UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO

BÁRBARA CRISTINA DA SILVA SOUSA

PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA OFERTA DA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS EM DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE: ESTUDO SOBRE O PROGRAMA SE LIGA DO INSTITUTO

VITÓRIA 2019

BÁRBARA CRISTINA DA SILVA SOUSA

PARCERIA PÚBLICO-PRIVADA NA OFERTA DA ALFABETIZAÇÃO DE CRIANÇAS EM DISTORÇÃO IDADE-SÉRIE: ESTUDO SOBRE O PROGRAMA SE LIGA DO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, na linha de pesquisa Educação e Linguagens. Orientadora: Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo

VITÓRIA 2019

Ficha catalográfica disponibilizada pelo Sistema Integrado de Bibliotecas - SIBI/UFES e elaborada pelo autor

Sousa, Bárbara Cristina da Silva, 1989- S725p Parceria público-privada na oferta da alfabetização de crianças em distorção idade série : estudo sobre o programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna / Bárbara Cristina da Silva Sousa. - 2019. 151 f. : il.

Orientadora: Cláudia Maria Mendes Gontijo. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Educação.

1. Alfabetização. 2. Instituto Ayrton Senna. 3. Programa Se Liga. 4. Aceleração da aprendizagem. I. Gontijo, Cláudia Maria Mendes. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Educação. III. Título. CDU: 37

No breve sonho, havia sorrisos e um olhar terno. Aquele sorriso maroto, no canto da boca, e o olhar, aquele olhar em tom vibrante e intenso que logo em seguida suavizou, mudando de cor, de intensidade, se enchendo de confiança e amor, muito amor.

Ao meu amado pai (In memoriam)

AGRADECIMENTOS

A Deus e aos meus pais, Pedro (in memoriam), meu primeiro incentivador, e Angela, que sempre está ao meu lado, me apoiando e incentivando.

Ao meu marido Wallas, por estar ao meu lado em todos os dias desse processo, me amando e compreendendo.

Aos meus irmãos Pedro Lucas e Hebert, com gratidão extra a Bia e Sthefany, que me escutaram, incentivaram, não me deixaram desistir; mesmo compartilhando momento de extrema dor, não me deixaram só.

Às minhas tias Jeciara e Maria Lúcia; aos meus sobrinhos Maria Eduarda, Yasmin, Guilherme Lucas, Miguel, Isadora, Sofia, Vinícius, Isabela, Laura e Oliver, por cada momento de carinho, de alegria, de vida ao lado de vocês.

À minha amiga Raquel, minha amiga, irmã e comadre, pela escuta atenta e pelo apoio incondicional. Às minhas amigas Tatiana, Dagmar, Gisela, Cláudia, Márcia, Flávia, Mikaele, pelo incentivo e pela compreensão muitas vezes quanto a minhas ausências.

À Camila e à Flávia, que estiveram ao meu lado no pior momento e não me deixaram parar.

Aos amigos Steferson, Nayara, Camila, José Raimundo, Monique, Martinho, Fabrícia, pela parceria e atenção durante os dias de estudos, pesquisa, sorrisos, lágrimas e cafés.

Aos colegas e amigos da linha de pesquisa Educação e Linguagens, Thaynara, Paola, Debora, Felipe, Lívia, Danilo, Danieli, pela partilha de conhecimentos, pelo aprendizado mútuo, pelos união e pelo apoio durante todo o período do curso, sem esquecer da nossa querida Tiana.

Aos integrantes do Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo, pelas contribuições para o trabalho.

Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, pela oferta do curso.

À Virgínia, pelo carinho e parceria no processo atento de revisão.

Às professoras Dania Monteiro Vieira Costa e Regina Godinho por suas valiosas contribuições no exame de qualificação. À professora Cleonara Maria Schwartz, por sua presença e contribuição, tanto no exame de qualificação quanto na banca de defesa, e às professoras Maria Amélia Dalvi Salgueiro e Fernanda Zanetti Becalli pela leitura atenciosa e pelo gentil aceite em compor a banca de defesa.

À professora Cláudia, pelo carinho, apoio, incentivo, pela compreensão e orientação para a realização deste trabalho. Sem a senhora, esse momento não teria se realizado. Meu muito obrigada!

Escrevo por teimosia, daquela que pode ser considerada o pior dos defeitos ou a melhor das qualidades. Daquela aliada à indignação diante de palavras acomodadas na inércia do "sempre foi assim e sempre será". Sim, escrevo por teimosia e pura desobediência. Teimosia subversiva, teimosia aprendida e aperfeiçoada no cotidiano em que o provisório conveniente é defendido como verdade absoluta e imutável. Teimosia surgida do medo do imposto, da estagnação e sustentada pela coragem do tentar e do possível. Seguimos na teimosia...

RESUMO

A presente investigação integra estudos realizados e em andamento no âmbito da linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo e do Grupo de Pesquisa Alfabetização, Leitura e Escrita, coordenado pela Profª Drª Cláudia Maria Mendes Gontijo e do Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo (Nepales). Fundamentado na filosofia de linguagem, elaborada por Mikhail M. Bakhtin, a pesquisa de cunho documental objetivou, de forma geral, compreender a proposta pedagógica de alfabetização concretizada nos cadernos intitulados Livro do professor e Língua Portuguesa, publicados em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna. Discute a alfabetização em turmas de aceleração da aprendizagem de crianças em distorção idade-série e as influências da lógica neoliberal na ampliação da atuação de instituições privadas, como o Instituto Ayrton Senna, nas políticas sociais, especificamente relacionadas à educação pública. Considera que, mesmo em meio a discursos que aparentemente constituem pauta comum em defesa da qualidade da educação, suas ações se alinham ao atendimento das demandas do mercado capitalista e às exigências de organismos internacionais, com a materialização de propostas didático-pedagógicas que promovem a manutenção da ordem social vigente, o controle do trabalho docente e o distanciamento do caráter político da alfabetização. Palavras-chave: Alfabetização. Instituto Ayrton Senna. Programa Se Liga. Aceleração da aprendizagem.

ABSTRACT

This research integrates studies carried out and underway within the scope of the Education and Languages research line of the Graduate Program in Education of the Federal University of Espírito Santo and the Literacy, Reading and Writing Research Group, coordinated by Mrs. Cláudia Maria Mendes Gontijo and the Center for Studies and Research on Literacy, Reading and Writing in Espírito Santo (NEPALES). Based on the philosophy of language elaborated by Mikhail M. Bakhtin, the documentary research aimed, in general, to understand the pedagogical proposal of literacy realized in the notebooks titled Teacher's Book and Portuguese Language, published in 2012, to subsidize the literacy practices of children in learning acceleration classes linked to the Ayrton Senna Institute's Se Liga program. It discusses literacy in accelerating learning classes of children in grade-age distortion and the influences of neoliberal logic in expanding the performance of private institutions, such as the Ayrton Senna Institute, in social policies specifically related to public education. Believes that even amid discourses apparently constitute a common agenda in defense of the quality of education, its actions are aligned with meeting the demands of the capitalist market and the demands of international organizations, with the materialization of didactic-pedagogical proposals that promote the maintenance of order. social policy, the control of teaching work and the distancing of the political character of literacy.

Keywords: Literacy. Ayrton Senna Institute. Program Turns On. Acceleration of learning.

LISTA DE FIGURAS

Figura 1 – Capas dos livros do programa Se Liga (Coleção Alfabetização) ...... 42 Figura 2 – Contracapas dos livros do programa Se Liga (Coleção Alfabetização) .... 44 Figura 3 – Sumário do Livro do professor ...... 45 Figura 4 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 1 ...... 47 Figura 5 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 2 ...... 48 Figura 6 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 3 ...... 49 Figura 7 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 4 ...... 50 Figura 8 – Ícones no livro Língua Portuguesa ...... 52 Figura 9 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 1 (Livro do Professor) ...... 89 Figura 10 – Aula 1: Cada nome tem uma história (Caderno Língua Portuguesa) ..... 90 Figura 11 – Rotina diária e semanal (Livro do Professor) ...... 93 Figura 12 – Rotina diária (Livro do Professor) ...... 94 Figura 13 – Rotina diária (Livro do Professor) ...... 95 Figura 14 – Rotina diária e rotina semanal (Livro do professor) ...... 96 Figura 15 – Opção metodológica: gêneros textuais e sequência didática (Gêneros textuais no Livro do Professor) ...... 102 Figura 16 – Gêneros textuais: o texto como unidade de ensino; sequências didáticas; análise e reflexão sobre a língua (Livro do Professor) ...... 103 Figura 17 – Análise e reflexão sobre a língua; a mediação do professor em destaque (Livro do Professor) ...... 104 Figura 18 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 5 (Livro do Professor) ...... 108 Figura 19 – Aula 5: Bilhetinhos (Parte 1 – Caderno Língua Portuguesa) ...... 109 Figura 20 – Aula 5: Bilhetinhos (Parte 2 – Caderno Língua Portuguesa) ...... 110 Figura 21 – Aula 5: Bilhetinhos (Parte 3 – Caderno Língua Portuguesa) ...... 111 Figura 22 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 13 (Parte 1 – Livro do Professor) ...... 114 Figura 23 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 13 (Parte 2 – Livro do Professor) ...... 115 Figura 24 – Aula 13: Bilhetinho secreto (Parte 1 – Caderno Língua Portuguesa) ... 116 Figura 25 – Aula 13: Bilhetinho secreto (Parte 2 – Caderno Língua Portuguesa) ... 117

Figura 26 – A alfabetização no Se Liga (Parte 1 – Livro do Professor) ...... 121 Figura 27 – A alfabetização no Se Liga (Parte 1 – Livro do Professor) ...... 122 Figura 28 – Orientações específicas para cada unidade (Aula 14 – Livro do Professor) ...... 125 Figura 29 – Aula 14: Reescrevendo o bilhete (Caderno Língua Portuguesa) ...... 126 Figura 30 – Quadro de distribuição de unidades de Língua Portuguesa (Livro do Professor) ...... 128 Figura 31 – Estrutura do material de Língua Portuguesa e organização das sequências didáticas (Parte 1 – Livro do Professor) ...... 130 Figura 32 – Estrutura do material de Língua Portuguesa e organização das sequências didáticas (Parte 1 – Livro do Professor) ...... 131 Figura 33 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 1 – Livro do Professor) ...... 133 Figura 34 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 2 – Livro do Professor) ...... 134 Figura 35 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 3 – Livro do Professor) ...... 135 Figura 36 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 4 – Livro do Professor) ...... 136 Figura 37 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 5 – Livro do Professor) ...... 137

LISTA DE TABELAS

Tabela 1 – Habilidades de leitura da Unidade 1 e o/os aspecto/s linguístico/s a que ela atende ...... 139 Tabela 2 – Habilidades de escrita da Unidade 1 e o/os aspecto/s linguístico/s a que ela atende ...... 139 Tabela 3 – Habilidades de oralidade da Unidade 1 e o/os aspecto/s linguístico/s a que ela atende ...... 139

LISTA DE SIGLAS

Abong Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais BM Banco Mundial Capes Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior Ceteb Centro de ensino Tecnológico de Brasília CFE Conselho Federal de Educação Gepalp Grupo de Estudos e Pesquisas em Processos de Apropriação da Língua Portuguesa GT Grupo de Trabalho IAS Instituto Ayrton Senna LDB Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Nepales Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo ONG Organização Não Governamental PAD Programa de Aprimoramento Discente PDRAE Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado PMB Prefeitura Municipal de Benevides PNE Plano Nacional de Educação PPE Projeto Principal em Educação para a América Latina e o Caribe PPGE/UFES Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo Siasi Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação Unesco Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

SUMÁRIO

1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS ...... 14 2 REVISÃO DE LITERATURA ...... 19 3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS ...... 31 3.1 METODOLOGIA DE PESQUISA ...... 36 3.1.1 Corpus da pesquisa ...... 40 4 O INSTITUTO AYRTON SENNA E SUA RELAÇÃO COM O CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO...... 54 5 DIÁLOGOS COM OS CADERNOS DO PROGRAMA ...... 80 6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...... 142 REFERÊNCIAS ...... 146

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1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Esta pesquisa tem relação com minha trajetória acadêmica e profissional, que foi marcada, de maneira significativa, pela participação como bolsista do Programa de Aprimoramento Discente (PAD) no Núcleo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita do Espírito Santo (Nepales); no Grupo de Estudos e Pesquisas em Processos de Apropriação da Língua Portuguesa (Gepalp), coordenado pela professora Doutora Regina Godinho de Alcântara e pelo professor Doutor Vanildo Stieg; no Grupo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita, coordenado pela professora Doutora Cláudia Maria Mendes Gontijo, e, posteriormente, pela minha atuação como professora da Rede Municipal de Educação de Cariacica/ES, em uma turma multisseriada, na região rural do município.

Os encontros de estudos e pesquisas possibilitaram a vivência de diferentes momentos de diálogos e interlocuções, nos quais fui afetada por inúmeras problemáticas e indagações acerca do ensino da leitura e da escrita da língua materna, oportunizando, desse modo, minha inserção em um amplo movimento de pesquisa, realizado pela linha de pesquisa Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES), tendo a alfabetização de crianças como um dos principais focos de investigação.

Em um dos encontros do Grupo de Estudos e Pesquisas em Alfabetização, Leitura e Escrita, nos detivemos na leitura do Relatório de Pesquisa intitulado Alfabetização no Brasil e no Espírito Santo no período de 1985 a 2003, de autoria da professora Doutora Cláudia Maria Mendes Gontijo. O estudo do relatório provocou o interesse em investigar as iniciativas governamentais para a correção da distorção idade/série no ensino fundamental, principalmente em turmas de alfabetização, e as parcerias firmadas com a iniciativa privada. Ademais, o fato de o município em que atuo já ter firmado uma parceria dessa natureza com o Instituto Ayrton Senna, no início da década de 2010, despertou o interesse ainda maior pela realização do estudo sobre o programa Se Liga, do mesmo Instituto.

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O referido relatório permitiu conhecer aspectos da história da alfabetização no Brasil e no Espírito Santo, como também propiciou identificar a criação de programas destinados à correção do fluxo escolar.

Na segunda metade da década de 1990, programas foram implementados pelo Governo Federal com a finalidade de universalizar a educação, particularmente o ensino fundamental. Nesse contexto, a universalização dependia principalmente da correção do fluxo escolar, dificultado pelo alto índice de repetência, particularmente na 1ª série do ensino fundamental (GONTIJO, 2016, p. 69).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que, em seu art. 24, assegurou a possibilidade de “[...] aceleração de estudos para alunos com atraso escolar [...]” (BRASIL, 1996), foi o amparo legal que oportunizou a promoção das crianças em qualquer época do ano e a criação de programas de aceleração da aprendizagem, com destaque na atuação da iniciativa privada, que passou a ditar os conteúdos a serem desenvolvidos, os modos como seriam ensinados e a avaliação da aprendizagem nas escolas públicas (GONTIJO, 2016, p. 76).

A alfabetização tornou-se, desde a década de 1960, uma evidente preocupação, inclusive de organismos internacionais, pois era vista como requisito para o desenvolvimento nacional, diante de relevantes mudanças no campo científico e tecnológico, e para a reestruturação da economia. Gontijo aponta que, diante de tal conjuntura, “[...] o conceito de alfabetização funcional ganha relevo. Assim, a alfabetização não pode ser considerada um fim em si mesma, mas deve preparar o homem para desempenhar um papel social, cívico e econômico na sociedade [...]” (GONTIJO, 2014, p. 19). No entanto, apesar do aumento de iniciativas voltadas para a melhoria dos índices referentes à educação básica,

[...] o aumento das taxas de analfabetismo mundiais leva consequentemente à suposição de que a escola, por não conseguir proporcionar a aprendizagem, da leitura, da escrita e do cálculo, é também incapaz de promover o desenvolvimento de aprendizagens mais complexas que demanda a sociedade [...] (GONTIJO, 2014, p. 8).

Percebemos então o cenário em que a aceleração da aprendizagem entrou como alternativa para o enfretamento do problema relacionado à distorção idade/série, perante o desafio de ampliação da oferta do ensino fundamental. Para atender à

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nova demanda, a parceria com a iniciativa privada recebeu incentivo do governo federal.

Dos programas de aceleração da aprendizagem, o Acelera Brasil, criado pelo Instituto Ayrton, conforme Gontijo (2016, p. 81), “[...] tinha como objetivo atuar nos municípios e estados corrigindo o fluxo escolar [...]”. As parcerias realizadas permitiram, no ano de 1999, o envolvimento de 14 estados brasileiros. O programa Acelera Brasil tem como público-alvo alunos alfabetizados de 9 a 14 anos de idade, matriculados prioritariamente no 3º e 4º anos do ensino fundamental. Em 1999, foi criado o programa Se Liga, que objetiva alfabetizar alunos com distorção idade/série, matriculados até o 5º ano do ensino fundamental (PROGRAMAS, acesso em 30 jul. 2018).

Como assinalado, esses programas de aceleração da aprendizagem foram realizados mediante celebração de parcerias público-privadas. A iniciativa privada passou a determinar objetivos, conteúdos, procedimentos de ensino e avaliação na esfera pública. Sendo assim, indagamos sobre as propostas didático-pedagógicas de alfabetização adotadas nas turmas de aceleração da aprendizagem.

No que se refere a outros programas da mesma natureza, Gontijo (2014, p. 130) assinala que “[...] é possível notar um empobrecimento nos conhecimentos que serão aprendidos pelas crianças na fase inicial da escolarização [...]”. Com fundamento nessa afirmativa, podemos formular as seguintes questões: que conhecimentos têm sido priorizados? Que conceito de alfabetização embasa tais propostas? Para atender a que demanda da sociedade esses sujeitos são formados? Quais interesses político-ideológicos têm motivado a atuação, cada vez mais intensa, da iniciativa privada nas escolas públicas?

Para Bakhtin (2014, p. 64), “[...] cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória [...]”, disso a importância de pensar a escolha de uma ou outra proposta pedagógica. Desse modo, neste projeto, objetivamos, de forma geral, compreender a proposta pedagógica de alfabetização concretizada nos cadernos intitulados Livro do professor e Língua Portuguesa, publicados em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem vinculadas ao

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programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna. Para o alcance desse objetivo, em termos específicos, será necessário:

a) situar o programa no contexto histórico e político; b) discutir sobre as influências do mercado econômico para a execução dos programas de alfabetização e correção de fluxo escolar do Instituto Ayrton Senna; c) problematizar a/as concepção/concepções de alfabetização que subsidia/m os cadernos.

Para tanto, apresentamos nossos caminhos investigativos que inicialmente dialogam com as produções elaboradas sobre nosso objeto de estudo. Esse movimento demonstrou a pertinência do estudo proposto, considerando a ausência de pesquisas com o enfoque no material utilizado para a alfabetização de crianças nas turmas vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna. Ao mesmo tempo, proporcionou nosso excedente de visão, tendo em vista que os enunciados consolidados na produção acadêmica não são isolados e, por isso, devem ser compreendidos em seu contexto amplo.

Posteriormente delineamos nosso referencial teórico e metodológico, ancorado na perspectiva dialógica de linguagem, elaborada por Mikhail Bakhtin e seu Círculo, em diálogo com as contribuições de Gontijo (2008, 2014, 2016), Soares (1985, 2004) e Mortatti (2000, 2010) acerca da alfabetização. Em termos metodológicos, buscamos compreender a noção de “documento”, a partir das contribuições de Le Goff (1990). Em seguida, apresentamos nosso corpus analítico, que abarca dois livros voltados para a alfabetização em turmas de aceleração da aprendizagem, intitulados Livro do Professor e Língua Portuguesa, destinados aos alunos.

Na quarta seção, discutimos o percurso histórico que possibilitou e possibilita a atuação do Instituto Ayrton Senna, como representante do terceiro setor, na alfabetização e correção de fluxo escolar em escolas públicas brasileiras, fundamentado na lógica gerencial empresarial. Nessa seção, iniciamos com o diálogo acerca do contexto mais amplo de avanço das políticas neoliberais nos diferentes âmbitos da sociedade, para assim discutirmos sobre como tais políticas

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tornam-se base para a elaboração de propostas educacionais por parte do Instituto Ayrton Senna, em atendimento às exigências do mercado econômico.

Em seguida, passamos para o processo de compreensão ativa e responsiva dos cadernos Livro do Professor e Língua Portuguesa, problematizando as propostas didático-pedagógicas materializadas nos cadernos que fundamentam o trabalho com a alfabetização de crianças em distorção idade-série, em turmas de aceleração da aprendizagem, com vistas à correção do fluxo escolar.

Por fim, em nossas considerações finais, por meio de nossas contrapalavras, apontamos a (in)conclusão de nossa investigação, tendo em vista os diferentes diálogos possíveis que ainda podemos estabelecer acerca da atuação de iniciativas privadas na educação pública, em especial na alfabetização de crianças em distorção idade-série, e as ideologias que esses agentes têm disseminando para legitimar sua atuação e contribuir para manter a ordem social de desigualdade e de responsabilização dos sujeitos pelos fracassos sociais.

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2 REVISÃO DE LITERATURA

Segundo Gontijo (2016, p. 15, grifo da autora), “[...] durante as décadas de 1980 e 1990, o Brasil passou a constituir suas políticas de educação, em grande medida, visando o combate à repetência e à evasão [...]”. Ainda para Gontijo (2016), esse movimento foi impulsionado em atenção às orientações resultantes das reuniões coordenadas pelo Comitê Regional Intergovernamental do Projeto Principal em Educação para a América Latina e o Caribe (PPE), elaborado pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).

Diante do exposto, a educação básica se tornou prioridade do Ministério da Educação que, principalmente durante a década de 1990, implementou programas voltados para a universalização do ensino fundamental, com atenção especial à correção da distorção idade/série, uma vez que essa questão estava estreitamente relacionada com os índices de fracasso e abandono escolar.

Gontijo (2016) assinala que tal distorção foi considerada um problema educacional a ser solucionado. Devido à emergência de liberação de vagas para crianças ainda fora da escola, a correção desse fluxo se apresentou como prioritária no bojo das políticas educacionais da década de 1990, principalmente das políticas vinculadas ao programa Toda Criança na Escola. Um dos objetivos do programa era “[...] garantir o fluxo escolar de modo que as vagas fossem liberadas para novos ingressos, sem aumento de número de escolas [...]” (GONTIJO, 2016, p. 75).

Nesse contexto, se estabeleceu a atuação da iniciativa privada, destinada a programas de aceleração da aprendizagem na educação pública brasileira, com o objetivo de propiciar a correção da distorção idade/série por intermédio de parcerias entre o poder público e o Instituto Ayrton Senna (IAS), principal representante da iniciativa privada nesse tipo de ação, visto que seus programas Acelera Brasil (1997) e Se Liga (1999) atingiram grande abrangência no país.

Viviane Senna Lalli, presidente do Instituto Ayrton Senna, no ano de 2000, publicou um artigo intitulado O Programa Acelera Brasil, apontando como principal objetivo do programa a “[...] intervenção nas políticas educacionais que tem como objetivo eliminar a cultura da repetência nas escolas [...]” (LALLI, 2000, p. 145). Segundo

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Gontijo (2016, p. 76), por meio de programas como esse, a iniciativa privada “[...] passou a ditar os conteúdos a serem desenvolvidos, os modos como seriam ensinados e a avaliação da aprendizagem em escolas públicas [...]”.

Tal cenário nos leva a atentar para a relevância do presente estudo, reiterando nossa finalidade de compreender a proposta pedagógica de alfabetização, concretizada no caderno com o título Língua Portuguesa, publicado em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem, vinculadas ao programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna.

Os conceitos e as concepções de alfabetização que têm subsidiado as políticas públicas de alfabetização, assim como programas educacionais voltados para esse processo, têm sido investigados por diferentes pesquisadores da linha Educação e Linguagens do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGE/UFES). Entre eles, podemos destacar as pesquisas que tiveram como tema os programas de formação de professores alfabetizadores — Becalli (2007; 2013), Antunes (2015), Costa (2014), Ferreira (2015), Loose (2016) e Costa (2017); os livros didáticos de alfabetização — Alcântara (2014) e Cornélio (2015) — e a avaliação da alfabetização — Endlich (2014), Côco (2014), Pereira (2015) e R. T. Gonçalves (2015).

Neste estudo, pautado nos pressupostos teórico-metodológicos da perspectiva bakhtiniana de linguagem, entendemos que estamos inseridos em uma cadeia dialógica de enunciados inter-relacionados. Dessa forma, compreendemos a importância da revisão de literatura, pois essa revisão evidencia como nossos enunciados são constituídos e perpassados por outros elos dialógicos. Afinal, conforme Bakhtin (2011, p. 371),

[...] não pode haver enunciado isolado. Ele sempre pressupõe enunciados que o antecedem e o sucedem. Nenhum enunciado pode ser o primeiro ou o último. Ele é apenas o elo na cadeia e fora dessa cadeia não pode ser estudado [...].

Assim, nos colocamos em diálogo com esses outros enunciados produzidos por sujeitos que investigaram o Instituto Ayrton Senna e os programas Acelera Brasil e Se Liga, com a intenção de nos inserir nas discussões acerca da alfabetização e da proposta de aceleração da aprendizagem.

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Por meio de buscas no catálogo de teses da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), com a utilização de descritores como as palavras-chaves “Instituto Ayrton Senna”, “Programa Acelera Brasil”, “Programa Se Liga” e “Alfabetização e Aceleração da Aprendizagem”, identificamos sete trabalhos que tiveram como objeto de estudo o Instituto Ayrton Senna e seus programas Acelera Brasil e Se Liga, sendo duas teses de doutorado e cinco dissertações de mestrado. As produções selecionadas investigaram diretamente a atuação do Instituto Ayrton Senna por intermédio da análise dos programas mencionados.

Devido aos limites deste trabalho, optamos por não incluir em nosso arcabouço publicações em formato de artigos e livros, focalizando nos trabalhos publicados em formato de teses e dissertações de universidades públicas. Na Tabela 1, apresentamos os títulos das teses produzidas, distribuídas por autor, instituição e data da defesa.

Quadro 1 – Distribuição dos títulos das teses por autor, instituição e data de defesa Título Autor (a) Instituição Data

Relações público-privado na educação de Mato Maria Clara Ele Unicamp/São 2014 Grosso Amaral Paulo

A parceria público-privada do Instituto Ayrton Oneide Campos Pojo UFPA/Pará 2014 Senna e a Prefeitura Municipal de Benevides- PA: entre os desafios (pro)postos e os limites da realidade

Fonte: Elaboração da autora (2018).

No Quadro 1, constam as duas teses de doutorado encontradas, no portal da Capes, que investigaram os programas Acelera Brasil e Se Liga, ambos do Instituto Ayrton Senna. A tese intitulada Relações Público-Privado na Educação: estudo de dois programas educacionais no Estado de Mato Grosso, de autoria de Maria Clara Ele Amaral, foi defendida na Universidade Estadual de Campinas, no Estado de São Paulo, em 2014, mesmo ano de defesa da tese intitulada A parceria público-privada do Instituto Ayrton Senna e a Prefeitura Municipal de Benevides-PA: entre os desafios (pro)postos e os limites da realidade, de autoria de Oneide Campos Pojo, da Universidade Federal do Pará.

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O Quadro 2 apresenta a descrição dos títulos das dissertações, distribuídos por autor, instituição e data da defesa.

Quadro 2 – Distribuição dos títulos das dissertações por autor, instituição e data de defesa Título Autor (a) Instituição Data

A ação do Instituto Ayrton Senna na gestão das João Carlos Macieski Univali/ Santa 2010 políticas educacionais: alianças e legitimação Michel Catarina do gerencialismo na educação

O papel do terceiro setor nas políticas públicas a partir dos anos 1990 no Brasil [manuscrito]: Rozilane Soares do UFG/Goiás 2010 análise da parceria Instituto Ayrton Senna e Nascimento Queiroz Seduc –TO na oferta dos programas Se Liga e Acelera Brasil (2004 – 2009)

Terceiro setor e a educação: parceria entre o Débora Cristina UFMS/Mato 2015 instituto Ayrton Senna e a Secretaria Municipal Gonçalves Grosso do Sul de Educação de Campo Grande/MS

Jeane Cristina da UFMS/Mato O terceiro setor e a correção de fluxo escolar: Silva Oliveira de 2015 Grosso do Sul processo de exclusão branda? Souza

Produção acadêmica no Brasil sobre o Instituto Fernando Xavier Unifesp/São Ayrton Senna (2002-2015): características e 2016 Silva Paulo contribuições

Fonte: Elaboração da autora (2018).

A descrição das cinco dissertações de mestrado no Quadro 2 leva em conta o ano em que cada dissertação foi defendida. A dissertação intitulada A ação do Instituto Ayrton Senna na gestão das políticas educacionais: alianças e legitimação do gerencialismo na educação, de autoria de João Carlos Macieski Michel, da Universidade do Vale do Itajaí, Santa Cataria, foi defendida em 2010, mesmo ano de defesa da dissertação de mestrado produzida por Rozilane Soares do Nascimento Queiroz, da Universidade Federal de Goiás, com o título O papel do terceiro setor nas políticas públicas a partir dos anos 1990 no Brasil [manuscrito]: análise da parceria Instituto Ayrton Senna e Seduc –TO na oferta dos programas Se Liga e Acelera Brasil (2004 – 2009).

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Outras duas dissertações, expostas na Tabela 2, foram defendidas na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul, no ano de 2015. São elas a dissertação de autoria de Débora Cristina Gonçalves, denominada Terceiro setor e a educação: parceria entre o instituto Ayrton Senna e a Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS, e a dissertação nominada O terceiro setor e a correção de fluxo escolar: processo de exclusão branda?, de autoria de Jeane Cristina da Silva Oliveira de Souza. O trabalho mais recente, entre os trabalhos elencados para esta revisão, é a dissertação de mestrado Produção acadêmica no Brasil sobre o Instituto Ayrton Senna (2002-2015): características e contribuições. Seu autor Fernando Xavier Silva, realizou a defesa em 2016, na Universidade Federal de São Paulo.

Mediante as Tabelas 1 e 2, percebemos que todos os trabalhos foram defendidos a partir do início da segunda década dos anos 2000. Apesar de pesquisas, como a de Michel (2010) e Queiroz (2010), provavelmente terem sido iniciadas no final da primeira década dos anos 2000, devido ao período de duração de dois anos dos cursos de mestrado, tal constatação é pertinente, se considerarmos os anos de atuação do Instituto Ayrton Senna na educação pública. Essa atuação teve início em 1998 e, dessa forma, podemos inferir que, somente após 10 anos de atuação do Instituto, por intermédio de parceiras com Estados e municípios brasileiros, na implementação dos programas Acelera Brasil e Se Liga, é que começaram as investigações acadêmicas a respeito da instituição e seus programas voltados para a aceleração da aprendizagem.

Atualmente, o Instituto Ayrton Senna desenvolve um total de oito programas, por meio de parcerias com entidades do poder público: Educação Pelo Esporte (1995), Acelera Brasil (1997), Escola Campeã (2000), Se Liga (2001), Circuito Campeão (2003), Comunidade Conectada (2005), Gestão Nota 10 (2005) e Fórmula da Vitória (2009). Não podemos deixar de ressaltar que esses programas têm sido estudados por diferentes pesquisadores devido aos seus diversos desdobramentos na educação pública brasileira. No entanto, consideramos que os programas Acelera Brasil e Se Liga têm influenciado diretamente as práticas que contemplam o ensinar e o aprender da leitura e da escrita de crianças na fase de alfabetização, por isso voltamos nossa atenção para ambos.

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Os programas Acelera Brasil (1997) e Se Liga (2001) integram as ações da Rede Vencer que, de acordo com o Instituto Ayrton Senna (2017), trata de uma articulação de compromisso em prol da melhoria da qualidade da educação pública. Esse movimento é composto por ações que englobam, além dos programas Acelera Brasil e Se Liga, o programa Gestão Nota 10 e o programa Fórmula da Vitória, por isso compreendemos que não podemos isolar os programas Acelera Brasil e Se Liga, mas, ao contrário, é importante considerar seu contexto de implementação e sua real abrangência.

O diálogo com a produção de Silva (2016) nos permite compreender o contexto de ação do Instituto Ayrton Senna. Em sua dissertação de mestrado, o autor apresenta uma revisão bibliográfica sistemática da produção acadêmica sobre o Instituto Ayrton Senna. Sua produção se distingue das demais produções selecionadas, devido ao seu caráter exploratório acerca da atuação do Instituto, abrangendo sua história e o modo como as produções acadêmicas têm contemplado seus programas.

Na introdução da dissertação, Silva (2016) contextualiza o surgimento do Instituto Ayrton Senna como representante do terceiro setor. Destaca que as mudanças provocadas pelo plano Reforma do Aparelho do Estado, na década de 1990, propiciaram o avanço da atuação de organizações não governamentais na oferta de serviços antes exclusivos do Estado, como, no caso do Instituto Ayrton Senna, a educação.

O objetivo geral da pesquisa foi identificar características e contribuições da produção acadêmica sobre o Instituto Ayrton Senna, com foco nas análises dos resultados e das conclusões dos trabalhos que compuseram o escopo da pesquisa. Suas análises se pautaram nos pressupostos teóricos de Antonio Gramsci, em diálogo com Lúcia Maria Wanderley Neves e Ricardo Antunes.

Conforme o autor, por meio do processo de “publicização” — termo utilizado no documento do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, de 1995, para denominar o processo de descentralização dos serviços de caráter notadamente públicos —, a educação, a saúde, a cultura e a pesquisa científica passaram a poder ser executadas por agentes da esfera não estatal, mas com o subsídio do Estado.

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Acrescenta ainda que nem mesmo a alfabetização, que está estreitamente ligada ao processo de formação da identidade nacional e de socialização, tem sua oferta restrita ao poder público (SILVA, 2016).

Os resultados da sua investigação mostram que a maioria das pesquisas analisadas indica que as parcerias entre o Instituto Ayrton Senna e instituições públicas de ensino são parte de uma política mais ampla de redefinição do papel do Estado em relação aos direitos sociais, que tem buscado reforçar a hegemonia das classes dominantes no discurso sobre a educação pública e no espaço escolar.

Corroborando a aposta de que o Instituto Ayrton Senna faz parte de um movimento mais amplo de redefinição do papel do Estado, Michel (2010), em sua dissertação A ação do Instituto Ayrton Senna na gestão das políticas educacionais: alianças e legitimação do gerencialismo na educação, buscou analisar os contextos e textos que deram origem e sustentação à proposta de parceria do Instituto Ayrton Senna (IAS) e sua rede de alianças sociais estratégicas na gestão das políticas públicas educacionais brasileiras. Dissertou que, a partir da década de 1990, ocorreu o aumento das ações de organizações privadas voltadas para a gestão de políticas públicas para a educação brasileira e que o IAS se inseriu nesse movimento de circulação de ideias internacionais e de materialização da concepção neoliberal na educação pública.

Michel (2010, p. 28) assinala que “[...] o IAS foi concebido em um contexto bastante favorável para o surgimento das ONGs — Organizações Não Governamentais — tanto no contexto nacional, quanto internacional[...]”. Para ilustrar tal contexto, o autor aponta a influência da Associação Brasileira de Organizações Não Governamentais (Abong), iniciada também na década de 1990, que atuou para alavancar a representatividade das organizações não governamentais (ONGs) no campo político, frisando que seus princípios norteadores, assim como de seus associados, reproduzem “[...] discursos de organismos internacionais e hegemônicos que exercem influências sobre as políticas nacionais [...]” (MICHEL, 2010, p. 29), para os quais convergem, gerando também uma aproximação ideológica com uma finalidade: “[...] expandir as leis do capital para todas as instâncias da vida social [...]” (MICHEL, 2010, p. 32).

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Nesse sentido, “[...] na década de 1990, o contexto estava favorável para uma assimilação ideológica das teorias Neoliberais e da Terceira Via que comungavam do diagnóstico de que o culpado pela crise do capitalismo é o Estado [...]” (MICHEL, 2010, p. 33). O pesquisador ressalta ainda que as “[...] intenções do IAS denotam uma inclinação bem clara que corrobora o diagnóstico e a intenção neoliberal de desresponsabilizar o Estado” (MICHEL, 2010, p. 35) e que “[...] o projeto político brasileiro foi inspirado em modelos internacionais [...]” (MICHEL, 2010, p. 44).

Outro ponto relevante levantado por Michel (2010) refere-se à ideia de ressignificação sofrida pelo conceito de sociedade civil nesse momento histórico, salientando que a sociedade civil

[...] deixa de ser entendida como expressão da sociedade burguesa, dilacerada pelas contradições e conflitos entre capital e trabalho, um conceito, aliás, discutido por Marx, para ser entendida como expressão positiva da realização plena e democrática. O que fora um conceito crítico, tornou-se guia laudatório no vocabulário do liberalismo contemporâneo (MICHEL, 2010, p. 33).

Com esse redesenho e os novos marcos legais, a partir da Reforma do Aparelho do Estado da década de 1990, a sociedade civil organizada passou a ser representada pela classe empresarial

[...] que se dizem [grupos de elevado poder econômico] representantes das causas humanitárias e sociais e decidem acerca das políticas educacionais no país, inserindo efetivamente de maneira consentida pelo Estado a lógica do mercado na gestão pública [...] (MICHEL, 2010, p. 57).

Ademais, Michel (2010) demonstra que, devido à grande abrangência do método gerencial, a tendência foi de uma consolidação ainda mais intensa, no que se refere a atuação de organizações, como o IAS, no contexto das políticas educacionais no país, além da efetiva participação na circulação de “[...] ideias, recomendações e soluções para a educação do país, a partir de uma ampla rede de relacionamentos” (MICHEL, 2010, p. 96).

Silva (2016) e Michel (2010) não se detiveram em programas ou parcerias específicas entre o Instituto Ayrton Senna e entidades públicas. Eles buscaram, de maneira geral, compreender a inserção do Instituto Ayrton Senna no desenvolvimento de políticas voltadas para a educação pública brasileira,

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considerando sua abrangência e atuação nos diferente setores e segmentos da sociedade.

Tendo em vista que os programas desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna não devem ser analisados de forma isolada, mas compondo uma dinâmica maior em torno de ações voltadas para a intervenção no cotidiano escolar, percebemos esse olhar nas produções de Queiroz (2010), D. C. Gonçalves (2015) e Souza (2015) que problematizaram a atuação do Instituto Ayrton Senna como representante do terceiro setor nas políticas públicas educacionais, por meio de parcerias público/privadas.

Com o objetivo de compreender o papel do terceiro setor nas políticas públicas educacionais brasileiras, tendo como foco de estudo a parceria Instituto Ayrton Senna (IAS) e Seduc/TO na oferta dos programas de correção de fluxo escolar Se Liga e Acelera Brasil, Queiroz (2010) realizou uma investigação empírica, conciliando a análise bibliográfica e a documental. A autora relacionou a parceria público/privada a um contexto político, econômico e social mais amplo, discutindo o conceito de Estado e sua configuração assumida a partir da década de 1990, no bojo das ações voltadas para o atendimento das demandas do capitalismo. Salienta que essas parcerias respondem a uma nova forma de intervenção estatal — a responsabilidade social empresarial —, fazendo com que a escola seja subordinada à proposta neoliberal da lógica da gestão privada, o que vai na contramão da perspectiva da gestão democrática. Além disso, aponta para a necessidade de se rever a real contribuição dessas parcerias para a qualidade da educação.

Já o trabalho intitulado Terceiro setor e a educação: parceria entre o instituto Ayrton Senna e a Secretaria Municipal de Educação de Campo Grande/MS, de autoria de D. C. Gonçalves (2015), objetivou verificar as relações entre o setor público e o privado, com base nas novas concepções de Estado, geradas a partir da reforma do Estado proposta como solução para a crise do capitalismo, por intermédio da análise do programa Acelera Brasil no Município de Campo Grande/MS e de suas consequências nos índices de rendimento escolar do município.

A autora realizou uma pesquisa documental fundamentada na perspectiva histórico- dialética, com o intuito de identificar tanto os termos da parceria quanto seus impactos para a gestão escolar. Discutiu ainda sobre a redefinição do papel do

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Estado, a partir da reforma de 1995, e constatou que esse movimento intensificou ações de organizações civis nas políticas públicas, assim como na gestão educacional. Também afirmou que a intensa busca pela melhoria dos índices nas avaliações externas ampliou a busca, por parte dos municípios, por parcerias com o Instituto Ayrton Senna, devido às promessas de correção da distorção idade/série. No entanto, em suas considerações, demonstrou que as ações desenvolvidas não atenderam aos objetivos do próprio Instituto Ayrton Senna, pois essas eram apenas pontuais, não resolvendo o problema em longo prazo.

Por um viés diferente, Souza (2015) também discutiu a atuação do terceiro setor na educação pública, especificamente na correção do fluxo escolar, com a atuação do Instituto Ayrton Senna. Verificou se os programas do Instituto Ayrton Senna — Se Liga e Acelera Brasil — auxiliaram no decorrer da vida escolar dos alunos no ensino comum. Para tal, realizou uma pesquisa documental, analisando prontuários e documentos de alunos que tiveram seus estudos acelerados devido à participação nos referidos programas. Os resultados evidenciaram que o fracasso escolar não foi superado; pelo contrário, apontaram que a passagem dos alunos no programa de correção de fluxo tem se configurado em processo de exclusão branda desses sujeitos. A autora considera ainda essa política de correção de fluxo escolar como uma forma de mercantilização da educação.

Amaral (2014) e Pojo (2014) também se inserem nesse fluxo, ao analisar e problematizar as políticas públicas educacionais, considerando a redefinição do Estado e a atuação do terceiro setor. No entanto, delimitam seus objetos, ao especificarem o interesse de análise na implementação e no desenvolvimento de parcerias do Instituto Ayrton Senna com as entidades públicas.

Amaral (2014) analisou a implementação das parcerias de natureza público-privada, realizadas pela Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, no período de 2006 a 2008. Efetuou, assim, um estudo de caso, ancorado nos pressupostos metodológicos da análise de conteúdo em Bardin (2004 apud AMARAL, 2014) e Bourdieu (1992, 1997, 1998a, 1998b, 1998c, 2003 apud AMARAL, 2014). Sua investigação evidencia as contradições em torno da parceria entre a Secretaria de Estado de Educação de Mato Grosso, a Cesgranrio e o Instituto Ayrton Senna, mencionando a falta de transparência e a dificuldade de obtenção dos documentos

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acerca das colaborações. A autora salienta que as parcerias não garantem a melhoria da aprendizagem, porquanto elevam os índices, mas promovem a precarização e a intensificação do trabalho docente.

Pojo (2014), por sua vez, teve como objeto de estudo a parceria entre o Instituto Ayrton Senna e a Prefeitura Municipal de Benevides (PMB), executadas por meio dos programas Acelera Brasil e Se Liga. Também analisou o processo de interferência na política de educação municipal. Com isso, observou a implantação e o desenvolvimento dessa cooperação entre o IAS e a PMB, com vistas a compreender a dinâmica vivenciada pelos diferentes sujeitos envolvidos no processo, as relações construídas, suas formas de atuação e o significado da parceria para o município. Para tanto, lançou mão da pesquisa qualitativa, realizando, assim como Amaral (2014), um estudo de caso, mas com diferentes instrumentos de produção de dados, tais como a entrevista semiestruturada e a observação não participante, fundamentada pela perspectiva teórica e metodológica do materialismo dialético.

Em suas considerações, no que diz respeito à precarização e à intensificação do trabalho, Pojo (2014) vai ao encontro das colocações de Amaral (2014). Segundo Pojo (2014), a busca intensa pela melhoria dos índices prioriza ações pautadas em critérios gerenciais voltados para o aumento da competitividade entre as instituições públicas, impactando diretamente no trabalho docente e impossibilitando vivências baseadas na perspectiva da gestão democrática.

Nossos diálogos com as produções aqui apresentadas nos permitem identificar os âmbitos em que o Instituto Ayrton Senna e sua atuação na educação pública brasileira têm sido investigados. Tais produções são de grande relevância, considerando suas influências para as políticas públicas e para o campo educacional como um todo. No entanto, Silva (2016, p. 44) já havia assinalado a importância da exploração de alguns pontos relacionados com a atuação do Instituto Ayrton Senna, pois, nas pesquisas analisadas em seu trabalho, “[...] os termos de adesão e as legislações criadas a partir das parcerias foram os documentos mais analisados [...]”. Assim se faz necessário analisar e problematizar as bases teóricas que têm subsidiado a ação do Instituto Ayrton Senna, assim como os materiais que são destinados a professores e estudantes em todo Brasil.

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Devido à grande abrangência do Instituto Ayrton Senna nas escolas brasileiras, por meio da implementação dos programas Acelera Brasil e Se Liga, é pertinente questionar em que princípios, bases, conceitos, noções esses materiais estão traçados, assim como pensar e problematizar o cenário que esses movimentos advindos da iniciativa privada emergem e seu atual contexto de expansão.

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3 PRESSUPOSTOS TEÓRICOS E METODOLÓGICOS

[...] é impossível traçar uma fronteira mecânica absoluta entre a significação e o tema. Não há tema sem significação, e vice-versa. Além disso, é impossível designar a significação de uma palavra isolada [...] sem fazer dela o elemento de um tema, isto é, sem construir uma enunciação [...] (BAKHTIN, 2014, p. 134).

Como mencionado, objetivamos, nesta pesquisa, compreender a proposta pedagógica de alfabetização concretizada nos cadernos intitulados Livro do professor e Língua Portuguesa, publicados em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna. Visando a seu alcance, nesta seção delineamos nosso referencial teórico e metodológico. Em primeiro lugar, discutiremos o conceito de “alfabetização” que fundamenta nosso estudo e, em seguida, os aportes da metodologia de pesquisa.

Propor um diálogo acerca da alfabetização implica considerar que não estamos tratando de uma palavra isolada, de algo desarticulado da história e da vida. Longe disso, esse diálogo se efetiva no contato com os enunciados que compõem sua historicidade e que o constituem, tornando a palavra “alfabetização” um enunciado concreto. Como enunciado, o conceito de “alfabetização” é constituído por multiplicidade de vozes, discursos, olhares; está envolto em diferentes questões relacionadas a aspectos sociais, históricos, políticos e ideológicos, ou seja, não se refere a uma questão apenas teórica e, portanto, não podemos reduzi-lo a isso.

É por meio dos enunciados que os sujeitos agem sobre os outros. Essas interações promovem transformações mútuas e esses mesmos sujeitos transformam a sociedade. Por isso, discutir sobre um determinado conceito, tendo em vista que somos sujeitos constituídos na/pela linguagem, resulta discutir sobre práticas e sobre relações sociais. Bakhtin (2014) aponta que a palavra possui ubiquidade social, ela está presente em todas as relações entre sujeitos, nos encontros cotidianos, nas relações políticas, nas bases ideológicas. Esse autor acrescenta ainda que

[...] a palavra constitui o meio no qual se produzem lentas acumulações quantitativas de mudanças que ainda não tiveram tempo de adquirir uma

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nova qualidade ideológica, [...] a palavra é capaz de registrar as fases transitórias, mais efêmeras das mudanças sociais (BAKHTIN, 2014, p. 42).

Mediante tais aspectos, problematizar conceitos e teorias que fundamentam práticas de alfabetização nas escolas se constitui em um ato, na medida em que se trata de um posicionamento político-ideológico diante da realidade concreta. Assumir um conceito de “alfabetização” e ancorar nossas análises em suas bases teóricas e metodológicas é também assumir uma visão de mundo, de sociedade, de sujeitos, de educação.

Não podemos perder de vista que o objeto de nossa investigação é o programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna, originado da iniciativa privada, que se destina a alfabetizar crianças em turmas de aceleração da aprendizagem, ou seja, crianças consideradas em “distorção idade/série”, dentro de escolas públicas. Perguntar de que alfabetização estamos falando, ao nos referir a tal programa, é imprescindível, assim como definir de que lugar produzimos esse questionamento. Assim, acreditamos na importância em

[...] acentuar que a compreensão da alfabetização deve levar em conta, sobretudo, os contextos históricos e sociais em que ela ocorre e, desse modo, precisa ser concebida como prática social e cultural que se desenvolve de diferentes maneiras, em diferentes contextos, para atender a finalidades específicas dos grupos humanos que utilizam a leitura e a escrita para fins sociais, profissionais, entre outros. Porém, não se pode perder de vista que a alfabetização precisa tornar-se um elemento fundamental para a libertação e mudança social (GONTIJO, 2014, p. 14).

Dessa forma, a alfabetização precisa ser pensada como um processo aberto que leve em conta o seu caráter ideológico, pois pode, em muitas circunstâncias, se voltar ao atendimento de determinado grupo social, em detrimento das reais necessidades dos sujeitos que frequentam as escolas públicas.

Concordamos com Gontijo (2008), ao ressaltar que a alfabetização é um processo dialógico desde o início, pois é, por meio desse processo histórico e social, que ocorre a inserção das crianças no mundo da linguagem escrita; é lendo e escrevendo que as crianças expõem o que sentem, pensam, gostam, concordam ou discordam. Por isso, para nós, a alfabetização não se restringe à aquisição de um código, mas consiste em

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[...] uma prática sociocultural em que as crianças, por meio do trabalho integrado com a produção de textos orais e escritos, a leitura, os conhecimentos sobre o sistema da língua portuguesa e com as relações entre sons e letras e letras e sons, potencializam a criticidade, a criatividade e a inventividade.1

Esse conceito de alfabetização, que se fundamenta na perspectiva dialógica de linguagem, nos permite compreender a alfabetização em suas diferentes dimensões, mas para além disso, compreender a alfabetização como uma prática social, um ato político, que possibilita a compreensão crítica da realidade por parte dos sujeitos e consequentemente seu questionamento, sua intervenção e sua coparticipação ativa e responsiva na constituição da sociedade.

Nessa direção, acreditamos que o conceito de “alfabetização” que subsidia nossas lentes e compreensão não é monológico e descontextualizado, mas um enunciado inserido em uma corrente dialógica historicamente situada, permeado por diferentes vozes em constante diálogo e produzido como resposta a outros enunciados e movimentos discursivos. Esse processo dialógico se constitui em um território de embates teóricos e, por que não dizer, de caráter político e ideológico em torno da educação pública brasileira e especificamente dos rumos da alfabetização de crianças em nosso país, diante de exigências nacionais e internacionais, provocando intensa pressão interna voltada para o atendimento dessas exigências. Afirma Bakhtin (2011):

Cada enunciado deve ser visto antes de tudo como uma resposta aos enunciados precedentes de um determinado campo [...]. É impossível alguém definir sua posição sem correlacioná-la com outras posições. Por isso, cada enunciado é pleno de variadas atitudes responsivas a outros enunciados de dada esfera da comunicação discursiva (BAKHTIN, 2011, p. 297).

Acreditamos na importância de situar o contexto em que os enunciados, que compõem o conceito de “alfabetização” aqui apresentado, foram produzidos. Além disso, é relevante dialogar com as enunciações às quais ele responde, tenciona, se contrapõe, tendo em vista a natural constituição histórica e social dos enunciados, que os fazem ligar-se a enunciações anteriores e posteriores, produzindo um constante movimento de circulação dos discursos.

1 Conceito atualizado pela professora Cláudia M. M. Gontijo em 2012 e proferido em aula para o grupo de pesquisa do Nepales, em julho de 2013.

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Pretendemos dialogar acerca do curso histórico de constituição do conceito de “alfabetização” já anunciado, considerando que “[...] as unidades reais da cadeia verbal são as enunciações. Mas, justamente, para estudar as formas dessas unidades, convém não separá-las do curso histórico das enunciações [...]” (BAKHTIN, 2014, p. 129).

Caracterizada por sua complexidade e multiplicidade de dimensões, a alfabetização tem sido foco de estudos, investigações, questionamentos que ora buscam compreender como se deve ensinar, ora procuram entender como se aprende. Essa dinâmica dialógica é marcada por permanências, rupturas, conciliações, embates e disputas políticas visando à hegemonia de um projeto e de um sentido para a alfabetização (MORTATTI, 2010).

Mortatti (2010) assinala que, no processo de oficialização de um conceito de “alfabetização”, pode-se perceber a atribuição de centralidade por parte das políticas públicas a certos aspectos específicos da alfabetização, no intuito de reduzir o processo a aspectos supostamente neutros e meramente técnicos, “[...] considerados correspondentes à verdade científica comprovada e inquestionável” (p. 329). Isso nos remete ao fato de que “[...] decisões de ordem teórico-epistemológica ou técnica são também políticas, ou seja, resultam de escolhas centradas em julgamentos de valor dentre opções também de ordem política” (MORTATTI, 2010, p. 331).

Nessa perspectiva, as teorizações de cunho psicogenético voltadas para a aprendizagem da língua escrita foram consideradas, no Brasil, no final da década de 1980, como uma possibilidade de superação dos problemas relacionados aos baixos índices de aprendizagem. Por outro lado, na década de 1990, ocorreu a celebração do Ano Internacional da Alfabetização e o aumento do financiamento da educação primária, por parte do Banco Mundial e da Unesco.

No entanto, essa mudança paradigmática não ocasionou a melhoria nos índices de aprendizagem nas avaliações externas, como era esperado, fazendo com que o construtivismo de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1989) sofresse importantes críticas, entre as quais destacamos o relatório elaborado pelo Grupo de Trabalho (GT) constituído pela Comissão de Educação e Cultura da Câmara dos Deputados,

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no ano de 2003. Esse GT foi coordenado por João Batista Araújo e Oliveira, presidente do Instituto Alfa e Beto. O relatório defendeu o retorno do método fônico para o ensino da leitura e da escrita e apresentou críticas ao construtivismo de Ferreiro e Teberosky (1989), relacionadas à ausência do ensino explícito das relações sons e letras, destacando a codificação como elemento mais importante para a aprendizagem da leitura (GONTIJO, 2014).

Mesmo que as duas concepções em questão — método fônico e construtivismo — sejam formadas com base na concepção de alfabetização como “conjunto de competências autônomas”, as opiniões se distanciavam no modo com que as unidades da língua deviam ser ensinadas. Nessa arena de debates, Magda Soares se inseriu, inicialmente por meio de uma palestra proferida durante a Reunião da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (Anped), em 2003, no GT Alfabetização, Leitura e Escrita e posteriormente com a publicação de seu artigo Letramento e Alfabetização: as muitas facetas, em 2004, na Revista Brasileira de Educação, que retoma a discussão realizada em seu artigo As muitas facetas da alfabetização, de 1985. A autora discute, em seus artigos, a perda da especificidade da alfabetização e delineia esse processo como aquisição do código escrito, por meio da codificação e da decodificação, acrescentando que a alfabetização deve ser realizada em práticas sociais de leitura e escrita, o que define como letramento (SOARES, 2004). Mesmo que não tenha sido a intenção da autora, podemos inferir que a invenção do novo conceito (“letramento”) proporcionou a conciliação entre os conceitos que orientavam as proposições dos defensores do método fônico e dos defensores do construtivismo de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1989) (GONTIJO, 2014).

Se, por um lado, o conceito de “letramento” conciliou dois modos de conceber a alfabetização, por outro provocou a criação de uma dicotomização perigosa entre alfabetização e letramento, pois à primeira foi atribuído o sentido restrito relacionado à aprendizagem das habilidades básicas que envolvem o código escrito e, ao segundo, foram relacionadas práticas de leitura e escrita. Conforme Gontijo (2008, p. 31),

[...] tanto no plano prático como no plano teórico, essa distinção pode ser complicada, pois poderá ocasionar o revigoramento de dualidades que se baseiam no privilégio da natureza linguística (fonética e fonológica) do

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processo de alfabetização e no obscurecimento das reais condições escolares e histórico-sociais que impediram e impedem o acesso igualitário aos conhecimentos em sociedades que se desenvolveram/desenvolvem às custas das desigualdades e da exploração. Assim, o uso do conceito do letramento e os argumentos que o explicam pode servir a interesses impensados [...].

Além disso, Gontijo (2008, p. 32) ressalta que a “[...] alfabetização é um processo histórico-social de inserção da criança no mundo da linguagem escrita ou da cultura escrita [...]”. Atribuindo um sentido restrito à alfabetização e dualizando o processo, se produz o esvaziamento de sua dimensão política e tudo que essa dimensão envolve.

Considerando a conjuntura política e econômica em que a educação pública brasileira se encontra no atual século e os interesses que envolvem a alfabetização de crianças, esse esvaziamento, no entanto, não ocorre de forma despropositada. Nosso conceito de alfabetização surgiu no interior desse debate, buscando romper dicotomias e reducionismos presentes na tentativa de conciliação dos conceitos subjacentes às proposições dos defensores do método fônico, por meio da proposição da perspectiva do letramento.

3.1 METODOLOGIA DE PESQUISA

Adotaremos, como metodologia, a pesquisa documental, porque nosso corpus analítico é composto por dois livros (Livro do Professor e Língua Portuguesa) do programa Se Liga. Com isso, dialogaremos acerca dos conceitos de “texto”, “enunciado” e “signo ideológico”, bem como a noção de “documento”, tratada por Le Goff (1990).

Nosso diálogo se ancora em Bakhtin e em sua concepção de linguagem, compreendendo a língua como produção humana, como fenômeno concreto e integral, que se efetiva por meio das relações dialógicas, tendo em vista o contexto histórico, social, político e ideológico. Ao tematizar a metodologia nas ciências humanas, Bakhtin (2011), além de fazer uma distinção entre ciências exatas e naturais e ciências humanas, evidencia que o conhecimento produzido nas ciências humanas é inesgotável, pois se refere a sujeitos de resposta que não podem ser

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concluídos. Nessa perspectiva, o acontecimento social da interação dialógica é a realidade efetiva da linguagem.

Como ressalta Bakhtin (2011, p. 395), “[...] o objeto das ciências humanas é o ser expressivo e falante [...]”. Nesse sentido, aponta ainda que “[...] onde não há texto não há objeto de pesquisa e pensamento [...]” (BAKHTIN, 2011, p. 307). O conceito de “texto”, proposto por esse autor, amplia essa noção = ao considerar o texto como realidade imediata dos pensamentos e das vivências. Para o autor, devemos concebê-lo em seu sentido amplo, compreendendo qualquer conjunto coerente de signos das diferentes ciências e artes. O texto se efetiva no contato dialógico com outros textos, pois ele só tem vida nesse contato com outros textos.

Nas palavras de Bakhtin (2011, p. 307), “[...] são pensamentos sobre pensamentos, vivências sobre vivências, palavras sobre palavras, textos sobre textos [...]”. Assim, o texto é algo “[...] tecido polifonicamente por fios dialógicos de vozes que polemizam entre si, se completam ou respondem umas às outras [...]” (BARROS, 2003, p. 4), se constituindo como enunciado.

Tendo em vista os pressupostos por nós assumidos, para que o texto se constitua efetivamente na qualidade de enunciado concreto, é preciso considerar alguns elementos que o determinam como tal: sua intencionalidade e a realização dessa intenção. Ambos os elementos se concretizam e são afetados nas/pelas relações dialógicas. Esse território comum em que os enunciados se concretizam é determinado pela situação social, pois a enunciação é um produto da interação verbal entre sujeitos sociais e historicamente situados (BAKHTIN, 2014). A palavra está sempre dirigida ao outro. Conforme Bakhtin (2014, p. 117),

[...] toda palavra comporta duas faces. Ela é determinada tanto pelo fato de que procede de alguém, como pelo fato de que se dirige para alguém. Ela constitui justamente o produto da interação do locutor e do ouvinte. [...] A palavra é uma espécie de ponte lançada entre mim e os outros.

Desse modo, compreender que a proposta pedagógica de alfabetização, assumida pelo programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna, são enunciados concretos envolve entender que esses enunciados não são nem estão isolados, mas, como enunciados, são produto das interações sociais, determinadas pelo contexto imediato e pelo contexto mais amplo. Como enunciados, esses textos nascem e

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vivem na interação verbal entre os participantes da enunciação e apenas se efetivam nessa relação. São de natureza social, histórica e ideológica, respondem e ligam-se a enunciações anteriores e posteriores, possibilitando e produzindo outros discursos mediante a alternância dos sujeitos do discurso. Eles são situados e atuantes, têm autoria, são endereçados e possuem auditório social estabelecido; são produções de sentidos, apresentam certo acabamento, pressupõem respostas.

Dessa forma, concebemos que o processo de comunicação acontece em forma de enunciações que constituem os discursos. Tais discursos, por sua vez, são ideológicos na realidade material dos signos, que são as formas concretas de enunciação, ou seja, entendemos que as enunciações são formações sociais e ideológicas, povoadas e constituídas por diferentes vozes.

[...] Uma visão de mundo, uma corrente, um ponto de vista, uma opinião sempre tem uma expressão verbalizada. Tudo isso é discurso do outro (em forma pessoal ou impessoal), e esse não pode deixar de refletir no enunciado. O enunciado está voltado não só para o seu objeto, mas também para os discursos do outro sobre ele. [...] o enunciado é um elo na cadeia da comunicação discursiva e não pode ser separado dos elos precedentes que o determinam tanto de fora quanto de dentro, gerando nele atitudes responsivas e ressonâncias dialógicas (BAKHTIN, 2011, p. 300).

Isso remete ao nosso objetivo de compreender a proposta que tem subsidiado as práticas alfabetizadoras nas turmas de aceleração da aprendizagem, vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna, entendendo que “[...] todo enunciado é um elo na cadeia discursiva. É a posição ativa do falante nesse ou naquele campo do objeto e do sentido [...]” (BAKHTIN, 2011, p. 289).

Os discursos materializados e as práticas propostas por esses discursos não são neutros, eles assumem determinada visão de mundo, de sociedade, de educação, de alfabetização. Esses discursos (enunciados) são tecidos por múltiplos fios ideológicos que podem ou não atender ao interesse de determinado grupo ou grupos. Além disso, “[...] sabemos que cada palavra se apresenta como uma arena em miniatura onde se entrecruzam e lutam os valores sociais de orientação contraditória [...]” (BAKHTIN, 2014, p. 67).

Buscando dialogar com esses discursos e entendendo sua dimensão ideológica, tendo em vista que “[...] a palavra é o fenômeno ideológico por natureza” (BAKHTIN, 2014, p. 36), acreditamos que eles não são monológicos, mas dialogam com outros

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enunciados e se ancoram em determinada ideologia ou ideologias. Bakhtin (2014, p. 31) assinala que

[...] um produto ideológico faz parte de uma realidade […] [que] também reflete e refrata uma outra realidade que lhe é exterior. Tudo que é ideológico possui um significado e remete a algo situado fora de si mesmo. Em outros termos, tudo que é ideológico é um signo [...].

Acrescenta ainda que “[...] cada signo ideológico é não apenas uma sombra da realidade, mas também um fragmento material dessa realidade [...]” (BAKHTIN, 2014, p. 33). Desse modo, ao buscarmos conhecer os diferentes elos dessa cadeia discursiva e ideológica que constituem e fundamentam o discurso do Instituto Ayrton Senna, bem como sua proposta pedagógica de alfabetização em turmas de aceleração da aprendizagem, vinculadas ao programa Se Liga, nosso diálogo não se restringe aos documentos que compõem o corpus deste estudo.

Com base em nosso referencial teórico e com a pretensão de contribuir para as discussões atuais acerca das políticas públicas de alfabetização e da atuação da iniciativa privada na educação pública brasileira, nossa proposta se estabelece na compreensão ativa e responsiva dos diferentes discursos e contextos que compõem o trabalho em questão.

A escolha por uma pesquisa documental (GIL, 2002) se alinha à necessidade de análise de documentos não examinados por outras pesquisas que tomaram o Instituto Ayrton Senna como foco de investigação. Sendo assim, este estudo se apoia na noção de documento, tratada por Le Goff (1990, p. 46) não como algo desassociado de seu contexto, mas como “[...] um produto da sociedade que o fabricou segundo as relações de força que aí detinham o poder [...]”.

Em consonância com os pressupostos por nós assumidos, entendemos que os documentos são textos/enunciados produzidos por sujeitos situados em um contexto social, histórico e ideológico. Concordamos com Le Goff (1990, p. 548), ao afirmar que “[...] o documento não é inócuo. É antes de mais nada o resultado de uma montagem, consciente ou inconsciente, da história, da época, da sociedade que os produziram, mas também das épocas sucessivas durante as quais, continuou a viver [...]”.

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Nesse sentido, os documentos, assim como as propostas concretizadas neles, não são neutros. Bakhtin (2014, p. 101) atenta para o fato de que “[...] toda enunciação, mesmo na forma imobilizada da escrita, é uma resposta a alguma coisa e é construída como tal. Não passa de um elo na cadeia dos atos de fala”. Dessa forma, é de nosso interesse compreender: a que outras enunciações os discursos dos documentos do nosso corpus respondem? Qual seu contexto de produção? A quem está endereçado?

Nesse processo de diálogo e compreensão, também não somos neutros ou imparciais, mas, como sujeitos historicamente situados, nos inserimos na corrente discursiva ininterrupta de forma ativa e responsiva. Bakhtin (2011, p. 378) escreve sobre a dimensão dialógica da compreensão ativa e criadora e que é impossível separar a compreensão da avaliação. Para esse autor, “[...] o sujeito da compreensão enfoca a obra com sua visão de mundo já formada, de seu ponto de vista, de suas posições [...]”, o que, em certa medida, acaba por determinar a avaliação e, portanto, “[...] no ato da compreensão desenvolve-se a luta cujo resultado é a mudança mútua e o enriquecimento [...]” (BAKHTIN, 2011, p. 378).

Segundo Bakhtin (2010, p. 81), “[...] o ato na sua integridade é mais que racional — é responsável [...]”. Dessa maneira, nos colocamos na responsabilidade de dialogar com os enunciados dos livros voltados para a alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem, vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna, que concretizam sua proposta pedagógica para o ensino da alfabetização, leitura e produção de textos, assim como com os discursos que constituem ideologicamente esses enunciados.

3.1.1 Corpus da pesquisa

Nosso corpus analítico é composto por dois livros intitulados Livro do Professor e Língua Portuguesa (destinado aos alunos). Além desses dois livros, outros dois (Matemática e Se Liga no Meio Ambiente – Orientações para as rodas de conversa) compõem a coleção Alfabetização – Programa Se Liga, de autoria do Instituto Ayrton Senna, publicados em 2012 pela Global Editora. No entanto, nos deteremos apenas nos cadernos destinados ao ensino e à aprendizagem da Língua Portuguesa.

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Entendemos nosso corpus de pesquisa como enunciados/textos que não podem ser compreendidos fora da dinâmica discursiva na qual foram produzidos e endereçados, assim como seu contexto histórico. Esses enunciados se constituem de outros enunciados que os antecedem e que ainda estão por vir, com os quais dialogam. Por isso, é importante seguir a trilha dos diversos fios dialógicos que se entrecruzam para compor tal dinâmica.

O programa Acelera Brasil foi criado em 1997, com o intuito de atuar nos processos de aceleração da aprendizagem de alunos com distorção idade/série no Ensino Fundamental. No entanto, havia a necessidade de uma intervenção diferente da existente no programa para atender aos alunos ainda não alfabetizados e, por isso, foi criado o novo programa, que se direcionava especificamente para a alfabetização. Tendo em vista a situação dos alunos destinados às classes de aceleração da aprendizagem, não bastava acelerar, mas, para os alunos não alfabetizados, existe outra necessidade: se ligar. Em nossa opinião, desde sua gênese, o programa Se Liga responsabiliza os sujeitos pelo fracasso escolar, algo que pode ser constatado na própria denominação do programa.

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Figura 1 – Capas dos livros do programa Se Liga (Coleção Alfabetização)

Fonte: Gil Neto (2012) e Gil Neto e Negreiros (2012).

A Figura 1 apresenta as capas dos dois livros analisados neste estudo. Os livros em questão foram publicados em 2012 pela Global Editora e, em sua página na internet, é possível encontrar algumas informações sobre os livros didáticos produzidos pelo Instituto Ayrton Senna, por meio do acesso ao catálogo que apresenta um breve histórico do Instituto e, em seguida, seus livros. No entanto, nenhum deles é disponibilizado para aquisições, exceto por órgãos públicos ou organizações não governamentais, mediante a autorização prévia do Instituto Ayrton Senna.

Com a análise das pesquisas sobre o Instituto Ayrton Senna, percebemos a ausência de trabalhos com enfoque nos materiais utilizados pelos diferentes programas desse Instituto. Um dos fatores que explica esse fato está relacionado com a dificuldade de acesso aos materiais. Mesmo com a realização dos programas em escolas públicas, os materiais não ficam disponíveis e, por isso, questionamos a não disponibilização das ferramentas inerentes aos programas executados nas

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redes públicas de ensino, conduzidos pelo Instituto Ayrton Senna, tendo em vista que as parcerias firmadas envolvem recursos públicos.

As capas dos livros exibidos na Figura 1 apresentam a imagem da personagem Senninha bem ao centro, junto com o lápis, apontando para o lado direito e expondo o nome do programa. Com isso, a denominação Se Liga ganha evidência e o novo direcionamento do lápis condiciona nosso olhar e nos remete à ideia de anverso. O nome do Instituto Ayrton Senna aparece, em forma de logomarca, na parte de baixo das capas, ao lado da logomarca da Global Editora. A cor vermelha dos livros contrasta com as cores amarelo, azul e verde que envolvem a imagem do personagem Senninha. Além disso, a cor vermelha aparece no macacão do personagem, novamente nos fazendo lembrar do piloto Ayrton Senna.

O Instituto Ayrton Senna se diferencia de outras organizações não governamentais devido à sua forma de atuação e principalmente sua maneira de captação de recursos. A imagem da personagem Senninha não ganha centralidade nos livros por acaso. Essa personagem/marca é comercializada e veiculada em todas as campanhas do Instituto. A empatia e o “sonho” do piloto vencedor de corridas de Fórmula 1 e “herói nacional” impulsiona e subsidia a aceitação da marca, assim como a aceitação da atuação do Instituto Ayrton Senna nas diferentes esferas da educação pública brasileira.

A Figura 1 também mostra que as duas capas são análogas, considerando que a única coisa que as difere são seus títulos. No que tange aos formatos, ambas apresentam orientação do layout vertical, correspondente ao tipo brochuras e gramatura média de 27,2cm por 20,5cm. O livro Língua Portuguesa, destinado aos alunos, apresenta tamanho adequado das letras e ilustrações coloridas, com boa qualidade de impressão. Já o Livro do Professor é todo em preto e branco, mas possui o tamanho de letras que garantem sua legibilidade.

As contracapas são idênticas, como podemos confirmar na Figura 2, exibindo as logomarcas do programa Se Liga, da Global Editora e do Instituto Ayrton Senna. Apresenta ainda um texto sobre o Instituto Ayrton Senna e o programa Se Liga.

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Figura 2 – Contracapas dos livros do programa Se Liga (Coleção Alfabetização)

Fonte: Gil Neto (2012) e Gil Neto e Negreiros (2012).

A mensagem do texto, exposta da Figura 2, reforça a ideia de que o Instituto é a materialização do sonho do piloto de Fórmula 1 Ayrton Senna e destaca o programa Se Liga como uma solução para a regulação do fluxo escolar e alcance do sucesso por parte dos alunos. A Figura 3 apresenta o sumário do Livro do Professor:

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Figura 3 – Sumário do Livro do professor

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2016).

Por meio da análise do sumário do Livro do Professor, é possível perceber que o livro é dividido em duas partes: Fundamentos do material didático de Língua Portuguesa e Fundamentos do Material didático de Matemática. Por mais que apresente boa organização e que as numerações indicadas correspondam às

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páginas dos livros, algo que nos chama a atenção é a ausência de referências bibliográficas, considerando que o livro é destinado a professores e boa parte de seu conteúdo é sobre a fundamentação teórico-metodológica. No interior do livro, encontramos poucas citações de autores, sem a referência completa.

O sumário do livro Língua Portuguesa, além de exibir a organização das unidades, expõe fotos de crianças que aparentemente fizeram parte do programa.

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Figura 4 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 1

Fonte: Gil Neto (2012) e Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 5 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 2

Fonte: Gil Neto (2012) e Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 6 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 3

Fonte: Gil Neto (2012) e Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 7 – Sumário do livro Língua Portuguesa – Parte 4

Fonte: Gil Neto (2012) e Gil Neto e Negreiros (2012).

As fotos contidas nas Figuras 4, 5, 6 e 7 mostram crianças em atividades em sala de aula, vestindo camisas com a logomarca do programa Se Liga. Além disso, as

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crianças estão sorrindo ou concentradas. Essas fotos, expostas logo no início do livro destinado ao aluno, transmitem a ideia de que a participação das crianças no programa ocorre de forma prazerosa e dedicada. O Livro do Professor não apresenta fotos como essas. Ainda sobre a Figura 4, observamos que a organização das Unidades ocorre com a definição de aulas previamente numeradas. Mesmo com a segmentação por temas, o que se evidencia é uma ordenação da rotina em sala de aula por parte do programa, totalizando 120 aulas, em sua maioria, desassociadas umas das outras.

Após o sumário, o livro Língua Portuguesa possui uma página intitulada Ícones. Essa página não aparece no sumário e se destina à apresentação de ícones que são utilizados para indicar aos usuários ações e modos de fazer determinadas atividades.

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Figura 8 – Ícones no livro Língua Portuguesa

Fonte: Gil Neto (2012).

A Figura 8 apresenta os ícones utilizados para determinar o tipo de ação e como essa ação deve ser executada em cada aula, apontando para um processo de

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ensinar e aprender gerenciado e controlado. Essa organização permite inferir que as atividades contidas no impresso se alinham a um modelo tecnicista para a educação, em que o professor e o aluno ocupam papel secundário, ou seja, de executores de um processo pensado por especialistas (SAVIANI, 2012).

Provisoriamente, acentuamos que conduziremos a problematização do nosso corpus de pesquisa, tendo em vista o contexto de constituição do programa Se Liga, buscando evidenciar e compreender a proposta pedagógica que embasa o trabalho com a alfabetização em turmas de aceleração da aprendizagem.

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4 O INSTITUTO AYRTON SENNA E SUA RELAÇÃO COM O CONTEXTO EDUCACIONAL BRASILEIRO

Em atenção à perspectiva teórico-metodológica que nos fundamenta e reiterando que as enunciações são as unidades reais da cadeia verbal, entendemos que, "[...] para estudar as formas dessas unidades, convém não separá-las do curso histórico das enunciações" (BAKHTIN, 2014, p. 129). Nesse sentido, procuramos, nesta seção, construir diálogos que nos permitem compreender o Instituto Ayrton Senna e sua relação com contexto educacional brasileiro.

Concebemos, portanto, que, além de problematizar o contexto imediato em que nosso objeto de estudo emerge e as articulações de suas diferentes formas de intervenção na educação pública, é pertinente dialogar sobre fatores que historicamente têm motivado ações tão bem articuladas, tendo em conta que

[...] o Brasil hoje, apesar de tudo de novo e propriamente contemporâneo que apresenta – inclusive essas suas formas institucionais modernas, mas ainda tão rudimentares quando vistas em profundidade – ainda se acha intimamente entrelaçado com o seu passado (PRADO JÚNIOR, 1969, p. 195).

Assim, ao situar o Instituto Ayrton Senna no âmbito da educação pública brasileira, pretendemos nos inserir, por meio do diálogo, na cadeia ininterrupta enunciativa na qual cada elo contribui na composição do enredo e, por sua vez, na compreensão ativa e responsiva, não só do contexto imediato de atuação do Instituto Ayrton Senna, por meio do programa Se Liga, mas da sua relação com a lógica do neoliberalismo e o contexto educacional brasileiro.

Assim, por meio do entrelaçar histórico dos fios dialógicos, buscamos compreender os movimentos que compõem os enunciados concretos produzidos pelos diferentes sujeitos que trabalham em prol da manutenção da primazia do mercado e da legitimação das ações da iniciativa privada na educação pública. Para mais, situamos o nosso objeto investigativo neste contexto de articulações e estratégias que visam o desenvolvimento do mercado capitalista

Optamos por estabelecer um recorte temporal e temático específico. Essa escolha não é arbitrária. Compreendemos que “[...] qualquer momento histórico é ao mesmo

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tempo resultado de processos anteriores e um índice da direção de seu fluxo futuro” (THOMPSON, 1981, p. 58), sem, é claro, cair em qualquer espécie de determinismo, pois acreditamos que os contextos não são isolados, mas históricos. Compreendemos ainda que as políticas públicas, após 1964, representam um marco importante do interesse explícito da classe empresarial na educação pública brasileira devido à conjuntura econômica mundial e às rupturas sofridas pelo país nos âmbitos político, administrativo e econômico.

Uma das rupturas que podemos mencionar se refere ao Plano Nacional de Educação (PNE), publicado em 1962, após a Lei Diretrizes e Bases da Educação Nacional (Lei 4.024, de 20 de dezembro de 1961), que "[...] impôs ao Governo Federal a obrigação de investir no mínimo 12% dos recursos dos impostos arrecadados pela União para a educação". O plano de 1962 apresentava metas e objetivos quantitativos e qualitativos a serem cumpridos e alcançados em oito anos, contudo, o Plano Nacional de Educação foi eliminado após o golpe militar (GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 104-105).

Nessa direção, reiteramos a necessidade de dialogar acerca do contexto mais amplo da ação da iniciativa privada na história da educação, no sentido de compreendermos as articulações e as estratégias assumidas por representantes do setor privado na intervenção de políticas educacionais. Assim, nosso recorte epistemológico será a educação e as políticas públicas educacionais a partir da definição das metas contidas no Plano Trienal de Desenvolvimento Econômico e Social (previsto para os anos de 1963 a 1965), que englobou a educação, fixando metas voltadas para a expansão do ensino primário, o desenvolvimento científico e tecnológico, a formação e o treinamento de pessoal técnico (GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 104).

Segundo Ghiraldelli Jr (2009, p. 105), por meio de uma articulação entre empresários e militares, dando origem ao golpe militar, as forças conservadoras que assumiram o poder buscaram a desvinculação de qualquer política anteriormente estabelecida, principalmente aquelas que tiveram como base acordos com movimentos populares e setores de trabalhadores, postergando a construção de uma efetiva democracia, bem como propostas de política educacional integralizada à política social.

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Nesse cenário, "[...] há uma especificidade própria na política educacional brasileira pós-64", apontada por Rodrigues (1982, p. 17), ou seja, a estreita vinculação ao contexto do projeto de desenvolvimento econômico e social. A educação é chamada a exercer um papel fundamental no processo de desenvolvimento do mercado capitalista de cunho liberal, sendo então utilizada como instrumento regulador desse projeto de desenvolvimento econômico.

Alguns desses alinhamentos da educação ao projeto de desenvolvimento econômico capitalista ocorreram no período de 1964 a 1968 por meio de acordos firmados pelo então Ministério de Educação e Cultura e a United States Agency for International Development (USAID), "[...] o que comprometeu a política educacional do nosso país às determinações de um grupo específico de técnicos norte-americanos" (GHIRALDELLI Jr, 2009, p. 112). Além disso, o ministro da educação desse período, Roberto Campos, afirmava a necessidade de submissão das diretrizes das escolas ao mercado de trabalho. Esses alinhamentos ocorreram bem na efervescência das discussões realizadas por organismos internacionais acerca do conceito de alfabetização funcional e sua estreita relação com a teoria do capital humano, no qual "[...] a alfabetização passa a ser vista como um requisito para o desenvolvimento econômico e progresso nacional" (GONTIJO, 2014, p. 18-19).

Assim, no período pós-64, há um consenso relacionado à importância da educação para o desenvolvimento econômico de qualquer nação, um projeto bem delineado, para o crescimento econômico do país, com foco no desenvolvimento do capitalismo e na atribuição à educação da finalidade de contribuir para o alcance desses objetivos. O Estado, por sua vez, "[...] dominado em seus aparelhos políticos pelos grupos dominantes do setor produtivo, apresenta-se como o poder harmonizador entre os interesses" (RODRIGUES, 1982, p. 45).

Assim como os empresários ligados ao IPES[2] operavam em articulação com seus colegas americanos e contavam com a sua colaboração financeira, também no planejamento e na execução orçamentária da educação estreitou-se a relação com os Estados Unidos, celebrando-se acordos de financiamento da educação brasileira com a intermediação da USAID (Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional) (SAVIANI, 2008, p. 297).

2 Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais.

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Dessa forma, percebemos que a educação ou o projeto educacional não pode ser compreendido como se estivesse desvinculado do projeto de desenvolvimento econômico e social; ao contrário, se refere a algo que, além de integrar, atua no interior do projeto maior.

E essa é a nova perspectiva que permite compreender os rumos da atividade educacional no Brasil nos últimos anos. Conquanto se possa alegar ter a educação sempre uma tarefa de atendimento das exigências das camadas sociais dominantes no interior de qualquer sociedade, ou de reprodução ideológica que assegure a adesão de amplas camadas às relações sociais existentes, temos uma especificidade própria no atual projeto educacional. Sua ênfase central, sua busca fundamental se coloca de modo objetivo no projeto de desenvolvimento econômico. A educação é assumida não apenas como força auxiliar indireta do desenvolvimento social ou da manutenção das tradições ou do progresso cultural e científico, mas como função para o sucesso do modelo. Ela deve, portanto, estruturar-se nas amarras das metas estabelecidas no planejamento geral da sociedade (RODRIGUES, 1982, p. 112).

Assim, a educação ganha contornos derivados dos discursos e valores econômicos, tornando-se fator de desenvolvimento em diferentes níveis, como preparação de recursos humanos, por meio do controle da ordem social e da difusão das ideologias mantenedoras da lógica do capital, e aumento da produtividade direta e indireta, representando assim, concomitantemente, o lugar de instrumento e agente do desenvolvimento (RODRIGUES, 1982).

Tais contornos eram necessários e emergentes devido ao intenso projeto de industrialização do país, por meio de progressiva desnacionalização da economia e de alinhamento aos interesses internacionais, apoiado pelos grupos dominantes e pelo regime militar, sob a premissa da doutrina de interdependência (elaborada e defendida por Golbery do Couto e Silva, coronel, diretor do Instituto de Pesquisas e Estudos Sociais (IPES)- e dirigente do Serviço Nacional de Informações (SNI), envolvendo o Brasil e os Estados Unidos da América (SAVIANI, 2007). Nessa direção,

[...] foram alteradas as bases organizacionais, tendo em vista ajustar a educação aos reclamos postos pelo modelo econômico do capitalismo de mercado associado dependente, articulado com a doutrina de interdependência (SAVIANI, 2007, p. 364).

Conforme esse mesmo autor, ocorreu ainda o aprofundamento das relações capitalistas e o entendimento de que as políticas educacionais deviam ter a

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finalidade de engendrar a educação que se convinha para o momento. Com isso, foi incorporada à legislação educacional os preceitos da teoria do capital humano, formulada inicialmente por Theodore Schultz que, entre outros aspectos, prioriza os princípios da produtividade, eficiência e racionalidade, para o alcance máximo de resultados, com o mínimo de desperdícios (SAVIANI, 2007, p. 365).

Em 1971, a pedagogia tecnicista foi oficializada por intermédio da publicação da Lei n.º 5.692. Essa mesma lei promoveu a unificação dos antigos primário e ginásio, criando "[...] o curso de 1º grau de 8 anos e instituiu a profissionalização universal e compulsória no ensino de 2º grau, visando atender à formação de mão de obra qualificada para o mercado de trabalho" (SAVIANI, 2008, p. 298).

A adoção da perspectiva tecnicista, que manteve-se como referência em nossas políticas educacionais na década seguinte para fundamentar as políticas educacionais, justifica-se na estreita relação do Brasil com empresas internacionais (principalmente norte-americanas) que, ao se estabeleceram no território brasileiro, trouxeram, além da demanda de mão de obra qualificada, seu modelo organizacional, tanto para o meio econômico quanto para o sistema educacional, no intuito de elevação da produtividade nesses diferentes âmbitos.

E aqui está o nó górdio da questão. Pode-se constatar que a educação está colocada a serviço da transformação social, do desenvolvimento econômico e da produção de riquezas. Mas a quem servem as transformações que se estão operando? E, neste sentido, a serviço de quem está colocada a atividade educacional? (RODRIGUES, 1982, p. 153)

Até aqui, o que temos é o inegável interesse da classe empresarial nas políticas educacionais, entre outros aspectos, visando à formação de mão de obra, nos termos da teoria do capital humano e no fortalecimento e na manutenção da hegemonia da concepção produtivista em favor da classe dominante. A educação, voltada a interesses bem definidos e alinhados, é entendida como um investimento e um instrumento para se atingir o desenvolvimento econômico e a acumulação do capital, pois

[...] na medida em que se pode revelar que o desenvolvimento econômico e social proposto nasce da burguesia dominante na economia e que o projeto educacional visa atender às exigências dessa burguesia no sentido de expandir seus recursos de acumulação e de expansão do capital e de concentração das riquezas, então a educação proposta não está a serviço da mudança social geradora da ascensão e da mobilidade social das

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classes subalternas, pelo menos como ponto de partida do processo (RODRIGUES, 1982, p. 153).

Sem desconsiderar que estamos falando de um período de relevante expansão dos cursos superiores e pós-graduação, do notável interesse dos organismos internacionais, como a Unesco e o Bando Mundial, no fomento e financiamento da educação primária, de atenção às novas demandas promovidas pelas indústrias e demais setores produtivos, devido às inovações tecnológicas, continua em voga a questão que pautou as discussões de simpósios e fóruns da década de 1960: "A educação que nos convém" (SAVIANI, 2007).

Contudo o interesse não se restringe à formação de mão de obra, conforme Saviani (2008), pois, no período pós-64, a educação brasileira viveu um processo que se voltava ao favorecimento explícito à privatização do ensino, oficializado pela Constituição de 1967, baixada pelo regime limitar e por intermédio do Conselho Federal de Educação (CFE), que se configurou como principal instrumento para o aumento da participação privada na oferta do ensino, em suas diferentes etapas, além de seu ativo envolvimento na própria composição do CFE.

Para além desse fortalecimento do setor privado do ensino, cabe considerar, também, que o próprio setor público foi sendo invadido pela mentalidade privatista, traduzida no esforço em agilizar a burocracia aperfeiçoando os mecanismos administrativos das escolas; na insistência em adotar critérios de mercado na abertura dos cursos e em aproximar o processo formativo do processo produtivo; na adoção dos parâmetros empresariais na gestão do ensino; na criação de “conselhos curadores”, com representantes das empresas, e na inclusão de empresários bem sucedidos como membros dos conselhos universitários; no empenho em racionalizar a administração do ensino, enxugando sua operação e reduzindo seus custos, de acordo com o modelo empresarial (SAVIANI, 2008, p. 300-301).

Como consequência da reforma educacional promulgada pela Lei nº 5.692, de 1971, em convergência com a Constituição de 1967, que intensificou a valorização do processo de privatização, por meio do suporte técnico e financeiro à iniciativa privada, as redes de ensino público e gratuito sofreram com a diminuição dos recursos, a degradação dos espaços físicos e a progressiva desvalorização dos professores, prejudicando substancialmente a qualidade do ensino público. Esse processo abriu as portas para que a educação fosse explorada com vistas à lucratividade, ao mesmo tempo que crescia a noção de ineficiência da educação pública, envolta em altos índices de reprovação e evasão escolar, em especial nos

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primeiros anos do ensino fundamental, enquanto as redes privadas eram vistas como modelo de qualidade e eficiência administrativa.

Conforme o relatório intitulado Estatísticas da Educação Básica no Brasil, produzido pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) e publicado na Conferência Internacional de Educação em Genebra, no ano de 1996, o perfil da educação brasileira, a partir de meados dos anos de 1970, apresentou consideráveis modificações relacionadas ao aumento dos anos de escolaridade média da população e uma progressiva queda nas taxas de analfabetismo de 39,5% para 20,1%.

Esse mesmo relatório apresentou dados que demonstraram um aumento significativo no número de matrícula na primeira fase do ensino fundamental (de primeira a quarta série) durante as décadas de 1970 e 1980, com uma expansão ainda maior no início dos anos de 1990, devido a metas traçadas e acordos firmados em âmbito nacional e internacional, voltadas à universalização da educação básica, à erradicação do analfabetismo, ao enfrentamento do fracasso escolar, à melhoria da qualidade e eficiência dos sistemas educacionais (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 1996). Nesse contexto, o país caminhava para o processo de redemocratização com a presença de novas demandas políticas e econômicas.

Conforme Saviani (2008), a transição democrática se estabeleceu ante ambiguidades e problemáticas, envolvendo três diferentes momentos: um início lento e gradual no governo de Geisel, em 1974; em 1979, a "abertura democrática", durante o governo de Figueiredo; a efetivação da nova política instituída com a "Nova República", no ano de 1985. Havia uma conveniência no estabelecimento da transição para a democracia e esse movimento tem influência direta nas mudanças ocorridas na educação brasileira, inclusive nos índices e nas metas.

Até aqui, nossos diálogos permitem reiterar mudanças e rupturas políticas que se fundamentam no esforço em manter a ordem social e econômica estabelecida pelos ideários do capitalismo. A retomada da democracia era imperativa para restaurar a confiança no mercado interno, caminhar para tornar o país competitivo ao mercado internacional e consequentemente promover o desenvolvimento econômico. Nesse

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sentido, nos remetemos às contribuições de Saviani (2008, p. 310) que respaldam nossas colocações:

A “transição democrática” se fez, pois, segundo a estratégia da conciliação pelo alto, visando a garantir a continuidade da ordem socioeconômica. Essa continuidade foi ainda reforçada, a partir do início da década de 1990, pela situação internacional que trouxe à tona uma onda neoconservadora guiada pela primazia do mercado sob o comando do grande capital financeiro. Nessas condições, não é difícil entender os constantes apelos para um maior estreitamento dos vínculos entre educação e mercado, a valorização da iniciativa privada com a consequente ênfase na adoção de mecanismos empresariais na gestão do ensino [...]

Com a transição democrática temos, outra vez, uma pauta supostamente comum unindo interesses de grupos antagônicos. Se, por um lado, o processo de redemocratização se constitui em uma resposta às lutas de movimentos sociais e entidades civis e, no âmbito educacional, em decorrência da produção e discussão de propostas contra-hegemônicas, por outro, esse mesmo processo em busca da democracia é o cenário propício para a proliferação dos ideários neoliberalistas do Estado mínimo ao social e máximo ao mercado, na tentativa de superação da crise estrutural do capital, vivida desde meados da década de 1970.

Nessa conjuntura, a educação pública, mesmo com as mazelas decorrentes da ausência de recursos e de seu sucateamento, é cobrada a prestar contas acerca do desempenho de suas atribuições na capacitação das massas e, diante dos altos índices de reprovação, é responsabilizada por ineficiência e desperdício de recursos, demonstrando a necessidade de passar por profundas e rápidas modificações. Com a ênfase na ineficiência do Estado em gerir seus recursos e solucionar seus problemas educacionais, se estabelecem condições favoráveis para a intervenção de organismos internacionais e atuação da iniciativa privada na proposição de soluções modernas e inovadoras para a educação pública nos moldes das novas bases políticas e ideológicas do neoliberalismo. Além disso, no plano internacional,

[...] a euforia em torno da chamada globalização representou um veículo fundamental nas lutas de classes, no sentido de favorecer a naturalização da ideologia neoliberal, sendo apresentada por esses agentes como a própria expressão de “modernidade”, notadamente por ser considerada como resultado das forças de mercado “liberadas das correntes nocivas da ação do Estado”. Por conseguinte, o discurso dos organismos internacionais como o Fundo Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial e o Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) era o de que as reformas estruturais que incentivassem o funcionamento dos mercados, apoiadas na iniciativa privada e na menor presença estatal nas atividades

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econômicas garantiriam a essas nações a retomada das altas taxas de investimento e, por sua vez, o crescimento econômico (CASIMIRO, 2018, p. 122).

Para mais, temos "[...] o quadro internacional do capitalismo calcado na ideologia da globalização e na reestruturação produtiva", sendo acompanhado, de forma intensa, por "[...] uma movimentação da burguesia brasileira no sentido de atualizar sua relação com o Estado, com vistas a garantir sua posição de dominação" (CASIMIRO, 2018, p. 123) e os interesses de acumulação de capital.

Diante do controverso e plural cenário a que nos referimos, tendo em vista o objetivo por nós delineado para esta seção e os pressupostos da teoria bakhtiniana, consideramos necessário problematizar as orientações e intervenções realizadas por organismos internacionais destinadas à educação pública:

A cada palavra da enunciação que estamos em processo de compreender, fazemos corresponder uma série de palavras nossas, formando uma réplica. Quanto mais numerosas e substanciais forem, mais profunda e real é a nossa compreensão (BAKHTIN, 2014, p.137).

Com isso, acrescentamos que, quando nos referimos à intervenção de organismos internacionais em nosso país, um ator ganha considerável relevância: o Banco Mundial (BM).

Antes de discutirmos as ações desse banco, é necessário salientar que a história da democracia do Brasil (e até a ausência dela) é de tal maneira permeada pelos aspectos econômicos que o desenvolvimento econômico do país passa a ser o principal e, muitas vezes, o único objetivo para cujo alcance todos os demais aspectos que constituem a vida em sociedade devem se voltar. Não estamos negando a importância do desenvolvimento econômico, o que problematizamos é o fato de a acumulação do capital, ou seja, a lógica capitalista, passa a ser considerada como a lógica que sustenta, explica e rege todas as relações sociais. Nesse sentido, o Banco Mundial é um dos organismos que trabalha para a disseminação e conservação desse ponto de vista.

O Banco Mundial é uma instituição financeira no âmbito do Grupo Banco Mundial, que realiza empréstimos a países em desenvolvimento, visando à redução da pobreza e das desigualdades. Atua como uma cooperativa de países, administrando

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e gerenciando os recursos com a finalidade de contribuir para o desenvolvimento econômico permanente dos países em desenvolvimento atendidos (BANCO..., acesso em 15 abr. 2019).

Conforme informações disponibilizadas no site das Nações Unidas no Brasil, a parceria entre Banco Mundial e o Brasil existe há mais de 60 anos por meio de apoio aos governos federal, estaduais e municipais, com financiamentos e doações destinadas a diferentes áreas, na qual destacam-se a gestão pública, a saúde e a educação. Além disso, o texto disponibilizado menciona que os projetos desenvolvidos em parceria visam o crescimento econômico e o desenvolvimento social. Nessa mesmo site, encontramos que o trabalho desenvolvido pelos Banco e seu pessoal "altamente treinado" prioriza:

O investimento nas pessoas, especialmente por meio da saúde e da educação básicas; A criação de um ambiente para o crescimento e a competitividade da economia; A atenção ao meio ambiente; O apoio ao desenvolvimento da iniciativa privada; A capacitação dos governos para prestar serviços de qualidade com eficiência e transparência; A promoção de um ambiente macroeconômico conducente a investimentos e a planejamento de longo prazo; O investimento em desenvolvimento e inclusão social, governança e fortalecimento institucional como elementos essenciais para a redução da pobreza. (BANCO..., acesso em 15 abr. 2019)

Os pontos elencados evidenciam as intenções de regulação da economia, o explícito apoio ao desenvolvimento da iniciativa privada e a primazia aos conceitos vinculados à lógica de mercado como parâmetros para o desenvolvimento. Percebemos ainda que o desenvolvimento social é entendido como consequência direta do desenvolvimento econômico, simplificando o processo e desconsiderando os fatores que influenciam consideravelmente a pobreza e a desigualdade social, como anos de exploração do trabalho e má distribuição de renda.

O interesse do Banco Mundial na educação foi ampliado na década de 1970, devido ao contexto de crise financeira internacional, e posteriormente, na década de 1980, devido à dívida dos países latino-americanos, o que contribui para que organismos multilaterais de financiamento ficassem à frente dos processos de renegociação dessas dívidas, usando determinações e condicionalidades tanto em âmbito

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econômico-financeiro quanto político-ideológico, para os países tomadores de empréstimos (FIGUEIREDO, 2009). Assim,

[...] o BM se apropria desse contexto econômico crítico dos países e se compromete a ajudá-los, no entanto impõe suas condições para a concessão de novos empréstimos. A principal delas foi passar a intervir diretamente na formulação da política interna e a influenciar a própria legislação dos países (STIEG, 2014, p. 44).

Nesse contexto, o Banco Mundial passou por uma transformação em relação ao papel desempenhado. De um banco do desenvolvimento na indução de investimentos para atendimento às conveniências da garantia dos pagamentos das dívidas pelos países devedores aos credores e para a abertura dessas economias aos novos padrões globais. Com isso, "[...] o debate sobre a educação foi se transformando em assunto de negócios, de banqueiros e de estrategistas políticos" (FIGUEIREDO, 2009, p. 1124).

Corroborando nosso diálogo, Mota Junior e Maués (2014, p. 1139) acrescentam que o Banco Mundial e outros organismos multilaterais

[...] têm orientado as políticas educacionais nos países periféricos com o objetivo de responder, dentro dos limites do campo educacional e de sua possibilidade de alcance, à crise estrutural do capitalismo desencadeada nos anos de 1970, uma vez que a educação passou a ser vista não somente como uma importante fronteira econômica a ser explorada, mas também por sua funcionalidade aos grandes capitais em formar uma nova geração de trabalhadores que pudesse se adequar, em termos de conhecimentos e técnicas, às novas exigências produtivas e organizacionais de um contexto marcado pela reestruturação dos processos produtivos (crise do fordismo e advento do toyotismo) e por uma forte crise no Estado capitalista.

Visando ajustar a estrutura macroeconômica, essas orientações se embasam em propostas elaboradas pelo Banco Mundial para a educação e algumas dessas propostas são apresentadas nos documentos Educación: documento de política sectorial, de 1975, e Prioridades y estrategias para la educación, de 1996. Conforme esses textos, a educação é entendida como um dos principais fatores de desenvolvimento econômico e social, que possibilitaria a melhoria das condições de vida da população menos favorecida, contribuindo para a redução da pobreza e o aumento da eficiência do trabalho dos pobres. Além disso, como mencionado, as elevadas taxas de repetência e evasão escolar são apontadas como um dos principais fatores que favorecem a intensificação das desigualdades sociais e

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consequentemente um empecilho para a produtividade do trabalho (BANCO MUNDIAL, 1996).

O Banco Mundial, por intermédio da elaboração de propostas e orientações ancoradas na prerrogativa da modernização dos aparatos públicos, do enfrentamento às desigualdades sociais, à melhoria da qualidade da educação para todos, objetivando qualidade, equidade, eficiência, produtividade, racionalidade econômica e competitividade no mercado econômico, atua não só em âmbito financeiro, mas no campo político e ideológico, na medida em que passa a influenciar os países por meio do controle do apoio financeiro, conjugados com seus interesses pautados no crescimento e na perpetuação da lógica do capital.

As orientações e as propostas do Banco Mundial constituem-se em condicionalidades aos empréstimos concedidos, possibilitando que sua influência sobre as políticas públicas seja bem significativa. Mota Junior e Maués (2014, p. 1142) ressaltam que "[...] o Banco Mundial tornou-se uma espécie de Ministério da Educação dos países periféricos ao estabelecer condicionalidades em termos das políticas sociais a serem adotadas pelos países tomadores de empréstimos". Essas condicionalidades "[...] estariam a serviço da estratégia do BM de promover o ajuste estrutural macroeconômico necessário à inserção do Brasil e demais países periféricos no processo de globalização neoliberal", ainda segundo Mota Junior e Maués (2014, p. 1142).

Envolvendo um processo de nova redefinição, no final da década de 1980, o Banco Mundial desloca sua agenda política por via da defesa a reformas do Estado e da administração pública, enfatizando o fortalecimento da sociedade civil. Figueiredo (2009, p. 1125) afirma que nas formulações do Banco Mundial o argumento é de que “[...] a falta de reformas no financiamento e na administração da educação vem acarretando custos econômicos, sociais e políticos para os países em desenvolvimento". Por isso, apresenta como objetivo prioritário para suas ações o incremento à equidade social e à eficiência.

De acordo com Borges (2003, p. 126), o Banco Mundial passou a reconhecer que o sucesso de seu projeto de desenvolvimento dependia de consideráveis modificações nos aspectos estruturais das sociedades em que atuava. Por isso, foi enfatizada a

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melhoria das condições sociais e educacionais e o fortalecimento da sociedade civil por meio de reformas, com "[...] o propósito de construir um amplo consenso, contribuindo para adequar a democracia às demandas de estabilidade política subjacentes ao modelo de desenvolvimento capitalista liberal".

Em termos econômicos e políticos, esses novos contornos estão vinculados à denominação que se generalizou como neoliberalismo que, por sua vez, nos remete ao Consenso de Washington (SAVIANI, 2007). A referida expressão

[...] decorreu da reunião promovida em 1989 por John Williamson no Internacional Institute for Economy, que funciona em Washington, com o objetivo de discutir as reformas consideradas necessárias para a América Latina. Os resultados dessa reunião foram publicados em 1990. Na verdade, Williamson denominou Consenso de Washington o conjunto das recomendações saídas da reunião porque teria constatado que se tratava de pontos que gozavam de certa unanimidade, ou seja, as reformas sugeridas eram reclamadas pelos vários organismos internacionais e pelos intelectuais que atuavam nos diversos institutos e economia (SAVIANI, 2007, p. 427).

Havia assim um alinhamento nos discursos de reformas para o mercado, materializados em uma publicação realizada por John Williamson intitulada Consenso de Washington, contendo "[...] dez pontos relativos às reformas políticas exigidas da América Latina, por 'Washington', ou seja, em primeiro lugar, o Bando Mundial, o FMI e o governo das Estados Unidos" (WILLIAMSON, 1992, p. 43), na qual todos os países da América Latina deveriam se envolver no processo de reconfiguração econômica para garantir sua incorporação aos novos preceitos do mundo globalizado. Williamson (1992, p. 44-45) descreve as recomendações/exigências em dez pontos:

1. Disciplina fiscal relacionada ao déficit orçamentário, que devem ser reduzidos ao ponto de serem financiados sem o recurso do imposto inflacionário; 2. Prioridades dos gastos públicos com o objetivo de redirecionar gastos para as áreas com alto retorno econômico e com potencial para melhorar a distribuição de renda, como a educação, a saúde e a infraestrutura; 3. Reforma fiscal envolvendo o aumento da base tributária e o corte de taxas (tributárias) marginais; 4. Liberação do financiamento para a obtenção de uma taxa de juros determinada pelo mercado, com o fim dos juros privilegiados e o alcance de uma taxa de juros real positiva e moderada; 5. Taxa de câmbio com a taxa unificada para fins comerciais e gerenciada no intuito de que assegure e mantenha a competitividade do mercado; 6. Liberação do comércio para a retirada das restrições quantitativas, que devem ser substituídas por tarifas uniformes;

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7. Investimento externo direto com a abolição das barreiras que impedem a entrada de firmas estrangeiras e assim, firmas estrangeiras e nacionais possam competir de forma igualitária; 8. Privatização para todas as empresas estatais; 9. Desregulamentação visando a extinção de regulamentações que impeçam a entrada de novas firmas ou que impeçam a competição; 10. Direito de propriedade que deve ser garantido, pelo sistema judiciário, sem custos excessivos e tornando-o disponível ao setor informal.

Como podemos constatar, o Consenso de Washington implica um rigoroso programa de equilíbrio fiscal por meio de reformas que envolvem os âmbitos administrativos, trabalhistas e previdenciários, com vistas a cortes nos gastos públicos, apresentando uma nova denotação ao papel desempenhado até então pelo Estado. No entanto, essas recomendações/exigências que inicialmente se apresentam como imposições, devido às condicionalidades das agências financiadoras de empréstimos, vão assumindo uma configuração distinta ao serem incorporadas pelos países tomadores de empréstimos, incluindo o Brasil, como políticas:

[...] diante do desenvolvimento das novas orientações internacionais do capitalismo mundializado amparadas nas premissas da globalização e da reestruturação produtiva, novas relações e estratégias burguesas de domínio sobre a ossatura material do Estado também se mostram necessárias. A burguesia brasileira, nesta reconstrução das regras do jogo democrático, passa a defender de forma mais aberta e articulada o seu modelo de sociedade fundada nos valores da economia de mercado e da meritocracia. Temos, por um lado, a organização da burguesia brasileira em defesa de seus interesses imediatos de ampliação de acumulação e da defesa de sua concepção de mundo - o que implica em articulações, cisões e conflitos intraclasse, denotando a complexidade dessas relações de poder - e, conjuntamente, suas pretensões de se internacionalizar no plano estrutural do capitalismo mundializado (CASIMIRO, 2018, p. 124).

Além disso, a maioria dos países da América Latina estava vivendo ou saindo de regimes ditatoriais e os discursos dos organismos internacionais pautavam a democracia como um aspecto fundamental para o alcance do desenvolvimento econômico e social. O Banco Mundial, em seus documentos, reiterou a questão da democracia, vinculada à necessidade de redefinição do papel do Estado que, segundo as afirmações apresentadas nas publicações de autoria do Banco Mundial, Educación: documento de política sectorial, de 1975, e Prioridades y estrategias para la educación, de 1996, era o culpado pela crise econômica e, por isso, haveria a necessidade do estabelecimento de reformas em seus diferentes âmbitos, nos moldes anunciados pelo Consenso de Washington.

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Mesmo com a institucionalidade autoritária sendo substituída progressivamente por meio da transição política, com a instituição da Constituição democrática de 1988 e a eleição direta presidencial que elegeu Fernando Collor de Mello, em nosso país, "[...] a crise política iniciada com a crise da Ditadura Militar permaneceu, evidenciando claramente a ausência de unidade entre as classes e frações do bloco no poder em torno de um projeto histórico de largo fôlego" (MACIEL, 2011, p. 98-99).

Ainda conforme Maciel (2011, p. 99), o período no qual Fernando Collor de Mello esteve na presidência da República (de 1990 a 1992) é caracterizado pelo acirramento progressivo da crise de hegemonia burguesa iniciada em 1987 com o colapso do Plano Cruzado e o início do processo constituinte", além de ter sido o momento em que o projeto neoliberal passou efetivamente a ser elemento-base para todos os âmbitos das ações governamentais.

Nessa conjuntura, a noção adotada de democracia ganha relevância diante do projeto democratizante da Constituição de 1988 e, ao mesmo tempo, dos avanços do projeto neoliberal, o que, para Dagnino (2004), se configurou um uma perversa confluência de interesses. Se, por um lado, não se pode desconsiderar que a retomada da democracia se estabeleceu também diante de lutas contra- hegemônicas, com considerável participação popular por meio da sociedade civil organizada, por outro lado,

[...] com a eleição de Collor em 1989 e como parte da estratégia do Estado para a implementação do ajuste neoliberal, há a emergência de um projeto de Estado mínimo que se isenta progressivamente de seu papel de garantidor de direitos, através do encolhimento de suas responsabilidades sociais e sua transferência para a sociedade civil. Esse projeto constitui o núcleo duro e do bem conhecido processo global de adequação das sociedades ao modelo neoliberal produzido pelo consenso de Washington (DAGNINO, 2004, p. 96).

A autora ressalta que "[...] a perversidade estaria colocada, desde logo, no fato de que, apontando para direções opostas e até antagônicas, ambos os projetos requerem uma sociedade civil ativa e propositiva" (DAGNINO, 2004, p. 96-97, grifos da autora), isso diante da ideologia neoliberal e da tensão entre a ênfase na liberdade individual voltada ao atendimento dos interesses mercado econômico, já defendida no liberalismo, e a democracia e as mudança políticas, ideológicas e econômicas que a acompanham.

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Se, durante o governo de Fernando Collor de Mello (1990-1992), houve ações governamentais em diferentes âmbitos, tendo as propostas privatizantes e uma grande reforma administrativa, foi nos governos de Fernando Henrique Cardoso, entre 1994 a 2001, que a ideologia neoliberal se intensificou e passou a servir de fundamento para todas as esferas políticas e econômicas em nosso país e sua consequente consolidação.

O projeto neoliberal tem como premissa a não intervenção do Estado nas relações econômicas e em grau mínimo nas demais esferas, incluindo os serviços sociais, como saúde, segurança e educação. Nesse sentido, o projeto global neoliberalista, "[...] enquanto política liberalizante do mercado, que advoga a não intervenção do Estado nas relações econômicas e a reinversão da prioridade de investimentos públicos das áreas sociais para as áreas produtivas" (OLIVEIRA, 2010, p. 98).

A estratégia dos neoliberais estaria fundamentada em ações voltadas para a diminuição do papel do Estado, diante do argumento de que o Estado estava/está em crise, considerando as políticas sociais como obstáculos para o desenvolvimento e o bom andamento do mercado. Nesse sentido, o processo de redistribuição de renda, por meio das políticas sociais e a intervenção do Estado no mercado econômico, estaria gerando a crise fiscal, pois os gastos em ações em políticas redistributivas, visando a políticas sociais universais, faziam com que o Estado gastasse mais do que arrecadava (PERONI, 2008).

Por conseguinte, apenas uma reforma de considerável proporção, englobando as diferentes esferas da sociedade, se apresentava como estratégia eficiente de superação do problema. Assim, "[...] o mercado é que deveria coordenar a vida em sociedade. A lógica de o mercado orientar o Estado para que ele seja mais eficiente e produtivo é a chamada nova administração pública ou administração gerencial" (PERONI, 2008, p. 113).

Em convergência ao projeto em questão, com vistas a “reduzir o custo do Brasil”, o então presidente da República, Fernando Henrique Cardoso, encaminhou ao Congresso Nacional, em agosto de 1995, o projeto de lei que criava uma ampla reforma nos aparelhos do Estado e nas políticas, com o intuito de solucionar a crise

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da economia brasileira e garantir as condições de inserção do país na economia globalizada (CARDOSO, 1998).

Conforme o documento oficial, o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (PDRAE) foi elaborado pelo Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado e, aprovado pela Câmara da Reforma do Estado durante uma reunião no dia 21 de setembro de 1995. Em seguida, foi submetido ao Presidente da República, que o aprovou da maneira em que foi publicado. (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, 1995, p. 2.).

Com a premissa de que o Brasil passava por uma crise fiscal, a elaboração do plano de reforma do Estado, por parte do extinto Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), foi apresentada como estratégica, pois possibilitaria a criação de condições para a reconstrução da administração pública em bases modernas e racionais. Nessa conjuntura, a reforma do Estado, conforme o documento, se instaura num contexto de redefinição do papel do Estado em relação ao desenvolvimento econômico e social, em que o Estado deixava de se responsabilizar diretamente pela produção de bens e serviços, com intuito de assumir a função de promotor e regulador desse desenvolvimento (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, 1995).

Com isso, ocorreu o rompimento do modelo administrativo vigente, que deixou de se apresentar como Estado burocrático, fundamentado em uma administração que concentra e centraliza as ações, tendo como característica a rigidez dos procedimentos com excesso de normas, para o Estado gerencial, baseado em conceitos da administração que visem à eficiência, voltada para o controle dos resultados, e à descentralização, buscando a redução dos custos e o aumento da qualidade dos serviços. Assim, o cidadão é visto como contribuinte de impostos e como cliente dos seus serviços (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, 1995).

Com esse empreendimento, se iniciaram as manobras governamentais com intuito de impor as mudanças vistas como necessárias. Desse modo, se

[...] empreende uma luta ideológica que apresenta os direitos sociais como privilégios e entraves ao desenvolvimento econômico, promove a

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desregulação da economia e a flexibilização da legislação do trabalho, a diminuição dos gastos públicos, a privatização das empresas estatais, a abertura do mercado aos investimentos transnacionais, dentre outras medidas (SILVA, 2001, p. 3).

Conforme Bakhtin (2014, p. 126), “toda palavra é ideológica” e cada elo dessa cadeia discursiva é social. As mudanças no papel do Estado brasileiro se inserem em um movimento maior. A reforma do aparelho do Estado brasileiro, introduzida por intermédio da publicação do PDRAE, se apresenta de forma consonante a movimentos internacionais semelhantes, voltados ao atendimento e à manutenção das demandas do capitalismo. Afonso (2001, p. 24) aponta a forte influência dos organismos internacionais na reforma do Estado. Para esse autor,

[...] é inegável que, com uma intensidade maior ou menor, todos os países se confrontam hoje com a emergência de novas organizações e instâncias de regulação supranacional (ONGs, Mercosul, Organização Mundial do Comércio, União Europeia), cuja influência se vem juntar a outras organizações que já não são recentes, mas que continuam a ser muito influentes (Banco Mundial, OCDE, FMI), sendo que elas têm sempre implicações diversas, entre as quais, e de acordo com o objecto deste trabalho, aquelas que directa ou indirectamente ditam os parâmetros para a reforma do Estado nas suas funções de aparelho político-administrativo e de controle social, ou que induzem em muitos e diferentes países a adopção de medidas ditas modernizadoras que levam o Estado a assumir também, de forma mais explícita, uma função de mediação, de adequação às prioridades externamente definidas ou, mesmo, de promoção das agendas que se circunscrevem a ditames mais ou menos ortodoxos da fase actual de transnacionalização do capitalismo e de globalização hegemónica. (AFONSO, 2001, p. 24)

Esse novo paradigma do Estado, centrado na administração empresarial, atende às demandas multidimensionais da globalização por via de regulações das instâncias internacionais. O Estado deixa de prover bens e serviços e passa a regular e controlar, sendo a descentralização, ancorada na privatização, terceirização e publicização, que se configura em instrumento para a racionalização de recursos por parte do Estado e a transferência dos serviços considerados não exclusivos para o setor público não estatal, as organizações sociais, como universidades, hospitais, museus, centros de pesquisas.

A privatização consiste na transformação de uma organização de direito público para o setor privado e, no contexto do PDRAE, foi apresentada como oportuna para o aumento da arrecadação de recursos. Assim, a produção de bens e serviços para o mercado, como os setores de água, energia elétrica, saneamento e

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telecomunicações, antes de responsabilidade das empresas estatais, passaram para o setor privado.num intenso processo de privatização, o que propiciou a formação de monopólios privados sem a garantia da qualidade e da manutenção do atendimento à população (SILVA, 2001).

As atividades do Estado, consideradas auxiliares e de apoio, passaram pelo processo de terceirização, sendo deslocadas para o setor privado mediante contratos. Políticas públicas sociais foram consideradas serviços não exclusivos do Estado, sendo transferidos para a propriedade pública não estatal ou para a iniciativa privada no processo de publicização. Nesse processo, as organizações sociais (de direito privado sem fins lucrativos) foram financiadas pelo Estado para assumir a gerência e a execução dos serviços, “[...] a partir do pressuposto que esses serviços serão mais eficientemente realizados se mantendo o financiamento do Estado” (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, 1995, p.60).

Vale ressaltar que um dos objetivos do processo de publicização apresentados no PDRAE é “[...] aumentar a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor” (MINISTÉRIO DA ADMINISTRAÇÃO FEDERAL E REFORMA DO ESTADO, 1995, p.47). Percebemos que o processo em questão integrou ações voltadas para implantação da lógica de mercado nos serviços sociais, considerados pelo PDRAE atividades de caráter competitivo. Segundo Afonso (2001, p. 39), esse movimento de promoção dos mecanismos de mercado nas atividades de responsabilidade do Estado é uma das características das políticas neoliberais, entendida como a constituição de quase-mercados que, por sua vez, ocorrem quando os serviços sociais são convertidos em mercadorias, iniciando uma competição entre instituições por contratos e recursos do setor público.

Ao conceber esse processo em sentido mais abrangente e em articulação com seus impactos nas políticas públicas educacionais, é possível inferir que o dito Estado mínimo tem sido máximo para atender aos interesses do mercado. Para Peroni (2012, p. 39), “[...] é importante atentar que ‘quase-mercado’ quer dizer que a lógica de mercado é a que orientará a ação Estatal”. Desse modo, deparamos com conceitos dessa lógica, como eficiência, ênfase nos resultados, competição,

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habilidades e competências, objetividade, qualidade, autonomia, permeando as políticas públicas.

No que diz respeito às políticas públicas educacionais, Afonso (2001, p. 25) sinaliza para a “[...] transição de uma forma de regulação burocrática e fortemente centralizadora para uma forma de regulação híbrida que conjuga o controle pelo Estado com estratégias de autonomia e autorregulação das instituições educativas”. A regulação com base na lógica de mercado se materializa, por exemplo, por meio da elaboração de currículos pautados nesse mesmo fundamento. Assim sendo, o controle se efetiva por via das avaliações externas e a responsabilização dos sujeitos.

Especificamente, foi o processo de publicização que possibilitou, no Brasil, a atuação das organizações não governamentais de atuarem na educação pública brasileira, por meio de contratos firmados entre o setor público e instituições privadas:

[...] a Terceira Via apresenta-se como uma alternativa ao neoliberalismo e à antiga social democracia. Apesar de ter o mesmo diagnóstico, de que o Estado está em crise, apresenta estratégias diferentes para superá-la. O neoliberalismo propõe a privatização, a passagem total para o mercado, ficando para o Estado apenas a coordenação e não mais a execução. A Terceira Via tem outra estratégia que não a privatização: o terceiro setor (PERONI, 2008, 113).

O documento do PDRAE faz uma diferenciação entre a privatização e a publicização. Assim, tratando de educação,

[...] na “publicização”, a escola é “concedida à gestão privada” (usualmente a organizações sociais sem fins lucrativos) mas continua sendo do Estado, não ocorrendo sua alienação física a terceiros, ou seja, sem que haja venda do patrimônio, então não haveria, também, sendo assim, privatização (FREITAS, 2018, p. 50).

Como já mencionado, a reforma do Estado reorientou as relações entre público e privado. Boa parte dessas mudanças são materializadas nas políticas educacionais, com a transferência das responsabilidades do Estado para a sociedade, provocando um esvaziamento do poder das instituições públicas no que tange à elaboração de políticas e à intervenção cada vez mais latente de agente privados, na gestão da educação pública. Peroni (2008, p. 115) salienta que

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[...] a gestão educacional é fortemente influenciada pela ideologia de que o mercado é parâmetro de qualidade, o que leva muitos sistemas públicos a buscarem parcerias com instituições que vendem produtos com a promessa da qualidade.

Para mais, Peroni (2008, p. 116, grifos da autora) apresenta, que os processo de "[...] publicização — entendido no plano diretor da reforma do aparelho do Estado (BRASIL, 1995) como público não estatal ou terceiro setor — como a privatização, entendida como lucro e mercado, avançaram assustadoramente no Brasil", em que a lógica do privado penetra na esfera pública fundamentada no argumento de torná- la produtiva e eficiente.

Dessa maneira, a reforma do aparelho do Estado, realizada durante o primeiro governo de Fernando Henrique Cardoso, além de intensificar consideravelmente a execução do projeto neoliberalista em todas as instâncias político-sociais, provoca o aumento da atuação do chamado terceiro setor nas políticas sociais que, por meio de parcerias firmadas com os setores públicos e a educação, foi uma das principais áreas de atuação para tais organizações, devido às afirmações acerca da ineficiência do Estado na oferta da educação de qualidade, entre outros aspectos, e diante dos altos índices educacionais de repetência, da distorção idade-série e da evasão escolar.

Conforme Soares e Sátyro (2008, p. 8), existe uma estreita relação entre as taxas de repetência e as taxas de distorção idade-série, embora não seja uma relação linear. Esses mesmos autores afirmam que "[...] a taxa de distorção idade/série é o cálculo de quantas crianças estão acima da idade ideal em uma determinada séria", acrescentando ainda que "[...] o conceito de distorção idade/série usado é a porcentagem de alunos defasados dois anos ou mais", ressaltando que quanto maior a distorção pior costuma ser considerado o desempenho escolar.

Segundo dados apresentados no texto intitulado O desafio de uma educação de qualidade para todos: educação no Brasil – 1990-2000 (2004, p. 22), de autoria do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), no início da década de 1990, a taxa de distorção idade-série, nos primeiros anos do ensino fundamental, era de 64,1%, havendo uma pequena queda para 41,7% no ano 2000; além de apresentar a distorção idade-séria como consequência da

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repetência escolar, aponta que esse é um dos principais problemas da educação brasileira.

No texto Estatísticas da Educação Básica no Brasil – Relatório sobre o Desenvolvimento Humano no Brasil (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 1996, 15-16), também produzido pelo Inep e apresentado em formato de relatório na Conferência Internacional de Educação em Genebra em 1996, reitera que a "[...] repetência constitui-se um dos problemas mais graves do quadro educacional do país", sendo a distorção idade- série "[...] uma das consequências mais nefastas resultantes das elevadas taxas de repetência", apresentando as seguintes taxas que, conforme o relatório em questão, são dramáticas:

 mais de 63% dos alunos do ensino fundamental têm idade superior à faixa etária correspondente a cada série;  as regiões Sul e Sudeste, embora situem-se abaixo da média nacional, ainda representam índices bastante elevados, respectivamente, cerca de 42% e de 54%;  as regiões Norte e Nordeste situam-se bem acima da média nacional (respectivamente 77,6% e 80%) (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 1996, p. 16).

Percebemos que os índices educacionais, no que tange às taxas de repetência e distorção idade-série têm sido monitorados, devido a seu status de grande problema educacional a ser enfrentado/superado. Nessa conjuntura, o Instituto Ayrton Senna iniciou suas ações voltadas para a alfabetização e a aceleração da aprendizagem por meio dos programas Se Liga e Acelera Brasil, entendidos pelo instituto como tecnologias sociais que objetivam a melhoria da qualidade da educação pública brasileira. Assim, de acordo com seus fundadores, o instituto

[...] cria, implementa, avalia e sistematiza tecnologias sociais: soluções criativas, flexíveis, eficazes e em escala que geram impacto e transformações permanentes na vida de crianças e jovens, dentro da escola (educação formal) e fora dela (educação complementar). (PROGRAMAS, acesso em 30 jul. 2018).

O Instituto Ayrton Senna iniciou suas atividades em 1994, com sua sede localizada no exterior, devido a empecilhos de cunho legal, até então existentes no Brasil. Em 1995, o Instituto Ayrton Senna, por meio de uma parceria com o Centro de Ensino Tecnológico de Brasília (Ceteb), — instituição jurídica de direito privado, voltada à

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assistência social e à filantropia sem fins lucrativos —, começou sua atuação com o desenvolvimento do material didático para o programa Aceleração da Aprendizagem, que contou com o financiamento do Ministério da Educação e foi amplamente utilizado no país (PERONI, 2008, 120).

Ainda sob o argumento de que a educação pública brasileira sofria com inúmeros problemas a serem solucionados e de que havia "insucesso do processo de alfabetização" (PROGRAMAS, acesso em 30 jul. 2018), o Instituto Ayrton Senna, ainda em parceria com o Ceteb, estendeu sua atuação e o programa de Aceleração da Aprendizagem recebeu a denominação de Acelera Brasil.

Apenas a partir de 2001 o Instituto Ayrton Senna passou a executar o programa voltado à aceleração da aprendizagem de forma autônoma e promoveu a elaboração e a execução do programa Se Liga, atuando assim na correção do fluxo escolar sob duas vertentes interligadas: com a alfabetização dos alunos defasados por meio do programa Se Liga e com a aceleração da aprendizagem dos alunos em situação de distorção idade-série com o programa Acelera Brasil.

É importante pontuar que a aceleração da aprendizagem passou a ser possível após a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº 9.394, em 20 de dezembro de 1996, cujo art. 24 assegurou a possibilidade de “[...] aceleração de estudos para alunos com atraso escolar [...]” (BRASIL, 1996). Além disso, esse documento legal confere aos estados e municípios a autonomia de organizar seus sistemas de ensino. Segundo Saviani (2007, p. 439), ao Estado mínimo ficou a incumbência de "[...] avaliar os alunos, as escolas, os professores e, a partir dos resultados obtidos, condicionar a distribuição de verbas e a alocação dos recursos conforme os critérios de eficiência e produtividade".

Esses aspectos estão estreitamente relacionados às orientações internacionais para a educação no país e fazem parte da estratégia de reestruturação da educação ao preceitos do neoliberalismo, tendo o Banco Mundial como um dos principais organismos internacionais com profunda influência nesse desenrolar. Além disso, "[...] constatamos que, ao longo dos anos 90, as orientações hegemônicas começam a cobrar resultados dos trabalhos que haviam sido agendados nas reuniões internacionais" (STIEG, 2014, p. 64).

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Diante desse cenário, as proposições das políticas educacionais visam atingir o aumento dos índices educacionais e a lógica empresarial se torna base para a gestão educacional, bem como seu princípio. Com as altas taxas de analfabetismo, repetência e distorção idade-série, o discurso que desqualifica os sistemas educacionais públicos e, assim, a educação por eles desenvolvida ganha ainda mais relevância, em contraste com as propostas milagrosas apresentadas por agentes privados para a resolução dos problemas educacionais.

Ao falar sobre o programa Acelera Brasil, Viviane Senna Lalli, diretora do Instituto Ayrton Senna, caracteriza o programa por

[...] correção de fluxo escolar - a aceleração da aprendizagem é apenas uma estratégia para atingir o objetivo maior, trata-se de um intervenção nas políticas educacionais, que tem como objetivo eliminar a cultura da repetência nas escolas, não de mera intervenção pedagógica; o programa baseia-se em concepção e materiais testados previamente (o piloto foi testado no Maranhão, em 1995); a estratégia e os materiais vêm provando ser aderentes à realidade para a qual foram desenvolvidos; os professores contam com supervisão e assistência técnica permanente; o Programa possui mecanismos de acompanhamento, controle e avaliação externa e, com isso, vem se aprimorando ao longo do tempo (LALLI, 2000, p. 145).

A intervenção nas políticas educacionais e na gestão educacional é apontada como principais alvos das ações do Instituto Ayrton Senna, por meio da realização de suas tecnologias educacionais. Com base na denominada Pedagogia do Sucesso, os programas de aceleração da aprendizagem apresentam um prazo de quatro anos para atingir o objetivo de correção de fluxo escolar. Conforme Oliveira (2003, p. 66- 67)

A intervenção é cirúrgica: o programa é de duração limitada, com o objetivo de extirpar um câncer enquistado nas escolas. Outros tratamentos virão depois, ou em decorrência dos resultados do programa. A ambição é elevada. Habilitar a maioria dos alunos para a quinta série, em condições equivalentes à média dos alunos egressos das quartas séries regulares. O alvo é fazer com que os alunos do programa fiquem pelo menos em torno da média do SAEB.

Tanto as declarações da presidente do Instituto Ayrton Senna quanto a base teórica dos programas em questão, materializados na produção de Oliveira sobre a Pedagogia do Sucesso, nos permitem perceber que a escola pública é a instituição responsabilizada pelo fracasso da educação pública. Nesses discursos, é possível perceber que a educação

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[...] é isolada dos seus vínculos sociais e passa a ser vista como uma questão puramente de gestão. Imaginando "consertar" as escolas pela sua inserção no livre mercado e com propostas restritas às variáveis intraescolares, secundarizam a importância das variáveis extraescolares, entre elas o impacto das condições de vida das crianças na sua educação. Tal postura advém da recusa de levar em conta restrições estruturais no processo educativo e da concepção depreciativa que o neoliberalismo tem do serviço público e do magistério, que se expressa no desejo de "tornar o professor (e a escola) o único responsável" pela aprendizagem e uma vez tendo identificado "o responsável", promover políticas de "responsabilização verticalizas" como forma de pressioná-lo (FREITAS, 2018, p. 37).

O Instituto Ayrton Senna atua em diferentes redes de ensino públicas estaduais e municipais na busca por resultados. Sua tecnologia social inclui um instrumento de coleta e registro de dados acerca dos processos de implementação e desenvolvimento dos programas, por meio do Sistema Instituto Ayrton Senna de Informação (SIASI), como forma de controlar as quatro variáveis básicas: frequência dos alunos; frequência dos docentes; atividades para casa realizadas; quantidade de livros lidos. Por intermédio da análises dessas variáveis seus supervisores mensuram do desempenho da escola (PROGRAMAS, acesso em 30 jul. 2018), ocorrendo ainda o controle da gestão escolar.

Em sua página na internet, o Instituto Ayrton Senna expõe a defesa à educação voltada ao desenvolvimento humano e toma como base os preceitos defendidos pela Unesco, especificamente os princípios apresentados no documento Educação para o século XXI, no qual são apresentadas as quatro competências para o desenvolvimento das seguintes potencialidades:

Aprender a ser você mesmo e construir o seu projeto de vida; aprender a conviver com as diferenças e com o meio em que vive, cultivando novas formas de participação social; aprender a fazer atuando produtivamente para ingressar e permanecer no novo mundo do trabalho; aprender a conhecer apropriando-se dos próprios instrumentos de conhecimento e colocando-os a serviço do bem comum (PROGRAMAS, acesso em 30 jul. 2018).

Não requer de nós muito esforço perceber o alinhamento dos discursos do Instituto Ayrton Senna com a lógica do sistema econômico neoliberal e de organismos internacionais. A educação é conduzida por uma organização gerencial de cunho mercadológico. Pacotes são vendidos e comprados com o objetivo de atendimento às metas e aos índices visando promover o ranking entre sistemas de ensino, entre escolas, entre alunos. Não vemos muita distância do que é defendido pelo Instituto Ayrton Senna e o modo como neoliberalismo em que a educação é vista

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[...] a partir de sua concepção de sociedade baseada em um livre mercado cuja própria lógica produz o avanço social com qualidade, depurando a ineficiência através da concorrência. Segundo essa visão, a generalização desta concepção para todas as atividades do Estado produzirá uma sociedade melhor. Os cidadãos estão igualmente inseridos nessa lógica e seu esforço (mérito) define sua posição social (FREITAS, 2018, p. 31).

É nesse contexto que se insere nossa indagação e problematização acerca da proposta de alfabetização que o Instituto Ayrton Senna desenvolve por meio do programa Se Liga, pois nosso diálogo, até o momento, nos permite inferir que, por mais que os discursos estejam carregados de ideias aparentemente comuns aos nossos, como a melhoria da educação pública, a formação humanizada dos sujeitos, a defesa pela democracia, tais discursos emergem e convergem com a defesa de uma concepção de sociedade voltada ao atendimento das demandas do mercado econômico capitalista, que tem em sua base de sustentação as desigualdades extremas.

Na próxima seção, dialogaremos com os cadernos Livro do Professor e Língua Portuguesa, sem nos distanciar dos diálogos já estabelecidos sobre o contexto no qual esses materiais destinados a professores e alunos dos sistemas e redes públicos de ensino emergem, para, assim, compreender de que alfabetização estamos falando, se tratarmos da proposta do programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna.

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5 DIÁLOGOS COM OS CADERNOS DO PROGRAMA

Nesta seção, buscamos dialogar com os enunciados que compõem o material destinado ao uso nas turmas de alfabetização de crianças em distorção idade-série, vinculadas ao programa Se Liga, no intuito de responder ao nosso objetivo de compreender a proposta pedagógica de alfabetização concretizada nos cadernos intitulados Livro do professor e Língua Portuguesa, publicados em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem, vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna.

Reiteramos que “[...] a compreensão é uma forma de diálogo; ela está para a enunciação assim como uma réplica está para a outro no diálogo. Compreender é opor à palavra do locutor uma contrapalavra” (BAKHTIN, 2014, p. 137, grifos do autor) e que, nesse processo, não somos neutros; ao contrário, como sujeitos historicamente situados, somos afetados e, dessa forma, reagimos ativa e responsivamente pelo/no processo de compreensão. Nosso diálogo ocorre em meio ao contexto de contradições no qual tanto nosso objeto de estudo, quanto nosso fazer pesquisador se estabelece.

Considerando que cada Unidade do caderno Língua Portuguesa é composta por atividades sequenciais agrupadas em Ponto de partida, Fazendo e aprendendo, Nossa produção, Minha produção e Chegada, cotejaremos aulas e propostas de atividades, apresentadas no caderno destinado aos alunos, em diálogo com a fundamentação teórica e metodológica das práticas de alfabetização no programa Se Liga.

Iniciaremos com o caderno denominado Livro do Professor, que apresenta as bases teóricas e metodológicas que deve conduzir o trabalho pedagógico dos professores vinculados ao programa Se Liga, bem como com a apresentação de um breve histórico do programa, dados que atestam sua abrangência, além dos objetivos e princípios que o fundamentam.

No texto denominado Apresentação ao professor, localizada na página de número 5 do Livro do Professor, aparece uma foto, em preto e branco à direita da página (fotógrafo Mano de Carvalho), em que aparentemente um grupo de alunos com

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camisetas do programa Se Liga envolvem o professor em um abraço coletivo. Inicialmente, esse texto expõe o objetivo do livro, qual seja: "contribuir para o sucesso de seus alunos e, também, para o seu próprio, como profissional e como pessoa" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 5). Considerando esse objetivo, o texto assinala ainda os compromissos do professor com o programa, ou seja, no campo pessoal, precisa estar a “[...] serviço do desenvolvimento humano e da construção da cidadania [...]” e, no campo profissional, "[...] é estar ciente da importância do seu papel na sociedade como educador, aberto aos desafios e em busca do 'seu melhor', investindo na ampliação de conhecimentos e experiências".

Dessa forma, o professor é convidado a assumir um novo modo de fazer educação, com base nas premissas repetidamente reforçadas pelo Instituto Ayrton Senna, com uso da imagem do piloto Ayrton Senna, exibido como herói nacional e defensor da "[...] crença em si próprio e no outro, o respeito pelo ser humano e pelo profissional, a perseverança, a determinação, a busca da vitória e de fazer o melhor" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 5).

O texto da apresentação é finalizado com a seguinte frase: "[...] o poder de formar campeões e desenvolver seres humanos felizes está em suas mãos. Use-o agora e venha fazer parte do universo Se Liga" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 5, grifo dos autores). Assim, é possível inferir que não há uma preocupação com os diferentes fatores que envolvem os processos de ensinar e aprender, pois prevalece a crença de que o material e a boa vontade do professor são suficientes para garantir o efetivo aprender de todos as crianças envolvidas no processo previamente construído.

Sem considerar as contradições existentes na sociedade e, consequentemente, na educação, encontramos uma concepção de sucesso fundamentada no princípios neoliberais e meritocráticos, ou seja, nessa perspectiva, os sujeitos são os únicos responsáveis por seu sucesso ou fracasso. No entanto, com base na perspectiva bakhtiniana de linguagem, compreendemos que os sujeitos não podem ser pensados fora das relações sociais, pois as relações com outros sujeitos o constituem como tal.

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Não é uma questão de negligenciar a importância do atuação do professor e demais profissionais no processo educativo e a necessidade de seu comprometimento com a educação, mas considerar que essa responsabilidade não consiste em um valor absoluto, pois o agir é sempre situado historicamente, em uma interdependência entre sujeitos inseridos em uma dada sociedade (BAKHTIN, 2010) e, desse modo, não se separa o processo da realidade material.

A responsabilização do professor no âmbito no programa Se Liga ocorre de forma arbitrária, ainda mais se considerarmos sua não participação no processo de tomada de decisão e no planejamento didático-pedagógico das aulas que terá que conduzir. Sua participação é chamada com a finalidade de aceitar o que é previamente selecionado para seu trabalho e de aplicar a metodologia sem qualquer questionamento ou proposta de alteração. Para essa concepção de responsabilidade, buscamos uma contraposição em Bakhtin, pois, conforme o autor,

[...] é apenas a relação com o conteúdo único e singular do existir-evento através do efetivo reconhecimento da minha participação real nele, que o torna um ato responsável, E tudo em mim — cada movimento, cada gesto, cada experiência vivida, cada pensamento, cada sentimento — deve ser um ato responsável; é somente sob esta condição que eu realmente vivo, não me separo das raízes ontológicas do existir real. Eu existo no mundo da realidade inelutável, não naquele da possibilidade fortuita (BAKHTIN, 2010, p. 101).

Por esse ponto de vista, "[...] a responsabilidade é possível não em relação ao sentido em si" (BAKHTIN, 2010, p. 101), mas no reconhecimento do eu na participação única no mundo, em sua relação com o outro e com a realidade. Assim, a responsabilização do sujeito e apenas do sujeito, como ocorre, entre outros momentos, na afirmação "[...] o poder de formar campeões e desenvolver seres humanos felizes está em suas mãos" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 5), despreza que "[...] não existe o homem fora da sociedade, consequentemente, fora das condições socioeconômicas objetivas. Trata-se de uma abstração simplória" (BAKHTIN, 2001, p. 11) e, por que não dizer, deliberada e cruel.

Conforme o referido texto, "[...] dados oficiais têm exposto, continuamente, a cada ano, o fracasso e a ineficiência da educação formal brasileira" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 5) e, mesmo sem apresentar as fontes desses dados, acrescentam informações sobre o baixo rendimento dos estudantes nas avaliações

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em larga escala. Dessa forma, o Instituto Ayrton Senna se apresenta como atuante no compromisso com o desenvolvimento da educação de crianças e jovens, por meio da criação de soluções para a superação dos problemas apontados. O programa Se Liga, considerado pelo Instituto Ayrton Senna como tecnologia social, é apresentado ainda como um produto que utiliza instrumentos funcionais e ágeis para solução do fracasso escolar.

Ocorre o reforço em relação à ineficiência da educação formal brasileira, desconsiderando o contexto educacional brasileiro e os fatores que o envolvem. Mesmo que não haja menção de quais dados oficiais a informação foi retirada, podemos considerar como fontes para nossas contrapalavras os relatórios elaborados e publicados pelo INEP, tomando aqui como o exemplo o Relatório Nacional Saeb 2003, pois informa que o sistema educacional brasileiro convive com grandes problemas e apresenta que tais problemas são agravados "[...] pelas fortes desigualdades regionais que ainda persistem em nosso país" (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2006, p. 19), aspecto ignorado no discurso do Instituto Ayrton Senna.

Além disso, esse mesmo relatório aponta os inegáveis avanços que acontecem no quadro educacional brasileiro, principalmente relacionados ao aumento do número de matrículas no ensino fundamental, assim como a permanência dos estudantes nessa etapa da educação básica e a diminuição nas taxas de analfabetismo, se comparadas às da década de 1990 (INSTITUTO NACIONAL DE ESTUDOS E PESQUISAS EDUCACIONAIS ANÍSIO TEIXEIRA, 2006, p. 17-19).

Nas produções do INEP, não se negam a gravidade dos problemas educacionais, inclusive os problemas relacionados ao fluxo educacional e a necessidade de que esse fator precisa ser objeto de "[...] maior atenção governamental por meio de políticas públicas específicas" (ARAÚJO, 2005, p. 29). No entanto, esses problemas não podem ser isolados de seu contexto, como acontece nos discursos do Instituto Ayrton Senna, materializados no caderno Livro do Professor, no qual "[...] a educação é isolada dos seus vínculos sociais e passa a ser vista como uma questão puramente de gestão [...]" (FREITAS, 2018, p. 37) a ser solucionada por intermédio de instrumentos funcionais e ágeis. Assim,

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[...] secundarizam a importância das variáveis extraescolares, entre elas o impacto das condições de vida das crianças na sua educação. Tal postura advém da recusa de levar em conta restrições estruturais no processo educativo e da concepção depreciativa que o neoliberalismo tem do serviço público e do magistério, que se expressa no desejo de tornar o professor (e a escola) o único responsável pela aprendizagem [...] (FREITAS, 2018, p. 37).

Passaremos para a página 6, em que Apresentação do programa Se Liga é enunciada. Como constatamos com a leitura desse texto, o programa Se Liga é contextualizado no âmbito das ações do Instituto Ayrton Senna e são mencionados ainda os anos de atuação e o alcance do programa em nível nacional. Conforme escrito, o programa foi iniciado em 2001, com o atendimento de 13.653 alunos. Em dez anos de atuação, o atendimento foi ampliado para 500.000 alunos das redes estaduais e municipais. Apenas com esses dados, temos a dimensão da influência do programa na educação pública, intervindo diretamente no processo formativo das crianças das escolas públicas.

Para mais, é possível inferir, por meio da compreensão da dimensão e abrangência da atuação do Instituto Ayrton Senna na educação pública brasileira, a ação permissiva por parte de todas as esferas da administração pública diante dos empreendimentos propostos pela iniciativa privada em busca da solução dos problemas educacionais e da melhoria de índices, situação que, em nossa opinião, não colabora para "[...] a diminuição das desigualdades existentes no campo, uma vez que não é articulada a políticas universais" (ADRIÃO; BORGHI, 2008, p. 108).

Definido como um programa de gestão em alfabetização, o Se Liga é caracterizado "[...] pela conjunção de princípios, metodologias, práticas e materiais pedagógicos pensados e planejados para proporcionar o desenvolvimento das habilidades" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 5) dos alunos do Ensino Fundamental, especificamente das séries iniciais dessa etapa da educação básica. Há também a categorização do perfil do aluno matriculado no programa, como alunos marcados pelo fracasso escolar e pela falta de crença em si próprio, além da baixa autoestima. Nessa perspectiva, mesmo havendo a categorização do perfil do aluno público-alvo do programa Se Liga, o objetivo é proporcionar o desenvolvimento de habilidades, ou seja, fazer que os mesmos objetivos elencados previamente pelo programa sejam alcançados por todos os alunos, independentemente dos aspectos geográfico-temporais e das condições socioeconômicas. A categorização do perfil

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dos alunos matriculados em turmas de alfabetização e aceleração da aprendizagem acontece com base em uma latente generalização.

Esse processo de generalização do sujeito se distancia do tratamento dialógico, "[...] que lhe preserva a liberdade e a inconclusibilidade [...]" (BAKHTIN, 2011, p. 347); ao contrário, compreendemos que os discursos do programa Se Liga e do Instituto Ayrton Senna promovem um processo de objetivação dos sujeitos, tanto professores quanto alunos, e ainda, a ausência de diferentes vozes, fazendo deles discursos monológicos. Aponta Bakhtin (2011, p. 348, grifos do autor):

No enfoque monológico (em forma extrema ou pura), o outro permanece inteiramente apenas objeto da consciência e não outra consciência. Dele não se espera resposta que possa modificar tudo no mundo da minha consciência. O monólogo é concluído e surdo à resposta do outro, não o espera nem reconhece nele força decisiva. Passa sem o outro e por isso, em certa medida, reifica toda a realidade.

O modo como os alunos são definidos no caderno Livro do Professor e reafirmados por meio das atividades de alfabetização propostas no caderno Língua Portuguesa demonstram a tentativa de predeterminação dos sujeitos. Um exemplo do que falamos é visto na descrição da metodologia do programa, apresentada como um aspecto que incide na autoestima do aluno e no desenvolvimento de competências que são descritas: "dimensão do aprender, dimensão do fazer e dimensão do conviver". Dessa maneira, a noção de formação do aluno autônomo é evidenciada como uma construção diária "[...] por meio da conquista na crença em si mesmo, alcançada gradativamente pelos resultados positivos do seu processo de aprendizagem" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 6). O texto é finalizado com uma narrativa em torno do vitorioso desfecho do aluno ao ser alfabetizado e do sentimento de orgulho do professor acerca do alcance dos bons resultados e por levar para sua prática os aprendizados pedagógicos e gerenciais adquiridos durante a execução do programa.

Os discursos relacionados ao desenvolvimento de competências e à formação de alunos autônomos no âmbito do programa Se Liga pertence ao mesmo discurso que caracteriza os sujeitos de forma predeterminante e generalizada. Dessa forma, problematizamos a formação autônoma que se anuncia. Percebemos a ocorrência da centralidade em elementos individuais, em detrimento de aspectos da esfera

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social e democrática, o que, em nossa opinião, não contribui para que os sujeitos se posicionem e produzam respostas e contrapalavras em relação às contradições existentes na sociedade.

Segundo Saviani (2007, p. 438), na perspectiva voltada para a pedagogia das competências, busca-se "[...] substituir o conceito de qualidade pelo de competência e, nas escolas, procura-se passar do ensino centrado nas disciplinas de conhecimento para o ensino por competências referidas a situações determinadas". Assim, objetiva-se

[...] preparar os sujeitos para atender às demandas e não para criar demandas, intervir no mundo, pois os sujeitos não são incentivados/convidados para participar das questões presentes em sua sociedade (STIEG, 2014, p. 284-285).

O texto do Instituto Ayrton Senna, na página 6 do caderno Livro do Professor, é finalizado com uma narrativa em torno do vitorioso desfecho do aluno ao ser alfabetizado e do sentimento de orgulho do professor acerca do alcance dos bons resultados e por levar para sua prática os aprendizados pedagógicos e gerenciais adquiridos durante a execução do programa.

Nesse discurso, percebemos a tentativa de conclusão dos sujeitos, de suas ações, seus sentimentos, seus desejos, suas apropriações, indo na contramão da concepção de aula como "[...] espaço de diálogos e de interações, ou seja, lugar em que as crianças e os/as docentes confrontam opiniões e pontos de vista, assegurando, assim, seu direito a liberdade de expressão" (GONTIJO; COSTA; OLIVEIRA, 2019, p. 23-24). É preciso entender o que significa a vida ou o acontecimento.

Não se pode compreendê-la [a vida] tampouco como um certo conteúdo universalmente humano, fora do relacionamento com o eu e o outro, isto é, como um dado anterior objetivo, neutro. Toma-se a vivência nas fronteiras do caráter objetivo- determinado e não na fronteira do eu com o outro, isto é, no ponto da interação [...]. (BAKHTIN, 2011, p. 344, grifo do autor).

As definições realizadas no caderno Livro do Professor do programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna apenas reforçam a estreita relação de sua proposta de trabalho com os preceitos da educação voltada à gestão empresarial de

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previsibilidade e controle de todos os aspectos que envolvem o processo de ensinar e aprender, desconsiderando a pluralidade surgida das interações verbais.

Os pontos Crença no aluno; Ninguém está sozinho; Aprender e ensinar: um trabalho em equipe; Não ter medo do novo e Qualidade se dá além do uso do material pedagógico são apresentados como balizadores das ações do programa e cada um dos textos descritos acaba por cumprir a função de complementar o próximo, atribuindo coerência aos enunciados como um todo.

Esses aspectos demonstram preocupação com a organização estética dos discursos, além do esforço em reiterar os conceitos que compõem o slogan comercial da marca do Instituto Ayrton Senna, como sucesso, resultado, gerenciamento, por intermédio do acompanhamento e controle de todas as ações. Além disso, há o declarado comprometimento em fazer com que o programa seja adotado como política pública por estados e municípios.

Destacamos, ainda, a concepção de aluno que vai se delineando no decorrer da leitura. No subtítulo Crença no aluno, encontramos a seguinte afirmação: "Toda criança aprende, desde que lhe sejam dadas as condições necessárias" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 7). Também encontramos elementos que dialogam com essa concepção de aluno no subtítulo Aprender e ensinar: um trabalho em equipe, a partir do desenvolvimento da noção de participação ativa do aluno em sua aprendizagem. Assim, o aluno e sua família são apontados como integrantes da equipe do programa Se Liga.

Contudo, é pertinente problematizar como pode se estabelecer uma participação ativa? O programa é voltado para o gerenciamento sistemático de todas as ações, envolvendo, portanto, a aplicação de uma metodologia apresentada nos materiais produzidos previamente, destinados a todas as diferentes realidades culturais, regionais, sociais. Desse modo, questionamos: de que participação o programa Se Liga está se referindo? O subtítulo Aprender e ensinar: um trabalho em equipe expõe que o aluno

[...] precisa participar do processo de sua aprendizagem, conhecer a dinâmica do Programa e da sala de aula, ajudar a definir o comportamento a ser adotado pelo grupo, responsabilizar-se pela sua presença e comprometer-se com seu sucesso (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 7).

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O programa Se Liga, ao apresentar os Princípios do Programa, desenvolve a ideia de participação desassociada das dimensões política e democrática, uma vez que "[...] a grande bandeira dessa participação redefinida, é despida de seu significado político e coletivo, passando a apoiar-se no terreno privado da moral" (DAGNINO, 2004, p. 102). Não há o interesse na participação na tomada de decisão, como ação cidadã pautada na gestão democrática da educação, mas se vincula, como mencionado, a um discurso de responsabilização dos sujeitos, pois, se o material é tão eficiente quanto se anuncia, em caso de insucesso, este se dará mediante a culpabilização dos sujeitos envolvidos: o professor que não assumiu os compromissos com o programa e o aluno que não se comprometeu com seu próprio sucesso.

O que se estabelece é a vinculação de uma concepção de criança ativa e plural e da necessidade de o professor compreender esse aspecto para contribuir, proporcionando as condições de aprendizagens a ela. No entanto, percebemos contradições em tais concepções no desenvolvimento das orientações ao professor e nas propostas de atividades aos alunos, devido aos instrumentos de controle que constituem o programa e a própria estrutura do material.

Para dialogar sobre esses pontos, elencamos, dentre as orientações contidas no Livro do Professor para a Aula 1 (Figura 9) e a proposta de atividade para a Aula 1 do caderno Língua Portuguesa (Figura 10).

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Figura 9 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 1 (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 10 – Aula 1: Cada nome tem uma história (Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

Na Figura 9, encontramos orientações específicas ao professor para a condução da Aula 1. Essas diretrizes contemplam muitos aspectos pertinentes ao trabalho do professor e determinam suas ações e, até mesmo, o tempo destinado a cada uma

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das atividades. A Figura 10 apresenta a primeira aula no âmbito do programa Se liga, bem como todas as ações que devem compor a aula. Essas ações são orientadas/determinadas para os alunos, por meio dos Ícones (apresentados na Figura 8), fixados ao lado na numeração das atividades. Assim, cada momento, cada participação são previamente definidos no material e delimitados em ação e como fazer.

Na atividade número 1 da Aula 1, é solicitado aos alunos que conversem sobre o que eles sabem dos seus próprios nomes e, nas orientações ao professor, é descrita a necessidade de estimulá-los para tal realização. Ocorre uma mudança na proposta de atividade e consequente mudança na ação que se espera dos alunos e do professor. Observamos uma participação artificializada, delimitada e cerceada da real atuação na vida.

Compreender que as crianças são sujeitos de resposta, que são constituídos na linguagem e pela linguagem por meio de relação dialógica com o outro, que se enunciam, concordam, discordam, antecipam e completam outras enunciações. Diante de propostas como essas, nos perguntamos que respostas são possíveis às crianças e se há realmente espaço para a participação ativa em forma de enunciações concretas, quando cada um dos momentos da aula está predefinido, cabendo ao professor executar o previsto no roteiro.

Nos subtítulos denominados Não ter medo do novo e Qualidade se dá além do uso de materiais pedagógicos, ocorre o realce à necessidade do comprometimento tanto do professor quanto da rede de ensino com o sucesso do aluno. O professor é convidado a superar seus medos e desconfianças por meio do real envolvimento com a proposta e é lembrado que o sucesso não acontece de forma milagrosa, mas é construído cotidianamente com a soma de diferentes fatores: presença dos alunos, comprometimento do professor, material didático, espaço físico apropriado, número reduzido de alunos por sala de aula, capacitação dos profissionais e práticas sistemáticas de acompanhamento (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 8).

De fato, os princípios assumidos ou, pelo menos, declarados pelo programa Se Liga e consequentemente pelo Instituto Ayrton Senna têm sido pautados por diferentes atores no âmbito da educação brasileira. Não podemos negar a defesa da

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concepção de aluno como um sujeito ativo e participante do seu processo de aprendizagem, muito menos a noção de prática pedagógica como algo integrado às dimensões, para além da estrutural. No entanto, essas concepções e/ou noções não devem ser isoladas de seu contexto político, econômico e social. Mesmo que tais princípios, em vários momentos, possam parecer constituir pauta comum às nossas lutas em favor da escola pública de qualidade, não podemos perder de vista o contexto do qual tais discursos emergem.

Seguindo nosso diálogo, passamos para a Figura 11, a Figura 12, a Figura 13 e a Figura 14, que apresentam a seção Rotina diária e Semanal, subdivididas em Rotina diária (Acolhida, Curtindo a leitura, Revelando as atividades para casa, Desenvolvimento das atividades, Revisão da aula e Atividade para casa) e Rotina Semanal (Roda de conversa e Leitura em voz alta pelo professor).

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Figura 11 – Rotina diária e semanal (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 12 – Rotina diária (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 13 – Rotina diária (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 14 – Rotina diária e rotina semanal (Livro do professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

A Figura 11 apresenta o início do capítulo Rotina diária e semanal. Nesse ponto, a noção de rotina é conceituada e defendida. Conforme o material em questão, rotina,

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para o programa Se Liga, "[...] significa organizar tempo e espaço para a eficiência do ensino e participação dos alunos em termos de previsibilidade quanto à duração de cada momento de estudo" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 9). Com isso, a rotina previamente estabelecida é colocada como apoio ao professor, sob o argumento de que "[...] em razão do cotidiano escolar e do acúmulo de tarefas, muitos educadores passam a ter sentimentos de incompetência para a condução de certos imprevistos, de desânimo e mesmo com perda de tempo com algumas tarefas" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 9).

Ainda é exposto que o desenvolvimento da rotina, definida em atenção às características do alunado e à proposta metodológica do programa, possibilitará que o professor se torne mais competente na condução de seu trabalho, que envolve, entre outros aspectos mencionados, a gestão do tempo para que a meta de alfabetizar todos os alunos dentro do período letivo determinado seja alcançada. Assim, nas páginas seguintes — páginas 11, 12 e 13 —, apresentadas nas Figuras 12, 13 e 14, a Rotina diária é explicada.

A Rotina diária, no contexto do programa Se Liga, se desenvolve em sete momentos distintos e cada um deles é explicitado como fundamentais para bom desenvolvimento das aprendizagens dos alunos. O primeiro momento, chamado de Acolhida, tem o objetivo "[...] de receber cada aluno, diariamente, com alegria e satisfação pela sua presença, manifestada por um cumprimento sincero, ou pelo desenvolvimento de dinâmica planejadas para durar até 15 minutos", endossando a afirmação "No Programa Se Liga, 'quem falta, faz falta!'" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 10).

O segundo momento intitula-se Curtindo as leituras. Nesse ponto, se estabelece como objetivo a formação de leitores competentes que realizem a leitura e a escrita com eficiência. Além disso, são apresentadas estratégias de leitura que devem ser utilizadas todos os dias, porém de maneira diversificada, para que a leitura seja entendida pelos alunos como uma prática prazerosa e que deve ser praticada por toda a vida. Informa ainda sobre uma coleção de obras de literatura destinadas ao uso em sala de aula, bem como o livro orientador de práticas leitoras intitulado Lendo e formando leitores.

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De acordo com as informações apresentadas nesse subtítulo, a Caixa de Literatura é composta por um total de trinta livros considerados adequados aos distintos momentos que englobam o processo de alfabetização. Consideramos pertinente mencionar que essa Caixa de Literatura não compõe nosso corpus analítico, primeiro, devido à especificidade dos objetivos traçados para este estudo, que não contempla a análise de obras literárias, e, segundo, por não termos tido acesso a tal material.

Revendo as atividades para casa é o próximo momento que compõe a Rotina diária do programa Se Liga e é justificado em virtude de sua ajuda na formação do hábito de estudos nos alunos, mas alguns pontos são citados como fundamentais para o alcance dos resultados e, na descrição, encontramos orientações/determinações acerca do modo como o trabalho do professor deve ser conduzido. O uso dos verbos no modo imperativo no decorrer de todo o texto nos permite relacionar tais orientações/determinações com os pressupostos da lógica de gerenciamento e controle empresarial. Esses pressupostos também se relacionam com alguns dos princípios anteriormente descritos como fundamentos do programa Se Liga, como eficiência, competência, foco nos resultados, controle e gerenciamento do tempo, que englobam e compõem discursos economicistas.

São apresentados ainda os momentos descritos como Desenvolvimento das atividades, Revisão da aula e Atividade para casa com ênfase na perspectiva pedagógica do aprender a aprender, no qual o aluno é visto como o centro do processo e o professor como aquele que se relaciona de modo afetivo e desafia o aluno para que este se lance no processo educativo de forma autônoma. Essas posturas são esperadas dos alunos e do professor no desenvolvimento das atividades propostas, no momento de Revisão da aula, que também têm como objetivo evidenciar a produtividade coletiva, ou seja, as atividades realizadas em sala de aula entendidas como produto final que deve ser eficientemente entregue, e, por fim, durante a conferência da realização da Atividade para casa, que cumpre o importante papel de contribuir no desenvolvimento de competências nos campos do aprender a aprender, aprender a fazer, aprender a conviver e aprender a ser.

Além da Rotina diária, o programa Se Liga compreende a Rotina Semanal, exposta por intermédio da Figura 14. Essa rotina trata do desenvolvimento de duas

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atividades com frequência estabelecida: a Roda de conversa, que deve acontecer toda quarta-feira, com a organização da sala de aula em círculo e tem o objetivo de organizar diálogos sobre questões éticas e sobre o meio ambiente, tendo como referência os conteúdos retirados da história em quadrinhos presente no caderno destinado ao aluno, e a Leitura em voz alta pelo professor, que, ao contrário da Roda de Conversa, não tem dia pré-estabelecido, apenas a obrigatoriedade de realização semanal. O momento é descrito como uma atividade voltada para despertar no aluno o encantamento e o gosto pela leitura, objetivando a formação de leitores competentes.

Voltamo-nos ao modo como a rotina é entendida no programa Se Liga, conforme a definição exposta na página 9 do material em questão:

Rotina, no Programa, significa organizar o tempo e espaço para a eficiência do ensino e participação dos alunos em termos de previsibilidade quanto a duração de cada momento (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 9, grifos do autor).

Desse modo, a rotina é entendida como uma forma de controle e gerenciamento dos tempos em sala de aula. De fato, a rotina, o planejamento e a organização são imprescindíveis na educação, considerando-se que o ato de educar é e precisa ser um ato intencional. Ainda assim, o que podemos perceber é que a rotina, no programa Se Liga, se alinha às estratégias de controle do trabalho do professor. Por mais que se anuncie uma concepção de aluno como sujeito do processo de ensinar e aprender, ativo e participativo, as rotinas delimitam as fronteiras da participação em tempos e momentos previamente estabelecidos.

Considerando os diálogos estabelecidos até então com os enunciados do Livro do Professor, nos perguntamos: que sujeitos o programa Se Liga tem formado e pretende continuar formando? Acreditamos que nossos diálogos com o próximo capítulo do material nos aproximem ainda mais de algumas possibilidades que respondam a tal indagação. Assim, prosseguiremos para o capítulo intitulado Fundamentos do material didático de Língua Portuguesa. Nesse capítulo do Livro do Professor, são apontadas as opções teóricas e metodológicas do material e a seguinte subdivisão:

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 Figuras 15, Figura 16 e Figura 17 (Opção metodológica: gêneros textuais e sequência didática – Gêneros textuais: o texto como unidade de ensino; Sequências didáticas; Análise e reflexão sobre a língua; A mediação do professor em destaque.);  Figura 26 e Figura 27 (A alfabetização no Se Liga – O papel da escola na alfabetização dos alunos; Ambiente alfabetizador na sala de aula);  Figura 30, Figura 31 e Figura 32 (Estrutura do material de Língua Portuguesa – Quadro de distribuição das unidades de Língua Portuguesa; Ponto de partida; Fazendo e aprendendo; Nossa produção; Minha produção; Chegada; Seções que ocorrem ao longo das unidades);  Figura 32, Figura 33, Figura 34, Figura 35 e Figura 36 (Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa).

O capítulo Fundamentos do material didático de Língua Portuguesa é a parte mais extensa do material e, para nós, uma parte de grande relevância. Isso se dá devido ao nosso objetivo de compreender a proposta pedagógica de alfabetização concretizada nos cadernos intitulados Livro do professor e Língua Portuguesa, publicados em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna.

Portanto, nossos olhares, subsidiados pelas lentes bakhtinianas, bem como seus fundamentos filosóficos, se voltam atentos ao processo de compreensão dos enunciados que constituem os textos do arcabouço capítulo em análise, reiterando ainda nossa posição nesse processo dialógico, pois, confirme Bakhtin (2010, p.66),

[...] compreender um objeto significa compreender meu dever em relação a ele (a orientação que preciso assumir em relação a ele), compreendê-lo em relação a mim na singularidade do existir-evento: o que pressupõe a minha participação responsável, e não a minha abstração.

Nesse sentido, a condução do diálogo com os fundamentos anunciados pelo Instituto Ayrton Senna como base da proposta pedagógica que orienta as ações para a alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem no âmbito do programa Se Liga se dará em atenção aos diferentes fios dialógicos que fazem parte dessa cadeia discursiva, visto que "[...] o centro organizador de toda

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enunciação, de toda expressão, não é interior, mas exterior: está situado no meio social" (BAKHTIN, 2014, p. 125, grifos do autor).

Em outras palavras, nossa compreensão ativa e responsiva dos Fundamentos do material didático de Língua Portuguesa não se restringe aos enunciados materializados no caderno Livro do Professor do programa Se Liga, pois, como enunciados concretos, seus sentidos extrapolam os limites da materialidade e do imediato. Esses enunciados se relacionam com outros enunciados, os completam e respondem a eles; da mesma forma, nossa compreensão é afetada e constituída por esses e outros fios dialógicos até aqui entrelaçados.

Diante de tal contexto, realizamos nossas análises, conforme a organização esquematizada anteriormente, a começar pelas Figuras 15, Figura 16 e Figura 17 (Opção metodológica: gêneros textuais e Sequência didática – Gêneros textuais: O texto como unidade de ensino; Sequências didáticas; Análise e reflexão sobre a língua; A mediação do professor em destaque).

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Figura 15 – Opção metodológica: gêneros textuais e sequência didática (Gêneros textuais no Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 16 – Gêneros textuais: o texto como unidade de ensino; sequências didáticas; análise e reflexão sobre a língua (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 17 – Análise e reflexão sobre a língua; a mediação do professor em destaque (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto (2012).

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Nas figuras, são expostas as bases teórico-metodológicas do material didático do programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna (mas não apenas nelas), localizadas nas páginas 13, 14 e 15 do Livro do Professor. A noção de gênero textual, que "[...] são famílias, grupos de textos que nascem em situações semelhantes de comunicação e apresentam certa regularidade ou características comuns na linguagem utilizada" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 13) é a primeira a ser apresentada e relacionada a "uma concepção de língua viva" (p.13). A língua, por sua vez, é entendida, no material, como "[...] um sistema de signos que favorece a significação do mundo e da sociedade pelo ser humano; é viva porque se transforma continuamente na comunicação entre as pessoas" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 13).

Ainda segundo o impresso, as concepções mencionadas se ancoram nas teorizações de Mikhail Bakhtin, afirmando que, conforme a teoria desse autor, a linguagem "[...] é um processo de interlocução que acontece nas práticas sociais existentes nos diferentes grupos de uma sociedade". Além disso, discorre sobre as diferenças e, ao mesmo tempo, a inter-relação entre gêneros textuais e tipos de textos, acrescentando que o "[...] conceito de gênero está carregado do seu uso nas integrações sociais, nas verdadeiras situações comunicativas" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 13).

Por mais que o nome do teórico Mikhail Bakhtin seja mencionado, o texto não cita nenhuma de suas obras. Ainda assim, reafirma o embasamento na concepção de linguagem do autor, tanto em aspectos teóricos, como metodológicos, alegando o pioneirismo de Bakhtin no emprego da noção de gênero textual, situando esse conceito como elemento integrante da metodologia de trabalho no programa Se Liga, evidenciando que "[...] a proposta de alfabetização para os alunos do Programa Se Liga baseia-se nessa concepção de linguagem como interação entre pessoas, orientada por uma finalidade de comunicação" e que

[...] o material didático do Se Liga foi construído na perspectiva de gêneros textuais para o ensino da língua portuguesa, tendo o texto como objetivo de ensino, consideradas as situações de produção e circulação (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 14, grifos dos autores).

Indica a adoção da metodologia que toma o texto como ponto de partida e ponto de chegada, por considerar o texto como o melhor instrumento em favorecimento do

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ensino da leitura e da produção de texto, devido ao objetivo de "[...] alfabetizar os alunos e garantir-lhes condições para que participem melhor nas situações comunicativas através do desenvolvimento de competências e habilidades em leitura, escrita e oralidade" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 14).

Considerando o exposto, em um movimento de produção de nossas contrapalavras, acreditamos na importância de reiterar que, conforme Bakhtin (2011, p. 261-262) "[...] todos os diversos campos da atividade humana estão ligados ao uso da linguagem" e que "[...] o emprego da língua efetua-se em formas de enunciados (orais e escritos) concretos e únicos, proferidos pelos integrantes desse ou daquele campo da atividade humana". Assim, "[...] cada enunciado particular é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de enunciados", denominados, por esse mesmo autor, de gêneros do discurso, ou seja, os gêneros do discurso são enunciados e, como enunciados, são de natureza social, histórica e ideológica, respondem e ligam-se a enunciações anteriores e posteriores, possibilitando e produzindo outros discursos mediante a alternância dos sujeitos do discurso; pressupõem respostas; são produto das interações sociais, determinadas pelo contexto imediato e pelo contexto mais amplo; nascem e vivem na interação verbal entre os participantes da enunciação e apenas se efetivam nessa relação.

Nesse sentido, o trabalho pedagógico, com base em tais pressupostos, precisa possibilitar aos sujeitos a enunciação e a participação efetiva no acontecimento singular que se efetiva na sala de aula. No entanto, são apresentadas rotinas inflexíveis, determinações em forma de orientações ao professor e atividades que evidenciam a preocupação apenas com o ensino das unidades menores da língua, apresentando o texto como pretexto para cumprir esse objetivo, pois a abordagem dos gênero textual se restringe à dimensão do uso e à forma.

As sequências didáticas são apontadas como propostas metodológicas que orientam a organização das unidades de trabalho do material didático do programa Se Liga (Figura 16). Essas sequências são descritas como atividades que apresentam ordenação em espiral, relacionando os objetivos educacionais aos conteúdos, com a finalidade de "[...] alfabetizar e apoiar os alunos para dominarem um gênero textual com o objetivo de que se saiam melhor numa situação

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comunicativa, escrita ou oral" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 14). Além disso, esse mesmo tópico informa que cada o material do programa é composto por um total de oito unidades temáticas (sequências didáticas) estruturadas em cinco diferentes momentos: Ponto de partida, Fazendo e aprendendo, Nossa produção, Minha produção e Chegada.

Ainda na Figura 16, encontramos o início da exposição sobre Análise e reflexão sobre a língua. Nesse ponto, são tratadas três dimensões da linguagem: a leitura e sua relação com a produção de sentidos e sínteses das diferentes relações estabelecidas entre os elementos discursivos e a ampliação do repertório linguístico; a escrita de textos como o lugar em que os alunos podem experimentar novos modos de escrever e produzir hipóteses sobre a língua, além de observar e explorar diferentes possibilidades de modificações dos textos escritos; a produção oral entendida como fator contribuinte da produção textual e que pode ser usada para diagnosticar e explicitar aspectos da linguagem que já foram compreendidos pelos alunos.

Assim, a leitura, a escrita e a produção oral são evidenciadas, pelo material didático do programa Se Liga, como importantes dimensões da linguagem que devem ser analisadas, visando à melhoria da capacidade de comunicação e de expressão dos alunos e para que eles percebam as marcas linguísticas próprias dos textos escritos e orais.

Para problematizar a metodologia apresentada, dialogamos com as orientações ao professor para a Aula 5 e as atividades propostas para essa aula em questão, expostas a seguir pelas Figuras 18 (Orientações específicas para cada unidade – Aula 5) e Figuras 19, 20 e 21 (caderno Língua Portuguesa – Aula 5).

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Figura 18 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 5 (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 19 – Aula 5: Bilhetinhos (Parte 1 – Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

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Figura 20 – Aula 5: Bilhetinhos (Parte 2 – Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

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Figura 21 – Aula 5: Bilhetinhos (Parte 3 – Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

Na Figura 18, estão as orientações específicas para o desenvolvimento do trabalho do professor da Aula 5, intitulada Bilhetinhos, divididas em duas principais atividades: Atividade 1, voltada ao processo de sondagem sobre quais informações

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acerca do tema os alunos já dispõem, havendo ainda uma sugestão de dinâmica que pode ser realizada pelo professor; a Atividade 2, na qual é solicitada a realização da leitura pausada do texto, com a participação dos alunos para, em seguida, ocorrer a menção do enfoque da aula na sistematização da família silábica BA, BE, BI, BO, BU.

As Figuras 19, 20 e 21 se originam do caderno Língua Portuguesa, destinado aos alunos, e apresentam a Aula 5, que faz parte da etapa Fazendo e aprendendo do material. Nessa aula, há a apresentação do gênero textual da Unidade 1, o Bilhete, por meio de um fragmento do texto Diário de Biloca; as atividades relacionadas ao texto; as atividades com o enfoque na sistematização da família silábica BA, BE, BI, BO, BU e a Atividade para casa.

A estrutura de apresentação de cada atividade é mantida, com um ícone ao lado, especificando a ação e como essa ação deve ser realizada e, nas duas questões apresentadas na Figura 19, antes da realização da leitura do texto, os ícones indicam o momento de trocar ideias coletivamente (ícone ao lado da questão nº 1 da Aula 5), para, logo após, ser o momento da leitura coletivo (ícone ao lado da questão nº 2 da Aula 5). Esses movimentos evidenciam ainda mais o controle (ou tentativa de controle) exercido sobre o trabalho em sala de aula, em que a rotina se apresenta não apenas como previsibilidade, mas como forma de imobilização das enunciações dos sujeitos.

Em Fundamentos do material de Língua Portuguesa, especificamente no subtítulo Análise e reflexão sobre a língua do Livro do Professor, a leitura é anunciada como produção de sentidos. No entanto, quando voltamos à compreensão das propostas de leitura e compreensão do texto, na Aula 5 do caderno Língua Portuguesa, constatamos que se privilegia o uso do texto lido apenas para abordar as outras atividades. Geraldi (1997, p.173-174) denomina esse tipo de utilização da leitura como leitura pretexto. Conforme o autor, esse tipo de leitura é realizado na escola "[...] para a discussão da síntese dos seus enunciados", por meio de propostas que provocam a "[...] cristalização de tais análises que se não se apresentam como possíveis, mas como verdades a que só cabe aderir, sem qualquer pergunta”.

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As questões que se seguem na Aula 5 (Figuras 19, 20 e 21) não possibilitam aos alunos se enunciarem e, assim, a leitura visa à busca de informações na superfície textual ou de deduções realizadas pelos alunos, considerando as informações contidas no texto. Com isso, o que podemos constatar é uma "[...] passagem de palavras em paralelo, sem escuta, sem contrapalavras: reconhecimento ou desconhecimento, sem compreensão" (GERALDI, 1997, p. 167). Com fundamento na perspectiva bakhtiniana de linguagem, compreendemos o texto como "[...] o lugar onde o encontro se dá" (GERALDI, 1997, p. 167), no qual

[...] sua materialidade se constrói nos encontros concretos de cada leitura e estas, por seu turno, são materialmente marcadas pela concretude de um produto com "espaços em branco" que se expõe como acabado, produzido, já que resultado do trabalho do autor escolhendo estratégias que se imprimem no dito. O leitor trabalha para reconstruir esse dito baseado também no que se disse e em suas próprias contrapalavras (GERALDI, 1997, p. 167).

Diante disso, compreendemos que a maneira com que a leitura ou as propostas de leitura são materializadas nas atividades do caderno Língua Portuguesa do programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna se distancia dos fundamentos por eles mesmos anunciados. Há uma contradição no que se diz fazer e no que se faz nas propostas existentes no material do aluno e no controle por via do acompanhamento da rotina pré-estabelecida.

Ainda no subtítulo Análise e reflexão sobre a língua do Livro do Professor, a concepção de produção de textos (Escrita de textos e Produção oral) também é abordada como possibilidade de formulação de hipóteses por parte do aluno, de experimentar novos modos de escrever e de atribuir sentidos. Para possibilitar a ampliação do nosso diálogo, apresentamos as orientações para a Aula 13, exibida abaixo por meio das Figuras 22 e 23 e a Aula 13 (etapa Minha Produção), exposta pelas Figuras 24 e 25.

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Figura 22 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 13 (Parte 1 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 23 – Orientações específicas para cada unidade – Aula 13 (Parte 2 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 24 – Aula 13: Bilhetinho secreto (Parte 1 – Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

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Figura 25 – Aula 13: Bilhetinho secreto (Parte 2 – Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

As orientações para o professor, referentes à Aula 13 (Figuras 22 e 23) se restringem em solicitar a leitura das instruções de cada questão e na organização da atividades de produção de textos. Já no caderno Língua Portuguesa, a Aula 13

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(etapa Minha produção), na Figura 24, apresenta, na questão 1, uma parlenda que deve ser lida de forma coletiva e, na questão 2, uma atividade de formação de palavras com base na palavra “cachorro”. É possível identificar que as duas atividades propostas para o início da Aula 13 são desassociadas da atividade de produção que vem em seguida.

O programa Se Liga, em seu material, afirma que o texto é uma unidade de ensino e que todas as atividades propostas partem de textos reais (orais ou escritos). Assim, assinala "[...] o texto como ponto de partida e ponto de chegada, tomados como o melhor instrumento para favorecer o ensino de leitura e de produção de textos escritos e orais" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 14). Tendo em vista essas colocações, observamos o processo de compreensão da proposta de produção de texto da Aula 13 (Figura 25).

A questão de número 3 da Aula 13 (Figura 25) se refere a uma proposta de produção de texto intitulado Bilhete Secreto. Conforme o impresso, o Bilhete Secreto é uma brincadeira semelhante à brincadeira do amigo secreto e, para brincar, é necessário seguir as orientações escritas nas questões, que devem ser lidas e explicadas pelo professor. As orientações contidas na questão 3 estabelecem para a produção textual dos alunos: o gênero textual (bilhete); como os interlocutores (tratados nas orientações ao professor, Figuras 22 e 23, como emissor e destinatário) devem ser definidos; os possíveis assuntos a serem abordados; onde e como o texto deve ser produzido; e, por fim, define a data para a produção final e entrega. Efetivamente é apresentada uma proposta de escrita de textos; no entanto,

[...] centrar o ensino na produção de textos é tomar a palavra do aluno como indicador dos caminhos que necessariamente deverão ser trilhados no aprofundamento quer da compreensão dos próprios fatos sobre os quais se fala quer dos modos (estratégias) pelos quais se fala (GERALDI, 1997, p. 165).

Ao contrário disso, o que percebemos na proposta de produção de texto exibida na Figura 25 do caderno Língua Portuguesa do programa Se Liga é um processo de artificialização de todos os aspectos que envolvem a produção de textos, ou seja, as enunciações, ocorrendo ainda uma inversão na prática enunciativa, pois se inicia pela forma e não decorre das necessidades de comunicação, se constituindo em uma produção sem relação com a vida dos alunos.

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Além disso, percebemos que há uma tentativa de controle dos discursos e suas possibilidades enunciativas. Para Geraldi (1997, p. 61), "[...] o controle dos discursos se dá pelo controle de suas possibilidades de surgimento". Ainda conforme esse autor, considerar o texto como ponto de partida e ponto de chegada de todo o processo de ensinar e aprender, além de referir-se a uma questão ideológica de "[...] devolução do direito à palavra às classes desprivilegiadas, para delas ouvirmos a história, contida e não contada, da grande maioria que hoje ocupa os bancos escolares", e nos atrevemos a dizer, que ocupando as turmas voltadas a aceleração da aprendizagem, "[...] no texto que a língua — objeto de estudos — se revela em sua totalidade" (GERALDI, 1997, p. 61).

Finalizando esta seção, a Figura 17 apresenta A mediação do professor em destaque, localizada na página 15 do Livro do Professor. Esse tema é desenvolvido com ênfase na importância do diálogo entre o processo de ensino e o processo de aprendizagem do aluno e que

[...] na mediação pedagógica, as relações são marcadas pela dimensão afetiva que, quando adequada, possibilita ao aluno ter sucesso, e quando inadequada, produz sensação de fracasso, podendo até distanciar o aluno da aprendizagem e do conhecimento a ser construído (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 15).

Com isso, a mediação, da maneira como é anunciada nos fundamentos do material didático do programa Se Liga, compreende o planejamento, a organização do tempo, a organização do espaço, as estratégias de ensino e o afeto entre professor e alunos, com atenção na construção do conhecimento por meio da partilha e pela troca com o outro, entretanto, ante o exposto, é importante pontuar que

[...] o trabalho educativo é uma atividade intencional, organizada e sistemática que visa ao alcance da aprendizagem. As crianças não aprendem sozinhas e nem de forma espontânea. Para que elas se apropriem dos conhecimentos e, em particular, da linguagem escrita, é necessária uma mediação qualificada dos professores que, por sua vez, só é possível se houver planejamento, organização intencional e sistemática do trabalho a ser realizado com as crianças na sala de aula (GONTIJO, 2008, p. 198).

Questionamo-nos acerca das possibilidades de realização de uma mediação qualificada por parte dos professores, considerando a obrigatoriedade de apenas seguir um material distante e aligeirado mediante as orientações destinadas ao professor para cada aula do programa Se Liga. Mesmo que a fundamentação

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teórico-metodológica do material sinalize para a importância da mediação do professor, ao observarmos tanto as orientações ao professor contidas no Livro do Professor quanto as atividades destinadas aos alunos, é possível perceber que o termo “mediação pedagógica” é utilizado como sinônimo de “ajuda realizada pelo professor no momento da realização da interação com o aluno”, restringindo a dimensão do processo de mediação a procedimentos técnicos e assistencialistas.

Na mediação, o professor organiza o trabalho educativo a fim de criar as condições necessárias às aprendizagens e à formação humana de sujeitos críticos. Nesse processo, que se realiza pela linguagem, “[...] o professor se põe entre o aluno e o conhecimento para possibilitar as condições e os meios de aprendizagem, ou seja, as mediações cognitivas” (LIBÂNEO, 2004, p. 5). Com isso, compreendemos que a estrutura do material e o controle existentes no programa Se Liga inviabiliza o trabalho de mediação do professor conforme os aspectos por nós problematizados, devido, entre outros pontos, à inflexão e à ausência de participação do professor e do aluno na organização dos tempos e espaços destinados ao ensino no âmbito do programa.

Outro assunto abordado no capítulo Fundamentos do material didático de Língua Portuguesa é a Alfabetização no Se Liga, que se encontra localizado na página 16 do impresso e apresenta dois pontos que o complementam: O papel da escola na alfabetização dos alunos e Ambiente alfabetizador da sala de aula, conforme podemos confirmar nas Figuras 26 e 27, a seguir.

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Figura 26 – A alfabetização no Se Liga (Parte 1 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 27 – A alfabetização no Se Liga (Parte 1 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Nessa seção, em que a alfabetização é tratada de maneira específica, ocorre o endosso à afirmação de que a alfabetização, no programa Se Liga tem como base os pressupostos teóricos e metodológicos que tomam o texto como ponto de partida e chegada (LIVRO DO PROFESSOR, 2012, p. 16). Além disso, reitera a língua não como código, mas vinculada às práticas de comunicação e que o uso de gêneros textuais, na proposta metodológica,

[...] permite a inserção do aluno da cultura escrita e promove, através da sequência didática, atividades que favorecem o seu processo de construção cognitiva para lidar com os aspectos discursivos (para quem ou para que se escreve) e os notacionais (como se escreve). (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 16).

Continua apresentando os aspectos que considera compor a aprendizagem da leitura e da escrita. Em primeiro lugar, a língua através de seus usos sociais citando como exemplo textos reais em situações comunicativas e, em segundo lugar,

[...] o sistema de escrita através de atividades específicas de alfabetização (análise e síntese da escrita, atividades de consciência fonológica e fonêmica, atividades e brincadeiras com letras e com palavras, atividades orais, etc.) (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 16).

A mediação do professor também é mencionada como elemento importante para a formação de "leitores competentes", destacando que o professor precisa demonstrar uma relação prazerosa com a leitura e a escrita para, assim, "[...] funcionar como mediador para os alunos" e se posicionar de forma ativa e problematizadora na mediação sobre os aspectos linguísticos do material, na busca do desenvolvimento cognitivo dos alunos (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 16). Esses quesitos são atrelados, pelo material, aos processos de sistematização e estudo dos conteúdos linguísticos, planejamento e avaliação, para o fornecimento de dados acerca dos efeitos da mediação pedagógica realizada.

Em O papel da escola na alfabetização dos alunos, a escola é apontada como instituição responsável pela inserção dos alunos no mundo letrado por intermédio da promoção e intensificação das experiências e práticas de leitura e escrita dos alunos, buscando alcançar o objetivo de formar leitores competentes. Por isso, frisa que, para o programa Se Liga, o Ambiente Alfabetizador tem o objetivo de "[...] promover a aprendizagem e desenvolver as habilidades no alunos", por meio da "[...]

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criação de condições de utilização do tempo e do espaço a favor da intensificação das experiências de leitura e de escrita" (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 17).

Como constatamos, a proposta de alfabetização no programa Se liga prioriza a dimensão pragmática da língua, que é apresentada como a língua através de seus usos sociais e a dimensão linguística relacionada ao sistema de escrita através de atividades específicas de alfabetização. Assim, além de enfatizar as duas dimensões especificadas, promove a dicotomia das dimensões e restringe as atividades chamadas específicas de alfabetização ao aspecto instrumental da dimensão linguística, aproximando a proposta de alfabetização do programa Se Liga à perspectiva do letramento. As Figuras 28 e 29 demonstram bem o que estamos ponderando.

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Figura 28 – Orientações específicas para cada unidade (Aula 14 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 29 – Aula 14: Reescrevendo o bilhete (Caderno Língua Portuguesa)

Fonte: Gil Neto (2012).

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A Aula 14 (Figura 29) apresenta, nas questões 1 e 2, uma proposta de revisão da atividades de produção de texto realizada na Aula 13 (Figuras 24 e 25), na qual foi solicitada a produção de um bilhete durante uma brincadeira chamada Bilhete Secreto. Já as questões 3, 4 e a Atividade para casa não se relacionam ao bilhete produzido ou a processo de revisão realizado nas primeiras questões e isolam as unidades menores da língua para a sua análise. Acreditamos ser "[...] problemática a prática comum na escola de partir de uma noção já pronta, exemplificá-la e através de exercícios, fixar uma reflexão" (GERALDI, 1997, p. 191).

Na atividade de revisão textual do bilhete, tanto as orientações ao professor para a Aula 14 (Figura 28) quanto suas questões regulam a aula para o desenvolvimento da análise linguística e a forma do gênero textual, sem que se dê atenção às enunciações produzidas, cerceando a construção e reconstrução de diálogos e sentidos. A reflexão linguística é uma ação de extrema importância no processo de apropriação da língua escrita, no entanto,

[...] não se domina uma língua pela incorporação de um conjunto de itens lexicais (o vocabulário); pela aprendizagem de um conjunto de regras de estruturação de enunciados (gramática); pela apreensão de um conjunto de máximas ou princípios de como participar de uma conversação ou de como construir um texto bem montado sobre interlocutores possíveis e estabelecidos os objetivos visados, como partes pertinentes para se obter a compreensão (GERALDI, 1997, p. 16-17).

Ao contrário, não podemos distanciar tais aspectos da noção de língua como ação histórica e cultural; a alfabetização e, assim, "a aprendizagem da linguagem é já um ato de reflexão sobre a linguagem" (GERALDI, 1997, p. 17). Dessa forma, compreendemos que "[...] produzir textos é produzir significados pelo uso da língua na sua dimensão linguística e discursiva" (GONTIJO; SCHWARTZ, 2009, p. 89).

Acerca do privilégio das dimensões linguísticas e pragmáticas, além da promoção da dicotomia entre as práticas de uso da língua e as atividades de alfabetização, acreditamos que "[...] essas duas dimensões não são suficientes para subsidiar a prática educativa de ensino da língua escrita" (GONTIJO, 2008, p. 35):

A alfabetização é um processo histórico-cultural de inserção da criança no mundo da linguagem escrita ou da cultural escrita. Primeiro, porque as crianças apropriam-se, durante a alfabetização, de um objeto cultural, resultado da prática e da vida social (a escrita). Tratando-se das relações entre o oral e o escrito, o fato de os sistemas de escrita permitirem pensar as unidades da linguagem oral resultou de práticas sociais e de uso de

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sistemas que, inicialmente, tinham fins comunicativos e mnemônicos; segundo, os processos interiores que possibilitam a realização dessas relações e seu uso para produzir sentidos provêm de um atividade, inicialmente, exterior, interpsicológica, portanto, social (GONTIJO, 2008, p. 32).

Portanto, compreendemos que a alfabetização no programa Se Liga, além de não se distanciar dos métodos adotados no passado, em que se privilegiam os aspectos mecânicos da leitura e da escrita, materializadas em propostas com ênfase em repetição e memorização de palavras soltas, não possibilita que as crianças em processo de alfabetização em turmas de aceleração da aprendizagem, devido à distorção idade-série, se enunciem.

Os fundamentos do material didático de Língua Portuguesa são apresentados para dar sustentação à Estrutura do material de Língua Portuguesa. Nessa seção, ocorre a descrição da divisão do material em oito unidades temáticas, consideradas sequências didáticas, com o total de 15 aulas, todas com base em gêneros textuais selecionados para o trabalho nas turmas de alfabetização. No Quadro de distribuição das unidades de Língua Portuguesa, exibido pela Figura 30, identificamos os gêneros textuais escolhidos para cada unidade temática.

Figura 30 – Quadro de distribuição de unidades de Língua Portuguesa (Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

Nesse quadro, apresentado na página 19 do Livro do Professor do programa Se Liga, é possível identificar a organização geral do material didático, dividido em oito

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unidades (sequências didáticas) com diferentes temas (Nome, Alimentos, Animais, Amizade, Tempo, Corpo Humano, Histórias reais e imaginárias e Meio ambiente) que, por sua vez, se estruturam por meio do trabalho com gêneros textuais escolhidos para cada tema: Bilhete, Receita, Poema, Carta, Poema, Diário, Notícia e Texto de opinião.

Conforme o Livro do Professor, as sequências didáticas do material são estruturadas nos cinco momentos seguintes: Ponto de partida, Fazendo e aprendendo, Nossa produção, Minha produção e Chegada (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 18-19). Cada um desses momentos é pontuado de forma individual, como é possível constatar nas Figuras 31 e 32.

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Figura 31 – Estrutura do material de Língua Portuguesa e organização das sequências didáticas (Parte 1 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 32 – Estrutura do material de Língua Portuguesa e organização das sequências didáticas (Parte 1 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Por meio da leitura das páginas 18 e 19 do Livro do Professor do programa Se Liga, expostas aqui na Figura 31 e na Figura 32, identificamos a forma como se organizam as unidades do material, exibindo uma estrutura rigidamente definida que deve ser seguida pelo professor. Suas orientações definem como cada etapa deve ser conduzida, determinando-se inclusive os momentos de exposição oral, diálogo individual ou em grupo, quando e como cada atividades deve ser desenvolvida.

Na etapa Ponto de partida, é proposta uma conversa inicial sobre a temática e a realização de uma possível sondagem, com o objetivo de identificar conhecimentos prévios dos alunos. Em seguida, na etapa Fazendo e aprendendo, são desenvolvidas atividades, distribuídas em diferentes aulas visando à ampliação do repertório temático e à sistematização de conteúdos linguísticos, além da caracterização e outros aspectos relacionados ao gênero adotado na unidade.

As etapas seguintes descritas são Nossa produção e Minha produção, em que ocorre a proposta de produção de texto coletivo, depois a produção de texto individual, seguida da revisão. É ressaltada a relevância das produções textuais para o emprego dos recursos discursivos e linguísticos, bem como o envolvimento do processo em uma situação real de comunicação, sugerindo que cada escola organize seu currículo para a exposição dos materiais produzidos pelos alunos (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 18-19). Por fim, o momento intitulado Chegada dispõe de uma atividade dita "interessante e divertida" para todos os alunos, com previsão de socialização dos materiais produzidos com a comunidade interna da escola.

Ainda são apresentadas Seções que ocorrem ao longo das unidades, que incluem o Clubinho do leitor, como momento de retomada da leitura realizada na unidade; a Atividade para casa, que deve ser realizada diariamente; Mãos à obra, que inclui atividades complementares que estão dispostas ao final do caderno destinado ao aluno; o B@te-p@po, que é uma seção na qual são disponibilizadas sugestões para a ampliação dos conhecimentos sobre a temática trabalhada, e a seção Como estou indo nos estudos, que se refere a uma autoavaliação ao final de cada uma das unidades.

Finalizando a parte conceitual do Livro do Professor do programa Se Liga, ainda na página 19, exposta aqui na Figura 33, encontramos as Matrizes de habilidades de

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Língua Portuguesa, que são apresentadas por unidades e organizadas tendo em vista as dimensões da leitura, da escrita e da oralidade. Por apresentar as oito unidades que constituem o material didático, esse componente se estende pelas demais páginas do Livro do Professor, totalizando cinco páginas de extensão, motivo pelo qual nossa exposição se dará por meio das Figuras 33, 34, 35, 36 e 37, a seguir.

Figura 33 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 1 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 34 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 2 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 35 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 3 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 36 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 4 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Figura 37 – Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa (Parte 5 – Livro do Professor)

Fonte: Gil Neto e Negreiros (2012).

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Em relação aos quadros contidos nas Figuras 33, 34, 35, 36 e 37, acontece o emprego do termo “habilidades”, concernente aos conhecimentos elencados para a aprendizagem dos alunos. Nesse sentido, habilidades são ações que, ao final de cada unidade, os alunos precisam saber fazer, tendo em vista as três dimensões da Língua Portuguesa que foram evidenciadas: leitura, escrita e oralidade. Assim, as atividades propostas se voltam ao atendimento das habilidades escolhidas para conduzir o processo de ensinar e aprender nas turmas vinculadas ao programa Se Liga.

Com vistas a dialogar sobre as habilidades apresentadas nos quadros da seção Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa, entendendo a importância desse movimento de interlocução para tecermos nossas considerações relacionadas à proposta pedagógica do material do programa Se Liga para a alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem, realizamos uma compreensão de cada uma das habilidades, observando os dois aspectos (a língua através de seus usos sociais e o sistema de escrita), descritos na Seção A alfabetização no Se Liga apresentada nas páginas 16 e 17 (Figuras 26 e 27) do Livro do Professor, apontados como principais elementos do processo de aprendizagem da leitura e da escrita.

Na Tabela 1, apresentamos as habilidades de leitura da Unidades 1 do caderno Livro do Professor e do caderno Língua Portuguesa, seguidas do aspecto linguístico que cada uma delas atende, considerando os fundamentos evidenciados no Livro do Professor do programa Se Liga, na seção A alfabetização no Se Liga.

A Tabela 2 apresenta as habilidades da dimensão da leitura e a Tabela 3, as habilidades da dimensão da oralidade, mantendo a organização explicitada anteriormente, demonstrando a qual ou quais aspectos da língua portuguesa as habilidades descritas buscam atender. Ressaltam que esses aspectos são divididos em

a língua através de seus usos sociais (textos reais em situações de comunicação) e o sistema de escrita (análise e síntese da escrita, atividades de consciência fonológica e fonêmica, atividades e brincadeiras com letras e com palavras, atividades orais, etc.) (GIL NETO; NEGREIROS, 2012, p. 16).

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A sequência de apresentação das tabelas acompanha a ordem exposta no material didático do programa Se Liga.

Tabela 1 – Habilidades de leitura da Unidade 1 e o/os aspecto/s linguístico/s a que ela atende A língua através O sistema de Habilidade de seus usos escrita sociais Localizar letras do próprio nome em textos. X

Identificar o próprio nome e/ou nomes de pessoas em X textos lidos. Reconhecer a ordem alfabética em listas de chamada, listas X temáticas, verbetes de dicionário, entre outros. Antecipar a compreensão de texto por meio de diferentes estratégias (percepção do gênero textual, apoio em X X elementos não verbais, consideração do título, levantamento de palavras conhecidas, entre outras). Acompanhar em texto impresso, a leitura feita por outra X X pessoa. Demonstrar compreensão do enredo ordenando as partes X X de textos lidos ou ouvidos. Localizar informação explícita em bilhete. X

Fonte: Elaboração da autora (2019).

Tabela 2 – Habilidades de escrita da Unidade 1 e o/os aspecto/s linguístico/s a que ela atende A língua através O sistema de Habilidade de seus usos escrita sociais Preencher ficha com dados pessoais (nome próprio, nomes X dos pais, data de nascimento, endereço). Fazer listas com nomes próprios conhecidos. X

Elaborar listas em acordo com o contexto em estudo: os X nomes das pessoas. Escrever nomes de desenhos que remetam aos textos X lidos. Escrever palavras a partir de letra ou sílaba dada. X

Completar palavras do contexto em estudo, com sílaba X faltante no início, meio ou final, com apoio de desenho. Produzir bilhete observando: destinatário, mensagem, X X despedida e assinatura. Fonte: Elaboração da autora (2019).

Tabela 3 – Habilidades de oralidade da Unidade 1 e o/os aspecto/s linguístico/s a que ela atende A língua através O sistema de Habilidade de seus usos escrita sociais Ouvir com atenção textos lidos por outro leitor. X X Comentar textos ouvidos. X

Dialogar sobre os temas sugeridos com clareza de ideias e X X emprego de vocabulário adequado ao contexto. Manifestar a sua opinião a respeito dos textos lidos, X X declamados ou ouvidos, justificando suas razões.

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Ler trechos de bilhetes em voz alta, com entonação. X

Fonte: Elaboração da autora (2019).

As tabelas demonstram que, na Unidade 1, os conhecimentos propostos para a alfabetização no material do programa Se Liga priorizam o que, nos fundamentos do material, denomina-se sistema de escrita através de atividades específicas de alfabetização. Considerando os objetivos descritos nas Matrizes de habilidades de Língua Portuguesa do programa Se Liga e os diálogos por nós estabelecidos até então,

[...] é possível notar um empobrecimento nos conhecimentos que serão aprendidos pelas crianças na fase inicial de escolarização. Esse empobrecimento é mais dramático quando se trata das "capacidades" e "habilidades" relacionadas com a apropriação da escrita (alfabetização), o que me leva a questionar as possibilidades de as crianças virem a ter condições de pelo menos fazer uso delas em situações sociais. Além disso, questiono também se essas capacidades são capazes de constituírem base para aprendizagens futuras (GONTIJO, 2014, p. 130)

Com base em nossos diálogos, compreendemos que a proposta pedagógica do programa Se liga, além de se pautar em lógica gerencial de mercado, voltada ao controle das ações pedagógicas e ao atendimento da demanda de regulação do fluxo escolar e melhoria dos índices educacionais, influencia consideravelmente os currículos escolares e provoca o empobrecimento dos conhecimentos a serem aprendidos pelos alunos em distorção idade-série, matriculados nas turmas de alfabetização e aceleração da aprendizagem. Isso nos leva a questionar se as possibilidades de tais propostas dão condições para as "[..] crianças virem a se tornar autoras de suas próprias histórias, de usar a escrita para reivindicar, registrar as suas concepções de mundo e para se posicionarem etc." (GONTIJO, 2014, p. 131).

Percebemos, no âmbito do programa Se Liga, tanto nas propostas de atividades destinadas aos alunos quanto nas orientações ao professor, uma tentativa de isolar o processo educacional das contradições existentes na sociedade e a negligência no que tange ao caráter político da alfabetização. Essas questões nos preocupam, devido ao fato de que

[...] não vivemos em uma sociedade justa e verdadeiramente democrática. Por isso mesmo, a educação escolar e a alfabetização não podem se reduzir a formar indivíduos adaptados às leis do mercado e, portanto,

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capazes de responder as demandas sociais. Neste sentido, a alfabetização, como uma das esferas importantes da formação das crianças, precisa se tornar espaço e tempo de exercício de cidadania por meio do trabalho de produção de textos, ou seja, por intermédio do exercício do dizer (GONTIJO, 2014, p. 132).

Tendo em vista a organização dos cadernos, os objetivos (as habilidades) elencados para direcionar as práticas de alfabetização nas turmas de aceleração, a aprendizagem e as propostas de leitura e produção de texto que compõem o material destinado à alfabetização de alunos em distorção idade-série, consideramos que não é de interesse do programa Se Liga do Instituto Ayrton Senna a formação humana e crítica, com vistas ao pleno exercício da cidadania.

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6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Em concordância com os pressupostos teórico-metodológicos da perspectiva bakhtiniana de linguagem, nos colocamos responsivamente em diálogo com os enunciados dos diferentes sujeitos que constituem tanto os documentos aqui compreendidos quanto os demais discursos apresentados, compreendendo que os sentidos produzidos, por meio do diálogo, se entrelaçam em uma cadeia dialógica ininterrupta, considerando a palavra como um território social.

Nossa investigação, de cunho documental, objetivou, de forma geral, entender a proposta pedagógica de alfabetização concretizada nos cadernos intitulados Livro do professor e Língua Portuguesa, publicados em 2012, para subsidiar as práticas de alfabetização de crianças em turmas de aceleração da aprendizagem vinculadas ao programa Se Liga, do Instituto Ayrton Senna.

Para Bakhtin (2011, p. 410) “[...] não há a primeira nem a última palavra e não há limites para o contexto dialógico”. Com isso, as questões aqui problematizadas não se esgotam em nossas análises; pelo contrário, visam possibilitar outros diálogos. Além disso, sinalizamos que a presente investigação, considerando as várias questões que foram se delineando, não contemplou todos os âmbitos que envolvem a atuação do Instituto Ayrton Senna na execução das chamadas tecnologias educacionais e todos os aspectos em que os materiais didático-pedagógicos do programa Se Liga poderiam ser explorados. No entanto, nossa contribuição se estabelece na inserção de nossas enunciações, se convertendo em mais um elo da cadeia ininterrupta.

A contribuição mencionada se efetivou por meio do estabelecimento do diálogo com as produções acadêmicas de diferentes sujeitos que pautaram suas investigações no Instituto Ayrton Senna, em suas ações e seus programas Acelera Brasil e Se Liga. Esse diálogo nos permitiu a inserção no contexto de interlocuções sobre no sujeito de pesquisa e objetos de estudo (os cadernos Livro do Professor e Língua Portuguesa do programa Se Liga). Além da produção de um percurso histórico que nos possibilitou problematizar o contexto de institucionalidade e de ação do Instituto Ayrton Senna, em meio a consolidação da proposta neoliberal em nosso país.

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Em nosso diálogo, foi possível perceber a estreita relação dos princípios dos programas desenvolvidos pelo Instituto Ayrton Senna com as orientações de organismos internacionais, como o Banco Mundial e a Unesco, direcionados ao atendimento da educação, às demandas do mercado econômico, transportando para educação a lógica empresarial, visando manter a ordem social já estabelecida. Nesse sentido, não há um compromisso com a efetiva melhoria da educação para todos, mas com a execução de estratégias de adaptação e conformação à proposta hegemônica de sociedade.

As ideologias voltadas para a disseminação de discursos acerca da ineficiência da escola pública, da falta de produtividade e de desperdício de investimento se intensificam gradativamente.

A destruição do sistema público se dá paulatinamente pela introdução dos objetivos e processos das organizações empresariais no interior das instituições públicas. Com isso, a escola passa a ser uma "empresa" educacional, com procedimentos operacionais e não mais procedimentos típicos de uma instituição pública, homogeneizando-a na forma de uma " operação empresarial" com objetivos, processos, tempos e formas de controle definidos (FREITAS, 2018, p. 55).

Pautados nessa lógica, o programa Se Liga, sua proposta didático-pedagógica e seu controle operacional não estão comprometidos com a alfabetização, em sua forma ampla e politizada, dos sujeitos envolvidos no processo, pois seu interesse se restringe à solução de um problema pontual — a correção do fluxo escolar — devido ao entendimento de que a distorção idade-série configura-se em um desperdício de investimentos do Estado e no aumento do índices educacionais, resultantes das avaliações em larga escala.

Por esse motivo, problematizamos os motivos pelos quais agentes da iniciativa privada, que se alinham a interesses privados, são chamados a atuar em escolas públicas, em diferentes redes de ensino. Sabemos que os discursos democráticos que defendem a gestão democrática, o direito à educação e a autonomia didática e pedagógica, com vistas à formação para o pleno exercício da cidadania e à compreensão crítica das relações sociais, não são vendáveis. Não podemos perder de vista que a educação

[...] é uma prática social que envolve decisões diversas, que vão desde a escolhe de saberes considerados fundamentais até a perspectiva de sujeito

144

que se pretende formar; ela se constitui, portanto, de inúmeras decisões éticas e políticas (DELLA FONTE, 2010, p. 55).

A abertura de relação com instituições privadas e a concessão da gestão pública causam a perda da especificidade da educação, inerentes aos procedimentos próprios da lógica de mercado e, para além disso, colocam a escola pública em uma posição de grande ameaça, considerando a defesa da lógica neoliberalista. Assim, é relevante atentar que, apesar de haver uma distinção entre os processos de privatização e publicização,

[...] não existe "meia privatização". Não existe "quase" mercado. Uma vez iniciado o processo, coloca-se a escola a caminho da privatização plena da educação, ou seja, sua inserção no livre mercado, como uma organização empresarial, sem contar que a transferência para as organizações sociais (ONGs) insere de imediato as escolas em forma de controle político e ideológico ditadas pelas mantenedoras privadas (ou confessionais) dessas cadeias, reiterando as escolas do âmbito do controle público (FREITAS, 2018, p. 51, grifos do autor).

Quando tratamos das influências da lógica de mercado nas políticas públicas acerca alfabetização de crianças e na atuação de sujeitos privados na execução de programas educacionais em escolas públicas brasileiras, nossas preocupações vão ao encontro das seguintes considerações de Gontijo (2014, p, 132):

[...] não vivemos em uma sociedade justa e verdadeiramente democrática. Por isso mesmo, a educação escolar e a alfabetização não podem se reduzir a formar indivíduos adaptados às leis do mercado e, portanto, capazes de responder às demandas sociais. Nesse sentido, a alfabetização, como uma das esferas importantes da formação das crianças, precisa se tornar espaço e tempo de exercício da cidadania, por meio do trabalho de produção e leitura de textos, ou seja, por intermédio do exercício do dizer.

Na proposta de alfabetização apresentada pelo material didático-pedagógico do programa Se Liga, por mais que esteja fundamentada em pressupostos por nós defendidos, as atividades propostas, a organização do material, os conhecimentos privilegiados e o controle exercido por meio da determinação prévia do conteúdo, da metodologia, da didática, do engessamento das práticas, do monitoramento sistêmico de todas as atividades, visando ao aumento da eficiência e da produtividade, demonstram a contradição e o desalinhamento em relação à perspectiva de linguagem anunciada, bem como as concepções de educação, de aluno, de professor, de sujeito.

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O modelo didático-pedagógico apresentado no material não difere significativamente dos modelos adotados no passado. Os discursos acerca de sua fundamentação teórica só comprovam que o Instituto Ayrton Senna, assim como outras instituições da iniciativa privada sem fins lucrativos, tem acompanhado as discussões e os estudos desenvolvidos em universidades públicas e outros espaços acadêmicos, para que seus produtos educacionais permaneçam atualizados e para garantir sua competitividade.

Mesmo com a defesa do uso de uma metodologia pautada nos gêneros textuais, as práticas propostas pelo material do programa Se Liga enfatizam os aspectos funcionais da alfabetização para o ensino das unidades menores da língua e dicotomizam as duas dimensões que envolvem a aprendizagem da leitura e da escrita, por ele apresentada: a língua através dos seus usos sociais e o sistema de escrita. Essa mesma dissociação ocorre com a perspectiva do letramento. Nesse sentido, há uma grande convergência entre a proposta de alfabetização do programa Se Liga e a perspectiva do letramento.

Não nos surpreendemos com tal consideração, tendo em vista que a perspectiva do letramento, há alguns anos, tem se consolidado como hegemônica, devido ao processo de oficialização, por intermédio da adoção do Ministério da Educação como política oficial de alfabetização. No entanto, não podemos deixar de mencionar que esse cenário tem sofrido mudanças consideráveis, a partir da publicação da Política de Alfabetização do atual governo de Jair Messias Bolsonaro, na qual se retoma fortemente perspectivas de alfabetização baseadas nos métodos fônicos.

A investida neoliberal nas políticas públicas de alfabetização tem se intensificado, considerando as atuais ações voltadas para o empobrecimento dos currículos, pautados em conceitos que desconsideram a dimensão política da alfabetização e no controle por meio de avaliações, que visam apenas à garantia de atendimento às demandas internacionais por melhores índices. Nesse contexto, se torna emergente a necessidade de movimentos contra-hegemônicos de resistência a perspectivas preocupadas apenas com a manutenção das desigualdades sociais, intensificadas pela ideologia neoliberal tão consolidada e defendida pelos sujeitos privados.

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