Etnogeografia da Fachada 1. CINETES, CEMPSOS E A noticia literaria mais antíga que temos sobre Atlántica Ocidental da poyos do actual território portugués encontra-se nos Península Ibérica. versos 182-223 da Ora Marítima. Avieno refere os Cempsi, os Sefes, o pernix Ligus ou Li’cis¼l)raganí e os Cvnetes; dá-nus. assim. o quadro etnogeográlico da fachada atlántica ocidental da Península Ibérica nos Iins do séc. VI a. C.. data E qual se atribui a Jorge de AIarcáo* redac9áo do périplo que serviu de base á Ora Marítima. O Anas (boje Guadiana) regava, segundo Avieno. a terra dos Cinetes. O limite da Europa. que nEo pode ser senán o cabo de 5. Vicente, chamava-se. aínda segundo o mesmo autor, Cineticum. Assim, os Cinetes ocupariam todo o Algarve e possivelmente uma parte do Baixo Alentejo, se nEo mesmo parte do actual território espanhol a oriente do Guadiana. ARSTRACT O mesmo poyo dos Cinetes aparece pouco depois. cm Heródoto II, 33 e IV. 49 sob o nome de Kí’nésioi Tite «Ora Marítima» refers to varíous peoples of ou Kvnetes. A semelhanQa das formas permite consi- tite western seaboard of tite íberian Península: Sefes, derar estes trés nomes como designaí~ñes alternativas Cempsí. Ligus or Lycis, Draganí. 1-lerodotus adds tite de uma mesma etnía. Kynetes. Later Polyhius refers to tite Conlí. Onde Avieno e Heródoto situam os Cinetes. A briefoutline of tite material culture of tite area is Políbio, flist, X, 7, 6. menciona os Kóníoi, O autor presented, deduced from tite arcitaeological record. escrevía nos meados do séc. II a, C. Parece legítimo Tite ethníc filiation of its peoples is díscussed: Sefes perguntar se o nome de Cónios é uma terceira e mais and Cempsi were ; a non-Jndo-European origin moderna designa~Eo para a anterior etnia ou se. entre is suggestedfor tite Kynetes and Coníi although sorne os séculos VI e II a. C., os Cinetes foram substituidos anthroponyms identified in tite funerary ínscriptíons pelos Cónios. A pergunta parece. dc momento, of tite Conii appear to be !ndo-European. irrespondível com seguran~a.

Ptolemy ‘5 etitnogeograpiticalframework is also pre- No registo arqueológico, Caetano Beiráo detecta sented, sin ce despite its late date, it provides evidence urna considerável transformaqáo no séc. V a. C. 2, of earlier ethnic dístribution. Nessa data situa o tránsito da primeira para a Similarly tite localization and etitnic origin of tite segunda Idade do Ferro, no Sul de . A ter Lusitaní are díscussed, a name that does not appear to havido substituiqáo de um poyo por outro. este correspond witit apeople, bur a set of tríbes partially imigrante. o séc. V a. C. constituiria a data mais recorded in tite inscription of tite Alcántara bridge prováve1. (CIL II. 760). Na hipótese de uma substituicAo dos Cinetes pelos Cónios. donde teriam vindo estes últimos? O nome de Conimbriga é muitas vezes invocado como prova de3, uma ocupaeáo do centro de Portugal pelos Cónios RESUMO Poderíamos. por conseguinte, admitir, a título de hipótese. uma desloca~áo dos Cónios do centro para A Ora Maritima refere-sa a vários poyos da o Sul de Portugal, entre os séculos V e II a. C. fachada ocdental de Península Ibérica: Sefes, Cempsi. A verdade, porém. é que a análise etimológica do Ligus ou Lycis, Dragani. Heródoto acrescenta os nome de Conimbriga nAo permite fundamentar a Kynetes. Más tarde, Políbio relére os Conii. Procura- hipótese de os Cónios terem alguma vez vivido na se localizar estes poyos e estabelecer a rela~&o entre regiáo do Baixo Mondego4. Assim. ou imaginamos Kynetcs e Conii, outra origem para os Cónios ou renunciamos á ideia Apresenta-se brevemente o quadro da cultura de uma inligraqáo. material da área, deduzida do registo arqueológico. Aparentemente, os historiadores gregos e latinos Discute-se a filiacño étnica desses poyos: Sefes e tomavam muitas vezes a parte pelo todo. Cempsi seriam Celtas; quanto aos Kynetcs e Comí sugere-se urna origen? nilo índo-europeia, aijada que * universidide do Coimbra parecanh indo-curopeus alguns antropórninos ident¿fi- ¡ A edi~5o princeps cm Luis. Sobre Ss etssendas. vid. Insé Ribeiro Ferreira Ore, .ttartti,na. Coimbra, 1985, p. 48, nota 39. cados nas inscrkóesfunerárias conitecídas dos Conii. 2 vid, por exemplo, C. de Mello Beir~o e M. Varela Comes. Apresenta-se o quadro etnogeogra’jico de Ptolomeu Coroplastia da I Idade do Ferro do Sul de Portugal, io ‘o/unte ‘tWo,o,nage ate g¿o/ogoe (A Zb,zewski. Paris, 1984, p. 456. que, aperar da sua dma tardía, poderá recordar unja J. Leite de Vaseonecios. Opdsculos, \‘, Lisboa 1938. p, 58; A. distribuicño étnica mais antiga. Sehulten. tonos Hispanice Aneiqoae’ 1 * t< /1,1,). 1. ¡955’. p. 106. Ccsn,o Discute-se ainda a localizacño e a origem étnica dos exemplo de autor que mantén, o relacionamenio de Conirnbriga coas os Cónios, su. Francisco Javier Lomas in tliseória e/e’ España =1w/gua, Lusitanos. Esta designa~áo parece corresponder nao toe,», 1, J’ro,o-ttis,ória, cd. Cátedra, Madrid 1980, p. 54. a umpovo. masa um conjunto depovos que es/anam R. Blondin. I,e Iopnnyme Ctsnimbriga. Coninílsriga, Ib. 1977. p. parcialmente inventariados na ínscrkño da pon te de 145-159 e .1. M, Piel. Sobre os topóninsos Conimbriga. Condeixa Alcántara, CIL II 760. Aíeabidcque. Coninebriga, 6. 1977. p. 162. 340 J. DE ALARCAO

admitir que o território de Ofiússa se estendía do Perturbados peía variedade e «barbarismo» dos actual cabo Carvoeiro até an Sado. Mas poderemos nomes étnicos indígenas, renuncíavam a mencioná- definir com mais rigor o território dos Sefes? Ainda los a todos e escolhiam um nome que funcionava de 5. Por outras palavras, pudemos segundo Avieno, no litoral dos Sefes ~; mas talvez o problema se possa vir a resolver de nutra «posteriormente um sem número de serpentes afugen- maneira quando se decifrar a escrita do Sudoeste, bu os moradores e deu o seo nome á terna deserta», ondeo nome Konii aparece com alguma frequencia6. Sehulten considernu esta invasAo de serpentes como Com os Cinetes, diz Avieno, confinavam os Cemp- uma forma mítica da invasáo dos Sefes ¡2, sos, poyos que viflham até ao litoral. pois neste se A referencia de Avieno aopernix Ligus, verso 196, erguia um cabo chamado Cempsicutn. Este cabo tem suscitado muitas dúvidas. Mendes Correia propós possivelmente corresponde ao Espichel ~. É certo que a emenda Lusis, Lambrino a de Lucís e Justino o Périplo o indica sobranceiro a urna jíha. a de Acala. Mendes de Almeida sugeriu Lí’cis ‘3. Hoje nAo há ilha nenhuma á vista do Espichel; mas Para estes autores, como, aliás, para muitos outros. nAo custa nada a crer que, no séc. VI a. C.. a actual Le,sk, Lucís ou Lucís designaría os Lusitanos. península de Tróia fosse efectivamente uma ilha, só Quanto aos Draganí, Lambrino propós a sua depois ligada a terra pelo estreito istmo da Comporta. localizaqáo na Caliza. apoiado no topónimo Dracma Poderá objectar-se que a ilha de Acala era habitada, que ah se observa 14, pois Avieno diz; oÁcaía Ihe chamam os que lá vivcm¡>, A interpreta9Ao de Avieno suscita, como se ve, Ora. em Tróia nunca se encontraram vestigios ante- sérias dúvidas; nAo se fizeram progressos consideráveis riores ao séc. 1 d. C.. parecendo o lugar habitado só a desde que Sehulten editou, com abundantes comentá- partir da primeira metade daquele século. Talvez a ríos, a Ora Marítima e nós mesmos nAo sabemos expressáo «os que lá vivem» possa interpretar-se no ultrapassar anteriores investigadores. Se esta fonte sentido de os que vivem naquela regian e nao líterária, no que respeita á fachada atlántica ocidental, necessariamente na ilhat. parece esgotada, será que o registo arqueológico nos NAo é possível, nem recorrendo ao registo arqueo- proporciona alguns dados para uma cinogeografia e lógico, precisar o ámbito geográfico dos Cempsi. que poderemos definir a origem étnica das populaqñes ocupariam talvez o curso inferior do Sado. Mas a referidas por Avieno? descrigáo geográfica de Avieno, que alude a um mar «sempre desfigurado por um lodo sujo», nAo corres- ponde á desembocadura do Sado, cujas águas. pelo 2. 0 REGISTO ARQUEOLOGICO contrário, deviam ter aquele «esplendor e brilbo A cultura da primeira Idade do Ferro no sul de cristalinos» que o autor latino considera normass em Portugal. entre os séculos VIII e V a. C., foi todos os lugares do oceano9. recentemente objecto de uma monografia por Caetano Cempsos e Sefes, diz Avieno, compartiam ‘

na Ora Maritinza, o nome de um cabo que geralmente ttt Prese¡su Vicente, art. dc.. p. 69. se identifica com o da Roca, Poderemos. talvez, Scarlat Lambrino, Les Celles dsns la péninsule lbériquíe ortngat. 9. 1955-56. p. 22-25; Justino Mendes de Alnseida. A ~Orla Cen,psos no poema Oro ttari,hoo dc Avieno. Bo/e¡ón do (enero cíe Nitirilinsa porioguesa non, texto do sic. VI antes de Crisio, Ro/echa cíes Esueeíos do Siusete A rq¡eeotógico de Sesioíbra, 5. 1967, p. 68. Centro cíe Escuetos cío l/¡cse,e .1 rqteeoiog,en de Sesiocísra. 4. [967. p. 62. cesn, Sobre a ideniilica~8o da Iha de Acala rróia. vid. Fernando “ Searlal l.arsshrine,. Sur qoelques nonís de peuples de I,usitanie. Bandeira Ferreira. A propósito do ¡sorne Achate ou Acate da Oro Rui/eúcc cies Ecucies Porcugaises ce cíe / tuse/ene Frao

e.

cempsicum Sacrum? o PoeteníocV/

0 50km

cynetieum cuneos?

Fío. 1. Estaeóes arqueológicas e poyos do centro e do sul de Portugal. 342 J. DE AI.ARCAO povoados atribuiveis a essa época, na sua maior parte mórficas sobre placas de prata, com atributos próprios situados nos concelhos de Ourique e Almodóvar. no dc Tanit, e 13 placas de ouro e prata, oculadas 8, Raixo Alentejo. A necrópole de Alcácer do Sal, escavada por O ritual lunerário parece ter sido. inicialmente, o de Vergílio Correia, nho foi objecto de publica~o inuma~o, embora talvez. na parte final da primeira adequada, embora seja numerosa a bibliografia sobre Idade do Ferro, se tenha também praticado a a estacáo 19 incínera~áo, Os corpos ou as urnas eram depositados Gustavo Marques, por seu lado, procurou definir uma cultura, que designou por Alpiarya, centrada no em cistas que, frequentemente (pelo menos no Baixo 2»; cronologicamente Vale do Tejo e na Estremadura Alentejo), eram cobertas com tunzuli, circulares no atribuivel aos séculos Ve IV a. C., seria a cultura dos inicio, quadrangulares mais tarde. Os turnuli Cempsus. Possivelmente, Cempsos e Sefes comparti- encostavam-se ou justapunham-se uns aos outros, riam a mesma cultura material; nada, pelo menos por desenvolvendo-se como um favo, Nalguns túmulos enquanto. nos permite afirmar a existéncia de uma colocavam-se estelas verticais, epigrafadas, que cons- cultura dos Cempsos, distinta da dos Sefes. tituem um dos trayos característicos da primeira «A cerámica, diz o autor, constitui por enquanto, o Idade do Ferro, Infelizmente, apesar dos consideráveis elemento mais constante e o mais importante, para a esfor~os feitos, a escrita continua indecifrável: conhece- avalia~áo da culturas>. Gustavo Marques definiu 24 se o valor fonético dos caracteres, náo se traduz o que formas, integráveis em 8 tipos, todos subdivrscveís em as estelas dizem. As contas de vidro oculadas, os anéis 3 variantes, Os materiais metálicos associados seriam com escaraveihos, as fíbulas anulares. os fechos de a fíbula de dupla mola e os braceletes múltiplos de cinturáo de colchetes ou garfos, a cerámica de engobe bronze; o ferro seria de uso comun. vermelho tartesso-oriental associam-se, nas sepulturas, A cultura de Alpiarc~a está insuficientemente carac- ás pontas ou cotós de langa, a puntas de dardo e a terizada. quer no espaQo, quer no tempo; mas a facas de ferro. Infelizmente, o material náo é muito defini abundante nas sepulturas devido á sua normal 9áo das formas cerámicas próprias constituiu violacáo. em muitos casos ocorrida na Antiguidade, um ponto de partida de investiga~áo infelizmente náo talvez até já na segunda Idade do Ferro. prosseguida. Quanto aos povoados, poucos sáo os sondados; em dois deles (os de Fernáo Vaz e Monte Beiráo) parece detectar-se um fim violento, possivelmente ocorrido 3. A FILIA9XO ETNICA DOS POVOS nos meados do séc. V a. C. Em Neves II, onde se observam dois núcleos de divisóes rectangulares, CITADOS NA ORA MARíTIMA recolheu-se uma importante inscri~áo de carácter Heródoto diz que os I Caetano de Mello Beiráo ce a/ii, Dep/salto votivo da II idade do dos de forma visivelmente intencional entre ou sobre Ferro de Carv~o. Noticia da primeira canipanha de eseavaqóca, O os contentores. As centenas de peQas recolhidas Arqueólogo í’oreogués, 4> Sirle, 3, 1985, p. 45-1 36. constituiam um depósito secundário de ex-votos, l< Citemos os arligos de vergilio Correla incluidos nas suas Obras, l’V, Coimbra, 1972, p. 127-200: vid. ainda Wilhelns Sehílle. iice Meseta- enterrado na segunda metade do séc. III a. C. O Ko/toreo dcc Jberiselsen tJa/binse/, Berlim. 1969, passios. «tesouro» incluía ainda duas representaeñes antropo- Gustavo Marques e Gil Miguéis Andrade, Aspectos da Prcsto- Hislóricí do território portugués. 1. Detiniqáo e distribuiqáo geográfica da cultura de Alpiarqa (idade do Ferro). Arras do iii Coogresso Nasis,nul dc Arqueología l0 vol., Podo, 1974, p, 25-148. IS Maria (sarcia »errira Mala José A. Cotrea lnscsipción en 1’. Bosch-Gin,pera El pob/aoueoto antiguo la /orrnacYión ele /05 escrctuta tartisia (o del SO.) hallada en Neves (Castro ‘Verde, Baixo pueblos e/e España, México, 1945, p. 126-127; ideen, Two Celtie Wsves o Alcíslejo) y su contexto arqueológico, Hobis. 6. 1985, p. 243-274. Spain, ítroreeding.s of tite Be/e/sic Asar/cinc. 26, 1942. p. 44 e 71. 1’ Carlos Tavares da Silva eco/ii, Escavaqóca arqueológicas no cusido Searlat Lansbritso arr. críe. na nota 14, p. 87; le/en,. Les Celíes dana de Aleácer do Sal (Campaisha dc 1979), Setúbal Arqueológica, 6-7. 1980- la péninsule ¡birique selon Avienes. Bol/crin e/cts Eludes Poreícgaise.s cede Sí, p. 151-1 88; Carlos lavares da Silva e Joaquina Soares, Na procura //ec.seicue Eran das origcns de Setóhal, A/-rrcadao, 3, 984 p. 2-3. 1ais ecu Portugal 19, 1955-1956. p. 5-33. ETNOGEOGRAFIA DA FACHADA AlLANTICA DA PENíNSULA tBERICA 343

As cidades que Ptolomeu atribui aos Célticos sáo: Reservas também se poderáo formulará ideia de os Laccobriga, Caepiana, Braetoleum, Mirobriga, Arco- Cinetes náo serem Celtas, agora que José A. Correa briga. Meribriga, Catraleucus, Turres Albae, Arandis. julgou reconhecer um antropónimo de rau. céltica na 23 Poderíamos manter a hipótese Destas, apenas Mirobriga pode localizar-se com estela de Alcoforado do náó-celtismo dos Cinetes, que teriam eventualmente rigor: corresponde ás ruinas hoje visiveis junto de adoptado na onomástica pessoal alguns nomes dos Santiago de Cacém. Arandis deve situar-se freguesia Celtas com os quais estariam em contacto; ou, noutra de Ourique, Santa Luzia, Cotos ou Garváo, mas o seu eventualidade, alguns Celtas poderiam ter-se infiltrado ubi exaclo permanece ignorado. entre os Cinetes. Mas o assunto merece mais reflexáo, Quanto a Laccobriga, todos os autores a tém pois sáo raríssimos, na época romana, os antropónimos localizado na área de Lagos. A dúvida estaria apenas meridionais de raiz náo-céltica ~ Se os Cinetes cm saber-se se corresponde á moderna cidade de tinham uma onomástica pessoal própria, esta desapa- Lagos ou ao Monte Moliáo, que Ihe fica muito receu surpreendentemente na época romana. próximo. Pelas coordenadas ptolomaicas, a cidade localizar-•se-ia, porém, no paralelo de Olisipo. a oriente desta cidade, isto é, na margem esquerda do 4. A FACHADA ATLANTICA, Tejo. O texto de Mela III, ~ talvez se possa aduzir em SEGUNDO PTOLOMEU abono desta segunda localizae~áo, Diz o geógrafo que Laccobriga e Portus Hannibalis ficavam situados no Muito distante, no tempo, da Ora Maritima, a promontório Sacrum 27, Tem-se identificado este cabo Geograjia de Ptolomeu, II, 5, parece constituir uma como deS. Vicente25 e procurado Portus 1-lannibalis fonte importante para a definigáo das unidades nas vizinhan9as de Portimáo, E certo que o Sacruni etnográficas do período que precedeu imediatamente de Estrabáo III. 1. 4, e de Plinio II, 242 parece a conquista romana. Ptolomeu náo fala de Sefes nem corresponder ao cabo deS. Vicente. Mas, no texto de de Cempsos, de Cónios nem de Draganos; integra em Mela, o cabo Cúneo parece o de 5. Vicente; o Sacro trés grandes grupos os aglomerados urbanos do o Espichel; e o Magno, o da Roca. Assim, Mela território actualmente portugués: cidades dos Turde- situaria Laccobriga e Portus Hannibalis na área do tanos, dos Célticos e dos Lusitanos. Apesar de muitos Sado e concordaria com Ptolomeu quanto á locali- aglomerados urbanos que menciona permanecerem za~áo de Lacobriga; esta deveria procurar-se algures ignorados, parece-nos possível definir as áreas geo- na península de Arrábida29. gráficas que atribui a cada uma destas grandes etnias. A localiza9áo de Laccobriga tem considerável O geógrafo designa Balsa e Ossonoba, Myrtilis e incidéncia na etnografia do sul de Portugal, dado que Pax Julia, Salacia e Caetobriga (que nómeia Caitobrix) a terminagao briga sugere uma cidade dos Célticos; como cidades dos Turdetanos. Náo há dúvidas aliás, Ptolomeu inclui-a, como vimos, entre as cidades quanto á localiza9áo destas cidades; Balsa situa-se célticas, Se a situamos cm Lagos, temos de levar os perto de Tavira; Ossonoba corresponde a Faro, Célticos até ao Algarve ocidental; se a identificamos Myrtilis a Mértola, Pax Julia a Beja, Salacia a na Arrábida, podemos admitir que todo o Algarve era Alcácer do Sal, Caetobriga a Setúbal, Se o nome terra de Turdetanos, ficando os Célticos no Alentejo primitivo de Salacia foi Cantnipo, como recentemente ocidental. António Faria defendeu2t, esse nome, peía sua Talvez os Célticos se tenham, inicialmente, estabe- desinéncia —ippo, adequar-se-ia perfeitamente a uma lecido em tedo o território de Tejo até á Serra de cidade turdetana. Estranho é que uma cidade como Monchique. Os Túrdulos, posteriormente, teríam Caitobrix— ou Caetobriga apareqa designada como dominado o baixo Sado e o baixo Tejo, visto que túrdula; pelo nome, esperariamos a sua inclusáo entre Caetobriga, Salacia e Olisipo eram cidades túrdulas, as Célticas. esta peía desinéncia e as outras porque Ptolomeu as A área dos Turdetanos, segundo Ptolomeu, corres- afirma como tais. Neste contexto, náo podemos ponde sensivelmente ao território dos antigos Cinetes.

Pelo facto de Ptolomeu a apelidar de turdetana, náo ~< Di, o geógrafos A Lositánia, ai/m do rio Anaa, uRsa para o mar temos forQosamente de imaginar uma imigra~áo da Atlántico: dilata-se a principio con, ánimo decidido; depois reprime-se, e zona do Guadalquivir. Do séc. VI a. C. até á mais ainda re recolise que a provincia da Béiica. No seo desenvolvimento recebe em st duas veces o mar, e ¡Sea dividida cm Ir/a prornontórios. Ao conquista romana, talvez o Sul de Portugal náo tenha mais próximo do rio Anas, porque principiando eta grande cxlensáo se etuicamente mudado: Cinetes, Cónios e Turdetanos vas apertantlo nos flancos a formar ponta. pouco a poueo. he ehamam seriam essencialmente a mesma popula~áo, diversa- o cabo Cúneo; so seguinte. o Sacro: e Magntt a» que mais avante mente designada por vários autores em diferentes demora. No Cltness están situadas aa cidades de Mirtilis. Balsa e Ossónoba; so Sacro, Lacóbriga e Porto dc lianibal; no Magno. Ebora. épocas. Os golfos lean internsédios. e num se coloca Salácia. noutro Olisipo e a foz do Tejo. rio que produz ouro e pedras preciosas. Desde estes tres promontórios até á parte que se retira para dentro. sobressai a margen, 23 José A. Corres, Estela en escritura tartesia (o del SO.) sallada en por largo espaqo en, corva, e nela esiáo os Túrdulos antigua e suas Aleoforado (Odemira, Balso Alentejo). Archivo Espoño/de Art ucologia. eidadess. 61, 1988, p. 97-200. 57 Na edi;áo de Mela preparada por virgilio Bejarano para as FHA. vil, 1957. cttopónimo Laecobriga aparece substituido, 5cm expliea~5o, 24 vid. José dEnearnagáo, Inscri~iScs romanas e/o conventos pacemos, Coimbra, 1984 e a recensáo bibliográfica de Untermann publicada cm por Caetobriga. Bertrúge zur Aamenjdrschung, 22(2), 1987. p. l87-i85. Na ononsástica ~5 J. ¡cite de vaseoneelos Re/igiñes da Ltcsitóoia, II. lisboa, ¡905 do sol de Portugal, na época romana, apenas Brocina parece nome nao- p. 9. indoeuropeo. ~< A esta hipotética Lacobriga da Arrábida se reporiará o episódio FHA. ls’. 1937, p. 173 55 Em artigo a publicar na revista Conirnhrigo, artigo coja leitura o referido por Plutarco os sua Y/darle Sertórie> autor gentilmente nos facultou. e 152), 344 J. DE ALARCAO

origem entre os Arévacos 33. Tais cerámicas, produzida.s esquecer os Sardili que Plinio IV, 35, 118 menciona desde os finais do séc. IV a. C., sáo difíceis de entre as civttates da Lusitánia. A. desinencia sugere valorizar: documentam uma imigra9áo dos Celtiberos tambén um poyo túrdulo. Os constituían ou apenas relaQñcs comerciais com a Meseta? uma civitas que até agora náe foi possivel localizar. Numa recente revisáo das civitates de Portugal romano, sugerimos a sua sttua9ao no vale de So- rraia 30, 5. 05 LUSITANOS Ao falarmos de uma área céltica e de urna área Lusitanos, com fé nos raros testemunhos que da túrdula náo imaginamos dois poyos estabelecidos en Os sua Iíngua nos ticaram, tém sido considerados como áreas mutuamente exclusivas. Numa e noutra haveria urna pupula~Ro indo-europeia pré-céltica. Poderíamos urna considerável miscigenayáo de populayáo. Nalgu- admitir uma imigraQáo anterior á que trouxe os mas cidades, porém. o predominio seria túrdulo, e Cempsos e os Sefes; mas que sabemos oós da língua isso seria visível na lingua mais falada. nos cultos cémpsica ou séfica para falarmos em anterioridade de predominantes, até na manera de construir ou de imigracáo? vestir. A Arrábida e o Baixo Sado apresentam-se como a área onde os dois poyos estarian mais en No território dos Lusitanos inclui Ptolomeu diversas contacto e talvez devamos procurar aqui o ponto de cidades a norte do Tejo; mas cita também Ammaia e partida daquela emigra~áo de Turduil e Celíici para Ebora. Talvez cm Ptolomeu se conserve memória norte a que alude Estrabáo III, 3, 5. daquela área que os Romanos teráo chamado Lusitánia no séc. II a. C. A emigra~áo de para a fachada atlántica Tal como foi definida por Augusto. a Lusitánia entre o Tejo e o Douro está confirmada por Mela, peía topomímia e por fonte epigráfica. Mela III, 1, 8 compreendia todo o actual território portugués a sul do Douro, No séc II a. C., porém, era aparentemente situa nesta área os Turduli Ve/eres e os Turduloru/n mais reduzida a área que assim se designava. NEo Oppida. Os nomes de Otsipo (Lisboa) e Collippo (5. Sebastiáo de Freixo, nas proximidades de Leiria) ternos. nas fontes gregas ou latinas. uma clara testemunham a presen9a de Túrdulos na Estremadura definÑáo do que era, nessa data, a Lusitánia. Náo e na Beira Litoral: serian dois desses Ttírdulorunz podemos todavia esquecer que Orósio 42, lO, fala de Oppida a que Mcta sc refere. Quanto aes Turduli Lusitanos cc/ra Taguni Flumen e que Políbio 35, 2, Veteres, a sua presen~a a sul do Douro foi recentemente inclui Nertobriga (que corresponde a Fregenal de la Sierra. sensivelmente na latitude de Moura) na confirmada por duas tesserae hospitales encontradas Lusitánia. A Lusitánia do séc. II a. C. compreenderia, por Armando Coelho no castro da Senhora da Saúde 31. ou Monte Murado (Gaia) pois, náo apenas a Beira Alta e a Beira Baixa, mas Por que razáo os Turduil da margem esquerda do também uma boa parte do Alentejo. Douro se chamariem Ve/eres? Para se distinguirem Os dados da onomástica pessoal concordam com dos outros Túrdulos que ocupavam cidades como esta dcfini~áo do território. Com efeito, José d’Encar- Collipo e Olisipo? Seriam estes Turduli, novi, on. por nacáo verificou um nítido predominio da onomástica outras palavras, Túrdulos que teriam emigrado poste- no nordeste alentejano, desde Evora a riormente? Marváo 34. Esta onomástica pode explicar-se por A data da emigra9áo de Ce//id e Turduli a que aquela transferéncia de populaqáo a que alude Estra- Estrabáo alude náo póde ainda estabelecer-se. Ar- báo cm III, 1, 6. Infelizmente, o contexto da mando Coelbo situa-a nos lbs do séc. VI ou nos afirmaqáo estraboníana náo permite datar a transfe- inicios do V a. C., época cm que parece verificar-se réncia. Ter-se-á esta feito para território ocupado por urna altera~áo da cultura material castreja32. Nesta outros populi, ou para terras que eram já, á data, lusitanas? A segunda hipótese parece-nos mais aceitá- data situa o autor o tránsito da sua fase 1 B para a fase II A da cultura castreja. A hipótese náo se nos afigura vel. inteiramente convincente. Convém admitir outras A designaqáo de Lusitánia correspondeu possivcl- data~5es alternativas e, aventualmente, a segunda mente na origem a un conceito geo-estratégicO. metade do séc. III a. C., quando a pressáo dos Tentando reconstituir a classifica~áo territorial reali- Cartagineses se deve ter feito sentir no sul de zada pelos Romanos no sec. II a. C., quando Portugal. chegaran ao Ocidente peninsular, diremos que dividí- ram a área cm trés zonas: a Turdetánia, a Céltica e a Talvez nesta data se deva admitir considerável Lusitánia. Esta compreenderia náo apenas o território instabilidade no sul: áquela que advinha dos Cartagi- neses poderia juntar-se a de Celtiberos. Com efeito, J. entre Tejo e Douro, mas também o Alto Alentejo, Morais Arnaud identificon en diversas esta~ñes do onde se situavam Ebora e Ammaia. O limite meridional de Lusitánia, tal como os Romanos o entendiam no Alentejo uma cerámica estampilbada que tem a sua séc. II a. C., poderá talvez recon.stituir-se aproxima- damente através da fronteira que parece ter sido a de Noma eomunicatbáo apresentada so colóqulo Les vi/lete/e Io.ví/anic Sertório. As posiqóes de Q. Cecilio Metelo Pio teráo romo/tse: lí/érurchiea

A opiniáo de Schulten sobre o mesmo assunto sido Metellium (sobre o Guadiana), Castra Caecilia parece oscilar entre o iberismo e o celtismo dos (perto de Cáceres), Azuaga (na provincia de Badajoz) ~ Lusitanos42 e Caeciliana (nas proximidades de Setúbal) 3~. Sertório, Lambrino, fundando-se no celtismo dos antropóni- pelo seu lado, tena Segóvia (perto de Elvas) 37 e a 3t. mos e dos teónimos da Beira, inclinou-se declarada- Lacobriga que situámos na Arrábida Estabelecidos num táo vasto territorio, os Lusitanos mente para uma orígem indo-europeia, céltica, dos náo seriam um populus, mas um conjunto de populi, Lusitanos, aventando mesmo a hipótese da urna aos quais os Romanos fizeram corresponder diversas proveniéncia alpina43. civitates: no Alentejo, pelo menos Ebora, Ammaia, Aritium Vetus 39; a norte do Tejo, aquelas que se encontram citadas na inscriQáo da ponte de Alcántara, CONCLUSÁO CIL II 760. Permanece o problema de saber se os populi da A maior parte dos autores considera os Cinetes e fachada a norte do Tejo eram, no séc. II a. C.. Cónios como urna popula~áo náo indo-europeia. integrados na Lusitánia; por outras palavras, seriam Subscrevemos a mesma conclusáo, embora os estudos os Turduli Ve/eres e os poyos da Talabriga, Aeminium, de José A. Correa sobre a Iíngua dos Cónios nos Conimbriga, Collipo, Eburobritium e Olisipo integra- deixem perpíexos. O progresso desses estudos poderá dos na Lusitánia ou na Turdetánia? O testemunho de vír a demonstrar o carácter indo-europcu dos próprios Ptolomeu parece dever inclinar-nos para a primeira Cónios, hipótese. Sendo assim, a Lusitánia seria, do ponto de A localizaqáo segura dos Cempsos e Sefes permanece vista socio-político, uma área na qual se contrapunham urna incógnita e só eventualmente através do registro duas estruturas: á organiza9áo tribal do interior arqueológico se poderáo algum dia definir com corresponderia, no litoral, uma organiza9áo já próxima aproximagáo as respectivas fronteiras. Dado que as da cidade-estado, de que Talabriga, Aeminium, Co- escavacóes, passadas ou programadas, no ámbito nimbriga, Collipo, Eburobrittium e Olisipo seriam os geográfico provável destes poyos sáo raras, náo será centros. Náo podemos esquecer o passo de Plinio IV, nos anos mais próximos que o problema se esclarecera. 113 que parece situar no Vouga urna fronteira Acresce que a cultura material dos dois poyos poderá cultural: até este rio cita populi, abaixo dele menciona ser idéntica, dificultando urna definiQáo de fronteiras, opp ida. As tentativas de Bosch-Gimpera e de Lambrino Quanto á cultura material dos Lusitanos, o nosso para definir, através de paralelismos toponímicos, as desconhecimento é total, por falta de escava~ées na Beira. Esperemos que os trabalbos de Raquel Vila~a, origens de Cempsos, Sefes e Lusitanos devem ser acolbidas com reservas, particularmente agora que orientados sistematicamente para o estudo do Bronze Final na Beira Baixa, possam esclarecer-nos sobre Renfrew pretende remontar ao Neolítico a origem e essa cultura, pelo menos nas fases iniciais. Preencher- difusáo europeia dos Indo-europeus44. O registo arqueológico, infelizmente muito incompleto, náo se-ta assim um vazio lamentável da nossa Proto- prova a emigra9ao de poyos para a fachada atlántica História. O problema da origem étnica dos Lusitanos é ocidental da Península no decurso da primeira metade do primeiro milénio a. C. complexo e tem sido longamente debatido, Mendes Correia foi defensor de urna tese de Os Lusitanos, tradicionalmente localizados na Serra da Estrela, devem antes procurar-se eventualmente na autoctonidade ~ Os Lusitanos teriam raizes longínquas no periodo neolítico ou calcolítico: constituiriam urna vertente oriental desta serna, na Coya da Beira e no populaqáo de longa data estabalecida na Beira. Alto Alentejo; esta última área deve considerar-se Teriam sido, é certo, influenciados pelos Celtas, mas parte integrante do território dos Lusitanos. estes náo se teriam fixado na Beira de forma maciQa, Os Lusitanos náo seriam um poyo; o nome foi susceptivel de alterar substancialmente o fundo étnico. utilizado pelos Romanos como um colectivo para Bosch-Gimpera, pelo contrário, considerava os designar vários poyos, alguns dos quais sáo citados na Lusitanos como um poyo ibérico, isto é, oriundo da tnscri9ao da ponte de Alcántara. CIL II 760. Este area mediterránica da Espanha, donde tena emigrado colectivo sería utilizado no séc. VI a. C., na época em em data anterior ao séc. VI a. C., visto que é citado na que a Oca Maritima utilizou a expressáo Lucis, Lusis Ora Maritima41. ou Lysi3 para designar os Lusitanos.

55 vid. Claude Domergue, Un lémoignage sur lmndostrie minien ci métallurgique do plomb dsns la égion dAzuaga (Badajoz) pendant la goerre de Sertorius, Xi Cangreno ¡5/ocr/ono1 r/e Arqueología, Sarago«a. ¡970, p. 608-626. 3< A. Seholten. FHA.. IV, ¡937, p. 174-175. 3’ Teresa Júdice Gamito, The apple/bus of Segóvia (Elvas. Portugal) and ihe decisive batile between Metellos and Hirtulcius, Sertorius quactior in , Bol/ce/u of ihe ¡cisc/tute of Archaeo/ogt. 45 Náo é. de lacto clara a posirño de Schulten em Viriato. Porto, ¡927. Univers/ty of London, 23. ¡986, p. 17-27. ‘Vid. o conLentário dc Lambrino ás dejas de Seholten cm l,ambrino, Les 55 ‘Vid. supra. 5< Talver se devam ainda situar no Alto Alentejo duas outras cric/cates: Lositaniens, Eophrosyne, 1, ¡957, p. 119-120. Concordia e Abelteriun,. ‘Vid, a minies comunicar/mo citada na nota 30. 43 vid. cre. cit, na nota anterior, particularmente p. 124. 4t Mendes Correa, Os pocos primitivos da . “ Colin Renlrew, Arcrlsaeologt anr/ Language. lime pscz:le of tete/o- ~ Bosch-Chapera, El poblansiento ant/go p. 150. Luropean origins. Londres, ¡987.