FUNDAÇÃO GETULIO VARGAS CENTRO DE PESQUISA E DOCUMENTAÇÃO DE HISTÓRIA CONTEMPORÂNEA DO BRASIL (CPDOC)

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BARROS, Ademir de. Ademir de Barros (depoimento, 2011). , CPDOC, 2012. 72 pg.

ADEMIR DE BARROS (depoimento, 2011)

Rio de Janeiro 2012

Transcrição

Nome do entrevistado: Ademir de Barros (Paraná) Local da entrevista: São Paulo - SP - Brasil Data da entrevista: 01/12/2011 Nome do projeto: Futebol, Memória e Patrimônio: Projeto de Constituição de um Acervo de Entrevistas em História Oral Entrevistadores: Theo Di Pierro Ortega; Rodrigo Abatepaulo Linhares Transcrição: Fernanda de Souza Antunes Data da transcrição: 23/01/2012 Conferência: Maíra Poleto Mielli Data da conferência: 30/08/2012 e 04/09/2012

Entrevista 01/12/2011

** O texto abaixo reproduz na íntegra a entrevista concedida por Ademir de Barros em 01/12/2011. As partes destacadas em vermelho correspondem aos trechos excluídos da edição disponibilizada no portal CPDOC. A consulta à gravação integral da entrevista pode ser feita na sala de consulta do CPDOC.

A. B. – Com 42 anos...

R. L. – Mas o seu passe devia ser disputado pelo pessoal ali, todo mundo queria o Paraná no time, não é?

A. B. – Mas nós jogamos, fizemos um time lá, a maioria tudo veterano. Tinham quatro que foram profissionais, e o resto tudo amador lá, e nós fomos campeões de 84, eu estava com 42 anos, e eu fui eleito o melhor jogador da Várzea.

R. L. – Olha só, oh, beleza! [riso]

A. B. – Mas dava para enganar bem mesmo.

R. L. – Isso é bom.

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A. B. – Nós jogamos a final lá, e eu fiz o gol, nós ganhamos de um a zero no jogo final, e daí eu sai do jogo lá, nem tomei banho direito, o cara me levou para pegar o Cometa1para vir aqui para São Paulo, para jogar para a seleção do Luciano...

R. L. – A seleção de masters? [riso]

A. B. – E os caras: “eu não acredito que você vai jogar depois que você correu assim”, falei: “não, vou.”.

T. O. – Paraná, posso chamar de Paraná?

A. B. – Pode. Você vai chamar de Ademir ninguém conhece.

T.O. – Nós costumamos sempre fazer uma introduçãozinha, vou falar então... Bom dia. São Paulo, 1 de dezembro de 2011, Museu do Futebol. Entrevista com Ademir de Barros, o Paraná, para o projeto Futebol, Memória e Patrimônio, uma parceria entre o Museu do Futebol e o CPDOC-SP, da Fundação Getulio Vargas. Os entrevistadores hoje: Theo Ortega...

R.L.– Rodrigo Linhares.

T. O. – Primeiramente muito obrigado por estar aqui com a gente. Obrigado Paraná, a gente quer que você possa falar tudo que você estiver com vontade, sobre a sua vida, sua carreira, e a gente começa pedindo para você falar o seu nome completo, a sua data e local de nascimento, e como foram suas primeiras lembranças, sua vida, o começo lá no interior.

A. B. – Eu sou Ademir de Barros, nascido em Cambará, Paraná, cidade da terra roxa, nasci em 21 de março de 42, já vou para 70 anos, para outra aposentadoria, e desde criança eu joguei futebol, porque a família toda jogava, eu tinha a minha avó e meu avô,

1 O entrevistado se refere a um ônibus da Viação Cometa.

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que tinham uma pensão que moravam os jogadores em Cambará, morava na pensão, e tinha uma tia, tia Luiza, irmã da minha avó, também tinha uma pensão que moravam os jogadores. Eu praticamente vivi dentro do campo, porque tinha meus tios que jogavam também, e eles iam para o campo em sábado, eu sempre fui abusado, e sábado eles tinham os treinos, e eu com 10 anos, eu entrava no “dois toques” junto com eles, ia brincar também. Eu acho que se tornou mais fácil, porque depois meu pai veio trabalhar em Sorocaba, porque meu tio jogava no São Bento, ai meu tio foi para lá final de ano, e meu tio falou para o meu pai: “Anísio, está fazendo nada ai mesmo, trabalhando aí carregando saco aí, vamos trabalhar em Sorocaba. A gente arruma uma fábrica de linho lá para você, você vai trabalhar lá, e daí você leva a família para lá, vamos ficar lá e eu vou morar com vocês, porque eu já estou cheio de morar em pensão.

T. O. – O que o seu pai fazia antes em Cambará?

A. B. – Meu pai foi jogador de futebol, jogou na Esportiva Jacarezinho. Nem perguntei para minha mãe, minha mãe está com 90 anos, não perguntei para minha mãe, porque nem quis perguntar, meu pai tinha três medalhões de ouro, aqueles grandões assim, pesados, porque ele foi eleito o melhor jogador do norte do Paraná, foi três anos seguidos, 46, 47 e 48. Meu pai jogava, tinha uns tios que jogavam também, todo mundo jogava, então praticamente era família de boleiro.

R. L. – Paraná, primeiro um abraço para o senhor, prazer em bater esse papo contigo, abraço ao Theo, agradecer ao pessoal da Fundação Getúl io Vargas, o Museu do Futebol, da FAPESP, pelo convite. Parabéns pela iniciativa de preservar a história do nosso futebol. Então quer dizer que seu pai foi eleito o melhor jogador do norte do Paraná, que é a minha região, sou dali de Londrina, e ali saíram muitos bons jogadores, hein, Paraná!

A. B. – Meus tios sempre falam isso daí, juntando o futebol dos cinco irmãos não dá nem metade do que o Anísio jogava. Anísio era meu pai.

R. L. – Jogava em que posição?

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A. B. – Meu pai era médio volante, meu pai era para vir para Portuguesa de Desportos, quando o Muca veio para a Portuguesa, e eles jogavam e trabalhavam na prefeitura de Jacarezinho. Os boleiros daquela época saiam do jogo e iam para um boteco lá, e ficavam no boteco [riso]. Saíram da prefeitura, quatro horas da tarde, daí foram lá para o bar. Estão no bar bebendo lá e um falou assim: “vamos lá no campo brincar!”. Foram no campo brincar, meu pai se machucou, ai não pode vir para a Portuguesa.

R. L. – Que coisa! E ele tinha quantos anos, mais ou menos? Era mais jovenzinho, já tinha mais de 20 anos, como é que era?

A. B. – Meu pai devia estar com 25, 26, 27 anos já, nessa época.

T. O. – E nunca mais depois tentou ir para um clube?

A. B. – Não, depois ele ficou jogando, eu sei que ele parou de jogar no Comercial de Cornélio Procópio, porque eles foram lá para Cornélio e eu fiquei em Cambará, que eu fiquei estudando lá. Porque ele foi morar em Cornélio, eu fui morar em uma fazenda, que era lá para trás da estação. E eu tinha medo de vir para a escola que passava ali na estação do trem, eu falava para a minha mãe que o trem ia vir me pegar [risos]. Então minha mãe me deixou em Cambará, e eu fiquei com a minha avó. Eu vi o time da Cambaraense, eu fugi de casa tinha 10 anos, Cambaraense foi disputar com o Ferroviária em Curitiba, e eu também embarquei no trem junto com o pessoal, e eu vi lá jogar, naquela época, Bino, Belacosa, , Alceu, vi toda essa turma. E lá na Cambaraense também tinha um outro que jogou lá também, que foi meu tio, Taubaté, jogou lá, depois casou com a minha tia, ficou em Cambará também. Eu sou dessa época aí, é bom que eu lembro ainda deles todos.

R. L. – Pois é, e bom que o senhor é de uma família já de boleiros, não houve nenhum tipo de resistência para o senhor estourar como jogador de futebol, ao contrário do que acontece com alguns atletas.

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A. B. – Não, mas houve.

R. L. – Houve?

A. B. – Houve.

R. L. – Ainda assim?

A. B. – Em Cambará o filho do Bino foi morar em outro bairro, e a gente morava ali perto da vila Rubi, então no terreno do meu avô, nós fizemos um campinho, a gente jogava ali. Ai o filho do Bino arrumou um time para a gente jogar, fomos jogar no campo, todo mundo assistindo o jogo, e o jogo está duro, zero a zero o jogo, peguei uma bola, fui para dentro da área, encostaram, eu cai: pênalti. Minha mãe entrou no campo, me tirou da jogada [risos]. Arrumou briga com meus tios.

R. L. – Sua mãe não deixou nem o senhor bater o pênalti então?

A. B. – Não, daí bateu o meu primo mais velho, o Tito que bateu o pênalti. E eu vim para Sorocaba, quando nós viemos para Sorocaba, que meu tio jogava pelo São Bento, nós viemos, na semana que nós chegamos, nós chegamos, meu pai já tinha arrumado a casa, nós chegamos com toda a mudança, uma semana depois o meu tio foi embora para Santa Cruzense. Nós viemos por causa dele e ele foi embora, e eu fui morar num bairro ali, na Árvore Grande. Conversando, pergunta ali, pergunta aqui, e eu, naquela época, fui fazer o primeiro ano do ginásio, que era ginásio, que eu tinha começado em Cambará, daí eu tive que parar e comecei a fazer aqui em Sorocaba. E perguntando, não tinha time de futebol. Meus irmãos na escola: “não, nem na escola não tem”, tinha campo lá, tudo: “vamos fazer um timinho da molecada, convidamos a molecada e vamos fazer”. Convidamos. Isso, eu mudei em 55, e em 56 o SESI fazia um torneio de futebol, inclusive media a altura dos jogadores, tinha um limite de altura, mediam com um pedaço de pau, e nós fizemos um time lá e nós fomos para o torneio. E não é que nós fomos campeões do torneio!

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R. L. – O senhor é pé quente mesmo! [risos].

A. B. – Naquela época lá o pai e a mãe da gente falava assim: “você vai estudar, vai estudar datilografia, aprender a escrever à máquina, e minha mãe me colocou em uma escola de datilografia. Eu comecei a ir, e meu pai trabalhando, a gente passava necessidade, então precisava, se tivesse mais gente para trabalhar, para ajudar, era bom. E eu estou indo para a escola, e eu peguei um pedaço de jornal no chão, estou andando, peguei o jornal, estou lendo aqui, ai estava lá no jornal assim: “precisa-se de um menino para trabalhar na gráfica do jornal ‘Cruzeiro do Sul’”, ai eu falei: “não vou nem para a escola, vou direto”. Eu fui lá, arrumei serviço, para começar no outro dia. Cheguei em casa, vou falar com minha mãe, a bronca que a dona Maria deu... ela não queria [risos], falei: “não, eu vou trabalhar, mãe, é melhor”, e minha mãe estava trabalhando também de empregada doméstica, então ajuda. Comecei a trabalhar lá, e encontrava com minha mãe em uma praça lá, minha mãe levava almoço para mim almoçar, eu pegava o almoço, em vez de eu comer eu falava para minha mãe assim: “pode voltar para o trabalho que eu vou comer”, eu levava para casa para os meus irmãos comerem, e eu lá no Cruzeiro do Sul fiz uma amizade com o Salustiano Lopes, trabalhava comigo lá, eu ia comprar pastel em uma pastelaria ali, e a moça da padaria dava filãozinho para a gente, então a gente comia um pão com pastel, passava assim, e eu levava a comida que a minha mãe me dava, levava lá, deixava para os irmãos, e vinha embora para o trabalho. Tinha o redator de esportes do jornal Cruzeiro do Sul, era o Aldair Sansão, ele tinha um time de futebol no Cruzeiro do sul, e eu falava para ele assim: “pô, Aldair, deixa eu jogar!”. Ele falou: “não, que vai jogar, você magrinho desse jeito, vai quebrar uma perna sua, seu Nelson vai mandar a gente embora do serviço!”. E eu ficava nele, ele não deixava, ai um dia eu cheguei no seu Nelson e falei assim: “seu Nelson, posso treinar lá no [dúvida 12:20] de São Bento?” [dúvida 12:25] de São Bento treinava quarta e sexta, começava quatro horas da tarde o treino, daí eu falei: “posso sair mais cedo para ir lá treinar?”, ele falou assim: “pode”. Eu não falei para ninguém, daí eu fui treinar, em uma sexta-feira, eu fui lá, treinei, daí eles falaram comigo: “domingo nós vamos jogar lá no campo do Estrada, então nós queremos você oito horas da manhã lá”, eu fui embora para o bairro e eu não sabia onde era o campo do Estrada. Tinha um colega lá, o Tito [inaudível 13:03], daí eu cheguei para o Tito, falei: “Tito, eu fui

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convidado no São Bento para ir jogar domingo, lá no campo do Estrada”, ele falou assim: “levo você”, ai eu fui para o jogo. Aquela época tinha primeira e segunda quadra, eu joguei segunda quadra, de meio de campo, volante, e ganhamos o jogo e eu fiz dois gols, jogando de volante. Eles falaram assim comigo: “você vai ficar, vai ficar na reserva do time titular”, ai eu fiquei na reserva, entrei um pouco no jogo, e depois fui descobrir, tinha dois jogadores que jogavam no São Bento que eram do bairro Árvore Grande, lá do bairro que eu morava, e eles já jogavam. Depois conversei com eles, como eu não tinha idade, 13 anos, não tinha 14 ainda, não pude inscrever, daí apareceram lá com a carteirinha de um japonês com a fotografia minha que era para eu jogar, ai ficou lá criolo -japonês [risos].

T. O. – E sua mãe deixava, nessa época, ela não foi contra?

A. B. – Nada, minha mãe não falava nada. Os outros dois irmãos jogavam também, ela não falava nada. E eu jogando lá, eu fiz 14 anos, quando eu fiz 14 anos, cheguei em casa, meu pai falou assim: “o pessoal do Teba quer que você vai lá para você jogar lá”. Eu falei: “mas eu estou lá no São Bento”, - “não, você vai lá na fábrica, eles vão arrumar um serviço para você, agora que você já fez 14, e vai jogar no time da fábrica”. Eu vou! Ai fui. Naquela época tinha um salário de menor, ai entrei na fábrica para trabalhar, entrava às cinco da manhã, saia às duas, treinava e jogava no time da fábrica. Nós fomos vice-campeão amador, eu joguei com a maioria dos veteranos que tinha naquela época em Sorocaba, que jogavam na Várzea, joguei com uns jogadores que serviam até para ser meu avô, eu joguei com eles. Depois do Teba, no outro ano, o São Bento me convidou outra vez para ir para lá, eu não queria ir por causa do emprego na fábrica, então eu fiquei mais um ano na fábrica, depois no outro ano eu sai, que eu fui para o São Bento, e o São Bento me pagava um salário de menor e me dava um bicho do jogo para a gente ganhar o jogo. Fiquei no amador, comecei a treinar junto com o profissional, 16 anos já estava levando “pau” deles lá nos treinos [risos], e eu gostava, ainda enchia a paciência dos outros. Fiquei lá no São Bento, ai aconteceu um caso comigo lá, um caso que se acontece agora, o cara vai embora e não vem nunca mais. O São Bento tinha um ponta-direita chamado Adamastor, inclusive acho que mora em Rio Preto atualmente, e o Adamastor fez uma operação de fimose, e como ele era medroso: -

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“não, não dá para jogar”, e daí eu fui escalado para jogar. Saímos de manhã do campo, fomos para o hotel para almoçar e depois esperar para o horário do jogo, quando chegou na hora, naquela época os caras faziam assim, pegavam os carros dos diretores lá, os diretores que levavam os jogadores, e falaram para mim: “você vai naquele carro lá”. Eu estou indo para o carro, e o presidente virou para mim e falou assim: “você não vai jogar não”. -“Por quê?” - “Não, você não vai jogar, não quero que você jogue”. Falei: “tá bom”. Ninguém falou nada, fui lá, peguei minhas coisas, fui embora. Fui na casa de um ponta-direita que jogava comigo no amador. Cheguei lá, ele falou: “ué, você não ia jogar lá em Salto?”. Daí eu contei para ele, ele falou assim: “o que você vai fazer?”. Eu falei: “não, eu vim aqui porque eu vou esperar você, depois nós vamos para o treino”, e eu fui treinar depois. Se é outro, vai embora, não vê nunca mais, não é? E eu fui, e depois eu tive um outro caso com ele, com esse mesmo presidente, José [inaudível 17:58] , em 59, nós estávamos disputando o campeonato amador, e ele chegou para mim e falou assim: “você não vai jogar mais, porque eu não vou pagar mais você”, eu falei: “está bom”, eu não respondia nada, fui embora para a minha casa, falei para a minha mãe, e meu tio estava lá em casa, meu tio morava aqui em São Paulo, era motorista de caminhão de coca-cola, entregava coca-cola - corintiano fanático-, ai ele falou assim para mim: “vamos embora para São Paulo comigo”, ai eu falei assim: “ah, não, tenho escola”, ai falou: “não, vamos lá, fica uma semana comigo lá, depois você vem, sua mãe falou que você estuda direito mesmo, não precisa se preocupar com a escola”, ai eu vim com ele. E ele era compadre do Aurélio Bellotti, meu tio, daí o Aurélio Bellotti me levou para treinar no Corinthians, treinei lá eu fiz o meio de campo com Roberto Belangero, porque Roberto estava voltando de contusão. Terminou o treino, tirei as coisas, arrumando as coisas lá, o Rato me chamou, veio falar comigo, que era para mim voltar, era uma terça-feira até, era para voltar na quinta-feira. Então volto, falei com ele e tudo, vou pegar minhas coisas, ai roubaram a minha chuteira, não teve jeito de eu voltar mais, não quis voltar, ai o Aurélio Bellotti ficava: “não, vamos lá”, -”não, não vou jogar nesse time, os caras roubam a gente lá, não vou”, e não quis ir, não fui de jeito nenhum. Ai eu fiquei duas semanas aqui com ele, ai telefonaram para ele lá da coca- cola, que naquela época telefonavam no serviço, que era para ele me mandar para Sorocaba, porque o meu time perdeu duas partidas lá, e os caras foram em cima do presidente [risos], ai o presidente: “então tem que trazer ele de volta”. Eu voltei lá e fui

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falar com ele, eu falei assim: “não, agora eu quero tanto, não quero mais salário de menor, eu quero mais agora”. Durante o campeonato ainda, antes de terminar, mudou a diretoria, que a final do campeonato foi em janeiro, mudou a diretoria, e era o doutor José Miranda Filho, era o presidente. Nós fomos jogar, jogamos o primeiro jogo lá em Sorocaba, contra o Corinthians de Votorantim, empatamos o jogo, zero a zero. Meu compadre, centroavante, tinha quase dois metros de altura, e ele brigou no jogo, e o pessoal falaram para ele – o apelido dele era maquinã - Maquinã, se você for jogar lá no Votorantim você vai morrer”, era estudante de medicina, daí ele não foi para o jogo, chegamos lá para o jogo, o Moacir falou para mim: “vai de centroavante?”, eu: “vou”. Ganhamos de cinco a dois, eu fiz quatro, sai do jogo ali, uns caras queriam me pegar lá, uns caras de Votorantim, torcida, tinha um jogador nosso que todo mundo tinha medo dele, Jessé. O Jessé entrou na roda e falou assim: “quem por a mão nele aqui vai morrer!”. Ai os caras abriram a roda, foram embora, e o presidente chegou para mim e falou assim: “vamos comigo que eu preciso conversar com você”. Subi no carro dele e ele falou assim: “nós vamos lá na sua casa, conversar com seu pai e com sua mãe”, ai fomos lá e assinei o contrato com São Bento, estava com 17 anos. Comecei a jogar no São Bento, jogava de centroavante, meio de campo, meia, depois até ir parar na ponta- esquerda.

R. L. – O senhor falou uma coisa interessante, porque o senhor sempre foi muito novo no meio do pessoal do futebol. Com 10 anos o senhor falou que sofreu um pênalti, enfim, jogava no meio dos veteranos também, e geralmente o pessoal mais velho não poupa o menino que está em campo, os caras querem chegar junto, querem intimidar, e o senhor sempre teve um estilo bem aguerrido, de não fugir mesmo do palco, como se diz. Isso o senhor acha que se deve a isso, a desde cedo o pessoal já chegar junto no senhor por ser mais novo?

A. B. – Eu acho que sim, porque eu enfrentava [risos]. Eu levava uma aqui, daí que eu ia para cima [risos]. O que eu falo hoje, eu falo para os caras assim: “pô, a gente vê jogo ai o “back” bate o pé, os atacantes já saem correndo. Eu não, batia o pé eu ia para cima. Eu tive uma passagem no São Paulo aqui, o primeiro jogo que eu fui internacional que

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nós fomos fazer, foi jogar São Paulo e Racing lá em Buenos Aires, lá no campo do Racing.

R. L. – Ali o couro come, hein!

A. B. – É, e eles tinham o [INAUDÍVEL], meio-esquerda chileno, acho que tinha 1,90m, por ai, era grandão. E eu estou jogando e estou “indo para o pau”, porque praticamente aquele time do São Paulo que vinha ai não era todo mundo que ia para o “pau”, e eu estou jogando lá e indo para o “pau”, e fizemos um a zero, estou aí, os caras dão, e eu dou também, daí eu derrubei o [inaudível 23:57] no meio de campo, derrubei e dei a mão para ele se levantar e ele me deu um soco. Deu um soco e eu dei também, ai o juiz veio e expulsou os dois, então vamos saindo o túnel deles desse lado de cá e o do São Paulo desse lado aqui. Eu estou indo para lá e a torcida começou a gritar, ai eu virei e olhei, ele veio correndo para vir para o meu lado, acho que ele pensou que eu ia correr, e eu parti para cima dele [risos], ai entrou todo mundo no campo para segurar, e apartou. Fui embora para o vestiário, tomei um banho e tudo, voltei, olhei no placar, quatro a um para o Racing, falei: “o que foi?”. – “Ah, os caras estão dando pontapé lá até ficar tudo com medo” [risos]. Eu acho que para jogar você não pode ter medo.

T. O. – E a sua família teve influência nisso, te ensinaram isso?

A. B. – Não, eu tenho um irmão, que hoje mora em Curitiba, meu irmão era o único da família que não gostava de jogar, o Antonio Carlos, mas ele jogava de tudo, se a gente colocasse ele de goleiro ele jogava, colocava de zagueiro ele jogava, colocava de centroavante, e era aquele centroavante bom, você cruzava na área ele subia, abria os braços aqui, cabeceava bem, mas não gostava de jogar, e ele batia mais do que eu [risos].

R. L. – Mais do que o senhor? Imagino se o senhor tivesse uns dois metros de altura, como não ia ser, não é, Paraná? Que o senhor é pequenininho e encara! [risos]

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A. B. – Uma vez que daí ia fugir do “pau”, não ia para o “pau”. Mas eu sempre tive isso comigo, eu entro lá no campo e eu me transformo, porque lá eu vou jogar, eu quero jogo, e eu faço isso. Eu tenho um irmão logo abaixo de mim, o Osvaldo, hoje ele está com 68 anos, é o melhor de todos de casa, no futebol, e lá praticamente os cinco jogaram, que o , e o Dimas foram profissional, e o Osvaldo não quis ser profissional. Também ele teve a primeira namorada, casou com ela, ela morreu, quase que ele morre junto, está lá sofrendo ainda, está com depressão por causa da mulher, e já fazem oito anos que ela faleceu.

R. L. – É o mais novo ele, ou não?

A. B. – É um ano abaixo de mim.

R. L. – Ele é o homem mais novo da família?

A. B. – Não, tem o Candinho, o caçula, Candinho já está com 56, e acima do Candinho tem uma irmã, depois tem o Dimas, que jogou também, só o Osvaldo que não foi profissional, e o Antonio Carlos mora em Curitiba, ele andou jogando em Siqueira Campos lá como profissional e tudo, só o Osvaldo que não jogou, que foi o melhor de todos de casa.

R. L. – São quantos homens então, quantos irmãos?

A. B. – Cinco homens.

R. L. – Cinco irmãos homens?

A. B. – Cinco homens e duas mulheres.

R. L. – E como é que era o rachão no quintal de casa, na rua entre os irmãos, como era?

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A. B. – A gente só brigava contra os outros [risos], procurava jogar tudo junto [risos]. A gente sempre comenta, até conversando assim, os caras perguntam dele, ai os caras falam assim: “pô, como jogava, jogava e não quis!”. Eu levei ele para o São Paulo, minha mãe pediu – o apelido em casa é Vado – “leva o Vado com você lá em São Paulo, para ele afastar um pouquinho da Cidinha”. Eu falei: “mas por quê, está feia a coisa?”. –“É, namora todos os dias”. Eu falei: “está bom”, daí eu trouxe ele para São Paulo comigo. O primeiro treino que ele foi treinar, não sei se ele está vivo, depois você vai lá para você confirmar, Fernando Agudo Romão. Seu Fernando estava lá no Morumbi, seu Fernando viu ele jogar, chegou para mim e falou assim: “vou levar seu irmão para jogar lá no São Paulo de Londrina”. Falei com ele: “seu Fernando, fala com ele para ver se ele vai”, ai seu Fernando falou com ele, ele ficou meio assim, daí eu falei: “seu Fernando, faz uma coisa: o senhor leva ele, o senhor passa em casa, tem um amigo nosso lá, Airton Iris, o senhor fala com Airton Iris também e leva ele. Airton não é bom jogador, mas sabe jogar. O senhor leva ele para lá, deixa ele junto que daí meu irmão fica”. E o seu Fernando: “então vamos fazer isso!”. Voltaram para Sorocaba, seu Fernando passou lá e levou o Airton. Eles foram lá, treinaram, seu Fernando falou assim: “depois do treino vai os dois lá que os dois vão assinar contrato. Então jantam e depois vocês voltam”. Eles estão jantando, ai meu irmão virou para o Airton e falou assim: “Cocão, vamos embora”. –“Vado, nós vamos assinar o contrato”. – “Vamos embora, que eu estou com saudade da Cidinha” [risos]. E veio embora, não quis jogar.

T. O. – Não deu certo o plano.

A. B. – E o melhor de todos de casa!

R. L. – Mas é engraçado, que toda família que tem jogador de futebol, tem geralmente um irmão que não seguiu carreira que era, muitas vezes, o craque da família, não é?

A. B. – Não quis jogar profissional, não quis de jeito nenhum. Hoje é aposentado, está lá só sofrendo por causa da esposa.

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R. L. – E quando o senhor chegou em Sorocaba, a gente imagina que ai surgiu o apelido de Paraná, que o senhor saiu de Cambará e foi para uma cidade do interior de São Paulo. Começou na escola, no primeiro time que o senhor jogou, como é que surgiu?

A. B. – De um timinho de rua. Começamos a jogar, brincar lá com eles, daí eles perguntaram: “como é seu nome?”. Eu falava: “Ademir”. – “Que nome difícil”. E eu ainda mexia com eles: “um nome bonito desses vocês acham que é difícil?”. – “Não, é muito difícil esse nome”, daí começou a chamar de Paraná e ficou. Foi bom, que fui lembrado lá, só Paraná, e comecei, antes de me formar em administração, eu fui trabalhar no Ceasa, e eu passava perto do mercado de manhã para ir lá para o Ceasa, para o entreposto do Ceasa, e tinha um cara que dormia lá, todo coberto, dormia na calçada, e eu ia passando, e ele falava assim, nem sei como ele sabia, falava assim: “Ademir de Barros passando” [risos]. Era o único que falava meu nome, não sei se ele conhecia pelos passos, mas ele falava. Joguei no São Bento, comecei em 60 como profissional, assinei o contrato em janeiro, tinha 17 anos, em março que eu fiz 18, e comecei lá no profissional, então para mim foi fácil jogar, porque o São Bento tinha uns jogadores, como a gente fala, “cobra criada”, e eu já tinha aprendido muito também a jogar com os veteranos lá, comecei a jogar com a turma da barra da pesada, como bebia aquela turma! [risos] Mas eles não me levavam lá, eu tinha lá no São Bento o Ceci, o goleiro. Ceci jogou com meu pai no Jacarezinho, e eu enchia a paciência dele, falava: “jogar com um velho desses, jogou com o meu pai”, ai ele falava assim: “mas era novinho quando joguei com seu pai” [risos]. Então eles cuidavam de mim lá no profissional, foi bom por causa disso, porque eles cuidavam, eles iam para a balada deles, eles falavam: “não, você não vai, vai para a escola”, e eles iam para a balada. Para mim ficou mais fácil por causa disso daí, eu ia para o “pau”, arrumava as brigas lá, e eles entravam depois, me tiravam da briga, - “você vai ficar fora”. Foi bom, aprendi muita coisa, bastante mesmo.

R. L. – O Roberto Dinamite fala isso também, ele fala que ele ficava todo orgulhoso, porque ele era o molecão do Vasco, garotinho, estava surgindo, ninguém podia “relar” nele em campo que os outros jogadores chegavam: “perai, no garoto ninguém mexe!”.

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Só que na hora de ir para a noitada também ele não podia ir não, o pessoal não deixava – “você não vai sair, não vai beber, vai ficar no hotel” [risos].

A. B. – E eles respeitavam isso daí, e eu acho que já era uma norma deles mesmo. Para mim foi tranquilo por causa disso daí, em 62, no ano que o São Bento subiu, veio Wilson Capão, Wilson jogou no Santos, veio de técnico, e o Wilson começou a jogar e jogava o Mickey, era uma facilidade de jogar com ele, igual eu falava para o Gerson, Gerson falava assim: “não, porque eu lanço...”, -“Mickey lançava mais do que você” [risos]. O Mickey pegava a bola no meio de campo, só pé esquerdo, ele pegava no meio de campo e saia correndo, ai a bola caia na frente, a bola falava para a gente: “me chuta, me chuta”, [risos], e era uma facilidade para jogar com ele. Tem uma testemunha viva, o Rubini, eu treinei com ele lá no São Bento, e quando eu treinei com ele, logo em seguida ele veio para o São Paulo, depois ficou pouco tempo no São Paulo também, foi vendido para o México, e o Rubini é de Porto Feliz. E o Rubini foi ver Corinthians e Ituano, dizem que o Neto fez um lançamento lá que levantou o estádio inteiro, e o Rubini sentado. Ai dizem que os caras de Porto Feliz: “Pô, Rubini, puta de um lançamento deles você não levanta, não vibra!”. Ele falou: “ah, eu joguei com um cara ai que fazia uns 20 desses por jogo!” [risos].

T. O. – E vocês foram campeões em 62?

A. B. – Então, nós fomos campeões e, até eu preciso mexer nisso daí lá na..., vou ver se tem na Federação, que nós trocávamos e eu não consigo achar um cara que tem, se não me engano eu fui artilheiro do time de São Bento nesse campeonato de acesso, 62.

T. O. – Quantos gols?

A. B. – Eu não me lembro quantos gols foram, mas eu vi lá, não lembro, eu faço parte do [INAUDÍVEL] de Sorocaba, então nós fizemos uma exposição lá, e na correria eu dei uma olhadinha assim, depois não vi mais, eu não vi, daí eu não sei quem que levou embora, para onde foi todo aquele material, então até melhor fazer levantamento.

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T. O. – Mas você jogava mais no meio, ou já jogava na ponta?

A. B. – Não, eu era ponta, o que aconteceu comigo e com o Telê Santana, a primeira vez que o Telê veio para o São Paulo, ele veio, daí ele chegou para mim e falou assim: “eu vou deixar você e Paulo de fora do time, porque eu quero que vocês joguem lá na frente”, ai eu falei para ele: “eu não sei jogar na frente, eu sei me mexer no campo, agora quando precisar lá na ponta-esquerda eu estou lá, cruzando bola, estou chutando no gol”, ai ele falou assim: “mas não quero”. –“A vontade é sua”. E ele trouxe o Ratinho e o Piá para jogar. E eu acho que você não tem o que fazer, igual agora que a maioria dos jogadores está tudo virando robô, porque o técnico fala: “você vai fazer isso daqui, você vai só andar nessa faixa aqui”, o cara só joga ali, não tem mais a criatividade que tinha antes. Então você se mexendo no campo, você vai criar mais, igual os caras falam ali, o Dagoberto. O Dagoberto antes estava jogando diferente, estava ali no meio, estava brigando com a bola ali, fazendo gol, ai começou a sair no jornal que ele estava dando assistência, e onde que ele foi jogar? Lá fora da área. Ai não vai aparecer o jogo, ainda mais ele que é meia ponta de lance, não vai aparecer o jogo nunca, então eu acho que a gente, desde aquela época, a gente já criava. Eu me movimentava no campo, e eu agora levei o Dadá2 para Sorocaba, “Dadá Maravilha”, no casamento do filho de um amigo meu, que é atleticano fanático, o Daniel [dúvida 38:16], e o Daniel sempre me pedia: “vê se arruma uma camisa do atlético mineiro para mim autografada”, eu falei: “qualquer dia”. Ai ele foi levar o convite para mim, falou: “olha, eu quero que você vá no meu casamento, porque você foi no casamento do meu pai e da minha mãe, você tirou fotografia com eles, você foi no casamento da minha irmã, tirou fotografia com a minha irmã, agora você vai lá para você tirar comigo”, falei: “está bom, eu vou”, daí eu falei para o pai dele: “eu vou ver se eu mato o Daniel”, ele falou: “por que você vai matar?”, falei assim:“vou fazer uma coisa para ele, vou ver se eu trago alguém lá de Minas e trago a camisa do Atlético autografada para ele”. Ai eu liguei para o Humberto Ramos, e o Humberto Ramos é concunhado do Carlos Alberto, e o Carlos Alberto jogou com a gente aqui no São Paulo também, e daí eu liguei para o Humberto, conversei, ai o Humberto foi franco, Humberto falou assim: “Paraná, eu não posso ir lá pedir a camisa, porque eu já fui técnico lá e se eu apareço por lá os caras do

2 Dario José dos Santos, o Dadá Maravilha

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jornal já vão tudo em cima falar que eu estou querendo ir de técnico lá, então eu não vou”, e ainda falou assim: “liga para o Dadá”, falei: “então eu ligo”. Liguei para o Dadá, conversei com eles, acertei tudo, e eles vieram para o casamento, ai o Dadá lá em Sorocaba contando para o pessoal, e ele falou assim: “o único jogador que eu pipoquei foi o Paraná” [risos]. Aconteceu um lance engraçado lá no Morumbi, o jogo que nós perdemos de cinco a dois para eles, foi a estreia do Gerson. O Vanderlei pegou uma bola no meio do campo, pegou a bola aqui, como a gente falava, começou a “pentear a bola”, e ele estava olhando o Dario. O Dario saiu, da risca do meio de campo para acertar a linha de fundo do lado, daí ele saiu correndo, eu sai por detrás da zaga nossa do São Paulo, sai por detrás, quando a bola chegou lá no Dario que o Dario chegou na bola, eu cheguei também. E eu cheguei e do jeito que eu vim, ele largou da bola, eu até falo para ele: “o único jogador que você pipocou foi para mim” [risos]. Ele dá risada, mas é gostoso, e foi gostoso jogar futebol também por causa disso daí, você jogava, você brigava com os caras lá dentro do campo, depois saia, encontrava com os caras, lá fora acabou tudo, só dentro do campo que a gente brigava. Depois ia para Seleção, ia ter que jogar junto também, então é tudo diferente.

R. L. – O senhor falou uma coisa interessante que é a respeito da falta de criatividade do jogador de futebol hoje. Até o Tostão costuma dizer o seguinte: que o jogadores das categorias de base, eles parecem parafusos que saiam de fábrica, que são todos iguais, todos itens de série, o Zé Sérgio, que trabalha nas categorias de base do São Paulo, ele fala o seguinte: que ele não trabalha esquema tático com os meninos, trabalha o jogador, para evitar essa robotização. No seu tempo, Paraná, de começo, garotinho, como é que funcionava? Claro, todo mundo tinha que guardar posição, mas vocês tinham essa liberdade de movimentar? Trabalhava-se muito mais o jogador? Como é que funcionava?

A. B. – A gente tinha liberdade, tinha liberdade para criar, então o que você fazia? Você defendia, você atacava, quantas vezes eu estava lá atrás, na hora dava aquele aperto, ai você tirava e ia para frente. Aconteceu um jogo aqui no Pacaembu, São Paulo e Portuguesa, nós estávamos com 10, e eu lá atrás, estava um a zero para nós, e eu fiz um gol do Félix, de bica, eu fui lá de fora da área, estava um a zero para nós, e a Portuguesa

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apertando, nós com 10, ai dentro da área eu dei um chutão para frente, e a bola saiu, eu sai. Quando eu cheguei, o Ditão3, chegando na bola, eu cheguei, e eu passei pelo Ditão, o juiz terminou o jogo. Eu falei assim: “agora que eu ia sair para fazer o gol, terminou o jogo” [risos]. É o que a gente fazia, a gente criava, agora não, agora está mais difícil. Eu peguei meu filho no Atlético Sorocaba, ele disputando uma taça de junior. E eu estou lá, em Sorocaba eu tenho facilidade, e eu estou dentro do campo, estava jogando Atlético Sorocaba e Atlético Mineiro. E o volante do Atlético Mineiro, aonde ele ia, ia o Atlético junto, e ele ia naquele cantinho só ali. Terminou o primeiro tempo - eu não vou ver jogo - ele passou: “ué, veio ver o jogo?”, - “vim ver aquela coisa que você está fazendo ai”, ele falou: “pô, mas está bom o jogo”, -“que está bom o jogo, você está parado ali, o cara marca você, desse jeito você não vai jogar nunca, tem que se mexer”. O técnico era o Nenê [dúvida 43:40], falou: “não, mas o Nenê não quer que mexa, que saia daí”, falei: “ah, não dá para jogar”. Eu fui embora do treino, depois eu fui falar com o Nenê, que o Nenê mora em Sorocaba também, ai falei: “poxa, Nenê, os jogadores estão parecendo robô, você põe uma faixa no campo os caras tem que jogar ali!”, ele falou assim: “mas mudou”, falei: “ah, Nenê, que mudou, a bola é uma só, não mudou”.

R. L. – Falando em bola, o senhor falou que quase teve uma dividida com o Ditão, acho que nessa dividida a bola que pipocou, a bola que saiu não foi não? [risos] Porque tomar uma trombada de Ditão com Paraná... [risos]

A. B. – Ditão era amigo, eu fui mais esperto que ele porque eu toquei a bola, não deu tempo dele pegar. Mas a gente rachava a bola [risos], eu e Jair Marinho. E nós conversamos, lá em Porto Alegre eles fazem um encontro lá, igual fizeram os pontas, todos os pontas, ponta-esquerda e ponta-direita, e nós fomos para lá. Os laterais que entregavam o prêmio para nós, e o Jair Marinho chegou no hotel, nós já estávamos lá, ele pegou e falou assim: “eu e esse daí, a gente quebrava a bola lá, mas nunca um machucou o outro”. Mas é verdade, você ia, entrava com vontade, igual eu entrava, como o Jair Marinho, ele entrava com vontade também, a gente nunca um machucou o outro. Acontece mais assim: o cara fica com medo, vai com medo, o outro vem e machuca. Tem muita coisa que acontece assim.

3 Geraldo Freitas Nascimento

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R. L. – Em cima dessa situação, de lateral e ponta-esquerda, conversei com uma vez, ele desmentiu essa história para mim, uma pena, porque essa história é tão boa que devia ser verdade. Disse que é assim: quando era o canhoteiro, eles combinavam, “olha, uma é minha e outra é sua” [risos], e daí tinham outros jogadores que não, que o Djalma Santos já não tinha esse negócio. Mas não existia isso de lateral e ponta: “uma é minha, outra é sua”, não tinha isso na verdade, não é, Paraná? É lenda isso aí? [risos]

A. B. – É só lenda, mas logo antes, no último ano em que eu parei, eu estava jogando em Barra Bonita, terceira divisão, e o lateral-direito foi jogar, depois jogamos juntos na várzea aqui em Sorocaba, o irmão do Pires, o Brandãozinho, irmão do Pires, o Pires que jogou no Palmeiras. Eu falei para ele, eu de ponta-esquerda, falei: “Brandão, vamos fazer uma coisa: uma minha e outra sua”, ele falou: “então vamos”. Começou o jogo, deram a saída, tocaram para ele, eu falei: “é sua, Brandão!”, ele foi na bola e “ai, ai”, - “o que foi, nem cheguei em você?” Daí ele falou assim: “arrebentei o tendão” [risos]. Primeira bola que ele foi [risos], até aconteceu depois, o Brandão, eu trouxe ele aqui no São Paulo, o médico do São Paulo que operava era o doutor Eduardo Pires de Carvalho, e o doutor operou, o São Paulo deu toda assistência, São Paulo pagou uma coisa boa, eu só cheguei a pedir, deram, fizeram isso, teve uma recuperação boa, depois jogou na Várzea com a gente, e eu acho que a melhor coisa que aconteceu em toda a vida foi a gente jogar no São Paulo, porque o São Paulo fazia tudo isso daí.

T. O. – Conta para a gente como é que foi sair do São Bento e ir para o São Paulo? Quem te trouxe, como foi essa experiência?

A. B. – O Bazzaninho foi jogar no São Bento emprestado pelo São Paulo, mas antes jogou Atílio e Ferrara, eram dois zagueiros, foram emprestados para o São Bento antes do ano da disputa, 61 que eles foram para lá, Atílio e Ferrara, e 62 foi o Bazzaninho para lá, o Bazzaninho foi emprestado, depois nós disputamos o campeonato de 63, 64, , São Bento acho que ficou em terceiro lugar em 63, e quarto em 64, se não me engano foi isso daí, e o Bazzani em 63, o Bazzani não jogou, o Bazzani

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voltou para o São Paulo, e o São Bento pediu o Bazzani, e daí eles falaram: “não, então nós queremos o Paraná”, e eu não queria vir para o São Paulo, porque o pessoal do Santos queria que eu fosse para o Santos, que o Pepe estava parando, e não tinha outro, e eu preferia ir para o Santos, que era mais dinheiro. Inclusive quando eu vim para o São Paulo ganhando menos do que eu ganhava no São Bento.

R. L. – É mesmo?

A. B. – Porque eu era o maior salário do São Bento, e eu vim ganhando menos. O São Paulo foi bom, é o que eu falo sempre para os caras, no São Paulo eu fui catequizado, porque é tudo diferente no São Paulo, diferente dos outros clubes. Para mim foi bom, não ganhei todo aquele dinheiro que dava para ganhar, mas dá para sobreviver.

R. L. – Em que ano que o senhor foi para o São Paulo?

A. B. – Fui para o São Paulo em 1965, e eu tinha dois meses de São Paulo, daí eu fui convocado na Seleção Brasileira que foi excursionar para a Europa. Perdi uma seleção de acesso, se não me engano foi campeã no Peru, Seleção Brasileira, ou Seleção Paulista que foi. E eu estava sem contrato com o São Bento, e os dois melhores pontas do interior eram eu e Dirceu, que era do América de Rio Preto. E daí o pessoal sabendo chegou e falou assim: “é isso aqui para você assinar o contrato”, ai você: “não quero, eu quero isso aqui”. Ai falaram para mim: “se você assinar por isso daqui, você vai para a Seleção”. Eu falei: “não, eu não vou para a Seleção, mas eu quero isso”. E não fui, eu sei que foi campeão no Peru, depois o Picolé ainda trouxe presente para mim, para agradar, e em 65 eu vim para o São Paulo, fiquei acho que uns dois meses no São Paulo, e eu fui para a excursão.

T. O. – A transferência para o Santos não deu certo por causa do São Paulo?

A. B. – Não deu certo por causa do São Paulo. Porque do Santos, o Santos dava mais dinheiro que o São Bento, e dava o passe do Rossi, e o São Paulo dava o do Bazzaninho e mais o dinheiro, mas o São Bento não queria o Bazzaninho, porque o Bazzaninho já

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tinha jogado lá e o Bazzaninho fez nome lá, então me apertaram: “não, vai para o São Paulo”.

R. L. – E como é que o senhor imagina como seria substituir o Pepe, que é o segundo melhor artilheiro da história do Santos? O Pepe brinca, fala que ele é o melhor artilheiro humano do Santos, porque o Pelé não conta. Como é que o senhor se imagina jogando no lugar do Pepe?

A. B. – Nada, eu jogava, era diferente, dava assistência, o pessoal fala agora que dá assistência, então isso eu já fazia. Porque lá no São Bento eu fazia isso, então terminava os treinos lá, a gente ficava. Ficava eu, Mickey e Ceci. Eu aprendi com o Mickey, o Mickey ensinava a gente a cruzar a bola, daí ele metia as bolas, a gente ia cruzar, e ia treinar com o Ceci, a gente fazia sacanagem, porque o Ceci era baixinho, então eu cruzava a bola, colocava a bola na marca do pênalti, ele embaixo da trave. O baixinho batia o pé aqui, ele voava nas bolas lá, e depois eu comecei a tirar mais, cruzava mais, mais atrás, só assim, na brincadeira, no treino, mas assim ia fazendo o jogo, você fazia. Então você vinha, metia a bola aqui, quando o goleiro pensava em sair, o cara já estava cabeceando, lá de frente para o gol. No São Bento era fácil para a gente, porque nós tínhamos o Nestor, o volante. Nestor gostava de entrar no segundo pau. Você jogava para o Nestor, quando ele não fazia gol, cabeceava para o meio para o [INAUDÍVEL] fazer. Fica tudo mais fácil, então o que tem que fazer? Tem que treinar, se você não treinar...

R. L. – Só para a gente esclarecer, que o senhor está falando muito do Mickey, muita gente pode se confundir: esse Mickey não é aquele que jogou no Fluminense, que foi campeão do torneio Roberto Gomes Pedrosa em 70, teve aquele Mickey que fez gol na fase final contra o Atlético Mineiro, contra o Palmeiras, e o Fluminense foi campeão daquele torneio, é um outro Mickey, só para esclarecer.

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A. B. – É outro Mickey, de Sorocaba, o nome dele é Ângelo Remulo Rômulo Lava, família de italiano a dele, ele jogou no São Bento, começou no Savóia de Votorantim. Inclusive agora nós fizemos a festa dos 86 anos dele, só vou contar uma engraçada dele que aconteceu nesse jogo. Jogou Savóia de Votorantim, que era o time que ele jogava, que pagava mais do que os outros times que tinha por ai, foram jogar contra o Palmeiras. Ele conta, e o pessoal velho sempre contava isso daí, diz que saiu pênalti contra o Palmeiras, ele pegou a bola para bater, pôs a bola, ai diz que os jogadores do Palmeiras falaram: “caipira, vai errar esse chute ai, cuidado com o goleiro lá, o Bernan [dúvida 54:17] no gol”, diz que bateu, fez o gol. Saiu outro pênalti. Ele pegou a bola, colocou, olhou assim, os caras do Palmeiras tudo parado no meio do campo. Dizem que ele falou assim: “vem aqui para vocês verem como que é” [risos]. E empatou esse jogo, três a três, o Mickey fez esses dois gols de pênalti. Nós fizemos a rememoração desse gol, com o Bernan [dúvida 54:47] no gol e ele fazendo que estava batendo, só que eu pedi para ele: “não vai bater no gol, que você vai bater o Bernan [dúvida 54:52] vai querer pular na bola. Então só ameaça, só para tirar a fotografia” [risos]. Depois desse jogo, ele contando, ele foi embora para casa, depois do jantar, ai foi para casa, sentou na cama – porque ele sempre teve esse costume – sentou na cama, foi tirar a roupa, tirou a roupa e lembrou: “Venceslau me deu um cheque” – Venceslau era o diretor do Savóia. Ai pegou, tirou do bolso da camisa, olhou, falou: “ih, Venceslau errou”. Disse que não dormiu à noite, qualquer coisinha ele preocupa, ai não dorme à noite, não dormiu a noite. De manhã foi lá no Venceslau, ai chegou: “Venceslau, você errou o cheque”, - “não, isso daí é o prêmio seu do jogo”. – “Mas não está errado?”. - “Não está errado, é seu isso ai”. Saiu, foi lá perto da casa onde a gente morava, comprou uma casa, com o prêmio do jogo. [risos]

R. L. – Bicho gordo esse, hein!

A. B. – É. A gente sempre fazia, tinha um bar do lado do estádio, então a gente tomava, antes do treino, tomava um copo de leite e comia uma bolachinha. Que tinha uma cerejinha assim no meio, e um dia eu e Nestor estamos chegando, o

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Nestor falou assim: “vou pedir para o Mickey pagar a bolacha”, o Nestor falou: “Mickey, paga uma bolachinha ai para mim!”. Ele partiu a metade da bolacha [risos]. Ele era assim, “pão duro”!

T. O. – Paraná, a gente tem que fazer só uma pausinha para trocar a fita, um minutinho.

[FINAL DO ARQUIVO I]

T. O. – Paraná, você estava contando do bicho que o Mickey ganhou com a casa, você teve algum bicho tão grande assim?

A. B. – Grande assim não tive nunca. Então no São Bento, no primeiro ano que o São Bento subiu lá, nós fomos disputar o campeonato, estava quatro meses atrasado o pagamento. Então, um dia lá os caras se reuniram: “vamos lá na casa do presidente, vamos falar com ele que se ele não pagar, a gente não vai para o jogo”. Aí, todo mundo vai, então a gente tinha que ir. Aí, fomos, chegamos na casa do presidente, o presidente reuniu todo mundo na área, sentou todo mundo lá para conversar com eles, uns sentaram no chão, outros nas cadeiras, ele pegou e falou assim: “olha, só posso fazer uma coisa por vocês, vou dar um cafezinho para vocês, daí nós vamos conversar”. A empregada dele serviu um cafezinho, aí ele pegou e falou assim “olha, só tem um, não tenho dinheiro para pagar vocês, se vocês quiserem jogar, vocês jogam. Eu deixo na mão de vocês, pode fazer o que quiser. Só isso que eu posso falar”. É, aí foi assim, saiu, todo mundo foi embora, foi todo mundo para o jogo, porque eles queriam jogar, todo mundo queria jogar, porque, se você jogando, você aparece. Você podia sair para outro time. Era isso, eu precisava. Então, é o que está acontecendo agora lá no São Bento, o São Bento, o que aconteceu, atrasou o pagamento, fizeram greve lá, e daí teve jogador, a Fundação do Ubaldino Amaral, que é a fundação do jornal Cruzeiro do Sul, arrumou dinheiro, pagou os jogadores do São Bento para os caras ‘jogar’. Teve jogador que não jogou, recebeu o dinheiro e deu no pé. E eu fui um dos que dei palpite, eu falei: “não vai

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dar o dinheiro no sábado, vai dar o dinheiro depois do jogo”. Aí deram o dinheiro no sábado. Mas tudo isso lá no São Bento aconteceu porque o São Bento não tem a base. Porque eles não queriam fazer a base. Todos os times de futebol precisam ter a base, porque se o São Bento tem a base, não acontecia o que aconteceu. O cara vai falar: “vamos fazer greve”. Vai a molecada jogar! Agora, não tem, aí vai fazer o que? Os rapazes não quiseram. Então depois, jogando com o Mickey, que o Mickey ensinava muita gente lá, ele batia bem falta. O último jogo que eu joguei no São Bento antes de vir para o São Paulo, nós fomos jogar contra o Ferroviária Ituano, que era o outro time de Itu, e era adversário do clube lá e eu falei para o pessoal: “eu vou jogar, quero fazer a despedida”. Ganhamos de cinco a um, o Mickey fez três gols de falta e eu fiz dois, e eu joguei de centroavante, fiz dois gols. Então ele colocava a bola assim, o cara com a barreira e falava assim, porque a gente tinha aquele ferroantigamente: “olha, vai lá no ferro”. E ele metia e metia dos dois lados, até hoje. Aí, nós estamos brincando, ele estava com 84 anos. Nós temos uma turma que brinca em sábado de manhã, no campo de society. Aí, o Fernandão cabeceou a bola e a bola veio para ele, e a bola estava vindo para ele e já correram dois; correu o adversário e o do time dele, para perto dele, para ele tocar a bola. A bola veio, ele virou o pé aqui assim, sem deixar a bola cair. Ele deu um tapa para o outro, que entrou do outro lado, o moleque veio e fez o gol, foi todo mundo abraçar o Mickey. E eu estou com o goleiro novo, que tinha ido a primeira vez jogar, daí o goleiro virou para mim e falou assim, eu fiz igual o Rubini, ele falou assim: “pô, Paraná, puta de uma jogada dessa e você não vibra”? Eu falei assim: “ah, eu vi ele fazer muito disso daí, para que eu vou vibrar?” [risos] Mas é, até hoje, então ele joga com a gente com 86 anos e ele não tem mais força para tocar a bola longa, mas ele toca a bola perto para você e toca tudo direitinho, faz [INAUDÍVEL], você toca a bola para ele e ele ameaça na bola e deixa a bola passar para o outro companheiro...

T. O. – Não esquece, não é?

A.B. – Não, e com 86 anos. De vez em quando ele faz o gol. Daí o sujeito começa: “ah, os goleiros deixaram você fazer”, ele fala assim: “é, bati direitinho”. Bate bem na bola ele.

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A.B. – Então, antes de eu vir para o São Paulo, teve uma seleção do sindicato que fazia o jogo Rio contra o São Paulo e nós fomos jogar lá no Maracanã, contra os cariocas. O doutor Paulo Machado Carvalho, que era o chefe, ele falando para nós: “a única coisa que eu quero de vocês: vocês chegam lá, jogam, não quero que percam o jogo para os cariocas”. [risos] Ele não queria perder para os cariocas. Nós fomos jogar e foi com a gente o Thales, eu estava no São Bento, o Thales no Ferroviário, o Thales foi. Nós saímos aqui de São Paulo, o Thales saiu calado, nós fomos para lá, jogamos, ficamos lá, voltamos, Thales voltou mudo. O único jogador que eu vi até hoje, saiu daqui, vai para o Rio, fica no Rio e não fala nada. [risos] Todo mundo mexia com ele: “que isso?”, não falava, perdeu a voz. Então, a gente era do interior, mas fazia a seleção paulista aqui, não estava no meio. Nós ganhamos de três a um, o Servílio fez os três gols, três bolas que eu cruzei e ele fez tudo gol de cabeça.

R. L. – Nesses tempos, jogos entre Rio e São Paulo era uma rivalidade terrível, não é? Era uma coisa incrível!

A. B. – Mas era gostoso jogar.

R. L. – Uma rivalidade tremenda.

T. O. – Foi seu 1º jogo no Maracanã?

A.B. – Foi o primeiro jogo.

T. O. – O maior estádio que já tinha visto até aquela época?

A.B. – Eu nem ligava para o campo também.

R. L. – Estava lotado?

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A. B. – Não, não estava lotado. Mas eu nem ligava para o campo também, eu queria jogar. Eu chegava e o campo podia estar cheio, estar vazio, jogar é a mesma coisa.

R. L. – E foi a primeira vez que o senhor foi pro Rio? Pegando um gancho nessa pergunta do Thales?

A. B. – Foi a primeira vez que eu fui.

R. L. – Olha só...

A. B. - Eu era abusado. [risos] Eu podia.

R. L. – Mas o Maracanã pode ser vazio, com aquelas arquibancadas, é uma coisa para quem jogava em time do interior de São Paulo, com aqueles campinhos apertadinhos. Entrar no Maracanã e ver aquele gigante de concreto, Paraná, o senhor não se impressionou nem um pouquinho com aquilo? Nada?

A. B. – Nem na Várzea não impressionava. Tinha jogo lá que ficava o campo todo cercado, sem alambrado, sem nada, o campo todo cercado de gente, é tudo a mesma coisa.

R. L. – E o senhor lembra qual foi o lateral que te marcou nesse jogo no Maracanã?

A. B. – Não lembro quem era. Mas eu devo ter a escalação lá em casa, mas eu não lembro quem foi. Não sei se foi o Murilo, acho até que foi o Murilo ou o Jair Marinho, não sei.

R. L. – A gente falou há pouco desses duelos aí de ponta-esquerda, ponta-direita; ponta- esquerda e lateral-direito, perdão. O lateral mais encardido que o senhor enfrentou foi o Jair Marinho, mesmo?

A. B. – Não, o mais encardido era o Miranda.

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R. L. – É?

A. B. - O Miranda,que foi reserva do Zé Maria.Você vinha, driblava ele, passava por ele, ai você pensava assim: “estou tranqüilo”, e já estava o Miranda na frente outra vez. [risos] Ele era muito rápido. Então você passava por ele e já vinha ele na recuperação. Esse era o mais difícil.

R. L. – E o mais fácil? Aquele que o senhor falava assim: “agora eu vou pegar o fulano na lateral e eu garanto o bicho”. Quem que era? Dá para falar ou não?

A. B. - Peguei dois, quando eu ia jogar, eles colocavam os dois para me marcar. [risos] Peguei Dário e Nino, do Nacional os dois. Eu ia jogar contra eles e entrava um para marcar e o outro na sola, aí eu matava os dois. [risos] Era gostoso.

T. O. - O senhor falou da primeira convocação que veio logo depois, dois meses de ir para o São Paulo, como é que é isso? Um ano, passar para a primeira divisão, pouco mais de um ano depois disso, já estar jogando com o Pelé, fora do país?

A. B. – Mas isso é por causa do futebol que eu estava apresentando antes também, então foi isso, porque...

T. O. - É uma ascensão muito rápida.

A. B. – É. Mas antigamente a gente esperava isso daí. A gente jogava em um time de interior? Jogava, mas a gente esperava. Estou bem, estou jogando bem, estou melhor do que os outros, acabaria por aparecer alguma coisa.

T. O. - Já sabia que vinha?

A. B. - Já, a gente pensava nisso daí, a gente mesmo conversava também. Para mim foi fácil por causa disso, eu vim, fui, saí daqui como reserva do Rinaldo, daí voltei como

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titular. E eu pensava comigo: “já fiz minha parte do que eu tinha que fazer no futebol”, eu pensava.

T. O. - O senhor lembra então quando chegou a convocação, quem te contou?

A. B. – Eu não lembro nem quem me contou, mas foi lá no São Paulo mesmo que eles avisaram, o São Paulo avisava sempre a gente.

R. L. – O senhor se lembra quem era o adversário da estréia, da sua primeira convocação?

A. B. - Eu joguei o primeiro jogo da Seleção lá no estádio em Estocolmo.

R. L. – Rasunda4?

A.B. - Rasunda.

R. L. – E uma coisa interessante: a sua estreia foi no dia 30 de junho de 65, a Seleção Brasileira foi campeã do mundo no estádio Rasunda, no dia 29 de junho de 58, ou seja, praticamente exatos sete anos depois. A final da copa de 58, como é que foi? O senhor ouviu pelo rádio ou o senhor não se ligava muito em futebol?

A. B. - Não, eu ouvia pela rádio. Nessa época a gente jogava no time do Santos também, ali na Árvore Grande, lá em Sorocaba e colocaram o rádio lá na sede do Santos,então foi toda a molecada, todo mundo para ouvir o jogo no rádio.

R. L. – Eu pergunto isso porque tem moleque que gosta de jogar, mas que não acompanha futebol, o jogo, por isso que eu estou perguntando,

A. B. – É, a gente ouvia pelo rádio.

4 Estádio de futebol localizado em Solna, na região metropolitana de Estocolmo, Suécia.

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R. L. – O senhor se lembra bem do Brasil campeão do mundo pela primeira vez?

A. B. - Lembro. Teve uma choradeira lá quando a Suécia fez o primeiro gol [risos], teve uns moleques que choraram. Aí eu falava para eles: “nós vamos ganhar, não precisa chorar”.

R. L. – E o Theo falou da ascensão rápida, depois de um ano estar jogando com o Pelé, sete anos depois de o senhor estar ouvindo o jogo pelo rádio, garotinho chorando, o senhor estava no mesmo estádio Rasunda, e ao lado do Pelé, que era um garoto, quando o Brasil foi campeão em 58. Tudo muito rápido, não é, Paraná?

A. B. - É, foi tudo rápido mesmo. Ali no São Paulo, sofreram muito lá, o São Paulo naquela fase de construção de estádio, então o que eu falei que eu vim ganhando menos no São Paulo do que ganhava no São Bento, só a estrutura do São Paulo é que é diferente, o pessoal também mais humano do que o pessoal lá de Sorocaba, tive o privilégio de ficar nove anos aqui no São Paulo, conheci muitos jogadores, joguei com muitos daqui também.

R. L. – E é interessante isso, porque o senhor quase foi para o Santos, que era um time que estava ganhando tudo na época e foi para o São Paulo, que já vivia um incômodo, um jejum incômodo, porque não era campeão desde 57, quando havia sido campeão paulista. O ambiente estava muito pesado quando o senhor chegou, Paraná? Como é que estava?

A. B. – Estava. Inclusive tinha um pessoal que estavam querendo mandar embora, tinha jogador que não queria sair. Vai sair do São Paulo, pagamento dia dois e ali tudo na mão, os caras não iam querer sair. Em 196 7, jogando aqui no estádio contra o Corinthians, que foi, praticamente era o último jogo nosso do campeonato, que o Santos foi jogar em Ribeirão contra o Comercial e nós jogamos contra o Corinthians aqui. Aqui, no portão de entrada lá do lado esquerdo, nós fizemos uma falta contra o time do Corinthians e o Walter Zum-Zum pegou a bola, daí eu falei para o Walter: “joga fora, Walter”! Aí, o Armando Marques: “seu Ademir, o que é isso?”, e eu: “joga fora,

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Walter”. O Walter pegou a bola e deu para o Clóvis [INAUDÍVEL]. Aí o Clóvis cruzou na área, estava com 10 o time do São Paulo; o Thales subiu atrás do Nenê, meteu de cabeça para o meia. O Nenê fez o gol e empatou o jogo.

R. L. – De canela?

A. B. - De canela, porque se ele acerta o chute, acho que ele ia mandar [risos] aqui para fora do estádio. Daí empatou o jogo, ‘ficamos igual’ ao Santos, daí tinha que disputar com o Santos e o Santos era melhor do que o nosso time. Deu a choradeira e tudo e eu peguei e falei para o Walter: “por que você não jogou a bola fora?”; “daí o Armando Marques ia me expulsar”; e eu falei: “Walter, se ele expulsa você, daí nós vamos brigar com ele, acaba o jogo”. Porque não tinha esse acréscimo que tem agora, então dava 45 e terminava o jogo. Eu falei: “Então, agora não adianta chorar”. Então a gente faz o negócio certo, igual ao São Bento, a gente fazia, mesmo a gente sendo molecada lá, a gente era experiente, porque já tinha jogado com os velhos, a gente segurava. Ia lá, segurava: “vamos segurar aqui, não vamos deixar” Então, já fazíamos tudo isso.

R. L. – E essa partida que o senhor citou em 67, o Lorival tinha feito um a zero para o São Paulo e aí o Benê, no finalzinho do jogo, empatou de canela. Eu acho que para o São Paulino que viveu os anos 60, essa foi, talvez, a partida mais dolorida, porque o título estava ganho, como o senhor falou. Uma jogada no final, boba, e o Corinthians acabou empatando. Depois, teve uma partida de desempate contra o Santos.

A. B. – E o Santos era melhor do que nós.

R. L. – E aí, todo mundo já sabia que o time do São Paulo era aguerrido, mas que não conseguiria vencer o time do Santos, não é Paraná?

A. B. – Então, eu ganhei uma aposta com o Mário Morais, que o Mário falava assim: “vocês não vão chegar nem em décimo lugar”, e eu falava “nós vamos disputar o título”, eu falei para ele. - “ah, não disputa. Vale uma caixa de Whisky”, eu falei “Vale”. Daí eu apostei [risos] Mas até hoje, só se ele me trazer lá de cima agora, porque até hoje

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ele não me pagou [risos]. E o time nosso era bem limitado, bem limitado mesmo, mas o que tinha, uma coisa que falta hoje em muitos times de futebol e falta no São Paulo, tinha guerra, garra, a gente ia para a luta. Mas se o cara não quer lutar, aí não tem jeito.

T. O - E foi vice-campeão.

A. B. - Foram vice.

R. L. – Teve uma história interessante que é o seguinte: foi um jogo de desempate e o Santos estava reivindicando no tapetão os pontos de uma partida contra o Comercial de Ribeirão Preto e quando os dois times chegaram na última rodada empatados, no número de pontos, por causa desse empate contra o Corinthians, o Santos abriu mão do tapetão e falou:“vamos fazer uma partida extra então”. Hoje em dia, que é tapetão para todo lado, é impossível imaginar uma situação dessas, não é Paraná?

A. B. – Hoje não faz mais.

R. L. – Hoje os homens engravatados iriam decidir e não os jogadores.

A. B. – Agora vai. Então, aqui aconteceu aquele Simpósio sobre a Copa do Mundo, e eu estava conversando lá, foi na Câmara o Simpósio; aí foram falando que o Morumbi vai sediar a Copa. Daí eu peguei e falei....Estavam Jaime Franco e o Portela, eu falei assim “São Paulo não vai”. - “Não vai?”. O André Santos, foram convidar ele para ser diretor da CBF5 e acompanhar a Seleção na Copa do Mundo e eu falei: “Vai fazer alguma coisa lá.”, daí eu falei: “pode sair até o Pacaembu para a abertura da Copa, mas o Morumbi não vai”. [risos] “Não, vai”, - “vocês vão ver”. Porque a gente que fica de fora, fica vendo muita coisa que acontece. E o time do Santos estava bem melhor do que o nosso, bem melhor.

R. L. – Edu, Toninho Guerreiro, Pelé.

5 Confederação Brasileira de Futebol

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A. B. – O Edu eu acho que não estava ainda.

T. O. – Estava, o Edu fez gol nessa partida de desempate, 67.

A. B. - Edu e Toninho fizeram o gol. Foi bom. Aí, em 70 veio o Pedro, Gerson, ai melhorou para a gente.

R. L. – Mas nesse período do São Paulo, que o senhor chegou, de fila, como é que o senhor foi recebido no São Paulo pelos jogadores?

A. B. – Aconteceu uma coisa engraçada. Foram jogar no Campeonato Paulista, São Bento e São Paulo, e o Poy colocou o Virgilio . O Virgílio Branco, até hoje a gente fala para ele que é raça ruim. [risos] Aí o Poy falou para ele: “Já chega na primeira que você vai, já dá”. Porque antigamente era assim, o zagueiro vinha, dava a primeira e se você ficasse com medo, você iria jogar lá atrás. Aí o Virgílio veio, deu a primeira, aí na segunda eu dei, na terceira eu dei, daí disse que o Poy brigou com ele no término do primeiro tempo. Ele falou assim “Mas seu Zé, o que é que eu vou fazer? Eu dei nele. Em vez de vir para cima da gente, e ele passa por cima”. [risos] Então depois do jogo, terminou o jogo lá, conversando, daí ele veio e conversou comigo e tudo, e eu fiz amizade com o Dias, na seleção, aquela seleção do sindicato, eu já tinha feito amizade com o Dias.

R. L. – Roberto Dias?

A. B. – É, a gente conversando, daí eu vim para cá, quando eu vim, foi a facilidade, porque eu cheguei no meu primeiro treino meu lá no Morumbi e dei sorte de estar na lateral-direita; e lá no Morumbi, antigamente tinham uns bancos do lado da pista e eu vinha, estava bem, jogava a bola na frente e passava. Aí deu a sorte de me jogar lá no banco. Aí ele mesmo falando depois: “ah, agora ele não vem mais”. Voltei para pegar a bola e fui outra vez [risos] Aí, ele falou assim para mim “não vou mais bater em você não. Se eu bato, você passa, se eu não bato, você passa. Vai passar, deixa passar”. Fiz amizade fácil com todo mundo. Quando eu cheguei, tinham dois pontas-esquerdas no

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São Paulo, tinha o Valdir e o Agenor, fiz amizade com os dois; joguei com o Valdir, jogava na direita e o Valdir jogava na esquerda, ou o Valdir jogava na direita e eu na esquerda. Então eu fiz amizade com todo mundo e para mim foi bom, até hoje todo o pessoal que passou no São Paulo, todos gostam de mim.

R. L. – E o De Sordi era um baixinho atarracado, mas era um grande marcador também, não é Paraná?

A. B. – Marcava bem.

T. O. - Você começou a falar de 67, mas a gente está passando por 66, a Copa do Mundo. Como foi para você ser convocado para ir jogar a Copa do Mundo? Como é que foi a preparação de 66?

A. B. – Foram convocados um monte de jogadores.

T. O. – Quarenta e poucos, não é?

A. B. – Quarenta e poucos jogadores. E eu fui para a Seleção, essa da Copa, e tinha um jornalista do Rio lá que não podia nem me ver. Inclusive o Belini foi falar com ele lá e ele falou: “Ah, não gosto dele não. Vou meter pau nele”. Daí até eu acomodei, eu já pensei comigo: “ficar em um negócio desse assim, negócio feio. Não dá para ficar”. Então eu não estava me empenhando nos treinos. Nós fomos treinar...

R. L. – Caxambu e Serra Negra, não foi? Dois locais de preparação, não era isso?

A. B. – É. Nós fomos treinar contra um time, não lembro quem era, que time era.

T. O. - Aqui no Brasil?

A. B. – É, ah, no Botafogo de Ribeirão Preto. E o Botafogo tinha o lateral-direito Ditinho. Ai: “Vamos treinar”. Começou o treino, tudo devagarzinho, e eu parado,

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falando comigo “vamos jogar, vamos jogar”. Do jeito que estava a situação também, nem eu estava querendo. Eu estou devagarzinho, aí o Ditinho veio e me deu um pontapé. Aí que eu comecei a jogar [risos]. Comecei a jogar, daí eu fui para a seleção titular, depois desse treino. Mas aconteceu muita coisa naquela Seleção.

T. O. -Como é que era o clima?

A. B. – Muita gente, o clima não era bom.

T. O. - Não?

A. B. - Não. Ficavam mais reunidos os mais novos, eram os mais novos um grupo, tinha um outro grupo, tinha o pessoal do Rio. Era tudo diferente.

T. O. - Era muita competição?

A. B. – Era uma competição, porque, praticamente, ficamos sem o “manda-chuva” da Seleção, que era o Paulo Machado. Porque se vai o Paulo Machado, o Brasil é campeão em 66.

T. O. - Ele botaria ordem?

A. B. - Ele colocava ordem, ele colocava. Agora os caras ficaram com ciúme, porque ele foi campeão em 58 e em 62, aí vai ficar ele em 66? Não fica. Daí que foi o pessoal do Rio tomar conta, todo mundo escalava o time, aí não tem jeito. Eu acho que o time tem que ter um técnico, se não tiver técnico, aí não dá. Aí eles vão fazer igual fizeram lá, no fim quando eles viram que estava tudo perdido, falaram assim “ó, seu Feola, o time é seu, escala você”. Não tem jeito.

R. L. – E pegar 47 jogadores em um período de preparação para ficarem só 22, é estimular um péssimo ambiente. Não tem outro jeito, não é Paraná? Porque todo mundo está brigando pelas vagas. Uma coisa horrível que fizeram.

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A. B. – Mas veio mais, o jornalista do Rio não trouxe o Amarildo lá, que ele queria que o Amarildo jogasse.

T. O. - Foi indicação de jornalista?

A. B. – É.

R. L. – Era uma coisa tão interessante a questão da rivalidade, entre Rio e São Paulo principalmente, que foram convocados 22 jogadores no final, como a gente falou. Foram 10 cariocas, 10 paulistas, um mineiro que foi o Tostão e um gaúcho que foi o Alcindo. O Tostão jogava no Cruzeiro e o Alcindo jogava no Grêmio. Então quer dizer, muitos jogadores, por exemplo, do São Paulo poderiam ter jogado e não jogaram.

A. B. – Nessa seleção, tinham uns jogadores melhores, que estavam em melhores condições do que os outros: Carlos Alberto, Djalma Dias, Dias, Servílio, foi cortado também...

R. L. – Ademir da Guia não foi nem convocado.

A.B. –OAdemir não foi. Com o Ademir aconteceu um negócio nessa excursão de 65. Nós fomos jogar em Orã6, e nós fomos treinar e o Ademir não pôde treinar, porque o piso era branco assim e o Ademir não enxergava a bola.

R. L. – Conta melhor essa história para a gente então.

A. B. – Foi daí que não deixaram ele jogar mais. [INAUDÍVEL], não enxergava a bola.

R. L. – Não enxergava a bola?

A. B. – Não. Por causa do piso branco assim. Tem dificuldade nisso.

6 Cidade da Argélia.

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T. O. - E todo mundo sabia? A comissão técnica sabia?

A. B. – Não, ninguém sabia. Ninguém sabia. Daí ele não pôde treinar. E quando é assim, tem que jogar com os óculos escuros [risos] Então o Ademir ficou fora, daí foi por isso que o Ademir não foi convocado. A Seleção estava assim, todo mundo fazia e desfazia, o pessoal que mandava. Se era o Paulo Machado não, era diferente, ele tomava conta de tudo. Aí vira bagunça mesmo. Jogamos, eu joguei o último jogo, eu estava com uns pontos na perna, que eu machuquei em um jogo em Gotemburgo, antes de começar a Copa, e quando deram o seu Feola, o seu Feola foi ver quem queria jogar. Porque o Pelé não tinha jogado já contra a Hungria, porque o Pelé estava machucado. Ai o Negrão: “não, eu vou para o jogo também”. E eu também, com meus pontos na canela, eu vou para o jogo. Aí jogamos, quando chegamos no hotel, o jornalista do Rio, eu estou descendo do ônibus, ele chega e vem bater nas minhas costas: “Parabéns, você foi o melhor nosso”. Eu virei e dei um soco na cara dele. Bem no meio. [risos] Caiu ali, eu cheguei na delegacia, já vem: “ pô, seu moleque”, falei: “já dei um safanão nele” [risos] Aí ele falou assim: “Não precisa esperar sua convocação para a Seleção”. Eu falei: “não, para vim em uma coisa dessa ai eu prefiro ficar jogando lá no meu Santos”. Porque, teve uma folga da Seleção e eu fui jogar com o Santos. Então, o que a gente fazia, o negócio da molecada, o Santos lá de Sorocaba. O Santos lá tinha o segundo quadro era só molecadinha pequena, inclusive meu irmão caçula o Candinho, jogava, e quando eu ia para lá os caras me chamavam: “Vamos lá jogar”, e eu ia jogar com a molecada. Então eu fui jogar, e nós jogamos contra o time da polícia militar, só molecada. E esse meu irmão, Antonio Carlos, estava em casa e falou assim “Eu vou para o jogo também”; e ele jogou de goleiro. Estamos jogando e ele agarrava a bola, o cara vinha, um sargento da polícia militar, vinha e metia a cabeça nele. E eu falava para ele assim: “Calma”, teve uma hora que ele não agüentou, ele deu um soco no cara. Tivemos que sair correndo de lá, dos caras da polícia. Saí correndo, fui embora, daí os caras ligaram no Rio, que eu tinha jogado com a molecada. Eu levei uma dura quando eu cheguei lá. No dia em que eu dei o safanão nele lá, ele falou, “meu prefiro ficar jogando lá no meu Santos, que era melhor.”

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R. L. – Isso foi logo depois da Copa?

A. B. – Depois da copa, depois do último jogo, quando nós chegamos em Lynn.

R. L. – E esse jornalista era de rádio, de jornal?

A. B. – Jornal.

R. L. – Jornal?

A. B. – É. Falecido.

R. L. – Falecido? O senhor pode falar quem que era, não?

A. B. – Ademário [dúvida 30:45]

R. L. – Ah sim, o Ademário...

A. B. - Ele me perseguiu, não queria que eu jogasse na Seleção. Ele mandava fotógrafo ver onde que eu ia, para ver o que eu estava fazendo para tirar fotografias. Deu azar, tinha outra cabeça, a gente.

R. L. – O senhor falou uma coisa interessante, de ter jogado com pontos. Tem uma história, Paraná, muita coisa no futebol não é verdadeira, é inventada, é floreada, principalmente quando o Brasil perde Copa do Mundo, tentam de qualquer forma arrumar um culpado. Uma história que é bastante conhecida, eu quero que o senhor me confirme se ela é verdadeira ou não, é de que, alguns jogadores com medo de enfrentar a Seleção de Portugal, eles comeram pasta de dente para ter dor de barriga e não entrar em campo. Isso é verdade ou mentira?

A. B.- Diz que é verdade, teve muitos jogadores que fizeram isso.

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R.P. – Que era o Portugal de Euzébio, Colunas, Torres, Simões...

A. B. - É, porque o jogo contra a Hungria, começou o jogo e o Mané fez um gol de falta, o juiz anulou, deu impedimento. Depois fez outro, aí ele deu. O time da Hungria estava brigando, estavam brigando mesmo. Sobrou a bola para o Alcindo, embaixo do gol, para o Alcindo fazer o gol. Se o Alcindo faz o gol, mata o time da Hungria e ele eles não estavam classificados para a outra fase. Daí o Alcindo ficou esperando a bola descer aqui para ele empurrar a bola com o pé. O zagueiro veio, chutou o Alcindo, a bola, tirou tudo, aí eles viraram o jogo e nós perdemos. Se faz aquele gol, do jeito que ele estava brigando, já mata o time deles.

T. O. - Mas a mudança que vem depois...

A. B – Daí veio a mudança depois porque deram para o seu Feola escalar o time, aí o seu Feola foi falar com o pessoal , quem queria jogar, quem ia jogar. Aí teve cara: “Não, não vou jogar, estou com disenteria”, outros: “estou isso, estou com aquilo...”.

T.O. - Então não foi só o Feola que decidiu quem ia jogar. Os jogadores falaram...

A. B.- Os jogadores que falaram para ele, que ele foi perguntar.

T. O. - Mas isso foi a sua chance, não é? Foi sua chance de entrar também.

A. B.- Eu não podia jogar. Eu pensava antes que eu ia ser cortado, porque eu levei os pontos no último jogo antes da Copa; e eu levei os pontos e eu estou na cadeira de rodas, quando saiu o último corte. E o Servílio que era o melhor atacante nosso, o Servilio foi cortado. E eu estou na cadeira de roda. Eu que teria que ser cortado e não o Servílio. Eu não podia jogar.

T. O. - E por que foi isso?

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A.B. – Eu joguei por que eu falei “eu vou para o jogo”. Naquele tempo não usava caneleira, tanto que é que eu fui para o jogo, e a primeira bola que eu fui disputar, o Coluna veio e deu em cima. A gente tinha que jogar, já tinha entrado.

R. L. - Era um período de ditadura militar ferrenha, ficavam pessoas do Exército ali com vocês também, meio que pressionando os jogadores, ou não?

A. B. – Não, pressionando os jogadores não. Mas já tinha um lá que era do Exército, que era o diretor, não sei se era amigo do , nada. Tanto é que a seleção levou aquele Rodolfo Armaní, que era da pesca lá do Rio, amigo do Paulo Amaral, até ele escalava o time. [risos]

R. L. – Eu perguntei para o senhor pelo seguinte: eu ouvi uma história também, dessas que a gente não sabe se são verdadeiras ou se são lendas, que tinha um general, um comandante ou sei lá o que na delegação, que para pressionar os jogadores, para mostrar que tinha que ser macho, que sei lá o que, o cara comia inseto na frente de vocês, comia barata, comia minhoca, se bem que minhoca não é inseto, mas sei lá, comia uns bichos na frente de vocês. Isso é verdade ou mentira?

A. B. – Não, essa não.

R. L. – Essa então não poderia ser verdade, porque seria o fim da picada. [risos]

T.O. - A gente ouviu que, em uma reunião entre o João Havelange, Paulo Amaral, Carlos Nascimento e o Feola, para decidir a escalação do jogo contra Portugal, o Feola que defendeu seu nome, defendeu que o Paraná jogasse, você soube dessa reunião? Isso existiu?

A. B. – Não, eles não fizeram reunião com eles não.

T. O. - Não?

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A. B. - Se tivesse feito a reunião, a gente sabia. Eu sei que o pessoal chegou pra ele e falaram assim “O time é seu, escala você”.

T. O. - Está certo. E a gente também tem uma estatística, que das faltas que Portugal fez no jogo, a maior parte delas foi em cima de você. Você sentiu isso no jogo, foi duro, além dessa do Coluna?

A.B. – Eu jogo de acordo com o jogo. Porque eu cheguei junto com eles também. Isso é normal.

T. O. - É porque o jogo ficou conhecido como um jogo muito duro.

A. B. – Pena que o rei estava machucado, se não a gente ganha o jogo.

R. L. - Os portugueses entraram com essa pré-disposição de bater nos brasileiros ou a gente que não sabe perder no futebol e inventa essas coisas, Paraná?

A. B. – Tem uma coisa, antigamente não tinha televisão, você via no jornal: “Fulano está com machucadura aqui e ali”, daí você ia jogar e o cara procurava bater ali onde você estava lesionado. Agora não, agora os caras mostram, ninguém vai fazer isso daí, antes fazia. Eu assisti Brasil e Bulgária, primeiro jogo, e o segundo também, junto com o pessoal de Portugal, na arquibancada [INAUDÍVEL].

R. L. - Contra a Bulgária perseguiram o Pelé em campo de uma forma absurda, aquilo lá foi uma caçada.

A. B. – É, ele se machucou ali, naquele jogo.

R. L. - E contra Portugal, e o Eusébio em campo? Fala um pouquinho sobre o Eusébio em campo, ele gritava muito, era mais calado em campo? Como é que era?

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A. B. – Não, era mais calado. Quem falava muito era o Coluna, o baixinho Zé Augusto e o Torres, esses é que falavam mais do time deles. Eusébio não falava. Eusébio era igual ao Pelé, só jogava. [risos]

R. L. - E o Pelé? Como é que o Pelé se comportou na copa de 66, em meio a esses bastidores todos, de confusão, de gente querendo escalar o time, como é que foi a postura do Pelé, que já era campeão do mundo?

A. B. – O que eu falo e mexo com a molecada lá, eu falo para eles: “a gente tinha um 10 que jogava e os outros todos são japoneses” [risos] Eu falava para eles “eu nunca vi o 10 falar assim ‘Porque eu jogo, eu faço isso e faço aquilo’. Ele é mais humilde do que os outros”.

R. L. - É mesmo?

A. B. – É. Não fala, não se mete nas coisas.

T.O. - Mas nos bastidores, quando vocês estavam nas preparações, ele dava bons conselhos, ajudava?

A. B. – Isso dava, isso fazia, mas falar no meio de todo mundo assim, não falava não.

R. L. – Diz que uma vez, na Seleção Brasileira mesmo, o que mostra até a humildade que o Pelé tinha, não sei como é que é o Pelé hoje, nunca tive contato com ele, não sei se ele é, humilde ou se não é, não sei,eu até acredito que seja; mas quando ele jogava futebol, as pessoas falam mesmo que ele é de uma humildade incrível. Uma vez na Seleção, os caras estavam em excursão em não sei aonde, e aqueles hotéis já era muito bons padrões, não é igual a hoje que os caras ficam em castelo, mas era já top de linha, e um jogador muito menos badalado que ele, do lado dele na mesa, pegou o bife: “Ah, esse bife está duro”, começou a reclamar com o garçom. Dizem que o Pelé pegou o garfo e disse “me dá esse bife aqui então, porque, pelo jeito, você nunca passou fome na vida”; pegou do prato dele e comeu. Acho que é uma pequena amostra disso que o

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senhor está falando de como o Pelé se comportava perante o grupo. Se tinha alguém, que poderia, entre aspas, reclamar da comida, era o Pelé. Não, só jogava.

A. B. – Só jogava.

T. O. - E depois, voltando à Copa, teve um trauma da derrota, alguma coisa ficou um peso, sobre os jogadores que participaram?

A.B. – Acho que não, porque todo mundo ficou jogando aí depois.

T. O. - Uma pressão da torcida, da imprensa?

A. B. – Normal. A imprensa brasileira é normal, depois eles esquecem. Aí não lembra, acabou tudo. Depois da Copa você soube o que aconteceu?

T. O. - Em qual Copa?

A. B. - Nessa copa em que o Ronaldo ficou ruim.

T. O. - 98? Pararam de falar, não é?

A. B. - Então, ninguém fala nada. Isso chama-se Brasil. [risos]

R. L. - E o senhor então... até uma questão que eu ia entrar, o senhor não foi mais convocado depois da copa 66 por causa desse incidente com o jornalista [INAUDÍVEL]?

A. B. – É, e por causa do Carlos Nascimento. Eu dei um safanão no Carlos Nascimento. Aí ele falou: “Não precisa esperar mais convocação para a Copa”. Aí eu falei:“Para vir numa merda dessa mesmo, eu prefiro ficar lá no meu Santos”.

T. O. - Depois nunca mais?

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A. B. – É, nunca mais. Em 70, eu estava melhor do que os outros.

T. O. - Estava ainda?

A. B. - Em 70 eu estava melhor do que Edu, do que Paulo César. Podia ser convocado.

T. O. - A questão política pega também, não é? Não tem jeito.

R. L. - O senhor falou de 70, o ano em que o São Paulo quebrou o jejum, campeão paulista. Foi campeão com uma vitória de dois a um contra o Guarani, lá em Campinas.

A. B. - Então, nós fomos campeões paulistas naquele ano, 90% dos gols do São Paulo, fui eu quem cruzei.

R. L. – Toninho Guerreiro?

A. B. – Então, já estava melhor que os outros.

R. L. – É verdade que o Toninho Guerreiro te pedia sempre para cruzar no rebolo? Nunca para ir sozinho, porque ele preferia o contato físico? É verdade isso?

A. B. – O Toninho falava assim: “quando você pegar, joga no meu peito que é gol”, mas era. Quando eu fui jogar com eles no Operário de Campo Grande, campeonato nacional, nós estamos jogando contra o Santos, jogavam a bola, vinha para o Toninho, [INAUDÍVEL], chutava Toninho, bola, chutava tudo. Terminou o primeiro tempo, estou descendo no vestiário e ele falou assim para mim: “joga uma no meu peito”, eu falei “quando eu pegar, eu vou tentar”. Quando começou o segundo tempo eu consegui, meti no peito dele e ele de costas para o gol, ele virou e fez o gol. Saiu com as marcas da chuteira, da trava da chuteira do [INAUDÍVEL] na canela. E ele fez o gol.

T. O. - Valeu a pena.

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A. B. - Valeu. [risos]

R. L. - Ele gostava mesmo do contato, não é?

A. B. - É, dentro da área, era bom.

T. O. - Como foi esse tempo no São Paulo, no geral? Você acha que foi o auge da carreira, o melhor tempo do futebol?

A. B. – Para mim foi porque eu gostava de jogar. Joguei com um monte de jogadores que eu fui conhecendo, fiz amizade com todo mundo. Joguei com um grande grupo de jogadores, porque o São Paulo fazia isso, mesma coisa que o São Paulo faz agora; contrata 30 jogadores, depois pega mais 10. Então fiquei conhecendo muita gente, fiz amizade com todos, até hoje tenho amizade. Inclusive faz quatro anos desde quando entrou o Juvenal Juvêncio, nós não tivemos mais aquele encontro no São Paulo e eles ligam para mim para saber “Pô, Paraná, não tem!” “É, não tem, o homem não quer fazer então, não falo nada”. Agora até eu parei de vir, por causa disso daí. Então, fiz amizades, tinha mais amizade de ficar mais junto com o Nenê, fiquei conhecendo o Nenê aqui no São Paulo, joguei com ele aqui, joguei com ele em Campo Grande, lá no Operário, joguei em Curitiba com ele também. Só não joguei com ele no Londrina, porque ele não acertou para ir, se não tinha jogado com ele. Então foi esse que eu fiz mais amizade. E fiz amizade com todos os outros, inclusive o pessoal que jogava, naquela época no juvenil, jogavam lá e eu fiz amizade com todo mundo e os caras me adoram porque..., também eu não sou desses, nunca fui falar mal deles, sempre ajudava, ia trinar, dava força para eles. Então a gente faz um grande círculo de amizade. Joguei com eles todos, que eu conversava mais, fora o Nenê que ainda mora em Sorocaba, era o Dias, o Dias e o Teles, eram os dois que eu conversava mais, daí o Dias faleceu, então só ficou o Teles, de vez em quando eu ligo e falo com ele. Uma coisa gostosa, só senti disso daí, de parar aquele encontro que eu vinha e encontrava o pessoal, fiquei conhecendo jogador também que eu nem conhecia, fiquei conhecendo aí. O Mickey falava para mim: “pergunta lá no São Paulo, tinha um jogador que jogou no São Paulo,

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que eu joguei contra ele, Azambuja”. Eu perguntava e ninguém conhecia, daí no primeiro encontro que nós fizemos, a primeira pessoa que eu encontro lá foi ele, daí eu falei do Mickey e ele falou: “Aquele loirinho, que jogava lá no Savóia!”. Então, é uma coisa gostosa isso. Teve um jogador que veio no primeiro encontro, aí no segundo não veio, no terceiro eu liguei para ele e ele falou assim: “ Paraná, eu falei para você, não dá para ir. Eu fico chorando só lá” [risos] “Mas vem”, eu falei para ele, “venha, daí você fica comigo lá e eu vou chorar junto com você também”.

R. L. - Deve ser legal esse reencontro.

A. B. - É gostoso!

R. L. - E já ouvi falar o seguinte, que quando o senhor liga pro Gerson e ele fala assim: “Quem está falando?”. - “Aquele que corria para você”. E ele fala: “oh, Paraná!” [risos]. E aquele time: Gerson, , quem jogava a bola mais redonda lá na frente, era o Gerson ou Pedro Rocha?

A. B. – Os dois a mesma coisa. E Toninho para fazer os gols.

R. L. - E os dois se davam bem? O Gerson e o Pedro Rocha?

A. B. – Se davam bem, pena que vai acabando. O pessoal vai morrendo...

R. L. - E o senhor chegou e, Fórlan era o lateral-direito do São Paulo, pai do Fórlan, que foi eleito melhor jogador recentemente, inclusive, maior artilheiro da história da seleção uruguaia. E esse Fórlan uruguaio, o senhor chegou a jogar contra ele? Dá cintura para cima, para ele, é a canela, não é?

A. B. – Graças a Deus só joguei junto. [risos].

R. L. - Era caveira o apelido dele, não era? Parecia uma caveira.

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A. B. – Mas no primeiro encontro do São Paulo, eu liguei lá para Maceió, aí o cara de lá: “Quem é”? Aí eu falei assim “aquele cara que batia em você no treino”. Ele pensou, pensou... “Não vai me dizer que é aquele filho da puta do Paraná” [risos]. “É ele mesmo”. Eu batia nele no treino. [risos] Mas batia só para encher a paciência dele. [risos]

R. L. - E eu ouvi falar também, que esse pessoal do São Paulo nessa época, tinha aquelas banheiras de hidromassagem, dizem que primeiro os medalhões que entravam na banheira.

A. B. - Não, não, tinha uma turminha que era freguês ali da banheira. Eu nunca entrei, entrava quando tinha, eu peguei no tempo do Aymoré, que faziam exercício ali. Daí fazia.

R. L. - Mas eu ouvi falar que os jogadores mais tarimbados, primeiro eles que tinham que entrar, para depois os outros, mais novos, se quisessem entravam na banheira. Primeiro era eles que pegavam a água limpinha...

A. B. – Não, isso é mentira. O Carlos Alberto veio lá do [INAUDÍVEL] e a gente morava em um hotel ali perto da Estação da Luz, Hotel das Bandeiras. Eu sempre tive esse costume, depois comecei a jogar. Então eu almoçava, cinco minutos tinha que tirar uma soneca, até hoje eu sou assim; almoço, daí cinco minutos tenho que tirar uma sonequinha. Aí, eu estou deitado lá, o Carlos Alberto chega para ir para o treino, ele vinha com a chuteira embrulhada em um jornal, debaixo do braço, chegou lá, abriu a porta do meu quarto: “Ei, vamos! Está na hora do treino”. –“seu moleque, sai daqui, vê se respeita!” [risos]. Ele foi embora, ficou uns três dias sem vir com a gente [risos]. Eu tive que falar com ele depois: “eu estava brincando”, - “pô, pensei que era sério”.

R. L. - Inclusive nesse jogo de 70, que o São Paulo garantiu o título contra o Guarani, em Campinas, acho que uma das suas filhas nasceu próximo dessa data, não foi?

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A. B. – A Cíntia nasceu, a Cíntia tinha nascido já, foi antes do jogo do Guarani. É a são paulina mais fanática de casa. Não vai casar nunca, já falei que ela vai ser..., ela é casada com o São Paulo [risos]. Mas está braba lá, por causa do time do São Paulo: “Pô, pai, vai lá e fala com eles”; “ eu não vou falar nada, eu não vou lá, como que eu vou falar com eles?” [risos] Tudo dela, é tudo São Paulo.

T. O. – Nessa época, você já estava casado?

A. B. – Já, eu casei em 69, 68... 68 eu casei; 69 faleceu meu pai, 68 eu casei. Em 70 nasceu a Cíntia, em 72 nasceu a Cibele e em 78 nasceu o Juninho, veio de contrapeso [risos]

R. L. – Ele vai assistir, vai ficar bravo com o senhor!

A. B. – É a raspa do tacho, mas é maior do que eu.

R. L. – Setenta foi um ano abençoado para o senhor, então?

A. B. – Depois daquele jogo do Guarani, a minha esposa estava em São Roque, na casa do padrinho da Cíntia, estava em São Roque. E eu vim com o pessoal de Campinas, inclusive o prefeito de São Roque foi para assistir o jogo, eu vim com eles. E houve um acidente na estrada, um japonês lá de São Roque capotou o carro lá. Ai nós fomos acudir os caras tudo, sei que nós chegamos de manhã lá em São Roque. E ali em São Roque a maioria da cidade era tudo são paulina, então minha esposa, ex-esposa, Dona Dulce vai fazer três anos que faleceu, mas também não era dessas de falar: “não, que eu torço aqui”, e eu não perguntava, nunca perguntei em casa. A Cíntia surgiu acho que de ver as fotografias dos recortes de jornais que tem lá, ai surgiu isso, daí a Cibele acompanhou também. E agora tem minha neta. Meu neto, filho do Juninho com uma ex- namorada dele lá, e ele mora na casa do outro avô, e a família da outra é tudo palmeirense. Daí eu sei que vieram em um jogo ai, a Cíntia trouxe ele. Disse que ele voltou lá, chegou lá, o avô, abrindo a porta da garagem para poder entrar, ele: “salve o tricolor paulista...” [risos]. Agora ele mesmo fala, fez ontem seis anos, daí ele pega e

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fala assim: “lá no vô Sérgio eu só uso a roupa do Palmeiras, e aqui é só do São Paulo” [risos]. E meu filho, até hoje não sei meu filho, meu filho está com 33 anos, e eu não sei para quem ele torce.

T. O. – Nunca quis jogar bola o seu filho?

A. B. – Não, meu filho jogou, ele estava jogando bem e tudo, vai jogar para a escola, jogar salão, estourou o joelho.

T. O. – Ele era criança?

A. B. – Estava com 16 anos, estourou o joelho.

T. O. – Ai nunca mais?

A. B. – Desde pequeno só jogava salão, que ele foi jogar campo de tanto eu ficar em cima dele para ele jogar, porque minha esposa e minhas duas filhas não queriam, só que ele jogasse salão, que ela iam acompanhar ele jogar salão. E Sorocaba tem muito disso, só salão. Ai depois eu consegui levar ele para o campo, daí jogou comigo, depois jogou no São Bento, depois no Atlético de Sorocaba, jogou no Lençoense, foi emprestado pelo Atlético de Sorocaba para o Lençoense, disputou um ano. Ai parou, foi trabalhar no São Bento, faltou um jogador, foi treinar lá, quebrou a perna.

R. L. – Mas eu estou me lembrando do lance de 70 agora, em que o São Paulo foi campeão contra o Guarani, e o jogo da entrega da faixa seria contra o Corinthians e o Corinthians não quis colocar as faixas no São Paulo; e o São Paulo ganhou de um a zero contra o Corinthians com um gol marcado pelo senhor.

A.B. – O Corinthians disse que iria carimbar a faixa,

R. L. – O Corinthians não quis colocar e disse que iria carimbar, não é? Gol do senhor!

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A.B. - Eu fiz o gol e ganhei todos os prêmios do jogo, como melhor em campo. [risos]

T. O. – A gente vai fazer só mais uma pausinha, para trocar de novo a fita.

[FINAL DO ARQUIVO II]

T. O. – A gente estava comentando sobre o São Paulo, em 73 o senhor encerra sua passagem pelo São Paulo. Como que é isso?

A. B. – O Telê que veio para o São Paulo. As coisas já estavam acontecendo. Todas as coisas que aconteciam lá no São Paulo eu que era o culpado, que era o mais velho, então Paraná, igual [INAUDÍVEL] veio brigar comigo que tinham uns jogadores que iam beber em um bar ali do lado que morava o Almir, o ponta direita. Almir jogou na Portuguesa, jogou no São Paulo. Ele falou que eu tinha levado os caras lá, que era perto da minha casa. Eu morava do outro lado, não era ali. Então já estavam acontecendo as coisas ali e tudo que acontecia ainda era eu. E ainda tivemos um episódio lá com o Telê: ele me tirava do time de cima, já estava tentando sair o Serginho. E saía falta no treino lá por perto da área e os caras falavam: “vai lá e bate”. Até os caras que estavam jogando no outro time falavam. Então eu vinha, batia, daí fazia o gol e ele ficava brabo. Ele não queria que eu batesse. Ele queria me ver jogar daquele jeito e falei para ele: “não sei jogar. Sei jogar assim”. Falei para ele: “fico no banco, tudo...”. Então ficou Serginho e Piau jogando. Eles foram foi fazer o contrato, o Poy foi fazer contrato o com Mauro e Serginho. E eu estou atrás do gol. No sábado isso, eu já devia ter ido embora, não quis ir, fiquei lá mexendo com o Sérgio, o goleiro. Os caras batendo bola nele e eu fiquei atrás do gol mexendo com ele. O Poy falou para o Mauro e Serginho: “ vocês vão ganhar tanto” e Serginho falou assim: “eu não quero” e Mauro falou: “também eu não quero” então ele falou: “então vocês vão ser emprestados para o São Bento de Marília”. Serginho falou: “eu vou”, Mauro já acompanhou: “eu vou”. Ele me chamou. “vai buscar suas coisas. Vai você e Paulo Nani. Vão para Barretos com a gente. Fala para o Paulo”.

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Eu fui falar com Paulo. Paulo já tinha ido para o vestiário e Paulo falou assim para mim: “pô, eu não trouxe minhas coisas. Tenho que ir em Carapicuíba buscar.” Eu falei: “ Vamos lá. Passo em casa, aviso a Dulce que não vou mais para praia com ela e vamos buscar suas coisas”. Fizemos isso. Fomos para o jogo. Bateu o jogo zero a zero. No finzinho do jogo eu fui no fundo, driblei o lateral e cruzei. O Paulo foi empurrar a bola para dentro do gol e errou e bola passou. Passou no meio das pernas dele. Terminou o jogo, os caras ficaram me entrevistando, que eu fui o melhor jogador em campo. Estou descendo para o túnel e estavam o Telê e o [INAUDÍVEL] metendo o pau nos jogadores. Passei e fui embora direto. Daí eu só escutei: “esses filhos de não sei o quê...”. Daí eu voltei e falei para a ele: “Não tem nenhum filho seu aqui não”. E no ônibus eu sentava no terceiro banco. Daí voltamos de Barretos e eles vieram metendo o pau em todos os jogadores. Os dois. E gozado, de mim não falaram. Mas vieram metendo o pau nos outros jogadores. Chegamos lá no Morumbi e eu falei: “vou lá no quarto da concentração, pegar as coisas minhas que estão lá e ir embora para casa”. Subi lá. Desci e estava o Dudu, o repórter, lá em baixo: e o Dudu: “você ouviu o que o Telê falou? Telê falou isso e isso... O que você acha? Quer gravar alguma coisa?”, eu falei: “grava!”, ele: “Paraná, o Telê falou isso e isso... o que você acha disso daí?”, “Ele não sabe nada. Quando ele vai comprar cigarro, ele vai procurar na farmácia” [risos]. E fui embora, só falei isso. E ele falava que não ouvia rádio, não lia jornal, nada. Dizem que ele pegou o radinho dele, o gravador, levou na sede, pediu reunião com a diretoria lá. Reuniram lá e ele pôs para a gravar: “aí o que o Paraná fala”. Dizem que o Seu Feola falou assim: “o único homem que nós temos no time é o Paraná, se ele falou é verdade”. Dizem que ele pegou o rádio dele e falou: “É? Acerta as minhas contas que estou indo embora”. Mas, o São Paulo tem disso. Se você fica lá no São Paulo muito tempo... Agora que mudaram que Rogério está todo esse tempo e não estão falando nada. Mas se você tem mais de oito anos no São Paulo, os caras já começam pegar no seu pé. Todas as coisas ruins que acontecem eles jogam para a você.

T. O. – Eles quiseram te negociar ou você pediu?

A. B. – Aconteceu um negócio: fui embora para a casa, depois foram atrás de mim que eu tinha que vir treinar. Daí eu vim treinar. Daí me deram uma passagem para ir para o

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Rio para acertar com o Vasco. Fui para o Rio. Encontrei o Almirante Heleno Nunes. Acertei tudo com o Almirante, o Almirante e o Carlos Alberto, que era militar lá no quartel. Acertamos tudo, assinei o contrato e fui jantar com o Almirante e o almirante falou assim para mim: “melhor presente eu ganhei hoje”. Falei: “que presente?” Ele falou assim: “ São Paulo deu seu passe para mim”. Falei: “Almirante, então o senhor fica com esse contrato, eu estou voltando para São Paulo amanhã”. Só falei isso. Não falei nada com ele. Ele não questionou nada, eu vim embora. Desci no aeroporto, peguei o táxi e fui lá no Palácio. O tenente lá disse que ligou do [INAUDÍVEL] : “[INAUDÍVEL] , se prepara que o Paraná passou aqui e está indo aí.” Quando eu ia no Palácio, cumprimentava os caras, conversava... Passei direto. Não falei com ninguém. “Cuidado que o Paraná está indo aí. O Paraná está bravo”. Fui lá, soltei os cachorros no [INAUDÍVEL] e no seu Aldo. Soltei os cachorros neles. O São Paulo sempre foi as coisas todas fechadinhas. Eu só fiquei bravo porque eu acho que eles não me trataram como homem. Me trataram como moleque. Fala para mim: “vai para o Rio, aceitamos o seu passe, deu o passe para ele porque gosta de você...” mas fala. Falaram nada. Para mim foi bom. Para mim foi bom, porque depois dessa saída que eu fui me levantar financeiramente. Enquanto no São Paulo não estava dando.

T. O. – E por que você não foi para o Vasco?

A. B. – Não quis ir por causa disso, porque o São Paulo tinha dado o passe para eles. E não falou nada para mim. Tinha que ter falado...

T. O. – A gente ouviu também que o Corinthians tinha interesse no senhor.

A. B. – O Corinthians foi em casa. O Matheus foi lá. O Matheus fez a proposta para mim. Daí eu falei: “não, com isso que você quer pagar eu prefiro ficar deitado aqui, brincando com as duas meninas do que eu ir jogar.” Não quis ir. Não acertei financeiramente.

R. L. – Aliás, era difícil fazer contrato bom com Vicente Matheus. Tinha um escorpião bolso!

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A. B. – Daí me apareceu esse negócio do Operária. Eu não quis ir para o Palmeiras, que Brandão queria me levar para o Palmeiras. Mas eu não quis ir porque o Edson e o Pedro já tinham ido lá e os caras já tinham feito uma puta de uma onda do Brandão. Falei para ele: “não venho não”. Eu fiquei treinando uns dias lá depois veio o Operário jogar aqui no Campeonato Brasileiro. E jogava o Guará no Operário . E o Guará me devia um dinheiro e eu fui lá cobrar do Guará. Eu fui lá e inclusive o Irineu [INAUDÍVEL] me pagou tudo. O Irineu falou: “espera os caras chegarem do treino”. Esperei. O técnico era [INAUDÍVEL] Lameira, estavam o Nenê jogando, o Toninho Guerreiro... “vamos com a gente!”, - “Ah! eu não quero jogar mais”. Estava querendo terminar meu curso de Administração, porque eu queria me formar em Administração e não mexer mais com futebol. “Vou terminar meu curso. Vou não.” Eles encheram a paciência lá, ”vai”, “então eu vou”. Foi bom porque levei a Dona Dulce comigo e as duas meninas, não fiquei mais sozinho. Jogando três meses lá, em dezembro nós fomos fazer um jogo lá em Curitiba contra o Colorado. Fui na viagem e voltei de lá com contrato assinado com o Colorado.

T. O. – E no Piauí? O senhor jogou também?

A. B. – No Piauí foi três meses.

T. O. – Também em 74?

A. B. – 73. Fiquei três meses lá. Porque depois que eu voltei do Rio, eu não fui para o Vasco e o Coronel me chamou. Ligou em casa, não sei quem deu o telefone para ele, me ligou em casa, queria falar comigo. Eu vi ele no Hotel Danubio. Ele falou assim: “Para você ir jogar com a gente no Tiradentes, três meses”.Eu falei “quanto o senhor paga?” ele falou assim: “eu dou 20 mil de luvas para você e dou 11 mil de salário livre, você vai morar no hotel e nós damos a comida.” Eu falei assim: “não dá”, ele subiu para 50, e 50 naquela época... Falei: “já estou assinando”. Assinei e fui. Viajei junto com Miltinho, o cantor, no mesmo avião. Chegamos lá no hotel, tivemos que esperar que estavam arrumando os apartamentos, ficamos esperando. Dai peguei o jornal e estou olhando o jornal e estava aqui a manchete, primeira página do jornal: “Mais um para roubar o Tiradentes”.

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T. O. – Nossa!

A. B. – Desse jeito. Falei para o Miltinho: “Quando eu sair daqui eles vão falar assim: “Paraná fica aqui, não vai embora”. Mesmo ganhando assim eu fui para jogar. Fui e joguei e tanto é que não queriam deixar eu vim embora...

R. L. – Mais o senhor saiu do São Paulo e foi para o Tiradentes. Foi isso?

A. B. – Fui emprestado.

T. O. – E só uma coisa que eu não entendi muito bem: nesse meio período da sua saída do São Paulo que pintou o Palmeiras também? Foi isso? O Brandão quis te levar?

A. B. – Foi.

T. O. – E o Palmeiras estava bem naquele tempo.

A. B. – Estava. E eu não quis ir porque quando eu estava no São Paulo ainda, o São Paulo queria trazer o Nei. Os caras falam para mim: “você vai na ponta direita, o Nei vai na ponta esquerda”. O Nei não quis ir e falou: “não vou para o São Paulo, no São Paulo tem o Paraná, como que eu vou para o São Paulo?” e aí veio para o Palmeiras. Ainda tinha esse código de ética no futebol. E depois, o que eu ia fazer no Palmeiras se já tem o Nei?

T. O. – O Palmeiras em 73 foi campeão brasileiro e em 74 campeão paulista naquela final contra o Corinthians, por isso que perguntei para o senhor.

A. B. – E eu não estava mais com vontade de jogar também. Eu já estava querendo parar. Eu estava fazendo o curso de Administração de Empresas e eu só estava pensando nisso. Eu estava fazendo estágio com o Afonso Splendore e o cunhado dele. Eu estava fazendo estágio de Administração com ele já. Quero parar de jogar bola e não mexer em nada... Apareceu esse negócio de sair e sair. Até parei o curso um pouco e continuei lá em Londrina. Minha ida para Londrina que foi bacana.

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T. O. – Jacy Scaff7 que levou o senhor?

A. B. – Eu tinha um dinheiro para receber do Colorado e deixei lá. O Max que me pagava, lá do Colorado. O Max ligou: “Você tem um dinheiro para receber aqui e não vem receber” Eu falei: “ qualquer dia eu apareço”; “não! Vem para receber. Vem que eu vou para Europa e depois vou ficar uns tempos fora”. Falei: “então eu vou”. E tinha um rapaz aqui que arrumava passagens para todo o Brasil e me arrumou e fui para lá. Fui na loja, recebi tudo, fiquei enchendo a paciência das meninas, e vou no banco para receber o cheque e encontro com Jacy Scaff no banco. Cumprimentei ele e tudo e ele: “Vai comigo para Londrina.” “Ah! Não vou para Londrina. Não vou jogar mais”, “te dou tanto para você ir jogar”, “não vou Seu Jacy”. Sei que tive que subir naquele jatinho dele e ir para Londrina. [risos]

A. B. – Cheguei em Londrina, reuniu eu, ele e Saulo. “Vai receber tanto assim”, “Não vou Jacy... Vou ligar para minha esposa, se ela vir para cá e vocês arrumarem a casa e ela vim pra cá daí eu vou jogar”. Liguei pra minha esposa, e Dona Dulce: “Vai. Pode ficar, pode jogar. Eu vou para aí também”, ai que fui jogar no Londrina, senão já tinha parado. Foi bom para mim, que retomei a vontade de estudar outra vez.

T. O. – Você terminou o curso?

A. B. – Terminei. Vim de Londrina ainda fui jogar em Franca. Joguei no ano que o Francano subiu e depois no outro ano o Francano desceu. Fiz uma parte do curso lá e depois fui para Sorocaba e terminei em Sorocaba. Depois estava trabalhando com administração e foram me buscar, Bellini e o foram me buscar, para vim trabalhar com as crianças na escolinha de futebol e tive que fazer Educação Física.

R. L. – Mas o senhor não falou uma coisa importante de Londrina: o senhor fez o primeiro gol da história do estádio do Café no dia 22 de agosto de 76. O amistoso, Londrina um, Flamengo um, o senhor de pênalti fez o primeiro gol da história do estádio.

A. B. – Então deixa eu contar. O Péricles é vivo ainda? Não?

7 Foi presidente do Londrina Esporte Clube.

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R. L. – Acho que não mais.

A. B. – Então, eu vinha da universidade, lá em Londrina e ia encontrar o doutor José Roberto Vezozzo, que foi meu goleiro lá em Cambará, no time de crianças. Vim encontrar ele, Péricles, Rixa... Ficava conversando lá no posto do Péricles, depois ia no Torrefação tomar café. Um dia estou conversando e o Péricles falou para o Rixa: “Vamos construir um estádio novo?” E o Rixa falou assim: “mas não tem terreno” e o Péricles falou assim: “já achei o terreno. Quer ir ver?” Foi todo mundo mudo, até eu na comitiva, vamos lá ver o terreno, e o Rixa falou assim: “vamos construir o estádio”. Nunca vi, a coisa mais bonita aconteceu. Ele convocou a população. O cara saía do serviço à tarde, levava uma marmita e ia para o campo para construir a noite. Precisava ver. Ficamos uns quatro meses no campo, não é?

R. L. – Em seis meses ficou pronto o Estádio. Foi a “toque de caixa”, como se diz, não é?

A. B. – Jogar Londrina e Flamengo, o primeiro jogo. Quem era o técnico?

R. L. – Do Londrina era o e do Flamengo era o Carlos Froner.

A. B. – O Danilo falou: “vai entrar para marcar o ”, “eu vou”. Primeira bola que ele dividiu no meio campo, eu e o Zico, daí ganhou eu. Estava jogando, estava tranquilo jogando lá, e daí pênalti para nós. Peguei a bola, era eu que batia os pênaltis, e Raimundo, era o zagueiro, Raimundo falou assim: “a televisão é minha”, eu falei: “ está bom”. Bati o pênalti e depois que terminou o jogo o Raimundo chegou para mim e falou assim: “obrigado pela televisão” eu falei “que televisão?”, “quem fizesse o primeiro gol ganhava uma televisão” [risos]

T. O. – Isso mesmo.

A. B. – Eu não sabia, não ouvi rádio nem nada, nem tinha visto o jornal. Mas eu sei que era um monte de prêmios. Mas a televisão ficou com o Raimundo. Dei a televisão para ele.

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R. L. – O Paulo Rogério, goleiro do Londrina, ele ganhava bicicleta se não tomasse gol. Tomou gol não ganhou a bicicleta. E o Raimundo acabou ficando com a televisão. E o goleiro era o Cantarelli que jogou no Flamengo muito tempo.

A. B. – Vou bater o pênalti e o Cantarelli falou assim: “vou pegar” eu falei assim: “ vai nem sair na fotografia”.[risos]

A. B. – “Hoje eu pego”, “então vai!”

T. O. – E quem sofreu o pênalti para o senhor bater foi Carlos Alberto Garcia. Carlos Alberto Garcia não pediu para o senhor de cantinho, para bater o pênalti não, Paraná?

A. B. – Não. Ninguém pediu, porque era eu que batia mesmo. Ninguém falou nada e eu nem. O pênalti saiu, peguei a bola e ninguém falou...

T. O. – O time do Flamengo tinha Zico, tinha Júnior, tinha jogando de lateral, Rondinelli... E o Tubarão, no ano seguinte em Londrina, em 77 ficou entre os quatro melhores do campeonato brasileiro. O senhor não se arrependeu de ter ficado um pouquinho mais não?

A. B. – Eu já estava cheio de jogar. Eu já não estava querendo mais. Por isso que eu vim embora de lá. Senão eu até ficava mais, mas vim embora. Aconteceu para mim em Barra Bonita. Já não queria jogar mais e tinha arrumado para trabalhar no Ceasa, estava de estatístico no Ceasa. Estou bem, chego em casa à noite e minha esposa falou assim: “Veio um senhor procurar você e vai voltar”.Falei para ela: “você não perguntou nome?”, “não perguntei. Ele veio de São Paulo”. Ele chegou o homem, não conhecia, daí ele se apresentou: “eu sou de Barra Bonita, fui atrás de Dudu. Para o Dudu vim jogar, disputar a terceira divisão para nós.” Dudu falou que não. Que não dava para ele vim e falou para ele: “Vai lá e leva o Paraná”.

T. O. – Qual Dudu que é esse?

A. B. – Dudu do Palmeiras.

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T. O. – Ex-Palmeiras.

A. B. – Ele falou: “mas Dudu, Paraná é ponta esquerda.” Dudu falou assim: “Não! Pode levar o Paraná que Paraná joga, inclusive Paraná está em melhores condições do que eu”. E é aquilo também, “vamos lá, eu pago tanto, não precisa treinar ,“eu não quero ir, não quero jogar”, “dou tanto”. Ele abriu a mala e jogou um dinheiro em cima da mesa. [risos], eu falei: “então eu vou”. Fui e disputei dois campeonatos para eles e fizemos no último campeonato, sofremos quatro gols no campeonato. Quatro gols no campeonato todo. Artilheiro do campeonato era nosso. Eles vão jogar em Leme e eu tinha levado Julião que foi capitão meu lá no São Bento. Julião de técnico para Barra Bonita. Saí de Sorocaba e fui encontrar com eles em Leme, para o jogo. Começou o jogo, tranquilo do jeito que estava jogando no time e toma um a zero e entregaram o jogo.

R. L. – Entregaram o jogo?

A. B. – Entregaram o jogo. Perderam de três a um. Eu queria bater em todo mundo no vestiário. [risos]. Vim embora, tinha quatro de Sorocaba que estavam jogando lá, eu deixei os quatro em Leme e vim sozinho para Sorocaba. Daí na segunda-feira eles foram em casa. Eu falei: “o que foi que aconteceu?”, “Tatinho ofereceu um pouco de bicho para gente ganhar o campeonato.” Eu falei: “vocês falaram com Tatinho?”, “não, ninguém falou”, “porque vocês não foram conversar com ele?”, “todo mundo tem medo de falar com ele”. Depois eu fui saber, o homem tinha oferecido até casa para os caras. Os caras: “Pô, mas eu vou morar em Barra Bonita?”, “não vai morar em Barra Bonita. Pega a casa e depois se vai sair, vende a casa.” Entregaram o ouro. Daí que eu parei mesmo.

T. O. – Mas antes disso o senhor tinha voltado também a jogar no São Bento ainda?

A. B. – Joguei no São Bento ainda.

T. O. – De novo?

A. B. – No São Bento tem o pessoal que está na diretoria agora. São todos meus amigos também e eu gosto deles. Eu só vivo em Sorocaba porque eu gosto daquele pessoal,

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senão não vivia. E nós estamos jogando no São Bento, eu vim de Franca, o Palhata me trouxe para o São Bento. Eu vim por causa do Palhata. Ia jogar no São Bento: eu de volante, Arlindo Galvão, que jogou aqui no São Paulo, Arlindo de zagueiro e o Lança [dúvida 25:47] que jogou no Corinthians de atacante. Saíam na Gazeta esportiva, na segunda feira depois do jogo: “os melhores em campo: Paraná, Arlindo e Lança [duvida 25:58]”, o técnico era João Avelino. O presidente do São Bento, Lauro Rodrigues, pediu para o João Avelino para me tirar do time porque ele precisava revelar um jogador para vender. E João me tirou no jogo contra o São Paulo, na inauguração do estádio. Saímos do campo, fomos para o estádio e eu escalado e cheguei lá me tiraram do jogo.

T. O. – Que coisa! Pelo menos conseguiram vender o jogador? [risos]

A. B. – Venderam nada. Nem ele, nem ninguém.

R. L. – Era o primeiro jogo do estádio?

A. B. – Foi o primeiro jogo do estádio.

R. L. – Era tudo voltado para lá. Era a chance de tentar vender o menino. [riso]. O Paraná, e equipes menores? O senhor falou essa questão de muitos jogadores terem se vendido. As propostas aparecem muito em time de menor expressão? Para esse, para aquele, para os caras acabarem entregando o ouro. Acontecia bastante isso no seu tempo?

A. B. – Acontecia assim igual lá em Curitiba. O Evangelino no time do Curitiba tinha mais de 200 jogadores. [risos]. Os jogadores se sobressaiam em um time ele comprava o jogador para outro time não contratar. Ele fazia isso. Agora deve ter gente que faz isso também aqui.

R. L. – Pouco mais difícil, mas sempre tem. E o senhor falou que já estava cansado de jogar, mas é uma coisa curiosa, porque essa rotina de concentração, de treinamento

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chega uma hora que o jogador realmente não aguenta mais. Mas quando todo mundo pára tem saudades também?

A. B. – Igual para mim. Aconteceu uma coisa: no velório da minha esposa, na cremação, daí meu filho falou assim: “nós perdemos a mãe e o pai, porque meu pai que ia jogar e não cuidava de nós, quem cuidava de nós era minha mãe. Então perdemos a mãe e o pai”.E é o que eu falo para os outros: “vai jogar? Esquece a família então, porque você vai ter que viver fora da família. Tem que viver. Por que não pode, não tem jeito de por as duas coisas juntas.”.

R. L. – Mas é engraçado porque depois o pessoal acaba, não é? Hoje a gente tem o showbol, que os jogadores voltam a viver aquele clima de competição. E o senhor jogou naquele Milionários, não jogou? Aquele time que fazia exibições pelo Brasil. Quer dizer, a rotina de viagens diminuiu, mas acabava acontecendo.

A. B. – Mas então, também por causa desse negócio de concentração. Eu ia jogar no Milionários, mas já estava trabalhando. E eu fazia diferente porque eu sou diferente dos outros. Igual mesmo o Toledo falava. Eu pegava aquele dinheiro do Milionários, a única coisa que eu comprava era cigarro. Então eu trazia aquele dinheiro e pagava água, luz, telefone. Já tinha conta. Eu não ficava com os caras no boteco bebendo.

R. L. – Sim.

A. B. – Igual eu brigava com os caras. Os caras ficavam no boteco, tinha gente que jogava porque precisava do dinheiro e ia gastar.

R. L. – O dinheiro ficava ali mesmo na festa. [riso]

A. B. – Foi diferente. Então eu tive esse privilégio por causa disso. Depois de jogar no Milionários, tive que conviver com meus filhos um ano que a Cíntia pegou uma doença. Nós fomos para praia, daí ela passou mal na praia e dei sorte de estar eu e ela. E eles todos tinham ido para a areia e a minha sogra voltou. Mandei minha sogra chamar todo

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mundo para gente vim embora que a Cíntia tinha passado mal. Ficamos um ano com a Cíntia. Cíntia tinha 11 anos e eu correndo com ela, ficou internada em todos os hospitais de Sorocaba, ninguém descobria o que ela tinha e eu fui no [INAUDÍVEL], que hoje é o presidente do conselho do jornal do Rio Grande do Sul e ele jogou comigo no São Bento. Então nós temos uma amizade desde aquele tempo. Falei para Dulce: “Eu vou lá no escritório do Bita. Vou lá”. Fui para o escritório. Estou conversando e o Bita falou assim: “E a Cíntia?” e eu falei assim: “ontem deu” que era no sábado e domingo quando dava as crises nela. Tinha que tirar toda roupa dela ,por debaixo da banheira... falei assim: “ ontem foi outro dia também.” Ele pegou e falou assim: “você falou com Mário Cândido?”, falei assim: “Marquei. Marquei com ele”. Era maio isso. “Marquei com ele. Ele vai me atender dia 28 de julho”. Ele falou assim: “Espera aí.”. Pegou o telefone, ligou na faculdade, ele estava dando aula e foi atender e o Bita falou para ele: “Mário, atende a filha do Paraná.” Ele falou assim: “manda o Paraná ir agora lá três horas.” Eu levei, como daqui ali na parede assim, ele mandou a Cíntia tirar a roupa. Cíntia está tirando a roupa ele disse assim: “ela está com escarlatina”.Escarlatina é uma espécie de sarampo que dava antigamente. Esperei um ano para descobrir. Ficou no hospital e o convênio era só INSS, então eu pagava. Um dia estou eu e Cíntia no hospital à noite, ela no soro e daí ela pegou, virou para mim e falou assim: “oh, pai, manda desligar tudo isso daqui. Vocês estão gastando muito comigo.” Eu tive que ir no banheiro chorar. Graças a Deus, agora ela tem uma lista desse tamanho assim de tudo que ela pode, remédio que ela pode tomar, as coisas que ela pode comer. Ela está com 41 já. É fogo viu!?

R. L. – Não é fácil não!

T. O. – Falando assim da sua família, o que fazia sua mulher durante esse tempo? Ela trabalhava?

A. B. – Ela trabalhou também. Ela era revendedora de catálogos.

T. O. –. E ela continuava trabalhando quando ela acompanhava em uma outra cidade? Ou ela mudava de cidade?

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A. B. – Não. Ela mudava de cidade, ela parava. Só em Sorocaba que ela tentou fazer isso.

R. L. – E o senhor concluiu as duas faculdades a de Administração e de Educação Física?

A. B. – Eu terminei Administração depois em Sorocaba, fui trabalhar no Ceasa, fiquei lá no Ceasa. Depois Bellini e Celso Roth me trouxeram para Prefeitura de São Paulo para trabalhar naquele projeto das escolinhas de futebol, mas tive que fazer Educação Física. Fui fazer educação.

R. L. – Inclusive falando de escolinha, São Paulo tinha um modelo chamado Alexandre, que o próprio Rogério Ceni fala que tinha até muito mais fundamentos do que ele, que o Alexandre acabaria sendo o goleiro titular do São Paulo se não tivesse tido sua vida tragicamente interrompida em um acidente em 92, logo depois do São Paulo conquistar a Libertadores. Foi senhor que levou o Alexandre para o São Paulo?

A. B. – O Alexandre... Então eu fui para Sorocaba, fui requisitado pela Secretaria de Esporte e Turismo. E eu fui para Sorocaba, trabalhar em Sorocaba, que eles pediram para fazer o campeonato das crianças que Sorocaba não tinha. Fui para lá. E o Alexandre foi o goleiro do time que foi campeão. A Portuguesa de Desportos foi jogar lá, contra o São Bento. E a Portuguesa jogou e o pai do Alexandre foi em casa à noite. Ele pegou, chegou para mim e falou assim: “os caras da Portuguesa deram esse papel aqui para o Alexandre levar os documentos, para ir lá”. Ele falou assim: “eu estou conversando com os caras no bar e os caras mandaram eu falar com você.” Eu falei assim: “ o que o senhor quer de mim?, ele falou assim: “oh, queria que você levasse ele para o São Paulo”. Eu falei: “eu levo”. Daí eu liguei, Gilberto que era o, Gilberto ex- goleiro, que era o treinador de goleiros, ele que fazia os testes. Liguei para o Gilberto. E bateu o goleiro, assim, assim... ele falou assim: “vou ver o dia e depois eu ligo para você.”. Depois de um dia ele ligou para mim: “então leva”. Vim trazer o Alexandre. Seguimos o horário do treino. Eu peguei e falei assim: “oh, vamos fazer uma coisa: ele

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é grandão, vou deixar ele com vocês e eu vou embora.”, que eu tinha aula à tarde. “Então está bom. Então deixa ele aí e depois mandamos ele embora.” Eu falei: “cadê o Silvio?”, “O Silvio está lá no campo, lá em cima”. Eu fui lá no campo. Cheguei lá, o Silvio está nervoso. Silvio anda para cá, anda para lá, xinga. Cheguei, parei ali e fiquei. E ele me viu. “Oh Satanás!”[risos] “nem cumprimenta”, eu falei: “você está nervoso aí. Está nervoso. O que foi que aconteceu?”, “eu vou treinar e meu goleiro não veio.”, eu: “ah, eu estou com um goleiro aí”, “ e por quê você não fala?”, “eu vou saber porquê você está bravo?”. Mandei o Alexandre pegar o material, Alexandre foi pegar e começou o treino. O irmão do Sidney, o Toninho ponta esquerda. Toninho veio, chutou, caiu e quando ele caiu aqui, aqui do chão mesmo, ele já saiu jogando. E eu estou sentado no banco do lado do Firma. E fez umas três ou quatro defesas e saiu jogando. O Firma, xingando, foi falar com o Silvio. E voltou: “você é um filho da puta. Eu estou me remoendo por causa do goleiro e você não fala nada” e eu: “o que eu vou falar?” Ele não queria nem deixar eu levar o Alexandre embora. Falei: “não! Depois ele vem aqui com o pai dele e vocês vêem.” Se ele fica jogando, não aparece nem Rogério.

R. L. – Rogério fala isso. Rogério fala: “se o Alexandre tivesse tido sequência no São Paulo...” ele fala: “Alexandre era melhor do que eu. Provavelmente eu teria sido emprestado para uma outra equipe, a minha história no São Paulo poderia ter sido completamente diferente.”. Na Libertadores de 92, o Alexandre morreu logo depois desse campeonato, ele chegou a jogar, porque o foi expulso contra o Nacional do Uruguai, o Alexandre entrou no jogo e jogou contra o Criciúma depois aqui no Morumbi, uma partida de mata-mata. Como ficou o coração do Paraná vendo o pupilo debaixo das traves lá, jogando um jogo de Libertadores?

A. B. – Eu estou indo na casa de um amigo meu no sábado de manhã e eu não ligo o rádio do carro. Eu estou ligando o rádio e o rádio estava na Jovem Pan. E eu estou indo na estrada que vai para São Roque, e deu a notícia. Eu não conseguia dirigir. Tive que parar o carro. “Eu tive aí na terça-feira”, eu conversando com ele, e o Geraldo, não, não foi o Geraldo não... Zé Carlos que falou. Zé Carlos falou: “tem uns caras querendo que ele troque o carro.” Eu falei com ele: “não vai trocar de carro. Ele não troca de carro.” Falei: “faz uma coisa: você não precisa de carro aqui. Para você ir embora você pega o

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ônibus ali, você vim você desce ali. Para ir na namorada, sua namorada mora perto não tem que ir de carro. Pega esse dinheiro, compra aquelas casinhas que estão caindo perto da sua casa e depois você vai ver o patrimônio que você tem. Ele comprou o carro, não nem sabia dirigir direito...

R. L. – Era um menino “cabeça boa”?

A. B. – Era.

R.L . – Era?

A. B. – Era “cabeça boa”.

R. L. – Que coisa! É de espantar!

A. B. – Eu não sei o que foi... Era “cabeça boa” mesmo.

R. L. – O senhor levou mais algum outro jogador para o São Paulo?

A. B. – São Paulo, eu levei meu irmão para o São Paulo, o Candinho. O Candinho está jogando no São Paulo, estudava o primeiro ano de Contabilidade na Álvares Penteado. São Paulo pagava. Um dia cheguei em casa para almoçar, Candinho não estava, perguntei para minha esposa: “cadê Candinho?”, “sua mãe veio e levou ele embora”. O Candinho era o caçula. Levou embora, Candinho não estudou mais. Não estudou. E eu trouxe meu filho. O Pita queria meu filho para jogar, eu trouxe ele. O Juninho chegou lá e falou para o Pita. Foi conversar com Pita e depois ele me falou. “Pita, não venho jogar aqui, porque daí eu vou jogar e vocês vão querer que eu jogue igual ao meu pai. E meu jogo é diferente do meu pai. Então eu não venho.”

R. L. – E o Pita revelou gente boa no São Paulo, hein!?

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A. B. – Então, mas Juninho não quis. Também depois ele não deu sorte. Estava bem no Atlético, Sorocaba, jogando. Foi jogar pela escola, estourou o joelho...

R. L. – Pita foi campeão da Copa São Paulo de 2000. Pelo São Paulo, Kaká passou pelas mãos dele, o Alex zagueiro, depois foi para o Santos, foi o Pita que levou para o Santos. O do Santos o Pita trabalhou também um pouco com ele. Então o Pita revelou muita gente boa.

A B. – Mas eu não sou muito de trazer muitos jogadores não. Acontecem muitas coisas que os caras tem ciúmes da gente. Então é melhor a gente não fazer. O Maurício Schweitter me convidou. Queria que eu viesse para ser técnico do infantil. “Ah! Maurício. Eu não vou. Não gosto disso.”, “Não! Eu quero ir com você.”. Ele me chamou. Eu vim só para ver, ó para ele falar isso. Eu falei para ele: “por que você não traz o Zé Sérgio?” Ele falou: “mas o Zé Sérgio não vem.”, “Fala com ele que ele vem. E o Zé é bom para vocês. O Zé tem contato no Japão, tem tudo.” Eu liguei para o Zé: “Zé, se prepara que o Maurício vai ligar para você ir lá.” Ele falou assim: “eu vou”. Daí eu liguei para o Maurício no outro dia: “Falou com o Zé?”, “Não! Não falei”, “Então liga para ele. Fala com ele”. Ele falou e acertou com o Zé. Nós temos agora, dia três, Futebola, a gente homenageia, lá em Sorocaba, pelo [INAUDÍVEL] os ex jogadores que jogaram e nós vamos homenagear o Sérgio, pai do Zé Sérgio. E agora no aniversario do Mickey nós levamos ele lá também, porque ele jogou com o Mickey no São Bento. No começo do São Bento em 56, 56 não. Em 52, 53 uma coisa assim. Ele jogou junto com o Mickey. Nós levamos ele. Dizem que ele cobrou no Zé Sérgio e falou assim: “Primeira vez que eu sou homenageado.”, “Como primeira vez? Nós fazemos festa para você. Tem festa de aniversario sempre. Vai todo mundo”, ele falou assim: “isso é obrigação dos parentes”. Que é uma verdade. [risos]

A. B. – Então a gente homenageia. Agora no próximo dia três, vamos homenagear o Sérgio, que é o Pai do Zé Sérgio. Vamos homenagear o Nenê, Nenê Boteco, o Nei Rosa. Nei Rosa jogou no Santos também, jogou no São Paulo e o Zecão goleiro. Então vamos homenagear os quatro.

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R. L. – O senhor está na Prefeitura de Sorocaba ainda trabalhando lá?

A. B. – Trabalho. Até março estou na prefeitura. Depois eu estou fora.

T. O. – Trabalhando com o que?

A. B. – Eu trabalho com as crianças. Há um ano e meio eu estou pedindo para o pessoal da minha Secretaria para mandar um professor para lá, para mim deixar já com a molecada. Não quiseram mandar. Não mandaram professor, então agora eu tive que mandar as crianças todas embora, porque o meu chefe lá não entende nada de futebol. Vi os times disputando as quartas de final, fui cobrar a ele, que precisava de ajuda, ele virou para mim e falou assim: “tira o time do campeonato”, eu falei: “você não entende de futebol mesmo, não é? Estou na quarta de final e vou tirar o time do campeonato? Então liga para o presidente da associação e tira você”. Ele brigou comigo uma vez também porque um jogo do campeonato,jogou Vargem Grande e São Paulo. Zero a zero, o jogo e foi para disputa de pênaltis. 26 a 25.

R. L. – 26 a 25?

A. B. – Tinha um outro time que ia jogar, jogo amistoso no centro esportivo à tarde, ele atrasou o jogo dos caras e os caras ligaram para ele. Ele ficou bravo comigo. Disse que pênalti é rapidinho. [risos]

T. O. – 26 a 25?

A. B. – Professor de Educação Física....

R.L.. – Parece jogo de basquete, 26 a 25. Placar de basquete.

T.O. – Cada jogador cobrou três vezes. [risos]

A. B. – Precisava ver. Mas não acabava.

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R. L. – Oh Paraná, que história é essa que o senhor, falando em Sorocaba, que quando o senhor morrer, que vai demorar muito tempo ainda, que história é essa que o já senhor doou o corpo para estudo na faculdade de medicina? É verdade isso?

A. B. – Quando você morre para onde vai?

R. L. – Para debaixo da terra.

A. B. – E o que acontece depois de uns tempo?

R. L. – Os bichos comem tudo.

A. B. – Então vou doar o corpo. Vai lá para a medicina, vão estudar, ver se tem alguma coisa. O Zé Desidério, um dos repórteres antigos lá de Sorocaba, me entrevistou e perguntou. Eu falei: “é bom! Já pensou você doando o corpo? Você tem alguma coisa e eles falam assim: “descobri! Tem uma doença aqui. Vou por o nome de José Desidério.” [risos]

A. B. – “Não! Não! Não!”. Mas eu vou a velório, mas não gosto de velório. Eu acho que está errado. Eu acho que faleceu ali, já vai, já enterra. Aconteceu uma coisa para mim: meu avô morreu em 52 e meu avô está lá no caixão, os filhos estavam brigando em frente de casa. Eu lembro, eu estava com minha irmã Eliza no colo e eles brigando por causa da herança. Eu falei assim para eles: “o pai de vocês está no caixão. Por que vocês não deixam para brigar depois?” Meu tio mais velho, fui me encontrar com ele depois em Uraí que eu fui junto treinar com o Londrina lá em Uraí. Não encontrei com ele desde 52.

T. O. – Nossa!

A. B. – Ele me abraçou, chorou e falou: “Não fui mais para Cambará desde aquela vez.”. Ficaram brigando, brigando... e um primo meu deu tom de todos eles. Então, para

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mim foi bom. Eu enchi a paciência do professor Eduardo Valter [dúvida 48:42] que ele trabalhava lá na universidade, na faculdade de medicina, para ele arrumar para mim fazer os documentos. “Mas eles não aceitam”, “mas fala, Eduardo. Veja lá”. Um dia ele falou: “vai lá, a diretora quer conversar com você.” Fui, falei com ela. Ela pegou e falou assim: “mas eu tenho que fazer documento no cartório.”, falei: “fazemos”. Fizemos os documentos todos. Morreu, não tem velório, nada. Já chama, eles já pegam aquele caixão de alumínio e já me levam e deixam lá.

R. L. – Daqui uns 100 anos, tomara.

A. B. – Pois é. [risos]

T. O. – Paraná, conta para gente como é sua relação com o futebol hoje. Você assiste os jogos, acompanha, vai no estádio?

A. B. – Eu assisto o jogo lendo o jornal. Você já viu isso? [risos]

T. O. – Não.

A. B. – Estou vendo aqui, estou lendo lá e o jogo passando. Eu só escuto quando a Cíntia grita, a turma dela grita quando tem jogo do São Paulo. Eu não assisto. E jogo do São Bento, eu vou lá no jogo do São Bento porque mais ou menos nós homenageamos o pessoal do time vencedor, os jogadores a gente homenageia. Então eu vou lá para entregar e fico na arquibancada e não enxergo o jogo. E de óculos mesmo não enxergo. Eu tenho dificuldade disso. Se você passar de carro aqui na minha frente e mexer comigo eu não conheço você de carro, mesmo de óculos.

T. O. – Quando é rápido não vê?

A. B. – Não vejo. E lá no campo eu vejo, mas não vejo quem são os jogadores. Então eu vou lá só para entregar a premiação no final do jogo. [risos]

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R. L. – Mas muitos ex-jogadores falam que eles não tem mais vontade de assistir futebol. Porque piorou muito tecnicamente, porque virou um grande balcão de negócios. Muita gente fala isso também, viu Paraná.

A. B. – Os caras sempre arrumam alguma coisa para falar. Bom, eu também, mesmo eu quando estava jogando eu não gostava de ver jogo. Não gostava de ver. E a gente assistindo o jogo aprende muita coisa. A gente passa para as crianças isso para ver o jogo e os moleques falam assim: “ver perna de pau jogar?”, “pode ver perna de pau mesmo que, se aprende alguma coisa. Mesmo vendo perna de pau”.

T. O. – E você acha que o futebol mudou muito daquela época para hoje em dia?

A. B. – Mudou.

T. O. – O que é de diferente?

A. B. – O futebol não tem mais aquele romantismo que tinha antigamente.

T. O. – Está muito racional?

A. B. – Está. Muito diferente. Antes eu podia inventar, fazia embaixada, saia briga. Agora não. Agora você vai fazer...

T. O. – Agora é mais feio o futebol em campo?

A. B. – É. Bem mais feio. É que vocês não pegaram.

R. L. – Antigamente também os jogadores podiam promover a partida, o lateral mexia com o ponta-esquerda dentro do jogo para as rádios divulgarem, para os jornais. Hoje em dia se fizer isso da confusão. O pessoal não entende mais como brincadeira.

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A. B. – Agora comentei, tem um moleque que jogou comigo, que estuda em Ribeirão Preto. Estuda e trabalha lá. E ele foi com outro clube que o Eurico frequenta. Eu estava falando pra ele: “nós fomos na televisão no sábado, eu e Eurico...”

T. O. – Eurico, ex-lateral do Palmeiras?

A. B. – É. O jogo no domingo nós vamos jogar, lá no Morumbi. Estamos brincando, eu e ele. O [INAUDÍVEL] expulsou eu e ele. Disse que nós estávamos brigando. E nós estávamos brincando eu e ele. [risos]

R. L. – Não é fácil não...

T. O. – A gente está chegando meio que ao fim, mas a gente sempre faz uma pergunta para os jogadores que se refere à próxima Copa que está vindo, o Brasil vai sediar. Tanto para a nossa Seleção, futebol, quanto em termos organizativos, administração, a construção dos estádios, como você vê essa Copa que está vindo?

A. B. – Como que eu vou falar? Bom, vamos começar lá em cima primeiro. O Brasil já sai tudo errado, porque os caras roubam, aqui vale tudo, então já faz todo o negócio diferente. Tem muita gente ganhando dinheiro nas construções e reformas dos estádios. A parte de futebol, não sabemos o que vai acontecer, porque até chegar perto da Copa não sabemos como estarão os jogadores. Então é difícil de falar. Não sei se o técnico aguenta até lá isso tudo também. Que os caras falam do técnico também.

T. O. – Você está otimista com esse ministro?

A. B. – Não. Para falar a verdade para você, eu não vi nenhum jogo da Seleção.

R.L. – [risos] Perdeu muita coisa não.

A. B. – Então, eu não posso comentar. Não comento por causa disso, porque eu não vejo. E a maioria dos jogos foram todos de dia, e de dia que eu não vejo mesmo. E eu

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tenho uma turma que joga toda quarta-feira no campo society, campo sintético. E eu não jogo, eu só vou pra “cornetear” eles e comer. Só isso. [risos]. Eu estava falando para eles: “vocês ficam discutindo. Discute futebol, discute isso ou aquilo.” Então eu sento. Por exemplo, eu sento aqui na mesa e a televisão fica aqui atrás. E eu não vejo o jogo. Ontem nós saímos de lá era meia noite e pouco, o Mickey falou: “já é meia noite e dez” e estava passando Vasco e Universidad do Chile, eu não vi o jogo. Então eu não vejo, já sento ali atrás quarta-feira, não vejo o jogo. Em casa também não assisto.

T. O. – Entendi.

A. B. – É difícil.

R. L. – Não que o senhor esteja perdendo muita coisa, viu Paraná, mas [risos] é que o futebol “enfeiou” muito de uns tempos para cá. E é aquilo que o senhor falou também, o romantismo, o jogador... antigamente as escalações elas duravam tempos e tempos nos times hoje em dia, no mesmo campeonato um moleque compra um álbum de figurinha e no final do campeonato não vale mais o álbum, porque não sei quem saiu, não sei quem chegou, então... [risos]

A. B. – É assim.

R. L. – E outra coisa, na copa de 66, fizeram aquela preparação, convocaram 47 jogadores como nós falamos, hoje em dia não sei se daria pra convocar 47 jogadores não, viu Paraná. Olha [risos]... hoje não tem 47 jogadores para colocar na Seleção. De jeito nenhum.Com certeza não.

T. O. – 22 está difícil.

R. L. – 22 já está difícil já. Onze está difícil, que dirá quarenta e poucos jogadores.

A. B. – Fica difícil mesmo. Igual a molecada que esta vindo, teve muitas gerações e o moleque: “porque eu jogo, faço isso, faço aquilo”. Aquilo que eu falei, falo pra eles:

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“olha, nem aquele 10 que jogava nunca falou que era mais do que os outros. E não adianta você falar que você faz isso, faz aquilo, que você não faz. Então não fala. Seja humilde, seja simples, vai lá e joga, se tiver que dar de bico, dá de bico, tem que fazer isso senão não vai pra frente.”

T. O. – Bom. Paraná, acho que a gente está chegando ao fim. A gente agradece muito ter vindo aqui e falado para gente, contado tudo isso que você contou. Tem alguma coisa que você queria falar? Por favor fale mais para gente. Mas acho que...

R. L. – Alguma pergunta que nunca te fizeram e o senhor gostaria de responder? Tem alguma pergunta que nunca fizeram para o senhor?

A. B. – Não. Só tem uma coisa que eu tenho que pedir. Vou deixar para vocês passarem isso daí. A Federação, eu acho que tinha que fazer uma carteirinha para o pessoal que jogou futebol, para eles entrarem nos estádios. Sorocaba acontece muito lá, que tem os jogadores que vão no estádio, que jogaram no São Bento e os caras não deixam entrar. Não são todos que tem dinheiro. Igual eu faço, eu vou pago para os caras e vou embora para casa só para não ficar irritado. Então eu acho que a Federação devia fazer uma carteirinha para cada jogador que jogou. Quem quiser! Quem quiser vem e pega e vai assistir aos jogos. Essa eu acho que é a coisa mais importante. E se fizer um curso profissionalizante para a molecada que joga nos campeonatos infantil e juvenil é bom. Que não são todos que vão seguir a carreira. E aprendem a fazer alguma coisa e não precisa ficar encostado no boteco. [risos] No boteco da bola: “paga uma pinga para mim, paga uma cerveja”

T. O. – Bom, está gravado. E muito obrigado pelo depoimento inteiro. A gente agradece muito. Muito obrigado, Paraná.

A. B. – Eu agradeço todos vocês e quando precisar de mais alguma coisa é só chamar que eu estou aqui.

T. O. – Esticar as pernas?

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R. L. – -[ INAUDÍVEL] espero o senhor para visitar a gente lá em Londrina, viu Paraná. O pessoal sente saudades do senhor.

A. B. – Bom, agora em março eu aposento. Em março não posso trabalhar mais. E acho que vou para Cambará. O Jaime Negão está indo sempre. Ele sempre vai pra Cambará e eu acho que vou com ele.

Produção – Paraná, o senhor assina aqui para mim. É a autorização do uso da imagem. São quatro vias. Duas do Museu, e duas dos meninos da FGV.

[FINAL DO DEPOIMENTO]

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