A EXPANSÃO CANAVIEIRA NA BACIA DO RIO NO ESTADO DE

Jodenir Calixto Teixeira Universidade do Estado de São Paulo-UNESP [email protected]

Antonio Nivaldo Hespanhol Universidade do Estado de São Paulo-UNESP [email protected]

Resumo

A expansão das áreas ocupadas por lavouras de cana de açúcar no Brasil tem ocorrido num ritmo acelerado nos últimos anos para atender a crescente demanda de etanol e de açúcar. Essa produção, atualmente, vem se expandindo em direção ao interior do país e ocupando novos espaços agrícolas. Dentre as novas áreas ocupadas por essa lavoura está o Mato Grosso do Sul, em especial, a região da bacia hidrográfica do rio Ivinhema, no sudeste do Estado. A expansão da cana de açúcar nessa porção do estado representa uma ameaça à permanência das lavouras tradicionais da região e tende a substituir, principalmente, a produção de alimentos. Este texto originou-se a partir do projeto de Pesquisa intitulado “Os efeitos econômicos e socioespaciais da expansão canavieira na bacia do rio Ivinhema-MS”, em desenvolvimento junto ao curso de pós graduação em Geografia da FCT/UNESP.

Palavras-chave: Produção agropecuária. Cana-de-açúcar. Reorganização espacial.

Introdução

Este texto originou-se a partir do projeto de pesquisa denominado “Os efeitos econômicos e sócioespaciais da expansão canavieira na bacia do rio Ivinhema-MS”, em desenvolvimento junto ao curso de pós graduação em Geografia da Faculdade de Ciências e Tecnologia (FCT) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), visando o doutoramento nessa área. A pesquisa tem como objetivo principal analisar os impactos socioeconômicos da expansão canavieira nos municípios que possuem seus territórios total ou parcialmente localizados na bacia do rio Ivinhema em Mato Grosso do Sul. Se constituem objetivos específicos da pesquisa: a) mapear o avanço da atividade canavieira na última década na bacia do Ivinhema; b) identificar os agentes envolvidos nesse processo; c) mapear as áreas de produção de grãos nessa bacia; d) demonstrar a evolução produtiva desse espaço agrario nas últimas décadas e sua importancia na economia nacional; e) identificar o papel dos pequenos produtores nesse espaço produtivo e os impactos que essa nova configuração está produzindo sobre eles.

1

Com o intuito de atingir aos objetivos propostos estão sendo adotados os seguintes procedimentos metodológicos: Levantamento bibliográfico sobre a questão agraria no Brasil e no Mato Grosso do Sul, com enfoque na expansão canavieira; levantamento bibliográfico sobre a região em estudo, caracterizando os municípios que a compõem; coleta de dados sobre a produção agropecuaria dos municípios que pertencem à bacia do rio Ivinhema, em órgãos públicos (INCRA, AGRAER, IBGE); Coleta de dados gerais referentes aos municípios que compõem a bacia, junto ao IBGE e nas Prefeituras municipais; visitas em parte das propriedades da região (pequenas, médias e grandes) com registro fotográfico; aplicação de formulários e realização de entrevistas com produtores da região, usineiros e autoridades estaduais e municipais; organização dos dados coletados em gráficos e tabelas; análise dos dados e redação final com base nos referenciais bibliográficos e na pesquisa de campo.

A expansão canavieira no território brasileiro

As lavouras de cana de açúcar são cultivadas no Brasil desde o inicio do período colonial, se constituindo na materia prima para o abastecimento dos grandes engenhos instalados na região Nordeste do país (PRADO JÚNIOR, 1987). Nas últimas décadas a cana de açúcar passou a ser cultivada em outras regiões, em especial, no Centro-Sul, com destaque para o Estado de São Paulo. A partir da década de 1970 houve um considerável crescimento do setor do agronegócio canavieiro, relacionado inicialmente com a necessidade de uma maior produção para atender o Programa Nacional do Álcool (PROALCOOL) e, atualmente, impulsionada pela ampliação da demanda de etanol e açúcar nos mercados nacional e internacional. Para Castro et. al. (2010), podemos dividir o ciclo da cana de açúcar no Brasil em três fases: quando chega e se expande no Nordeste no período da colonização; quando se expande em decorrência do PROALCOOL, na década de 1970, no Centro-Sul, em especial no Sudeste, e quando se expande em direção ao norte e noroeste do Centro-Sul, principalmente na década de 2000, associada à crise energética mundial, ligada aos combustíveis. Nessa última fase a produção superou todas as outras fases anteriores e, segundo Fischer et. al. (2008) apud Castro et. al. (2010) entre os anos de 2000 e 2007 pelo menos 300 mil hectares ao ano foram transformados em canaviais.

2

Segundo Souza (2010) a expansão canavieira provocou uma serie de impactos sócioambientais no espaço agrario, tais como: maior concentração fundiaria, disputas territoriais com a produção de alimentos e exploração acentuada da força de trabalho. Diante disso, o Governo Federal criou, em 2009, o chamado Zoneamento Agroecológico da cana de açúcar (ZAE), que segundo a EMBRAPA (2009) objetivou o ordenamento dessa produção no território brasileiro. Outro fato a ser considerado na expansão desse setor é o considerável aumento na produção de carros flex a partir de 2003 e a valorização do açúcar no mercado internacional. De acordo com dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) houve um aumento de 240% na área plantada de cana de açúcar no Brasil, entre os anos de 1979 a 2009, passando de 2,39 para 8,14 milhões de hectares. Atualmente o país é responsável por 33% da produção mundial de cana de açúcar. Uma grande preocupação diante desse avanço do setor canavieiro no Brasil é a substituição das áreas de cultivo de alimentos pela cana de açúcar. No caso do Estado do Paraná, Souza (2010) salienta que:

Na década de 1980 as culturas de arroz, feijão e cana-de-açúcar ocupavam juntas cerca de 507 mil hectares, dos quais 89,9% estavam dedicadas ao cultivo de arroz e feijão, sendo que a cana ocupava apenas 10,1% desta área. Com o avanço da monocultura canavieira na década de 1980, ocorreu uma inversão radical no espaço agrário setentrional do Paraná. Em 2006, estas três culturas ocupavam cerca de 535 mil hectares, sendo que a cana-de-açúcar passa a ocupar agora 73,7% desta área, enquanto o arroz e feijão dividem 26% desta porção espacial (SOUZA, 2010, p. 151).

No Brasil não há uma política que regulamenta o uso do solo agrícola, assim, o espaço produtivo se configura de acordo com o interesse de determinados grupos, ou seja, a força do capital determina o (re)arranjo produtivo espacial. A organização espacial produtiva se dá de acordo com o tipo de produção mais rentável num determinado momento histórico, favorecendo, evidentemente, aos capitais vinculados a esses setores produtivos. Os dados do IBGE demonstram uma evolução constante da área plantada de cana de açúcar no Brasil, a partir do ano de 1990. Porém, a partir de 2000, a expansão ocorreu com maior intensidade (figura 1).

3

Figura 1: Evolução da área plantada de cana de açúcar no Brasil

10000000 9000000 8000000 7000000 6000000 Área plantada de Cana- 5000000 de-açúcar (ha) 4000000 3000000 2000000 1000000 0 1990 1995 2000 2006 2008

Fonte: IBGE – Organização: TEIXEIRA, Jodenir Calixto

A tentativa do Governo Federal em ordenar a produção canavieira, com a criação do Zoneamento Agroecológico da cana de açúcar (ZAE), não resolve o problema da substituição da produção de alimentos pela cana de açúcar, visto que as áreas destinadas ao zoneamento dessa produção são, geralmente, grandes produtoras de gêneros alimentícios, considerando que,

[...] foram excluídas deste zoneamento apenas porções espaciais geograficamente localizadas nos biomas da Amazônia, do Pantanal e da Bacia do Alto Paraguai, terras indígenas, remanescentes florestais, áreas de proteção ambiental, áreas com cobertura vegetal nativa, dunas, mangues, escarpas e afloramento de rochas, áreas urbanas e de mineração, além de áreas já ocupadas pela cana-de-açúcar. Soma-se a essas exclusões as terras com declividade superior a 12%, tendo em vista a premissa da mecanização no âmbito da proibição da queima dos canaviais para as áreas de expansão (SOUZA 2010, p. 155).

Pelo fato do ZAE apontar que há cerca de 64,7 milhões de hectares de terras que poderão ser utilizadas para o plantio da cana de açúcar, dos quais 37,2 milhões se encontram ocupadas por pastagens, a EMBRAPA (2009) afirma que não será necessaria a utilização de áreas produtoras de alimentos para promover essa expansão. Devemos salientar, no entanto, que esse fato não se dá na prática, pois por falta de uma política de melhor regulamentação da produção, os produtores de cana de açúcar procuram espaços que facilitem essa expansão, o que inclui áreas de produção de gêneros alimentícios. Oliveira (2008) alerta sobre essa questão ao analisar os dados do IBGE, demonstrando que, entre 1990 e 2006, houve uma significativa redução da produção dos alimentos devido à

4 expansão da área plantada de cana de açúcar, que cresceu, nesse período, mais de 2,7 milhões de hectares. Segundo esse autor, se tomarmos como referencia os municípios que tiveram a expansão de mais de 500 hectares de cana no período, verificaremos que ocorreu a redução de 261 mil hectares de feijão e 340 mil hectares de arroz. Reforçando essa afirmação, Souza (2008) demonstra que 85% da produção de cana de açúcar, produzida no país, encontra-se na região Centro-Sul, grande produtora de alimentos, com destaque para a região Sudeste, em especial, o Estado de São Paulo com cerca de 60% da produção canavieira. Na verdade, o que norteia o processo de territorialização da produção canavieira é a possibilidade de obter cada vez mais renda a partir dessa atividade, o que segundo Souza (2010) reordenará o espaço agrario das regiões já inseridas na economia nacional/internacional como grandes produtoras de alimentos. Quanto mais facilidade a região oferecer para essa expansão maior será a busca de sua ocupação com essa lavoura, possibilitando uma maior margem de lucro.

Levando-se em conta que a única racionalidade que conta é a racionalidade econômica capitalista, ganha esta disputa por território aquela atividade que apresentar as melhores possibilidades de extração de renda fundiária para um mesmo solo (SOUZA, 2010, p. 160).

Assim, segundo Thomáz Júnior (2008), o Centro-Sul é a porção territorial do país mais cobiçada pelo agronegocio nacional, com destaque para a produção canavieira. Conforme Castro et. al (2010, p. 174-175) “[...] a lógica do processo pressupunha a instalação de novas usinas, numa nítida descentralização espacial concentradora”, considerando que a expansão se dá dentro de uma mesma região, porém em direção ao interior do país. É bom ressaltar que, onde a monocultura da cana de açúcar expandiu em decorrência do Proálcool, ou seja, na região Sudeste e Sul, ela também substituiu outras importantes culturas.

O avanço da produção canavieira no Estado de Mato Grosso do Sul

O direcionamento do cultivo da cana de açúcar para o Centro-Oeste, nesta atual fase de expansão canavieira, se dá objetivando ocupar as áreas de cerrado, sobretudo, as áreas já agrícolas, preferencialmente de solos férteis, para atender a grande demanda atual por este produto. Dessa forma, essa região que passou a integrar a economia nacional como produtora de grãos e pecuaria a partir da década de 1970, diante do processo de modernização da

5 agricultura implantado no país (TEIXEIRA e HESPANHOL, 2006), passa a ser, atualmente, alvo do agronegocio canavieiro, com base agroindustrial, diante da crescente instalação de usinas. De acordo com Nassar et al (2008) apud Castro et al (2010) o aumento das áreas de cultivo de cana de açúcar no Centro-Oeste nos últimos anos substituiu mais as áreas agrícolas do que as áreas de pastagem, com um equilíbrio maior no ano de 2008.

[...] o avanço das novas usinas dar-se-á em áreas do sudoeste de Goiás e do Sudeste de Mato Grosso do Sul, onde tradicionalmente se cultivava soja e produtos associados. Logo, a discussão que caberá é se tal competição pode ser considerada uma disputa da cana com culturas alimentares (CASTRO et al, 2010, p. 180).

Sobre essa questão, Azevedo (2008) enfatiza que a atividade canavieira passa a se territorializar em áreas tradicionais da pecuaria, como é o caso de Mato Grosso do Sul. No entanto, o que se observa nesse Estado é que a produção avança, como já ressaltamos, sobre as áreas ocupadas com a produção de grãos. Para exemplificar o crescimento desse setor no Mato Grosso do Sul, Azevedo (2008) compara que entre os anos de 2005 e 2008 o número de agroindústrias canavieiras instaladas no Estado aumentou de 9 para 14 e mais 32 encontram-se em fase de implantação, com meta de estarem em pleno funcionamento, pelo menos 31 unidades produtivas, no ano de 2015, o que garantiria uma produção de 5,9 bilhões de litros de álcool. Assim, o autor destaca que,

Do ponto de vista do agronegócio, Mato Grosso do Sul aparece no cenário midiático como um dos mais dinâmicos, na medida em que representa uma fronteira agrícola-econômica para a expansão de capitais, seja na agricultura ou na própria indústria. Contudo, no que tange propriamente ao campo, ampara-se largamente no discurso da produção da soja, da carne e, mais recentemente, da cana-de-açúcar, os quais sustentam a sua economia e expressam sua situação frente aos demais Estados da federação (AZEVEDO, 2008, p. 26).

Devemos salientar, no entanto, que desde as décadas de 1970 e 1980 ocorreram investimentos, devido ao Proálcool, na implantação de usinas no Mato Grosso do Sul. No final da década de 1980 elas totalizavam 9 usinas e o Estado apresentava 94.538 hectares de área plantada com lavouras de cana de açúcar (PEREIRA et al, 2007). Em 2008, a área plantada totalizava, segundo o IBGE, 341.926 hectares, ficando entre os seis Estados de maior área de cultivo de cana de açúcar do país.

6

Os dados do IBGE demonstram uma evolução constante da área plantada de cana de açúcar no Mato Grosso do Sul, a partir do ano de 1990. Porém, a partir de 2000, a expansão ocorreu com maior intensidade (figura 2).

Figura 2: Evolução da área plantada de cana de açúcar em Mato Grosso do Sul 400000

350000

300000

250000

200000 Área plantada de cana- de-açúcar (ha) 150000

100000

50000

0 1990 1995 2000 2006 2008

Fonte: IBGE – Organização: TEIXEIRA, Jodenir Calixto

Os dados estatísticos do Estado disponibilizados pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (SEMAC) demonstram uma redução das principais lavouras no Mato Grosso do Sul e a expansão da área plantada com lavouras de cana de açúcar (tabela 1).

Tabela 1: Área colhida das principais lavouras de Mato Grosso do Sul (ha) Lavouras 2005 2006 2007 2008 2009 Algodão herbáceo 63.718 29.499 46.249 44.224 36.716 Arroz em casca 51.538 42.160 41.948 35.419 34.167 Feijão em grão 20.812 32.470 19.785 16.838 17.609 Mandioca 32.492 29.337 27.356 29.041 23.934 Trigo 95.559 49.492 31.814 42.682 43.154 Soja em grão 2.025.155 1.903.852 1.718.031 1.731.376 1.708.723 Cana de açúcar 136.803 152.747 191.577 341.926 372.963 Fonte: IBGE – Produção Agrícola Municipal, Levantamento Sistemático da Produção Agrícola. In: Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia (2009)

Para Azevedo (2008, p. 32)

7

Esse cenário de expansão da monocultura da cana-de-açúcar e de implantação de novas unidades nos coloca atentos à possibilidade de haver um novo enquadramento de Mato Grosso do Sul na divisão territorial e internacional do trabalho.

Conforme dados da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrario, da Produção, da Industria, do Comercio e do Turismo (SEPROTUR) o Estado conta hoje com 14 usinas instaladas distribuídas em 12 municípios. São elas: Angélica Agroenergia LTDA (Angélica), Alcoovale S/A – açúcar e álcool (Aparecida do Taboado), Debrasa/CBAA (Brasilândia), Destilaria Centro-Oeste LTDA - Decoil (Iguatemi), Tavares de Melo Açúcar e Álcool S/A (Maracaju), Usina Naviraí S/A – Açúcar e Álcool (Naviraí), Usina Santa Fé / Safi Brasil Energia (), Enérgética Santa Helena LTDA (), Tavares de Melo Açúcar e Álcool S/A (Rio Brilhante), Usina Rio Brilhante (Rio Brilhante), Usina Eldorado LTDA (Rio Brilhante), Usina Santa Olinda S/A – açúcar e álcool (Sidrolândia), Companhia Agrícola Sonora Estância (Sonora) e Central Energética (Vicentina). Ressaltamos que o Brasil vivencia, desde a década de 1990, o chamado processo de descentralização industrial e são oferecidos incentivos para que as empresas se instalem no interior do país, em regiões menos industrializadas, como é o caso do Centro-Oeste. As vantagens vão desde concessão de terrenos para a instalação da empresa até a isenção fiscal por vários anos. O Estado de Mato Grosso do Sul tem oferecido essas vantagens, o que também contribui para a instalação de novas usinas. É notorio o interesse dos grandes empresários do setor sucroalcooleiro em instalarem novas usinas no Mato Grosso do Sul, considerando que o Estado possui: estoque de terras para sustentar a expansão da atividade; preço da terra ainda atrativo; organização sindical frágil; grande interesse do Estado em facilitar a instalação dessas empresas.

Mato Grosso do Sul criou uma estratégia para promover a atração das usinas sucroalcooleiras para o estado. De forma geral e simplificada, o pacote de incentivos compreende a isenção ou descontos nas alíquotas de impostos, dentre outros benefícios (PEREIRA et al, 2007, p. 10).

Sobre o assunto, Santos e Silveira (2001, p. 112) afirmam que:

As mudanças de localização de atividades industriais são as vezes precedidas de uma acirrada competição entre os Estados e os municípios pela instalação de novas fábricas e, mesmo, pela transferência das já existentes.

8

A expansão canavieira na bacia do rio Ivinhema em Mato Grosso do Sul

Pereira et al (2007) observam que as novas instalações de usinas no Mato Grosso do Sul ocorrerão na bacia hidrográfica do Paraná, com grande concentração na sub-bacia do rio Ivinhema. Dos 12 municípios que detém usinas no Mato Grosso do Sul, 7 estão nessa sub-bacia. Esse fato justifica nossa preocupação, considerando que grande parte dos municípios localizados nessa região do estado é grande produtora de grãos. A bacia do rio Ivinhema abrange uma área de 4,64 milhões de hectares, correspondendo a 5,27% da bacia do Paraná em territorio brasileiro. Sua localização se dá entre os paralelos 20° 51’ e 23° 14’ de latitude Sul e os meridianos 52° 21’ e 55º 27’ de longitude Oeste. Encontra-se totalmente no estado de Mato Grosso do Sul, limitando-se com o Paraguai a Oeste e com os Estados de São Paulo e Paraná a Leste (figura 3). Seu rio principal, o Ivinhema, nasce a partir da junção dos rios Vacarias e Brilhante, percorrendo 205 km até desaguar no rio Paraná (FARIA e FRATA, 2008). Essa região apresenta as seguintes características físicas: Clima tipo Aw (tropical com verão chuvoso e inverno seco), com precipitação variando entre 1400 e 1700 mm; a forma de relevo predominante é o planalto com suaves ondulações, esculpido sobre litologias areníticas cretácicas do Grupo Bauru, o que originou latossolos com maior fertilidade em sua porção superior (latossolo roxo) e com menor fertilidade em sua porção inferior (latossolo vermelho-amarelo); a vegetação predominante é o cerrado (SOUZA, 2007).

9

Figura 1: Localização da Sub-bacia do rio Ivinhema no Estado de Mato Grosso do Sul e em relação a bacia do rio Paraná

Fonte: FARIA e FRATA (2008)

Com uma população de aproximadamente 600 mil habitantes, segundo dados do IBGE, essa região é composta por 25 municípios: Anaurilândia, Angélica, Antônio João, Batayporã, Caarapó, Deodápolis, Douradina, , Fátima do Sul, Glória de Dourados, Itaporã, Ivinhema, Jateí, , Laguna Carapã, Maracaju, Naviraí, Nova Alvorada do Sul, Nova Andradina, , Ponta Porã, Rio Brilhante, Sidrolândia, Taquarussu e Vicentina (figura 4).

10

Figura 2 – Municípios localizados na bacia do rio Ivinhema - MS

Fonte: GONÇALVES (2009)

De acordo com os dados do censo agropecuário do IBGE de 2006, os municípios dessa bacia apresentaram uma produção de 4,13 milhões de toneladas de grãos, correspondendo a mais de 3% da produção nacional, com destaque para as lavouras de soja e milho. De acordo com o censo essa região possui uma área ocupada com produção de grãos de 923 mil hectares, 2.497 mil hectares ocupados com pecuaria e 175,8 mil hectares ocupados com lavouras de cana de açúcar. Sobre a produção agropecuaria dessa bacia Faria e Frata (2008) destacam que a produção principal está em sua parte alta, região colocada entre as maiores zonas produtoras de grãos do país, principalmente de soja e milho, enquanto que na parte baixa predomina a pecuaria bovina. Porém, do total de produção de cana de açúcar apresentado, 6,05 milhões de toneladas foram colhidas na parte alta da bacia, numa área de 125,28 mil hectares, enquanto que na parte baixa colheu-se 2,75 milhões de toneladas, numa área de um pouco mais de 50 mil hectares. O que nos chama a atenção nesses dados é que o avanço da cana de açúcar é bem maior na parte alta da bacia, de solos mais férteis, onde predomina a produção de grãos, do

11

que sobre a parte baixa, de solos menos férteis, onde sobressai a pecuaria bovina. Isso nos induz a levantar a hipótese de que já está havendo uma disputa entre as áreas de plantio de cana de açúcar com as áreas tradicionalmente voltadas para a produção de grãos, e isso tende a se aprofundar com a instalação das usinas previstas, o que gerará grandes impactos econômicos, sociais e ambientais na região. Analisando o avanço canavieiro no Mato Grosso do Sul, Faria e Frata (2008, p. 55), trazem dados ainda mais alarmantes do que os oficialmente apresentados, ao afirmarem que: Uma das regiões de maior expansão do plantio da cana-de-açúcar e instalação de usinas para a produção de energia elétrica, etanol, açúcar, são os 4,64 milhões de hectares da sub-bacia do rio Ivinhema, território que deverá contar com 60 unidades produtoras até a safra 2014/2015.

Atualmente estão em funcionamento seis usinas nessa bacia, porém, de acordo com esses autores, existem 37 em fase de implantação, além de 17 planejadas. Se de fato isso ocorrer, a área ocupada com cana de açúcar aumentaria 20 vezes, passando a ocupar 2,2 milhões de hectares e mais de 30% da área plantada com cana de açúcar em todo o país. Com esses dados estima-se que cerca de 50% da parte alta da bacia estará ocupada pelos canaviais em 2015. A tabela 2 demonstra a evolução da área plantada com cana de açúcar em cada um dos municípios da bacia do rio Ivinhema nos últimos anos. Tomando como referencia os anos de 2005 a 2011 notamos uma pequena diferença em relação aos dados apresentados pelo IBGE no ano de 2006. No entanto, demonstram um crescimento considerável dessa lavoura, elevando-se de 159.806 ha para 502.063 ha, com a participação de quase todos os municípios.

Tabela 2: Evolução da área plantada com cana de açúcar nos municípios da bacia do rio Ivinhema - MS (ha) Municípios Safra Safra Safra Safra Safra Safra 2005/06 2006/07 2007/08 2008/09 2009/10 2010/11 Anaurilândia ------546 1.560 1.980 Angélica ------1.496 3.641 12.239 18.760 23.285 Antônio João ------Batayporã ------1.583 2.977 4.175 Caarapó ------890 9.442 12.806

12

Deodápolis ------398 745 847 1.076 Douradina ------157 157 Dourados ------352 1.184 5.051 14.291 19.731 Fátima do Sul ------79 106 394 Glória de Dourados ------31 31 31 Itaporã ------2.880 4.420 6.245 6.308 Ivinhema ------146 1.983 7.686 15.389 Jateí ------788 2.202 2.253 Juti 720 781 780 976 2.053 5.773 Laguna Carapã ------3.279 9.861 Maracaju 16.307 17.574 19.389 25.092 33.245 35.398 Naviraí 13.249 17.720 19.978 21.721 21.918 21.555 Nova Alvorada do 13.418 14.964 19.403 22.332 28.450 37.004 Sul Nova Andradina 18.559 17.881 20.341 22.593 21.743 23.959 Novo Horizonte do ------4.445 Sul Ponta Porã ------1.346 8.222 13.687 Rio Brilhante 15.301 22.181 36.400 59.453 75.708 79.098 Sidrolândia 8.475 9.228 11.631 15.718 27.298 28.219 Taquarussu ------144 3.232 3.421 Vicentina ------1.618 1.710 1.910 Total 159.806 182.061 226.958 310.711 425.539 502.063 Fonte: CANASAT – mapeamento da cana via imagens de satélite de observação – disponível em: http://www.dsr.inpe.br/laf/canasat/. Organização: TEIXEIRA, Jodenir Calixto

Sem dúvida, é notoria a expansão da cana de açúcar nessa porção do estado, o que justifica a nossa preocupação em entender as repercussões econômicas e sócioespaciais desse fato.

Considerações finais

Apesar das lavouras de cana de açúcar serem cultivadas no Brasil desde a sua colonização, só nas últimas décadas que essa produção se expandiu grandemente no

13 território brasileiro, para atender principalmente a grande demanda por etanol e açúcar nos mercados nacional e internacional. A região de maior concentração desse cultivo é o Centro-Sul, com grande destaque para o Estado de São Paulo. Porém, na década de 2000, essa prática vem se estendendo para outros estados, em especial, para o Mato Grosso do Sul. A expansão canavieira vem provocando significativas alterações no espaço agrário dessa região, com a substituição de antigas áreas de lavouras e pecuárias, o que faz com que essas produções sejam prejudicadas, pela ausencia de uma política que regulamente o uso do solo agrícola. A força do capital é determinante nesse processo. Assim, o estado de Mato Grosso do Sul, representa o novo foco de expansão da cana de açúcar, principalmente na região da bacia do rio Ivinhema a sudeste do Estado, envolvendo 25 municípios. Essa região tem despertado grande interesse nesses produtores e um número cada vez mais elevado de usinas tem se instalado nessa área. Considerando que essa região é tradicional na produção de grãos, novas questões surgem em torno desse fato: todos os atores envolvidos nesse processo estão sendo considerados? O que vai acontecer com o pequeno produtor nessa nova configuração desse espaço agrario? Quais os impactos que ocorrerão sobre a economia desses municípios e sobre a qualidade de vida da população? Essas questões só poderão ser respondidas com o desenvolvimento dessa pesquisa e as respostas serão apresentadas em um outro momento.

Referências

ANDRADE, Manuel Correia de. Área do Sistema Canavieiro. Recife: Sudene, 1988.

ANDRADE, Manuel Correia de. Modernização e Pobreza: a expansão da Agroindústria

Canavieira e seu impacto ecológico e social. São Paulo: Editora da Unesp, 1994.

AZEVEDO, José Roberto Nunes. Expansão da agroindústria canavieira no Mato Grosso do Sul: relação capital x trabalho e reconfiguração espacial. Dissertação (Mestrado em Geografia), Dourados: UFGD, 2008.

BRASIL - EMBRAPA. Zoneamento Agroecológico da cana-de-açúcar. Brasília: EMBRAPA, 2009.

14

BRASIL – MAPA, Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Balanço nacional de cana-de-açúcar e agroenergia. Brasília: Mapa/SPAE, 2007.

BRASIL - IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Censo agropecuário de 2006. Rio de Janeiro: IBGE, 2006.

BRASIL. MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Desenvolvimento Agrário, da Produção, da Indústria, do Comércio e do Turismo. Dados Econômicos de Mato Grosso do Sul. : SEPROTUR, 2010.

BRASIL. MATO GROSSO DO SUL. Secretaria de Estado de Meio Ambiente, do Planejamento, da Ciência e Tecnologia. Dados Estatísticos de Mato Grosso do Sul. Campo Grande: SEMAC, 2009.

CASTRO, Selma Simões; ABDALA, Klaus; SILVA, Adriana Aparecida; BORGES, Vonedirce Maria Santos. A expansão da cana-de-açúcar no cerrado e no Estado de Goiás: elementos para uma análise espacial do processo. In: Boletim Goiano de Geografia. v. 30, n. 1, Goiânia, 2010, p. 171-191.

CORRÊA, Roberto Lobato. Região e Organização Espacial. São Paulo: Ática, 1995.

FARIA, Alcides; FRATA, Angela. Biocombustível: a cana-de-açúcar na região hidrográfica do rio Paraná e a produção de grãos, a pecuária e a cana na sub-bacia do rio Ivinhema. Campo Grande: Ecoa, 2008.

GONÇALVES, Marcelino de Andrade. Geração e disposição de resíduos sólidos urbanos e as formas de organização dos trabalhadores catadores de resíduos recicláveis nos municípios localizados na sub-bacia do rio Ivinhema – MS. Projeto de Pesquisa, Nova Andradina: UFMS, 2009.

INPE – Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais. Projeto Canasat – mapeamento da cana via imagem de satélite de observação da Terra. Disponível em: www.dsr.inpe.br/laf/canasat/. Acesso em: 20 de junho de 2011.

MANZATTO, Celso Vainer (org). Zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar. Rio de Janeiro: Embapa Solos, 2009.

MÜLLER, Geraldo. O Complexo Agroindustrial. São Paulo: FGV, 1981.

OLIVEIRA, Ariovaldo U. Modo Capitalista de Produção e Agricultura. São Paulo: Ática, 1986.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Agrocombustível e produção de alimentos, Jornal MST, 2008. Disponível em: www.mst.org.br/mst/pagina.php?cd=5310. Acesso em 25 de maio de 2011.

OLIVEIRA, Ariovaldo Umbelino de. Barbárie e modernidade: as transformações no campo e o agronegócio no Brasil. In: Revista Terra Livre. n. 21. São Paulo: AGB, 2003. PEREIRA, Marcelo Castro; MICHELS, Ido Luiz; RODRIGUES, Jordana Duenha; CAMPELO, Estevan Henrique Risso; MEURER, Roberto. A expansão da cadeia

15 sucroalcooleira em Mato Grosso do Sul. In: Anais do XLV SOBER, Londrina, 2007, p. 1-21.

PRADO JÚNIOR, Caio. História Econômica do Brasil. 35a Ed., São Paulo: Brasiliense, 1987.

SANTOS, Milton; SILVEIRA, Maria Laura. O Brasil – território e sociedade no início do século XXI. Rio de Janeiro: Record, 2001.

SOUZA, Marcos Antonio de. A dinâmica territorial do agronegócio canavieiro e o zoneamento agroecológico da cana-de-açúcar: notas para um debate. In: revista campo- território, v. 5, n. 10, 2010, p. 148-167.

SOUZA, Rosângela Aparecida de. Avaliação de metais em águas na sub-bacia hidrográfica do rio Ivinhema, Mato Grosso do Sul. Dissertação (Mestrado em Saneamento Ambiental e Recursos Hídricos). Campo Grande: UFMS, 2007.

SZMRECSANYI, Támaz. O Planejamento da agroindústria canavieira do Brasil (1930-1975). São Paulo: Hucitec, 1979.

TEIXEIRA, Jodenir Calixto e HESPANHOL, Antonio Nivaldo. A Região Centro- Oeste no Contexto das Mudanças Agrícolas Ocorridas no Período Pós-1960. In: Revista Eletrônica da Associação dos Geógrafos Brasileiros – Seção Três Lagoas, Três Lagoas-MS, V. 1 – n.º 3 – ano 3, Maio de 2006. Disponível em: http://www.cptl.ufms.br/geo/revista-geo/sumario/sumario_v3.htm

THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Por trás dos canaviais os (nós) da cana. A relação capital x trabalho e o movimento sindical dos trabalhadores na agroindústria canavieira paulista. São Paulo: Annablume/FAPESP, 2002.

THOMAZ JÚNIOR, Antonio. Por uma “cruzada” contra a fome e o agrohidronegócio – nova agenda destrutiva do capitalismo e os desafios de um tempo não adiado. In: Revista Pegada. v. 9, n. 1, Presidente Prudente: Unesp, 2008. Disponível em: www4.fct.unesp.br/ceget/pegada91/02-9-1-thomazjr.pdf. Acesso em 20 de junho de 2011.

16