O Subúrbio Em Avenida Brasil: Indícios De Inovaçao Na Teledramaturgia Brasileira1
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O SUBÚRBIO EM AVENIDA BRASIL: INDÍCIOS DE INOVAÇAO NA TELEDRAMATURGIA BRASILEIRA1 FARIA, Paula Beatriz Domingos (mestranda)2 Universidade Federal de Juiz de Fora/MG Resumo: O presente trabalho tem como objetivo a análise da ambientação da telenovela “Avenida Brasil” enquanto produto televisivo de massa representante da teledramaturgia atual. Para tanto, parte-se das considerações a respeito da relação entre televisão e sociedade para se falar mais especificamente sobre as telenovelas. A recente trama de João Emanuel Carneiro tem sido tratada como inovadora por se ambientar - em consequência das mudanças da sociedade brasileira - num bairro fictício da Zona Norte carioca. E é este bairro, o Divino, que ganha atenção neste estudo, com destaque para as personalidades de seus habitantes e para os deslocamentos entre este local e a Zona Sul carioca ocorridos durante a trama. Levando em consideração a persistência por muitos anos da chamada "cultura Zona Sul" na teledramaturgia brasileira, objetivamos verificar a existência de possíveis mudanças ou inovações manifestadas no desenvolvimento da telenovela em questão. Palavras-chave: História da mídia audiovisual; Televisão; sociedade; telenovela; Avenida Brasil. Televisão e sociedade Conforme reportagem do Jornal O Globo, do dia 25 de março de 2012, véspera da estreia de “Avenida Brasil”3, esta telenovela buscaria retratar o universo da classe C. A matéria, assinada por Clarissa Frajdenrajch, afirma que o autor João Emanuel Carneiro percebeu que as classes ricas retratadas nas novelas não tinham mais um forte apelo junto ao público e, por isso, resolveu criar uma trama em que o personagem rico é o jogador de futebol nascido no subúrbio, no caso Jorge Tufão, interpretado por Murilo Benício. Esta opção do novelista pode ser vista como resposta a uma necessidade da Rede Globo, que teve a força de suas telenovelas abalada a partir da década de 1990, supostamente devido ao desgaste dos repetitivos enredos que retratavam, em sua maioria, prósperos personagens da Zona Sul carioca (BORELLI, PRIOLLI, 2000). Como afirmam Machado e Becker (2008), a telenovela não pode falhar em termos de audiência e, por isso, os produtores repetem fórmulas já testadas, tornando o produto previsível e mumificado. É preciso compreender que estas fórmulas de que 1 Trabalho apresentado no GT de História da Mídia Audiovisual e Visual, integrante do 9º Encontro Nacional de História da Mídia, 2013. 2 Mestranda do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da Universidade Federal de Juiz de Fora; Pós- Graduada em TV, Cinema e Mídias Digitais e Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Jornalismo pela mesma instituição. Bacharel em Comunicação Social com habilitação em Publicidade e Propaganda pela Faculdade Estácio de Sá campus de Juiz de Fora. E-mail: [email protected] 3 “Avenida Brasil” foi uma telenovela de grande sucesso no Brasil, escrita por João Emanuel Carneiro e exibida pela Rede Globo entre 26 de março e 19 de outubro de 2012, no horário das 21h. falam os autores não se relacionam ao aspecto técnico – quesito no qual os produtos televisivos sempre se aprimoram -, e sim a aspectos do enredo e às clássicas temáticas ligadas ao melodrama, que sempre foi a base para a produção de telenovelas. Para Vera França (2009a) a homogeneização é uma realidade não só na programação televisiva, mas em qualquer empreendimento comercial ou cultural, e além dos interesses ideológicos, objetiva a diminuição de custos e a racionalização da produção. Contudo, a autora também lembra que a televisão, desde seu surgimento, passa por modificações que acompanham as mudanças tecnológicas e sociais. “Avenida Brasil” inovou em sua ambientação e na postura dos personagens em relação ao bairro em que viviam, mas manteve muitas características tradicionais das telenovelas ligadas ao melodrama, como as grandes histórias de amor - Nina (Débora Falabella) e Jorginho (Cauã Reymond), Monalisa (Heloísa Perissé) e Tufão (Murilo Benício) – e a própria vingança de Nina contra Carminha (Adriana Esteves). Portanto, a trama ao mesmo tempo em que se mostra diferente, se mantém atrelada a princípios clássicos das telenovelas. Mesmo assim, pode-se entender a nova ambientação existente em "Avenida Brasil" como uma resposta à situação detectada por Borelli e Priolli (2000): no fim dos anos 1990, as tramas globais já não conseguiam atingir o gosto geral e nem atender a demandas específicas. Os autores afirmam que os telespectadores pareciam reivindicar um balizamento moral ou um retorno aos princípios inabaláveis de comportamento. Para Dominique Wolton (1996, p. 65), a televisão é “uma formidável abertura para o mundo, o principal instrumento de informação e de divertimento da maior parte da população, o mais igualitário e o mais democrático”. O autor também a considera um instrumento de libertação por proporcionar uma “participação à distância, livre e sem restrições”, que permite sua atuação como laço social, o que é muito visível nas telenovelas brasileiras. Porém, ele lembra que a mensagem televisiva, apesar de permitir esta participação promotora de um sentimento de igualdade, também está sujeita a diferentes interpretações devido aos contextos socioculturais em que é recebida. O autor fala dos conceitos de televisão geralista e televisão fragmentada. A primeira é aquela que destina sua programação a um público amplo e heterogêneo, buscando fazer diferentes públicos conviverem – como ocorre com as telenovelas. Já a segunda se pauta de acordo com as demandas de seu público. Pode-se associar o pensamento de Wolton sobre a televisão geralista às ideias de Vera França (2009b) sobre o conceito de popular. Para a autora, o popular na TV se baseia em um destinatário ou público consumidor que ultrapassa as questões de classe e lugar, no sentido de conter elementos de universalização e de atender a interesses que seriam de todos, e não devido a uma suposta neutralização das diferenças. Estas ideias correspondem ao que Wolton chama de laço social. “Avenida Brasil”, da mesma forma que as telenovelas em geral, é um exemplar da televisão geralista, por possuir uma grande e heterogênea audiência, por ter causado uma grande mobilização, e também por conta de seu sucesso comercial4, já que Wolton também afirma que a televisão geralista, além de funcionar como laço social, permite a maximização dos lucros. A telenovela brasileira procura estabelecer uma relação que corresponde ao laço social de que fala Wolton. O autor defende esta ideia em detrimento da visão de televisão geralista como uma tentativa de unificar uma sociedade de massa. Ou seja, ao invés de buscar uma homogeneidade, a TV busca unir ou fazer conviver diferentes identidades. Este laço é invisível, porque se tem a consciência, ao se assistir uma telenovela, de que um público imenso o está fazendo simultaneamente. Wolton também fala de um segundo sentido para a ideia de laço social, que seria o de espelho da sociedade, pois esta se vê representada na TV. A televisão, assim, cria uma imagem e uma representação, oferecendo um laço a seus telespectadores. Segundo Wolton, a televisão brasileira é uma ilustração de sua tese sobre a televisão geralista. “Nela encontramos, com efeito, o sucesso e o papel nacional de uma grande televisão, assistida por todos os meios sociais, e que pela diversidade de seus programas constitui um poderoso fator de integração social” (WOLTON, 1996, p.153). França (2009a) também aborda a relação entre televisão e vida social. Seus estudos detectaram uma participação afetiva do público no desenvolvimento das telenovelas e também um reflexo, nas telenovelas, de acontecimentos e valores presentes na sociedade brasileira em determinados momentos. Um exemplo disso é, claro, a ascensão social da nova classe C, refletida em “Avenida Brasil”. A autora acima citada recorre ao conceito de homeostase para descrever as relações entre a televisão e a sociedade, que, 4 O faturamento comercial da novela “Avenida Brasil”, de acordo com a Revista Forbes, foi o maior registrado na história da telenovela brasileira por um produto do gênero: US$ 500 milhões (R$ 1 bilhão) considerando-se o total de inserções e acordos comerciais fechados ao longo dos sete meses de exibição. (fonte: Forbes - http://www.forbes.com/sites/andersonantunes/2012/10/19/brazilian- telenovela-makes-billions-by-mirroring-its-viewers-lives/. Acesso em 21/10/2012). segundo ela, são “relações de mútua afetação, configurando um quadro sistêmico, marcado por equilíbrios e desequilíbrios, estímulos (positivos e negativos), levando sempre ao reposicionamento das partes na composição do todo” (FRANÇA, 2009a, p. 49). Sobre esta interação, podemos voltar a Wolton, que fala da valorização da identidade nacional promovida pela TV brasileira. Para ele, a TV Globo se tornou ao mesmo tempo “um espelho e parte do ideal brasileiro” (WOLTON, 1996, p.159), conseguindo refletir e estimular a sociedade. Ele acredita que “o folhetim brasileiro está de tal forma inscrito na identidade e no sonho nacional, que, segundo as épocas, ele é reflexo de todas as histórias” (WOLTON, 1996, p.164). Apesar desta visão, o autor lembra o objetivo da Rede Globo de maximização dos lucros, que passa pelas estratégias comerciais das telenovelas e pelas questões ligadas ao consumo. É visível uma adequação do enredo da trama de João Emanuel Carneiro aos objetivos relacionados ao incentivo ao consumismo presentes na essência da telenovela, conforme Almeida (2003). Os resultados dos estudos da autora confirmam sua hipótese de que a própria estrutura das telenovelas induz ao consumo, mesmo sem se levar em consideração a publicidade e o merchandising, pensando apenas nos padrões de vida e pensamento difundidos. Para tanto, há várias características que contribuem para este processo: a exposição de uma série de bens e serviços, substancializados muitas vezes pelos diversos estilos de vida dos personagens, e a exposição de diversos padrões de comportamentos e representações culturais (ALMEIDA, 2003, p.292). Já Rocha (1995) acredita que a telenovela tem o destino de ser um anúncio em capítulos. Ele vê este gênero televisivo como o principal modelo do mundo relacional e “um espaço privilegiado para juntar tudo com tudo” (ROCHA, 1995, p.176).