Rompendo Um Ciclo Vicioso PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL E a AMEAÇA EMERGENTE ORIUNDA DAS PRISÕES NO BRASIL
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Rompendo um ciclo vicioso PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL E A AMEAÇA EMERGENTE ORIUNDA DAS PRISÕES NO BRASIL RYAN C. BERG MARÇO DE 2020 AMERICAN ENTERPRISE INSTITUTE Sumário executivo m apenas alguns anos o Brasil emergiu como um transnacionais do pais, muitos dos quais têm Edos principais corredores do crime organizado suas origens nas perigosas e superlotadas prisões transnacional na América Latina. Os decisores políti- do país. cos brasileiros reagiram à insegurança generalizada do país e à crescente criminalidade construindo prisões e • O PCC tomou forma em São Paulo no inicio dos adotando uma política de encarceramento. Entretanto, anos 1990, quando os prisioneiros se organi- ao invés de manter os brasileiros a salvo dos crimino- zaram contra as precárias condições carcerárias, sos violentos, as prisões estaduais e federais do país para impor ordem e preservar vidas. Com o têm gerado, incubado e se tornaram a sede operacional tempo, o PCC desenvolveu uma capacidade de de um dos grupos do crime organizado transnacional projetar sua influência e controle bem além dos que mais crescem e ameaçadores da América Latina: muros das prisões, espalhando-se pelas vastas o Primeiro Comando da Capital (PCC). Além de trafi- favelas urbanas do Brasil. car drogas e armas e de se envolver assaltos a bancos de alto nível, o PCC construiu uma estrutura adminis- • O PCC venceu muitos de seus rivais domésti- trativa extremamente funcional para sua governança cos, tem uma presença em cada estado no Bra- interna, ampliou seu controle para além dos muros das sil, realiza operações em quase todos os países prisões para fornecer ordem aos vastos territórios des- da América do Sul e tem hoje uma mentalidade governados do Brasil, realizou ataques sincronizados mais global do que nunca, recrutando guerrilhas altamente eficientes contra a infraestrutura pública e das Forças Revolucionárias Armadas da Colôm- continua a influenciar a política eleitoral do Brasil. O bia e refugiados venezuelanos, fazendo parcerias rápido crescimento do PCC em toda a América Latina com grupos mafiosos europeus e com o Hezbol- indica as prisões como um nó importante no cenário lah libanês. mutável do crime organizado na região. O PCC é imune ao encarceramento e tem conver- • Estratégias de ordem pública que “abarrotam” tido as prisões brasileiras de impedimento potencial as superlotadas prisões brasileiras com novos do crime em multiplicadores do crime. O desmantela- prisioneiros podem realmente exacerbar o prob- mento dos grupos do crime organizado no Brasil só lema, considerando que o PCC tem efetiva- tem início com o ato de encarceramento, em vez de mente convertido as prisões do país em centros terminar com ele. Considerando a ausência de orga- logísticos e de treinamento de atividades ilícitas. nizações criminosas poderosas na Argentina, Bolívia, Chile, Paraguai e Uruguai, sem esforços significativos • Para desmantelar o PCC, os EUA e o Brasil para combater o PCC, este está pronto para continuar devem desenvolver uma parceria anticrime seu crescimento explosivo e se tornar um dos grupos abrangente para as Américas que possa reverter do crime organizado mais dominantes da América as operações transnacionais do PCC. Os EUA Latina desde o Cartel de Cali. deveriam designar o PCC como um grupo do crime organizado transnacional para discutir os • Muito da mortal violência urbana no Brasil é o benefícios de diversos atos legislativos e buscar resultado direto de batalhas territoriais envol- a extradição de seus principais líderes. vendo os poderosos grupos do crime organizado 1 Foto da capa: O líder da organização criminosa brasileira Primeiro Comando da Capital (PCC) Marcos Camacho, conhecido como Marcola, é escoltado antes de embarcar em um helicóptero, depois de ter recebido assistência médica em um hospital em Brasília, em 21 de janeiro de 2020. Foto de Sergio Lima/AFP, através da Getty Images. © 2020 pelo American Enterprise Institute. Todos os direitos reservados. O American Enterprise Institute (AEI) é uma organização educacional não partidária e sem fins lucrativos 501(c)(3) e não assume posições institucionais sobre nenhum assunto. As opiniões expressas neste instru- mento são exclusivamente do(s) autor(res). 2 Rompendo um ciclo vicioso PRIMEIRO COMANDO DA CAPITAL E A AMEAÇA EMERGENTE ORIUNDA DAS PRISÕES NO BRASIL Ryan C. Berg Brasil é um país extremamente violento na do crime organizado transnacionais no número estar- O região mais violenta do mundo.1 Nas três déca- recedor de homicídios do país. Bolsonaro prometeu das entre 1980 e 2010, o país registrou mais de um uma resposta dura ao crime organizado, uma aborda- milhão de homicídios.2 Para ter uma ideia dessa per- gem que soa bem aos ouvidos dos brasileiros cansados spectiva assustadora, é mais do que a quantidade de dos crimes violentos e da eterna insegurança. Na cam- mortos dos 12 conflitos armados mais sangrentosdo panha eleitoral, ele prometeu “encher as prisões de mundo durante o mesmo período.3 criminosos.”8 Entretanto, essa abordagem de longo Muito dessa violência é alimentada por confron- prazo de combate ao crime, encarcerando membros tos entre os grupos do crime organizado do Brasil. A das gangues e aumentando rapidamente a população recente ruptura de uma trégua de quase 20 anos entre prisional do Brasil, contribuiu para um conjunto de as maiores facções criminosas do Brasil e as disputas novos e preocupantes desafios, primeiramente para o territoriais resultantes contribuíram para o ano mais Brasil e, agora, para as regiões circundantes também. mortífero registrado, em 2017, quando o Brasil reg- Ironicamente, o sistema penitenciário, uma insti- istrou mais de 63.000 homicídios.4 Essa carnificina tuição criada para manter os brasileiros a salvo de coincidiu com a emergência do Brasil como um dos criminosos violentos, tem gerado, incubado e ser- principais corredores do crime organizado e tráfico vido como sede operacional de um dos grupos do de drogas da América do Sul, semelhante ao norte do crime organizado transnacionais mais poderosos e México.5 Relatório Mundial sobre Drogas do Escritório sui generis: o Primeiro Comando da Capital (PCC). das Nações Unidas sobre Drogas e Crimes identificou o Nascido no sistema prisional do Brasil, o PCC é brasil como um dos mais frequentes pontos de partida imune ao encarceramento. Ele transformou as vul- de envio de cocaína para diversas regiões do mundo.6 nerabilidades das prisões do país em importantes Nessa atmosfera, a violência se tornou tão infiltrada trunfos organizacionais tanto no ambiente interno que jovens das áreas controladas por gangues desen- como externo das prisões.9 Seus principais líderes já volveram métodos inovadores para escapar de ameaças estão por trás das grades, mas continuam a coman- de morte iminentes, como filmando sua conversão ao dar e exigir lealdade nas ruas, executando operações cristianismo no YouTube e suplicando pela intervenção globais impunemente. dos pastores evangélicos locais.7 A presença do PCC, juntamente com a dos gru- Embora a epidemia de violência no Brasil tenha pos rivais, converteu o sistema prisional do Brasil dominado seu recente discurso político ( juntamente em um dos centros do crime organizado mais impor- com a onipresença da corrupção), o atual presidente tantes no cenário da América Latina. As prisões do do Brasil, Jair Bolsonaro, enfatizou o papel dos grupos Brasil não é um impedimento para o crime, mas um 3 ROMPENDO UM CICLO VICIOSO RYAN C. BERG multiplicador de crimes e insegurança, os poucos que o Brasil sofreu uma de suas maiores explosões de conseguem liberdade condicional, muitas vezes, vol- violência prisional. Durante a ação da polícia militar tam à sociedade graduados em criminalidade e vincu- para acabar com a rebelião, foram executados 111 pri- lados a grupos do crime organizado. sioneiros na prisão Carandiru.13 No ano seguinte, oito As organizações sediadas nas prisões, como o prisioneiros da prisão de Taubaté, no estado de São PCC, apresentam um desafio complexo para os esta- Paulo, conhecida por seu péssimo tratamento dos pri- dos, pois não podem ser neutralizadas através unica- sioneiros, privação material e superpopulação, for- mente de táticas de aplicação da lei.10 Na verdade, a mou um pequeno pacto de proteção mútua chamado abordagem dura do presidente Bolsonaro em relação gangue “Capitais”.14 Subsequentemente, a gangue se à criminalidade poderia fazer crescer o número de expandiu para o PCC, quando empreendeu uma série membros de grupos como o PCC e ajudá-los a pro- de assassinatos contra os então chefes da prisão.15 jetar seu poder para além dos muros da prisão. Os líderes do PCC se aproveitaram das sangren- Quanto mais suporte houver para o encarceramento, tas consequências dessas rebeliões para argumentar escolhendo esta alternativa como a melhor resposta dizendo que a divisão interna havia enfraquecido os para o crime, mais oportunidades haverá para que o prisioneiros, deixando-os desprotegidos contra os PCC se fortaleça e se expanda.11 predatórios e altamente corruptos guardas prisionais. Entretanto, desvendar as operações internacio- O momento pedia unidade e o exercício do monopólio nais do PCC não é tão simples quanto reverter as do poder para proteger os prisioneiros e garantir a políticas responsáveis por sua ascensão, pois uma das ordem. Nessa época, uma população prisional cada características do PCC é que ele conseguiu instru- vez maior oferecia ao PCC amplas oportunidades de mentalizar muitas das próprias políticas de segu- recrutamento. De 1994 a 2006, a população