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Pró-Reitoria de Graduação Curso de Comunicação Social Trabalho de Conclusão de Curso

TRÁFICO DE PESSOAS: A SALVE JORGE E O AGENDAMENTO DA MÍDIA

Autora: Aline Baeza Orientadora: Dra. Sofia Zanforlin

Brasília - DF 2013

ALINE MAGALHÃES BAEZA

TRÁFICO DE PESSOAS: A TELENOVELA SALVE JORGE E O AGENDAMENTO DA MÍDIA

Artigo apresentado ao curso de graduação em Comunicação Social da Universidade Católica de Brasília, como requisito parcial para obtenção do Título de Bacharel em Jornalismo.

Orientadora: Professora Dra. Sofia Cavalcanti Zanforlin

Brasília 2013

Artigo de autoria de Aline Magalhães Baeza, intitulado ―TRÁFICO DE PESSOAS: A TELENOVELA SALVE JORGE E O AGENDAMENTO DAMÍDIA, apresentado como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo da Universidade Católica de Brasília, em 3 de dezembro de 2013, defendida e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

______Prof. Doutora Sofia Cavalcanti Zanforlin Orientadora Comunicação Social (UCB)

______Prof. Mestre Ana Carolina Kalume Maranhão Avaliadora interna Comunicação Social (UCB)

______Prof. Mestre Alberto Marques Silva Avaliador interno Comunicação Social (UCB)

Brasília 2013

Ao meu amado pai, Antônio Baeza, sempre presente em meu pensamento e coração em cada página deste trabalho. Paizinho, você me deixou os mais sólidos valores; entre eles, força e persistência diante das dificuldades. Obrigada. Por você eu não desisti. À minha amada mãe, Wilma Baeza, por quem tenho imensurável amor e admiração. ImitoMilton Nascimento que, ao compor música em homenagem à mãe, não colocou letra. Justificativa: “não havia, em todo o universo, palavras ou poesias que chegassem aos seus pés”. Ao meu amado noivo, amigo e companheiro Erich, que permaneceu ao meu lado nos sábados de sol, mesmo que fosse apenas para me servir café enquanto estudava.“Let's stay together. Loving you wheather, wheather times are good or bad, happy or sad”.

AGRADECIMENTO

Agradeço a Deus, sempre e em primeiro lugar.

À minha família – pai, mãe, irmãs Yaya, Dea, Nana e aos meus cunhados pela força nos dias difíceis. Obrigada, sobrinhos que tanto amo. Andressa Baeza, obrigada pela tradução! Vocês são tudo que tenho de mais valioso no mundo. Vovó Zita, obrigada! Tio Weiler e tia Beth, muito obrigada pela força e carinho de sempre. Erich, você já é minha família. Obrigada por tudo.

Agradeço àprofessora Sofia Zanforlin pela impecável e precisa orientação e, sobretudo, por me fazer tomar gosto pela pesquisa. E pelos conselhos também!

TRÁFICO DE PESSOAS: A TELENOVELA SALVE JORGE E O AGENDAMENTO DA MÍDIA

ALINE MAGALHÃES BAEZA

Resumo: Este trabalho analisa o importante papel da telenovela brasileira ao atuar no cotidiano da sociedade, gerando reflexões ao abordar temas sociais em suas obras. Mais que analisar esta característica, pretende confirmar sua capacidade em pautar a mídia noticiosa, à luz da hipótese da Agenda-Setting. O artigo apresenta uma análise de conteúdo com base na telenovela Salve Jorge, da Rede Globo, observando como o tema tráfico de pessoas foi agendado na imprensa, em especial no jornal Folha de S. Paulo.

Palavras-chave: Tráfico de Pessoas. Telenovela. Mídia.

Resumen:

Este artículo analiza el importante papel de la telenovela brasileña al actuar en el cotidiano de la sociedad, generando reflexiones al abordar temas sociales en sus obras. Más que analizar esta característica, pretende confirmar la capacidad de guiar los medios de comunicación, a la luz de la hipótesis de la Agenda-Setting. El artículo presenta un análisis de contenido basado en la telenovela Salve Jorge, de la Rede Globo, observando como el tema Trata de Personas y Tráfico Ilegal de Migrantes fue abordado en la prensa, especialmente en el periódico Folha de S. Paulo. Palabras clave: Telenovela. Trata de Personas. Tráfico Ilegal de Migrantes. Medios de comunicación.

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Introdução

Este artigo foi pensado em fevereiro de 2012, quando fui convocada pela Secretaria de Justiça, Direitos Humanos e Cidadania para uma palestra sobre tráfico de pessoas, realizada pelo Ministério da Justiça. Foi a primeira vez que ouvi falar sobre o assunto. Sabia que havia mulheres que eram enganadas e obrigadas a trabalhar como prostitutas em outro país, impedidas de voltar pra casa. Mas descobri outras modalidades desse crime. Existiam poucas reportagens sobre o tema. Passei, então, a escrever sobre a falta de agendamento de um problema que, em minha opinião, era grave e necessitava ser divulgado pelos jornais e exposto para a sociedade, como um alerta. Um ano depois a Rede Globo anunciava a nova novela das 21h, que tinha como tema principal o tráfico de pessoas. Desde então meu objetivo de pesquisa mudou, pois as notícias sobre o assunto passaram a ser constantemente divulgadas na mídia, as pessoas discutiam a questão. Percebi como a telenovela, produto originalmente de ficção e entretenimento, coloca em pauta questões relevantes para serem discutidas pela sociedade e subsidia a pauta no jornalismo. Decidi analisar a repercussão da novela e seus reflexos no agendamento do jornalismo e nas ações governamentais. Não é intenção deste artigo defender ou acusar a telenovela, mas analisá-la como importante instrumento de comunicação para tratar de assuntos socialmente relevantes. O objetivo, portanto, é analisar a telenovela como meio de comunicação potencial para colocar em pauta assuntos de relevância para a sociedade, agendando o noticiário da mídia. Como exemplo, a novela Salve Jorge, de , com o tema tráfico de pessoas. A telenovela é um importante meio de comunicação para colocar em pauta assuntos de relevância nacional? A telenovela Salve Jorge pautou o tema tráfico de pessoas em outras mídias? Essas são as questões que serão analisadas. Espera-se que o presente artigo sirva como contribuição aos estudantes de jornalismo para que percebam a telenovela com olhar menos acusatório, de que ela é apenas um produto que aliena as massas, mas a enxerguem como produto cultural capaz de gerar reflexões importantes na sociedade.

Pois, encante-nos ou nos dê asco, a televisão constitui hoje, simultaneamente, o mais sofisticado dispositivo de moldagem e deformação do cotidiano e dos gostos populares e uma das mediações históricas mais expressivas de matrizes narrativas, gestuais e cenográficas do mundo cultural popular. (MARTIN-BARBERO: 2001, p.26)

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Inicialmente, pretende-se fazer um panorama do tráfico de pessoas no Brasil, abordando as legislações e discussões de pesquisadores sobre o assunto. Posteriormente, a intenção é mostrar as características da telenovela como produto cultural e como o formato passou a tratar assuntos sociais, utilizando o recurso Merchandising Social,tornando-se produto que mostra a realidade brasileira às vezes de maneira mais fiel que o jornalismo. O recorte da novela Salve Jorge e o núcleo do tráfico de pessoas é apresentado em seguida. Por fim, pretende-se evidenciar que a telenovela abriu espaços para que outros veículos de comunicação como jornais impressos, em especial o jornal Folha de S. Paulo, revistas e programas de televisão abordassem o assunto. A exposição do tema tráfico de pessoas é analisado antes, durante e depois da exibição da novela de Glória Perez. Pretende-se confirmar se a novela agendou o tema em outras mídias.

Sobre o Tráfico de Pessoas

A Convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional é o ato normativo internacional mais abrangente no combate ao crime organizado no mundo. Foi adotada em Nova York em 15 de novembro de 2000. 147 países assinaram o acordo, inclusive o Brasil, por meio do Decreto nº 5.017, de 12 de março de 2004. O tráfico de pessoas, de acordo com o Protocolo Adicional referente à Prevenção, Repressão e Punição do Tráfico de Pessoas, em especial Mulheres e Crianças (2004) consiste no:

Recrutamento, o transporte, a transferência, o alojamento ou o acolhimento de pessoas, recorrendo à ameaça ou uso da força ou a outras formas de coação, ao rapto, à fraude, ao engano, ao abuso de autoridade ou à situação de vulnerabilidade ou à entrega ou aceitação de pagamentos ou benefícios para obter o consentimento de uma pessoa que tenha autoridade sobre outra para fins de exploração. A exploração incluirá, no mínimo, a exploração da prostituição de outrem ou outras formas de exploração sexual, o trabalho ou serviços forçados, escravatura ou práticas similares à escravatura, a servidão ou a remoção de órgãos.

De acordo com o Ministério da Justiça, o Protocolo permite identificações de outras modalidades de tráfico de pessoas, como tráfico para fins de mendicância, para prática de crimes como pequenos furtos ou cultivo e tráfico de drogas.

As pessoas são traficadas por motivos de exploração sexual, trabalhos forçados, adoção ilegal de crianças ou tráfico de órgãos. Seja qual for o objetivo, fere o direito constitucional de seus direitos humanos. A maioria das vítimas se encontra em situações

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vulneráveis. Fragilizadas e sem perspectivas para o futuro em seu país, iludem-se com promessas de uma vida melhor, com salários maiores e tornam-se, assim, presas fáceis para os criminosos. Elas perdem sua dignidade humana e, acuadas pelo medo e coagidas por constantes ameaças e violências, não acreditam que podem sair dessa situação. Em algumas situações, as vítimas de exploração sexual ou trabalho escravo não se veem nessa condição vitimizada. Elas não enxergam o tráfico como uma violação de seus direitos. Essas pessoas, em sua maioria, vivem às margens da sociedade e lutam por melhores condições de vida. Algumas vezes não têm nenhuma noção de cidadania ou de seus direitos humanos, garantidos por lei. Não reconhecem o traficante como um criminoso, mas como alguém que está lhe dando oportunidade de crescimento, e acreditam que a intervenção do Estado atrapalha sua chance de ascensão social. No sítio oficial da Polícia Federal há um banner para registrar denúncias contra o tráfico de pessoas. Nele consta a seguinte definição para o tráfico:

O tráfico de pessoas para exploração sexual entre estados brasileiros ou para fora do país é crime. As pessoas são aliciadas com a falsa proposta de um futuro melhor, mas encontram uma realidade em que seus documentos podem ser retidos, são aprisionadas, obrigadas a fazer o que não querem, induzidas ao consumo de drogas ou contraírem dívidas que não podem pagar.Homens, mulheres e crianças, independentemente da opção sexual podem ser vítimas. O tráfico de pessoas para a exploração do trabalho se configura também com base em falsas promessas de emprego, contratação de emprego em condições diversas das que são encontradas pelas vítimas, que acabam se endividando e se tornando verdadeiras escravas dos patrões.No tráfico de órgãos as quadrilhas organizadas compram e vendem órgãos como rins e córneas aproveitando-se da necessidade econômica da vítima e obtendo altos lucros com este tipo de comércio clandestino.

Relatório do Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime (UNODC) revela que mulheres, adolescentes e crianças somam 75% das vítimas do tráfico de pessoas. A maior parte de pessoas do sexo masculino são traficados para o trabalho escravo. O diagnóstico do tráfico no Brasil, feito pelo Ministério da Justiça, mostra o perfil das vítimas: maioria mulheres pobres, com filhos, com baixa escolaridade, que exercem trabalho de baixa exigência, moradoras de locais carentes de saneamento e transporte.

O UNODC divulgou pesquisa que mostra o tráfico de pessoas como a terceira atividade ilícita mais rentável do mundo, movimentando cerca de 32 bilhões de dólares por ano. Em primeiro lugar está o tráfico de drogas, que lucra 320 bilhões de dólares ao ano; em segundo está a falsificação ou pirataria, que movimenta 250 bilhões no mesmo período.

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A Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual (Pestraf, 2002) mapeou 241 rotas nacionais e internacionais do tráfico no Brasil: 131 internacionais, 78 interestaduais e 32 intermunicipais. Quanto mais pobreza e desigualdade houver na região, mais rotas de tráfico ela tem. A Região Norte tem maior concentração de rotas (76), seguida do Nordeste (69), Sudeste (35), Centro-Oeste (33) e Sul (28).

Em abril de 2011 o Senado Federal instalou a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) como objetivo de investigar o tráfico nacional e internacional de pessoas no Brasil, suas causas, consequências, rotas e responsáveis, no período de 2003 a 2011, compreendendo a vigência da Convenção de Palermo. A CPI foi finalizada em dezembro de 2012. Em seu relatório final, a Comissão propõe mudanças na legislação penal, que reconhece o tráfico de pessoas apenas com a finalidade de exploração sexual. Segundo o relatório, a falta de tipificação de crime para as outras modalidades do tráfico dificulta a obtenção de dados estatísticos confiáveis sobre os números do tráfico de pessoas no Brasil. A Câmara dos Deputados também instalou uma CPI, com a mesma finalidade, em abril de 2012. O prazo final, se não houver prorrogação, será em 20 de dezembro de 2013.

Os pesquisadores Guilherme Mansur Dias e Márcia Anita Sprandel analisam o tema com outro enfoque. Observam que antes de o governo ratificar o Protocolo de Palermo, o tráfico de pessoas praticamente inexistia no Brasil. As preocupações da sociedade civil se referiam à “proteção de migrantes, crianças e adolescentes vítimas de exploração sexual comercial, crianças e adolescentes em situação de trabalho infantil e trabalhadores adultos em situação de trabalho escravo”. Para eles, há um alarde sobre tráfico de pessoas, que serviu para coibir a migração indocumentada, criando uma “demanda artificial” que desviou a atenção da defesa dos direitos dos migrantes.

Demanda artificial não porque o crime do tráfico de pessoas inexista e não necessite ser enfrentado pelas autoridades competentes, mas porque a abrangência do enfoque e a maneira como as discussões foram inicialmente pautadas fizeram crer que ele estaria amplamente difundido na sociedade brasileira e que precisaria ser priorizado, em detrimento de outras temáticas (2012, p. 29).

Em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo, o pesquisador da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Thaddeus Blanchette reforça a opinião de Dias e Sprandel.

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Tráfico pressupõe ser dominada, ter o passaporte retido. Não digo que não existe, mas é numa escala muito menor do que se alardeia. O que existe são mulheres que foram trabalhar como prostitutas no exterior por conta própria, mas vão e voltam. (Folha de S. Paulo,9/12/2012, Ilustríssima, p.4)

Para Blanchette, a pesquisa da Petraf, citada anteriormente, não é confiável. Ela foi financiada pela Usaid - Agência Norte-Americana para o Desenvolvimento.

A Usaid financiou o estudo brasileiro enquanto cortava recursos para programas de prevenção à Aids voltados para profissionais do sexo. Não seria exagero dizer que os parceiros internacionais da Pestraf não são propriamente amigos dos trabalhadores do sexo. (2012, 9 de dezembro)

Na mesma reportagem, a socióloga Gabriela Leite afirma que o problema é que misturam tráfico e prostituição. Para ela o pano de fundo do interesse contra o tráfico se resume em “preconceito, xenofobia e interesse dos países ricos em fechar suas fronteiras”. Os pesquisadores não negam a existência do tráfico de pessoas ou de suas vítimas, porém, interpretam que o tema é utilizado como controle migratório e como forma de desestimular o movimento internacional da prostituição. Apresentar este panorama sobre o tráfico de pessoas no Brasil se faz necessário. Porém, não é objetivo deste artigo discutir a problematização do tema, apesar de sua importância e gravidade. Interessa-nos a exposição do assunto nos noticiários e outros veículos de comunicação a partir da telenovela Salve Jorge.

As características da telenovela

Os anos 50 marcam a chegada da televisão no Brasil com a fundação da TV Tupi. Sua Vida me Pertence (1951) foi o primeiro texto-folhetim transmitido. A falta de tecnologia e equipamentos impossibilitavam a gravação da cena, razão porque era transmitido ao vivo, duas vezes por semana. A improvisação e o gênero dramático eram características da época. Inspiradas nas novelas de Cuba, as estórias eram fabulosas, pouco conexas com a realidade. É nos anos 60, com a chegada do videotape, que foi possível gravar sons e imagens, apresentando a telenovela como é conhecida hoje. A novela Direito de Nascer alcança grande sucesso e se torna um fenômeno de comunicação de massa. “Há registros na história que os atores desta trama são reconhecidos na rua e confundidos com pessoas reais. É a ficção invadindo a realidade ou a realidade confundindo a ficção”. (CETVN/USP, 2012) A narrativa melodramática dava o tom das . Após Beto Rockfeller (1968), de Bráulio Pedroso há uma mudança no eixo dramático e a realidade brasileira passa a ser

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representada com personagens mais parecidos com o povo brasileiro, situações e diálogos próximos do nosso cotidiano. “Os personagens do antigo folhetim, que reforçavam um imaginário herdado da aristocracia (carruagens, reis, rainhas, duques e condes) passam a circular pelas ruas de São Paulo, agora de ônibus e automóvel, vestindo terno e gravata” (RAMOS; BORELLI, 1989, p.74apud PEREIRA, 2008, p.2). A década de 70 consolida a telenovela como produto mais assistido pelos brasileiros; nas décadas de 80 e 90 ela ganha força. É a partir do ano 2000 que a realidade ganha mais espaço na ficção e os temas sociais ganham destaque.

O poder de influência que a telenovela desperta na população tem sido objeto de pesquisa em diversos estudos. Elas são os programas de maior audiência em toda a América Latina (Lopes, 1997). No Brasil, caracteriza-se como principal produto cultural e atua como agente que contribui para a educação social dos telespectadores, adquirindo uma linguagem própria para falar de dramas sociais. Para Fadul (1999, p.18), a telenovela é um dos gêneros mais importantes da televisão brasileira. As emissoras e os autores, percebendo o interesse da população pelo produto, trataram de incluir temas de relevância para a sociedade a fim de levantar discussões sobre o assunto.

Para a pesquisadora Maria Aparecida Baccega, ainda hoje a telenovela é vista com preconceito, “como se ainda fizéssemos novelas de Cinderela ou de Sheikes de Agadir”. (2003, p.7) Ela critica a ideia de que é uma forma de alienação e mostra como a telenovela pauta os assuntos sociais.

Na verdade, toda a sociedade, com maior, menor ou sem escolaridade, homens e mulheres, crianças, jovens e adultos, residentes nas mais diferentes regiões do país discutem a temática social pautada pela telenovela. Até porque os meios de comunicação em geral -jornal, rádio -, pautados também pela telenovela, abrem espaço para tal temática. (2003,p. 14)

Baccega lembra o aumento de doadores de medula durante a novela Laços de Família, que abordou o assunto; e o destaque dado à questão dos Sem Terra, durante a exibição da novela . Para a pesquisadora, a telenovela e a ficção televisiva em geral “conseguem, de maneira muito mais ágil, expor conceitos e caminhar com êxito no sentido da persuasão da população em geral.”

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Dados do Ibope mostraram que o gênero de ficção ocupou 19% de toda programação da televisão aberta em 2012. Em primeiro lugar ficou o gênero informativo, com 25% da programação. Juntos, ocuparam 44% da programação total.

Fonte: Gráfico 4, Obitel 2013, p. 132

De acordo com dados da OBITEL1, a telenovela é o maior representante de obras de ficção na televisão brasileira.

Fonte: Tabela 5, Obitel 2013, p.37

Segundo o Observatório, uma característica explícita da telenovela brasileira é a inserção de temas e cenas que expõem os problemas sociais. Lopes e Mungioli (2012, p. 134) explicam que este recurso é “marca distintiva da telenovela brasileira. Por isso, em 2012, o chamado merchandising social ou ações socioeducativas, novamente esteve na TV do país.”Schiavo (2002) chama essa característica de Merchandising Social - a inserção proposital e com intenções educativas bem definidas, de questões sociais nas telenovelas (e outros programas) a fim de alertar os telespectadores sobre questões de grande relevância para

1OBITEL – Observatório Íbero-Americano de Ficção Televisiva – Surgiu em 2005 como um projeto intercontinental que analisa a produção, audiência e repercussão sociocultural da ficção televisivada regiãoibero- americana, incluindo países latino-americanos, ibéricos eos Estados Unidos de população hispânica.

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a sociedade. Pretende-se, assim, provocar a população a discutir determinados assuntos ou até gerar mudanças de comportamentos e atitudes em relação a esses assuntos.

A partir dos anos 1970, a telenovela passou a mostrar a cara do Brasil e, cada vez mais, influenciar o comportamento e a cabeça dos brasileiros. Houve, a partir de então, um crescente interesse dos autores em abordar, em suas tramas, temas de cunho social, com o objetivo de despertar no telespectador o censo crítico e a vontade em discutir esses assuntos. Nessa época, a ditadura do Regime Militar proibia os autores de abordar determinados assuntos em suas novelas. Nos anos 1990, os temas de interesse social entraram na ordem do dia pra valer. Hoje é quase uma obrigação abordar esses assuntos na trama do horário nobre. É o que se convencionou chamar de merchandising social. (XAVIER, 2007, p. 193).

Uma das autoras que mais utiliza o conceito em suas telenovelas é Glória Perez. Em De Corpo e Alma (1992), a personagem Paloma () possui uma grave doença cardíaca e necessita de um transplante de coração para não morrer. A luta e a busca por doação retratou a realidade sobre transplante de órgãos. O Instituto do Coração (Incor), que não recebia doação há dois meses, na primeira semana da novela recebeu nove órgãos para transplante (XAVIER, 2007, p.197).

Em Explode Coração (1995), a autora abordou o drama de crianças desaparecidas. Odaísa (Isadora Ribeiro) procurava pelo filho desaparecido e se juntou ao grupo Mães da Cinelândia, no Rio de Janeiro, para tentar encontrá-lo. As estórias reais, de mães à procura dos filhos, era mostrada ao final de cada capítulo, com entrevistas das mães e fotos das crianças. A novela estimulou empresas a realizarem campanhas. Fotos de crianças desaparecidas passaram a ser impressas em diversas embalagens e bilhetes de loteria. Uma grande campanha foi feita pelo programa Fantástico. Segundo Xavier (2007), também ajudou a polícia a encontrar dezenas de crianças.

O Clone (2001) abordou a dependência química por meio dos personagens Mel (Débora Falabella) e Lobato (Osmar Prado). Glória Perez inseriu depoimentos reais emocionados de dependentes, desmistificando o perfil dos usuários. Como resultado, houve aumento significativo de dependentes que procuraram centros de tratamento e internação.

Em 2012, com a novela Salve Jorge, a autora abordou o tema tráfico de pessoas. E é esta novela o objeto de estudo deste artigo.

Um exemplo de ação social que repercutiu para além da ficção ocorreu com as personagens Penha (Taís Araújo) e Lygia (Malu Galli), que eram, respectivamente, empregada e patroa na telenovela . As atrizes participaram da campanha sobre os direitos dos trabalhadores domésticos promovida pelas Nações Unidas para a Igualdade de Gênero e o

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Empoderamento das Mulheres e pela Organização Internacional do Trabalho. Outro exemplo é o tema do tráfico humano, em Salve Jorge, que chegou a mobilizar as mídias e as redes sociais com debates sobre o assunto e repercussão na imprensa internacional. (LOPES; GÓMEZ,2013, p. 133)

Apresentando a novela

A novela Salve Jorge (Rede Globo), de Glória Perez, foi veiculada do dia 22 de outubro de 2012 até 18 de maio de 2013. Na primeira cena, a protagonista Morena (personagem da atriz Nanda Costa) é leiloada em um evento na Turquia. A partir daí temas como prostituição, trabalho escravo e adoção ilegal são demonstrados na novela. Morena é uma jovem pobre, que mora no Morro do Alemão (favela do Rio de Janeiro), com sua mãe e seu filho. Desempregada, recebe uma proposta de emprego para trabalhar como garçonete em um café na Turquia. Animada com a chance de ganhar dinheiro (em dólar) e ajudar a família a comprar a casa em que mora, Morena aceita o emprego. Ao chegar no país, vai conhecer seu local de trabalho. Entra na boate e descobre que foi traficada. Lá conhece Jéssica (Carolina Dieckman) e ficam amigas. Jéssica foi assassinada pela quadrilha tempo depois. Glória Perez escreveu a história de Morena com base na vida de Ana Lúcia, traficada para Televiv-Israel, em 1998. Em depoimentos durante a novela, Ana Lucia contou que a realidade que viveu era muito mais sofrida que a de Morena. A história da personagem de Carolina Dieckman foi real: era Vívian, amiga de Ana Lúcia. “Aplicaram heroína nela e jogaram seu corpo enrolado num lençol num dos becos de Telaviv, com o passaporte e a passagem dela.”

Conceitos e Metodologia

A Teoria do Agendamento (agenda-setting) foi formuladana década de 70, por Maxwell McCombs e Donald Shaw. Os autores apontam que a mídia define, determina o que deve ou não ser discutido pela sociedade. O ponto controverso da teoria é saber se são os meios de comunicação que determinam os assuntos da população ou o contrário. O assunto não se esgota. Antes mesmo de McCombs e Donald Shaw, o conceito da teoria já era defendido por Bernard Cohen (1963, p.13apudCOUTINHO, 2000, p. 3): "Na maior parte do tempo a imprensa pode não ter êxito em dizer aos leitores como pensar, mas é espantosamente exitosa em dizer aos leitores sobre o que pensar".Mauro Wolf também defende que os meios de comunicação de massa moldam o conhecimento da população. Eles classificam o que deve ou não ser notícia, se o assunto fará ou não parte do dia a dia da população.

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Em consequência da acção dos jornais, da televisão e dos outros meios de informação o público sabe ou ignora, presta atenção ou descura, realça ou negligência elementos específicos do cenário público. Os media através de seus critérios de seleção e edição de notícias apresentariam ao público uma lista daquilo sobre o que é necessário ter uma opinião e discutir. (WOLF, 1995, p.130)

Desde que foi formulada por McCombs e Shaw, a hipótese do agendamento sofreu adaptações, inclusive por eles, no que diz respeito à influência dos meios de comunicação. Mas o poder da mídia na construção da realidade social permanece inalterado.Para Iluska Coutinho (2000, p.6), os veículos agendam temas “na medida em que são considerados um ponto de referência na estruturação da visão de mundo pelos indivíduos, em que têm credibilidade”. Assim, como ter credibilidade uma obra de ficção e esta ser capaz de agendar outros veículos? Retomando sobre a mudança da narrativa melodramática para uma mais próxima da realidade após Beto Rockfeller, citada nesse estudo, os autores de novela buscam retratar o cotidiano da sociedade. Embora não sejam a expressão do real, buscam uma verossimilhança com fatos reais e, recordando sobre os conceitos de merchandising social, percebe-se uma conquista de credibilidade das telenovelas. Ainda de acordo com McCombs, “ocasionalmente, o agendamento intermídia toma uma forma muito diferente – a mídia de entretenimento define a agenda da mídia noticiosa.” (2009, p. 181). O presente artigo aborda os seguintes problemas de pesquisa: a telenovela é um importante meio de comunicação para colocar em pauta assuntos de relevância nacional? A telenovela Salve Jorge pautou o tema tráfico de pessoas em outras mídias? Para analisar e responder a estes questionamentos será analisado o jornal Folha de S. Paulo, com base no método da análise de conteúdo, utilizando a semana artificial: “Uma estratégia comum de amostra para publicações regulares é a semana artificial. As datas do calendário são um referencial de amostragem confiável, de onde se pode extrair uma amostra estritamente aleatória” (BAUER; GASKEL, 2013, p.196). Para Bauer e Gaskel (2013, p.190), a análise de conteúdo é um método de análise de texto desenvolvido dentro das ciências sociais empíricas. Não se pretende analisar a maneira como o jornal abordou o tráfico de pessoas, mas se houve uma influência da telenovela na pauta do jornal. Para Berelson, análise de conteúdo é “a técnica de pesquisa para descrição objetiva, sistemática e quantitativa do conteúdo manifesto da comunicação.” (1952, p. 18). Apesar de a definição de Berelson, citada por Gaskel (2013, p.192), já ter sido superada por

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outros estudiosos, a análise quantitativa se mostra eficaz no primeiro momento, quando são apenas quantificadas as matérias inseridas no jornal antes, durante e depois de Salve Jorge. Posteriormente são analisadas, qualitativamente, as inserções do tema na mídia e no próprio jornal Folha de S. Paulo. Entre a objetividade dos números e a subjetividade da análise qualitativa, pretende-se confirmar se houve aumento no número de notícias sobre tráfico de pessoas na mídia, sobretudo no jornal Folha de S. Paulo durante a exibição de Salve Jorge.

A validade da análise de conteúdo deve ser julgada não contra uma “leitura verdadeira” do texto, mas em termos de sua fundamentação nos materiais pesquisados e sua congruência, e à luz de seu objetivo de pesquisa. Um corpus de texto oferece diferentes leituras, dependendo dos vieses que ele contém. (BAUER; GASKEL, 2013, p.191)

O jornal Folha de S. Paulo foi escolhido por dois motivos: não pertencer às organizações Globo e por ser, de acordo com a Associação Nacional de Jornais (ANJ), o jornal de maior circulação paga no país em 2012, ano em que a novela Salve Jorge foi ao ar. Em sua linha editorial, estabelece como princípio, a busca por um jornalismo crítico, apartidário e pluralista. Em seu manual de redação de 2001, dentre os critérios de noticiabilidade, estabelece que “os fatos de incontestável interesse geral e as notícias de utilidade pública ocupam o topo da hierarquia das pautas. Dentre as de mesmo impacto, as investigações exclusivas devem ter prioridade.” Ainda lista critérios para definir a importância da notícia: Ineditismo (a notícia inédita é mais importante do que a já publicada); Improbabilidade (a notícia menos provável é mais importante do que a esperada); Interesse (quanto mais pessoas possam ter sua vida afetada pela notícia, mais importante ela é); Apelo (quanto maior a curiosidade que a notícia possa despertar, mais importante ela é); Empatia (quanto mais pessoas puderem se identificar com o personagem e a situação da notícia, mais importante ela é). O jornal possui 8 cadernos diários. São eles: Poder – dedica-se à vida política, institucional e aos movimentos sociais, analisando os últimos acontecimentos. Mundo (aborda as principais notícias internacionais), Mercado (analisa a conjuntura econômica brasileira e internacional), Cotidiano (oferece informações das áreas de segurança, educação e direito do consumidor), Ciência+Saúde (refere-se a assuntos da ciência e saúde, noticiando as últimas pesquisas sobre o tema no Brasil e no mundo), Esporte (notícias nacionais e internacionais

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sobre o tema) e Folha Ilustrada (cobertura nas áreas de cultura e entretenimento). Além dos cadernos diários, a Folha possui suplementos, que circulam em diferentes dias da semana: TEC, FolhaTeen, Equilíbrio, Turismo, Folhinha, Ilustríssima, Veículos, Empregos, Negócios e Imóveis. Em auditoria realizada em 2012 pelo Instituto Verificador de Circulação (IVC), a Folha de S. Paulo é o jornal impresso de maior tiragem e circulação entre os jornais diários de circulação nacional. Em outubro de 2012 (mês em que Salve Jorge foi ao ar), estes foram os números: Circulação paga – outubro/2012 - Aos Domingos: tiragem de 321.535 exemplares. Dias úteis: 297.927 exemplares. Média de tiragem de segunda a domingo: 301.299 exemplares. A novela Salve Jorge foi transmitida durante sete meses – 22 de outubro de 2012 a 18 de maio de 2013. A coleta de dados foi realizada por dois meses antes, durante e depois da transmissão da novela, num período compreendido entre 22 de julho a 22 de setembro de 2012 (63 edições do jornal); 22 de fevereiro a 22 de abril de 2013, período onde ocorreu o primeiro índice de maior audiência da novela (60 edições) e 22 de junho a 22 de agosto de 2013 (62 edições). Os trinta dias antes e depois da transmissão de Salve Jorge não foram analisados para não sofrerem interferência das chamadas para a novela. As amostras geraram um corpus de 185 jornais analisados. O objetivo foi verificar se houve aumento de matérias, reportagens ou notas sobre o tráfico de pessoas. Durante a pesquisa foram descartados os seguintes cadernos: Esporte, TEC, FolhaTeen, Equilíbrio, Ciência+Saúde, Folhinha, Veículos, Empregos, Negócios e Imóveis. Parte do caderno Folha Ilustrada também foi desconsiderada, por tratar apenas de resumo das novelas.

Análise e Resultados

Antes de Salve Jorge – 22 de julho a 22 de setembro de 2012.

Período: 22 de julho a 22 de setembro de 2012 – Antes da novela Data Caderno Página Gênero Foco 8 de Mundo 16 Matéria Depoimento de agosto vítima

15 de Cotidiano 5 Matéria Prisão de setembro traficantes Total 2 inserções do tema tráfico de pessoas

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“Retrato da Escravidão” – 8 de agosto de 2012 A matéria conta a história da indiana Rani Hong, 40 anos, conselheira da ONU. Aos 7 anos, Rani foi levada de sua casa por uma mulher que dizia ser amiga da família e queria cuidar da educação da menina. Rani foi vendida como escrava para trabalhar como empregada doméstica em fábricas. Passou fome, foi espancada e torturada. Quando os traficantes perceberam que ela não dava mais lucro, a venderam para a adoção internacional. Só aos 28 anos descobriu o que era tráfico de pessoas e percebeu ter sido vítima do crime. Hoje dá depoimentos pelo mundo para alertar as mulheres contra o tráfico.

“Chefe de imigração ilegal, brasileiro é condenado nos EUA” – 15 de setembro de 2012 Matéria sobre a prisão do brasileiro Nacip Teotônio Pires, condenado a 3 anos e 10 meses de prisão por chefiar uma quadrilha de tráfico internacional de pessoas. Ele confessou o crime e afirmou ter levado para os EUA, ilegalmente, centenas de indianos e brasileiras, que eram obrigadas a se prostituir para para pagar pelos serviços. Outros 5 brasileiros também são suspeitos de participar da quadrilha. O grupo atuou de janeiro de 2008 a junho de 2011 dirigindo um esquema para a entrada ilegal de estrangeiros em três estados americanos: Nova Jersey, Massachusetts e Texas. A matéria informou que durante as investigações foram feitas escutas telefônicas que revelaram que cada imigrante ilegal tinha de pagar de U$ 13 mil a U$ 25 mil ao grupo. Quem não tinha condições de pagar, sofria ameaças.

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Durante Salve Jorge – 22 de fevereiro a 22 de abril de 2013

Período: 22 de fevereiro a 22 de abril de 2013 – Durante a novela

Data Caderno Página Gênero Foco 24 de Poder 4 Nota Investigação fevereiro de rotas 27 de Cotidiano 5 Reportagem Relatório fevereiro sobre o tráfico

27 de Cotidiano 5 Nota Disputa fevereiro política 28 de Opinião 3 Artigo Projetos em fevereiro tramitação 4 de The New 1 e 2 Reportagem Trabalho março York Times forçado

13 de Opinião 3 Artigo Violência março contra a mulher 28 de Mundo 12 Artigo Retorno de março emigrantes 7 de abril Ilustríssima 7 Entrevista Período de paz no séc. 21

12 de abril Ilustrada 2 Notas Denúncias

Total 9 inserções do tema tráfico de pessoas

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“A vida...Continua” – 24 de fevereiro de 2013 A nota explica que o governo investiga rotas do tráfico de pessoas, principalmente travestis e transexuais, da Paraíba para a Itália, e cita a novela: “É a segunda operação desde que a novela global „Salve Jorge‟ passou a abordar o tema. Outra nota informa que funcionários do Ministério da Justiça e Ministério das Relações Exteriores foram para Roma participar de reuniões com autoridades italianas.

“Combate ao tráfico de pessoas é falho, aponta relatório” – 27 de fevereiro de 2013 A reportagem analisa o relatório produzido pela Polícia Federal, Ministério da Justiça e a Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o tráfico de pessoas. O relatório, divulgado no dia anterior à reportagem, mostrou que o número de presos por participação no tráfico internacional de pessoas é muito menor que o número de suspeitos e indiciados. Dos 514 inquéritos abertos pela Polícia Federal (de 2005 a 2011) apenas 117 pessoas foram presas e 31 indiciadas. A reportagem cita declaração da ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres sobre a novela Salve Jorge: “A ministra Eleonora Menicucci disse no evento que o quadro do tráfico retratado pela novela Salve Jorge, da Rede Globo, „é muito pouco e que o cenário real é muito mais grave e preocupante”.

“Tema gera disputa entre oposição e Governo Federal” – 27 de fevereiro de 2013 A nota informa que, no lançamento da segunda fase do programa de combate ao tráfico de pessoas, o governo e a oposição disputaram “ganhos políticos na área” e que o ministro da justiça, Eduardo Cardozo, afirmou que o tráfico de pessoas é um tema que “está na pauta da sociedade”.

“Tráfico de Pessoas” – 28 de fevereiro de 2013 O artigo de Luiza Nagib Eluf, procuradora da Justiça, destaca o papel da novela Salve Jorge: “Devemos reconhecer que a novela „Salve Jorge‟ está prestando um serviço à população ao abordar de forma clara e didática o tráfico internacional de seres humanos para fins de prostituição”. Acrescenta que a população deve estar esclarecida sobre o assunto “a fim de que possa se defender. E as massas só se ligam naquilo que aparece na televisão.” No artigo, a procuradora defende projeto de lei em tramitação na Câmara Federal, que regulamenta os serviços prestados pelos profissionais do sexo. Lembra que o código penal

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atual pune apenas o tráfico internacional para fins de exploração sexual. A procuradora reforça a proposta de reforma penal para que se punam criminalmente a extração de órgãos, tecidos ou parte do corpo humano e o trabalho escravo.

“Minas da Índia contratam crianças” – 4 de março de 2013 A reportagem de duas páginas revela o trabalho de crianças e adolescentes em minas de carvão, na índia, apesar de existir uma lei que proíbe o trabalho de menores de 18 anos nesses locais. Segundo a reportagem, menores de idade e outros trabalhadores são levados do Nepal e Bangladesh por meio de redes informais, descritas como redes de tráfico humano.

“Basta de violência contra a mulher” – 13 de março de 2013 O artigo da ministra-chefe da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres, Eleonora Menicucci cita o 2º Plano de Combate ao Tráfico de Pessoas como um dos planos de governo mais importantes no enfrentamento à violência contra a mulher.

“O aeroporto volta a ser a saída” – 28 de março de 2013 O artigo de Clóvis Rossi mostra que caiou em 30% o número de brasileiros vivendo no exterior. Por isso o governo brasileiro lançou o Portal do Retorno, para quem deseja retornar ao Brasil. O Itamaraty percebeu que o retorno ao país é complicado e frustrante porque os brasileiros não conseguem se reinserir diante das oportunidades que o governo oferece. Rossi explica que o Portal do Retorno nasceu, entre outros motivos, porque está havendo uma re-emigração ao Reino Unido, por exemplo, “de brasileiros que foram vítimas do tráfico de pessoas uma vez e caíram de novo porque não se encaixaram no Brasil.”

“Século 21, um paraíso de paz” – 7 de abril de 2013 Esta é uma entrevista com o psicólogo evolucionista Steven Pinker, da Universidade de Harvard. Para ele, a humanidade se encontra num dos períodos de menos violência de toda a história. Pinker cita o tráfico de pessoas quando o jornalista pergunta qual será a próxima grande evolução humanitária. O psicólogo responde: “Acho que já estamos vendo algo parecido em muitas frentes, como as campanhas contra o tráfico de pessoas e a violência contra a mulher.”

“Salve Jorge na Real” -12 de abril de 2013

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Em três notas, a colunista Mônica Bergamo informa que, de acordo com dados da Secretaria da Justiça e da Defesa da Cidadania, o número de denúncias contra o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual ou trabalho escravo aumentou 44% no primeiro trimestre de 2013 em comparação com o mesmo período em 2012. A colunista informou que a Secretaria acredita que o aumento de denúncias pode ser reflexo de maior conhecimento da população sobre o tráfico de pessoas “graças à ampla abordagem do tema pela novela Salve Jorge.”

Depois de Salve Jorge – 22 de junho a 22 de agosto de 2013

Período: 22 de junho a 22 de agosto de 2013 – Após a novela Data Caderno Página Gênero Foco 2 de Mundo 16 Matéria Depoimento agosto de vítima Total 1 inserção do tema tráfico de pessoas

“Banho de dignidade” – 2 de agosto de 2013

A matéria é sobre a história de Theresa Flores, 48 anos. Ela conta que, aos 15 anos, foi pega por traficantes sexuais e obrigada a se prostituir. Os traficantes não a sequestraram: “Não me sequestrar e permitir que eu continuasse vivendo com meus pais era uma maneira de me manter sob controle. Ele fotografava a cena e dizia que mostraria as fotos para meu pai, para o chefe do meu pai e espalharia as fotos pela escola. Além das chantagens, eles me drogavam, me batiam, diziam que matariam minha família, mataram meu cachorro com um tiro e deixavam pássaros mortos na minha caixa de correio”. Theresa conta que um dia os homens a leiloaram para mais de vinte homens e a deixaram num motel. Uma garçonete percebeu e chamou a polícia. Theresa diz que a

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recuperação foi difícil até começar a estudar sobre tráfico humano e perceber que sua história não era a única. Hoje tem um projeto de combate à prostituição de crianças e adolescentes nos Estados Unidos. Pelo projeto, Theresa e voluntários vão a pequenos hotéis e motéis e fornece milhares de sabonetes com um número de telefone para denúncias nas embalagens para que meninas tenham acesso. Theresa vai trazer seu trabalho para o Brasil em 2014, durante a Copa do Mundo. Diante da análise, observamos que antes da veiculação da telenovela Salve Jorge duas notícias sobre o tráfico de pessoas apareceram num período de dois meses. 1 depoimento de uma vítima do tráfico e 1 matéria sobre a prisão de traficantes. Durante a novela, num mesmo recorte de período, o assunto foi abordado 9 vezes, entre matérias, notas e reportagens. Em algumas delas a telenovela foi expressamente citada. Após o término da novela, novamente num período de dois meses, houve 1 depoimento de vítima do tráfico de pessoas. Podemos, então, dizer que houve aumento na abordagem do tema durante a exposição de Salve Jorge. A telenovela não obteve grande audiência, em comparação com as últimas tramas do horário nobre. De acordo com o Obitel, entre as telenovelas mais vistas de 2012, Salve Jorge ficou em quarto lugar:

Fonte: Tabela 7, Obitel 2013, p. 145

Segundo Xavier (2013), especialista em telenovelas, a novela atingiu a pior média para o horário até o capítulo 24 – 30,63 pontos no Ibope da Grande São Paulo. Cada ponto equivale a 60 mil domicílios. Em seu blog, Xavier mostra dados do Ibope, comparando com as obras anteriores até o capítulo 24: Salve Jorge: 30,63 pontos Avenida Brasil (2012): 35,5 pontos (2011-2012): 38,25 pontos

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Insensato Coração (2011): 31,75 pontos Passione (2010): 31,21 pontos (2009-2010): 36,5 pontos Caminho das Índias (2009): 34,54 pontos (2008-2009): 35,25 pontos

Com menos de 1 mês de exibição da novela, notando o baixo índice de audiência, Xavier sugere: Torcemos para que Salve Jorge decole. Glória Perez deveria focar no que sua novela tem de melhor: a trama do tráfico de mulheres, que é o grande diferencial de Salve Jorge em relação às suas outras novelas. O tema é interessante, chama a atenção, é atual, serve como alerta, denuncia, levanta a discussão. Merchandising social é uma marca registrada das novelas de Glória Perez, o diferencial que fez da autora uma das mais talentosas e competentes de nossa televisão. (2013)

Falta de coerência e um roteiro mal costurado foi um dos motivos, segundo Xavier, pelo baixo índice da novela. Ainda assim, é possível observar que o tema social inserido na novela conquistou espaço em outras mídias, subsidiando o jornalismo a promovendo ações do governo. Como exemplo, podemos citar uma reportagem do programa Fantástico, exibido no dia 3 de fevereiro de 2013. Na reportagem, agentes da Polícia Federal juntamente com a Polícia Nacional Espanhola, desarticularam uma quadrilha de tráfico de pessoas que atuava na Espanha. Segundo a Polícia Federal, foi a novela Salve Jorge que encorajou uma mãe a fazer a denúncia para a Secretaria de Políticas para Mulheres. O diretor-geral da Polícia Federal explicou que a mãe deixou claro que, assistindo à novela, percebeu a semelhança com a condição da filha e denunciou a quadrilha. Um casal de aliciadores foi preso em Salvador. Seis mulheres foram libertadas, entre elas, duas brasileiras. A reportagem do Fantástico reforça a afirmação de Weber e Souza (2009, p.158) do “poder de fala da telenovela nacional, a modalidade repercussão, ou seja, a telenovela fora do lugar, transformada em matéria jornalística ou material publicitário.” Durante Salve Jorge, o governo lançou o primeiro relatório de dados sobre o tráfico de pessoas no Brasil e o II Plano de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas. O sítio eletrônico do Senado Federal publicou uma matéria intitulada “Sofrimento além da Ficção”, em que faz um paralelo entre uma real vítima do tráfico de pessoas e a personagem Morena, de Salve Jorge.

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Outras publicações jornalísticas agendaram o tráfico de pessoas em seus produtos. Num caderno especial da Folha de S. Paulo, que não estava compreendido no período de análise deste trabalho, a trama de Glória Perez serviu como pano de fundo para discussões de especialistas sobre o assunto. Intitulada “Rede de Intrigas – A novela do tráfico de mulheres no Brasil”, a reportagem especial resume:

Tema de novela da Globo, tráfico e exploração sexual de mulheres no exterior está no centro de controvérsia entre ativistas pró direitos humanos e militantes dos direitos das prostitutas. Para antropólogos, alarde em torno da questão constitui campanha moralista para reprimir a imigração de prostitutas para a Europa (Ilustríssima, p.3)

A revista Marie Claire fez uma reportagem especial sobre tráfico humano, com histórias reais de pessoas que inspiraram as personagens de Salve Jorge. No site da revista havia uma petição online para aprimorar as legislações brasileiras contra o crime.

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Considerações Finais

O estudo propôs verificar se a telenovela é um importante meio de comunicação para colocar em pauta assuntos de relevância nacional e se a telenovela Salve Jorge foi capaz de agendar outras mídias com o tema do tráfico de pessoas, em especial o jornal Folha de S. Paulo. Durante o estudo, contextualizamos o tráfico de pessoas no Brasil, com base em autores que debatem o tema, e foram elencadas algumas ações governamentais para combater o crime. Embora o cenário sofra constante mudança, foi necessário fazer um panorama sobre a questão. O estudo analisou a evolução das telenovelas e a mudança em sua narrativa. Desde os anos 90 elas não se limitam a entreter seu público. As campanhas sociais, inseridas por meio do recurso Merchandising Social, se mostraram eficazes para promover debates sobre assuntos polêmicos e relevantes, comprovando o poder de influência que a telenovela exerce na população. O recurso também foi utilizado na novela Salve Jorge, que aprofundou o tema tráfico de pessoas em seu enredo. Apesar de ser obra ficcional, depoimentos reais foram inseridos na trama. Ao se aproximar do cotidiano social e retratar a realidade do tráfico, a telenovela rompeu os limites da ficção e se aproxima dos espaços noticiosos, que não ficam indiferentes frente ao assunto abordado. Diante das mudanças no jornalismo atual, quando “tudo passa a ser informação a ser divulgada e todos passam a ter a chance de informar”(THOMÉ, 2005, p. 60), os leitores-telespectadores-consumidores têm ao seu alcance grande número de informações e,

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com a televisão dominando a audiência, a mídia impressa precisa atrair seu leitores. Assim, por que não referenciar o assunto que está na agenda da telenovela em horário nobre? Por sua vez, ao escolher o jornal Folha de S. Paulo, a intenção foi buscar um veículo que pudesse se assemelhar à abrangência nacional da telenovela e que tivesse o mínimo de interferência e vinculação com as organizações Globo. Um jornal impresso das organizações agendaria, provavelmente, ainda mais o assunto, numa retroalimentação do conteúdo na mídia. Ainda assim, foi possível confirmar um aumento no número de notícias sobre o tema tráfico de pessoas. A telenovela espetaculariza temas sociais, que, assim, entram na pauta do jornalismo de diversas formas. Há casos em que a novela da TV estimula a imprensa a tratar dos assuntos abordados, e há casos em que o que se passa na trama televisiva pauta os discursos de pessoas entrevistadas pelos repórteres. Campanhas sociais da teledramaturgia têm encontrado eco em discursos de autoridades, sendo, a partir daí, notícia nas páginas dos jornais (THOMÉ, 2005, p.145)

O período de levantamento de dados (frame temporal) do jornal foi de 2 meses, mas o jornal creditou à novela matérias que não abarcaram o período, como “a sociedade desperta agora para o problema, sensibilizada pela ficção da telenovela”, entre outras citações. Como foi explicado anteriormente, não foi objetivo deste estudo analisar a abordagem dada ao assunto, mas verificar, quantitativamente, se houve aumento da inserção do tema no periódico. Outras publicações foram analisadas qualitativamente, principalmente quando se referem à Salve Jorge. Podemos concluir, portanto, que a novela extrapolou a esfera do melodrama e motivou a pauta no jornalismo. Oporquê de o jornalismo abordar assuntos tratados em telenovela é um instigante motivo de pesquisa. Porém, são cenas do próximo capítulo.

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