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Editorial Ano VIII Maio 9 5 O JORNALISMO DA COMUNICAÇÃ O N° 92 R$ 4,00

f No tempo em que a Globo era pobre Trinta anos atrás, agiotas de plantão e o Baú de Sílvio Santos eram a salvaçã o EXCLUSIVO

Alberico de Souza Cruz, diretor d e jornalismo da Globo Alberico rompe o silênci o O homem mais poderos o da mídia analisa a imprensa e o jornalismo de TV

Leia o nosso time de colunistas •Alberto Dines • Carlos Lemos •Armando Nogueira • Josué Machado •Augusto Nunes • Lucas Mendes • Carlos Brickmann • Moacir Japiassu • Carlos Eduardo • Roberto Drummond Lins da Silva • Washington Novaes Capa

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- 1965: a Globo chama Walter Clark, que logo depois...... chama Boni. Começa a revolução na televisã o A Globo, 30 anos atrás Os tempos bicudos do começo, quando o dinheiro era curto até para pagamento de salários e cachês

porWalter Silva

Conta a lenda que Roberto Paulo, quando trabalhava na Folha. o furioso João Calmon, presidente da s Marinho, no início da TV Para falar a verdade eles nem sabia m Emissoras Associadas, que via naquel e Globo, chegou a ser barra- direito o que fazer com aquela concessã o convênio um ato de lesa-pátria; e cada pro- L\lll 13 do pelo porteiro da emisso- dada pelo governo para explorar uma nunciamento seu ameaçava abalar o pres- 0 ra, que não o conhecia. Não emissora de televisão . De rádio, eles en- tígio já então adquirido pelos Marinho e deve ser de todo mentira, uma ve z tendiam. A Rádio Globo já era líder de definitivamente consolidado. Nem defen- que, na época, não só o dr. Roberto, mas audiência com aqueles programas poli- der-se pela televisão adiantava, uma vez toda a família só tinha olhos para O Glo- ciais e com aqueles "comunicadores" ; que a TV Globo praticamente não existia bo. "O maior jornal do país". segundo seu mas de televisão não sabiam nada . Tanto em termos de audiência : a Tupi era quem slogan. Televisão, para os Marinho, era que apenas puseram uns amigos para co- mandava no Brasil . coisa menor. Meio brega, de mau gosto locar a emissora no ar e deixaram para Numa atitude inteligente, os Marinh o para quem passara a vida entre o Coun- depois a decisão sobre o que de sério fa- optaram por um "deixa pra lá", mas na try Club, as sociais do Jockey e as colu- zer com ela . surdina começavam a agir. De início, cha- nas do Ibrahim e do Swann, esta, na épo- maram Walter Clark. Natural de Leme, ca, talvez ainda escrita pelo saudoso jor- Acordo suspeito - O acordo de as- Estado de São Paulo, ex-office-boy, con - nalista Esdras Passaes, que foi casado sistência técnica da Globo com o Grupo tínuo e quase menino na Rádio Tupi e n a com uma "miss" lindíssima e termino u Time-Life (que serviria para mascarar um a Rádio Tamoio (onde de tão rápido tinha os seus dias doente de alcoolismo nu m possível sociedade proibida pela lei brasi- o apelido de "Vento"), Clark já havia en - sanatório no bairro de Santana, em São leira) era uma realidade que fazia bramir saiado tudo de televisão na TV Rio, ond e

34 IMPRENSA - MAIO 1995 começou como cabo man e chegou a ser Scassa, entre outros) ; de a Raul Boni já passava a maior parte do tem- o responsável pela grade de programa- Longras (o narrador esportivo que crio u po em São Paulo, onde, subindo nas me- ção geral, ensinando televisão para o en- expressões como "pimba" para chute e sas da sala de Luís Carlos Vergueiro, es- tão patrão Pipa do Amaral, também Car- "balançar o véu da noiva" para gol) . Mas crevia com um "pincel-atômico" e grita- valho, sócio e parente do Paulo, da TV ia de mal a pior. A Tupi e a Record eram va ao mesmo tempo : "Chamadas, chama - Record de São Paulo. naquele instante imbatíveis . das, chamadas. Sem chamadas ningué m Já experiente em televisão, Walter O assunto Time-Li fe preocupava . Con- fica conhecendo a programação . Chama- Clark aceitou o convite para ir para a Glo - ta também a lenda que Joe Wallach, então das. chamadas, chamadas . . .". Criou um bo sabendo que teria de descascar o aba- o homem do grupo norte-americano n o sistema de fazer com que as chamadas caxi Time-Life, que era a maior pedra n o Brasil, teria sido seduzido esse mes- saíssem de graça : se um intervalo tivesse sapato dos Marinho . O sonho de Clark era mo o termo, seduzido - por Walter e Boni cinco anunciantes, incluía no final deles , ter Boni a seu lado . Sabia o que o grande com argumentos que iam da persuasão embutido no custo total, o anúncio d a profissional tinha realizado na publicida- ("Joe, teus filhos podem ir para o Vietnã. .. própria Globo. O método permanece até de, no rádio, no disco, na TV (principal- fica por aqui, rapaz") a almoços e jantares hoje e foi copiado por todas as outra s mente na velha Excelsior, onde foi ensaia- com perdizes trazidas da China, trufas vin - emissoras. da a TV Globo de hoje, ao lado, entre ou - das da França . regadas pelo Chateau Mou- O fato é que a programação era muit o tros, de Edson Leite) . Sabia também que ton Rotschild da melhor safra e mulatas , classe C-D e os anunciantes de maio r ele estava no Rio ar- mando para a Tupi uma network que, se chegasse a fica r pronta do jeito qu e ele queria, acabari a sendo o sistema Glo- bo de hoje . Pena para a Tupi que os "co- munheiros associa - dos" (nome dado aos dirigentes que passa - ram a administrar o acervo 'associado ' depois que Assi s Chateaubriand s e afastou, como Ed - mundo Monteiro , em São Paulo, Joã o Calmon, no Ri o etc.). então, só pen- sassem em seus feu - e Henrique Martins: alimentando o ibope Maria Claudia : ao vivo dos estaduais, ond e prendiam e manda- vam soltar . Essa fragmentação na Tup i mulatas, mulatas, muitas mulatas num ci- poder de fogo freqüentemente prefere m impediu Boni de realizar seu projeto d e nematográfico apartamento com vista para difundir sua publicidade entre consumi - uma televisão nacional operando dia e o mar. Como poderia resistir a um Rio de dores de maior poder aquisitivo. noite com uma só programação (a Globo Janeiro de clima tropical aquele adminis- faz isso hoje e já está na hora de parar, trador formado nos rígidos bancos acadê- Caixa baixa - O dinheiro era escas- pois, como se sabe, a cultura regional est á micos norte-americanos ? so até para cobrir a folha de pagament o indo para o espaço e o mercado de traba- que Joe ficou e o Time-Life dan- dos funcionários . Os cachês, esses entã o lho também . Mas isso é outro assunto). çou . Joe Wallach virou diretor da Globo e o tinham que esperar e muito . Eram peque - Boni não realizou seu " Telecentro ', mas , acordo deixou de ser a razão maior da grita nos - 20, 30 ou 50 cruzeiros ou que nome em compensação, teve que carregar pedra s de Calmon. A Globo já era legalmente bra- tivesse a moeda naquele tempo - e fica- por muito e muito tempo . sileira. mas faltavam o índice de audiência vam esperando até que os artistas desistis- e o dinheiro . Programas como O Homem sem de recebê-los . O tesoureiro José Le- Programação esquisita - Como do Sapato Branco, Dercy Gonçalves, Cha- mes, da Globo de São Paulo, guardava até havia feito na TV Rio, Walter Clark tam- crinha, Raul Longras . Sílvio Santos, o boxe. pouco tempo uma pilha de cachês em pa- bém armou uma grade de programação a luta livre com Ted Boy Marino, com o pel de seda como lembrança daqueles tem- para a novata TV Globo . Ia de novelas prmtoteur Lídio de Ranieri e Renato Paco- pos bicudos, quando o diretor financeiro , de Glória Magadan a mesa-redonda d e te na produção. eram muito pouco para en- Orlando de Carvalho, ia com muita fre- futebol (ótima por sinal, com Nélso n frentar as Unidas e as Associadas. Não ha- qüência pegar dinheiro emprestado com Rodrigues . João Saldanha, José Maria via anunciantes . Mário Del Giudice, dono de uma agência

IMPRENSA - MAIO 1995 15 de automóveis da "boca" . na Avenida Ri o São Paulo e no Rio e o barco teria afun- me de certas palavras de Boni sobre o Branco, para acudir desesperadamente a dado com todos dentro. primeiro lugar da Sessão Zas-Trás, algo folha de pagamento. Mudavam-se nomes, programas , mais ou menos assim : "Agora começa - Francisco de Abreu . diretor da Rádi o idéias, mas nada de novo acontecia com a mos pelo lado certo. E pela manhã que se Nacional de São Paulo . também do mes- rapidez desejada em televisão . Saíam no- vai subindo no Ibope e depois, como uma mo grupo (que junto com a Rádio Excel- mes de várias áreas . No jornalismo . Mau- fileira de dominós, iremos até a meia - sior. Cultura. TV Paulista e TV Baum foi ro Guimarães. Paulo Mario Mansur: na ad- noite e depois pela madrugada afora" . comprado pela Globo), todos os mese s ministração. Roberto Montoro, legad o Não deu outra. A Globo, pelo menos e m entrava com dinheiro da rádio para ajudar deixado por Victor Costa. Na parte artísti - São Paulo, começava a crescer, substi- a pagar a folha da TV Globo . E SfIvio San- ca, na musical, na técnica, enfim em todo s tuindo suas peças no tabuleiro da progra - tos, que já ganhava bastante dinheiro com os setores foram saindo e entrando nomes mação . seu Baú da Felicidade, negociava sempre e mais nomes . Era uma revolução de cos- Mas, para que tudo isso acontecesse , mais espaço para o seu programa, pagan - tumes. Impossível não lembrar de Fran- houve lances de verdadeira estratégia de do o preço que a TV Globo pedia. até che- cisco de Abreu . sempre britanicament e guerra. Por exemplo, para conquistar o gar a ter seis horas semanais na televisão, vestido, olhando da grande janela de su a interior de São Paulo - o segundo mer - além da programação na rádio, que ia de sala na Rádio Nacional para o pessoal d a cado nacional de publicidade (e de espec - duas a três horas diárias . televisão, lá embaixo. Via Boni vestindo tadores , é claro) - seria preciso conquis - tar cada um do s municípios que. por contrato com a s prefeituras, repe - tiam a programaçã o da TV Tupi desd e muitos anos . Como mudar esse quadro? Não foi fácil . Com o a Tupi já começas- se a mostrar sinai s de desmoronamen- to administrativo, a Globo aproveitou - se da situação e co- meçou a contratar homens-chave d a Tupi. Juracy Magro da Silva, que era do departamento do interior das Asso - Chacrinha : buzinando e conquistando audiência Darcy : salário em dia ciadas, foi um do s primeiros . Ele sa - bia, assim como o Claro que Boni não via com bons olhos calça azul turquesa e camisa laranja, diretor-superintendente José Arrabal , nem o programa de nem a apressado como sempre, às voltas sabe - quando e onde venceriam os contrato s situação que se via obrigado a aceitar, em se lá com quê. e comentava : "Esses me- com as prefeituras do interior. Como a que quase todos os meses crescia justa - ninos são uns loucos . Pensam que é assi m Tupi já não conseguia preocupar-se com mente o programa que ele queria cortar, que se dirige uma empresa..." Na verda- esses "detalhes", era só mandar um ho - por achá-lo em desacordo com sua filo- de, era assim, velho Abreu querido . mem da Globo para a cidade em questã o sofia de programação . Audiência que é e transferir o referido contrato . E assim , bom, nada . Só Sílvio aos domingos, al- Subindo no Ibope - Já na semana em três tempos, emissoras da Rede As- guns pontinhos aqui e acolá, e só . seguinte vinha o Ibope do mês, em que sociada do Interior (sofrida e brilhante - pela primeira vez um programa da Glo- mente implantada por Humberto Bury e Saco sem fundo - Para reverter tal bo figurava em primeiro lugar. Era a Ses- seus homens), passaram a mostrar quase situação Boni . mais em São Paulo d o são Zas-Trás. que ia ao ar pela manhã . A de graça as imagens da Globo . Conta a que no Rio. e Walter Clark, mais no Rio , festa do primeiro aniversário desse pri- lenda, também, que a Globo contratou a tiveram que lutar muito . Acredita-se qu e meiro "campeão de audiência" superlo- peso de ouro um funcionário das Asso - o jornal O Globo também tenha con- tou o Pacaembu e a foto que tenho dess e ciadas que tinha a incumbência de guar - tribuído com muito dinheiro para aju- dia com Boni e nossos filhos não poderi a dar as chaves do cofre de um banco ond e dar a parceira TV Globo. mas ela era mostrar alegria maior. Meu programa na estavam documentos importantes de Joã o mesmo um saco sem fundo . Não fos- Rádio Nacional também estava em pri- Calmon sobre o "acordo" Globo-Time - sem os primeiros lugares das rádios em meiro e comemoramos juntos. Lembro- Life. E consta que esse funcionário está

36 IMPRENSA - MAIO 1995 na Globo até hoje . junto com a chave do tal cofre, é claro . 0 homem que é a alma da Glob o Dupla brilhante - Muitas são a s histórias sobre a Globo e nem todas fo- José Bonifácio de Oliveira Sobrinho , Propaganda, tendo como colega Jor- ram contadas. O fato é que, para sorte d a 59 anos, nascido em Presidente Alti- ge Adib, hoje diretor internacional da . No departamento de propa- emissora (e da própria televisão brasilei- no (subúrbio da Sorocabana, zona Oes - Globo te de São Paulo, bairro hoje pertencen- ganda da Varig criou a Ponte Aérea , ra), juntaram-se pela primeira vez doi s te ao município de Osasco), é filho d e batizou o avião Electra-II (forma d e profissionais de comunicação da enver- um músico que tocou violão e cavaqui- distingui-lo do Electra, exatament e gadura de Walter Clark Bueno e José Bo - nho no regional de Armandinho, n a igual, que havia explodido na Euro- nifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni . Rádio Record, ainda na Rua Quintin o pa) e é autor da assinatura "Varig , Foram esses dois empregados com car- Bocaiúva . Orlando de Oliveira, mais co- Varig, Varig" para todos os spots da teira assinada e não os donos, ou filho s nhecido pelo apelido de "Caçula", mor- empresa aérea . Depois trabalhou na de donos, que deram à televisão brasilei- reu quando seu filho Boni tinha 7 anos . RGE, onde lançou o primeiro disc o ra o padrão de melhor do mundo em vá - Dona Quina (Joaquina) lutou muito par a de Juca Chaves, e chegou a posa r rios aspectos. Não fossem esses funcio- formar os dois filhos, Boni e Carlos Au- para uma capa do LP Viva a Vida ; e nários geniais e estaríamos hoje send o gusto (Guga). na Linx Filmes, com César Mêmo- Naque- lo, Robert o obrigados a ver programações como a s les anos de Santos, Gali- de países da Europa, por exemplo, qu e 1967/68 , leu Garcia , ainda não chegaram ao nível da TV Tup i a Globo vi a Eli Barbosa , de São Paulo nos anos 50 . Que dizer en- passar talvez João Carlo s tão da programação latino-americana, seus piore s Magaldi e México, por exemplo (argh!), e das esta- momentos . Walter Carva- tais de todo o mundo? Há quem diga que, Em 1967 , lho, que era no dia em que Boni sair (se é que sairá) , Boni assu- office-boy . a TV Globo já começará a cair. miu a dire- Passou pel a ção artístic a TV Record , Nos seus trinta anos de existência, a da TV Glob o onde crio u Globo é a prova maior de que televisão é do Rio, ond e um tigre coisa para profissionais . Hoje, 1 bilhão ficou até como marca; de dólares é o faturamento esperado est e 1980, quan- pela Bandei- ano pelo Departamento Comercial d a do foi guin- rantes, ond e emissora. Mais de 70% saem de São Pau - dado ao car- João Saa d lo (SP-l e SP-2) capital e interior . O res- go que at é nunca enten- tante é dividido pelo e o hoje ocupa , deu bem o resto, que é resto mesmo. o de vice-pre- que ele que - Parabéns, TV Globo, pelos 30 ano s sidente d e ria dizer; em operações . seguida, fo i que tive o privilégio de acompanhar d e E autor d o para o Rio , perto junto com tantos companheiros vi - trabalho Vio- onde inicio u vos ainda e outros que já se foram, com o lência Urba- o Telecentro o humorista Geraldo Alves, a quem dedi- na nos Mei- na TV Tup i co estas mal traçadas linhas . os de Comunicação, por ele mesm o (quando as vinhetas sonoras já es- apresentado no Senado Federal . Foi tavam compostas e gravadas por Se- conselheiro da Democracia Corintiana . verino Filho, de Os Cariocas, foi para Boni, que aos 17 anos já fazi a a TV Globo) . textos comerciais e humorístico s Na sua passagem pela TV Excelsior , para o programa Manoel de Nóbre- ensaiou o que viria a ser a TV Globo d e ga, na Rádio Nacional de São Paulo , hoje. Tudo começou lá, da grade da pro- iniciou-se ainda menino na Linta s gramação artística e comercial à tele- Propaganda, com Rodolfo Lima Mar- dramaturgia . A Globo de hoje é a Excel- tensen, trabalhando ao lado de Guta , sior de ontem, com mais perfume e di - que recentemente morreu idolatra - nheiro . Boni as fez . da por todos os artistas da Globo , Sua sensibilidade para a comuni- onde cuidava do elenco . Criou para cação fez dele um profissional dispu- a Lintas um programa radiofônic o tado pelas maiores redes de TV do chamado Caixa de Surpresas Leve r mundo. Sua passagem à frente da s e participou, como redator, de vários emissoras brasileiras teve o efeito d e programas daquela agência, qu e uma revolução - talvez a última - no s apresentava na Rádio Mayrink Veiga , nossos meios de comunicação . Aplica- do Rio, o programa humorístico Le- do a Boni, o termo "génio" signific a vertimentos, de grande sucesso n a pouco . Que o digam os que conhecem época . Trabalhou também na Multi o seu trabalho . (W.S.) Gal e Sílvio : início de carreira

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Haroldo Evelyn: época gostosa Abreu : sócio do doutor Robert o A aventura dos pioneiros Mesmo com os salários atrasados, ele s trabalharam para a Globo chegar ao primeiro luga r

por Deborah Bresser

O crachá prateado fazia bri- ralelamente ao sucesso das novelas daTup i que tivessem em outras emissoras. Se lhar os olhos de quem com e dos shows da Record. "A Globo preci- veiculavam dez comerciais na Tupi, na ele cruzasse . Valia mais , sava faturar e ter audiência", conta Cas- Globo, pelo mesmo preço, teriam direito S muito mais, do que qualquer tro. Hoje soa óbvio, mas há trinta anos era a quarenta". diz Castro, acrescentando 0 documento de identidade . um verdadeiro desafio. A emissora tinha que. naqueles tempos, as relações com as Revelava que o possuidor era membro de um pouco de tudo, com programas de au- agências eram mais de amizade do que um privilegiado grupo social : funcionário, ditório (Chacrinha, Longras), shows (Der- profissionais, o que facilitava algumas da TV Globo. O fenômeno, levado às te- cy Gonçalves), filmes (aos sábados, 2 1 coisas. "Por exemplo. a gente comia de las pelo humorista Chico Anísio. tomou a horas) e novelas . Apesar de variada, a pro- permuta. Como recebíamos apenas um forma de Bozó, personagem que . acima gramação era popularesca, o que não agra- vale semanal para o combustível, não tí- de qualquer coisa, era "da Globo". Mas dava os clientes. nhamos dinheiro para comer. Trocávamo s nem sempre foi assim . Antes de virar si- refeições por anúncios", diverte-se o ex- nônimo de status, trabalhar na emissora Plano Cica - "Quando a emissora diretor comercial. chegou a ser uma aventura. Pequena e sem começou a crescer em audiência e a bri- dinheiro, a Globo, em São Paulo, contava gar pelo primeiro lugar, vivia com um Cofre vazio - Não eram só eles, do com o romantismo e a integração de seus faturamento de quem está em quarto lu- departamento comercial, que tinham que funcionários para sobreviver. E com os gar", revela Castro. Para complicar, não se virar. Dobrado maior cortava o diretor agiotas. "Os atrasos de salário eram cons- havia mecanismos eficazes de análise d o administrativo, que era o homem do di- tantes, mas nós acreditávamos no projeto, perfil sócio-econômico dos telespectado- nheiro. Ou da falta deste . Haroldo Evely n bíamos que poderia ser uma situaçã o res. Ainda assim, o Ibope anunciava que foi incumbido de administrar o cofre va- passageira", relata o publicitário Celso de o público da Globo era formado por uma zio da emissora nos idos de 68. Carioca Castro, que lá começou a trabalhar em classe social baixa (CID). o que afastav a da gema. foi deslocado para São Paulo com 1968, como contato comercial, saindo e m os prováveis anunciantes . A saída foi u m a promessa de que . dali a seis meses, teria 1979, como diretor do departamento . "Era- plano de vendas apelidado de 4 em 1 , lugar garantido na sede da emissora . Dali mos uma verdadeira equipe, todos muito nome emprestado de um doce da Cica a seis meses, porém, trouxe mulher e fi- jovens e dispostos a fazer a emissora cres- lançado no mesmo período (em uma s ó lhos para viver com ele na capital paulis- cer". lembra. O terreno era fértil . Naquele lata os gulosos encontravam quatro do- ta, de onde nunca mais saiu, nem preten- momento, o mercado televisivo paulista ces diferentes) . "Oferecíamos aos clien- de. "Esta terra é boa", diz ao se referir à assistia à derrocada da TV Excelsior, pa- tes quatro vezes mais anúncios do que os cidade que adotou. O convite partiu de

38 IMPRENSA - MAIO 1995 Luiz Eduardo Borgueti . "Lulu para os ín- ra recorreu a agiotas . "Tinha um do qua l tra coisa no Rio . Mas ele morreu e eu fu i timos" - ressalva Evelyn, então direto r eu já era freguês. Usava uma loja de car- ficando ." Abreu era uma das poucas pes- regional da emissora . "Vim para conserta r ros usados como fachada, mas seu negó- soas que conhecia em as finanças . A coisa estava ruim por aqui . cio era emprestar dinheiro . E como cobra- São Paulo e fez dele seu procurador. "A Dizer que a Globo era pobre é bondade. A va caro!", conta . O fogo - real - alivio u empresa era uma S .A. e precisava de trê s Globo não tinha dinheiro nenhum, ne- as dívidas : mas faturamento que é bom , sócios, que éramos eu, o doutor Roberto e nhum, nenhum . Quem sustentava a emis- nada. "O único programa que gerava fatu- seu irmão Ricardo . Isso quando os filhos sora eram as rádios (Nacional, hoje Glo- ramento era o do Sílvio Santos. Ele era fun- dele eram menores", conta, informando bo, Excelsior e FM Excelsior, dirigidas po r cionário da rádio e comprava o espaço n a que sua participação na TV se restringia a Francisco de Abreu)", lembra o atual con- TV. Esse realmente se fez, é um exempl o assinar contratos . "Nunca interferi na pro- sultor da Sapia Corretora de Seguros . Ha- de self-made-man. Ele é extremamente tra- gramação. Meu negócio era com as rádi- roldo, como era chamado na emissora , balhador e tem uma simpatia fantástica . os", faz questão de frisar. confirma os constantes atrasos salariais . Não sei como o sorriso dele funcionav a Esses homens, que acompanharam o s "Pagávamos os salários por faixas, só qu e no rádio, mas na TV todo mundo conhe- primeiros passos de uma emissora que hoj e isso durava até o fim do mês seguinte . Nin- ce...", brinca. Quem também não mede elo- é a maior do país, são unânimes em afir- guém reclamava", admite, lembrando qu e gios ao atual dono do SBT é Francisco d e mar que a Globo teve como aliada no se u só não podia atrasar o pagamento da Der- cy Gonçalves. "Essa sim dava show" . 300 mil m2 de estúdios Famoso também fi- Com a intenção de concentrar em um único loca l ternas das da emissora . A novidade é cou o episódio no toda a produção de novelas, minisséries, programa s que no dia V de julho será inaugurado o primeir o qual o pessoal do Te- especiais e shows, a Rede Globo investiu 120 mi- estúdio "multi-uso" de uma série de quatro estú - lecatch foi exigir se u lhões de dólares, só neste ano, na primeira fase d e dios que devem ser construídos até o final do ano . pagamento . José Le- ampliação do complexo de produção do Projac, que , Cada estúdio, com 1 000 metros quadrados de áre a mos, o "Zé do Cai- desde 1989, vinh a e 11 metros d e sendo construído altura, será equi - xa", encarregado , em Jacarepaguá , pado com alt a trancou-se em su a zona Oeste do Ri o tecnologi a sala armado de re- de Janeiro. digital .A segun - vólver, que de nada Situado e m da fase, que deve adiantou quando o s uma área de 1, 3 concluir-se e m rapazes da luta livre milhão de metros 1997, prevê a derrubaram a frágil quadrados, do s inauguração d e portinha. Antes d e quais 300 mil es- um estúdio s ó virar pastel, Zé d o tão destinados à s para shows, um a Caixa arrumou a gra- novas instala- central de pós-pro- na da rapaziada. ções, o Projac reú- dução, um res- ne há seis anos a s taurante e um pré- "Quando alguém di- locações das cida- dio administrati- zia que precisava d e des cenográfica s vo . A Globo pro- dinheiro, dávamo s em que são filma- mete mais estú- sempre um jeito, pa- das as cenas ex- dios para o futuro. gávamos o adianta - mento do adianta - mento", informa Haroldo . Saudoso, ele é Abreu . Diretor-geral das rádios do Grupo processo de crescimento a má administra- enfático ao adjetivar aqueles tempos : "Era Globo por 23 anos, Abreu hoje se manté m ção de emissoras contemporâneas . com o uma época muito gostosa. Não tínhamos como procurador da TV, no cargo de dire - Tupi e Record. E teve o Boni - José Bo- um tostão, mas todos se juntaram, nu m tor executivo da diretoria geral em Sã o nifácio de Oliveira Sobrinho -, que. para esforço enorme para manter a firma an- Paulo, e lembra que Sílvio . quando traba- Haroldo, fez a diferença . "A Globo foi be m dando" . lhava como locutor, vendia sanduíche e administrada', acredita Abreu . Já Celso café para os colegas da rádio. "Ele é um de Castro, além de apontar o fracasso da s Fogueira santa - Em qualquer em- trabalhador e merece tudo o que tem", diz . concorrentes na área administrativo-finan- presa. um incêndio em sua sede signific a ceira como motor do sucesso da emisso- prejuízos . Não para a Globo paulista d e Incompetência alheia - Ao contrá- ra, diz que foi graças à Globo que o mer- 1969. "Felizmente o prédio pegou fogo, o rio de Haroldo. que trocou o Rio por Sã o cado publicitário para a mídia eletrônic a que nos deu a oportunidade de chamar to- Paulo, Abreu até hoje eive na ponte-aé- se profissionalizou . E que ninguém duvi- dos os credores e renegociar nossas dívi- rea. Aos 85 anos, ele mantém-se carioca. de: todos, sem exceção . um dia colocara m das", diz Haroldo, que na época comemo- "Vim para dirigir a Rádio Nacional até o a mão no peito e tiveram orgulho de ter, rou a moratória. Esse aperto durou bas- Dito Costa (que foi diretor da Rádio Nacio- pendurado no bolso da camisa ou do pale- tante. Não foram poucas as vezes que para nal do Rio de Janeiro, posto que perde u tó, um tal crachá prateado (ou azul), qu e apagar os incêndios financeiros a emisso- com o fim do governo Vargas) arrumar ou- fazia milagres onde quer que fosse visto .

IMPRENSA - MAIO 1995 39 te. essa parte retratará cenas do dia-a-di a dos membros de uma família, que vive m ou comentam situações relacionadas com os temas das reportagens que entram e m seguida. "A Globo, que sempre esteve na fren- te, estará sendo mais pioneira do que nun - ca com a minissérie, um projeto inova- dor, que, além da dramaturgia. vai usar efeitos especiais e recursos da cibernéti- ca", comentaAlberico, entusiasmado co m o apoio dado à idéia pelo diretor de ope- rações Boni .

Temas da vida Ele diz que a mi- nissérie não se confunde com as retros- pectivas tradicionais porque focaliza o s fatos dentro de determinados temas - violência, sexo, culto ao corpo, por exemplo - e não segundo uma orde m cronológica. No programa sobre as guer- ó ras. provavelmente o quinto a ser leva- Paulo José : comandando a ficção Pedro Bial: comandando o jornalismo do ao ar, o repórter José Hamilton Ri - beiro volta ao Vietnã, onde perdeu a per- na ao pisar numa mina, na cobertura do conflito, para recapitular acontecimen- A fórmula explosiva tos e reencontrar pessoas com quem cru- zou naquele tempo . O primeiro programa começará co m um painel do mundo nesses trinta anos : da minissérie jornalística as novas fronteiras, a nova Rússia, a con- quista do espaço, o homem na Lua . .. Em Contagem regressiv a seguida, uma reportagem de Renato Ma- mistura reportagem e dramaturgi a chado sobre a vida brasileira durante ess e período. tendo como fio condutor o pro- blema da inflação, os vários planos eco- nômicos, as sucessivas trocas de moedas . Ficção e jornalismo são ele- bo. "Podemos estar traçando uma pers- Uma reportagem de Pedro Bial sobre a s mentos difíceis de combinar pectiva fantástica para o jornalismo d e dramáticas mudanças no mundo depoi s e quase sempre resultam em televisão, abrindo um espaço que, depen- da queda do Muro de Berlim completa o uma mistura perigosa. Pois dendo dos resultados, poderá se tornar primeiro programa . O segundo, provavel- é com essa fórmula que a definitivo", diz Alberico de Souza Cruz, mente (a ordem pode ser alterada se m Central Globo de Jornalismo está apostan - idealizador da nova fórmula. prejuízo da compreensão dos fatos), tra- do todas as suas fichas na minissérie Con- O fato, explica ele, é que toda a Cen- tará de sexo. amor e medo . focalizando a tagem Regressiva, qualificada na emisso- tral de Telejornalismo está envolvida no revolução sexual e a nova realidade co m ra como um programa diferente de todos projeto, em apoio ao grupo encarregad o o advento da Aids. Esse programa deve- os que existem ou já existiram, mesclan- especificamente da minissérie : o editor- rá ter a participação de . do dramaturgia e jornalismo sem que a chefe Pedro Bial, que apresentará o pro- que ao longo dessa época foi, primeiro, parte ficcional interfira no rigor da infor- grama (além de ser o autor de alguma s a "namoradinha do Brasil" e depois fez a mação. Criada para assinalar a passage m reportagens); o editor regional da Globo série Malu Mulher . Para o terceiro dia está dos 30 anos da Rede Globo, a minissérie em São Paulo . Paulo Roberto Leandro. previsto o tema "fama eterna, fama eté- será levada ao ar a partir do próximo dia coordenando uma equipe de onze repór- rea e solidariedade" abordando persona- 13 de junho. em doze capítulos a serem teres especiais, quatro dos editores mai s gens como Ayrton Senna e Pelé, que par- apresentados de terça a sexta a partir das experientes da emissora e seis produto- ticipará diretamente do programa . 22h30. focalizando, em reportagens espe - res: e os comentaristas Paulo Francis, Outros temas escolhidos : violência, dro- ciais, os temas que marcaram a vida das Joelmir Beting e Alexandre Garcia . gas e impunidade: a revolução trazida pessoas nesse período, vistos pelo ângul o O grupo de dramaturgia estará sob o pelo computador na vida das pessoas : e das câmeras de televisão . comando do ator e diretor Paulo José, a o terrorismo, fanatismo e religião . A série A minissérie polariza hoje as maiore s lado de uma equipe de roteiristas chefia - deverá encerrar-se com um programa so- expectativas do Telejornalismo da Glo - da por Walter George Durst . Basicamen- bre vida urbana. X

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