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O País Mestiço De Jorge Amado

O País Mestiço De Jorge Amado

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE FILOSOFIA, LETRAS E CIÊNCIAS HUMANAS DEPARTAMENTO DE LETRAS MODERNAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ESTUDOS LINGÜÍSTICOS E LITERÁRIOS EM INGLÊS MARLY D’AMARO BLASQUES TOOGE

Traduzindo o : o país mestiço de

São Paulo 2009

MARLYD’AMAROBLASQUESTOOGE Traduzindo o Brazil : o país mestiço de Jorge Amado Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção dotítulodeMestreemEstudosLingüísticos eLiteráriosemInglês. Área de Concentração: Estudos LingüísticoseLiteráriosemInglês Orientadora: Profa. Dra. Lenita Maria RimoliEsteves SãoPaulo 2009

Catalogação na Publicação Serviço de Biblioteca e Documentação Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo

Tooge, Marly D’Amaro Blasques Traduzindo o Brazil: o país de Jorge Amado / Marly D’Amaro Blasques Tooge ; orientadora Lenita Maria Rimoli Esteves . -- São Paulo, 2009. 267 p.

Dissertação (Mestrado – Programa de Pós-Graduação em Estudos Lingüísticos e Literários em Inglês) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo.

1. Tradução. 2. Representação cultural. 3. Política da Boa Vizinhança. 4. Amado, Jorge 1912-2001. 5. Knopf, Alfred. A. I. Título. II. Esteves, Lenita Maria Rimoli.

MARLYD’AMAROBLASQUESTOOGE TRADUZINDOO BRAZIL: opaísmestiçodeJorgeAmado. Dissertação apresentada à Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo para obtenção do títulodeMestre. ÁreadeConcentração:EstudosLingüísticose LiteráriosemInglês BANCAEXAMINADORA Prof(a). Dr(a). ______ Instituição:______Assinatura:______ Prof(a). Dr(a). ______ Instituição:______Assinatura:______ Prof(a). Dr(a). ______ Instituição:______Assinatura:______

Dedico este trabalho a Carlos Augusto B. Tooge, companheiro, incentivador e parceiro de vida, a meus filhos Karina e Rodrigo, e a meus pais Walter e Eny.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho não teria se realizado sem a valorosa supervisão de minha orientadoraLenitaMariaRimoliEsteves,seuolharequilibrado,seucarinhoeincentivo fortalecedor e sem sua imensa capacidade profissional. A ela dedico meu reconhecimentoeagradecimento. Agradeço também pela bolsa disponibilizada pela CAPES, que auxiliou significativamentenosdoisúltimosanosdestapesquisa,possibilitandoummaioracesso àsinformaçõesaquicontidas. Aos professores presentes em minha banca de qualificação, Profa. Dra. Lilia MoritzSchwarczeProf.Dr.JohnMilton,cujasorientaçõesforamextremamenteúteis paraafinalizaçãodestetrabalho,meumuitoobrigada. Agradeço àprofessora Viviane Veraspelas orientaçõesquantoàqualidadeda escritaacadêmicaaquiapresentada. AgradeçoaindaaosprofessoresecolegasdaFaculdade de Filosofia, Letras e CiênciasHumanasdaUSP,porseuinteresseeconstantecolaboração. ABarbaraShelbyMerello,cujagenerosaebenevolentecolaboraçãoeenviode materialforamextremamentepositivoseesclarecedores. AoHarryRansomCenterdaUniversidadedoTexas,pelapermissãoconcedida paracitarpartedacorrespondênciadacoleçãopessoaldeAlfredA.Knopf. Aminhamãe,Eny,escritoraeinspiradora,e ameu pai, Walter, exemplo de empreendedorismo,porabriremoscaminhosparaminhaeducação. Ameumarido,Carlos,pelaconfiançaeincentivoàminhacarreiraacadêmica,e aos meus filhos, que indiretamente colaboraram para a ampliação de meu tempo dedicadoàsatividadesuniversitárias.

RESUMO

TOOGE, M. D. B. Traduzindo o Brazil : o país mestiço de Jorge Amado. 2009. 267 f. Dissertação (Mestrado) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

O primeiro livro de Jorge Amadotraduzido para o idioma inglêsfoi publicado nos EstadosUnidosem1945,pelaAlfredA.KnopfPublishers,pormeiodepatrocíniodo DepartamentodeEstadoamericano,quemantinhaumprogramadeintercâmbiocultural como parte da “Política de Boa Vizinhança” do presidente Roosevelt. A literatura traduzidaera,então,vistacomoumcaminhoparacompreendero“outro”.Criouse,a partirdaí,umpadrãodecomportamentoqueperdurou por décadas. Érico Veríssimo, Gilberto Freyre, Alfred e Blanche Knopf, Samuel Putnam e Harriet de Onís foram atoresimportantesnessecenário. Apesar de seu contínuo posicionamento de esquerda, após desligarse do Partido Comunistanofinalda décadade1950,Jorge Amadotornouse um bestseller norte americano, como resultado dessa vertente “diplomática” e do renovado projeto de tradução (e de amizade) de Alfred A. Knopf. Entretanto, outras redes de influência também atuavam sobre a recepção da obra do escritor, fazendo com que ela fosse assimiladadeformaprópria,metonímica,diferentedaqueocorreuempaísesdoleste europeu,porexemplo.Estapesquisainvestigouarelaçãoentreosatoresmencionados, tais redes de influência e a representação culturaldoBrasilnaliteraturatraduzidade JorgeAmadonosEstadosUnidos. Palavras chave: Tradução, Representação Cultural, Jorge Amado, Alfred Knopf, PolíticadaBoaVizinhança.

ABSTRACT TOOGE, M. D. B. Translating Brasil : Jorge Amado’s mestizo country. 2009. 267 p. Dissertation (Master’s Degree) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. ThefirstbookbyJorgeAmadoinEnglishtranslationwaspublishedintheUnitedStates in 1945 by Alfred A. Knopf Publishers, under the auspices of the U.S. State Department, who sponsored a cultural interchange program as part of president Roosevelt’stheGoodNeighborPolicy.Translatedliteraturewasseen,atthetime,asa wayofunderstandingthe“other”.ÉricoVeríssimo,GilbertoFreyre,AlfredandBlanche Knopf,SamuelPutnamandHarrietdeOníswereactorsinthisscenario. Inspiteofhissupportofthetenetsofthepoliticalleft,afterleavingtheCommunist Partyinthelate1950’sJorgeAmadobecameanAmericanbestseller,aresultofsuch “diplomatic”movementaswellasAlfredA.Knop’stranslationproject.Nevertheless, otherinfluencenetworksalsoaffectedtheauthor’sreceptionintheUnitedStates,which turned out to be quite different from that in the Eastern Europe, for instance. This research investigates the relation between the aforementioned actors, such influence network and Brazil’s cultural representation in Jorge Amado’s translated literature in theUnitedStates. Key words: Translation, Cultural Representation, Jorge Amado, Alfred Knopf, Good NeighborPolicy.

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO. 12 2. CAPÍTULO1: SOBRE TRADUÇÃO, AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO. 18 3. CAPÍTULO2: PARA ENTENDER JORGE AMADO: BEST SELLER E 27 FENÔMENO DE TRADUÇÃO. EntreRevoluções,rebeldiaseotrânsitosocial:asdiversasfacesde 27 JorgeAmado. Fugitivo,grapiúnaerebelde. 28 Subversivo,revolucionário,comunista. 32 Cansadodeguerra,libertário,freyriano,obá,e…comercial? 38 As“contravenções”deJorgeAmado. 43 Soboolhardacríticabrasileira:opolêmicoJorge. 46 ArecepçãointernacionaldeJorgeAmado. 49 4. CAPÍTULO3: AS TRADUÇÕES DE JORGE AMADO NOS ESTADOS UNIDOS 52 PanoramapolíticonasAméricasemmeadosdoséculoXX 52 ÉricoVeríssimo–Um“muitosimpáticoambassador”. 56 Traduçõesnopósguerra:emcena,AlfredA.Knopf&Cia. 62 GilbertoFreyreeosEstadosUnidos. 67 SamuelPutnam:brasilianistaetradutor. 72 Atraduçãode Terras do Sem Fim. 73 Deuno New York Times :oressentimentoduranteaGuerraFria... 81 ...easreminiscênciasdaBoaVizinhança. 84 ApósaRevoluçãoCubana:HarrietdeOnísearenovaçãodaembaixada. 87 TayloreGrossman,eatraduçãode Gabriela. 91 Entredoissucessos,asombradopassado. 100 Atraduçãode Dona Flor eorenascerdoZéCarioca. 103 AsmúltiplasmediaçõesdeBárbaraShelby. 107 Desconstruindoomitoeconstruindoainclusão. 111 Tenda dos Milagres: umescritoralheioàspesquisas. 114

Tenda dos Milagres nosEstadosUnidos. 118

5. CAPÍTULO4: TRADUZINDO O TEXTO AMADIANO: COMENTÁRIOS 129 OtrabalhodostradutoresdeKnopf. 134 SamuelPutman:traduçãoemdemasia. 135 Taylor&Grossman:traduçãoemfalta. 143 HarrietdeOníseo“usodoThesaurus”. 151 BarbaraShelby:oduplodeAmado. 158 6. CAPÍTULO5: AS FACES DA REESCRITA E OS CAMINHOS DA MUDANÇA 165 7. REFERÊNCIAS 102 8. ANEXOS 187

LISTA DE FIGURAS FIGURA 1 - No Jornal do Brasil ,GetúlioVargasanunciavasuacolaboraçãocomos EstadosUnidos. Jornal do Brasil Sextafeira,29dejaneirode1943. 53 FIGURA 2 - Joe Carioca eCarmenMirandaem1942. 54 FIGURA 3 - Ostrêscavaleiros...dechapéumexicano,em1942. 54 FIGURA 4 – ÉricoVeríssimo:DestaquedoNewYorkTimesem18deabrilde1941. 56 FIGURA 5 FotodeBlancheKnopfnoWebsitedaFundaçãoJoaquimNabucoem Recife. 64 FIGURA 6 -Fotoqueencabeçaoartigosobre Brazil, an Interpretation noTheNewYork Timesde26deagostode1945. 67 FIGURA 7 –Terras do Sem Fim: capadapublicaçãonoBrasil(1943). 74 FIGURA 8 - Terras do Sem Fim: CapadapublicaçãonosEUA(1965). 74 FIGURA 9 -ComparaçãoentreosespaçosjornalísticosreservadosàsobrasdeFreyree Amado. Brazil an Interpretation e Casa Grande & Senzala . 75 FIGURA 10 -Artigopublicadonojornal The New York Times em24dejunhode1945. TerrasdoSemFimespaçoutilizadoparaacríticaliterária. 76 FIGURA 11 – ColunasdeAntônioCallado. 83 FIGURA 12 - ExposiçãoemhomenagemaAlfredA.KnopfemsuavisitaaoConsulado AmericanoemSãoPauloem1965. 86 FIGURA 13 - Capadaediçãobrasileirade Gabriela, cravo e canela de1958. 97 FIGURA 14 - Capadaediçãoamericanade Gabriela, cravo e canela de1962. 97 FIGURA 15 - Capadaediçãobrasileiraatualde Gabriela, cravo e canela . 97 FIGURA 16 - Capadaediçãoamericanaatualde Gabriela, cravo e canela . 97 FIGURA 17 - Gabriela noTheNewYorkTimesde16desetembrode1962. 98 FIGURA 18 - CarmenMiranda,nacalçadadafamaHollywoodem1941. 98 FIGURA 19 - Retratode Gabriela do Chicago Tribune . 98 FIGURA 20 – FotodabaíadaGuanabara. 98 FIGURA 21 - JorgeAmadoeatradutoraBarbaraShelby,duranteolançamentode Quincas Wateryell. 101 FIGURA 22 - The New York Times de22dejaneirode1967fotodeAlfredKnopfem suavisitaàBahia,acompanhadodeJorgeAmado. 102 FIGURA 23 - Capadaediçãobrasileirade Dona Flor de1966. 105 FIGURA 24 - Capadaediçãoamericanade Dona Flor de1968. 105 FIGURA 25 - Capadaediçãobrasileiraatualde Dona Flor. 106 FIGURA 26 - Capadaediçãoamericanaatualde Dona Flor. 106 FIGURA 27 - Capada1ªediçãode Tenda dos Milagres noBrasilem1969. 119 FIGURA 28 - Capade Tent of Miracles publicadonosEstadosUnidosem1971. 119

INTRODUÇÃO

ArelaçãoentreaformaçãodeidentidadesculturaisestrangeiraseosEstudosda Tradução foi o que serviu de inspiração para a realização deste trabalho. A tal inspiraçãouniuseavontadedeutilizarahistóriacomoinstrumentodepesquisa.Tudo começou,noentanto,comaobservaçãodequeautoresinseridosnacorrentedeEstudos Descritivos da Tradução 1 já desenvolviam trabalhos notáveis em diversas regiões do mundo.UmexemploéoestudodeLawrenceVenuti(1998),querelatouainfluência das transposições realizadas em traduções da literatura contemporânea japonesa, as quais ajudaram a formar uma representação estereotipadadopovojaponês.Umavez queconstrói“sujeitosdomésticos”,atraduçãorevelase,paraVenuti,umprocessode “espelhamento” ou autoreconhecimento do leitor estrangeiro, que ele chama de “domesticação”. Assim, ao comunicar uma interpretação parcial e alterada do texto estrangeiro, a tradução estaria descaracterizandoo em suas qualidades mais autenticamenteestrangeiras.(VENUTI,2002:17).Venutiobservaaindaque,nolongo prazo, a tradução pode interferir em bases diplomáticas, reforçando “alianças, antagonismosehegemoniasentreasnações”(1998,p.175),epropõeaadoçãodeuma estratégiadetradução“estrangeirizadora”ou,ainda,“nãoetnocêntrica”,comoformade resistênciaàvisãoetnocêntricadatraduçãonocenárioangloamericano(p.198). MariaTymoczko,apesardetambémenfatizaraquestãodaagênciaedocaráter políticoinerentesaosprocessosdetradução,tecedurascríticasàspropostasdeVenuti, acusandoodetrabalharcomconceitosbináriosnãoadequadosaosestudosdatradução (2000:3440).Aautoramostracomoaestratégia“domesticadora”datraduçãoparao idiomainglêsdetextosliteráriosIrlandesesantigos,emsintoniacomoutraspráticas,foi utilizadacomoinstrumentoderesistênciaeacabouporcontribuirparaalibertaçãoda IrlandaesuaelevaçãodacondiçãodecolôniaparaEstadoindependente(TYMOCZKO, 1999,p.15). Em The Exotic Dimension of Foreignizing Strategies / Burton’s Translation of the Arabian Nights , Tarek Shamma (2005) discorre sobre as traduções de Arabian Nights para o inglês, feitas por Lane, Payne e Burton. Cada um desses tradutores afirmava,deformasdiferentes,estarfazendouma“traduçãoliteral”.Contudo,nocaso específicodatraduçãodeBurton,aestratégiaadotadaeraa“estrangeirizadora”.Oque

1ParaumamelhorcompreensãodosEstudosDescritivosdaTraduçãoverToury(1995).

12 esse tradutor pretendia era não só preservar as diferenças lingüísticas e culturais do textoestrangeiro,comotambémtecerumacríticaaosvaloressociaisqueconsiderava “regressivos”,equeestavampresentesemsuaprópriacultura.Aestratégia,noentanto, fezcomqueatraduçãocriasseumaimagemdemasiadamente“excêntrica”e“exótica” daculturadeorigem.Assim,aexagerada“estranheza”atribuídaàsdiferentespráticas culturais fez com que a “outra cultura” se tornasse simplesmente irrelevante e não ameaçasse com questionamentos os costumes locais, reforçando a idéia de superioridadedaculturaalvo(SHAMA,2005,p.63). Apesar de suas discordâncias, esses acadêmicos têm em comum o fato de acreditaremnaidéiade queoprocessodetraduçãopressupõeumaagênciapolíticae pode também ser utilizado como forma de resistência. Transportandonos para o territórionacional,percebeseapequenaquantidadedetrabalhos,emespecialdemicro história,aplicadosàrecuperaçãodamemóriadarepresentaçãodoBrasilmediadapelos processosdetradução.Ofatorefleteapoucaatençãodispensadanopassadoàtradução emnossopaís. Devemos lembrar que desde a colonização portuguesa na América existiram esforços para impor a língua portuguesa aos nativos. A língua geral, que já era uma criação derivada do tupi, articulada para a catequização pelos Jesuítas, teve seu uso proibidoapartirdoDiretórioimplantadopeloMarquêsdePombal(OLIVEIRA,2002, p.21).UmaoutraaçãocontraousodelínguasedialetosestrangeirosnoBrasiltambém ocorreuduranteoperíododaescravidão,evitandoquepermanecessemjuntos(emuma mesma região ou capitania) negros provindos de uma mesma nação africana. Nessa época,omedoderebeliõesfaziacomqueossenhoresadotassemessaestratégiapara acabar comacomunicaçãoentreos escravos(FRANÇA,2007,p.199).Porfim,não podemos esquecer as medidas de restrição ao uso das línguas dos países do eixo (Alemanha, Itália e Japão) durante oprimeiro governo de Vargas, em decorrência da adesão do Brasil à Segunda Guerra Mundial, ao lado dos Estados Unidos (BOLOGNINI, 2005, p. 44). O resultado desejado era sempre o de um país essencialmentemonolíngue,adespeitodasvariaçõesregionais.Sendoaindaoidioma portuguêsumaexceçãonaAméricaLatina–nasuaquasetotalidadefalantedoespanhol –oBrasilseisolalinguisticamentedorestantedo continente e usa a tradução como interfaceparasecomunicartantocomseusvizinhos próximos quanto com os países maisdistantes.Opapeldaintermediaçãonarepresentaçãoculturalestrangeiranãodeve, conseqüentemente,sermenosprezado.

13 ComosnovosrumostomadospelosEstudosDescritivosdaTradução(DTS)nas últimasdécadas,ampliouseofocodasinvestigaçõesdeformaaenglobarnãoapenas análises textuais, mas também os contextos políticos e socioculturais do processo tradutório.Taiscontextos,cujaverificaçãoéfacilitadatambémpormeiodoestudode paratextos 2, mostraramse muito reveladores no caso específico deste trabalho que abordapartedahistóriadaliteraturabrasileiratraduzida.Elesconfirmamaformacomo aliteraturatraduzidafoiconsiderada,porumlongoperíodo(emmeadosdoséculoXX) nosEstadosUnidos,umretratohomogêneoesimplificadodeculturasestrangeiras,sem levaremcontaocaráterparcial,partidárioecircunstancialdesuaprodução 3.OBrasil nãoestavaforadessecontexto. OimpactointernacionaldaobradeJorgeAmadotornouseevidentemediante seustatusde“autormaistraduzidodomundo”atribuídoem1996pelo Guinness Book of Records ,conformeapontaCorrêa(1998,p.27),eportersidoeleoprimeirobrasileiro aentrarparaarelaçãode bestsellers do The New York Times . Com grande sucesso editorial, o autor teve uma recepção crítica polêmica e diversificada,variandodelocalparalocaletambémaolongodotempo,oquenãosó não impediu, mas talvez tenha até contribuído para que suas obras se tornassem um fenômenodetradução,apartirdosanos60,tambémnosEstadosUnidos. Oobjetivodesteestudofoi,assim,recuperarosdadoshistóricoseasnarrativas pontuaissobreasobrasdeJorgeAmadolevadasaosEstadosUnidos.Talrecuperação incluiuosrelatosreferentesaosagentesculturaiseàrecepçãodaliteraturatraduzidado autor.Tivemosaindacomofinalidade,demonstrarcomoatraduçãodasobrasbrasileiras aconteceu de forma complexa, adequandose tanto às agendas internas americanas, quantoaagendasdegruposdeintelectuaisnoBrasilenosEstadosUnidos.

2Ousodeparatexto,deacordocomaclassificaçãodeGérardGennette(2001),foidivididoem: peritexto:oselementostextuais situadosà margemdotextoequecoadunamnolivroimpresso,tais como título, nome do autor, dedicatórias, prefácios, notas de pé de página, etc. Eles são elementos percebidosnoatodeleituraeinterferemnasreaçõesdosleitoreseemseuhorizontedeexpectativas. epitexto: os elementos externos ao livro que funcionam como orientações de recepção, tais como entrevistascomoautor,opiniõesexpressasempúblicoporeste,cartasparticularesdoautor,anúnciosdo livro,eafortunacríticadaobra. Oselementosparatextuais,segundoTahirGürçağlar(2001,p.4460),podemserformadosnãoapenasde maneirasubordinadaaotexto,mastambémanteriormenteaele.Elespodem,assim,guiaramaneiracomo umtextoérecebidooucomosuatraduçãoérealizada,“preparandooterreno”paraapublicação.Oestudo doparatextoé,dessaforma,degrandeinteressetambémparaoestudodamicrohistóriadatradução. 3Veranálisenocapítulo3econteúdodosartigospublicadosnosjornaiserevistasamericanosdaépoca noAnexoIII.

14 Buscamos, assim, analisar as condições de produção das traduções da obra amadianaparaoidiomainglêspormeiodaagênciadeseueditornorteamericano,os momentoshistóricosnacionaiseinternacionaisdecadatradução,asforçaspolíticas,as cenaspúblicaseosinteressesparticularesenvolvidos.Tambémsetornouobjetivodeste trabalho retratar as interações pessoais e as redes de agência que determinaram a veiculaçãodaobraamadiananaquelepaís. Foi dado destaque ao vínculo entre Jorge Amado, o editor Alfred Knopf e o sociólogobrasileiroGilbertoFreyre.Issoporque,comoveremosadiante,Knopffoium dosmaioresresponsáveispeladivulgaçãodaobradeAmadojuntoao“grandepúblico” norteamericano,eFreyre–amigoe“compadre”deKnopf–foiumescritorcujaobra influenciou sobremaneira muitos intelectuais de sua geração e cujas idéias aparecem refletidasnaobradeJorgeAmado. Por fim, buscouse tecer alguns comentários sobre estratégias adotadas pelos tradutores de Alfred A. Knopf como reescritores dos romances de Jorge Amado no idioma estrangeiro, seus métodos e procedimentos de tradução, de acordo com o contextohistóricodecadapublicação.Talsondagemnãosepretende exaustiva,nem demasiadamente abrangente, mas ilustrativa das diferenças entre as atuações de cada tradutor. Paraalcançarosobjetivosdesejados,tomamosasseguintesmedidas: 1. Foi desenvolvida uma pesquisa sobre a história de vida de Jorge AmadoedesuaspublicaçõesnosEstadosUnidoseditadasporAlfred A.Knopf.Foicobertooperíododesdeacontrataçãodatraduçãode Terras do Sem Fim, a obra que iniciou oficialmente a carreira de AmadonosEstadosUnidos,atéadatadamortedoeditoramericano. 2. Conteúdosdetextoeparatextoforamincorporadosàpesquisa.Parte dacorrespondênciaentreJorgeAmadoeoeditorAlfredKnopf,(no períodoemqueastrêsobrasforampublicadasnosEstadosUnidos) foiresgatada,juntoao“HarryRansonHumanitiesResearchCenter”, naUniversidadedoTexas.Ocentrodepesquisaamericanomantém emseusarquivostodaacorrespondênciarestanteentreoeditor,seus escritores,tradutores,diplomataseagentesliterários. 3. TambémforamrealizadoscontatosevisitaàFundaçãoCasadeJorge Amado,emSalvador,Bahia.Láseencontraumacervocomestudos,

15 pesquisas,artigospublicadosedadosreferentesatraduçõesdeJorge Amado. 4. Foram ainda adquiridos artigos publicados pelos jornais New York Times, Washington Post, Chicago Tribune, Los Angeles Times, The Times (britânico)epelarevista Time Magazine ,entreasdécadasde 1940e1980–dataslimitesparaoperíododeestudodestetrabalho. Tal época foi adotada considerando que oprimeiro contato entre o editor Knopf e Amado aconteceu em 1942 e que Alfred Knopf morreunoanode1984 4. 5. Além dos procedimentos de pesquisa citados acima, foi feito um contato direto com a tradutora Bárbara Shelby Merello, após difícil buscadeinformaçõesaseurespeito.Comaajudadeumfuncionário daUniversidadedoTexas,conseguiusecontatoporcarta(atradutora não fazia uso da rede internacional de informações – Internet – naquelemomento).BárbaraShelbyMerelloteveaextremadelicadeza de enviar algumas informações inéditas para fazerem parte deste trabalho, as quais foram doadas por ela ao The Harry Ransom Humanities Research Center. 6. A pesquisa se completou com o levantamento de outros estudos e publicações sobre a obra e as traduções de Jorge Amado, realizado atravésdebibliotecasuniversitárias 5,emespecial,adaUniversidade deSãoPaulo,comconsultaadiversosbancosdedadosacadêmicos. Dessaforma,noprimeirocapítulodestadissertaçãoapresentamosumaanálise bibliográfica dos estudos da tradução, relativos a seu papel e de seus agentes na representaçãoculturaldeumpaís.Osescritosaquimencionadosformamoarcabouço teóricoqueservedebaseparaaavaliaçãodosdadoshistóricosobtidosedasondagem das traduções. Em seguida, no segundo capítulo, realizamos uma análise biográfica, socialehistórica,referenteàproduçãoliteráriadeJorgeAmado;suacarreirapolíticae

4Pesquisaonline:Asprincipaispalavraschaveparabuscadeartigosforam: JorgeAmado/AlfredKnopf/SamuelPutnam/JamesL.Taylor/WilliamGrosmman/HarrietdeOnis / Barbara Shelby / The Violent Land / Gabriela, Clove and Cinnamon / Tent of Miracles / Brazilian (Translated) Literature (Books) Latin American (Translated) Literature (Books) Brazil / Brazilian Literature/Brazilianauthors/Brazilianculture. 5 Com destaque para o excelente serviço prestado por algumas bibliotecas, como a da USP e a da UNICAMP,quepermitemacessoonlineamuitosdeseusmateriaisebancosdedados.

16 literária; sua recepção internacional; suas redes de relacionamentos dentro e fora do Brasil e as diferentes apreensões de seu trabalho. Já no capítulo 3, realizamos a descriçãoeaanálisedahistóriadastraduçõesdasobrasdeJorgeAmadoparaoidioma inglês,buscandoevidenciarosagentesdetraduçãoenvolvidosnoprocessoquelevou umadelasàcondiçãode bestseller americano,transformandoa,assim,emumveículo deimagenssobreoBrasil.Nocapítulo4,tecemoscomentáriossobreascaracterísticas dos textos traduzidos, tomando uma obra de cada tradutor, dentro do período em estudo.Asobrasselecionadasforam: The Violent Land, traduzidaporSamuelPutnam, por ter sido a primeira obra de Jorge Amado levada aos Estados Unidos; Gabriela, Clove and Cinnamon, traduzidaporJamesL.TayloreWilliamGrossman,por ser o maiorsucessodeAmadonosEstadosUnidoseterfiguradonalistade bestsellers do The New York Times ; Dona Flor and Her Two Husbands, traduzidaporHarrietdeOnís, portersidoosegundograndesucessodeJorgeAmadonaquelepaís,e Tent of Miracles, traduzida por Barbara Shelby, por ser uma obra dedicada à questão racial, tema de grandeimportânciaparatodoocontextohistóricodestetrabalho.Buscouseestabelecer a relação entre alguns procedimentos tradutórios 6 e a recepção pela crítica e pelo público leitor norteamericano. Escolhemos sondar os pontos mais evidenciados pela críticajornalísticasobrecadaobra,easdificuldadesimpostaspeloestilodeescritade Jorge Amado. Trabalhamos, assim, os seguintes pontos: 1. O uso da Linguagem Popular; 2. O Baixo Calão; 3. Marcas Culturais e Religiosas. Para denominar tais procedimentostradutórios,utilizamosaclassificaçãoPorfim,nocapítulo5,retomamos alguns dos pontos analisados nas obras traduzidas de Jorge Amado para, então, indicarmos tendências e práticas comuns, indicando possíveis caminhos para novas pesquisas.

6Definimosaquialgunsdosprocedimentoselencadosnocapítulo4,conformeVinay&Darbelnet(1958): Empréstimo: ocorre quando palavras ou expressões estrangeiras sãoutilizadas pelo tradutor, seja para preencher uma deficiência, normalmente extralingüística, ou para garantir no texto alvo cor local da línguadeorigem. Omissão: consiste em omitir elementos do texto fonte que, do ponto de vista da língua alvo são consideradosdesnecessáriosouexcessivamenterepetitivos. Compensação: deslocase um recurso estilístico, ou seja, quando não é possível reproduzílo em um mesmoponto,otradutorusarumoutrorecursodeefeitoequivalenteemoutropontodotexto. Adaptação: quando a situação toda a que se refere a língua de origem não existe na realidade extralingüística dos falantes da língua alvo, ela é recriada por uma outra equivalente na realidade extralingüísticadalínguaalvo. Modulação:variaçõesformaisnamensagemrelacionadasaumamudançadepontodevista

17 CAPÍTULO 1

SOBRE TRADUÇÃO, AGÊNCIA E REPRESENTAÇÃO

Em função de sua natureza mediadora, os Estudos da Tradução sempre estiveramintimamenterelacionadosaoestudodasrelaçõesinternacionais.Enessaárea, os paradigmas têm se modificado rapidamente. Diferentes pensadores têm proposto caminhosdiversoseformasdeencarararepresentaçãoestrangeira.Sãoobrascomoas deEdwardSaid(1993),BennedictAnderson(1983)eHomiK,Bhabha(1990,1994, 1998).Comdiferentesperfis,estesestudiososdesenvolveramlinhasdepesquisasque, porvezes,seentrelaçam.UmexemplosãoosescritosdeEdwardSaid,quandoestesse referemàs“narrativas”comoo“cernedaquiloquedizemosexploradoreseromancistas acerca das regiões estranhas do mundo”, e como o “método usado pelos povos colonizados para afirmar sua identidade e a existência de uma história própria deles”(1993,p.13).Paraoautor,“opoderdenarrar,oudeimpedirqueseformeme surjamnovasnarrativas,émuitoimportanteparaaculturaeoimperialismo,econstitui umadasprincipaisconexõesentreambos”(p.13).Anarrativaestánabasedetudo;ela está na base do próprio conceito de nação. Dessa forma, Said dedica seu estudo ao “romance”comoformacultural.Eleapontaque“acríticarecentetemseconcentrado bastante na narrativa da ficção, mas pouquíssima atenção se presta a seu lugar na históriaenomundodoimpério”(p.13).Oromance,nessecontexto,foiutilizadotanto comoinstrumentoparaadominaçãoquantoinstrumentoderesistência 7. Para Said, o imperialismo ocidental e o nacionalismo terceiromundista alimentamseumdooutro,masdefendetambémque“mesmoemseuspioresaspectos eles não são monolíticos nem deterministas” (1993, p. 26). A cultura, local onde o “romance” se insere, também não é monolítica e não constitui monopólio, nem do Oriente,nemdoOcidente,oudegruposdepessoas.Oacadêmicoenfatizaaformação de uma “nova consciência intelectual e política” que deve buscar a diversidade, o espaçoparanovasnarrativas: Acabaramseasposiçõesbináriascarasàsatividades nacionalistas e imperialistas. Em vez disso, começamos a sentir que a velha

7Said(1993,p.252)insistenofatode“existiremdoislados”edequearesistênciatambémsetornou sistemática.

18 autoridade não pode ser simplesmente substituída por uma nova autoridade, mas que estão surgindo novos alinhamentos independentementedefronteiras,tipo,naçõeseessências,equeagora provocam e contestam a noção fundamentalmente estática de identidade que constituio núcleo dopensamento cultural na era do imperialismo.(...) Somos ainda herdeiros desse estilo segundo o qual o indivíduo é definidopelanação,aqual,porsuavez,extraisuaautoridadedeuma tradiçãosupostamentecontínua.(SAID,1993:2627) Já em outra linha de pensamento, mas discorrendo sobre o mesmo assunto, Benedict Anderson (1983) defende que nacionalidade e nacionalismo também são “artefatos” e “produtos culturais”. Nesse sentido, a nação é uma “comunidade imaginada”, pois ainda que seus membros nunca se conheçam pessoalmente, eles acreditamqueestãoemcomunhão,queformamumacomunidade.Anaçãoseimagina inerentemente limitada, já que ela nunca se percebe “coincidir” com o todo da humanidade. Ela se julga também soberana, uma vez que, em decorrência do Iluminismo e da Revolução Francesa, tornouse a base de legitimidade das comunidades;basequeoutrorarepousavasobreareligiosidadee/ouopoderdadinastia, equefoitransferidaparaaidéiadenação(1983,p.15).Essasmudanças,consideradas “raízesculturaisdasnações”,tiveramcomoinstrumentosparaumanovaapreensãodo mundooromanceeojornal.MasAndersontambémfezreferênciaàtransformaçãodo conceitode“temporalidade”eàidéiaconstruídadequeanaçãosemoveaolongode um tempo homogêneo e vazio. Essa noção foi o resultado do fenômeno que ele denominou“printcapitalism”etambémteriasidoveiculada através dos instrumentos mencionados.(p.49).Osmonumentoshistóricos,osmuseus,aelaboraçãodemitosde origem, o agrupamento de línguas vernáculas numa única língua impressa (“print language”),todosessesfatoresforamtambéminstrumentosparaaconstruçãodeuma idéiadenação. Umoutronomequetemtidodestaqueporquestionara“construçãodaimagem denação”pormeiodasnarrativas,éoindianoHomiKBhabha: [Essa imagem de nação é] uma ambivalência que emerge de uma crescente consciência de que, apesar da certeza com que os historiadores falam das “origens” da nação como um sinal da “modernidade”dasociedade,atemporalidadeculturaldanaçãotraça

19 umarealidadesocialmuitomaiscaracterizadapelatransição.(1998,p. 1) 89. Pensandoanaçãoapartirdesuasdescontinuidades,oautorde The Location of Culture (1994) e editor de Nation and Narration (1990) critica a existência de um conceito unitário de nação, classificandoo como narrativamente construído. Bhabha aliase aos teóricos que afirmam que o “nacionalismo do século XIX revelou sua arbitrariedade ao construir discursos monolíticos, como se a nação tivesse uma fonte única”(BHABHAapudTEIXEIRA,2005,p.1).Oapagamentodosconflitosatuaem proldeumaidéiaunidimensionaldacultura,formaaidéiade“naçãocoesa”eexclui, assim, as margens, a diversidade, as minorias. O discurso do nacionalismo busca a homogeneização e a horizontalidade da nação imaginada. Bhabha (apud TEIXEIRA, 2005,p.1)propõe“procurarpensaranaçãoapartirdesuasmargens:asvivênciasdas minorias,osconflitossociais,oarcaísmochocandosecomomoderno”(p.1). Em Nation and Narration, Bhabha(1990,p.2)cita,entreoutros,HannaArendt (1958),paraquemanoçãodenacionalismosedefinecomoumdomínioondeinteresses privadosassumemsentidospúblicos.Nessadinâmicadeinteressesesentidosédese imaginarqueasrelaçõesdepoderederesistênciadesempenhempapelimportantena resultantegeradapelasdiferentesexpressõesdeidentidade. Seja através da obra de Said, de Benedict Anderson,deBhabhaoudeoutros pensadores,aconcepçãoderesistênciatambémteveeconosEstudosdaTraduçãoena formadeseabordaraliteraturatraduzida. Nofinaldadécadade1990,MariaTymoczko(1999),SusanBassnett(1990)e LawrenceVenuti(1998),entreoutros,jáapresentavamaidéiadaexistênciaderelações deengajamentopolíticoeagêncianosprocessosdetradução.MariaTymoczko(2000) defendiaanoçãodequeatraduçãoésempreparcialepartidáriaeque,portanto, [o]significadoemumtextoésobredeterminado.Assimainformação eosignificadodeumtextofontesãosempremaisamplosdoqueuma tradução pode transmitir. Inversamente, o idioma e a cultura do receptor requerem características obrigatórias que limitam as possibilidadesdatradução,comotambémestendemossignificadosda traduçãoemdireçõesdiferentedaquelasinerentesaotextofonte(cf. Tymoczko1999:ch.1efontecitada).Comoresultado,ostradutores 8Todosostextosnestadissertaçãoforamtraduzidosporsuaautoraparaoidiomaportuguêsedevemser vistos como resultado de seu lócus e de sua experiência no Brasil. Os textos originais em idiomas estrangeiros,quandoexistentes,estarãoexibidosnasnotasderodapé. 9 “[That image of nation is] an ambivalence that emerges from a growing awareness that, despite the certaintywithwhichhistoriansspeakofthe´origins´ofnationasasignofthe’modernity’ofsociety,the culturaltemporalityofthenationinscribesamuchmoretransitionalsocialreality”

20 devem fazer escolhas, selecionando aspectos ou partes de um texto paratransporeenfatizar. Paraaautora,seasescolhascriamrepresentações,estassãotambémparciais,e insisteemque: Essa parcialidade não é meramente um defeito, uma falta, ou uma ausênciaemumatraduçãotambéméumaspectoquefazdoatode tradução[umato]partidário:engajadoecomprometido,sejadeforma implícitaouexplícita.Naverdade,parcialidadeéoquediferenciaas traduçõesdeumamesmaobraoudeobrassemelhantes,tornandoos flexíveis e diversificados,habilitandoos a participar da dialética do poder,doprocessocontínuododiscursopolítico,edasestratégiasde mudançasocial.Taisrepresentaçõesecompromissosficamaparentes apartirdasanálisesdasescolhasdostradutorespalavraporpalavra, páginaporpágina, e textoportexto, e elas também são freqüentementedemonstráveisnosmateriaisdeparatextoquecercam astraduções,inclusiveintroduções,notasderodapé,resenhas,crítica literáriaeassimpordiante.Asprópriaspalavrasassociadasàpolítica e à ideologia enfatizada aqui sugerem o “nexus” de metonímia e compromissocomaatividadedetradução,indicandoqueanatureza parcialdastraduçõeséoqueasfaztambémpolíticas(TYMOCZKO, 2000,p.23) 10 . Ocarátermetonímico 11 ,atribuídonapassagemacimaàatividadetradutória,será degrandevalianesteestudo,umavezquealongacarreira e as mudanças no caráter políticoeliteráriodaobradeAmadopossibilitaramdiferentespercepçõeseimagens, em diferentes regiões do mundo e para diferentes públicos. Nos Estados Unidos, no períodoreferenteaesteestudo,verificamosaexistênciadeumacorrentedeformação deimagenssobreoBrasilquetevegrandeinfluêncianaformacomoasobrastraduzidas

10 “Translationsareinevitablypartial;meaninginatextisoverdetermined,andtheinformationinand meaningofasourcetextisthereforealwaysmoreextensivethanatranslationcanconvey.Conversely, thereceptorlanguageandcultureentailobligatoryfeaturesthatlimitthepossibilitiesofthetranslation,as wellasextendingthemeaningsofthetranslationindirectionsotherthanthoseinherentinthesourcetext (cf.Tymoczko1999:ch.1andsourcescited).Asaresult,translatorsmustmakechoices,selectingaspects orpartsofatexttotransposeandemphasize.[…]Thispartialityis not merelyadefect,alack,oran absence in a translation it is also an aspect that makes the act of translation partisan: engaged and committed,eitherimplicitlyorexplicitly.Indeedpartialityiswhatdifferentiatestranslationsofthesame orsimilarworks,makingthemflexibleanddiverse,enablingthemtoparticipateinthedialecticofpower, the ongoing process of political discourse, and strategies for social change. Such representations and commitmentsareapparentfromanalysesoftranslators'choiceswordbyword,pagebypage,andtext bytext, and they are also often demonstrable in the paratextual materials that surround translations, includingintroductions,footnotes,reviews,literarycriticismandsoforth.Theverywordsassociatedwith politicsandideologyemphasizedheresuggestthenexusofmetonymyandengagementintheactivityof translation,indicatingthatthepartialnatureoftranslationsiswhatmakesthemalsopolitical.” 11 Retomamosaquioconceitodemetonímia,definidoporHouaiss(2002)comofiguraderetóricaque consistenousodeumapalavraforadoseucontextosemântico normal,porterumasignificaçãoque tenha relação objetiva, de contigüidade, material ou conceitual, com o conteúdo ou o referente ocasionalmentepensado.

21 de Jorge Amado foram lá inseridas e recebidas. Para compreender esse fenômeno é necessárioconhecerosagentesatuantesemtalperíodo.ComoescreveMariaTymoczko em Translation in a Postcolonial Context: (...)nãoimportaqualsejaoidiomadeumescritor,ainterfacecomo mundoéfeitaatravésdatradução. Cada vez mais, tem sido reconhecido que, já que ela facilita o crescimento do contato cultural e um movimento em direção a um mundo [único], a tradução é paradoxalmente o meio pelo qual a diferençaépercebida,preservada,projetadaeproscrita.Atraduçãose colocacomoumdosmaisimportantesmeiospelosquaisumacultura representaaoutra.(TYMOZCKO,1999,p.1718) A autora observa que se as nações são, como disse Anderson, “comunidades imaginadas”,aformacomosãorepresentadasvaifatalmentevariar,umavezqueatraduçãovai reconstruílas segundo as percepções particulares de identidade de diferentes grupos. Além disso,continua,apercepçãodadiferençaénecessáriaparaaarticulaçãodasidentidades,eéa traduçãoaresponsávelpeloestabelecimentodadiferença.Écombasenessasconstataçõesque Tymoczko conclui: Assim, o processo de tradução é poderoso e não é inocente. Juntamente com gêneros narrativos como a história, a ficção, e a literaturadeviagem,ecomproduçõesacadêmicascomopublicações, antologias, e a crítica literária, as traduções formam imagens de culturasepovosinteiros,assimcomodeindivíduos,autoresoutextos. Imagens que, por sua vez, passam a funcionar como realidade. Quandotaisrepresentaçõessãofeitasparaumpovo,elasconstituem ummeiodeinventartradição,inventarumanação,einventaro“self”. Embora a diferença cultural possa ser removida, apagada, ou obliteradanatradução,váriasestratégiasdetraduções surgiram para chamaraatenção,sublinhar,einsistirnasdiferenças de valores, na literatura, na cultura, e na linguagem. Por todas essas razões, a investigaçãodetraduçõeséumaspectoessencialdeinvestigaçãoda cultura, revelando através da comparação com o texto fonte informações valiosas sobre a cultura fonte, enquanto um estudo longitudinaldastraduçõessetornaummeiodemapearasrelaçõesem mutaçãoentreduasculturas.(TYMOZCKO,1999,p.1718) 12 .

12 “(...)nomatterwhatisawriter’slanguage,theinterfacewiththeworldismadethroughtranslation. Increasinglyithasbeenrecognizedthatasitfacilitatesthegrowthofculturalcontactandamovementto oneworld,translationisparadoxicallythemeansbywhichdifferenceisperceived,preserved,projected andproscribed.Translationstandsasoneofthemostsignificantmeansbywhichoneculturerepresents another.[…]Thus,theprocessoftranslationispowerfulanditisnotinnocent.Alongwithsuchnarrative genresas history, fiction,andtravelliterature,andsuch scholarlyproductionsaseditions,anthologies, andliterarycriticism,translationsformimagesofwholeculturesandpeoples,aswellasofindividuals, authorsortexts,imagesthatinturncometofunctionasreality.Whensuchrepresentationsaredonefora peoplethemselves,theyconstituteameansofinventingtradition,inventinganation,andinventingthe self.Althoughculturaldifferencecanbeeffaced,erased,orobliteratedintranslation,varioustranslation strategieshaveemergedtocallattentionto,underscore,andinsistupondifferencesinvalues,inliterature,

22 MariaTymoczkodefende,assim,autilizaçãodosestudosdatraduçãocomoum “medidor”derepresentações,jásedirecionandoparalongedos“estudosprescritivosda tradução”.Asescolhasdostradutores,aotransferiremotextodeumalínguaparaoutra, ou de uma cultura para outra, revelam as estratégias do tradutor, as pressões que o contextoexercesobreelequandorecriaumarealidadeconstruídapelotextofonteeas funçõesdatraduçãonaculturareceptora. Contextoculturalecondiçõesdeproduçãosurgiramcommaisforçanosestudos datraduçãocomoquesechamoude“CulturalTurn” 13 ,segundooqual,naspalavrasde LefevereeBassnett(1990,p.8),“(...)nemapalavra,nemotexto,masacultura[éque] setornauma‘unidade’operacionaldatradução” 14 .Lefevere,emespecial,fezquestão delembraraimportânciadasforçaspatronaisedecontextosobreotrabalhodotradutor. Mesmo sendo aparentemente feita de forma individual, a publicação de um livro traduzidotemumcarátercoletivo,emquerevisores,editoresepúblicoalvosãofatores queatuametêmpodersobreotrabalhodotradutor:“Ninguémnuncafalaouescreve comtotalliberdade,aomenossequerserescutado,lidoouentendido 15 ”(LEFEVERE, 1983, p. 25). O autor sugere também que os tradutores operam dentro de contextos sociaiseparticipamdecomunidadescomasquaiscompartilham valores e práticas e que, portanto, têm diferentes normas para seu comportamento tradutório 16 . Assim, estendeaosEstudosdaTraduçãooconceitode“patronage”paraoqualreivindicauma importânciaquenãopodesernegligenciada. OutroimportanteconceitodesenvolvidoporLefevereéode“refração”,sofrida pelotextoliterárioaopassardeumaculturaaoutra.ComoexplicaSusanBassnett: Umareflexãoenvolveumespelhamento,umacópiadeum original, enquantoumarefraçãoenvolvemudançasdepercepção,eistoéuma imagem que é útil para descrever o queacontece quando um texto passa de uma cultura para outra. Além disso…a refração coloca a

in culture, and in language. For these several reasons the investigation of translations is an essential aspect of investigation of culture, revealing through comparison with the source texts valuable information about both the source culture and the receiving culture, while a longitudinal study of translationsbecomesameansofchartingtheshiftingrelationsbetweentwocultures.” 13 ApartirdostrabalhosdeSusanBassnetteAndréLefevere,nadécadade1990,correntesdosestudosda traduçãosealiaramaosestudosculturaisemseusesforçosparacompreenderoprocessoeo“status”da globalizaçãoedasidentidadesnacionais,aproximandosetambémdosestudospóscoloniais. 14 “(...)neithertheword,northetext,buttheculturebecomestheoperational‘unit’oftranslation”. 15 “Nobodyeverspeaksorwritesincompletefreedom,atleastiftheywanttobelistenedto,readand understood.” 16 VertambémToury(1995,p.277).

23 traduçãoemumcontinuumdetempo,emvezdeseruma atividade queaconteceemumvácuo.(BASSNETT,1991,p.xvii)17 Tal conceito se coaduna com a idéia de caráter metonímico da tradução, de MariaTymoczko,umavezqueambasprevêemqueainterferênciadefatoresculturais implica tomada de decisão do tradutor que, em última instância, “manipula” o texto literário. As posições de Lefevere derivam dos conceitos de “normas da tradução”, criadosporGideonToury(1988).Este,porsuavez,éoriundodaescoladeTelAviv,e deucontinuidade àsidéiassobrepolissistemascriadas por Itamar EvenZohar 18 . Para Toury,atraduçãoseequilibraentreaadequaçãoaotextofonte–derivadadaadesãoa normas da cultura fonte – e sua aceitabilidade, determinada pela adesão às normas originadas na cultura alvo. Toury foi também um dos “fundadores” dos chamados Descriptive Translation Studies (EstudosDescritivosdaTraduçãoDTS),escolacujo nomefoicunhadoprimeiramenteporJamesHolmes(1972/1988).OsDTSpropunham seairalémdosestudostradicionaisteóricos,normativos,datradução. Assim,nasúltimasdécadas,osestudiososdaáreapassaramaseinteressarmais intensamentepelopapeldotradutorepelosfatoresqueinfluenciamseutrabalho.John Milton (2008), na introdução de Agents of Translation, ressalta que o conceito de “patronage”, conforme definido por Lefevere, fica em débito quanto à descrição do papeldeoutrosagentesindividuais(sejamelestradutores,críticos,jornalistasoufiguras políticas) que influenciam o meio literário ao tentarem instigar mudanças no “status quo”. A“patronage”podetambémsereferiràquelesagentesqueseengajam ematosdeconsciêncianacional,taiscomooslíderes, artistas ouas instituições em cenários multilíngües, as minorias e as culturas não letradas, através da promoção da criação de línguas e literaturas nacionais, com a finalidade de conseguir uma unidade nacional, impondoaidentidadecultural,assimcomoganhandoreconhecimento dentrodoespaçoliterárioglobal.(MILTON,2008,p.3) 19 .

17 “A reflection involves a mirroring; a copy of an original; while a refraction involves changes of perception,andthis isanimagethat is useful todescribewhathappenswhenatextcrossesfromone culture to another. Moreover…refraction places translation in a time continuum, rather than being an activitythathappensinavacuum.” 18 VerEvenZohar,Itamar,1990.Polysystem Studies .[= Poetics Today 11:1].Durham:DukeUniversity Press.Aspecialissueof Poetics Today . 19 “Patronagemayalsorefertothoseagentswhoengageinactsofnationalconsciousnesssuchasinthe case of leaders, artists or institutions in multilingual settings, minority and nonliterate cultures by promotingthecreationofnationallanguagesandliteraturesforthepurposesofachievingnationalunity, assertingculturalidentity,aswellasgainingrecognitionwithinthegloballiteraryspace.”

24 Milton acrescenta ainda que o poder exercido pela “patronage” não deve ser subestimado,eutilizaosconceitosdeGreenblatt(1990,p.164165)paraexplicarqueos agentesindividuaisestãoinseridosemumarede“coletiva de energias sociais”, onde açõesindividuaispodemincorreremresultadosdiferentesdosprevistosoudaforma como foram inicialmente planejados. Ali, a volatilidade e a rápida transformação do panoramapolítico(aliançaseacordos)podemtambémdaraumaaçãoprogressistaum caráter reacionário no momento seguinte. Dessa forma o risco e o conflito entre agênciasestãosemprepresentesnotrabalhodotradutor. DanielSimeoni(1998),revisandoasidéiasdeToury(1988)eHolmes(1988e 2000),acrescentoumaisumconceitorelevanteparaoprocessoemqueseinseremas traduções.Éode “habitus”dotradutor,quese originou com as propostas de Pierre Bourdieu:o“habitus”dotradutordizrespeitoàposição internalizada do tradutor em seu “campo social” (SIMEONI, 1998, p. 12). Ele resulta, para cada indivíduo, dos fatores da vida que o condicionam a determinada prática de grupo ou de classe e determinam sua ação dentro de tal campo. Segundo Simeoni, os tradutores são influenciadosporseumeioambienteesuasociedade,eessesfatorescausamimpacto emsuaprodução,assimcomoapossedecertoscapitais(cultural,social,econômico, simbólico etc.), que são também determinantes para a atuação dos agentes sociais envolvidos no processo tradutório. A terminologia emprestada do sistema financeiro ocidentalpassaaserutilizada,assim,paraaanálisedocomportamentodosindivíduos pertencentes àquela sociedade. O conceito de “habitus” tornase, então, um novo instrumentodeanálisedasestratégiaseatuaçõesdediferentestradutores,eoestudodo “campo” que o cerca e dos capitais que detêm, uma maneira de compreender seu trabalho. A carga de determinismo inerente às idéias de Bourdieu carece da devida relativização,umavezquearápidaapreensãodetaisfatores “internos” deinfluência sobreasdecisõesdotradutorserásempreincompletaetambémcondicionadaaolócus doobservador.Todavia,ocarátersocialdosestudosdeBourdieutornaseusconceitos interessantesquandotidoscomo“possíveis”indicadoresdosfatoresqueinfluenciamas decisõescircunstanciaisdostradutores,ouatémesmoparaumdebatesobreasformas comoostradutoreslidamcomsuaspróprias“normasinternas”,superandoasounão. Por último, outro conceito muito interessante para a análise elaborada neste trabalhoéode“Embassy Theory”,desenvolvidopor Francis R. Jones (2007). Jones propõe um modelo de produção de tradução que permite analisar a forma como as pessoasseunemeagemconjuntamenteparaproduzirtraduções,comosemotivamesão

25 motivadasecomoinfluenciamesãoinfluenciadaspelosgrupossociaisforadocontexto imediatodarededeprodução.Éaproduçãode“embaixadas”detradução. A idéia de “embaixada” afinase, e é peculiarmente apropriada à questão das traduçõesbrasileirasparaosEstadosUnidosnosmeadosdoséculo XX,comoficará demonstrado no decorrer do capítulo 3. Na verdade, tanto os conceitos de normas e “habitus”, quanto o de “patronage” e “embassy networks” são adequados ao caso estudado.Comoveremosadiante,aSegundaGuerraMundial e a Revolução Cubana criaramnormasdetraduçãocircunstanciais,quetiveramdeserobedecidasporeditores e tradutores. Até a Segunda Guerra, por exemplo, autores alinhados com a filosofia comunista ainda eram publicados nos Estados Unidos. Com a Guerra Fria (mais exatamente a partir de 1952), Jorge Amado e os demais escritores comunistas foram proibidosnamaioreconomiacapitalistadomundo.Somentemaistarde,quandoAmado játinhadeixadoosquadrosdopartidocomunista(aofinalde1956),suasobrasforam aceitasnovamentedentrodanaçãonorteamericana.Veremosadiantequeessasobras foram inseridas através de agências múltiplas, paralelas e/ou possivelmente concorrentes,masqueaexistênciademediaçãonegociadaede“embaixadas”foiuma constante. No que segue, passaremos a focalizar mais centralmente a questão da obra amadiana e a história de sua recepção nos Estados Unidos, sob a “patronage” do governoamericanoedeAlfredKnopf,desdeadécadade1940atéamortedoeditor.

26 CAPÍTULO 2

PARA ENTENDER JORGE AMADO: BEST SELLER E FENÔMENO DE TRADUÇÃO JorgeAmadofoiumdosmaispopularesescritoresbrasileiros.Foitambémum grande“bestseller”mundial(GOLDSTEIN,2000),cujavendagemconcorreucomade Garcia Marquez, o mais famoso escritor do boom 20 da literatura latinoamericana . SegundoosdadosdaFundaçãoCasadeJorgeAmado,emSalvador,aofinaldadécada de1980avendagemdeseuslivroseraestimadaemtrintamilhõesdevolumesaoredor do mundo, com obras publicadas em 50 idiomas. Amado chegou ainda a ser considerado o exemplo mais importante de recepção internacional da literatura brasileira,fenômenodesucessoepormuitotempoo“únicoescritorbrasileiroaexercer algumimpactonãoapenasnoscírculosacadêmicosinternacionais”,mastambémjunto aopúblicointernacionalemgeral(ARMSTRONG,1999,pp.133134). Apesardetudoisso,muitosnãoconhecemcomprofundidadeahistóriadevida ouasdiferentesfasesdaliteraturadesseescritor,nemmesmoasrazõesparaseusucesso fora do Brasil. Tal desconhecimento pode tornar difícil compreender as polêmicas, complexidades e discussões criadas em torno de sua figura. Também pode impossibilitarqueoleitorcompreendaasdiferentesmaneirasdeencararsuaobra.Por essarazão,faremosumabreverecapitulaçãodealgunsdosfatosmarcantesdavidaeda recepçãocríticadoescritorbaianonoBrasileforadele.

ENTRE REVOLUÇÕES, REBELDIA E O TRÂNSITO SOCIAL: AS DIVERSAS FACES DE JORGE AMADO.

Utópico 21 , anarquista, romântico e sedutor 22 ,“espiãodonazismo”,“agentedo stalinismo” e “roteirista oficioso de Roberto Marinho” 23 , talentoso contador de

20 O boom daLiteraturaLatinoAmericanafoiumperíodo(apósaRevoluçãoCubana)emqueotrabalho de autores latinoamericanos tornouse amplamente divulgado no mundo. As inovações narrativas associadas ao boom incluem o “realismo mágico” e o “realismo maravilhoso”. Seus maiores representantes foram Gabriel García Márquez, Mario Vargas Llosa, Miguel Angel Asturias, Álvaro Mutis,AlejoCarpentier,JulioCortázar,JoséLezamaLima,eJuanRulfo. 21 VerDUARTE,1996. 22 VerMACHADO,2006

27 histórias 24 , popular e populista, defensor da cultura afrobrasileira 25 , antropólogo da terra da mestiçagem 26 , classista e sexista 27 , bem/mal amado 28 , desprezado 29 . Esses foramapenasalgunsdosepítetosatribuídosaopolêmicoescritorJorgeAmadodeFaria, oravistocomoherói,oracomovilão. “QualéoseuAmado?”éaquestãoqueAnaMariaMachado(2006)levantano livroquededicaaoautor.Aperguntafoiutilizadaemsuapesquisaparademonstraras diferentes formas como a obra amadiana foi abordada, analisada, aceita ou rejeitada: “CadaumtinhaoseuAmado,quesaltavaautomaticamente.Múltiplosevariados.Em seguida,asjustificativaspodiamnãosersempreapaixonadas,masnuncadeixavamde seremocionais”(p.21).Ojogodeamoreódiopela obra amadiana foi sempre uma constante,porinúmerosmotivos.Algunsdelesestarãoapresentadosaseguir.

FUGITIVO, GRAPIÚNA E REBELDE 30 .

Itabuna,Ferradas...matacerrada,jagunços,disputadeterras.Esseéoambiente emquenasceuJorgeAmado,em1912,emumafazendanosuldoestadodaBahia.E essefoioclimaqueinvadiuváriasdesuasobras.Emsuafamíliajáexistiaoexemplo deumescritor,seutioGilbertoAmado,tambémpolítico. Amadoerafilhode“DonaLalu”,umadescendentedeíndiosedo“coronel” 31 do JoãoAmado,quetrazianosanguedescendência negra e européia. A migração

23 VerCristaldo,Janer. ENGENHEIROS DE ALMAS em http://www.uol.com.br/cultvox/livros_gratis/zdanov ehttp://br.geocities.com/sitecristaldo/artigosum.htm . acessoem28/01/2007. 24 VerScliarinAmado,2003. 25 VeranálisesdeArmstrong(1999). 26 VerSchwarcz(2001)disponívelemhttp://www1.folha.uol.com.br/folha/ilustrada/ult90u16322.shtml acessoem4/08/2008. 27 VerGalvão,WalniceNogueira. Saco de Gatos. SãoPaulo:DuasCidades,1976. 28 Roche,Jean; Jorge Bem / Mal Amado SãoPaulo:Cultrix,1987. 29 Vincent,Jon S. Jorge Amado, Jorge Desprezado. LusoBrazilian Review,Vol.15,Supplementary Issue(Summer,1978),pp.1117. 30 Osdadosbiográficosexibidosnestesubcapítuloforamcompiladosapartirdasseguintesfontes: Rubim,RosaneeCarneiro,Maried. Jorge Amado: 80 anos de vida e obra. Subsídios para a pesquisa. Salvador,FundaçãoCasadeJorgeAmado,1992. Biografia de Jorge Amado publicada na revista eletrônica RELEITURAS, disponível em http://www.releituras.com/jorgeama,acessoem26/06/08. Biografia de Jorge Amado, publicada no site criado pela Companhia da Letras, disponível em http://www.jorgeamado.com.br/vida.php3?pg=0 ,acessoem05/08/2008. Raillard,Alice. Conversando Com Jorge Amado. Record,1990. 31 Otermo“coronel”éaquiutilizadoparadefiniro“donodeterras”naregiãodeIlhéus,semrealpatente militar.

28 tambémfezpartedeseupassado:seupaipartirade Sergipe para a Bahia, buscando terras para se tornar um fazendeiro (“coronel”) do cacau. Vários relatos contam, de formaromântica,comoJoãoAmadofoiferidoemumatocaiaquandonapresençado filho (Jorge) de apenas dez meses 32 , e como a família teve que se mudar no ano seguinte,devidoaumaepidemiadevaríola. Assim,suainfânciaturbulentaserviudeinspiraçãoparaseusromancessobreo “ciclodocacau”: Era um mundo de uma violência extrema. Ainda criança, vi gente morrer.TenhopresentealembrançademeuprimoAlvinho,quemais tarde foi chefe de jagunços, de Basílio de Oliveira, seu padrinho, abatendoumhomemnumapensãodemulheresduranteumabrigaem Ilhéus,edepoisafuga–eueraummeninodedoze,trezeanos...Eu melembro...Todaaminhainfânciamarcadaporessa violência que nada conseguia brecar; as brigas, a morte fácil, e eu brincando na praçadeIlhéus,lembromedemeutioemeuprimo–oquemaistarde matouohomem–chegandocorrendoegritando:“Vamos, menino, vamosdepressa.”(RAILLARD,1990,p.183). AinfânciadeAmadofoimarcada,ainda,porseusestudosemumcolégiojesuíta noregimedeinternato.Lá,umpadrechamadoLuizGonzagaCabralcostumavafazer grandeselogiosàsuaescritaeemprestarlhelivrosdeautoresdeváriaspartesdomundo (como Charles Dickens, Jonathan Swift, José de Alencar e clássicos portugueses). SegundoJorgeAmado 33 ,opadreCabralabriulheasportasdaliteratura,incentivandoo àcarreiradeescritor. Masoautorrelatoutambémque“(...)adisciplina [nointernato]erarígidae, depoisdaliberdadeàqualeumehabituaraemIlhéus,àbeiramar,ounafazendade meupai,ocolégiodospadresparamimeraumaprisão”(RAILLARD,1990,p.31). Assim,doisanosmaistarde,aovoltardefériasesemconseguirconvencerseuspaisa removêlodointernato,Amadofugiudocolégioepassoudoismesesviajandosozinho pelointeriordonordeste,convivendocomascamadas maispobres da sociedade, até chegar à casa de seu avô em Sergipe. Entre as pessoas que o auxiliaram nessa “aventura”estiveramasprostitutaseosvagabundos,tãomencionadospeloescritore porseuscríticos.

32 É o caso da biografia de Jorge Amado na revista eletrônica RELEITURAS, disponível em http://www.releituras.com/jorgeama,acessoem26/06/08. 33 Ver documentário de João Salles, disponível no site criado pela Companhia das Letras http://www.jorgeamado.com.br/vida.php3?pg=0,acessoem05/08/2008.

29 NovamenteenviadoaSalvador,foimorarnoPelourinho,emmeioàpopulação pobre da região. Lá, voltou a estudar, agora em regime de externato, e começou a trabalharemjornaislocaiscomoo“DiáriodaBahia”e“OImparcial”.Dessaépocao escritortambémdizterretiradomuitasdaspersonagensdeseusromances. Amadofoiumdosfundadoresda“AcademiadosRebeldes”,ummovimentode contestaçãoàliteraturatradicionaldaépoca,“reflexodosmovimentosquesurgiramna EuropadepoisdaPrimeiraGuerraeque,noBrasil,repercutiramprimeiramenteemSão Paulo”(RAILLARD,1990,p.34).SegundoAmado,ementrevistaaindaaRaillard,o gruponãosepretendiamodernista,massimmoderno:(...)lutávamosporumaliteratura brasileiraque,sendobrasileira,tivesseumcaráteruniversal;umaliteraturainseridano momentohistóricoemquevivíamosequeseinspiravaemnossarealidade,afimde transformála(p.36). A “Academia dos Rebeldes” era composta por jovens escritores provindos de famíliasmodestas.EntreelesestavamAlvesRibeiro,EdisonCarneiro,ClovisAmorim, GuilhermeDiasGomeseoutros.Oobjetivodessesescritores era “varrer com toda a literaturadopassado(...)einiciarnovaera”(AMADO,1992,p.84).Aacademiaexistiu entre1928e1931,sendolideradapelopoetaejornalistabaianoPinheiroViegas,um descendentedeespanhóisqueparticiparadacampanhacivilistaaoladodeRuyBarbosa e trabalhara vários anos no Rio. Em Navegação de Cabotagem (1992), Amado descreveu Pinheiro Viegas como um “poeta baudeleriano, (...) panfletário temido, epigramista virulento, o oposto do convencional e do conservador, personagem de romance espanhol, espadachim (...)” (p. 84). A importância da “Academia dos Rebeldes”navidaliteráriadeJorgeAmadofoienfatizadaporeleemváriasocasiões: Nãovarremosdaliteraturaosmovimentosdopassado,nãoenterramos no esquecimento os autores que eram os alvos prediletos de nossa virulência:CoelhoNeto,AlbertodeOliveiraeemgeraltodososque precederam o modernismo. Mas sem dúvida concorremos de forma decisiva–nós,os Rebeldes ,emaisosmoçosdo Arco e Fecha edo Samba – paraafastarasletrasbaianasdaretórica,oratóriabalofa,da literatice, para darlhe conteúdo nacional e social na reescrita da língua falada pelos brasileiros. Fomos além do xingamento e da molecagem,sentíamonosbrasileirosebaianos,vivíamoscomopovo em intimidade, com ele construímos, jovens e libérrimos nas ruas pobresdaBahia(AMADO,1992,pp.8485). EmentrevistaaAliceRaillard(1990),Amadorelembrouopapeldocolegada Academia dos Rebeldes, Edson Carneiro, como o etnólogo e folclorista que fez os

30 primeiros“estudossériossobreosnegrosbrasileiros,asreligiõesnegras,oscandomblés daBahia,osnegrosBantos(...)”(p.35).Nessamesma entrevista, Raillard contou a AmadoqueutilizouodicionáriodeÉdisonCarneiro, A Linguagem Popular da Bahia, para ajudar na tradução de seus livros para o idioma Francês. Edson Carneiro foi o responsável pela introdução de Jorge Amado no mundo do candomblé, quando o apresentouaopaidesantoProcópio,dequemoescritorrecebeuseuprimeirotítulodo candomblé(ogãdeOxossi). Apesardesercontemporâneodosescritoresmodernistas,derejeitaralinguagem formalqueessemovimentotambémcriticava, edeserdidaticamenteclassificadocomo pertencente à “segunda fase” do modernismo 34 , Amado confidencia a Raillard que acreditavaqueosmodernistas,emgeral,“tinhamumgrandedesconhecimentodopovo” (com algumas exceções, entre elas Antônio de Alcântara Machado, Raul Bopp e GuimarãesRosa)(p.58).Eleviaomodernismocomo“ummovimentodeclasseque nasce[u]daórbitadosgrandesproprietáriosdocafé.Formalmenteomodernismoé[foi] umatransposiçãodosmovimentosquesurgiramnaEuropadepoisdaPrimeiraGuerra”. alinguagemde Macunaíma, deMáriodeAndrade,era“umalínguainventada,nãoéa línguadopovo”(p.57). Aquestãodalinguagem,paraAmado,sempreesteveintimamenteligadaaoseu posicionamentopolíticoeàsuabuscadograndepúblico,dacompreensãodascamadas maisbaixasdasociedade.Porissomesmo,JorgeAmadoapoiavasemuitonousodo “cordel”.ParaAnaMariaMachado(2006),aprincipalinovaçãodeJorgeAmadofoi: (...) trazer para as páginas literárias brasileiras o falar popular brasileiro.Hoje,issoficoutãocomum,quenemsenotaotamanhoda revoluçãoquerepresentouquandoeleofez.Masfoiumainovaçãoe tanto, pondo em prática o que os modernistas buscavam sem conseguiratéentão–retrataralínguadopovoemumaobraliterária (MACHADO em entrevista ao jornal Balaio de Notícias de 17 de setembroa15deoutubrode2006). NaopiniãodeAmado,omodernismofoiumarevoluçãoformalvinculadaaum nacionalismodedireitaedeesquerda.JáograndeacontecimentopolíticonoBrasilfoia Revoluçãode30,paraoautor“umarevoluçãoapoiadaporumenormemovimentodas massas,porumgrandeentusiasmopopular”(RAILLARD,pp.5760).ARevoluçãode 1930implicouaderrubadadapolíticado“cafécomleite”,pelaqualserevezavamna

34 VerFaria(2007)

31 presidênciadarepúblicaorarepresentantesdasoligarquiascafeeirasdeSãoPaulo,ora representantes das oligarquias de fazendeiros (agropecuaristas) de Minas Gerais. Tal revolução resultou na primeira ascensão de Getúlio Vargas ao poder. A versão de Amadoéadequeela“nãofoiumgolpedeEstado,(...)foiumarevoluçãopopular”(p. 76). Décadasmaistarde,aotomarpossenaAcademiaBrasileiradeLetras,entidade quemuitocriticouquandojovem,Amadoprofeririaoseguintediscurso: Procuro num milagre de imaginação, reviver no dia de hoje o adolescente magro, membro da Academia dos Rebeldes, na Bahia, nos anos de 1928 a 1930. Pequeno aprendiz de escritor em cerrada fita com outros de sua idade e condição, levantava-me em imprecações contra a Academia Brasileira e toda a literatura de então, disposto a arrasar quanto existia, convencido de que a literatura começava com a minha incipiente geração, nada devendo ao que se fizera antes do nosso aparecimento, nenhuma beleza fora criada, nenhum resultado obtido. Que diria o jovem de dezesseis anos, assombrado ante a vida e o mundo, solto ao mistério da Bahia, ao ver o quase cinqüentão de hoje, envergando fardão, espadim e colar acadêmico. Dentro de mim, senhores, neste coração que resiste a envelhecer, ouço o riso moleque do rebelde em busca de caminho. Rio-me com ele, não há entre nós oposição, não existem divergências fundamentais entre o menino de ontem e o homem de hoje, apenas um tempo intensamente vivido. São muitos homens em diversas idades a encontrarem-se nessa tribuna somados num homem maduro, mais ainda de experiência e vida vivida que de idade. Posso assim rir um riso bom com aquele velho companheiro, o adolescente que eu fui, nas ruas e ladeiras da Bahia, plenamente jovem e plenamente rebelde. Rebelde e não ainda revolucionário, resulta[do] do conhecimento e da consciência. (JORGE AMADO, DiscursodepossenaAcademiaBrasileiradeLetras–1961). PreconizandoaperguntadeAnaMariaMachado,JorgeAmadojádescreviasuas múltiplasfases,osmúltiplos“Amados”.

SUBVERSIVO, REVOLUCIONÁRIO, COMUNISTA!

Direita quer dizer fome, miséria, ditadura, e encontram-se então elementos de direita, formas de direita em todos os regimes, sejam eles capitalistas ou os assim chamados socialistas. Esquerda para mim quer dizer paz, liberdade, sem miséria, com trabalho, ter um emprego, cultura para todos, e liberdade. A Liberdade. Para todos. ( RAILLARD, 1990: 52).

32 Como descreveu em seu discurso para a Academia Brasileira de Letras, o rebelde ainda se transformaria em revolucionário. Amado mudouse para o Rio de Janeiro em 1930 e lá se formou advogado, porém nunca praticou a profissão. Na faculdade, travou amizade tanto com membros de grupos de esquerda, como Carlos Lacerda,quantocom“tomistas” 35 ,oquejáindicavasuatendênciaaconciliarosideais políticoscomareligião.Em1931,conseguiupublicar seu primeiro livro, O País do Carnaval 36 , pela Editora Schmidt, por intermédio de um amigo de Viegas, o crítico literário Agripino Grieco. Em entrevista ao jornalista Joel Silveira, Jorge Amado confirmouqueViegaseaAcademiadosRebeldesserviramdeinspiraçãoparaaescrita de O País do Carnaval, sendo a obrabem recebidapela crítica da época. Então,por intermédio de Rachel de Queiroz, Amado ingressa na Juventude Comunista. O tom políticoinvadesuaobra. Cacau (1933) 37 , Suor (1935)e Jubiabá (1936)sãofrutosdessa época; este último protagonizado por um dos primeiros heróis negros da literatura brasileira 38 . Em seguida, publicaria Mar Morto, obraqueinspirouDorivalCaymmia comporamúsica“Édocemorrernomar”.Osideaiscomunistaslevamnoafazerparte daALN–AliançaLibertadoraNacional–eaparticipardaRevoluçãode1935,também chamada de “Intentona Comunista”, em Natal, no Rio de Janeiro e em Recife. Tal participação foi o motivo de sua primeira prisão política, em 1936, juntamente com GracilianoRamos,DiCavalcantieCaioPradoJr.,entreoutros 39 . ComoapoiodoPartidoComunista,saiemviagemem meados da década, e visitaosEstadosUnidoseaAméricaLatina.DuranteoEstadoNovo,emnovembrode 1937,apósapublicaçãode Capitães de Areia ,regressaaoBrasileénovamentepreso. Em19denovembrodomesmoano,seuslivrossãoqueimadosempraçapública,em frenteàEscoladeAprendizesMarinheiros,emSalvador. Desdeoiníciodadécadade1930,sualiteraturajácomeçaraaser“exportada” paraaEuropa,emfunçãodesuaatuaçãonoPartidoComunista.Em1935,atradução

35 PraticantesdadoutrinaouescolásticafilosóficadeSãoTomásdeAquino. 36 Amadosempreconsiderou O País do Carnaval suaprimeiraobra,apesardejáterescrito,emconjunto comÉdisonCarneiroeDiasdaCosta,oromance Lenita , em1929,oqualassinoucomopseudônimoY. Karl.Amadoconsiderava Lenita ,todavia,uma“coisadecriança”,deescritoresmuitojovensaindaenão aincluiunasualistadeobracompletas. 37 Tambémnoanode1933,JorgeAmadocasousecomMatildeGarciaRosa,comquemteveumafilha, Eulália Dalila Amado, nascida em 1935 e falecida com apenas catorze anos. Amado separouse de Matildeem1944eem1945conheceuZéliaGatai,quefoisuacompanheirae“grandeamor”pelorestode suavida. 38 Verbiografianositehttp://www.jorgeamado.com.br 39 Fonte: 'Jorge Amado 80 Anos de Vida e Obra Subsídios para Pesquisa'. Organização, texto e pesquisadeRosaneRubimeMariedCarneiro(CasadePalavrasAcervoJorgeAmado).

33 espanhola de Cacau chega à Argentina e no final de 1938 a tradução francesa de Jubiabá élançadaemParis,onderecebeumacríticamuitopositivadeAlbertCamus. Nadécadade1940suasobrassãolevadastambémaPortugal,EspanhaeUruguai. Em1941,porém,AmadodecideescreverumlivrosobreLuísCarlosPrestes,o quetornaimpossívelsuapermanêncianoBrasilsemserpreso.Passaentãoaresidirna Argentina.Aobra A vida de Luís Carlos Prestes, o Cavaleiro da Esperança ,erauma tentativadeapoioàanistiadePrestesedeoutrospresospolíticos. ComaentradadoBrasilnaSegundaGuerraMundialaoladodosaliados,em 1942, e com a invasão da União Soviética, o Partido Comunista resolve apoiar o governo de Getúlio Vargas. Amado e alguns de seus “companheiros” comunistas voltamentãoaoBrasil.AmadoépresonoRiodeJaneiroelevadoaSalvador,paralá serlibertado.DepoisdeseisanosdeproibiçãoàpublicaçãodesuasobrasnoBrasil,ele lança,em1943, Terras do Sem Fim. FoioprimeiroromancedeJorgeAmadolevado emtraduçãoinglesapelaAlfredA.KnopfPublishersparaosEstadosUnidos. Em janeiro de 1945, Amado preside a delegação baiana do I Congresso de Escritores,emSãoPaulo,sendoeleitovicepresidentedessecongresso.Oeventoacaba se transformando em uma manifestação contra a ditadura do EstadoNovo. Amado é preso,juntamentecomCaioPradoJr.,masélogolibertado.Nessemesmoano,alémdas atividades como escritor, tornase secretário do Instituto Cultural BrasilURSS, cujo diretoreraMonteiroLobato 40 . Ainda em 1945, o PCB volta à legalidade e Amado é eleito deputado pelo partido, com 15.315 votos. Tal votação e o capital simbólico que ela representou surpreendemopróprioescritor.Enquantodeputado,consegueaprovaraleipeladefesa da liberdade religiosa e pela defesa dos direitos autorais. Em 1947, o partido cai novamentenailegalidade.Amadosegue,então,paraoexílioemParis,efazdaFrança suasegundacasa.FoiapartirdadatadeseuexílionaEuropaqueaobradeAmado começouaseprojetarmaisfortementenospaísescomunistasesocialistas.Etambém quesuaobratornousemaisamarradaàestéticadopartido. Se a amizade de Raquel de Queiroz levarao ao comunismo, nessa altura dos acontecimentosnemmesmoaamizadedeÉricoVeríssimoconseguiademovêlo.Luis

40 OpapeldeMonteiroLobatoduranteoprocessodeamericanizaçãodoBrasilestádescritoem:Milton, J.; Hirsch, I. Translation and Americanism in Brazil 19201970. Across languages and cultures, Budapest,v.6,n.2,pp.234257,2005.

34 FernandoVeríssimo,filhodeÉricoVeríssimo,porocasiãodamortedeJorgeAmado relatouque: Desdeoseurápidoasiloconosco 41 ,eleemeupai,ÉricoVeríssimo, foramamigos,masaamizadepassouporalgumaturbulêncianofinal dosanos40einíciodos50,quandoaquestãodoengajamentopolítico dividiuosintelectuaisdoPaís.Meupaicontavaumacenadolorosae cômica,quesepassaranobanheirodeumquartodehotelnoRio.Ele dentrodeumabanheiradeáguaquente,tentandoaliviar uma cólica renaleaomesmotempoconvenceroJorge,sentadonumbanquinho ao lado, que, com toda a sua simpatia pelo socialismo, não podia aceitarodogmatismocomunistaeototalitarismo.Eoamigotentando convencêlodajustificativahistóricadostalinismo.Mascontinuaram segostandoeseadmirandoeacabaramseaproximandopoliticamente também, engajados no repúdio a qualquer sistema desumano (Luís Fernando Veríssimo para o jornal “O Estado de S. Paulo” de 10/8/2001).

Assim,JorgeAmadopassaaviajarintensamentepelaEuropa.VisitaaItália,a Tchecoslováquia, a Alemanha, a Bélgica, a Suíça, a União Soviética, a Suécia, a Noruega,aDinamarca,aHolanda,aHungriaeaBulgária.Emsuasviagens,participa de conferências e congressos difundindo as idéias do Partido, e tornase amigo de personalidadescomoJeanPaulSartre,PabloPicassoePabloNeruda.Traduçõesdesuas obras surgem em Moscou, Varsóvia, Praga, Holanda, Bulgária e espalhamse pelo restantedaEuropa,sendobemaceitasprincipalmentenospaísesda“cortinavermelha” ondeseprivilegiavao“realismosocialista 42 ”. Emjaneirode1950,Amadoé“convidado”,pormotivospolíticos,aretirarseda França,ondejámoravahácercadedoisanos.Mudase,então,paraaTchecoslováquia, passandoamorarnoCastelodaUniãodosEscritores. Em1951escreve O Mundo da Paz ,umrelatosobresuaviagemaváriasregiões daUniãoSoviéticaedospaísesdasdemocraciaspopulares,ondeopovoeogoverno lutampararepararosdanoscausadospelaSegundaGuerraMundial.Comonosconta EdvaldoCorreaSotana,professordaUNESP: Jorge Amado utilizou o seu relato de viagem para produzir representações sobre a União Soviética como “baluarte da paz mundial”edeStálincomoumgênioqueguiavaospovosnalutapela 41 Luis Fernando Veríssimo, filho de Érico Veríssimo, recorda, nessa mesma entrevista, que havia conhecido Jorge Amado no final da década de 1930, quando este se refugiara na casa de seus pais, escondendosedapolíciapolítica. 42 ParaumavisãodarecepçãodaobradeJorgeAmadoemalgunspaísesda “cortinavermelha”, ver: Jezdzikowski(2007),Horta(2002),Rougle(1984).PararecepçãodeobradeJorgeAmadonaFrança, ver:Rivas(2005).

35 paz. A descrição de Amado sobre o pacifismo soviético pode ser compreendida ao considerar as tensões geradas pela Guerra Fria. A manutenção da paz mundial também foi um assunto tanto para capitalistascomoparacomunistas.(SOTANA,2005,p.7) Amadoacreditavaque“odesejodossoviéticosemmanterapaznãoprovinhado temor de uma derrota militar, mas da condição de Estado socialista que não tinha interesse pela guerra e que apenas deseja avançar na construção do comunismo” (AMADO,1951,p.49).Nasuavisão àépoca, oinimigo cruel era o “Imperialismo Americano”. Com a publicação de O Mundo da Paz , Amado recebeu o Prêmio InternacionalStalindaPaz.NoBrasil,noanoseguinte,oautorfoiprocessadoportal publicaçãoeenquadradonaLeideSegurançaNacional.Mesmoassim,eleretornaao Brasil,comgarantiadeliberdadeasseguradapelosargentoGregório,chefedaguarda pessoaldeGetúlioVargas,umfatonomínimoincoerente,masquejámostravaaforça queadquiriaocapitalsocialdeJorgeAmado. Os subterrâneos da liberdade ,publicado em1954,tambémseguiufortementeaestéticadoPC. Enquantoisso,nosEstadosUnidos,comaaprovaçãodaleianticomunistaMc CarramWater,noiníciodadécadade1950,oescritorficaproibidodeentrarnaquele paíseseuslivrostêmsuapublicaçãovetada. Suas contínuas viagens fazem com que seus romances passem, então, a ser traduzidosextensivamenteparadiversosidiomas,eseu capitalsocial crescecadavez mais. Em1953,saientãoemPortugal,pelaEditoraAvante,umfolhetoassinadopor Jorge Amado e Pablo Neruda com a intenção de libertar o líder comunista Álvaro CunhaledemonstrarseuposicionamentodeoposiçãoaosistemadegovernodeSalazar. MasahistóriapolíticaeliteráriadeAmadocomeçaamudarapósorecebimento do Prêmio Stalin. Em Navegação de Cabotagem , Amado (1992, pp. 241244) revela quepoucoapósessadata,omedoeaincertezajácomeçavamainvadirsuavida.Seus antigosamigoscomeçamaserpresoseacusadosdetraição. A dor de suas famílias chocaJorgeesuaesposaZélia.Arevelaçãodetorturasaqueospresospolíticoseram submetidosoangustia(p.30).Oantisemitismostalinistadesagradao,constrangeo(p. 36). E foi a partir daí que Amado começou a mudar seu comportamento e a se manifestarcontraasdecisõestotalitáriasdoPartido.Tantoque,apósaquintaediçãode O Mundo da Paz ,em1953,Amadoproíbenovasreediçõesdaobra.Anosmaistarde,o

36 autor confessaria que o fez por achar a obra “desatualizada”, não correspondendo à realidade das nações comunistas da época 43 . Relata ainda em Navegação de Cabotagem: Publicado no Brasil pela editora do pecê, O Mundo da Paz vendeu cinco edições em poucos meses, valeume processo na justiça, acusado de autor subversivo. Convidei João Mangabeira para meu advogado, mas não cheguei a ir a juízo, o magistrado a cargo do processo mandou arquiválo com sentençarepleta de sabedoria: “de tãoruim,olivronãochegaasersubversivo,étãosomentesectário”. Emverdadenãoescreveu“detãoruim”,oacréscimoquemfazsoueu, autocríticatardia,massincera. Dei razão ao meritíssimo, retirei O Mundo da Paz de circulação, risqueio da relação de minhas obras, busco esquecêlo, mas, de quandoemvez,colocamemminhafrenteumexemplarcompedido deautógrafo.Autografo.Oquepossofazerseoescrevi?(AMADO, 1992,p.234). Assim, a partir de 1955, já consolidada sua decepção com os rumos e as atividades do Partido, e em virtude das revelações que surgiriam no Congresso do PCUS(PartidoComunistadaUniãoSoviética)edoRelatóriodeKruchev,dasquais Amadojátinhaconhecimento,eledecidiufinalmentedesligarsedoPartidoComunista. OescritoreraagoraumnovoJorgeAmado,cansadodeguerra.Comasrevelaçõesdo XXPCUS,muitosoutrosintelectuaistambémabandonaramocomunismo.Aprincípio, suasaídaforasilenciosa,semmuitasdeclarações,maischeiadepesares.Aospoucos, comopassardotempo,edeformalenta,Amadocomeçouaseabrirsobreoincidentee arevelarsuadecepçãoesofrimento. ConfessouaRaillard: Paramim,oprocessofoiextremamentedoloroso,etãoterrívelqueeu nãogosto...sequerdemelembrar.Nãoacreditarmaisemtudoemque antesacreditara,naquilopeloqualluteiminhavidainteira,daforma mais generosa, ardente, apaixonada e arriscada. E tudo isto estava afundando,vocêmeentende?Aqueleaquemvíamoscomoaumdeus nãoeraumdeus,erasomenteumditador,umditadoràmaneirados... autocratasorientais...(RAILLARD,1990,p.141).

No documentário dirigido por João Moreira Salles (1995), Jorge Amado é entrevistado e fala sobre o mesmo episódio, agora de maneira mais ressentida,

43 Disponívelemhttp://www.releituras.com/jorgeamado_bio.asp,acessoem04/07/2008.

37 rejeitandoodiscursopolíticodesuaprimeirafasecomoescritor.Elemostraclaramente amágoaquelhedeixaraadesilusãocomoPartidoComunista: Nenhumescritornaquelemomento,naquelaocasião,eraumescritor quenãotivesseumengajamento.Etodaaprimeiraparte da minha obratrazumdiscursopolíticoqueéumaexcrescência. Nós éramos stalinistas,masterrivelmentestalinistas.ParamimStalinerameupai, erameupaieminhamãe.ParaaZélia,amesmacoisa.Nóslevamos umatrajetóriadeanoscruéisparacompreenderqueopaidelaerao mecânicoErnestoGattaiequeomeupaieraocoroneldocacauJoão Amado.Querdizer,opartidomeutilizou,eapartirdessemomento, em realidade o que o partido fez foi, sem querer provavelmente, a tentativadeacabarcomoescritorJorgeAmado,parateromilitante Jorge Amado (...) No fim do ano de 1955 eu soube que a polícia socialista torturava os presos políticos tão miseravelmente quanto a políciadeHitler.Omundocaiusobreminhacabeça.Jásemescrever há longo tempo, já descrente por inteiro das ideologias... do fundamentaldasideologias...Stalineravivoainda;eudeixeiopartido comunista.Fuiatacadopormuitoscomunistas,deuma forma muito violenta...Oprincipaldirigentecomunistadaépoca,depoisdePrestes, queeraArrudaCâmara,dissequedaliaseismeseseu não existiria como escritor e como intelectual... Felizmente ele se enganou. A ideologiavocêquersaberoqueé,Henry?Éumamerda! Comessedesfechotipicamenteamadiano,oescritorencerrousuademonstração dedesprezopelamanipulaçãoepelaadesãoimpensadaaideologiasradicais.Quantoàs adivinhações de Arruda Câmara, elas estavam mesmo erradas, e muito. Após ter deixadooPartidoComunista,acarreiradeJorgeAmadocomoescritordeslanchoude forma espantosa. Escreveu inúmeras obras de sucesso, agora longe dos quadros do PartidoComunista. CANSADO DE GUERRA, LIBERTÁRIO, FREYRIANO, OBÁ, E... COMERCIAL?!

Construíram uma teoria (...) segundo a qual a minha obra se dividia em duas partes: uma anterior a “Gabriela” e outra posterior. É uma estupidez, uma bobagem total. (...) Diziam que a obra se tornara folclórica, que era a negação da obra passada, (...) como se os elementos da vida, do folclore, não estivessem presentes em livros como “Jubiabá”, “Mar Morto”, a presença de Iemanjá, do candomblé etc., ou em “Capitães de Areia”. Tudo isso é uma tolice incomensurável. Mas perdura até hoje: as duas obras, a do início, revolucionária, denunciando a injustiça social, e a outra. Não, minha obra é uma unidade, do primeiro ao último momento. Só se pode dizer que existe, no início, uma profusão do discurso político, correspondendo ao que eu era então (RAILLARD,1990,p.267).

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Se para Amado Gabriela, Cravo e Canela foi a continuação natural de seu projetoliterário,paramuitosfoiumanovaetapanavidadoescritor.Amadodeixavade escreverromancesdedicadosaoPartido,passandoaescreverlivrementeealouvartodo tipo de liberdade. Mesmo assim, a tônica da defesa das classes subalternas, a contestaçãoeadenúncianuncadeixaramdeexistiremsuaobra.Jáarispidezpolítica seriasubstituídapelohumorepelaironia. Dessa fase surgiram os livros A morte e a morte de Quincas Berro D’água , considerada uma obraprima 44 , que depois seria publicada junto com o romance O capitão-de-longo-curso no volume Os velhos marinheiros (1961). Depois foram publicados Dona Flor e seus dois maridos (1966), Tenda dos Milagres (1969), Tereza Batista cansada de guerra (1972)e do Agreste (1977). Em seus novos romances, um antigo e constante elemento de sua obra se reforçava,crescia–adefesadaculturaAfrobrasileira: Souumvelhobrasileiro,deantigasidades,oquesignificaterno sangueamisturademuitossangues,tantosquenemmesmoeusaberia dizerquaisexatamente.Comcertezasangueindígena,sanguenegro, sangue branco. Minha mãe, dona Lalu, era uma pequena índia, a relembrar no físico e em circunstâncias de caráter aquela sua avó capturada na selva pelo avô caçador. Ao que me contaram, um português um tanto quanto aventureiro. Sangue indígena bem próximo,comosevê,nãomaisdistanteosanguenegro. Meupai,JoãoAmadodeFaria,coroneldecacau,conquistador deterras,plantadordefazendas,riaamorrerquandoparentesnossos, atarracadosmulatossergipanos,segabavamdeseusangueholandês. OsAmadoteriamvindonacomitivadoPríncipeNassau,governador daprovínciaholandesadoBrasil. O coronel João Amado amava alardear fatos acontecidos no passado,sobreosquaisosparentespreferiamguardar silêncio. Tais fatos contavam detalhes dos amores da filha do patrão de um comérciodesecosemolhados,moçabrancaque,tendoseapaixonado porumnegroquefaziaascontasdasvendasedoslucros,a elese entregouedeleengravidou.Diantedagravidezpatente,ocomerciante nãoteveoutrojeito,parasalvarahonradafamília,senãopermitiro casamento, aceitar um negro como genro. Aliás, acrescentava meu pai,nasmãosdonegrooarmazémconheceuaprosperidade,afortuna dafamíliacresceu. Quantoaopropaladosangueholandês,achegadadosAmadoem Pernambuco com Nassau, existem certa razão de ser e dúvidas de origem.ArazãodeserbaseiasenofatodequeNassautrouxeparao Brasil muitos daqueles cristãos novos que se haviam exilado na Holanda.JudeusconvertidosenemassimperdoadospelaInquisição, 44 UmexemploéoPosfáciodamaisrecentepublicaçãodaCia.dasLetras,assinadoporAffonsoRomano deSant’Anna.

39 abandonaram a península Ibérica, Espanha e Portugal, em busca de liberdadeedepaz.Algunshistoriadoresconsideramqueessescristãos novoseramoscidadãosmaiscultosnãosódacolôniaholandesa,mas detodooBrasil.Paradecepçãodecertosparentesnossos,osangue holandêsviravasanguejudeu.Namelhordashipóteses,sangueárabe, dosmourosquehaviaminvadidoeocupadoapenínsula. (AMADOem“LouvesequemdeveserLouvado”) 45 Não é à toa que Jorge Amado afirmou diversas vezes sua admiração pela descrição freyriana da formação da sociedade brasileira: ele via em si mesmo o elementoda“novaraça”geradanoBrasil.Amisturaentreoíndio,onegroeobranco 46 . E foi certamente daí que surgiu seu apoio à obra do pernambucano Gilberto Freyre. Após sua saída do Partido Comunista, e apesar de vivenciar ideais políticos divergentes dos de Freyre, o escritor baiano alinhouse cada vez mais ao sociólogo pernambucano em seu ideário regionalistanacionalistamestiço. A ideologia da mestiçagem falava mais alto do que as diferenças políticas (GOLDSTEIN, 2000, p. 101).Diferençaspolíticasquenãoerampoucas.Todavia,opróprioautorbaianoviriaa declarar,ementrevistaàRevistaPenAzul,oseguinte: Eu vejo a obra de Gilberto Freyre como uma das mais importantes.EudiscordeimuitodeGilbertoduranteaminhavida,por posições políticas. Eu tive uma militância política comunista, todo mundo sabe, durante muitos anos e, aliás, fomos colegas na Constituinte de 46. Eu era deputado comunista e Gilberto era deputadodaUDN...Discordamosmuitasvezes,masofundamentalé quemesintomuitofelizeorgulhosodetersidocontemporâneo de Gilberto Freyre, de ter assistido à publicação de Casa Grande & Senzalaem1933,naediçãoSchmidt.(...)olivrodeGilbertoFreyre nos deu a nossa identidade brasileira, ele nos ensinou como é que somosbrasileiros. 47 Na obra comemorativa do 25º aniversário da publicação de Casa Grande & Senzala ,JorgeAmadohomenageouFreyre,comentandoaformacomoolivroteriasido “fundamental para a transformação sofrida no país, verdadeira alavanca” (AMADO, 1962,p.32).Econtinua,enfatizandoaformarevolucionáriadaescritadeFreyreparaos padrõesdaépoca:

45 Disponívelemhttp://www.ecco.com.br/vita_mia/oriundi_pre.asp .Acessoem27/03/2008. 46 TantoIlanaGoldstein(2000),quantoReginaHelenaMachadoAquinoCorrêa(2008),também descrevemocaráterfreyrianodaobradeJorgeAmado. 47 Disponívelemhttp://medei.sites.uol.com.br/penazul/geral/entrevis/jamado.htm .

40 Pois,antesdeeleentraremcenaeditorial,livrodeestudonoBrasil erasinônimodelivrochato,malescrito,retórico,pernóstico,ilegível. Era assim mesmo, com raras exceções. Só levado por absoluta necessidade aventuravase alguém na intrincada floresta onde cresciam os palavrões difíceis e uma prosa de colarinho duro e sobrecasaca negra. Como se, para ser ensaísta de peso, historiador, sociólogo,válidoautordeestudos,fosseobrigatoriamentenecessário escrever difícil (quando não escrever mal), se fazer distante e incompreensível, substituído o verdadeiro saber pela retórica epela gramatiquice.Umhorror. De súbito, eis que um escritor admirável, dono de uma língua envolvente,brasileira,sensual,quenteeíntimadoleitor,surgeeprova que tudo pode ser lido com prazer, pode ser saboreado como um poema, pode ser literatura da melhor, além de realmente ensinar e fazerpensar(p.32).

OmaisinteressantenodepoimentodeAmadoéqueoqueeleelogiaéumadas características mais atacadaspelos críticos de Freyre: sua escrita “não científica”.No entanto,ficamclarosquaissãoosideaisdeAmadoquantoàlinguagemadequadaàsua “literaturadequalidade”.Nessemesmotexto,AmadoelogiaráofatodeFreyre,assim como ele,promover a “tradição de uma literatura ligadaaopovo,nascendodele”(p. 34).ElereafirmaquediscordoumuitasvezesdasidéiaseconceitosdeFreyreequepor vezestiverampontosdevistadiferentes.Massempre que menciona tal fato, Amado colocaonumpatamarinferioràsuaadmiraçãoerespeitopelosociólogo.Éoquerevela novamenteem Navegação de Cabotagem: LigammeaGilbertoFreyreestimaeadmiração.Nãofuivassalode suacorte,mastiveplenaconsciênciadasignificaçãode Casa Grande & Senzala , apenas publicado em 1933, e a proclamei aos quatros ventos: em suas páginas aprendemos por que e como somos brasileiros; mais que um livro, foi uma revolução. Na cena política coincidimos e divergimos, jamais as divergências resultaram em desestima,levaramaoafastamento.(AMADO,1992,p.45) JáoselogiosdeFreyreaJorgeAmadoerambemmenosfreqüentes,sejapelo perfilmais“aristocrático”evaidosodoprimeiro,ouporseuposicionamentopolíticode direita.DurantesuaestadianoBrasil,otradutorSamuelPutnamrelatouao The New York Times queumrepórternaCâmaradosDeputadosperguntaraaFreyreoqueele achavadeJorgeAmadocomopolítico.Aoqueesterespondera:“Comodeputado,eleé umótimoescritor” 48 ( New York Times de6deoutubrode1946).Apesardisso,Amado

48 “AsaDeputy,heisaveryfinewriter”.

41 continuava a defender as idéias de Freyre para explicar a brasilidade, a identidade nacional. Em 1957, o autor conheceu a mãe menininha do Gantois, figura de grande importâncianocandomblédaBahia,etornousemuitoligadoaela.Em1959,recebeu umdosmaisaltostítulosdareligiãoafricanadocandomblé:tornouseum“obáorolu”, assumindo a função de sábio conselheiro da comunidade. Esses fatos passavam a influenciar grandemente sua literatura. As mudanças no posicionamento político do escritorbaianotambémimplicaramumaalteraçãoemsuarecepçãocríticanoBrasil.Em 1961,AmadofoieleitoporunanimidadeparaaAcademiaBrasileiradeLetraseeleito membrodapresidênciadoPenClubdoBrasil.Nessemesmoano,aobraamadianafoi inauguradanatelevisãobrasileira:aextintaTVTupilançavaaadaptaçãode Gabriela, Cravo e Canela noformatodenovela. Amadopassa,então,aparticiparativamentedefestivais,encontroseexposições. Recebe inúmeras homenagenspor suas obras, chegandomesmoaserconvidadopelo presidenteJuscelinoKubitschekparaserembaixadordoBrasilnaRepúblicaÁrabe– convite que recusou. A União Brasileira de Escritores apresentou duas vezes sua candidaturaformalaoPrêmioNobeldeLiteratura(em1967e1968).Em1970recebeu emSãoPaulooPrêmioJucaPato,daUniãoBrasileira de Escritores, e dividiu com FerreiradeCastrooPrêmioGulbenkiandeFicção,emParis.Nadécadade1980,como autor já consagrado, Amado escreve ainda grandes sucessos, como Tocaia Grande (1984)e O sumiço da santa (1988). Foi também convidado a falar aos alunos da Universidade da Pensilvânia, a representaroBrasilnaComissãoInternacionaldeAssessoriaaoprojetodereconstrução daantigabibliotecadeAlexandria,noEgito,aparticipardeumseminárioemBerlime doFórumMundialdasArtesemVeneza.Foiconvidadoaindaapresidir,noMarrocos, o14ºFestivalCulturaldeAsylah,cujotemafoi“Mestiçagem,oexemplodoBrasil”. Em 1987, foi criada a Fundação Casa de Jorge Amado, uma instituição que passavaatomarcontadoacervodoautor.ConsideradaporGlauberRochaumaobra extremamente plástica – obra de um metteur-en-scène (ROCHA, citado por VEIGA, 2003, p. 3) – Jorge Amado teve ainda outras de seus romances transformados em telenovelas,filmescinematográficosepeçasteatrais: Amado tinha certo carinho pelo filme Dona Flor e Seus Dois Maridos,de1976,comdireçãodeBrunoBarretoeestreladoporSonia Braga, José Wilker e Mauro Mendonça. Segundo ele, a maior

42 bilheteria da história do cinema brasileiro era "uma agradável comediazinha". Sempre que possível, no entanto, Amado procurava fugirdasexibiçõesdefilmesbaseadosemtextosseus.Natelevisão, foi grande o número de novelas e minisséries inspiradas em Jorge Amado.Gabrielavirounoveladuasvezes,em1961,naRedeTupi,e em1975,naRedeGlobo.TerrasdoSemFim,Tendados Milagres, CapitãesdeAreia,Tieta,TerezaBatistaCansadade Guerra, Tocaia Grandee,maisrecentemente,DonaFloreSeusDoisMaridosforam outrosromancesqueganharamformatotelevisivo.(RevistaVEJAde 15deagostode2001) 49 , AmadofoitemadeSambaEnredodeEscolasdeSamba e teve seu romance “DonaFloreSeusDoisMaridos”transformado(adaptado)emumapeçadaBroadway: o musical Saravá, em 1978. Teve ainda sua efígie estampada em seis milhões de bilhetes da Loteria Federal e foi homenageado em inúmeras instituições nacionais e internacionais: tornouse Doutor Honoris Causa de várias universidades, nacionais e internacionais,entreelas,aUniversidadeFederaldaBahia;aUniversidadedeLumiére, emLyon;aUniversidadede Israel,aUniversidadeDagliStudideBari,naItália;ea Universidade de Sorbonne, em Paris.Em 1995, recebeu o Prêmio Camões, uma das maioreshonrariasdaliteraturadelínguaportuguesa. Suasaúdecomeçouapiorarem1996,emdecorrênciadeumedemapulmonar. JorgeAmadomorreuemagostode2001,nãosemantesdeixarolivrodememórias Navegação de Cabotagem (1992).

AS “CONTRAVENÇÕES” DE JORGE AMADO ComosepôdepercebernessesbrevesfragmentosdavidadeJorgeAmado,o carátercontestador,deumidealismoquaseadolescente,foimuitocaracterísticoemsua história.Comoformadordeopiniões,aliavaseaumavertenteidentitáriaquecelebrava aculturaafrobrasileiraenãoaeuropéia,nemaamericana.Comoescritor,rebelouse contra o caráter tradicional da linguagem acadêmica. Mas o fato de Jorge Amado ter pertencido aos quadros do Partido Comunista e ter sido, por muito tempo, militante ferrenhodostalinismo,foicertamenteaquestãomaispolêmicaeprovocadoradesua carreira. Amado tornouse comunista na época em que vários intelectuais brasileiros

49 Tambémdisponívelemhttp://veja.abril.com.br/150801/p_096a.html Acessoem26dejunhode2008.

43 seguiramessamesmacorrente,sóquefoimaisfundonasatividadesdopartido:viajou pelo mundo militando a favor da causa e por muito tempo submeteu sua escrita às ordensdacúpulacomunista.Issotudoatraiuototaldesprezodascorrentesdedireitado país. Apesar de seu desligamento do Partido Comunista e das demonstrações de repulsapelasatitudesviolentaserepressorastomadaspeloslíderessoviéticos,nãose podedizerqueAmadotivessesetornadoumconvictocapitalista.Nafamosaentrevista a Alice Raillard, ele descreveu a forma dual como enfrentou a questão do anti americanismo: Dediquei boa parte de minha vida a desancar o imperialismo norteamericano,maldosmales,horrordoshorrores,betenoire,vilão dofilme,responsávelpelasdesgraçasdomundo,peste,fomeeguerra, as tiranias, a ameaça atômica—repeti com afinco e ênfase todas as frasesfeitasdodiscursodeesquerda. Emmeioàdemagogia,verdadesagranel:odesmascaramento,a denúncia da tentativa de domínio econômico e político, dos golpes militaresemnossaspátriasdaAméricaLatina,ditaduraseditadores feitosnascoxasdosembaixadoresianques,osPinochets,osVidelas,a Redentorade1964.Nãomearrependodaartilhariagastaemartigose discursos,pronunciamentosparadesmascararaimpostura,denunciar aagressão,afacedoimperialismoémesquinhaesangrenta. Repito, contudo, a dois por três que os bens materiais mais valiosos que possuo, eu os devo ao imperialismo, pilhéria de gosto duvidosoaoverdospuritanos.Emverdadeeuosdevoameutrabalho — ao meu e ao de Zélia, não distingo nem separo: a casa do Rio Vermelho,naBahia,amansardasobreoSena,noMorais,emParis. Em 1962 a Metro Goldwyn Mayer comproume os direitos cinematográficosde“Gabriela”—atraduçãoeditadaporAlfredKnopf figuravanaslistasdebestsellersdasgazetasdeNew York ede Los Angeles -pagoumepreçobarato,eueraentãomuitopoucodivulgado naquelasbandas.Paramim,umdinheirão,aindaporcimaemdólares. Sentimerico.AMetrodemoroumaisdevinteanospararealizar o filme, por duas vezes busquei recomprar os direitos, na segunda tentativa ofereci o dobro do que recebera; por duas vezes a Metro recusouemcartasidênticas:nãopensamosnosdesfazerdessanossa mercadoria—mercadoria,apalavrausada.(AMADO,1992,p.67).

Amado arrependeuse, e deplorou o fato de ter vendido seus direitos àMetro logo após o ocorrido. Em carta enviada a Alfred Knopf, que intermediou o evento, AmadoescreveuquetantoMartins,seueditornaépoca,comoeletinhamassinadoos “sagradospapéis”soboolharzelosodosoficiaisdoConsuladoAmericanonoRiode JaneiroeSãoPaulo,emumacerimônia“tocante”(ênfasesnossas).Diziasefelizporter concluídooassunto“patético”equeficarianoaguardodesuacópiadocontrato.Por

44 fim,agradeciaaajudado“bomamigo”paradarporencerradoo“tristenegócio”eque esperava pagálo na mesma boa moeda: a amizade (Carta de Jorge Amado a Alfred Knopfem22denovembrode1963.HRC–BOX401–folder1). Em04/08/1995,ementrevistaaoJornaldoBrasil,oautorafirmouque“(...)o socialismoéofuturo.Aquedadomurosignificouofimdeditadurasmedonhas,que existiamemnomedocomunismo,masnãoeracomunismonarealidade.Acreditono avançodohomememdireçãoaumfuturomelhor”. Seaquestãopolíticatraziatensãoàcarreiradoautor,polêmicafoi,também,a forma como Jorge Amado lidava com as questões religiosas. Como comunista, pressupunhaseateuematerialista,oquejáseriaumaagressãoaospreceitosreligiosos deumpaísoficialmentecatólico. Noentanto,suapredileção pelo candomblé, que o encantavaporserumareligiãoemquenãoexistiaanoçãodepecado 50 ,esuadefesada liberdadedecultosafricanostrouxeramlheojámencionadocargodeObá. Amado tinha também grande amizade com Camafeu de Oxossi, Carybé e DorivalCaymmientreoutros,oqueolevouaobtergrandeprestígionacomunidadedo candomblédaBahia.Edemonstravaapoiarevalorizarasigrejascomoinstrumentosde reforma.Em1990,oescritorbaianodisseaAliceRaillard: Oconceitomarxistadereligião,ópiodopovo,éameu ver de uma infinitatolice,terrivelmentesectário.Areligiãorepresentouumaforça revolucionária imensa, porque era diferente. Aliás, quando os comunistasfalaramdoópiodopovo,tambémelesdefendiamassuas próprias posições de capela, é seita contra seita!... Eu acrescentaria queaIgrejacatólicanãoéuniforme,hojeemdiaela está dividida. AtualmentetemosnoBrasilumaigrejatradicionalista,conservadora, ao lado de uma igreja progressista, eu até diria revolucionária: sob certosaspectoséelaquemnestemomentoimpeleas reivindicações sociais, sobretudo no meio rural, com as comunidades eclesiais de base, que são a vanguarda da luta contra um regime econômico retrógrado e ainda latifundiário em grande parte do país. (RAILLARD,1990,p.83). Essa forma de pensar obviamente desagrava os excompanheiros comunistas. Maisainda,nessaentrevista(pp.89e94),JorgeAmadodizseadeptodosincretismo religioso, vinculandoo à questão da intolerância. Rejeitava, por conseqüência, as tentativasdosmovimentosnegrosderetornodocandombléàsorigenseàidentidade africana.Amisturasobrepunhaseàpureza. 50 ParaumavisãomaisaprofundadadadefesaqueJorgeAmadofazdocandomblé,verRaillard,1990,p. 8384.

45 NovamenteencontramosumJorgeemrebelião,contrariandoocaráterreligioso oficial do país, contrário aos preceitos comunistas antireligiosos, contrariando os movimentosda“negritude”.Tantapolêmica,sejadeordempolítica,racialoureligiosa, nãopoderiapassarilesaacríticas,fossemelaspositivasounegativas. SOB O OLHAR DA CRÍTICA LITERÀRIA BRASILEIRA: O POLÊMICO JORGE Umadasmelhoresdescriçõesdarecepção críticadaobradeJorge Amadofoi feitapelojornalistaSérgioVilasBoasparaoJornaldaPoesia: AobradeJorgeAmadonuncaexcitouaacademia.Masamaioriados poucos ensaios críticos foi implacável. Argumentouse que personagens de Jorge coronéis desumanos, negros viris, brancos arrivistas,proletáriosutópicos,especuladores,biscateiros, prostitutas beatíficas, cafetões manipuláveis, etc. eram caricaturais, estereotipadas e psicologicamente vazias; que seus enredos eram melodramáticos,comsoluçõessobrenaturais(àsvezesembebidasem sincretismoreligioso)paraconflitossociaisconcretos;queoconteúdo erapanfletário,machistaefolclórico;quesualinguagempopularesca negava a literatura como arte; que imperava a pornografia gratuita, quase perversa; que o pano de fundo socialista era, na verdade, populista, pois acreditava que tudo o que vem do povo é necessariamentebom. Diante da inabalável empatia de várias gerações de leitores, multiplicados anualmente aos milhares, tais argumentos (luminosos nas décadas de 60 e 70) podiam soar invejosos e até levianos, e contrapunhamse a defesas veementes, como as feitas por Roger Bastide, Albert Camus, JeanPaul Sartre, Pablo Neruda, Gabriel GarcíaMárquez,CelsoFurtado,JoséPauloPaes,AntonioCandidoe outros. Muitas opiniões favoráveis a Jorge estiveram marcadas também pela amizade e admiração que sua figura sempre cultivou entre personalidades de diversas ideologias. Para os estrangeiros, principalmente, os romances de Jorge Amado são uma espécie de carteira de identidade do Brasil. (Sérgio Vilas Boas, “Olhares modernossobreumromântico”,JornaldaPoesiade10deagostode 2001) 51 PodemosencontrarosexemplosdasopiniõesnegativasmencionadasporSérgio VilasBoasnascríticasdeváriosmembrosdacomunidadeacadêmicanoBrasil.Alfredo Bosi,emsua História Concisa da Literatura Brasileira ,afirmouque:

51 Disponívelemhttp://www.jornaldepoesia.jor.br/svboas1.htmlAcessoem25dejunhode2008.

46 (...)suaobratemdadodetudoumpouco:pieguiceaoinvésdepaixão, estereótiposemvezdetratoorgânicodosconflitossociais,pitoresco em vez de captação estética do meio, tipos folclóricos em vez de pessoas, descuido formal a pretexto de oralidade. (BOSI, 1958, p. 459) JáWalniceNogueiraGalvão,referindoseàobra Tieta do Agreste, teceucríticas àformacomoJorge“reforçavaamitologiabaiana”,alémdequestionarsuaabordagem política,eargumenta: (...) a bandeira progressista (...) é o populismo, a glorificação do ‘povo’ justificando qualquer barbaridade que sua ficção perpetre. Tudooqueébomvemdopovoe,porisso,todasaspersonagenssão caricatas. Abrase exceção para o rico e fino Coronel e para a representante do povo, a prostituta mulata, casal revelador da ótica classistaesexistadoescritor(GALVÃO,1976,p.14) Esses são apenas alguns exemplos de como a crítica literária se opôs à obra amadiana,masocríticomaisferozdeJorgeAmadotalvez tenha sido o jornalista e tradutor Janer Cristaldo, que mantém até hoje na rede internacional de informações (INTERNET),emumsítioparaturistasestrangeiros 52 ,umartigoonlinecujotítuloé“A GrandeProstituta”.OtextorevelaaindignaçãodeCristaldoporocasiãodahomenagem aJorgeAmadoemfevereirode1998,no18ºSalãodoLivrodeParis.Cristaldoacusa Amadodesera“prostitutamaiordasletrascontemporâneas”.Ojornalistanãopoupou agressividadeaofalarsobreoautorbaiano: OBrasilseráopaíshomenageadodoSalãoeterácomoconvidadode honraerepresentantedenossasLetras,JorgeAmado,omaisvendido escritornacional,quecomeçousuacarreiracomoestafetadonazismo, continuoucomoagentedostalinismoehojeéroteirista oficioso de RobertoMarinho.Amadoaindareceberá,naocasião,otítulodeDr. HonorisCausaporumauniversidadeparisiense.Nadadeespantar:os parisienses, de longa tradição colaboracionista e stalinista, não perderiamestaoportunidadedehomenagear,nesteséculoquefinda,o colega que desde a juventude militou nas mesmas hostes. (CRISTALDO,AGrandeProstituta) 53 ApósdiscorrersobreavidaeobradeAmadodeformairônica,ojornalistae tradutor afirma que, ao homenagear Amado, Paris estava “condecorando um escritor

52 Ver: http://www.brazzil. com/p26apr98.htm ; http://www.baguete.com.br/colunasDetalhes.php?id=2690 http://cultvox.locaweb.com.br/livros_gratis/amado_jorge.pdf; e http://www.scribd.com/doc/2940573/A GrandeProstitutaJaneCristaldoentreoutros.Acessoem26/06/2008. 53 Disponívelemhttp://cultvox.locaweb.com.br/livros_gratis/amado_jorge.pdf,acessoem26/06/2008

47 venal,queprestouospioresdesserviçosaoBrasilaolutarparatransformáloemmais uma republiqueta soviética, em nome de uma rápida ascensão literária e fortuna pessoal” 54 . OsataquesdeCristaldocertamentenãoafetariamJorgeAmado.Acostumadoàs críticasferozes,tornaraseindiferenteeatéirreverentediantedelas.Éoqueseverifica nojámencionadodocumentáriodocineastaJoãoMoreiraSalles,feitoparaatelevisão francesaeexibidonoBrasilem2008emumamostra cinematográfica. Nele o autor demonstrasuaatitudediantedetaiscríticas:"Umavez,natentativadediminuirminha obra,umcríticodissequeeueraumescritordeputasevagabundos.Nuncarecebium elogiomaior",testemunhou. Emváriasocasiões,aspolêmicassobreaobraamadianaressurgiramfortemente. Umadelasfoiàépocadesuamorte,em2001,quandováriosobituáriosrelembraram suavidaeobra.Etodaessapolêmicanãoevitouqueosdireitosdepublicaçãofossem compradoseaobrarelançadapelaCompanhiadasLetras,emmarçode2008.Ofato desencadeouasfarpasdojornalistainternautaJoséPires: ChicoBuarqueaparecenosjornaisemumafotolendoJorgeAmado. Estáconfortávelnumacadeiraeolhadelongeolivro,comjeitode quemprecisadeóculos.Ocompositortemtempopraperderlendo− oupiorainda,reler−oescritorbaiano?Vaileraobracompleta?Olhe que é uma quantidade razoável: a editora Companhia das Letras pretende publicar 34 títulos. É provável que Buarque saiba que está anunciandoumaporcaria,maspelojeitooespíritodo“partidão”ainda pesabastante.O“partidão”éofalecidoPartidoComunistaBrasileiro, quedurantemuitotempofoiumfatordesucessoquasequegarantido nojornalismoenaliteratura.Eracomoumgrandeclube. Os sócios tinhamtodososbenefícioseelogiospossíveisadvindos da ação de seuspares.(JoséPires.“JorgeAmado,ummitosemqualidade”Brasil Limpeza,17deMarçode2008) 55 . Aoqueparece,terparticipadodoPartidoComunistaé,aindahoje,motivoderancor paracomoautor.Todavia,avisãodaCompanhiadasLetrasébemdiferente.Emseu sitenaInternet,lêseadescriçãodomegaprojetocomo:“areediçãodaobradeJorge Amado, o baiano que criou algumas das histórias e personagens mais famosos,

54 Cristaldo,disponívelemhttp://www.scribd.com/doc/2940573/AGrandeProstitutaJaneCristaldo eem http://www.brazzil.com/p26apr98.htm entreoutros.Acessoem26/06/2008. 55 Disponível em http://brasillimpeza.blogspot.com/2008/03/jorgeamadomitoconstrudocomfoice e.html acessoem25dejunhode2008.

48 carismáticoseatrevidosdanossaliteratura,trazendoaBahiaparaocoraçãodopaíse revelandoseumvaliosointérpretedoBrasil” 56 . A menção da Companhia das Letras de que Jorge Amado é um “valioso intérprete do Brasil” mostra que sua ótica está muito mais ligada aos estudos sociológicoseantropológicos,emcontrastecomoscríticosqueseapegamàsnormasda “boaescrita”ouaopassadopolíticodoescritor. A RECEPÇÃO INTERNACIONAL DE JORGE AMADO

Regina Helena Machado Aquino Corrêa, em sua tese de doutorado, cita a importânciainternacionaldaobraamadiana,fazendoaseguintedefesa: Mesmoconcentrandoseemummundoculturaltãoespecíficocomoa Bahiaesendotãocriticadopeloestilocomercialdasuaobra,nãose podeignorarumescritorbrasileiroqueélidonomundointeiro,teve seuslivrostraduzidospara49línguaseconstado“GuinnessBookof Records” de 1996 como o escritor mais traduzido do mundo. (CORRÊA,1998,p.27) Contudo,quandosefaladarecepçãodaobradeJorge Amado fora do Brasil, devemos ter o cuidado de não homogeneizála. Ser traduzido para tantos idiomas e levadoatantospaísesnãosignificaquesuaobrafoiapreendidadamesmaformaem todososlugares.UmexemplodissoéoestudofeitoporPatríciaHorta,daUniversidade de São Paulo, que analisa a diferente recepção de Jorge Amado na Alemanha DemocráticaenaRepublicana,esuaposteriorreavaliaçãonaAlemanhaUnificada.Ao falardacríticajornalística,Hortadeclaraqueesta: (...) inicialmente e durante a Guerra Fria centrouse na propagação panfletária das características – principalmente as pessoais – que ligavam o autor ao Socialismo Democrático, mesmo após seu rompimentocomoPartidoComunista.Porém,comopassardosanos e a paulatina abertura do leste europeu, os atributos populares e exóticos da obra amadiana foram sendo acrescidos a sua recepção “socialista”. Por fim, nos tempos da glasnost na União Soviética, a permissão de entrada da cultura ocidental fez com que a militância política de Amado perdesse importância para a abordagem de seu estiloliterário,principalmentenoquedizrespeitoàrepresentaçãoda

56 Disponívelemhttp://www.jorgeamado.com.br/apresentacao.php ,acessoem5/08/2008.

49 culturabrasileirasobosaspectosdoexótico,dohumoredaalegriade viver.(2003,p.88) Paraaautora,arecepçãodoescritorbrasileiroengendradapelacríticajornalísticana RepúblicaDemocráticadeulugara“umapassagemdoengajamentoparaoexotismo”(p.88), mantendoseestávelnaRepúblicaFederativa.Continuandosuaanálise,Hortaafirmaaindaque essacrítica (...) distanciouse também da recepção programada pelas editoras ocidentais, que deram mais importância aos elementos populares presentesnaobradeAmado.Nacríticajornalistaocidental sobre o autor,oselementospopularespresentesserviramdebaseparacríticas literárias.Alémdisso,destacousetambémsuafunçãopolítica.(...)o socialismo de Amado é freqüentemente interpretado, na República Federativa, por seu valor como crítica social e, assim, como determinaçãodeumadasfacetasdeseuestilo.Nãoexiste,portanto,a valorizaçãodamilitânciadoautor,comonaRepública Democrática (HORTA,2003,p.88). O exemplo da Alemanha torna evidente que as diferentes máquinas governamentais e os diferentes sistemas culturais vinculados a elas modificaram a recepçãodaobradoautor. JánaFrança,ondeJorgeAmadoviveupormuitosanos,deondeforaexpulsoe paraondepôderetornaresercondecoradoaindamaistarde,aobrarecebeuinicialmente a crítica negativa de André Gide. Mas o fato ficou apagado diante dos elogios de intelectuais como Blaise Cendrars e Albert Camus (MACHADO, 2006, p. 2). Na verdade,acríticapositivadeCamuscomrelaçãoàtraduçãofrancesade Jubiabá foia primeiragrandemolapropulsoradaobraamadiananoexterior. UmrecenteestudosobreastraduçõesdeAmadonaPolôniamostraque,naquele país,atraduçãofoi“manipuladacomfinspolíticosdesdeoiníciodoregimecomunista” (JEDZIKOWSKI,2007,p.114).Ali,asimagensdeJorgeAmadoreforçamoidealde umescritorcomunista: (...)comprometidocomoPC.Oretratodeumintelectualdeorigens humildes,quecomseutrabalhoconsegueapromoçãodasociedadee quelutapelacausaoperáriaepelapazmundialéaquintessênciada ascensão social na Polônia Marxista. As notícias veiculadas nos periódicospolonesesenquadramaobradeJorgeAmado dentro dos moldesdorealismoedorealismosocialista.Acategoriadoexotismo, quandoassociadaaosescritosamadianos,permanecesubordinadaaos imperativosdo socrealismo [sic].(JEDZIKOWSKI,2007,p.114)

50 AconclusãodeJedzikowskiéadeque:“aimportaçãodeJorgeAmadoparao polissistemasociopolíticopolonêsobjetivavaaconsolidaçãodosvalores daideologia comunista, assim como visava à diversificação do repertório do sistema literário da RepúblicaPopulardaPolônia”(2007,p.194). Comopodemosperceber,arecepçãointernacionaldaobradeAmadodemanda estudosparticulareseindividuais,dentrodoscontextosemomentoshistóricosdecada país.ÉoquepretendemosfazercomrelaçãoàsobrasdeJorgeAmadopublicadasnos EstadosUnidos. Nãohá,noentanto,comoignorarumpontojámencionado,masquepodenão ter ficado suficientemente evidenciado. A recepção da obra amadiana esteve sempre vinculada a um outro fator: a grande rede de relacionamentos do autor, seu grande capital social. Amado não tinha bons amigos apenas no Brasil. Ele era internacionalmente bem relacionado. Pablo Neruda, Fidel Castro, Jean Paul Sartre e Simone de Beauvoir, Picasso, Ferreira de Castro, são apenas alguns dos nomes que encontramos nas constantes menções a amigos de Amado. Até mesmo o cineasta polonêsRomanPolanskiteriavisitadooescritorna Bahia em 1968para agradecer a “alegria que seus livros lhe proporcionaram na juventude" 57 . Uma das maiores habilidades de Jorge Amado era a de manter amizades e de ter aliados fiéis e admiradores. O relacionamento mais importante de Jorge Amado, no tocante à inserção de suasobrasnomercadoamericano,foicertamenteoquedesenvolveu,apartirde1961, comoeditorAlfredA.Knopf.

57 Releituras–resumobiográficoebibliográfico–disponívelem http://www.releituras.com/jorgeamado_bio.asp

51 CAPÍTULO 3

AS TRADUÇÕES DE JORGE AMADO NOS ESTADOS UNIDOS

Diferentemente do que se possa imaginar, a atividade de tradução já esteve muitointerligadaàsquestõeshistóricasepolíticasnasociedadebrasileira.Estecapítulo demonstraainterligaçãoentreaatividadedetradução,questõespolíticaspontuaisea representaçãodasociedadebrasileira.Aqui,oenfoqueéoperíodoentreasdécadasde 1940 (Segunda Guerra Mundial) e 1980 (década da morte de Alfred A. Knopf), sondandoarelaçãoentreaatividadedetraduçãoearepresentaçãodoBrasilnosEstados Unidos. Entre a Segunda Guerra Mundial e a Guerra Fria, a literatura estrangeira traduzida foi vista pelo governo dos Estados Unidos e por intelectuais brasileiros e americanos como ferramenta para conhecer a cultura do “outro” e comoinstrumento para fortalecer alianças políticas. Nesse período, os jornais norteamericanos, com destaque para o The New York Times , funcionaram tanto como fontes de narrativas sobreosacontecimentospolíticosinternacionais,quantocomoconstrutoresdeimagens dasnaçõesestrangeiras.Elestambématuaramcomoveículosdasopiniõesdeagentes literários. Jornal e romance, as duas formas de comunicação escrita, descritas por BenedictAnderson(1983,p.25)em Comunidades Imaginadas comoresponsáveispela formaçãodaimagemdanaçãomoderna,criamasbasesparaofenômenodemonstradoa seguir. PANORAMA POLÍTICO NAS AMÉRICAS EM MEADOS DO SÉCULO XX

Herbert Hoover, presidente dos Estados Unidos de 1929 a 1933, foi quem primeiroutilizouaexpressão“goodneighbor”(TOTA,2000,p.28)aoexecutaruma viagemdiplomáticaàAméricaLatina,logonoiníciodeseumandato.Foiasementedo que se tornaria mais tarde a “marca registrada” do Governo de Franklin Delano Rooseveltesuapolíticade“BoaVizinhança”,aplicadaapartirde1933.Aarticulação

52 dessesgovernos,contrariandoafilosofiado“BigStick 58 ”deseuspredecessores,nãose baseavamais,comoobservaTota(2000,p.43),naintervençãoarmada,masnadefesa atravésdacooperaçãocontinental.Paraisso,foicriadooGabinetedoCoordenadorde Assuntos Interamericanos (Office of the Coordinator of InterAmerican Affairs OCIAA),encabeçadopeloempresárioNelsonRockefellerefiliadoaoDepartamentode Estado. Uma das divisões do OCIAA era a de RelaçõesCulturais, àqualseatribuiu grandeimportâncianoprocessodaformaçãodeumapolítica“Hemisférica”(p.51).Foi um período de grande influência americana na cultura e na sociedade brasileira. Não cabe aqui relatar em detalhes todos os acontecimentos da época 59 . Mas é importante relembrarque,juntamentecomumasériedenegociações estratégicase militares(i.e. disputa por bases militares no nordeste do Brasil), comerciais (comercialização de bauxita,borracha,níqueleferro,eofinanciamentoparaaconstruçãodasiderúrgicade Volta Redonda em troca do apoio do Brasil na guerra), houve na época uma forte políticaculturalamericanadecombateaoNazismonaAméricaLatina. FIGURA 1

No Jornal do Brasil , Getúlio Vargas anunciava sua colaboração com os Estados Unidos. (Jornal do Brasil - Sexta-feira, 29 de janeiro de 1943).

58 O termo “Big Stick” (grande porrete) referiase à política diplomática empregada por Theodore Roosevelt,comocoroláriodaDoutrinaMonroe,segundoaqualosEstadosUnidosatuavamcomopolícia internacionalnohemisférioocidental,incluindoemsuapolíticaasintervençõesinternacionais. 59 Paraumrelatomaisdetalhado,verTota(2000).

53 Vários foram os ícones culturais então criados para representar o Brasil. O exotismo de Carmen Miranda faria da cantora a embaixadora musical e “hollywoodiana” da república das “bananas” nos Estados Unidos, a “musa da boa vontade”(ALMEIDA,2005,p.1).EmvisitapatrocinadapeloDepartamentodeEstado, WaltDisneycriouPanchito(representandooMéxico) e Zé Carioca (representando o Brasil), para contracenarem com o “amigo” Pato Donald (representando os Estados Unidos). E foi justamente o Nordeste, a região brasileira mais cobiçada para fins geoestratégicos,60 queinspirouofilmedeDisneyquetraziaoZéCariocacomoumdos protagonistas:“VocêjáfoiàBahia?”. FIGURA 2 FIGURA 3

“Joe Carioca” e Carmen Miranda em 1942 Os três cavaleiros... de chapéu mexicano em 1942 Segundo Marcio Siwi (2007, p. 5), da Universidade do Texas, Nelson RockefellerempreendiagrandesesforçosparaquetantoaimagemdosEstadosUnidos noBrasil,quantoadopaísdoZéCariocanosEstadosUnidosfossemextremamente positivas. Um esforço que, ao tentar quebrar antigos estereótipos, criava outros. O simpáticopapagaiotornouseosímbolocordial,malandroevagabundoparaumpovo quesempreadmirouafigurado“selfmademan”. O rádio e o cinema foram os dois grandes alvos da política de intercâmbio cultural do OCIAA. Todavia, outras áreas da sociedade também foram afetadas. Um

60 O Nordeste também abrigou a maior base militar americana fora de seu próprio território: a “ParnamirimField”,emNatal–RN.Jáasregiõessudestee,principalmente,sul,ondecolôniasitalianase alemãseram vistascomoinclinadasaaderiràsidéias fascistas e nazistas, o interesse do OCIAA era manterocontroledascomunicações.Paramaioresdetalhesver:Tota(2000,pp.8490).

54 exemplodeiniciativadaépocapodeservistonoartigodo The New York Times de23 demarçode1941,cujotítuloera“LaçosCulturaiscomEstadosUnidoscrescendono Brasil” 61 .Noartigo,aesposadeLourivalFontes,oentãodiretordoDIP(Departamento deImprensaePropaganda)dogovernodeGetúlioVargas,éapresentadacomomodelo deadmiraçãopelaculturaamericana. DonaAdalgiza,viúvade IsmaelNerye recém casadacomFontes(emumacerimônianacasadoMinistro das Relações Exteriores, Oswaldo Aranha), mostravase exultante com tudo o que fosse americano e, principalmente, comopapelparticipativodasmulheres naquela sociedade. Liase no artigo: “AinfluênciaamericanaaquinoBrasilétremenda”,eladeclara.“Ela vem através dos filmes, da rádio, revistas e livros e através de um grandenúmerodeamericanosviajandoparaoBrasil. Restou muito pouco para nós admirarmos na Europa, pois somos uma nação de individualistas que não conseguiriam sobreviver sob uma ditadura européia.Masasconquistasealiberdadedademocraciaamericana– estas são coisas que povoam a mente brasileira agora” 62 . ( The New York Times de23demarçode1941) Esse deslumbramento, tão bem descrito por Dona Adalgiza, teve um grande representante à época nas Letras Brasileiras: o escritor Monteiro Lobato, que fez traduçõeseadaptaçõesdeobrasamericanasnoBrasil(MILTON&HIRSCH,2005). Ojornalnovaiorquinotambémanunciavaachegadadealunos,intercambistas provindosdeváriospaíseslatinoamericanos,àcidadedeNovaYorksendorecebidos pelopróprioprefeitodacidadeepelo“Coordenador” Nelson Rockefeller. Os alunos estavamrecebendobolsasdeestudosnosEstadosUnidoscomopartedoprojetode“boa vizinhança”( The New York Times de21dejunhode1942). Aliteraturanãoficoudeforadosprojetosdeamericanização.O The New York Times de22denovembrode1940jáanunciavaqueestavamsendoelaboradosplanose listasdelivrosparaointercâmbioentreaAméricadoNorteeadoSul 63 .NosEstados Unidos,livrosdespretensiososarespeitodoBrasiljácomeçavamasurgir 64 . 61 U.S.CulturalTiesGrowinginBrazil 62 “TheAmericaninfluencehereinBrazilistremendous”,sheasserts.Itcomesthroughthemovies,the radio,magazinesandbooksandthroughthelargenumberofAmericanstravelingtoBrazil.Thereislittle left for us to admire in Europe for we are a nation of individualists who could not survive under a Europeandictatorship.ButtheachievementsandfreedomofAmericandemocracy–thesearethethings thatfilltheBrazilianmindnow.” 63 Ojornalnovaiorquinotrariamanchete similar (New book listed for Latin America) em27/04/41. 64 O The New York Times de12dejaneirode1941traziaumartigosobreumlivrosem“atrativosfísicos”, comaparênciamodesta,mascomexcelenteconteúdo,chamado Seven Keys to Brazil ,deVeraKelsey.A obrasepropunhaadescreveroBrasileumpoucodesuahistória.

55 Atraduçãotambémfaziapartedoprojetomaior.Aprincípio,oDepartamento de Estado Americano começou a incentivar as universidades e editoras para que realizassemtraduçõesdeobrasliteráriasdaAméricaLatina.Oqueinicialmenteerauma iniciativa modesta, que previa baixos custos para uma atividade de alto risco financeiro 65 ,acabouporintensificarsecomacriaçãodoOCIAA.Atraduçãoadquiria assimumpoderosopatronooficial:oDepartamentodeEstadoAmericano.Nostermos de Jones (2008), o gabinete de Rockefeller e o governo americano criaram uma “embaixada”específicacomafinalidadedepromoveracoesãopolíticahemisférica.O grupodebrasileirosqueapoiavatalprojetoera,tambémemseustermos,um“time”ou uma“parte”aliada.

ÉRICO VERÍSSIMO – UM “MUITO SIMPÁTICO AMBASSADOR”

FIGURA 4 - Já leu Jorge Amado? - Por alto. É bandalho e comunista. - E o nosso Érico Veríssimo. - Nosso? Pode ser seu, meu não é. Li um romance dele que fala a respeito do Rio Grande de antigamente. O Zózimo, meu falecido marido, costumava dizer que por esse livro se via que o autor não conhecia direito a vida campeira, é “bicho da cidade”. Há uns anos o Veríssimo andou por aqui, a convite dos estudantes, e fez conferências no teatro. Fui, porque o Zózimo insistiu. Não gostei, mas podia ser pior. Quem vê a cara séria desse homem não é capaz de imaginar as sujeiras e despautérios que ele bota nos livros dele. - A senhora diria que ele também é comunista? D. Quitéria, que mastigava uma broinha de milho – e mais que nunca parecia um pequinês – ficou pensativa por um instante. - O Prof. Libindo costuma dizer que, em matéria de política, o Érico Veríssimo é um inocente útil. (Texto extraído do romance Incidente em Antares deÉricoVeríssimo,2004:p152)

Destaque do New York Times em 18 de abril de 1941.

65 O The New York Time sde30dedezembrode1939traziaumanotaanunciandoqueoDepartamentode Estado passava a incentivar, através de um projeto na Universidade de Cleveland, a publicação de traduçõesdebaixocusto,pormeiodetrabalhovoluntárioerenúnciadedireitosautorais,paratrazero produtodaescritadospaíseslatinoamericanosaopúbliconorteamericano.Eraafórmulaparaexpandir asrelaçõesculturaiseoentendimentomútuo.Noentanto,paraserlucrativa,umapublicaçãoprecisaria implicarumavendaacimade2000exemplares.

56 A idéia de panamericanismo gerou o patrocínio de intercâmbios de artistas, escritores, músicos e cineastas. Além dos já mencionados ícones representativos da AméricaLatinaedoBrasil,nomescomoHeitorVillaLobos,CândidoPortinari,Ary BarrosoeElsieHouston,entreoutros,tiveramgrandedestaquena New York World's Fair (TOTA,2005,pp.99102). OmaiorrepresentantedenossaliteraturanaépocafoioescritorÉricoVeríssimo. O autor gaúcho foi convidado pelo Departamento de Estado Americano a visitar os EstadosUnidoscomoportavozdaculturabrasileira,efoiapresentadocomoconsultor deumaimportanteeditoradosuldoBrasil,aEditoraGlobo.Alémdisso,lembraainda Tota(2005,p.88),Veríssimoeraotradutordeváriasobrasamericanaspublicadasno Brasil. Era também originário do Rio Grande do Sul, fato que não pode ser negligenciado, já que toda a região Sul brasileira, onde existiam colônias alemãs e italianas,eratemidapelopossívelapoioàs“idéiasnazistasdeumagrande Fatherland germânica,queseestenderiaportodaaAméricaLatina”.Veríssimo,aocontrário,era um“bominformante”,umconhecidoescritorbrasileiroliberalquerepresentavaoapoio aosEstadosUnidoseaoposiçãotantoaofascismoquantoaocomunismo.Oautor,que haviaviajadopelosEstadosUnidosdenorteasul,teriaafirmadoqueosamericanosdo sul eram muito parecidos com o povo brasileiro. Segundo a imprensa da época, Veríssimoapresentavaaseguinteproposta: Suaidéiaédequeasrelaçõesinteramericanaspodemserforjadaspor uma troca mútua de conhecimento sobre a literatura das duas Américas–nãoliteraturanosenso“literário”,maslivrosaseremlidos por diversão (...) O que o Sr. Veríssimo tem em mente é completamente diferente do tipo lisonjeiro de intercâmbio literário. Suaidéiaédequeacompreensãodobomedoruiménecessáriaede que, quando tais relações têm cara de propaganda, elas falham. A tendêncianaliteraturabrasileirajáéemdireçãoaosEstadosUnidos, eledestaca. 66 (Los Angeles Times, 18deabrilde1941) É interessante a afirmação de que Veríssimo se propunha a expor o “bom e o ruim” do Brasil, em busca de credibilidade, em um momento no qual vigorava nas relaçõesinternacionaisafortepropagandaideológica(oquePedroTota(2005,p.190) chamou de “a fábrica de ideologias” de Rockefeller. Na verdade, podemos falar em 66 HisideaisthatInterAmericanrelationscanbefosteredbyamutualexchangeofknowledgeaboutthe literatureofthetwoAmericas–notliteratureinthe“literary”sensebutbookstobereadforamusement (…) What Mr. Veríssimo has in mind is entirely apart from the complimentary kind of literary interchange.Hisideaisthatunderstandingofgoodandofbadisnecessary,andthatoncesuchrelations smackofpropaganda,theyfail.ThetendencyinBrazilianLiteraturealreadyistowardtheUnitedStates, hepointsout.

57 duasdiferentespropostas:adeforjaraimagempositivados“bonsvizinhos”,apagando asdiferençasculturaisepolíticas,eadeincentivarodiálogoeointercâmbiodevalores políticos e culturais para, através da visibilidade e da compreensão da diferença, alcançaratolerânciaeamudançadeparadigmas. Sejacomofor,aindaqueapropostadeVeríssimoindicasseumcaminhodiverso, oartigodojornalamericanoapresentavaotambémcomoo“bomamigo”e,trazendo maisrevelações,comentavaqueVeríssimohaviaescritoumromancesobrearevolução espanhola,noqualmostravasesolidáriocomoladorepublicano 67 .Eracertamenteuma referênciaàrejeiçãodoautoraofascismo. NoretratoinicialdeVeríssimo,feitopelo Los Angeles Times ,aindanãoaparecea verdadeiraoumaiscompletaposiçãodoescritor.Arazãodessaimprecisãodeveseao fatodeVeríssimo,assimcomoalgunsartistasqueforamaosEstadosUnidos,alinharse a intelectuais da época que, influenciados por pensadores como Waldo Frank 68 , acreditavamqueoBrasiltambémtinhamuitoaensinaraopaísianque.Seelestinhama grande indústria e o progresso tecnológico, também tinham um consumismo exacerbado, a conhecida “linha de cor” ( color line) ,enãotinham“ocalorhumano” atribuídoaopovobrasileiro.SegundoMachado,“énessecontextoqueÉricoVeríssimo chega aos Estados Unidos e seu objetivo é mostrar que o Brasil pode contribuir no proposto diálogo panamericano, equilibrando o materialismo ianque com o “caráter maishumano”dobrasileiro(...)”(2004,p.1). ÉricoVeríssimo,queapenascompletaraoensinomédionoBrasil,permaneceu poralgunsanosnosEstadosUnidos,fazendopalestrasnasuniversidadesamericanas,e em 1944 foi convidado a dar um curso na Universidade de Berkeley, na Califórnia (MACHADO, 2004, p. 1). Com o passar dos anos, o autor já apresentava certo descontentamentocomaimagem“hollywoodiana”doBrasil.Elediriaaseusalunosem Berkeley: O Brasil que vocês conhecem é um Brasil falsificado, feito em Hollywood,queemgeralnosapresentaoucomoumpaísdeopereta, em que homenzinhos que vestem fraque, usam cavanhaque e gesticulam como doidos beijam na rua e em plena face outros 67 Oartigousaotermo“loyalist”. 68 WaldoFrankfaziapartedeumgrupodeintelectuaisdegrandeinfluêncianocomeçodoséculo,que questionava o materialismo cultural norteamericano e via no misto de natureza e espiritualidade das culturasdospaísesaosulahumanidadequefaltavaaosEstadosUnidos.OsEstadosUnidoseramvistos, pelos membros desse grupo, como a parte masculina das Américas, e os povos latinos como a parte feminina: partes que deveriam se unir e não dominar uma à outra. (TOTA, 2000, pp. 3435) Congruentemente,“Brazil”éumapalavrafemininanoidiomainglês.

58 homúnculos igualmente grotescos; ou então com os recursos do tecnicolornosmostramcomoumaterrademirabolantesmaravilhas. Nãosomosnemridículosnemsublimes.Naminhaterra,comoaqui, há de tudo. (palestra de VERÍSSIMO na Califórnia, citado em MACHADO,2004,p.3) Veríssimobuscavaaindamostraraosamericanosarazãodealgumasdivergências culturaisentreospovos.Emumartigopublicadopelos Los Angeles Times em14de novembrode1944,porexemplo,Veríssimosurgealertandoparaasdiferençasmoraise religiosasentreasculturas(odivórcioeraaceitonosEstadosUnidos,masaindaeramal vistonoBrasil,ondeareligiãooficialsempreforaocatolicismo)etecendocomentários sobre as críticas dos brasileiros ao materialismo, à falta de religiosidade e ao imperialismo norteamericano. Veríssimo fazia muito mais do que ser um “inocente útil”–dequefoiacusadopormuitos,equetratoucomironiaem Incidente em Antares (epígrafeacima):nãorepresentavanemumareaçãoantiianque 69 ,nemumamericanismo apaixonado e desmedido 70 , como o de Dona Adalgisa – dialogava com o público estrangeirosobreasprincipaisquestõessociaisdesuaépoca;tampoucoacreditavaque JorgeAmadofossesimplesmenteum“bandalhocomunista”,ounãoteriamantidosua amizadecomoescritorbaianoeseunidoaelenaliderançadomovimentocontra a tentativagovernamentaldecensurapréviaaoslivrosem1970 71 . Assim,apropostade “realconhecimento”deintelectuaiscomoVeríssimoconstituía,paraJones(2008),uma “embaixada”diferentedapropostapeloOCIAA.NaspalavrasdeBourdieu(2004,p.3), essesagentesadentravamo“campo”daliteraturaamericanatentandoalterararelação entreasculturas. Em4defevereirode1945o The New York Times anunciavaolançamentoda obradoautorgaúcho Brazilian Literature: An Outline. Otexto,produzidoemidioma inglês,traziaumabemhumoradaintroduçãoàhistóriadaliteraturabrasileira.Segundo o próprio Veríssimo, não fora levado a escrever sobre a literatura brasileira não por considerálaumassuntovital,ouporverosescritores brasileiros como atipicamente importantes.Averdadeéqueeleestavacertodeque“amelhorchaveparaaalmadeum paíséotrabalhodeseusescritores”,eporquesabiacomoeraimportanteparaosnorte

69 A resistência ao americanismo no Brasil está bem descritanaobradeTota(2000)oudeMiltone Hirsch(2005). 70 ComoorepresentadopelasafirmaçõesdeD.Adalgisa,comentadasanteriormente. 71 BiografiadeJorgeAmado–disponívelemhttp://www.releituras.com/jorgeamado_bio.aspAcessoem 02desetembrode2008.

59 esulamericanosconheceremunsaooutros(ÉricoVeríssimo, The New York Times de4 defevereirode1945) . Acríticadojornal concluía: Estelivroéessencialparatodososinteressadosnodesenvolvimento deumasolidariedadepanamericanagenuína.Eletemavantagemde ter sido escrito por um dos mais talentosos e populares escritores brasileiros.NossoDepartamentodeEstadodeveriaser encorajadoa estenderumconvitepermanenteaÉricoVeríssimoparalecionaredar palestras aqui. Com sua empática compreensão dos problemas em ambos os países, ele seria um dinâmico e muito simpático embaixadordaboavontade.(EnriquetaChamberlain,The New York Times de4defevereirode1945) 72 AeditoraMacMillanjávinhapublicandoatraduçãodasobrasdeVeríssimodesde 1943,comolançamentode Crossroads (Caminhos Cruzados (1935)),oúnicolivroseu lançadoduranteoperíododaSegundaGuerra.Continuouapublicáloaté1965,sendoo últimotítulolançadonosEstadosUnidos His Excellence, The Ambassador (1967)( O Senhor Embaixador (1965)). Apesar de essas publicações não terem tido uma vendagemdemasiadamentesignificativa,nãosepodemenosprezaraatuaçãodeÉrico Veríssimonaépoca. No ano de 1942, enquanto vários intelectuais brasileiros ainda chegavam aos EstadosUnidos,editorasuniversitáriaseparticulares,usavamosincentivosfinanceiros doDepartamentodeEstadoAmericanoparafecharcontratosdetraduçãocomautores brasileiros. Um dos primeiros livros traduzidos e publicados em decorrência dessas contrataçõesfoi Os Sertões , deEuclidesdaCunha,provavelmenteporserumgrande ensaio sobre nossa história. Mas o prazo de tradução fez com que o lançamento acontecesse apenas em 1944. A crítica , publicada no The New York Times em 6 de fevereirodaquele ano,foifeitapelopróprioVeríssimo.Apósdescrever aobradeDa CunhaesuavisãoarespeitodasagadeAntônioConselheiro, Veríssimo tece vários elogiosaodifícileadmiráveltrabalhodetraduçãofeitoporSamuelPutnam,eaconselha aleituradasnotasderodapéedoprefáciodaobra,mostrandoqueatribuíaàtraduçãode Putnam uma função “educacional”. O mais significativo, contudo, é a crítica que Veríssimo faz àprópria obra “Os Sertões”. Ele explicaquetanto governantesquanto escritores brasileiros não mais tentavam resolver os problemas do sertão com

72 Thisbookisa“must”forallwhoareinterestedinthedevelopmentofgenuinePanAmericansolidarity. IthastheadvantageofhavingbeenwrittenbyoneofthemosttalentedandpopularofBrazilianwriters. OurStateDepartmentshouldbeurgedtoextendapermanentinvitationtoÉricoVeríssimototeachand lecturehere.Withhisfriendlyunderstandingoftheproblemsinbothcountries,hewouldbeadynamic and muito simpatico ambassadorofgoodwill(TheNewYorkTimesde4defevereirode1945).

60 expedições armadas, e sim com compreensão, criação de escolas, higiene, leis trabalhistaseauxíliosocial.Veríssimotentavaconvenceropúblicoamericanodequeo povobrasileiroeraantitotalitaristaecontraaviolência: A tônica de sua vida é uma mistura deliciosa de malícia e amabilidade, combinadas com sentimentalismo e um toque boêmio. Elestêmumsensodehumormaravilhosoenãoseinteressammuito por uma civilização expressa em termos de dinheiro e progresso mecânico.(ÉricoVeríssimo, The New York Times de6defevereirode 1942 )73 Nesseartigo,vemosclaramenteamençãoaocarátermais“humano”dobrasileiro, contraposto ao “materialismo” norteamericano. O escritor brasileiro finaliza dizendo que, uma vez vencidos os problemas de pobreza, analfabetismo e saúde, o Brasil concretizariaasesperançasdeStefanZweig,cumprindoseudestinodepaísdofuturo 74 . Veríssimousava,assim,suahabilidadedeescritorparainverterocaráterdeterminista transmitido pela obra de Da Cunha, além de deixar claro que as correntes mais contemporâneas(àépoca)jádiscordavamdo“exagero”deDaCunhaquantoàquestão dasraças. Durante o período da guerra, a questão do racismo tornarase marcadamente importante.NaEuropa,Hitlerimpunhaoarianismoeogenocídiodenegrosejudeus. Nas Américas, enquanto o Brasil era visto como o exótico “cadinho das raças” (ou “melting pot ” para os norteamericanos), em vários estados norteamericanos as leis segregacionistasdeJimCrowaindavigoravam.Foientãoquecomeçouasedestacaro sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. Nos Estados Unidos, o pernambucano fora discípulo de Franz Boas, que dedicara grande parte de suas reflexões e pesquisas à resolução deproblemas sociais como o racismo e a suposta superioridade cultural de alguns povos. Em 1933, Freyre lança Casa Grande e Senzala , invertendo o caráter pejorativo até então atribuído à mestiçagem e valorizando as culturas de povos africanos 75 .AscomparaçõesdeFreyretambémfocavamoBrasileosEstadosUnidos, colocandooBrasilemumaposiçãoprivilegiadaquantoàquestãodoracismo.Enquanto 73 Thekeynoteoftheirlifeisadeliciousmixtureofmaliceandkindness,blendedwithsentimentalityand with a Bohemian touch. They have a wonderful sense of humor and don’t care very much for a civilizationexpressedintermsofmoneyandmechanicalprogress( The New York Times de6defevereiro de1942). 74 StefanZweigescreveu: Brasil, país do futuro ,publicadoem1941.Ver:AdelaideStoosHerbertz,Os leitoreseasleiturasdaobradeStefanZewignoBrasil,in Fênix, Revista de História e Estudos Culturais. Mai/Jun/Jul2007. 75 VertambémAlmeida,2000.

61 materialismoeraçatornavamseosprincipaispontosdediscussãoparaacomparação entre as Américas, a questão diplomática servia de mola propulsora para a literatura traduzida.

TRADUÇÕES NO PÓS-GUERRA: EM CENA, ALFRED KNOPF & CIA Ofatodeastraduçõesdeobrasbrasileirasserempublicadas3a4anosapóssua contratação pode ter sido um dos impedimentos para uma melhor recepção no continente norteamericano. Em 1944, o Office of the Coordinator of Inter-American Affairs foi transformado em Office of Inter-American Affairs . Getúlio Vargas foi depostonoBrasilem1945eFranklinRooseveltmorreunessemesmoano.Comofim daSegundaGuerraem1946,asatençõesgovernamentais,editoriaiseatémesmoasdo públicoleitorjásedesviavamnovamenteparaaEuropa. O Office of Inter-American Affairs foiextintoemmaiode1946pelopresidenteHarry Truman.Comoinícioda Guerra Fria, essa situação somente se acentuaria, comasatençõesdirigindoseagora paraaEuropaeparaaÁsia,comdestaqueparaaChinaeaCoréia(TOTA,2000,p. 190). No campo das traduções literárias, sentiamse ainda os efeitos da política de Roosevelt. E um novo ator, um novo e importante patrono, começava a se destacar nessecenário:oeditorAlfredA.Knopf. Ofundadoredonoda“AlfredA.KnopfPublishers”(maistarde“AlfredA.Knopf Inc.”) foi responsável pela publicação americana de inúmeras traduções de obras de autores brasileiros como João Guimarães Rosa, Jorge Amado, Graciliano Ramos, Cecília Meireles, Gilberto Freyre, entre outros. A ele também foram atribuídos os louros,juntamentecomatradutoraHarrietdeOnís,pelofatodeonúmerodetraduções de obras brasileiras para o idioma inglês ter dobrado na década de 1960 (ARMSTRONG,1999,p.117eROSTAGNO,1997,pp.3135). KnopfnasceuemumafamíliajudaicadeNovaYorkem1892.Estudouliteraturae história na Universidade de Columbia. Após trabalhar por algum tempo como funcionário emeditoras comoaDoubleday(1912–13) e a Michael Kennerly (1914), fundou sua própria empresa em 1915. Desde seus primórdios, a “Alfred A. Knopf Publishers” foi uma editora interessada na publicação de literatura estrangeira nos Estados Unidos. Inicialmente dirigiu sua atenção para a escrita européia, “particularmente a russa” (ROSTAGNO, 1997, p. 31). Como empresário iniciante,

62 Knopf buscava produzir, pela primeira vez nos EstadosUnidos,aquiloqueatéentão tinha que ser importado da Inglaterra: literatura em língua inglesa que retratava a Rússia,opaísqueintegrouaTrípliceEntente,juntamentecomaInglaterraeaFrança. ValelembrarqueosEstadosUnidostambémsealiaram à Tríplice Entente durante a Primeira Guerra, e que a visão que se tinha da Rússia naquele momento era bem diferentedaatual 76 .Onome“BorzoiBooks”–dadoasuacoleçãode design impecável, originousedesseinteressepelaculturaRussa. MasoeditordaAlfredA.KnopfPublisherstambémsevoltavaparaoutrasregiões domundo.Efoientão,em1922,queaeditorapublicouaobra Brazilian Literature, de Isaac Goldberg, uma leitura da época sobre o caráter múltiplo de nosso repertório literárioeumelogioaosnossosautores.Noprefácio,GoldbergagradeciaàAcademia BrasileiradeLetras,nafiguradeseupresidenteCarlosdeLaet,aManoeldeOliveira Lima,aGilbertoFreyre(quenaépocatinhaapenas22anosdeidade),aHélioLobo(o cônsulbrasileiroemNovaYork)eaosdemaiscolaboradoresamericanosenvolvidosna publicação. Entretanto, discorrer sobre a “Alfred A. Knopf Publishers” é necessariamente falarsobre“ocasalKnopf”:BlancheKnopf,esposadeAlfred,sóciae,apartirde1921, diretora e vicepresidente da editora, sempreparticipou da escolha das obras a serem publicadas. Blanche Knopf era, na verdade, uma peça chave nessa seleção. Sua facilidadeemlidarcomquestõesliterárias,comerciaisepolíticasfaziadelaumamulher muitoativaparaaépoca.Logodeinício,depositousuaatençãosobrealiteraturaafro americana da Nova York dos anos 20, o “Harlem Renaissance”, revelando um compromissodaeditoracomescritoresnegros.Blanche trocou vasta correspondência comopoetanegroLangstonHughes,criandocomeleumvínculoespecial 77 .Ovalor que Blanche atribuía à cultura africana coincidia com aquele demonstrado pelo sociólogo Gilberto Freyre. Da mesma forma, o interesse de Alfred por parques nacionais (KNOPF, 1965, pp. 173190) e pela preservação da natureza também era compatível com as idéias de conservação da natureza expressa pelo sociólogo em algumasdesuasobras(DUARTE,2005,p.2).Alémdisso,ointeressedeBlanchepelo

76 Um exemplo disso é a publicação da obra Great Russia: Her Promise and Achievement [Grande Rússia: Sua Promessa e Conquista] ,deCharlesSarolea,em1916,pelaAlfredA.Knopf.O The New York Times de20defevereirode1916trouxeumartigosobreapublicação,cujotítuloera Russia as the Hope of Democracy [A Rússia como a Esperança de Democracia]. 77 AcorrespondênciaentreelespodeseracessadanoThe Harry Ransom Humanities Research Center da Universidade do Texas. O site está disponível em: http://www.hrc.utexas.edu/research/fa/aakhist.html Acessoem19/11/2007.

63 BrasileaamizadedocasalKnopfcomGilbertoFreyrecontribuíramparaaexistência daatualbibliotecaBlancheKnopf,naFundaçãoJoaquimNabuco–redutoculturalde GilbertoFreyrenoRecife. FIGURA 5

Foto de Blanche Knopf no Website da Fundação Joaquim Nabuco em Recife 78 É importante ressaltar que a “Alfred A. Knopf Publishers” publicava tanto literatura americana quanto livros traduzidos. Suas escolhas incluíram autores como André Gide, Kafka, Jean Paul Sartre, Thomas Mann, Ilya Ehrenburg, Mikhail Sholokhov,EzraPound,SimonedeBeauvoir,AlbertCamus,KhalilGibran,Elizabeth Bowen,PabloNeruda,GabrielGarciaMarqueseSigmundFreud,entremuitosoutros. Observandoarelaçãodeautoresda“Knopf”,percebemosograndenúmerodepaíses dos quais a editora trazia obras a serem traduzidas:jánadécadade1960elaincluía maisde25países(FADIMAN,1965,xxxxvi).Knopftambém agia de forma liberal quantoàpublicaçãodeobrasdeautorescomdiferentesposturaspolíticas 79 . Nem mesmo as tensões políticas pareciam impedir as constantes viagens em buscadeautoresestrangeiros.ASra.Knopf,mesmofazendopartedacomunidadejudia, estevenaAlemanhapoucoantesdaSegundaGuerra.Emumaentrevistaao The New York Times (edição de 14 de julho de 1936), Blanche Knopf dava o seguinte depoimento: Nãorestouumescritoralemãoquevalhaapenapensararespeito(...). Os escritores talentosos e editores arrojados que tinham qualquer 78 Disponívelemhttp://www.fundaj.gov.br/docs/indoc/bib/bibli3.htmlAcessoem05/01/2009. 79 Umexemploéofatode,duranteoperíododaGuerraFria,Knopftersededicadoàtraduçãodeobras doCubanoAlejoCarpentier.VerCohn,2003.

64 independênciadeixaramaAlemanha.Somenteosescritoreseeditores nazistas permaneceram. Eles escrevem e publicam para agradar o governo nazista. 80 (BlancheKnopf, The New York Times . Edição de 14dejulhode1936) E,então,comaSegundaGuerraMundial,quandoomercadoeditorialeuropeu fechousetotalmenteparaosEstadosUnidos,aAméricaLatinatornouseumafontede literaturaestrangeirainteressanteparaKnopf.AtravésdosprogramasdoOCIAA,Knopf teve a oportunidade de ser também patrocinado pelo Departamento de Estado Norte AmericanoparaviràAméricaLatinabuscarescritoresparaseujáexistenteprojetode tradução–umesquemaagoravinculadoàquelapolíticadeBoaVizinhançadogoverno Roosevelt.(ROSTAGNO,1997) Assim,BlancheKnopfiniciouoqueelachamariade“LiteraryRoundup”,um “tour”pelaAméricaLatinaembuscadeobrasquerepresentassemosvizinhosdosul. Em1942BlanchechegavaaoBrasilpara,enfim,assinaroscontratosdepublicaçãodas já mencionadas obras de Gilberto Freyre ( Casa Grande & Senzala ), Jorge Amado (Terras do Sem Fim ) e Graciliano Ramos ( Angústia ). As escolhas de Blanche demonstravamoobjetivodelevarobrasdecaráterpolíticoouensaiosquedescrevessem ahistóriadoBrasil.AsescolhaspareciamseaproximarmaisdapropostadeVeríssimo –dediálogoecompreensão–doquedafórmula“propagandística”queelerejeitava. Blanche adotava como “norma preliminar” a opção pelo intercâmbio cultural, mas, obviamente,aquestãodiplomáticanãopodiaficartotalmenteesquecida.Aidéiaeraa de que as culturas LatinoAmericanas não fossem “rejeitadas” pelo leitor norte americano. Comovimosanteriormente,noanoemqueBlancheestevenoBrasil(1942),a União Soviética e os Estados Unidos tinham reatado, provisoriamente, relações diplomáticas,lutandoamboscontraasnaçõesdo“eixo”.Nessaépoca,oscomunistas também combatiam o nazismo e o fascismo. Muitos dos intelectuais brasileiros comunistasqueestavamnoexíliovoltaramaoBrasilparaapoiarGetúlioVargascontra o nazismo. Em decorrência do ataque de Hitler à URSS, as divergências ideológicas entrecapitalistasecomunistasforamcolocadasemsegundoplano.NosEstadosUnidos, aproibiçãodepublicaçõesdeobrascomunistassóaconteceriamaistarde,apósoinício daGuerraFria. 80 “ThereisnotaGermanwriterleftinGermanywhoisworththinkingabout(…).Thegiftedwritersand enterprising publishers who had any independence have all left Germany. Only Nazy writers and publishersremain.TheywriteandpublishtopleasetheNaziGovernment.”

65 O The New York Times testemunhoutodososlançamentosdeKnopf 81 ,inclusive ode Brazil, an Interpretation ,umaobraescritaporGilbertoFreyreoriginalmenteem inglês e publicada na mesma época que as traduções mencionadas . Mostrando a continuada preocupação com as relações diplomáticas e a manutenção da oposição “materialismoehumanidade”,O The New York Times traziaosseguintescomentários sobreessapublicação: Queladotomarãoospaísesaonossosulnomundopósguerra?Eles ficarãosatisfeitosemseguironorteindustrialeimitarseuprogresso material? Ou, fiéis a sua índole, apontarão um novo caminho em termosdehumanidadesoudoquechamamagoraasciênciassociais? GilbertoFreyre,umbrilhantesociólogodoBrasil,prevêparaseupaís umarespostanestelivro,feitoapartirdepalestrasqueeleproferiuna Universidadede Indiana no invernopassado. 82 (Mildred Adam, The New York Times de26deagostode1945). Como visto anteriormente, a questão das raças tornarase crucial para a nação americana.SegundoFreyre,noBrasil,amestiçagemnãoeramaisvistacomomácula.O preconceitoexistianoBrasilmaiscomoresultadodaconsciênciadeclassesdoquede raçaoucor 83 .EssemesmoartigodeclaraqueadiscussãosobreasraçasnoBrasilera “tãovaliosaquantoprovocativaparaoleitoramericano,querelutaemencararofatode queosproblemasderaça,aosquaiselestinhamdadoascostasdesdeaGuerraCivil, estavamsetornandomaisagudosacadadia 84 ”.ParaFreyre,oBrasilera,ainda,umpaís quetinhaorgulhodeseuselementosdebaseameríndia,judaica 85 eafricana.Segundoo sociólogo, os jovens brasileiros consideravam um dever oporse a qualquer tipo de 81 The New York Times de26deagostode1945,31demarçode1946,ede6deoutubrode1946. 82 “Whatpartwillthecountriestothesouthofustakeinthepostwarworld?Willtheybecontentto followtheindustrialnorthandimitateitsmaterialprogress?Orwillthey,truetotheirpastgenius,point outnewpathsintermsofhumanitiesorwhatarenowcalledthesocialsciences?GilbertoFreyre,brilliant youngsociologistfromBrazil,foreshadowsforhiscountryapossibleanswerinthisbook,madeupof lectures,whichhedeliveredattheIndianaUniversitylastwinter.” 83 AsidéiasdeFreyreforamcombatidaspordiversosintelectuais,emváriosestudos,entreeles:Roger Bastide,eFlorestanFernandes, Negros e brancos em São Paulo .SãoPaulo,Anhembi,1995–eCarlosA. Hasenbalg, Discriminação e desigualdades raciais no Brasil .RiodeJaneiro,Graal,1979.Estepontoserá retomadomaisadiante. 84 “(...)asvaluableandasitisprovocativetotheNorthAmericanreader,reluctantlyfacingthefactthat raceproblems,onwhichtheyhaveturnedtheirbackssincetheCivilWar,aredailyloomingmoreacute”. 85 MesmoqueessanãotenhasidoatônicadaobradeFreyre,otextodo The New York Times sugereque Freyreincluioelementojudeunacomposiçãodopovobrasileiroenasuapromessadeigualdaderaciale tolerância.MarcosChorMaio(1999)analisouopapeldojudeuem Casa Grande & Senzala erefutou“a críticadominantequeidentificaumaperspectivaantisemíticanolivrodeGilbertoFreyre”(p.1).Maio defendeque,apesardoestiloambíguoeimprecisoedodiscursoracialistadoautor,aprincipaldiscussão de Freyre, influenciada pelo conceito neolamarckiano de raça e pela abordagem weberiana do capitalismomoderno,incitaaquesevejaainclusãodosjudeusnasociedadebrasileiradeformapositiva. Uma análise desse problema nas traduções em inglês das obras de Freyre, trabalho ainda inexistente, poderiamostrarcomoaquestãofoitrabalhadaporSamuelPutnameHarrietdeOnís.

66 discriminaçãoracial.Dessaforma,Freyre aproveitavaa“lacuna”abertapelastensões daSegundaGuerraparainseriroBrasilnasgrandesdiscussõesmundiais,atribuindolhe umaposiçãoprivilegiada.

FIGURA 6

Foto que encabeça o artigo sobre Brazil, an Interpretation no The New York Times de 26 de agosto de 1945 – um símbolo do nacionalismo da época. Sem deixar de questionar o caráter utópico das afirmativas de Freyre, o artigo afirmavaque Casa Grande e Senzala tinhasidoaclamadacomoumacontribuiçãode valor para o aprendizado mundial e anunciava sua breve publicação nos Estados Unidos.Ascenaspúblicaseosinteressesprivadosdealgunsgrupossociaiscomeçavam esealinhar.

GILBERTO FREYRE E OS ESTADOS UNIDOS Grande destaque foi dado à publicação de Casa Grande e Senzala no jornal novaiorquino. Era “um presente dos deuses para se entender a terra e o povo brasileiro” 86 (Putnam, The New York Times de6deoutubrode1946).Atônicadaobra nãoseafastavadaquelade Brazil: an Interpretation. Acríticadojornalnovaiorquino dava novamente destaque à obra de Freyre, e agradecia o bom trabalho do tradutor SamuelPutnamedoeditor(AlfredKnopf)quetraziamdiversasobraslatinoamericanas 86 “agiftofthegodstoallwhowould[sic]understandtheBrazilianlandandpeople”

67 paraosEstadosUnidos.Apesardenãoexistiremmenções ao fato, é provável que a inclusão da comunidade judaica nas discussões das obras de Freyre, sugerindo aí tambémarejeiçãobrasileiraàdiscriminaçãoracial,jáchamasseaatençãodessesdois judeus,apósoterrívelextermíniocausadoporHitler.Maistarde,Knopfviriaatornarse amigoe“compadre 87 ”deFreyreedariagrandeapoioasuaobra(ROSTAGNO,1997, p.42). É importante também lembrar que, no período da Guerra Fria, a idéia de “democracia racial” anunciada por Freyre já cumpriaumpapeldedestaquejuntoao projetodaUNESCOnoBrasil,queobjetivavaestudarasrelaçõesraciaisemnossopaís. ComoobservaMaio(1999),apósogenocídiopraticadoduranteaSegundaGuerra,“a UNESCO foi criada tendo como um de seusprincipais objetivos tornar inteligível o conflitointernacionalesuaconseqüênciamaisperversa,oHolocausto”(p.143). Para debater a questão do racismo, a UNESCO promoveu, em 1948, uma reunião de cientistasquecontacomaparticipaçãodeGilbertoFreyre,queaproveitaaocasiãopara apresentarsuapesquisadocumentadaem Casa Grande e Senzala (1933) . Emseguida,a UNESCO escolhe o Brasil para sediar uma pesquisa “sobre os aspectos que influenciariamounãoaexistênciadeumambientederelaçõescooperativasentreraças egruposétnicos,comoobjetivodeofereceraomundoumanovaconsciênciapolítica queprimassepelaharmoniaentreasraças”(MAIO,1999,p.143). EnvolvidocomsuacarreiradedeputadopelaUDNnoBrasil,Freyredeclinado convitedaUNESCOparaajudaradelinearoprojetonoBrasil.ArthurRamoséentão convidadoafazêlo.OplanodeArthurRamosprevianãoapenasoprogramacontrao analfabetismo, implantado pela UNESCO, mas também um programa de estudo e integraçãodosgruposnegroseindígenasao“mundomoderno”. Para Arthur Ramos, o tema das relações raciais assumia um lugar privilegiadoparaapercepçãoeanálisedosdesafios da transição do tradicionalparaomoderno,docenáriodesignificativasdesigualdades sociaiseraciais,dadiversidaderegionaledabuscaemconformar,em definitivo,umaidentidadenacional (MAIO,1999,p.143) . Mesmo com a morte de Arthur Ramos em meados de 1949, seu projeto foi aprovadopelaUNESCOem1950elevadoacabonosanos seguintes. Já Freyre não poupou esforços em divulgar suas teorias de “democracia racial”. O livro Palavras Repatriadas, organizado por Edison Nery da Fonseca (2003) traz uma coletânea dos 87 KnopfbatizouanetadeFreyre.

68 textosqueFreyreutilizounadivulgaçãointernacionaldesuasidéias.Atravésdeartigos para universidades, instituições americanas, européias, e textos elaborados para a UNESCO,Freyre(2003,p.331)continuoudefendendooBrasilcomoumexemploaser seguidonotocanteàmisturaderaçaseinterpenetraçãocultural. Aadoçãode Casa Grande e Senzala comoumadasgrandesfontesdeinformações históricassobreoBrasilémencionadapeloacadêmicoA.J.R.RussellWood,daDuke University: Finalmente, devemos prestar homenagem a Alfred Knopf, que assumiu a missão da disseminação do conhecimento sobre o Brasil nosEstadosUnidosatravésdetraduçõeseque,nasérieBorzoi,tornou disponível aos alunosfontes da história do Brasil. Como tradutor e editor de “Casa Grande e Senzala” (Rio de Janeiro, 1933) Samuel Putman e Knopf apresentaram aos leitores norteamericanos o que, paramuitos,aindaéoúnicolivrodehistóriadoBrasilprontamente identificável[escritorpor]umbrasileiro,equesetornariaummarco (...).(RUSSELLWOOD,1985,p.703) 88 Aimportânciadadaàfórmulade“democraciaracial”naquelemomentopodeser justificadaporseucaráterdecertaformaconciliador.Elaamenizavaoconflitoentreas raçasgraçasaoelogioàmestiçagem 89 .Contudo,aomesmotempoemquetraziauma imagemdeumpaístoleranteesuavizavaastensõesentredominadoresedominados 90 combaseemsua“harmoniadecontrastes”,apresentavatambém,estranhamente,certo saudosismo do Brasilpatriarcal e do tempo da escravidão. Era o surgimento do que maistardefoichamadoporFlorestanFernandes(1965,p.205)de“mitodademocracia 88 “Finally, homage should be paid to Alfred Knopf, who took as his mission the dissemination of knowledge about Brazil in the United States through translations and who, in the Borzoi series, made availabletostudentssourcesforBrazilianhistory.Astranslatorandpublisherof“CasaGrandeeSenzala” (RiodeJaneiro,1933)SamuelPutmanandKnopfpresentedtoNorthAmericanreaderswhat,formany, still is the only readily identifiable book on Brazilian history by a Brazilian, and one that was to be cornerstone,(...).”. 89 Oenviadodo The New York Times aoBrasil,duranteaSegundaGuerraMundial,ErnestoMontenegro, járelatava,emumartigopublicadoem11defevereirode1940,detítulo The Literary Scene In Latin America ,queolivromaissignificativoencontradonaliteraturabrasileiranaquelemomentonãoeraalgo quepodiaserincluídonacategoriadas“BelasLetras”.Era,noentanto,umadessasobrasdestinadasa exercerinfluênciaduradouranodesenvolvimentointelectualesocialdeumpaís.Elesereferiaa Casa Grande e Senzala deGilbertoFreyre.SurgemaíasprimeirasreferênciasàscomparaçõesfeitasporFreyre entreonordestebrasileiroeosuldosEstadosUnidos.Oartigotambémcomparaahistóriadaabolição nos dois países, julgandoas semelhantes. Os comentários sobre a obra de Freyre são interessantes. Segundooartigo,Freyresimplesmenteafirmavaqueaescravidãotinhasidoum“malnecessário”eque, apesardisso,eleconsideravaonegroumtrunfonaformaçãodopovobrasileiro.Tudoparaconcluirque seaescravidãoeraummal,omalmaiorviriadoestabelecimentodeumabarreiraderaçaoucorentreos descendentes dos senhores e dos escravos. A carga maior do livro estava no reconhecimento da contribuiçãodonegroparaaculturabrasileiraeoproblemadonegrodeveriaserresolvidoatravésdo amorenãopelaforça,comojádiziaOliveiraLima. 90 UmexemplodessavisãoencontraseemFonseca,1987.

69 racial”.Formavase,então,umautopiaquefoimuitodebatidaecombatidaporvários outroshistoriadores,sociólogoseantropólogos.Essepontoseráretomadomaisadiante. Nestemomento,oqueinteressaéperceberque,paramuitosdosatoresenvolvidosnos processos de publicação das obras de Freyre e no contexto da época, elas pareciam significarumareaçãoàscorrenteseugênicasdocomeçodoséculo. As idéias de Freyre não convenceram somente Knopf. O tradutor Gregory Rabassa 91 iniciou,em1965,seutrabalhodePhDparaaUniversidadedeColumbia(que resultounolivro O negro na ficção brasileira )comasseguintesafirmações: OBrasilcontemporâneosituaseentreasnaçõesdomundocomoum modelo de relações raciais livres de preconceito. Os índios que os portuguesesencontraramaochegarasuaspraiasdesapareceram,não através de sangrenta exterminação, mas por meio de uma gradual miscigenação(...)OBrasilfoiumadasnaçõesamericanasquevirama introduçãodemilhõesdenegrosdaÁfrica,naqualidadedeescravos. E, embora tenha sido um dos últimos desses países a libertar seus escravos,(...)arazãoparcialdessadatatardiaresidenofatodeque noBrasilosnegroseramtratadosdeummodoquechega a parecer benevolente quando comparado ao tratamento dispensado aos escravosemoutrasterras(...).AenormepopulaçãomulatanoBrasilé umaprovadequebrancosenegrosnãosemantinhamseparadosuns dosoutros.Apesardosnumerososcasosdecoabitaçãoforçada,havia outrostantosdeuniãovoluntáriaentrenegroebranco.(RABASSA, 1965,p.13) Rabassa, naquele momento, também tinha sido convencido pelas idéias “freyrianas”divulgadasnanaçãonorteamericana.Mesmonofinaldadécadade1960, Freyre ainda recebia prêmios nos Estados Unidos por sua contribuição para a humanidade.Em1967recebeuoprêmiodo“AspenInstituteforHumanisticStudies”no Colorado(Latin American Research Review ,Vol.3,No.1,1967,pp.185189). Ironicamente,FreyreelegeraparaservirdecomparaçãocomoBrasiljustamente osEstadosUnidos,ondeelehaviaescritosuadissertaçãodemestradoeiniciadoseus estudossobreoBrasil.DamesmaformaqueVeríssimo,Freyrefalavaemespecialda regiãosuldosEstadosUnidos,tambémchamada Dixieland ,comparandoaaonordeste brasileiro 92 . A verdade é que as comparações entre o Brasil e os Estados Unidos já tinhamsetornadomuitocomunsnaépoca.Mas,agora,entretodasas“qualidades”das 91 Gregory Rabassa tornouse um dos mais renomados tradutores de obras latinoamericanas, principalmentepelatraduçãodooriginalde Cem Anos de Solidão paraoinglês. 92 Ointeressanteéque,possivelmenteem funçãodasconstantes comparações feitas pelos escritores brasileirosentreosuldosEstadosUnidoseonordestebrasileiro,muitostradutorespassaramaadotaro padrãodefaladodessasduasregiõesparafazeracorrespondênciaentreosdialetosregionais.

70 quaisosamericanospodiamsegabar,nãoestavaadaigualdaderacial 93 .Enquantoisso, autópicacrençadequeoBrasileraopaísda“democraciaracial”invadiaoimaginário deimportantesinstituiçõesmundiais. A tradução de Casa Grande & Senzala , publicada por Knopf, havia gerado polêmicanoBrasile,emmenorgrau,naEuropa.Aobra,cujaprimeiraediçãoexerceu pequeno impacto nos Estados Unidos, foi reeditada em 1956, após o projeto da UNESCO no Brasil e a divulgação de Freyre em várias instituições de ensino e/ou científicas.Asegundaediçãotevemaioraceitaçãonoscírculosacadêmicosamericanos (ROSTAGNO,1997,p.41).Mesmoassim,Freyrereclamava,chamandoaatençãopara amaioraceitaçãoeuropéiaaseutrabalho: Euestouinclinadoaacreditarqueoscríticoseuropeusestãoavaliando meuslivrosporumângulodiferentedaquelequeos mesmos livros estãosendoavaliadospelamaioriadoscríticosamericanos–emgeral, especialistas em assuntos latinoamericanos. Para os Europeus (Febre...GabrielMarcel...)meuslivrossãotidoscomoalgomaisdo que estudos latinoamericanos ou brasileiros… Os críticos europeus vêem meus livros como livros que tratam de particularidades… de problemas humanos universais (FREYRE apud ROSTAGNO, 1997, p.41) 94 . Contudo, mesmo com a boa recepção de seu trabalho após a publicação de Sobrados e Mucambos 95 em inglês, Freyre sempre se viu como um “excluído” dos círculosintelectuaisamericanos.Teciatambémdurascríticasàformacomoatradutora HarrietdeOnís“nãocompreendia”as“implicaçõesdesuaescolaridade”ealegavaque ela via nele apenas um historiador social (citado em ROSTAGNO, 1997, p. 41). As cobrançasdeFreyrefizeramcomqueKnopftivesseconstantementequedemonstrarseu apoioaoautor: Eunãobrincodefavoritosentremeusautoresbrasileiros…Euoamo e apesar de ter feito o melhor de mim para promover Amado e Guimarães Rosa como romancistas, eu jamais me referi a eles de

93 EmalgunsestadosdosEstadosUnidososcasamentosinterraciaischegaramaserproibidosporlei. 94 “IamalsoinclinedtothinkthatEuropeancriticsareconsideringmybooksfromananglethatisnotthe samefromwhichthesamebooksarebeingconsideredbymostAmericancritics–asarule,specialistsin Latin American subjects. For the Europeans (Febre... Gabriel Marcel...) my books are to be taken as somethingmorethanLatinAmericanorBrazilianStudies...Europeancriticstakemybooksasbooksthat dealwithparticularities...ofuniversalhumanproblems.”. 95 A grafia da palavra aparece aqui como nos originais de Freyre, ou seja, “Mucambos”, e não “Mocambos”,comoconstanosdicionáriosatuais.

71 forma nem sequer parecida com os termos que habitualmente uso quandoeufalodevocê(KNOPFapudROSTAGNO,1997,p.41) 96 .

O que o trecho acima revela é mais do que “boa vontade”, é uma “nova embaixada” que objetivava agora não apenas a boa vizinhança, mas a promoção das idéiasdeigualdadeétnica.Acriaçãodomitofreyrianodademocraciaracialtevevárias outrasconseqüências,dentroeforadoBrasil,masumadelasparecetersidoadeque, alheioàsmudançasnasrelaçõesdiplomáticasentreosdoispaíses,Knopfpassoucada vezmaisaseinteressarpeloBrasiletransformouatraduçãodeobrasbrasileirasemseu “petproject” 97 . SAMUEL PUTNAM: BRASILIANISTA E TRADUTOR

Váriosestudosinternacionaismencionamocaráterdeficitárioearriscadodese traduzirobrasdaAméricaLatinaeleválasparaosEstadosUnidos 98 .Osistemaliterário americano sempre foi muito resistente a trabalhos oriundos de países menos desenvolvidos e de autores desconhecidos. Além dessa resistência à literatura estrangeira, o desconhecimento da cultura latinoamericana e a falta de tradutores experientes–quenocasodoportuguêsfaladonoBrasileraaindamaisgrave–também eram impedimentos fortes. Tais entraves foram evidenciados no estudo de Irene Rostagno (1997). A pesquisadora descreve o trabalho de Samuel Putnam com The Violent Land (Terras do Sem Fim ) e The Masters and the Slaves ( Casa Grande & Senzala ) como“raridadesnumcampocaracterizadopormediocridade” 99 .Rostagnonão deixaclaro,noentanto,oporquêdetalopiniãoarespeitodosdemaistradutores.Seja comofor,ésabidoqueencontrartradutoresdoidiomaportuguêsnosEstadosUnidos erarealmentecomplicado.Oportuguêsnuncaforaumalínguaestrangeiraconsiderada importante e não existiam muitos conhecedores do idioma na época. Além disso, a normageralparatraduçõesliteráriaseraadenãocontratartradutoresquenãofossem

96 “IdonotplayfavoritesamongmyBrazilianauthors...IloveyouandwhileIhavedonemybestto promote AmadoandGuimarãesRosaasnovelists,Ihave never referred to them in anything like the termsIhabituallyusewhenIspeakofyou.” 97 Projetodeestimação. 98 VerCohn,2006,p.101;Cohn,2003,p.161;Rostagno,1997,p.33ePutnam,1948,ix. 99 “ApparentlythegreatestproblemfacingapublisherofLatinAmericaliteraturewastofindtheright translators.SamuelPutnam’sskilfulrenderingsofAmado’s The Violent Land andGilbertoFreyre’s The Masters and the Slaves wereraritiesinafiledcharacterizedbymediocrity.”

72 nativos do idioma de chegada. Essa forma de pensar era uma constante na editora. Seguindo o conselho da tradutora inglesa Constance Garnett, Knopf acreditava que “ninguém deveria tentar traduzir para nenhuma língua exceto sua língua materna” (MemodeKnopfaGarrettem15deabrilde1971). NocasodePutnam,elenãoapenaseraumtradutornativo no idioma inglês, comotambémeraum“brasilianista”.ApóstervividonaFrança,naépocadaGrande Depressão,Putnamtornaraseadeptodocomunismo.Amadoeseutradutoralinhavam senaideologiacomunistaàépocadatraduçãode Terras do Sem Fim ,compartilhando assim, momentaneamente, ideais políticos. Putnam deixou o Partido Comunista por voltade1944. FoitambémnaEuropaquePutnamsofreuainfluênciadeFidelinoFigueiredo, queoaconselhouaviajarparaoBrasileconhecernossa“interessanteliteratura”.Daí pordiante,Putnamnuncamaissedesligariadaliteraturabrasileira,eseusonhopassaria aserapublicaçãodesuahistória.Atuandoinicialmentecomocríticoliteráriodeobras brasileiras,Putnamescreveuváriosensaioseartigossobreavariadaproduçãoliterária doBrasil,muitosdosquaisforampublicadosno Handbook of Latin American Studies (GARDINER, 1970, viiiix). Além disso, Putnam contribuiu com artigos e críticas literáriaspara The New York Times porduasdécadas( The New York Times de18de Janeirode1950–obituáriodeSamuelPutnam) 100 .

A TRADUÇÃO DE “TERRAS DO SEM FIM”

OautortradutorSamuelPutnamtambémindicavaobrasparatradução.Segundo Gardiner(1971),otítulo Terras do Sem Fim, deJorgeAmado,causoulheentusiasmo, umsentimentoquecompartilhavacomBlancheKnopf.Esta,porsuavez,convidouoa realizar a tradução daquela obra para a editora. Em seguida, Blanche o convidaria a traduzir também Casa Grande e Senzala de GilbertoFreyre,oquefezdePutnamo tradutordegrandesensaiossobrenossahistóriaedaquelequeeraconsideradonaépoca umdosmelhoresromancesdeJorgeAmado(p.110). Já a versão do episódio de acordo com o próprio Jorge Amado é diferente. Segundo Amado, ele participava de um concurso organizado pelo editor americano 100 Em1949,foipublicadasuatraduçãode D. Quixote de la Mancha ,pelaeditoraVikingdeNovaYork, obraquetrouxe,maistarde,reconhecimentointernacionalaotradutor.

73 MacMillan(omesmoquepublicouasobrasdeVeríssimo)paraescritoresdaAmérica Latina. O Brasil não participara no primeiro ano do concurso. No ano seguinte, incluíramoBrasileoHaiti.Contaoautor: Três livros encabeçavam a seleção brasileira: Terras do Sem Fim, Fogo Morto, deJoséLinsdoRego,eumlivrodeOswalddeAndrade –creioqueera Chão, a Revolução Melancólica. Finalmente, Terras foiretido,assimcomoolivrodeOswald,nãomelembro bem dos detalhes. Mas, naquele momento, um escritor brasileiro que vivia entãonosEstadosUnidos,AfrânioCoutinho,recomendoumeulivroà Knopf,informandoosobrealeituraetc.,eKnopfmepropôseditaro livro. Renunciei ao concurso, e Terras do Sem Fim foi lançado por Knopfem1945(AMADOapudRAILLARD,1990,p.205).

FIGURA 7 FIGURA 8

Capa da publicação no Brasil (1943) Capa da publicação nos EUA (Edição de 1965) Apesar da diferença gráfica, a capa da edição de 1965 é “fiel” ao clima da obra original. No paratexto, a menção da crítica do The New York Times. Umanarrativanãoexcluinecessariamenteaoutra.Épossívelqueaindicaçãode AfrânioCoutinhotenhasesomadoaoselogiosdePutnam. No The New York Times , um artigo anunciando sua publicação de Terras do Sem Fim em1945ocuparaumespaçobemmenordoqueode Brazil: an Interpretation ou Casa Grande & Senzala, publicadosemdataspróximas.

74 FIGURA 9

A título de comparação entre os espaços jornalísticos reservados às obras de Freyre e Amado. Os artigos publicados pelo The New York Times. Na seqüência, a crítica da tradução de Brazil, an Interpretation em 26 de agosto de 1945 e de Casa Grande & Senzala em 6 de outubro de 1946.

75 FIGURA 10

Artigo publicado no jornal The New York Times em 24 de junho de 1945. A crítica da tradução de Terras do Sem Fim dividia o espaço de uma pequena coluna com outras três obras (apenas o espaço pintado).

Esse artigo apresentava o romance como um livro de brigas, em que tudo acontece em escala heróica. Sua sinopse do enredo não apenas trazia uma referência geográficaerrada,mastambémcolocavaemumplanoprivilegiadoasmarcasdoscultos religiososafricanosnoromance: OSequeiroGrandenosudeste[sic]doBrasilera“amelhorterrado mundoparaaplantaçãodecacau,umaterrafertilizadacomsangue humano." “A Terra Violenta” 101 se refere à luta pela posse da floresta–umalutaatrês,envolvendoumfeiticeirodolocaledois assassinosricosquevivememplantaçõesadjacentes,cercadaspor mulherescorajosasebonitas,assassinoscontratados,trapaceirosno jogo [de baralho], e advogados corruptos. O feiticeiro fracassa primeiro,masnãoantesdeterrogadoumapragaeficazsobreseus doisvizinhos,noaltotomqueabundaemseuslivros.(“A piedade secou,eelesestãoolhandoparaaflorestacomosolhosdosmaus 101 Optamosaquiporfazerumaretrotraduçãodotextoeminglêspublicadonoartigo.

76 ***Elesentrarãonafloresta,masserásobreoscorposdeseuspróprios mortos.")Eledesejaqueosmaustenhamproblemas,eelesostêm daformamaisviolentaevariada,antesqueoSequeiroGrandeseja finalmentetomadoequeimadoparaoplantiodasárvoresdecacau, paraamúsicalúgubredos“uivos[sic]dasonçasenquantofogem,o sibilar das cobras se queimando." 102 (Nancy Flag, The New York Times de24dejunhode1945). A localização geográfica do Sequeiro Grande é o primeiro erro que encontramos.MasaquestãoéqueofeiticeiroJeremiasnãoésenãoumapersonagem secundária no romance, sem outras grandes aparições na história e, na verdade, ele nuncachegoua“disputaraposse”dasterras,conceitoquenãoseaplicavaaseutipode comunidade. O feiticeiro Jeremias lança um clamor de vingança pela destruição da floresta aos deuses de seu culto africano. Ainda, os ditos “assassinos” são dois “coronéis” 103 do cacau da região. Apesar de seu estranhamento e incompreensão do texto – continuando a sinopse – o crítico remetiase aos editores e à qualidade da traduçãocomcondescendência: Deacordocomoseditores,estelivrojáatingiuumgrandesucesso noBrasil.Eledeveriaserumsucessoaquientreosmuitosleitoresque gostamdesuaaventura,romance,crime,seduçãoeinjustiçasocialem umaexóticafantasia,espiandoatravésdevéusdelinguagemliterária. Nãoéprovávelqueestelivrotenhaperdidomuitona tradução. Restou demais: demasiado estilo pelo estilo em si, demasiada indignação para com os poderosos e demasiada pena dos pobres, personagensdemasiadamenteexcitadasesombrias,demasiadosamor e luxúria, e demasiada cobiça e incêndio e matança (...). O único déficit é humor, mas talvez isso seja compensado por um golpe de mestre: um grupo de teatro amador na cidade próspera de Ilhéus produz uma peça, e dá a ela o título PósIbsen de “Vampiros Sociais” 104 . 102 “ TheSequeiroGrandeinsouthernBrazilwas"thebestlandintheworldfortheplantingofcacao, alandfertilizedwithhumanblood.""TheViolentLand"isconcernedwiththestruggleforpossession oftheforest—athreewayfight,involvingawitchdoctoronthespotandtworichmurdererswholive onadjoiningplantations,surroundedbybraveandbeautifulwomen,hiredassassins,cardsharpsand crooked lawyers. The witchdoctor fails first, but not before he has put an effective curse on his neighbors,inthehightoneinwhichthebookabounds.("Pietyisdriedup,andtheyareeyeingthe forestwiththeeyesofthewicked***Theyshallentertheforest,butitshallbeoverthebodiesoftheir own dead.") He wishesthe wickedtrouble,andthey get it in the most violent and various forma beforetheSequeiroGrandeisfinallytakenandburnedfortheplantingofcacaotrees,tothedismal musicof"thehowlsofthejaguarsastheyfled,thehissoftheburningsnakes." 103 Termoutilizadoparaproprietáriosdeterranaépoca,semimplicarpatentemilitar. 104 “According to the publishers, this book has already had a great success in Brazil. It should be successful here with the many readers who like their adventure, romance, crime, seduction and social injusticeinexoticfancydress,peepingthroughveilsofliterarylanguage. Itisn’tlikelythatthisbookhaslostverymuchintranslation.Toomuchisleft:toomuchstyleforthe style’ssake,toomuchindignationwiththepowerfulandpityforthepoor,toomanyexcited,shadowy characters,toomuchloveandlustandgreedandarsonandkilling(…).Theonlydeficitishumor,but perhapsthatismadeupforbyonemasterstroke:anamateurtheatregroupintheboomtownofIlhéos

77 Seanteriormentefoioexotismodocultodemagiaquemaischamouaatenção, agora, ao repetir tantas vezes a palavra “demais”, o crítico demonstrava ter ficado incomodadocomo“exagero”queviunaobra. Umestranhamentosemelhantefoireveladonarevista New Yorker , em que se alegava que “O cenário é o selvagem e exuberante interior do leste [sic] do Brasil, quando todo mundo estava tomando a terra em meio a um tumulto [tal] que faz o “violenta”dotítuloparecerumabrandamento[defatos] 105 ”(citadoemROSTAGNO, 1977,p.37). Ascríticasjámostravamapoucaaceitaçãodaobra.Arepercussãodoromance deJorgeAmadonosEstadosUnidosfoipequena,assimcomosuavendagem.Em1950, exilado na Tchecoslováquia, Jorge Amado enviou uma carta à editora solicitando o enviodedezexemplaresdatraduçãodeTerras do Sem Fim ,semespecificarexatamente o motivo. Teve o dissabor de ter como resposta a informação de que a editora não possuía mais cópias do livro e que, “em vista do fato de sua venda total ter sido decepcionantemente pequena”, havia pouca probabilidade de a obra ser reimpressa. (Correspondência trocada entre Herbert Weinstock e Jorge Amado, entre outubro e novembrode1950–HarryRansonHumanitiesResearchCenter–UniversityofTexas –KnopfCollectionBOX80–folder13).Malsabiamelesqueaobraseriarepublicada quinze anos mais tarde, após o sucesso de Gabriela, Cravo e Canela nos Estados Unidos. Em Terras do Sem Fim , Amadotratadedenunciaraviolênciaeousodopoder sobreohumildedonodaterra,adesigualdadeeamanipulação dos “jagunços”. Não existem,noentanto,mençõesestritamentepartidáriasoudelutadeclasses,sindicalistas oulíderescomunistas . Mesmoassim,emumartigopublicadonacoluna“LiteraryNotesfromRio”do The New York Times de6deoutubrode1946,otradutorcomentavaqueo clima de confusãoedesorientaçãonocenáriopolíticoàépocalevaraváriosescritoresaseunirem ao “leftist band wagon” 106 . E buscava a solidariedade do leitor norteamericano

producesaplay,andgivesitthedefinitivepostIbsentitle,‘SocialVampires’”.( The New York Times de 24dejunhode1945) 105 “Thebackgroundisthewild,lush,countrysideofeasternBrazilwheneverybodywasgrabbingland amidaturmoilthatmakesthe‘violent’ofthetitleseemanunderstatement…” 106 “Algocomoo“trioelétrico”ou“tremdaalegria”daesquerda–umareferênciaaocaráterimpulsivo comoosescritoresaderiamaocomunismo”.

78 comparando a “Grande Depressão” com o vazio deixado pelo colapso do regime Vargas 107 (Putnam, The New York Times ,6deoutubrode1946). Apesar da situação de final de guerra e do fim dos subsídios governamentais para as traduções, Putnam buscava realizar ainda um antigo sonho de publicar uma antologiasobrealiteraturabrasileira.Eoconseguiuem1948,pormeiodaagoraAlfred A. Knopf Inc. O livro Marvelous Journey: Four Centuries of Brazilian Literature 108 apresentava a seguinte dedicatória: “Para minha ‘Segunda Pátria’, Brasil, e para os inúmeros amigos brasileiros que fizeram da minha visita em 1946 uma verdadeira ‘viagemMaravilhosa’” 109 . Noprefácio,Putnamressaltaopequenonúmerodeobras literárias brasileiras existentes no idioma inglês à época. Lamentando o fato, o tradutor credita o conhecimentodosamericanossobrealiteraturaemportuguês,aindaquepequeno,aos esforços do "Coordinator of InterAmerican Affairs, Nelson Rockefeller”. Putnam destacaaindaaatuaçãodosespecialistas(presumesequeserefiraaostradutores)edo editor, Alfred Knopf, mencionando “perdas financeiras” durante o processo de publicaçãodasobrasbrasileiras.Obrasilianistalamentaafriarecepçãodastraduções dosromances,justificandoapelaincompreensãodaobradeAmado: Graças à Guerra, muitos leitores descobriram, para sua surpresa, a existêncianasAméricasdeumaliteraturavaliosaemportuguês(…). Foiumcomeçopromissor,masagoraqueashostilidadesfindaram,já existemsinaisdeumavisíveldiminuiçãodointeressepúblico,eofato équemesmoduranteaguerraoslivroslatinoamericanosvenderam em desencorajadoras pequenas quantidades. Isso é especialmente verdadeiro quanto aos romances, nos quais a vida retratada e as relações humanas envolvidas freqüentemente parecem distantes e desagradavelmenteexóticas,senãoincompreensíveis. QuandoJorge Amado,porexemplo,descreveumfeiticeironegro,ouumcurandeiro, emseusritos,nóstendemosaacreditarqueeleestáseentregandoa ummelodramahorrível;masquemconheceoBrasilsabequenãoéo caso,poisafeiticeiroeafeiticeiraetaiscerimôniasfetichistascomoo candomblé e a macumba ainda acontecem comumente. (PUTNAM, 1948,p.ix) 110 107 “Withusin1936itwastheGreatDepression.WithBrazilianstodayitisthevoidleftbythecollapse ofVargasregime,accentuatedbythepresenteconomicandpoliticalmuddle”. 108 Viagem Maravilhosa: Quatro Séculos de Literatura Brasileira ( Putnam , 1948) 109 “Tomy“SecondFatherland”,Brazil,andtoallmyinnumerableBrazilianfriendswhomademyvisit of1946trulya“‘ViagemMaravilhosa””. 110 “Thanks to the war, many readers discovered to their surprise the existence in the Americas of a worthwhileliteratureinPortuguese(…).Itwasapromisingstart,butnowthathostilitieshaveended, there are already signs of a distinct letdown of public interest; and the fact of the matter is that even duringthewarLatinAmericanbookssoldindiscouraginglysmallquantities.Thiswasespeciallytrueof novels, in which the life portrayed and human relationships involved often seemed remote and unpleasantly exotic, if not incomprehensible. When Jorge Amado, for instance, describes a Negro

79 AquestãolevantadaporPutnameraadequeoesforçodeguerravisandoauma reaproximação cultural tinha sido muito apressado e improvisado. O leitor médio americano teria estado mais bem preparado para a “compreensão e deleite” dos romancesbrasileirossetivesseestudadoosensaiosdeFreyreeEuclidesdaCunha,dizia ele.Putnamprevia,entretanto,umasoluçãoparaotípicodesinteresseeestranhamento: oscursosdeliteraturabrasileiraedelínguaportuguesaquesurgiamnasuniversidades trariamàsfuturasgeraçõesmaioresconhecimentossobreaquelanaçãograndeecheia depotencialdohemisférioocidental. Aobra Marvelous Journey, deSamuelPutnam,eraumapublicaçãoquetambém reproduziria a linha ideológica da Boa Vizinhança, como mostrava o jornal nova iorquino,em25dejulhode1948: NestepontodenossorelacionamentocomaAméricaLatina,quandoa histeria do período de guerra parece tender a ser sucedida por um retornoànossapréviaindiferença,livrosquenosajudamemdireçãoa umaposiçãoequilibradasãoexatamenteoquenósprecisamos.Eem lugar algum é a necessidade maior do que no campo de nossa compreensão sobre o Brasil, o melhor amigo que nós temos na AméricadoSuleumanaçãodestinadaaumgrandefuturo,searaça humana sobreviver a sua crise atual. 111 (Herchel Brickel, The New York Times de25dejulhode1948). Mas Knopf e sua equipe sabiam que remavam contra a correnteza. O que Putnampreviaem1948,poucoadianteseriafatal:apopulação americana, e também seugoverno,novamentesedesinteressariamdoBrasiledaAméricaLatina.Enquantoo Brasil ainda esperava sua recompensa por ter sido o único país latinoamericano a enviar tropas para lutar na guerra, os governantes americanos se distanciavam da política de boa vizinhança. O Plano Marshall não previa ajuda financeira aos países LatinoAmericanos 112 .Aatençãodedicadaanossaculturatambémdiminuía.Somente umanovainstabilidadepolíticamundialpoderiatrazerdevoltaavisibilidadedos“bons vizinhos”.Todavia,umfenômenointeressantemanteriao“cordãoumbilical”entreos feiticeiro , or witch doctor, at his rites, we are likely to think that he is indulging in a bit of lurid melodrama; but anyone who knows Brazil knows that this is not the case, for the sorcerer and the sorceress and such fetishistic ceremonies as candomblé and the macumba are still of common occurrence.” 111 “AtthispointinourrelationshipwithLatinAmerica,whenthehysteriaofthewarperiodseemslikely tobesucceededbyareturntoourpreviousindifference,bookswhichwillhelpsustowardabalanced attitudeareexactlywhatweneed.Andnowhereistheneedgreaterthaninfieldofourunderstandingof Brazil,thebestfriendwehaveinSouthAmericaandanationdestinedforagreatfuture,ifthehuman racesurvivesitspresentcrisis.” 112 ParaasrelaçõesinternacionaisBrasilEstadosUnidosapartirde1950,verVizentini,1994.

80 primeirosprojetosdetraduçãoeaquelesquesurgiriamnovamenteduranteaRevolução Cubana.Foramasreminiscênciasdapolíticadeboavizinhançaforadoprincipalescopo governamentalamericano. DEU NO ‘NEW YORK TIMES’: O RESSENTIMENTO DURANTE A GUERRA FRIA... Ojornalnovaiorquinotambémfoifontedenarrativas sobre as instabilidades diplomáticasentreoBrasileosEstadosUnidosnoperíododaGuerraFria.Em1ºde abrilde1951,o The New York Times publicavaumartigocomamanchete:“OBrasil está ressentido com o desprezo dos EUA” 113 . Como subtítulo liase que “O melhor amigodosianquesentreoslatinostêmmuitasqueixas,algumasdelasjustificadas” 114 . Oartigorelatavaqueanação,cujaamizadetinhasidosubestimadaecujopapel na Segunda Guerra tinha sido esquecido, agora reclamava da falta de apreciação. O BrasilseressentiaporsuaexclusãodoPlanoMarshall, pelas perdas causadas com a inflaçãonorteamericanadopósguerra,epelafaltadegenerosidadenosempréstimos. Não ficava de fora o ressentimento em relação a um grande empréstimo feito à Argentina,que,aocontráriodoBrasil,mantinhaumapolíticaexternamuitomaishostil paracomosEstadosUnidos.Alémdisso,osgrandesempresáriosbrasileirosalegavam queosEstadosUnidosqueriamdominaraeconomiabrasileira,mantendoabasicamente agrícola. Ojornalamericanoapresentavaascríticasbrasileirascomo“positivas”,quando comparadas à ação da intelligentsia comunista e dos nacionalistas “antiianque”, que contribuíam para o abalo na “amizade entre os vizinhos”, mas, em contrapartida, o artigo comentava que várias queixas brasileiras eram injustificadas, uma vez que os empréstimos do Import-Export Bank para o Brasil tinham sido maiores do que os concedidosaqualqueroutropaíslatinoamericano.Defendiase,ainda,afirmandonão ser verdade que os Estados Unidos queriam dominar a economia brasileira e que acabara de ser criada a Joint Brazilian-American Economic Development Commission 115 , para solucionar muitas dificuldades econômicas. O argumento mais

113 “Brazil is Smarting from U.S. Neglect”. 114 “The Best Friend of Yankees Among Latins Has Many Grievances, Some of Them Justified” 115 ComissãoConjuntaBrasileiraAmericanaparaoDesenvolvimentoEconômico

81 curioso,noentanto,eraodequeoServiçodeInformaçãodosEstadosUnidosinstalado noBrasileraomaiordaAméricaLatinaeumdosmaioresdomundo,alémdeserum dosmaisimpressionantesebemsucedidos,oquenãoindicavanegligência,jáquea iniciativatraziaoconhecimentoarespeitodosEstadosUnidosaosbrasileiros 116 . Oartigotratatambémasdiscussõescomoquerelasentredoisbonsamigos,o que em nada se comparava ao antagonismo existente entre os Estados Unidos e a Argentina,nemàcampanhaantiamericanadeJuanD.Perón.Nãoficavaesquecidoo fatodeGetúlioVargas,oexditadorpopulistaque “adorava aplausos”, estar subindo novamenteaopoderemummomentodelicadodeumademocraciaaindanova.Getúlio Vargas, eleito democraticamente e com grande apoio popular, era apresentado como alguémquepodiaagorafazeroquequisesseemnome da democracia, mas que não tinhamaismotivosparasevoltarparaosantigosmétodos totalitários. Era um “ator soberbo”, que podia agora interpretar o papel de um democrata. Segundo o artigo, o grandeperigovinhadocomunismo,tornadoilegalnoBrasilem1947,masaindaforte graças à terrível pobreza e ao prestígio do líder comunista Luis Carlos Prestes. A conclusão era a de que, o fato de o Brasil não representar grandes ameaças não significava que o mais poderoso e melhor amigo da América Latina podia ser seguramenteignorado. NesseperíodoacirrouseadisputaentredoisimportantesgruposnoBrasil.O primeiro–odos“nacionalistas”–buscavamaisautonomiadiantedosEstadosUnidos para promover o desenvolvimento industrial, calcandoo “em certa perspectiva de reformasocial”;enquantoosegundoapoiavaasvantagens“comparativasdaagricultura e [d]a agenda de segurança defendida pelos Estados Unidos na Guerra Fria”. Os partidários desse grupo, acusados de querer “entregar” o Brasil ao estrangeiro, foram chamadosde“entreguistas”.(VIZENTINI,2003,p.13)Ventosmaisagitadossopravam nocontinenteamericano. Fiadosnosartigosenarrativascosturadospelosjornaisamericanos,osleitores teciamimagenseconceitosarespeitodasrelaçõescomoBrasil.Alémdasagênciasde incentivoaointercâmbiocultural,essesjornaisfuncionavam nãoapenascomoveículos deinformações,mas comoimportantesinstrumentosdeformaçãodeopinião. O The New York Times manteve, a partir da década de 1950, uma coluna chamada Literary Letter From Brazil ,porvezes Literary Letter from Rio ,quecontou 116 A obra de Pedro Tota (2000) descreve a implantação desse Sistema de Informação no Brasil, vinculadoaoOCIAA.

82 com a constante contribuição do escritor, crítico e também jornalista, Antônio Callado 117 . Excorrespondente da BBC durante a Segunda Guerra e tendo trabalhado no Serviço Brasileiro da Radio-Diffusion Française , em Paris, Callado não era apenas politizado,mastambémmuitoativodentroeforadoBrasil,efoiumdosescritoresque tambémtevemuitocontatocomKnopf,queem1970publicou a tradução inglesa de Quarup , escrito em 1967. Na década de 1950, Callado fazia a crítica das obras brasileiras no The New York Times , tecendo especiais elogios ao “romance do nordeste”. FIGURA 11

Coluna de Callado em 1964

Coluna de Antonio Coluna de Callado em 1956 Callado em 1951

117 PorocasiãodojulgamentodeAntonioCalladonoBrasil,em1969,o The New York Times publicou uma nota com o título BRAZILIAN AUTHOR ACQUITED BY COURT (AUTOR BRASILEIRO INOCENTADO POR TRIBUNAL ), em caixa alta, mostrando como Callado tinha sido inocentado das acusaçõesdeincitarumacampanhasubversivajogandoopovocontraasforçasarmadas.Eracertamente importanteparaojornalamericanomostraroveredictodeinocênciadeumcolaborador,mesmoqueeste fizesseoposiçãoaogovernomilitar.(The New York Times, 26desetembrode1969)

83 Talvez não por mera coincidência, em 1956 a editora da Universidade da CalifórniaemBerkeleypublicouaobra O Novo Romance Brasileiro: Quatro Mestres Nordestinos 118 doprofessorFredP.Ellison,queera,naverdade,umensaiocríticosobre asobrasdeJorgeAmado,JoséLinsdoRego,RaqueldeQueirozeGracilianoRamos. ... E AS REMINISCÊNCIAS DA BOA VIZINHANÇA Apesardoesfriamentodasrelaçõesoficiaisentreosdoispaísesnoperíododa GuerraFria,algunsempresáriosamericanosmantiveramseuinteressepeloBrasilepela América Latina. Foi o caso do próprio Nelson Rockefeller, cuja obstinação não lhe permitia aceitar o abandono de seu projeto e agora agia através das fundações filantrópicasdesuafamíliaedesuapolíticadecorporativismo.HenryKaiserfoioutro nomequepertenceuaessalistadeempresários(COBB,1992,p.5).E,porfim,como pudemosperceber,osKnopftambémforammembrosdessegrupoquenãodesistiuda AméricaLatinae,emespecial,doBrasil. ConstatanovamenteRostagno: Por um pequeno período de tempo, as obras que a Sra. Knopf selecionou alimentaram o apetite oficialmente promovido dos EUA por coisas da América Latina; mas logo após a Guerra o interesse públicoseevaporou.Omesmonãoocorreucomodos Knopf, cuja lealdadeparacomaAméricaLatinapermaneceufirme,apesardofim da“euforiadaboavizinhança”.(1997,p.33)119 . O caráter comercial e corporativista da atuação dos grandes empresários mencionados anteriormente mostrava que sua ideologia se baseava na formação de aliançasqueassegurassemaestabilidadepolíticaeeconômicanaregião.Nocasoda equipedeKnopf,aimagemeraadeumamovimentação contra guerras e a favor da tolerância e da cordialidade. Esse projeto ideológico se confirmava nas palavras de váriosdeseusparticipantesdelongadata.ElesurgiajácomopróprioSamuelPutnam, naintroduçãode Marvelous Journey ...

118 Brazil’s New Novel: Four North-eastern Masters . 119 “Forashorttime,theworksMrs.KnopfselectedfedtheofficiallypromotedU.S.appetiteforthings Latin American, but soon after the war, public interest evaporated. Not so the Knopfs [sic], whose allegiance to Latin American literature remained steadfast, despite an end to the ‘good neighbor euphoria’. ”

84 Seria deplorável e perigoso para nosso bem estar nacional, se caíssemosnovamentenaantigaatitudedeindiferença,[Oestadode] emergência não acabou. Há um mundo novo e democrático a ser construído, e nesta tarefa as Américas devem se aproximar sempre mais.Écomoobjetivodefazeroqueconsiderouma contribuição necessáriaàamizadeentreoBrasileosEstadosUnidosmedianteo plano cultural que o presente livro é confeccionado120 . (PUTNAM, 1948,p.x) etambémnaatitudedeAlfredKnopf… OsKnopffreqüentementelamentavamafaltadeinteresseporcoisas brasileiras.AprincipalqueixadeAlfredKnopferadequeaimprensa raramente “se apressava para criticar favoravelmente ou não [seus] livrosbrasileiros”.121 (KNOPFapudROSTAGNO,1997,p.35) AatençãodosKnopfparacomoBrasiltinhacrescido gradualmente. Quando BlancheKnopfveioaoBrasilpelaprimeiravezem1942,opaísjáchamousuaatenção por ser um ambiente mais variado e hospitaleiro que o restante da América Latina (ROSTAGNO,1997,p.34).Foiquandopassouaincentivarapublicaçãodaliteratura brasileirapelaeditora,razãopelaqualelarecebeuotítulode“Cavaleiro(a)daOrdem NacionaldoCruzeirodoSul”em1950 122 e,em1952 123 ,foipromovidaàcategoriade “Oficial” dessa ordem. O editor também foi condecorado com uma insígnia nessa mesmadata 124 . AlfredKnopf,empessoa,fezsuaprimeiraviagemaoBrasilsomenteem1961,e apartirdeentãoseuinteressepelopaístambémseintensificou,assimcomosuasvisitas à região. A “política da amizade” agora faria parte da vida do próprioeditor. Era o iníciodeumaterceiraenova“embaixada”:apromoçãoda“brasilidade”.Nostermosde (MILTON, 2008), Knopf era um patrono cuja extensão de seus projetos o levava também a se comportar como um “agente da tradução”interessadonamudançado “statusquo”.

120 “Itwouldbedeplorable,anddangeroustoournationalwelfare,ifweweretofallbackintoourold attitudeofindifference.Theemergencyisnotover;thereisanewanddemocraticworldtobebuilt,and in this task the Americas must draw ever closer to each other. It is with the object of making what I believetobeaneededcontributiontoBrazilianNorthAmericanfriendshipupontheculturalplanethat thepresentbookisundertaken.” 121 “The Knopfs often lamented American lack of interest in things Brazilian. Alfred Knopf’s main complaintwasthatrarelydidthepress“rushtoreviewfavorablyornot[his]Brazilianbooks.” 122 Ver The New York Times de3denovembrode1950. 123 Ver The New York Times de5dejunhode1966. 124 Ver também documento de referências JM pi Magalhães, J. 1964.11.24 no Centro de Pesquisa e DocumentaçãodeHistóriaContemporâneadoBrasil(CPDOC)daFaculdadeGetúlioVargas–SP.

85 AochegarpelaprimeiravezaSalvador,KnopffoirecebidoporJorgeAmado, que lhe causou uma agradável impressão. Daí para frente, além de Gilberto Freyre, JorgeAmadotambémpassariaafigurarnalistade“amigosdosKnopf”.Knopfpassou entãoasecorresponderconstantementecomescritores,editoresetradutoresnoBrasil (entre eles Gilberto Freyre, Jorge Amado, o editor Alfredo Machado, a tradutora BárbaraShelby).BlancheeAlfredKnopfforamaindapadrinhosdebatismodaprimeira netadeFreyre. Alémdareediçãodatraduçãode Casa Grande e Senzala em1956,voltamosa encontraraatuaçãoKnopfnolançamento,em1959,de New World in the Tropics. A obraeraumanovaversãode Brazil: an Interpretation, tambémescritaporFreyre. The Mansions and the Shanties, atraduçãoeminglêsde Sobrados e Mucambos (1937)sairia nosEstadosUnidosem1963. Nadécadade1960,AlfredKnopfjáeravistopormuitoscomoum“embaixador extraoficialparaassuntosreferentesaoBrasil”.Elechegavaasemanifestarperantea imprensa, instituições financeiras e em eventos internacionais protestando contra a poucaatençãodispensadaàquelequeserianofuturo“umpaistãoimportantequanto todasasnaçõeshispanoamericanasjuntas”.(ROSTAGNO,1997,p.35) FIGURA 12

Exposição em homenagem a Alfred A. Knopf em sua visita ao Consulado Americano em São Paulo em 1965. Da esquerda para a direita: Alan James (da embaixada americana), Alfred A. Knopf, Niles Bond (cônsul geral americano) e a tradutora Bárbara Shelby. (foto enviada pela tradutora)

86 ArelaçãodeKnopfcomapolíticaecomocorpodiplomáticobrasileirotambém é significativa. Após a morte de Blanche em 1966, Knopf casouse novamente, em 1967,comaescritoraHelenHedrick,eseucasamentoaconteceunoRiodeJaneiro,na capela da casa do exembaixador brasileiro Mauricio Nabuco 125 . Se considerarmos o papeldeJoaquimNabuco,paidoembaixador, nahistória do Brasil, como figura de combateàescravidãonegra,podemosverificaraconvergênciaparaaquestãoracial. Todoocontextosóciohistóricodescritoanteriormenteserviucomopreparação doterrenoparaoqueviriaaacontecernadécadade1960.ComaRevoluçãoCubana,as atenções do governo dos Estados Unidos voltaramse novamente para o continente americano. Mas, diferentemente do que ocorrera anteriormente, a questão central do conflito instaurarase agora na América Latina, e operigo da expansão comunista no continente era iminente. O interesse era mais legítimo do que na década de 1940. Kennedy retomaria em grande parte a filosofia de “Boa Vizinhança” de Roosevelt, agorasobaroupagemda“AliançaparaoProgresso”.Segundoo The New York Times de 20 de maio de 1961, o governo de Jânio Quadros mostrava uma “independência desconcertantenosassuntosinternacionais”.OministrodasRelaçõesInternacionaisdo Brasil emitira uma declaração defendendo o direito de Cuba à autodeterminação e opondose a qualquer intervenção estrangeira. O jornal informava que o presidente Kennedy sabiamente resistia à tentação de associar a ajuda financeira ao Brasil às concessõesouinterferênciaspolíticas. Enquantoisso,oscríticosliteráriosdo The New York Times anunciavam uma novageraçãodeautoresquesubstituiriamosantigosescritoresdadécadade1940( The New York Times, de1ºdedezembrode1961).EntreelesfiguravamJorge Amado e GuimarãesRosa.

APÓS A REVOLUÇÃO CUBANA: HARRIET DE ONÍS E A RENOVAÇÃO DA EMBAIXADA ApósamortedeSamuelPutnam,emjaneirode1950 126 ,aprincipaltradutorada KnopfInc.passaraaserHarrietdeOnís.OriginaldeIllinois,HarrietVivianWishnieff

125 MaurícioNabucoerafilhodeJoaquimNabuco.Anotíciadocasamentofoidocumentadano The New York Times de21deabrilde1967. 126 OobituáriodePutnam,publicadono The New York Times de18dejaneirode1950,citavaadedicação que o tradutor de Don Quixote para o inglês dispensara à literatura brasileira, assim como seu

87 nasceu em 1899. A literatura hispânica chamou sua atenção na Universidade de Columbia,quandoaindaestudavaLiteraturaInglesa.Foiláqueconheceuoprofessore ChefedoDepartamentodeEstudosHispânicosdaUniversidade,FedericodeOnís: O exProfessor de Literatura Espanhola da Universidade de Salamanca,quesetransferiraparaosEstadosUnidosem1916,ea alunacasaramseemagostode1924. Em1930,aEditoraAlfredKnopfofereceuaMrs.deOnísatradução dolivrodeMartínLuísGuzmán,quetantoaimpressionara.Iniciava se uma parceria que se estenderia por quase quarenta anos. De tradutora,Mrs.deOníspassariaamembrodocorpodeconselheiros da Editora, como consultora especializada para a América Latina. (VERLANGIERE,1993,p.17) JácasadacomFedericodeOnís,Harrietpassariaatrabalharcomocolaboradora paraeditoraserevistasespecializadas,tornandoselogouma“descobridoradetalentos” da América Latina. Contudo, observa ainda Verlangiere, seu primeiro contato com a língua portuguesa foi em 1948, quando traduziu e editou The Golden Land. A obra, publicadapelaKnopf,eraumaantologiadeautoreslatinoamericanos,e“Mrs.deOnís incluiu – entre os 48 textos selecionados – seis traduções de trechos de autores brasileiros: Euclides da Cunha, Affonso Arinos de Melo Franco, Gustavo Barroso, MonteiroLobato,JoséLinsdoRegoeMáriodeAndrade”(p.17). AprimeiraviagemdatradutoraaoBrasilseriaem1953,emvisitaaofilhoJuan de Onís, que aqui trabalhava como correspondente da United Press. Por ocasião das homenagensaos50anosdaAlfredA.KnopfPublishers,HarrietdeOnísalegariaque, assim como Knopf, também ela teria se “apaixonado peloBrasil”(KNOPF,1965,p. 203). Em suas palavras, a metáfora sobre o papel de Knopf e seu projeto no Brasil migravada“PolíticadaBoaVizinhança”paraa“AliançaparaoProgresso” 127 . A Era Kennedy e a instabilidade das relações internacionais, decorrentes da RevoluçãoCubana,traziamoutrascorrentesparaointercâmbioculturalentreospaíses americanos.Eraumanovaversãodoantigocaráterdiplomáticoatribuídoaosprojetos dealiançaatravésdaliteraturatraduzida.EssefoiocaráterretratadoporDeOnís:

recebimentodoprêmio“PandiáCalógeras”,suaatuaçãocomoprofessornaUniversidadedoBrasilesua nomeaçãoparaaAcademiaBrasileiradeLetras. 127 A“AliançaparaoProgresso”foiumprogramadeajudaeconômicaesocialàAméricaLatina,criado nogovernoKennedyem1960,comointuitodecombaterainterferênciadaRevoluçãoCubananaregião.

88 (...)foiapenasporvoltade1945quemetorneium membro quase permanente do estabelecimento Knopf. Isto aconteceu, em grande parte,devidoaograndeinteressedeBlancheeAlfred pela América Latina,apósaviagemqueelafezàregiãoem1942,sobosauspícios do Departamento de Estado. (…) Mas nossa associação de real proximidadedatadocasodeamordeAlfredpeloBrasil,quetemtodo ojeitodeumapegoindissolúvel(…).Então,em1961,Alfredvisitou oBrasil,ecomomuitosoutrosamericanos,incluindo eu mesma, se apaixonouporele.(...)ElesetornouumaAliançaparaoProgressode umsóhomem.128 (DE ONÍS inKNOPF, Portrait of a Publisher p. 202203). De Onís gozava da total confiança dos Knopf. Ela própria confirmaria a continuidadedaimportânciadadaàtraduçãocomoinstrumentodealiança,anosmais tarde,aobuscarpublicidadeparaaobratraduzidadeJorgeAmadonadécadade1960: Pareceme muito importante neste momento que o livro tenha boa cobertura,primeiramenteporcausadeseuvalorintrínseco,eporque cadaescritorlatinoamericanoquerecebeodevidoreconhecimentode nossaparteéumaliadopotencial.Eunãotenhoquelhesdizerquão maisimportanteéopapelqueescritoresdesempenhamaoinfluenciar a opinião pública lá, do que no nosso lado da fronteira (DE ONÍS apudCOHN,2003,p.96) 129 . Aidéia,agoraexpostaporDeOnís,nãoéapenasadequeointercâmbiocultural levariaàcompreensãoentreasdiferentesculturas,masadequeoautoréumformador deopiniãoemseupróprioterritórioe,dessaforma,tornavaseimportantetêlocomo aliado. Seu interesse pelo caráter político da atividade tradutória era novamente proclamadoem1967,quandoDeOnísrecebeuo“P.E.N.Award”(Poets,Playwrights, Essayists,Editors,andNovelistsAmericanCenter)pelatraduçãode Sagarana (ROSA, 1946), lançada nos Estados Unidos por Knopf em 1966. Ao receber o prêmio, a tradutora fez um apelo a escritores e tradutores para que prestassem mais atenção à literatura latinoamericana, como uma forma de melhorar o entendimento mútuo no hemisfério ocidental. De Onís afirmou, ainda, que os escritores latinoamericanos 128 “(...) it was not until around 1945 that I became an almost permanent member of the Knopf establishment. This was due in large measure to Blanche and Alfred’s heightened interest in Latin America,followinghertriptherein1942undertheauspicesoftheStateDepartment.(…)Butourreally close association dates from Alfred’s love affair with Brazil, which has all the air of an indissoluble attachment.(…)Thenin1961AlfredvisitedBrazil,andlikemanyotherAmericans,includingmyself,lost hishearttoit.(…)HehasbecomeaonemanAllianceforProgress.” 129 “Itseemstomesoimportantatthismomentforthebooktohavegoodcoverage,firstofall,because ofitsintrinsicvalue,andbecauseeveryLatinAmericanwriterwhoreceivesduerecognitionatourhands isapotentialally.Idon’thavetotellyouhowmuchmoreimportantarolewritersplayininfluencing publicopiniontherethanonoursideoftheborder.”

89 “refletiamoque200milhõesdepessoastãopróximasaosEstadosUnidospensavam, sentiam,aceitavamourejeitavam”,equeopaísaindanãotinhanemchegadopertode reconhecersuaimportância(DeOnís, The New York Times de8demaiode1967). É importante ressaltar ainda os esforços de Knopf para divulgar a obra de GuimarãesRosanosEstadosUnidos,nadécadade1960.KnopfeDeOnísreconheciam ograndevalorliteráriodoautormineiroeforamresponsáveistambémpelaintrodução suaobranosEstadosUnidos. Dessaforma,noiníciodadécadade1960,ointeressedaprincipaltradutorade KnopfrepousavasobreGuimarãesRosae Grande Sertão Veredas .Atradutoratrocou correspondênciacomRosadurantetodootempodatradução(VERLANGIERI,1993). No entanto, de Onís sofreu com uma úlcera e precisou da ajuda do professor James Taylorpara terminar a tradução de Grande Sertão Veredas .Nessemeiotempo,foio próprioJamesTaylor–quetambémteriaoauxíliodoprofessorWilliamGrossman– quem assumiu a tradução de Gabriela, Cravo e Canela. Rosa manteve muito mais contatocomsuatradutoraeacompanhoumaisdepertooprocessodetraduçãodesua obra do que Jorge Amado, que sempre preferiu ficar alheio a qualquer processo de traduçãoouadaptação,comoafirmouemváriasentrevistas: — (...) depois que meu livro é publicado procuro deixálo livreparaseguirseuprópriocaminho. —Todaadaptação,sejaelaqualfor,pormelhorqueseja,é sempreumatraiçãoaoautor.Quemadaptaestácriando também. É uma recriação da obra. Então, nunca reclamo. É uma coisa muito pessoal minha. Podem adaptar à vontade, fazer o que quiser. Não queronemsaber.Nãoquerover,nemler.Porquese não vejo, nem leio,nãoficomarcadopelaindigênciadamodificaçãooudaquiloque fornecessáriomudar.Euachoqueoadaptadortemodireitodecriar, eleéumnovocriador.Seelenãofizerumanovacriação,aadaptação nãopresta. —Olhotodas[asadaptações]damesmamaneira.Nãotenho preferênciapornenhuma.Umacoisaéacriaçãoinicial;outraétudo que vem ao redor dela. Porque ela permite que exista aquela possibilidade de existir. (A entrevista de Jorge Amado ao Jornal Opção—14a20desetembrode1997). Dequalquerforma,traduziroestilodeRosaeraumtrabalhodifícilecomplexo e,apesardoreconhecimentodepartedacríticajornalísticaamericana,seuslivroseram dedifícilassimilaçãopelopúblicoleitoramericano.ComparadoaJoycepeloscríticos do The New York Times, RosateveváriostítulospublicadosporKnopf.Nenhumdeles obteve sucesso comercial e os tradutores, em geral, acabavam no banco dos réus

90 (ROSTAGNO,2007,p.247).Umexemplodissofoioartigopublicadono Los Angeles Times em28deabrilde1963,comtítulo Romance recente de brasileiro perde poder poético na tradução 130 . Nele,ocríticolamentavaqueapartemaisnotáveldaobra,seu extraordinário e habilidoso manejo da linguagem, “inventivo, dinâmico flexível e sugestivo”, aparecia de forma vaga ao leitor americano, “se [é que] aparecia”. E concluía:“Defato,aprosadeRosa,tãodifícildetraduzir,podebemmarcarumavirada nalinguagemliteráriadoBrasil.” 131 (Los Angeles Times de28deabrilde1963). Assimsendo,quemlevoualiteraturabrasileiratraduzidaàlistade bestsellers do The New York Times não foi o governo ou as universidades americanas, mas sim o próprioAlfredKnopf.Eaobraquetevesucessoimediatonãofoinenhumromancede Rosa,mas Gabriela, Clove and Cinnamon (1962)( Gabriela, Cravo e Canela ,1958) de JorgeAmado.

TAYLOR E GROSSMAN, E A TRADUÇÃO DE “GABRIELA”

Então publiquei “Gabriela” – eu decidira escrever uma história de amor, insistindo em que fosse uma história de amor, mas sem abandonar o contexto social, a questão da realidade brasileira. (...) Aí, vários responsáveis do PC (...) atacaram-me, violentamente (...) algum tempo mais tarde foi publicada uma edição cubana de “Gabriela”. Soube-o por acaso (...) Esta edição Cubana era prefaciada por um marxista, um crítico literário marxista, que ironizava certas críticas brasileiras de esquerda, comunistas, que consideravam “Gabriela” o fim de tudo: segundo ele, meu livro era [um livro] marxista, onde a sociedade era analisada com lucidez e rigor perfeitos etc. (...). Assim, “Gabriela” aparece como uma etapa clara em minha obra. Acho que ela é clara, mas não no que se refere ao abandono do discurso político. O discurso político está ausente em “Terras do Sem Fim”, aparece pouco, muito pouco em “São Jorge de Ilhéus”; e se encontra somente no epílogo de “Seara Vermelha”. Depois desaparece completamente. JorgeAmado 132

130 Brazilian’sRecent Novel LosesPoeticPowerinTranslation.(Los Angeles Times de28deabrilde 1963). 131 “Indeed, Rosa’s prose, so difficult of translation, may well mark a turning point in the literary languageofBrazil”( Los Angeles Times de28deabrilde1963). 132 EmentrevistaaAliceRaillard,1990,p.265.

91 JorgeAmadocontouaAliceRaillard(1990,p.263)quedeixoudemilitarno Partido Comunista, sem se demitir ou ser excluído dele no final de 1955. O XX CongressodosPUCS,quedenunciouoterrorStalinista,sóaconteceuentre14e25de fevereirode1956.Oprazoentreumacoisaeoutrafoitãocurtoquearepercussãodas revelações que aconteceram durante o Congresso calou por um tempo os militantes comunistasnoBrasileseuafastamentodoPCnãogerougranderepercussão.Foientão queescreveu Gabriela, Cravo e Canela. A obra trazia à literatura uma mulata tão sensual como a antecessora Rita Baiana.AsujaretirantequeoárabeNacibcontratacomocozinheiratornasesuagrande paixãoedeixaoloucodeciúmes.NacontinuaçãodesuaconversacomAliceRaillard, JorgeAmadodescreve Gabriela comoumapersonagemqueé“quaseumsímbolodo povonasuainocência,suaignorânciadocomprometimento,foradetodasasregras,de todas as convenções inventadas pela sociedade” (p. 277). Atribuindo seu sucesso à históriadeamorentreelaeo“bombrasileiro”Nacib,Amadoacrescentaquenaobra também“há(...)umadenúnciadasociedadefeudaleosprimeirossintomasdaevolução desta sociedade” 133 . O árabe Nacib foi inserido na obra pelo escritor para marcar o aspectoda“formaçãodanaçãobrasileiraqueéaausênciadepreconceitoemrelaçãoa umhomemquevemdefora,doestrangeiroqueentranoBrasil”(RAILLARD,1990,p. 277). Assim, Gabriela é um romance que traz à tona a imagem da exótica mulata brasileira, do estrangeiro incorporado à sociedade brasileira, do conservadorismo em lutacontraamodernidade,doruralcontraourbano. Comovimos,em1951oescritorJorgeAmadoreceberaoPrêmioStalindaPaz. O que naquele contexto era praticamente impossível, tornarseia realidade aproximadamente dez anos mais tarde: um romance de Jorge Amado tornavase um sucesso comercial norteamericano, em uma reviravolta que só não foi mais surpreendenteporquefoi,antesdetudo,umademonstraçãododinamismodahistóriae daadaptabilidadedaliteraturatraduzida;contudo,eleprecisavaserassimiladodeforma própria. AmadodeixaraoPartidoComunista5anosantesdapublicaçãode Gabriela nos Estados Unidos, em 1962, e sua obra já era amplamente conhecida na Europa: o romance Gabriela, Cravo e Canela haviasidotraduzidopara14idiomas.Certamente,o 133 OqueteriasidoperdidonaadaptaçãodaMGM,comoobservanessaentrevistaaRaillard(1990,p. 277)..

92 públicoamericanonãoeraindiferenteaessesucessointernacional,eem28deoutubro de1962,ClaudeL.Huletescreveno Los Angeles Times queolivrojá“éumbestseller noBrasilequeestáparaserpublicadoemmaisdeumadúziadepaíses”. ComHarrietdeOnísenvolvidadanatraduçãodeGuimarãesRosa,Knopfteve que recorrer a outros tradutores. Oprimeiro tradutor a ser convidadopor Knopfpara traduzir Gabriela foioprofessordaUniversidadedeStanford,James L. Taylor, que havianascidonoBrasiletinhavividoaquiportrintaanos(PEDREIRA,2001,p.43). Ao contratar Taylor, Knopf quebrava uma longa tradição: a de contratar somente tradutoresnascidosnosEstadosUnidos. James L. Taylor nascera no Brasil, mais especificamente em São Paulo, e a informação que se tem é a de que era filho de “missionários americanos” 134 . Nos Estados Unidos, fez parte da Associação Americana de Professores de Espanhol e Português 135 , tendo ficado conhecido como lexicógrafo após a publicação de seu Dicionário bilíngüe Inglês-Português ,juntoàUniversidadedeStanford 136 .Suasúnicas traduções literárias foram as realizadas para Knopf: a tradução de Gabriela, Cravo e Canela (1962) que, como veremos, precisou ser revista por William Grossman; e a tradução de Grande Sertão: Veredas, de João Guimarães Rosa (1963), que foi, na verdade,umacolaboraçãocomatradutoraHarrietdeOnís,impossibilitadadeterminar o trabalho. Depois disso, Taylor não mais se interessou por traduzir obras literárias brasileiras e passou a se dedicar à criação de dicionários técnicos, principalmente na área metalúrgica 137 . Foi também membro Sociedade Americana de Metais 138 e sócio honorário da ABM (Associação Brasileira de Metalurgia e Materiais). Faleceu em 1983 139 . No início da década de 1960, Taylor trabalhava no departamento de estudos hispanoamericanos e lusobrasileiros da Universidade de Standford, e foi quando Knopf convidouo para traduzir Gabriela. MasotrabalhodeTaylornãoteveatotal aprovaçãodeKnopf:“DecepcionadocomatraduçãodeJamesTaylor,Knopfconvocara

134 Fonte:RonaldHilton.The"HispanicAmericanReport"(19481964) Hispania, Vol.48,No.1(Mar., 1965),pp.8997Publishedby:AmericanAssociationofTeachersofSpanishandPortuguese. Disponívelemhttp://www.jstor.org/stable/336405Acesso10/09/2008. 135 AmericanAssociationofTeachersofSpanishandPortuguese. 136 JamesL.Taylor, A Portuguese-English Dictionary (StanfordUniversityPress,1958,662p.). 137 English-Portuguese Metallurgical Dictionary (Stanford: Institute of Hispanic American and Luso BrazilianStudies,1963,299p.). 138 AmericanSocietyforMetals 139 Fonte:dadosdaAssociaçãoBrasileiradeMetalurgiaeMateriais,disponíveisem http://www.abmbrasil.com.br/news/noticia_integra.asp?cd=725,Acessoem10/09/2008.

93 WilliamGrossmanparacriarumprodutomaispolido”140 (ROSTAGNO,1997,p.38). Assim,entravaemcenaoutrotradutorparaJorgeAmado. WilliamGrossmanteveumpercursodetradutorbempeculiar.Suaformaçãoera deadvogado 141 ,tendotrabalhadoemWashington.Mastambématuaracomoprofessor da área de transportes e utilidades públicas, e ensinando economia da área de transportes,naUniversidadedeNovaYorkDuranteadécadade1930,desempenharao papeldeperitoemtransporteoceânicoeaéreoparaaadministraçãodeRoosevelt,efoi graças a essa experiência em transportes que acabou prestando serviços ao governo brasileiro.DuranteseutrabalhonoBrasil,começaraasededicaràatividadetradutória e,em1952,teveaoportunidadedefazerseuprimeirotrabalhodetradução: Epitaph of a Small Winner (Memórias Póstumas de Brás Cubas ) deMachadodeAssis.Apublicação nos Estados Unidos ficou a cargo de uma editora pequena, chamada Noonday, após Samuel Putnam recomendála em Marvelous Journey. Grossman chegou a contribuir com críticas literárias para o The New York Times. Teve seu nome registrado, mais tarde,comoo5ºocupantedacadeira14daAcademiaBrasileiradeLetras,nomeadoem 1969. Noiníciodadécadade1960,Grossmanforaentãochamadopara“melhorar”o trabalho de Taylor. O resultado final também não agradou muito ao crítico do Los Angeles Times, quepublicouem28deoutubrode1962: Compreensivelmentedifíciléatarefadetraduziraqualidadepoética daprosadeJorgeAmado.Ainadequaçãodetomdeváriastraduções, a transposição de um número de expressões para um nível cultural maisaltooumaisbaixodoqueousadopelapersonagememquestão, e algumas omissões do texto original, embora deploráveis, não são suficientes para arruinar o estilo caracteristicamente fluente e refrescantemente popular do autor para leitor falante do inglês 142 . (ClaudeL.Hulet, Los Angeles Timesde28deoutubrode1962)

140 “DisappointedwiththerenderingbyJamesTaylor,KnopfhadcalledinWilliamGrossmantocreatea morepolishedproduct” 141 OsdadosqueseguemforampublicadosnoobituáriodeWilliamGrossmanno The New York Times de 8demaiode1980. 142 “UnderstandablydifficultisthetaskoftranslatingthepoeticalqualityofJorgeAmado’sprose.The tonalinadequacyofseveraltranslations,therenderingofanumberofexpressionsatahigherorlower culturallevelthanthatusedbythecharacterinquestion,andsomecompleteomissionsfromtheoriginal text,althoughdeplorable,arenotsufficienttoappreciablymartheauthor’scharacteristicallysmoothand refreshinglypopularstylefortheEnglishspeakingreader.”

94 Difícil aqui é a tarefa de saber a extensão da interferência de Grossman na primeiratraduçãofeitaporTaylor.Afinal,tratavasedeumcolegaalterandootrabalho “nãotãobemfeito”deoutro,umasituaçãonomínimoconstrangedora. Décadasmaistarde,osdesviosevidenciadospelo Los Angeles Times também levariamacríticas,noBrasil,dequeatraduçãoteriapriorizadooerotismodaobraem detrimentodasquestõespolíticosociaisdoromance143 .Issotambémpareciaocorrerno casodoartigodojornaldeNovaYork: Sesuasoutrastraduçõesforemtãohabilmentefluentes,cheiasdevida e naturais como a tradução inglesa de James L. Taylor e William Grossman,aheroína“cordecanela”doSr.Amadotemumachance de se tornar tão internacionalmente famosa como aquelas outras beldades latinas: Gina Lollobrigida e Sophia Loren 144 . (Orville Prescott, The New York Times de12desetembrode1962). A menção às “beldades latinas” mostra Gabriela já se encaminhando para o ideal de Hollywood, e para a produção da MGM que, como vimos anteriormente, desagradoumuitooescritorbaiano. Oqueseviuem1962foiGabrielachegaraosEstadosUnidoscomo“umafilha impulsiva da natureza 145 ”,amulatabrasileiraque,apósconquistaromundo, também conquistariaomercadoleitoramericano.“A café au lait Gabrielaétãodoceepicante quantootítulodesteromancebrasileirocampeãodevendassugere” 146 –diziaojornal californiano Los Angeles Times ,de28deoutubrode1962. JáaformacomoocaráterpolíticodeJorgeAmadofoitratadonaépocapodeser visualizada através da crítica de Juan de Onís, filho da tradutora Harriet de Onís, tambémno The New York Times, de16desetembrode1962: “Gabriela” representa sem dúvida a liberação artística do Senhor Amado de um longo período de compromisso ideológico com a ortodoxiacomunista.Elenãotevequefazerumadeclaraçãopúblicaa respeito de sua presente visão para mostrar que sua integridade artísticaprevaleceusobrealinhaintelectualpartidária.Ficouchocado 143 Ver Adilson da Silva Correia,. “Gabriela na malha da tradução domesticadora dos anos 60”. In: Congresso Nacional de Estudos Filológicos e Lingüísticos ,7,2003,RiodeJaneiro. 144 “Ifitsothertranslationsareexpertlysmooth,racyandnaturalastheEnglishtranslationbyJamesL. TaylorandWilliamGrossman,Mr.Amado’s “cinnamoncolored”heroinhasachanceofbecomingas internationallyfamousasthoseotherLatincharmers,GinaLollobrigidaandShopiaLoren.” 145 “AImpulsiveChildofNature”. 146 “The café au lait Gabriela is as sweet and spicy as the title of this best selling Brazilian novel implies.”[café au lait vemdofrancêsesignifica“cafécomleite,referindoseàcordamulata”].

95 comoderramamentodesanguenaHungriaecriticoupublicamenteo manejosoviéticodocasoPasternakenessasrecentesreaçõeseleestá muito próximo a intelectuais europeus como Jean Paul Sartre, de queméamigopessoal.OSenhorAmadocontinuaaseguirdepertoo desenvolvimento político do Brasil, mas está completamente convencidodequedoutrinasrígidasextraídasdaexperiênciarussasão agoradepoucovalorparaoBrasil,ondeeleacreditaqueasmudanças democráticasepacíficasaindasãopossíveis(JuandeOnís, The New York Times, de16desetembrode1962) 147 . AliteraturadeJorgeAmadorompeu,assim,aresistência do sistema literário americano da única forma possível durante a Guerra Fria: como um exemplo de “rejeição” à doutrina Russa. A visão é oposta àquela retratada no prefácio da edição cubana,mencionadaporJorgeAmado.Empoucassemanas, Gabriela entrouparaalista de bestsellers do The New York Times ,paralápermanecerporquaseumano. O editor Alfred Knopf declarou então: “Apesar de o livro não ter tido a vendagem [nos Estados Unidos] que eu acho que ele merece e [que] pode ainda alcançar,eleconcretizou,creio,minhaprevisãodeque atravessariaoanelde ferro 148 quesempredeuazaraosromancesdospaísesdaAméricadoSul”(KNOPF,1965,vol1, p.256) 149 . Rostagno (1997) fala da existência de um grande entusiasmo em torno da publicação de Gabriela que, diferentemente dos demais livros latinoamericanos, foi bem recebida tanto em Nova York quanto no restante do país. O autor também faz referência a críticaspositivas que surgiram nosjornais Chicago Sunday Tribune , San Francisco Chronicle , Springfiled Republican ,econsideraqueasrazõesdosucessode Gabriela vinham do humor inerente à obra, do enredo romântico e do fato de que, “apesardasimplicaçõessociológicas,oromancefoilidomaiscomoumaversãotropical de“Cinderela”,doquequalqueroutracoisa”(1997,p.38).

147 “ Gabriela represents undoubtedly the artistic liberation of Senhor Amado from a long period of ideological commitment to Communist orthodoxy. He has not had to make a public profession of his presentviewstoshowthathisartisticintegrityhasprevailedovertheintellectual“Partyline”.Hewas shockedbytheHungarianbloodbathandpubliclycriticized the Soviet handling of the Pasternak case and,inthesereactions,heisveryclosetoEuropeansintellectuals,suchasJeanPaulSartre,withwhomhe ispersonallyfriendswith.SenhorAmadocontinuestofollowBrazil’spoliticaldevelopmentclosely,but heisfullyconvincedthatrigiddoctrinesdrawnfromtheexperienceoftheRussianrevolutionarenowof littlevalueforBrazil,wherehebelievesdemocratic,peacefulsocialchangesarestillpossible.”. 148 Amençãoaum“aneldeferro”parecesereferiraumaneldeproteçãooubarreiramísticacriadacontra oestrangeiro. 149 “Whilethebookhashadnothinglikethesaleinthiscountrythatthinkitdeservesandmayindeedstill achieve,ithas,Ifeelconfident,fulfilledmypredictionthatitwouldbreakthroughthatironringthathas alwayshoodooednovelsfromtheSouthAmericancountries.”

96 FIGURA 13 FIGURA 14

Capa da edição americana de 1962 Capa da edição brasileira de 1958 Lollobrigida ou Cinderela?

FIGURA 15 FIGURA 16

Capa da edição brasileira atual. Capa da edição americana atual. A gravura é muito mais erótica. A imagem proposta por Rostagno é mais incongruente ainda, uma vez que a heroínadeAmadonemaomesmoaceitavausarsapatos,comoassenhorasdasociedade baiana, muito menos prenderse às regras comportamentais de sua comunidade, ou suportar um “sapatinho de cristal”. A imagem da Cinderela não foge, no entanto, ao idealdopaísdeDisneyeHollywood. Umdos“efeitoscolaterais”dessarestriçãoaocaráterpolíticodasobrasseriaa renovaçãodeantigosestereótiposeoapagamentodepossíveisquestionamentossociais maisprofundos:aversão bestseller de Gabriela ressuscitavaomitodamulhersensual vividoporCarmenMiranda.

97 FIGURA 17 FIGURA 18

“Gabriela” no The New York Times de 16 Carmen Miranda, na calçada da de setembro de 1962, se assemelha muito fama - Hollywood em 1941. a...

FIGURA 19 FIGURA 20

A história de Gabriela se passa em Ilhéus, mas a paisagem no retrato de Gabriela do Chicago Tribune (ao lado) lembra a vista da baía da Guanabara e o romantismo da Bossa Nova.

A apreensão da obra viase, então, condicionada ao passado. Ao sofrer a “refração”paraumnovocampocultural,surgiaumaimagemreconstituída,reelaborada de acordo com linhas de demarcação já conhecidas e palatáveis ao público leitor; formassocialmentedesenhadas,quetinhamseincorporadoàidentidadebrasileira. Apósosucessode Gabriela ,amençãoàBahiacomosítioturísticocomeçavaa surgirnamídiaamericana,comoficouexemplificadono The New York Times de11de abrilde1965,noqualseliaqueSalvador,aprimeira capital do Brasil, estava sendo

98 “redescoberta”pelosturistas.Asimagensdoparaísotropicaledamulatasensualeram palatáveisedefácilassimilação,postoquejáexistenteseoutrorabemaceitas. CharlesWagley,agoraescrevendoparao The New York Times (12demaiode 1963) e anunciando o lançamento de The Mansions and the Shanties ( Sobrados e Mucambos ), afirmava: Gabriela, Clove and Cinnamon nãopoderiatersidoescritaantes deFreyre[publicarsuasobras].EraaleiturafreyrianadoromancedeAmado,ouoque Tymoczko(2000) chamaria de “metonímia” da tradução: desaparecia o líder social comunistaedestacavaseofreyriano.Ojornalnovaiorquinoenfatiza,nomesmoartigo, a atuação de Knopf e de sua tradutora, Harriet de Onís, por tornarem acessível em idiomainglês“maisumclássicoLatinoAmericano”. AmençãoaKnopfeaosseustradutoresérelativamenteconstantenascríticas jornalísticas,demonstrandoque,senocorpodostextosalvoatransparênciaeafluência eramvalorizadas,levandoapossíveisapagamentosdafiguradotradutor,aomenosno queserefereaoparatexto,aatividadedostradutoresdeKnopfnosEstadosUnidosnão eracompletamente“invisível”.EtalvisibilidadefuncionavacomooqueGideonToury denominou“environmentalfeedback”[algocomouma“respostadomeio”](TOURY, 1998,p.28).Ascríticas,premiações,asmençõesnosartigosdosjornais,foramsempre “mensagens” ou “avisos” enviados aos tradutores, construindo as normas locais: não deveriam acontecer muitas “perdas”, as traduções deveriam ser fluentes (não esqueçamosqueopróprioKnopfrejeitouatradução“poucopolida”deTaylor),naturais etc. Seria previsível que os tradutores buscassem essas fórmulas para evitar as “sanções”domercado.Ascríticastambémapontavamparaoqueeraaceitoourejeitado nas obras publicadas. Essa forma de “comunicação” com os tradutores mantevese durante todo o período analisado. O que podemos imaginar é que tais recados passariam,comotempo,ainterferirno habitus dostradutores. Umadasexigências,todavia,vinhadopróprioeditor.Váriosdosromancesde Jorge Amado foram criticados nos Estados Unidos por serem muitos longos 150 . A característica não era apreciada por aquele público. O próprio Knopf admitia isso e chegouacomentarcomBárbaraShelby,emcorrespondênciade11deabrilde1973, queos“livrosdeJorgesãosemprelongosdemais” 151 ,mascompletariaque:“(...)éum princípiofundamentalparamimque,quandopublicamosumlivroestrangeiro,devemos

150 Isso ocorreu também nas críticas do New York Times de Gabriela e Dona Flor mencionadas neste trabalho. 151 “Jorge’sbookarealwaystoolong.”

99 publicálocompleto,amenosqueopróprioautortenha modificado a edição original paraleitoresdaversãoeminglêsequeoeditorpossadeixarissoclaro–porexemplo, como[éocasode]nossoFreyre 152 ”.Knopfrefletia,comsuaspalavras,umaformade encarar a tradução como algo que devia ser “fiel” ao texto original, afastandose da idéia de “adaptação”. Ele demonstrava, ainda, ao especificar essa necessidade de “o editorpoderdeixarisso claro”,umapreocupaçãocomosaspectosformais,talvezaté legais, da publicação, assim como um receio de que houvesse críticas aos cortes realizados. ENTRE DOIS SUCESSOS, A SOMBRA DO PASSADO EnquantonoBrasilasituaçãopolíticaseagravavaeahistóriacaminhavaparaa tomadadepoderpelos militaresde1964,nos Estados Unidos os romances de Jorge Amado continuavam a ser publicados. Foram lançados por Knopf, na seqüência, na décadade1960: Os velhos marinheiros ou capitão de longo curso (ou conforme o título completo A completa verdade sobre as discutidas aventuras do Comandante Vasco Moscoso de Aragão, capitão de longo curso (1961),lançadoeminglêsem1964como título Home is the Sailor ).AobraéumasátiraquerelataahistóriadoComandante Vasco Moscoso, um navegador inexperiente, desleixado e de duvidosa competência. Chamado a Belém para substituir o falecido comandantedeumnavio,temquelidar com a animosidade da tripulação. Ajudado pela sorte, consegue manobrar o navio, levandoderoldãotodososbarcosdoporto.Ahistóriafoielogiadapelacríticado The New York Times (22/03/1964), fazendo referência ainda à publicação de Gabriela, Clove and Cinnamon. -A morte e a morte de Quincas Berro D’Agua foilançadonosEstadosUnidos, em1965,comotítulo The Two Deaths of Quincas Wateryell. Assimcomo Os velhos marinheiros , étambémumahistóriacurta.Relataadisputaentre a forma tradicional comoafamíliadeQuincaspretendefazerseufuneral,preservandosuaantigaimagem,e

152 Knopfdáaquiaindicaçãoparaumoutrointeressantetrabalho:aadaptaçãofeitapelopróprioGilberto Freyre dos textos revertidos para público leitor do idioma inglês. No texto original lêse: “(...) it is a cardinalprinciplewithmethatwhenwepublishaforeignbook,wemustpublishitcompleteunlessthe authorhimselfhaseditedtheoriginaleditionforreaderoftheEnglishversionandthepublishercanmake thatclear–e.g.,outFreyre”.

100 aformacomoseuscompanheirosdeboêmia,doperíodoapósQuincasterabandonadoa família e a vida regrada, achavam que ele realmente queria. Os companheiros de Quincaspreparamo"verdadeiro"velóriodoamigoorganizandoumafarraquetermina nomar,ondeQuincasacabasendosepultadocomoheróimarinheiro,ouseja,jogadoao mar. FIGURA 21

Jorge Amado e a tradutora Barbara Shelby, durante o lançamento de Quincas Wateryell Contudo,asombradopassadopolíticodoescritorjá voltava a incomodar os críticos literários. Dudley Fitts, ao final da crítica do The New York Times (28 de novembrode1965),diziade Quincas : Qualquerumqueselembredosromancesproletáriosdoperíodoentre asguerrassesentirádesconfortavelmentedevoltaao lar novamente nestas páginas; de volta ao lar e perseguido por uma assombração. Talvez fosse inevitável desde o princípio; certamente a intenção alegórica era central. Entretanto, símbolos concebidos menos brutamenteemanipuladosdeformamenosesperadateriampermitido que o trágico e hilário espaço masculino penetrasse, [com] mais espaço para manobra. A Musa Social – seu nome é Mopsia – atropelou o velório de Berro D’Água. Ela deveria ter ficado na cama.153

Knopfaindatentouaproveitarosucessode Gabriela pararelançar Terras do Sem Fim em1965.“OGatilhomaisrápidodoNordeste” 154 ,títuloda Time Magazine de

153 “Anyonewhoremembersthebetweenthewarsproletariannovelwillfeeluncomfortablybackhome againinthesepages,backhomeandhaunted.Perhaps, it was inevitable from the start; certainly, the allegorical intention was central. Nevertheless, symbols conceived less crudely and handled less expectablywouldhaveallowedthetragicandhilariousmalespacetomovein,moreroomforplay.The SocialMuse–hernameisMopsia,crashedWateryell’swake.Sheshould’vestoodinbed.” 154 The Fastest Gun in the Northeast .

101 28demaiode1965,faziaumacomparaçãodiretaentreonordestebrasileiroeo[velho] oesteamericano 155 .“AViolentaSagadaFronteiraBrasileira 156 ”( Los Angeles Times de 18 de julho de 1965), título do artigo no Los Angeles Times , formava uma imagem parecida.O Chicago Tribune apontavaparaoladopoéticodaquelenovelistahistoriador (Chicago Tribune de13dejunhode1965).Masasegundaediçãode Terras do Sem Fim tambémnãoalcançavaarepercussãode Gabriela. Finalmente, Pastores da noite, lançadoem1967como . ÉumaobradivididaemtrêsepisódiosO casamento do Cabo Martim , O compadre de Ogum e A invasão do Mata Gato olivroretratapitorescamenteavidadepersonagens malandrosnacidadedaBahia. Seacríticado Los Angeles Times (de19defevereirode1967)foiatécertoponto condescendente, reforçando comparações já existentes entre Jorge Amado e Mark Twain,no The New York Times (de22dejaneirode1967)aopiniãofoibemmaisdura. FIGURA 22

O The New York Times de 22 de janeiro de 1967 trouxe uma foto de Alfred Knopf em sua visita à Bahia, acompanhado de Jorge Amado. O“MundodoPovo”deJorgeAmado,onde“todopobreésaudávelefeliz”e “os ricos são doentes” 157 , era motivo de tédio para o crítico John Duncan. “A dificuldade, mesmo agora, parece ser a de que ele é tanto um ideólogo quanto um romancista;elevêclasses,nãoindivíduos” 158 .Ocríticodeploraofatodeque,emseu mundo, o instinto, o impulso e a exuberância animais tornavamse o valor maior,

155 “But,otherwise,theU.S.’sWestandBrazil’sNortheastweremuchalike.” 156 Violent Saga of Brazilian Frontier . 157 “(...)everyoneispoor,healthyandhappy.(...)Thericharesick(...)” 158 “Thedifficulty,evennow,seemstobethatheisasmuchanideologistasanovelist.”

102 enquantoo“homempensantepermaneceesquecido” 159 .Nemmesmoatraduçãopassou incólume aos ataques: o leitor era barrado por palavras “que parecem só existir em traduções”. Ele citava os exemplos de “caterwauling”, “scamp”, “loveydovey”, “highfaluting”e“missus”.Eraopreçoqueopúblicoamericanotinhaquepagarparaler “tais livros”. John Duncan ironizava: “Existe um dicionário secreto somente para traduções?Ouéummauusomaníacodothesaurus?”. Acríticadojornalnovaiorquino,impiedosacomoqueAmadoconsideravaser seu“humanismo”(GOLDSTEIN,2000,p.83),certamentenãoincentivouasvendasdo livronosEstadosUnidos,fazendooentusiasmocomaobraamadianaseguirumalinha descendente.

A TRADUÇÃO DE “DONA FLOR” E O RENASCER DO ZÉ CARIOCA Em1969foilançadaatraduçãode Dona Flor e seus dois maridos (1966) como Dona Flor and Her Two Husbands. Agora, os Estados Unidos se deparavam com a viúvadeVadinho,ummalandroavessoaotrabalho,mas não à bebida, ao jogo e às mulheres,quevoltaparaassombrarsuasaudosaesposa, já casada novamente com o trabalhador,respeitáveledisciplinadoTeodoro.Ocalorhumanoopunhaseàsegurança materialnoromancedoescritor,asmesmascaracterísticasqueforamoutrorautilizadas paracompararoBrasileosEstadosUnidos.NaspalavrasdeAmado: Eujáchegaraaofimdoromance,exatamentequandoVadinhovolta [dosmortos]equerdormircomDonaFlor.Ela,quetemumsegundo marido, o doutor Teodoro, e que é uma mulher honesta, pequeno burguesacomtodosospreconceitosdapequenaburguesia,nãoquer deitarcomVadinho,masaomesmotempoelaoama,entãovaifazer umebó,paraqueVadinhovolteaonadadeondeviera.Quevolteà suamorte. (...)equandooebócomeçaamanifestaroseupoder,elasepõea gritar,eseugritoimpedeVadinhodedesaparecer,eelaficacomseus doismaridos.(RAILLARD,1990,p.297) A possível semelhança ou sutil comparação entre as características das duas naçõesnãochegaaosolhosdacríticanorteamericana.Alémdomais,comtalenredo, Dona Flor surge como o romance menos politizado de Jorge Amado. A obra foi

159 “Hisisaworldwhereinstinct,impulseandanimalexuberancebecometheultimatevalue,whilethe wholerangeofthinkingmanremainsunexamined.”

103 traduzidaporHarrietdeOnísnosEstadosUnidos,eoromancesurgiucomoamarcada “BoavidanoBrasil”.Aomenosassimdiziao Chicago Tribune (24deagostode1969). Aleituradolivronãoé“umsubstitutoparaumavisita[dizojornal],masoromance fornece uma agradável apresentação da esplêndida e antiga cidade brasileira de Salvador, freqüentemente chamada Bahia” 160 . Como se o apelo turístico aqui não bastasse,arevista Time reforçava:“Comidaesexo.Sexoecomida.Frangoemleitede coco–vatapá–entãoumanoiteclarasobasestrelas.Istoconstituiavidanoestado brasileirodaBahia,deacordocomseumaiscelebradoescritor,JorgeAmado” 161 .Parao críticodarevista,oromancerico,divertidoeafrodisíacodeDonaFlorapresentavauma primapróximadaheroínamaiscelebradade Amado:Gabriela também causava uma tempestadetantonacozinhaquantonacama.Oantigocomunistaagoratraziaemseus romances “amantes viris, morenas misteriosamente sensuais, prostitutas e vizinhos, todosexuberantes” 162 ( SUGAR AND SPICE revista Time de05desetembrode1969). Na verdade, tanto o fato de Amado ter sido um excomunista, quanto as rejeiçõesàformapolitizadadeseusoutrosromancesaparecememdestaqueemtodosos artigos encontradosreferentesàobra “Dona Flor”.O The New York Times de14de agostode1964foiprovavelmenteaquelequemaisenfatizoutaisaspectos.Liase: Oquequerquepossamospensararespeitodoromance,“DonaFlore SeusDoisMaridos”deveriafazerStalinserevirar no caixão. Jorge AmadorecebeuoPrêmioStalindaPazem1951porseus“austerose coléricos” romances anteriores sobre a vida dura dos trabalhadores brasileiros(...).O Daily Worker parabenizouoSr.Amadopelofatode “seus escritos não terem nada em comum com aqueles romances exóticosdeoscilaçãotortuosa”dequealgunsdeseuscontemporâneos latinoamericanos eram culpados. O Sr. Amado se desviou do realismo socialista em 1958 com a amável, sentimental – e decididamente exótica – “Gabriela, Cravo e Canela.” Apesar de ser antesdetudoumsonhosexyimpossívelsobreumacozinheiraperfeita e uma amante ideal, “Gabriela” era ainda, até certo ponto, um romancesóciopolíticosobremudançasnaBahiaduranteo“boom”do cacau nos anos vinte. O mais novo livro do Sr. Amado é descaradamente pessoal, uma fantasia cômica indolente, com absolutamentenenhumadimensãopolítica.Istoé[uma]descrição,não [uma]reclamação:“DonaFloreSeusDoisMaridos”éumromance

160 “It’s not a substitute for a visit, but this novel furnishes a pleasant introduction to the culturally splendidoldBraziliancityofSalvador,oftencalledBahia.” 161 “Foodandsex,Sexandfood.Chickenincoconutmilk–vatapá–thenawhitenightunderthestars. TheseconstitutelifeinBrazilianstateofBahia,accordingtoitsmostcelebratedwriter,JorgeAmado. 162 GabrielamarkedanabruptmellowinginAmado’soullook.NowheromancizeshisBahiansintovirile lovers,darklysensualmorenas,whoresandneighbors,alllargerthanlife.

104 mais interessante do que o popular “Gabriela”. 163 (Walter Clemons, The New York Times de14deagostode1969). Menos política e mais sensualidade povoam assim a imagem do Brasil. O “engajamento socialista” é um exótico “tortuoso”, enquanto Gabriela é um exótico “amávelesentimental”. Surge ainda o novo antiherói: a imagem do playboy, incauto, jogador, vagabundoesensualVadinho.Ocarismáticomulatoépraticamenteumnovoretratodo antigorepresentantebrasileiro:oZéCarioca.EmmeioaoscomentáriosdocríticoDavid Gallagher, no The New York Times de 17 de agosto de 1969, liase a afirmação: “Ninguém que conhece o Brasil precisa ser lembrado de que este é um país imensamente feliz, mesmo no Nordeste”. Afinal, praticamente todos na “galáxia” de personagensdeAmadoemanamumimpulsivo“ joie de vivre” 164 . O Chicago Tribune (de24deagostode1969)nãodeixoudemencionarquea traduçãodaagorafalecida 165 HarrietdeOnístinhasidoexímia.

FIGURA 23 FIGURA 24

Capa da edição brasileira de 1966. Capa da edição americana de 1968. A alusão é ao fantasma de O estilo gráfico é marcante e as cores Vadinho. fortes. 163 “Whatever the rest of us may make of it, “Dona Flor and Her Two Husbands” should set Stalin spinning in his grave. Jorge Amado was awarded a Stalin Peace Prize in 1951 for his “stern and Wrathful”earliernovelsaboutthehardlifeofBrazilianworkers(…).TheDailyWorkercongratulated Mr.Amadoonthefactthat“hiswritingshavenothingincommonwiththose‘exotic’novelsoftortuous vacillation”ofwhichsomeofhisLatinAmericancontemporarieswereguilty.Mr.Amadostrayedfrom socialist realism in 1958 with the amiable, sentimental–anddecidedlyexotic–“Gabriela,Cloveand Cinnamon.” Though it was primarily a sexy pipedream about a perfect cook and an ideal mistress, ‘Gabriela’wasstilltosomeextentasocialpoliticalnovelaboutchangesinBahiaduringthecacaoboom ofthenineteentwenties.Mr.Amado’snewestbookisunabashedlypersonal,anindolentcomicfantasy with no description dimension at all. This is description, not complaint. ‘Dona Flor and Her Two Husbands’isamoreinterestingnovelthanthepopular‘Gabriela’.” 164 “NoonewhoknowsBrazilneedberemindedthatthisisanimmenselyhappycountry,eveninthe NorthEast.PracticallyeveryoneinAmado’sgalaxyofcharactersexudesareckless joie de vivre. ” 165 HarrietdeOnísfaleceuemmarçode1969( The New York Times de16demarçode1969).

105 FIGURA 25 FIGURA 26

Capa da edição brasileira atual. Capa da edição americana atual. A alusão é ao carnaval. A sensualidade tomou conta da gravura. Umpontorelevantesurge,ainda,quantoa Dona Flor :aquestãodareligiãoedo candomblénoromancedeAmado.Seotemaaparecelevementeem Terras do Sem Fim e quase nada em Gabriela, Cravo e Canela , em Dona Flor e Seus Dois Maridos ele voltacommaisforça.Mençõesaocandombléeaosorixásestãoespalhadasnotexto.E éatravésdeum“ebó” 166 queDonaFlortentaselivrardofantasmadeVadinho. Contudo, os rituais religiosos africanos não soavam tão estranhos ao público americano quanto mais de duas décadas antes. Dentre 4 veículos pesquisados, com cinco artigos publicados (dois no The New York Times ), apenas um artigo deu um destaquemaioràquestão.DavidGallagher,críticodojornalnovaiorquinoexplicava: Nas últimas décadas a tradição xamanista da América Latina (freqüente em países onde há uma forte influência negra ou uma culturaindígenaviva)temsidohabilidosamenteexplorada.Afantasia emmuitosromanceslatinoamericanoséumadimensãoreal,ativana vidadaspersonagens–eassimcomoasprópriaspersonagensignoram oslimitesentrearealidadeeaimaginação,tambémparaoleitoros eventosreaisdeslizamquaseimperceptivelmentemágicaadentro.Em “DonaFloreseusdoismaridos”éoDiaboDeusExuquemressuscita Vadinho e o devolve a Dona Flor para distraíla de seu segundo marido (David Gallagher, The New York Times de 17 de agosto de 1969) 167 .

166 Ritualdedespachodocandomblé. 167 “InthepastfewdecadestheshamanistictraditionofLatinAmerica(usuallyincountrieswherethereis astrongNegroinfluenceoralivingIndianculture)havebeenskillfullyexploited.FantasyinmanyLatin Americannovelsisareal,activedimensioninthecharacters’livesandjustasthecharactersthemselves ignore the boundaries between reality and imagination, so for the reader, too, real events slip almost imperceptibly into magic. In “Dona Flor and Her Two Husbands” it is the DevilGodExu who resuscitatesthebodyofVadinho,andrestoresittoDonaFlor,todistractherfromhersecondhusband.”

106 O que percebemos aqui é que as práticas descritas por Amado foram enquadradasnocontextoliteráriodo“realismomágico”,queserenovavacomo boom daliteraturalatinoamericana.Assim,oqueaparecemarcadamente,équetaispráticas religiosassãoapresentadascomo“fantasia”e“imaginação”.Essaporçãodo“realismo humanista” da obra de Jorge Amado transformavase em “conto de fadas”, não ameaçandoaestabilidadedascrençasreligiosasdoleitor.Esóassimseexplicaaboa aceitaçãodeumaobracheiaderituaisdemagiaefeitiçaria,fantasmaseorixás,emuma comunidaderigorosamenteprotestante. O resultado é que Gabriela e Dona Flor foram os romances amadianos que obtiveram melhor recepção nos Estados Unidos, justamente por serem consideradas obrascommenor“tompolítico”(ROSTAGNO,1997,p.3839)emenosameaçadoras. Enquantoisso,asantigasimagensdoBrasilnãoseriam tão facilmente eliminadas do imaginárionorteamericano.Assim,enfatizara“metonímia”doexóticoemdetrimento doquestionamentosocialepolíticoexpressopeloautoremsuasobrasforaasolução encontrada,seguindo,assim,as“normas”dosistemaliterárioamericanoaindadurantea GuerraFria. Ao nos referirmos ao caráter metonímico com que a obra estava sendo apreendida,nãonoslimitamos,noentanto,àsescolhasdostradutores.Aparcialidade surgetambémemfunçãodoesforçodosagentesdetraduçãoencarregadosdetornara obraaceitadentrodeumacomunidadeextremamenteresistenteàsidéiasdeumescritor quehaviasevinculado,pormuitotempo,aideologiasqueelaaprenderaarejeitarem função das políticas governamentais. Vale ressaltar, contudo, que tal fenômeno não aconteceuunicamentenosEstadosUnidos.Devemosaindarelembrarque“metonímia” nãoquerdizer“inverdade”–pelocontrário,oexotismorealmenteexisteemabundância naobraamadiana.Foramosparâmetrosdeaceitaçãoeadequaçãodaobratraduzidae inseridaemumnovosistemacultural,políticoeliterárioquedefiniramaparcialidade daapreensão.

AS MÚLTIPLAS MEDIAÇÕES DE BÁRBARA SHELBY

Eu me recordo de um professor de literatura espanhola nos dizendo que toda a língua que alguém aprende é uma nova alma.168 (BarbaraShelbyMerello).

168 “IrecallaSpanishliteratureprofessortellingusthateverylanguageonelearnsisanewsoul.”

107 Quando Dona Flor e seus dois maridos chegou às prateleiras das livrarias americanas, Harriet de Onís já havia falecido e Knopf precisava agora de novos tradutores. Vimos que, depois da publicação de Gabriela , enquanto Harriet de Onís ainda se ocupava com as obras de Rosa 169 , Knopf já tinha recorrido a uma outra tradutora.ComoJamesL.TayloreWilliamGrossman já não mais trabalhavam com traduções,ecomasperspectivasdeaposentadoriadeHarrietdeOnís(queacabariapor falecer pouco mais tarde), Knopf tinha novamente recomeçado a sua “caça a tradutores”.Adificuldadeaindaeragrande,comotransparecenacorrespondênciaentre AlfredKnopfesuaassistenteJanetGarrett.Emagostode1969,Knopfescrevia: Sob o risco de ser repetitivo, nosso assunto mais importante e imediatoéencontrarotradutorcertoparaAmado.Nósnãopodemos perdertempocomistoouarriscarouconseguir[alguém]quenãoseja omelhor.Eleeradevotado,claro,aHarrietdeOníse,alémdisso,sua posiçãoagoraédeimportânciatalquenãoqueremosporemrisco,de formaalguma,seucontínuocarinhoconoscoe[sua]aceitaçãoafável de tudo que fizemos. Seu novo romance, que não é longo, será lançado em setembro. Título: “Tenda dos Milagres”. Não sei exatamente quem sugerir no momento, mas Bárbara, se estivesse disponível,seriaprovavelmenteamelhor.Então,porfavor,verifique e reverifique nossa lista e dê ao assunto toda sua atenção. 170 (MemorandodeAlfredA.KnopfparaJanetGarrett,em28/08/1969). Entre indicações, buscas nas universidades e contatos por correspondência, o localondeKnopfencontrousuapróximatradutorafoidosmaisinusitados:oServiçode InformaçãoAmericanoinstauradonoBrasil. BarbaraShelbynasceunosEstadosUnidos 171 ;suamãe,noMéxico,mastinha paisamericanoseconheceuseumaridonaUniversidadedoTexas.Aosercontratado pelocanaldetelevisãoNBC,seupaimudouseparaNovaYork,ondeBarbaranasceu. Autodidata em língua espanhola, a tradutora freqüentou por um ano a Universidade

169 Comomencionadoanteriormente,DeOnístraduziu Sagarana, sendopremiadapelaP.E.N.poressa traduçãoem1967. 170 “Attheriskofrepeatingmyself,ourmostimportantandimmediatepieceofbusinessistofindthe righttranslatorforAmado.Wecannotfoolaroundwiththisorriskgettinganythingthatisnotthevery best. He was devoted, of course, to Harriet de Onís, and besides his position now is one of such importance that we do not want to risk in any way his continued kindness toward us and agreeable acceptanceofeverythingwehavedone.Hisnewnovel,whichisnotalongone,willbeoutinSeptember. Title,“TentofMiracles”.Idon’tknowexactlywhomtosuggestatthemoment,butBarbara,wereshe available,wouldprobablybethebest.Soplease,checkandrecheckourlistandgivethismatteryourvery bestconsideration.” 171 AsinformaçõessobreabiografiadeBárbaraShelbyMerelloforamfornecidaspelaprópriatradutora, atravésdecorrespondênciadireta.Aentrevistarealizadacomatradutoraestáapresentadanaíntegrano ANEXOV.

108 NacionalnoMéxico,estudandoprincipalmenteliteratura.Depois,obtevesuagraduação pela Universidade do Texas, com um grau maior (“major”) em Linguagens de Romances e um grau menor (“minor”) em História. Lá, aprendeu português por um semestre, em um curso ministrado por uma jovem professora baiana, “nunca imaginandoquemejuntariaaoServiçodeRelaçõesExteriores e teria a sorte de ser enviadaaoRio”(EntrevistacomBárbaraShelby–ANEXOI). No sítio do IHCA (International Hospitality Council of Austin), na rede internacionaldeinformações(Internet),encontraseaindaainformaçãodequeShelby tinha treinamento em mediação pela Escola de Direito do Centro de Resolução de Disputas da Universidade do Texas 172 . Um treinamento certamente aproveitado tanto emsuasfunçõesdiplomáticas,quantoemsuastraduções,comerciaisounão. BárbaraShelbynostestemunhouquenadécadade1960osnovosfuncionários passavamváriosmesesaprendendooidiomanolocaldetrabalho.Elatrabalhavacomo oficial assistente de Assuntos Culturais em São Paulo, quando o adido cultural, Dr. GeorgeBoehrer,mencionouqueKnopfprecisavadeumnovotradutorparaoportuguês eBárbaraShelbysecandidatou.Naentrevistaquenosfoiconcedida,Shelbydeclarou que Knopf também procurava um correspondente no Brasil e estava obcecado por conseguirparaosautoresbrasileiros–particularmenteAmado–amesmapopularidade quetinhaalcançadoparaThomasMannantesdaguerra(ANEXOI). Assim,Knopfencontrarasuanovatradutoraecorrespondente,alguémcomque trocava idéias sobre as questões políticas pontuais, além de compartilhar amigos e interessesdiplomáticos,comorevelaacorrespondênciaentreoeditoreatradutora 173 . Shelbydeclara,emcartaendereçadaàUniversidadedoTexas,queatradução, naépoca,aindanãoeraumaprofissãoacadêmica(CartadeBárbaraShelbyMerelloao HRCnaUniversidadedoTexas–28deagostode2002).Iniciandosuastraduçõesna Editora Knopf com A morte e a morte de Quincas Berro D’Agua , Bárbara Shelby permaneceunaequipeporquinzeanos 174 etraduziutambémobrasdeGilbertoFreyre, Guimarães Rosa e Antônio Callado. Relatou em entrevista (Anexo I) que fazia suas traduçõesnosintervalosdeseutrabalhonoServiçodeInformação.Diferentementedos demais tradutores, realizava seu trabalho à distância, uma distância intercontinental. 172 "BarbaraShelbyMerelloisaretiredForeignServiceofficerwhohaslivedinPeru,Spain,Mexico, Brazil,Argentina,Ecuador,andCostaRica.TrainedinmediationattheDisputeResolutionCenteratthe UTSchoolofLaw,shehasservedasavolunteermediatorandconductedmediationworkshopsinPeru withapartialgrantfromPartnersoftheAmericas." 173 ANEXOVI 174 VercartadeShelbyàUniversidadedoTexasde28/8/2002.ANEXOV

109 Assim,aremessadecorrespondênciaatravésdocorreioaumentavaoperíododeentrega eatrasavatodososprazosdetrabalho.“Agoraqueeupensoarespeito,talvezaqueles atrasosnãofossemalgotãoruimnofinal.Nóstínhamostempopararepensar,adaptare corrigir”–acrescentaatradutora. Jorge Amado agora se mantinha um pouco mais disponível, solucionando eventuaisdúvidaslexicaisdatradutora,masKnopferaquemmaisinterferia,corrigindo algunstermos,sugerindooutros.QuandovoltavaaosEstadosUnidos,sejaporlicença detrabalhoouemalgumamissão,Shelbyaproveitavaparafazercontatodiretocomo editor. Nessa época, também, já era forte a presença do “editor” no processo da tradução. O “editor” a que nos referimos aqui não é o dono da editora, mas o profissional encarregado de organizar os trabalhos de tradução, de publicação e de revisar e supervisionar os textos – equivalendo aos “organizadores” ou “coordenadores” nas editoras atuais. O “editor” de Bárbara Shelby era Herbert Weinstock,ummúsico,tradutorebiógrafo,esuainterferênciatambémerasignificativa noprocessodetradução. Além de ter traduzido Quincas Berro D’Agua, a nova tradutora de Knopf tambémjáseocuparacomatraduçãode Dona Sinhá e o filho padre , deGilbertoFreyre (1964), lançado nos Estados Unidos como Mother and Son: a Brazilian Tale. Agora traduziria Tenda dos milagres. Hoje, Bárbara Shelby Merello está aposentada de suasfunçõesdiplomáticase vivenoTexas,sem,noentanto,terdeixadodeserummembroatuantenasociedade. Demonstrateraindagrandeparticipaçãoemmovimentosdedefesadomeioambientee emcírculosacadêmicosedediscussãodeassuntosinternacionais.Emfunçãodenosso contatodiretocomatradutora,asinformaçõessobreoprocessodetraduçãode Tenda dos milagres forammaisabundantesqueasdasdemaisobras. Quanto à importância que damos à publicação nos Estados Unidos, acontece menosemfunçãodesuavendagemdoquedeseusignificadonoque dizrespeitoà questãodoconceitodedemocraciaracialvinculadoàimagemdoBrasil,comoveremos adiante.

110 DES(CONS)TRUINDO O MITO E CONSTRUINDO A INCLUSÃO Muitas respostas negativas [que dizem não haver preconceito racial no Brasil] explicam-se por esse preconceito de ausência de preconceito, por esta fidelidade do Brasil ao seu ideal de democracia racial .175 RogerBastideeFlorestanFernandes

É só dessa maneira que podemos explicar os resultados de uma pesquisa realizada em 1988, em São Paulo, na qual 97% dos entrevistados afirmaram não ter preconceito e 98% - dos mesmos entrevistados – disseram conhecer outras pessoas que tinham, sim, preconceito. Ao mesmo tempo, quando inquiridos sobre o grau de relação com aqueles que consideram racistas, os entrevistados apontavam com freqüência parentes próximos, namorados e amigos íntimos. Todo brasileiro parece se sentir, portanto, como uma ilha de democracia racial, cercado de racistas por todos os lados. 176 LiliaSchwarcz

Ou seja, a oportunidade do mito se mantém, para além de sua desconstrução racional, o que faz com que, mesmo reconhecendo a existência do preconceito, no Brasil, a idéia de harmonia racial se imponha aos dados e à própria consciência da discriminação .177 LiliaSchwarcz Se em 1965 Rabassa iniciara sua dissertação mencionando o Brasil como exemplodedemocraciaracial,em1971eleteriaumaposiçãobemdiferente.Entreas décadas de 1950 e 1960, muito já havia acontecido no sentido de desconstruir essa crença.Nãoquenãoexistissemmovimentosnegrosderesistênciaàsidéiasqueforam exclusiva e erroneamente atribuídas a Freyre. Ou discordâncias, mesmo dentro do projetodaUNESCO,quantoà“conclusãodeWagley,segundoaqual,noBrasil,‘em todo seu imenso território semicontinental’ a discriminação e o preconceito raciais estãosobcontrole,aocontráriodoqueaconteceemmuitosoutrospaíses”(WAGLEY apudGUIMARÃES,2001,p.11).Pelocontrário,oartigopublicadoemabrilde1951 narevista Courrier jáimpunharessalvasataisafirmações,declarandoqueoBrasilera umpaísonde“asrelaçõesentreasraçassãorelativamenteharmoniosas”(METRAUX 175 Relações raciais entre negros e brancos em São Paulo, SãoPaulo:UNESCOANHEMBI,1955,p. 123. 176 Nempreto,nembranco,muitopelocontrário,coreraçanaIntimidade :História da vida Privada no Brasil ,org.FernandoNovais,SãoPaulo:CiadeLetras,1998,pp.177184. 177 Questãoracialeetnicidade. O que ler na Ciência Social Brasileira (1970 – 1995) ,org.SérgioMiceli, SãoPaulo: SumaréeANPOCS,1999,p.309.

111 apudMAIO,1999,p.11)ediziaser“umexagero,entretanto,afirmarqueopreconceito racialédesconhecido”. FlorestanFernandes,noiníciodadécadade1960,jáapontavaparaaexistência deumaestruturasocialrigidamenteestratificadaeparaapermanênciadopreconceito racial no Brasil, contrariamente às alegações de Freyre. Era, para ele, o racismo à brasileira,umracismovinculadoàposiçãosocialeaostatuseconômico.Florestandizia não existir democracia racial efetiva no Brasil, onde o intercâmbio entre indivíduos pertencentes a “raças” distintas “começa e termina no plano da tolerância convencionalizada”,quepodiasatisfazeràs“exigênciasde‘bomtom’,deumdiscutível ‘espírito cristão’ e da necessidade prática de ‘manter cada um em seu lugar’” ((FERNANDES, 1960, p. xiv). Era o início de um processo sistemático de desconstruçãodoquefoi,apartirdeentão,intitulado“mitodademocraciaracial”.Os estudos da época caminhavam lado a lado com as mudanças no sistema político brasileiro. Até 1964, a “democracia racial” ainda podia ser vista, tanto por intelectuais aliadosàlutaantiracista,quantoporalgunslíderesdemovimentosnegros,comoum idealaseralcançado.Podiaservistacomoabuscadaigualdadededireitos,comoum “pacto social” em que seria possível promover a inclusão. A partir de então, as esquerdas brasileiras passaram a encarar a questão deformadiversa:aidéiademito passouaimperar.Umdosestudosrepresentativosdaépocafoi A Integração do Negro na Sociedade de Classes ,tambémdeFlorestanFernandes,em1965. É claro que os estudos e debates não parariam aí. Outros historiadores, sociólogoseantropólogosbrasileiroscomoCarlosHasenbalg,RobertoDaMatta,Lilia Schwarcz,AntonioSérgioAlfredoGuimarãeseLívioSansoneapresentaram,aolongo dedécadas,estudosquenãosomentedesconstruíramomito,masreavaliaramaquestão nasociedadebrasileira.Aspesquisaspassaramaindicarcadavezmaisosmecanismos doqueamídiaconvencionouchamar“racismocordial178 ”dopovobrasileiro.Aquestão da democracia racial tornouse um “mito desconstruído, mas não extinto”. Como explicaAntonioSergio.A.Guimarães: Mortaademocraciaracial,elacontinuavivaenquantomito,sejano sentidodefalsaideologia,sejanosentidodeidealqueorientaaação concretadosatoressociais,sejacomochaveinterpretativadacultura,

178 FolhadeS.Paulode25dejunhode1995.

112 seja como fato histórico. Enquanto mito continuará viva ainda por muitotempocomorepresentaçãodoque,noBrasil,são as relações entre negros e brancos, ou melhor, entre as raças sociais (Wagley 1952)–ascores–quecompõemanação.(GUIMARÂES,2001,p. 19) Aatuaçãodessesintelectuaisdirecionouse,então,paraabuscadesoluções,de formasparacompatibilizarosdiscursosoficiais,decombateàdesigualdadesocial,eas práticasdopreconceitoracialemnossasociedade.ComoobservaSchwarcz(2007) 179 : Raça não é uma realidade ideológica, mas raça é uma construção, muitasvezesperversa,porqueelalevaaumcampodehierarquização. Dito isso, raça é uma construção, identidade também é uma construção. Estamos nesse campo: identidade também não é uma construçãoquesefazemcontextoecomlutassociaisecomtensões sociaisatodomomento.Entãoseriaprecisopensarporqueéqueno Brasilraçasemprefoimaterialparapensaremidentidadeeoqueé que seria esse racismo à brasileira. Eu acho que existe, sim, um racismoàbrasileira,cujagrandecomplexidadeéqueeleéumaidéia queé,sobretudo,decaráterprivado.Issotemsealteradoemuito.Esse racismobrasileiroaindasemanifestanaesferadoprivado,porconta daausênciademovimentosnocorpodalei. Essa manifestação de racismo privado, de caráter cotidiano, só poderia ser contidacomaexistênciadepenalidadesqueestivessemprevistasnalegislação: O que está havendo é uma inversão. Estamos tentando colocar no corpo da lei políticas de compensação, praticando políticas que, de alguma maneira, estão retornando e racializando o debate. Esse racismo à brasileira é de caráter privado, por não se manifestar no corpodaleiepornãosemanifestarnasestânciasmaisoficiais.Além detudoeletambéméumracismoquesemprejoganooutroacotade preconceitos.Podeseroargentino,nocasodofutebol.Oladobomdo momentoemquenósvivemosé,enfim,queaspessoasestãopassando a refletir sobre essa questão. Não falar a respeito não significa que vocênãoviveuoproblema.Aspessoasnegamejogam no outro o racismoquenaverdadeédecadaum.(SCHWARCZ,2007) Éodesafiodeenfrentaraherançadopassado,emumpaísondeadesigualdade social,apobrezaeamarginalidadeaindasãograndes,historicamentecausadas(jáque fomosumacolôniaondeexistiuaescravidãooficialdeíndiosenegros)evinculadasà discriminação. Existe aí uma urgência em buscar soluções menos ilusórias, em

179 AreferênciaéoartigoQuasepretos,quasebrancos,publicadona Revista Pesquisa FAPESP ,Abrilde 2007Edição134.

113 concretizarademocraciasimpleseplena.Eassim,aquestãochegaàesferadaspolíticas públicas,comasdiscussõeseaadoçãodemedidasde “ação afirmativa” e busca de fórmulasdeinclusãosocial. Desenvolver em profundidade essas questões sociológicas e antropológicas ligadasàquestãodademocraciaracialserianosdesviarmosmuitodosobjetivosdesta dissertação,cujoalvoprimeirosãoosEstudosdaTradução.Oquenosinteressaaquié perceber de que forma a atividade da tradução e as questões políticas e sociais se intersectaram.Importasaberque,quandoatraduçãode Tenda dos milagres foilançada nosEstadosUnidosem1971,aquestãojátinhatomadoumformatodiferente,como pensamento intelectual direcionandose para o multiculturalismo 180 . A existência de miscigenaçãonoBrasil,paramuitosintelectuais,nãomaiscorrespondiaàexistênciade uma“democraciaracial”,massimàdeum“racismoàbrasileira”.Seaidéiade“paraíso racial” servira para chamar a atenção da comunidade estrangeira, internamente suas conseqüênciasjáeramquestionadas.

TENDA DOS MILAGRES: UM ESCRITOR ALHEIO ÀS PESQUISAS

Eu tenho um sonho de que meus quatro filhinhos um dia, viverão numa nação onde não serão julgados pela cor de sua pele e sim pelo conteúdo de seu caráter. 181 MartinLutherKing,Jr.

Énessecontexto,doquestionamentoiniciallevantadoporFlorestanFernandes, que Tenda dos milagres surgecomumahistóriaqueremontaaosacontecimentos do iníciodoséculonaUniversidadedaBahia,ecujospersonagens,comoemváriosoutros romances de Jorge Amado, oscilam entre a ficção e arealidade.Éocasodomédico baianoNinaRodrigues, representadopelapersonagemdoprofessorNiloArgolo.Nas palavrasdeJorgeAmado,tratasedeumaépoca[oiníciodoséculoXX]emqueas

180 Para aquestão do multiculturalismo no Brasil, ver: Antonio Sérgio Alfredo Guimarães,. Depois da democraciaracial. Tempo soc .,SãoPaulo,v.18,n.2,2006.Disponívelem: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S010320702006000200014&lng=en&nrm=iso. Acessoem:05deSetembrode2008. 181 “Ihaveadreamthatmyfourlittlechildrenwillonedayliveinanationwheretheywillnotbejudged bythecoloroftheirskinbutbythecontentoftheircharacter.”(Em “Eu Tenho Um Sonho”. 28deagosto de1963.Washington,D.C.)

114 “teorias racistas dominam grande parte da intelectualidade brasileira” (RAILLARD, 1990,p.83). Aoobservaroenredodaobra,verificamosoquantoexistedeautobiografianele. NaspalavrasdaesposaZéliaGatai:“(...)detodosospersonagenscriadosporJorge,o que mais se parece com ele mesmo é Pedro Arcanjo (...)”(GATTAI apud OLINTO, 2006,p.1).NossasexplanaçõessobreatraduçãodeTenda dos Milagres estendemse umpoucomaissobreessaquestão,emfunçãodeseucaráterautobiográfico,domaior númerodeinformaçõesobtidosobreatraduçãoedeoprocessomostrarasdiferentes leituraspossíveisdeumamesmaobra.Também,aobrapareceindicarum“desfecho” paraa“narrativadademocraciaracial”:elasetornariadesacreditadaapartirdadécada de1970. Oprotagonistade Tenda dos Milagres, PedroArcanjo,éummulatodemuitas mulheres.Masseugrandeamor,suagrandepaixãoéinacessível.RosadeOxaláoama, mas vive com seu grande amigo Lídio Coró, dono da “Tenda dos Milagres”, e a lealdadedeArcanjonãolhepermitirároubaramulherdomelhoramigo.Na“Tenda dosMilagres”,Lídiofazevendepinturasde“milagres”alcançadospelapopulação,eo localservetambémparaapresentaçõesdeteatroamador.Aospoucos,omalandroPedro Arcanjo vai crescendo intelectualmente, de forma autodidata,tornandoseumescritor queretrataaculturaafricananoBrasil.Fazsuaa“missão”dedesconstruiroracismoe demonstrar a hipocrisia daqueles que apontam a inferioridade de negros e mulatos. Arcanjoétambémdefensordaliberdadedoscultosafricanos,perseguidospelapolíciae pelos governantes da época. Freqüenta o candomblé da Yalorixá Magé Bassã, e capoeiradeMestreBudião,contudo,aointelectualizarse, Arcanjo se torna um ateu, embora nunca abandone a comunidade do candomblé: “Meu materialismo não me limita”,écomorespondeaoprofessoreamigocomunistaquequestionasuaposiçãono terreiro.Oscultossãoparaeleumbemdopovo.“TerreirodeJesus,tudomisturadona Bahia,professor.OAdrodeJesus,oTerreirodeOxalá,TerreirodeJesus.Souamistura deraçasedehomens,souummulato,umbrasileiro”.PedroArcanjoparecetrazerao leitoropensamentoamadianosobreareligiosidade: Seideciênciacertaquetodosobrenaturalnãoexiste,resulta do sentimento e não da razão, nasce quase sempre do medo. No entanto,quandomeuafilhadoTadeumedissequequeriasecasarcom moçaricaebranca,mesmosemquererpenseinojogofeitopelamãe desantonodiaemqueeleseformou.Tragotudoisso no sangue,

115 professor. O homem antigo ainda vive em mim, além de minha vontade, pois eu o fui por muito tempo. Agora eu lhe pergunto, professor:éfácilouédifícilconciliarteoriaevida,oqueseaprende noslivroseavidaqueseviveacadainstante? Se eu proclamasse minha verdade aos quatro ventos e dissesse:tudoissonãopassadeumbrinquedo,eume colocaria ao ladodapolíciaesubirianavida,comosediz.Ouça,meubom,umdia osorixásdançarãonospalcosdosteatros.Eunãoquerosubir,ando parafrente,camarado.(AMADO,2006,p.272) FoitrabalhandocomoBedeldaFaculdadedeMedicinaqueArcanjoentrouem contatocomprofessoresecatedráticos,einteressousepelaleitura.Tambémfoiláque sedeparoucomasidéiasdeeugeniadoprofessorNiloArgolo.ExatamentecomoNina Rodriguesfazianocomeçodoséculo,NiloArgolodefendiaqueosnegrosemulatos tinham “tendência hereditária para o crime e não deveriam conviver na mesma sociedade que os brancos”. O médico baiano ia mais longe: “O governo brasileiro deveriadeportálosparaaregiãonortedopaís,queaindanãohaviasidoexplorada,para eles conviverem entre si, longe da raça pura...". O colega de Arcanjo, Fraga Neto, esbravejariaaosaberdoprojetodeleideArgolo:“NemnaAméricadoNortesecogitou de legislação tão brutal. O Monstro Argolo ganhou até para as piores leis, as mais odiosasdequalquerEstadosulista,daquelesmaisracistasdosEstadosUnidos”(p.272). É essa idéia de existência de uma “raça pura” que Pedro Arcanjo desmonta, provando, com base em uma investigação sobre a árvore genealógica das principais famíliasbaianas,que87%dapopulaçãodaBahiaeramestiçaeapenas13%eradaraça branca. Assim, a grande maioria dapopulação era frutodamiscigenação,inclusiveo professorNiloArgolo,cujobisavôeranegro. Apesar de seus escritos, Pedro Arcanjo morre pobre e esfarrapado, esquecido porseusinimigos,maslembradopelopovo.Suaobrapermanecenoanonimatoatéque oprofessoramericano,J.D.Levenson,daUniversidadedeColumbia(ondeFranzBoas lecionavaeKnopftambémestudou),descobreseuslivrosdocumentandoaformaçãoea miscigenaçãodopovoBaiano.Levensonvementãoao Brasil para estudar a vida de Arcanjoeteceelogiosàsuaobra,quepassaaserreconhecidapelasentidadeslocais.O nome de Pedro Arcanjo tornase conhecido e também alvo da especulação dos intelectuaisedamídia.Paralelamente,desenvolveseahistóriadeseusobrinhoTadeu, queArcanjoajudouacriar,equeseapaixonaporumamoçabranca,defamíliarica.O moçoparte da Bahiapara estudar, consegueprogredir, e voltapara se casar com Lu, mesmocontrariandoavontadedopaidamoça.Aobraé,assim,umromancededicadoà

116 lutacontraopreconceitoracialecultural.Enquantoexibeadefesadosrituaisdeorigem africanaeadenúnciadaperseguiçãoàliberdadereligiosa,Amadotambémdefendea miscigenaçãocomoformadeacomodaçãodasociedade. Em entrevista a Alice Raillard,já na década de 1990, Amado ainda afirmava categoricamente: Nos Estados Unidos há milhares e milhares de antiracistas, talvez possamos até falar em milhões, tanto entre brancos quanto entre negros.Masháumafilosofiadevidaracistaemtodoseles.NoBrasil éocontrário:hámilharesemilhares,centenasdemilharesderacistas, principalmentenascamadassuperioresdasociedade,masopovo,este nãoéracista.Chamaropovobrasileiroderacistaéumaignomíniae umacalúnia.Opovobrasileiroéanegaçãodoracismo(p.93). Em1989,Amadoreforçavaessasmesmasidéias 182 emumaentrevistaàrevista Courier daUNESCO.AdmitiuaexistênciaderacismonoBrasil,masdefendeuquea sociedadebrasileiraemsinãoeraracista–umconceitodifícildeentender:“Havia,e aindaháalgumracismo.NoBrasil,comoemoutraspartesdomundo,oracismosobeà superfícieeirrompesemprequegruposdediferentesetniasseencontramemsituação deconflito”–eledizia.Masacrescentava:“Entretanto,oBrasilnãoéumasociedade racista, porque qualquer tendência em direção ao racismo é contrariada por uma tendência geral em direção à mistura e ao sincretismo”. Para Amado, o racismo no Brasil não tinha raízes profundas, institucionalizadas, mas tendia, como afirma na entrevista ao Courier ,atornarsedifuso atravésdamistura espontânea das raças, do “impulsoqueacomodaasdiferençaseuneopostos”. Amado defende claramente sua soluçãoparaoracismo–“Amestiçageméachaveparaaculturabrasileira(...)Estou convencidodeque,nolongoprazo,háumaúnicasoluçãoreal–absorveroracismona misturadasraças”.Pormaisqueossociólogoseantropólogos,oumesmomovimentos dedefesadosnegrosjádiscordassemdessasidéias,JorgeAmadoaindabuscavaoideal políticodademocraciaracial.NãohácomonãolembrardaidéiasdeFreyreaoouvilo falar em “acomodação de diferenças” e “união de opostos”. Se esse era o real pensamentodeAmado,aindanofinaldadécadade1980, Tenda dos milagres nãoera,

182 “There was, and still is, some racism. In Brazil, as in other parts of the world, racism rises to the surfaceoreruptswheneverdifferentethnicgroupsfindthemselvesinasituationofconflict.Nevertheless, Brazilisnotaracistsociety,becauseanytendencytowardsracismiscounteredbyageneraltendency towards intermingling and syncretism. Instead of being deeprooted, institutionalized and encouraged, racism tends rather to be defused by the movement towards mixing, by this drive that accommodates differencesandwedsopposites.MixtureisthekeywordofBrazilianculture.”

117 paraele,umadenúnciasobreoracismonoBrasil,masumademonstraçãodalutado povobrasileirocontraoracismo. TENDA DOS MILAGRES NOS ESTADOS UNIDOS

O romance original foi lançado no Brasil em 1968, e em 1969 Knopf já começavaaplanejarsuapublicaçãonosEstadosUnidos.Esseseventosacontecemem umaépocamuitopróximaaoassassinatodolídernegroepastordaigrejaBatistaMartin LutherKingJr.,nosEstadosUnidos. Grande parte das informações que seguem foram extraídas das cartas entre ShelbyeKnopf.Em8dedezembrode1969,AlfredKnopfquestionavaShelbysobrea leituraeaopiniãodatradutorasobreanovaobradeJorgeAmado: Eu lhe faço estas perguntas não apenas pela curiosidade natural de um editor, mas porque minhas relações com Jorge se tornaram mais íntimas e prazerosasdo quenunca eeu me sinto na obrigaçãodetratálocomamáximacortesiaeatenção. Recebi uma carta sua [de Amado] outro dia dizendo que o Martinsestáimprimindonovaedição[de Tenda dos Milagres ] equea primeiraediçãodesetentaecincomil[exemplares] já quase se foi. Eleestáagoranotopodalistademaisvendidos,comVasconcelosem segundolugar.Emvistadoquedisseacima,achoqueseriamelhorse vocêendereçassetodasascomunicaçõessobre“TendadosMilagres” a mim e a mais ninguém 183 . (KNOPF para SHELBY em 8 de dezembrode1969).

Knopfoptava,assim,pordedicaratençãoespecialàobradeAmado,passando porcimadafiguradeseupróprio“editor”(organizador).Averdadeéque,comopassar dosanos,KnopfaproximarasemaisdeAmado(distanciandoseumpoucodeFreyre, que restringira suas visitas aos Estados Unidos) e seu maior interesse agora era a promoção da obra do escritor baiano nos Estados Unidos. Shelby escreve a Knopf contandoqueanovaobradeAmadoeraumadasmelhoresdoescritor. Emnossaentrevistacomatradutora,eladeclarouqueevitavaconsultarAmado a respeito da tradução. No entanto, o escritor contribuiu com explicações sobre os 183 “Iaskyouthesequestionsnotonlyoutofapublisher’snaturalcuriositybutbecausemyrelationswithJorgehave become closer and more delightful than ever and I feel obliged to treat him with the utmost courtesy and consideration.IhadaletterfromhimtheotherdaysayingthatMartinsisreprintingandthatthefirstprintingof seventyfivethousandisalmostgone.HeisnowatthetopofthebestsellerlistwithVasconcelosinsecondplace. InviewofwhatI’vesaidaboveIthinkitwouldbebestforyoutoaddressallcommunicationsregarding‘Tentof Miracles’tomeandnotanyoneelse.”

118 regionalismosemcartasenviadasàtradutora.JorgeAmadoacrescentava:“Fiqueimuito contentequandosoubequevocêoestavatraduzindoparaoinglês.SeiassimquePedro ArcanjosairáinteironaediçãodeKnopf”(JORGEparaSHELBYem30demaiode 1970). FIGURA 27 FIGURA 28

Capa da 1ª edição de Tenda Capa de Tent of Miracles publicado dos Milagres no Brasil em nos Estados Unidos em 1971. Quem 1969. A figura mostra uma aparece é o mulato Pedro Arcanjo. alegoria do candomblé. AlfredKnopftambémfaziaintervençõesnotextotraduzido.Umexemplodisso foiasugestãodeShelbydequeotítulodaobrafosse“TheMiracleShop”,rejeitadapor Knopf,queviaapalavra“tent”comopassíveldeserampliadaedecobrirtodosostipos delugaressemcausarnenhumaperturbaçãonoleitor. Knopfelogiavamuitoaobra,eescreviaaoamigobaiano:“Estoumedivertindo muito lendo a tradução de Tenda dos Milagres . Que homem amplamente informado vocêé.Euimaginoseseusamigoseadmiradoresemseuprópriopaíspercebemisso” 184 (20deagostode1970).ComentavaterestudadonaUniversidadedeColumbiaquando FranzBoaseraumrenomadoprofessor.ElogiavaaindaotributoqueAmadoprestaraà Bahiacomaquelaobraecomentavaaformacomooescritorsereferianegativamenteàs pessoas com status e poder. Mas, ainda na mesma carta, advertia: “(...) você deve sempre lembrar que, como quer que eles tenham enganado as pessoas quando

184 “I’vebeenhavinggreatfunreadingthetranslationof‘TentofMiracles’.Whatawidelyinformedman youare.Iwonderhowmanyofyourfriendsandadmirersinyouowncountryrealizethis.”

119 concorreramavagaspúblicas,foramaspessoasqueoscolocaramlá” 185 .Ecomunicava aoamigoseuespantoquantoàsinformaçõescontidasnolivro: EoquevocêdizsobreracismonoBrasilémuitoesclarecedor.Seus compatriotasmuitofreqüentementeexpressamgrandeorgulhoemsua reivindicação de que tais coisas não existem no Brasil. Mas por ocasiãodeminhaprimeiravisita,eupasseiavésperadeAnoNovono Clube Atlético em Salvador com pessoas do consulado. Nós não fomos embora até as três ou quatro da manhã e eu observei os dançarinos,dameianoiteemdiante,procurando,semencontrar,um únicorostobranco.

OqueKnopfafirmavaeranãoterobservadoemSalvadorafamosa“harmonia” eo“intercâmbio”entrenegrosebrancos.Infelizmentenãopudemosobteracartade resposta de Jorge Amado, para saber como ele reagiu ao comentário do editor. Na mesmacarta,KnopfdiziaaAmadoqueconsideravaqueatraduçãofeitaporShelbyera extraordinária. Em agosto do mesmo ano, Knopf escreve a Shelby dizendo ter terminado a leituradatraduçãodolivrodeAmado,equeachaqueotrabalho éextraordinário 186 . ConfirmaoentusiasmodesuaesposaHelenparacomaobraediznãoterdúvidasde queaqueleé“otrabalhomaisimportante[deJorgeAmado]emumlongoperíodo” 187 . Contudo,acartajáexpressavadúvidasecertopessimismoquantoàaceitaçãodaobra pelopúblicoleitoramericano: Oproblema–éclaro–éque,apesardetodososnossosesforços–e elesforamconsideráveisnosúltimosdezanos–nósnãofizemos[do nome]‘Amado’umnomeconhecido,ehámuitonopresentelivroque serárealmente“grego”paraoleitoramericano.Emprimeirolugar,ele traçaumalinhamuitofina,euacho,entrefatoeficção,eembora,no meupontovista,elenãodeixeclaraaidentidadedonarrador,parece mequeéclaramenteopróprioJorge.Claro,ahistóriaseliga–ou melhor,ascolocaçõesdeleseligam–àquestãodoracismoemtodos oslugareshoje,eseolivroforbemrecebido,comodeveriaserem certos setores estratégicos, ele pode, apesar de todo seu material exótico, ter uma boa venda. O que ele deve ter, é claro, é um glossário,quenósachamosquevocêpodeforneceresobreoquala Jane [Garrett] lhe escreverá. 188 (KNOPF para SHELBY em 25 de agostode1970)

185 “Butinlookingatusyoumustalwaysrememberthathowevermuchtheyfooledthepeoplewhenthey whererunningforofficeitwasthepeoplewhoputthemthere.” 186 “Ithinkit’saveryremarkablework.”(KNOPFparaBARBARAem25deagostode1970). 187 “HeleniswildaboutthebookandIdon’tthinktherecanbeanydoubtofitsbeinghismostimportant inalongperiod.” 188 “Thetrouble,ofcourse,isthatdespiteallourefforts–andtheyhavebeenconsiderableoverthelast tenyears–wehavenotmadethenameAmadoahouseholdwordandthereissomuchinthispresent

120

Knopf agora ignorava o fato de os limites entre fato e ficção, realidade e literaturateremsidotênuesdesdeosprimórdiosdoprojetodeRoosevelt.Eraopróprio DepartamentodeEstado,juntamentecomasuniversidades,queafirmavaseraliteratura omelhormeioparaseconhecerasnaçõesvizinhas.Easescolhasdeobrascomcaráter históricooupolíticofaziamconfirmaressalinhatênue. Entretanto,Knopfprovavelmentepercebiaqueo“exotismo”donovoromance afastavase daquela imagem da heroína sedutora que fizera sucesso no país. Era um “exotismo”maispróximodocriticadoem Terras do Sem Fim ,emqueavalorizaçãoera adaculturaafrobrasileira.Observamosnovamenteotermo“exótico”sendousadode forma “relacional” para se referir a diversos tipos de “diferença”, mais ou menos aceitas. Por fim, teria sido fundamental se Knopf tivesse especificado melhor quais eramos“setoresestratégicos”aqueelesereferia.Podemosapenasimaginaraquique elesereferiaàcríticaliteráriaexpressapelamídia. Nacartajámencionada,Knopfrelataqueoromancetinhaentusiasmadoatodos, menosaBobGottliebeNinaBourne,oentãoeditorchefeevicepresidenteeavice presidente de publicidade da Alfred A. Knopf Inc. Gottliebe Bournetinhamsidoos responsáveis pela publicação de Dona Flor. Eles acreditavam que seria muito mais difíciltornarapublicaçãode Tent of Miracles tãobemsucedidaquantoade Dona Flor . Aidéiadesagradoufortementeàtradutora,quenãocompreendiacomoGottliebpodia acharumlivro“comsubstânciaesátira[como Tenda dos milagres ]”maisdifícildeser aceito do que um “suflê mal cozido” como Dona Flor , “apenas engraçado porque Amadopôstodososseusamigosnele” 189 (SHELBYparaJANETGARRETem5de setembrode1970). GottliebeBourneinfelizmentenãoestavamtãoerradosassim. Tent of Miracles foipublicadoem1971.Odestaquedadopelosjornais e revistas americanas foi bem menor do que aquele dispensado a Dona Flor : dois pequenos artigos anunciavam o lançamentodaobra,umno The New York Times de24deoutubrode1971eumno Los bookthatwillreallybeGreektotheAmericanreader.Foronething,hedrawsaratherthinline,Ithink, betweenfactandfictionandthough,inmyviewhedoesn’tmakethenarrator’sidentityclear,itseemsto metobeclearlyJorgehimself.Ofcourse,thestorytiesin–orratherhisasidestiein–withtheracist questioneverywheretodayandifthebookiswelcomedasitoughttobeincertainstrategicquartersit might,despiteallitsexoticmaterial,haveagoodsale.Whatitmusthaveofcourseisaglossary,which wethinkyoucansupplyandaboutwhichJane[Garrett]willbewritingyou.” 189 “IamsorrytohearthatMr.Gottliebthinksitwillbehardertoputoverthisbookofsubstanceand satire than a halfbaked souffle like “Dona Flor”, which was only funny because Amado put all his friendsinit.”

121 Angeles Times de19desetembrode1971,alémdeumapequenanota no Christian Science Monitor de21deoutubrodomesmoano.O Los Angeles Times diziaque,com amortedeGuimarãesRosa,JorgeAmadohaviasetornadooúnicoescritorbrasileiro vivointernacionalmenteconhecido. Tent of Miracles foiapresentadonoartigocomoum “TributoFiccionalàBahia”:

Figuras atraentes e tempestuosas enchem suas páginas, e se movimentamatravésdemuitosfestivais[religiosos]ecasosdeamor, comasíntesedapresençadeespíritoafricanaeodecoro português quenóspassamosaaceitar. Masenquantoosespíritos[aenergia]dolugarepessoadãoo quepensar,oromancedeAmadonãoénemumtrabalhoregionalista, nemhistórico.Enquantodelicia,eleofereceumasátirainstrutivaséria dasrelaçõesraciaisbrasileirasepolíticas,eassimsecolocacomoum trabalhomemoráveltantoporsuavitalidade,quantopelasimplicações críticasdedesempenhoenérgico 190 (AlanCheuse, Los Angeles Times de19desetembrode1971). Como“sátirainstrutivasériadasrelaçõesraciaisnoBrasil”,ainterpretaçãoda obradeAmadojácomeçavaaseafastardasafirmaçõesqueelefizeraao Courier. Essa mesma leitura será feita por Gregory Rabassa, que ficou responsável pela crítica publicadano The New York Times: Oritmoselvagemebrincalhãoquenósesperamos[encontrar]agora emAmadoéusadoaqui,entretanto,paraesvaziarumdosmitosmais exaltados no Brasil, aquele da harmoniaracial. Mesmo uma olhada incidentalnasideologiasdoséculoXIXquesobreviveramnoBrasil revelará a mácula de Gobineau, e elas geralmente mostram uma virulência mais violenta ainda 191 . (Gregory Rabassa, The new York Times de24deoutubrode1971) Rabassa,queapenas6anosantestinhaescritoalgomuitodiferente,agoraliaa obra de Amado como alguém que denuncia a idéia da harmonia racial brasileira. E afirmava,ainda,queosescritoresbrasileirostinham,emsuamaioria,evitadotratarda

190 “Appealing, raucous figures fill its pages and move through many a festival and love affair with a synthesisofAfricanaplombandPortuguesedecorumthatwecometoaccept. But while the spirits of place and person loom large, Amado’s novel is neither a regionalist nor a costumework.Asitdelights,itoffersaseriousinstructivesatireofBrazilianracialrelationsandpolitics, and thus stands as a work memorable both for its vitality and the critical implications of its energetic performance.” 191 “ThewildfrolickingpacewenowexpectfromAmadoisusedhere,however,todeflateoneofBrazil’s morevauntedmyths,thatofracialharmony.Evenacasuallookatthe19thcenturyideologiesthathave survivedinBrazilwillrevealthetaintofGobineau,andtheyoftendisplayanevenfiercervirulence.”

122 questão das raças, enquanto a linha oficial estivera engrenada às relações públicas. Como acadêmico que acompanhava a questão racial dentro da literatura, Rabassa provavelmentetambémacompanhavaasdiscussõesacadêmicasnoBrasil. A visão de Rabassa era a de que, apesar da atração [despertada] pela sátira picarescadeAmadoedainclusãodo“útilglossário”,eleachavaqueos“neófitos”em coisas da Bahia, incluindo muitos brasileiros nativos, ficariam confusos e seriam incapazes de acompanhar o enredo: “Nesses momentos o livro vira um exercício de vocabulário 192 ” – completava. Rabassa lamentava que Amado tivesse deixado isso acontecer, já que o tema era o “mais forte desde sua primeira fase de protestos exaltados” 193 ,faltavalheapenasatensãode Quincas Berro D’Água. Mais uma vez, o papel do tradutor não seria ignorado. No mesmo artigo, Rabassa, que já era também um tradutor, adiantavase a qualquer possível crítica negativaasuacolega,alegandoqueBárbaraShelbyescreviacomosefosseoduplode Amado,“comumtomeminglêsqueéoperfeitocorrespondenteparaoestiloousadodo português” 194 . ApesardeacríticadeRabassaapontarváriasqualidadesdaobra,deformageral ela não era nada entusiasmadora para os leitores americanos. “Um exercício de vocabulário” não devia estar nos planos de quem buscava uma leitura estrangeira. MenosaindanosplanosdosantigosleitoresdeJorgeAmado. Amesmareclamaçãoquantoaovocabuláriojásurgirapoucoantesnacríticade L.J.Davis,no Washington Post de12desetembrode1971.Davisacrescentavaquea “boatraduçãodeBárbaraShelby”traziaum“livrosentimentalecasualdemaisparaser considerado um bom romance, apesar de muito rico e exótico” 195 . Dificilmente os leitores mais exigentes se dariam ao trabalho de ler a obra amadiana após essa afirmação inicial do crítico literário. Segundo Davis, a mensagem do romance era superficialeseuenredocheiodefalhas,entreelasos“ininteligíveisafricanismos”.Mas a obra ganhava significância com o entusiasmo do autor, sua humanidade e bom coração, quando colocado no contexto alegre e exuberante, “quase mágico” das descrições amadianas das festas e dos rituais africanos, das lendas locais e das 192 “Atthesepoints,thebookbecomessomethingofavocabularyexercise.” 193 “ItistoobadthatAmadohasletthishappen,forthisishisstrongestsincehisfirstphaseofheavy handedprotest.” 194 “Sinceacademicsmostoftentakedelightinpokingattranslation,IwanttostressthatBarbaraShelby writesasifshewereJorgeAmado’sparadros[sic],ordoublewithaperfectmatchforthesassystyleof thePortuguese.” 195 “ThenewbookbyBrazil’sJorgeAmado,broughttousinafinetranslationbyBarbaraShelby–isfar toosentimentalandhaphazardtoqualifyasagoodnovel.

123 personagensestranhasemaravilhosas.Davismostravaaindaoquãodifícilésatisfazer osdesejosdacrítica,indonacontramãodeseuspredecessoreseexpressandoodesejo dequeaobrafosse“maislonga”:

(. ..) esse é o âmago do livro, a razão pela qual alguém continualendo,apesardasmaquinações“MickeyMouse”doenredoe dasqualidadessimplóriasdapregaçãodasteoriasderaçadeAmado. Ninguémlêumromancecomoesteporqueeleébom, mas porqueéengraçado(...)Oresultadonãodeve,claro,serconfundido comliteratura,epoucoslivrosdessetiposãobemsucedidos.Esteé,e eugostariaquetivessecempáginasamais.Minhaúnicareclamaçãoé que o editor negligenciou em incluir um glossário de palavras do Yorubá usadas no texto. 196 (L.J.Davis – Washington Post 12 de setembrode1981)

Estranhamente,Davisnãopercebeuquetalglossáriosempreexistiu.Masoque importaéque,aoafastaraobradacategoriadeliteraturaeclassificálacomoumlivro para ser lido por diversão e não pela qualidade, o crítico norteamericano retirou o romance do universo das obras “sérias”, que levam a reflexões e questionamentos importantes. A referência às “maquinações Mickey Mouse”, atribuem uma característicainfantilepoucosofisticadaaoromance.Umadasmaisimportantesobras para Jorge Amado, e aquela considerada seu melhor romance pelo editor e por sua tradutora,eraumlivrodepassatempoparaocrítico do The Washington Post. O que podiaseraceitonapropostainformaldeÉrico Veríssimo,duranteaSegundaGuerra, agora aparecia com um gosto amargo, já que o escritor atingira nesse meio tempo o sucessoeditorial. TalvezfosseimportanteconsiderarquemuitasdascríticasfeitasaJorgeAmado nosEstadosUnidosaconteceramdeformasimilarnoBrasil,pelasimplesrazãodeque os objetivos dos críticos literários não eram os mesmos do escritor. Enquanto os primeirosbuscavamainovação,aqualidadeliteráriaeartísticadaescrita,acriatividade narrativa,JorgeAmadoinsistia,sim,obstinadamente,nostemaspolíticosesociaisque lhe eram caros, sem grandepreocupação com a estética literária. Sua escrita, assunto queretomaremosmaisadiante,erafundamentalmentepolítica;suasmetaseramsociais enãoartísticas.Éexatamenteissoqueeledeclaraemseulivrodememórias: 196 “(...) this is the heart of the book, the reason one continues to read on despite the Mickey Mouse machinationsoftheplotandthehomileticsimplicitiesofAmado’stheoriesofrace. Onedoesn’treadanovellikethisbecauseitisgoodbutbecauseitisfun(...)Theresultisnot,ofcourse, tobeconfusedwithliterature,andnotmanybooksofthissortsucceed.Thisonedoes,andIwishithad beenahundredpageslonger.Myonlyrealcomplaint is that the publisher had neglected to include a glossaryoftheYorubawordsusedinthetext.”

124 Minhacriaçãoromanescadecorredaintimidade,dacumplicidadecom opovo.Aprendicomopovoecomavida,souumescritorenãoum literato, em verdade sou um obá em língua iorubá da Bahia, obá significaministro,velho,sábio:sábiodasabedoriadopovo.(AMADO, 2001,p.III) Naquelemomento,apropostadeAmadodeserum“obáescritor”pareciater cativadoseueditor(e amigo)americanomasnãoerasuficientepara agradaràcrítica local, , como não fora outrora no Brasil. Assim, os temas considerados de grande importânciaparaosdebatessociais,sumiamaosolhosdeDavisquandoelequalificava aobraapenascomo“engraçada”. Tenda dos milagres parecia encerrar um ciclo de imagens e conceitos sobreo Brasil que não estiveram sempre necessariamente no plano da consciência para o público norteamericano. Essas imagens formavam um quadro exótico, no centro do qual o que se esperava era uma pintura da personagem principal feminina, sensual e libertária. As denúncias sociais do escritor, ofuscadas por seu passado político, tornavamsemuitomenospalatáveiseatraentes. SegundoRostagno(1997,p.39),a“ondadeboadesorte”deAmadochegavaa um fim abrupto com o lançamento em 1975 de Tereza Batista cansada de guerra (1972),cujapublicaçãoeminglêsteveotítulodeTereza Batista Home from the Wars (1975). A tradução da obra também ficou a cargo de Barbara Shelby, que recebeu os elogios de Knopf pela execução do “difícil trabalho”. Em correspondência de 3 de dezembro de 1974, Knopf dizialhe: “Você parece ter achado todos os corretos equivalenteseminglêsparaalinguagemmuitoespecialdeJorge” 197 . Entretanto, apequena órfã Tereza, que é vendida etornada escrava, que mata seu algoz e segue uma vida difícil, caindo na prostituição, não comovia os críticos americanos.Nemseualtruísmo,suaajudanocombateàvaríolaesuapaixãoproibida porumhomemcasado.Senadadissoosdemovia,muitomenossuaadesãoaumagreve deprostitutasemSalvador.Todoesseenredofoiencapsuladodeformasimplistanasua definiçãocomouma“prostitutacomumcoraçãodeouro”peloocríticodo The New York Times (de 21 de setembro de 1975). O romance significava a possibilidade de colocar“vinhonovoemgarrafasvelhas”,numresultadodequalidadequepodia“não serdogostodetodos”.OcríticoThomasLasknãopoupavaironia:

197 “YouseemtohavefoundalltherightEnglishequivalentsofJorge’sveryspeciallanguage.”

125 OssertõesdoBrasil,comsuasterrasfeudais,seupoderbrutalesua corrupçãomoraléumageografiaqueoautorevidentementeconhece bem,equeeletransmitecomíntimosdetalhes.Nãoé,entretanto,uma transmissão que vai lhe dar qualquer louvor junto à Câmara de Comércio local.198 (Roger Stone, The New York Times de 21 de setembrode1975) Com essa afirmação, o crítico uniase aos que acusavam Amado de transmitir umaimagemnegativadoBrasil.KnopfnãodeixouLasksemumaresposta,criticandoo porinsultar“omaispopularescritordomaisimportante país da América Latina”. E complementava:“Eunãotenhoquelhedizerqueoinglêséaúnicalínguadetrintaou maisparaasquaisseuslivrosforamtraduzidosnaqualelessãotãomesquinhamente considerados” 199 (KNOPFapudROSTAGNO,1997,p.40). Quando,em1977,AmadofinalmentepassouatrabalharcomAlfredoMachado, seueditordemaiorhabilidadeparapromovêlointernacionalmente,aondaquelevara Amadoparaalistade bestsellers americanosjáhaviapassado.Oeficienteecarismático editor brasileiro também entraria para o rol de grandes amigos de Knopf. Barbara Shelby definiuo como “um homem maravilhoso e generoso, e um bom amigo de Knopf” 200 .Comograndeempresárioqueera,AlfredoMachadofoioresponsávelpela promoção e transformação da obra amadiana em filmes, novelas, peças de teatro e outrostiposdoquechamamos“traduçãointersemiótica”.Masnenhumaoutraobrade JorgeAmadochegariaaterosucessocomercialde Gabriela e Dona Flor nosEstados Unidos. Barbara Shelby ainda foi responsável pelas traduções de Tieta do Agreste : a pastora de cabras (1977), cujotítuloeminglêstornouse Tieta, the Goat Girl : or the Return of the Prodigal Daughter (1979), e de O gato malhado e a andorinha Sinhá (1982),publicadonomesmoanocomo The Swallow and the Tom Cat : A Love Story, amboscompoucosucesso.JorgeAmadodefinitivamentenãoeraalguémquemudaria paradigmasnosEstadosUnidos. O que observamos é que a iniciativa dos agentes de tradução mostravase incompatível com a atmosfera em que se inseria a crítica e o público leitor norte americanoemgeral.Nocasode Tenda dos milagres , tantooeditorquantoatradutora 198 “The backlands of Brazil with its fiefdoms, brutalpowerand moralcorruptionisa geographythe authorevidentlyknowswell,andherendersitinintimatedetail.It’snot,however,arenderingthatwill earnhimanyencomiafromthelocalChamberofCommerce.” 199 “Idon’thavetotellyou[RogerStone]thatEnglishistheonlylanguageofthirtyorsointowhichhis booksaretranslatedwheretheyaresoshabbilyregarded.” 200 AnotaçãofeitanacartadeAlfredoMachadoaBarbaraShelbyem22dejulhode1977.

126 eram pessoas politizadas e, dentro de seu lócus, interessados em debates culturais e sociais 201 .Contudo,eraprecisoconsideraraexistênciadetodooprocessohistórico,que levavaosleitoresnorteamericanoscomunsarejeitaressesmesmosaspectosnaobrado escritorbaiano,diferentementedosleitoresbrasileiros, que se identificavam cada vez maiscomsuapreocupaçãosocialesuaspersonagenspopulares,principalmenteapósa obrateratingidoamídiatelevisiva. KnopfcontinuoupublicandoasobrasdeJorgeAmadoeapoiandooescritoraté seudesligamentototaldasatividadesdaeditora.A partir de então, o nome de Jorge Amadouniaseaosdosdemaisautoresbrasileirosquefiguravammaisfreqüentemente noscírculosdeestudosacadêmicosdoqueemmeioaopúblicoleitoremgeral 202 .Knopf faleceu em 1984, deixando para trás uma longa história de publicações e relações pessoaisnoBrasil,dasquaisomaiorelogioprovinhaaindadocordialJorgeAmado:

As edições Knopf foram muito importantes para mim, divulgando muitoosmeuslivros.Mas,apartirdeumcertomomento,sobretudo quandoAlfredKnopfseretirou,acheiqueaeditoranãotinhamaiso mesmointeressepelomeutrabalho(...)AlfredKnopffoiumgrande amigo, era uma pessoa extraordinária (...) ele tinha verdadeira adoraçãopeloBrasil(RAILLARD,1990,p.206).

Não podemos dizer que o sucesso ou insucesso das obras de Jorge Amado traduzidasparaosEstadosUnidostenhasedevidoaumaúnicaagência,ouquetenha existidoumaúnicaformaderesistêncianesseprocesso.Aquestãodasraças,ainserção do Brasil no círculo dos grandes temas mundiais, a inserção de sua literatura nos Estados Unidos e, mais particularmente, a agenda de amizade de Alfred Knopf, são exemplosdesubagênciasderivadasdeumaagênciapolíticamaior,demanutençãodo “statusquo”capitalistademocratanasAméricas.Noentanto,cadaumadessasagências eracomplexa,eenvolviadiferentesgruposdeinteresseinteragindodinamicamente.Não hánecessariamentenelasumcaráter“bipolar”entre“dominadoresedominados”,mas 201 Umexemplodissofoitambémaindicaçãoparatradução,porBarbaraShelby,de Anarquistas, graças a Deus! deZéliaGattai(1979),queKnopfacabouporrecusar. 202 ApósamortedeAlfredKnopf,aindaexistiramaspublicaçõesemidiomainglêsde: Jubiabá ,detítulo Jubiabá eminglespelaAvonBooks,traduzidoporMargaretA.Neves 1984. Mar morto detítulo ,pelaAvonBools,traduzidoporGregoryRabassa,tambémem 1984. Farda, fardäo, camisola de dormer, comotítilo Pen, Sword, Camisole: A Fable to Kindle [a] Hope ,pelaAvon Books,traduzidoporHelenLaneem 1986. Capitäes da areia como Captains of the Sand ,aindapelaAvonBooks,traduzidoporGregoryRabassaem 1988. Tocaia Grande comoS howdown ,jápelaBantamBooks,traduzidoporGregoryRabassaem, 1988. [FONTE: HeloisaGonçalvesBarbosa. The Virtual Image: Brazilian Literature in English Translation .Universityof Warwick,WARWICK,Inglaterra.1994.]

127 relações multipolares de poder. Para cada uma das “embaixadas”, as resistências aconteceramdeformasdiferentes,deacordocominteressesespecíficos. Importa ainda atentar para o fato de que a atividade tradutória foi um instrumento importante dentro desses enfrentamentos. A resultante desse conjunto de forças foi o que determinou, momentaneamente, a recepção positiva ou negativa de determinadaobradoescritoremquestão. A tradução, ainda que supostamente encarada de formaempírica,foiproposta pelos agentes da tradução como forma de assimilação do “outro cultural”. Mas o projeto, que já se mostrava incompatível com os interesses reais da população americanaduranteaSegundaGuerra,perderadevezsualegitimidadeesuaforçacomo abandonooficialdoprojeto.DuranteoperíododaGuerraFria,arejeiçãoaostemasque pudessem ser associados ao socialismo, e que eram pouco palatáveis ao público em geral,tambémpredominou.Apesardetodososesforçosparapromoverointercâmbio cultural, a recepção à obra de Jorge Amado esbarrava no “exotismo” gerado pelo engajamento político do autor e por sua menção aos cultos religiosos africanos. O “exótico”eraaceito,desdequevinculadoàsqualidadeseróticas,sensuaise“malandras” atribuídas ao povo brasileiro. Não era o “Menino Grapiúna”, retratando a “terra violenta”, nem mesmo o Jorge Amado militante, quem entrava como bestseller , de formatãobemvinda,naquelesistema,esimofreyrianoecomercial.O Brazil bestseller eraopaísmestiçodeJorgeAmado. Separadodaindústriaideológicagovernamentaldadécadade1940,semaajuda dorádio,docinema,emesmodosjornaiserevistas,oprojetodetraduçãodeKnopfnão conseguiamaisseruminstrumentodeintercâmbiooudeenriquecimentocultural,nem mesmodemudançadeparadigmas,comoocorreraanteriormente. O capítulo seguintebusca verificar a interrelaçãoentreoscontextoshistórico sociais expostos neste capítulo e o produto final da atividade da tradução: o texto traduzido.

128 CAPÍTULO 4

TRADUZINDO O TEXTO AMADIANO: COMENTÁRIOS

Nesta história tem gato escondido . Que mistérios Jorge Amado,oescritorcoloquialporexcelência,podeoferecer ao leitor interessado em linguagem? Deus dá nozes a quem não tem dentes . O ícone da literatura baiana talvez não se preocupassecomformalismos,emboradominasseavarianteda elite culta. Meta a mão na cabeça quem quiser, não eu . Superioridade formal em relação a expressões da língua? Pregar sermão em outra freguesia .Porcausadisso,oescritor brasileiromaisvendidonoexterior(55países,49idiomas)até o advento do conterrâneo Paulo Coelho, foi vítima de certo desdém da crítica. Quando os urubus aparecem é sinal de carniça . Mas se manteve firme em seu projeto de literatura popular. Quem engorda o porco é o olho do dono . AlceuLuísCastilho 203 AoabriremumromancedeJorgeAmado,seustradutoressedeparavamcoma linguagemregionalepopularquetantapolêmicagerounoBrasil.Comoconstatoubem humoradamenteMonteiroLobato:“Difícildefinirseuslivros.Sãodedardordecabeça aosacadêmicos” 204 . Assim,achamosserfundamentaliniciarestasobservaçõesrefletindosobreessa quefoiumadasprincipaisquestõesenfrentadaspelostradutores.Afinal,comopudemos verificar,Knopffaziaquestãodemanternaíntegraostextosoriginaisnaspublicações traduzidas,buscandoa“fidelidade”aotextooriginal. Desdeoprincípiodesuacarreira,JorgeAmadorejeitouocarátermaisformalda língua e a valorização da gramática. Ao se tornar umcomunista,aindamuitojovem, entrouemcontatocomaidéiadeescreverparaasmassas,detercomoalvoogrande público,depersuadilo.Nãointeressavaasimpatiadeumgrupoacadêmicorestrito,mas aatençãodosgrandesgrupos: Opropósitoerafugirdequalquercoisaque,mesmodelonge,pudesse cheirar a elitismo. O ideal era atingir mais do que apenas aquele punhadinhode“happyfew”dequefalavaStendhal.Para conseguir chegaraesseobjetivo,certamente,seriamnecessáriasestratégiasbem

203 EmOamantedaexpressãopopular . Revista Língua Portuguesa –julho2007. 204 LobatoemcartaaJorgeAmado,apudGadelha, Jorge: o bem-amado Disponívelem http://www.trf5.gov.br/component/option,com_docman/task,doc_view/gid,55/ Acessoem04/07/2008.

129 diversas daquelas que a tradição literária vinha empregando. Evidentemente,paraissosefaziaurgenteumpactocomseusleitores. Umcaminhopossíveletentador,talvezomaisóbvio,eraopopulismo literário – um certo barateamento da linguagem e das situações narrativas,demodoaampliaropúblicopormeiodeumnivelamento porbaixo,atendendoaquemnãoseriaconsideradocapazdeentender eventuais recursos mais complexos que porventura viessem a ser utilizadospelosescritores.(MACHADO,2006,p.7) Dessa maneira, produzir uma escrita rebuscada nuncafoioobjetivomaiorde JorgeAmado.Avisãocomunistadeconscientizaçãodeclassesimpunhalheumavisão desuaescritacomoumveículodedivulgaçãodeidéias, que precisava ser acessível tantoàquelesquetinham,quantoaosquenãotinhamumaltograudeescolaridade.A idéiaeradenunciar,alertarparaosretratosdo“realismosocialista”.JorgeAmadonunca teveaintençãodeserdidáticoquantoàgramática,pelocontrário,constantementeusava palavras como “gramatiquês” ou “literatice” para ironizar a questão da correção gramatical. O pesquisador Tadeu Luciano Siqueira Andrade, da Universidade Estadual da Bahia, simpatizante da postura do escritor baiano, adota um discurso politizado a respeitodaquestão.SegundoAndrade(2004,p.4),a “obra de Jorge Amado revelou paraoBrasileomundoaadequaçãodalínguadasclassesestigmatizadaspelaselites culturais,descrevendoomododeviverdeumagente que ansiava por liberdade”. O autorteceaindagrandeselogiosaocaráterlingüísticodaproduçãodoescritorbaiano, defendendoque: Jorge Amado deu autenticidade à língua, especialmente na modalidade oral, não vacilando em quebrar os preconceitos. Nos temposdeperseguiçãoeopressãoàexpressãodopensamento,Jorge Amado,munidodeousadiaeconsciênciapolítica,retratoufielmente os costumes, dando expressão literária ao linguajar do povo. (...)O falardasclassespopulares,comofrasesfeitas,provérbios,palavrase expressões,vindodabocadopovoeouvidonasruas,nosambientes marginalizados,representaumpapelessencial,principalmentequando serefereaovocabuláriodeumalíngua.(ANDRADE,2004) 205

O uso da linguagem popular, apesar de já prenunciado pelos escritores modernistas, surgia de forma escandalosa na obra de Jorge Amado, representando, como vimos, mais uma das transgressões do escritor. Amado orgulhavase de sua

205 Disponívelemhttp://www.filologia.org.br/viiicnlf/anais/caderno1103.html ,Acessoem03/07/2008.

130 escrita “sobreopovo e paraopovo”, comocomentou em seu discurso de posse na AcademiaBrasileiradeLetras: Comopovoaprenditudoquantosei,delemealimenteie,semeussão osdefeitosdaobrarealizada,dopovosãoasqualidades porventura nela existentes. Porque, se uma virtude [eu] possuí, foi a de me acercardopovo,demisturarmecomele,viversuavida,integrarme emsuarealidade.(AMADO,1981,p.12) O uso do baixo calão, das frases feitas, dos provérbios e das expressões idiomáticas,conformedestacadoporAndrade,erarealmenteconstanteemsuasobras. Essa também é a opinião da professora da PUC de São Paulo, Edilene Dias Matos, entrevistada pelo jornalista Alceu Luís Castilho (2007, p.1) para a Revista LínguaPortuguesa.Aidéiadeuma“sociedadeutópica,sempreconceitosehierarquias, inclusiveasdaspalavras”,eque“traduzumalinguagemdodiaadia”foiconsiderada “descuidada”pormuitos.MasAmadoeracontrárioaquecorrigissemalinguagemde suaspersonagensemediçõessubseqüentes,porque,comoafirmaMatos,“suaproposta eraburlartudooquefosserepresamento,burlarconscientementeessagramática(...).” Portudoisso,nostextosdeAmadonãoexistem“jogosdepalavras”,ironiaou preocupaçõesestilísticas.Nãoexisteacriatividadenaformaçãodepalavrascomoem GuimarãesRosa,ouduplossentidos,comunsnaobradeMachadodeAssis.Masháo regionalismo,ocaráter“sociolingüístico”dasfalas,atentativadedenunciarqualquer preconceitolingüístico.Há,ainda,atentativaderetrataraculturapopulareregional,a religiãoeoscostumespopulares.Sãoessesostraçadosdoestilonostextosamadianos. Essa questão remetenos às palavras de um outro autor que foi muito crítico quantoàstraduçõesdesuasprópriasobras,equecertamentevalorizavaessetipode “fidelidade”aoestilodoautor,oescritorMilanKundera: Paraumtradutor,aautoridadesupremadeveriasero“estilopessoal do autor”. Mas a maioria dos tradutores obedece a uma outra autoridade:aqueladaversãoconvencionaldo‘bomfrancês’(dobom alemão, bom inglês, etc.), ou seja, o francês (ou alemão, etc.) que aprendemos na escola. O tradutor se considera um embaixador da autoridadedoautorestrangeiro.Esseéoerro:todo autor de algum valor “transgride” o “bom estilo”, e nessa transgressão instalase a originalidade(econseqüentementea raison d’êtré [razãodeser])de suaarte.Oesforçoprincipaldotradutordeveriaserodeentenderessa transgressão(KUNDERA,1995,p.107) 206 . 206 “Foratranslator,thesupremeauthorityshouldbethe“author’spersonalstyle”.Butmosttranslators obeyanotherauthority:thatof“conventionalversionof“goodFrench”(ofgoodGerman,goodEnglish,

131 Se considerarmos simplesmente as alegações de Kundera, nenhum tradutor deveria menosprezar a transgressão da “escrita literária” em Jorge Amado. Mas, na prática,essadecisãonãoacontecetãodespreocupadamente. GillianLaneMercier(1997),porexemplo–retomandoumadiscussãolevantada inicialmenteporAntoineBerman(1985,p.69)–,discorreudeformabrilhantesobreos riscosdetraduzirosdialetos.Segundoaautora,sãodiversasaspossíveisconseqüências negativasdetalprocedimento,entreelas:acriaçãodenovossignificados,suaperda,a exotizaçãoouridicularizaçãodooriginal,afaltadeautenticidade,oconservadorismoe oradicalismo.AdiscussãodeMercierfoi,ainda,sumarizadaporMilton:

Atraduçãodedialetotemsidodescritacomoumaaporiaemtradução (FolkartapudLaneMercier,1997,p.53).Sejaqualforadecisãoque tomeotradutor,serásempreumdesacerto,umdisparate. O dialeto escolhido,quersejamimético,análogo,oupertencenteànormaculta, nunca terá a autenticidade do original: um escravo fugitivo nunca chegaria a falar o português da Bahia, um falar de baixo padrão “imaginário”ouumfalarsemelhanteaodaspessoas mais educadas (MILTON,2002,p.52). Assim,háaquelesqueacreditamqueamelhoratitudeasertomadapelotradutor ésimplesmentedescartaratraduçãododialeto.Aquestão acumula as marcas de um longo debate sobre a existência de uma “essência única”: “A linguagem tornase simples roupagem, sem relevância nenhuma, da idéiaessencial” e nesse caso, “(...) o dialeto [é] uma simples fachada, uma distração desnecessária para conhecer as verdadeirasqualidadesdapersonagem”(MILTON,2002,p.54). NocasodeJorgeAmado,aopçãoporqualquerumdesses procedimentos é delicada,principalmenteporqueoestilodalinguagemera“apenasuma”dasdiversas formas de transgressão do escritor, em cuja obra as pessoas buscavam o eco de diferentes ideais sociais e políticos. Assim, além de pensar no enredo propriamente dito,ostradutoresdaobradeJorgeAmadotambémsedepararamcomoproblemada tradução dessa linguagem transgressora, cuja função é também política e, por isso mesmo,geradoradetensão. Paratomarumadecisão,serianecessário,então,manterofoconosobjetivosdo projetoinicialdetradução.E aíresidiaoutro grande problema: a contradição inicial

etc.), namely the French (the German, etc.) we learn in school. The translator considers himself the ambassador from the authority of the foreign author. That is the error: every author of some value “transgress” against “good style”, and in that transgression lies the originality (and hence the raison d’être)ofhisart.Thetranslator’sprimaryeffortshouldbetounderstandthattransgression”.

132 contida nele. O vínculo à antiga “fabrica de ideologias” de Rockefeller era frágil. O objetivo das traduções não era apenas criar ilusões, mas, como defendera Veríssimo, compreender“obomeoruim”,edaíextrairatolerância.Nadasimples.Umacoisaera apresentarnovasidéiasenovosconhecimentos,falarsobreumadiferentecultura,sobre um povo com diferentes problemas sociais e posicionamentos políticos, para um pequeno grupo de intelectuais interessados nos grandes problemas mundiais. Outra coisa era fazer tudo isso para o grande público norteamericano, um público heterogêneo,comdiferentesprioridadesepoucointeressepelospaísesaosul.Tudopara conquistarsuasimpatia. Restava a cada tradutor a missão de equilibrarse entre o que ele mesmo considerava“adequado eaceitável”parasuacomunidade e sua obrigação de levar o novo, o exótico, o estranho. Ao trabalhar com a linguagem do autor, cada tradutor precisava escolher, seguidamente, se reproduziria a linguagem popular, os erros gramaticaisnasfalasdaspersonagenseousodobaixocalão. Era necessário resolver, ainda, a dificuldade impostapelo grande conjunto de vocábulosprópriosdalinguagemregionalamadiana,linguagemque,segundoRegina Helena M. A. Corrêa 207 , “resiste” à domesticação, impondo certa visibilidade de elementosdaculturabrasieirarelacionadosànossahistória,nossalinguagemenossas crençasreligiosas 208 (CORRÊA,2005,p.4). Otradutorprecisavatranspor,assim,todasessasbarreiras,mantendoointeresse doleitor,fazendocomquecompreendesseasquestõesculturais.Eranecessáriovencer o“aneldeferro”.

207 ApesquisadorausouaanálisedecorporaparaestudarastraduçõesdeobrasdeJorgeAmadoparao inglês,ofrancêseoespanhol. 208 “(...)Amado´snovelsseemtoberesistanttoappropriationsandtoadomesticatedtranslationinwhich theother’sinterpretationwipesoutourculturalspecificities.InordertotranslateJorgeAmadoonehasto keepvisiblecertainelementsoftheBrazilianculturethatarerelatedtoourhistory,ourlanguageandour religiousbeliefs.Hisnovelsarenotjustplotsthatcanbetransposedtoothercodes–theycanonlymake senseasawholeinwhichculturalfactsplayanimportantpart.”(CORRÊA,2005,p.4).Disponívelem http://www.apebfr.org/passagesdeparis/edition2/articles/p281correa.pdf ,acessoem01/11/2008.

133 O TRABALHO DOS TRADUTORES DE KNOPF

Knopf foi citado no The New York Times , por ocasião de sua morte (12 de agostode1984),comoum“editorperfeito”.Alguémquegeralmenteselecionavalivros cujo apelo ou atração tivessem “longo prazo” (vários de seus autores ganharam o PrêmioNobel),emvezdebuscarlivrosquesetornassemrápidos“bestsellers”. Omesmodeveriaseaplicaraosprojetosdetraduçãoquedirigiu.Noentanto,ao vinculálosaosideaispolíticosdaboavizinhança,seualvopassavaaserapresentaras novas idéias contidas nas narrativas latinoamericanas a um público maior. Assim, Knopf usava sua estrutura editorial, com tradutores politicamente engajados e/ou inseridosnoambienteliteráriodasuniversidadesamericanas,acostumadosasatisfazer gostosliterariamenterefinados,paraatingiragoraopúblicomédioamericano. Vimosnocapítuloanteriorqueváriosfatoresinfluenciaramarecepçãodasobras deJorgeAmadonosEstadosUnidosentreasdécadas de1940e1980.Enquantoos temasfortementesociaisatraíamalgunsdosagentesdetraduçãodaequipeKnopf,os enredosmenospolitizadosemaisromânticoserammuito mais palatáveis ao público visadopelaeditora.Alémdisso,umavezqueoprojetodetraduçõesnadécadade1940 usava a tradução como instrumento de “intercâmbio cultural” e de ampliação da tolerância, e que a norma do editor era a manutenção da íntegra do texto, nenhum tradutor poderia fazer grandes cortes ou alterações nas histórias contadas por Jorge Amado. Isso posto, seria injusto depositar a carga total da boa ou má aceitação das obrassobreotrabalhoindividualdostradutores. Nossa intenção aqui passa a ser, dessa forma, observar o trabalho desses tradutoresapartirdetrêscaracterísticasamadianasquedesafiavamsuashabilidades: ALinguagemPopular OBaixoCalão OsTermosCulturalmenteMarcados 209 ,comdestaqueparaaquestãoreligiosa. Ascaracterísticasacimaserãoabordadasàluzdarecepçãocríticadecadaobrae doscomentáriospublicadosnosjornaiserevistasnorteamericanos.Normas, habitus e

209 Definiremos aqui os “termos culturalmente marcados” da cultura de partida como aqueles cuja tentativadetradução,pormaisapropriadaquepossaparecer,oupormaiorquesejaoesforçodotradutor, não consegue recuperar o universo cultural da língua de origem. Aqueles termos que “resistem” à tradução“umporum”,obrigando,muitasvezes,aousode“empréstimos”oudainserçãodenotascomo estratégiastraduttórias.Nestetrabalho,maisespecificamente,referimonosaostermosreligiosos,como “orixá”,“oxossi”,etc.

134 contexto têm, obviamente, presença compulsória nestes comentários. Os termos em destaquenaanáliseaparecerãoemnegrito.

135 SAMUEL PUTNAM: TRADUÇÃO EM DEMASIA Não é provável que este livro tenha perdido muito na tradução. Restou demais... NancyFlag “...Demasiado estilo pelo estilo em si, demasiada indignação para com os poderosos e demasiada pena dos pobres, personagens demasiadamente excitadas e sombrias,demasiadosamoreluxúria,edemasiadacobiçaeincêndioematança” 210 .Foi assimqueacríticado The New York Times definiuaobratraduzidaporPutnam.Uma obra “demasiadamente” socialista. Mas as afirmações do tradutor em Marvelous Journey 211 mostravam que ele via a reação da crítica como decorrente de outro estranhamento:o“exotismo”daobra,proveniente,porexemplo,doritualdefeitiçaria retratadonotexto.ParaocomunistaSamuelPutnam,oleitorprecisariasabermaissobre o Brasil para compreender a obra de Amado. A fraca recepção e o desinteresse do públicofrustravamobrasilianistaeescritoramericano.

A LINGUAGEM POPULAR

Semusarnotasderodapé,mascomusode“GlossáriodeTermosBrasileiros” 212 aofinaldaedição,Putnaminiciouastraduçõesdeobrasamadianascomoquemtenta facilitar a leitura e ao mesmo tempo preservar os termos culturalmente marcados. O procedimentopadrãonessescasosera“emprestar”apalavradoportuguês,destacandoa nocorpodotextoatravésdo itálico ,eadicionandoaaoglossário. Vemosumexemplonotrechoabaixo. “Tenho um cabra aí, homem de confiança.” “I have a cabra here,” he said, “a fellow you can trust.” Otermo“cabra”trazaseguintedefinição,noglossáriodePutnam: Cabra (kah’brah). Term applied to the Cabra (kah’brah). Termo usado para [se offspring of a mulatto and a Negro; referir a]o filho de um mulato e um negro; 210 The New York Times de24dejunhode1945(VerCapítulo3). 211 VerCapítulo3. 212 GlossaryofBrazilianTerms

136 comes to mean, in general, a backwoods significa, em geral, um assassino do assassin. Cf. capanga, jagunço. sertão. Cf. [comparar com] capanga, jagunço.

Éinteressantenotarqueoglossárioapresentaatémesmoindicaçãodepronúncia da palavra, demonstrando a intenção didática do tradutor. A definição remete a “capanga”e“jagunço”,definidosrespectivamentecomo: Capanga (kah-pahn-gah) Hired assassin; Capanga (kah-pahn-gah) Assassino backwoods Negro. Cf.cabra, jagunço. contratado; negro do sertão. Cf.cabra, Jagunço (zhah-goon’soo). This term was jagunço. originally applied to ruffians at a fair; from Jagunço (zhah-goon’soo). Este termo foi this it derived the meaning of backcountry originalmente usado para [se referir a] ruffian, which is the sense that it has in this brigões em feiras; a partir disso se derivou book (cf.cabra, capanga); is sometimes used o significado de brigão do interior, que é o as practically synonymous with sertanejo, or sentido que o termo assume neste livro inhabitant of the backlands. (cf.cabra, capanga); é por vezes usado praticamente como sinônimo de sertanejo, ou habitante dos sertões.

O que surge aqui é um novo questionamento: qual a origem das definições adotadas pelo tradutor em seu glossário? As palavras ali escritas trazem uma carga determinista,cujamençãoàsraçasecoaospreconceitosdaépoca.Taispalavrasmuito certamentenãosairiamdaboca,oudacaneta,deJorgeAmado.Elas,noentanto,podem ser encontradas ainda hoje nos dicionários mais tradicionais. É também apropriado lembrar que, por ocasião dessa tradução, Putnam havia recentemente traduzido “Os Sertões”deEuclidesdaCunha,umlivronoqualessasquestõeseramdescritasdeforma determinista. Interessantemente, “compadre”, a palavra que se tornaria símbolo da amizade entreAlfredKnopfeFreyre,nãofoiadicionadaaoglossário,mastraduzidacomo“my friend”... - Não bote o curinga, por favor. “Don’t keep the joker, please.” - Tá feita a sua vontade, compadre - e “Very well, my friend,” and Maneca tossed Maneca jogou o curinga no meio das cartas it in the discard. inúteis. Umadasmaisdestacadascaracterísticasdatraduçãode Terras do Sem Fim é, também, a tentativa de adaptar as expressões idiomáticas encontradas no texto, buscandoalgomuitoparecido como“efeito equivalente” causado no leitor do texto alvo,defendidoporNida(1964).Otradutor,deimediato,lançamãodasubstituiçãode

137 sintagmas ou até de frases completas por “correspondentes” no idioma estrangeiro, comoem:

(...) me contaram que dava uma febre por “(...) they told me there was a fever going essas bandas que mata até macaco. around down there that takes people off in a flash.” Já no trecho abaixo, na expressão idiomática “forte que nem um cavalo”, o cavalo foi transformado em “ox”. O recurso, então, era buscar na cultura alvo um animalconsideradoforteevalente:

- Não contaram mentira, não, siá dona. Já “They didn’t tell you any lie,” he said. “No, vi tanto homem cair com essa febre, homem sirree, lady. I’ve already seen many a man forte que nem um cavalo. who was stronger than an ox come down with that fever. .” Nabuscadareproduçãodaoralidade,Putnamusaeabusadephrasalverbs(“Se toca”traduzidocomo“Takingyourselfoff”ou“dartrela”como“clearout”). A dificuldade na tradução de outros termos culturalmente marcados, como “tabaroa” e “tabaroinha”, é compensada com o emprego de expressões idiomáticas popularesemtrechossubseqüentes,comonosegmentoabaixo: - Tu quer é enganar uma tabaroinha “You’re out to pull the wool over some qualquer, agarrar o dinheiro dela... country girl’s eyes and get your fingers on her money”. Segueaindaaexcelenteutilizaçãodeumaexpressãoidiomáticatípicadacultura americana contraposta à outra, típica da região da Bahia: “T’esconjuro” é traduzido como“Saintspreserveus”.

-T’esconjuro... – fez outra mulher. (...) “Saints preserve us” - said another woman. (…)

Em sua busca pela “equivalência dinâmica”, Putnam era, por vezes, bem sucedido–comonatraduçãode“cabeçudo”como“bullheaded”,quecarregaomesmo significadode“teimoso”–,eporvezescometiaerrosouafastamentosdooriginal,cujo exemploéareproduçãomaissonoradoquesemânticaem“Jucaaproveitou”por“Juca noddedapprovingly”.

138 Os erros gramaticais encontrados no texto fonte não se reproduzem no texto alvo... - Nós vai a pé guardando vosmecê... “We’ll go along to guard you”

...demonstrando que Putnam ainda apresentava os mesmos critérios de “linguagemcorreta”defendidostambémpelosmembrosdaacademialiterárianoBrasil, naquelaépoca. Um dos pontos fortes da tradução de Putnam é o uso dos pronomes de tratamento.Oconjuntodessespronomesnalínguaportuguesaparaasegundapessoado singular (“tu”, “você”, “o senhor”, “vosmicê”, etc.) é trabalhado com dificuldade na transferência para a língua inglesa que, em geral, concentrase no uso de “you”. A variaçãonoportuguêstornaosdiscursosmuitomaishierarquizados. Para sanar tal diferenciação, Putnam utilizou vocativos. Um exemplo é o acréscimodotermo“sir”afrasesquecontinhamosujeito“you”,ouseja,ousode“sir” e“you”concomitantementeparatraduziropronomedetratamento“osenhor”.Formas de tratamento como marcadores discursivos e indicadores de hierarquia e níveis de formalidade constituem um dos maiores problemas na tradução do português para idiomascomooinglês.Vejamosasoluçãodotradutor: “O que é que o senhor acha que eu devo And what do you think I ought to do, sir ?” fazer?” Putnam recuperou assim a hierarquia perdida com a tradução do pronome simplesmentecomo“you”. Nomesmosegmentotemosexemplostantodeomissões,quantodecorreçãoda ortografia, e também de manutenção de hierarquia quanto às formas como as personagensabordamumasàsoutras.Osmarcadoresdediscursoajudaramamantero nívelhierárquicododiálogo: DiálogoentreocoronelHorácioeoseuadvogadoVirgílio: - Seu doutor ... Vim pra essas terras, era “Doctor ,” said Horácio . “I’ve been in menino. Vai muitos anos que isso sucedeu. this country ever since I was a lad – that Não sei de ninguém que conheça Ilhéus was a good many years ago – and I melhor do que eu. Ninguém quer que o don’t know anyone who’s better senhor morra, o compadre falou direito, acquainted with Ilhéos that I am. Our muito menos eu que gosto do senhor e friend here is right: no one wants to see

139 preciso do senhor. Mas também não you killed, sir, above all myself, for I quero que o senhor fique desmoralizado have need of your services. But neither por aqui, com fama de covarde... Por isso do I want you to be disgraced around tou lhe falando. here, with the reputation of a coward. That is why I am talking to you like this.” Putnam optou também por manter o nome das personagens de forma consistente, mesmo quando estes eram compostos ou possuíam alguma referência cultural.Éocasode“SinhôBadaró”,cujopronomedetratamentorecordatodauma história de escravidão e toda uma relação de poder existente no país da língua de origem.Casooleitornãoidentifiqueotermo“Sinhô”comoumpronomedetratamento, etomeoporumnomepróprio,nãoirábuscaraorigemdapalavra.Otermo“Sinhô” tambémnãoseencontranoglossárioaofinaldolivro.

O BAIXO CALÃO Apesar de estar politicamente alinhado com o escritor à época da tradução, Putnamdemonstravacertopudoremreproduzirintegralmenteobaixocalãopeculiara JorgeAmado,queaparecesuavizadonotextoalvo: - (...) eu era até capaz de pensar que tu era “(…) I’d be capable of thinking that you are um cagão. a coward ”. Existem vários sinônimos mais “fortes” que poderiam ser utilizados, como “sissy”,“chicken”,“jellyfish”,“gutless”etc.Masmesmooenredomostraumasituação maistensaealinguagemépesada,Putnamreduzopeso,omitindoalgunspalavrões.É ocasode“valentãodemerda”(emvermelho,notrechoabaixo):

Teodoro pulou da cadeira, queria brigar: Teodoro bounced from his chair; he was looking for a fight. - E você o que é que tem com isso, seu filha "And what business is it of yours, you son of a da puta ? O dinheiro e meu ou é seu? Por que bitch ? Is it my money or yours? Why don't you não se mete na sua vida. attend to your own affairs ?" Astrogildo replicava: "You’re a son of a bitch yourself!" and, drawing - Filho da puta é você, seu valentão de his revolver, Astrogildo was on the point of merda. . . - sacava o revólver querendo atirar. firing.

140 Vemos, assim, que ao mesmo tempo em que Putnam busca manter alguns elementos do estilo popular da linguagem, usando expressões idiomáticas e empréstimos,otradutorrelutaetendeacurvarseànormado“bominglês”. MARCAS CULTURAIS E RELIGIOSAS Nadécadade1940,JorgeAmadoaindanãoexpunhatãoclaramentesuadefesa dosincretismoreligioso,masjámostravaainfluênciadareligiãoemsuaobra.Existem algumasmençõesaocandomblée,emmenorgrau,àigrejacatólica. O trecho abaixo mostra que não ocorreram grandes afastamentos quando se tratava da religião cristã. O nome de “São Jorge”, conhecido pela população cristã norteamericana,étranqüilamentetraduzidoparaoinglês: As velhas beatas que rezavam a São The pious old ladies who prayed to Jorge na igreja de Ilhéus costumavam dizer St. George in the church at Ilhéos were que o coronel Horácio, de Ferradas, tinha accustomed to say that Colonel Horacio of debaixo da sua cama, o diabo preso numa Ferradas kept the Devil under his bed, garrafa. imprisoned in a bottle.

Aotratardocultoafricano,noentanto,enquantoAmadobuscoudemonstrara diferençadalinguagemdeumacomunidadeàmargemdasociedadedaépoca,Putnam quis elevar o nível de linguagem do “feiticeiro”. E é interessante notar que, diferentementedoqueocorreunotrechoacima,nacenaemqueonegroJeremiaslança umfeitiçosobreosdestruidoresdafloresta,Putnamrealizououtros,diferentestiposde intervençãonotextooriginal: As palavras de Jeremias eram para Jeremias's words were addressed to os seus deuses, os deuses que tinham vindo his gods, to his own gods , those gods that had das florestas da África , Ogum, Oxóssi, come from the jungles of África – to Ogún, Iansã, Oxolufã, Omolu, e também a Exu, Oxossi, Yansan, Oxolufã, Omolú – and to que é o diabo. Exú, as well, who was the Devil himself. Clamava por eles para que He was calling upon them now to desencadeassem a sua cólera sobre aqueles unloose their wrath upon those who were que iam perturbar a paz da sua moradia. E coming to disturb the peace of their dwelling- disse: place. - O olho da piedade secou e eles tá "Piety is dried up, and they are olhando pra mata com o olho da ruindade. eyeing the forest with the eye of the wicked. Agora eles vai entrar na mata mas antes vai They shall enter the forest, now; but before morrer homem e mulher, os menino e até os they enter, they shall die, men and women bicho de pena. Vai morrer até não ter mais and little ones, even unto the beasts of the buraco onde enterrar, até os urubu não dar field. They shall die, until there is no longer mais abasto de tanta carniça, até a terra tá any hole in which to bury them, until the vermelha de sangue que vire rio nas estrada buzzards have had their fill of flesh, until e nele se afogue os parente, os vizinho e as the earth shall be red with blood. A river

141 amizade deles, sem faltar nenhum. Vão shall flow in the highways, and in it entrar na mata mas é pisando carne de relatives, neighbours, friends shall be gente, pisando defunto. drowned, and not a one shall escape. They shall enter the forest, but it shall be over the bodies of their own dead. O tradutor fez acréscimos (e.g.“to his own gods” – em vermelho acima) e empréstimos(nomesdosorixás).Aotraduzir“OolhodaPiedadesecou”–expressão origináriadocandombléquesignificaavitóriadamaldadedentrodoindivíduo–como “Piety is dried up”, sem nenhuma outra explicação, sem diferenciação por itálico, Putnamdeixaseuleitor“noescuro”e,certamente,comumsentimentodeconfusão.Ao corrigir a gramática do feiticeiro e utilizar o auxiliar“shall”emsuasfalas,otomda linguagemdofeiticeiropassaasermaisformal,quasebíblico,evemosoapagamento dadistânciasocialentreapersonagemeseuleitor.Omencionado“urubu”transforma seemumaavemaisnobrenasplumasdo“buzzard”(espéciedefalcão). Novo erro na busca da equivalência aparece quando Putnam apresenta a traduçãode“atéosbichosdepena”(expressãorelacionadaaosrituaisdesacrifíciodo candomblé),como“evenuntothebeastsofthefields”. Finalmente,PutnamnãopoupaoleitordostermosfortesutilizadosporAmado, como“fillofflesh”e“redwithblood”,oquerecuperanatraduçãoatensãodacenado original.Umatensãobemmaisfortedoqueaapresentadanotrechoanterior. Outros procedimentos de Putnam para a tradução de termos culturalmente marcadosacabaramsetornandomaisconfusos. Vejamosotrechoabaixo: Naquela noite despertaram e eram On this night they awoke: the o lobisomem e a caipora, a mula de padre werewolf and the goblin, the padre’s she- e o boitatá (…) E vêem quando cessam os mule, and the fire breathing ox, the boi-ta- raios, o fogo que elas lançam pela boca, e tá. (…) And when the lightning ceased, they vêem, por mistério, o vulto inimaginável da beheld the flame-spitting mouths and caught caipora bailando seu bailado espantoso. a glimpse at times of the inconceivable countenance of the caapora as it did its horrible goblin dance.

Noglossário: Boi-ta-tá – Mythical fire-breathing ox. Caapora – A goblin.

142 Notrechoacimanãoencontramosnenhumaexplicaçãoparaofatode“boitatá” entrar diretamente para o glossário e “caipora” não. Este último foi várias vezes traduzido como “goblin”, para depois de algum tempo ser introduzida a palavra “caapora”,quefoiadicionadaaoglossáriocomadefiniçãode“Agoblin”! Aindanessemesmotrecho,vimosque“muladepadre” acabourecebendoum estranhocorrespondente“padre’sshemule”.Ousodogenitivonoslevaacrerqueo tradutorpensavaemdomesticarotermo,mas“padre”nãoéumapalavraorigináriado inglês. Nesse caso, Putnam não trouxe a língua de origem para perto do leitor estrangeiroenemaproximouoleitorestrangeirodalínguafonte,masficouindeciso,no meiodocaminho.Mesmocomtaisproblemas,percebemosquePutnamtentamantero suspenseeoclimasobrenaturaldacena.

OBSERVAÇÕES FINAIS SOBRE A TRADUÇÃO DE PUTNAM A história de Jorge Amado, contada pelo brasilianista, escritor, comunista e historiadornãoatingiaumpúblicotãodiferentedeAmadoedesimesmo.Umpúblico alheio,quedificilmenteseriaconquistadopormeiodaexposiçãoaumaculturadiversa, atravésdeumimagináriodiferentedaquele apresentadoporHollywood.Aspequenas adaptações, as suavizações do baixo calão e a elevação da linguagem de alguns personagens não conseguiram tornar o enredo mais palatável ao público norte americano na década de 1940. Um público que, como comentou Mildred Adams, “relutantemente enfrentava os problemas de raça” 213 , e que olhava com receio os acontecimentosnaEuropa. The Violent Land aindaerademasiadamente“estranha”para oleitormédionorteamericano.

TAYLOR & GROSSMAN: TRADUÇÃO EM FALTA A inadequação de tom de várias traduções, a transposição de um número de expressões para um nível cultural mais alto ou mais baixo do que o usado pela personagem em questão, e algumas omissões do texto original, embora deploráveis, não são suficientes para arruinar o estilo caracteristicamente 213 Vercapítulo3.

143 fluente e refrescantemente popular do autor para o leitor falante do inglês 214 . ClaudeL.Hulet Naseqüência,AmadoteriacomotradutoresJamesL.Taylor,quedepoisrumaria para uma área mais técnica da linguagem, dedicandose à criação de dicionários de metalurgia, e William Grossman, que vinha de outra área técnica, a de transportes oceânicos. Se a tradução de Putnam transmitia os “excessos” da obra, a de Taylor e Grossman foi caracterizada pela falta. Nada de glossários ou notas. Nada de termos marcadosemitálico. Quando o filho de missionários deparouse com a linguagem amadiana, sua tendênciafoiade“depurála”edomesticála.AintervençãodeGrossmannãomudouo estilodetraduçãodeTaylor.

A LINGUAGEM POPULAR Asdiferentespersonagens,pertencentesadiferentesgrupossociais,apresentam, no texto em português de Gabriela, formas de falar bem diversas umas das outras. MundinhoFalcão,oexportadordecacauquevinhadoRiodeJaneiro,é estudado efala deformamaiscorreta,fazendousodeênclisesemesóclises.Jáoscoronéisdocacausão homensrudes,compoucoestudo,cometemalgunserrosgramaticais,usamfrasesfeitas epalavrões.Enquantoisso,onegroFagundes,pobre,retiranteejagunçodoscoronéis, sem nenhum estudo, comete muitos erros gramaticais, o mesmo acontecendo com outras personagens pobres da obra. Os dois primeiros usam seu discurso como instrumentodepoder:Mundinho,parademonstrarsuainteligência ecapacidade, eos coronéisparademonstrarsuaforça. Apesar disso, os tradutores não conseguiram – podemos nos perguntar se tentaram – fugir da padronização das falas, fato também evidenciado por Claude L Huletno Los Angeles Times . Vejamososexemplosabaixo.

214 Publicadono Los Angeles Times de28deoutubrode1962.

144 MundinhoparaocoronelAristóteles: Disse-lhe , coronel, o que tinha a lhe dizer. I have told you all I had to say. I haven’t Não vim lhe pedir votos, sei que o senhor é come to solicit votes. I know that you are unha e carne com o coronel Ramiro Bastos. hand in glove with Colonel Ramiro Bastos. Tive grande prazer em vê-lo. It’s been a great pleasure to see you.

CoronelMelkparaMundinho: Vosmicê me adesculpe: por que Excuse me for suggesting this, but vosmicê não faz um arranjo com ele? why don’t you make a deal with him?”

NegroFagundesparaGabriela: Tu percura ele. Marca um lugar pra mim You go talk with him. Ask him where I should encontrar. meet him. Observamosqueaspersonagenspertencentesadiferentesclassessociaisecom diferentes graus de escolaridade não apresentam as variações lingüísticas pertinentes, masumalinguagem“correta”epadrão.Oúnicodiálogoquebuscareproduzironível dodiscursooriginaléodiálogoentreNacibeMariazinha: FaladeMariazinha: - Inhô, não. Agora só cozinho pra meu homem “No, suh ,” she said. “Now I cook just for my e pra mim. Ele nem quer ouvir falar nisso. man and me. He don’t even want to hear about me goin’ to work.” Oqueencontramosnestetrechodatraduçãosãoformasqueseaproximamda faladedialetosnegros,como “suh” ouasupressãodo “g” finalem “lookin’, offerin’ e goin’” . A utilização do dialeto negro não era estranha à população americana. E a comparaçãodoregionalismonordestinocomafaladosuldosEstadosUnidosseguiaas comparaçõesquevimosnosprópriosartigosdosjornaisnorteamericanos. Esse recurso foi utilizado apenas para falas de personagens secundárias. Na grande maioria dos casos, os erros gramaticais foram “corrigidos” pelos tradutores, passandoporcimadofatodeoserrosserempropositaiserefletiremdiferentesclasses sociaisegruposidentitários. Termos culturalmente marcados, como “cabra” e “jagunço”, não são emprestados, como na tradução de Putnam. Existem várias traduções para “cabra” (p.41) como “trigger man” (p.87), “ruffian” (p.141) ou “colonel’s men” (p.141). A palavra“jagunços”aparecetraduzidacomo“assassins”(p.1)ou“henchmen”(p.144).

145 Vemosoutrosexemplosdesseprocedimentonotrechoabaixo: Da Praça Seabra, na mesma hora, vinham o From Seabra Plaza, at the same time, came a boi, o vaqueiro, a caapora, o bumba-meu- group doing the traditional ox pageant, with boi. Dançando na rua. its three principal characters – the “ox”, the cowherd, and the hillbilly . O uso de “hillbilly” para traduzir “caipora” foge totalmente do sentido do original.Aoqueparece,Taylorquisaproximarmuitomaisseutextodaculturaalvo, fugindodapropostade“intercâmbiocultural”. Encontramosnovamenteadificuldadequantoaospronomesdetratamento.Os tradutoresnãoutilizaramaquiosbemsucedidosrecursosjáaplicadosporPutnamem Terras do Sem Fim. “Tu”, “o senhor” e “vosmicê” foramigualmentetraduzidoscomo “you”, numa padronização das nuanças de regionalismo ou diferenciação social, como conferimos nostrechosabaixo. FagundesparaGabriela:

Tu não que mesmo ir comigo pras matas? Don’t you want to go with me? MariazinhaparaNacib:

O senho r tá vendo? You see?

CoronelMelkparaMundinho:

Vosmicê está coberto de razão. You couldn’t be more right.

Masocasomaisinteressanteedifícilfoiousode “moço”, porGabriela.Como umaformadetratamentoprópriadapersonagem,Gabrieladesafiaasnormasdeconduta entre subordinado e autoridade, sendo quase pessoal, focando na juventude de seu empregador, sem demonstrar desrespeito. Apesar de comum na Bahia, a forma de tratamentousadaporGabrielatambémfazpartedeumingênuo,maspoderosojogode seduçãopróprioàpersonagem: - O moço me leva e vai ver... “You take me, sir , and you will see.” (...) (…)

146

- Que moço bonito! “What a beautiful man!” (...) (...) - O moço não disse nada...! “The gentleman didn’t say anything”

Emumprimeiromomentoostradutoresadotamapalavra “sir” para traduzir “seu moço” ,enãoháaquebradarelaçãodepoderouojogodesedução.Maisadiante, a expressão “Que moço bonito!” foi traduzida como “What a beautiful man!”, perdendo a continuidade da referência no original, mas mantendo uma maior formalidade. A discrepância maior fica por conta do diálogo seguinte, quando Nacib perguntaaGabrielaporqueelaaindanãohaviaidodormir.Suaresposta, “O moço não disse nada...! ”, foi traduzida como “The gentleman didn’t say anything” . A substituiçãode“moço”por“gentleman”nãoreproduz em nada a relação de poder e seduçãoquemencionamos.Emvezdeaproximaraspersonagens,tornandoasíntimas, afastaasatravésdaformalidade.Aquiosimples“you”seriamaisadequado.

O BAIXO CALÃO Duasdécadasdepoisdapublicaçãode Terras do Sem Fim nosEstadosUnidos,a questão do baixo calão ainda se apresentava problemática. A formação religiosa do tradutor ou sua herança familiar tambémpodem ter influído no tratamento dado aos palavrões. Os trechos abaixo são exemplos típicos de casos em que esses termos aparecemsuavizados,alémdasjámencionadasomissõesedousodeinglêspadrão: Trecho1: Tonico surgia de colete e polainas. Tonico appeared, wearing a vest and Altino levantou-se, foi envolvido num abraço spats. Altino stood up and was enveloped in a cordial, caloroso. Um vira-bosta , pensou o cordial embrace. A popinjay thought the fazendeiro. planter.

Vira-bosta: Nome popular de uma Popinjay: a strutting supercilious ave parasita, que tem o hábito de não fazer person . Fonte: Dicionário Merrian-Webster seu próprio ninho, preferindo pôr seus ovos no ninho de outras aves, para que estas criem seus filhotes. Por isso costuma-se usar seu nome para designar a uma pessoa folgada, que deixa de fazer suas obrigações para que outros o façam.

147 Trecho 2: Suavização e substituição de expressões (idiomáticas) populares por inglês padrão.

Minha teoria é que o nosso My theory is that our gay friend simply respeitável chibungo fez as malas e arribou packed his things and left of his own accord. por conta própria. Bateu as asas. Não sendo He found our sexual climate antipathetic, he Ilhéus terra dada a esses requintes de learned that the small demand for what he bunda, bastando, para o pouco gasto, had to offer was being adequately served Machadinho e Miss Pirangi, sentiu-se ele by Machadinho and Miss Pirangi, so he felt desolado e mudou-se. Fez bem, aliás, livrou- forlorn and decided to relieve us of his nos em tempo de sua asquerosa presença. loathsome presence.

Noprimeirotrecho,TayloreGrossmannãoapenasabandonamobaixocalão, mastambémmudamosentidodotermo.Vemostambémodesaparecimentodoadjetivo “caloroso”. Nosegundotrecho,aironiade“chibungorespeitável”étraduzidocomo“gay friend”, mas o próprio termo “gay”, além de ser um uso mais suave para o correspondenteemportuguês,édeusogeraldapopulação,enquanto“chibungo”éde usoregionaldointeriordaBahia.Amaiordiscrepânciaé,noentanto,atraduçãode “requintesdebunda”como“whathehadtooffer”.O“palavrão”aquidesaparece.

MARCAS CULTURAIS E RELIGIOSAS Apesardacríticaàsregrasdasociedadeburguesa,nãosepodedizerqueotema da religião seja central em Gabriela . Existem poucos momentos em que o tema é destacado.Otrechoquesegueéumdosrarosexemplos de menção à religião cristã. Observamosasinúmerasadaptações,inversõeseomissões. “SãoJorge” é novamente traduzidocomo“St.George”:

E dizer-se que essas chuvas agora But this unending downpour might ruin demasiado copiosas, ameaçadoras, diluviais, everything. And to think that only a few tinham demorado a chegar , tinham-se feito months earlier the colonels were anxiously esperar e rogar ! Meses antes, os coronéis scanning the sky for clouds, hoping and levantavam os olhos para o céu límpido em praying for rain. All through southern Bahia busca de nuvens, de sinais de chuva the cacao trees had been shedding their próxima . Cresciam as roças de cacau, flower, replacing it with the newly born fruit. estendendo-se por todo o sul da Bahia, Without rain this fruit would have soon esperavam as chuvas indispensáveis ao perished. desenvolvimento dos frutos acabados de The procession on St. George' s Day nascer, substituindo as flores nos cacatiais. A had taken on the aspect of a desperate mass procissão de São Jorge, naquele ano, tomara appeal to the town's patron saint . o aspecto de uma ansiosa promessa coletiva ao santo padroeiro da cidade. O seu rico andor bordado de ouro, The gold-embroidered litter bearing

148 levavam-no sobre os ombros orgulhosos os the image of the saint was carried on the cidadãos mais notáveis, os maiores shoulders of the town's most important citizens, fazendeiros, vestidos com a bata vermelha da the owners of the largest plantations, dressed confraria, e não é pouco dizer, pois os in the red gowns of the lay brotherhood. This coronéis do cacau não primavam pela was significant, for the cacao colonels religiosidade, não freqüentavam igrejas, ordinarily avoided religious functions. rebeldes à missa e a confissão, deixando Attendance at Mass or confession they essas fraquezas para as fêmeas da família: considered a sign of moral weakness. - Isso de igreja é coisa para Church-going, they maintained, was for mulheres. women.

Traçar paralelos entre os trechos acima tornase uma tarefa relativamente complexa, uma vez que os tradutores não respeitaram a divisão de períodos ou de parágrafos.Asinformaçõesdeumaoraçãoforamredistribuídasemoutras,chegandoa fazer com que os coronéis se tornem o sujeito de “hoping and praying for rain”, diferentemente do texto original. Até mesmo o discurso direto da última linha foi transformadoemdiscursoindiretonaversãoinglesa.Masdistorçõesaindamaisfortes surgiriamporocasiãodaúnicamençãoaocandomblé,jánasúltimaspáginasnolivro.É oquepodemosobservarpormeiodonúmerodeomissões (em vermelho) no trecho abaixo: Dora de Nilo, Nilo de Dora, mas Dora and Nilo, Nilo and Dora. But, qual das pastoras não montara seu Nilo, indeed, which of the shepherdesses did Nilo pequeno deus de terreiro ? Eram éguas na not mount? They were holy mares. Nilo was noite, montarias dos santos . Seu Nilo se transformed into all the gods—Ogun and transformava, era todos os santos, era Ogun e Xangô, Oxossi and Omulu; for Dora he was Xangô, Oxossi e Omolu, era Oxalá para the great god Oxalá. Gabriela was Dora. Chamava Gabriela de Yemanjá, dela Yemanjá, goddess of the sea. The house nasciam as águas, o rio Cachoeira e o mar de sailed away in the moonlight, over the hill. Ilhéus, as fontes nas pedras. Nos raios da lua, The songs were the wind, the dances the oars, a casa velejava no ar, subia pelo morro, Dora the figurehead on the prow, Nilo the partia na festa. As canções eram o vento, as captain directing the crew. danças eram os remos, Dora a figura de proa. The crew came from the waterfront: Comandante, seu Nilo ordenava marujos. Os the Negro Terencio, a bongo-drum player; marujos vinham do cais: o negro Terêncio, the mulatto Traíra, a famous guitarist ; young tocador de atabaque, o mulato Traíra, Batista, a ballad singer; and Mário Cravo, an violeiro de fama, o moço Batista, cantador de eccentric peddler of holy images and, as a modinhas e Mário Cravo, santeiro maluco , sideline, a market-place magician. Nilo blew mágico de feira. Seu Nilo apitava, a sala his whistle and the room became a voodoo sumia, era terreiro de santo, candomblé e ground, a nuptial bed, a rudderless boat macumba, era sala da dança, era leito de sailing in the moonlight. Every night Nilo let núpcias, um barco sem rumo no morro do loose his joy. He had music in his feet, songs Unhão, velejando ao luar. Seu Nilo soltava in his mouth. cada noite de alegria. Trazia a dança nos pés, o canto na boca. Sete Voltas era uma espada de Sete Voltas was a thunderbolt, a fogo, um raio perdido , um espanto na noite, flaming sword. All swagger, danger, and um ruído de guizos. A casa de Dora foi roda fascination. When he showed up with Nilo, de capoeira quando ele surgiu com seu his body swaying, a razor in his belt, the Nilo, o corpo a gingar, a navalha na cinta, shepherdesses bowed before him. A magic

149 sua prosápia, fascinação. Curvaram-se as king, a voodoo god, a holy horseman come to pastoras, um rei mago chegava, um deus de mount his steeds. terreiro, um cavaleiro de santos para seus cavalos montar. Cavalo de Yemanjá, Gabriela Gabriela, the horse of Yemanjá, partia por prados e montes, por vales e galloped across plains, through valleys, over mares, oceanos profundos. Na dança a mountains, and down to the bottom of the dançar, o canto a cantar, cavalgado cavalo. ocean. Dancing, singing, horse and rider. As diferentes formatações de períodos e parágrafos se acentuam. Também as omissões. Além disso, os 4 termos referentes ao culto africano (terreiro de santo, candomblé e macumba, era sala da dança ,) são comprimidos na expressão única “voodoo ground”. A associação do candomblé brasileiro com o “Voodoo” norte americano,cultoqueteveorigemnoHaitiequeétambémpraticadonaregiãodeNova Orleans,passouaserfreqüentenastraduçõesdeobrasbrasileiras.Essaé,noentanto, uma religião totalmente distinta do candomblé, e tal associação domesticadora só demonstra,maisumavez,ainfluênciadasinúmerascomparaçõesfeitasentrearegião nordestebrasileira eosuldosEstadosUnidos.As mesmas feitas desde a década de 1930,porFreyreeVeríssimo.Essamesmaassociaçãoresultanatraduçãode“atabaque” como“bongodrum”.Apalavra“capoeira”éevitadanotetoalvoatravésdaomissãode partedoperíodo.Asintervençõesdostradutoresnovamenteaproximaramotextode Amadodaculturadechegada. OBSERVAÇÕES FINAIS SOBRE A TRADUÇÃO DE TAYLOR & GROSSMAN

Apesar de também fazer uso de um pequeno número de adaptações e explicitações, a tradução de Gabriela apresentase muito mais caracterizada pelas omissões, seguindo em uma direção contrária à de Terras do Sem Fim . Os aspectos discursivos das personagens são repetidamente “suavizados” e os marcadores discursivossubstituídosporinglêspadrão.Aaproximaçãodaculturaalvoéevidente. Todas essas interferências dos tradutores produziram um texto pouco “fiel” à linguagemamadiana,equefoiironicamentedefinidoporOrvillePrescott 215 comouma traduçãofluente,cheiadevidaenatural.Mas,seoresultadodotrabalhodeTaylore Grossmanéalgoque,paramuitostradutores,surgecomoumatraduçãosemesforçosde 215 Vercapítulo3–críticado The New York Times (12 de setembro de 1962).

150 pesquisa,simplificadaedomesticadora,foiesseotrabalhoquesetornoumaispalatável eacessívelaopúblicomédionorteamericano:umpúblicoqueaindabuscavaleruma obrabrasileiraatravésdaslentesdasensualidadefeminina.Foiessetipodelinguagem menoselaborada,padronizada,fácilesuavizada,queaprincípiodesagradouaopróprio editor, que levou ao sucesso de vendas, nos Estados Unidos, uma obra de Amado. DepoisdeTayloreGrossman,asobrasdeJorgeAmadopassariamparaasmãosdas mulheres. HARRIET DE ONÍS E O “USO DO THESAURUS” Existe um dicionário secreto somente para traduções? Ou é um mau uso maníaco do thesaurus? 216 JohnDuncan

FoimaisumdosmembrosdaUniversidadedeColumbia,casadacomochefedo DepartamentodeEstudosHispânicosdaquelauniversidade,queassumiuastraduções seguintesdaobraamadiana.Antes,porém,atradutoraestiveraenvolvidaemtraduzir Guimarães Rosa. Apesar de todos os esforços para traduzir a idiomaticidade e a linguagem especial do escritor mineiro, De Onís tinha sido fortemente acusada de apagarocaráterpoéticoqueatravessa Grande Sertão Veredas. Comovimos,atrocade correspondênciaentreelaeGuimarãesRosafoigrande,assimcomoseuinteressepela obra daquele autor, o que não aconteceu com James Taylor (e depois William Grossman) em relação a Jorge Amado. Se considerarmos apenas a dedicação da tradutoraaGuimarãesRosa,asacusaçõesaDeOníseram,decertaforma,cruéis. Apesar de representar uma tarefa menos ousada do que os textos de Rosa, a dificuldadeemtraduziroregionalismoeosocioletodeJorgeAmadonãodeixavadeser umnovodesafio.Comovimos,DeOnístraduziu,naseqüência, Pastores da noite e Dona Flor e seus dois maridos. Ao comentar a tradução de Pastores da noite, John Duncan também ironizou a escolha vocabular de De Onís, tecendo o maldoso comentáriosobreo“mauusodoThesaurus”.

216 Cf. The New York Times de22dejaneirode1967.

151 Apesar dessas referências a outras traduções de De Onís, escolhemos aqui comentar a tradução de Dona Flor e seus dois maridos ,devidoaseu maiorsucesso juntoaopúbliconorteamericano.

A LINGUAGEM POPULAR

Dentre as estratégias de tradução de De Onís para Dona Flor , encontramos novamente um glossário, agora chamado de “Palavras e Expressões Estrangeiras” 217 . Além disso, ao traduzir as obras de Jorge Amado, De Onís exibia uma grande preocupaçãoemreproduziroestilodaescritadoautor,atravésdousodeexpressões populares.ApóstraduzirRosa,eranaturalqueatradutoraseconcentrasseemtrabalhar maiscriativamentealinguagemdoromancequelevavaparaoidiomainglês.Abusca de correspondentes na linguagem cotidiana pode ser observada nos trechos abaixo, extraídosde Dona Flor e seus dois maridos : Até o ar que se respira aqui ficou “The very air one breathes here is mais leve depois que o desgraçado esticou a better since that dirty dog cashed in his canela ... chips ” Dona Norma não pôde conter-se: Dona Norma could not restrain - Puxa ! A senhora tinha mesmo raiva herself: “ Good Lord. You really hated him, de Vadinho, hein? didn’t you?” - Oxente ! E não era para ter? Um “What a question ! Didn’t he vagabundo sem eira nem beira, pau-d'água, deserve it? A worthless vagabond, a lush, jogador, não valia de nada.. . E se meteu na a gambler, good for absolutely nothing. .. minha família , virou a cabeça de minha And he had to get mixed up in my family, filha , tirou a desinfeliz de casa pra viver às turn my daughter’s head , beguile the poor custas dela... thing away from her home and let her keep him ...”

Atradutoratrazparaotextotraduzidováriasexpressõesidiomáticaspopulares eminglês.Masadificuldadedeencontrarcorrespondentesnafalapopularparecialevá laacompensarafaltadeumcorrespondentecomexpressõespopularesparaostrechos seguintes. Notrecho abaixo,seos“melindres” e“nãome toques” se tornavam mais pobrescom“carpingandcriticizing”,asolução“aboutface”para“mudoudaáguapara ofogo”foimuitobemsucedida: Eu não acho nada, minha santa, I’m not trying to meddle in your se assunte você. Estava só falando... Porque business, my dear . I was just talking. You você é toda cheia de melindres, toda não- are the one who is always carping and me-toques. Basta ver qualquer moça criticizing. You only have to see a girl out passeando sozinha com um rapaz e logo diz walking with a fellow and right off she’s a 217 ForeignWordExpressions

152 que é uma perdida... E agora mudou da strumpet ... And now you’ve made a complete água pro fogo, largou a menina de mão... about-face , you’ve turned the girl loose...

Apesar do uso do glossário, De Onís preferiu traduzir alguns termos culturalmente marcados, em vez de usar empréstimos. O termo “capangas”, por exemplo,foi“domesticado”,traduzidocomo“badmen”:

Chimbo enxugou as lágrimas de Rita, Chimbo dried Rita's tears, thanked the agradeceu a dedicação do sírio, gratificou os Syrian for his devotion, rewarded the two bad dois capangas , dois criminosos de morte, men, two hardened criminals wanted in Ilhéus. foragidos de Ilhéus. Sob aparente Under his outward nonchalance, Chimbo was a nonchalança, era Chimbo homem prudente e prudent and canny man who was not lacking in hábil, não lhe faltava treita política. politics!

Paradoxalmente, a grande dedicação da tradutora àpesquisa lexicalpunha em riscoaaceitaçãodeleitoresmenosinteressadosemumalinguagemnãoconvencional.E provavelmente ignorou a crítica de Duncan,já que repetiu em Dona Flor alguns dos termos que o crítico evidenciou no The New York Times , como vemos no exemplo abaixo:

- Tu está falando igualzinho o doutor, You are talking just like the doctor, my meu bem. Toda estrambótica , toda monarca, love. All ridiculous, high-falutin’ , as though parece um professor... you were a teacher.

“Highfalutin” foi um dos termos mencionados pelo crítico. Outro possível exemplo do uso de expressões demasiadamente fora de uso no inglês da época é a traduçãode“xixica”por“haybag”: "Tudo xixica para passar o tempo, Nothing but haybags to pass the time. permanente só tu, Flor, minha flor de The only one I truly love is you , Flor, my manjericão, outra nenhuma". Que diabo era sweet basil Flor, nobody else”. What the devil xixica ? - quis de repente saber Dona Flor. was a haybag , Dona Flor suddenly wondered.

Otermo“xixica”,utilizadononordestedoBrasilparasereferira“gorjeta”ou “propina” 218 (afamosa“caixinha”,ouseja,“umextra”).Otermoassumepopularmente outros significados, sendo usado no dialeto caipira como sinônimo de “titica” 219 (“excremento”), ou até mesmo na fala infantil como referência ao órgão sexual 218 Definições encontradas no Michaelis - Moderno Dicionário de Língua Portuguesa Melhoramentos, 2008. 219 Ver:AmadeuAmaral, O dialeto caipira .4.ªed.EditoraHucitec/INLMEC,1982.

153 feminino.OfatodeDonaFlorestranharotermovemjustamentedeseuusoserregional ecomumàscamadaspopulares,mascomumsignificadoaomesmotempodúbio.Ao escolher“haybag”comocorrespondente,DeOnísusouumtermobemmenospopular em inglês. O léxico não consta nem mesmo do “Thesaurus”, mas sua definição foi encontradano Encyclopedic Dictionary of Gender and Sexual Orientation Bias in the United States (DicionárioEnciclopédicodePreconceitodeGêneroeOrientaçãoSexual nosEstadosUnidos),como“prostitutaouvagabunda(...)” 220 .Dessaforma,épossível que alguns dos termos escolhidos pela tradutora também fossem desconhecidos de muitosleitoreslocais. Quantoàdiferenciaçãodasfalasdospersonagens,sabemosquealutadepoder eadiferençasocialnãofoiofocomaiordeAmadonessaobra.Mesmoassim,podemos dizer que um exemplo típico do jogo de linguagem que identifica as diferentes personagens é refletido pela comparação entre as falas do cafajeste Vadinho e do “doutor” Teodoro. Vadinho usa o baixo calão, frases feitas, expressões populares. Já Teodorousaanormaculta,ovocabuláriosofisticado,alinguagemelevadaqueVadinho tãobemironizounotrechomencionandoanteriormente. AFaladomalandroVadinho :

- É isso que você chama de vadiação ? And you call that screwing ? And this É esse o doutor Sabe-tudo, o mestre das Dr. Know-it-all, the teacher of the whores , the putas, o rei da sacanagem? Essa porqueira, king of the fags? This half-assed stuff ? I never meu bem? Nunca vi coisa mais insípida... Se eu saw anything more insipid! If I were you, I fosse tu, pedia a ele, em vez disso, um frasco would ask him to bring me a bottle of cough de xarope: cura tosse e é mais gostoso... syrup instead of this; it’s good for a cold and Porque o que ele está fazendo, meu bem, é a is pleasanter. Because what he is doing, my coisa mais triste que eu já vi... pet, is the sorriest thing I have ever seen..

NovamentevemosDeOnísbuscarcorrespondentesnalinguagempopularenas expressões idiomáticas. A pesquisa não evitou o erro destacado em negrito (“sacanagem” por “fag” [homossexual/bicha]). Enquanto Gabriela tinha como forma típicadeseufalaraexpressão“seumoço”,Vadinho,semelhantemente,adotaovocativo “meubem”comotípicodeseulinguajar,daformamaliciosaemalandracomoaborda Flor.Aexpressãoétraduzidadediferentesformas(nessetrechocomo“mylove”e“my

220 “(...) femaleprostituteorvagrant whomayalsobeconsideredfatandlackinginmoralrestraint”. Fonte: Philip Wimmin Herbst, Wimps & Wallflowers: An Encyclopaedic Dictionary of Gender and Sexual Orientation Bias in the United States. InterculturalPress,2001.

154 pet”),mastodasdãoosentidoafetuoso,íntimoeaomesmotempoatrevidodooriginal. VemostambémomalandroVadinhodotextoeminglêsusandoomesmoníveldobaixo calãodotextofonte. AfaladeTeodorodistinguesesobremaneiradafaladeVadinho.

AsFalasdo“doutor”Teodoro:

- Minha querida , você deve estar My dear, you must be exhausted, it’s morta de cansada, é natural. Não é natural. It’s no joke preparing a party like brincadeira preparar um bródio como o de yesterday’s and receiving so many people, ontem e depois receber as pessoas, atendê- looking after them . You need rest. Why don’t las ... Você precisa descansar. Por que não fica you stay in bed? The maid will get my na cama? Eu me arranjo com a empregada... breakfast. (...) (…) - Que lembrança mais gentil , “What a delicate reminder, my dear. querida. Há ocasiões que se impõem e me There are occasions when one has to forget perdoe se hoje abuso, rompendo o about the calendar. Forgive me if I take calendário ... - era sempre tão prudente e unfair advantage tonight ”. He was always so delicado, que mulher não ficaria cativa de sua prudent and thoughtful – What woman would educação? not be charmed by his good breeding?

Apesardaperdadesofisticaçãoem“bródio”(substituídopor“party”),aescolha dos demais termos, como “reminder”, consegue resgatar a sofisticação da fala de Teodoro,dandoaoleitoraimagemdeumhomemdegraudeinstruçãomaisalto.Ouso do indeterminado “one has to” também opera tão bem como demonstração do grau formaldalinguagemquantoo“seimpõem”dooriginal.Omesmoocorrendocomas expressões“meperdoesehojeabuso”e“ForgivemeifItakeunfairadvantage”. O BAIXO CALÃO

SeparaPutnam,nadécadade1940,eparaTaylor,noiníciodosanossessenta,o baixo calão devia ser evitado, De Onís, em meados da década de 1960, enfrentava bravamenteaquestão.Otrabalhodepesquisadatradutoracertamenteincluíaencontrar osignificadodospalavrõesebuscarseucorrespondentemaispróximonalínguaalvo. Notrechoabaixo,atradutorareproduzamaiorpartedospalavrõesnoidioma alvo... - (...) merda de vida mais escrota "A shit of a life that's got me by the aquela, emprego mais filho da puta aquele, balls, a son-of-a-bitching job, having to obrigado a acompanhar o Governador a accompany the Governor to the most out-of- todos os cantos, a todas as cerimônias, a todas the-way places, to all the ceremonies, to all essas merdolências e porcarias . . . that junk and rubbish."

155 ...masatentaçãodesuavizarobaixocalãoporvezesavencia.“Merdolências” virasimplesmente“junk”.Omesmoacontecenotrechoabaixo:

- O teu doutor... Não somos os dois casados “Your doctor – aren’t we both married to contigo, teus maridos? Colegas de babaca , you, both you husbands? Bed colleagues, my meu bem... pet…”

“Colegas de babaca” é suavizado, aparecendo no texto alvo como com “bed colleagues”. Um caso mais peculiar ainda foi o encontrado no trecho abaixo. Ao descrever a cena do ritual de candomblé, Amado usa um termo forte do baixo calão popular:“subilatório”(umadasformasdesereferiraoânus).OqueDeOnísfeznãofoi exatamente“emprestar”apalavra,quepoderiaserrealmentetraduzida,massimcoloca laentreparênteses: Oxumarê enfiou o rabo pela boca, anel e Oxumaré put its tail in its mouth, ring and enigma, subilatório. enigma (subilatorio) . Oprocedimentodatradutorapodeterocorridopordiferentesmotivos:opudor emtraduzirotermoouosimplesdesconhecimentodeseusignificadojuntoaofatode não querer ocultar uma palavra não reconhecida. Mas, com certeza, o termo não fez sentidoalgumparaoleitornorteamericano,jáqueeletambémnãoentrouno“glossário determosestrangeiros”.Tornavase,assim,maisumapalavraqueelenãoencontraria nemmesmonothesaurus,eessanãoeraumacaracterísticaqueagradavaàcríticanorte americana. Entretanto,éimportanterelembrarqueessaquestãoémuitocontroversa,jáque grande parte da população norteamericana tem uma formação rígida protestante, em quemuitospalavrõessãotabus.Somandoseoidealdo“bominglês”,mencionadopor MilanKundera,oresultadoéumconstrangimentoaotraduzirobaixocalão. MARCAS CULTURAIS E RELIGIOSAS

Vimosqueem Dona Flor ofeitiçodocandomblésetransformara,aosolhosdo crítico literário David Gallagher, em fantasia e imaginação, reflexos das correntes

156 renovadasdo“realismomágico”.Acreditamosqueatradutora,diantedasnormasde manutençãoeintegridadedotexto,poucopoderiaterfeitoparainfluirnessaleituracom base em suas estratégias de trabalho. Mesmo assim, vale verificar a dificuldade na traduçãodessestermosculturalmentemarcados.Aotrataraquestãoreligiosaem Dona Flor , o que Harriet de Onís fez foi adotar o “empréstimo” para todos os nomes de orixás... Ogun malhou o ferro e temperou Ogun beat the iron and tempered o aço das espadas. Euá com suas fontes, the steel of the swords. Euá with her Naná com sua velhice. Rei da guerra, Xangô fountains, Naná with her venerability. Xangô , cercado de obás e de ogans, na corte de king of war, encircled by obás and ogans, in esplendor, disparando raios e coriscos. a court of splendor, sending out flashes and rays of lightning.

... mas De Onís chega a um impasse quando outros termos culturalmente marcadossurgemjuntoaosnomesdosOrixás.Comofazerparaqueotextonãosetorne demasiadodifícileindigesto?AopçãodeDeOnísfoimista:adeomitiralgunstermos, domesticareemprestaroutros: Toda quarta feira Xangô come amalá e Every Thursday, Xangô eats amalá and on nos dias de obrigação come cágado ou special days, turtle or mutton. carneiro (ajapá ou agutan). Ewá, goddess of the springs, cannot stand Ewó, orixá das fontes, tem quizila rum and chicken. Iyá Masse eats guinea hen. com cachaça e com galinha. Iyá Massê come conquém. For Ogun they set aside the goat and akikó, Para Ogum guardem o bode e o akikó que é which means cock in the language of the galo em língua de terreiro . Omolu não suporta candomblé centers . caranguejo.

A expressão “dias de obrigação”, que se refere aos deveres dos iniciados no cultodocandomblé,foitraduzidacomo“specialdays”.Ostermos“ajapáouagutan” agora desaparecem, marcando uma das poucas omissões realizadas por De Onís. O mesmo acontece com “Omolu não suporta caranguejo”. Ainda, diferentemente de Taylor&Grossman,DeOnístraduzotermo“terreiro”como“candomblécenters”. No glossário do livro, o leitor não encontraria nenhuma explicação sobre os orixás,massimasdefiniçõesdostermosempregados:

amalá: Dish made of okra, similar to caruru.

akikó: Rooster. (Nago)

157 Oresultadoparecenãotersidoalgotãoindigesto,jáqueadificuldadecomesses termos culturalmente marcados e ligados à religião africana não foi enfatizada nas críticasjornalísticasàtraduçãode Dona Flor e seus dois maridos.

OBSERVAÇÕES FINAIS SOBRE A TRADUÇÃO DE HARRIET DE ONÍS Tantoosproblemasreferentesàlinguagemproduzidanatradução, quantoos possíveis problemas de aceitação dos temas retratados na obra de Jorge Amado parecemtersidoofuscadospelocarátersensualeeróticodoromance.Oque Dona Flor deixounamemórianorteamericanafoiaimagemdeumaheroínaque,comodefiniuo crítico Walter Clemons no The New York Times de 14 de agosto de 1969, oscilava “entreodecenteeoinaceitável” 221 . BARBARA SHELBY: O DUPLO DE AMADO

Já que os acadêmicos muito frequentemente se deliciam em cutucar as traduções, eu quero reforçar que Bárbara Shelby escreve como se ela fosse o duplo de Amado, com um tom em inglês que é o perfeito correspondente para o estilo ousado do português 222 . GregoryRabassa ApesardenãotersidoaprimeiraobradeJorgeAmadotraduzidaporShelby, optamosaquiporobservaratraduçãode Tenda dos milagres. Issoporqueoromancefoi umdosmaisimportantesparaJorgeAmado,opreferidodeKnopfeShelby,eporque tratadeumaquestãopolêmicatantonoBrasilquantonosEstadosUnidos:oracismo. Vimos que uma das grandes reclamações a respeito de Tent of Miracles foi quantoàquestãodovocabulário.KnopfjáhaviaprevenidoShelbysobreaquiloque,na obra, pareceria “grego” ao leitor norteamericano. A tarefa que Barbara Shelby tinha agoracertamentenãoeradasmaisfáceis.

221 OtítulodoartigodeWalterClemonsera“BetweentheDecentandtheUnseemly”. 222 “Sinceacademicsmostoftentakedelightinpokingattranslation,IwanttostressthatBarbaraShelby writesasifshewereJorgeAmado’sparadros,ordoublewithaperfectmatchforthesassystyleofthe Portuguese.” The New York Times de24deoutubrode1971.

158

A LINGUAGEM POPULAR

AotraduziralinguagempopulardeAmado,BarbaraShelbyaplicaumafórmula de uso de expressões idiomáticas parecida com a de Harriet de Onís. No entanto, a tradutoramediadora faz um uso maior de acréscimos (marcados em vermelho) e explicitações,umaestratégiaquefacilitaatraduçãodosregionalismoseacompreensão doleitor. Nessescasos,ocontatocomoescritorparaasoluçãodedúvidaspodefacilitaro trabalhodatradutora.Mas,comorevelaacartadeJorgeAmado,escritaemportuguês, enviadaaShelbyem31dedezembrode1973(portanto,apósapublicaçãode Tent of Miracles ),nemsempreorecursoétãobemsucedido: Ypicilone [sic] aqui na Bahia significa qualquer coisa difícil, complicada, misteriosa. Uma pessoa “cheia de ypicilones” é uma pessoaquesabemuito.“Talcoisatemosseusypicilones”,querdizer: “temosseusmistérios”.Comovocêvê,asignificação da palavraé variável.(AMADOaSHELBY,em31dedezembrode1973) A própria explicação de Amado, definindo a significação da palavra como “variável”,deixadúvidasquantoaoqueelemesmoquisdizernotexto.Éóbvioqueo charmedeseapropriardaletra“y”edeseuusodiferenciadosãodedifícilreprodução. Considerando que a data da correspondência é posterior à publicação de Dona Flor , concluímosqueatradutoratenhausadosuaintuição,outentadodeduzirosignificado dotermocombasedocontexto,paratraduzirotrechoabaixo: – Mestre Archanjo sabe muito, tem “That’s right , Master Archanjo knows um armazém de ipicilones na cabeça e nos plenty. He’s got a whole mess of plots in his pedaços de papel. Mas o que ele sabe não é head or written down on those scraps of coisa de se perder em trova de tostão , é paper of his. But the things he knows are too passaladagem de muita sustância , enredos good to waste on throwaways you can buy de que pouca gente ouviu falar. Valia a pena for a penny. His stuff really has some meat era ele contar na Faculdade a um professor, a to it , and there ain’t too many people who um desses bambas na escrita, lá tem cada know about those things. What he ought to do um retado , para o sabichão botar o resumo is go to the university and tell some professor, no papel e servir de ensinamento. Garanto one of those bigwigs who knows how to write que ia causar muita admiração. – the place is full of crackerjacks , you all know that – and let the guy put it all down on paper so people can read it and be educated. I bet that would liven things up around here ”.

159 Vemos“umarmazémdeipicilones”traduzidocomo“awholemessofplots”. Mesmoassim,otextoalvonãopareceterperdidomuitocomatradução.Asubstituição conseguintede“épassaladagemdemuitasustância”por“Hisstuffhassomemeattoit”, traz a brilhante solução com o duplo sentido de “meat” seja como “alimento” ou “conteúdo/substância”. “Bambas” traduzido como “bigwigs” e “retado” por “crackerjack”sãoexemplosdegíriausadaemambasaslínguas.Osbonsprocedimentos detraduçãoacabamporrecuperaraperdadesignificadonasubstituiçãode“sabichão” por“guy”. UmadasafirmaçõesdeShelbyeraadequeaescritadeAmadoeradivertidae issodeviasertransportadoparaoidiomainglês 223 .Foiaofazêlocomeficiênciaqueela permitiuqueumaentreasváriasqualidadesdeAmadofossetransmitidaacontentoao público norteamericano: seu humor. Justamente aquela à qual o crítico do The New York Times seapegouparasuaapreensãodotrabalhodeJorgeAmado,paraele,uma obraparaserlidapordiversão. Notrechoabaixo,vemos,ainda,queosempréstimostambémfizerampartedo rol de estratégias de Barbara Shelby – segundo a tradutora, como uma forma de “enriquecer” a cultura estrangeira 224 . O que parece ter ocorrido com a tradução de Shelbyéquesuaorganizaçãoemetodologiaexcederamadealgunsdeseuscolegas. A fala popular foi também reforçada pelo uso de “ain’t”. O erro gramatical finalmentesurgianastraduçõesdeJorgeAmado.Jáaexpressão“Dêdestinoaele”foi explicada(ouexplicitada)porBarbaraShelby. Atradutoraadmitiuque,poracreditarquenotasderodapéimpedemofluxoda leitura, ela acrescentava explicações ao texto, para fazer com que o leitor compreendesse as expressões idiomáticas da outra língua. 225 Era dessa forma que a tradutorafaziasuamediaçãotradutória.Elabuscavaamenizarotexto“grego”de Tenda dos milagres ,mostraroestilodalinguageme,aomesmotempo, manter marcadores culturais: – Senta aqui, junto de mim, meu "Sit down here next to me, camaradinho ." camaradinho . Before yielding to Yansan , who was calling Antes de dar-se a Yansan, que impaciente a for her impatiently, Doroteia said in her soft, reclamava, Dorotéia falou com sua voz macia peremptory voice: He says he wants to study, 223 VerentrevistacomBarbaraShelby–AnexoII–questão6. 224 VerentrevistanoAnexoII–questão6. 225 Idem.

160 e autoritária: that's all he talks about. He doesn't amount – Diz que quer estudar, só fala nisso. Até to much so far, he won't ever be a good agora não deu pra nada , nem pra carpina carpenter or bricklayer. All he can do is his nem pedreiro, vive fazendo conta, sabe mais sums. He knows the multiplication tables better tabuada do que muito livro e professor. than most teachers or books. But what good De que me serve assim ? Só dá despesa e will he be to me that way ? It just costs me nada posso fazer. money to keep him , and —there ain't a Torcer a sina que trouxe do sangue que thing I can do about it. I can't cheat the fate não é meu? Querer lhe dar um rumo que não he inherited from the blood that ain't mine . I é o dele? Isso não vou fazer porque sou mãe, can't make him hoe a row that ain't his. I can't não sou madrasta. Sou mãe e pai, é muito do that, because I’m his mother, not his step- para mim que vivo de vender na rua, de mother. I have to be mother and father both, fogareiro de carvão e lata de comida. Vim and it's too much for me when I have to keep lhe trazer e lhe entregar, Ojuobá. Dê destino us both off what I can sell in the streets with a ele. my charcoal stove and my pans of food. I (...) brought him here to give to you, Ojuobá . You Os dois a saudaram ao mesmo tempo: make a future for him. Show him the road “Eparrei!” he ought to take." (…) Man and boy saluted her at once: "Eparrei!"

Todos os empréstimos aparecem no glossário ao final do livro, permitindo a pesquisadoleitor: Camaradinho: Little pal. Eparrei: Greeting by devotees to candomblé divinity Yansan. Ojuobá: Eyes of the king (Yorubá) Yansan: Goddess of winds; mother of the gods. Syncretized Comrelaçãoaesseprocedimento,Shelbyfoiamaiseficientedostradutoresde Amado.Seuglossárioéomaiscompletoeesclarecedor. A fala erudita, mais fácil de ser trabalhada, aparece no trecho abaixo, nas palavrasdodoutorZézimo,comousodetermoseexpressõestípicasdanormaculta, como“indeed”,“givesomethought”,“certain”e“I shouldlike”,mostrandoaforma comoBarbaraShelbyrecuperavaahierarquianalinguagem,numviéssociolingüístico: Muito obrigado, caro professor. Suas "Thank you very much, Professor. palavras me confortam . Mas, já que o senhor Your words are very encouraging indeed. falou no seminário, desejo expressar algumas But now that you’ve brought up this matter of breves opiniões sobre o assunto: andei the seminar, I’d like to say a few words about reestudando a idéia, aprofundando-lhe as that very thing, I’ve been giving some implicações e cheguei a certas conclusões thought to the implications of our scheme, que venho sujeitar ao bom senso e ao and I’ve reached certain conclusions that I patriotismo dos senhores. Quero consignar

161 antes de tudo minha admiração pelo should like to set before you to be examined professor Ramos, por sua obra magistral. with your usual patriotism and good sense. First of all, I want to express my admiration for Professor Ramos and the wonderful work he has done.

O BAIXO CALÃO Aoserquestionadasobreasdificuldadesaotraduzirotextoamadiano,Shelby afirmou que a “linguagem indecente de Amado era, por vezes, um problema” 226 . E acrescentou:“Meuscolegasmeprovocavam”.Adificuldadeemlidarcomobaixocalão ainda chegava com força à década de 1970. E era nessa atmosfera de provocação e gozaçãoqueatradutoratinhaqueenfrentarobaixocalãoamadiano. VemosnotrechoabaixocomoShelbylidoucomaquestão: Meu velho, você é quem tem razão: “You know, Gastão, you were right: na Bahia não há clima para esse troço , não Bahia’s not the place for this kind of stuff, it dá pé . Se eu tivesse um jeito, largava essa just won’t work . If I had the wherewithal I’d merda, ia bater pernas pelas ruas. Me diga say good-bye to all this crap and just roam uma coisa, Gastão: você já viu a fachada da around the streets. Gastão, have you ever Igreja da Ordem Terceira? looked at the Church of the Third Order?” – Porra, menino, eu nasci aqui. “Christ . Kid, I was born here!” – Pois eu já fiz um ano de Bahia, já “Well, I’ve lived in Bahia for a year passei por ali mais de mil vezes, e nunca tinha now and I must have passed by that church a parado para reparar e ver. Sou um cavalo , thousand times without ever taking the time to seu Gastão, um animal, um infeliz, um filho- really look at it. I’m an animal , Gastão, a da-puta de agência de publicidade . stupid fool, a son-of-bitch P.R. flack! ”. Gastão Simas suspirou: assim não era Gastão Simas sighed; the kid would possível. never get anywhere with that attitude.

Shelbyprocuroumanterospalavrões,deacordocomooriginal(“crap”e“son ofbitch”). Interessantemente, ao verificar a tradução de “Porra” como “Christ”, poderíamos imaginar que a tradutora perdera a força do baixo calão original. No entanto, palavras relacionadas ao cristianismo (como também a outras religiões) são consideradas“tabus”nosistemaculturalnorteamericano,eseuusoémuitomalvisto, posicionandose,assim,emummesmopatamarqueotermoemportuguês

226 Idem.

162 MARCAS CULTURAIS E RELIGIOSAS

Vimosacimaque,damesmamaneiraqueDeOnís,Shelbyutilizouumglossário noqualinseriuostermosculturalmentemarcados.Neleelaincluiuosprincipaistermos do candomblé, nomes de instrumentos musicais e alimentos do Brasil, e até mesmo termoscomo“catedrático”e“fazendeiro”. Todavia, ao pensar a questão religiosa em Tenda dos Milagres , é importante lembrarqueoprotagonistaPedroArchanjosedeclaraum“materialista”,apesardeter umafunçãoimportantenacomunidadedocandomblélocal.ÉnessaobraqueAmado exprimemaisclaramentesuadefesadosincretismocomosoluçãosocial. Ao observar o trecho abaixo, vemos que Shelby buscou a correspondência próximaemtodosossegmentosculturalmentemarcadosdotrechoabaixo,usandoos empréstimoseoglossário. Eu penso que os orixás são um bem "I think the orixás are a blessing to the do povo. A luta da capoeira , o samba-de- people. Capoeira fighting , circle sambas , roda , os afoxés, os atabaques, os afoxés, atabaques, berimbaus are all berimbaus, são bens do povo. Todas essas blessings for the people. All those things and coisas e muitas outras que o senhor, com seu many others that you, with your narrow way pensamento estreito, quer acabar, professor, of thinking, would like to do away with, just igualzinho ao delegado Pedrito, me desculpe like Chief Pedrito, if you'll pardon my saying lhe dizer. Meu materialismo não me limita. so. My materialism does not limit me. As for Quanto à transformação, acredito nela, change and transformation , Professor, I professor, e será que nada fiz para ajudá-la? believe in it. Do you think I've done nothing to O olhar se perdeu na Praça do help it along?" Terreiro de Jesus: – Terreiro de Jesus, tudo misturado His gaze was lost in the Terreiro de na Bahia, professor. Jesus. O Adro de Jesus , o Terreiro de "Terreiro de Jesus. Everything in Bahia Oxalá , Terreiro de Jesus. Sou a mistura de is a mixture, Professor. The churchyard of raças e de homens, sou um mulato , um Jesus Christ, the Terreiro of Oxalá, Terreiro brasileiro. Amanhã será conforme o senhor diz de Jesus. I'm a mixture of men and races; I'm e deseja, certamente será, o homem anda a mulatto , a Brazilian. Tomorrow things will para a frente . Nesse dia tudo já terá se be the way you say and hope they will, I'm misturado por completo e o que hoje é sure of that; humanity is marching forward . mistério e luta de gente pobre, roda de When that day comes, everything will be a negros e mestiços, música proibida, dança part of the total mixture, and what today is a ilegal, candomblé, samba, capoeira , tudo mystery that poor folk have to fight for— isso será festa do povo brasileiro, música, meetings of Negroes and mestizos, forbidden balé, nossa cor, nosso riso, compreende? music, illegal dances, candomblé, samba, and capoeira —why all that will be the treasured joy of the Brazilian people. Our music and ballet, our color, our laughter. Do you understand?"

163 OBSERVAÇÕES FINAIS SOBRE A TRADUÇÃO DE BÁRBARA SHELBY Não acreditamos que os esforços de tradução de Bárbara Shelby pudessem modificar a visão de críticos norteamericanos como o do Washington Post , que consideraram o romance de Amado uma obra “não literária” e para ser lida por diversão. Esses são conceitos que envolvem todo um posicionamento acadêmico e políticocomrelaçãoàobra.OquepudemosobservaréqueBarbaraShelbyfaziaum trabalhodepesquisaeadequaçãodelinguagemmuitoeficienteseadequadosàproposta defidelidadedeKnopf.

164 CAPÍTULO 5 (CONSIDERAÇÕES FINAIS)

AS FACES DA REESCRITA E OS CAMINHOS DA MUDANÇA Os diferentes estilos de escrita que marcaram as traduções de Jorge Amado, duranteoperíodoemestudo,funcionaramcomoseavozdoescritortivesseencontrado diferentes freqüências de transmissão, com diferentes controles de volume para cada uma das transgressões de sua linguagem padrão. O “volume” do baixocalão foi “diminuído” de forma mais constante, enquanto os demais controles variaram de tradutorparatradutor. Nãofoicoincidênciaqueomaiorsucessocomopúblicomédioamericanofoia única tradução que não apresentava um glossário e que mais descaracterizava a linguagem do original. Sem recorrer a tais elementos de epitexto, os tradutores abrandaramqualquercaráterdidático,educativoouacadêmicodoromance. Atraduçãode Gabriela tornavase,assim,aquetraziamenoselementosestranhos à cultura de chegada, apresentando a seu público um texto mais “leve” e de fácil compreensão.Maseratambématraduçãoquemaisfugiadapropostadeintercâmbio cultural. Comojámencionado,MariaTymoczko(1995),quesededicouàmetonímiana tradução de textos de culturas marginalizadas, defendeu a forma como ela opera na atividadede“recontar”históriasecriarrefrações.Paraaautora,aidéiademetonímia pode ser estendida à área da tradução e ajudar a compreender o uso de estratégias tradutórias. Ao tentar evitar uma sobrecarga de informações e, ao mesmo tempo, “honrar” arepresentaçãodaculturaestrangeiraeatradiçãoliterária,otradutoracaba por se comprometer duplamente. A estudiosa defende que a seleção metonímica – o quepreservareoquedesprezar,oqueassimilar,aqueresistir–éoquemaiscaracteriza as normas iniciais de textos de culturas marginalizadas, e que tais decisões sobre a metonímiadotextoalvo,porsuavez,determinamasnormasoperacionais. Destaca,ainda,Tymoczkoque: É por isso que as traduções iniciais de textos não familiares freqüentemente são populares ou acadêmicas: as primeiras são gravementelimitadasemsuaintençãodetransferênciaeminimamente representativas dos aspectos metonímicos do original, enquanto as últimas permitem que aconteça uma grande quantidade de metatradução, apresentando quantidades de informação através de veículos tais como introdução, notas de rodapé, apêndices, textos

165 paraleloseassimpordiante.Emumatraduçãoacadêmica,otextoé embebido em uma concha de dispositivos paratextuais que servem paraexplicarasmetonímiasdotextofonte,fornecendoumconjunto decontextosparaatradução.Nocasodeumatradução popular, ao contrário, o tradutor tipicamente foca em poucos aspectos do texto literário que são trazidospara um amplo segmento do público alvo (1995,p.1) 227 Sobre o tradutor, recai, então, a grande carga de desafiar a resistência de seu públicoaonovo,aonãocanônico.Énossaopiniãoque,nocasoestudado,nemtodasas escolhasaconteceramdeformatãoclaraeconsciente.Asconstruçõesdelongoprazoda imagísticada“naçãobrasileira”eoscontextosparticulareseglobaisforamdegrande influência em todo o processo tradutório. É a própria Tymoczko quem demonstra a influênciaculturaledecontextosobreas“leituras” literárias ao mencionar o famoso ensaio de Laura Bohannan (1971), Shakespeare in the Bush.. O ensaio de Laura Bohannanéumrelatointeressantíssimo,extremamente rico e bem humorado sobre a experiência da antropóloga junto à tribo dos Tiv, na África Ocidental. Em suas tentativasderecontarahistóriadeHamletaosmembrosdacomunidadelocal,elase depara com uma interpretação totalmente diferente da sua própria, com adaptações e “domesticações”desuahistóriaque,nofinaldascontas,jánãoeraamesma. Essetextotemsido,naverdade,muitomencionadonosestudosdatraduçãocomo exemplo da tendência humana de reinterpretar novas histórias, remodelandoas de formaquesetornemversõesdehistóriasjáconhecidas.Éoquecomentaatradutorae professora da USP Lenita Rimoli Esteves, que traduziu e disponibilizou o texto em português,tecendovárioscomentáriossobreaquestão 228 :

Toda a delícia do texto está no fato de pessoas de contextos tão diferentes,apesardenãoseentenderemperfeitamente, suporem que “as pessoas no mundo são iguais”, e que, apesar de diferenças pontuais, as grandes questões são sempre as mesmas para toda a humanidade.Noentanto,essaconcordâncianascedeumacegueira,de umaincapacidadedeverooutrocomooutro.(ESTEVES,2008,p.2).

227 “Thisiswhyinitialtranslationsofunfamiliartextsaresoofteneitherpopularorscholarly:theformer areusuallyseverelylimitedintheirtransferintentandminimallyrepresentativeofthemetonymicaspects oftheoriginal,whilethelatterallowagooddealofmetatranslationtoproceed,presentingquantitiesof informationthroughvehiclessuchasintroductions,footnotes,appendices,paralleltexts,andsoforth.Ina scholarly translation, the text is embedded in a shell of paratextual devices that serve to explain the metonymiesofthesourcetext,providingasetofcontextsforthetranslation.Inthecaseofapopular translation, by contrast, the translator typically focuses on a few aspects of the literary text which are broughttoabroadsegmentofthetargetaudience.” 228 OtextodeLenitaRimoliEsteveseFrancisHenrikAubertencontrasedisponívelnoendereço: http://sare.unianhanguera.edu.br/index.php/rtcom/article/view/153/152 acesso05/11/2008.

166 Ao falar desse mesmo texto, Maria Tymoczko (1995) explica que a ciência cognitiva sugere uma tendência das pessoas a assimilar informações novas e não familiares direcionandoas para padrões já conhecidos e tornados familiares, e aponta estudos científicos indicando tal tendência. Ousamos acrescentar que, quando apresentadas a um texto supostamente “bom”, a tendência é que as pessoas o interpretemdeformaadiminuirsuaprópriaansiedade,tornandoopoucoameaçador,de acordocomsuasprópriasagendas.Naimpossibilidadedefazêlo,otextopassaaser considerado “ruim” e rejeitado, e os argumentos para justificar tal julgamento são extraídos dos próprios conteúdos históricos e contextuais dessas pessoas, de suas vivênciasparticulares. NocasodastraduçõesdasobrasdeAmado,oconceitoseencaixa.Gabrielatrazia projeçõesdeCarmenMiranda;Flortraziaprojeçõesda“prima”Gabriela...Acrescenta se aí o fato de as obras de Jorge Amado – tão diversas, cheias de questionamentos sociais e políticos, salpicadas com erotismo e recheadas de cultura afrobrasileira – propiciarem diferentes refrações, ora similares, ora opostas. Fato é que as diferentes apropriaçõesexistiramequeaslentesculturaisdecadacomunidadederamàsleituras estrangeirasdasobrasamadianasdiferentescores. Oqueobservamosaquifoiaformacomocadaagentedatradução,cadaator,e cadaleitorpintoucomsuasprópriascores,realizousuasescolhas,priorizousuaprópria metonímia, resultando em diferentes “texturas”, diferentes “emissões luminosas” do textoamadiano,ecomoostradutoresdeJorgeAmadoenfrentaramosdesafiosdatarefa solicitadapeloprojetodeKnopf. Em5dejaneirode1970,AlfredKnopfescreviaaocorrespondentedo Christian Science Monitor, lamentandoofatodeque,apesardeJorgeAmadoseroúnicoescritor deficçãolatinoamericanolucrativo,oscríticosdas Letraslatinoamericanasviamno com tal desprezo que seu nome nunca era mencionado por eles (KNOPF apud ROSTAGNO,1997,p.40). O fato de Jorge Amado discutir temas de caráter social e político certamente agradavaaKnopf,queapreciavadialogartambémcomescritoresetradutoressobretais assuntos,trazendoaquestãodiplomáticaparaocentrodesuasempreitadas.Rostagnoé novamente quem reconhece em Knopf, desde meados da década de 1960, um “embaixadornãooficialparaassuntosreferentesaoBrasil”(1997,p.40),aomencionar umacartaenviadaaopresidentedoBancodeLondresedaAméricadoSul,em22de maiode1969:

167 ElejustificavaseupersistentelobbypeloBrasilenfatizandoacrescente importância do Brasil nos assuntos internacionais. Uma carta a Sir GeorgeBolton,opresidentedoBancodeLondresedaAméricadoSul, atesta tais sentimentos: “O Brasil vale para os Estados Unidos, provavelmente no presente, mas principalmente no longo prazo, tanto quantotodosospaísesdaAméricaEspanholajuntos.” 229 JáaexplicaçãodatradutoraBárbaraShelbysobreointeressedeKnopfporJorge Amadorecaiusobreaquestãopessoal.Naspalavrasdatradutora:“Umacaracterística queAmadoeKnopftinhamemcomumeraalealdadeaseusamigos–e[eles]eram igualmenteleais[umaooutro].AamizadedeKnopfcomFreyreeramaisantiga,mas KnopfeAmadoseescreviamevisitavammais” 230 . Ambasasexplicaçõesdemonstramqueafilosofiado“bomamigo”perduroupor décadasparaAlfredKnopf,equeelaencontroualentonosmodosdocarismáticoJorge Amado, fazendo dele, assim, o maior retrato da dedicação de Knopf à literatura brasileira.AatitudedeKnopfparacomJorgeAmado,aomenosapartirdadécadade 1960,foiadeumagentequenãocolocavaoescritoresuaculturacomo“inferiores”e essafoiumaatitudeextremamentepositiva. Todavia,oprojetodeKnopfnãocaminhousozinhonosEstadosUnidos.Outras correntes de influência atuavam sobre a recepção das obras do escritor. Interesses particulares,cenaspúblicas,resistênciasdediversasformas.Mesmoosincidentes,as guerras,invasõeseosfatospolíticosqueaconteciamemoutroscontinentesinterferiam, emmaioroumenorgrau,narecepçãolocaldaliteraturaestrangeira. No momento em que Gabriela, Clove and Cinnamon tornouse um bestseller , váriosfatoresalinharamseparaqueissoacontecesse:asituaçãoemCuba,amudança política na vida de Jorge Amado, a fácil associação da personagem “Gabriela” aos antigosestereótipos,oumesmoaescritasimplificadadeTaylor&Grossman. A semente plantada por Knopf pode não ter gerado tantos frutos quanto ele desejava, mas seus esforços não foram totalmente nulos.Em1987,aBantam Books comprouosdireitosdepublicaçãode Tocaia Grande nosEstadosUnidospor$250.000 (dólares),umvalorconsideradomuitoaltoparaessetipodeatividade,eatraduçãofoi

229 “He justified this persistent lobbying for Brazil bystressingtheincreasingimportanceofBrazilin international affairs. A letter to Sir George Bolton, the chairman of the Bank of London and South America, attests to these feelings: ‘Brazil is worth to the United States, probably presently, but most assuredlyinthelongrunasmuchasalltheSpanishAmericancountriesputtogether’.” 230 “OnetraitAmadoandKnopfhadincommonwasloyaltytotheirfriends–and[they]wereequally loyal[toeachother].Knopf’sfriendshipwithFreyrewasolder,butKnopfandAmadowroteandvisited more.”Cf.EntrevistanoAnexoII.

168 entregueaorenomadoGregoryRabassa( The New York Times, 24 de janeiro de 1988). Ofatodemonstraqueavalorizaçãodaobrapeloeditoratingiualgunsagentesdomeio. Em2001,anodamortedoescritorbaiano,aRoutledgepublicouolivro Jorge Amado: New Critical Essays ,organizadoporKeithH.Bowler,EarlE.FitzeEnriqueMatínez Vidal. A obra reúne ensaios que reavaliam o trabalho do escritor brasileiro. Novas visões e novas apropriações são indicações de mudanças nas atitudes em relação ao escritor. Aconclusãomaissignificativaaquechegamosnestetrabalho,emnossaopinião, éadequeosestudosdatraduçãopodemnosrevelarmuitomaissobreasociedadeesua história, sobre as forças e os pensamentos que a movem. O resgate dos contextos históricos que geraram projetos ou “embaixadas” de traduções são de fundamental importância. A partir delas são criadas representações oriundas de diferentes “loci”, sempreparciais,nuncacorrespondendoauma“identidadeouessênciaúnica”,masaum feixedeluzquesedilaceraaoadentrarummeiodediferentedensidade. Aoiniciarestapesquisa,interessavanos,acimadetudo,perceberarelaçãoentrea representaçãoculturaldoBrasileaatividadedetradução.Apósfinalizála,concluímos queotextoliteráriotraduzidoéuminstrumentoderepresentaçãorelativamenteforte, mas que se potencializa quando agregado a outros meios de comunicação. Hoje, passadasmaisdequatrodécadasdapublicaçãode Gabriela nosEstadosUnidos,eapós asrevoluçõestecnológicas,aformaçãodoimagináriosobreoBrasiltambémdepende muitodemídiascomoaInternet,ocinemaeatelevisão,criandonovasimagensenovas refrações. Exportamos música, shows, filmes e telenovelas que surgem em novos contextoshistóricos. Aquestãodasraçasouetniastambémtomounovasdireçõese,noanode2008,os EstadosUnidoselegeramseuprimeiropresidentemestiço. As relações internacionais tomamnovosrumos,diaapósdia,enovosacontecimentosmarcamaimagemdopaís noexterior.OBrasillutaagoracontraaimagemdacorrupçãoedaviolênciaquevigora dentroeforadesuasfronteiras. Restanossugerirqueaspesquisasnaáreadetraduçãoehistoriografiacontinuem se desenvolvendo, enriquecendo cada vez mais os estudos da tradução, e que eles ganhemoapoioacadêmiconecessárioparatrazeremàtonaoconhecimentodoquecria nossahistória.

169 A expectativa é que o que segue sirva não apenas como fonte para a compreensão dos trâmites envolvidos nos processos de tradução e representação em questão,mastambémcomoinspiraçãoparanovaspesquisasnaárea.

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185 CORRESPONDÊNCIA ENTRE ALFRED A. KNOPF, JORGE AMADO E BARBARA SHELBY – Material Pesquisado – Ordem Cronológica. Correspondência trocada entre Herbert Weinstock e Jorge Amado, entre outubro e novembrode1950–HarryRansonHumanitiesResearchCenter–UniversityofTexas –KnopfCollectionBOX80–folder13. CartadeJorgeAmadoaAlfredKnopf,em22denovembrode1963.HRC–BOX401– folder1. MemorandodeAlfredA.KnopfparaJanetGarrett,em28/08/1969. CartadeKnopfparaShelby,em8dedezembrode1969. CartadeKnopfparaShelby,em25deagostode1970. CartadeJorgeparaShelby,em30demaiode1970. CartadeKnopfaAmado,em20deagostode1970. CartadeKnopfparaShelby,em25deagostode1970. CartadeSHELBYparaJANETGARRETem5desetembrode1970. MemorandodeAlfredA.KnopfparaJanetGarrett,em28/08/1969. MemorandodeKnopfaGarrett,em15deabrilde1971. CartadeBarbaraShelbyMerelloaoHRCnaUniversidadedoTexas–28deagostode 2002. CartadeBarbaraShelbyMerelloaoHRCnaUniversidadedoTexas–28deagostode 2002.

186 ANEXO I

ENTREVISTA COM BÁRBARA SHELBY MERELLO – REALIZADA POR CORRESPONDÊNCIADATADADE21/03//2008. 1WereyoubornintheUS?(IsEnglishyourmothertongue?) Yes,IwasbornintheU.S.andmynativelanguageisEnglish.Mymotherwasborn inMexico,ofAmericanparents,andmetmyfatherattheUniversityhere.Hewashired byNBCintheearliestdaysoftelevision,soIwasborninNewYork. 2WhenandhowdidyoulearnPortuguese?Whatwasyoureducationalbackground? IlearnedSpanishprettymuchbymyselfandgraduatedfromU.T.(oneyearattheold National University in Mexico, studying mostly literature), majoring in Romance LanguageswithaminorinHistory.(IrecallaSpanishliteratureprofessortellingusthat everylanguageonelearnsisanewsoul.)AyoungwomanfromBahiataughtasemester ofPortugueseandItookit,neverthinkingIwouldjointheForeignServiceandwould havethelucktobepostedtoRio.Inthosedays(the 60s) new officers would spend severalmonthslearningthelanguageatpost. 3 What was your opinion about Brazilian literature, Brazilian authors and Jorge Amado? Ithinkagoodnovelrevealsmoreaboutacountrythannonfictioncan,butonceIwas working I didn't have much time to read until I was actually translating and simply made time, I honestly don't know how. But each of the books Knopf chose was engrossing and stirring to the imagination, each in its own very different way. The authorsthemselvesweredelightful.GuimarãesRosatheBrazilianJamesJoycewas theoneIknewleastbutadmiredmost,forhisastonishinglanguageandversatility.His yearsasadoctorinthebacklands,andthenasadiplomatinEuropeancapitalshe somehow absorbed those experiences and transmuted them into something rich and strange. 4–HowdidyoubecomeatranslatoratKnopfPublishers? Itwasluck.Ithinkit’sexplainedwellintheintroductiontotheKnopfletters[atHarry Hanson Research Humanities Center]. Harriet de Onís was about to retire, I believe.

187 AndAlfredverymuchwantedacorrespondentinBrazil,acountrythatfascinatedhim. HewasobsessedwithgainingthepopularityforBrazilian authors, particularly Jorge Amado,thathehadwonforThomasMann,forexample,beforethewar. 5–WhichnovelsbyAmadodidyoutranslate? AmadonovelsItranslated: AmorteeamortedeQuincasBerroD’Agua. ThetwodeathsofQuincasWateryell. TendadosMilagres(Amado’sfavoriteandminetoo). TentofMiracles. TerezaBatista,CansadadeGuerra. TerezaBatista,HomefromtheWars. TietadoAgreste. Tieta. OGatomalhadoeaAndorinhaSinhá. TheSwallowandtheTomCat(illustratedbyCarybé) (publishedbyDelacortePress/EleanorFriede). (Thisisadelightfulchildren’sstorywhichAmadowroteforhissondecadesagoand foundinatrunk). OMilagredosPássaros. TheMiracleoftheBirds. (ShortstorywrittenforHarpersMagazine,thenpublishedByWilliamTarg). 6–Howwasthetranslationprocess?Whichwerethemaindifficulties? It’shardtobelievenowthatItranslatedtheseandmorethanhalfadozenotherbooks whilestillintheforeignservice.Ihadlittleenoughtimetoread,letalonetranslate.I musthavedonemostofitonsixweekhomeleaveseverytwoorthreeyears,withthe pressure of a very fine editor: my mother. She wrote an introduction to Guimarães Rosa’s The Third Bank of the River andinsistedthatItakethecredit. Thewholepointoftranslation,forme,istokeepthebookalive,andthatsometimes meanstakingliberties,butnottoomany,It’saquestionofbalance.There’snosucha thingasa“literaltranslation”,ofcourse.Alongwiththeirpopulistmessage,Amado’s novelsarefuntoread,sotheyhavetobefuninEnglish as well. Freyre’s books are moreformal,andascholarlytonewouldhavetobestillmoreprecise.AsforGuimarães

188 Rosa, what can I say? He was the one who encouraged me to find equivalents that wouldconveytheemotionormeaningoftheoriginal–andI’mgratefulforthat. Occasionally, I could not resist enriching our language with a common saying in PortugueseinsteadofsubstitutingtheEnglishequivalent.“Eletemoreinabarriga”– whatawonderfulphrase!Idislikefootnotesinfictionbecausetheyimpedetheflowof thenarrative,soI’daddafewwordsofexplanation:“Hehasthekinginhisbelly,aswe say of someone conceited.” A cliché in one language can be a shock in another. A Spanishfriendwasappalledwhenhefirstheard“Eatyourheartout!”,aphrasewetoss outwithoutthinkingabout.(Thatoneshouldnotbetranslated). Forsomereason,inexplicabletomenow,IavoidedaskingAmadoforclarifications ofanythingpuzzling,insteadspendinghoursfiguringitout.Foronething,IwasinRio andAmadolivedinBahia.Inanycase,Ineverwantedtocollaboratewithanauthoras sometranslatorsdid;theEnglishversionwasmyresponsibilityalone.(True,Gilberto Freyre liked to read drafts, but only infrequently suggested a change.) With Amado, indecentlanguagewassometimesadifficulty.Colleaguesteasedme. 7–Howwasthereceptionof“TentofMiracles”intheUSA? Afterthesuccessof Gabriela ,Amadowasverypopularhere,thoughneverenoughto please Alfred. We got glowing reviews and most of the novels were published in paperbackbyAvon. 8–WhatdidKnopflikeaboutAmado? OnetraitAmadoandKnopfhadincommonwasloyaltytotheirfriends–and[they] wereequallyloyal[toeachother].Knopf’sfriendshipwithFreyrewasolder,butKnopf andAmadowroteandvisitedmore.

189