As Divergências Em Análises Fonológicas Para O Ikpeng (Karib) Divergences in Phonological Analysis for Ikpeng (Karib)
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DOI: 10.18468/rbli.2018v1n2.p19-35 19 As divergências em análises fonológicas para o Ikpeng (Karib) Divergences in phonological analysis for Ikpeng (Karib) Amanda Dias do Nascimento Universidade Federal do Amapá1 Angela Fabiola Alves Chagas Universide Federal do Pará2 Eduardo Alves Vasconcelos Universiadade Federal do Amapá3 Resumo. Esse estudo tem por objetivo apontar as divergências encontradas nas análises fonológicas para a Língua Ikpeng (Família Karib, ramo pekodiano), que é falada por aproximadamente 500 pessoas que vivem em quatro aldeias no Parque Indígena do Xingu (PIX), Mato Grosso. A fonologia da língua Ikpeng foi discutida por Emmerich (1972), Campetela (1997) e Pachêco (2001). Entre essas análises, há diferenças tanto do número de fonemas como na distribuição de alofones. Em síntese, essas análises divergem quanto: ao status fonológico da consoante [b] e da distribuição dos alofones bilabiais entre /p/ e /w/; o status fonológico dos glides /w/ e /j/; a proposição de um fonema africado /ʧ/; e, por fim, o status da oposição entre as velares /k/ e /g/. Para realizar essa análise, foram utilizados os dados disponíveis nos textos desses pesquisadores, acrescentando exemplos extraídos de dez narrativas tradicionais gravadas por Chagas entre 2009-2015 e transcritas por professores e outros membros da comunidade Ikpeng. Palavras-chave: Língua Ikpeng; Família Karib; Fonologia. Abstract. This study aims to show the differences observed in the phonological analysis for the Ikpeng Language (Karíb Family, Pekodian branch), which is spoken by approximately 500 people who lives in four villages in the Parque Indígena do Xingu (PIX), Mato Grosso. The phonology of the Ikpeng language was discussed by Emmerich (1972), Campetela (1997) and Pachêco (2001). Among these analyzes, there are differences in the number of phonemes and in the distribution of allophones. In summary, these analyzes differ as to: the phonological status of consonant [b] and the distribution of bilabial allophones between / p / and / w /; the phonological status of the glides / w / and / j /; the proposition of a affricate phoneme / ʧ /; and, finally, the status of the opposition between the velars / k / and / g /. To perform this analysis, the data available in the texts of these researchers were used, adding examples extracted from ten traditional narratives recorded by Chagas between 2009-2015 and transcribed by teachers and others members of the Ikpeng people. Keywords: Ikpeng Language; Cariban family; Phonology. 1. Introdução A presente análise tem por objetivo discutir a fonologia da língua Ikpeng (Família Karib, ramo pekodiano), tendo como ponto de partida as divergências encontradas entras as propostas de Emmerich (1972), Campetela (1997) e Pachêco (2001), as quais elencamos a seguir: 1 Graduada em Letras Português/Inglês pela Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). 2 Professora do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Pará (PPGL/UFPA). 3 Professor do Programa de Pós-Graduação em Letras da Universidade Federal do Amapá (PPGLET/UNIFAP). Revista Brasileira de Línguas Indígenas - RBLI https://periodicos.unifap.br/index.php/linguasindigenas ISSN 2595-685X Macapá, v. 1, n. 2, p. 19-35, jul./dez. 2018 20 i. Status da consoante [b], considerada um fonema na análise de Emmerich (1972) e um alofone de /w/ e de /p/ em Campetela (1997) e Pachêco (2001); ii. Acresce-se à divergência de (i) a distribuição das consoantes fricativas labiais [] e []. Essa última corresponde a [pʰ] por Emmerich (1972), realizada somente da vogal posterior [u]. iii. Proposição, por Pachêco (2001) e Campetela (1997), de um fonema /ʧ/, que Emmerich (1972) analisa como a realização de /t/ diante da vogal /i/; iv. Status fonológico e processos morfofonológicos relacionados às consoantes obstruintes velares /g/ e /k/; v. Status fonológico /w/ e /j/ e suas relações com as vogais assilábicas [i] e [u], interpretados como vogais assilábicas por Emmerich (1972), como semivogais (ou semiconsoantes) em Campetela (1997) e, em Pachêco (2001), é inserida a diferenciação entre glides consonantais /y/ e /w/, portanto, fonemas, e glides derivados, [i] e [u], alofones dos fonemas /i/ e /u/, respectivamente. Os dados utilizados nessa investigação são oriundos de dissertações de mestrado – Emmerich (1972); Pachêco (1997); Campetela (1997) – e teses de doutorado – Pachêco (2001); Campetela (2002); Chagas (2013). Utilizaremos também dez narrativas gravadas por Chagas entre 2009-2015, transcritas por professores e outros representantes dos Ikpeng. O povo Ikpeng se distribui em quatro aldeias – Arawo, Rayo, Tupara e Moygu – no Parque Indígena do Xingu (PIX), onde vive desde 1967. Segundo dados do Siasi/Sesai (disponível no site do ISA)4, em 2014, a população Ikpeng contava com 477 indivíduos. 2. Propostas fonológicas apresentadas à Língua Ikpeng Nessa seção, discutiremos as divergências entre as análises, buscando identificar os seus status fonológicos. Para cada caso, apresentaremos uma síntese das propostas das três análises, como forma de comparar as semelhanças e as diferenças presentes nessas propostas. Em seguida, apresentaremos os exemplos extraídos das narrativas coletadas e tratadas por Chagas, que possam corroborar uma das interpretações ou hipóteses alternativas. Segmento [b] A investigação de Emmerich (1972) é a única que aponta /b/ como fonema, com os alofones [b̭]5 e [], os quais variam livremente em contexto intervocálico. (01) ['bet] ~ ['et] ‘tua coxa’ (EMMERICH, 1972, p. 8) (02) [aba'nãn] ~ [aa'nãn] ‘tua orelha’ (EMMERICH, 1972, p. 8) (03) [aa'but] ~ [aa'ut] ‘ele briga’ (EMMERICH, 1972, p. 8) 4 https://pib.socioambiental.org/pt/povo/ikpeng/608 5 Segundo a autora [b̭] “oclusiva bilabial, sonora, lenis, explodida” (Emmerich, 1972, p. 8) Revista Brasileira de Línguas Indígenas - RBLI https://periodicos.unifap.br/index.php/linguasindigenas ISSN 2595-685X Macapá, v. 1, n. 2, p. 19-35, jul./dez. 2018 21 As relações opositivas entre os segmentos /p/ e /b/ foram reafirmadas através dos seguintes pares mínimos e análogos: /p/ – /b/ (04.a) /uapon/ [ua'põn] ‘tua borduna’ (EMMERICH, 1972, p. 24) (04.b) /uabon/ [ua'õn] ‘tua pena’ (EMMERICH, 1972, p. 24) (05.a) /parapi/ [paa'pi] ‘borboleta’ (EMMERICH, 1972, p. 25) (05.b) /arabi/ [aa'i] ‘feijão’ (EMMERICH, 1972, p. 25) Um dos elementos importantes nessa análise é a oposição dos traços tenso vs. lenis que distingue os fonemas oclusivos desvozeados, marcado como tenso, dos vozeados, marcado como lenis6. Assim, Emmerich (1972) propõe um fone oclusivo bilabial vozeado com tensão [b] com ocorrência registrada somente diante de líquidas e, por este fato, atribuído ao fonema /p/ sob a justificativa de que sua sonoridade é resultado da assimilação do ambiente fonológico. (06) ['b] ‘flecha dele’ (EMMERICH, 1972, p. 8) (07) ['bl] ‘eu me banhei’ (EMMERICH, 1972, p. 8) A reanálise de Campetela (1997) não interpreta [b] como fonema, além de não considerar relevante a oposição tenso vs. lenis empregada por Emmerich (1972), buscando “demonstrar a irrelevância da subdivisão de /p/ em /p/ e /b/” (CAMPETELA, 1997, p. 30). Na sua distribuição de alofones, a pesquisadora identifica somente o fone [b], que se realiza diante de líquidas, conforme observamos no exemplo (08.a). Por conta do seu padrão distribucional, [b] foi incorporado ao conjunto de alofones de /p/, como uma realização desse fonema quando precedendo consoantes líquidas, exemplos (08.b) e (08.c). Quanto à fricativa bilabial sonora [β], em Emmerich (1972), alofone de /b/, é interpretada por Campetela (1997) como alofone do glide /w/. (08.a) [obo] ‘suas nádegas’ (CAMPETELA, 1997, p. 31) (08.b) [maep] ‘você chega’ (CAMPETELA, 1997, p. 31) (08.c) [maebl] ‘você chegou’ (CAMPETELA, 1997, p. 31) A proposta de Pachêco (2001, p. 37) segue Campetela (1997) quanto à interpretação do fone [b], visto que a oclusiva bilabial sonora é compreendida como alofone de /p/ diante de consoantes líquidas, como é possível constatar no exemplo (09). Já a fricativa bilabial sonora [] figura tanto entre os alofones de /p/ como de /w/, nos dois casos em contextos intervocálicos. Mais adiante faremos uma discussão específica sobre a fricativa []. (09) /karepl/ [kaeb'l] ‘eu cheguei’ (PACHÊCO, 2001, p. 37) 6 O traço tense/lax é proposto por Jakobson, Fant & Halle (1952). As consoantes lenis são aquelas marcada como [lax], enquanto as consoantes fortis são marcadas por [tense]. Câmara Jr. (1972), traduz esse traço como tenso/frouxo. Revista Brasileira de Línguas Indígenas - RBLI https://periodicos.unifap.br/index.php/linguasindigenas ISSN 2595-685X Macapá, v. 1, n. 2, p. 19-35, jul./dez. 2018 22 Para este segmento foram apresentadas duas propostas, a de Emmerich (1972), em que /b/ é um fonema, e Campetela (1997), corroborada por Pachêco (2001), em que [b] é um alofone de /p/ diante de líquidas. Para essa discussão, apresentamos os exemplos encontrados nas narrativas interlinearizadas7 por Chagas: (10) – ïprï ime! 8 ['br] ['m] ï-ip-rï ime 1P-flecha-gen. mãe ‘quero minha flecha, mãe!’ (WAYMAN MÏRAN - HISTÓRIA DO JABUTI) (11) – werangoplï, werangoplï ! [we.rã.o'bl] [we.rã.o'bl] wï-rangop-lï wï-rangop-lï 2A>1P-assustar-PAS.IM 2A>1P-assustar-PAS.IM ‘você me assustou, você me assustou!’ (OKOLOY MÏRAN - HISTÓRIA DO MEL) (12) – yïnkïlï otkanoplan [y.k'l] [at.kã.no'blãn] y-ïnkï-lï ot-kanop-lan 3P-dormir-PAS.IM INTR-pensar-PAS.IM ‘(ele) pensou que ela tinha dormido’ (RERE MÏRAN - HISTÓRIA DO MORCEGO) (13) – ompro na ïgerap [õm'b] ['na] [.e'ap] ompro ïna ï-ge-rap você para 1Sp-dizer-***9 ‘vou contar para você (COMO SE FAZ BORDUNA) Nesses exemplos (10-13), temos a ocorrência do fone [b] em posição de ataque ramificado com consoantes líquidas, /ɾ/ e /l/, formando sílabas do tipo [CCV]. Nesses exemplos, podemos observar que o fone [b] ocorre em fronteira de morfema, quando um morfema terminado em /p/ se concatena a morfemas iniciados em consoantes líquidas / ɾ / e /l/, as quais possuem o traço [+vozeado]. Em (11), por exemplo, quando o radical terminado em /p/ recebe o morfema indicador de passado imediato, {-l}, o fonema [- vozeado] assimila o traço de vozeamento da consoante líquida /l/ e então passa a se realizar como o segmento oclusivo bilabial vozeado [b].