Uma Conversa Com Joel Silveira Fernando Albuquerque Miranda
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Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação V Congresso Nacional de História da Mídia – São Paulo – 31 maio a 02 de junho de 2007 Uma Conversa Com Joel Silveira 1 Fernando Albuquerque Miranda 2 Aluno do curso de Mestrado em Letras da Universidade Federal de São João Del-Rei Resumo: Nessa entrevista realizada com o jornalista Joel Silveira no dia 14 de dezembro de 2006 são abordadas questões referentes à sua prática e trajetória no jornalismo impresso. Resgata-se parte de sua memória em relação à cobertura jornalística da Segunda Guerra Mundial, feita para os Diários Associados, bem como algumas de suas opiniões sobre o fazer jornalístico de sua época em comparação com a atual. Essa entrevista faz parte do material reunido para minha dissertação de mestrado no curso de Letras da UFSJ, que tem como objetivo analisar o impacto dos meios de reprodução de imagens em movimento nos livros-reportagem sobre guerras. Palavras-chave: cobertura de guerra; Joel Silveira; jornalismo impresso; livro- reportagem. “Bem, meu nome é Joel Silveira, jornalista de 26 anos, e estou indo para a guerra. Voltarei?” (SILVEIRA, 2005, p. 24). Com essa breve apresentação e com a curta indagação que revela um misto de apreensão e dúvida em relação ao destino, que pode-se deduzir ser comum a todos os correspondentes que partem para cobrir uma guerra, Joel Silveira iniciava o último parágrafo de sua primeira reportagem, intitulada “O primeiro dia”, para os Diários Associados. A empreitada dali para frente seria reportar a Segunda Guerra Mundial, acompanhando a Força Expedicionária Brasileira (FEB) na campanha na Itália. Era 1944 e Joel redigiu seu primeiro texto ainda atracado no litoral do Rio de Janeiro, no navio que o levaria junto com cerca de 6 mil soldados brasileiros para Nápoles. Seu trabalho se estenderia por nove meses, tempo em que presenciaria a tomada do Monte Castelo, a rendição da 148ª Divisão Alemã aos brasileiros e a morte de Mussolini em Milão. Entre os correspondentes brasileiros ele era o mais jovem e confessa nessa entrevista não saber até hoje o motivo de ter sido o escolhido de Assis Chateaubriand. “Até hoje eu não sei porque o Chateaubriand me escolheu porque já havia lá o Carlos Lacerda que queria ir, o David Nasser queria ir, o Edmar Morel, vários queriam ir né.” E ao escolhê-lo entre esses jornalistas, na época muito mais conhecidos e experientes, o 1 Trabalho apresentado ao GT 1 – História do Jornalismo, do V Congresso Nacional de História da Mídia, Facasper e Ciee, São Paulo, 2007. 2 Mestrando em Letras pela UFSJ, pós-graduado em Marketing e Comunicação Corporativa pelas Faculdades Santo Agostinho (2005), professor de jornalismo e jornalista formado pela Universidade Federal de Juiz de Fora (1992). Endereço eletrônico: [email protected]. 1 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação V Congresso Nacional de História da Mídia – São Paulo – 31 maio a 02 de junho de 2007 dono dos Diários Associados apenas lhe fez uma recomendação, conforme registra Joel nas últimas linhas de sua primeira reportagem: Lembro-me das palavras de Assis Chateaubriand, meu patrão, quando dele me fui despedir, já devidamente fardado: “Seu Silveira, me faça um favor de ordem pessoal. Vá para a guerra mas não morra. Repórter não é para morrer, é para mandar notícias.” Prometi obedecer cegamente a suas ordens, e tenho de cumprir a promessa. (idem, ibidem, p.24) Joel cumpriu a promessa e, quando retornou da guerra, lançou “Histórias de pracinhas”, em 1946, livro que encontra-se esgotado e que reunia seus textos publicados nos Diários Associados e mais escritos que na época haviam sido censurados pelo Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP). Esta edição serviu de fonte para a editora Objetiva selecionar os textos que formam a coletânea “O inverno da guerra”, lançada em 2005 dentro de sua coleção Jornalismo de Guerra. Essa entrevista surgiu da necessidade de reunir material para minha dissertação, cujo objetivo é analisar os impactos e influências dos meios de reprodução de imagens em movimento nos livros-reportagem sobre guerras. Um dos livros analisados é justamente “O inverno da guerra”, daí o motivo pelo qual tornou-se fundamental procurar Joel Silveira para registrar seu depoimento. Mas o que seria a princípio apenas uma entrevista para tirar dúvidas sobre a hipótese de meu trabalho evoluiu para uma conversa que por várias vezes resvalou na informalidade. Joel me atendeu por telefone de seu apartamento no Rio de Janeiro no dia 14 de dezembro de 2006. Aos 88 anos, o jornalista não pôde conversar comigo pessoalmente. Com a idade avançada, me explicou que já não enxergava direito e ficava a maior parte do tempo deitado na cama. Impossibilitado de ler, não perdeu contudo o gosto por manter-se informado. Confidenciou-me que passava horas “assistindo” televisão, e realmente mostrou-se a par dos últimos acontecimentos naquela ocasião. Com extrema gentileza, o jornalista que acompanhou os maiores acontecimentos da história recente do Brasil e que é considerado o pioneiro do jornalismo literário no país (PENA, 2006, p. 65), apesar de ele mesmo negar isso, deixou parte de sua memória registrada nessa conversa. Falou-me das condições de trabalho na Itália, onde chegou a pegar um inverno de 20 graus negativos, dos momentos em que sentiu a morte passar por perto, da volta triunfante para o Brasil e da polêmica mantida de forma involuntária com Mário de Andrade. 2 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação V Congresso Nacional de História da Mídia – São Paulo – 31 maio a 02 de junho de 2007 Apesar de negar o convívio de elementos informativos e romanescos (MORIN, 1967) – o que é típico dos produtos da indústria cultural conceituada por Adorno e Horkheimer (1982) – em seu texto, em vários momentos Joel confirmou essa tendência pela reprodução de alguns depoimentos (como o de seu amigo Carlos Heitor Cony que, segundo ele, considerava seus escritos “verdadeiros libretos”). A seguir alguns trechos da entrevista. Como o senhor lidava com as tecnologias disponíveis naquela época em sua cobertura da Segunda Guerra Mundial? Bom, naquele tempo o trabalho era muito precário. Não havia os recursos que hoje se tem. Hoje o correspondente de guerra pode cobrir a guerra do quarto do hotel. Ele tem tudo ali, televisão, internet, aquela coisa toda. Mas na Segunda Guerra Mundial o correspondente, quer dizer, no meu caso, no caso do Rubem Braga, nós tínhamos que estar junto com os soldados, na frente. Eu, como era dos Diários Associados, eu tinha direito a mandar telegramas, que era um serviço muito caro. Já o Rubem Braga, que era do Diário Carioca, um jornal pobre, ele não tinha esse recurso. De maneira que o que o Braga escrevia só saía publicado aqui dois meses depois. E eu não, eu saía instantaneamente. Claro que eu não mandava tudo por telegrama, o que custaria um dinheirão, só as coisas mais importantes, como a conquista do Monte Castelo, a rendição da 148ª Divisão Alemã aos brasileiros, a morte do Mussolini lá em Milão. Isso eu mandava por telegrama, compreendeu? O resto então da guerra eu mandava por crônicas. O senhor chegava a enviar material todo o dia para Brasil? Todo dia, todo dia. Às vezes mandava três vezes por dia. E esse material saía aqui no outro dia? Às vezes até no mesmo dia. Quando chegava de manhã, saía. Porque os Diários Associados, além dos matutinos, tinha os vespertinos. Aqui no Rio eram O Jornal e O Diário da Noite. Quando não saía no jornal do dia seguinte, saía à tarde no Diário da Noite. E isso no Brasil inteiro, porque naquele tempo os Diários Associados tinham 27 jornais e rádios. Não havia ainda televisão. O senhor procurava usar o recurso da descrição, por exemplo, para compensar o fato de não haver fotografias do acontecimento no momento exato em que realizava sua cobertura? 3 Intercom – Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação V Congresso Nacional de História da Mídia – São Paulo – 31 maio a 02 de junho de 2007 Ah, Claro. Eu era o mais preciso possível, com detalhes, tal e coisa. No caso de Monte Castelo, eu fui o único correspondente a chegar com a Divisão Brasileira, o 7º Regimento Brasileiro, lá no topo do Monte Castelo compreendeu? E de lá mesmo eu já mandei. Escrevi lá na mesa. Havia tiroteio. Porque o ataque ao Monte Castelo começou às 5 da manhã e terminou às 5 da tarde né? E lá todo mundo tremendo ainda de nervosismo né? Eu escrevi lá mesmo porque lá em cima do Monte Castelo havia uma granja, de um camponês que cultivava cevada, e lá que os alemães tinham se escondido, se aquartelado. Eu botei a máquina, porque sempre que andava eu ia com minha máquina né, e lá mesmo em Monte Castelo eu escrevi a reportagem. Desci, fui para Verona, para o censor militar, que era um brasileiro, cortar tudo que quisesse né. A censura americana era muito boa. Era só evitar citar nomes, essa coisa toda, para não localizar para o alemão né. Era um capitão chamado Boavista, Roberto Boavista, filho do banqueiro que era dono do Banco Boavista. E ele ficou muito meu amigo porque quando foi da rendição de um regimento lá, de uma patrulha alemã, o oficial alemão me deu uma pistola, uma Lunger, que, segundo o exército alemão, o oficial só poderia devolver a pistola para outro oficial. E o correspondente de guerra é tido como capitão, tanto assim que no mês passado eu fui aposentado não como capitão, porém como segundo tenente, compreendeu? Hoje eu sou segundo tenente do Exército Brasileiro, reformado né. Então eu dei essa Lunger para o Boavista. Ele ficou muito alegre.