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GLOBO E ABRIL DIANTE DE UM NOVO PARADIGMA COMUNICACIONAL: A INTERNET

Samuel Lamoglia Possebon

Orientadora: Profa. Dra. Zélia Leal Adghirni

Dissertação apresentada à Universidade de Brasília em cumprimento parcial dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Comunicação

Brasília, setembro de 2002 Universidade de Brasília Faculdade de Comunicação Programa de Pós-Graduação em Comunicação

GLOBO E ABRIL DIANTE DE UM NOVO PARADIGMA COMUNICACIONAL: A INTERNET

Samuel Lamoglia Possebon

Banca Examinadora:

Titulares

Profa. Zélia Leal Adghimi (orientadora) Faculdade de Comunicação

Prof. Mauro Porto Faculdade de Comunicação

Prof. Bernardo P. M. Muelier Instituto de Ciências Sociais - Departamento de Economia

Suplente:

Prof. Murilo César Ramos Faculdade de Comunicação Agradeço à minha mãe, pai, Raquel e meus irmãos, que quando não colaboraram diretamente com este trabalho, estiveram ao meu lado ou souberam compreender a minha ausência. Também agradeço aos muitos amigos que sempre deram apoio a este projeto. Destacadamente, gostaria de agradecer também aos meus amigos e colegas de trabalho, sobretudo ao Rubens e ao André, pois sem eles a minha presença física em Brasília teria sido inviável. Agradeço à professora Zélia Leal, inclusive por não ter me permitido abandonar a veia jornalística neste esforço acadêmico, e ao professor Murilo Ramos, pelos incentivos iniciais e pelas discussões ao longo dos últimos anos que resultaram em boa parte do que aqui está Re s u m o

Este estudo discute, sob um referencial político-econômico, as variáveis que determinam como os dois principais grupos de mídia no Brasil se adaptam ao novo paradigma da Internet. A análise dos grupos é feita sobre suas estratégias de negócios, observando em suas histórias recentes que fatores influenciaram as mudanças. Nossa hipótese central é que os grupos de mídia tradicionais, ao se depararem com novas tecnologias de comunicação, podem perder seu poder político e econômico. Por essa razão, estas novas tecnologias representam a possibilidade de mudanças no cenário do mercado de comunicação. O que percebemos nesse estudo é que as questões tecnológicas, econômicas e políticas são determinantes nas estratégias dos grupos de comunicação, principalmente em um ambiente em que novas tecnologias estão sendo introduzidas. Os esforços de inovação esbarram na questão da perda da audiência (e portanto poder político) das mídias tradicionais, representam um peso financeiro grande para modelos de negócio que ainda não encontraram as fontes de receita adequadas e exigem decisões que nem sempre grupos familiares conseguem tomar. A b s tr a c t

This study reveals some of the variables that interfere in the way Globo and Abril, the two leading media conglomerates in , are adapting themselves to the new paradigm of the Internet and how they deal with new Communications technologies in a broad sense. The analysis has a political-economical approach and is mainly focused on Globo and Abril's business strategies. We analyze briefly the recent history of innovation of the two media groups, collecting elements to demonstrate how the technological and economic variables are acting. Our assumption is that the existing media conglomerates can lose their political and economical influences in the face of new Communications technologies. Hence, these technologies could represent a real possibility of change in the media arena. We can leam from this study that political and economical issues are determinant to the companies' strategies when new paradigms emerge. Efforts of innovation made by the media groups have to face the challenges of audience variations (thus, variations on the power of political influence of the media groups) and lack of effective economical models and solid revenue sources. On the other hand, media groups in Brazil are mainly dominated by family administrations, and this fact has also influenced processes and decisions on new technologies. S u m á r io

Introdução: o problema 07

M etodologia 19

C a p ít u l o I - O a r c a b o u ç o t e ó r ic o -c o n c e it u a l 28

1) A questão da audiência 30

2) A questão dos déficits de exploração 43

3) A questão da inovação 47

4) A economia das redes 53 5) As barreiras de entrada 62

6) A midiamorfose de Fidler 65 7) Fatores políticos 69 8) Em busca de um modelo de análise econômica 76

9) O Tetrad de McLuhan 85

C a p ít u l o II - G l o b o : d a n o v a t e c n o l o g ia t v 89 À NOVA TECNOLOGIA INTERNET

1) No princípio, a TV aberta era o novo 89

2) As telecomunicações batem à porta 93

3) A estrutura básica do 95

4) O primeiro passo rumo ao novo - a TV paga 98

5) A fase das oportunidades (e do endividamento) 100 6) Internet: um negócio distante 108 7) Quando tudo deu errado 112

8) A dívida vira um problema 116

9) A Internet toma-se inevitável 118

10) A época de ouro chegava para a Globo 122

11) Fim da festa. A bolha estoura 128

12) Cai a Globo , sobe .com 129

13) A cruzada pelo conteúdo nacional 135

14) 2002, o ano que não aconteceu 140 C a p ít u l o III - D a " W e b ” à W o r l d W id e W e b . o c a m in h o 146 da A b r il r u m o a u m n o v o a m b ie n t e

1) A TV paga e a mudança de rumos 149

2) Internet, terra de ninguém 155

3) A vez da Internet comercial 157

4) Entre a TV paga e a Internet, um contraste de ambientes l63

5) A fase da “exuberância irracional ” 167

6) Folha e Abril refazem os contratos 175

7) UOL enfrenta a crise de 200 182

C a p ít u l o IV - An á l is e d a s estratégias p a r a _ 187 In t e r n e t d a G l o b o e A b r il

1) Uma questão de sobrevivência 188

2) Custos e concorrência 191

3) Adaptações a um modelo econômico 193

4) A estratégia econômica do na Internet 194

5) O modelo econômico da Globo na Internet 196

6) Globo e Abril e a política (ou não-política) de Internet 198

7) A criação e a destruição das barreiras de entrada 204

8) Resultados comuns 207

Conclusão 208

BIBLIOGRAFIA 215 a n e x o 1 1 ÍNDICE DE TABELAS

tab ela 1 - Faturam ento do mercado publicitário no B rasil 37 tab ela 2 - Faturam ento do m ercado publicitário nos EUA 37 t a b e l a 3 - A t iv o s b á s ic o s e m u m m e r c a d o d e r e d e s 6 i

TABELA 4 - EVOLUÇÃO DA DÍVIDA DIRETA DA GLOBO PAR 101 tabela 5 - Evolução do percentual de audiência total i 04

T a b e l a 6 - Evolução da participação nacional das redes 105

TABELA 7 - O DESEMPENHO D A REDE GLOBO NA DÉCADA DE 90 , 07 t a b e l a 8 - Desempenho financeiro da Globopar i 13 t a b e l a 9 - P e r d a s (o u g a n h o s +) d a m o e d a b r a s il e ir a f r e n t e a o d ó l a r t a b e l a 10 - P e r c e n t u a l d e c a d a p á g in a d o G l o b o .c o m n a a u d iê n c ia t a b e l a 11 - D e s e m p e n h o d a s r e c e it a s l íq u id a s d e a l g u n s s e t o r e s de

a t u a ç ã o d a G l o b o t a b e l a 12 - D e s e m p e n h o t r im e s t r a l d a g e r a ç ã o d e c a ix a (E b it d a )

d e a l g u n s s e t o r e s d e a t u a ç ã o d a G l o b o t a b e l a 13 - D istribuição de verbas do m ercado publicitário 151 t a b e l a 14 - D e s e m p e n h o d a A O L n o s E U A 158 t a b e l a 15 - Perdas líquidas da Tevecap 103 t a b e l a 16 - Desempenho financeiro do grupo A bril 104 t a b e l a 17 - Evolução trim estral das receitas do UOL 173 DE ACORDO COM A ORIGEM t a b e l a 18 - R e s u l t a d o s operacionais d o U O L In c 185 ÍNDICE DE GRÁFICOS E DIAGRAMAS

G r á f i c o 1 - D inâm ica de adoção 57

G r á f i c o 2 - D iagram a do desem pen h o versus a compatibilidade 58

g r á f i c o 3 - E volução das co ta çõ es das ações n a B o lsa Eletrô n ica 118 de N ova Y o rk (N a sd a q )

g r á f i c o 4 - H ábitos de co n su m o de produtos de m ídia 144

g r á f i c o 5 - E volução das receita s publicitárias por 183 an o de ex istên c ia da m ídia

g r á f i c o 6 - E v o lu ção dos g astos com publicidade em In ter n et 184 a ca d a trim estr e

g r á f i c o 7 - de usuários qu e u sa m m enos a m íd ia tradicional 204 por causa d a In ter n et

Diagram a 1 - E feito no a u m en to do n ú m ero de produtos 42

Diagrama 2 - M o d elo de a n á lise para o audiovisual 78

Diagrama 2 - M od elo de a n á lise para jo r n a l , livros e revistas 79

Diagrama 4 - M od elo de a n á lise para a In ter n et 81 7

In t r o d u ç ã o : o p r o b l e m a

Poucas coisas podem ser mais significativas para o estudo — e para a própria realidade — das comunicações do que uma mudança radical na forma com que a informação passa de um ponto a outro, do emissor ao receptor. Da mesma forma, poucas coisas podem trazer tanta mudança às comunicações quanto o surgimento de novas rotinas produtivas. Mais ainda, podemos dizer que poucas coisas trazem tantas mudanças às comunicações quanto uma alteração na forma como as pessoas recebem, assimilam e se relacionam com a informação. Pois se existe um elemento que conseguiu provocar todas essas mudanças na realidade das comunicações, esse elemento é a Internet. Antes de iniciarmos esta discussão, contudo, é necessário que definamos alguns conceitos importantes para esse trabalho. Primeiramente, precisamos definir o conceito de "comunicações" e suas variantes. De acordo com Murilo César Ramos1, o termo comunicações compreende conceitualmente, além da comunicação social eletrônica e comunicação audiovisual, também as telecomunicações, isto é, telefonia e transmissão de dados. Comunicação audiovisual designa a comunicação social eletrônica, enquanto segmento do setor amplo das comunicações, acrescido do segmento cinema. Quanto à comunicação social eletrônica, ela refere-se ao rádio è à televisão, bem como aos novos meios decorrentes da introdução da tecnologia digital de transmissão de sinais, nos termos da Constituição Federal, em seu Capítulo Da Comunicação Social, Artigos 220 a 224. Também com base na Constituição Federal, podemos definir comunicação social como o "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação sob qualquer forma,

processo ou veículo"2 A Internet representa, sem dúvida, parte central de um novo paradigma para as comunicações. Conceituar e compreender o significado do termo "paradigma", contudo, é tarefa sempre complicada, mas necessária. Trata-se de uma palavra que, se utilizada com o significado dado no senso comum, diz muito, mas que se toma ainda mais complexa

1 Ver Ramos, Murilo César, Crítica do ambiente regulatório da comunicação audiovisual brasileira: fragmentação política e dispersão normativa, julho de 2002, texto ainda não publicado. 8

quando teorizada. O termo paradigma, conforme a definição de Thomas Kuhn,3 pode ser entendido como a "constelação de crenças, valores, técnicas etc., partilhadas pelos membros de uma comunidade específica".4 No caso específico das comunicações, Internet é mais do que uma tecnologia, é um modo de trabalho que se inter-relaciona com a forma como as pessoas pensam, agem, solucionam problemas... Nesse sentido, parece-nos absolutamente pertinente dizer que a Internet representa, para as comunicações — e, talvez, para todos os campos da sociedade —, um novo paradigma. Outra definição bastante interessante do termo "paradigma" que podemos ter em mente é a dada por Christopher Freeman, citado por Manuel Castells:5 "Um paradigma econômico e tecnológico é um agrupamento de inovações técnicas, organizacionais e administrativas inter-relacionadas cujas vantagens devem ser descobertas não apenas em uma nova gama de produtos e sistemas, mas sobretudo na dinâmica da estrutura dos custos relativos de todos os possíveis insumos para produção. (...) A mudança contemporânea de paradigma pode ser vista como uma transferência de uma tecnologia baseada principalmente em insumos baratos de energia para uma outra que se baseia predominantemente em insumos baratos de informação derivados de avanço da tecnologia em microeletrônica e telecomunicações". Feita esta breve conceituação, voltemos ao problema das comunicações. E parte das motivações que resultaram neste trabalho a constatação cotidiana de que a Internet representa um novo paradigma para os profissionais, empresas e público envolvidos no processo de comunicação. A partir de sua disseminação efetiva, em meados da década de 1990, a Internet mostrou-se um ponto de inflexão tecnológica, econômica e produtiva para o processo de comunicação como um todo. Não é raro que se ouça, por exemplo, de jornalistas que iniciaram a carreira nos anos 90, expressões como "não sei como seria

2 Ver Constituição Federal de 1988, Capítulo V, Alt 220, conforme atualizações até agosto de 2002. 3 Ver Thomas S. Kuhn, A teoria das revoluções científicas, p. 218. Esta definição, é preciso dizer, é extremamente polêmica e discutida, principalmente por pesquisadores das ciências sociais, da filosofia e história da ciência, mas mesmo assim foi aqui utilizada porque é aquela que, no nosso entendimento, mais se aproxima do senso comum e , portanto, permite que incorporemos em nossa análise toda a amplitude de sentidos que, subjetivamente, a palavra "paradigma" nos apresenta. 4 Prova de que definir o termo paradigma não é algo fácil é o fato de o próprio Thomas Kuhn trabalhar com uma segunda definição, que não nos interessa, por ser mais aplicável, segundo o autor, para o campo das ciências exatas. Esta segunda definição trata paradigmas como "soluções concretas (...) utilizadas como modelos ou exemplos (.. .)" 3 Ver Castells, Manuel, A sociedade em rede. São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 77. 7 Ver Caparei li, Sérgio, Televisão e capitalismo no Brasil. : LP&M, 1982, cap. 3. 9

trabalhar sem Internet". Da mesma forma, a busca de informações pela Internet é algo que faz parte da vida de todos aqueles que, por contingências sociais e econômicas, têm acesso ao meio Se não diretamente, pelo menos indiretamente, já que esta é, juntamente com as agências de notícias, uma das formas mais utilizadas, pelas redações de jornais, TVs e revistas, para busca e troca de informações. Também é cada vez mais comum que conglomerados de comunicação tenham algum tipo de produto cujo principal meio de distribuição seja a própria Internet, não sendo raros os casos em que a Internet -—o acesso a ela— seja o negócio principal. Este momento de virada tecnológica representado pela Internet, no entanto, não é inédito, e deverá se tomar cada vez mais constante na medida em que novas tecnologias de comunicação sejam agregadas ao dia-a-dia dos fluxos de informação de todas as espécies. Na história das comunicações, em diversos momentos novas tecnologias implicaram mudanças para os agentes de informação: a impressão mecânica, o rádio, a televisão, a comunicação por satélite e, mais recentemente, a Internet foram tecnologias que representaram pontos de inflexão em relação a um paradigma tecnológico e produtivo anterior. São momentos que representaram a mudança e a consolidação de um novo ambiente. Vale retomar, por exemplo, Sérgio Caparelli em seu Televisão e capitalismo no Brasil1 Com o advento das tecnologias de transmissão por satélite, em meados da década de 1960, cria-se, segundo Caparelli, a possibilidade de formação de redes de televisão no Brasil, com todos os pontos tendo acesso a uma mesma programação. E nesse momento de virada tecnológica que o grupo Globo, até então caracteristicamente um grupo de jornais impressos, rompe a hegemonia do grupo Diários Associados e amplia significativamente seu espaço entre os grupos e conglomerados de comunicação. O processo, contudo, não foi

imediato.8 Quase dez anos se passaram até que a rede Globo de televisão passasse a representar o maior e mais influente grupo de mídia no Brasil, mas sem dúvida o primeiro

8 Não podemos deixar de ressaltar que esse momento de virada não se deveu exclusivamente à questão tecnológica. Tratou-se, na verdade, de um momento em que diversos fatores contribuíram para a mudança no cenário. De um lado, a possibilidade de uma nova tecnologia que vinha justamente ao encontro de um processo de mudança no perfil sócio-demográfico no Brasil. Com os fluxos migratórios do campo para as cidades, ficava mais fàcil buscar uma identidade nacional em tomo de anseios comuns à população, ao desejo de uma vida melhor e mais próspera estigmatizada na vida urbana, como nos descreve Caparelli (1982), Além disso, o momento de mudança tecnológica casava com o momento de enfraquecimento financeiro dos grandes grupos de mídia nacionais e, principalmente, com a mudança na forma de relacionamento entre grupos de comunicação e o Estado, de modo que o grupo Globo soube explorar essa conjunção de fatores para se posicionar para a virada. 10

passo se deu em um momento de inflexão tecnológica, em que um paradigma começou a mudar. Um exemplo mais recente em que um novo paradigma tecnológico constituiu elemento importante de mudança do cenário da midia é a fusão entre AOL e Time Warner, anunciada em 2000 e concretizada em janeiro de 2001 nos Estados Unidos. Esse fato representou o primeiro momento em que uma nova tecnologia de comunicação (Internet),

aliada a todo um ambiente socioeconômico característico da época,9 inverteu efetivamente a ordem estabelecida, e um grupo atuante em ura novo setor — AOL, já naquele momento o maior entre os provedores de Internet — tomou o comando de um grupo de mídias tradicionais. A mudança na ordem econômica provocada pelo surgimento da Internet colocou a AOL em posição confortável para englobar a Time Warner, que em 1999 era um dos maiores grupos de mídia dos EUA e, após a fusão, tomar-se o maior de todos os grupos. As sementes da mudança tecnológica nas comunicações estão por toda parte. O jornalismo não é mais o mesmo, o jornalista não é mais o mesmo. Não nos referimos, aqui, apenas a uma mudança no perfil do profissional de comunicação. O jornalismo por Internet, as novas formas de transmitir televisão — por exemplo, por tecnologias de transmissão de vídeo na forma digital por redes de Internet—, os novos negócios que surgem com a interação permitida nas páginas de Web, tudo isso impõe mudanças ao profissional envolvido na produção de informação. Essa não será, contudo, a questão central deste trabalho.

O que constatamos é que a partir da consolidação da Internet10 no cenário econômico e social, as empresas que controlam a maior parte da produção e distribuição da informação em nossa sociedade depararam-se com novos ambientes em termos regulatórios, novas formas de tratar a informação, com novas realidades tecnológicas que

9 Em 1999 e 2000, as empresas relacionadas produtiva ou conceitualmente com a Internet atingiram um auge de valorização nas bolsas, com preços de mercados absolutamente desproporcionais em relação aos valores reais das companhias e do que elas efetivamente representavam do ponto de vista da produção econômica. 10 Vale ressaltar o período histórico a que nos referimos: considerando o conceito de funcionamento da Internet como algo antigo, criado no final da década de 1960, mas que só atingiu a sua plena maturidade e popularidade na segunda metade da década de 1990, podemos dizer que o momento de virada tecnológica trazido pela Internet começa efetivamente em 1995/1996. Neste ponto, há a verdadeira explosão do uso da tecnologia, quando passa de pouco mais de 10 milhões de usuários em todo o mundo para algo superior a 400 milhões no final de 2000, segundo levantamentos diversos consolidados pelo site Nua Research (www.nua.net). 11

alteraram suas rotinas produtivas e fizeram com que o capital disponível para investimentos fluísse em novos sentidos. As formas de produzir e de distribuir o conteúdo num mundo em rede são, enfim, diferentes daquelas que se tinha antes da Internet. E na esteira desse processo, da mesma forma com que mudaram a produção e a distribuição da informação, mudou também a forma de receber a informação, armazená-la, processá-la, manipulá-la e assimilá-la. A Internet como meio — entendendo-se a expressão “meio” como a via com que a informação é levada, mas que implica também o entendimento da forma como ela é concebida como produto e da forma como é “consumida”— mudou a forma com que a informação e a riqueza circulam no mundo. É até o momento uma das manifestações mais claras de como, em nossa atualidade, a evolução tecnológica afeta a nossa vida. Todas essas considerações fundamentam-se na observação cotidiana, no acompanhamento de rotinas produtivas das empresas de mídia, na observação de mudança nos processos comunicativos e na forma como todos nós passamos a lidar com a informação de alguns anos para cá. Em meados dos anos 90, as redações dos jornais produziam apenas matérias para ser usadas em versões impressas. Em menos de seis anos já era comum produzir para o impresso, para a agência de notícias, para os websites. Em meados da década de 90 não se falava em assinatura de produtos na Internet, muito menos em publicidade na Internet, termos e expressões que se tomaram tão comuns para as empresas de comunicação e para o público. A realidade está aí, nos é mostrada em nosso próprio dia-a-dia. Querer provar que a Internet mudou sensivelmente a forma como nos comunicamos e lidamos com a informação é algo desnecessário, feitas, naturalmente, as devidas ressalvas com relação ao acesso ao meio, já que não estamos tratando, ainda, de um meio universal como é a TV, por exemplo. Os números e dados estão disponíveis. O número de pessoas com acesso à Internet cresceu ano a ano, a uma média de mais de 80% ao ano entre 1995 e o começo da primeira década de 2000. Atualmente, segundo os dados do IBGE de 2001, existem cerca de 3,97 milhões de domicílios com acesso à Internet, o que dá uma média de 14,5 milhões de usuários em ambiente domiciliar. A qualidade do acesso, medida pela velocidade média das conexões, também cresceu e deve continuar a crescer. O uso de formas eletrônicas de comunicação é crescente, informações podem ser buscadas em novos lugares, o conhecimento pode ser armazenado de maneiras mais organizadas e acessíveis em bancos 12

de dados cada vez mais complexos, resultado de novas tecnologias de indexação e armazenamento. Ainda que esse processo não tenha atingido, nesse início do século XXI, magnitude global e generalizada — por exemplo, pela exclusão de mais de 90% da população mundial às novas tecnologias de informação, sobretudo Internet — , os reflexos do pouco (ou muito) que já aconteceu são claros. Hoje, grupos com interesses diversos falam, protestam, debatem e se organizam por redes eletrônicas, também num processo crescente. Todo esse processo registra um início e bem definido: o surgimento da rede de computadores Internet, como a conhecemos hoje, em 1995. Época em que a Internet ganhou imagens, texto, eventualmente sons, tudo de forma integrada e empacotada, acessível a qualquer um dotado de meios — tecnológicos e culturais — adequados. E o que chamaremos da World Wide Web ou, simplesmente, Web. Desse momento em diante, observou-se o crescente e ainda presente processo de criação de um universo de produtos jornalísticos desenvolvidos para o novo meio. Jornais ganharam versões para Internet, novos serviços e produtos foram criados, mudou-se a forma de produzir, entregar e consumir a informação. Naturalmente, essa nova realidade não chegou substituindo uma situação existente. As formas tradicionais de produção, distribuição e consumo da informação permaneceram e permanecem válidas e pungentes. Existe, sim, um processo de encontro entre o velho e o novo, processo ora harmonioso e gerador de coisas novas, ora redundante e desnecessário, ora ruim e dispensável. Existe, por vezes, a combinação entre velho e novo — "midiamorfose"11—, outras vezes o novo sobrepondo-se ao velho —"midiacídio". No centro do furacão estão, de um lado, as empresas e corporações, que dentro de uma estrutura de mercado de exploração da informação constituem o chamado grupo de produtores de conteúdo. Nesse conjunto encontram-se os grupos de empresas e/ou pessoas proprietárias dos meios de produção jornalísticos, os próprios jornalistas e os meios de distribuição.

11 Este conceito é consolidado por Roger F. Fidler em seu Mediamorphosis: understanding the new media. Califórnia, Pine Forge Press, 1997. Rosental Calmon Alvez também descreve este ambiente em seu paper Exploring the future o f online joumalism: mediamorphosis or mediacide, em que complementa a proposição de Fidler com a idéia de midiacídio. nDados do Projeto InterMeios referentes aos anos de 2000 e 2001. Não estão considerados nesses cálculos as receitas provenientes de venda de assinaturas, prestação de serviços em geral e classificados. 13

Por outro lado, no meio do furacão estão também as pessoas às quais toda a atividade informativa se destina e que neste novo cenário passam a lidar de uma nova forma com a informação. Essas pessoas consomem agora produtos de comunicação de maneira diferente da que consumiam antes das mudanças provocadas pela Internet. Este aspecto, envolvendo diretamente as pessoas e a forma como elas são afetadas pela mudança da Internet, não é abordado neste trabalho de forma completa. É um tema sem dúvida fundamental e não podemos deixar de considerá-lo, até porque ele é determinante de toda a análise que é elaborada sobre como empresas e corporações de comunicação lidam com a chegada da Internet e outras tecnologias de informação, mas discorrer longamente sobre a forma como a mudança no paradigma tecnológico das comunicações altera a relação das pessoas com as informações é assunto para um estudo à parte. Para o desenvolvimento deste trabalho consideramos o seguinte raciocínio:

a) A evolução tecnológica é algo que nos afeta cada dia mais intensamente. Dado o fato de que a mídia é central em nossa sociedade, ainda mais em uma sociedade em que os fluxos de riquezas seguem as mesmas vias do fluxo de informação, consideramos que compreender a forma como as corporações de mídia lidam com a questão tecnológica toma-se uma preocupação absolutamente necessária e relevante.

b) Como dissemos anteriormente, os momentos de virada tecnológica podem representar momentos de mudança no cenário das comunicações. E se pode haver mudança na configuração do ambiente das comunicações, pode também haver alterações significativas na forma como se dá o fluxo de capitais.

Tais constatações nos motivam a pesquisar e entender, neste trabalho, as variáveis centrais que condicionam o processo de incorporação de novas tecnologias pelos grupos de comunicação. E para o estudo dessas variáveis elegemos como objeto de trabalho os dois maiores grupos de mídia do Brasil: as Organizações Globo e o Grupo Abril. Ao compreendermos as principais variáveis que determinaram a forma como Globo e Abril se adaptaram ao surgimento e desenvolvimento de uma nova tecnologia de 14 informação como a Internet em suas estratégias empresariais, pretendemos deixar para a pesquisa em comunicação uma contribuição para análises futuras semelhantes — sejam essas análises relacionadas à Internet ou a outras tecnologias e novos paradigmas que virão. Assumimos como pressuposto que qualquer alteração na realidade tecnológica pode trazer mudanças na lógica produtiva. Analisando o processo de comunicação dentro de uma realidade de mercado e fundamentalmente capitalista, impõe-se a necessidade de se buscar conhecer como tais alterações tecnológicas alteraram a estrutura interna das organizações de mídia e como os processos econômicos e políticos que normalmente afetam os grupos de mídia podem interferir no processo de desenvolvimento tecnológico dos produtos de comunicação. Este trabalho é o primeiro passo no estudo de como a evolução das tecnologias de informação e comunicação, notadamente a evolução da Internet, altera a estrutura das empresas e corporações de comunicação, influenciando seus processos produtivos, suas estratégias empresariais, a presença desses grupos dentro de seus mercados e, sobretudo, as conseqüências que essas mudanças trazem para o cenário da mídia brasileira. Os fatores que nos fizeram fechar o foco de observação e coleta de dados sobre os grupos de comunicação Globo e Abril nos fazem crer que este estudo nos levará a conclusões que poderão ser aplicadas em outras situações, a outros grupos e outros momentos históricos. O que nos fez escolher Globo e Abril foram os seguintes fatores: - Peso econômico: o fato de serem os dois maiores grupos empresariais de comunicação brasileiros em termos de faturamento. A Globo é um grupo que faturou em 2001 e 2000, respectivamente, 51% e 52% do mercado publicitário brasileiro, considerando todas as mídias. Em 2000 esse mercado foi equivalente a 5,2 bilhões de dólares e em 2001,4,2 bilhões de dólares13. O grupo Abril faturou em 2000 cerca de 1,5 bilhão de reais e em 2001 1,6 bilhão de reais, resultado do

controle sobre 69,3% da verba publicitária destinada ao mercado de revistas, 68% do mercado de venda em banca de revistas (a Abril vendeu sozinha 218 milhões de exemplares) e 64% do mercado de assinaturas domésticas (o que eqüivale a 94 milhões de exemplares vendidos nessa pela Abril). Com isso, garantimos a certeza de que em nossas análises estaremos falando dos grupos que mais significativamente se inserem no ambiente de mercado das comunicações no Brasil. Esse fator será importante no momento em que buscarmos contextualizar o processo de incorporação das novas tecnologias em um ambiente econômico geral. O fato de Globo e Abril representarem os dois maiores grupos de comunicação em termos financeiros significa que qualquer alteração na forma de ação de cada uma dessas corporações acarretará uma mudança importante no ambiente das comunicações do Brasil.

Peso político: são dois grupos de comunicação brasileiros que figuram, por terem o controle dos principais veículos de comunicação impressos (Abril) e eletrônicos (Globo), entre os maiores expoentes em termos de influência política, fator que será fundamental para a análise de algumas variáveis de incorporação das novas tecnologias, como veremos mais adiante. A Globo chega a praticamente a totalidade dos domicílios com TV no Brasil (cerca de 45 milhões), que representam cerca de 89% dos domicílios totais, segundo o último levantamento do IBGE de 200114. A Abril tem o maior número de títulos de revistas editadas (mais de 230), inclusive a principal revista mensal, a Veja, com cerca de 4 milhões de leitores semanais (tiragem próxima a um milhão de exemplares), sendo a quarta maior revista semanal do mundo.

Tradição: A Globo está em televisão desde 1965. A Abril está desde a década de 1950 no mercado de revistas. Portanto, além de serem grupos líderes em suas mídias prioritárias (TV, no caso do grupo Globo, e revistas, no caso da Abril), o tempo de consolidação de cada uma delas em seus respectivos mercados nos permite observar como a tradição em cada uma das mídias interfere no processo de incorporação das novas tecnologias de informação. Permite também observar se há ou não algum caminho mais fácil para o desenvolvimento de produtos em Internet, e, sobretudo, permite a comparação entre realidades diferentes de modelagem de negócios;

Transparência: o fato de ambos terem estratégia fartamente documentada no que diz respeito à adoção de novas tecnologias como Internet, elemento importante para o desenvolvimento da pesquisa. Como veremos mais adiante, a metodologia de 16

trabalho no tocante à observação dos casos desses dois grupos de midia consiste basicamente na análise de documentos primários ( balanços financeiros, relatórios estratégicos, declarações públicas) e secundários (notícias), além de algumas entrevistas e conversas com pessoas que participaram dos processos em análise. Como Globo e Abril são grupos com compromissos financeiros internacionais que os obrigam a tomar disponível grande quantidade de informações, esse elemento é sem dúvida um facilitador deste trabalho de pesquisa e, principalmente, garante a integridade e a legitimidade das fontes de informação;

- Diversidade: o fato de cada um dos grupos ter adotado caminhos diferentes no processo de incorporação das novas tecnologias de comunicação. Isso é relevante como critério de escolha porque nos permite olhar a situação em estudo sob diferentes pontos de vista. Seguramente, as estratégias que Globo e Abril traçaram para a Internet não são as únicas possíveis a grandes grupos de mídia. Por exemplo, nenhum deles seguiu o caminho da Time Warner, nos EUA, que optou em um primeiro estágio associar-se tardiamente com um grande provedor de acesso já consolidado (AOL). Mas como pudemos constatar, Globo e Abril estão em caminhos absolutamente diversos, e em cada um dos casos há elementos de sucesso e fracasso que precisam ser observados.

Na próxima seção deste estudo detalharemos a metodologia de trabalho. Em seguida (Capítulo I), trataremos dos principais conceitos com os quais trabalharemos na análise do processo de incorporação da tecnologia de Internet dentro das estratégias empresariais dos conglomerados de mídia Globo e Abril. Como veremos, não é simples encontrar um método de trabalho e um conjunto teórico para a análise de uma questão que envolve adaptação a novas tecnologias, novos desafios de ordem econômica e política e , ao mesmo tempo, lide com fatos em transformação, com processos ainda em andamento, como é a própria evolução da tecnologia de Internet, tanto em aspectos sociais quanto econômicos. Esses obstáculos nunca foram fáceis em nenhuma área de pesquisa e tomam-se ainda mais desafiadoras na área de comunicação, já que são relativamente poucos os esforços de se estudar empresas de mídia do ponto de vista econômico e de sua lógica produtiva.

14 Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio 2001 - PNAD, disponível em www.ibge.gov.br 17

Quando tratamos de Internet — e de novas tecnologias de um modo geral — e conglomerados de comunicação, o problema toma-se ainda maior, pois não existe ainda uma linha teórica de análise consolidada que nos permita compreender em todas as suas facetas como se dão os processos econômicos nesse meio. Para solucionar esta questão, inclusive, propusemos a adaptação de alguns roteiros de estudo feitos especialmente para a economia da cultura (Alan Hercovici) e do audiovisual em geral (César Bolano). Esses setores têm como característica a impossibilidade intrínseca de se manterem sem o suporte financeiro de um agente externo. Ou seja, apresentam características e estruturas de custos que não se viabilizam por meio da simples venda de publicidade ou venda em banca, que seriam as fontes principais de receitas. Por esse motivo dependem de outras fontes de financiamento. Como recurso metodológico, também analisaremos aspectos econômicos dos negócios de televisão, jornais e revistas, dada a importância desses segmentos de mídia para as empresas de comunicação em geral e, sobretudo, para os dois casos (Globo e Abril) sobre os quais nos concentraremos. Entre os aspectos a ser observados, ressaltamos questões de liderança e domínio de mercado, audiência, análise da cadeia produtiva e mecanismos de manutenção de uma posição hegemônica (influência política, controle de mercado por meio de barreiras etc.). Os capítulos II e III serão dedicados fundamentalmente á análise dos grupos Globo e Abril. Traçaremos um histórico dos grupos selecionados no que se refere à incorporação da tecnologia de Internet às suas estratégias econômicas, sem deixar de mencionar aspectos do processo de incorporação de outras tecnologias (como a própria televisão e a TV paga) que julguemos necessários para reforçar nossa análise e contextualizar vários dos elementos que se mostraram relevantes na exposição histórica. Serão capítulos descritivos, em que apresentaremos os fatos tais como foram registrados em documentos oficiais, relatados em entrevistas e registrados na imprensa. Apresentaremos, assim, uma radiografia das empresas em termos financeiros, em relação à sua estrutura de custos e como estes aspectos mudam quando a análise concentra-se apenas sobre os produtos de Internet. Em seguida (Capítulo IV), aplicaremos, nos casos específicos dos grupos Globo e Abril, as variáveis e conceitos do Capítulo I, extrapolando quando possível — apenas para ilustração e melhor entendimento — a mesma análise também para alguns casos 18 internacionais em que houve o desafio de adaptar um grande conglomerado de mídia a um novo paradigma tecnológico. Nossa intenção é saber se, pelo menos nos dois casos brasileiros, os conceitos e variáveis propostas atendem às expectativas e ajudam a explicar e compreender como se dá o processo de incorporação das novas tecnologias à estratégia das empresas. Esperamos ter elementos suficientes para poder dizer se o modelo de análise proposto ajudou a compreender como Globo e Abril enfrentaram um novo paradigma tecnológico e incorporaram a nova tecnologia às suas estratégias e, diante dos fatos registrados, sugerir possíveis desdobramentos a ser estudados com base no mesmo modelo tanto para os dois grupos tratados neste estudo como para outros. Ao que tudo indica, teremos condições, na conclusão deste estudo, de confirmar a nossa hipótese central: a de que quando grandes conglomerados de mídia deparam-se com novos paradigmas tecnológicos, deparam-se também com a possibilidade concreta de perda de poder político e econômico. Dessa forma, a mudança de um paradigma representa, para as comunicações, também a possibilidade de alteração no jogo de forças entre os agentes envolvidos. Aparentemente, os paradigmas tecnológicos serão desafiados cada vez com mais freqüência nos próximos anos. Compreender algumas variáveis que determinam a dinâmica dos grupos de mídia diante desses desafios toma-se questão-chave, então, para o estudo das comunicações. È nesse espaço que este trabalho pretende se encaixar. 19

M e t o d o l o g ia

Que desafio vive o pesquisador que busca teorizar uma realidade que muda a todo minuto? Que desafio vive o pesquisador das ciências sociais que, ao mesmo tempo em que está inserido em um ambiente social, precisa afastar-se dele para encontrar o posicionamento tão necessário à sua análise? Que desafio vive o pesquisador das comunicações que se propõe a conhecer mais a fundo a dinâmica de processos que não estão concluídos — muito pelo contrário — e para os quais ainda há grandes limites teóricos e metodológicos de análise? Tais desafios foram, imediatamente, colocados diante deste trabalho tão logo o objeto de estudo foi estabelecido. Ao propormos a análise dos grupos de comunicação diante de novos paradigmas tecnológicos, imediatamente percebemos que não se trataria de uma missão simples. Não existe reflexão consolidada sobre o tema. Não existe, tampouco, trabalhos que nos proponham soluções metodológicas eficientes para que possamos dar à pesquisa a necessária preocupação científica. Contribuem ainda para essas dificuldades o fato de o próprio pesquisador viver imerso em meio ao seu objeto de estudo, absorvido pela atividade cotidiana do jornalismo e dividido entre o dilema de relatar os fatos e ao mesmo tempo parar o seu relato para refletir sobre o que é contado.

O sociólogo Boaventura de Sousa Santos1 nos provoca acerca dos desafios das ciências sociais em nosso tempo. Questiona qual o posicionamento do pesquisador em uma época caracterizada por tantas contradições e, ao mesmo tempo, sem o embate entre capitalismo e socialismo, que permitiu ao esforço sociológico de boa parte do século XX a fixação de referenciais a partir dos clássicos do século XIX. Questiona, ainda, como podemos nos manter, como pesquisadores, a par das mudanças que acontecem em velocidade fenomenal na realidade que nos cerca.

1 Ver Santos, Boaventura de Sousa, Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modemidade. São Paulo, Cortez, 1999, cap. 1. 20

A rapidez, a profundidade e a ímprevisibihdade de algumas transformações recentes conferem ao tempo presente uma característica nova: a realidade parece ter tomado definitivamente a dianteira sobre a teoria. (...) A rapidez e a intensidade com que tudo tem acontecido se, por um lado, toma a realidade hiper-real, por outro lado, trivializa- a, banaliza-a, uma realidade sem capacidade de nos surpreender ou empolgar. (...) Uma realidade assim toma-se fácil de teorizar, tão fácil que a banalidade do referente quase nos faz crer que a teoria é a própria realidade com outro nome, isto é, que a teoria se auto-realiza (idem, 1999, p. 19).

Diante dessa situação, o sociólogo lembra que a tarefa de encontrar um ângulo de análise razoável para os problemas sociológicos toma-se tarefa ainda mais complexa. Ele propõe, então, que se abandone os dois posicionamentos que caracterizaram o estudo das questões sociais: o distanciamento crítico ou o comprometimento orgânico. Nos tempos atuais, o posicionamento a ser buscado é o da proximidade crítica do objeto. Naturalmente, a reflexão de Boaventura tem um escopo sociológico amplo, buscando uma solução epistemológica para toda a ciência social de nosso tempo e suas mudanças de paradigmas. Mas nada impede que tenhamos a mesma preocupação com o estudo das comunicações, sendo estas uma importante parte da vida em sociedade e do pensamento social. Manter-nos atentos ao objeto, envolvido até um certo nível com a realidade, relatar com a proximidade jornalística, mas ao mesmo tempo buscar a visão crítica e interpretada da realidade, pensada para o engrandecimento da atividade acadêmica, é o desafio a que nos propomos. Nosso "fato social", para utilizar o conceito fundamental da sociologia definido por

Émile Durkheim, em seu As regras do pensamento sociológico,2 é a mudança, é o novo na realidade dos agentes empresariais que exercem o negócio da comunicação social3 no país. O fato social, segundo Durkheim, não pode ser um elemento de consciência individual, psíquico, tampouco um elemento orgânico, biológico. Todos os demais fatos, que determinam a maneira de agir, de pensar e de sentir exteriores ao indivíduo, são fatos sociais. Tais fatos compreendem modos de fazer e modos de ser coletivos. Dessa forma, o estudo das relações econômicas também está contemplado como parte do trabalho

2 Ver Durkheim, Émile, As regras do pensamento sociológico. São Paulo, Martin Claret, 2001, cap. 1. 3 Entenda-se comunicação social, conforme definido na introdução, como a "manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação", conforme redação do Artigo 220 da Constituição Federal brasileira, de 1988. 21

sociológico, assim como o trabalho de relatar a História, seja com olhos de historiador, distantes dos fatos pelo tempo ou pelo método, seja com olhos jornalísticos. Neste trabalho, como se verá, o caráter jornalístico não foi perdido. A capacidade de observar fatos, relatá-los, buscar relações e ler nas entrelinhas da História permeou o nosso esforço de trazer ao universo acadêmico um pouco daquilo que a prática jornalística de um observador das empresas de comunicação vê cotidianamente, em geral sem o devido rigor crítico. Mas basta o relato jornalístico para que se possa contribuir efetivamente para o esforço de teorizar a realidade? Basta contar uma boa história para que o arcabouço conceituai de análise de um segmento das comunicações esteja criado? A resposta é não, e por essa razão este trabalho tem como preocupação central não apenas o relato, mas a reflexão fundamentada em ferramentas e hipóteses teóricas sólidas, que foram buscadas nos mais diversos campos do conhecimento humano, da economia e seus clássicos aos estudos políticos, dos instrumentos já construídos para o estudo das comunicações às hipóteses especulativas quase filosóficas de McLuhan. Ainda assim, bastaria ao esforço de contribuir para o conhecimento acadêmico o simples relato jornalístico desprovido de maiores cuidados metodológicos? A simples colagem de relatos de imprensa, com suas inevitáveis distorções e vieses, contribuiria para a consolidação de uma análise acadêmica? Não seria necessário buscar, também no esforço jornalístico de relatar, um método mais cuidadoso e restritivo? Essa questão também nos foi colocada logo de início, para o levantamento de dados. A resposta foi o esforço que, esperamos, poderá ser observado nos capítulos seguintes, de buscar dados primários, sempre que possível, indo direto às fontes de informação das empresas pesquisadas. Mas uma questão ainda está sem resposta: por que uma análise que, inicialmente, pode parecer ampla, dedicada a todo o mercado de comunicação, restringiu-se à experiência de apenas dois grupos de mídia, nacionais, e fechou o foco em apenas uma das inúmeras novas tecnologias existentes? É aqui que entramos com nossa delimitação (ou melhor dizendo, limitação) metodológica. Optamos pela análise qualitativa. Trata-se de uma opção e, como tal, tem seus ônus e bônus. Como vantagens, ganhamos a possibilidade de refletir livremente, de propor hipóteses e sugerir elos entre diferentes áreas do conhecimento. São qualidades 22

importantes, sobretudo para um campo de pesquisa que ainda não encontra uma tradição solidificada e para o qual ainda há carência de sugestões de investigação. A pesquisadora Elizabeth Nicolau Saad Corrêa, cujos principais trabalhos versam justamente sobre as estratégias empresariais dos grupos de comunicação brasileiros no que se refere a novas tecnologias, cita Claire Selltiz e seu Métodos de pesquisa nas relações sociais4 ao buscar a consolidação de uma metodologia para o estudo de experiências brasileiras envolvendo grupos de comunicação e inovações tecnológicas. Segundo a análise de Elizabeth Corrêa, Selltiz delimita três enfoques possíveis para a pesquisa de campo em áreas que envolvam a administração e o jornalismo:

1) Estudos exploratórios, que visam a familiarizar-se com o fenômeno ou conseguir uma nova compreensão deste; 2) Estudos descritivos, que apresentam as características de uma situação, de um grupo ou de um indivíduo específico, com ou sem hipóteses peculiares a respeito da natureza de tais características, e 3) Estudos causais, que verificam a hipótese da relação causai entre variáveis, ou seja, a relação de causa e efeito (Corrêa, 1994, p. 17).

Vale ressaltar que Selltiz5 faz algumas ressalvas importantes em relação à necessidade de comprovação quantitativa dependendo da abordagem que se busque. Os estudos que desbravam ambientes pouco explorados e que se pautam basicamente pela intuição exploratória são o primeiro passo de uma investigação mais ampla. Esta será a nossa abordagem. Estudos de caráter mais descritivos precisam de comprovações mais concretas, e estas comprovações serão por nós apresentadas sempre que possível, sem, contudo, ser a motivação desta pesquisa. Com relação à descrição de uma determinada situação, buscando-se causas e efeitos, Selltiz (1987) recomenda ainda mais rigor na amostragem quantitativa, de modo a garantir, inclusive, a validade estatística das conclusões. Não será este o nosso caso. Assim, nossa pesquisa navegará pela proposta exploratória, buscando identificar fatos relevantes que mereçam tratamento mais dedicado e reflexão; passando pelo viés descritivo sempre que possível na exposição dos fatos selecionados; e lançando algumas

4 Ver Corrêa, Elizabeth Nicolau Saad, Tecnologia, jornalismo e competitividade: o caso da Agência Estado. Tese de doutorado pela Universidade de São Paulo, 1994. 5 Ver Selltiz, Claire, Wrightsman, Lawrence S. e Cook, Stuart W , Métodos de pesquisa nas relações sociais. São Paulo, Epu, 1987. 23

hipóteses para serem efetivamente investigadas por levantamentos quantitativos futuros, que não entram no escopo desta investigação. A opção pelo estudo de dois casos específicos, selecionados a partir dos critérios já enumerados na introdução, deve-se basicamente à impossibilidade de se partir para amostragens mais amplas nesta primeira abordagem. Ter uma coleção de dados de um grande número de grupos de comunicação e identificar padrões entre eles seria sem dúvida de grande valia para o estudo de comunicação, mas envolveria um esforço de pesquisa além das possibilidades atuais. Mesmo para o estudo de dois grandes grupos, o volume de informações a ser levantadas, checadas e analisadas já é considerável. Seria impossível garantir que todos os aspectos relevantes tenham sido observados nesta pesquisa. Por essa razão, optamos por contrapor os nossos resultados e dados aos resultados e dados de outras pesquisas já realizadas no Brasil sobre os grupos de comunicação e/ou os produtos tratados neste levantamento. Assim, além das entrevistas, análises documentais e observações factuais feitas para este trabalho, complementamos nosso conjunto de elementos de análise com os levantamentos feitos por Corrêa, 6 Aragão 7 e Freitas. 8 No primeiro caso, a autora busca analisar, em uma linha que combina aspectos da administração de empresas com estudos do jornalismo, as estratégias empresariais seguidas pelos grupos brasileiros Folha, Globo, Abril e Estado na questão da incorporação das tecnologias de Internet às suas opções diante do surgimento da Internet. Tal análise é complementada pelos casos dos grupos estrangeiros New York Times, Finacial Times, Tribune Co. (editor do periódico Chicago Tribune) e Time Warner (especialmente o caso da rede CNN). O segundo estudo, de Daniella Aragão, faz uma análise de caso das revistas Veja e da publicação eletrônica Veja Online, ambas controladas pelo grupo Abril. Já Hélio Freitas concentra sua investigação sobre a história do grupo Folha (que edita, entre outros, o jornal Folha de S. Paulo) em relação à Internet, apresentando valiosa coleta de dados sobre o

6 Ver Corrêa, Elizabeth Nicolau Saad Corrêa, As estratégias da desconstrução: sobre o uso de estratégias diferenciadas por empresas informativas na Internet. Tese de livre-docência, Universidade de São Paulo, 2001. 7 Aragão, Daniella, Novas mídias: a síndrome do círculo vicioso. Dissertação de mestrado, Universidade de São Paulo, 2001. 8 Freitas, Hélio, Nem tudo é notícia: o grupo Folha na Internet. Dissertação de mestrado, Universidade Metodista de São Paulo, 1999 24 portal , no qual o grupo Abril (foco de nossa investigação) tem participação societária. Esses três estudos, complementando o extenso levantamento de dados que fazemos desde 1994 na atividade jornalística dedicada à cobertura dos setores de mídia e telecomunicações no Brasil, resultaram em um conjunto de informações farto o bastante para que tivéssemos segurança de que a análise contaria com fontes confiáveis, embasando os cortes de observação propostos e contribuindo para uma boa reflexão sobre as hipóteses de trabalho. Os dados coletados pertencem às seguintes categorias:

• Balanços financeiros das empresas disponíveis de 1996 até 2002 • Relatórios corporativos disponíveis • Artigos e reportagens do período ente 1995 de 2002 • Entrevistas e conversas com executivos e acionistas das empresas • Informações fornecidas por institutos de pesquisa de audiência, destacadamente Media Metrix e Ibope • Relatórios da Associação Nacional de Jornais e Sindicato dos Jornalistas • Relatórios financeiros e relatórios de desempenho elaborados pelos próprios grupos de mídia em estudo e destinados ao cumprimento de obrigações legais diante de investidores e autoridades fiscalizadoras tais como Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). • Outras diversas

É importante deixar claro desde já que o hábito jornalístico nos fez transpor uma norma metodológica com relação às entrevistas feitas especificamente para este trabalho. Optamos por não proceder tais entrevistas de maneira estruturada, tampouco vamos expor o questionário feito às fontes de informação. A razão para essa transgressão é justificável: a tradição jornalística de investigação mostra que, para uma análise qualitativa, uma entrevista torna-se mais eficiente se for feita de maneira fluida, não-estruturada (o que não quer dizer não-planejada). Também é herança da tradição jornalística o valioso peso da informação dada com o compromisso da preservação da fonte. Ainda que isso pareça paradoxal, já que neste caso estamos tratando de uma investigação científica e que se 25

propõe, portanto, a ser o mais clara e crível possível, temos certeza de que o resultado dessa estratégia foi bastante proveitoso para esta pesquisa sem, contudo, comprometer seu caráter acadêmico. O uso de algumas estratégias típicas da investigação jornalística contribuiu consideravelmente para a consolidação de um método investigativo mais adaptável à realidade do nosso objeto: por se tratar de uma área pouco desbravada e ainda carente de indicações e conclusões mais contundentes, o estudo dos grupos de comunicação sob a ótica da evolução tecnológica parece ganhar muito com uma investigação nem sempre atada ao rigor dos métodos tradicionais de investigação científica. Foi também o caminho que encontramos para nos colocar na posição crítica sem, entretanto, nos afastarmos excessivamente do objeto, tal como nos propõe Boaventura de Sousa Santos. Evidentemente, a utilização de um método de pesquisa qualitativo que se pretende explorar um tema pouco difundido tem limitações, mas também vantagens. Entre as limitações, apontamos, sobretudo, a questão da pouca precisão científica e dificuldades para que nossos resultados possam ser validados em outros estudos do mesmo gênero. Não é essa a nossa idéia, contudo. O objetivo é apontar caminhos e propor reflexões sobre um tema ainda não esgotado, que é a relação entre os grupos de mídia e as novas tecnologias. Como opções para este trabalho, poderíamos ter partido para um estudo econométrico específico aos dois casos aqui delimitados (Globo e Abril), mas esta opção não foi a nossa porque consideramos que alguns aspectos relevantes, sobretudo aqueles relacionados às questões políticas inerentes ao setor de comunicação, não poderiam ser medidas de maneira a satisfazer às exigências de tal abordagem metodológica. Como opção, teríamos também o levantamento estatístico, identificando variáveis comuns em um universo maior de grupos de comunicação, mas este esforço seria impossível dadas as disponibilidades de tempo e objetivos desta pesquisa. Fica sendo esta, então, uma proposta para o futuro de outras pesquisas do gênero. A opção pelo estudo de casos também traz limitações, sobretudo no que se refere ao caráter universal das verificações, o que é um agravante ainda maior quando estamos trabalhando com uma abordagem qualitativa. No entanto, o conjunto de pesquisas envolvendo grupos de comunicação e suas estratégias tecnológicas ainda não se mostra, como dissemos, consistente o bastante para que possamos considerar desnecessário 26 observar atentamente apenas um ou dois casos específicos. No futuro, quando as variáveis do processo e implicações decorrentes da incorporação de novas tecnologias aos grupos de comunicação forem bastante conhecidas, será possível partir para estudos mais abrangentes e não restritos a um ou dois casos. Outro elemento que não pôde deixar de ser considerado na definição metodológica deste trabalho foi a dificuldade de fechar análises sobre questões em constante mutação. Ao falarmos de tecnologias, de estratégias, de inovações, estamos, necessariamente, fazendo recortes temporais que podem se mostrar precipitados no futuro, em função de variáveis fora da capacidade de previsão do pesquisador. Por essa razão é que este trabalho terá a preocupação com variáveis e conceitos mais estáveis, como veremos no Capítulo I, minimizando, assim, o risco de ver as nossas observações perecerem em um curto intervalo de tempo, como é tão comum acontecer com esforços de compreensão dos processos que estão relacionados à questão da Internet, para citar apenas uma tecnologia. Outra preocupação metodológica constante foi com a validade de alguns conceitos usados em nossas análises. Os principais serão definidos no próximo capítulo, teórico. Outros conceitos, tais como os conceitos de comunicação, informação, tecnologia, serão tratados de maneira mais ampla, pois suas definições são muitas, muitas vezes inconsistentes entre si e a opção por uma única delas poderia trazer prejuízos à nossa análise. De um modo geral, consideramos comunicação como a entidade maior, o conjunto de habilidades humanas de fazer com que a informação — que por sua vez pode ser entendida como um conhecimento específico sobre determinado assunto — flua de um ponto a outro. A comunicação pode assumir um caráter de amplo espectro, atingindo simultaneamente uma grande quantidade de pessoas, ou pode assumir um caráter interpessoal, passando de um ponto a outro sem espalhamento. Feitas essas ressalvas aos métodos deste trabalho, seguiremos com a descrição das principais ferramentas teóricas de análise selecionadas para esta pesquisa juntamente com as variáveis a ser consideradas na análise. Em seguida, apresentaremos o conjunto de dados históricos e elementos de análise dos principais grupos de comunicação. No momento seguinte, teremos a análise propriamente dita dos dados, com base no instrumental teórico e tendo em vista as variáveis colocadas para, por fim, concluir acerca da confirmação ou não da hipótese colocada na Introdução, a saber, que os grupos de 27

comunicação, quando se deparam com novos paradigmas tecnológicos, enxergam-se também com a possibilidade concreta de perda de poder político e econômico. Isso pode trazer conseqüências importantes para o jogo de forças entre os grupos de comunicação, o que, necessariamente, terá influência na vida das pessoas, pois cada vez mais esses grupos de comunicação desempenham papel central no debate público, na dinâmica econômica e na vida cotidiana de nossa sociedade. Daí a relevância deste estudo. Entre estudiosos de comunicação e sociólogos de um modo geral, ouve-se com freqüência que o grupo de mídia X ou Y tem o poder de manipular as eleições, ou o poder de "manipular" hábitos de consumo, ou manipular a opinião pública... "manipular" a sociedade, enfim. Então, em vez de estudar como tais grupos nos "manipulam" — e eles sem dúvida o fazem —, optamos por entender o que "manipula" os grupos de comunicação. 28

Capítulo I

O ARCABOUÇO TEÓRICO-CONCEITUAL

Este capítulo destina-se à compilação de um conjunto de instrumentos teórico- conceituais que servirá para as análises subsequentes da relação dos grupos de mídia com as novas tecnologias de comunicação e, destacadamente, as variáveis que determinaram o processo de incorporação da Internet na estratégia empresarial dos grupos Globo e Abril. Optamos por um referencial político-econômico de análise, que nos permitirá olhar as empresas de comunicação sob a ótica da economia de mercado, sem prejuízo da compreensão dos processos sociais e políticos que interferem na dinâmica das empresas de comunicação. A discussão político-econômica da comunicação pode tomar diferentes caminhos, abordar pontos distintos e levar a conclusões variadas. Pode assumir um caráter meramente descritivo ou assumir pretensões prescritivas. Trabalharemos, aqui, com uma definição simples, mas altamente eficiente e abrangente, do que venha a ser economia política — trata-se do estudo das relações sociais, particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção, a distribuição e o consumo de recursos. Tais recursos, num ambiente de comunicação, podem ser entendidos como livros, jornais, revistas,

programas, portais de Internet etc. Esta definição nos é apresentada por Vincent Mosco,1 que faz algumas ressalvas. Segundo o autor, trata-se de uma definição possível desde que se consiga identificar claramente os elementos inter-relacionáveis nessa cadeia de produção, distribuição e consumo. Mas o cenário desejado nem sempre é cristalino. Para uma definição mais ampla, Mosco sugere a definição de economia política como o "estudo dos mecanismos de controle e sobrevivência na vida social", entendendo-se "controle" como os fatores políticos que nos impõem as regras e "sobrevivência" como os mecanismos econômicos que nos geram aquilo que é necessário à vida. Se estamos falando de uma análise político-econômica do mercado de comunicação, devemos ter em mente o que é exatamente esse mercado. Pode parecer simples, mas não é.

1 Mosco, Vincent, The political economy o f Communications. , Sage Publishing, 1998, p. 25. 29

O mercado de comunicação pode ser entendido de diferentes formas: como o mercado da audiência, de modo que a disputa se dá, então, pelo interesse do espectador ou leitor; como o mercado publicitário, em que a disputa se dá pela maior fatia deste bolo; pode ser o mercado de assinaturas, em que a disputa é pelo número de clientes que pagam para receber determinada informação; e, por fim, como o mercado da influência, e neste caso a disputa se dá em um plano mais subjetivo, que é o de quem é "mais importante do que quem". O único elemento comum a essas quatro compreensões do que venha a ser mercado de comunicações é o fato de que, qualquer que seja a abordagem, sempre teremos pelo menos duas esferas relevantes a ser analisadas: a esfera de quem emite as mensagens e que, portanto, disputa o mercado; e a esfera de quem as recebe. No caso específico deste trabalho, optamos por levar em consideração uma visão de mercado variável, que ora considera a audiência e a publicidade, ora considera o consumo e a influência. Temos em mente que esses quatro elementos são indissociáveis e que as variáveis que agem em uma dessas seções de mercado influenciam necessariamente as outras também. Com relação às duas esferas fixas mencionadas, simplificaremos a questão: a esfera do emissor englobará, neste trabalho, apenas as empresas de comunicação — que por vezes chamaremos de grupos de mídia, ou de conglomerados de comunicação ou, ainda, grupos de comunicação —, e que são detentoras dos meios de difusão e da capacidade de produção de conteúdo a ser vendido; e a esfera consumidora, que compreenderá apenas o público. Não vamos, aqui, desconsiderar, em hipótese alguma, uma eventual inversão nos papéis — por exemplo, as situações de interação, quando o fluxo informativo se dá na direção do público para a empresa —, mas considerar que, para fins analíticos e didáticos, não precisamos desse nível de rigor. Dito isso, retomemos então a definição de Mosco do que seja uma abordagem político-econômica: é o estudo das relações sociais, particularmente as relações de poder, que mutuamente constituem a produção, a distribuição e o consumo de recursos. É na expressão "recurso" que o cenário começa a ficar mais complexo. Entre "recursos" produzidos, distribuídos e consumidos no universo das comunicações, além daqueles já apontados (livros, revistas, jornais, programas etc.) também está um que, em nosso entendimento, pode ser tomado, hoje, como o mais importante de todos — a audiência. 30

1) A questão da audiência

A audiência é, na história recente das comunicações, o elemento fundamental e determinante das relações de poder, seja o poder político ou econômico. Talvez ela seja a peça mais importante para a análise econômica e política do segmento de comunicação social e, em especial, do estudo dos grandes grupos de mídia. É a audiência que norteia as formas de produção e distribuição. É também um elemento que está intimamente atrelado ao consumo. Audiência, em essência, é o consumo dos produtos de comunicação e, ao mesmo tempo, é o elemento que leva ao consumo das mensagens transmitidas pelos meios de comunicação. Simultaneamente, o indivíduo receptor de uma mensagem "consome" um comercial veiculado pela TV ou por uma página de revista — ele dedica sua audiência àquilo — e, ainda, sua audiência faz com que ele consuma aquilo que está sendo sugerido pela mensagem (da publicidade veiculada, por exemplo). Há, portanto, duas maneiras de encarar a audiência no estudo da comunicação. Uma é tomá-la como o produto final a ser buscado pela atividade do agente comunicador. Outra e encará-la como mercadoria a ser trocada, como commodity. É importante deixar claro, contudo, que não estamos utilizando, necessariamente, o sentido dicionarizado da palavra “commodity”, ou seja, como um bem primário, mas sim no sentido sugerido por Vincent Mosco, para quem “commodity” é o produto cujo processo de produção é pensado prioritariamente para a troca (Mosco, 1998, p. 141). Nesse sentido, commodity é quase uma mercadoria de troca — com ressalvas importantes, mas que não estão no escopo deste estudo. Audiência, portanto, é mercadoria. O conceito de mercadoria encontra uma ótima definição nas primeiras páginas de O capital, de Karl Marx: "A mercadoria é, antes de tudo, um objeto externo, uma coisa que, por suas propriedades, satisfaz necessidades humanas, seja qual for a natureza, a origem delas, provenham do estômago ou das fantasias".2 E nessa linha, ainda dentro de uma leitura fundamentada em Marx, o consumo é a maneira pela qual os seres humanos se

2 Ver Marx, Carl, O capital, Livro 1, cap. 1. , Civilização Brasileira, 2001, p. 57. 31

mantêm e se reproduzem como indivíduos e como indivíduos sociais — tanto no sentido

físico e mental como num contexto sócio-histórico.3 A audiência e o consumo, considerando-se um ambiente de economia de mercado com o qual este estudo está preocupado, são elementos centrais. Escreve-nos, Robert G. Picard:

E preciso compreender a idéia de audiência como um conceito abstrato que denota as pessoas que atendem a um determinado canal de comunicação. Não é a população como um todo, mas sim aqueles que tiveram acesso a um meio ou canal, que selecionaram este canal de comunicação para usar. Audiência é o conjunto destas pessoas medido de forma coletiva, mas composto por indivíduos. E o comportamento destes indivíduos dita o comportamento de toda a audiência 4

Audiência é, também, se definida do ponto de vista econômico, em última instância, o produto a ser vendido pelos grupos de comunicação aos seus anunciantes, que por sua vez representam a principal fonte de receita desses grupos. Contudo, não podemos deixar de dizer que, em produtos cuja viabilização econômica se dá por venda direta, a audiência, entendida como interesse do público, é aquilo que garante as próprias vendas. Podemos dizer, sem erro, que a audiência está para os grupos de comunicação como a popularidade está para o artista ou como a platéia está para as artes performáticas, para fazer algumas comparações com outras áreas correlatas. Para uma compreensão mais ampla do termo audiência, é necessário evitar a tendência natural de abrigar o conceito apenas nos domínios da televisão. Audiência é atenção, é receptividade de um produto de comunicação, e essa receptividade pode se dar tanto nos domínios da TV quanto de jornais, rádios, revistas, Internet... "Todo telespectador, diante da televisão, paga os programas a que assiste e, no momento em que assiste, é vendido enquanto audiência ao anunciante. Este procedimento é válido também para outros meios de comunicação, como jornais e revistas", descreve

Sérgio Caparelli.5

3 Ver Bottomore, Tom, Dicionário do pensamento marxista. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Ed., 2001, p. 79. 4 Ver Picard, Robert G., Audience fragmentation and structural limits on media innovation and diversity. Paper apresentado ao Second Expert Meeting on Media in Open Societies. University of Amsterdam, outubro de 1999. 5 Ver Caparelli, Sérgio, Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre, LP&M, 1982, p. 77. Vale destacar que Caparelli, ao fazer essa afirmação, adiciona um novo elemento à análise dos outros meios de 32

A importância da audiência vai além. Não se trata apenas da capacidade de atrair a atenção do maior número de pessoas para posteriormente essa atenção ser valorada e

comercializada a anunciantes em potencial. Como analisa Bolaíio,6

o trabalho cultural tem a capacidade de transformar multidões humanas em audiência para sustentar toda a máquina publicitária, elemento central da dinâmica econômica desde o início do século XX, e para garantir as condições gerais para a legitimação do Estado contemporâneo.

Para compreender a fundo essa afirmação, seria necessário, no mínimo, discorrer sobre o papel que os meios eletrônicos de comunicação social, sobretudo aqueles com ampla abrangência — como o são a televisão e o rádio, e como pode vir a se tornar a Internet —, desempenham como agentes de intermediação entre o poder público e o público em geral, o legitimador e sustentador desse poder. Seria necessário discorrer sobre como as instituições públicas ligadas ao aparelho estatal manipulam as ferramentas de comunicação como forma de sustentação e de disseminação de seus mecanismos de perpetuação. Nesse sentido, há inúmeros trabalhos sobre as relações entre mídia e poder, a maior parte deles apontando em uma direção segura: existe uma relação de cooperação entre a mídia e os interesses do poder político-econômico, do poder dominante, que de alguma maneira proporcionam, em uma relação simbiótica, a sustentação dos meios de comunicação — seja por meio de verbas oficiais de propaganda, facilitação no processo de outorgas de concessões e autorizações públicas, isenção fiscal etc. — e a manutenção do poder reinante. O objeto de troca entre essa cooperação é, então, a audiência, que interessa sobremaneira ao poder público. No entanto, não entraremos nessa discussão por enquanto. Como veremos mais adiante, essa variável política é elemento fundamental na análise do processo de incorporação das novas tecnologias de comunicação pelos grupos de comunicação tradicionais, o que vem a ser o objeto deste trabalho, mas esse assunto será aprofundado em outro momento. Fiquemos, aqui, apenas com uma frase de Mosco (1998, p. 147):

comunicação, que é o pagamento pelo produto, na forma de assinatura ou compra avulsa (em banca) de jornais e revistas. Voltaremos mais adiante com essa análise. 6 Ver Bolafto, César, Indústria cultural: informação e capitalismo. São Paulo, HUCITEC, 2000, p. 223. 33

"commodities em comunicações têm um sentido especial, pois além do valor de mercadoria, contêm símbolos e imagens cujos significados ajudam a moldar a consciência". Por ora, o importante é ter em mente o papel fundamental da audiência do ponto de vista econômico para os grupos de comunicação. Observaremos, então, alguns aspectos da questão da audiência a fim de compreender melhor esse elemento, que será vital em nossa análise subseqüente. Dallas W. Smythe nos coloca, de maneira simplificada, como se dá a relação entre audiência, veículos e anunciantes. Os produtos de massa produzem audiências; anunciantes pagam às empresas de mídia para ter acesso a essas audiências; a audiência é então

entregue aos anunciantes.7 Em uma outra visão, César Bolaflo (2000, p. 222) observa que, no ambiente da indústria cultural, os trabalhos dos artistas, jornalistas e todos os profissionais das comunicações criam duas mercadorias de uma só vez. A primeira é o produto em si (filme, revista, jornal, website etc.). O segundo, e mais importante, é a capacidade que esses produtos têm de atrair a audiência. Essa capacidade é mensurada em tempo de exposição dos indivíduos à programação ou qual seja o produto oferecido pelo meio (jornal, revista etc.). Esses indivíduos são motivados a dar atenção àquele produto por ver nele um valor de uso. E essa massa de indivíduos, em princípio anônima — cujo perfil até pode ser conhecido, mas apenas por meio de análises estatísticas —, é então comercializada ao mercado publicitário, adquirindo valor de troca para o grupo de mídia e valor de mercado para o anunciante em potencial.8

7 Não estamos, aqui, fazendo a opção que Dallas W. Smythe faz pela análise materialista, em que a visão da audiência como commodity de troca, no sentido estritamente capitalista, é mais importante do que a análise do ponto de vista ideológico. Trata-se apenas de uma opção metodológica, mas o valor político da audiência será discutido oportunamente mais adiante (Mosco 1998, p. 149). 8 É preciso deixar claro desde já que trabalhar a questão da audiência por meio dos conceitos econômicos de valor de troca, valor de uso, valor de mercado etc., traz, de maneira inerente, enorme risco, mas enormes possibilidades ao pesquisador de comunicações. São conceitos extremamente polêmicos, mas igualmente ricos, que oferecem, no nosso entender, uma perspectiva de análise adequada quando temos em mente a compreensão dos processos de comunicação sob a ótica econômica. Uma das primeiras definições de valor vem de David Ricardo (1772-1823), segundo o qual, "Possuindo utilidade, as mercadorias recebem seu valor de troca de duas fontes: de sua escassez e da quantidade de trabalho necessária para a sua obtenção (Ricardo, David, The principies ofpolitical economy and taxation. Londres, Dent, 1962, cit. in Hunt, E. K., História do pensamento econômico. Rio de Janeiro, Campus, 1981, p. 118). Essa definição apresenta problemas óbvios para o estudo de caso das comunicações, pois em geral os produtos de comunicação social de amplo espectro, como é a televisão, não apresentam problemas de escassez e, exceto pelo custo do aparelho de televisão, também não representam dificuldade de acesso em termos de horas de trabalho necessárias para a aquisição, por exemplo — vale lembrar que, pelo menos no Brasil, a TV, segundo levantamento do último censo 34

Philip M. Napoli9 propõe um modelo interessante de análise da audiência. Inicialmente, o autor distingue três esferas de audiência: a audiência presumida (aquela que se pode esperar de um determinado produto de comunicação); a audiência aferida (aquela constatada em função da seleção de uma amostra estatística a ser pesquisada); e a audiência de fato (aquela que de fato existiu, mas que dificilmente pode ser aferida pelos métodos estatísticos convencionais).

populacional do IBGE/2000, está presente em quase de 87% dos lares, perdendo apenas para o fogão - 97,4% - e o rádio - 90%. Conceituações anteriores, como em Adam Smith, apontavam para a total independência entre valor de uso e valor de troca, e o melhor exemplo era o do paradoxo da água e do diamante, em que um - o diamante - tinha grande valor de troca, mas baixo valor de uso, e o outro - a água - tinha valor de uso inegável, mas baixo valor de troca. Marx, em seu tempo, avançou na discussão, também de maneira polêmica e muito discutida dentro do ambiente econômico. Ele diria que o valor não é uma relação técnica, mas uma relação social entre pessoas, que assume uma forma material específica sob o capitalismo. O pensador abole o uso da expressão “valor de troca” em um dado momento (Ver Tom Bottomore, op. cit., p. 397) e restringe-se a “valor”, simplesmente. O diálogo promovido pela literatura econômica entre esses três marcos da economia, e tantos outros que também abordaram a questão do valor, mostra que, em síntese, encarar o problema da valoração das coisas do ponto de vista da troca, uso, venda etc. é tão-somente um exercício de busca de referenciais de análise. Na pesquisa de comunicação, entender o que seja valor de uso, troca e venda, apenas na acepção direta da expressão, é suficiente e traz, à luz da proposta marxista de relação social, elementos mais do que suficientes para a compreensão do fenômeno da audiência. 9 Ver Napoli, Philip M , “The audience product and the new media environment: implications for the economics of media studies”. The International Journal o f Media Management, vol. 3, n° H, 2001. (www.mediajoumal.org) 35

Segundo o autor, numa análise econômica da audiência, o que se busca é o máximo de sobreposição entre essas três esferas. Este seria, em tese, o cenário ótimo para quem vende a audiência e para quem compra, pois o total da audiência prevista seria bastante próximo do que é entregue (medido), que por sua vez seria bastante próximo da realidade (audiência real). Mas, segundo Napoli, em um ambiente em que novas tecnologias de comunicação se colocam no horizonte, esse mundo ideal tende a se complicar, trazendo implicações sérias para a economia dos grupos de mídia. A primeira constatação é que com a ampliação das opções de informação e conteúdo decorrentes das novas tecnologias de informação, a audiência tende a se pulverizar, atrapalhando a congruência desejada entre audiência projetada e audiência medida. Philip Napoli cita tecnologias como os Personal Video Recorders,10 os sistemas de pay-per-view, música sob demanda, Internet etc., como elementos fragmentadores da audiência e que, portanto, tendem a complicar sua previsibilidade e, conseqüentemente, criar maior dificuldade para que essa audiência seja comercializada no mercado publicitário. "Quanto maior a incerteza na audiência produzida, maior o risco", coloca Napoli (2001). Também as novas tecnologias, diz o autor, estariam ampliando a distância entre a audiência medida e a audiência que de fato é registrada. Os dados medidos estão menos representativos da realidade, por uma razão simples: segundo Napoli, preocupações com a privacidade têm forçado, pelo menos nos EUA, o declínio do número de pessoas dispostas a se submeter ao acompanhamento dos seus hábitos de audiência. Com isso, a amostragem fica menos representativa e menos precisa, alargando as fronteiras entre o que se mede e o que de fato acontece. No Brasil, há registros desse tipo de problema, mas o fato é que a amostragem de domicílios medidos, no caso, por exemplo, do levantamento de audiência de televisão, não é grande o bastante para que a margem de erro estatística possa ser reduzida e, principalmente, está concentrada principalmente à praça de São Paulo, quando falamos em medição em tempo real. Nas demais praças, a medição é feita pelo Ibo pe (o 36 principal instituto de aferição de audiência nacional) apenas no dia seguinte, por meio de registros impressos e eletrônicos.11 As novas tecnologias também afetam a lógica da audiência ao fragmentar o que anteriormente era uma audiência direcionada para um ponto comum. Com as novas tecnologias, coloca Napoli, não parece absurdo supor que as atenções se diversifiquem em meio às múltiplas opções existentes, quando estudos empíricos nesse sentido já apontam para a comprovação dessa hipótese. Se as análises de Napoli estiverem corretas, o modelo de viabilização econômica dos meios de comunicação, até hoje fundamentalmente centrado na questão da audiência, sofre um processo de mudança extremamente significativo com o advento de novas tecnologias que introduzem novos produtos e contribuem, assim, para a fragmentação da audiência. Antes que isso aconteça, contudo, é importante que haja a migração das verbas publicitárias para os novos meios de comunicação, o que não é algo simples, como mostram dados recentes. Por exemplo, nas duas tabelas a seguir, vê-se a participação relativa que tem o segmento Internet na divisão do bolo publicitário do Brasil e dos EUA nos últimos anos. Em nenhum dos casos, a participação é superior a 3% no bolo publicitário total.12

10 Ou PVR — espécie de videocassete que grava digitalmente a programação das redes de TV digitalizadas e permite o avanço ou retrocesso instantâneo das imagens, "pular" determinados trechos da programação, como comerciais etc. 11 Segundo o Ibope, em fevereiro de 2002 a distribuição dos aparelhos de medição de audiência de TV se dava da seguinte forma: Grande São Paulo (750, medidos em tempo real), Grande Rio de Janeiro (450), Grande Porto Alegre (250), Grande (250) , Distrito Federal (250), Estado de (380), Grande (250), Grande Salvador (250), Grande (250), Florianópolis (150) e Grande (150). 12 Com relação aos modelos de aferição da contagem da veiba publicitária, muitas considerações metodológicas podem ser feitas e os resultados, portanto, precisam sempre ser contestados. Por exemplo, pela metodologia da PriceWaterhouseCoopers (PwC) utilizada nessas pesquisas, quem informa o total de investimentos feitos são os próprios veículos, de modo que os dados distorcidos não têm como ser checados. No caso das medições sobre o bolo publicitário para TV, por exemplo, reportagem da revista Tela Viva de novembro de 2000 (Possebon, Samuel e Falgetano, Edylita, “Quanto vale o mercado de TV?”. São Paulo, 2000, disponível em www.telaviva.com.br) mostra que um grave problema é o fàto de que cerca de 20% da verba destinada à TV acaba voltando para as agências de publicidade na forma de bonificações por vendas e comissões, o que distorce a medição, já que os percentuais de cada agência e cada emissora não são públicos. 37

Faturam ento do mercado PUBLICITÁRIO NO BRASIL (EM MILHÕES DE R$) - TABELA 1

TV Jomal Revista Rádio Internet Outdoor TV paga TOTAL 2000 5.542 2.114 1.043 482 - 258 162 9.600 2001 5.340 1.975 985 441 225 204 143 9.313 Fonte: Projeto Inter-Meios / PwC 2000 e 2001

Faturamento do mercado publicitário nos EUA (em bilhões de US$) - tabela 2

Jomal M. direta TV Rádio Revistas Cabo Internet Outdoor TOTAL 1999 46,6 41,6 41 16,9 11,11 9,8 4,6 1,7 218

2000 49,5 44,5 44,5 18,4 - 11,2 8,2 1,8 233 2001 45,1 46,2 41,2 18 10,9 11,4 7,2 5,1 237 Fonte: Internet Advertising Bureau / PwC Revenue Report; McCann-Erickson referentes a 1999, 2000 e 2001

Aparentemente, esse processo parece bem mais lento do que se poderia supor com base apenas em modelos teóricos. Um bom exemplo disso é o próprio desempenho do grupo Globo. Apesar da fragmentação da audiência decorrente da TV paga, da Internet, das investidas de outras redes de televisão, o percentual da verba publicitária detida pelo grupo continua correspondendo a cerca de 78% da verba publicitária total disponível para TV, como veremos em mais detalhes ainda nesse estudo. De qualquer modo, ainda que não se comprove que as novas opções de meios de comunicação estejam de fato erodindo a audiência dos meios tradicionais, consideramos que a medição da audiência desses novos meios tende a ser, pelo menos em um primeiro momento, menos confiável pelos seguintes motivos: • as técnicas de medição ainda não estão absolutamente apuradas; • não se conhece ainda o hábito de consumo dos novos meios para que se possa então montar uma metodologia adequada de medição — por exemplo, a Internet, onde ainda se questiona se o fato de boa parte das pessoas "consumir" sites e portais em horário de trabalho não poderia influenciar o significado e o resultado das medições; 38

• ainda é difícil precisar qual a real distância entre o que é medido e qual é a

realidade da audiência.13 Napoli sugere que nesse cenário em que a audiência — tanto a medida quanto a real — passa a ser efetivamente afetada pelas novas tecnologias, o caminho natural para os grupos de comunicação é buscar outras alternativas econômicas além da tradicional troca de audiência por publicidade. O autor aponta caminhos como a exploração de mercados de nicho — por exemplo, buscar publicidade com base em dados mais qualificados de audiência em detrimento de uma audiência de massa — ou mesmo a adoção de modelos hibridos de comercialização do conteúdo combinados com publicidade, em que parte dos custos de produção é suprida pelos próprios consumidores dos produtos de informação por meio de assinaturas, mensalidades ou pagamento individual por notícias e serviços oferecidos pelos meios de comunicação. Em síntese, a análise de audiência de Napoli diz que, se os grupos de comunicação, por um lado, enfrentam, com o advento das novas tecnologias e meios de comunicação, dificuldades de manter seus velhos formatos de troca de audiência de massa por publicidade, por outro, aponta ele, aparecem outras possibilidades de financiamento dos produtos produzidos, tais como assinaturas, vendas diretas etc. Essa proposta é congruente com o que já se observa há pelo menos 40 anos na análise econômica do mercado de comunicação. Como nos coloca Alain Hercovici,14 referindo-se ao trabalho de Bemard Miége, a tipologia clássica dos modelos econômico- sociais dos grupos de comunicação pode ser assim definida:

a) a lógica editorial caracteriza-se pela descontinuidade da produção e pelo financiamento direto pelo consumidor final; trata-se de produzir produtos culturais a partir de uma matriz original (livros, discos, vídeo) ou serviços (cinema, artes cênicas) para determinados públicos; o acesso a esses bens e serviços é determinado a partir de um preço de entrada a

13 Vale lembrar que muitas das novas tecnologias de comunicação, tais como Internet e redes digitais de TV por assinatura, oferecem, pelo menos tecnicamente, possibilidade de acompanhamento dos hábitos de audiência infinitamente mais precisos do que as mídias tradicionais. Em redes de TV paga pode-se, virtualmente, saber que assinante está assistindo a que canal em que momento, com uma amostragem de 100% das casas. No caso de Internet, esse tipo de medição também é possível. Só essa possibilidade já é o suficiente para ponderar, antes de afirmar, que novas tecnologias não apresentam métodos precisos de medição de audiência. O ponto a que queremos chegar é que, apesar dessa potencialidade, os métodos de aferição de audiência de novas tecnologias ainda parecem carecer de confiabilidade, sobretudo paia aqueles que, com base nas informações de audiência, decidem verbas de publicidade. 14 Hercovici, Alain, “A economia das redes eletrônicas: rupturas, lógicas sociais e modalidades de regulação - Reflexões preliminares”. (Texto não publicado.) 39

ser pago pelo consumidor final. O editor ou o produtor assume um papel central nesta economia; finalmente, a valorização econômica é aleatória e as atividades de distribuição são particularmente onerosas.

b) O rádio e a televisão aberta são característicos da lógica de onda ("Culture de jlot", em francês); a difusão é continua e o consumo instantâneo. O acesso a este tipo de serviço depende da posse do hardware correspondente e é gratuito, ou semi-gratuito, para o consumidor. O financiamento é, parcial ou integralmente, assegurado pelos mercados intermediários, ou seja, pelos anunciantes que compram espaços publicitários. As atividades de programação são fundamentais: elas permitem definir o perfil da rede e fidelizar o público.

c) A imprensa corresponde à uma lógica mista; por um lado, é possível assimilar esta atividade á lógica editorial, em função do caráter descontínuo da produção; por outro lado, a regularidade da produção corresponde a uma lógica de onda. O financiamento é misto: parte provém do pagamento efetuado pelo consumidor, outra da venda de espaços publicitários. A redação constitui a atividade chave.

Isso significa que o modelo econômico de viabilização dos grupos de comunicação está fundamentado, por esta análise, em três alternativas: venda direta dos produtos, troca de audiência por publicidade ou um modelo híbrido, em que os ganhos com a venda de publicidade são somados aos ganhos com a venda dos produtos na forma individual. As definições dos três modelos econômicos, sistematizadas por Alain Hercovici, trazem ainda outros aspectos importantes, como a questão da continuidade dos fluxos de informação. De maneira simplificada, pode-se dizer que nos produtos de informação cuja lógica econômica é a editorial, o fluxo é único, ou seja, ele se realiza apenas no momento em que o consumidor adquire o conteúdo, seja ele na forma de uma revista, jornal, fita de vídeo etc., processo esse que se repete a cada novo ato de compra e venda. Nos produtos atrelados à lógica da onda, o fluxo de informações é contínuo, independe da vontade do consumidor, cuja única autonomia nesse caso é ligar ou desligar o seu aparelho de recepção (televisor ou rádio, por exemplo) ou trocar de canal. Independente disso, contudo, o fluxo de informação continuará existindo.15

15 A esse respeito, vale destacar que, em um primeiro momento, um televisor desligado não representa, para uma rede de televisão, por exemplo, nenhum empecilho a que se mantenham as transmissões. Ou seja, o fluxo de informação não cessa porque o telespectador não está mais vendo. Contudo, imagine-se que não apenas um, mas vários televisores sejam desligados, e que isso não aconteça em um momento específico, mas sim continuamente, ao longo do tempo. Com isso, o que resulta será uma audiência menor, que conseqüentemente terá, para o anunciante, menor valor, e isso certamente afetará a receita da rede de TV e, no limite, a manutenção do próprio fluxo de informações, que está naturalmente atrelado às suas fontes de financiamento. 40

Como nos descreve Hercovici, cada um desses modelos corresponde a determinadas rupturas em relação a um modelo anterior (ruptura essa que não significa substituição). A primeira ruptura teria acontecido na passagem do modelo editorial para o modelo da imprensa. Em seguida, do modelo da imprensa para o modelo de onda. Esta segunda ruptura poderia ser entendida como a ruptura das redes, pois é nesse momento em que a natureza técnica do meio de distribuição (no caso da TV, uma rede eletromagnética e no caso da Internet, uma rede de transmissão de dados) afeta os custos de reprodução e distribuição da informação, forçando-os a uma diminuição.16 De acordo com as conclusões de Bemard Miège, a lógica da onda (flot) tem se tornado dominante por conta das condições econômicas favoráveis inerentes a ela: um investimento de capital inicialmente pesado é retribuído com baixos custos de trabalho, próprios do modelo e, sobretudo, é retribuído com as imensas possibilidades de reprodução e re-empacotamento dos produtos, o que permite a reprodução da audiência inicial em muitas vezes.17 Ainda sobre a questão da audiência, uma outra consideração importante tem sido feita por diferentes autores e, para esta pesquisa, parece-nos fundamental tratar também da questão “o paradoxo diversidade/audiência ”. Quem a coloca é o pesquisador norte-americano Robert G. Picard (1999). Ele afirma que num ambiente em que novas tecnologias de comunicação estão em crescente processo de incorporação por grupos de comunicação tradicionais, é natural que os produtos de informação se multipliquem. O número crescente de produtos que podem utilizar diferentes veículos de comunicação leva necessariamente à redução da audiência dos veículos tradicionais, dado que, obrigatoriamente, um produto de comunicação só existe se alguém o consumir, e se uma pessoa consome um produto em um dado momento,

15 Esta reflexão fica ainda mais interessante se notarmos que, do ponto de vista tecnológico, novas tecnologias que são utilizadas como meios de comunicação, como a Internet, são decorrentes da convergência entre tecnologias distintas. A Internet é, de certa forma, o resultado do cruzamento de duas vertentes tecnológicas: a vertente das telecomunicações interpessoais (onde o telefone, o telex e o telégrafo foram os principais expoentes) e a vertente das comunicações de amplo espectro (onde a TV e o rádio marcam o ápice). A Internet mescla um pouco de cada um, adicionando ainda uma série de características de uma terceira corrente de evolução tecnológica, a informática, cuja principal característica é o armazenamento e a manipulação de informações, sobretudo na forma de bancos de dados. Esta observação fica apenas como exercício de reflexão posterior, pois nos parece razoável supor que também uma convergência entre os três modelos econômicos de sustentação do mercado de telefonia, do mercado de rádio e TV e do mercado de informática componham os componentes econômicos do mercado de comunicação via Internet 41 está deixando de consumir outro produto no mesmo momento. No limite, essa lógica leva à pulverização da audiência, já que o tempo disponível das pessoas para consumir informação é limitado. Picard coloca ainda que, como parte do processo de evolução dos grupos de comunicação, a inovação na criação de novos produtos é algo que sempre ocorreu historicamente e que é necessário até como forma de evitar a concorrência e ocupar o mercado. Mas o processo de inovação e criação de novos produtos leva, em última instância, como exposto, necessariamente a uma fragmentação na audiência• A ■ 18 . Para enfrentar, de um lado, a necessidade de inovação e, de outro, a fragmentação da audiência, um caminho comumente utilizado por grupos de comunicação é o da segmentação de sua audiência, criando produtos específicos para nichos. Mas isso também contribui para que a audiência se pulverize cada vez mais. E em um mercado de comunicação em que a base da sustentação financeira é a venda de audiência para o mercado publicitário, a fragmentação dessa massa de espectadores e/ou leitores leva a um paradoxo. A necessidade de inovação é patente para um grupo de comunicação. Ao se inovar e diversificar seus produtos de comunicação haverá a redução de audiência individual de cada um dos produtos. Com audiências menores, a receita publicitária conquistada tende a ser menor, o que força os grupos de comunicação a investir menos em seus produtos, contribuindo ainda mais para a diminuição da audiência, reduzindo mais a receita e pressionando os custos de produção para baixo. (Diagrama 1)

17 Ver Mosco, Vincent, op. cit., p. 110. 18 Ver Picard, Robert G., op. cit. 42

Uma possível contramedida a esse círculo vicioso tem sido, de acordo com as pesquisas de Picard, o ganho de escala no reaproveitamento de um mesmo conteúdo em diferentes produtos, o que certamente implica custos de produção menores. O lado mim dessa solução é que, ao final das contas, a inovação buscada acaba não sendo tão inovadora como poderia, o leitor e/ou espectador recebe mais do mesmo conteúdo em diferentes formatos, de modo que o espaço para que outros grupos tomem o espaço com conteúdo verdadeiramente inovador continua aberto. Esse paradoxo colocado por Picard nos remete a um problema comum aos grupos de comunicação brasileiros: a necessidade de inovar para manter os índices de audiência. É certo que esse problema não é tão comum em meios impressos (se bem que, nesse aspecto, a constante luta por novos projetos gráficos e editoriais demonstra que no ambiente competitivo entre jornais e revistas a inovação também é um fator determinante). O que se observa, por exemplo, no mercado de TV, é a busca incessante por novos formatos que encontrem aceitação social forte o suficiente para atrair e manter a audiência. Nesse sentido, talvez um dos maiores casos de inovação em grupos de comunicação brasileiros tenha sido o modelo de "programação-sanduíche" da Rede Globo de televisão:19 no

19 Ver Priolli, Gabriel e Borelli, Silvia H. S. A deusa ferida: por que a rede Globo não é mais a campeã absoluta de audiência. São Paulo, Summus, 2000, p. 19. 43

conjunto da programação diária, os programas eram divididos entre os gêneros jornalístico, esportivo e teledramatúrgico; no horário do final do dia, em que as pessoas retomavam do trabalho e toda a família podia sentar-se diante da TV, o modelo aplicava a fórmula novela/jornal/novela. O significado dessa inovação de formato — mas ainda não de veículo — foi a consolidação de um horário nobre em que seguramente haveria uma grande massa de telespectadores, a estruturação de uma grade conhecida de programação e a formação de um hábito de consumo da TV. Esse modelo deu tão certo que, mesmo tendo sido criado no início da década de 1970, persiste até hoje com níveis de audiência ainda bastante elevados, ainda que não sejam mais absolutos como foram em seu princípio. A complementação desse modelo por outras inovações de formato, como telejomais comunitários ou populares,20 os reality shows, as transmissões esportivas em horário nobre etc., são exemplos de adaptação dos grupos de comunicação a uma necessidade de mercado de criar o novo em troca da conquista ou da manutenção da audiência. O mesmo se aplica á análise dos produtos de comunicação. Inovações tecnológicas que levam à criação de novos meios e produtos (Internet, TV paga e, no futuro, formas de TV interativa) são imperativos aos grupos de comunicação como parte da manutenção de uma situação estabelecida de mercado. Mas também porque a inovação é parte do jogo tecnológico, e tecnologia e comunicação, como veremos, apresentam uma relação cada vez mais próxima.

2) A questão dos déficits de exploração

Na análise econômica dos grupos de comunicação, um elemento deve ser observado com bastante atenção. São os fatores de desequilíbrio financeiro, também chamados de

"déficit de exploração".21 São alguns elementos que determinam, do ponto de vista econômico das empresas de comunicação, a viabilidade ou não da exploração de determinados produtos. Naturalmente, qualquer fator macro, meso ou microeconômico pode afetar no equilíbrio financeiro de grupos de comunicação. Um plano econômico,

20 Por exemplo, o jornalismo comunitário do SPTV da Rede Globo ou os telejomais de viés sensacionalista, como foi o "Aqui Agora" na década de 1990, precursor do gênero que neste início dos anos 2000 ganha a cara em programas como o "Cidade Alerta". 44 restrição de acesso a capitais, mudanças nas taxas de juros, renegociações salariais, greves, turbulências sociais e todos os demais fatores que podem afetar a economia de um modo geral afetam também a economia dos conglomerados de mídia, e isso é inquestionável. No entanto, além desses fatores gerais, outros fatores específicos prevalecem sobre o segmento de comunicação, e são esses fatores que analisaremos brevemente, com o objetivo de estabelecer mais esse referencial teórico para as análises subseqüentes. Hercovici (1995) aponta-nos algumas variáveis endógenas que contribuem para o déficit de exploração: • Star-system. Como característica marcante ao negócio de comunicações, temos sempre a figura da "estrela", daquela pessoa importante para a cadeia produtiva

e cujo custo é determinado por fatores que não obedecem às leis de valor22 ou de oferta e demanda. Naturalmente, a figura da "estrela" não é exclusiva apenas da indústria de comunicação, podendo ser observada também na área esportiva, educacional etc. • Sobre-qualidade técnica. Hercovici não entra em detalhes sobre este fator, mas podemos avançar na reflexão do autor e ponderar que, de fato, na indústria de comunicação, a disputa pelos mercados tem se marcado por uma constante busca pela qualidade, o que envolve investimentos no desenvolvimento de técnicas específicas e na aquisição de tecnologias. Naturalmente, esse fator ganha ainda mais força quando estamos tratando de tecnologias em pleno desenvolvimento, como é o caso de Internet, TV digital, TV interativa etc. Esta questão será discutida adiante, do ponto de vista teórico, utilizando como base

reflexões de César Bolano23 acerca do mercado brasileiro de televisão e suas considerações sobre o modelo neoschumpeteriano de desenvolvimento tecnológico proposto por Giovanni Dosi.

21 Terminologia utilizada por Alain Hercovici em Economia da cultura e da comunicação. Vitória, Fundação Ceciliano Abel de Almeida, 1995, p. 116. 22 "O que determina o valor é a quantidade de trabalho socialmente necessário ou o tempo de trabalho socialmente necessário para a produção de um valor de uso" (K. Marx, O capital, Livro 1, p. 61). 23 Ver Bolano, César, Para uma análise do sistema comercial brasileiro de televisão - Questões teóricas e metodológicas preliminares. (Versão não editada, fornecida pelo autor em fevereiro de 2002.) 45

• Complexificação da cadeia mediática. Como veremos nos dois modelos de análise das empresas de comunicação propostos por Bolano (2000, pp. 236-38), ao final deste capítulo, dentro da estrutura econômica dos conglomerados de comunicação abrigam-se, cada vez mais, uma quantidade maior de veículos (jornais, portais, revistas, emissoras de TV etc.). Segundo Hercovici, "a adjunção de novos elementos a uma cadeia mediática existente" (1995, p.117) implica aumento do déficit de exploração. O autor pondera que, de maneira cada vez mais comum, a multiplicação (compulsória) dos meios para atender às demandas do mercado — por exemplo, a produção necessária de um videoclipe para ajudar nas vendas de um novo álbum sem que isso, necessariamente, represente novas receitas — duplica os custos de produção. • Aumento dos gastos ligados à promoção e publicidade. Este fator gerador de déficit não é comum, no nosso entendimento, a todos os conglomerados de comunicação, até porque os mecanismos de promoção cruzada, através dos veículos de comunicação do próprio conglomerado, atenuam as despesas com promoção. Hercovici não faz tal reflexão, mas deve-se considerar que em 1995, quando propôs a hipótese de que os gastos de promoção e publicidade representariam fator de desequilíbrio para empresas de comunicação, o autor ainda não podia contar com elementos empíricos de análise como foram as megafusões entre conglomerados de mídia nos EUA e Europa e que permitiram a observação clara do funcionamento dos mecanismos de cross-media.24 Hercovici acrescenta ainda que, em um ambiente de déficit de exploração, a indústria de comunicação precisa, então, de intermediários que financiem esse déficit. O primeiro exemplo proposto pelo autor restringe-se às artes performáticas, em que patrocinadores e financiamentos governamentais cobrem a diferença entre os custos de

24 Principalmente após a fusão dos grupos Time Warner e AOL ficou claro que os grandes conglomerados de comunicação partiam para uma estratégia de aproveitar a sinergia entre os diferentes veículos abrigados sob uma mesma estrutura corporativa para obter ganhos de escala e redução de custos de promoção. Exemplo disso foram as promoções envolvendo o portal AOL, as redes de TV e os canais de TV paga da Time Warner e os filmes e/ou lançamentos fonográficos da Warner. Essa estratégia de utilizar os diferentes veículos de um mesmo grupo para promover e comercializar produtos correlatos foi batizada no final da década de 90 de cross-media (mídia cruzada, numa tradução livre). 46

produção e as receitas. Esses intermediários também existem na indústria• audiovisual: * • 25 é o

próprio mercado publicitário.26 Hercovici, contudo, considera que, hoje, esses intermediários já não são suficientes para cobrir a diferença entre custos e receita (o déficit de exploração) na indústria de comunicação, de modo que outros financiamentos intermediários têm sido buscados (criação de subprodutos, suporte governamental, merchandising...). Consideramos importante acrescentar que nessa categoria de intermediários financiadores do déficit de exploração devem ser incluídos também elementos relacionados ao mercado financeiro — que a partir dos anos 80 tornou-se o principal financiador dos grandes conglomerados de mídia —, tais como os fundos de investimento; os lançamentos de ações no mercado de bolsas; papéis de dívida; e venda de participação (equity)27, entre outros. A questão do déficit de exploração está ligada, obviamente, à capacidade de uma empresa ou de um conglomerado de comunicação conseguir manter-se viva ao longo do tempo. Mas também está ligada à questão do preço final do produto. Alain Hercovici (1995, p. 168) discute a questão do preço dos bens culturais, discussão essa que não há problema em ser transposta para os bens produzidos pela indústria de comunicação como um todo, aliás, como o próprio autor faz ao tratar do mercado audiovisual, incluindo a televisão. A discussão sobre o preço dos bens culturais é longa e envolve conceitos que não serão tratados aqui por não serem centrais ao nosso entendimento. Das reflexões de Hercovici, fiquemos com as conclusões: 1) bens culturais podem ter preços diretos, ou seja,

preços que são estabelecidos em correlação direta entre oferta e demanda; e 2) preços indiretos, em que a questão dos agentes financiadores externos interfere na determinação do preço final. Sobre essas duas modalidades temos a considerar que, no primeiro caso, o preço está vinculado diretamente à possibilidade de reprodução do produto. No caso de um

25 Entendemos, aqui, indústria audiovisual como a indústria que compreende produtos nos quais existe a predominância de sons e ou imagens em movimento, como é o caso da televisão, do rádio, do cinema, do vídeo e seus avanços (DVD etc.). Nesse sentido, Internet, quando vista sob a ótica da convergência de meios que proporcionem a integração de imagens e sons, pode ser considerada como parte da indústria audiovisual. 26 Neste ponto, consideramos que a análise de Hercovici carece de maiores explicações, pois naturalmente, em se tratando do mercado de televisão aberta, a publicidade é a única forma de receita possível, uma vez que não existe venda direta ao consumidor de ingresso, do direito de uso ou de assinatura, como acontece nas artes performáticas, na TV paga ou no mercado editorial. 27 Estas categorias de financiadores externos foram selecionadas por serem as mais comuns utilizadas entre empresas de comunicação em seus processos de capitalização. Não são, contudo, as únicas possíveis. 47 disco, por exemplo, se forem gravadas apenas algumas cópias e a demanda for grande, o preço direto subirá. No caso de um evento esportivo único, cuja exibição só acontecerá uma vez, o preço direto também tende a ser mais alto. No segundo caso (preços indiretos), a interferência dos agentes financiadores contribui para o aumento ou redução do preço final. Segundo Hercovici, os dois elementos podem — e em geral isso acontece — atuar de forma conjunta na determinação do preço de algo produzido por uma empresa de comunicação. Outra consideração importante de Hercovici, e que deve ser observada neste momento que pretendemos consolidar um arcabouço conceituai para a análise dos grupos de comunicação, é o fato de que, dado o fato de que os componentes que compõem o preço final de uma mercadoria cultural serem determinados direta e indiretamente, e afetados por fatores endógenos, não é possível identificar uma relação direta entre níveis de preço e custos de produção (1995, p. 170),28 ou seja, há a possibilidade concreta de que os preços — e, portanto, as receitas — possam ser inferiores aos custos de produção. Transpomos essa afirmação também para o campo da indústria de comunicação e seus produtos, uma vez que, como já foi dito, acreditamos que a maior parte dos elementos de análise dos produtos culturais propostos por Alain Hercovici podem ser utilizados de uma maneira mais ampla.

3) A questão da inovação

Quando falamos em novas tecnologias, estamos essencialmente falando em inovação. Em uma análise político-econômica, como a que nos propusemos a fazer, não é possível deixar de mencionar alguns aspectos já extremamente discutidos na literatura econômica a respeito do conceito de inovação, aspectos esses que se tomam muito úteis na compreensão dos grupos de comunicação, sobretudo no momento atual. Esses pontos a respeito do conceito de inovação, a nosso ver, serão de grande valia neste esforço de construção de um arcabouço teórico para as análises a ser realizadas nos próximos capítulos.

28 Vale ressaltar que Hercovici, a partir de uma leitura fundamentada nos conceitos de trabalho concreto e trabalho abstrato da literatura marxista, conclui que o produto cultural não adquire status de mercadoria, mas não está claro se essa leitura se estende também aos produtos das empresas de comunicação de um modo geral. 48

O termo "inovação" ganhou, sem dúvida, uma nova perspectiva depois dos trabalhos de Joseph A. Schumpeter. Trata-se de um conceito que difere da invenção ou da criação pura, pois ocorre apenas quando a invenção consegue se posicionar no coração do sistema econômico, em um processo de "destruição criadora". Só então é que temos a inovação (Hercovici, 1995, p. 218; Castells, 1999, p. 216). Segundo essa análise, a função econômica do empresário sob a ótica schumpeteriana seria "realizar essa transformação, impondo a 'criação' através de sua validação econômica no mercado, transformando-a, assim, em inovação". De acordo com a interpretação de Hercovici, olhando-se por esse lado, nota-se uma sobredeterminação da oferta sobre a demanda, ou seja, a inovação tecnológica partiria do produtor em direção ao consumidor, ou, no caso de empresas de comunicação, partiria do produtor de conteúdo em direção ao consumidor/receptor. A dinâmica dos ciclos econômicos na interpretação schumpeteriana seria sistematizada da seguinte maneira: 1) o empresário inova e ganha mercado; 2) esse mercado passa a ser erodido por outros agentes que igualmente buscam inovar em seus produtos; 3) o mercado volta a uma situação de equilíbrio. 29 Em uma representação gráfica, teríamos o seguinte:

(1) INOVAÇÃO (2) COMPETIÇÃO (3) EQUILÍBRIO ------► ------*-

O processo acima é cíclico, mas não é constante, isto é, ele se reinicia não necessariamente após o seu término, mas sempre que uma inovação for capaz de se validar economicamente no mercado e estabelecer condição de ganho. O curioso dessa análise é que a inovação parece ser algo inerente ao próprio sistema capitalista, uma vez que, segundo Schumpeter,30 o processo de desestruturação e reestruturação pela inovação estará sempre ocorrendo. Castells (1999, p. 217) vai mais longe e sugere que, assim como Max Weber entendeu que a busca do lucro estava na essência do capitalismo de seu tempo — e

29 Segundo a análise de Hercovici (1995, p. 220), esse equilíbrio caracteriza-se pelo momento em que o lucro do empresário em função de sua vantagem em termos de inovação deixou de existir. 30 Ver Schumpeter, Joseph A , A teoria do desenvolvimento econômico. São Paulo, Nova Cultural, 1985, p. 63. 49

ainda está —, a inovação, a renovação, a mutabilidade schumpeteriana que tomam conta do

"capitalismo informacional" representam a sua essência.31

César Bolafto,32 em sua análise sobre o mercado de televisão — e que no nosso entender se aplica perfeitamente, pelo menos neste ponto, também á análise das empresas de comunicação como um todo —, coloca que

a luta competitiva pelo predomínio técnico no interior do mercado (...) é uma questão essencialmente financeira e administrativa. A concorrência (...) se dá fundamentalmente via diferenciação de produto, o que, diga-se de passagem, no sistema brasileiro, tem provocado importantes mudanças estruturais. Aqui, mais do que nunca, vale o conceito shumpeteriano amplo de inovação.

Ou seja, se compreender a questão da inovação é tão importante, igualmente importante é compreender os processos tecnológicos, administrativos e financeiros que estão por trás dessa inovação. E a inovação, como veremos em instantes, constitui hoje elemento Central na competição entre empresas de comunicação. Se inovar, como nos coloca a análise schumpeteriana, é algo central, essencial no capitalismo, no mercado de comunicação é ainda mais importante, pois a "dinâmica inovadora" é o que pode acabar determinando quais os meios de comunicação que mais chegam às massas, quais são aqueles que sobrevivem, quais morrem, como se dá o jogo de forças entre os agentes do mercado etc. Bolaflo preocupou-se, primeiro, em analisar o mercado brasileiro de televisão do ponto de vista das barreiras de entrada.33 Mas ele considera que, olhando-se sob a ótica da

31 Naturalmente, é preciso dizer que a aproximação entre as essências dos dois tempos do capitalismo proposta por Manuel Castells é bastante mais complexa e envolve conceitos até de natureza filosófica que não serão aqui abordados Em relação ao capitalismo informacionalista, ou informacionalismo, é preciso dizer que essa é a essência da reflexão de Castells em seu A sociedade em rede, em que coloca o papel que as redes informacionais ocupam na cultura, na economia e na política deste começo de século. 32 Ver Bolaflo, César, “Para uma análise do sistema comercial brasileiro de televisão: questões teóricas e metodológicas preliminares”, 2002. 33 Para uma conceituação simples do que venham a ser baiTeiras à entrada, podemos recorrer ao glossário elaborado pelo Ministério da Fazenda para orientar, no Brasil, as ações referentes ao direito econômico. Segundo essa definição, barreiras à entrada são "qualquer fator em um mercado que ponha um potencial competidor eficiente em desvantagem com relação aos agentes econômicos estabelecidos. Entre os fatores que constituem importantes barreiras à entrada, citam-se alguns: (a) custos fixos elevados; (b) custos afundados; (c) barreiras legais ou regulatórias; (d) recursos de propriedade das empresas instaladas; (e) economias de escala ou de escopo; (f) grau de integração da cadeia produtiva; (g) fidelidade dos consumidores às marcas estabelecidas; e (h), a ameaça de reação dos competidores instalados". Texto extraído do Glossário de Termos disponível no site http://receita.fazenda.gov.br em janeiro de 2002. A questão das barreiras de entrada será, contudo, discutida com mais profundidade adiante, ainda neste capítulo. 50 inovação, o que se nota é que a "dinâmica inovadora" entre os agentes econômicos também acaba criando barreiras à entrada de outros concorrentes. Por exemplo, o próprio surgimento da TV Globo no mercado brasileiro de televisão trouxe volumes de capital, padrão gerencial, técnicas administrativas, modo de relacionamento com o mercado anunciante, estratégias de programação e outros aspectos que, sem dúvida, representaram uma inovação em sua época, mas que depois, ao se tomarem padrão para o mercado, constituíram barreiras para novos concorrentes. A análise do mercado de comunicação sob a ótica da inovação toma-se ainda mais interessante quando se percebe a chance de observar um outro efeito também bastante discutido no âmbito da teoria econômica, o efeito da acumulação. Bolaflo cita um dos principais pesquisadores contemporâneos das questões de inovação tecnológica, Giovanni Dosi: "a estrutura de mercado (incluindo o tamanho das firmas e a concentração) não pode ser considerada como uma variável independente, já que ela é função da inovatividade (sic) passada, das oportunidades tecnológicas passadas e do grau de apropriabilidade das inovações do passado".34 Ou seja, o processo de desenvolvimento das comunicações e de evolução do mercado se dá com base em experiências anteriores, em decisões tomadas anteriormente, em estratégias escolhidas entre "um leque de possibilidades determinado pela situação da empresa inovadora ou imitadora dentro da estrutura anterior". Bolaflo exemplifica esse fenômeno com o caso da televisão,35 mas o mesmo pode ser percebido, por exemplo, no processo de formação do conceito de portais de Internet. O que se nota é que entre os diferentes portais oferecidos pelas empresas de comunicação brasileiras (e por que não dizer, em todo o mundo) poucos se destacam por terem uma estrutura diferente. A tendência geral é a de uma estrutura semelhante, que vai evoluindo aos poucos e que é prontamente copiada pelas concorrentes, de modo que fica até difícil identificar quem foi o autor original de determinada idéia. O caso dos reality shows nos programas de televisão é um outro exemplo do que chamamos de efeito da acumulação no setor de comunicação. A partir de uma idéia original

34 Ver Dosi, Giovanni, Technical change and industrial transformation. London, McMillan, 1984, p. 93. 33 Segundo César Bolaflo, a Globo, ao entrar no mercado de televisão, optou por uma programação popularesca, de baixa qualidade, assim conquistando imediatamente uma grande fatia da audiência. Outros grupos de comunicação, como o SBT, seguiram a mesma estratégia nos seus primeiros momentos, mas não tiveram resultados semelhantes, pois a Globo já havia estabelecido algumas barreiras que suas antecessoras não tinham conseguido lhe impor. 51 de se filmar o cotidiano de pessoas comuns, desenharam-se centenas de alternativas sobre a mesma fórmula inovadora, ora buscando os elementos de ação, ora os elementos de emoção, ora os elementos de erotismo etc.

Em um trabalho recente, Giovanni Dosi e Andrea Bassanini36 discutem especificamente a questão da competição em um mesmo mercado em que diferentes tecnologias coabitam. Os autores não fazem a extrapolação para o segmento de comunicação, mas, como veremos, os princípios da situação descrita por Dosi e Bassanini se aplicam bem ao nosso objeto de estudo. Eles fazem um exercício de análise do processo de difusão de novos produtos e tecnologias em mercados competitivos e percebem que em muitos casos esse processo é caracterizado por crescimento nos ganhos, rearranjo de posições ow. feedback positivo. Este último, aliás, é um conceito econômico que será ainda aprofundado neste capítulo quando formos falar de economia de rede, e que não deve ser confundido com o feedback a que estamos acostumados no estudo das comunicações. Por ora, fiquemos com a definição por Carl Shapiro e Hal R. Varian:37 feedback positivo é o fenômeno econômico que faz o agente forte tomar-se mais forte e o fraco tornar-se mais fraco, tudo isso levado ao extremo. Ao mesmo tempo, existe o feedback negativo, em que o fraco toma-se mais forte e o forte toma-se mais fraco. Estamos falando de posição dominante no mercado, de capacidade de controlar o mercado — seja por uma fatia maior do setor em que atua, seja pela capacidade de impedir a entrada de novos concorrentes. O mercado de comunicação, como vimos anteriormente, pode ser entendido de diferentes formas: ou como o mercado da audiência (em que a disputa se dá pelo interesse do espectador ou leitor); ou como o mercado do bolo publicitário (em que a disputa se dá pela maior fatia desse bolo); ou ainda como o mercado de assinantes (em que as empresas disputam quem terá mais leitores ou espectadores pagando para receber seus produtos); e pode ser entendido como o mercado da influência (nesse caso, a disputa se dá no plano do "quem é mais importante"). Portanto, o feedback positivo, em um mercado de comunicação, é aquele fenômeno que faz com que a audiência

36 Ver Dosi, Giovanni e Bassanini, Andrea, Competmg technologies, technological monopolies and the role o f convergence to a stable market structure. Laboratory of Economics and Management, Sant'Anna School of Advanced Studies, Pisa, 1999 (http://lem.sssup.it) 52

do líder em audiência cresça ainda mais, ou que esse agente, sendo controlador de uma grande fatia do bolo publicitário, tenha uma fatia ainda maior; ou que ele ganhe ainda mais assinantes ou torne-se ainda mais influente. E como contrapartida do feedback positivo, alguém perderá espaços na mesma proporção. Voltando ao trabalho de Dosi e Bassanini (1999), o problema passa a ser, então, entender por que o processo de difusão de novos produtos e novas tecnologias em mercados competitivos é caracterizado por crescimento nos ganhos, rearranjo de posições ou feedback positivo. Eles apontam dois conjuntos de fatores: 1) os fatores de oferta, e 2) os fatores de demanda, também chamados pelos autores de extemalidades de rede. No primeiro caso enquadram-se os casos em que a adoção de uma determinada tecnologia mostra-se interessante porque representaria ganhos de escala, menores custos, melhor desempenho etc. Um exemplo: por que uma rede de televisão opta por investir em equipamentos mais caros ou em novas tecnologias de computação gráfica? Porque, interpretando-se pela linha proposta por Dosi e Bassanini, essas tecnologias representariam maior possibilidade de ganho de escala (foi o caso da substituição pelo videoteipe da captação por câmeras de cinema, o que acontecia nos primórdios da televisão), abririam novas chances de vendas de publicidade (por exemplo, a propaganda virtual durante jogos de futebol) etc. No segundo caso (extemalidades de rede), o feedback positivo ou os ganhos na adoção de uma nova tecnologia acontecem se existir uma massa de usuários — é o caso, por exemplo, do e-mail, em que o fator "há outras pessoas com quem me corresponder" tornou-se, historicamente, determinante na decisão dos usuários de adotar essa tecnologia de comunicação. Outra extemalidade que determina uma situação de feedback positivo, colocam Dosi e Bassanini, é a questão da padronização, ou seja, uma demanda que exija o mesmo tipo de produto, maior será o efeito do feedback se esse produto for o da empresa que produz o padrão. Os autores colocam ainda que, na literatura econômica, é muito comum que se associe esse fenômeno do feedback positivo à criação de monopólios. "Se a inovação

37 Ver Shapiro, Carl e Varian, Hal R., A economia da informação: como os princípios econômicos se aplicam à era da Internet. Rio de Janeiro, Campus, 1999, cap. 7. 53 tecnológica opera sob a dinâmica de ganhos crescentes ou feedback positivo, então o uso pioneiro de determinada tecnologia pode criar o efeito de uma bola de neve, em que a tecnologia se tomará preferida e dominará o mercado". Isso acontece porque, segundo Dosi e Bassanini (citando W. B. Arthur),38 valeria mais a pena adotar tecnologias que já tenham sido utilizadas mais vezes, num processo conhecido como leaming-by-doing, ou seja, uma espécie de aprendizado com a experiência. "Por causa do feedback positivo (ou negativo), a probabilidade na adoção de uma determinada tecnologia é função crescente (ou decrescente) do número de usuários que adotaram aquela tecnologia anteriormente", descrevem Dosi e Bassanini (1999). Essa leitura da realidade de uma economia baseada na inovação, na tecnologia, não é muito diferente de uma outra leitura, esta feita por Shapiro e Varian (1999, p. 205): "Sejam reais ou virtuais, as redes têm uma característica econômica fundamental: o valor de ligar-se a uma rede depende do número de outras pessoas já conectadas a ela". Essa é a deixa que precisávamos para entrar em um outro aspecto teórico que será fundamental para a análise deste trabalho: a questão da economia das redes. Segundo Shapiro e Varian, não vivemos mais em um mundo caracterizado apenas pelas economias de escala, como eram as economias industriais dos séculos XVIII e XIX e boa parte do século XX. Hoje, a economia da informação39 é fundamentada no conceito de redes.

4) A economia das redes

Shapiro e Varian começam a sua discussão sobre a economia das redes ressaltando um ponto importante, que também está presente nesta tentativa de construção de um arcabouço conceituai para o estudo das empresas de comunicação diante de novos paradigmas tecnológicos: a tecnologia pode mudar, mas as leis da economia não (1999,

38 Ver Arthur, W.B, Competing technologies, increasing retums and lock-in by historical events. Economy Journal, 1999. 39 Caracterizar os nossos dias como tempos de uma economia de informação é tarefa para trabalhos seguramente mais longos e mais elaborados do que este. Castells é um dos principais autores a discutir essa questão, e nossa interpretação do que represente a sociedade contemporânea e por que efetivamente vivemos em uma economia infoimacional está fundamentada em suas análises feitas em seu Sociedade em rede (1999). Não consideramos, contudo, que os conceitos econômicos e as dinâmicas da chamada economia de escala deixem de se aplicar ao nosso tempo Muito pelo contrário, conceitos como o de trabalho, valor e lucro, tão freqüentes na análise das economias clássicas, são e serão usados neste estudo. 54

p. 13). No estudo da economia da informação40, alguns princípios e conceitos básicos precisam ser observados. Por exemplo, o princípio de que cada vez mais a informação, apesar de cara para ser produzida, toma-se mais barata para ser reproduzida. Por esse motivo, colocam-nos Shapiro e Varian, o preço da informação no mundo contemporâneo é algo que depende basicamente do consumidor. Eles observam que se uma empresa que produza e venda determinado tipo de informação fosse vender seu produto baseada apenas nos custos de produção, certamente vivenciaria a experiência de cobrar centavos pelo seu produto, já que o custo de reproduzi-la para milhares de clientes toma-se irrisório. Este princípio é, por si só, suficiente para que se expliquem fenômenos como jornais, portais de Internet e mesmo redes de televisão gratuitas, ou seja, meios de comunicação em que deixa de fazer sentido cobrar individualmente por cada cliente. Nestes casos, é mais eficiente do ponto de vista de ampliação do mercado consumidor se o produto não tiver um preço ao consumidor e seus custos de produção puderem ser recuperados apenas com publicidade. Garante-se, assim, grande audiência — porque ninguém precisa pagar —, e essa audiência torna-se uma mercadoria valiosa a ser comercializada ao mercado publicitário. Por outro lado, colocam Shapiro e Varian, as pessoas não aceitam um produto apenas porque ele é gratuito. A valorização de um determinado produto — ainda que o ato de valorização não seja o ato de compra, mas a simples preferência — se dá por um fenômeno chamado experiência. Produtos com os quais as pessoas estão experimentadas têm credibilidade e, portanto, despertam maior percepção de valor. Não é preciso ir muito longe para imaginar como esse elemento é importante para as empresas de comunicação em um ambiente como a Internet, por exemplo. Nesse caso, um determinado conteúdo será oferecido para as pessoas por uma empresa específica, mas o mesmo conteúdo poderia ser obtido por diferentes fontes de informação. A opção do consumidor (leitor/espectador), a valorização, se dá pela credibilidade, que nada mais é do que o acúmulo de experiências positivas do passado.

40 Para Shapiro e Varian, informação pode ser entendida como qualquer coisa que possa ser digitalizada, transformada em bits e transportada de um lugar ao outro. No nosso entendimento, esse conceito é válido apenas para o estudo especifico da realidade digital, mas informação, naturalmente, tem um sentido muito mais amplo. Informação é algo que está intimamente ligado ao conhecimento. E, portanto, o conhecimento que pode ser transmitido, por qualquer meio, digital ou não. O processo de levar a informação de um ponto a outro é o que podemos entender como processo de comunicação. Empresas de comunicação, portanto, são empresas que transmitem conhecimento de um ponto a outro. Meios de comunicação são, por lógica, veículos que permitem que a informação seja levada de um ponto a outro. 55

Este é, aliás, o exemplo usado por Shapiro e Varian para exemplificar como a experiência pesa na determinação de produtos (eles utilizam o caso do jornal Wall Street Jounal vendendo diferentes versões de seu conteúdo tradicional). Apesar da questão da experiência ser fundamental na dinâmica entre os diferentes agentes em uma economia informacional, a questão da tecnologia não pode ser desprezada. Sobre isso, Shapiro e Varian nos escrevem (1999, p. 46): "os líderes históricos em muitos mercados de informação correm hoje o risco de perderem suas posições de liderança à medida que surgem novas tecnologias que reduzem drasticamente o custo de criar ou distribuir a informação". A análise dessa afirmação nos coloca diante de um outro problema: qual a relação entre tecnologia e informação? Poderíamos discorrer sobre aspectos teóricos envolvendo esta pergunta, mas optamos por um caminho mais simples, que requer apenas a percepção dos fatos que estão à nossa volta. Se a economia atual sofre a influência de mudanças de paradigmas tecnológicos e se hoje a economia mundial tem a informação como uma variável cujo peso não pode ser desprezado, seria no mínimo esperado que os processos de difusão de informação também fossem afetados pelas tecnologias. Como nos descreve Harold Innis,41 a evolução tecnológica tem estado, desde a invenção do papel e até mesmo antes, estritamente ligada à evolução dos meios de comunicação e do próprio processo de comunicação. Portanto, como resposta à nossa pergunta, teremos: tecnologia e informação são estritamente ligadas, uma vez que a tecnologia influencia nos processos de difusão de informações, que a difusão de informações contribui para a evolução tecnológica e que a troca de informações e a inovação tecnológica estão intimamente ligadas aos processos econômicos desde sempre, mas muito mais notadamente neste início de século. Voltando à afirmação de Shapiro e Varian a respeito da questão tecnológica e dos mercados de informação, alguns processos característico da economia das redes42 precisam ser abordados para que se possa entender por que algumas posições de liderança nos mercados de informação ficam ameaçadas diante de novas tecnologias. O primeiro conceito abordado pelos autores é o de valor das redes, ponto este que já discutimos anteriormente. "Sejam reais ou virtuais, as redes têm uma característica

41 Innis, Harold A., The bias of communication. , University of Toronto Press, 1999. 56

econômica fundamental. O valor de ligar-se a uma rede depende do número de outras pessoas já conectadas a ela". Esse conceito não é exatamente o conceito de experiência, que está muito mais relacionado com a questão da credibilidade. Já o conceito de valor das redes está atrelado ao tamanho e ao ganho de escala. Outro ponto importante na análise da economia das redes, para Shapiro e Varian, é a questão do feedback positivo (e negativo) também já abordado. O feedback positivo, contudo, não deve ser confundido com crescimento, mas está relacionado a ele. "Se uma tecnologia está em uso, como a Internet hoje, o feedback positivo traduz-se em crescimento acelerado: o êxito alimenta-se a si mesmo, em um círculo virtuoso" (1999, p. 207).43 Algumas análises da economia das redes (Shapiro e Varian, 1999; Dosi e Bassanini, 1999) apontam para uma afirmação que soa quase como uma lei no mercado informacional. "Quando duas ou mais empresas competem por um mercado em que haja um forte feedback positivo, somente uma poderá emergir como vencedora", colocam Shapiro e Varian. Desnecessário é dizer, contudo, que essa afirmação está levada ao extremo, e que em um mercado heterogêneo, com vários agentes, nem todos certamente sobreviverão, mas alguns agentes diferentes podem encontrar nichos distintos. A análise toma-se mais ou menos precisa dependendo do que considerarmos como mercado relevante. Se olharmos sob a ótica de empresas de comunicação brigando com diferentes tecnologias por um mesmo mercado — o mercado do bolo publicitário, por exemplo —, teremos um resultado. Se considerarmos, contudo, que o mercado de Internet é diferente do mercado de televisão, a análise pode ainda apontar para outros caminhos. Ao que tudo indica, do ponto de vista do corolário colocado por Shapiro e Varian, não podemos considerar o mercado publicitário com um único mercado, pois nesse sentido seriamos obrigados a admitir que se uma determinada tecnologia de informação (Internet,

42 Economia das redes pode ser compreendida como a economia de ambientes em que a relação entre a criação de uma rede de consumidores, ou uma rede de usuários, ou uma rede de fornecedores, é determinante. 43 Interessante mencionar a questão da Lei de Metealfe, ainda que não seja oportuno discorrer mais longamente sobre esse tópico. Para Metealfe, o valor da rede eleva-se com o quadrado do número de usuários. Bob Metealfe foi o inventor do protocolo Ethernet (utilizado para redes internas) em 1973. Também foi o fundador da 3 Com, um dos principais fabricantes de equipamentos para rede. A chamada Lei de Metealfe é uma pequena regra prática sem, na verdade, muita aplicação. O principal uso dessa regra foi feito pelo próprio Metealfe, em artigo escrito em 1995 (http://wwl.infoworld.com/cgi- bin/displayNewpl?/metcalfe/bml 20495.htm), que previa o colapso completo da Internet em 1996. Como mostrou a História, não houve colapso, ainda que algumas de suas previsões na ocasião não se mostrassem descabidas. 57 por exemplo) apresenta um feedback positivo maior, apenas ela sobreviveria. Nesse sentido, então, a análise sob a ótica do feedback positivo só se aplicaria a empresas de comunicação se o mercado considerado não for muito amplo. A dinâmica de adoção de tecnologias em mercados com feedback positivo obedece a um comportamento descrito no Gráfico 1 O modelo, sem dúvida bastante conhecido, ilustra como em um processo de dinâmica de redes, o número de DINÂMICA DE ADOÇÃO usuários tende a crescer num (Gráfico 1) primeiro momento em velocidade ainda não muito acelerada, até que a massa de usuários atinja um ponto ótimo (o que gera um valor e um feedback positivo muito maiores para a rede), e em seguida a rede entra em um processo de saturação, quando passa a ser pequeno o número de novos usuários — apesar de a massa total de usuários ser enorme e isso não poder ser desconsiderado. Tempo No estudo específico da Fonte: Shapiro e Varian, 1999, pg. 210 indústria de comunicação, o pesquisador da Universidade de Stanford, Everett Rogers, demonstrou que, na curva de difusão em S, a maior velocidade de difusão de uma nova tecnologia acontece quando ela atinge a faixa de 10% a 25% do mercado potencial.44 Diante disso, coloca-se: por que alguém tentaria estabelecer uma nova rede de uma nova tecnologia se já existe uma rede estabelecida com grande número de usuários? Colocando essa pergunta em um nível prático: se a rede de usuários de TV é enorme — ainda que não cresça mais —, por que alguém se preocuparia em criar uma rede de usuários de Internet para transmitir conteúdos similares àqueles levados pela televisão ou,

14 Ver Rogers, Everett M., Communication technology: the new media in society. New York, Free Press, 1986. 58

complicando ainda mais, por que alguém buscaria lançar algo como a tecnologia digital de TV? A resposta para essas perguntas está ligada, segundo Shapiro e Varian, aos conceitos de revolução e evolução. Por evolução entende-se a passagem de uma tecnologia para outra preservando-se ao máximo a compatibilidade com a tecnologia anterior, mas, ao mesmo tempo, adicionando-se pouco em termos de desempenho. Revolução, então, representa a passagem de uma tecnologia para outra com grandes ganhos em termos de desempenho, mas perda de compatibilidade em relação ao paradigma anterior, como mostra o Gráfico 2. Em geral, do DIAGRAMA DO DESEMPENHO ponto de vista econômico, VERSUS A COMPATIBILIDADE quanto maior o grau de (Gráfico 2) revolução de uma tecnologia, maior o custo de troca para o consumidor e para a empresa (Shapiro e Varian, 1999, p. 224). O custo de troca é o custo envolvido na passagem de uma tecnologia para outra. Por exemplo, passar da TV preto-e- Fonte: Shapiro e Varian, 1999, pg. 224 branco para a TV colorida representou um custo de troca alto, mas não significou para as pessoas deixar de assistir seus programas prediletos, pois eles poderiam ser captados tanto pelo televisor em cores quanto pelo televisor preto-e-branco. Já a passagem de uma rede de usuários de PC para a rede de usuários de Macintosh, por exemplo, traz um custo de troca muito maior, pois além do equipamento, também é preciso trocar todos os programas, é preciso reaprender uma série de funções e rotinas etc. 59

O custo da troca está, naturalmente, atrelado ao grau de envolvimento que os consumidores e a própria empresa têm em relação a um determinado paradigma tecnológico. Esse fator é chamado na literatura econômica relacionada à economia de redes de aprisionamento. Trata-se tão-somente da inércia que precisa ser vencida para fazer o usuário passar de uma determinada tecnologia para outra, inércia que pode estar atrelada a questões econômicas, culturais, políticas etc. Como veremos, esse conceito de aprisionamento está intimamente relacionado ao conceito de barreiras de entrada, que já discutimos brevemente e aprofundaremos em seguida. Antes disso, porém, é necessário concluir o raciocínio consolidado por Shapiro e Varian. Após apresentar de que forma se dá o processo de evolução/revolução tecnológica e quais os fatores que podem afetar tal processo, os autores concluem que em alguns casos, para se conseguir dar início ao círculo virtuoso do feedback positivo com o lançamento de uma nova tecnologia e o estabelecimento de um novo processo econômico baseado nos princípios da economia de rede, é muitas vezes necessário que entre empresas competidoras se crie uma espécie de pacto — que por vezes toma-se aliança — no sentido de criar uma massa crítica45 de usuários e assim tirar um determinado mercado de uma situação de inércia. Um exemplo utilizado pelos autores foi novamente a questão da TV colorida, que só começou a ganhar movimento efetivo no momento em que todos os agentes envolvidos viram-se comprometidos a dar escala ao negócio, o que estimulou as pessoas a trocar seus aparelhos. Sem querer ir muito longe, podemos vislumbrar a mesma coisa para a questão da TV digital, onde, nitidamente, apenas um pacto entre emissoras de TV, produtores de conteúdo, fabricantes de equipamento, vendedores de eletro-eletrônicos e govemo poderá criar um movimento inicial que justifique os gigantescos custos de troca. Como veremos, a mesma situação pode ser observada na questão da introdução de tecnologias como Internet no conjunto de negócios de grandes grupos de mídia. Neste caso, para vencer a inércia inicial, foi necessário que alguns grupos se unissem (Folha e Abril, por exemplo), da mesma forma que apenas a existência de uma massa crítica de usuários fez com que efetivamente fosse interessante para o grupo Globo investir nesse segmento.

45 Vale destacar a definição de Hercovici (1995:223) para a expressão "massa crítica": trata-se da dimensão mínima requerida para se manter no mercado sem suportar a pressão da concorrência. CorTesponde à ultrapassagem de níveis técnicos, comerciais e financeiros. 60

Naturalmente, esses pontos serão discutidos com muito mais cuidado nos próximos capítulos, que serão dedicados especificamente aos dois casos. Assim, Shapiro e Varian propõem, então, em um mercado em rede, quais seriam os ativos básicos na disputa do mercado.46 Com base nos elementos trazidos pela literatura econômica, para determinar os ativos relevantes na disputa de mercado de tecnologias em rede, propomos então uma analogia com o mercado de comunicação para mostrar como o conceito de economia de rede encaixa-se perfeitamente è economia da comunicação e como suas variáveis podem ser muito bem aproveitadas neste estudo. Os sete ativos básicos na disputa de um mercado em rede, para Shapiro e Varian (1999, p. 310) são: 1. Controle sobre uma base instalada de clientes (o que pode ser traduzido, para termos mais próximos da comunicação, como controle da audiência); 2. Direitos de propriedade intelectual (no mercado de comunicação, podemos usar a expressão direitos sobre o conteúdo); 3. Capacidade de inovação (capacidade de buscar fórmulas originais); 4. Vantagem de ser o primeiro (inovação de linguagem e formatos); 5. Capacidade de fabricação (capacidade de gerar conteúdos); 6. Força em produtos complementares (capacidade de utilizar diferentes meios para promover e difundir a mesma informação - cross-media)', e 7. Reputação e prestígio da marca (credibilidade, na analogia com o mercado de comunicação). 61

A básicos em um mercado de redes - tabela 3 CENÁRIO DE DISPUTA POR PADRÕES CENÁRIO DE DISPUTA DO MERCADO DE TECNOLÓGICOS COMUNICAÇÃO Controle sobre uma base instalada de clientes Controle sobre uma massa crítica de espectadores/leitores (audiência) Direitos de propriedade intelectual Direitos sobre o conteúdo Capacidade de inovação Capacidade de buscar fórmulas de formatos e conteúdos originais Capacidade de fabricação Capacidade de produção Vantagem de ser o primeiro Inovação no formato Força em produtos complementares Cross-media Reputação e prestígio da marca Credibilidade

Fonte: Shapiro e Varian (1999) para a coluna da esquerda A coluna da direrta representa uma sugestão deste estudo como analogia ilustrativa.

Para fechar a discussão sobre inovação não podemos deixar de mencionar o trabalho de Everett Rogers, que aborda a forma como os processos de difusão tecnológica são adotados e implementados em nossa sociedade. E a chamada Teoria da Difusão, que propõe que a característica da inovação tecnológica, dependendo da forma como é percebida pela sociedade, determina o grau de difusão dessa nova tecnologia. As variáveis que determinam, então, a percepção social da inovação são: vantagens relativas; compatibilidade, complexidade e visibilidade. Roger Fidler47 explica as cinco variáveis de Rogers:

• Vantagem relativas são as vantagens de uma determinada tecnologia que não podiam ser percebidas evidentemente em uma tecnologia anterior. Fidler exemplifica com o telefone celular, cuja vantagem da mobilidade é inegável e que, relativamente ao telefone fixo, determina o grau de interesse sobre essa determinada evolução. • Compatibilidade é a capacidade de se manter compatível com tecnologias anteriores. Por exemplo, o telefone móvel não se colocou de forma ilhada, de

46 Neste caso, os autores estão abordando especificamente a disputa por padrões em um mercado em rede. 47 Ver Fidler, Roger, Mediamorphosis: understanding new media. Thousand Oaks, Pine Forge Press, 1997. 62

modo que os usuários de telefone fixo não pudessem falar com os usuários de telefone móvel. • Complexidade está diretamente relacionada com a facilidade de uso de uma determinada tecnologia. • Confiabilidade é a propriedade que uma determinada tecnologia tem de proporcionar ao seu usuário a mesma segurança — tanto em termos de tempo de uso e disponibilidade quanto de privacidade — que a tecnologia antecessora proporcionava. • Visibilidade é a capacidade que uma tecnologia tem de se mostrar ao público e ganhar o interesse das pessoas. Se isso não acontecer, os usuários não pararão para prestar atenção nas outras características ou, se o fizerem, será um processo que levará mais tempo.

5) As barreiras de entrada

Uma outra abordagem bastante comum na análise da dinâmica do mercado de comunicação diz respeito às questões das barreiras de entrada. Um dos principais estudos seguindo essa linha teórica, ainda que restrito ao caso da televisão brasileira, foi feito por César Bolano em seu Mercado brasileiro de televisão 48. Não se trata, contudo, de uma abordagem nova, sobretudo na análise de segmentos econômicos, mesmo daqueles complexos como é o segmento das comunicações. Como vimos, uma definição possível do termo “barreiras de entrada” pode ser

qualquer fator em um mercado que ponha um potencial competidor eficiente em desvantagem com relação aos agentes econômicos estabelecidos. Entre os fatores que constituem importantes barreiras à entrada, cita-se alguns como custos fixos elevados; custos afundados, barreiras legais ou regulatórias, recursos de propriedade das empresas instaladas; economias de escala ou de escopo; grau de integração da cadeia produtiva; fidelidade dos consumidores às marcas estabelecidas; e a ameaça de reação dos competidores instalados.49

48 Ver Bolano, César, Mercado brasileiro de televisão. Aracaju, PEUFS, 1988. 49 Definição extraída do Glossário Normativo do Ministério da Fazenda do Brasil (www.fazenda.receita.br). 63

A literatura econômica, contudo, nos traz definições ainda mais precisas. A discussão formal sobre barreiras de entrada passou a se dar a partir do começo do século XX, com trabalhos de John Bates Clark. Contudo, foi Joe S. Bain em seu Barriers to new competition..., de 1956, que sistematizou a discussão, buscando definir os fatores que determinam o tamanho das barreiras de entrada (vantagens de custo, vantagens de diferenciação e vantagens de escala) e os elementos que servem para estimular a ultrapassagem dessas barreiras (lucro, incentivos governamentais e investimentos). Este histórico nos é apresentado por Paul Ingran e Jeffrey Robinson, da Universidade de Columbia,50 que sugerem, ainda, uma classificação de barreiras de entrada de natureza econômica, social, institucional e cultural. Entre as barreiras de entrada de natureza econômica elencamos aquelas relacionadas à necessidade de capital; às vantagens de custo; aos custos de transição; ao acesso à distribuição; e ao controle de propriedade. Todas essas categorias enquadram-se, de uma maneira ou de outra, entre as categorias estabelecidas por J. S. Bain referentes ao tamanho das barreiras de entrada. Como necessidade de capital, entende-se a demanda por investimentos iniciais para a realização de um negócio novo. Já como vantagens de custo, de maneira resumida, temos as vantagens que determinado produto ou empresa têm em relação a seus possíveis concorrentes em função de custos maiores ou menores de produção. Custos de transição são os custos que estão bastante relacionados ao conceito que já apresentamos, definido por Shapiro e Varian (1999) como custo de troca. Em termos de acesso de distribuição, estamos falando essencialmente de acesso aos meios que permitirão a distribuição do produto, conceito esse que, visto como barreira de entrada de natureza econômica, será fundamental na análise dos grupos de comunicação. Por fim, o controle de propriedade é uma barreira de entrada que, naturalmente, está bastante relacionada à variável "propriedade intelectual", também apresentada por Shapiro e Varian no quadro anterior. Como barreiras de entrada de natureza social podemos listar, segundo a definição de Ingran e Robinson (2002), a rede de propriedade do negócio; a rede de organização do negócio; a rede de organizações cívicas; a infra-estrutura política; e o mercado de trabalho

50 Ver Robinson, Jeffrey e Ingran, Paul (orient), An economic sociology of entry barriers. Tese de doutorado, Columbia University, New York, 2002. 64

atrativo. Não detalharemos todas elas, desde que o conceito de barreiras de entrada sociais aplica-se melhor a outros áreas econômicas que não as comunicações. Dessas barreiras, destacamos apenas a questão da "infra-estrutura política". O que se percebe no universo das comunicações é que uma forte inserção no cenário político coloca-se como uma variável importante na determinação de estratégias e ações. Como veremos mais adiante, em muitos casos a existência, por exemplo, de uma rede de lobby eficiente ou mesmo o conhecimento de trâmites políticos pode servir com uma importante barreira à entrada de novos concorrentes. Em relação às outras barreiras sociais propostas, todas elas estão relacionadas a uma rede de relações e influência com fornecedores, competidores, agentes de mercado, relação essa que muitas vezes se dá no nível social e não econômico (amizades, tradição, proximidade, nacionalidade etc.). De uma maneira geral, Robinson e Ingran colocam que essas redes sociais comunicam e conduzem recursos e informações que podem ser determinantes no sucesso ou fracasso de um determinado negócio. Existe ainda um conjunto de barreiras de entrada, que podem ser chamadas de barreiras institucionais, que compreende 1) as normas locais (regras, leis, valores etc.); 2) a ordem social (violência, organização, previsibilidade dos agentes etc.); 3) atenção governamental (agências reguladoras, instituições normatizadoras e fiscalizadoras etc.); e 4) mercados de capital ativos (existência ou não de fontes de financiamento, ambientes de negociação etc.). Por fim, Ingran e Robinson colocam algumas barreiras culturais que podem funcionar como barreiras à entrada de competidores em um determinado mercado, como a linguagem, as regras morais etc. Naturalmente, dentro da literatura econômica, o campo de análise das barreiras de entrada é gigantesco e praticamente todas as variáveis econômicas, colocadas sob a ótica correta, podem ser entendidas como barreiras de entrada. Segundo Hercovici (1995, p. 230), barreiras de entrada são definidas como vantagens absolutas em termos de custos, diferenciação de produtos, economias de escala e montantes de investimentos. Para Luiz Schymura,51 as barreiras de entrada podem ser caracterizadas como 1) barreiras absolutas (monopólios ou oligopólios, que podem ser resultado de patentes ou de

31 Ver Luiz Guilherme Schymura, “Barreiras à entrada: o caso do setor de creme dental brasileiro”. Revista Brasileira da Economia, Rio de Janeiro, FGV, 1997, in Guimarães, Maria das Graças S., A economia da 65 licenças governamentais); 2) barreiras de custos irrecuperáveis (os custos que são demandados, em geral, na montagem do negócio e que se destinam estritamente à atividade fim da empresa (por exemplo, a construção de uma fábrica, de uma rede etc); 3) barreiras de reputação e qualidade (a diferença entre produtos, padrões tecno-estéticos,52 credibilidade etc); 4) barreiras de custos de capital (o acesso ao mercado de capitais pagando taxas competitivas); e 5) barreiras de preços predatórios e competição (qual a situação do mercado em relação aos concorrentes e os níveis de competitividade em relação aos preços dos produtos). Os estudos em comunicação estão muito mais preocupados com as questões das barreiras de entrada de natureza política — as concessões — e as estéticas (o suposto "padrão Globo" de qualidade, por exemplo). Mas, como veremos, à medida em que a inovação do setor de comunicações atrela-se à evolução das novas tecnologias de comunicação, barreiras de entrada de natureza financeira, sociais, técnica começam a aparecer.

6) A midiamorfose de Fidler

Nesse esforço de construir um arcabouço conceituai razoável para a análise dos grandes grupos de comunicação diante de mudanças de paradigmas tecnológicos, não poderíamos deixar de fora o trabalho de Roger Fidler sobre midiamorfose. Trata-se de um dos conceitos mais importantes no estudo recente das comunicações e, diante de um cenário de inovação que permeia a estratégia e a dinâmica dos grupos de mídia, representa peça- chave para que possamos compreender, sobretudo, como determinadas tecnologias e produtos convivem com outros que os precederam em uma seqüência evolutiva.

televisão a cabo no Brasil: um estudo de caso. Dissertação de mestrado, Universidade de Brasília. Brasília, 1998. 52 Uma longa discussão sobre padrões tecno-estéticos como barreiras de entrada nos é colocado por César Bolano (2000, p. 234). Em sua definição, são as configurações de técnicas, de formas estéticas, de estratégias, de determinações estruturais que definem as normas de produção cultural historicamente determinadas de uma empresa ou de um produtor cultural particular, para quem esse padrão é fonte de barreiras de entrada. 66

O processo de midiamorfose é descrito por Fidler em seu Mediamorphosis: understanding new media,53 de 1997: trata-se do processo de "transformação dos meios de comunicação decorrente do complexo inter-relacionamento entre necessidades percebidas, pressões de natureza política e competitivas e inovações sociais e tecnológicas". Segundo Fidler, a midiamorfose não é uma teoria unificada de pensar a evolução tecnológica na mídia. É uma forma de analisar a mídia de maneira conjunta, em vez de analisar cada mídia de forma separada, buscando assim a percepção de que a evolução das tecnologias de comunicação decorre de um processo de metamorfose de tecnologias, de processos, estruturas e tradições anteriores. Novas formas de comunicação, coloca Fidler, emergem de tecnologias anteriores, que normalmente não morrem, mas continuam, sim, a evoluir e se adaptar. Essa visão é absolutamente condizente com o que vemos, até este ponto, na evolução de tecnologias de comunicação como a Internet. Como dissemos, a Internet é o produto da evolução de três correntes distintas das tecnologias de comunicação. Uma corrente é a própria mídia televisiva, com seu tubo catódico que nos permite ver aJgo que está distante, a partir de uma transmissão de sinal que sai de um ponto e viaja pelo espaço — seja de forma aberta ou por redes restritas como as redes de cabo — até alcançar o receptor. Outra vertente tecnológica que compõe a Internet é a vertente da telefonia e das transmissões de dados. Aquilo que um dia serviu apenas para levar sinais de voz passa a servir para levar sinais de dados, que podem ser interpretados por processadores. A terceira vertente tecnológica envolvida no surgimento da Internet é a vertente da informática, em que códigos binários são interpretados de modo a se tornar compreensíveis pelo nosso raciocinio e sentidos. De um ponto de convergência entre essas três correntes surgiu a Internet, com características híbridas de cada uma das tecnologias que a precederam. Contudo, a evolução segue atuando em cada uma das tecnologias originais, que continuam existindo por si só, e essas evoluções acrescentam algo à nova mídia convergente. Por outro lado, a própria Internet ganha características evolutivas próprias, que tendem a levar ao surgimento de novos meios de comunicação sem, contudo, que isso signifique o fim da

53 Ver Fidler, Roger, Mediamorphosis: understanding new media. Thousand Oaks, Pine Forge Press, 1997, pp. 22 a 30. 67

Internet como a conhecemos, assim como a TV, o telefone e os computadores continuaram existindo separados da Internet. Voltemos então à discussão de midiamorfose de Roger Fidler. Um outro ponto observado pelo autor, tratado como um principio da midiamorfose, é o fato de que "meios estabelecidos de comunicação devem mudar em resposta ao surgimento de novos meios, caso contrário a sua única alternativa é a extinção". O princípio da midiamorfose de Fidler deriva de três conceitos, que são os de co-evolução, convergência e complexidade. A co-evolução acontece, segundo Fidler, porque todos os meios de comunicação estão entrelaçados ao sistema de comunicação humano e não podem existir sem o outro. Na medida em que novos meios de comunicação se desenvolvem, eles influenciam ao longo do tempo, e com graus variados de intensidade, o desenvolvimento dos meios existentes. A co- evolução tem sido a norma desde que o primeiro ser vivo se desenvolveu na terra, da mesma forma que o sistema de comunicação como o conhecemos não teria sido possível se cada novo meio que surgisse simplesmente representasse o fim do meio anterior. Naturalmente, coloca Roger Fidler, assim como as espécies vivas, os meios de comunicação têm ciclos de vida e eventualmente morrem, mas isso não significa o seu desaparecimento. Eles deixam para trás, como legado, códigos e linguagens que serão reaproveitados pelos novos meios. A linguagem digital com que passamos a conviver desde que surgiram os primeiros processadores capazes de interpretar códigos binários, nos anos 40 do século XX, será a linguagem universal dos meios de comunicação, independentemente de sua evolução tecnológica, por muitos e muitos anos. O bit dos anos 40 é o mesmo bit de hoje.54 O que mudou foram as formas e a velocidade de interpretá-lo. Como nos coloca Brian Winston, da Universidade de Westminister,55 "a digitalização do sinal elétrico analógico é o coração do conceito de convergência, da idéia de que todos os

54 Philippe Breton, em seu História da informática (São Paulo, Editora da Unesp, 1991, p.52) nos descreve que o termo bit, contração da expressão binary digit (dígito binário) foi primeiramente introduzido por Claude Shannon, em 1939, que buscava elaborar uma teoria matemática da comunicação. Shannon buscava uma forma de transmitir informações sem que houvesse nenhum tipo de perda por ruído ou interferência. Chegou à conclusão de que a melhor maneira de fazer isso era através da transmissão de sinais elétricos intermitentes, em que a única informação relevante era a existência ou não do sinal (à existência atribui-se o sinal 1 e à não- existência atribui-se o sinal 0). O código gerado pela seqüência de 0 e 1 seria então reinterpretado na ponta do receptor. Além de um método que se mostrou funcional na prática, Shannon criou uma maneira de medir o volume de informações, já que o bit tomou-se sua unidade de medida. 35 Ver Winston, Brian, Media technology and society - A history: jrom telegraph to the Internet. London, Routledge, 2000, p. 134. 68

equipamentos de comunicação estão se unindo, especialmente computador e televisão, com efeitos profundos na sociedade". Por convergência Roger Fidler entende o "cruzamento de caminhos e os casamentos que resultam na transformação de cada entidade convergente assim como a criação de novas entidades" (1997, p. 27). Ficaremos com essa definição por considerá-la absolutamente suficiente para explicar aquilo que sabemos intuitivamente: convergência de meios é a mistura de características antes abrigadas em entidades diferentes. Assim como a Internet, como vimos, é o fruto da co-evolução dos galhos evolutivos das telecomunicações, da televisão e da informática, ela (a Internet) também é a convergência de características desses três meios, que se unem para coexistir em um único ambiente e dar origem a novas características também. Por fim, dentro do estudo do processo de midiamorfose, Fidler nos propõe a discussão do conceito de complexidade. Esse conceito está intimamente atrelado ao que costumamos chamar de caos — falamos de um ambiente em que as menores variações podem ter repercussões gigantescas ao final de um processo. É o clássico exemplo da borboleta, que batendo suas asas na poderia causar um furacão no Caribe. Não é que a borboleta seja a causa, mas dada a complexidade de variáveis e eventos conectados e encadeados, uma pequena alteração pode ganhar proporções colossais. Assim é o ambiente complexo da mídia, segundo Fidler, em que variáveis de todas as naturezas estão interligadas e existe uma forte inter-relação entre formas diferentes de comunicação. Para esse autor, a importância de se ter em mente a questão da complexidade é que isso nos permite entender por que em determinados cenários uma mídia sobrevive em lugar de outra e em alguns cenários ambas coexistem em harmonia. Assim, Fidler propõe os seis princípios fundamentais do processo de midiamorfose (1997:29):

1. Co-evolução e co-existência - Os meios diferentes coexistem em um sistema complexo e adaptável, de forma que, a cada novo meio que surja ou se desenvolva, os demais sejam afetados em graus diferentes. 69

2. Metamorfose - Novos meios não surgem espontaneamente ou de forma independente. Eles surgem de meios anteriores, aos quais a mídia também se adapta e continua a evoluir. 3. Propagação - Novos meios de comunicação propagam características de meios anteriores, em um processo de preservação de códigos e linguagens criados. 4. Sobrevivência - As formas de mídia e os próprios negócios de comunicação são compelidos a se adaptar diante de uma mudança no ambiente, caso contrário, só lhes resta a morte. 5. Oportunidade e necessidade - Os novos meios de comunicação não são adotados só porque a tecnologia é boa. E preciso haver uma oportunidade real, assim como razões sociais, econômicas e políticas que motivem o desenvolvimento de uma nova tecnologia de mídia. 6. Adoção tardia - As novas tecnologias de comunicação sempre levam mais tempo do que o esperado para se tomar sucessos comerciais. Em geral, tendem a precisar de pelo menos uma geração humana (20-30 anos) para evoluir do modelo de prova ao uso de massa.

7) Fatores políticos

Outro aspecto de análise das empresas de comunicação que não pode ser deixado de lado neste construto teórico é o viés da relação mídia e poder, especificamente o poder político. Naturalmente, trata-se de um dos mais amplos campos de estudo das comunicações e das ciências sociais como um todo, e não pretendemos de maneira alguma esboçar — se é que conseguiremos iniciar — essa discussão de maneira mais completa. O que queremos é apenas tirar de todo o arcabouço teórico já construído em tomo da relação entre empresas de comunicação e poder político alguns pontos que serão úteis em nossa análise dos grupos de mídia, sobretudo na questão da incorporação de novas tecnologias. Como veremos mais adiante, a relação entre grupos de mídia e poder parece ter sido determinante na adoção de determinadas estratégias pelos grupos de comunicação 70 brasileiros, particularmente nos casos dos grupos Globo e Abril, que são estudados neste trabalho. A relação entre mídia e poder político é longa, histórica, complexa e relevante. Não se trata apenas de uma relação entre quem dá uma concessão para quem. Costuma-se dizer que, no Brasil, não se sabe se a televisão é uma concessão do governo ou o governo é uma concessão da televisão. É uma afirmação que exemplifica muito daquilo que se estuda no campo das ciências sociais em termos da relação entre empresas de mídia e poder. A relação entre mídia e poder pode se dar — e normalmente se dá — também no âmbito econômico, sendo o Estado um forte patrocinador dos veículos de comunicação, seja através de seus recursos publicitários oficiais, de ajudas financeiras ou de isenções fiscais e tributárias. Mais que isso, a relação entre poder político e mídia é muitas vezes uma relação de troca, em que o apoio mútuo garante a ambas as partes a existência e a permanência de barreiras de entrada a outros concorrentes: a mídia não dá voz às forças políticas de oposição, por exemplo, e o Estado não permite que outros veículos de comunicação entrem no mercado. Outro aspecto importante é o que McChesney chama de paradoxo mídia/democracia.56 O autor nos coloca a seguinte situação; de um lado, o mundo em que vivemos tem mais meios e maior volume de informação disponível do que em qualquer outro tempo da história humana, e boa parte dessa informação está acessível, de maneira aberta, a quem a queira buscar, desde que tenha os meios adequados para fazê-lo. Por outro lado, coloca McChesney, existe uma despolitização crescente do público e o exercício da democracia toma-se cada vez mais incomum. McChesney sugere, então, uma relação direta entre o crescimento das organizações de mídia, sobretudo os grandes conglomerados de comunicação, e a alienação do público receptor das informações. No meio desse aparente paradoxo está a tendência de lidar com a comunicação apenas com o interesse financeiro, em busca do lucro, atendendo aos interesses do anunciante que sustentam as empresas de comunicação e, portanto, abandonando as noções de serviço público e jornalismo voltado para o interesse da sociedade. Segundo McChesney, "o capitalismo se beneficia de um

56 Ver McChesney, Richard W., Rich media, poor democracy. Chicago, University of Illinois, 1999. 71

sistema formalmente democrático, mas funciona melhor quando as decisões principais são tomadas pelas elites e as massas são despolitizadas". A perspectiva de McChesney é bastante radical e, como não poderia deixar de ser, dá margens a questionamentos, mas é uma boa provocação para que tenhamos clara a necessidade — e por que não a motivação? — de entender as empresas de comunicação do ponto de vista de sua relação com o poder. Uma primeira abordagem necessária à discussão da relação entre empresas de comunicação e poder é a compreensão do conceito de regulação. Como já vimos anteriormente, Mosco (1998, p. 201) diz que a regulação pode ser entendida como a reação governamental aos problemas do mercado. Mas o conceito de regulação é mais amplo e não passa necessariamente pelo conceito de Estado. Num conceito mais amplo, também apresentado por Mosco, regulação é o ajuste de tendências contraditórias no campo social. Essa definição nos permite trabalhar com a importante idéia de regulação de mercado. "A eliminação da regulação estatal não significa deixar de regular, mas, pelo contrário, ampliar a regulação de mercado", diz Mosco (1998, p. 201). Esse entendimento de regulação de mercado é muito complexo e passa por uma discussão econômica que não aprofundaremos neste trabalho. Mas, de maneira geral, ele está relacionado aos mecanismos que regem a dinâmica de setores econômicos sem que seja necessária uma intervenção estatal. Oferta e demanda, preço e custo, e equilíbrio competitivo são alguns desses mecanismos. Não é com a regulação de mercado, contudo, que estamos preocupados neste momento. A respeito disso, acreditamos que toda a discussão já feita a respeito de valor de troca e de uso das mercadorias das empresas de comunicação, o conceito de inovação e midiamorfose, a questão das barreiras de entrada, tudo isso é suficiente para que se tenha uma gama de elementos pelos quais a regulação de mercado atua. Nossa preocupação agora é enumerar as formas de regulação estatal sobre os setores econômicos, destacadamente sobre as comunicações. Seguiremos as categorias propostas por Mosco (1998, p. 202) em seu The political economy o f communication. Ele destaca, entre o conjunto de estudos da economia política de comunicações, quatro formas de atuação do Estado: a comercialização, a liberalização, a privatização e a internacionalização. 72

A primeira, comercialização, está relacionada a uma interferência direta do poder político — no caso, o Estado — no processo econômico. "[O processo de] regulamentação por comercialização acontece quando o Estado substitui formas de regulação baseadas em padrões relacionados ao interesse público, a universalidade, por exemplo, por padrões de mercado" (1988, p. 202). Isso acontece no momento em que o Estado, controlando instituições de comunicação, passa a se preocupar mais com a rentabilidade desses produtos do que com sua função social. No caso das telecomunicações brasileiras, por exemplo, esse processo foi sentido quando, ao preparar o Sistema Telebrás para privatizá-lo, o governo substituiu a política de subsídios cruzados na telefonia, que beneficiavam, sobretudo, os usuários de telefones públicos, para restabelecer a rentabilidade da telefonia de longa distância, onerada excessivamente — e, portanto, com uma taxa de uso muito menor do que a taxa potencial — para sustentar a telefonia pública. O processo de liberalização é outra forma de intervenção estatal no mercado de comunicação (Mosco não fala apenas de comunicação, mas nos atemos apenas a esse segmento por ser o objetivo deste trabalho). É por meio desse mecanismo que o Estado coloca ou retira agentes do mercado, estabelece maior competição e cria ou retira limites de atuação dos agentes de mercado. Um bom exemplo foi o ocorrido em meados da década de 1990, quando o Estado, para fomentar o desenvolvimento do mercado de Internet, não só optou por se retirar do setor como permitiu uma competição livre e irrestrita entre os agentes privados. Como conseqüência, as empresas de telecomunicações — notadamente a Embratel, que até 1994 era o grande provedor de acesso brasileiro — ficaram ausentes do mercado de Internet até a privatização do Sistema Telebrás. Ao não regular o mercado de Internet e atuar de forma liberalizante, o governo deu margem para o surgimento de dezenas de empresas provedoras de acesso, inclusive empresas controladas por grupos de mídia, que passaram a atuar nesse segmento sem nenhuma restrição, como limites por propriedade cruzada de outros meios de comunicação. Foi nesse ambiente que se desenvolveram iniciativas como as da RBS no setor de Internet ou, mais importante — e objeto de nossa análise nos próximos capítulos — do grupo Abril, que em parceria com o grupo Folha, consolidou-se como o grande provedor de serviços de Internet brasileiro na década passada. 73

Outra forma de atuação do Estado descrita por Mosco é a privatização, que dispensa maiores apresentações. Neste caso, o Estado regula um determinado segmento econômico desfazendo-se de bens sob seu controle, como foi o caso do Sistema Telebrás e de algumas redes de televisão européias, vendidas para a iniciativa privada, ora com ora sem a permanência do Estado como acionista minoritário. Em muitos casos essa forma de atuação coincide também com um processo de regulação econômica, em que a venda de ativos estatais busca suprir necessidades financeiras dos governos. Por fim, uma outra forma de interferência do Estado no processo de comunicação se dá por meio de mecanismos de internacionalização. Esta é uma das formas menos percebidas de atuação governamental, até porque poucos foram os acordos internacionais firmados pelo Brasil que envolveram meios ou tecnologias de comunicação. Naturalmente, o país tem seus compromissos com a União Internacional de Comunicação (UIT) ou com o Mercosul, e desses compromissos resultam cartas de intenção e mesmo normas comuns, como as da radiodifusão em áreas de fronteiras. Muito mais expressiva, contudo, será a inter-relação entre os acordos internacionais, eventualmente de natureza econômica, e a TV digital, por exemplo. Nos primeiros anos do século XXI, o que se vê é uma preocupação do governo brasileiro de sempre levar em consideração aspectos da política internacional em relação a sua decisão sobre o padrão tecnológico ou sobre as formas de exploração econômica da TV digital. Existem ainda formas de atuação do poder político em seu relacionamento com os meios — e empresas — de comunicação que passam pelas atividades normatizadora, legisladora, fiscalizadora e financiadora. John Thompson57 cita Max Weber e coloca que a "capacidade do Estado de exercer a autoridade geralmente depende da sua capacidade de exercer duas formas relacionadas, mas distintas, de poder [...]: o poder coercivo e o poder simbólico". Thompson conclui que a forma de manipulação e exercício do poder simbólico se dá fundamentalmente por meio dos meios de comunicação, cuja função é justamente transportar esses símbolos.

57 Ver Thompson, John B, Mídia e modernidade. Uma teoria social da mídia. Petrópolis, Vozes, 1998, pp. 23-30. 74

Manuel Castells58 nos coloca que, sobretudo em uma sociedade em rede como a que vivemos, a mídia eletrônica passa a ter espaço privilegiado na política. "Não que toda política possa ser reduzida a imagens, sons ou manipulações simbólicas. Contudo, sem a mídia, não há meios de adquirir ou exercer o poder. Portanto, todos acabam entrando no mesmo jogo, embora não da mesma forma ou com o mesmo propósito". Castells contesta a tese, contudo, de que a mídia acabe impondo as suas posições para a opinião pública. Considera essa uma visão extremamente simplista e pouco fundamentada, com o que concordamos. "As mídias são extremamente diversas. Suas relações com o poder e com a ideologia são altamente complexas e indiretas, embora com exceções óbvias, cuja freqüência depende de países, períodos e meios específicos de comunicação". Assim, como podemos observar neste pequeno apanhado de aspectos teóricos ligados à atuação do poder político com relação aos meios de comunicação, não se trata de um ambiente simples. O quadro com as quatro formas de atuação (comercialização, liberalização, privatização e internacionalização) sugerido por Mosco está, evidentemente, incompleto, pois carece ainda de outras formas de atuação como a atividade normatizadora e fiscalizadora do Estado, por exemplo. Isso para não falar de questões mais específicas. Castells destaca, por exemplo, a proximidade necessária entre mídia e poder para que a primeira possa desfrutar da exclusividade de algumas informações (1999, p. 372) — algo que conta nos aspectos de agilidade, credibilidade e importância. Neste esforço de selecionar alguns conceitos de análise importantes para este corpo teórico, principalmente quando falamos da relação entre poder político e comunicação, não poderíamos deixar de recorrer à literatura das ciências sociais no tocante à área política. Nesse sentido, Norberto Bobbio59 nos traz em seu Dicionário de política, um notável verbete sobre comunicação política escrito por Angelo Panebianco. Um primeiro aspecto colocado diz respeito à relação entre poder, mídia e democracia.

Nos regimes democráticos, a comunicação tende a ser constante entre a elite e a opinião pública. As mensagens vão, quer da elite às massas para lhes solicitar apoio, quer, se bem que com maior dificuldade, das massas à elite através de múltiplos canais que transmitem a instância política Nos regimes autoritários, o fluxo de comunicação é constante entre as elites e os círculos governativos; é igualmente constante entre a elite e a massa dos

58 Ver Castells, Manuel, O poder da identidade. São Paulo, Paz e Terra, 1999, p. 367. 59 Ver Bobbio, Norberto et alli, Dicionário de política, vol. 1. Brasília, Editora da UnB, 2000. 75

cidadãos, mas são raros os canais que transmitem as mensagens na direção oposta (idem, op.cit, p. 200).

Outro aspecto importante colocado por Panebianco diz respeito aos processos de manipulação política da comunicação:

nas sociedades de capitalismo avançado, a persistência de fortes desigualdades políticas (de acesso ao poder e de seu controle) é devida à impossibilidade/incapacidade de os grupos não-pnvüegiados se empenharem numa Comunicação política eficaz, por via da ação de um conjunto de mecanismos de distorção.

Essa distorção pode se dar de três formas:

• Diretamente manipulada - é o caso dos regimes totalitários em que o governo impõe aos meios de comunicação, caso não os controle, qual será a mensagem; • Bloqueada - processo mais complexo, mas que está fundamentalmente ligado à incapacidade de uma determinada parcela da população de compreender uma mensagem por um desnível de linguagem ou de referencial cultural, por exemplo; • Indiretamente manipulada - a que acontece por todos os demais mecanismos que não sejam a imposição de determinadas mensagens ou o bloqueio por questões culturais ou lingüísticas e que tenham por objetivo forçar determinado viés às comunicações.

Finalizando esta breve discussão sobre o relacionamento entre poder e comunicação, poder e mídia, retomemos Mosco (1999, p. 204) com uma reflexão importante para o resto deste trabalho:

o Estado é necessário para gerenciar uma série de interesses de curto prazo do capital, mas a ele não é permitido participar do processo de acumulação como um todo. [. . .] Para seus críticos, no entanto, o Estado tende a seguir uma burocrática lógica de autoperpetuação que drena, e por vezes enfraquece, o processo de acumulação. 76

8) Em busca de um modelo de análise econômica

Para entender a dinâmica dos grupos de comunicação, sobretudo em um ambiente de efervescência tecnológica — e, portanto, de intensa mudança no quadro de opções mediáticas pelo qual novos e inovadores produtos atingem o consumidor — , precisamos lançar mão de modelos cada vez mais complexos, que contemplem as especificidades das tipologias clássicas dos conglomerados de mídia propostas por Bemard Miége, como vimos anteriormente 60 Nessa tipologia, a questão da audiência toma-se elemento fundamental para a compreensão de todo o processo de trocas econômicas, pois, como vimos, a audiência representa para o grupo de mídia a mercadoria de troca com o mercado publicitário. É também uma questão essencialmente de audiência que caracteriza a venda direta de produtos de comunicação, como revistas ou jornais ou canais de televisão, para um público específico. Também é necessário estar atento à questão das barreiras de entrada, que balizam a dinâmica entre os grupos de comunicação em função de obstáculos econômicos, sociais, institucionais e culturais, como visto anteriormente. Da mesma forma, na medida em que tratamos de um ambiente de intensa inovação tecnológica, é preciso compreender o que esse processo de inovação representa para a dinâmica competitiva dos grupos, o que foi abordado neste esforço teórico por meio do resgate de reflexões de linha neo-schumpeteriana como as de Giovanni Dosi. Na mesma linha, não é possível falar em um novo ambiente de inovação tecnológica sem mencionar a questão das redes informacionais e da economia de redes, o que caracteriza o processo econômico de nosso tempo, como vimos com o instrumental oferecido por Shapiro e Varian. E quando falamos em economia das redes e inovações tecnológicas, somos automaticamente remetidos à questão da integração entre as mídias, da convergência e do

60 Conforme já tratado, Miége classifica os grupos de comunicação em três tipologias socioeconômicas: aqueles grupos pertencentes à lógica editorial, em que os produtos são vendidos individualmente; os grupos de comunicação pertencentes à lógica da onda, em que o financiamento se dá pela venda de audiência a um mercado publicitário; e a lógica da imprensa, que mistura as duas modalidades. Essa tipologia pode ser detalhada em Hercovici, Alain, A economia das redes eletrônicas: rupturas, lógicas sociais e modalidades de regulação - Reflexões preliminares. (Texto não publicado.) 77 processo de canibalização e substituição, tão característicos da leitura de metamorfoses e mutações proposta por Roger Fidler. Permeando todo esse conjunto de fatores que determina a dinâmica dos grupos de comunicação está, por fim, um ambiente político, cuja relevância vai muito além da simples troca entre poder e mídia, e transcende para o campo da regulação econômica e da determinação de variáveis competitivas. Esquematizar essa dinâmica, como dissemos, é tarefa para lá de complexa. Não é nossa intenção neste trabalho detalhar a dinâmica, pois queremos apenas um instrumental teórico preliminar, e não uma teoria conclusiva — se é que isso é possível em alguma área das ciências sociais e econômicas — sobre a dinâmica dos grupos de comunicação. Não nos foi possível encontrar na literatura nenhum modelo econômico que contemplasse com o devido rigor todas as facetas dos conglomerados de comunicação modernos. Ousamos, pois, uma proposta complementar, fundamentada na de Bolano para a análise do audiovisual e dos mercados de jornais, revistas e livros. Na verdade, Bolaüo faz esta proposta em seu trabalho:

Poderíamos estudar os meios de comunicação de massa no Brasil definindo de início as principais concentrações multimídia do país, para determinar em seguida as diferentes formas de relação mtersetorial e as sinergias daí decorrentes, com o objetivo de avaliar a competitividade de cada uma delas em cada mercado específico e no conjunto da Indústria Cultural (2000, p. 255).

Não há espaço aqui para tanto, mas buscaremos complementar a análise já proposta pelo autor para o setor de comunicação, acrescentando a Internet, não contemplada na idéia original de Bolano. 78

MODELO DE ANÁLISE & PARA O AUDIOVISUAL Edição Espetáculos Organizações (Diagrama 2) Audiovisual ao vivo esportivas

Fonte: Bolafto, 2000, pg. 239

No modelo de análise econômica para o audiovisual (Diagrama 2) observamos claramente que os fluxos econômicos têm apenas uma pequena participação direta do público. Isso significa que, olhando-se os grupos de mídia apenas do ponto de vista da TV ou de modalidades como salas de cinema, mercado fonográfico e mercado de home-vídeo, são poucos os casos em que o público espectador transfere diretamente seus recursos para o conglomerado de comunicação. Isso se dá apenas no caso das salas de cinema e locadoras de vídeo e DVD, e nos casos de TV segmentada, como é a TV paga. Felizmente, o modelo de Bolafto contempla as TVs interativas e segmentadas, através das quais o fluxo econômico pode se dar diretamente do público para o conglomerado de comunicação. Mas a maior parte dos recursos dos grupos de mídia, olliando-se sob a ótica do audiovisual, provém, naturalmente, do mercado publicitário — o setor de bens de consumo —, que recebe de volta a mercadoria audiência. No final das contas, a origem de toda a cadeia econômica está no consumidor final, mas esta relação se dá por meio de intermediários. 79

Outra fonte de receita relevante, segundo o modelo de Bolano, é o próprio aparelho estatal, por meio de publicidade oficial, financiamento, políticas de incentivos fiscais, e mesmo por cessão de ativos e concessões públicas 61 Vale lembrar que o mesmo modelo proposto para a análise do audiovisual se aplica, sem mudanças significativas, no mercado de rádio. Percebemos que nesse caso poderíamos adotar, conforme a proposta de Bemard Miége, a tipologia da cultura da onda para classificar o segmento audiovisual.

No segundo modelo, contemplando o mercado de jornais, revistas e livros (Diagrama 3), percebemos um fluxo econômico que atinge os veículos de comunicação e,

61 Vale lembrar que, a despeito da obrigatoriedade de aprovação pelo Congresso Nacional, as transferências de concessões públicas de radiodifusão têm pouca ou nenhuma limitação no Brasil, pelo menos não do ponto de vista prático. Casos como os da venda da para a atual Rede TV ou mesmo do processo registrado no primeiro semestre de 2000 em que o grupo Globo vendeu concessões em que não era controladora para atender às suas necessidades de caixa mostram claramente que muitas vezes o patrimônio público, que é a concessão pública, transforma-se em'valioso ativo numa negociação de mercado. 80

portanto, os grupos de mídia, de maneira muito mais direta. Nesse caso, o público financia diretamente as empresas de comunicação por meio da compra direta em pontos de venda ou assinaturas, através da aquisição de livros e dos balcões de classificados. Além dessas formas de financiamento direto há, naturalmente, o financiamento por forma de publicidade, tal qual no mercado audiovisual, onde a mercadoria de troca é a audiência, ou seja, a distribuição, maciça ou segmentada, do produto a um público leitor que seja do interesse do anunciante. Da mesma forma que o mercado audiovisual, também na análise do mercado de revistas e jornais o Estado aparece como agente financiador, mas, aqui, não por meio da concessão pública, mas apenas através de eventuais benefícios fiscais, propaganda direta ou financiamento. É interessante notar que existe uma relação entre os veículos de mídia impressa e as agências de notícias para o fornecimento de conteúdo, o que implica troca financeira, mas que também pode representar, para os veículos de comunicação, uma fonte de receita, já que são eles, muitas vezes, a própria agência de notícias (Agência Estado e O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo e Agência Folha etc.). A separação analítica entre veículos de mídia impressa e veículos audiovisuais é interessante pois nos mostra claramente onde estão as fontes de receita em cada um dos casos. Isso é importante porque, quando falamos em grupos de comunicação, muitas vezes toma-se confusa a percepção exata de quais sejam as fontes de receita. Assim, de uma maneira simplificada, pela leitura dos dois modelos podemos perceber que, quando falamos de mercado audiovisual, estamos falando principalmente de receitas provenientes do mercado publicitário e da troca de audiência, com uma participação da venda direta dos canais de TV segmentada, TV interativa, além dos mercados de vídeo doméstico, salas de cinema e indústria fonográfíca. Nos casos dos veículos impressos, a receita provém da venda direta, do mercado de classificados, das assinaturas e, também, do mercado de publicidade. Nos dois casos — audiovisual e impresso — o Estado pode aparecer como agente financiador e como gerador de receitas. Nosso desafio, então, é contemplar o mercado de Internet nesses cenários. Por uma questão prática, pela limitação de espaço, não existe a possibilidade de juntar os dois modelos econômicos propostos para representar o conjunto dos grupos de mídia, apesar de não haver nenhum limite conceituai para essa união. 81

Optamos, então, por propor e ilustrar (Diagrama 4) um modelo econômico do mercado de Internet, da mesma maneira com que Bolano ilustrou o mercado audiovisual ou o mercado de jornais e revistas. O objetivo é comparar os três modelos e perceber como, diante dos novos elementos, os grupos de mídia integram a Internet em suas estratégias de negócio. A principal característica do mercado de Internet, visto sob a ótica das relações econômicas entre os agentes, é o fato de se encontrar muito mais fontes de receita e novos agentes. Como podemos perceber, a relação entre o público e os portais se dá de duas maneiras diferentes: uma direta, através da contratação de serviços ou compra de produtos; e indiretamente, por meio da assinatura de um provedor de acesso que provê a conexão aos servidores em que estão armazenadas as informações do portal em questão. Muitas vezes, as figuras do portal e do provedor de acesso se confundem, mas de uma maneira geral é possível identificar a presença desses dois elementos. Além disso, é comum que o acesso a 82

um determinado provedor garanta ao usuário o direito de ter determinados conteúdos exclusivos nesse ou naquele portal, de modo que a relação entre o provedor e o portal pode representar também um diferencial. Também é inédita no mercado de comunicação a dependência que o modelo de Internet tem da infra-estrutura de telecomunicações. Essa infra-estrutura é necessária para haver conexão entre o portal e o provedor e entre o provedor e o público. Além disso, o próprio armazenamento das informações que compõem o portal ou website pode ser dependente de uma infra-estrutura de telecom, por exemplo, quando o conteúdo de um mesmo portal está "espelhado" (reproduzido) em outros servidores. Nesse sentido, existe necessariamente uma remuneração feita pelo portal ou pelo provedor de acesso à infra-estrutura provida pela empresa de telecomunicações. Mas um fenômeno novo, característico da economia de redes, pode ser percebido nessa relação e mostra que também há fluxo financeiro no sentido inverso: da empresa de telecomunicações para o portal, Isso acontece porque, ao se tomarem interessantes ou atrativos, os portais geram para as empresas de telecomunicações o uso da rede, também chamada de tráfego. E quanto maior for o tráfego gerado, mais intenso será o dispêndio de recursos do público com serviços de telecomunicações, aumentando as receitas da empresa de telecom. Assim, portais e provedores de acesso funcionam também como geradores de tráfego, e por isso são, muitas vezes, remunerados pela empresa de telecom, como se recebessem uma comissão por serviço prestado. Tanto os provedores de acesso quanto os portais têm vivido uma dependência intensa de fontes de financiamento externas. Isso acontece porque, dada a necessidade de uma infra-estrutura de telecomunicações e um mercado ainda não maduro o bastante para gerar receitas que cubram os custos operacionais, a maior parte das atividades de Internet gera déficit que precisa ser coberto. Do ponto de vista da relação entre os portais e/ou web sites62 e o público, o fato novo no mercado de comunicação é que, além de vender assinatura que dá possibilidade de leitura, como se fosse uma revista impressa ou um jomal, o portal muitas vezes serve como

62 Muito já se teorizou sobre o conceito de portais e web sites. Não entraremos nessa discussão porque não consideramos que o conceito trazido pelo senso comum para o que seja um portal esteja longe do conceito acadêmico. Portal é tão-somente um site na web que agrega diferentes informações e direciona, ou não, o usuário navegante para outros conteúdos específicos. 83

entreposto comercial, mostrando ao leitor uma série de ofertas e intermediando a compra dos produtos junto ao fornecedor. Nesse processo, o portal recebe o pagamento, repassa para o fornecedor e retém a sua comissão. E como se uma revista ganhasse uma comissão a cada vez que se comprasse, por ter lido a publicidade, um frasco de perfume nela anunciado. E os portais também obtêm receita do mercado de anunciantes, como se fossem revistas Jornais, rádios ou TVs. Na forma de relacionamento com outros veículos de comunicação, os portais trocam, em geral, conteúdo por dinheiro. Mas não podemos deixar de mencionar que, uma vez que as estratégias dos grupos de mídia quase sempre incluem um portal, tende-se a utilizar o espaço publicitário de calhau nas mídias tradicionais — quando não o próprio espaço editorial — para promover os produtos de Internet, o que em parte acaba compensando o que se paga pelo conteúdo em si. Assim, de uma maneira geral podemos dizer que o que diferencia o modelo econômico das mídias tradicionais para a Internet é, sobretudo, a maior diversidade de fontes de receita que esta última apresenta, o relacionamento intenso com empresas de telecomunicações e a intermediação da venda de bens e serviços. Notamos também que no caso da Internet a presença do Estado como agente econômico é muito reduzida, já que, pelo menos no caso brasileiro, são muito pequenas as formas de intervenção estatal nesse mercado — decorrentes de uma opção regulatória adotada desde 1994 —, não existe a figura da concessão pública como há na radiodifusão, e mesmo a relação de financiamento e fomento, seja por meio de incentivos fiscais, subsídios públicos ou verbas publicitárias, ainda é incipiente devido ao pouco desenvolvimento do mercado e dos altos riscos envolvidos. Não podemos deixar de relembrar que os conglomerados de comunicação em geral abrigam sob sua estrutura econômica os três modelos aqui descritos e que, de uma forma ou de outra, as dinâmicas acabam se inter-relacionando. Por exemplo, eventualmente, o agente financeiro necessário para um novo investimento em um setor novo como, digamos, a Internet, provém não de um banco, mas dos próprios recursos do conglomerado, recursos esses gerados da dinâmica bem-sucedida e lucrativa de outro segmento de mídia. Assim, as relações ausentes em um mercado — digamos a relação entre o Estado e portais de Internet — ganham importância quando a análise considera as mídias em conjunto. No caso dos 84

portais, por serem abrigados sob o mesmo conglomerado que rege uma rede de televisão, acabam influenciados pela pesada relação com o poder político, tão característico do mercado de radiodifusão. A visão em conjunto das três dinâmicas também facilita a compreensão das trocas e sinergias existentes dentro de um mesmo grupo. Por exemplo, no caso da troca de capacidade de divulgação e conteúdo entre portais de Internet e jornais, revistas, editoras de livros, TV, rádio etc. Essa relação, quando acontece dentro de um mesmo conglomerado de comunicação, muitas vezes não se mostra tão onerosa e proporciona ganhos de escala, transferência de experiências, facilidades de financiamento entre outras coisas. Essa análise nos ajuda a entender o porquê de termos vivenciado, nos últimos anos da década de 90, um intenso processo de fusões e incorporações entre conglomerados de mídia e de telecomunicações, todos buscando as supostas vantagens da aliança. Segundo Mosco,

a maior razão para as fusões existentes nos últimos anos foi a tentativa desesperada de tirar vantagens de se atuar tanto na área de infra-estrutura (hardware) quanto conteúdo (software), assumindo assim o controle sobre a maior parte da cadeia de produção e distribuição (1999, p. 194).

Mosco aponta o lado perigoso desta tendência, que é o de uma grande concentração no mercado de comunicação com a conseqüente redução na capacidade de intervenção que o Estado e o próprio mercado teriam sobre a dinâmica econômica. Na prática, os conglomerados de mídia acabam trazendo consigo o problema da concentração da informação levada ao público, pois todas as fontes de informação são internas:

uma empresa de TV a cabo, por exemplo, com o monopólio sobre um mercado local, mas que leve um conjunto de canais de diferentes produtores, é algo que tem menor poder de concentração do que um mercado com muitos jornais controlados por empresas diferentes mas que tragam informação de uma única fonte (idem, op. cit., p. 183).

No caso de um grupo de mídia com presença em diferentes mercados, a informação, em razão da tão necessária sinergia e do ganho de escala, acaba provendo de uma única fonte. Em geral, estruturas como redes de TV, jornais, revistas e portais orbitam em tomo da 85

agência de notícias do próprio grupo, mas essa é uma questão para ser discutida fora deste capítulo teórico. Uma última consideração que nos cabe fazer acerca da dinâmica econômica das empresas de comunicação é a questão da gestão empresarial das empresas. A experiência e a análise cotidiana das empresas de comunicação mostram que decisões importantes na dinâmica econômica das empresas, tais como a decisão de inovar ou não, transpassar ou criar determinada barreira de entrada, revolucionar ou evoluir um negócio, adaptar-se ou não a um novo paradigma tecnológico, tudo isso está intimamente ligado à gestão da empresa. No caso brasileiro, as empresas de comunicação estão vinculadas a uma tradição familiar, e alguns aspectos característicos das empresas familiares serão aqui colocados. Segundo Sérgio de Castro Gonçalves,63 a empresa familiar é aquela que pertence a uma única família, que tem o poder de gestão sobre a companhia e o poder de deliberação sobre a estrutura administrativa. Gonçalves cita uma série de características da empresa familiar, das quais destacamos a não oissociação entre o capital da empresa e o patrimônio da família, a deliberação sobre o que é lucro registrado na companhia e o que é remetido para o patrimônio familiar, a empresa gerida da mesma forma que é gerido o poder doméstico, inclusive com a nomeação de parentes e uma certa cultura patrimonialista, e que busca a "diversificação de investimentos" sempre que houver disponibilidade de caixa.

9) O Tetrad de McLuhan

Para encerrar este construto conceituai, gostaríamos de propor uma reflexão final sobre o significado de todas as questões aqui abordadas. Inovação, dinâmicas de mercado, competição, barreiras de entrada, lógicas econômicas, poder e mídia, tudo isso traduzido em termos mais palatáveis significa, simplesmente, mudança. Mudança que interfere na vida de todos nós e que, sendo em uma área tão delicada e relevante como são as comunicações, precisa ser entendida e refletida de forma rigorosa — por isso buscamos o detalhamento de todas as ferramentas teóricas —, conjunta — daí nossa preocupação em buscar referências políticas, econômicas e sociais para este arcabouço teórico — e profunda.

53 Ver Gonçalves, Sérgio de Castro, Patrimônio, família e propriedade. São Paulo, Negócio Editora, 2000. 86

Nos estudos recentes sobre os meios de comunicação é comum encontrar, entre as referências teóricas, algumas metáforas de Marshall McLuhan. Muitas de suas reflexões, sobretudo aquelas contidas em sua mais importante obra, Understanding media (ou na sua tradução para o português mais famosa, Os meios de comunicação como extensões do homem, de 1964), mostram-se extremamente convenientes para o estudo dos fenômenos ligados à sociedade da informação, sobretudo na era pós-Intemet.64 Metáforas como "aldeia global”, "o meio é a mensagem" ou a menos conhecida metáfora do espelho retrovisor (nas palavras de McLuhan e Fiore, escritas em 1967: "Olhamos para o presente através do espelho retrovisor. Marchamos de costas pelo futuro"65) dão fundamentação a uma série de reflexões e mesmo de sentimentos expressados por pesquisadores que se empenham na complicada tarefa de buscar uma teoria para fundamentar a evolução, as implicações e os efeitos dos meios de comunicação em nosso tempo. Também não é raro encontrar na literatura das ciências sociais críticas ao uso dos conceitos de McLuhan, principalmente quando estes são colocados sem a devida preocupação em posicioná-los como instrumentos filosóficos, e não científicos. Uma coisa, contudo, é certa: McLuhan nunca fez nem se preocupou em fazer ciência nem em desenvolver um método cientifico. Tampouco se preocupou, como nos coloca Morrison Jr., em fazer apologia ou futurologia. Suas reflexões fundamentavam-se na mera observação não-estruturada do presente. Neste nosso esforço de construir um conjunto teórico suficiente para o estudo dos grupos de comunicação diante de um novo paradigma tecnológico, portanto, não podíamos deixar McLuhan de lado. Mas optamos por não explorar as metáforas e conceitos mais comuns. Recorremos apenas à última contribuição acadêmica de McLuhan, publicada por seu filho após sua morte em 1980. Estamos falando das chamadas Leis da Mídia de McLuhan, apresentadas pela primeira vez no livro Laws of media, de Marshall McLuhan e Eric McLuhan, editado em 1988 e discutidas com mais cuidado em The global village, de Marshall McLuhan e Bruce R. Powers, de 1989, a última obra póstuma a levar a assinatura do pesquisador canadense.

64 Ver Morrison Jr., James C., “Marshall McLuhan: no prophet without honor”, in Ali, Saleem H., “Beyond the ivory tower. Public intellectuals, Academia and the media”. http://www.mitedu/~saleem/ivory/ 87

McLuhan, na verdade, não buscou criar nenhuma lei no sentido científico da palavra, mas sim elaborar um modelo de reflexão, um procedimento sistemático comparável, com ressalvas, à dialética hegeliana. O modelo de reflexão de McLuhan, conhecido como Leis da Mídia ou, ainda, como tetrad, fundamenta-se em quatro perguntas básicas que podemos fazer a respeito de uma inovação tecnológica ou a respeito de qualquer artefato humano:

1. What does it enhance or intensify? (O que isso estimula ou intensifica?) 2. What does it render, obsolete or replace? (O que isso substitui ou torna obsoleto?) 3. What does it retrieve that was previously obsolesced? (O que isso recupera o que anteriormente estava ultrapassado?) 4. Wfiai does it produce or become when pressed to an extreme? (O que, no limite, isso produz ou vem a se tornar?)66

A aplicação desse modelo de reflexão tem importância mais filosófica do que prática, mas nos ajuda a organizar o raciocínio quando especulamos sobre a realidade das novas tecnologias, por exemplo. McLuhan, em seu The global village,61 exercita o modelo em relação às redes globais de comunicação. Para a primeira pergunta (o que as redes intensificam?), a resposta seria "a transmissão global instantânea de diversas mídias". Sobre a segunda pergunta (o que as redes substituem?), McLuhan e Powers respondem "as redes substituem a capacidade humana de decodificar as informações" 68 Quanto à terceira pergunta (o que as redes recuperam?), McLuhan e Powers sugerem a recuperação da "idéia de uma torre de Babel". Por fim, para a quarta pergunta (o que as redes vêm a se tomar?), a resposta seria "as redes transformam-se em um mundo programado". Esse exercício reflexivo se estende, nos trabalhos de McLuhan, por centenas e centenas de artefatos humanos, muitas vezes em abstrações que beiram o incompreensível.

65 Ver McLuhan, Marshall e Fiore, Q., The medium is the message: an inventory of effects. New York, Bantam, 1967. 66 Para as perguntas originais, ver McLuhan, Marshall e McLuhan, Eric, Laws o f media, 1967. A tradução das perguntas foi feita livremente 67 Ver McLuhan, Marshall e Powers, Bruce R., The global village. New York, Oxford Press, 1989, p. 169. 68 Esta resposta está ligada ao excesso de informação levada pelas redes globais. 88

Mas deixando-se de lado o abstracionismo de McLuhan e buscando uma aplicação mais simplificada de suas quatro questões, chegamos a algumas respostas mais interessantes. Sobre a Internet, por exemplo, podemos pensar que ela, enquanto artefato humano, estimula ou proporciona a descentralização da informação, a facilitação da comunicação interpessoal, a liberdade de escolha, o acesso à informação, a autopublicação, a convergência de mídias, o imediatismo, a consciência global, a economia de tempo etc. Por outro lado, a Internet torna obsoletos os conceitos de fronteira, do sentido tátil, da experiência direta, do contato físico, dos lugares reais. Como conseqüência, a Internet cria ou revive o isolamento, a sobrecarga de informação, a obsessão pela informação. E, por fim, ela, no limite, pode nos levar à anarquia, à aldeia global, à democracia direta e tantas outras potencialidades. Simplificando ainda mais a aplicação das Leis da Mídia de McLuhan, podemos chegar às conclusões que chegou Paul Levinson:69 o rádio, por exemplo, visto como artefato de análise, potencializa a voz humana, torna a imprensa impressa obsoleta, recupera a figura do orador público (o locutor) e se reverte no rádio audiovisual, ou seja, na televisão. O grau de abstração que podemos dar às respostas às quatro perguntas do tetrad depende tão-somente da nossa intenção com a reflexão proposta. Deixamos, então, as quatro perguntas de McLuhan como contribuição teórica para a análise das empresas de comunicação. Como veremos, a Internet, como artefato das empresas de comunicação, criou uma nova oportunidade de negócio, tomou obsoletas em um primeiro momento as outras mídias e modelos comerciais, acabou recuperando os modelos comerciais e as próprias mídias anteriores e deve se tomar, no limite, a primeira experiência rumo a uma realidade interativa que se apresenta diante do avanço das tecnologias de comunicação. Esta reflexão, contudo, será deixada para a conclusão deste estudo.

69 Ver Levinson, Paul, Digita!McLuhan: a guide to the information millennium. London, Routledge, 1999, p. 197. 89

Capítulo II

G l o b o : d a n o v a t e c n o l o g ia t v

À NOVA TECNOLOGIA INTERNET

Se olharmos o grupo Globo com olhos deste final de 2002, certamente veremos um gigante ferido, em profundas dificuldades financeiras, fracassado em suas tentativas de ampliar seus domínios para além das mídias tradicionais. Não veremos razões para supor que o que hoje ainda é o maior grupo de comunicação do país, com a maior rede de televisão, uma das principais redes de rádio, alguns dos jornais mais importantes e presença obrigatória em qualquer análise sobre o mercado de mídia, já sonhou, planejou e executou ações para ser muito mais do que isso. O fracasso registrado no retrato frio deste momento sem dúvida não poderá ser tomado por definitivo, mas indicará muitos dos erros e aceitos da Globo durante sua fase de expansão para além do seu território, durante a década de 1990 e, sobretudo, os fatos e variáveis determinantes à incorporação de novas tecnologias e negócios, com ênfase maior à Internet, à estratégia do grupo. Entender a lógica de funcionamento do grupo Globo, quais as variáveis que regem suas linhas de ação, os fatores que determinam suas estratégias, os elementos que podem contribuir para o seu fortalecimento ou enfraquecimento no mercado de mídia, é algo que não pode ser feito a partir de dados de apenas um momento. O procedimento aparentemente mais correto para compreender o grupo Globo do ponto de vista acadêmico talvez seja retomar às suas origens, em meados da década de 1960.

1) No princípio, a TV aberta era o novo

Já dissemos na introdução deste trabalho que o grupo Globo nasce para a sua "fase imperial"1 em um momento em que uma nova tecnologia surgia no cenário brasileiro de comunicação: a televisão em rede nacional.

1 Vale lembrar que antes de formar o império da TV Globo, a família Marinho já estava presente no mercado de comunicação, sobretudo o carioca, com o jornal O Globo, a Rio Grafica e a Rádio Globo. 90

A TV propriamente dita surgiu muito antes de a Globo entrar nesse mercado. Entre a primeira transmissão de televisão no Brasil, realizada pela TV Tupi, em 1950, e a ativação do primeiro transmissor da TV Globo, passaram-se 15 anos. Mas o desenvolvimento da televisão durante pelo menos dez desses quinze anos pode ser tomada como "a fase elitista da televisão brasileira", segundo Sérgio Mattos,2 caracterizada como o período em que poucos tinham acesso aos televisores (até 1960 havia pouco menos de 600 mil televisores vendidos no país), poucas emissoras (não mais que dez no final da década de 1950), uma estrutura regulatória ainda precária (o primeiro instrumento normativo elaborado pelo Congresso Nacional a tratar explicitamente o mercado de televisão foi o Código Brasileiro de Telecomunicações - Lei 4.117, de 27 de agosto de 1962)3 e estrutura de negócios ainda provisória.4 A TV Globo surgiu nos primeiros anos de 1960. Constituída juridicamente em 1962, chegou acrescentando um elemento novo ao mercado de comunicação: uma parceria com um grupo estrangeiro que permitia não só a transferência de tecnologia e experiência necessária á introdução de uma rede de TV como também o capital necessário para iniciar o negócio. Falamos do já celebrizado "acordo Globo/Time-Life".5 Foi uma estratégia preparada por , em conjunto com o grupo de comunicações norte- americano Time-Life, para a criação de uma emissora de televisão no país. Em conjunto, os dois grupos investiram inicialmente cerca de 440 milhões de cruzeiros no negócio (o que dá, em valores presentes corrigidos pelo IGP-DI, cerca de 15 milhões de reais)6. Posteriormente, de acordo com os relatos colhidos pela Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou o acordo Time-Life (Herz, 1987), a parceria recebeu do exterior novos

2 Ver Mattos, Sérgio, A televisão no Brasil: 50 anos de história (1950-2000). Salvador, Editora PAS, 2000. 3 Para um estudo mais criterioso a este respeito, ver Martins, Marcus Augusto, O Brasil e a globalização das comunicações na década de 90. Dissertação de mestrado Instituto de Ciências Políticas e Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 1999. 4 Segundo Sérgio Mattos (op. cit., ), a TV Excelsior, fundada em 1959, foi a "primeira emissora a ser administrada dentro dos padrões empresariais de hoje". 5 O chamado "acordo Globo/Time-Life" é um dos eventos mais marcantes da história das comunicações brasileiras. Representou não só uma mudança significativa na dinâmica do mercado brasileiro de televisão, com o fortalecimento financeiro e tecnológico da Globo, como também marcou uma intensa discussão política sobre a sua legalidade. Para um estudo mais detalhado a esse respeito, ver Herz, Daniel, A história secreta da Rede Globo. Porto Alegre, Editora Tchê, 1987. 6 O cálculo foi feito tomando-se como data base o mês de julho de 1962 até o mês de setembro de 2002, assumindo-se os valores descntos no "Contrato Principal" entre TV Globo e Time Life International Broadcast (Herz, 1987, anexo 4), utilizando ferramenta de correção do Banco Central do Brasil em www.bcb.gov.br. 91

aportes equivalentes, à época, a mais de 8,6 bilhões de cruzeiros. Hoje, ese valor é equivalente a algo em torno de 290 milhões de reais. Em troca, a TV Globo, Canal 4 do Rio de Janeiro, teria 30% de seus lucros ou prejuízos repassados à Time-Life, que por sua vez ficaria encarregada de treinar pessoal, ajudar na seleção de conteúdo, dar o assessoramento tecnológico e transferir conhecimento em geral. Roberto Marinho entrava com a concessão, com uma parte do capital e a gestão do negócio, em troca de 51% do capital. Um fato que não pode deixar de ser destacado, contudo, a respeito do início da presença do grupo Globo no mercado de televisão está relacionado a um aspecto tecnológico raramente lembrado nas análises sobre o mercado de mídia no Brasil, mas que é fundamental para a compreensão do que é hoje a televisão: o surgimento da Embratel e de uma política nacional de integração das telecomunicações, com o posterior surgimento do sistema Telebrás. Em 1965 a empresa surgiu com a missão designada pelo Governo Federal de criar uma rede nacional de microondas para interligar as comunicações em todo o país — tarefa que seria concluída até o final da década.7 Posteriormente, na década de 1970, a Embratel criou uma rede de telecomunicações via satélite, também interligando o território nacional. A TV Globo, como nenhuma outra rede, soube se aproveitar desse momento tecnológico, que juntamente com a vontade política do governo militar de interligar as diferentes regiões do Brasil, propiciou à emissora de Roberto Marinho a chance de ocupar um espaço, ainda não desbravado, de uma rede nacional de televisão. Surgiu aí a Rede Globo. De acordo com o relato de Sérgio Mattos (2000), "a consolidação da TV Globo como rede nacional começou em 1969, quando seus programas passaram a ser transmitidos simultaneamente em várias cidades através de microondas". Esse momento nos é também relatado por Murilo César Ramos:

"Na década de 70, auge do desenvolvimento mundial das comunicações por meio físico e via satélite, o Brasil avança, graças a uma ação deliberada do regime militar, de investir maciçamente, por razões de segurança nacional e de suporte ao modelo econômico em gestação, em uma modema infra-estrutura nacional de telecomunicações. (...) Veio a implantação de redes físicas de enlace local e regional, do sistema nacional de microondas

7 Tal rede é, até hoje, a base para a interligação das diferentes emissoras espalhadas em todo o país às cabeças de rede, que são as geradoras centrais, em geral estabelecidas nos grandes centos. Graças a essa rede de microondas, aliada à cobertura via satélite, é que a TV brasileira chega a praticamente 100% do território nacional. 8 Ver Ramos, Murilo C., “TV por assinatura: a segunda onda de globalização na TV brasileira”, in Moraes, Dênis de, Globalização, midia e cultura contemporânea. Campo Grande, Letra Livre, 1997. 92

e do sistema nacional de comunicação por satélite. (...) Talvez o reflexo mais importante desse projeto imposto pelos militares tenha sido a presença progressiva da televisão em todo o território nacional, na forma de uma única rede dominante, a Rede Globo de Televisão.

Mais que isso, é nítido que na sua fase inicial de implantação, sobretudo entre os anos de 1965 e 1970, a TV Globo trouxe ao mercado de TV a tecnologia e a estrutura adequada à conquista da liderança e do domínio de mercado. Caparelli (1982:32)9 nos descreve esse momento:

Com uma estrutura administrativa e financeira mais sólida, adaptada à etapa da expansão do capitalismo brasileiro com uma concentração de capital, sem os percalços que o pioneinsmo colocou no caminho da , e com uma industrialização firmemente assentada no Brasil, voltada para o consumo, a Rede Globo começou a ganhar a guerra da audiência. Em relação à programação, baseou-se no sucesso da novela radiofônica para implantar igual linha de programação na televisão, a , junto com programas de auditório,

Segundo Mattos (2000, p. 111), nessa fase a Globo também importou estratégias novas de comercialização, criando formatos diferenciados de venda de publicidade com quotas de patrocínio, vinhetas, breaks comerciais e outras inovações. Ainda sobre esse momento vivido pela emissora da família Marinho, Murilo Ramos faz um bom resumo:

Capitalizada, muito bem estruturada gerencialmente e com acesso fácil a programações norte-americanas, a TV Globo, no entanto, logo imporia um padrão próprio de conteúdo, cada vez menos enlatados. (...) A aqui chamada primeira onda da globalização na TV brasileira acabou, assim, concentrada num grupo local que monopolizou virtualmente a audiência nacional, com forte impacto político e eleitoral ao longo das décadas de 70 e 80. Grupo que dependeu inicialmente de relações, inclusive financeiras, com congêneres internacionais, que acabaria, após certo tempo, nacionalizando-se conforme os padrões políticos, econômicos, culturais e técnicos da época" (1997, p. 146).

Essa fase inicial de entrada da Rede Globo no cenário da mídia nacional, a mudança no jogo de forças do mercado, com o ocaso do império de , em seguida com o ocaso da TV Excelsior, os misteriosos incêndios nos estúdios da Record e da

9 Ver Caparelli, Sérgio, Televisão e capitalismo no Brasil. Porto Alegre, LP&M, 1982, p. 32. 93

Bandeirantes, a censura aos grandes grupos de jornais impressos, o surgimento da revista Veja no final da década de 60, a introdução da TV em cores nos anos 70, a hegemonia gritante do grupo Globo durantes os anos 70 e 80, tudo isso já foi, é e sempre será fruto de estudos nas áreas das comunicações, com diferentes enfoques, recursos metodológicos variados e novos dados. Ainda que todos esses temas estejam relacionados à porção mais charmosa das comunicações recentes no Brasil, não são objeto de nossa análise nem trazem, no nosso entendimento, dados novos relevantes ao estudo do processo de incorporação das novas tecnologias pelos grupos tradicionais de comunicação. Por isso faremos um salto histórico de alguns anos, aterrissando apenas no final da década de 1980.10

2) As telecomunicações batem à porta

Nesse momento, a Globo dá o primeiro passo efetivo para o que seria uma aproximação definitiva do setor de telecomunicações, passo esse que seria determinante para toda a sua estratégia envolvendo novas tecnologias e novos mercados, que marcou a década de 1990. Estamos falando do momento em que o grupo Globo tornou-se sócio, no Brasil, de uma das maiores empresas de sistemas de telecomunicações e informática do mundo: a japonesa NEC. Nessa época — por volta de 1985 —, a NEC já não era nenhuma novata no mercado brasileiro de telecomunicações. Fornecedora do Sistema Telebrás desde a sua criação, na década de 70, a empresa japonesa tinha entre seus principais produtos os equipamentos utilizados pela Embratel nos links de microondas, utilizados, inclusive, pela televisão

10 De acordo com as pesquisas realizadas para este trabalho, talvez o mais relevante "novo serviço" de comunicação que poderia ter sido cnado no Brasil, entre o início dos anos 70 e final dos 80, tenha sido o serviço de cabodifusão. Tal serviço, que consiste basicamente na distribuição de sinais de TV por meio de cabos, existe nos EUA desde o final da década de 1940, mas no Brasil sua introdução foi postergada, nessa fase, por uma série de obstáculos regulatórios e mercadológicos, só vindo a acontecer efetivamente (excluindo-se pequenas iniciativas isoladas sem maiores repercussões para o cenário das comunicações) na década de 1990, como veremos. Daniel Herz, em sua pesquisa A introdução de novas tecnologias de comunicação no Brasil: tentativas de implementação do serviço de cabodifusão (UnB, 1983), faz uma boa análise deste período e destaca que, a despeito do interesse dos grandes grupos de comunicação, incluindo-se a Globo, o ambiente político não permitiu que o processo de regulamentação andasse, nem na década de 70 (primeira tentativa), tampouco na década de 80, só vindo a acontecer nos anos posteriores a 1990. 94

(Herz, 1987, p. 46). E tinha também um imenso problema societário: seu sócio controlador no país, o empresário Mário Gamero, ali colocado para prevenir a empresa de eventuais problemas com uma política mais nacionalista para o setor de telecomunicações, ou para garantir que, se assim o desejasse, a NEC pudesse atuar também no setor de informática.11 Gamero estava envolvido com escândalos no seu grupo financeiro (o grupo Brasilinvest) e a NEC no Japão desejava ver-se livre desta relação complicada. Também era desejo do governo ver Gamero fora da empresa, que era uma das maiores fornecedoras do Sistema Telebrás. Segundo relato de Daniel Herz (1987), o então ministro das comunicações Antônio Carlos Magalhães aproximou os japoneses do grupo Globo, que viu ali uma chance de se tomar parte de um negócio que lhe era vital: o negócio de distribuição de sinais. A NEC era a maior fornecedora da Embratel, da qual a Globo era uma das maiores clientes. Como o preço do controle da NEC estava, à época, baixo por conta dos problemas entre os acionistas, a família Marinho entrou de sócia na empresa comprando, no final de 1986, 51% do capital votante da empresa pelo valor, na época, de 1 milhão de dólares. No mesmo período, a Globo havia se tomado sócia, no Brasil, da empresa Itáliana Victori, ao lado do banco Brade sco. As empresas haviam incorporado, em outubro de 1985, a Vicom, uma empresa de serviços de telecomunicações corporativas. Mas o principal negócio da Victori era a distribuição de sinais de telecomunicações. Seus planos no Brasil passavam pela criação de uma rede complementar à da Embratel para distribuição de sinais via satélite. Nessa época, contudo, quebrar o monopólio da Embratel nos serviços de transmissão de dados e, mais ainda, na prestação de serviços via satélite era um sonho muito distante. No final dos anos 80, a Victori, a Globo e o Bradesco chegaram a traçar as primeiras linhas do que viria ser o projeto Class,12 uma rede de satélites que competiria com os Brasilsat, da Embratel (os satélites Brasilsat são, até hoje, os principais meios de distribuição dos sinais da Rede Globo pelo país). O projeto Class, por manobras do Ministério das Comunicações (atendendo a interesses específicos da Embratel) nunca se viabilizou, e a Victori só voltou a

11 Àquela época, o mercado de informática ainda era restringido pelo regime de exceção de uma reserva de mercado para empresas nacionais (fato que não se estendia para o setor de telecomunicações). 12 Na primeira metade da década de 1990, a Rede Globo planejava entrar no mercado de TV por assinatura via satélite, e essa estrutura de distribuição por satélites lhe faria falta no momento inicial de negociações. 95 ter papel relevante para a Globo nos anos 90, com a entrada no segmento de transmissão de dados para empresas por meio da Vicom. Chegamos, então, à década de 90, quando o grupo Globo começa a dar seus primeiros passos efetivos em direção a novas tecnologias de comunicação, além da televisão. Como vimos, as estratégias da NEC e da Victori visavam muito mais livrar o grupo de uma excessiva dependência do Sistema Telebrás no seu negócio principal, a televisão, do que abrir novas oportunidades de negócios.

3) A estrutura básica do grupo Globo

Na verdade, a evolução dos produtos de Internet das Organizações Globo nunca apareceu como uma estratégia efetiva até o início de 2000. O que existe na década de 90 são movimentos isolados das diferentes empresas do grupo, que serão brevemente descritas e analisadas aqui. Vale ressaltar que o grupo Globo é dividido em diferentes empresas, administradas quase de forma independente. Entre as principais destacam-se: • TV Globo: principal ativo das Organizações Globo, é a responsável pela maior parte do faturamento, do lucro e da importância institucional do grupo no cenário da mídia nacional. A primeira emissora da TV Globo, no Rio de Janeiro, foi inaugurada em 1965. Atualmente, a TV Globo, juntamente com as afiliadas e com a cobertura via satélite, formam a Rede Globo, que chega a mais de 99,8% do território e da população brasileiros. São ao todo cinco emissoras próprias (com sede nas cidades de São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife) e mais 108 emissoras afiliadas. Algumas dessas emissoras (32, segundo levantamento da Folha de S. Paulo de 16 de setembro de 2000) têm em sua composição societária investimentos diretos de membros da família Marinho. No ano de 2002, como forma de capitalizar seus diversos investimentos, a família Marinho decidiu vender algumas dessas participações, um total de 27. A TV Globo fatura aproximadamente 1 bilhão de dólares por ano (valor aproximado de 2001). Também sob a estrutura da TV Globo está a Globo Filmes, responsável pela produção de conteúdo cinematográfico do grupo; a Globo Esportes, responsável pela aquisição de direitos 96

esportivos; a Globosat, programadora de TV paga (que está sob a Globo apenas no nível gerencial); e a Globo Endemol S.A.. A TV Globo é responsável por todo o planejamento estratégico do grupo Globo. • Jornais (Infoglobo): este segmento congrega os jornais impressos do grupo. É a atividade mais antiga da Globo, existente desde 1925. Atualmente, os jornais O Globo, e Diário de S. Paulo são controlados por essa divisão, além de uma participação acionária no jornal Valor Econômico. Os jornais controlados pelo grupo Globo tiveram receita líquida, no primeiro trimestre de 2002, de 159,5 milhões de reais.13 • Sistema Globo de Rádio: são 15 estações de rádio espalhadas por todo o país que desde 1944 fazem parte do grupo. O Sistema Globo de Rádio também é o responsável pela administração do sistema CBN, composto por cinco emissoras próprias e 16 afiliadas. O Sistema Globo de Rádio rendeu às Organizações Globo, no primeiro trimestre de 2002,18,2 milhões de reais.14 • Distei: empresa do grupo Globo que controla as participações das organizações na área de distribuição de TV por assinatura. São 48 concessões de TV a cabo e três outorgas de MMDS da Net Serviços (até recentemente chamada de Globo Cabo e, anteriormente, Net Brasil). Nessa empresa, a Globo é uma das acionistas, ao lado de Bradesco, RBS, BNDESPar e Microsoft. Tem ainda uma participação de 49,9% na empresa de TV por assinatura via satélite Sky (em sociedade com as multinacionais News Corp. e Liberty Media). Via Distei, a Globo controla também as empresas de telecomunicações Vicom e Teletrim, e até meados de 2000 participava de empresas de telefonia celular em sociedade com a Telecom Itália. Ao lado da Globosat e do portal Globo.com (abaixo), é a divisão mais nova do grupo, surgida apenas na década de 1990. Também sob o guarda-chuva da Distei está o Vírtua, empresa de acesso à Internet em alta velocidade. A participação da Distei nas diferentes empresas muitas vezes se dá de forma indireta e tem sofrido constantes alterações. • Globosat: empresa do grupo Globo criada em 1991, atualmente responsável pela produção de oito canais distribuídos pelas operações de TV paga do grupo e

13 Relatório de Resultados da Globopar, Io trimestre de 2002, p.21 14 Ibidem. 97

franqueados. Entre esses canais estão GNT, , SporTV, Telecine, USA Network, , Futura e GloboNews, além dos canais Premier. A Globosat age sob a coordenação da TV Globo e até hoje teve papel central na estratégia do grupo em novas tecnologias. Foi através da Globosat que o conglomerado entrou no negócio de TV por assinatura, inicialmente operando por satélite (daí o nome Globosat). • : responsável pelo segmento de livros e periódicos do grupo Globo, tem onze títulos diferentes de revistas, entre semanais, quinzenais e mensais. É também uma divisão antiga do grupo, existente desde a década de 1960. • Gravadoras: incluem-se nesta divisão as gravadoras e RGE. • Globo.com: criado no início de 2000, é o portal e, futuramente, o provedor de acesso do grupo Globo. Uma empresa que aparece normalmente associada à Globo.com é a Globo.Rede. • Globopar: holding administrativa do grupo Globo que cuida dos interesses financeiros da família Marinho (dona de todas as empresas das Organizações Globo) nas empresas acima descritas — exceto rádio, jornais e TVs —. Esta holding é a responsável pela administração financeira e societária das empresas.15

Toda a década de 1990 foi importante para a mudança de rumos no grupo Globo em direção a novas tecnologias de comunicação, ainda que o processo de aproximação da Internet só tenha acontecido nos momentos finais da década. Na verdade, como veremos, as diferentes estratégias do grupo na área de telecomunicações e, sobretudo, TV por assinatura, mostram aspectos que foram determinantes no estabelecimento de uma linha de atuação no campo da Internet. O ponto de partida para esta análise é o começo da década de 1990, com a TV paga.

13 Em meados de 2002, a Globo anunciou a criação da Globo S. A. Tratava-se de uma holding que teria como objetivo agregar e organizar todos os investimentos da família Marinho, incluindo TVs, rádios e jornais, e assumindo o lugar da Globopar. O objetivo da criação da Globo S A seria tomar a estrutura corporativa das Organizações Globo mais simples, de modo a facilitar os processos de capitalização, ao investimentos, a abertura de capital etc. A Globo S. A seria ainda responsável pelo estabelecimento de diretrizes de atuação do grupo; a coordenação de planejamento estratégico; investimentos e organização orçamentária; a análise de negócios; o acompanhamento das diferentes empresas e; a execução das estratégias definidas pelo Conselho de Administração, o mais alto nível de decisões das organizações, em que participam os membros da família 98

4) O primeiro passo rumo ao novo - a TV paga

A exemplo do que aconteceu com o grupo Abril (no próximo capítulo veremos com mais detalhes a estratégia do grupo Abril), as Organizações Globo, no início dos anos 90, passaram a olhar com maior atenção para as possibilidades do setor de TV por assinatura, que começava a despontar como um mercado a ser explorado no Brasil. Não existe uma razão única pela qual o grupo decidisse apostar em um novo segmento do mercado de televisão. Mesmo sendo absolutamente dominante no mercado de TV aberta, a Globo, com a criação da Globosat em 1991, resolveu partir rumo ao mercado de TV paga,16 inicialmente com uma estratégia de distribuir sinais de canais próprios por meio de sistemas por satélite,17 e pouco depois adquirindo algumas licenças para o serviço de TV a cabo — na época, antes da regulamentação, ainda denominadas licenças de DISTV. Logo de cara, contudo, a Globo preocupou-se em se posicionar como produtora de conteúdo, transformando a Globosat em uma empresa programadora. Em 1995, em entrevista à revista Tela Viva,18 para comemorar os 30 anos da TV Globo, , filho de Roberto Marinho e já naquela época o vice- presidente das Organizações Globo, definia as prioridades do grupo: "Nós pretendemos ampliar nossa capacidade de produção a fim de atender às novas demandas. (...) Quanto à Rede Globo, tenho certeza de que continuará liderando nosso mercado. Acompanhar e até antecipar as evoluções desse mercado são as nossas características mais fortes." A Globo, nesse momento, amargava alguns fracassos em sua experiência internacional, sobretudo nas investidas do grupo na Itália, onde, segundo Roberto Irineu Marinho, o equívoco foi não ter buscado um parceiro local, ao contrário do que aconteceu

Marinho e alguns executivos do grupo. A criação da holding, contudo, foi suspensa por prazo indefinido em setembro de 2002 em face ao agravamento da situação econômico-financeira do grupo. 16 Não estamos considerando as iniciativas frustradas da Globo, nas décadas de 70 e 80, de criar empresas para o segmento de TV paga. Nos dois períodos a estratégia se frustrou com o fracasso do movimento de regulamentação do serviço. Apenas em 1995 a TV a cabo foi finalmente regulamentada de modo a permitir segurança para a Globo entrar no segmento e desenhar uma estratégia verdadeiramente consistente para este novo mercado. 17 É interessante notar que nessa fase, entre 91 e 92, a Globosat tinha como sócio e principal executivo Joseph Wallach, que também participou como executivo dos sócios norte-americanos da Globo no acordo com a Time-Life, na década de 60. 18 Ver Glasberg, Rubens, “A Globo prepara os próximos 30 anos”. Tela Viva, ns 35, abril de 1995. 99

em , em que a Globo tornou-se sócia — e é até hoje — da SIC. Em 1995, dentro da estratégia da Globo, estava claro que seriam necessárias parcerias internacionais para que o grupo pudesse se expandir. "É difícil crescer mais [no Brasil], E preciso partir para o mercado internacional, não apenas para a venda de subprodutos da programação brasileira. (...) A história da Globo é sempre tentar criar produtos novos. Se um dia a fórmula novela/jornalismo exigir mudanças, vamos mudar1', dizia à época Roberto Irineu, deixando claro que em 1995 as apostas da Globo no que se refere à expansão e inovação estavam restritas à TV paga e ao avanço sobre mercados internacionais, na forma de parcerias. De fato, no mercado de TV paga a Globo conseguia consolidar uma posição de liderança através da Net Brasil (nome dado naquele momento à sua operadora de TV a cabo), chegando às principais cidades brasileiras com uma estratégia que envolvia a compra de operações locais ou a associação com operadores. O empenho do grupo com o mercado de TV paga também se manifestou durante a fase de negociação da Lei de TV a Cabo, no período de 1994 e, posteriormente, na sua regulamentação, entre 1995 e 1997. Para a Globo, ter um ambiente regulatório estável para a televisão por assinatura era importante. Afinal, esse era o primeiro empreendimento de grande porte do grupo fora dos domínios da TV tradicional. Sua entrada nesse segmento representava não apenas uma nova oportunidade de negócio como também a preservação de um espaço que poderia ser conquistado por um grupo concorrente, a Abril, que durante os primeiros cinco anos da década de 90 liderou o mercado de TV por assinatura e, potencialmente, poderia ameaçar a audiência da própria TV Globo. Em meados da década de 90, a rede de distribuição de TV por assinatura estava praticamente montada, e foi o momento então de consolidar as posições e adquirir as participações dos diferentes parceiros existentes. Esse processo de consolidação de uma estratégia de TV por assinatura, mais os investimentos em programação e construção de uma rede de cabos eficiente, consumiram do grupo Globo mais de 2 bilhões de dólares em investimentos, desde os primeiros passos (em meados de 1991) até hoje. Em 1996 o grupo associou-se ao magnata das comunicações para formar a empresa Sky de TV por assinatura via satélite, que viria a competir com a DirecTV, naquela ocasião controlada pela Abril. 100

5) A fase das oportunidades (e do endividamento)

Em meados da década de 90, o setor de TV por assinatura vivia a sua fase de maior crescimento médio, mas também foi o período em que os recursos dos grupos de mídia nacionais começavam a escassear, forçando as empresas, sobretudo a Globo, a se endividar. Por outro lado, a Globo se via diante de novas oportunidades no mercado de telecomunicações, a TV paga começava a crescer e a concorrência pela audiência de TV começava a ficar maior. São três pontos importantes e demonstráveis, como veremos:

l. Maior necessidade de capital. O endividamento do grupo Globo dá um salto entre 1995 e 1998, conforme os dados da Globopar (tabela a seguir). Era uma época em que os custos de capital não eram altos se comparados com os do final da década de 90 ou o início desta, a estabilização econômica caminhava bem e, a não ser a crise mexicana, de 1995, os mercados emergentes ainda não haviam sido marcados pelo conjunto de crises financeiras que se sucederam (crise asiática em 97, russa em 1998, desvalorização cambial brasileira em 99, crise norte-americana em 2001). Havia, portanto, a chance de alavancar o crescimento do grupo com dinheiro contratado junto a emissões de papéis de dívida no exterior e lançamento de ações no mercado de capitais. Por outro lado, a demanda de dinheiro para os diversos investimentos a que o grupo se expunha era gigantesca. Contribuíam para essa demanda por capital a entrada do grupo nos processos de privatização da Telebrás (1996 a 1998); a expansão dos sistemas de TV a cabo por meio de aquisições das participações de sócios minoritários e de operações inteiras19 (1994 a 1998); investimentos na Globosat (de 1991 até 1999) e no gigantesco centro de produção Projac, inaugurado no final de 1995 (a um custo inicial de 120 milhões de dólares); crescimento do projeto Sky, que entre 1996 e 1998 começou a ganhar a liderança de mercado diante da DirecTV; a redução de receita na NEC por conta da estagnação do setor de equipamentos

19 Entre as diferentes ações nesse sentido, entre 1994 e 1998, estão a entrada da Globo nas operações de TV paga da RBS, no Sul do país; a aquisição da Net em São Paulo, Rio e Belo Horizonte; a entrada como sócia e posteriormente a compra integral da Multicanal (1997), além de uma série de operações menores. Este processo de aquisição e redução das participações de acionistas minoritários permaneceria até 1999. 101

de telecomunicações durante o período de privatização do Sistema Telebrás20 (1997 e 1998). O resultado dessas demandas pode ser percebido na tabela abaixo, que mostra como a dívida da Globo (consolidada pela Globopar) saltou a partir de 1995.

EVOLUÇÃO DA DÍVIDA DIRETA DA GLOBOPAR (EM MILHÕES DE DÓLARES) - TABELA 4 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Dívida bruta 496 1.023 1.305,4 2.044,4 1.901,2 1.750,7 1.776,9 Dívida líquida 277,7 528 797,5 1.800,6 1.611,2 1.180,3 1.567,7 Fonte: Globopar, relatórios financeiros de 1996 a 2001

O endividamento de 1995 a 1997 é atribuído, segundo os relatos do período, praticamente apenas ao crescimento das redes de cabo e ao Projac. Mas a Globo sabia que suas maiores despesas começariam, na verdade, a partir de 1997, com a consolidação do projeto de telecomunicações e a expansão do projeto de TV paga (ver item 2, a seguir). Com isso, previa investimentos de 350 milhões de dólares em 1997 (a maior parte a ser investida em TV paga) e 800 milhões de dólares entre 1998 e 2000 — sendo 310 milhões de dólares destinados às operações de cabo e à Globosat; 55 milhões de dólares na Sky e; 240 milhões• de dólares em operadoras de telecomunicações. ■ 21

2. Novas oportunidades em telecomunicações. Em fevereiro de 1995 o Poder Executivo (no segundo mês do primeiro ano da gestão Fernando Henrique Cardoso) sinalizava efetivamente ao país que promoveria a abertura total do setor de telecomunicações, com a quebra do monopólio e subseqüente privatização do Sistema Telebrás. Logo no primeiro semestre do ano, o dispositivo Constitucional que mantinha o segmento de telefonia fechado e nas mãos do Estado é alterado, abrindo o setor e criando uma situação especial para o segmento de radiodifusão, até aquele momento vinculado às telecomunicações de um modo geral. Para a Globo, e para outros grupos de mídia, garantiu-se não só uma nova

20 Segundo o relatório financeiro da Globopar referente ao primeiro trimestre de 1998, a receita liquida da Nec caiu de 45,2 milhões de dólares nos três primeiros meses de 1997 para USS 2,702 milhões de dólares no mesmo período de 1998. 21 Dados do Prospecto de 1998. Os relatos mais recentes mostram que esse montante acabou não sendo investido dessa maneira, até porque a Globo acabou desistindo do mercado de telecomunicações, como veremos. 102

oportunidade de negócios como também a preservação da reserva em seu mercado principal, o de televisão. Ainda em 1995 o Poder Executivo envia ao Congresso o projeto de Lei 1.287, conhecido como Lei Especifica (ou Lei Mínima), que permitiria a abertura do setor de telefonia celular. Aprovado o projeto, 1996 foi o ano em que o governo preparou a venda das licenças de telefonia celular na banda B, atiçando os grupos de telecomunicações e mídia — inclusive a Globo. No início de 1997, aconteceu o leilão da banda B e a Globo, associada aos grupos Bradesco, Telecom Itália e Vicunha, venceu a disputa no Estado de Minas Gerais, pagando cerca de 520 milhões de reais, e nos estados da Bahia e de Sergipe, pagando 250 milhões de reais. As duas empresas se tomariam o que até hoje é a Maxitel.22 Com isso, a Globo entrou definitivamente no mercado de telecomunicações, em uma licitação em que outros grupos de mídia, como O Estado de São Paulo e RBS também participaram. É interessante notar que, durante esse período, outros grupos, como Folha e Abril, resolvem apostar em outras alternativas de negócio, notadamente o de acesso à Internet. Era um setor infante, até aquele momento praticamente relegado a empresas menores, e em que o processo de entrada era muito mais simples pois, além do pouco interesse de multinacionais (não havia nenhuma imposição legal estabelecida), independia de outorga pública e não estava sujeito á atuação estatal, já que as empresas do Sistema Telebrás estavam proibidas, desde 1995, de atuar como provedores. Trata-se de um período, contudo, em que as oportunidades existiam aos montes. Além da licitação da banda B, havia ainda a expectativa da privatização do Sistema Telebrás, que viria a acontecer em 1998. Também o setor de TV por assinatura vivia uma fase de grandes perspectivas. A TV a cabo, depois de ter lei específica aprovada em 1995 (Lei 8.977/95), estava sendo regulamentada, assim como os serviços de MMDS e DTH (TV paga via satélite). Com isso, a expectativa de licitações de novas licenças de TV por assinatura era grande, e a demanda ainda maior — até aquele momento, excluindo-se as

22 Os investimentos estimados pela Globopar na operação de banda B nos estados da Bahia e de Sergipe eqüivaliam, segundo o Prospecto de 1998, a 500 milhões de dólares, dos quais cerca de 12% seriam da responsabilidade da Globo. Estima-se que um valor equivalente pelo menos ao dobro desse seria necessário para a licença de Minas Gerais (na época da publicação do Prospecto a licença ainda não havia sido conseguida). 103

operações de satélite, cuja cobertura é nacional, apenas 101 cidades tinham outorgas para a prestação do serviço. O governo, devido a problemas na Justiça e à necessidade de criação de um arcabouço legal sólido para as telecomunicações, só conseguiu prosseguir a privatização do Sistema Telebrás em meados de 1998. Antes disso, em 1997, conseguiu aprovar a sua Lei Geral de Telecomunicações e estabelecer a Anatel como órgão regulador do setor. A Globo participou do leilão de privatização da Telebrás e conseguiu, ao lado da mesma Telecom Itália e do Bradesco, vencer a disputa pelas empresas de telefonia celular nos estados do Paraná e de Santa Catarina e nos estados do Nordeste (exceto Bahia e Sergipe), pagando ao todo 1,36 bilhão de reais pelas empresas (que hoje são a TIM Sul e a TIM Nordeste). Como veremos, posteriormente essa estratégia acabou sendo abandonada. Ainda no ramo das telecomunicações, a Globo tinha, em 1997, uma parceria com a Portugal Telecom e com o Bradesco, para serem os distribuidores dos serviços de telefonia por satélite ICO no Brasil.23 Por fim, havia ainda a participação na Teletrim, uma operadora de paging.24. Em material promocional da Globopar de julho de 1997 para investidores e analistas do mercado de capitais, a família Marinho definia sua estratégia de longo prazo: expandir- se no mercado de mídia nacional; ser reconhecida como uma grande empresa produtora de conteúdo internacional; estar presente em diferentes meios de distribuição de conteúdo; e ser um forte concorrente no mercado de telecomunicações. No negócio de TV por assinatura, além do lançamento do serviço de TV paga por satélite Sky, em 1996, que consumia investimentos expressivos, a Globo também preparava sua estratégia para licitações de TV paga nas modalidades cabo e MMDS, que aconteceriam no ano de 1998.

23 O serviço ICO deveria entrar em operação com 12 satélites no ano 2000, mas o fracasso de projetos semelhantes, como Iridium e Globalstar, fizeram com que o projeto ICO malograsse. 24 Vale ressaltar que em setembro de 1997 a Teletrim tinha cerca de 250 mil clientes de serviços de paging, ou algo perto de 24% do mercado brasileiro, segundo dados da Globopar da época. A empresa apostava que o mercado Brasileiro, de cerca de 1 milhão de assinantes do serviço, poderia crescer cerca de 17 vezes, até chegar nos níveis de penetração dos EUA. A estratégia foi frustrada pela rápida expansão do celular no Brasil. O erro de cálculo da Globo nesse sentido foi grosseiro. Uma estimativa apresentada em documento promocional para investidores, produzido pela Globopar em julho de 1997, mostra uma projeção da Pyramid Research de novembro de 96 em que se previa 9,5 milhões de celulares no Brasil ao final de 2003. Contudo, 2001 encerrou com pouco menos de 30 milhões de celulares e um mercado de pagers praticamente restrito a nichos. 104

3. Maior concorrência na TV aberta e perda da audiência. Para as redes de televisão, audiência significa, em essência, maior poder de barganha junto ao mercado publicitário e maior capacidade de pressão política. Significa o poder de cobrar mais e o poder de chamar a atenção do público. É, portanto, o maior patrimônio que uma rede de televisão comercial, que vive exclusivamente da venda de espaço publicitário, pode ter. A partir de 1969, em princípio no Rio de Janeiro e, a partir de 1972, também em São Paulo, a Globo assumiu a liderança da audiência com a fórmula que colocou Walter Clark na história da televisão: "ensanduichar" o principal jornal da emissora entre duas novelas no horário nobre, entre 18 e 22 horas, quando as famílias tendem a estar em casa, prontas para "consumir" entretenimento e informação de forma passiva. A fórmula deu tão certo para a Globo que até hoje nenhuma emissora conseguiu batê-la de maneira contundente ao longo desse período. São praticamente 35 anos de liderança ininterrupta.25 Mas a década de 1990 não foi, para a Globo, o que foram as décadas de 70 e 80 em termos de audiência. A partir de 1990 a Globo sofreu diversas derrotas pontuais em termos de liderança na audiência e, o que é mais importante, sua audiência média caiu de maneira geral, ainda que a liderança esteja aparentemente bastante consolidada. Como mostram as tabelas a seguir, parece evidente que houve uma mudança no comportamento do telespectador ao longo da década de 90:

Evolução do percentual de audiência total (%) - tabela 5 1997 1996 1995 1994

Globo 53 59 62 63 SBT 18 18 18 18 Bandeirantes 5 5 5 5 Manchete 5 5 5 2 Record 5 5 3 2 Outros 15 8 7 10

Fonte: Globopar. Prospecto 1998, baseado em dados do Ibope.

25 Ver Pnolli, Gabriel e Borelli, Silvia H. Simões (orgs ), A deusa ferida. São Paulo, Summus Editorial, 2000. 104

3. Maior concorrência na TV aberta e perda da audiência. Para as redes de televisão, audiência significa, em essência, maior poder de barganha junto ao mercado publicitário e maior capacidade de pressão política. Significa o poder de cobrar mais e o poder de chamar a atenção do público. É, portanto, o maior patrimônio que uma rede de televisão comercial, que vive exclusivamente da venda de espaço publicitário, pode ter. A partir de 1969, em princípio no Rio de Janeiro e, a partir de 1972, também em São Paulo, a Globo assumiu a liderança da audiência com a fórmula que colocou Walter Clark na história da televisão: "ensanduichar" o principal jornal da emissora entre duas novelas no horário nobre, entre 18 e 22 horas, quando as famílias tendem a estar em casa, prontas para "consumir" entretenimento e informação de forma passiva. A fórmula deu tão certo para a Globo que até hoje nenhuma emissora conseguiu batê-la de maneira contundente ao longo desse período. São praticamente 35 anos de liderança ininterrupta.25 Mas a década de 1990 não foi, para a Globo, o que foram as décadas de 70 e 80 em termos de audiência. A partir de 1990 a Globo sofreu diversas derrotas pontuais em termos de liderança na audiência e, o que é mais importante, sua audiência média caiu de maneira geral, ainda que a liderança esteja aparentemente bastante consolidada. Como mostram as tabelas a seguir, parece evidente que houve uma mudança no comportamento do telespectador ao longo da década de 90:

Evolução do percentual de audiência total (%) - tabela 5 1997 1996 1995 1994 Globo 53 59 62 63 SBT 18 18 18 18 Bandeirantes 5 5 5 5 Manchete 5 5 5 2 Record 5 5 3 2 Outros 15 8 7 10

Fonte: Globopar. Prospecto 1998, baseado em dados do Ibope.

25 Ver Priolli, Gabriel e Borelli, Silvia H. Simões (orgs.), A deusa ferida. São Paulo, Summus Editorial, 2000. 105

Evolução da participação nacional das redes Total da população, das 7 Às 24h , de segunda a domingo - T abela 6

1993 1994 1995 1996 1997 1998 2000* 2001* Globo 68 66 65 62 56 57 50,5 50,6 SBT 18 19 20 17 23 20 21,8 23,9 Manchete 3 3 3 5 4 4 2 ,0** 2 ,8** Bandeirantes 6 5 5 6 6 6 5,1 5,1 Record - 2 3 4 6 9 10,3 9,3 CNT - 2 1 2 2 2 - - Outras 5 3 3 4 3 - 10,4 8,3

Fonte: Ibope AIP 1993 a 1995 = Média ponderada (base dez mercados) 1996, 1997 e 1998 = Audiência nacional (PNT. Base nove mercados) (Priolli e Borelli 2000, p161) * - Dados extrafdos da apresentação ferta pela Globopar referente ao ano de 2001 disponível em www.globopar.com.br “ - Posteriormente vendida para a RedeTV!

As hipóteses para essa mudança de comportamento são várias. Apontam para um esgotamento do formato "sanduíche" de novela/jornal/novela (Priolli e Borelli, 2000), o que envolve, no caso específico da Globo, um desgaste tanto das próprias quanto o que é chamado de "instabilidade" do , seja por um esgotamento do formato seja por uma certa crise de credibilidade.26 Já a Globopar aponta um caminho diferente para a análise do comportamento da audiência. Em seu "Prospecto 1998", a empresa reforça em diversas ocasiões que a queda de audiência está atrelada ao crescimento da TV paga, até como forma de justificar o seu esforço de manter uma posição de liderança na TV por assinatura. De fato, como mostram as medições recentes de audiência do Ib o p e , os canais pagos, entre o público com TV paga, já roubam cerca de 25% da audiência das redes abertas. Isso significa que, entre cada quatro pessoas que têm a opção da TV paga em casa, uma estará assistindo a um canal por assinatura.27 Considerando-se que a medição de

26 A discussão elaborada sobre estas percepções pode ser encontrada em A deusa ferida, de Priolli e Borelli (2000). Os autores também indicam a questão das novas formas de ver TV, sobretudo a TV paga, como um fator de análise no que diz respeito ao comportamento médio da audiência. 106

audiência nos canais pagos começou em março de 2001, e que desde então o total de assinantes de sistemas de TV paga praticamente não cresceu,28 ficando estável nos 3,5 milhões de domicílios (contra cerca de 42 milhões de domicílios com TV de modo geral) pode-se se dizer que 10 anos após o surgimento da TV paga no Brasil o percentual total de audiência dos canais por assinatura seja 25% de 3,5 milhões. Ou seja, os canais pagos têm, no contexto nacional, somando-se todos os domicílios com TV (inclusive a grande maioria sem TV paga), perto de 2% de audiência. Logo, não parece razoável supor que a perda de audiência que tanto preocupava a Globopar em 1998 seja de fato o maior problema da TV Globo, ainda que possa vir a ser, na medida em que a TV paga tome-se mais comum entre os 42 milhões de consumidores em potencial. Sobre essa questão da perda de audiência da Globo nos anos 90 há ainda duas considerações importantes a fazer: trata-se de um fenômeno que afetou todas as redes de televisão da América Latina no mesmo período, possivelmente por uma tendência cíclica de crescimento e ocaso das grandes redes de televisão.29 Também deve-se considerar que durante a década de 90 houve uma explosão nas alternativas de atividades domésticas que potencialmente competem com a televisão, tais como uso de videocassetes e DVDs, o uso dos computadores pessoais, de Internet, videogames etc. O fato é que na década de 1990 a Globo perdeu audiência numa proporção maior que as demais redes. Paradoxalmente, contudo, a perda da fatia das verbas publicitárias com TV não aconteceu. A Globo manteve sob seu controle, a partir de 1995 — momento inicial a partir do qual conseguimos registrar uma série histórica confiável — , praticamente

27 Esse percentual, nos EUA, já ultrapassa os 50%, segundo dados da National Association (NCTA), como mostra a tabela:

1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 TV 74 64 74 73 73 67 63 61 57 56 53 aberta TV 3 3 4 4 4 3 3 3 3 3 3 pública Canais 30 30 30 31 31 39 43 47 47 52 52 pagos Fonte. NCTA, Cable developments 2002. Cálculo sobre o total de domicílios com TV. Os totais somam mais do que 100 devido à existência de mais de um aparelho de TV por residência.

28 Conforme levantamento da empresa PTS - Pay-TV Survey existem cerca de 3,5 milhões de assinantes de TV paga no Brasil, total alcançado ao final de 2000 e que está, desde então, praticamente estabilizado. 29 Ver Possebon, Samuel, “O El nino da audiência ". Tela Viva, abnl de 2002. 107

três quartos de tudo o que os anunciantes destinavam às suas campanhas de televisão, conforme dados a seguir:

O DESEMPENHO DA REDE GLOBO NA SEGUNDA METADE DA DÉCADA DE 90 - TABELA 7 (em milhões de dólares) 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Receita bruta 1409,3 1709,4 1912,6 1806,7 1445,2 1609 1261,5 Receita ajustada* 1126,9 1356,3 1539,6 1441,5 1187,3 1301,6 1055,7 Lucro 71,13 137,2 112,5 115,6 69 222,3 21,1 Audiência média (%) 62 59 53 52 51 50,5 50,6 Fatia do mercado publicitário de TV (%) 76,7 75,3 72,8 74 77,3 77,3 76,7 Custos de produção, direitos, jornalismo 458,3 549,4 681,4 762,8 644,7 706 649,8 * Excluindo-se comissões e bonificações de agência. Fonte: Relatórios financeiros da Globopar de 1997 a 2001 Os dados não consideram o ajuste inflacionário e são baseados no valor do dólar em 31 de dezembro do respectivo ano.

A explicação para esse fenômeno — e para a própria discrepância entre o percentual médio da audiência e o percentual médio da fatia de mercado publicitário — pode ser encontrado nos relatórios da Globo: o mercado anunciante tende a colocar dinheiro onde encontra maior retorno, e a maior audiência é, ainda, da Globo. A cobertura da Globo é, de longe, a maior entre as redes de TV brasileiras, de forma que o custo proporcional aos telespectadores atingidos acaba sendo menor. Além disso, os percentuais de comissionamento e bonificações passados de volta às agências são, supõe-se, proporcionalmente mais elevados na Rede Globo — perto de 20%, como se pode observar na diferença entre a receita bruta e a receita ajustada — em relação às outras redes.30 Também se pode notar que, numa aparente tentativa de compensar a queda na audiência, os gastos com produção, jornalismo e direitos esportivos realizados pela TV Globo tenderam, ao longo da segunda metade da década passada, a se tomar maiores, o que sem dúvida tem relação com a chamada "bolha dos valores dos direitos esportivos" que afetou o mercado de mídia no final dos anos 90. 108

6) Internet: um negócio distante

Como dissemos anteriormente, a Globo, de acordo com a documentação oficial e com os relatos e as entrevistas da época, não optou por apostar no mercado de Internet nos anos de 1995, 1996 e 1997. Pelo menos não na forma como o mercado estava desenhado àquela época. É preciso lembrar que num primeiro momento ainda não estavam claros os conceitos de portal, provedor de acesso, provedor de conteúdo etc. Esses termos que são, hoje, tão comuns para quem convive e analisa o mercado de Internet, eram, em meados da década de 1990, um emaranhado de idéias novas, confusas para o público usuário em geral e confusas para a própria Globo. Em 1998, a única referência encontrada por esta pesquisa acerca da estratégia da Globo em Internet está também no "Prospecto 1998", conforme descrito na página 39 do documento: "A Globopar também examina certas tecnologias convergentes, tais como a oferta de serviços de Internet sobre redes de cabo tradicionais, o que permitirá alavancar suas operações de cabo existentes." Coincidência ou não, o fato é que entre 1995 e 1999 toda a estratégia do grupo Globo para a área de Internet sempre passou, de alguma forma, pelo negócio de TV paga, em que o grupo estava verdadeiramente se empenhando financeira, operacional, estratégica e politicamente. Uma das primeiras manifestações públicas a esse respeito acontece em outubro de 1996, quando Arthur Steiner, então diretor de tecnologia e novos negócios da Net Brasil — que viria a ser a Globo Cabo e, atualmente, Net Serviços — , apresentou o projeto da operadora de TV a cabo de oferecer, já no final de 1997, serviço de Internet por suas redes de TV paga.31 A tecnologia a ser utilizada naquele momento era a do cable modem (equipamento que permite a conexão à Internet a partir de uma rede de TV a cabo, em altas velocidades), que havia começado a ser implementada nos EUA em 96 em escala comercial. Enquanto isso, com exceção da Globo, os grandes grupos de mídia partiam para iniciativas que seguiam o caminho tradicional rumo à Internet. Ou seja, adquirir ou criar provedores de acesso por linhas telefônicas.

30 Nesse caso, como outras redes de televisão não têm seus dados financeiros abertos com o nível de detalhes da Globo, baseamo-nos em uma percepção geral de mercado, não aferida em números, contudo. 31 Ver Mermelstein, André, Transmissão de dados via cabo pode começar a partir do final de 1997, Revista PAY-TV, outubro de 1996, www.paytv.com.br. 109

O Grupo RBS, desde 1996, havia comprado o seu provedor de acesso (Nutecnet) por 10 milhões de dólares e investido mais 10 milhões de dólares para formar o portal Zaz — que até 1999 foi o segundo maior serviço de conteúdo e acesso da Internet no Brasil, depois do UOL. O SBT também criava seu provedor, em um plano ousado, juntamente com suas afiliadas, em 1997. O SBT Online (SOL) seria uma espécie de provedor de acesso com uma rede própria via satélite interligando as filiais em todo o país, e as filiais seriam as próprias empresas afiliadas do SBT.

Os grupos Estado de São Paulo (O e s p ) e Jornal do Brasil investiam, principalmente, em portais de conteúdo, com o JBOnline e Agência Estado. Não existem registros oficiais, mas sabe-se que entre 1997 e 1999 a Globo procurou ofertas de provedores para comprar. Chegou a negociar, segundo alguns relatos da época, não registrados e apurados para esta pesquisa apenas de maneira extra-oficial, com grandes provedores como o próprio UOL e Zaz, da RBS, entre outros. A estratégia da família Marinho, contudo, previa o controle do provedor — o que implicava valores mais altos a ser investidos — e estava constantemente tensionada, por um lado, pelos (já naquele momento) pesados compromissos financeiros do grupo com os negócios de telecomunicações e TV por assinatura; por outro lado, com a estratégia, aparentemente lógica e ainda mais inovadora — pois seria inédita no Brasil —, de desenvolver um serviço de Internet através das próprias redes de cabo de sua operadora de TV paga. Para se ter uma idéia de quanto custaria, naquele momento, a entrada do grupo Globo no mercado de provedores de acesso à Internet tradicionais —considerando-se, principalmente, que a estratégia de sair em busca de uma oportunidade de compra coincidiu com a explosão dos negócios de Internet, a "bolha da nova economia", a partir de 1998 —, a Telefônica, ao adquirir 51% do provedor Zaz em junho de 1999, pagou cerca de 280 milhões de dólares, segundo os relatos da época.32. O provedor teria sido avaliado por 500 milhões de dólares.

32 De acordo com os relatórios técnicos da Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, necessários ao ato de concentração, ao se retirar da totalidade do negócio na Nutec, por volta de agosto de 1999, o grupo recebeu a quantia de 340 milhões de reais, equivalentes à época a 190 milhões de dólares. Não está claro, contudo, se esse valor representa os 49% do capital restante da Nutec e se adicionam ao total de 280 milhões de dólares referentes à venda do controle para a Telefônica ou se no valor de 280 milhões de dólares estão embutidas as vendas de todas as ações. 110

Acontece que, era 1997, o ambiente normativo, que para a Internet "tradicional" era absolutamente leve e pouco regulamentado, tomava-se confuso e complexo quando visto sob a ótica das empresas de TV por assinatura. Em resumo: a Internet por meio de redes telefônicas convencionais podia ser prestada sem a necessidade de licença e sem maiores complicações. Mas quem quisesse oferecer serviço de Internet por redes de TV a cabo precisava, além de uma concessão de TV a cabo — que naquele momento eram bens escassos, já que o processo de novas licitações ainda estava parado aguardando a conclusão da regulamentação da Lei de TV a Cabo de 1995 —, se acertar com relação aos provedores de acesso tradicionais, que pressionavam, por meio da A b r a n e t (associação setorial que representava esse segmento), contra a possibilidade de que empresas de TV paga entrassem de forma arrasadora nesse mercado de provimento de acesso. O então ministro das comunicações Sérgio Motta chegou a declarar, em 1997, que acreditava que a Internet por redes de TV paga era uma possibilidade muito interessante, mas que não era tão simples como queriam fazer parecer os operadores de TV paga: "Estou indo com muito cuidado para não massacrar os 600 provedores existentes", afirmou em 9 de outubro de 1997.33 Nesse período entre 1996 e 1997, era pauta constante nas reuniões do Comitê Gestor de Internet no Brasil a questão do acesso por redes de TV a cabo, pois acreditava-se que seria uma maneira eficiente de ajudar a descongestionar o acesso dos provedores, já que o usuário de Internet bloqueava a sua linha telefônica — e portanto o modem de acesso do provedor — por cerca de 40 minutos diários.34 A discussão principal do ponto de vista regulatório era se os provedores de acesso como Zaz, UOL e centenas de outros menores continuariam existindo num cenário em que o acesso fosse oferecido por redes de TV paga. A Globo, através dos executivos da sua operadora de TV a cabo, colocava-se frontalmente contrária a essa idéia. Reportagem da revista PAY-TVde 1996 descrevia a situação na época:

Para Steiner [Arthur Steiner, diretor da Net Brasil, o nome da operadora de cabo da Globo na época], as operadoras serão as provedoras de acesso, porque isso é o melhor para o usuáno em termos de custo e qualidade, deixando para as empresas que hoje trabalham com isso o papel de provedores de conteúdo. Segundo ele, o serviço de prover acesso à Internet não agrega valor algum. Os provedores que existem hoje só estão

33 Ver nota publicada em PAY-TV News (www.paytv.com.br) em 9 de outubro de 1997. 34 Idem, em 5 de dezembro de 1996 111

preenchendo uma lacuna, cumprindo um papel que não é deles. A operadora, sustenta o executivo, poderia fazê-lo muito melhor. Além disso, Internet é só uma parte dos serviços que uma operadora pode oferecer. 'Com a banda larga podemos implantar videofone, passar filmes, enfim, uma grande variedade de produtos', afirma. (Mermelstein, 1996)

Por essa postura, a Globo buscava participar ao máximo das atividades de regulamentação definitiva dos serviços de acesso à Internet por redes de TV paga. Na ocasião, ao final de 1997, o trabalho era conduzido pela recém-criada Agência Nacional de

Telecomunicações (A n a t e l ). N o entanto, para a frustração do grupo Globo, a A n a t e l não decidiu rapidamente como resolveria a questão. A agência viu-se envolta em uma série de processos regulatórios muito mais complexos e a decisão sobre se as operadoras de TV paga poderiam ou não oferecer o acesso à Internet acabou sendo tomada apenas em 1999.

Nesse período, a A n a t e l estava envolvida principalmente com dois processos: os acertos para a privatização do Sistema Telebrás, 0 que viria a acontecer em julho de 1998; e a licitação de novas outorgas de TV paga, processo iniciado em dezembro de 1997, suspenso por conta de liminares na Justiça e retomado só no segundo semestre de 1998.

Segundo comentários da época, uma das razões pelas quais a A n a t e l decidiu não agilizar o processo de regulamentação do serviço de Internet por redes de cabo foi a própria privatização da Telebrás. Nos EUA, os provedores de acesso à Internet por redes de cabo atingiam índices expressivos de crescimento. Liberar o mercado de TV paga para avançar sobre esse mercado seria uma forma de reduzir o valor potencial das empresas de telefonia, que eram, até aquele momento, as únicas beneficiadas com o tráfego de telecomunicações gerado com o crescente uso da Internet. Não foi possível nessa pesquisa encontrar comprovações a essa hipótese, contudo.

Enquanto tentava convencer a A n a t e l a regulamentar a questão de maneira que pudesse ser tanto a provedora de infra-estrutura e acesso quanto de conteúdo, a operadora de cabo do grupo Globo discutia, internamente, se seria também a responsável pela produção e manutenção de conteúdo para Internet do grupo. Nessa época, UOL e Zaz já apostavam no conceito de portal, ou seja, um local na Internet agregador de uma grande quantidade de informações e que servisse de porta de acesso à rede. Por parte do grupo Globo, o que havia a essa altura eram os websites isolados do jornal O Globo — chamado de Globo Online desde 1996, mas que nunca apresentou nenhuma informação além daquela 112

do jornal impresso e eventualmente notícias da Agência Globo —, alguns sites de rádios com informações institucionais e o site da TV Globo, com detalhes sobre as novelas e informações da superintendência comercial, destinadas ao fornecimento de informações para o mercado publicitário. É necessário fazer menção à revista Época, lançada em maio de 1998. A revista, da Editora Globo, veio para competir com as semanais Veja e IstoE. Entre suas estratégias diferenciadas estava o primeiro website específico da revista, que pela primeira vez trazia a preocupação de agregar informações exclusivas para a Internet, além daquelas publicadas na revista impressa. Um dos maiores marcos do jornalismo online brasileiro foi o momento, em novembro de 1998, em que a revista publicou em sua edição semanal detalhes sobre o escândalo das manobras para a privatização da Telebrás. A novidade era que na capa da revista havia uma chamada para o site da Época, onde era possível ouvir as gravações feitas com conversas entre os membros do governo. O site era, contudo, isolado dos outros sites do grupo em www.epoca.com.br. Não havia, portanto, a preocupação de criar um portal de informações. Entre 1996 e 1999, essas foram as únicas ações do grupo Globo no sentido de desenvolver produtos para Internet.

7) Quando tudo deu errado

Os anos de 1997 e 1998, contudo, marcaram uma época em que, além de não conseguir realizar seus planos de criar comercialmente um sistema de acesso à Internet por redes de cabo (em caráter experimental o serviço estava disponível para cerca de 200 usuários na cidade de Sorocaba desde 1997), o grupo Globo passou a sentir o peso de sua estratégia expansionista e multi-setorial adotada a partir de 1995. A Globopar enfrentava, pela primeira vez, um prejuízo operacional pesado (ver tabela abaixo), o que indicava que a geração de recursos pelas fontes tradicionais (venda de publicidade na TV Globo, rádios, jornais etc) não estava mais cobrindo as necessidades de investimento do conjunto de empresas em que o grupo estava presente por meio da holding, o que incluía as empresas de TV paga, de telecomunicações e os negócios no ramo imobiliário, a NEC, gráficas e a Editora Globo. 113

D e s e m p e n h o f in a n c e ir o d a G l o b o p a r - t a b e l a 8

(em milhões de dólares) 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Receita líquida 130,9 275,2 133,5 -293,4 299,3 257,3 -568,6 Dívida bruta 496 1023 1305,4 2044,4 1901,2 1750,7 1776,9 Recursos em caixa 218,3 494,3 507,5 243,8 290 570,4 209,2 Dívida líquida 277,7 528 797,5 1800,6 1611,2 1180,3 1567,7 Receita operacional líquida 157,8 298,2 178 -287,9 -164,1 -372,55 -565 Fonte: Resultados financeiros da Globopar de 1997 a 2001

No final de 1997, a operação de TV paga do grupo Globo perdeu a chance de se colocar como pioneira no mercado de acesso à Internet por redes de TV paga. Uma empresa de Brasília, a TV Filme, que operava pela tecnologia de MMDS, lançou um serviço como aquele planejado pela operadora Net Brasil, mesmo com a regulamentação ainda sendo preparada em "banho-maria" pela ANATEL.35 A Globo e a TV Filme já competiam, naquela ocasião, pelo mercado de TV paga em Brasília. Ainda que a estratégia da segunda não chegasse a representar um grande problema do ponto de vista de competição para a operação de cabo da Globo, foi, sem dúvida, algo pelo qual não se esperava naquele momento. Em 1998, a estratégia montada para as telecomunicações também começa a trazer problemas para a Globo. Durante o processo de leilão das empresas do Sistema Telebrás, em julho, a empresa percebeu que não conseguiu vitórias que lhe garantissem uma cobertura dentro daquilo que era a sua prioridade:

A Globo tinha objetivos claros dentro de uma estratégia de telecomunicações. Na medida que não foram alcançados, decidimos reestruturá-los e nos libertamos do que estivesse fora do foco. Nosso desenho estratégico contemplava alvos como Rio e São Paulo, pois são as áreas com maior sinergia, seja em infra-estrutura ou serviços. Acabamos na telefonia celular do Nordeste enquanto a TV a cabo se encontrava no Leste. A geografia

35 O serviço lançado em Brasília pela concorrente da Globo, batizado de LinkExpress, utilizava a rede de MMDS da TV Filme apenas para que pudesse ser feito o "download" dos conteúdos de Internet. O fluxo de informações entre a casa do usuário e o provedor de acesso era feito por linha telefônica. Mesmo assim, era um serviço que dava, ao assinante de Internet, a chance de ter uma acesso muito mais veloz do que aquele conseguido pelas conexões tradicionais. 114

ficou sem sentido, daí optarmos por mídia e entretenimento", disse Roberto Irineu Marinho ,36

Também no segmento de TV paga, a estratégia de adquirir, entre 1996 e 1998 uma grande quantidade de operações fez com que a Globo se visse obrigada a concentrar esforços para ajustar tecnologicamente suas plataformas, até então completamente diferentes entre si. A expectativa de criar um grande serviço de acesso à Internet também fez com que o grupo tivesse que dedicar esforços à melhoria de qualidades das redes. A inadimplência dos assinantes, decorrente de políticas de venda em anos anteriores a 1998, também forçou a uma redução na base, ao mesmo tempo em que as conseqüências financeiras da crise asiática de 1997 e da crise russa de 1998 faziam com que o custo fosse cada vez mais alto para que o grupo continuasse a se endividar. Soma-se a isso um atraso de nove meses no processo de licitação de novas outorgas de TV paga, iniciado em dezembro de 1997, por conta de problemas na Justiça entre a A n a t e l e alguns proponentes. Esse atraso fez com que o grupo Globo, que então planejava entrar em mais de 80 novas cidades, fosse obrigado a deixar a licitação e não mais comprometer a sua já delicada situação financeira. Também em 1998, os grandes grupos internacionais de telecomunicações, sobretudo por conta da privatização da Telebrás, entraram no Brasil.37 Proporcionalmente, a força financeira do grupo Globo diante de gigantes como os que chegavam era muito menor. Tanto é que a própria Telecom Itália, em princípio sócia da Globo, acabou comprando as participações do grupo de mídia nacional nas operadoras de telefonia celular, em um processo que começou no final de 1998 e foi até 1999. A mesma coisa começou a acontecer com a NEC. A empresa vinha sofrendo, desde o início do processo de privatização da Telebrás, em 97, com a queda nos níveis de encomenda, o que representou um prejuízo de quase 30 milhões de dólares à Globo no final de 98.

36 Ver Magalhães, Heloísa, “Globo quer vender sua participação na Nec”. Gazeta Mercantil, 22 de dezembro de 1998, p. A-6. ’7 Naturalmente, a chegada das empresas estrangeiras começa com a licitação da banda B da telefonia celular em 1997, mas é em 1998 que grupos como Telefônica, Portugal Telecom, MCIAVorldCom, Sprint, Telecom, BellSouth, Telecom Itália, Bell e outros se consolidam tanto em operações de telefonia móvel quanto fixa. 115

Nesse ano, o mercado publicitário não cresceu, o que significa que a Rede Globo não passou a ter uma receita maior. Sobre esse momento, Marcus Martins (1999) escreve:

A análise corrente que prevê o amplo domínio das Organizações Globo no cenário brasileiro de comunicações, na qual além do virtual monopólio de programação a empresa passaria a controlar os meios de transmissão de informação, precisa ser reavaliada. É importante, por isso, ressaltar que o quadro da concorrência no Brasil modificou-se radicalmente: com a entrada de mega-operações globais, capitalizadas e altamente competitivas, no mercado interno, aliada a uma grave crise no sistema financeiro internacional, de imprevisíveis conseqüências, é cada vez mais difícil que um grupo eminentemente nacional, mesmo do porte da Globo, consiga seguir, sem qualquer desvio, seus planos de negócios. Resta saber, entretanto, se o recuo da companhia em investir em telecomunicações é definitivo, causado por problemas estruturais e irreparáveis em sua saúde financeira, ou é apenas uma estratégia momentânea para solucionar o déficit imediato de fluxo de caixa.

Ao mesmo tempo em que se resguardou de maiores abalos que poderia sofrer se ampliasse sua presença em mercados de telecomunicações e mesmo TV paga, a Globo iniciou um processo político nebuloso de proteger o ambiente das comunicações tal qual era naquele instante. Como se recorda, quando foi feita a alteração constitucional para a abertura do setor de telecomunicações, em 1995, criou-se uma situação de dualidade jurídica, em que o segmento de radiodifusão tomou-se distinto do setor de telecomunicações. A Lei Geral de Telecomunicações, portanto, não pôde abarcar esse segmento, nem o segmento de TV a cabo, que contava com lei própria desde 1995. A correção desse lapso jurídico estava planejada para uma eventual Lei de Comunicação de Massa, que era o projeto do ministro Sérgio Motta para reformar o ambiente regulatório das TVs e rádios e também para ajustar a Lei do Cabo à Lei Geral de Telecomunicações. O momento de discussão de tal lei seria, contudo, após a privatização da Telebrás, em 1998. Com a morte de Sérgio Motta em abril do mesmo ano, a missão ficou para seus assessores. A pressão dos radiodifusores em sentido contrário à discussão de uma lei desse tipo, contudo, foi forte e se manifestou principalmente pela A b e r t , a associação dos radiodifusores, conforme editorial da publicação oficial da A b e r t , Rádio & T V r£ 123, de novembro de 1997 (Martins, 1999). Alguns pontos extremamente polêmicos, como a submissão da radiodifusão a um agente regulador independente — possivelmente a 116

ANATEL —, a imposição de mecanismos de controle à propriedade de meios de

radiodifusão, o limite à audiência, maior fiscalização sobre as relações entre afiliadas e geradoras, mudanças no regime jurídico da TV paga, tudo isso estaria no projeto de Lei de Comunicação, que acabou nunca chegando ao Congresso Nacional. As discussões sobre a lei foram engavetadas.38 Também houve forte pressão, neste caso mais por parte da Globo, isoladamente, e

não através da A b e r t , para barrar no Congresso Nacional uma primeira discussão a respeito da abertura do setor de radiodifusão ao capital estrangeiro, o que exigiria mudança na Constituição, em seu artigo 222. Tal discussão chegou a ser esboçada para maio de 1999, com os trabalhos de uma comissão especial na Câmara, mas seguiram em ritmo lento, sob resistência constante da Globo, até 2000, quando definitivamente foram abortadas,39 para serem retomadas ao final de 2001.

8) A divida vira um problema

Começou o ano de 1999 e o endividamento do grupo Globo era o equivalente, na época, a 1,8 bilhão de dólares, sendo a maior parte (93%, segundo o relatório financeiro da Globopar referente ao primeiro trimestre de 99) em moeda estrangeira. E para tomar as coisas ainda mais complicadas, após as crises asiática, de 1997, e russa, de 1998, que encareceram o preço (os juros) pago pela Globo por essa dívida, em 1999 o governo brasileiro decidiu mudar sua política cambial e desvalorizar a moeda, o que elevou a taxa de câmbio de 1,20 reais por dólar, no início de janeiro de 1999, para algo perto de 1,70 reais, em junho. Com a desvalorização cambial, alguns investimentos do grupo começaram a sofrer também com a alta dos custos operacionais. Por exemplo, a programação para TV paga — em que a maior parte dos programas é contratada no exterior —, assim como os principais eventos esportivos. Vale lembrar que em dezembro de 1998 a Globo assinou com

a Fifa um contrato de exclusividade sobre a transmissão das Copas de 2002 e 2006, cujos valores, à época, eram bastante elevados — pela Copa de 2002, o grupo pagou 220 milhões de dólares. O valor da Copa de 2006 ainda não está negociado.

38 Para uma discussão mais detalhada acerca' da Lei de Comunicação de Massa e suas diversas etapas até 1999, ver Martins (1999) 117

A primeira metade de 1999, pela crise cambial e seus reflexos em toda a economia brasileira, fez com que o mercado publicitário como um todo tivesse uma forte retração. O segmento de TV, especialmente, perdeu cerca de 17,8% no primeiro semestre do ano, e a receita da Rede Globo caiu quase 10,7% em relação ao ano anterior.40 A situação não era nada boa também para a Globo Cabo — nome da operação de TV a cabo da Globo naquela ocasião. Com o endividamento da empresa, as notícias ruins referentes aos resultados do grupo Globo em 1998, a falta de perspectiva para a liberação do acesso de Internet em redes de cabo, a entrada dos grandes competidores internacionais, tudo isso fez com que em 29 de março de 1999 a ação da Globo Cabo atingisse seu valor

mais baixo no balcão eletrônico da Bolsa de Nova York, a : exato 1 dólar 41 Foi, contudo, o marco de uma inflexão, que significou para a empresa, para o grupo Globo e para todas as empresas de tecnologia do Brasil o momento de virada em relação a um fenômeno que começava a marcar a economia do final da década de 1990: a "bolha da Internet". Já no final do ano de 1998 mas, principalmente, a partir de janeiro de 1999, empresas ligadas de alguma maneira à economia da Internet começaram a passar por um processo de valorização fantástico, com não muitos precedentes na história mundial. A Globo Cabo começou a se valorizar nas bolsas Juntamente com dezenas de empresas norte- americanas do setor de TV a cabo— e que fatalmente se beneficiariam com o crescimento das alternativas de acesso à Internet por suas redes —, isso para não citar empresas de telecomunicações de um modo geral e empresas cujas atividades estavam ligadas diretamente à Internet, como Amazon (vendas de livros e discos) e E-Bay (leilões). O gráfico a seguir ilustra bem esse momento. Ele traz uma comparação entre os papéis da

Globo Cabo (identificada como NETC, em azul-escuro), United Global (UCOMA, identificada em azul-claro, cuja atividade também é TV a cabo em mercados emergentes), Microsoft (identificada em vermelho, sob o código MSFT), Amazon (AMZN, em amarelo) e Cox (uma operadora norte-americana de cabo, em cinza).

39 Ver nota publicada em PAY-TV News (www.paytv.com.br) em 11 de maio de 1999. 40 Dados do Relatóno Financeiro do Io Semestre da Globopar e Projeto Inter-Meios 41 Após uma série de reagrupamentos feitos em 2002, essa mesma ação eqüivaleria a US$ 10,00 pelos criténos atuais. Na época, contudo, US$ 1,00 significava o piso para a negociação ser permitida na Nasdaq. 118

Evo lu ç ã o das cotações das ações

na Bolsa E letrô nica de Nova Y ork (Nasdaq) - gráfico 3

09/22:02 2500.00 1800.00 1300.00 900.00 fjOODO 400.00 300 J30

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Fonte: N asdaq

9) A Internet toma-se inevitável

Se o grupo Globo tinha algum projeto para a Internet, estava claro que era bom colocá-lo em prática, pois o negócio envolvia quantias maiores a cada dia e o reflexo de qualquer ação envolvendo a "Nova Economia"42 era imediato nas avaliações sobre futuro ou fracasso das empresas. No Brasil, 1999 foi o ano em que o grupo Telefônica investiu as maiores quantias no negócio de Internet (adquirindo, como relatamos, o então segundo

42 Esse termo se consagrou no final dos anos 90 e designava o ambiente em que empresas ligadas às áreas tecnológicas, de Internet a biotecnologia, atuavam. Eram mercados não explorados, até então, pelas empresas tradicionais. 119

maior provedor de acesso brasileiro, o Zaz, lançando o provedor Terra). Empresas como Starmedia, Yahoo e outras despontavam como grandes atrações do mercado de Internet. É uma época também em que começaram a acontecer, nos EUA, as grandes fusões envolvendo empresas de TV paga. A gigante das telecomunicações AT&T conseguiu o sinal verde do governo norte-americano, em fevereiro de 99, para comprar a TCI, naquele momento a segunda maior operadora de TV a cabo, com cerca de 10 milhões de assinantes. Ao investir 50 bilhões de dólares na compra e mais 50 bilhões de dólares na melhoria das redes, a AT&T planejava ter a TCI como sua porta de entrada no mercado de telecomunicações residencial — do qual estava afastada desde o início dos anos 90 — e Internet. Em seguida, a AT&T comprou por mais 58 bilhões de dólares a MediaOne, a terceira maior operadora de cabo nos EUA. Também a Microsoft, gigante da área de softwares de Bill Gates, vislumbrando as possibilidades de ter seus sistemas operacionais instalados nas caixas decodifícadoras das redes de cabo, investiu em participações minoritárias. Em janeiro de 99, Bill Gates e sua Microsoft investiram de forma minoritária na operadora de cabo européia UPC; em março fizeram o mesmo na TV Cabo Portugal e iniciavam as negociações para entrar também no Brasil, por meio da Globo Cabo, em uma operação que viria a se concretizar em setembro. Esse período entre 1998 e 1999 representou, para a economia da TV por assinatura a época dourada, o que teve reflexos por aqui. Já em abril de 1999 as ações da Globo Cabo passaram a viver um ciclo de valorização sem precedentes na história do grupo Globo, processo que duraria um ano. Paralelamente, em março de 1999 a Globo desenvolvia dentro de sua Central Globo de Informática o que viria a ser um portal próprio, desvinculado da operação de TV a cabo. Naquela ocasião, o projeto ainda era secreto e a estratégia que seria seguida não está documentada. O que se sabe sobre esse período é baseado em informações da imprensa. Em agosto de 99, contudo, o que seria o portal Globo.com, das organizações Globo, faz a sua primeira aparição pública, aproveitando a ocasião do anúncio da entrada da Microsoft na Globo Cabo para se colocar presente na estratégia do grupo Globo. Desde julho daquele ano estava claro que a Globo teria o portal, em desenvolvimento desde o começo de 1999. Dependia, contudo, das negociações para a compra de portais já existentes (a Globo tentou comprar os portais Zaz e Matrix, por exemplo) e como ele seria 120

integrado à Globo Cabo, até aquele momento a estrela em ascensão dos novos negócios da Globo. Ao anunciar que a empresa de Bill Gates investiria 126 milhões de dólares na Globo Cabo, em 16 de agosto de 1999, as Organizações Globo também davam grande destaque ao que era o primeiro passo de uma grande parceria com a Microsoft. Conforme o documento passado na época ao mercado financeiro, a estratégia era a seguinte:

A estratégia geral do acordo entre Microsoft e Organizações Globo pretende estabelecer uma posição de liderança na Internet do Brasil. 'O conteúdo único em língua portuguesa oferecido pela Globo e a tecnologia de ponta da Microsoft podem criar uma combinação inédita, que se traduzirá em maior valor para os usuário e para os acionistas', diz Roberto Irineu Marinho, vice-presidente das Organizações Globo. As empresas criarão um grupo conjunto de marketing e tecnologia que será responsável pelo estudo e desenvolvimento de projetos comuns. As oportunidades iniciais de negócios a serem destacadas são um portal comum, fundindo o atual serviço MSN Brasil e o portal Globo.com, atualmente em desenvolvimento; serviços interativos de TV baseados em caixas avançadas com a plataforma Microsoft TV, e o provimento de acesso à Internet. Esperamos trabalhar conjuntamente para combinar o conteúdo de esportes, entretenimento e educação da Globo com os serviços de e-mail, mensagem e comunidades virtuais da MSN 'A Microsoft acredita no rápido desenvolvimento de serviços digitais para o consumidor', diz Mauro Muratório Not, gerente geral da Microsoft no Brasil. 'Olhamos com grande expectativa para o desenvolvimento no País de serviços digitais que possam ser criados com a combinação da plataforma Microsoft e conteúdo da Globo.43

A parceria com a Microsoft, contudo, nunca foi para a frente, apesar da criação do grupo conjunto que agregava a equipe da TV Globo, Globosat, Globo.com, Globo Cabo, Sky — operadora de TV paga por satélite — e Microsoft. Essa equipe chegou a trabalhar em uma série de propostas de negócios que nunca foram encampadas pelos acionistas. O ano de 1999 também foi o ano em que a Internet por redes de TV a cabo virou moda no país. Após o lançamento de acesso por MMDS da TV Filme, no final de 1997, foi necessário esperar até 14 julho de 1999 até que a TVA lançasse um serviço similar ao da TV Filme, por MMDS e unidirecional — ou seja, necessitava ainda do complemento via linha telefônica. Uma semana depois, a Image TV, operadora de cabo do grupo Algar, em Uberlândia/MG, lançou comercialmente o primeiro serviço de acesso à Internet por redes de cabo no Brasil, aproveitando uma brecha jurídica que envolvia uma associação com a

43 Tradução livre feita a partir do documento “Globo and Microsoft announce strategic agreements and investments to develop and deploy new internet services in Brazil”, de 16 de agosto de 1999, disponível em http://www.latamsource.com/clients/globocabo/releases/engfinal.pdf. 121

CTBC, empresa de telefonia da cidade controlada pelo mesmo grupo Algar. Para não perder o bonde, no dia 22 de julho a Globo Cabo anunciou que estava com tudo pronto para lançar o serviço de acesso à Internet por suas redes de cabo, já batizado de Vírtua. Faltava

apenas a liberação da A n a t e l para que o serviço pudesse ser oferecido comercialmente.44

A essa altura (1999), as redes de TV paga da Globo Cabo estavam disponíveis a mais de 4,5 milhões de lares, sendo a maior parte deles nas regiões de maior renda do país. Era apenas uma questão de acertar com o governo a melhor forma de resolver o impasse com os pequenos provedores de acesso, que temiam ser massacrados pela entrada das

grandes operadoras de TV paga. Em 9 de setembro de 1999 a A B T A (associação dos

operadores de TV paga) e a A b r a n e t (associação dos provedores de acesso) selaram um

acordo de cooperação e a A n a t e l conseguiu, enfim, seguir com seu trabalho de elaboração de um instrumento normativo que atendesse a todos os interesses. No início de setembro de 99, a agência colocou em consulta pública um documento que trazia uma inovação nunca vista no mundo em relação à regulamentação do acesso à Internet no Brasil: a separação entre prestador de conteúdo e serviço e prestador de infra- estrutura45. O operador de TV paga ofereceria a infra-estrutura de acesso. O prestador de serviços deveria contratar essa infra-estrutura. E as duas empresas teriam que ser separadas, distintas, para que houvesse isonomia de tratamento. As redes de cabo, portanto, não seriam exclusivas apenas aos provedores dos próprios operadores de TV paga. A infra-estrutura teria que ser compartilhada. Essa decisão acabou acatada durante a fase de consultas públicas pelas empresas do setor, e em 26 de novembro a Anatel finalmente liberou os operadores de TV a cabo a prestar serviço de acesso à Internet por meio de suas redes.

Essa posição normativa assumida pela A n a t e l foi, segundo relatos da época, decisiva para a estratégia de Internet do grupo Globo. A partir dali, estava claro que o portal Globo.com não estaria vinculado à Globo Cabo, até porque isso não seria permitido pela regulamentação proposta naquele momento. A Globo.com passou a ser, então, uma iniciativa da TV Globo, com a colaboração de outras empresas do grupo, inclusive a Globosat.

44 Era, na verdade, o segundo lançamento do Vírtua. O primeiro havia sido feito em setembro de 1998, também sem a devida autorização da ANATEL para ser prestado em escala comercial. 122

10) A época de ouro chegava para a Globo

Com a liberação para prestar serviço de Internet, a Globo Cabo viveu uma fase ainda mais intensa de valorização nas bolsas, que duraria até fevereiro de 2000. Conseguiu também reestruturar sua dívida com uma capitalização de quase 850 milhões de dólares, o que envolvia a entrada do banco estatal BNDES em sua operação. Em 2000 o grupo Globo colheu os frutos da "bolha da Internet", em todos os sentidos — bons e ruins. A febre dos negócios pela Internet dominava as principais publicações de negócios brasileiras. A estabilização econômica depois de um ano de turbulência parecia criar um clima de euforia. Para o grupo Globo, era a chance de começar a ganhar dinheiro com algo além de TV aberta. Em 24 de março de 2000 foi lançado oficialmente o Globo.com. O portal congregava todas as empresas das Organizações Globo, entre eles os jornais, a Rede Globo, o Sistema Globo de Rádio, a Editora Globo e a operação de TV paga. A idéia da Globo era aproveitar a febre de Internet e faturar com a abertura do portal em bolsa, o que poderia acontecer no final de 2000, segundo as declarações de Roberto Irineu Marinho no lançamento do novo produto. Além disso, já no seu lançamento foi anunciado que o Globo.com estava em negociações com um parceiro da área de telecomunicações. Sobre um possível aporte da Microsoft, sócia da Globo Cabo (10%), o diretor executivo do Globo.com na ocasião, Luis Carlos Boucinhas, disse apenas que havia "trabalhos em andamento, mas sem novidades". A estratégia de lançamento do portal Globo.com destacou principalmente o conteúdo que requeria conexões em banda larga, como por exemplo um canal com programação em video streaming do canal pago GioboNews 24 horas por dia. Na ocasião do lançamento, o diretor de criação do portal, Marcelo Póvoa, ressaltou que o esquema de fornecimento de conteúdos ficaria sob a responsabilidade de cada uma das

45 Vale destacar que a questão da abertura das redes de TV paga, conceitualmente, já vinha desde a Lei do Cabo, de 1995, que pela primeira vez no arcabouço regulatório brasileiro introduziu os conceitos de rede única e rede pública. 123

divisões das Organizações Globo, sendo que a cada uma caberia a missão de selecionar, produzir, formatar e enviar conteúdo para o portal.46 A época era de negócios grandes no mundo da Internet. Praticamente no mesmo período em que a Globo lançava o GIobo.com, a Portugal Telecom comprava o portal Zip.net no Brasil pelo montante de 365 milhões de reais. Merece ainda destaque a entrada do grupo America Online no Brasil em 2000, além dos portais de acesso gratuito, que também proliferaram entre 1999 e 2000. É importante destacar que, na ocasião, o modelo de negócios do Globo.com apresentava elemento claros de que se tratava de uma estratégia, num primeiro momento, muito mais especulativa do que comercial. Primeiro, porque não havia a preocupação de criar uma estrutura de acesso à Internet, como tinham os principais concorrentes Terra ou UOL.47 Segundo o relatório financeiro da Globopar referente ao primeiro trimestre de 2000, as principais fontes de receita do Globo.com seriam a comercialização de conteúdo para outras mídias, como celular, banda larga e satélite. Haveria, também, o modelo de cobrança por publicidade. De fato, como o GIobo.com coincidia com o lançamento comercial do serviço de acesso da Globo Cabo (Vírtua), uma parte importante de sua receita vinha desses assinantes, que pagavam para ter a conexão por cabo e pagavam pela prestação do serviço de conteúdo da Globo.com (e outros provedores também, já que não era permitida nenhuma política de exclusividade, de acordo com a regulamentação). Contudo, em um primeiro momento, Globo Cabo e Globo.com adotaram uma estratégia de subsídio cruzado. Ou seja, ficava mais barato para o assinante da operadora de TV a cabo ter o serviço Vírtua se adotasse como provedor o Globo.com, que bancava os custos de instalação do modem. Essa foi a forma encontrada pela Globo de compensar o fato de não ter acesso por linha telefônica. Outro elemento que denota claramente o caráter especulativo do portal Globo.com nessa época é o fato de ele surgir, desde o início, com a perspectiva de encontrar um sócio investidor. Nos relatórios financeiros do grupo Globo, todos os investimentos feitos no

46 Ver nota “Organizações Globo lançam portal”, publicada em PAY-TV News, em 24 de março de 2000 (www.paytv.com.br) 47 Na época, a febre da Internet grátis fazia com que muitos analistas duvidassem da viabilidade de se criar um produto que se baseasse na receita obtida pela cobrança do acesso. 124

portal só aparecem depois do monumental aporte que a Telecom Itália faz pela aquisição de 30% do Globo.com, de que trataremos mais adiante. Importante ressaltar que em fevereiro de 2000, as ações da Globo Cabo atingiam o

mais alto valor de cotação em bolsa, chegando a valer quase 25 dólares na NASDAQ, contra 1 dólar de um ano antes.48 O sucesso alcançado pela operação de cabo era tão promissor que no segundo trimestre de 2000 a Globopar anunciou em seu relatório financeiro que pretendia expandir ainda mais sua posição em negócios de "new media"49, e queria, ainda, expandir-se internacionalmente nesse e em outros segmentos. O primeiro semestre de 2000 foi sem dúvida memorável para o grupo Globo, pois também a TV, de acordo com os dados apresentados pela empresa, teve seu melhor desempenho histórico em termos de receita publicitária. As verbas de publicidade para a TV haviam crescido cerca de 19% em relação ao mesmo período de 1999. Começa a fase dos grandes acordos fechados pelo grupo Globo com seus sócios no Brasil e no exterior. A Globo Cabo aproveita o momento de intensa valorização de seus papéis para consolidar suas posições minoritárias. Compra 100% das operações de cabo no Sul do país em junho de 2000 (até então, a RBS era a controladora, com 80%) e da Unicabo (interior de São Paulo). É interessante notar que, para conseguir essas posições, a Globo Cabo pagou valor bem acima daquele pago pela própria Microsoft quando entrou de sócia na operadora de cabo. Na aquisição da Net Sul, pagou o equivalente a 2.700 dólares por assinante. Na aquisição da Unicabo, 2.900 dólares por assinante. Quando comprou a operadora Multicanal, ao final de 1997, a Globo Cabo pagou 2.700 dólares por assinante. Já a Microsoft pagou 1.800 dólares por assinante para se tomar sócia da Globo Cabo.50. Outro passo decisivo para o Grupo Globo foi a incorporação, pelo valor de 100 milhões de reais, da empresa de telecomunicações corporativas do grupo, aVicom. Assim, a empresa, antes vinculada à Globopar, Bradesco e Victori, passa a ser vinculada apenas à Globo Cabo e seus acionistas. Essa transação aconteceu em fevereiro de 2000.

48 Pelos critérios atuais, esses 25 dólares eqüivaleriam a 250 dólares. 49 A expressão "new media", utilizada no relatório, tomou-se referência para a designação de novas tecnologias de comunicação durante o período da "bolha de Internet", sendo ainda hoje utilizada em algumas publicações, tanto técnicas quanto acadêmicas. M Estes valores refletem inclusive a incorporação da dívida e, nos casos da Unicabo e Net Sul, envolvem a incorporação da dívida das empresas. Vale lembrar que nesse período, as fusões entre operadoras de TV a cabo nos EUA chegavam a valores de até US$ 5 mil por assinante. 125

Mas foi em junho de 2000 que o grupo Globo, justamente especulando com seu recém-lançado portal Globo.com, realizou o negócio mais expressivo que até hoje pôde ser visto no mercado de Internet no Brasil. Em Io de junho de 2000,51 a multinacional Telecom Itália adquire, por 810 milhões de dólares, pagos em dinheiro, 30% do portal, que naquele momento tinha pouco mais de dois meses de existência, nenhum assinante e nenhum contrato de receita publicitária assinado em bases anuais. O único valor visto pela Telecom Itália era estar ao lado do grupo Globo e dispor de seu conteúdo para todos os serviços que viriam a ser desenvolvidos a partir daquele momento. Na ocasião do anúncio da sociedade, planejava-se estender o portal para outros paises da América Latina em que a Telecom Itália estivesse presente,52 além de desenvolver conteúdo de Internet para serviços de telefonia móvel. Os planos previam ainda a inclusão de mais parceiros no provimento desses serviços nos diferentes países. Na entrevista que deu à imprensa logo após anunciar a venda dos 30% do Globo.com, a diretora geral da unidade de conteúdo eletrônico da Globo, Marluce Dias da Silva, afirmou que o provedor ainda estaria aberto a novos acordos, fossem de natureza estratégica ou tecnológica. Mas deixou claro que o controle ficaria sempre nas mãos da Globo. Naquele momento, a Telecom Itália participaria da direção do provedor apenas com um profissional da área tecnológica, além de ter representantes no conselho da empresa. Os termos do acordo nunca foram muito claros, mas, na ocasião, a Globo se comprometeu a colocar 100 milhões de dólares do dinheiro da venda como investimento direto no portal e tornaria seu conteúdo exclusivo a esse veículo na Internet. A Telecom Itália, por sua vez, se comprometia a não fazer investimentos diretos em nenhum outro portal em língua portuguesa. O então presidente da Telecom Itália, Roberto Colaninno,

51 No mesmo dia, a PT Multimédia, uma subsidiária da Portugal Telecom, anunciava a aquisição de 50% do portal de negócios InvestNews, pertencente à Gazeta Mercantil. 32 No Brasil a Telecom Itália era acionista da operadora de telefonia fixa Brasil Telecom além de ter sido sócia da Globopar e do Bradesco na operadora de celular em banda B Maxitel (atualmente pertencentes apenas à Telecom Itália). Era, ainda, acionista das empresas de telefonia celular em banda A TIM Nordeste e TIM Sul (das quais a Globo foi sócia logo após a privatização da Telebrás). Na América Latina, a Telecom Itália participa da operadora móvel (Telecom Personal), fixa (Telecom ) e do provedor de Internet Amet. Na Bolívia, a empresa participa da operadora de telefonia fixa (Entel Bolívia) e da móvel (Entel Móvil). No a empresa participa da fixa Entel Chile e da móvel Entel Personal. Em Cuba, a Telecom Itália participa da empresa de telefonia fixa estatal Etec S.A.. No Paraguai, a presença é na empresa de telefonia móvel Nucleo. No Peru, a empresa Itáliana participa da empresa de telefonia móvel TIM Perú, e na Venezuela participa da operadora móvel Digitei. 126

lembrou que aquele era o primeiro investimento direto da tele em uma operação de Internet e mídia no mercado internacional. É importante ressaltar que, como parte da estratégia de garantir que o conteúdo de todas as suas empresas fosse exclusivo do portal Globo.com, a Globo impôs aos seus artistas cláusulas contratuais que os obrigavam a vincular qualquer iniciativa de Internet ao portal recém-criado, o que criou atritos com artistas cuja estratégia comercial era mais independente, como foi o caso do site da , que durante muito tempo chegou a negociar sua hospedagem com outros portais. Essa estratégia foi, posteriormente, abandonada, dada a dificuldade em relação aos custos para bancar os contratos com todos os seus artistas nessas condições. Hoje, grandes nomes do elenco global estão em portais concorrentes, como é o caso da apresentadora Ana Maria Braga, cujo site oficial está no portal UOL. Como forma de garantir comprometimento das empresas com o Globo.com, a Globo adotou uma estratégia de quotas. Assim, dos 70% que restaram ao grupo na propriedade do Globo.com, parte ficou destinado à TV, outra parte ficou para a Globosat, outra, ainda, para a holding Globopar etc. Essa estratégia é engrossada pela presença, dentro do portal, dos sites das Organizações Globo: dois sites de jornais (O Globo e Diário de S. Paulo); oito sites de rádios; 12 sites de suas revistas impressas; 15 sites de seus canais de TV paga e aberta; o site do Vírtua; um site de gravadora; e três sites de agências de notícias (Agência O Globo, Globo Online e NTR - Notícias em Tempo Real), sendo que duas delas são abertas apenas assinantes. Também é preciso destacar a integração aos portais de notícia criada com o subportal Globonews.com em julho de 2001 (sobre o que falaremos mais adiante), cuja criação foi fundamental para dar ao Globo.com os índices de audiência esperados. A partir da entrada da Telecom Itália e da capitalização de 100 milhões de dólares feita pelo grupo Globo (com dinheiro da venda para os italianos), o portal Globo.com começou uma fase de intensa briga com os provedores estabelecidos, sobretudo com o iG, que estava se consolidando na mesma época, porém com uma estratégia fundamentada no acesso gratuito, para atrair mais audiência. 127

Na ocasião, Luiz Carlos Boucinhas, diretor geral do portal da Globo,53 afirmou que a estimativa do grupo era conseguir atrair, até o final daquele ano, 30% da verba publicitária para Internet, estimada em 70 milhões de dólares. Ou seja, o GIobo.com faturaria algo em torno de 21 milhões de dólares. Esse número não pode ser verificado com precisão. O único dado oficial disponível é o prejuízo operacional do portal em 2000, registrado pela Globopar no quarto trimestre do ano, no montante de 34,8 milhões de dólares, atribuídos sobretudo aos custos de lançamento e marketing. De fato, as campanhas do Globo.com foram intensas, mas ainda não utilizavam maior sinergia com as outras mídias do grupo Globo, o que só aconteceu em 2001. O portal e, sobretudo, a sua venda para a Telecom Itália, representou o ponto alto da administração de Marluce Dias da Silva como diretora geral de televisão e entretenimento da Globo. A executiva, que em 1986 entrou em contato com a família Marinho pela primeira vez, teve como missão, a partir de 1998, quando assumiu o lugar de José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, além de resolver um problema que era a sucessão familiar depois da aposentadoria de Roberto Marinho, adaptar o grupo a novas tecnologias e novas formas de concorrência.54 No setor de TV paga, sua forma de atuação sempre foi muito criticada por colocar esse investimento do grupo em situação de antagonismo com a TV aberta. A TV Globo, sob a gestão Marluce, nunca se preocupou em criar sinergias com a TV paga, ajudando a popularizar o serviço — possivelmente porque isso acarretaria perda de audiência ainda maior. Contudo, a sinergia entre o Globo.com e a TV Globo só tendia a crescer e contava com o apoio incondicional de Marluce Dias.55 Apenas como exemplo, em agosto de 2000, em uma reunião entre representantes das 117 afiliadas da TV Globo, buscaram-se formas de dar um caráter mais regional ao Globo.com, fato que nunca ocorreu com as operadoras de TV paga. Em 2001, a TV Globo começou a incentivar, fosse pelo locutor, fosse por texto inserido juntamente com os créditos dos programas, seus telespectadores a irem ao site Globo.com. Da mesma forma, a TV Globo passou a incentivar, já a partir de 2001, a

53 Ver Billi, Marcelo, Itàlianos compram um terço do Globo.com, Folha de S. Paulo, 2 de junho de 2000, p. BI 54 Ver Grillo, Cristina, “Marluce leva a Globo aos novos tempos”, Folha de S. Paulo, 16 de setembro, p. Especial - 12. 55 Marluce Dias da Silva deixou a empresa em setembro de 2002, com perspectivas de retomo em um ano, para se submeter ao tratamento de sérios problemas de saúde. 128 interação entre seus telespectadores e os subportais dos programas específicos, por meio de votações, enquetes, opiniões etc. As vendas de publicidade do portal sempre ficaram sob a responsabilidade da superintendência comercial da TV Globo, o que também facilitava a troca de informações e a criação de estratégias comuns. Não havia, contudo, uma estratégia clara de como o Globo.com se viabilizaria economicamente. Muito se falou ao longo de 2000 sobre uma eventual fusão com um portal que tivesse plataforma de acesso, como era o caso do iG. Fato era que a única fonte de receita do portal, além da publicidade, era o serviço Vírtua, da Globo Cabo.

11) Fim da festa. A bolha estoura

Mas enquanto a Globo conseguia fazer o negócio milionário com o Globo.com e dava, finalmente, seus primeiros passos no setor de Internet, o mundo começava a ver a bolha especulativa da Nova Economia estourar. O momento em que a Globo Cabo atingiu seu maior valor, em fevereiro de 2000, foi também o momento em que todas as ações de empresas de Internet tomaram o rumo descendente. Inclusive a Globo Cabo. Entre fevereiro e junho, tudo parecia apenas um movimento de acomodação. Nada indicava que a Internet deixaria de oferecer os grandes ganhos que vinha oferecendo aos jogadores do mercado acionário, entre 99 e 2000. Em maio de 2000 a Globo Cabo chegou a ser saudada pela revista Forbes como a grande empresa de tecnologia brasileira, séria candidata a dominar boa parte também do mercado de telecomunicações por meio do serviço de acesso à Internet e mesmo telefonia por redes de cabo. A Globo Cabo dizia abertamente que estava à procura de uma empresa de telecomunicações para ter como sócia. Não conseguiu. Ao final de 2000, suas ações valiam 41% do que valiam no dia do pico histórico (16 de fevereiro de 2000). Resultado péssimo, mas não tanto quanto o de outras empresas. No caso da Amazon, considerando o mesmo período de análise, suas ações caíram para 22% do valor. No caso da operadora de cabo internacional United Global, os papéis valiam no último dia útil de dezembro de 2000 apenas 16% do que haviam valido em fevereiro.56

56 Informações da NASDAQ (www.nasdaq.com.br). 129

Se o grupo Globo estava tranqüilo com o dinheiro em caixa obtido com a venda do portal, não podia dizer o mesmo dos resultados financeiros e operacionais das demais empresas. O primeiro semestre de ouro da TV Globo dava lugar a um segundo semestre em que os anunciantes do setor de Internet — grandes responsáveis pelo crescimento do começo do ano — escasseavam. As perdas financeiras para o grupo Globo com as operações de TV paga por satélite (132,3 milhões de dólares), TV a cabo (66 milhões de dólares), programação de TV paga (48 milhões de dólares), Internet (34,8 milhões de dólares) davam a tônica do que havia de fato acontecido.57 O que compensou foi a venda de ativos do grupo, cujas receitas ajudaram a dar à Globo um certo alívio financeiro. Além da Globo.com (810 milhões de dólares), o grupo Globo se desfez ainda dos investimentos no ramo imobiliário (41,7 milhões de dólares), da Maxitel (49,2 milhões de dólares) e da NEC (28,2 milhões de dólares).58 O ano 2000 terminou positivo para o grupo do ponto de vista do endividamento, com uma redução significativa dos compromissos, mas as torneiras da TV paga continuavam abertas e drenando os recursos do grupo, e agora ganhavam o reforço do portal Globo.com, que não tinha um modelo de negócios lucrativo. Em 2000, o negócio de TV paga havia crescido tanto no satélite quanto no cabo, mas o serviço de acesso à Internet Vírtua dava sinais de que não conseguiria cumprir as metas colocadas quando foi lançado. A estimativa da Globo Cabo era terminar 2000 com cerca de 50 mil assinantes. Terminou com pouco mais de 28 mil. A meta de 50 mil só foi batida no primeiro trimestre de 2002, aliás. E para complicar a situação, a Telefônica também ganhou espaço ao longo de 2000 com o seu serviço de acesso à Internet Speedy, por tecnologia de ADSL, que competia frontalmente com o acesso oferecido pelas redes de TV paga.

12) Cai a Globo , sobe o Globo.com

Começa o ano de 2001. Ano de racionamento de energia, ano de explosão da crise na Argentina, ano de retração econômica nos EUA, queda monumental dos valores das

57 Ver balanço do quarto trimestre de 2000 da Globopar 58 Essa venda foi realizada no final de 99 130

empresas de alta tecnologia, ano de ataques terroristas e de guerra. Mas no começo do ano havia apenas um sinal de que as coisas seriam complicadas: o mercado publicitário voltava a cair 11,4% em relação ao mesmo período do ano anterior. A Globo planejava investir em seu portal Globo.com algo em torno de 77 milhões de dólares. Trocava o diretor geral do portal por um executivo vindo de uma empresa de telecomunicações (Juarez Queiroz, ex-diretor de marketing da Telemar, que entrava no lugar de Luiz Carlos Boucinhas) com a incumbência de levar o portal à liderança até março. Tarefa complicada, já que naquele momento o portal, apesar de ter mais de 1 milhão e duzentos mil usuários de e-mail gratuito cadastrados, não ocupava nem a oitava posição entre os portais mais visitados (ver anexo I). Já em janeiro, a TV Globo e o Globo.com anunciaram a primeira parceria para a produção de um programa que seria distribuído simultaneamente pela rede de TV e pela Internet, a atração "Sociedade Anônima", com Cazé Peçanha, que acabou saindo do ar pouco tempo depois de sua estréia por problemas de audiência. Por outro lado, o Globo.com começou a sentir a retração forte do mercado publicitário e, com isso, foi obrigado a cortar, em março, 30% de seus custos. Este cenário também se reflete nas previsões de investimentos da Globopar, que ajustou para 60 milhões de dólares as estimativas de gasto anual com o portal, ainda no segundo trimestre do ano. Outros fatos marcantes do ano de 2001 e que determinaram a sorte do grupo Globo estão relacionados com sua atuação no mercado internacional. Desde 1995 que o grupo buscava formas eficientes de ir ao mercado externo, evitando os erros do passado. Tentou avançar sobre os mercados da Itália e Portugal na década de 80, tentativa frustrada no caso italiano por falta de parceiros locais, conforme relatou Roberto Irineu Marinho.59 Tentou atrair os parceiros internacionais para o Brasil com negócios em telecomunicações (Giobo.com e operações de telefonia celular), mas foi apenas em 2001 que conseguiu dar passos mais efetivos. O recém-criado canal da TV Globo Internacional chegava a 120 mil assinantes no primeiro trimestre de 2001 —chegando a 180 mil no final do ano. Um grande acordo com a rede para a produção de novelas em língua espanhola foi fechado na mesma época. Em 27 de agosto de 2001 a Globo acertou com a empresa holandesa, produtora de conteúdo, Endemol, ligada ao grupo espanhol Telefônica, um acordo de seis anos para a produção conjunta de programas para o Brasil e o desenvolvimento de formatos

59 Ver Glasberg, Rubens, “A Globo já prepara os próximos 30 anos”. Tela Viva, n2 35, abril de 1995 131

que poderiam ser exportados. Cada uma das empresas se comprometeu a investir cerca de 40 milhões de dólares na Endemol Globo S.A., em que seriam sócias com partes iguais, ficando a Endemol responsável pela cessão dos direitos sobre formatos consagrados como “Big Brother”, e a Globo entraria com todos os seus meios de distribuição do conteúdo, dividindo a receita ao meio. Como veremos mais adiante, essa parceria resultou em uma das mais significativas mudanças no projeto de Internet da Globo, e também em sua estratégia para TV a cabo e satélite. Além dessas parcerias internacionais, o Globo.com fechou, em 3 de agosto de 2001, parceria operacional com a Telecom Itália para prover conteúdo ao portal para celulares Timnet.com. Mas se as parcerias andavam em bom caminho, o mercado estava crítico para a Globo. A desvalorização cambial vinha se intensificando desde o segundo trimestre de 2000 e piorava sensivelmente em 2001 (ver tabela abaixo), na mesma medida em que a crise se ampliava na Argentina e que a situação econômica do Brasil se fragilizava, com a retração de consumo decorrente do período de racionamento de energia (março a outubro de 2001). Nos segundo e terceiro trimestres do ano de 2001 o mercado publicitário se retraiu em 16,1% e 15,2%, respectivamente, em relação ao mesmo período do ano anterior.

Perdas (ou ganhos +) da moeda BRASILEIRA FRENTE AO DÓLAR (EM %) - TABELA 9 Trimestre 1T99 2T99 3T99 4T99 1T00 2T00 3T00 4T00 1T01 2T01 3T01

Percentual -42,3 -2,8 -8,6 +6,9 +2,3 -3,0 -2,4 -6,1 -10,5 -6,6 -15,9

Fonte: Globopar

Com a deterioração do cenário econômico de maneira acentuada, a Globo foi obrigada a consumir boa parte do que havia acumulado em caixa no ano anterior com a venda do Globo.com à Telecom Itália. A dívida bruta da Globopar em 2001 (1,77 bilhão de dólares) mantém-se estável em relação a 2000 (1,75 bilhão de dólares), ou seja, o grupo não precisou fazer novos endividamentos. Mas a dívida líquida aumentou de 1,18 bilhão de dólares para 1,56 bilhão de dólares com o uso dos recursos em caixa — cerca de 360 132

milhões de dólares foram usados.60. O grupo começou, então, a reestruturar sua dívida, renegociando o pagamento dos valores mais pesados para depois do ano de 2003 (332 milhões de dólares), sendo a maior parte rolada para depois de 2006 (758 milhões de dólares). A piora nos fundamentos econômicos fez com que o grupo revisse algumas opções estratégicas. Em outubro de 2001 Roberto Irineu Marinho, em entrevista à revista PAY-TV, deixou clara a nova opção estratégica do grupo: "Não queremos perder o controle da Rede Globo, da geração de conteúdo. O grupo Globo é um grupo de geração de conteúdo. Perder o controle da Globo Cabo é uma coisa que pode acontecer".61 Era a senha para dizer que, a partir daquele momento, o grupo estava cansado de perder dinheiro em TV paga e não estava mais disposto a comprometer seu desempenho por algo que não parecia mais estratégico nem sustentável. "Num país que teve a desvalorização da moeda como tivemos nesses últimos anos de quase 200% e com os juros que temos hoje, é muito complicado ter uma indústria de cabo voltada apenas para televisão. Ou existe compartilhamento de rede e trabalhamos com o aumento da rentabilidade do cabo, ou fica muito difícil continuar expandindo". Perguntado se a estratégia da Globo não havia sido útil pelo menos para ajudar a TV aberta a preservar seu mercado de uma eventual erosão da audiência da TV paga, Roberto Irineu Marinho disse:

"Eu não acreditava que essa erosão pudesse acontecer. Na época, tínhamos 60% dos televisores ligados e sintonizados na Globo. Os outros 40% tinham outros interesses. O que queríamos era capturar esses outros mercados que não conseguíamos. Tanto é que a medição de audiência da TV Globo dentro do cabo hoje não é menor do que a do . Em alguns casos é até maior. Por outro lado, alguém que não esteja ligado na TV Globo pode estar ligado em canais Globosat. Então, se a idéia era não perder espaço para a TV paga, o resultado foi ainda melhor. Não só não perdemos espaço na audiência como adicionamos novos telespectadores ao conteúdo Globo com a Globosat."

E quando perguntado qual era então a forma de a TV paga ganhar mais espaço no Brasil, o vice-presidente das Organizações Globo afirmou: "Soltar uma bomba na Rede Globo (risos). Isso aumentará imediatamente a penetração da TV por assinatura. Na Argentina, não tem Rede Globo; a programação internacional faz sucesso lá e a penetração é alta. (...)

60 Ver relatórios do quarto trimestre da Globopar referentes aos anos de 2000 e 2001. 61 Ver Glasberg, Rubens e Possebon, Samuel, “Globosat, 10, é prioridade”. PAY-TV. n2 87, outubro de 2001. 133

É um paradoxo. A qualidade da TV aberta brasileira é um limitador para a TV por assinatura". Esse posicionamento seria determinante na estratégia do grupo a partir de 2002, quando os investimentos na Sky e na Globo Cabo foram revistos. Por outro lado, a estratégia do portal Globo.com seguia integrada com a TV Globo, a exemplo do que acontecera em 2000. E em julho de 2001 as empresas lançaram o portal de notícias Globonews.com, como parte do portal Globo.com. O Globonews.com incorporava recursos jornalísticos de todos os veículos de comunicação do grupo Globo: canal Globo News, Sistema Globo de Rádios, jornais O Globo, Extra, Diário de S. Paulo, Valor e TV Globo (Central Globo de Jornalismo). A estratégia, ao lado das parcerias com a Endemol, ajudaria o grupo a, em 2002, dar o salto de audiência no portal buscado desde 2000 e amda não alcançado. É importante destacar que em 2001 o portal Globo.com mostrou novas táticas para conquistar o mercado. Passou a desenvolver fórmulas que já haviam dado certo em outros provedores, tais como sites com fotos sensuais (Paparazzo); sites de chat com pessoas famosas (Psiu.com, que tem como grande arma a exploração dos artistas da própria TV Globo); site de hospedagem de páginas pessoais (Kit.net), que acabam gerando um grande volume de acesso; site de fofocas (Dirce.com, que é também o primeiro site a ganhar espaço nas publicações impressas do grupo, como os jornais Extra, Diário de S. Paulo e a revista Quem) entre outros. Essa estratégia, somada ao Globonews.com, garantiu, ainda em 2001, um crescimento de audiência da ordem de 35%.62 De acordo com declarações de Juarez Queiroz, no final de 2001,63 para conseguir mudar a estratégia de conteúdo foi necessário quebrar alguns "feudos" dentro do grupo Globo e fazer com que todos produzissem para a Internet; foi também preciso criar a mentalidade de que, se quisesse crescer, o Globo.com precisaria desenvolver conteúdo próprio e acabar com projetos mirabolantes. O portal sabia, também, que precisaria encontrar uma alternativa de receita à publicidade declinante, que poderia ser a comercialização de acesso. No caso de portais como UOL, Terra e AOL, o provimento de acesso por telefone garantia cerca de 70% da receita. Essa alternativa de receita, no caso do Globo.com, praticamente inexistia. Na verdade, em 2001 o portal chegou a fechar parceria

62 Ver Manzoni Jr, Ralphe, “Os clones do GIobo.com”. Business Standard, out./nov. de 2001. 63 Ibidem. 134

com a Caixa Econômica Federal e com a Embratel para a comercialização de computadores populares com acesso à Internet via Globo.com. Mas dificuldades técnicas e comerciais fizeram com que o plano rendesse ao Globo.com apenas 50 mil usuários com acesso contratado do portal, contra um milhão do planejamento inicial. Outra alternativa em estudo pelo Globo.com no final de 2001 era fechar parte de seu conteúdo e passar a cobrar por ele, a exemplo do que sempre fizeram os portais UOL e Terra. Ou seja, a Globo.com percebia que para encontrar o caminho da rentabilidade precisaria copiar modelos de negócios existentes. A força do conteúdo da Globo, contudo, estava ajudando. Segundo dados publicados pela revista Business Standard, depois da página inicial, as páginas com conteúdo da TV Globo eram as mais acessadas dentro do portal Globo.com (ver tabela abaixo).

Percentual de cada página do G lobo.com na audiência - tabela 10

Página inicial (www.globo.com) 49% Rede Globo 27% GloboNews 16% Paparazzo 14% Web mail 14% Intermega 11% O Globo 6% Psiu.com 6% NetCard 6% Turma da Mônica 6% Busca 6% Globosat 5% Casseta e Planeta 4% Portal X (Xuxa) 4% GloboShopping 3% Epoca 3% RadioClIck 3% Tilt Total 3% Fonte: Ibope e Ratings.com, outubro de 2001 Obs: a soma é maior do que 100%, pois o mesmo usuário pode navegar por vários sites

Por outro lado, os resultados do grupo são péssimos. Em 2001, o prejuízo do Globo.com foi de 50,5 milhões de dólares contra 32,4 milhões de dólares em 2000. As operações de TV paga perderam 203 milhões de dólares em 2001 — equity, ou seja, apenas a parte que cabia à Globo no prejuízo —, que se somavam aos 60 milhões de dólares 135

perdidos em 2000, 22,7 milhões de dólares em 1999, 229,3 milhões de dólares em 1998, US$ 40,3 milhões de dólares em 1997 e 700 milhões de dólares antes disso.. 64 Tudo indicava que a Globo tinha sobrevivido às tragédias de 2001 graças aos investimentos conseguidos com o Globo.com em 2000. A Globo Cabo, em agosto de 2001, acendia a luz vermelha e dizia que não voltaria a crescer enquanto a economia não retomasse um ritmo de crescimento de pelo menos 3% ao mês, e suas ações despencaram no final do ano para 32% do valor que tinham no começo do ano, ou 14% do que valiam no auge, no início de 2000, mesmo com o anúncio feito em maio de 2001 sobre o início dos testes com uma plataforma digital de TV a cabo ou os testes de telefonia no cabo anunciados em outubro do mesmo ano. Era o fim da linha para o negócio de TV a cabo. Nem mesmo as vendas do serviço de acesso à Internet Vírtua empolgavam. A Globo Cabo terminou o ano de 2001 com 53 mil assinantes desse serviço, o que representava a meta estabelecida para o final de 2000, quando o produto foi anunciado. O seu concorrente principal, o Speedy, da Telefônica, chegou ao fuial de 2001 com pouco mais de 220 mil assinantes.

13) A cruzada pelo conteúdo nacional

O ano de 2001 foi, ainda, marcado por profundas mudanças no cenário regulatório, envolvendo não só a Internet mas toda a comunicação brasileira, e por um movimento crescente no sentido de preservar uma suposta identidade nacional em tudo o que dissesse respeito aos meios de comunicação. Talvez como reflexo da crise, da competição que se anunciava por meio das empresas de comunicação e das dificuldades financeiras de um modo geral, as empresas de mídia brasileiras se retraíram em uma espécie de cruzada em torno da preservação do "conteúdo nacional", como veremos. Nesse sentido, o primeiro fato de destaque foi a iniciativa de todos os grupos operadores do serviço de TV a cabo (exceto a Globo) que, de maneira organizada através da ABTA (a associação setorial), iniciaram um movimento para rever, junto ao Poder

64 Dados recolhidos da análise de todos os relatórios financeiros e documentos para investidores publicados pela Globopar entre 1997 e 2001. 136

Legislativo, a Lei de TV a Cabo, processo que começou em janeiro de 2001 e que até hoje não está resolvido. O que os operadores queriam é que o limite de 49% estabelecido ao controle, por empresas estrangeiras, sobre concessões de TV a cabo, fosse retirado, estabelecendo uma situação de igualdade com as demais tecnologias de distribuição de TV paga (MMDS e satélite). O processo, contudo, coincidiu com uma disputa nas esferas decisórias de defesa da

concorrência — especificamente o C a d e - Conselho Administrativo de Defesa Econômica — a respeito de um antigo pleito da operadora de TV paga DirecTV, que desejava ter o direito de ter em sua programação a TV Globo, a exemplo do que acontecia com a Sky (do

próprio grupo Globo). Em um primeiro relatório, de março de 2001, o CADE recomendava que o pleito da DirecTV fosse atendido. Iniciou-se então um intenso processo de pressão política da Globo para reverter a situação para o julgamento final. Por pressão da Globo, o ministro das comunicações na ocasião, Pimenta da Veiga, chegou a se manifestar sobre o

caso, dizendo que os interesses do conteúdo nacional deveriam ser preservados pelo C a d e — a DirecTV é uma empresa que, naquele momento, já era controlada inteiramente por um acionista estrangeiro, a Hughes Electronics, subsidiária da General Motors — e, mais ainda, disse estar autorizado pelo presidente da República a falar em nome dele, Fernando Henrique Cardoso, sobre o tema. Essa manifestação foi em maio, coincidindo com mais uma série de pronunciamentos públicos de senadores e deputados no mesmo sentido. Em junho, o Ca d e , em julgamento final, decidiu, em favor da TV Globo, que os sinais da emissora não precisariam ser cedidos para a DirecTV a fim de ajustar uma suposta situação de desequilíbrio na competição com a Sky. Quase ao mesmo tempo, em maio, iniciou-se no governo um movimento de criação de uma agência reguladora para o cinema e audiovisual, em uma discussão em princípio restrita a algumas pessoas representativas da indústria de televisão (entenda-se, apenas a Globo) e cinema, além de técnicos da Casa Civil.65 Ao tomar conhecimento dos trabalhos do que era conhecido na época como G edic (Grupo Executivo para o Desenvolvimento do Cinema), representantes dos estúdios e das programadoras internacionais escancaram um movimento de crítica aberta à forma como a criação da agência estava sendo conduzida,

65 Ver Possebon, Samuel, Tio Sam não quer ficar de fora, Revista PAY-TV, n° 84, julho de 2001 137

acentuando ainda mais o movimento de antagonismo entre grupos estrangeiros e nacionais na questão da preservação do conteúdo local e nas formas de estabelecer políticas públicas restritivas aos interesses dos estúdios de cinema e televisão internacionais 66 Uma passagem que resume bem o que acontecia naquele momento pode ser encontrada no discurso oficial do ministro-chefe da Casa Civil Pedro Parente, na ocasião em que anunciou a nova política do governo, em 18 de outubro de 2001: "É corrente nos foros econômicos multilaterais a idéia de que o comércio de bens e serviços de natureza cultural deva sofrer algum tipo de regulação. Nosso projeto é de absoluta importância para a preservação da nossa cultura, rica e diversificada, mas ameaçada de pasteurização, o que certamente teria ocorrido não tivéssemos adotado providências". No mesmo discurso, Pedro Parente chegou a retomar o conceito de substituição de importações ao se referir à forma como deveriam ser tratadas as questões envolvendo a indústria audiovisual, especificamente (no caso do discurso) o cinema. Também em junho de 2001, o ministro Pimenta da Veiga propôs para consulta pública um documento que deveria ser o projeto de Lei de Radiodifusão — sua versão do projeto de Lei de Comunicação de Massa. O documento, contudo, era extremamente fraco do ponto de vista jurídico, não expressava os interesses de nenhuma parcela da sociedade — nem mesmo dos radiodifusores — e depois de ser severamente criticado, acabou engavetado pelo próprio ministro. Destacam-se nesse documento, contudo, referências explícitas à questão da preservação dos conteúdos de origem nacional, em linha com o crescente movimento nesse sentido que se verificava em 2001. Em outubro de 2001, contudo, é que se dá o grande momento de mudança regulatória nas comunicações brasileiras: voltou a tramitar no Congresso Nacional —desta vez com o respaldo da Globo, que vivia um momento crítico do ponto de vista financeiro e tinha uma necessidade patente de reestruturar sua organização interna a fim de conseguir mais fácil acesso a capital — a proposta de mudança no artigo 222 da Constituição. De

66 A discussão em tomo dessa questão foi longe. Em 6 de setembro de 2001, por meio de Medida Provisória, a presidência da República cria a Ancine Alguns dias antes, contudo, o vazamento de uma minuta provocou uma grande mobilização dos radiodifusores. No documento, previa-se a taxação de 4% da receita bruta de todos os radiodifusores para o fomento da indústria cinematográfica e audiovisual independente. Com um colossal poder de lobby junto às mais altas esferas do governo, os radiodifusores (todos, inclusive a Globo) conseguem alterar o projeto da Medida Provisória isentando as TVs e reduzindo o grau de influência da referida agência sobre o setor de audiovisual, deixando-a apenas restrita ao cinema. A agência criada é, então, a Agência Nacional de Cinema (Ancine). 138

acordo com o texto proposto, seria permitido que pessoas jurídicas controlassem rádios, TVs, jornais e revistas — até então era necessário que uma pessoa física fosse diretamente responsável —, e dentro dessas entidades, até 30% do capital poderia ser controlado por estrangeiros. Como forma de eliminar a resistência da oposição e acelerar a tramitação do projeto, e também para atender a uma reivmdicação direta dos radiodifusores brasileiros, especificamente a Globo — cujo representante participava das principais articulações junto aos parlamentares —, foram incluídas outras condições na nova redação constitucional: o controle sobre o conteúdo seria restrito a brasileiros natos, assim como as decisões editoriais, sobre quaisquer meios de comunicação social eletrônica, inclusive Internet.67 O texto foi aprovado dessa maneira pela Câmara no final de 2001 e pelo Senado no início de 2002, e atualmente está em fase de regulamentação, já que a redação constitucional pede para que alguns aspectos, como a presença de empresas estrangeiras e a questão do controle de conteúdo, sejam tratadas por leis específicas. Durante a fase de tramitação da proposta de mudança na Constituição, era possível perceber não só a movimentação intensa de lobby da Globo ,y como também a atuação de

entidades representativas como An e r (associação dos editores de revistas), ANJ (associação dos jornais) e mesmo representantes de portais de Internet como o UOL. Uma das preocupações mostradas por Evandro Guimarães, vice-presidente de relações institucionais das Organizações Globo, durante a negociação do texto proposto, é que fossem criados mecanismos para impedir iniciativas como a "TV Terra", por exemplo. Referia-se explicitamente à iniciativa do portal Terra, da Telefônica (um grupo estrangeiro) de criar, na Internet, um produto que pudesse se confundir com TV aberta. De fato, o portal Terra tem entre seus produtos uma espécie de canal de TV em que, pela Internet, realiza, inclusive, um jomal diário ao vivo no formato de telejomais. A única restrição para que se receba em um computador a "TV Terra" é a necessidade de uma conexão de Internet, mas o produto é aberto.

67 Essa interpretação não é consensual. Alguns juristas acreditam que serviços não abertos, como TV por assinatura e Internet, não se enquadrariam nessa classificação. Fato é que não existe nenhum outro instrumento normativo que esclareça o que é comunicação social eletrônica. 68 Este autor testemunhou, no dia 12 de dezembro de 2001, uma cena que resume a atuação da Globo nesse processo. Ao final da votação que aprovou em primeiro tumo o texto na Câmara, o relator da matéria, então deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB/RN) abraçou o vice-presidente de relações institucionais das Organizações Globo, Evandro Guimarães, e lhe atnbuiu o título de "consultor-mor" para a questão. 139

Paradoxalmente, ao mesmo tempo em que defendia a abertura de capital estrangeiro na radiodifusão até o limite de 30%, a Globo atacava, em 5 de dezembro de 2001, durante audiência no Senado, a abertura plena do setor de TV a cabo ao capital estrangeiro. Na verdade, a postura da Globo, manifestada publicamente por seu representante Evandro Guimarães, é de que a TV a cabo é, na verdade, uma extensão do conceito de comunicação social previsto na Constituição e que, portanto, deveria estar sujeita não às mesmas regras, mas aos mesmos princípios que constitucionalmente norteiam a radiodifusão, a saber, a necessidade de concessão especial, o controle por brasileiros natos, a responsabilidade pela administração e orientação intelectual reservada a brasileiros natos e a observância de princípios específicos quanto à produção e programação. Esta posição baseia-se em um estudo elaborado pelo jurista Luís Roberto Barroso sob encomenda da TV Globo e que faz a leitura da Constituição e da comunicação social face às novas plataformas tecnológicas. A TV Globo gentilmente cedeu cópia desse documento para esta pesquisa. Interessante notar que os princípios deste estudo elaborado a pedido da Globo estendem-se a todas as novas tecnologias de comunicação que possam eventualmente desempenhar o mesmo papel da televisão. Escreve Barroso no parecer da Globo:

"Ora bem: já foram enunciadas, anteriormente, as finalidades constitucionais que inspiram toda a disciplma da comunicação social, destinada originalmente às empresas de radiodifusão - a preservação da soberania, da identidade e da cultura nacionais, a livre formação da opinião pública interna e a viabilidade efetiva da eventual responsabilização por lícitos. E fora de dúvida, assim, que se há outros meios de comunicação de massa oferecendo programação equivalente à de rádio e televisão, sem se sujeitarem ao redime jurídico vigente, haverá um manifesto esvaziamento dos propósitos constitucionais."6

Outra iniciativa regulatória que gerou polêmica em 2001 e acentuou a discussão sobre valorização ou não do conteúdo e das empresas nacionais foi a criação, pela A n a t e l , do Serviço de Comunicação Multimídia (SCM). Trata-se de um serviço não estabelecido por lei, mas sim por meio de regulamento específico da A n a t e l ,70 que de certa forma foi interpretado como uma brecha jurídica que a agência de telecomunicações estaria dando às empresas prestadoras de serviços de transmissão de dados para que oferecessem serviços

69 Ver Barbosa, Luís Roberto, “Constituição, comunicação social e as novas plataformas tecnológicas" (2001), estudo elaborado a pedido da TV Globo Ltda. Cópia gentilmente cedida pela TV Globo em dezembro de 2001, p 31 70 Resolução 272 da A natel, de 9 de agosto de 2001 140

característicos da radiodifusão ou da TV a cabo. Diante da indignação completa em relação ao regulamento de multimídia, a TV Globo, em protesto, decidiu não fazer comentário ao projeto de Lei de Radiodifusão proposto por Pimenta da Veiga. Em documento conjunto encaminhado ao Ministério das Comunicações em 20 de agosto, os radiodifusores Globo, SBT, Bandeirantes e Record diziam:

"Tomou-se inútil e inócua qualquer contribuição ao esforço para a formulação de uma lei dos serviços de radiodifusão, no instante em que uma instituição regulatória do Estado interfere de maneira descabida e autoritária na matéria, através da publicação de um 'Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia' que antecipa decisões finais sobre a essência do Projeto de Lei em epígrafe, objeto da Consulta Pública. (...) O citado documento - Regulamento do Serviço de Comunicação Multimídia além de violar princípios legais e constitucionais, toma obscura a origem das decisões do Estado para com o setor de radiodifusão, patrimônio da sociedade que temos o dever de preservar e desenvolver em nome do interesse nacional"

Até o presente momento, contudo, a Anatel não alterou o regulamento de serviços

multimídia.

14) 2002, o ano que não aconteceu

O ano de 2002 deveria representar, para o grupo Globo, a chance de entregar todas as promessas feitas durante os anos de 1999 e 2000. Deveria ser o ano em que a Globo se tornaria uma empresa "convergente", bem posicionada no mercado de mídia, telecomunicações, Internet... Mas 2001 fez com que esses planos fossem para a geladeira. O mercado de telecomunicações tomou-se mais flexível em 2002, por conta das regras do setor que haviam sido estabelecidas desde 1998. Acabaram-se as restrições para que as empresas prestassem serviços de telefonia local e de longa distância. Mesmo assim, nenhuma empresa da Globo sequer esboçou disposição para enfrentar esses mercados, nem mesmo a Vicom, empresa de transmissão de dados e telecomunicações corporativas ligada à Globo Cabo. O ano começou na expectativa da aprovação, pelo Congresso, da Emenda Constitucional ao artigo 222 da Carta Magna, que daria ao grupo a chance de recorrer ao mercado financeiro, estruturar suas concessões de TV sob uma empresa aberta em bolsa e 141

mesmo buscar investidores internacionais, se fosse o caso. A Globo Cabo, por sua vez, iniciou em março um processo de capitalização de 1 bilhão de reais, cujo objetivo era dar à empresa uma situação mais confortável em termos de endividamento. As coisas não foram simples, contudo, porque o caminho escolhido pela Globo para resolver seus problemas passava necessariamente pelas esferas governamentais. Primeiro, dependia da aprovação da mudança constitucional no Congresso. Depois, escolhia como executivo para tocar sua holding Globopar Henry Phillipe Reichstul, ex-presidente da Petrobrás e homem com grande acesso às esferas mais altas do governo tucano. E, por fim, porque, para capitalizar a Globo Cabo, precisou negociar com o BNDES — também acionista da operadora —, a fim de garantir que alguém mais, além do próprio grupo Globo, estivesse disposto a colocar uma quantia mais expressiva de dinheiro. Tudo isso em um ano de eleições gerais. O resultado foi que em março de 2002 a Globo viu sua imagem junto à opinião pública absolutamente desgastada por conta dessa suposta dependência do governo para resolver seus problemas.71 Fato era quê a Globo precisava do governo naquele momento, já que boa parte de seus problemas se devia à desvalorização cambial de 2001. A Globo fez todo o possível para dizer que a operação de capitalização da Globo Cabo não significava nenhuma ajuda extraordinária ao governo, mas o fato é que ao final da capitalização, em agosto de 2002, o banco estatal havia aumentado a sua presença na operadora de 8,9% para 22,4%. Ao lado do próprio grupo Globo — cuja participação na sociedade da operação de cabo subiu de 35,8% para 48,1% —, o governo foi quem mais assumiu os riscos de uma operação de TV paga cujas perspectivas estavam virando pó, juntamente com suas ações.72 Também no negócio de Internet as perspectivas não eram boas para nenhuma empresa do mundo, o que incluía o Globo.com. Em 14 de fevereiro de 2002, a Telecom Itália, que havia pago 810 milhões de dólares por 30% do portal dois anos antes, reavaliava

71 Ver Fernandes, Bob, “O esquema salva-Globo”, Carta Capital, n2 181, março de 2002. Essa edição da revista trouxe o mais duro conjunto de críticas registradas ao longo daquele período na imprensa brasileira em relação à participação do BNDES na operação de ajuste financeiro da Globo Cabo Ainda que houvesse argumentos técnicos razoáveis para a participação do banco estatal na operação, a repercussão negativa do episódio foi gigantesca, até por uma inabilidade da Globo de organizar a divulgação dos fatos. 72 Os dados referentes aos percentuais de participação são da própria Globo Cabo. No início de 2002, as ações da Globo Cabo estavam avaliadas, sob os critérios atuais, a US$ 35 por ADR na Nasdaq. Em agosto, o mesmo papel valia US$ 1,00. Em fevereiro de 2000, pelos mesmos critérios atuais, as ações da Globo Cabo chegaram a valer quase US$ 250,00 por ADR na Nasdaq, como já dissemos. 142

esse investimento para cerca de 30 milhões de dólares. Ou seja, estava praticamente assumindo para a comunidade financeira que a Telecom Itália havia jogado fora 780 milhões de dólares em dois anos. Na ocasião que anunciou a reavaliação, juntamente com outras revisões de diversos investimentos pelo mundo, Marco Tronchetti Provera, presidente da Telecom Itália, não deixou claro se sua intenção era ou não sair do portal brasileiro, a exemplo do que acontecia em outras partes do mundo com investimentos em áreas que não envolviam telefonia.73 Enquanto a Telecom Itália dava a má notícia aos jornalistas na Itália, o Globo.com anunciava uma nova rodada de cortes de custos de 20%. No relatório do início do ano, a Globopar previa investir no portal algo em tomo de 130 milhões de reais, contra 104 milhões de reais investidos em 2001.74 Foi, pela primeira vez na história, um ano em que os investimentos previstos ficaram acima daqueles que seriam investidos em programação de TV paga. De acordo com os dados apresentados no início de 2002, é possível observar duas coisas a respeito do desempenho do Globo.com. Primeiro, que sua operação gerava receitas muito menores em relação a outros investimentos do grupo. Depois, que o parâmetro

financeiro E b it d a 75 atingido pelo produto era o pior entre todas as atividades em que a Globo estava envolvida:

D e s e m p e n h o t r im e s t r a l d a s r e c e it a s l íq u id a s d e a l g u n s

SETORES DE ATUAÇÃO DA GLOBO (EM R$ MILHÕES) - TABELA 11 1T01 2T01 3T01 4T01 1T02 TV paga 383,2 390,0 421,0 409,0 407,2 Programação 98,6 107,9 111,3 105,9 111,0 Jornais/revistas 66,2 92,3 81,1 94,9 72,2

Internet 2,5 1,4 3,2 5,8 12,8 Gravadora 13,5 18 28,9 39,8 24,8 TV aberta 512,4 603,5 578,5 630,2 536,3

Fonte: Globopar, relatório financeiro do 1o trimestre de 2002

73 Ver Ciarelli, Mônica, “Telecom Itália pode vender fatia da Globo com”. O Estado de S. Paulo, 15 de fevereiro de 2002. 74 Dados do balanço do primeiro tnmestre de 2002 da Globopar. 73 Ebitda representa, de uma maneira geral, o montante de dinheiro que uma empresa gera antes de descontar pagamento de juros, dívida, impostos e amortizações de equipamentos. 143

D e s e m p e n h o t r im e s t r a l d a g e r a ç ã o d e c a ix a (E b it d a )

DE ALGUNS SETORES DE ATUAÇÃO DA GLOBO (EM R$ MILHÕES) - TABELA 12 1T01 2T01 3T01 4T01 1T02 TV paga 74,3 64,1 74,7 72,6 80,3 Programação 17,3 11,6 25,2 26,9 15,5

Jornais/revistas -11,1 -1,8 -19,2 -6,1 -17,5 Internet -33,6 -40,5 -41,2 -44,5 -25,6 Gravadora -12,0 -12,3 -16,5 -19,6 -14,8 TV aberta 50,7 62,1 37,3 88,7 53,0

Fonte: Globopar, relatório financeiro do 1o trimestre de 2002

O desempenho de audiência do portal, contudo, teve uma melhora significativa no primeiro trimestre do ano em função, sobretudo, do início das estratégias de promoção cruzada de programas com a TV Globo (cross-media) e licenciamento de conteúdo para operadoras de telefonia celular. No início de 2002, entrou no ar o primeiro projeto conjunto entre Globo e Endemol, o programa . Foi também o primeiro76 programa que desenvolveu versões para a Internet e TV paga, com promoção cruzada entre as três mídias. O desempenho de audiência na TV aberta também se repetiu na TV paga (o canal Multishow, da Globosat, tinha os direitos sobre o programa), e nos acessos ao portal Globo.com, onde estava abrigada a versão oficial do programa. Com isso, o terceiro lugar na audiência, atingido em dezembro por conta das iniciativas já citadas de criar sites que repetissem os modelos de outros sites, consolidou-se a partir de janeiro e se mantém até a data presente. No aspecto noticioso, o Globo.com também consegue êxito com sua estratégia de integrar os diferentes veículos do grupo em um portal. O Globonews.com conseguiu, em julho de 2002, a liderança de audiência entre os portais de notícia, segundo dados do IBOPE. Era a marca de 780 mil leitores em um mês. Pouco, se comparado a revistas e jornais de grande circulação, e muito menos se comparado a telejomais de grande audiência, mas importante se considerado que os portais de notícias em geral contribuem para a pauta dos

76 O canai de TV paga Globo News já poderia ser considerado como a primeira experiência de cooperação entre a TV Globo e uma nova mídia (a TV por assinatura), já que boa parte do conteúdo do canal vem da Central Globo de Jornalismo. 144 jornais do dia seguinte e telejomais da noite, com grande poder de repercussão entre um público mais seleto. De acordo com diferentes pesquisas, informação e notícias estão entre os principais tipos de conteúdo buscados por quem usa a Internet. Uma das pesquisas mais respeitadas a esse respeito, a "The UCLA Internet Report 2001 - Surveying The Digital Future"77, mostra que 56% das pessoas que usam a Internet o fazem para ter acesso a notícias. Vale destacar também que, de acordo com a mesma pesquisa, a televisão é o meio que mais sofre com a Internet, já que seus usuários costumam passar cerca de quatro horas a menos por semana dedicando sua audiência a essa atividade, conforme gráfico a seguir:

H á b it o s d e c o n s u m o d e p r o d u t o s d e m íd ia - g r á f ic o 4

Fonte: The UCLA Internet Report 2001 - Surveying The Digital Future, disponível em www.ccp.ucla.edu

Naturalmente, esses dados devem ser vistos sob a realidade norte-americana, onde a pesquisa foi feita. Outra pesquisa do gênero, esta realizada pela Associação Mundial de Jornais (World Association of Newspapers) mostra que, entre usuários de Internet, 78% reduziram seu tempo dedicado à TV, enquanto 12% reduziram seu tempo dedicado à leitura

77 Disponível em www.cqi.ucla.edu 145

de jornais.78 Portanto, fazer crescer a audiência de seu portal, sobretudo com um produto noticioso, como o é o Globonews.com, pode, em tese, representar para a Globo a garantia de que, se parte de seus telespectadores deixar de se dedicar ao consumo de programas de TV com o uso da Internet, essa perda se dê para o consumo de produtos do próprio grupo, a exemplo do que já havia se mostrado a estratégia da Globo para a TV paga. Ainda no primeiro semestre de 2002, a Globo anunciou que deixaria o controle da operação de TV paga por satélite Sky, dando lugar à sua sócia News Corp. Espera-se que até o final de 2002 a participação da Globo nesse investimento caia para algo perto de 36%, contra 54% no início do ano, basicamente por uma opção do grupo de suspender sua parte nos investimentos necessários ao crescimento do negócio. Na TV paga por cabos, a estratégia era parecida, mas o fracasso do processo de capitalização por meio da venda pública de ações em julho acabou fazendo com que a participação da Globo aumentasse dentro desse negócio, o que implica risco adicional para 2002 de despesas ainda maiores com TV por assinatura. Os canais Globosat ganharam uma importante contribuição em termos de audiência com a participação na estratégia de cross-media com os programas da Endemol Globo S. A..

O Multishow conseguiu, de acordo com o Ib o pe, o terceiro lugar de audiência entre aqueles que assinam TV por assinatura durante a exibição de programas como "Big Brother Brasil" e "Fama", também exibidos na TV aberta. Outro passo importante para a Globo foi a criação de seu primeiro canal interativo, o GloboNews Interativo, disponível hoje na única plataforma digital de distribuição do grupo, a Sky (TV paga por satélite). O GloboNews Interativo, criado em agosto de 2002, nasceu de uma iniciativa conjunta de troca de experiências entre Globosat, Sky e TV Globo, GloboNews e Globo.com. Os dados aqui apresentados representam um apanhado das principais decisões e dos momentos estratégicos vividos pelo grupo Globo no tocante ao desenvolvimento de novas tecnologias e novos negócios, especialmente Internet. Esses dados serão analisados à luz do nosso arcabouço teórico, construído no primeiro capítulo, após a exposição de dados e fatos referentes ao grupo Abril.

78 Grillo, Cristina, “Jornais e Internet se complementam”. Folha de S. Paulo, 19 de junho de 2000, Al 2. 146

Capítulo III

Da "W e b " à W o r l d W id e W e b .

O CAMINHO DA ABRIL RUMO A UM NOVO AMBIENTE

O grupo Abril, hoje o maior grupo editor de revistas da América Latina e o segundo maior grupo de mídia do Brasil, gosta de dizer, tanto por meio de seus porta-vozes quanto em qualquer material promocional da empresa, que tudo começou com o Pato Donald, em 1950. É uma forma simpática de narrar uma história iniciada em 1950 com Victor Civita, que começou a saga da família no Brasil editando revistas infantis com o personagem de Walt Disney. Fato é que o começo, se olhado sob a ótica da produção, é mais que o Pato Donald. 0 grupo Abril, na época ainda sob o nome de Sociedade Anônima Impressora Brasileira (Saib), em 1951, iniciava a montagem de seu parque gráfico, ainda modesto, com algumas poucas máquinas. A primeira delas foi a ofsete1 Webendorfer, produzida pela National Paper & Type Company. A máquina era apelidada por seus operadores de "Web".2 A gráfica sempre foi peça central na história da Abril, responsável por boa parte dos custos, boa parte das inovações e da qualidade do grupo. A impressora "Web", certamente também a Web como nós a conhecemos hoje, associada à Internet, contudo, é parte de um contexto de inovações e dificuldades muito peculiares do final do século XX, que vamos aqui relatar. A marca da Abril sempre foram as revistas. Desde o Pato Donald e Jumbo,3 passando por Veja e pela enxurrada de títulos lançados nos anos 80 e 90, a Abril sempre buscou a liderança do mercado de revistas no Brasil. "Somos a única empresa do mundo que lidera todos os segmentos de edições de revistas em que atua", disse , principal acionista e presidente do grupo ao jornal Gazeta Mercantil no início de 2002, ao

1 Ofsete (ou off-set, no termo original em inglês) é uma técnica de impressão, ainda hoje largamente utilizada, derivada da litografia, em que a imagem a ser impressa é gravada por processo fotomecânico numa chapa de metal, a partir da qual é transferida para um cilindro revestido de borracha e, a partir deste, para uma folha de papel ou qualquer outro suporte adequado, segundo definição do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa. 2 Essa história é contata pelo próprio grupo Abril, no documento "Breve histórico da empresa", parte da documentação financeira disponível na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) sobre a S. A. 147

comentar mais uma das inúmeras reestruturações por que o grupo passou nestes 52 anos de existência.4 "Isso significa alguma coisa", completou. Para a nossa análise, preocupada centralmente com momentos em que os grupos de mídia se viram diante de novos paradigmas tecnológicos, não seria exatamente o melhor caminho tratar das inovações nas técnicas de produção e impressão gráfica, ou a compra pela Abril de poderosos scanners como o Hell DC-360, a laser, em 1986, ou a instalação de monitores para a produção de texto nas redações de Veja e Placar, em 1981. Foram mudanças relevantes do ponto de vista das rotinas produtivas dentro da empresa, mas que não determinaram de maneira definitiva a forma de atuação do grupo em novos mercados, tampouco expuseram a Abril a uma situação de ter que desbravar um terreno desconhecido. Essas situações foram vividas nos anos 1990, em que concentraremos nossa atenção. Podemos, sem dúvida, citar o lançamento da revista Veja como uma inovação pela qual o grupo passou. Não do ponto de vista da tecnologia de produção, mas sim do ponto de vista da técnica de distribuição. Veja, a exemplo do que viveria a Abril 25 anos depois com a TV por assinatura, e 30 anos depois com a Internet, consumiu todo o lucro do grupo por anos seguidos. "Não podemos ganhar de um lado e perder tudo de outro", dizia Gordiano Rossi, sócio de Victor Civita, quando a revista foi lançada.5 Era o começo dos anos 70. A revista Veja, lançada em 1968, não decolava, não vendia e não conseguia encontrar uma forma de se viabilizar financeiramente. A inovação, nesse caso, veio com a idéia de vender assinaturas. Até aquele momento, vender assinaturas não era algo comum no mercado de revistas vendidas em banca. Conforme descrito por Conti (1999), os jomaleiros do Rio e de São Paulo tinham a prática de sabotar as vendas de revistas que ousassem lançar uma campanha de assinatura. Roberto Civita, filho de Victor Civita e, na ocasião, diretor editorial de Veja, procurou os jornaleiros. Em reunião com representantes da categoria em São Paulo e no Rio fez um pacto: venderia assinaturas de Veja, mas se comprometeria a não vender assinatura de nenhuma das outras revistas da Abril por 10 anos. Conseguiu a trégua e iniciou a campanha de assinaturas. Em 1974, seis anos após o lançamento, Veja começou a render lucros.

3 A revista infantil Jumbo foi a primeira a ser impressa na Saib, em 1952. Não teve sucesso. 4 Ver Ribeiro, Marili, “A nova face da Abril após a reestruturação” Gazeta Mercantil, 22 de fevereiro, 2002, C6. 148

A inovação de Veja, contudo, não representava a entrada em um novo mercado. O grupo Abril até tentou, na década de 1970, ser agraciada com concessões de TV anteriormente designadas para o grupo Diários Associados, mas não teve bons resultados, principalmente por uma carência de acesso político, o que, naquela ocasião, era ainda mais determinante para o sucesso ou fracasso de uma estratégia para as telecomunicações. Em 1995, comentando sobre a relação da Abril com o poder político, na sua estratégia para viabilizar o mercado de televisão paga, Roberto Civita declarou:

Criamos, com nossas publicações, irritação em Brasília, o que não colabora para que o nosso braço TV alcance seus objetivos. Por não subordinar nosso editorial aos interesses do grupo muitas vezes demoramos a conquistar — ou até não conseguimos — o que os outros conseguem.6

Sem encontrar apoio governamental e, portanto, sem conseguir as concessões de TV, o projeto de criação de uma rede de mídia eletrônica para o grupo Abril ficou engavetado até o final da década de 1980. O que de fato aconteceu entre a Abril e o governo, no final da década de 1970, pelas concessões dos Associados, é algo que talvez nunca fique exatamente claro. Interpretações de que o governo estaria, sim, interessado em promover o grupo Abril no segmento de televisão são trazidas por César Bolano em “Análise do mercado brasileiro de televisão...”7 Segundo essas interpretações, o grupo Abril até que tentou chegar a um acordo incentivado pelo próprio governo, mas não conseguiu por questões comerciais. Sobre essa época Bolano nos escreve:

Outro grande capital que vem atacando o mercado de TV sem que, entretanto, se possa dizer que tenha entrado com todo o seu poder competitivo, posto que não conseguiu romper a barreira insütucional, é a Editora Abril, parte do conglomerado Abril que se desmembrou em dois, em 1981. A situação da Abnl Vídeo diante do mercado de TV é intrigante, pois, como já foi apontado, tem interesse no mercado de TV paga e para isso

5 Ver Conti, Mario Sérgio, Notícias do Planalto: a imprensa e Fernando Collor. São Paulo, Companhia das Letras, 1999, p.78. 6 Ver Glasberg, Rubens e Lopez, Immaculada, “TVA comemora o quarto aniversário com novos sócios”. PAY-TV, n2 15, setembro de 1995. 7 Ver Bolafto, César, “Para uma análise do sistema comercial brasileiro de televisão: questões teóricas e metodológicas preliminares”. Texto ainda não publicado, cedido pelo autor em 2001. 149

dirige seus esforços. Quando esse tipo de televisão se consolidar no Brasil (o que depende de fatores tecnológicos, institucionais e de escala) é provável que a Abril Vídeo parta de uma posição de vantagem, pois dispõe de capital, técnica e experiência no ramo. O impacto que a implantação de um sistema de TV paga terá sobre o sistema comercial em análise dependerá da atitude do público consumidor diante das duas alternativas.

1) A TV paga e a mudança de rumos

A exemplo do que aconteceu com a Globo, a estratégia da Abril para TV por assinatura tem relação com a estratégia posterior seguida para a Internet. Contudo, não se trata, ao contrário do que aconteceu com a empresa dos Marinho, de uma relação de causa e efeito (como se recorda, a Globo apostava que sua entrada no segmento de Internet se daria por meio das redes de TV paga), mas o ímpeto de inovação iniciado pela entrada do grupo no segmento de televisão — aberta e por assinatura — foi determinante para a decisão de investir no segmento de Internet. Por esta razão, começaremos a apresentar o conjunto de dados referentes ao processo de incorporação da Internet pelo grupo Abril a partir da estratégia para TV por assinatura, iniciada um pouco antes. A descrição sobre esse primeiro momento, que tirou o grupo de mais de 30 anos de dedicação exclusiva às revistas, é narrada pelo próprio Roberto Civita (Glasberg e Lopez, 1995):

Começamos com o projeto de fazer um Canal +, igual ao francês, apenas com algumas adaptações. Pedimos então ao governo uma concessão UHF. Mas o presidente Samey, na última hora, resolveu distribuir quatro UHFs (nós, Globo, Mathias Machline e Walter Fontoura), o que inviabilizou o nosso projeto original. Procuramos o Mathias para nos juntarmos. Então percebemos que o modelo tena que ser com mais canais. Foi quando surgiu o MMDS, sugerido pelo Dreyfuss, a pessoa que tocava o projeto de televisão no grupo Sharp.

Pela referência ao presidente da República da época, fica claro que esse momento era o final da década de 1980. Mais precisamente, 1988. 150

No final da década de 80 é que a Abril desenhou claramente, também, sua estratégia para a TV aberta.8 Em outubro de 1990 foi ao ar a MTV, uma marca internacional da norte-americana, cedida ao grupo brasileiro como parte de um acordo. A Abril e a Viacom controlam, cada uma, 50% da empresa MTV Brasil, produtora dos conteúdos exibidos pelo canal em UHF conseguido pela família Civita no final da década de 80. Pelo acordo entre a Abril e a Viacom na MTV Brasil, a criação de conteúdos segue as diretrizes da matriz norte-americana, ou seja, com predominância de videoclipes e linguagem voltada ao público jovem. Mas a determinação do que será exibido, os temas abordados e o percentual de música na programação são definidos pela equipe brasileira, segundo relato feito a esta pesquisa por Victor Civita Neto, filho de Roberto Civita e fundador da rede de televisão.9 A parceria entre a Abril e a Viacom foi a primeira do gênero desde o acordo Globo/Time-Life, na década de 1960.10 A rede MTV foi a primeira rede nacional a utilizar exclusivamente faixas em UHF para ser distribuída.11 Essa faixa, até então utilizada principalmente em cidades do interior para a repetição de sinais, era praticamente desprezada em grandes capitais, mas a Abril aproveitou-se deste espaço — e do pouco interesse que os tradicionais grupos de televisão sempre manifestaram por essa freqüência — para conseguir suas concessões nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro. O UHF e a TV paga eram a chance que os Civita precisavam para disputar um mercado maior. Afinal, a fatia do mercado publicitário destinado às revistas sempre foi reduzida (cerca de 10%) depois que a TV tornou-se dominante, como mostra a tabela a seguir. Além de ser um mercado reduzido do ponto de vista de publicidade, o segmento de revistas também não oferecia à Abril possibilidades de crescimento em banca ou assinaturas — já naquela época o grupo controlava, segundo

8 Bolano nos lembra ainda que durante o início dos anos 80, a Abnl, em parceria com a TV Gazeta, de São Paulo, chegou a desenvolver alguns programas de televisão que eram exibidos em horário nobre sem, contudo, dispor de uma rede própria de exibição. 9 Victor Civita Neto concedeu entrevista para esta pesquisa no dia 7 de agosto de 2001, em seu escritório, na sede da Editora Abnl, em São Paulo. 10 É importante deixar claro que a concessão da televisão e a responsabilidade sobre a rede são de Roberto Civita, titular da outorga concedida pelo governo. O acordo com a Viacom se dá na esfera da produção de conteúdo, de forma que não existe, oficialmente, nenhum registro de ingerência do gnjpo norte-americano sobre a TV em si. É um acordo polêmico e que pode vir a ser questionado pelas condições colocadas na nova redação constitucional no capítulo da Comunicação Social, aprovado no início de 2002, e que impede que grupos estrangeiros participantes de empresas de comunicação possam ter ingerência sobre o conteúdo das redes de televisão, por exemplo. 151

dados do Instituto Verificador de Circulação (IVC), cerca de 70% das vendas feitas por quaisquer modalidades, percentual difícil de ser expandido sem que houvesse concentração de mercado, já que os outros 30% eram constituídos basicamente por revistas concorrentes às da própria Abril.12 A solução para a expansão do grupo estava, então, clara: era necessário partir para outros domínios. A TV por assinatura e a TV aberta segmentada (como o era a MTV) eram a chance para esta nova estratégia.

D istribuição d e v e r b a s oo m e r c a d o publicitário

(EM US$ MILHÕES) - TABELA 13 Total Jornais Revistas TV Rádio Outdoor 1990 2999 768 292 1719 144 76 1991 2502 685 231 1398 127 61 1992 2508 609 211 1487 122 79 1993 2995 785 240 1761 120 89 1994 4556 1185 383 2592 196 200 1995 6492 1837 591 3558 292 214 1996 7690 1930 654 4537 315 254 1997 8648 2026 773 5225 345 279 1998 8328 1887 788 4949 335 369 1999 5674 1306 568 3237 284 284 2000 7091 1489 780 4112 355 355 2001 6395 2270 736 3113 164 95 Fonte: Zenith Media, fevereiro de 2002

Quase simultaneamente à sua investida no ramo da televisão aberta, a Abril dá início também às suas atividades como operadora de TV por assinatura, usando mais uma vez faixas de freqüências pouco utilizadas na época: a faixa do MMDS e ainda o UHF.13 A primeira operação de TV paga da Abril surge em setembro de 1991 e ganha o nome de TV A, prestando serviços na cidade de São Paulo, inicialmente com a oferta de cinco canais.

11 UHF é uma fàixa do espectro eletromagnético que fica em freqüências mais elevadas e tem, por essa razão, menor alcance do que a faixa de VHF, normalmente utilizada para TV aberta. 12 Dados disponíveis nos relatórios financeiros da Abril de 1998 a 2001 e também divulgados entre os clientes do serviço oferecido pelo IVC. 13 Do ponto de vista do funcionamento técnico, não há diferenças significativas entre VHF, UHF e MMDS. São três faixas de freqüência utilizadas para a transmissão de sinais de áudio e vídeo que funcionam basicamente da mesma forma. A diferença principal é que o MMDS (Multichannel Multipoint Distribution System), por operar em uma faixa de freqüência ainda mais alta que o UHF, apresenta limitações ainda 152

A Abril foi o primeiro grande grupo de mídia brasileiro a entrar no negócio de TV paga, logo seguido pela Globo, que lançou em outubro de 1991 a Globosat, e pela RBS, em 1992. A estratégia para TV por assinatura da Abril era clara: ganhar espaço na distribuição e na produção de conteúdo, aproveitando a disponibilidade de outorgas, o baixo grau de regulamentação, o mercado inexplorado e o pouco interesse de outros grupos de mídia ou investimentos. No campo da distribuição, a Abril fez uma opção tecnológica pelo MMDS, que é, na verdade, uma transmissão de sinais muito parecida com a TV aberta, ou seja, não há necessidade de instalar cabos. Basta uma antena transmissora e uma receptora. A opção, em um primeiro momento, por essa tecnologia se deu por uma questão econômica, como relatou Roberto Civita:

O MMDS parecia ser a maneira mais simples, mais rápida e econômica de ampliar o leque de canais. Entramos no mercado de TV com dois canais em UHF e todos os MMDS que conseguimos. O caminho do cabo, naquele momento, não parecia bom. Para cabear todo o país, os investimentos eram da ordem de bilhões de dólares. Como cabear o Brasil sem acesso a financiamentos? Com a taxa de juros brasileira não havia como tomar dinheiro emprestado. O que fazer então com os nossos próprios recursos? A resposta foi o MMDS. E teríamos conseguido implantar o projeto apenas com o nosso capital se não fosse a crise de 91, 92. Estávamos em plena decolagem e não dava mais para brecar. Justo nesse momento, a geração de caixa das publicações Abril foi dizimada e ficamos sem combustível. Tivemos que nos endividar. Hoje, já devolvemos a maior parte do dinheiro graças à recuperação das publicações em 94 e 95 — os melhores anos da nossa história (Glasberg e Lopez, 1995).

Na verdade, a TVA começou sem uma referência clara do que deveria fazer do ponto de vista tecnológico, assim como a Globo, que apostava na mesma época em uma tecnologia de distribuição por satélite. Mas num primeiro momento, a estratégia da TVA estava dando mais certo do que a da Globo, e a empresa logo chegou à liderança do mercado de TV paga.

maiores de distância e, principalmente, não funciona bem caso haja obstáculos entre a antena de transmissão e a antena de recepção. Por essa razão, o MMDS não é utilizado para TV aberta. 153

Outro detalhe importante a ser destacado nessa afirmação de Roberto Civita é a conjuntura econômica do momento que a TVA escolhia para entrar no mercado de TV paga. Os anos de 1991 e 1992 foram os anos em que a economia brasileira viveu um dos mais acentuados períodos de retração econômica de sua história recente, anos seguintes ao Plano Collor, que criou um cenário de absoluta crise de liquidez. Com a população sem dinheiro por conta do bloqueio das contas correntes e aplicações financeiras, o consumo desabou. Sem consumo, o mercado publicitário também se retraiu, e as receitas da Abril, sobretudo da Veja, o carro-chefe da editora, estagnaram em um patamar já ruim, vindo de um longo período de inflação e recessão desde o governo Samey, no final da década de 80. Sem dinheiro para investir, mas com a oportunidade aberta, a Abril começou um processo de endividamento que seria sentido ao final da década de maneira ainda mais acentuada. Como descreve Roberto Civita, contudo, em contraste com os primeiros anos da década de 90, os anos de 1994 e 1995, e também 1993, foram de crescimento expressivo. A evolução positiva do mercado publicitário nesses três anos foi de 85% a 116%, dependendo dos dados utilizados para a análise. Isso significa que a partir de 1994 a Abril estava em uma situação relativamente tranqüila para seguir se capitalizando14 e avançando sobre o mercado de TV paga. De fato, em 1994 o grupo dá o salto mais importante depois do lançamento do serviço em si: cria a HBO Brasil, o primeiro canal de filmes montado com a participação de estúdios internacionais (Time-Warner, Sony e Disney, além do grupo Olé Communications) e a presença de um acionista brasileiro. Na HBO, a Abril tinha 25% da sociedade. Foi nesse período também que o grupo começou a preparar sua entrada no segmento de satélite, o que viria a acontecer em março de 1995, com uma tecnologia semelhante à da Globosat — nessa época já chamada de NetSat —, utilizando parabólicas de grande diâmetro, pois a transmissão era na banda C, que não deve ser confundida com a banda C de telefonia móvel.15. A TVA Digisat (nome dado ao produto) operava com transmissão digital, ao contrário do que fazia a Globo.

14 Nessa época, a Abril planejava não apenas fazer grandes emissões de papéis de dívida no mercado de capitais (como de fato o fez em 1996, com a emissão de US$ 250 milhões) como também buscar novos acionistas, já que no início apenas o banco Chase Manhattan participava da sociedade na TVA 15 A entrada da TVA no mercado de banda C foi muito importante por uma razão institucional. No dia 23 de abril de 1996 o Ministério das Comunicações editou uma portaria liberando NetSat e TVA a explorar os serviços em banda Ku, numa espécie de extensão do serviço que já era prestado em banda C. Foi uma medida 154

Mas foi era 1995 que a Abril realmente deu o passo mais importante no mercado de TV paga, e mais decisivo para o seu futuro nas novas tecnologias de comunicação: amarrou a sociedade entre a TVA, a Hughes Electronics (uma empresa da General Motors) dos EUA e com o grupo Cisneros, da Venezuela, para lançar no Brasil a operação de TV paga DirecTV, também por satélites, mas com tecnologia baseada no uso da banda Ku em lugar da banda C. Teria, assim, um serviço de TV paga nacional com, no mínimo, 72 canais, podendo chegar a centenas. A Abril quis que a TVA tivesse o controle dessa empreitada, deixando-a com 75% da sociedade no Brasil e 10% no restante da América Latina — a DirecTV tinha planos de operar em todo o continente. Ou seja, a Abril começava a buscar formas de se expandir internacionalmente também. A parceria na DirecTV foi efetivada em meados de 1995 e a operação entrou no ar em junho de 1996. Ainda em 1995, outras parcerias foram feitas, apesar de até aquele momento a TVA já ter acumulado cerca de 84 milhões de dólares em prejuízos,16 fora os investimentos realizados. Em 1996 o expansionismo do grupo Abril ainda se estendeu para dentro do Brasil com a aquisição da totalidade ou de percentuais em operações de cabo e MMDS no Paraná e em Santa Catarina, além de Brasília, Goiânia e Belém. A Abril, que tinha como sócio na TVA, em 1995, o Chase Manhattan (87% para Abril e 13% para o Chase) recebe mais três sócios importantes: o operador de TV a cabo norte-americano Falcon, o grupo de mídia Hearst e uma das três maiores redes de TV dos EUA, a ABC — que mais tarde viria a ser adquirida pela Disney. Nessa sociedade, a Abril também manteve o controle com 56% de participação, que seriam ainda ampliados com o tempo. Também foi nessa época que a Abril expandiu suas áreas de atuação em TV paga, acertando uma sociedade com a Bell Canada, pela qual constituiu-se a C a n b r á S para operar TV a cabo nas cidades da região do ABC, em São Paulo. Na área de programação, a parceria foi com a Disney, dona da ESPN International, para a criação do ESPN Brasil, o primeiro canal da rede de TV paga ESPN fora dos EUA.

que gerou protesto pois, como ficou claro depois, eram serviços completamente diferentes. Foi talvez o último ato de outorga de um serviço de TV paga sem licitação que aconteceu após as diretrizes estabelecidas em 1995 pelo ministro Sérgio Motta. 16 Valor extraído do relatório tipo 20F entregue pela Tevecap, holding controladora da TVA, em 1996 à Security Exchange Comission (SEC) dos EUA. 155

Era, evidentemente, uma fase expansionista do grupo Abril, que parecia disposto a ganhar um espaço no cenário da mídia nacional, o qual não conseguiria se ficasse restrito ao universo das revistas. A Abril estava, pelo menos em TV paga, disposta a crescer, e para isso fazia sociedades com grandes grupos internacionais como Viacom, Disney, Hearst, ABC, General Motors, Cisneros, Sony, Warner, Bell Canada, Chase Manhattan... Ao mesmo tempo, vivenciava uma competição violenta com a Globo no mercado de TV paga — o grupo da familia Marinho, nessa época, também adquiria concessões de TV por assinatura e lançava o Sky, seu serviço de satélite em banda Ku, em sociedade com Rupert Murdoch e a Televisa, além da TCI de John Malone. Nem por isso o grupo deixou de se lançar em uma nova aventura que apenas dava seus primeiros passos no Brasil: a Internet.

2) Internet, terra de ninguém

Ao contrário do segmento de TV paga, onde qualquer estratégia de ação estava limitada por uma concorrência brutal, pela voracidade da Globo, pela necessidade de adquirir outorgas — que, naquela época, estavam hipervalorizadas devido à grande demanda e falta de licitações para novas licenças —, o cenário da Internet era muito mais pacífico. Tratava-se, até então, de uma idéia ainda mal compreendida, pelo menos do ponto de vista econômico. Apesar de o conceito de Internet já existir há quase duas décadas e da rede ser utilizada, em esfera acadêmica, desde o início dos anos 90, no Brasil, ainda não era claro que aquilo poderia ser, também, uma oportunidade de negócios para grupos de comunicação. Primeiro, porque até 1994 ainda não estava difundido o conceito de navegação gráfica da Internet, o que só veio a acontecer com o surgimento dos browsers, 7 que apareciam justamente naquela época. Ou seja, a percepção geral era que se tratava de um serviço de teletexto um pouco mais avançado, com hiperlinks. Além disso, até 1994 o serviço de Internet era prestado sob rígido controle governamental. A Embratel, longe de

17 Programas específicos que interpretam os códigos de programação utilizados nas páginas de Internet e os transformam em páginas gráficas a serem visualizadas no computador. 156

ser privatizada, era a única empresa que planejava atuar como provedora de acesso comercial, e seu serviço, lançado em dezembro de 1994, ficaria funcionando em caráter experimental, apenas para algumas dezenas de felizardos, até março de 1995. Ou seja, Internet era, naquele momento, algo restrito a quem tinha, de um lado, bons conhecimentos de informática (o sistema operacional mais difundido na época era o remoto Windows 3.11) e algum canal de acesso universitário, já que as conexões à rede eram restritas ao meio acadêmico e alguns outros nichos. Em 1995, o cenário regulatório envolvendo a Internet ficou ainda mais confuso. O governo Fernando Henrique Cardoso, então em seu primeiro ano, estabeleceu como diretriz imediata a ser cumprida a pronta abertura do setor de telecomunicações. Sérgio Motta, então ministro das Comunicações, proibiu a Embratel de entrar no mercado de acesso comercial à Internet. Queria deixar esse mercado para ser explorado livremente. Mas como a Embratel era, em tese — e por lei —, a única empresa autorizada a prestar serviço de transmissão de dados, uma longa discussão se iniciou sobre como seria regulamentado o setor, ou melhor, como seria a não-regulamentação do mercado de Internet. No final de maio de 1995 um conjunto de portarias do Ministério das Comunicações tirava de vez da Embratel a chance de entrar comercialmente nesse segmento e abria a qualquer entidade privada a oportunidade. A estatal proveria apenas a infra-estrutura. O mercado seria aberto, administrado pela RNP (Rede Nacional de Pesquisa). Faltavam, contudo, alguns elementos básicos: infra-estrutura de comunicação com outras redes — conhecidas como backbones — e infra-estrutura de acesso residencial, ou seja, linhas telefônicas, o que também era fundamental para que as pessoas pudessem ter Internet. Era uma época em que um telefone custava cerca de 4 mil reais. Além de ser um bem escasso na casa das pessoas, uma empresa que desejasse montar um provedor comercial precisaria ter, pelo menos, 50 linhas telefônicas disponíveis. Mesmo que tivesse dinheiro para adquiri-las ou alugadas, as empresas de telecomunicações não tinham capacidade de entregar. Ou seja, em 1995, apesar de o mercado estar desregulamentado e livre da exploração por parte de uma empresa estatal, faltavam os insumos básicos. Com isso, ao fim de 1995 havia apenas 120 mil usuários de Internet, para um universo de 3,3 milhões de computadores pessoais — nem todos com capacidade de 157

acesso à rede.18 Internet, naquela época, ainda era coisa que a maioria das pessoas conhecia por reportagens ou pela novela "Explode Coração", que a TV Globo colocou no ar em novembro, em que o casal de protagonistas se comunicava por meio da rede de computadores.

3) A vez da Internet comercial

O mercado se acomodou ao novo cenário regulatório e 1996 foi o ano em que um grande número de pequenos provedores comerciais passou a explorar o mercado de acesso. Foi também o ano em que a maior parte dos grupos de mídia desenvolveu pelo menos uma página na Internet. Dos pioneiros, como Jornal do Commercio, de , e Jom al do Brasil, que em 1995 já tinham seus websites disponíveis, à Folha e Abril, passando pelo Estadão e pela própria TV Globo. Todos queriam mostrar a cara na Internet, ainda que não se soubesse muito bem por quê. Na maior parte dos casos, os grupos apenas marcavam presença na Web. Poucos efetivamente exploravam esse mercado comercialmente. Nesse sentido, Abril e Folha foram pioneiros. A Folha lançou, em março de 1996, seu serviço Folha Web — uma réplica do jomal diário na Internet. Um mês depois, lançou o Universo Online (UOL), praticamente no mesmo dia em que o grupo Abril lançava o seu serviço Brasil Online (BOL). No caso da Abril, o Brasil Online tinha como principal objetivo oferecer acesso à Internet na cidade de São Paulo. Em termos de conteúdo, o BOL pouco oferecia. O serviço, lançado comercialmente em julho de 1996, trazia apenas as revistas Exame, Exame Vip, Vsja São Paulo, Veja Rio, Exame Informática, Supermteressante e Placar, além de alguns recursos como o download de arquivos e serviços como previsão do tempo, situação do trânsito na cidade de São Paulo e algumas notícias atualizadas uma vez por dia (através de contratos com as agências Estado e Reuters). A novidade era que, além de oferecer informações, o BOL oferecia também acesso. Juntamente com a Folha, a Abril buscava não apenas estar presente na Internet, mas queria também ter receita com algo que parecia

18 Ver Ercília, Maria, A Internet na terra do Sol, Folha de São Paulo, 31 de dezembro de 1995, Revista da Folha 6. 158

promissor. Nos EUA, a America Online (AOL) era o grande exemplo a ser seguido. Era uma empresa que via a sua receita crescer ano a ano simplesmente oferecendo conexão a uma rede de computadores — e, posteriormente, à Internet — e alguns serviços exclusivos.

D e s e m p e n h o d a AOL n o s EUA

(em US$ milhões) - t a b e l a 14 1996 1995 1994 1993 1992 Serviços online (receitas) 991,6 344,3 98,5 37,7 26,1 Outras receitas 102,2 50 17,2 14,3 12,6 Receita total 1.093 394,3 115,7 51,9 38,7 Assinantes (em milhar) 6,198 3,005 903 303 182 Fonte: Security Exchange Comission, formulário 10K 1996 (www.sec.gov)

A America Online (AOL) conseguia, apenas com o provimento de acesso e serviços relacionados à conexão de pessoas em rede (serviços de notícias, troca de mensagens, previsão do tempo etc.) uma receita quase igual à da Abril em 1995 — 1 bilhão de dólares — e maior do que a da Folha no mesmo ano — 500 milhões de dólares. Claro que o Brasil estava ainda muito distante de ter os 3 milhões de assinantes da AOL nos EUA, onde se concentravam suas atividades, mas estava claro que era um negócio que poderia ser atraente. Segundo relato de Victor Civita Neto, que participou da decisão de criar o BOL, não havia na época o conceito de portal de informação, pouco se falava em provedor de conteúdo e o único negócio que parecia ser viável na época era o de provimento de acesso, ou seja, exercer a função que alguns anos antes as BBSs exerciam.19 Em nenhum momento acreditava-se que aquele seria o maior negócio do grupo fora do segmento de revistas ou TV paga. Paralelamente à criação do BOL pela Abril, o grupo Folha de S. Paulo também desenvolvia seu projeto de Internet, o Universo Online (UOL). Como uma evolução do projeto Folha Web, implantado meses antes apenas para despistar as reais intenções do grupo, e que era basicamente da versão eletrônica do jomal impresso, o UOL também se concentrava na atividade de provedor de acesso. Em termos de conteúdo, as únicas coisas

19 As BBSs eram formadas por grupos de pessoas que se conectavam a um único computador para troca de arquivos e mensagens. Com o tempo, estes computadores passaram a dispor de uma conexão com outros 159

oferecidas pelo UOL no lançamento eram a edição do dia da Folha e mais um banco de dados com matérias desde 1994, traduções de jornais estrangeiros, The New York Times e Financial Times, as revistas IstoÉ, Trip, Corpo a Corpo, Imprensa e a Revista de Atualização Médica. Pelo site do UOL podia-se, ainda, consultar informações financeiras e ler notícias em tempo real (oferecidas pela Agência Folha), além de se fazer pesquisa em alguns dicionários eletrônicos e realizar compras no supermercado Pão de Açúcar. Vale destacar que na mesma época a Folha decidia se entraria ou não no negócio de TV por assinatura. Inicialmente analisou a possibilidade de fazê-lo com os grupos Time Warner e com a construtora Camargo Corrêa. Posteriormente, mudou de possíveis parceiros e quase se associou à Adelphia Cable norte-americana, estando muito perto de concretizar a parceria, mas desistindo às vésperas de uma grande licitação de concessões de TV a cabo e MMDS realizada em dezembro de 1997. A Folha de S. Paulo também chegou a analisar a possibilidade de participar da compra de licenças de telefonia cèlular nâ banda B em 1996, anunciando, inclusive, um consórcio com o Unibanco, a construtora Odebrecht e a norte-americana Air Touch para a disputa dos leilões de telefonia celular no Brasil e posteriormente entrar na privatização do Sistema Telebrás em 1998, mas nenhuma dessas estratégias mostrou-se atraente do ponto de vista financeiro para o grupo, que concentrou seus esforços e recursos apenas no Universo Online, lançado comercialmente em agosto de 1996. Praticamente um mês depois do lançamento do Universo Online, Folha e Abril resolveram juntar seus esforços na área de Internet e fundiram os dois provedores de acesso e os dois sites (BOL e UOL) em uma só empresa, que preservou o nome Universo Online. Estava criado, em setembro de 1996, o que, na época, era — e é, até os dias de hoje — o maior provedor de acesso do Brasil e também o maior site de conteúdo. A parceria foi oficializada em termos jurídicos em março de 1997. Após a fusão, a marca Brasil Online da Abril foi preservada dentro do portal Universo Online, mas só voltaria a ser importante no final de 1999.

computadores e, eventualmente, com a Internet. Dentro do conceito de BBS é que surgiram em meados da década de 80 nos EUA grupos como CompuServe e America Online (AOL). 160

As condições da sociedade entre Abril e Folha eram praticamente equivalentes para os dois lados, mas com algumas diferenças que depois vieram a ser extremamente significativas, sobretudo para a estratégia da Abril. Cada um dos sócios era dono de 50% das ações da UOL, mas a Folha tinha o controle da empresa — 70% das ações com direito a voto. A diferença dava à Folha a prerrogativa de ter a gestão do UOL, escolher os diretores, preservar a sua marca (Universo Online) e dizer como o negócio deveria ser conduzido. O grupo Abril concordou, na época, que todo o conteúdo de suas revistas impressas seria exclusivo para o Universo Online, assim como a Folha. A diferença é que a Abril tinha, na ocasião, mais de 200 títulos de revistas, enquanto a Folha se concentrava apenas nos jornais. O mais importante, do ponto de vista da Folha, contudo, era o acervo de notícias, que a essa altura acumulava informações digitalizadas desde 1994. Do ponto de vista financeiro, entretanto, as únicas formas de receita conseguidas até aquela ocasião eram com a cobrança peio âcesso e com publicidade. AT&T, Bradesco e Oracle estavam entre os primeiros anunciantes do portal UOL, mas não havia, naquela ocasião, ainda uma estimativa clara de quanto o mercado de Internet poderia render nem quanto o mercado publicitário estaria disposto a pagar. O conteúdo, tanto da Abril quanto da Folha, era ofertado gratuitamente a quem entrasse no portal. Em 1997, contudo, o negócio começou a ganhar algumas características novas do ponto de vista de exploração econômica que merecem ser destacados. Primeiro, o UOL divide, no início de outubro de 1997, sua unidade de acesso à Internet, criando uma empresa chamada AcessoNet. Esse detalhe é fundamental para compreender a dinâmica econômica do negócio dali em diante. Como já dissemos, naquela época o acesso à Internet era algo tecnicamente ainda complicado devido à escassez de infra-estrutura. O grau de penetração dos serviços telefônicos ainda era muito baixo (19 milhões de telefone, ou 11,76 telefones por 100 habitantes, segundo os dados da Anatel sobre 1996), o preço de uma linha telefônica era alto, o tempo médio para a instalação era longo, as redes que conectavam a Internet no Brasil ao mundo eram de velocidade limitada. A AcessoNet tinha como missão se instalar, como provedora de acesso, em diferentes pontos do Brasil e assim conseguir mais assinantes para o UOL. Começava a 161

ficar mais claro o conceito da divisão entre o conteúdo e distribuição (infra-estrutura de acesso). No momento em que toma a decisão de expandir-se pelo Brasil por meio da AcessoNet, o UOL passa, também, a cobrar apenas pelo conteúdo de seu site. Obviamente, era do interesse da empresa ganhar dinheiro não só com quem pagasse à AcessoNet para ter acesso via UOL como também daquelas pessoas que, conectadas por meio de outros provedores comerciais, estivessem interessadas em ter acesso ao conteúdo do UOL. Uma distorção criou-se nesse momento e só foi corrigida em 1999. Ao mesmo tempo em que o conteúdo do UOL era cobrado, os assinantes desse mesmo conteúdo nas mídias tradicionais não podiam ter acesso a ele na versão digitalizada. No ano de 1997 são lançados mais de uma dezena de novos serviços, parte deles desenvolvidos pelo próprio UOL (como a TV UOL), outros realizados em parcerias com outras empresas. A estratégia do UOL era ganhar comissões — em geral 50% — sobre a receita publicitária que os sites que ficassem hospedados sob seu guarda-chuva conseguissem. O UOL também vendia publicidade em sua primeira página, chamada de home-page, e em outras páginas desenvolvidas internamente. Assim, quanto mais sites hospedados, maior seria a audiência do UOL, que poderia cobrar mais por publicidade e por alguns conteúdos exclusivos, como a edição do dia do jornal Folha de S. Paulo, seu acervo, a edição semanal da revista Veja, entre outros. Dos acionistas Abril e Folha o UOL recebia, além dos investimentos, o valioso aporte em forma de banco de dados de possíveis clientes — virtualmente, todos os nomes cadastrados nos bancos de dados de assinantes da Folha e da Abril poderiam compor o mercado inicial a ser explorado pelo Universo Online —, além de espaço de publicidade nas respectivas publicações impressas. Sobre eventuais remunerações pelo uso dos bancos de dados, não foi possível encontrar para esta pesquisa nenhuma informação confiável confirmando ou não se os acionistas cobravam do Universo Online por este beneficio. Com relação ao uso de espaço publicitário, contudo, foi possível, junto aos relatórios financeiros do UOL de 1999, constatar duas práticas distintas: primeiro, o grupo Abril comercializava publicidade nas páginas do UOL com seu conteúdo e essa publicidade era faturada pela própria Abril para si, ou seja, não era uma receita contabilizada para o UOL. A Folha, por sua vez, 162

comercializava publicidade nas páginas do UOL com seu conteúdo e essa receita era destinada ao próprio UOL. Eventualmente, como forma de compensar a vantagem de ter a gestão sobre o provedor de acesso. O UOL gastou com publicidade nas publicações da Abril, entre 1996 e 1997, cerca de 3,1 milhões de dólares, segundo análise do balanço de 1999 do provedor. Já com a Folha, a despesa com publicidade foi de 2,4 milhões de dólares no mesmo período. Em 1999, o UOL começa a equalizar essa relação de gastos com os veículos de seus próprios acionistas. Primeiro, faz contratações de páginas de publicidade nas revistas da Abril e jornais da Folha em igual valor ( 11,8 milhões dólares). Depois, acerta acordo de permuta publicitária com seus acionistas. Assim, a partir de 1999 o UOL tem o direito de utilizar até 30 milhões de dólares em espaço publicitário nos veículos da Abril e 30 milhões de dólares nas páginas da Folha, e os dois grupos têm o direito ao mesmo montante em espaço publicitário no UOL. Esse detalhe é importante porque, dentro do cenário competitivo de Internet que se desenhava, essa era uma forma de garantir maior visibilidade ao UOL sem que os acionistas tivessem que desembolsar dinheiro. Foi, sem dúvida, um fator determinante para o sucesso do UOL e a manutenção de sua imagem■ no mercado. 20 Os mecanismos de medição de acesso e audiência na Internet ainda não estavam consolidados em 1998, mas os números divulgados à época deixavam claro que o UOL era o maior provedor de acesso brasileiro e também o maior provedor de conteúdo. Grande parte desse sucesso, sem dúvida, se devia ao conteúdo da Abril disponível no portal,21 aliado ao esforço do UOL para também desenvolver conteúdo próprio e diferenciado. Na época, a Abril tinha um acordo pelo qual não ofereceria seu conteúdo a concorrentes do Universo Online e também nunca criaria nenhum negócio concorrente. A Abril tinha, na época, pouca noção do que aquelas cláusulas significavam. Ao que tudo indica, o grupo realmente acreditava que a oportunidade de negócio estava no acesso e que

20 Informações extraídas do documento "Transações com partes relacionadas", anexo ao relatório financeiro da UOL Inc., holding controladora do UOL, de 1999. 21 Em meados de 1998 começa a ficar mais claro o conceito de portal como um local na Internet que agregava uma grande quantidade de informação e dava acesso a uma série de outros sub-sites. Segundo a análise de Elizabeth Saad Corrêa em seu Estratégias da desconstrução... (2001), apesar de ser algo negado pelos dirigentes, está claro que o UOL, desde o seu princípio, buscou construir uma identidade própria com ênfase no aspecto mercadológico. 163 o conteúdo exclusivo seria bom para ajudar o UOL a vender mais assinaturas, segundo relato de Victor Civita Neto.22

4) Entre a TV paga e a Internet, um contraste de ambientes

Se, no campo da Internet, os anos de 1996 a 1998 representaram para o UOL uma fase de intenso crescimento, e chegava-se ao ano de 1999 com perspectivas ainda melhores, nos negócios de TV por assinatura da Abril as coisas começavam a complicar. A empresa vinha cresceu muito entre 1996 e 1997 com sua operação de TV paga por satélite, mas não tinha mais a liderança de mercado, perdida para a Sky, do grupo Globo. Em 1997, com a crise asiática, os grupos brasileiros de TV paga viram-se diante de uma tremenda escassez de crédito para financiamento dos investimentos. Era o ano, contudo, em que a TVA planejava crescer com o processo de licitação de cabo e MMDS que se iniciaria em dezembro, depois de muita espera. Fora isso, a TEVECAP, holding controladora da TVA da qual a Abril era sócia, a essa altura em mais de 62% —depois da diluição da parte dos sócios —, acumulava perdas crescentes em seus resultados financeiros. Começava a ficar caro para a Abril manter todos os investimentos.

Perdas líquidas da Tevecap

(em US$ milhões) - t a b e l a 15 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 Resultado líquido 54,29 -37,63 -11,99 -41,07 -47,89 -18,41 -148,06 69,8 -32,85 -75,81

Fonte: Relatórios 20F de 1996 a 2001

A perda mais acentuada no ano de 1998 deveu-se a uma conjuntura econômica desfavorável para o mercado de TV paga e, também, aos pesados investimentos necessários naquela fase de implantação do negócio de TV paga via satélite. Para piorar a situação, os sócios estrangeiros Falcon e Hearst começavam a pressionar para sair da participação no

22 Para ele, este modelo era o mais óbvio de ser seguido porque era o que mais se aproximava do modelo da AOL norte-americana, ou seja, conteúdo e serviços exclusivos a assinantes. 164

negócio de TV paga no Brasil. Tinham medo da exposição a um mercado incerto, já que as expectativas de crescimento não estavam se confirmando desde meados de 1997, quando o governo aumentou juros e impôs medidas de restrição ao crédito mais severas, por conta do susto com a crise asiática. Além disso, as próprias operadoras viam-se envoltas em um problema de inexperiência. Haviam vendido assinaturas aos montes até 1997, sem critério e sem cuidado, simplesmente para crescer em número de assinantes. De uma hora para outra, os índices de inadimplência começaram a ficar insuportáveis. A disputa com os sócios estrangeiros na TVA foi dolorosa para a Abril, ao mesmo tempo em que as necessidades de investimento cresciam, ainda mais tendo em vista que em 1998 seria necessário desembolsar uma grande quantidade de dinheiro no processo de licitação para TV por assinatura. E a TVA era quem mais propostas apresentara na licitação. Ao todo, eram 66 cidades em disputa, em um total de 130 cidades em oferta. Depois de muita discussão sobre qual seria seu melhor futuro, em 1998 o grupo decidiu deixar a licitação, seguindo os passos já dados pela Globo. Faltava, àquela altura, crédito no mercado para novos investimentos. Os negócios para a Abril também não iam bem. O prejuízo registrado pelo grupo em 1998 era o maior da história, sobretudo em função de investimentos pesados feitos no negócio de TV por assinatura e a compra da Editora Azul — que editava títulos como Contigo, Boa Forma, Carícia, Ana Maria etc.

Desempenho financeiro do grupo A bril - tabela 16

1997 1998 1999 2000 2001 Receita líquida (R$ bilhão) 1,68 1,80 1,42 1,55 1,63 % do mercado de revistas 69 69 67 68 69,3 % do bolo publicitário de revistas 70 70 69 70 68 Dívida bruta (R$ milhão) - 419 459 627 730 Lucro (ou prejuízo) líquido 24 -125,8 20,5 -127,2 -44,0 (R$ milhão)

Fonte: Relatórios financeiros Abril S. A. e Editora Abril S.A. 1998 a 2001. Nos anos de 1995 e 1996 a receita liquida do grupo Abril foi de, respectivamente, R$ 1,2 bilhão e R$ 1,68 bilhão. 165

Depois do lançamento do UOL, a Abril não se envolveu com mais nada que estivesse fora do leque de negócios estabelecido até então (TV paga, TV aberta, Internet e revistas). O ano de 1998 havia começado bom para a Abril, com crescimento inicial da parcela do mercado de revistas no bolo publicitário, mas no cômputo geral foi um ano ruim, com retração de 3% — ainda que a Abril conseguisse crescer em faturamento, sobretudo pelo crescimento de sua operação de TV paga e ótimas vendas da edição de 30 anos da revista Veja. Aos investidores, a Abril prometia, para o ano de 1999, corte de cerca de 300 milhões de dólares em seus ativos em negócios que estivessem fora da prioridade do grupo. Entenda-se: a Abril cortaria investimentos no que não fosse revista impressa. Não demorou para a Abril perceber que sua situação financeira poderia piorar muito em 1999, se não implementasse a estratégia de desfazer tudo o que tinha feito até então em TV por assinatura. Ou pelo menos parte. Uma parte dessa estratégia começou ainda em 1998, quando o grupo fez avaliações para saber qual o preço da parte de seus sócios na TVA. Ele, o grupo Abril, não tinha interesse em adquirir essas participações, mas poderia encontrar um novo sócio se quisesse. Afinal, era época de privatização da Telebrás e dezenas de empresas estrangeiras do setor de telecomunicações olhavam para o Brasil. Nenhuma delas, contudo, se interessou. Quem passou mais perto foi o grupo argentino CEI,

que por pouco não entrou como sócio na Tevecap. Os sócios norte-americanos, até então decididos a sair do Brasil, se acalmaram quando começaram as negociações para venda da DirecTV, que até aquele momento vinha gerando as maiores perdas para o negócio de TV paga. Em janeiro começaram as conversas com os controladores da DirecTV nos EUA (a Hughes Electronics) para que a participação societária no Brasil fosse revista. A TVA não queria mais ter os 75% da operação brasileira nem os 10% da operação latino-americana. Em 15 de maio de 1999 as partes selavam o acordo e a Hughes Electronics, através da Galaxy Latin America, adquiriu a totalidade das ações da empresa de TV paga via satélite que estavam sob o controle da TVA. Pagou, por isso, 338,9 milhões de reais mais as dívidas. A TVA utilizou parte do dinheiro para aliviar seu endividamento, o que trazia benefícios imediatos para a Abril, sua principal avalista. A Abril também se desfez, em 1999, de seu braço na edição em listas telefônicas, a Listei, mas em compensação retomou ao segmento de livros didáticos, comprando as 166

editoras Scipione e Ática por 89 milhões de reais. Esse passo era estratégico para um grupo com dificuldades financeiras, pois as duas editoras, além de controlar mais de um terço do mercado de livros didáticos do país para primeiro e segundo graus, faturavam, juntas, cerca de 300 milhões de reais por ano, sendo que metade desses recursos era proveniente de verbas do Ministério da Educação para compra de livros a ser distribuídos na rede pública de ensino. Era uma forma de entrar num segmento de alto faturamento, em que as receitas eram garantidas pelo governo. Ainda na onda de passar para a frente operações não-rentáveis, a Abril vendeu de volta para Disney sua metade no canal ESPN Brasil, por 5,7 milhões de reais. Livrou-se, assim, do ônus de carregar consigo uma empresa cujo prejuízo anual era de 21 milhões de reais. Foi o triplo do que perdeu a MTV Brasil em 1999, segundo o relatório financeiro da Editora Abril S.A. de 1999. A rede de televisão musical faturou naquele ano 32,8 milhões de reais e teve perdas de 6,3 milhões de reais. Em meados de julho de 2000, a Abril ainda venderia sua participação de 25% na HBO Brasil para os sócios, pelo montante expressivo de 43 milhões de reais. Saiu também, pouco depois, do canal — vendido à francesa Multitematicques por 13,3 milhões de reais. Sobre esse momento em que foi obrigado a se desfazer de ativos em TV paga, Roberto Civita fez os seguintes comentários, quando perguntado se tinha uma relação de amor ou ódio com o setor.

Eu tenho, na verdade, uma frustração. Esta área exige quantidades de investimentos que não estão disponíveis para empresas familiares ou de capital fechado no Brasil. Isso é cada vez mais para empresas abertas, multinacionais, que buscam capital fora daqui, porque capital aqui é muito caro. E frustração, é ímtação por não termos um mercado de capitais, pelo fato de o dinheiro aqui custar quatro vezes mais do que custa lá fora para nossos concorrentes. E muito difícil jogar este jogo com uma empresa privada brasileira. Sinto-me frustrado por não termos como fazer. Os recursos gerados por nós não são suficientes para bancar os investimentos necessários, e isso é muito chato. Por isso precisamos de um parceiro. Agora, o que aconteceu desde o momento em que entramos em TV por assinatura até agora foi uma mudança total. De cinco anos para cá, a TV paga não é mais o mesmo negócio em nenhum lugar. O que mudou foi que todo mundo que está nesse negócio, não importa a plataforma, se deu conta de que é preciso aumentar o fluxo de receitas, considerando os investimentos gigantes que são necessários para se chegar à casa do assinante. Ter outros serviços virou quase um imperativo econômico. Se 167

não acrescentarmos Internet, broadband, provavelmente telefonia e mais, fica-se em uma posição economicamente indefensável.23

O ajuste na Abril pode ter sido doloroso para Roberto Civita, mas deixou a empresa mais confortável para se fortalecer em seu segmento principal, que era o de publicações impressas. Se nos anos de 1997 e 1998, segundo os dados da própria Abril, o segmento de revistas significava, respectivamente, 63% e 64% da receita bruta do grupo — o restante ficava com TV paga - 22% e outras atividades - 14% — , em 1999 esse percentual voltou a ser de 90%, e o resultado final passou do prejuízo ao lucro de 20,5 milhões de reais. Com essa folga na pressão sobre o caixa da empresa, a Abril voltou a investir em novos negócios na área de Internet, em duas frentes: 1) por meio da própria editora, criando empresas responsáveis por administrar o conteúdo do grupo e dar suporte para que cada revista desenvolvesse conteúdos específicos para a Internet (Abril.com), além da Idealyze, que era uma incubadora de projetos de Internet voltada para o desenvolvimento de sites temáticos (esses dois projetos foram implementados em 2000); 2) por meio da TVA, que desenvolvia, em julho de 1999, seu portal @Jato, com conteúdo para pessoas que tivessem acesso à Internet por redes de alta capacidade, como* as redes de cabo e MMDS. O serviço de acesso da TVA foi lançado naquele mesmo mês. Nenhuma das iniciativas estava relacionada ao UOL. Aliás, o acordo entre Abril e UOL para exploração do conteúdo, começava a dar, naquele momento, sinais de desgaste.

5) A fase da “exuberância irracional ”24

A partir de 1999 o grupo Abril viu-se em uma situação desconfortável com o contrato que fechara três anos antes com a Folha. O contrato de exploração do conteúdo produzido pelo grupo amarrava-o de forma definitiva ao Universo Online, onde as decisões

23 Ver Glasberg, Rubens e Possebon, Samuel, 'Precisamos estar em multisserviços".- Entrevista com Roberto Civita. PAY-TV, n2 80, março de 2001. 24 Expressão utilizada por Alan Greenspan, presidente do Federal Reserve dos EUA (uma espécie de Banco Central daquele pais), em abril de 1999, para descrever ao Congresso norte-americano a febre das empresas de alta tecnologia nas bolsas norte-americanas. Posteriormente, Robert Schiller, professor de Yale, publicou em 2000 um livro cujo nome era também "Exuberância irracional" e que previa a queda das bolsas em função 168

finais eram tomadas pelo grupo Folha de S. Paulo, detentor da gestão da empresa, segundo o contrato de acionistas firmado em 1996. Além disso, desde a fusão entre os negócios de Internet dos dois grupos, em 1996, as duas redações (da Abril e do UOL) não conseguiam se integrar. Havia uma cultura muito diferente nas equipes, pois os jornalistas do UOL vinham principalmente da experiência diária da Folha e os da Abril tinham experiência e ritmo de produção de revista. Os conteúdos das revistas da Abril, não raro, ficavam semanas sem atualização no portal, o que não condizia com o dinamismo exigido pelo negócio. Foi então que a Abril resolveu criar uma equipe separada, concentrada na sua própria sede, sob o nome de Abril Online, mas o casamento seguiu problemático. No entanto, se a Abril estava desconfortável com sua relação com o UOL quanto ao conteúdo, o mesmo não podia ser dito quanto às perspectivas do provedor. Era o ano da bolha da Internet (1999) e o UOL era, obviamente, o centro das atenções. Esse foi o ano em que o UOL consolidou sua importância no cenário da Internet brasileira, firmando-se como o maior provedor de acesso e o maior portal de conteúdo, mesmo em um ambiente em que grandes grupos de telecomunicações estrangeiros —como o Terra, controlado pela empresa de telefonia Telefônica de Espana, ou o Zip.net, controlado na ocasião pela Portugal Telecom —, ou grandes provedores de acesso norte- americanos, como a AOL Latin America, entravam no mercado brasileiro. O ano de 1999 foi o ano em que a "bolha da Internet" inflou, quando as empresas de alta tecnologia iniciaram uma escalada nas bolsas de todo o mundo. O dinheiro para esse mercado era abundante. Sobre esse momento, a Folha de S. Paulo escreveu:

"Com a vencia do Zaz (em 1999), o UOL passa a ser o único provedor com capital totalmente nacional entre os líderes de mercado. A empresa argentina Impsat adquiriu o Mandic, e a norte-americana PSINet comprou provedores como STI (SP), Openlink (RJ) e Horizontes (MG).'O UOL tem sido cortejado por investidores estrangeiros e nós estamos analisando as propostas', diz Caio Túlio Costa, diretor-geral do provedor.25

do fim da onda especulativa com ações de alta tecnologia, o que de fato começou a acontecer em março daquele ano. 23 Ver Gurfinkel, Cláudia, “Telefônica compra provedor Zaz”. Folha de S. Paulo, 17 de junho de 1999, Dinheiro 2. 169

Em um ambiente de negócios em que o valor de mercado das empresas — aquele medido pela multiplicação simples do valor das ações das empresas pelo número de ações disponíveis — era determinante nas transações,26 o UOL era a estrela. Viria a ser avaliado por mais de 2 bilhões de dólares, o que era pelo menos o dobro do que valia a TVA na mesma época. Para a Abril, o dilema era como questionar seu acordo com a Folha se aquele era o negócio que, aparentemente, estava dando certo. O UOL tinha planos grandes para aquele momento. Queria aproveitar a onda por que passavam as empresas de Internet em todo o mundo, queria se expandir, e foi o que fez. "O crescimento na América Latina é uma verdade irrefutável", dizia Luís Frias, presidente do UOL, em mensagem aos acionistas no balanço do final do ano de 1999. A empresa tinha planejado, naquele ano, se expandir para países como Argentina, México, Chile, Venezuela, Colômbia, Estados Unidos, Espanha e Portugal. Era uma estratégia agressiva, mas significava também uma defesa do UOL. O portal simplesmente reagia a um movimento no sentido contrário. Conforme o detalhamento estratégico da empresa feito aos investidores no final de 1999,27 o mercado de Internet tomara-se muito competitivo. Grandes grupos estrangeiros como Telefônica e Portugal Telecom, sem falar em Starmedia (na época, ainda muito forte), AOL entre outros, avançavam sobre o espaço do UOL. Havia também algumas ameaças no horizonte, segundo o relatório de 1999 do Universo Online para analistas, principalmente nos quesitos Internet rápida (por redes de TV paga e banda larga em geral), Internet gratuita e entrada das empresas de telecomunicações. O Universo Online temia que esse movimento de "invasão" territorial por diversos flancos causasse: • Redução nas receitas publicitárias • Limitação ao crescimento no número de assinantes e perda de participação de mercado • Dificuldades de encontrar parceiros estratégicos

26 Este conceito de valoração de empresas é superficial porque considera quanto uma ação vale na bolsa de valores, sem levar em conta as reais perspectivas de lucro, desempenho, posicionamento estratégico das empresas etc. Tais conceitos deveriam, em tese, estar embutidos na avaliação que o mercado fàzia, em bolsa, do valor das empresas, determinando assim o preço das ações e, portanto, o seu valor de mercado. Mas entre 1999 e 2000 o mercado financeiro tomou-se primordialmente especulativo, desconsiderando os fundamentos econômicos das empresas e considerando apenas um suposto “potencial” de rentabilidade futura fundamentado, basicamente, na visão subjetiva dos analistas. 27 Documento integrante do balanço financeiro de 1999, registrado na Comissão de Valores Mobiliários, CVM. 170

• Dificuldades para se firmar no segmento de comércio eletrônico • Perda de audiência Para compensar essas dificuldades que se colocavam no mercado local, o UOL via a estratégia de buscar novos mercados como uma alternativa. O problema é que, lá fora, o UOL encontraria as mesmas dificuldades encontradas por seus concorrentes aqui dentro, como descrito no relatório financeiro de 1999 do portal:

Conforme continuamos a expansão de nossas operações fora do Brasil, continuaremos a encontrar novos competidores e ambientes competitivos. Em alguns casos, competiremos com empresas de telecomunicações do govemo ou subsidiadas. Os competidores estrangeiros podem representar um risco maior, pois eles podem possuir uma melhor compreensão dos seus mercados locais e melhores relações de trabalho com os fornecedores locais de infra-estrutura, podendo já ter desenvolvido um conteúdo atraente em língua espanhola. Podemos não ser capazes de obter os mesmos níveis de conhecimento local ou de desenvolver um conteúdo em espanhol comparável ou melhor do que já existentes. Caso não seja possível obter tal conhecimento ou desenvolver tal conteúdo, poderemos estar diante de uma significativa desvantagem competitiva nesses mercados.28

Naquele momento, o UOL declarava ter 38% do mercado de Internet no Brasil — considerado apenas o total de assinantes de serviço de acesso por redes discadas, que era o serviço principal do UOL. Sua estrutura no Brasil comportava 1.216 empregados, sendo 59 para a área de vendas, 112 jornalistas, 10 para a área de marketing, 135 desenvolvedores de tecnologia, 104 funcionários do departamento administrativo e 796 atendentes da central de atendimento. Em 1999, o conteúdo do portal agregava 92 revistas, 60 jornais, 147 sites de celebridades — inclusive muitos daqueles que seriam disputados em 2000 com o Globo.com —, 107 lojas, 90 mil páginas pessoais e 5 milhões de contas de e-mail, além de 601 mil assinantes, em dezembro. Como parte da estratégia para o crescimento do portal, sobretudo em outros países, o UOL fez a sua primeira capitalização substancial com a venda de participação para um grupo estrangeiro. Em outubro de 1999 o grupo de investimentos para mercados emergentes Morgan Stanley Private Investments Fund aportou 100 milhões de dólares por uma participação de pouco mais de 12% no UOL. Ou seja, o portal estava sendo avaliado

28 Ver UOL Inc. Relatório Financeiro de 1999 171

por cerca de 810 milhões de dólares em sua primeira operação. Esse valor logo saltaria para mais de 2 bilhões de dólares. Criou-se, então, a UOL Inc., em que Abril, Folha e Morgan Stanley participavam como acionistas. Era a hora em que o UOL se preparava para ter, também, seu capital aberto em bolsa, coisa que nunca acabou acontecendo, mas que foi durante muitos meses o evento mais aguardado no mundo dos negócios de Internet no Brasil. Capitalizado, o UOL não demora a se expandir: entra na Argentina em setembro de 1999, em novembro faz sua estréia no México e em dezembro é a vez da Venezuela, Argentina e Chile. No início de 2000, entra no mercado da Espanha. O desenvolvimento de um portal em língua espanhola não era uma estratégia que pudesse ser seguida sem parceiros locais. Por isso, a UOL Inc. cria subsidiárias para cada país e passa a buscar parceiros locais. • Na Argentina, fecha em fevereiro de 2000 o acordo de sociedade com a Editorial Perfil, uma espécie de grupo Abril daquele país, que fica com 25% do UOL local e 50% da publicidade comercializada em troca de seis anos de exclusividade (para o UOL) de seu conteúdo. • Pouco depois, em 19 de fevereiro de 2000, é anunciado o acordo na Venezuela, com o grupo local El Universal (editor do maior jomal local), que recebe 40% de participação em troca de 65 meses de exclusividade sobre o seu conteúdo. • Quase no mesmo dia, o UOL fecha parceria na Colômbia com o grupo de mídia Valores Bavaria, que recebe 37% de participação em troca de 52 meses de exclusividade sobre o conteúdo.29 Segundo registrado pelo UOL em seus relatórios financeiros, foram estabelecidos escritórios em todos esses países em que tinha operação, muitas vezes com equipes locais de produção de conteúdo, mas não foi possível levantar para essa pesquisa mais detalhes sobre esse processo, que sem dúvida significava um elevado volume de despesas para a empresa. As publicações em espanhol compartilhavam esforços, ou seja, o mesmo conteúdo utilizado na Venezuela poderia ser reaproveitado na Argentina, mas isso não atendia às características de um portal de foco local. E o UOL queria ter esse foco local, a exemplo do que fazia no Brasil. 172

As outras duas preocupações imediatas do UOL em relação ao seu futuro (entrada das empresas de TV paga no negócio de acesso à Internet e entrada dos provedores gratuitos) recebem como resposta duas ações distintas. O UOL lança um portal para assinantes de Internet em banda larga, o Speed Uol (www.speeduoI.com.br), o que pelo menos lhe garantia alguma presença neste segmento que estava por ser ocupado pelas empresas de cabo. Já para combater a febre da Internet grátis num primeiro momento, o UOL relança em outubro de 1999 o portal Brasil Online, agora chamado apenas de BOL, cujos principais atrativos eram a oferta de e-mail gratuito e uma série de serviços de conteúdo pelos quais também não se cobrava nada. O BOL, contudo, não oferecia acesso discado, lacuna que só seria coberta pela entrada do portal e provedor Net Gratuita. A idéia com a oferta de e- mails era ter o maior número de pessoas cadastradas para depois poder rentabilizar esse banco de dados oferecendo a assinatura do acesso pago e também promoções comerciais. O UOL saltou de 2 milhões de e-mails cadastrados ao final de 1999 para quase 5 milhões três meses depois, apenas por conta do lançamento do BOL. Mesmo assim, a Internet gratuita tornava o momento delicado para o UOL. Primeiro foram os grandes bancos de consumo e depois vieram as empresas de telefonia oferecendo acesso sem custo à Internet. O iG, a maior empreitada nesse sentido, tinha como acionistas os sócios das empresas de telefonia Brasil Telecom (Opportunity) e Telemar (GP Investimentos), sendo que um pouco depois as próprias empresas de telefonia viriam a se tornar proprietárias do portal. O objetivo do iG era ter um portal rico em informações, oferecer acesso gratuito, e assim forçar30 e estimular os intemautas a entrar em seu portal, criando audiência. Com isso, poderia faturar com a venda de publicidade e comércio eletrônico. Era um modelo ousado mas que tinha dois problemas. Primeiro era o fato de que, mesmo para portais estabelecidos e líderes em audiência, como o UOL, a receita publicitária e o comércio eletrônico representavam menos de 30% das receitas totais. Se para um portal que tinha como acionistas grupos fortes em produção de conteúdo como Folha e Abril, pelo menos três anos de estrada e a liderança absoluta no mercado, o negócio principal era o

29 UOL Inc. Relatóno Financeiro de 1999. 173 provimento de acesso, não havia razão para acreditar que o iG teria melhor sorte. Depois, estar vinculado ao comércio eletrônico e ao mercado publicitário era arriscado, dada a vulnerabilidade que essas duas atividades enfrentam em função das variações no cenário econômico. Como se observa na tabela a seguir, o próprio UOL, em crises econômicas que viria a enfrentar a partir de 2001, viu seu percentual de receitas com publicidade e comércio eletrônico declinar dramaticamente em diversos momentos. Uma delas foi a crise econômicas do ano de 2001.

Evolução trimestral das receitas do UOL

DE ACORDO COM a ORIGEM - TABELA 17 1999 1T00 2T00 3T00 4T00 2000 1T01 2T01 3T01 4T01 2001 1T02 2T02 % Receita com i acesso i 77,2 85 66,6 66,1 65 70,8 77 76,8 84,4 84,28 81,4 91,7 76 % receita com | publicidadee e-commerce 22,8 15 33,3 33,9 35 29,2 23 23,2 15,6 13,4 18,6 8,3 24 Fonte: UOL Inc. Relatórios financeiros de 1999 a 2002 (segundo trimestre)

Enfrentar um provedor (iG) que entrava no negócio sem o acervo de conteúdo dos dois grupos de mídia que compunham o UOL poderia ser fácil, mas a queda de receita ocasionada por uma eventual migração de seus assinantes a uma opção sem custo de acesso seria ruim. Por essa razão, o UOL lançou, em janeiro de 2000 o provedor Net Gratuita, cuja finalidade era estancar qualquer perda que pudesse acontecer para o iG ou outros provedores gratuitos que surgiam na época (no Brasil, chegaram a aparecer nessa época mais de 10 provedores que não cobravam pelo acesso). Por traz do modelo de negócios aparentemente complicado dos provedores gratuitos, contudo, estava um negócio grande para empresas de telecomunicações, que justamente invadiam o mercado de Internet naquela época: a geração de tráfego telefônico. As empresas de telefonia partiam do princípio (correto) que o usuário de Internet ocupa mais tempo a linha telefônica do que quem usa o telefone apenas para falar. E consideravam que as pessoas só não permaneciam mais tempo conectadas à rede porque precisavam pagar mais para o provedor caso o fizessem. Se pudessem, então, criar um mecanismo em que os

30 Um dos recursos utilizados é obrigar, tecnicamente, a todos que se conectem pelo número de acesso 174

usuários se sentissem estimulados a permanecerem conectados (e pagando conta de telefone) por mais tempo, poderiam ganhar dinheiro suficiente para compensar os investimentos em desenvolvimento e manutenção de portais gratuitos. A discussão a esse respeito não é conclusiva até hoje e existem inúmeros estudos sobre a viabilidade do negócio, mas o fato é que até hoje os provedores de acesso gratuitos que sobreviveram estão ligados diretamente a empresas de telefonia (o iG foi comprado pela Telemar e Brasil Telecom, a GVT lançou o seu provedor POP em 2002, a Telefônica também lançou um sistema de acesso gratuito em 2002, depois de ter desistido de levar o Terra Livre, em 1999, adiante)31. Outro bom exemplo de como a questão da geração de tráfego telefônico com a Internet pode ser interessante para empresas de telecomunicações foi a venda, no final de 2000, da unidade responsável pelo provimento de infra-estrutura de telecomunicações do UOL, a AcessoNet, para a Embratel por 100 milhões de dólares. Essa operação aconteceu um pouco depois de o UOL, menos de um ano depois de ter lançado a Net Gratuita, saiu do segmento de acesso grátis. Para a Embratel, a compra do AcessoNet seria interessante por garantir uma intensa geração de tráfego de telecomunicações em suas redes, e seria também uma forma de já estar prestando algum tipo de serviço para milhares de consumidores em 2002, quando seria, então, autorizada pela regulamentação do setor a oferecer serviços de telefonia local. Para o UOL, era mais uma forma de capitalizar a empresa e não precisar mais se preocupar em investir em uma infra-estrutura de acesso. Em 2000, as coisas pareciam bem para o UOL. Conseguiu passar sem maiores turbulências pelos provedores de acesso gratuitos, estava se expandindo no exterior, seu portal BOL conseguia a segunda colocação, era lançado o UOL News, um canal de notícias com um jornal apresentado no formato de televisão por Paulo Henrique Amorim. Fechava parcerias com a Ericsson para Internet móvel, comprava os assinantes do serviço de acesso

gratuito, a passarem pelo menos uma vez pela home-page do portal. 31 Vale ressaltar que esse modelo de remuneração dos provedores de acesso e das empresas de telefonia por conta da geração de tráfego é algo que deverá mudar com a nova regulamentação preparada pela Anatel em meados de 2002. A regulamentação, como foi colocada em consulta pública, prevê que usuários de Internet paguem de maneira diferenciada dos usuários apenas de serviços de voz pelas suas conexões, o que deve ocasionar uma revisão de estratégias por parte das empresas de acesso gratuito. 175

do SBT (o SOL) e colhia os frutos de um exuberante crescimento de mais de 90% do bolo publicitário para a Internet, segundo a Associação de Mídia Interativa. Nos países em que não conseguiu parceiros locais, como Chile e Espanha, o UOL voltou atrás, fechando as operações. Nos seus documentos estratégicos, continuou dizendo aos seus acionistas que iria crescer, expandir, enriquecer o conteúdo disponível. Tudo dava certo para o UOL, mas o portal, exceto por um detalhe, não conseguiu aproveitar aquele que foi o ápice da exuberância irracional para fazer um grande negócio, definitivo, que permitisse aos seus acionistas saírem felizes depois dos investimentos feitos — afinal, no final de 2000 o UOL já acumulava 200 milhões de dólars em prejuízos desde a sua criação, mesmo com a venda do AcessoNet e o investimento do Morgan Stanley em 1990. O UOL não conseguiu fazer o que o grupo Globo tinha feito com o Globo.com: vender por uma verdadeira bolada uma participação em sua sociedade. Afinal, se o Globo.com, sem nenhum assinante e com um mês de vida havia conseguido alguém (Telecom Itália) para lhe pagar 810 milhões de dólares por 30% de participação, o UOL, com um milhão de assinantes, deveria valer muito mais. Pelo menos do lado da Abril, a crise de identidade e a síndrome do fracasso repetido eram grandes. A TVA havia sido o principal investimento do grupo durante toda a década de 90, o que fez esse investimento saltar para mais de 600 milhões de dólares em 2000. Vender bem o UOL era algo que resolveria os problemas da Abril, cada vez mais dedicada à sua missão de voltar a se concentrar no seu mercado principal: o mercado editorial. Os investimentos em televisão do grupo Abril valiam pouco e passavam a apresentar perspectivas cada vez mais distantes de sucesso para o grupo, dada a desaceleração brutal do setor de TV por assinatura no Brasil entre os anos de 1998 e 2000.

6) Folha e Abril refazem os contratos

Foi nesse momento que a Abril constatou que havia feito a aposta errada ao investir tanto em novas mídias. Nas palavras de Victor Civita Neto, “foi um período de crise de identidade”. Neste ponto, a Abril começou a renegociar seu contrato com o UOL e conseguiu que a exclusividade do conteúdo das mais de 200 publicações do grupo não fosse 176

mais vitalícia, e sim com prazo de validade (até 2002). Conseguiu também que alguns de seus conteúdos não fossem mais oferecidos a assinantes do provedor de acesso Universo Online. Em 11 de setembro de 2000 Roberto Civita tomava pública a nova situação:32

Roberto Civita, presidente do grupo Abril, garante que está definitivamente resolvido o impasse sobre o direito para a Internet do conteúdo produzido pelas publicações de seu grupo. A Abril não estará mais atrelada indefinidamente ao provedor UOL, no qual é sócia da Folha em 50% e com o qual tinha um acordo de exclusividade sem prazo de validade. O conteúdo do grupo de Civita fica exclusivo ao UOL por mais algum tempo e depois será aberto a outras iniciativas em Internet, como o próprio Ajato, da Abril. Roberto Civita explica que os termos deste contrato serão anunciados em breve, assim que a SEC [equivalente à CVM dos EUA] receber toda a papelada do IPO que o UOL ainda pretende fazer este ano.

Paralelamente, o desenvolvimento de tecnologias de transmissão de dados em alta velocidade deu à TVA um novo ânimo. A Internet em alta velocidade exigia conteúdos que permitissem o uso de todo o potencial da nova tecnologia de acesso. O portal Ajato veio nessa decisão estratégica, sendo então o primeiro produto de Internet do grupo Abril desvinculado do Universo Online desde 1996. A Abril havia criado também a Usina do Som, ainda em 1999, que se tomaria em 2000 um dos maiores sucessos da Internet brasileira. Trata-se de um site em que os usuários podem montar rádios personalizadas e, através de tecnologias de streaming de áudio, ouvir músicas pela Internet. Foi o maior projeto individual do grupo em Internet desde o desenvolvimento do próprio Brasil Online. Tinha uma concepção estratégica, pois representava, naquele momento, a chance de dar à Abril uma rede de rádio que ela nunca havia conseguido da forma tradicional. Se ela não tinha concessões para entrar no negócio de rádio, o faria por meio da Internet. A estratégia da Abril com a Usina do Som dependia basicamente do crescimento da Internet. Era a lógica: se o país tivesse um número maior de pessoas ligadas à Internet, mais do que os cerca de 10 milhões daquele ano 2000, a Abril teria, então, um público potencial muito maior do que conseguiria se tivesse optado por uma rede de rádios convencionais, gastando certamente muito menos e sem ter que depender de outorgas do govemo. O

32 Ver PAY-TV News www.paytv.com.br em 11 de setembro de 2000 177

negócio era tão promissor que em 2000 a Abril comprou a LabOne, empresa de desenvolvimento da tecnologia utilizada pela Usina do Som. Era um negócio que poderia ter, inclusive — e por que não? —, alcance global, já que pela Internet não existem barreiras físicas. Assim, sem precisar de concessões do governo, a Abril coloca o pé no campo da radiodifusão, só que, neste caso, utilizando a Internet como meio de transmissão, e não as ondas do espectro eletromagnético. Atualmente, a Usina do Som tem mais de 3 milhões de rádios cadastradas — cada usuário pode, em tese, montar suas próprias rádios, selecionando a programação musical que quer ter — e 2 milhões de ouvintes cadastrados. A iniciativa da Usina do Som teve um impacto tão forte na indústria fonográfica e de radiodifusão que, no

final de 2001, para evitar problemas legais, o site optou por fechar um acordo de

recolhimento de direitos autorais com o Ecad, órgão arrecadador representante das grandes gravadoras, para evitar tentativas de embargo judicial. Vale lembrar que 2000 foi o ano em que o negócio de música no mundo todo foi âbalado pelo fenômeno Napster, que chegou, naquele ano, a 20 milhões de usuários em todo o mundo. Além da Usina do Som, a Abril criou, ainda em sua estratégia não-UOL para Internet, a divisão Abril.com, que cuidava da elaboração e manutenção dos mais de 40 sites diferentes da empresa (entre os sites de revistas e outros novos, independentes), e também a Idealyze, uma empresa que tinha como missão desenvolver negócios com bom potencial, como a Usina do Som. Disse Victor Civita Neto em entrevista a esta pesquisa:

Em 1999 é que fomos ter consciência da nossa presença em tantos segmentos com tantas marcas diferentes. Foi quando começamos a forçar para mudar o contrato com o UOL. A Idealyze foi uma empresa que surgiu justamente nesse momento de revolta com o UOL, mas acabou perdendo o sentido quando os sócios se cruzaram e principalmente quando conseguimos a mudança de contrato”.

O cruzamento de sócios a que ele se refere foi a entrada da Portugal Telecom no UOL no inicio de 2001, fato que por muito pouco não rompeu definitivamente a sociedade entre Folha e Abril. Na noite do dia 21 de fevereiro, Roberto Civita recebeu um telefonema de Luís Frias, presidente do UOL Inc., que lhe informava: a Folha havia negociado a venda de uma parte do UOL ao grupo Portugal Telecom; a Portugal Telecom faria ainda um empréstimo à 178

Folha para que investisse no UOL; e a Abril, se não acompanhasse essa operação, teria sua participação reduzida no portal. Roberto Civita, pela primeira vez desde que entrara no UOL, sentiu-se enganado por não saber previamente da negociação; e da forma como ela estava sendo divulgada, era uma operação extremamente ruim para a Abril. Não que o grupo de Roberto Civita quisesse permanecer no UOL. Desejava há algum tempo realizar a sua participação em dinheiro, mas esse não parecia o melhor caminho, pois, afinal, estava perdendo espaço dentro de algo que havia ajudado a criar. A Portugal Telecom, pelo acordo divulgado pela Folha, teria 18% do UOL. O problema eram os valores. A Portugal Telecom entraria no negócio com seu portal Zip.net mais 100 milhões de dólares. Outros 100 milhões de dólares seriam colocados pela Folha no UOL — dinheiro que viria da Portugal Telecom. A Abril teria que tirar dinheiro do seu bolso para manter sua posição. A Portugal Telecom dizia, naquele dia, aos jornalistas em Portugal que havia um estudo avaliando o UOL em 2 bilhões de dólares e seu Zip.net em cerca de 360 milhões de dólares (exatamente o que havia sido pago alguns meses antes para adquiri-lo no Brasil). A Abril não acreditava nesses valores nem achava justo que a Folha tivesse a ajuda da Portugal Telecom para manter sua participação no negócio. As opções da Abril naquele momento eram claras, como escreveu a imprensa:

Implodir o acordo entre Folha e Portugal Telecom, acompanhar o aporte de capital, ter sua posição diluída ou vender a sua parte no UOL. O que se busca, agora, é saber quanto valeu o Zip.net na negociação e de onde sairão os recursos para o aporte de US$ 100 milhões que a Folha fará no UOL. O Zip.net, que custou à Portugal Telecom US$ 360 milhões, valeu muito menos do que isso na transação com a Folha (fala-se em US$ 100 milhões). Acertadas as contas, a Abril terá condições de saber quanto vale a sua parte no Universo Online e decidir se fica, se diminui a sua presença ou se sai. Vale lembrar que um importante ativo do UOL (o conteúdo das revistas da Abril) está garantido contratualmente apenas até o final de 2002.33

Pelas contas que a Portugal Telecom havia feito para entrar no UOL, a parte da Abril valeria, naquele momento, cerca de 630 milhões de dólares. A crise foi intensa, mas durou pouco. Já no dia 23 de fevereiro, a Abril e a Folha acertaram que o empréstimo feito pela Portugal Telecom seria feito ao próprio UOL, sem beneficiar a Folha diretamente. O negócio total acabou sendo acertado em 397,5 milhões de 179

reais,34 mais um empréstimo de 100 milhões de dólares da Portugal Telecom, com a Abril permanecendo no UOL na mesma proporção mantida pela Folha: ambas tiveram suas participações reduzidas para 35,32% do UOL Inc., para que a PT Multimedia (subsidiária da Portugal Telecom) entrasse com 17,94%. Logo depois, ainda em fevereiro de 2001, a Abril vendeu 33% de sua empresa Idealyze para a Portugal Telecom, por 15 milhões de dólares. O ano de 2000 foi o primeiro ano em que o UOL começou a representar, para a Abril, um prejuízo maior do que o negócio de TV paga, àquela altura já sem o serviço via satélite. Os relatórios da Abril registram então mais de 110 milhões de reais em perdas do UOL — que naturalmente foram rateadas entre os diferentes sócios. Era algo para um grupo como a Abril, que já havia passado por uma experiência dura com a TV paga, começar a se preocupar. De fato, em 2001, depois de ter visto o UOL crescer, mas que agindo de forma independente do portal a Abril também poderia crescer em Internet, depois de se dar conta que seus conteúdos poderiam ser valiosos no desenvolvimento de novos negócios, o grupo da família Civita mudou de estratégia. Adotou uma postura mais objetiva e pautada sobretudo pelo aspecto financeiro, que era o que balizava fundamentalmente a ação da divisão Abril.com. Sobre esse momento, Victor Civita Neto, na entrevista a esse trabalho, ponderou:

"A Abril.com é uma divisão aqui dentro que dá suporte aos sites das revistas e ajuda a rentabilizar sites pequenos com ganhos de escala. Quando o site tem condições de se sustentar sozinho ele pode sair da Abril.com, como é o caso da Usina ou do site da Veja, que se reporta diretamente à Veja. Muitos de nossos sites têm resultados operacionais positivos, é claro. Mas ainda não encontramos a forma de ganhar dinheiro grande com eles. Muitos dos sites consomem muito e temos a intuição de que valem muito. Mas quanto? Como se mede? Por volume de pessoas que visitam, por receita, por repercussão, por importância... A diferença de desenvolver um projeto agora é que somos obrigados a ganhar dinheiro. Um bom projeto é aquele que dá dinheiro. Quando não precisava fazer esse planejamento era mais interessante, sem dúvida, mas agora a realidade é outra. Tudo mudou depois da Booz-Allen".

Civita se referia a um trabalho de reestruturação pelo qual o grupo passou ao longo de 2001, promovido pela empresa de consultoria Booz-Allen. Um trabalho que buscou

33 Ver PAY-TV News em www paytv com.br de 22 de fevereiro de 2001. 180

ajustar as áreas de atuação do grupo aos produtos desenvolvidos, tendo em vista, sobretudo, a saúde financeira da Abril — o endividamento da empresa, após as sucessivas desvalorizações cambiais de 1999 a 2001, saltou para 730 milhões de reais em 2001. Entre as mudanças estava o fim de iniciativas que não tivessem rentabilidade imediata. Victor Civita Neto deixou o grupo nesse processo de reestruturação. Em 2002, assumiria o comando a empresa, no lugar de Roberto Civita, justamente a pessoa responsável pelo estudo da Booz-Allen: Maurizio Mauro. Ainda em 2001, ao comentar como ficariam os negócios de Internet do grupo diante da reestruturação por que a Abril estava sendo submetida e, sobretudo, como o grupo pretendia começar a ganhar dinheiro com esse negócio, Roberto Civita declarou à revista PAY-TV:

"Certamente não é com um IPO [lançamento de ações]. Tem que ser da forma antiga: faturando mais do que se gasta. Essa é a grande descoberta da Internet de hoje, uma descoberta de 2 mil anos antes de Cristo. A Internet é um meio revolucionário. Eu diria que ela, acoplada a todas as outras coisas (porque ela não existe sozinha), à TV, às revistas, ao cinema, à telefonia, é algo absolutamente revolucionário, a transformação mais dramática desde a invenção do telefone. Isso muda o planeta. Mas onde está o negócio? Não sei Acho que as pessoas estão pensando excessivamente nisso. Ótimo, mas eu prefiro pensar sobre como a Internet vai mudar o planeta, mudar a vida das pessoas, alterar os desequilíbrios, interferir no futuro dos nossos filhos. Eu não penso primeiro em como é que eu ganho dinheiro no meu site. Isso é pensar pequeno e curto".

Essa postura aparentemente desprendida de Roberto Civita com relação à relevância das variáveis econômicas no processo de decisões estratégicas do grupo acabou não se realizando na prática. Talvez por uma questão conjuntural, como veremos. Naquela ocasião, contudo, Civita ainda disse:

"A sua preocupação é onde eu vou amimar o dinheiro? Não sei, mas eu vou arrumar. Até hoje eu sempre arrumei. Daqui a dez anos vocês me entrevistem e verão. Voltando à sua pergunta: como é que a Internet e o acesso geram negócios rentáveis? Não sei. Ninguém sabe, é tudo palpite. Tudo está apenas começando, existem muitas coisas que nem imaginamos que surgirão numa velocidade muito maior do que temos condições de assimilar e gerir. A velocidade com que estas coisas chegarão aqui é um mistério. O ponto é: como conseguiremos administrar o digital? Esta é a questão. Quem terá e quem não terá acesso a essas coisas? O que acontece com o Brasil caso se crie esse fosso entre os que têm e os que não têm acesso? É necessário ter um pouco mais de reflexão sobre estes

34 De acordo com o Balanço Anual de 2001 da Abril S. A 181

pontos e isso me parece ser hoje mais importante do que saber apenas onde se vai ganhar dinheiro ou não com Internet. E existem também implicações não-econômicas, implicações conceituais de nossos passos na Internet. O site de Veja está dando dinheiro? Não sei, provavelmente sim, mas ele é mais do que isso. Ele é uma extensão da revista absolutamente necessária. É inimaginável uma revista que viva, hoje, sem um site. E esse site não é mais a revista online, é complemento, é extensão, serviços. Nesse sentido, sim, muda o negócio. Isso tudo vai passar por algum sistema de transmissão e entrega. Cabo, wireless, satélite, celular. Sei lá. Por isso sou agnóstico com relação à plataforma". (Glasberg e Possebon, 2001)

O fato é que em 2001 as coisas não foram simples para a Abril. O número de páginas de publicidade, segundo dados da própria empresa, se retraiu em mais de 12%, sobretudo em publicações que tinham grande parte de seus anúncios ligados à empresa de telecomunicações e Internet. O Idealyze, mesmo depois da entrada da Portugal Telecom, não suportou a falta de receitas do mercado publicitário e sucumbiu no segundo semestre do ano, justificado por uma afirmação melancólica de Roberto Civita à Gazeta Mercantil: "Queríamos aproveitar a onda e ter portais. A onda passou e caímos na real".35 Além disso, a Abril vendeu sua gráfica à Quebecor, empresa canadense (a maior gráfica do mundo). Vale ressaltar, ainda na estratégia da Abril, que ela está cada vez menos preocupada com o fato de ser a provedora do acesso dos usuários à Internet e quer se caracterizar como uma empresa de conteúdo. Nitidamente, entre produção e distribuição, a prioridade ficou com a produção. Quando a Abril resolveu investir na produção de conteúdo de televisão para ajudar o seu negócio de TV por assinatura, os investimentos foram pesados e os prejuízos também, principalmente devido ao fato de o setor de TV paga ter crescido aquém do esperado. No caso da Internet, o custo de produção do conteúdo é muito mais barato porque boa parte está pronta, já que é desenvolvida anteriormente para a mídia impressa.

35 Ver Malta, Cynthia, “A Editora Abril prepara mudança de geração”. Gazeta Mercantil, 16 de outubro de 2001, C8. 182

7) UOL enfrenta a crise de 2001

O mercado de Internet, como pudemos observar no caso do UOL, sempre se baseou no mercado de publicidade, na comercialização de acesso, nas receitas com transações comerciais virtuais e na remuneração por tráfego telefônico. O UOL explorou, de alguma maneira, esses quatro campos, ainda que no último (remuneração de tráfego) tenha optado por não investir e contratar o serviço de uma segunda empresa (Embratel, que comprou a AcessoNet, sua unidade de acesso e infra-estrutura). A remuneração publicitária sempre foi uma forte promessa, ainda que não tenha se efetivado até o presente momento, como a principal fonte de renda do UOL. A aposta nesse segmento, que pode ser observada nas estratégias de negócios dos diferentes provedores de acesso, está fundamentada em projeções. Nesses casos, o mercado norte-americano é muitas vezes tido como referencial. Pelo menos era até 2001, quando mesmo por lá o que se viu foi uma retração brutal das expectativas de investimento publicitário na Internet. De qualquer maneira, um argumento que sempre é utilizado para defender os modelos de negócios na Internet fundamentados na receita proveniente de venda de publicidade é o de que se trata de um meio que, proporcionalmente, levou muito menos tempo que outros para alcançar o mesmo nível de interesse por parte dos anunciantes. O gráfico abaixo foi elaborado pelo Internet Advertising Bureau, dos EUA, em conjunto com a empresa Pricewaterhouse Coopers e se refere ao ano de 2001. Ele mostra como evoluíram as receitas publicitárias de dois segmentos de mídia — TV aberta e canais pagos — nos seus primeiros anos de existência., em confronto com os dados de crescimento do setor de Internet. É uma análise do caso americano, mas que serve para explicar a hipótese de que a Internet ainda teria, por esse critério, um futuro promissor como mídia. 183

EVOLUÇÃO DAS RECEITAS PUBLICITÁRIAS POR ANO DE EXISTÊNCIA DA MÍDIA - GRÁFICO 5 (US$ milhão)

Ano 1 Ano 2 Ano 3 Ano 4 Ano 5 Ano 6 Ano 7

Fonte: Internet Advertising Bureau - PricewaterhouseCoopers, 2001. Valores ajustados ao valor presente

Com menos de 10 anos de exploração da Internet como veículo comercial, é cedo para se dizer se o futuro da Internet é mais ou menos promissor do que o de outros meios de comunicação, do ponto de vista publicitário. O comparativo do Internet Advertising Bureau é interessante se considerarmos que, quando a TV surgiu, ela não competia com meios como os canais pagos ou mesmo como a Internet. Já esta última entra no mercado de publicidade disputando uma fatia de mercado menor, já que há todas as outras mídias tradicionais a serem vencidas. Isso, contudo, não isentou o segmento das turbulências que afetaram o mercado de publicidade em 2001 em todo o mundo, inclusive no Brasil, e que se abateu principalmente sobre áreas dependentes da publicidade voltada para um público consumidor de alta tecnologia — as empresas de Internet e as empresas de telecomunicações cortaram substancialmente suas verbas publicitárias. O fenômeno da retração do mercado de alta tecnologia afetou o mundo todo. Nos EUA, como mostra o gráfico do Internet Advertising Bureau abaixo, a partir de 2000 os gastos publicitários começam a apresentar variações no crescimento até então constante e que em 2001 caíram significativamente. São dados do mercado norte-americano e não refletem exatamente o que aconteceu no Brasil. Mas expressam um movimento global que, sem dúvida, afetou os resultados dos investimentos de Internet por aqui, fizeram com que a Abril "caísse na real", como disse Roberto Civita, e desistisse de alguns investimentos, 184 como o Idealyze, além de fazer com que o UOL recuasse significativamente em sua estratégia expansionista.

EVOLUÇÃO DOS GASTOS COM PUBLICIDADE em In t e r n e t a c a d a t r im e s t r e - g r á f ic o 6 (US$ milhões) 2400

1 9 5 3 ^ 98^ 1 8 9 3 1868i_ 2000 "V 1600 -

1200 - 934 7 656 683 X 800 336 351 423 . , , 214 227 ------30 62 76 110

0 & A* £ & & ^ ^ ^ ^ ^ ^ ^ -

Fonte: Internet Advertising Bureau - Pricewaterhouse Coopers, 2001

Alie-se esta queda na receita publicitária que, foi sentida inclusive no Brasil em 2001, a uma limitação de crédito, ao enfraquecimento da posição financeira dos acionistas (vimos o caso da Abril) e a um novo posicionamento estratégico e o que teremos é uma mudança completa no rumo que era imposto ao UOL até aquele ano. A empresa teve um grande crescimento no número de assinantes em 2001, com quase 440 mil novos clientes, e até um crescimento na receita publicitária na casa dos 8%, segundo os relatórios financeiros. Aparentemente, não foi o que se esperava para poder manter o curso do negócio. A operação na Argentina sofreu pesadamente com a desvalorização cambial naquele país, mesmo assim o UOL ampliou para 88% a sua presença na sociedade, aproveitando-se do bom preço pedido (valor não divulgado) pelo seu parceiro local Perfil Editorial, e da compra do portal local Sinectis. Mas as outras sociedades em países da América Latina começaram a ruir. Na Venezuela, o UOL entrou em litígio com o grupo El Universal para poder encerrar as atividades do portal local. O rompimento aconteceu também na Colômbia, com o grupo Valores Bavaria. Nas outras operações (EUA, Espanha, México e Chile) o UOL já vinha encerrando suas atividades desde 2000. 185

Também existe uma tentativa clara do UOL de reforçar a sua posição para o comércio eletrônico, com as parcerias com sites de leilão e lojas de um modo geral. No início de 2002 a estratégia era a mesma, mas acrescida do componente reality shows. A exemplo do que fazia o portal Globo.com com o programa “Big Brother Brasil”, a UOL Inc. também investiu em trazer para si a versão online do programa “Casa dos Artistas”, o que representou um crescimento significativo da audiência de seus portais UOL e BOL (ver anexo I). Os caminhos que se desenham daqui em diante ainda são nebulosos, mas é certo que o UOL, em pouco tempo, terá que passar por uma nova reestruturação financeira, dada a sua necessidade de recursos para cobrir os prejuízos constantes a cada trimestre (ver tabela a seguir). Como o grupo Abril parece ter se colocado em uma posição defensiva com relação a investimentos em qualquer coisa que não envolva papel daqui em diante, e dada a fragilidade do grupo Folha, também presente em apenas um segmento, é possível que o UOL tenha que recorrer a outro acionista ou aguardar uma oportunidade de recorrer ao mercado de capitais.

RESULTADOS OPERACIONAIS DO UOL INC POR TRIMESTRE - TABELA 18 (R$ milhões)

1999 1T00 2TOO 3T00 4T00 2000 1T01 2T01 3T01 4T01 2001 1T02 2T02 Receita bruta 218,3* 47,25 61,1 65,04 112,61 286 87,59 104,6 113,8 129,99 435,98 114,4 140,1 % Receita assinaturas 77,2 85 66,6 66,1 65 70,8 77 76,8 84,4 84,28 81,4 91,7 76 % Receita public. e comécio 22,8 15 33,3 33,9 35 29,2 23 23,2 15,6 13,4 18,6 8,3 24 Receita Ifquida 197,7* 43,2 55,5 56,7 57,8 213,2 78,2 89,7 96,3 97,7 361,9 98,1 116,6 Prejuizo líquido 212,8* 88 80,6 71,16 -53,2 110,7 25,7 80,9 22,5 118,1 247,2 69,4 50,4 Despesas marketing 31,6 . 146,7 . 83,5 „ N® assinantes 601 668,46 721,2 811,01 930 930 970 1100 1320 1370 1370 1450 1514 Prejuizo acumulado 87,4 . 199,5 447,1 516,57 354,04

Passivo total 193,3 ---- 297,3 .-.- 574,82 507,57 525,78 Fonte: Relatórios financeiros UOL Inc. 1999 a 2002 * - estimativa com base nos resultados dos últimos 150 dias do ano, que são os que foram registrados na CVM 186

Já a Abril teve, aparentemente, uma última investida fora do seu negócio principal (revistas). Foi a conversão de cerca de 360 milhões de reais que a TVA tinha em dívidas com o grupo em participação acionária. Com isso, o grupo Abril passou a ter mais de 80% de participação no negócio de TV paga, tal qual tinha antes de atrair seus sócios estrangeiros em 1995. Hoje, a Abril tem 82,4% da TVA, a Hearst e a Disney têm, somadas, 8,1%, a Falcon tem 5,7% e o banco JP Morgan — que comprou o Chase Manhattan — tem 3,8%. No segmento de Internet, fato marcante dentro da estratégia do grupo Abril foi a transferência, no final de 2001, de seu site Usina do Som para as instalações de infra- estrutura do portal @Jato, talvez o reflexo de um afastamento entre Folha e Abril ou uma indisposição de resolver uma situação de concorrência — o UOL tem a sua própria rádio na Internet, a rádio UOL, que compete com a Usina do Som. Em 2002, após a aprovação da emenda constitucional que permitiu aos grupos de comunicação uma reestruturação no sentido de ser controladas por empresas, a Abril anunciou, informalmente, que pretendia se reestruturar e ainda este ano buscar formas de capitalização que contemplassem as alternativas abertas com o novo arcabouço legal. Ainda não se viu nada nesse sentido, mas a empresa tem procurado separar suas unidades operacionais por blocos temáticos. Eventualmente, cada uma das unidades operacionais pode se tomar uma empresa separada. 187

Capítulo IV

A n á lise da s estratégias

pa r a In t e r n e t da G l o b o e A b r il

A observação dos grupos de mídia Globo e Abril nos dois capítulos anteriores nos revelou uma coleção de dados sobre o complexo processo de criação, evolução e, eventualmente, abandono das estratégias de negócios no que se refere às novas tecnologias de comunicação, destacadamente a Internet. Seria impossível restringir a observação feita sobre os dois grupos a questões pontuais, pois os fatos se inter-relacionam historicamente desde os primeiros momentos — por exemplo, quando a Globo decidiu sair do seu pequeno mundo de jornais e rádios no Rio de Janeiro para criar uma grande rede nacional de TV — e o processo de influências mútuas é extremamente complexo para que se possa fazer recortes mais limitados. Seria impossível tomar tal atitude tendo em vista o objetivo a que nos propomos, que é a compreensão de como as diferentes variáveis determinaram o processo de incorporação da Internet no conjunto de produtos dos grupos Globo e Abril. Ainda assim, muitos fatos relevantes precisaram ser deixados de lado por uma limitação de tempo, espaço e escopo. Conhecer a história desses grupos de comunicação é tarefa para uma vida de pesquisa. Demos, aqui, apenas um passo. Feita a análise histórica e conhecidos alguns fatos torna-se necessário, agora, discorrer um pouco sobre eles à luz do arcabouço teórico-conceitual trabalhado no Capítulo I. E nesse sentido, a primeira coisa a ser feita é compreender o significado de tudo por que passaram Globo e Abril nos anos 90 em relação à Internet e outras tecnologias de comunicação. 188

I) Uma questão de sobrevivência

Parece estar claro que, do Pato Donald e do acordo Time-Life até os dias de hoje, todos os fatos têm uma característica comum: estão relacionados, de uma forma ou de outra, à sobrevivência dos grupos. As estratégias adotadas, as ações empreendidas serviram tão-somente para garantir que Globo e Abril ganhassem espaço ou preservassem seus territórios, para que pudessem se perpetuar em um comportamento quase orgânico. Ora, vimos, no princípio do capítulo dedicado à nossa conceituação teórica dos elementos dessa análise, que sobrevivência é uma palavra-chave na definição do referencial político-econômico que adotamos. Na definição ampla de Vincent Mosco, como vimos, economia política é o "estudo dos mecanismos de controle e sobrevivência na vida social", entendendo-se "controle" como os fatores políticos que nos impõem as regras e "sobrevivência" como os mecanismos econômicos que nos geram aquilo que é necessário à vida.1 A questão que se coloca, então, no tocante à estratégia de Internet — e que deve ser colocada também para outras novas tecnologias que tenham sido ou venham a ser adotadas pelos grupos de comunicação — é: por que se aventurar em um campo desconhecido, muitas vezes colocando sua estabilidade financeira e sua posição política em risco? Não seria melhor manter-se em um mercado onde já há pleno domínio, em todos os sentidos? Afinal, tanto Globo quanto Abril, antes de se aventurarem em novos mercados, estavam bem estabelecidas em seus nichos. No caso da empresa dos Marinho, ela tinha o controle de mais de 50% da audiência em TV aberta e dominava 78% da verba publicitária de TV no Brasil, que não é pouca. Tinha a maior rede de televisão qualquer que fosse o ângulo observado. Paralelamente, os Civita tinham o mercado de revista nas mãos. A Editora Abril era — e continua sendo — líder em todos os nichos em que atua, tem mais de 60% da verba publicitária para este segmento e mais de 60% do mercado de venda em bancas e assinaturas. Por que razão, então, deixar essa situação de conforto? Seria uma atitude de sobrevivência partir rumo ao novo ou uma tentativa de suicídio?

1 Mosco, Vincent, The political economy o f Communications. London, Sage Publishing, 1998, p. 25. 189

A resposta a esses questionamentos está no conceito econômico de inovação. Os grupos de mídia estão inseridos em um contexto maior, um contexto de mercado, em que as variáveis econômicas imperam e determinam quaisquer atitudes. Retomemos Manuel Castells (1999, p. 217), para quem a inovação, a renovação, a mutabilidade schumpeteriana que tomam conta do "capitalismo informacional" representam a sua essência, assim como Max Weber entendeu que a busca do lucro estava (e ainda está) na essência do capitalismo do final do século XIX. Lembremo-nos do ciclo de Schumpeter: o empresário inova e ganha mercado; esse mercado passa a ser erodido por outros agentes que igualmente buscam inovar em seus produtos; o mercado volta a uma situação de equilíbrio. Globo e Abril inovaram em um determinado momento, conquistando sua fatia no mercado e roubando espaço de alguém que estava estabelecido. Os Diários Associados não chegaram ao fim por causa da Globo, mas sem dúvida perderam espaço para ela, assim como a Excelsior. A Abril também erodiu o espaço dos Bloch no segmento de revistas, tomou o lugar de Manchete e outros semanários que estavam no mercado. A TV Globo roubou audiência do rádio, a Veja tomou para si parte do prestígio de grandes jornais. Não analisamos a fundo nenhum desses casos de inovação citados, mas os utilizamos para lembrar que, se um dia Globo e Abril tomaram espaço de alguém, poderiam perder o seu espaço e também ter a sobrevivência ameaçada. No caso específico da Internet, os momentos em que as decisões estratégicas dos grupos foram tomadas prenunciavam o risco a que eles estavam sujeitos. Para a Globo, o projeto de Internet foi desenhado e redesenhado durante o processo de abertura do setor de telecomunicações no Brasil, a partir de 1995, época em que a entrada de grupos estrangeiros era estimulada pelo governo e em que a invasão desses agentes parecia inevitável. Sem contar o fato de que, mesmo dentro do Brasil, outros grupos galgavam espaço no novo mercado enquanto os Marinho observavam — apesar de terem feito uma novela sobre o tema, "Explode Coração", de 1995. O "entrar na Internet" era um imperativo. O problema do grupo Globo foi descobrir como: se apostando em sua infra- estrutura de TV por assinatura ou se fazendo como todo mundo fazia. Demorou, mas foi pelo caminho tradicional e, pode-se dizer, conseguiu resultados expressivos em pouco mais de dois anos de estrada, já que tem hoje o terceiro maior portal e conseguiu, logo no seu lançamento, em março de 2000, o negócio histórico de vender 30% de uma marca — 190

porque o Globo.com não era nada muito além de uma marca, embora com o peso da Globo —, por 810 milhões de dólares. A Abril partiu para o mercado de Internet em um momento diferente daquele vivido pela Globo, pois o fez logo em seu início de desenvolvimento. A pressão da concorrência por parte de grupos internacionais não era tão grande, uma vez que o setor de Internet tinha acabado de se abrir. Era uma época, no entanto, em que a Abril talvez estivesse justamente tentando reduzir a sua dependência de um segmento único, que era o de revistas. Já havia apostado na TV paga como forma de entrar no mercado de televisão, ao mesmo tempo em que desenvolvia a sua MTV, e estava colhendo bons resultados e boas parcerias naquele momento. Era líder com sua rede de TV paga e estava ajudando a instalar o conceito de programação segmentada no país, com seus investimentos em canais de filmes e esportes. Mais do que em qualquer outro caso, talvez valha para a Abril de 1995, que apostou na Internet, o papel de empresário inovador sugerido por Hercovici (1995, p. 220), o papel do personagem da cena econômica a quem cabe "realizar a transformação, impondo a 'criação' através de sua validação econômica no mercado, transformando-a, assim, em inovação".2 Não há dúvida de que a Abril agiu de maneira inovadora ao expandir para a Internet o seu espectro de atuação. Se foi ou não a decisão acertada, não cabe a este estudo responder. Em ambos os casos, tanto da Abril quanto da Globo, foi uma experiência de sobrevivência, que visou ganhar espaço, ou evitar perda de espaço. Olhando-se do ponto de vista da economia das redes, definida de acordo com Shapiro e Varian (a economia de ambientes em que a relação entre a criação de uma rede de consumidores, ou uma rede de usuários, ou uma rede de fornecedores, é determinante), as decisões de Globo e Abril de partirem para mercados que não eram os seus principais é também absolutamente justificável. Segundo os autores, "os líderes históricos em muitos mercados de informação correm hoje o risco de perderem suas posições de liderança à medida que surgem novas tecnologias que reduzem drasticamente o custo de criar ou distribuir a informação" (1999, p. 46). A rede de consumidores, usuários e fornecedores que se desenvolvia em torno da Internet indicava que ela seria grande e relevante. Não fazia sentido deixar esse espaço para outros, ainda mais em se tratando de um mercado que, em essência, é de comunicação.

2 Como dissemos no capítulo de conceituação, esta análise de Hercovici (1995, p. 220) caracteriza-se pelo momento em que o lucro do empresário em função de sua vantagem em termos de inovação deixou de existir. 191

A questão é se a Internet representava de fato, para a Abril e para a Globo, o risco de que terceiros tivessem custos de distribuição e produção menores que os seus. Potencialmente sim, mas muito mais no quesito distribuição do que no quesito produção, já que não existem custos adicionais relevantes à medida que se adicionam usuários na Internet. Avançar sobre esse espaço da Internet seria, então, uma forma de reduzir esse risco em potencial.

2) Custos e concorrência

Na questão dos custos de produção de informação, Globo e Abril viam-se em situação confortável. Eram — e ainda são —, independente de qualquer coisa, produtoras de tais insumos para outros meios. Pela lógica, bastava ter, também, o meio de distribuição que tivesse custos reduzidos (a Internet) para evitar a perda de mercado e, melhor ainda, dominá-lo. No entanto, cabem algumas ressalvas com base nos fatos observados. Em nenhum dos casos — nem nos portais da Abril nem da Globo — é possível afirmar que o custo de produção tenha sido menor por conta das supostas sinergias entre os diferentes meios e em função do reaproveitamento de conteúdos pré-existentes. O que sabemos é o que as empresas dizem, ou seja, que para elas o conteúdo é um só e vale para qualquer meio. Não parece ser bem assim, entretanto. Existem os custos de adaptação, pois bem ou mal foi necessário investir em produtos originais para que os portais se posicionassem adequadamente em um mercado cada vez mais competitivo e se diferenciassem em um cenário cada vez mais pasteurizado, já que as fórmulas entre todos eram praticamente as mesmas. Havia, enfim, déficits de exploração, para utilizar o conceito de Hercovici (1995, p. 116). Globo e Abril depararam-se com variáveis macroeconômicas (referentes à economia do país), tiveram que pagar caro para ter algumas "estrelas" em seus portais, tiveram que investir em melhorias de qualidade, gastar mais com marketing, enfim, enfrentaram todos os fatos geradores de déficit estudados na economia da cultura e da comunicação. 192

Mas talvez o maior problema para os dois gigantes de mídia, ao abrir frente de competição no mercado de Internet, tenha sido, dentro do conceito de "déficit de exploração", a complexificação da cadeia mediática, desde que a estratégia dos grupos para Internet vem em uma época em que a mesma estratégia era seguida também para a TV por assinatura por cabos e satélite, e também em outros investimentos no setor de telecomunicações. Segundo a conceituação de Hercovici, quanto mais são os meios em que um grupo atua, maiores os custos para gerir o funcionamento do processo de comunicação em todos eles. Considerando-se ainda que o mercado de Internet apresentava para os dois grupos — principalmente para Globo, que entrou depois — um excesso de concorrência, pode ter havido a necessidade de reduzir os valores cobrados nas diferentes fontes de receita para que tais valores se ajustassem aos de mercado. Isso fica explícito, por exemplo, no momento em que o portal UOL ponderou aos seus investidores que, entre os riscos para o ano 2000, o aumento da competição poderia causar diminuição nos valores a ser cobrados tanto de seus assinantes do serviço de acesso quanto pelas inserções publicitárias. Momento mais expressivo, entretanto, para analisar essa questão do estabelecimento de preços talvez seja o advento dos serviços de Internet gratuita. O portal UOL viu-se obrigado, para evitar perda de assinantes, a lançar o portal BOL, com a oferta de e-mail gratuito, e também o portal Net Gratuita, com acesso grátis. Se o custo de acesso pelo Universo Online não foi reduzido diretamente, acabou o sendo de maneira indireta, dada a oferta de serviços em que não havia nenhuma forma de receita, fosse pela cobrança de assinaturas, de acesso ou de conteúdo. A estratégia de ampliação de seus espectros de investimentos também levou os grupos de mídia a uma fragilização econômica acentuada, na segunda metade da década passada. Fica claro na observação dos índices de endividamento tanto do grupo Globo quanto Abril que, na medida em que abriam novas frentes, eram obrigados a comprometer mais e mais a sua saúde financeira. O fato de uma empresa ter dívidas não significa que ela esteja em apuros, basta que haja geração de receita para cobrir essas despesas. O problema é que o endividamento se deu quando não havia modelos claros que viabilizassem financeiramente os investimentos feitos. 193

No caso das despesas de TV paga, fatores de diferentes naturezas interferiram no processo de crescimento de um negócio já consolidado em outras partes do mundo: atraso em licitações públicas, sucessivas crises econômicas e problemas de gerenciamento. No caso dos investimentos em Internet, ainda é cedo para que se diga se determinado modelo é melhor do que outro, ou se tal modelo é rentável ou não.

3) Adaptações a um modelo econômico

Existe um modelo teórico, que discutimos no Capítulo I, e que apresenta as relações econômicas entre as diferentes empresas. Os casos observados de Globo e Abril têm estratégias econômicas que se enquadram dentro desse modelo proposto. No entanto, ainda não se verificou uma situação de equilíbrio, ou seja, uma situação em que o modelo se sustente sem a necessidade de investimentos externos. Nesse modelo de Internet que analisamos conceitualmente, percebemos as seguintes relações de troca: pagamento, do público para o provedor, pela conexão de acesso; pagamento, do público para o provedor, pela assinatura de determinado(s) conteúdo(s); pagamento, do público à empresa de telecomunicações, pelo uso de infra-estrutura; pagamento, do público para as lojas virtuais, por compras feitas pela Internet; comissão, paga pelas lojas aos portais, sobre as vendas feitas; pagamento , dos portais às empresas de telecomunicações, pela infra-estrutura; pagamento, do mercado publicitário aos portais, pelo espaço publicitário e pela audiência. Em troca desses pagamentos, os provedores de acesso e conteúdo oferecem seus serviços, os portais oferecem conteúdo e organizam os mecanismos de venda, as lojas virtuais entregam os produtos comprados, as empresas de telecomunicações provêem aos portais e provedores a infra-estrutura. Os agentes de financiamento investem em todos os pontos da cadeia econômica e recebem, por isso, uma remuneração (juros). Na teoria, os fluxos financeiros estão todos desenhados e são conhecidos. E o que se observou na prática é que os portais dos grupos Globo e Abril ajustaram, em maior ou menor escala, seus modelos de negócios de modo a ter receitas provenientes de todos os fluxos possíveis. 194

4) A estratégia econômica do Grupo Abril na Internet

No caso da Abril, a experiência nesse sentido foi mais completa, por contemplar todas as possibilidades. Seu portal UOL sempre teve como principal negócio o provimento de acesso, de onde vem a maior parte da receita (cerca de 70%), como vimos. Também tem, em sua estratégia, receita pela cobrança de conteúdo de algumas áreas específicas, comercializa espaço publicitário, tem receita com inúmeras lojas virtuais alojadas em seu portal, sendo algumas próprias, outras operando em regime de compartilhamento de receita e comissionamento. É interessante notar que o portal UOL, ao final das contas, acabou explorando exatamente as mesmas fontes de receita que tradicionalmente já serviam aos grupos Abril e Folha em seus negócios principais (revistas e jornais, respectivamente). Como o campo de atuação do UOL é a Internet, nem tudo poderia ser igual às mídias tradicionais, por isso cabe a ressalva à receita pelo comércio eletrônico. Existiria, ainda, a receita com a geração de tráfego de telecomunicações, mas esta foi transferida para a Embratel no momento em que a empresa controlada pelo UOL, AcessoNet, foi vendida, capitalizando o portal de uma única vez em 100 milhões de dólares. As fontes de financiamento externas também estiveram presentes na estratégia do UOL, como foi a capitalização feita em 1999 com a venda de parte do portal para Morgan Stanley. Ou seja, a estratégia da Abril, via UOL, contemplou todas as possibilidades de receita expostas em nosso modelo teórico. E o relacionamento com outros agentes do mercado, como fornecedores de conteúdo, também se concretizou como desenhada no modelo, já que boa parte do conteúdo UOL é comprada de terceiros. No caso da aventura "solo" da Abril — Usina do Som —, as fontes de receita são publicidade e comissionamento sobre a venda de discos. Se olharmos as estratégias da Abril do ponto de vista das tipologias econômicas de Bemard Miége, notaremos um fato interessante: O UOL, por exemplo, enquadra-se dentro do modelo editorial, ou seja, tem suas receitas baseadas em venda de assinaturas de algum gênero. Também enquadra-se no modelo da onda, ou seja, tem suas receitas provenientes de publicidade entregue em troca de um fluxo contínuo de informação a ser recebida por 195

um público. O curioso nesse caso, e que mereceria análise mais detalhada em estudos futuros, é que o modelo da onda de Miége, a Culture de flot, quando aplicado à realidade da Internet, não pode ser mais entendido como algo que necessariamente requer esse fluxo constante de informação. O hábito de audiência da Internet é diferente do hábito de uma rede de TV, por exemplo. Na TV, independentemente de quantos televisores estejam ligados, o anunciante pagará o mesmo preço. Naturalmente, esse preço sofrerá ajustes em função da audiência aferida ao longo do tempo pela emissora e do retomo esperado pelo anunciante, mas a definição de preço é sempre feita em função de uma audiência presumida, para só posteriormente ser ajustada diante de uma audiência aferida. O preço cobrado pela publicidade em TV, contudo, nunca é calculado sobre uma audiência de fato. Note-se que usamos aqui os três conceitos de audiência trabalhados por Philip Napoli e apresentados no nosso capítulo conceituai. No caso da Internet, a audiência aferida é, praticamente, igual à audiência de fato. As técnicas de medição de audiência permitem saber, com bastante precisão, quantos computadores diferentes viram a mesma página. Salvo os casos de computadores que são compartilhados por pessoas diferentes, é possível afirmar que a audiência aferida é a que realmente aconteceu. Isso cria uma nova forma de comercialização dos espaços publicitários e impõe uma revisão no modelo de onda proposto por Miége. Os portais de Internet ajustam suas estratégias publicitárias basicamente à audiência de fato. O preço estabelecido com base no "custo-por-mil" (CPM)3 toma-se preciso ao ponto de os portais poderem comercializar, por exemplo, um número garantido para o qual a tela com a publicidade será exibida. É o que se chama em Internet de número de page-views (páginas vistas). Apenas como analogia, é como se um anunciante de uma revista tivesse certeza de quantas vezes a página em que está seu anúncio foi folheada pelos consumidores que compraram aquela revista. Portanto, o modelo econômico não é mais aquele da onda de Miége, pois não há mais um fluxo constante e desconhecido de informação. Há um fluxo constante, mas

3 Custo-por-mil (CPM) é uma forma muito comum de comercialização de espaços publicitários em TVs e revistas, e baseia-se essencialmente na homogeneização de valores em um patamar único. Assim, o anunciante sabe quanto pagará por mil telespectadores ou por mil leitores. Entretanto, o número de 196

precisamente determinado em termos quantitativos. E à medida que os portais adicionam mais recursos para obter informações sobre seus usuários (formulários de cadastramento etc.), o fluxo passa a ser determinado qualitativamente também. É por essa razão que, para os portais, ter o máximo de clientes cadastrados em serviços de e-mail gratuito, em que se requeira uma ficha cadastral minimamente atualizada, passa a ser tão importante.

5) O modelo econômico da Globo na Internet

Já o grupo Globo, em sua estratégia para Internet, montou uma estrutura de modo a ter um número menor de fontes de financiamento, até porque algumas delas implicavam custos de entrada elevados e/ou conflitos estratégicos com outros veículos do grupo. O primeiro ponto a ser destacado é que não existe, até esta data, no portal Globo.com um percentual relevante da receita proveniente da venda de acesso nem da comercialização de conteúdo exclusivo. Isso não significa que o grupo tenha deixado de lado esta estratégia que, como vimos no caso do UOL, pode ser a responsável pela maior parte das receitas em um portal. Houve tentativas, em 2000, como descrevemos, de casar a venda de microcomputadores pessoais financiados pela Caixa Econômica Federal com a venda de serviço de acesso. Tais microcomputadores teriam acesso à Internet pelo provedor do Globo.com. O percentual de vendas sobre o estimado foi de menos de 5% — menos de 50 mil assinantes foram conseguidos, quando se esperava 1 milhão — de forma que é desprezível o significado desse conjunto de usuários do ponto de vista econômico e estratégico. Existe, sim, a comercialização do acesso via Globo.com para assinantes do serviço Vírtua, de acesso em alta velocidade pelas redes de TV a cabo e oferecido pela empresa de TV paga do grupo Globo, mas também aqui o número é muito baixo — 53 mil assinantes do serviço, mas o total de assinantes que contratam o serviço pelo GIobo.com é menor. As razões que levaram o Globo.com a não desenvolver uma estrutura de acesso são basicamente econômicas: o custo de implantação de uma estrutura como essa seria muito

telespectadores é sempre uma estimativa, assim como o de leitores, já que o número de pessoas que lêem uma mesma revista é variável e não pode ser calculado de forma precisa. 197 elevado, ainda mais considerando-se que a entrada do grupo no meio da briga entre os portais deu-se em um momento em que Terra, UOL, BOL e iG já disputavam o mercado de acesso, para citar apenas os maiores. Ou seja, a Globo tem seu portal na Internet mas, até este momento, desprezou a principal forma de gerar receitas existentes no negócio de Internet, que é a comercialização do acesso. Em relação à publicidade e ao comércio eletrônico, não se nota na análise da estratégia do portal Globo.com nada de diferente do padrão. O portal comercializa espaço de publicidade baseado também na relação audiência/custo-por-mil. O mesmo vale para a estratégia de comércio eletrônico, bastante presente no portal GIobo.com. No entanto, como os dados financeiros do Globo.com não são públicos como os do UOL — as informações disponíveis são apenas aquelas fornecidas pela Globopar —, não é possível saber quais são os resultados efetivos desta estratégia em termos financeiros. Naturalmente, sem ter uma estratégia de prover acesso a seus usuários, o GIobo.com não realizou nenhum tipo de negócio que buscasse obter receitas sobre o tráfego de telecomunicações gerado. Porém, o fato de ter um parceiro da área de telecomunicações como acionista (Telecom Itália) permite-nos supor que esse pode ser um caminho a ser trilhado pelo grupo no futuro. Do ponto de vista estratégico, contudo, a Telecom Itália é, hoje, uma empresa dedicada ao mercado de telefonia móvel no Brasil, de forma que o tráfego de Internet não gera para ela receitas imediatas. Coincidência ou não, o fato é que, exceto pelas receitas com comércio eletrônico, o Globo.com praticamente reproduz o modelo econômico da rede de TV aberta, ou seja, a venda de espaço publicitário, primordialmente. Não se pode dizer, contudo, que esse seja um padrão para a Globo em suas iniciativas em direção a novas tecnologias, já que o grupo tem investimentos no setor de TV por assinatura, que se caracteriza pela comercialização de um serviço. Mas o fato de o portal Globo.com ser ligado à superintendência comercial da TV Globo indica que existe uma estratégia conjunta, o que se evidencia, ainda mais quando olhamos para as últimas ações de cross-media, ou seja, a venda cruzada de espaços publicitários em TV aberta e na Internet, como foram os casos dos reality shows como “Big Brother Brasil” e outros, exibidos tanto pela TV Globo quanto pelo portal. 198

É uma estratégia condizente, também, com o conteúdo do portal Globo.com, bastante próximo do formato da TV Globo, com ênfase em entretenimento e notícias. Vale destacar que a partir do final de 2000, quando o Globo.com passou a seguir uma estratégia de conquista de audiência — e, de fato, como mostra o anexo I, a audiência cresceu — , o portal inspirou-se em diferentes formatos já consolidados na Internet e que mostraram-se efetivos na geração de tráfego e audiência: páginas de fotos com apelo erótico, páginas de bate-papo, site de fofoca e humor, serviços de e-mail entre outros. A Globo também tem dado, através do seu principal veículo de mídia, a TV Globo, ênfase na promoção de audiência de seu portal. Como já comentamos, praticamente todos os programas da TV remetem, seja nos créditos finais seja por incentivo dos apresentadores ou ainda por campanhas de interação — enquetes sobre que time vai ganhar determinado jogo, qual o final de determinado programa, qual a opinião sobre determinado assunto — aos sites dos respectivos programas, que ficam hospedados no portal Globo.com. A audiência conseguida na TV aberta é, então, multiplicada para o site, o que denota duas coisas: uma estratégia conjunta da área comercial da TV Globo, que deseja ter mais audiência nos sites; e uma provável visão estratégica, já voltada para possíveis aplicações interativas que possam surgir com o advento da TV digital ou mesmo com o avanço dos recursos técnicos da TV por assinatura — que ainda não permite, mas em breve permitirá essa interação direta entre o assinante e a programação, em duas vias.

6) Globo e Abril e a política (ou não-política) de Internet

A análise política que pode ser feita a respeito das estratégias de Internet de Globo e Abril é relevante, mas muitas vezes está baseada mais em intuições do que em fatos concretos, pois não é comum que se documentem ações de lobby e congêneres. Pudemos, contudo, ter a comprovação de alguns desses momentos, que serão aqui explorados. Não faremos, contudo, a análise editorial dos grupos, salvo em momentos específicos, pois consideramos que para isso teríamos que ter, desde o princípio, uma preocupação metodológica mais voltada para o estudo do jornalismo em si, o que é totalmente diferente da opção metodológica de análise empresarial aqui adotada. 199

No caso do grupo Abril, o aspecto político relevante a ser destacado não diz respeito a uma tentativa de manipulação ou não de determinadas ações governamentais, algo muito mais comum, pelo que pudemos perceber, na forma de ação do grupo Globo. A Abril relacionou-se com o poder público de outras maneiras. Primeiro, aproveitando-se da abertura na regulamentação do mercado de Internet em 1995 para tomar a dianteira da exploração desse segmento. Não foi possível constatar nenhum tipo de pressão para que essa abertura acontecesse, a não ser algumas matérias destacando a "grande revolução" da Internet, editadas em 1995 por duas de suas publicações principais ( Veja e Exame), o que está de acordo com a linha editorial de outras publicações na mesma época. Outro fator político determinante para a sorte da Abril no negócio de Internet, além da desregulamentação do setor em 1995, foi a demora no processo de regulamentação da Internet por redes de TV paga, o que certamente teria influenciado a estratégia da Globo e provavelmente teria repercussões sobre o desempenho do UOL. No entanto, vale destacar que a Abril sempre teve uma relação complicada com as esferas políticas, desde o momento em que tentou, e não conseguiu, montar a sua rede de televisão nos anos 1970. O grupo também se destaca, muitas vezes, por uma atuação política destoante dos demais grupos de mídia. Um bom exemplo disso pode ser encontrado em junho de 2001, durante a consulta pública n2 291/2001 da Anatel sobre a utilização da tecnologia de TV digital. A Abril, na contramão do que indicavam os demais grupos de mídia que também contribuíram com sugestões para o mesmo processo (na maior parte radiodifusores), pedia à Anatel que buscasse uma regulamentação integrada para TV digital, e preocupada com a consolidação de um marco regulatório único para as comunicações e telecomunicações, defendia o papel da agência reguladora independente nesse processo.4 Não é o que queriam os radiodifusores, a Globo, inclusive, que se posicionaram nessa e em outras ocasiões no sentido de manter afastada a radiodifusão das telecomunicações e do campo de ação da agência reguladora. Essa postura "do contra" da Abril talvez seja, até, um mecanismo de defesa de seu espaço, mas aqui estamos apenas especulando.

4 Ver documento Relatório da Consulta Pública n° 291 -2001, "Utilização da tecnologia digital na transmissão terrestre de televisão", disponível em www.anatel.gov.br 200

Durante o processo de discussão da alteração constitucional que permitiria a abertura do setor de comunicação ao capital estrangeiro, em 2001, Roberto Civita esteve envolvido no empenho de convencer os parlamentares, conforme suas palavras:

Eu estive em Brasília diversas vezes colocando isso para deputados e senadores e sempre digo que não vejo isso como uma questão de capital estrangeiro, e sim como uma questão de acesso a capital. Eu não posso abrir meu capital hoje, no Brasil ou lá fora, nem que eu queira. A Constituição não me permite. Ou melhor, posso, mas só para pessoas físicas brasileiras. Assim, quanto dinheiro eu vou conseguir na bolsa? Uns 277 reais, o que não ajuda muito. O que eu preciso é abrir o capital. Não preciso de um sócio; preciso lançar as minhas ações."5

Cabe destacar ainda a relação econômica entre o grupo Abril e o governo nos primeiros anos dessa década em relação às editoras Ática e Scipione que, como vimos, têm um peso importante dentro da estrutura econômica do grupo e também contam, no conjunto de suas receitas, com cerca de 50% provenientes de recursos públicos para a compra de livros didáticos. Ressaltamos aqui a importância da relação econômica, não inferindo, contudo, que daí haja algum tipo de relação de promiscuidade entre as partes. Trata-se apenas de um elemento relevante, porque a investida do grupo Abril nesse filão se dá justamente na época em que se via em meio a uma complicada situação financeira, sobretudo em função de investimentos em novas tecnologias. Já a análise da atuação do grupo Globo na questão da Internet é bastante mais rica sob o ponto de vista de conceitos e variáveis políticas. Podemos retomar ao ano de 1988, quando se travou o debate sobre a redação da atual Carta Constitucional. Na ocasião, o relatório final da Subcomissão da Ciência e Tecnologia e da Comunicação, sob a relatoria da deputada Cristina Tavares, que daria origem ao que é hoje o capítulo da Comunicação Social, trazia uma importante inovação regulatória com respeito a quais deveriam ser as políticas democráticas de comunicação:6 Dizia o relatório:

3 Ver Glasberg, Rubens e Possebon, Samuel, “Precisamos estar em multisserviços”. PAY-TV, n® 80, março de 2001 . 6 Ver Tavares, Cristina, Relatório e Anteprojeto do capítulo da Comunicação Social, Subcomissão de Ciência e Tecnologia e da Comunicação, 1988, p. 3 201

o vídeo-texto, a tevê-por-cabo, o vídeo-cassete e outras modernas tecnologias eletrônicas digitais de comunicação apontaram para a possibilidade de o acesso aos meios ser facilitado e barateado, logo, democratizado. Entretanto, tais tecnologias tanto servem à comunicação ampla quanto restrita, tanto atendem à comunicação social quanto a outras necessidades de comunicação próprias de uma sociedade moderna e informatizada. Por isso, são alvos também do interesse de instituições e empresas que, por sua própria natureza, poderiam tratar a comunicação social conforme outros critérios que não os de estrito serviço público.

O relatório da subcomissão, que não foi aprovado pela Assembléia Nacional Constituinte — foi o único relatório apresentado para a formação da Constituição Federal que não se viu aprovado da forma como foi discutido pelos parlamentares) prenunciava já uma liberalização regulatória com relação à questão das novas tecnologias. Mas o espírito manifestado pela relatora não se concretizou na redação final da Constituição de 1988, que tratou apenas dos meios impressos (jornais e revistas) e da radiodifusão (TV e rádio). Equivocam-se, portanto, as análises correntes de que a redação constitucional de 1988 foi a possível dentro do espectro de tecnologias da época, como propõe o estudo de Luís Roberto Barroso encomendado pela TV Globo e a que esta pesquisa teve acesso, e outras tantas interpretações do gênero. Se a concepção de novas tecnologias digitais estava no relatório que precedeu a redação constitucional de 1988, mas o texto final não faz referência ao tema, é lógico supor que no meio do caminho agiu-se para que tais termos não constassem na Constituição. Segundo Marcus Augustus Martins(1999)7, a tramitação do relatório de Cristina Tavares e do anteprojeto ao artigo constitucional proposto pela redatora complicou-se devido às diferentes posições que existiam em relação à manutenção ou não do status quo das comunicações no Brasil, sobretudo no tocante à radiodifusão. A atuação da Globo durante o processo de elaboração da Constituição não pôde ser verificada nesta pesquisa (nem era o nosso objetivo), mas pode-se notar, comparando-se as contribuições feitas ao relatório final de Cristina Tavares e a redação que efetivamente foi dada ao capítulo da Comunicação Social, que as sugestões da A b e r t (Associação Brasileira de Rádio e TV), na ocasião, foram incorporadas praticamente na íntegra. Presidia a A b e r t ,

7 Ver Martins, Marcus Augusto, “O Brasil e a globalização das comunicações na década de 90”. Dissertação de mestrado, Instituto de Ciências Políticas e Relações Internacionais, Universidade de Brasília, 1999. 202

na ocasião, Fernando Ernesto Correa, dirigente da RBS, afiliada da Globo no . Já na década de 1990, durante a revisão constitucional que quebrou o monopólio

estatal sobre o setor de telefonia, mais uma vez a Abert, sempre sob forte influência da Globo, atuou para garantir à radiodifusão um tratamento diferenciado, protegendo-se de eventuais concorrentes e recebendo, por parte da Constituição, tratamento jurídico separado, não sendo mais confundida com parte das telecomunicações. Os fatos mais marcantes, contudo, no que se refere a ingerências da Globo sobre o processo de regulamentação e estabelecimento de políticas do setor de comunicação, sobretudo no tocante à Internet, aconteceram entre os anos de 1998 e 2001. Nesse período, a Globo Cabo participou ativamente do processo de discussão e formatação de uma regulamentação que permitisse às empresas de TV paga entrarem no segmento de Internet. A forma final do texto publicado pela agência reguladora não preservava ao grupo Globo a exclusividade de exploração de suas redes e do cabo para Internet, como era a intenção original do grupo, de acordo com diversas manifestações públicas na época. Pelo contrário,

a regulamentação da Anatel previu a abertura das redes de TV paga a provedores independentes, ainda que sob a coordenação do proprietário da rede. Pode-se dizer que, nesse caso, a Globo não alcançou seus objetivos, pois a regulamentação, além de demorar muito além daquilo que era planejado pelo grupo, saiu de forma diferente daquela manifestadamente desejada pelas empresas da família Marinho. O atraso na regulamentação custou à Globo boa parte das dificuldades de implantação de uma rede de Internet em alta velocidade. Definitiva, contudo, foi a atuação da Globo no processo de alteração constitucional iniciado em 2000 e concluído em 2002 acerca da participação de grupos estrangeiros e pessoas jurídicas no setor de comunicação. Como vimos, por articulação da Globo, a redação constitucional fechada em 2002 acabou criando, dependendo da interpretação que se dê, um impedimento a que empresas controladoras de portais de Internet atuantes no Brasil « » ... ; g , tenham pessoas de nacionalidade estrangeira ingerindo sobre o conteúdo. . Diz a

Constituição: "§ 2- A responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da

8 E nesse aspecto se cria um paradoxo, já que, até pela concepção de rede global da Internet, qualquer portal do mundo atua no Brasil, ainda que esteja alojado em um computador em outro país. 203

programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de dez anos, em

qualquer meio de comunicação social". (Art.222) E como a própria Constituição define indiretamente Comunicação Social, como "a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo" (Art.220), entende-se que a Internet seja afetada por essa determinação. A Constituição diz ainda:

§ 32 Os meios de comunicação social eletrônica, independentemente da tecnologia utilizada para a prestação do serviço, deverão observar os princípios enunciados no art. 221, na forma de lei específica, que também garantirá a prioridade de profissionais brasileiros na execução de produções nacionais". (Art. 222)

Ainda tomando o referencial político de análise, notamos um elemento extremamente relevante e que deve ser levado em consideração. Os grupos de mídia, diante de novas tecnologias de comunicação, conforme expusemos no Capítulo I, com base nas pesquisas de Robert G. Picard e Philip Napoli, deparam-se também com a questão da fragmentação da audiência. Essa fragmentação da audiência tem duas implicações: a primeira, como nos colocou Picard (1999, p.13), pode acarretar a perda da audiência das mídias tradicionais e, portanto, a perda de receita publicitária e venda de assinaturas. Como vimos, a Internet rouba audiência de mídias tradicionais. A segunda implicação vai além do aspecto econômico e chega ao aspecto político. Audiência significa, também, repercussão, significa poder político. No momento em que novas tecnologias surgem, a audiência — e, portanto, o poder de repercussão — de outras mídias fica sob ameaça, como mostra este gráfico apresentado pelo UOL a seus possíveis anunciantes: 204

P ercentual de usuários que usam menos a MÍDIA TRADICIONAL POR CAUSA DA INTERNET - GRÁFICO 7

Esse fenômeno pode ser compensado por outro que é cada vez mais observado, a transferência das arenas de discussão política de uma mídia para outras. É cada vez mais comum que se vejam debates políticos, por exemplo, sendo iniciados e encerrados no âmbito das agências de notícia e dos portais de Internet, em intervalos reduzidos de tempo. A notícia nasce, se desenvolve e morre antes mesmo que se complete o ciclo de produção de um jornal impresso ou de um telejomal, tipicamente de 24 horas. É um processo de transferência de influência política que oferece, no nosso entender, um vasto campo de análise para o futuro.

7) A criação e a destruição das barreiras de entrada

Como vimos durante a discussão teórica, o universo de estudos econômicos com respeito à questão de barreiras de entrada é muito amplo. Para o estudo de comunicação, assim como de qualquer setor da economia, este conceito é fundamental e apresenta grande 205

riqueza de elementos para análise. Vamos destacar aqui apenas alguns aspectos, já que nosso objetivo não é promover uma análise exaustiva sob esse ponto de vista, mas apenas indicar a possibilidade desse referencial. O primeiro tipo de barreira de entrada que podemos observar diz respeito às barreiras legais. No caso específico do negócio de Internet, essas barreiras são ainda muito tênues (podendo se tomar mais duras em função da regulamentação da nova redação constitucional aprovada em 2002). Tanto é que o grupo Abril aproveitou o ambiente desregulamentado para a Internet, que se instaurou a partir de 1995, e posicionou-se sem maiores dificuldades no mercado de Internet. Já para a estratégia da Globo, que passava pelo aproveitamento de sua infra- estrutura de TV paga, a regulamentação funcionou como barreira. Nesse aspecto específico (Internet por redes de cabo) havia a diretriz governamental de estabelecer normas para a exploração, normas essas que demoraram a ser estabelecidas causando a postergação da entrada da Globo no negócio de Internet. Outros grupos, inclusive estrangeiros, que optaram pelo caminho tradicional — e desregulamentado — não enfrentaram as barreiras legais que a Globo enfrentou. Como vimos, contudo, não é que a Globo estivesse impedida de disputar o mercado de Internet. Apenas o caminho pelo qual ela havia optado para entrar nesse segmento era um caminho ainda cheio de obstáculos regulatórios que demoraram a ser solucionados. Do ponto de vista das barreiras relativas aos custos fixos, pode-se dizer que tanto Abril quanto Globo tiveram vantagens e desvantagens. Por exemplo, tiveram grandes vantagens do ponto de vista das despesas com publicidade e marketing ao colocar em prática suas estratégias para Internet. A Abril contribuiu, a exemplo da Folha, sua sócia no UOL, com 30 milhões de dólares em páginas de publicidade nas suas publicações, que poderiam ser utilizadas pelo portal a qualquer momento. Essa quantia seria, naturalmente, um limitador a qualquer outro grupo que estivesse atuando como concorrente do UOL. Também podemos dizer que a Abril venceu facilmente a barreira de entrada do conteúdo, pois já podia contar com seu acervo, sua linha regular de produção de informação e com o acervo da Folha. Para grupos concorrentes, como o portal iG, esse fator sem dúvida constituiu-se uma barreira, pois nos casos em que não foi possível produzir conteúdo 206

próprio houve a necessidade de contratação de recursos de terceiros, o que coloca um limitador de custo. Para o mercado de Internet, o grupo Abril não enfrentou barreiras absolutas, ou seja, não estavam instalados em 1996 — momento em que entrou no mercado — monopólios ou oligopólios. Já a Globo enfrentou um mercado não-oligopolizado, mas com um número considerável de competidores expressivamente fortes. Na questão das barreiras de custos irrecuperáveis, para o caso da Abril, a dificuldade foi vencida com o compartilhamento de estrutura com o provedor da Folha. Os investimentos em equipamentos e infra-estrutura foram, então, compartilhados. Não se trata, contudo, no caso da Internet, de uma barreira que tenha se colocado de forma intransponível para grupos de comunicação do porte de Globo e Abril. Com relação a eventuais barreiras de reputação e qualidade, a Abril colheu os frutos do pioneirismo, ou seja, pôde impor o padrão e, portanto, estabelecer barreiras aos seus concorrentes, a exemplo do que fez a Globo com televisão nas décadas de 70 e 80. Já a Globo, ao lançar o Globo.com, viu-se diante de padrões tecno-estéticos já estabelecidos e que constituíam barreiras de entrada. Foi obrigada, então, a copiar os formatos existentes para assegurar uma posição de competitividade diante dos outros grupos. Em relação a barreiras de custo de capital, pode-se dizer que qualquer empresa brasileira que tenha precisado de financiamento externo durante os anos de 1997 a 2002 pagou caro por isso, em função da deterioração da avaliação externa após sucessivas crises (asiática, russa, desvalorização do real de 1999, crise argentina, desvalorização do real de 2001...) e precificação (em forma de juros sensivelmente mais altos) do chamado "risco Brasil". Ou seja, ficou caro, por uma conjuntura macroeconômica, conseguir financiamento para os investimentos em quaisquer atividades, ainda mais, após 2000 (com o estouro da "bolha da Internet"), para investimentos em tecnologias. Adicione-se a isso o fato de que grupos como Globo e Abril enfrentavam o mesmo tipo de problema em outras frentes de investimento, como vimos (TV por assinatura, telecomunicações etc), o que constituiu fator determinante para a deterioração da situação financeira das empresas, que pagaram pelo "risco Brasil" várias vezes ao mesmo tempo. No caso dos investimentos em Internet, essa dificuldade só foi superada por conta de benefícios que Globo e Abril conseguiram tirar da fase áurea da "bolha da Internet", vendendo parte de seus ativos a preços muito elevados 207

(negociação da Telecom Itália por 810 milhões de dólares, no caso da Globo, e negociação da Portugal Telecom, por quase 400 milhões de reais, no caso da Abril/UOL). Com relação a barreiras de preços predatórios e competição, a Abril enfrentou, mais uma vez pelo pioneirismo na exploração do mercado de Internet, uma situação mais confortável, podendo estabelecer o padrão num primeiro momento. Já a Globo precisou vencer, na sua entrada no setor de Internet, não só um mercado estabelecido como situações de profundo desequilíbrio competitivo, como os provedores de acesso gratuito à Internet, além das estratégias agressivas resultantes do excesso de recursos financeiros dedicados pelas empresas naquele momento — ano 2000 — ao segmento de Internet. Estas foram algumas considerações que pudemos destacar sob uma ótica analítica centrada na questão das barreiras de entrada, mas inúmeras outras poderiam também ter sido apresentadas. Barreiras de entrada de natureza cultural, institucional etc. atuaram também, em maior ou menor escala, nos processos de desenvolvimento dos produtos de Internet de Globo e Abril. Trata-se, contudo, de um campo gigantesco de análise e não é nosso objetivo aprofundar essa discussão.

8) Resultados comuns

Nesta análise final, nos cabe ainda cruzar os resultados obtidos com outras pesquisas congêneres para que possamos ter, pelo menos, um indício de que o nosso viés de análise proposto conduz à identificação das mesmas variáveis em outros trabalhos. Nesse sentido, a pesquisa da professora Elizabeth Nicolau Saad Correa, da Universidade de São Paulo, apresentou-nos alguns elementos interessantes que merecem ser aqui destacados. Ela identifica em seu trabalho As estratégias da desconstrução... (2001, p. 317) que o tempo de maturidade para planejar e inovar varia entre os grupos de mídia por ela pesquisados — inclusive Globo e Abril. "Com a Internet inaugura-se o tempo de inovações tecnológicas com ciclos de vida muito rápidos". De fato, como notamos no nosso levantamento, as mudanças por que passaram não só as estratégias, mas também os próprios grupos de mídia no período mais recente do final dos anos 90, foram extremamente velozes e suscetíveis a oscilações de mercado, a instabilidades dos próprios 208

grupos e as mudanças tecnológicas. Só para exemplificar, vimos que entre 1999 e 2000 Globo e Abril viveram momentos de euforia em todos os seus negócios e, a partir de 2001, mergulharam em um dos mais negros e turbulentos períodos de crise de suas histórias recentes. De acordo com as observações de Corrêa, a questão da credibilidade de suas marcas e veículos também atuou como determinante para os grupos de mídia nos momentos de tomar decisões estratégicas com relação ao negócio de Internet. No entanto, como observamos, as estratégias de Globo e Abril foram bastante diferentes nesse sentido. No caso da Globo, é evidente que houve a preocupação de transferir para a Internet o "padrão Globo" já tão difundido na TV aberta. Os mesmos artistas, o mesmo modelo econômico, eventualmente até a mesma tipologia gráfica para os textos, as mesmas marcas (Casseta & Planeta, GloboNews, Xuxa e tantos outros subportais que podem ser encontrados). No caso da Abril, contudo, não se buscou a manutenção da credibilidade da marca, ou das marcas Veja, Exame etc. na estratégia do grupo. Esses produtos, e a respectiva credibilidade de cada um, entraram apenas como insumos para um projeto maior, o UOL, que ganhou vida própria e sua própria respeitabilidade. Elizabeth Corrêa coloca-nos, ainda, algumas percepções de sua pesquisa acerca da busca de identidade dos grupos de mídia em suas estratégias de Internet: o negócio web para empresas informativas necessita de aporte contínuo de receitas, a exemplo das mídias tradicionais; o poder de escolha do intemauta na web é muito maior que o de leitores e telespectadores das mídias tradicionais (2001, p. 325). Sobre essas observações, pudemos constatar por nossa pesquisa que, de fato, as necessidades de capital para o negócio de Internet permanecem altas, assim como em outras mídias: contratação de pessoal, contratação de conteúdo de terceiros, investimentos em publicidade, manutenção de infra-estruturas técnicas e administrativas... O problema é que, para os dois maiores grupos de mídia nacionais, essas necessidades de capital coincidiram com necessidades semelhantes em outros negócios, como TV paga e telecomunicações. Além disso, os negócios de Internet são, como observamos, bastante representativos com relação às perdas que incorporam aos seus grupos controladores. Como vimos, o Globo.com teve, no exercício de 2001, uma necessidade de investimentos e um prejuízo 209

significativamente maiores do que a Globosat, por exemplo. No caso do grupo Abril, desde 2000 o UOL representa o maior prejuízo registrado nos balanços consolidados do grupo. Detectar a origem desse problema, contudo, se é uma distorção do modelo de negócios ou apenas o tempo de maturação, não é a tarefa a que nos propomos nesse estudo. Sobre a segunda colocação de Corrêa, com respeito ao poder de escolha maior do intemauta, temos algumas indicações fundamentadas apenas na intuição de que de fato isso acontece, até pela natureza mais interativa da mídia. Não tivemos, entretanto, nenhum elemento que comprovasse essa suposição e acreditamos que tal comportamento só poderia ser verificado por meio de pesquisas quantitativas direcionadas à medição desse comportamento. O que podemos dizer a esse respeito é que o mercado de Internet, pelo menos no momento em que se apresenta hoje, é extremamente competitivo. Ainda que o portal UOL tenha a liderança do mercado em termos de audiência desde o seu surgimento, em 1996, as posições seguintes na escala variaram com bastante freqüência, o que indica um comportamento mais desprendido do usuário, menos vinculado a hábitos de consumo, como o da televisão, por exemplo, em que a TV Globo mantém sua audiência por seus méritos mas também por inércia — um mesmo jogo de futebol tem audiências muito maiores na Globo do que em outras redes, o horário eleitoral tem mais audiência na Globo do que em outras redes e mais uma série de indícios dessa suposta inércia. Daniella Aragão, em seu Novas mídias: a sindrome do círculo vicioso (2001), coloca-nos que, na estratégia da revista Veja na Internet, o que se viu foi a repetição de fórmulas da revista impressa com relação ao formato e tipo de matérias. O que percebemos, em nossa pesquisa, é que essa tendência é parte da estratégia dos grupos, que incorporam não apenas questões de formato e linguagem de seus conteúdos — o mesmo texto para a Internet entra no jornal impresso, por exemplo — com também em suas políticas de comercialização — o Globo.com tem só a venda de publicidade como fonte de receitas. O que percebemos na análise dos grupos de comunicação Globo e Abril, portanto, é que seus movimentos para a incorporação da tecnologia Internet em suas estratégias de negócios e em seus modelos econômicos não foi isolada de um contexto mais amplo. Variáveis de natureza econômica foram determinantes nesse processo. Os ônus e bônus decorrentes da adoção de uma estratégia de inovação ficaram evidentes nos dois casos. Globo e Abril ganharam espaço na TV por assinatura, mas perderam seus respectivos 210

equilíbrios financeiros. Na Internet, a Abril ganhou a liderança com o portal UOL, mas viu- se impedida de viabilizar uma estratégia que não tivesse a necessidade de seu sócio Folha. As razões foram de natureza econômica, mas também, sem dúvida, de natureza gerencial. Assim como no caso da Globo, em que a estratégia de partir para o mercado de telecomunicações foi tomada, principalmente, por uma posição pessoal de um de seus sócios e herdeiro, Roberto Irineu Marinho, que viu ali a chance de se tomar um homem das telecomunicações.9 Variáveis de natureza política também foram determinantes no processo. Como vimos, a regulamentação ou a desregulamentação do setor de Internet sempre determinaram as estratégias dos grupos Globo e Abril. Por outro lado, a ameaça de ver seus espaços dominados por terceiros — sobretudo por empresas de telecomunicações —- fez com que os grupos buscassem formas de resguardar território, como foi a ação de pressão na elaboração da forma atual do capítulo da Comunicação Social na Constituição brasileira. Talvez até como uma lição de erros passados, como foi o caso da TV paga, tanto Globo quanto Abril buscaram integrar bem suas estratégias de Internet às mídias e aos produtos existentes e consolidados. No caso do grupo Globo, as estratégias de cross-media, as promoções cruzadas, o intenso trabalho de divulgação do portal Globo.com durante as transmissões da TV Globo evidencia essa sinergia. No caso do grupo Abril, os acordos de troca e compartilhamento de conteúdo entre os diferentes veículos, a estratégia de troca de espaços publicitários nas diferentes mídias são todas decisões que evidenciam uma preocupação de integração de produtos e estratégias, até como forma de obter ganhos de escala e transferir à Internet as vantagens já adquiridas na disputa de mercado por que passaram as outras mídias. A Internet, para Globo e Abril, significa, hoje, prejuízo e despesas, assim como significaram os investimentos em outras tecnologias e inovações do passado. Essa situação, como vimos, foi ainda mais agravada pela conjuntura econômica e pelo momento em que

9 Segundo Mario Sergio Conti (1999, p. 120), Roberto Irineu é, dos três filhos vivos de Roberto Marinho, aquele com visão ampla. Ainda segundo Conti, ele "vibra" com novas tecnologias. "Falava de televisão a cabo, telefonia móvel, transmissão de dados via satélite, anos antes de serem lançados comercialmente. Falava e agia: teve um papel preponderante no ajuste da Globo aos meios de comunicação digitais". Numa empresa com uma estrutura de administração familiar, esse tipo de personalidade reflete-se na estratégia da empresa. 211

os investimentos foram feitos, simultaneamente em diversas frentes, todas elas novas e incertas. Quais as conseqüências dessas estratégias para o futuro dos grupos ainda é algo que não se pode prever. O fato é que, hoje, os dois maiores grupos de mídia do país ocupam a primeira e a terceira posição no mercado de Internet, se olharmos sob o aspecto da "popularidade", da audiência, que é o que no fundo interessa a um grupo de comunicação. Isso apesar dos fortes movimentos das empresas de telecomunicações no mesmo mercado. Não é possível dizer quem venceu a briga nem quem suportará o peso dos investimentos feitos por mais tempo. Mas o fato é que, por caminhos diferentes, Abril e Globo mantiveram-se na briga. Só que, agora, são meros competidores em um mercado extremamente aberto, que é o de Internet. Não há, aqui, situações de oligopólio como viviam, respectivamente, nos mercados de revista e TV. O mercado de comunicações no tocante à Internet é, para elas, um cenário novo e desafiador. 212

C o n c l u s ã o

Começamos este trabalho tentando entender em que medida os processos de evolução tecnológica interfeririam nos negócios dos grupos de comunicação. Partindo da constatação de que a Internet, sendo o novo paradigma que é, mudava a vida das pessoas de maneira significativa, tínhamos como certo que ela também interferiria de uma maneira decisiva no futuro dos grupos de comunicação. Afinal, como poderiam eles resistir a algo tão forte? Tínhamos alguma noção de que o processo de determinação da tecnologia sobre as estratégias de negócios dos grupos de comunicação talvez não fosse tão unidirecional, mas não tínhamos idéia do que iríamos encontrar na análise dos dados e dos conceitos pesquisados. Buscamos nosso instrumental teórico nos mais diversos campos: da economia às metáforas de McLuhan, passando por estudos de relação entre mídia e poder, pela idéia de inovação schumpeteriana, de economia das redes ou a midiamorfose de Roger Fidler. Afinal, era preciso ter certeza, quaisquer que fossem os elementos coletados na análise dos dados, de que teríamos condições de avaliar se havia ou não, ali, algo que ajudasse a explicar como se dá essa relação entre um grupo de mídia e uma nova tecnologia. Na análise dos dados, contudo, observamos o que talvez seja o elemento mais relevante desta pesquisa: a teia de variáveis que se relacionam no processo de incorporação de uma nova tecnologia por um grupo de comunicação está muito além de qualquer simplificação que possamos fazer. Variáveis essas que têm natureza política, econômica, estratégica ou que muitas vezes estão relacionadas apenas com o jeito de ser de um personagem que precisa tomar uma decisão em um determinado momento. O tempo mostra-se uma variável extremamente relevante, na medida em que, no nosso mundo tecnológico, os cenários mudam da noite para o dia. Os erros anteriores pesam nas decisões, assim como as necessidades mercadológicas, o saber fazer. Tudo está relacionado. Não é possível dizer que a Internet mudou a Globo ou a Abril. É preciso dizer 213 que um complexo conjunto de fatos relacionados a toda a história dos dois grupos resultou em uma conjuntura que, naquele momento específico de análise, deixou Globo ou Abril mais ou menos vulneráveis a mudanças. Quando, no início dos anos 90, Roberto Civita poderia imaginar que sua vontade de ter uma rede de TV poderia ser determinante para que o grupo, quase 10 anos depois, criasse uma rádio na Internet? Pois foi o que aconteceu: a vontade de Civita criou a TVA, que resultou em um planejamento de investimentos insustentável nos anos 90, que por sua vez forçou o grupo a se reestruturar e perceber que não poderia mais ser vinculado apenas ao Universo Online e que , portanto, deveria criar coisas novas na Internet, como foi a Usina. Parece uma relação forçada? De fato, é uma relação distante, mas que aconteceu, como mostra a análise dos dados colocados. Essa teia de variáveis é o que Roger Fidler (1999), em suas reflexões sobre o processo de midiamorfose, chama de complexidade. Na análise de grupos de mídia, todos os elementos estão relacionados, as estratégias são amplas e se afetam mutuamente. É por essa razão, coloca Fidler, que não existe a substituição imediata de uma mídia por outra. A Internet, por muito tempo, permanecerá atrelada às mídias tradicionais dos grupos de comunicação. O Globo.com precisará do suporte da TV Globo, assim como o UOL dependerá dos acordos de compartilhamento de conteúdo com seus acionistas. O problema é que esse conjunto de variáveis é tão extenso e complexo que começa a ficar cada vez mais difícil prever o que vai acontecer. Um exemplo prático: na medida em que encerrávamos esta pesquisa, o real sofria uma de suas maiores desvalorizações da história, despencando quase 35% entre agosto e setembro de 2002. Alie-se esse dado a um mercado publicitário declinante no mesmo período, por conta da recessão, somada à tensão pré-eleitoral e à conjuntura mundial incerta diante de uma guerra iminente no Oriente Médio, e o que tínhamos era um grupo Globo 1 bilhão de reais mais pobre (por conta do aumento de seu endividamento atrelado ao dólar), sem tempo para se organizar para buscar dinheiro no mercado como permite a Constituição — até porque, nesse momento, não existem muitas alternativas de financiamento abertas à Globo — e na iminência de passar por um processo drástico de reestruturação. Isso significa que o maior grupo de comunicação do país poderia estar falido antes do final do ano, como aconteceu com outros impérios anteriores (Diários Associados, por exemplo)? Pouco provável, mas possível. 214

Pouco provável porque, principalmente em um período eleitoral, os interesses políticos são maiores. Mas possível porque, além do aumento das dívidas, Globo.com, Net, Sky e outros inúmeros investimentos continuavam drenando os recursos do grupo. Quando iniciamos este trabalho, tínhamos a preocupação de saber também se as novas tecnologias implicam a abertura de espaço para que novos grupos passem a disputar o mercado de comunicações. Com base em todos os elementos conceituais levantados a resposta é sim: novos paradigmas tecnológicos significam a criação ou a eliminação de barreiras de entrada, agentes mais ou menos inovadores podem criar movimentos de feedback positivo, os modelos econômicos de exploração e financiamento dessas tecnologias podem se adaptar melhor ou pior aos modelos dos grupos e mídias previamente estabelecidos. Na prática, contudo, a experiência, pelo menos no caso da Internet, mostra outra coisa. Os grupos estabelecidos, se souberem adotar uma estratégia correta, conseguem se adaptar bem ao novo ambiente e obtêm, ainda, vantagens em relação a outros competidores por já terem estruturas montadas que geram ganhos, no mínimo, econômicos e gerenciais. A Globo, por exemplo, soube conduzir uma negociação política para mudar a Constituição de um país a fim de proteger seus interesses até no campo da Internet. Outros grupos entrantes poderiam ter dificuldade para percorrer o mesmo caminho. A percepção final de todo esse processo é que o novo nem sempre é tão novo assim, da mesma forma como o velho pode determinar o novo. Diante disso, olhando para o processo de incorporação da Internet pelos dois maiores grupos de comunicação do país, perguntamo-nos: o que esse processo estimulou ou intensificou? O que substituiu? O que acabou recuperando? Em que deve se tomar? Talvez a coisa mais importante estimulada por essa experiência nos grupos de mídia tenha sido a compreensão de que a estratégia de inovação é inevitável, ainda que implique a substituição e a obsolescência de uma situação solidamente estabelecida. Nesse processo, resgatam-se as velhas mídias, as sinergias perdidas, e tudo isso virá a se tomar a porta de entrada para outros agentes no mercado de comunicação. É o Tetrad de McLuhan. 215

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TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões) (Em milhões) 3.166.02$

I . S 1 2 » 1.661 5â2 1.59B.543 1 476 K 4 1.616.411 15 1.226.3/3 1 .1B8.100 “ ”31.«4.Ma13K5M 13t314) ^ 1.111.120 1.206.209 , 142491 ■ ■

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Fonte: Nielsen II NetRat nfls Fonte; Niolsen II Ne;Ratngs Usuárias domúsücos - novotrbro 2000 Usuários domésticos - dozombio 2000

Janeiro 2001 Fevereiro 2001

TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões} (Em milhões)

IVU4.423 1.701 920 1.523.164 1.696.541 1.634 205 1.405 270 1.429 7JS 216 206 * , * p , o 1.344.279 , . ,,3 057 I 1S0.B49 , . „ , 826 ^ * 1*4'843 1.102.169

Fonte: Nielsen/ZNeiRat ngs Fonte: N elsenffNetRatings Usuários domúsücos - Janeiro.'2001 Usuários domós ticos - (cvcroiro 2001

I Março 2001 Abril 2001

TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (fctn milhões) (Em milhões)

764 702 1 627.234 1<6?? BB7 . 511 flà5 1.616301 1.644.859 1 51» 169 _ 1.497.643 1.441.375 1

tn UJ 0 O O O

C3

Fonte: NielsenZ/NotRatings Fonte: N/elsenZ/NetRatings Usuários domústicos - março 2001 Usuários domòstlcos - abril 2001

Maio 2001 Junho 2001

TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados 3.547.607 (Em milhões) (Em milhões)

2 012199i.9SB.B27 , 925301 t «61.348 1.693.336 642 Ô46

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Fonte: N elsen/ÍNetRatlngs Fonte: N elsen//NetRa(ings Usuários domòstlcos - maio 2001 Usuários domòstlcos - Junho 2001

n Julho 2001 Agosto 2001 TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (É£m m ilh õ e s) (Em milhões)

U) 0 d Q § nO lii O ú< s III m ÍT $ 9 lí? te O > 0 8 1 Oiil

Fonte: NeleenZ/NetRatings Fonte: NlolsenZ/NetRatings Usuários domésticos - julho 2001 Usuários domésticos - agosto 2001

Setembro 2001 Outubro 2001 TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões) (Em milhões) 3708.300

1 840 801 1.738.173

Fonto: NlelsentfNetRatings Fonte: N olsenZ/NetRatings Usuários domésticos - setambro 2001 Usuádos domésticos • outubro 2001

m Novembro 2001 Dezembro 2001 TOP 10 - Domfnios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões) (Em milhões)

3 SãG ÜB9 iÜ A 3 516S54

Fonte: Niolsen//NetRating& - novembro do 2001 Fonte: NlelsenS/NetRatings - dezembro de 2001

Janeiro 2002 Fevereiro 2002 TOP 10 - Domfnios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões) (Em milhões)

3 073 079

Fonte: Nlel&en//Ne1Rating& - fevereiro de 2002 Fonte: Niel&enUNetRatings - Janeiro de 2002

IV Março 2002 Abril 2002 TOP 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões) (Em milhões)

1.377.14!

3.474.620 3 .2 0 4 .6 6 8 3 .1 6 6 .9 8 2

2 .0 6 5 .3 9 » 2 .0 4 1 .3 7 34 RH? 1.6 2 5 .7 9 9

Fonte: NielsenZ/NetRatings - março dc 2002 Fonte: NíclOGiV/NciRútings - abril üe 2002

Maio 2002 Junho 2002

V Julho 2002 Agosto 2002

TO P 10 - Domínios mais visitados TOP 10 - Domínios mais visitados (Em milhões) ag o st o/2002 5500 5.500 5.000 4.500 4.075 4.000 3.500 3.149 3 XI00 2.483 2.401 2.500 2.006 2.000 1500 1.000 SOO 0 msn.com.br

Fonte: NieisetV/NctRa tings Fonte: AtMsenffNetRatings