s amo léo r léo

idade 61 anos especialidade Redes de computação formação Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (da graduação ao doutorado) instituições Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC.br) e Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP)

24 | julho DE 2014 entrevista

Um construtor da

Marcos de Oliveira

emi Getschko foi o primeiro brasileiro a ter o nome e do provedor IG. Engenheiro elétrico formado pela Escola incluído no Hall da Fama da Internet, uma honraria Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), onde concedida pela (ISoc), organização fez mestrado e doutorado, Getschko é professor na Pontifícia D não governamental formada por representantes Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). de todo o mundo com o objetivo de promover a evolução da internet. O mérito de Getschko foi contribuir para que a rede Como é ser escolhido para o Hall da Fama da Internet? mundial de computadores alcançasse êxito no Brasil durante Faz três anos que a Internet Society [ISoc] escolhe pessoas pa- os seus primórdios. Estava à frente do Centro de Proces- ra o Hall da Fama. A ISoc é uma associação formada em 1992 e samento de Dados (CPD) da FAPESP em 1991 quando, ele concebida por Robert Kahn, e Lyman Chapin [norte- mesmo diz, “pingaram os primeiros pacotinhos da internet” -americanos pioneiros na tecnologia da internet], quando a in- na sede da Fundação no bairro da Lapa, em São Paulo. Era o ternet foi aberta para a comunidade fora do mundo acadêmico. primeiro contato do país com a novidade que traria inovações A ISoc decidiu criar esse tipo de reconhecimento. São três ca- em vários aspectos na vida das pessoas e das instituições. tegorias distintas: pioneiros, inovadores e conectores globais. Por meio de acordos diretos com a administração das redes A primeira contempla os que deram profunda contribuição à norte-americanas acadêmicas, Demi Getschko e a equipe do tecnologia da internet e desenvolveram os protocolos da família CPD da FAPESP conseguiram a delegação do domínio .br, que TCP/IP [Transmission Control Protocol e Internet Protocol]. identifica o código do país nos endereços da web e dos e-mails. Nela se inserem, por exemplo, Vint Cert, Robert Kahn, Jon Com a implantação da internet e sua rápida expansão, que Postel, e outros. Os inovadores são aqueles que aconteceu primeiro no meio acadêmico, Getschko coordenou, construíram ferramentas para operar sobre a estrutura básica ainda como chefe do CPD da FAPESP, a área de operações da da internet. Entre eles estão pesquisadores como Tim Berners- Rede Nacional de Pesquisa (RNP) que interligou as principais -Lee, que criou a web, uma importantíssima aplicação sobre a universidades do país. Ele também ajudou a implementar e a internet. A terceira categoria é a dos conectores globais com o dirigir a rede Academic Network de São Paulo (ANSP), pro- pessoal que se envolveu com a disseminação da rede e apoiou vedora das universidades paulistas. Por participar de todo a internet em vários locais do mundo. É nessa terceira que meu esse processo, ele esteve na composição do Comitê Gestor da nome foi lembrado. Internet no Brasil (CGI) desde setembro de 1995 até hoje. Em 2005, foi convidado para montar e ser o diretor-presidente Da América Latina o senhor é o único? do Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR (NIC. Sou o segundo a ser nomeado da América Latina. Tivemos, no br), entidade que é o braço executivo do CGI e coordena os ano passado, , do Uruguai, da Universidade Nova Re- serviços da rede no Brasil. Nos últimos anos, participou ati- pública, de Montevidéu, que ganhou também nessa categoria vamente da elaboração do marco civil da internet, aprovado de Global Connectors. Ela é bastante conhecida na área porque este ano no Congresso Nacional. Antes de assumir o NIC.br, participou do início de muitas redes acadêmicas. Fui o primeiro ele também foi membro da diretoria da Internet Corporation do Brasil e o segundo da América Latina. Mas vamos reconhecer for Assigned Names and Numbers (Icann) e, depois de deixar uma coisa muito importante: essa designação pessoal de alguém a FAPESP em 1996, foi diretor de tecnologia da Agência Estado é algo absolutamente injusto, porque sempre é um trabalho

PESQUISA FAPESP 221 | 25 coletivo. Como não se pode eleger um ti- pacotes e seu conteúdo, nos serviços e do que mais usa PTTs na troca de tráfe- me de muitos, elegem um ou dois. Então protocolos usados. A função do “meio” go. O que se nota hoje é uma mudança no queria deixar claro aqui que ninguém fez da rede é a de carregar informação (pa- aspecto da curva de tráfego no PTT de nada sozinho. E eu sou uma das pessoas cotes) de um ponto da rede para o outro. São Paulo e que é uma boa amostragem que participaram do time que trouxe as É uma grande “despachante” de pacotes. brasileira. Antes tínhamos um pico às 11 redes acadêmicas para o país e que tinha A rede nunca entra no mérito do que es- horas, caía um pouco na hora do almoço, gente da FAPESP, da RNP [Rede Nacio- tá carregando, só despacha. Claro que, voltava a subir às 14 horas, alcançava o nal de Pesquisa], do LNCC [Laboratório com o tempo, aparecem coisas no meio máximo às 16 horas e começava a descer, Nacional de Computação científica], da do caminho, como ataques propositais decaindo até a madrugada. De uns seis UFRJ [Universidade Federal do Rio de a sítios, que podem afetar um pouco o meses para cá, continua o pico das 11h30, Janeiro], e muitos mais, que montaram conceito fim a fim, a ideia original da in- cai um pouquinho no almoço, sobe às 14 conexões acadêmicas no Brasil no fim dos ternet. Outra fonte de tensão é o fato de horas e vai subindo até as 16h30, aí come- anos 1980. Por algum motivo acabaram me que a internet representa uma ruptura ça a cair e quando dão 18h30, 19 começa citando, talvez porque eu tenha ficado na para uma série de modelos preexisten- a subir de novo e atinge o pico do dia às área de forma mais ou menos constante. tes. Um deles é o modelo tradicional de 22 ou 23 horas. geração de padrões. A internet não tem O senhor faz parte da Internet Society? um processo formal envolvendo gover- Por causa do quê? A Internet Society [ISoc] é uma organi- nos e grandes empresas de telecomuni- Porque o tráfego é cada vez mais afetado zação não governamental que tem se- cações, como acontece, por exemplo, na por aplicações que se dedicam a entre- de nos Estados Unidos e capítulos pelo ITU [International Telecommunication tenimento. As pessoas estão usando mais mundo. Eu faço parte do chapter brasi- Union], mas sim um processo aberto a banda em casa do que no escritório, por- leiro, que deve ter uns 300 membros. A pessoas e entidades de qualquer área, que não assistem a filmes durante o tra- Internet Society central é mantida com seja acadêmica, técnica ou comercial, balho, mas em casa sim. E domingo, que recursos financeiros do registro de domí- que querem participar. Os voluntários se era um dia de tráfego muito baixo, hoje nios sob o .org, que é operado pelo PIR reúnem três vezes ao ano, sempre repre- tem mais tráfego que segunda ou terça. [Public Interest Registry]. Assim, tudo sentando a si próprios, não instituições, Significa uma mudança no perfil de trá- que é registrado debaixo de .org gera discutem e geram padrões que até hoje fego em direção à área de entretenimen- recursos que são carreados para a ISoc. sustentam e fazem crescer a rede. Outra to, não apenas só comércio, informação, Da mesma forma que o .br gera recursos característica é que, como sua base está serviço etc. Um filme usa muito mais ban- a partir do registro de domínios para o estabelecida a partir de padrões abertos da que um acesso à conta bancária, por CGI e para o NIC. Uma das principais TCP/IP, todos estão livres para gerar exemplo. A discussão sobre isso é com- atividades da ISoc é coordenar as reu- aplicações sobre essa base sem precisar plicada, envolve inclusive o debate sobre niões do IETF [Internet Engineer Task de nenhuma licença ou tipo de permis- neutralidade. Só para abrir um parênte- Force], o órgão que trabalha na geração são: a chamada permissionless inovation se, em fins de abril tivemos em São Pau- dos padrões da internet. O IETF é coor- [inovação sem permissão]. Ninguém per- lo o NetMundial, um evento que gerou denado pelo IAB [Internet Architectu- guntou se podia lançar o Twitter ou o Fa- um importante documento final. Eu par- re Board], que mantém a ortodoxia da cebook. Você tem uma ideia? Implante e ticipei da equipe de consolidação e de internet, no sentido de observar e pre- jogue na rede. Se for um sucesso, muito redação deste documento, que foi um servar os princípios originais da rede. bem, você pode se tornar milionário; se processo de busca do consenso. Consen- for mau, melhor pensar em outra ideia. so é algo que, teoricamente, não é inacei- O que seriam esses princípios originais Essas são características típicas da in- tável pelos participantes, pode desagradar da internet? ternet que não existem na telefonia ou um pouco a cada um, mas o faz por igual. A internet foi concebida para ser uma re- nas telecomunicações. Neste documento de consenso, a palavra de aberta e única. Espera-se que ela não “neutralidade” [net neutrality] não apa- se fragmente. Quando acontecem ten- Existem propostas nos Estados Unidos, rece, mas foi preservado o importante sões na China, na Rússia ou em outros pelo crescimento intenso do uso da rede conceito de fim a fim, de que não pode lugares, surgem ameaças de fragmenta- com vídeo, de aumentar a participação haver interferência de um intermediário ção. A internet é uma rede cooperativa arrecadatória das empresas de teleco- no pacote de dados que trafegam na rede. e a raiz de seus nomes é única. Quando municações. Como o senhor vê isso e Por que não aparece neutralidade? Por- você escreve um nome que, por exem- como está a situação no Brasil? que essa palavra hoje está semanticamen- plo, termina em .com, ele é resolvido de É importante racionalizar o tráfego para te muito carregada. O que se entende por forma única: não existem duas formas o benefício de todos. Uma das formas de neutralidade nos Estados Unidos não é de nomear um equipamento na rede. fazer isso é implantar Pontos de Troca o mesmo que se entende na Europa ou Além disso, outro princípio básico é que de Tráfego [PTTs], ou IXP [Internet Ex- na Índia. É difícil definir, e alguém sem- ela teria que ser mantida sempre neutra change Points]. No Brasil o ponto mais pre vai dizer que não aceita a definição entre os dois pontos finais: o emissor e importante de tráfego está em São Paulo, do outro, mesmo sem saber bem qual é. o receptor. Esteja você na Austrália e onde já bateu 500 gigabites por segundo Vou dar um exemplo. Neutralidade é fa- eu no Brasil, ninguém no meio da re- de pico, que é um número muito sério. cilmente entendida quando tratamos de de teria o direito de se intrometer nos Somos o quarto ou quinto país do mun- telecomunicações, mas não é esse o caso

26 | julho DE 2014 quando falamos de neutralidade na in- consenso. O Alessandro Molon [PT-RJ], culpa da mensagem. Se eu receber uma ternet, onde há inúmeras camadas e con- deputado federal relator do projeto, tra- carta que me ofenda, não vou responsa- textos em que neutralidade é algo a ser balhou muito para que o marco civil che- bilizar o carteiro. Pode-se até pedir para mantido. Olhe o que se passa, por exem- gasse à sua aprovação e em todas as fases o YouTube tirar esse vídeo específico do plo, na TV a cabo por assinatura. Se ama- sempre batalhou para manter de pé os três ar, porque a Justiça o considerou inade- nhã aparecer um novo canal que eu não pilares fundamentais do marco, baseados quado e, se for viável tecnicamente, o assino, eu posso nem saber que ele surgiu, no decálogo do CGI: neutralidade, pri- provedor tem que o remover obedecendo mesmo que eventualmente fosse um ca- vacidade do usuário e responsabilização à decisão judicial. Mas, se o provedor for nal com conteúdo que me interessa. Na adequada da cadeia de valor. automaticamente responsável pelo que lá internet surgiu há pouco tempo, por está hospedado, podemos chegar a uma exemplo, o Twitter. Todos puderam ter O que é responsabilização adequada da situação onde, se há uma página cujo contato com esse novo serviço e adotá-lo cadeia de valor? conteúdo desagrada a alguém, e se esse ou não. Não há assinatura de serviços na Quando se busca um responsável por alguém responsabilizá-lo, ao ser notifi- internet – acessa-se tudo o que nela exis- um abuso cometido na rede, há sempre cado da reclamação, esse provedor certa- te. Ao contrário do mundo da TV a cabo, uma tendência de pegar o caminho mais mente vai retirar do ar o que está sendo que é um “jardim murado”. Esse não é o fácil ou mais visível. Por exemplo, diga- reclamado, por medo de ser processado. modelo que gostaríamos para a internet, mos que há um vídeo problemático no Mesmo que o conteúdo da página não por isso lutamos pela sua neutralidade: YouTube – e isso ocorreu, por exemplo, seja irregular. Com isso cria-se um am- a rede tem de estar aberta para qualquer com um vídeo na praia de uma artista, biente de provável autocensura. Então é inovação e serviço e eles de- preciso que se responsabilize vem estar disponíveis para o verdadeiro autor, evitando- todos os usuários. A expe- -se o crescimento do fantas- riência de cada um de nós na ma da autocensura. internet tem que ser sempre total. Ninguém pode dizer Qual o papel da Icann [In- que uma pessoa só pode ver ternet Corporation for As- vídeos do YouTube, ou só ver signed Names and Num- correio eletrônico na rede. bers]? Esse órgão é ligado ao Um “jardim murado” limita É preciso pensar governo norte-americano? a navegação no máximo ao já A Icann é uma instituição existente: se aparecer algo sem fins lucrativos, sediada novo, os usuários podem nem em neutralidade como na Califórnia, que tem um ficar sabendo. E isso é quebra conselho formado por 16 da neutralidade. Em resumo, algo qualitativo, pessoas de todos os lugares é preciso pensar em neutra- do mundo, mas não tem a lidade como algo qualitativo. ver com tráfego na internet. Não podemos ter distinção sem distinções entre A constituição do conselho entre conteúdos, entre servi- da Icann é multissetorial, da ços. Quantitativamente, se eu conteúdos e serviços mesma forma que a do CGI. quero mais banda, tenho que Três brasileiros já fizeram pagar mais por ela. Se eu que- parte do Conselho da Icann: ro 10 megabits por segundo, isso é mais a Daniella Cicarelli, há uns sete anos. Ivan Moura Campos, Vanda Scartezini caro do que um megabit. Mas, com qual- Alguém se sentiu ofendido pelo vídeo e e eu, que lá estive por cinco anos, eleito quer banda de acesso, 10 ou um, deve-se entrou na Justiça pela sua remoção. Não pela ccNSO [Country Code Names Sup- ver uma internet completa, sem bloqueios entro no mérito do vídeo em questão, se porting Organization], organização ligada ou “muros”. é bom ou ruim, mas não parece razoável aos domínios de código dos países. Tem tirar todo o serviço de vídeos [YouTube] também alguns pontos fracos. O defeito, E o marco civil da internet no Brasil do ar por causa desse vídeo específico, por exemplo, de não ser legalmente inter- que foi aprovado? mas foi o que um juíz à época decidiu. nacional ao estar sob a lei da Califórnia. O conceito e a constatação da necessidade Daí sai o vídeo da Cicarelli, mas sai uma Se algum juiz de lá decidir alguma coisa de marco civil para a internet no Brasil enorme quantidade de outros vídeos tam- estranha baseado em lei local, isso pode começaram a partir da discussão e apro- bém, que nada têm a ver com o eventual afetar a internet. O problema da Icann vação do decálogo do CGI. O marco civil abuso em questão. De quem é a culpa no é que ela cuida de algo bastante limita- foi objeto de longa discussão, com diversas caso desse vídeo da Cicarelli? Não pare- do, mas importante, que é a raiz da lista audiências públicas e mais de 2 mil con- ce ser do provedor de vídeos [YouTube], telefônica responsável por traduzir um tribuições de indivíduos até se chegar ao mas sim da pessoa que fez o vídeo. Se é nome de domínio para um número IP. seu formato final. Foi um projeto de lei para responsabilizar alguém, onere-se Tudo que termina em .br, por exemplo, criado e discutido com muita interação quem gerou o abuso, e não quem está no tem que ser convertido para um núme- e, fundamentalmente, com a busca de um meio do caminho. O mensageiro não tem ro. Mas alguém precisa ser o cabeça da

PESQUISA FAPESP 221 | 27 lista e dizer como se chega ao .br para armazenado em algum lugar, é um típico órgão leve e multissetorial como o CGI. que, depois, o responsável pelo .br, no caso ligado diretamente à internet. Mas Continuamos recebendo elogios e ci- caso o NIC.br, finalizar a tradução de, por os casos delatados pelo Snowden [Ed- tações em vários lugares. O presidente exemplo, usp.br, ou fapesp.br. Assim, da ward Snowden, ex-analista da Agência da Icann, quando vai a um país, sempre raiz dessa “árvore” de tradução de nomes de Segurança dos Estados Unidos que elogia o modelo brasileiro e sugere que o para números é a Icann que cuida. Além revelou casos de espionagem do governo imitem. O CGI foi montado em 1995, te- disso, a Icann tem outra tarefa crítica, norte-americano] ou são vazamentos em ve algumas reformulações e atualmente que é distribuir números IP [Internet cabos submarinos e, portanto, das teleco- está na configuração que foi criada por Protocol] para os órgãos regionais RIRs municações, ou são grampos na telefonia decreto em 2003. [Regional Internet Registries], que os celular, que também é telecomunicações. distribuem para as instituições e usuá- A internet entrou nisso de gaiata e está Que reformulações? rios finais. Aqui no Brasil, desde 1994, pagando por um problema que não é dela. O CGI teve pequenas alterações de com- nós recebemos do Lacnic e distribuímos posição, tanto em número de conselhei- números para o país, autonomamente. E do Julian Assange, do Wikileaks [site ros como na representação. Na configu- que revelou documentos secretos dos ração atual que temos, a de 2003, são 21 E essa questão de que todo o tráfego da Estados Unidos]? membros, sendo nove do governo e 11 internet passa pelos Estados Unidos? Também é vazamento, principalmente de da sociedade civil, eleitos pelos respec- Bem, isso depende mais da geografia e telegramas e de cabos submarinos, ou seja, tivos segmentos. Os nove do governo do projeto global de engenharia nas tele- telecomunicações. Recolhe-se a informa- não têm prazo de mandato porque ficam comunicações. Não da Icann, até outro representante ser que, como disse, trabalha com eventualmente nomeado pe- nomes e números. Tráfego lo ministro correspondente. tem a ver com a localização Às vezes, o próprio minis- das fibras ópticas submari- tro é o ocupante da cadeira nas, das grandes centrais de no CGI. Os 11 eleitos direta- comutação de dados. As fi- mente por suas comunida- bras brasileiras, por exemplo, des têm três anos de man- aportam em sua grande maio- dato. Existem três assentos ria nos Estados Unidos e dali O padrão da internet para a academia, quatro pa- saem outras para a Europa, ra o terceiro setor, quatro Ásia e África. É o resultado para a área empresarial, as- de modelagem da engenharia se mostrou magnífico sim distribuídos: um para os de telecomunicações, não da usuários empresariais, um internet, que apenas trafega desde kilobytes para provedores de acesso e no interior desses cabos. Com serviços, um para provedo- isso, os EUA acabam sendo res de infraestrutura e um topologicamente um centro até terabytes, mas para o segmento empresa- de tráfego muito importante rial de software e hardware. e, se usarem isso para espio- será sempre assim? Importante observar que o nar o tráfego, têm facilidades governo não tem maioria no especiais por concentrarem a CGI. O coordenador do CGI, passagem de boa parte dele. ção de algum lugar e se dissemina na rede. por razões históricas, desde sua criação Se houvesse vazamento no correio ele- é sempre o representante indicado pelo As pessoas fazem muito essa confusão? trônico, por exemplo, seria um problema Ministério da Ciência, Tecnologia e Ino- Sim, mas a confusão também pode ser da internet. Na China, há algum tempo, o vação. Em teoria teríamos uma situação proposital, porque tem interesses envol- governo queria descobrir quem era o do- em que 12 se sobrepõem aos nove numa vidos. Existem pontos privilegiados na re- no de alguns blogs e algumas empresas, votação, mas, em termos de internet e de de, onde uma monitoração pegaria quase inclusive norte-americanas, colaboraram consenso, isso não seria nada bom. Uma tudo que passa. É como colocar câmeras e o governo chegou até alguns ativistas. votação com maioria apertada nunca e sensores no metrô da praça da Sé: to- Isso certamente é uma culpa que pode aconteceu, a votação é, sempre que pos- do mundo baldeia ali. Se monitorarmos ser atribuída à internet e, claramente, não sível, substituída por comum acordo. aquela estação toda, pegaremos boa parte é bom. Assim, não estou dizendo que a Raramente tivemos votações e, quando do tráfego total que passa no metrô. Claro internet não tem culpa, tem sim, mas na houve, foi 20 a um, 19 a dois, por exem- que o monitoramento ilegal em telecomu- proporção que lhe diz respeito. plo. Outro aspecto importante é que o nicações e internet é uma ação deplorável CGI não tem poder de imposição ou de e todo mundo devia ser contra, mas isso Eu queria que o senhor falasse também regulação. Ele gera boas normas, toma não é culpa da internet em si, que paga sobre o Comitê Gestor da Internet. Foi medidas, gera estatísticas, dá cursos em o pato. O que seria culpa direta da inter- um exemplo para outros países? áreas específicas e toma ações em favor net? Vazar o correio eletrônico, que estava Sim. O Brasil foi muito feliz ao criar um da internet no país.

28 | julho DE 2014 O TCP/IP continua forte mesmo com desenvolveu o sistema Sirius, que contro- to feliz, porque me permitiria continuar o todas as mudanças. O senhor continua laria auxílios e pesquisas da FAPESP. Eu doutorado além de trabalhar em algo em com essa visão? era também do CCE e ele me chamou para que eu já tinha me envolvido e de que gos- Sim. Desde há muito tempo o TCP/IP, o participar do desenvolvimento do Sirius. tava. Então, decidi que iria para a Fundação, Ethernet e outros padrões viraram a úni- Eu ia lá de noite. Passei a ir três vezes por juntar-me e cuidar da pequena equipe de ca opção prática, e não há discussão. Antes semana na Pirajussara, ligava o Burroughs três ou quatro analistas, aos quais compe- disso, nos anos 1980, havia uma multiplici- e tentava escrever alguma parte dos pro- tia tratar da informatização dos processos dade de opções e era uma longa discussão gramas agregados ao Sirius. Nessa época administrativos internos e das concessões a escolha do padrão a ser usado em cada eu conheci o professor Oscar Sala, físico e de bolsas de auxílios para pesquisadores. caso. Sem falar que as opções eram ligadas membro do Conselho Superior da FAPESP. aos fabricantes. Para redes, por exemplo, os Era ele que fazia o maior esforço para levar Nessa época a comunidade acadêmica usuários da IBM usavam SNA e Token Ring, a informatização para a Fundação e tinha começava a utilizar correio eletrônico. os usuários da Digital, Decnet etc. Tudo isso batalhado pelo B1726. A FAPESP nessa Sim. O pessoal da física, por exemplo, se consolidou em torno de um único padrão época ficava em um prédio na avenida Pau- que ia fazer mestrado e doutorado fora dominante, que é ainda o TCP/IP. Essa dis- lista e tinha todo seu controle de bolsas e do país, queria preservar o contato com cussão dos anos 1980 não acontece mais auxílios ainda em fichas, de forma manual. os pesquisadores no exterior. E lá fora já hoje, e ninguém mais fala em rede de longo usavam extensamente correio eletrôni- alcance sem se referir automaticamente ao Como chegavam as informações na rua co, que aqui não havia. Aí começamos a TCP/IP, e não tem rede local que não este- Pirajussara? pesquisar como trazer isso pra cá. A ne- ja usando Ethernet. Certamente o pessoal Chegavam em papel ou em fita. Não era cessidade era tanto de pesquisadores da que pesquisa protocolos não vai deixar que on-line, estávamos ainda testando o sis- USP como da Unicamp e Unesp. Assim, o continue tudo congelado por mais 30 anos. tema e recebíamos os conjuntos de da- professor Sala decidiu que, se tanta gente O TCP/IP mostrou uma flexibilidade mag- dos da Paulista em papel. A FAPESP tinha queria, o melhor era que a FAPESP as- nífica, indo dos kilobytes até os gigabytes acabado a construção do prédio atual na sumisse o papel de fazer o serviço e que e terabytes, mostrou que ainda está avan- Lapa e ia montar um datacenter lá. Ainda nós tentássemos dar uma solução. Pude çando e tem vitalidade, mas não se pode lembro do dia em que mudamos os equi- chamar o Alberto Gomide, um profissio- garantir que continue a ser sempre assim. pamentos da rua Pirajussara para a nova nal brilhante em software que já havia Padrões exaurem-se e são eventualmente sede. O B1726 foi num caminhão, que era trabalhado no CCE e estava na Unesp. trocados por outros ou recebem adições. semiaberto. Fui junto e torcia para que não Além dele, mais alguns, entre eles lem- Hoje existe uma forte pressão da área de chovesse... Se chovesse, a gente arriscaria bro do Joseph Moussa, matemático, Vil- pesquisa em redes para que se desenvol- o B1726. Por sorte o dia estava ensolarado son Sarto, engenheiro, e outros. O Sala vam e testem alternativas, o que é sempre e tudo acabou bem: chegamos intactos à tinha ótimos contatos com o Fermilab, muito saudável. Se a alternativa for boa, ela rua Pio XI. Com o computador instalado um laboratório de física de alta energia acaba se sobrepondo ao que existe. Se não e funcionando na nova sede da Fundação, em Batávia, perto de Chicago, nos Esta- for, nada acontece. Hoje pragmaticamente tudo deixava de ser experimental e era dos Unidos, e combinou com eles a nossa não temos alternativa comercial viável ao preciso uma equipe definitiva e estável conexão, porque afinal precisávamos nos TCP/IP, mas pode ser que daqui a cinco na FAPESP. Eu, que estava ligado ao CCE, conectar em algum lugar. Em 1987, numa anos seja diferente. O pessoal começa a onde trabalhava normalmente, encerrei reunião que houve na Poli sobre redes ficar inquieto e quer mudar tudo. minha participação na iniciativa de infor- acadêmicas, descobrimos que existiam matização da Fundação. Quem assumiu o também outras iniciativas no país ten- O senhor chefiava o CPD quando a FA- datacenter foi o Vitor Mammana de Barros, tando conexões com redes acadêmicas PESP fez a primeira ligação de internet um engenheiro que tinha saído do CCE. Ele internacionais. Estavam nessa reunião o do Brasil. Como foi que o senhor entrou ficou na FAPESP como superintendente de Michael Stanton, da PUC-Rio, o Tadao na Fundação? informática, e eu tinha ainda algum con- Takahashi, do CNPq e que lideraria a fu- Entrei na Poli em 1971 para fazer engenha- tato para ajustar os programas que tínha- tura RNP, o Paulo Aguiar, da UFRJ. Nós já ria elétrica e antes do fim do ano passei a mos feito ainda na Pirajussara. Em 1985, tínhamos alguma experiência com redes, ser estagiário do Centro de Computação quando o CCE passava por algumas refor- porque havíamos montado a primeira fa- Eletrônica [CCE]. Na Poli, segui eletrônica mulações importantes gerando incerteza se da Rede USP, que era uma rede de ter- e dentro dela fui para telecomunicações, geral, aconteceu de o professor Alberto minais do computador Burroughs 6700 mas sempre trabalhei na área digital. Em Carvalho e Silva, que era presidente do da universidade. Nessa reunião em 1987, 1976, quando estava formado e o diretor CTA [Conselho Técnico-Administrativo] vimos que tanto o LNCC como a FAPESP do CCE era o professor Geraldo Lino de da FAPESP, me chamar para conversar e estavam tentando uma conexão interna- Campos, da Politécnica, a FAPESP tinha disse que o Vitor estaria voltando para o cional e que ambos tinham escolhido fa- instalado experimentalmente um compu- CCE, que estava sendo reestruturado. Ele zer conexão a uma rede bem simples, de tador num sobradinho na rua Pirajussara, perguntou se eu não queria assumir o da- que os pesquisadores gostavam muito à perto do Rei das Batidas, na entrada prin- tacenter. Eu conhecia bem a máquina e o época: a Bitnet. Havia também a proposta cipal da USP. Era um Burroughs 1726, uma Sirius e isso me agradou muito. Por outro de criação de uma rede nacional, que se- excelente máquina com um sistema ope- lado, tinha terminado o mestrado na Poli ria a futura RNP, mas ainda não se sabia racional muito interessante. Lá o Geraldo em 1982 e ir à FAPESP era uma ideia mui- quais seriam os padrões.

PESQUISA FAPESP 221 | 29 Eram tempos pré-PC? multiplicidade de protocolos e máqui- pacote de software que implementava o Os PCs estavam começando a se espa- nas. Além da Bitnet, tínhamos a HEPNet TCP/IP em máquinas DEC. A data pre- lhar, mas não estavam ligados em rede [High Energy Physics Network], máqui- cisa não lembro, mas era janeiro, férias ampla, apenas em redes locais. Tínhamos nas ligadas à UUCP, à Fidonet, à Renpac coletivas na FAPESP. O Joseph Moussa alguns na FAPESP. Mas, voltando à Bit- (x.25) da Embratel etc. E ficava difícil [funcionário do CPD da FAPESP] estava net, o LNCC conectou-se a ela em setem- dar nome adequado às máquinas. Fomos lá e recebemos uma fita com o programa bro de 1988, um mês antes da conexão da atrás do “sobrenome” .br e pedimos o seu que fazia a implementação do TCP/IP. O Fundação. A conexão do LNCC era com registro, que nos foi delegado em 18 de Joseph instalou o programa, funcionou, a Universidade de Maryland, nos Esta- abril de 1989 pelo Jonathan Postel, ad- e os primeiros pacotes da internet come- dos Unidos, e a nossa foi com o Fermilab, ministrador da Iana [Internet Assigned çaram a entrar na FAPESP. mas sempre nos ajudávamos mutuamente. Numbers Authority] na Universidade do Quando fomos nos conectar, entramos com Sul da California, onde ficava a gestão Como foi o início? um pedido de ligação de cinco máquinas: da raiz da internet. Não houve nenhu- A linha que sustentava a rede acadêmica USP, IPT, Unicamp, FAPESP e Unesp. Aí ma interação mais formal, exceto com o brasileira via RNP era a da FAPESP, ini- o pessoal da Bitnet, nos Estados Unidos, pessoal envolvido em redes acadêmicas. cialmente uma pobre linha de 64 kilobits nos avisou que conectar cinco novos nós Nem intervenção de nenhum tipo do go- [Kbps], que depois passou a 128 Kbps, 256 a essa rede, e todos do Brasil, configurava- verno norte-americano, nem do governo Kbps e, finalmente, para dois Mbps. Eu era -se mais como uma conexão de uma nova brasileiro, ou do Itamaraty. Foi algo entre o coordenador de operações da RNP, que sub-rede [ver mais em Pesquisa FAPESP a comunidade dos que operavam redes estavam centradas na FAPESP e, por uma nº 180]. Então era melhor, em vez de pedir acadêmicas, como era praxe na internet. questão de organização, pedíamos dire- uma conexão de cinco máquinas à Bitnet, O Postel achou que tínhamos maturida- tamente à Embratel as linhas que a RNP criar uma sub-rede regional, como outras de suficiente para sermos o foco do .br usaria em seu backbone. A RNP pagaria as que estavam conectadas à rede. Para no- e resolveu atender à comunidade local linhas nacionais e equipamentos alocados me dessa sub-rede, o Gomide sugeriu São e, assim, delegou o .br aos cuidados da nos pontos de presença nos estados e a Paulo Academic Network, Span, mas esse equipe que operava a rede na FAPESP. Fundação, a conexão internacional. Todo nome já existia, era da Nasa, o Space Phy- o primeiro backbone da RNP foi projetado sics Analysis Network, e nós não sabíamos. E a internet no Brasil? numa reunião na FAPESP com a partici- Tivemos que mudar, trocamos a ordem das Bem, ganhamos o .br em 18 de abril de pação do Michael Stanton, do Alexandre letras e ficou Ansp, que é Span invertido: 1989, mas já perto do fim daquele ano Grojsgold, do LNCC, e do Alberto Gomide, an Academic Network at São Paulo. ficou claro que a Bitnet começava a mur- da FAPESP. Logo em seguida discutiu-se char, e que a internet, que tinha muito a estrutura de nomes a usar embaixo do Foi a primeira latino-americana? mais recursos, iria acabar prevalecendo .br. As universidades, por sua participação Sim. À época da Bitnet não lembro de e absorvendo a Bitnet e, provavelmente, histórica no processo, poderiam ficar di- nenhuma outra. Tanto assim que toda as demais alternativas também. A Bitnet retamente debaixo do .br, surgindo assim a topologia Bitnet no Brasil passou a ser era boa para correio eletrônico, listas de usp.br, unicamp.br, ufmg.br etc. Criamos o definida na FAPESP. O roteamento da discussão, mas era muito limitada na gov.br para o governo e, abaixo dele, as si- Bitnet consistia apenas de uma tabela que interação e no acesso remoto a compu- glas dos estados, como sp.gov.br. O com.br descrevia quais computadores estavam tadores, além de estar crescendo bem foi definido para a futura área comercial, ligados em que máquinas. Essa tabela era menos. Nessa época pedimos ao pessoal o org.br para o segmento de organizações atualizada uma vez por mês, para incluir do Fermi que, quando eles fossem para sem fins de lucro, o net.br, para máquinas novas máquinas participantes ou alterar a internet, nos levassem junto. ligadas à infraestrutura da rede. conexões. Roteamento bem pouco dinâ- mico. Para tornar os nomes um pouco Vocês perceberam a movimentação e Era um espelho do que já existia nos mais padronizados sugerimos usar br na sabiam da internet. Estados Unidos? frente de todos eles. Ficamos com brfa- Em 1989 estava sendo criada uma espinha Sim. E parece-me que foi uma boa ideia. pesp, brusp, bruc, da Unicamp, bript etc. dorsal para o Departamento de Energia Porque .com, .net e .org já existiam nos Eram nomes com um nível só, sem “sobre- norte-americano, onde o Fermi estava Estados Unidos e nós achamos bom man- nome”, sem ponto isso ou ponto aquilo. O ligado e essa espinha dorsal, a exemplo ter essas siglas com três letras, sob o .br. Os pessoal do Rio e de outros lugares passou da NSFNET [da National Science Foun- ingleses usam duas: ac.uk, por exemplo, também a usar o br na frente: brufmg, dation], também usaria TCP/IP e faria para academic, ou co.uk, no commercial. O brufrgs, brufpe, começamos a difundir a parte da internet. O Fermi migraria as- com.br valeu-se da expansão do .com in- rede desse jeito. Um e-mail levava horas, sim que possível para esse recém-criado ternacional em termos de disseminação. às vezes um dia, dependendo do tamanho backbone [espinha dorsal], chamado de Afinal, se trata de uma empresa brasileira, da fila de despacho. Mas já era uma ma- ESNet [Energy Sciences Network], o que em vez de usar .com, que use .com.br. Na ravilha, porque, perto do correio normal, aconteceu em 1990. Como estávamos li- época não tinha quase nada comercial ain- não tinha comparação – era muito melhor. gados a eles, trabalhamos para implantar da, mas claro que era bom prever. Se àque- TCP/IP também na máquina da FAPESP la época quase tudo era acadêmico, a dis- Como foi registrar o .br para o Brasil? e, em janeiro de 1991, conseguimos trocar seminação foi muito rápida e tudo mudou A rede acadêmica crescia com uma os primeiros pacotes TCP/IP, usando um em poucos anos. Em dezembro de 1994,

30 | julho DE 2014 finalmente a Embratel se convenceu a dar decisão foi de cobrar o equivalente ao que cional para a Fundação. Decidiu-se em acesso à internet para as pessoas físicas no se cobrava nos Estados Unidos: R$ 50 na 2002 que o CGI criaria uma ONG sem Brasil. O TCP/IP era ainda um padrão não inscrição e mais R$ 50 por ano. Para que fins lucrativos, o Nic.br. “de direito” e algo underground. Mas o esse recurso ficasse segregado, foi criado mundo já estava mudando e adotando ra- um processo dentro da FAPESP, o proje- O senhor nasceu na Itália e se tornou pidamente o TCP/IP, até porque a família to de auxílio à pesquisa Comitê Gestor da brasileiro? Como foi? de protocolos proposta pela ITU era mui- Internet no Brasil. O CGI passou a ter Nasci na cidade de Trieste e minha famí- to mais cara, bem complicada e voltada à recursos para aplicar em atividades de lia veio para o Brasil em 1954, quando eu bilhetagem, diferente do mundo internet. interesse da internet no país. Lembro da tinha um ano de idade, e sou naturaliza- A Embratel, convencida pela RNP, montou reunião do CGI na FAPESP, em 2000, do brasileiro, mas eu não tinha nenhuma no Rio o primeiro ponto de acesso à inter- quando o professor Landi [Francisco Lan- nacionalidade anterior. Não era italiano net para os usuários brasileiros. Só que a di, ex-diretor-presidente da FAPESP] co- e virei brasileiro. abordagem dela foi muito centralizadora: mentou que o projeto do Comitê Gestor criou um 0800 para as pessoas ligarem e já tinha cinco anos e esse era o tempo má- Como assim? todo mundo ia ter uma conta em @embra- ximo de duração dos projetos na FAPESP, Eu fui apátrida até me naturalizar em tel.net.br. Quer dizer, a Embratel seria a e que não poderia abrigar mais o registro 1976. Meu pai era grego, minha mãe é única porta de acesso à internet pelos bra- da internet brasileira. O CGI concordou búlgara e meu irmão nasceu no Brasil. sileiros. Houve uma reação imediata, por- que era hora de buscar uma solução pró- Nasci em 1953 e Trieste ainda era zona que o pessoal da rede acadêmica achava pria e mudar. O registro brasileiro migrou de ocupação aliada depois da Segunda que estava errado a Embratel guerra mundial, porque só ser a “internet brasileira” e que no final daquele ano os norte- isso seria muito limitante à ex- -americanos saíram de algu- pansão. Então foi feito um con- mas cidades-chave. Meus pais tato entre a RNP e o ministro se naturalizaram brasileiros das Telecomunicações da épo- bem antes de mim. Quando ca, o Sergio Motta. Tadao Ta- estava no fim da Poli, acelerei kahashi, Ivan Moura Campos o processo de naturalização e Carlos Afonso, do Ibase, con- porque tirar passaporte como venceram o ministro de que o O Comitê Gestor da apátrida é um inferno. caminho a seguir era outro: montar um esquema hierár- Vieram para São Paulo? quico que desse riqueza à in- Internet criou a Viemos em 1954 e sempre ternet brasileira. No começo moramos aqui. Minha raiz de 1995, o ministro Sergio Mot- ONG NIC.br em 2002 religiosa familiar é greco- ta baixou uma portaria vedan- -ortodoxa e estudei num do a Embratel de fornecer a colégio de freiras católicas internet diretamente. A Em- e em 2005 assumiu no Tatuapé, depois num co- bratel daria acesso às teles re- légio de padres espanhóis no gionais [empresas de telefo- a gestão da rede ginásio e científico e, por fim, nia], que dariam acesso aos entrei na Poli. provedores, que levariam a in- ternet ao usuário final. Surgiram provedo- em 2001 para um prédio na marginal Pi- E a vida acadêmica como professor? res da área de conteúdo, Folha, Abril, Es- nheiros e construiu um centro de proces- Fiz mestrado e doutorado [Poli-USP] e tadão, JB etc. Assim, apareceu material em samento de dados lá. até entrei como professor na Poli e dei português rapidamente. Diziam que bra- aulas de rede de computadores por uns sileiro não ia querer saber de internet, por- E o Nic foi criado? anos por lá. Foi na época da FAPESP ain- que o conteúdo dela era todo em inglês, O CPD do CGI já estava montado quan- da, quando se abriu um concurso. Entrei, mas isso foi facilmente desmentido. O Co- do, em 2002, o Ivan Moura Campos, que dei aulas, mas, como eu não tinha tem- mitê Gestor entendeu que precisava con- era o coordenador do CGI, concluiu que po para pesquisar na Poli, achei melhor solidar a estrutura existente e delegou à necessitávamos de uma pessoa jurídica abandonar. Academicamente estou na equipe da FAPESP o registro de nomes e para substituir a FAPESP tanto na even- PUC-SP desde que foi criado o curso de números. Depois, o CGI também decidiu tual responsabilização pelas ações do re- ciências da computação. Dei aulas para que íamos começar a cobrar o registro de gistro brasileiro quanto no recolhimento as turmas na graduação, sobre arquitetu- nomes de domínio, como aliás acabava de e depósito das contribuições. Até então, ra de computadores e de redes. Também acontecer nos Estados Unidos, para que a todos os boletos saíam com o CNPJ da dou aulas no programa de pós-graduação atividade pudesse ser autossustentável. FAPESP, que acabava também envolvi- em Tecnologia de Inteligência e Design Até então a Fundação mantinha três ou da nos processos judiciais referentes a Digital, um curso interdisciplinar bastan- quatro funcionários, além de suportar o conflitos no registro de nomes de domí- te interessante que acabou de formar o pagamento das linhas internacionais. A nio sob o .br. Isso era um incômodo adi- primeiro doutor. n

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