DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

(Editada desde 1851)

v. 136 n. 07/09 jul./set. 2016

FUNDADOR COLABORADOR BENEMÉRITO

Sabino Elói Pessoa Luiz Edmundo Brígido Bittencourt Tenente da Marinha – Conselheiro do Império Vice-Almirante

R. Marít. Bras. v. 136 n. 07/09 p. 1-320 jul. / set. 2016 A Revista Marítima Brasileira, a partir do 2o trimestre de 2009, passou a adotar o Acordo Ortográfico de 1990, com base no Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, editado pela Academia Brasileira de Letras – Decretos nos 6.583, 6.584 e 6.585, de 29 de setembro de 2008.

Revista Marítima Brasileira / Serviço de Documentação Geral da Marinha. –– v. 1, n. 1, 1851 — Rio de Janeiro: Ministério da Marinha, 1851 — v.: il. — Trimestral.

Editada pela Biblioteca da Marinha até 1943. Irregular: 1851-80. –– ISSN 0034-9860.

1. MARINHA — Periódico (Brasil). I. Brasil. Serviço de Documentação Geral da Marinha.

CDD — 359.00981 –– 359.005 COMANDO DA MARINHA Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira

SECRETARIA-GERAL DA MARINHA Almirante de Esquadra Liseo Zampronio

DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias

REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Corpo Editorial Capitão de Mar e Guerra (Refo) Milton Sergio Silva Corrêa (Diretor) Capitão de Mar e Guerra (RM1) Carlos Marcello Ramos e Silva Jornalista Deolinda Oliveira Monteiro Jornalista Jacir Roberto Guimarães

Assessoria Técnica Capitão de Mar e Guerra (RM1-T) Nelson Luiz Avidos Silva Terceiro-Sargento-PD Isabelle de Medeiros Vidal

Diagramação Desenhista Industrial Felipe dos Santos Motta Artífice de Artes Gráficas Celso França Antunes

Assinatura/Distribuição Suboficial-RM1-CN Maurício Oliveira de Rezende Marinheiro-RM2 Pedro Paulo Moreira Cerqueira

Departamento de Publicações e Divulgação Capitão de Corveta (T) Ericson Castro de Santana

Impressão / Tiragem Laboratório de Ideias / 8.000 REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Rua Dom Manuel no 15 — Praça XV de Novembro — Centro — 20010-090 — Rio de Janeiro — RJ  (21) 2104-5493 / -5506 - R. 215, 2524-9460

A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA (RMB) é uma publicação oficial daMARINHA DO BRASIL desde 1851, sendo editada trimestralmente pela DIRETORIA DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E DOCUMENTAÇÃO DA MARINHA. As opiniões emitidas em artigos são de exclusiva responsabilidade dos autores, não refletindo o pensamento oficial daMARINHA . As matérias publicadas podem ser reproduzidas, com a citação da fonte. A Revista honra o compromisso assumido no “Programa” pelo seu fundador, Sabino Eloi Pessoa: “3o – Receberá artigos que versem sobre Marinha... 5o – ... procurará difundir tudo quanto possa contribuir para o melhoramento e progresso da nossa Marinha de Guerra e Mercante; programar ideias tendentes a dar impulso à administração da Marinha e a suas delegações, segundo o melhor ponto de vista a que seja possível atingir...” Ao longo de sua singradura, a RMB busca aperfeiçoar o “Programa” ao se atribuir a “Missão” de divulgar teses, ideias e conceitos que contribuam também para o aprimoramento da consciência marítima dos brasileiros. Como tal, está presente em universidades, bibliotecas públicas e privadas do País, entre outras instituições. Empenha-se em trazer teoria e técnica aplicadas para solver questões que retardam o desenvolvimento social e material da Nação. Divulga ensinamentos a respeito da ética e do trabalho, esclarecendo o que nos cabe realizar na Marinha e no País, respeitando conceitos e fundamentos filosóficos. Mostra como a conquista da honra ocorre na formação militar, analisando a lógica do mercado vis-à-vis com nossa ambiência naval. Atende plenamente à “índole da revista e, confiando no futuro, protestamos indiferença sobre política e prometemos não nos envolver em seus tão sedutores quanto perigosos enleios”.

Na internet: http://www.revistamaritima.com.br Contato e remessa de matéria: Assinatura e alteração de dados: E-mail: [email protected] E-mail: [email protected] Intranet: dphdm-083@dphdoc Intranet: dphdm-085@dphdoc

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9 NOSSA CAPA JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016 Breve resumo sobre os Jogos Olímpicos da Era Moderna. Os Jogos de 2016 – contribuição das Forças Armadas na segurança e no preparo de atletas, em especial da Marinha. Quadro de medalhas. Porta-bandeiras

13 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil Carlos Chagas Vianna Braga – Contra-Almirante (FN) Bruno de Souza Terra – Primeiro-Tenente (RM2-T) Antecedentes históricos. Programa Olímpico da MB. Programas sociais e de base. Instalações desportivas. Realidade e perspectivas futuras

33 O ESPORTE E A FORMAÇÃO MILITAR COMO FERRAMENTAS DE INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL Paulo André de Barros Corrêa – Capitão de Fragata (T) Inclusão e exclusão social. Esporte e formação militar. Esporte como maneira de substituir violência e como respeito à vida. Contribuição das Forças Armadas

42 CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016 ORDENS DO DIA DO MINISTRO DA DEFESA, DO COMANDANTE DA MARINHA E DO COMANDANTE DA FORÇA AERONAVAL 49 CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016 José Luiz Gatti – Capitão de Mar e Guerra (Refo) Criação do Serviço de Aviação. Primeira Guerra. Amadurecimento operacional e novos empreendimentos. Criação do Ministério da Aeronáutica. Renascimento da Aviação Naval. Um novo entendimento

69 O PENSAMENTO NAVAL E A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA Armando de Senna Bittencourt – Vice-Almirante (Refo-EN) Engenharia e desenvolvimento. Importância da RMB no campo das ideias. Pouco registro e análise da história técnica. Carência de recursos orçamentários para continuidade de projetos e construções

74 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA Ney Dantas – Capitão de Mar e Guerra (Refo) Necessidade do farol para segurança da navegação junto a Tutoia e Barreirinhas. Atuação do Comandante Graça Aranha

85 EINSTEIN – do annus mirabilis à visita ao Brasil Paulo Roberto Gotaç – Capitão de Mar e Guerra (Refo) Ano miraculoso da Física – 1905 – os quatro artigos de Einstein. A fórmula mais reproduzida E=mc2 verificada experimentalmente em Hiroshima (1945). Fama e as viagens – estadia no Brasil

93 ÉTICA: a escolha da melhor opção Paulo Roberto Ribeiro da Silva – Capitão de Mar e Guerra (RM1-FN) A escolha de um caminho. Surgimento da ética. Valores: a única certeza é a incerteza. Opções disponíveis e consequências 105 O PODER ENERGÉTICO DA AMAZÔNIA AZUL Luciano Ponce Carvalho Judice – Capitão de Mar e Guerra Capacitação energética como expressão de Poder. Exemplos na Segunda Guerra. Cobiça de países sobre reservas. Necessidade de políticas conscientes para o desenvolvimento da Nação

117 ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS Luiz Alberto Sorani – Tecnólogo em Sistemas Elétricos Estudo e uso da robótica – tecnologia – comando remoto. Pesquisa e aplicação em ambiente fluvial

124 A FILOSOFIA E A VIDA MILITAR Álvaro Claro de Paiva Dias Negrão – Capitão de Fragata (MD) A filosofia no pensamento militar. Juramento do aspirante e compromisso moral com o Brasil. Responsabilidade do oficial não é só funcional, mas filosófica

128 CICLONES SUBTROPICAIS Walid Maia Pinto Silva e Seba – Capitão de Fragata Rodrigo de Souza Barreto Mathias – Capitão-Tenente (T) Fellipe Romão Sousa Correia – Segundo-Tenente (RM2-T) Breve histórico sobre ciclones. Ciclones subtropicais – características – monitoramento. Responsabilidade da Marinha

135 TERCEIRIZAÇÃO DA LOGÍSTICA MILITAR – Análise das Guerras do Golfo de 1990- 1991 e de 2003 Antonio Marcos Gomes Ferreira – Capitão de Fragata (FN) Conceito e teoria – logística militar. Apoio logístico nas Guerras do Golfo. Estudo comparativo. Empresas Militares Privadas (EMP)

158 GUERRA ASSIMÉTRICA – Afeganistão Maurilo de Souza Vilas Boas – Capitão de Fragata (FN) Modelo teórico de Arrenguin-Toft – tese da interação estratégica. Guerra do Afeganistão e Forças de Operações Especiais – possível mudança no modo de guerra norte- americano

178 AO TEMPO, ESTOU OBRIGADO: a Mundividência (homenagem ao VA (EN) Bittencourt) Marcello José Gomes Loureiro – Capitão de Corveta (IM) Homenagem ao Almirante Bittencourt. A DPHDM e difusão da consciência marítima. Agradecimento – gratidão

180 DISSOLUÇÃO DE CONFLITO ENTRE COMUNIDADES NO HAITI Raphael do Couto Pereira – Capitão-Tenente (FN) Missão da ONU para estabilização do Haiti (Minustah). Origem da Coordenação Civil Militar (Cimic). A Cimic e a Minustah. Conflito entre as regiões Simon e Pelé. Caminho para a Paz. Consolidação do Acordo e manutenção da Paz: novo desafio

191 A ILHA DO CABO FRIO: passado e presente Laura Maria Pereira Couto – Primeiro-Tenente (T) A ilha. Naufrágios e faróis. Farol novo de Cabo Frio. Tráfico negreiro. Segunda Guerra – Submarino U-513. Acidentes. Pesquisas científicas. Lendas 205 BATALHA DE TANGA Carlos Renato Duque Xavier – Guarda-Marinha (AFN) José Antônio Schelck Estefanelli – Guarda-Marinha (AFN) Robson Fernandes Nogueira – Guarda-Marinha (AFN) Ambientes estratégicos, operacional e tático. Desenvolvimento da batalha entre ingleses e alemães para capturar o porto de Tanga, com participação de indianos e africanos

218 O LEGADO DO ALMIRANTE NELSON PARA A ARMADA Vitor Curado Both – Aspirante Construção de um nauta. Cicatrizes de guerra. Contexto pré-Trafalgar. A batalha. O legado

227 NECROLÓGIO

251 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

258 DOAÇÕES À DPHDM

260 ACONTECEU HÁ CEM ANOS Seleção de matérias publicadas na RMB há um século. O que acontecia em nossa Marinha, no País e em outras partes do mundo

273 REVISTA DE REVISTAS Sinopses de matérias selecionadas em mais de meia centena de publicações recebidas do Brasil e do exterior

283 NOTICIÁRIO MARÍTIMO Coletânea de notícias mais significativas da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, e assuntos de interesse da comunidade marítima 8 RMB2oT/2016 NOSSA CAPA

JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016

Rio de Janeiro foi sede, de 5 a 21 de agosto deste ano, dos XXXI Jogos Olímpicos da O Era Moderna. A tradição olímpica remonta há 2.500 anos e tem origem na Grécia An- tiga. Naquele tempo, foram disputadas quase 300 edições, que deixaram de ocorrer tempos depois da invasão dos romanos à Grécia. Foram necessários cerca de 1.500 anos para que alguém tivesse a ideia de resgatar uma competição nos moldes das Olimpíadas dos gregos antigos. A tarefa coube a um pedagogo e historiador francês nascido em 1o de janeiro de 1863, Pierre de Frédy, que se tornaria conhecido como o Barão de Coubertin. Em 24 de junho de 1894, em uma convenção realizada na Sorbonne, em Paris, com a presença de delegados de 13 países, o Barão de Coubertin obteve da Grécia promessa que acabaria por revolucionar o esporte no século seguinte: os gregos concordaram em sediar em Atenas a primeira Olimpíada da Era Moderna. Assim, essa primeira Olimpíada da Era Moderna foi disputada entre 6 e 15 de abril de 1896, com delegações de 14 países, que somavam 241 atletas. Eles competiram em 43 eventos, de nove modalidades. A partir daí, como se fez na Antiguidade, a competição seria realizada de quatro em quatro anos em cidades importantes de países distintos, com únicas interrupções motivadas pelas Primeira e Segunda Guerras Mundiais (em 1916, 1940 e 1944). O congraçamento das equipes esportivas, mantidos o ideal e o preceito do Barão de Coubertin, tem se realizado com o espírito que norteia os atletas, demonstrando ao mundo que é possível conviver e competir a despeito das diferenças de credos, cores, raças, ideo- logias e políticas. Nos Jogos Rio 2016, delegações de 206 países fizeram-se representar por 10.500 atletas em 42 modalidades diferentes. JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016

A cerimônia de abertura no Estádio do Maracanã constituiu espetáculo digno dos parti- cipantes, em que entusiasmo e alegria contagiaram o público e realçaram a beleza dos trajes e dos próprios desfilantes. O espetáculo cenográfico demonstrou preparação condizente com evento tão significativo para a Nação e para o Mundo. Atleta de destacado desempenho esportivo portava a bandeira de seu país, à frente da delegação. A mídia acompanhou e transmitiu com detalhes e passo a passo cada prova, mostrando o esforço, a dedicação e a superação dos atletas. Foram revelados, minuto a minuto, por horas seguidas, o desenvolvimento das provas e os magníficos desempenhos dos competidores. Foram frequentes as manifestações de júbilo dos atletas, do público presente e dos mi- lhões de telespectadores pelas vitórias, com incontida emoção diante do hasteamento das bandeiras pátrias e a execução de hinos. Estádios, piscinas, quadras, arenas e outros locais das competições foram palcos de desempenhos extraordinários dos participantes, com destaque para a Cerimônia de Encer- ramento, que encantou a quem a presenciou, ao vivo ou pela televisão. Cabe destacar a expressiva contribuição que as Forças Armadas prestaram aos Jogos Olímpicos no que se refere à Segurança. Havia no mundo preocupação com ameaças e atos como os que aconteceram contra delegações, atletas e o público em algumas ocasiões de tristes lembranças. Releva apagar da memória estes atentados porque constituem episódios indignos do comportamento do homem. É importante ressaltar a eficiência com que as FFAA cumpriram este importante e in- dispensável papel. Mais ainda, cabe destacar, sobre as Forças Armadas, conforme se apreciará, no artigo da Comissão de Desportos, a relevância da Marinha no apoio e na preparação de vários competidores dos Jogos Olímpicos. Coube a nós – marinheiros – planejar, desde há muito, o treinamento adequado para os Jogos Mundiais Militares e, em continuação, sem interrupção, de atletas de alto rendimento para os Jogos Olímpicos. Foi assim que atletas da Marinha conquistaram 6 medalhas: 4 de ouro, 1 de prata e 1 de bronze. Nosso orgulho vem de muitas décadas atrás, com destaque para, dentre outros, o Tenente Mario Jorge da Fonseca Hermes (depois Almirante de Esquadra, Chefe do Estado Maior da Armada) que foi o porta-bandeira em 1952 na XIV Olimpíada, em Helsinque – Finlândia, à testa da Delegação Brasileira.

MODALIDADES ESPORTIVAS EM 2016

Atletismo, badminton, basquete, boxe, canoagem, ciclismo, esgrima, futebol, ginástica, golfe, handebol, hipismo, hóquei, judô, levantamento de peso, luta olímpica, maratona aquá- tica, maratona, nado sincronizado, natação, pentatlo moderno, polo aquático, remo, rugby de sete, saltos ornamentais, taekwondo, tênis, tênis de mesa, tiro com arco, tiro esportivo, triatlo, vela, vôlei e vôlei de praia.

QUADRO DE MEDALHAS NOS JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016

Países Ouro Prata Bronze Total Atletas 1 Estados Unidos 46 37 38 121 558 2 Grá-Bretanha 27 23 17 67 373 3 China 26 18 26 70 403 4 Rússia 19 18 19 56 293

10 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016

5 Alemanha 17 10 15 42 431 6 Japão 12 8 21 41 340 7 França 10 18 14 42 406 8 Coreia do Sul 9 3 9 21 208 9 Itália 8 12 8 28 312 10 Austrália 8 11 10 29 424 11 Países Baixos 8 7 4 19 243 12 Hungria 8 3 4 15 162 13 Brasil 7 6 6 19 471 14 Espanha 7 4 6 17 309 15 Quênia 6 6 1 13 80

MEDALHAS DO BRASIL

Medalhas de ouro

Vôlei de praia – dupla masculina – Bruno Schmidt e Alison Cerutti (Marinha) Judô – peso leve 57 kg – Rafaela Silva (Marinha) Boxe – peso ligeiro 60 kg – Robson Conceição (Marinha) Atletismo – salto com vara – Thiago Braz (Aeronáutica) Vela – 49er FX – Martine Grael e Kahena Kunze (Marinha) Futebol – Time masculino Vôlei – Equipe masculina

Medalhas de prata

Ginástica artística – solo – Diego Hipólito Ginástica artística – argolas – Arthur Zanetti (Aeronáutica) Canoagem velocidade – 1.000 metros – Isaquias Queiroz Canoagem velocidade – 1.000 metros – dupla Isaquias Queiroz e Erlon Silva Tiro esportivo – pistola de ar 10 metros – Felipe Wu (Exército) Vôlei de praia – dupla feminina – Ágatha Bednarczuk e Barbara Seixas (Marinha)

Medalhas de bronze

Judô – peso meio-pesado 78 kg – Mayra Aguiar (Marinha) Judô – peso pesado 100 kg – Rafael Silva (Exército) Ginástica artística – solo – Arthur Mariano (Aeronáutica) Canoagem velocidade – 200 metros – Isaquias Queiroz Maratona aquática – 10 km – Poliana Okimoto (Exército) Taekwondo – acima de 80 kg – Maicon Andrade

PORTA-BANDEIRAS DO BRASIL EM JOGOS OLÍMPICOS

Atleta Modalidade Ano Cidade Afrânio Antônio da Costa Tiro Esportivo 1920 Antuérpia Alfredo Gomes Atletismo 1924 Paris

RMB3oT/2016 11 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016

Antonio Pereira Lira Atletismo 1932 Los Angeles Sylvio de Magalhães Padilha Atletismo 1936 Berlim Sylvio de Magalhães Padilha Atletismo 1948 Londres Mario Jorge da Fonseca Hermes Basquete 1952 Helsinque Wilson Bombarda Basquete 1956 Melbourne Adhemar Ferreira da Silva Atletismo 1960 Roma Wlamir Marques Basquete 1964 Tóquio João Gonçalves Filho Polo aquático 1968 Cidade do México Luiz Cláudio Menon Basquete 1972 Munique João Carlos de Oliveira Atletismo 1976 Montreal João Carlos de Oliveira Atletismo 1980 Moscou Eduardo Souza Ramos Vela 1984 Los Angeles Walter Carmona Judô 1988 Seul Aurélio Miguel Judô 1992 Barcelona Joaquim Cruz Atletismo 1996 Atlanta Sandra Pires Vôlei de praia 2000 Sydney Torben Grael Vela 2004 Atenas Robert Scheidt Vela 2008 Rodrigo Pessoa Hipismo 2012 Londres Yane Marques Pentatlo moderno 2016 Rio de Janeiro

PARTICIPAÇÃO DO BRASIL EM JOGOS OLÍMPICOS (DE 1920 A 2016)

Modalidade Ouro Prata Bronze Total Vela 7 3 8 18 Atletismo 5 3 8 16 Voleibol 5 3 2 10 Judô 4 3 15 22 Voleibol de Praia 3 7 3 13 Futebol 1 5 2 8 Natação 1 4 9 14 Tiro 1 2 1 4 Ginástica 1 2 1 4 Boxe 1 1 3 5 Hipismo 1 0 2 3 Canoagem 0 2 1 3 Basquete 0 1 4 5 Taekwondo 0 0 2 2 Pentatlo Moderno 0 0 1 1 Total 30 36 62 128

Revista Marítima Brasileira Corpo editorial

12 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil*

CARLOS CHAGAS VIANNA BRAGA** Contra-Almirante (FN) BRUNO DE SOUZA TERRA*** Primeiro-Tenente (RM2-T)

SUMÁRIO

Introdução Antecedentes Históricos Programa Olímpico da Marinha do Brasil Programas Sociais e de Base Instalações Desportivas Jogos Olímpicos Rio 2016 Perspectivas futuras

INTRODUÇÃO obtidas por atletas militares, com destacada participação da Marinha do Brasil (MB), Os resultados alcançados pelo Brasil cujos atletas obtiveram seis medalhas. nos Jogos Olímpicos Rio 2016 apresenta- Computadas apenas as medalhas de ouro, ram uma interessante peculiaridade, que os números impressionam ainda mais: das prontamente atraiu a atenção da grande sete medalhas brasileiras, cinco foram mídia e da população em geral: das 19 conquistadas por militares, sendo quatro medalhas conquistadas pelo País, 13 foram deles integrantes da MB.

* N.R.: Colaboraram: CMG (RM1-FN) Carlos Alfredo dos Reis Lessa, 1o Ten. (RM2-T) Maria Cecília Moutinho e 1o Ten. (RM2-T) Vanesca Queiroga Soares. ** Presidente da Comissão de Desportos da Marinha e comandante do Centro de Educação Física Almirante Adal- berto Nunes (Cefan). *** Professor de Educação Física, especialista em Musculação e Treinamento de Força, mestre em Atividade Física e Desempenho Humano e pesquisador do Laboratório de Pesquisas em Ciências do Exercício (Laboce) do Cefan. JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Essa decisiva contribuição da MB não Cabe destacar que especificamente nos deve ser considerada como um aconteci- Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, mento isolado, mas como a consolidação de a contribuição da Marinha foi especialmen- uma política pioneira de desenvolvimento te importante em cinco eixos principais: esportivo iniciada pela Força há quase dez 1) atletas militares de alto rendimento anos e implementada de forma consisten- para compor o chamado “Time Brasil”; 2) te e contínua ao longo de sua trajetória. instalações de treinamento, para o Brasil e Além disso, evidencia, no presente, uma outros países, como o Centro de Educação importantíssima ligação entre as atividades Física Adalberto Nunes (Cefan) e a Escola esportivas desenvolvidas no âmbito da For- Naval; 3) aquisição de material esportivo e ça Naval e a realidade do esporte nacional. de apoio para utilização nas competições, Tal ligação, ainda que não com tama- com destaque para 90 embarcações para nha intensidade e resultados tão expressi- utilização nas competições aquáticas e vos, sempre esteve presente ao longo da que reverterão como legado à MB e todo trajetória do esporte no País, alternando, o equipamento utilizado nas competições naturalmente, momentos de maior e me- de Levantamento de Peso Olímpico (LPO), nor visibilidade e importância. O ano de halterofilismo (paralímpico) etaekwondo ; 2015 marcou a celebração do centenário 4) cessão de pessoal para apoio à organi- da Liga de Sports da Marinha, criada com zação, com destaque para as cerimônias de o propósito de regular as atividades es- hasteamento de bandeiras; e 5) segurança, portivas no âmbito da Força. No contexto com a expressiva participação de mais de das comemorações do evento, foi editada 10 mil marinheiros e fuzileiros navais, no a publicação histórica intitulada 100 anos Rio de Janeiro e em Salvador, São Paulo, de esporte na Marinha do Brasil – da Brasília e Manaus. Liga de Sports ao Programa Olímpico, O presente artigo tem como foco que apresenta uma elegante e abrangente principal o primeiro eixo: a participação retrospectiva de alguns dos principais fa- dos atletas militares da Força. Assim, seu tos ligados à prática esportiva na Marinha propósito é justamente expor a trajetória desde seus antecedentes, ainda no século recente do desenvolvimento esportivo na XIX. Tal relato permite constatar a estreita Marinha do Brasil no contexto do esporte ligação histórica com a própria memória nacional e, especialmente, como as políti- do esporte no Brasil. cas e programas de incentivo, contribuíram Na última década, os grandes eventos para atingir os resultados alcançados nos esportivos organizados em nossa nação Jogos Olímpicos Rio 2016. (Jogos Pan-Americanos 2007, 5os Jogos Mundiais Militares 2011, Copa das Con- ANTECEDENTES HISTÓRICOS federações 2013 e Copa do Mundo 2014, além dos já mencionados Jogos Olímpicos O esporte é um fenômeno consagrado, e Paralímpicos Rio 2016), com intensa praticado no meio militar em todo o mundo. participação das Forças Armadas, tanto No âmbito das Forças Armadas brasileiras, na área esportiva como na própria organi- o campo esportivo foi consolidado ao longo zação, segurança e logística, contribuíram do século XX. No entanto, verifica-se que, para iluminar, aos olhos da população, a já no século XIX, os militares tiveram importante contribuição militar para o de- participação marcante no início do processo senvolvimento do esporte nacional. de difusão do esporte moderno no Brasil.

14 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Logo em 1808, por exemplo, apareceram as primeiras práticas de atividades físicas na Academia Real de Guardas-Marinha (atual Escola Naval) e na Brigada Real da Marinha (atual Corpo de Fuzileiros Navais), empregadas com fins utilitários, de formação do mi- litar e de preparação para a guerra. Den- tre tais atividades, Primeiro-Tenente Mário Jorge da Fonseca Hermes, porta-bandeira da delegação destacavam-se o remo brasileira – Helsinki/1952 escaler, a vela, o tiro e a esgrima. alunos sargentos e cabos em um curso Nesse processo de sistematização das teórico-prático. Tais militares seriam diplo- atividades físicas e introdução de práticas mados como monitores de ginástica, com a esportivas no cotidiano dos militares da responsabilidade de divulgar os jogos e a MB, ocorreu uma rápida aproximação com ginástica sueca em escolas e navios da MB. alguns esportes náuticos, como o remo, Embora a preocupação com a condição bem como a organização de outro esporte física dos militares, iniciada naquele ano, náutico, a vela, como forma de treinamento das habilidades navais. A prática esportiva competitiva, entretanto, ocorria fora das instalações militares, já que não existia uma regulamentação ou entidade esportiva no in- terior da Força. Tal situação trouxe também uma importante aproximação entre o esporte militar e o próprio processo de fundação e consolidação de alguns dos mais importantes e tradicionais clubes esportivos. É marcante a participação de atletas militares na história de muitos desses clubes. Destaca-se, como exemplo, o Clube de Regatas Flamengo, que ao ser fundado, em 1895, teve como primei- ro presidente o Guarda-Marinha Domingos Marques de Azevedo. Em 1910, foi publicado um artigo na edição do 4o bimestre da Revista Marítima Brasileira propondo a criação de uma Escola de Gymnastica, que teria como Ministro da Marinha AE Adalberto de Barros Nunes (Acervo Histórico Cefan)

RMB3oT/2016 15 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

tenha se intensificado ao longo do século rinha em 18 de fevereiro de XX, a criação do curso só foi concretizada 1972, passando finalmente a 15 anos mais tarde, em 1925. ter a denominação atual, Centro A estruturação e a regulamentação de de Educação Física Almirante entidades esportivas e clubes pelo País foram Adalberto Nunes (Cefan), em 31 ampliadas pouco a pouco, chegando também de outubro de 1973; essa tendência nas Forças Armadas. Buscan- • 1974 – Inauguração do Cefan, com do centralizar a organização e normatizar a a presença das autoridades da época participação dos militares da MB, um grupo e grande festa esportiva; de oficiais reuniu-se no Clube Naval, em • 2008 – Transferência de subordi- 25 de novembro de 1915, para fundar uma nação da Comissão de Desportos entidade diretora de esportes navais que da Marinha (CDM) e do Cefan, recebeu o nome de Liga de Sports da Mari- que passam a integrar o setor nha (LSM). Na época, o Capitão de Corveta Comando-Geral do Corpo de Fu- Adalberto Nunes (que posteriormente daria zileiros Navais (CGCFN); nome ao Cefan), por indicação dos presentes • 2008 – Criação do Programa de na reunião de fundação, foi nomeado diretor- Atletas de Alto Rendimento (Paar). -presidente da Liga. O programa, concebido e iniciado Desde então já se passaram cem anos de forma pioneira pela MB, seria de uma história bastante intensa e rica em posteriormente reproduzido pelo acontecimentos. Como exemplos de apenas Exército Brasileiro e, mais adiante, alguns dos principais eventos que marca- pela Força Aérea. ram a trajetória do esporte na Marinha, • 2011 – Realização dos V Jogos podem ser identificados: Mundiais Militares (JMM) na ci- • 1920 - Primeira participação do dade do Rio de Janeiro. O evento Brasil em Jogos Olímpicos, na An- conta com expressiva participação tuérpia, com representantes da MB; de atletas da MB, e o Cefan é palco • 1952 – Primeiro-Tenente Mário de importantes acontecimentos du- Jorge da Fonseca Hermes, como rante os Jogos, contribuindo para o porta-bandeira da delegação bra- início do processo de consolidação sileira, desfila na cerimônia de do Brasil como potência esportiva aber­tura dos Jogos Olímpicos de militar, com a conquista do 1o lu- Helsinki, trajando seu uniforme gar no quadro geral de medalhas de oficial da MB; (114 medalhas no total, sendo 45 • 1972/1973 – O Centro de Es- de ouro); portes da Ma- rinha, então Quadro de Medalhas com sede na V Jogos Mundiais Militares – Rio 2011 Ilha das En- País Ouro Prata Bronze Total xadas, teve a Brasil 45 33 36 114 sua denomi- Atletas MB (%): 20 (44,4%) 13 (39,4%) 14 (38,8%) 47 (41,2%) nação altera- China 37 28 34 99 da para Centro Itália 14 13 24 51 de Educação Polônia 13 19 11 43 Física da Ma- Fonte: Ministério da Defesa e CDM.

16 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

elevar o nível da par- ticipação brasileira nos Jogos Mundiais Militares, cuja quinta edição seria realizada em 2011 no Brasil, por meio da incorporação à Marinha de atletas de alto rendimento. A iniciativa da Marinha foi, logo em segui- da, reproduzida pelo Exército Brasileiro e, alguns anos mais tar- de, pela Força Aérea. Equipe do Brasil na abertura dos V JMM - Rio 2011 O objetivo do Paar consistia exatamente • 2012 – Participação de atletas do na incorporação de atletas com elevado Paar da MB nos Jogos Olímpicos de potencial, tendo sido viabilizado por Londres, obtendo duas medalhas no meio de editais públicos e de importantes judô, sendo uma de ouro; e parcerias com o Ministério do Esporte, o • 2013 – Criação do Programa Olím- Comitê Olímpico do Brasil (COB) e algu- pico da Marinha (Prolim). mas confederações desportivas.

PROGRAMA OLÍMPICO DA MARINHA DO BRASIL

A criação do Pro- lim deve ser inter- pretada e entendida como uma consequên- cia natural do sucesso alcançado pelo Paar no âmbito da Marinha. O Paar foi criado, de forma pioneira e inovadora, pela MB em 2008. À época, o propósito do pro- grama, inspirado nas experiências de alguns países euro- peus, era permitir 3ºSG-RM2-EP Sarah Menezes 3ºSG-RM2-EP Mayra Aguiar

RMB3oT/2016 17 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Os resultados obtidos pelo Brasil nos ficar limitada apenas ao campo do desporto V Jogos Mundiais Militares, com o 1o militar, uma vez que teria condições de lugar geral no quadro de medalhas, mate- prestar contribuição ainda maior para o rializaram o grande sucesso do programa desenvolvimento do desporto nacional, de- nas Forças Armadas. Ainda como reflexo cidiu criar um novo programa: o Programa direto do Paar, verifica-se que, no ano se- Olímpico da Marinha (Prolim). guinte, em 2012, nos Jogos Olímpicos de O Prolim foi criado em 2013, tendo Londres, a equipe brasileira contou com como propósito principal “auxiliar no a participação significativa de 51 atletas desenvolvimento do desporto nacional de militares, sendo que estes atletas conquis- alto rendimento, a fim de contribuir para a tadas cinco medalhas (duas por atletas da transformação do Brasil em uma potência MB), com destaque para a Medalha de olímpica”. O programa tem caráter per- Ouro obtida pela então Marinheira (atu- manente e abrangência nacional, sendo almente terceiro-sargento) Sarah Menezes conduzido no âmbito do Comando-Geral e para a medalha de bronze da então Ma- do Corpo de Fuzileiros Navais (CFN) e rinheira (atualmente Terceiro-Sargento) aprovado pelo comandante da Marinha. Maira Aguiar, ambas no Judô. Cabe ao comandante-geral do CFN a dire- Diante do retumbante sucesso alcan- ção do mesmo e a criação, a implementação çado, a Alta Administração Naval, enten- e o encerramento de projetos relacionados, dendo que a iniciativa do Paar não deveria dispondo, prioritariamente, de instalações,

Distribuição dos atletas militares de alto rendimento da MB, por modalidade

18 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

material e pessoal da CDM e do Cefan para Pan-americanos, quebrando também o a consecução do mesmo. Outras organiza- recorde pan-americano e sul-americano. ções militares também participam da exe- Outro aspecto interessante foi a questão cução do programa, como, por exemplo, a da continência realizada pelos atletas Escola Naval, contribuindo decisivamente militares durante a execução dos hinos. nos projetos das modalidades esportivas de Uma vez que algumas competições eram Tiro Esportivo e Vela. transmitidas ao vivo por diversos canais, O Prolim tem como principais objetivos: a continência dos atletas atraiu a atenção prática da Educação Física e dos esportes, da mídia, despertando o público para a captação e apoio a atletas de alto rendimento participação dos atletas militares e para e inclusão social por meio do esporte. a existência de um programa de incenti- Assim sendo, são desenvolvidos no âm- vo ao desporto nacional no âmbito das bito do Prolim, além do Paar, programas e Forças Armadas. projetos sociais e de base, como o Programa Forças no Esporte (Profesp) e o Projeto Olímpico Marinha do Brasil-Odebrecht. A Marinha conta hoje em seus quadros com 221 atletas militares de alto rendi- mento, em 22 modalidades esportivas, conforme o quadro. O efetivo máximo atualmente autorizado é de 242. Existe constante renovação, com a incorporação e o licenciamento de novos militares, em função de seus índices esportivos e dos novos editais públicos, visando sempre pro- porcionar uma combinação dos melhores resultados de curto, médio e longo prazos. Os resultados do Prolim evoluíram a cada grande competição, atingindo 3ºSG-RM2-EP Etiene Medeiros no pódio patamares cada vez mais elevados. Nos Jogos Pan-americanos de , em 2015, dos 590 atletas do Time Brasil, 41 Ainda em 2015, nos VI Jogos Mundiais (7%) eram da MB. Foram conquistadas Militares, disputados em Mungyeong, 21 medalhas por estes atletas, correspon- na Coreia do Sul, o Brasil obteve a 2a dendo a 18,2% de todas as medalhas do colocação no quadro geral de medalhas Time Brasil. Destaca- Quadro de Medalhas -se a participação da VI Jogos Mundiais Militares - Mungyeong (Coreia do Sul) 2015 3ºSG-RM2-EP Etiene Medeiros, medalha de País Ouro Prata Bronze Total ouro na natação 100 m 1º – Rússia 59 43 33 135 costas, conquistando 2º – Brasil 34 26 24 84 quatro medalhas, sen- Atletas MB (%): 12 (35,3%) 11 (42,3%) 7 (29,2%) 30 (35,7%) do a primeira medalha 3º – China 32 31 35 98 de ouro da natação 4º – Coreia do Sul 19 15 25 59 feminina em Jogos Fonte: Ministério da Defesa e CDM.

RMB3oT/2016 19 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

da qualidade de vida, além de promover o desenvolvimento in- tegral de crianças, adolescentes e jovens. Os alunos participam de atividades esporti- vas educacionais, de lazer, de reforço esco- lar, de laboratórios de informática visando à inclusão digital e de oficinas de treinamen- tos que orientam para diversas especialida- Delegação do Brasil na cerimônia de abertura dos 6os Jogos Mundiais Militares – des técnicas, facili- Mungyeong, Coreia do Sul, 2015 tando o ingresso no mercado de trabalho. (84 medalhas no total, sendo 34 de ouro), O Cefan integra o Profesp desde seu atrás apenas da Rússia e com intensa parti- início, em 2003, e desenvolve o progra- cipação da MB. Com o resultado, o Brasil ma em parceria com a Arquidiocese do consolidou sua posição como potência Rio de Janeiro, por meio da Pastoral do esportiva militar. Menor, que exerce um papel fundamental para o seu sucesso, sendo responsável PROGRAMAS SOCIAIS E DE BASE pela seleção dos alunos em situação de risco social nas comunidades atendidas, Programa Forças no Esporte além de executar assistência social e di- versas atividades que O Programa For- contribuem para a in- ças no Esporte (Pro- O Profesp beneficia serção dos jovens no fesp) é um projeto cerca de 21 mil crianças mercado de trabalho. social criado em par- Atualmente, o Pro- ceria entre os Minis- e jovens em situação de fesp, no Cefan, conta térios da Defesa, do vulnerabilidade social com 376 alunos. Esporte e do Desen- Além do trabalho volvimento Social e social, o Cefan, por Agrário, tendo como principais objetivos sua excelência no âmbito do esporte, a promoção da cidadania e do acesso à destaca-se, dentre todas as demais prática do Esporte. Beneficia cerca de organizações militares integrantes do 21 mil crianças e jovens em situação de programa, por proporcionar às crianças vulnerabilidade social. Com atuação em atendidas iniciação esportiva direcionada 89 municípios de 26 estados brasileiros, em diferentes modalidades, tais como contribui para democratizar o acesso à levantamento de peso olímpico (LPO), prática e à cultura do esporte, como fator boxe, atletismo, esgrima, lutas associadas de formação da cidadania e de melhoria e pentatlo moderno, dentre outras.

20 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Tal peculiaridade, exclusiva do Cefan, apresentem condições de alcançar o alto permite a convivência com atletas de des- rendimento em competições nacionais e taque internacional, integrantes do Prolim internacionais. ou participantes dos diversos eventos es- Esses jovens recebem apoio integral, portivos organizados no Centro, além da com suporte técnico desportivo de alto utilização das mais modernas instalações, nível, assistência psicológica, social, peda- resultando frequentemente na identifica- gógica e médica e plano de saúde, além de ção e no desenvolvimento de importantes uniformes para treinamento, alimentação talentos esportivos. Vários alunos partici- e, para complementar, uma bolsa-auxílio. pam de competições estaduais, nacionais Desde sua implantação, o projeto tem e internacionais, alcançando expressivos contribuído para a projeção do Brasil no resultados. Além disso, alguns alunos, cenário esportivo internacional. oriundos dos programas sociais realiza- Além dos ótimos resultados esportivos dos no Cefan, em função dos resultados apresentados, o projeto possui sua maior obtidos, ao atingirem a maioridade, em relevância no campo social. Doze jovens função de seus excepcionais resultados oriundos desse projeto, que já comple- esportivos, acabam sendo incorporados taram 18 anos, tiveram a oportunidade ao Prolim, como atletas militares de alto de ingressar na Marinha do Brasil como rendimento. sargentos/atletas de alto rendimento do Prolim, por seus resultados esportivos Projeto Olímpico Marinha do Brasil - alcançados. Este projeto já atendeu, até Odebrecht a data de hoje, 46 jovens atletas, sendo, portanto, um importante desenvolvedor O Projeto Olímpico Marinha do Brasil de jovens talentos. – Odebrecht, iniciado em dezembro de O sucesso alcançado pode ser eviden- 2010, contempla atualmente as modali- ciado pela presença de atletas oriundos dades de atletismo, levantamento de peso do Projeto Olímpico Marinha do Brasil- olímpico e boxe, tendo como objetivo a -Odebrecht dentre os que participaram identificação, o apoio e a preparação de dos Jogos Olímpicos Rio 2016, como a jovens, entre 14 e 18 anos de idade, que Terceiro-Sargento Vitória Rosa, da equipe

Atleta Emily Rosa, do levantamento de peso olímpico, do Projeto Marinha do Brasil-Odebrecht

RMB3oT/2016 21 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

de atletismo, que treina no Cefan desde os País nos últimos anos, suas instalações 14 anos de idade, e o Terceiro-Sargento passaram por dois importantes proces- Joedison Teixeira, da equipe de boxe. Am- sos de modernização e revitalização, bos foram incorporados à Marinha após ter que permitiram sua permanência no integrado o projeto. estado da arte. O primeiro processo No momento da finalização deste artigo, ocorreu no período que antecedeu os o Cefan busca novas parcerias que per- 5os Jogos Mundiais Militares, tendo mitam a manutenção ou ampliação deste como propósito preparar as instalações projeto tão bem-sucedido. do Centro para receber as competições de determinadas modalidades. O segun- INSTALAÇÕES DESPORTIVAS do processo, recém-concluído, teve o propósito de preparar as instalações do Outro aspecto de fundamental impor- Cefan para funcionarem como Centro de tância para o desen- Treinamento Oficial volvimento pleno das dos Jogos Olímpicos atividades esportivas O Cefan busca novas Rio 2016. de alto rendimento e, parcerias que permitam a Como tal, o Cefan consequentemente, recebeu delegações para a conquista dos manutenção ou ampliação estrangeiras das mo- melhores resultados deste projeto tão bem- dalidades de futebol, consiste na existência sucedido vôlei e polo aquático. de instalações de qua- As intervenções reali- lidade que permitam o zadas para a Olimpía- treinamento dos atletas e o desenvolvimen- da, todas viabilizadas com recursos oriun- to de novos talentos. dos do Ministério do Esporte, incluíram Neste aspecto, o Centro de Educação a construção de dois campos de futebol e Física Adalberto Nunes foi concebido e prédio de apoio, calçamento nas vias de construído na década de 1970 de acordo acesso, acessibilidade e reformas no tanque com os mais elevados padrões esportivos de saltos, nos vestiários, na piscina e no existentes à época. A inspiração e a vocação ginásio, com quadra de vôlei climatizado. principal do Centro aparecem de forma clara nas palavras de seu então comandan- te, Capitão de Mar e Guerra Mario Luiz de Lages, em entrevista concedida ao Jornal do Brasil em 27 de fevereiro de 1973, por ocasião da inauguração: “Futura- mente, quando aparecer algum jovem que sintamos tenha condições de se tornar um grande competidor, estaremos preparados para dar-lhe residência, alimentação e trabalho para que possa se dedicar inte- gralmente ao esporte, a exemplo do que acontece nas grandes potências”. Recentemente, em função dos gran- des eventos esportivos realizados no Laboratório de Pesquisa em Ciências do Exercício (Laboce)

22 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

será totalmente do- tado com os equipa- mentos utilizados nas competições de LPO e halterofilismo (pa- ralímpico) dos Jogos Olímpicos e Paralím- picos Rio 2016, repre- sentando indiscutível legado e iluminando um futuro cada vez mais promissor para a modalidade. O Cefan con- ta também com um Centro de Reabilitação Físico-Funcional Serviço de Reabilita- ção Físico-Funcional Destaca-se a tecnologia sustentável e ino- muito bem equipado, que se tornou refe- vadora utilizada na construção dos campos rência no País. Em 2013 foi implantado o de futebol, com células fotovoltaicas e reu- Laboratório de Pesquisa em Ciências do tilização da água, dentre outros aspectos. Exercício (Laboce), que vem desenvol- Após os Jogos, as referidas instalações re- vendo estudos voltados para a melhora do presentarão importante legado, não apenas desempenho de atletas e militares da área para o esporte nacional de alto rendimento, operativa, bem como para a prevenção como também para os projetos sociais e de de lesões. Além disso, tanto o setor de base desenvolvidos no Cefan. Educação Física quanto a Fisioterapia A Escola Naval também recebeu dele- contam com profissionais qualificados, gações estrangeiras, com destaque para a como doutores e mestres, além de outros equipe dos Estados Unidos da América, títulos em suas respectivas áreas. Tais sendo também beneficiada por importantes qualificações e intercâmbios com atletas modernizações, como a da pista de atletis- estrangeiros permitem uma transmissão mo, que teve seu piso totalmente substitu- de conhecimentos do mais alto nível ído, resultando em importante legado para para alunos de cursos de especialização e o esporte na Marinha. formação de militares, bem como para os O momento olímpico e o excepcional jovens do Profesp e do Projeto Marinha desempenho do projeto da modalidade do Brasil-Odebrecht, maximizando o Levantamento de Peso Olímpico (LPO), potencial desses programas. desenvolvido no Cefan, integrando atletas A inegável qualidade das instalações do de alto rendimento consagrados e atletas Cefan permitiu ainda que, no período que iniciantes de base, pertencentes especial- imediatamente antecedeu os Jogos Olím- mente ao Profesp, permitiram também picos, alguns países e equipes escolhessem que o Ministério do Esporte direcionasse o Centro para realizar seu preparo final, recursos para a construção do primeiro como foi o caso da equipe de atletismo da Ginásio de LPO do País. Tal ginásio, Jamaica, incluindo o tricampeão olímpico que estará concluído até o final de 2016, Usain Bolt.

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O tricampeão olímpico Usain Bolt (Jamaica) com as crianças do Profesp, no Cefan (Foto: SO-RM1-FN Laerte Silva)

JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016 A seguir a relação de todos os 55 atletas da Marinha que participaram dos A consolidação das iniciativas descritas Jogos Olímpicos Rio 2016, compondo o nos itens anteriores, tanto em termos de chamado “Time Brasil”, divididos por políticas e programas como em termos de modalidade: infraestrutura, permitiu que a Marinha do Brasil atingisse nos Jogos Olímpicos Rio Atletismo 2016 resultados impressionantes, tanto em termos de participação de seus atletas 3º SG-RM2-EP Ana Claudia como, especialmente, em termos das me- 3º SG-RM2-EP Andressa Oliveira dalhas obtidas. 3º SG-RM2-EP Cristiane Santos Dos 465 atletas do Time Brasil, 55 3º SG-RM2-EP Geisa Coutinho (11,8%) pertenciam à MB, incluindo, por 3º SG-RM2-EP Fabiana Moraes exemplo, o boxeador Sargento Robson 3º SG-RM2-EP Joelma Conceição, a lutadora Sargento Aline 3º SG-RM2-EP Lutimar Paes Silva, a maratonista aquática Sargento 3º SG-RM2-EP Moreira Ana Marcela Cunha, a dupla de nado 3º SG-RM2-EP Núbia sincronizado Sargento Maria Eduarda 3º SG-RM2-EP Tabata Micucci e Sargento Luisa Borges, as jo- 3º SG-RM2-EP Vanessa Chefer gadoras de vôlei de praia Sargento Ágatha 3º SG-RM2-EP Vitória Rosa Bednarczuk e Sargento Bárbara Seixas, a nadadora Sargento Etiene Medeiros, o Boxe saltador ornamental Sargento Hugo Parisi e as velejadoras Sargento Kahena Kunze 3º SG-RM2-EP Joedison Texeira e Sargento Martine Grael, além de toda a 3º SG-RM2-EP Juan Golçalves equipe feminina de judô. 3º SG-RM2-EP Julião Neto

24 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

3º SG-RM2-EP Robenilson Vieira 3º SG-RM2-EP Jackson Rondinelli 3º SG-RM2-EP Robson Conceição 3º SG-RM2-EP Juliana Veloso

Judô Taekwondo

3º SG-RM2-EP Érika Miranda 3º SG-RM2-EP Venilton Texeira 3º SG-RM2-EP Maria Portela 3º SG-RM2-EP Maria Suelen Tiro 3º SG-RM2-EP Mariana Silva 3º SG-RM2-EP Mayra Aguiar 3º SG-RM2-EP Rosane Ewald 3º SG-RM2-EP Rafaela Silva 3º SG-RM2-EP Sarah Menezes Vela

Levantamento de peso olímpico 3º SG-RM2-EP Fernanda Decnop 3º SG-RM2-EP Gabriel Borges 3º SG-RM2-EP Jaqueline Ferreira 3º SG-RM2-EP Henrique Haddad 3º SG-RM2-EP Rosane Reis 3º SG-RM2-EP Isabel Swan 3º SG-RM2-EP Jorge Zarif Lutas associadas 3º SG-RM2-EP Kahena Kunze 3º SG-RM2-EP Marco Grael 3º SG-RM2-EP Aline Ferreira 3º SG-RM2-EP Martine Grael 3º SG-RM2-EP Gilda Oliveira 3º SG-RM2-EP Joice Silva Vôlei de praia feminino

Nado sincronizado 3º SG-RM2-EP Agatha Bednarczuk 3º SG-RM2-EP Bárbara Seixas 3º SG-RM2-EP Luisa Borges 3º SG-RM2-EP Eduarda Micucci Vôlei de praia masculino

Natação/Maratona aquática 3º SG-RM2-EP Alisson Cerutti 3º SG-RM2-EP Bruno Schmidt 3º SG-RM2-EP Alan Do Carmo 3º SG-RM2-EP Ana Marcela Foram conquistadas seis medalhas 3º SG-RM2-EP Brandon Almeida (quatro de ouro). Destacam-se as quatro 3º SG-RM2-EP Etiene Medeiros medalhas de ouro conquistadas pelos 3º SG-RM2-EP João Luiz seguintes atletas: 3ºSG-RM2-EP Rafaela Silva, do judô; 3ºSG-RM2-EP Robson Remo Conceição, do boxe; a dupla de vôlei de praia formada pelos 3ºSG-RM2-EP Ali- 3º SG-RM2-EP Willian Giaretton son Cerutti e Bruno Schmidt; e a dupla da vela formada pelas 3ºSG-RM2-EP Saltos ornamentais Martine Grael e Kahena Kunze. Estes números foram decisivos para assegurar 3º SG-RM2-EP Cesar Castro a 13ª posição geral do Brasil no quadro 3º SG-RM2-EP Hugo Parisi geral de medalhas, conforme o quadro.

RMB3oT/2016 25 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Comandante da Marinha com atletas, em frente ao prédio do Comando-Geral do Corpo de Fuzileiros Navais

Quadro de Medalhas sociais, sendo que dois Jogos Olímpicos Rio 2016 deles, 3ºSG-RM2-EP Colocação / País Ouro Prata Bronze Total Rafaela Silva, do judô; 13º – Brasil 7 6 6 19 3ºSG-RM2-EP Robson Atletas MB (%)*: 4 (57,1%) 1 (16,6%) 1 (16,6%) 6 (31,5%) Conceição, do boxe, obtiveram medalhas de * Se a MB fosse um país, ficaria em 22º lugar no quadro geral ouro. O quadro a seguir de medalhas. sintetiza a contribuição Fonte: Comissão de Desportos da Marinha dos atletas da Marinha para o sucesso alcança- A participação dos atletas da MB foi do pelo Brasil. muito expressiva sob todos os aspectos. As conquistas destes atletas renomados Esses atletas constituíram quase 12% do motivam os mais jovens a se dedicarem e a Time Brasil (um dado que, mesmo isolada- treinarem para futuras conquistas. Na reali- mente, já teria um significado importante) e dade, o papel dos mais jovens é fundamental conseguiram obter 32% de todas medalhas para a continuidade e para o sucesso de lon- conquistadas e, ainda mais impressionante, go prazo do Prolim, uma vez que somente 57% das medalhas de ouro. Destaca-se, por meio de investimentos nos processos ainda, a importante informação de que sociais e de base ligados ao esporte será sete dos atletas da MB que participaram possível realizar a verdadeira transformação dos Jogos foram oriundos de programas do Brasil em potência olímpica.

26 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

tribuição para a trans- formação do País em potência olímpica. Autoridades públi- cas nos mais diversos níveis do governo, desde o próprio Pre- sidente da República e representantes do COB e de diversas confederações des- portivas, ressaltaram explicitamente a im- portância da continui- dade da contribuição prestada pelas Forças Armadas. Em termos do contínuo aprimora- mento das instalações Medalhistas de ouro da Marinha desportivas, já exis- tem, para um futuro próximo, projetos de ATLETAS % MEDALHAS % construção, por meio TIME 465 100 19 (7 ouro) 100 de parceria com o Mi- BRASIL nistério do Esporte, de TOTAL 145 31,18 13 (5 ouro) 68 (71) um ginásio de lutas MILITARES e de um ginásio de MARINHA 55 11,82 6 (4 ouro) 32 treinamento dry land PROJETOS 7 2 (ouro) de saltos ornamentais, SOCIAIS que seguramente pro- porcionarão um impul- Quadro Sintético da participação dos atletas militares da Marinha nos Jogos so ainda maior tanto Olímpicos Rio 2016 para o alto rendimento como para os projetos PERSPECTIVAS FUTURAS de base ligados a essas modalidades. Os projetos de base desenvolvidos no Os excepcionais resultados obtidos nos Cefan, principalmente nas modalidades de Jogos Olímpicos Rio 2016 pelos atletas LPO, lutas, atletismo e boxe, seguramente militares em geral, especialmente pelos continuarão a identificar e desenvolver, atletas da MB, além da grande repercussão desde muito cedo e em quantidades cada positiva imediata, criaram um ambiente vez maiores, atletas de destaque, capazes altamente favorável à consolidação, conti- de representar o Brasil no futuro, nas mais nuação e até mesmo a uma ampliação do relevantes competições internacionais. Nes- Programa Olímpico da Marinha e a sua con- te aspecto, o depoimento do presidente da

RMB3oT/2016 27 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Confederação Brasileira de Levantamento permite alcançar bons resultados no curto de Peso (CBLP), em audiência pública rea- prazo. E a existência dos programas sociais lizada na Câmara dos Deputados em 10 de e de base, além de retratar um compromisso setembro de 2015, relata de forma clara as fundamental da MB com a formação da expectativas ao explicitar sua visão de que, cidadania, faz com que se possa sonhar para o futuro da modalidade,“a aposta é no com um futuro cada vez mais promissor projeto social desenvolvido no Centro de para o esporte nacional. Tudo isso, aliado Educação Física Almirante Adalberto Nu- a investimentos consistentes por parte dos nes (Cefan), no Rio de Janeiro. É um apoio atores envolvidos, assegura uma sinergia inédito para a base e já tivemos resultado. única, que seguramente será materializada Nunca tínhamos conseguido um pódio, e no em resultados cada vez melhores nos próxi- fim foram seis medalhas”, referindo-se aos mos ciclos olímpicos. Neste contexto, com resultados alcançados no Campeonato Mun- a significativa contribuição da Marinha do dial Juvenil disputado em Lima, em 2015. Brasil no esporte, o futuro do esporte na- Esta conjugação entre os atletas de alto cional parece ser cada vez mais promissor. rendimento, além de inspirar os mais jovens, Rumo a Tóquio 2020!

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Esporte; Centro de treinamento; Educação física; Olimpíadas;

REFERÊNCIAS

CANCELA, K., GARRIDO, F. A. C., ÁVILA, E. B., SOARES, V. Q., GROSS, P. S. C. 100 anos de esporte na Marinha do Brasil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Agência 2A Comunicação, 2015, 124p. COMANDO DA MARINHA. Anexo 16, da Portaria nº 40/2013 – Programa Olímpico da Marinha. MINISTÉRIO DA DEFESA. Brasil nos Jogos­ Mundiais Militares. Disponível em: . Acesso: 30 ago. 2016. MINISTÉRIO DA DEFESA. Programa Forças no Esporte. Disponível em: . Acesso: 31 ago. 2016.

28 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

Festa de encerramento das Olimpíadas no Maracanã

Pira olímpica

RMB3oT/2016 29 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

MEDALHISTAS DE OURO

Bruno Schmidt e Alison Cerutti – Marinha Martine Grael e Kahena Kunze – Marinha (Vôlei de praia – dupla masculina) (Vela – 49er FX)

Rafaela Silva – Marinha Thiago Braz – Aeronáutica Robson Conceição – Marinha (Judô – peso leve 57 kg) (Atletismo – salto com vara) (Boxe – peso ligeiro 60 kg)

Futebol (equipe masculina)

Vôlei (equipe masculina)

30 RMB3oT/2016 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

MEDALHISTAS DE PRATA

Felipe Wu – Exército (Tiro esportivo – pistola de ar 10 metros) Arthur Zanetti – Aeronáutica (Ginástica artística – argolas)

Ágatha Bednarczuk e Barbara Seixas – Marinha Isaquias Queiroz (Canoagem velocidade – 1.000 metros ) (Vôlei de praia – dupla feminina)

Dupla Isaquias Queiroz e Erlon Silva Diego Hipólito (Ginástica artística – solo) (Canoagem velocidade – 1.000 metros)

RMB3oT/2016 31 JOGOS OLÍMPICOS RIO 2016: a participação dos atletas da Marinha do Brasil

MEDALHISTAS DE BRONZE

Mayra Aguiar – Marinha (Judô – peso meio-pesado 78 kg) Isaquias Queiroz (Canoagem velocidade – 200 metros)

Arthur Mariano – Aeronáutica (Ginástica artística – solo) Rafael Silva – Exército (Judô – peso pesado 100 kg)

Maicon Andrade (Taekwondo – acima de 80 kg) Poliana Okimoto – Exército (Maratona aquática – 10 km)

32 RMB3oT/2016 O ESPORTE E A FORMAÇÃO MILITAR COMO FERRAMENTAS DE INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL

O esporte oferece uma magnífica preparação para a vida e promove os mais nobres valores humanos: entusiasmo, trabalho em equipe, espírito de excelência, sacrifício e jogo limpo. Práticas desportivas podem contribuir para mudar o mundo. Ele tem o poder de unir as pessoas de uma forma que outras poucas coisas conseguem. O desporto pode criar esperança onde antes havia somente desespero. Nelson Mandela

PAULO ANDRÉ DE BARROS CORRÊA* Capitão de Fragata (T)

SUMÁRIO

Introdução Inclusão e Exclusão Social O esporte como ferramenta de inclusão social A formação militar como ferramenta de inclusão social Conclusões

INTRODUÇÃO Assim, o paradigma da inclusão social consiste em transformar a sociedade num tiliza-se o termo inclusão social para lugar viável para o indivíduo alcançar a Udesignar toda e qualquer política de satisfação das necessidades inerentes ao inserção de pessoas ou grupos excluídos na seu bem-estar. Contudo, observando-se sociedade. Portanto, falar de inclusão social o caso da sociedade brasileira, pode-se é remeter ao seu inverso, a exclusão social. perceber que esta aspiração ainda está

* Chefe do Departamento de Administração do Instituto de Pesquisas da Marinha. O ESPORTE E A FORMAÇÃO MILITAR COMO FERRAMENTAS DE INCLUSÃO SOCIAL NO BRASIL

distante para uma quantidade considerá- compreender os seus deveres com disci- vel de pessoas. plina e determinação. Prova desta visão A exclusão de alguns indivíduos do é que as próprias entidades públicas e acesso às oportunidades existentes na privadas têm financiado a realização de sociedade é um fenômeno que tem sido atividades esportivas, principalmente em percebido já há algum tempo pelo Estado comunidades carentes, pois consideram que brasileiro. Assim, políticas públicas e este seja um meio eficaz de sociabilização privadas têm sido fomentadas no sentido e inclusão social. de mitigar tal situação, para que o Brasil Neste sentido, também historicamente possa se tornar um país com uma maior têm caminhado as Forças Armadas. Fazen- justiça social. do-se uma leitura das publicações sobre o Dentre as diversas ações que são en- tema ora tratado, pode-se verificar que a contradas na literatura acadêmica que iniciativa das Forças Armadas no sentido de podem ser consideradas como ferramentas propiciar oportunidades de inclusão social para inclusão social, destacam-se duas em é antiga, tendo Da Costa (2005) reporta- especial: o incentivo à prática esportiva e do que em 1936 foi criada pelo Exército a formação militar. Brasileiro a Colônia Tais ações se eviden- de Férias, uma das ciam em face de duas Ações encontradas na atividades precursoras percepções diame- literatura acadêmica que do esporte recreativo tralmente opostas da como inclusão social sociedade brasileira podem ser consideradas no País, sob liderança quanto ao momento como ferramentas para do Capitão Inácio de atual. Se, por um lado, inclusão social: o incentivo Freitas Rolin e do Sar- o Brasil sediou, nes- gento Custódio Batista te ano de 2016, pela à prática esportiva e a Lobo. primeira vez os Jogos formação militar Atualmente, o Olímpicos, o que tem Ministério da Defe- trazido um momento sa desenvolve vários de euforia e entusiasmo para sua popula- projetos e programas de inclusão social ção, por outro passa por séria crise política, promovidos pelo Governo Federal, tais econômico-financeira, social e moral. como o Programa Forças no Esporte, o A prática do esporte tem mostrado a Projeto Soldado Cidadão, o Programa capacidade de modificar a vida de muitas Calha Norte e o Projeto Rondon, além das pessoas, principalmente de jovens e defi- Ações Cívico-Sociais que levam serviços cientes, incentivando-as a ultrapassar obs- do Estado a várias comunidades carentes táculos por meio de superação de barreiras do País. e limitações que a vida lhes impõe. Dentro das atividades desenvolvidas Tem sido observado que aqueles que pelas Forças Armadas no sentido de pro- praticam esportes possuem a oportunida- piciar oportunidades de inclusão social, de de criar uma percepção a respeito do cabe mencionar a importância da formação mundo que os cerca. O esporte propicia militar como instrumento para propiciar aos a oportunidade de as pessoas se sociabi- jovens uma nova perspectiva no sentido lizarem, treinando-as para a vida, a fim de introduzi-los na sociedade. A formação de que possam exercer os seus direitos e militar tem sido vista como uma chance de

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despertar no jovem sentimentos de valores do que não lhe pertencia outrora e que lhe éticos e morais e de que ele tenha um apren- fora concedido por uma política pública dizado profissional, que em muitas vezes é implantada para tal (MARTA, 2010). o primeiro de sua vida. De acordo com Rabia et al. (2006), a Desta forma, este estudo objetiva buscar inclusão social representa o desenvolvi- a compreensão do real significado do que mento de projetos de políticas públicas que se trata o fenômeno da inclusão social e possuem a capacidade de garantir, paula- de como o esporte e a formação militar tinamente, aos indivíduos sua mudança do contribuem para diminuir o problema da grupo dos excluídos para o de incluídos. exclusão social no País. A COM 2003 (Comunicação da Comissão Europeia ao Conselho e ao Parlamento Euro- INCLUSÃO E EXCLUSÃO SOCIAL peu) define inclusão social como o processo que garante aos indivíduos em risco de pobre- O fenômeno da za e exclusão social ter inclusão social não acesso às oportunidades pode ser entendido Este estudo objetiva buscar e aos recursos necessá- somente por meio de a compreensão do real rios para participarem um conceito que te- completamente nas es- nha fim em si mesmo significado do que se trata feras econômica, social ou de forma autôno- o fenômeno da inclusão e cultural e que possam ma. Implica entender usufruir de um nível de que tal fenômeno está social e de como o esporte vida e bem-estar tido ligado ao que se deno- e a formação militar como normal na socie- mina exclusão social, contribuem para diminuir o dade em que vivem. tendo em vista que Para a COM (2003), a só poderá ser imple- problema da exclusão social exclusão social é um mentada a inclusão no País processo por meio do social ao se partir do qual alguns indivíduos entendimento de que são colocados à mar- há uma parte de indivíduos que fora exclu- gem da sociedade, não podendo ser inseridos ída da sociedade. completamente nela em razão de sua pobreza A exclusão é processo complexo e de ou da falta de competências básicas e de muitas faces, com formato de proporções oportunidades de aprendizado ao longo de sua materiais políticas, relacionais e subjeti- vida, ou ainda em virtude de discriminação. vas. É processo sutil e dialético, porque Segundo Sposati (1999), a ideia de inclu- na verdade somente existe em relação à são social se apresenta como a possibilidade inclusão, como parte constitutiva dela. Não de exercício pleno dos direitos sociais e da se constitui como estado ou mesmo como cidadania, que são garantidos pelo Estado coisa. Ela é processo que envolve o homem aos cidadãos, por meio das diretrizes esta- por inteiro e suas relações com os outros belecidas no arcabouço jurídico. No Brasil, (SAWAIA, 1999). os direitos sociais estão dispostos na Cons- A inclusão social corresponderia, então, tituição de 1988: educação, saúde, trabalho, não à polarização de fenômenos, em opo- moradia, lazer, segurança, previdência sição à exclusão, mas está ligada a uma social, proteção à maternidade e à infância parcela da sociedade que se beneficiaria e assistência aos desamparados.

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Para Sassaki (2004), na verdade, existe sonham com um futuro melhor, fazendo um paradigma da inclusão social. Ele com que eles tenham melhor desempenho consiste em fazer com que a sociedade se escolar e fiquem fora das ruas, podendo, constitua num lugar onde seja exequível a assim, almejar um futuro na sociedade. convivência entre pessoas de todos os tipos O próprio governo brasileiro, a partir e em condições de realização de direitos, deste mesmo entendimento dos pesqui- potencialidade e necessidades. Para tanto, sadores acima citados, criou a Secretaria aqueles que são adeptos e favoráveis à Nacional de Esporte, Educação, La- inclusão estão traba- zer e Inclusão Social lhando no sentido de (Snelis), responsável transformar a socie- O esporte se constitui numa pela implantação de dade, sua estrutura, maneira de substituir a diretrizes relativas aos suas atitudes, seus programas esportivos produtos e suas tec- violência, por meio de uma educacionais, de lazer nologias em todos os competição controlada, em e de inclusão social. aspectos: educação, que o respeito à vida é o Já Gomes Tubino esporte, lazer, traba- (2002) possui uma vi- lho, saúde e mídia, fator primordial são multidimensional cultura e transporte, do assunto. Esse autor entre outros. percebe que o esporte na escola, o esporte como prática de lazer O ESPORTE COMO FERRAMENTA de pessoas comuns e o esporte de ren- DE INCLUSÃO SOCIAL dimento também incorporam elementos relevantes para o entendimento do esporte Nos últimos tempos, tem crescido a percep- como prática inclusiva. ção de que o esporte pode ser utilizado para Gomes Tubino, Garrido e Tubino fomentar a inclusão social (KELLY, 2010). (2006) enxergam o esporte na escola como Para Elias e Dunning (1992), o esporte se elemento de inclusão, participação, coope- constitui numa maneira de substituir a violên- ração, coeducação e corresponsabilidade, cia, por meio de uma competição controlada, enquanto Paes (2001) afirma que o ensino em que o respeito à vida é o fator primordial. do esporte na escola pode propiciar, a uma Para estes autores, o esporte consegue atingir quantidade maior de crianças, a oportuni- valores como coletivismo, amizade e solida- dade de acesso a esse fenômeno social e riedade, sociabilizando as pessoas. cultural, o que contribui para a inclusão. Oléias (1998) acredita que o esporte Já o esporte conforme descrito por Pinto incentiva as pessoas a romper com o et al. (2014) é um campo organizador em conformismo, fazendo-as exercitar papéis que culturas diversas deparam-se no intuito com novos significados, além de estreitar da prática do desporto, ao lado de famílias, amizades, fortalecer grupos e motivá-las comunidades, escolas etc. O autor também para o enfrentamento de conflitos, assim afirma que o esporte de lazer é um direito como para a busca de soluções coletivas social de todos os brasileiros, conforme e conscientes. reza a Constituição Federal de 1988, e Lima (2014) acredita que o desporto que portanto se transforma num forte é uma ferramenta poderosa na proteção instrumento para a reversão do quadro de social e no resgate de crianças e jovens que injustiça e vulnerabilidade social.

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No que tange ao esporte de rendimen- atual e por ser atraente em diversas cultu- to, torna-se relevante, no contexto atual, ras juvenis, em função da valorização do destacar o Programa de Incorporação de próprio corpo. Atletas de Alto Rendimento às Forças De acordo com Alves e Pieranti Armadas Brasileiras, tendo como objetivo (2007), o esporte é uma forma de pro- fortalecer a equipe militar brasileira em piciar a socialização. Ele favorece a eventos esportivos de alto nível, criado pelo atividade desenvolvida no coletivo, o Ministério da Defesa em parceria com o aprimoramento de uma consciência co- Ministério do Esporte em 2008. munitária, a identidade e a representação Neste mesmo foco encontra-se o Pro- simbólica da Nação, o que se faz visível grama Olímpico da Marinha do Brasil em importantes competições. (Prolim). Dentre seus Não é só o esporte diversos objetivos, comum que tem sido o Programa visa for- O Prolim visa fornecer a instrumento de inclu- necer a atletas com atletas com desempenho são social. O chamado desempenho excep- esporte adaptado é ou- cional, dentre eles excepcional, dentre eles tra ferramenta impor- jovens de baixa renda, jovens de baixa renda, tante para as pessoas formação militar-na- com deficiências físi- val e incorporação à formação militar-naval cas se sentirem parte Marinha, apoiando-os apoiando-os técnica e da sociedade. Tendo técnica e financeira- financeiramente, revelando raízes na reabilitação mente como atletas de soldados no mo- militares da Força e talentos e promovendo mento pós-Segunda proporcionando-lhes inclusão social Guerra, o esporte o desenvolvimento adaptado pode ser de- físico adequadamente finido como o esporte assistido, a fim de possibilitar a revelação modificado ou especialmente criado para de novos talentos para o esporte, con- ir ao encontro das necessidades únicas de tribuindo, assim, para seu processo de pessoas com deficiência (GRUBANO, inclusão social. 2015). O esporte adaptado traz benefícios Azevedo e Gomes Filho (2011) tecem no sentido de proporcionar um enorme que é sensato que políticas de inclusão por ganho de independência e autoconfiança meio do esporte incorporem oportunidades na execução das atividades diárias, além para a descoberta de novos talentos e o es- de uma melhora do autoconceito, da tímulo ao florescimento destes, oferecendo, autoestima e da capacidade física (GOR- inclusive, a crianças e jovens a oportuni- GATTI, 2005). dade efetiva da escolha do esporte como Para Vargas (2011), evidencia-se a ocupação valorosa e duradoura. relevância do esporte adaptado para os Com este mesmo foco nos jovens, deficientes na medida que há possibilidade Rittner e Breuer (2003) descrevem que a de criarem um ambiente próprio para o con- motivação destes ao se envolverem com o vívio social, livre de rótulos e preconceitos, esporte ocorre, em parte, em decorrência no qual estarão definitivamente incluídos, da atividade esportiva ter se tornado um sem sofrer discriminação e, consequente- valor relevante para a cultura da sociedade mente, exclusão.

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A FORMAÇÃO MILITAR COMO Ao longo de sua vida profissional, o FERRAMENTA DE INCLUSÃO militar de carreira passa por um sistema SOCIAL de educação continuada, que lhe permite adquirir as capacitações específicas dos A Marinha do Brasil (2016), em seu diversos níveis de exercício da profissão site institucional, conceitua a formação militar e realiza reciclagens periódicas militar como “a estruturação de um caráter para fins de atualização e manutenção verdadeiro, sólido, persistente e simples. dos padrões de desempenho. É a conscientização do servir, do espírito de abnegação; o surgimento da motivação Contudo, vale ressaltar que a importân- interior da disciplina, da força de vontade, cia da formação militar não se dá apenas mesmo em ambientes adversos”. para o pessoal de carreira. No que con- O General Otávio Costa, do Exército cerne ao pessoal temporário, é importante Brasileiro, afirmou que “o esforço princi- tecer comentários sobre o Projeto Soldado pal da formação militar é um trabalho de Cidadão, que tem a missão de qualificar autoconstrução, porque se trata muito mais profissionalmente os recrutas que pres- de interiorizar valores tam o serviço militar, do que de guardar complementando sua conhecimentos”. “O esforço principal da formação cívica cida- De acordo com formação militar é um dã e facilitando seu Castro (1990), para ingresso no mercado a concretização da trabalho de autoconstrução, de trabalho, após o pe- formação do militar, porque se trata muito ríodo obrigatório junto faz-se necessário um mais de interiorizar às Forças Armadas. processo de socializa- Esse projeto fun- ção, o qual acarretará valores do que de guardar ciona desde 2004 e na diferenciação do conhecimentos” abrange todo o territó- militar em relação aos rio nacional. Escolas demais membros da técnicas e militares são sociedade. Tal processo tem início nos cursos parceiras na capacitação dos jovens que de formação militar, em maior intensidade, estão deixando a farda para retornar à vida contudo é amadurecido durante a carreira. A civil, facilitando, assim, sua inclusão social. fim de consolidar a formação, os alunos são Desde sua implantação, de acordo com acostumados a participar de atividades coleti- informações constantes no site do Minis- vas, como acampamentos e ordem unida, que tério da Defesa, cerca de 200 mil jovens já servem para combinar características milita- foram beneficiados pelo Soldado Cidadão, res como o espírito de corpo, o qual fortalece que oferece cursos em conformidade com a o sentimento de pertencimento à instituição e demanda do mercado de trabalho regional. aos valores absorvidos do coletivo. Neste mesmo diapasão, contribui O site do Centro de Comunicação Social Ferolla (2002) com sua visão sobre os do Exército Brasileiro (2016) traz impor- benefícios proporcionados aos jovens tante contribuição no que concerne à visão oriundos de camadas mais pobres em face da importância da formação militar: do aprendizado recebido no serviço militar: O exercício da profissão militar exige (...) Neste contexto, gostaríamos uma rigorosa e diferenciada formação. de realçar os benefícios do serviço

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militar para os jovens oriundos das CONCLUSÕES camadas mais pobres, concedendo- -lhes oportunidade de ascensão social, Este estudo buscou entender o signifi- com aprendizado técnico, noções de cado da inclusão social e perceber como o higiene, assistência médica, alimenta- esporte e a formação militar podem atuar ção adequada e tantos outros modestos como instrumentos para a redução da ex- itens que despertam no jovem cidadão clusão social no País. a consciência de uma vida mais digna, Foi compreendido que só há como en- que lhes vinha sendo omitida. tender a inclusão a partir do momento em que se percebe que há pessoas excluídas na Aqui vale lembrar que tal procedimento sociedade e que esta parcela de indivíduos se faz de longa data nas Forças Armadas, está à margem de direitos sociais, como como pode ser obser- saúde, educação, lazer, vado, por exemplo, trabalho etc., ou seja, no caso da criação Só há como entender de sua cidadania. Des- da Companhia de a inclusão a partir do te entendimento, surge Aprendizes-Mari- a ideia de que há um nheiros de Sergipe. momento em que se percebe paradigma da inclusão De acordo com Lima que há pessoas excluídas social, que consiste em (2014), esta institui- na sociedade e que esta tentar realizar ações, ção militar iniciou tais como o esporte e a suas atividades em parcela de indivíduos está à formação militar, a fim 1868 e tinha como margem de direitos sociais, de adequar os sistemas finalidade atender gerais da sociedade aos meninos órfãos como saúde, educação, para que seja possível e desvalidos. O ob- lazer, trabalho etc., ou seja, o convívio de diferen- jetivo era que eles de sua cidadania tes tipos de pessoas. servissem de mão de A prática do des- obra especializada porto incentiva as pes- à Marinha e ao Brasil. A Companhia soas a romper com o status quo, fazendo-as buscava formação específica de marujos descobrir e exercitar novos talentos, assim e funcionava como escola em regime de como derrubar obstáculos, criando uma internato. Nela os aprendizes faziam jus a identidade e até a representação de Nação. alimentação, fardamento, material escolar Para os jovens, o esporte traz ainda os e soldo mensal, assim como a assistência valores atuais de consciência do cuidado médica e religiosa, podendo, assim, ser com o corpo, noção fortemente presente integrados à sociedade. na sociedade de hoje. Deste modo, observa-se que a proposta No que tange aos deficientes físicos, o es- da formação do militar visa não apenas à porte propicia aumento da confiança, maior formação profissional para o suprimento independência e amplia perspectivas de de mão de obra qualificada para os servi- convívio social sem que haja preconceitos. ços militares, mas também à transmissão Quanto à formação militar, pode-se de valores e ensinamentos aos jovens, dizer que esta proporciona e incentiva o o que lhes permite maior facilidade de sentimento de servir ao próximo, a disci- inserção social. plina, a força de vontade, a construção de

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valores e a participação no coletivo, entre O estudo em pauta não pretendeu es- diversos aspectos que favorecem a socia- gotar o assunto, propondo-se apenas a ser bilização do indivíduo. um referencial a mais para agregar conhe- Além desses pontos abordados cimento a esta discussão. Acredita-se que acima, faz-se também mister colocar a elaboração de outros trabalhos versando outras vantagens obtidas pelos jo- sobre este tema no âmbito, principalmen- vens, principalmente os oriundos de te, das Forças Armadas, onde o autor da camadas mais carentes, advindas da pesquisa em tela trabalha, acarretaria uma sua formação militar, como a de pos- melhor visão do que hoje é realizado na sibilitar formação cívica, qualificação Marinha, no Exército e na Aeronáutica em técnico-profissional, noções de higiene, termos de como sistematizar a prática do alimentação apropriada e assistência esporte e os cursos de formação militar, a médica, além de diversos outros bene- fim de que houvesse o maior ganho possível fícios que poderiam ser aqui citados. no que tange à inclusão social.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Formação de pessoal; Esporte; Política interna; Sociologia;

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RMB3oT/2016 41 CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016 CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016

Foi realizada em 26 de agosto último, em São Pedro da Aldeia (RJ), a cerimônia em comemoração aos cem anos de criação da Aviação Naval. Estiveram presentes o ministro da Defesa, Raul Jungmann; o comandante da Marinha, Almirante de Esquadra Eduardo Ba- cellar Leal Ferreira; e o comandante da Força Aeronaval, Contra-Almirante Sérgio Nathan Marinho Goldstein, além de ex-ministros e comandantes da Marinha, almirantes, oficiais, aviadores navais, entre outros.

PRONUNCIAMENTO DO MINISTRO DA DEFESA

"Senhoras e senhores, Celebramos, no dia de hoje, o centésimo aniversário da Aviação Naval brasileira, pioneira de toda a aviação militar em nosso País. A Aviação Naval no Brasil começou com a criação da Escola de Aviação Naval na Ilha das Enxadas, no Rio de Janeiro, em 1916. Ainda não se haviam passado dez anos desde que o 14 Bis de Santos Dumont levantara voo em Paris, em 1906, quando o pioneirismo e o entusiasmo de outro brasileiro, o Primeiro- -Tenente Jorge Henrique Möller, impulsionaram o surgimento da aviação militar no Brasil. O jovem militar da Marinha obtivera seu brevê de piloto na França, em 1911, quando o Brasil ainda não contava com instituições de aviação militar, e tornou-se, assim, o primeiro aviador militar brasileiro.

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Ministro da Defesa passa em revista à Tropa

A criação da Escola, cinco anos mais tarde, foi apenas o primeiro passo na traje- tória da aviação naval brasileira, que consolidou, ao longo deste século de história, seu componente aéreo próprio, sua tradição e sua indispensável contribuição para a soberania do País. A Aviação Naval contribui para fazer da Marinha do Brasil uma força completa, que tem atuação no mar, no ar e em terra. A importância dessa capacidade interoperacional foi percebida já na Segunda Guerra Mundial, quando componentes aéreos mostraram-se indispensáveis para a condução de operações de guerra no mar, de maneira análoga ao que acontecia em terra. Ao longo dos últimos anos, a Aviação Naval brasileira consolidou-se não apenas com a formação de pilotos de fibra e excelência, mas também com a aquisição de aeronaves de asas fixas e rotativas, indispensáveis para o cumprimento de sua missão. A Aviação Naval é fundamental para a Esquadra, para o desenvolvimento de nosso País e para a defesa da Amazônia Azul. Somadas aos recursos pesqueiros de nossas águas, as riquezas localizadas na Amazônia Azul elevam o Brasil a um novo patamar de reservas e produção de petróleo e gás natural. É no marco da proteção desses recursos que a Marinha do Brasil vem aprofundando seus projetos estratégicos, notadamente aqueles que se baseiam no desenvolvimento de tecnologias e produtos de defesa nacionais. Mas a Marinha do futuro precisa, sempre, lembrar e louvar o seu passado. Os cem anos da Aviação Naval brasileira estarão eternamente gravados nos símbolos que compõem a Medalha e o Selo Comemorativos do Centenário, lançados hoje.

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Chega também em boa hora o Livro Comemorativo ao Centenário, elaborado pela Fun- dação Getúlio Vargas, com os subsídios da Marinha do Brasil, que conta, em dez capítulos, a história da Aviação Naval brasileira. Este foi um percurso rumo ao próprio amadurecimento, cheio de desafios e também de glórias, que não poderia ter sido escrito sem sacrifícios e perdas. Faço uma sincera e emocionada homenagem ao Capitão de Corveta Igor Bastos, ainda desaparecido no mar após acidente ocorrido em treinamento. Estendo meus sentimentos a seus familiares e irmãos de farda. Essa lembrança traz a mim o dever de agradecer e cumprimentar enfaticamente todos os tripulantes aeronavais brasileiros por seus sacrifícios, por seu profissionalismo, por sua abnegação e dedicação à Pátria. Parabéns a todos os aviadores que protegem, do ar, a nossa soberania no mar. Muito obrigado!"

ORDEM DO DIA DO COMANDANTE DA MARINHA

"Hoje, na presença de ilustres convidados, a Aviação Naval escreve mais uma das belas páginas de sua, agora, centenária história. Forjada na crença visionária da superioridade que a ala aérea embarcada proporciona ao Poder Naval, a Aviação Naval vivenciou um passado de pioneirismo e superação, responsáveis por balizar seu desenvolvimento. Contudo, a característica que mais destaca esta exitosa jornada é, sem dúvida, o profissionalismo intrínseco a todos os seus componentes do passado e do presente. Profissionalismo representado pelo legado de diversas gerações, aqui materializado pelos 'Velhos Águias', que, ostentando seus distintivos e bonés e com a inegável satisfação da opção de carreira, transmitem a nossos jovens aviadores os valores de amor à Marinha. Profissionalismo representado pela presença dos homens e mulheres da Aviação Naval nas prin- cipais atividades operativas da Marinha, estando nossas aeronaves contribuindo para a vigilância e salvaguarda da Amazônia Azul; nas missões de paz sob a égide das Nações Unidas; no Continente Antártico; e nos rincões de nosso País, seja na extensa Amazônia, no Centro-Oeste e onde se fizer necessário para garantir a soberania, os interesses nacionais e o bem-estar da população. O ambiente operacional com o qual nos deparamos atualmente é complexo e desafiador, ampliado pelas demandas nos planos eletrônico e cibernético. Estes avanços exigem rápida e precisa interpretação e reação dos aviadores navais e somente reforçam que o mesmo pro- fissionalismo que os tem caracterizado necessita ascender a patamares ainda mais elevados na interação e operação de equipamentos sofisticados e de elevado grau de automação, sem esquecer a sólida mentalidade, já existente, de segurança das atividades aéreas. Por fim, ao transmitir, em nome de marinheiros e fuzileiros navais, os cumprimentos e o sincero reconhecimento aos aviadores navais, praças especializadas em Aviação Naval, controladores de voo, médicos e psicólogos de aviação e todos aqueles que operam e apoiam as nossas aeronaves, pioneiros de outrora e combatentes do presente, incentivo-os a não esmorecer na capacitação para os desafios que a escolha profissional seguirá impondo, garantindo, assim, a consolidação deste centenário legado! Que Deus siga iluminando seus caminhos! Parabéns e sejam felizes! No ar os homens do mar! Viva a Marinha!"

44 RMB3oT/2016 CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016

Desfile da Tropa

ORDEM DO DIA DO COMANDANTE DA FORÇA AERONAVAL

"Hoje comemoramos cem anos de criação da Aviação Naval! Ao longo desta história centenária, enfrentamos e vencemos obstáculos de toda ordem, vivenciamos muitas expe- riências e alegrias, com trabalho árduo e comprometimento a um ideal. É, pois, motivo de orgulho constatar o desenvolvimento de suas capacidades e o patamar operacional alcançado em apoio à Marinha! O seu nascimento, em 23 de agosto de 1916, com a criação da Escola de Aviação Naval, durante a gestão do Almirante Alexandrino de Alencar, foi precedido pela formação, na França, do primeiro piloto militar brasileiro, o Capitão-Tenente Jorge Henrique Möller, em abril de 1911. A façanha do insigne brasileiro Alberto Santos Dumont, ao realizar o primeiro voo do mais pesado que o ar, havia ocorrido apenas cinco anos antes, o que demonstra o quanto a Marinha estava atenta à nova arma. Depositando apoio e confiança às atividades da nova Escola, o Presidente da República Wenceslau Braz realizou o primeiro voo em uma aeronave militar, já no início de 1917. A sua primeira fase histórica foi caracterizada pelo pioneirismo e pelo rápido desenvol- vimento de suas atividades. Podemos destacar a participação de aviadores navais brasileiros em operações reais de patrulha em 1918, durante a Primeira Guerra Mundial, integrando o 10o Grupo de Operações da Royal Air Force, com a perda de um dos seus primeiros expoentes em acidente aéreo, o Primeiro-Tenente Eugênio da Silva Possolo; a criação do Correio Aéreo da Esquadra em 1919, tornando-se depois o Correio Aéreo Naval; e, em 1922, no Colégio Imperial de Ciência e Tecnologia do Reino Unido, a formação do primeiro

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engenheiro aeronáutico da América do Sul, o que contribuiu para o surgimento da pesquisa aeronáutica e o fomento de uma massa crítica de profissionais, inclusive com a criação das Oficinas Gerais da Aviação Naval, na Ponta do Galeão. Quando foi extinta por decreto-lei, em janeiro de 1941, com a criação do Ministério da Aeronáutica, uma visão pequena da potencialidade da aviação naval embarcada prevaleceu. Entretanto, a Segunda Guerra Mundial logo apresentaria de maneira inconteste a sua real importância, em especial no Oceano Pacífico, com as batalhas sendo vencidas pelos aviões americanos embarcados em porta-aviões, sem contato visual entre os navios e, por conse- guinte, longe do alcance do seu armamento. Em cumprimento à nova Lei, todo o acervo de aviões, bases e sobressalentes foram cedidos à nova Força Armada, além de pilotos e mecânicos. A segunda fase inicia-se em 1952, com a criação da Diretoria de Aeronáutica da Marinha (DAerM), período que foi caracterizado pelo empreendedorismo de uma nova geração, que construiu uma sólida base estrutural que perdura até os dias atuais. Naquela época, alguns eventos foram significativos para a reestruturação da Aviação Naval: em 1957, a criação e instalação do Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval na Avenida Brasil; a chegada do Navio-Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Gerais, no início de 1961; e a compra de novas aeronaves. Com um ambiente militar conturbado pela disputa de uma discutível hegemonia no uso da asa fixa, era patente a tensão que existia no País. A controvérsia se estendeu até 1965, quando, por força de decreto do Presidente Castelo Branco, a Marinha ficou restrita a operar apenas helicópteros. No período de 1965 a 1997, a Marinha desenvolveu intensamente o seu emprego, tanto no período diurno quanto no noturno, não somente a partir do NAeL Minas Gerais, mas também em escoltas dotados de convés de voo, ampliando significativamente a capacidade da Esquadra na guerra antissubmarino e antissuperfície, o que caracterizou a terceira fase da Aviação Naval. Em um cenário político favorável e com uma atuação firme da Marinha na perseguição do retorno da asa fixa, em 1998 são adquiridos aviões para operação em porta-aviões, a fim de contribuir com a defesa da Força Naval no mar. Era o início da quarta e atual fase da Aviação Naval, devidamente autorizado por decreto presidencial. Pouco mais de dois anos depois, superando uma lacuna de mais de três décadas, foi realizado o pouso dos nossos AF-1 SkyHawk no NAeL Minas Gerais. Essa conquista incluiu o Brasil em um seleto grupo de países com a capacidade de ope- rar aviões de alta performance embarcados. Em 2001, ocorreu a passagem de serviço do capitânia da Esquadra: o Navio-Aeródromo São Paulo passou a receber os nossos aviões, com a consequente baixa do saudoso Minas Gerais. Registra-se que atualmente a Aviação Naval possui o complexo de São Pedro da Aldeia, no Rio de Janeiro, onde se localiza grande parte do seu acervo material e humano. Aqui estão baseados cinco esquadrões de helicópteros, o EsqdHU-1, EsqdHI-1, EsqdHS-1, EsqdHA-1 e o EsqdHU-2, e um de aviões, o EsqdVF-1, unidades aéreas com aeronaves distintas e com missões específicas. Além disso, provendo o necessário suporte logístico, contamos com a Base Aérea Naval de São Pedro da Aldeia, o Centro de Instrução e Adestramento Aeronaval Almirante José Maria do Amaral Oliveira, a Policlínica Naval de São Pedro da Aldeia e o Centro de Intendência da Marinha em São Pedro da Aldeia.

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Neste ambiente cordial, extremamente profissional e de trabalho incansável, com o indis- pensável apoio das atividades de Segurança de Voo, da Medicina e Psicologia de Aviação, formamos e adestramos nossas tripulações e disponibilizamos para voo as nossas aeronaves, de modo a apoiarmos a Esquadra, a Força de Fuzileiros da Esquadra, os Distritos Navais e a Diretoria de Hidrografia e Navegação. Entretanto, a Aviação Naval está também representada em outras regiões do Brasil. Os nossos valorosos Esquadrões Distritais EsqHU-3, EsqdHU-4 e EsqdHU-5, braços avançados na Amazônia, no Pantanal e nos Pampas, são motivos de orgulho pela atuação destacada em apoio aos Distritos Navais de suas áreas de jurisdição. Destaco a presença de uma aeronave Esquilo de cada um desses esquadrões, hoje aqui na Macega. Unidos pelo nosso ideal, somos invencíveis, separados estamos vulneráveis! Obrigado pela vossa presença, que abrilhanta sobremaneira esta cerimônia. Contudo, é fundamental destacar a sinergia existente com a Diretoria de Aeronáutica da Marinha, que tem em sua missão o propósito de realizar as atividades normativas, técnicas e gerenciais relacionadas com a Aviação Naval, tendo papel fundamental nas modificações e modernizações da frota existente, bem como nos estudos para a aquisição de novos meios. O Serviço de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos da Marinha (SipaAerM) também merece especial menção, com as tarefas de organizar, orientar e supervisionar as atividades de investigação e prevenção de acidentes aeronáuticos na Marinha, sendo indis- pensável para a Aviação Naval. Não obstante o seu marcante pioneirismo quando do seu nascimento, na atualidade a Aviação Naval atingiu um destacado patamar operacional, com a realização de missões complexas, em períodos diurnos e noturnos na Amazônia Azul; na Antártica; no interior do Brasil, em áreas de importância estratégica; e no Líbano, em apoio à Força-Tarefa Ma- rítima da Força Interina das Nações Unidas (MTF-Unifil). Nos últimos anos, em apoio aos denominados “Grandes Eventos”, como os Jogos Olímpicos e Paralímpicos Rio 2016, a Aviação Naval tem estado presente, assim como nas ações de garantia da lei e da ordem. É importante ressaltar o suporte prestado à população por ocasião de calamidades públicas, como enchentes, desabamentos e, ainda, no atendimento rotineiro às populações ribeirinhas da Amazônia e do Pantanal, em complemento às ações da Marinha nas missões de assis- tência hospitalar. O sonho dos pioneiros de criarmos um braço aéreo em apoio à nossa Marinha escreveu belos e valorosos capítulos de superação, com a perda de companheiros que sacrificaram a própria vida em prol de um ideal! Porém a nossa história é de contínua evolução. Ao olharmos o futuro, percebemos a necessidade de nos atualizar, com a renovação de nossos meios. Assim é que a Marinha adquiriu novos helicópteros SH-16 Seahawk e UH-15 Super Cougar, iniciou a modernização dos AH-11A Super Lynx e dos AF-1A/B SkyHawk, bem como planeja substituir os valorosos UH-12/13 e IH-6B, haja vista o término de sua vida útil. O projeto COD-AAR (Carrier Onboard Delivery - Air-to-Air Refueling) dotará a Esquadra de importante vetor de reabastecimento em voo, transporte de material e pessoal. Por todos esses esforços que estão sendo realizados, percebemos a importância que a Aviação Naval tem para a Marinha, o que nos faz transbordar de satisfação e orgulho, além de renovar a nossa motivação para enfrentarmos os desafios do presente. Às personalidades que em breve receberão o Diploma do Mérito Aeronaval, agradeço as ações diretas e o apoio irrestrito à nossa Aviação Naval. As senhoras e os senhores fizeram a diferença!

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Aeronave A4

Aos comandantes da Aviação Naval do Chile e do Uruguai, ao chefe de Treinamento da Aviação Naval dos Estados Unidos da América e à representação francesa, externamos a nossa satisfação em contar com suas presenças nesta cerimônia, o que reforça os laços profissionais e de amizade que nos unem. Por fim, ao relembrarmos os feitos que marcam o Centenário da Aviação Naval, além de nos conduzir a uma reflexão de nossa história, é imperioso reverenciarmos o idealismo e a bravura dos nossos pioneiros, ressaltarmos o trabalho abnegado das gerações que os sucede- ram, e reconhecermos o profissionalismo da atual geração de homens e mulheres, militares e servidores civis, que guarnecem os postos no cumprimento de nossa missão, honrando as tradições e o legado deixado! Aeronavegantes, sejam aviadores navais, mecânicos, controladores de voo, médicos e psicólogos de aviação, e ainda aqueles que ostentam a nossa asa dourada não nos uniformes, mas gravada no peito, incrustada no coração: parabéns! Congratulo-me com todos pelas conquistas da nossa Aviação Naval, mas conclamo-os a seguir em frente, no compromisso de nos fazermos presentes, em qualquer cenário e a qualquer momento onde a nossa atuação se fizer necessária para o bem do Brasil! No ar, os Homens do Mar! Viva a Marinha!”

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JOSÉ LUIZ GATTI* Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

A criação do Serviço de Aviação Primeira Guerra Mundial O amadurecimento operacional e novos empreendimentos A criação do Ministério da Aeronáutica 1955 – O renascimento da aviação naval Enfim um novo entendimento Epílogo

A CRIAÇÃO DO SERVIÇO DE do conceito conquistado pelo nosso País AVIAÇÃO no cenário das nações. Chegamos a ocupar um lugar de destaque ao incorporar os En- os primeiros anos do século XX, foi couraçados Minas Gerais e São Paulo, da Ntão expressivo o desempenho diplo- classe Dreadnought, dotados da mais alta mático do Brasil na solução de questões tecnologia naval até então existente. Uma internacionais que nossa Marinha foi con- diplomacia excepcional à qual correspondia templada com um desenvolvimento à altura possuirmos um condigno Poder Naval.

* Aviador Naval da Turma CAAVO – 64. Ex-Comandante do CIAAN (1978 e 1979) e do Esquadrão HS-1 (1980 a 1981). CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016

Nesse contexto, com esse propósito, sur- aos Aliados constituiu num grupamento giu o embrião da futura Força de Submarinos de navios designado por Divisão Naval e, no ano seguinte, o da Aviação Naval. em Operações de Guerra (DNOG), para ação no Atlântico Sul. Uma missão médica 23 de agosto de 1916 foi para a França e um grupo de aviadores enviados para cooperar com o 10o Grupo Nesta data, sendo ministro da Marinha de Aviação da Royal Navy (Inglaterra), o Almirante Alexandrino de Alencar, foi auxiliando no patrulhamento costeiro. criado o Serviço de Aviação. Nascia em Nossos pilotos se apresentaram em Cal- nosso País a Aviação Naval, materializada shout, Grã-Bretanha, em 1918, para receber com a aquisição de três aerobotes Curtiss instrução nos novos biplanos Sopwith Ca- nos Estados Unidos da América (EUA). mel, menores e mais leves que os aerobotes A aviação já vinha empolgando o mundo Curtiss, dotados de rodas e asas mais curtas inteiro, e no Brasil os militares acompanha- para maior agilidade, motor radial e uma vam com grande interesse o seu desenvolvi- metralhadora no nariz, sincronizada com a mento. Imaginava-se que os aviões viriam a hélice. Lamentavelmente, quando treinavam ser “ os olhos e os canhões” das Esquadras. para uma parada aérea no dia 7 de setembro, Após a visita, em 1917, do Presidente um dos nossos pilotos, o Tenente Eugenio Wenceslau à ainda pequena base na Ilha Possolo, perdeu a vida após colidir com das Enxadas, no Estado do Rio de Janeiro, outro avião, pilotado por um inglês. a Aviação teve um notável impulso, ficando Estimulados pelas necessidades da guerra, autorizada a compra de novas aeronaves os fabricantes de ambos os lados esforçaram- e a instalação de torre de observação e -se para assegurar aos aviões melhor atuação depósitos de combustível na Ilha do Rijo, em combate e nas missões de reconhecimen- também no Rio de Janeiro. to. De simples transportadores de malotes, passaram a influir nas ações ao fornecer PRIMEIRA GUERRA MUNDIAL informações sobre os inimigos, o que gerou a necessidade de serem abatidos em voo ou O Brasil declarou guerra à Alemanha em destruídos no solo. Surgiram os caças e os 16 de outubro de 1917. Sua contribuição bombardeiros. Os almirantes, con- tagiados com a empol- gação dos aviadores, convenciam-se de que a Aviação representa- va sobretudo uma eco- nômica solução para o patrulhamento costeiro. Assim, em 1920, apesar das dificuldades, a Mari- nha já possuía 15 hidro- aviões, de diversos tipos e variadas procedências. Tinha por meta colocar 1916 Aerobote Curtiss (modelo F) 50 aeronaves em serviço.

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Paralelamente, a Aviação do Exército, prender o Marechal Hermes. O ministro conhecida como Aviação Militar, progredia. da Marinha determinou um ataque ao Forte Estabelecida no Campo dos Afonsos, vinha, de Copacabana. Assim, os Encouraçados desde 1919, formando seus próprios pilotos Minas Gerais e São Paulo saíram a Barra e eventualmente colaborando na formação precedidos por um destróier e acompanha- de aviadores e mecânicos para a Marinha, dos dos aviões que participariam do ataque dentro de um espírito de apoio mútuo. quando determinado pelo capitânia. Em 1918, já estava em serviço o pri- O desfecho desse episódio foi a épica meiro navio-aeródromo, na época em que resistência dos “18 do Forte”. ainda prevaleciam os hidroaviões, fossem aerobotes ou aviões dotados de flutuadores. 1924 Paralelamente, em particular na Alemanha, desenvolviam-se os dirigíveis (Zeppelin), Tendo eclodido em São Paulo a Re- que se constituíam volução de 1924, e em excelentes postos estando em estado de de observação aérea, Os aviões da Marinha sítio o Distrito Federal capacitados a orientar (Guanabara) e os esta- a ação dos navios de estavam dentro do que era dos do Rio de Janeiro superfície. moderno em 1920 e de São Paulo, desde Foram tomadas o início da rebelião, o providências para a ministro da Marinha construção do Centro de Aviação Naval, na enviou parte da Esquadra para o Porto de Ponta do Galeão (Ilha do Governador, RJ), e Santos, acompanhada de um grupamento implantação de outro em Santos (SP), sendo aéreo composto de hidroaviões e reforçado que este, depois de pronto, serviria de padrão com alguns aparelhos da Aviação Militar. para os futuros centros a serem estabeleci- Registrava-se a primeira operação aérea dos, inicialmente no Sul do País e numa fase conjunta e com relativo sucesso. Os avia- posterior na Bahia, no Nordeste e no Pará. dores de ambas as forças se identificavam, Embora em número reduzido, os aviões da possuíam ideias comuns e viviam as mes- Marinha estavam dentro do que era moderno mas dificuldades. O deslocamento para a na época. O desenvolvimento das estruturas ação em Santos deu-lhes a convicção de que não tinha sido significativo. Os tipos variavam unidos venceriam com maior facilidade os apenas no tamanho, para comportar tripulan- obstáculos ao seu desenvolvimento. tes, combustível ou armamento, de acordo Nascia em nosso País a ideia de um com a missão. serviço único. Os aviadores se dividiam em duas correntes de opinião. Os conser- 1922 – O batismo de fogo vadores que defendiam a existência de serviços distintos para a Marinha e para o Nuvens sombrias pairavam sobre a Exército, argumentando que o apoio à Ma- Guanabara na madrugada do dia 5 de julho rinha britânica havia se estagnado depois de 1922. Algumas unidades do Exército do surgimento da RAF1, que ganhava vul- haviam se rebelado contra o Presidente to, mas não resolvia os problemas navais, Arthur Bernardes por este ter mandado enquanto nos EUA e no Japão verificava-

1 Royal Air Force, a Força Aérea da Inglaterra.

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aquisição de 11 hidroa- viões Savoia Marchetti 55A, trocados por café.

1932

Conturbados meses viveu o País no ano de 1932, devido à Revo- lução Constituciona- lista, deflagrada em São Paulo. A Aviação Naval dispunha para a ação de 14 aparelhos de combate de variados tipos e procedência 1925 – Primeiro estandarte da Aviação Naval e quatro de instrução avançada, além de 12 -se exatamente o contrário. Já aqueles que aviões de treinamento primário. No en- eram a favor de um serviço único achavam tanto, o índice de disponibilidade mal que a Aviação só teria um desenvolvimen- chegava à metade, principalmente por falta to adequado se fosse arma independente, de sobressalentes. argumentando que ótimos resultados Uma força-tarefa, constituída pelo Cru- haviam sido obtidos em outros países que zador Rio Grande do Sul e três escoltas, passavam por dificuldades orçamentárias, partiu do Rio com destino a Santos no dia como, por exemplo, a Alemanha, que, 11 de julho, para assegurar a manutenção mesmo com sua economia arruinada pela daquele porto pelas tropas legalistas. guerra, apresentava ao mundo notáveis desenvolvimentos aeronáuticos, como os O AMADURECIMENTO enormes dirigíveis Zeppelin. OPERACIONAL E NOVOS No parecer do ministro, Almirante EMPREENDIMENTOS Alexandrino de Alencar, a quem mais devia a Marinha a criação do Serviço de “Fog Peril overcome”. Com essa man- Aviação, devia-se aguardar a evolução da chete, o The New York Times, de 30 de Aeronáutica para se julgar as vantagens do setembro de 1929 divulgava uma nova serviço único. conquista da Aeronáutica. James Doolittle, um dos mais famosos pilotos da época e 1931 – o apoio do Presidente Vargas detentor de vários recordes, numa manhã de denso nevoeiro, acompanhado pelo Capitão A Revolução de 1930 encontrou a Avia- Ben Kelsey como observador, decolou ção Naval em péssima fase. Para amenizar, com a cabeça coberta e retornou ao ponto o Presidente Getúlio Vargas, no poder de saída, onde pousou com segurança na desde novembro, atendendo a pedido do Base de Mitchel. Fez um percurso de 24 ministro, Almirante Protógenes, autorizou a km. Nascia o voo por instrumentos.

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Doolittle, baseando-se no funciona- envio para Belém de um destacamento mento da agulha giroscópica Sperry, precursor, ao qual caberiam as providências havia sugerido que fosse adaptada àquele necessárias. Até Belém, os aviões da 4ª instrumento uma barra que representasse DEB viajaram pela costa. O trajeto a partir o plano horizontal, e assim foi concebido de Belém seria a bordo de embarcações o primeiro horizonte artificial. Até então mobilizadas, pertencentes a uma empresa vários acidentes aéreos vinham ocorrendo de navegação fluvial. devido à desorientação espacial. Somente Embora fosse de neutralidade a postura após 1930 passariam a existir altímetros e do nosso País, as forças estavam indo pra instrumentos direcionais confiáveis, além lá preparadas para fazer respeitada a nossa do horizonte artificial, que permitiam o soberania. A Força Naval chegou a São aprimoramento do voo por instrumentos. Jerônimo, 86 km abaixo de Tabatinga e, Nessa mesma época foram criados os pri- no mesmo dia, foi feita a abertura de uma meiros simuladores de voo. clareira e iniciado o balizamento com bandeirolas do trecho do igarapé que seria 1933 usado como pista. Tornaram-se também providências de ca- Iniciava-se o ano ráter sanitário, como de 1933. Nossos vizi- Nas operações em Letícia, prevenção contra mos- nhos Colômbia e Peru quitos. encontravam-se em em 1933, a Aviação Naval Numa etapa se- guerra, e tropas en- provou a sua efetiva guinte, deram início volvidas no conflito se capacidade de colaborar à montagem de um acercavam das nossas hangar. Poucos dias fronteiras na região com unidades navais e depois, o silêncio da de Letícia. Temendo com a tropa mata foi rompido pelo que estas não fossem ronco de um Fairey respeitadas, Vargas decolando, provocan- autorizou o envio para lá de um expressivo do uma revoada de aves das mais variadas contingente do Exército, sob o comando de espécies. um general, que seria apoiado por navios Nas semanas seguintes, a 4ª DEB da Marinha e por um destacamento naval realizou muitas e muitas missões de reco- de hidroaviões, em virtude de não existirem nhecimento. Os pilotos aproveitaram para pistas terrestres na área para emprego da experimentar as dificuldades das operações Aviação Militar. aéreas noturnas na selva. Durante os voos, A 4ª Divisão de Esclarecimento e Bom- os aviões permaneciam em contato rádio bardeio (DEB) estava equipada com 20 bi- com um posto de controle instalado em planos Fairey Gordon, de procedência ingle- lancha. Da base, eventualmente, se deslo- sa, capacitados para o voo por instrumentos, cavam para posições avançadas, cruzando com naceles para três tripulantes. Possuíam longas distâncias sobre aquele imenso boa autonomia, mas, por se apoiarem em tapete verde. dois flutuadores, eram mais frágeis do que Durante as operações em Letícia, a os aerobotes para o emprego na água. Aviação Naval provou a sua efetiva capa- Coube à 4ª DEB apoiar as operações cidade de colaborar com unidades navais em Letícia, e para tanto ficou acertado o e com a tropa.

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A era do “arco e flecha” com bombas e com os geradores de fu- maça instalados. O público aguardava O Congresso Anual de Aeronáutica, com impaciência, quando o coordenador a ser promovido pelo Aeroclube de São das demonstrações sugeriu que os aviões Paulo, estava perto de se realizar. Em estrangeiros decolassem novamente. virtude do envolvimento de parte da Nisso, o Capitão de Corveta Djalma Petit guarnição da Escola de Aviação Militar de súbito correu para um dos Tiger-Moth na Intentona Comunista, em novembro de e decolou, iniciando um arrojado show 1935, a participação do Exército estaria de acrobacias a baixa altura, arrancando reduzida a um mínimo. Limitar-se-ía ao aplausos da multidão arrepiada. lançamento de um paraquedista que faria Petit tentou então o seu primeiro duplo uma demonstração da nova técnica de looping, manobra em que era incompará- salto em queda livre. vel, mas, devido ao teto baixo, esta foi mal Era esperada uma grande afluência de concluída. Insatisfeito, foi para o segundo, público. Pilotos do Exército americano e da quando, ainda na parte ascendente, o motor RAF participariam demonstrando perícia calou e o Tiger-Moth entrou em parafuso na técnica de pilota- descontrolado. A recu- gem e, evidentemen- peração começou mui- te, por motivos de Muito deve a Aviação de hoje to baixo. Entre o avião interesse comercial. e a pista, os espectado- Os americanos es- aos seus pioneiros, graças ao res se dispersaram em tavam trazendo um denodo e ao desprendimento pânico. Petit, evitando Stearman Kaydet, bi- destes pela vida atingi-los, guinou o plano com um motor avião, que, colidindo Lycoming de 215 HP, com o solo, espatifou- lançado em 1934, com uma expectativa de -se. Petit morreu heroicamente. larga encomenda para uso em treinamento Acidentes como esse eram comuns tanto no Exército como na Marinha. Os naquela época, embora a Aviação Naval ingleses fariam a apresentação de dois de estivesse prestes a atingir a maioridade seus mais recentes lançamentos, os biplanos (21 anos). Mais de 50 acidentes graves já Gloster Gladiador e Swordfish. O Gloster haviam sido registrados, muitos dos quais Gladiador era recordista de velocidade, tendo com perda total da aeronave. Era expressiva alcançado a marca de 565 km/h, e o Swor- a quantidade de mortes e incapacitações dfish, da Fairey, destinava-se ao lançamento definitivas relacionadas a tais acidentes, de torpedos contra navios. razão por que esta era ficou conhecida no A festa teve início logo após a chegada futuro como a do “arco e flecha”. do presidente do Estado de São Paulo, e os Isto não era um privilégio nosso, já que aviões estrangeiros levaram a assistência o mesmo acontecia em outros países. É ao delírio, em suas passagens a alta velo- mister que se saiba que muitos dos aciden- cidade entremeadas de touneaux a baixa tes ocorreram por fragilidade do material altura. Os organizadores do congresso ou pela tentativa de estabelecer uma nova avaliavam as condições meteorológicas conquista, ou, ainda, pela associação de sobre o aeroclube. tais fatores. Muito deve a Aviação de hoje Alinhados, próximo à pista estavam aos seus pioneiros, graças ao denodo e ao quatro Boeings da Marinha, armados desprendimento destes pela vida.

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O Correio Aéreo Naval cionais, todavia as maiores facilidades foram dadas pela Alemanha, cujo O Correio Aéreo Naval começara em fürher, Adolf Hitler, simpatizava com 1919 para fazer ligação com a Esquadra o Governo Vargas e com o movimento nos exercícios fora da sede e em 1934 já integralista em nosso País. se estendia a toda costa sul. Um dos primeiros Focke-Wulf 44 J Em 1939, a viagem do Rio de Janeiro decolou do Galeão no dia 10 de novem- para o Porto do Rio Grande, com escala bro de 1936. Precediam uma série de 20 nas bases aeronavais de Santos, no Por- biplanos de treinamento que seriam fabri- to de Paranaguá, na Base Aeronaval de cados no Brasil, para substituir os Tiger- Florianópolis e no Campo de Osório, -Moth. Foram batizados de Pintassilgo ocorria semanalmen- e tinham excelente te. Haviam campos desempenho no voo de pouso interme- Várias empresas acrobático. diários, para uso em Ainda naquele ano, caso de necessidade. estrangeiras tinham se no dia 20 de julho, foi Cogitava-se de es- interessado em instalar feita a experiência tender as suas linhas filiais da indústria do primeiro FW 58 ao longo da costa até montado no Galeão, Belém do Pará. aeronáutica no Brasil. As modelo dos que se- Desde 1936 o servi- maiores facilidades foram riam fabricados em ço de correio naval vi- seguida no Brasil. nha empregando dois dadas pela Alemanha, Tratava-se de um mo- biplanos Waco-CPF- cujo fürher, Adolf Hitler, noplano de asa baixa, -F-5 sem cobertura simpatizava com o Governo bimotor, com metra- para o piloto. Poste- lhadora no nariz e no riormente, um modelo Vargas e com o movimento dorso (torre), operado mais sofisticado entrou integralista em nosso País por quatro tripulantes em serviço, o Waco e destinado a mis- Cabine. sões de patrulha. Uma Quando não estavam escalados para nova série de 20 pintassilgos foi cons- a linha regular, os pilotos do serviço de truída em 1938, ano em que se registrou correio realizavam viagens para o inte- o voo do primeiro FW 58 de um lote de rior do País para treinamento e coleta de dez que estariam entregues somente em informações úteis ao estabelecimento de 4 de outubro. futuras linhas. 1940 Indústria aeronáutica Em 1940, a Aviação Naval dispunha de Várias empresas estrangeiras tinham 111 aviões, dos quais 58 destinavam-se à se interessado em instalar filiais no formação de novos pilotos e ao treinamento Brasil. O grupo de trabalho da Dire- dos já formados. A Aviação Militar contava toria de Aeronáutica da Marinha era com um número três vezes maior de apa- a favor do Stearman como treinador e relhos, dos quais 121 armados, 117 para pelos produtos da Fairey como opera- transporte e 83 para treinamento.

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Primórdios da FAB da Aviação Naval e da Aviação Militar pas- saram para a Força Aérea Brasileira (FAB). Desde o advento do Estado Novo, em Desde 1939 o mundo estava em guerra. 1937, os defensores da adoção do serviço A Alemanha, tendo a Itália como aliada, único já consideravam como vitoriosa a sua expandia seu domínio na Europa em todas causa. A influência dos opositores junto as direções. No Oriente, o Japão, tendo ane- ao Congresso mostrava-se inócua. A cria- xado a Coreia e parte da China, preparava-se ção do Ministério da Aeronáutica estava para novas conquistas na Oceania, além de na dependência exclusiva do Presidente pretender expandir-se pelo Sudeste Asiático Vargas, que era, para isso, assediado pelos e, através das Aleutas, chegar ao Alaska. aviadores navais e do Exército ligados ao Assim, quando a FAB foi criada, a guer- Gabinete, entre eles o seu piloto particular, ra já tinha por cenário o continente europeu Nero Moura2. e o Norte da África e já se estendia à Ásia e No dia 20 de janeiro de 1941, por deci- à Oceania. No lado europeu verificar-se-ia são presidencial, numa única Secretaria de uma preponderância da ação terrestre, en- Estado foram reunidos quanto que no oriental os recursos da Aviação prevalecia a atuação Militar, da Aviação de forças navais. Naval e do Departa- Com a criação do O papel da Avia- mento de Aeronáutica Ministério da Aeronáutica, ção Naval teria maior Civil. Estava criado o em 20 de janeiro de 1941 expressão no Pacífico, Ministério da Aero- mas seria também im- náutica, ao qual ficava os meios da Aviação Naval portante no Atlântico subordinada uma cor- e da Aviação Militar e no Mediterrâneo. A poração militar única Aviação Naval Britâ- com a denominação passaram para a FAB nica (Fleet Air Arm), de Forças Aéreas Na- reativada para aten- cionais, cabendo-lhe der às necessidades da também a coordenação, a fiscalização e a guerra, já registrava notáveis feitos, como orientação de todos os aeroclubes e ficando o ataque à Esquadra italiana em Taranto dependentes da sua prévia autorização o e a colaboração para o afundamento do funcionamento e a instalação de quaisquer en- Bismarck, empregando os últimos biplanos tidades, empresas ou companhias destinadas militares, os Swordfish. ao estudo e à aprendizagem da aeronáutica ou No Atlântico seria desencadeada uma à exploração comercial do transporte aéreo. campanha antissubmarino sem precedentes, com a ação combinada a oeste da Aviação A CRIAÇÃO DO MINISTÉRIO DA Naval americana com a recém-criada For- AERONÁUTICA ça Aérea Brasileira, e a leste a Royal Air Force, contando com bases na África. Foi Com a criação do Ministério da Aero- no Pacífico, todavia, que, após a entrada náutica, em 20 de janeiro de 1941 os meios dos EUA na guerra contra o Japão, as

2 O Capitão Nero Moura, piloto particular do Presidente Vargas, seria, alguns anos depois, honrado com o cargo de comandante do Primeiro Grupo de Caça, a quem caberia o apoio aéreo à Forca Expedicionária Brasileira na Itália, durante a Segunda Guerra Mundial, tendo como oficial de Operações o Major-Aviador Oswaldo Pamplona Pinto, oriundo da Marinha.

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ações aeronavais de ambas as facções se o governo no sentido de reaver sua arma desenrolariam em sua maior magnitude, aérea orgânica. O assunto foi estudado dando ao navio-aeródromo o lugar antes pelo Estado-Maior das Forças Armadas ocupado pelos grandes encouraçados, e (EMFA), resultando numa Doutrina de que assegurariam o apoio aéreo às ope- Cooperação da FAB com as outras Forças. rações anfíbias para reconquista das Ilhas Nos primeiros anos de vida da FAB, Carolinas, Marianas, Filipinas, Okinawa e seus componentes, que receberam a alcu- Iwo Jima. A Marinha nipônica, que vinha nha de “oriundos” da Marinha e “prove- desenvolvendo o navio-aeródromo desde nientes” da Aviação Militar, se ajustaram 1918 e que em 1939 possuía o melhor avião às necessidades da corporação em se de caça do mundo, o Mitsubishi Zero, teve impor perante as demais. Grosso modo, marcante atuação, por aos “oriundos” coube meio de sua Aviação uma participação mais Naval, na conquista Com a entrada do Brasil abstrata e, portanto, da China, no ataque a na Segunda Guerra de planejamento, e Pearl Harbour, na Ba- aos “provenientes” o talha de Midway etc. Mundial, a FAB teve uma exercício do poder, Nos dois teatros, heroica participação, com uma herança fiel portanto, houve ne- correspondendo às aos padrões do Exér- cessidade de empre- cito, o que conferia à gar a arma aérea em expectativas daqueles que FAB uma mentalidade apoio às Marinhas. haviam se pronunciado a primordialmente con- Até a Alemanha, que tinental. Isso não veio no início não dispu- seu favor. Os ensinamentos prejudicar a atuação nha de navios-aeró- da guerra ensejariam o da FAB na campanha dromos, no fim da ressurgimento da Aviação Atlântico Sul e nos guerra possuiria duas céus da Itália, porque unidades, ainda que Naval poucos anos depois na primeira as missões estas não chegassem partiam de novas ba- a entrar em combate ses litorâneas visando porque ficaram prontas tardiamente. A combater os submarinos inimigos, que Marinha da Itália não os possuía, por con- ameaçavam o nosso tráfego marítimo, e siderar seu território como um imenso e a segunda de caráter especificamente em natural ´porta-aviões, e por isso teve que apoio tático à ação da FEB contra o Exér- contar com o apoio de sua própria Força cito alemão. Aérea e da Luftwaffe nas batalhas em que Inegável se torna o reconhecimento sofreu irreparáveis derrotas. ao trabalho da FAB no que toca à nossa A participação da FAB na Segunda integração territorial. E não obstante às res- Guerra Mundial consistiu no apoio ae- trições orçamentárias que nunca deixaram rotático ao V Exército Aliado, ao qual de existir, ela procurou promover apoio se subordinava a Força Expedicionária tático às demais Forças Singulares em Brasileira (FEB), e no patrulhamento do nosso território e a defesa aérea do mesmo Atlântico Sul. A Marinha do Brasil muito contra possíveis incursores. aprendeu com os ensinamentos da guerra e, Nosso esforço de guerra inicial foi proe- terminado o conflito, passaria a pressionar minentemente naval enquanto se preparava

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a FEB para combater na Europa. A Marinha o lugar escolhido ficava no km 11 da entrou na guerra com precariedade de meios. Avenida Brasil, ocupando parte de uma Inegavelmente, com a entrada do Brasil grande área já pertencente à Marinha, onde na Segunda Guerra Mundial, a FAB teve se encontrava o Quartel de Marinheiros uma heroica participação, correspondendo e algumas unidades de suprimentos. Em às expectativas daqueles que haviam se pro- maio de 1955, as obras tiveram início, e nunciado a seu favor. O eixo Recife-Dakar os oficiais envolvidos acompanharam de foi de tanta importância para o suprimento perto os trabalhos. das forças engajadas no Norte da África e Em março de 1956, concluiu-se o pri- no Sul da Europa que ficou conhecido como meiro curso de Observadores Aéreos Na- o “trampolim da vitória”. Aviões em trânsi- vais (OAN), realizado ainda nas instalações to neste eixo utilizavam bases construídas provisórias do CIAAN. Para uma melhor ou aprimoradas pelos americanos de Belém adaptação ao vôo, os candidatos a observa- até Caravelas, incluindo-se Fernando de dor aéreo fizeram um estágio prático de voo Noronha. no Aeroclube de Manguinhos, que ficava nas proximidades. 1955 – O Surgia em cena um RENASCIMENTO A partir de 1958, a novo personagem: o DA AVIAÇÃO instrução de voo no helicóptero. Haviam NAVAL sido encomendados CIAAN passou a se ao Japão dois navios Os ensinamentos processar normalmente, hidrográficos que uti- da Segunda Guerra e novas turmas de pilotos lizavam helicópteros Mundial ensejariam como ferramenta in- o ressurgimento da de helicópteros foram dispensável ao traba- Aviação Naval pou- formadas lho. Era sabido que, cos anos depois. Con- com o apoio de um vidada, após o con- único helicóptero, a flito, a participar das Operações Unitas, a duração de um serviço hidrográfico ficava Marinha do Brasil quis e conseguiu manter reduzida a ⅓. Assim, foram enviados al- uma Esquadra nucleada em porta-aviões, guns oficiais aos EUA, por conta doMutual tendo para isso providenciado a compra Assistance Program, para receber treina- do Minas Gerais no governo Juscelino mento em helicópteros, e outros foram para Kubischek e a formação de pilotos para a Inglaterra com a mesma finalidade. Após ele no exterior. um intervalo de 16 anos, reiniciava-se a Numa Exposição de Motivos de 15 de ja- formação de aviadores navais. neiro de 1954, o Emfa propôs uma “Doutrina Na Base Aérea do Galeão, observadores de Cooperação da FAB com as demais For- aéreos integrados à 2ª Esquadrilha de Li- ças”, que estabelecia a formação dos Coman- gação e Observação passaram a tripular os dos Aerotáticos Naval e Terrestre na FAB e a aviões North Americam T-6 de treinamento. criação de Centros de Instrução e Treinamento Aeronaval e Terrestre, a cargo dos Ministérios 1957 – a compra do Minas da Marinha e da Guerra, respectivamente. Para a construção do Centro de Instru- Juscelino Kubitschek estava no poder ção e Adestramento Aeronaval (CIAAN), desde 31 de março de 1956. A Nação havia

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acabado de viver conturbados dias, na crise pessoal de voo. A Marinha não concorda- que ficou conhecida como “Novembrada”, va, querendo que os aviões, helicópteros e desfecho dos sucessivos desentendimentos respectivos tripulantes pertencessem a ela. políticos com relação à sucessão presiden- Eis um impasse criado! cial, desde a morte do Presidente Vargas, A partir de 1958, a instrução de voo no em 24 de agosto de 1954. Mal havia tomado CIAAN passou a se processar normalmen- posse, dois oficiais da FAB, inconformados te, e novas turmas de pilotos de helicópteros com a sua vitória, iniciaram um movimento foram formadas. Com relação aos pilotos rebelde que, embora debelado em poucos dos futuros aviões, foram recrutados 25 dias, revelava ao novo presidente a necessi- tenentes para realizar o Curso de Aviação dade de aproximar-se das Forças Armadas. Naval na Marinha dos EUA. Este grupo Para a Marinha, materialmente, isto re- seguiu acompanhado de alguns oficiais de presentou a aquisição do tão esperado navio- maior patente, com experiência de voo va- -aeródromo de escolta que lhe faltava para a riada em helicópteros e aviões (aeroclube). ativação de um grupo de caça e destruição. Depois de comprado pelo Brasil o Venge- ance, batizado Navio- -Aeródromo Ligeiro (NAeL) Minas Ge- rais, este seguiu para o Estaleiro Verolme, na Holanda, onde foi quase que inteiramen- te remodelado, com incorporação de pista em ângulo e um grande número de melhorias que o capacitaram a operar modernos ca- ças a jato e aviões de Helicóptero Hughes 269-A patrulha em uso pela Royal Navy. Estava soluciona- da a aquisição do na- vio. Dois grandes pro- blemas aguardavam solução: a constitui- ção do seu grupamen- to aéreo e a formação dos aviadores. A FAB advogava o direito de guarnecer o NAe com meios aéreos e o Avião Pilatus (P-3)

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Durante a permanência de um ano e meio ra a baixa altura. Os aviões de patrulha no Center of Naval Avation Training, os 25 Gannet também já estavam a caminho. O oficiais brasileiros, além de terem realizado navio guinou soberbamente buscando o o programa completo de formação de avia- vento, enquanto no convés de vôo se ve- dores, com estágio básico no avião T-34 rificou uma febril atividade. O fonoclama e avançado no T-28 Trojan, passaram por anunciou: “Convés de vôo, atenção para o um estágio suplementar de voo em aviões recolhimento de quatro aviões”. Os jatos se bimotores, iniciado no AT-11 Beechcraft e aproximaram e, com perfeição, foram reco- concluído no S-2A Tracker, da Grumnan. lhidos e conduzidos para a proa. Seguiram- Os aviões que iriam guarnecer o NAeL -se a eles os dois Gannetts. Os aviões foram Minas Gerais ainda não haviam sido esco- reabastecidos e à tarde fizeram inúmeros lhidos, mesmo porque a posse dos aviões pousos, catapultagens e decolagens livres pela Marinha não estava assegurada. A FAB, para treino das várias equipes do navio, além de não recuar no tocante a admitir que que agilmente se deslocavam, exibindo a Marinha voltasse a ter seus próprios avi- suas toucas e camisetas coloridas de acordo ões, tomou a dianteira e deu seus primeiros com as funções. passos para a obtenção de meios para operar Providenciada a aquisição do NAe e no NAeL, conseguindo, por meio do MAP, a preparação dos pilotos, faltava ainda a um esquadrão de bimotores S-2 Tracker que edificação de uma base aérea. receberam no Brasil a designação de P-16 e seis helicópteros antissubmarino SH-34J A Base Aérea Naval Sea Horse, destinados ao Primeiro Grupo de Aviação Embarcada. Ficariam sediados Procedeu-se, então, à aquisição de uma em Santa Cruz. grande área no município de São Pedro Fazia uma fria e cinza manhã no Mar d’Aldeia, na Região dos Lagos do Estado do Norte quando o NAeL Minas Gerais, do Rio de Janeiro e, sem perda de tempo, depois de ter passado pelas provas de mar, foi iniciada a construção de uma base aérea. faria o recolhimento de aviões da Marinha O terreno foi conseguido por meio de britânica como parte dos testes dos seus algumas desapropriações e, devido ao vários novos sistemas: catapultagem, de- denso capinzal lá existente, o local passou fletor de jato, espelho de pouso, cabos de a ser chamado de “Macega”, assim como parada, barricada, iluminação para opera- “macegueiros” os habitantes naturais ção noturna, comunicações, radar final para da região. Pouco a pouco as edificações aproximação etc. foram ganhando corpo, graças à devoção Aquele evento incluía a qualificação, a de um grupo de oficiais que trabalhavam bordo do NAeL, de alguns pilotos veteranos. na sua implantação. Nos dias de chuva, as Em seguida foram qualificados alguns avia- vias existentes entre os prédios ficavam dores procedentes do curso de observador lamacentas, e das águas empoçadas sur- aéreo. Eles estavam guarnecendo os três no- giam nuvens de mosquitos e toda a sorte vos helicópteros Westland Whirlwind, versão de insetos, tornando um inferno a vida dos inglesa dos Sikorsky H-19 americanos e que, pioneiros. Todavia, era um alento verificar carinhosamente, foram batizados de Vaca. que as obras corriam em ritmo acelerado. Às 10 horas em ponto, os jatos da Royal Entrementes, para atender às aeronaves já Navy se apresentaram e foram mandados existentes e com vistas para o futuro, vi- para o tráfego Delta, uma órbita de espe- nham sendo formados subespecialistas em

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Aviação desde 1958, procedentes das espe- Um acidente aéreo envolvendo um cialidades de Manobra, Motores, Soldador, cadete do ar, que colidiu com um avião Eletricidade, Máquinas e Eletrônica. Ainda comercial em procedimento para pouso em 1961, os aviadores navais formados em no Galeão, fez com que o Ministério da Pensacola regressaram ao Brasil e foram Aeronáutica proibisse voos de treinamento distribuídos para a Diretoria de Aeronáu- no Aeroclube e nas imediações, medida que tica, o NAeL Minas Gerais e São Pedro interferia nas atividades de instrução na d’Aldeia, que estava Avenida Brasil, o que parcialmente cons- antecipou a mudança truída, já dispondo da Em 1963, o Navio- do CIAAN para São pista e de um hangar, Pedro d’Aldeia. além de instalações Transporte Soares Em 1963, o Navio- para o pessoal. Dutra trouxe dos -Transporte Soares Enquanto se discu- Dutra trouxe dos tia nos altos escalões EUA os seis primeiros EUA os seis primei- a posse dos aviões, T-28 desmontados e ros T-28 desmontados para manutenção do encaixotados, que foram e encaixotados, que treinamento encetado foram transferidos em Pensacola e para transferidos para bordo para bordo do NAe dar continuidade na do NAe Minas Gerais pelos Minas Gerais pelos formação de pilotos guindastes do Arsenal em asa fixa, foram guindastes do Arsenal de de Marinha. Alguns comprados seis aviões Marinha dos oficiais formados de instrução básica de em Pensacola foram procedência suíça, os concentrados no Mi- Pilatus A-3, e, para treinamento avança- nas Gerais onde seriam responsáveis pela do, 16 aviões T-28 Trojan, adquiridos na montagem dos T-28. Concluída a monta- França e que seriam recebidos após uma gem, o navio se fez ao mar acompanhado de revisão nos EUA para se capacitarem a um contratorpedeiro classe “A”, que atuaria operar em NAe. no posto de Guarda de Aeronaves para resgate de tripulantes em caso de queda de algum avião.

Os “Cardeais”

Enquanto a Mari- nha testava a bordo os seus T-28, os pri- meiros S2-A (aqui denominados P-16) Tracker da FAB che- garam ao Brasil, fa- zendo uma última es- Avião T-28 – Pouso a bordo do NaeL Minas Gerais (década de 1960) cala em Vitória, onde

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os pilotos, famintos e exaustos pela longa Atividades no novo CIAAN jornada, foram jantar numa churrasca- ria tarde da noite. A turma a aperfei- Aquele evento ficou çoar-se em 1965 aca- lembrado como a O Presidente Castelo bou composta por 13 “Ceia dos Cardeais”. Branco definiu por decreto oficiais alunos. A parte O código fonia que teórica foi ministrada passaram a adotar as normas para o emprego no CIAAN, que ain- Cardeal deve-se à de meios aéreos nas da ocupava instalações cor do macacão, ce- operações aeronavais, pelas provisórias. Em que noura, acompanhado pese o mau aspecto do do boné vermelho. quais a Marinha passava prédio, a preparação O comandante do a ficar limitada a possuir dos oficiais para a fase avião de apoio que de voo contou com ex- fora buscá-los na apenas helicópteros celentes instrutores, e América, ao vê-los em cerca de seis meses aproximarem-se para embarque, excla- estariam todos voando os Pilatus. Porém, mou: “Parecem uns cardeais”! quando o pre-flight estava prestes a ser concluído, por decisão presidencial, todos os aviões da Marinha fo- ram transferidos para a FAB. O Presidente Cas- telo Branco, após ter visitado as unidades da FAB e da Marinha afe- tas à pendente questão da Aviação Embarca- da definiu, por meio do Decreto 55.627, as “Normas para o empre- go de meios aéreos nas operações aeronavais”, pelas quais a Marinha passava a ficar limitada a possuir apenas heli- cópteros para empre- go geral e para ações antissubmarino. Determinava-se também a passagem dos helicópteros SH- 34 J, que constituíam o o P-16/1 GAE (NAe Minas Gerais) – desde 1965, por duas décadas o 2 Esquadrão do 1

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Grupo de Aviação Embarcada, para a Força cargo dos navios e da tropa, o HS-1 tinha Aeronaval. Os aviões recebidos da Marinha uma atividade fim definida: a guerra antis- passavam a integrar a 2a Esquadrilha de submarino (guerra A/S). Ligação e Observação, que passaria a ficar Nos primeiros anos após a decisão do baseada em São Pedro d’Aldeia. Presidente Castelo Branco, contente ou A maior parte dos pilotos de avião, tanto não, tanto o pessoal da Marinha como o os formados em Pensacola como no Brasil, da FAB procurava dar o máximo para a mostrava interesse em serem qualificados consecução do que mandava o Decreto. em helicópteros. A Operação Unitas, realizada anualmente com os americanos, venezuelanos, argen- A fase de ajustamento tinos, uruguaios etc., atuava como um catalisador para o perfeito enquadramento Todos sentiram um desapontamento porque, acima dos interesses individuais, maior ou menor com a solução política dada todos irmanavam-se na ideia de impressio- ao impasse que conseguiu desagradar a am- nar bem as outras Marinhas. bas as Forças, mas que paradoxalmente teve Nos períodos de reparo do NAeL, os seu lado positivo. À FAB foi assegurada a controladores aéreos praticavam no Cen- operação dos aviões do NAeL Minas Ge- tro de Controle do Galeão e as equipes rais, mas, por outro lado, a Aviação Naval de convoo faziam estágios na Base Aérea foi oficialmente reconhecida. de Santa Cruz, onde recebiam total apoio A transferência dos helicópteros SH-34 J de seu comandante. Subordinada à Força da FAB para a Marinha ensejou a criação de Aeronaval estavam a Base de São Pedro uma unidade aérea que recebeu o nome de d’Aldeia, o CIAAN, o Navio-Aeródromo Primeiro Esquadrão de Helicópteros Antis- Ligeiro, o Esquadrão de Instrução (HI-1), submarino (Esqd HS-1), para o qual foram o Esquadrão Antissubmarino (HS-1) e o designados alguns dos mais experientes Esquadrão de Emprego Geral (HU-1). O pilotos de helicópteros da Marinha. Esse tipo HU-1, depois de um período de grandes de helicóptero tratava-se de uma excelente dificuldades, voltava a brilhar, contando aeronave que foi largamente empregada na para isso com vários helicópteros de pro- Argélia e no Vietnã. Pesada, com espaço cedência inglesa Wasp e Whirlwind, ambos para 15 soldados equipados para o combate, propulsionados a turbina. teve a sua época de glória principalmente quando empregada pelo Exército dos EUA. Operação a qualquer tempo Na versão naval para uso antissubmarino, apresentava algumas limitações, por isso Embora fossem excelentes helicópteros, não tardou a ser substituído, nos EUA, por com destacada atuação no Vietnã, os SH- modelos maiores e mais sofisticados, quan- -34J apresentavam uma série de limitações do passou para os esquadrões da reserva e quanto ao emprego antissubmarino: mo- para a instrução avançada em Ellyson Field, nomotor, pouca potência para operar em (Pensacola, Flórida). dia de calmaria totalmente abastecido e O Esqd HS-1 nasceu sob clima de gran- carregado e sistema automático de controle de entusiasmo, que tornar-se-ia maior com de voo não plenamente confiável para ope- o passar dos anos. Enquanto o 1o Esquadrão rações noturnas. Nos EUA já haviam sido de Helicópteros de Uso Geral (Esqd HU-1) substituídos pelos Sikorsky S-61 Seaking, servia como meio de apoiar atividades a cuja designação naval era SH-3. Em 1969,

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uma nova era na Avia- ção Naval. Os helicóp- teros SH-3D passaram a permitir a ação AS em qualquer condição de tempo, diurna e no- turna, e poderiam atuar como helicópteros de resgate nos lançamen- tos e recolhimentos noturnos dos P-16 o código de fonia “Pau- lo” para diferenciar de “Pedro” do Esqd HU-1, utilizado de dia. Num resgate noturno, o SH-3D, além de uti- Helicóptero Westland Wasp, a turbina, Esqd. HU-1, a partir de 1965 lizar o Sistema Auto- mático de Controle de Voo, para estabelecer o voo librado, possuía o recurso de transferir o controle do helicóp- tero para o tripulante situado na cabine de ré, junto à porta, com melhores condições de avistar os sobrevi- ventes. A chegada dos SH- -3D coincidiu com um Helicóptero WASP 7041 período de reparos do NAeL Minas Gerais, quando foram feitas a Diretoria de Aeronáutica da Marinha algumas melhorias para uma operação providenciou a aquisição de seis unidades noturna mais eficaz e segura. Até então do modelo SH-3D, propulsionados por duas era aquele Esquadrão HU-1 o que mais turbinas de 1250HP, com sistema automáti- se desdobrava com uma grande carga de co de dobragem de pás, sonar onidirecional, solicitações pela Esquadra, pela Diretoria com cabines para quatro armas submarinas de Hidrografia e Navegação, pela Floti- (torpedos acústicos AS ou bombas de pro- lha da Amazônia e pelos Fuzileiros, não fundidade) e um AFCS completo, capaz de podendo simplesmente abrir mão dos três realizar automaticamente a aproximação e tipos existentes, em particular dos Wasp, o voo librado com segurança e precisão. que, projetados para pousar em navios com A partir de 1970 iniciou-se, portanto, condições desfavoráveis de mar, estavam

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proporcionando aos contratorpedeiros o mísseis ar-superfície, baseados em navios recurso de lançar torpedos A/S no limite de dos tipos fragatas, contratorpedeiros e alcance do sonar do navio com a necessária corvetas. Assim, para integrar o sistema precisão. de armas das fragatas classe Niterói, em Em 1973, para substituir os Hughes construção na Inglaterra, foram enco- do Esquadrão de Instrução e os Hiller do mendados os helicópteros AS-11 Lynx, Esqd HU-1, a Diretoria de Aeronáutica já adotados por algumas Marinhas. O foi favorável à aquisição de helicópteros Lynx, desenvolvido conjuntamente pela Bell Jet Ranger. Este helicóptero, embo- Aeroespatiale e pela Westland, era uma ra sofisticado para a instrução primária, evolução dos Wasp. Dotado de duas permitia ao Esqd HI-1 proporcionar uma turbinas, com capacidade para voo a formação mais aprimorada dos aviadores, qualquer tempo, sistema de trem de pou- nela incluindo-se algumas práticas de voo so associado a um arpão e capacitado a noturno, voo por instrumentos e radionave- lançamento tanto de mísseis ar-superfície gação. Passaria a operar aquele que era con- como torpedos A/S, destinava-se tanto à siderado “ o bom senso” em helicópteros, guerra antissubmarino como ao emprego parodiando a propaganda de uma conhecida em operações aéreas de esclarecimento, marca de carro popular – o Jet Ranger já era constituindo-se na melhor arma contra as o helicóptero produzido em maior escala lanchas de patrulha rápidas. no mundo todo. Montado sobre esquis, não Enquanto se substituíam os helicópteros possuía a mesma capacidade para pouso de emprego geral e de instrução e se provi- a bordo dos Wasp, assegurada por rodas, denciava a incorporação dos Lynx, os SH-3 amortecedores, e passo negativo no rotor permaneciam no Esqd HS-1, de forma cada principal, especialmente projetados. Por vez mais consolidada. Todos os seus pilotos esta razão, os Wasp seriam mantidos ainda operavam agora em operações noturnas por longo tempo no Esqd HU-1 e seriam os A/S, em ação coordenada com os pilotos primeiros helicópteros brasileiros a sobre- do 1o Grupo de Aviação Embarcada (GAE). voar a Antártica. Recentes confli- tos no Oriente Médio e no Oceano Indico haviam demonstra- do a importância do emprego da aviação embarcada nas ações de superfície, nas chamadas guerras limitadas, em que se necessita obter o controle de uma de- terminada área ma- rítima. Dentro deste conceito se encaixa o emprego de helicóp- teros armados com Helicóptero Super Lynx, ao pousar na fragata F-44 Independência

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A formação de um piloto do Esqd HS-1 Nessa época, a Marinha, ainda limitada tinha início com a sua qualificação no SH- a helicópteros, incorporou vários navios -3D. Numa segunda etapa, o oficial cumpria com capacidade para operar helicópteros um estágio de treinamento, após o qual neles baseados, como as corvetas Inhaúma passava a atuar como copiloto operativo. e navios de desembarque. As aeronaves E numa última fase, que coincidia com o já não estavam baseadas só em São Pedro segundo ano servido no Esquadrão, o piloto d’Aldeia; já existiam novos esquadrões alcançava o grau de comandante operativo. de emprego geral na Amazônia, no Mato Os SH-3D já estavam havia cinco anos em Grosso e no Rio Grande do Sul. Foi quan- serviço no Esqd HS-1, e seus pilotos tinham do o Exército ativou sua própria Aviação, acumulado uma grande experiência. para qual foi irrestrita a colaboração da FAB e da Marinha. ENFIM UM NOVO Teve um desenvolvi- ENTENDIMENTO Ao primeiro entendimento, mento rápido, estimu- lado principalmente Haviam-se passa- que resultou na aquisição pela necessidade de do quatro décadas dos A-4, seguiram-se outros, conferir maior mobi- desde as primeiras lidade nas fronteiras, aquisições de material cabendo destaque ao apoio ameaçadas pelo nar- e da formação de pes- prestado pela FAB na cotráfico, resguardan- soal para a Aviação preparação dos primeiros do nossa soberania Naval pela Marinha, e combatendo o mal em sua segunda fase. pilotos destinados a voar pela raiz. Por 20 anos os P-16 aquelas aeronaves e, nos Vivia o País um do 1o GAE partici- período de grande li- param das mais im- anos subsequentes, o envio mitação orçamentária. portantes operações dos candidatos a aviadores Assim, diante da insis- aeronavais. Em que da Marinha para fazerem tência da Marinha para pese o excelente ní- que fosse dada uma vel profissional de a iniciação ao voo na nova configuração à suas equipagens e o Academia da Força Aérea aviação embarcada, desmedido esforço alguns brigadeiros se na sua manutenção, manifestaram a favor no final dos anos 80 já se reconhecia que de que fosse permitida à Marinha a compra eles pouco acrescentavam à atuação dos e a operação de aviões às suas próprias helicópteros SH-3 e Lynx nas ações antis- expensas. submarino. Deste modo, com a revogação do De- Logo após a Guerra das Malvinas creto 55.627, estabelecido em 1965 pelo houve, por curto espaço de tempo, algum Presidente Castelo Branco, em 1998 foi interesse em atender a necessidade da oferecido à Marinha um lote de 23 aviões Marinha, todavia nada de concreto foi Skyhawk (A-4) pelo Kuwait, que os havia feito. A atenção da FAB se concentrava adquirido dos EUA para formar pilotos de no aprimoramento dos Tucanos, dos AMX caça, capacitando-os a guarnecer, numa eta- e de alguns aviões de transporte/patrulha, pa posterior, aviões modernos e adequados todos baseados em terra. aos conflitos no Oriente Médio.

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Desfecho dos falcões estiveram na Argentina e em ba- ses que sediam a aviação de caça no Brasil, Ao primeiro entendimento, que resultou como Santa Cruz (RJ) e Santa Maria (RS). na aquisição dos A-4, seguiram-se outros, Entrementes, pilotos destinados ao VF-1 cabendo destaque ao apoio prestado pela foram sendo enviados, para aperfeiçoar seu FAB na preparação dos primeiros pilotos desempenho obtido na FAB, para treina- destinados a voar aquelas aeronaves e, nos mento na US Navy, enquanto que a capa- anos subsequentes, o envio dos candidatos citação técnica do pessoal de manutenção a aviadores da Marinha para fazerem a foi melhorando gradativamente, ganhando iniciação ao voo na Academia da Força a maturidade necessária para a manutenção Aérea (Pirassununga – SP), em estágio de segundo escalão na BAeNSPA. Depois em asa fixa, ao término do qual alguns de tantos anos de espera, a sorte parecia são selecionados para lá prosseguirem em favorecer a Marinha. aeronaves mais sofisticadas, visando à sua De fato, ainda no governo Fernando Hen- futura apresentação ao VF-1, enquanto rique, a França, por razões de economia em que os demais (a maior parte) retornam a seu orçamento militar, decidiu desincorporar o São Pedro d’Aldeia para qualificação em Navio-Aeródromo Foch e o ofereceu ao Brasil asa rotativa. – tratava-se de um NAe superior ao Minas em Desde a incorporação dos A-4 à Aviação vários aspectos, além de 20 anos mais novo e Naval, em que pese a dificuldade de mantê- perfeitamente ajustado às nossas atuais neces- -los em condições para o cumprimento sidades. Transferido para o Brasil, recebeu o da missão do VF-1, vêm se registrando nome de Navio-Aeródromo São Paulo. sucessivos eventos operativos, tanto par- tindo inicialmente do A-11, como em etapa EPÍLOGO posterior do NAe São Paulo, ou da BAeNS- PA e de bases da FAB, como a Operação 23 de agosto de 2016 Tropicalex, em 2002, com expressiva par- ticipação de navios, helicópteros e aviões O País, neste ano de 2016, encontra-se de caça da FAB, com o emprego de PDA- abalado por muitas crises. Todavia, esfor- TAR3. Nesse esforço de desenvolvimento, nossos pilotos de ata- que familiarizaram-se com a manobra de reabastecimento em voo com a aeronave KC-130 da FAB. Assim, em 2003, esse Esquadrão (Fal- cões) alcançou a mar- ca de 2 mil horas de voo, e nossos pilotos de caça e o pessoal que faz a manutenção Recepção do NAeL Minas Gerais ao NAe São Paulo – 2000

3 PDATAR – Posto Diretor Aerostático, em aviões P-95 ( Bandeirante Patrulha) da Base Aérea de Salvador.

RMB3oT/2016 67 CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL – 1916/2016

ça-se a MB em cumprir sua missão o me- das, dia e noite, sem que se repetissem, em lhor possível, em que pesem as restrições quatro décadas, tais deficiências. orçamentárias existentes. O Minas Gerais só foi desarmado Algumas metas foram alcançadas sa- porque incorporamos o São Paulo, navio tisfatoriamente, como a incorporação de muito mais moderno, sem as limitações navios patrulha oceânicos, reaparelhamento originais daquele. Assim, tudo indica que, de aeronaves para as unidades aéreas já como o seu antecessor, voltará ao mar existentes etc.: Esqd. HS-1 – helicóptero capacitado a desempenhar o papel a que Seahawk, Esqd. HU-2 – helicóptero Super se destina na MB. Cougar, Esqd. HA-1 – helicóptero Super Encerro este trabalho congratulando-me Lynx, e Esqd. VF-1 – avião Skyhawk, com aqueles que hoje conduzem a Aviação modernizado pela Embraer. Compromissos Naval, formulando votos de sucesso às internacionais têm sido cumpridos eficaz- suas atuais e futuras tripulações. “No ar, a mente e com invulgar desvelo. Na Aviação mesma eficiência no mar”. Naval, testemunha- -se muito empenho das tripulações e um crescente entusiasmo profissional. Quanto ao nosso atual navio-aeródro- mo, o São Paulo, ainda há muito o que fazer para a sua total operacionalidade. Nos primeiros anos após a promulgação do De- creto 55.627, eram comuns ocorrências como incêndios loca- lizados, perda de ener- gia e de propulsão no NAeL Minas Gerais (A-11). As dificulda- des foram vencidas, e já em 1970 ele se fez ao mar para cumprir sua missão em opera- ções aéreas continua- Helicóptero Seahawk, que substituiu os SH-3D do Esqd. HS-1

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Aviação Naval; Força Aérea brasileira; História da aviação;

68 RMB3oT/2016 O PENSAMENTO NAVAL E A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

ARMANDO DE SENNA BITTENCOURT* Vice-Almirante (Refo-EN)

Sobre o artigo “Pensamento naval e a A seguir, a resposta ao Almirante Elcio: Revista Marítima Brasileira”, publicado Prezado Almirante Elcio, na edição do 2o trimestre deste ano, o Vice- Sua carta, que foi publicada na RMB do -Almirante (Refo-EN) Elcio de Sá Freitas 3o trimestre/2016, alerta para uma lacuna desenvolveu ideias e conceitos por meio importante na contínua formação do pensa- de divulgação de carta ao Almirante (EN) mento naval brasileiro: a pouca frequência Armando de Senna Bittencourt. de artigos contemporâneos escritos por en- Sendo assunto de alta relevância para o genheiros para esta revista. Faltam artigos País e para a Marinha, o Almirante Bitten- que registrem, para o público interessado court julgou conveniente prosseguir no tema, na Marinha e no Poder Marítimo da Nação, acrescentando informações e proposições os sucessos e as dificuldades encontrados que permitam análise e discussão ampla. no exercício da Engenharia e, mais impor- A Revista Marítima Brasileira (RMB) tante ainda, ideias que contribuam para o sente-se gratificada e honrada com as con- progresso do pensamento naval. tribuições que os eméritos engenheiros nos A RMB publica, desde 1851, artigos e permitem publicar. notícias sobre a Marinha do Brasil (MB).

* Foi diretor de Engenharia Naval por sete anos e meio, durante o projeto da Corveta Barroso. O PENSAMENTO NAVAL E A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

Por meio deles, não somente se conhecem 1930, parece ter levado um bom tempo as preocupações e as realizações dos úl- para ser conhecido e referido na RMB, timos 167 anos, mas também é possível provavelmente porque a atenção, no Brasil, perceber a evolução do pensamento naval estava então voltada para a Missão Naval ao longo do tempo. Pensamento para o qual Americana, que se instalara em 1922. Aliás, essa revista também contribui, divulgando o próprio Coutau-Bégarie tinha escrito um ideias em alguns bons artigos. livro sobre Castex, que ele chamou de “o O saudoso professor Hervé Coutau-Bé- estrategista desconhecido¨. garie, do Institut de Stratégie Comparée, Mais tarde, me estendi numa pesquisa esteve no Rio de Janeiro, há alguns anos, semelhante sobre os estrategistas pioneiros, para proferir palestras na Escola de Guerra do final do século XIX e do início do século Naval. Nessa sua curta estadia, reservou um XX, e concluí que o pensamento naval dia para visitar o Museu Naval, conhecer a brasileiro, então, estava mais preocupado Baía de Guanabara no Rebocador Laurindo com tática e novos armamentos. Pitta e almoçar com Essa é a riqueza da o diretor do Patrimô- coleção da RMB, atu- nio Histórico e Docu- Assuntos referentes almente disponível na mentação da Marinha. internet, que se tornou Coutau-Bégarie foi à Engenharia são uma fonte preciosa uma pessoa que, com importantes nesta época para historiadores em os livros que publicou em que o Poder Militar é suas pesquisas. Pode- sobre estratégia naval, -se verificar a diver- emprego do Poder cada vez mais dependente sidade e a qualidade Naval na paz, teoria e de tecnologia. O navio de artigos produzidos prática da diplomacia por civis e militares. naval, entre outros é um sistema de grande Acredito que, nas edi- assuntos, influiu no complexidade tecnológica ções dos últimos anos, pensamento naval de houve maior partici- muitos países, inclu- pação de acadêmicos, sive no brasileiro. Lembro-me que, para incentivados pelo fato da revista ter sido minha surpresa, durante o almoço o pro- incluída no Qualis (listagem de periódicos fessor me perguntou pela RMB, que sempre científicos classificados e recomendados lia na França. como fonte para pesquisas acadêmicas, Levado à Redação da Revista, ele veri- da Coordenação de Aperfeiçoamento de ficou que havia um bom índice remissivo e Pessoal de Nível Superior, do Ministério solicitou imediatamente uma pesquisa para da Educação – Capes). saber quais artigos do passado se referiram Maior presença de artigos de boa qua- ao trabalho de Raoul Castex (o estrategista lidade de autoria de oficiais do Corpo de francês) e desde quando e como Castex Engenheiros e Técnicos Navais precisa, (1878-1968) influiu no pensamento naval portanto, ser incentivada. Assuntos refe- brasileiro. rentes à Engenharia são importantes nesta Seu pedido foi atendido e fez alguns época em que o Poder Militar é cada vez comentários gentis. Por outro lado, pude mais dependente de tecnologia. perceber que Castex, que produziu seus O navio, que é o principal meio de uma trabalhos mais importantes na década de Marinha, é um sistema de grande comple-

70 RMB3oT/2016 O PENSAMENTO NAVAL E A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA

xidade tecnológica. Obtém-se um novo a projetar em universidades, no máximo se navio para uma necessidade específica da transmitem métodos e conceitos. É no pro- estratégia naval, inserida na estratégia de jeto que também se nacionalizam sistemas, defesa do próprio país. Após a prontificação equipamentos e acessórios e se planeja a do primeiro de uma nova classe, as provas manutenção. Após esta fase as dificuldades de engenharia e a avaliação operativa verifi- aumentam e os resultados são relativamente cam seu desempenho pouco significativos. e também realimen- O exercício con- tam a capacidade dos É importante observar que tinuado do ciclo de projetistas, no caso do só se aprende a projetar atividades – projeto, projeto ser nacional. construção, provas e Isso ocorreu na evo- projetando, concretizando testes de engenharia lução das corvetas da o projeto e avaliando o e avaliação – gera co- classe Inhaúma para resultado nhecimento, experi- a Barroso, que, como ência para iniciar um bem ressalta em sua novo ciclo e capaci- carta, produziu o primeiro navio de guerra dade para avaliar a verdadeira eficácia dos não protótipo projetado no País. armamentos. Essa percepção de eficácia Lembro-me de que participei de uma depende da capacidade do observador e é discussão no curso de pós-graduação em ela que importa para que o Poder Militar Arquitetura Naval do University Colle- exerça seu principal propósito, manter a ge, em Londres, cujo paz da forma desejada tema era: “Para que por sua nação; a paz projetar e construir O Poder Militar é em que os interesses navios de guerra no nacionais são preser- país?”. A conclusão permanentemente vados e os conflitos a que cheguei, dos empregado em tempo com emprego de força muitos argumentos de paz. Sua contínua evitados por dissua- apresentados, foi que são. O Poder Militar manter a capacidade preparação e seu é, portanto, permanen- de projetar, construir aprestamento são temente empregado e avaliar novos navios em tempo de paz. Sua é fundamental para o importantes e bastante contínua preparação e Poder Naval de qual- visíveis aos observadores seu aprestamento são quer país importante. externos importantes e bastante Essa capacidade só visíveis aos observa- se adquire e mantém dores externos. fazendo. Uma das principais vantagens, Concordo que a experiência do pro- portanto, em projetar e construir navios de jeto da Corveta Barroso na Diretoria de guerra é se manter capaz de projetá-los e Engenharia Naval deveria ser melhor construí-los; e essa é a forma séria de acom- divulgada. O propósito, então, foi obter panhar o progresso da tecnologia naval. um navio melhor do que os da classe É importante observar que só se aprende Inhaúma, mantendo os mesmos Requisitos a projetar projetando, concretizando o pro- de Estado-Maior e Requisitos Operativos. jeto e avaliando o resultado. Não se ensina Resumidamente, de um projeto bem conhe-

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cido, cujo resultado fora avaliado, projetar navios de superfície de complexidade um aperfeiçoamento com a mesma equipe semelhante, por carência de recursos or- que se mostrara competente e se manteria çamentários. ocupada, ampliando sua capacidade. Menos ainda foi divulgado sobre a Todas as soluções de engenharia foram obtenção do Submarino Tikuna, que foi óbvias para esta classe. Se havia um proble- negociada, enquanto se projetava a Barro- ma de comportamento no mar, aumentou-se so, com a firma estrangeira que forneceu o o volume da proa para obter um empuxo projeto dos submarinos da classe Tupi. O maior e recuperação mais rápida do caturro; propósito foi semelhante: tendo uma classe se havia um problema de pouca estabilidade avaliada e testada operativamente, obter com pouco óleo combustível nos tanques, um submarino melhor que obedecesse aos adotaram-se tanques compensados; se era mesmos requisitos. necessário transferir a propulsão para a As discussões sobre o novo submari- turbina a gás, no sistema Codog, para mu- no utilizaram como base um projeto de dar de posição nas formaturas, adotou-se viabilidade executado no Brasil pela Dire- um modelo mais po- toria, mas os projetos tente para os motores de contrato e deta- diesel, aumentando o Infelizmente, após a lhamento teriam que comprimento do navio Barroso não foi possível ser alemães. Como para criar espaço para contrapartida pela en- os novos motores; se continuar projetando comenda do Tikuna, os equipamentos não no Brasil navios de a empresa alemã fi- estavam mais sendo superfície de complexidade nanciou a aquisição fabricados, em lugar dos equipamentos de encomendá-los es- semelhante, por carência de principais da Barro- pecialmente, foram recursos orçamentários so, inclusive a turbina adquiridos modelos a gás da propulsão, de atuais, que estavam fabricação americana. em linha de montagem nos fabricantes. Sinto, sabendo muito de sua obtenção, Realizaram-se também outras alterações ter publicado apenas um artigo sobre a úteis, como a nacionalização do controle da Barroso na RMB. Depois o Almirante propulsão e o aumento do convés de voo, Tiudorico, que era o chefe do Departamento por exemplo, com o propósito de tornar o Técnico da Diretoria de Engenharia Naval, navio ainda melhor. Aproveitou-se também publicou artigo, referido em sua carta. a oportunidade do projeto da Barroso para Muito importantes também para o pen- modernizar o sistema de armas e melhorar samento naval brasileiro são dois livros pu- a reflexão radar e as assinaturas acústica e blicados na última década pela Diretoria do infravermelho que resultaram do projeto Patrimõnio Histórico e Documentação da anterior. Mesmo sem a adoção das altera- Marinha: as memórias do Almirante Júlio ções radicais, havia a certeza de se obter Regis Bittencourt (BITTENCOURT, Júlio um navio bem melhor do que o protótipo Regis. Memórias de um Engenheiro Naval: (a classe Inhaúma), o que, pode-se dizer uma vida, uma história. Rio de Janeiro: agora, sem dúvida foi alcançado. Serviço de Documentação da Marinha, Infelizmente, após a Barroso não foi 2005); e seu livro (FREITAS, Elcio de Sá. possível continuar projetando no Brasil A Busca de Grandeza: Marinha, Tecno-

72 RMB3oT/2016 O PENSAMENTO NAVAL E A REVISTA MARÍTIMA BRASILEIRA logia, Desenvolvimento e Defesa. Rio de Janeiro: Editora Serviço de Do- cumentação da Marinha, 2014. Esses dois livros fornecem excelentes sub- sídios sobre os últimos cem anos da Engenharia na MB. A Engenharia Naval brasileira tem como seu maior problema a falta de continuidade de projetos e empreendimentos que geram desenvolvimento tecnológico. Essa des- continuidade é crônica no Brasil, na maioria das áreas tecnológicas, e se reflete na MB, apesar dos sinceros esforços da alta administração naval para que isso não ocorra. De tempos em tempos, passa- -se por uma crise eco- nômica e pela resultante paralisação de progra- mas e empreendimentos tecnológicos, por tempo suficiente para que a expe- riência adquirida na fase de competência não passe para a nova “ge- e a outra nas de 1980/1990, seguidas por ração” de engenheiros e técnicos e se perca. períodos de estagnação e perda de capaci- Usando a construção de navios de guerra dade. Tornaram-se necessários programas como exemplo, nos últimos cem anos ocor- de reaparelhamento periódicos, quando reram duas fases de competência, uma que a Marinha deveria estar se aparelhando teve seu apogeu nas décadas de 1930/ 1940 continuamente para se manter atualizada.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Pensamento militar; Poder Naval; Política nacional; Engenharia naval;

RMB3oT/2016 73 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA

NEY DANTAS* Capitão de Mar e Guerra (Refo)

esde sempre, no litoral do Estado Neste sentido, havia uma grande Ddo Maranhão, os experientes pes- demanda para a existência de um farol. cadores sabiam que o mar era muito Construiu-se, então, o Farol Preguiças, perigoso e o seu fundo, bastante irregu- no povoado de Mandacaru (MA), que lar, podendo variar de 3 a 30 metros de se situava a 24 milhas ao norte do porto profundidade. Descobrindo os segredos de Tutóia, em um local onde os recifes das marés, eles penetravam na barra se estendiam a até três milhas da costa.1 durante a maré cheia, deixavam os bar- cos encalharem na areia, realizavam as A publicação Roteiro DH 1-5, de 1954, suas atividades e só retornavam quando diz em sua página 101 e subsequente: “O a maré voltava a subir. rio das Preguiças desagua a cerca de 37

* Comandou o Navio Balizador Castelhanos, o Navio HidroceanográficoTaurus e o Navio Hidroceanográfico Faroleiro Almirante Graça Aranha. Especializado em Hidrografia. Autor de sete livros sobre sinalização náutica. 1 http://basilio.fundaj.gov.br/pesquisaescolar/index.php?option=com_content&view=article&id=436%3Afarol- -preguicas-ma&catid=41%3Aletra-f&Itemid=1 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA

milhas da ponta dos Mangues Verde. Entre ele e Tutoia é a linha da costa formada por dunas de areia branca, intercaladas por grupos de árvores, ... . Desde a ponta dos mangues Verdes até a barra de Tutoia é a costa bor- dada de altos fundos e recifes que, por vezes, deitam até 3 milhas da costa. ...” Os moradores des- sa região tinham na pesca e na extração da palmeira do buriti os principais recursos Mapa do Maranhão para sua subsistência. Um sinal de auxílio à sua navegação que na página 50: “Foram encomendados no indicasse a barra do Rio Preguiças sempre começo do corrente ano aos Srs Barbier, fora um sonho para os beneficiários desse Benard et Turenne, de Paris, os apare- intenso tráfego de embarcações que para lhos destinados aos faróis do Albardão ali convergiam provenientes de São Luís no Rio Grande do Sul e Tutoia no Piaui e de Tutoia. [entenda-se Preguiças, no Maranhão] e Os faróis, ainda no início do século XIX, ainda ...” eram um indispensável auxílio à navegação No relatório de 1908 lê-se: “Com os costeira e ao sustento dos pescadores. Sua nove faróis e faroletes, cuja construção construção em cada ponto do litoral depen- está autorizada na lei do orçamento, ...”, dia da importância da Província do Império, podendo-se entender que dentre eles está do Estado da nova República e, enfim, do o farol de Tutoia, ou seja, o de Preguiças. desenvolvimento econômico da região. Nesse meio tempo, o Decreto no 6.964 O Maranhão, na região Norte, depois de 29 de maio de 1908 reformou o regu- de Bahia, Rio Grande do Sul, Pernambuco, lamento da Carta Marítima, dando-lhe Rio de Janeiro e São Paulo, foi o quarto a denominação de Superintendência de Estado a ser agraciado com os faróis, todos Navegação. no acesso à Baía de São Luís: Barra (na E no relatório da Diretoria de Faróis de Fortaleza de Santo Antônio, na Ponta da 1909, à página 30, lê-se: “Em Barreirinhas Areia), de Alcântara, de São Marcos e de está se procedendo a montagem de um farol Sant’Anna, todos no ano de 1831. Setenta que servirá para indicar a aproximação e e oito anos depois o Estado ganhou seu direção do porto de Tutoia e o extenso e sétimo farol. perigoso baixio das Preguiças”. Do relatório da Repartição da Carta Por fim, o relatório da Superintendência Marítima apresentado em 1907, consta de Navegação apresentado em abril de

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do rio Preguiças” e inaugurado em 16 de julho de 1909 em for- ma de “torre metálica sobre esteios de rosca Mitchell, tendo próxi- ma a casa dos pharo- leiros, tudo pintado de branco”. A primeira torre do Farol Preguiças, troncônica revestida Farol Preguiças com chapas de ferro com 28 metros de 1910 afirma: “Os faróis e postes inaugu- altura, foi encimada por uma lanterna rados na costa marítima do país durante com um aparelho lenticular de 3a ordem, o ano [findo de 1909] foram: Albardão, isto é, com diâmetro focal de 1 metro, Sarita, Queimada Grande, Lage de San- contendo um equipamento luminoso a tos, Guaratiba, Ponta Negra, Preguiças gás acetileno, fornecido pela empresa e Tapagé [sic]”. canadense Wilson, em que o combustível, O Farol Preguiças, ou de Mandacaru, o gás acetileno, era produzido no próprio como é conhecido no local, consta da 5ª local pela mistura do carbureto de cálcio edição da Lista de Faróis de 1911 como com água, mesmo salgada, o que o dife- construído na “margem esquerda e foz renciava de outros sistemas semelhan- tes. Ele representava uma novidade para a época, sendo o farol um dos pioneiros no Brasil a receber um equipamento de tal qualidade. Esse siste- ma, contudo, não teve vida longa no Brasil e alhures. O nome “Pregui- ças” tem em sua ori- gem, segundo o relato dos moradores mais antigos, a presença de muitos bichos-pre- guiça que habitavam as matas das margens Coleção Érico Bacellar Lista de Faróis 1930 do rio há muitos anos da Costa Fernandes e as águas mansas e Cortesia Luiz Alberto tranquilas que correm da Costa Fernandes

76 RMB3oT/2016 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA

preguiçosamente ao sabor das correntes ocos, vivem em simbiose com formigas que vazante e enchente.2 habitam no seu interior, se protegendo dos A preguiça é um mamífero com dedos animais herbívoros.4 de garras longas pelas quais ela se pendura Abro parêntese. Em 1962, o Navio Fa- aos galhos das árvores, com o dorso para roleiro José Bonifácio, sob o comando do baixo. Seu nome advém do metabolismo Capitão de Fragata Paulo Gitahy de Alen- muito lento do seu organismo, responsá- castro, estava empenhado na construção vel pelos seus movimentos extremamente do que seria o Farol Ponta da Madeira, no vagarosos. É um animal de pelos longos, interior da Baía de São Marcos, no Mara- que vive na copa das árvores de florestas nhão. Quando do desmate da área para a tropicais desde a América Central até o obra, da qual eu fazia parte, deparamo-nos norte da Argentina. Na Mata Atlântica, o com uma preguiça num pé de embaúba. Ao animal se alimenta dos frutos da Cecropia fim da faina daquele dia, levamo-la para (a embaúba, conhecida, por isso, como bordo. Depois de quatro dias embarcada árvore-da-preguiça).3 e no alto de uma enxarcia, o comandante nos “sugeriu” que a levássemos para terra, para o seu habitat. E assim fizemos, é claro. Fecho parêntese. A Guarda Nacional foi uma força paramilitar organizada por lei no Brasil durante o período regencial, em agosto de 1831, para servir de “sentinela da constituição jurada”, e desmobilizada em setembro de 1922. No ato de sua criação lia-se: “Com a criação da Guarda Nacional foram extintos os antigos corpos de Embaúba milícias, as ordenanças e as guardas municipais”. Em 1850 a Guarda Embaúba, por sua vez, é a designação Nacional foi reorganizada e manteve comum a várias espécies de árvore, prin- suas competências subordinadas ao cipalmente as do gênero Cecropia, que ministro da Justiça e aos presidentes chegam a 15 metros de altura. É uma das de Província. Em 1873 ocorreu nova primeiras plantas a habitar a Mata Atlântica reforma, que diminuiu a importância e a favorita do bicho-preguiça, que adora da instituição em relação ao Exército seus frutos. É um tipo de árvore leve que Brasileiro. Com o advento da Repúbli- se adapta fácil a diversos tipos de solo. Em ca, a Guarda Nacional foi transferida áreas desmatadas em recuperação, é fácil em 1892 para o Ministério da Justiça e achar uma embaúba por lá. Seus frutos Negócios Interiores. Em 1918 passou são bastante atrativos para várias espécies a ser subordinada ao Exército, sendo de aves, por isso acabam sendo dispersas incorporada como exército de 2ª linha, muito rapidamente. Com o caule e ramos acabando diluída.

2 http://portalbarreirinhas.com.br/home/turismo-e-lazer/rio-preguicas.html 3 https://pt.wikipedia.org/wiki/Folivora 4 http://www.remedio-caseiro.com/conheca-mais-sobre-a-planta-embauba/

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A Guarda Nacional foi criada num que formavam ou dirigiam o Corpo contexto após a abdicação de D. Pedro de Guardas. Como uma instituição de I, em que ocorriam diversos choques caráter civil, a Guarda Nacional era entre nacionais e lusos e havia receio subordinada aos juízes de paz, aos juízes na sociedade de que os militares to- criminais, aos presidentes de Província massem alguma atitude restauradora, e ao ministro da Justiça, sendo somente posicionando-se pela volta do impe- essas autoridades que podiam requisitar rador. O Exército tinha sua base for- seus serviços. O único cenário em que mada basicamente de negros, mulatos, os guardas nacionais passariam a fazer homens pobres, na maioria dos casos, parte da estrutura militar de 1ª linha era sem nenhuma qualificação profissional, no caso dos corpos destacados para a pouco considerados socialmente. Já os guerra, quando deveriam atuar como altos postos de comando eram ocupados auxiliares do Exército. Os guardas por estrangeiros, provocando uma falta nacionais deveriam ser repartidos pe- de confiança do governo na fidelidade las Câmaras Municipais em unidades do Exército, considerado uma ameaça dentro dos distritos de cada município. em potencial ao liberalismo da nova A principio, as unidades seriam da ordem instaurada com a Regência. arma de infantaria, ficando a cargo do Com os sinais de insubordinação do governo decidir sobre a criação de uni- Exército, criou-se uma situação na qual os dades de cavalaria e artilharia. Cabia governantes preferiam não requisitar seus ao governo escolher os coronéis e os serviços e o governo começou a realizar majores de Legião da Guarda Nacional. um enxugamento no Exército. A Regência Os demais oficiais, inicialmente, eram tomou uma série de medidas: em maio escolhidos por eleições, em que votavam de 1831, o número de efetivos das tropas todos os guardas nacionais, para exer- já havia baixado de 30 mil para 14.342 cerem um posto pelo prazo de quatro homens e, em 30 de agosto, reduziu-se anos, porém tal fórmula foi modificada ainda mais, caindo para 10 mil homens. após a promulgação do Ato Adicional As demissões e licenças de militares são (1834), sendo substituída por nomeações facilitadas, enquanto cessa, por tempo provinciais, por propostas das Câmaras indeterminado, o recrutamento militar. Municipais e, mais tarde, por indicações Os membros da Guarda eram recru- dos comandantes dos corpos. tados entre os cidadãos eleitores e seus A Guarda Nacional foi perdendo es- filhos, com renda anual superior a 200 paço com o advento da República, cuja mil réis nas grandes cidades e 100 mil instalação se deu por conta do Exército, réis nas demais regiões. Esses indiví- historicamente oposto à Guarda. Foi duos não exerciam profissionalmente a transferida em 1892 para o Ministério atividade militar, mas, depois de quali- da Justiça e Negócios Interiores. Em ficados como guardas nacionais, passa- 1918 passou a Guarda Nacional a ser vam a fazer parte do serviço ordinário subordinada ao Ministério de Guerra, ou da reserva da instituição. A Guarda por meio da organização do Exército Nacional tinha forte base municipal e Nacional de 2ª Linha, que constituiu de altíssimo grau de politização. certo modo sua absorção pelo Exérci- A sua organização baseava-se nas to. Sua última aparição pública foi no elites políticas locais, pois eram elas dia 7 de setembro de 1922, quando do

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desfile pela Independência do Brasil na nho: a cópia da carta de Heráclito da (sic) cidade do Rio de Janeiro, marcando Graça Aranha escrita em 23 de julho de 1909 aquele, também, o ano de sua oficial no farol das Preguiças após sua inauguração desmobilização. e endereçada ao seu avô A. Godinho. Apesar de sua desmobilização, o Esta carta de Heráclito da Graça Aranha, Presidente da República, Artur Bernar- que me inspirou a escrever este trabalho, des, continuou a emitir cartas-patentes eu a transcrevi por inteiro, obedecendo ao de oficiais da Guarda Nacional. Temos texto original com a ortografia da época. casos de cidadãos que prestaram com- Pharol das Preguiças, 23 julho 1909 promisso de lealdade à corporação Meu caro amigo Snr Coronel A. em 6 de agosto de 1924, cumprindo Godinho determinação da Carta-Patente de 2 de Começo esta cartinha lhe dando a bôa janeiro de 1924, assinada pelo Presi- noticia de que desde o dia 21 a noite os dente da República e pelo secretário da brilhantes lampejos do pharol assigna- Guerra, com o seu registro ocorrendo lão aos navegantes a barra e o parcel na Secretaria de Estado da Guerra, em das Preguiças. Digo bôa noticia porque 4 de fevereiro de 1924. Esses diplomas, estou bem certo de que ao meu ilustre pa- de elevado visual artístico, foram feitos trício não é indifferente este importante mesmo para impressionar a quem a eles melhoramento introduzido á navegação tivesse acesso, justificando a intenção de em geral e muito especialmente á illumi- consolidar o poder do patenteado junto nação da costa maranhense. a sua comunidade.5 Em seguida a esta introdução entro no assumpto principal desta cartinha Antonio José Godinho foi tenente- que é portadora das minhas affectuo- -coronel da Guarda Nacional no Maranhão. sas despedidas. Se bem que não tenha Era próspero fazendeiro com casa grande recebido ordem até este momento para em Santa Cruz e influente personalidade na regressar, contudo aguardo á toda hora região de Barreirinhas e Mandacaru, onde, ordem neste sentido pois de facto a mi- em 1909, decidira a Marinha de Guerra dar nha commissão está concluída. início à construção de um farol. Era do meu dever e ainda mais do Quis o destino que seu neto Fernando meu desejo ir até ahi cumprir esta obri- José Moreira Godinho viesse a ingressar gação, porem uma serie de causas obri- na Marinha para um dia, como capitão de gão-me a proceder, com bastante pezar, fragata, ser o comandante do Centro de de maneira diversa. Nestes últimos dias Sinalização Náutica Almirante Moraes o serviço se acumulou de tal maneira Rego, órgão responsável pelos faróis do que eu mal tinha tempo de permanecer Brasil, cargo que assumiu em 28 de julho alguns minutos fora do pharol! Esta situ- de 1970, exatos 61 anos e 12 dias depois ação aggravou-se de uma certa maneira da inauguração do Farol Preguiças. Deixou porquanto o meu auxiliar, o machinista , o comando do CAMR em 17 de maio de esteve seriamente doente com febre e só 1971. Fui seu subordinado nesse período. agora é que entrou em convalescença. Em julho de 2016, recebi documento que Quando dahi regressei encontrei-o bem me foi presenteado pelo Comandante Godi- doente e de tal maneira que esteve com

5 https://pt.wikipedia.org/wiki/Guarda_Nacional_(Brasil)

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a bagagem arrumada para seguir no quer dizer que muito em breve estarei barco! Vendo-me só, tive que duplicar a de volta a este porto nada frequentado. minha atividade. Informado como estou O que devo agora lhe dizer ao cami- de que por estes últimos dias do mez deve nhar para a conclusão desta carta que passar na Tutoya um paquete em deman- já vae longa e que está sendo escripta da do sul tudo faço para não perdel-o. por volta da ½ noite é que parto muito O meu nobre patrício bem reflectindo satisfeito pelo conhecimento que fiz da me dará inteira razão pois se perder sua illustre pessoa e de toda sua digna esta opportunidade terei que aguardar Familia. Sigo bastante penhorado pelas 15 dias mais pela chegada de um outro gentilezas que recebi e especialmente paquete. Escusado é aqui entrar em pela carinhosa hospitalidade que deu-me detalhes para bem justificar esta minha nos dias que ahi passei. Fique o amigo attitude de pressa. Vou trabalhando e já certo que a sua pessoa é figura destacada tenho tudo determinado até o momento neste pedaço maranhense onde tudo falta em que aqui deve chegar o portador que inclusive as mais elementares noções da mandei á Salinas. Se a ordem não vier civilisação. Á sua respeitavel e simpática como espero e como é de toda justiça, Esposa os meus sinceros respeitos. Que então mudarei de rinbruição (sic) e é toda sorte de felicidades lhe acompanhe certo que irei até ahi dar-lhe alguma sempre no gôso da família, neste recanto cacetada. Alem de tudo recebi pelo solitário do nosso pobre Maranhão, são ultimo correio cartas de minha Familia os meus votos sinceros. Seguindo para o transmitindo recados de collegas meus, sul, isto é para Petrópolis, peço-lhe que e que muito se interessão por mim, di- disponha dos meus serviços. Lá como aqui zendo que não demorasse um minuto a ou em qualquer outra parte em que a sorte minha demora aqui. Á vista de tudo isto me collocar disponha com absoluta fran- e principalmente por não querer perder queza da minha obscura pessoa. O meu o paquete resolvi ao sahir daqui seguir adresse particular é o seguinte: Avenida rumo de Salinas. E certo de que me Piabanha - nº 191- Petrópolis - Estado dirijo a um amoroso Chefe de Familia do Rio. Ahi tem o Snr e toda a Familia fico tranquilo pois não me será negada modesta casa á sua inteira disposição. inteira razão; há muito que não vejo Muitas caricias aos seus filhinhos, minha Esposa, há muito que não beijo respeitoso saudar á distincta consorte os meus filhinhos! marinheiro como sou e um apertado e affectuoso abraço do incorporado á uma classe que sente falta sempre agradecido de uma organização interna onde as HGraça Aranha commissões não obedecem uma certa P.S. – Se os meus cálculos não falhão ordem, tudo devo fazer para bem apro- devo até o dia 25 estar fora daqui. Caso veitar os momentos que se apresentão queira distinguir-me com a gentileza da para estar junto da Família. E depois, resposta receiando qualquer desencontro, meu caro Coronel, não vou partir para pode dirigir a carta para Tutoya onde pro- sempre! ao contrario muito breve é qua- videnciarei se por acaso lá não demorar-me. se certo, estarei de volta. Ainda tenho Heraclito da Graça Aranha que ver no Pharol, além de que não vou Pharol das Preguiças. 23 de Julho recolher-me á vida privada, ao contrario de 1909 vou entrar em franca actividade o que Respondido em 24 de jl (Via Tutoya)

80 RMB3oT/2016 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA

Heráclito da Graça Aranha é mara- em dois períodos – o primeiro como contra- nhense nascido em 22 de março de 1873 e -almirante, entre 4/4/1930 e 6/11/1930, e o falecido em 4 de agosto de 1944. segundo de 22/9/1932 a 11/7/1935, quando Sua família foi residente em São Luiz, em foi promovido a vice-almirante, em 31 de casa à Avenida Pedro II, onde hoje também outubro de 1932. Também foi diretor da se situa a Capitania dos Portos do Estado. Companhia de Navegação Lloyd Brasileiro. Praça de aspirante a guarda-marinha em Exerceu cargos na Diretoria-Geral da 11 de março de 1887, foi transferido para Carta Marítima em dois períodos: ini- a Reserva em 2 de abril de 1936, após 54 cialmente, como primeiro-tenente, entre anos e oito meses de serviço no posto de 2/5/1903 e 8/6/1903 e, mais tarde, como vice-almirante, para o qual fora promovido capitão-tenente, interinamente de 26/3/1906 em 27 de outubro 1932. a 16/9/1909, período em que foi destacado Dentre suas comissões, a partir de (ver parte da folha do Almanak Laemmert) 1910, depois de promovido a capitão de para montar a torre do Farol Preguiças, inau- corveta, foi comandante de rebocador, de gurado no mesmo ano em que foi promovido contratorpedeiros, de tênder, de cruzadores a capitão de corveta, em 25/2/1909. e de encouraçado da Armada brasileira; foi Pelas leituras da carta e da página 658 do Capitão dos Portos do Estado do Maranhão Almanak Laemmert de 1909, depreende-se por um período de nove meses, entre 14 de que o Capitão-Tenente Graça Aranha, então fevereiro e 9 de novembro de 1918; adido destacado na Diretoria de Faróis, na ocasião naval em Washington; diretor de Aeronáu- chefiada pelo Capitão de Fragata Eduardo tica da Marinha; diretor-geral de Navegação Augusto Veríssimo de Matos, esteve presen-

Heráclito da Graça Aranha – Cortesia da Divisão de Cortesia da Divisão de Documentos Especiais da Documentos Especiais da Diretoria do Patrimônio DPHDM Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM)

RMB3oT/2016 81 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA

Almanak Laemmert 1909 te, se não durante toda a complexa obra de tensão de dunas costeiras do Brasil, montagem da torre de ferro sistema Mitchell onde está a grande estrela do turismo com 28 metros de altura e instalação do apa- maranhense, o Parque Nacional dos relho de luz BBT, pelo menos em um longo Lençóis Maranhenses, ou os Grandes intervalo de tempo até seu término, período Lençóis, à esquerda do Rio Pregui- em que gozou da assistência e hospitalidade ças. À direita do referido rio, seguem do Coronel Godinho. Era naquele momento os chamados Pequenos Lençóis, superintendente de Navegação o Almirante numa paisagem semelhante à dos Arthur Jaceguay. Grandes Lençóis, e que se estendem Segundo a página do Almanak Laem- até Tutoia, onde começa o Delta do mert 1909, que foi reproduzida neste tra- Parnaíba.6 balho, o Tenente Graça Aranha era morador de Petrópolis à Travessa Jerusalém no 2, o que não combina com o declarado em sua carta, que diz: “o meu adresse particular é o seguin- te: Avenida Piabanha 191”, igualmente em Petrópolis.

O Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses

O litoral orien- tal do Maranhão Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses abriga a maior ex-

6 http://www.maramazon.com/mobile/mara33/regiao_lencois.html

82 RMB3oT/2016 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA

Durante seu governo, entre 15 de março de 1979 e 15 de março de 1985, o Presiden- te João Baptista de Figueiredo criou, com o Decreto no 86.060, emitido em 2 de junho de 1981, o Parque Nacional dos Lençóis Maranhenses em terras devolutas perten- centes à União, com a finalidade maior de “proteger a flora, a fauna e as belezas naturais existentes no local”, em ambas as margens do Rio Preguiças, que nasce na região e corre entre os Lençóis Grandes, a oeste, e os Lençóis Pequenos, a leste. O parque, com uma área de 1.565,84 km², abraça o município de Barreirinhas, considerado sua porta de entrada, e é hoje a principal região turística do Maranhão, com uma vasta área de altas dunas de areias brancas e de lagos e lagoas. Submetida à má manutenção e sem resistir às intempéries, a primitiva torre Farol Preguiças ou de Mandacaru importada de ferro do farol foi substituída por outra de concreto armado, inaugurada de 1873, filho de Themistocles da Silva em 1949 e assim descrita no Roteiro DH Maciel Aranha e Maria da Glória da Graça 1-5 de 1954 “Farol – Na margem W do Aranha. Faleceu em 4 de agosto de 1944. rio, acerca de 1,5 milha da foz, lat 02º 35’ Promoções: a Praça de Aspirante a e long 42º 45’, ... exibe luz numa altitude de Guarda-Marinha em 11 de março de 1887; 46 metros em torre troncônica de cimento a Guarda-Marinha em 23 de novembro de armado, pintada em faixas horizontais 1891; a Segundo-Tenente em 23 de setembro brancas e pretas, com 35 metros de altura”. de 1893; a Primeiro-Tenente em 9 de agosto Como curiosidade, essa segunda torre de de 1894; a Capitão-Tenente em fevereiro de Preguiças é idêntica à do Farol de Mostar- 1906; a Capitão de Corveta em 25 de feve- das, no Rio Grande do Sul. reiro de 1909; a Capitão de Fragata em 3 de Embutido nesse cenário, o Farol Pre- dezembro de 1913; a Capitão de Mar e Guerra guiças fez por merecer ser incluído na em 05 de março 1919; a Contra-Almirante obra Luzes do Novo Mundo, livro de arte em 27 de março de 1930 e a Vice-Almirante: farológica com imagens de 45 selecionados 27 de outubro 1932. Foi transferido para a faróis do Brasil, editado em 2002. reserva em 2 de abril de 1936, depois de 54 anos e 8 meses servindo à Marinha. Curriculum Vitae Em sua carreira, fez o curso de Torpe- dos, Minas e Defesa Submarina (Europa). Vice-Almirante Heráclito da Graça Ara- Comandos/direção: Rebocador Lomba; nha7, nascido no Maranhão, em 22 de março Contratorpedeiro Piauí; Contratorpe-

7 Heráclito é irmão cinco anos mais novo de José Pereira da Graça Aranha, escritor, diplomata, imortal da Academia Brasileira de Letras e autor de Canaã romance publicado pela primeira vez em 1902 em que o autor aborda a imigração alemã no estado do Espírito Santo.

RMB3oT/2016 83 O FAROL PREGUIÇAS E O COMANDANTE GRAÇA ARANHA deiro Sergipe; Tênder Ceará; Cruzador- diato); Corpo de Marinheiros Nacionais; -Torpedeiro Tamoio; Cruzador República; Cruzador Tonelero; Cruzador Riachuelo; Cruzador Parnaíba; Vapor Tocantins; Brigue Pirajá (Imediato); Caça-Torpedeiro Capitania dos Portos do Estado do Mara- Gustavo Sampaio; Canhoneira Guarani nhão; Encouraçado Floriano; Comando (Imediato); Cruzador Primeiro de Março; da Segunda Divisão Naval; Diretoria das Cruzador-Torpedeiro Timbira; Encoura- Escolas Profissionais; Adido Naval em çado Riachuelo; Diretoria Geral da Carta Washington; Diretoria de Aeronáutica da Marítima; Encouraçado São Paulo; Co- Marinha; Centro de Aviação Naval; Dire- mando em Chefe da Esquadra; Gabinete toria da Biblioteca, Museu e Arquivo da do Ministro da Guerra. Marinha; Flotilha de Contratorpedeiros; Em reconhecimento aos seus serviços, Diretoria-Geral de Navegação e Compa- recebeu inúmeras referências elogiosas e as nhia de Navegação Lloyd Brasileiro. seguintes condecorações: Medalha Militar Comissões: Divisão Naval do Norte; de Ouro; Medalha do Mérito Naval (Grau Cruzador Andrada; Cruzador Quinze de – Grande Oficial) e Cruz da Coroa da Itália Novembro; Canhoneira Carioca (Ime- (Grau – Oficial).

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Sinalização náutica; Graça Aranha, Heráclito da;

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PAULO ROBERTO GOTAÇ* Capitão de Mar e Guerra (Refo)

SUMÁRIO

Introdução O Annus Mirabilis A Relatividade Geral A Fama e as Viagens – Estada no Brasil Conclusão

INTRODUÇÃO gação da sua Relatividade Geral, extensão da restrita, e a conquista repentina da fama a presente trabalho tem como propósito partir dos resultados experimentais obtidos O apresentar um resumo histórico des- em Sobral, Ceará, durante o eclipse solar pretensioso do período que compreende de 19 de maio de 1919, até os registros de os aspectos básicos da atividade de Albert algumas viagens subsequentes, em especial Einstein (1879-1955), desde a publicação à América do Sul, quando visitou o Brasil, dos famosos quatro artigos em 1905, o ano em 1925. Apesar da pouca difusão e do miraculoso da Física, passando pela divul- pequeno número de acadêmicos com algum

* Declaração a Guarda-Marinha em junho de 1963; graduação em Física (UERJ-1971); docência em Eletromag- netismo (Faculdade Veiga de Almeida-1974); (Universidade Católica de Petrópolis-1975/78). Foi chefe do Departamento Técnico do Centro de Munição (1984/86) e chefe do Departamento de Pesquisa do Instituto de Pesquisas (1986/88). Após transferência para a reserva, foi chefe de Projeto do Instituto Nacional de Projetos Especiais (1988-1996) e exerceu atividade docente na Escola Naval em Eletromagneto e Física (1996-2008). Vários artigos publicados em revistas sobre Física. EINSTEIN – do Annus Mirabilis à visita ao Brasil

conhecimento das novas ideias, o que pode a estrutura atômica da matéria e importan- ter gerado equívocos entre alguns deles, te para o desenvolvimento da mecânica pode-se afirmar que a visita foi importante estatística que já vinha sendo investigada para o desenvolvimento da pesquisa básica dentro do contexto da irreversibilidade e para a divulgação dos conceitos de Física evidenciada pela segunda Lei da Termodi- moderna no País. nâmica, por James Clerk Maxwell (1831- 1879) e Ludwig Boltzmann (1844-1906). O ANNUS MIRABILIS O terceiro, talvez o mais famoso, lançou as bases da Teoria da Relatividade restrita O ano de 1905 é até hoje lembrado como e revolucionou os conceitos de medida do o ano miraculoso (Annus Mirabilis) da espaço e do tempo, com base em dois postu- Física. No seu transcorrer, Albert Einstein lados: um de que as leis físicas, inclusive as publicou, no periódico alemão Annalen do eletromagnetismo, não alteram sua for- der Physik, quatro artigos que influencia- ma de descrição nos referenciais inerciais ram sobremaneira o em movimento relati- desenvolvimento pos- vo retilíneo uniforme; terior do pensamento A Teoria da Relatividade e outro que estabelece científico. restrita revolucionou os a constância da veloci- O primeiro, o úni- dade da luz, afirmando co realmente revolu- conceitos de medida do que a luz não se com- cionário, segundo o espaço e do tempo põe vetorialmente com próprio autor respon- a velocidade da fonte sável pelo Nobel de que a emite. Física de 1921 a ele conferido, ressuscitou No último deles, quase uma continuação a interpretação corpuscular da luz, proposta do anterior, é estabelecida a vinculação da por Isaac Newton 200 anos antes, com energia com a massa e deduzida a relação outros objetivos. Sugeriu-a composta de E = mc2, onde E é o conteúdo energético; partículas, os fótons, e, por meio de uma m, a massa relativista do corpo e c é a ve- relação heurística original, elucidou o locidade da luz no vácuo. Trata-se talvez efeito fotoelétrico (interação da radiação da fórmula mais reproduzida de todos os eletromagnética com a matéria) [5], dando tempos, verificada experimentalmente de também uma dimensão definitiva à hipótese modo dramático em 1945, em Hiroshima. quântica, relutantemente proposta por Max Apesar do caráter impactante, com sua Planck [6] cinco anos antes para explicar nova visão de medida de espaço e tempo, o espectro energético do corpo negro que a Teoria da Relatividade apresentada vinha desafiando os cânones da Física por Einstein, ainda um desconhecido do clássica. Alguns o consideram o trabalho mundo acadêmico, não foi imediatamente verdadeiramente pioneiro da futura Mecâ- aceita (os físicos são conservadores) pelos nica Quântica. medalhões da época, como, por exemplo, O segundo se inspirou no movimento o holandês Hendrik Lorentz (1853-1928), aleatório de partículas em suspensão, o Nobel de Física em 1902, que, no entanto, chamado movimento browniano, assim só não chegou à nova teoria por não se denominado em homenagem ao biólogo sentir encorajado a dar o passo mais ou- escocês Robert Brown (1773-1858), que o sado, o de considerar que cada corpo em observou. Foi determinante para reafirmar movimento apresenta seu próprio tempo,

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não sendo mais este parâmetro um abso- luto, como admitido até então pela Física pré-relativista.

A RELATIVIDADE GERAL

Os próximos es- forços de Einstein Figura 1 – Esquema do experimento da deflexão do raio luminoso após 1905 concen- traram-se na genera- lização da relatividade restrita, de modo nifestação da curvatura do espaço-tempo. a estender o primeiro postulado, já citado, Assim, a 25 de novembro de 1915, Eins- e incluir também os referenciais em mo- tein apresentou sua teoria à plateia reunida vimento qualquer (acelerados). Para isso na Academia Prussiana de Ciências, em estabeleceu o chamado Princípio da Equi- Berlim, e a publicou no Annalen der Physik, valência [7], que traduz o fato de que um em março de 1916 [8]. sistema de referência Um dos experimen- acelerado é fisica- tos propostos por Eins- mente indistinguível tein para confirmar da ação de um campo suas conclusões con- gravitacional sobre sistia na observação da ele, dando como con- deflexão de raios lumi- sequência a igualdade nosos por influência de da massa inercial, campos gravitacionais o m da famosa fór- de corpos massivos. mula F = ma, e o m Na Inglaterra, o que figura na fórmu- físico Arthur Stan- la da gravitação de ley Eddington (1882- Newton, GMm/r 2, Figura 2 – Museu do Eclipse, em Sobral 1944) [9], pacifista, onde G é a constante recusou-se, por razões universal, M é a massa do corpo atrator, religiosas, a alistar-se para combate na Pri- quase fixo (a Terra, por exemplo, em rela- meira Guerra Mundial, durante a qual rece- ção a corpos bem menores que ela), e r a beu as primeiras informações sobre a nova distância entre as massas. teoria. Terminado o conflito, partiu, mesmo A teoria que emergiu do trabalho, co- com óbices de natureza política diante da nhecida como Relatividade Geral, utilizou nacionalidade alemã de Einstein, para a novas ferramentas matemáticas, como o tarefa de montar expedições científicas cálculo tensorial, e resultou numa interpre- em dois locais onde fosse possível melhor tação diferente da gravitação, que deixou observar o eclipse total do Sol, previsto de representar, conforme previa a teoria para ocorrer a 29 de maio de 1919, a fim de newtoniana, uma interação entre corpos verificar as posições de estrelas próximas massivos, passando a constituir uma ma- ao disco solar e constatar o desvio dos raios

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luminosos delas provenientes, ao passarem sair de uma dramática guerra e consolidar próximos à massa do Sol (figura 1). Um seu engajamento na causa judaica, além dos locais foi a cidade de Sobral, no Ceará, de mostrar que a ciência deve transcender para onde uma equipe de cientistas ingleses disputas de poder. se deslocou com toda a parafernália de Assim, visitou pela primeira vez os telescópios e instrumentos de medida e Estados Unidos da América (EUA), onde colheu os dados, sen- proferiu palestras em do o evento lembrado prestigiadas universi- pela construção, no Einstein, até então meio dades e visitou a Casa local das observações, Branca. No regresso do Museu do Eclipse ignorado pelos meios à Europa, manteve (figura 2). acadêmicos, transformou-se contato com várias O outro local esco- numa espécie de superstar, expressões do mundo lhido foi a Ilha Prínci- intelectual e apresen- pe, na costa atlântica fato demonstrado pelas tou uma conferência do Golfo da Guiné, manchetes da edição de 10 no King´s College, onde porém não foi em Londres. Em 1922, possível realizar ob- de novembro de 1919 do viajou pelo continente servações devido ao The New York Times asiático, com visitas e céu encoberto. palestras em Singapu- Os dados obtidos ra e Ceilão, além do foram considerados conclusivos por Japão, onde conferenciou durante quatro Eddington e em concordância com a Re- horas e se encontrou com o Imperador. latividade Geral, sendo apresentados na sessão solene conjunta da Royal Society of e da Royal Astronomical Society, realizada em 6 de novembro de 1919 [10]. A partir daí, Einstein, até então meio ignorado pelos meios acadêmicos, trans- formou-se numa espécie de superstar, fato demonstrado pelas manchetes da edição de 10 de novembro de 1919 do The New York Times (figura 3).

A FAMA E AS VIAGENS – ESTADA NO BRASIL

Uma das consequências da erupção repentina da fama foi o grande número de convites para viagens a países estrangeiros [11]. Einstein as realiza motivado pelo desejo de conhecer outros povos e outras culturas, de difundir suas teorias, de agir politicamente no sentido de reaproximar os países da Europa que haviam acabado de Figura 3 – Manchetes da edição de 10 de novembro de 1919 do The New York Times

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Durante sua perma- nência na Terra do Sol Nascente, rece- beu a notícia que fora laureado com o Nobel de Física de 1921, concedido com atraso de um ano, não pela Relatividade, respon- sável pela repenti- na fama, mas pela elucidação do efeito fotoelétrico, regis- trada num dos quatro Figura 4 – Einstein conferenciando na Escola Politécnica [13] trabalhos de 1905, já citado. Impossi- bilitado de comparecer à solenidade de de . Foram programadas entrega em Estocolmo, à qual esteve pre- também, sob os auspícios da Associação sente o ganhador do prêmio de 1922, Niels Hebraica, conferências em Montevidéu e Bohr (1885-1962), um dos fundadores no Rio de Janeiro. da Física Quântica, Passou pelo Rio de foi representado pelo Janeiro em 21 de mar- embaixador alemão. “O problema que minha ço, a caminho de Bue- Finalizou a longa via- mente formulou foi nos Aires, e retornou à gem em 1923, com cidade carioca em 4 de uma visita de 12 dias respondido pelo luminoso maio de 1925, quando à Palestina [12]. céu do Brasil”. foi recebido pelo Pre- Em 1925, fez uma Albert Einstein, em sidente Artur Bernar- viagem à América do des e visitou o Pão de Sul, quando visitou referência à expedição Açúcar, o Corcovado Argentina, Uruguai científica de 1919 a (ainda sem o Cristo), e Brasil. A iniciativa o Jardim Botânico, do convite inicial para Sobral, que resultou na a Floresta da Tijuca, essa viagem partiu do confirmação da sua Teoria o Museu Nacional, a jornalista argentino da Relatividade Geral Academia Brasileira de Leopoldo Lugones Ciências e o Instituto [13], em 1923, ano Osvaldo Cruz. Num em que o cientista estava sendo pressionado desses encontros de natureza social, acredi- por seu posicionamento pacifista assumido ta-se ter ele feito o seguinte comentário, por durante a guerra e perseguido pelo senti- escrito, ao jornalista Assis Chateaubriand: mento antissemita que reinava na Europa. “O problema que minha mente formulou foi Sem poder atender imediatamente, cedeu respondido pelo luminoso céu do Brasil”, em às insistências dos argentinos e aceitou referência à expedição científica de 1919 a finalmente o convite em 1925, realizando Sobral, que resultou na confirmação da sua um ciclo de palestras na Universidade Teoria da Relatividade Geral [11].

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Proferiu três conferências sobre Teoria Marinho de Azevedo (1878-1962), professor da Relatividade. Uma delas foi no Clube da Escola Politécnica do Rio de Janeiro, de Engenharia, onde encontrou um salão que talvez tenha sido o primeiro brasileiro superlotado, muito quente, com autoridades, a escrever sobre relatividade, antes mesmo ministros e generais, do eclipse de 1919, e alguns até acompa- o artigo redigido em nhados de esposas e 1923 e publicado em filhos, uma plateia 1929 nos Anais da Aca- evidentemente des- demia Brasileira de preparada para enten- Ciências, “A Theoria der o que estava sen- da Relatividade e as do transmitido. Não Raias Espectrais do foi muito diferente Hydrogênio” [16], de do que aconteceu na autoria do engenheiro realizada na Escola civil, Theodoro Augus- Politécnica do Largo to Ramos (1895-1937), de São Francisco (fi- professor da Universi- gura 4), onde havia dade de São Paulo. poucos assistentes Um registro que que possuíam alguma não se pode deixar de informação sobre o fazer também é o de assunto, e na Aca- Figura 5 – Manuel Amoroso Costa, autor do que Einstein redigiu, demia Brasileira de primeiro livro no Brasil sobre relatividade já a bordo do navio Ciências. Na verdade, que o levava de volta, eram pouquíssimos àquela altura os brasi- uma carta ao Comitê do Prêmio Nobel leiros que se interessavam pela nova teoria. propondo para o Nobel da Paz de 1925 o Talvez um dos primeiros tenha sido o diretor nome do Marechal Cândido Rondon (1865- do Observatório Na- 1958), cujo trabalho, cional em 1919, Hen- por informações por rique Charles Morize Einstein redigiu carta ao ele recebidas, o teria (1860-1930) [14]. Comitê do Prêmio Nobel impressionado, em- A introdução for- bora não o conhecesse mal no Brasil das propondo para o Nobel pessoalmente [11]. novas ideias, no en- da Paz de 1925 o nome do Como se vê, a visita tanto, deve-se ao fí- Marechal Cândido Rondon de Einstein ao Brasil, sico-matemático Ma- registrada em somente nuel Amoroso Costa uma linha no apêndice (1885-1928) [15] (figura 5), que, logo após de sua mais importante biografia [12], ape- as notícias dando conta dos resultados sar de importante para o desenvolvimento colhidos no eclipse de 1919, escreveu um subsequente da pesquisa básica e para a artigo alusivo em O Jornal e, em 1922, difusão dos conceitos da Física moderna publicou um livro intitulado Introdução à no País, foi marcada pela falta de conheci- Teoria da Relatividade. mento da comunidade científica nativa em Merecem destaque também o detalha- geral sobre os fundamentos das teorias por mento da teoria divulgado por Roberto ele criadas. A demonstração mais evidente

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deste fato foi a publicação, na edição de 16 particulares das existências concretas.” (In: de maio de 1925 de O Jornal , logo após a Moreira e Videira [13,18], p.131) partida do cientista (12 de maio de 1925), de um artigo intitulado “Relatividade ima- CONCLUSÃO ginária”, parte dele transcrito abaixo [12], de Vicente Licínio Cardoso (1889-1931), Apesar da importância para a Física dos professor de Mecânica Racional da Escola quatro artigos publicados no ano miraculoso Politécnica, em que este analisa o livro de de 1905 e da publicação da sua Relatividade Einstein La Theorie de la Relativité Res- Geral, aproximadamente dez anos depois da treinte et Genéralisée [17]: restrita, Einstein não despertou a atenção dos “A cada página, pode-se dizer, da obra meios acadêmicos até a divulgação, em sessão eu encontrava proposições análogas: umas solene de 6 de novembro de 1919 da Royal confundindo o objetivo com o subjetivo, Society, dos resultados confirmatórios da nova outras afirmando coisas de impossível teoria, obtidos durante a expedição científica, realização, outras estabelecendo conceitos patrocinada pelo inglês Arthur Eddington, a elementaríssimos e velhos como se fos- Sobral para colher dados da deflexão da luz sem novos, tudo, está claro, no meu fraco durante o eclipse solar de 9 de maio de 1919. entender; outras produzindo afirmações Após a fama repentina, surgiram inúme- incompreensíveis como esta ‘Nous ver- ros convites para viagens ao exterior, quan- rons plus tard que ce raisonnement qui do esteve nos EUA, na Ásia e na América s’appelle dans la Mécanique Classique le do Sul, aportando no Brasil em 1925, onde theorème de la composition des vitesses realizou palestras e visitou locais pitorescos n’est pas rigoureux et, par conséquent, que e autoridades locais. Ficou evidente que a ce theorème n’est pas vérifié en réalité’1. O intelectualidade brasileira, com raras exce- que tem a lei abstrata da composição das ções, não estava preparada, à época, para velocidades com a velocidade particular apreender a essência das criações científicas de cada corpo? Sempre a confusão entre o recentes do famoso físico. Assim mesmo, abstrato e o concreto (...) Demonstrei que o deve-se ressaltar a importância da sua curta professor Einstein, confundindo os pontos permanência por aqui, para a difusão dos de vista abstrato e concreto, toma por ob- conceitos da Física, então moderna, e para jetivo o que é subjetivo e vice-versa e não o desenvolvimento posterior da pesquisa distingue entre ciência abstrata e relações básica nativa.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Einstein; História do Brasil;

1 N.R. – Tradução livre: “Veremos mais tarde que este raciocínio, chamado na Mecânica Clássica de teorema da composição de velocidades, não é rigoroso, e, portanto, este teorema não se sustenta na realidade.”

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

[1] EINSTEIN, Albert. (1905a). “Über einen die Erzeugung und Verwandlung des Lichtes betreffenden heuristischen Gesichtspunkt” (PDF) (em alemão). Annalen der Physik 6 (17) (Sobre um ponto de vista heurístico relativo à produção e transformação da luz). [2] EINSTEIN, Albert. (1905c). “Über die von der molekularkinetischen Theorie der Wärme geforderte Bewegung von in ruhenden Flüssigkeiten suspendierten Teilchen” (PDF) (em alemão). Annalen der Physik 322 (8).DOI:10.1002/andp.19053220806 (Sobre o movimento de pequenas partículas em suspensão dentro de líquidos em repouso, tal como exigido pela teoria cinético-molecular do calor). [3] EINSTEIN, Albert. (1905d). “Zur Elektrodynamik bewegter Körper” (PDF) (em alemão). Annalen der Physik 322 (10). DOI:10.1002/andp.19053221004.Bibcode: 1905AnP...322..891E (Sobre a eletrodinâmica dos corpos em movimento). [4] EINSTEIN, Albert. (1905e). “Ist die Trägheit eines Körpers von seinem Energieinhalt abhängig?” (PDF) (em alemão). Annalen der Physik 323 (13): 639–641 ( A inércia de um corpo depende do seu conteúdo energético?). [5] GOTAÇ, P.R. “Breve História do Efeito Fotoelétrico”, Revista do Clube Naval, v. 117, número 354, abr/mai/jun/dez 2010. [6] GOTAÇ, P.R. “Um ato de desespero” Revista do Clube Naval, v. 117, número 352, out/nov/ dez 2009. Informações disponíveis em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Princ%C3%ADpio_da_ equival%C3%AAncia [7] EINSTEIN, A. Die Grundlage der allgemeinen Relaivitätstheorie, Annalen der Physik, 49, 1916 (Fundações da Teoria da Relatividade Geral). [8] Informações disponíveis em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Arthur_Stanley_Eddington [9] Informações disponíveis em: www.gazetadefisica.spf.pt/magazine/article/279/pdf [10] Informações disponíveis em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Albert_Einstein [11] Pais, A. Sutil é o Senhor...A Ciência e a Vida de Albert Einstein.Nova Fronteira, Rio de Janeiro, 1995. [12] Informações disponíveis em http://www.if.ufrgs.br/einstein/brasil.html [13] Informações disponíveis em https://pt.wikipedia.org/wiki/Henrique_Charles_Morize [14] Informações disponíveis em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Manuel_Amoroso_Costa [15] “A Theoria da Relatividade e as Raias Espectrais do Hydrogenio”, Annaes Acad. Bras. Sci., tomo 1, no 1, 1929, pp. 20-27. [16] EINSTEIN, A. La Theorie de la Relativité Rrestreinte et Genéeralisée, trad. Para o francês por Mlle. J. Rouviè, Gauthiers Villar, Paris, 1921. [17] MOREIRA. Videira - Einstein e o Brasil. UFRJ, 8571081425, 1955.

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Os homens têm dignidade, os outros seres têm preço. Immanuel Kant

PAULO ROBERTO RIBEIRO DA SILVA** Capitão de Mar e Guerra (RM1-FN)

SUMÁRIO

Introdução A escolha de um caminho O surgimento da ética Valores: a única certeza é a incerteza As opções disponíveis e suas consequências Considerações finais

INTRODUÇÃO eficazes, têm sido negligenciadas por outras prêt-à-porter disponíveis nas prateleiras e O Ser humano, por meio da sua raciona- alardeadas como “grandes e inéditas solu- lidade, busca consistentemente equacionar ções” para questões há muito analisadas e os seus problemas com rapidez, da melhor inequivocamente resolvidas. Entretanto, forma possível e com o menor dispêndio essas antigas soluções, notadamente quan- de energia. Isto é perfeitamente natural e do se referem à avaliação moral de com- aceitável, mormente nos contextos atuais portamentos, requerem transformações de que os envolvem – um mundo informati- dentro para fora em todos os personagens zado e globalizado. envolvidos, o que demanda um inenarrável Soluções que exigem longo tempo de esforço de mudança de atitude, o que não maturação, mesmo que comprovadamente é simples.

* N.R.: Artigo publicado na Revista de Villegagnon no 10/2015. ** Instrutor de Liderança e Ética Militar na Escola Naval. ÉTICA: A ESCOLHA DA MELHOR OPÇÃO

Bifurcações duvidosas

A humanidade, no geral, não tem sido Esses questionamentos, todos eles, têm pródiga em gerar pessoas exemplares; no uma gênese comum – o comportamento entanto, de tempos em tempos somos galar- humano. Entretanto, como compreender doados por alguns ícones que desembaçam o agir do homem sem conhecê-lo, sem nossas vistas, tornando nos aprofundarmos no visível o que antes era obscuro abismo que é velado e indecifrável. A humanidade não tem sido a natureza humana? Esses modelos vir- A maioria das teorias tuosos têm propaga- pródiga em gerar pessoas “motivacionais” ou, do suas ideias muito exemplares... de tempos em até mesmo, os atalhos mais pelos exemplos tempos somos galardoados milagrosos que propa- do que pelas palavras, lam desvendar os se- o que gerou e ainda por alguns ícones que gredos insondáveis da gera uma multidão de desembaçam nossas vistas, alma, ao começarem seguidores. Mas se co- a analisar a questão, nhecemos o caminho a tornando visível o que antes iniciam a montagem percorrer para alcançar era velado e indecifrável de seus argumentos o nosso propósito, por pelos andares supe- que então buscamos riores, negligencian- atalhos que possivelmente nos conduzirão a do o alicerce, o que compromete toda a bifurcações duvidosas? Por que permitimos bela estrutura idealizada, porque se funda que a teimosia e a insensatez tomem o lugar sobre a areia cambiante, e não sobre a da previdência e da complacência? rocha firme.

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Não resta dúvida de que conhecer a natu- tas, as fórmulas matemáticas e as certezas reza humana é uma tarefa hercúlea, pois até cedem lugar para a reflexão, o ensimesmar hoje, mesmo após milênios de prospecção, e as dúvidas; no entanto, estas aparentes somente temos arranhado o insondável vacilação e impotência geram a grandeza universo humano. Apesar das limitadas que permite ao ser humano alcançar o infi- progressões, creio que é neste filão que de- nito, e desta jornada ao desconhecido é que vemos persistir, caso desejemos encontrar as convido vocês a participarem. razões primeiras sobre as quais poderemos fundamentar algo consistente e confiável. A ESCOLHA DE UM CAMINHO O que é o ser humano? O que o diferen- cia das outras criaturas? Somos de fato a A mitologia grega em especial alicerça “cereja do bolo” da criação, como afirma a algumas explicações que nos soam plausí- Bíblia Sagrada? Ou simplesmente somos o veis, o que nos aproxima, a meu ver, mesmo resultado do acaso, de um jogo de dados? que timidamente, dos fatos, da verdade, Se fomos Criados segundo a imagem e se- dessa verdade que talvez algum dia nos será melhança do nosso criador, por que agimos revelada ou descoberta, dependendo da cren- de forma tão condenável? Foi o pecado ça, ou não, dos envolvidos nesse processo. original, ou uma consequência contínua e Muitos poderão questionar que a busca deliberada de comportamentos reprováveis? de uma base de conhecimentos sólida São milhares de dúvidas a nos incomodar. jamais poderia se dar fora da ciência. É Onde então buscar todas estas respostas? verdade! Contudo, enquanto não formos Será que o caminho está nos conhecimen- bafejados com este encontro mágico com tos tecnológicos? Certamente não, senão já o inquestionável, devemos, por questão teríamos encontrado a solução ou alguns de de racionalidade, testar algumas hipóteses seus indícios. A ciência, portanto, não será que possam sustentar nossos raciocínios, capaz de explicar, pois ao contido não é dado porque seria inaceitável a inação e a pura o direito de explicar o contentor. contemplação simplesmente por ausência Este trabalho almeja traçar, mesmo que de certezas. Afinal! Quem somos nós? de forma aparentemente ousada e/ou preten- Segundo a cosmogonia grega, inicialmen- siosa, um roteiro possível e, no meu entendi- te o universo era o Kaos, simplesmente o mento, provável, que possa lançar luz sobre deus Kaos; ou seja, o nada, o princípio. Num um tema (a ética) que tanto nos incomoda e segundo momento, surgiram outras três divin- sobre o qual as mentes mais privilegiadas ao dades – Gaia (a Terra), Tártaro (a escuridão) longo dos tempos têm se debruçado. e Eros (a energia que anima a vida); essa, Como afirmado anteriormente, o terreno portanto, foi a primeira geração de deuses. por onde devemos trilhar é incerto e repleto Após essa geração pioneira, surgiu o de surpresas. Nesse emaranhado de possibi- deus Urano, que logo cobriu (copulou) lidades, temos que escolher, por questão de Gaia. Esta relação se tornou tão intensa, in- sentido, algo em que nossos pés trêmulos cessante e sistemática que gerou inúmeros pelo encontro com o desconhecido possam filhos (deuses), além de deixar Gaia pro- se apoiar e prosseguir, e nisto reside a cen- fundamente desconfortável e contrariada. tralidade de nossas ansiedades. Na busca de uma solução para este estupro Só nos resta, então, recorrer à filosofia, interminável, Gaia se aliou a alguns de seus à religião ou à mitologia. Nestas áreas do filhos e arquitetou uma ação contra Urano conhecimento, o tubo de ensaio, as pipe- (o insaciável), resultando na castração de

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deste, o que o levou, num ato de fúria e de “segunda categoria”. Epimeteu, que dor, a se afastar abruptamente de Gaia e a era rápido no agir e lento no pensar, ime- subir, formando o céu e, naturalmente, um diatamente se voluntariou para criar os espaço entre os dois. animais, enquanto a Prometeu restaram as A criação desse espaço fez surgir o deus incumbências de supervisionar os trabalhos Cronos (o tempo), que, se sentindo amea- de Epimeteu e criar o homem. çado pelos seus próprios filhos, os quais O processo criativo se iniciou com Epi- naturalmente o substituiriam em algum meteu distribuindo os atributos aos animais, momento futuro, decidiu comê-los preven- os capacitando a sobreviverem não só às tivamente. Gaia e seus filhos, na ânsia de agruras do ambiente, como também aos apaziguar o apetite voraz de Cronos, lhe outros animais. A uns dotou de tamanho davam inclusive pedras para iludi-lo. Não avantajado; a outros, de velocidade; alguns esqueçamos que o tempo tudo consome, possuíam carapaça; outros ainda uma pe- inclusive as coisas inanimadas. Dentre os lugem protetora. Enfim, após terminar sua filhos de Gaia existia um especial, Zeus, empreitada Epimeteu se deu conta de que que era o predileto e foi protegido por Gaia havia distribuído todos os atributos dispo- para sobreviver e tentar interromper esse níveis aos animais, não restando nada para desígnio terrível. Ele realmente sobreviveu Prometeu oferecer ao homem. a Cronos e acabou por derrotá-lo, abrindo Prometeu, que pensava antes de agir, seu estômago e libertando seus irmãos que desesperado com o triste destino reservado haviam sido devorados. Não esqueçamos aos homens, resolveu furtar do palácio de que nesta etapa do universo todos eram Atena a astúcia (inteligência) – um atributo deuses e, portanto, imortais. divino – e atribuí-lo ao homem como alter- Zeus ainda não estava satisfeito. O uni- nativa para suplantar todas as vicissitudes verso ainda era regido por Kaos e, dessa e tribulações que deveria enfrentar em seu forma, permanecia desordenado e evidente- breve período de vida. mente caótico. Na tentativa de interromper Foram então criados os mortais. Os ani- esta situação, Zeus aliou-se a outros deuses mais, pela diligência de Epimeteu, nasciam e articulou a derrubada de Kaos, o que de prontos, tudo já lhes havia sido dado, sua fato aconteceu, sendo assim estabelecida a natureza (instinto) era capaz de fornecer ordem (cosmo) no universo. todas as respostas para qualquer situação. Essa situação agora rigidamente ordena- Eles não precisavam refletir, pensar, im- da era desejável; entretanto, deixava Zeus e provisar e arriscar, deviam somente seguir os demais deuses melancólicos e entediados, inexoravelmente o seu destino animalesco tendo em vista que tudo era muito previsível para viverem; portanto, eles não precisa- e não havia surpresas nem novidades. Era riam escolher entre várias opções. O seu como se tudo e todos agissem como robôs. cardápio de comportamentos já estava Nada fugia ao planejado. Zeus maquinou, definido e só lhes restava uma única opção então, a criação de seres que não fossem – seguir o seu instinto. eternos – seres mortais. Seres que nasce- Ao homem, no entanto, devido à sua riam e morreriam, o que certamente traria incompletude, só lhe cabia buscar desespe- alguma diversão ao monótono mesmismo radamente, por meio de seu livre arbítrio, de da eternidade até então vigente. sua liberdade, os atributos que não lhe foram Para a execução dessa tarefa, designou concedidos pela imprevidência de Epimeteu. os gêmeos Epimeteu e Prometeu, deuses O homem se via obrigado a exceder sua

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natureza (Merleau-Ponty, 1995), pois sua contra nós mesmos, para reduzir o egoísmo, vida era complexa demais e sua natureza a prepotência e a soberba, e, então, nos pobre demais. Rousseau (1989) afirmava apequenarmos para termos condições de peremptoriamente que a vontade humana enxergar as nossas carências e buscarmos fala ainda, quando a natureza se cala. O minimizá-las. professor Clóvis de Barros Filho (2014) O processo de escolha é demasiado com- sublinha este aspecto quando diz que para o plexo, basta vermos suas consequências. homem a indeterminação instintiva só será Normalmente não as compreendemos em compensada pela deliberação intelectiva. sua plenitude, pois, quando nos defronta- mos com alternativas claramente distintas O SURGIMENTO DA ÉTICA em termos de valor (a boa e a ruim), isto não pressupõe uma escolha na verdadeira Depreendemos deste sobrevoo pela acepção da palavra, porque não gera in- mitologia grega que o homem é a única certeza, haja vista a obviedade existente. criatura com opções, com liberdade, com No entanto, a verdadeira escolha, a que necessidade de se es- gera angústia, se dá forçar para buscar as quando as alternativas alternativas que lhe A nossa luta é contra nós são equivalentes (boa convêm, para viver e e boa; ou ruim e ruim). viver com qualidade, mesmos, para reduzir o E isto é demasiado com felicidade. egoísmo, a prepotência e corriqueiro, pontua Se ao homem não assiduamente o nosso for dado o direito de a soberba. A verdadeira viver, gerando incer- escolher entre modos escolha, a que gera tezas e crises. diversos de agir, ele angústia, se dá quando O ser humano se perderá o único ca- digladia com suas minho para sua essên- as alternativas são dúvidas nesse ema- cia e viverá do único equivalentes ranhado de opções a modo que poderá vi- que foi conduzido pela ver – instintivamente, carência endêmica de como os animais. Por isso a liberdade é tão atributos que não lhe foram conferidos pela cara, inegociável mesmo, aos humanos. incompetência de Epimeteu e pela falta de Entretanto, ao escolhermos, passamos a diligência de Prometeu. E nesse cipoal de ser responsáveis por nossas escolhas, o que possibilidades ele tem que decidir ou se requer, portanto, racionalidade para avaliar- omitir, deixando aos outros as rédeas do mos os desdobramentos dos nossos atos, e seu destino. por nossa emoção, para nos humanizarmos Quando exerce sua liberdade e por fim e sermos capazes de ser o Outro, enquanto opta por uma linha de ação, além de se o Eu se mortifica. comprometer com suas consequências, Escolher é identificar a alternativa de fica também responsável pelas inúmeras maior valor, mas para quem? Para nós? opções descartadas e que também poderiam Para a nossa família? Para a nossa institui- ter sido escolhidas e não o foram, e neste ção? Para o País? Depende de cada um de processo é gerado desconforto, arrepen- nós! Contudo, não podemos nos esquecer dimento, angústia e, finalmente, todas as de que o Eu não é modelo. A nossa luta é demais anomalias decorrentes.

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Neste momento surge a ética – que é a VALORES: A ÚNICA CERTEZA É A escolha da opção de maior valor. Se não INCERTEZA houvesse uma variedade de formas de procedimento possíveis de escolha, não Os valores dependem, significativa- existiria ética, porque estaríamos atados a mente, dos pressupostos metafísicos dos um único modo de ser. Devido a isto é que autores. Os idealistas tendem para a defesa não faz sentido falarmos de ética alienada da existência de alguns valores absolutos, já do homem, que lhe dá vida e sentido. Não os autores positivistas defendem a opinião existe, portanto, ética de mico-leão-doura- de que esses valores não existem. Entre do, nem ética de nada que não seja humano. os defensores da axiologia absolutista Outro aspecto relevante é a variedade encontramos Max Scheler (1874–1928, de possibilidades que nos é oferecida. A filósofo alemão conhecido por seu traba- vida sem grandes alternativas e pobre em lho sobre fenomenologia, ética e antro- variedades de modos de viver gera menos pologia filosófica), Quintana Cabanas e incertezas e dúvidas entre as poucas manei- Nicolai Hartmann (1882– 1950, filósofo ras disponibilizadas, o que de certa forma alemão), enquanto no bastião relativis- reduz as angústias; ta destacam-se Piaget no entanto, a vida (1896–1980, episte- complexa dos gran- A ética não é um valor mólogo suíço, consi- des centros urbanos, em si mesma, e sim um derado um dos mais onde quase tudo é importantes pensado- colocado diante das processo de escolha através res do século XX), Ko- pessoas, arrastando- de valores hlberg (1927– 1987, -as ao consumismo e psicólogo discípulo ao materialismo, nos de Piaget) e Habermas deixa hesitantes e frágeis. Edgar Morin (filósofo e sociólogo nascido em 1929, na (2005) dizia que quanto maiores as contra- Alemanha, participante da tradição da te- dições e o cardápio de opções, maior será oria crítica e do pragmatismo). É evidente a complexidade ética envolvida. que entre uma e outra posição é possível Se a ética é a escolha da opção de encontrar algumas variantes, como a de maior valor, que valor seria esse? Será que Adela Cortina, mas todas elas têm como existe um valor ou valores universalmente ponto de partida a busca de uma definição aceitos, servindo de “régua de aferição” sobre o que é um valor. que parametrize a opção selecionada? De- Quintana Cabanas (1995), pedagogo e pende. Na realidade, a ética está atrelada filósofo espanhol, entende que um valor é à referência, à solução-padrão, a valores, a qualidade abstrata e secundária de um e daí advêm as inúmeras éticas; ou seja, objeto, estado ou situação que, ao satisfazer a ética não é um valor em si mesma, e uma necessidade de um sujeito, suscita nele sim um processo de escolha por meio de interesse ou aversão por essa qualidade. O valores. Este entendimento é basilar para valor reside no objeto; mas sem o interesse que possamos prosseguir desbravando este de um sujeito, o objeto deixaria de ter valor. tema. Para adotarmos um comportamento O homem vivifica os valores por meio ético, devemos selecioná-lo dentre tantos de suas necessidades: umas são racionais e outros com base em valores. O que então outras sensitivas. Aos valores que nascem são estes valores? das necessidades humanas racionais, cha-

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mamos de valores racionais. Àqueles que Os sensíveis incluem os hedonísticos e os surgem das necessidades humanas sensi- vitais. Os espirituais incluem, por ordem tivas, denominamos valores vitais. Só os crescente de importância, os estéticos, os primeiros podem aspirar à universalidade, éticos, os lógicos e os religiosos. os demais são produto dos contextos e das Enfim, os valores são absolutos ou re- condições. São, portanto, relativos. lativos? A resposta a esta questão suscita Como o ser humano capta os valores? enormes consequências tanto nos juízos Quintana Cabanas (1995) afirma que é por como na conduta humana. Se os valores meio da inteligência e do sentimento, de- são relativos, nada nos resta fazer, estamos fendendo o modelo da educação de caráter limitados apenas a conceder a máxima que destaca o uso não só da cognição, mas liberdade a todos, para que sejam estabele- também das emoções; ou seja, da inteligên- cidas as preferências individuais. O modelo cia cognitiva e da inteligência emocional. da clarificação de valores baseia-se neste Max Scheler e Nicolai Hartmann (1941), argumento. Por outro lado, se há valores defensores do modelo da clarificação dos absolutos, ou seja, se a sua justificação é valores, magnificam a importância da universal, não podemos abandonar os mais inteligência emocional, não negando a jovens a uma mera estimativa espontânea, importância do sujeito cognoscitivo, mas devendo, pelo contrário, ensiná-los a valo- considerando que os valores se captam rar corretamente e a respeitar a hierarquia somente pelo sentimento. de valores. Por outro lado, Piaget e Kohlberg (1981), A crítica que os autores absolutistas inspirados na teoria da comunidade justa, fazem às abordagens cognitivistas é que entendem que o desenvolvimento cognitivo a reflexão não é suficiente para educar o desempenha um papel preponderante. caráter das novas gerações, pois o saber não Existe uma escala de valores ou todos garante o fazer. O hábito é considerado bem são equivalentes? Os autores que esta- mais importante. Ramiro Marques (2003) belecem uma distinção entre os valores afirma: “Ora, o hábito não se molda pela racionais e os valores sensitivos costumam reflexão, mas sim pela prática, pelo treino defender a existência de uma escala de e pelo contato com bons exemplos”. Quin- valores, na qual os primeiros precedem os tana Cabanas (1998) parte da necessidade segundos. Os autores positivistas tendem a de construir um meio termo entre duas negar a existência de uma escala de valores, antinomias básicas: a educação moral como afirmando que os valores não passam de produto do saber e da reflexão, e também preferências. como produto do treino e do hábito. Dentre as inúmeras escalas de valores, Consciente de que as maiores limitações destacamos a Platônica, em que o bem é o dos modelos contemporâneos da educação valor supremo. Destacamos ainda a Aris- moral, em particular do modelo da clarifica- totélica, perfeitamente caracterizada na ção de valores e do modelo cognitivista de Ética a Nicómaco, que prioriza os valores Kohlberg (1981), residem no fato de terem que são dignos da felicidade, depois os optado apenas por uma das dimensões do que são dignos de admiração, em seguida desenvolvimento moral, no primeiro caso, os que são dignos de amor e, finalmente, o a dimensão afetiva e, no segundo caso, a honorável, o belo e tudo o que não é mau. dimensão cognitiva, Quintana Cabanas Mais modernamente, Max Scheler (1945) (1998) opta por apresentar e justificar uma divide os valores em sensíveis e espirituais. teoria da educação moral integral, capaz

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de incluir todos os domínios, todos os âm- nos bons hábitos. Aristóteles (1995) não bitos e todos os níveis da moralidade e da cansava de enfatizar que o hábito era uma ética. No que diz respeito aos âmbitos, esse segunda natureza, uma nova oportunidade autor acentua a necessidade de a educação para aqueles que não foram bafejados pela valorizar, igualmente, a razão, as emoções sorte de nascerem virtuosos. e a vontade, ou seja, o domínio cognitivo, Dessa forma, somos levados a concluir o afetivo e o volitivo. que o viver ético é demasiado complexo e A seleção das estratégias a serem ado- aparentemente inalcançável, pois pressupõe tadas para o desenvolvimento moral de optar por virtudes, e este processo seletivo uma sociedade está condicionada ao nível nos posiciona diante de contradições. Por de educação moral que se pretende atingir. exemplo: ensinamos nossos filhos a serem Para uma ética mínima, ou seja, uma ética solidários e ajudarem o seu semelhante; apenas preocupada com o cumprimento das contudo, simultaneamente, os alertamos leis, com o objetivo de evitar a punição, para também desconfiarem de pessoas com o cumprimento dos contratos e com estranhas, porque não conhecemos a ín- o respeito pelas normas de convivência dole de cada um. Fazer o quê? Confiar ou social, basta o uso dos métodos dialógicos, desconfiar? Beaudrillard nos afirma que a baseados na discussão de dilemas, tomada revolução contemporânea é da incerteza. de papéis e clarificação de valores e dos Este é o grande dilema. métodos diretos, alicerçados na exortação A angústia é, inegavelmente, a nossa e na exposição. companheira de viagem. É o preço a pagar Para uma ética média, ou seja, preocu- pela liberdade a que estamos condenados, pada com a decência, os bons costumes, o para que possamos viver com qualidade e respeito dos deveres, o cumprimento das dignidade junto às pessoas, gerando uma obrigações e a equidade e reciprocidade espiral de felicidade, senão de menos an- no tratamento com os outros, Quintana Ca- gústia, pautando nossos comportamentos banas (1995) recomenda o uso de métodos por virtudes consensualmente aceitas e indiretos, baseados no exemplo dos tutores. interiorizadas. Para uma ética máxima, ou seja, uma ética que vai para além da justiça e que incor- AS OPÇÕES DISPONÍVEIS E SUAS pora a benevolência, o sacrifício e o amor, o CONSEQUÊNCIAS autor recomenda a leitura e a discussão das grandes narrativas morais, as reveladas e as Aprofundando a questão, nos defron- outras, a utilização da estratégia do testemu- tamos com a pensadora espanhola Adela nho e o contato com modelos. Cortina (2009), que apresenta em seus Atualmente já podemos constatar estudos axiológicos uma visão da evolução um relativo consenso começando a se moral da sociedade, em que o aprimora- concretizar, mormente nos meios menos mento valorativo se dá por estágios. Em reacionários, afirmando que estes valores um primeiro momento, institui-se uma se referem às virtudes. Mas quais virtudes, única referência moral, o monismo moral, já que são várias e muitas delas até mesmo que só se torna exequível em sociedades contraditórias? Depende das vivências pes- totalmente homogêneas, o que é uma uto- soais consolidadas pelos hábitos. Caberá às pia, ou em sociedades nas quais um código pessoas, portanto, dirimirem essas contra- moral é imposto a todos, como é usual nos dições à luz do seu caráter, fundamentado sistemas totalitários – nazismo, franquismo,

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stalinismo etc. Esta unicidade moral tem sua essência e tudo se torna viável, tudo vida curta, não consegue se manter por é tolerado, o que nos parece moderno e longos períodos, alija a participação cidadã, liberal. Entretanto, o viver nessa situação não suportando crítica, o que agrega des- é impraticável e intolerável porque com- conforto, desmotivação, apatia e revolta, porta como aceitável o inaceitável, o falso coisificando seus cidadãos. como verdadeiro e o imoral e o antiético Por outro lado, quando se supera a ditadu- como naturais, distorcendo e violentando ra moral do monismo, nos vemos diante de até mesmo a insuficiente natureza humana três situações distintas, a saber: o vazio moral, que nos foi dada como pronta. Recordemos o politeísmo moral e o pluralismo moral. Epimeteu e Prometeu: qualquer semelhança A euforia advinda da liberação dos com a sociedade em que vivemos não é grilhões do monismo moral normalmente pura coincidência. lança a sociedade não para a liberdade sadia Por fim, Cortina (2009) chega ao plu- e responsável, mas para a libertinagem, a ralismo moral que suplanta todas as arti- ausência de referências morais, a liberdade culações morais anteriores, pois opta pelo ao infinito, ao “tudo é possível” e, evidente- diálogo, pela razão e pela crítica saudável mente, ao caos, o que que cada grupo pode é impraticável, haja oferecer e receber dos vista a racionalidade É impossível viver com um demais. Nesta intera- humana, que natural- ção entre as diversas mente, e até mesmo mínimo de dignidade em formas de pensar os espontaneamente, irá um ambiente sem normas valores, naturalmen- refutá-la por instin- te somos levados a to de sobrevivência, buscar um consenso pois é impossível viver com um mínimo lógico sobre algumas coincidências, mes- de dignidade em um ambiente sem normas mo que mínimas, para o estabelecimento (ver experimentos de Sheriffe sobre norma- de uma base firme sobre a qual possamos lização – 1936). erigir algo maior e desejável. Cortina (2009) prossegue afirmando que Essa autora entende que estes mínimos posteriormente, após o monismo moral, consensuais denominados “mínimos de as pessoas se individualizam moralmente, justiça” (liberdade, igualdade, respeito, cada uma elegendo sua própria hierarquia diálogo etc.) não devem ser opcionais, e de valores e nela se apegando por fé, sem sim mandatórios. Esta imposição advém argumentos que a sustentem logicamente, da compreensão mútua e racional de sua em que cada um adora seu deus, aceita essencialidade. Por outro lado, o homem suas referências valorativas e é impossível anseia pela felicidade, pela vida boa e encontrar razões que as possam levar a prazerosa, ou seja, deseja mais do que o mí- um consenso argumentado, a um acordo nimo. Esta carência inconteste em direção a intersubjetivo. um máximo, que diverge sensivelmente de Tendo em vista os momentos difíceis do uns indivíduos para outros, dificultando sua monismo moral, muitos de nós podemos universalidade, gera ainda mais incógnitas, inadvertidamente almejar esse “laissez- agregando dificuldades adicionais. Desta -faire” moral disponibilizado pelo polite- forma, a pensadora valenciana, além de ísmo moral; contudo, quando as referências identificar os modos éticos, os individualiza são plurais, chegando ao infinito, perdem e simultaneamente os compreende como

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complementares e factíveis, a despeito de CONSIDERAÇÕES FINAIS não omitir suas especificidades. Cortina (2009) assevera também que O homem, incompleto por formação de- essa ética de mínimos, a ser exigida e vido à imprevidência de um negligente Epi- imposta, contrasta com a de máximos, que meteu, persegue com enormes sacrifícios, deverá ser oferecida, gerando um convite nesta trajetória terrena, os atributos que lhe para sua aceitação, o que permitiria uma faltam para ter uma vida mais longa e digna. adesão democrática e, portanto, respeitosa Este embate com as agruras do caminho e quanto às pluralidades morais vigentes. dos relacionamentos com os outros com É fundamental destacar que o atingi- quem interage exige um esforço único, que mento dos mínimos não significa imobi- o obriga constantemente a decidir por uma lismo, nem conformação, mas tão-somente das inúmeras opções disponíveis. um passo adiante na perseguição de outros O aumento desmesurado de possibilida- ganhos em direção aos máximos, que talvez des, aliado à ausência de referências claras sejam objetivamente inatingíveis, dada a e objetivas, lançam o homem num turbilhão multiplicidade de concepções de felicidade de incertezas, de depressão e angústias. existentes, porém que nos servirão de alvos, Esse processo seletivo frequente e intenso iluminando o nosso pressupõe a existência caminhar em direção de uma referência, pois a um estágio cada vez Na Marinha do Brasil como adotar o melhor mais digno de vida. comportamento sem A despeito da temos esses valores avaliá-lo e compará-lo constatação realis- basilares que pautam a algo que nos pare- ta das dificuldades nossos comportamentos, ce sólido, ou menos envolvidas neste fluido? Nesta ocasião processo valorativo, permitindo um viver ético surge a perplexidade, podemos identificar saudável pois inexoravelmente com relativo orgulho somos responsáveis e nenhuma veleidade pelas consequências de que algumas instituições ainda persistem nossos atos; e não só por isso, mas também tenazmente lutando para salvaguardar suas pelos arrependimentos e remorsos do aban- referências morais a “sete chaves”. dono das infinitas opções que foram deixa- Na Marinha do Brasil, por exemplo, das de lado e poderiam alterar a situação na temos esses valores basilares que pautam qual estamos hoje envolvidos. nossos comportamentos, permitindo um O cardápio de valores disponíveis é viver ético saudável, claramente defini- extenso, porém, dependendo da corrente de dos por meio da Rosa das Virtudes – um pensamento adotada, estes podem ser apenas diagrama no formato da rosa dos ventos, opções personalizadas, setorizadas e tem- em que as principais virtudes marinheiras porais, não possuindo a rigidez necessária são registradas, transmitidas e assumidas para servir de balizamento avaliativo; ou, conscientemente por todo o seu pessoal por por outro lado, pode ser compreendido como meio de gerações, facilitando selecionar, algo que possui perenidade e, portanto, pode dentre as opções comportamentais dispo- e deve balizar o comportamento humano. níveis, aquelas virtuosas, gerando menos O idealista Quintana Cabanas (1995) dúvidas e angústias. defende a existência de alguns valores

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absolutos que podem servir de referência templação. Devemos demarcar com brevi- no processo decisório humano. Entende, dade e exatidão os limites do permitido, não ainda, que o desenvolvimento moral deve só para evitarmos o extravasamento, mas acontecer não só pela racionalidade, mas também, sobretudo, para nos protegermos também pela emoção; ou seja, não basta da contaminação exógena que dia após dia eleger valores e disponibilizá-los, o im- se fortalece, forçando mais e mais nossas portante é que, agregado a isto, o hábito já frágeis resistências morais. deva ser desenvolvido pelo exemplo de Se não nos é dada a possibilidade de um viver cotidiano erigir uma ética robusta pautado em boas e (ética média ou má- virtuosas ações. Se não nos é dada a xima de Quintana ou Adela Cortina possibilidade de erigir ética máxima de Adela (2009), em seus estu- Cortina), lutemos para dos axiológicos, nos uma ética robusta, lutemos tornar inegociável a apresenta um quadro para tornar inegociável a manutenção de uma evolutivo do desenvol- ética mínima que seja vimento moral de uma manutenção de uma ética capaz de manter a salvo sociedade, iniciando mínima que seja capaz de a dignidade humana e, com a situação em que manter a salvo a dignidade principalmente, a espe- uma única referência rança de uma evolução moral é adotada, o mo- humana e a esperança de moral futura que se nismo moral, o que é uma evolução moral futura achegue cada vez mais extremamente danoso ao ainda tão sonhado e por ser utópico e apor- utópico mundo solidá- tar a semente do totalitarismo; em seguida, rio e pacífico. com a liberação dos grilhões de uma única Em nossa instituição, somos atingidos opção, surge espontaneamente o politeísmo pelas mesmas intempéries que a todos moral, quando as pessoas, inebriadas pela assolam. Hesitações, dúvidas e incertezas falsa liberdade plena, lançam-se num com- sempre nos acompanham. O cuidado em portamento em que tudo é permitido e nada ter o nosso agir pautado dentro de rígidos impede ou restringe os seus modos liberais parâmetros éticos não nos permite negli- de ser e, finalmente, com o amadurecimento genciar; para tanto, não é suficiente apenas gerado pelas tribulações da liberalidade ante- estabelecer as virtudes a perseguir, como rior e a conclusão racional de que a liberdade o fizemos por meio da Rosa das Virtudes, desenfreada é inalcançável, as pessoas são mas, sobretudo, assumir o firme propósito conduzidas ao pluralismo moral, situação na em transmitir continuamente pelo exemplo qual o diálogo é priorizado e um consenso é os modos corretos de comportamento, que alcançado. naturalmente, pela sua permanência, serão Nesse cenário não nos é permitido estar incorporados/internalizados e acabarão apenas em um estado de hesitação e con- gerando hábitos virtuosos.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Ética; Exemplo; Comportamento;

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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LUCIANO PONCE CARVALHO JUDICE** Capitão de Mar e Guerra

SUMÁRIO

Introdução A capacitação energética como expressão de poder Amazônia Azul: expressão do Poder Energético Nacional Considerações finais

INTRODUÇÃO 350 milhas da costa concentram ativos que podem expressar um poder energético, s espaços marítimos sobre os quais contribuindo para a solução dos problemas Oo Brasil possui direitos exploratórios nacionais e para guindar o Brasil na ordem exclusivos – sintetizados no conceito de mundial. Ocorre que tal poder só se firma Amazônia Azul1 – e que podem distar até se políticas públicas concernentes a uma

* Este artigo foi apresentado em painel coordenado pelo autor, no IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa, em Florianópolis (SC), de 6 a 8 de julho de 2016. ** Aperfeiçoado em Eletrônica em 1997 (1o colocado no curso). Bacharel em Direito pela Universidade Federal Fluminense (2011). Instrutor na EGN desde 2010, atualmente encarregado do Centro de Jogos de Guerra. É autor do livro A Defesa do Ouro Negro da Amazônia Azul, lançado pela EGN. 1 Imensa área sob jurisdição nacional, que abrange a plataforma continental (PC), a qual compreende o leito e o subsolo marinhos situados entre o limite exterior do Mar Territorial e o limite externo da margem continental, ultrapassando ainda a Zona Econômica Exclusiva (ZEE) de 200 milhas a partir da linha de costa brasileira, podendo chegar 350 milhas de tal linha. O PODER ENERGÉTICO DA AMAZÔNIA AZUL

defesa marítima de amplo espectro forem sobre o homem. Assim, o poder engloba implementadas – contra ações adversas, todos os relacionamentos sociais que se sejam estas provenientes de um ator estatal, prestam a tal fim, desde a violência físi- não convencional ou criminoso, o que pres- ca até os mais sutis laços psicológicos supõe uma vasta gama de tarefas defensivas. mediante os quais a mente de um ser Salienta-se ainda que o petróleo e o gás controla uma outra.2 natural são recursos extraídos predominan- temente em campos marítimos do Brasil, A definição conotativa acima é um e cerca de metade da energia que consu- ponto de partida para a descrição do que mimos advém desses insumos, conforme envolveria o poder em si, o qual condiciona dados disponíveis no Balanço Energético desde as relações interpessoais até a política Nacional, conjugados com anuários estatís- externa dos grandes Leviatãs da atualidade, ticos elaborados pela Agência de Petróleo, os Estados que exercem influência sobre os Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), demais congêneres, que, dedutivamente, conforme veremos a seguir. não disporiam de poder para contra-arrestar Tal situação reforça o quarto atributo tal influência. do mar, uma fonte de recursos, visuali- Contudo, para uma averiguação cien- zado pelo estrategista marítimo Geoffrey tífica, deve-se prosseguir e ir além de Till – os demais atributos seriam: meio de definições descritivas, perseguindo as ope- informação, de domínio e de transporte –, racionais3, ou seja, aquelas que permitem que começou a se tornar mais nítido a partir a comparação e a mensuração de variáveis de 1947, quando se iniciou a exploração previamente visualizadas, para relacioná- petrolífera offshore, ou seja, no mar, na -las coerentemente e com precisão, no costa norte-americana do Golfo do México. contexto investigativo de uma pesquisa de As reservas do pré-sal e a tecnologia de- cunho científico. Nesse sentido, sublinha-se senvolvida para explorá-las nos livraram da que a operacionalização de conceitos é de dependência energética do Oriente Médio, grande importância para a identificação de uma região permanentemente conflagrada, cadeias causais, as quais predominam nas considerando-se os últimos tempos. Contudo ciências sociais. não podemos esquecer que, ao nos libertamos Vale dizer ainda que tais definições de- dessa dependência, nossa responsabilidade vem exprimir em seu enunciado referentes em defender a Amazônia Azul cresceu da realidade, dos quais se depreenderiam proporcionalmente. Em síntese, o potencial indicadores, quer sejam qualitativos ou energético que tal espaço marítimo agrega quantitativos, cujo valor agregado permi- ao Brasil requer um pensamento estratégico tiria o estabelecimento de índices finais. consentâneo para que contribua efetivamente Nesse sentido, índices associados a indi- para o fortalecimento do Poder Nacional. cadores de uma definição operacional de poder de cunho energético possibilitariam, A CAPACITAÇÃO ENERGÉTICA por exemplo, a comparação entre Estados, COMO EXPRESSÃO DE PODER refletindo em algum grau as possibilidades de consecução de seus desideratos. Assim O poder pode abarcar tudo que esta- sendo, vislumbra-se preliminarmente, para beleça e mantenha o controle do homem um aprofundamento posterior, três indi-

2 MORGENTHAU, 2003, p.18. 3 MARCONI; LAKATOS, 2011.

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cadores para que um determinado Estado ção e visão de mundo. Agregamos aqui a disponha de poder energético significativo, especulação sobre a expressão energética o que representaria um antecedente causal do Poder Nacional. capaz de guindá-lo em suas aspirações na Numa outra linha de pensamento comunidade internacional: consciência pragmática, Mangabeira Unger, em obra estratégica, capacitação tecnológica e dis- dedicada ao imperativo da plasticidade ponibilidade de insumos de base energética. social (1987), compara de forma perspicaz Cumpre registrar que, na epistemologia os reflexos recíprocos do Poder Militar, da cratologia4, entendida como a ciência entendido de forma simplificada como um que estuda as relações de poder, são passí- poder destruidor, e o Poder Econômico, sua veis de visualização diversas de suas ma- contraparte análoga produtiva. O referido nifestações, como, por exemplo, o Estado autor deslinda como o aproveitamento de e o Capital. De qualquer forma, no recorte oportunidades tecnológicas e mobilizado- deste trabalho, nos ateremos ao nível das ras levou a grandes alterações organizacio- relações de poder interestatais, haja vista nais, operacionais e sociais no continente que os Estados continuam sendo os prin- europeu. Tal reorganização teria culminado cipais atores em escala global, provocando no complexo econômico industrial que se impactos incontestes nos indivíduos – que divisa nos tempos atuais na comunidade eu- dificilmente escapam de sua esfera de in- ropeia, implicando profundas transforma- fluência. Nesse sentido, o atendimento, em ções sociais, sem que tal processo estivesse nível significativo, dos indicadores sugeri- embevecido em sua gênese por princípios dos no parágrafo precedente revelaria uma igualitários ou ideologias democráticas. expressão de poder necessária para outras Meus exemplos derivados da história manifestações. europeia foram desenvolvidos a partir de Dentre essas outras expressões ou mani- episódios delimitados cronologicamen- festações de Poder Nacional, o que refletiria te, por um lado, pela desintegração do assim a capacidade de influenciação de um estilo medieval de luta, e, por outro lado, Estado no concerto das nações, diversas pela ascensão dos exércitos mecaniza- outras possibilidades de indicadores já dos de massa, apoiados por economias foram especuladas. À guisa de exemplo, industriais, nos séculos XIX e XX. A as doutrinas das Forças Armadas do despeito do amplo período de tempo em Brasil consideravam, há algum tempo, as que ocorreu esse processo, esses even- seguintes expressões de Poder Nacional: tos demonstram uma impressionante a política, a econômica, a psicossocial e a unidade de temas persistentes e efeitos militar5. Note-se que, mais recentemente, recíprocos. Eles representam pontos de nos anos 90 do século passado, a capaci- inflexão na guerra sobre a dupla pressão dade científica e tecnológica, considerada da expansão de seu âmbito e do desen- inicialmente um fator do Poder Político, foi volvimento de armamentos. A cada elevada a uma quinta expressão destacada conjuntura crucial, as maiores tentativas de poder, consoante a referida classifica- de apoderar-se de oportunidades tecno-

4 Disponível em . Acesso em: 11 jun.2016. 5 Avistam-se outras expressões de poder, não exauridas neste estudo. O corpo diplomático nacional, por exemplo, entende o Poder Diplomático como uma expressão de poder específica. Em síntese, por questões de simpli- ficação, não se adentrará no contexto ideológico e doutrinário que levou a tal decomposição de expressões de Poder Nacional (BRASIL, 1989).

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lógicas e mobilizadoras influenciavam acúmulo de capitais não teriam valia se não diretamente uma outra. Elas também houvesse o domínio da energia dos ventos ajudaram a conformar os termos sociais para efeitos de propulsão marítima, pelo nos quais a industrialização e acelerada conhecimento de base empírica que levou inovação econômica ocorriam nas ver- à construção de embarcações capazes de sões da Europa e Atlântico Norte. (UN- realizar as grandes navegações oceânicas. GER, 1987, p. 170-171, tradução nossa) Novamente se deduz que a capacidade de instrumentalização da energia eólica, para Por conseguinte, intenta-se evidenciar efeitos de transporte marítimo e combate, neste artigo que a ampliação do Poder poderia ser identificada como uma expres- Militar, entendido como destruidor ou são de poder energético que foi a chave dissuasório; do Poder Econômico, sob o para a projeção mundial das potências ponto de vista produtivo ou cumulativo; europeias na Idade Moderna, em detrimen- ou de quaisquer outras expressões de po- to de outras civilizações. É interessante der passíveis de serem visualizadas e dos acrescer que há autores que ressaltam que, impactos recíprocos teria como condição 70 anos antes dos ibéricos, os chineses necessária a disponibilidade de energia já haviam mapeado o mundo, navegando e a capacidade e vontade inequívoca de sobre grandes juncos de 13 mastros, nas apropriá-la para fins práticos. expedições Zheng He – o descobridor do Como exemplo inicial que ilustra esse Brasil teria sido Hong Bao7 –, mas não ti- imperativo, pode-se citar o primeiro im- nham visualizado tal capacidade como uma pério considerado globalizador por alguns expressão de poder mundial, e logo depois autores, o Mongol, sob a liderança inicial abriram mão dela, numa visão estratégica de Genghis Khan, que consolidou em duas introvertida para a consolidação continental décadas a Rota da Seda, que ia do Extremo do Estado chinês. Oriente até o leste europeu, fonte de grande Mais recentemente, no início do século intercâmbio cultural e econômico na Eurá- XX, adentramos na era dos combustíveis sia. A capacidade de empregar a cavalaria minerais e fósseis, para a qual ainda não como força motriz eficiente em combate se tem perspectiva clara de transição, em traduziu a transformação de energia animal que pese o ideário ecológico crescente de em expressão do Poder Militar mongol, que substituição de tais fontes por recursos perdurou até ser contra-arrestada por outras renováveis, o que já se prenuncia que forças, que também souberam manejar tais ocorrerá num longo processo. Note-se, por capacidades com eficiência6. exemplo, que, se os republicanos obtive- Ainda na Idade Média, dois séculos mais rem êxito nas próximas eleições presiden- adiante, os impérios europeus, num mo- ciais norte-americanas, cujos partidários vimento iniciado por Portugal e Espanha, são predominantemente financiados pela expandiram o mundo para as fronteiras que indústria do petróleo, é possível que o hoje conhecemos. Técnicas cartográficas e impulso em prol das energias renováveis

6 Não se pode olvidar também a técnica do emprego do arco e flecha pelos mongóis, como arma eficaz em combate, além do uso da pólvora como explosivo e propelente, a partir de tecnologia de origem chinesa. Com o passar do tempo, o uso de canhões a pólvora utilizados por otomanos e mamelucos egípcios e o aprimoramento da arte da cavalaria em combate por potências sucedâneas contribuíram para a superação do poder militar mongol (KEEGAN, 2009; WEATHERFORD, 2010). 7 MENZIES, 2009.

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Figura 1 – Distribuição global de energia primário por fontes e preços por combustível Fonte: Bristish Petrolium

dado pelos democratas se arrefeça, haja econômico ao referido Estado, cujo efeito vista as declarações públicas antagônicas energético simplesmente inviabilizava em torno da COP 21 – Conferência das o projeto imperialista japonês – o Japão Partes, realizada no final de 2015, com a importava à época 80% de seu petróleo proposta de tecer um acordo global para dos EUA e da Indonésia, então denomi- diminuir as emissões mundiais de carbo- nada de Ilhas Orientais Holandesas –, e no. Não é demais relembrar que continua isso explica inclusive sua tentativa malo- expressiva a demanda mundial por hidro- grada de movimento expansionista para carbonetos de origem fóssil. Observa-se o sudeste asiático. Hoje em dia o Japão, que, segundo os dados recentemente di- que já foi a segunda economia do mundo, vulgados BP Statistical Review of World possuidor de um grande poder científico- Energy, baseados no ano de 2015, 87% de -tecnológico, continua apresentando uma toda a energia consumida no globo proveio forte dependência energética da importa- de carvão, óleo e gás8. ção de combustíveis fósseis, com impactos Nesse contexto, retornando um pouco sensíveis em sua balança comercial. Ade- no tempo, não é difícil entender por que mais, mesmo sob a ameaça geográfica de o Japão atacou Pearl Harbor em 7 de de- abalos sísmicos, o governo japonês não zembro de 1941, já que seis meses antes pode abandonar as usinas termonucleares os Estados Unidos da América (EUA), produtoras de energia, conforme o trágico juntamente com as potências europeias de- acidente de Fukushima (2011) e os desdo- safiantes do Eixo, declararam um embargo bramentos decorrentes demonstram.

8 Disponível em < http://www.bp.com/en/global/corporate/energy-economics/statistical-review-of-world-energy. html>. Acesso em: 11 jun.2016.

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No teatro europeu da Segunda Guerra ristas iniciantes da Wehrmacht recebiam Mundial, duas posições geoestratégicas pouca instrução, resultando numa alta também foram decisivas para os Exércitos taxa de acidentes com viaturas militares alemães e russos, respectivamente: os [...]. Por isso, Hitler tornou a captura campos e as instalações petrolíferas de de poços de petróleo caucasianos um Ploesti9, cidade romena que produzia e objetivo principal da operação Barba- refinava grande parte do petróleo essencial rossa, alheio à desvantagem que traria às forças alemãs; e os campos petrolíferos às operações destinadas a destruir o do Cáucaso, como demonstra o trecho do Exército Vermelho ao dividir as forças livro a seguir: da Alemanha. Ele imaginava a invasão Seus comandantes superiores conhe- da Rússia como uma cruzada ideológica ciam bem o nome; a captura ou des- e uma campanha de conquista econômi- truição de Ploesti tinha sido por muito ca (HASTINGS, 2012, p.144). tempo um problema clássico nas escolas de guerra do mundo. O nome estava Cumpre observar que, naquele conflito, sendo usado com frequência nas salas o regime nazista tentou sem foco inicial de segurança de Washington, Londres, ocupar o cáucaso russo, por ser uma im- Berlim, Moscou e Cairo. As refinarias portante região supridora de petróleo10. de Ploesti produziam um terço da ga- Quando a contraofensiva russa ocupou a solina de aviação de alta octanagem, Romênia, de setembro a outubro de 1944, combustíveis para tanques, benzina e o destino alemão foi selado. A produção lubrificantes de Adolf Hitler. De Ploesti sintética e os estoques de combustíveis vinha a metade do óleo que mantinha os não tinham condições de suprir o esforço blindados de Rommel percorrendo os de guerra por muito tempo, e as sucessivas mares de areia da África Mediterrânea. contraofensivas alemãs, como nas Ardenas No momento mais amargo, a destrui- e na Polônia, tiveram pouco efeito, devido ção de Astra Romana parecia a única à falta de tal insumo. iniciativa que poderia deter Rommel É digno de nota que, mesmo com uma no Delta do Egito, e esmagar o avanço indústria subterrânea ativa, capaz de pro- alemão para tomar Baku. Se Hitler se duzir então inéditos caças a jato, como os apoderasse do petróleo de Baku este Me 262, superiores em combate aos aviões saciaria a máquina nazi por um longo aliados, a falta de combustível inibia a for- tempo ainda, e ele estava muito além mação de novos pilotos, com reflexos tam- do alcance de qualquer base aliada em bém para as divisões blindadas terrestres. perspectiva ou de qualquer bombardeiro Max Hastings sustenta que “tanto alemães em produção. Na opinião dos aviadores, quanto japoneses cometeram um erro es- Ploesti era a chave para muitas portas tratégico crucial, alimentado pela escassez (DUGAN; STEWART,1962, p.7). de combustível, ao não alocar recursos Só no final da guerra os Aliados para manter um fluxo contínuo de pilotos compreenderam a severidade da falta competentes”11. O fato é que a Alemanha se de combustível de seus inimigos: o rendeu com 2 milhões de militares com ca- petróleo era tão escasso que os moto- pacidade de combate, mas sem um insumo

9 JAMES; STEWART, 1962. 10 HASTINGS, 2012. 11 HASTINGS, 2012, p.494.

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vital, o que abreviou o conflito, segundo os que estuda a guerra como um fenômeno historiadores contemporâneos12. social – reproduzido no livro O desafio da Após a Segunda Guerra Mundial, ob- Guerra13, no qual foram analisados criterio- servou-se, em 1960, a nacionalização das samente, no período de 1740 a 1974, 366 empresas de petróleo e a formação da grandes conflitos internos e internacionais. Organização dos Países Exportadores de Dentre as localizações preferenciais de Petróleo (Opep), Organização Intergover- conflito analisadas nesse estudo a partir namental (OIG) que tem como objetivos da Primeira Guerra Mundial (1914-1918) declarados definir estratégias de produção – quando o petróleo começou a ter um e controlar preços de venda de petróleo papel militar e econômico importante –, no mercado mundial. Como contraponto à despontaram estatisticamente as zonas de primeira crise do petróleo (1973), decorrente interesse petrolífero. De 1914 até 1974, de da disparada de preços provocada pela Opep, 124 conflitos considerados, mais da metade uma OIG composta afetaram: zonas ricas pelos principais Esta- em petróleo (23 con- dos consumidores de Não se pode ficar alheio ao flitos); zonas vizinhas energia foi criada, a fato de que quem dispõe às zonas ricas em pe- Agência Internacional tróleo (27); e zonas de de Energia (AIE). Tal de reservas energéticas comunicação petrolí- fato demonstra o jogo torna-se naturalmente um fera (23), totalizando de poder internacional aproximadamente 58,9 em torno de insumos objetivo político-estratégico por cento do universo energéticos vitais. a ser cobiçado por terceiros delimitado. Em com- Cabe lembrar, ain- interesses plemento ao referido da, das emblemáticas estudo, analisando-se invasões do Iraque e sumariamente o perío- da Líbia, Estados devastados com o concur- do contido entre a segunda crise do petróleo so de intromissão estrangeira, e não se pode (1973) e os dias atuais, pode-se acrescer: a ficar alheio ao fato de que quem dispõe de Guerra Irã-Iraque (1980-1988); a invasão reservas energéticas torna-se naturalmente soviética do Afeganistão (1979-1989)14; um objetivo político-estratégico a ser cobi- a Guerra do Golfo (1990-1991); Guerras çado por terceiros interesses. Vale observar na Chechênia (1994-1996; 1999-2009); a o casamento de conveniência da maior invasão norte-americana do Afeganistão democracia do mundo, os EUA, com o re- (2001-2015); a Guerra do Iraque (2003- gime absolutista de ideologia wahabista da 2011); o conflito líbio, iniciado em 2011, Arábia Saudita, sob a égide do liberalismo mas ainda sem definição clara; e o atual econômico petrolífero, que subordinaria as conflito provocado pelo Estado Islâmico na demais ideologias em prol da garantia de Síria e no Iraque, iniciado em 2014, também partilha do poder energético. inconcluso. Para corroborar tal análise, registra-se um Enfim, diante dos argumentos e concei- importante estudo de polemologia – ciência tos sucintamente analisados neste ponto,

12 Ibidem. 13 BOUTHOUL; CARRIÈRE, 1976. 14 Não se pode olvidar que o Afeganistão é uma região rica em jazidas de óleo e gás e de passagem de dutos que conduzem tais hidrocarbonetos fluidos.

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Figura 2- Balanço Energético Nacional 2015 Fonte: Empresa de Pesquisas Energéticas

infere-se que o poder energético, consubs- AMAZÔNIA AZUL: EXPRESSÃO DO tanciado numa disponibilidade e diversi- PODER ENERGÉTICO NACIONAL ficação de insumos, além da própria capa- Atualmente a Ama- citação geratriz, con- A Amazônia Azul zônia Azul, que possui siste numa relevante dimensões da ordem expressão de poder possui reservas de de grandeza da Ama- para as nações, o que hidrocarbonetos que se zônia terrestre, é uma sugere a necessidade equiparam às existentes ideia-força orientada de desenvolvimento para a porção marítima de políticas públi- nos Estados petrolíferos do onde o Brasil possui cas baseadas em um Oriente Médio direitos explorató- pensamento estraté- rios,15 e tal conceito, gico consentâneo às tendo em vista a co- aspirações nacionais, as quais não podem esão social que demanda, deve ser inter- negligenciar a defesa marítima, pela pretado sob quatro vertentes: econômica, importante contribuição que o ambiente científica, ambiental e da soberania16. Tal marinho pode proporcionar ao poder área marítima possui reservas de hidrocar- energético nacional. bonetos que se equiparam às existentes nos

15 A Ordem Pública no mar assegura tais direitos, consoante a Convenção das Nações Unidas para o Direito no Mar (CNUDM III). 16 Conforme consta textualmente na Doutrina Básica da Marinha (BRASIL, 2014).

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Estados petrolíferos do Oriente Médio. Para de energia interna provém de óleo e gás. Con- ilustrar tal fato, somente na área estratégica siderando o fato de que, já no final de 2014, do pré-sal17, definida em lei e localizada 96,2% das reservas do Brasil totais provadas predominantemente no litoral sudeste de petróleo se encontravam no mar, bem brasileiro, já existem estudos geológicos como 88,24% das reservas de gás natural20, que apontam a possibilidade de abrigar, a nossa dependência estratégica em relação com 90% de probabilidade, 176 bilhões à produção offshore, ou seja, no mar, com o de barris de óleo equivalente18. Só o que já desenvolvimento da exploração no pré-sal, está comprovado — 31,0 bilhões de barris tende a se acentuar. de petróleo ao final de 201419 — e o que Vale ressaltar que a fonte energética que está na iminência de mais cresce percentu- ser comprovado nos almente no Brasil é a próximos anos — 48 Em termos de energias eólica – a sua participa- bilhões de barris, se- renováveis, o Brasil dispõe ção nacional no balan- gundo dados conso- ço energético nacional lidados da Petrobras de 39,4 % de sua oferta de dobrou de 2015 para S/A — já colocariam energia interna oriunda de 2014, conforme dados o Brasil no patamar já disponíveis21. Nesse de reservas da Lí- fontes renováveis, contra sentido, a energia eó- bia, sétimo produtor 21,8% disponíveis no resto lica produzida no mar, mundial. no mundo por evitar a rugosidade Para aferir-se tal do relevo terrestre, é contribuição para o bem promissora, em- Brasil, apresenta-se a seguir um demons- bora ainda não cogitada no Brasil. Outros- trativo constante do relatório síntese do sim, considerando o domínio tecnológico Balanço Energético Nacional de 2015 nacional e o fato de os espaços marítimos (BEN 2015), elaborado pela Empresa de contidos na Amazônia Azul estarem à Pesquisas Energéticas (EPE), empresa disposição do Estado brasileiro, em termos pública que presta serviços na área de es- exploratórios, vislumbra-se que políticas tudos e pesquisas destinados a subsidiar o públicas conscientes e transformadoras planejamento do setor energético. trariam grandes benefícios à vida nacional. A partir dos dados obtidos nesse demons- Sublinha-se que a energia nuclear, trativo, constata-se que 52,9 % de nossa oferta associada às renováveis, foi considerada

17 Camada geológica, que pode ter até dois quilômetros de espessura, situada a mais de 7 mil metros abaixo do nível do mar. O pré-sal contém um gigantesco reservatório de petróleo e gás natural, localizado nas bacias de Santos, Campos e Vitória. A exploração desse reservatório pelo Brasil está assegurada pela CNUDM III (CONVENÇÃO..., 1985). 18 Os principais aspectos estratégicos da tese de doutorado do Professor Cleveland Jones, membro do Geosciences Advisory Board – NXT Energy Solutions – e pesquisador do Instituto Nacional de Óleo e Gás (Inog), realizada sob orientação do Professor Doutor Hernani Chaves, professor emérito da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), apresentados inicialmente no Simpósio Brasileiro de Geofísica (2015), foram reafirmados na Escola de Guerra Naval, em palestra realizada em 15 de março de 2016. Disponível em < https://www.egn.mar.mil.br/arquivos/pre-sal.pdf>. Acesso em 10 jun. 2016. 19 ANP, 2015. 20 ANUÁRIO..., 2015. 21 Disponível em < http://www.brasil.gov.br/infraestrutura/2015/06/brasil-dobrou-em-um-ano-sua-capacidade- -eolica >. Acesso em: 11 jun.2016.

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uma das apostas de fonte limpa na 21a amortização de investimentos e participações Conferência das Partes de Paris, mais co- governamentais, por exemplo. Em suma, o nhecida como COP 21, ocorrida entre 30 pré-sal, área estratégica da Amazônia Azul, de novembro e 11 de dezembro de 201522. a depender do arranjo produtivo inteligente Nesse sentido, a tecnologia de propulsão que se faça, tem economia de escala para nuclear dos submarinos, com potencial superar o momento atual de baixos preços de dual, ora em desenvolvimento no Brasil, petróleo e gás. Isso se explica pelos menores pode elevar a pífia participação dessa fonte custos em comparação com as demais formas energética na matriz nacional, numa polí- de produção não convencional, como o tight tica pública induzida pela defesa marítima oil, nos EUA, o xisto betuminoso canadense, em profundidade, com transbordamento o offshore do Golfo do México, o petróleo para o setor civil. pesado da Venezuela, o que resta de óleo do Em termos de energias renováveis, Mar do Norte etc. conforme o BNE 2015, o Brasil dispõe Dessa forma, ao compreendermos a de 39,4 % de sua oferta de energia inter- importante contribuição dos ativos ener- na oriunda de fontes géticos para a vida renováveis, contra nacional presentes na apenas 13,2% e 8,6% A Estratégia Nacional de Amazônia Azul, inde- respectivamente dis- Defesa não ficou alheia a pendentemente de seu poníveis no resto no potencial para atingir mundo e nos Estados tal processo e posiciona, em uma escala global, de- da Organização para a primeiro lugar, o seguinte vemos perceber que, Cooperação e Desen- objetivo estratégico para que tais ativos volvimento Econômi- traduzam uma expres- co (OCDE) — con- marítimo: a defesa proativa são de “poder energé- forme dados de 2012 de plataformas marítimas tico”, a ser empregado da AIE. Em suma, em prol dos interesses o Brasil encontra-se nacionais, o “ouro ne- bem posicionado, inclusive pela diversida- gro” marítimo deve ser adequadamente de de sua matriz, com contribuição evidente defendido. de nossa Amazônia Azul. A Estratégia Nacional de Defesa não Voltando-se para a realidade brasileira, ficou alheia a tal processo e posiciona, cumpre atualizar e ressaltar que o custo de ex- em primeiro lugar, o seguinte objetivo tração do pré-sal caiu para US$ 8,00 por bar- estratégico marítimo: a defesa proativa de ril, e o custo de viabilidade econômica, con- plataformas marítimas, o que é assunto do forme último balanço trimestral da Petrobras livro A Defesa do Ouro Negro da Amazônia S/A, gira em torno de US$ 30,0023 por barril Azul, lançado recentemente pela Escola de – valor esse que já considera o transporte, Guerra Naval”24.

22 A COP21 busca alcançar um novo acordo internacional sobre o clima, aplicável a todos os países, com o ob- jetivo de manter o aquecimento global abaixo dos 2°C. Disponível em < https://nacoesunidas.org/cop21/>. Acesso em: 11 jun.2016. 23 Vide dados do balanço do primeiro trimestre de 2016 que, diferentemente de outras empresas nacionais estran- geiras, como a Saudi-Aramco e a iraniana INOC, que não têm capital aberto, são revisados por auditores independentes de acordo com os padrões internacionais de contabilidade (IFRS). Disponível em . Acesso em: 11 jun. 2016. 24 JUDICE, 2016a.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS as grandes potências, surgidas no decurso da evolução da humanidade, e tentar explicar Recentemente, no dia 8 de maio do cor- como ela pode caracterizar uma expressão de rente ano, o Brasil logrou êxito em produzir o poder relevante para as nações, reafirmando a primeiro milhão de barris de óleo na região do sua soberania e influência internacional. Nes- pré-sal da Amazônia Azul, a partir de pouco ses termos, merece também atenção o título mais de 50 poços perfurados, num decurso da distinta obra A busca: energia, segurança de tempo de nove anos desde o início dessa e a reconstrução do mundo moderno, de Da- exploração. Recorda-se que foram mais de niel Yergin (2014), que sintetiza uma disputa 45 anos e 8 mil poços para o Brasil produzir o geopolítica energética internacional de amplo primeiro bilhão de barris, e o potencial energé- espectro. Isso sugere a necessidade de se em- tico desse espaço marítimo, para revelar uma preender um esforço de conscientização para expressão de poder em prol do desenvolvi- o saciamento da “fome” energética brasileira, mento nacional, tem de além de também buscar estar adequadamente uma vantajosa posição resguardado de terceiros Por que não pensarmos internacional, que ine- interesses, e há de se xoravelmente depende conceber uma defesa num fundo de defesa de esforços governa- marítima de amplo es- financiado pela própria mentais em termos de pectro. defesa, segurança ma- Não é demais regis- produção energética rítima, proteção de in- trar nessas linhas finais marítima? fraestruturas críticas e um recente estudo so- inteligência – e por que bre conflitos internos, não pensarmos num denominados guerras civis. Nesse sentido, fundo de defesa financiado pela própria pro- acadêmicos das universidades de Portsmouth, dução energética marítima? Warwick e Essex apontam para uma proba- Dessa forma, esse artigo, apresentado bilidade cem vezes superior de intervenção recentemente no IX Encontro Nacional da de terceiras potências em conflitos internos Associação Brasileira de Estudos de Defesa, ocorridos em regiões produtoras petrolíferas propõe-se a lançar um primeiro olhar sobre aos ocorridos em regiões não produtivas. Para aspectos estratégicos energéticos que podem chegar a tal conclusão, os estudiosos tomaram revelar uma expressão de poder e aumentar, como base 69 guerras civis ocorridas entre assim, o peso específico do Brasil no cenário 1945 e 199925. Em suma, o percentual de internacional. Por outro lado, o mesmo olhar conflitos envolvendo as zonas petrolíferas que evidencia a importância da Amazônia permanece elevado, fato que impinge ao Azul para o Brasil nesse início de século Brasil a necessidade de redobrar a atenção XXI, que lidera o processo de “infraestru- sobre as áreas estratégicas petrolíferas, con- turação” marítima (WEDIN, 2015), também texto no qual o Polígono do Pré-Sal, recém- revela uma grande vulnerabilidade a ser -descoberto, passa a inserir-se. adequadamente solucionada. Enfim, procurou-se analisar sucintamente Nesse contexto, propostas estratégicas a relevância da capacitação energética para contemporâneas, como a concepção de

25 Foram desconsideras as invasões no referido estudo. Disponível em < http://www.independent.co. uk/news/ world/ middle-east/intervention-in-civil-wars-far-more-likely-in-oilrich-nations-10006648.html>. Disponível em: 16 maio. 2015.

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gradientes de defesa marítima — desenvol- e dessa forma divulgada para a sociedade vida em uma das pesquisas que subsidia o brasileira em geral — não podem tardar a livro supramencionado (JUDICE, 2016b), ser analisadas.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Petróleo; Amazônia Azul; Recursos energéticos;

REFERÊNCIAS

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116 RMB3oT/2016 ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS

LUIZ ALBERTO SORANI* Tecnólogo em Sistemas Elétricos

SUMÁRIO Contextualização Pesquisas em torno do assunto A aplicação em ambientes fluviais O objeto de pesquisa Considerações finais

CONTEXTUALIZAÇÃO relevantemente importantes para questões ambientais, tarefas militares e científicas. O assunto da robótica tem sido ampla- A utilização desses equipamentos sub- mente estudado e utilizado nas mais varia- mersíveis – em português chamados de das áreas e, em ambientes subaquáticos, Veículos Submersíveis Não Tripulados tem-se igualmente buscado o desenvol- (VSNT) ou Veículos Submersíveis Ope- vimento de tecnologias que permitam a rados Remotamente (VSOR) – pode nos construção de robôs submarinos capazes ajudar a melhor entender os ambientes de operar adequadamente nessas áreas subaquáticos nos oceanos, rios e lagos ou

* O autor é professor de Rede Elétrica de Embarcações e de Sistemas Elétricos de Bordo nos cursos de Tecnologia Naval da Faculdade de Tecnologia de Jahu (Fatec Jahu). Mestre em Engenharia Naval (ênfase fluvial) pela Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (EPUSP). ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS

em outros locais, como tanques em plantas a outra estação fixa ou móvel por meio de industriais para diversas atividades (YUH, cabos chamados umbilicais, pela qual são 2000). Em geral, esses veículos são em- transmitidos os dados e a energia; pregados em situações nas quais há risco – Tether, quando no umbilical são trans- considerável à vida humana ou como ins- mitidos os dados; trumento de apoio, permitindo, por vezes, – UUV (Unmanned Untethered Vehi- a transmissão de imagens em tempo real à cle), quando inexiste o umbilical, mas há a equipe de apoio. transmissão de dados por meio de ondas; e Os veículos subaquáticos comandados – AUV (Autonomous Underwater remotamente têm sido o grande destaque Vehicle), quando inexiste a transmissão tecnológico da indústria naval e da robótica, de dados entre o veículo e a embarcação em função da enorme gama de aplicações de dados. que a eles se pode dar, uma vez que seu ope- A diversidade de modos de operação e rador e sua equipe técnica – mesmo estando as necessidades impostas às tarefas desses em terra firme ou embarcados nas proximi- equipamentos têm gerado o desenvol- dades – podem acompanhar em tempo real vimento de novas tecnologias, especial- uma inspeção realizada pelo equipamento, mente nos campos da hidroacústica, da inclusive sem riscos para a vida humana. microeletrônica e da robótica, bem como o Uma das formas de classificação desses desenvolvimento de certa gama de estudos veículos está relacionada com os graus de referentes ao comportamento dinâmico des- automação e de autonomia de operação. De ses robôs submersíveis. O assunto envolve acordo com a literatura (EGESKOV, 1995), vários campos, como instrumentação, iden- o submersível pode atuar em quatro dife- tificação de sistemas, navegação, controle rentes modos, conforme ilustra a figura 1. e processamento de sinais em tempo real. – ROV ou VSOR (Remote Operated Vehicles), quando o submersível é conecta- PESQUISAS EM TORNO DO do à embarcação de apoio, à plataforma ou ASSUNTO

Organizações mili- tares pelo mundo afora têm investido forte- mente no desenvol- vimento de pesquisas em torno do assunto, notadamente com fi- nalidades bélicas. No setor civil, igualmente muitas pesquisas têm sido realizadas nesse campo. No exterior, existem várias empre- sas que atuam na área de desenvolvimento de veículos submer- Figura 1 – Modos de operação dos submersíveis (EGESKOV, 1995) síveis não tripulados.

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Algumas delas se destacam pelo alto grau O Instituto Oceanográfico da USP tecnológico e/ou pela sua presença no mer- adquiriu, em 2013, o AUV Slocum da cado. É o caso da Deep Ocean Engineering Teledyne, que permite mergulhos com (DOE) que já fabricou mais de 600 ROVs. profundidades de 200 metros. E seus principais veículos da linha Phantom permitem a inspeção e a execução de diver- A APLICAÇÃO EM AMBIENTES sas atividades subaquáticas, notadamente FLUVIAIS para ambientes marítimos. No Brasil, a Universidade de São Paulo Apesar da crescente utilização desses (USP), por exemplo, em trabalho conjunto equipamentos como instrumentos de apoio com o Instituto Técnico de Lisboa e o Insti- às atividades humanas, principalmente nos tuto Oceanográfico de Goa, desenvolve um ambientes marítimos em todas as partes AUV chamado Pirajuba, cujas linhas de pes- do mundo, paradoxalmente há a carência quisa se concentram na questão da dinâmica desse tipo de recurso em ambientes fluviais, e do controle do veículo (LVNT-USP, 2006). especialmente no Brasil. Na mesma instituição – em parceria Nos ambientes fluviais, são diversas as com o Centro de Pesquisas e Desenvolvi- aplicações que certamente podem utilizar mento Leopoldo Américo Miguez de Mello dessa ferramenta tecnológica com inúme- (Cenpes), da Petrobras, e a Universidade ras vantagens. Serviços como inspeção de Federal do Rio de Janeiro –, vem sendo de- cascos e hélices de embarcações teriam senvolvido outro veículo, chamado Laurs, acentuada redução de tempo e de custo. O tendo 1,2 metro de boca (B), 0,8 metro de equipamento pode realizar visualizações altura (D) e 1,4 metro de comprimento (L). e gravações da estrutura e de avarias das Nesse caso, o grupo de pesquisa tem focado embarcações, reduzindo significativamente seus trabalhos nos sistemas de navegação, os custos em perícias, não necessitando, controle e gerenciamento. por exemplo, retirar a embarcação da água. Outras universidades brasileiras, como Inspeção de estruturas civis submersas, a Universidade Federal da Bahia e a Uni- como pilastras de pontes, barragens de versidade Federal de Minas Gerais, também represas, represas, turbinas de usinas hi- possuem grupos de pesquisa na área de drelétricas, condutos, píeres, estruturas de veículos submersíveis não tripulados. cais, entre outros, e a inspeção e vistoria de Destaca-se, ainda, que algumas empre- galerias subterrâneas de águas pluviais e sas e institutos atuantes no País operam estações de tratamento de água e esgoto são alguns desses equipamentos por meio de outros exemplos clássicos de sua aplicação. importação, como o caso do Cenpra, órgão Pelo seu tamanho reduzido, tais veículos do Ministério da Ciência, Tecnologia e In- podem entrar com facilidade em tubulações formação, situado em Campinas (SP), que com fluxo de água (ou outros líquidos), importou e opera o Hydratec, desenvolven- localizando avarias e quaisquer não-confor- do serviços e estudos com o seu veículo. midades internas. Caso a tubulação esteja A empresa Ampla (FAPESP, 2007) submersa, é possível também obter ima- possui um VSNT para inspeção em túneis gens de avarias externas à tubulação, como de adução. A empresa SubSea, por meio incrustação, rompimentos ou rachaduras. de sua subsidiária no Brasil, dispõe de um São ferramentas ideais para a realização veículo que foi totalmente desenvolvido no de pesquisas científicas de caráter biológico exterior para uso de inspeção visual. ou ambiental em um ambiente subaquático.

RMB3oT/2016 119 ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS

Por meio dos robôs subaquáticos, é possível análise e vistoria de obras civis, tais como fazer observações de diversos animais, estruturas de obras de barramento de rios, comportamentos e habitat, tais como ca- pilares de pontes, estruturas acostáveis de vernas e naufrágios, acomodando inclusive terminais de transbordo de carga, cabos outros instrumentos que venham facilitar a submersos, obras vivas de embarcações, pesquisa. Em fazendas de aquicultura, tais entre outros, em ambiente fluvial, além de equipamentos possibilitam um monitora- analisar e vistoriar condições do leito do rio mento visual do recurso pesqueiro, a fim de e permitir o apoio a pesquisas relacionadas facilitar sua identificação, observar migra- ao meio ambiente, inclusive atividades em ções e locais de reprodução e desova, aferir águas abertas. a efetividade dos petrechos escolhidos para Os submersíveis desenvolvidos na o cultivo e observar espécies invasoras ou Fatec-JH têm recebido a denominação de avarias nas redes e poitas. Jaú, nome, na ortografia atual, do peixe de água doce que também deu origem ao O OBJETO DE nome do município. PESQUISA O Jaú I é a primeira versão desses veícu- Dada a relevância los submersíveis não desse assunto, des- tripulados projetada e de meados dos anos construída para ope- 1990, vêm ocorrendo rar remotamente, via esforços de pesqui- cabo, e em ambientes sadores da Faculda- fluviais. de de Tecnologia de Essa versão apre- Jahu (Fatec-JH) para senta dois motores, desenvolver veículos VSNT Jaú I em operação na câmara da Eclusa de responsáveis pela pro- submersíveis não tri- Barra Bonita – Rio Tietê (SP) pulsão e pelas mano- pulados, notadamente bras, dotados de sis- para operação em ambientes fluviais. temas de controle linear de rotação e de A Fatec-JH localiza-se no município de reversão. Conta também com um sistema Jaú, interior do Estado de São Paulo. Man- de lastro móvel e um equipamento de fil- tida pelo Centro Paula Souza, instituição magens, o que lhe permite a execução da pública do Estado, é pioneira nos cursos de tarefa de inspeção visual. Sua operação é Tecnologia Naval com especificidade para pelo modo Tether, isto é, comunicação via ambientes fluviais. cordão umbilical. Um dos principais objetivos também é Na segunda versão, chamada Jaú II, poder desenvolver veículos submersíveis também operada pelo modo Tether e cujas não tripulados que possam ser viáveis eco- dimensões principais são L = 2,66 metros; nomicamente, uma vez que equipamentos B = 1,63 metro e D = 1,14 metro, procurou- do gênero existem e operam por todo o -se implementar um sistema de controle mundo, todavia com custo elevado, invia- computacional, com a placa controladora bilizando por vezes seu uso para tarefas situada a bordo do veículo. Este é dotado mais simples e em águas rasas. de seis motores, controlados por placas A finalidade básica desse equipamento dedicadas, visando a sua movimentação é de auxiliar atividades subaquáticas de com seis graus de liberdade. A aquisição

120 RMB3oT/2016 ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS

de imagens é feita por meio de uma câme- Veículos Submersíveis Não Tripulados, são ra digital. Da mesma forma que a versão operadas pelo modo Tether, isto é, um cor- anterior, a energia do veículo é obtida por dão umbilical que interliga o equipamento meio de baterias chumbo-ácido seladas, submerso ao controlador em terra, transmi- localizadas no próprio veículo. tindo dados de comando. Tanto no modo Os comandos de acionamento do veículo ROV como no modo Tether, um grande são efetuados via cabo, em que as informa- inconveniente reside na existência do “cor- ções provenientes do veículo e os comandos dão umbilical” que interliga o veículo ao são processados em operador, no primeiro um computador ex- caso levando inclusi- terno, localizado na ve energia elétrica e embarcação de apoio no segundo caso, si- ou em terra. nais de comando. Em Um terceiro veí- ambas as situações, a culo teve seu início existência desse cor- com a construção do dão de conexão causa casco e com o mesmo diversas restrições e formato hidrodinâmi- dificuldades às opera- co do anterior, porém ções, como o arrasto em escala reduzida de provocado pelo cor- 1:2,66, ou seja, L = 1 VSNT Jaú II dão, a conveniência metro; B = 0,61 metro de se operar em águas e D = 0,43 metro, denominado como VSNT calmas e a necessidade de uma embarcação Jaú III. Todavia o trabalho com esse veí- de apoio junto à operação, por vezes neces- culo se encontra interrompido, aguardando sitando de um sistema de posicionamento melhores definições dinâmico, que enca- de projeto. rece sobremaneira a O Jaú IV possui operação. escala ainda mais re- Em atividades de duzida, porém com o inspeção, principal- mesmo formato hi- mente em dutos ou drodinâmico das duas locais com vários obs- primeiras versões. táculos, equipamentos Entre os seus diferen- dos modos ROV e ciais estão o método e Tether, por possuírem o material utilizado na um cabo de comu- fabricação do casco, nicação, encontram que usou a técnica VSNT Jaú III certa dificuldade na de prototipagem rá- execução da tarefa. pida, tendo como matéria-prima básica a Por outro lado, veículos autônomos AUV Poliamida PA12, diferente dos anteriores precisam já dispor de uma rota preesta- confeccionados em fibra de vidro. belecida, que, em geral, nesses casos é As versões de veículos submersíveis desconhecida. em estudo na Fatec-JH, tanto o Jaú I como Para operação pelo modo UUV nos o Jaú II, assim como a grande maioria dos veículos de operações em terra e aéreas,

RMB3oT/2016 121 ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS

uma das formas de controle mais em- Dessa maneira, o Jaú IV é um veículo pregada é a do radiocontrole. Todavia, compacto, controlado remotamente por em operações submersas, tal técnica ondas de rádio, sem qualquer contato físico não tem sido empregada em função da com o operador. dificuldade de propagação de sinais de Possui seis motores elétricos com controles radiofrequência em águas profundas. independentes, inclusive de sentido e rotação, Apesar disso, alguns experimentos oferecendo ao veículo todos os graus de liber- preliminares indicaram a viabilidade de dade, alimentado por baterias de polímeros de aplicação dessa tec- lítio, que em água doce nologia para peque- operam com segurança nas profundidades. até a profundidade de O estudo levado 15 metros. a efeito por este pes- quisador objetivou CONSIDERAÇÕES encontrar os limites FINAIS dessa dificuldade, promovendo uma É de ressaltar que análise teórica do se trata de um objeto assunto, e, posterior- de estudo acadêmico mente, testar possí- que carece de uma fase veis alternativas. E de testes práticos em culminou por com- ambientes reais e sob provar a viabilidade as diversas condições e, de certa forma, climáticas. Todavia contrariar o embasa- testes em ambientes mento preliminar de controlados vêm de- que ondas de rádio monstrando seu per- não se propagam pela feito funcionamento água ao encontrar a em todas as funções faixa de frequência planejadas. que possa operar em VSNT Jaú IV Um obstáculo tec- ambientes fluviais, nológico ainda não promovendo o controle do veículo, seus transposto está no transmissor de vídeo que movimentos e atitudes e a integração de deverá enviar a um monitor de TV, junto ao todos os sistemas que o compõem: ilu- operador, os sinais captados por uma câmera minação, aquisição de imagens, controle instalada no veículo. Tal transmissor em (malha aberta), atuadores (propulsores) e estudo deverá também operar na faixa de fre- de energia. quência utilizada para os sinais de comando.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Veículo não tripulado; Veículo submarino;

122 RMB3oT/2016 ROBÓTICA SUBAQUÁTICA PARA AMBIENTES FLUVIAIS

REFERÊNCIAS

YUH, J. Design and Control of Autonomous Underwater Robots: A Survey. Autonomous Robots, n. 8, p. 7 – 24, 2000. EGESKOV, P. et al. Pipeline Inspection Using an Autonomous Underwater Vehicle. OMAE. Pipeline Technology-ASME 1995. v.5. LVNT-USP, 2006. Laboratório de Veículos Não Tripulados. [S.l: s.n.]. Disponível em: . http://www.poli.usp.br http://www.deepocam.com http://www.ufmg.br http://revistapesquisa.fapesp.br/2007/11/01/robos-aquaticos/ http://www.io.usp.br/index.php/noticias/49-io-na-midia/647-um-passeio-submerso-pelo-atlantico-sul

RMB3oT/2016 123 A FILOSOFIA E A VIDA MILITAR*

ÁLVARO CLARO DE PAIVA DIAS NEGRÃO** Capitão de Fragata (MD)

SUMÁRIO

Introdução Juramento Oficialato Tradição e modernidade Conclusão

INTRODUÇÃO Essa disciplina é ministrada aos aspirantes do primeiro ano, desde o ano 2000, e seu Escola Naval garante uma formação objeto de conhecimento é a história da A filosófica para os futuros Oficiais da filosofia. Em um contexto geral, o ensino Marinha do Brasil por meio da disciplina de filosofia frequentemente causa estra- de História do Pensamento Humano (HPH). nheza a uma quantidade considerável de

* N.R.: Artigo publicado na Revista de Villegagnon no 10/2015. ** Licenciado em Filosofia pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ); graduado em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). A FILOSOFIA E A VIDA MILITAR

Cerimônia de entrega do espadim aos aspirantes

pessoas, basicamente pela dificuldade em JURAMENTO se perceber, de modo imediato, uma “uti- lidade” que o justifique. Estranheza maior A palavra “juramento” foi incorporada à pode ser experimentada por alguns no que língua portuguesa a partir do termo, em la- diz respeito ao ensino de filosofia em uma tim tardio, juramentu. O substantivo latino instituição de formação militar. já pode ser encontrado em textos escritos Não é difícil reconhecer a relevância por Plutarco, Suetônio, Lucrécio, Cícero, da filosofia em uma esfera mais ampla, à Sêneca e mesmo nas Meditações do gene- medida que se dê conta de que ela promove ral, imperador romano e filósofo estoico o exercício do bom e correto senso por meio Marco Aurélio. O significado do substan- da reflexão crítica e lógica sobre inúmeros tivo usado pelos romanos é praticamente assuntos. Já o reconhecimento da importân- o mesmo do português contemporâneo: cia da filosofia em uma escola militar requer promessa solene, ideal absoluto, doutrina uma consideração algo mais sofisticada. a ser devotada etc. Contudo o termo roma- De qualquer modo, esse reconhecimento no é uma possível tradução de um termo é facilmente alcançado pela compreensão grego Oρκος – (Ôrkos), provavelmente de alguns exemplos de reflexões filosóficas efetuada muitas décadas antes da grande aplicadas a algumas esferas da vida militar, consolidação do idioma latino, que ocorreu em geral, e da vida naval, em particular. de Cícero em diante. O presente artigo irá brevemente abordar Nos textos gregos, desde o período ho- pontos como juramento, oficialato e como mérico (assim como nos períodos anteriores, a reflexão crítica catalisa as relações entre tanto na forma jônica quanto na dórica), o tradição e modernidade. Nesses pontos, a substantivo Ôrkos traduz um conceito muito filosofia se infiltra no pensamento militar, mais denso do que uma simples “promessa podendo mesmo corresponder à sua base. solene”. A raiz etimológica do termo é muito

RMB3oT/2016 125 A FILOSOFIA E A VIDA MILITAR

antiga, existente séculos antes do apareci- OFICIALATO mento da própria filosofia. A maioria dos lexicógrafos do idioma grego antigo crê em Oficialato não é um conceito militar, um vínculo direto com Orco, uma entidade mas filosófico. Os filósofos estoicos da divina do submundo, muito temida por ser Grécia Antiga (com destaque para Zenão de extremamente aparentada com o próprio Cítio) acreditavam que, para se alcançar a Hades e seu reino dos mortos. felicidade, os seres humanos deviam seguir Nesse contexto original (que não era sua própria natureza. Muito além de Aris- desconhecido pelos filósofos da Grécia tóteles (que definiu a racionalidade como o Antiga), um juramento tinha o significado cerne da natureza humana) e muitos séculos de esconjurar algo a um poderoso nume das antes de Kant (que havia considerado o sen- esferas infernais. Desse modo, o significado so humano de moral como um imperativo primeiro não é uma simples “promessa categórico), os estoicos determinaram que a solene”, mas a afirmação de alguma coisa natureza do homem era a de um ser racional perante o testemunho de uma divindade e moral. Consequentemente, seria impos- formidável. A quebra sível a um sujeito ser dessa afirmação tra- feliz sem a execução ria, imediatamente, Os aspirantes juram por de “ações moralmente consequências de um postura filosófica, juram corretas”. horror além da imagi- A partir desse pon- nação humana. Para pela vontade de cumprir to, os filósofos estoi- muitos dos antigos um compromisso moral cos estabeleceram um gregos (Hipócrates, com o Brasil novo conceito. A ação por exemplo), jurar moralmente correta era amaldiçoar a si recebeu o nome de próprio. Isso porque o sujeito abriria mão Καθέκον – (Kathêkon), termo que pode de todo o querer individual e se acorrenta- ser traduzido para o latim Officium e que va, para a eternidade, ao que havia afirmado derivou substantivos como “oficialato” e a Orco. “oficial”. É curioso reparar como “oficial” A natureza mítico-religiosa do jura- (na acepção militar da palavra) é traduzido mento modificou-se após o surgimento para o inglês como officer, para o francês da filosofia, especialmente após o período como officier, para o alemão como offizier tardio (romano) do estoicismo. O terror – o sufixo destacado já indicando que se sobrenatural do juramento se transformou trata de um agente, de um executor, e não em compromisso ético. O medo religioso de um estado ou condição. Antes do estoi- cedeu lugar ao senso filosófico de moral. cismo praticado no Império Romano (não Seja como for, apresenta-se como uma por acaso, a maior potência militar de todos percepção muito forte para a consciência os tempos), já havia o conceito de “chefe de cada um. Sempre engalanadas, as ceri- militar”, mas não o de “oficial militar”. mônias de entrega de espadas e espadins No interior de um conjunto militar, aos nossos futuros oficiais são momentos qual seria a diferença entre um combatente filosóficos. Nossos jovens não juram por “oficial” e outro que não possui talstatus ? medo, mas por postura filosófica, juram Oficial não é aquele que possui mais di- pela vontade de cumprir um compromisso nheiro, nem mais conhecimento, nem mais moral com o Brasil. liderança, nem mais bravura. Um oficial

126 RMB3oT/2016 A FILOSOFIA E A VIDA MILITAR

é um elemento diferenciado dos demais ao tema “tradição versus modernidade” é a porque ele é a referência, reserva e salva- adoção de uma postura crítica, a análise dos guarda moral de todos os outros militares a limites e das possibilidades de um determi- ele relacionados. A responsabilidade moral, nado ponto em questão. Frequentemente imprescindível ao oficialato, não é somente interpretada como simples “bom senso”, funcional, mas, sobretudo, filosófica. trata-se de uma postura racional, reflexiva. Preparar filosoficamente os nossos aspiran- TRADIÇÃO E MODERNIDADE tes para sistematicamente pensar de modo crítico é assegurar a Em qualquer ativi- continuidade de toda dade cultural, existe A responsabilidade moral, a história de equilíbrio um balanço entre tra- entre tradição e moder- dição e modernidade. imprescindível ao oficialato, nidade da Marinha do Balanço nem sempre não é somente funcional, Brasil. tranquilo, tendendo mas, sobretudo, filosófica mesmo, na maior par- CONCLUSÃO te das vezes, a um conflito. A tradição pode ser tomada como A filosofia por vezes parece algo decora- retrógrada; e a modernidade, como subver- tivo, distanciado do dia a dia, especialmente siva. Para uma instituição militar, como a daqueles que são preparados para combater Marinha do Brasil (MB), é imperativo que e garantir a integridade da nação. Mas a esse balanço não somente seja isento de vida militar está cercada de filosofia por conflitos, mas que, sobretudo, ofereça à todos os lados. Juramentos, ações morais, nação uma absoluta confiança. reflexões críticas são armas invisíveis. A No dia a dia, muitos militares podem filosofia não fortalece a Marinha do Brasil. não perceber integralmente que a chave Quem fortalece a MB são seus militares. A para a solução de questões que concernem filosofia apenas fortalece os militares.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Princípios; Valores; Formação;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

COPLESTON, F. A History of Philosophy. New York: Doubleday, 1947. EDWARDS, P. The Encyclopedia Of Philosophy. London: Macmillan, 1967. HISSLER, S. Das Militar in der Postmoderne: Elemente des Wandels. Berlin: Grin, 2001. INWOOD, B. The Stoics. Cambridge: Cambridge University Press, 2003. MIGNOT, B. Il etait une fois des Militaires: Chronique d’une Mutation. Paris: L’Harmattan, 2009. SHERMAN, N. Stoic Warriors: The Ancient Philosophy Behind The Military Mind. New York: Oxford University Press, 2005.

RMB3oT/2016 127 CICLONES SUBTROPICAIS*

WALID MAIA PINTO SILVA E SEBA** Capitão de Fragata RODRIGO DE SOUZA BARRETO MATHIAS*** Capitão-Tenente (T) FELLIPE ROMÃO SOUSA CORREIA**** Segundo-Tenente (RM2-T)

SUMÁRIO

Introdução Histórico Os ciclones subtropicais Monitoramento Considerações finais

INTRODUÇÃO Marinho (SMM) brasileiro, operado pelo Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), s meses de fevereiro e março do ano de classificou estes ciclones como tempestades O2015 foram marcados pela formação subtropicais e os nomeou como “Bapo” e de dois ciclones anômalos sobre o Oceano “Cari” (Figura 1). Os nomes fazem parte de Atlântico Sul. O Serviço Meteorológico uma lista em tupi-guarani e foram definidos

* N.R.: Título original: Monitoramento de ciclones subtropicais pelo Serviço Meteorológico Marinho brasileiro no ano de 2015. ** Aperfeiçoado em Hidrografia e Navegação (2001) e mestre em Meteorologia com ênfase em Previsão do Tempo pelo Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (2010). Foi Encarregado da Divisão de Previsões Meteoceanográficas do Centro de Hidrografia da Marinha (CHM), entre janeiro de 2015 e abril de 2016. *** Graduado em Meteorologia (2009) e Mestre em Meteorologia (2012) pela UFRJ. Meteorologista do CHM desde janeiro de 2011. **** Graduado em Meteorologia (2013) e Mestre em Meteorologia (2016) pela UFRJ. Meteorologista do CHM desde julho de 2015. CICLONES SUBTROPICAIS

(a) (b)

Figura 1 – Imagem do satélite Meteosat-10 no canal visível realçado para os dias: (a) 6/2/2015 (1200Z) e (b) 11/3/2015 (1200Z), representando os ciclones Bapo e Cari, respectivamente

pela Marinha do Brasil (MB) em conjunto HISTÓRICO com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) e o Centro de Previsão do Tempo Os ciclones que atuam em todo o pla- e Estudos Climáticos (CPTEC), para serem neta recebem diferentes classificações, de atribuídos a possíveis ciclones tropicais ou acordo com o seu local de formação e des- subtropicais que venham a se formar sobre locamento, suas características dinâmicas a área marítima de responsabilidade do e a intensidade dos ventos observados à Brasil (Metarea V). A lista completa dos superfície. Basicamente, os ciclones são nomes consta nas Normas da Autoridade classificados como tropicais e extratropi- Marítima para as Atividades de Meteoro- cais, de acordo com a faixa de latitudes logia Marítima (Normam-19). onde se formam, tropical ou extratropical, Em cumprimento à Convenção Interna- respectivamente. Os ciclones tropicais cional para Salvaguarda da Vida Humana mais intensos são mais conhecidos como no Mar (Solas), cabe à Marinha do Brasil furacões ou tufões. Já os ciclones extratro- o monitoramento das condições meteoce- picais estão geralmente associados a um anográficas sobre a Metarea V, bem como sistema frontal, apresentando uma frente a elaboração e a disseminação de boletins fria, uma frente quente e evoluindo para de previsão do tempo e mar, avisos de mau uma frente oclusa. tempo e cartas meteorológicas. Portanto, é A região tropical do Oceano Atlântico de responsabilidade da MB a classificação Sul não é favorável à formação de furacões de ciclones desta natureza, de acordo com e tempestades tropicais. De acordo com a a intensidade e as características de forma- literatura, a Temperatura da Superfície do ção, inclusive a emissão de avisos especiais Mar (TSM) em torno de 26ºC ou 27ºC é que possam alertar os navegantes sobre a condição necessária para o desenvolvimen- atuação desses sistemas meteorológicos to de ciclones tropicais1. Porém não bastam sobre o mar. águas quentes para que os ciclones tropicais

1 PALMÉN, E.: On the Formation and Structure of Tropical Hurricanes. Geophysica 3, 1948.

RMB3oT/2016 129 CICLONES SUBTROPICAIS

se formem, já que o Atlântico Equatorial, gem outras partes do mundo, com bandas nas proximidades das regiões Norte e espiraladas de nuvens e a formação de um Nordeste do Brasil, comumente atinge “olho”, indicando ausência de nuvens na esse patamar de temperaturas, entretanto sua parte central. não são observados furacões nestas áreas. Somando-se à grande quantidade de Para formação de furacões também são energia disponível já mencionada, o Ca- necessárias algumas condições dinâmicas tarina se manteve intacto por alguns dias, e termodinâmicas da atmosfera que, no também pelo fato da Região Sul do Brasil e Atlântico Sul, raramente são satisfeitas. Já o oceano adjacente estarem sob o efeito de o Atlântico Norte e o Mar do Caribe pos- um baixo cisalhamento vertical do vento, suem atividade de ciclones tropicais entre ou seja, o vento estava fraco e não mudava os meses de junho e novembro, pois as suas sua direção e intensidade ao longo de toda águas são mais aquecidas e os outros fato- troposfera. Os ciclones tropicais se formam res mencionados também são favoráveis preferencialmente sob fraco cisalhamento à formação e sustentação desses ciclones. vertical do vento. Já os ciclones extratro- Porém a formação, em março de 2004, picais (com frentes frias) normalmente de um ciclone com características tropi- estão associados a forte cisalhamento, que cais que atingiu a costa do Brasil e ficou é evidenciado pelo aparecimento das cha- conhecido como Furacão Catarina causou madas “correntes de jato” de altos níveis perplexidade na comunidade científica e atmosféricos sobre as frentes. muitos estragos nas cidades litorâneas do Segundo o National Hurricane Center norte do estado do Rio Grande do Sul e (NHC), órgão americano que realiza o do sul de Santa Catarina. O “fenômeno” acompanhamento e a previsão de ciclones Catarina teve sua origem em um ciclone tropicais nos Oceanos Atlântico e Pacífico, extratropical, ou seja, inicialmente era o Furacão Catarina atingiu a categoria 2 na um sistema de baixa pressão atmosférica escala Saffir-Simpson para classificação associado a uma frente fria. Após a oclusão de furacões, com ventos sustentados de e a dissipação do sistema frontal, o ciclone até 180 km/h. As condições atmosféricas começou um movimento incomum de leste anômalas permitiram que o ciclone evolu- para oeste, ao mesmo tempo em que ocorria ísse, atingindo seu máximo de intensidade em sua estrutura uma lenta transição de um no dia 28 de março de 2004, quando pene- tipo clássico de ciclone extratropical para trou o Sul do Brasil e perdeu intensidade um ciclone com características híbridas. até desorganizar-se. O fenômeno adverso Ou seja, apresentava características extra- ocasionou algumas mortes e danos genera- tropicais e tropicais. Tal transição esteve lizados às construções litorâneas e deixou associada à passagem do ciclone sobre diversas pessoas desabrigadas. águas mais aquecidas e à formação de bandas de nuvens do tipo cumulonimbus, OS CICLONES SUBTROPICAIS que levou à liberação de grande quantida- de de energia na atmosfera, na forma de Os ciclones subtropicais não são carac- calor latente de condensação, e à situação terizados como ciclones extratropicais, que dinamicamente favorável da atmosfera em estão associados a frentes frias e que são todos os seus níveis. A nebulosidade vista a mais comuns sobre a Metarea V, nem como partir de satélites meteorológicos era muito ciclones tropicais, mais conhecidos como semelhante àquela dos furacões que atin- furacões. Na prática, eles apresentam carac-

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(a) (b) Figura 2 – Cartas sinóticas divulgadas pelo Centro de Hidrografia da Marinha (CHM) para os dias: (a) 6/2/2015 (1200Z) e (b) 11/3/2015 (1200Z), representando os ciclones Bapo e Cari, respectivamente

terísticas parciais de ciclones extratropicais e vertical do vento3. Além disso, a liberação tropicais, e também podem apresentar seve- de calor latente das nuvens pode exercer ras condições meteorológicas sobre o mar, o importante papel em sua intensificação, que representa grande ameaça à navegação. como nos ciclones tropicais. Muitas vezes, De maneira geral, os ciclones subtro- nas imagens de satélite, a organização das picais possuem o núcleo quente restrito nuvens nos ciclones subtropicais lembra à baixa atmosfera (até o nível de 600 hPa uma frente fria, apesar de realmente não aproximadamente) e, ao contrário dos haver uma. Os ciclones subtropicais não ciclones extratropicais, realizam pouco ou possuem bandas de nuvens espiraladas, nenhum transporte de temperatura, uma vez nem a formação de um “olho”, como que eles se formam em regiões com fraco ocorrem nos ciclones tropicais. Portanto, gradiente térmico2. Apesar de, segundo a li- como é possível notar, trata-se de um ci- teratura, haver o registro de ciclones subtro- clone que mescla características tropicais picais sob várias condições de cisalhamento e extratropicais. vertical do vento, os ciclones subtropicais Os ciclones subtropicais são classifica- normalmente possuem fraco cisalhamento dos como depressões subtropicais quando

2 HART, R. E.: A Cyclone Phase Space Derived from Thermal Wind and Thermal Asymmetry. Mon. Wea. Rev., 131, 585-616, 2003. 3 EVANS, J.L. e A. BRAUN: “A Climatology of Subtropical Cyclones in the South Atlantic”. J. Climate, 25, 7328–7340, 2012.

RMB3oT/2016 131 CICLONES SUBTROPICAIS

Figura 3 - Avisos de mau tempo especiais divulgados pelo Serviço Meteorológico Marinho (SMM) devido à atuação dos ciclones Bapo (avisos NR 098/2015 e NR 106/2015) e Cari (avisos NR 170/2015 e NR 171/2015) sobre a Metarea V

os ventos sustentados observados à superfí- CHM, servindo de base para a elaboração cie são de até 33 nós, passando à categoria de avisos de mau tempo aos navegantes. de tempestades subtropicais quando os O ciclone Cari, que afetou a região cos- ventos ultrapassam este limiar. teira do Sul do Brasil, se deslocou próximo ao litoral dos estados de Santa Catarina e MONITORAMENTO Rio Grande do Sul, ocasionando grandes acumulados de chuva e alagamentos em Os ciclones subtropicais Bapo e Cari se diversas cidades catarinenses e ventos in- formaram nas proximidades da costa do tensos em alto-mar, com rajadas de até 50 Sudeste brasileiro, em fevereiro e março de nós, que provocaram agitação marítima e 2015, respectivamente, e, ao se deslocarem ressaca na costa dos dois estados. Já o ciclo- para o sul, alcançaram a categoria de tem- ne Bapo, mais afastado da costa, ocasionou pestades subtropicais, como pode ser visto ventos fortes e grandes ondas apenas em nas respectivas cartas sinóticas divulgadas alto-mar, tendo pouca influência na região pelo CHM (figura 2). A classificação destes litorânea. O SMM emitiu avisos de mau ciclones como tempestades subtropicais tempo especiais (figura 3), no intuito de foi feita a partir de dados observados por alertar os navegantes sobre a intensidade embarcações nas proximidades do ciclone do vento, a altura de ondas e a trajetória e estimativas de vento realizadas por esca- desses ciclones, além de representá-los em terômetros a bordo de satélites. suas análises sinóticas sobre as cartas de A partir da caracterização do ciclone por pressão ao nível do mar. meio de dados observacionais, as previsões O que havia em comum durante a ocor- do seu deslocamento, de ventos e da agi- rência das duas tempestades subtropicais tação marítima foram realizadas por meio era a presença da Zona de Convergência de modelagem atmosférica e de ondas do do Atlântico Sul (ZCAS), que é um sistema

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acima da média de até 1,5°C em fevereiro de 2015 e de até 2,0°C em março de 2015. A ocorrência de duas tempestades sub- tropicais em um mes- mo ano, com apenas um mês de diferença entre cada uma, pode estar associada às ele- vadas TSM registradas em fevereiro e março sobre as áreas maríti- mas adjacentes ao Sul e Sudeste do Brasil, que serviram de combustí- vel para os ciclones, e às condições dinâmicas da atmosfera que favo- receram a formação e o deslocamento de áreas de baixa pressão sobre a superfície do mar aquecida. Vale destacar que ciclones subtropicais não são raros no Atlân- tico Sul, mas os ci- clones que atingem a categoria de tempes- Figura 4 – Anomalias de Temperatura da Superfície do Mar (TSM) para os meses de fevereiro (superior) e março (inferior) de 2015. Fonte: CPTEC/INPE. tades subtropicais não são comuns sobre a Metarea V e os ciclo- meteorológico característico do verão na nes Bapo e Cari são os primeiros ciclones América do Sul e que favorece o transporte subtropicais a alcançarem este patamar des- de umidade da região amazônica em direção de 2011, quando a tempestade subtropical ao Oceano Atlântico Sul, passando pelas Arani se formou entre os estados do Rio de regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil. Janeiro e do Espírito Santo, causando mau Além disso, a porção sudoeste do Atlântico tempo em mar aberto. apresentava anomalias positivas de TSM (figura 4), representando uma fonte de ener- CONSIDERAÇÕES FINAIS gia para tais sistemas. O campo de anomalia de TSM ilustra como a região em destaque O SMM conta com equipes de operação (retângulo preto) apresentava temperaturas ininterrupta, composta por praças e oficiais

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meteorologistas, que são responsáveis por A previsão de ciclones subtropicais é elaborar e divulgar análises e previsões me- um desafio para a Meteorologia da MB, teoceanográficas para os meios navais e para bem como para meteorologistas de todo o os navegantes em geral que se encontram na mundo, já que as características híbridas Metarea V. O monitoramento contínuo das daqueles dificultam a previsão de sua tra- condições atmosféricas e oceanográficas e a jetória e a variação de sua intensidade, que emissão de avisos de mau tempo pelo SMM dependem fortemente das TSM. Portanto, permitem que os navegantes sejam informa- as observações meteorológicas realizadas dos de possíveis condições adversas que ve- a bordo dos navios e as estimativas reali- nham a encontrar em sua derrota, denotando zadas por sensoriamento remoto possuem assim a importância e a responsabilidade da um papel fundamental no entendimento, Marinha do Brasil no tocante à salvaguarda na classificação e na previsão de sistemas da vida humana no mar. meteorológicos como estes.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Meteorologia; Previsão meteorológica;

REFERÊNCIAS

CENTRO DE HIDROGRAFIA DA MARINHA, Marinha do Brasil. Disponível em: . Acessado em: 10/12/2015. CONVENÇÃO INTERNACIONAL PARA SALVAGUARDA DA VIDA HUMANA NO MAR (SOLAS), 1974. 517p. BRASIL. Diretoria de Hidrografia e Navegação. Normas da Autoridade Marítima para as Atividades de Meteorologia Marítima (Normam-19), 2011. 23p.

134 RMB3oT/2016 TERCEIRIZAÇÃO DA LOGÍSTICA MILITAR – Análise das Guerras do Golfo de 1990-1991 e de 2003*

ANTONIO MARCOS GOMES FERREIRA** Capitão de Fragata (FN)

SUMÁRIO

Introdução Fundamentação conceitual e teórica Logística Militar Modelos Teóricos Terceirização da Logística Militar Terceirização do apoio logístico nas Guerras do Golfo Terceirização do Apoio Logístico na 1a Guerra do Golfo (1990-1991) Terceirização do Apoio Logístico na 2a Guerra do Golfo (2003) Estudo comparativo quanto à terceirização da logística militar Conclusão Glossário

INTRODUÇÃO com a estrutura de serviços para prover, mover e sustentar os exércitos. A Primeira ara que uma operação militar se realize Guerra Mundial (1914-1918), por exemplo, Pcom sucesso, é fundamental que as exigiu grande capacidade logística para o atividades logísticas se desenvolvam inte- reabastecimento das tropas estacionadas gradas e coordenadas com as ações táticas. nas trincheiras. Já a Segunda Guerra Mun- Normalmente, as grandes guerras contam dial (1939-1945) demandou a eficiência

* N.R.: Monografia apresentada à Escola de Guerra Naval, como requisito parcial para a conclusão do Curso de Estado-Maior para Oficiais Superiores. Orientador: CMG (FN-RM1) José Cláudio da C. Oliveira. **Serve no Comando da Força de Fuzileiros da Esquadra. TERCEIRIZAÇÃO DA LOGÍSTICA MILITAR – Análise das Guerras do Golfo de 1990-1991 e de 2003

dos serviços de apoio para dar mobilidade de forma a oferecer evidências e explicações e sustentação a grande quantidade de tropa das similaridades e singularidades do serviço e meios empregados. As capacidades logís- terceirizado realizado nas duas operações. ticas vêm sendo buscadas, principalmente Limitaremos nosso campo de aborda- após o fim da Guerra Fria, com a utilização gem apenas aos assuntos relativos à logís- da contratação de serviços e de pessoal tica militar, mais precisamente às funções externo às Forças militares. Sendo assim, logísticas Recursos Humanos, Transporte, percebemos que o tema da Terceirização Manutenção e Suprimento. Pelo fato de da Logística Militar vem recebendo cada já haver experimentação do assunto pe- vez mais relevância. los Estados Unidos da América (EUA), O propósito deste trabalho é evidenciar buscaremos evidências que nos forneçam e explicar as similaridades e singularidades subsídios para analisar dois conflitos nos obtidas na execução do apoio logístico quais o país tenha realizado a terceirização (ApLog) terceirizado, ocorridas na 1a Guer- da logística militar. ra do Golfo (1990-1991), que não possuiu Mostraremos que a terceirização dos qualquer planejamento de terceirização da serviços tende a empregar menos os milita- logística militar, e na 2a Guerra do Golfo res para o ApLog, fazendo com que a Força (2003), planejadamente terceirizada. foque seu esforço principal nas atividades Optamos por fazer um estudo compa- de combate e nos sistemas de apoio ao rativo para levantar os pontos comuns e combate (ApCmb). os distintos na utilização da terceirização da logística militar nas duas campanhas, FUNDAMENTAÇÃO CONCEITUAL sendo uma com pouca utilização e a ou- E TEÓRICA tra com sua realização em grande escala. Decidimos por empregar dois desenvolvi- Vimos na introdução que a investigação mentos de operações logísticas na mesma do emprego da terceirização do ApLog dar- região geográfica (Golfo Pérsico), com a -se-á por meio da metodologia do estudo grande maioria das forças envolvidas pelos comparativo dos casos ocorridos nas duas mesmos atores internacionais, porém em contendas do Golfo. O cenário escolhido momentos do tempo distintos (1990-1991 oferecerá elementos à pesquisa para melhor e 2003), de forma que possibilitemos uma comparação do emprego da terceirização conclusão apurada do emprego terceirizado da logística militar, particularmente do da logística nas situações analisadas. ApLog no Teatro de Operações (TO). Este Basearemo-nos nos modelos teóricos capítulo buscará os conceitos e os modelos propostos por Giosa (2003) e Latham teóricos de apoio, com suas aplicações nas (2009) de que uma atividade realizada por atividades de logística militar. contratado pode provocar melhorias na Apresentaremos e examinaremos duas atuação das organizações, principalmente teorias que julgamos de interesse para o quanto à qualidade, produtividade, redução estudo. Elas serão usadas para orientar de custos e gestão por competências. a comparação que faremos, buscando as A abordagem teórica do estudo terá a similaridades e singularidades na execu- profundidade necessária para o amparo da ção do ApLog terceirizado realizada nas pesquisa. Da investigação dos modelos e Guerras do Golfo de 1990-1991 e de 2003. dos fatos, retiraremos elementos que nos Lembramos que nosso estudo é compa- orientarão a realizar a análise comparativa, rativo entre operações realizadas na mesma

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região geográfica pela força militar estadu- focar os esforços nas atividades essenciais, nidense, porém em momentos do tempo encarregando terceiros das atividades com- distintos. Veremos a seguir os conceitos plementares. Da definição acima, depreen- de apoio para a pesquisa. de-se que, com a terceirização, a organiza- ção terá condições de dedicar-se mais à sua Logística Militar atividade principal. O autor desenvolveu o modelo teórico para a aplicação no mundo Expusemos no glossário deste trabalho empresarial. Nosso estudo assumirá que as definições1 que circundam o tema e que este também poderá ser aplicado quando são importantes para o bom entendimento da utilização em logística militar. do estudo. Das definições, derivamos e A prática da terceirização se dá por assumimos que Logística Militar é um meio da contratação, na qual as empresas caso específico da Logística voltado para especializadas em atividades específicas, as atividades desenvolvidas para o preparo que podem ser desenvolvidas no ambiente e emprego das Forças Armadas, e que pode externo da organização, ficam incumbidas ser processada em ambientes dinâmicos e de prestar determinados tipos de serviços. imprevisíveis, sendo agrupada de acordo Para Giosa (2003), a relação entre for- com sua finalidade nas funções logísticas. necedores e parceiros implicará a contra- Ela pode, ao mesmo tempo, limitar ou am- tação da prestação de serviços, com ênfase pliar a mobilidade e o poder de combate das especial na qualidade, tendo em vista a tropas. Portanto, pode ser temeroso às For- existência de regras a serem cumpridas. ças Armadas prescindirem de uma logística Haverá alteração prevista nas funções dos com capacidade suficiente para prestar o funcionários por meio da implantação de apoio necessário aos meios operativos, políticas setoriais, normalmente em busca principalmente em situações de combate. da missão da empresa. Observamos que, Sendo assim, dentro da logística militar, para o autor, a terceirização, quando as descreveremos não somente os aspectos regras são cumpridas, faz com que a orga- voltados para o preparo, mas principalmen- nização possa voltar-se para a sua atividade te aqueles realizados por ocasião do seu principal, otimizando seus recursos e redis- emprego no combate. Tudo sob a ótica da tribuindo seu pessoal de maneira adequada. análise da utilização dos apoios de serviços Para Giosa (2003, p. XII): ao combate com a contratação de meios Com um enfoque claro na qualidade externos às Forças. e com a redução de custos, as empresas, Exploraremos a seguir o estudo dos com a aplicação da terceirização, se modelos teóricos escolhidos referentes transformam, concentrando todas as à terceirização dos serviços aplicados às suas energias e esforços em sua ativida- atividades da logística militar. de principal, e, com isso, gerando mais resultados, favorecendo a eficácia, com Modelos Teóricos a otimização da gestão.

Segundo Giosa (2003), terceirização é Latham (2009) afirma que, para o caso uma tendência moderna que consiste em do emprego de contratados pelas Forças

Foram dadas as defnições de: Apoio ao Combate, Apoio de Serviços ao Combate, Apoio Logístico, Função 1 Logística, Função Logística Manutenção, Função Logística Recursos Humanos, Função Logística Suprimento, Logística, Logística Militar.

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Armadas, eles realizam tarefas menos im- indivíduos, autorizando-os a atacar embar- portantes do que os soldados. O autor vai cações estrangeiras (SINGER, 2008). Um além ao confirmar que “sem os contratados, ápice da utilização de mercenários ocorreu os comandantes precisariam desviar os sol- durante a Guerra dos Trinta Anos (1618- dados de outras tarefas mais importantes”. 1648) (UESSELER, 2008). A partir da (2009, p.31) Paz de Westfália (1648) houve uma lacuna Podemos depreender que, segundo os na contratação de serviços pelo Estado, modelos de Giosa e Latham, os prestadores cabendo a este, única e exclusivamente, de serviços (que por nós serão chamados de o monopólio do uso da força (SINGER, soldados privados) realizarão as atividades 2008). Em se tratando de contemporanei- logísticas complementares, permitindo dade, durante a Segunda Guerra Mundial, que os militares realizem as atividades fábricas estadunidenses foram adaptadas, essenciais de combate, como atacar e passando da manufatura de bens de con- conquistar posições, sumo para a produ- contribuindo para o ção de equipamentos cumprimento da mis- Os prestadores de serviços militares (LATHAM, são da Força. realizarão atividades 2009). Com o fim da Em seguida, vere- Guerra Fria (1989), mos as aplicações dos logísticas complementares, devido à grande ofer- modelos teóricos nas permitindo que os militares ta da mão de obra de atividades de logísti- ex-militares e de um ca militar, com suas cumpram atividades vasto arsenal bélico, consequentes dificul- essenciais de combate: o mercado mundial dades e melhorias. atacar e conquistar de segurança e defesa ficou abarrotado de Terceirização da posições, contribuindo para meios que facilitavam Logística Militar o cumprimento da missão os empreendimentos bélicos privados (SIN- Vejamos uma bre- GER, 2008). ve evolução histórica da contratação de Nos dias atuais, Forças Armadas, com soldados privados pelo Estado. contingentes cada vez mais reduzidos, têm Não ainda chamado de terceirização novos papéis impostos por organismos militar (antes eram denominados condot- internacionais (Organização das Nações tieri, soldados da fortuna ou mercenários), Unidas, Organização do Tratado do Atlân- ainda tampouco utilizado para a logística, o tico Norte etc.), tendo que abrir mão da fenômeno é tão antigo quanto a civilização, execução de algumas atividades em prol sendo conhecido desde a época em que as destas atribuições (UESSELER,2008). sociedades (há cerca de 6 ou 8 mil anos), Sendo assim, por vezes, passam suas tarefas já em seu estado sedentário, dedicadas à subsidiárias para empresas privadas. agropecuária, guerreavam para defender Notamos que a atividade não é novidade seus interesses, alistando estrangeiros para histórica e surgiu como um mecanismo para lutarem aos seus lados. No século XIII, o aumentar o poder militar de um grupo e por Estado começou a exercer o controle sobre necessidade de tarefas específicas. Hoje a violência privada no mar, concedendo as vem ocorrendo com maior frequência, pos- “cartas de corso” para grupos privados e sivelmente devido a outras inúmeras tarefas

138 RMB3oT/2016 TERCEIRIZAÇÃO DA LOGÍSTICA MILITAR – Análise das Guerras do Golfo de 1990-1991 e de 2003 que vêm surgindo. Então surge a expressão potencial de produção de serviços. Empresas Militares Privadas (EMP). Se fôssemos analisar todos os serviços Segundo Uesseler (2008), o conceito de utilizados pelo Estado por EMP para a EMP surgiu com TIM SPICER2 (1996), realização de uma operação, alargaríamos quando sua empresa foi empregada pela muito nosso espectro de estudo. Então, o primeira vez pelo governo de Papua Nova aprofundaremos no emprego em atividades Guiné, para lutar contra os rebeldes. logísticas, principalmente nas empresas A utilização de EMP vem crescendo ao tipificadas por Singer (2008) como “de longo dos anos. Segundo Singer (2008), fornecimento militar”. Sendo assim, vamos no âmbito das tarefas das Forças Armadas limitar nosso campo de abordagem apenas há muito poucas áreas que não tenham aos assuntos relativos à logística militar, sido ocupadas por EMP. Em geral, elas mais precisamente às funções logísticas oferecem todos os tipos de serviços reali- Recursos Humanos, Transporte, Manuten- zados pelas Forças do Estado, não apenas ção e Suprimento. externamente, mas também internamente, Para Uesseler (2008), em se tratando ou seja, não apenas a das ofertas de servi- defesa da soberania de ços, vão desde mate- um país, mas também Nos dias atuais, Forças riais de expediente até segurança e garantia complexos meios de da lei e da ordem, Armadas, com contingentes transporte, passando desde a formação para cada vez mais reduzidos, por apoio à alimenta- a luta no concreto es- têm novos papéis ção, limpeza, conforto tado de paz até o em- e desenvolvimento de prego no combate, impostos por organismos bases. Logo, muitas passando por áreas de internacionais das necessidades das ApCmb e de apoio de tropas, em tempos serviços ao combate de paz ou de guerra, (ApSvCmb). Para o autor, atualmente exis- podem ser contempladas por EMP. Por tem três tipos de EMP: as que apoiam mi- exemplo: reabastecimento de armas e litarmente no combate (fornecem unidades munições, combustível (até para os mais diretas de combate), as de aconselhamento complexos meios), armazenamentos es- militar (cuidam da formação, planejamento peciais, serviços postais, serviços de obras e estratégia) e as de fornecimento militar e instalações, dentre outras. É importante (desde a logística de suprimento até o citar do mesmo autor que, nos países anglo- transporte). Para aplicação de mão de obra -saxões, o sistema militar público transferiu nestes tipos de EMP, segundo Uesseler para as empresas privadas muitos serviços (2008), há milhões de pessoas convocáveis logísticos, principalmente os da função no mundo. logística manutenção. Pelos autores referenciados, percebemos Então, observamos que a disponibilida- que empresas privadas vêm realizando de de serviços e de mão de obra das EMP atividades militares, inclusive algumas de propendem a facilitar a sua utilização para logística militar. Notamos o crescimento a sustentação e mobilidade das tropas por acentuado do ramo de EMP com grande parte dos Estados. Vimos também que já

2 Ex-oficial do exército britânico, veterano da Guerra das Malvinas, fundador da empresa Sandline International (UESSELER, 2008).

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existe um que utiliza cotidianamente os efetivos em ações ofensivas, aumentando a serviços destes tipos de empresas. Vamos capacidade de combate. buscar aplicações pelas Forças Armadas Percebemos a existência de doutrina e de dos EUA. um programa que amparam a utilização da De acordo com SINGER (2008), o contratação de civis. Ademais, observamos Programa de Expansão da Logística Civil que os EUA, um dos países mais expe- (Logistics Civil Augmentation Program3 rientes em conflitos armados, reconhecem – Logcap, 1985) dos EUA, que contrata que a entrega de serviços de sustentação e empresas civis para fornecer suporte de mobilidade às empresas privadas permite contingência a fim de incrementar a estru- à Força Armada focar suas atividades tura da força do Exército, é um exemplo em serviços essenciais, aumentando seu de terceirização da poder de combate, o logística militar. O que é corroborado por Logcap é considerado Pode ser mais interessante Giosa (2003) e Lathan o melhor caminho contar com um soldado (2009). Tentaremos para a expansão do buscar argumentos que ApLog em ações mi- privado, especializado no nos permitam anali- litares, abordado por serviço, do que desenvolver sar dois conflitos nos Nichols (1997) como quais os EUA tenham ferramenta logística capacidades logísticas e realizado a Tercei- adequada para ope- aptidões em militares que rização da Logística rações militares. O poderiam ser empregados Militar. Manual FM 3-100.214 Quanto ao preparo (Contractors on the em atividades essenciais de e emprego, para Ues- Battlefield5) (2003), combate seler (2008), o custo de do Departamento de formação de um sol- Exército dos EUA, dado privado é alto6, prevê a doutrina de emprego de soldados já que o Estado precisa garimpá-los dentre privados no TO. Este manual tece as se- uma imensidão de pessoal, recrutar milha- guintes considerações sobre as empresas res de homens, testar suas aptidões, formá- contratadas: são multiplicadores de forças; -los, adestrá-los e muito mais, além, é claro, os suprimentos e serviços críticos forne- da dificuldade de seu desengajamento. Para cidos por estas no TO reduzem o volume as EMP, estes custos tendem a ser menores, de carga embarcada e transportada em já que elas podem aproveitar as aptidões meios militares; reduzem a dependência públicas prévias e adquirir o especialista do sistema de ApLog baseado em território já pronto, até mesmo com seu equipamento estadunidense; e desoneram as tropas das e armamento, além de realizar contratos tarefas inerentes ao apoio, possibilitando temporários de acordo com a missão a ser assim o emprego de uma parcela maior dos cumprida (UESSELER, 2008). Dados da

3 Programa de Aumento Civil Logística (tradução nossa). 4 Disponível em http://fas.org/irp/doddir/army/fm3-100-21.pdf 5 Contratados no Campo de Batalha (tradução nossa). 6 Nossa experiência na carreira militar permite contribuir com o assunto, sustentando que, normalmente, por ocasião da formação inicial, o militar aprende as atividades fundamentais inerentes ao combate . Tarefas de apoio são ensinadas ao longo da carreira, demandando custos para o desenvolvimento de competências.

140 RMB3oT/2016 TERCEIRIZAÇÃO DA LOGÍSTICA MILITAR – Análise das Guerras do Golfo de 1990-1991 e de 2003

mesma obra do autor indicam que, de uma Quanto ao aspecto jurídico, é impor- forma geral, ao lado do armamento, a logís- tante ser ressaltado que há problemas no tica e a vigilância representam os maiores cumprimento de contrato do indivíduo com setores de despesas para a manutenção das a empresa e também desta com o Estado. Forças Armadas. Em se tratando de tempo de serviço dos Sendo assim, observamos que pode ser trabalhadores, os servidores das empresas mais interessante contar com um soldado terceirizadas obedecem às leis trabalhistas privado, especializado no serviço, do e aos contratos firmados com tais empresas que desenvolver capacidades logísticas e (LATHAM, 2009). Para o autor, é mais aptidões em militares que poderiam ser fácil desligar-se dos militares privados do empregados em atividades essenciais de que daqueles que prestam serviços dire- combate. As competências relacionadas tamente para o Estado. Além disso, ainda com o apoio de serviços podem ser desen- não foi observado regulamento jurídico volvidas em investimentos realizados pelas que exija a responsabilidade das ações dos próprias EMP. empregados privados ou o controle destes. Outras características das EMP preci- Nas relações entre empresas e Estados, sam ser levadas em consideração. Uesse- existem problemas que extrapolam as ler (2008) aborda algumas: como toda e esferas contratuais, já que estas ainda não qualquer empresa privada, tende a imperar têm o dever de transparência na prestação uma filosofia empreendedora, baseada em de contas. Ademais, pode haver quebras metas, com aumento de mercado e lucros, contratuais por parte das EMP sem que combinado com a diminuição dos custos; sequer sejam avisadas à outra parte, pois trabalham para os mais variados clientes mesmo as sanções previstas neste caso ou e governos (podem estar trabalhando a não-execução de um contrato parecem pró-governo em um momento e passarem não estar normalmente estabelecidas por a ser empregadas contra após o término escrito (UESSELER, 2008). do contrato); a única lei que seguem é a Tiramos aspectos negativos destas “lei da oferta e da procura”; e, pelo fato particularidades, já que o esperado espe- de estarem se especializando cada vez cialista, na verdade, pode não passar de um mais, o padrão de serviços tornou-se tão trabalhador pleno de vícios decorrentes do elevado que pode causar dependência antigo labor, seu vínculo de contrato pode dos países contratantes. Uesseler (2008), ser quebrado, a esperada redução de custos citando declarações oriundas dos próprios pode não ocorrer, o Estado pode tornar-se exércitos regulares, afirma que estes não cliente assíduo e dependente das EMP e conseguem mais atingir o nível de quali- estas podem estar focadas apenas em lucrar, dade alcançado pelas EMP, fazendo-os despreocupadas em defender o solo pátrio, depender precisamente delas. além do que hoje podem trabalhar para um Cabe destaque também o fato de as Estado e amanhã para outro. empresas procurarem mão de obra es- Ainda nos aspectos jurídicos, em caso de pecializada barata em países do terceiro guerra declarada, o Direito Internacional Hu- mundo, ou pessoal para superar as bar- manitário (DIH) apenas reconhece as figuras reiras linguísticas encontradas no próprio do combatente e da população civil. Os fun- local do conflito, contratando ex-militares cionários das EMP somente são considera- desempregados. Nestes casos há o risco de dos civis quando autorizados a acompanhar estes serem mal formados e mal preparados. as Forças Armadas e, caso sejam capturados,

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têm o direito a receber o tratamento de pri- Segundo Uesseler (2008), as lideranças sioneiro de guerra. Devem portar um bilhete militares dos países que contratam este tipo de identidade caracterizando-os como tal, de empresa não sabem oficialmente o que conforme previsto na III Convenção de Ge- elas fazem, devem, precisam ou podem nebra de 1949. Não podemos esquecer que, fazer, já que elas não pertencem à cadeia para tal caracterização, não devem portar de comando militar e recebem suas mis- armas, uniformes ou seguir um comando, sões diretamente dos governos. Os setores além de não proporcionarem, devido aos públicos podem não estar em condições de seus trabalhos, qualquer vantagem militar realizar tais controles, e os militares tendem à Força – o que acaba sendo contraditório a não querer controlar quem não podem quando tratamos de terceirização do ApLog comandar. Não falamos apenas de controle no combate. do uso da força, mas também o controle na Sendo assim, dentre muitos fatores execução dos serviços. levantados em relação à contratação, Desta forma, observamos que os gover- destacamos: contra – a não-realização do nos oferecem às EMP uma atuação com trabalho devido ao término do acordo, ou inclinação anárquica e arbitrária. qualquer tipo de paralisação, a dificuldade Buscamos definições, conceituamos de cumprimento de contratos e a dificul- terceirização da logística militar e vimos dade de discernimento acerca do DIH; a que, segundo os modelos teóricos de Giosa favor – o desprendimento e o desligamento (é uma tendência moderna, que consiste na dos envolvidos nas atividades (mesmo em concentração de esforços nas atividades se tratando de conflito), que são mais fáceis essenciais, delegando as atividades comple- do que quando do engajamento do pessoal mentares a terceiros) e de Latham (contra- das casernas. tados realizam tarefas menos importantes Deduzimos que é desejável que a parte do que as dos soldados), a logística militar jurídica da contratação esteja precisa. Con- terceirizada pode provocar melhorias na sidere-se o fato de que as Forças Armadas atuação das Forças Armadas. Porém deve- normalmente têm custo alto e permanente, -se tomar cuidado com as questões jurídicas enquanto a contratação de empresas pri- e com a perda de controle. vadas se restringe a um pagamento menor Investigaremos o que foi sucedido nas e temporário. Ademais, a terceirização Guerras do Golfo, anteriormente citadas, conduz a uma necessidade de mudança do apresentando e explicando as similaridades Direito Internacional dos Conflitos Arma- e singularidades na realização da terceiriza- dos. Os empregados das EMP podem não ção da logística militar, para depois deduzir ser considerados combatentes por seguirem sobre a aprovação de sua utilização pela contratos, por não serem contabilizados Força militar. como tropa e por não terem um comando ou subordinação claros. Tendem a não ser TERCEIRIZAÇÃO DO APOIO considerados civis por estarem vinculados LOGÍSTICO NAS GUERRAS à máquina bélica, muitas vezes armados, e DO GOLFO oferecerem vantagens à Força. Falta-nos então buscar argumentos que nos permitam A seguir, descreveremos e analisaremos analisar se a relação dos líderes militares como ocorreram a execução e o controle com os servidores das EMP facilitam o do ApLog terceirizado nas Guerras do controle de cumprimento dos contratos. Golfo (1990-1991 e 2003). Não teríamos

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como citar todo o plano logístico ocorri- lembrar alguns aspectos da operação que do em cada operação, já que, além de se facilitarão o entendimento. tratar de documentos ainda sigilosos dos Antes de tratar efetivamente do conflito, atores envolvidos, tomariam mais do que não podemos nos furtar de mencionar duas o tamanho total da pesquisa. Nossa preo- tomadas de decisão e doutrinas que guar- cupação permeará o campo do ApLog que daram relação com o ApLog realizado no demandou os serviços terceirizados, seja Iraque: inicialmente tratamos da Doutrina por necessidade de controle de uma ação Guam (1969), que, dentre uma magnitude em curso (necessidade de um serviço não de assuntos discorridos, evidenciava que disponível ou não planejado), como ocorreu as Forças estadunidenses, em campanhas na década de 1990, seja por prescrição de futuras, preocupar-se-iam não apenas com planejamento preliminar, de acordo com operações de combate, mas também com doutrina e programa preestabelecidos, aquelas ocorridas à retaguarda, principal- como ocorrido em 2003. mente a concentração de esforços para a Na próxima seção, transcreveremos manutenção da continuidade do ApLog; como se deu o ApLog na Primeira Guerra e a doutrina e geopolítica de controle da do Golfo e analisaremos as características região do Golfo Pérsico (Doutrina Carter mais marcantes quanto a sua terceirização. - 1980), que rechaçava qualquer tentativa Vamos descrever e analisar o que tem re- de forças externas para controlar a região lação mais direta com o tema do trabalho, do Golfo Pérsico, considerando-a como um limitando nosso espaço amostral às funções confronto aos interesses dos EUA, e que, logísticas anteriormente mencionadas. consequentemente, seria repelida com to- dos os meios necessários, incluindo a força Terceirização do Apoio Logístico na das armas (SCHUBERT; KRAUS, 1998). 1a Guerra do Golfo (1990-1991) Notamos não apenas o maior interesse estadunidense naquela região, mas também Em fevereiro de 1991, segundo Keegan ações que assegurassem bases confiáveis (2005), um exército ocidental grande e al- para qualquer deslocamento e desdobra- tamente qualificado enfrentou um exército mento de tropas, além da grande preocu- iraquiano também grande, porém desgas- pação com o ApSvCmb. tado por uma longa campanha anterior Outro fato importante a ser destacado (conflito Irã-Iraque, 1980-1988). Segundo foi que, segundo Schubert e Kraus (1998), Schubert e Kraus (1998), após seis semanas na época da invasão do Kuwait pela tropa de ataques aéreos sucessivos, a campanha iraquiana, as Forças Armadas dos EUA terrestre destruiu o poderio bélico iraquiano estavam em processo de redução de efetivo em apenas quatro dias. Sabemos que o es- e sem mobilização da base industrial. De- forço principal na operação, realizado pelas corre daí uma possível preocupação com a Forças Armadas estadunidenses, deman- questão do suprimento usado, que exigiria dou muito ApLog. Dentre muitos outros grande quantidade de equipamento e pesso- motivos para tal demanda, enfatizamos a al de apoio para uma batalha imprevisível precária infraestrutura local, a distância dos quanto ao tempo; e a disposição do governo países envolvidos às suas bases, as grandes estadunidense em utilizar suas próprias extensões dos eixos terrestres de apoio e a reservas para a satisfação imediata das suas característica da Área de Operações (AOp). desconhecidas necessidades (SCHUBERT; Para nossa pesquisa e análise, vamos re- KRAUS, 1998).

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Voltando à guerra, em se tratando da todo seu equipamento, a até 500 milhas execução do ApLog, pode ser dividida em através do deserto. Quando do apoio à três fases: do posicionamento estratégico, entrada em posição do exército estaduni- das operações de combate e da retirada dense, foram deslocados 27 mil militares (PAGONIS; CRUIKSHANK, 1992). Em e suprimentos para as posições de ataque termos de terceirização, observaremos por grandes distâncias. Para tal também que as três fases dar-se-ão de maneira bem foram necessárias as contratações de via- semelhante. Vejamos algumas característi- turas e motoristas nos países hospedeiros cas delas. (SCHUBERT; KRAUS, 1998). Para os A primeira fase, chamada de Operação mesmos autores, era assumido pelo Co- Escudo do Deserto, começou oficialmente mando Central do Exército dos EUA que, em 7 de agosto de 1990 (seis dias após a para realizar operações ininterruptas, seria invasão do Kuwait por tropas iraquianas), necessário um sistema logístico sólido. As com a partida dos EUA e o posicionamento fontes locais contratadas foram, de certo defensivo da 82a Divisão Paraquedista na modo, satisfatórias para atender a muitas Arábia Saudita. Segundo Schubert e Kraus das necessidades de suprimento e diminuir, (1998), enquanto o efetivo do exército de imediato, as insuficiências logísticas deslocou-se para o Oriente Médio por na- decorrentes das operações (PAGONIS; vios e por aviões, seus equipamentos foram CRUIKSHANK, 1992). deslocados apenas por navios7. Ao chega- A terceira fase, retirada, que era esti- rem aos portos sauditas, eram catalogados mada para ocorrer em datas mais distantes, e distribuídos às unidades de origem. Ade- deu-se de maneira antecipada, devido mais, a tropa desembarcou com sua carga à brevidade da fase anterior. A retirada prescrita individual8 que poderia sustentar foi de execução urgente, já que as forças cada combatente por pouco tempo. deveriam rapidamente sair do TO. Isto se Logo, as unidades poderiam empregar deu devido a dois principais motivos: o por tempo limitado seus meios orgânicos desejo do povo estadunidense de ter seus para transportar, armazenar e conservar seu militares de volta e a necessidade de evitar material. Para permanecer por mais de 30 o contato dos militares ocidentais com os dias na AOp, era necessário um sistema islâmicos nativos da Arábia Saudita. Nesta logístico sólido e não vulnerável ao ataque fase, as atenções logísticas estavam vol- surpresa dos iraquianos. Cabe destaque tadas para o recolhimento do material, os nesta fase a constatação de necessidades encerramentos de contratos e a devolução não planejadas que foram solucionadas dos meios alugados. Cabe destaque que com as contratações de pessoal, material e a estrutura de transporte, principalmente serviços na região da operação. para movimentar equipamentos militares Na segunda fase, chamada de Operação de maior tamanho, teve que se apoiar em Tempestade do Deserto, o mais importante navios e aeronaves contratados (PAGO- a ser logisticamente destacado foi o desafio NIS; CRUIKSHANK, 1992). de apoiar o intenso bombardeio realizado Sendo assim, para uma operação reali- e posicionar dois Corpos de Exército, com zada distante dos portos e com tempo de

7 Tal feito demandava um apurado controle, principalmente do descarregamento dos equipamentos nos portos sauditas. 8 Representa as quantidades, por tipo de suprimento, que um Comandante, a seu critério, prescreve para serem transportadas por militar, normalmente expressas em Dias de Suprimento (Brasil, 2008).

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duração indeterminado, foi demandado um contratados. Além da aquisição de ônibus grande esforço, o que tornou o sistema de e caminhões para realizar a instalação e apoio logístico (SApLog) pesado e lento. o desdobramento inicial das unidades de As Forças tiveram que combinar rapidez no combate, podemos citar a necessidade de deslocamento com as demandas logísticas. contratação de aeronaves e navios para Este esforço demandado teve que ser solu- realizarem o deslocamento do efetivo de cionado com a contratação de serviços e de mais de 350 mil militares e dos pesados mão de obra local. equipamentos para a região do Golfo, A seguir, vamos descrever, na ordem, apesar de os estadunidenses possuírem o desenvolvimento das funções logísticas o Comando de Transporte (PAGONIS; Suprimento, Transportes, Manutenção e CRUIKSHANK, 1992). O transporte foi o Recursos Humanos. A descrição ocorrerá principal representante do apoio logístico abordando suas relações com os serviços e (VIDIGAL, 1998). Para Schubert e Kraus pessoal contratados. (1998), o apoio da nação hospedeira e os O General Willian G. Pagonis, responsá- contratos contribuíram para a solução dos vel por toda logística do TO, buscou o apoio problemas de transporte. das nações anfitriãs com suas fontes locais Quanto à manutenção de equipamentos, de suprimentos, reduzindo as demandas das devido à escassa existência de instalações e unidades de apoio estadunidenses, princi- à pouca eficácia das presentes, as estruturas palmente quando da chegada à Arábia Sau- orgânicas das unidades foram sobrecarre- dita (PAGONIS; CRUIKSHANK, 1992). gadas. A característica desértica da AOp O comandante de Apoio Logístico montou aumentava a exigência de zelo do material, um programa de contratação e ajudas locais o que fez crescer a necessidade de serviços. e se utilizou das facilidades da Arábia Sau- Buscou-se emergencialmente a satisfação dita para chegada de suprimentos comple- das necessidades nas reduzidas indústrias mentares não produzidos no país (possuía locais e nas bases operacionais localizadas excelentes portos, aeroportos e um sistema na Europa, o que acarretou algumas perdas rodoviário bem construído). Ressaltamos temporárias desnecessárias de equipamen- também que foram realizadas aquisições tos sem a manutenção corretiva (PAGO- em fornecedores locais e de moradores da NIS; CRUIKSHANK, 1992). Sabemos que região (SCHUBERT; KRAUS, 1998). Para todas as questões das funções logísticas o bom fluxo dos suprimentos proporciona- supracitadas requereram grande quantidade do pelo abastecimento, há necessidade de de pessoal, não apenas para execução, mas um bom sistema de transportes. para a supervisão das atividades. Apesar de as Forças Armadas possuí- Um problema encontrado foi a cons- rem seus meios de transportes orgânicos, tante e urgente necessidade de completar a demanda por deslocamento e posicio- a Força com militares que possuíam espe- namento de grande efetivo das Unidades, cialidades incomuns, tais como intérpre- assim como a necessidade de manutenção tes, motoristas, pilotos, pessoal de saúde, dos meios militares danificados, fizeram controladores de tráfego aéreo, serviços com que estes não fossem suficientes para portuários etc. Tais problemas eram de atender à procura do serviço. Segundo difícil solução, pois a formação requeria Vidigal (1998), cerca de 95% da carga um certo tempo que o Exército não possuía. foi transportada para a região por meio do Para tal, o governo estadunidense contratou modal aquaviário, sendo muitos navios civis de sua Secretaria de Defesa (o que não

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se trata de terceirização de mão de obra) e não-planejamento pode custar caro, devido outros pertencentes aos países hospedeiros. à especificidade do material. Em sua cres- Estima-se que 3 mil contratados estavam cente utilização, observou-se o improviso e no TO durante o auge do desdobramento e a satisfação das necessidades nos mercados que 70% dos militares empregados no setor locais, principalmente para serviços de de ApLog eram reservistas, sendo muitos transportes e outros especializados. deles originários do setor privado, trazendo Contudo, pudemos observar que, apesar ampla experiência para as Forças Armadas dos problemas levantados e independente (PAGONIS; CRUIKSHANK, 1992). da função logística executada, a adoção da Para Schubert e Kraus (1998), a con- contratação de terceiros foi fundamental tratação de recursos humanos locais gera para aliviar o elevado esforço logístico pro- desconfiança dos militares. Para reduzi-la, vido pelas Forças militares estadunidenses, os contratados eram, quando possível, orga- permitindo- as focar em suas tarefas prin- nizados dentro dos batalhões e enquadrados cipais de combate, realizando a adaptação nos comandos de militares estadunidenses. para a suplementação de meios orgânicos e Na tentativa de mi- efetivos militares. Foi, nimizar as dificulda- possivelmente, um dos des, observamos que A adoção da contratação de principais ensinamen- o General Pagonis tos desta campanha. recorreu a uma su- terceiros foi fundamental Segundo Pagonis e mária e embrionária para aliviar o elevado Cruikshank (1992), o contratação de servi- esforço logístico provido ApLog deu-se de ma- ços nas fontes locais neira eficiente e com para a satisfação das pelas Forças militares grande utilização de necessidades. estadunidenses, permitindo- mão de obra e servi- Verificamos que ços terceirizados. Tal foi notável a utiliza- as focar em suas tarefas feito demandou mais ção de serviços ter- principais de combate milhares de contratos ceirizados na região, de terceirização. já que o ApLog plane- Não poderíamos jado ficou sobrecarregado e possivelmente deixar de mencionar que o bom desempe- esgotou-se, no início da primeira fase, para nho da logística foi amplamente favorecido atendimento das necessidades urgentes e pela superioridade aérea9 americana, prin- imediatas. A terceirização foi aumentando cipalmente quando sabemos que, com sua até ser realizado um grande laço de parceria inexistência, as longas colunas motorizadas com o setor privado do reinado. estariam mais vulneráveis a ataques do Porém a terceirização da logística inimigo (SCHUBERT; KRAUS, 1998). militar, possivelmente pelo seu não- Merece destaque neste capítulo enfati- -planejamento, não foi uma experiência zar a capacidade de adaptação do SApLog isenta de problemas. Sabemos que, em se às demandas da região. Independente da tratando de uma operação, por mais que a função logística e, apesar de não muito engenhosidade do líder possa reduzir as planejada, a terceirização contribuiu de- deficiências da ação em curso, o preço do cisivamente para o sucesso do ApLog.

9 Apesar de não se tratar de uma singularidade logística da campanha, merece destaque devido à influência no ApLog.

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Agora temos subsídios que nos permitem os ataques terroristas de 11 de setembro inferir que podemos delegar a terceiros as de 2001. Em março de 2003, a Força de atividades logísticas, particularmente as invasão, de efetivo menor que o da campa- de ApSvCmb. nha antecedente, porém mais qualificada e É importante destacarmos que, possi- equipada, enfrentou um exército iraquiano velmente, um dos principais legados desta bem menor e degradado por aquela conten- operação militar em termos de terceirização da (ATKINSON, 2008). O poder de fogo e da logística, para a outra Guerra do Golfo o ApLog eram majoritariamente estaduni- (2003), foram as experiências. Estas se dense, e o Governo monárquico da Arábia tornariam excelentes conhecimentos ad- Saudita não ofereceu os mesmos recursos quiridos para as vindouras companhias operacionais disponibilizados em 1990-91 privadas, já que centenas de fornecedores (KEEGAN, 2005). civis e ex-militares foram contratados Durante março de 2003, 167 navios para prover o ApLog às Forças de Coa- operados pelo Comando Militar Marítimo lizão. Corroboramos esta afirmação com atravessaram o Oceano Atlântico, transpor- a citação doutrinária tando equipamentos estadunidense de que necessários no TO. a redução de efetivos Independente da função Além disso, foram militares e a experi- logística e, apesar de empregadas também ência anterior de con- aeronaves C-130, C-5 tratação no conflito não muito planejada, a e C-17 e aviões comer- levaram o Logcap a terceirização contribuiu ciais para posicionar empregar empresas quase 424 mil pessoas terceirizadas (1996), decisivamente para o dos EUA e seus equi- a fim de possibilitar o sucesso do ApLog pamentos no Iraque ApLog para quaisquer (ATKINSON, 2008). contingências por par- Segundo Keegan te dos EUA (FM 3- 100.2110, 2003). (2005), a guerra foi logisticamente um Na seção a seguir, citaremos e analisare- enorme sucesso. Houve desafios funda- mos, com foco na terceirização da logística mentais na prestação de ApLog em todo militar, como se deu o ApLog na 2a Guerra o campo de batalha, a fim de apoiar um do Golfo. Limitaremos nosso campo de elevado e agressivo ritmo operacional. abordagem às mesmas funções logísticas O movimento de 350 milhas do Kuwait discorridas anteriormente. a Bagdá requeria uma “cauda logística” grande o suficiente para apoiar a ágil For- Terceirização do Apoio Logístico na 2a ça combatente. Um país do tamanho da Guerra do Golfo (2003) Califórnia foi conquistado em menos de três semanas, a um custo de poucas vidas Nesta campanha, em que as Forças Ar- estadunidenses e com grande esforço logís- madas estadunidenses também formaram tico. Segundo Atkinson (2008), tal tarefa o esforço principal, o ApLog deu-se com foi realizada com eficiência, contando com rica utilização de um planejado serviço a facilidade decorrente da experiência em terceirizado. Para Waack (2008), a decisão terceirização adquirida na operação militar de invadir o Iraque foi adotada logo após da década de 1990.

10 Idem à nota 4.

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Entendemos que tal eficiência se deu, serviço. Como estudado anteriormente, esta dentre outros motivos, devido ao tempo necessidade, além da doutrina e do progra- de preparo e planejamento para a operação ma existentes, davam às Forças Armadas (tendo em vista a decisão de invasão em estadunidenses a opção de utilização da 2001), à doutrina existente e à experiência logística terceirizada. adquirida na contenda anterior pelos esta- Segundo Uesseler (2008), no Iraque, 68 dunidenses. EMP13 foram oficialmente engajadas sob os Para Waack (2008), esta contenda foi mais diversos contratos e para os mais dife- plena de inovações tecnológicas e, em rentes tipos de missão. Destacamos a Halli- consequência, doutrinárias. Sendo assim, burton como uma das maiores empresas depreendemos que itens até então desneces- do ramo da Logística e a MPRI (Military sários em uma operação requereram maior Professional Ressources Inc.) que ensinou esforço de obtenção, os soldados estaduni- dando ainda maior denses a se deslocarem minúcia ao esforço11 Foram contratados algo em em comboios por rotas logístico. de abastecimento da Segundo Keegan torno de 30 mil soldados forma mais segura pos- (2005), o não-em- privados, sendo o segundo sível, protegendo-se de prego da esmagadora maior “contingente”, emboscadas. ofensiva aérea12, de- Segundo Uesseler vido aos danos cola- perdendo apenas para (2008), foi firmado terais que poderiam os estadunidenses, tendo um contrato com a causar em civis (já empresa KBR no qual que as forças iraquia- maior efetivo que todas as da contratada foi exigi- nas estavam dispersas outras tropas da coalizão da a responsabilidade por todo o território, de planejar e executar formando focos de construções, gerenciar resistência em cidades iraquianas), fez instalações e prover serviços de ApLog aumentar o risco de emboscadas aos com- para um efetivo de 20 mil homens, com um boios e bases logísticas. Sendo assim, um possível aumento para 50 mil, por um perí- dos métodos empregados para realizar o odo de até 180 dias, além de ter a capacida- ApLog foi agir continuamente, de maneira de de acolher 1.300 soldados por dia, com rápida e precisa, e utilizar aeronaves C-130 menos de três semanas de notificação de pousadas a cavaleiro da Estrada Principal de suas localizações na AOp. O contrato ainda Abastecimento (Rodovia 1), transportando exigiu da contratada manter a capacidade tanques de combustível (KEEGAN, 2005). de apoiar dois eventos simultaneamente, ou Esse método possivelmente demandou a seja, apoio cerrado e contínuo para frentes utilização de uma equipe especializada no diferentes. Segundo o mesmo autor, no

11 Tal esforço foi reconhecido por Petraeus (General da reserva do Exército dos EUA e comandante do TO na Operação Iraque livre) ao dizer que quado ele era soldado de infantaria, o máximo de logística que lhe interessava era o que cabia numa mochila. Agora sabia que, embora as táticas não fossem fáceis, elas eram relativamente simples quando comparadas com a logística.(2004 apud ATKINSON, 2008). 12 Idem à nota 9. 13 Pode-se citar, dentre outras: AirScan, Erinys, Blackwater, ISI Group, Cochise, OS&S, Centurion Risk, Triple Canopy, Titan, WWLR, CACI, MZM, Vinell, DynCorp, Ronco, Group 4 securicor, Combat Support, Man Tech, KBR (recentemente anexada à Halliburton) (UESSELER, 2008).

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Iraque foram contratados algo em torno de de 1990/1991), com a falta de transparência 30 mil soldados privados, sendo o segundo na prestação de contas. maior “contingente”, perdendo apenas para Quanto ao DIH, segundo o General os estadunidenses, tendo maior efetivo que Antonio M. Taguba14 (citado por PAN, todas as outras tropas da coalizão. 2004), relatórios dão conta que os abusos Realizar o estudo da terceirização logís- ocorridos em Abu Ghraib apenas recomen- tica na campanha, por funções logísticas, daram medidas disciplinares contra os dois poderia ora repetir os fatos, ora confundir o empregados privados envolvidos em abu- estudo quanto à concatenação de ideias. Ao sos físicos e torturas, apesar de ser evidente buscarmos fontes, percebemos mais evi- para os investigadores do inquérito que eles dências ligadas aos aspectos negativos do mentiram, utilizando-se das brechas das leis que aos positivos, o que pode ser explicado para burlarem o Direito Internacional Pú- pelo acentuado emprego de contratação, blico. E que até aquele momento nenhuma pelo pouco envolvimento de outros países acusação criminal havia sido instaurada no conflito e pela maior globalização. Pro- contra os contratantes. curaremos evidências e elucidações das Também cabe-nos discorrer sobre o similaridades e singularidades baseadas comando e controle das EMP pelas Forças na abordagem dos aspectos existentes (ne- Armadas estadunidenses durante o confli- gativos em sua maioria). Enfatizaremos os to. Conforme Uesseler (2008), a liderança pontos focais de necessidades de melhorias. militar do exército dos EUA no Iraque Em seguida, procuraremos verificar se, de não sabia nada oficialmente sobre o que as modo geral, o emprego da terceirização da empresas privadas faziam, deviam, preci- logística militar foi satisfatório. savam ou do que eram capazes. Elas não Uesseler (2008) descreve algumas pertenciam às cadeias de comando militares falhas: soldados reclamavam de que a e recebiam missões que eram mantidas em comida era precária e os serviços de la- completo sigilo pelo Pentágono. Chegou- vanderia eram falhos; houve muitos casos se a exigir que fossem confeccionadas de superfaturamento, como, por exemplo, normas escritas, pela Secretaria de Defesa, o da KBR, que inflacionou serviços con- para as EMP, porém sequer se obtiveram siderados baratos no país (cobraram US$ respostas. As respostas às questões de 2,27 por um galão de combustível que decisão das ações em combate estavam custava US$ 1,00 nos postos do Iraque); entregues ao arbítrio dos contratados. houve construção de instalações e produção Segundo Uesseler (2008), outros pon- superfaturadas; ocorreram falhas na conta- tos críticos das experiências, em termos bilidade dos custos em combate (a mesma de logística, das prestações de serviços empresa computava 10 mil refeições a mais foram: perda de controle sobre o material; por dia, recebendo por 100 mil refeições a confiabilidade na disponibilidade dos que não foram fornecidas); e sucedeu um fornecedores, com as consequentes faltas exorbitante aumento dos gastos (a mesma no abastecimento, principalmente quando empresa, em termos de receitas em 2003, as rotas comerciais de fornecimento eram recebeu do Pentágono uma quantia em interrompidas; e o não-cumprimento de torno de 3 milhões de dólares, que foi o compromissos dos soldados privados par- dobro do que gastaram os EUA no conflito ticulares, devido ao risco de serem mortos.

14 http://www.cfr.org/security-contractors/iraq-military-outsourcing/p7667 Acesso em (09/07/2014)

RMB3oT/2016 149 TERCEIRIZAÇÃO DA LOGÍSTICA MILITAR – Análise das Guerras do Golfo de 1990-1991 e de 2003

Depreendemos nesta seção que: nas No item a seguir, vamos evidenciar as EMP, as contas de negócios não eram similaridades e as singularidades na reali- transparentes; houve dificuldade na dis- zação da terceirização da logística militar, tinção entre civis e soldados; o controle procurando explicá-las e comprovar a sobre as EMP e seus servidores era restrito, validação de sua utilização pelas Forças pois faltaram regras jurídicas para as suas Armadas estadunidenses. ações (não apenas execução das ações, mas também na execução do contrato); e Estudo comparativo quanto à empregados privados e EMP não puderam terceirização da logística militar ser acusados judicialmente por violações de códigos e da Convenção de Genebra. A relação central que derivamos dos Porém, como relatamos, as pessoas modelos teóricos foi que, à medida que designadas para desempenharem funções aumentamos o planejamento do emprego terceirizadas possuíam tanto experiências da terceirização de um serviço, mais otimi- profissionais na realização das atividades zamos as atividades essenciais. A terceiri- logísticas como experiência de já terem zação, quando de sua utilização planejada, sido militares e já estarem acostumadas tende a fazer com que a parte contratante com a hierarquia e a disciplina. possa empregar seu esforço principal nas Cabe destaque ao elevado número de atividades julgadas por ela vitais e, normal- pessoal contratado e às tarefas eminen- mente, reduz os custos. temente militares dispensadas às EMP. Como o propósito do nosso estudo foi Ademais, verificamos que um grande nú- evidenciar e explicar quais as similaridades mero de empresas e de militares privados e singularidades obtidas na terceirização realizou os mais diversos tipos de serviços da logística militar nas Guerras do Golfo logísticos. (1990-1991 e 2003), realizaremos a análise De forma geral, pudemos observar que procurando explicá-las e deduzir sobre a as vantagens significativas suplantaram as validação de sua utilização nestas guerras. adversidades na terceirização do ApLog. Vamos a seguir apresentar a similaridade O tempo de preparo e planejamento, a na utilização da terceirização da logística doutrina, o programa Logcap e a utilização militar nas duas campanhas. da experiência das EMP contribuíram para A similaridade observada no estudo amenizar as deficiências de carência de foi a terceirização da logística militar no recursos de pessoal e material. Michael P. TO. Podemos confirmar que a contratação Peters15 (citado por PAN, 2004) confirma de serviços, utilizada nos anos de 1990, nossa argumentação ao declarar que “os ainda que embrionária e para o controle EUA seriam incapazes de manter suas ope- da ação durante o combate, contribuiu com rações militares no Iraque, ou em qualquer eficiência para que a Força focasse seus parte do mundo, sem o uso das empresas interesses em atividades essenciais e rendeu privadas contratadas”. experiências para utilização posterior. Na 2a Podemos concluir que foi possível, nos Guerra do Golfo, já utilizada com respaldo casos estudados, delegar a terceiros as doutrinário, contribuiu para mitigar as defi- atividades logísticas, particularmente as ciências de carência de recursos de pessoal de ApSvCmb. e material. Em ambos os casos, permitiu às

15 http://www.cfr.org/security-contractors/iraq-military-outsourcing/p7667. Acesso em (09/07/2014)

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Forças estadunidenses se preocuparem com Logo, em três semanas de rápidos avanços suas atividades de combate. Vamos a seguir sobre grandes espaços do território iraquia- explicar o porquê da similaridade ocorrida. no, a tropa de Saddam Hussein praticamente A nitidez da similaridade foi possível sumiu do campo de batalha. porque em ambas houve grande demanda Outro aspecto a ressaltar foi que o poder por ApLog. Os porquês de sua utilização de fogo e o ApLog na 2a Guerra do Golfo foram diferenciados entre uma operação e eram quase que exclusivamente estadu- outra e serão detalhados a seguir. nidenses, já que os aliados dos EUA no Na primeira campanha, a escassez dos conflito de 1991 preferiram não prestar seu serviços, combinada com as condições apoio e o governo monárquico da Arábia climáticas e meteorológicas da AOp, com a Saudita não ofereceu os mesmos recursos redução de meios (pessoal e material) e com operacionais disponibilizados antes. Tal as necessidades efetivas de mão de obra fato demandou, em termos de ApLog, fizeram com que os militares responsáveis grande esforço no segundo ato de contenda, pela logística do Exército estadunidense realizado no terceiro milênio. buscassem as soluções nos mercados locais Keegan (2005) concorda com a análise e nos civis contratados pela Secretaria de ao expor que, apesar de a história se repetir Defesa dos EUA. após 12 anos, à medida que a campanha se Na segunda campanha, a doutrina exis- desenrolou, foram as diferenças e não as tente e o já conhecido programa Logcap, semelhanças que chamaram a atenção. Va- associados com a experiência adquirida, mos a seguir apresentar as singularidades com o não-apoio de outros países, com na utilização da terceirização da logística dificuldades de transporte, com imprecisão militar em cada campanha. Exporemos e do término da operação e com a quantidade explicaremos separadamente aquelas per- de EMP e mãos de obra existentes, fizeram tinentes a cada conflito. com que os planejadores determinassem Cabe-nos destacar que as singularidades sua utilização desde as primeiras etapas do ocorridas nos conflitos de 1990-1991 enfa- processo de planejamento. tizam-se principalmente na não-realização Quando detalhamos cada contratação, de planejamento para a utilização e no observamos algumas diferenças. Percebe- controle da ação logística em curso para mos que a terceirização permitiu aos EUA satisfação das necessidades decorrentes aumentarem seu poder bélico, e ainda a da operação. otimização de recursos nas tarefas de com- Estas singularidades se deram porque: o bate. Vamos a seguir apresentar algumas ApLog orgânico possibilitou apenas a satis- desigualdades em cada campanha que nos fação das necessidades urgentes e imediatas; auxiliem no estudo das singularidades. o planejamento da campanha não previu a Na campanha de 1991, a movimentação necessidade de ressuprimento; com a redu- das forças estadunidenses iniciou-se seis ção do efetivo, militares foram utilizados em dias após a invasão do Kuwait pelas forças funções mais diretamente relacionadas com iraquianas. o combate, carecendo de recursos humanos Em março de 2003, uma força de coalizão para outras atividades; e houve necessidade bem menor, porém bem mais qualificada, de controle de ações logísticas em curso, luta contra um exército iraquiano degradado, decorrentes da fricção do combate. principalmente devido aos 12 anos de isola- Na campanha de 2003, as singulari- mento de fontes estrangeiras de suprimento. dades foram evidenciadas com a grande

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escala de utilização, com o planejamento milênio, por mais que tenha sido exe- para utilização da terceirização, com a cutada para satisfação das necessidades utilização do programa Logcap e com o urgentes e imediatas, mesmo não tendo emprego da doutrina. sido planejada, não apenas cumpriu ade- Podemos explicar as peculiaridades quadamente o papel logístico de prover da campanha do segundo milênio com a a sustentação e mobilidade da tropa, mas combinação de fatores de necessidade de também serviu de legado para outras cam- ApLog e de ofertas de terceirização. Quanto panhas vindouras. Sua realização serviu às demandas pelo grande esforço logístico, de arcabouço para desenvolvimento de elas se deram pelo menor apoio provido por doutrinas futuras e de novos programas outros Estados à Força estadunidense; pela de contratação. necessidade de complementar as tarefas de Mais importante que qualquer singula- ApSvCmb em contingentes cada menores ridade foi a similaridade em sua utilização, (que eram utilizados principalmente nas pois ela possibilitou que, com um contin- tarefas essenciais de combate) e pelo maior gente militar menor, os estadunidenses esforço requerido de pudessem realizar um obtenção. Quanto às número maior de ta- ofertas de serviços, refas, cada vez mais deram-se pela gran- A terceirização da logística voltado para as ati- a de disponibilidade de ocorrida na 1 Guerra do vidades-fim, ou seja, mão de obra privada e Golfo serviu de arcabouço atividades de combate, EMP; por já ser dou- com a consequente trina consolidada e para desenvolvimento transferência de com- programa conhecido; de doutrinas futuras e petências logísticas pela maior pronti- antes realizadas pela dão das EMP; e pela de novos programas de própria força militar. grande experiência contratação Isto é, realizou-se uma técnica (contratados desoneração das For- para fins específicos). ças Armadas de tarefas Tudo facilitou o plano de emprego e pos- militares consideradas menos relevantes, sibilitou respostas rápidas às solicitações ratificando as teorias apresentadas. estadunidenses. Percebemos que os EUA buscaram Outra singularidade a ser destacada foi minimizar sua vulnerabilidade crítica (ati- a maior evidência nos problemas ocorridos vidades logísticas) nas duas campanhas com as companhias privadas, principal- com a contratação de militares privados mente pela sua utilização em larga escala, especializados. Seu emprego permitiu o pelo nível de cobrança maior, pela menor aumento do poderio militar estadunidense tolerância de atores externos e, sobretudo, e a conquista do poder incessantemente pela maior globalização. Quaisquer erros na buscado. execução eram rapidamente evidenciados Observamos que as terceirizações de e questionados. serviços analisadas fizeram diminuir o Após realizar o estudo comparativo emprego dos militares em algumas tarefas entre as duas campanhas, constatamos do ApLog, permitindo à Força focar o seu que a terceirização da logística no TO, esforço humano principal nas atividades de ocorrida na última década do segundo combate e nos sistemas de ApCmb.

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Uesseler (2008) concorda com a impor- pelas características da AOp, pelos grandes tância da terceirização da logística militar eixos de deslocamento e pela distância das ao citar que ela tornou-se fundamental para bases para os locais de conflito. o planejamento. Permitimos a leitura deste trabalho base- ada nos conceitos de que Logística Militar CONCLUSÃO é um caso específico da Logística aplicada ao preparo e emprego das Forças Arma- O propósito deste trabalho foi evidenciar das, em ambientes de paz ou de guerra. O e explicar quais as similaridades e singula- ApLog busca aumentar o poder de combate, ridades obtidas na terceirização da logística provendo a mobilidade e a capacidade de militar nas guerras do Golfo de 1990- 1991 sustentação das Forças. Inferimos que é e de 2003. Para atingir este propósito, nosso temeroso que as Forças Armadas abram estudo foi apresentado em quatro capítulos. mão de uma logística com capacidade No primeiro capítulo apresentamos o suficiente para prestar o apoio necessário cenário de pesquisa com elementos para aos meios operativos, principalmente em melhor comparação do emprego da tercei- situações de combate, como as descritas rização da logística militar, particularmente no nosso estudo. do ApLog no TO. No segundo, buscamos Conceituamos terceirização da logística os conceitos e os amparos teóricos de militar e vimos que a contratação dos meios interesse, descrevendo não somente os e serviços permite que a organização se aspectos voltados para o preparo, mas prin- dedique a outras atividades. Buscamos cipalmente aqueles realizados por ocasião teorias que nos afirmaram que os soldados do emprego da logística no combate. No privados realizam as atividades logísticas terceiro, procuramos fatos que eviden- complementares, permitindo que os mili- ciassem as similaridades e singularidades, tares exerçam as atividades essenciais de acompanhadas das devidas explanações, combate. Segundo os modelos teóricos, decorrentes da terceirização da logística uma atividade realizada por contratados militar nas campanhas supracitadas. Neste pode provocar melhorias nos mecanismos capítulo, foram expostos os resultados do militares do Estado, já que a organização estudo e indicadas as possíveis sugestões pode voltar-se para a sua atividade princi- de investigação futura. pal, otimizando seus recursos. A consequência da aplicação da tercei- No ambiente das Forças Armadas, em rização nas campanhas supracitadas foi a que a natureza das tarefas dirige a forma- otimização dos serviços logísticos e a pos- ção de combate, as atividades logísticas sibilidade de as Forças militares utilizarem demandam mais tempo para uma forma- seus esforços principais em atividades de ção, tornando-se mais dispendiosas. Os combate e de ApCmb. soldados privados, junto com as EMP, vêm A escolha das operações dos EUA para ganhando espaço nos campos de batalha a realização do estudo decorreu do fato de devido, principalmente, aos menores efe- os estadunidenses utilizarem sumariamente tivos pertencentes às Forças e ao crescente a terceirização da logística militar por oca- número de tarefas que elas recebem. sião da 1a Guerra e de já possuir doutrina de Devido aos custos envolvidos com utilização da mesma na 2a (2003). A escolha formação, pode ser mais interessante con- da região do Golfo deu-se por ser um dos tratar um soldado privado, especializado no locais que maior demanda logística exigiu, serviço, do que desenvolver capacidades

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logísticas e aptidões em militares que são EMP tem causado certa confusão. Deve-se empregados em atividades essenciais de tomar alguns cuidados para serem ajustadas combate. Ademais, o desapego dos contra- as normas de direito e de conduta, de modo tados envolvidos nas atividades torna seu que não ocorram violações. desprendimento facilitado. Sendo assim, é desejável que a parte A terceirização das atividades militares jurídica da contratação esteja precisa e serve para que o Estado tenha um meca- que seja buscado respaldo legal juto aos nismo para aumentar o poderio militar, organismos internacionais ligados ao DIH. suprindo suas necessidades específicas. Outra preocupação é a correção da Confirmamos que empresas privadas têm redução do poderio militar decorrente condições de realizar atividades militares, de paralisação inesperada dos militares particularmente atividades de logística mi- privados, ocasionada por falha contratual, litar, pois suas disponibilidades de serviços encerramento do contrato ou por simples e de mão de obra tendem a facilitar a sua direito de greve deles. utilização para a sustentação e mobilidade Para evidenciar e explicar a similaridade das tropas por parte dos Estados. e as singularidades, investigamos o que foi Observamos que os EUA já possuem sucedido nas contendas do Golfo (1990- a doutrina e o Programa de Expansão da 1991 e 2003). Ademais, descrevemos e ana- Logística Civil e reconhecem que a entrega lisamos como ocorreram o planejamento, a de serviços às empresas privadas permite execução e o controle do ApLog. à Força Armada focar suas atividades em Na 1a Guerra do Golfo, em que o ApLog serviços essenciais, o que corrobora as se deu em três fases, a terceirização esteve teorias apresentadas. presente em toda a campanha. A comple- De modo geral, vimos que a terceiriza- mentação do grande esforço logístico foi ção aumentou a capacidade operacional das solucionada com a contratação de serviços Forças militares para as atividades de com- e de mão de obra local. De modo geral, bate e de ApCmb nas guerras estudadas. mesmo sendo embrionária, foi notável a uti- No entanto, devemos tomar alguns cui- lização de serviços terceirizados na região, dados, pois o especialista privado pode car- já que o ApLog planejado praticamente regar consigo vícios e defeitos decorrentes esgotou-se no início da primeira fase. A do antigo labor; pode haver a não-realização terceirização foi aumentando, de maneira do trabalho devido ao término do acordo, ou eficiente, até ser realizado um grande laço qualquer tipo de paralisação ou quebra de de parceria com o setor privado do reinado. contrato; e porque os governos não buscam Observamos que, possivelmente pelo mecanismos de controle sobre as EMP. seu não-planejamento, não foi uma expe- Quanto à parte jurídica, a situação riência isenta de problemas. Observou-se também deve ser revestida de zelos em o improviso em sua utilização. relação aos contratos, em relação às me- Apesar dos problemas levantados e in- didas de proteção dos militares privados dependente da função logística executada, pelos comandantes operacionais no TO sua adoção foi fundamental para aliviar e em relação ao cumprimento das tarefas o elevado esforço logístico provido pelas e dos regulamentos disciplinares pelos forças militares dos EUA, permitindo-as se contratados, de modo a se coibirem even- preocupar com o objetivo principal da cam- tuais indisciplinas. Em relação ao DIH, o panha. O provimento da sustentabilidade enquadramento dado aos empregados das necessária, com utilização de fornecedores e

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empregados civis contratados, mesmo ainda A similaridade observada foi a própria sem a doutrina, possivelmente permitiu às terceirização da logística militar no TO, que Forças estadunidenses se preocuparem com foi possível porque em ambas houve grande as atividades de combate e de ApCmb e demanda por ApLog, sendo necessária a serviu de ensinamento para ser amplamente contratação de pessoal, material e serviços utilizada em outras campanhas. para suprir as deficiências. Na 2a Guerra do Golfo, assim como na As singularidades permearam o viés antecedente, observamos o grande esforço de estarem ou não planejadas, de serem logístico. Porém, em se tratando de tercei- sumariamente ou amplamente empregadas. rização das funções logísticas, percebemos As campanhas ocorridas em 1990-1991 en- que sua utilização deu-se em maior escala, fatizaram-se principalmente pelo não-pla- fosse pela necessidade de utilização de uma nejamento da sua utilização e pelo controle equipe especializada da ação em curso para ou pelo menor apoio satisfação das necessi- de outros Estados. Ob- O ApLog terceirizado dades, decorrentes da servamos que as tare- fricção do combate. fas logísticas foram foi imprescindível para Na primeira década realizadas com grande a atuação das Forças do terceiro milênio, eficácia, o que se deu o planejamento para devido ao tempo de Armadas estadunidenses utilização, a experiên- preparo e planejamen- nos dois conflitos cia e a doutrina na re- to para a operação e estudados, entretanto não alização de operações à experiência ante- com a terceirização rior. Nesta contenda, é isenta de problemas ou dos serviços e ativi- um grande número questionamentos dades logísticas supri- de EMP e militares ram o menor ApLog à privados realizaram os Força estadunidense mais diversos tipos de serviços logísticos. e o maior esforço requerido de obtenção. Devido à utilização em grande escala e Na década de 1990, a experiência adqui- ao reduzido auxílio de outros Estados, mui- rida pelos EUA possibilitou a validação do tos problemas foram evidenciados. As EMP emprego de empresas contratadas para reali- não eram transparentes, houve dificuldade zar o ApLog em operações militares. É fato na aplicação do DIH e o controle sobre as que a sumariedade dos serviços contratados EMP e seus servidores era limitado. pelo General Pagonis foi um embrião do que No entanto, observamos mais vantagens viria a ocorrer com a doutrina e com a usual do que adversidades na terceirização do terceirização da logística militar empregada ApLog. O tempo de preparo e planeja- pelos EUA na Operação Iraque Livre (2003). mento, a doutrina, o programa Logcap e Como em qualquer conflito, percebemos a utilização da experiência das EMP con- que as duas guerras produziram muitas tribuíram para amenizar as deficiências de lições, reforçando ou arguindo quanto a carência de recursos de pessoal e material. conceitos, despertando reflexões e propon- Nos detalhes, teríamos muitas seme- do novos estudos. lhanças e diferenças. Procuramos eviden- Hoje pode-se dizer que, provavelmente, ciar aquelas relacionadas à terceirização da o ApLog terceirizado foi imprescindível logística militar. para a atuação das Forças Armadas estadu-

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nidenses nos dois conflitos estudados. No tares tiveram sua capacidade militar au- país, a terceirização da logística militar é tida mentada e puderam focar suas tarefas no como doutrina de planejamento e emprego esforço principal) nas duas guerras e que em apoio às tropas em combate. A experi- pode ser compensatório empregar EMP, ência em conflitos serviu para corroborar desde que sua execução seja planejada e as teorias que enunciavam as vantagens da sejam cerceadas por contratos e revisões terceirização da logística militar. regulamentares (o que talvez não seja de Entretanto, a terceirização não é isenta interesse estadunidense). de problemas ou questionamentos quanto Recomendamos estudos futuros que ao seu emprego em combate e, mesmo indiquem a viabilidade da contratação de tornando-se tendência, não podemos ficar EMP para o apoio logístico a ser realizado reféns das EMP. por ocasião do emprego das forças militares Apesar de algumas contradições, des- brasileiras em operações. Não podemos nos fechamos que a terceirização da logística olvidar de responder se temos condições militar contribuiu para o aumento do de terceirizar tais atividades e se estamos poder militar estadunidense (por mais preparados para absorver o serviço que será que existissem entraves, as forças mili- oferecido pela EMP.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Logística; Guerra do Golfo;

GLOSSÁRIO16

APOIO AO COMBATE (ApCmb) – Apoio prestado numa operação aos elementos de combate, traduzido pelo apoio de fogo, apoio ao movimento e apoio à capacidade de coordenação e controle, com a finalidade de aumentar o poder de combate das unidades de manobra. APOIO DE SERVIÇOS AO COMBATE (ApSvCmb) – No âmbito do apoio logístico realizado no combate, o Corpo de Fuzileiros Navais brasileiro define o apoio de serviços ao combate como sendo como o apoio proporcionado por parcela de um Grupamento Operativo de Fuzi- leiros Navais (GptOpFuzNav) ao conjunto da Força ou Grupamento, por meio de aplicação das funções logísticas essenciais à sua manutenção em combate. É, pois, um caso especial da logística militar, cabendo a ele prover o apoio sob as condições de combate, influenciando, assim, diretamente o cumprimento da missão destes GptOpFuzNav. APOIO LOGÍSTICO (ApLog) – Apoio prestado por organizações militares específicas, abrangendo a execução de atividades das funções logísticas de recursos humanos, de saúde, de suprimento, de manutenção, de transporte, de engenharia e de salvamento para sustentar a capacidade de operação e de durabilidade na ação das Forças. FUNÇÃO LOGÍSTICA – Reunião, sob uma única designação, de um conjunto de atividades logís- ticas afins, correlatas ou de mesma natureza. Divide-se em: engenharia, manutenção, recursos humanos, salvamento, saúde, suprimento e transporte. FUNÇÃO LOGÍSTICA MANUTENÇÃO – Conjunto de atividades que são executadas, visando manter o material na melhor condição para emprego e, quando houver avarias, reconduzi-lo àquela condição.

16 As definições presentes neste glossário foram extraídas dos seguintes manuais: Manual de Apoio ao Combate dos Grupamentos Operativos de Fuzileiros Navais (CGCFN-33, 2008); e Glossário das Forças Armadas (MD 35-G-01, 2007).

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FUNÇÃO LOGÍSTICA RECURSOS HUMANOS – Conjunto de atividades relacionadas com o gerenciamento de pessoal. FUNÇÃO LOGÍSTICA SUPRIMENTO – Conjunto de atividades que trata da previsão e provisão do material, de todas as classes, necessário às organizações e forças apoiadas. FUNÇÃO LOGÍTICA TRANSPORTE – Conjunto de atividades que são executadas, visando ao deslocamento de recursos humanos, materiais e animais por diversos meios, em tempo, e para os locais predeterminados, a fim de atender às necessidades. LOGÍSTICA – 1. Conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão dos recursos de toda a natureza necessários à realização das ações impostas por uma estratégia. 2. Parte da arte da guerra que trata do planejamento e da execução das atividades de sustentação das Forças em campanha, pela obtenção e provisão de meios de toda sorte e pela obtenção e prestação de serviços de natureza administrativa e técnica. LOGÍSTICA MILITAR – 1. Conjunto de atividades relativas à previsão e à provisão dos recursos e dos serviços necessários à execução das missões das Forças Armadas. 2. Conjunto de atividades necessárias para apoiar criação, movimentação, engajamento, desengajamento e desativação de um comando ou força operativa, com base nas estimativas de necessidades por elas formuladas.

REFERÊNCIAS

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MAURILO DE SOUZA VILAS BOAS** Capitão de Fragata (FN)

SUMÁRIO

Introdução O modelo teórico de Arreguín-Toft Definições A tese da interação estratégica Teste quantitativo da teoria da interação estratégica A estratégia da interação e as tendências de longo prazo Conclusões parciais A Guerra do Afeganistão de 2001 até 2002 e a campanha centrada em Forças de Operações Especiais A Guerra do Afeganistão e uma possível mudança no modo de guerra norte-americano As Forças de Operações Especiais e a revisão da estratégia militar norte-americana voltada para a guerra irregular no período pós-Guerra Fria A Operação Liberdade Duradoura no período de 2001 a 2002 O emprego das FOpEsp na Operação Liberdade Duradoura Conclusões parciais Conclusão

* N.R.: Adaptação da monografia apresentada à Escola de Guerra Naval em 2015, com o título original “A Guerra do Afeganistão: O estudo da campanha centrada em Forças de Operações Especiais do ponto de vista da Teoria das Interações Estratégicas”. ** Serve no Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasília. GUERRA ASSIMÉTRICA – Afeganistão

INTRODUÇÃO guerra irregular, e, da análise, retirar algumas conclusões que possam ser de interesse da As emblemáticas imagens de helicópteros Marinha do Brasil (MB), a pesquisa buscará pairando sobre a laje da Embaixada dos Es- responder à seguinte pergunta: o emprego das tados Unidos da América (EUA) no Vietnã Forças de Operações Especiais (FOpEsp), na marcaram indelevelmente a perplexidade da Guerra do Afeganistão, no período de 2001 derrota de uma superpotência perante um a 2002, transcorreu de acordo com o modelo oponente muito mais fraco. No entanto, o fe- teórico de Arreguin-Toft*, no que diz respeito nômeno de grandes Estados sendo derrotados aos resultados da interação estratégica entre as por oponentes mais fracos não traz nenhum forças antagônicas? Respondendo à questão ineditismo. De fato, a história está repleta de conseguiremos validar a teoria para estudo e casos similares: as Guerras Holandesas no aplicação nos dias atuais, dentro do contexto Brasil (1624-1654), a Guerra de Independência dos conflitos irregulares. E disso poderemos ti- em Angola (1961-1974) e a invasão soviética rar a relevância da pesquisa que, acreditamos, no Afeganistão (1979-1989), dentre outros. tenha o potencial de auxiliar no rearranjo das Diferenças entre os poderes combatentes, em tarefas e capacitações das FOpEsp da MB. termos de suas capacidades militares, nível de Para respondermos às questões propostas tecnologia e poder econômico estão entre os conduziremos uma pesquisa que confrontará fatores que afetaram suas respectivas chances o modelo teórico escolhido com uma reali- de vitória. Mas, além das esmagadoras assime- dade específica. Buscaremos, dessa forma, trias de recursos que permeiam os antagonistas as respostas para a questão proposta pela envolvidos em alguns conflitos irregulares, a pesquisa por meio de material bibliográfico dúvida ainda persiste: como atores fracos ven- selecionado, permitindo que a teoria selecio- cem os mais fortes? Alguma explicação plau- nada possa ser confrontada com a realidade sível para essa realidade continua a suscitar a escolhida. O cruzamento dessas informações busca por respostas entre diversos estrategistas nos permitirá identificar a validade da teoria do poder militar e estudiosos do assunto. e se esta, efetivamente, contribuiu para o A fim de tentar nos juntar àqueles que resultado final alcançado. buscam respostas para essa realidade com- plexa e contraditória, estudaremos a teoria O MODELO TEÓRICO DE das interações estratégicas, que traz um ARREGUÍN-TOFT modelo probabilístico de interesse para o escopo desta pesquisa. Tal modelo não A sabedoria convencional relativa ao encerra uma resposta definitiva às nossas resultado dos conflitos é geralmente deriva- indagações, porém lança uma luz coerente da das comparações que tratam das Forças sobre algumas penumbras que envolvem os Armadas disponíveis para emprego, capa- conflitos irregulares. Com o intuito de utilizar cidade econômica e população mobilizável, o modelo teórico, dentro do contexto de uma dentre outros recursos. Em geral, o ator1

* N.R.: Arreguin-Toft é autor do livro “How the weak win wars”, sobre a teoria de conflitos assimétricos (estudos de Cambridge em Relações Internacionais). 1 Atores neste contexto significam Estados ou coalizão de Estados, embora a mesma dinâmica possa ser aplicada a governos, forças rebeldes ou grupos étnicos em guerras civis. Conflitos nesta análise significam guerras (mil mortos em ação por ano), embora novamente dinâmicas similares possam ser aplicadas em conflitos que não são guerras, tais como o terrorismo. Como a análise do modelo teórico foca na assimetria envolvida nos conflitos irregulares, foram excluídas as guerras nas quais a razão das forças mudou em direção à simetria entre o início e o término do conflito (ARREGUIN-TOFT, 2005).

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com a maior quantidade desses recursos é indireta), o ator mais forte deve vencer, esperado que seja o vencedor da contenda de acordo com o que prevê a sabedoria e que a vença na mesma proporção da convencional. Se, no entanto, o ator forte sua vantagem de poder. Essa sabedoria e o fraco empregarem estratégias de abor- convencional mostra-se problemática, no dagens opostas (direta contra indireta ou entanto, porque deixa o resultado de muitos indireta contra direta), o ator mais fraco conflitos sem explicação. tem uma probabilidade de vencer muito O modelo teórico escolhido para esta maior que o ator forte, indo assim contra a pesquisa torna-se bastante útil, uma vez convenção. Assim, a abordagem utilizada que tenta trazer uma previsão probabilística tenderá a determinar a probabilidade de o coerente que explique o porquê da relação ator forte vencer ou perder. entre o poder dos Estados e o resultado dos conflitos irregulares em que estes se envol- Definições vem. Evidencia que os resultados destes conflitos nem sempre A estratégia militar correspondem à pre- passa a ser definida visibilidade de vitó- À disponibilidade de nesta pesquisa como ria dos atores fortes recursos de cada ator, a o plano de emprego na mesma proporção das Forças Armadas da sua vantagem de probabilidade de sucesso na (FA) para a consecução poder. Constatare- guerra irregular depende dos objetivos políti- mos que, em adição da interação entre as cos do Estado. Dentro à disponibilidade de dessa estratégia, duas recursos de cada ator, estratégias adotadas pelos tipologias são adotadas a probabilidade de contendores para ponto de partida sucesso na guerra ir- da construção teórica: regular2 depende da a estratégia ofensiva interação entre as estratégias3 adotadas (adotada pelo ator forte), abarcando o ataque pelos contendores. convencional e a barbárie, e a estratégia Assim, a essência da tese da interação defensiva (adotada pelo ator fraco), englo- estratégica, defendida por Ivan Arreguín- bando a defesa convencional e a estratégia -Toft, é que existem, basicamente, dois da guerra de guerrilhas. Na análise foi padrões dessa interação: a abordagem assumido que os atores fortes iniciam os direta e a abordagem indireta. O resultado conflitos irregulares e que a tipologia das do conflito irregular dependerá de qual estratégias não contempla a solução pacífica dos dois tipos ideais de interação padrão dos conflitos (ARREGUIN-TOFT, 2005). será confrontado. Se o ator forte e o fraco O ataque convencional significa o em- utilizarem as estratégias de mesma aborda- prego das Forças Armadas para capturar gem (direta contra direta ou indireta contra ou destruir as FA adversárias, bem como

2 Conflito armado executado por forças não regulares ou por forças regulares empregadas fora dos padrões normais da guerra regular, contra um governo estabelecido ou um poder de ocupação, com o emprego de ações típicas da guerra de guerrilhas. Divide-se em guerra insurrecional e revolucionária (MD35-G-01). 3 Tradução direta dos termos ingleses empregados pelo autor da teoria: strategy, strategic interaction, strategic approach, direct approach strategy e opposite approach strategy. Esses termos, em português, estão grafados em itálico para não haver conflitos de interpretação com as definições clássicas de estratégia.

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o controle dos recursos dos oponentes prego de Forças de Operações Especiais5, (população, território, cidades, indústrias principalmente nas ações indiretas6. Para vitais, centros de comunicações etc.). Tem esta pesquisa, a barbárie passa a ser cha- como propósito vencer a guerra em um mada de ofensiva indireta (ARREGUIN- combate decisivo ou por meio de uma série -TOFT, 2005). de engajamentos, visando à destruição da A defesa convencional tem como pro- capacidade física de resistir do adversário. pósito o emprego das FA para repelir as Para efeitos desta pesquisa, essa forma de tentativas do inimigo de capturar ou des- emprego passa a ser chamada de ofensiva truir os meios e recursos estratégicos. Tal direta (ARREGUIN-TOFT, 2005). como a estratégia do ataque convencional, A barbárie é o sistemático ou deliberado a defesa convencional tem seu foco nas dano provocado aos não combatentes (NC) FA do oponente e tem como principais para a consecução de um objetivo político exemplos de ações táticas: a defesa está- ou militar. Ao contrário das outras estraté- tica, a defesa em profundidade e a defesa gias, a barbárie vem sendo utilizada para móvel. Para esta pesquisa, a referida forma atingir tanto a vontade como a capacidade de emprego passa a ser chamada de defesa de lutar do inimigo. Historicamente, as direta (ARREGUIN-TOFT, 2005). formas mais comuns de barbárie são o as- A estratégia da guerra de guerrilha (EGG) sassinato de NC, campos de concentração é a organização de uma porção da socieda- e, desde 1939, bombardeios aéreos estra- de com o propósito de impor custos a um tégicos contra alvos de pouco ou nenhum adversário que utiliza forças convencionais valor militar4. Além dessas formas de treinadas, normalmente buscando evitar emprego, são também classificados como confrontações diretas7. Esses custos incluem barbárie campanhas de estupros indiscri- a perda de soldados, suprimentos, infra- minados e emprego de artefatos químicos, -estrutura e o fator mais importante, o tempo8. bacteriológicos e radiológicos, bem como a Embora a EGG, primariamente, ataque as imposição de sanções econômicas e o em- forças inimigas e seus recursos, o objetivo

4 Conforme argumento de PAPE (1996, p. 260-262), uma campanha de bombardeio estratégico que visa aos não combatentes pode ser classificada como barbárie. Quando o bombardeio aéreo visa atingir as forças oponentes do adversário, este pode ser classificado como estratégia de ataque. Ataques contra os recursos do adversário são problemáticos nesse aspecto, visto que os não combatentes, apesar de não serem os alvos principais, serão atingidos da mesma forma. 5 As FOpEsp são aquelas especialmente organizadas, selecionadas, treinadas e equipadas para a condução de Operações Especiais visando à consecução de objetivos militares, políticos, econômicos e informacio- nais, normalmente por meios não convencionais, em áreas politicamente sensíveis, negadas ou hostis (PINHEIRO, 2010). 6 As ações indiretas visam incrementar as capacitações das forças integrantes das organizações opositoras por meio de treinamento, equipamento, transferência de tecnologia e apoio operacional. Inclui os esforços para dissuadir os apoios tácitos e ativos às organizações extremistas nos ambientes em que o governo está incapacitado ou não possui vontade política para neutralizar os santuários dos insurgentes. A ação indireta tenta formatar e estabilizar o ambiente operacional. Impacta contundentemente o inimigo em longo prazo. Esse conceito é o de “drenagem do pântano”, no qual a atividade terrorista é cultivada (PINHEIRO, 2010). 7 De acordo com a estratégia da guerra de guerrilhas, essa estratégia pode evoluir para uma fase final em que a força de guerrilha passa a combater como um exército convencional, buscando a confrontação direta (MAO TSÉ-TUNG, 1961). Nesse caso, o estudo considera que haveria uma mudança na estratégia de abordagem indireta para a direta (ARREGUIN-TOFT, 2005). 8 “Vocês têm o relógio, mas nós temos o tempo”. Anunciado nas campanhas de propaganda talibã contra a ocupação norte-americana no Afeganistão (Autor desconhecido).

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principal não é destruir a capacidade, mas fesa convencionais) visam às FA adversárias sim a vontade de lutar do atacante. A EGG com o propósito de destruir ou neutralizar requer em sua execução dois elementos es- sua capacidade física de lutar. Já as aborda- senciais: um santuário (físico – montanhas, gens estratégicas indiretas (barbárie e EGG), pântanos, florestas ou político – regiões de frequentemente visam à vontade de lutar do fronteira fracamente vigiadas ou controladas adversário, tornando sua capacidade física por Estados simpatizantes) e o apoio da de combate irrelevante. A barbárie visa atin- população (supre a guerrilha com inteli- gir a vontade de lutar do adversário por meio gência, suprimentos e recompletamentos de de assassinatos, tortura e encarceramento pessoal). Para o escopo dessa pesquisa, esta de não combatentes. A EGG visa à vontade forma de emprego passa a ser chamada de do adversário, focando seus esforços nos defesa indireta (ARREGUIN-TOFT, 2005). combatentes inimigos, embora NC também possam se tornar alvos em potencial. A A tese da interação estratégica constante perda de soldados, suprimentos e equipamentos, com uma probabilidade mui- A teoria de Arre- to pequena de alcançar guin-Toft prega que uma rápida resolução cada estratégia possui do conflito, solapa as uma contra estratégia Mao sugeriu que, quando forças políticas e so- ideal para confron- o fraco enfrenta o forte, ciais dos atores fortes tação. Dessa forma, o resultado da interação (ARREGUIN-TOFT, os atores capazes de 2005). antecipar a estratégia de algumas estratégias Assim, as intera- a ser empregada por ora favorece o forte, ora o ções de mesma ori- seu adversário au- gem (direta contra mentam drasticamen- contrário direta e indireta contra te as suas chances de (MAO TSÉ-TUNG, 1961) indireta) implicam vitória adotando a a derrota dos atores contraestratégia apro- fracos, porque não priada para a ameaça percebida. Mao existe nada que possa mediar ou repelir a Tsé-Tung advogava que a derrota é um vantagem de poder do mais forte. Salvo resultado inevitável quando forças nativas, um milagre no campo de batalha, essas utilizando equipamentos inferiores, são interações devem ser resolvidas na pro- empregadas contra forças modernas com- porção da força aplicada. Em contraste batendo nos seus próprios termos (MACK, com essas, as interações opostas (direta 1975). Nesse contexto, Mao sugeriu que, contra indireta e indireta contra direta) quando o fraco enfrenta o forte, o resultado implicam a vitória dos atores fracos, uma da interação de algumas estratégias ora vez que esses se recusam a engajar nos favorece o forte, ora o contrário (MAO termos em que os mais fortes possuem TSÉ-TUNG, 1961). claras vantagens. Esses conflitos tendem, O autor da teoria defende que o universo então, a serem prolongados e, nesse as- de estratégias e contraestratégias pode ser pecto, o tempo corre a favor do mais fraco agregado em dois tipos ideais de abordagens (ARREGUIN-TOFT, 2005). estratégicas: as diretas e as indiretas. As Quando a interação estratégica causa um abordagens estratégicas diretas (ataque e de- atraso não esperado na conquista dos obje-

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Abordagem estratégica do mais fraco

Abordagem direta Abordagem indireta Ator forte Ator fraco tende a Abordagem direta Abordagem estratégica tende a vencer vencer do mais forte Ator fraco tende a Ator forte tende a Abordagem indireta vencer vencer

Resultados esperados da interação estratégica nos resultados dos conflitos Fonte: Arreguin-Toft, 2005

tivos militares e políticos, os atores fortes Teste quantitativo da teoria da interação tendem a perder os conflitos irregulares por- estratégica que, embora todos os combatentes tendam a possuir expectativas inflamadas sobre a vitó- O modelo teórico escolhido testa a teoria ria, os mais fortes são particularmente mais da interação estratégica na análise quantita- suscetíveis ao problema do tempo (MACK, tiva de 202 conflitos assimétricos travados 1975). Se poder implica vitória, então um entre 1800 e 2003. O objetivo é determinar poder esmagadoramente superior tenderia se existe uma relação estatisticamente sig- a implicar uma vitória consideravelmente nificante entre a interação estratégica e o rápida. Como o conflito contra o oponente resultado dos conflitos irregulares. fraco se arrasta, as estimativas de sucesso O método básico da codificação de casos forçam os políticos e os militares a escalar foi o de examinar cada um dos conflitos do o uso da força a fim de alcançarem seus pro- período supracitado. O conflito foi chamado pósitos, a mentirem ou a serem julgados cada de assimétrico9 se a metade do produto da vez mais como incompetentes ou incapazes. multiplicação do efetivo das FA pelo quan- Dessa maneira, a pres- são doméstica forçan- do o fim do conflito tende a crescer. Quanto mais o conflito se pro- longa, maiores são as chances do forte sim- plesmente abandonar a guerra, independente da situação militar no campo de batalha e dos ganhos auferidos Gráfico 1 - Interações estratégicas e os resultados dos conflitos irregulares no (ARREGUIN-TOFT, período de 1800 a 2003 2005). Fonte: Arreguin-Toft, 2005

9 Guerra assimétrica é o conflito armado que contrapõe dois poderes militares que guardam entre si marcantes diferenças de capacidades e possibilidades. Trata-se de enfrentamento entre um determinado partido e outro com esmagadora superioridade de poder militar sobre o primeiro. Nesse caso, normalmente o partido mais fraco adota majoritariamente técnicas, táticas e procedimentos típicos da guerra irregular (MD35-G-01).

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titativo da população de um ator excedeu classificado como empregando a EGG caso o produto simples dos mesmos fatores do ele tenha se proposto a impor custos ao ator adversário na razão de 5:1 ou mais. Nessa mais forte evitando combates decisivos. situação é constatada a assimetria de recur- Cada conflito foi classificado como uma das sos. Se o forte utilizou suas FA para tentar quatro interações estratégicas antes de ser destruir o fraco ou capturar seus recursos, o reduzido a um dos dois tipos de interação ataque foi classificado como convencional. (mesma abordagem ou abordagem oposta) Se o fraco utilizou suas FA contra o forte (ARREGUIN-TOFT, 2005). na tentativa de frustrar esses ataques, foi O resultado final da análise nos mostra classificado como defesa convencional. A que, quando ocorre uma interação estraté- classificação como barbárie foi reservada ao gica de abordagens opostas, a chance de ator forte que sistematicamente atingiu NC, vitória do ator fraco praticamente triplica empregou suas armas indiscriminadamente quando comparada à probabilidade de ou aceitou os danos colaterais em uma cam- sucesso deste no caso de uma interação es- panha de bombardeios aéreos, mesmo quan- tratégica de mesma abordagem, conforme do a avaliação dos danos a serem provocados podemos observar no gráfico 1. colocava em dúvida a necessidade militar da campanha como um todo. Um ator fraco foi A estratégia da interação e as tendên- cias de longo prazo

Em termos de ten- dência, o sucesso dos fracos nos conflitos ir- regulares vem aumen- tando durante o tem- po, conforme pode ser constatado no gráfico 2. Aliado ao fato do aumento na tendência de longo prazo da vi- Gráfico 2 - Percentual de vitória nos conflitos irregulares desde o ano de 1800 tória dos mais fracos, Fonte: Arreguin-Toft, 2005 constata-se também o aumento no emprego da estratégia de abor- dagem oposta, confor- me podemos observar no Gráfico 3. Em síntese, a aná- lise dos dados supor- ta que três hipóteses principais relacionam a interação estratégica utilizada ao resultado Gráfico 3 - Evolução no percentual de emprego da estratégia de abordagens dos conflitos. Primei- opostas desde o ano de 1800 ro, os atores fortes pos- Fonte: Arreguin-Toft, 2005

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suem maior probabilidade de perder inte- estratégica mais vantajosa para o mais fra- rações estratégicas de abordagens opostas. co, perante um inimigo esmagadoramente Segundo, conflitos empregando interação mais forte, seja a busca pela abordagem estratégica de abordagens opostas demo- estratégica oposta. ram mais tempo do que os que empregam a interação estratégica da mesma aborda- A GUERRA DO AFEGANISTÃO DE gem. Terceiro, a frequência na ocorrência 2001 ATÉ 2002 E A CAMPANHA das interações estratégicas opostas, em CENTRADA EM FORÇAS DE que os fortes perdem o resultado final dos OPERAÇÕES ESPECIAIS conflitos, tem crescido em larga proporção (ARREGUIN-TOFT, 2005). Podemos depreender do capítulo an- terior que, em virtude das enormes assi- Conclusões parciais metrias de recursos envolvidas entre os contendores em uma guerra irregular, os Todos os atores envolvidos em um con- atores fracos buscarão, ao menos nos mo- flito, seja ele de grande ou pequena escala, mentos iniciais do conflito, a estratégia in- tendem a trazer para o campo de batalha direta defensiva. Nesse caso, o emprego da todos os seus recursos disponíveis e um estratégia da guerra de guerrilha se mostra plano para o seu emprego. Não pairam dú- a opção mais favorável para enfrentar um vidas de que, em se mantendo iguais todas ator mais forte e tentar contrabalancear sua as outras variáveis, uma farta oferta de re- inferioridade de recursos. Com isso o mais cursos disponíveis para serem empregados, fraco buscará minar a vontade de lutar do quando e onde forem necessários, oferece inimigo por meio de uma campanha militar uma grande vantagem aos seus contendo- de desgaste. A estratégia indireta defensiva res. Porém, se a teoria de Arreguin-Toft torna-se, então, a forma mais vantajosa estiver correta, a adoção de uma estratégia de alcançar o sucesso contra o ator mais de interação apropriada torna-se o principal forte a fim de contornar a lógica esperada fator a ser observado, minimizando, dessa do resultado, em que os fortes vencem a forma, as assimetrias de recursos entre os maioria dos conflitos irregulares, conforme fortes e os fracos. Assim, uma alteração no podemos constatar no gráfico 4. curso previsível do resultado esperado pode Tomando-se como válida a teoria da tornar-se tangível e revelar que a opção interação estratégica, é plausível supor que ambos os contendores seguirão seus preceitos a fim de aumentarem suas probabilidades de sucesso na guerra irre- gular. Nesse caso, o ator forte, diante da estraté- gia indireta defensiva adotada pelo ator fraco deveria, de acordo com a teoria, adotar a estra- tégia indireta ofensiva Gráfico 4 - Vitórias nos conflitos irregulares por tipo de ator, entre 1800 a 2003 a fim de maximizar sua Fonte: Arreguin-Toft, 2005

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probabilidade de sucesso no conflito (76,8% A Guerra do Afeganistão e uma de sucesso nas interações de mesma aborda- possível mudança no modo de guerra gem, conforme o gráfico 1). norte-americano Uma vez que a estratégia da barbárie seja adotada, o ator forte deverá atingir a O ataque de 11 de setembro de 2001 vontade e a capacidade de lutar do oponente determinou um indicador letal de como os por meio do assassinato e tortura de NC, conflitos passariam a ser conduzidos ao re- utilização de campos de concentração, dor do globo. Para aqueles que enxergavam campanhas de estupros indiscriminados, os Estados Unidos da América e seus aliados bombardeios aéreos contra alvos de pouco como inimigos, uma antiga forma de com- ou nenhum valor militar, emprego de arte- bate, a guerra irregular, voltou a tornar-se fatos químicos, bacteriológicos e radioló- uma opção estrategicamente atrativa. Porém gicos, bem como a imposição de sanções agora com uma roupagem ineditamente econômicas e o emprego de FOpEsp, modernizada, na qual, mais do que nunca, principalmente nas ações indiretas. as táticas, as técnicas e os procedimentos Porém é fato irrefutável o amadurecimen- (TTP) tornaram as esmagadoras superiori- to das leis que tratam do Direito Internacional dades tecnológicas e militares dos oponentes Humanitário, bem como de seus órgãos pateticamente ineficazes. Aquele trágico de fiscalização e apuração. Além disso, a evento, que consumiu a vida de cerca de 3 cobertura instantânea oferecida pela moder- mil cidadãos NC, demonstrou ao mundo que nização nos órgãos de comunicação levou o pequenos grupos de extremistas fanáticos, acompanhamento das guerras para dentro dos acreditando que é possível alcançar o paraíso lares em tempo quase real. Assim, as opções ao morrer matando em nome de Deus, eram de emprego da barbárie tornaram-se cada vez capazes de infligir uma agressão absoluta- mais restritas, de certa forma até inaceitáveis, mente impensável, até aquele momento, à perante os olhos da justiça internacional e da única superpotência hegemônica, em seu opinião pública mundial10. próprio território (PINHEIRO, 2010). Restam com isso, como formas aceitá- Logo depois do 11 de Setembro, o veis de estratégia indireta ofensiva, somen- governo George W. Bush deu início à te as sanções econômicas e o emprego das Operação Liberdade Duradoura (Operation FOpEsp. Para efeitos da pesquisa doravante Enduring Freedom), a qual, entre seus ob- conduzida, abordaremos somente a ver- jetivos, visava retirar o regime Talibã do tente do emprego da última, uma vez que poder no Afeganistão, bem como instalar a primeira tem a sua execução muito mais bases avançadas que serviriam de ponta- próxima à condução política do conflito e -de-lança para a caçada a membros da Al- precede o emprego do poder militar, não fa- -Qaeda. A ação militar no Afeganistão tinha zendo assim parte do escopo desta pesquisa. por base o poder aéreo e as FOpEsp. Estas,

10 O problema da barbárie não se restringe ao fato de que essa estratégia não pode vencer guerras (somente em circunstâncias peculiares – normalmente empregada por Forças de Operações Especiais em uma campanha CI), mas ao fato que quase sempre ela leva à perda da paz. Essa tendência histórica não se mostra óbvia até o retorno das potências coloniais após a Segunda Guerra Mundial. Morte, tortura e brutalidade serviam para conter resistências e intimidar apoio social antes da Primeira Guerra Mundial. Após a Segunda Guerra os mesmos métodos tenderam a aumentar a resistência, assim aumentando os custos da ocupação. Atores fortes dispostos e capazes de levarem a barbárie aos seus extremos (como a França na Argélia, sob o comando do General Massu) podem ainda vencer guerras, porém esses métodos hoje são incapazes de alcançar a paz (ARREGUIN-TOFT, 2005).

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além de localizarem alvos para os bom- bardeiros, também se juntaram à Alian- ça do Norte11 para, juntas, derrubarem o Talibã. Tal operação foi aparentemente um sucesso, e logo já se falava em uma mudança do modo de guerra americano (KOZARYN, 2001), o qual, a partir de en- tão, teria as FOpEsp como seu elemento central. Trata-se do que posteriormente ficou conhecido como FIGURA 1 – Elementos das FOpEsp utilizando os mesmos meios de locomoção “modelo afegão”: o dos combatentes da Aliança do Norte uso de FOpEsp, com- Fonte: www.talkingproud.us/Military/Military/TaskForceKBar_files/ binadas com tropas taskforcedaggerhorses.jpg. Acesso em: 27 jul. 2015 locais e apoiadas pela força aérea (JORGE, 2009). no ataque a Mazar-e-Sharif. Eu tenho Donald Rumsfeld12 demonstrou-se bas- dito em um número de ocasiões que a tante satisfeito com o modelo e se tornou guerra ao terror será diferente de qualquer um entusiasta das FOpEsp, que ganharam guerra que lutamos antes. Estes homens então uma proeminência nunca antes vista surpreenderam a todos nós com as suas na história dos EUA. Para o então secretário, solicitações por suprimentos. Eles pedi- as movimentações iniciais no Afeganistão, ram botas, munição… e alimento para onde as FOpEsp se locomoviam, em mui- cavalos. (…) Do momento em que pou- tas oportunidades, montadas a cavalo (Fig. saram no Afeganistão, eles começaram a 1), constituíram-se no “primeiro ataque de se adaptar às circunstâncias no solo. Eles cavalaria do século XXI”: usavam barba e as vestimentas tradicio- “Eu me encontrei com um grupo nais. Eles montavam em cavalos… (…) extraordinário de homens, as Forças No dia agendado, uma de suas equipes Especiais, as quais estiveram envolvidas penetrou e se escondeu atrás das linhas

11 Grupo de organizações armadas que resistia à dominação do Talibã. Geralmente conhecida como Aliança do Norte pela mídia, porém mais precisamente como Shura Nazar, ou Frente Unida Islâmica para a Salvação do Afeganistão. A Aliança do Norte recebia apoio material do Irã, da França e da Rússia. Tal organização detinha um número de fortificações ao norte do Afeganistão, assim como o vital Vale Panjshir, ao norte da capital Cabul. A sua ação era basicamente convencional na natureza e mesmo estática em muitas frentes nas quais o terreno impedia a manobra (MALONEY, 2007). 12 Secretário de Defesa dos Estados Unidos da América nos períodos de 1975-1977 e 2001-2006. Foi um dos pensadores que formataram a Revolução nos Assuntos Militares (RAM) com o seu artigo na Foreign Affairs de mai-jun de 2002, intitulado “Transforming the militaries”.

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inimigas, pronto para chamar pelos ata- Comando de Operações Especiais, já que ques aéreos… Bombas precisas foram seria ampliada a tecnologia disponível para disparadas contra posições do Talibã e da ambos, tornando-os mais letais e importan- Al-Qaeda. Muitos afegãos [a parte aliada tes. O Exército, por outro lado, não ficou aos EUA] se aproximaram do inimigo… satisfeito com os resultados da BUR. Tal Foi o primeiro ataque de cavalaria do arma havia construído sua força em torno século XXI… O que venceu a batalha de blindados e helicópteros, ambos levando de Mazar e fez o Talibã cair do poder foi muito tempo para serem desdobrados no uma combinação da habilidade das For- campo de batalha e precisando de altos ças Especiais; das mais avançadas armas níveis de suprimentos para operarem. Com do arsenal dos Estados Unidos, lançadas a BUR, o Exército viu o seu papel ser di- pela Marinha, pela Força Aérea e pelos minuído. A partir de tal revisão, surgiu a Marines, e da coragem dos lutadores visão de que a projeção de poder dos EUA afegãos, alguns com apenas uma perna.” teria duas bases: o poder aéreo e as FOpEsp. (RUMSFELD, apud JORGE, 2009, p. 2). Esse era o quadro de trabalho, aliás com o qual os planejadores trabalharam quando As Forças de Operações Especiais e delinearam a invasão do Afeganistão quase a revisão da estratégia militar norte- uma década depois (JORGE, 2009). americana voltada para a guerra Nessa nova concepção, as FOpEsp viam irregular no período pós-Guerra Fria a sua nova missão da seguinte maneira: de- veriam levar o recurso da letalidade o mais Quando o Presidente William (Bill) rápido possível a qualquer lugar do globo. Clinton (1993-2001) nomeou Leslie Aspin Dessa forma, elas propuseram três maneiras seu secretário de Defesa, em 1993, ao novo de fazê-lo. Primeiro, as suas próprias forças secretário foi dada a missão de definir a poderiam entrar rapidamente em um país estratégia militar norte-americana para o hostil e executar operações cobertas13 de contexto do pós-Guerra Fria. Aspin ini- forma precisa. Segundo, as Forças Espe- ciou um processo chamado “Revisão de ciais14 do Exército poderiam penetrar as Baixo para Cima” – Bottoms-Up Review fronteiras de determinado país, juntar-se às (ou BUR) –, cuja missão era repensar cada forças locais que eventualmente comparti- aspecto da política militar norte-americana lhassem dos interesses dos Estados Unidos (JORGE, 2009). e guiá-las nas batalhas. Essa modalidade Os militares norte-americanos ficaram de ação indireta é conhecida como com- divididos quanto à visão de Aspin. A For- bate não convencional (Unconventional ça Aérea apoiou, da mesma forma que o Warfare – UW)15. Finalmente, os opera-

13 Em uma operação coberta, a identidade do promotor está oculta, enquanto numa operação clandestina a própria operação é ocultada (PINHEIRO, 2010). 14 Força especializada na condução de guerra irregular que, pela versatilidade que lhe confere a estrutura, o grau de instrução e o grande número de especialistas, pode ser empregada em grande variedade de missões que contribuem para a consecução dos objetivos da força como um todo (MD35-G-01). Compõe, juntamente com as tropas de comandos, mergulhadores de combate, resgate aeroterrestre, dentre outras, as FOpEsp. 15 O combate não convencional tem o seu entendimento distorcido por ser visto, de uma maneira geral, como a negação do combate regular, o que configura um equívoco grave. Trata-se de operações destinadas a serem conduzidas por forças irregulares nativas aliadas visando desestabilizar governos hostis ou ilegítimos. O requisito fundamental do UW é o estímulo e o apoio à comunidade nativa, que não possui capacidade para desafiar o governo hostil por si mesmo (PINHEIRO, 2010).

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dores especiais deveriam localizar alvos envolvidos. O fato de que os Boinas Verdes e solicitar apoio aéreo contra tais alvos16. podiam trabalhar bem em sincronia com a E deveriam fazer isso em dias, em vez de Diretoria de Operações da Agência Central meses (JORGE, 2009). de Inteligência (CIA) aumentou ainda mais O modo de guerra sugerido por Aspin a utilidade dos “Profissionais Silenciosos”. aumentou a dependência dos EUA em O Exército finalizaria o trabalho e ocuparia relação às outras nações, bem como em o país eventual. Na nova visão de Aspin, o relação às forças locais. Isso levou as papel de combate do Exército começaria no Forças Especiais ao centro da estratégia fim do auge da guerra (FRIEDMAN, 2004). emergente, já que era seu trabalho fazer Em 25 de maio de 2001, o Presidente com que uma força local do país hospedeiro George W. Bush usou seu discurso aos lutasse de acordo com os interesses dos formandos da Academia Naval de Anna- norte americanos. polis para estimular mais criatividade no As Forças Especiais (também conheci- pensamento militar. O Presidente disse das como Boinas Verdes) foram criadas nos que queria construir uma força futura que anos 1950 com a missão de conduzir guerra fosse menos definida pelo tamanho e mais por meio das táticas de guerrilha atrás das moldada pela invisibilidade, precisão e linhas soviéticas no caso de uma guerra na informação (JORGE, 2009). Estava as- Europa (dado o contexto da Guerra Fria). sim sendo lapidado o futuro papel que as As Forças Especiais desenvolveram-se FOpEsp viriam assumir poucos meses na Guerra do Vietnã (1959-1975) como depois do emblemático discurso. uma força que podia conduzir operações irregulares por conta própria, ou com for- A Operação Liberdade Duradoura no ças vietnamitas ou do Laos – às quais as período de 2001 a 200217 Forças Especiais davam treinamento. As Forças Especiais eram a chave de todo o A campanha de bombardeios no Afe- novo conceito que emergia nos EUA dos ganistão começou na noite de 7 de outubro anos 1990. Foram feitas para moverem-se de 2001 e focou, inicialmente, em destruir antes do início de uma batalha principal, defesas aéreas limitadas e a infraestrutura juntarem-se às forças amigas dentro de de comunicação do Talibã. Porém equipes determinado país, entregar inteligência das FOpEsp norte-americanas e britânicas aos comandos superiores e também ata- conduziram operações de busca no Afega- car forças inimigas diretamente quando nistão ao menos uma semana antes. Em 15 necessário. Do ponto de vista de Aspin, de outubro daquele ano, equipes designadas as Forças Especiais eram a solução para o a fazerem contato com os principais líderes problema estratégico dos Estados Unidos, tribais da Aliança do Norte foram infiltradas principalmente no cenário das guerras e iniciaram os preparativos para a ação ofen- irregulares, que descortinavam os futuros siva combinada contra o Talibã. Algumas conflitos em que norte-americanos estariam das principais ações de combate ocorreram

16 O sucesso do método não se deu por conta do poder aéreo, a despeito de sua importância fundamental, mas sim em função do eficaz emprego das suas FOpEsp solicitando o apoio aéreo no momento e local exatos, minimizando os danos colaterais e a consequente perda do apoio da população local (JORGE, 2009). 17 A Operação Liberdade Duradoura foi lançada em 7 de outubro de 2001 e oficialmente encerrada em 28 de dezembro de 2014, com a dissolução da International Security Assistance Force (Isaf). Tropas da Organi- zação do Tratado do Atlântico Norte (Otan) permanecem no país conduzindo uma nova missão, batizada como Resolute Support.

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nas montanhas ao sul de Mazar-e-Sharif (a quarta maior cidade afegã), quando equipes das FOpEsp, trabalhando com os Generais Abdul Rashid Dostum e Atta Mohammed (ambos da Aliança do Norte) partiram do Norte através de Mazar até os vales dos rios Dar-ye Suf e Balkh. A queda de Mazar-e- -Sharif derrubou a posição do Talibã no nor- te do Afeganistão (Fig. 2). A capital, Cabul, caiu sem nenhuma luta em 13 de novembro de 2001 (BIDDLE, 2002). Com a queda de Cabul e Kunduz, as aten- FIGURA 2 - Localização das montanhas de Tora ções se voltaram à bem defendida Kandahar. Bora e as áreas de controle da Aliança do Norte e Na noite de 6 de dezembro, o Mulá Moham- Talibã Fonte: www1.folha.uol.com.br/folha/mundo/ med Omar e a liderança do Talibã escaparam images/mapa-afeganistao_270x180.gif. Acesso 27 da cidade e se esconderam, terminando, jul. 2015. Acesso em: 27 jul. 2015 assim, o governo Talibã no Afeganistão.

FIGURA 3 – Complexo de cavernas nas montanhas de Tora Bora utilizadas pelo Talibã e Al Qaeda Fonte: truthseekers.cultureunplugged.com/.a/6a011279022a6e28a4017ee83b86d8970d-pi. Acesso em: 27 jul. 2015

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Em seguida, as forças aliadas seguiram um gunda fase18. Em conjunto com as operações grupo de sobreviventes da Al-Qaeda, em terrestres da Aliança do Norte, as FOpEsp uma série de refúgios (Fig. 3) perto de Tora obtiveram êxito ao desalojar os combatentes Bora (um complexo de cavernas situado na do Talibã e da Al Qaeda de suas posições província de Nangarhar, no leste do Afega- defensivas convencionais. Na terceira fase, nistão). Os refúgios foram tomados em uma conduzida nas montanhas de Tora Bora, foi batalha que durou 16 dias, embora parte do observado que as ações das FOpEsp e de seus comando da Al-Qaeda tenha escapado, atra- relutantes aliados não foram suficientes para vés da fronteira com o Paquistão, levando bloquear a fronteira com o Paquistão e levar consigo o líder maior, Osama Bin Laden o combate ao inimigo abrigado em cavernas. (ANDRES; WILLS; GRIFFITH JR., 2005). A quarta fase foi caracterizada pela chamada Até abril de 2002, ocorreu o que pode ser Operação Anaconda, na qual foram empre- descrito como as quatro fases da Guerra no gadas as forças convencionais dos EUA e Afeganistão, conforme observado na tabela a pequenas equipes de FOpEsp pertencentes seguir: a primeira fase foi muito curta, sendo às Forças Aliadas. Porém, novamente, pa- aplicado somente o poder aéreo com pouco rece que o inimigo conseguiu desaparecer êxito. A infiltração das FOpEsp para apoiar em direção ao outro lado da fronteira com o as forças da Aliança marcou o começo da se- Paquistão (JORGE, 2009).

Fase Características Período Resultado Ataques aéreos contra Ineficaz para desalojar I alvos levantados por 7-20 Out 01 o Talibã. Os terroristas inteligência afegã mantiveram a iniciativa. Muito eficazes em forçar FOpEsp e a CIA no terreno o Talibã e a Al Qaeda para assessorar, coordenar o 21 Out - 15 para as montanhas. EUA II apoio aéreo aproximado, coletar Dez 01 e Aliados ganharam a dados e efetuar reconhecimento iniciativa. Rapidamente limparam o país. Al Qaeda intimidou as Forças Aliadas, as quais Al Qaeda localizada em 16 Jan - 18 “regressaram para casa” III posições fortificadas nas Mar 02 depois de haver declarado montanhas Tora Bora a vitória. Al Qaeda tomou a iniciativa dos Aliados. Forças convencionais dos EUA Ineficaz. Muito similar à empregadas para desalojar 15 Dez - 15 guerra Soviético-Afegã. A Al IV a Al Qaeda das cavernas Jan 02 Qaeda arrebatou a iniciativa de Shah-i-Kot (Operação e escapou. Anaconda)

As fases da guerra irregular na Guerra do Afeganistão de 2001 até março de 2002 Fonte: WILCOX; WILSON, 2002

18 Para efeitos dessa pesquisa, a segunda fase da Guerra do Afeganistão, de maneira geral, passa a ser categorizada como a segunda fase deste período, que abrange a janela de tempo que vai de outubro de 2001 a janeiro de 2002.

RMB3oT/2016 171 GUERRA ASSIMÉTRICA – Afeganistão

Se examinadas as quatro fases objeti- campanha sustentada. O poder de fogo de vamente, observa-se que as forças da Al precisão orientado pelas FOpEsp transfor- Qaeda não adotaram a estratégia defensiva mou radicalmente a campanha estaduni- indireta durante as duas primeiras fases da dense, aumentando a capacidade do poder guerra, conforme supostamente esperado. aéreo em destruir as forças terrestres do Elas se encontravam Talibã e minimizando, desdobradas em posi- ao mesmo tempo, o ções defensivas, cons- A campanha militar no dano colateral (Fig. tituindo assim uma 4). Assim, a campa- defesa convencional. Afeganistão transformou- nha militar no Afega- Somente depois de se em uma campanha nistão transformou-se derrubadas do poder, centrada em Forças de em uma campanha ao final da segunda centrada em Forças de fase, foram capazes Operações Especiais Operações Especiais de travar a guerra de (ANDRES; WILLS; maneira mais eficaz GRIFFITH JR., 2005). para suas forças, seguindo, dessa maneira, Outro aspecto digno de nota na o modelo teórico em estudo. Ou seja, pas- Guerra do Afeganistão foi a capacidade saram para a estratégia indireta defensiva, das FOpEsp operarem neste ambiente adotando a estratégia da guerra de guerrilha de forma totalmente fluida. Essas forças como opção defensiva. puderam infiltrar-se nas fileiras das For- Na segunda fase, o mais importante a se ças da Aliança e criar uma potente força observar foi o crescimento do número de moral, equilibrando o aspecto físico com equipes das FOpEsp e da CIA trabalhando o mental e moral. Essas equipes foram com a oposição no Afeganistão. No meio verdadeiramente adaptáveis, e suas ati- de outubro de 2001, apenas três equipes vidades permitiram criar o conceito de de Forças Especiais, cada uma com 12 exploração de arrasto (LIND, 2005). Isto homens, estavam no Afeganistão. No meio é, os elementos de exploração (as FOpEsp de novembro, eram dez. Em 8 de dezembro, eram 17 (O’HANLON, 2002).

O emprego das FOpEsp na Operação Liberdade Duradoura

A operação militar que os EUA con- duziram para derrotar o regime Talibã no Afeganistão em 2001 representa algo novo na guerra. Nunca antes o poder aéreo e as FOpEsp tiveram o papel principal em uma guerra. Embora o emprego das FOpEsp, orientando o poder aéreo, em apoio aos aliados nativos, não fosse um fato totalmen- FIGURA 4 – Elementos das FOpEsp guiando o apoio de fogo aéreo sobre as posições talibãs te novo, poucos, mesmo entre as FOpEsp, Fonte: www.americanspecialops.com/images/ poderiam imaginar um momento em que operations/sof-afghanistan/sof-airstrike.jpg. Acesso isso constituiria o esforço central em uma em: 27 jul. 2015

172 RMB3oT/2016 GUERRA ASSIMÉTRICA – Afeganistão

neste caso) arrastaram o resto da força em capacitados, respaldadas por apoio aéreo direção à menor resistência para obter especial e por aliados (alguns dos quais uma considerável vitória por meio da de aliança duvidosa), é possível que te- manobra (aspecto fundamental da Guerra nha sido estabelecida a fundação de uma de Manobra19). Estavam capacitadas pela força capaz de enfrentar, de forma eficaz tecnologia a um nível nunca visto (comu- e eficiente, inimigos que, apesar de irre- nicações diretas com aeronaves e muni- gulares, empregavam as táticas regulares ções dirigidas de precisão). Embora não no período selecionado para esta pesquisa. devamos minimizar as contribuições das Os combates nas montanhas de Tora Bora novas tecnologias, o fato é que a diferença demonstraram que as FOpEsp eram mais entre a ineficácia da primeira fase e a alta aptas que as forças convencionais para esse eficácia da segunda residia no combatente tipo de conflito. Uma pequena presença de Operações Especiais no terreno. As americana, em vez de grande, pareceu ser fotos dos combatentes em vários tipos de a maneira ideal para combater esse tipo de uniformes, montados em cavalos, mulas, adversário. Melhor dito, as operações em equipados com computadores portáteis, Tora Bora demonstraram que as FOpEsp retratavam uma cena na qual estas equipes, podem ser tão eficazes quanto uma grande totalmente conscientes das Intenções do força norte-americana, com todos os meios Comandante20, exploraram, sempre que de comando, controle e logísticos (WIL- possível, os pontos fracos da Al Qaeda e COX; WILSON, 2002). do Talibã (WILCOX; WILSON, 2002). Durante a segunda fase da Guerra do Conclusões parciais Afeganistão, as FOpEsp e seus novos alia- dos conseguiram o equivalente ao que fez Neste capítulo, pudemos constatar que a Blitzkrieg alemã nas planícies da França os EUA adotaram a abordagem estratégica durante a Segunda Guerra Mundial, apesar adequada (abordagem estratégica ofensiva de lutarem contra forças pouco armadas em indireta por meio do intenso emprego das comparação com os franceses. A rapidez FOpEsp), no período coberto pela pesqui- com a qual as equipes de FOpEsp e os com- sa, frente a um inimigo que, por força das batentes aliados cumpriram suas missões circunstâncias esmagadoramente assimé- foi impressionante (WILCOX; WILSON, tricas, deveria ter adotado a estratégia de- 2002). Ao final da segunda fase, apenas fensiva indireta como forma mais vantajosa alguns agentes da CIA e 316 soldados das de defesa. Porém, demonstrando toda sua FOpEsp derrubaram o regime Talibã. complexidade, a realidade constatada foi Há indícios de que, com o emprego das contraditória, e o Talibã adotou a defesa FOpEsp no Afeganistão, ou seja, com a convencional nas duas primeiras fases do utilização de pequenas células compostas conflito. Mesmo assim, foi observado, con- de militares experientes e extremamente traditoriamente, que o resultado esperado

19 Estilo de guerra que visa comprometer o centro de gravidade do inimigo, por meio de ações rápidas e decisivas que neutralizem ou retardem sua capacidade de observação, orientação, decisão e ação, não lhe permitindo completar o ciclo decisório. Para isso procura, dentre outras medidas, destruir ou paralisar sua capacidade de comando e controle. A ideia é torná-lo incapaz de resistir coordenada e efetivamente, desencadeando ações que afetem moral, mental e fisicamente a coesão (MD35-G-01). 20 A intenção do comandante representa o modo como a operação será executada e o estado final a ser alcançado. Incluirá, ainda, a concepção geral das operações, o detalhamento de cada fase da campanha e as instruções de coordenação (MD35-G-01).

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da interação na segunda fase deste conflito transcorreu de acordo com o modelo teórico (ofensiva indireta versus defensiva direta) de Arreguin-Toft, no que diz respeito aos fugiu da expectativa do modelo teórico de resultados da interação estratégica entre Arreguin-Toft, em que a maior probabili- as forças antagônicas? Respondendo à dade de sucesso seria do ator fraco, com questão, conseguimos validar a teoria para 63,6% chances de sucesso e não o sucesso estudo e aplicação nos dias atuais, dentro do do ator mais forte, conforme verificado. contexto dos conflitos irregulares. E disso Constatamos que a abordagem estratégia podemos tirar a relevância da pesquisa que, ofensiva indireta norte-americana, no perío- acreditamos, tenha o potencial de auxiliar do de tempo selecionado como escopo desta no rearranjo das tarefas e capacitações das pesquisa, permitiu que, surpreendentemente, FOpEsp da Marinha do Brasil. em apenas 16 dias, pouco mais de três cen- Para a realização desta pesquisa foi tenas de soldados das FOpEsp desalojassem escolhido o modelo teórico das interações os combatentes do Talibã e da Al Qaeda de estratégicas. Este traz uma previsão pro- suas posições defensivas convencionais e babilística coerente que explica por que a derrubassem o regime Talibã. Essas tropas relação entre o poder dos Estados e o resul- empregaram poder de fogo precisamente tado dos conflitos irregulares não responde guiado, reduzindo o efeito colateral e arras- à previsibilidade da vitória dos atores fortes tando o resto da força em direção à menor na mesma proporção da sua vantagem de resistência. Esta realidade permitiu clas- poder. Foi selecionada também a realidade sificar a campanha militar no Afeganistão histórica da Guerra do Afeganistão, onde, como uma campanha centrada em FOpEsp durante uma fase específica da Operação e, possivelmente, estabeleceu a fundação Liberdade Duradoura, o emprego das FO- de uma força capaz de enfrentar, de forma pEsp confrontou as forças do Talibã e da eficaz e eficiente, inimigos irregulares. Mes- Al Qaeda e o resultado desta interação não mo quando estiveram operando de forma seguiu o previsto no modelo teórico em lide. regular, conforme constatamos na segunda Para a consecução do propósito, foram fase do conflito selecionado para a pesquisa. analisados alguns aspectos de interesse da Porém, faz-se necessário ressaltar que o Guerra do Afeganistão. Mais precisamen- cenário mais provável para os norte-ame- te, focamos nossa atenção na segunda fase ricanos será o de continuar enfrentando do conflito, de 2001 até o ano de 2002, em oponentes irregulares. Essa é a opção es- que confrontamos o emprego das FOpEsp tratégica mais vantajosa para um ator fraco norte-americanas e a teoria de Arreguin- operando contra um ator assimetricamente -Toft. Assim, esta pesquisa foi construída mais forte. Nesse cenário provável, as FO- em dois capítulos: o primeiro abordando o pEsp continuarão sendo uma ferramenta modelo teórico das interações estratégicas muito valiosa no rol de opções militares a e a expectativa probabilística dos resulta- serem implementadas. dos dos conflitos irregulares e o segundo interagindo a teoria escolhida e a realidade CONCLUSÃO observada em uma fase específica da Guer- ra do Afeganistão. O propósito selecionado para esta pes- No primeiro capítulo, observamos que, quisa foi o de responder à seguinte pergun- de acordo com a teoria, a adoção de uma ta: o emprego das FOpEsp, na Guerra do interação estratégica apropriada torna-se o Afeganistão, no período de 2001 a 2002, principal fator a ser observado, em contra-

174 RMB3oT/2016 GUERRA ASSIMÉTRICA – Afeganistão

posição às expectativas criadas em torno sentou uma ferramenta militar de valiosa das assimetrias de recursos entre os atores importância no rol das opções estratégicas antagonistas. Assim, podemos licitamente a serem analisadas em uma guerra irregular. constatar que a opção estratégica mais O emprego dessas tropas especiais reduziu, vantajosa para o mais fraco perante um ini- sobremaneira, a presença de tropa estran- migo mais forte é a busca pela abordagem geira em solo afegão e minimizou os efeitos estratégica oposta. colaterais dos ataques aéreos. Esses fatos No segundo capítulo, constatamos que o mitigaram, provavelmente, uma possível resultado esperado da interação, na segunda mudança da opinião pública contra a ocu- fase da Guerra do Afeganistão (ofensiva pação americana em favor do Talibã e da indireta versus defensiva direta), fugiu à Al Qaeda, evitando que a balança pendesse expectativa do modelo teórico selecionado, a favor deles. Assim, constatamos que, pos- em que a maior probabilidade de sucesso sivelmente, o emprego de uma campanha seria do ator fraco com 63,6% chances de centrada em FOpEsp tenha estabelecido sucesso e não o suces- um modelo eficaz e so do ator mais forte, eficiente de enfrentar conforme verificado. O emprego de uma um adversário irre- Além disso, observa- campanha centrada em gular, mesmo quando mos que a campanha empregou táticas con- militar norte-ameri- FOpEsp, possivelmente, vencionais. cana no Afeganistão estabeleceu um modelo Por fim, a pesquisa consagrou o chamado indicou a importân- “modelo afegão” de eficaz e eficiente de cia do emprego das guerra e marcou o que enfrentar um adversário FOpEsp na guerra ir- veio a ser classificado irregular, mesmo regular e sugere que como uma campanha a MB, caso conside- centrada em Forças de quando empregou táticas re de interesse estar Operações Especiais. convencionais pronta para todos os Concluindo a pre- espectros de atuação sente pesquisa, cons- neste tipo de conflito, tatamos a validade do modelo teórico forme e adestre as suas FOpEsp para a apresentado e a importância dessa teoria Unconventional Warfare, primordialmen- para a aplicação nos conflitos irregulares, te na condução das operações focadas nas uma vez que os pressupostos de Arreguin- forças irregulares nativas. Capacitação -Toft responderam de forma satisfatória as essa que, atualmente, somente as Forças razões do sucesso dos mais fracos perante Especiais do Exército Brasileiro possuem. os mais fortes. Essa realidade se mostra, Além disso, o incremento na integração ao mesmo passo, intrigante e indutora de entre as FOpEsp do Brasil faz-se mister, reflexões estratégicas para os Estados que principalmente nos aspectos relacionados se vejam envolvidos nos conflitos irregu- à condução, coordenação e controle do lares, esteja ele representando o lado forte apoio de fogo aéreo provido pelas aero- ou o lado fraco. naves de ataque ao solo da MB e da Força Constatamos também que o emprego Aérea Brasileira. das FOpEsp norte-americanas contra um Mas, talvez, tão importante quanto o que inimigo operando de forma irregular repre- a pesquisa conclui, ou até mais, é o que ela

RMB3oT/2016 175 GUERRA ASSIMÉTRICA – Afeganistão

sugere. E esta sugere que as FOpEsp pro- nal. Podemos considerar então as FOpEsp porcionam à Estrutura Militar de Defesa a como um pequeno investimento, cada vez flexibilidade necessária à consecução dos mais lucrativo, diante do complexo am- seus objetivos e explica por que constituem biente irregular que o futuro sempre está a um instrumento discreto do Poder Nacio- nos descortinar.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Guerra do Afeganistão; Guerrilha; Guerra assimétrica;

REFERÊNCIAS

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RMB3oT/2016 177 AO TEMPO, ESTOU OBRIGADO: a mundividência

(Homenagem ao VA(EN) Bittencourt)

MARCELLO JOSÉ GOMES LOUREIRO* Capitão de Corveta (IM)

uando a gente anda sempre em uma característica muito explícita no Al- “Qfrente, não pode mesmo ir mui- mirante Bittencourt: sua mundividência, ou to longe...”,1 porque afinal “só se vê bem seja, sua larga e profunda visão do mundo. com o coração. O essencial é invisível aos Graças a ela, a Diretoria do Patrimônio His- olhos”.2 As palavras melódicas, germina- tórico e Documentação da Marinha pôde se das das aventuras de O Pequeno Príncipe, tornar uma referência de qualidade incon- de Antoine de Saint-Exupéry, ainda que testável em suas diversas áreas técnicas de marcantes, não eram assim tão originais. atuação. No princípio, nada estava dado. O Em 1672, o padre Antônio Vieira, consi- caminho foi longo, sempre permeado por derado pelo poeta Fernando Pessoa como o muito trabalho, superação de obstáculos e “imperador da língua portuguesa”, escrevia dedicação. Tudo foi conquistado. que não se pode esperar bom governo ou Mas, como o próprio Almirante Bitten- amparo de quem não viu mais mundo que court disse várias vezes, a Diretoria somos de Lisboa a Belém ou a quem só o viu do nós; são as pessoas. Sua contribuição então Cais da Pedra até Sacavém.3 não pode ser referida apenas em grandes Tanto Antônio Vieira como Saint- feitos. Não pode ser sintetizada naquilo -Exupéry sublinharam a centralidade de que é visível aos olhos. Afinal, quantos

* Doutor em Histoire et Civilisations (Paris, França). Doutor em História Social (Programa de Pós-Graduação em História Social-Universidade Federal do Rio de Janeiro). Encarregado da Divisão de Intendência da DPHDM. 1 SAINT-EXUPÉRY, Antoine de. O Pequeno Príncipe. 49ª Edição. Rio de Janeiro: Agir, 2015, p. 18. 2 Ibidem, p. 72. 3 Carta de Antônio Vieira a Duarte Ribeiro de Macedo. Roma, em 13 de dezembro de 1672. Publicada em Cartas de Antônio de Vieira. Organizadas por João Lúcia de Azevedo. Vol. II. São Paulo: Globo, 2009, p. 359-360. AO TEMPO, ESTOU OBRIGADO: a mundividência

orientou? Em quantas trajetórias interferiu? dade de outrem. É assim o nível cognitivo Sem dúvida, por incontáveis vezes, deixou do reconhecimento. É exatamente deste seu exemplo, modificou vidas, fez nascer modo que agradecem frequentemente os esperança, espalhou mundividência. que falam inglês, quando dizem thank É por isso, Almirante Bittencourt, que you, ou os alemães, quando expressam zu agora nos reunimos para agradecer por ter danken. Agradecer e pensar nessas línguas nos conduzido por mais de uma década. tem, aliás, a mesma origem etimológica.6 Deixou indelevelmente vossa marca nesta Isso é muito compreensível, pois, como Diretoria, e também em nossos corações. todo mundo sabe, só está verdadeiramente Este não poderá ser um momento triste, agradecido quem pensa no favor que re- ainda que de intensa emoção. Sabemos cebeu como tal. O segundo nível é aquele todos que esta Diretoria é uma Organização que se traduz por louvar (gratias agere) e Militar que tem uma missão muito distinta, dar graças: dar graças a alguém por aquilo a de difundir consciência marítima; assim, que alguém fez por nós. As línguas latinas conta com suas singularidades, ou mesmo bem agradecem assim: os franceses dizem guarda unicidade. Pois saiba que o Senhor merci, enquanto os italianos dizem grazie Almirante é uma pessoa de características e espanhóis, gracias; ou seja, dão graças únicas. É nesse sentido que me lembro no- pelo que antes tiveram. vamente das palavras do Pequeno Príncipe: O terceiro nível do Tratado da Gratidão “Se alguém ama uma flor da qual só existe (o mais profundo) é o do vínculo, aquele um exemplar em milhões e milhões de es- que cria sentimentos de pertença, que trelas, isso basta para fazê-lo feliz quando estabelece compromissos mais longevos a contempla”.4 Sigamos juntos, então, em e firmes. O interessante é que, ao que pa- mútua contemplação! Muito obrigado! rece, a língua portuguesa é a única capaz Penso que devo explicar ou advertir o que de agradecer neste nível mais intenso. quero realmente dizer com “muito obriga- Nessa lógica, quando dizemos “obrigado”, do”.5 Não se trata precisamente de uma ex- estamos exatamente agradecendo no nível plicação autoral, já que tributária de muitos mais aprofundado possível: agradeço tão outros. Remeto-me brevemente ao Tratado profundamente que passo a ter obrigação da Gratidão, de São Tomás de Aquino, do convosco, estou obrigado a alguém, estou século XIII. Nesse Tratado, São Tomás vinculado a alguém, estou comprometido tripartiu a ideia de agradecimento em três convosco. níveis distintos, um mais superficial, outro Assim, é exatamente no terceiro nível intermediário e um terceiro mais profundo. do agradecimento tomista, aquele em que O primeiro nível, mais superficial, é o se subscreve extrema gratidão, sólido com- de alguém que agradece porque simples- promisso e vinculação, que se deve dizer mente reconhece o benefício recebido. ao Sr. Almirante Bittencourt, sem sopesar: Reconhece-se, neste caso, a intelectuali- Muito obrigado!

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Homenagem; DPHDM;

4 SAINT-EXUPÉRY, op. cit., p. 30. 5 LAUAND, Jean. Antropologia e Formas quotidianas: a Filosofia de S. Tomás de Aquino subjacente à nossa linguagem do dia a dia. Disponível em http://hottopos.com/notand1/antropologia_e_formas_quotidiana.htm 6 Veja, por exemplo, em inglês, to think e to thank.

RMB3oT/2016 179 DISSOLUÇÃO DE CONFLITO ENTRE COMUNIDADES NO HAITI*

RAPHAEL DO COUTO PEREIRA** Capitão-Tenente (FN)

SUMÁRIO

Introdução Origem da Cimic: breve histórico Cimic e a Minustah: Inserção do Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais Conflito entre Simon e Pelé A Cimic como caminho para a paz Consolidação do Acordo e manutenção da paz na região: um novo desafio Conclusões

INTRODUÇÃO mente, o processo de dissolução do conflito entre duas comunidades, Simon e Pelé, lo- pós 11 anos da Missão das Nações calizadas na região metropolitana de Porto AUnidas para Estabilização do Haiti Príncipe, capital do Haiti, foi uma impor- (Minustah), completados em 2015, ainda tante lição aprendida para a Força de Paz. colhemos importantes aprendizados nesse A dissolução de conflito e a manutenção ambiente operacional complexo. Recente- da paz entre duas localidades que nutriam

* N.R.: Título original: Dissolução do conflito entre as comunidades Simon-Pelé na cidade de Porto Príncipe, Capital do Haiti: Coordenação civil-militar como prevenção, gerenciamento e solução de conflitos nas Operações de Paz. ** Serviu no Batalhão Humaitá, no Comando da Força de Fuzileiros da Esquadra, no 18o e 21o Contingentes do Haiti. Atualmente faz curso de Aperfeiçoamento de Oficiais Fuzileiros Navais. Mestrando do curso de Defesa e Segurança Civil na Universidade Federal Fluminense. DISSOLUÇÃO DE CONFLITO ENTRE COMUNIDADES NO HAITI

rivalidades históricas foram conseguidas basicamente definida como a coordenação pelo esforço conjunto e contínuo das ativi- e a cooperação em apoio à missão, entre os dades táticas e de coordenação civil-militar componentes militares (militar e policial — Civil Military Coordination (Cimic) —, em uma missão de paz multidimensional) reafirmando a importância das atividades e civil, ligando-se também à população e Cimic para a prevenção, o gerenciamento às autoridades locais, às ONG e a outras e a solução de conflitos em Operações de agências nacionais e internacionais. Na Paz. Este artigo tem por objetivo descrever verdade, esse conceito já tinha seu esboço como esse processo de paz foi desenvolvi- rudimentar no período do Império Romano, do, bem como as fases e metas adotadas quando, após as conquistas locais, grupos para se alcançar um processo de conquista de “soldados construtores” consolidavam e manutenção da paz sustentável. suas vitórias, conquistando os habitantes locais e reconstruindo fisicamente essas Origem da Cimic: breve histórico sociedades afetadas. (KLOKER, 2009). No âmbito ONU, utiliza-se outra abre- Após a Segunda Guerra Mundial, com a viatura para Cimic, que é CMCoord (Civil- bipolaridade do mundo moderno na Guerra -Military Coordination). A CMCoord parte Fria, as questões humanitárias novamente do mesmo princípio de buscar o diálogo e ganharam força, levando a uma releitura da a interação entre os setores civil e militar, realidade vivida por Henry Dunant1, em seu de forma a evitar competições entre atores livro Lembranças de Solferino (DUNANT, presentes na área e buscar sinergia para 1986). Tal biografia foi uma das primeiras a conquista de objetivos comuns. Para referências para a criação de organizações tanto, no mais alto nível, a responsabili- internacionais, com ou sem ligação gover- dade por esta coordenação fica a cargo do namental, focadas na ajuda humanitária. Escritório para a Coordenação de Assun- Tais Organizações Não Governamentais tos Humanitários (Ocha) e segue linha de (ONG) e Organismos Internacionais (OI) ação prioritariamente humanitária. Cabe se permearam com outro componente ressaltar que esses objetivos devem estar que ascendeu no mesmo período de pós- em consonância com o que é proposto pelo -Segunda Guerra Mundial e tem crescido mandato, que é emanado pelo Conselho de de importância: a opinião pública. Segurança, o qual rege a missão de paz em Já no final de 1995, tropas lideradas questão. (UN-Cimic, 2012) pela Organização do Tratado do Atlântico A diferença básica entre a doutrina Norte (Otan) atuaram na antiga Iugoslávia Cimic no âmbito ONU para a doutrina sob a égide da Organização das Nações Cimic no âmbito Otan é que a segunda Unidas (ONU). Ao serem desdobradas no tem seus objetivos exclusivamente ligados terreno, depararam-se com diversas orga- à conquista de corações e mentes, para nizações civis que agiam legitimamente e que não ocorra a interferência do meio em condições, inclusive, de prestar apoio civil nas operações militares. Ao longo às ações das tropas. Desse modo, houve do tempo, a Otan aplicou a sua doutrina a necessidade de integrar esses atores Cimic, em grande parte, na reconstrução presentes nas áreas de operações em um física de locais devastados por conflitos, novo conceito: a Cimic. A Cimic pode ser tais como casas e hospitais, entre outros.

1 Fundador do Comitê Internacional da Cruz Vermelha.

RMB3oT/2016 181 DISSOLUÇÃO DE CONFLITO ENTRE COMUNIDADES NO HAITI

Nesse ínterim, os seus objetivos podem A atividade Cimic encontra-se presente ser voltados para a área de Inteligência, majoritariamente no componente militar, ou seja, as suas atividades visam a levan- em coordenação nos níveis estratégico e tamentos de Inteligência diversos, como, político com o componente civil. Inserido por exemplo, atividades de elementos de no componente militar, o Grupamento uma força adversa, levantamentos sobre Operativo de Fuzileiros Navais – GptO- uma área específica, catalogação e coleta pFuzNav (Bramar – Brazilian Marines) de informações de uma determinada região, encontra-se sob o controle operacional do entre outras (AJP-9, NATO: Civil Military Batalhão Brasileiro de Força de Paz (Brabat Cooperation Doctrine). Já no que se refere – Brazilian Battalion), conforme mostra a à ONU, as ações Cimic são balizadas por figura 1. Na estrutura do GptOpFuzNav objetivos militares, mas sem ter por meta existe uma Seção de Assuntos Civis, que Operações de Inteli- tem como um dos seus gência, e em conso- encargos as atividades nância com o que é Cimic. Essa seção tem proposto pelo manda- como homólogos as to que rege a missão seções de Cimic do de paz em questão. A Brabat, o G-9 e a seção prioridade não é a re- de Cimic do Estado- construção física, mas -Maior da Minustah – uma aproximação das o U-9. O U-9, por sua instituições nacionais vez, corresponde-se e de atores civis diver- com o Escritório para sos, proporcionando a Coordenação de As- condições de segu- Figura 1: Subordinação Operacional da Minustah suntos Humanitários, rança para que essas Fonte: o autor (2015) que está presente na instituições e atores estrutura do Compo- civis possam prover a recuperação e o nente Civil da Missão. desenvolvimento das localidades afetadas por conflitos. As diferenças entre a doutrina CONFLITO ENTRE SIMON E PELÉ Cimic ONU e Cimic Otan refletem, por suas aplicabilidades, os tipos de Missões A área de responsabilidade do Grupa- de Paz existentes. A doutrina Cimic Otan mento Operativo de Fuzileiros Navais, até tem maior aplicabilidade nas Missões de abril de 2015, englobava as regiões de Si- Imposição de Paz, e a doutrina ONU, nas mon, Pelé, Cité Militaire e Sonapi, as quais Missões de Manutenção da Paz. dão nome às comunidades que nelas estão inseridas. A região de Sonapi, ao norte CIMIC E A MINUSTAH: INSERÇÃO de Simon e Pelé, é um grande complexo DO GRUPAMENTO OPERATIVO industrial, apresentando-se como uma área DE FUZILEIROS NAVAIS passiva em termos de atividade de grupos armados, por possuir um número signi- A Missão das Nações Unidas para ficativo de seguranças privados. Já Cité Estabilização do Haiti é de caráter Militaire, localizada ao sul de Simon-Pelé, multidimensional, por possuir três com- é marcada pela presença de ex-militares ponentes: o militar, o policial e o civil. e membros da Polícia Nacional Haitiana

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Figura 2: Áreas de Operações Figura 3: “Faixa de Gaza”, divisão entre as Fonte: Google Earth (https://www.google.com/earth) localidades de Pelé e Simon Fonte: Google Earth (https://www.google.com/earth)

(PNH), o que contribui também para que Além disso, promovia ataques às indústrias não se tenha a presença de grupos armados. próximas. A região de Simon, à época, A leste da área de responsabilidade está fazia parte da área de influência da Gangue a região de Delmas, e a oeste, a região 117. Ainda em 2012, um grupo conhecido de Cité Soleil, áreas de responsabilidade como Tolerance Zero, composto, segundo de uma subunidade do Brabat (Exército informes, por justiceiros, expulsou a Gan- Brasileiro). Uma característica marcante gue 117 da região de Delmas, obrigando-a dessas áreas, assim como de diversas outras a se refugiar na comunidade de Simon e, regiões carentes do Haiti, é a presença de posteriormente, incluindo a comunidade grupos armados, atuando como gangues, de Pelé. No final de 2013, um antigo líder que buscam estabelecer o controle local das antigas gangues de Pelé foi solto da para que assim possam praticar a extorsão Penitenciária Nacional e reivindicou a li- de moradores e comerciantes locais e, em derança das comunidades de Pelé e Simon. segundo plano, comercializar drogas. Este líder solicitou ajuda às gangues de As comunidades de Simon e Pelé Cité Soleil para retomar o território que possuem uma densidade demográfica antes era controlado por sua gangue. Assim considerável e uma rivalidade histórica. sendo, no início de 2014, uma ofensiva Nos últimos anos, as disputas acirraram-se ocorreu e a Gangue 117 foi expulsa da nas comunidades de Simon e Pelé. No ano comunidade de Pelé, recuando e domi- de 2012, na região de Delmas, fronteiriça nando apenas a comunidade de Simon. à comunidade de Simon, havia um grupo Nesse momento acirram-se as rivalidades armado conhecido como Gangue 117. A locais, e as comunidades se dividiram. Essa gangue possuía um considerável poder divisão foi marcante nas ruas que separam de fogo, contando com fuzis e submetra- as duas áreas, com a formação de uma lhadoras, além de pistolas e revólveres, zona de exclusão, conhecida localmente e e praticava ações criminosas, tais como na Minustah pelo jargão “Faixa de Gaza”. sequestros, extorsões e assassinatos no Nessa região, casas e comércio foram entorno da região, dando destaque para abandonados; e moradores que tentassem ações continuadas em uma das principais atravessar de uma comunidade para a ou- vias que cortam a parte metropolitana do tra eram ocasionalmente executados. Não Haiti: a Boulevard Toussaint Louverture. obstante, por várias ocasiões, as gangues

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faziam incursões na comunidade rival para em segundo plano. O esforço principal assassinar moradores de forma aleatória e deveria consistir em reverter o papel que demonstrar poder. foi atrelado aos militares ali presentes, de Diante desse cenário de extrema violên- inimigos, para aqueles que intermediariam cia, o Grupamento Operativo de Fuzileiros os conflitos e proporcionariam um ambien- Navais, responsável pela área, vislumbrou te seguro e estável para a consolidação das como uma solução “tampão” a implantação instituições nacionais haitianas. Para atingir de pontos de controle (conhecidos como tais propósitos, a extinção do conflito entre static points) entre as vias que ligavam as comunidades de Simon e Pelé fazia-se as duas comunidades, de modo a inibir necessária. as contendas armadas entre os dois lados, Para alcançar esses objetivos foram revistando pessoas e veículos, e impedin- estabelecidas cinco fases, que não eram do, assim, a circulação de grupos arma- estanques, pois uma poderia ocorrer con- dos. Mesmo assim, no final de 2014, os comitantemente às outras. Essas fases conflitos mostravam- foram: criação e con- -se constantes, ainda solidação do papel de com a presença de As comunidades possuíam uma liderança local; tropas controlando rivalidade histórica. Em estabelecimento de um os acessos de uma canal de comunicação comunidade a outra, cada uma havia um comitê eficaz e único com as com a ocorrência de representativo, composto comunidades por meio infiltrações esporá- por cinco haitianos que de suas lideranças; dicas de membros consolidação do papel das gangues, que representavam seus grupos das forças militares chegavam a vestir-se nos pleitos sociais como intermediadores como mulheres para do conflito e não como facilitar seu acesso à inimigos; solução do comunidade rival, sem serem percebidos conflito; e manutenção da paz. pelos militares próximos. O conflito e a Como foi dito, as comunidades possuí- violência evoluíram de tal forma que os am uma rivalidade histórica. Em cada uma fuzileiros presentes nos pontos de controle dessas localidades havia um comitê repre- também passaram a ser alvo de hostilidades sentativo, composto por cinco haitianos e ataques armados. que representavam seus grupos nos pleitos sociais. No dia a dia das comunidades, esse A CIMIC COMO CAMINHO PARA comitês determinavam o que os moradores A PAZ iriam fazer, ou como iriam se portar, o que incluía as situações de conflito. Exerciam Com o transcorrer dos conflitos, foi também uma voz dentro dos grupos arma- notado que não havia um canal de comuni- dos que agiam nas regiões. cação/diálogo eficiente entre as comunida- Por causa da presença dos grupos ar- des e o componente militar. Não existiam mados, esses líderes estavam com baixa atores com os quais o componente militar aceitabilidade pela população. Assim pudesse dialogar e, então, tentar dirimir as sendo, teríamos de adotar medidas para hostilidades contra as tropas da ONU, em reforçar o papel do líder perante a sua primeiro plano, e entre as comunidades, comunidade. Logo, o Grupamento Ope-

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rativo de Fuzileiros Navais, mediado pela ONG e Organizações Internacionais que se seção de Assuntos Civis, traçou objetivos comunicavam com as comunidades, para e empregou algumas atividades de apoio balizar os limites de competência de cada humanitário, tais como: doações de água, órgão. Era preciso deixar claro quais as alimentos e materiais escolares e atividades áreas de responsabilidade do Grupamento e projetos sociais diversos, por meio das Operativo de Fuzileiros Navais e gerar quais o líder comunitário aparecia em papel também sinergia de esforços para que resul- de destaque. Além disso, foram realizados tados positivos fossem alcançados. A dupli- diversos encontros e reuniões com os comi- cação dos canais de comunicações poderia tês das duas comunidades separadamente, deixar as ações do Componente Militar de forma que os moradores pudessem ver vulneráveis, sem que houvesse respostas que esses haitianos em destaque estavam positivas, uma vez que se perdia confiança realmente preocupados em buscar ajuda e e dividia-se o poder de influência sobre os soluções para as suas comunidades. Com líderes. Junto dessas ações, iniciou-se a essas ações, concluiu- realização de ativida- -se a primeira fase des Cimic capitanea- para a dissolução do A solução encontrada para das pelo Grupamento conflito, e os líderes Operativo, com ampla comunitários tiveram minimizar os problemas participação desses suas posições restabe- de segurança, devidos setores. Chegou-se, lecidas e de destaque assim, à conclusão da perante os moradores, a rivalidades entre as segunda fase, com a necessitando-se, as- comunidades, foi a criação do canal de sim, iniciar a segun- ocupação de posições no comunicação único da fase, que seria o do oficial de Assuntos estabelecimento de terreno que isolassem as Civis com os líderes um canal de comuni- duas gangues (static points) comunitários. Ressal- cação claro, eficiente ta-se que, até aquele e único. momento, trabalhava- Porém, ao analisarmos o contexto em -se de forma isolada com cada comunidade, que as duas comunidades estavam inseri- pois as animosidades entre as duas ainda das, era notório que elas estabeleciam con- eram latentes. tatos com a Minustah por diversos canais, As relações entre as duas localidades tanto no Componente Militar, como no estavam extremamente desgastadas pelo Civil, ONG e Organizações Internacionais. fato de os grupos armados praticarem Isso trazia dificuldades, pois enfraquecia ações contra seus rivais de forma aleatória, a autoridade do Grupamento Operativo, vitimando quase sempre civis inocentes e já que, por vezes, os anseios das comuni- levando os moradores das duas comunida- dades passavam para setores que, muitas des a nutrir sentimentos de rivalidade entre vezes, não tinham forças e prerrogativas si, os mesmos que as gangues possuíam. para agir, ou estavam atuando em esferas A solução encontrada para minimizar os acima do Grupamento Operativo, tomando problemas de segurança, devidos a essas decisões que não corroboravam os objeti- rivalidades, foi a ocupação de posições vos traçados. Iniciaram-se, então, ações de no terreno que isolassem as duas gangues. aproximação com os setores da Minustah, Nesse marco temporal, porém, as hosti-

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lidades contra as tropas da ONU tinham cursos profissionalizantes, uma escola de aumentado. Mas o reforço da manutenção futebol para crianças, reforma de áreas da estanqueidade das duas comunidades de entretenimento para os moradores e foi aos poucos dando resultados, pois as atividades educacionais. Com a evolução incursões diminuíram e, consequentemen- das atividades, os comitês começaram a te, o número de mortes. Com o transcorrer esboçar intenções de diálogo, dando certa das duas primeiras fases, a terceira já abertura para o Grupamento Operativo de começava a ser exposta. O Grupamento Fuzileiros Navais propor a realização da Operativo de Fuzileiros Navais passou a primeira reunião conjunta. Como seria o adotar o comportamento de mediador da primeiro encontro dos dois lados, que por comunicação dos dois lados, sendo visto muito tempo foi refutado, o Grupamento como intermediador do conflito. As ati- Operativo teve que estruturar a reunião e a vidades Cimic — reuniões, atividades de sua pauta para que se lograsse um objetivo entretenimento e ajudas humanitárias, entre sólido e duradouro, que era o restabeleci- outras — reforçavam a mensagem de que mento da paz entre as duas comunidades. apoiávamos igualmente as duas comunida- A reunião ocorreu no dia 16 de março de des, de que não éramos parte do problema 2015. O local foi planejado de forma meticu- entre eles, mas sim o caminho para o diá- losa, desde o posicionamento das cadeiras e logo e solução do conflito. Esse conjunto lugares para os líderes e o intermediador do de ações e avanços proporcionou,então, o conflito (o oficial de Assuntos Civis), a dis- ambiente propício para a quarta fase, que era o restabelecimento do diálogo entre as duas comunidades. Em conjunto com ações Cimic, apoian- do-se na vertente da ajuda humanitária, com uso de ONG nas áreas educacionais, conseguiu-se incutir em grande parte da po- pulação a impressão de que os militares ali presentes eram elementos de intermediação para promover a paz nas duas comunida- des. Era necessário também promover a imagem de imparcialidade para que se Figura 4: Atividades educacionais capitaneadas pudesse acessar ambos os contendores. pelo GptOpFuzNav-Haiti Foram realizadas diversas reuniões entre os comitês comunitários de forma isolada, dis- seminando as mesmas ideias e mostrando como os avanços sociais poderiam ocorrer nas duas áreas se houvesse um ambiente de segurança. Concomitantemente, projetos sociais, apresentados pelo Componente Militar e outros setores da Minustah, começaram a ser divulgados, todos capi- taneados pelo Grupamento Operativo de Fuzileiros Navais, contemplando as duas Figura 5: Curso Profissionalizante capitaneado pelo comunidades. Entre os projetos, havia Brabat

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tendas e provocações dos dois lados e que se buscasse criar um Comitê comunitário conjunto, sendo todo o processo supervi- sionado pelo Grupamento Operativo, na figura de seu oficial de Assuntos Civis. O Grupamento Operativo conseguiu, ainda, promover a ligação do Comitê junto às ins- tituições públicas haitianas. Um dos termos previa facilitar essa ligação por intermédio da Minustah, que iria junto do Comitê en- dossar as necessidades das comunidades com as instituições haitianas e o Compo- Figura 6: Curso Profissionalizante capitaneado pelo Brabat nente Civil da própria Missão de Paz. As duas instituições haitianas mais expressivas posição das bandeiras nacionais e da ONU, que endossaram o Acordo de Paz foram a até o local em que seriam recebidos e onde Prefeitura de Delmas e a Polícia Nacional seriam feitas as despedidas. A pauta, com Haitiana (PNH). A Prefeitura de Delmas os pontos a serem alcançados e as possíveis comprometeu-se em focar em atividades mudanças de rumo que a reunião poderia futuras de cunho social no local, e a PNH tomar, também foi planejada de forma implementaria a segurança (figura 11). detalhada. Foram levantadas hipóteses de as partes se acusarem mutuamente, e o que CONSOLIDAÇÃO DO ACORDO deveria ser feito para contornar a situação. E MANUTENÇÃO DA PAZ NA Entretanto, a reunião se deu de forma satis- REGIÃO: UM NOVO DESAFIO fatória e culminou com o ponto-chave do objetivo a ser alcançado: a assinatura de um A quinta fase do emprego combinado de Acordo de Paz entre as duas comunidades. ações táticas e Cimic para construção local Esse Acordo de Paz estabelecia metas da paz consiste na consolidação da mesma. simples para os dois comitês comunitários, Assim sendo, por meio da influência dos determinando que se cessassem as con- líderes comunitários e assistida pela seção

Figuras 7 e 8: Assinatura do Acordo de Paz entre Simon e Pelé

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Para aproximar ainda mais esses atores e promover o compro- metimento das partes, planejou-se uma ati- vidade esportiva que envolvesse as duas comunidades. Seria realizada uma corrida na área de exclusão, conhecida como “Fai- xa de Gaza”. Além disso, para potenciali- zar o alcance da ação, seriam realizadas, de forma concomitante, Figura 9: Assinatura do Acordo de Paz entre Simon e Pelé atividades de entrete- nimento para crianças e adultos, com trans- de Inteligência, a seção de Assuntos Civis missões de mensagens para a redução da conseguia “prever” as possíveis disputas e violência e de manutenção do processo de contendas, desde impasses graves a provo- paz. Os propósitos do evento eram: mostrar cações banais. Os esforços foram direcio- à população (e também à Minustah) que o nados para estreitar a ligação das comuni- processo de paz era consistente e envolver dades com os atores civis e policiais. No instituições civis e policiais na organização âmbito operacional, decidiu-se pela manu- do mesmo. Mediante essa proposta clara, tenção dos postos de controle (static points) instituições como a PNH, a Polícia da ONU entre as comunidades, para dar visibilidade (Unpol), o Escritório Regional de Assuntos à tropa (sensação de segurança) e para pos- Civis (Civil Affairs), o setor de Comuni- sibilitar maior consciência sobre a situação cação Social do Componente Militar (Mi- do terreno (vigilância) até que o processo litary Public Information Office), o setor de manutenção de paz fosse consolidado. de Comunicação Social do Componente

Figura 10: Reunião com o Componente Civil Figura 11: Reunião com a Prefeitura de Delmas

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QUADRO 1 – REGISTRO DE OCORRÊNCIAS ENTRE 15NOV2014 E 3JUN2015

Ocorrências registradas Antes do Acordo de Paz Após assinatura do Acordo (15NOV2014 a 15MAR2015) de Paz em 16MAR2015 (16MAR a 3JUN2015 Mortes 6 0 Agressões contra as tropas 22 0 Disparos de arma de fogo 334 0

Civil (Civil Public Information Office), que abrange terreno, fator psicossocial a Comissão para Redução da Violência comunitário e das tropas envolvidas e a opi- (Community Violence Reduction) e a Pre- nião pública vão determinar como serão de- feitura da Comuna de Delmas mostraram senvolvidas as fases. A aceitabilidade dos ser as maiores parceiras da iniciativa. Por fatores pode levar ao avanço de algumas meio disso também consolidar-se-ia o fases, mas na última fase deve haver uma alcance da paz na região perante a opinião permanente revisão do processo, de modo pública, fator essencial para o sucesso das a voltar às fases anteriores, se necessário. batalhas do século XXI. Cabe ressaltar que o papel de destaque da liderança local deve estar sempre em CONCLUSÕES pauta, pois o mesmo é fundamental para mediar novos conflitos. Porém, na fase de O processo de dissolução de um conflito downsizing da missão (redução dos com- por meio da Cimic foi caracterizado por ponentes Militar, Policial e Civil), deve-se cinco fases, que não são estanques e mui- conduzir as ações para que o processo de tas vezes ocorrem de maneira simultânea. Essas fases são: cria- ção e consolidação do papel de uma lideran- ça local; estabeleci- mento de um canal de comunicação eficaz e único com as co- munidades por meio de suas lideranças; consolidação do papel das forças militares como intermediado- ras do conflito e não inimigas; solução do conflito; e manuten- ção da paz. A “de- manda operacional”, Figura 12: Diagramação do Gerenciamento, Solução e Prevenção de conflitos em ou seja, o conjunto Operações de Manutenção da Paz

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manutenção de paz seja autossustentável, reta para um papel secundário, na tentativa utilizando-se ONGs, órgãos civis da Mi- de desvincular a “imagem do uniforme” nustah e instituições governamentais locais em contato direto com a população local. como elementos de enlace entre as comu- Nesse processo, os elementos de Assuntos nidades previamente discordantes. Isso Civis devem manter supervisão e controle, pode ser feito por meio de projetos sociais até a natural desvinculação do Componente conjuntos e ajudas humanitárias, em que o Militar e assunção do controle da área pelas Componente Militar saia da influência di- instituições governamentais locais.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Missão de Paz; Haiti;

REFERÊNCIAS

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190 RMB3oT/2016 A ILHA DO CABO FRIO: passado e presente

LAURA MARIA PEREIRA COUTO* Primeiro-Tenente (T)

SUMÁRIO

Naufrágios e faróis Tráfico negreiro Segunda Guerra Mundial Acidentes por negligência e imprudência Pesquisas científicas Cuidados ambientais Lendas Dias atuais

Quem nunca desejou morar numa ilha fundeiam e suspendem, vigiar os pescado- que atire a primeira concha. Na Ilha do res credenciados para que estes pratiquem Cabo Frio, localizada no município de a pesca artesanal e zelar pela preservação Arraial do Cabo, a leste do Rio de Janeiro ambiental da Ilha, revezando-se em trios nas coordenadas de 23°00’S e 42°00’W, durante dois meses. os militares da guarnição do Instituto de Arraial do Cabo, além de ser conhecida Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira como a “capital do mergulho”, poderia ser (IEAPM) acabam por realizar esse desejo chamada de a “capital do passeio”, pois no intuito de controlar as embarcações que todo ano milhares de turistas nacionais e

* Encarregada da Divisão de Biblioteca do IEAPM. Serve no Instituto há dois anos e oito meses e atuou em ins- peções a serviços nos locais relatados neste artigo. A ILHA DO CABO FRIO: passado e presente

Ilha de Cabo Frio

estrangeiros escolhem a região para fazer os e se refrescarem nas águas transparentes tradicionais passeios de barco e aproveitar da Ilha. Paralelamente a essa missão, os as águas cristalinas e a areia fina e branca militares têm de estar preparados para for- das praias, estampadas por sua geologia necer informações precisas relacionadas às e vegetação. No verão e nos feriados, a regras de uso ou responder qualquer tipo de demanda pelos passeios aumenta e, con- indagação histórica e científica sobre a Ilha sequentemente, o trabalho dos militares que seja feita pelo turista. da Marinha do Brasil (MB) que servem no Alguns dos acontecimentos históricos IEAPM também. relatados a seguir são transmitidos pelos É preciso atenção tanto à legalidade guias turísticos durante os passeios ou pelos da embarcação que irá fundear entre 100 próprios militares que guarnecem a Ilha. Os e 200 metros de distância à beira da praia relatos desses acontecimentos são impor- quanto ao limite de passageiros que irão tantes, porque só se preserva o ambiente descer das embarcações para tomarem sol em que vivemos ou que visitamos quando

192 RMB3oT/2016 A ILHA DO CABO FRIO: passado e presente

o conhecemos em seus aspectos históricos, Senhora foi formada por processo de erosão culturais e científicos. diferencial acentuada, ou seja, desgaste da A história da Ilha do Cabo Frio começa rocha intrusiva pela ação do mar e do vento. com a formação de suas rochas, predomi- Possui este nome pelo fato do pescador nantemente ígneas alcalinas, datada em 52 Domingos André Ribeiro ter encontrado Ma (milhões de anos). “A Ilha apresenta no local a imagem de Nossa Senhora da um formato alongado e ocupa uma área Conceição, em 1721, esculpida em pau de de aproximadamente 6,7 km², alcançando, nogueira e com 26 centímetros de compri- no seu ponto mais alto, 395 metros acima mento. A Gruta Azul encontra-se voltada do nível do mar” (SAVI; NEVES, 2008, p. para o mar aberto. Foi originada pela con- 28). É separada do continente por um canal vergência de fraturas subverticais na rocha. de 130 metros de largura, denominado Quando o mar está tranquilo, o reflexo do “Boqueirão”. sol na água inunda de azul o teto da gruta. Acredita-se que, entre dezembro de Nos termos do Decreto-Lei no 9.760, 1503 e janeiro de 1504, o navegador de 5 de setembro de 1946, a Ilha do Cabo Américo Vespúcio, a serviço da Coroa Frio tornou-se um bem imóvel da União portuguesa, fundou em 1947. Desde 1978 na Ilha a primeira é de responsabilidade feitoria do Brasil. O Só se preserva o ambiente da MB, gravado com o regime de feitorias Tombo de no 19.012.0. naquela época era em que vivemos ou Nessa mesma linha, destinado a ocupar-se que visitamos quando conforme o inciso IV do corte, transporte o conhecemos em seus do Artigo 20 da Cons- e armazenamento de tituição Federal, são madeira tintória, prin- aspectos históricos, bens da União as ilhas cipalmente da árvo- culturais e científicos costeiras (BRASIL, re do pau-brasil, por 1988). É notória a afe- indígenas, os quais tação de sua finalidade recebiam machados de ferro para executar pública, visto que está ocupada com bens e tais tarefas (HISTÓRIA NAVAL BRA- servidores da União para desempenho de SILEIRA, 1975). Há controvérsias sobre atividades relacionadas à defesa nacional, a localização correta desta feitoria. Mas, pesquisa, proteção do meio ambiente e segundo Humboldt, a primeira feitoria do salvaguarda da vida humana no mar. Brasil teria sido de fato na Praia do Anjo A responsabilidade administrativa da Ilha ou na Ilha do Cabo, e seu primeiro feitor cabe ao IEAPM, fator que se reflete em seu foi o colono João de Braga. Segundo os elevado estado de preservação e no controle comentários do Visconde Porto Seguro, a de acesso à trilha do Farol Velho. A res- latitude de 18 graus teria sido mal interpre- ponsabilidade pela operação e manutenção tada, pois o autor teria escrito 23 graus e e pelo credenciamento ao acesso ao Farol não 18 graus. Na letra antiga, o numeral 1 Novo fica a cargo do Centro de Sinalização com o 2 e o 3 com o 8 eram muito parecidos Náutica Almirante Moraes Rego (CAMR), (BERANGER, 1993). e as instalações eletrônicas de radares são Na porção sudoeste da Ilha localizam-se subordinadas ao Centro de Armas e Sistemas dois atrativos turísticos: a Fenda de Nossa Operativos da Marinha (Casop). Existem Senhora e a Gruta Azul. A Fenda de Nossa na Ilha quatro residências geminadas duas

RMB3oT/2016 193 A ILHA DO CABO FRIO: passado e presente

a duas para a guarnição do farol, uma torre Apesar desses cuidados, o inglês não de aço (o próprio farol), área concretada deixou de receber do Comando Naval Bri- para pouso de aeronaves, posto de medida tânico no Rio de Janeiro comunicados sobre de sensores, laboratório para uso da pesquisa denúncias e insatisfações dos brasileiros. e alojamento para militares. Certa vez, chamado à Corte para esclarecer acusações de que estaria interrompendo NAUFRÁGIOS E FARÓIS a atividade pesqueira e cortando árvores, Dickinson teve de provar que a enseada O conjunto das forças naturais (cor- onde faziam o resgate não pertencia às rentes marinhas, nevoeiros e ventos) foi o áreas frequentadas pelos pescadores. O principal causador dos acidentes ocorridos capitão foi acusado ainda de ter erguido na costa da Ilha do Cabo Frio ou Promon- uma fortaleza no local. tório do Atalaia. Na noite do dia 5 de de- Durante a missão, houve dias em que zembro de 1830, a fragata britânica Thetis, doenças e infestações de insetos e animais depois de percorrer por cerca de três anos peçonhentos alastraram-se pelo acampa- a costa sul-americana mento e que as péssi- do Pacífico, coletando mas condições do tem- impostos e arreca- Instalaram o Farol de po impossibilitaram a dando um fabuloso Cabo Frio a 390 metros de execução das ativida- tesouro, entre ouro, des no mar. Com isso, prata e outros bens altura, o que fazia dele o a primeira tecnologia valiosos, bateu no mais elevado dos faróis do utilizada para recupe- que nos dias de hoje Império rar o tesouro foi um chamamos de Saco “sino de mergulho”, do Inglês, enseada confeccionado com da Ilha do Cabo Frio. O capitão ordenou dois tanques de aguada de ferro fundido, que os escaleres fossem postos na água retirados de navios ingleses. Esse equipa- e rebocassem o navio, mas a embarcação mento era muito pesado (4 toneladas) para acabou por naufragar. Dos 300 homens que ser operado na popa das lanchas e retirar faziam parte da tripulação, 28 morreram o tesouro do fundo do mar. Determinado (GOMES-FILHO, 1993). a não perder tempo, o Capitão Dickinson Em 30 de janeiro de 1831, o Capitão ordenou a construção de outro sino menor Thomas Dickinson chegou ao porto do e mais leve, a partir de um tanque de água Forno para recolher os destroços e riquezas de 1 tonelada. No início de março de 1831, deixadas pela Fragata Thetis. Por precaução o novo aparelho entraria em operação, mas em não causar ciúmes ao governo brasileiro, apenas no final do mês, quando Dickinson ele tomou algumas medidas a fim de evitar havia decidido recuperar pelo menos os possíveis ofensas quanto à instalação de seu apetrechos amarrados às boias, os mer- grupo na Ilha. Assim, proibiu o hasteamento gulhadores acharam as primeiras moedas de qualquer bandeira no acampamento, a esparsas entre as rochas e também algumas não ser para fazer sinais à sua embarcação, barras de ouro. a HMS Lightning, atracada na enseada do Em março de 1832, o Capitão Thomas Forno, e não deu à vila aparência de acam- Dickinson recebia a ordem de deixar os tra- pamento militar, ordenando que o guarda balhos aos cuidados do comandante do Bri- do tesouro tão somente portasse uma vara. gue Algerine, o Capitão De Roos. Este con-

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cluiria as operações de resgate do tesouro no dia 24 de junho, dei- xando definitivamente a Ilha do Cabo Frio em 1o de agosto de 1832. Dickinson e sua equipe recuperaram, em moedas de ouro e prata, o montante de US$ 588.621,00, enquanto o segundo comandante resgatou US$ 161.379,00. De sorte foram recupera- dos 15/16 da quantia original, além de ca- nhões, balas e âncoras. Farol Novo de Cabo Frio e seu heliponto Após três anos do acidente com a Fragata Thetis, o ponto poderoso Príncipe D. Pedro II e sobre os mais elevado da Ilha foi escolhido para a auspícios do Ministro da Marinha, Joaquim construção do primeiro Farol de Cabo Frio, José Goes Torres, propício aos navegantes que cumpriria a dupla função de apoiar se ordenou e começou em 1833 e acabou a navegação de cabotagem e a travessia em 1836. A luz te salve e guie” (GOMES- oceânica. Instalaram-no a 390 metros de -FILHO, 1993, p. 43). altura, ou a 2.190 palmos acima do nível O farol exibia um facho de luz vermelha do mar, o que fazia dele o mais elevado que, para a surpresa dos navegantes, nem dos faróis do Império e motivo de vaidade sempre era visível. A explicação para a ine- para a província do Rio de Janeiro. Com ficiência do farol encontra-se num relatório a intenção de facilitar o desembarque e o da Marinha de 1836: “o Farol de Cabo Frio transporte de todo o material, foram edi- acha-se aceso (…), mas com pouco efeito, por ficados arduamente “hum porto de meia não ser visto à grande distância: julga-se que cantaria, hum trapiche com guindaste, a razão é terem vidros coloridos, chegados e quartel para o destacamento” e, para da Inglaterra, muito maior espessura do que tornar o lugar habitável, construíram-se deverião, absorvendo por isso a mor parte da “aquedutos, edifício no porto, quartel para luz”. O relatório recomendava abandonar os o Director do pharol, e alojamento para o vidros ingleses e adaptar um mecanismo de fiel e faroleiros” (DANTAS, 2002, p. 59). rotação no candeeiro, para se distinguir a luz O Major Belegard foi o encarregado do farol de qualquer outra que se acendesse das obras e o cabo-friense Inácio Pereira na costa (DANTAS, 2002, p. 59). Dias foi o mestre pedreiro responsável por Apesar de acatadas todas essas recomen- sua execução. Em 17 de fevereiro de 1836, dações, a luz do farol persistia em não ser uma placa de inauguração foi colocada na avistada à distância. A verdadeira causa, porta de entrada da torre com a seguinte apurou-se, não estava na espessura dos inscrição: “Imperando o muito alto e muito vidros ingleses, mas sim na natureza da

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região, que se encontrava na maior parte do do Atalaia e outro junto ao Farol, no topo da tempo coberta de névoa, como atesta o rela- Ilha de Cabo Frio. Este último funcionava tório do inspetor do Arsenal de Marinha, de por meio de uma linha telegráfica aérea 1844: “... basta reflectir que estando este (o que atravessava por cima do Boqueirão pharol) a meio da alta montanha do Cabo, (ARRAIAL DO CABO, [19--]). Não há e que em quasi todo o anno está coberta de evidências científicas de que esta estação nevoa, não poderá jamais servir de guia aos telegráfica no Farol tenha existido, mas é navegadores, quer costeiros, quer vindos do plausível que tenha sido criada uma esta- alto mar” (Ibid, p. 60). ção de sinais semáforos na Ilha, prestando Em 1839, o Veleiro Wizard, que trans- serviços de telecomunicações navio/terra/ portava material de construção, acabou navio, como também de salvaguarda da afundando por bater próximo à Ponta do vida humana no mar. Anequin, na Ilha de Cabo Frio. O registro da posição do naufrágio no ano de 1839 TRÁFICO NEGREIRO foi assinalado na Carta Náutica Francesa de 1863 (Port du Cap Frio), do Capitão M. A costa de Cabo Frio foi um dos pontos E. Mouchez, um dos melhores cartógrafos visados pelos traficantes negreiros que do século XIX (NAUFRÁGIOS DO BRA- necessitavam do trabalho escravo para a SIL, 2016). produção agrícola e exportação de gêneros Devido a todas essas dificuldades, uma brasileiros, tais como café, açúcar, algodão, nova torre de chapas de ferro fundido, amendoim, milho e farinha, entre outros. cilíndrica, com altura de 16 metros, foi Em 7 de abril de 1839, entre a Ilha do Cabo edificada no ano de 1861 em um costão de Frio e a Ilha de Âncora, foi apreendido pelo pedras conhecido como Focinho do Cabo. patrulhamento britânico o navio português O atual aparelho luminoso é um dióptrico Ganges, que trazia 419 escravos e 13 tri- de 1ª ordem, girante, com luz de lampejos pulantes, totalizando 182 toneladas. Na de 20 em 20 segundos. Seu foco luminoso, época, a Grã-Bretanha e o Brasil tinham 155 metros acima do nível do mar, pode feito um tratado para abolir o tráfico. ser avistado em noites claras a 49 milhas Enquanto a legislação brasileira foi “para náuticas (78,86 km) de distância (DAN- inglês ver”, a Marinha britânica cumpria TAS, 2002). sua parte, perseguindo negreiros que foram A existência do Farol Cabo Frio também capturados e julgados por uma Comissão não foi suficiente para evitar o naufrágio Anglo-Brasileira (GOMES-FILHO, 1993). do cargueiro britânico Harlingen, ocorrido A justificativa do comandante do navio em 1906 devido a mau tempo e forte vento Ganges em navegar por águas proibidas ao sudoeste. Seus destroços estão espalhados tráfico foi a de que ele transportava colonos pelo costão do Pontal do Atalaia, com a para Angola. Contudo, ventos adversos proa voltada para o Boqueirão, atraindo fizeram-no atingir a costa brasileira. A grande número de mergulhadores. Feliz- Comissão Mista descobriu que essa justi- mente a tripulação conseguiu sobreviver ficativa era falsa e que o comandante não (NAUFRÁGIOS DO BRASIL, 2016). era de origem portuguesa e sim brasileira. Em 1864, foi concluída e inaugurada a Para escapar das punições, era comum os linha telegráfica entre o Rio de Janeiro e navios negreiros fazerem-se passar por em- Cabo Frio. Um aparelho do código Morse barcações de outras bandeiras. Eles ainda em Arraial do Cabo foi instalado no Morro conseguiam passaporte com roteiros de na-

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U-513 nas águas da Ilha do Cabo Frio. O SS Eagle, mesmo com a proa destruída, não foi ao fundo gra- ças aos seus compar- timentos estanques. Logo após o torpe- deamento, aviões lançaram bombas de profundidade con- tra o inimigo, mas o submarino já havia abandonado o local do ataque. Tempos depois, um avião bra- sileiro que patrulha- Submarino U-513 va a região avistou o submarino U-513 e a vegação imaginários e documentação falsa simultânea emersão de outro submarino, o que escondia a nacionalidade verdadeira do U-199. Os submarinos alemães, ao pres- navio. Dos 419 escravos do Brigue Ganges, sentirem a vigilância aérea, submergiram 40 morreram até o julgamento, e dos 379 e escaparam do iminente ataque do avião. declarados emancipados, 213 eram crianças. Quem estava no comando do U-513 no momento do ataque era o Capitão Fritz, SEGUNDA GUERRA MUNDIAL que havia afundado o Porta-Aviões HMS Ark Royal, em 1941, e que, devido a esse Decreto de 22 de agosto de 1942 oficiali- feito, foi condecorado por Hitler com a zou a entrada do Brasil na Segunda Guerra Cruz de Ferro, a Ritler Kreuz. Além disso, Mundial, como resposta aos ataques e nau- ele tinha em sua folha de serviço mais de frágios frequentes de seus navios causados 50 mil toneladas de navios postos ao fundo. pelos submarinos do Eixo (Alemanha, Itália No comando do U-199 estava outro ás do e Japão). As embarcações mercantes, inclu- terror, o Capitão Klauss, que com 29 anos sive as que transportavam a maior riqueza já tinha afundado o HMS Cossack, tendo do município de Cabo Frio, o sal, eram recebido também a Ritler Kreuz. alvo de ataques. Cabo Frio, nesse período, Em janeiro de 1944, um dirigível de possuía cerca de 50 salinas. As maiores fabricação norte-americana – da classe K-2, eram: a Perinas, da Companhia Salinas de 250 pés de comprimento –, patrulhando Perinas, de 198 hectares; a Massambaba, a costa pela madrugada, chocou-se no alto da Companhia Pereira Bastos; e a Viveiros, da Ilha do Cabo Frio. O dirigível foi aci- de Joaquim A. Nogueira da Silva, de 97 dentado à direita do farol velho em ruínas, hectares (GOMES-FILHO, 1993). cortando galhos de árvores e rasgando o No dia 25 de junho de 1943, um navio- invólucro de gás. Ele pertencia à Ala de -tanque de bandeira americana, o SS Eagle, Dirigíveis da Esquadra A, criada no Brasil foi torpedeado pelo submarino alemão para realizar patrulhas antissubmarinas,

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coberturas de comboios, localizações de autonomia de voo era medida em dias, ao náufragos e serviços de salvamento. Esta passo que a dos aviões é em horas. Sua ala era constituída de aeronaves do tipo velocidade atingia 40 nós. No trabalho “mais leve que o ar”, vulgarmente conhe- de escolta de comboios, estas aeronaves cidas pelo nome de blimps, e empregadas foram muito úteis, principalmente durante na caça aos submarinos, por possibilitarem a formação e no desmanchar dos mesmos, ampla visão em todas as direções. Voavam nas entradas e saídas de portos, zonas muito baixo e vagarosamente, podendo manter-se visadas pelos submarinos para lançarem-se sobre o seu alvo para precisar a pontaria an- em ataque. Apesar dos blimps não terem tes de soltar suas bombas de profundidade. descoberto nenhum submarino na costa Dos 11 tripulantes, apenas cinco se brasileira, transmitiam segurança aos na- feriram. Um deles, vios de comércio, que impossibilitado de os observavam com sa- andar, foi retirado do No trabalho de escolta de tisfação. Essas unida- alto da Ilha por um des de vigilância eram pescador. Mais tar- comboios, os dirigíveis vistas constantemente de, alguns cabistas foram muito úteis, pelos marítimos cabo- (nome dado aos in- principalmente durante a -frienses e cabistas. divíduos que nascem em Arraial do Cabo) formação e no desmanchar ACIDENTES POR recolheram no local dos mesmos, nas entradas NEGLIGÊNCIA E do acidente os equi- IMPRUDÊNCIA pamentos e outros e saídas de portos, zonas objetos destroçados. muito visadas pelos Outros acidentes Ficaram interessados, submarinos para lançarem- ocorreram na Ilha do particularmente, pelo Cabo Frio, mas desta invólucro da aero- se em ataque vez devido às navega- nave, constituído na ções tecnicamente mal parte externa por um orientadas. No dia 23 forro grosso (uma espécie de lona prateada) de novembro de 1947, às 3h59, o vapor e, internamente, por um forro mais fino. inglês Caduceus, em viagem para Dakar, Com esses dois materiais confeccionaram bateu nas pedras da Ilha do Cabo Frio, pois casacos e tiras de tamancos, entre outros o farol não havia sido avistado. O vapor, artefatos criativos. apesar de gravemente avariado na proa, Os blimps, quando estavam em patrulha, continuou a flutuar. Mesmo com todas as mantinham-se em alerta para tentar des- bombas de esgotamento funcionando, a cobrir na superfície do oceano quaisquer água não deixava de crescer no tanque de sinais do submarino, tais como bolhas de ar, vante e nos porões 1 e 2. Constatada a im- traços de óleo e “plumas” dos periscópios. possibilidade de voltar para o porto do Rio Em linhas gerais, este aparelho constituía- de Janeiro, o comandante resolveu conduzir -se de um invólucro cheio de gás (hélio) o navio para a Enseada do Forno, onde e contava com dois motores paralelos fundeou o vapor ligeiramente encalhado instalados numa estrutura assemelhada de proa. Depois de passar por reparos, o a uma gôndola, onde também alojava-se Caduceus foi rebocado para a Baía de Gua- a tripulação (de oito a dez homens). Sua nabara. O inquérito instaurado na Capitania

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dos Portos constatou negligência por parte e os demais estavam estanques. Às 10 ho- do primeiro piloto, acusado de ter deixado ras, o capitão lavrou o protesto marítimo, de tomar as providências necessárias para determinando, entre outras medidas, a a segurança da navegação e não haver cha- solicitação de rebocadores. mado o comandante ao passadiço: No dia 13, o navio foi rebocado pelo “É verdade que o piloto, em seu de- Rebocador Comandante Dorat, do Lloyd poimento, declarou que às 3 horas, tendo Brasileiro. O vapor dirigiu-se até a Enseada marcado a estrela Canopus, constatou que do Forno, onde foi deliberadamente encalha- a variação da agulha padrão, declinação do e sua carga transbordada para um pontão. magnética mais o desvio, não era de 14 Procedidas as regras de emergência, o navio graus e sim de 18 graus, e por isso alterou Santos partiu para a Baía de Guanabara. o rumo de 4 graus para fora, o que fez à O Tribunal Marítimo alegou que a causa revelia do comandante. Se o piloto tivesse determinante do acidente foi a imprudência examinado o problema na carta, com a do comandante do navio, que não levou em necessária atenção, conta as condições da teria certificado que navegação iniciada e essa tardia correção Grande parte da expansão mantida durante três de 4 graus era insu- do Projeto Cabo Frio, horas, com velocidade ficiente para evitar o e mar de sueste, não perigo (Procurado- que incluiu a oferta de 26 reduzindo a marcha ria do Tribunal Ma- cursos na área de Biologia debaixo de cerração, rítimo, 1947 apud Marinha e campo para o tendo-se fiado apenas GOMES-FILHO, na marcação do odô- 1993, p. 187-188).” desenvolvimento de teses e metro, sem considerar trabalhos científicos, deveu- o abatimento do rumo Em 11 de agosto de (GOMES-FILHO, 1951, à 1h35, quando se aos recursos oriundos 1993, p. 188). A Ensea- navegava do Rio de do Fundo Nacional de da do Forno, como ob- Janeiro para o porto Desenvolvimento Científico servado, era o local de de Vitória, o navio abrigo e encalhe para Santos, construído em e Tecnológico (FNDCT) os navios que apresen- 1896 e pertencente tavam problemas. à Companhia de Navegação Lloyd Bra- sileiro, transportando carga e 200 passa- PESQUISAS CIENTÍFICAS geiros, foi de encontro às rochas da Ilha do Cabo Frio, ficando ali encalhado de Não só acidentes e angústias testemu- proa, com graves avarias e água aberta, o nhou a Ilha do Cabo Frio. Em 1971, foi que representava riscos para a tripulação iniciado o Projeto Cabo Frio, sob ordem do e sua carga. Após os sinais de socorro, os Vice-Almirante Paulo de Castro Moreira da navios Poconé e Córdoba foram recolher os Silva, na época diretor do Instituto de Pes- passageiros, faina que terminou às 9 horas, quisas da Marinha (IPqM). O Projeto teve sem incidentes. por objetivo estimular a produção natural Sondando os porões do vapor, verificou- e promover a produção em cativeiro de -se que o de número 1 apresentava mais de peixes, crustáceos e moluscos na enseada 3 braças de água; o de número 2, 2 braças, de Cabo Frio ou corpos d’água adjacentes,

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mediante a adição de água oceânica “fértil” e profunda do fenô- meno ressurgência, responsável por aflo- rar os nutrientes à superfície (SILVA, 1974). Para tanto, o pro- jeto proveu a constru- ção de pequenos labo- ratórios de química e biologia, usina piloto de gelo, 14 tanques de criação na Ilha do Cabo, duas boias oce- Praia do Farol. Ilha de Cabo Frio anográficas, prédio da casa de força na Ilha, recuperação da cisterna de 500 mil litros Siderúrgicas de Minas Gerais S. A. (Usi- nos terrenos desapropriados à companhia minas) e o IPqM fizeram um acordo para de pesca Tayo e apoio de 150 servidores, estudar a corrosão atmosférica do aço entre alunos e professores da Universidade exposto em ambiente salino. Federal do Rio de Janeiro. A Usiminas utilizou uma estação de Grande parte da expansão do Projeto 2 mil metros quadrados na Ilha, a fim de Cabo Frio, que incluiu a oferta de 26 cursos instalar 125 painéis de exposição para na área de Biologia Marinha e campo para execução dos ensaios não acelerados de o desenvolvimento de teses e trabalhos corrosão atmosférica e equipamentos para científicos, deveu-se aos recursos oriundos análise do teor de cloretos no ar. O con- do Fundo Nacional de Desenvolvimento vênio entre o IEAPM e a Usiminas neste Científico e Tecnológico (FNDCT), por projeto durou 35 anos. meio da Financiadora de Estudos e Projetos No período de 1998 a 2010 foi realizado (Finep), na época uma espécie de secre- na Ilha o Projeto Flora, que teve por objeti- taria financeira para projetos aprovados vo o reconhecimento da flora na região nos pelo Conselho Nacional de Desenvolvi- períodos de floração e frutificação. Alunos mento Científico e Tecnológico – CNPq da Faculdade da Região dos Lagos, jun- (INSTITUTO DE ESTUDOS DO MAR tamente com os pesquisadores do Museu ALMIRANTE PAULO MOREIRA, 2014). Nacional, tiveram autorização do IEAPM O Projeto encerrou-se com a criação para visitar a Ilha e realizar o projeto (AL- do Instituto Nacional de Estudos do Mar VES, 2006). Dentre outras conclusões, foi (Inem), em 1984, ampliando os estudos nas identificado que a Ilha possui uma flora rica áreas de Ciências do Mar, com a posterior nas famílias orquídea, bromélia e cacto e mudança para o nome atual, Instituto de possui as maiores populações de Vriesea Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, sucrei e Sorocea, todas estas na lista oficial em homenagem ao idealizador do Projeto. de espécies ameaçadas de extinção. Além Em 29 de dezembro de 1978, a Usinas desse levantamento, o projeto buscou:

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fornecer subsídios para o manejo e pro- por permitir o abrigo e reprodução de ani- teção ambiental da área; recuperar áreas mais e aves como o atobá-marrom; degradadas; eliminar caprinos e populações – conscientização sobre as práticas de invasoras de casuarina; e contribuir para a conservação, promovendo o turismo de formação de recursos humanos na área de educação ambiental e realizando inspeções botânica, por meio de desenvolvimento de que minimizam os impactos socioambien- dissertações e teses. tais decorridos da visitação; Até hoje a Ilha do Cabo Frio serve como – proteção de paisagens naturais e exem- campo de provas para estudos na área da plares endêmicos como bromélias e cactos; fauna e flora marinha e acústica submarina – proteção das características relevantes a fim de subsidiar as da natureza geológica, pesquisas do IEAPM geomorfológica, espe- e contribuir para sua A Ilha do Cabo Frio serve leológica, arqueológica, missão na “amplia- como campo de provas paleontológica e cultu- ção do conhecimento ral, como o sítio arque- e a eficaz utilização para estudos na área da ológico Sambaqui1; do meio marinho, no fauna e flora marinha e – proteção de re- interesse da MB e acústica submarina a fim de cursos naturais neces- do desenvolvimento sários à subsistência socioeconômico do subsidiar as pesquisas do de populações tradi- País” (INSTITUTO IEAPM e contribuir para cionais, respeitando e DE ESTUDOS DO valorizando sua cultura MAR ALMIRANTE sua missão na “ampliação e promovendo-as so- PAULO MOREIRA, do conhecimento e a cial e economicamente, 2016). eficaz utilização do meio principalmente no que concerne ao patrulha- CUIDADOS marinho, no interesse da mento aquático que im- AMBIENTAIS MB e do desenvolvimento pede a pesca industrial. Este trabalho é feito A presença dos socioeconômico do País” em cooperação com o servidores militares e Instituto Chico Mendes civis da MB na Ilha do Cabo Frio propor- de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), ciona muitas vantagens em relação à sua responsável por gerir a Reserva Extrativista preservação ambiental: Marinha do Arraial do Cabo (Resex), que – proteção de espécies ameaçadas de não inclui a Ilha. extinção no âmbito regional e nacional, Em 1997, a Ilha do Cabo Frio foi consi- como a orquídea Cattleya intermedia; derada pelo Instituto Nacional de Pesqui- – manutenção da diversidade biológica sas Espaciais como a praia tecnicamente

1 Sambaqui é encontrado no interior das dunas da Ilha. É um pequeno morro composto pelo empilhamento de conchas e moluscos, carapaças de crustáceos, ossos de peixes, aves e mamíferos que serviram de alimen- tação para a tribo local. Neste também eram enterrados os instrumentos usados no preparo dos alimentos e sepultados os mortos. Sambanqueiros é o nome dados aos povos europeus que se estabeleceram há 7 mil anos no litoral brasileiro e sobreviveram por 5 mil anos até serem extintos, há cerca de dois milênios. Viviam em pequenos grupos familiares. Há na Ilha indícios de áreas habitadas por até 300 indivíduos. (INSTITUTO DE ESTUDOS DO MAR ALMIRANTE PAULO MOREIRA. IEAPM 30 anos: (1984-2014). Arraial do Cabo, RJ: Public, 2014. p.79.)

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mais perfeita do Brasil (Revista Veja, em Disse Benjamim que ficara de mão vazia 3/12/1997). Ela é frequentemente citada porque não deveria ter ido acompanhado em revistas e sites de viagens como uma do seu vizinho. das praias mais bonitas do País. Este título Uma outra lenda é sobre um burro, deve-se à sua beleza natural somada ao seu denominado Bonito, que morou na Ilha elevado estado de preservação. (PEREIRA, 2013). Contam os pescadores da Praia dos Anjos que existia um burro LENDAS de sabedoria humana que ficava atento à movimentação dos pescadores que desem- A Ilha do Cabo Frio, conhecida pelos barcavam na Ilha. cabistas por Ilha do Farol, é palco de “Justificando a máxima ‘chegou o burro muitas histórias pitorescas. Uma delas se da ilha’, contam os antigos que, quando a deu com Benjamim e seu vizinho Damião tripulação de uma canoa de pesca desem- (DAMACENO, 2003). Há muito tempo, barcava na praia da Ilha, o animal começava Benjamim estava jogando futebol com a observar de longe e atentamente o volume alguns amigos na Ilha quando apareceu do material que o cozinheiro amontoava na uma caveira desenterrada na areia. Os areia. Com gestos inquietos, desconfiava da seus amigos começaram a chutar a caveira, intenção do mestre-cuca quanto a explorá- fazendo-a de bola. Achando aquilo um -lo no transporte daquelas bugigangas. O desrespeito, Benjamim pediu para que asno, que de burro só tinha o nome, notava eles parassem a brincadeira e enterrou o cozinheiro pensativo e começava a fitá-lo. novamente a caveira no areal. O burro, ao entrar no pensamento daquele Naquela mesma noite, o defunto da ca- pobre marujo, entendia que logo estaria veira apareceu-lhe em sonho, agradecendo sendo utilizado como burro de carga, daí, pelo que havia feito. Em reconhecimento, o sem mais pensar, desembestava-se colina defunto lhe disse para que voltasse sozinho acima e se embrenhava no mato. à Ilha no dia seguinte, a fim de ensiná-lo O cozinheiro ficava irritado com a atitude a encontrar um tesouro. O homem deveria do animal, porém paciência... O jeito era subir ao areal até atingir a beira do mato, colocar as tralhas nas costas, fazer o papel do onde veria umas abelhas voando, até que burro e caminhar duna acima. Com o areal parassem e fizessem um 8 no ar. Neste íngreme, o esforço tinha que ser feito em lugar, ele deveria cavar até achar o tesouro. dobro. O coitado do mestre-cuca encarava a Benjamim acordou impressionado subida com protesto e xingamento: ‘Raios! com o sonho e resolveu ir até a Ilha para Destino fútil ter que carregar todo este peso tirar a prova. Mas, contrariando o pedido nas costas quando se tem um burro que pode do defunto, convidou o vizinho Damião fazer esse transporte com pouco esforço’! para ir junto. Chegando ao local, subiram Reclamando, aquele senhor de idade os cômoros e, bem na beirinha do mato, sobe um grande cordão arenoso. encontraram as abelhas voando. Foram Na pequena cozinha, o fogo era ateado atrás delas, até que elas pararam e dese- e o feijão condimentado posto na panela nharam um oito. A esta altura, os dois já com água. O prato a ser servido geralmen- estavam bastante assustados. Começaram te era uma ‘engrossa’, comida típica dos a cavar, cavar, a noite foi caindo e nada pescadores que consistia no cozimento do do tesouro. De repente, um jacu gritou feijão com carne dessalgada, adicionando- e os dois saíram desesperados da Ilha. -se arroz, abóbora cozida e socada e um

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pouco de farinha de mandioca para dar se apercebesse, um estranho à comunidade consistência ao mexido. mexia nos poucos peixes que estavam no Esse ‘engrossa’, quando atingia certo fundo da canoa e solicitava: ‘Moço, posso grau de fervura, exalava um cheiro tão forte pegar gratuitamente um desses peixes?’ que era sentido por todos. Até o burro, ao O cozinheiro bronco, ainda revolto com fungar com suas narinas sensíveis, acolhia o ocorrido na Ilha, sem nenhuma timidez, o aroma que o convidava ao banquete. respondia em voz alta: ‘Chegou o burro O cozinheiro batia panela anunciando da Ilha’!”. a hora do almoço, e os tripulantes se acomodavam com os pratos na mão. O DIAS ATUAIS burro também se aconchegava, porém a distância. Com ar desconfiado, observava No ano de 2015, crianças vinculadas ao o cozinheiro, que o fitava com expressão Projeto Adolescer, da Associação do Abri- de revolta. Ambos se entreolhavam em go do Marinheiro, puderam conhecer as autoanálise: o cozinheiro com raiva e instalações da Ilha do Cabo Frio e aprender doido para dar uma boa surra no mulo conceitos como “faróis”, “preservação da vadio; o asno com fome e medo de apanhar natureza” e “Amazônia Azul”, agregando daquele homem circunspecto. Finalmente, aprendizado à diversão. o coração humano cedia à cólera e oferecia De volta ao dia de trabalho, aos militares ao animal uma parte do alimento. O burro que vigiam a Ilha no ano de 2016, à noite, comia rapidamente e, se precavendo do quando as embarcações de passeio vão em- assédio do cozinheiro em utilizá-lo como bora e não há pescadores pela área, restam burro de carga, tomava rumo do mato e só as estrelas do céu para brincar de identificar voltava à praia quando a canoa regressava as constelações e adivinhar o rumo certo a seu porto de origem. que deveria ser tomado pelas embarcações, Ao desembarcar na Praia dos Anjos, remetendo-lhes à navegação antiga, na qual o cozinheiro não conseguia esquecer o não havia bússolas e mostradores eletrônicos. animal injusto. Sem que algum pescador Nosso passado e presente se interconectam.

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: <ÁREAS>; Ilha de Cabo Frio;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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204 RMB3oT/2016 BATALHA DE TANGA*

CARLOS RENATO DUQUE XAVIER** Guarda-Marinha (AFN) JOSÉ ANTÔNIO SCHELCK ESTEFANELLI*** Guarda-Marinha (AFN) ROBSON FERNANDES NOGUEIRA**** Guarda-Marinha (AFN)

SUMÁRIO

Introdução Ambiente estratégico Ambiente operacional Ambiente tático Desenvolvimento da batalha Análise Conclusão Consequência

INTRODUÇÃO mãs existentes na África, o que fora realizado com pouca resistência, exceto com a área da No início da Primeira Guerra Mundial, a África Oriental alemã, compreendida por Tan- supremacia sobre quase todos os oceanos e zânia e Ruanda-Burundi, mais precisamente grande parte do continente africano pertencia na cidade de Tanga, a qual dá nome à Batalha. ao Império Britânico e à França. No entanto, No período de 2 a 5 de novembro era imperioso apreender todas as colônias ale- de 1914, numa tentativa frustrada, os

* N.R.: Trabalho apresentado no Centro de Instrução Almirante Sylvio de Camargo (CIASC) – Curso de Formação de Oficiais. ** Serve na Base de FN da Ilha do Governador. *** Serve no CIASC. **** Serve no Comando da Tropa de Reforço. BATALHA DE TANGA

britânicos decidiram enviar uma expedição liderada pelo Gene- ral Arthur Edward Aitken, chamada For- ça Expedicionária In- diana B. Essa Força era composta de 8 mil indianos reunidos às pressas e embarcados em Bombaim (Índia), em sua maioria, sol- dados sem adestra- mento militar ade- quado, comandados por oficiais que não os conheciam e nem Figura 1 – General Arthur Aitken (esquerda) e Tenente-Coronel Von Lettow-Vorbeck (direita) conheciam a região em que iriam operar, apoiando-se apenas em velhos mapas Lettow-Vorbeck, que souberam se lançar à rasgados de atlas escolares. frente e realizar ataques de contraguerrilha, O objetivo de capturar o porto de Tanga converteu-se na maior batalha da Primeira era primordial aos britânicos para desem- Guerra Mundial em solo africano, pois a barcarem novas tropas e suprimentos e, intenção dos alemães era prolongar a guerra assim, facilmente avançar para o Sul e na região tanto quanto possível, forçando conquistar o restante da colônia alemã. assim os britânicos a desviarem muitas Nesse ínterim, o comandante alemão forças que, caso contrário, poderiam estar reuniu todos os reforços que podia, cerca lutando contra a Alemanha na Europa. de 1.100 homens, e enviou-os rapidamente para a área, usando a ferrovia, para impedir AMBIENTE ESTRATÉGICO o desembarque do inimigo. Ao contrário do que se imaginava, o Ge- Contexto estratégico inglês neral Arthur Aitken decidiu desembarcar as suas tropas a poucos quilômetros ao sul do Na África Oriental britânica, na região porto e a partir daí tomar a cidade por terra. do Quênia, os militares regulares não esta- O despreparo e a falta de conhecimento do vam melhores que seus vizinhos, os equi- terreno tornaram essa empreitada totalmen- pamentos eram obsoletos e seus askaris, te desfavorável, uma vez que os soldados Reais Fuzileiros Africanos, não tinham o tiveram que atravessar a selva africana, mesmo treinamento, por receio dos colonos região extremamente hostil, sofrendo di- em munir os nativos de armas que pudes- versas emboscadas dos askaris – soldados sem ser usadas contra eles e/ou que aqueles africanos nativos. perdessem o respeito pelos brancos. O Assalto Anfíbio lançado contra essa Assim, os britânicos decidiram enviar a cidade pelos britânicos, repelido pelas Força Expedicionária Indiana B, liderada tropas do Tenente-Coronel Paul Emil Von pelo General Arthur Aitken, com o efetivo

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de 8 mil soldados indianos, que, despre- com o Quênia, a cidade de Tanga revestiu- parados para um conflito bélico, foram -se de grande valor estratégico para a região reunidos às pressas e embarcados em 14 principalmente por ser terminal, junto navios, protegidos por dois cruzadores. ao Oceano Índico, de uma das ferrovias Com os britânicos ávidos pela conquis- Leste-Oeste da colônia, que ligava outro ta, seu plano era de que um dos exércitos terminal, Moshi, por onde escoava toda atacasse os alemães na área do Kilimanjaro produção e riqueza. (Força Expedicionária Indiana C), enquan- A colônia possuía muitas escolas para to o outro exército (Força Expedicionária negros, e o grau de alfabetização na África Indiana B) faria um desembarque anfíbio Oriental alemã era maior que o de qualquer em Tanga. país no continente africano, o que contri- buía, sobremaneira, para o apoio da popu- Contexto estratégico alemão lação, inclusive com a participação de seus soldados askaris, para resistir e defender o Localizada mais ao norte da Tanzânia, país do ataque inimigo. próxima ao Monte Kilimanjaro e fronteira O Tenente-Coronel Paul Emil Von Lettow-Vorbeck, apesar de concordar que as chances em uma guerra colonial eram mui- to desfavoráveis à Alemanha, acreditava ser seu dever afastar da Europa o máximo possível de soldados inimigos dos tea- tros de operações da Primeira Guerra Mundial.

AMBIENTE OPERACIONAL

Contexto operacional inglês

Do ponto de vista britânico, a conquista do seu objetivo es- tratégico envolvia diretamente a cidade de Tanga, detentora de um importante porto marítimo, ponto chave tanto para o escoamento de produtos vindos do centro da colônia, por meio da Ferrovia Usambara, quanto para o rea- bastecimento futuro da Marinha Real Inglesa na região. Por esse motivo, a conquista e o controle dessa cidade eram prioridades Figura 2 – Mapa do continente africano daquela campanha militar.

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Com esse intuito, as autoridades ingle- sas planejaram uma operação composta por três fases: Na primeira, empregar a Força Ex- pedicionária Indiana B (Indian Expeditionary Force – IEF B), objeto do presente estudo, para a realização de um Assalto Anfíbio, a fim de conquistar e manter Tanga, ponto vital para o prosseguimento da campanha; a segunda fase seria conquistar a área próxima ao Mon- Figura 3 – Representação dos principais pontos envolvidos na Batalha te Kilimanjaro com a Força Expedicionária Indiana C (Indian Ex- responsável pela defesa da colônia, previa peditionary Force – IEF C), visando manter que um ataque inglês, se anfíbio, seria em o controle da estrada de ferro; e, finalmente, Dar Es Salaam ou em Tanga. Com isso, avançar em duas frentes, encurralando a resolveu deixar parte da Força em Tanga, defesa alemã. mas com a possibilidade de ser ajustada rapidamente pelo restante dela, que se con- Contexto operacional alemão centrava na região do Monte Kilimanjaro, com a finalidade de impedir os acessos ao A relação mar, comércio e desenvolvi- território alemão e, por sua vez, realizar mento sempre foi, historicamente, impor- incursões no território inimigo para cortar tante para qualquer nação. Assim como suas rotas de abastecimento, especialmente os ingleses, os alemães compreendiam a a Ferrovia Uganda. importância de manter aquela região so- bre o seu domínio. Tanga, fundada como AMBIENTE TÁTICO um posto militar pelos alemães em 1889, tornou-se a sede de um escritório do dis- Contexto tático inglês trito da Alemanha Oriental no mesmo ano e, mais tarde, o maior porto na parte norte A Força Britânica (IEF B) planejava, da colônia alemã, localizada a cerca de 80 inicialmente, o desembarque junto ao porto km da fronteira sul do Quênia, que perten- nas praias próximas à cidade, que, por sua cia aos britânicos, e também ponto final vez, ofereciam boas condições para tal da Estrada de Ferro Usambara. Por esses ação. Essas condições, somadas ao fato de motivos, a cidade de Tanga era conhecida o general inglês acreditar que encontraria como “a porta para a exportação”. pouca resistência inimiga, ou seja, peque- O Tenente-Coronel Paul Emil Von nas patrulhas formadas por voluntários Lettow-Vorbeck, autoridade militar alemã civis e policiais, parecia criar um ambiente

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Figura 5 - Organograma da Força Britânica (IEF B)

favorável. Após o desembarque, a intenção embarcada em Bombaim. A maioria dos inicial era isolar a população e tomar os soldados nunca havia disparado um tiro principais edifícios da cidade, assumindo e era comandada por oficiais que não os rapidamente o controle desta. conheciam e nunca tinham posto os pés A IEF B, liderada pelo General Arthur na África. Mas era com essa tropa, e com Aitken, consistia de 8 mil soldados indianos o auxílio de mapas rasgados de velhos transportados em 14 navios e protegidos atlas escolares, que o Império britânico por dois cruzadores britânicos, o HMS Fox se preparava para tomar posse da África e o Cruzador Auxiliar HMAMC Laconia. Oriental alemã. Essa força foi reunida às presas na Índia e O excesso de confiança levou o Exército britânico a desprezar o fator sur- presa, pois realizou os movimentos da Força Expedicionária Indiana no porto de Bombaim sem qual- quer preocupação com o sigilo – a ação foi relatada pela imprensa britânica. Com isso, semanas antes de chegar ao porto de Tanga, o Exército alemão estava ciente dos planos britânicos. A conquista da Tanga era vi- tal para os britânicos, que pode- Figura 4 – Travessia da Força Expedicionária Indiana riam desembarcar novas tropas e

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por militares alemães, voluntários coloniais e residentes nativos (askaris), dividida em unidades de combate Feldkompanien (FK) formadas aproximada- mente por 160 solda- dos, divididos em três pelotões (Züge) de 50 a 60 soldados cada um, incluindo quatro me- Figura 6 - Foto do navio Britânico HMS Fox tralhadoras. No total, Von Lettow-Vorbeck suprimentos para avançar facilmente para o tinha sob seu comando, em Tanga, aproxi- Sul e conquistar o resto da colônia alemã. madamente 1.100 soldados. Parte da Força defensora de Lettow- Contexto tático alemão -Vorbeck foi organizada ao longo do perí- metro urbano, coincidindo com a linha fér- A organização militar colonial alemã, rea e os pontos chave que deveria proteger, comandada pelo Tenente-Coronel Paul von criando uma forte posição defensiva por Lettow-Vorbeck, denominada de Schut- meio da ocultação da força, bons campos ztruppe (Força de Proteção), foi formada de tiro cerrado nas avenidas, preparação do

Figura 7 - Organograma das Forças alemãs na África Oriental alemã

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Tabela 1- Quadro comparativo entre a Força Britânica (IEF B) desembarque minada. e as forças alemãs na Batalha de Tanga Esse tempo foi fun- damental para Von Força Britânica Força Alemã Lettow-Vorbeck reunir Soldados 8.000 1.100 todos os reforços que Metralhadoras ele poderia, ao todo 16 4 Automáticas 1.100 homens, e enviá- 2 peças modelo -los rapidamente à área Artilharia 6 peças de 10 libras 1873 (usando a ferrovia), 1 canhão de 6 polegadas para impedir o desem- Apoio de Fogo Naval Não Possui do navio HMS Fox barque do inimigo. Algum tempo de- pois, o Fox aproximou- terreno, lançamento de obstáculos, linhas -se do porto de Tanga para informar aos de comunicação entre as posições e postos alemães que teriam uma hora para a rendição avançados que permitiam um alerta ante- e a retirada da bandeira imperial da praça. cipado das posições inimigas, além de uma Finalmente, o General Arthur Aitken, cansa- Companhia com fuzis Mauser 98, com seus do de esperar e preocupado com as possíveis integrantes atuando como franco-atiradores minas caso desembarcasse no porto, decidiu nos topos das árvores. baixar a terra suas tropas a poucos quilô- Lettow-Vorbeck ainda contava com o metros ao sul e a partir daí tomar a cidade. apoio do oficial da reserva Tomas Prince, No mesmo dia (2 de novembro), às que havia criado uma Força de voluntários. 21h30, quase 24 horas depois da primeira Tal Força foi enviada à região do Monte aparição, os britânicos iniciaram o de- Kilimanjaro com a missão de atacar postos sembarque, que transcorreu durante toda avançados britânicos, cortar linhas tele- a noite, na Praia Verde, sem a oposição gráficas e interditar a Ferrovia de Uganda. da artilharia alemã. Porém sua decisão de atacar a cidade por terra foi um grave erro, DESENVOLVIMENTO DA uma vez que antes teriam que atravessar a BATALHA selva africana, um habitat extremamente hostil aos soldados indianos, que tiveram de Em 2 de novembro de 1914, a Força enfrentar os askaris alemães em contínuas britânica, escoltada pelos dois cruzadores, emboscadas, que causaram pesadas baixas. chegou à área do objetivo anfíbio. Tomado O desembarque prosseguiu pelo restante de surpresa, o governador alemão decidiu da noite, mas as complicações impediram não defender o porto e o declarou aberto, o da artilharia. Essa decisão fez com que para impedir que este fosse bombardea- o ataque aos arredores da cidade só ocor- do. No entanto, depois de ouvir a notícia, resse no dia 3 de novembro, já com uma Von Lettow-Vorbeck decidiu ignorar as força muito desgastada, o que facilitou a autoridades civis e defender o porto a todo defesa por parte dos alemães. Às 3 horas da o custo. Os britânicos acreditaram nesses manhã do dia 4 de novembro, os alemães rumores, o que fez com que Arthur Aitken receberam alguns soldados para ajudar na se mantivesse hesitante, sem saber se deveria defesa. Os britânicos, reforçados por mili- ou não desembarcar suas tropas, temeroso tares que desembarcaram posteriormente, com a possibilidade de encontrar a área de tentaram avançar com duas brigadas em

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linha, sendo que uma delas com o objetivo tremenda (defesa móvel), já que tinham de flanquear os alemães. Todavia, a mata o domínio da linha ferroviária Usambara; era muito fechada, fazendo com que as uni- mais uma vez, os ingleses foram expulsos. dades perdessem contato, o que dissipava No dia 6 de novembro, Lettow-Vorbeck o apoio mútuo, transformando os soldados tinha pleno controle de Tanga. em presas fáceis para os askaris, que os Durante a batalha, o próprio Von Lettow- fulminaram a tiros de metralhadoras. -Vorbeck, de bicicleta, com o rosto enegre- Mesmo assim, os britânicos conseguiram cido, entrou em Tanga sem problemas e se chegar à cidade de Tanga, contudo foram aproximou das linhas britânicas para ir até repelidos no dia seguinte por um contra- o telégrafo, onde recebeu do governador a -ataque alemão. Depois de várias tentativas ordem para não lutar ali, ordem esta que mais frustradas de conquistar Tanga, os britânicos uma vez ignorou. Voltando do telégrafo, decidiram fazer uma pausa em sua ofensiva ainda realizou um reconhecimento, no qual para se recompor e reorganizar suas tropas. descobriu que os seus homens estavam em Essa pausa foi utilizada por Von Lettow- desvantagem de 4-1. Essa vitória mostrou a -Vorbeck para lançar um contra-ataque grande capacidade de Von Lettow-Vorbeck agressivo no flanco esquerdo, que causou como comandante militar, pois suas tropas grandes baixas aos indianos, provocando eram superadas, na verdade, em uma mar- uma retirada desorganizada das tropas gem de 8-1, e mesmo assim ele encontrou indianas para as praias, o que obrigou os as condições favoráveis de atacar o inimigo, britânicos a reembarcarem e deixar a área. sendo sua ousadia recompensada com uma Os alemães fizeram um verdadeiro merecida vitória que lhe permitiu conquistar massacre nas tropas indianas. Estas foram uma grande quantidade de armas e munições também atacadas ferozmente por abelhas abandonadas pelos soldados britânicos na na mata, motivo pelo qual os ingleses cha- fuga para os navios. mam essa batalha de “Battle of the Bees” Em vez de massacrar as tropas indianas (“Batalha das Abelhas”). em sua retirada, Lettow-Vorbeck lhes per- Enquanto isso, a IEF C, acreditando que mitiu embarcar em seus barcos. Solicitou Von Lettow-Vorbeck ainda estava na cida- uma conferência com o General Aitken de de Tanga, atacou a região de Kiliman- na praia, e este concordou de bom grado. jaro, entretanto não sabia que os askaris Incrivelmente, os dois generais, como ca- alemães se moviam com uma velocidade valheiros antigos, começaram a caminhar

Figura 8 - Forças alemãs

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na praia e discutir a batalha, bebendo juntos Fatores de decisão uma garrafa de vinho brandy. Contexto inglês ANÁLISE Missão Capturar o porto de Tanga para o Analisando os eventos em ordem crono- desembarque de novas tropas e supri- lógica ao longo da batalha estudada, podem mentos para, assim, facilmente avançar ser feitas as seguintes considerações. para o Sul e conquistar o restante da Um fato fundamental observado nesta colônia alemã. batalha foi o comando único do General Arthur Edward Aitken (Força Expedicio- Inimigo nária Indiana B) no ataque ao porto de A Força alemã comandada pelo Tanga e a Força Expedicionária Indiana Tenente-Coronel Paul von Lettow- C sob o comando do General James -Vorbeck, denominada de Schutztruppe Stewart, com mais de 1.500 homens que (Força de Proteção), formada por mili- avançariam entre o Lago Victoria e o tares alemães, voluntários coloniais e Monte Kilimanjaro com a intenção de residentes nativos (askaris), divididas tomar a junção entre Moschi e Longido. em unidades de combate Feldkompanien Isso facilitou o comando e o controle da (FK) formadas aproximadamente por operação e a sincronia de todas as forças 160 soldados, divididos em três pelo- britânicas que participaram dela. tões (Züge) de 50 a 60 soldados cada Entretanto, o excesso de confiança levou um, incluindo duas metralhadoras. No o Exército britânico a desprezar o fator total, Von Lettow-Vorbeck tinha sob seu surpresa, pois realizou os movimentos da comando em Tanga aproximadamente Força Expedicionária Indiana no porto de 1.100 soldados. Bombaim, sem qualquer preocupação com o sigilo, inclusive com notícias na imprensa Terreno britânica. Com isso, semanas antes de sua Floresta densa, pântanos e terrenos chegada ao porto de Tanga, o Exército irregulares na parte mais ao sul da cidade. alemão estava ciente dos planos britânicos. Os britânicos apresentaram-se primeiro Meios no Cruzador Fox, cujo comandante, F.W. 8 mil soldados, 16 metralhadoras au- Caulfield, foi a terra parlamentar com as au- tomáticas e seis peças de artilharia de 10 toridades alemãs, solicitando a rendição da libras e dois cruzadores. cidade, o que foi, previsivelmente, recusado. Tempo Só depois a frota que transportava o corpo Não observado. se aproximou para proceder ao desembarque das tropas. Tanta cortesia apenas serviu para Contexto alemão alertar os alemães, cuja guarnição era ínfima em comparação com os invasores. Mesmo Missão mobilizando as reservas que chegaram ra- Prolongar a guerra na região tanto pidamente à cidade transportadas pela via quanto possível, forçando assim os britâ- férrea, o que facilitou a preparação da defesa, nicos a desviarem muitas forças que, caso do lado alemão os efetivos nunca ultrapassa- contrário, poderiam estar lutando contra a ram os 1.100 homens naquela região. Alemanha na Europa.

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Inimigo feridos. Fazendo uso de tropas com moral A Força britânica comandada pelo Ge- elevada e bem adestrada, Von Lettow- neral Arthur Edward Aitken e composta por -Vorbeck adotou a defesa móvel e, quando 8 mil soldados, 16 metralhadoras automá- houve oportunidade, realizou um contra- ticas e seis peças de artilharia de 10 libras. -ataque pelo flanco da Força britânica, obrigando, assim, a retirada dos inimigos. Terreno Floresta densa, pântanos e terrenos irre- Trabalho de inteligência gulares na parte mais ao sul da cidade, de conhecimento das tropas aliadas. A inteligência britânica provida às tropas de assalto era muito ineficiente. Meios As informações sobre as defesas alemãs 1.100 soldados, quatro metralhadoras eram obsoletas – houve dificuldades de automáticas e duas peças de artilharia se afirmar se o porto estava minado, o modelo 1873. que era falso, e de informar as condições topográficas ao redor da área de desem- Tempo barque. Não foram realizados um pré- Não observado. -reconhecimento do acesso às praias, nos itinerários de progressão e nas prováveis Estilos de condução dos conflitos posições das forças alemãs e nem um mapeamento da área. Contexto inglês As informações atualizadas sobre o inimigo e o terreno eram dadas por meio A Força britânica se valeu da guerra de envio de patrulhas de reconhecimento de atrito, com a virtude de prevalecer- ou patrulhas de combate, a fim de realizar -se do princípio de massa, pois atacou contato direto com inimigo. em uma proporção de 8-1. Considerando Entretanto, o serviço de inteligência de a possibilidade que a cidade de Tanga Lettow-Vorbeck, baseado em uma rede de fosse conquistada sem qualquer oposição agentes negros que cruzavam regularmente ou com defesa mínima, fez com que não a fronteira, era bastante satisfatório. Ele houvesse um planejamento detalhado, sabia que os indianos estavam a caminho. além de imaginar que as tropas estariam Sabia por onde chegariam. Todavia não mal adestradas. sabia por onde atacariam.

Contexto alemão Os fatores não considerados pelos britânicos A Força alemã se valeu da guerra de manobra, com virtude de saber fazer uso 1) A existência de rebeldes da tribo dos poucos meios, já que estavam em dos hereros, os quais foram perseguidos desvantagem numérica. Com isso, utilizou pela tribo dos namas e massacrados pelos sabiamente a ferrovia, que lhe permitiu um alemães anos antes. fluxo contínuo de movimento de tropas e 2) As tropas aliadas, oriundas da África suprimentos e também estabelecer o hos- do Sul, de modo a fazer com que os defen- pital nas imediações da estação ferroviária, sores alemães lutassem em mais frentes o que facilitou a evacuação de mortos e de batalha.

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devido à densidade da floresta e aos pânta- nos e terrenos irregulares, fazendo com que as unidades perdessem contato, corrom- pendo, assim, o apoio mútuo. Deste modo, o deslocamento dos ingleses foi lento, o que permitiu que o Exército alemão fosse reforçado, para sucesso da defesa local. Aitken optou por progredir com as suas unidades pela selva – dois quilômetros da cidade – a fim de ocultar seu deslocamento pela vegetação, mas provou, na prática, ser Figura 9 – Sudeste do continente africano aquele um terreno intransponível.

3) Pensou-se que a cidade Tanga fosse CONCLUSÃO conquistada sem qualquer oposição ou com defesa mínima – com isso não haveria ne- Apesar da inferioridade numérica do cessidade de um planejamento detalhado – e Exército alemão na proporção de 8-1, o mo- também que os negros estariam mal adestra- ral das tropas locais era alto e estas estavam dos e que a vitória viria rápida, antes do Natal. bem integradas com as forças alemãs. Ao 4) Os militares que não eram ingleses contrário das tropas dos exércitos coloniais foram mal adestrados e receberam trata- britânicos, mal pagos, mal alimentados e mento desigual, o que reduziu muito o mal armados, e que recebiam um treina- moral da tropa. mento desigual, com separação entre os oficiais britânicos e as praças indianas, o Os fatores considerados pelos alemães que gerava moral baixo. Os britânicos detinham a supremacia 1) Von Lettow-Vorbeck compreendeu naval, já que o Império Alemão não tinha desde o início da batalha, que o centro de nenhuma embarcação no mar, nas colônias gravidade seria a estação ferroviária, que africanas, que poderia apoiá-lo na defesa lhe permitiu, desde o começo, um fluxo de Tanga. No entanto, o Exército britânico, contínuo de movimento de tropas e supri- mesmo com dois navios, não recebeu apoio mentos e também o estabelecimento do de fogo naval nas manobras das unidades hospital nas imediações da estação, o que terrestres. Isso porque havia o risco das forças facilitou a evacuação de mortos e feridos. alemãs terem instalado duas peças de arti- 2) Von Lettow-Vorbeck concedeu o lharia modelo 1873 na região, o que poderia mesmo tratamento aos askaris (soldados alcançar os navios britânicos ancorados. negros – tribo dos namas) e aos europeus Von Lettow-Vorbeck compreendeu a alemães. Logo, os militares locais recebiam importância de manter o porto de Tan- os mesmos adestramentos, rações, armas e ga e, assim, entendida a necessidade de acessos a hierarquia. concentrar todo o seu poder de combate sincronizado no espaço e no tempo, com o A progressão britânica propósito de manter as colônias africanas do Império Alemão. A tentativa de avançar em consonância A operação anfíbia terminou com uma com as duas brigadas revelou-se impossível retirada anfíbia (desorganizada) devido

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-Vorbeck um herói em seu retorno à Alema- nha. Para os britâni- cos, Tanga significou a perda em combate de 800 mortos, 500 feridos e centenas de desaparecidos da Força Expedicionária Indiana e o abando- no da tática de ocu- par a África Oriental alemã, como já tinha funcionado em outras colônias, como Togo, Figura 10 – Tropa alemã formada Camarões, Namíbia e Nova Guiné. à mudança de situação, que tornou im- O resultado, portanto, foi uma longa possível o cumprimento da missão. O guerra de quatro anos na África Oriental, em planejamento do desembarque das des- que, pelo menos, o Exército colonial alemão cargas logísticas e do excesso de material manteve algumas forças britânicas desgasta- desnecessário na praia – no momento da das, mesmo sendo o inimigo superior. retirada estes foram deixados para trás –, Todas essas considerações (conclusão permitiu que fossem fornecidos materiais e e consequência) serviram para elaborar as equipamentos ao Exército alemão. Ou seja, táticas que seriam usadas mais tarde nas a retirada britânica fez com que o Império operações de desembarque na África do Alemão tivesse suas necessidades logísticas Norte, Itália e Normandia. atendidas durante um ano. Quem sabe quantas vidas foram economi- A decisão de capturar um porto intacto, zadas em outros desembarques anfíbios como pelos planejadores aliados, seria necessária resultado das lições aprendidas em Tanga? por questões logísticas, para dar suporte ao desenvolvimento das operações e porque o domínio marítimo era fundamental para os futuros desembarques e para o isolamento das tropas alemãs naquela região. Também foi constatado que o desembarque anfíbio ficaria comprometido quando não houvesse apoio de fogo naval e quando aquele fosse lento e sem ritmo.

CONSEQUÊNCIA

A vitória dos alemães revelou a utiliza- ção de combate de guerrilha contra-ataques Figura 11 – Recepção do Tenente-Coronel Von convencionais, tornando Paul von Lettow- Lettow-Vorbeck na Alemanha

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1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Batalha; Forças Armadas da Alemanha; Forças Armadas da Inglaterra; Primeira Guerra Mundial;

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RMB3oT/2016 217 O LEGADO DO ALMIRANTE NELSON PARA A ARMADA*

VITOR CURADO BOTH Aspirante

SUMÁRIO

A construção de um nauta Cicatrizes de guerra Contexto pré-Trafalgar Batalha de Trafalgar O legado

s homens sempre procuraram, talvez os povos passaram a viver intimamente Oprimeiro mais pela curiosidade do que ligados ao mar e transferiram-se para as pela necessidade, descobrir o que havia no regiões litorâneas. mar, ou para além dele, à vista do imenso A Marinha de guerra surgiu quando os horizonte. A partir do momento em que homens, ao identificarem as riquezas dos foram constatadas as suas vantagens para rios e dos oceanos para suas civilizações, a vida do homem, tais como as facilidades sentiram a necessidade de defendê-las. E de transporte e as fontes de alimentos, tão importante foi para essas nações que

* N.R.: Artigo publicado na Revista de Villegagnon no 10/2015. O LEGADO DO ALMIRANTE NELSON PARA A ARMADA

os maiores impérios existentes no mundo marítima. Tais costumes encontramos nas (gregos e romanos) ocorreram devido à he- linguagens, nas cerimônias e nos unifor- gemonia no Mar Mediterrâneo e à conquis- mes dos marinheiros. ta do seu redor. Os registros mais antigos Uma das maiores e mais importantes de batalhas navais referem-se à invasão da civilizações que tiveram o mar presente região do Chipre pelos chamados “Povos na vida de seus habitantes e cultivaram do Mar”, por volta de 1200 a.C., dominada tradições navais, expandindo ao resto na época pelos fenícios. Desde então, com a do mundo, é a Inglaterra. Cercada pelo expansão dos antigos impérios e o domínio Oceano Atlântico, sendo situada em uma do mar por habitantes europeus, surgiam das ilhas britânicas, a Grã-Bretanha, e cada vez mais técnicas de navegação e sendo parte do Reino Unido, esta nação de combate marítimo, além de maiores sempre dependeu do mar para progredir. embarcações e a sofisticação do transporte Várias guerras e batalhas marítimas atra- aquático. vessam sua história. No entanto, mui- Considera-se de má- tos, durante todo esse Lord Nelson, o grande xima importância o tempo na busca pela responsável pela derrota domínio marítimo por descoberta do des- meio da atuação do conhecido, ficaram de Napoleão Bonaparte, Reino Unido na Pri- pelo mar e não pude- deu origem ao símbolo do meira Guerra Mundial ram voltar. Aqueles Corpo da Armada (I GM), sendo a Ma- que se arriscavam a rinha Real Britânica a navegar, até que de- maior e mais poderosa senvolvessem tecnologias e ferramentas do mundo no período e a força que decidiu de navegação, passavam tempo demais a guerra, após uma acirrada disputa com no mar e aprenderam a viver no ambiente a Marinha alemã. O maior nome desta confinado das embarcações e, depois, dos Marinha, contudo, disputou guerras muito navios. Estes indivíduos, os homens do antes da I GM. Foi um homem que nasceu mar, sempre possuíram características para o mar e, por meio dele, se tornou específicas, e a cultura naval surgiu com exemplo para a humanidade. Lord Nelson, muitas tradições que até hoje, em todas as o grande responsável pela derrota de Na- Marinhas do mundo, estão presentes e são poleão Bonaparte, deu origem ao símbolo cultivadas. do Corpo da Armada (Figura 1), que está A tradição naval foi criada por meio presente, principalmente, nas platinas nos do espírito coletivo dos tripulantes, que ombros dos oficiais de Marinha de várias precisam e sempre precisaram se unir nacionalidades. para vencer os desafios de navegar, além de vencer o inimigo no mar e as intem- A CONSTRUÇÃO DE UM NAUTA péries da natureza para chegarem a seus destinos. No referente à Armada (nome Considerado um dos maiores coman- designado à Marinha de guerra), além de dantes militares e estrategistas do mar de características militares (tais como cora- todos os tempos, o grande nome influente gem, patriotismo, disciplina e hierarquia), do Corpo da Armada representou honro- encontra-se o modo típico de vida a bordo, samente o espírito de um marinheiro ao com costumes que forjaram a mentalidade longo de sua vida. Integrante da Marinha

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desde muito jovem, foi criado em navios e acostumou-se com o mar, aprendendo todos os seus segredos. Horatio Nelson nasceu em 29 de setem- bro de 1758, em Burnham Thorpe, uma vila próxima a Norforlk, na Inglaterra. Os pri- meiros anos de sua vida passou ouvindo o som das ondas na costa que envolvia a vila e admirando a sua bela vista, tendo contato com marinheiros mercantes. Assim, mesmo antes de transferir-se para a vida de bordo, o maior navegador britânico já era identi- ficado com o mar. Certa vez, com apenas 12 anos de idade, Nelson pediu a seu pai que convencesse seu irmão Maurice, que era da Marinha, a chamar o sobrinho para ingressar na Royal Navy. Sua primeira ex- periência profissional foi a bordo do navio Figura 1: Nó de Nelson em farda de oficial inglês HMS Raisonnable, comandado por seu tio, Fonte: que não havia gostado da ideia de trazer o garoto, mas aceitou mesmo assim. nauta. A abordagem deste artigo não é mais Seu progresso no serviço naval foi tão uma biografia de um herói de guerra, mas positivo que, um ano depois, o Capitão sim a apresentação do legado de um estra- Maurice Suckling decidiu enviá-lo para tegista audacioso, um líder que, em tempo realizar uma viagem ao Caribe a bordo de de guerra, sutilmente burlou a hierarquia, um navio mercante, depositando confiança sem desrespeitá-la, chamando para si a no sobrinho, que era aspirante na ocasião. responsabilidade decisória de comandar Após esta viagem, em 1772, quando havia ataques a frotas inimigas, partilhando da regressado para a Royal Navy no navio opinião de subalternos em questões táticas. HMS Triumph, uma expedição científica Como nos diz Conrad (1999, p.152), para o Polo Norte surgiu, e Nelson se can- E os homens de seu tempo o amavam. didatou. A resposta, porém, foi negativa, Eles o amavam não só como exércitos e foi dito que os oficiais não aceitariam vitoriosos amaram grandes comandan- garotos, pois eles não eram úteis. Carac- tes; eles o amavam como o sentimento teristicamente persistente e ambicioso, mais íntimo, como um dos seus. […] Ele o jovem aspirante se imaginou servindo confiava em seus companheiros tanto como um adulto e sugeriu que, então, quanto eles confiavam nele. Era um embarcasse na comissão como timoneiro. marinheiro de marinheiros (Figura 2). O comandante, Captain Lutwidge, perce- bendo seu desejo voluntário e sua vibração CICATRIZES DE GUERRA com o serviço, aceitou. Essas virtudes servis de Lord Nelson, Em 1777, Nelson passou nos exames junto a incríveis experiências adquiridas no para tenente e foi transferido para a Fragata Ártico, forjaram sua capacidade íntima de Lowesoft, a comando do Captain William lidar com o mar, tornando-o um verdadeiro Locker. Seu primeiro comando foi a Escuna

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Nos anos que se seguiram, Nelson as- cendeu rapidamente na carreira, recebendo títulos de nobreza e importantes funções. Recebeu o grau de Cavaleiro em 1797, tor- nou-se barão em 1798 e visconde em 1801 e, finalmente, foi nomeado comandante em chefe da Esquadra do Mediterrâneo em 1803, encargo que assumiu até sua morte, na Batalha de Trafalgar, em 1805. Um conflito que o Lord jamais esqueceu ocorreu após sua decisiva atuação na Batalha do Cabo de São Vicente, durante as Guerras da Revolução Francesa (1793-1799), em 14 de setembro de 1797, quando o então Commo- dore1 Horatio Nelson servia a bordo do navio HMS Captain. Em uma incursão da força britânica na Ilha de Tenerife, nas Canárias, Figura 2: Almirante Nelson Nelson sofreu uma das piores consequências Fonte: National Maritime Museum website de um combate para sua vida. Durante uma tentativa de ataque inglês contra a fortaleza e Little Lucy, durante a Guerra da Independên- cidade de Santa Cruz, Nelson, ao saltar do bote, cia americana. A partir daí, Horatio serviu recebeu um tiro em seu cotovelo, que causou em vários navios de diferentes classes e a amputação de seu braço direito (Figura 3). participou de inúmeras batalhas navais, com destaque para a Batalha do Nilo ou da Baía de Aboukir (1798), em que se tornou herói nacional, após afundar quase toda a escolta de Napoleão, deixando o Exército francês isolado no Egito. De janeiro a agosto de 1794, a Grã-Breta- nha participou de uma campanha naval con- tra os franceses que se baseou em um cerco à Ilha de Córsega, no Mar Mediterrâneo. No dia 12 de julho, durante combates perto da cidade de Calvi, lascas de madeira do convés do HMS Agamemnon, estilhaçadas por uma bala de canhão de artilharia inimiga, atingem o rosto de Lord Nelson, causando a perda da visão de seu olho direito. Por isso, embora ele nunca tenha usado tampão ou curativo (pois seu olho não mudou de aparência), em muitas representações de sua figura retrata- Figura 3: Nelson ao ser atingido no braço direito -se uma bandagem no local. Fonte: National Maritime Museum website

1 Commodore é um posto da Royal Navy situado entre rear-admiral (contra-almirante) e captain (capitão de mar e guerra).

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CONTEXTO PRÉ- TRAFALGAR

Devido às memo- ráveis batalhas con- tra os franceses nas guerras da Revolução Francesa e nas Guer- ras Napoleônicas, no início do século XIX, a Inglaterra tornou- -se a grande potên- cia naval da época, alcançando uma su- premacia europeia e Figura 4: HMS Victory infiltrado nas linhas inimigas mundial. Este con- Fonte: texto se deu graças à ocorrência de grandes transformações dos Assim, os navios de linha eram os prin- meios navais anteriores. cipais componentes de combate das Ar- Com o desenvolvimento dos navios de madas na época. Um dos primeiros navios guerra nos séculos XVI e XVII, diferentes dessa classe foi construído na Inglaterra, tipos de navios a vela foram classificados, a em 1637, com três conveses e cerca de cem partir de importantes mudanças na estrutura canhões, chamado de Sovereign of the Seas e dimensões das embarcações. Entre essas (soberano dos mares, em tradução livre). mudanças, podemos citar um aumento con- Mas, sem dúvida, o mais famoso navio siderável de tamanho, com mais conveses e de linha, lançado em 1765 e comissiona- um elevado número de canhões. Também do em 1778, é o HMS Victory, a grande se proporcionaram grande velocidade e belonave capitânia de Nelson na Batalha capacidade de manobras devido à maior de Trafalgar (Figura 4). Sua vitória nesta quantidade de mastros e velas, aperfeiço- batalha possibilitou todas as outras vitórias ando o sistema de propulsão. britânicas no conflito anglo-francês e teve Uma classe que foi essencial, especial- como consequência uma prosperidade mente para a Grã-Bretanha (na verdade a inglesa nos mares por mais de um século, sua vantagem nas batalhas), foi a dos sofis- enquanto o mundo passava por um período ticados tipos de navios a vela denominados chamado Pax Britannica, que durou até a navios de linha, cujo número de canhões I GM, em 1914. era 60 ou mais. Eram verdadeiras máquinas de guerra destruidoras, também por causa BATALHA DE TRAFALGAR das brilhantes técnicas inglesas de recarga rápida de seus numerosos canhões, que Em 12 de dezembro de 1799, o então eram posicionados pelo través, em aber- General Napoleão Bonaparte foi nomeado turas conhecidas como “portinholas”. Não primeiro-cônsul da França. Após ter subido eram tão velozes como as fragatas, porém ao poder, iniciaram-se as chamadas Guerras podiam engajar nas linhas inimigas com Napoleônicas (1799-1815), cujas principais grande poder de fogo. batalhas navais foram a Batalha de Copenha-

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gen (abril de 1801), a Batalha do Cabo Finis- esquadra franco-espanhola, com 33 navios terra (julho de 1805) e a Batalha de Trafalgar. de linha, cinco fragatas e dois brigues, No ano de 1805, Napoleão, após ter con- uma vez que a Esquadra britânica possuía quistado grande parte da Europa, planejava a somente 27 navios. As táticas daquela execução de sua maior e mais difícil ambição: época recomendavam que os navios se invadir as ilhas britânicas. Esse objetivo só postassem de lado e, com os canhões, seria cumprido, no entanto, se ele conseguisse atirassem no inimigo, mas o tirocínio e a o controle do mar, e para isso precisaria der- vivacidade de Nelson fizeram com que ele, rotar a temida Marinha Real Britânica, uma em inferioridade numérica, mas em supe- verdadeira pedra no seu sapato por todos rioridade operacional, decidisse exatamente aqueles anos. Assim, Bonaparte uniu suas o contrário, tendo um insight de atacar com forças navais com seus aliados espanhóis, duas colunas de navios em direção à frota convocando-os na ten- espanhola, atingindo-a tativa de cruzar o Canal perpendicularmente. da Mancha, que separa Essa estratégia tinha o norte da França da o objetivo de surpre- Ilha da Grã-Bretanha. ender o inimigo, sur- As forças aliadas eram gindo no seu entorno, comandadas pelo al- separando a linha for- mirante francês Pierre mada por seus navios Villeneuve, que co- e os atingindo com o mandou sua frota a disparo rápido de três bordo do navio de linha balas de canhões por Bucentaure e do almi- vez, técnica aprimo- rante espanhol Frederi- rada pelo herói inglês co Gravina. com seus adestrados O então Vice- marujos. -Almirante Visconde Logo no início do Nelson comanda- conflito, porém, Nel- va uma força naval son foi atingido no que realizava um ombro por um tiro de bloqueio ao porto mosquete disparado de espanhol de Cádis, um atirador a bordo do Figura 5: Detalhe na farda original da perfuração quando partiu rumo causada pelo tiro que o matou na batalha de navio francês Redou- aos navios inimigos Trafalgar (1805) table, que perfurou seu com a intenção de Fonte: National Maritime Museum website pulmão e causou sua derrotar de uma vez morte, algumas horas por todas o Poder Naval de Napoleão. Ele depois (Figura 5). O almirante foi levado encontrava-se a bordo de seu majestoso para as cobertas do navio, de maneira que navio de linha HMS Victory, à frente de a tripulação não soubesse que ele tinha uma das colunas. A outra era liderada pelo sido atingido. De lá, passava ordens ao Almirante Collingwood, a bordo do HMS comandante da Victory, Captain Thomas Royal Sovereign. Hardy, de controle de avarias e manobras Assim, no dia 21 de outubro do referido de combate. Antes de morrer, Lord Nelson ano, encontrava-se no Cabo de Trafalgar a tomou conhecimento da vitória e soube

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o rumo que a batalha tomou, dizendo as Nelson combinava todas essas qualidades seguintes palavras: “Thank God, I have em um só personagem. done my duty” (graças a Deus, cumpri o Uma virtude que o destacava era que, meu dever, em tradução livre). além de audacioso e entusiasta, o almiran- No final, mais de dois terços da frota te inglês possuía um carisma diferenciado, franco-espanhola foram afundados, en- com grande habilidade de relacionamento quanto não houve nenhuma baixa inglesa. interpessoal. Sua tripulação gostava dele Esta estratégia desafiadora é até hoje discu- e confiava nele, e a união que propor- tida, pois houve um grande risco assumido cionava no ambiente de bordo tornava pelos ingleses, mas que culminou com a o grupo imbatível. Embora a disciplina vitória, pela visionária e destemida cora- tradicional fosse utilizada nos seus na- gem daquele coman- vios, Nelson gerou dante que usou seus entusiasmo em suas recursos estratégica e As características tripulações, a maioria audaciosamente foca- forçada a servir no dos para a vitória e a exemplares de Lord Nelson mar, por causa de suas defesa da pátria. influenciaram marinheiros vitórias, frases de efei- […] houve algo no mundo todo e deixaram to e boas condições inesperado e de providas aos seus ma- certa forma inusi- um legado eterno para o rinheiros. Todos, do tado: os homens Corpo da Armada comandante ao mais do Victory, que moderno, conheciam deveriam colocar seu plano, serviam à sobre o sarcófago as bandeiras furadas causa e cumpriam seu dever. a bala que haviam desfraldado durante O legado de Nelson, portanto, não é um o desfile, rasgaram a maior das três ban- testamento deixado por ele, mas sim aquilo deiras do Victory em tiras e as colocaram que foi passado a partir de suas ações aos em seus bolsos como uma lembrança do que o seguiram. Vários países aliados à maior e mais querido de seus comandan- Inglaterra inspiraram-se no herói inglês e tes. (VIDIGAL, 2011, p.23). adotaram suas tradições, que se perpetuam, entre outros aspectos, em seus uniformes. O LEGADO Podemos citar, dentre outras, as Marinhas de Portugal, do Canadá, de Angola, da Horatio Nelson era um homem volunta- Noruega, da Austrália, de Moçambique e, rioso, obcecado pelo mar, um marujo que sobretudo, a Marinha do Brasil. amava sua pátria mais que a própria vida e, Podemos encontrar diversas influências sobretudo, um homem que acreditava em de Nelson em nossa Marinha. Ele era um si mesmo. As características exemplares de comandante que utilizava muitas frases Lord Nelson influenciaram marinheiros no para motivar seus subordinados, mostran- mundo todo e deixaram um legado eterno do-as em sinais de bandeiras. A mais céle- para o Corpo da Armada. Sua liderança, bre delas ocorreu na Batalha de Trafalgar, sua capacidade de conquistar o respeito e durante sua aproximação das linhas de o afeto de toda sua tripulação e sua bravura navios inimigas, quando mandou içar o e ousadia no combate o diferenciavam de sinal nos mastros do Victory: “England outros heróis navais, uma vez que somente expects that every man will do his duty”

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Figura 6: Sinal de bandeiras que foi içado no HMS “Victory” Fonte:

(“A Inglaterra espera que cada um cumpra o uniformes do Corpo da Armada, o mais seu dever”) (Figura 6). Este motivante sinal alto galão no punho das fardas dos oficiais serviu de exemplo ao Almirante Barroso é terminado por uma volta que, segundo a na Batalha Naval do Riachuelo, durante a tradição, lembra o arremate que o Almi- Guerra do Paraguai, rante Nelson fez em um que representa a data botão de sua farda para magna da Marinha prender a manga solta do Brasil, ocasião em devido à falta do braço que Barroso utilizou a perdido na Batalha de frase “O Brasil espera Santa Cruz de Tenerife, que cada um cum- que originou a insígnia pra o seu dever”, no conhecida como “nó mastro principal da de Nelson” (Figura 7). Fragata Amazonas. A Marinha portugue- Na cidade do Rio sa, entre várias outras de Janeiro, também aliadas da Inglaterra, podemos encontrar adotou o símbolo. Na um pouco do legado Marinha do Brasil, ele de Nelson. Está situ- é encontrado somente ado na Praça Mauá nas fardas dos oficiais um monumento em do Corpo da Armada. homenagem ao Ba- Também nos unifor- rão de Mauá, que foi mes dos marinheiros, inspirado na famosa a “alcaixa”, a gola de Figura 7: Detalhe da “volta de Nelson” em seu Coluna de Nelson, dólmã. Museu Madame Tussauds, Paris, 2015 fundo azul, lembra o construída de 1840 a Fonte: The art of galeote mar e recebeu três faixas 1843 na praça turísti- brancas, que represen- ca de Londres chamada Trafalgar Square. tam as três vitórias do Lord Nelson contra a Seus feitos foram tão admiráveis que Esquadra francesa (Figura 8). A cultura naval também passaram a compor partes do ves- inglesa glorificou-as nas golas dos marujos tuário militar, como o principal símbolo para que sempre se lembrem da importância representativo do oficial da Marinha. Nos do cumprimento do dever, não como uma

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Lá, cercado pelos companheiros de seu triunfo e pelos troféus de suas proezas, nós deixamos o herói com sua glória. Partilhando de nossas fraquezas mortais, ele nos deixou um legado de um devotamento pessoal, que era nele ideia fixa, que nunca perecerá. Como o hino do seu funeral proclamou, en- quanto a nação se levantava, “o corpo é enterrado em paz, mas seu nome viverá para sempre”. As guerras podem terminar, mas a necessidade de hero- Figura 8: Marinheiro com a alcaixas ísmo nunca deixará a terra, enquanto Fonte: Jornal Comarca, 2013 o homem continuar homem e existir mera repetição de atos e normas, mas que o mal para ser remediado. Enquanto sejam parte de um ideal, um compromisso a houver perigo a ser enfrentado ou dever ser assumido por cada um e em prol de todos. a ser cumprido, à custa do indivíduo, Abaixo uma citação do renomado almi- os homens tirarão inspiração do nome rante norte-americano Alfred T. Mahan, ao e dos feitos de Nelson. (VIDIGAL, se referir à morte do herói: 2011, p.20).

1 CLASSIFICAÇÃO PARA ÍNDICE REMISSIVO: ; Nelson; Marinha; História Naval; História da Inglaterra; Guerra; Liderança;

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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A RMB expressa o pesar às famílias pelo falecimento dos seguintes colaboradores e assinantes:

AE Renato de Miranda Monteiro  22/09/1929 † 07/07/2016 AE (FN) Luiz Carlos da Silva Cantídio  23/02/1935 † 30/06/2016 VA Helio Leoncio Martins  12/01/1915 † 27/07/2016 CA Rodolpho Arpon Marandino  08/08/1959 † 17/05/2016 CMG Max Harry Altenburg Domingues  01/08/1921 † 28/06/2016 CMG Sidney Helio Melecchi  05/12/1925 † 22/04/2016 CMG (FN) Sieberth Magno Diniz Cerqueira  19/02/1937 † 10/04/2016 CMG (MD) Arindal Carneiro Cesar Pires  26/05/1926 † 08/04/2016 CMG Luiz Fernando Freitas  04/01/1940 † 07/07/2016 CMG João Carlos Gonçalves de Andrade  15/04/1942 † 06/06/2016 CMG (FN) Celio Cordeiro Coelho  14/09/1943 † 22/05/2016 CMG (MD) Eugenio da Rocha Pagano  13/05/1943 † 20/05/2016 CF José Maia de Oliveira  10/07/1950 † 03/06/2016 CT (IM) Alvaro Cordeiro Teixeira  22/04/1936 † 24/05/2016 1o TEN Antônio Heráclio do Carmo  05/06/1926 † 25/04/2016 SO Paulo Estevam da Silva  20/08/1942 † 28/05/2016

Nascido no Rio de Janeiro, filho de Nil- son Rodrigues Monteiro e de Onesinda de Miranda Monteiro. Promoções: a segundo-tenente em 18/5/1953; a primeiro-tenente em 18/11/1954; a capitão-tenente em 18/11/1957; a capitão de corveta em 17/12/1962; a capitão de fragata em 6/5/1967; a capitão de mar e guerra em 30/4/1973; a contra-almirante em 31/3/1979; a vice-almirante em 31/7/1984 e a almirante de esquadra em 31/3/1988. Foi transferido para a reserva remunerada em 5/4/1991. Em sua carreira exerceu sete coman- dos: Aviso Oceanográfico Bocaina; Con- tratorpedeiro Santa Catarina; 2o Esqua- drão de Contratorpedeiros; 7o Distrito Na- RENATO DE MIRANDA MONTEIRO val; Força de Fragatas; 1o Distrito Naval; Almirante de Esquadra e o de Operações Navais. NECROLÓGIO

Exerceu três direções: Centro de Inte- Estados Unidos (Adido); e Gabinete do ligência da Marinha; de Aeronáutica da Comando da Marinha (Chefe). Marinha; Geral do Pessoal da Marinha. Em reconhecimento aos seus serviços, Foi chefe do Estado-Maior da Armada. recebeu inúmeras referências elogiosas e Comissões: Contratorpedeiro Babiton- as seguintes condecorações: Ordem do Mé- ga; Corveta Caboclo; Comando do 4o Dis- rito da Defesa – Grande oficial; Ordem do trito Naval; Comando da Flotilha de Con- Mérito Naval – Grã Cruz; Ordem do Mérito tratorpedeiros; Contratorpedeiro Marcílio Militar – Comendador; Ordem do Mérito Dias; Comando em Chefe da Esquadra; Aeronáutico – Grande oficial; Ordem de Diretoria do Pessoal da Marinha; Centro Rio Branco – Grã Cruz; Medalha Militar e de Adestramento Almirante Marques de Passador Platina – 4o decênio; Medalha Na- Leão; Cruzador Barroso; Contratorpedei- val dos Serviços Distintos; Medalha Mérito ro Acre; Comando do Primeiro Esquadrão Tamandaré; Medalha Mérito Marinheiro – 3 de Contratorpedeiros; Contratorpedeiro âncoras; Medalha do Pacificador; Medalha Bauru; Diretoria de Portos e Costas; Co- Mérito Santos Dumont; US-LM Estados mando da Força Aeronaval; Gabinete do Unidos da América – Legião do Mérito; e Ministro da Marinha; Escola de Guerra PT-OA Portugal – Ordem Militar de Avis. Naval; Diretoria do Pessoal Militar da À família do Almirante Renato de Mi- Marinha; Capitania dos Portos da Ama- randa Monteiro, o pesar da Revista Marí- zônia Ocidental; Adidância Naval nos tima Brasileira.

ALMIRANTE MIRANDA O almirante Renato de Miranda Montei- falta de oficiais. Foi um breve período e ro foi o meu segundo comandante no CT logo depois o navio recebeu oficiais cursa- Santa Catarina. O navio havia chegado ao dos e outros foram transferidos de outros Brasil há cerca de três anos e, no regresso navios e do próprio Comando da Força de ao Brasil, fez, com êxito, o shake down Contratorpedeiros (ComForCT). training da Marinha norte-americana em Esse novo grupo rapidamente se trans- Guantánamo. Trouxe, então, novas listas formou em uma afinada equipe, recebendo para a realização das inspeções de ades- os ensinamentos dos mais antigos e obtendo tramento, inclusive a de eficiência. De sua resultados brilhantes para o navio em todas tripulação inicial, faziam parte excelentes as áreas da guerra naval – A/S, A/A, ASup. oficiais e praças, que foram desembarcan- Naquela ocasião, os navios participavam do aos poucos e dirigidos vários para o da operação Springboard, essencialmente CAAML, para que fossem aproveitados voltada para o adestramento de tiro, seja de seus conhecimentos no adestramento da apoio de fogo naval, tiro em alvo de super- Esquadra. fície ou aéreo. Para isso, contávamos com Quando minha turma embarcou, ao che- os recursos da Marinha norte-americana na gar da viagem de GM, éramos cinco GM e o área de Porto Rico, inclusive de sua raia de navio havia começado a perder seus oficiais tiro de Apoio de Fogo Naval (AFN) na ilha da tripulação do recebimento. Ao todo o de Culebra. Essa operação teve início em navio possuía sete segundos-tenentes e 1968 e tornou-se a base para uma espécie alguns chegaram a assumir divisões por de competição de tiro entre os contratorpe-

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deiros, com o registro da pontuação de cada o 1o Distrito Naval, quando deixava claro um nos diversos exercícios e a divulgação que tal sentimento tinha origem nas suas do resultado final ao termino da operação. qualidades pessoais e profissionais, e O CT Santa Catarina, apesar dessa exce- nos resultados de sua atuação no Estado- lente equipe que o havia recebido, ainda -Maior tornando tranquilo e produtivo o não vencera essa competição. Em 1971, o seu comando. navio, sob o comando do então CF Wilson Posteriormente, fui convidado por ele Mourão dos Santos, ganhou pela primeira para ser seu assistente, o que não ocorreu vez a competição, com essa nova equipe, por ter ele sido designado Adido Naval nos misto de oficiais do recebimento, oficiais EUA e eu para o meu primeiro comando. embarcados após cursos de aperfeiçoamen- Após o seu retorno ao Brasil, foi designa- to e os jovens segundos-tenentes. do para comandar a Força de Fragatas e, Foi essa praça-d’armas que o CF Miranda novamente, recebi o convite que aceitei encontrou e naturalmente devia estar muito com muita satisfação, por servir com ele feliz de comandar o navio, que estava no novamente e ter acesso às fragatas classe início de brilhante carreira na Esquadra. Isso Niterói, navios que tinham o que a Esqua- era o que nós, jovens oficiais, pensávamos dra possuía de mais moderno em todas as quando, ao final do primeiro exercício de áreas. Acompanhei o Alte Miranda, como guerra A/S, sob o seu comando, em que seu assistente, nas comissões subsequentes tivemos o desempenho nota 10 de sempre, na chefia do Estado-Maior do Comando fomos chamados ao passadiço – os oficiais de Operações Navais e na Diretoria de que haviam guarnecido comando, sonar e Aeronáutica da Marinha. Após ter cursado combate, as três estações que conduziam o o C-CEM e comandado pela segunda vez, navio nessas ações A/S. Ledo engano! To- servi como seu oficial de logística no Co- mamos um “aperto” em que foram expostos mando do 1o Distrito Naval, e como oficial diversos erros cometidos e ressaltado que de gabinete na DGPM e no ComOpNav. o desempenho poderia ter sido melhor. Na Em todas essas oportunidades, pude ver época, revolta e tristeza com a bronca e um de perto a sua dedicação, a seriedade no de- sentimento de que o comandante não havia sempenho de suas funções, sua inteligência, observado corretamente nosso desempenho a bagagem de conhecimentos que possuía e e a quase contínua manutenção do contato a liderança que exercia. Não tenho dúvidas com o submarino e os ataques corretos e da influência que teve em minha formação exitosos que havíamos feito. Essa voga pelo exemplo e pelos ensinamentos que apertada continuou e o resultado foi o navio dele recebi. Um exemplo simples de sua novamente, em 1972, vencer a competição de postura como chefe e líder: ao assumir a tiro na Springboard e efetivamente se tornar o DAerM, já Vice-Almirante, tinha os co- navio exemplo na Esquadra. Mais tarde, com nhecimentos sobre a Aviação Naval que mais experiência na Marinha, tive certeza da um oficial do “Cais Norte” normalmente inteligência e visão com que nos liderou, evi- possuía. Mas, para ser o diretor de uma DE tando que o sucesso inicial nos transformasse voltada para a Aviação Naval, naturalmente numa equipe confiante em excesso, o que precisava aumentar seus conhecimentos, certamente redundaria em pior desempenho. que tinham a profundidade e amplitude de Lembro-me, também, da satisfação do um oficial de superfície. Na fase inicial de meu pai, Alte Newton Braga, de tê-lo como seu período na DAerM, constantemente Chefe de seu Estado-Maior ao comandar me determinava que chamasse oficiais

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AvN da diretoria, chefes de departamento, conversávamos sobre temas da atualidade ou o Vice-Diretor, para vir falar com ele e do País, da Marinha e, quando os “ventos passava boa parte de seu tempo escrevendo eram favoráveis”, sobre o seu querido Bota- e organizando diversas pastas, que ele mes- fogo. Esse convívio mostrava o seu lado de mo atualizava e arquivava. Posteriormente, grande contador de casos, de fino analista pude constatar que ele estudava a fundo dos assuntos navais e brasileiros, mas sem- os aspectos técnicos dos vários assuntos pre com a atitude de contida e ponderada pendentes e em estudo na diretoria e, após crítica, especialmente se fossem temas de esse aprendizado, discutia de igual para sua querida Marinha cuja realidade atual, igual com seus subordinados ou mesmo insistia ele, sabia com dados superficiais com fornecedores ou representantes de para opinar de modo definitivo ou negativo. companhias que iam à sua audiência. Apesar de a Sra. Sonia Miranda, sua Essa postura de dedicação e estudo, ele a esposa, sempre me dizer que eu era “o praticou até o final de sua carreira, inclusive filho que ele não teve na Marinha”, minhas ao ser nomeado presidente do Tribunal Ma- observações não são tisnadas pela amizade, rítimo, onde novos conhecimentos e áreas mas reflexo de minha profunda admiração tinham que ser desbravados. por esse Chefe Naval, que muito fez por Uma prova de sua capacidade de lide- nossa querida Marinha, e de gratidão pelo rança e fazer amigos foi a realização, após muito que contribuiu para a minha forma- passar para a Reserva, de almoço periódico ção e para o meu desempenho futuro na com oficiais que tiveram a honra de com carreira naval. ele servir e que tinham o prazer de revê-lo para agradáveis conversas em que trocá- João Afonso Prado Maia de Faria vamos reminiscências, historias navais e Almirante de Esquadra

RENATO DE MIRANDA MONTEIRO Almirante de Esquadra – Um Testemunho Após comandar o Navio-Varredor que pude então conhecê-lo, quando me Abrolhos e servir na Base Naval de Aratu apresentei no ComOpNav para substituir (BNA) por breve período de tempo, tive a meu antecessor, o então Capitão de Corveta sorte de receber o convite do Almirante de Carlos Marcello Ramos e Silva, que fora in- Esquadra Renato de Miranda Monteiro, dicado para servir no Navio-Escola Brasil. então Comandante de Operações Navais Recebi o serviço no detalhe, numa pre- (CON), para ser seu Assistente. cisa passagem de função, como deveria ser Foi assim, então, que conheci o Almi- para quem iria, a partir de daí, servir sob as rante Miranda; primeiramente, pelo telefo- ordens de quem sempre foi muito rigoroso nema que ele mesmo me fez, diretamente, e exigente com a maneira de se fazer todas para a Gerência de Navios-Varredores, as coisas. instalada no mezanino da Oficina Mecâ- Em que pese a fama de durão do Al- nica da BNA, onde servia como Gerente mirante, principalmente, “quando coçava, de Reparos. simultaneamente, seus cotovelos, com Nunca havia servido com ele anterior- os braços cruzados”, fui percebendo, aos mente e foi, a partir de setembro de 1989, poucos que, se ele não elogiava alguém

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publicamente, pelo menos nada emitia pelos seus ensinamentos, o que era certo do quando o serviço tinha andamento normal que era errado, com tal certeza, que qual- ou até bem feito. quer ponderação estava fora de cogitação. Facilitava muito para quem era ainda um Para aqueles que gozaram de uma maior aprendiz na Assistência a uma autoridade aproximação com o Almirante Miranda, de relevo, como é o CON, a rotina metó- estava claro que, por detrás de seu aspecto dica seguida pelo Almirante. Assim sendo, severo, ali se encontrava um homem sem- praticava sua caminhada todas as manhãs e, pre pronto a ajudar quem quer que fosse com isso, proporcionava um tempo sagrado que, reconhecidamente, merecesse ajuda. para que pudéssemos, antecipadamente, Não posso negar que recebi ajuda do preparar os documentos e mensagens que Almirante, em situações pessoais ou pro- abriam o dia, seguindo para seu despacho, fissionais. Não só eu, mas todos os que ele logo após a reunião matinal que fazia com pôde alcançar e verificar que necessitavam os demais Almirantes do ComOpNav. de seu auxílio, principalmente, para se fazer Saudável, da mesma forma que se es- justiça, uma tônica facilmente evidente em merava nas caminhadas e práticas físicas sua trajetória de vida. em academia, era seguidor de uma rigorosa Para granjear alguma confiança junto ao dieta, preparada diariamente pelo seu cozi- Almirante, também, não nego, que tive que nheiro, composta basicamente de saladas, passar por alguns espinhos nesse caminho. legumes, carnes magras – de preferência Não era fácil para mim ou para os demais, as brancas. mas o resultado final é, ainda hoje, inesque- Todas essas características mostram um cível. Somente para ilustrar, após quase um pouco de como era o perfil do Almirante ano de convivência diária, na transição do Miranda, uma pessoa bastante aplicada e cargo do CON para o de Chefe do Estado- convicta na sua maneira de ser: “sempre -Maior da Armada (CEMA), ocorreu uma buscando pelo trabalho fazer tudo muito cena bastante inusitada, numa oportunidade bem feito”. em que realizávamos umas das tantas viagens Ah! Para quem conseguiu se amoldar em que eu pude acompanhá-lo até Brasília e a seu estilo de vida, tudo então deixava de que perduraram por cerca de quatro meses, ser “grandes preocupações” para se tornar já que, nesse período, respondeu pelos dois uma rotina estimulante na busca de um cargos. Estávamos sentados em poltronas trabalho produtivo. contiguas uma a outra, no voo de volta ao Para quem, como eu, jovem Capitão- Rio de Janeiro, quando percebi que o Almi- -Tenente, e outros seus auxiliares, ainda rante me observava. Acendi o sinal de alerta, modernos na carreira, ter contato direto pois isso deveria ser sinal de que ele teria com quem guardava em sua personalidade percebido algo de errado em mim. Até que, e demonstrava em suas atitudes a retidão de passados alguns minutos, tive a grata satis- uma autoridade austera, com performance fação e honra, quando revelou que buscava de grande líder e detentor de exímio tiro- se certificar do que diziam seus familiares a cínio, eram vantagens que não poderíamos meu respeito, de que eu tinha uma aparência sequer almejar, àquela altura, como escola de quem poderia passar como seu “filho”. de graduação maior que nossa Instituição Isso foi um pouquinho do que se pode poderia nos proporcionar. resumir nessas poucas linhas do Almirante E como aprendemos... Nas mais diversas de Esquadra (Refo) Renato de Miranda situações, tivemos a chance de discernir, Monteiro e do que ele representa para mim,

RMB3oT/2016 231 NECROLÓGIO ainda hoje, quando pude alcançar o posto de plena consciência de ter servido a um ver- Vice-Almirante, já na reserva. Muito mais dadeiro líder, a quem oferecemos nossa vo- teríamos para falar dele, um livro talvez não luntária adesão e crença no seu Comando, sei se bastaria para descrever todos os seus porque nunca nos faltou a certeza de que ele atos eivados de ensinamentos, modelo de conduziria “nosso navio sempre por águas pessoa e de Oficial de Marinha, com que seguras”, expressão figurada, mas vital para tivemos a chance de poder conviver. Aliás, quem se faz ao mar. Isso representa tudo foi graças a essa rica e feliz convivência o que se espera de um verdadeiro Chefe que, mesmo após sua passagem para a Re- Naval, como ele o foi. serva, seus ex-auxiliares diretos se reuniam com ele, mensalmente, num almoço festivo Domingos Savio Almeida Nogueira e com a legítima satisfação de quem tem a Vice-Almirante

25/11/1986; e a almirante de esquadra em 25/11/1990, quando foi transferido para a reserva remunerada. Em sua carreira exerceu sete comandos: Posto Oceanográfico da Ilha da Trindade; Grupamento de Fuzileiros Navais de Brasí- lia; Tropa de Reforço; Centro de Instrução e Adestramento do Corpo de Fuzileiros Na- vais; Força de Fuzileiros Navais da Esqua- dra; de Apoio do Corpo de Fuzileiros Na- vais; e Geral do Corpo de Fuzileiros Navais. Comissões: Grupamento de Fuzileiros Navais de Uruguaiana (imediato); Batalhão Riachuelo; Comando-Geral do Corpo de Fu- zileiros Navais; Escola Superior de Guerra; Estado-Maior das Forças Armadas; e Junta Interamericana de Defesa (Estados Unidos). Em reconhecimento aos seus serviços, recebeu inúmeras referências elogiosas e LUIZ CARLOS DA SILVA CANTÍDIO as seguintes condecorações: Medalha Mi- Almirante de Esquadra (FN) litar e Passador de Platina – 4o decênio; Nascido no Rio Grande do Norte, filho Medalha Mérito Tamandaré; Medalha do de João Cantídio de Oliveira e de Ilderica Pacificador; Medalha Mérito Santos Du- da Silva Cantídio. mont; Ordem do Rio Branco – Grã Cruz; Promoções: a segundo-tenente em 10/1/ Ordem do Mérito Judiciário Militar – ca- 1956; a primeiro-tenente em 10/7/1957; a tegoria distinção; Ordem do Mérito da capitão-tenente em 24/9/1959; a capitão Defesa – Grande Oficial; Ordem do Méri- de corveta em 24/4/1963; a capitão de to Aeronáutico – Grande Oficial. fragata em 2/10/1968; a capitão de mar À família do Almirante Luiz Carlos da e guerra em 30/4/1975; a contra-almi- Silva Cantídio, o pesar da Revista Maríti- rante em 31/3/1983; a vice-almirante em ma Brasileira.

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ALMIRANTE CANTÍDIO, UMA USINA DE IDEIAS

Das poucas coisas em minha vida que gado. Para atender à necessária concisão tenho a lamentar é não ter conhecido mais que a revista impõe, vou destacar apenas cedo determinadas pessoas e privado de duas de suas muitas realizações e para as suas amizades. Uma delas, com certeza, foi quais contribuí. o Almirante Luís Carlos da Silva Cantídio. Desde jovem oficial, na praça-d’armas O COMBATENTE ANFÍBIO do Batalhão Riachuelo e ao longo da car- reira, sempre ouvia referências positivas a O Almirante Cantídio tinha uma postura este especial chefe naval. Para os de minha muito crítica em relação à organização e ao geração, ele era como um personagem emprego operativo das forças de fuzileiros lendário. Conhecíamos apenas seus feitos. navais. Tinha convicção de que deveria o Sua fama o precedia. CFN buscar o desenvolvimento doutrinário Exceção feita a raríssimas oportuni- para a projeção de poder, consoante com a dades, só passei a conhecê-lo mesmo ao realidade brasileira, especialmente a da Ma- concluir o Curso de Política e Estratégia rinha. Em nosso adestramento, achava ele Marítimas na Escola de Guerra Naval. que fazíamos muitas concessões à realidade, Nessa ocasião, o Almirante Cantídio era o por dimensionarmos as forças de desembar- comandante-geral do Corpo de Fuzileiros que acima das capacidades dos meios navais, Navais (CFN). de fuzileiros navais e aeronavais de então. Pouco antes da conclusão do curso, Para alterar esse quadro, realizou um em dezembro de 1991, recebi o honroso “estudo sobre a evolução dos fuzileiros convite para ser seu chefe de Gabinete, navais na Marinha do Brasil (MB), obje- em substituição ao então Capitão de Mar e tivando adequar seu preparo para atender Guerra (FN) Marcelo Gaya Cardoso Tosta, às necessidades do Poder Naval brasileiro designado para comando. nas próximas décadas”. Já no desempenho das funções, fui surpre- Tal estudo ele batizou de “O Comba- endido pelo convite para acumular o cargo tente Anfíbio”, um texto fundamentado com outro de elevada responsabilidade, o de na história do CFN, que se inicia com a imediato do Comando-Geral do CFN, em chegada da Brigada Real de Marinha ao substituição ao CMG (FN) Carlos Augusto Brasil em 7 de março de 1808, data em Costa, recém-promovido ao posto de contra- que se comemora o aniversário da criação -almirante. Ou seja, em pouquíssimo tempo do CFN. eu coordenava não só os trabalhos de Gabi- A partir dessa fundamentação histórica, nete que, prioritariamente, diziam respeito à que vai até o ano da publicação do estudo imagem do Almirante Cantídio, como toda a (1991/92), o autor analisa as fases pelas estrutura administrativa para apoiar o Almi- quais passou o CFN. rante na condução do cargo maior do CFN. Um aspecto valioso desse estudo são as E foi graças a esse intensíssimo convívio abordagens das influências doutrinárias: diário por quase três anos que a admiração inicialmente, do Exército Brasileiro (EB), pelo chefe e a amizade pelo homem se predominantemente de força terrestre e do consolidaram. United States Marines Corps (USMC), a Há muito para se escrever sobre esse partir do final da Segunda Guerra Mun- extraordinário fuzileiro naval e o seu le- dial, quando despertou definitivamente o

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CFN para as operações anfíbias. Encerra nos diversos níveis organizacionais. Isso fazendo a interação das diversas vocações muitas vezes até afetava o relacionamento e vivências a que foi submetido o CFN em pessoal entre oficiais da nossa Marinha. O sua história e projeta o futuro e os novos Almirante Cantídio assumia para os fuzi- tempos. leiros a culpa maior por esse indesejável Esse estudo introduziu conceitos e estado de coisas. E propôs-se a corrigi-lo. provocou sensíveis mudanças de rumo na Creditava às influências provenientes doutrina de emprego das forças de fuzileiros do acentuado convívio de oficiais FN navais. Merece destaque a conceituação da com o EB a causa principal daquelas Brigada Anfíbia Leve, anteriormente já con- incompreensões. siderada pelo Ministro Mário César Flores Na fase de predominância doutriná- para atender aos compromissos do Poder ria como força terrestre, nossos oficiais Naval. Entendia o Almirante Cantídio ser especializavam-se e realizavam o curso de a Brigada o nível de força de desembarque aperfeiçoamento nas escolas do EB. Esse a ser perseguido. Recomendava estudar o quadro perdurou até meados dos anos de emprego dessa força em jogos de guerra, 1980. Até a década de 1950 a Marinha não exercícios de quadros na carta ou no terreno. dispunha de meios anfíbios, e o preparo do Mas entendia que se deveria fixar o nível de CFN era o de uma força de infantaria nos Unidade Anfíbia compatível com a disponi- moldes do Exército. bilidade de meios da Esquadra, para cumprir Por fim, acrescente-se que apenas em os programas de adestramento. 1939 é que foi criado o curso para formar Outra importante consequência do oficiais fuzileiros navais na Escola Naval. estudo foi a alteração nos regulamentos Tudo isso provocou a absorção, por dos grupamentos de fuzileiros navais, oficiais e praças, de procedimentos e termi- unificando-os quanto à missão e às tarefas nologias do EB em nossas unidades, o que por eles executadas. Exceção feita aos incomodava muito o Almirante. grupamentos ribeirinhos que, anos depois, Por um memorando a todas as unidades foram organizados como batalhões, todos de fuzileiros navais, determinou que se os chamados grupamentos marítimos e o adotassem os termos navais em substitui- de Brasília, com características especiais, ção a algumas denominações correntes no e passaram a executar prioritariamente EB, tais como: contramestre, em vez de as tarefas de proteção de instalações de adjunto; salão de recreio em vez de cassino; interesse do Poder Naval nas respectivas capitão-tenente em lugar de apenas capitão áreas de atuação. Poderiam ainda, em al- e algumas outras. gumas ocasiões, atuar em suplementação Alterou os nomes das unidades-tipo da às necessidades da Força de Fuzileiros da FFE, acrescentando a eles a extensão “...de Esquadra (FFE). Fuzileiros Navais”. Exemplo: 1º Batalhão de Infantaria para 1o Batalhão de Infantaria A REINSERÇÃO DO CFN NA de Fuzileiros Navais. Fundamentado na MARINHA história, rebatizou unidades como o Ba- talhão de Artilharia e Batalhão Naval, em Assunto recorrente em quase todas suas lugar de Grupo de Artilharia e Guarnição conversas era o acentuado espírito de into- do Quartel-General do CFN. Determinou lerância e preconceito mútuos que existia que as bandas, nas cerimônias, só tocassem entre setores do CFN e da própria Marinha, dobrados navais.

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Foram muitas as modificações, mas assuntos departamentais, ele entrava em destaco uma, que causou alguma polêmica: meu gabinete para discutirmos doutrinas de a troca dos uniformes branco e azul abertos emprego de forças de fuzileiros navais, seu na frente e com gravata pelos uniformes dos tema favorito. Como aprendi com aquelas demais Corpos e Quadros da MB. conversas. Entendia o Almirante que não fazia Luis Carlos da Silva Cantídio era real- sentido militares da Marinha usarem mente um homem à frente de seu tempo. uniformes de representação distintos. Descreveu uma trajetória vitoriosa em sua Isso só seria válido em uniformes de uso vida. Honra-me ter convivido com esse interno. Ademais, insistia que o CFN chefe naval especial que, seguramente, está havia nascido na Marinha, e disso muito inscrito na história da Marinha e do Corpo se orgulhava. de Fuzileiros Navais. Para consolidar esse novo pensamento, Desde sempre percebi que, a par de montou uma palestra com base no “Com- outras qualidades, ele era diferenciado batente Anfíbio”, incluindo esses aspectos, por ser dono de incessante e volumosa e apresentou-a em todas as unidades de produção intelectual que o impelia a fuzileiros navais, inclusive as distritais. estar sempre propondo variadas discus- Não temo em afirmar que, graças a sões de alto nível, impossíveis de serem todas essas medidas, algo absolutamente represadas. indesejável, sob o ponto de vista de relacio- Uma verdadeira usina de ideias. namentos entre oficiais, já não existe mais em nossa Marinha. Paulo Frederico Soriano Dobbin Vice-Almirante (FN-Refo) O DIA A DIA

Por volta das 9 da manhã, ele chegava. Os oficiais de Gabinete o recepciona- vam. Nessa oportunidade, tratávamos de atualizá-lo sobre providências tomadas, compromissos para aquele dia etc. Nada de extraordinário, tratando-se de relações funcionais em qualquer gabinete. Nessas ocasiões, quase sempre ele apro- veitava para discorrer sobre seus planos para o CFN, o que tornava, às vezes, essas reuniões um tanto longas. E, antes de encer- rar, ele ainda nos brindava com deliciosas histórias sobre sua vida em Mossoró e sua chegada quase menino ao Rio de Janeiro para se apresentar à Marinha, ou mesmo com pitorescas passagens da história do CFN. Não raros eram os dias em que, após esse primeiro contato comigo, quando eu já estava me dedicando à coordenação dos Almirante Cantídio em palestra no Rotary Club

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Comissões: Navio-Escola Almirante Saldanha da Gama; Diretoria do Pessoal da Marinha; Cruzador Rio Grande do Sul; En- couraçado São Paulo; Navio-Auxiliar José Bonifácio; Navio HidrográficoRio Branco; Navio Hidrográfico Jaceguai; Monitor Pa- raguassu; Contratorpedeiro Santa Catari- na; Navio Mineiro Cananeia; Base Naval de Natal; Caça-Submarinos Goiana (ime- diato); Estado-Maior da Armada; General Live School (Estados Unidos da América); Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro; En- couraçado Minas Gerais; Escola de Guerra Naval; Diretoria de Hidrografia e Navega- ção; Estado-Maior das Forças Armadas; Comissão Fiscal de Construção de Navios na Europa (presidente); Comando do 3o HELIO LEONCIO MARTINS Distrito Naval; e Escola de Aprendizes- Vice-Almirante -Marinheiros do Ceará. Em reconhecimento aos seus serviços, Nascido no Rio de Janeiro, filho de Al- recebeu inúmeras referências elogiosas berto Leoncio Martins e de Laura Cernic- e as seguintes condecorações: Medalha chiari Martins. Naval do Mérito de Guerra – Serviços de Promoções: a segundo-tenente em Guerra – 2 estrelas; Medalha Força Na- 23/1/1936; a primeiro-tenente em 26/8/1937; val do Nordeste – Prata; Medalha Força a capitão-tenente em 3/10/1941; a capitão de Naval do Sul – Bronze; Ordem do Mé- corveta em 31/12/1947; a capitão de fragata rito Naval – Oficial; Medalha Militar e em 15/12/1952; a capitão de mar e guerra Passador de Ouro – 3o decênio; Medalha em 20/1/1959; a contra-almirante e a vice- de Campanha do Atlântico Sul; Medalha -almirante em 12/6/1964. Foi transferido Mérito Tamandaré; Medalha-Prêmio Al- para a reserva remunerada em 12/6/1964. mirante Jaceguay; Medalha-Prêmio Con- Em sua carreira exerceu seis coman- de de Anadia; Legião do Mérito (Estados dos: Caça Submarinos Juruena; Rebo- Unidos da América); Ordem de Orange de cador Tritão; Contratorpedeiro Mariz e Nassau (Holanda); Medalha Naval de Ser- Barros; Navio-Aeródromo Ligeiro Minas viços Distintos. Gerais; Centro de Instrução de Tática An- À família do Almirante Helio Leon- tisubmarino; Centro de Adestramento Al- cio Martins, o pesar da Revista Marítima mirante Marques de Leão. Brasileira.

LEONCIO, “MEU INSTRUTOR” Era 1944: o Mundo em guerra, o Brasil co- mar, escoltando seus comboios e, no coman- laborando com os Aliados no seu esforço para do de um minúsculo e heroico “caça pau”, derrotar o nazismo, a Marinha Brasileira no o Capitão-Tenente Helio Leoncio Martins!

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Era 1944, um glorioso ano para mim: fui em excesso no seu sistema de dar notas de aprovado no concurso de admissão à Escola aproveitamento: três questões valendo três Naval. Era um sonho acalentado desde os pontos cada uma, ficando o dez para o cate- meus cinco anos de idade que se realizava! drático; o aspirante não recebia a nota pelo Como calouro, guarnecia um dos que acertava mas pelos erros que cometera camarotes do quinto pavimento, conse- (erro grave menos dois pontos). Era uma quentemente, subia e descia, de dois em sistemática muito injusta! dois degraus, a escadaria que nos levava E agora éramos alunos de Helio Leoncio aos nossos afazeres diários. Quanto vigor, Martins, nada de três questões teóricas mas quanta mocidade! aulas e provas objetivas, era navegação Durante o horário para estudo, minha “real” em cima das cartas náuticas; cada atenção era desviada frequentemente para aspirante com sua carta em cima da sua o canal de acesso à Baía de Guanabara por mesa! Oh, que maravilhosa mudança! onde “desfilavam para mim” as corvetas Uma verdadeira revolução no ensino da e caças-submarinos brasileiros no afã Escola Naval! de proteger nosso comércio marítimo. O heroi dos mares também era um Pensava, profundamente, como seriam excelente instrutor, fazia com que nós aqueles valentes marinheiros enfrentando aprendêssemos Navegação Estimada para a borrasca e o inimigo? Como seria a vida nunca mais esquecer! deles no mar? Como seria permanecer Era Helio Leoncio Martins! alerta à espreita de um inimigo mortal, O tempo passou, e passou muito mesmo, galgando ondas enormes de um mar às até que, na reserva me tornei responsável vezes tempestuoso?(1) pela Revista Marítima Brasileira e, decor- Era uma imagem que não saía da minha rente de meu trabalho, entrei em contato cabeça: como seriam aqueles homens? com vários colaboradores com seus artigos E eis que um novo ano escolar se iniciou, para serem publicados. um novo 1945, novas disciplinas, novos Foi nesta época que Helio Leoncio professores e instrutores e entre elas a Martins e eu, nos aproximamos. Navegação Estimada. Foi um desses prêmios funcionais eu Para nós, jovens futuros marinheiros ter tido a oportunidade de lidar com Helio era aprender a navegar! E quem viria a ser Leoncio Martins, um herói de guerra, um nosso instrutor? O Capitão-Tenente Helio historiador notável, um erudito ... como Leoncio Martins, aquele mesmo que há escrevia bem!!! ... como era agradável a bem pouco tempo ocupava a minha ima- sua companhia!!! ginação no pequeno convés de madeira do E é este Leoncio que guardo bem vivo caça pau, um herói de guerra! na minha memória, um homem excepcio- Mas, Helio Leoncio Martins não era nal em tudo que fazia, mas nem por isto somente um herói de guerra, era um oficial deixava de ser simples e amigo. chefe de classe, competente e com aguçado Um exemplo nunca esquecido!!! espírito prático. Até aquela época, a Escola Naval pecava Luiz Edmundo Brígido Bittencourt com um excessivo teoricismo e era rigorosa Vice-Almirante

(1) Sugiro ao leitor que conheça o artigo Os Cacinhas da Armada Brasileira em Ação, publicado na RMB do 3o trimestre de 1998, escrito por Leoncio descrevendo um pouco da vida do marinheiro tripulante de um caça pau.

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ALMIRANTE LEONCIO

Conhecer o Almirante Helio Leoncio Publicou quase uma dezena de livros e Martins foi uma oportunidade inigualável. muitos artigos, principalmente sobre Histó- Sinto-me privilegiado de ter escutado ria e Hidrografia, e também divulgou suas suas histórias, lembranças de uma mente opiniões em jornais e revistas. aguçada, que refletia uma experiência de De todos os seus livros, provavelmente vida rica e variada com muitas realizações o que teve maior satisfação em escrever e participações em acontecimentos notáveis foi Gloriosas Amantes, publicado em do passado. 2005, aos 90 anos de idade Nele, lembra O Almirante Leoncio chegou aonde ao leitor que o amor também influi na poucos chegam, completando seus 101 História. Como quem publica expõe seu anos de nascimento produzindo um tra- pensamento – o que tem de mais íntimo e balho intelectual de excelente qualidade indevassável –, pode-se tentar penetrar em e contribuindo para a História Marítima sua mente e perceber o lado sentimental brasileira, que muito lhe deve pelo que que convivia com sua razão. No texto, escreveu. analisa a história de quatro mulheres – Eva Soube dele pela primeira vez quando, Braun, Clareta Petacci, Elisa Alice Lynch e ainda jovem, acompanhei, com admiração, Anita Garibaldi – e, no capítulo “Algumas seus artigos na mídia explicando a necessi- Considerações sobre o Amor”, comenta: dade de um porta-aviões para o Brasil, que “Quando as derrotas, o caos, o declínio então adquirira o Minas Gerais, do qual foi político, moral e físico de seus amantes, e o o primeiro comandante. Como sua tarefa era fim se aproximando disseram ‘fuja!’, todas difícil! Era uma época em que os brasileiros desprezaram as oportunidades e ficaram até ainda viviam acomodados com os acordos a morte e a tragédia. E atingiram a glória de cooperação com os Estados Unidos da que as colocou na História”. Seguiram, América, que traziam uma boa economia portanto, segundo novamente ele, “uma em Defesa, mas também muita dependência. regra de Clarissa que completa o quadro: Como ensinar que a defesa dos interesses de ‘Amar significa permanecer quando tudo um país não se pode deixar para os outros, o mais diz fuja”. que não necessariamente têm os mesmos Com excepcional dedicação e amor interesses nacionais? Como explicar que é por tudo que fez, o Almirante Leoncio se preciso preparar no presente a Marinha, para distinguiu na vida. Na Escola Naval, foi o que ela tenha a capacidade de manter a paz, primeiro de sua turma, e depois destacou- tal como o País a deseja, em um futuro que -se em uma carreira brilhante na Marinha. é sempre incerto? Resumidamente, foram Durante a Segunda Guerra Mundial, estes alguns de seus desafios. após exercer a função de Oficial de Ope- Meio século depois, fui apresentado rações do Grupo Patrulha Sul, participou, ao Almirante Leoncio e pude conhecê- a bordo de caça-submarinos, da Campanha -lo melhor, pessoalmente. O que mais do Atlântico, também chamada pela mídia me encantou nele, além das excepcionais de Batalha do Atlântico – a mais longa capacidades de análise e de síntese, foram e uma das mais importantes campanhas seu otimismo e sua alegria de viver, saben- dessa guerra –; e fez parte da escolta dos do tirar prazer da vida, mesmo das coisas comboios, protegendo o tráfego maríti- simples e triviais do dia a dia. mo brasileiro. Foi, portanto, um dos que

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evitaram o desabastecimento das grandes tenção com uma qualidade diferente da qual cidades e até o colapso da economia do País estava acostumada a prover a seus navios; – que dependia totalmente da exportação de era um conceito ainda novo, que ele se matérias-primas e agrícolas e da importa- esforçou para que fosse adotado no Brasil. ção de combustíveis. Serviu inicialmente Logo após completar o período de co- a bordo do Caça-Submarinos Goiana e, mando do Minas Gerais, o então Capitão depois, comandou o Caça-Submarinos de Mar e Guerra Leoncio deixou o Serviço Juruena, durante as operações de guerra. Ativo da Marinha, passando para a Reserva, Eram navios pequenos, desconfortáveis no posto de Vice-Almirante. em mar agitado, algumas vezes escoltan- Na vida civil, trabalhou inicialmente do um comboio até a Ilha de Trinidad, no em uma companhia de dragagens. Depois, Caribe, permanentemente alerta com o eco cursou Gerência Geral, Financeira e de do sonar – mesmo dormindo, como dizia Produção na Pontifícia Universidade Ca- –, que poderia detectar a presença de um tólica do Rio de Janeiro (PUC). Mais tarde submarino inimigo. foi Diretor do Instituto de Administração e Após a guerra, passou os conhecimentos Gerência (IAG) dessa Universidade e em aprendidos para as novas gerações de ofi- seguida, de várias empresas. ciais de Marinha, como instrutor em cursos Quando definitivamente se aposentou, e como Diretor do Centro de Adestramento iniciou sua profícua colaboração com o Almirante Marques de Leão. então Serviço de Documentação-Geral da Especializou-se em Hidrografia. Depois, Marinha, que, em 2008, se tornou Diretoria participou de levantamentos hidrográficos do Patrimônio Histórico e Documentação necessários para a elaboração de cartas da Marinha. Continuou essa colaboração náuticas, nas costas dos Estados de São voluntária até a data de seu falecimento, Paulo, Paraná, Santa Catarina, Rio de Ja- participando de atividades culturais da neiro e Rio Grande do Norte. O conjunto Marinha e produzindo livros e artigos que de documentos originais desses levanta- ajudaram a expandir a História Marítima mentos hidrográficos da costa brasileira, Brasileira. produzidos para a Diretoria de Hidrografia É reconhecido por ter publicado textos e Navegação, por ele e por outros realizado, baseados em pesquisa de qualidade histo- recentemente foram propostos por mim e riográfica notável sobre fatos históricos e nominados para a Memória do Mundo da personagens importantes, como: A hidro- UNESCO (MOW-Brasil, UNESCO) com grafia das costas brasileiras no século XIX, o título de “Abrindo Estradas no Mar” – Almirante Lorde Cochrane, A Revolta da metáfora criada por ele mesmo em um de Armada, A Revolta dos Marinheiros de seus livros. 1910, A Marinha Imperial, A Marinha Comandou o Contratorpedeiro Mariz e Republicana e muitos outros. Realizou Barros e chefiou o Gabinete do Chefe do palestras e publicou artigos nas revistas Estado-Maior da Armada e, mais tarde, o editadas pela Diretoria do Patrimônio do Ministro da Marinha. Histórico e Documentação da Marinha, Foi designado, em seguida, para receber, a Navigator – Subsídios para a História na Holanda, e depois comandar o primeiro Marítima do Brasil e a Revista Marítima porta-aviões brasileiro, o Minas Gerais. Brasileira. Esse navio não era igual aos que a Marinha Por sua obra e conhecimento de Histó- conhecia anteriormente e exigia uma manu- ria, foi eleito membro efetivo do Instituto

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Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) ram, em minha opinião, a base em que se e membro de outras instituições congêneres apoiou sua sabedoria e longevidade. de História. Todo o saber viver do Almirante Leon- Armando de Senna Bittencourt cio e o prazer que ele tirou da vida forma- Vice-Almirante (Refo-EN)

CARO ALMIRANTE LEONCIO

Quem teve o privilégio de conviver com vários textos, com abordagens diversas, o Almirante Leoncio pôde observar cultura, todos merecedores de figurar em qualquer lucidez, alegria, ensinamentos de várias publicação. Obviamente, solicitei encare- ordens. O relacionamento era fácil, ele cidamente para que os publicássemos na conversava com objetividade e se colocava Revista Marítima Brasileira. Assim, ele foi com a idade do interlocutor, não fazendo brindando a Marinha e a sua revista com sentir que tinha vindo ao mundo 20, 40, peças de valor até o fim da sua vida. 60 ou até mesmo 80 anos antes. Era cor- Tivemos, minha mulher Maria do Rocio dial e solícito – em verdade um magnífico e eu, também o privilégio de participar de contador de histórias, e como gostava de reuniões com amigos em sua casa ou em contá-las. Pouco usava a primeira pessoa restaurantes. Ele reclamava quando esses do singular – o “eu” que tanto gostam de encontros não aconteciam com frequência ressaltar –; pelo contrário, ressaltava os mensal. outros, dando a estes o protagonismo. “Determinava” que eu comparecesse à Conheci o Almirante, quando eu já esta- sua residência para “trocar ideias” e receber va na RMB, em reunião sobre a construção textos que havia elaborado para a revista. de monumento em homenagem à Força Sobre Gloriosas Amantes, muito apreciei e Naval do Nordeste, sendo ele o único que manifestei a intenção de publicá-lo. Após participara das operações de guerra. Apre- a recusa de uma editora consultada, ele ciei o que falavam e constatei o que havia mandou editar por conta própria. Naquela de lucidez e objetividade nas suas coloca- ocasião, apresentou-me sua filha Vitória, ções. Mudo entrei e assim saí da reunião. tão simpática e cativante quanto o pai. Algum tempo depois, encontrei-o no O Almirante disse-me, um dia, que corredor da Diretoria e ele me perguntou pretendia escrever sobre os ensinamentos o que tinha achado daquela reunião. Não que nossa Marinha tivera após a Segunda lembro o que eu disse, mas recordo que ele Guerra, pois, quando foi para a Reserva, começou a discorrer sobre matéria que esta- ainda não havia experiência na operação va escrevendo a respeito de paz, de guerra, com os contratorpedeiros Fletcher. Queria da Marinha, do sentimento do povo. Quis alguém que pudesse contribuir nessa em- saber o que eu achava. Ora, ora, logo eu! preitada. Trouxe-lhe José Luiz Feio Obino, Manifestei alguma coisa, creio. Alguns dias vice-almirante, meu chefe de classe, sub- depois, enviou-me o texto, e eu pedi para marinista e que tivera experiência com os que alterasse o título para “Paz e guerra”, navios de superfície, a bordo e em órgãos já que Dostoievski escrevera o esplêndido de comando e direção. Obino e eu passa- Guerra e Paz. Leoncio aceitou a sugestão mos a comparecer à sua residência para e, a partir daquele dia, passou a me enviar encaminhar sugestões para o artigo, mas,

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apesar dos primeiros esforços, as reuniões confraternizações do Restaurante Degrau, transformaram-se em bate-papos sobre no Leblon, em sua Diretoria de Hidrografia.* política, esporte e tudo mais. Outros amigos Como homenagem, que acredito não vieram se juntar a nós e, antes de encerrar deve ser a última, a RMB está preparando os queijos, vinhos e uísques, oferecia-nos o lançamento, ao final deste ano, de uma saborosa sopa ou apreciáveis quitutes. coletânea com todos os textos de Helio Leoncio deixou amigos nos círculos que Leoncio Martins. frequentou, nas associações históricas e culturais, nos clubes de que fez parte, nos Milton Sergio Silva Corrêa almoços do ex-NAeL Minas Gerais, nas Capitão de Mar e Guerra (Refo)

ALMIRANTE HELIO LEONCIO MARTINS – 101 ANOS DE VIDA

Aos 101 anos, faleceu recentemente o cipante, a cada almoço nos brindava com Almirante Helio Leoncio Martins. Com histórias vivenciadas por ele na Marinha uma brilhante carreira e extensa folha de de outrora e da época da guerra, sempre servicos prestados no comando de vários pautadas pelo seu ineditismo e contadas de navios, nos últimos anos destacou-se como forma vibrante e espirituosa. historiador naval, membro do Instituto Em todos os momentos deste delicioso Histórico e Geográfico Brasileiro e autor de convívio mensal entre velhos compa- varios livros e textos. O Almirante Leoncio nheiros, chefes e antigos subordinados, o deixa uma lacuna na historiografia naval almoço era transformado em uma prazerosa brasileira por sua viva inteligencia, invul- praça d’armas repleta de recordações de gar conhecimento profissional e cativante nossos tempos de Marinha. capacidade narrativa. Em nossos encontros, o Almirante Leon- Em sua idade, mantinha-se perfeita- cio sempre demonstrou sua preocupação em mente lúcido e atualizado sobre os mais perguntar e ficar atualizado sobre a Marinha diversos temas de interesse corrente. Dota- de hoje, com seus programas e falta de re- do de fácil expressão oral, era também um cursos adequados para mantê-la à altura de excelente contador de “estórias navais”, suas responsabilidades. Nos últimos tempos, sempre com passagens pitorescas, fazendo mencionava com frequencia e debatia com sua conversa ser agradável e de bom papo ardor e entusiasmo a necessidade de termos para todas as idades e antiguidades uma Marinha com continuidade em seus pro- Vamos sentir, e muito, sua falta nos al- gramas de construção e obtenção de meios. moços da “Marinha do Leblon. Este almo- Com o Almirante Leoncio, meu guru, ço, realizado mensalmente no restaurante mentor e excelente instrutor de várias tur- Degrau, reúne um grupo de oficiais, de di- mas, aprendi a navegar e amar a Marinha. ferentes antiguidades e turmas, moradores Nossa ligação comecou nos Estados Unidos no Leblon e da Zona Sul, todos unidos pelo (EUA), quando eu, com oito anos de idade, traço comum de amor à Marinha e pelas pegava carona com ele, que na época fazia melhores recordações marinheiras de cada um estágio na US Navy, embarcado no um. O Almirante Leoncio, assíduo parti- Cruzador Little Rock, baseado em Boston.

* Era frequentemente convidado para proferir palestras e conferências e para participar de debates, mercê de sua memória invejável e nata lucidez.

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Naquela ocasião, ele viajava toda semana inicial, muita sensibilidade e firmeza no de Boston para Newport, onde estava meu trato com o setor operativo. pai, seu colega e amigo da Escola Naval, Como comandante e resistindo a todas também cursando na Marinha dos EUA. pressões políticas e navais, foi contra a de- Como seu carona nas viagens até Newport, colagem do avião TBM pelos seus inúme- me empolgava em ouvir suas histórias de ros riscos, considerados inaceitáveis para guerra no comando do Caça-Submarino o navio. Ademais, foi contra o embarque Juruena em operações de patrulha no dos oficiais da Força Aérea Brasileira para Nordeste. Não tenho dúvidas de que nossas exercerem postos de chefia funcionais no viagens tiveram grande influência para meu Departamento de Aviação, que, no seu ingresso no Colégio Naval e, posteriormen- entender, eram privativos da Marinha. Por te, na carreira, ao escolher a Aviação Naval ter assumido estas e outras posições, foi como minha especialidade. exonerado do cargo de comandante, tendo Dotado de aguçada inteligência e de pre- sido levado para terra em escaler com os paro profissional e conhecimento acadêmico remos guarnecidos por seus oficiais, como invulgares, foi primeiro lugar na Escola Naval homenagem e reconhecimento a suas atitu- e nos cursos de especialização de Hidrografia des em prol da Marinha e sua Aviação Na- e Superior da Escola de Guerra Naval (EGN), val. O tempo se encarregou de comprovar sendo considerado um “tríplice coroado” no que suas posições estavam corretas. jargão do Exército Brasileiro. Ao longo de sua carreira, sempre lutou No mar era um nauta “traga vagas”, para que a Marinha tivesse sua Aviação com total intimidade com o passadiço e de asa fixa orgânica, tendo participado facilidade de manobra. Comandou no mar ativamente em todos os movimentos pró em todos os postos de sua brilhante carreira: Aviação Naval. Assim, apoiou a Revoada como capitão-tenente, o Caça-Submarino de São Pedro, realizada contra a ordem do Juruena (em operações de guerra). Como Presidente João Goulart que proibia o voo capitão de corveta o Rebocador Tritão; dos aviões da Marinha, tendo participado, como capitão de fragata, o Contratorpe- como conferencista, da histórica palestra deiro Mariz e Barros e, finalmente, como pró-revoada realizada no Clube Naval. capitão de mar e guerra, foi o primeiro Pela sua importância para o Setor Ope- comandante do Navio-Aeródromo Ligeiro rativo, merece ser destacada sua relevante Minas Gerais e responsável pelo seu rece- participação na criação e implementação bimento na Holanda. do Centro de Adestramento Almirante Na Hidrografia, participou do início da sua Marques de Leão, o “Camaleão”, segundo nova fase e da sua modernizacao, merecendo ele sua maior contribuição à Marinha e ser ressaltada sua participação em quase oito motivo de um dos seus maiores orgulhos. anos de campanhas hidrograficas, sendo, até Atestando sua versatilidade profissional, seu falecimento, o hidrógrafo mais antigo na vida civil exerceu com sucesso cargos na vivo e laureado com o Mérito Hidrográfico e Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul (diretor), membro da Confraria do Bode Verde. na Companhia Brasileira de Dragagem e na No comando do Minas, primeiro porta- Pontifícia Universidade Católica. Nos últimos -aviões de nossa Marinha, foi responsável anos de sua vida, seu grande amor pela Mari- pela sua difícil e complexa inserção em nha levou-o, com total dedicação, ser membro uma Esquadra orientada para a mentalidade ativo da historiografia naval, com diversos e de cruzadores, requerendo, naquela fase importantes trabalhos literários publicados.

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Bom de papo, cultivava a atenção e o e tio, muito obrigado pelo nosso gratifi- interesse de todos pelo seu conhecimento cante convívio de mais de 70 anos, repleto de causa, adequando a forma de conversar e de momentos, ensinamentos e memórias os assuntos às idades de seus ouvintes. As- prazerosas que jamais serão esquecidas. sim, trafegava com a mesma desenvoltura Tenha certeza de que sua falta será entre turmas de diferentes antiguidades, em sentida nos próximos almoços do Degrau. especial com a minha turma (Dedo), e entre Sem sua alegre presença e sem termos seu seus amigos, netos, sobrinhos e bisnetos. papo inteligente, diversificado e sempre Nos últimos tempos, circulava na praia interessante, restará o consolo de saber que de carrinho elétrico para assistir ao pôr do está feliz junto aos seus, em especial a sua sol no Arpoador e tomava seu uísque diário esposa Yolanda, contando suas “estórias”, das 5 horas. Inteiramente à vontade, dava rodeado pelos seus inúmeros amigos que o entrevistas à Globonews, encantando os antecederam no seu precoce desembarque telespectadores com suas histórias e seu aos 101 anos. Vamos sentir, e muito, sua profundo conhecimento marítimo. falta! Almirante Leoncio, meu instrutor de Na- vegação, meu guru e mentor, conpanheiro e Pedro Augusto Lynch conselheiro mais velho, meu querido amigo Capitão de Mar e Guerra

O ADEUS AO ALMIRANTE LEONCIO O Último Almoço de um “Velho Marinheiro”

Ontem, em um almoço no Restaurante Por fim, um grande Historiador Naval, Degrau, no Leblon, infelizmente, tivemos tendo deixado várias obras escritas, entre a oportunidade de estar com o Almirante livros e artigos. Articulista permanente da Helio Leoncio Martins (1914-2016) pela Revista Marítima e da Revista do Clube última vez. E não sabíamos. Alegre, nos Naval. contou e narrou várias passagens ao longo Nos deixa, nesse triste momento, uma da sua carreira, emitindo opiniões, às vezes ilustre figura da Marinha e do quotidiano engraçadas de nos fazer rir. da vida Naval. Logo nesse ano, do Cente- Foi o primeiro comandante do nosso nário da Aviação Naval, do qual participa- NAeL Minas Gerais, com diversos parti- ria como um de seus ilustres formadores, cipantes do almoço que serviram naquela trazendo para a nossa Aviação Naval a saudosa belonave. Precursor, no Camaleão, experiência da operação embarcada em nas operações de Guerra Antissubmarino navio-aeródromo. (GAS), fruto de seus cursos nos EUA e Ao nos despedirmos no final do almoço, aplicados em seus comandos de caças na ontem, 26 de julho de 2016, confirmou, Segunda Guerra Mundial, quando partici- com veemência, que estaria presente na 15a pou ativamente das operações da Força Na- Reunião da Praça d’Armas do NAeL Minas val do Nordeste, um veterano da Segunda Gerais, que foi realizada no dia 09/8, onde, Segunda Guerra Mundial. também, era nosso Decano, e com as hon- Um hidrógrafo de mãos cheias, deixou rarias de ter sido o Primeiro Comandante seu nome, também, na Hidrografia, onde do NAeL Minas Gerais, chamado carinho- ainda participava ativamente das Reuniões samente de Mingão. Nunca faltava a esse do “Bode Verde”. evento anual da praça d’armas do navio que

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Fotos marcante do almoço do dia 26/7/2016 – Almirante Leoncio conversando com Capitão de Mar e Guerra Paulo Freire, seu Encarregado de Navegação no recebimento do NAeL Minas Gerais

“Forjou a Alma e seu Sucesso Contínuo” em dia de “Embandeiramento em Arco”. em sua vida operativa na Armada brasileira. Poderia ficar citando aqui os grandes mo- Ainda nos falava muito, ao final do almoço, mentos de sucesso naquela árdua missão que das suas experiências, dificuldades e suces- tinha recebido do Ministro da Marinha – o sos durante a modernização do navio na recebimento do primeiro Navio-Aeródromo Verolme United Shipyards, em Roterdam, do Brasil. na Holanda, e no seu recebimento duran- Deixará lembranças saudosas esse “Ve- tes as provas de mar, navegação e provas lho Marinheiro” que foi o Almirante Helio aéreas com o Esquadrão 700 da Aviação Leoncio Martins. Descanse em paz, eterno Naval da Royal Navy, com suas aeronaves comandante do Nael Minas Gerais. Gannets AS-4, Sea Hawk e S-55 Westland É a nossa homenagem a este ilustre ho- Whirlwind, até o dia 21/10/1960, quando mem da História Naval Brasileira, dos seus o navio assumiu totalmente o controle das amigos do Restaurante Degrau e da Praça Operações Aéreas. Era uma grande vitória d’Armas do NAeL Minas Gerais. sua e dos departamentos de Aviação e de Rio de Janeiro, em 27 de julho de 2016 Operações, enfim, de todo o navio. Depois vieram: a Incorporação à Marinha do Brasil, Fernando Antonio Borges Fortes de em 06/12/1960 e a chegada no Brasil em Athayde Bohrer 12/2/1961, adentranto a Baia de Guanabara, Capitão de Mar e Guerra

MEU AMIGO ALMIRANTE LEONCIO

Conheci o Almirante Leoncio quando Quis o destino que eu o conhecesse com meu pai chegou da Holanda em 1961. Tinha mais intimidade quando assumi a função seis anos de idade. Ele era o Comandante de Diretor do Serviço de Documentação do NAeL Minas Gerais e meu pai Capitão- da Marinha (SDM), em 2005. Logo após -Tenente. Muitos anos depois travei contato assumir a direção, o Almirante me visitou com os seus dois livros mais significativos, solicitando o apoio do SDM em suas pes- sob o ponto de vista da Historiografia Naval quisas sobre a História Naval brasileira. brasileira, o “Revolta dos Marinheiros” e Disse-me que se considerava oficial do Ser- o “Revolta da Armada”. Excelentes livros, viço “sem remuneração”. Tinha na ocasião precisos, isentos e detalhados. 90 anos de idade. Fiquei encantado com sua

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modéstia e amor à Marinha. Determinei, no Clube Naval como a festa no Piraquê, então, aos meus oficiais que o apoiassem oferecido pela família. Disse-me a sua fi- em tudo o que ele necessitasse. A partir daí, lha Vitória que ao escolher os convidados, tornamo-nos grandes amigos. a lista ia só crescendo, pois seus amigos Por cerca de 11 anos mantivemos es- contavam-se pelas centenas. O Almiran- treito contato. Mesmo depois de sair do te queria todos juntos de si. Ainda me SDM e servir na Escola de Guerra Naval lembro as “suas garotas” sendo com ele (EGN), eu o visitava pelo menos uma vez fotografadas e “suas oficiais” do SDM a ao mês simplesmente para conversarmos. sua volta tirando “selfies”. Foi uma festa Saía da EGN às 16 horas e me dirigia ao inesquecível e ele, como sempre, alegre seu apartamento em Copacabana e lá con- e espirituoso. versávamos sobre tudo, principalmente Fui então cursar o pós-doutoramento suas três grandes paixões, a família com em Portugal e me despedi do meu amigo seus filhos, netos e bisnetos, a Marinha e Almirante. Ficamos os dois emocionados. a História. Eu ficava encantado com sua Não pelo o que poderia acontecer, mas por lucidez, precisão e memória. De lá saía às não podermos nos encontrar naquele ano 20 horas, imaginando se eu chegaria àquela de afastamento. idade com tal vigor e energia. Quando lá Recebi pelo Almirante Ozório, um de não ia, ele me ligava dizendo que havia seus grandes amigos, a notícia pelo telefone reservado um refrigerante para as nossas de seu falecimento, quando estava aqui em conversas. Ele gostava mesmo era de uís- Lisboa. Não nego que chorei. Era um dos que e grapa, à cowboy sem gelo. Brincava meus grandes amigos e a ele fiquei ligado comigo dizendo que refrigerante não era os últimos onze anos. O pior de tudo será bebida de oficial de Marinha. a volta ao Brasil. Não mais o visitarei em A cada dois ou três meses um grupo Copacabana. Não mais conversaremos de amigos almirantes e comandantes da sobre família, Marinha e História. reserva e esposas, a qual eu e Maria Helena A família perdeu a sua grande referência nos agregávamos frequentemente, saía com como pai, tio, avô e bisavô. A Marinha o Almirante para jantar, normalmente no perdeu um dos seus grandes expoentes na Artiggiano ou no Pomodorino. Ele adorava Hidrografia. A História Naval Brasileira esses jantares. Era o centro das atenções. perdeu o seu principal historiador e o Alves Dizia que essas esposas eram as “suas garo- de Almeida perdeu um dos seus grandes tas”. Ele era sempre jovial, alegre e cheio de amigos e exemplo de caráter, retidão, ale- vida. Gostava de conversar e muitas vezes gria, lucidez e jovialidade. éramos os últimos a sair do restaurante. Era Adeus meu amigo Almirante Leoncio. uma alegria sair com o Almirante. Compareci a todas as suas festividades Francisco Eduardo Alves de Almeida de seus 100 anos em 2015, tanto o almoço Capitão de Mar e Guerra (RM1)

ADEUS AO MEU PERSONAL CRITIC

Na quarta-feira, dia 27 de julho, após notícias, com o nosso diretor cultural, so- haver almoçado no Bistrô Vilarinho, subi bre o infausto acidente ocorrido com dois ao 5o andar do Clube Naval, a fim de saber dos nossos caças, AF-1B e A4-Skyhawk.

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Como sempre fidalgamente recebido pelo resolver quanto à liberação de verbas para Comandante Gil Ferreira, não tive tempo o pagamento do seu pessoal subordinado, o de lhe dizer o propósito de minha visita, que, a par dos problemas de prontificação do surpreendido que fui e chocado que fiquei navio, atormentou a sua missão. com a notícia da morte do meu querido ami- Graças ao seu espírito jovial, acompa- go, ex-professor, ex-comandante e sempre nhava seus oficiais comandados na vida amigo Almirante Helio Leoncio Martins. noturna de Haia, onde residíamos, indo ao, Havia entre nós duas particularidades: como ele dizia, making the town, dando-nos sempre o saudava com a sua frase incisiva, a intimidade da convivência de lazer. dita durante os idos de 1945, quando nos Após a chegada do navio ao Brasil, pouco encantou ao revolucionar o ensino de na- depois de ser exonerado do comando, àquela vegação estimada – “Rumo não é linha de altura, diante do seu exame de situação, o posição”; e ele se autoconsiderava o meu meu antigo mestre pediu transferência para personal critic de tudo o que eu escrevia. a reserva, não aguardando o seu julgamento Conheci o então jovem capitão-tenente para a promoção ao Almirantado, surpre- recém-chegado da guerra no mar, onde co- endendo a todos que com ele conviveram. mandou um caça pau (o cacinha Juruena), Foi elevado ao posto de vice-almirante por destacando-se pelo excelente instrutor que força de lei e pelos seus méritos de guerra. foi e pela forte voz ao comandar o “Em Na iniciativa privada, brilhou no corpo do- continência, arria!” do antigo passadiço, cente da Pontifícia Universidade Católica junto ao campo de esportes, no Cerimonial e na direção de várias grandes empresas, do arriar da Bandeira, com a presença de sendo a se destacar, por sua atitude retilínea todo o Corpo de Aspirantes. Em 1946, de conduta, a presidência da Companhia contribuiu, com sua orientação, para a Brasileira de Dragagem, de onde se exone- realização da 1a Regata Escola Naval. rou por discordar da ordem do ministro, ao Depois que deixou Villegagnon, jamais o qual a sua presidência era subordinada, de encontrei, sabendo apenas notícias de sua comprar uma draga, o que pela avaliação de brilhante carreira quando criou o Centro de seus assessores, seria inútil. Instrução de Tática Antissubmarina (Ci- Foi neste período de sua vida que, por tas), embrião do Centro de Adestramento meio dos nossos escritos, nos reaproxima- Almirante Marques de Leão (CAAML), mos. Trocávamos telefonemas todas as carinhosamente chamado de “Camaleão”. semanas, e eu sempre me identificava com Somente voltei a vê-lo em 1960, sendo eu frase: “Rumo não é linha de posição”. Ti- secretário do chefe do Departamento Técni- vemos a honra, minha esposa e eu, de o re- co do Estaleiro Verolme United Shipyard, cebermos para almoço em nossa casa, onde o então Capitão de Mar e Guerra Arnaldo também compareceram os comandantes Jannuzzi, em Rosemburg, Holanda. Ele fora Danton Lopes de Oliveira (seu secretário então nomeado por ordem superior do então na Holanda) e Carlos Cordeiro de Melo, ministro da Marinha, comandante do nosso seu ex-aluno e hidrógrafo apaixonado recém-adquirido Navio-Aeródromo Ligeiro como ele. Na ocasião, seu cavalheirismo Minas Gerais (Ex-Vengeance) e presidente se fez presente com a oferta de linda cesta da Comissão Naval de Construção de Na- de flores para a anfitriã, filha de almirante. vios na Europa, situada não no estaleiro, Passei também a ser o seu fornecedor de mas em Rotterdam. Este detalhe de sua uísque com mais de 40 anos, herança das nomeação lhe criou problemas difíceis de adegas de meu pai e de meu sogro, pois esta

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era sua bebida diária de fim de tarde. Por seus colegas de várias gerações e assistir as causa deste hábito, meu filho mais velho, ao honras militares impecáveis a que fez por encontrá-lo em uma reunião extra-Marinha merecer. Estava tranquilo, cercado de flores e elogiar sua aparência física, apesar de sua em seu ataúde, o que deixava somente seu avançada idade, recebeu dele esta resposta rosto à mostra. inteligente e gozadora: “Graças ao uísque Para encerrar este preito de saudades, de seu avô”. Ainda tivemos a oportunidade não encontro imagem mais bela do que, de almoçar juntos, por várias vezes, nos considerando a importância para o ressur- encontros comemorativos da Turma de 43, gimento da nossa já centenária Aviação dos Veteranos de Guerra, dos ex-integrantes Naval pelo o nosso aqui relembrado mes- da tripulação do Minas Gerais e, ainda, num tre insigne, ao visualizar a sua chegada à inesquecível almoço promovido no Piraquê presença do Criador, ser ele lá recebido pelo meu amigo Almirante Karan, que me pelo Capitão de Corveta AVIADOR honrou com seu convite, e onde o nosso NAVAL, (assim mesmo, com letras mai- querido almirante não perdoou uma boa úscula), Igor, “Mártir no Altar da Pátria” “caipirinha” para abertura dos trabalhos. a comandar o cerimonial composto por Quis o destino que, no meu último artigo uma Guarda de Anjos, ao som não do para a Revista do Clube Naval, intitulado apito marinheiro ou do toque de corneta, Traditions, eu o homenageasse. Mereci mas pelos cantos celestiais a que faz jus um telefonema agradecido do meu per- este novo morador do Reino de Deus que, sonal critic. Quis também o destino que neste “Vale de Lágrimas”, soube cumprir eu não pudesse lhe entregar uma garrafa à risca a Sua vontade. cinquentenária do Lauder’s Royal Northen Descanse em paz, meu querido perso- Cream Scotch Whisky agora, ao digitar o nal critic, e lamento, não tê-lo mais aqui seu título, minha boca encheu d’água. Foi para comentar esta minha despretensiosa talvez, quem sabe, uma reação com pura homenagem. influência dele, Almirante Leoncio. Compareci contristado ao seu velório Celso de Mello Franco e pude constatar a enorme frequência de Capitão de Fragata (Refo)

Helio Leoncio Martins O Homem Em 1985, conheci o Almirante Helio O Comandante Max deu-lhe logo uma Leoncio Martins, quando o mesmo já na dificílima tarefa que, em um primeiro reserva e com toda certeza saudoso dos ares momento, ele mesmo duvidou ser capaz marinheiros, dirigiu-se ao então Serviço de de cumprir. Escrever um capítulo para a Documentação-Geral da Marinha, colocan- História Naval Brasileira, que começava a do-se à disposição de seu Diretor Comandan- tomar forma, com a colaboração de tantos te Max justo Guedes, para qualquer serviço outros escritores nacionais e estrangeiros. em que ele pudesse ser útil. Até então, nossos Cumpriu a tarefa tão bem que seu trabalho destinos jamais haviam se cruzado, apesar de não ficou só em um capítulo, mas em alguns compartilharmos o mesmo gosto pela Histó- outros volumes, dos quais além de colabo- ria, que viria a nos unir até o fim de sua vida. rador, foi também coordenador.

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Para auxiliá-lo, o Comandante Max belecida e pronta para mais umas rodadas Justo Guedes, colocou-me à sua inteira dis- de conversas. posição e foi assim que fiquei, literalmente, Até mesmo a médicos fui por indicação à sua disposição por mais de 30 anos que, dele, após uma séria enfermidade, que me pelo menos para mim, foram extremamente deixou em casa por dois meses. prazerosos e passaram rápido demais. Até hoje, não conheci nenhum homem Quando o conheci, sua família era for- que apreciasse tanto conversar com gente mada pelo casal Helio e Iolanda, três filhos, inteligente, para as quais ele, em sua sa- Alberto, Patrícia e Vitória e quatro netos bedoria centenária, tinha sempre algo a e durante esses 30 anos de convivência, acrescentar. Também não conheci nenhum vi-a aumentar consideravelmente, com a outro homem que apreciasse e respeitasse chegada de seus seis bisnetos, dos quais ele tanto as mulheres como ele. falava, todas as vezes em que nos encontrá- Este era o Leoncio que eu tive enorme vamos para um jantar em algum restaurante prazer em conhecer e conviver por mais da cidade ou um bom vinho em sua residên- de 30 anos. O marinheiro que amava como cia, com o maior orgulho. Conversas que ninguém a Marinha, que o recebeu na Es- invariavelmente terminavam, quase sempre cola Naval, com a condição de conseguir depois da meia-noite. Mas sua família não mais 20 kg de músculos, o que, claro, ele era formada somente pelos filhos, netos e conseguiu, terminando o curso em primeiro bisnetos. Tinha também, é claro, os agre- lugar. O historiador naval mais conhecido e gados que, como eu, adoravam sentar com respeitado, dentro e fora da Marinha, pelas ele em um final de tarde, para longos bate brilhantes obras produzidas. O conferencista papos, quase sempre acompanhados de seu inigualável. O pai de família que, incansável, malte puro diário. defendia seus filhos, netos e bisnetos como E foi assim que, por mais de 30 anos, ninguém. Dizem que as mulheres defendem ouvi o Almirante Leoncio falar de sua vida suas crias como uma leoa, ele tinha prazer profissional, bem como de sua vida pessoal em cuidar de todos, como um leão. O amigo, e de, abusada como sempre fui, dar meus com quem se podia contar a qualquer hora pitacos, com os quais ele nem sempre do dia ou da noite, mesmo que fosse por uma concordava. bobagem qualquer. O meu amigo de mais Sempre que ligava para ele e o telefone de 30 anos, que agora me deixou um pouco estava ocupado, ele dizia que era D. Iolan- órfã. Órfã de seu carinho, atenção, respeito da, que por ser descendente de Graham e principalmente de seus conhecimentos de Bell, adorava um telefone mas, mesmo história e da vida. após o falecimento dela, o telefone conti- A sua alegria de viver, contagiava a to- nuava ocupado. Não seria porque era ele dos que com ele conviviam, até mesmo os quem adorava uma conversa, mesmo que que não tiveram a oportunidade de privar fosse por telefone, principalmente quando de sua companhia por um longo tempo. por algum motivo, deixava de procurá-lo, Tenho certeza que ele agora está con- mesmo que fosse por um breve período tando suas inesquecíveis histórias, para os de tempo? amigos que partiram antes dele e que devem Quando ficava doente, ele era o primeiro ter feito uma enorme festa ao vê-lo chegar. a ligar para saber como eu estava passando e se custasse a passar, ligava todos os dias, Angela Fonseca Souza Assis até saber se já estava completamente resta- Técnica em Assuntos Culturais

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Colégio Naval. Dirigiu a Assistência So- cial da Marinha. Comissões: Navio de Transporte de Tropa Custódio de Mello; Rebocador Tri- tão; Centro de Instrução Almirante Wan- denkolk; Contratorpedeiro Marcílio Dias; Navio-Aeródromo Ligeiro Minas Gerais; Comando em Chefe da Esquadra; Grupo de Recebimento de Navios nos Estados Unidos da América; Contratorpedeiro Pa- raná; Comando da Força de Contratorpe- deiros; Centro de Adestramento Almirante Marques de Leão; Escola de Guerra Na- val; Comando do 1o Distrito Naval; Co- mando do Grupamento Naval do Sudeste; RODOLPHO ARPON MARANDINO Fragata Rademaker (imediato); Comando o Contra-Almirante do 7 Distrito Naval; Navio-Escola Bra- sil (imediato); Comando da 2a Divisão Nascido no Rio de Janeiro, filho de da Esquadra; Diretoria-Geral do Material Rodolpho Marandino e de Marilda Arpon da Marinha; Adido Naval na França e na Marandino. Bélgica; e Gabinete do Comandante da Promoções: a segundo-tenente em Marinha. 31/8/1981; a primeiro-tenente em 31/8/1983; Em reconhecimento aos seus serviços, a capitão-tenente em 31/8/1986; a capitão recebeu inúmeras referências elogiosas e as de corveta em 31/8/1992; a capitão de fra- seguintes condecorações: Ordem do Méri- gata em 30/4/1998; a capitão de mar e guer- to Naval – Comendador; Medalha Militar e ra em 30/4/2004; e a contra-almirante em Passador Prata – 2o decênio; Medalha Mé- 31/3/2010. Foi transferido para a reserva re- rito Tamandaré; Medalha Mérito Marinhei- munerada e reformado em 19/6/2012. ro – 4 âncoras; Medalha do Pacificador. Em sua carreira exerceu três coman- À família do Almirante Rodolpho Ar- dos: Centro de Análise de Sistemas Ope- pon Marandino, o pesar da Revista Marí- rativos; Rebocador de Alto-Mar Triunfo; e tima Brasileira.

ALMIRANTE MARANDINO

A vida nos apresenta algumas impo- nos livrar enquanto não pudermos trabalhar sições com relação às quais não temos a muito. E, na maioria das vezes, essa realida- opção de escolha ou, simplesmente, de de vai nos limitar até mesmo a encontrarmos dizer não. uma saída para um futuro melhor. Muitos de nós nascemos com uma condi- Temos defeitos! Os mais diversos. Al- ção socioeconômica da qual não temos como guns de nós nascemos com deformidades,

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com intolerâncias, com restrições, com capaz de olhar para você, com um meio limitações e com deficiências de toda a sorriso na boca, numa hora complicada e ordem. dizer: pode contar comigo! Além de tudo isso, ainda estamos ex- Particularmente, quando se vive um postos aos ditames do destino, que podem período de formação militar, no qual to- mudar tudo aquilo que planejamos por boa dos nós fomos submetidos ao regime de parte de nossas vidas, num piscar de olhos. internato, essas amizades se fortalecem. Mas dentre as muitas coisas que temos Passamos a compor uma grande irman- a completa autonomia para escolher está dade, e a importância de contarmos com aquela em que entregamos alguns de nossos os verdadeiros amigos fica evidente. São mais preciosos sentimentos, as mais restri- amizades para sempre! tas confidências e o incondicional apoio – a Amigo é como você Marandino! Nosso verdadeira amizade. amigo Gordo! Temos o costume de usar a palavra amigo Foi mais um desses inexoráveis de- para designar aqueles com quem partilhamos sígnios da nossa existência, aquele que algumas horas do dia, da semana, do am- não poupará nenhum de nós, que nos biente de trabalho, no clube, na academia. privou muito cedo da sua companhia: Mas “amigo” é muito mais que isso! a morte. Amigo é aquele que se preocupa em De fato, a derradeira das imposições dividir o pouco que tem, mesmo que aquele da vida fez cristalizar em todos nós aquilo pouco tenha sido obtido com um enorme que um dia tivemos a felicidade de esco- esforço. É aquele que procura saber do seu lher – “sermos seus amigos”. E, parado- problema e se empenha para ajudar a resolvê- xalmente, ao contrário de tudo o que nos -lo. É aquele que fica feliz pelo teu sucesso! foi imposto, essa opção se eternizou em Amigo é aquele que, apesar de ter so- nossos corações. frido acidentes graves, tomado tiros e ter enfrentado grandes desilusões na vida, é Turma Almirante Saldanha da Gama

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As histórias aqui contadas reproduzem, com respeitoso humor, o que se conta nas conversas alegres das praças-d’armas e dos conveses. Guardadas certas liberdades, todas elas, na sua essência, são verídicas e por isso caracterizam várias fases da vida na Marinha. São válidas, também, histórias vividas em outras Marinhas. Contamos com sua colaboração. Se desejar, apenas apresente o caso por carta, ou por e-mail (internet: [email protected] e intranet: dphdm-083@dphdoc).

TUIUIÚ – ALBUQUERQUE

m março de 1987, foram trocados os a Santa Fé. Então, logo vi que as viagens Ecomandos da flotilha e os dos navios. de adestramento dos meses de março e Todos eram “marinheiros de primeira abril seriam as chances de obter alguma viagem” sem experiência na navegação adaptação ao cenário pantaneiro antes da fluvial. OParnaíba , então o mais distinto, “Grande Viagem”. era o maior e mais peculiar dos navios Duas viagens bem curtas antecederam da flotilha, com máquinas alternativas a ida ao Paraguai, sem novidades para a vapor e eixos e hélices protegidos por os veteranos. Ambas transcorreram nas túneis moldados no casco. As máquinas cercanias de Ladário. Uma para montante, alternativas são especialmente robustas, até Boca do Tuiuiú, e outra para jusante, confiáveis, contudo os túneis de proteção até Morrinhos. dos eixos e hélices quase anulavam o O comandante do 6o Distrito Naval fazia efeito de “conjugado” feito com máquinas. quase todas as viagens. Assim, no meu Logo iriam aprender... primeiro suspender “em solitário”, para A grande comissão da Flotilha de Mato Boca do Tuiuiú, tínhamos a bordo “toda” Grosso, aguardada com ansiedade por to- a minha experiência submarinista, o almi- dos que a integravam, era a anual viagem rante, o oficial de Operações e Informações a Assunção do Paraguai, no mês de maio. do Comando do 6o DN e o comandante da Às vezes, a viagem ainda se estendia até a Flotilha de Mato Grosso (ComFlotMT). Argentina. Em 1987, seria o caso, iríamos Nada mal para começar. O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

Os exercícios foram simples, leve Descemos o rio em direção à área do aquecimento do Programa Anual de Ades- exercício, cumprindo o programa de even- tramento. O Parnaíba subindo o rio. Eu tos elaborado. De minha parte, persistiam olhando para aquelas margens “tão pró- as preocupações com as guinadas do navio. ximas”, imaginando como seria possível Só via locais exíguos. Incomodava-me a retornar. Na Cancha do Piuval chegamos prática consagrada na região de condicio- ao fim do martírio e, com passadiço lotado nar o “movimento da força” às imposições de autoridades e mais antigos, houve a in- da calha navegável, mormente quando a versão de rumo. O Parnaíba, lentamente, manobra urgia em decorrência das im- iniciou sua guinada para boreste e pronto: posições táticas. Pior ainda era ignorar o logo encontrou a margem esquerda do rio. “atenção executar” até que os comandantes No padrão conhecido de manobra, máqui- sentissem, cada um por si, o momento da nas e leme foram empregados para trazer manobra. Bom, tinha de haver um jeito. Os o navio a ré ao mesmo tempo em que um progressos não eram rápidos nem suficien- conjugado de máquinas pretendia colocar a tes, até que o prático do navio, com muita proa no rumo de retorno. Nada. O Parnaíba humildade e respeito, falou mansamente: só ia para frente e para trás. Ao mesmo tem- “O Parnaíba não gosta de fazer assim” po, a correntada plácida do Rio Paraguai (sobre as guinadas). Percebendo que o co- o levava, atravessado, em direção a Boca mentário transcendia o homem, indaguei: do Tuiuiú. Nunca pensei que um pássaro “E como o Parnaíba gosta de fazer?” E ele, tivesse uma goela tão assustadora, ainda com poucas palavras, me ensinou. Simples que a verdadeira ave possuísse um bico, como a água. Leme, parada e adequada por certo, perigoso. No passadiço, “muitas partida das máquinas. A partir de então, o sugestões”, que o pobre comandante agra- Parnaíba não teve mais, sob meu comando, decia com uma automática concordância, qualquer dificuldade para inverter rumos, na verdade sem prestar muita atenção. girando sobre si mesmo, onde quer que se Enfim, nada aconteceu, não matamos o encontrasse. tuiuiú entalado. Tomamos o rumo certo e Em Albuquerque, chegamos um pouco voltamos para casa. O Parnaíba, mais tarde atrasados. Já era noite quando atingimos a aprendi, havia preparado a “peça” e a encer- posição de onde lançaríamos o movimento rava no último momento. Havia iniciado o navio-terra. Não havia luar, a noite estava período de testes do novo comandante para absolutamente escura. Nossos radares, saber se o ajudava ou o esfolava. voltados para a navegação de lazer, eram Bem perto, outro personagem obser- inadequados para a navegação fluvial. vava, silencioso, o ocorrido: o prático de Assim mesmo efetuamos os movimentos bordo, um suboficial com nome de filósofo pré-desembarque a contento. grego, último e único integrante do Quadro A registrar, as dúvidas sobre a validade de Práticos Militares, em extinção. Mais de mais uma prática consagrada na FlotMT: tarde ele se pronunciaria... não navegar à noite, considerada, “por Passados uns poucos dias na Base Flu- razões de segurança”, perigosa. A origem vial de Ladário (BFLa), suspendemos para da decisão estava perdida na história (pen- realizar uma Operação Ribeirinha na região sando com meus botões, isso haveria de de Albuquerque. A situação descrevia cri- ser mudado). se, Fuzileiros Navais, FlotMT e figurativo Lançada a tropa de assalto, tomados inimigo. os objetivos, avançávamos com os navios

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para prestar o apoio aproximado. Havia barranca, para serem recebidos com o ca- infiltrações do figurativo inimigo nos nhonaço do Parnaíba. Como submarinista, hotéis da região. Sempre que descobertos, o comandante do navio estava se mostrando fazíamos “fogo” sobre os hotéis. Só que um aficionado artilheiro. Coisas doParna - o Parnaíba fazia fogo mesmo, de salva é íba, que começava a incutir no comandante claro, aproveitando a confortável dotação a identidade do seu espírito. de que dispúnhamos. Olha que assustamos muita gente porque, ao verem os navios tão Gilson Antonio Victorino da Silva* próximos, os hóspedes se aproximavam da Capitão de Mar e Guerrra

CRUZEIRO DE GUERRA Iniciávamos o ano de 1988. Aproximava- No Programa de Eventos nada havia sobre -se a data em que passaria o comando do trânsito sob oposição permanente e nem era Parnaíba. O comandante nomeado já se esse o escopo dos exercícios naquela via- encontrava a bordo. O navio estava ótimo. O gem. Estávamos apreensivos, suspeitando Período de Manutenção Geral (PMG) restau- que enfrentaríamos situações em que as rara as forças do Parnaíba como há muito não regras de engajamento não estavam clara- era feito. O chefe de máquinas foi incansável mente definidas. O comandante do o6 DN na recuperação das máquinas, e o navio, embarcou no Parnaíba. O comandante da literalmente mexido e pintado da quilha ao Flotilha de Mato Grosso, no Paraguassu. tope do mastro. A Inspeção de Eficiência foi O quartel do 17o Batalhão de Caçadores bem-sucedida e nela o Parnaíba introduziu do Exército Brasileiro (17 BC) se situa num o uso do macacão de combate no Pantanal. forte logo a montante da Base Fluvial de Um novo comandante do 6o Distrito Ladário (BFLa), plantado sobre uma alta Naval havia assumido. A Flotilha de Mato- “barranca” calcária, à beira da margem grosso (FlotMT) se preparava para viajar a direita do Rio Paraguai, de tal modo que, Cáceres. Parnaíba e Potengi seriam desin- tão logo suspendêssemos, estaríamos corporados na Lagoa Gaiva, onde o Rio Pa- passando por ele. Um ponto muito bom, raguai passa ter características impróprias portanto, para a primeira das “surpresas”. E para a navegação desses dois navios. O rio não nos decepcionamos. O tempo todo sob se encontrava com águas baixas, iniciando observação, logo foi percebido um “ninho o regime de cheia. de metralhadora” calibre .50 posicionado O novo comandante do 6o DN chegou com para engajar os navios. Fingimos nada ver, ideias operativas inovadoras. Desse modo, para prosseguimento do jogo. logo soubemos (sempre se sabe de tudo) que Ao passar pelo forte, a metralhadora pretendia inserir “surpresas” nas operações, iniciou o seu trabalho utilizando cartuchos de modo a testar a prontidão da Força Distrital de festim e ... foi solenemente ignorada. e das Organizações Militares (OM) de apoio. Indagados pelo comandante do 6o DN sobre No dia previsto, suspendemos para o que se passava, respondemos que o EB Cáceres cumprindo diretiva pertinente. devia estar aproveitando a passagem da

* Foi comandante do Navio-Varredor Atalaia, do Monitor Parnaíba, da Flotilha de Mato Grosso e Capitão dos Portos do Espírito Santo. Foi também Adjunto de Adido Militar na República Popular da China. É aperfei- çoado em Submarinos e Mestre em Ciências Navais (EGN).

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FlotMT para fazer algum exercício. Vendo dois fuzileiros navais falecidos, da turma do que nada faríamos, fomos avisados de que Com6oDN. O uso do nome desses militares estávamos sob ataque. Sendo assim, foi toca- mortos tinha a expectativa de não alarmar do Postos de Combate, e o Parnaíba guinou familiares e alertar os comandantes das OM para clarear a bateria principal, enquanto a de apoio de que “algo” estava estranho e que, coluna de navios passava sob sua proteção portanto, um exercício estava em execução. na máxima velocidade. Calada a metralha- A bordo tudo foi preparado para a dora, voltamos à formatura. Do melhor jeito evacuação aeromédica. O helicóptero da que se pode agir nessas horas, ponderações Força Aérea Brasileira nos localizou sem foram feitas sobre a necessidade de os muita dificuldade (ainda não existia o GPS eventos dessa natureza terem consideração a bordo). “Hoverando”, baixou um tripu- de possibilidade em diretiva. No mais, esse lante na proa do Parnaíba. Içou as vítimas, forte não perderia por esperar. levando-as para o HNLa. E assim seguiu a viagem, ora esse ou Em Ladário, as providências estavam aquele navio sendo surpreendido pelo sendo tomadas conforme o relato dispo- “secreto” Programa de Eventos Paralelo. nível. As comunicações eram difíceis, os O moral não ficou bom. A falta de equi- equipamentos de rádio impróprios. Perante líbrio nas oportunidades acabou por unir a gravidade do acidente, contatos foram a FlotMT contra o “inimigo comum mais realizados com hospitais de Corumbá. A próximo”. As atenções foram redobradas. impossibilidade de se achar os nomes das O pessoal do Com6oDN embarcado passou vítimas entre os integrantes do GptFNLa a ser controlado de perto, para que qualquer causou preocupações que logo ultrapas- evento surpresa pudesse ser detectado e in- saram os muros da BFLa para chegar aos formado. Conforme a situação, até garrafas ouvidos das famílias, que queiram informa- com mensagens foram lançadas ao rio para ções. O fato de o Parnaíba haver perdido serem recolhidas pelos navios que vinham recentemente um tripulante afogado na mais a ré. O moral subiu. Lagoa Gaiva aumentava a credibilidade de Quando nos aproximávamos de Amolar, novo infortúnio. Enfim, um pequeno caos fomos avisados de que o navio tivera uma que não fugiu do controle porque o mal- explosão na caldeira (simulada) e que dois -entendido pôde logo ser esclarecido. Além tripulantes fuzileiros navais estavam seria- disso, a mídia local era bastante restrita. mente feridos, com traumatismo craniano, Chegamos a Lagoa Gaiva e fundeamos perda de massa encefálica, precisando de nas proximidades da Ilha do Morro (ou do evacuação aeromédica. Agora era hora Rato). O comandante do 6oDN passou para de testar o pessoal do Hospital Naval de o Paraguassu de modo a prosseguir viagem Ladário (HNLa), da Base Fluvial de Ladá- até Cáceres. Fomos desincorporados para rio (BFLa), do Grupamento de Fuzileiros voltar a Ladário. Navais de Ladário (GptFNLa) e da equipe O Rio Paraguai, a montante das Três de salvamento da Base Aérea de Campo Bocas, se torna bastante estreito, de modo Grande (Aeronáutica). Preparamos men- que mal permitia ao Parnaíba fazer inver- sagens informando os fatos para as OM de sões de rumo (por vezes fazia “cabeço” na Ladário e para o Serviço de Busca e Salva- margem). O Potengi encontrava-se funde- mento (SAR) de modo que pudessem tomar ado na popa do Parnaíba. O Parnaíba foi as cabíveis providências de apoio e atender mandado suspender. Enquanto fazia o seu os feridos, identificados por homônimos de giro para descer o rio, inadvertidamente, o

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Potengi também suspendeu, expondo o seu coisa para a nossa volta, ainda mais porque costado de boreste à proa do Parnaíba. Para o comandante do 6ºDN não estava a bordo. evitar o abalroamento, o Parnaíba, àquela Era costume levarmos morteiros juninos altura já descendo o rio, diminuiu máqui- para dar realismo sonoro aos nossos enga- nas, enquanto o Potengi dava máquinas jamentos. Juntamos todos os disponíveis. atrás para abrir caminho. O cruzamento, Passamos alguns ao Potengi. Combinamos afinal, se deu sem problemas, todavia a re- que atacaríamos o forte. Só isso. dução da velocidade agravada pela corrente Suspendemos em Postos de Combate, do rio pela popa impediu que o Parnaíba guarnição individualmente “armada” com tivesse governo para fazer curva de 90º rojões. Passamos Corumbá. Eram cerca logo a jusante do ponto de fundeio. Como de 12 horas, a guarnição do 17 BC deveria consequência, o navio foi de encontro à estar no rancho, nada a vista, nenhum mo- margem, numa “perfeita” atracação por vimento na barranca. Chegamos bem perto, boreste. surpresa total. Tora, tora, tora. Árvores em profusão entraram pelo E sob “bandeira pirata”, abrimos fogo navio. Aparelhos de ar-condicionado foram sobre o forte com os canhões de 76 mm e arrancados das anteparas, a balaustrada os de salva. Como estávamos bem perto foi amassada e, de repente, grande gritaria da parede de calcário, cada tiro retumbava com a guarnição correndo pelo convés, em uma sequência magnífica de ecos. A entrando pelas escotilhas para as cobertas. barulheira infernal se misturava com o Do passadiço, imaginei uma grande emer- ruído dos rojões disparados por ambos os gência, quiçá um furo no casco. Ansioso, navios. A guarnição do 17 BC acorreu em buscava por informações sobre as avarias. grande número para ver o show. E o Par- Os estragos, afinal, foram pequenos. A naíba seguiu de alma lavada. correria se devia ao ataque de abelhas A FlotMT não conseguiu chegar a que, incomodadas pela rude chegada do Cáceres. O Rio Paraguai, já enchendo, se Parnaíba, caíram em cima da guarnição. tornou um obstáculo intransponível devido Olha que abelha é o que mais vi matar no ao acúmulo de camalotes e balseiros. Os Pantanal, mas confesso ter ficado aliviado navios pareciam presos em terra firme. A em constatar que eram “apenas” abelhas. superfície do rio sumiu sob a vegetação O navio abarrancou em uma curva, ve- flutuante. Restou voltar mais cedo. dando completamente a boca de um arrom- Tão logo os navios atracaram, vimos o bado, que continuava a passar sob o navio. coronel comandante do 17 BC entrar bu- Foi preciso que o Potengi nos ajudasse para fando na sala do comandante do 6ºDN. Em sair daquela humilhante imobilização, nos seguida, fui chamado para responder por puxando pela alheta de bombordo. Depois que havia atacado o 17 BC. Respondi que de tudo controlado, fez uma “guerra dana- não sabia se ele tornaria a nos atacar e que da” e enviou charges da situação. não queria ser surpreendido de novo e que, Emergência controlada, agora vamos à assim, tomei a iniciativa. Minha explicação retribuição de cortesia ao forte do 17 BC. deve ter sido convincente, posto que ali o Nas proximidades de Corumbá, fundeamos assunto se encerrou. para preparar a passagem pelo 17 BC. Ain- da que houvesse possibilidades, eram remo- Gilson Antonio Victorino da Silva tas as chances de ele ter preparado alguma Capitão de Mar e Guerrra

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Há várias décadas, em tempos mais – Chefe nada, não entendeu? Cumpra românticos, alguns militares da Marinha a ordem. cultivavam o hábito de manter animais O sargento não teve dúvida: conforme de estimação nas Organizações Militares a prática militar, ordem dada é ordem (OM). Transformados em mascotes, rece- cumprida. biam atenções e regalias impensáveis aos Durante o justo e merecido descanso membros da tripulação. em casa, repassando a atribulada rotina do Em certa OM localizada em uma ilha, expediente, o subcomandante estava inco- dentre as diversas aves que povoavam os modado com a sensação de ter falhado em jardins, um casal de pavão constituía-se em algo. Faltava algum detalhe, algo relevante ilustres “personagens”, alvo de esmerado ocorrera, durante o expediente, que não zelo do subcomandante que lá servira em conseguia recordar. Perdeu o sono. Haja determinada época. preocupação. Estava “pegando” alguma Na mesma unidade militar, competindo coisa. O que deixara de esclarecer, decidir, com o colorido casal, existia um jumento determinar? Em vão. Não lembrava de também possuidor de respeitável número nada, mas a ansiedade continuava. de admiradores, fato que até então não Dormiu tarde e acordou cedo. Corpo provocara rivalidade entre as espécies. pesado, sonolento. O incômodo da noite Porém, depois de algum tempo de con- retornou: o que acontecera? Não fazia a vivência pacífica e amigável, até parecendo mínima ideia – o estresse aumentava. Re- caso de ciúme, o jumento passou a encren- pentinamente veio-lhe uma lembrança: a car com o distinto casal. Nos solitários pas- tarde do dia anterior tinha sido incomum, seios pela ilha, bastava avistar as aves e em- tranquila demais. Poucos aborrecimentos, preendia feroz perseguição, apossando-se assuntos corriqueiros, nada de problemas da área. O fato causava tremendo rebuliço sérios, um mar de almirante. Por fim, acal- nas áreas ajardinadas. A situação tornou-se mou-se, sentiu-se leve. Vestiu-se, pegou o insustentável. Era motivo de preocupação carro e estacionou no pátio à beira do cais. dos oficiais de serviço, com registro no Embarcou na lancha. Incontinenti, livro de ocorrências e frequentes chamadas deu-se conta do que o atormentara a noite de atenção pelo subcomandante, exigindo toda: nenhum problema com as aves. Não que os oficiais tomassem providências para era possível, as preocupações voltaram dar fim às discrepâncias. multiplicadas. Será que estavam doentes? Um tenente dos tempos antigos, fre- Algum incidente? Ficou aflito; e a bendita quentemente repreendido, decidiu dar fim lancha na lentidão de sempre, toc, toc, toc, à constrangedora situação. Ao assumir ser- não saía do lugar. Precisava chegar a bordo viço ao meio-dia, tratou de implementar a para certificar-se do estado das coisas. linha de ação que planejara: determinou ao Mal a lancha atracou e a autoridade já sargento-polícia que prendesse o quadrú- estava com o pé no cais da OM. Dispensou -pede. Pensando tratar-se de brincadeira, o cerimonial de praxe. o sargento fez ar de riso. – Oficial superior de pernoite, acom- – Que cara é essa, sargento? O que está panhe-me! esperando? Dirigiu-se ao gabinete sem emitir ne- – Mas chefe… nhuma palavra, fato estranhado pelo oficial

256 RMB3oT/2016 O LADO PITORESCO DA VIDA NAVAL

de pernoite. Entrou no gabinete e interpe- – Você fez o quê? Como, onde? lou: O que aconteceu, algum problema? – Prendi-o no bailéu. – Nada, chefe, tudo na mais perfeita O subcomandante aloprou: ordem. – Você enlouqueceu? Lá é lugar de – Não é possível! Sempre acontece. Liga prender jumento? Não tinha marinheiro para o oficial de serviço e manda vir aqui. preso no bailéu? Chegando, o oficial de serviço cumpri- – Não, chefe, não tinha nenhum mari- mentou-o: nheiro preso. – Bom dia, chefe. – O jumento dormiu no beliche? – Como estão as coisas, oficial? Como – Acredito que não, chefe, mas... foi o serviço, tudo bem? – Mas coisa nenhuma, você está preso, – Tudo bem, comandante. pernoitará no bailéu. Mande tirar o beliche – E as aves, os pavões? de lá. – Ah, chefe, eles estão ótimos. A – Chefe, eu vou dormir sem beliche? alimentação e a água foram trocadas, se – Você quer dormir no beliche com o alimentaram bem. jumento? Dá certo não. Tire o beliche! – Tem certeza? E o jumento? – E o jumento vai ficar comigo, chefe? O tenente quase desmaiou! Essa per- – Claro, os dois estão presos! gunta não estava em seu programa. Por P.S.: Não dormiram juntos. O subco- que os chefes sempre perguntam o que mandante achou a situação tão inusitada não se espera? Por azar, tinha esquecido que não perdeu a oportunidade de zoar o de tirar o jumento da prisão. Tinha de dizer tenente, ou seja, “fazer guerra”, como é a verdade: costume na Marinha. Cancelou a pena do – Chefe, as aves não tiveram nenhum tenente e relaxou a prisão do jumento. problema. – Como assim? Manoel Cardoso da Silva – Eu prendi o jumento. Capitão de Corveta (Refo-T)

RMB3oT/2016 257 DOAÇÕES À DPHDM JUNHO A SETEMBRO DE 2016

DEPARTAMENTO DE BIBLIOTECA DA MARINHA

DOADORES

Vice-Almirante (Refo) Armando de Senna Bittencourt Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias Capitão de Mar e Guerra (Refo) Ney Dantas Maria Augusta Evangelista Fernandes Centro de Inteligencia da Marinha – Rio Fundação Alexandre Gusmão Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) Diretoria do Patrimônio Histórico e Cultural do Exército (DPHCEX)

LIVROS E PERIÓDICOS RECEBIDOS

CHILE Revista de Marina – nos 4 e 5, 2015; no 1, 2016

CUBA Revista Bimestre Cubana – no 42, jan./jun. e jul./dez. 2015

ESPANHA Cuaderno de pensamento naval – no 19, 2o semestre – 2015 Revista de História Naval – v. 33, no 131 – 2015; suplemento 22, v. 33, no 131 – 2015 Revista General da Marina – jul./out./nov./dez. Tomo 269 – 2015; abr. Tomo 270, 2016

ESTADOS UNIDOS Naval War College Review Winter – v. 69, no 1 – 2016

FRANÇA Ètudes Marines – Outre-Mer no 9, dez. 2015

PORTUGAL Revista de Marinha – mar./abr. 2016

ITÁLIA Rivista Marittima – no 2, v. 148, fev./2015; no 7, v. 148, jul./ago., 2015; no 8, v. 148, set./2015; no 9, v. 148, out./2015; no 10, v. 148, nov./2015; no 1, v. 149, jan./2016; no 3, v. 149, mar./2016; no 4, v. 149, abr./2016 DOAÇÕES E PERIÓDICOS RECEBIDOS

BRASIL Cadernos do CHDD – v. 14, no 26, 1o semestre – 2015; v. 14, no 27, 2o semestre – 2015 Tecnologia Militar – v. 37, no 3 – 2015 Anais do Clube Militar Naval – v. 145, tomos 1 a 6, jan./jun. – 2015 Tecnologia & Defesa – v. 33, no 145 – 2016; v. 33, no 15 Ed. Especial 18 – 2016; v. 33, no 29 Suplemento Especial – 2016 Revista do Clube Naval – v. 124, no 378, abr./mai./jun. – 2016 Revista Mare Nostrum – v. 18, no 72, jun./2016 O Anfíbio – v. 33 – 2015 Revista da Cultura – v. 15, no 26, mar./2016 Segurança & Defesa – no 109 – 2013 Revista Verde-Oliva – v. 41, no 223, abr./2014 Noticiário – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro– no 309, jan./fev./mar. – 2016 Flap Internacional – v. 53, no 526 Fuzileiros Navais – Da praia de Caiena às ruas do Haiti Amigos das Artes – 2010 Boletim internacional de bibliografia Luso-Brasileira– 2015 Diário de bordo: A história da indústria naval brasileira – 2010 Retratos D’Dumont Heróis dos céus – A iconografia do 1o grupo de aviação de caça na campanha da Itália 1944-1945 Caixa de Construção de Casas para o Pessoal da Marinha 75 anos – 2011 A história da SOAMAR-RIO 1979-2006 – 2010 Artista da Associação Profissional de Artista Plástico de São Paulo APAP 2015– 2015 Pedro Teixeira, a Amazonia e o tratado de Madri – 2016, 2 Exs. 1 Exs. BM (1 doação) Tua voz – 2016 (volante) A última saga do NF José Bonifácio – 2015

RMB3oT/2016 259 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

Esta seção tem o propósito de trazer aos leitores lembranças e notícias do que sucedia em nossa Marinha, no País e noutras partes do mundo há um século. Serão sempre fatos devidamente reportados pela Revista Marítima Brasileira. Com vistas à preservação da originalidade dos artigos, observaremos a grafia então utilizada.

A GUERRA NO MAR* (RMB, jul/ago 1916, p. 19)

Muito embora sejam exiguos os A nosso ver, ainda é cedo para documentos reaes sobre a actual se formar solido julgamento sobre guerra no mar, escriptores e tech- a grande guerra que actualmente nicos tem havido que não trepidam tala dos ricos campos da Europa e em tirar dos factos superficialmen- despovoa os mares. Com relação á te conhecidos deducções e ensina- guerra maritima, principalmente, mentos que reputam provados á todo o julgamento é prematuro. luz do bom criterio militar. Não se póde ter com segurança Ainda agora, o proposito do juizo sobre a maior ou menor effi- combate no Mar do Norte, entre cacia das armas e condições de inglezes e allemães, conhecido por seu emprego. Menos ainda sobre batalha da Jutlandia, apparecem a composição das esquadras, o conclusões e deducções diversas, valor dos diversos typos de navios, que só têm como ponto de apoio as o modo de combater no mar. hypotheses livremente formuladas Os estados-maiores em guerra pelos escriptores ou creadas pelos nada têm dito que nos habilite a technicos. julgar com acerto. Por emquan-

* Transcripto do “O Paiz” de 26 de julho ultimo. ACONTECEU HÁ CEM ANOS to, elles têm toda a sua attenção adolescencia. Nella nenhuma po- voltada para a guerra e o melhor tencia maritima póde depositar ex- uso a fazer dos elementos que clusivamente a sua defesa. Causa possuem, e que estão dando exce- damnos extraordinarios, mas não lentes provas. colhe proveitos de seus actos. Póde-se, de um modo geral, ar- E na guerra não basta destruir, chitectar supposições, mas o que os é mister saber utilisar o resultado factos demonstram é que até este da destruição. momento não se operou no mar É uma excellente arma auxiliar, nenhuma transformação radical cuja funcção na tactica de combate nos meios e processos de guerra, ainda não se acha perfeitamente naquelles que mereciam, no pe- determinada, não obstante já ter, riodo de paz, a approvação geral. como tem actualmente, um rele- A grande e sem duvida brilhan- vante, mas não principal, papel te campanha submarina, que neste na estrategia. momento acaba É uma arma de de se enriquecer surpreza e como com o seu fasto Na guerra não basta tal não póde figu- mais audaz, e na destruir, é mister saber rar nas acções de qual a Allemanha utilisar o resultado da guerra regular. depositava enor- destruição O melhor exem- me confiança, tem plo disto acredita- sido, sob o ponto mos que nos for- de vista do resultado militar, o nece a propria marinha allemã, maior insucesso desta grande não a utilisando na batalha da guerra. Jutlandia, conforme reiteradas A acção dos submarinos, tanto declarações do seu estado-maior. allemães como alliados, tem esta- Fossem os submarinos uma arma do aquem da espectativa. Delles de emprego certo e o almirante não esperava-se qualquer coisa de a deixaria de lado numa operação mais efficaz, no terreno da lucta experimental como a referida. Em- naval. Agora mesmo, a presença pregal-a na destruição do commer- no mar do Norte da esquadra in- cio maritimo do inimigo é recurso gleza prova nossa asserção. de defesa, mas não de guerra para Arma terrivelmente destrui- que com elle se possa constituir a dora, encontra-se ainda em sua força naval de um paiz. infancia, ou, quando muito, na (...)

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A FUSÃO DOS QUADROS DA MARINHA Conferencia realisada do Club Naval pelo Capitão de Corveta Frederico Villar (RMB, set/out 1916, p. 99)

Senhores: o espirito dos homens de respon- A honra insigne que me cabe, sabilidade no paiz e dos nossos fazendo esta conferencia sobre a companheiros na Marinha, com fusão dos quadros na Armada respeitosos e opportunos esclareci- Nacional, causa-me uma sensação mentos, de modo que lhes sobrem extraordinaria de orgulho e de recursos para a mais acertada das intima alegria, porque o assumpto soluções e julgamentos. escolhido constitue um ideal que Tratando-se de uma questão me apaixona, reveste-se de uma que interessa tão profundamente importancia capital para os des- á Marinha e ao paiz, não póde ser tinos da Marinha e já me parece visto sem grande benevolencia o escapar ás raias das discussões facto de occupar a vossa attenção academicas para transformar-se um official enthusiasta e apaixo- numa das mais bellas conquistas nada pelas cousas da sua carreira, realisadas pelos Poderes Publicos a que ha cerca de 30 annos se dedi- em proveito de muitos altos inte- ca de toda su’alma, e se julgue elle resses do Brazil. no direito de assumir semelhante Á gravidade do assumpto e á attitude, sem nenhum interesse sua apparente complexidade, vem individual em jogo, sem calculo juntar-se a exigencia absoluta de preconcebido e sem pretender im- celebrar os seus beneficios, que ir- por as suas opiniões a quem quer radiarão illuminando com clarões que seja: mas com a coragem e o de apotheose o edificio sublime desempeno da elegancia moral de de uma verdadeira Marinha de um espirito recto, profundamente Guerra; como sonhamos realisar convencido da causa que defende com os nossos esforços e extrema e animado pelo fogo sagrado que dedicação a bordo dos navios da o amor pela Marinha accende com Esquadra. ardor perenne em seu coração. A solução do problema da fusão (...) dos quadros da Armada está en- N’esta conformidade, Senhores, tregue ao patriotismo do Governo a absoluta confiança que nutro na e do Congresso Nacional. capacidade dos meos colegas; o É, porém, justamente, como exacto conhecimento que tenho do elemento de estudo, facilitando seo grande amor e dedicação á Ma- as suas deliberações, que nos jul- rinha nos diversos ramos da acti- gamos na obrigação de illustrar vidade naval; a certeza de que elles

262 RMB3oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS darão ao pais a mesma satisfação gues aos “Officiaes de Marinha” a e o mesmo orgulho experimentados bordo dos navios da Esquadra; e a pelos inglezes e americanos depois consciencia dos nossos governan- que estes fizeram das “machinas” tes ha de fatalmente comprehender uma especialidade como as outras que nada justifica a manutenção do “Corpo technico” da Armada, de um quadro aparte para serviços me conduzem ás seguintes affir- que cada vez mais se ligam e se mativas categoricas: confundem com todos os demais – 1) A fusão é inevitavel e será um principalmente quando o que diz grande bem para a Marinha. respeito aos reparos feitos a bordo, 2) A fusão trará colossal econo- elles já são exclusivamente entre- mia para os cofres publicos. gues aos “mecanicos”, organisa- 3) A fusão é possivel, nos mol- dos com previdencia e sabedoria, des do mais simples bom senso desde 1908, em nossa Marinha, e pratico! que, devidamente 4) A fusão se orientados, estão impõe immedia- A fusão é inevitavel, dando a mais am- tamente! porque negal-o seria pla satisfação aos Nada será ca- negar a luz solar, fins para que fo- paz de impedil-a, numa Marinha onde ram creados. porque ella é con- A fusão é inevi- sequencia da lei officiaes “combatentes” tavel, porque desde fatal da evolução e “machinistas” já são que se não abra aos dos homens e das oriundos de uma mesma novos Guarda-Ma- cousas na Mari- rinha os mesmos nha! Escola horisontes e garan- Mas como não tias de futuro, nas baste affirmar para convencer, especialidades de “machinas”, de demonstremos o que affirmamos: que gozam os que abraçam as de Senhores! “artilharia”, “torpedos”, etc., eu A fusão é inevitavel, porque não sei como evitar a repugnancia a força das circumstancias está a semelhantes encargos, nem como restringindo as funcções do “En- remediar tamanhas difficuldades, genheiro Machinista” dos nossos sem retrogradar aos processos de quadros actuaes á administração recrutamento, instrucção e orga- superior e conducta das machi- nisação, que foram condemnados nas exclusivamente motoras, das por marinhas typos e por nós auxiliares que dizem respeito a mesmos! essas motoras, e das machinas “I think that to abandon the electricas que não pertençam ás amalgamation feature would be incumbencias actualmente entre- to take a step backward which

RMB3oT/2016 263 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

would soon have to be retraced instituições, como as sociedades, and I am strongly opposed to os obrigarão a reformal-os com os any such vacillating policy” simples argumentos irresistiveis – diz o Commander W. F. Wor- dos factos consumados! Além thington da M.A. disso, Senhores, a fusão será um A fusão é inevitavel, porque grande bem para a Marinha, negal-o seria negar a luz solar, porque ella virá pôr termo a desin- numa Marinha onde officiaes telligencias, acaso existentes, entre “combatentes” e “machinistas” “officiaes de marinha” e “machi- já são oriundos de uma mesma nistas”, estabelecendo definitiva- Escola, sujeitos a um mesmissimo mente esses nobres sentimentos de curso, tendo a mesma escala de an- solidariedade e de affecto reciproco tiguidade marcada pelas approva- que só podem existir entre homens ções dos mesmos exames e, depois com o mesmo cultivo e com os mes- de promovidos, igualmente, postos mos horisontes! sob um mesmo regimen a bordo A fusão virá trazer a solução dos navios da Esquadra Nacional. de um outro não menos oppor- A fusão é inevitavel, porque ella tuno problema na Marinha – o praticamente, sob o ponto de vista accumulo excessivo de officiaes, a profissional, já existe – nem pode- bordo dos destroyers – por exemplo ria deixar de existir – restando aos – accumulo a que presentemente Poderes Publicos apenas reconhe- somos forçados pelas exigencias cel-a, promover o desenvolvimento da actual divisão das “incumben- de todo o seu cortejo de beneficios, cias” e dos “quartos” n’aquelles regulamentando-a de modo a faci- pequenos navios, onde a vida litar á superior administração da transforma-se, por vezes, n’um Marinha a sua conveniente orga- excessivo sacrificio! nisação definitiva, accelerando as- (...) sim o aperfeiçoamento do pessoal e N’esta conformidade, Senho- evitando difficuldades em um tão res, não acho difficuldades que interessante periodo de transição! honestamente se possam oppôr á A fusão é inevitavel, porque realisação immediata da fusão só as leis divinas, Senhores, são dos quadros, principalmente si eternas! As leis humanas evoluem fizermos passar para o quadro fatalmente com as conquistas da unico, mediante estudos comple- civilisação e do trabalho, sempre mentares, como já ousei lembrar progredindo, sempre caminhando anteriormente, e como está no para uma mais absoluta perfeição! programma do Governo, os actu- Si o espirito rotineiro ou sensi- aes engenheiros machinistas que bilidades conservadoras preten- cursaram a Escola Naval de 1907 derem manter codigos eternos, as em diante, que continuariam ma-

264 RMB3oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS chinistas até o posto de capitão de grande, justo e nobre ideal, que corveta, devendo os outros, e os que com tanto enthusiasmo acaricia- não satisfizessem ás exigencias de mos! exame da lei da fusão, continuar Senhores: no actual Corpo de Machinas até A fusão dos quadros com a á sua natural extincção. especialisação corresponde mag- Senhores! nificamente ás mais legitimas A fusão será, ao mesmo tempo, aspirações da Marinha do Brazil: uma medida de grande alcance O quadro unico impõe-se! E nessa economico: uma vez totalmente re- reforma, de tanta utilidade e al- alisada, trará aos cofres publicos cance para a defeza naval do paiz, uma economia minima de mil e já está perfeitamente delineada quinhentos contos annuaes! pelo Governo, de modo a trazer Logo depois de decretada, se uma somma extraordinaria de fará sentir a diminuição das beneficios para a Marinha e para despezas, porque os quadros da a Republica! Armada não precisarão ser aug- Possa caber-me a honra de mentados, pois serão, ainda então, haver para ella concorrido com sufficientes para as nossas neces- a melhor de minhas energias e sidades, o quadro de machinistas com esse sincero enthusiasmo que irá rapidamente desapparecendo. o grande amor pela Marinha me Isso, Senhores, além dos gran- inspira! des serviços reaes que os Poderes Os meus votos mais sinceros são Publicos prestarão á Armada com para que o Snr. Ministro tenha a o “Quadro Unico”, simplificando gloria de levar a effeito essa gran- consideravelmente a administra- diosa reforma, vencendo brilhan- ção naval, definindo insophisma- temente todas as difficuldades que velmente as responsabilidades, acaso se lhe antepuzerem. unificando os serviços, elevando Eu não creio que haja forças o nivel profissional, alargando os humanas capazes de impedir a horisontes a todos os officiaes de- victoria da fusão dos quadros na vidamente especialisados em todos Marinha! os ramos das nossas actividades Os adversarios da grande idéa na Marinha e solidificando, de poderão – talvez – retardar, por modo indissoluvel, os sentimentos um instante, a sua marcha, diffi- de affecto e de reciproco apreço en- cultando a immediata realisação tre companheiros de uma mesma do programma traçado; mas classe! detel-a definitivamente, isso é que Não teremos jamais gratidão nunca! bastante para com o Governo e “La vérité est en marche, rien ne o Congresso que realisarem esse l’arretera!”.

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A TACTICA DE COMBATE* (RMB, set/out 2016, p. ?) Pelo Lieut. R. A. Dawes da Marinha Americana

Generalidades

As Instrucções Navaes America- de “tactica”. Esta parece ser uma nas de 1913 definem a tactica do definição muito restricta, pois que seguinte modo: “A tactica applica- não inclue as relações que devem -se a todos os movimentos e opera- ter, os differentes typos de navios ções navaes realisadas depois do de uma esquadra. contacto com as forças do inimigo. Durante as guerras do periodo O termo “contacto” na sua mais da marinha a vela, depois que ampla accepção, significa uma desappareceram os brulotes, estes approximação do inimigo tal que, movimentos e evoluções, consti- affectando a formatura da esqua- tuiam praticamente o conjuncto da dra, torna o combate imminente”. tactica. Na futura guerra, a tactica Os escriptores que tratam da de combate consistirá sómente de tactica e arte da guerra, definem simples evoluções da esquadra aquella de differentes modos. de couraçados. O commandante Clausewitz a define como o em- em chefe na proxima guerra, terá prego das tropas na batalha, e que manobrar, além da esquadra Jomini como a arte de combater principal de combate, com flotilhas no campo de batalha, emquanto de destroyers e de submarinos, com que Von Moltke diz, que a tactica ala rapida e provavelmente com ensina o methodo de se empregar os aeroplanos; e o chefe victorioso as differentes armas no combate, será aquelle que conhecer como ella diz como se deve combater. O cada um desses typos de navios General Bonnal, escriptor francez, deve se portar na acção, o que considera a tactica como a sciencia conhecer os seus limites, valor e da execução. Os varios movimen- fraqueza e o que puder manobral- tos e evoluções, feitos pelos navios -os no combate tirando delles o de uma esquadra em exercicios, maior partido. são muitas vezes denominados (...)

* Este artigo foi escripto em 1914, antes da realisação de qualquer desses combates da presente guerra européa. (Nota do Autor)

266 RMB3oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS

HISTORICO OFFICIAL ALLEMÃO DA BATALHA NAVAL DE SKAGERRACK (Da Jutlandia segundo os ingleses) (RMB, set/out 2016, p. 213)

No correr de uma de suas habi- para W duas columnas de gran- tuaes manobras no Mar do Norte, des navios, formando em linha effectuadas como todas as ope- para o SE. Breve se reconhece rações anteriores deste caracter, ser a 1a esquadra de cruzadores com fins estrategicos, achando-se de batalha sob o commando do no Skagerrack, a nossa esquadra Vice-Almirante Beatty, compos- de alto mar sob o commando do ta de seis navios, sendo quatro Vice-Almirante Scheer e composta da classe “Lion” e dois da classe de tres esquadras de couraçados, “Indefatigable”. cinco cruzadores couraçados dos Nossos cruzadores couraçados typos “Derfflinger” e “Moltke”, um empenham-se immediatamente grande numero de novos e velhos com o inimigo, correndo ao SE, pequenos cruzadores e varias com tempo claro, um vento ligeiro flotilhas de torpedeiros, esteve do NW e mar calmo, elles formam empenhada em uma acção no dia em linha e ás 5h49m pm em uma 31 de Maio. distancia de 13.000 jardas, elles Proximamente ás 4h30m da abrem fogo sobre uma força supe- tarde, a umas 90 milhas a oeste rior do inimigo. Depois de cerca de Hanstholm, nossa vanguarda de 15 minutos de acção, nosso composta de pequenos cruzadores fogo causa uma explosão tremen- inesperadamente descobre oito da a bordo do ultimo cruzador de pequenos cruzadores da classe batalha da linha inimiga – o “In- “Caliope” acompanhados por 15 defatigable” – destruindo o navio. ou 20 dos mais novos e maiores Ás 6h20m proximamente, a linha destroyers da classe N. inimiga composta então de só 5 Emquanto nossas forças ligei- navios (cruzadores de batalha), é ras, seguidas pelos cruzadores reforçada por uma forte esquadra couraçados do 1o grupo de explo- vinda de W e composta de 5 na- ração, sob o commando do Vice- vios da classe “Queen Elizabeth”, -Almirante Hipper se concentram armada com os novos canhões de sobre os Inglezes e emquanto es- 38 centímetros.* tes se retiram para o NE, nossos Estes navios entram logo em li- cruzadores couraçados avistam nha com os cruzadores de batalha

* Por um observador do fogo do “Outfriesland”, da 1ª esquadra, as columnas d’agua d’estes projectis elevavam-se a cerca de 130 metros.

RMB3oT/2016 267 ACONTECEU HÁ CEM ANOS e depois de uma rapida acção com dores couraçados, aos quaes agora os nossos grupos exploradores, a se oppõe a força esmagadora de 10 esquadra inteira assim formada grandes navios. abre fogo sobre os nossos cruza- (...)

REVISTA DE REVISTAS

JULHO/AGOSTO – 1916 Por esses motivos a “gyroscopica” vae fazendo desapparecer dos na- AGULHAS GYROSCOPICAS – vios de aço a agulha magnetica por- Na “Revista de Marina” de Janeiro quanto a primeira é independente e Fevereiro preteritos, lê-se: do magnetismo tellurico e já subs- “Em uma conferencia feita no titue a bordo os serviços valiosissi- Instituto de Engenheiros da Mari- mos que a agulha magnetica tem nha dos Estados Unidos pelo sr. E. apresentado até aqui, substituindo Kilburn Scott em 5 de Outubro de essa antiquada agulha magnetica 1914, sobre os inconvenientes gra- que ha mais de quatro seculos tem ves apresentados actualmente pelos prestado serviços á humanidade. navios de aço no uso da agulha Sabemos que a “gyroscopica” magnetica, a qual já é inadequa- tão simples no seu aspecto physico da, porque, se é certo que se podem e tão complexa na sua parte theo- compensar os desvios ao minimum, rica basea-se na lei experimental isto se faz enfraquecendo conside- de Foucault que diz: todo o corpo ravelmente a influencia magnetica dotado de rotação, sujeito a uma terrestre como força directriz. nova força de rotação, tende a Depois de bem compensada uma collocar o seu proprio eixo paral- agulha magnetica nunca vem a lelamente ao novo eixo de rotação ficar em condições satisfactorias. pelo caminho mais curto, de ma- Nos navios actuaes de combate neira que as duas rotações tenham as agulhas magneticas são sus- logar no mesmo sentido. ceptiveis de variação, devido ás Por este principio é que o eixo do grandes massas de aço, como os gyroscopio dirige-se sempre para canhões e torres, os quaes têm que o norte e conserva-se indicando estar em movimento e que alteram sempre essa direcção. o magnetismo sub-permanente e O gyroscopio possue, pois, uma induzido. No que diz respeito aos força directriz analoga, sob outro submersiveis são tantos os incon- aspecto, á da agulha magnetica, e venientes que se tornam imprati- é curioso saber-se que depende da caveis as agulhas magneticas para rotação da terra, que se faz sentir esses navios. na velocidade do eixo de uma roda.

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Além das vantagens enumera- ma existente no camarim do que das, emprega-se como repetidor manobra o apparelho. Por esse das agulhas, pelo que o gyroscopio artificio podem-se descobrir as padrão colloca-se em uma posição minas a uma distancia bastante que fique bem firme e nenhuma consideravel. Mede-se a distancia substancia metallica o perturba, a que se acha o angulo, por meio pelo que se pode usal-o nas suas de instrumentos analogos aos do immediações. tiro de canhão, e levados estes da- (...) dos a um artilheiro, dispara este um projectil á semelhança de um torpedo. Esse projectil não explo- SETEMBRO/OUTUBRO de senão quando muito proximo da mina, para o que conduz um BUSCA E DESTRUIÇÃO DE fio conductor por meio do qual MINAS SUBMARINAS – Na se envia uma descarga electrica “Iberica” de 13 de maio ultimo, que actua sobre o detonador do lê-se: projectil.” “O professor Parker e o en- A necessidade de se destruirem genheiro Hatch, de Nova York, esses terriveis engenhos de guer- planearam um apparelho para ra submarinos vae-se tornando descobrir minas submarinos cujos tanto maior quanto mais crescem experimentos têm logrado bom as tonelagens das diversas uni- exito, conforme o Electrical Expe- dades de combate que se mais rimenter, citado na ‘Les Inventions recommendam pelo seu valor Illustres’. militar. Esse instrumento basea-se no E essa necessidade sobe de ponto emprego de um gaz luminoso quando se tem em vista cercar o produzido por um poderoso fóco grande couraçado moderno das electrico e projectado horizon- indispensaveis garantias afim de talmente no interior da massa que não seja fulminado por um liquida, atravéz de um tubo ver- apparelho belico de tão facil ac- tical provido de lentes e espelhos quisição como sóe acontecer com reflectores; este tubo póde gyrar a mina de cuja efficiencia militar em todas as direcções e subir ou não se póde, nem mesmo ao de leve, descer á vontade do operador, até duvidar. que a mina que se procura fique Impõe-se conseguintemente a or- illuminada pelo gaz. Outro tubo ganisação completa de um serviço solidario com o primeiro, por meio com o fim de inspeccionar o seio de um dispositivo muito parecido dos mares e fazer desapparecer com um periscopio, vem projectar delles as terriveis minas, capazes a imagem da mina no diaphrag- de tão funestas consequencias.

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NOTICIARIO MARITIMO

JULHO/AGOSTO – 1916 MARINHAS ESTRANGEIRAS

MARINHA NACIONAL ESTADOS UNIDOS

FUSÃO DOS CORPOS DE HYDROPLANOS – O cruzador OFFICIAES DE MARINHA E DE “North Carolina” vai ser provido ENGENHEIROS MACHINIS- de hydroplanos, que pela primeira TAS – Á comissão de Marinha e vez tomarão parte nas grandes Guerra da Camara dos Deputados manobras navaes deste anno. foi enviada pela respectiva mesa para dar parecer, uma mensagem UM NOVO TYPO DE NAVIO do Dr. Presidente da Republica, – Na marinha americana tem sido com exposição de motivos do Sr. empregado, em serviços auxiliares Ministro da Marinha, acompa- uma embarcação de um traçado nhada do seguinte projecto: completamente novo, que os america- “Art. 1o – Os officiaes do Corpo nos denominaram “sea-sled” (trenó da Armada e do Corpo de En- maritimo), cuja velocidade se pode genheiros Machinistas, da data comparar á dos hydroaeroplanos. dessa lei em diante, passam a Tem a apparencia de uma barcaça constituir um só corpo da Armada. de fundo chato com as amuradas Art. 2o – Os officiaes do Corpo verticaes e a proa e popa cortadas. de Engenheiros Machinistas ad- No fundo ha, porém, um cavado lon- mittidos neste Corpo em virtude de gitudinal, cujas secção transversal é regulamentos anteriores ao baixa- a de um V invertido, morrendo para do com o decreto n. 10.788 de 25 a popa; á proa o vertice do V nasce de Fevereiro de 1914, continuam á altura do convez. A boca diminue a formar um Corpo a parte até a gradualmente de vante para ré, o que sua gradual e completa extincção. evita que a pancada d’água na proa § 1o – Estes officiaes continuam alague o navio; a espuma produzida sujeitos ás disposições das leis adop- por essa pancada é encaminhada tadas e promulgadas para o serviço pelo cavado de fundo, do que resulta do Corpo de Engenheiros Machinis- que a embarcação anda sobre uma tas e no desempenho das funcções especie de almofada de ar. inherentes á sua especialidade. As suas condições marinheiras § 2o – Conservarão as mesmas ao que se diz, são excellentes. honras e regalias e terão os mes- A propulsão é obtida por duas ou mos vencimentos e uniformes quatro helices, conforme os mode- actuaes. los, cujos eixos estão na altura da (...) superficie da agua quando para-

270 RMB3oT/2016 ACONTECEU HÁ CEM ANOS dos, mas mergulham em marcha, O vapor “Carlos Gomes”, do devido a onda da popa e á inclina- commando do capitão de corveta ção longitudinal da embarcação. Motta Ferraz, regressou daquella A direcção é dada por dois lemes ilha no dia 14 de Outubro, tendo nas alhetas, dos quaes só um actua partido do porto desta Capital no de cada vez; a posição das madres dia 24 de Setembro e trouxe a seu é inclinada, com o fim de originar bordo o pessoal que lá estava ha uma pressão da agua de cima para cinco mezes e que foi substituido. baixo do lado interior da rotação, O pharmaceutico civil que lá que contrarie a inclinação para fora esteve durante todo esse tempo, a devida a acção da força centrífuga. procura dos thesouros encantados na solitaria ilha, dos quaes possue SETEMBRO/OUTUBRO 1916 documentos que lhe deviam servir de guia nas pesquizas que fez, tam- MARINHA NACIONAL bem voltou, mas sem ter alcançado descobrir os mysteriosos thesouros. O PREMIO “IMPRENSA” – Ao Tambem regressaram no “Car- sr. capitão de mar e guerra Felinto los Gomes” os Drs. Pedro Pinto Perry, commandante da divisão de Peixoto Velho e Domingos Santos “destroyers”, foi entregue no dia 24 Filho, naturalistas do Museu de Setembro o premio “Imprensa”, Nacional que alli se achavam em constituido por um rico e artistico commissão scientifica, e o capitão bronze intitulado Honra e Patria, de fragata Joaquim Ribeiro Sobri- offerecido pelos directores do ves- nho, commandante da ilha. pertino A Rua e destinado a ser O “Carlos Gomes” levou para a disputado annualmente entre os Trindade 26 toneladas de carga destroyers, de accordo com as con- representada por mantimentos, ani- dições do concurso estabelecidas maes e todo o material para a mon- pelo Estado Maior da Armada. tagem da estação radio-telegraphica. Á solemnidade da entrega do No dia 30 toda a carga havia sido premio compareceu toda a officia- desembarcada nas melhores condi- lidade da divisão de destroyers. ções, com o auxilio de uma jangada O premio Honra e Patria será construida com recursos de bordo. disputado entre os destroyers, pela primeira vez, em 1917. MARINHAS ESTRANGEIRAS

ILHA DA TRINDADE – Foi RUSSIA installada na ilha da Trindade uma estação radiotelegraphica, de NOVA DIVISÃO NAVAL NO cuja montagem foi encarregado o MEDITERRANEO – O governo rus- 1º tenente Alberto Lucena. so adquiriu do Japão pela quantia

RMB3oT/2016 271 ACONTECEU HÁ CEM ANOS de 15.500 yen, os couraçados Tango rante a guerra, e agora, por motivo (ex-Poltava) e Sagami (ex-Peresviet) de sua volta ao pavilhão russo, e o cruzador Saya (ex-Variag); estas realisaram-se festejos em que unidades juntas ao cruzador Askold confraternisaram os marinheiro formaram uma nova divisão naval das duas nações outr’ora adver- para o Mediterraneo. sarias e hoje ligadas nas pelejas Os tres primeiros navios tinham sangrentas que se travam no outro sido aprisionados pelo Japão du- hemispherio.

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Esta seção tem por propósito levar ao conhecimento dos leitores matérias que tratam de assuntos de interesse marítimo, contidas em publicações recebidas pela Revista Marítima Brasileira e pela Biblioteca da Marinha. As publicações, do Brasil e do exterior, são incorporadas ao acervo da Biblioteca, situada na Rua Mayrink Veiga, 28 – Centro – RJ, para eventuais consultas.

SUMÁRIO (Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

COMUNICAÇÕES COMUNICAÇÕES Não perca contato – Links de dados no mar (274)

FORÇAS ARMADAS PODER NAVAL Outras Marinhas (274) Reflexões sobre o dimensionamento de uma Marinha média (280)

POLÍTICA POLÍTICA DA VENEZUELA Especial Venezuela (281)

RELAÇÕES INTERNACIONAIS ACORDO O acordo de associação transpacífico (281) REVISTA DE REVISTAS NÃO PERCA CONTATO LINKS DE DADOS NO MAR Norman Friedman* (Naval Forces, no IV/2016, vol. XXXVII, p. 22-25)

Neste artigo, Norman Friedman analisa inteligência baseada em redes de dados. Se- a evolução dos links de dados e suas aplica- gundo ele, as operações assim conduzidas ções em operações no mar e compara tipos permitem a identificação e transmissão de existentes, abordando suas diferenças com dados de alvos para que órgãos de Coman- as aplicações de internet. do e Controle apropriados possam agir ou Em sua conclusão, afirma que as Mari- reagir com maior rapidez. “Links de dados nhas do mundo reconhecem a importância táticos desempenham papel vital nesse de que as forças no mar sejam apoiadas por esquema”, finaliza Friedman.

OUTRAS MARINHAS** (Études Marines, França, no 10, junho/2016) Centro de Estudos Estratégicos da Marinha

Ao apresentar esta edição da Études deres navais pelo mundo, com políticas Marines, o Almirante Thierry Rousseau, marítimas coerentes, boas estratégias e diretor do Centre d’Études Stratégiques ações diplomáticas e militares”. de la Marine, frisa, a amplitude, o papel Sobre estratégias navais, Rousseau e a importância do domínio marítimo da defende a sua necessidade para a proteção França a partir de seu ultramar, propondo de um Estado ou Nação, o que engloba uma reflexão sobre outras Marinhas. Para pessoas, bens, valores, economia local e ele, o mar é lugar de encontro daqueles soberania. Ele ressalta, ainda, que, na atua- que compreendem que ele é o centro de lidade, “a variedade de possíveis modos de questões geopolíticas e econômicas futu- ação existentes permite que um responsável ras e que se deve dar espaço às ambições político possa testar potenciais adversários navais. “É com esse pensamento que a com um risco reduzido de erro e avaliar, do Marinha francesa multiplica sua presença ponto de vista militar ou político, a estraté- e sua visibilidade, navegando por quase gia de confronto mais agressiva”. todos os espaços marítimos.” O almirante Esta edição reúne os seguintes artigos: observa que, “ao se olhar além, é possível Os Estados Unidos – os primeiros, e por que perceber as profundas evoluções dos po- o são?; China – em direção a uma ambição

* Colaborador frequente da Naval Forces e de outros periódicos especializados em temas navais/marítimos. Autor do Naval Institute Guide to World Naval Weapons, Fifth Edition (Guia de Sistemas de Armas Navais do Instituto Naval, Quinta Edição) e do Network-centric warfare: How Navies Learned to Fight Smarter Through Three World Wars (Guerra centrada em rede: como as Marinhas aprenderam a lutar mais inteligentemente por meio das três guerras mundiais). Dentre seus outros livros, encontram-se The U.S. Maritime Strategy – 1988 (A Estratégia Marítima dos EUA – 1988) e Seapower as Strategy: Navies and National Interests – 2001 (Poder Naval como Estratégia: Marinhas e Interesses Nacionais – 2001). ** Tradução e adaptação: Primeiro-Tenente (T) Fernanda Deminicis de Albuquerque, da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha.

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mundial?; As ambições navais de Vladimir 2008, e o Livro Branco de Defesa Nacional, Putin; A política marítima indiana: novos de 2012, formaram as bases de uma concep- impulsos, mas para quais objetivos?; A ção moderna da defesa nacional. estratégia marítima do Japão diante da nova A END define para a Marinha três ob- expansão chinesa; Brasil: uma ambição jetivos estratégicos e táticos, em torno de marítima emergente; Marinhas emergentes: duas zonas apresentadas como de atenção nascidas ou renascidas e A dificuldade especial: a costa de Santos a Vitória, posta europeia em manter sua potência naval. sobre a responsabilidade de uma primeira Por sua relevância, transcrevemos a esquadra; e a foz do Amazonas, que deve adaptação do artigo “Brasil: uma ambição ter uma esquadra de caráter particular. Os marítima emergente”*. objetivos são: negar o acesso de Marinhas “O Brasil mostrou, nos últimos anos, uma inimigas ao Brasil; controle do espaço presença marítima inédita. Essa ambição se marítimo nacional; e manutenção de uma manifestou simultaneamente na economia, capacidade suficiente de projeção para no direito, no controle militar e na política. assegurar a defesa de espaços marítimos O surgimento desse novo ator em terreno importantes para a economia e a estratégia em que até então era ausente naturalmente militar, bem como de águas interiores e surpreendeu as potências navais. linhas de comunicação marítima. Concre- O Brasil é fruto das grandes descober- tamente, trata-se de defender as plataformas tas marítimas europeias dos séculos XV e petrolíferas, as ilhas oceânicas do Brasil, XVI. Nascido do sonho de príncipes nave- seus portos e as rotas comerciais brasileiras gantes e fundado à beira de um oceano, o e estar prontamente capaz de participar de Atlântico, o País foi construído como um operações marítimas de paz sob os auspí- acontecimento continental. A conquista do cios das Nações Unidas, em coalizão com seu interior, em particular da Amazônia, outros países da região. mobilizou seus geopolíticos, responsáveis políticos, economistas e o imaginário lite- Brasil: uma Amazônia Azul rário. Esta Amazônia, conhecida nos dias de hoje como Amazônia Verde, e após uma O Livro Branco delineia consequências dezena de anos acoplada à Amazônia Azul, a partir de diretrizes gerais. Os projetos de materializa uma nova fronteira tão global aparelhamento da Marinha estão inscritos quanto a sua predecessora. no Plano de Articulação e Equipamento de Defesa (Paed), que fixa sete objetivos: Um ambicioso programa de recuperação da capacidade operacional; modernização das Forças Navais implementação de um programa nuclear marítimo; construção de um núcleo de A Marinha ganhou um papel central após poder naval; implementação de um sistema a virada do milênio. O fim do governo militar de gestão da Amazônia Azul; criação de um deu, progressivamente, poder ao componente complexo naval com uma segunda esqua- civil. As Forças Armadas foram reorganiza- dra e de um segundo Corpo de Fuzileiros das, postas sob autoridade de um ministro Navais que lhe será atribuído; melhorias civil, sob ordens de um Estado-Maior Geral. para o pessoal da força; e segurança das A Estratégia Nacional de Defesa (END), de vias navegáveis interiores.

* Autoria de Jean-Jacques Kourliandski.

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Esta reorganização desejada pelas auto- ra da década de 90. O contexto econômico ridades políticas está inserida em uma nova e eleitoral de 2000 a 2010 trouxe de volta a orientação de prioridades da política exter- oportunidade de recomeçar as negociações, na. A reconciliação das relações, até então e certamente a Marinha foi instrumento difíceis, com a Argentina pôs em prática natural do processo. uma cooperação regional transamazônica, Um outro plano foi lançado em 2009, que com efeito reduziu as preocupações o Plano de Articulação e Equipamento da dos sul-americanos. Por outro lado, a inde- Marinha do Brasil (Paemb), que prevê mo- pendência das antigas colônias africanas de dernização da frota até 2030. Paralelamen- Portugal abriu ao Brasil um novo campo de te, há o Programa de Obtenção de Meios influência que foi bem-vindo, já nos últimos de Superfície (Prosuper) e o Programa de anos do governo militar. Os contatos foram Desenvolvimento de Submarinos (Prosub). efetivados, e até mesmo uma cooperação O Prosuper prevê a construção, no internacional foi criada no ano de 1986, próprio Brasil, de cinco fragatas, cinco a Zopacas (Zona de Paz e Cooperação de patrulhas oceânicas de 1.800 toneladas e Atlântico Sul). Ainda assim, as negociações um navio de suporte logístico. Está prevista ficaram adormecidas durante os anos de também a construção, também no Brasil, transição democrática e pela crise financei- de 27 navios-patrulha de 500 toneladas.

Brasil: uma Amazônia Azul

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Após a recente aquisição de um navio-doca Brasil possui uma faixa atlântica de 7.500 multipropósito, o Bahia, programa-se a quilômetros, cara a cara com a costa africa- obtenção de uma brigada anfíbia assim na. Ao norte, o Brasil está aberto ao espaço que forem adquiridos, ou eventualmente caribenho e ao acesso ao Canal do Panamá. construídos em parceria, dois porta-aviões Essa ambição é também consequência de destinados a assumir o lugar do ex-Foch, uma súbita tomada de consciência. As con- integrado à Marinha do Brasil em 2001 com centrações humanas e econômicas do Brasil o nome de São Paulo. situam-se principalmente nas proximidades A Marinha do Brasil adquiriu, em 2012, do Atlântico: cerca de 80% da população, três navios-patrulha fabricados pela BAE 85% do consumo elétrico e 93% da produ- System (Reino Unido), originalmente cons- ção industrial se encontram a menos de 100 truídos para Trinidad e Tobago, e a MBDA quilômetros do oceano. desenvolveu, junto à brasileira Avibras, A emergência brasileira nos anos 2000 um míssel Exocet destinado a equipar as se deu com base no desenvolvimento corvetas existentes e as em projeto. As agrícola, mineral e por vezes industrial, empresas BAE System, Damen (Holanda), orientada para o mercado regional e para DCNS (França), DSME (Coreia do Sul), as mudanças mundiais. O mar passa a ter Fincatieri (Itália), Navantia (Espanha) e nova dimensão e importância, pois é canal TKMS (Alemanha) se candidataram para vital para o comércio no exterior. A Ama- construir navios de superfície. zônia e os Andes já não são mais capazes O Prosub, já mais avançado, foi posto de absorver as importações e exportações em prática com a cooperação francesa. entre o Brasil, de um lado, e Venezuela, Um acordo estratégico, assinado entre os Colômbia, Equador, Peru e Chile de outro dois países em dezembro de 2008, prevê – a Argentina é, evidentemente, mais fácil a venda, pela DCNS, junto com a trans- de se acessar, o que é feito pelo porto de ferência de tecnologia e construção local, sua capital, Buenos Aires. Isso também se de quatro submarinos Scorpéne, assim aplica às relações com os principais parcei- como a construção de um submarino de ros políticos brasileiros: a China, os Estados propulsão nuclear. O programa prevê Unidos da América e os grandes países da também a fabricação local de um reator e o Europa. Cerca de 95% do comércio exterior desenvolvimento do ciclo de fabricação de do Brasil é feito por mar. Em 2014, cerca de combustível. Para tal, seria construído um 1.400 navios mercantes cruzaram as águas laboratório de geração de energia nuclear e territoriais do Brasil diariamente. está planejada a expansão do Centro Tecno- Tudo isso permite que se compreenda lógico da Marinha, situado em São Paulo, melhor a participação das empresas brasi- além de melhorias nas suas instalações. O leiras no processo de alargamento do Canal primeiro local de fabricação de submarinos do Panamá. Cabe também citar os grandes foi oficialmente inaugurado em o1 de março investimentos feitos pelo Brasil em Ma- de 2013, em Itaguaí (RJ). riel, porto de zona franca e plataforma de distribuição de contêineres atualmente em Um programa de rearmamento marítimo construção em Cuba, e o desenvolvimento a serviço de uma ambição de redes rodoviárias transandinas que per- mitem aos produtores brasileiros de soja A ascensão da Marinha do Brasil é co- chegar diretamente aos portos peruanos erente com os novos horizontes do País. O do Pacífico e, assim, ao mercado chinês.

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A descoberta do petróleo ao largo da de uma ambição europeia do século XVI. costa brasileira, no Rio de Janeiro e no Franceses, holandeses e portugueses, com Espírito Santo, reforçou a necessidade de suas rivalidades, legaram uma cultura de o Brasil obter controle e monitoramento resistência a tudo o que chegava pelo mar. de qualquer aproximação. A Petrobras, a A independência não mudou efetivamente companhia nacional de petróleo, estima a perspectiva. O Reino Unido interditou poder extrair algo em torno de 10 milhões o controle do Rio da Prata ao Brasil. Os de barris por dia das reservas situadas em americanos tentaram obter livre acesso à águas profundas sob uma espessa camada Amazônia. Os rios foram explorados por de sal, chamada de pré-sal. aventureiros vindos da América espanhola. O mar fornece também recursos alimen- Tudo isso criou um espírito de isolamento. tícios com a pesca e oferece um grande Os brasileiros se recolheram de suas cida- potencial de geração elétrica, explorada des costeiras para o interior, desenvolvendo pela Agência Nacional Brasileira de Ener- de forma paradoxal uma geopolítica de gia Elétrica, que em 2012 desenvolveu avanço sobre os territórios de seus vizinhos. um protótipo. Diversos órgãos passaram O segundo paradoxo vem também pelo a cooperar com a finalidade de explotar, mar. A economia do Brasil Colônia e dos de forma racional, científica e ecológica, anos do Império, precocemente mundiali- os potenciais minerais do fundo marinho. zada, se apoiava sobre o comércio trian- Essa tomada de consciência da im- gular com a Europa e os Estados Unidos, portância marítima se fundamenta na em que se vendia açúcar da cana, e sobre necessidade de boa gestão dos interesses a África, fornecedora de mão de obra es- econômicos e comerciais e se cruza com crava. O Brasil foi o país da América que outro fator: a identidade que compõe o mais importou escravos africanos, sem País foi revisada para melhor integrar sua dúvida um número entre 3 e 4 milhões. Esse dimensão africana. A relação com a Áfri- passado é uma dívida da história nacional ca, reforçada em 2003, foi concebida por que pesa na mentalidade do povo e em seus interesses econômicos e pela proximidade cotidianos. O Brasil poderia ser classificado geográfica, como um instrumento de con- de país do “racismo cordial”. solidação para a Nação. O comércio com A geopolítica brasileira cultivou seus a África se multiplicou por sete de 2000 a valores continentais. Sua literatura é ur- 2013. De fato, as autoridades brasileiras bana e terrestre. Jorge Amado escreveu deliberadamente buscaram reforçar laços romances que se passam à beira das águas, com um continente considerado como parte em Salvador, na Bahia, porta principal de constitutiva de sua identidade. chegada dos escravos africanos. Um de O mar tornou-se, desse modo, um ele- seus livros traz um título esclarecedor dessa mento de ampliação do olhar brasileiro aproximação com o mar, Mar Morto. No sobre o mundo, proporcionando consciên- espírito de seus inventores, a geopolítica cia das ligações naturais existentes entre a brasileira possui instinto de preservação de realidade nacional, a existência do país e um território ameaçado por invasores ex- o mar. Essas evidências foram verdadei- ternos, vindos por mar ou além-Amazônia. ramente ignoradas anteriormente por duas De forma significativa, a única epopeia de grandes razões. A primeira vem do para- destaque da Marinha brasileira se refere às doxo que se origina em um local onde há batalhas fluviais ganhas sobre o Paraguai mar e que foi colonizado. O Brasil nasceu em 1865.

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Invenção de uma geopolítica marítima Desejoso de afirmar sua presença tanto diante dos poderes marítimos de outrora Essa cultura de isolamento redundou em e em relação às iniciativas recentes dos uma transposição de dimensão. Por razões Estados Unidos, o Brasil teve papel ativo dos elementos materiais, econômicos e na criação de uma rede compartilhada de comerciais, bem como culturais, já citados meios militares com seus vizinhos. A União anteriormente, a Amazônia foi usada como de Nações Sul-Americanas (Unasul) origi- referência e o mar, definido como uma nova nou, em 2008, essa preocupação. A Unasul fronteira, foi batizado de ‘Amazônia Azul’. possui um conselho de cooperação militar, Um programa de monitoramento das cos- e o Brasil se comprometeu a colaborar com tas, nos moldes do lançado para a floresta projetos industriais. Sendo praticamente amazônica, foi implementado, colocando o único construtor aeronáutico militar do em prática um sistema que combina saté- continente sul-americano, o Brasil se aliou lites, radares, aeronaves, drones, navios e à Colômbia para produzir um avião de submarinos. transporte de tropas que abriu portas para Uma política africana foi criada, a fim um novo campo, o de patrulhas fluviais. de assegurar a partilha da segurança no Poder econômico emergente, único Es- Atlântico Sul. Junto à Zopacas e com a tado latino-americano dotado de navios de segurança dividida da zona, uma relação projeção de força e poder, o País assumiu contratual de um componente marítimo papel internacional mais ativo, inclusive foi posta em prática com membros da Co- aumentando seu apoio às operações de munidade de Países de Língua Portuguesa paz das Nações Unidas. O Brasil integra, (CPLP). A CPLP organiza, a cada dois ainda, a estrutura marítima da Força Inte- anos, desde 2008, simpósios de Marinhas rina das Nações Unidas no Líbano (Finul) militares dos países membros. Essa dimen- e também explorou diplomaticamente suas são africana foi discutida de forma bilateral. capacidades marítimas, oferecendo seus O Brasil abriu novas embaixadas em países serviços à ONU em 2004 para garantir a paz africanos, em particular naqueles que estão no Haiti. Enviando centenas de soldados frente a frente com o Atlântico. A África àquela nação, como integrantes da Missão do Sul, que passou a integrar o grupo Brics das Nações Unidas para Estabilização do em 2010, mantém boas relações com o Haiti (Minustah), foi o primeiro país da Brasil em diversos assuntos, incluindo os América Latina a quem se confiou uma marítimos. Vários acordos de cooperação operação de paz. militar, alguns sobre venda de armamentos, Enfim, a partir de reinterpretação ma- foram assinados pelo Brasil com estados rítima e pretendendo inverter os fluxos de africanos, em particular com Cabo Verde influência, o Brasil tem explorado as migra- (1994), Namíbia (1994), África do Sul ções voluntárias dos séculos XIX e XX. De (2003), Guiné-Bissau (2006), Moçambique fato, se construiu uma política de influência (2009), Angola (2010), Senegal (2010), brasileira com aqueles países com grande Nigéria (2010), Guiné Equatorial (2010 fluxo de imigrantes, como Japão, Líbano, e 2013) e São Tomé e Príncipe. Uma cor- Espanha, Itália e países árabes. É em torno veta foi vendida para a Guiné Equatorial. das comemorações da chegada, em 1907, O Brasil é o parceiro de referência para a do primeiro navio de imigrantes japoneses Marinha da Namíbia, e uma missão naval que se construiu uma nova cooperação foi aberta em Cabo Verde. entre os dois países. O mar teve papel

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igualmente importante para se colocar em dades: 30 navios de suporte logístico de alto prática uma nova política com a Itália, por mar, cerca de 8% da frota total, estavam exemplo. ancorados ao fim do ano de 2015. A economia brasileira entrou em re- Crise econômica, crise do projeto de cessão. As receitas fiscais já não são fa- modernização marítima voráveis, e o governo não possui mais os meios de respeitar o calendário ambicioso O crescimento do País era extremamente dos planos de modernização de suas For- dependente da demanda exterior de produ- ças Armadas e de sua Marinha. Na pior tos primários, agrícola e minerais. A China das hipóteses, os planos estão suspensos prejudicou o crescimento brasileiro, assim e, na melhor, se prolongam por anos em como de vários outros Estados africanos e seus estágios iniciais. A crise política que latino-americanos, trazendo graves conse- se instaurou ao lado das dificuldades eco- quências conjunturais à região. As ativi- nômicas agravou a situação. Não somente dades de valores agregados sofreram forte o governo perdeu total capacidade de ini- queda com a nova demanda chinesa em ciativa, como a Justiça se pôs a examinar produtos brutos. O real foi supervalorizado, responsabilidades políticas e executivos criando condições competitivas difíceis de empresas envolvidas nos programas de para os industriais brasileiros. Outra reação modernização das Forças Armadas e da à demanda chinesa foi que o aumento da Marinha. O calendário para o início das exploração do xisto provocou um colapso obras das corvetas, de dois porta-aviões e nos preços do barril de petróleo. Assim, a do submarino nuclear e a continuação da exploração do petróleo offshore brasileiro construção dos submarinos estão necessa- não é mais tão rentável. Hoje em dia, todo riamente sujeitos à conjuntura da crise que o setor petroleiro marítimo está em dificul- vive hoje o Brasil.” REFLEXÕES SOBRE O DIMENSIONAMENTO DE UMA MARINHA MÉDIA Almirante (Chile) Edmundo González Robles* (Revista de Marina, Chile, Edição no 3 – 2016, p. 14-19)

O autor, que possui passagem pela alta exemplo, à questão “Como se resolve administração naval da Marinha de seu país o tema da eficácia e da eficiência?”, ele por cerca de dez anos, apresenta neste artigo responde: “Na tarefa de defesa de nosso considerações sobre o papel e o dimensio- território não cabe outro conceito que não namento de Marinhas de guerra de tamanho seja o da eficácia, letal e contundente. Aqui mediano, como a chilena, à luz das comuns o custo não é um fator a considerar: só a dificuldades orçamentárias e políticas. vitória nos serve. Nas outras duas tarefas, Para expor suas reflexões, o Almirante emprego internacional e marítimo, se deve optou por apresentar cada inquietude por aplicar eficiência máxima...”. meio de uma pergunta e, a cada resposta Da forma acima descrita, o autor per- correspondente, sua opinião. Assim, por corre 15 questionamentos e as respectivas

* Cursou o U.S. Naval War College em 1997. Mestre em Ciências/Administração pela Universidade Salve Regina, dos Estados Unidos da América. Colaborador da Revista de Marina desde 2014.

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considerações, apresentando claramente seu pensamento, que pode ser aplicado a qualquer Marinha de tamanho médio, como a brasileira. Entre suas conclusões, afirma que uma esquadra balanceada e multitarefa com capacidade de projetar poder sobre terra e que possa subsistir em meio marítimo com múltiplas ameaças parece ser a solução adequada ao problema tratado no tema. Para Robles, a projeção de poder sobre terra é a melhor contribuição que o Poder Naval pode trazer às operações conjuntas e combinadas, e seu núcleo central deve ser composto por fragatas multitarefa apoiadas por aviação de patrulha armada (asa fixa ou rotativa), além de forças especiais com capacidade de participar em todo o espectro de combate.

ESPECIAL VENEZUELA Carlos E. Hernández* (Tecnologia Militar, ano 38, no 2/2016) Esta edição da Tecnologia Militar dedica ocorridas naquele país. Explicita que o a maior parte de suas páginas a uma análise processo de mudanças se iniciou com a da Força Armada Bolivariana, da Venezuela. assunção de Hugo Chávez na Presidência Apresenta ao leitor, separadamente, o status e que o país se encontra hoje imerso em quo da Defesa Nacional, do Exército, da Ma- “grave crise política, econômica e social”. rinha, do Poder Aéreo e da Guarda Nacional Passa então Hernández a apresentar e os projetos e programas existentes. separadamente a forma como a defesa na- Inicialmente, por meio de editorial, o cional está organizada, bem como cada uma autor apresenta retrospectiva histórica na das forças armadas e a Guarda Nacional da qual busca identificar nos últimos 17 anos Venezuela, Força Militar responsável pela as origens das profundas transformações ordem interna. O ACORDO DE ASSOCIAÇÃO TRANSPACÍFICO Rodrigo Astudillo Améstica** (Revista de Marina, Chile, Edição no 3 – 2016, p. 22-25)

Após cinco anos de negociação, foi se experimenta pela primeira vez integração firmado o Acordo Transpacífico de Coope- regional que abrange as economias mais ração Econômica (TPP). Segundo o autor, dinâmicas da Ásia com importantes sócios

* Correspondente da Tecnologia Militar na Venezuela. ** Engenheiro comercial e diplomado em Negócios Internacionais pela Universidade de Valparaíso.

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Participantes da TPP

no continente americano, com o propósito gram o bloco 12 países: Estados Unidos, de aprofundar negociações tradicionais e Japão, Austrália, Nova Zelândia, Malásia, transcender as definições da Organização Brunei, Cingapura, Vietnam, Canadá, Mé- Mundial do Comércio (OMC). xico, Peru e Chile. O TPP busca uma integração econômica Neste artigo, Rodrigo Améstica explica de livre comércio na região Ásia-Pacífico o que é o TPP e aborda detalhadamente seus reunindo cerca de 40% da economia mun- propósitos e os benefícios para seu país, além dial em um só pacto – são 800 milhões de de compará-lo ao acordo dos Brics (Brasil, pessoas, 11% da população mundial. Inte- Rússia, Índia, China e África do Sul).

282 RMB3oT/2016 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

Esta seção destina-se a registrar e divulgar eventos importantes da Marinha do Brasil e de outras Marinhas, incluída a Mercante, dar aos leitores informações sobre a atualidade e permitir a pesqui- sadores visualizarem peculiaridades da Marinha. Colaborações serão bem-vindas, se possível ilustradas com fotografias.

SUMÁRIO (Matérias relacionadas conforme classificação para o Índice Remissivo)

ADMINISTRAÇÃO CERTIFICADO DE QUALIDADE LFM recebe certificação (286) Museu Naval ganha certificado de excelência (286) COMEMORAÇÃO Aniversário de criação do Comando da Marinha (286) Farol Ilhéus – 100 anos (287) Marco alusivo ao Centenário da Aviação Naval é inaugurado (288) DOAÇÃO Doação do livro Memórias da Turma Cruz (1959) (288) MB recebe terreno em Brasília (289) HOMENAGEM Homenagem à Memória dos Mortos da Marinha em Guerra (289) INAUGURAÇÃO Inauguração do Museu da Imigração da Ilha das Flores (293) Inaugurado o Centro Cultural da Marinha em Santa Catarina (295) Marinha inaugura prédio em Águas Claras (296) NOTICIÁRIO MARÍTIMO

INCORPORAÇÃO Marinha incorpora lancha para atendimento e evacuação médica (296) POSSE Assunção de cargos por almirantes (297) PRÊMIO Vencedora nacional da Operação Cisne Branco 2015 é premiada (297) Vencedor da Operação Cisne Branco é premiado em Salvador (298) VISITAÇÃO Equipe Brasileira de Vela visita o NVe Cisne Branco (299)

APOIO BASE NAVAL BNRJ realiza içamento inédito (299)

ATIVIDADES MARINHEIRAS BUSCA E SALVAMENTO CFPA coordena resgate de náufragos (300) CPCE resgata pescadores na Enseada do Mucuripe (301) Esquadrão HS-1 realiza Evam no Trustin Trader II (301) HS-1 realiza resgate noturno de náufragos (302) MB realiza evacuação aeromédica de tripulante filipino (303) Tripulantes de saveiro resgatados na Bahia (304) Veleiro argentino desaparecido mobiliza busca no 5o DN (304)

CIÊNCIA E TECNOLOGIA PESQUISA Corveta Caboclo apoia pesquisas na Ilha da Trindade (305)

CONGRESSOS CONGRESSO XIII Congresso Acadêmico sobre Defesa Nacional (306) EXPOSIÇÃO Exposição Patrimônio Cultural Subaquático Brasileiro: Naufrágios Históricos (307) REUNIÃO 68a Reunião Anual da SBPC (309) SEMINÁRIO Segurança Marítima no Atlântico Sul (310) PAINEL 30 Anos de Zona de Paz e Cooperação do Atlântico Sul (311)

EDUCAÇÃO CURSO Oficial da MB apresenta trabalho na Grã-Bretanha (312)

284 RMB3oT/2016 NOTICIÁRIO MARÍTIMO

ESPORTE 50a Navamaer (312) Militar da MB bate recorde em corrida em Brasília (313)

FORÇAS ARMADAS OPERAÇÃO Operação Ágata 11 (313)

PODER MARÍTIMO APRESAMENTO Marinha doa pescado e madeira apreendidos (314) SEGURANÇA DA NAVEGAÇÃO Acidentes envolvendo motos aquáticas diminuem 60% (315)

PSICOSSOCIAL ASSISTÊNCIA SOCIAL Aciso no Arquipélago do Bailique (315) LANÇAMENTO DE LIVRO Aspectos Logísticos da Guerra do Paraguai (316) Narrativas, biografias e fontes da Guerra da Tríplice Aliança (317) Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri (318) PREVIDÊNCIA SOCIAL Sistema de Proteção Social dos Militares (318)

VALORES SÍMBOLO Canção das Comunicações Navais (319)

RMB3oT/2016 285 NOTICIÁRIO MARÍTIMO LFM RECEBE CERTIFICAÇÃO

O Laboratório Farmacêutico da Ma- As áreas certificadas pela Anvisa foram rinha (LFM) recebeu, em julho último, as de: Sólidos Orais (cápsulas, comprimi- certificação da Agência Nacional de Vigi- dos simples e revestidos), Semissólidos lância Sanitária (Anvisa) como indústria (cremes e pomadas) e Líquidos Orais farmacêutica que atende aos mais rigorosos (suspensões, soluções e xaropes). O CBPF procedimentos para fabricação e controle possui validade de dois anos e atesta que de qualidade de seus medicamentos. Tal o LFM assegura a qualidade dos produtos distinção foi reconhecida com a emissão do ofertados no mercado em conformidade Certificado de Boas Práticas de Fabricação com a legislação sanitária em vigor. (CBPF). (Fonte: Bono no 569, de 10/8/2016)

MUSEU NAVAL GANHA CERTIFICADO DE EXCELÊNCIA

O Museu Naval, sede da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, localizado na cidade do Rio de Janeiro, conquistou mais uma vez o Certificado de Excelência do TripAdvisor, uma das páginas eletrônicas mundiais mais importantes sobre viagens. O TripAdvisor registra atualmente 340 milhões de visi- tantes mensais. O Certificado de Excelência 2016 para o Museu Naval é o reconhecimento de um trabalho que envolve a constante disseminação da consciência marítima e a divulgação do Poder Naval por meio de uma equipe profissional, com grande diversidade técnica. (Fonte: Bono no 539, de 28/7/2016)

ANIVERSÁRIO DE CRIAÇÃO DO COMANDO DA MARINHA

Foi comemorado, em 28 de julho último, promulgação, pelo Rei D. João V de Por- o 280o aniversário de criação do Comando tugal, do Alvará que criou as Secretarias de da Marinha. O comandante da Marinha, Estado dos Negócios Interiores do Reino, Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar da Marinha e Domínios Ultramarinos e dos Leal Ferreira, expediu a seguinte Ordem Negócios Estrangeiros e da Guerra. do Dia alusiva à data: Nos períodos após a independência, seja “O Comando da Marinha, que hoje no imperial ou republicano, a pasta da Mari- completa 280 anos, tem sua origem na nha esteve sempre presente na administração

286 RMB3oT/2016 NOTICIÁRIO MARÍTIMO pública e, desde 1999, passou a se chamar Da mesma forma, nossa solidez institu- Comando da Marinha, com subordinação ao cional está embasada por tradições e pela então recém-criado Ministério da Defesa. cultura organizacional legada por marinhei- É com grande orgulho que, ao longo de ros e fuzileiros navais que, desde a Guerra todos esses anos, temos conseguido, gera- da Independência, passando por atuações ção após geração, preservar e transmitir os na Campanha da Tríplice Aliança e nas mais elevados valores de patriotismo e o duas Grandes Guerras, têm demonstrado compromisso com a defesa dos interesses comprometimento com o dever e conquis- nacionais e do desenvolvimento do Brasil. tado a confiança de nossa população. Um dos sustentáculos da exitosa derrota Nada mais justo que, ao celebrarmos que seguimos trilhando é a crença na rele- mais um aniversário do Comando da Ma- vância do mar nos destinos deste País e em rinha, exortar aqueles que construíram e sua potencialidade como fator de consolida- seguem construindo as páginas de nossa ção da grandeza da Nação. Através de nossos afortunada instituição, o pessoal da ativa mares e vias navegáveis interiores, realiza- e da reserva da Força, homens e mulheres, mos a maior parte das trocas comerciais com militares e civis, abnegados profissionais o mundo, além de nele encontrarmos fontes que trabalham nos mais longínquos re- energéticas renováveis e não renováveis e da cônditos de nosso País para que continue- obtenção de alimentos. mos a ser reconhecidos como uma Força A defesa desse patrimônio está vin- aprestada, honrada e identificada com as culada à existência de uma Força Naval demandas da sociedade. Estou seguro de capaz de atuar na fiscalização das medidas que nosso futuro é tão auspicioso quanto reguladoras de seu interesse para explora- nosso passado e, por isso, conclamo a não ção de recursos vivos e não vivos, para a esmorecermos na edificação diária dessa preservação do meio ambiente e para ações bela história.” coordenadas de integridade territorial e de (Fonte: Bono Especial no 535, de combate às ameaças transnacionais. 28/07/2016)

FAROL ILHÉUS – 100 ANOS

A Delegacia da Capitania dos Portos em Ilhéus realizou, em 14 de julho último, cerimônia em comemoração aos 100 anos do Farol Ilhéus. A solenidade foi presidida pelo delegado da Capitania, Capitão de Corveta (T) Luiz Carlos Mendes Juvenal, que res- saltou a importância do farol. “Hoje, apesar de toda tecnologia e modernidade, os faróis ainda se fazem necessários para orientar e confirmar a posição do navegante. Ao longo desses 100 anos, o Farol Ilhéus vem iluminan- do os caminhos dos navegantes que chegam ao porto desta cidade e dos que apenas passam ao largo do litoral ilheense”, disse. Farol Ilhéus, no Morro de Pernambuco

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Construído no Morro de Pernambuco, um alcance luminoso de 23 milhas náuti- em Ilhéus (BA), o farol foi inaugurado em cas e um alcance geográfico de 16 milhas 14 de julho de 1916 e possui como carac- náuticas, emitindo um lampejo branco de terísticas uma torre cilíndrica de alvenaria 1,3 segundo a cada 10 segundos. azulejada branca, com 10 metros de altura; (Fonte: www.mar.mil.br)

MARCO ALUSIVO AO CENTENÁRIO DA AVIAÇÃO NAVAL É INAUGURADO

Foi inaugurado em 23 de agosto últi- mo, na sede do 1o Distrito Naval (Rio de Janeiro-RJ), o marco alusivo ao Centenário da Aviação Naval. Estiveram presentes à cerimônia o Almirante de Esquadra (Refo) Mauro Cesar Rodrigues Pereira, ex-minis- tro da Marinha; o diretor-geral de Navega- ção, Almirante de Esquadra Paulo Cezar de Quadros Küster; o diretor de Aeronáutica da Marinha, Vice-Almirante Carlos Fre- derico Carneiro Primo; e o comandante da Força Aeronaval, Contra-Almirante Sérgio Da esquerda para a direita: Vice-Almirante Primo, Nathan Marinho Goldstein, entre outras Almirantes de Esquadra Küster e Mauro César e Contra-Almirante Goldstein autoridades. A Escola de Aviação Naval (EAvN), comportava a construção de cascos de até primeira escola militar de aviação do País, 100 metros de comprimento. A partir da foi implantada em 23 de agosto de 1916, Carreira Tamandaré, foram feitos vários sendo esta a data estabelecida como de voos sobre a Baía de Guanabara com os criação da Aviação da Marinha do Bra- novos meios. Atualmente, o lugar é ocu- sil. O local escolhido inicialmente para a pado pela área que se estende até o rancho EAvN foi a Carreira Tamandaré, do antigo do 1o Distrito Naval. Arsenal de Marinha, a única coberta e que (Fonte: www.mar.mil.br)

DOAÇÃO DO LIVRO MEMÓRIAS DA TURMA CRUZ (1959)

A Diretoria do Patrimônio Histórico nísio Manso Maciel e Samuel Carvalho e Documentação da Marinha recebeu, Duarte, doado por um dos membros da em agosto último, o livro Memórias da turma, o Capitão de Corveta (AA-Refo) Turma Cruz (1959), de autoria de Iva- Jaime Plácido de Oliveira. A doação foi

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feita recentemente, durante visita feita pelo Comandante Plácido ao diretor do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha, Vice-Almirante (RM1) José Carlos Mathias. O livro é uma coletânea de depoimen- tos de membros ainda remanescentes daquela turma da Escola de Aprendizes- -Marinheiros de Pernambuco, em que são narradas suas trajetórias na Marinha e em suas vidas. A obra tem o propósito de deixar um legado para futuras gerações de marinheiros. A Turma Cruz, com 417 componen- tes, se notabilizou na Marinha por ter formado 23 oficiais auxiliares, feito este jamais alcançado por qualquer outra turma advinda de Escola de Aprendizes- -Marinheiros.

MB RECEBE TERRENO EM BRASÍLIA

Após negociação realizada no âmbito do Governo Federal, a Marinha do Brasil (MB) tomou posse, em 30 de junho, de um terreno de 16.200 m² localizado no Setor de Embaixadas Norte em Brasília (DF).

Representantes da Marinha e da Superintendência do Patrimônio da União no DF, durante a assinatura de posse do terreno

O terreno, que fica próximo ao Comando do 7o Distrito Naval, foi cedido pela Superintendência do Patrimônio da União no Distrito Federal e já possui infraestrutura construída de aproximadamente 15 mil m², podendo alcançar 32 mil m². Terreno fica no Setor de Embaixadas Norte (Fonte: www.mar.mil.br)

RMB3oT/2016 289 NOTICIÁRIO MARÍTIMO HOMENAGEM À MEMÓRIA DOS MORTOS DA MARINHA EM GUERRA

Foi realizada em 21 de julho último, mar, na defesa da integridade nacional, das no Monumento aos Mortos da Segunda Águas Jurisdicionais Brasileiras e do nosso Guerra Mundial, na cidade do Rio de Ja- transporte marítimo. neiro, a solenidade de Homenagem à Me- Ao reavivarmos as lembranças do nosso mória dos Mortos da Marinha em Guerra, passado, recordamos as lutas pela consoli- presidida pelo comandante da Marinha, dação da Independência, quando o Brasil Almirante de Esquadra Eduardo Bacellar necessitou se impor ao antigo colonizador, Leal Ferreira. Estiveram presentes os ex- contando com a participação decisiva da -ministros e ex-comandantes da Marinha Força Naval, contra governos e tropas de Almirantes de Esquadra Alfredo Karam, províncias fiéis à metrópole. Nossa Ma- Mauro Cesar Rodrigues Pereira, Roberto rinha também teve um papel de destaque de Guimarães Carvalho e Julio Soares de na Guerra da Cisplatina, na Guerra contra Moura Neto; membros do Almirantado e Oribe e Rosas e na Guerra da Tríplice oficiais-generais das demais forças, entre Aliança, resultando em inúmeras mortes outros convidados. de marinheiros e fuzileiros. O comandante de Operações Navais, Nessas campanhas históricas do século Almirante de Esquadra Sergio Roberto XIX, marinheiros tornaram-se exemplos de Fernandes dos Santos, expediu a seguinte comprometimento e abnegação, dentre os Ordem do Dia alusiva à data: quais destacamos o Guarda-Marinha Gre- “No dia em que reverenciamos a me- enhalgh e o Imperial Marinheiro Marcilio mória daqueles que cumpriram seu dever Dias, que, heroicamente, pereceram na com o sacrifício da própria vida, refletimos Batalha Naval do Riachuelo. sobre os muitos marinheiros que, no curso No início do século XX, durante a Pri- da nossa História, tombaram nos conveses meira Guerra Mundial, enfrentamos mais dos navios das Marinhas de Guerra e Mer- um conflito armado. Em outubro de 1917, cante, em diversos conflitos travados no após a perda do Navio , o quarto navio mercante afun- dado por submarinos alemães, a Marinha foi chamada a defender a Pátria. Na ocasião, foi constituída a Divisão Naval em Operações de Guerra (DNOG), sob o comando do Almirante Pedro Max Fernando de Frontin, para realizar o patrulhamento das águas europeias e afri- canas, frente à ameaça inimiga. Muitos foram Monumento aos Mortos da Segunda Guerra Mundial os desafios enfrentados

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pelos navios, destacando-se a faina de Vital de Oliveira, totalizando a morte de abastecimento de carvão no mar, a possi- 486 bravos marinheiros. bilidade de ataque de inimigos submersos Nesse contexto, ressalto, ainda, a rele- e a terrível gripe espanhola, que infectou vante participação da Marinha Mercante, tripulações inteiras, matando cerca de 150 que cumpria a importante tarefa de manter dos nossos militares. o comércio marítimo de interesse do País, Na Segunda Guerra Mundial, antes que e sofreu pesadas perdas com as várias o Brasil declarasse oficialmente estado de ações de submarinos inimigos. Ao longo guerra contra a Alemanha nazista e a Itália da Segunda Guerra Mundial, foram rea- fascista, em 31 de agosto de 1942, já tinham lizados 33 ataques do inimigo, resultando sido atacados e afundados 18 navios da no afundamento de 30 navios mercantes nossa Marinha Mercante. Foi a partir daí e do Navio Pesqueiro Changri-lá, com o que, por meio da Força Naval do Nordeste sacrifício de 982 vidas, entre passageiros e do Grupo-Patrulha do Sul, posteriormente e tripulantes. A capacidade de superação denominado Força Naval do Sul, a principal desses homens do mar foi extraordinária, tarefa da Marinha do Brasil consistiu em a ponto de muitos deles, sobreviventes de compor comboios e dar proteção aos navios torpedeamentos, continuarem navegando mercantes. Na longa Campanha do Atlân- em outros navios até o final do conflito. tico, a prioridade era garantir a segurança Assim, os momentos difíceis para as dos transportes marítimos, uma vez que o Marinhas de Guerra e Mercante mostraram propósito das forças inimigas era cortar que nossos marinheiros e fuzileiros não se as linhas de comunicações dos aliados, furtaram ao dever de enfrentar as adversi- impedindo que as provisões transportadas dades e as agruras sofridas nas guerras, a pelo Atlântico chegassem ao seu destino. fim de que, hoje, a Nação brasileira possa O esforço de guerra realizado por nossos desfrutar de sua soberania e paz. marinheiros foi silencioso e pertinaz, tota- Nesse momento em que reverenciamos lizando a condução de 575 comboios, nos a memória e a glória de todos aqueles que quais 3.164 navios mercantes cruzaram perderam suas vidas em guerra, em terra o Atlântico com segurança. Entretanto, o e no mar, a bordo de navios de guerra e preço pago nesses quatro anos de intensas mercantes, reafirmo a importância de não ações também acarretou perda de meios e esquecermos o passado, de garantirmos a militares de nossa Marinha. Na manhã do continuidade do nosso comércio marítimo dia 21 de julho de 1944, após o término e de defendermos os nossos importan- de mais um comboio, uma sucessão de tes e crescentes interesses na Amazônia grandes ondas atingiu o través da Corveta Azul. Honrando o legado de patriotismo Camaquã, provocando o seu adernamento e abnegação deixado pelos nossos heróis, para boreste e fazendo-a emborcar. Nesse mantenhamos o entusiasmo, o ardor e o trágico infortúnio, 33 militares da Marinha espírito marinheiro, de modo a estarmos e dois civis perderam suas vidas. Anual- sempre aptos à defesa da Pátria. mente, tal data é lembrada, em terra e em Viva a Marinha do Brasil!” nossos navios, homenageando aqueles que Na mesma solenidade, discursou o pre- se fizeram ao mar defendendo a soberania sidente do Centro de Capitães da Marinha do País, com o sacrifício da própria vida. Mercante, Comandante Alvaro José de Além da Corveta Camaquã, a Marinha per- Almeida Junior, cujas palavras reprodu- deu o Cruzador Bahia e o Navio-Auxiliar zimos aqui:

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“Lembrar sempre, esquecer jamais! Na Segunda Guerra Mundial, o depoi- Este poderia ser o lema da cerimônia mento de duas destacadas personalidades que realizamos todos os anos, nesta cripta dão bem a dimensão da importante parti- de saudade, mausoléu de heróis, para cipação que o Poder Marítimo de diversas lembrar os nossos bravos marinheiros que nações tiveram e continuam a ter em con- pereceram no mar cumprindo a mais nobre flitos internacionais. missão que a Pátria nos impõe: defendê-la Vejamos o que declarou o Marechal com sacrifício da própria vida. Montgomery, do Exército da Grã-Bretanha: A história nos reserva este momento. ‘Os marinheiros são diferentes dos seus ca- O Brasil participou de três guerras: A maradas da Força Aérea e do Exército. Eles Guerra do Paraguai teve como um dos mo- falam uma língua própria, fazem perguntas tivos a apreensão, no porto de Assunção, do diferentes, dão respostas diferentes, supor- navio Marquês de Olinda, no qual viajava tam fainas pesadas com alegria e formam o presidente da província de Mato Grosso. um clã especial’. Certamente, o grande Nesse conflito, o Marques de Tamanda- chefe militar da Segunda Guerra esqueceu ré, o Almirante Barroso e Marcílio Dias, de dizer que “em túmulo de marinheiro não entre outros, ascenderam ao patamar da florescem rosas”. História. A Batalha Naval do Riachuelo A segunda personalidade a se manifestar se insere entre os maiores feitos de nossa foi o primeiro-ministro da Grã-Bretanha, história militar. Winston Churchill, possivelmente inspi- A entrada do Brasil na Primeira Guerra rado no desempenho da ponte marítima Mundial teve como motivação o torpe- estabelecida pelos Estados Unidos da deamento do navio Barbacena, do Lloyd América no Hemisfério Norte, quando Brasileiro, em viagem para a França. Sete foram construídos 5 mil navios mercantes navios mercantes foram torpedeados, e para socorrer as combalidas resistências da inúmeros tripulantes pereceram no mar. Grã-Bretanha e da Rússia. No Hemisfério Sul, a Marinha do Brasil Vejamos o que disse Churchill em 27 de cumpria a importante missão que lhe foi janeiro de 1942: imposta. ‘É a Marinha Mercante que nos traz Na Segunda Guerra Mundial, a entrada alimentos e munições de guerra; a situação do Brasil no conflito ocorreu após o torpe- da Grã-Bretanha seria alarmante sem ela – deamento de inúmeros navios mercantes, o Exército, a Marinha e a Força Aérea não alguns em plena costa brasileira e outros poderiam operar’. em viagens para o exterior. As perdas, Os astronautas, quando no espaço entre tripulantes e passageiros, somaram sideral, vislumbraram o nosso planeta e mais de mil. exclamaram surpresos: ‘a Terra é azul!’. A Marinha do Brasil, não obstante Nós, marinheiros, já sabíamos disso. É as dificuldades existentes, cumpriu com nesses mares azuis que envolvem 3/4 partes bravura os compromissos que lhe cabiam: do nosso planeta que navegamos, vivemos, patrulhou a nossa costa, participando de trabalhamos, lutamos, vencemos e, não escoltas importantes em comboios, e com- raro, morremos, como aconteceu com os bateu como pôde os ataques de submarinos. 1.500 heroicos brasileiros acima citados, No final, perdeu os naviosCamaquã , Bahia que pereceram no mar e que se sacrificaram e Vital de Oliveira e centenas de bravos para nos legar um país mais justo, mais marinheiros. próspero e mais feliz.

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É nesses mesmos mares azuis que hoje norte-americano Alfred Mahan declarar: navegam 50 mil navios, de várias nações, ‘Grande é a nação que é grande no mar’. entre as quais o Brasil se insere, com mais Viva o Poder Marítimo brasileiro! Viva de 1 milhão de tripulantes, garantindo a se- o Brasil!” gurança, a economia e o desenvolvimento de (Fontes: Bono Especial no 512, de bilhões de habitantes do nosso planeta azul. 20/7/2016, e Centro de Capitães da Marinha Foi essa premissa que, levou o almirante Mercante)

INAUGURAÇÃO DO MUSEU DA IMIGRAÇÃO DA ILHA DAS FLORES Foi inaugurado em 23 de julho último, de onde procediam os imigrantes. no Complexo Naval da Ilha das Flores (São O evento também foi marcado pelo Gonçalo-RJ), o Museu da Imigração da Ilha lançamento de uma exposição permanente das Flores. O Museu é fruto de parceria visando ampliar e facilitar a leitura dos entre a Marinha do Brasil, por meio do movimentos imigratórios que passaram Comando da Tropa de Reforço, e a Univer- pela Hospedaria da Ilha das Flores no sidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). final do século XIX e meados do XX. A Após a solenidade de inauguração, foi exposição é interativa e está instalada em realizada a cerimônia de obliteração do selo um espaço indoor com cinco telas de TV, comemorativo pelos 133 anos de criação e equipamentos de áudio. Nas telas dos da Hospedaria de Imigrantes da Ilha das monitores do Museu, são contadas diversas Flores, e cada visitante recebeu um pas- histórias de famílias alemãs, portuguesas, saporte com os carimbos da Hospedaria e espanholas, judias e árabes, entre outras do Museu. Em seguida, a Banda Sinfônica que passaram pela hospedaria. do Corpo de Fuzileiros Navais no Pátio Estiveram presentes à solenidade de dos Imigrantes apresentou, na área que inauguração o diretor do Patrimônio His- faz parte do tour da exposição do Museu tórico e Documentação da Marinha, Vice- a Céu Aberto, peças originárias dos países -Almirante (RM1) José Carlos Mathias, e militares que serviram na Ilha das Flores, entre os quais o Vice-Almirante (RM1-FN) Paulo Frederico Soriano Dob- bin (atual presidente do Clube Naval) e o Contra-Almirante (RM1-FN) José Henrique Sal- vi Elkfury. Também marcaram presença antigos funcionários da hospedaria, moradores da Ilha e filhos e netos dos imi- grantes que por ali passaram. Na ocasião, o coordenador do projeto, Professor Luis Reznik, foi agraciado com a Medalha Autoridades e visitantes presentes à inauguração Amigo da Marinha.

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espaços do Museu da Imigração ficaram a cargo da empresa 32 Bits (a mesma que projetou o Museu do Amanhã), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj). Ao ingressar no espaço expositivo, o visitante recebe um passaporte carimbado, nos moldes do que ocorria com os imigran- tes por ocasião da sua chegada ao Pavilhão Central da Hospedaria da Ilha das Flores. Com isso, buscou-se recriar a atmosfera da chegada de uma viagem, que começa quando se entra no espaço museológico, Museu a céu aberto na sala Experiências Imigratórias, prosse- O Centro de Memória da Imigração guindo pela sala História da Hospedaria. A da Ilha das Flores ocupa o lugar onde foi primeira é composta por um amplo painel fundada, em 1879, a primeira hospedaria montado com caixas de arquivo, em pape- de imigrantes do Brasil. Esta instituição lão (simbolizando as malas de cada imi- funcionou até 1966, recebendo imigrantes grante), que formam telas gigantes, sobre as vindos de vários continentes e que de- quais é projetado um filme de dez minutos sembarcavam no porto do Rio de Janeiro. de duração. À direita da sala há cinco telas A Hospedaria de Imigrantes da Ilha das de TV, com dois fones de ouvido cada, Flores foi o primeiro endereço de levas de que permitem ao visitante tocar nas telas trabalhadores que, desde o final do século e viajar em seu próprio ritmo pelos cinco XIX, chegaram ao Brasil. momentos da história de funcionamento da Nos últimos dois séculos, a ilha também Hospedaria de Imigrantes: a grande imigra- abrigou um engenho de mandioca, foi espa- ção; o período entre guerras; os refugiados ço para a pioneira experiência de criação in- do pós-guerra; os migrantes; e os outros tensiva de peixes, funcionou como presídio usos da hospedaria. e, atualmente, sedia a Tropa de Reforço da Na sala História da Hospedaria, sobre a Força de Fuzileiros da Esquadra do Corpo superfície de caixas de papelão, descortina- de Fuzileiros Navais. O Centro de Memória da Imigração da Ilha das Flores foi criado para dis- ponibilizar materiais de memória e um conjunto de reflexões sobre a história da imigração no Brasil. Documentos oficiais, fotografias, documentários, mapas e depoimentos, organizados em exposições, estão disponibilizados para o público leigo, acadêmico e escolar. Para integrar este Centro de Memória, o Museu da Imigração da Ilha das Flores passou por extensa obra de revi- talização. O projeto e a montagem dos Histórias de famílias que passaram pela hospedaria

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-se uma tela gigante, possibilitando ao visi- Curso de História da Uerj, percorrendo tante experimentar uma viagem no tempo cinco totens distribuídos em pontos estra- e conhecer a história da evolução da Ilha tégicos da Ilha das Flores. Nesse circuito, das Flores, passando pela experiência da pode-se conhecer ainda mais a história da imigração em todos os momentos apre- Ilha e da hospedaria. sentados nas telas interativas. Ali também O Museu da Imigração da Ilha das Flores são mostradas as demais hospedarias de funciona de terça a domingo de 9h às 17h. imigrantes do Continente Americano. A entrada é gratuita. As visitas ao Circuito No tour pelo Circuito a Céu aberto, o a Céu Aberto ocorrem em quatro horários: visitante é acompanhado por monitores 9 horas, 10h30, 14 horas e 15h30. Para militares e graduandos ou mestrandos do atendimento a grupos acima de 15 pessoas, solicita-se agendamento pelo tele- fone (21) 3707-9504 ou pelo site: http://www.hospedariailhadasflores. com.br. As visitas ao Museu da Imigração da Ilha das Flores são gratuitas de terça a domingo, de 9h às 17h, com agendamento pelo site www.hospe- dariailhadasflores.com.br ou pelo telefone (21) 3707-9504. (Fonte: Bono no 517, de 21/7/2016; Bono Especial no 7, de 10/8/2016; www.mar.mil.br; So- ciedade dos Amigos da Marinha do Rio de Janeiro e www.hospedariai- Sala com equipamento de áudio lhadasflores.com.br)

INAUGURADO O CENTRO CULTURAL DA MARINHA EM SANTA CATARINA A Marinha do Brasil (MB) inaugurou, em 29 de junho último, em Florianópolis (SC), o Centro Cultural da Marinha em Santa Catarina (CCMSC). O CCMSC contribuirá para difundir a mentalidade marítima e a vocação do País para o mar, além de ser mais uma opção cultural e de lazer para os catarinenses. O evento começou com o cerimonial à Bandeira comentado, transcorrendo com o desenlace da fita simbólica pelas autoridades, o descerramento da placa e a realização da primeira visita guiada, pelo curador do projeto e presidente do Instituto Cultural Soto, Jules Fachada do CCMSC

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Soto. Na oportunidade, estiveram presentes e a Capitania dos Portos do Estado de o comandante da Marinha, Almirante de Santa Catarina, no centro de Florianópo- Esquadra Eduardo Bacellar Leal Ferreira; o lis, e funcionará inicialmente com visitas comandante de Operações Navais, Almirante agendadas. O projeto é uma parceria entre de Esquadra Sergio Roberto Fernandes dos o Instituto Cultural Soto (organização da Santos e o comandante do 5o Distrito Naval, sociedade civil de interesse público) e a Vice-Almirante Victor Cardoso Gomes, além MB, por intermédio do Comando do 5o de autoridades civis, como o vice-governador Distrito Naval. O trabalho de restauração do Estado de Santa Catarina, Eduardo Pinho do prédio durou aproximadamente dois Moreira, e militares da reserva. anos, e o acervo foi cedido e tutelado, sem O centro cultural fica no local que custo, pelo Instituto. abrigou o histórico Forte Santa Bárbara (Fonte: www.mar.mil.br)

MARINHA INAUGURA PRÉDIO EM ÁGUAS CLARAS

Foi inaugurado em 21 de julho último, -Marinha Greenhalgh, com 28 apartamen- em Águas Claras (DF), o Prédio Guarda- tos que serão ocupados por suboficiais e sargentos da Marinha do Brasil. O descer- ramento da placa de inauguração do oitavo bloco do conjunto de dez novos prédios residenciais foi realizado pelo comandante do 7o Distrito Naval, Vice-Almirante Mar- cos Silva Rodrigues. Na ocasião, foi entregue a cha- ve do apartamento de no 1.002 ao Segundo-Sargento Jader James da Ponte Chagas e sua família, representando os futuros moradores. Em seguida, os con- vidados puderam visitar as instalações do empreendimento. Entrega das chaves a morador do Prédio Guarda-Marinha Greenhalgh (Fonte: www.mar.mil.br)

MARINHA INCORPORA LANCHA PARA ATENDIMENTO E EVACUAÇÃO MÉDICA

A lancha de apoio médico modelo semi- tas que visitaram a cidade durante as com- -UTI conhecida como “ambulancha”, da petições. A embarcação foi fabricada pela Marinha do Brasil, permaneceu de prontidão Base Naval de Val-de-Cães, em Belém (PA), durante todo o período das Olimpíadas e das por solicitação do Comando em Chefe da Paralimpíadas Rio 2016, apoiando a cadeia Esquadra (ComemCh), visando incrementar de evacuação médica disponibilizada para a o serviço de atendimento pré-hospitalar do população do Rio de Janeiro e para os turis- Complexo Naval de Mocanguê (Niterói-RJ).

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A ambulancha foi embarcada no Navio de Desembarque de Carros de Combate Garcia D’Ávila em 11 de maio, chegando à Base Naval do Rio de Janeiro no dia 25 do mesmo mês. Após seu recebimento pelo ComemCh, foram feitas adequações na embarcação, tornando-a apta para cumprir seu propósito no transporte adequado e seguro de vítimas. A ambulancha possui maca fixa, sistema de oxigênio, armários para guarda de material, pia e bancada para preparo das medicações. Atendimento emergencial utilizando a ambulancha Em 2 e 3 de agosto, foram realizados (CMEM), tendo como finalidade validar adestramentos com equipe de saúde da e atualizar os procedimentos propostos Unidade Médica da Esquadra, tripulação para remoção médica de emergência de da ambulancha e militares do Centro de pacientes de Mocanguê. Manutenção de Embarcações Miúdas (Fonte: www.mar.mil.br) ASSUNÇÃO DE CARGOS POR ALMIRANTES – Vice-Almirante (RM1) José Carlos – Contra-Almirante Eduardo Machado Mathias, diretor do Patrimônio Histó- Vazquez, subchefe de Orçamento e Plano Di- rico e Documentação da Marinha, em retor do Estado-Maior da Armada, em 23/8; 30/6; – Contra-Almirante Carlos Eduardo – Contra-Almirante (Md) Luiz Clau- Horta Arentz, subchefe de Política e Estra- dio Barbedo Fróes, diretor técnico de tégia do Estado-Maior Conjunto das Forças Saúde do Hospital das Forças Armadas. Armadas, em 26/8; Em 12/7; – Vice-Almirante Renato Rodrigues de – Vice-Almirante Antonio Fernando Aguiar Freire, comandante do 3o Distrito Garcez Faria, diretor de Ensino da Marinha, Naval, em 31/8; em 28/7; – Contra-Almirante Henrique Renato – Contra-Almirante Sergio Ricardo Se- Baptista de Souza, subchefe de Apoio e govia Barbosa, comandante da 2a Divisão Sistemas de Cartografia, de Logística e de da Esquadra, em 4/8; Mobilização do Estado-Maior Conjunto das – Contra-Almirante Newton Calvoso Forças Armadas, em 31/8; e Pinto Homem, coordenador da Manutenção – Contra-Almirante Paulo Ricardo de Meios da Diretoria-Geral do Material da Finotto Colaço, comandante da Força Ae- Marinha, em 11/8; ronaval, em 6/9.

VENCEDORA NACIONAL DA OPERAÇÃO CISNE BRANCO 2015 É PREMIADA

A estudante baiana Janaína Oliveira da vencedora nacional da Operação Cisne Cruz, do Colégio Militar de Salvador, foi Branco 2015 no Ensino Fundamental. A premiada, em 11 de junho último, como premiação foi realizada na sede do Co-

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mando do 2o Distrito Naval, em Salvador (BA), por ocasião da cerimônia alusiva à Batalha Naval do Riachuelo, Data Magna da Marinha. A estudante recebeu como prêmio principal um notebook, que foi entregue pelo comandante do 2o Distrito Naval, Vice-Almirante Cláudio Portugal de Viveiros, e pelo gerente regional da Pou- pex (empresa patrocinadora nacional da Operação), Coronel (R1) Cassivaldo da Costa Santos. A Operação Cisne Branco, promovida Janaína Oliveira, 1o lugar nacional do Ensino Fundamental anualmente pela Marinha do Brasil, é um concurso de redação com o propósito de à Amazônia Azul e à História Naval do Bra- despertar nos estudantes e em seus pais sil, contribuindo para o desenvolvimento da e professores o interesse pelos assuntos mentalidade marítima do povo brasileiro. ligados ao poder marítimo, ao poder naval, (Fonte: www.mar.mil.br)

VENCEDOR DA OPERAÇÃO CISNE BRANCO É PREMIADO EM SALVADOR

O estudante baiano Seon Augusto de Médio do concurso de redação Operação Souza Ferreira, do Colégio Militar de Cisne Branco 2015. A cerimônia aconteceu Salvador, recebeu, em 2 de agosto último, na sede do Comando do 2o Distrito Naval, a premiação nacional referente ao Ensino em Salvador (BA). O estudante recebeu como prêmio um note- book, entregue pelo co- mandante do 2o Distrito Naval, Vice-Almirante Cláudio Portugal de Viveiros, e pelo geren- te regional da Poupex (empresa patrocinadora nacional da Operação) em Salvador, Coronel (R1) Cassivaldo da Costa Santos. Ao para- benizar o vencedor, o Vice-Almirante Vivei- ros ressaltou o valor da conquista e a importân- Vencedor da Operação Cisne Branco recebe prêmio das mãos do Vice-Almirante cia do desenvolvimento Viveiros e do representante da Poupex da mentalidade maríti-

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ma nos jovens. “Exemplos como o deste A Operação Cisne Branco consiste aluno certamente contribuem para motivar em um concurso de redação, promovido outros estudantes para o entendimento das anualmente pela Marinha do Brasil, com o importantes questões do nosso Brasil, como propósito de despertar nos jovens e em seus as potencialidades da Amazônia Azul e pais e professores o interesse pelos assuntos a obrigação que todos temos de protegê- ligados ao Poder Marítimo, ao Poder Naval, -la. Essa proteção só pode ser feita com à Amazônia Azul e à história naval do Bra- a presença de uma Marinha forte em suas sil, contribuindo para o desenvolvimento da águas, apta a defender os direitos do nosso mentalidade marítima do povo brasileiro. País no mar”, disse. (Fonte: www.mar.mil.br)

EQUIPE BRASILEIRA DE VELA VISITA O NVe CISNE BRANCO

cerimônia de abertura dos Jogos Olímpicos Rio 2016, com os velejadores sendo recebidos pelo Vice-Almirante (RM1) Bernardo José Pierantoni Gamboa e pelo comandante do Cisne Branco, Capitão de Mar e Guerra João Alberto de Araújo Lampert. Estiveram presentes o coor- denador técnico Torben Grael, o chefe de equipe Daniel Santiago e os velejadores Marco Grael, Gabriel Borges, Jorge Zarif, Velejadores da equipe olímpica brasileira no NVe Cisne Branco Henrique Haddad, Fernanda (Foto: Fred Hoffmann/CBVela) Decnop, Isabel Swan, Ana Bar- bachan e Martine Grael, além de A Equipe Brasileira de Vela visitou, integrantes da comissão técnica. O Cisne em 5 de agosto último, o Navio Veleiro Branco é um veleiro utilizado pela Marinha (NVe) Cisne Branco, da Marinha do Bra- em missões diplomáticas. sil. A visita foi realizada horas antes da (Fonte: In Press Media Guide)

BNRJ REALIZA IÇAMENTO INÉDITO

A Base Naval do Rio de Janeiro (BNRJ) Foram reparados os seguintes meios: realizou, em 2 de setembro último, o iné- Navio Oceanográfico Antares, Rebocador dito içamento ao cais de um batelão de 32 de Alto-Mar Tritão, Aviso de Patrulha toneladas, o Batelão Sargento Freitas, do Barracuda, Embarcação de Desembarque de Centro de Mísseis e Armas Submarinas da Carga Geral Camboriú, Embarcação de De- Marinha (CMASM-10). Simultaneamente, sembarque de Viaturas e Materiais (EDVM) foi feito o reparo no seco (docado/içado) 807, Batelão Sargento Freitas, EDVM 803, também em outros nove meios navais. Chata 22 (da Base Naval do Rio de Janeiro-

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-BNRJ), Donut 30 (BNRJ) e Flutuante (da Base Almirante Castro e Silva). Como Organização Militar Prestadora de Serviços Industriais, a BNRJ tem bus- cado a otimização dos seus diques, priori- zando o cumprimento do Programa Geral de Manutenção do Comando de Operações Navais e, complementarmente, atendendo à numerosa demanda por docagens de diversos meios navais, não inseridos no aludido programa. Operação de içamento do CMASM 10 (Fonte: www.mar.mil.br)

CFPA COORDENA RESGATE DE NÁUFRAGOS

A Capitania Fluvial de Porto Alegre Salvamento (GBS) do Corpo de Bombeiros (CFPA) coordenou, em 14 de julho último, do Rio Grande do Sul. o resgate de dois tripulantes que estavam à A Equipe de Busca e Salvamento (SAR) deriva em uma embarcação de alumínio na da CFPA foi acionada e deslocou-se para o região de Ponta Grossa, no Rio Guaíba, em local do incidente, agindo em conjunto com Porto Alegre (RS). A operação foi realizada o GBS. Após coordenação do Primeiro- em conjunto com o Grupamento de Busca e -Sargento (AV-MV) Luiz Gustavo Martins Lacerda, por meio do Centro de Operações e Controle da CFPA, a embarcação foi lo- calizada com os seus tripulantes pela equi- pe do SAR do Corpo de Bombeiros. Um dia após o acidente, um dos tri- pulantes, acompa- nhado de sua mãe, compareceu à Capi- tania para agradecer à equipe que atuou em sua busca e sal- vamento. (Fonte: www.mar. Diego e sua mãe com a equipe envolvida em sua busca e salvamento mil.br)

300 RMB3oT/2016 NOTICIÁRIO MARÍTIMO CPCE RESGATA PESCADORES NA ENSEADA DO MUCURIPE

A Capitania dos Portos do Ceará (CPCE) resgatou, em 28 de julho último, cinco pescado- res náufragos de uma embar- cação que afundou na Enseada do Mucuripe. Após o resgate no mar, a equipe de inspeção naval os conduziu até a CPCE. Um dos náufragos informou que não sabia nadar e que se não fosse o uso de coletes salva vidas certamente não teria con- seguido sobreviver. Ele agrade- ceu à Marinha por estar sempre cobrando e orientando o uso de equipamentos de segurança em suas ações de inspeção naval. (Fonte: www.mar.mil.br) Chegada dos pescadores à CPCE

ESQUADRÃO HS-1 REALIZA EVAM NO TRUSTIN TRADER II

Acionado pela Esquadra por solicitação (HS-1) realizou, em 2 de abril último, a do Salvamar Sueste, do Comando do 1o Evacuação Aeromédica (Evam) de um tri- Distrito Naval (Rio de Janeiro-RJ), o 1o pulante do Navio Mercante Trustin Trader Esquadrão de Helicópteros Antissubmarino II, empregando o helicóptero SH-16 (Se- ahawk). A embarcação navegava com destino à China dentro da área de responsabilidade de Busca e Salvamento (SAR) atribuída à Mari- nha do Brasil (MB) pela Convenção Internacio- nal para a Salvaguarda da Vida Humana no Mar (Solas). O mercante se en- contrava a aproxima- damente 120 milhas náuticas (MN) da costa de Vitória (ES) quando a aeronave da MB, de- O “Guerreiro 36” se aproxima para a Evam nominada “Guerreiro

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36”, socorreu tripulante que apresentava composta por seis militares (dois pilotos, suspeita de apendicite, com necessidade um fiel, um operador de sensores, um res- de remoção para hospital. Como o local de gatista e um médico) A empresa Maximus, pouso não suportava o peso da aeronave, responsável pelo navio, encaminhou o pa- a maca e o resgatista foram arriados por ciente do aeroporto para o Hospital Santa guincho e, posteriormente, içados com o Rita de Cássia, em Vitória. paciente. A tripulação do helicóptero era (Fonte: www.mar.mil.br)

HS-1 REALIZA RESGATE NOTURNO DE NÁUFRAGOS

O Comando do 1o Esqua- drão de Helicópteros Antis- submarino (HS-1) realizou, em 12 de agosto último, resgate dos náufragos da embarcação de apoio Beira Mar XXV, que se encontrava a cerca de 150 km (82 MN) ao sul de Cabo Frio (RJ). Na operação de resgate, o HS-1 recebeu apoio da Fragata Constituição, que já realizava buscas na região. No dia anterior, o HS-1 era o Esquadrão responsável por prover a Aeronave de Serviço da Esquadra (ASE) Imagem térmica dos náufragos quando foi acionado para três tripulantes da embarcação. Durante cumprir uma busca e possível resgate de esse dia, o Esquadrão realizou três lança- mentos, sendo dois no período noturno, porém sem resultados positivos. Durante o dia 12, em continuidade às atividades de Busca e Salvamento (SAR, do inglês), o SH-16 (Sea Hawk), Guer- reiro 34, decolou às 17h10, demandando a área de busca, onde receberia apoio da fragata. Porém, no translado, foram avistados objetos flutuando no mar. Com a utilização do EOSS (Electro-Optical Sensor System), sensor óptico da aero- nave com capacidade de obter imagem térmica, verificou-se que se tratava de um casco adernado e de um bote com Imagem térmica da embarcação Beira Mar emborcada três sobreviventes.

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viventes foram encaminhados para a Policlíni- ca Naval de São Pedro da Aldeia, onde receberam os suportes mé- dicos adequados. Este foi o primeiro resga- te noturno real do Esquadrão HS-1 utilizan- do esse modelo de aeronave, o que evidenciou Tripulação da aeronave e equipe de resgate a grande capa- cidade do meio Iniciou-se, então, o procedimento de para este tipo de tarefa. A tripulação aproximação aos náufragos, que já se en- da aeronave era composta pelos pilotos contravam à deriva por mais de 36 horas Capitão-Tenente Munaretto e Capitão- sem comida, água e meios de comunicação. -Tenente Castanheira, pelos operadores de Os sobreviventes da embarcação foram sensores Suboficial Noronha e Segundo- içados do mar para o helicóptero pelos -Sargento Camilo e pelos resgatistas militares do Grupo de Busca e Salvamento GSAR, Primeiro-Sargento Souza Lima e (GSAR), que se encontravam na aeronave. Terceiro-Sargento Monteiro. O resgate ocorreu com sucesso e os sobre- (Fonte: www.mar.mil.br)

MB REALIZA EVACUAÇÃO AEROMÉDICA DE TRIPULANTE FILIPINO

O 5o Distrito Naval (Rio Grande-RS) re- alizou, em 31 de julho último, a Evacuação Aeromédica de um tripulante filipino, de 49 anos, que estava a bordo do Navio Mer- cante Lyric Sun, de bandeira de Bahamas. O resgate foi feito por uma aeronave do 5o Esquadrão de Helicópteros de Emprego Geral, a aproximadamente oito quilômetros da Barra de Rio Grande (RS). O pedido de socorro do navio ao Sal- vamar Sul ocorreu por volta das 8h30, quando informaram que o tripulante necessitava de remoção devido a uma O tripulante foi encaminhado ao Hospital Santa Casa de distensão abdominal e falta de ar. A aero- Misericórdia de Rio Grande

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nave de resgate pousou às 11h30 na área foi encaminhado ao Hospital Santa Casa de pouso administrativo da Capitania dos de Misericórdia de Rio Grande. Portos do Rio Grande do Sul e o filipino (Fonte: www.mar.mil.br)

TRIPULANTES DE SAVEIRO RESGATADOS NA BAHIA

O Salvamar Leste resgatou, em 5 de julho último, dois tripulantes do saveiro Rio Sena, que esteve desapareci- do no mar de Salvador (BA) durante dois dias. Após a Marinha do Bra- sil ter sido informada do ocorrido, foram aciona- dos o Navio-Patrulha Guaratuba e uma equi- pe de inspeção naval da Capitania dos Por- tos da Bahia (CPBA). Também foi solicitado apoio ao Grupamento Aéreo da Polícia Mili- Tripulante resgatado passa por cuidados médicos tar, que embarcou em uma das suas aeronaves um militar da sede da CPBA, local para onde foram CPBA para sobrevoo na região. levados após o resgate, os tripulantes No final da tarde, a embarcação foi passaram por exames médicos e se ali- avistada pela aeronave e seus tripulantes mentaram. resgatados em bom estado de saúde. Na (Fonte: www.mar.mil.br)

VELEIRO ARGENTINO DESAPARECIDO MOBILIZA BUSCA NO 5o DN

O Comando do 5o Distrito Naval (Rio Barco Pesqueiro De Matos IV, que entrou Grande-RS) localizou, em 22 de julho em contato com a Delegacia da Capitania último, o veleiro argentino Taipan, após dos Portos em Laguna, após a emissão cinco dias de seu desaparecimento. A de avisos radionáuticos alertando sobre embarcação saiu de Florianópolis (SC) o desaparecimento do Taipan a todas as em 9 de julho com destino a La Plata, na embarcações que estavam na área marítima Argentina, onde deveria chegar no dia 14 compreendida entre Florianópolis e Chuí do mesmo mês. (RS). A Capitania dos Portos de Santa O veleiro foi encontrado a aproximada- Catarina, com a colaboração do Iate Clube mente 16 km ao sul de Florianópolis pelo Santa Catarina Veleiros da Ilha, enviou

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embarcações para apoiar o reboque do embarcações que se encontravam na área; veleiro até a capital catarinense. realizou contato com todas as capitanias O tripulante Carlos Marcelo Klain con- dos portos da região, além das marinas e tou que, durante a viagem, o veleiro foi iate clubes de Santa Catarina e do Rio Gran- atingido por uma tempestade e fortes ventos de do Sul, solicitando informações sobre a que comprometeram possível entrada e o funcionamento do saída do veleiro, e motor e dos apare- acionou os Serviços lhos de comunicação de Salvamento Ma- via rádio. Ele expli- rítimo do Uruguai e cou que, como esta- da Argentina. va muito afastado da Além disso, o costa, não conseguiu Com5oDN empre- pedir ajuda por tele- gou nas buscas uma fone celular. aeronave do 5o Es- Desde que infor- quadrão de Heli- Veleiro Taipan ficou cinco dias desaparecido mada do desapare- cópteros de Em- cimento do Taipan, prego Geral e um em 16 de julho, a Marinha do Brasil acio- navio-patrulha. A Força Aérea Brasileira nou a Rede Nacional de Estações Costeiras, também auxiliou na procura da embarcação que realizou chamadas via rádio VHF; emi- com uma aeronave P-95. tiu aviso rádio náutico alertando todas as (Fonte: www.mar.mil.br)

CORVETA CABOCLO APOIA PESQUISAS NA ILHA DA TRINDADE

A Corveta Caboclo, navio integrante do no sul da Bahia. Doutor em Biotecnolo- Grupamento de Patrulha Naval do Leste, gia, o pesquisador Gideão Wagner Costa realizou, entre 29 de junho e 8 de julho, destacou a importância das expedições a 5a expedição do Programa de Pesquisas Científicas na Ilha da Trindade (Protrindade) no ano de 2016. A viagem teve o propósito de transportar pesquisadores que realizam estudos na Ilha, localiza- da no Oceano Atlântico Ocidental, a cerca de 1.170 km da costa bra- sileira, na latitude aproximada da cidade de Vitória (ES). A Caboclo desatracou da Base Naval de Aratu, na Bahia, com cinco pesquisadores a bordo e, no retorno, trouxe dez pesquisadores, que desembarcaram em Ilhéus, Pesquisadores na Corveta Caboclo

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do Protrindade. “Muitas universidades operar o Posto Oceanográfico da Ilha da não têm condições de prestar o apoio de Trindade (Poit). O Poit fornece diaria- transporte para as ilhas oceânicas, então o mente informações meteorológicas para auxílio da Marinha é fundamental para o diversos centros de previsão no continente conhecimento sobre a biodiversidade dos e sua guarnição também presta apoio aos nossos mares”. pesquisadores que lá realizam estudos, por A Trindade é um bem da União adminis- meio do Protrindade, que é coordenado pela trado pela Marinha do Brasil por meio do Secretaria da Comissão Interministerial Comando do 1o Distrito Naval, que mantém para os Recursos do Mar. no local uma guarnição permanente para (Fonte: www.mar.mil.br)

XIII CONGRESSO ACADÊMICO SOBRE DEFESA NACIONAL

A Escola Naval (EN) foi sede, entre os seus alunos e professores, além de pro- dias 11 e 14 de julho último, do XIII Con- mover o debate acerca de problemas gresso Acadêmico sobre Defesa Nacional relevantes para o Brasil, contribuindo (CADN), atividade de cunho educacional para a consolidação de uma cultura de e cultural promovida pelo Ministério da defesa nacional. Defesa, por intermédio da Secretaria de Nesse contexto, foram proferidas pales- Pessoal, Ensino, Saúde e Desporto. tras por autoridades militares e civis, como O evento tem o propósito de estimular o chefe do Estado-Maior Conjunto das a interação entre as escolas militares e Forças Armadas, Almirante de Esquadra as instituições civis de ensino superior, Ademir Sobrinho, e o primeiro secretário

Congressistas do XIII CADN

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da Assessoria de Assuntos de Defesa do de Guanabara, no Rio de Janeiro, a bordo Ministério das Relações Exteriores, Roger do Rebocador Laurindo Pitta; a visita ao Joseph Abboud. planetário da EN; e a visita ao Simulador Além das palestras, debates e ativida- de Aviso de Instrução, além de assistirem à des acadêmicas, os congressistas tiveram apresentação da Banda Sinfônica do Corpo a oportunidade de participar de eventos de Fuzileiros Navais. socioculturais, como o passeio pela Baía (Fonte: www.mar.mil.br)

EXPOSIÇÃO PATRIMÔNIO CULTURAL SUBAQUÁTICO BRASILEIRO: NAUFRÁGIOS HISTÓRICOS

Foi inaugurada no Museu Naval (Rio Soares de Moura Neto (ex-comandante de Janeiro-RJ), em 17 de agosto último, a da Marinha); o Vice-Almirante (Refo-EN) exposição “Patrimônio Cultural Subaquá- Armando de Senna Bittencourt (ex- diretor tico Brasileiro: Naufrágios Históricos”. A do Patrimônio Histórico e Documentação mostra reúne objetos encontrados em sítios da Marinha) e o Presidente da Sociedade arqueológicos no fundo do mar oriundos de de Arqueologia Brasileira, Flávio Rizzi naufrágios localizados na costa do Brasil, Calipo, entre outras autoridades. evidenciando parte da História Marítima e A exposição mostra a história e o acervo Naval Brasileira. de nove naufrágios ocorridos na costa bra- Estiveram presentes à cerimônia de sileira, revelando que essas embarcações inauguração o diretor do Patrimônio His- naufragadas transportavam, além de pes- tórico e Documentação da Marinha, Vice- soas, produtos e instrumentos de guerra, -Almirante (RM1) José Carlos Mathias; vestígios de culturas diversas e costumes o Almirante de Esquadra (Refo) Júlio e hábitos pertencentes a determinada época. Esse conjunto hoje integra os sítios arqueológicos de naufrágio que compõem parte do Patrimônio Cultural Subaquático

Descerramento da fita de inauguração. Da esq para dir: VA (RM1) Mathias, Flávio Rizzi Calipo, VA A Ação Educativa convida o público para entender (Refo-EN) Bittencourt e AE (Refo) Moura Neto a profissão do Arqueólogo Subaquático

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Parte do circuito expositivo, com o mapa dos naufrágios ao fundo

Brasileiro. Cada naufrágio desta exposição do da Inglaterra com destino ao subcontinente também pode ser considerado como uma indiano. Encontrava-se fundeado na Baía de cápsula do tempo: são 108 peças que per- Todos os Santos, Bahia, quando naufragou, mitem um olhar sobre o passado do homem na noite de 9 de julho de 1800, devido a um e sua relação com o mar. incêndio a bordo, vitimando 80 pessoas. A exposição reúne acervo das seguintes – Brigue Alfama de Lisboa – Navio embarcações naufragadas: mercante português naufragado a 3 milhas – Nau Utrecht – Fazia parte da Força da costa pernambucana, em 1809. Naval holandesa que bloqueava a entrada – Fragata Dona Paula – Navio de da Baía de Todos os Santos, em 1648. Ao guerra brasileiro naufragado em 1827, em tentar abordar a Nau Nossa Senhora do Arraial do Cabo, Rio de Janeiro. Estava em Rosário, foi atingida pela forte explosão de patrulhamento contra a ação de corsários sua oponente, vindo a naufragar. argentinos, durante a Guerra da Cisplatina. – Galeão São Paulo – Armado pela – Encouraçado Aquidabã – Navio de Companhia Geral do Comércio do Brasil. guerra da Marinha do Brasil que participava Vindo de Portugal, foi surpreendido e de exercício na Baía de Jacuacanga, em combatido pela Força Naval holandesa na Angra dos Reis (RJ), quando, na noite de altura do Cabo Santo Agostinho, em 1652. 21 de janeiro de 1906, violenta explosão em Naufragou após explodir. seu paiol de munição causou o naufrágio, – Galeão Santíssimo Sacramento – com grande número de vítimas. Vinha de Portugal para o Brasil quando – Navio de Passageiros Príncipe de As- naufragou ao colidir com o Banco de Santo túrias – Procedia da Espanha com destino Antônio, a aproximadamente sete quilô- a Buenos Aires quando, na madrugada de metros de Salvador, em 1668. O desastre 6 de março de 1916, naufragou ao colidir causou a morte de cerca de 400 pessoas. com rochas submersas ao redor da Ilha de – Nau Nossa Senhora do Rosário São Sebastião, litoral de São Paulo. Esse e Santo André – Procedente da Índia, naufrágio, em que pereceram 447 pessoas, encontrava-se fundeada no interior da Baía é considerado a maior tragédia marítima na de Todos os Santos quando naufragou, em costa do Brasil. 1737, devido a um incêndio a bordo. Trans- A exposição também se propõe a mos- portava valiosa carga de porcelana chinesa. trar como funciona o trabalho de um arque- – Navio Mercante Queen – Armado pela ólogo mergulhador. A escuridão inicial do Companhia das Índias Orientais Inglesa, vin- circuito expositivo, aliada à sonoridade do

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mar, permite ao visitante imaginar-se mer- A mostra fica em cartaz até 2 de abril gulhado em um sítio arqueológico, onde ele de 2017, de terça a domingo, das 12 às 17 pode conhecer a atuação desse profissional. horas, com entrada franca. Agendamento Como complemento, a Ação Educativa re- para escolas pode ser feito pelo telefone aliza uma atividade especial para crianças, 2104-6851 ou e-mail educativo@dphdm. em que os pequenos visitantes interagem mar.mil.br. Outras informações: 2233- com “peças do fundo do mar”, entrando 9165 ou www.dphdm.mar.mil.br. O Museu em contato com o trabalho do arqueólogo Naval fica na Rua Dom Manuel, 15, Praça subaquático. XV, Centro, Rio de Janeiro.

68a REUNIÃO ANUAL DA SBPC Foi realizada em 3 de julho último, na Tecnologia e Inovação da Marinha, Almi- Universidade Federal do Sul da Bahia, rante de Esquadra Bento Costa Lima Leite em Porto Seguro (BA), a sessão solene de de Albuquerque Junior; o secretário de abertura da 68a Reunião Anual da Socie- Educação Superior do Ministério da Edu- dade Brasileira para o Progresso da Ciên- cação, Paulo Barone; a prefeita de Porto cia (SBPC), considerada o maior evento Seguro, Claudia Oliveira; o secretário de científico-tecnológico da América Latina. Ciência, Tecnologia e Inovação do Estado A Marinha do Brasil participou da da Bahia, Manoel Gomes de Mendonça reunião representada pela Secretaria de Neto; a secretária executiva do Ministério Ciência, Tecnologia e Inovação da Mari- da Integração Nacional, Emília Curi; a nha, por Organizações Militares da área do presidente da SBPC, Helena Nader; entre Comando do 2o Distrito Naval (Salvador- outras autoridades. -BA) e pelo Centro de Análises de Sistemas A Reunião Anual da SBPC é um im- Navais. portante fórum para a disseminação dos avanços da ciência nas diversas áreas do conhecimento e de debates sobre as políti- cas públicas para a área de Ciência, Tecno- logia e Inovação (CT&I) no País. Realizada desde 1948, a reunião acontece a cada ano em um Estado brasileiro, exclusivamente

Mesa diretora da solenidade de abertura da 68a Reunião Anual da SBPC

Compuseram a mesa diretora o ministro de Ciência, Tecnologia, Inovações e Comu- nicações, Gilberto Kassab; o representante do Conselho Nacional de Educação, Luiz Cerca de 1.200 pessoas participaram da sessão Roberto Curi; o secretário de Ciência, solene de abertura da 68a Reunião Anual da SBPC

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em universidade pública, contando com a encontros, sessões especiais, minicursos participação de representantes de socieda- e sessões de pôsteres. Também foram re- des científicas, personalidades e gestores alizadas outras atividades, como a SBPC do sistema nacional de ciência e tecnologia. Jovem e a ExpoT&C, além da SBPC A programação científica de 2016 Cultural. constou de conferências, mesas redondas, (Fonte: www.mar.mil.br)

SEGURANÇA MARÍTIMA NO ATLÂNTICO SUL

O Centro de Estudos Político-Estraté- mando do Controle do Tráfego Marítimo gicos da Marinha do Brasil (Cepe-MB) (Comcontram). promoveu, entre 15 e 17 de junho último, Participaram do seminário delegações o seminário internacional “Segurança de 14 países Atlântico Sul, além de ob- Marítima no Atlântico Sul”. O evento, servadores de países convidados (Estados realizado na Escola de Guerra Naval, Unidos da América, França, Portugal e cidade do Rio de Janeiro, foi desenvol- Reino Unido), de diversas organizações vido em parceria com a Organização internacionais e regionais da própria IMO, Marítima Internacional (IMO) e o Co- da União Europeia, do Inter-regional

Durante o evento, foram identificados interesses comuns e oportunidades para o incremento da segurança marítima no Atlântico Sul

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Coordination Centre e do coordenador da (Segurança Marítima no Atlântico Sul) Área Marítima do Atlântico Sul. Também no Centro de Jogos da Escola de Guerra marcaram presença representações de Naval. instituições nacionais: Agência Nacional Durante o seminário, foi entregue o de Controle, Polícia Federal, Sindicato Prêmio Contato, destinado aos navios e Nacional das Empresas de Navegação esquadrões de helicópteros da Marinha e Marítima e Agência Nacional do Petróleo, da Força Aérea Brasileira que realizaram o entre outras. maior número de contato e envio de dados O comandante da Marinha, Almiran- para o Sistema de Informações sobre o Trá- te de Esquadra Eduardo Bacellar Leal fego Marítimo. Houve também a entrega do Ferreira, abriu o evento, que teve como Prêmio Segurança no Mar e Prêmio Segu- propósito a identificação de interesses rança no Mar Especial, voltados para navios comuns e oportunidades para o incre- mercantes, navios de pesca e embarcações mento da segurança marítima no âmbito que se destacaram em eventos de busca e do Atlântico Sul e a apresentação de salvamento em áreas de responsabilidade propostas para ampliação e modernização do Brasil. de capacidades operacionais de monito- Ao final, o presidente do Cepe-MB, ramento do tráfego marítimo pelos países Almirante de Esquadra (RM1-FN) Álvaro lindeiros. Augusto Dias Monteiro, ressaltou a impor- No primeiro dia do seminário, foram tância do aprimoramento da cooperação debatidos propósitos, partindo de pers- internacional nos assuntos relativos à pectivas acadêmicas e de realidades de segurança marítima no Atlântico Sul. O atuação tanto na margem sul-americana do evento, ao propiciar o estreitamento de oceano quanto na margem africana. Nos laços entre os países participantes e as dois dias seguintes, o evento contou com diversas instituições e organizações na- a participação apenas das delegações e cionais e internacionais, contribuiu para de convidados internacionais e nacionais, perspectivas concretas de cooperação com a realização de mesas-redondas com futura que puderam ser delineadas durante a participação dos países extrarregionais o seminário. participantes e com a simulação Semasul (Fonte: www.mar.mil.br)

30 ANOS DE ZONA DE PAZ E COOPERAÇÃO DO ATLÂNTICO SUL

Sob a coordenação do Centro de Es- Em seguida à apresentação, um grupo tudos Político-Estratégicos da Marinha de especialistas se reuniu em duas oficinas do Brasil (Cepe-MB), foi realizado em voltadas para a elaboração de um livro so- 22 de junho último, nas dependências da bre o tema. O livro abordará a criação das Escola de Guerra Naval (Rio de Janeiro- Zopacas; o Atlântico Sul no contexto do -RJ), o painel “30 Anos de Zona de Paz e pós-Guerra Fria; as ameaças de segurança Cooperação do Atlântico Sul – Zopacas: no Atlântico Sul; e as limitações, desafios Cooperação e Segurança no Atlântico e oportunidades para a Zopacas. Sul”. (Fonte: Bono no 442, de 21/6/2016)

RMB3oT/2016 311 NOTICIÁRIO MARÍTIMO OFICIAL DA MB APRESENTA TRABALHO NA GRÃ-BRETANHA

Selecionado pelo Comitê Científico do A tecnologia apresentada despertou Parlamento Britânico, o Capitão de Fragata interesse na audiência, composta por cer- Rodrigo Abrunhosa Colazzo, da Marinha ca de 130 parlamentares britânicos e uma do Brasil (MB), apresentou, na House of comissão de especialistas participantes da Commons, o trabalho “Proposta de um Mo- sessão de Ciências Matemáticas do evento delo Estatístico para Análise do Processo de SET for Britain, para o monitoramento de Radicalização no Sistema Prisional”, como atividades ilícitas na internet. parte do curso de Doutorado em Estatísti- Esse tipo de conhecimento, por seu ca na Universidade de Warwick (UK). O caráter dual, além da sua importância curso é apoiado pelo Conselho Nacional de para as atividades de segurança da MB, Desenvolvimento Científico e Tecnológico também poderá apoiar a formulação de (CNPq), por meio do Programa Ciência políticas públicas nas áreas de seguran- sem Fronteiras. ça, educação e saúde, contribuindo para O trabalho é baseado no desenvolvimen- garantir ao País a independência externa to de novas metodologias estatísticas que neste setor. O oficial teve orientação téc- podem ser utilizadas na análise de cenários nica do Centro de Análises de Sistemas políticos-militares, em apoio ao processo Navais (Casnav). de planejamento militar, inteligência e Esse destacado resultado contribui para desenvolvimento de táticas, bem como na projetar o nome da MB em âmbito interna- modelagem de processos físico-financeiros cional e consolidar a tradição da instituição. e de pessoal. (Fonte: Bono no 680, de 19/9/2016)

50a NAVAMAER

Foi realizada em Pirassununga (SP), Nesta edição da Navamaer, a EN con- de 8 a 15 de julho último, a 50a edição da quistou medalhas de ouro em diversas Navamaer, tradicional competição entre a modalidades, tais como o Atletismo, nas Escola Naval (EN), a Academia Militar das provas de arremesso de peso, lançamento Agulhas Negras (Aman) e a Academia da de disco, 100 metros rasos masculino e Força Aérea (AFA). A competição tem o feminino, 110 metros com barreiras, 400 propósito de desenvolver o interesse pelo metros com barreiras, salto em distância, esporte e o espírito de camaradagem entre revezamento 4x100 metros rasos feminino aspirantes e cadetes, fomentando a integra- e 200 metros rasos, na qual o Aspirante ção entre as três Forças e contribuindo para Patrick Silva quebrou recorde que existia o incremento da interoperabilidade. desde 1980. Foram disputadas cerca de 300 medalhas A Escola Naval ficou também com o por mais de 600 atletas, em 12 modalidades 1o lugar no pódio no Judô, nas categorias desportivas: Atletismo, Basquete, Esgrima, meio-pesado, meio leve e ligeiro; na Na- Futebol, Judô, Natação, Orientação, Penta- tação, no revezamento 4x100 metros, 50 tlo Militar, Polo Aquático, Tiro de Armas metros livre, 100 metros costas e 50 metros Curta e Longa, Triatlo e Voleibol. costas feminino; na Esgrima, na categoria

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espada por equipe; e no Tiro, na modalida- no Polo Aquático, sendo pela quinta vez de arma curta, fogo central. A EN sagrou-se consecutiva nesta última modalidade. campeã, ainda, no Basquete, no Futebol e (Fonte: www.mar.mil.br)

MILITAR DA MB BATE RECORDE EM CORRIDA EM BRASÍLIA

O Primeiro-Sargento Elias Pereira de Lacerda, do Serviço de Medicina Hiper- bárica do Hospital das Forças Armadas em Brasília, bateu, em 2 de julho último, o recorde na 4a Corrida 24 Horas de Brasília, na categoria Solo 12 Horas. Na prova, realizada no Parque da Cidade Sa- rah Kubitschek, o militar da Marinha do Brasil (MB) manteve 8 km de diferença do segundo colocado, correndo por 11 horas e 45 minutos. Sargento Lacerda no alto do pódio, após correr por O Sargento Lacerda já participou de 11 horas e 45 minutos outras ultramaratonas desde 2013, obtendo – 3o Lugar Geral na Wings for Life os seguintes resultados: World Run, com 50 km percorridos (Bra- o – Campeão Geral do 2 Desafio Cross 5 sília, 2015); Horas de Brasília, com 62 km percorridos – 5o Lugar Geral na 12a Volta do Lago (2015); Caixa, com 100 km percorridos (Brasília, – Campeão Geral da VI Ultramaratona 2015); e Rio 24 Horas do Corpo de Fuzileiros Na- – 7o Lugar Geral na 13a Volta do Lago vais, com 214 km percorridos (2013); Caixa, com 60 km percorridos (2016).

OPERAÇÃO ÁGATA 11

A Operação Ágata 11, operação con- irregularidades e receberam notificações. junta entre as Forças Armadas e órgãos Uma balsa de travessia de passageiros foi públicos das esferas federal, estadual e lacrada em Guaíra (PR) por irregularidades municipal, completou, em 21 de junho na documentação, por não apresentar nú- último, nove dias de combate aos crimes mero de coletes suficientes para os passa- transfronteiriços. A ação visou combater geiros e devido à falta de habilitação regular o narcotráfico, o contrabando e descami- de seu tripulante. Essa embarcação, logo nho, o tráfico de armas e munições, crimes que sanou as discrepâncias, foi liberada, ambientais, o contrabando de veículos e a voltando a operar. imigração e o garimpo ilegais. A Marinha do Brasil (MB), por meio No período, 155 embarcações foram ins- dos Comandos do 5o e do 8o Distrito pecionadas e, deste total, 18 apresentaram Naval (Rio Grande-RS e São Paulo-SP,

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respectivamente) e suas Organizações Militares subordinadas, realizou ativida- des de inspeção naval e patrulhamento com o apoio de duas capitanias e duas delegacias que atuaram nos estados do Rio Grande do Sul e Paraná. Além disso, a MB promoveu três ações cívico-sociais com atendimentos médicos e odontoló- gicos, no Chuí e em Uruguaiana (RS) e em Foz do Iguaçu (PR). Em Uruguaiana também foram efetuados reparos elé- tricos e pintura na Escola Municipal Militares da Capitania Fluvial do Rio Paraná atuaram na Cinderela. Ponte da Amizade, entre Brasil e Paraguai (Fonte: www.mar.mil.br)

MARINHA DOA PESCADO E MADEIRA APREENDIDOS

O Navio Patrulha Fluvial (NPaFlu) Amapá, integrando um dos grupos- -tarefa da Operação Ágata 11, apre- endeu embarcações (de transporte de passageiros e de carga, empurrador e balsa) com constatações de ilícitos de diversas naturezas e irregulari- dades graves, que comprometiam a segurança dos navegadores e passa- geiros no Rio Solimões, no Estado do Amazonas. Em uma das embarcações apre- sadas foram encontrados 40 quilos

Tripulação do NPaFlu Amapá

de pescado pirarucu e carvão sem origem comprovada, bem como 3,5 m³ de madeira sem o Documento de Origem Florestal (DOF), certificação obrigatória exigida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Iba- ma) para a extração de madeira. Todo o material foi recolhido, apresen- tado às autoridades policiais competentes e posteriormente doado à comunidade indí- Pescado, carvão e madeira entregues a comunidade indígena no gena Amanaí do Jaduá, de etnia Cambeba, Rio Solimões no Rio Solimões.

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A Marinha do Brasil, juntamente com diuturno trabalho de fiscalização em patru- órgãos de segurança pública e proteção ao lha naval para coibir a prática da exploração meio ambiente, contribui cada dia mais no ilegal de madeira nativa, a caça de animais combate aos ilícitos nos rios da Amazônia, silvestres e a pesca predatória de peixes. mostrando os resultados e importância do (Fonte: www.mar.mil.br) ACIDENTES ENVOLVENDO MOTOS AQUÁTICAS DIMINUEM 60% A Superintendência de Segurança do A Marinha do Brasil, por meio dos Tráfego Aquaviário da Diretoria de Portos e distritos navais e de suas 27 capitanias, 14 Costas (DPC) registrou uma queda significa- delegacias e 22 agências espalhadas pelo tiva de acidentes envolvendo motos aquáticas País, desenvolve um importante trabalho de durante o primeiro semestre de 2016, em conscientização junto à comunidade náuti- comparação ao mesmo período de 2015. Fo- ca. Essas Organizações Militares fiscalizam ram notificados 11 casos, contra 29 ocorridos o tráfego aquaviário com o propósito de nos primeiros seis meses do ano passado, o alertar os condutores de embarcações de que representa uma redução de 60%. esporte e recreio e a população sobre os Cabe ressaltar que, no período, houve riscos de acidentes no mar e nas hidrovias, um acréscimo de inscrições de mais de 3% principalmente com as embarcações de no quantitativo deste tipo de embarcação. esporte e recreio. Atualmente, estão inscritas no Sistema de Durante as ações de fiscalização, de Gerenciamento de Embarcações da DPC caráter preventivo e instrutivo, os agentes 89.566 motos aquáticas em todo o Brasil. da Autoridade Marítima distribuem mate- rial informativo e orientam condutores a seguirem à risca os “10 Mandamentos da Segurança da Navegação”, que também podem ser visualizados na página da DPC na internet, no link: www.dpc.mar.mil. br/pt-br/ssta/navegacao-amadora/os-10- -mandamentos-da-seguranca-no-mar-0. Todas as informações sobre como obter habilitação para conduzir motos aquáticas podem ser encontradas no Capítulo 5 das Normas da Autoridade Marítima (Nor- mam-03/DPC). (Fonte: www.mar.mil.br) Equipe de fiscalização da Marinha do Brasil

ACISO NO ARQUIPÉLAGO DO BAILIQUE

A Marinha do Brasil, por meio do 4o (AP). A Aciso foi desenvolvida pelo Navio- Distrito Naval (Belém-PA), realizou, de 18 -Auxiliar (NA) Pará. a 25 de agosto último, Ação Cívico-Social O Bailique está situado na foz do Rio (Aciso) na Vila Progresso, comunidade Amazonas, a cerca de 180 km de Macapá localizada no Arquipélago do Bailique (AP), e abriga mais de 12 mil habitantes

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espalhados por oito ilhas, em cerca de 50 comunidades. A bordo do Pará foram rea- lizados 433 atendimentos médicos, 2.520 procedimentos odontológicos, 735 exames laboratoriais e 60 mamografias. Também foram distribuídos 9.442 medicamentos e prestados diversos outros serviços de saúde e cidadania, como a cerimônia de casamento comunitário que oficializou a união de 12 casais ribeirinhos e renovou 13 votos matrimoniais. “Escovódromo” montado na Vila Progresso

A Aciso realizada no Amapá faz parte do Programa Rios da Cidadania, que visa levar ações de saúde e cidadania relativas ao transporte fluvial de equipe multiprofissional, insumos, materiais, equipamentos, vacinas e medicamentos de assistência hospitalar e odontoló- gicos, bem como viabilizar o acesso à Justiça e a serviços de cidadania às Casamento comunitário a bordo do NA Pará comunidades ribeirinhas dos rios Ama- zonas e Vila Nova. O programa conta Durante a presença do navio na região, com a participação de diferentes órgãos a equipe de patrulha e inspeção naval abor- do Estado do Amapá, como o Tribunal dou 36 embarcações, sendo uma notificada de Justiça, o Ministério Público, a As- e duas apreendidas por descumprimento da sembleia Legislativa e o Governo do Lei de Segurança Aquaviária. Além disso, Estado, por meio da Secretaria Estadual 11 embarcações receberam gratuitamente de Saúde e das prefeituras dos municí- coberturas no eixo do motor, em combate pios de Macapá e Mazagão. ao escalpelamento. (www.mar.mil.br) ASPECTOS LOGÍSTICOS DA GUERRA DO PARAGUAI Em comemoração aos 150 outros conflitos, passando, a anos de deflagração da Guer- seguir, para uma apreciação ra do Paraguai, completados genérica da Guerra do Pa- em 2015, foi lançado, pela raguai. A partir daí, explora Life Editora, o livro Aspectos aspectos desse apoio nas di- Logísticos da Guerra do Pa- versas fases daquela guerra. raguai, do Coronel Nylson O Coronel Boiteux, licen- Reis Boiteux. ciado em Direito pela Facul- A obra começa abordando dade Católica de Direito em o assunto com uma breve Campo Grande (MS), é aca- história do apoio logístico em dêmico do Instituto Histórico

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e Geográfico de Brasília (DF) e membro Terrestre do Brasil. Também é autor do efetivo da Academia de História Militar livro Um militar sem rosto (2011).

NARRATIVAS, BIOGRAFIAS E FONTES DA GUERRA DA TRÍPLICE ALIANÇA

Encontra-se à venda no Departamento de Publicações e Divulgação da Diretoria do Patrimônio Histórico e Documentação da Marinha (DPHDM), o livro Narrativas, biografias e fontes da Guerra da Tríplice Aliança. Dividido em dois volumes, a publicação é uma separata de artigos e transcrições de documentos da revista Sub- sídios para a História Marítima do Brasil, sobre a Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai, publicada entre 1938 e 1972.

Segundo o Vice-Almirante (Refo- -EN) Armando de Senna Bittencourt, que prefaciou a obra, o propósito da publicação é “fornecer aos interessados na Guerra da Tríplice Aliança subsídios para que possam ampliar e melhorar o conhecimento sobre o conflito e sobre a História Marítima e Naval Brasileira”. Cada volume pode ser adquirido pelo valor de R$ 40,00 no Departamento de Publicações da DPHDM, à Praça Barão de Ladário, s/n, Ilha das Cobras, Rio de Janeiro, RJ. Informações: publicaco- [email protected] ou telefone (21) 2104-6991.

RMB3oT/2016 317 NOTICIÁRIO MARÍTIMO PEDRO TEIXEIRA, A AMAZÔNIA E O TRATADO DE MADRI

Foi lançado recentemente pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag), órgão do Ministério das Relações Exteriores, o livro Pedro Teixeira, a Amazônia e o Tratado de Madri. A obra, integrante da coleção Histó- ria Diplomática, reúne textos e documentos organizados por Sérgio Eduardo Moreira Lima e Maria do Carmo Strozzi Coutinho. O livro faz um levantamento de nar- rativas e das principais referências docu- mentais sobre a histórica missão de Pedro Teixeira, que, em 1637, liderou expedição com 2 mil pessoas em canoas a montante do Rio Amazonas. Ao desbravador e explora- dor luso-brasileiro Pedro Teixeira, a Coroa portuguesa deveu a posse de quase toda a bacia amazônica; e o Brasil, a exploração de mais de 10 mil km2 de seus rios e trilhas. (Fonte: www.mar.mil.br)

SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL DOS MILITARES

A Marinha do Brasil (MB), em conjunto culação nas redes sociais, abordando de com as demais Forças e o Ministério da maneira esclarecedora as especificidades Defesa, tem divulgado estudos e realizado da carreira militar, em defesa do SPSM. apresentações a setores do Governo Federal Cabe mencionar a nova abordagem diretamente envolvidos na reforma da Pre- adotada pelas Forças, como linha comple- vidência Social, com foco na preservação mentar de argumentação, junto aos setores do Sistema de Proteção Social dos Militares competentes do Governo Federal, qual seja (SPSM), caracterizado também como Re- a tradução, em valores monetários, das gime Constitucional dos Militares. condições rígidas e gravosas de trabalho É imperativo destacar que o militar não próprias da carreira militar, sem a respecti- faz parte de nenhum regime previdenciário, va contrapartida remuneratória. Destaca-se conforme previsto na Constituição Federal, a indispensável contribuição do Centro de mas sim de um Sistema de Proteção Social Análises de Sistemas Navais (Casnav) na que representa, por sua vez, um conjunto elaboração de simulações e cálculos utili- integrado de instrumentos legais e ações zados pelas Forças. afirmativas, permanentes e interativas, que Informações mais detalhadas e constan- visam assegurar o amparo social aos milita- temente atualizadas estão disponíveis no res das Forças Armadas e seus dependentes. site da intranet da Diretoria de Finanças Recentemente, o Exército Brasileiro da Marinha (www.dfm.mb), na opção divulgou um vídeo institucional, em cir- “SPSM” ou no endereço eletrônico www.

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marinha.mil.br/spsm, onde poderão ser en- autores civis, vídeos e notícias publicadas contrados uma apresentação completa so- na imprensa sobre o referido assunto. bre o tema, artigos escritos por renomados (Fonte: Bono no 672, de 14/9/2016)

CANÇÃO DAS COMUNICAÇÕES NAVAIS

Durante a cerimônia comemorativa do Capitão de Mar e Guerra (RM1) Claudio Dia das Comunicações Navais, em 28 de da Costa Braga e a música do Capitão de março último, foi tocada e cantada pela pri- Fragata (T) Sidney da Costa Rosa, com or- meira vez na Marinha do Brasil a “Canção questração do Suboficial (FN-MU) Marcos das Comunicações Navais”. Na execução, Luiz Mendes Feitosa. foi usada gravação com as vozes do Coral A letra e a música da canção estão dispo- da Banda Sinfônica do Corpo de Fuzileiros níveis para download na página principal da Navais. Diretoria de Comunicações e Tecnologia da A canção foi aprovada pelo Comando- Informação da Marinha na intranet (www. -Geral do Corpo de Fuzileiros Navais em dctim.mb), no link “Canção das Comuni- 23 de março último. A letra é de autoria do cações Navais”.

CANÇÃO DAS COMUNICAÇÕES NAVAIS

I Sempre atentos aos navios no mar, Cujo apoio nunca pode faltar. Com segurança, confiança e rapidez, Flexibilidade e integração. Mantemos o Siscom, em terra, ar e mar, Com afinco, dedicação e amor sem par. CORO Sempre prontos a colocar Nosso lema no altar, Nós fazemos a Marinha comunicar-se melhor, A todos os comunicativos da Marinha do Brasil, Que irmanados mantêm forte e claro os sinais, Nosso Bravo Zulu! II Que o exemplo de Riachuelo, Sob as ordens do Almirante Barroso, Naquele dia valoroso atendeu, Sua mensagem de apelo a combater. Mostrando sempre audaz, o orgulho em defender, Nossos meios em alto-mar, E ao Brasil amar.

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