidiu criar uma rede para entrar na Bitnet, Aberto e simples – No final de 1990, que havia começado a funcionar em a Bitnet e a Decnet, entre outras redes 1981, desenvolvida por pesquisadores da proprietárias, estavam em decadência e a Universidade da Cidade de Nova York e internet crescia e disseminava o TCP/IP, da Universidade Yale, no estado de Con- um protocolo aberto e não de um fabri- necticut. Ela interligava grandes com- cante como os outros. “Até a década de putadores em que as pessoas podiam se 1990 não existia tecnologia para fazer as comunicar usando terminais (monitor redes crescerem em TCP/IP em grande mais teclado) conectados a essas máqui- escala. Nos anos 1980, a tecnologia de nas, principalmente para trocar e-mails. fibra óptica e de modems sobre fios de O objetivo era conectar instituições aca- cobre já estava dominada, mas ainda era dêmicas. Em 1988 eram mais de 1.400 preciso resolver o problema dos protoco- universidades e agências governamen- los para permitir que os computadores tais interligadas em 49 países, inclusive conversassem. Isso limitava a expansão o Brasil. Na Europa, em 1982, a Bitnet da internet”, analisa Luís Fernandez Lo- estabeleceu uma conexão com a Rede de pez, professor de informática médica da Pesquisa Acadêmica Europeia, lançada e Faculdade de Medicina da USP e coor­ mantida pela IBM, que reuniu 19 países denador da rede Ansp. “A grande vanta- e mais de 500 computadores. A Bitnet gem do TCP/IP é ele ser um protocolo foi a primeira conexão brasileira com aberto e simples. Por isso, todo mundo A experiência adquirida pela equipe uma rede internacional. Era uma linha saiu fazendo programas, placas, softwa- da Ansp permitiu que a Fapesp, além direta entre o Laboratório Nacional de res e hardwares”, diz. “O importante da de se tornar a conexão brasileira com Computação Científica (LNCC), no internet é a retirada dos computadores a internet, se transformasse no centro Rio de Janeiro, conectada em setembro do sistema porque a comunicação não técnico do início da internet brasileira, de1988, e a Universidade de Maryland, ocorre diretamente entre eles [grandes inclusive servindo à Rede Nacional de nos Estados Unidos. A Ansp entrou na computadores ou mainframes], mas sim Ensino e Pesquisa (RNP) criada pelo Bitnet em abril de1989. por meio de roteadores [que procuram Ministério da Ciência e Tecnologia. A De forma diferente da conexão pio- a melhor rota para a transferência de RNP se formou em 1989 e já se prepara- neira do LNCC no Rio, em São Paulo pacotes eletrônicos em que são transfor- va para se ligar à internet em 1990, o que foi necessário formar uma rede com madas as mensagens]. A rede tornou-se aconteceu em 1992, proporcionando o as universidades de São Paulo (USP), extremamente flexível e fácil de crescer”, acesso a várias instituições de pesquisa Estadual de Campinas (Unicamp) e a explica Getschko. do país. O grupo do CPD da FAPESP Estadual Paulista (Unesp), mais o Ins-

20 n fevereiro DE 2011 n PESQUISA FAPESP 180 1988 1989 1990 1991 Rede Ansp Bitnet na FAPESP Criação da www Internet no Brasil

O LNCC, do Rio de Janeiro, entra na Bitnet. É criada a Primeira conexão A internet chega Ansp para imple- internacional na à FAPESP. É a pri- mentar também FAPESP. Também Timothy Ber- meira conexão no a comunicação é lançada a ners-Lee, do Brasil. Foi recebida via Bitnet, popular Rede Nacional Cern, escreve por Joseph Moussa, rede mundial de de Ensino e o protocolo Alberto Gomide e computadores Pesquisa (RNP) http da www Demi Getschko, a partir da esquer- da na foto tituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Em 1989, o Span”, lembra Getschko. Depois de A necessidade de entrar na Bitnet sur- aprovada pelo Conselho Superior da giu entre os pesquisadores e bolsistas uma espécie Fundação, a Ansp pôde se conectar à que voltavam de estudos nos Estados Bitnet em 1988. Logo foi reconheci- Unidos e na Europa e sentiam falta das de lista da como uma das redes mundiais de mensagens eletrônicas comuns nos computadores. Ela consta no livro com ambientes acadêmicos que haviam telefônica de nome estranho e cheio de símbolos, os frequentado. Aqueles que mais solici- mesmos usados para endereçamento das tavam os correios eletrônicos eram os computadores várias tecnologias utilizadas até aquele pesquisadores do Instituto de Física (IF) momento: !%@:: A directory of electronic da USP. O atual professor do mesmo IF, mail addressing & networks, de Donallyn Philippe Gouffon, em 1987 estava con- listava a Frey e Rick Adams, da editora O’Reilly, cluindo uma bolsa de estudos de pós- editado em 1989. “Era uma espécie de -doutorado no Fermilab e já sabia que a Ansp na lista telefônica mundial onde existiam instituição norte-americana estava dis- todas as máquinas como mainframes, posta a se conectar com a universidade rede Bitnet. PCs”, lembra Getschko. Além do reco- brasileira por meio de sua rede, a HEP- nhecimento da Ansp, feito com menos Net (High Energy Physics Network). Ele Endereços da de um ano de conexão, o LNCC também trouxe a ideia para o professor Carlos estava listado representando o Brasil. O Escobar, do IF, que integrava a coor­ internet ainda livro relacionava a Bitnet e as demais re- denação da área de física da FAPESP. des de computadores e usuários. Percor- “Apresentei a proposta ao Oscar Sala, eram poucos rendo suas páginas é fácil identificar que que era o presidente da Fundação”, con- as destinadas à internet ainda continham tou Escobar. Tanto Sala, que era físico do poucos endereços, restritos a algumas mesmo instituto da USP, como o profes- universidades norte-americanas. Outro sor Alberto Carvalho da Silva, médico- Quando estava sendo elaborada, em dado interessante é a proliferação de -fisiologista, professor da Faculdade de 1987, a rede ganhou a sigla Span, acrô- formas de endereçamento. Nem todos Medicina da USP e diretor presidente nimo de São Paulo Academic Network, usavam @, alguns utilizavam % ou !. do Conselho Técnico Administrativo da mas antes de entrar em operação mudou “Nós tínhamos e-mails bem estranhos Fundação, acataram o projeto, anteven- de nome. “Descobrimos que Span era na época, juntando essas diversas redes”, do que a conexão entre o Laboratório uma rede da Nasa, a agência espacial lembra Getschko. Um exemplo é o da de Física de Altas Energias da USP e o norte-americana, com o nome de Space Hepnet concebido assim: usuário%fpsp. Fermilab permitiria o desenvolvimento Physics Analysis Network. Aí trocamos [email protected], sendo fpsp, FAPESP, e de estudos em parceria. para Ansp, que consistiu em inverter o LBL (Lawrence Berkeley National La-

pESQUISA FAPESP 180 n fevereiro DE 2011 n 21 1994 1995 Internet comercial NSFNet

Pesquisadores da A internet é Universidade de aberta para uso Illinois Urbana- comercial no -Champaign criam Brasil. A Fapesp o Mosaic, o primei- continua como 1993 ro navegador com único ponto de informações troca de tráfego gráficas da web até 1998 A NSFNet, que man- Mosaic teve a internet no momento de grande expansão, transfere sua estrutura prin- boratory), o ponto de interconexão das cipal de rede para redes nos Estados Unidos. a iniciativa privada A história ou a sorte da internet cer- tamente dá uma guinada positiva com a possibilidade de acesso global a vá- rios tipos de informação que se abriram do prédio da FAPESP, no bairro do Alto com a world wide web, a www, a partir da Lapa, em São Paulo. O PTT significa de 1991 nos Estados Unidos. A internet um local onde estão os roteadores que cresceu e logo, em 1994, começou a sair fazem a comutação entre os sistemas do âmbito acadêmico e tornar-se tam- autônomos da internet. Por exemplo, é bém comercial. No Brasil, em 1995, o um local onde um e-mail emitido pelo Ministério de Ciência e Tecnologia e o provedor Terra endereçado ao provedor Ministério das Comunicações criam o Gmail encontra a rota de destinatário. Comitê Gestor da Internet (CGI), for- “A Ansp era um território livre e neutro, mado por representantes da academia, onde se podia trocar tráfego à vontade. das empresas envolvidas nas conexões, Todo mundo conseguia chegar com um provedores e usuários. Uma das tarefas .com certamente estavam UOL, BOL e cabo de telefone ou uma fibra óptica no do CGI era cuidar do registro de no- Estadão. “Os pedidos chegavam à FA- terceiro andar do prédio da Fundação, mes de domínio.br, mas essa tarefa foi PESP e o Gomide olhava um por um e que virou um PTT”, diz Lopez. “Mas, atribuída pelo comitê à FAPESP, que já dizia: Quem é você? É provedor? Então precisa ficar claro, não passava tráfego registrava os nomes dos usuários e fazia não pode ser acadêmico, vai ser .com.br. comercial na linha internacional dentro a distribuição dos números IP, que iden- No exterior, o procedimento era idên- da rede Ansp, as empresas simplesmente tificam cada computador.E le é uma as- tico e também gratuito. Os primeiros usavam o local para troca de tráfego”, sociação de nome com um número que registros .com.br foram realizados por diz. Com a ampliação da rede, PTTs pri- pode ser acessado pela rede. “Em 1989 Gomide à mão. “Não precisava de um vados foram instalados, além de a FA- nós já tínhamos o ‘.br’ registrado para o software. Ele examinava caso a caso e PESP deixar totalmente as atribuições Brasil antes da internet”, diz Getschko. fornecia o número IP [Protocolo Inter- relativas à internet para o CGI. Com a Ele foi designado para a FAPESP em 18 net que identifica cada computador].” separação total, a Ansp voltou a ser uma de abril de 1989 por Certamente essa forma de registro logo rede acadêmica como muitas existentes e Jonathan Postel, da Autoridade para mudou para um software e começou a no mundo. Para suprir a internet acadê- Administração de Números Internet ser pago devido aos custos envolvidos. mica, ela mantém um PTTA, ponto de (Iana, na sigla em inglês). Em relação A FAPESP teve uma grande parti- troca de tráfego acadêmico na cidade de aos nomes dos registros da internet, cipação no início da internet também Barueri, onde ocorre a troca de tráfego Getschko e sua equipe não lembram como o único ponto de troca de tráfego entre as universidades e institutos de qual foi o primeiro a se inscrever para (PTT) até 1998, quando vários provedo- pesquisa, além de possuir uma conexão ter o nome na web. Entre os primeiros res trocavam o tráfego no terceiro andar para a internet comercial. n

22 n fevereiro DE 2011 n PESQUISA FAPESP 180 Nasce a internet_ Os passos científicos e tecnológicos que fizeram a grande rede mundial de computadores

uitos foram os pais da no MIT uma tese de doutorado com internet, porque ela não uma teoria que mais tarde seria cha- foi obra nem inspiração mada de comutação de pacotes, em M de apenas uma pessoa. que a informação seria transformada Nasceu e se desenvolveu num ambiente em pequenos pacotes eletrônicos antes acadêmico com financiamento daA d- de ser enviada para outro computa- vanced Research Projects Agency (Ar- dor, o que caracteriza a internet atual. pa), uma agência militar de pesquisas li- Na mesma época, o engenheiro Paul gada ao Departamento de Defesa (DoD) Baran, da Rand Corporation, uma norte-americano, criada em 1958 para organização criada no final daS egun- enfrentar a chamada Guerra Fria que da Guerra Mundial para assessorar a os Estados Unidos travavam com a en- Força Aérea norte-americana, também tão União Soviética. A ideia era buscar demonstra viabilidade da comutação tecnologias que não centralizassem o de pacotes eletrônicos digitais. Do ou- processamento e o arquivamento de in- tro lado do Atlântico, na Inglaterra, a formações nos grandes computadores comunicação por pacotes também era e permitissem a troca de dados entre objeto de estudo. O professor Donald eles. Em outubro de 1962, a Arpa con- Davies, do Laboratório Nacional de Fí- tratou Joseph Licklider, que havia sido sica do Reino Unido, coordenou, no pesquisador do Instituto de Tecnologia início dos anos 1960, um projeto de de Massachusetts (MIT) e trabalhava redes de comunicação de computado- na Bolt Beranek and Newman (BBN), res financiado pelo governo britânico. empresa formada por professores e alu- Foi ele que deu o nome packet (pacote) nos do MIT. Licklider pesquisava a in- ao sistema em um memorando do NPL teração entre computadores e usuários em junho de 1966. e havia estudado física, matemática e Nessa época já existia teoria sufi- psicologia. Ele publicou, ainda no início ciente para seguir em frente na for- dos anos 1960, uma série de artigos em matação de uma rede de comutação que comentava a possibilidade de utili- de pacotes e, em1968, os pesquisadores zar computadores interconectados para da Arpa, sob a coordenação de Lawren- compor uma comunicação global com ce Roberts e Robert Taylor, elaboraram acesso a bibliotecas eletrônicas. Na Arpa com a participação de pesquisadores de ficaram famosos os seus memorandos outras universidades, inclusive Klein- chamando seus colegas de “membros da rock, um sistema chamado de Interface comunidade intergaláctica de computa- Message Processor (IMP) para permitir dores”. Licklider foi o primeiro diretor a comutação de pacotes de dados entre do Escritório de Técnicas de Processa- computadores de fabricantes diferen- mento da Informação (IPTO, na sigla tes. Já naquele momento foi definida a em inglês), que foi o embrião da Arpa- função dos hosts, computadores hospe- net, a predecessora da internet. deiros de dados que mais tarde seriam Algumas tentativas iniciais foram chamados de roteadores com a função feitas pela Arpa para conectar com- de levar as mensagens até o destino putadores, mas não tiveram sucesso. correto. Para implementar o sistema a A história começou a mudar quando Arpa fez uma licitação e a BBN ganhou. Leonard Kleinrock, professor da Uni- Na empresa, entre outros pesquisadores versidade da Califórnia de Los Angeles estava Robert Kahn, que anos depois (Ucla), apresentou, em maio de 1961, foi um dos autores do protocolo da re-

pESQUISA FAPESP 180 n fevereiro DE 2011 n 23 Perto do fim A primeira geração de números Internet Protocol (IP), que identifica cada computador, está se esgotando

Para a internet funcionar e cada “O problema está no provedor, mensagem chegar a seu destino se precisar de muitos números ou ainda o usuário encontrar um e ainda ele não se adaptou servidor vinculado a um determinado ao IPv6, terá dificuldades para site, cada equipamento da rede acessar a rede no futuro”, possui um número previamente diz Demi Getschko, diretor codificado. Ao se conectar pela presidente do Núcleo de primeira vez à internet, o novo Informação e Coordenação do de internet, ou Transmission Control computador, e mais recentemente Ponto BR (NIC.br), a entidade Protocol-Internet Protocol (TCP/IP). um celular ou tablet, recebe um que recebe blocos de números Em setembro de 1969 foi instalado número IP, o Internet Protocol, que do Iana e é responsável no Brasil o primeiro host da futura rede na Ucla, o identifica dentro da rede. Por para distribuição e controle dos no laboratório de Leonard Kleinrock. abranger o mundo todo, a liberação e números IP. Foi ele, quando O segundo computador foi conectado controle dos números é centralizada coordenava o CPD da FAPESP no Stanford Research Institute (SRI), na Autoridade para Administração e iniciava a internet no país, em Menlo Park, também na Califór- de Números Internet (Iana, na sigla que recebeu da Iana o primeiro nia, no laboratório do professor Dou- em inglês), instalada nos Estados lote de números IP para o Brasil glas Engelbart, pesquisador que, junto Unidos. Desde o início da internet de 4 milhões de números em com William English, criou o mouse utiliza-se um conjunto de números 1994, quando a internet entrou em 1968. A primeira conexão aconte- existentes, conhecido como IP na fase comercial. “Antes ceu naquele mesmo mês de outubro versão 4 (IPv4), com 4,3 bilhões de pedíamos diretamente a eles de 1969, no dia 29, às 22h30, com uma números. Mas ele está se esgotando. e depois de recebermos os mensagem que partiu do laboratório Existem disponíveis para o mundo números organizávamos os de Kleinrock para o SRI. No seu site apenas 2,73% do total. A solução blocos para a USP, a Unicamp e ele conta como isso aconteceu: “Eu que já está sendo implementada é demais instituições acadêmicas. estava supervisionando o estudante- o IPv6, um sistema com um número Os demais alocávamos -programador Charley Kline e nós fi- fantástico. A nova versão é igual ao gratuitamente por meio de um zemos a transmissão da mensagem do número 340, seguido de mais formulário de justificação”, diz computador Host SDS Sigma 7 para o 36 números, ou 79 trilhões de Getschko. Somente em 2005 computador Host SDS 940 da SRI. A trilhões de vezes o espaço do IPv4. a FAPESP deixou de fazer esse transmissão era simplesmente para fa- Os novos equipamentos e sistemas controle. Naquele ano, o Comitê zer o login [código de acesso] para a SRI operacionais já estão preparados para Gestor da Internet (CGI) tomou com a equipe do professor Engelbart. o novo sistema, que ainda vai conviver para si essa responsabilidade Nós tivemos sucesso em transmitir o ‘l’ com o antigo por muitos anos. e criou o NIC.br. e o ‘o’ e então o sistema caiu. Por isso, a primeira mensagem na internet foi ‘lo’[olhe]. Nós estávamos aptos para fa- zer o login total uma hora mais tarde”. Esquema para guerra – A Arpanet do TCP/IP, ficou pronto tornando a No mês seguinte, entraram na re- estava então concebida e testada como comunicação mais fácil. Logo depois, de as duas outras unidades iniciais da uma rede de comunicação descentrali- universidades como Carnegie Mellon, Arpanet, a Universidade Californiana zada, sem uma central de operações. Dos Harvard, MIT, além da agência espacial de Santa Bárbara (UCSB) e a Univer- quatro computadores, se dois não fun- norte-americana (Nasa) e empresas co- sidade de Utah, instalada na cidade de cionassem em um ambiente de guerra, mo BBN e Rand, estavam conectadas. A Salt Lake City. Ela começou como uma por exemplo, os outros dois poderiam troca de mensagens logo ganhou mais fa- rede com quatro grandes computado- se comunicar. Por envolver a segurança cilidades com um programa dedicado a res e uma velocidade de 2,4 kilobits por nacional, naquele momento, a Arpa- correio eletrônico, desenvolvido em 1971 segundo (kbps), que logo subiu para 50 net ficou restrita a alguns institutos de pelo engenheiro eletrônico Raymond Kbps, após acordo com as companhias pesquisa governamentais e universida- Tomlinson, da BBN. No ano seguinte, telefônicas proprietárias das linhas que des. Em dezembro de 1970, o Network a Arpa passa a se chamar Darpa com a sustentavam a rede. Control Protocol (NCP), o antecessor adição da palavra “defesa” na sigla.

24 n fevereiro DE 2011 n PESQUISA FAPESP 180 suas atividades utilizando o TCP/IP a uma velocidade de 56 kbps. Ela estimu- lou redes regionais nos Estados Unidos ‘Em 1986, e montou uma estrutura de conexões de internet no país. No início dos anos 1990, a maioria das redes, como a Bitnet a NSFNet e a CSNet, passou a ser roteada para a internet, demonstrando a versatilidade surgiu para do sistema. Nesse ponto, os militares resolveram criar a sua própria rede, interligar a Milnet, e a Arpanet foi extinta. Nos anos seguintes, outros países aderiram redes, a à NSFNet e ocorre um aumento sem precedentes que fez crescer os olhos de 'inter net', quem estava fora das redes acadêmicas ou saía da universidade e sentia falta delas. Assim, em 1991, a NSF permite ou fazer uma o uso da rede para fins comerciais e a partir de 1995 transfere sua estrutura rede de redes para a iniciativa privada. Antes de a internet tornar-se aberta a todos, outra tecnologia surgiu para fortalecê-la. Foi o nascimento da world wide web, nos laboratórios da Organi- zação Europeia de Pesquisas Nucleares, conhecida como Cern. Ela foi concebida pelo físico inglês Timothy Berners-Lee, pesquisador da instituição, que estuda- va um sistema para trocar documentos científicos entre instituições ligadas ao Cern existentes em várias partes do mundo. Ele criou o hipertexto e meios de acessar links, além de facilitar a troca e a exposição de documentos. O ter- Mesmo criada com fins militares, mo world wide web foi inventado por a Arpanet conectava principalmente ele quando escrevia o código do novo pesquisadores acadêmicos e as trocas de sistema em 1989. Berners-Lee propôs, mensagens começaram a extrapolar a em 1990, junto com o engenheiro belga esfera militar e científica, pulando tam- um orçamento de US$ 5 milhões, co- , o protocolo de trans- bém para troca de mensagens pessoais. meçou a funcionar a Computer Science ferência de hipertexto (HTTP, na sigla No restante do mundo novas redes co- Network (CSNet) reunindo grupos de em inglês) e a linguagem de marcação mo a Bitnet começaram a surgir, mas o pesquisa de computação que estavam fo- de hipertexto (HTML), um software NCP era incompatível com elas. Para ra da Arpanet. A nova rede usou o TCP/ para desenho de páginas na web. O resolver esse problema, Robert Kahn, IP e foi a primeira a ter conexão com a http é também um protocolo baseado agora contratado da Darpa, chamou Arpanet. A CSNet foi mantida pela NSF no TCP/IP. Como tudo na internet, o o professor Vinton Cerf, do Instituto por um período de três anos, depois se crescimento foi muito rápido. Contou Stanford, para formatar um novo pro- tornou independente. muito para essa expansão o fato de o tocolo de intercomunicação. Depois de Sem a CSNet, a NSF planejou uma Cern e Berners-Lee não solicitarem vários experimentos realizados com o nova rede mais ampla que pudesse uma patente do invento. Com o siste- novo protocolo, o Departamento de abranger não apenas os estudiosos em ma http difundido, pesquisadores do Defesa resolve que, em janeiro de 1983, computação e transformá-la em uma Centro Nacional de Supercomputação e todos os computadores da Arpanet de- ferramenta para a pesquisa acadêmica, Aplicações, da Universidade de Illinois, veriam mudar para o TCP. inclusive fornecendo a tecnologia para campus de Urbana-Champaign, nos Com a Arpanet fechada para poucos, qualquer pessoa dentro da universida- Estados Unidos, criaram o Mosaic em algumas universidades norte-americanas de, e não apenas para os pesquisadores. 1993, o primeiro navegador da web com queriam ter uma rede própria. Em 1979, A instituição lançou em 1986 a NSF- as informações posicionadas de forma essas universidades ganham o apoio da Net com o objetivo de interligar redes, gráfica que depois originou o Netscape, National Science Foundation (NSF), dos a “inter net”, como foi escrito ou fazer o primeiro comercial, que difundiu a Estados Unidos. Dois anos depois, com uma rede de redes. A NSFNet começou web para todo o planeta. n

pESQUISA FAPESP 180 n fevereiro DE 2011 n 25