Cinema Brasileiro E Futebol – 70 Anos Driblando a Precariedade
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Cinema brasileiro e futebol – 70 anos driblando a precariedade Adriano Messias de Oliveira∗ [email protected] Futebol e cinema são fenômenos da soci- trar intenções de se colocar a imagem em edade moderna, e representam valores cultu- movimento na Renascença, chegando-se às rais, sociais e econômicos que estão presen- pesquisas na área da física (cinemática) nos tes entre nós desde o final do século XIX. séculos XVIII e XIX. Era um momento em Apesar de o futebol ter origens milenares que os cientistas, empolgados com invenções (há quem diga que rudimentos desta prática como a da fotografia (entenda-se daguerreo- esportiva podem ser encontrados na China tipia), acreditavam ser possível criar-se en- há 5.000 anos) e ter perpassado parte da genhocas que pudessem simular os movi- Idade Média com uma configuração bem se- mentos. Em breve, máquinas – dentre elas, a melhante à atual, foi apenas a partir do sé- mais famosa foi o cinematógrafo dos irmãos culo XVIII, na Inglaterra, que ele ganhou Lumière – captavam as nuances da vida no forma e regras mais definidas, tendo seu vi- planeta. Estava o cinema inventado e, daí gor instaurado a partir do início do século para se tornar um meio de comunicação po- XX. O cinema também tem origens secula- deroso, foi questão de uma ou duas décadas e res, e tem remotíssimas afinidades, segundo o investimento de muitos pesquisadores, co- alguns, com práticas chinesas como a da lan- merciantes, atores e industriais em diferen- terna mágica, em que figuras eram projetadas tes países. Assim como o futebol, o cinema por meio de uma tela atrás da qual um foco terá seu desenvolvimento acelerado a partir de luz existia. Posteriormente, vamos encon- do início do século passado. O cinema, no decorrer desta sua histó- ∗Graduado em Letras e Jornalismo, Mestre em Comunicação Social com ênfase em Cinema pela ria de pouco mais de um século, trabalhou UFMG. Professor universitário e pesquisador em São com temáticas esportivas, dentre elas o bei- Paulo. Tem diversos livros publicados, além de arti- sebol, o basquetebol, o futebol americano e gos no Brasil e no exterior nas áreas de cinema, teo- as próprias olimpíadas. Cerca de 4.000 fil- rias do jornalismo e mídia em geral. Viveu nos EUA, mes já foram produzidos em todo o mundo quando cobriu o atentado ao World Trade Center para jornais impressos mineiros. Escritor infanto-juvenil e sobre esportes os mais diversos. Sempre tradutor de livros de comunicação, sobretudo da Uni- houve situações em que o cinema e o fute- versidade de Navarra – Espanha, para a língua portu- bol estiveram presentes concomitantemente guesa. – o maior exemplo, com certeza, são as co- 2 Adriano Oliveira pas do mundo, em que o cinema tem atuado zes, em meio à escassez de todo tipo de re- na função de documentar, sobretudo. cursos – técnicos, financeiros, humanos. Na Não faltam ídolos cuja biografia renderia realidade, poucos filmes foram feitos tendo um belo longa-metragem, seja no futebol, o futebol no centro das atenções, se levarmos no vôlei, na natação. E os esportes, por si em consideração outros temas igualmente re- só, já servem como pano de fundo para se presentativos de nossa cultura. Sempre de- criar uma boa trama. Nos Estados Unidos, mos um valor maior a filmes que retratas- cada vez mais crescem essas produções. Lá, sem reconstituições criminalísticas, adapta- além da verba mais elevada do que a brasi- ções literárias e dramas urbanos, por exem- leira para a produção de filmes, a presença plo. Porém, isso não é motivo para descar- de diversificadas modalidades esportivas no tarmos a possibilidade de olharmos as aven- cinema também é maior. Boxe, futebol ame- turas do cinema brasileiro em relação ao fu- ricano e beisebol, principalmente, roubam a tebol. Dentre os filmes que foram realizados cena. “O esporte é a vida no limite, tem forte sobre este esporte, alguns são documentários carga dramática. Acho que aqui no Brasil – dentre estes, há os que se destacam pela falta é vontade. Histórias, temos de sobra”, excelente qualidade -, outros são filmes que afirmou o diretor Ugo Giorgetti em uma de ficcionaram a vida de jogadores ou tentaram suas entrevistas. Sabemos que em qualquer mostrar os altos e baixos de quem escolheu país em que este jogo seja muito popular, o futebol como carreira. como Argentina, Itália e México, a filmogra- Talvez na época das chanchadas, lá pelos fia sobre futebol é escassa, talvez pelo fato de anos 40, ou quem sabe nos anos 70, com fil- outras mídias já trabalharem exaustivamente mes populares como os dirigidos por Amá- o esporte. cio Mazzaropi ou ainda com as pornochan- O cinema nacional, porém, não deixou de chadas, e, recentemente, com a retomada do retratar o “futebol à brasileira” em documen- cinema brasileiro (a partir de 1993, sobre- tários, curtas-metragens e longas de ficção tudo) é que a aproximação de nosso público com boa ou suspeita qualidade. O objetivo com o cinema nacional foi mais forte. Tem- deste artigo é oferecer um panorama sobre se de admitir que a paixão pelo futebol é bem o cinema brasileiro tendo o futebol como maior do que a paixão do brasileiro pelo seu tema recorrente em seu histórico. Lamenta- cinema. Contudo, isso não impediu que o ci- mos a escassez de material bibliográfico so- nema – meio de comunicação potente e que bre este assunto, o que nos levou a discorrer trabalha muito bem com nossos valores cul- em grande parte do texto a partir de conhe- turais e com o imaginário coletivo – trou- cimento que temos acumulado no decorrer xesse filmes cuja temática focalizasse o fu- de nossas pesquisas, o que não inviabilizou, tebol, como já mencionamos. contudo, algumas referências para consulta Entretanto, devido ao oportunismo com na página final. que muitas vezes o cinema brasileiro enca- Inicialmente, podemos dizer que futebol e rou o futebol, encontramos filmes irregulares cinema brasileiro nunca foram grandes ami- e alguns difíceis de serem alugados nas loca- gos nesse percurso em que nossa cinemato- doras. As mais das vezes, existem as famo- grafia tentou sobreviver, na maioria das ve- sas coletâneas dos melhores momentos das www.bocc.ubi.pt Cinema brasileiro e futebol 3 copas do mundo, em especial após a popula- rei Pelé, de Carlos Hugo Christensen (1963). rização do vídeo-cassete (1985 em diante), Em 1974, surgiu o documentário Isto é Pelé, que perdem em qualidade para atingir um de Luiz Carlos Barreto, mostrando a carreira público momentaneamente febril pelo cam- do já consagrado atleta. Pelé contra os trom- peonato e consumidor em potencial de qual- badinhas (ou, simplesmente, Os trombadi- quer coisa que lhes remeta à seleção canari- nhas - Anselmo Duarte, 1979, com argu- nho. mento do próprio jogador), Fuga para a vi- Porém, há um filme que pode ser conside- tória (1981) e Pedro Mico (Ipojuca Pontes, rado o marco inaugural da presença do fu- 1986) antecederam Hot shot (1986), em que tebol em nossa cinematografia. Em 1932, o esportista desempenha o papel de um jo- quando o cinema nacional já era sonorizado, gador que trabalha com o ensino do futebol. ocorre a primeira grande referência fílmica Em Pelé contra os trombadinhas, filme bem sobre o futebol no Brasil: Campeões do Fu- intencionado, mas que foi um fracasso, ele tebol, de Genésio Arruda, escrito pelo poeta aparece como treinador de um grupo de cri- Menotti del Picchia, que realizou uma home- anças carentes. No filme, há cenas de per- nagem aos grandes craques da época, como seguição em corredores de favelas nas quais Friendreich, Feitiço e Tuffy. Desta forma, Pelé dispensou dublês. O protagonista pilota a relação do cinema brasileiro com o fute- uma Caravan bege zero quilômetro, coquelu- bol estaria formalizada em um período não che da época. maior do que 70 anos. Em Pedro Mico, baseado na peça teatral Em 1938, o filme Futebol em Família, di- de Antonio Callado e ambientado nos mor- rigido por Rui Costa, foi visto por milhões de ros do Rio de Janeiro, está talvez sua melhor pessoas em um país que ainda estava por ou- performance como ator. Em 1981, dirigido vir no rádio as partidas da Seleção Brasileira por John Houston, Pelé atuou em Fuga para na Copa da França. Dentre os personagens, a vitória (Escape to victory), ao lado de Syl- havia um professor que odiava futebol (o que vester Stallone, Max Von Sydow e Michael é bem significativo, pois parte da intelectua- Caine. O enredo deste filme trata de um jogo lidade brasileira sempre considerou o fute- de futebol promovido por nazistas contra pri- bol algo menor), e que tem de conviver com sioneiros aliados, ocasião que promove uma o fato de que o filho estudante de medicina oportunidade de fuga. Este é considerado o tornara-se artilheiro do Fluminense. único épico hollywoodiano sobre futebol à Porém, dando um salto no tempo, quando brasileira (soccer). pensamos em futebol e cinema, vem-nos à Pelé trabalha com a turma de Renato Ara- mente nosso maior ícone futebolista, Edson gão em Os Trapalhões e o Rei do Futebol, Arantes do Nascimento, o Pelé, que se aven- de 1986, filme dirigido por Carlos Manga. turou como ator em mais de dez longas- No enredo, os amigos Cardeal, Elvis, Fumê metragens. É com ele que iniciamos este e Tremoço são faxineiros e roupeiro, respec- breve passeio por algumas obras que selecio- tivamente, no Independência Futebol Clube. namos dentre outras e que, a nosso ver, con- Por causa da disputa de poder entre os carto- seguem, bem ou mal, representar nossa es- las doutor Velhaccio e Barros Barreto, o téc- tima pelo futebol. Seu primeiro filme foi O nico do time é demitido e, por acidente, Car- www.bocc.ubi.pt 4 Adriano Oliveira deal (Renato Aragão) é escolhido para trei- 1958 e 1962.