Rápido aspecto geognóstico do Arquipélago de Cabo Verde Autor(es): Miranda, Raúl de Publicado por: Museu Mineralógico e Geológico URL persistente: http://hdl.handle.net/10316.2/37941 Accessed : 30-Sep-2021 08:53:31

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impactum.uc.pt digitalis.uc.pt PUBLICAÇÕES DO MUSEU MINERALÓGICO E GEOLÓGICO DA UNIVERSIDADE DE COIMBRA

N.° 20

Memórias e Notícias

COIMBRA TIPOGRAFIA DA ATLÂNTIDA 1947 Rápido aspecto geognóstico do Arquipélago de Cabo Verde

Constituindo dois arcos de curvatura diversa a que a ilha de Boavista presta o seu auxílio como elemento de ligação, espalha-se o arquipélago de Cabo Verde em pleno Oceano Atlântico, a menos de quinhentos quilómetros da costa afri­ cana e a quase dois mil e novecentos da capital portuguesa, numa região situada entre os paralelos de 14o 48' e 17o 13' de latitude norte, constituído por dez ilhas e cinco ilhotas de muito característica personalidade geológico-geográfica. Do grupo setentrional ou de Barlavento, as ilhas de Santo Antão e do Sal, formam os extremos do primeiro arco, enquanto ao sul, no grupo de Sótavento, Brava e Maio limi­ tam o agrupamento meridional. E, embora Boavista constitua elemento insular da parte de Barlavento, pela sua posição, ela forma no quadro geo­ gráfico do Arquipélago, mancha emersa que parece aproximar os dois grupos, em justo destaque de situação consentida. Tem sido esta colónia alvo de estudos geológicos de pro­ funda actuação, desde Doelter, Friedlander, Bergt e mais recentemente o Engenheiro Bacelar Bebiano, que publicou um esgotante e notável estudo sobre a «Geologia do Arqui­ pélago de Cabo Verde», que fica como sendo o mais valioso repositório da importância petrográfica dessa nossa colónia africana. Outros autores, como os Professores Amilcar Mário de Jesus e Cotela Neiva, contribuíram também para o conhe­ cimento da constituição mineralógica das rochas do arqui­ pélago. 4

Tem despertado interesse o solo caboverdeano, cuja natureza vulcânica acentuada dá à paisagem aquele tom de domínio mineral apenas, agreste, pessoal e inconfundível, e onde o trabalho humano, náo conseguiu impor outra feição e suavisar à custa dos elementos biológicos, a agressividade com que a natureza se apresenta, em plena floração das suas forças próprias e pujança imponente, da sua, aqui, vontade vitoriosa. A par dessa importância vulcânica, Cabo Verde mani­ festa também actuação sísmica que é necessário pôr em destaque. E não admira que regiões de notável actividade endógena, outrora com fracturas marcadas e falhas diversas, sejam sacudidas por sismos e mesmo possam vir a ser forte­ mente impulsionadas por uma actividade despertadora de energias latentes. O conhecimento da sismicidade de Cabo Verde é neces­ sário para ajudar à interpretação dos problemas de tectó­ nica da colónia, e o aproveitamento das fontes de informação sísmica constituirá ajuda de mérito que é desnecessário encarecer. A génese do arquipélago, deve ligar-se ao movimento dos soclos continentais, como para os Açores e Canárias opina também Wegener. Quer as ilhas de Cabo Verde sejam os fragmentos dis­ persos de um continente em marcha, ou hajam resultado de violentas manifestações extrusivas provocadas por um des­ colamento superficial que diminuiu a resistência dos fundos marinhos e permitiu a ascenção de matérias vulcânicas, o certo é que estes fenómenos se operaram num período de tempo não muito distanciado, o que dá a Cabo Verde um carácter ainda jovem no quadro geológico a que pertence. E no fim da era Terciária, já no Plioceno, e na era Qua­ ternária, que se tornam mais vivas as fracturas do ocidente africano, as quais abrangem as ilhas de Cabo Verde, S. Tomé, Ano Bom e Santa Helena, além da parte continental dos Camarões. As ilhas de mar profundo já se encontram cons­ tituídas nos meados do Terciário, quando a separação dos 5 continentes americanos era já absoluta em relação aobiná­ rio euro-africano. O esforço que representava a marcha para oeste do bloco americano, devia originar nas regiões submarinas, como suce­ deu no Atlântico, a formação decristãs de fundo, que eram acompanhadas de vulcanicidade acentuada, a qual se mos­ trava fortemente activa e ia originando o aparecimento das ilhas dispersas, por intrusões de magmas a que se associa­ vam talvez os vestígios da fragmentação continental, resul­ tante da marcha das Américas para ocidente. A génese do arquipélago só pode ser compreendida, a partir do momento em que a separação dos continentes se efectua, e o Atlântico passa a constituir longa estrada mari­ nha, cujas margens se distanciam, em lento, mas progressivo movimento, ritmado e perturbante. Então o avanço siálico originava à retaguarda dos blocos continentais enrugamentos de fundo, que diminuíam a resistência da crusta e se torna­ vam assim pontos fracos de investidas magmáticas, que iam constituindo os alicerces sobre que viriam assentar em posi­ ção emersa, as ilhas do futuro arquipélago caboverdeano. Para Doelter, os terrenos mais antigos de Cabo Verde, faziam- -lhe supor, que na área hoje ocupada, se estendia o território de um antigo continente, facto que os modernos geólogos não confirmam e que, como diz superiormente o Engenheiro Bacelar Bebiano, a própria análise de relevo submarino contraria. Friedlander, pela observação das rochas antigas crista­ linas, liga o arquipélago ao continente africano, e o estudo dos fósseis, encontrados por este investigador na ilha de Maio, «prova as relações entre as ilhas e a cadeia de mon­ tanhas do Atlas». Que Cabo Verde tenha tido o seu apa­ recimento em período simultâneo ao enrugamento do norte de África, ainda se poderá admitir ; do que porém discorda­ mos, é de uma identidade de origem, pois enquanto o Atlas ficou devendo a sua formação aos esforços orogénicos alpi­ nos, o arquipélago revelou a sua presença somente a partir do desdobramento continental, e não podia existir, quando a 6 coalescência das Américas com a Europa e a África, era ainda um facto do domínio geológico. Dois fenómenos diversos são os responsáveis pela génese dessas formações : um, o enrugamento gigantesco que deter­ minou a elevação das cadeias montanhosas do sul da Europa, da Ásia e norte da África ; outro, de feição translacional, originado pelo próprio movimento de que estava animado, a fricção originando de fundos submarinos, donde resultou a intumescência dos mesmos fundos, a subida de massas igneas e a franca expansibilidade de elementos vulcânicos. A esta segunda causa, pertence, certamente, a origem das ilhas de Cabo Verde. Este arquipélago, eleva-se, como diz Bacelar Bebiano, baseado nas cartas do almirantado inglês, «de um soco submarino, em forma de ferradura, situado aproxima­ damente a 3 .ooo metros de profundidade. Deste soco con­ vergem três pedestais, perfeitamente distintos, a saber: norte, compreendendo as ilhas de Santo Antão, S. Vicente, ilhéus e S. Nicolau; leste e sul compreendendo as ilhas do Sal, Boa Vista, Maio, baixo João Leitão, e S. Tiago; oeste, as ilhas do Fogo, Brava e ilhéus. Entre as ilhas de S. Nicolau e Sal, existe um pedestal secundário, que chega quase a atingir a superfície do Oceano, com 80 metros de profundidade (1). A análise da carta batimétrica, publicada por Bacelar Bebiano, na sua valiosissima obra sobre esta colónia portu­ guesa, mostra como é desigual a distribuição das isóbatas e indica o sentido em que a queda dos fundos se efectua em concordância com as linhas de fractura e de falhas propostas. Duma maneira geral, podemos afirmar que o declive se torna mais rápido para o ocidente, do que para leste do grupo insular. Sobretudo, isto torna-se notório, para as ilhas do Sal, Boa Vista, baixo João Leitão, Maio, S. Tiago, Fogo e Brava,

(1) Bacelar Bebiano: A geologia do arquipélago de Cabo Verde 1932 pág. 12. 7 onde as isóbatas de 2.5oo e 3 .ooo metros se encontram dis­ tanciadas da terra, o que já não sucede para a parte ociden­ tal do arquipélago, onde a sua situação entre as restantes, permite tornar mais denso o seu conjunto e avaliar a natureza do declive mais forte em queda brusca sobre o mar profundo. A 40 quilómetros para oeste de Santo Antão, passa a isóbata de 3 .5oo metros, a qual se afasta tanto na região oriental, que deixa a ilha da Boa Vista a uma distância de perto de 180 quilómetros. Há, por consequência, uma assimetria nítida no relêvo submarino, com abrandamento a leste e forte acção incisiva a ocidente. A sul de algumas ilhas, como em S. Nicolau, S. Tiago, Fogo e Brava, as isóbatas acompanham de perto a dimi­ nuição do declive a oeste. Na já obra citada, Bacelar Bebiano traça um esboço tec­ tónico com algumas linhas de fractura e de falhas profundas ; das primeiras, temos a considerar a que liga Santa Antão à Boa Vista, passando por S. Vicente, Santa Luzia e S. Nico­ lau, em direcção noroeste-sueste ; a paralela à costa ocidental de Santo Antão; e a que, em sentido meridiano, passa pelo Sal e Maio. Como linha de falhas, o autor localiza uma, de S. Nicolau ao Fogo, e outra, atravessando S. Tiago em todo o seu comprimento. Fortemente contorcionado em todas as suas ilhas, o arquipélago de Cabo Verde manifesta uma pluralidade de aspectos vulcânicos, a que a erosão se associou, trabalhando para dar à sua fisiografia o aspecto característico de um relêvo apocalíptico. Fases diversas de expansões magmáticas são reconheci­ das; e os círculos vulcânicos obrigam ao reconhecimento de numerosas crateras, que se espalham pelas ilhas e testemu­ nham evidente actividade endógena. Não se encontra contudo em posição de equilíbrio estável o arquipélago, pois este, tem sofrido numerosos impulsos verticais e está ainda isostáticamente condenado a uma fugaz quietude. 8

Fenómenos de levantamento verificam-se em especial na ilha de Brava, cujo território se há erguido e provocado, por tal emergência, uma sismicidade mais forte nesta do que nas outras ilhas. Os tremores de terra são mais frequente e já Friedlan- der(1) a propósito deste facto, temia que as nascentes de águas termais nesta ilha, viessem a secar, por deslocamento do nível das mesmas toalhas, ocasionado pelos sismos cuja frequência aqui se torna mais pronunciada. Eis por que muitos dos fenómenos sísminicos em Cabo Verde, tem de ir buscar a sua origem aos movimentos epiro- génicos, que de longe actuam, e reflectem um estado de incer­ teza sob o ponto de vista do equilíbrio. O trabalho de levantamento que acabamos de ver na Brava, encontra-se igualmente em outras ilhas do arquipé- lago. Na ilha de Santo Antão, «na Ponta do Sol e na Baía do Tarrafal, são encontradas camadas calcáreas com fósseis, situadas a 3 metros acima do nível médio do mar, que indicam provàvelmente uma emersão da ilha, como já alu­ dimos (2)». O mesmo sucede com as formações sedimentares da ilha de S. Tiago, reveladoras de uma emersão lenta e por vezes de regressões marinhas responsáveis pela flutuação do nível do oceano. Na ilha de Maio, a sucessão das formações geológicas indica que a par de fenómenos de levantamento, se produzi­ ram igualmente abatimentos de fundo, o que explica a inter­ calar disposição de massas de conglomerados e de rochas calcáreas acima do nível do mar. Nas conclusões a que chega àcerca da ilha de S. Nicolau, Bacelar Bebiano afirma que esta se está elevando por acção

(1) Ivenarach Friedlander: Subsídios para o conhecimento das Ilhas de Gabo Verde. 1914, pág. 88. (2) Bacelar Bebiano, ob. cit., pág.55 . 9 isostática, compensadora de perdas sofridas por uma acção erosiva de grande intensidade. Os depósitos sedimentares que se encontram no arquipé­ lago de Cabo Verde, denotam a interferência de movimentos epirogénicos de grande vulto, que se têm operado com variá­ vel ritmo, acompanhados por vezes, de regressões marinhas, muitas destas explicadas por abatimentos do fundo do oceano, em épocas de vibrante acentuação e mobilidade, das massas continentais, em marcha para o ocidente. As diversas expansões magmáticas operadas em períodos diferentes, revelaram uma prolongada acção geodinâmica e deviam ter produzido, pela sua acumulação em certas regiões do arquipélago, um desiquilibrio de massas a atender. Simultâneamente, os agentes epigénicos começaram a actuar de forma impressionante, ravinando o relevo, esca­ vando vales de erosão e transportando os materiais soltos para o mar. A actividade desses agentes, tem sido tão notá­ vel, que não é para admirar que a sua influência se tenha feito sentir em elevações de nível de algumas ilhas. Dado o aspecto típico da paisagem mineral, dominante, mais viva incidência manifestaram os agentes atmosféricos no seu trabalho de desgaste e destruição; ruínas ciclópicas, elevações abruptas sem manto vegetal protector, crateras vasias, lembrando o mundo lunar, depressões rápidas e ter­ renos escalvados recordando as origens distantes, tudo Cabo Verde apresenta em intercaladas visões de um sonho gran­ dioso mas realizado. Se aos factores externos devem as ilhas a maior parte dos seus vales profundos, escondidos entre muralhas de montanhas agressivas e intolerantes, outros também ficaram devendo a sua formação a fracturas, como os da Ribeira de e do na ilha de Santo Antão; muito provavelmente, os da , , e Ribeira da Janela, na mesma ilha, terão tido origem tectónica mais ou menos acentuada à qual se associou, posteriormente, o trabalho erosivo dos agentes epigénicos. 10

Os levantamentos observados nas ilhas de Cabo Verde, provocaram falhas variadas no arquipélago; nem outra coisa seria de esperar, de acções verticais que actuaram sobre massas já existentes, embora essas falhas sejam de reconhe­ cimento difícil, dada a configuração especial de um relevo dantesco, constituído por diferentes períodos de acção extru­ siva, violentos umas vezes, mais suaves outras e que inter­ valaram com uma erosão eminentemente activa, desgasta- dora em extremo e criadora de uma orografia ruiniforme. A sismicidade caboverdeana, terá de sofrer a influência da epirogénia que impulsiona ainda este sistema insular, além das fracturas a que um conjunto variado de erupções deu realce, como se observa na ilha do Fogo com a formação de um largo vale para oriente, a partir do Chão, nesta ilha. Sujeito a intempestivas vulcânicas de grandeza acentuada, Cabo Verde registou outrora numerosos sismos que se liga­ ram às suas próprias manifestações extrusivas e fácil é de avaliar com deviam ter sido importantes e frequentes. A entrada, porém, em fase secundária, da actividade eruptiva do arquipélago, com sossego relativo, embora a 6 de Junho de 1909, o Fogo pareça ter sido o teatro de uma erup­ ção de cinzas (1), releva para segundo lugar a origem vulcâ­ nica dos actuais tremores de terra, e liga especialmente estes fenómenos, às variações isostáticas que continuam a impul­ sionar e dirigem as vicissitudes de um relevo e tectónica surpreendentes. ILHA BRAVA Tremor de terra de Vila Nova de Cintra de 26 de Fevereiro de 1944

A ilha Brava, a mais ocidental do grupo de Sotavento, apresenta-se quase isodiamétrica, sendo o seu comprimento em relação à largura, de pouco mais de um quilómetro de

(1) Friedlander, ob. cit., pág. 54. 11 extensão. Com uma área restricta (1), mais se avantajam as suas elevações em referência à sua pequena superfície. A região central da ilha ê a mais elevada; para norte de Vila Nova de Cintra, tornam-se os declives mais adossados e consequentemente mais brando o seu relevo. O solo da Brava é constituído por lavas fonolíticas, com conglomerados, lapilli e tufos — provenientes de erup­ ções efectuadas por um grupo de crateras de que a das , possuía pelas suas dimensões, natural ascen­ dência. As formações sedimentares, nalguns pontos do litoral, provam os fenómenos de acções verticais operados nesta ilha. Calcáreos e conglomerados fossilíferos, fazem reconhecer a sua primitiva posição submarina e o estado emerso, expli­ ca-se, por intervenção epirogénica, dado o facto de tais sedi­ mentos serem muito reduzidos, o que parece não concordar com uma regressão marinha que naturalmente envolveria mais larga superfície da faixa litoral. Vila Nova de Cintra, onde este sismo teve lugar, encontra se a menos de três qui­ lómetros da costa oriental, à altitude de 474 metros, passan­ do-lhe perto a Ribeira da Rasca, que vai terminar a nordeste, no Porto da Furna E no litoral, junto da foz deste curso de água, que se encontram, conforme Bacelar Bebiano, conglomerados de «calhaus rolados de basalto e de fonolítos com cimento cal­ cáreo, contendo fósseis de lamelibranquios e gasterópodos» (2), que se estende até à margem direita daquela Ribeira, obser- vando-se a poucas centenas de metros de Vila Nova de Cin­ tra, conglomerados com acentuados sinais de moluscos fósseis o que demonstra anterior posição imersa. Sinais evidentes de terraços costeiros, como já Friedlan- der notara na Ribeira Aguada, Ribeira Vinagre e na Lava- dura, contribuem para a afirmação de que a Brava sofreu

(1) 64 Kilóm.1 2 (2) Bacelar Bebiano, obra citada, págs. 210-221. 12

levantamentos que ainda continuam, e a que não podem ser estranhos os acontecimentos de ordem sísmica que ali se manifestam. A povoação abalada, assenta em terrenos de lava fono- lítica, com lapilli, tufos e escórias, daqui partindo um pequeno afluente da Ribeira da Rasca, que corre para nordeste, com queda superior a ioo metros por quilómetro. Em 1942, foi sentido um sismo de intensidade média; no principio deste século, forte tremor de terra originou a destruição de nume­ rosas casas e a abertura de fendas em paredes e muros de várias povoações. Segundo as informações fornecidas, o abalo de 1944 apre­ sentou várias réplicas, tendo o tremor principal sido obser­ vado às 10 horas, 47 minutos e3 o segundos, seguindo-se-lhe outro de intensidade menor. O movimento foi de caracter vertical e a sua direcção de leste para oeste. Quase todos os habitantes se aperceberam do fenó­ meno, quer os que estavam dentro de casa, quer os que se encontravam na rua, e muitas pessoas retiraram-se apressadamente das suas habitações com receio de desmo­ ronamentos. Dentro de casa, os móveis estremeceram fortemente e os relógios de pêndula, oscilaram. Queda de estuque e fendas nas paredes, foram notadas em casas mesmo de mais sólida construção; noutras, mal construídas, os estragos foram mais valiosos e atingiram mais viva amplitude. Não foi reconhecida a duração do abalo e não existem notícias de ruídos subterrâneos. A proximidade a que se encontra Vila Nova de Cintra do Porto da Furna, onde estão verificados levantamentos na zona do litoral, pode dar aos movimentos epirogénicos razão explicativa dos acontecimentos sísmicos sucedidos naquela localidade, a que talvez possível fractura por onde corre a Ribeira da Rasca, aumente a intensidade do fenómeno. Intensidade sísmica — 6.° grau (Escala de Rothé). 13

ILHA DE SANTO ANTÃO

Como derradeira formação insular a oeste do grupo de Bar­ lavento, ergue-se altaneira no seu relevo, a ilha de Santo Antão. O seu comprimento (42.750m) quase duplica a largura (23.97om) e a área de 779km2, dá-lhe o segundo lugar na superfície de todas as ilhas do arquipélago. De natureza essencialmente vulcânica, a sua situação é a mais setentrional da colónia, com uma latitude norte de 17o o5' 01". A costa, no nordeste, é cortada em falésia, o que não sucede com outras regiões costeiras onde as praias são planas e situadas pouco acima do nível do oceano. Na parte ocidental de Santo Antão, levanta-se a maior elevação do arquipélago, o Tope da Coroa, com 1979m des­ cendo-se daqui rapidamente para a baía de Monte Trigo, enquanto que para o interior, e em direcção ao nascente, o relevo se afirma ondulado até ao , com os Moroços constituindo a bossa mais saliente, num corte atra­ vessando a ilha em sentido longitudinal. Do Pico da Cruz, para oriente, o declive é menos áspero do que na parte oposta da ilha, sem isto significar a pre­ sença contudo de uma orografia suave. O Tope da Coroa, constitui, como já dissera Doelter, «uma das mais interessantes ruínas de vulcões» (1), precipitando o seu declive para oeste e dando lugar a vales encaixados, profun­ dos e estreitos, como os da Ribeira de Monte Trigo e da Ribeira do Tarrafal do Monte Trigo, que já para Friedlan- der não eram apenas vales de erosão, mas lhe pareciam ser de «fractura precedente». Numerosas covas e crateras desmanteladas, espalham-se em todos os sentidos, e mostram em larga profusão a gigan­ tesca obra das antigas erupções. Por vezes, a estrutura e

(1) Doelter: Os Vulcões de Cabo Verde e os seus produtos. 1910, pág. 17. origem dos vales, torna-se de difícil esclarecimento, mas é de presumir que alguns daqueles, como os da Ribeira Grande, Ribeira Torre, do Paul e da Janela, não sejam apenas o resultado de um trabalho erosivo, mas se juntem causas tec- tónicas que expliquem a sua génese. Se a diferença de nível entre o Tope e o mar é de 1979m, numa distância horizontal de quatro quilómetros (1), as pro­ fundidades marítimas a ocidente de Santo Antão fazem passar a isóbata de 2.000 metros a uma distância costeira de 20 milhas, sucedendo-se, as de 2.5oo, 3 .000 e 3 .5oo metros em evidente proximidade. São poucos os depósitos marinhos que a ilha apresenta. Calcáreos conquíferos têm sido localizados na ponta do Atum, na baía do Tarrafal e próximo de Ponta do Sol, demonstrando uma elevação de nível que originou o apa­ recimento de praias levantadas. Segundo Bebiano, Santo Antão é constituído por lavas basálticas e rochas fonolíticas intercaladas, projectadas por numerosas crateras e sobre as quais a erosão tem trabalhado activamente. Para nordeste, registam-se avanços do mar de forte pro­ fundidade, ao mesmo tempo que acções epirogénicas actuam no sentido da elevação dalguns pontos da costa.

Tremor de Terra em Tarrafal de Monte Trigo a 13 de Maio de 1945

O sismo sucedido nesta data teve a sua localização a sudoeste da ilha de Santo Antão, precisamente próximo da Ponta do Atum, onde acções verticais têm sido demonstradas pela presença de rochas sedimentares com fósseis marinhos abundantes. Pelo esboço tectónico do arquipélago, publicado por Bacelar Bebiano, Tarrafal de Monte Trigo fica situado quase no cruzamento das duas linhas de fractura que este autor revelou: uma, correndo ao longo da orla costeira do

(1) Bacelar Bebiano,ob. cit., pág. 63. 15 ocidente; e outra, que se desloca de sudoeste desta ilha em direcção a oriente, interessando S. Vicente, Santa Luzia, S. Nicolau e Boavista. Já dissemos que o relevo cai bruscamente sobre o mar a partir do dopo da Coroa, e que os fundos submarinos alcançam maiores e mais rápidos declives perto da costa ocidental de Santo Antão. O tremor de terra foi conhecido às5 horas e io minutos, não se tendo observado réplicas. O movimento, segundo as informações, foi horizontal, parecendo ter tido a sua prove­ niência a ocidente. Muitas pessoas se aperceberam do fenómeno, notando-se ruídos sísmicos parecidos com a passagem de um carro na estrada. Dentro de casa, os móveis estremeceram ligeira­ mente e várias pessoas que dormiam a essa hora, acordaram. No litoral, alguns rochedos desprenderam-se e cairam. Não houve desastres materiais a assinalar. A duração do sismo não foi apreciada devidamente. A que origem teremos de ligar o tremor de terra sentido? Conhecidas as linhas de fractura existentes que rodeiam esta localidade e a situação quase fronteira de um litoral que se levanta, com um curso de água - a Ribeira de Tar- rafai — encaixada em vale profundo, onde se poderão asso­ ciar a uma actividade erosiva, fenómenos tectónicos, é de prever que a origem deste tremor, dada a sua pequena área de propagação, se deva ligar á sismogenia de alguma daque­ las fracturas, que encontraram, neste local, mais viva reper­ cussão do seu movimento.

Intensidade sísmica 5.° grau (Escala de Rothé) Ruídos sísmicos 1.° grau (Escala de Davison)

Tremor de terra em Passagem (Paul) a 10 de Outubro de 1945

No nordeste de Santo Antão foi observado nesta data um sismo de pequena intensidade. Como anteriormente dissemos, os vales por onde passam as Ribeiras Grande, 16 da Torre, do Paul e da Janela, são talhados abruptamente; e, apesar do mesclado das intrusões recebidas e da varie­ dade de magmas basálticos que aí se encontram, é fácil de concluir que acções geodinâmicas tenham actuado na cons­ tituição e morfologia desses vales apertados. Tem o vale da Ribeira do Paul, como o da Torre, a sua origem a leste da , em cujo lugar se efectua- ram outrora largas erupções nesta parte da ilha. Da antiga cratera, parte um canal subterrâneo que vai alimentar a Ribeira do Paul. A zona costeira, entre a foz deste curso e a ponta do Bufadouro, ostenta, como diz o geólogo Bace­ lar Bebiano(1), um sistema de ribas elevadas, truncando-se perpendicularmente, os vales das ribeiras, que chegam a ficar 6o metros acima do nível do oceano e representam a actividade erosiva do mar e dos ventos de nordeste. Só mais para o norte, na ponta do Sol, nos aparecem formações calcáreas que denotam elevação sofrida neste lugar por forças verticais. O sismo foi verificado às 17 horas e 10 minutos e constou apenas de um pequeno abalo, sem replicas, com uma dura­ ção aproximada de5 segundos. Não foi caracterizado o tipo do movimento, nem obser­ vada a direcção em que se propagou. Foi sentido por diversas pessoas dentro de casa e acom­ panhado por ruídos semelhantes ao da passagem de um veí­ culo na estrada. Não se notaram outros efeitos, quer dentro das habitações, quer no exterior. Desconhecem-se outras localidades atingidas, pelo que é de supor que a sua área foi extremamente reduzida e fraco ou nulo o seu poder de propagação. Estaremos em frente de um sismo originado por possível fractura da Ribeira do Paul, ou teremos de ir buscar a sua causa à epirogenia da Ponta do Sol ? Aguardamos novos

(1) Obra citada, pág. 57. 17 dados da sismicidade do nordeste de Santo Antão para podermos emitir mais decisivo julgamento.

Intensidade sísmica 4.0 grau (Escala de Rothé) Ruídos sísmicos 1.° grau (Escala de Davison)

Conclusões

1 —No biénio de 1944-1945, foram sentidos três tremo­ res de terra no arquipélago de Cabo Verde, sendo as ilhas de Brava e de Santo Antão as atingidas per esses fenómenos ; 2 — Na ilha de Brava, a causa do sismo de Vila Nova de Cintra deve filiar-se em movimentos epirogénicos da zona do litoral; 3 — Na ilha de Santo Antão, o sismo de Tarrafal de Monte Trigo, deveria ter tido a sua origem nas frac­ turas que quase se conjugam nesta localidade, enquanto o de Passagem, a sua causa oscila entre a epirogenia verificada a norte da ilha ou a actividade de qualquer fractura ainda não reconhecida no vale da Ribeira do Paul. 4 — Embora de carácter médio, quanto à intensidade, foi a ilha de Brava que atingiu valor mais impor­ tante (6.° grau).

Raúl de Miranda Assistente da Faculdade de Ciências