comuna de contra o governador e os governos

BRUNO TERRIBAS comuna de oaxaca contra o governador e os governos comuna de oaxaca contra o governador e os governos

Trabalho de Conclusão de Curso de Comunicação Social - habilitação em Jornalismo Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC) Departamento Comunicação Social (DCso) Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”- Unesp Junho 2009 Bruno Gomes Terribas R.A. 430.498 [email protected]

Ilustração: Pedro Migué Projeto gráfico e diagramação: Marília Ferrari Revisão: Aline Scarso Fotos: Bruno Terribas, Ilaria Gabbi, Silvia Chivis, James Daria, imagens copyleft Formato: 20 cm x 20 cm Mancha: 15cm x 15cm Tipologia: univers e caecilia Agradeço aos meus familiares queridos pela transmissão dos valores de justiça, igualdade e esperança.

@s amig@s e camaradas acompanharam e incentivaram o percurso de lutas.

À Aline, pelo carinho, atenção e apoio incondicionais.

Marília e Pedro Migué que abraçaram a idéia e contribuíram com a comunicação visual.

Às equipes do jornal e agência de notícias Brasil de Fato e Revista Caros Amigos pelas oportunidades. In memorian a Sérgio de Souza, personificação e exemplo de jornalismo ético.

Aos Professores Maximiliano Martín Vicente (orientador), José Arbex Jr. e Igor Fuser pelo incentivo e confiança.

@s valoros@s companheir@s mexican@s, brasileir@s e internacionalistas que abriram portas, corações e mentes: Pedro Carrano (Brasil de Fato), Cássio Brancaleone (IUPERJ), David Arriaga (UNAM), Víctor Raúl Martínez Vásquez (UABJO), Piticuy, Waldo Lao Sánchez; Miguel Cruz Moreno (CIPO-RFM); Diana Denham (Coletivo C.A.S.A.); Cástulo López Pacheco (Codep) e María del Cármen López Altamirano. 8

Dedico aos valentes povos mexicanos de Oaxaca, que não deixam de lutar para manter vivo o sonho de um governo obrero, campesino e popular. O sangue, o suor e as lágrimas derramadas não serão em vão.

A todos os presos políticos de Oaxaca, do México e do mundo: LIBERDADE! la appo vive 12 vingança no 14 de junho rebelde 45 a lição dos professores 53 meios para lutar 67 se a mulher avança não há homem que retroceda 81 appo: todo poder ao povo 89 nossos sonhos não cabem em suas urnas 99 a dignidade que bloqueia ruas e abre caminhos 113 500 km pela dignidade dos povos 125 arte nova e livre 137 palavras ao vento 149 barbárie inaudita 161 a intifada do sul mexicano 171 o termidor oaxaquenho 183 la lucha sigue 196 cronologia 200 siglas 204 referências bibliográficas 206

Chego à Oaxaca (distante mais de 500 km ao sul da capital Cidade do México) na noite de segunda- la appo vive feira, 24 de novembro de 2008. A escolha da data não havia sido proposital, mas desembarco a tempo de participar de um protesto importante, que aconteceria na manhã do dia seguinte. A chamada Megamarcha foi convocada pela Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) e o sindicato docente Setor 22 para relembrar o segundo aniversário da brutal repressão contra o levante de 2006. A inves- tida violenta das tropas da Polícia Federal Preventiva (PFP) sobre um ato pacífico em 25 de novembro daquele ano marcaria o fim dos mais quase seis meses de predominância da APPO sobre o Estado. Dois anos depois, o clamor essencial do movimento social e do povo segue sendo o mesmo de 2006: Fuera [governador] Ulises Ruiz!.

O caminho do centro Oaxaca até o município de Trinidad de Viguera (de onde a marcha partiria) é feito de ônibus. São apenas sete quilômetros, mas o tempo de percurso leva 30 minutos. O trânsito é pesado. Motivo: a imensa quantidade de pessoas que se deslocam para participar do ato já bloqueia a rodovia federal. O demorado trajeto não me incomoda. Muita coisa me salta aos olhos. São variadas as evidências da última histórica jornada de lutas deste que é um dos estados mais pobres da República Mexicana. Uma pichação diz: barricadas en pie de lucha. Há propagandas eleitorais – antigas e novas – por todos os lados: Oaxaca Objetivo 2009 – Território PRI e Gracias por tu voto, PRI - Comitê Directivo Estatal.

Acostumado a participar de manifestações no Brasil, em sua maioria mais representativas do que “de massas”, tenho a impressão de que aquelas centenas de pessoas que se concentram no Monu- mento a Juárez serão o contingente final de participantes daMegamarcha . Ali estão posicionados professores (em paralisação de aulas naquele dia), estudantes e moradores dos bairros – vizinhos e afastados – sob o forte calor do outono oaxaquenho. Uma hora depois, quando a caravana parte, já são 100 mil os presentes.

Posiciono-me próximo ao bloco dianteiro, composto por professores, onde permaneço observando e registrando a passagem dos demais grupos. As representações de maestros de todas as regiões do esta- do se sucedem caminhando a minha frente: Cañada, Costa, Istmo, Mixteca, Sierra, Tuxtepec, Valles Centra- les. Os professores e seu sindicato têm histórico de 26 anos de de democratização de suas estruturas decisórias e constituem a mais numerosa entidade do movimento social do estado, com uma base de 70 mil trabalhadores. Atrás deles, passam comitivas das entidades sindicais de outras categorias. Avançam também algumas bandas de fanfarra, animando os presentes. Muitos se postam nas mar- gens da rodovia para aplaudir os manifestantes. Sobressai uma faixa: Libertad a todos los presos políticos. 16 17 Muitas trazem dizeres contra reformas privatizantes na educação pública, e outra parte detona Ulises principal estratégia de pressão do movimento grevista iniciado em maio de 2006, cujas reivindicações Ruiz. Os grupos que vão por último são os de organizações sociais e partidos políticos. diziam respeito a questões econômicas da categoria docente, somadas a outras de caráter social des- tinadas aos discentes. Permaneço cerca de uma hora no Monumento a Juarez para observar a passagem de todos os blocos. Sem setor definido na massa, caminham grupos de jovens encapuzados escrevendo com spray nas Na madrugada do dia 14 de junho é colocado em ação um plano atroz: a mando do governo de Ulises paredes as palavras de ordem 25 de noviembre, ni perdón, ni olvido [esquecimento], ¡APPO vive! e Ulises, Ruiz, milhares de policiais estaduais desalojam violentamente os 30 mil ocupantes que estavam dor- la cuenta esta pendiente [a acertar], entre outras que fazem menção à data. Sobre uma passarela no mindo em barracas nas dezenas de ruas do Centro Histórico. caminho, avista-se uma grande placa do governo municipal que recebe os visitantes: Oaxaca de Juárez, Patrimônio de La Humanidade: Bienvenido. Ao lado uma faixa feita à mão protesta: Por la amnistía general O contragolpe popular vitorioso na manhã do mesmo dia, somada à indignação pelos seguidos abu- para todos los presos políticos y de conciencia. Nas paredes do caminho, se rabiscam menções a baluartes sos de poder do chefe do executivo estadual, propiciam a criação de uma frente única de dezenas de do pensamento socialista mundial: ¡Viva la Revolución Permanente – León Trotsky! e Hay dos tipo de maes- organizações políticas e sociais de todo o estado, apoiada na mobilização de centenas de milhares de tros, los que educan para enajenar [alienar] y quienes educan para liberar – Paulo Freire”. oaxaquenhas e oaxaquenhos que atendem ao chamado das Megamarchas. Surge a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO) para exigir “Fora Ulises!”. Depois de duas horas de caminhada, alcançamos a praça central de Oaxaca, o zócalo. A monumental arquitetura colonial da cidade e a infra-estrutura de hotéis, bares e restaurantes – indicado nas me- A participação popular se expandiu pelo estado. A APPO, fórum oaxaquenho de organização das lutas, lhores revistas de roteiros turísticos – é sacudida pela chegada dos milhares de jovens, adultos e idosos se expande para uma perspectiva de “outro poder” frente às instituições desacreditadas e decadentes. que gritam as palavras de ordem ¡La APPO vive/ lucha sigue!, ¡Prensa, prensa, prensa/ Si tiene dignidad, A ideia é que o povo pode dirigir a si mesmo de maneira autônoma, organizar coletivamente sua vida nosotros le exigimos/ que diga la verdad!, ¡no has muerto, no has muerto/ no has muerto camarada/ Tu muerte, social e política. Misturam-se os aportes organizativos da tradição indígena e socialista, operária e tu muerte, tu muerte sera vengada!. camponesa. Em pleno ano de eleições para a Presidência da República, o estado de Oaxaca dividiu os holofotes com protestos multitudinários contra a fraude na contagem dos votos promovidos pelo Todo o restante do dia é preenchido com atividades políticas e culturais. Comício político seguido de candidato derrotado. apresentação teatral no zócalo, ritual de sanación indígena numa caminhada em silencio, celebração com música e compartilhamento de tortillas e um pouco de mezcal “para fortalecer o corpo e o espírito”. As três mil barricadas noturnas relembraram àquelas parisienses de 150 anos, contudo agora contam com um elemento tecnológico decisivo. É possível enviar os comunicados urgentes via mensagem de Animado pela recepção de en pie de lucha, dou partida no mês pesquisas, entrevistas, participação texto, ou ligação, através de telefones celulares, para um eficaz articulador comunicativo: as diversas em reuniões e atividades políticas, numa intensa convivência com o aguerrido povo oaxaquenho. O rádios ocupadas pelo movimento. As valentes mulheres oaxaquenhas tomam ainda outro meio de objetivo é estar imerso no cotidiano local para entender como se deu a história do que procuro com- comunicação, o canal de televisão do governo estadual. partilhar nesta obra: o ensaio de uma revolução popular. O sinal ficou aberto para a livre expressão, cortaram-se as amarras que fazem a informação refém dos A explosão de revolta em 2006 é provocada por uma decisão reação repressiva encolerizada do gover- grupos empresariais. Frente ao bloqueio informativo promovido pelos meios de comunicação nacio- nador (PRI) contra protestos por demandas legítimas. Professores da rede estadual e nal como a Televisão Azteca e Televisa, a página da APPO na internet transmite a programação da Radio membros de organizações sociais ocupavam há mais de três semanas o zócalo da capital, em prejuízo Plantón, Radio Universidad e divulga diariamente boletins, atas de reuniões, resoluções das assembleias da imagem turística e da imagem do “cacique” local, o governador priísta. A ação contundente era a e informações de todo o tipo sobre a luta. Dois anos depois de todos estes acontecimentos marcantes de 2006, imerjo em Oaxaca. Érico Ve- ríssimo, que também relatou viagem ao país e esteve no estado, definiu oportunamente a tarefa de descrever a experiência de estar em solo mexicano: “Só dando forma literária a suas impressões duma terra e dum povo, só pondo em ordem suas lembranças é que pode um escritor começar a compreender esse país e esse povo”.

São as lembranças desse período, não apenas as minhas, mas sobretudo as coletivas, desses mexi- canos e mexicanas que construíram um dos mais heroicos capítulos da história das lutas populares recentes de nosso continente e do mundo, que procuro recuperar e registrar aqui. Para incentivar que nosso povo saiba que também é possível realizar no Brasil a continuação dessa luta mundial contra a exploração e a barbárie capitalista. Pois, parafraseando Gustavo Esteva, se o povo está na rua significa que está escrevendo sua vida e a história, por isso é considerado sempre muito perigoso. v ingança NO 14 DE JUNHO REBELDE

25 Uma praça ocupada convivendo com os fantasmas das for- pentina e brutal violência vinda das sombras se contrapõe ças da ordem, sempre assustadoras e dispostas a cumprir ao despertar repentino de manifestantes que não esperam

Locutor 1: (…) están bombardeando bombas de gas lacrimógeno arriba en nuestro edificio sindical mandatos irracionais custe o que custar. Nessa angustia por tamanha má surpresa. “Foi a agressão total. Quando rebelde junho de 14 no ngança V i compañeros, en este momento seguimos trasmitiendo aquí en Radio Plantón”la voz diária viviam os trinta mil acampantes. Eles são os senhores dormíamos, descansávamos, sem piedade nos bateram”4 O del magisterio popular” da praça desde o dia 22 de maio de 2006, momento em que primeiro alvo é o plantón. decidem radicalizar o movimento de grevista iniciando um Locutor 2: Estamos haciendo un llamado a todos los plantonistas hay que defendernos plantón [acampamento] no zócalo [praça central] da cidade As sombras ganham forma, aumentando o terror. A ex- con todo compañeros (…) hay que resistir compañeros (…) com prazo (in)definido até o atendimento das reivindicações. plosão das bombas deixa vislumbrarem guerreiros arma- Ao bloquearem as principais ruas do Centro Histórico em dos com equipamento pesados. AR-15, Super 38, calibre Locutor 3: (…) acabo de ver con mis propios ojos están lanzando gases lacrimógenos, desafio aberto ao poder do governador, os manifestantes de- 45 e outros calibres pesados5 além de cassetetes, bombas al interior del campamento del los maestros (…) prendan las luces de su casa, aviente cohetes monstram a disposição de pressionar firmemente pela res- de gás lacrimogêneo, lançador de gás pimenta, escudos e [soltem rojões], repiquen campanas [soem os sinos], toquen el claxon de su autos posta do governo estadual, cuja espera já dura três semanas cães. Com armamento até os dentes se inicia a invasão [toquem a buzina dos seus automóveis](…) por favor el arma mas importante da praça. que tenemos ahorita es que usted señora, señor, esté presente y esté pendiente [atento] Ali permanecem durante o dia e dormem a noite os pro- de lo que esté pasando, Radio Plantón está trasmitiendo muy a pesar de lo que pase. fessores, nutridos do respaldo e apoio ativo de membros de “Os rifles para [lançar] as bombas de gás lacrimogêneo organizações populares, sindicais, indígenas e estudantis. não iam dirigidas ao solo como deveriam ser para que se Locutor 1: tal vez la voz la escuchen un tanto distorsionada por que he tenido que colocarme Movimento encorajador, exemplo de resistência ao pouco deslizem as granadas, mas iam miradas às pessoas que aí un pañuelo mojado [pano molhado]. Las bombas de gas lacrimógenos se oyen caso das autoridades de plantão. se encontravam”6. No ar, um helicóptero privado dá apoio en todos los momentos y en todos lo lugares de nuestro edifico sindical. tático, filmando a ação e carregando um policial de rosto 7 Locutor 2: (…) compañeros estaremos convocando a movilizaciones en todo el estado, Durante a madrugada da quarta-feira, 14 de junho, pela encoberto que arremessa bombas com a mão . todo el estado debe de levantarse. Radio Plantón emite-se o alerta: “resistir organizadamente à repressão que está operando o governo estadual numa Outros inúmeros depoimentos recolhidos por entidades de [Ouve-se a canção chilena Basta Ya, do grupo Quilapayun]: atitude irracional. Enfrentemos essa investida com a ca- direitos humanos relatam a violência da operação: “chegou beça fria e o coração ardente. Preparem trapos e panos, a [Polícia Estadual] Preventiva batendo e chutando a todos”, ‘(…) Trabajo para el inglés/ trabajo de carretero [caminhoneiro]/ sudando por un dinero/ molhem-nos com água para resistir aos gases lacrimogê- “arrancavam e destruíam todas as coisas. Havia [acampa- que en la mano no se ve” neos e defender este espaço!”1. mentos de] delegações inteiras arruinadas”, “levaram tudo, Locutor 2: agradecemos a todos los ciudadanos las llamadas de apoyo que nos han hecho, cortaram, arrasaram; queimaram as malas”, “os professores Às quatro horas e trinta minutos, ainda na escuridão, que não puderam levar suas coisas as tiveram que deixar pedimos a todos los colonos [vizinhos] que por favor se organicen y todas las colonias [bairros] 2 organícense a la resistencia civil y a la ofensiva, les estaremos llamando compañeros y compañeras… três mil policiais municipais e estaduais, saindo das aí, [mais tarde] as encontraram todas retalhadas, cortadas, sombras da noite, invadem o território ocupado. Missão: queimadas, a roupa, os sapatos, tudo”.8 [Começa uma nova melodia instrumental. Ruído de interferência. Se corta o sinal.] “desalojar os professores”3. Retomar a praça não seria uma tarefa fácil para o movi- O pesadelo começa para aquela multidão aturdida. A re- mento social. A Radio Plantón entra em ação. As ondas do

1 La Jornada, México. Represión policiaca contra maestros en Oaxaca deja al menos 92 heridos. 15 de junho de 2006. 2 CCIODH, 2007, p. 32. 3 CNDH, 2007, p. 25. 4 CCIODH, 2007, p. 3. 5 RODH/CMDH, 2006, p. 4. 6 CCIODH, 2007, p. 60. 7 RODH/CMDH, 2006, p. 4. 8 Ibidem, p. 20. 26 27 ar, livres da fumaça dos gases da ação policial, emitem um Bautista Rodríguez. Todos acusados de “resistência a prisão A RADIO UNIVERSIDAD CHAMA À SUBLEVAÇÃO: desesperador chamado à resistência. A partir da praça o e danos à sociedade”11. VITÓRIA NO ZÓCALO

conflito penetra nos lares da população, pegos de surpresa rebelde junho de 14 no ngança V i pela violência repentina. O raio da ação policial se amplia. Perto dali, também houve arbitrariedades em outro espaço sindicato docente: o Hotel do Magistério. O imóvel, localiza- Há ainda um inimigo inesperado, invisível, mas eficaz, que do na região central, abriga professores de outras regiões que precisa ser rapidamente aniquilado. Silenciar a estação que vêm à capital para participar de atividades sindicais. vem atacando implacavelmente a administração do gover- “Sonó [Ecoou] la alerta en la calle por donde entró el regimiento/ y atrás de la barricada nador é imprescindível. “Bateram insistentemente à porta da habitação e [eu] se alborotó [revoltou] el campamento/Más tardaron en llegar que luego en salir corriendo/ imaginando que era o companheiro com quem divido porque la gente en la plaza ya se estaba defendiendo/ Salieron de todos lados con palos, gritos y A emissora Radio Plantón, única voz do movimento até ali, o quarto (…) vários policiais abriram completamente piedras/ y a toda la policía la mandaron a la mierda/ después vino el contraataque con fuerza está instalada no terceiro e último andar da sede do sin- a porta de maneira violenta e entraram (...) gritei para de tierra y aire/ con gases que los maestros se quitaron [se livraram] con vinagre13” i dicato magisterial Setor 22, a duas quadras do zócalo. O eles que não ‘plantassem’ uma arma no quarto, ao que V ngança no 14 de junho rebelde edifício abriga também um auditório, no qual se realizam um deles disse: ‘não te faças de sonso, essa arma é sua’. atividades, plenárias e encontros da categoria, além abrigar Agora me dizem que o delito era posse de armas. Algum toda a infra-estrutura político-administrativa da entidade. deles começou a gritar chamando ao agente do minis- tério público e o tabelião para dar testemunho da arma São destruídas as portas das salas, roubados os escritórios e ar- que haviam colocado no quarto; também tiraram fotos rasado o departamento jurídico9·. Além do quebra-quebra físico, minhas, do quarto e da arma”12. No mesmo lugar dois O plano do governador e da chefia policial de expurgar o mo- 1400 AM. Os meios de comunicação, conforme veremos, evidencia-se intenção política das ordens do governo do estado. outros homens são presos: o professor e representante vimento social do espaço público funciona bem. A repres- cumpririam um papel muito importante no período. sindical Robert Gasga Pérez e o zelador do prédio Miguel são é eficiente em suas primeiras manobras. Às seis horas “Três policiais entraram diretamente na nossa radiodifuso- Bautista Rodríguez. da manhã a ofensiva afasta os manifestantes do plantón. A “Estávamos em um grupo de cinco, seis estudantes na che- ra (...) começaram a danificar tudo: janelas, vidros, mesa de polícia queima as lonas das barracas, objetos pessoais e tudo gada às aulas, conversando, revoltados com a violência que som, nossos equipamentos de onde se edita o áudio, os des- mais que formava o acampamento. Todavia não contavam estava acontecendo contra o movimento no centro da cidade. truíram por completo. Dessa mesma maneira fizeram com com a contra-ofensiva popular que veriam em pouco tempo. Eis que aparece uma funcionária da UABJO e pergunta: ‘Por- o transmissor, o despedaçaram e reduziram a um equipa- que vocês não ocupam a rádio para denunciar tudo isso?’”, mento imprestável”10. Em outro bairro da cidade, afastado do centro, está a Ciu- conta a estudante de direito da instituição, Bellanira López, dad Universitaria, sede do campus da Universidade Autô- em entrevista ao autor. E assim se fez, conforme a sugestão. Na 92,1 FM são presos Roger Navarro García, Martimiano noma ‘Benito Juarez’ de Oaxaca (UABJO). Aquele seria um Velasco Ojeda, Acelo Ruiz Villanueva, César Pérez Hernán- dia comum na instituição, com as aulas começando às 8h. Convocados à resistência pelos jovens locutores, o povo se dez, Wenceslao Nava Casimiro, Wilebaldo Sánchez Reyes, Alguns dos estudantes que chegam, informados da repres- “arma” de paus, canos e pedras para expulsar os policiais do Marcelino Esteban Velásquez, Eduardo Castellanos Mora- são policial no centro da cidade, tomam uma decisão cru- centro da cidade. Ao amanhecer do dia, há pelo menos qua- les, Hugo Raymundo Cross, Robert Gazca Pérez e Miguel cial para o estopim do levante: ocupar a Radio Universidad, tro enfrentamentos com as forças da “segurança pública”.

9 Ibidem, p. 13. 10 Ibidem, p. 23. 11 Ibidem, p. 27. 12 Ibidem, p. 16. 13 Grupo Tapacamino - Son de la Barricada. 28 Começam a se reagrupar os despejados, fortalecidos com o e homens, jovens e adultos se fizeram um para derrotar os apoio de moradores da região e trabalhadores que chega- agressores”, analisa Víctor Manuel Gómez Ramírez do Mo- vam para o expediente. Nas primeiras horas da manhã o vimento ao Socialismo�. contingente de insatisfeitos soma número suficiente para retomar o território perdido. Um grupo de cerca de cem po- Às dez da manhã a praça, novamente, é do povo. Na opi- liciais é cercado por duas horas na área do antigo Palácio de nião do professor e sociólogo da UABJO, Víctor Raúl Martínez Governo (na praça central), sendo resgatado pelos seus pa- Vasquez, este momento conclui a primeira etapa de aconte- res após diversas tentativas frustradas14. Inicia-se a tomada cimentos do 2006 rebelde em Oaxaca. “Deixa de ser estrita- de ônibus urbanos na região com o objetivo de romper os mente trabalhista para se converter em um conflito político bloqueios policiais na esquina do zócalo. de amplo espectro, uma crise política”, analisa o pesquisador do Instituto de Investigações Sociológicas. “O magistério se Após as baixas, a polícia se aquartela em um dos mercados converte então no catalisador da inconformidade e protesto � i públicos. Lá chega, desnorteado, o secretário de Governo Jorge social que vinha se acumulando com o autoritarismo” V ngança no 14 de junho rebelde Franco Vargas. A ordem é de que os efetivos, golpeados, cansa- dos e humilhados, voltem imediatamente para batalhar pelo Como resultado da ação, são 114 os que saem feridos15 de centro. Ninguém fez caso dele�. Depois desse fracasso, grande ambos os lados. A maioria entre os plantonistas. parte da polícia de carreira desertou. Foram trabalhar em em- pregos provisórios ou se tornaram imigrantes�. A Rede Oaxaquenha de Direitos Humanos (RODH) lista os direitos violados neste dia na ação orquestrada pelo gover- Os manifestantes retêm em escolas o subdiretor operativo no estadual: integridade pessoal (uso excessivo da força e da polícia ministerial, Margarito López e mais sete policiais. tratos cruéis e desumanos a pessoas privadas de direitos), Posteriormente, eles seriam moeda de troca nas negociações liberdade e segurança (detenções arbitrárias, privação ile- para a libertação dos presos políticos do movimento�. Dois gal e inviolabilidade de domicílio), processo legal (ausência dos prisioneiros são da Coordenação de Planejamento e De- de assistência de um advogado e de informação sobre as senvolvimento do Governo do Estado (Coplade). Ambos se acusações formuladas e incomunicabilidade), possibilida- hospedaram na noite anterior no Hotel Marqués del Valle, de de expressão e pensamento, direito das mulheres e das quarto 206, com a finalidade de jogar bombas de gás das ja- crianças e de defesa dos direitos humanos (!). nelas para auxiliar os destacamentos policiais. Mais tarde, seriam encontrados no local com uma mala cheia delas�. Mesmo com tamanha repressão, não seria nesta oportunida- de que se conseguiria defenestrar o movimento sindical dos “Enquanto a maioria da direção do [Setor] 22 se escondia, professores de Oaxaca. Ademais, a barbárie fortaleceria ainda nos contingentes insurretos surgia um autêntico senti- mais a aliança dos maestros com os demais setores populares mento de camaradagem, apoio e solidariedade. Mulheres na luta contra o mandante da ação, o governador Ulises Ruiz .

14 VÁRIOS AUTORES, 2007, p. 28. 15 OSORNO, 2007, p. 34. ai l ção dos professores

34 35 para transformar a orientação política priísta de Gortari (1989-1994). A ingerência camuflada do SNTE. Para o lugar de Barrios foi eleita se dava no marco de uma relação de enfrenta-

Ya cansado de injusticia/ Y de engaño sindical/ El magisterio inconforme/ Ha empezado a protestar Elba Esther Gordillo, ex-deputada federal pelo mento que o chefe do executivo federal vinha professores dos lição A (…)¡No que no!, ¡si que si!/ El magisterio consciente/ Ha empezado a resistir (…) Si hoy se les sigue partido. Apelidada de la Maestra, completaria estabelecendo com alguns dinossauros sindi- a los charros/ Todo va a seguir igual/ Seguiremos mangoneando [vadiando com] el dinero sindical em 2009 duas décadas à frente do sindicato cais, numa suposta atitude de modernização (…) Compañeros de esta lucha/ La tenemos que ganar/ Unamos nuestro esfuerzos/ Juntos hemos de nacional docente. de estruturas sociais arcaicas do país. triunfar/ No le temas a su jefe/ Ni lo que diga el patrón/ Es mejor morir peleando /Defendiendo a la nación1 A nova mandatária, mesmo permitindo a O principal diferencial em termos de prática existência de uma oposição forte e beligerante, política dos professores democráticos de Oa-

manteve o controle do processo, na opinião xaca em relação ao sindicalismo charro é que A lição dos professores do jornalista e editor do jornal La Jornada Luiz há na entidade, além da clássica diretoria cole- Hernandez Navarro. Para ele, o que se gerou giada, coordenadorias de base, comitês de de- A greve de 2006 marca o 26º ano de plantón dos Também nacionalmente, a luta contra o cha- foi uma proposta alternativa a partir de cima, legados e a Assembleia Estadual como estância professores do Setor 22 na praça central da mado charrismo3 sindical (algo como peleguismo com envolvimento do então presidente Salinas máxima decisória do sindicato. cidade de Oaxaca. O Sindicato Nacional dos no Brasil) foi fortalecida pela mobilização dos Trabalhadores da Educação (SNTE) do México professores oaxaquenhos. A superação da soma 59 bases sindicais. Em Oaxaca estão os burocracia era o mote de uma nova geração setores 22 e 59. sindical que desde 1977 ganhava força no cen- tro e sul mexicano4. Juntamente com outros A mobilização sindical autêntica da categoria dez sindicatos, o Setor 22 participou de um no estado teve um marco em 1980, quando movimento impulsionado pela frente de sindi- os maestros oaxaquenhos iniciam o chamado catos de tendência democrática denominada Movimento Democrático Magisterial. Neste Coordenadora Nacional de Trabalhadores na Tengo un vecino que no trabaja/ y sin embargo vive muy bién (…) Se le llama líder sindicalista/ ano, estabeleceu-se uma auto-organização Educação (CNTE). Em 1989 o CNTE contribuiu Todos los charros que andan con el (…) Este malinchista5 tiene tanta influencia que hasta espontânea e democrática de base que durante para a derrubada do secretário-geral do SNTE, o processo grevista superou o burocratismo Carlos Jongitud Barrios. O superdirigente, que periodistas puede mantener/ Mientras los obreros pobres compañeros piden democracia 6 da direção sindical anterior. A Vanguardia Re- encabeçava então a entidade, é conhecido como yo también (…) Se va a acabar, se va a acabar/ El charrismo sindical volucionaria, antigo grupo dirigente, ligado ao como líder vitalício da Vanguardia Revoluciona- Partido da Revolução Institucional (PRI) carac- ria, e alcançou o posto de senador e governador terizava-se pelo sindicalismo autoritário e im- pelo PRI no estado de San Luís Potosí. posição de diretorias em congressos suspeitos, em eleições marcadas até pela vigilância de O movimento pró-democratização não con- agentes armados2. segue, contudo, ter peso nacional suficiente

1 Autor desconhecido - El Charrismo Morirá. 2 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 49. 5 Malinchista: referente à lendária la Malinche, índia que serviu como tradutora na expedição do comandante da invasão espanhola Hernán 3 No México a palavra charro significa cavalheiro. O charro mexicano se relaciona também com uma espécie de cowboy e com adornos Cortez ao império asteca. Responsabiliza-se este apoio pela dominação espanhola que se seguiria. Malinchismo é, então, uma expressão que militares de gala. Em outros países da América Latina chama-se de charro também o mariachi, músico tradicional mexicana. denota oportunismo, submissão, abandono e traição de seus pares, em favor de um forasteiro. 4 NAVARRO, 1992. 6 Autor desconhecido - El Charrismo Sindical. 36 37 O CONGRESSO POLÍTICO PREPARA A GRANDE BATALHA Entre os resolutivos aprovados no I Congresso “O Setor 22 não chegou isolado ao plantón de 22 de Político do Setor 22 está a política de denúncia maio, pois havia conseguido consolidar uma po-

das ações antipopulares do governador e que lítica de alianças. Isso também explica porque a professores dos lição A O Setor 22 vivia uma crise no início de 2006. No Frente à instabilidade, é convocado um Con- os professores devem fortalecerem a unidade repressão de 14 de junho afetou a muitos setores terceiro ano do Secretário Geral Enrique Rueda gresso Político do sindicato para abril de 2006. com os demais movimentos sociais, unifican- do movimento popular” avalia o professor José Pacheco a frente do Setor 22 , o sindicato vive As resoluções aprovadas no encontro fazem a do, desta forma, as mobilizações. Sotelo Marbán a defecção de um grupo pró-governista que o avaliação de que o governo de Ulises Ruiz é au- havia tentado destituir em uma Assembleia toritário e fascista9, repressor e saqueador do Estadual da categoria, acusando-o de corrup- erário público. Nos primeiros meses do ano de OAXACA FESTIVO, OAXACA ESQUECIDO

ção. A maioria dos delegados de base defende 2006, pouco mais de um ano de iniciada a ges- A lição dos professores a manutenção de Rueda. Há por parte deles o tão do novo governador, a Rede Oaxaquenha temor de que a troca de comando, com a in- de Direitos Humanos (RODH) contabilizava Se a repressão ocorrida no zócalo foi la gota que metros de altura. Chocolate, café e o mezcal dicação de um interino nomeado pelo Comitê mais de 600 detidos, ao menos 40 feridos, 33 desbordó el vaso [a gota que transbordou o copo] (bebida alcoólica semelhante à tequila) tra- Executivo Nacional (CEN) do SNTE dirigido por processados, 13 ameaçados, dois atentados, para a explosão de revolta, fato é que a situa- dicionalíssimos no país. As belíssimas praias Gordillo possa ameaçar a autonomia conquis- dez assassinados e um exilado todos eles de ção estava no limite há tempos. A contradição e baías do Oceano Pacífico, recanto de férias tada a duras penas frente ao charrismo. organizações sociais e funcionários públicos10. fundamental está em que existem duas Oaxa- de ricaços de todo o país. Esse número não considera os assassinatos cas: uma é o paraíso dos viajantes, festejada O agrupamento minoritário se levanta contra não esclarecidos contra dirigentes municipais pelo governo estadual e menina dos olhos da No estado de Oaxaca vive uma população de a posição de manutenção de Rueda Pacheco no e comunidades indígenas11. indústria do turismo local e transnacional. A 3,228 milhões de habitantes pouco mais que cargo majoritária entre os delegados e funda outra é a em que vive da maioria da popula- no Espírito Santo, divididos em um território uma dissidência. O recém-fundado Conselho O entendimento com maior aceitação no Con- ção: pobre, humilhada e excluída da festa. de 93,9 mil km² (ligeiramente menor que Santa Central de Luta (CCL) é liderado por alguns ex- gresso Político é de que as políticas do Setor 22 Catarina). São 570 municípios, mais de um Secretários Gerais do Setor 22. O SNTE, com deveriam privilegiar um modelo alternativo de Para os endinheirados, as opções de lazer milhão de pessoas se aglomeram na região apoio de La Maestra, rapidamente os reconhece educação, que se vinculasse com a sociedade são fartas e convidativas. Uma infinidade de conurbada à capital do estado13. como um novo sindicato, o Setor 597. O grupo através da incorporação das demandas da par- mercados com incrível diversidade de sabo- é acusado pelo Setor 22 de servir de correia de cela mais pobre da população, como as de que res, cores e cheiros. A arquitetura colonial Cerca de 45% do total populacional são indíge- transmissão das manobras de Gordillo e do PRI se servissem refeições na escola, a doação de tombada como patrimônio da humanidade nas, divididos em 16 povos originários: Zoques, para minar politicamente o magistério demo- uniformes para os alunos, materiais e bolsas pela Unesco. Ruínas da cidade antiga dos za- Triquis, Mixtecos, Ixcatecos, Huaves, Chinantecos, crático de Oaxaca8. para estudantes carentes, entre outras12. potecos, Monte Albán, de trajetória histórica Tacuates, Náhuatls, Zapotecos, Cuicatecos, Mixes, de dois milênios de existência (500 a.C. até a Amuzgos, Chontals, Chocholtecas, Mazatecos e Chati- invasão espanhola). El Tule, árvore considera- nos. É o estado que conta com maior composição da um dos seres vivos mais antigos do mun- indígena, representando 14,9% do total mexica- do, com cerca de dois mil anos e quarenta no. Falam línguas indígenas 38% da população14.

7 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 69. 8 La Jornada, México. Creará el SNTE nueva sección en Oaxaca para enfrentarla a los maestros de la 22. 12 de dezembro de 2006. 9 SNTE; CNTE; SECCIÓN XXII, 2006 apud RUIZ in CORTÉS, 2006, p. 65. 10 RODH, 2005, p. 19. 11 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 48. 13 MÉXICO, INEG, 2005. 12 SNTE; CNTE; SECCIÓN XXII, 2006. 14 MÉXICO, INI-CONAPO, 2002. 38 39 A principal atividade econômica do estado é dois salários mínimos, ou seja, renda de cerca No caso das administrações municipais, uma na promulgação de novas leis com as quais a agricultura, ainda que o turismo tenha au- de 520 reais). É de 38% o índice da população em reforma eleitoral consolidada em 1995 esta- o governo estadual dá reconhecimento ju- 19

mentado sua importância. A maior parte das pobreza extrema (alimentar) . beleceu na constituição estadual uma forma rídico a essa exigência”. Municípios regidos professores dos lição A unidades de propriedades rurais do estado é considerada avançada em termos de reconhe- por usos y costumbres são 41820, contra 152 coletiva, 44,1% sob o regime comunal, 27,4% O grau de analfabetismo para maiores de 15 cimento das práticas ancestrais indígenas. que elegem seus governantes pelo sistema ejidal e 28,5% privada15. É o 31º de 32 estados anos é de 19% e o índice de cidadãos que não Se trata do sistema de usos y costumbres, que partidário convencional. do México em Índice de Desenvolvimento concluíram o primário nesta idade é de 38%. faculta a cada comunidade sua própria forma Humano16, com o valor de 0,7336 (considerado São 4% de casas sem banheiro e 26% sem água de implementação do governo local. A implantação dos usos y costumbresé consi- médio-baixo), apenas a frente de Chiapas e encanada; 7% dos habitantes vivem sem ener- derado um triunfo político pelos grupos indí- 17 equivalente ao do Rio Grande do Norte . Dos gia elétrica; em 53% das casas habita mais de No livro Ciudadanias Diferenciadas en un Estado genas e suas organizações. Alguns analistas A lição dos professores quinze municípios mexicanos com menor IDH, uma família e em 35% delas o chão é de terra; Multicultural: los usos y costumbres em Oaxaca, sugerem que o motivo da regulamentação sete são de Oaxaca18. A grande maioria da po- 61% estão em localidades com menos de cinco o antropólogo e professor da UABJO Jorge desta autonomia apenas um ano após o levante pulação é considerada pobre (ganha menos de mil habitantes�. Hernandez-Díaz analisa como o clamor in- do Exército Zapatista de Libertação Nacional dígena por reconhecimento de sua unidade (EZLN) no vizinho Chiapas em 1994 está rela- cultural particular se converteu em organi- cionado ao temor de que a rebelião chiapaneca zação das lutas políticas. “No Estado de Oa- se espalhasse pela região, dados os altos índi- AUTORITARISMO E AUTONOMIA NAS INSTITUIÇÕES xaca, o avanço desse processo se manifesta ces de pobreza e marginalização social.

Teriam todos estes dados relação com o domí- Instituto de Estudos Sociológicos da UABJO, nio do Partido da Revolução Institucional, no Victor Raúl Martínez Vásquez. poder desde 1928 no estado? O personalismo (se centra no governador), o Voy a contarles de un tal Ulises Ruiz/ Un personaje soberbio y represor/ “A supremacia do poder do PRI no país du- predomínio das relações baseadas na força, o Que de Oaxaca es un mal gobernador/ Que salio peor que Murat su antecesor rante o século 20 se mantém em Oaxaca na exercício discricionário da lei, o uso patrimonial Siendo candidato dijo a los empresários/ Háganme ganar y los voy a apoyar/ primeira década do século 21. A alternância a do poder e recursos públicos, a preferência ao nível federal, depois das eleições do ano 2000, ocultamento e a manipulação da informação Voy a darles muchas riquezas e inversiones [investimentos]/ No voy a dejar nada a los pobretones que levaram Vicente Fox do Partido da Ação pública e a reação à prestação de contas, a li- (...) Voy a repetir lo que dijo ese culero [imbecil]/ No permitiré ni marchas ni plantones/ Ni de Nacional (PAN) à presidência, enfraqueceu os berdade de imprensa e as leis de transparência. campesinos, maestros ni obreros/ Para que así están agustos los patrones (...) Ulises Ruiz, controles do presidente sobre os governadores Essa é a face do governadorismo autoritário. Tal que mal gobernador/ De los que conozco yo creo que es el peor�21 e permitiu que eles atuassem sem feios nem regime impera desde a década de 1970 no estado, contrapesos, favorecendo o governadorismo incluído aí o caso dos municípios dominados pelo autoritário”, opina o sociólogo e professor do priísmo, assinala Martínez Vásquez.

15 MÉXICO, INEG, 2005. 16 PNUD, 2007. 17 CEPAL/PNUD/OIT, 2008. 18 PNUD, 2004. Coicoyán de las Flores, San Simón Zahuatlán, Santa María La Asunción, Santiago Ixtayutla, Santiago Juxtlahuaca, Huautepec e Santo Domingo Tepuxtepec. 20 MÉXICO, CONAPO, 2008. 19 MÉXICO, CONEVAL, 2007 21 Autor desconhecido - Ulises Ruiz, que mal gobernador. 40 41 ERA ULISES, UMA AMEAÇA ÀS LIBERDADES DEMOCRÁTICAS contra si próprio, fato que foi refutado por sión autoritaria, escrito pelo próprio candidato. investigação da Procuradoria Geral da Re- Entre outras acusações, disparou: a compra de

pública. Entre os indícios da farsa estavam votos com recursos do erário público, ilegali- professores dos lição A Em anedota contada em transmissão da de; destinação de recursos para municípios a alteração de provas, como o fato de que os dade da atuação de funcionários públicos, de- Radio Universidad, o locutor informa que o go- administrados pelos leais; proteção contra disparos teriam sido feitos de dentro do veí- sigualdade econômica entre as candidaturas e vernador Ulises afirmava: “Meu governo não denúncias de entidades sociais e apoio do legis- culo em que estava24. a parcialidade da justiça eleitoral na organiza- persegue”. Ao que retruca o comentarista: lativo e judiciário para barrar auditorias. por ção do processo eleitoral no estado. “Correto, mas faltou acrescentar que prende, outro lado, a auditoria em tempo recorde feita Os resultados finais do sufrágio demonstra- bate e mata”. em municípios administrados por opositores, ram a polarização que havia em Oaxaca: Ulises A carreira política do novo governante eleito

além da destituição destes presidentes muni- Ruiz Ortiz (PRI) obteve 512 mil votos (47,7%) está ligada ao priísta Roberto Madrazo, der- A lição dos professores Assim acontece em Oaxaca desde 2000, ano cipais quando possível. Alguns dos adversários enquanto Cué (PRD) apareceu com 462 mil rotado como terceiro colocado na campanha de inflexão na postura dos governadores na se viram obrigados a migrar a outras terras, (42,8%), a maior votação de um candidato opo- à presidência em 2006. Governador de seu relação entre o Estado e os movimentos sociais. outros sofreram com a prisão, o acosso em sicionista na história. Há que se mencionar que estado natal Tabasco (1995-2000) e presidente Passou-se a um retrocesso no diálogo para o seus empregos, as ameaças diretas, auditorias, 48% dos eleitores não foram às urnas 25. do PRI (2000-2005), teve Ulises como assessor atendimento nas demandas que vinha ocor- pichações e escárnio público, explica. durante muitos anos e impulsionou a carreira rendo de forma relativamente tranquila desde A eleição foi realizada em 1º de agosto. No en- política do pupilo. O oaxaquenho se notabi- 197722. Naquele tempo, um movimento contra Ao final de seu governo, o grupo político de tanto, dada a polêmica quanto a uma possível lizou na boca-pequena como habilidoso ma- os desmandos do então governador Manuel Zá- sustentação de Murat estava rachado e seu fraude, a oficialização da vitória do PRI na jus- pache26 articulador político especializado em rate Aquino e pela democratização da reitoria governo tinha popularidade baixa, o que tiça se deu somente em 17 de novembro, quinze montar fraudes eleitorais de Madrazo. da UABJO o levou à renúncia. abriu espaço para a construção de uma can- dias antes da posse. didatura oposicionista competitiva. Gabino O estilo U.R.O. de governar é ilustrado por um José Murat Cassab, que exerceu a chefia do Cué, dissidente priísta, era prefeito de Oaxaca A principal evidência da fraude eleitoral foi episódio relatado por Diego Osorno. Logo no executivo (1998-2004) antes de Ulises Ruiz desde 2001 e representou com a coligação um fato que acontece reiteradamente em início de seu mandato, Ulises Ruiz Ortiz recebeu Ortiz, inaugurou o “novo ciclo autoritário”23 de “Todos Somos Oaxaca” o desejo de mudança eleições no México quando há risco de derrota em seu gabinete o militante Raúl Gática Bau- governos priístas em Oaxaca. Entre as evidên- de comando, unificando em uma mesma do PRI: o sistema eletrônico de apuração caiu tista, do Conselho Indígena Popular de Oaxaca cias apontadas pelo professor Martínez Vás- aliança eleitoral forças políticas como o e, quando retornou, o candidato priísta, que “Ricardo Flores Magón (CIPO-RFM). O ativista quez para tal classificação, pode-se apontar a Partido da Revolução Democrática (PRD) de aparecia em desvantagem na contagem dos levava em mãos uma ordem de proteção expe- indicação de leais apoiadores priístas para os centro-esquerda, e o Partido Ação Nacional votos, sagra-se “vencedor”. dida pela Comissão Interamericana de Direitos cargos de primeiro e segundo escalão de seu (PAN), de direita. Humanos (CIDH). O documento solicitava ao governo, mesmo que sem o perfil exigido para Este foi uma das evidências que o derrotado governo de Oaxaca assegurar a Gática uma tal; a destinação de obras públicas a empreitei- A pré-campanha foi marcada por assassina- Cué denunciou contra a campanha da coliga- guarda permanente de dois policiais, assim ros do círculo do PRI houve muitas obras que tos de diversos políticos. Em meio ao clima de ção que elegeu Ulises Ruiz, compiladas no livro como apoio financeiro, pois a vida do ativista se tiveram que ser refeitas por falta de qualida- tensão, Murat chegou a simular um atentado” intitulado Oaxaca: Transición democrática o regre- encontrava em perigo, dadas ameaças que ha-

24 Ibidem 31. 22 Exceção feita ao período 1996-1998, quando o governador Altamirano endureceu as ações contra comunidades indígenas que acusou de 25 Informações do Instituto Estadual Eleitoral (IEE) de Oaxaca. Disponível em: http://www.iee-oax.org.mx/index.php?option=com_content&tas apoio à guerrilha do Exército Popular Revolucionário – EPR. k=view&id=27&Itemid=57. 23 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 24. 26 Gambá, em português. 42 43 via recebido. A Gática, Ulises Ruiz respondeu: “A Coyotepec, ao lado da Secretaria de Proteção Em novembro, a Confederação Revolucionária viagem. Alguns dias depois, são destruídos os mim podem vir a dizer-me isso a [Comissão] In- Cidadã (a Secretaria de Segurança), e a Câmara Operária e Camponesa (CROC), um dos braços equipamentos da redação e os comunicadores

teramericana, a Nacional, a Estadual e até a In- de Deputados Locais (estaduais) para San Ray- sindicais do PRI, invade a redação do jornal à são agredidos durante o despejo violento. Até professores dos lição A terplanetária, e eu as mando chingar a su madre. mundo Jalpan, também na região. revelia dos próprios trabalhadores. Entre os vendedores do jornal são agredidos na rua, sem Se você me arrumar alguma confusão te mando invasores estavam taxistas, caminhoneiros e que haja intervenção policial31. prender. Escute bem, cabrón!”. Com a solução Multiplica-se a violação de direitos humanos. policiais vestidos de civis, com a cumplicidade apresentada, o militante fugiu para o Canadá, Agustín Sosa, da organização indígena Frente da polícia estadual e municipal de Santa Cruz Há registro de diversos outras agressões ao onde vive como asilado político. O governador, Única Huautleco, é o primeiro preso político da Amilpas, onde está localizado o Notícias. Eram direito de liberdade de expressão e perseguição ao saber da partida de Gática, passou a noite nova administração�. Há agressões policiais a oitenta homens armados e encapuzados, su- aos que ousavam desafiar o governo estadual. � festejando em um bar na Cidade do México . membros de organizações sociais, assassinatos postamente em uma ação sindical para forçar São investidas contra colunistas políticos e A lição dos professores não esclarecidos contra dirigentes comunitários, o veículo a fechar um acordo coletivo com al- rádios comunitárias e todos que desafiavam “Aqui não existem ambuguidades. O governo é ameaças e detenções de ativistas. Estava implan- gumas categorias representadas pela central, o governador. O dono do jornal Expressión foi do PRI e vamos trabalhar para que ganhe o PRI. tada a política repressiva, “a ordem pública” seria recorda Matías29. preso por publicar informação que era enviada Se algum secretário não fizer assim, o exonero. garantida. Ulises Ruiz cumpria seu compromisso a ele pelo jornal nacional La Jornada na Cidade A frase demonstra a concepção de Ulises sobre de campanha com os setores empresariais: nem No mês seguinte aos desmandos, ocorre uma do México. Ele não escrevia nada, apenas pu- a separação entre Estado e governo, como relata passeatas, nem acampamentos. Cástulo López, passeata formada por organizações políticas, blicava. Ulises mostrava a que tinha vindo32. Gustavo Esteva, ativista mexicano autodefinido militante do Comitê de Defesa dos Direitos do estudantis, camponesas, operárias, sociais e como “intelectual não-profissionalizado”, fun- Povo (CODEP) rebate, em entrevista ao autor, o civis em apoio ao jornal e em defesa da liberda- Após a limpa dos movimentos sociais, faltava o dador da Universidade da Terra em Oaxaca�. mérito da proposta: “como ele pode querer nego- de de expressão30. incômodo sindicato de professores do Setor 22, ciar um direito constitucional”? maior movimento social do estado33. Desde o início, a administração de Ulises é mar- O ataque continua. Matias descreve outra das cada pela repressão e criminalização dos mo- Também estão na mira os meios de comu- ardilezas da CROC. Em julho de 2005 a central Maio de 2006 marcaria o início da guerra. No vimentos sociais. Em relatório de 2005, a RODH nicação. Opositores, é claro. O caso mais inicia ilegalmente uma greve, com uma pauta Dia do Trabalhador (1º de maio) os maestros apre- denunciava os agravos do governo estadual emblemático foi a perseguição ao jornal No- de um aumento salarial irreal, mais uma vez sentam sua lista de demandas para a database contra os ativistas e a cidadania27. tícias, Voz y Imagen de Oaxaca. Essa publicação contra a vontade dos próprios trabalhadores. daquele ano, já com indicativo de greve para o é a mais vendida do estado e publicamente São retidos os jornalistas na redação e impe- dia do professor, 15 de maio. São 17 demandas, Àquela altura, ações da nova administração do apoiou a candidatura de Cué, denunciando dida a impressão do periódico na gráfica do sendo a mais importante a rezonificação: mu- PRI já provocavam o descontentamento popu- posteriormente também a fraude eleitoral. prédio. O jornal desvia a impressão para outra dança de nível de remuneração dos professores lar. Entre as primeiras estava a transferência Um de seus repórteres, Pedro Matias, conta cidade, mas os caminhões de entrega são in- de Oaxaca do grupo de menor salário para o de das sedes dos poderes executivos e judiciário. que a ofensiva começou em 2004. O gover- terceptados pela polícia. O Notícias passa a ser maior, correspondente a regiões com custo de O gabinete do mandatário, historicamente nador Murat tentou comprar parte do Notí- enviado por via aérea da capital a partir do mu- vida mais caro. A explicação é que em função do localizado coração da cidade, foi tranferido do cias, mas teve oferta recusada pelo proprie- nicípio de , localizada a uma distância fluxo turístico intenso na região, os preços são zócalo para o município conurbado Santa María tário. Com isso, iniciam-se a represálias28. que por terra seria percorrida 2 horas e meia de altos, mesmo se tratando de um estado pobre.

28 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 234 29 Ibidem, p. 234. 30 Ibidem, p. 235. 31 Ibidem. 27 RODH/CMDH, 2006. 32 Ibidem. 44 45 O governo jogou duro, explica Sotelo Mar- Acusava-se o magistério de ser o responsável No dia 2 de junho ocorre a primeira Megamar- bán: “Ao invés de estabelecer uma política de pelo atraso educativo do estado em razão de cha, passeata convocada pelo Setor 22. Res- 35

aproximação e negociação com o sindicato, seus 26 anos de luta . O alto custo da campa- pondem ao chamado cem mil manifestantes. professores dos lição A empreendeu uma série de ações dirigidas a im- nha, que incluía a Televisa e a Televisão Azteca, Cinco dias depois a segunda, assistida por pedir, a qualquer custo, a realização da greve evidenciava que estava sendo financiada pelo duzentos mil. Ocorre o juízo popular do go- e conseguir o retorno a classes sem ter nego- governo do estado através de uma organização vernador, no qual participam organizações de ciado nenhuma contrapartida em benefício do fantasma, presume Sotelo Marbán. bairro, sindicatos e comunidades que haviam movimento magisterial. Tradicionalmente se sofrido a repressão por parte do governo do instalava uma mesa de diálogo e negociação; Setor 22 e Ulises Ruiz medem forças. Este ofe- Estado. É bloqueada a central da companhia

no entanto, o governo do estado se negou a receu um valor menor do que no ano anterior estatal Petróleos de México (Pemex) e liberado A lição dos professores dialogar e fechou todos os canais”. O retorno para a rezonificação (60 milhões de pesos o pedágio em algumas rodovias no dia 6 de mandou em uma carta na qual assinalava que contra 105) e ameaçou que, se não se encer- julho. Para explicar a opinião pública quais são essas demandas não podiam ser atendidas, rasse o acampamento, seriam descontados os as demandas do magistério, vai ao ar a Rádio que o magistério devia tratar com a União e salários pelos dias sem aulas. Proposta negada Plantón em 92,1 de FM. O povo oaxaquenho em não com o estado. Enquanto isso Ulises Ruiz pelos professores, o tom sobe e a Secretaria luta começa a perceber a importância de ter o passeava por viagens internacionais34. de Educação diz que retirará a proposta, bem controle dos meios de comunicação. como demitirá os professores por abandono de Frente a esta situação de impasse, os profes- emprego e os substituirá nas salas por novos sores entram em greve no dia 22. São 11 mil as contratados. O sindicato responde, dizendo escolas fechadas e 1,3 milhões os alunos sem que caso suas demandas não sejam atendidas, classes. No mesmo dia, começa o acampamen- não negociará mais com o governo estadual. to no zócalo, que conta apoio e reforço solidário de diversos movimentos sociais de Oaxaca�. Os deputados estaduais aprovam, em 1º de ju- nho, uma exigência de regresso às aulas. Caso Além de negligenciar as reivindicações, a contrário, ameaça o movimento com sanções e a postura da administração pública é a de de- intervenção federal no estado. A reação dos pro- preciar os professores. Surge uma Associação fessores é a ocupação dos acessos ao Aeroporto Estadual de Pais de Família (AEPF), que veicula Internacional Benito Juárez. Ulises Ruiz Ortiz em rádios e televisões peça publicitária com a convoca os prefeitos, a maioria priísta, para acor- locução de vozes infantis que exigiam: ¡Maes- dar a municipalização do ensino e a substituição tros al salón [sala de aula]/ no al plantón!, ao que dos professores grevistas. Como isso incidiria em respondem os professores com um “¡Maestro, custos para os administradores, e a maioria dos luchando/ También está enseñando [ensinando]!”�. municípios é pobre, a proposta é reprovada�.

33 Em RODH, 2005 encontra-se o relato cronológico das agressões durante o primeiro ano de governo de Ulises Ruiz. 34 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 69. 35 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 61. me ios para lutar

50 51 Antes mesmo da insurreição de 2006, o Setor como souberam manter os velhos avós de cursos econômicos devem ser: a imaginação, 22 havia iniciado com sua emissora uma es- nossos povos”2. a criatividade e a inteligência”5.

periência que poderiam cumprir os meios de lutar para ios M

comunicação apropriados pelo povo. Era a Ra- No dia seguinte, 24 de maio, é organizada uma e dio Plantón. Rádio sindical, educativa, comuni- cabine de transmissão e esboçada a primeira RADIO PLANTON, OTRA VEZ AL AIRE tária, alternativa, livre e cidadã1. Resultado de programação. No restante da semana o projeto anos de discussões em assembleias e congres- toma corpo. São recebidas algumas chamadas e sos do Setor 22, vai ao ar às dez da noite da telefônicas, feitas entrevistas e há um aumento Sanzón Jiménez Dominguez é professor de edu- distingui-la das demais quando se recorria o M ios para lutar segunda-feira, 23 de maio de 2005, em 94,1 de no acervo de áudio3. Após alguns dias de teste cação indígena e, com outros quatro professores dial do aparelho de rádio: se escutavam deba- Frequência Modulada. Era real a possibilidade o sinal da radio Guetza é devolvido. Decide-se e militantes do movimento social oaxaquenho, tes sobre o movimento sindical do Setor 22, de se poder escutar a voz dos professores no pela faixa 92,1 FM, um espaço livre no espectro. um dos entusiastas da criação da Radio Plantón. músicas da Nova Canção Latinoamericana6 e ou- invisível espectro eletromagnético. A entrevista ao autor é dada na própria rádio, tras em idiomas nativos. Mesmo com tão incipiente atuação, a Radio terceiro andar da sede do Setor 22. Apenas em fase de teste, entretanto. A emisso- Plantón já é alvo de críticas enfurecidas. O O maestro explica que um dos fatores para o ra começa esta primeira transmissão com os jornal Tiempo de Oaxaca registra as acusações O estúdio é simples. Dois pequenos cômodos projeto ter ido adiante é a sua forma organi- equipamentos emprestados por coletivos de de Isauro Cervantes Cortés, da Câmara da In- junto ao auditório do prédio. Pouca coisa ali zativa: “A rádio conta com uma estrutura ho- rádios comunitárias como Radio Guetza (que dústria de Rádio e Televisão (CIRT) e do dire- lembra uma rádio, em termos de infra-estru- rizontal, contamos com o auxílio de diversos cedeu temporariamente a faixa de transmis- tor de noticiários da Organização Radiofônica tura. A cabine não tem isolamento acústico. É radialistas externos e apoio da estrutura do são), o Centro de Acompanhamento Comuni- de Oaxaca (ORO), Humberto Cruz Matias. As apenas uma salinha com uma mesa de madei- sindicato e seus professores.” tário e Rádio Tupa Movil. transmissões são qualificadas como apologia ra ao centro, na qual se apoiam os microfones. à rebelião e difusão de programas radicais, Na parede, cartazes de atividades políticas do O percurso do primeiro ano (2005) foi basica- Em carta endereçada a estes e outros gru- questionamento de maneira impune às auto- Setor 22 e do movimento social mexicano e mente experimental, mas já mostrava uma pro- pos, pode-se entender o que se germinava ridades municipais, estaduais e federais e uti- mundial. A grade de programação é escrita a gramação bastante diversa: Con Verdad y valor, ali, o porquê da tomada dos meios de comu- lização indevida do espectro radiofônico, área mão em uma cartolina na outra sala, onde es- programa informativo feito pelos trabalhadores nicação em 2006 não ter sido completamen- estratégica de segurança nacional4. tão localizados o computador e a mesa de som. do jornal Notícias; Voces y acordes de Oaxaca, musi- te gratuita. “Aprendemos com todos vocês; cal de gêneros tradicionais do Estado de Oaxaca; sua unidade nos ensinou que para resistir é Ante os ataques, a equipe procura soluções Àquela altura, 2008, a rádio estava constan- Latinoamérica canta y lucha, música latinoameri- necessário apropriar-nos dos meios de co- coletivas para dar continuidade ao projeto. temente mudando de faixa de frequência. Os cana e informação sobre a região; Voz de las or- municação. Veríamos que não só resistir, se- A carta A todos los compañeros, destinada aos bloqueios da Secretaria de Comunicação fede- ganizaciones, programa de análise de conjuntura não ter o seu próprio, como quando se ocu- operadores, técnicos, locutores e responsáveis ral tinham se tornado reiterados. Como numa das organizações sociais; Voz e imagen de la Sierra, pa o espaço que lhe é negado. Por isso hoje por programas da rádio solicita aos colabora- brincadeira de gato e rato, quando se bloque- de informações sobre recursos naturais da Serra queremos ser parte de vocês nesse processo dores: “É necessário que todos nós apliquemos ava uma faixa lá se ia a emissora se acampar Norte de Oaxaca, em especial os problemas cau- de construção para dar vida a nossa palavra, nossas ferramentas, frente à carência de re- em outra. No entanto, continuava sendo fácil sados pela exploração de minérios. A grade de

1 Informe da Rádio Plantón à assembléia do Setor 22 em setembro de 2007. DVD Rádio Plantón - Otra Vez al Aire. 2 “Carta de agradecimiento a los compañeros de radios comunitarias y populares que hicieron posible la primera fase del proyecto radiofónico, magisterial, popular, ciudadano ‘Radio Plantón - la voz del magisterio democrático’ de la sección 22 del SNTE-CNTE”. DVD Radio 5 Carta “A todos los compañeros (operadores técnicos, locutores y responsables de programas) que colaboran de manera solidaria con Plantón - Otra Vez al Aire. ‘Radio Plantón’”. DVD Rádio Plantón - Otra Vez al Aire. 3 “Informes de Actividades de Radio Plantón”. DVD Radio Plantón - Otra Vez al Aire. 6 Movimento artístico das décadas de 1960 e 1970 que propunha o resgate de tradições folclóricas e o engajamento social nas letras e 4 Acusações relatadas e respondidas pelo Setor 22 no pronunciamento A la Sociedad Oaxaqueña em 1º de agosto de 2005. DVD Rádio músicas. São apontados como representantes dessa vertente: Mercedes Sosa (ARG), Victor Jara (CHI), Amparo Ochoa (MEX), Savia Andina Plantón - Otra Vez al Aire. (BOL), Geraldo Vandré e Chico Buarque, entre outros. 52 53 programação continha ainda programas sobre O professor Sanzón conta que depois desta de uma rádio livre que Oaxaca já tinha experi- Radio Plantón pela polícia em 14 de junho11, a temas sindicais, culturais, educativos, infantis, data, a programação “oficial” da rádio fica mentado”, afirma a jornalista Nancy Davies10. emissora segue transmitindo em condições

esportivos, juvenis, feministas e homossexuais. de lado para que se coloquem no ar chama- adversas. Novamente se recorre aos emprés- lutar para ios M

das do público e sua participação ao vivo. Os Mesmo fora do ar, a rádio do Setor 22 con- timos de aparelhagem de outras organiza- e Em 2006, a assembleia dos professores de 3 de programas cederam espaço a horas de liga- tinua exercendo influência. “Muitos dos es- ções. Enquanto não conseguiam retomar a junho de 2006 delibera sobre a importância ções. O estúdio, em fórum de denúncias. Ho- tudantes que ocuparam a Radio Universidad emissão do sinal por ondas magnéticas, a da relação plantón-rádio: Que cada plantonis- mens, mulheres, crianças e idosos ligavam fizeram oficinas de rádios comunitárias e ideia é transmitir pela internet. Se provavel- e ta sintonize Radio Plantón 92.1 FM, único meio para mostrar solidariedade, dando sua opi- livres com a Radio Plantón. O pessoal técnico mente a transmissão através do endereço M ios para lutar eletrônico verdadeiro de informação sobre as nião sobre política, e denunciando os abusos também aprendeu a operar os equipamentos www.radioplanton.mx.kz não surtiu tanto atividades sindicais7”. dos que estavam no poder.8 aqui conosco”, completa o professor Sanzón. efeito no próprio estado, foi um dos princi- pais instrumentos de comunicação da Comu- Depois da destruição dos equipamentos da na de Oaxaca com o mundo. radioplantón sigue radio universidad, la voz de la verdad

Antes dos acontecimentos de 14 de junho, aqui em Oaxaca, a rádio Universidade havia – Sim, boa noite. vindo funcionando como uma rádio cultural, mas que praticamente não a escutavam nem os próprios universitários9 – Boa noite, quero manifestar às autoridades que no estado de Oaxaca, com a atuação agressiva das corporações policiais está se violando o texto constitucional que diz que a manifestação de ideias não será objeto de punição judicial ou administrativa”. – Eu fui testemunha de como a fraude aconteceu aqui em Oaxaca na eleição de Ulises. Eu estive participando como mesário e tive em mãos as atas das urnas e em todas que eu tive oportunidade de notar diziam que o que havia ganhado era Gabino [Cué, candidato derrotado ao governo estadual]. Todas. Por meio de rádio, de telefone, estive me comunicando com companheiros de outras regiões do estado e em todas as partes ele tinha ganhado. É incrível No dia 14 de junho, a programação colocada no pertences queimados pela polícia. Eram dadas 12 ar pelos universitários pede comida, água e ves- informações, locais e horários das reuniões do que nos 20 minutos que “caiu” o sistema o resultado mudou completamente e favoreceu Ulises . timentas para reerguer o acampamento, o que movimento, discursos de estudantes e professo- auxilia os desalojados que acabam de ter seus res. “Radio Universidad foi a coisa mais próxima

10 DAVIES, 2007, p. 62. 11 O relatório elaborado pela emissora aponta os bens destruídos pela invasão da polícia: 10 microfones profissionais, cinco pedestais de mesa, quatro computadores, uma mesa de som, um reprodutor profissional de CD, um reprodutor de cassetes, um compressor de áudio, uma 7 “Sinopsis de los Programas Transmitidos”. DVD Rádio Plantón - Otra Vez al Aire. mesa de som, um gravador de minidisk, um rádio UHF, um rádio banda civil. Entre os equipamentos de transmissão estragados no dia têm-se 8 “Asamblea Estatal Permanente de La Seccion 22 celebrada el dia 3 de Junio del 2006 en el Auditorio ‘Profesor Enedino Jimenez Jimenez’”. um balanceador, uma unidade osciladora, duas fontes, uma unidade amplificadora, um potenciômetro, diversos cabos coaxiais e terminais DVD Rádio Plantón - Otra Vez al Aire. UHF. Documento “Relación de Perdidas”, DVD Rádio Plantón - Otra Vez al Aire. 9 Rádio Ke Huelga. Programa Resistencia Radiofónica, agosto de 2006. 12 Radio Universidad, novembro de 2006. 54 55 A Radio Universidad é o meio de comunicação forte”, as instalações ocupadas: “Todo dia pas- A aparência é de uma abuela frágil, por seu Antes de subir ao palanque naquele dia, Berta que permanece o maior tempo no ar durante sam por essa porta centenas de pessoas: uma cabelo totalmente grisalho e corpo delgado, deixou um depoimento gravado em vídeo no

o movimento de 2006. professora aposentada que leva uma grande inexplicavelmente resistente a anos da ro- qual responsabiliza o governador Ulises Ruiz lutar para ios M

sacola com bolinhos, uma enfermeira com tina de doses combinadas e incontroláveis Ortiz e o presidente Felipe Calderón Inojosa e Na noite de 23 de junho ocorre o primeiro aten- medicamentos, um camponês que leva uma de café e cigarros. Puro engano. “Sou filha por qualquer atentado que poderia sofrer. tado contra as instalações da emissora ocupa- carta para a Doutora Berta, um vizinho com de [19]68”. da. Um grupo de vinte desconhecidos vestidos um enorme frasco de maionese e queijo ( ) es- A recepção popular à volta da Doctora foi efusi- e de preto e encapuzados, a bordo de um auto- tudantes que vêm de Rosário ajudar, jornalis- Berta esteve exilada na Bolívia por dois anos va. Empolgados e emocionados, os presentes ao M ios para lutar móvel e uma caminhonete, atiram contra o tas que passam apenas para checar, músicos depois de novembro de 2006 em razão de ame- ato gritavam: “¡Te queremos, Doctora te queremos! prédio12. Em 8 de agosto o ataque é mais ousa- que vêm dar uma canja (...)18” aças enviadas a ela e sua família. Lá fundou do, e desta vez definitivo, destruindo um equi- a emissora online Radio Escopeta com o lema: Conversamos poucos dias depois, antes de pamento importante. É jogado ácido sobre o Hermann Bellinghausen, do mesmo periódico, Disparando ideas en tu consciência19. se iniciarem um dos diálogos dominicais os transmissor enquanto se incendeia um ônibus ilustra o alcance social das transmissões. Se quais Berta convidara a população a realizar urbano dentro do campus, com o objetivo de escuta em todas as partes. A pessoa caminha A volta da Escopeta oaxaquenha ocorreu no dia na praça central da cidade a partir de seu re- distrair a vigilância13. “Pueblo de Oaxaca, nos pelas ruas, entra nos comércios, escritórios, da Megamarcha que relembrava os dois anos da torno. Doutora, porque o povo quis falar? “Não están disparando, nos están disparando; tíren- casas, cruza com carros com o rádio ligado, e brutal repressão de 25 de novembro de 2006. A há uma razão. A gente não pensou, só sentiu. se al suelo compañeros”, ouve-se no ar14. todos sintonizam a voz da verdade, que infor- insegurança na decisão do retorno era grande. Quando se dá a oportunidade de falar, se tem ma, propagandiza, mobiliza. muito a dizer.” Universitários que estavam no local acusam um grupo de porros15 da UABJO pelos ataques. Tive oportunidade de conversar com a locu- a explosão do movimento Os atiradores do dia 23 de junho estariam vin- tora que mais se notabilizou na Radio Univer- culados a um deputado local do PRI, filho de sidad durante o período. Berta Elena Munõz uma ex-reitora da instituição16. Um dos res- Mier, Doutora Berta, ou Doutora Escopeta. En- ponsáveis pelo segundo ataque, detido ainda fermeira há 32 anos, é catedrática da Facul- armado pelos universitários, afirmou ter rece- dade de Enfermagem da UABJO e trabalha- bido dinheiro para queimar o ônibus17. dora de um hospital. A partir do retorno das Sus programas están diseñados para fomentar en los radioescuchas [ouvintes] los valores familiares, transmissões da rádio, em outubro de 2006, cívicos y morales. Así como, impulsar el respeto a los derechos humanos y la participación social 33 Com a colaboração de muitos técnicos, em ge- La Doctora trocou o posto no atendimento ral jovens, a Radio Universidad volta ao ar no médico aos feridos pelo microfone e foi ao Informar a la capital oaxaqueña de los sucesos [acontecimentos] más relevantes acontecidos final de outubro. A enviada do períodico La ar, de onde saiu somente quando se findou o en el territorio oaxaqueño a través de sus espacios informativos.20 Jornada descreve o que chamou de “pequeno alcance do sinal.

13 FIDH, 2006, p. 23. 14 Radio Universidad. 8 de agosto de 2006. 15 Porrismo é o fenômeno da existência de grupos estudantis de choque formados por jovens “bate-pau”, que promovem o vandalismo e acossamento contra a militância estudantil não vinculada ao governismo. Estes militantes, bastante conhecidos por sua atuação na Universidade Nacional Autônoma do México (UNAM) e nas universidades e escolas secundaristas públicas do México, são acobertados e financiados por partidos e organizações políticas direitistas que objetivam destruir qualquer constestação independente no movimento estudantil. 16 La Jornada, México. Ejecutan a catedrático de la Universidad de Oaxaca. 9 de agosto de 2006. 19 Segundo apresentação de seu sítio oficial: Radio Escopeta: “contribui a debilitar o imenso poder mediático da conspiração capitalista e 17 La Jornada, México. Presentan a saboteadores de Radio Universidad de Oaxaca. 10 de agosto de 2006. aponta para uma democratização do espaço radioelétrico” (http://radioescopeta.wordpress.com). 18 La Jornada, México. Abuso de poder, miseria y olvido detonaron el conflicto: Berta Muñoz. 16 de novembro de 2006. 20 Apresentação da Corporação Oaxaquenha de Rádio e Televisão (CORTV). Disponível em: http://cortv.com.mx/quienessomos.php 56 57 À terceira rádio que o movimento social teve Uma das locutoras conta como viveu a em- Foi a resposta, logo na manhã seguinte, à ten- cobrimos que haviam três estúdios com dife- em mãos coube dar a notícia do assassinato preitada de assumir o controle da transmissão tativa de silenciar a voz do movimento dos rentes frequências. Nós da Radio Universidad

do primeiro morto por participação política na de uma rádio: “Só havia três [locutoras] no mi- professores. São doze emissoras radiofônicas tomamos a Magia 1080 AM, as mulheres da lutar para ios M

rebelião de Oaxaca: Marcos García Tapia, den- crofone no início. Nós não dormimos naqueles tomadas pelo povo na manhã de 21 de agosto. Radio Cacerola tomaram 1460AM e os jovens e tista e professor da UABJO, baleado por desco- primeiros dias, enquanto organizávamos tudo. anarco-punk ficaram com a 98,5FM”�. nhecidos enquanto dirigia. Tínhamos que transmitir primeiro durante a A ação do povo é espontânea. “Ao parar nas manhã, supostamente para animar as pesso- rádios perguntavam: onde está a antena de tal Pela manhã, os novos locutores das rádios pe- e A Radio Cacerola, 96,9 FM e 680AM na capital, as, mas estávamos tão exaustas que fizemos rádio? Em “El Rosarito”. “Pede-se que os mora- dem desculpas aos ouvintes acostumados a ou- M ios para lutar é transmitida da sede da Corporação Oaxa- isso com os olhos quase fechados. dores de El Rosarito que pensavam em vir ao vir suas músicas prediletas no café da manhã. quenha de Rádio e Televisão (CORTV). Com a centro reforcem a guarda das rádios, é melhor “Acontece que nossas antenas foram baleadas sabotagem contra a Radio Universidad (o lan- A nova estação não tem vida longa. Na madru- instalar um acampamento neste bairro para na madrugada de ontem”, esclarece o locutor�. çamento de ácido sobre os equipamentos em gada de 21 de agosto o sinal é cortado, quando resguardar as antenas.”24 8 de agosto), a equipe se mudou para esta es- tiros disparados por paramilitares atingem as Francisco narra uma passagem em que uma tação. Há um contingente de locutores, téc- antenas. Involuntariamente, Ulises Ruiz conse- Francisco Pancho é técnico em eletrônica e vo- pessoa liga para falar com a professora que nicos e demais radialistas que se move para gue uma façanha: cala a voz de uma emissora luntariamente se envolveu com o movimento se encontra no ar: “Señora, já faz quatro horas cada nova estação tomada, para auxiliar na e a impulsiona, pouco depois, num coro de pro- após ouvir na Radio Cacerola um pedido por um que estou ouvindo seu ponto de vista. Respon- implantação do projeto. testo múltiplo, diversificado e simultâneo22. fusível de 60 amperes. O jovem acabaria se tor- de a locutora: “Bem, eu passei minha vida toda nando um dos responsáveis pela recuperação ouvindo o ponto de vista dos ricos”. das transmissões da Radio Universidad em outu- ocu par todas as rádios comerciais da capital bro de 2006 e participa da tomada das emissoras O jornalista Diego Osorno relata algumas pas- da Organização Radiofônica de Oaxaca (ORO). sagens dessa manhã histórica em Oaxaca: “Protesta um estudante universitário na Rádio Conta Pancho: “Quando chegamos lá, bate- La Tremenda contra a passividade dos profes- mos na porta da emissora e anunciamos com sores da UABJO frente ao movimento: ‘E ago- um megafone, ‘Está é uma ocupação pacífica. ra: porque não se apresentam? Porque não se Abram a porta. Nós estamos ocupando esta organizam? Antes de tudo as universidades Qué gusto me dio poner radio La Ley esta mañana y oír que estaban hablando ustedes. rádio porque eles [a rádio cacerola] nos tira- públicas se sustentam com impostos do povo. Ahí siempre se habla mal del movimiento, se desinforma con descaro y nunca permiten las ram nosso último meio de livre expressão. São do povo. Eles recebem seus salários. Que llamadas con críticas, rápido las bloquean.23 Essa é uma tomada pacífica. Abram’! O vigia se apresentem aqui, que lutem, que façam abriu a porta e nós entramos, sem ninguém parte do movimento magisterial e popular.’”26 ser agredido, sem ofensas. Nós apenas en- tramos. Eu ainda disse “bom dia” ao guarda, Jovens que estão na rádio Stereo Êxitos falam ainda que ele não tenha respondido. Nós des- sobre classes sociais: “Sabemos que as pesso-

21 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 138. 24 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, 148. 22 La Jornada, México. Tras ser atacada, tomó la APPO 12 radiodifusoras en Oaxaca. 22 de agosto de 2006. 25 Ibidem. 23 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 117. 26 OSORNO, 2007, p. 16. 58 59 as do proletariado estão arriscando seus tra- professor e locutor da rádio La Ley del Pueblo. A comunicação balhos agora. É gente em pie de lucha, é gente “O povo nos tinha muito carinho, em nenhum

que ama seu estado. Também estão [em peri- momento faltou proteção, apoio e estrutura”. lutar para ios M

go] os burguesitos que vão a escolas privadas, e esse tipo de pessoa que pratica racismo contra A Radio APPO transmite até o fim de setembro. � os irmãos indígenas só pela cor da pele”. Acusa-se um trabalhador da ORO de sabota- “Nós não temos medo, temos apenas nossos corpos e nossos paus, e eles têm armas. Nós gem contra o equipamento, a mando de Ulises somos valentes, somos mexicanos... temos o poder da justiça... Eu vou defender meu país. Se nós e Ao final daquele dia 21, a resolução do movi- Ruiz. A qualidade do sinal de La Ley del Pueblo M ios para lutar morremos, nós morreremos com honra, mas eles morrerão com vergonha.”, e aí ele começou a mento é entregar, por questão de segurança, resiste até 26 de outubro. Quando as instala- chorar. O locutor respondeu ‘Ânimo! Ânimo companheiro!”. quase todas as rádios. A avaliação é de que ções são entregues. Com muita interferência, não é possível garantir a integridade física dos já não é possível ouvir os programas. “Só se ocupantes de todas as emissoras, pois na mes- escuta heavy metal”, denuncia o movimento. ma manhã já há registros de disparos contra Em consequência do temor de novas tomas, a algumas delas�. Ainda no mesmo dia, um gru- maioria das emissoras comerciais prefere se po ocupa a Rádio Mexicana 570AM, ato que foi manter fora do ar por tempo indeterminado�. Com maior ou menor alcance, o fato é que o de os anos 1980, 1990 e não vínhamos tendo prontamente desautorizado pela direção pro- movimento teve sua voz e fortaleza na comu- sucesso por conta da repressão. A Radio Plan- visória da Assembleia Popular�. A partir deste momento, as múltiplas vozes nicação radiofônica. Mas por que? E, mais im- tón conseguiu isso, esse enlace entre comu- da APPO voltavam a ter um só canal: a Radio portante, para quê? nidade, magistério e sociedade civil”, histo- As exceções são La Ley, agora chamada La Ley Universidad, que seguiria até o fim de novem- riava Miguel Cruz Moreno, da Rádio Guetza del Pueblo e as três emissoras da ORO, deste bro, quando são bem sucedidos os ataques do Um interessante material que tive acesso nes- e militante do Conselho Indígena Popular momento em diante Radio APPO. Uma deslas é governo contra seu sinal. te sentido foi o programa Resistência Radiofônica Ricardo Flores Magón (CIPO-RFM). Ele foi o tocada principalmente por militantes de orga- da Ke Huelga, rádio livre da Cidade do México. único dos participantes do debate que se nizações políticas sob comando da Frente Po- Transmitido pela internet, a equipe da estação identificou. Os demais temiam a repressão pular Revolucionária (FPR), ligada ao Partido alter_nativa - conforme definição própria, foi a por não serem pessoas previamente conhe- Comunista do México Marxista-leninista, de Oaxaca no início de agosto de 2006 realizar uma cidas pelo governo. orientação stalinista. Outra é agora capitane- mesa redonda com participantes do processo de ada pelas mulheres da Radio Cacerola e grupos ocupação dos meios de comunicação. Miguel, indígena zapoteco, salienta que nos de jovens predominantemente universitários povoados mais afastados há dificuldade de e anarco-punks. O que pensavam os oaxaquenhos sobre o pro- acesso a outros meios de comunicação, como cesso de controle de rádios? o telefone e a internet. “Quando chove não há “Nossos repórteres eram os milhares de ci- caminho, então a informação do que acontece dadãos, que tinham o microfone aberto para “Nós, das comunidades, estávamos tentando com a APPO não chegaria. As rádios cumpri- as chamadas”, assinala ao autor Victor Hugo, conseguir esse espaço de programação des- ram este papel”.

27 Ibidem. 28 La Jornada, México. Presuntos policías y porros atacaron emisoras ocupadas por la APPO. 22 de agosto de 2006. 29 La Jornada, México. Critica APPO a Abascal por amagar con usar la fuerza pública en Oaxaca. 30 de setembro de 2006. 30 Revista Proceso, México. Encapuchados disparan al aire e incendian un camión en Oaxaca. 26 de outubro de 2006. 31 El Universal. “Enmudece” la radio en la capital; surge estación contraria a mentores. 27 de outubro de 2006. 32 DAVIES, 2007, p. 132. 60 61 Oaxaca é o estado que conta com maior nú- nam é que é importante ter uma grade edu- dos meios alternativos não foi espontâneo. A Pensamos que é necessário que se identifique mero de rádios comunitárias em todo México, cativa, concordo. Mas há que se entender que construção de opções de comunicação radiofô- com todo o processo histórico de libertação do

segundo artigo de Gustavo Esteva, diretor da o momento conjuntural que estamos vivendo nica vem de um longo processo. Companheiros povo do México. Que seja contra-hegemônico, lutar para ios M

Universidade da Terra em Oaxaca28. Lá estão é outro. Agora, a função das rádios é cons- já estavam envolvidos em projetos de rádios libertador”, responde. e instaladas 22 rádios deste tipo. truir a consciência das pessoas, lhes dando comunitárias há dez, quinze anos. Para ele, é uma orientação, um sentido”. De que forma? o avanço tecnológico que permite uma maior Não obstante os estudos da área não são des- Participa do debate uma das mulheres à fren- “Utilizando o que fazem os meios comerciais: facilidade no acesso e manejo das ferramentas, prezados. Isso não está em confrontação com e te da Radio Cacerola. Ela explica que a apro- programas curtos, spots, os trabalhos pequeni- constituindo-se no motivo do maior acesso à a possibilidade de nós, que estamos fazendo M ios para lutar priação dos meios de comunicação surge da nos que chegam à gente de uma forma direta, produção de programas atualmente. Isso vai se meios alternativos, nos apropriemos de toda necessidade de se romper o cerco informati- simples e concreta”, responde o representante integrando dialeticamente ao desenvolvimento uma teoria do que é a comunicação, do proce- vo que o governador submete a insurreição e, da Radio Plantón. das próprias organizações populares e políticas dimento técnico de como se faz a comunica- além disso, para que a comunidade nacional em Oaxaca, o que resulta que tenham necessi- ção, como se fez, e como se pode fazer27”. e internacional conheça os acontecimentos”. Havia uma preocupação em termos de como dade de possuir um próprio meio de comunica- “A proposta da programação é dar espaço a transmitir a mensagem com credibilidade: ção quando tenham algo a dizer”. Para a representante da Radio Cacerola, além todos os setores, que nele convirjam todas as Não podemos dizer ao povo, à população que de não ser um empecilho, a falta de titulação opiniões que estão participando deste pro- se une em torno da APPO que identifique Uli- Teoriza, ainda, que a princípio as organiza- aproxima o público e a equipe das rádios. Po- cesso social. O meio de comunicação a servi- ses Ruiz como um rato, um porco. Não, isso ções passariam por uma fase contestadora, demos cometer erros de sintaxe, de gramá- ço da denúncia justa de um povo. Aí estamos também seria um fenômeno de manejo de ao levantar um programa de resistência à tica, tudo isso. E eles dizem: não importa, é trabalhando”, assevera. consciências, manipulação. Em sua opinião, o repressão. Mais tarde, ao passar, uma inter- o nosso povo, esse é nosso povo. Queremos meio alternativo tem que ter preocupação em pretação por ocorrida a luta histórica para escutar a gente comum nos microfones, não “O governo não nos permite, por exemplo, vei- transmitir os fatos. Ulises Ruiz Ortiz é um ho- libertar o povo, as entidades começam a queremos esses ‘especialistas’, queremos cular um programa em nossa língua materna, mem que manipula, inclusive no próprio mar- conquistar os meios, precisamente para ba- pessoas que falem e haja sentido nessas re- mas sem dúvida numa rádio comunitária sim, co jurídico vigente. Viola esta lei, esta lei, esta lancear a informação. Esta etapa é um imen- alidades, as tenha vivido e que venha com- isso se pode fazer. Então é isso, ir criando uma lei... e não subestimemos ao ouvinte, que tem so um desafio, segundo ele. partir. Essa também seria a reivindicação de identificação de quem somos: indígenas, com- a possibilidade de fazer seu juízo de valor de um meio, poder dar o microfone aqueles que plementa um estudante da Radio Universidad”. que ele é um ladrão, um porco. É um processo Alguma dificuldade pelo fato de não serem nunca o tiveram. Que até tremem ao pegar qualitativamente diferente”. jornalistas formados? o microfone, começam a denunciar e estão E como organizar uma programação que aten- tremendo28”. da a esses propósitos? A apropriação dos meios de comunicação ge- “Não sou comunicólogo de formação, mas se rou debates, avanços na discussão dos meios teve que ir rompendo os paradigmas que a Outra questão levantada seriam os meios a “No interior de nosso processo organizativo, o alternativos, livres e comunitários. O professor escola, que a formação acadêmica te dá. Tens ponta de lança para se fazer a revolução ou tipo de conteúdo que vamos trabalhar aparece da Radio Plantón analisa que seria necessário que começar a fazer um meio comprometido um apoio ao movimento social?, questiona o numa disjuntiva. Por exemplo, o que uns opi- entender que em Oaxaca o desenvolvimento com a história, com uma causa de libertação. maestro da Radio Planton. SEU A M LHer AVANÇA, NÃO HÁ HOMEM QUE RETROCEDA

66 67 se deu porque a Oaxaca TV, canal 9 de televisão, relacionado à APPO era divulgado, e atribuído Los hombres ya muy cansados/ llegaran de su trabajo/ y al buscar sus esposas/ para cenar en vinha negligenciando o movimento, regra nos aos vândalos e grupos radicais, os appos.

familia/ La impresión que se llevaran/ nadie se les esta esperando meios de comunicação locais como um todo, retroceda que homem há não avança mulher a S à exceção do jornal Notícias. No melhor estilo María conta que numa conversa noturna ocor- e Se fueran a la cocina/ que sorpresa se llevaran/ No estaban las cacerolas [panelas] ni las cucharas Rede Globo durante a campanha das Diretas rida no começo de junho, um grupo de mulhe- 1 [colheres]/ No se habían estas señores/ que sus esposas luchaban Já, seus noticiários não faziam caso das Mega- res que ocupa a Secretaria de Finanças, algu- marchas de centenas de milhares de pessoas mas delas militantes de organizações sociais, que tomavam as ruas; ou, quando as relatava, discutia sobre a necessidade de haver uma ar- diminuía os números e a importância do fato. A ticulação entre as participantes do movimento. abordagem relativa ao movimento social tam- Até este momento do levante oaxaquenho, elas O cruzamento de Cinco Señores está localizado a duas horas e meia de viagem da capital bém vinha carregada de valorações negativas tinham assumido apenas funções acessórias, próximo ao campus da UABJO, a cerca de 30 Oaxaca. Em 2002 foi demitida do cargo como nas reportagens. Tudo o que poderia ser mal comparadas às que cabiam aos varones. minutos de caminhada partindo-se do zócalo da resultado de perseguição política por se en- capital. É um grande ponto de intersecção pelo volver em atos contra o governador Murat. A qual passa, entre outras vias importantes, a decisão tem recomendação para ser revertida, venceremos! porção mexicana da rodovia Panamericana 2, já em parecer da Comissão Nacional de Direitos na parte não-turística da cidade. Ali ergueu-se Humanos do México 3.

e uma das maiores barricadas de mesmo nome S a mulher avança não há homem que retroceda da encruzada do movimento em 2006, a de de- A ela coube escolher o local para entrevista, em fesa da Radio Universidad. Por coincidência, foi razão das ameaças que tem sofrido, especial- onde conheci uma das protagonistas de outra mente após 2006. Nos encontramos na escola Cooperávamos na limpeza, com a parte de fazer as compras, organizar. Estávamos fazendo o que façanha midiática daquele movimento: María particular onde a maestra trabalha. Maria diz já fazíamos no cotidiano, o que seria “a parte da mulher”. Comentei com uma companheira: então del Cármen Altamirano Vásquez. Me refiro a que preferia ter me atendido em sua própria sempre vamos varrer, tirar o lixo, este é o nosso trabalho? Sempre vai ser assim? Isso não está bem. tomada do canal público de televisão pelas casa, mas pensou que seria necessário um tanto Somos mais mulheres que homens neste movimento 5. mulheres no dia 1º de agosto. de precaução. É certo que não se trata daquela desconfiança instrínseca à personalidade do De perfil fenotípico diverso daquele da maio- mexicano de que fala Octávio Paz em seu La- ria dos mexicanos, é uma mulher de cerca de birinto da Solidão, mas algo próximo à típica e 1,80m, magra e de cabelo crespo. Os olhos os necessária clandestinidade de militantes que têm puxados, daí o apelido de La China. Maria vivem sob regimes autoritários e repressivos. A ideia era organizar uma marcha formada momento com muita sensibilidade, afinal de foi professora rural por 26 anos na Escola Pri- apenas por mulheres no dia 1º de agosto. Algo contas tínhamos avisado aos conselheiros da mária Álvaro Obregón, localizada no distrito A professora relata que a ocupação da Corpora- como os Cacerolazos ocorridos na Argentina no APPO que faríamos a marcha. Veja bem: avisa- San Miguel el Grande, município de Tlaxiaco, ção Oaxaquenha de Rádio e Televisão (CORTV) 4 fim de 2001 e início de 2002. “Preparamos esse mos, não pedimos”, destaca a professora.

4 A emissora possui um canal de televisão e duas emissoras de rádio (AM e FM) e deveria servir à população oaxaquenha através da elaboração, transmissão e produção de programas de rádio e televisão que promovam o desenvolvimento do estado, difundam e preservem a cultura de seus povos, 1 Álbum “Chita, La Voz de la Mujer Alegre”, faixa 9. – DVD Radio Plantón- Otra vez al Aire. entre outras atribuições determinadas em lei, conforme o Decreto número 159 de 20 de novembro de 1993. Disponível em: http://www.cortv.com.mx/ 2 Complexo de rodovias de 24 mil km que liga o Alasca à Patagônia. DECRETO.pdf. 3 CNDH, 2008. 5 Radio Plantón. Programa Mujer que camina. 28 de setembro de 2006. DVD Radio Plantón - Otra Vez al Aire. 68 69 Assumir a autonomia das ações foi um passo de colheres nas panelas, os sinos soavam”, re- nhas prontas para escreverem a história. Íamos dando resguardo às representantes. difícil. “Era trabalhoso convencer as compa- lata a repórter Nancy Davies6. a caminho da liberdade, a conquistar uma voz.

nheiras, até ali acostumadas a seguir orienta- No caminho até o canal de televisão, a polícia, – O que as senhoras querem? retroceda que homem há não avança mulher a S ções alheias, a organizar sua própria atividade No hotel Missión Los Angeles, onde Ulises Ruiz está aquartelada, faz vistas grossas frente à quanti- e política”. No entanto, era fundamental, afinal despachando, as mulheres arremessam ovos e dade e o barulho da carreata. – Alguns minutos no seu noticiário. de contas se tratava de uma ação para se fa- tomates. Lançam também palavrões, muitos pa- zer respeitar às mulheres. De todo modo, a lavrões. “Você via jovenzinhas e anciãs mandando Ao descerem dos coletivos deparam-se com o – Não é possível. expectativa era o comparecimento de cerca de Ulises Ruiz chingar a su madre”, diverte-se María. primeiro bloqueio. Na entrada das instalações duzentas compañeras. está o guarda. Baixinho, gordinho, bonachão. – Por quê? Ninguém do seu canal diz sobre o que Também ouvem-se as palavras de ordem: Deparado com as entusiasmadas 350 mulhe- está acontecendo em Oaxaca, como a marcha O horário marcado para o início da manifes- ¡la mujer luchando y al mundo transformando!, res, tenta fechar o portão. de hoje, o 14 de junho... tação é nove da manhã, saindo da Fonte das ¡no somos burguesas, ni viejas copetonas [malu- Siete Regiones, distante aproximadamente cas], somos oaxaqueñas, mujeres bien cabronas – O que as senhoras querem? – Olhem-se no espelho. O que vocês estão pen- oito quilômetros e meio do zócalo o ponto de [bravas]!,¡el puño de la mujer atenta contra el po- sando em fazer em frente às câmeras? Vocês chegada. A concentração da Marcha de las Ca- der! , ¡las mujeres oaxaqueñas dejaremos el mandil – Um espaço no noticiário. são feias, gordas, baixinhas, morenas! cerolas tem parcas dezenas de mulheres pre- [avental] y si fuera necesario agarraremos el fusil!”. sentes na manhã daquela terça-feira. “Vamos – Mas de parte de quem, há alguma reunião Decreta uma estudante:

e ser poucas”, lamentam as organizadoras. Eis Em alguns momentos, não é possível ao menos agendada? S a mulher avança não há homem que retroceda que às dez horas, quando a marcha se inicia, ouvir as consignas. É o barulho das panelas que – Sim, somos! E este canal está ocupado a partir o contingente vai tomando corpo no caminho não cessa. Espontaneamente, as mulheres vão – Somente diga que chegaram umas loucas que de agora. que o leva ao centro. Na praça central já são ao microfone dizer o que sentem, o que pensam querem falar. 20 mil, de todas as idades, reunidas na praça. sobre o que vem acontecendo em Oaxaca, no E chamam as compañeras que estão na parte As organizadoras se abraçam, não acreditam México, e sobre sua condição de oprimidas7. Na defensiva pela desvantagem numérica, não externa para adentrarem o prédio, que agora no que está acontecendo. lhe resta alternativa senão cumprir as ordens. sim é de fato La Television de los Oaxaqueños (e Ao meio-dia e meia, alguém na multidão lança Oaxaquenhas acrescente-se). “Quando elas se concentraram no zócalo, a a ideia: Ocupar o canal 9! Alguns jovens que es- De seu gabinete, a diretora da CORTV, Mercedes batucada se parecia com uma tempestade tão por perto se prontificam a parar ônibus para Rojas Saldaña, solicita que se forme uma co- Outra preocupação é a de avisar os presentes tropical batendo num telhado de zinco. Então transportarem as mulheres até as instalações, missão para negociar. Saldaña é ex-deputada à Assembleia Estadual da APPO (que se re- os sinos do prédio em que se situava o governo situadas a alguns minutos de viagem dali. pelo PRI e foi colaboradora do candidato a pre- alizava ao mesmo tempo) sobre a ocupação estadual, transformado em museu por Ruiz, sidente em 2006, Roberto Madrazo (PRI). do canal. É necessário montar um esquema começaram a soar. O movimento amarrou cor- O primeiro coletivo superlota instantanea- de proteção das ocupantes. As cinco mulhe- das das torres dos sinos até a barraca no centro mente. A ele se seguem mais cinco, formando A entrada da comissão abre espaço para que res incumbidas da tarefa são intensamente do zócalo, e além do som da batida de milhares um comboio de camiones carregando oaxaque- mais duzentas ingressem ao espaço da CORTV, aplaudidas no plenário quando fazem o

6 DAVIES, 2007, p. 71 7 Ibidem. 70 71 anúncio da ocupação. “Som horrível, imagem cheia de chuviscos, mas ali estava a APPO” 8. “Que satisfação me deu colocar na rádio La Ley esta manhã e ouvir que estavam falando vocês”,

Com a toma, às 15h30min, as melhores e prin- retroceda que homem há não avança mulher a S cipais câmeras são escondidas. é ordenado aos Na tela, se vê à frente uma dúzia de mulheres dizia no ar uma dona de casa do bairro Morelos. “Aí sempre se falava mal do movimento, se e técnicos o corte do sinal. Alguns deles desa- sentadas, atrás faixas onde se lê: Fora Ulises desinforma com descaramento e nunca permitem as chamadas com críticas, rápido as bloqueiam”. nimam as oaxaquenhas, dizem que não seria Ruiz Ortiz e ¡cuando una mujer avanza no hay Este sentimento libertador e desafiantes tomou conta das ondashertzianas 16. possível para elas operar os equipamentos. hombre que retroceda!. A trilha sonora é de uma canção de protesto chilena. Um punho erguido, A força de trabalho da televisão está dividida outro segurando o microfone, cantam todas: quanto à ação do movimento. Um dos técnicos concursados da emissora explica às mulheres – Venceremos! Venceremos!/ Mil cadenas [corren- Na madrugada da segunda-feira, 21 de agosto às ruas para estabelecer uma vitória política que os trabalhadores dali são de duas catego- tes] habrá que romper/ Venceremos! Venceremos!/ um comboio de ao menos sete veículos e cinco acachapante. Ocupam-se as doze emissoras rias. Há os empregados efetivos, que são sindi- La miseria sabremos vencer. motocicletas, de acordo com testemunhos, comerciais da cidade14, em um contragolpe calizados e simpáticos à mobilização. Os demais percorre as ruas de Oaxaca. É formado por rápido às investidas violentas do poder insti- são os indicados para cargos de confiança. Estes, Na manhã do dia seguinte, as pessoas levam carros da polícia, estadual e municipal, além tucionalizado e paramilitar para calar sua voz. comissionados ligados ao PRI, oprimem os técni- vídeos para serem transmitidos. São imagens furgões sem identificação. Neles estão ho- Com essas rádios tomadas, o movimento tem cos. Como maneira de resolver o impasse da per- do ataque de 14 de junho, entrevistas em mens vestidos com uniformes policiais e com agora a possibilidade de atingir 70% do estado15

e manência dos trabalhadores nas instalações, é hospitais com professores feridos na ocasião, o rosto encoberto, portando armas automáti- S a mulher avança não há homem que retroceda feito um acordo. Os técnicos colocam os equi- imagens das marchas, comícios e encontros. cas, que atacam a balas as antenas do canal 9, pamentos para funcionar em troca da liberação. “É fantástico poder ver isso agora pela primei- localizadas numa colina da capital11. As armas ra vez, comemora a jornalista Nancy Davies”9. utilizadas têm alto calibre e algumas são de Aplausos aos trabalhadores efetivos quando uso exclusivo do exército12. O ataque deixa saem das instalações da CORTV. Vaias aos no- “Há que se esfregarem os olhos e [sic] ouvi- ferido o professor Sergio Valencia Sánchez. É o meados, que correm aos canais privados para dos em Oaxaca frente ao que transmitem as fim das transmissões e do sonho daTV APPO. contar sobre as agressões que teriam sofrido. emissoras [de rádio] libertadas e até a televi- são local. Se coincide com o que o que aconte- Ao mesmo tempo, a Radio Cacerola sofre inter- Com as câmeras de última geração prepa- ce no mundo real o que apresentam os meios ferência para que não se escute os alertas. O radas, está tudo pronto para começarem as de comunicação. E com audiências históri- sinal está destorcido e, logo depois, é tirado do transmissões. Mas, quem serão as primeiras cas,” surpreende-se Herman Bellinghausen, ar. Ainda se consegue denunciar os ataques e aparecer na tela? enviado do jornal La Jornada10. O sonho da TV fazer a convocatória: todos à CORTV13! APPO dura exatas três semanas. O governo não O problema era que todas queriam. Três, dois, tolera tamanha afronta. Revoltado e encabronado com a sabotagem ao um... No ar! seu canal de televisão, o povo, mais uma vez vai

11 Anistia Internacional, 2007. 12 MISSÃO CIVIL DE OBSERVAÇÃO, 2006. 13 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 117. 14 Radio Oro, Magia 680, Tú FM, La Grande 89.7, Estéreo Cristal, La Ley 710, Estéreo Éxitos AM/FM, Radio Mexicana, Súper Q 101.1 FM, Dimensión 820 AM, 8 Ibidem. La Grande de Oaxaca e La Tremenda de Oaxaca. Ibidem 9 Ibidem. 15 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 117. 10 La Jornada, México. Sorprende difusión fidedigna del movimiento en estaciones de radio y tv. 5 de agosto de 2006. 16 La Jornada, México. Tras ser atacada, tomó la APPO 12 radiodifusoras en Oaxaca. 22 de agosto de 2006. ASSEM BLÉIA POPULAR DOS POVOS DE OAXACA: TODO PODER AO POVO

76 77 O respaldo popular é sentido nas ruas: a ter- município de Santa Lucía del Camino. São 15 ceira Megamarcha, realizada no mesmo dia, quilômetros de percurso, que se estendem por ¡Hombro con hombro, codo con codo. La APPO, la APPO somos todos! reúne 600 mil manifestantes que caminham cinco horas de caminhada. “Ainda estão saindo povo ao poder todo P A firmes sob um temporal com água na altura os últimos contingentes do aeroporto de onde P 4 O dos joelhos para exigir a saída de Ulises Ruiz . partiu essa grossa e apertada coluna”, é anun- : ciado no carro de som durante o protesto 7. A lista de presença do início da reunião informa Com a vitória dos professores, militantes, ativis- grupos mobilizados, os militantes de organiza- que ali estão 365 representantes de 85 organi- A participação popular entusiasmada é um dos tas e dos setores populares oaxaquenhos na ba- ções, setores urbanos, camponeses e indígenas zações. Este primeiro encontro se centra em pilares para o fortalecimento do movimento :

O talha pela retomada do centro da cidade em 14 de diversas correntes de pensamento, com a constituir uma direção coletiva provisória com popular e da APPO frente aos golpes do Estado. P

A P todo poder ao povo de junho, o movimento social de Oaxaca avança pauta de construção da Assembleia Estadual a função de executar um plano de ação imedia- “O povo encontrou nesta organização mecanis- rumo à unidade política: a criação de uma frente do Povo de Oaxaca. to de contra-ofensiva à iniciativa de repressão mos que deram canal a este descontentamento única constituída por organizações e pelo povo policial no zócalo da cidade. generalizado”, analisa Sotelo Marbán 8. na luta pela derrubada do governador. Quais as razões para a unidade de entidades com trajetórias e objetivos tão difusos? A resposta O professor Bernabé Jiménez Ríos, do Setor E o que é a APPO que se forma? “(…) Um espaço É instalada em 16 de junho a primeira reunião está na Declaração Política da Constituição For- 22, define os objetivos dessa coordenação: A de decisão e luta do povo, além de constituir- do que será denominada Assembleia Popular mal da APPO de 20 de junho de 2006 realizada coordenação coletiva deve cumprir os acordos, se como um espaço de exercício de poder, no do Povo de Oaxaca (APPO). O movimento está no prédio central da UABJO: “(…) o ascenso do o plano de ação. Como povo estamos tomando qual estejam representados os operários, os fortalecido moralmente pelo comparecimen- clima de ingovernabilidade e autoritarismo que as rédeas e construindo nosso próprio governo camponeses pobres, indígenas, estudantes, to massivo de cem mil homens, mulheres, caracteriza a situação atual do nosso estado, o para que todos e todas tenhamos uma vida jovens, mulheres e todo o povo; pelo que temos crianças e idosos1 das camadas pobres a uma aumento de crimes políticos, o incremento de digna” 5. São indicados 36 delegados para o tido acordo (...) que esta assembleia popular se manifestação convocada no mesmo dia pelos detenções arbitrárias contra dirigente sociais, colegiado, três das sete regiões do estado e o construa realmente a partir de baixo” 9. estudantes da UABJO no dia anterior. o uso discricionário dos recursos públicos, a in- mesmo número por cada bloco de organizações terrupção de fato das garantias constitucionais, que participa do movimento: Frente de Sindi- Na prática, se tratou neste primeiro momento Neste primeiro encontro, ainda se trata de uma a violação sistemática aos direitos humanos, catos e Organizações Democráticas de Oaxaca de envolver o conjunto da sociedade mobiliza- reunião de 79 organizações, cinco sindicatos, a destruição do patrimônio histórico, natural (Fesodo), Promotoria pela Unidade Contra o da na construção desta alternativa. A estraté- dez representantes de escolas públicas e padres e cultural do estado, o uso da força pública e Neoliberalismo, associações civis, movimento gia passa pelo fomento da desobediência civil, de família que, impulsionada pela Assembleia da repressão como única forma de resolver os estudantil e Setor 22. conforme informa o plano de ações já em 10 de Estadual do Setor 22, faz uma convocatória à problemas sociais; ante a necessidade que o julho: “ignorar as autoridades municipais im- constituição formal de uma Assembleia Po- povo possa exercer o poder soberano que o cor- O chamado às ruas para a quarta Megamarcha postas pelo regime Ulisista e nomear novas au- pular2. Dentre outras medidas se aprova na responde, e a necessidade de fortalecer a luta do do dia 28 de junho é amplamente respondido: toridades eleitas pelo povo, não reconhecer os assembleia a realização de uma plenária para povo de Oaxaca (...) se constitui formalmente a um milhão de pessoas 6 percorrem o trajeto líderes corruptos priístas e panistas impostos quatro dias depois, na qual participariam os Assembleia Popular do Povo de Oaxaca” 3. entre o aeroporto local e o estádio de futebol do As tarefas executadas pela comissão dirigen-

4 “Desde los rincones de Oaxaca, al corazón de México y del mundo entero”. Disponível em: codepappo.files.wordpress.com/2006/08/manifiesto_appo2.doc. 5 “Declaración política de la constitución formal de la Asamblea Estatal del Pueblo de Oaxaca (20 de junho)”. Disponível em: http://codepappo.files. wordpress.com/2006/08/declaracion-politica-de-la-constitucion-formal-de-la-asamblea-popular-del-pueblo-de-oaxaca.doc. 1 “Desde los rincones de Oaxaca, al corazón de México y del mundo entero”. Disponível em: codepappo.files.wordpress.com/2006/08/manifiesto_appo2.doc. 6 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 88. 2 “Convocatoria a la constitución formal de a Asamblea Estatal del Pueblo de Oaxaca (16 de junho)”. Disponível em: codepappo.wordpress. 7 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 83. com/2006/06/18/convocatoria-a-la-constitucion-formal-de-la-asamblea-estatal-del-pueblo-de-oaxaca/. 8 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 24. 3 “Declaración política de la constitución formal de la Asamblea Estatal del Pueblo de Oaxaca (20 de junho)”. Disponível em: codepappo.files. 9 “Declaración política de la constitución formal de la Asamblea Estatal del Pueblo de Oaxaca (20 de junho)”. Disponível em: http://codepappo.files. wordpress.com/2006/08/declaracion-politica-de-la-constitucion-formal-de-la-asamblea-popular-del-pueblo-de-oaxaca.doc. wordpress.com/2006/08/declaracion-politica-de-la-constitucion-formal-de-la-asamblea-popular-del-pueblo-de-oaxaca.doc. 78 pelas nas organizações populares e nomear de- e aos pais de família, ao povo de Oaxaca, do Consenso Inclusão e respeito à diversidade mocraticamente novos representantes de nossas México e do mundo: Liberdade Antiimperialismo, antifascismo e anticapitalismo organizações, exigir que as radiodifusoras em Crítica e Autocrítica Movimento político e social pacífico todo o estado e o canal 9 nos deem espaços pela “Hoje o povo de Oaxaca escreve uma das me- manhã e pela noite, e àqueles que não aceitem, lhores páginas de sua história dos últimos 30 tomá-los de maneira permanente; não pagar anos, pois assim como nos anos da Indepen- os impostos e os serviços ao governo do estado, dência e da Revolução Mexicana, nosso povo boicote ao consumo contra as grandes lojas de decidiu tomar a dianteira na gestação de uma Como síntese das discussões, é aprovada a auto-serviço, comprando só o indispensável nas luta nacional de trabalhadores, se gera em Oa- declaração de princípios da APPO: :

O pequenas lojas de vila ou bairro, desobedecer as xaca a Revolução do Século XXI”. P

A P todo poder ao povo autoridades de trânsito municipal e estadual, aos ministérios públicos e juízes; e desenvolver todas O desenvolvimento organizativo da Assem- aquelas ações que contribuam para evidenciar a bleia Popular chega ao seu ponto máximo entre falta de autoridade em Oaxaca”. 13 e 15 de novembro, quando é realizado no Hotel do Magistério o Congresso Constitutivo a. Transformação profunda e radical das relações [entre] governo e sociedade, das instituições A APPO procura avançar também no enlace da APPO. Estão presentes 1.073 delegados das e da maneira de exercer o poder com organizações e movimentos sociais em oito regiões do estado, além de 466 convidados b. Construir o poder popular a partir das vilas, bairros, comunidades, ejidos, escolas, etc nível nacional e internacional. É bastante nacionais e internacionais. ilustrativa a radicalidade do texto que abre o c. Democracia integral, em um desenvolvimento sustentável, na igualdade social e na justiça Chamado da Assembleia Popular do Povo de As resoluções são definidas em mesas de d. Aproveitar as condições políticas e sociais do estado para gerar o diálogo com os diversos Oaxaca endereçado em 26 de junho às orga- trabalho: contexto internacional, crise das setores, construindo uma agenda política nizações sociais e sindicatos democráticos e instituições e Assembleia Popular dos Povos revolucionários, às comunidades indígenas de Oaxaca. e. Abdicar de atitudes sectárias para construir a Unidade Nacional através da Assembleia Popular dos Povos do México f. Impulsionar e apoiar a formação de assembleia populares estaduais, regionais, locais e setoriais que recuperem as tradições coletivas, comunitárias que encontram na prática assembleísta sua Comunalidad e autonomia Igualdade de gênero expressão mais plena e desenvolvida de democracia direta Disciplina e respeito Lisura e justiça g. Dar cobertura e apoio a todas expressões da mobilização e da luta popular, para enfrentar Honradez e transparência Serviço a repressão, manipulação e o engano que divide, dispersa e isola as lutas e os esforços Revogação de mandato Unidade organizativos populares Plebiscitos ou referendum Autonomia dos membros Democracia Independência Não reeleição Solidariedade e internacionalismo 80 81 te provisória foram divididas por setores, a xaca rebelde. O jornalista Diego Osorno presen- A horizontalidade é uma das tradições indí- criança se dão presentes e dinheiro. Em outro saber: Organização, Imprensa e Propaganda, ciou este espírito: “Como começou a trabalhar a genas reivindicadas pela APPO, aponta María momento, o beneficiário retribuirá o ato cordial 14

Finanças, Alianças, Atas e Acordos, Jurídica. Assembleia Popular? Realizando assembleia, é López Almazán, militante do Comitê de Defesa a cada um que o ajudou . povo ao poder todo P A claro, assembleia cada semana, cada dia, cada dos Direitos do Povo (CODEP), em entrevista P O

Se ratifica a forma de organização da APPO: hora. Ou quase. Assembleias em qualquer mo- ao autor. Passou-se a exercer o poder popular “A solidariedade que se gestou no bojo da luta : horizontal. “A tomada de decisões deve ser mento e sobre qualquer tema. ‘Você quer uma de fato, as pessoas tinham o direito de falar, teve muito a ver com isso, mostrando que mes- coletiva e por consenso, expressando-se os reportagem do plantón? Espere-me, deixe-me expressar suas opiniões, decidir coletivamente mo na cidade conseguimos desenvolver relações participantes livremente. o povo manda e seus fazer uma assembleia com as demais compa- as ações. O antropólogo Benjamin Maldonado mais humanas”, comenta Soledad María. representantes respondem a ditos mandatos”. nheiras para ver quem vai te falar’. Vinte minu- explica que a ideia de assembleia comunitária :

O tos depois, tive uma resposta. ‘Pronto. Já estão remete a uma instituição na qual exercem o Era necessário superar diferenças de valores e

P 10

A P todo poder ao povo O estado de assembleia era constante, não só eleitas as companheiras que vão falar’” . poder cidadãos de um território, o povo orde- cosmovisões entre as culturas que formavam a nos encontros estaduais de delegados, talvez nando a vida 12. APPO. Para os indígenas é difícil entender o que menos lá do que em qualquer outra parte da Oa- significava a palavra utopia, por exemplo”, indi- Algumas das formas organizativas da APPO tem ca Felipa Zaragoza das Organizações Índias por origem nas heranças culturais das comunida- Direitos Humanos em Oaxaca (OIDHO). des indígenas. As principais são o tequio e a guet- za, aponta ao autor Soledad María, integrante do O professor Victor Raúl Martínez Vásquez lista RAÍZES DE DA PARTICIPAÇÃO PLURAL, CODEP e do Conselho Estadual da APPO. que a vertente indígena da APPO tem como AUTÔNOMA E DEMOCRÁTICA EM COMUNIDADE programa “posições culturalistas, agrárias, de O Tequio, palavra de origem do nahuatl téquitl poder local e autônomo e pluralismo jurídico”. (trabalho ou tributo), é uma tradição milenar. O peso deste movimento na APPO foi o respon- Trata-se de uma modalidade de trabalho ou sável pela mudança de denominação, da inicial colaboração prestados em benefício da comu- Assembleia Popular do Povo de Oaxaca para nidade. Os adultos de determinado povoado a definitiva Assembleia Popular dos Povos de têm o dever moral de colaborar com obras de Oaxaca”. É necessário entender que em Oaxaca caráter coletivo, através da cessão de força de não existe um só povo, mas muitos povos. Espe- trabalho ou materiais13. cialmente se tratando do caso dos das culturas Comunalidade e Autonomia: A APPO retomará a comunalidade e a autonomia dos indígenas, com suas características ancestrais, 11 povos indígenas para fortalecer sua luta e garantir sua continuidade . Já guetza é uma palavra originada no idioma explica Cástulo López, um dos porta-voz da zapoteco (significa cortesia, finura). Seu signifi- APPO e membro do CODEP. cado cultural é o de ajuda mútua na devolução de favores realizada entre membros da comu- nidade. Por exemplo, no nascimento de alguma

12 VÁRIOS AUTORES, 2007, p. 122. 13 ZOLLA; ZOLLA MÁRQUEZ. 10 OSORNO, 2007, p. 16. 14 MÉXICO, Conapo. 11 “Congreso Constitutivo de la Asamblea Popular de los Pueblos de Oaxaca. Resumen general de los resultados de las mesas de trabajo”. Disponível 15 MPR, 2007, p. 37. em: http://codepappo.files.wordpress.com/2006/11/relatoria_y_acuerdos_prelimininares_del_congreso_constitutivo_de_la_appo.doc. 16 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 72. 82 83 o que é esse movimento social? potencializando a própria luta e a dos conter- base, delegações com mandatos revogáveis, râneos que estão no exílio. mecanismos de duplo poder e meios de comu-

nicação sob controle popular. povo ao poder todo P A O mito seguinte é o que os sindicatos sempre P O

dariam combates internos ao sistema, sendo Na opinião do intelectual Gustavo Esteva, a : meros órgãos de submissão ao capital. O que APPO transitou sem dificuldade de sua condi- se vê no caso de Oaxaca demonstra a possibili- ção de “assembleia de apoio a de coalizão de dade de suplantação de demandas meramente dirigentes e desta à convergência articulada corporativas, concentrando o foco em uma luta de movimentos sociais e políticos”. Para ele, a : O Nos fuimos a ayudar al movimiento y de repente ya nos sentíamos parte de ese movimiento, que ya no democrática e política contra os governos. forma organizativa pertinente seria a de uma P A P todo poder ao povo tenía un nombre propiamente sino que éramos muchos con diferentes caras y diferentes ideologías 15. “rede de movimentos sociais, comunidades e A ideia de que a participação eleitoral seria organizações autônomas” 18. sempre antagonista aos movimentos sociais é outro mito. Almeyra defende que esta relação O que se gestou em Oaxaca foi um processo não só não ocorre sempre desta forma, como de construção do poder popular, defende Flo- inclusive este processo pode gerar a auto- rentino López Martínez, militante comunista organização popular, alcançando maior legiti- de linha stalinista da Frente Popular Revolu- midade política. cionária (FPR) e um dos porta-vozes da APPO. Em conversa com o autor, ele argumenta que As explicações para o fenômeno APPO parecem querda parlamentar, esquerda revolucionária Outra ideia é o de que uma elite dirigente pode as assembleias de base guardam algumas se- ser tão diversas quanto o número de ativistas e marginalizados urbanos. conduzir sozinha a luta. Ao contrário, o profes- melhanças com os soviets russos. “A APPO é em que cerraram fileiras sob a consigna Ulises sor diz que em Oaxaca se formaram quadros Oaxaca a expressão mais avançada da frente ya cayo!. A corrente intelectual que estuda as Para o professor e pesquisador da Universidade nos debates de base como as assembleias, única democrática e popular unificada em suas novas tendências de movimentos sociais na Nacional Autônoma do México (UNAM) Guil- avançando, enormemente, e em poucos meses, reivindicações contra um inimigo comum”. contemporaneidade postula que a força da lermo Almeyra arrola17, algumas aquisições no entendimento dessa nova geração sobre sua APPO é a de ser um movimento de movimentos. teórico práticas da experiência da APPO, mitos condição de explorados e oprimidos. O surgimento da APPO, um movimento social O conceito, defendido pelo professor Martínez que o movimento derrubou. Primeiramente, organizado que pauta as discussões políticas Vásquez, situa a Assembleia como um gran- que a imigração massiva para os EUA e outros O último mito é o de que as classes deixaram no país por quase um semestre, se dá ao mesmo de movimento popular anti-autoritário que estados impediria as lutas populares. Para ele, de existir, e, por consequência, a classe tra- tempo em que há sufrágio para a presidência expressa uma necessidade social de inclusão, isso somente seria válido se os que ficassem balhadora. Só restaria uma multidão impre- mexicana. Os reflexos da polêmica quanto à participação e justiça16. Para ele são estas as em território oaxaquenho permanecessem cisa, posição defendida pelo EZLN, segundo lisura do processo lançam o país numa crise vertentes da APPO: sindicalista, esquerda so- desmobilizados. Se, ao contrário, avançam Almeyra. Em Oaxaca foram adotadas táticas político-eleitoral que ameaça a credibilidade cial, organizações civis, indígena, urbana, es- politicamente, podem mobilizar os imigrados, clássicas de luta operária. Assembleias de da democracia à la mexicana.

17 VÁRIOS AUTORES, 2007, p. 150-151. 18 ESTEVA; VALENCIA; VENEGAS, 2008, p. 65 nossos sonhos não cabem nas suas urnas

88 89 A distribuição de cimento e dinheiro em es- e de amigos, as pressões e ameaças de de- Eu monitorei as chamadas, das 14h15min às 15h15min. Naquela hora, onze ligações de cidadãos de pécie, a obrigação imposta aos empregados missão ou corte de concessões são outras 5

diferentes áreas da grande Oaxaca foram ao ar. Três reportaram que não havia como votar; eleitores públicos para conseguir o voto de familiares das infindáveis artimanhas . urnas suas nas cabem não sonhos sso N esperavam três, seis , até sete horas, respectivamente. Uma das pessoas que ligou disse que as o credenciais dela para votar foram rejeitadas. Quatro pessoas disseram que o fiscal do PRI estava DAS ELEIÇÕES oferecendo comida e mantimentos em troca de votos. Um contou que na vila de Zaachila ninguém anotava os nomes dos que já tinham votado 1.

A APPO retoma os acordos da Assembleia Magisterial, não chamará o boicote das eleições e cha- mará ao voto de castigo, que significa nemhum voto ao PRI nem ao PAN e instalar mesas para a cole- Em 2 de julho de 2006, em meio ao crescimento dante de um Estado da República, mas nada que ta de assinaturas pela destituição de Ulises Ruiz no dia da votação. da adesão popular à Assembleia Popular dos o impeça de retomar as raízes mapaches. Povos de Oaxaca (APPO), a confiança que Ulises Ruiz Ortiz deposita na contribuição da seção Esta maneira de vencer eleições consolidada o

N ssos sonhos não cabem nas suas urnas estadual do seu partido ao candidato à presi- no país pelo PRI foi sistematizada pelo jorna- A APPO decide não participar dos pleitos Abertas as urnas, os eleitores são 1,3 milhão dência nacional pelo PRI Roberto Madrazo, é lista Igor Fuser no livro México Em Transe. Os de 2006 6 enquanto Assembleia Popular. A entre os 2,322 milhões habilitados a votar, o que impressionante: Daqui sairão um milhão de mecanismos: tacos, quando se enfiam nas ur- resolução política é de respeito a todos os significa a presença de 58,8%7. A maioria relativa votos para a sua eleição!, vaticinou. Madrazo, nas uma porção cédulas, via de regra enrola- seus membros que queiram apresentar can- dá ao partido vencedor de cada uma das seções agradecido, promete num comício em Oaxaca: das como o alimento típico mexicano; carros- didaturas (a maioria concorre pela coligação eleitorais do estado uma vaga na Câmara de “Se eu vencer a eleição, você vai ganhar a chave sel, o transporte em massa de eleitores até os centro-esquerdista PRD-PT-Convergência), Deputados. O PRD obtém nove de onze cadeiras da residência presidencial de Los Pinos!”2 locais de votação; ratão louco, rasura do nome desde que sempre fique claro que não re- pelo sistema de maioria relativa de deputados de eleitores de oposição, que desistem de presentam a frente. Os que estão pleiteando federais por Oaxaca. As duas demais ficam com O clima de euforia atinge também o senador do tentar encontrar seus locais de votação após uma vaga devem renunciar ao Conselho Es- o PRI. Para que fique claro a severa punição das PRI Adolfo Toledo Infanzón, que comemora an- buscas inúteis; operação zapato, atribuição, tadual Provisório. urnas a Ulises, basta estar ciente que nas elei- tecipadamente o que chama de carro completo. Os pelos mesários, de quase todos os votos tra- ções anteriores, o tricolor8 - apelido do PRI - havia priístas arrebatariam todas as vagas em disputa: zidos em caixas de sapato, já preenchidas ao As eleições de domingo, 2 de julho, são encara- ganhado em todas as regiões eleitorais. No sis- as cadeiras do Senado pelo estado, as vagas de PRI; eleitores homônimos, quando se presenteia das como um referendo popular ao mandato do tema de representação proporcional, que leva deputados federais e a Presidência da República! 3 eleitores do partido com dois ou mais títulos governador. Quem terá mais apoio? O grito de em conta a votação global das legendas para o de eleitor, tirando vantagem da quantidade ¡ya caio!, que havia reunido a incrível soma de Legislativo, são eleitos dois deputados do Partido Pudera. O velho esquema priísta de compra de de homônimos no país; e finalmente o voto um milhão de pessoas nas ruas na Megamarcha Convergência, um pelo PRI e outro pelo PAN. Para votos tem em Ulises Ruiz um perito. Essa é a pri- espírita, o desvio das credenciais de mortos realizada na quarta-feira anterior ou o mapache o senado, vencem dois representantes do PRD meira eleição em que ele participa como coman- para seções sob controle do PRI 4. e as tapeações priístas? (um deles o derrotado ao governo estadual Ga-

5 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 38. 6 Estavam em jogo a vaga para a presidência, Câmara de Deputados e o Senado. 1 DAVIES, 2007, p. 40. 7 No artigo “Estudio sobre abstencionismo en México”, o Instituto Federal Eleitoral do país classifica Oaxaca entre o grupo de estados com mais 2 CORTÉS, 2006, p. 118. abstencionistas às urnas. Nesta eleição, o dado se confirmou, mas com índices acima da média própria deste estado. Uma hipótese seria o descrédito 3 Ibidem. em todos os partidos. Disponível em: http://www.ife.org.mx/documentos/DECEYEC/vgn_ivestigacion/estudio_sobre_abstencionismo.htm. 4 FUSER, 1995, p. 27-28. 8 As cores do partido são as mesmas da bandeira do México: verde, branco e vermelho. 90 91 bino Cué) e um do PRI 9. Sobre o surpreendente O PRD e o presidenciável AMLO não aceitam Em 5 de setembro, o Tribunal Eleitoral do Po- informe anual de atividades de final de ano. resultado, a interpretação do professor Martínez a derrota. Inicia-se uma jornada nacional de der Judiciário da Federação (TEPJN) declara 15

Vázquez é direta: a derrota histórica do PRI em protestos que pedem a recontagem “voto por válidas as eleições . Dois dias depois, é a vez Assim mesmo, e sob protestos, o presidente urnas suas nas cabem não sonhos sso N Oaxaca se deve a APPO. voto”, “urna por urna”. O ex-prefeito da cida- do Congresso. A discordância com a decisão Felipe Calderón Inojosa (PAN) assume de o o de do México denuncia que o resultado oficial leva o perredista a convocar uma Convenção cargo do correligionário Vicente Fox Quesada Se no plano estadual é certa a derrota política e lhe dá cifras menores do que o número de su- Nacional Democrática (CND), que promove (2000-2006) em 1º de dezembro. É a primeira eleitoral de Ulises Ruiz e do PRI, no plano nacio- frágios que realmente obteve; a existência de um plantón no zócalo da Cidade do México e oportunidade em que se coloca à prova a pos- nal o PRD pode ter ganho, mas não levou. No es- três milhões de votos perdidos (faltantes) e o bloqueia por mais de um mês no Paseo de La sibilidade de continuidade da alternância de tado, o resultado da votação para a presidente é fato da não coincidência das atas das eleições Reforma, a via mais importante da capital poder entre os grupos políticos do establish- de 619 mil votos (45,9%) para o perredista Andrés presidenciais e as de deputados e senadores13. federal (algo como a Avenida Paulista em São ment em décadas. A primeira disputa após Manuel López Obrador (AMLO), 428 mil (31,7%) Outras práticas antidemocráticas apontadas Paulo). A CND dá posse ao presidente legitimo a chamada transição democrática ocorrida para o priísta Roberto Madrazo e 226 mil (16,76) foram o desvio de recursos públicos para a López Obrador no Dia da Revolução Mexica- seis anos antes. A chamada transição foi a do panista Felipe Calderón 10. campanha de Calderón, a desigualdade nos na, 20 de novembro de 2006. Os protestos do alternância do partido no poder federal após meios de comunicação eletrônica, a partici- PRD chegam a mobilizar até um milhão de 70 anos de presidentes do Partido Revolucio- Nacionalmente, dos 71,3 milhões de eleitores, pação ilegal da classe empresarial e da igreja pessoas em comícios. Entre as ações de pro- nário Institucional. Vivem-se dias de instabi- o

N ssos sonhos não cabem nas suas urnas votam 41,7 milhões, o que representa presença católica, entre outras. o Tribunal Eleitoral, a testo se inclui a ocupação da tribuna do Con- lidade institucional como não ocorria no país de 58,5%. Segundo o resultado oficial, Felipe máxima instância judicial na matéria reco- gresso, impedindo o presidente Fox de dar seu há pelo menos doze anos. Calderón 11 apareceu com 15 milhões de vo- nheceu as denúncias, mas não as considerou tos (35,89%), AMLO com 14 milhões 756 mil suficientemente graves e determinantes para (35,31%) e Madrazo 9,3 milhões (22,26%) 12. anular a eleição14. méxico insurgente

Se ratifica a independência a respeito dos partidos e candidatos participantes nas eleições (...) Se dá prazo aos ganhadores do de 2 de junho a que fixem claramente sua posição a respeito da saída “(...) a estreiteza da Idade Média mexicana é batida pelos grandes mares da vida moderna: de Ulises Ruiz Ortiz. Se incorpora às caravanas à Cidade do México e ida ao Distrito Federal no próximo 16 domingo para: condenar o sistema eleitoral corrupto e neoliberal e pela defesa da vontade popular. a maquinaria, o pensamento científico e a teoria política” . Isso deve estar indissoluvelmente ligado à vontade do povo oaxaquenho: fora Ulises Ruiz Ortiz!

9 Informações eleitorais do Intituto Federal Eleitoral do México. Disponível em: www.ife.org.mx/portal/site/ifev2/Estadisticas_y_Resultados_Electorales/. 10 Ibidem 11 Fecal ou o presidente espúrio, apelidado oficialmente pelos opositores. 12 Informações eleitorais do Intituto Federal Eleitoral do México. Disponível em: www.ife.org.mx/portal/site/ifev2/Estadisticas_y_Resultados_Electorales/. 13 La Jornada, México. AMLO: el PREP, manipulado y con infinidad de inconsistencias. 4 de julho de 2006. 15 La Jornada, México. Aun con anomalías importantes, el TEPJF califica de válidos los comicios. 15 de junho de 2006. 14 CARDENAS, 2007. 16 REED, 1959, p. 355. 92 93 No primeiro dia de 1994, a rebelião armada ambos nomeiam ruas do Centro Histórico da regular formam a base política do México que setores das elites alçaram Juárez e seu grupo dos índios neozapatistas de Chiapas chamou capital de Oaxaca. se forma a partir da guerra de independência22. político no panteão dos heróis nacionais.

a atenção do mundo inteiro para uma nova Eles tentam tomar o controle do governo na- urnas suas nas cabem não sonhos sso N mobilização social no território mexicano. A Os dois, religiosos e militares, estão relaciona- cional, fazendo uso de diversas combinações Ricardo Flores Magón é outro personagem po- o luta, desenvolvida oito décadas depois daque- dos com a Independência Mexicana. O primeiro, de ambição individual, interesse corporativo lítico radical de origem oaxaquenha com peso las de Zapata e Villa, conduz novamente o sul considerado o pai da Independência, promoveu e instigação por civis da classe alta23. Com os na história mexicana. Por este motivo, somado mexicano ao status de área de conflito social. uma rebelião contra o domínio espanhol duran- caudilhos chega ao poder no país uma geração a seu posicionamento político de esquerda, foi Era a revelação de que, por trás da imagem do te três meses em 1810. O caráter extremamente de civis de tendência liberal que se tornariam um símbolo importante em 2006. Magón fun- país que supostamente entraria no primeiro indígena caracterizou o movimento liderado célebres por fornecerem suporte ideológico e dou, com seu irmão Enrique, o jornal Regenera- mundo com a adesão ao Tratado de Livre Co- por eles, e teve como resposta uma dura reação acadêmico à nova classe política no poder, per- ción, de oposição liberal jacobina24 à ditadura de mércio da América do Norte (Nafta, em inglês), por parte da Coroa espanhola e dos criollos (as sonificada por um oaxaquenho imortalizado Porfírio Díaz no início do século XX. Instituido- havia um outro México: insurgente, rebelde, classes dominantes de origem local). Estes seto- na história do país. res do Partido Liberal Mexicano, em 1906, esta- amotinado. “Para os camponeses indígenas de res se uniram frente à ameaça de expropriação beleceram um programa considerado como o Chiapas, os habitantes mais pobres da região generalizada de propriedades e eliminação Benito Juárez, Benemérito das Américas, é o princípio social e político da Revolução de 1910. mais pobre do México, os herdeiros dos maias física das elites para combater o projeto de um maior representante dessa corrente. Advoga- De inspiração anarquista, traduziu um grau

o 19

N ssos sonhos não cabem nas suas urnas e dos astecas, o 1º de janeiro de 1994 é o dia da México controlado pelos de abajo . do de origem indígena zapoteca, foi governa- de consciência de classe dos trabalhadores, revanche. Com orgulho nos olhos, os zapatis- dor do estado e presidente mexicano por três em função do estágio histórico da forma e do tas desfilam em passo marcial pelas cidades Já Morelos foi protagonista da segunda etapa do oportunidades na segunda metade do século conteúdo da luta de classes, conforme estudo que conquistaram na marra”17. período independentista do país, dessa vez num XIX. Há uma de sua autoria muito lembrada do historiador Américo Nunes25. movimento político com apoio dos mestizos20. até hoje em Oaxaca, tanto pelos grupos de Assim como o levante neozapatista, a insurrei- Mesmo assim, foi boicotado quando propôs um esquerda quanto pela direita, de acordo com São das guerrilhas liberais as tentativas ar- ção oaxaquenha guarda o legado do revolucio- programa político mais avançado, baseado em o que desejam legitimar. “Entre los individuos, madas de derrubada do porfirismo. No início nário . O exército popular lide- reformas sociais21. O par de independentistas como entre las naciones, el respecto al derecho da Revolução, Ricardo Flores Magón passa a rado pelo comandante do Exército do Sul entre foi aniquilado pela reação espanhola. Hildalgo, ajeno es la paz”. nutrir admiração pelas formas comunistas 1910 e 1919 foi o responsável pela defesa do pilar julgado e executado em 1811. Morelos, quatro presentes nas comunidades indígenas. Diver- agrário e indígena da Revolução Mexicana18. anos depois. A história do México é repleta de A geração de Juárez é responsável pelo perí- sas são as organizações que atualmente se exemplos de que aqueles que protestam contra odo conhecido como o das Reformas. Entre definem como magonistas no país, a mais im- Durante o movimento de 2006, Zapata esteve as injustiças muitas vezes pagam com a vida. elas, a lei de 1859 que estabeleceu a nacio- portante delas no estado é o Conselho Popular vivo em consignas (o clássico Zapata vive, La lu- nalização dos bens do clero. Os reformistas Indígena Ricardo Flores Magón (CIPO-RFM), cha sigue!”, entre outras), imagens nas Megamar- Os algozes dos independentistas formam um venceram a imposição pelos franceses do im- com doze anos de história. chas e em todo tipo de atividade pública. Ao lado grupo social importante na história mexicana perador austríaco Maximiliano e o conserva- dele, a memória de outros mártires das lutas e latinoamericana, o dos caudilhos. Líderes dorismo social e político dominante no século O desfecho desse movimento revolucionário populares: Hidalgo e Morelos. Por coincidência, com bases de apoio nas unidades do exército 19. O caráter nacionalista e de confronto com determinaria a história do restante do século

17 FUSER, 1995, p. 50. 21 BETHELL, 1998, p. 88-91. 18 VILLA, 1993. 22 Ibidem. 19 BETHELL, 1998, p. 88-91. 23 Ibidem. 20 A antropóloga franco-argentina Carmen Bernand e o historiador francês Serge Gruzinski definem a figura social tratada neste momento: “Os ‘mestiços 24 NUNES, 1980, p 58. de luxo’ que gravitam em seu interior [da camada social dos colonizadores] se integram ao mundo hispânico”. BERNAND e GRUZINSK, 2006, p. 172. 25 Ibidem. 94 95 XX no país, conforme explica Nunes: “A der- Para teóricos mexicanos, essa foi a grande O partido esteve no poder desde sua criação em Revolução Mexicana. Foi antípoda do nacio- rota dos exércitos camponeses nos campos de consequência política da Revolução Mexicana: 1929 até o fim do mandato de Ernesto Zedillo nalismo, do estatismo, do anti-clericarismo

batalha permitirá ao Estado manipular as suas “constituir uma noção de continuidade e de eta- em 2000, quando Vicente Fox (PAN) assumiu a e da dimunição da desigualdade social. Das urnas suas nas cabem não sonhos sso N demandas e incorporar a mística de Villa, e, pas sucessivas, a qual acrescentou a de tarefas presidência. O fim da supremaciapriísta no país tradições, manteve apenas o monopólio do o sobretudo, Zapata ao projeto burguês de domi- intermináveis, sempre renovadas pela história” está ligado ao fracasso das políticas em razão da petróleo, e a corrupção33. nação. A especificidade dos vários movimentos 29. A Revolução daria, portanto, a solução cabível grave crise econômica de 198232. Aquela conjun- revolucionários é diluída e surge uma nova bur- para cada momento. Concluía-se aí o clímax da tura foi antecedida por uma crise de legitimidade, Aluno exemplar das lições do Consenso de guesia pretensamente herdeira dos precurso- integração do México, ao aliar à independência com expoentes de movimentos contestatórios Washigton e do FMI, doutor em ciências res e agentes da revolução. Esta concertação, ou política (movimento de Independência) à con- estudantis ocorridos em 1968 e o surgimento de econômicas por Harvard, Salinas implantou tolerância às diferenças ideológicas, somada à solidação ideológica (Reforma e Constituição de guerrilhas rurais e urbanas nos anos 1960 e 1970. o neoliberalismo selvagem no país, através realização de algumas reformas reivindicadas 1857) a emancipação econômica 30. principalmente do acordo do Nafta e da pri- pelos dominados, permitiu legitimar ideologi- Mesmo no período de decadência, o priísmo viveu vatização generosa das principais empresas camente os novos donos do poder e preservar o Como legado institucional, deixou também o uma vitória de Pirro. na noite das Urnas Milagrosas, públicas. Gustavo Esteva conta como se deu a regime político mais estável da América Latina Partido da Revolução Institucional (PRI). Em Mé- como Fuser apelidou a manobra eleitoral realiza- ilusão da chegada ao clube dos desenvolvidos no século passado”26. xico em Transe, Igor Fuser dedica todo um capítulo, da para que o presidente Carlos Salinas de Gortari entre a elite mexicana: o

N ssos sonhos não cabem nas suas urnas chamado A Ditadura Perfeita, para explicar o fenô- (PRI) vencesse, em 1988, “a batalha mais impor- Entre os comandantes nacionais do México, meno de ascensão e manutenção do partido no tante, que decidiu o futuro do país por mais um “Escutei por muitas vezes, neste então, um co- a principal memória reivindicada por setores poder. Chama a atenção uma das características período de 6 anos: a batalha da apuração.” mentário comum nas classes médias ou altas: da esquerda oaxaquenha é a do militar Lázaro mais representativas de sua formação como uma Não vamos viver como os americanos, mas Cárdenas. Presidente de 1934 a 1940, Cárdenas agremiação singular na história mundial: a filia- O candidato opositor, Cualtémoc Cárdenas melhor que eles. Teremos todos os bens e ser- concentrou no Estado o atendimento de algu- ção automática, por decreto, de todos os funcio- filho do ex-presidente Lázaro do Partido da viços que eles têm... e, além disso, empregadas. mas das reivindicações do período da Revo- nários públicos, membros das Forças Armadas Revolução Democrática (PRD), dissidência à Obviamente, esta cínica observação não levava lução, adotando medidas de reforma agrária, e integrantes de organizações que davam apoio esquerda do PRI, estava à frente na apuração em conta o ponto de vista das criadas. Mas este elaboração de legislação social, regulamenta- ao governo, quando da fundação do PRI (ainda dos votos quando o sistema de apuração de era o estado de ânimo. Chegávamos ao suposto ção da organização sindical, modernização do como Partido Nacional Revolucionário em 1929). votos caiu. Na manhã seguinte o resultado, paraíso do American Way of Life.” Estado, reformas na educação, nacionalização “Uma gigantesca agência de empregos públicos, estranhamente, era inverso: sólida vitória de do petróleo e a ampliação das bases sociais do um instrumento eleitoral para perpetuar as elites Salinas. A contagem não foi aceita pelos demais Ao invés de subir rumo ao norte, a política partido oficial27. dominantes, um canal de ascensão social para candidatos e seus eleitores. Como em 2006, econômica do governo de Salinas americala- várias gerações de mexicanos, uma máquina de houve protestos incessantes na Cidade do Mé- tinizou (no pior sentido do termo) ainda mais O período estabeleceu “o prestígio histórico corrupção organizada, qualquer coisa, menos xico durante os três meses seguintes. o México. Este foi o resultado do chamado e a aura das transformações profundas que um partido político de verdade, com membros Efeito Tequila, crise de fuga de capitais que continuaram dando legitimidade aos governos voluntários, democracia interna, programa e O governo Salinas encarnou a contra-revo- levou a desvalorização da moeda e quebrou mexicanos da segunda metade do século XX”28. ideologia31”, resume o jornalista. lução, a destruição de diversos pilares da o país em 1994.

26 NUNES, 1980, p. 9. 27 VILLA, 1993, p. 61. 28 Escrevem Héctor Camín e Lorenzo Meyer em À Sombra da Revolução Mexicana: “Esse brilho mitológico e real do passado recente permitiu, a partir de Cárdenas, que o status quo, embora eivado de falhas e injustiças, fosse apresentado ao país como um fenômeno passageiro, já que o verdadeiro México era justamente o que ainda não surgira e sim o que estava por surgir. Esse foi um salto ideológico crucial, e sua história é a história de um fato revolucionario num presente contínuo e num futuro que era apenas uma promessa”. CAMIN; MEYER, 2000, p. 211. 31 FUSER, 1995, p. 22. 29 AGUILAR; MEYER, 2000, p. 213. 32 Uma importante análise neste sentido é o artigo Avaliação das mudanças estruturais no México (1982-2004), dos economistas mexicanos Rolando 30 Ibdem. Cordera Campos e Leonardo Lomeli Vanegas. CAMPOS; VANEGAS, 2005, p. 39-54. 96 97 Os efeitos sociais e políticos da bancarrota projeto, a iniciativa vai prover equipamentos peração, desenvolvimento e integração de os efeitos da exploração intensa do turismo na criaram condições para a potencialização de e treinamento em apoio à operações legais nove países (Belize, Colômbia, Costa Rica, vida de uma comunidade litorânea. Zipolite

uma nova força, armada até os dentes: o nar- de coerção e assistência técnica. O objetivo é El Salvador, Guatemala, Honduras, México, era uma vila isolada até os anos 1970, povoada urnas suas nas cabem não sonhos sso N cotráfico, dono de muito dinheiro e influência promover reformas de longo prazo, vigilância Nicarágua e Panamá), facilitando a gestão e por cerca de cinco famílias de pescadores. o política e social. No início do século XXI, os e profissionalização dos departamentos de execução de projetos orientados a melhorar cartéis de venda de drogas têm sido um dos segurança dos países parceiros. Com os 1,4 a qualidade de vida dos habitantes da região. Por ocasião de um eclipse total do sol no início da principais problemas enfrentados pelo governo bilhões de dólares de recursos para o período Na prática, o que está em jogo é o controle das década, uma multidão de hippies, cientistas, jor- mexicano. Estamos tratando de uma indústria até 2010, se torna o segundo maior programa extensas costas de dois oceanos, uma grande nalistas, mochileiros e aventureiros do mundo que movimenta 25 bilhões de dólares ao ano34. antidrogas do continente, perdendo apenas variedade de solos, vastas florestas, uma rica se dirigiram às praias mexicanas, Zipol inclusive, para o Plano Colômbia. biodiversidade, enorme quantidade de água para apreciar aquela que seria uma das melho- O jornalista e editor do La Jornada, Luiz Hernan- e jazidas de minério e hidrocarbonetos, como res visualizações do evento. Encantados pela be- dez Navarro, afirma que segundo o governo me- “A iniciativa significa para o México o com- denuncia o economista e jornalista Bráulio leza do local, muitos decidiram fixar-se no local. xicano existem sete grandes grupos de narco- promisso de perseguir imigrantes da América Moro36. traficantes. Recentemente, firmaram alianças Central e do Sul e, muito provavelmente, hos- Pousadas e restaurantes, hotéis e casas de ve- entre si. O cartel de Juárez fez um acordo com tilizar os próprios cidadãos mexicanos que À propaganda de que o PPP conseguiu, nos raneio à beira-mar hoje compõe a orla dessa o

N ssos sonhos não cabem nas suas urnas o do Golfo. Vários outros mais se associaram à tentarem cruzar a fronteira sem passaporte”. seus oito primeiros anos, contribuir para a praia. O local chegou a ficar nacionalmente chamada La Federación. Na opinião dele, o nar- Outro ponto significativo é que a Iniciativa cooperação, desenvolvimento e integração conhecido nos anos 1980 e 1990 como uma op- cotráfico no México mudou de cara nas últimas Mérida abarca, sem distinção, a imigração em benefício da população mesoamericana, ção para o uso de drogas pesadas e festas sem décadas. “Os cartéis não só buscam proteção, ilegal e o terrorismo. O jornalista mexicano o Fórum Mesoamericano dos Povos de 2008 limite, longe de qualquer fiscalização. Situação, como também poder político. Se antes negocia- acredita que isso abriria precedente de que, responde que o projeto atenta contra a vida inclusive, mitigada posteriormente pelo envio vam sob uma condição de subordinação à auto- sob o pretexto da luta contra a insegurança, das comunidades através do fim de seus de forças militares que aproveitaram a viagem ridade, hoje são capazes de estabelecer regras vejam-se restringidos os direitos humanos e meios de sobrevivência, destrói a biodiver- para criminalizar os movimentos sociais da em questões econômicas, sociais e políticas”. criminalizados os protestos sociais. sidade com suas represas e hidrelétricase região, acusando-os de serem focos da luta ar- extrativismo, além do turismo em grande mada. Para as famílias que viviam ali, restou se Supostamente para auxiliar os governos do Se não bastasse a Iniciativa Mérida, há outro escala, agricultura extensiva e intensiva em locomover para terrenos mais distantes da orla México, da América Central e do Caribe, o go- plano bilionário do governo estadunidense mãos das transnacionais37. e aceitar os empregos como meseros ou taxistas verno dos Estados Unidos lançou, em 2007, a para “ajudar” os primos pobres do continente. dos gringos que superlotam a praia. “A Zipol que Iniciativa Mérida. O objetivo do plano seria o Chama-se Projeto Mesoamérica - novo nome Entende-se melhor o resultado disso no coti- brinquei tanto quando era menino deixou de de “trabalhar em parceria com os aliados para para o manjado Plano Puebla-Panamá (PPP), diano dos mais pobres quando se tem a opor- existir faz muito tempo. É uma pena que meu confrontar organizações criminosas cujas de 2001 -, mais um projeto que preocupa os tunidade de conhecer pessoas que tiveram as filho não tenha a oportunidade de aproveitar ações questionam a segurança pública, des- movimentos sociais mexicanos. A iniciativa condições de vida dos nativos degradadas em como eu fiz, lamenta o taxista, que me cobra gastam a regra legal, e ameaçam a segurança é vendida como sendo um espaço político razão do “desenvolvimento”. Um taxista caiça- cinco reais por uma corrida de 25 km, até o pró- nacional dos EUA”35. Segundo o sítio oficial do de alto nível que articula esforços de coo- ra da costa oaxaquenha me explicou quais são ximo destino turístico.

35 Informações do site oficial da Iniciativa Mérida, hospedada na página do Departamento de Estado estadunidense: http://www.state.gov/p/inl/merida/. 36 MORO, 2002. 37 Declaração Política do VII Fórum Mesoamericano dos Povos -¡Mesoamérica en Resistencia, No al neocolonialismo del libre comercio! 33 FUSER, 1995, p. 35-36. Manágua, Nicarágua, 16 de julio de 2008. Disponível em: http://www.gritomesoamerica.org/archivos/download/DeclaracionFinalVIIFMPht40199.pdf. 34 Agência EFE. Narcotráfico no México movimenta até US$ 25 bi ao ano, dizem EUA. 11 de março de 2009. 38 MÉXICO, 2005, p. 14. 98 99 Entre as ideias do Projeto Mesoamérica, está a lutas legais pelo território e muitas mais que lonial, os criollos e que formavam os volução chegou, mas não se fixou em Oaxaca45. de criar um Corredor Turístico em Oaxaca 38. se consolidaram posteriormente. No século grupos de comerciantes e intermediários da Mais recentemente, essa nova nobreza compor- 42

Para o governo e as elites, um plano de que vai XVI, na Serra Juárez (ou Serra Sul), como forma comercialização com a Europa . ta também apoiadores priístas do governador de urnas suas nas cabem não sonhos sso N desenvolver a região. Abaixo e à esquerda, se vê de defesa, os índios deixavam seus povoados e plantão. o a iniciativa como mais um cavalo de Tróia para se escondiam com a chegada dos espanhóis. Mais adiante, após um longo período de isola- perpetuar o poder da camarilha que controla o Logo negociavam o regresso com os domina- mento político, Oaxaca era no início do século Em 2006 a luta da Assembleia Popular dos México desde a chegada dos espanhóis. dores e estabeleciam, dentro do possível, as XX um dos estados mais importantes do Méxi- Povos de Oaxaca enfureceria muitos dos des- condições de convivência40. co, do ponto de vista econômico e político43. Era cendentes daqueles que há centenas de anos Os chefes locais (o que equivaleria aos coro- o quinto em investimento estrangeiro, além observavam a sociedade como uma engrena- néis do õrdeste brasileiro) dominam Oaxaca A relativa autonomia dos povos foi, inclusive, de berço do civil reformador Benito Juárez e do gem que serve para mantê-los no poder. há 500 anos. Com a proteção de espanhóis, uma marca importante da dominação espa- ditador militar Porfírio Díaz. o cacique, como uma aranha, tece sua rede nhola. Uma das características da sociedade co- de poder. Fixa-se em seu território, onde sela lonial oaxaquenha como demais organizações Durante a Revolução Mexicana, os governado- alianças com outros caciques, que também sociais hispano-americanas foi determinante res oaxaquenhos tiveram uma relação com- têm redutos de domínio. Aproveitam-se, em para isso: a divisão da sociedade entre uma re- plexa com os revolucionários, que por sua vez o

N ssos sonhos não cabem nas suas urnas benefício próprio, dos recursos do povo. Isso publica de indios e outra de españoles. Separados compunham uma família conflituosa entre inclui a utilização das estruturas econômicas territorialmente, foi dado aos autóctones certa si. Houve alternância dos grupos políticos no e os poderes federais. Formam uma confraria margem organizativa e se autorizou a criação de poder: simpatizantes do porfirismo, juaristas, e, que necessita apoiar-se entre si, para usufruir governos locais integrados por administradores, finalmente, soberanistas. Oaxaca declarou-se deste negócio patrimonialista39. juízes, regentes, fiscais, sacerdotes e cantores separado dos Estados Unidos Mexicanos em em cada povo41. 1914. A Constituição Revolucionária de 1917 só Nas montanhas de Oaxaca muitas vezes se entrou em vigor no estado após a queda deste deram combates, histórias de resistência dos O estado de Oaxaca teve importância econômi- grupo em 1920. oprimidos. Durante a invasão espanhola, as ca no período em que produzia intensamente serras serviram de refúgio para aqueles não um corante vermelho. A cochonilha foi um dos O grupo soberanista era formado por algumas aceitaram a imposição do novo regime. Vá- principais itens da pauta de exportações da ricas famílias do Estado, autodenominadas rias foram as formas de reação à presença Nova Espanha durante o século XVIII. De cor “oaxaquenhos autênticos”, que continuaram estrangeira: as armas, o refúgio em cavernas e vermelho-escura é utilizado em larga escala enriquecendo durante os anos de domínio do bosques longínquos para fugir da escravidão, pela indústria cosmética e alimentícia, e for- PRI no século XX. A Vallistocracia (aristocracia assim como a suposta aceitação da nova reli- nece sua cor a biscoitos, geléias e sobremesas, proveniente dos Valles Centrales, região central gião, misturadas à prática de velhos rituais e sendo também utilizado em medicamentos do estado) foi responsável por anos de pagamen- crenças sobre o sagrado, a obstinação em con- e roupas. Sua exploração foi importante para tos injustos a produtores rurais e exploração servar a língua, os sacrifícios propiciatórios, as a camada que estava no topo da pirâmide co- ilegal de reservas madeireiras no estado44. A re-

41 BETHELL, 1998, p. 73. 42 BETHELL, 1998, p. 254-255 e DALTON, 2007, p. 25. 39 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 26-28. 43 DALTON, 2007, p. 30. 40 DALTON, 2007, p.40. 44 VÁRIOS AUTORES, 2007, p.23. AN DIG IDade QUE BLOQUEIA RUAS E ABRE CAMINHOS

104 105 A solidariedade à batalha contra a polícia que refeitas e o saldo de vítimas da jornada de mobi- ocorria no Centro Histórico da capital espalha- lização foi de cinco mortos 3.

se instantaneamente pelo estado. A população caminhos abre e ruas bloqueia que dignidade A e os movimentos sociais de outras regiões de Pode-se dizer que em 2006 a estratégia de ocu- Oaxaca reagem. No dia 14 de junho, pipocam pação de prédios públicos ressurgiu com mais bloqueios e ocupações dos paços municipais de intensidade do que nunca. De início, os professo- Huautla de Jiménez, Jalapa del Marqués, Pino- res do Setor 22 procuram legitimar socialmente tepa Nacional, , (sede a ação das ocupações. “Nos prédios os professo- de importante refinaria mexicana), Ciudad res encontraram grande quantidade de manti- Ixtepec, Juchitán de Zaragoza, San Blas Atem- mentos, equipamento esportivo e materiais de pa, Matías Romero, Zanatepec, Tapanatepec, construção para induzir o voto a favor do PRI, Chahuites e Santiago Juxtlahuaca1. que confiscaram e repartiram entre a popula- “Este prédio está sendo confiscado” – gritamos quando entramos no Departamento de Finanças. ção” conta o jornalista Luis Hernández Navarro4. Algumas pessoas não sabiam realmente como ocupar um prédio do governo, mas aí alguns de A iniciativa de tomada de edifícios públicos nós tomamos a iniciativa. ‘Orale, pues’, dissemos. “Vamos fazer!” A força da APPO naquele estaduais e do poder executivo municipal não No mês seguinte, a Assembleia Estadual do Setor momento era tão grande que tudo era possível (...) começou no movimento de 2006. Em 1977, no 22 decide que o bloqueio dos prédios públicos está Éramos somente oito os que fechamos o prédio. Quando nós entramos, os funcionários município de Juchitán de Zaragoza, se formou fundamentada na “ingovernabilidade dos poderes

A dignidade que bloqueia ruas e abre caminhos começaram a rir, porque eles estavam em maior número. Mas ainda que nós fôssemos apenas uma administração municipal popular. Ali a Co- no estado, o abuso da autoridade e a desatenção ordenadoria Camponesa e Estudantil do Istmo (do governo) às demandas do povo”, conforme ex- um punhado de gente, o movimento tinha tanto vigor que quando eles perguntaram, “Quem está (Cocei) estabeleceu a primeira derrota política plicou o diretor do sindicato Daniel Rosas Romero5. ocupando?” e nós respondemos, “A APPO!”. Eles todos levantaram de suas cadeiras e saíram do do PRI na história do país, e para a esquerda. escritório, sem protesto” Sintomaticamente, o poder de cooptação do PRI A ofensiva de 26 de julho (mesmo dia que marca conseguiu que aquele que foi o primeiro prefei- a Revolução Cubana), como ficou conhecida, re- to municipal de linha política independente ao sultou na ocupação das principais ruas do Centro oficialismo hoje seja aliado de Ulises Ruiz Ortiz2 . Histórico de Oaxaca, a assembleia legislativa local, o Tribunal Superior de Justiça estadual e a Outro momento importante de mobilização Procuradoria, o Palácio de Governo, a Secretaria frente aos desmandos políticos municipais de Finança e os quartéis municipais de polícia6. se deu no período após as eleições de 2001. O descontentamento com a influênciapriísta no Mais adiante, em novembro, a contagem no processo das eleições por usos y costumbres foi Congresso de Fundação da APPO é de mais responsável pela ocupação de 19 prefeituras. A de 60 municípios ocupados, quase 10% dos pressão fez com que 18 delas tivessem as eleições existentes em Oaxaca.

1 RODH/CMDH, 2006, p. 3. 2 CCIODH, 2007, p 26. 3 CNDH, 2007, p. 6. 4 NAVARRO, Luis Hernández. La batalla de Oaxaca. La Jornada, México, Cidade do México, p. 23. 20 jun. 2009. 5 La Jornada, México. Con ingobernabilidad, maestros buscan destitución de Ulises Ruiz. 27 de julho de 2006. 6 Ibidem. AS BARREIRAS CONTRA O COMBOIO DA MORTE “Quando um dos semáforos do cruzamento de dirigido uma carreta antes. Não seria hoje a Cinco Señores se fechou, fomos em direção ao tentativa. “Quando dei a partida, ele correu de motorista”, conta a professora María del Cármen volta, gritando: ‘desce, baixe já daí! Eu mesmo Altamirano Vásquez. O grupo pede que o con- atravesso o caminhão na pista!. Minutos de- dutor da carreta desça para que o veículo seja pois, lá está ela, a gigantesca máquina motori- O que é a barricada? utilizado no fechamento da pista principal. “Ele zada, impedindo o fluxo. É o dia e a noite juntos se recusou, ao que o dizíamos: ‘saia logo, isso é do seu patrão! Precisamos fechar esta rodovia.’” Constitui-se uma das principais barricadas do A barricada é nossa defesa movimento de Oaxaca em 2006. É a lendária A barricada é parte do ataque O motorista, resignado, abandona o posto. Bo- Cinco Senõres, aquela que resguardaria a voz do léia livre, María assume o volante. Nunca havia movimento Radio Universidad. A barricada é o movimento protegido A barricada é a luta estacionada em cada entrada de rua A barricada são os olhos e as mãos do povo Compañeros, construamos uma barricada A barricada é a vigília, esta vigia que espia as mãos do tirano Compañeros, traz pedra, madeiras, mesas, cadeiras, as coisas desejadas A barricada, além de concentração, espera o inimigo Os ferros velhos, os cabos, os arames, os arames farpados, os cavaletes, os tubos, A barricada é a rua bloqueada os farrapos, os tapumes, os paralelepípedos, os canteiros, as pedras A barricada é, além da rua obstruída, é a cidade cercada Todos os escombros servem O perigo cortado em pedacinhos Compañeros, vizinhos, donas-de-casa, tragam o frio, a chuva, o café É o medo repartido e recortado Compañeros, façamos outra barricada A barricada é o freio da impune morte Barricada com punhos, barricada com idéias A barricada é trava da repressão Barricadas todas juntas porque somos os de baixo Que não fique dúvida: Nos sobra a miséria e dor A repressão contra a barricada não poderá golpear seu tamanho Nos sobra indignação e raiva A barricada é a cidade organizada em vigilância 7 Nos sobra coragem, tragamos todos Que a mão popular defenda o movimento

7 Radio Plantón - Programa Pueblos en Movimiento. DVD Radio Plantón - Otra Vez al Aire. 108 109 mãos, estilingues, tacos de beisebol, varas e Durante as incursões dos facínoras, as trans- cabos de madeira. Ônibus atravessados por missões radiofônicas das emissoras ocupadas

todas as partes. A resistência se expandiu mais informam aos entrincheirados sobre a locali- caminhos abre e ruas bloqueia que dignidade A rápido que os comandos da polícia”, relata o zação e o deslocamento do bando18. Que a mão popular construa as barricadas necessárias correspondente do La Jornada. Que a mão popular construa cem, dez, mil barricadas Pela manhã, é feita a reorganização daqueles O bloqueios das calles, avenidas e carreteras faz que conseguiram sobreviver à acometida. Que a mão popular acenda as barricadas com que a capital se torne um labirinto. A perfei- Ouve-se a chamada da lista de barricadas, em Que assim ilumine a noite ta noção do território urbano é um trunfo para comunicação direta com cada uma. Os pique- o movimento. “Como conhecíamos os bairros, teiros relatam as baixas sofridas. Na mesma A barricada é a noite e o dia num abraço impedíamos a passagem para mantê-los longe. fatídica noite, o comboio paramilitar ataca a 20 A barricada somos todos renascendo 8 Por isso fechamos as entradas das ruas próxi- Radio APPO e em mais três municípios . mas. Para poderem escapar teriam que fazer um U sobre a mesma rua”, explica David El Alebrije Para o Estado, se tratou de uma “Limpeza de Venegas, do coletivo Vozes Oaxaquenhas cons- vias”21. A Procuradora Geral do Estado Lizbeth truindo Autonomia e Liberdade14. A barricada Caña Cabeza afirma, em entrevista coletiva As mãos do povo levam às ruas os escombros, Quatrocentos policiais municipais e estadu- que eu ajudava a cuidar, da Rádio ORO; primeiro na manhã seguinte, que a limpeza é resulta-

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A dignidade que bloqueia ruas e abre caminhos formam os bloqueios e as fogueiras noturnas ais são designados para a jornada da morte de a tomamos e depois se criou uma barricada para do de uma série de demandas dos cidadãos, que por mais de três meses iluminam as noites 21 de agosto. Para balear os transmissores e ins- protegê-la. Se puseram muitas outras mais para de empresários, comerciantes e diretores de do estado. A data de 21 de agosto marca a ins- talações das rádios ocupadas é utilizada uma proteger os que cuidavam da antena15. escolas privadas 22. talação das barricadas de forma massiva em formação de mais de 30 veículos11, entre carros Oaxaca. Antes as barricadas protegiam apenas da polícia estadual, municipal e caminhonetes A ação do comboio da morte é violenta, e tem os lugares ocupados. Eram só de proteção à rá- pick-up particulares12. como um dos resultados o assassinato, com um dio ou do prédio, os únicos lugares onde havia tiro no peito, do arquiteto Lorenzo San Pablo, que barricada, a cidade estava livre 9. A Rádio La Ley del Pueblo dá o alerta e convoca: deixa quatro filhos. San Pablo é atingido enquan- “Converter as barricadas em muros de conten- to tenta se refugiar atrás de uma árvore durante O motivo é a propagação dos ataques à bala ção para fechar a passagem do esquadrão da os ataques à Rádio La Ley 16. As transmissões são lançados por policiais e paramilitares contra as morte e assim encontrá-los, neutralizá-los e abandonadas: “Já estão atacando aqui fora, vêm sedes das emissoras ocupadas pelo movimen- exibi-los, para alçar-se com a mais contundente nos buscando”, “nos vamos”, avisam os locutores to. Oficiais à paisana e mercenários iniciam vitória sobre este governo cruel e fascista13. antes de fugirem da cabine de transmissão trans- rondas noturnas conhecidas como “comboios formada em alvo pelos facínoras. O telefone toca da morte” para atemorizar os que permanecem O chamado é atendido. Entre a fumaça pulu- insistentemente no ar, ninguém atende17. na escuridão das ruas. lavam dezenas de silhuetas com pedras nas

14 VÁRIOS AUTORES, 2007, 245. 15 ESTEVA; VALENCIA; VENEGAS, 2008, p 95. 16 Anistia Internacional, 2007, p. 7. 8 Radio Plantón - Programa Pueblos en Movimiento. DVD Radio Plantón - Otra Vez al Aire. 17 La Jornada, México. Discrepan los gobiernos federal y local sobre la guerrilla en Oaxaca. 24 de agosto de 2006. 9 CCIODH, 2007, p. 62. 18 La Jornada, México. En operativo de limpieza, policías de Oaxaca siembran el terror entre civiles. 24 de agosto de 2006. 10 El Universal, México. Califica Procuraduría a APPO de guerrilla urbana. 22 de agosto de 2006. 19 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 120. 11 CCIODH, 2007, p. 50. 20 La Jornada, México. En operativo de limpieza, policías de Oaxaca siembran el terror entre civiles. 24 de agosto de 2006. 12 Anistia Internacional, 2007, p. 6. 21 Esse é o nome que a Procuradoria Geral de Justiça de Oaxaca dá ao operativo realizado. Ibidem. 13 La Jornada, México. Discrepan los gobiernos federal y local sobre la guerrilla en Oaxaca. 24 de agosto de 2006. 22 El Universal, México. Califica Procuraduría a APPO de guerrilla urbana. 22 de agosto de 2006. 110 111 UM LAR COLETIVO A CÉU ABERTO Os bloqueios tinham sua dinâmica própria. reboques duplos com material de construção. Havia inclusive alguns deles formados por Vinham de Monterrey, iam a . Aí ficaram.

crianças, acompanhados por suas mães. Eles fe- Há um caminhão de uma empresa de gás que caminhos abre e ruas bloqueia que dignidade A chavam ruas pequenas apenas até a meia-noite, negociou com os jovens, conseguiu a devolu- para dormir cedo, conta David El Alebrije23, eleito ção de uma unidade nova e a trocou por uma delegado no Congresso da APPO representando que tinha em desuso. Há uma misturadora de as barricadas da zona norte da capital. Naquelas concreto da empresa Cemex, testemunha a dirigidas pelo Setor 22, se passavam até listas enviada do jornal La Jornada Blache Petrich. A para saber quem estava participando. escolha das empresas expropriadas tem seus critérios. Por exemplo, se são transnacionais, 1. Nomear três coordenadores por barricada O jornalista Diego Osorno narra o cenário que se chingan. Se não, negociamos. Os deixamos ir 2. Manter a comunicação com a comissão de segurança e ligação da APPO encontra na barricada que protegia a Rádio La se nos facilitam outra unidade inservível para Ley: atrás desse postal de guerra e ódio, o que há colocá-la na barricada”, conta David 3. Se proíbe o álcool ou algum estimulante nas barricadas é gente bordando morangos e goiabas gigantes 4. Se dialogará com os cidadãos para explicar o porquê das barricadas na tela do que será uma toalha de mesa florida, Em Cinco Señores, de um dos lados do cruzamento enquanto as donas dessas mãos delicadas que acumula-se o lixo e garrafas vazias. De outro, 5. O horário de instalação de barricadas será de 11h às 18h espetam e desenlaçam as agulhas cumprem seu estão organizadas as doações, de alimentos e

A dignidade que bloqueia ruas e abre caminhos turno de guarda. A barricada é o novo lar para remédios a cigarros e papel higiênico. O compar- milhares de oaxaquenhos. Também há gente que timento de carga dos caminhões serve de dormi- come despreocupada, que se alimenta de pica- tório25. O movimento distribui a carga entre a vi- dinho e arroz servido em um prato descartável. zinhança pobre26. O mini-Estado desse bloqueio tem seus departamentos organizativos: Coorde- Brenamiel é o nome de uma das mais grandio- nação, Ligação Política com a APPO, Guarda de sas. Essa é a barricada que dá boas-vindas aos Bens Expropriados, Alimentação, Informação, recém-chegados da Cidade do México. Lá estão Segurança e Finanças. Reuniões e atividades dos posicionados 25 ônibus e caminhões estendi- grupos de trabalho são realizadas diariamente 27. Os oaxaquenhos, malgrado a repressão, de- Em Oaxaca a história é escrita pelos vizinhos, dos por mais de um quilômetro de pista 24. Cinco monstram senso de humor. No começo de agos- rua por rua, em todo bairro ou município do Señores é formada por ônibus de transporte to lê-se no centro da cidade um cartaz, escrito estado em que os moradores, espontanea- público, vans, caminhões de carga e carretas, em espanhol e inglês, endereçado aos forastei- mente, se dispõem a arriscar a própria vida todos atravessados nas pistas. Cada uma das ros: “Senhor turista, desculpe os incômodos que por uma causa em comum. Diariamente, se avenidas é atravessada por algum veículo este movimento o ocasiona. Aos oaxaquenhos reúnem depois do pôr-do-sol, pernoitando até grande. “Sobre um extremo da Avenida Univer- estamos escrevendo nossa história”. a próxima manhã. sidad estão mobilizados três [caminhões de]

23 ESTEVA; VALENCIA; VENEGAS, 2008, p 96. 24 Ibidem. 25 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2006, p. 202. 26 La Jornada, México. En operativo de limpieza, policías de Oaxaca siembran el terror entre civiles. 24 de agosto de 2006. 27 La Jornada, México. La Barrikada de la Muerte, emblema de la resistencia. 13 de novembro de 2006. 112 113 OS MULTIPLOS SIGNIFICADOS DO BLOQUEIO VIÁRIO A barricada foi uma forma de demonstrar que David El Alebrije conta que em Brenamiel se ins- há falta de governabilidade através da desobe- tituiu a democracia direta. Este espírito baixou das comunidades indígenas das montanhas e

diência civil, afirma SílviaChivis , estudante de caminhos abre e ruas bloqueia que dignidade A Ciências Sociais da UABJO29. Para ela, se tratou se fixou neste espaço. Tudo era decidido por de uma forma de dizer bem, Ulises Ruiz, se você assembleia, até o nome e a canção-tema da está realmente governando como diz, porque barricada. A autogestão da trincheira urbana há um enorme fechamento da rodovia federal derrota inimigos poderosos. Ao capitalismo formado por pessoas que pedem sua saída? 30. em Oaxaca o mandamos a lona. Nós tínhamos inclusive todas as transnacionais que quería- Para o intelectual Gustavo Esteva, os bloqueios mos: dentro da nossa barricada estava El Piticó e Aurrerá 32. As fechávamos segundo nossas eram parte do tecido social orgânico que for- 33 mava a APPO. Um núcleo organizado e organi- decisões, orgulha-se . zativo, que começa a se estender ao bairro e a Antes apenas nos saudávamos com um “bom dia”, “boa noite”, ou quiçá nem nos falávamos. formar comunidade. Velhos e jovens, as faixas José Sotelo Marbán acredita que a barricada foi o Éramos vizinhos, mas sequer sabíamos como o outro chamava, onde vivia, de idade que predominavam nas barricadas, mecanismo que permitiu ao povo conscientizar- mesmo que vivendo juntos, pues. Isto nos uniu 28. nutriam mutuamente sua experiência e a pro- se. Se fez sentir que a dignidade estava em suas longavam até outros 31. mãos, perceber a crueza do terrorismo do Estado34.

A dignidade que bloqueia ruas e abre caminhos

Puedo morir mañana yo lo presiento/ en una barricada amaneciendo/ Por las balas hirientes de un mal gobierno/ El reprimió mis padres y mis ancestros/ Puedo morir mañana no tengo miedo/ Puedo morir mañana por mis ideales (…) con todos mis hermanos/ con todo pueblo/ Porque ya no aguantamos este mal gobierno/ Puedo morir mañana yo lo prefiero/ que seguir suportando este cruel gobierno(…) Sólo le pido a Dios que me de aliento/ para mirar el día el gran momento/ La caída completa de este gobierno 35

Defesa contra ataques paramilitares, controle Mais que isso, foi um fator de unidade e convivên- territorial, pressão política, mecanismo de experi- cia determinantes para a coesão de grupos sociais ência de solidariedade, fraternidade, identidade. O com interesses distintos, mas unidos na reivin- Há em Oaxaca uma brincadeira em termos his- a Comuna de Paris. O movimento deles durou levantamento das milhares de barricadas se con- dicação da queda do governador. Multiplicam-se tóricos usualmente feita quando se especula 72 dias, enquanto o nosso resistiu mais que o verteu em um dos símbolos de luta do movimento. interpretações sobre o significado delas. sobre as relação deste processo mexicano com dobro disso [161].

29 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2006, p. 201. 30 Ibidem. 31 La Jornada, México. Sigue la APPO Dando. 12 de março de 2007. 32 Redes de supermercado. 33 ESTEVA; VALENCIA; VENEGAS, 2008, p. 201-202. 34 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 122. 28 Depoimento de uma dona-de-casa do município de Jalatlaco no Programa Pueblos en Movimiento da Radio Plantón. DVD Radio Plantón - Otra Vez al Aire. 35 Andrés Contreras – Título Desconhecido. DVD Radio Plantón - Otra Vez al Aire. 500ME K D Uma DIGNA MARCHA- CAMINHADA PELA DIGNIDADE DOS POVOS DE OAXACA

119 ma comunidade. As pessoas demonstraram vencidos da luta justa, avançavam sem cessar. É La gente se pregunta/ ¿Y estos quienes son? que o que vale é a vontade popular e neste de notar que neste lugar percorreu [parte do tra-

¡Somos de Oaxaca y queremos solución! dia se demonstrou ao sermos bem-recebidos jeto com os marchistas] uma criança portadora povos dos dignidade pela km 500 nesta comunidade. de necessidades especiais de dez anos de idade chamada Ana Cinthya Lileny Flores Munguía, 29 de setembro | Acatlán de Osorio (Puebla). que com sua voz inocente dizia: “eu venho para com a difusão dos objetivos da mobilização se que saia Ulises de Oaxaca!”, “adiante professo- Etla, Telixtlahuaca, Nochixtlán, Yanhuitlán, na metade da caminhada e de haver consumi- pôde sentir o apoio e calor do povo. Se deu de co- res, eu os apoio!”. [Isso] Motiva os companheiros Tamazulapan, Huajuapan em Oaxaca. Chi- do os sagrados alimentos que certamente não mer, mantimentos. Houve uma recepção com para continuar, da mesma maneira que o faz la, Acatlán, Tehuitzingo, El Pitayo, Izucar de todos o fizemos nas melhores condições, pode- centenas de pessoas na rua. Solidariamente os a chegada de novos companheiros, que com o Matamoros, Calmeca em Puebla. Amilcingo, se observar que os ânimos e as energias da ju- professores dessa região nos ofereceram espa- avançar da Marcha criaram a consciência de Cuautla, Tepetlixtla, Amecameca em Morelos. ventude, companheiros conscientes e demais ços para descansar. sua participação e incorporaram para colaborar Chalco, Nezahualcoyotl, Estado do México. participantes refletiam a apropriação desta que se chegue à Cidade do México Cidade do México no Distrito Federal. Cinco mil experiência que alguns faziam pela primeira 30 de setembro | Tehuitzingo (Puebla). muito a pessoas na Marcha Caminhada pela Dignidade vez, outros pela segunda e outros pela terceira pesar de que o governo poblano ordenou aos pre- 2 de outubro | Izucar de Matamoros (Puebla). ‘14 de junho Não Se Esquece’ . 19 dias, mais de ou quarta ocasião, mostrando a alegria que feitos que não apoiassem a Marcha caminha- apesar do cansaço as pessoas que vêm na Mar- 500 quilômetros. inspirava em alguns e em outros o desespero da, as pessoas de Acatlán se despediram dos cha Caminhada estão como no primeiro dia. O por chegar ao lugar indicado. marchistas com grande entusiasmo às seis da júbilo é intenso, a alegria transborda, mas não “As bolhas nos pés e a fadiga no corpo não fize- manhã. O rumo que se segue é sobre a rodovia se compara com a força e a coragem para seguir ram mais que semear coragem e rebeldia para 24 de setembro | Santo Domingo Yanhuitlán federal para chegar a seguinte escala – Tehuit- dando passos até o que será a queda de quem chegar com toda força do movimento social (Oaxaca). As pessoas fazem uso do microfone e zingo. Finalmente, é necessário assinalar que desde sua chegada à governo de Oaxaca só oaxaquenho ao Distrito Federal”, descreve o co- se assumem como parte do movimento popular. o companheirismo dos que marcham está demonstrou desprezo pelas classes desprote- municado da APPO ao chegar à capital federal. A partir da recepção da Marcha Caminhada na sempre presente, tentando aliviar o cansaço da gidas, a classe mais pobre, que somos nós – que entrada do povoado, empunhavam uma faixa que caminhada com uma boa massagem, ou sim- queremos um mundo diferente. O caminho é duro, os percalços imensos, mas dizia: “BEM VINDOS, VIVA A APPO! FORA ULISES DE plesmente com palavras de alento. o apoio das comunidades garante o sucesso da OAXACA! PROFESSORES NÃO ESTÃO SÓS!”. 3 de outubro. A Marcha Caminhada “14 de ju- peregrinação. “Pode-se dizer que avançar adian- 1º de outubro | El Pitayo (Puebla). do coração nho Não Se Esquece” avança com passo firme te é a maneira mais simples de dizer ‘ni un paso 28 de setembro | Huajuapan de León (Puebla). da [região] mixteca de Puebla a Marcha Cami- sob intenso calor que fere a pele e desidrata o atrás’”, narrou Nancy Davies quando a marcha As pessoas se posicionam nas calçadas das nhada se enfileirou até a parada Pitayo. Tehuit- corpo para dar passo a sede. Nos companheiros partia de Oaxaca no dia 22 de setembro1. ruas mostrando o apoio ao movimento popu- zingo despediu-se da Marcha Caminhada às a sede é mais de justiça do que de água e assim lar. Neste estado a linha do governo foi de que nove da manhã. Caminhou-se 20 km sob um sol caminham até o coração do país; as mostras 24 de setembro | Asunción Nochixtlán (Oa- não se permitisse a passagem da Marcha Ca- inclemente que fazia arder o pavimento, mas de apoio solidário são sentidas durante todo o xaca) 2. Apesar da forte chuva que surpreendeu minhada e que não a recebessem em nenhu- isso não importava aos companheiros, que con- trajeto.

1 DAVIES, 2007, p. 111. 2 Transcrevo literalmente neste capítulo algumas passagens relevantes do diário de viagem da Marcha Caminata e de documentos da Greve de Fome divulgadas em boletins de imprensa no sítio eletrônico da APPO. O conteúdo se encontra fora do ar pela ação de hackers que apagaram todas as informações da versão anterior da página da internet www.asambleapopulardeoaxaca.com. Atualmente é possível encontrar através de mecanismos de busca a maior parte dessas informações, hospedadas em blogs que replicavam as postagens do site oficial. 120 4 de outubro. Carta dos marchistas ao General Reconhecemos, General Emiliano Zapata, seu exemplo de dignidade e valentia para enfrentar os maus 121 Emiliano Zapata: governos, isso é o que aprendemos, isso é o que levamos de essas terras do heroico povo de Morelos.

Cuautla, Morelos. povos dos dignidade pela km 500

“Aqui estamos General, as mulheres e homens dignos de Oaxaca e outros povos do México que 4 de Outubro de 2006. se somaram a essa Marcha Caminhada que chamamos ‘Pela Dignidade dos Povos de Oaxaca 14 Fraternalmente, de junho não se Esquece’. Vamos exigir ao Senado da República que desapareçam os poderes locais: um poder executivo que faz um mal governo (reprime, mata, prende e destrói), e os poderes Marcha Caminhada “Pela Dignidade dos Povos de Oaxaca, 14 de Junho não se Esquece” legislativo e judiciário são apêndices do que governa mal. Lá nas nossas terras, a quem exigiremos justiça se os que têm o poder são os mesmos que violam as leis? ¡ZAPATA VIVE, LA LUCHA SIGUE! Nessa Marcha Caminhada Pela Dignidade dos Povos de Oaxaca, participamos homens, 500 km pela dignidade dos povos mulheres, crianças e idosos. Vamos esgotados e doloridos a maioria, mas nos mantém de pé várias coisas, entre elas a Dignidade, que é o motor principal desta marcha. No trajeto de nosso caminhar encontramos com a difamação e a calúnia sobre nosso movimento e nossa Marcha, assim como em 1914, quando o Exército Libertador do Sul chegou ao coração do país para exigir, igual a nós, justiça Recordemos como foram caluniados e satirizados pelos donos 4 de outubro de 2006 | Cualtla (Morelos) los, receberam mostras de solidariedade dos do poder e do dinheiro. Mas isso, como aos rebeldes de 1914, não nos intimida. Nossa palavra chegou ao estado de Morelos. No pequenos povoados de Cuautlixco y Tepezco. dia de hoje se chegou à Cidade de Cualtla, onde Depois de haver passado pelos estados de Mo- Os que aqui estamos decidimos utilizar essa forma de luta civil e pacífica. Certamente, o governo uma multidão de crianças, jovens e anciãos relos e Puebla, onde o clima se tornou caloroso, federal insiste em enviar as forças repressivas para restabelecer, supostamente, a ‘ordem’ em receberam nas principais avenidas com grande o Estado do México apresenta outra geografia e, Oaxaca. Mas quem começou a desordem em nosso estado? Foi o tirano Ulises Ruiz Ortiz, que entusiasmo os marchistas. O estrondo dos rojões portanto, outro clima. A serra vulcânica trans- começou violentando a vontade popular quando chegou ao poder através de uma fraude eleitoral e a e o som de uma banda musical acompanhava a versal divide as grandes cordilheiras de bosque partir desse momento iniciou um calvário para os oaxaquenhos e oaxaquenhas ‘bem nascidos (as)’. Marcha, que finalmente chegou até ozócalo da de [árvores] coníferas, nos encontramos a 1900 cidade, onde foi celebrado um ato. metros sobre o nível do mar. Assim como hoje estamos em milhares, em Oaxaca existem muitos mais (irmãos, amigos, companheiras e companheiros). Se o governo opta pela repressão como resposta a nossas legítimas 5 de outubro | Tepetlixpa (estado do México): Ao entrar em Tepetlixpa, lugar onde os marchis- demandas, haverá muitos e muitas os quais farão frente a essa investida. O saldo, não sabemos. Depois de uma cerimônia indígena com seu tas pernoitaram, a natureza os recebe com um Nosso caminho ainda é longo, faltam muitos quilômetros e dias por percorrer, mas nosso espírito respectivo ritual de cura e um sermão emitido grande temporal que sem dúvida os esgota. Os pelo pároco, os marchistas se alinharam rumo moradores do lugar se posicionavam nas janelas e consciência se fortalecem e, sobretudo, sabemos que para mitigar nossa sede de justiça são ao estado do México. Antes de sair de More- de suas casas e outros nos comércios que esta- necessários os sacrifícios. 122 123 vam aberto. A chuva não os importava, ainda que pelas mudanças de temperatura, já que nessa pessoas se fez sentir, oferecendo comida e O professor da UABJO Victor Raul Martínez é certo que muitos não saíram por este motivo. região do Estado do México se registram tempe- bebida a todos os que marchavam. Depois de Vásquez testemunha o clima do percurso: “A

raturas que oscilam entre os 3 e os 7º. um breve descanso, novamente se retomou o parte festiva era gerada pelo conjunto musical, povos dos dignidade pela km 500 6 de outubro | entre Ozumba e Zoyatlcingo caminho para chegar a última escala: Ciudad a banda ou o trio. O globo de cantoya lançado ao (Estado do México). Ozumba foi o primeiro 8 de outubro de 2006 | Vale de Chalco (Estado Nezahualcoyotl, não sem antes avisar ao con- ar com as siglas da APPO, a paródia do burro povoado pelo que passou a Marcha no dia de de México). O percurso por terras em que 70% tingente da marcha que Teotongo os recebia identificando ao governante - a zoologia imagi- hoje. Nesse lugar se pode ver mostras de soli- dos habitantes são conterrâneos oaxaque- de braços abertos,porque essa luta tem uma nária da classe política -, os pernas de pau com dariedade expressadas em um sem-número de nhos foi de apenas dez quilômetros. Os que causa justa. A partir do palanque enviaram roupas de policial, ‘batendo’ com uma marreta cartolinas, entre uma que se destaca: Gracias caminham com o suor molhando seus rostos uma mensagem ao governo federal: “Os oaxa- nos marchistas, o Zapata com rifle de mentira, o professores de Oaxaca por nos ensinarem o ca- quiseram avançar além do programado. Na quenhos não estão sós. Nós o povo mais pobre cartaz de Juárez com boina de Che Guevara”3. minho da luta. Em Zoyatlcingo chegou a Cami- chegada do Vale de Chalco, a recepção supe- desta região estamos com vocês. Saibam que nhada às 14h e por alguns minutos os marchistas rou as expectativas que havia, pois havia uma saberemos responder a qualquer tentativa de As histórias vividas na marcha demonstram a puderam apreciar [o vulcão] Don Goyo (Popoca- grande quantidade de pessoas com cartazes repressão. Não só aqui, como em todo o país. fibra e bravura dos milhares de lutadores. Des- 500 km pela dignidade dos povos tepetl), que rapidamente se ocultou atrás das e faixas, algumas delas posicionadas no Paço No dia de amanhã cumpriremos nosso obje- creve Erwin Slim do site NarcoNews: “Depois imensas nuvens que povoam este céu. Municipal. Se lê: “Os professores e pais de famí- tivo. A cada passo que damos treme o grupo de uma das mais longas e pesadas caminha- lia do Vale de Chalco apoiam sua luta”, “Viva a político que pretende encobrir o assassino das desde que começou essa marcha, uma for- 7 de outubro | Tlalmanalco (Estado de México). luta da APPO!”, o que segue demonstrando que Ulises Ruiz Ortiz”. te chuva nos dá as boas-vindas a Tepetlixpa, Sendo as 9h30min na passagem pelo Palácio a solidariedade aumenta a cada centímetro, a Estado de México. Em alguns poucos minutos, Municipal de Tlalmanalco, um grupo de mu- cada metro, a cada quilômetro que a Marcha 9 de outubro de 2006 | Distrito Federal. as pessoas ficam completamente molhadas lheres esperava para receber com apoios de Caminhada avança até seu destino, que é o Com uma apoteótica bem-vinda se recebeu os ao finalizar já pela noite a larga caminhada. “Avança!” e curiosas correram a ver os mar- Senado da República. Muitos foram visitar seus integrantes da Marcha Caminata. Às 12h20min Todos se dirigem a um ginásio esportivo, onde chistas que gritavam palavras de ordem. Às familiares e amigos que moram neste lugar, o milhares de pessoas os esperavam no metrô os aguarda uma quente recepção, sobretudo 9h45min, se tomou café da manhã na saída que irradiou o ambiente com as palavras em Zaragoza, lugar no qual se fez um comício no porque há muita comida que outra vez o povo desse povoado, oferecido por um grupo de língua originária. Assim, se puderam escutar qual se deixava claro que a APPO lutará até do México brinda seus singulares lutadores vizinhos e cidadãos. Passaram pela mão dos pelas ruas do vale de Chalco o mazateco, o conseguir sua demanda central: a saída do sociais. Aí mesmo instalam suas barracas os marchistas diferentes tipos de tamales, atoles e zapoteco, o mixe, o chinanteco, o huave, o triqui, o tirano Ulises Ruiz Ortiz. Um numeroso contin- que tem, e os que não, [estendem] um simples café com seu respectivo pão doce. mixteco e as demais línguas oaxaquenhas em gente de oradores e membros de Assembleias plástico ou cartolina que ajude a sentir menos sua diáspora por essas terras. Populares que se construíram em diversos a dureza ou o frio do chão. Uma mulher se Apesar do percurso relativamente curto (17km), estados da República manifestaram seu apoio queixa de intensas dores que tem nas pernas; se observou fadiga e cansaço dos marchistas. 9 de outubro | San Miguel Teotongo - Ciu- total ao povo de Oaxaca e que não permitirão enquanto alguns de seus companheiros que Agora são outros tipos de doenças que informa a dad Nezahualcoyotl (Estado do México). a repressão que inicia sobre os oaxaquenhos. a auxiliam fazendo massagem dizem: “vale Coordenação Médica. Entre outras se registram Às 11h30min da manhã chegamos a São A partir daí a coluna humana partiu rumo ao a pena esse esforço, se é para o bem do povo, aquelas relacionadas com as vias respiratórias Miguel Teotongo, onde o apoio solidário das zócalo da cidade. vale a pena” 4.

3 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 119. 4 SLIM, 2006. 124 SIM TEMOS FOME, MAS DE JUSTIÇA Declaração Política do Levantamento da Greve Dignidade dos Povos de Oaxaca, 14 de junho de Fome em frente ao Hemiciclo a Juárez “Pela não se esquece”

Vou começar por dizer que nós que estamos aqui, sem mais armas que a moral, a razão e essa fome que sim temos - mas de justiça, para exigir a saída do usurpador Ulises Ruiz do governo. Reafirmamos o objetivo de lutar até alcançar nosso objetivo. Não nos dobraremos, não nos venderemos, não claudicaremos, porque sabemos que nosso povo em suas trincheiras não o fará, e toda as pessoas conscientes também não. Sentimos o apoio. Somos forte porque somos um, México, Distrito Federal, 6 de novembro de 2006. porque estamos unidos e organizados. E por isso, venceremos. Os grevistas de fome, que em 16 de outubro, às 12h, decidimos iniciar a não-ingestão de alimentos até a queda de Ulises Ruiz Ortiz - porque a greve de fome se faz de maneira voluntária - para evidenciar a 500 km pela dignidade dos povos insensibilidade dos governos, aos que não interessa a vida. Exemplos na história há suficientes: Mahatma Vinte e um dias alimentados pela reivindica- “O que tenho eu para enfrentar esse pinche sis- Gandi, em 1932, e Robert George Sands em 1981, ambos refletiram a luta pacífica, a luta que se empenha ção “de que parem os assassinatos de gente tema?” pergunta um dos grevistas, professor e até a morte. Porque a violência é fácil começá-la e mais difícil sustentá-la .Em troca, a luta pacífica (que inocente em Oaxaca, que os funcionários do membro da direção provisória da APPO, ao que não significa ser mártir) é simplesmente uma técnica de luta para fazer-se escutar. governo deixem de ser cúmplices do assas- responde ele mesmo “meu corpo. Se vão nos 6 sino Ulises Ruiz e sua camarilha (...) que os matar a tiros, melhor resistir” . É precisamente o que a greve está evidenciando, um governo foxista completamente insensível e deputados e senadores das câmaras, ainda falho em moral política ao direito de vida; a incursão da PFP no estado de Oaxaca, a onda violenta que seja pela primeira vez, atuem com honra Com o passar dos dias, e semanas, o ânimo de repressão, os crimes, as detenções arbitrárias e as desaparições forçadas assim o demonstram; e responsabilidade” 5. moral dos que se privaram de ingerir alimentos sólidos a tantos dias é vigoroso. “Com o olhar se constata também a insensibilidade do tirano Ulises Ruiz que segue mantendo suas forças Estão postados propositadamente num anfi- posto na tenacidade, na resistência, na rebe- paramilitares, porros e mercenários assolando de maneira constante a cidade. Os grevistas temos teatro a céu aberto, o monumento Hemiciclo a lião, como as pessoas do povo oaxaquenho que sem dúvida demonstrado que hoje a violência e o crime se institucionalizaram; em resposta, nós Juarez, sob a vigilância do Benemérito. A dieta repeliram o operativo federal policial”, descre- temos mostrado o caráter pacífico de nossa luta, temos demonstrado que não somos violentos, como se restringe a soro e chá com mel. São 21 os ve outro professor adepto7. se tem afirmado e que, ao contrário do dito, oferecemos nossa saúde e colocamos em risco nossas que se martirizam pela causa. Um deles nem vidas. ao menos é de Oaxaca. “Foi um rapaz que pas- No dia 5 de novembro, frente à repressão de- sava pelo local, conversou conosco e voltou sencadeada pelo governo federal no estado, o A solidariedade e fraternidade que nos rodeou foi verdadeiramente extrema, nos levou a ao final do dia para aderir à greve de fome. fim da perspectiva de negociação e pelo enten- compreender a envergadura do movimento popular em nosso estado, além de compreender sua a Se solidarizou”, recorda Maria del Carmen dimento de que era hora de continuar mobili- capacidade, além do apoio que nos brindou durante esses 21 dias nos que de maneira firme temos Altamirano. zados, mas vivos, dá-se o fim da greve de fome: resistido à greve de fome.

5 Comunicado dos participantes da Greve de Fome do Magistério. 19 de outubro de 2006. 6 La Jornada, México. La memoria de los caídos reanima a los oaxaqueños en huelga de hambre. 2 de novembro de 2006. 7 Carta do Professor Efraín Ramírez Martínez. Bitácora de la Huelga de Hambre Frente al Hemiciclo a Juárez Día 21, Solo Quedan 17 pero Firmes. Nós, os 17 que ficamos estamos seguros de nossa luta, que é a luta do povo de Oaxaca, do México e do mundo. Sem dúvida, os intelectuais, moradores, acadêmicos, jornalistas, crianças, estudantes, organizações políticas e religiosas, todos esses setores que mencionamos são os que estão chamando a parar essa Greve de Fome. Nós temos dito que não levantaríamos a greve até a saída do vil Ulises Ruíz Ortiz, porque a razão nos assiste, mas também temos que escutar a voz dos nossos companheiros de luta, que colocaram ênfase em que a vida humana está sobre todas as coisas. Assim temos compreendido através de uma ampla valoração, que nos obriga a levantar esse movimento que leva até hoje leva 21 dias e 508 horas sem a ingestão de um só alimento.

Levantamos essa greve porque estamos seguros que se romperam as expectativas que eram esperadas. O cerco informativo foi ultrapassado com essa ação, a greve correu pela internet, dando a conhecer nossos objetivos de maneira clara. Estamos seguros que aportamos algo importante para o movimento: a consolidação do caráter pacífico da nossa luta, a dignidade que assiste o movimento assim como sua integridade.

Sem dúvida, os médicos e o corpo de enfermaria têm sido um verdadeiro pilar em nosso esforço. Para eles nosso enorme agradecimento, assim como a todas e todos com quem nos solidarizamos na música, poesia e até em seu olhar de apoio. Reiteramos nosso compromisso com a luta popular, porque estamos dispostos a continuar sob as diretrizes de nosso povo e sua mais digna representante, a Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca (APPO). Estaremos firmes como até hoje temos estado, seja em uma barricada, vila, bairro, escola ou na rádio, a partir das trincheiras possíveis e aí estaremos até conseguir a libertação de nosso estado, e porque não, uma pátria livre.

NOSSA VINGANÇA SERÁ O SORRISO DE NOSSOS FILHOS POR UMA OAXACA LIVRE! FORA ULISES RUIZ DE OAXACA! FORA ULISES RUIZ DE OAXACA! DISSOLUÇÃO DE CORPOS REPRESSIVOS! arte nova e livre

a todas suas agressões por sua fome de poder. Por que não se cansa Ulises? – repreendeu a caveira. – Por que não assina a licença e sai de Oaxaca? Ulises respondeu: – Nem morto saio daqui. Não vês que me sustentam o presidente e o PRI? – Como foste benéfico conterrâneo, para esse burro que se acovardou. Reforçaste a campanha de Madrazo, o perdedor. Acreditavas que ia subir muito fácil e rapidito e Madrazo não se lembra de te Caveira literária a Ulises Ruiz ajudar, nem um poquito. Chegou a caveira a Oaxaca para ver quem levava O primeiro que encontrou, foi Ulises que esperava Este disse à morte: – A que vens, calaverita? – Venho por ti pendejo1, culero2 y mariquita O mapache respondeu: – Se vê que não foste à escola, pois sua boca é mal lavada – Seguro, foram seus professores, os que estão na barricada – Olhe de quem fala mal, relembre-se que já fui seu carnal3. – Já se via sua pinta de corrupto e falastrão, pois de todos os professores compravas qualificação. – Vamos fazer um trato – disse Ulises à caveira. Você leva a APPO e eu fico em Oaxaca. – Isso é o que você pretende, desfazer o movimento. Porque não quer renunciar, aí está seu sustento. Deputados e senadores já assinaram contra ti. Você não vai sozinho, também levo o seu PRI. – Por que tudo isso caveira, por que debochas de mim? Não sabe que nos tanques já coloquei chile piquín4? – Nem seus mercenários e subalternos conseguiram deter este povo valoroso . Que soube responder

1 Estúpido. 2 Pregiçoso. 3 Irmão, camarada 4 Uma das variedades de mais picantes de pimenta 134 135 Nos dias anteriores a 17 de julho, data da abertura na Guelaguetza comercial. Dessa vez as pessoas Conhecido em todo México pela riqueza cul- do mês de julho, com algumas modificações em oficial de uma das festas mais populares do estado que dançavam eram realmente dos pueblos, das tural e tradições preservadas de seus povos relação aos antigos - resultado da miscigenação

de Oaxaca, a Guelaguetza, o movimento dá mos- comunidades indígenas. Você podia ver as raízes autóctones, o estado de Oaxaca mantém ainda entre as culturas no período colonial. livre e nova te A tras de que a decisão será cumprida5. São bloquea- deles, que são daqueles lugares que representa- hoje festividades inspiradas naquelas do perí- r das as entradas de quatro hotéis de luxo da capital, vam”, recorda-se Ekatherine10. odo pré-cortesiano, ocasiões celebradas com A transformação mais importante no caráter da estação rodoviária e é queimado o palco onde esmero pela população local, especialmente a da Guelaguetza, no entanto, foi executada pela se apresentariam os grupos7. Na parte externa Mais de 20 mil pessoas comemoram a Guela- das comunidades mais pobres. questão econômica. O texto de apresentação r

A te nova e livre do auditório são dados os recados: Poder popular”, guetza Alterna Popular realizada em 24 de julho do governo municipal aponta indícios: “a ale- “¡Fuera Ulises!”, “Ulises rata, lagartija arrastrada”, “Sí a – na data tradicional, penúltima segunda-feira A voracidade do capital, materializada nas po- gria contagia os turistas da América do Norte e la Guelaguetza popular”, “¡Gobierno traidor!”8. do mês. A entrada é gratuita. São sete horas de líticas públicas com foco no turismo aplicadas Europa que não podem deixar [de apreciar] sua apresentações de grupos folclóricos de todas pelo governo estadual, avança também sobre a vista e [de] suas câmeras fotográficas de tão Ulises Ruiz tenta minimizar os efeitos dos protes- as regiões do estado. Enrique Rueda Pacheco, manifestação cultural. Em defesa do direito ao singular expressão folclórica”17. tos. Num primeiro momento, garante a realização Secretário Geral do Setor 22, saúda os presentes lazer e cultura, a APPO se contrapõe, tratando de da celebração sob quaisquer condições. Dada à abertura: “Não se necessitam milhões de pesos devolver aos mais pobres um direito elementar: A fase contemporânea da Guelaguetza começa a falta de condições logísticas, é adiado o início. nem o desperdício de recursos que faz o gover- o de comemorar, à sua maneira, as datas festivas. em 1932, quando se celebrou uma “Homenagem Quando a APPO mostra que não recuaria, ao final no para apresentar uma passarela política, na Como resposta à mercantilização dos festejos Racial” no 400º aniversário da fundação da cida- do que seria o primeiro dia de eventos do frustrado qual se rende tributo às figuras do poder. Aqui populares, ocorre a realização de uma celebração de colonial Antequera (hoje Oaxaca de Juarez). festival, é cancelada a Guelaguetza de 20069. estamos demonstrando que, com a organização “alternativa” para devolver aos seus donos aque- “Este ato surgiu no marco do nacionalismo cul- e contribuições solidárias se pode levar a cabo la que é considerada “a maior festa folclórica da tural da Revolução Mexicana. Depois foi promo- É hora de o movimento mostrar que o povo a verdadeira Guelaguetza, que consiste em dar, América”: a Guelaguetza. vida pelo governo e os comerciantes na busca de poderia organizar seu próprio evento. E houve doar, e servir ao povo”11. Ekaterine complemen- uma alternativa econômica para a cidade capital um sucesso absoluto. “Pessoas vinham de co- ta: “Nossa intenção nunca foi cancelar a festa; Assim é apresentada a Guelaguetza pelo governo e seus arredores cuja economia se viu afetada munidades que nunca tinham sido vistas antes nós só a devolvemos ao povo de Oaxaca”. estadual: “É uma festa que envolve todo o estado pelos efeitos da Revolução. A [exploração] do tu- e que esperamos que conte com a entusiasmada rismo e da cultura não é nada novo”, esclarece o participação de sempre de todos os oaxaque- professor Martínez Vásquez da UABJO18. nhos”13. As ancestralmente chamadas Fiestas de Lunes de Cerro (Segundas-feiras de Colina) Uma busca no site da empresa TicketMaster do Con su ambición/ Comenzó la represión/ El vendió la Guelaguetza/ eram ritos e oferendas à Deusa Centeocihuatl México fornece os valores médios para as entra- Destruyo nuestra belleza/ Comenzó la resistencia/ De mi tierra oaxaqueña12 ou Centeotl15. Os índios mexicas estabeleceram das da edição 2009 do evento. O valor cobrado um templo religioso piramidal em um pequena é o equivalente a aproximadamente R$ 66, sete montanha da Cidade de Oaxaca, quando a con- vezes o salário mínimo diário. Se o oaxaquenho quistaram no século XV16. Até hoje o festival é rea- desejar assistir as quatro apresentações, desem- 5 Nos acordos da Assembleia Estadual de 30 de junho aparece timidamente, na sessão Aspectos Orgânicos: “organizar la guelaguetza lizado no local, nas últimas duas segundas-feiras bolsará um salário mínimo mensal completo. alternativa-popular”. Em 10 de julho, a ideia aparece acrescida de “boicotear las festividades de la guelaguetza”. O boletim de imprensa do dia seguinte detalha: “boicot a las festividades oficiales de la guelaguetza, por todos los medios electrónicos y propagandísticos” . Nas assembleia seguintes, foi-se sistematizando um esquema para impedir a realização da Guelaguetza “oficial”. Disponíveis em: http:// codepappo.wordpress.com/category/appo. 6 La Jornada, México. Nuevos actos contra la Guelaguetza para exigir dimisión de Ulises Ruiz. 16 de julho de 2006. 12 GOVERNO DO ESTADO DE OAXACA, 2009. 7 Revista Proceso, México.Boicotean maestros la Guelaguetza. 14 de julho de 2007. 13 Centli, milho e téotl, deusa 8 La Jornada, México. Suspende Ruiz la Guelaguetza: ‘’los maestros no ganaron, Oaxaca perdió’’. 16 de julho de 2006. 14 DALTON, 2007. 9 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 114. 15 GOVERNO DO MUNICÍPIO DE OAXACA DE JUÁREZ, 2009. 10 Revista Proceso, México. Realizan maestros la primera “Guelaguetza Popular Alternativa”. 24 de julho de 2006. 16 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 102. 11 Autor desconhecido - Resistencia Oaxaqueña. 17 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 111. 18 OSORNO, 2007, 56. 136 “No final, é para turistas ou para a pequena bur- Porque jamais prestam contas dos ganhos ao “Para nós o som, o verso, a canção, a música rádios, se colocar nossas músicas para tocar, guesia, mais do que para o povo de Oaxaca. Mas povo mexicano. Porque se mostra as [expres- são ferramentas para saltarmos este cerco e fomos adquirindo um reconhecimento maior”, para onde esse dinheiro vai? Aos dançarinos sões culturais das] etnias de Oaxaca como um levar nossa palavra a muitas partes”, explica relembra o autor dos versos: “A las barricadas não é pago quase nada. Todo mundo sabe que é espetáculo que diverte o turista. Porque as o cantor e compositor Guadarrama, do grupo en primera fila/ con todos los vecinos, con toda la fa- um monte de dinheiro gerado pela Guelaguetza danças que se apresentam não são as danças Tapacamino. Famoso pelo Son de La Barricada mília/ Prendamos [liguemos] nossos radios y al ex- comercial vai direto para o bolso dos políticos”, autênticas de nossos povos”20. – a música mais cantada na jornada de mobi- tremo nuestros cohetes [soltemos nossos rojões]/ queixa-se Ekaterine, estudante e dançarina de lização de 2006 – o artista vê a cultura como para no dejar pasar este ‘convoy de la muerte’”.

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A te nova e livre ritmos folclóricos oaxaquenhos . À disputa contra o autoritarismo estatal, pelo uma forma de romper o bloqueio midiático . controle territorial e dos meios de comunica- O território da Comuna funcionava como um A vitória na Batalla de Todos os Santos é narrada Na mesma linha, a APPO denuncia, em pan- ção se somou uma trincheira importante: a da verdadeiro palco aberto para audições públi- num corrido24 do “trovador dos caminhos”, An- fleto distribuído nos bairros da cidade: “É um cultura. Nos mais de cinco meses de levante cas livres. A praça era nossa durante meses. dres Contreras: “La Federal Preventiva/ con furia negócio dos políticos, dos hoteleiros, dos donos popular oaxaquenho houve uma produção Não havia polícia, não havia governo. Havia al pueblo atacó/ Ciudad Universitaria, con valor se de restaurante, dos donos das agências de via- artística intensa. Música, artes plásticas, au- muita alegria. Aos domingos tínhamos o dia defendió/ Asamblea Popular, ay, de gloria se cubrió/ gens, de empresas de ônibus e de linhas aéreas. diovisual, todas essas e outras diversas mani- todo de apresentação no zócalo”. El ataque fue por tierra, también por aire se dio/ Porque só os ricos e os estrangeiros podem festações constituíram também focos de luta e Apoyados por tanquetas, esta federal llego/ El suelo comprar ingressos de lugares preferenciais. propaganda das reivindicações populares. As canções surgem no calor da luta. Narram e universitario, todo de gas se cubrió/ Pero en esta uni- guardam para a posteridade cada momento, versidad, la policia nunca entró (…) Con la cola entre cada episódio do desenrolar do levante popular, las patas/ la Federal se escapó25”. A ARTE E AS ARTES especialmente as vitórias marcantes, como a da resistência de 14 de junho: “En el catorce de O rapper Jiz compôs diversos raps sobre o que junio la noche aquí se prendió [pegou fogo]/ porque viu e viveu: “A música te abre muitas portas, Son Jarocho, canciones, corridos, cumbias, jara- mente a região da costa, gosto de compor el gobierno traidor/ al magistério golpeó23”. podes chegar, pegar o microfone e dizer tudo o nas, baladas… ritmos mexicanos, oaxaqueños. para este movimento que tomou grandes que nunca pode falar nos meios, que chido, que Toca-se, canta e acalentam-se sonhos de proporções”, anuncia a cantora. “Para vocês, Che Luiz, professor do Setor 22 e compositor de huevos, no?”. “Apunte y fuego!/ Cohetones [rojões], autonomia e libertação ao som das músicas uma das chilenas [da região de Chinantla] cumbias e outras canções de estilos tropicalero resorteras [estilingues], molotovs/ adelante escude- veiculadas nas transmissões radiofônicas ou típicas da costa”. Dá-lhe sarrafo em Ulises se diz satisfeito por poder testemunhar atra- ros, no tiengan miedo/ no rompa filas [abandone], el apresentadas ao público no zócalo, em barrica- Ruiz (a malhação do “Judas” estadual era vés da música o cotidiano de trabalhador da pueblo ha revuelto26”. das, nas Megamarchas e no plantón. quase um esporte neste tempo): “Ai, ai, ai educação. “É muito bom poder contar através india del alma, este gobierno no entiende/ nues- da arte um pouco da nossa forma de pensar. Na Radio Plantón o narrador apresenta: “uma tro pliego petitório [pauta de reivindicações]/ No momento em que se começou a tomar as companheira nos vai apresentar algumas Como ellos ganan millones de tras de un pinche paródias que compôs para esta luta”. “Bom, escritorio/ cuando les vayan a Pochutla [municí- como sou costeñas, representando digna- pio litorâneo] les voy hacer su velorio”21.

22 Composição musical a duas vozes com acompanhamento instrumental própria do México. 23 Andrés Contreras – Título Desconhecido. DVD Radio Plantón – Otra Vez Al Aire. 24 Jizz – Título Desconhecido. Documentário Sígueme Contando – Sonidos de La Lucha Oaxaqueña. 25 “É uma ferramenta artística de projeção visual, é muito direta porque trata de juntar e expressar em uma só imagem, em um só contaste, ou em uma só cor, expressar muitas coisas. Pode ser a imagem de um rato, pode ser um animal suja que anda nos ralos e podes identificar com algumas pessoas. Ou pode ser um braço, ou um facão, que nos pode dizer um monte de coisas. Nos pode falar da terra, dos 19 Maestra Costeña – Chilenas. DVD Radio Plantón – Otra Vez Al Aire. camponeses, da liberdade para muita gente. Tudo isso engloba o stencil e por isso é uma ferramenta muito forte e o ASARO tem sido utilizando 20 Entrevista ao documentário Sígueme Contando – Sonidos de La Lucha Oaxaqueña. para expressar temas em específico”, teoriza Teak. 21 Andrés Contreras – Guajira Rebelde. DVD Radio Plantón – Otra Vez Al Aire. 26 Todas as entrevistas realizadas com membros do coletivo ASARO foram disponibilizadas gentilmente ao autor. 138 139 A arte na rua é também arte da rua, como mos- Notei que, mesmo dois anos após o fim do ativista ao movimento e dialeticamente politiza traram os artistas ligados às [artes] gráficas: levante popular, havia algo “estranho” com as a atuação cultural dos artistas. “Sempre tratáva-

paredes de Oaxaca. Ao chegar, mesmo o visi- mos de tocar esses temas, não tanto político mas livre e nova te A tante mais desavisado pode perceber que, no sim o ‘lance’ social, e agora com o movimento r mínimo, algo já esteve desenhado ou escrito foi uma chance para podermos abordar, ou sob aquela quantidade anormal de borrões. Co- nos centrarmos mais, na questão política. Nos brindo parte das fachadas, vi grandes faixas de demos conta que o político estava ligado com o r

A te nova e livre tinta coloridas pintadas com rolo. As cores são social e o cultural e aí foi quando dissemos ‘bem, completamente destoantes às das paredes ori- se isso nos pode unificar em um só prometo, de- (…) nos manifestamos: pela busca de uma arte nova e livre, comprometida com nosso povo em resis- ginais. Uma cobertura grosseira, esteticamente vemos aproveitar’”, explica Teak, em entrevista tência, o oprimido e alienado por uma cultura imposta e individualista, decadente em todos os âmbitos, falando. Censura política, o real significado. É a estudante de Daniela Hernández da UNAM28. como também por uma construção de criação artística para crianças, jovens de nossos povos. Nos o que se compreendi ao relacionar os aconte- comprometemos: a dirigir nossas expressões artísticas às ruas, espaços populares, com o objetivo de cimentos ali vividos à aparente tranquilidade A necessidade da expressão e comunicação, criar consciência da realidade social de opressão moderna na qual se encontra nosso povo. que se tenta transmitir aos turistas. coadunada à disputa pelo território com a indústria turística, em especial no Centro O conteúdo de nossas expressões artísticas será simples e direta, possibilitando um diálogo criador “As paredes falam”, se aprende em meio aos com- Histórico, move a dinâmica de apropriação artístico que ajude o espectador a ser cada vez mais partícipe das manifestações artísticas. Cada um bates. A Assembleia dos Artistas Revolucionários dos espaços pelos artistas da ASARO. Detalha de nós lutará por uma assembleia unitária, auto-sustentável, democrática, livre, crítica, autocrítica, de Oaxaca (ASARO) levanta esta bandeira e escre- Mario, também do coletivo: “esses espaços os sensível e comprometida com as demandas justas de nosso povo. Criar a verdade nos fará librestru- ve a história pelos muros da cidade. Se contam às temos tomado porque é o coração da capital, é 27 ción de criação artística (...) Acreditamos que a arte pública (diversas disciplinas artísticas) é uma dezenas os tipos de stenciles , acompanhados ou onde chega o turista. Quase metade do povo de forma de comunicação que permite o diálogo com todos os setores da sociedade e fazem possível a não de palavras ou frases completas, que se pro- Oaxaca [capital] passa por aí e consideramos jeta em cada quadra de Oaxaca. A rápida técnica que há que ocupar essas paredes para seguir visualização das condições reais de existência, as normas e as contradições da sociedade que ha- de desenho expõe na galeria a céu aberto violen- motivando”. Para o artista plástico Ivan “a ocu- bitamos. Frente à irracionalidade do governo e de suas formas opressoras de sustentar-se no poder, tas ações policiais, jovens encapuzados prontos pação do espaço é uma maneira de levar a cabo ASARO busca criar imagens que sintetizam a força crítica que nasce a partir da periferia, bairros, para as batalhas de rua, o governador Ruiz re- um diálogo, um grito, uma palavra, uma frase povos e jovens. Retomamos a forma de assembleia, porque acreditamos na possibilidade de recu- tratado como todo tipo de figura animalesca e e neste momento as ruas falavam da união peração da força comunitária na arte, e porque a é a forma pela qual os povos dialogam e tomam ignóbil, rostos expressivos de figuras históricas das pessoas, que começaram a entender o que decisões baseadas nos interesses coletivos. Desta maneira, respondemos também ao chamado da da luta popular, entre outros temas. Ilustra-se viam nas paredes também como algo seu”. APPO a formar uma frente ampla de resistência civil (...) Propomos iniciar um movimento artístico, no centenas de paredes com mensagens densas, qual o fim seja o contato direto com as pessoas, nas ruas e no espaço público críticas e rapidamente inteligíveis. Frente à tamanha afronta, o governo se move. O contra-golpr anti artístico narra Francisco: Fundada no calor da luta, a ASARO se incorpora Íamos pintando, e um grupo de umas trinta ou à APPO aportando discussões de cunho estético- quarenta pessoas já estava atrás da marcha, a

27 Entrevista anônima ao documentário The Victory of All Saints Day - Director’s Comentary produzido pelo coletivo Mal de Ojo. 28 Mal-olhado, em português. 140 uns duzentos metros, e vinham em caminho- A estratégia do coletivo é ousada: gravar, editar netes despintando e era desagradável porque vê e lançar os vídeos o mais rápido possível. Os do- que seu trabalho não [mais] se vê, as únicas pes- cumentários em curta-metragem sobre cada soas que enxergavam eram os da marcha. e não novo episódio da luta do povo oaxaquenho es- podes fazer nada como voltar e dizer ‘porque tavam disponíveis poucos dias depois de cada tapas a arte’? É a arte para as pessoas e é uma acontecimento. arte efêmera, efêmera. Mas para mim é muito r

A te nova e livre bom, consegues captar muitas coisas”.

Se a arte produzida neste momento não se fixa no seu local original por muito tempo, as fotografias e o audiovisual compõe registros duradouros. Os documentários produzidos pelo coletivo independente Mal de Ojo TV, não só gra- vam como expõem cenas que a mídia comercial esconde. “Este tipo de material não interessava aos telejornais”, afirma um membro do Mal de Ojo TV�.

Mal de Ojo TV� é um coletivo de comunicadores independentes autodefinido como uma iniciati- va de produção e difusão de materiais audiovi- suais surgida no contexto do movimento social dos povos de Oaxaca. Registram-se os episódios mais importantes ocorridos no movimento. Os trabalhos desenvolvidos acabariam premiados mundialmente, especialmente o documentário Un Poquito de Tanta Verdad (produzido em con- junto com a estadunidense Jill Irene Freidberg e a produtora Corrugated Filmes), ganhador do International Documentary Film Festival 2008 “Santiago Alvarez en Memoriam” de Cuba. P ALAvras AO VENTO

146 147 Parte da luta do povo de Oaxaca pela derrubada funcionários do governo do estado, mas não veis” acontece na Cidade do México no dia 26 de Ainda no fim de julho, há o encontro da seção do tirano Ulises Ruiz se dá, também, no campo temos nada que falar com Ruiz Ortiz, menos junho, todavia encerrando-se sem resultados. estadual do sindicato de professores com a

do adversário. No período de meados de junho ainda com qualquer um de seus funcionários, Comissão Nacional Executiva (CEN) majorita- vento ao Palavras até o fim de outubro a APPO, verdadeiro Estado- denunciou o Secretário Geral Enrique Rueda Em 29 de junho é entregue a uma comissão riamente priísta do SNTE para negociar como maior colegiado e popular, controla o espaço Pacheco sobre a negativa do governo federal mista do Senado e da Câmara de Deputados estes poderiam auxiliar na resolução do caso público e força a desvantagem de poderio do em atender as demandas do magistério e um documento assinado por duzentos mil oa- de Oaxaca. A oferta do SNTE é que o Setor 22 governo. Segue coesa na demanda não nego- tentar forçar uma negociação entre este e o xaquenhos pedindo um julgamento político de aceite um aumento do repasse de cotas e a ciável do ¡ya caió! e impõe a ingovernabilidade governo estadual 1. A plenária de fundação da Ulisses Ruiz 7. colaboração da CEN para marcar audiências Palavras ao vento dos três poderes. Não obstante tamanha força APPO avalia que o encaminhamento da Segob com a esfera federal, desde que ofereça como política, na mesa de negociação, terreno da representa que o governo federal que encabe- No mesmo dia a Assembleia explica o papel dos contrapartida o retorno às aulas em Oaxaca. burocracia por ofício, o movimento sofre uma ça Vicente Fox está buscando que Ulises Ruiz enviados à mesa de diálogo: estão servindo de Rueda Pacheco afirma que é muito mais de derrota irreversível. se recupere, pelo que responsabiliza [a Segob] ligação, testemunha as reuniões e não estão le- confrontação do que de acordo a relação do por tudo o que possa acontecer em Oaxaca 3. vando nenhum tipo de negociação. Para o gru- sindicato regional com o nacional 9. As reuniões entre movimento popular e gover- po delegado pela base da APPO para as mesas, no começam já no dia 19 de junho, portanto Frente ao mau êxito desta primeira tentativa, há uma ordem expressa: não realizar nenhum Desanda também a “comissão de notáveis”, apenas alguns dias depois da tentativa de ex- forma-se, por iniciativa própria, uma “comis- tipo de negociação para não trair o povo, que uma semana após a formação. Em 1º de julho pulsão dos professores do zócalo. A comissão são de notáveis” para intermediar as conversas tem fortalecido o movimento oaxaquenho e os participantes decidem por dissolver o grupo. negociadora enviada a Oaxaca pela Secretaria entre movimento e os governos a partir de 24 também se arriscou na luta. O bispo emérito da região de Tehuantepec, Ar- de Governo da Presidência (Segob, em espa- de junho. Compõe o grupo o pintor Francisco turo Lona Reyes, declara que o motivo é que as nhol) fracassa na tentativa de que se costuras- Toledo (artista plástico oaxaquenho considera- A forma que se orientam as conversações é um demandas educativas foram deixadas de lado e se um acordo para interromper a mobilização do um dos maiores entre seus pares mexicanos diferencial decisivo neste movimento. De modo agora demandam um governo autônomo, assim do movimento, a esta altura com o Setor 22 da contemporaneidade) e três representantes geral, as negociações sindicais têm um encami- como a ocupação do Palácio de Governo e a casa adiante. Nesta primeira rodada, o sindicato do alto clero da Igreja Católica do Estado. No nhamento verticalizado. Os líderes e direções oficial. O pintor Toledo pede que os professores propõe que se instalem cinco mesas temáticas mesmo dia, a Assembleia Popular avisa que até têm carta branca para fecharem acordos na retomem as demandas relacionadas à educação de discussão e, entre elas, uma que trate espe- o momento não há nenhuma negociação nem mesa, ou seja, o mandato que a base atribui (ou e abandonem as reivindicações políticas 11. cificamente da saída de Ulises Ruiz. haverá pelas costas da base. A APPO é o órgão eles próprios) é de decidirem em nome da base, máximo de decisões do movimento popular no ficando livres para fechar termos de acordo Com a desistência dos antigos mediadores, se “Informaram-nos que não se poderá fazer estado de Oaxaca 5. no ato, em reuniões fechadas. Em Oaxaca, en- oferece voluntariamente para a tarefa a ONG nenhuma reunião com instâncias federais, tretanto, a comissão tinha a tarefa apenas de Serviços e Assessoria para a Paz (Serapaz), estão fechando o cerco para golpear o mo- O encontro entre a APPO (composta por uma expor para o governo as resoluções acordadas representando o bispo Samuel Ruiz, religioso vimento magisterial. A Segob cerrou fileiras comitiva de sete membros do professorado na Assembleia Popular e retornar com uma que se notabilizou pelo acompanhamento do com o governo estadual. Estão com essa in- e três de organizações políticas) e o governo contraproposta, para que, a partir disso, fossem diálogo entre o EZLN e o governo mexicano nas tenção e estabeleceram que conversemos com federal, intermediada pela “comissão de notá- deliberados os posicionamentos. mesas realizadas após a eclosão da rebelião

1 La Jornada, México. Rompen diálogo en Oaxaca; cierra filas SG con Ruiz Ortiz: maestros. 20 de junho de 2006. 6 La Jornada, México. Los mediadores en Oaxaca se levantan de la mesa de diálogo. 2 de julho de 2006. 2 Declaração política da constituição formal da Assembleia Estadual do Povo de Oaxaca. (20 de junho de 2006)”. Disponível em: http:// 7 Assembleia Popular do Povo de Oaxaca (30 de junho de 2006). Disponível em: http://codepappo.files.wordpress.com/2006/09/asamblea- codepappo.files.wordpress.com/2006/08/declaracion-politica-de-la-constitucion-formal-de-la-asamblea-popular-del-pueblo-de-oaxaca.doc. popular-del-pueblo-de-oaxaca-acuerdos-30-de-junio-para-imprimir.doc. 3 Assembleia Popular do Povo de Oaxaca (24 de junho de 2006). Disponível em: http://codepappo.files.wordpress.com/2006/09/asamblea- 8 La Jornada, México. A clases, más de un millón de alumnos en Oaxaca. 11 de julho de 2006. popular-del-pueblo-de-oaxaca1.doc. 9 La Jornada, México. Giran órdenes de aprehensión contra dirigentes de la sección 22 en Oaxaca. 8 de julho de 2006. 4 Coordenação Estadual Provisória da Assembleia Popular do Povo de Oaxaca (29 de junho de 2006). 10 La Jornada, México. Clase Política. 12 de julho de 2006. 5 La Jornada, México. Ningún acuerdo entre la sección 22 de Oaxaca y el SNTE; suspenden reuniones. 30 de junho de 2006. 11La Jornada, México. Maestros de Oaxaca bloquean 9 horas las oficinas de Ulises Ruiz. 20 de julho de 2006. 148 149 chiapaneca. Miguel Alvarez Gándara, represen- A negativa à conversa é acompanhada de mais claro, a que pede sua saída). Aceita a mudança Negociadora apareçam os nomes dos presos de tante da entidade, apresentou uma proposta ameaças. Em 7 de julho são expedidas ordens de área de remuneração dos professores, decla- maneira simbólica”, exigem em protesto 25. O

de solução conhecida como Proposta das Três de prisão contra trinta professores da direção ra o respeito à autonomia sindical e promete encontro daria início a uma sequencia de sete vento ao Palavras Agendas: a primeira a do magistério, a segunda do Comitê Executivo do Setor 22 e outros inte- de maior aporte de recursos para auxílio na rodadas em cinco semanas, sob a tônica por a das organizações sociais e a terceira a de re- grantes da APPO. A iniciativa do poder judiciá- permanência dos alunos, entre outros 20. A res- parte de Carranza de que o governo federal nem forma do Estado. Nenhuma das três continha rio, a pedido da Procuradoria Geral de Justiça posta do Setor 22 é simples: Desde que deixou põe nem tira governadores. A Segob se propôs o assunto da queda de Ulises Ruiz. Sem que de Oaxaca, acusa os militantes de delitos de de lado o diálogo e a negociação, e optou pela nestes encontros a negociar o fim do levante atendesse a reivindicação mínima e central da associação criminosa e motim pelo confronto repressão, para nós não há governo 21. popular em troca da retomada das três agendas. Palavras ao vento APPO, o intento fracassou. de 14 de junho. “Os que fomos vítimas dos ata- A APPO se comprometeria com: a volta às aulas; ques repressores do governo [agora] somos os No fim do mesmo mês, frente ao impasse nas entrega das emissoras de rádio; fim das barrica- Nesse ínterim, o magistério também decide culpados”, rebate Rueda Pacheco 17. negociações, a APPO se dirige ao Senado Federal das; aceitação da entrada da PFP como força de pela tática de dar um passo atrás. A assembleia para protocolar uma solicitação pela desapa- paz e a entrega pacífica da cidade27 . estadual dos docentes delibera o retorno tem- Algo não andava bem no (des)governo do es- rição de poderes em Oaxaca. Aí é entregue um porário às aulas em 10 de julho, como maneira tado. São anunciadas mudanças importantes abaixo-assinado além pastas recheadas de No sexto encontro, em 20 de setembro, se rom- de que se encerrasse o ano escolar 2005/2006, na cúpula da máquina pública. Em 11 de julho documentos e jornais demonstrando que há pem as negociações. A polêmica reside na queda obtendo assim o apoio dos pais dos alunos. A Ulises Ruiz exonera ocupantes de cargos de ingovernabilidade do Estado 23. de Ulises Ruiz. O órgão federal insiste em medi- Assembleia Popular concorda, mas alerta: o primeiro escalão: o Secretário Geral de Gover- das de recuo de ações radicais do movimento, en- magistério deve reiterar seu compromisso com no, Jorge Franco Vargas, e Alma López Vázquez Um novo grupo de notáveis é formado para a quanto este responde que nada será negociado o povo, e por isso a recuperação de conteúdos da pasta de Secretaria de Proteção Cidadã. Em mediação das reuniões em 18 de agosto. Entre se a reivindicação primordial não for atendida. não deve ser um delineamento desmobilizador seus lugares são nomeados dois deputados as 22 figuras preeminentes que se oferecem ou que dê origem a um recuo, pelo que fazemos federais priístas por Oaxaca: Heliodoro Díaz Es- para a tarefa do Conselho de Representantes Com o novo emperramento das discussões, o um fraternal chamado à Assembleia Estadual cárraga e Lino Celaya Luría. Caíram na mesma Cidadãos estão o artista Toledo, o bispo Ruiz de Secretário de Governo e o governador tratam Magisterial para que por nenhum motivo se data os secretários de Comunicação e do setor Chiapas, escritores, acadêmicos, empresários de alinhar os discursos ameaçadores. “Tudo levante o plantón até a saída do governador 13. de Segurança Pública 19. A troca é vista como e o reitor da UABJO. tem limites e esse já está muito próximo”, ataca um sinal do desgaste da administração. Abascal. Coaduna Ulises que toda prudência e Ao que pese a distensão magisterial, o governo A próxima rodada de conversa se dá apenas no tolerância têm um limite e “estou seguro que federal não acena com nova rodada de diálogo. Ulises Ruiz oferece em 19 de julho dois meses final de agosto. Finalmente a APPO tem uma estamos lá�”. A atitude é criticada pelo sindicato, que aponta e dezoito dias depois da apresentação das de- audiência com o chefe da Segob, Carlos Abascal a quebra do compromisso de abertura de nego- mandas uma contraproposta a quase totalida- Carranza, ministro dos mais importantes do po- Esgotada a possibilidade de resolução via go- ciações quando as aulas fossem retomadas 15. de da pauta de reivindicações (excetuando-se, der executivo federal. A Comissão Negociadora verno federal, passa-se ao próximo campo de da APPO é constituída pela direção coletiva pro- batalha: o Senado da República Mexicana. Em 11 visória de 14 professores, número idêntico ao de de outubro se estabelece uma comissão forma- 12 La Jornada, México. Terminaron clases en escuelas de Oaxaca. 22 de julho de 2006. 13 La Jornada, México. Los profesores en paro se manifestaron en la sede del Senado de la República. 28 de julho de 2006. membros de organizações. “[Que] na Comissão da pelos senadores Tomás Torres (PRD), Ramiro 14 Acordos, Tarefas e Pronunciamentos da Assembleia Popular do Povo de Oaxaca (26 de agosto de 2006). Disponível em: http://codepappo. files.wordpress.com/2006/08/acuerdos_26_de_agost.doc. 15 SOTELO MARBÁN, 2008, p. 126. 20 La Jornada, México. Clases, cinco días después de que salga Ulises Ruiz. 6 de outubro de 2006. 16 El Universal, México. 30 de setembro de 2006. Disponível em: dgcs.pgr.gob.mx/Sintesis/Matutina/Matutina2006/SEPT06/Sept3006.htm. 21 La Jornada, México. Maestros de Oaxaca vuelven a aulas el lunes o se les retira oferta: Gobernación. 14 de outubro de 2006. 17 Rádio Trece 1290 AM, México, Cidade do México. 24 de setembro de 2006. Áudio e transcrição da entrevista com Ulises Ruiz disponível 22 La Jornada, México. Esperará el gobierno el resolutivo de los maestros sobre el regreso a clases. 19 de outubro de 2006. em: http://www3.diputados.gob.mx/index.php/camara/layout/set/popup/005_comunicacion/c_monitoreo_de_medios/01_2006/septiembre_ 23 La Jornada, México. Retorno a clases, antes de que termine octubre. 20 de outubro de 2006. septiembre/24_24/17_00_00__1. 24 La Jornada, México. Aun con la PFP se hará el rescate de Oaxaca, advierte Ulises Ruiz. 21 de outubro de 2006. 18 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p.148. 25 La Jornada, México. Impugnan maestros legalidad del voto por regreso a clases en Oaxaca. 22 de outubro de 2006. 19 Ditame da Comissão de Governo, pelo que se analisa a solicitação de desaparição de poderes no estado de Oaxaca. 19 de outubro de 26 La Jornada, México. Desconoce la asamblea las cifras para volver a clases. 23 de outubro de 2006. 2006. Disponível em: http://www.senado.gob.mx/gace.php?sesion=2006/10/19/1&documento=40. 27 La Jornada, México. Nuevo tiroteo en Oaxaca; aplazan entregar resultados de la consulta. 26 de outubro de 2006. 150 151 Hernández (PRI) e Alejandro González (PAN) para são, 74 votos (PRI-PAN-Partido Verde Mexicano) “Governador, você não chegou a pensar em pedir segundo informes entregues à Secretaria de analisar se os poderes constitucionais estão ex- a favor e 31 contra (PRD - Convergência - Partido uma licença de 30 dias, nos quais se distende o Relações Exteriores por diferentes embaixadas.

tintos em Oaxaca. O conjunto de parlamentares do Trabalho), aprova-se o veredicto da Comissão: problema? Teria nosso apoio. Essas palavras as vento ao Palavras tem a incumbência de apresentar em cinco dias disse o governador de Nuevo León, Natividad “Escute governador, eu posso resolver isso em uma posição à Comissão de Governabilidade do (...) II. Resulta inevitável [afirmar] que existem González Parás, a Ulises Ruiz, a bordo de um au- quinze minutos”, respondeu Ulises Ruiz, soltan- Senado. “A passagem da comitiva é rápida”, con- condições graves de instabilidade e ingoverna- tomóvel que os conduzia pela Cidade do México. do uma breve gargalhada. Invocava à frase que forme descreve o professor Martínez Vásquez: bilidade no Estado de Oaxaca; que se desorgani- Vicente Fox se referiu ao levantamento zapatis- zou seriamente a ordem jurídica e a paz social.. Ulises Ruiz, esperava essa pergunta. A espera- ta durante sua campanha pela Presidência. Palavras ao vento Pela noite nas instalações do Instituto de Ar- va desde que, um par de dias antes, havia sido tes Gráficas de Oaxaca (IAGO), entrevistaram III. Uma vez analisados os antecedentes, valo- convocado para sustentar uma reunião na qual González Paras devolveu o sorriso, mantendo- organizações da sociedade civil, os quais de- radas as provas e oferecidas as considerações, estariam, além do mandatário de Nuevo León, se na expectativa: talharam com detalhe as afrontas, as ofensas, se conclui que não se realizam os pressupostos Enrique Peña Nieto, governador do Estado de irregularidades, ilegalidades cometidas pelo normativos (...) para proceder a declarar desa- México, e o Secretário de Governo, Carlos Abas- – Como? Imagine que falo com Andrés Manuel regime de Ulises Ruiz, entregando-lhes nume- parecidos os Poderes do estado de Oaxaca e, cal Carranza. Oficialmente, se tratava de uma (López Obrador) e o digo... o reconheço como rosas provas. Os comissionados, acompanha- portanto, não há lugar a nomear um Governa- reunião de análise sobre a situação geral no presidente legítimo do México, (digo também) dos dos senadores oaxaquenhos Salomón Jara dor Provisório em dito estado�. país. O certo é que o encontro buscaria negociar sei que fraudaram. Porque vá, eu sim sei de (PRD) e Adolfo Toledo (PRI) visitaram o plantón, a saída do mandatário priísta e tanto Peña Nieto eleições, e que talvez Madrazo também tem o centro e as barricadas colocadas na radio- Frente ao infortúnio institucional A APPO dispara: como González Parás tinham a incumbência dúvidas sobre a eleição. Sabe em quanto tempo difusora La Ley, tomadas pelos profesores. Ao do presidente Vicente Fox de exibir o cenário a me desocupa a APPO o zócalo? voltar na manhã seguinte ao Distrito Federal, “Certamente temos um parecer negativo do Ulises Ruiz. a comissão integrada pelos senadores Tomás Senado da República a nossa solicitação de – Não é para que te irrites, replicou o governa- Torres (PRD), Alejandro González Alcocer desaparição de poderes, mas para nós isso não A reunião teve lugar em setembro, quando o dor, González Paras. (PAN) e Ricardo Hernández trazia de volta re- é nenhuma derrota, pelo contrário consegui- mandatário oaxaquenho enfrentava uma si- latos de audiências em com representantes da mos deixar claro que o parlamento é um curral tuação crítica: além de estar tomada a capital – Não é que eu fique bravo... mas me defendo, APPO e do Setor 22, com o Congresso estadual, de ladrões que protegem a seus iguais como do estado, Ulises era alvo de sérios questiona- eu não quero o caminho mais fácil. Com uma com os deputados federais e magistrados; Ulises Ruiz, e mais que decisões jurídicas ou mentos nos principais meios de comunicação chamada que eu faça a Andrés Manuel, reco- quase saindo do estado, houve um encontro políticas nesse recinto se negociam com os nacionais. A existência de caravanas armadas, nhecendo-o como presidente, e dizendo-lhe com o governador e seus funcionários em um limites de poder só entre o PRI e o PAN e isso que foram denunciadas uma e outra vez pelo que aí está o Palácio e Governo de Oaxaca a suas hangar do aeroporto federal - ornado com flo- é o que temos conseguido ensinar com muita jornalista Ciro Gómez Leyva no seu programa ordens, com só isso ele levanta o acampamen- res e mobília, pois se dizia, o executivo vinha clareza aos povos do México”. na Rádio Fórmula e em sua coluna La historia to da APPO. Mas eu não quero isso, eu quero o de uma excursão. en breve do jornal Milênio, geravam críticas du- caminho de respeito às instituições, de respeito O jornalista Osorno revelaria em Oaxaca Sitiada, ras e constantes contra ele. Além disso, protes- à legalidade, o caminho que queremos todos. Em 19 de outubro, após quatro horas de discus- tempos depois, o que estava em jogo ali: tos no exterior cresciam semana pós semana, Por isso é que começou o problema, porque eu 152 153 comecei a defender as instituições em Oaxaca e conjuntura que o país encontrava-se inserido, o Cinco dias depois da queda de Ulises, dois dias Na ocasião fúnebre realizada em 20 de ou- o PRD não gostou. Isso foi tudo, você sabe. hábil operador eleitoral priísta, transformado em antes da invasão do estado pelas forças federais, tubro surge em destaque um cartaz com os

questionado e impopular governante, salvaria o fim da greve de professores. A primeira data era dizeres “Rueda, por que não fazes a consulta vento ao Palavras Assim acabou a tentativa de conseguir a renún- sua pele. Tempos depois, quando arrefeceu a a promessa do sindicato até o início de outubro�. A no túmulo de seus companheiros mortos, ou cia negociada de Ulises Ruiz, Minutos depois, tormenta, quanto aumentou a cifra de mortos e segunda, o período em que isso de fato aconteceu. por acaso não contam para você? Já vão dez, ao cegar à reunião em Los Pinos, Peña Neto e quando a crise alcançou seu ponto mais crítico, quantos mais?”. Gonzáles Paras explicaram a Vicente Fox que a o mandatário em entrevistas com os meios de Simultaneamente ao fechamento do pacto PRI- saída de seu companheiro não seria produto de comunicação do Distrito Federal mandou men- AN, como o apelidou a APPO, o movimento sofre No sábado, 21 de outubro, é realizada no audi- Palavras ao vento uma mesa de negociações. O recomendaram sagens ao PAN e ao governo federal, fazendo a outro golpe irreversível. Sua entidade mais tório do Hotel do Magistério a Assembleia Esta- aplicar a lei, enviando imediatamente a Polícia mesma chantagem: ‘Si permitem que por esse numerosa e capilarizada no estado, o Setor 22, dual para se anunciar o resultado da votação o Federal Preventiva a cidade em conflito. plantón caia um governador, em pouco tempo decide pelo retorno às aulas. A Assembleia Es- dos dias 20 e 21. Enrique Rueda declara aos 560 não só vai cair o governador Ulises Ruiz, vai cair tadual dos maestros se reúne na noite de 18 de delegados presentes que a posição majoritária Segundo Héctor Pablo Ramírez, colaborador pró- um prefeito municipal e vai cair o presidente da outubro para avaliar a proposta oferecida pela é pelo fim da greve, posição sustentada por 26 ximo a Ulises Ruiz que me confirmo estes fatos, República, Felipe Calderón”. Segob no início do mês. Nela constavam avan- mil profes contra 15 mil. esta foi a única ocasião que o governo de Vicente ços em termos econômicos, de autonomia sin- Fox pediu a Ulises Ruiz que deixasse o governo dical e de políticas de permanência estudantil “A reunião transcorre em clima bastante ten- de Oaxaca. Bulmaro Rito Salinas diria que, além para os alunos�. A deliberação do encontro so. Rueda chega escondido ao plenário, onde é desse acontecimento, houve outros proveitos dos estadual dos maestros é que a consulta à cate- recebido com garrafas, pedras, água, espigas pactos com Abascal. O caso é que graças a esta goria seria feita por uma votação em urna nos de milho, também dedos médios e gritos de chantagem, que funcionava pela complicada próximos dois dias�. traidor”. Os correspondentes do jornal La Jor- nada descrevem a revolta com que os profes- Mesmo assim, o Secretário Geral Enrique sores reagem à presença do Secretário Geral: Rueda Pacheco não vê a necessidade de que “Caminhou um lance de escada agachado, se termine a consulta para decretar o fim da mas mesmo assim um punho alcançou o lado greve e a volta dos professores às salas de esquerdo de sua face, e outro a cabeça. Uma aula até o fim de outubro. “Consideramos cartolina ofensiva ao dirigente está colada à importante dar resposta a crianças e pais de parede do recinto: Rueda, não te equivoques. A ‘’¡Maestro, tú empezaste y tienes que acabar! ¡Ulises no se ha ido, lo tienes que sacar!’’ família de Oaxaca”, justificou, sobre o motivo história te julgará. Hoje podes ser o maior líder da interrupção da greve que já durava cinco ou o maior traidor’”. meses (excetuando-se o cessar fogo da re- posição de aulas em julho). Como repúdio à A discussão sobre a lisura da apuração da atitude, surgem iniciativas como a ocorrida consulta se prolonga madrugada adentro. São no enterro do professor Pánfilo Hernández. realizadas diversas recontagens dos votos e os 154 somatórios não se condizem, motivo pelo qual o plebiscito sobre a volta às aulas é remarcado para 23 e 24 de outubro�. A divulgação do resul- tado é adiada em virtude de tiros disparados próximo ao local onde ocorreria a Assembleia Estadual do dia 26�.

Na sexta-feira, dia 27, é anunciado o resultado Palavras ao vento final. Foram 31 mil os que decidiram pelo fim da greve contra 20 mil pela manutenção. Sur- gem denúncias contra a direção sindical pela manipulação de atas de urnas28. Na noite do sábado, uma comissão de representantes do Setor 22 vai à Cidade do México firmar a minuta de acordo com a Segob sobre o retorno às aulas já na segunda-feira. Entre as condicionantes aceitas pelo órgão federal estão a liberação de presos políticos e cancelamento de ordens de apreensão contra os membros da APPO, além de garantias de segurança para o retorno dos professores ao trabalho.

A volta, porém, é prejudicada por uma drástica decisão do governo federal: o envio das tropas da Polícia Federal Preventiva.

28 La Jornada, México. Vota mayoría volver a clases; se hará si SG da garantías: líderes. 27 de outubro de 2006. bra bá ie inaudita

160 161 • Atenção redobrada na participação em ativi- sede de sua organização quando a voz de uma dades políticas, pois, segundo a legislação do mulher lhe advertia que já sabiam onde vive Policiais federais preventivos estão nos telhados de hotéis e comércios de Oaxaca, estão agredindo 2 país, os estrangeiros apanhados em tais even- sua cunhada e seu irmão” , relata a imprensa Inaudita Barbárie (...) Fazemos um chamado a que localizem esta situação (...) É uma mostra mais de como o governo tos podem ser deportados local. A família de Miguel havia sido ameaçada nos tem medo, pavor 1 poucos dias antes. Miguel Cruz Moreno, conselheiro da APPO e militante do CIPO-RFM, é o primeiro membro O acompanho a uma reunião entre entidades da Assembleia com o qual tenho contato ao que compõe a Coordenadoria Oaxaquenha Barbárie Inaudita chegar em Oaxaca. A boa vontade do militante Magonista Popular Antineoliberal (Compa3) O peso da mão das esferas municipal, estadual e Avisado, cerco-me de precauções acerca dos em me introduzir ao contexto social e político no centro da cidade. Conosco está outra federal do executivo mexicano contra o levante procedimentos legais para a viagem. Afirmo local não me furta a percepção de que há algo conselheira da APPO, também do CIPO-RFM, – que todavia se propôs pacífico – é esmagador. O que viajo visando “intercâmbio cultural e a errado com sua disposição. Dolores Villalobos Coamatzi. No retorno, me ar em Oaxaca se torna (ainda mais) irrespirável conhecer a história e cultura dos povos origi- solicitam: “você poderia nos acompanhar até do que os já sangrentos primeiros meses de go- nários”. Não poderia ser diferente, sob pena da Uma breve observação em jornais oaxaque- a casa coletiva da organização? Sim, mas por verno de Ulises Ruiz. Mortos, presos, torturados, autorização de entrada vetada. Sinal de que as nhos que encontro na sede da entidade me quê? É perigoso para nós andarmos sozinhos desaparecidos. Humilhar todo um povo, é o que ditas liberdades democráticas básicas são ine- fornece pistas da razão de seu comporta- na cidade, algo nos pode pasar”. Entendo: “é os atos repressivos daqueles meses da segunda xistentes neste pedaço do México. mento abatido. “Receberam uma chamada na importante”, conta metade de 2006 tentam impor aos que ousam dizer ¡Basta ya!. Em solo oaxaquenho, recebo instruções com- plementares quanto à conduta que devem Passados dois anos dos acontecimentos tinha seguir aqueles que tenham ou possam ter al- fascismo a la oaxaqueña impressão que vive-se sob um estado de exce- guma ligação com a APPO: ção. Antes de viajar a Oaxaca em novembro de • Não comentar com desconhecidos sobre o 2008, recebo via e-mail a orientação de uma Os testemunhos das atrocidades ordenadas por Ulises Ruiz Ortiz caracterizam um governo de ignomínia “envolvimento” com o assunto da rebelião de das organizações com as quais entro em con- e barbárie inaudita, enquanto os testemunhos apresentados singularizam um povo com grande dignidade 2006. Os mercenários, paramilitares e facínoras tato: Companheiro, te comentamos que seria e valentia. A resistência civil que está apresentando o povo oaxaquenho, compreendido seu aguerrido continuam impunes e o perigo ronda a vida dos melhor para seus trâmites de visto que não militantes e ativistas de movimentos sociais. setor magisterial, é exemplo de como se pode e deve defender as convicções (...) comentasse com a embaixada que vens fazer uma pesquisa do movimento de Oaxaca, por- • Evitar caminhar sozinho no período noturno e Pelo exposto e com fundamento nos princípios da ética social e político e das regras que devem que então será mais difícil que te deem o visto. carregando consigo quaisquer evidências (panfle- reger a convivência entre as pessoas e as nações, declaramos que Ulises Ruiz é um criminoso Pelo que seria melhor e assim funcionou com tos, livros, jornais ou registro audiovisual) de que de lesa humanidade. outros companheiros que vieram”. se está estudando ou colaborando com a APPO.

2 Revista Proceso, México. 19 de novembro de 2008. Hostigan a familiares del inculpado en el asesinato de Brad Will. Disponível em: http://www.proceso. com.mx/noticias_articulo.php?articulo=64043. 3 Comité de Defensa de los Derechos del Pueblo (CODEP), Organizaciones Indias por los Derechos Humanos en Oaxaca (OIDHO), Frente Civil de la Sierra Sur (FCSS), Comité de Defensa de los Derechos Indígenas (CODEDI-Xhanica), Frente Único de Defensa Indígena (FUDI), Consejo de Organizaciones Sociales Independientes de la Cuenca (COSIC), Frente Popular Revolucionario (FPR), APN Nueva Democracia, Foro Pro-Libertad de Presos Políticos y de la Zona Norte del Istmo (UCIZONI), Frente Zapatista de Liberación Nacional (FZLN), San Pedro Yosotato y San Isidro Vista Hermosa- Tlaxiaco, Villa de Tututepec, Frente 1 Radio Universidad – 29 de outubro de 2006. Nacional en Defensa de la Soberanía y los Derechos del Pueblo (FREDESDEP), Frente para la Liberación Istmeña Indígena y Popular (FLIIP). 162 163 O jornalista Diego Osorno apresenta em Oaxaca O jurista e estudioso de movimentos sociais O governo URO também é habilidoso em fabri- Aquelas que vão ao ar fazem o mesmo discurso: Sitiada La primera Insurreción del siglo XXI4 a histó- José Sotelo Marbán acrescenta outras caracte- car fatos a seu favor. Durante o momento de “linguagem violenta contra os professores, a

ria de um dos principais agentes estatais dire- rísticas monstruosas da atuação dos kaibiles. maior fôlego das barricadas, chegaram a ser APPO e os que pedem a queda do governador, Inaudita Barbárie tamente responsável pelos ultraje aos cidadãos “Com uma faca especial, cortavam a cabeça de criados falsos bloqueios formados por policiais exigência de mano dura e elogios ao ‘góber que durante o levante de 2006. Trata-se de Manuel suas vítimas, com suas mãos tiravam o coração e quadrilhas que fustigavam os transeuntes sim sabe amarrarse los pantalones’ [pôr ordem na Moreno Rivas, chefe da polícia estadual. dos seus inimigos e o comiam”. com assaltos, insultos e agressões7. casa]”11. ¡Adelante pueblo!, ¡recuperemos Oaxa- ca!, inflamam13. Na investigação, Osorno descobriu que o currí- A elucidação da formação policial que recebeu A comunicação também lhe serve de arma de Barbárie Inaudita culo de Rivas exibe um Curso de Treinamento Manuel Moreno Rivas constitui uma pequena, ataque. Através do rádio, se passa a escutar A Assembleia Popular revela os responsáveis e Operações Kaibil, realizado em 1994 na Escola mas relevante, evidência do referencial de se- a Radio Ciudadana em 99,1 FM no dia 27 de pela operação da emissora: “a diretora da COR- de Forças Especiais da Guatemala – que viveu gurança pública contido nas ordens colocadas outubro. Esta emissora, rebatizada pela APPO TV, assim como membros da equipe de Comu- sob guerra civil entre 1960 e 1996. Os governos em prática contra a população civil agrupada como Radio Mapache, Radio Patito8 ou ainda nicação Social do governo do Estado e do pesso- autoritários dos países centro-americanos se na APPO. Há variadas denominações que po- Radio Alcantarilla [Esgoto], tenta contrabalan- al que trabalhava na dita empresa estadual”14. notabilizaram pela implantação de estratégias dem ser utilizadas para classificar a ardileza çar o poder informativo da Radio Universidad, atrozes de combate às guerrilhas nas últimas repressiva: terrorismo de Estado, guerra suja, naquele momento a única no ar. “A Rádio Durante todo o período do levante popular a décadas do século 20. conflito de baixa intensidade, criminalização Cidadã fomentou o ódio racista, intolerante, Radio Patito informa nomes, sobrenomes e en- de movimentos sociais, repressão seletiva, ope- o que contribuiu a uma maior polarização so- dereços de appistas e simpatizantes. Pede-se O nome do campo militar das aulas dos kaibiles rativo de contra-insurgência. cial”, afirma o professor Victor Raul Martínez pela punição aos “agitadores”: linchamentos e é sugestivo: “O Inferno”. A preparação neste Vásquez9. queima da casa15. local tinha como objetivo que os “alunos” “Fascismo a la oaxaqueña”, para argumenta interiorizassem intensamente “o sentido de Carlos Beas Torres6. Mais que destruir fisica- As primeiras transmissões demonstram a O contra ataque informático ao sítio informa- agressividade através da pressão mental e mente aos opositores, busca criar um clima que veio a nova estação. “A nova está meio tivo oficial da APPO www.assembleapopular-( física desumanizada5”. de terror que paralise a população e a torne estranha”, segundo seus primeiros ouvintes, deoaxaca.com) é lançada em 13 de agosto. A dócil e manipulável. ”porque só transmite mensagens de ódio página é denominada Oaxaca en Paz (www.oa- “Era essencial o fato de matar animais, contra os ‘professores de merda’, apoios ao xacaenpaz.org.mx). Apesar do nome, promove particularmente cães, e comê-los crus ou Marbán aponta que diante das deserções de ‘macho, bem macho governador Ulises’ e cha- uma caça às bruxas violenta contra os apoiado- assados, e beber seu sangue, para evidenciar policiais, “as corporações contrataram ex- mados a ‘acabar de uma vez por todas com res do movimento. No endereço, encontram-se valor, tínhamos que comer animais crus, policiais, soldados, comandantes e oficiais os imundos das barricadas’”, descrevem os as fotografias, nomes e endereços de uma lista matar galinhas pela cabeça, tomar o sangue, que conhecem o uso de armas”. Além deles, enviados do jornal La Jornada10. de militantes da Assembleia Popular. Desde de comer nossos próprios vômitos, para não porros e presidiários da penitenciária central 2007 está fora do ar. desperdiçar”. Os sombrios relatos são de do município conurbado de Ixcotel, que em O locutor não revela a identidade e se esquiva de soldados e constam no relatório analisado troca receberiam a liberdade ou perdão por afirmar onde está. É falso o número divulgado O ex-deputado federal pelo PRD e conselheiro pelo jornalista. seus crimes. para receber chamadas com o microfone aberto. da APPO Flávio Sosa Villavicencio acusou o

7 VÁRIOS AUTORES, 2007, p. 49. 8 Referência à história infantil da pata que perde seus filhores. ARadio Patito também estava “perdida” em algum local desconhecido. 9 MARTÍNEZ VÁSQUEZ, 2007, p. 110. 10 La Jornada, México. Entrega APPO La Ley; surge radio pirata adicta a Ruiz. 27 de outubro de 2006. 11 Ibidem. 12 OSORNO, 2006. 4 OSORNO, 2007, 92-93. 13 Boletim de imprensa da APPO. 28 de outubro de 2006. Disponível em: http://www.nodo50.org/raz/oaxaca/oaxaca05.htm. 5 COMISIÓN PARA EL ESCLARACIMIENTO HISTÓRICO, 1999. 14 CCIODH, 2007, 53 6 VÁRIOS AUTORES, 2007, p. 45. 15 La Jornada, México. Entrega APPO La Ley; surge radio pirata adicta a Ruiz. 27 de outubro de 2006. 164 165 governo do estado pela divulgação das infor- Em seu relatório “México: clamor por justicia” a Anis- A primeira morte lamentada pelo movimento Há falta de interesse no esclarecimento dos mações no sítio. “Somente o serviço de infor- tia Internacional (AI) esmiúça algumas das viola- é a do professor universitário Marcos García fatos: “Segundo o representante letrado da

mações estatal poderia ter acesso a nossas ções de direitos humanos cometidas no período: Tapia na noite de 8 de agosto de 2006. O cate- família, a Procuradoria Geral de Justiça do Inaudita Barbárie fotos e endereços”, aponta16. “detenção arbitrária, tortura e acusações falsas”, drático da UABJO é executado por atiradores Estado não tomou declarações, nem se puse- “mortes e homicídios”, “ameaças e maus-tratos”. a bordo de uma motocicleta quando percorre ram em andamento medidas para preservar A “paz do cemitério” comemorada no ende- Nas conclusões, AI é categórica: “os abusos ge- de carro uma avenida no centro da cidade. a cena do crime ou reunir possíveis provas. reço inclui a legenda de “Este ya cayó” sob as neralizados cometidos durante a crise violaram Imediatamente a APPO responsabiliza o go- No dia seguinte, os suspeitos apreendidos es- imagens dos assassinados, acrescido de um tratados internacionais de direitos humanos que verno estadual pela morte do acadêmico18. tavam em liberdade por falta de provas. O re- Barbárie Inaudita “X” vermelho sobre a foto. “Esses são os de- o México se comprometeu a respeitar e segundo presentante letrado assegurou que não se ha- linquentes que tem sequestrado sua cidade. os quais o Estado deve cumprir os compromissos No início da tarde do dia seguinte, são mais três viam efetuado mais investigações sobre este Detenha-os onde os veja ou busque-os em contraídos de boa-fé e com a devida diligência. os vitimados, todos participantes da entidade in- homicídio. Segundo informes, mais adiante, casa!”, ordena em afronta aos direitos dos AI crê que as autoridades não cumpriram, até o dígena Movimento Unificado de Luta Triqui Inde- a Procuradoria Geral de Justiça do Estado de integrantes da APPO17. momento, essa obrigação”. pendente19. A emboscada mata Andrés Santiago Oaxaca comunicou a imprensa que José Jimé- Cruz, Pedro Martínez Martínez y Pablo Martínez nez Colmenares havia morrido em uma briga Organismos de defesa dos direitos humanos A organização recomenda ao Estado mexicano: Martínez, que caen20 numa estrada no interior do de rua entre pessoas embriagadas”, descreve produziram um farto o material sobre os “Garantir investigações imparciais, exaustivas estado, quando rumavam para o plantón no zócalo. a Anistia Internacional em relatório. açoites impostos pelos aparelhos repressivos e imediatas sobre as denúncias de detenção Os mortos têm 35, 70 e 11 anos, respectivamente, estatais e paramilitares. Cerca de uma dezena arbitrária e o regime de incomunicabilidade, e são do povoado de Paraje Pérez, no município A esta morte soma-se a do dia 16 de agosto. A ví- deles trazem depoimentos, relatos, evidências tortura e maus tratos, violações de outros direi- de Santiago Juxtlahuaca, no noroeste do estado. tima é Gonzalo Cisneros Gautier, professor apo- que valoram a dura investida. tos relacionados com o devido processo”. Andres era membro da comissão de ordem e vi- sentado, apoiador da APPO e morador da Vila de gilância da APPO. Outros quatro indígenas triquis Zaachila, no interior do estado, a 30km capital. são feridos à bala no local. Pouco se sabe das circunstâncias do homicídio.

No terceiro dia consecutivo de terror, é morto Na madrugada de 21 de agosto, durante as vio- José Jimenez Colmenares. O mecânico parti- lentas agressões às instalações da rádio tomada cipa com sua esposa e mais vinte mil pessoas La Ley, é assassinado Lorenzo San Pablo, arqui- de uma marcha pela saída de Ulises Ruiz, teto de 51 anos. A investigação do crime é difi- ¡No has muerto, no has muerto, no has muerto camarada/ liberdade dos presos políticos e apresentação cultada. “Um membro da família recebeu uma Tu muerte, tu muerte, tu muerte será vengada! com vida dos desaparecidos. No transcurso são chamada telefônica de um representante da efetuados disparos a partir do telhado de um Procuradoria para que detivessem a investiga- hospital que o atingem letalmente. No local, ção sobre o caso. Em consequência, a filha não são encontrados policiais estaduais. Duas pro- prestou declaração por temor a represálias”, fessoras também são baleadas21. evidencia o relatório da AI22.

18 CNDH, 2007, p. 18. 19 Caído: Que ha muerto em uma batalla o em defensa de una causa. 20 Anistia Internacional, 2007, p. 6. 21 Anistia Internacional, 2007, p. 6. 16 ASSOCIAÇÃO DE ESTUDOS LATINOAMERICANOS, 2007, p. 14. 22 RODH (México). Acciones urgentes : Oaxaca: AU, ejecución extrajudicial San Antonino, Oax. Disponível em: www.derechoshumanos.org.mx/ 17 La Jornada, México. Ejecutan a catedrático de la Universidad de Oaxaca. 9 de agosto de 2006. google/articulo.php?sid=626. 166 Dois de outubro foi fatídico para a família de a Comissão Internacional de Juristas, entidade to de estradas em todo o estado. Ulises Ruiz, os verno, foi praticamente matança, assassinato, Arcadio Fabián Hernández Santiago, então internacional de defesa de direitos humanos25. prefeitos munipais priístas e toda sorte de mer- perseguição em massa�”. com 49 anos. Nesta noite o camponês percorre cenários, por sua vez, endurecem a repressão. em ronda o município sob controle popular Em 18 de outubro é morto o professor primá- O resultado é de três mortos e 23 feridos, todos Com a retirada violenta dos manifestantes do de San Antonino Castillo Velasco com outros rio de educação indígena Pánfilo Hernández do lado da APPO27. bloqueio em Santa María Coyotepec, Ulises seis moradores quando são abordados por Vásquez, de 48 anos e pai de dois filhos. Ao sair Ruiz Ortiz retorma seu bunker. Deste lugar uma caminhonete com oito pessoas – policiais de uma reunião de vizinhos em apoio a APPO, A onda de violência deste dia também deixa comandará a próxima manobra repressiva em municipais, segundo informações da Rede Oa- o maestro é atingido por três tiros no abdome26. outros dois mortos além de Brad. No fim da Oaxaca. Seriam mais três enterros provocados Barbárie Inaudita xaquenha de Direitos Humanos23 , dois com o tarde, policiais estaduais e municipais acom- pela invasão da Polícia Federal Preventiva (PFP) rosto encoberto. São disparados três tiros, um Uma morte mais, outro mártir nessa guerra panhados de priístas expulsam os manifestan- solicitada por Ulises e a mando do governo fe- dos quais acerta o peito de Arcádio, que perde suja, outro momento para chorar e se lastimar, tes que há mais de quatro meses bloqueiam deral em 29 de outubro de 2006. a vida no local. outra oportunidade de conhecer o poder e sua o Palácio de Governo estadual. o prefeito de horrível cabeça, outra bala, assim começa o Santa María ofereceu 2 mil pesos para os que Algum tempo depois, na noite de 14 de outubro texto do jornalista, cinegrafista e documenta- emprestassem a casa como prisão, 500 para Alexandre García Hernandez é assassinado. rista estadunidense Bradley Roland Will. Muerte desalojar as barricadas e 200 aos que ficassem Enquanto o pintor de paredes de 42 anos ofere- en Oaxaca é o título do relato do assassinato do na retaguarda28. ce café aos piqueteiros da barricada, o grupo é pintor de paredes Alejandro García Hernández. surpreendido por um bando armado a bordo de Seguramente Brad, como era conhecido, não Neste ataque é assassinado com três tiros o um veículo não identificado. Os sicários desem- imaginava que em apenas treze dias ele próprio professor de educação primária Emilio Alonso barcam e começam a atirar gritando “¡Arriba seria uma vítima fatal. Outra morte em Oaxaca. Fabian, de 42 anos29. Em outra agressão à bala Ulises!”. Hernández leva um tiro na cabeça e falece o camponês Esteban Zurita López, que outras duas pessoas ficam feridas. Segundo os Brad Will era um ativista eco-anarquista de estava em uma das barricadas no município de relatos de testemunhas, um dos malfeitores 36 anos e membro do coletivo de mídia inde- Santa María Coyotepec. deixou cair sua carteira, que revelou sua iden- pendente e livre Indymedia. Ironia do destino, tidade de membro do Exército24. tinha a câmera em mãos quando foi atingido Testemunho dado à CCIODH conta que os ban- por um tiro no estômago no dia 27 de outubro, dos a mando do goveno são impiedosos: “tiros Mais uma vez há negligência na investigação. num vídeo que correu o mundo. de escopeta, rifles... sei lá, tantas armas de fogo “Quando chegou o fiscal, uma hora depois do cri- que dispararam quando nós, como professores, me, não trazia peritos, fotógrafos, nem especia- Nesta data, APPO e governo radicalizam as unicamente nossa arma era a justiça e a razão. listas para realizar os primeiros passos do levan- ações visando derrotar definitivamente o ini- Foi uma expulsão brutalmente cruel, ruim, tamento do local do acontecimento, todo o qual migo. O movimento social havia deliberado a sanguinária por parte de Ulises Ruiz”�. Outro foi catalogado por uma advogada como falta de extensão das barricadas no período diurno des- relato corrobora: o que aconteceu na [sede da] interesse em investigar o sucedido” denuncia ta sexta-feira, simultaneamente ao fechamen- Procuradoria, o que acontece na Casa de Go-

23 ANISTIA INTERNACIONAL (México). Temor por la Seguridad/ Uso de Fuerza Excesiva/ Temor de Tortura y Malos Tratos/ Detención Arbitraria. Disponível em: www.amnesty.org/es/library/asset/AMR41/048/2006/es/f4082-f9d1-11dd-b1b0-c961f7df9c35/amr410482006es.pdf 24 COMISSÃO INTERACIONAL DE JURISTAS (Suiça). A Pedido da Obra Diacônica Alemã. Informe de la visita de la Comisión Internacional de Juristas y la Obra Diacónica Alemana a Oaxaca, México. Genebra, 2007. 61 p. Disponível em: . 28 Boletim de imprensa da APPO. 28 de outubro de 2006. Disponível em: http://www.nodo50.org/raz/oaxaca/oaxaca05.htm. 25 FIDH, 2006, p. 20. 29 CCIODH, 2007, p. 71. 26 CCIODH, 2007, p. 72. 30 CCIODH, 2007, p. 72. I ANvasão D PFP E ÚLTIMO SOPRO DE VITÓRIA NO CAMPUS DA UABJO

172 173 Outra mulher segura a mão de um oficial, ten- Federal Preventiva (PFP), que eles não ga- tando fazer com que ele empunhe uma flor nham exatamente igual a seus oficiais, que

29 de outubro de 2006. 8h20min branca. Num apelo emotivo, a senhora diz que estão dormindo nos hotéis cinco estrelas (...) mexicano sul do intifada A vê lágrimas nos olhos do policial. Recebe de Expliquem a eles as condições em que se en- A Polícia Federal Preventiva começa a avançar até o centro de Oaxaca, por diferentes pontos de volta um sorriso amarelo. Frustrada a tentativa contram e porque estão aqui, a quem estão entrada da cidade. Em primeiro lugar avançar. Elementos armados com escudos e cassetetes, em de entrega do presente, ela encaixa o ramo entre defendendo. Aos ricos, aos que prejudicaram seguida o contingente mais numeroso composto por elementos armados com armas de fogo, assim o uniforme cinza e o colete preto à prova de ba- os povos de que eles provém (...) Com que cara mesmo são acompanhados com tanques de água e carros-pipa de bombeiros para abastecê-las (...) las. Outro soldado da tropa, postado um pouco dizem para sua mulher “hoje fui trabalhar”, atrás, intervém. O girassol branco é arremessa- quando na verdade foram espancar cidadãos, avançam já aproximadamente quatro mil elementos, vinte tanques de água (“artefatos que lançam do no chão e esmagado logo em seguida. crianças, mulheres, idosos5? água”, diria o porta-voz presidencial) (...) Sem dúvida esperam em seu quartel três mil elementos,

A intifada do sul mexicano 1 assim como mais de trinta tanques . Um indivíduo tenta convencer os Policiais Fede- Os apelos parecem não surtem efeito. Os rais Preventivos enfileirados a não avançar sobre uniformizados cinzentos sustentam posição a multidão indefesa: estática e o olhar fixo6. São verdadeiros “ho- mens de gelo”, mesmo vestidos com pesadas – Nós os pedimos com educação senhores indumentárias sob um sol castigante. No ar, Rodovia MX-190, distrito de Trinidad de Vigue- desarmados. Faltando trinta minutos para policiais: não nos agridam porque não somos quatro helicópteros da polícia federal e do ra, zona norte da cidade de Oaxaca de Juarez. A o meio-dia, somam trinta mil pessoas entre agressores. Não somos assassinos como o exército7 sobrevoam o caminho de entrada do estrada é o acesso principal para aqueles que homens, mulheres e crianças, posicionados no governo quer fazer parecer através dos meios município para medir a força de resistência das chegam a partir da Cidade do México. acesso norte da capital. Os cartazes clamam: comprados que tem. Nós somos gente do povo e barricadas. No Queremos Represión 4. que estamos lutando contra uma impunidade A primeira tomada do documentário Contra que existe dentro do estado, senhores policiais. A direção provisória da APPO faz um chama- la entrada de la PFP 2 mostra um homem apa- Da multidão surge outro sujeito: Vocês merecem respeito porque também têm do ao pacifismo: “Não enfrentar a PFP, recha- rentando cinquenta anos segurando uma família, tem esposas, tem mães. Nós temos fa- çamos sua presença em Oaxaca. A APPO não bandeira do México: – Não queremos [praticar] agressão, mas não mília, e se estamos aqui não vamos agredir, não cairá em enfrentamentos. A agressão contra queremos que entrem. Se há uma mesa de di- vamos disparar nada porque não somos assas- o povo oaxaquenho está em andamento”.8 – Se houver alguma agressão, os culpados são álogo, que haja diálogo, é o que queremos. Mas sinos. Somos do povo, e os senhores são do povo. Ulises Ruiz e seus priístas. Tenha muita atenção, que não entrem! “Crie corvos e eles te comerão os olhos” é um eles vão ser os responsáveis pelo banho de san- Na Radio Universidad voz pede: ditado de origem na língua espanhola, o que não gue que se possa dar em Oaxaca. Olhe para nós. Próximo, uma mulher exibe um cartaz com impediu que seu sentido fosse ignorado por par- O que trazemos? Gire a câmera e veja! Fuera Ulises escrito a mão. Ouve-se um apelo: – Façam comentários dirigidos à questão te dos oaxaquenhos naquele momento. Durante psicológica da permanência destes senhores a incursão, alguns dos policiais mostram sinais Capta-se a imagem de centenas de cidadãos – Não à repressão! Solução para Oaxaca! aqui. Expliquem, por exemplo, aos da Polícia de desidratação. Há desmaios entre eles, pela

5 La Jornada, México. Con tanquetas y disparos entran las fuerzas policiacas a Oaxaca. 30 de outubro de 2006. 1 Boletim de imprensa da APPO. 29 de outubro de 2006. 6 Boletim de imprensa da APPO. 29 de outubro de 2006. 2 Produzido pelo Mal de Ojo TV. CONTRA LA ENTRADA de la PFP, 2006. 7 Boletim de imprensa da APPO. 29 de outubro de 2006. 3 Boletim de imprensa da APPO. 29 de outubro de 2006. 8 Produzido pelo Mal de Ojo TV. CONTRA LA ENTRADA de la PFP, 2006. 4 Radio Universidad, 29 de outubro de 2006. 9 La Jornada, México. Con tanquetas y disparos entran las fuerzas policiacas a Oaxaca. 30 de outubro de 2006. 174 175 falta de ingestão básica das calorias necessárias um caminhão-tanque contendo GLP (gás de da escavadeira para impedir que avançasse e os feridos nos confrontos, 16 desaparecidos, para desempenhar as atividades físicas ine- cozinha) que manifestantes ameaçam explo- desfizesse a barricada que com tanto capricho 24 detidos e três assassinados22. 13

rentes ao cumprimento das ordens. Moradores dir caso a polícia avance . dois meses antes levantou com seus vizinhos. mexicano sul do intifada A de bairros vizinhos à rodovia resolvem, então, Mas o condutor não se altera. Pesca uma perna Na ponte do Instituto Tecnológico de Oaxaca é oferecer solidariamente alimentos aos pefepos. As duas rotas improvisadas pela PFP (na região de María e está a ponto de sair quando outra morto o enfermeiro Alberto Jorge López Bernal. “Os policiais não são nossos inimigos”, “reparem norte e na região sul, ambas rumo ao centro) vizinha, Lorena, a puxa. Jogadas no chão, cho- O profissional é atingido no peito pela explosão como os estamos tratando”, dizem algumas mu- trazem dificuldades para a estratégia militar de rando desconsoladas, veem como a máquina de uma bomba de gás lacrimogêneo que entra lheres. O conselho estadual provisório da APPO invasão. A barricada do Canal 9 sustenta uma arrasa a trincheira”17. em seu uniforme enquanto atendia um ferido24. propõe que se dê “o outro lado da face”9. batalha de cerca de duas horas contra as forças Testemunhos recolhidos pela Anistia Interna- repressivas. As cenas lembram as da resistên- Não obstante a valentia dos oaxaquenhos, a cional denunciam que no operativo a PFP lança

Nem todos acatam. A resistência oferecida por cia palestina ao exército invasor israelense. A polícia federal preventiva vence a batalha. As bombas na direção das pessoas. No mesmo local A intifada do sul mexicano um setor dos manifestantes faz com que a co- massa luta sem armas contra os robocops de barricadas sucumbem aos tanques e a toda sor- é assassinado o pedreiro Fidel Sánchez García, de luna da PFP tenha que mudar de rota. Evidente Vicente Fox. A artilharia improvisada lança te de equipamentos utilizados para a remoção 25 anos, ao ser esfaqueado por homens encapu- que há a presença de policiais estaduais nas uma chuva de pedras, paus, coquetéis molotov, de obstáculos. A resistência massiva cai ante o zados25. A terceira vítima fatal é Roberto López tropas da PFP. São eles que guiam os forasteiros rojões, bombas caseiras, bazucas improvisa- poder de fogo dos cassetetes, bombas, gases de Hernández, baleado na barricada de Brenamiel26. por caminhos menos tortuosos até o zócalo. das com canos de PVC recheados de pólvora e pimenta e mostarda, tiros e jatos de água de alta “Muitos policiais judiciais e municipais ves- até bolas de gude que são arremessadas com pressão misturada com produtos químicos. A versão do mandante da repressão, presidente tiam uniforme da Polícia Federal Preventiva, estilingues. A tropa que se desloca a partir do Vicente Fox Quesada, é de que a invasão da PFP, porque os próprios companheiros cidadãos de aeroporto também enfrenta dificuldades para Às sete da noite tropas da PFP chegam ao zócalo uma “força de paz”, é resultado da “soma do Oaxaca conseguiam identificar, ‘sim, este não avançar14. e irrompem o coração da cidade rebelde. Às diálogo democrático e do acordo com a implan- é, não trabalha na PFP! Este é da Polícia Ministe- onze da noite aparecem por lá os tanques, após tação da ordem e o respeito à lei”. Classificou rial’, porque logo os reconheciam”10, denuncia Um oaxaquenho participante da contenda removerem no caminho carcaças de ônibus ainda de saldo blanco o resultado do enfren- um testemunho à CCIODH. desabafa: queimados. Os mais de quatro mil pefepos e tamento do dia anterior, durante pronuncia- militares do exército e da marinha19 recuperam mento realizado em evento na Bolsa de Valores A manobra tática evita a confrontação com – Não é possível que um governo se segure com também a Prefeitura Municipal, a Secretaria mexicana. “No dia de ontem, à luz pública, se três barricadas en pie de lucha e a tarefa de essas armas. O povo aqui está presente e terá de Finanças e o quartel da polícia municipal20. fez a intervenção sem armas”, dissimulou.27 remoção de alguns traileres atravessados na que dar a cara. Estamos dando a batalha16. Anuncia também no mesmo evento um plano pista12. Haveria que se romper a resistência A direção provisória da APPO chama ao rea- de recuperação econômica com peso na indús- de trincheiras importantes no caminho até o O jornalista Diego Osorno presencia uma cena grupamento na Cidade Universitária. São 266 tria do turismo de Oaxaca28. centro, Brenamiel entre elas. No trajeto estão do rechaço à ocupação pela força: “María Ro- atravessados veículos de todos os tipos e até driguez, estudante de direito, se pôs adiante 17 Anistia Internacional, 2007, p. 8. 18 El Periódico de México, México. Un segundo muerto durante recuperación policial de Oaxaca. 30 de outubro de 2006. 19 Boletim de imprensa da APPO. 30 de novembro de 2006. 20 MÉXICO. Presidência da República. Presidente. Anuncia Presidente Vicente Fox Quesada programas para la recuperación de Oaxaca. Dispo- nível em: http://fox.presidencia.gob.mx/actividades/crecimiento/?contenido=27997. 21 Revista Proceso, México. Se recuperó la paz en Oaxaca, dice Fox; según él, hubo “saldo blanco”. 30 de outubro de 2006. 10 Ibidem. 22 Boletim de imprensa da APPO. 29 de outubro de 2006. 11 Ibidem. 23 RODH 2006. 12 La Jornada, México. Con tanquetas y disparos entran las fuerzas policiacas a Oaxaca. 30 de outubro de 2006. 24 La Jornada, México. Con tanquetas y disparos entran las fuerzas policiacas a Oaxaca. 30 de outubro de 2006. 13 OSORNO, 2007, p. 220. 25 La Jornada, México. Policías federales saquean y defecan en comercios del zócalo oaxaqueño. 30 de outubro de 2006. 14 CCIODH, 2007, p. 59. 26 Boletim de imprensa da APPO. 29 de outubro de 2006. 15 La Jornada, México. Con tanquetas y disparos entran las fuerzas policiacas a Oaxaca. 30 de outubro de 2006. 27 CCIODH, 2007, p. 77. 16 CNDH, 2007, p. 40. 28 Revista Proceso, México. APPO y PFP sostienen escaramuzas en el centro de Oaxaca. 30 de outubro de 2009. 176 177 A APPO contesta. “É obvio que a intervenção “Começa a etapa do terrorismo de Estado, a guer- A Comissão Civil Internacional de Observa- mes cinzaS, atrás dos capacetes os policiais da PFP em Oaxaca não tem a intenção de ra suja havia chegado a Oaxaca [com a irrupção ção dos Direitos Humanos (CCIODH) caracte- militares escutavam os gritos que homens e

restabelecer os direitos da cidadania nem de da PFP”, periodiza Carlos Beas Torres. riza em relatório os dias consecutivos à inva- mulheres os lançavam exigindo não defender mexicano sul do intifada A protegê-la. O objetivo que visa é proteger ao são da PFP: ocupação das ruas e pela violência Ulises Ruiz”, descreve o enviado da Revista assassino e assim assegurar a cadeira pre- No zócalo, que por meses foi do povo oaxa- das atuações do corpo policial, gerando um Proceso39. sidencial ao usurpador Felipe Calderón, que quenho, agora dormem as tropas. Pouco após estado de psicose coletiva. é igual a Ulises Ruiz Ortiz. Trata de assumir a invasão é destruído todo o acampamento. Os correspondentes do La Jornada, por sua vez, o poder depois de uma fraude descarada Vangloriam-se os cinzas como no início da Os testemunhos dão conta da repressão sele- assim viram essa demonstração de dignidade: através da aliança PRI-PAN. Este é o Estado de manhã em 14 de junho. Tiram os capacetes, tiva contra ativistas: “Estiveram me procuran- “Uns marcham vencendo o medo. Outros desa- Direito que prega Fox, um Estado de Direito deitam nos escudos e se cobrem com as fai- do todos os dias desde a cegada da PFP, todos fiam a imposição de botas e cassetetes. O líder

onde assassinam crianças, onde a polícia xas de protesto com dizeres ofensivos a eles os dias, desde então para mim foi praticamen- mixe Adelfo Regino é um deles. Se aproxima da A intifada do sul mexicano investe com rifles de assalto contra um povo próprios e à Ulises Ruiz33. Os correspondentes te uma peregrinação estar constantemente fileira de policiais federais que atrás de seus desarmado e manifestando-se pacificamen- do jornal La Jornada registram: “Em cinco me- mudando de domicílio”37. escudos miram pavorosos aos milhares que os te, um estado de direito onde os assassinos ses de acampamento permanente no Centro repudiam e discutem: ‘Digam a seus chefes Edu- podem ser governantes e passearem com Histórico dessa cidade, os comerciantes não São utilizados métodos de tortura física e ardo Medina Mora, Abascal, Fox, Calderón que total impunidade pelos cenários políticos”31. haviam denunciado um só roubo. Hoje, quan- psicológica, muitas vezes combinada, com o ontem houve saldo branco. Vocês estão vendo: do as forças federais chegaram, supostamente envolvimento direto das forças armadas: “Me nós oaxaquenhos temos demonstrado que não O Boletim de imprensa distribuído por organi- para restabelecer a ordem, os vendedores en- prenderam, me bateram, me levaram a uma queremos a confrontação. E vocês se ponham a zações de direitos humanos da RODH no mes- contraram os cadeados arrombados, estantes kombi, me subiram aí e estiveram me baten- pensar: porque acatam a ordem de vir reprimir mo 29 de outubro conclui que: destruídas e, ainda que em alguns lugares dei- do, me disseram que eles estavam armando seus irmãos indígenas?’ Para que não os olhem xaram algumas coisas, não sobrou uma faca averiguações e que estavam desaparecendo nos olhos, os federais baixam a abertura de seus 1. O governo federal demonstra com esta ação a em uma loja especializada”.34 pessoas. Que iam me subir me ameaçaram capacetes. Sabem que estão rodeados de gente ausência do Estado de Direito em Oaxaca que iam me subir a um helicóptero e iam me que os rechaça. Porque, além de bater, ofende- A APPO dá a conhecer nos dias seguintes uma atirar dele (...) então me levaram ao hangar, aí ram40. Ao mesmo tempo, estão ocorrendo três 2. O uso da força pública não soluciona os proble- série de transgressões aos direitos constitucio- onde está o aeroporto tem uma base militar”38. velórios das vítimas do dia anterior. mas em Oaxaca, mas pelo contrário os aprofunda nais básicos. Membros do governo, policiais, mercenários e porros de todos os tipos invadem- Logo no dia seguinte à invasão, cem mil oaxa- No dia seguinte o PRI tenta fazer frente com uma se casas, dando início a uma em busca por quenhos formam quatro colunas (partindo marcha de apoio ao governador. Comparecem O Estado não cumpriu com a responsabilida- ativistas e dirigentes de movimentos sociais35. das regiões norte, sul, leste e oeste) que mar- oitocentas pessoas41. Carlos Beas Torres relata de de garantir e respeitar os direitos humanos32. A PFP fecha o acesso rodoviário à capital do es- cham até o centro numa Megamarcha contra que os discursos são virulentos, o tom é de agra- tado, dificultando a locomoção dos apoiadores a presença da PFP no estado. “Impávidos e decimento à PFP pela intervenção e o racismo A situação neste início de novembro é dura para que vão à capital36. desidratados pelo forte calor, os coletes à aflora nas falas contra os integrantes da APPO. “Os a APPO. Vive-se um verdadeiro estado de exceção. prova de balas, os escudos e os grosso unifor- grupos de classe média e empresários apoiadores

31 La Jornada, México. ¿Por qué acatan la orden de venir a reprimir a sus hermanos indígenas? 31 de outubro de 2006. 32 VÁRIOS AUTORES, 2007, p. 69 37 Radio Universidad, 2 de novembro. 33 Ibidem. 38 Revista Proceso. Enfrentamiento de 8 horas entre la APPO y la PFP afuera de la UABJO: 62 heridos. 2 de novembro de 2006. 34 Ibidem, p. 61. 39 Ibidem. 35 Cenas do documentário Victoria de Todos los Santos, produzido pelo Coletivo Mal de Ojo. 40 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 196. 36 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 196. 41 É o apelido dado aos de jovens pobres e marginalizados socialmente. 178 179 e beneficiados pelo PRI se mesclam a deputados o cardenismo pelo reconhecimento legal da para temer a invasão da PFP ao campus oaxa- diodifusora. Vamos nos defender com o que e membros deste partido, bate-paus da CROC, Igreja. Inaugurada a retórica eclesiástica para quenho: em 6 fevereiro de 2000, a corporação temos: pedras, rojões. Vamos utilizar. Vamos

pistoleiros e policiais à paisana, no ato em que tratar do conflito em Oaxaca, além da blasfêmia, policial entrou na Universidade Autônoma do resistir. Essa é nossa casa. Aqui estamos e mexicano sul do intifada A identificavam si mesmos como os verdadeiros Carlos Abascal cometeu um erro estratégico im- México (UNAM) e reprimiu mais de setecentos aqui estaremos, até o final, até as últimas oaxaquenhos. Uma oradora gritou aos quatro portante quando escolheu no calendário a opor- estudantes durante uma greve – contra pro- consequências. ventos que eles, os autênticos oaxaquenhos, sim tunidade para a nova ofensiva. Imaginavam posta de cobrança de mensalidades – que se se banhavam42. que conseguiriam invadir o campus da UABJO e estendeu por mais de dez meses. Neste momento é possível se escutar na trans- retomar a Radio Universidad sem problemas. missão a explosão de bombas de gás lacrimogê- Secretário do governo federal, o panista José Car- Um pouco antes das oito horas daquela fria neo e os tossidos dos locutores atingidos pelos los María Abascal Carranza, havia asseverado A opção foi pelo dia 2 de novembro, o Día de manhã em Oaxaca, as tropas começam a se efeitos da fumaça. “É terrível a sensação que

em 3 de outubro: “em nome de Deus não haverá Muertos, Día de los Fieles Difuntos. Uma terceira aproximar da Ciudad Universitaria. “Mi Dios, eles podemos sentir nos olhos, respirar o cheiro dos A intifada do sul mexicano nenhuma repressão [em Oaxaca]”. O político é denominação utilizada para a data batizou o estão vindo e vão nos matar”, pensou a univer- gases que estão lançando, o ardor no rosto”, re- filho de um militante católico que lutou contra feriado naquele ano: Todos los Santos, mais pre- sitária Silvia Chivis�. lata uma locutora. A revista Proceso denuncia cisamente Batalha de Todos os Santos. que também são utilizadas bombas chamadas Um locutor anuncia na Radio Universidad: “aturdidoras” que “emitem um gás incolor de SE FOX NÃO RESPEITA OS VIVOS, MENOS AINDA maior potência que ocasiona náuseas e debilita”�. VAI RESPEITAR OS MORTOS – Este não é o momento de pronunciar discur- sos que sejam pacíficos, é o momento que de- Na entrada do campus se forma uma barreira vemos sair [às ruas para resistir]. Há ameaças, humana para deter primeiro avanço da fileira dia a dia vem com vôos [de helicóptero] de re- de pefepos que tentam destruir a barricada de Em frente ao campus, a retaguarda recolhe Neste dia inscreverão na história das lutas conhecimento [da disposição das barricadas]. Soriana. Se relatam disparos à bala de paramili- pedras. É composta por centenas de jovens, populares mexicanas e do mundo mais um Isso são atos de provocação para conhecer de tares em direção ao campus. O reitor da UABJO mulheres e anciãos. Os pedregulhos são ati- episódio em que o povo organizado derrotou que forma estamos distribuídos.� se pronuncia na Radio Universidad: “A universi- rados contra o solo, se quebram em pedaços as forças repressivas. Outra batalha encar- dade não merece uma sujeitação dessa natu- menores. Com os fragmentos, enchem-se car- niçada contra a personificação da lei - a le- Doutora Berta anuncia ao vivo nas transmis- reza, é uma universidade pobre, marginalizada rinhos de supermercados. É a munição para galidade armada. O povo garante a defesa do sões da Radio Universidad: pelo governo federal, é uma universidade de a artilharia, postada mais à frente. São esti- campus universitário da UABJO, conhecida onde saíram grandes homens, grandes cientis- lingueiros, bazuqueiros, atiradores de pedras, como La Batalla de Todos los Santos. ­- Ciudad Universitária e Radio Universidad vão tas, pessoas valorosas. Retirem-se daí, porque coquetéis molotov, tudo mais o que possam ser defendidas até o final pelos companhei- estão atentando contra a história”. ter à mão. Na linha de frente jovens univer- Os primeiros indícios de que o Dia de Muertos ros universitários e os outros que estão aqui sitários, chavos banda, moradores de bairros (Dia de Finados no Brasil) poderia ser violento conosco. Para calar a voz de la verdad, a voz No início do dia são ainda apenas 200 estudan- pobres vizinhos e professores: a vanguarda são sentidos na madrugada do dia 2 de novem- del pueblo, vão ter que nos massacrar, porque tes, professores e vizinhos que se posicionam do exército popular desarmado�. bro. Há um antecedente histórico importante não vamos sair, não vamos ceder essa ra- para defender as instalações da UABJO. Uma

42 VÁRIOS AUTORES, 2007, 255. 180 181 escavadeira é colocada na entrada principal e O jornalista viu solidariedade em cada esquina. impressionante começou, e a polícia correu”, Na noite de 2 de novembro, a APPO divulga em para trancar as demais se põem cadeados�. Os “Senhoras de todas as classes sociais oferecendo recorda a estudante Silvia Chivis46. Cinica- seu boletim de imprensa: Este dia se escreveu

policiais são surpreendidos pela brava resis- recipientes com água e vinagre para molharmos mente, o Secretário de Segurança Pública uma página com letras de ouro na memória de mexicano sul do intifada A tência. “Penso que eles se assustaram quando nossas máscaras, rasgando seus lençóis para federal Eduardo Medina Mora afirma par a nossa pátria, este dia o heroico povo oaxaquenho viram que o povo não ia se entregar, mesmo que fazer lenços, discursando e nos cobrindo de imprensa que a retirada da PFP não foi uma deu uma lição de civismo e dignidade ao mundo eles tivessem armas para matar todos nós. É bênçãos. Alguns põem seus veículos à disposição derrota, e sim, um “recuo tático”47. inteiro, a PFP teve que retroceder frente à pressão como se disséssemos: Se você vai me matar, vai de numerosos enfermeiros e médicos do serviço de mais de 50 mil guerrilheiros e radicais que com ter que enfrentar umas pedras no caminho”, público e da UABJO que abundam na primeira O jornalista Diego Osorno presencia a cena paus, pedras e estilingues de grosso calibre se en- analisa Chivis�. fileira para atender os feridos”43. histórica: “tanques antimotins e centenas de frentaram com tanques, helicópteros e rifles de efetivos federais se afastam a passo apres- assalto. Foram horas de intensa luta, houve de-

A primeira investida da PFP com cerca de 50 Ainda pela manhã a PFP reforça seus efetivos. O sado em meio a uma chuva de pedras, paus, zenas de companheiros feridos, vários deles com A intifada do sul mexicano brutamontes é repelida pelos populares. Os contingente adicional do Operativo Juárez 2006 – petardos e bombas molotov lançados em sua gravidade, houve dezenas de detidos-desapare- policiais respondem lançando pedras contra como se chamou a tentativa de invasão da UAB- direção. Pronto. O helicóptero federal tam- cidos (vários deles crianças), mas sem dúvida, o as pessoas. Intervêm destacamentos de priís- JO – soma no fim da manhã dois mil soldados, bém se retirou. Os rebeldes oaxaquenhos povo de Oaxaca ganhou esta primeira batalha. 44 tas, conforme relatado pelo jornal La Jornada: seis tanques e três helicópteros . acabam de conseguir um assalto ao céu, ou Adverte, ainda: “Quando as portas do diálogo se “Dois deles foram detidos como prováveis chegaram a roçá-lo. ‘¡Si se pudo [conseguiu], fecham, se buscam as janelas e quando elas nos integrantes do movimento. Estamos do seu Das sete da manhã às três da tarde se assis- si se pudo!’, é então o grito de triunfo aqui no dão nos narizes, não resta outra [alternativa] que lado, trabalhamos para o mesmo!”, clamava tem recuos e avanços alternados por parte de trevo de Cinco Señores e Periférico. Augustina e derrubar os muros”. Lorenzo não acreditam e se abraçam, e se vi- um para pedir sua libertação, que se conse- policiais e manifestantes. A PFP não consegue invadir o campus por via terrestre, mas lança ram para ver de novo se é que os tanques não A vitória na Batalha de Todos os Santos em 2 guiu finalmente com uma ligação de um es- bombas de gás em estudantes que dão o en- detém sua retirada para voltar e seguir com de novembro daria fôlego moral à resistência critório governamental à PFP e a intervenção frentamento na praça esportiva45. a batalha. Mas nada, os tanques, os membros contra a criminosa invasão da PFP. Na próxi- de outro policial: “Esse é nosso!”. da ‘Polícia Federal Repressiva’ e os helicópte- ma batalha campal, entretanto, as forças do

� A estratégia popular decisiva para a vitória ros já são uma pequena mancha que se perde Estado e as hordas de priístas se vingariam da Os chavos banda comandam a reação. Cele- se dá quando é lançada mão da tática de ro- a um quilômetro de distância”48. estrondosa derrota sofrida na porta da UABJO. bravam ruidosamente em zapoteco quando dear as tropas por vários lados, obrigando a A revanche desproporcional e sanguinária acertavam no meio dos tiras. “Estes guerreiros fuga da PFP pouco depois. “Foi um momento Alejandro Moreno da Revista Guillotina conta ocorreria no sábado 25 de novembro de 2006. índios luzem orgulhosos de seus estilingues da- incrível quando a polícia estava cercada – em que nos dias seguinte os soldados populares vidianos e sua temível pontaria, protegidos por um lado estavam os estudantes do campus, e são cumprimentados na rua pela vitória contra escudos multicoloridos com a estrela rebelde do outro estavam pessoas que vieram de fora a polícia. São numerosas as anedotas que nar- da APPO, à maneira apache como as tropas de para nos ajudar. A polícia ficou presa entre ram e lembram os atos de valor ou de solidarie- Francisco Villa”, conta Alejando Moreno Corzo, as duas multidões, então eles jogaram seis dade extrema. A moral está em alta, completa editor da revista Guillotina�. ou sete bombas ao mesmo tempo. Um fogo Carlos Beas Torres.

43 Ibidem. 46 DENHAM, Diana; C.A.S.A. COLLECTIVE, 2007, p. 200 44 Revista Proceso. Enfrentamiento de 8 horas entre la APPO y la PFP afuera de la UABJO: 62 heridos. 2 de novembro de 2006. 47 La Jornada, México. Medina Mora rechaza que la PFP haya sido derrotada; fue un “retiro táctico”. 3 de novembro de 2006. 45 Documentário La Batalla por la Radio Universidad. 48 OSORNO, Diego, p. 139. O TermIDor OAXAQUENHO

TODOS À 7ª Megamarcha Los caballos negros son. PARTIRÁ NO SÁBADO 25 DE NOVEMBRO ÀS 10H DA CASA DE GOVERNO LOCALIZADA EM SANTA Las herraduras son negras. MARÍA COYOTEPEC RUMO AO CENTRO DA CIDADE DE OAXACA, ONDE SE INSTALARÁ UM CERCO Sobre las capas relucen À POLÍCIA FEDERAL PREVENTIVA POR 48 HORAS. manchas de tinta y de cera. Tienen, por eso no lloran, MUITAS COMUNIDADES JÁ PARTIRAM DE SEUS LUGARES DE ORIGEM, PARA CHEGAREM de plomo las calaveras. MASSIVAMENTE A ESTA GRANDE MOBILIZAÇÃO. Con el alma de charol vienen por la carretera. SOLICITAMOS A TODOS OS CIDADÃOS DO MUNDO E DO PAÍS ESTAREM ATENTOS AOS Jorobados y nocturnos, ACONTECIMENTOS QUE POSSAM OCORRER. NOSSA LUTA, O QUE REITERAMOS MAIS UMA por donde animan ordenan VEZ, É PACÍFICA. ESTAMOS FAZENDO USO DO DIREITO QUE FAZ QUASE CEM ANOS, GRAÇAS silencios de goma oscura AO SANGUE QUE VERTIU MAIS DE UM MILHÃO DE PATRIOTAS, GANHOU O POVO DO MÉXICO, y miedos de fina arena. FAZENDO USO DO NOSSO LEGAL E LEGÍTIMO DIREITO A NOS MANIFESTARMOS QUE OS Pasan, si quieren pasar, GOVERNOS FASCISTAS HOJE QUEREM ANULAR DE FATO. y ocultan en la cabeza una vaga astronomía FORA PFP E ULISES RUIZ DE OAXACA 1 de pistolas inconcretas TODO O PODER AO POVO

ASSEMBLÉIA POPULAR DOS POVOS DE OAXACA2 188 189 12h4min Começa sem incidentes a 7ª Mega- que, quando nós estávamos iniciando a marcha, dos Povos de Oaxaca recorreu a maioria das estivemos tratando de reconhecer alguns que iam marcha pacífica convocada pela APPO eles meteram caminhões repletos de pedras no esquinas para fazer o cerco à PFP, os policiais, com o rosto tampado. Não conseguíamos saber

interior do zócalo. Aí já se estavam preparando mercenários e paramilitares posicionados quem era. Os pedimos que se descobrissem a oaxaquenho termidor O “Se supõe que a marcha era pacífica. Bem, pois para o ataque contra a APPO”. nos tetos de diversos prédios do Centro Histórico cara, mas não aceitaram. Sabíamos que andavam eu digo que assim foi porque em nenhum momento começaram a atirar bolas de gude e gás de infiltrados, já haviam feito várias pichações eu vi que levavam paus ou coisas assim (...) 15h23min A Megamarcha chega ao Centro His- pimenta e lacrimogêneo a nossos companheiros em alguns lugares e tratando de provocar tórico e caminha por todas as ruas de [do Cen- em diversos pontos, para provocar a agressão enfrentamento com pessoas da sociedade civil, Porque a marcha consistia, em, segundo... tro Histórico] Labatida e Bravo, para começar a generalizada que se desatou ao instante. com vizinhos. Então em toda marcha como que se rodear, plantar-nos nas ruas próximas ao zócalo” fazer o cerco à Polícia Federal Preventiva (PFP), deu uma situação um pouco tensa.”

que se encontra no zócalo. Os elementos da PFP (…) e então começaram a agressão, mas nós... O termidor oaxaquenho 13h22min A PFP subiu num edifício em frente já se prepararam para qualquer enfrentamen- mas com que? Eles vem, com suas botas, com seus 17h7min Começa a agressão da PFP contra os ao banco HSBC para jogar coisas nas pessoas. to. Os efetivos das Forças Federais de Apoio que coletes à prova de bala, com seu escudo, com manifestantes no Centro Histórico de Oaxa- Colocaram arames farpados com corrente elé- se encontram nos bloqueios colocaram másca- seu cassetete, seu capacete (um montão). Mas ca. Lançam gases lacrimogêneos e projéteis trica em algumas ruas. ras à prova de gás. nós, o que? Nada mais que as mãos, assim. O que ao contingente que está a uma quadra deles eu fazia era o que tinha… Havia conseguido uma realizando o cerco. Os manifestantes se man- 13h29min Reportam que uma caminhonete 15h45min Inicia a APPO a manobra para cercar luva dessas de couro, e tudo o que eu fazia era que têm ainda no lugar do ataque. Elementos da levou um jovem em Calicanto (se teme seu de- a PFP. quando eles jogavam um... projétil desses de gás, PFP estão colocados nos terraços lançando saparecimento). pues eu corria, o alcançava e atirava o [artefato de] [bombas de] gás lacrimogêneo na direção dos 15h52min A manifestação se mantém pacífica gás ao telhado, aos tetos dos edifícios para que às manifestantes. 13h46min Uma caminhonete preta leva duas e em bom ânimo. demais pessoas não as afetasse muito, não, o gás. pessoas na barricada Cinco Señores (se teme seu E, bem, assim esteve, assim esteve por duas horas e “E então foi quando, quando, eles também. desaparecimento). 15h57min A PFP ocupa a Avenida Independên- meia, três horas.” Iniciaram a agressão, então. Começaram a nos cia. A marcha segue cercando o zócalo. jogar, este, a lançar gás e essas coisas. E então, “Fora do centro a PFP era a que estava 16h26min Radio Universidad reporta que os pri- este, com o gás, este, sufoca muito horrivelmente.” fazendo detenções massivas, e fora do centro 16h A APPO começa o fechamento das esqui- ístas saíram do caminho, se escutam os rojões. as pessoas que conseguiam escapar, já era nas que conduzem ao zócalo. Inicia-se assim o “A PFP iniciou o ataque, mas sabemos que houve ordem do governo do estado.” cerco à PFP, que se encontra no primeiro qua- 16h47min Todo o centro está cercado pela gente infiltrada que respondeu a esse primeiro drante [do zócalo]. marcha. Instalaram-se barricadas, o ambiente ataque e que foi ele que ocasionou que a repressão “E pedras, eles tinham pedras nos estilingues. é um pouco tenso porque os priístas estão pro- fosse brutal contra nossa gente”. E sabemos pelo que disseram algumas pessoas 16h1min Chegam mensagens que priístas vão vocando verbalmente as pessoas. que vivem no centro que chegaram caminhões de agredir o cerco ao redor das 16h. “Isso não nos é estranho, no México já vivemos pedras, carregados completamente, “(…) gente infiltrada dentro de nossa marcha, um movimento muito forte em [19]68 e depois de uns caminhões, dizem que entraram, se supõe “Depois que a Comissão do Conselho Popular se viu desde o princípio que era gente infiltrada, 30 anos, 33 anos depois, o governo reconhece que 190 191 houve gente infiltrada do próprio exército dentro “Vínhamos todos apressados, empurrando- nos, governo. Já estávamos tratando de acalmar essas “Já estavam tentando avançar, os tanques estavam dos manifestantes que foram os que começaram no? Porque os disparos já vinham atrás de nós. pessoas, tratando de identificá-las e efetivamente se movendo para fora do zócalo. Todos corremos

os disparos. Mas isso teve que passar 33 anos Já não eram ao ar, eram, eram direto a quem foram do governo, há infiltrados no movimento.” porque tratávamos de buscar refúgio, mas de oaxaquenho termidor O para que eles aceitassem que todo esse massacre queriam. Dizia que eu corri com outro companheiro, alguma maneira eles conseguiram machucar muita que se viveu estava preparado por eles mesmos nada más, um senhor saiu ferido ferido de bala 17h56min – Entram os gases lacrimogêneos na gente porque os tanques não paravam, apesar de e seguem utilizando o mesmo método. Sabemos e, na perna. Todos gritávamos: “Um médico, um sede da Limeddh, no centro da cidade. Dezenas que as pessoas iam correndo na frente deles, eles que eles mesmos planejaram tudo.” médico!”, os médicos estavam dispersos como nós, de manifestantes tratam de aliviar a sensação jogavam os tanques em cima, as pessoas caiam e então companheiros o auxiliaram, o levaram ao de asfixia e de grande ardor que provoca o eles não se importavam”. 17h19min Há muito gás na Rua Alcalá, se soam [lugar mais] seguro.” gás lacrimogêneo, cobrindo-se com máscaras

os sinos em [a igreja de] Santo Domingo. reforçadas com vinagre branco, enquanto “Entram tanques por todos os pontos, por todos O termidor oaxaquenho 17h38min Os enfrentamentos estão se dando molham o rosto e os olhos com refrigerantes os ângulos do centro, inclusive pelas escadas 17h27min Continuam os elementos da PFP principalmente em [Rua] Reforma e García Vigil. gasosos. do [convento] do Carmen Alto, que aí não é uma lançando [bombas de] gases na esquina que dá rua livre, são escadas, por aí entrou um tanque. a Santo Domingo. Informa-se sobre um ferido 17h45min Segue o ataque da PFP com gases 18h3min – Em toda a zona leste da cidade e seus Estavam-nos cercando de tal maneira para não atingido por um projétil lançado pelos elemen- lacrimogêneos e bolas de gude. Se reportam bairros se sente ardor nos olhos e irritação na deixar ninguém escapar”. tos da PFP e seu deslocamento a um posto de mais feridos. garganta. Seguem enfrentamentos mais fortes assistência médica. Luis Emilio Enrique Sán- no centro. 18h18min Os elementos da PFP avançam, estão chez, de 22 anos, apresenta lesões múltiplas 17h54min Se intensificam os enfrentamentos chegando a Carmen del Alto. O ar está prejudi- no corpo, deslocamento do pescoço e provável no Centro Histórico. Dois casarões na rua 5 18h4min – Há confrontações em várias ruas cando as pessoas que a esta altura de Colón e fratura da uma costela esqueda, além de into- de Maio são incendiados. As ruas de Alcalá, 5 que cercam o zócalo, muita gente afetada pelos o gás está se acumulando muito fortemente. xicação por gases lacrimogêneos. de Maio, Murguía e Morelos estão totalmente gases. Se pede que as pessoas recuem porque cobertas por uma nuvem de gás lacrimogêneo em alguns pontos é impossível ver e respirar. 18h21min A partir de Santo Domingo, a PFP 17h32min Continuam os elementos da PFP a jogar o fumaça. avança por duas ruas até Santo Domingo e bombas de gás. O ar já é irrespirável. Faz-se um 18h8min – Se reportam a Limeddh sobre três estão realiza um cerco ao redor dos manifes- chamado aos médicos para apoiar no lugar dos “O gás era já bastante e isso que ainda não presos os quais se encontravam em um cami- tantes. Cercam Santo Domingo. acontecimentos. começara a batalha tão forte. Continuei até a rua nhão fugindo da PFP. de Alcalá mas quando eu chego a meia quadra 18h25min Os monitores da Limeddh se reagru- 17h37min A PFP está localizada na Igreja San antes de Alcalá já não se podia passar porque o gás 18h5min – Os elementos da PFP dispersam os pam atrás de Santo Domingo na Rua Alcalá. Felipe. não te permitia. Todas as pessoas iam correndo e manifestantes com tanques antimotim. Come- A PFP chega ao convento de Santo Domingo e voltavam outra vez, e corriam e voltavam”. ça a escurecer e a visibilidade se reduz ao míni- obriga a APPO a fugir; continuam os combates. 17h38min Se confirma que foi a PFP quem agre- mo com a mistura de fumaça, dos incêndios e diu à manifestação pacífica. Impressionou-me muito que começaram a queimar dos gases lacrimogêneos. 18h34min Os manifestantes estão se refu- os prédios em Oaxaca por parte de gente do giam em Santo Domingo e a PFP está agre- 192 193 dindo e segue avançando. A PFP continua seu 18h48min Se reportam dois presos, Isaí Padilla 19h8min A PFP regressa ao Zócalo da cidade. Cor- Simplesmente os levaram. Aí não pode dizer avanço sobre o cruzamento da praça Santo Tobón e outra pessoa de nome José. Também há rem rumores que a PFP tem os planos de atacar a que levavam ordens de apreensão porque não

Domingo. feridos localizados na Rua 71. Radio Universidad. Lançam-se chamados a refor- sabiam quem ia correndo na rua. E não estávamos oaxaquenho termidor O çar barricadas na Cidade Universitária. cometendo nenhum delito porque as pessoas o 18h36min A Limeddh, através de sua direção 18h49min Se reporta um ferido, um homem único que fazia era correr para sair do centro”. nacional, se comunica com a CNDH, Segob, que está tendo convulsões nos arcos do [cine- 19h10min Se informa de ao menos 40 detidos [Secretaria de] Segurança Pública Federal. clube] Pochote. levados ao zócalo. [Policiais] ministeriales pren- 19h13min Se reporta que a PFP está recuando Comunica-se com a PFP para pedir garantias dendo pessoas nas ruas. para o zócalo. Previamente queimam novamente de segurança, para que respeitem o trabalho 18h55min A PFP avança até o Pochote. Os in- o acampamento instalado em Santo Domingo.

do pessoal médico, dos defensores de direitos tegrantes da APPO retrocedem. Há relatos de “(…) corríamos para um lado e para o outro porque O termidor oaxaquenho humanos e os feridos. “pessoas” que a partir de táxis disparam gases nos avisavam que já se havia levado gente, e, 19h14min Enfrentamento na Rua Miguel Ca- aos manifestantes que estão fugindo. efetivamente, foram levadas muitas pessoas que brera, perto do Mercado 20 de Novembro. 18h40min Avançam em várias ruas os elemen- não estava dentro da manifestação tos da PFP até o centro de Oaxaca. Se utiliza um “Voltávamos a nos reunir e conseguíamos avançar 19h25min A APPO avança por Cinco Señores. veículo para colocar como barricada. O ar está outro pouco e voltavam a mandar os tanques e “Porque à altura do mercado Benito Juárez teve repleto de cinza pela poeira e os gases. volviam a fazer retroceder. gente que nos falou: ‘iam passando uns meninos 19h29min A PFP segue lançando gases no e os levavam’ ou ‘ia passando uma senhora e a Centro Histórico que estão chegando a toda a “E nós o que fazíamos era retroceder, pues. CCIODH: Contra quem atiravam? subiam’, diziam. ‘É que não era gente que estava cidade. Seguem os enfrentamentos. Íamos para trás, nos afastávamos deles e na barricada ou não era gente que esteve assim que se ia o gás regressávamos outra vez, “ Contra todas as pessoas do povo de Oaxaca. fazendo guarda, simplesmente iam caminhando 19h30min Há o temor de que a PFP tome o posto porque nossa intenção não era, não era cair na Porque não se pode dizer que eram todos pela rua’”. de socorro médico instalado fora do IAGO. A provocação. Bem, então assim estivemos e eles, integrantes da APPO. Simplesmente era uma Limeddh novamente pede garantias à Secreta- eles, seguiam fazendo e começaram a avançar, grande quantidade de gente que nesse momento “Para prender as pessoas que iam correndo, ria de Governo, de Segurança Pública Federal, e começaram capturar vários companheiros. tentavam sair do centro. A já marcha havia eles iam sobre a rua e elas subiam nos bancos, PFP, CNDH, para que se respeitem o trabalho E então, mas ainda assim nós não cedíamos, terminado. Tratávamos de sair do centro para e o que fez a polícia foi investir para fechar as do pessoal médico, dos defensores de direitos seguíamos aí no lugar.” nossas casa, no?Mas o centro estava totalmente pessoas que queriam sair correndo. Não posso humanos e os feridos. rodeado de policiais”. dizer quantas pessoas foram atropeladas nem 18h42min PFP ruma à Procuradoria quantas foram detidas, mas foram várias. As 19h38min Duas caminhonetes da polícia sem “Não houve nenhuma advertência de parte deles. cercaram. Os que havíamos conseguido, ou placas queimadas à altura de Cinco Señores 18h43min Os elementos da PFP se encontram Simplesmente estavam lançando gases e, de repente, seja, estávamos adiante, seguimos correndo. por provocadores em motocicleta. dentro de Santo Domingo e ao que parece eles começaram a disparar. Pensamos que é porque estava Mas os que estavam atrás, não sabemos os [policiais] ministeriales se movem em táxis e escuro já, já havia caído a noite, já havia pouca gente quantos atropelaram ou quantos prenderam, 19h39min Os manifestantes ficam rodeados disparam a partir deles. nas ruas, e já se sentiram com segurança de fazê-lo.” mas sim foram vários. em diferentes pontos e fortemente agredidos. 194 195 Segundo testemunhos os elementos da PFP muitas pessoas feridas. A PFP segue avançando protegeram muita gente. Aí, ainda há gente que nos jornal econômico El Financiero, hospitalizado tem armas e estão prendem muita gente. A PFP (não se confirmam os mortos). contou como saíram [os policiais] no outro dia. À por lesões.

atira contra as pessoas. A situação em Oaxaca noite, à tarde, buscavam veículos para tirá-los e oaxaquenho termidor O

“Mas assim recolheram as evidências, eu mesma vi é difícil e tensa. levá-los a suas casas, ou seja, houve muito apoio 21h58min Cinco caminhonetes grandes cheias como as recolheram. Creio que eram como seis”. das pessoas no sentido de guardar ao povo que de elementos da PFP armados saem do canal 9, 19h47min Se reporta o senhor Taurino Ojeda Cciodh: Recolheram os mortos? havia ido à marcha e à manifestação.” provavelmente para fazer rondas para seques- de 45 anos ferido por bala na perna esquerda. trar pessoas que se encontram por aí. Sim. Exploraram, jogaram até lá com a bazooka... 20h54min Na Avenida Chapultepec estão quei- Havia sangue, mas se colocaram a lavá-lo. “Houve vários disparos. Estava muito escuro. Não mando carros e caminhões. “E aí o que ocorreu foi que saímos todas as

víamos até onde iam, no? E gritando “um ferido, um Cciodh: E onde ocorreu isso? pessoas correndo para cima, saindo do centro. O termidor oaxaquenho ferido” (...) A essa hora já o que havia era a invasão 20h58min Policiais vestidos de civil atacam Aí estava aberto, e nesse momento veio uma T: Na esquina de Alcalá com Gómez Farias. É um para a detenção das pessoas, y durou boa parte da a estação de ônibus. Os turistas e as pessoas caravana de patrulhas da PFP, com suas insígnias cruzamento pequenino. Aí houve mortos, o qual no noite (...) a Polícia Federal Preventiva atirou contra que aí estavam correm em busca de refúgio. e tudo, eram PFP e investiram contra as pessoas.” governo disse... nós a uma distância muito curta, de menos de meia quadra, talvez.” CCIODH: Quantos? 21h5min A Assembleia Popular dos Povos de 21h35min Radio Universidad diz que pode ser Oaxaca pede que as pessoas recuem. que o Exército entre no local. T: Seis. 19h51min Se monta uma barricada à altura do Seguro Social de Oaxaca. CCIODH: Você sabe os nomes? 21h8min Se informa que a Segob lança uma 21h56min Policiais judiciários estão atacam advertência à APPO para que siga o protesto de mulheres de diferentes lugares. T: Não, eu estava escondida, quando vi os 20h Ao que parece os elementos de PFP tentam maneira pacífica ou entrará o exército armado mortos... De tanto ácido [misturado à água dos entrar no IAGO. Um monitor da Limeddh está para atuar contra a população, mensagem que 22h Tiroteio que dura dois minutos nas inter- tanques] (...) Uma senhora que vivia ali teve que com um ferido e se pedem garantias para seu a Secretaria fez chegar à APPO por meio de hie- mediações da faculdade de medicina da UABJO chamar o médico porque saiu para apagar a luz e transporte. rarcas da Igreja Católica. (não se têm mais dados). recebeu o gás.” 20h24min é informada que o Palácio Legis- 20h29min Seis caminhões de polícia se dirigem 21h9min Se reportam nove feridos por enfren- 22h48min Confirmação pelaRadio Universidad lativo está incendiando. Na Radio Universidad até a estação de ônibus ADO pela calçada da tamento estão a APPO e a PFP em Oaxaca. Entre de três mortos pelo tiroteio na faculdade de dizem que pela localização do Palácio pode ser República com tanques. Chamam à solidarie- eles três correspondentes nacionais, os quais medicina (a informação não foi confirmada) que seja por parte da PFP com a finalidade de dade dos vizinhos para proteger os integrantes são atendidos em dois centros médicas e clí- culpar a APPO. A PFP vai ao [parque] El Llano e da APPO. nicas, instalados no IAGO e na Igreja dos Sete “Houve um momento em que na Radio prende muita gente. Oito pessoas informam. Príncipes. São seis os imóveis e três os automó- Universidad fizeram um chamado que as pessoas Uma correspondente da Radio Universidad re- 20h32min A PFP invade casas. veis incendiados. O fotógrafo Amaury Guadar- retrocedessem às escolas universitárias. O porta à rádio que há mortos, que a PFP está ati- rama da agencia Cuartoscuro é brutalmente que aconteceu na Escola de Medicina, nossos rando diretamente contra as pessoas e que há “Nas casas de todas essas vilas de cima agredido. Virgílio Sánchez correspondente do companheiros foram testemunhas de como 196 “bloquearam os homens que iam chegando para se esconder na Escola de Medicina porque já havia uma caminhonete de policiais judiciários esperando-os. E sabemos que conseguiram levarem os corpos, em 25 de novembro.”

“Um dos feridos ficou aí atira, ao que puderam resgatar ,mas aos outros jovens já não os puderam resgatar.”

O termidor oaxaquenho “Também temos testemunhos das enfermeiras do ICE e do Hospital Civil, que aí chegaram os policiais judiciários tratando de tirar as pessoas que estavam feridas. Eu tenho uma comadre que trabalha no Hospital Civil e assegura que o diretor tirou rapazes que chegam lesionados, que ele os levou. Temos tratado de investigar, por meio dela, mas foi muito pouco o avanço porque têm medo, as pessoas não querem falar por medo. Talvez algum dia depois de 33 anos, como aconteceu em [19]68”. 199 No primeiro semestre de 2009, o movimento social oaxaquenho comemora vitórias parciais na luta la lucha sigue contra a criminalização. Em 21 de abril o jovem ativista David Alebrije Venegas – conselheiro da APPO representando as barricadas – foi inocentado das acusações de “posse com hipótese de venda de cocaína” que o deixaram preso por quase um ano entre 2007 e 2008. A campanha pela liberdade do Alebrije recebeu apoio internacional, prova do repúdio ao forjamento de crime ligado ao narcotráfico. A tipificação de seu caso como delito comum demonstra de que se tratava de um recurso do Estado para encobrir o que de fato representava seu processo: uma retaliação por crime de consciência.

No momento em que escrevo estas últimas linhas, recebo a notícia de que acabavam de ser liberta- dos, após dois anos e sete meses de prisão, os últimos presos políticos detidos durante a mobilização de 2006, os professores Víctor Hugo Martinez Toledo e Miguel Ángel García. Ambos estavam reclusos desde 3 de novembro de 2006, sob a acusação de roubo de veículo. Dada a falta de provas, a denúncia foi “substituída” por “violação e tumulto”, crime de que se encontram finalmente inocentados.

Há, ainda, um caso pendente relacionado a 2006. No último dia em que estive na capital Oaxaca de Juárez, participei de uma atividade pela liberdade de Juan Manuel Martínez Moreno, membro da APPO, que se encontra recluso desde o dia 18 de outubro de 2008. O acusam de ser o assassino de Brad Will. Outros oito integrantes da Assembleia Popular estão sendo responsabilizados por uma suposta participação no caso, entre eles Miguel Cruz Moreno do CIPO-RFM. A infâmia da incriminação é ina- creditável. As imagens em vídeo gravados pela própria vítima e fotografias registram claramente o estadunidense sendo atingido frontalmente por apenas um tiro no abdome. O atestado de óbito, no entanto, aponta que houve uma outra perfuração de bala, esta em suas costas. A autoria do segundo disparo está sendo imputada aos participantes da APPO. O atirador seria Martínez Moreno.

Quando me despedi da cidade, sai perturbado pela imagem de angústia e indignação da família, dos amigos e compañeros de Juan Manuel Martínez Moreno. No dia 15 de dezembro de 2006, era realizado um ato de jejum por 12 horas como protesto pela injusta prisão. O professor Martínez Vásquez pro- feriu algumas palavras de solidariedade aos presentes. O acadêmico da UABJO comentou sobre a dolorosa situação daqueles que, nas festas de fim de ano que se aproximavam, não poderiam contar com a presença de seu ente querido. No fim de 2006, foram centenas as famílias oaxaquenhas que vivenciaram o mesmo pesar.

A onda repressiva do tenebroso ataque da paramilitar e policial no dia 25 de novembro de 2006 se 200 201 prolongaria pelos dias seguintes. O relatório da CCIODH aponta o total de 176 presos entre aquela canadense Fortuna Silver Mines e Continuum Resources Ltda. denunciando a destruição ambiental data e o dia 30. Em 27 de novembro, 141 detentos – inclusos dois menores de idade – foram enviados a realizada pelas atividades da companhia. O resultado foi de mais de duas dezenas de presos e um presídios federais de segurança no estado de Nayarit (distante 1,6 mil km de Oaxaca). São inúmeros os número indeterminado de feridos. testemunhos de torturas, espancamentos e inúmeros outros tipos de humilhação. Ante tamanha bru- talidade, a APPO passou a centrar suas ações exigência na libertação dos companheiros encarcerados. A liberdade aos presos políticos e o fim da repressão estão entre os principais eixos aprovados pelo II Congresso da Assembleia Popular dos Povos de Oaxaca, realizado entre os dias 20 e 22 de fevereiro de Todavia a repressão segue implacável até hoje em todo estado. A estratégia do governo Ulises Ruiz 2009. Os outros são a reorganização e rearticulação da APPO, e a luta contra os projetos privatizantes. para impedir qualquer possibilidade de novo levante passou a ser a repressão seletiva contra alguns quadros destacados do movimento oaxaquenho. Ainda que sob este estado de exceção, a Assembleia Popular avança em sua reorganização. Os 702 delegados e conselheiros se declararam em luta pela liberdade organizativa e a independência frente Rubén Valencia foi uma das vítimas. O conselheiro da APPO na região do era ao Estado e os partidos políticos. Ressalta-se ainda que o programa anti-capitalista, anti-imperialista uma das pessoas com as quais eu havia mantido contato antes de ir a Oaxaca. Tínhamos uma entre- e anti-neoliberal da “assembleia de assembleias” somente poderá ser realizado através da ruptura do vista marcada com antecedência, seria no início de dezembro. De última hora e sem maiores explica- regime e a instalação de um governo popular. Reafirmaram a unidade entre os diferentes setores do ções, o militante do coletivo Vocal me avisou que não seria possível confirmar a atividade agendada. movimento e o não reconhecimento ao questionado presidente Calderón e ao governador Ruiz. Disse que teria que evitar de circular nas ruas por questões de segurança, por isso pensava que seria melhor cancelarmos o encontro agendado. Em janeiro de 2009, já no Brasil, recebo a notícia de que É imprescindível, a partir das deliberações do II Congresso, que os setores organizados que ainda Rubén Valencia fora atingido por duas facadas por um homem desconhecido que o seguiu na rua. reivindicam a APPO levantem um programa que dê respostas às demandas das bases populares que Fortuitamente, as punhaladas, ainda que não fatais, demonstram que a tentativa de homicídio de a ergueram ao status de Estado-maior popular em 2006. A crise que varre a economia mundial, asso- Rubén é mais um exemplo da tentativa de intimidação contra o movimento social. ciada a situação de descrédito das instituições do país frente a sua incapacidade intrínseca de resolver desequilíbrio estruturais (como a escalada de poder do crime organizado e a corrupção generalizada) No início de março, o professor Marcelino Coache Verano, também Conselheiro da APPO, foi captu- abre espaço para uma resposta organizada e contundente das massas em movimento. rado na saída de uma reunião sindical. Nas horas que se seguiram, Verano sofreu torturas físicas e psicológicas até ser liberado na madrugada seguinte, a 30 km da capital. Durante as sessões de terror, Frente à inconsistência dos projetos apresentados pela esquerda existente (PRD, EZLN e grupos guer- os agressores enfatizavam que seu sofrimento era uma retaliação por sua participação política. Duas rilheiros), surge para a APPO a possibilidade de original e criativamente mostrar o caminho da auto- semanas depois, seu filho foi alvo de ameaças ao voltar da escola. organização autônoma como exemplo de combate consequente contra o sistema de expropriação da vida imposto pelo capital. No mês de abril foi assassinada, com um tiro a queima roupa, a simpatizante da APPO e dirigente do PRD na região da costa oaxaquenha, Beatriz López Leyva. A militante vinha denunciando publica- mente irregularidades da administração municipal do PRI em San Pedro Jicayán.

No mês seguinte, foi pesadamente reprimida uma mobilização de comunidades indígenas contra a atuação de uma mineradora transnacional que opera no município de Ocotlán. Os zapotecos sofre- ram violenta incursão de forças federais e militares quando bloqueavam a entrada da subsidiária da 203 Maio 01 No Dia do Trabalhador, o Setor 22 entrega ao cronologia governador a pauta de reivindicações da cate- goria na data-base dos docentes.

15 Magistério realiza marcha do Dia do Profes- sor.

22 Frente à falta de resposta do governo es- tadual às pautas do Setor 22, começa a greve dos professores com acampamento no Centro Histórico

31 Ulises Ruiz determina o prazo até 5 de junho para o retorno às salas de aulas, caso contrário, haverá desconto no salário

junho 02 Acontece a 1ª Megamarcha com a presença de 150 mil pessoas.

07 A 2ª Megamarcha arrebata 200 mil às ruas de Oaxaca.

14 Desocupação violenta no zócalo, professores e povo unidos recuperam a praça pela manhã. Estudantes ocupam Radio Universidad

15 Na 3ª Megamarcha o número de participantes é de 500 mil.

17 e 20 Construção da 1ª Assembleia Popular do Povo de Oaxaca

28 À 4ª Megamarcha assistem 1 milhão de pessoas. 204 205 joulh 02 Eleições nacionais para presidentes, sena- setemo br 22 Começa a “Marcha Caminata pela Dignidade do dores e deputados federais. O “voto de punição” Povo de Oaxaca – 14 de junho não se esquece” convocado pela APPO derrota o PRI em Oaxaca. 23 5ª Megamarcha 07 Expedidas ordens de prisão contra dirigentes do Setor 22 e da APPO. outubro 09 A Marcha Caminata chega à capital federal. 11 Destituídos secretários do primeiro escalão do governo estadual. 11 Comissão do Senado visita Oaxaca para ana- lisar a solicitação sobre o desaparecimento de 17 Cancelada a Guelaguetza oficial poderes solicitado pela APPO.

24 Realização da Guelaguetza Popular Alter- 16 Começa a greve de fome com 21 participan- nativa da APPO, grátis e com a participação de tes que participaram da Marcha Caminata. 20 mil. 19 O Senado nega a ingovernabilidade em Oa- xaca.

agosto 1 Ocupação do canal 9 e das instalações da 27 Professores decidem pela volta às aulas. CORTV, emissora televisão e rádios do governo Sequencia de ataques de paramilitares mata do estado. três pessoas.

8 Primeiro assassinado do movimento: Marcos 29 A Polícia Federal entra em Oaxaca García Tapia – professor da UABJO.

21 Disparos à bala contra antenas da CORTV. novembro 02 Vitória da APPO na Batalla de Todos los Santos. O povo impede a PFP de entrar no campus da 22 Ocupação de todas as emissoras de rádio UABJO. comerciais da capital Oaxaca. 13 e 15 Congresso Constitutivo da APPO 23 Levantamento das primeiras barricas. 25 Brutal repressão contra manifestação que propunha um “cerco” de 48 horas à PFP no zócalo AEPF Associação Estadual de Pais de Família CNTE Coordenadoria Nacional de PPP Plano Puebla-Panamá 207 Trabalhadores na Educação siglas AI Anistia Internacional PRD Partido da Revolução Democrática Codep Comitê de Defesa dos Direitos do Povo AMLO Andrés Manuel López Obrador PRI Partido da Revolução Institucional Coplade Coordenação de Planejamento e ASARO Assembleia dos Artistas Desenvolvimento do Governo do Estado de OIDHO Organizações Índias por Direitos Revolucionários de Oaxaca Oaxaca. Humanos em Oaxaca

APPO Assembleia Popular dos Povos de CROC Confederação Revolucionária Operária e ORO Organização Radiofônica de Oaxaca Oaxaca Camponesa RODH Rede Oaxaquenha de Direitos Humanos CCL Conselho Central de Luta CORTV Corporação Oaxaquenha de Rádio e SNTE Sindicato Nacional dos Trabalhadores Televisão CMDH Comissão Magisterial de Direitos da Educação Humanos EZLN Exército Zapatista de Libertação TEPJN Tribunal Eleitoral do Poder Judiciário da Nacional Cocei Coordenadoria Camponesa e Estudantil Nação do Istmo FIDH Federação Internacional dos Direitos UABJO Universidade Autônoma “Benito Humanos CCIODH Comissão Civil Internacional de Juarez” de Oaxaca Observação dos Direitos Humanos Limedh Liga Mexicana por la Defensa de los UNAM Universidade Nacional Autônoma do Derechos Humanos Compa Coordenadoria Oaxaquenha Magonista México Popular Anti-neoliberal Multi Movimento Unificado de Luta Triqui Vocal Vozes Oaxaquenhas construindo Independente CIDH Comissão Interamericana de Direitos Autonomia e Liberdade Humanos Nafta Tratado de Livre Comércio da América do Norte (North American Free Trade CIPO-RFM Conselho Indígena Popular de Agreement, em inglês) Oaxaca “Ricardo Flores Magón” FPR Frente Popular Revolucionária CIRT Câmara da Indústria de Rádio e Televisão PAN Partido Ação Nacional CNDH Comissão Nacional de Direitos Humanos PFP Polícia Federal Preventiva refêrencias livros 209 bibliográficas História Mexicana

Pré-colombiana

SÉJOURNÉ, Laurette. América Latina I: antiguas culturas precolombianas. México: Siglo XXI, 1981.

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músicas

AUTOR DESCONHECIDO. El Charrismo Morirá.mp3. In: Musicas del Movimiento. Radio Plantón – Otra Vez al Aire. Oaxaca: RADIO PLANTÓN, 2007. DVD-ROM.

TAPACAMINO. Son de La Barricada.mp3. In: Musicas del Movimiento. Radio Plantón – Otra Vez al Aire. Oaxaca: Radio Plantón, 2007. DVD-ROM.

Documentários

BATALLA por la Radio Universidad. Juán Batista (direção e câmera) Ray (edição) La Jornada TV, La Otra Tele (realização). Espanhol, 8min. Disponível em: . CONTRA LA ENTRADA de la PFP. Coletivo Mal de Ojo TV (direção, produção, roteiro e realização). 20min, espanhol. GRANITO DE ARENA (Grain of Sand). Direção: Jill Freiderg. Produzido por Corrugated Filmes. México, EUA: Corrugated Filmes, 2005. 1 DVD (62min), widescreen, color. OCUTUBRE NEGRO en Oaxaca. México: Mal de Ojo TV, 2006. 1 DVD (55min), widescreen, color. Produzido por Mal de Ojo TV. SÍGUEME CONTANDO - Sonidos de la Lucha Oaxaqueña. Emilia López Guzmán, Yinh Law, Luzkemada, Cesol (direção, produção, roteiro e realização). México, 2008. 65min, espanhol. Disponível em:. U m levante popular em pleno século tadual e federal. A Comuna de Oaxaca XXI, mais precisamente no ano de 2006. surge numa década marcada pelo pro- Ocorrido no mesmo país em que houve tagonismo dos movimentos sociais no a primeira Revolução do século XX, o subcontinente latino-americano. Parte México, e outra vez ao sul. A violenta desses processos de mobilização popu- investida de tropas policiais contra a lar culminam na eleição de presidentes greve de professores e o descontenta- com histórico de militância ligados à mento da sociedade contra um gover- esquerda. E em Oaxaca, quem “lidera” nador corrupto e autoritário gera uma as massas? A resposta – decepcionante insurreição generalizada contra todas para alguns e animadora para outros – é as esferas dos poderes municipal, es- ninguém. Ou melhor, todos.