RELAÇÕES ENTRE TV E PODER POLÍTICO: DADOS HISTÓRICOS PARA UM PROGRAMA DE LEITURA DOS PRODUTOS TELEVISIVOS NO ENSINO E APRENDIZAGEM

Áureo BUSETTO1

Resumo: Trata-se de um levantamento e sistematização de dados e informações da relação entre TV e poder político ao longo da história do meio, quer em países da Europa, nos EUA e no Brasil. Seu objetivo é fornecer alguns elementos e subsídios históricos para que os professores ocupados com metodologias que tomem a TV como objeto de ensino e aprendizagem possam realizar uma leitura sócio-histórica do meio, portanto transcendente às leituras dos códigos internos dos programas de TV.

Palavras-chave: TV; poder político; Estado.

NOTA METODOLÓGICA Ao tomar a TV como objeto de ensino e aprendizagem, portanto em uma perspectiva para além do uso da tevê como mero recurso didático, o educador não deve tão somente apresentar e tratar os produtos oferecidos pela mídia televisiva unicamente por suas propriedades internas. É necessário que ele tenha em mente que as propriedades constituintes dos produtos oferecidos pela TV serão, sempre mais, fertilmente conhecidas e compreendidas quanto mais forem pensadas e tratadas como resultantes das relações entre a estrutura e a dinâmica do mundo televisivo, o qual deve ser entendido, no tempo e no espaço, à luz das relações existentes entre os agentes envolvidos com os processos de produção, divulgação e recepção da TV, das relações desse meio com as demais mídias e os outros domínios sociais específicos que, como ela, compõem a sociedade.

Assim, é preciso que o professor busque conhecimentos sobre o organograma padrão, as técnicas e as tecnologias aplicadas no funcionamento geral da TV e, evidentemente, procure conhecer também a especificidade desses elementos em relação às emissoras que produziram o programa que será utilizado em sala de aula. Mas é fundamental também que ele procure conhecer as relações da TV - tanto do ponto de vista geral do meio como das emissoras em particular cujos produtos serão utilizados nas atividades didáticas - com as várias dimensões da sociedade – como a esfera social, política, econômica e cultural. O conhecimento dessas relações traz elementos e subsídios para melhor a melhor compreensão das razões e interesses de um produto televisivo ser o que tem sido. Caminho que possibilita a realização de uma leitura sócio-histórica dos programas de TV, logo uma leitura que não se restrinja apenas aos códigos internos e às técnicas aplicadas na sua produção.

1 Professor Assistente Doutor do Departamento de História da FCL-UNESP/Assis

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Nessa direção, o professor deverá cuidar em primeiro lugar sobre a relação entre a TV e o poder político, dado que esse meio, diferentemente dos meios impressos, somente é possível de funcionar a partir desta relação, pois é sempre o Estado que controla as concessões para o uso do espectro eletromagnético necessário para a transmissão dos sinais televisivos, quanto não é ele próprio (Estado) que mantêm emissoras. Num mundo amplamente tocado pelas imagens e informações da TV, a relação entre o meio e o poder político ainda preocupa em termos das possibilidades ou consolidação de uma TV democrática. Elementos de reflexão para esse tema, assim como para uma leitura sócio-histórica dos programas televisivos, devem ser buscados primeiramente na história da relação entre TV e política, tanto no passado como no presente hoje, quer nas experiências de países europeus e nos EUA, quer no caso brasileiro.

DO NASCIMENTO DA TV E DOS PRIMEIROS CUIDADOS POLÍTICOS COM O MEIO

Em alguns países da Europa ocidental e nos Estados Unidos, as primeiras emissões regulares de televisão iniciaram-se durante o entreguerras. Porém, a operação do meio era ainda incipiente do ponto de vista tecnológico e limitada territorialmente. Entretanto, a trajetória inicial da TV, tanto a européia como a norte-americana, foi pautada por uma experiência à margem do rádio. Era propriamente a pré-história da TV - a sua infância feliz, como bem define o historiador francês Jeanneney (1996, p.222). Período que fora prolongado por conta da Segunda Guerra, uma vez que, ao eclodir esse conflito mundial, a técnica da TV não era ainda suficientemente avançada para poder servir às nações beligerantes. Dessa forma, a expansão técnica da TV fora praticamente abandonada, pois os esforços de cientistas e técnicos, as verbas e os subsídios oficiais foram aplicados amplamente no aperfeiçoamento de outras tecnologias mais desenvolvidas que pudessem colaborar na solução do conflito bélico mundial iniciado em 1939. Talvez a chegada da maioridade da TV após a Segunda Guerra possa dar pistas para explicar o excessivo alumbramento e exagerado empenho das redes de TV para cobrirem as posteriores guerras localizadas – como a Guerra da Coréia e a do Vietnã -, ou, ainda, sirva para explicar a escolha da Guerra do Golfo (1990) como marco inaugural do projeto telejornalístico da CNN.

Durante a pré-história da TV, período de felicidades para o novo meio, mas, também, de hesitações, Grã-Bretanha, EUA, França e Alemanha destacaram-se em termos de experiências envolvidas com o avanço da qualidade, diversidade e vitalidade do então novo meio de comunicação social. Contudo, como enfatiza Jeanneney (1996,p.223), experiências que foram sempre conduzidas à pequena distância pelo poder político, o poder de governos ou do Estado. Acompanhamento que não deixaria de existir mesmo depois da TV alcançar a sua maturidade, embora com algumas inflexões nesse expediente com relação ao período inicial de funcionamento do meio.

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Desde 1925, a Alemanha, assim como a Inglaterra e Estados Unidos, ocupava destacado papel no âmbito dos avanços científicos com relação à fotoeletricidade, fenômeno que aplicado em pesquisas e inventos tinha possibilitado a existência da TV, ao varrimento, um dos maiores obstáculos técnicos à efetivação do meio no período, e à substituição do sistema televisivo mecânico pelo eletrônico. Entretanto, as primeiras emissões experimentais de TV na Alemanha, operadas com 30 linhas, ocorreram em 1929, um ano após as realizadas pelos Estados Unidos, com 45 linhas, mas precedendo em três anos as ocorridas na Inglaterra e França, com iguais 30 linhas. Durante a segunda metade dos anos 1930, as inovações na área da tecnologia televisiva se concentrariam, mais significativamente, na Alemanha e Grã- Bretanha.

A partir de março de 1935, o governo alemão oferecia um serviço regular de TV pública via o Centro Paul Nipkow. Segundo critérios da época, a TV alemã funcionava com um padrão de média definição, isto é, 180 linhas e 25 quadros por segundo. Padrão, no entanto, obtido desde 1933 e que fora superado somente três anos depois pela TV britânica. Assim, em novembro de 1936, o governo britânico iniciava seu serviço de emissão regular pela emissora pública da British Broadcasting Corporation (BBC), operando com 240 linhas. E o avanço da BBC não cessaria. Em fevereiro de 1937, passava a operar com 405 linhas, padrão considerado pelos técnicos do período como de “alta definição”, uma vez que garantia boa qualidade e nitidez da imagem. No início de 1939, já transmitia 24 horas semanais de programação para 20 mil televisores existentes na região . Avanço considerável para a TV que já conseguira o marco de transmitir ao vivo, em 1937, a cerimônia de coroação de George VI para cerca de 50 mil telespectadores, embora esses não fossem assim denominados à época. Contudo, fora a TV alemã que alcançara o invejável feito de transmitir para seis cidades do território germânico e um público de quase 160 mil telespectadores a Olimpíada de Berlim, ocorrida em 1936 e considerada o primeiro grande acontecimento televisivo. Feito obtido graças a investimentos do governo nazista para cobrir o território alemão com cabos transmissores e a criação de centros coletivos de recepção de TV (Jeanneney,1996,p.222-4; Espada, 1982,p.120-2). Empenho resultante, provavelmente, do interesse do III Reich em obter um veículo de propaganda política mais eficaz do que o rádio, além da sua expectativa de que a tecnologia televisiva pudesse ser empregada num futuro conflito bélico. Mas, a TV não fora apenas colocada a serviço da política interna do III Reich, pois serviu, também, à sua propaganda internacional. Desde 1934, o governo alemão enviava aparelhagem e equipe técnica para realizar demonstrações públicas de televisão em diversos países (Espada, 1982, p.121), notadamente naqueles que o III Reich se interessava em estabelecer sua influência comercial e ideológica.

Nos EUA, ao contrário da Grã-Bretanha e igualmente à história do rádio norte- americano, o setor privado domina a corrida pela TV. Em 1931, a poderosa RCA instala um

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emissor no topo do Empire State e, em julho de 1939, lança a primeira emissora de televisão comercial do mundo: a NBC. O princípio da liberdade de empreendimento provoca uma grande desordem, cada fabricante se esforça por promover o seu televisor, retardando, assim, as vendas dos aparelhos receptores. Nesse período a TV não próspera na terra que, após a guerra, mais compreenderá e difundirá o meio televisivo. Na França, o governo federal se mostra, em 1934, completamente interessado nas experiências acerca da TV. No ano seguinte, é criado o primeiro estúdio televisivo em Paris. A Torre Eiffel é utilizada como antena da emissora. O sistema televisivo passa das precárias 60 linhas para o pouco menos limitado de 180 linhas. Em 1939, a TV francesa, também de natureza pública, já emitia 15 horas por semana e contava com centenas de receptores instalados na região parisiense, geralmente em lugares públicos (Jeanneney, 1996, p. 223-4)

Ao contrário do que muitos desconhecem, o Brasil não passaria completamente ao largo dos primeiros passos da TV. Por certo, o país não realizara notáveis experiências e nem emissões televisivas regulares, mas contou com pontuais e limitados experimentos da TV. Em 1933, o médico e cientista Edgard Roquete Pinto, responsável pela instalação da radiofonia brasileira, realiza, no , a primeira experiência com a TV (Xavier, 2000, p. 20). Experimentos tocados pela iniciativa individual, frutos de uma curiosidade científica e não de interesses econômicos. Portanto, quadro bem distinto do que ocorria em outros países europeus e nos EUA. Durante 15 dias do mês de julho de 1939, ocorre no Brasil a primeira demonstração publica da TV, a qual se dera na Exposição de Televisão, evento integrado à Feira de Amostras do Rio de Janeiro. Exposição promovida pelo Departamento Nacional de Propaganda e Difusão Cultural e patrocinada pelo III Reich alemão, inclusive com a participação da industria de aparelhos de receptores Telefunken (Xavier, 2000,p. 20-1). O discricionário Estado Novo, comando por Getúlio Vargas e às voltas com a efetivação de um esquema de propaganda política, não poderia deixar de se interessar pela TV, ainda que a instalação desse meio no país ainda fosse remota. A noção de que o futuro da comunicação social pertenceria à televisão e as esperançosas expectativas que o meio pudesse ser implantado no Brasil devem ter servido de estímulo para alguns brasileiros buscarem conhecimentos sobre a TV. Era o caso dos professores e alunos que integrariam cursos técnicos de TV. Em São Paulo, o Instituto Rádio Técnico Brasileiro e o Instituto Rádio Técnico Monitor, ambos, então, conhecidos por seus cursos de rádio, cine sonoro e telegrafia morse, passavam a oferecer cursos práticos para formação de técnicos em TV, ministrados tanto em suas classes e seus laboratórios como por correspondência (O Estado de S. Paulo, 28/05/1939 e 04/06/1939). Sem dúvida, os integrantes daqueles cursos foram brasileiros que não apenas se restringiram a sonhar com o futuro da TV no país, mas, também, decidiram antecipá-lo em seu cotidiano.

Com o início da Segunda Guerra, as experiências e os serviços ocupados com a TV sofreriam um significativo arrefecimento na Europa e nos Estados Unidos. A BBC cessaria o

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seu serviço de emissão já em 1º de setembro de 1939. Na Alemanha, o mesmo ocorreria no final de 1940. Nos Estados Unidos, as emissões televisivas continuariam, porém irregulares e muito restritas territorialmente. Elementos que associados à indefinição dos fabricantes em adotar um padrão na produção de aparelhos receptores tornavam a TV desinteressante para grande parcela da população, com isso existiam, em 1941, apenas 5 mil televisores funcionando em domicílios norte-americanos. Na Franca, arrojados planos oficiais destinados à expansão do serviço estatal de TV foram abortados. Mas, curiosamente, Paris contaria com uma emissora de televisão entre 1943 a 1944, porém, desafortunadamente, instalada e mantida pelo invasor nazista, cujo objetivo era emitir programação voltada ao entretenimento dos feridos alemães hospitalizados na região parisiense.(Jeanneney, 1996, p.222-4; Espada, 1982,p.122). Dessa forma, durante a Segunda Guerra o rádio manteve-se como meio soberano da comunicação social. Fato que permitiria ao Brasil se aproximar em matéria de comunicação social dos países desenvolvidos, uma vez que os brasileiros começavam a experimentar a expansão do rádio em seu cotidiano.

A TV CRESCE E APARECE NOS LARES

No imediato após Segunda Guerra, início do verdadeiro começo da história da TV, o meio seguia operado em dois sistemas opostos que tinham marcado o desenvolvimento da radiodifusão: o sistema centrado na preocupação comercial, estabelecido nos EUA e em alguns países inspirados no exemplo norte-americano, e o sistema de predominância do interesse público, calcado na idéia de serviço público, para o público, vigente em vários países da Europa ocidental. A TV aproximou-se do modelo do rádio, embora na Europa o meio também exibisse programas inspirados no mundo do teatro e nos EUA houvesse programação televisiva influência pelo cinema.

Nesta fase, os EUA retomaram, assim como na história do rádio, a dianteira sobre a Inglaterra, pois se encontravam muito menos enfraquecidos pela guerra. Porém, começaram do início, mas de um início sólido, pois em 1945 dispunham de seis emissoras de TV, para 10 mil receptores. A Federal Communication Commission (FCC) - criada, em 1934, devido à expansão do rádio e estabelecida como agência federal que regulamenta o universo da comunicação social, e ligada ao Congresso, mas com independência funcional em relação a esse órgão - impõe a todo o território norte-americano o padrão de operação em 525 linhas. Regulamentação que fora, sem dúvida, o trunfo precioso para a expansão rápida da TV nos EUA, uma vez que o país passaria a contar com 30 mil receptores em 1947, 4 milhões em 1950, 15 milhões em 1952, e 35 milhões em 1961. O financiamento da TV norte-americana era, e continua sendo, assegurado exclusivamente pela publicidade. E cada vez mais o meio absorvia fatias consideráveis das verbas com publicidade, pois, em 1948, recebia menos de 10 milhões de dólares em publicidade, e, já em 1960, a captação ultrapassava 1,5 bilhões de

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dólares. Desde 1955 o modelo norte-americano de TV já contém consolidados todos os seus principais traços.

Na Grã-Bretanha, em meados de 1946, a BBC retoma as suas emissões televisivas em 405 linhas. Apresenta em seguida um certo desenvolvimento, porém menor que o dos EUA e maior que os países continentais da Europa ocidental. Os números de receptores não deixam de ser consideráveis: 45 mil em 1948, 250 mil em 1949, 1,5 milhões em 1952, 7 milhões em 1957, e quase 12 milhões em 1962. Em 1953, a audiência da TV britânica ultrapassa a do rádio pela primeira vez. Em 1954, fora criado o segundo canal de TV na Grã- Bretanha, o qual, então, fora confiado a um organismo privado, a Independent Broadcasting Authority (IBA), atual Channel 3. A Alemanha que se acreditava tinha tudo para caminhar mais lentamente, desmentiu tal perspectiva. As autoridades de ocupação incentivaram o desenvolvimento da TV, entendendo que o meio, na condição de ser livre e equilibrado, poderia tornar um fator importante de democratização do antigo Reich. O início se dá em Hamburgo, na zona britânica de ocupação, no final de 1950, mas um ano após a TV se expande para Berlin e, em 1952, para Colônia. Os resultados positivos são rapidamente colhidos, uma vez que a então República Federal da Alemanha contava com 1,2 milhões de receptores em 1957 e alcançou 4,6 milhões em 1960. A França desenvolve-se em ritmo lento, a sua infra-estrutura televisiva não evolui tão depressa como a britânica e alemã. Se nos anos 1930 o país estava pronto para tomar a dianteira, após a Segunda Guerra os franceses parecem crer menos do que no passado nos progressos do meio, tanto que a TV francesa se manterá por mais tempo, quando comparada às experiências de outros países, dividindo com o rádio o orçamento provido pelo Estado. Entretanto, em 1949, a TV francesa adota o padrão de emissão de 819 linhas. Sistema tecnicamente excelente, mas com um enorme inconveniente: a sua incompatibilidade com o sistema adotado pelos demais países, dificultando, num primeiro tempo, as transmissões televisivas internacionais. Pela qualidade excepcional de imagem, os franceses devem pagar mais caro pelo aparelho receptor, dado que dificultaria a popularização do televisor, como demonstram as estatísticas: em 1953, apenas 10% do território francês recebiam emissões de televisão, em 1957, somente 50%; em 1949, existiam 3,7 mil televisores, em 1953, eram 60 mil e, em 1958, o número de televisores instalados no território francês era dez vezes menor do que os 10 milhões existentes na Grã-Bretanha, isto para uma população de importância numericamente equivalente.

Outros países europeus se encontravam em maior atraso. Nos Países Baixos as emissões regulares começaram em 1951, na Itália em 1952, na Bélgica e Dinamarca em 1953, na Áustria e no Luxemburgo em 1955, na Suécia e na Espanha em 1956, em Portugal em 1957, na Suíça, Finlândia e antiga Iugoslávia em 1958, na Noruega somente em 1960. Nos países do Leste europeu, então sob a influência política da antiga URSS, o desenvolvimento é ligeiramente mais rápido, pelo menos relativamente aos emissores, porém dominados pela audiência coletiva e a informação controlada de muito perto pelos governos socialistas. Assim,

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Moscou emite a partir de 1948, a antiga Leningrado em 1950 e Kiev em 1952. Contudo, o rádio de ondas curtas, durante parte da guerra fria, será mais importante do que a TV em relação às estratégias de divulgação dos dois blocos contendores, dadas as limitações existentes na captação de emissões televisivas provenientes de outros países, fenômeno possível quando muito apenas em zonas fronteiriças (Jeanneney, 1996, p. 225-39).

No Brasil, em 1948, já instalada democracia política, uma empresa norte- americana tenta vender equipamentos de TV à Rádio Nacional, emissora de propriedade da União desde o ano de 1940. Algumas experiências foram feitas nos estúdios da Praça Mauá, no Rio de Janeiro. Programas radiofônicos foram transmitidos em circuito fechado. O negócio não prosperou (Murce, 1976, p. 86-7). No entanto, a partir de 29 de setembro de 1949, a Rádio Industrial de Juiz de Fora, sob direção de Alceu Fonseca, passou a transmitir experimentalmente programas variados de TV. A aparelhagem fora construída pelo técnico Olavo Bastos Freire na própria cidade mineira, permitindo a transmissão de imagens do Congresso Eucarístico, da partida de futebol entre Bangu (RJ) e Tupi (MG) e da festa do centenário de Juiz de Fora. E por incrível que possa parecer, todas aquelas atrações televesivas contavam com patrocinadores (Xavier, 2000, p.29). Era o imperativo do modelo comercial norte-americano de radiodifusão que, já arraigado no mundo do rádio brasileiro, se espraiava para os incipientes e tímidos experimentos com a TV. Seara completamente abandonada pelo poder federal, o qual parecia não se preocupar, assim como fora com o rádio nos anos de 1920, com a criação de uma emissora pública de TV, a qual pudesse funcionar pautada somente pelo interesse público, portanto distante das pressões do capital e mercado, e pudesse contribuir com a integração nacional.

Contudo, somente a partir de 1950, os brasileiros passavam a contar com as primeiras emissões regulares da televisão. Porém, o meio funcionaria ainda por muito tempo de forma precária do ponto de vista tecnológico e sua produção seguiria envolta por uma série de improvisos e amadorismo profissional, quando comparada às tevês européias e norte- americanas. A programação televisiva era amplamente inspirada na do rádio, apenas na década de 1960 o teatro serviria para de modelo aos programas de emissoras de tevês. Mesmo diante dessas condições, , já notável empresário do ramo da comunicação, devido ao fato de ser proprietário do Diários e Emissoras Associados, inaugurava, em setembro de 1950, a primeira emissora de televisão brasileira, a TV Tupi, canal 3, de São Paulo, sendo ela, também, a pioneira na América Latina. E, no ano seguinte, inaugurava a TV Tupi, canal 6, do Rio de Janeiro.

Durante as décadas de 1950 e 1960, as iniciativas de implantação de emissoras de TV, a concorrência no setor e as inovações na programação televisiva se concentravam no eixo Rio-São Paulo, as exceções ficavam por conta de (TV Itacolomi, canal 4, de , dos Diários e Emissoras Associados, inaugurada em 1955),

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(TV Piratini, canal 5, de , das Emissoras Associadas, em 1959) e Brasília (TV Brasília, canal 7, de Chateaubriand, TV Alvorada, canal 8, da Rádio Rio Ltda., e TV Nacional, canal 3, da União, em 1960).

Assim, foram criadas as seguintes emissoras: TV Paulista, canal 5, de São Paulo, instalada em 1952, inicialmente de propriedade do deputado Ortiz Monteiro, depois, em 1955, o seu proprietário passara a ser o empresário da comunicação Victor Costa, dono da poderosa Organizações Victor Costa (OVC), a qual comandava também as Rádios Excelsior e a Rádio Nacional; TV Record, canal 7, de São Paulo, em 1953, de Paulo Machado de Carvalho, dono da Rádio Record, então a mais ouvida no território paulista; TV Rio, canal 13, do Rio de Janeiro, em 1955, do empresário também ligado ao ramo da comunicação João Batista do Amaral; TV Continental, canal 9, do Rio de Janeiro, em 1959, dos irmãos Rubens (deputado), Carlos e Murilo Beraldo, sócios na propriedade das rádios Continental e Metropolitana e da Companhia Cinematográfica Flama; TV Excelsior, canal 9, de São Paulo, em 1960, de propriedade dos empresários do ramo de exportação de café Mário Wallace Simonsen e João José Luiz Moura, e de João Scantiburgo, proprietário do Correio Paulistano, porém antes do início de 1961 já constava como propriedade apenas de Simonsen, o qual inauguraria a TV Excelsior, canal 2, do Rio de Janeiro, em 1963; TV Cultura, canal 2, de São Paulo, em 1960, integrada inicialmente ao condomínio Emissoras e Diários Associados, e depois, em 1967, é adquirida pelo governo paulista, tornando-se, em 1969, na primeira emissora pública do Brasil; TV Globo, canal 8, do Rio de Janeiro, em 1965, de Roberto Marinho, o qual adquiriria, em novembro daquele ano, a TV Paulista; TV Bandeirantes, canal 13, de São Paulo, em 1967, de João Saad, genro de Ademar de Barros e proprietário da rádio homônima de sua TV; e, por fim, a TV Gazeta, canal 11, de São Paulo, em 1970, da Fundação Alvares Penteado e dirigida pelo grupo Frical, comandado por Octavio Frias e Carlos Caldeira, proprietários da Folha de S. Paulo. Ainda no território paulista entraria no ar, em 1958, a primeira emissora de televisão do interior do Brasil e da América Latina: TV Bauru, canal 12, de propriedade de João Simonetti, dono de jornais locais e vinculado a políticos paulistas de projeção nacional. Em 1969, a Rede Globo de Televisão compra a TV Bauru, a qual já era sua afiliada a algum tempo.

A partir de 1960, graças ao objetivo do governo do presidente JK de transmitir pela TV a inauguração de Brasília para todo o país, deu-se o uso generalizado pelas emissoras do Video-Taipe (VT), tecnologia inventada em 1956 nos EUA e cara em termos de preço. Contudo, o VT abriu possibilidades de serem criadas no país primárias redes de tevê, como a Excelsior, Tupi, Emissoras Unidas (formada pela TV Record, TV Rio e TV Alvorada) e Globo. A definição de primária dessas redes de TV se deve ao fato de que o VT apenas permitia transmitir nacionalmente parte das programações das emissoras, as quais eram exibidas em dias diferentes das suas emissões nos locais de origem onde eram produzidas. Os telejornais continuavam produzidos localmente.

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Tinha início a massificação e a padronização nacionais dos bens televisivos. Processo que fora acelerado, a partir da década de 1970, em razão de investimentos oficiais nas áreas de transmissões nacionais e internacionais de TV via satélite, ocorridos a par do aprimoramento da Empresa Brasileira de Telecomunicações (EMBRATEL), órgão federal criado em 1965, e da tecnologia de microondas, bem como devido à criação de condições favoráveis à fabricação e popularização dos aparelhos receptores, sobretudo a partir do chamado “milagre econômico” ocorrido no governo do presidente Médici. Segundo o Censo do IBGE, em 1970 existiam 4.250.404 televisores nos lares brasileiros, já em 1980 eram 14.142.924, e em 1991 chegava a 27.650.179. Àquelas medidas políticas permitiriam a integração nacional via TV e possibilitariam a criação de verdadeiras redes de televisão no país, uma vez que a programação de emissoras podiam ser exibidas diretamente em várias partes do território nacional. Possibilidade efetivada primeiramente pela TV Globo de Roberto Marinho, o qual pôde criar a sua rede de televisão e posicioná-la como a líder de audiência graças a auxílios oficiais conquistados devido à proximidade de Marinho com o regime militar.

Até indiretamente o regime militar colaborara com a Rede Globo, como, por exemplo, no caso da falência da TV Excelsior, cujo proprietário, Mário Walllace Simonsen, teve contra si e seus bens levantada a ira do regime militar por conta do seu apoio ao presidente Goulart durante o golpe de 1964. Após uma série de injustas e arbitrárias pressões sobre os bens da família Simonsen, a TV Excelsior, então, a emissora mais arrojada e inovadora TV do período, tanto do ponto de vista tecnológico como da qualidade de produção e de conteúdo de seus programas, passaria da posição de liderança de audiência para uma situação de produção precária e administrativamente falimentar, elementos que resultariam no seu fechamento em 1970 (Moya, 2004). O caminho da liderança de audiência estava aberto para a TV Globo, a qual soube, e pôde, aproveitar as inovações implantadas pela Excelsior – como a grade horizontal de programação –, assim como absorver o seu quadro de técnicos, produtores e artistas.

Outras redes de TV seriam formadas dentro do novo formato entre o final da década de 1970 e os anos de 1980, como a e o SBT, essa originária da TVS, criada em 1981 pelo popular apresentador de programas de auditório, e empresário, Silvio Santos (Mira, 1999), e a , do empresário da comunicação Adolpho Bloch. Embora essas duas últimas redes surgissem em decorrência da falência da , então decretada em 1980. Contudo, as demais redes nem sempre desfrutavam das mesmas benesses oficiais concedidas à Rede Globo, cujas emissões, ao contrário das de suas concorrentes, já alcançavam a maior parte de todas as regiões brasileiras, dado que Marinho era proprietário de algumas emissoras espalhadas por vários estados e dispunha de amplo conjunto de emissoras regionais afiliadas à sua TV.

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Não por acaso, a rede de TV de Roberto Marinho pode empreender e institucionalizar o seu “padrão Globo de qualidade” à sua grade de programas, apresentando, dessa forma, uma ótima qualidade em termos de emissão e de produção técnica, igualando-se as maiores redes de TV do mundo. Fator que, de um lado, garantia à Rede Globo a liderança de audiência, sobremaneira com o seu Jornal Nacional e as suas , e quase inviabilizava a concorrência e inovação por parte das demais redes de TV, e, de outro, servia mais facilmente para o regime militar controlar, segundo os seus interesses autoritários, o universo televisivo, afinal era só pressionar diretamente o concessionário Marinho. E a Rede Globo não desconsideraria as pressões, pois basta lembrar, dentre tantas omissões e manipulações de informação que marcaram a história da tevê de Roberto Marinho durante o regime militar, o fato da Rede Globo não ter exibido em sua grade telejornalística nenhuma matéria ou notas sobre as greves dos metalúrgicos do ABC paulista (1978 e 1979) e, depois, repetindo o mesmo procedimento com relação à campanha das Diretas Já (entre 1984 e começo de 1985). Entretanto, é necessário apontar que a relação entre Marinho e o regime militar nem sempre fora pautada pela harmonia e confiança, pois não raras vezes ela foi permeada por tensões e desconfianças de ambos os lados, sobremaneira em acontecimentos envolvendo a aplicação da censura do regime militar à grade de programas da Rede Globo. Porém, nada tão sério ao ponto de ameaçar seriamente as concessões de funcionamento da Rede Globo.

BUSCA E OBSTÁCULOS À AUTONOMIA DA TV EM RELAÇÃO AO MUNDO POLÍTICO

Dado o monopólio estatal da TV, sobremaneira em países europeus, essa condição do meio passa a ser progressivamente posta em causa por diversos agentes sociais. Esses não se movimentaram tanto pela preocupação com a variedade de programas exibidos pelas tevês públicas, mas por uma precaução cada vez mais forte contra a influência que o Estado, ou, mais precisamente, o governo, poderia exercer sobre a informação. Assim, mesmo em países de tradição democrática, os políticos renunciaram de muita má vontade ao controle direto da TV pelo Estado.

Isto ocorria devido à convicção generalizada e um tanto quanto ingênua, partilhada amplamente pelos políticos, sobre o poder absoluto de influência da telinha nos lares. Os políticos supunham que a TV faria a eleição. Assim, dominar o meio, para os políticos, significava apoderar-se de um poder inigualável. Essa falsa certeza era alimentada, e de certa forma ainda continua sendo nutrida, devido à relação psicológica que o político mantém com a TV, uma vez que o meio não apenas transmite o discurso do político, mas, também, implica o seu narcisismo, a sua imagem aos olhos dos outros, numa atividade de permanente sedução, como ressalta Jeanneney (1996, p. 227-8).

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A noção de poder absoluto da TV, portanto, não surgiu de reflexões mais amadurecidas sobre o preciso papel e importância do novo meio no mundo político, mas em decorrência do momento histórico: a volta total das eleições no mundo ocidental (pós-1945). Período em que os políticos passam a sonhar, graças à TV, em tocar um personagem mítico: o eleitor inconstante, o qual não freqüenta as convenções partidárias, não é atingido pelas redes de sociabilidade da militância e que fica em casa. Sonham em tocar um público passivo, imaginado como majoritário, e, mais ainda, sonham com as possibilidades de manipulá-lo de acordo com a vontade de cada político ou grupo político. Desde então, o poder decisivo da TV no mundo político-eleitoral é colocado como um fato incontestável. E tal convicção é reforçada por falsas evidências. Basta ocorrer um acontecimento que tenha sido focado pelas câmaras da TV para que se afirme que tal fato se desempenhou desta ou daquela forma graças à ação do meio. A ilusão dos políticos quanto à influência da TV é, também, reforçada pelo sentimento agudo de um certo desapossamento da influência direta deles na relação comunicacional com suas comunidades locais. O rádio, primeiro, e a TV, depois, precedem os políticos em suas comunidades, e, assim, os políticos perdem muito do seu papel de emissário local das notícias e informações relacionadas ao centro da política (Jeanneney, 1996, p. 227-8).

É verdade que, como saliente Jeanneney, desde a década de 1960 alguns poucos sociólogos (como Blumer, Cayros e Thoveron) e historiadores (como Rémond e Claude Neuschwarler) demonstraram, evidentemente sem sucesso em serem ouvidos, que as coisas eram bem mais complexas do que a crença que os políticos mantinham sobre a relação TV e eleitorado. que esses pesquisadores, assim como Jeanenney (1996, p. 227), não negam que a TV desempenha um papel nos comportamentos eleitorais. Porém, chamam a atenção, de maneira acertada, para a necessidade de se distinguir os ritmos e as evidências, sobretudo os efeitos da longa duração, da formação das atividades estáveis do cidadão/eleitor. Trata-se, portanto, da necessidade de precisar e caracterizar, por meio de pesquisas empíricas e amplamente testadas, a noção de que a TV somente exerce uma importância secundária sobre as escolhas eleitorais, pois essas em vez de serem modificadas pela TV, são, quase sempre, apenas consolidadas. Isto se deve ao fato de que cada eleitor busca, segundo uma grade predeterminada, argumentos próprios para confrontar as suas convicções, elas próprias nascidas sob o efeito de influências muito mais complexas e freqüentemente mais antigas que o pleito eleitoral.

Quais serão então os parâmetros da diferença, de um país a outro, do ponto de vista da influência do poder político sobre a TV? Jeanneney (1996,p. 229) oferece dois critérios. O primeiro é o de levar em consideração o peso relativo do governo na sociedade, ou seja, considerar a maior ou menor centralização do poder, a influência dos costumes herdados do passado, como, por exemplo, nos países de tradição protestante estão habituados a mais tempo à liberdade de imprensa do que países latinos, de tradição católica. Critério que exige atenção à forma como os responsáveis envolvidos com os meios de comunicação são

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nomeados, pois dessa resultara a capacidade da TV resistir ao poder, tanto político como de outras esferas da sociedade. O segundo critério é da apreciação da capacidade de ação do Estado sobre a informação televisiva, levando em consideração a utilização dos recursos financeiros como expediente de controle. É certo que a maioria dos governos, os quais detêm o controle das finanças públicas (fixação de taxas de impostos, verbas orçamentárias, subsídios, taxas especiais de juros para empréstimos na rede oficial de bancos), apresentam, num episódio ou outro e até mesmo numa série deles, a tentação de limitar a independência da TV, a qual, de boa ou má vontade, foram levados a conceder.

Nos EUA, onde desde 1963, segundo sondagens de opinião, a maioria da população se informa exclusivamente ou quase exclusivamente sobre a atualidade por intermédio da TV, podemos imaginar que a TV escaparia ilesa ao controle do Estado via arma financeira. Entretanto, a TV norte-americana não foge completamente ao risco, uma vez que as escolhas fiscais do Estado pesaram no seu desenvolvimento, isto desde os anos de 1950, quanto as networks ainda eram financeiramente frágeis. Para ilustrar tal afirmativa basta dois exemplos, um mais remoto e um atual. Na vigência da Guerra Fria, Foster Dulles, secretário de Estado do presidente Eisenhower, e o seu irmão Alan Dulles, diretor da CIA, manipularam, sem pejo algum, as grandes redes – ABC, CBS e NBC – para fornecerem listas com nomes para a caça às bruxas empreendida pelo macarthismo. E as redes se vergaram sem fazer demasiado alarido. Já no atual governo Bush, a independência da imprensa, sobremaneira o das tevês, sofreu grandes arranhões em virtude das pressões e controles exercidos pelo poder federal norte-americano no tratamento de assuntos relacionados ao terrorismo e a Guerra do Iraque. Porém, é justo acrescentar que as grandes redes de TV, com o melhoramento de suas finanças durante os anos de 1960 e 1970, dificultaram a pressão governamental via controle financeiro. O papel da TV na evolução da opinião sobre a Guerra do Vietnã e a sua atuação no caso Watergate testemunham à distância que a TV norte-americana atingiu em relação ao poder político, tanto da Casa Branca como do Congresso ( Jeanenney, 1996, p. 243-6). E atualmente parece que a imprensa norte-americana, inclusive os telejornais, retomam a sua independência, ao colocarem por terra as pressões do governo Bush. Retomada que poderá colaborar para derrotar daquele governo nas eleições parlamentares que ocorrerão em novembro de 2006. Contudo, a FCC, sujeita ao controle do Judiciário, participa ativamente do processo de seleção do concessionário, acompanha o conteúdo da programação, cuida da diversidade e tem poderes para impor penalidades aos faltosos, geralmente atribuindo multas às emissoras descuidadas com as regras do meio televisivo norte-americano.

Porém, foi dentro desse quadro que se levantou a questão de uma eventual dependência relativa da TV a outras forças, por exemplo, as do capital, do dinheiro privado. Suspeita que gerou a possibilidade de conhecer, rapidamente, a dimensão da influência dos anunciantes sobre o meio, os quais, por natureza, conduzem a oferta de programas pautados por uma espécie de corpo mínimo de convicções comuns, isto é, programas de conteúdo

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duvidosos. Entretanto, fora dentro da lógica da dominação do dinheiro privado que os EUA autorizaram a publicidade política na telinha. Questão grave, pois o custo muito elevado da publicidade na TV conduziu ao aumento do peso dos negócios que financiam as campanhas eleitorais. Sem desconsiderar a degradação do debate político em conseqüência desse expediente (Jeanenney, 1996, p. 244).

Contudo, o peso do Estado sobre a TV é maior em todas as regiões européias quando comparado aos EUA. Na Grã-Bretanha a TV é coordenada por um Conselho constituído por 9 a 12 “governadores”, dentre os quais um representa a Escócia, outro o País de Gales e mais um do Ulster. Todos são designados por 5 anos pela rainha, após proposta do Conselho de Ministros. O Conselho de Governadores nomeia o diretor geral da BBC e os outros dirigentes do seu Conselho de Direção, tendo o primeiro como responsabilidade fiscalizar e garantir a imparcialidade da emissora. Tal organograma adquiriu um prestígio tão grande, ao ponto, das demais TV privadas – como a IBA/ITC(1954), atual Channel 3, Channel Four (1982) e a Channel Five (1996) – adotarem um sistema similar, ou seja, um conselho com 12 membros nomeados, desta feita, pelo Ministro do Interior. Toda a movimentação em torno das nomeações de ambos os sistemas gerou uma quase tradição democrática: o governo nomeia as personalidades mais próximas à oposição da maioria no poder. No entanto, não é correto pensar que a situação seja ideal, basta lembrar a história da BBC que não deixou de ser marcada por intensos conflitos e pressões advindos do poder político.

Em 1956, na crise de Suez, relato crítico da BBC sobre a campanha franco- britânica no Egito irrita o primeiro-ministro Eden, o qual tenta ter influência sobre a informação do meio, assim como do rádio. Nos anos 1960, novas tensões surgem, desta vez durante o governo de Wilson, mas a TV consegue manter, com muito esforço e atitude política, a sua independência. Porém, as maiores tensões ocorreram durante o governo Thatcher. Em 1979, com o assassinato de um colaborar direto de Thatcher pelo IRA, o programa de atualidades To-night entrevista um membro do comando daquela organização, ato que irrita a primeira- ministra e que a leva protestar de forma veemente contra a exibição do programa. Logo depois, o programa Panorama exibe imagens de manifestações do IRA numa pequena vila do Ulster, provocando nova indignação da Dama de Ferro, mas, agora, a BBC cede as pressões oficiais, pois passa a praticar uma autocensura, sobremaneira em relação aos assuntos irlandeses. Em 1982, na crise das Malvinas, a BBC volta a irritar profundamente o governo Thatcher. Em primeiro lugar devido ao fato da emissora preferir utilizar a expressão “tropas argentinas” ao invés de “inimigo”. E, depois, deixando furioso o governo e os conservadores, não titubeou ao dar voz aos adversários, entrevistando, inclusive, o ministro da Defesa da Argentina. A partir de então, Thatcher já não se contentaria em criticar emissões específicas da TV, prefere colocar a BBC na berlinda. E, assim, a emissora não mais ganhara todas as batalhas. Em 1986, a primeira-ministra quebra a tradição democrática de nomeação. Para dirigir o Conselho de Governadores indica Hussey, antigo diretor do Times e muito conservador. Em razão de

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reportagem sobre o atentado do IRA ao hotel onde ocorria a convenção do Partido Conservador, a BBC sofre sérios arranhões, pois terá que ceder as pressões do governo para reeditar a matéria. Em meio a primeira greve dos jornalistas da emissora, que durou 24 horas e foi deflagrada em defesa da independência do trabalho da categoria, um acordo é realizado em termos da edição da matéria. Tentativa de preservar, pelo menos publicamente, a imagem da BBC e do governo. Contudo, Thatcher não se contenda e, em 1987, prejudica o orçamento da BBC, pois não autoriza um aumento de 10% do imposto dirigido à manutenção da emissora. E para completar o cerco contra a BBC, Hussey obtém a demissão do Diretor Geral da emissora (Jeanneney, 1996,p. 231-4). Com o atual primeiro-ministro Tony Blair e o envolvimento da Grã- Bretanha na Guerra do Iraque, a BBC pressionada pelo governo deixaria vazar o nome do cientista que informara ser falso o documento do governo atestando a existência de armas nucleares no Iraque. O episódio culminaria com o suicídio do cientista. Ademais, na Grã- Bretanha funcionam, atualmente, a Broadcasting Compaints Comisson (BCC), órgão responsável pelo recebimento e encaminhamento das queixas apresentadas pela audiência com relação aos programas exibidos pela TV, e a Broadcasting Standart Council (BSC), órgão que cuida especificamente do que se relaciona à violência, ao obsceno e à ética referentes à programação televisiva.

Na Alemanha, as nomeações se dão numa forma de “representação proporcional”, porém não segundo coloração partidária, mas baseado na diversidade do equilíbrio político regional, dentro do quadro das localidades. Cada um desses contam com um conselho de radiodifusão, uma espécie de microparlamento, composto por 20 a 50 membros e que reflete proporcionalmente as forças políticas, desempenhando um papel de órgão intermediário designa, fora do seu âmbito, um conselho de administração composto por 7 a 12 membros, geralmente nomeados pela sua competência na área. Finalmente, no topo da hierarquia, encontra-se o intendente, que é o verdadeiro administrador. Que por sua vez, e em conjunto com os demais intententes regionais, vota no presidente da Agência de Radiodifusão da Alemanha, órgão máximo de controle dos organismos de radiodifusão. O presidente desse órgão é eleito alternadamente e dispõe de um poder limitado. Tal organograma permite, ao que parece, uma independência bastante sólida da TV, o que não impede que se observe frequentemente, consonante a maioria da localidade seja social-democrata (SPD) ou democrata cristã (CDU), tonalidades diferentes, nomeadamente em política interna. O respeito ao pluralismo ideológico é garantido na Alemanha pelo direito de antena, ou seja, há garantido aos grupos sociais e políticos organizados horários para expressão de suas idéias, sendo o tempo estabelecido proporcionalmente segundo a sua dimensão e importância na sociedade. Há também o controle rígido da publicidade veiculada pela TV, como a regra que estabelece o veto dessa prática em programas dirigidos ao público infantil ou de cunho religioso (Jeanneney, 1996, p. 249-50).

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Na França, desde a retomada das emissões de TV em 1952 até o início dos anos 1980, as nomeações dos dirigentes da TV são feitas pelo governo por meio de Conselhos de Ministros. Entretanto, a história deste 30 anos da TV francesa foi marcada pela independência crescente de informação: segundo um progresso não regular, mas muito acidentado, com freqüentes retrocessos, sobremaneira no período De Gaule, que, entretanto, não impediram o avanço do conjunto. Entretanto, a França dispõe do Conselho Superior do Audiovisual (CSA), órgão com a responsabilidade de assegurar a igualdade de tratamento, a independência e a imparcialidade no setor de comunicação audiovisual, bem como o pluralismo, a liberdade de concorrência, acompanhamento sobre a qualidade da programação e o desenvolvimento de uma cultura audiovisual francesa (Jeanneney, 1996, p. 236-39).

Na Bélgica, as nomeações do postos responsáveis pela TV se dão pela “representação proporcional”, atendendo às colorações partidárias e comunidades valonas e flamengas. Entretanto, a honestidade democrática e a fidelidade na diversidade de opinião são pagas por muitos inconvenientes à eficácia. Na Suécia, os responsáveis são nomeados metade pelo governo e metade pelas associações implicadas no sistema de radiotelevisão. Nos Países-Baixos, os conselhos de administração da TV são representativos das “forças vivas”, por vezes somente os partidos, mas constantemente por diversas associações. A NOS, a TV holandesa está organizada da seguinte maneira: 60% do tempo são distribuídos entre as sete principais associações de telespectadores, essas, por sua vez, são dominadas por formações políticas ou tendências confessionais (uma católica, três protestantes, três socialistas e duas aconfessionais). Como resultado tem-se um verdadeiro congestionamento da antena, o qual impede um bom equilíbrio da programação. Assim, a TV holandesa segue protegida contra a influência do governo, mas, provavelmente, não contra a monotonia ou a cacofonia. Na Itália, o monopólio estatal, por meio da RAI, foi minado pelos efeitos perversos do poder excessivo do Estado. Assim no breve período de 1976-1979, a Itália em matéria de TV aproxima-se da repartição proporcional tal como verificada na Bélgica e Holanda, ou seja, cada uma das cadeias da RAI é atribuída a uma força político-partidária. Mas o equilíbrio desse sistema era apenas aparente e se revela provisório. Porém, quando se quis reformar o poder estatal sobre a TV, esse estava demasiado frágil para resistir às ambições do dinheiro privado, entenda-se, sobretudo, Silvio Berlusconi, então financista e proprietário de várias emissoras. A Itália passa a vivenciar o sistema binário privado-público, entretanto a RAI consegue retomar em meados dos anos 1980 a qualidade de sua produção e sua audiência cresce (Jeanneney, 1996, p. 234-8 e 245-8).

No início dos anos 1950, não havia no Brasil nenhuma referência a qualquer modelo de TV que não fosse a comercial, seguindo, assim, o modelo norte-americano de funcionamento do meio. Embora já tivesse sido estabelecido desde os anos de 1930 que o espectro eletromagnético nacional era de propriedade do Estado, não havia, ainda, uma legislação mais sistemática sobre o uso daquele espaço. Tal tarefa ficaria por conta do Código

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Brasileiro de Telecomunicações (CBT), instituído em 1963, durante o governo do presidente João Goulart. Entretanto, a elaboração do CBT remontava ao final dos anos de 1950 e os trabalhos para a sua efetivação foram integrados, além de representantes do governo e de técnicos no assunto, por representantes do setor militar, o qual já era pautado pelo seu ideário de segurança nacional. A composição das comissões para estabelecer o CBT, portanto sem a participação de associações mais amplamente representativas da sociedade, talvez explique a posição de manter exclusivamente nas mãos do poder executivo federal a decisão sobre questões relacionadas à concessão pública de radiodifusão. Durante o regime militar, em 1967, o CBT fora alterado, tornando-se mais centralizado e autoritário, porém continuando omisso do ponto de vista da definição de uma política de radiodifusão. Dessa forma, o caráter público da TV ficou no país centrado apenas na concessão pública para particulares operarem os canais televisivos. O Estado se limitou ao seu papel de conceder canais. E os concessionários ocuparam-se com toda espécie de jogos com os governos, evidentemente que com vistas a manterem suas concessões de canais de TV ou a obtenção de outras, mas sobremaneira objetivando salvaguardar as finanças de suas emissoras por meio da captação das verbas oficiais gastas com publicidade e empréstimos facilitados na rede de bancos estatais.

A partir da década de 1970, a TV brasileira se posicionaria como o principal meio de obtenção de informações nacionais e internacionais e, quando não, a única fonte de entretenimento e cultura para a maioria dos grupos sociais econômica e culturalmente desfavorecidos. Posição alcançada em grande medida pelo meio, de um lado, devido aos interesses políticos do regime militar, geralmente pautados pela sinistra Doutrina de Segurança Nacional, e a consideráveis financiamentos na infra-estrutura do setor de radiodifusão, em particular o da TV, promovidos pelos governos militares, e, de outro, em razão das necessidades de comunicação exigidas pelo desenvolvimento do capitalismo no Brasil e da ampliação do mercado interno, o qual cada vez mais passava a investir a maior parte de suas verbas publicitárias na TV.

A natureza dos interesses e a origem dos investimentos dirigidos ao setor de radiodifusão levaram a TV brasileira a se constituir num excelente meio da reprodução da ordem social e veículo de propaganda política oficial, tanto durante o regime militar como no período da redemocratização. No regime militar e, mais ainda, durante o seu endurecimento, a partir do final de 1968 e por meio da decretação do AI-5, governos militares ampliaram arbitrariamente o papel do Estado como censor. Durante as presidências de Costa e Silva e de Médici foram criados, respectivamente, a Assessoria de Relações Públicas (ARP) e a Assessoria Especial de Relações Públicas (AERP), órgãos oficiais que cuidavam de um ponto crucial para a manutenção do regime de exceção: a propaganda ideológica. Essa era veiculada em todos os meios de comunicação social, porém preferencialmente na TV, e objetivava ampliar e consolidar o apoio de segmentos sociais dominantes e os amplos setores e grupos sociais populares a apoiarem o regime (Fico, 1997, p. 89-117). Mesmo dentro do processo de

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“distensão lenta, gradual e segura” do regime, promovida pelo governo de Geisel a partir de 1974 e continuado e ampliado pelo seu sucessor o presidente Figueiredo, os meios de comunicação social tiveram devolvido gradativamente sua liberdade de expressão. Chegava ao fim a censura prévia, entretanto entrava em ação a autocensura, procedimento pelo qual as empresas de comunicação social procuravam antecipar-se à censura. Porém, diferentemente do que ocorria aos meios impressos, na TV, assim como no rádio, o abrandamento da censura se deu em ritmo mais lento e de forma bastante parcial, tendo ambos os meios que esperarem a promulgação da Constituição de 1988 para se liberar completamente da censura oficial.

Se, de um lado, a Constituição de 1988 vetou a censura, de outro, ela não trouxe avanços significativos à área da radiodifusão, dado que em grande medida o CBT fora mantido como legislação ordinária. Assim, no seu capítulo V do Título VIII – Da comunicação social, a chamada Constituição Cidadã:

- veta a censura de qualquer natureza, em qualquer nível e qualquer meio, porém nada é dito ou definido com relação a censura de ordem privada, exercida pelos concessionários segundo os seus interesses empresariais, políticos, culturais ou até mesmo religiosos, portanto não há garantia do chamado direito de antena, o qual – praticado em países como a Alemanha, Franca, Holanda, entre outros – permitiria a determinados grupos políticos ou sociais o uso por algum período de canais televisivos, ou de rádio, para expressarem suas idéias e projetos. Ademais, não há nenhuma exigência legal para garantir que em matérias controvertidas haja a expressão da maior pluralidade de opiniões;

- proíbe o monopólio e oligopólio nos meios de comunicação de massa, justamente para evitar que a informação e a formação intelectual e cultural sejam exercidas apenas pelos grupos detentores de capital necessário à operação dos meios de comunicação, entretanto tal disposição não foi ainda regulamentada. O mesmo ocorre com relação ao dispositivo que estabelece o princípio da complementariedade dos sistemas público, privado e estatal para a radiodifusão, fato que permite que as emissoras de TV, assim como de rádio, sejam na maioria de propriedade de empresas particulares. Somente com a lei de televisão a cabo, de 1995, é que se regulamentou a obrigatoriedade de disposição para o público de alguns canais gratuitos – tais como os do Legislativo, comunitários, universitários e outros -, contudo de pouco alcance, dado que aquela modalidade de tevê encontra sérias dificuldades para se expandir no país;

- fixa o prazo de concessão em 10 anos para o rádio e 15 anos para TV, e para a não-renovação da concessão são exigidos votos de dois quintos do Congresso Nacional em votação nominal, porém sem o estimulo e a garantia de avaliação freqüente do serviço prestado pela empresa e a dificuldade de um debate aberto no momento da renovação, a concessões existentes praticamente ficam congeladas, além do que a forma de votação da matéria no Congresso cria um fator de constrangimento aos parlamentares, sujeitos a pressões

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e campanhas contrárias à sua legislatura promovidas por poderosos concessionários, e, ainda por cima, uma parcela dos parlamentares é constituída de detentores de concessões. O cancelamento da concessão antes do prazo de seu vencimento legal depende da decisão judicial, dispositivo que, além de conter imprecisões técnicas do ponto de vista jurídico, permite que o concessionário se beneficie de sua má conduta, podendo, inclusive, se valer de seu canal de TV, ou rádio, para conduzir de forma unilateral a opinião pública tanto contra o órgão público como para influenciar o Judiciário, sem se esquecer do absurdo de conceder o poder de cancelamento a uma única pessoa: o juiz;

- visando o controle das emissoras de TV no sentido que esse fosse o mais democrático possível, previu a instituição do Conselho de Comunicação Social. Porém, a lei que o criou, em 1991, atribui-lhe competências muito limitadas, além de defini-lo apenas como auxiliar das decisões do Congresso sobre matérias relativas ao setor da comunicação social, sendo as suas atribuições facultativas (Lopes, 2000,p. 175-81).

Assim, não causa espanto o fato da TV brasileira mesmo tendo alcançado padrões de emissão e de produção técnica comparados ao das tevês européias e norte- americanas, tenha caminhado durante os seus 56 anos de existência no pais caminhado tão pouco, e ainda por cima com passos trôpegos, em direção à sua democratização, bem como o fato dos concessionários de TV mesmo com a democratização mantiveram-se cúmplices do governo federal com vistas a manterem suas concessões e sobremaneira colher as verbas da publicidade oficial e empréstimos vantajosos fornecidos pelos bancos oficiais. Infelizmente o processo de democratização da política nacional e a sua consolidação parecem não terem sido, ainda, suficientes para que a TV, como acentuou Lopes (2000,p.182), deixe de ser visto como um serviço meramente privado e passe a ser tomado realmente como um serviço público, o qual deve ser, antes é acima de tudo, exercido para a sociedade, e não para o enriquecimento ou proveito dos concessionários. Questão urgente quando não se perde de vista que em nosso país o debate social e político há muito são mediados pela TV, quer em seus telejornais, quer na grande grade de programas de entretenimento.

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