2.

Til (1872) de José de Alencar (1829/1877)

Os 4 tipos de romances românticos, segundo Alencar no prefácio de Sonhos d´ouro (1872): 1.Urbano: enfoca a sociedade citadina da corte: Lucíola (1862), Diva (1864) e (1875). 2. Histórico: destaca a sociedade fidalga do Período Colonial (até 1808, chegada de D. João VI): (1865) e (1871). 3. Regionalista: registra os usos e costumes, clima e relevo, fauna e flora, tipos humanos, etc. das várias regiões: O gaúcho (1870), O tronco do ipê (1871), Til (1872). 4. Indianista: coloca o índio como fator de formação nacional , super-herói idealizado: O guarani (1857), (1865) e (1874). 2 Romance romântico regionalista. - Interior de São Paulo: região de Itu (1610), Campinas (1794), Piracicaba ou Vila da Constituição (1821) – cana-de-açúcar e café, caçadores e tropeiros... - Vila de Santa Bárbara – Fazenda das Palmas; - Registro caipira: usos e costumes, relevo e vegetação, linguagem, tipos humanos; - Festas e tradições: São João (influência portuguesa e católica) e Congada (reconstituição da corte africana e de seus valores); - Miscigenação cultural e racial: índio, europeu e negro (nacionalismo – cor local); - Maniqueísmo: o bem vence o mal. - Valores morais e religiosos idealizados, tipicamente românticos: honra, vergonha, culpa, fé... 3 Valores e códigos românticos (idealizações): Honra, vergonha e culpa.

* cultura da vergonha (shame culture): reação externa, pública, refletindo códigos estabelecidos. * cultura da culpa (guilt culture): reação íntima, privada, baseada em valores pessoais.

As relações sociais das personagens se apresentam com função didática, educativa, procurando edificar valores e códigos, dentro dos padrões da honra e do maniqueísmo (bem X mal). Berta é motivo de referência sentimental, escolar e religiosa. Catalisando as ações das outras personagens, a “enjeitada” paulatinamente se transforma em “alma sóror” (irmã, professa, companheira).

4 * Berta, Inhá ou Til é a personagem central do livro, filha enjeitada do fazendeiro Luis Galvão com Besita. Após a morte da mãe (estrangulada por Ribeiro), foi criada por Nhá Tudinha. É adolescente, graciosa e melíflua, espontânea e caridosa. Seduz a cobra. Está cercada de aleijões: Zana, Brás, Jão Fera e animais (galinha perneta e burro entrevado). É carinhosamente chamada de Inhá por Miguel, e de Til por Brás. Catalisa o amor de Miguel por Linda, aquieta o casal Luís Galvão e Da. Ermelinda, redime Jão Fera, educa Brás, apazigua Zana... Há uma sequência evolutiva nas suas posturas, demonstrando o “ desabrochar”: desde a ingênua flor da manhã, cheia de “beleza e mocidade” até a crepuscular e resplandecente, cheia de “caridade”. 5 A sedução da cobra. O ponto de virada do amadurecimento de Berta se dá quando da sedução ou magnetização que ela exerce sobre a cascavel. Alegoricamente, ocorre a inversão do sentido do pecado original ou do pecado da desobediência descrito no Gêneses bíblico. Efetivamente, a partir daí, Berta intensifica a recuperação dos necessitados, dos privados, e dos pecaminosos. Transforma-se na abnegada protetora dos sofridos e aleijões e responsável pela adequação moral de Abnegação: sacrifício dos cada um. próprios desejos. 6 * Jão Bugre ou Fera - homem marcado pelas questões de honra, oscilando entre assustador e meigo. Se, por um lado, é um feroz e frio assassino de contrato; por outro, é o dedicado protetor de Besita e, posteriormente, de Berta – mãe e filha idolatradas por ele. Quando Luis Galvão aceitou o casamento de Besita com Ribeiro, rompeu os laços de fidelidade com o amigo e passou a proteger a amada, mesmo que não correspondido: Se alguém, que não ele, tinha de ser amado por Besita, fosse-o Luís Galvão de quem era amigo; outro qualquer morreria às suas mãos; assim o jurara.

Questão de honra:

redime a vergonha e a culpa7 . O ato de contrição (arrependimento).

Depois de praticar muitas atrocidades, se transformando de Bugre em Fera, de salvar Luís Galvão durante o incêndio no canavial e de matar Ribeiro, Jão se redime perante Berta: - Perdoe, Nhazinha! - Vai embora! gritou Berta. Brás, que se agachara aos pés da menina, soltou um grunhir de escárnio. Teve Jão Fera um ímpeto de revolta. Queria suplicar seu perdão. - Não vou! disse rispidamente. O talhe de Berta vibrou como uma seta brandida nos ares. Sua mãozinha delicada partiu rápida a haste de um cipó, e com essa vergasta fustigou o rosto de Jão Fera. Duas lágrimas sulcaram as faces do facínora, e lavaram uma gota de sangue que aí borbulhava. 8

* Barroso ou Ribeiro – homem de posses, casou-se com Besita, mas a abandonou para resolver pendências em Itu. Violento e ardiloso, oculta sua identidade para executar sua vingança: (...) Ao cabo de dois anos, lembrou-se da mulher que deixara ainda noiva, no dia seguinte ao do casamento; e dirigiu-se a Santa Bárbara.(...) Às ocultas aproximou-se da casa; e ficou à espreita. (...) A infeliz prostrou-se de joelhos a seus pés e confessou-lhe tudo, o engano fatal de que fora vítima, e a desgraça irreparável que a separara para sempre dele e do mundo. A resposta foi um escárnio. - Ele já era teu amante! Tomado por um acesso de fúria, deitou as mãos ao alvo colo da moça, e enleando-o com a madeixa, a estrangulara. Acabava essa cruel vingança e pensava em imolar também ao seu rancor a inocente criança, quando o bramido do Bugre o estremeceu de horror.

9 Contraponto narrativo, Barroso ou Ribeiro movimenta a trama, trazendo aventura, suspense e emoção. Levado pelo rancor e pela sede de vingança, suas ações são detestáveis e contrastam com a valentia e a determinação do capanga. Esquecendo-se de que ambos são assassinos, o leitor tende a emitir juízo crítico favorável ao paladino (justiceiro) Jão Fera. 10 A vingança

Para Ribeiro ou Barroso a ideia era: fazer porém desaparecer o fazendeiro, e tomar o seu lugar, como fizera ele outrora; essa era uma desforra de mestre, que não só ajustava as contas do passado, como garantia o futuro. Aplicando ao sedutor a pena de talião, fazia ele, Ribeiro, ainda por cima um bom negócio. 11 * Luis Galvão, proprietário da Fazenda das Palmas, marcou sua juventude por aventuras. Apaixonou-se por Besita, mas perdeu-a para Ribeiro. Aproveitou-se da ausência do marido e, sorrateiramente, levou Besita ao adultério. Dessa relação, nasceu Berta. Acaba assumindo suas transgressões e responsabilidades. * Da. Ermelinda, esposa de Luís Galvão, elegante e educada, é a tradicional matriarca – exigente, protetora e preconceituosa. Complacentemente aceita as situações e os revezes da família.

12 * Brás é sobrinho de Luis Galvão, órfão de pai e mãe. Com retardamento mental, foi excluído da escola e perambula pela fazenda. Cativado por Berta, aprendeu o abc e as rezas tradicionais. O catecismo rendeu o apelido de Til para Berta, pela associação feita por Brás do sinal gráfico com a sobrancelha da dedicada professora. Depois de praticar muitas crueldades (tentativa de estrangulamento de Zana, armadilha para Jão Fera, cascavel no quarto de Linda, mastro da cocanha...), Brás aceita (comunga) as diferenças dos outros aleijões.

13 * Zana: escrava, mucama de Besita, vivenciou toda a história de Berta. É testemunha da transgressão do adultério, do assassinato de Besita e das sucessivas boas intenções do capanga. Emocionalmente abalada, reside na casa abandonada, balbucia cantigas desarticuladas e é motivo da dedicação de Berta.

14 A transgressão: adultério.

Fingindo ser o marido, Luís Galvão enganou a escrava Zana, entrou na casa de Besita: - Nhazinha, é sinhô! Ia Besita levantar-se precipitadamente para receber o marido, quando sentiu no escuro que dois braços a cingiam e uma carícia atalhava-lhe a palavra nos lábios. Ao bruxulear da madrugada, Zana acudindo ao chamado da moça foi achá-la debulhada em pranto, na maior consternação. - Tu me perdeste, Zana! Não era meu marido! - Quem era então, Nhazinha? perguntou a preta espantada. - Olha! disse a moça mostrando-lhe o vulto de Luís Galvão que se afastava.

15 Na festa de São João No terreiro, os jovens Na sede, os convivas disputam prendas e traçam planos de impressionam as namoradas. influências e de poder.

16 * Linda é filha de Luis Galvão e Da. Ermelinda, educada aos moldes da corte, está apaixonada por Miguel. Durante a festa de São João o jovem casal troca juras de amor, através do “cravo branco”: Fechando na palma o cravo, Miguel levou-o aos lábios e o beijou com efusão. *Afonso, gêmeo de Linda, alegre e brincalhão, empreendedor e galanteador como o pai, nutre por Berta uma paixão adolescente (sem, é claro, ter consciência de que ela é sua meia-irmã). 17 *Miguel é irmão de criação de Berta, filho de Nhá Tudinha, jovem impetuoso – tipicamente paulista. Nutriu grande atração por Berta; entretanto, doutrinado paulatinamente por ela, percebeu ser apenas afeto fraternal e, ao mesmo tempo, pelo empenho de Berta, descobriu o correspondido amor de Linda. Sendo pobre, sente o preconceito de Da. Ermelinda, mas acaba sendo aceito na família. Busca no estudo sua possibilidade de Paulista: teimoso, birrento. ascensão social. 18

A venda: troca de informações. *Chico Tinguá: vendeiro, astuto, é fiel amigo de Jão Fera. Negociou com o fazendeiro Aguiar a pacífica entrega de Jão Fera, mediante o pagamento da recompensa oferecida pela captura (o dinheiro irá descompromissar o capanga do trato feito com Barroso). * Pai Quicé: negro velho, maroto, está sempre a espreita para tomar uma informação. Alertou Berta de que os “caipiras do bacorinho” tramaram emboscar Jão Fera na sua furna e, solidariamente, acompanhou a moça na empreitada do aviso (ocasião em que foram cercados por um bando de queixadas e salvos pelo capanga). * Gonçalo Pinta: homem da região, faroleiro (loroteiro), nutre tão grande despeito e inveja de Jão Fera que se junta ao bando do Filipe para caçar o capanga. Tornou-se comparsa de Barroso quando do incêndio no canavial. 19 Na senzala Na outra festa de São João, restrita à senzala e ao pátio conjugado, os negros se dividem por categorias. Há os domésticos – pajem, mucama, cozinheira..., e os da roça (eito) a quem se destinavam os trabalhos pesados da lavoura com a enxada e que residiam nas senzalas.

20 Não se descreve, nem se imagina esse desesperado saracoteio, no qual todo o corpo estremece, pula, sacode, gira, bamboleia, como se quisesse desgrudar-se. (...) De vez em quando o garrafão de cachaça corria a roda. Cada um depois de mil trejeitos e negaças dava-lhe o seu chupão, e fazendo estalar a língua repinicava o saracoteio.

21 No jogo de categorias, o pajem Amâncio é disputado pela roceira Florência e pela mucama Rosa: Hesitou o mulato algum tempo, receoso de derrogar de sua nobreza de pajem misturando-se com a ralé da enxada, até que rendido pelos lascivos requebros da crioula, que já se espreguiçava ao som do urucungo (berimbau), saltou no batuque. (...) As duas rivais se afrontaram com o olhar, por diante da cara desfaçada (descarada, cínica) do mulato. Os alvos dentes de Rosa brilharam engastados em um riso de escárnio, que lhe arregaçava os lábios carnudos, e dentre as fendas dos incisores partiu um rápido esguicho, que bateu em cheio na cara da outra. Foi pronta a réplica de Florência. Vibrando no ar o braço habituado a manejar a enxada espalmou a mão na bochecha da mucama, que titubeou e decerto iria ao chão a não ampará-la o mulato. 22

* Faustino: negro ambicioso, da casa grande. Trabalha como pajem. Compactuou com Ribeiro nas tramas de vingança, em troca da alforria e de benefícios financeiros. * Monjolo: negro trapaceiro, da roça. Preguiçoso, gosta de cachaça e de tabaco. Serviu de informante a Ribeiro.

23 Festa do Congo Registro folclórico: projeto nacionalista de José de Alencar. Miscigenação de raças e de culturas – índio, branco e negro. Ao repique de sinos e estrondo dos rojões, desfilava pelo largo da matriz a luzida cavalgada do Congo, precedida por um terno de rabecas (instrumento de corda, tipo de violino) e flautas, que compunham a banda de música. Adiante vinham o rei e a rainha do Congo, montando soberbos cavalos ricamente ajaezados (ornamentados) e trajando custosas roupas de veludos e sedas. Seguiam-se os cavaleiros e damas da corte, que não ficavam somenos (inferiores) aos soberanos do imaginário reino africano.

24 Alma Sóror: santificada. Berta é abnegada, sacrifica-se por tudo e por todos. Está santificada. Quando o sol escondeu-se além, na cúpula da floresta, Berta ergueu-se ao doce lume do crepúsculo, e com os olhos engolfados na primeira estrela, rezou a ave- maria, que repetiam, ajoelhados a seus pés, o idiota, a louca e o facínora remido. Como as flores que nascem nos despenhadeiros e algares, onde não penetram os esplendores da natureza, a alma de Berta fora criada para perfumar os abismos da miséria, que se cavam nas almas, subvertidas pela desgraça. Era a flor da caridade, alma sóror.

25 Estrutura * Romance folhetinesco: elaborado em capítulos curtos, apresentando alinhavo final (clímax) para o próximo capítulo e marcando suspense através de momentos anunciados de tensão. * Primeira parte – 31 capítulos; 2ª parte – 31 capítulos. * Constante uso de flashback ou analepse (retorno narrativo) e de flashforward ou prolepse (antecipação narrativa) para prender a atenção do leitor. * Privilégio da emoção sobre a lógica ou coerência da narrativa: atitudes incoerentes de Jão Bugre ou Fera. * Frequentes símiles ou comparações: fauna, flora e costumes. * Discurso regional: a fala do caipira de São Paulo. 26

Santificação de Berta: idolatrada pelo idiota, pelo violento e pela louca – os aleijões

27 28