<<

Medievalista Online

23 | 2018 Número 23

Edição electrónica URL: http://journals.openedition.org/medievalista/1563 DOI: 10.4000/medievalista.1563 ISSN: 1646-740X

Editora Instituto de Estudos Medievais - FCSH-UNL

Edição impressa Data de publição: 1 janeiro 2018

Refêrencia eletrónica Medievalista, 23 | 2018, « Número 23 » [Online], posto online no dia 29 abril 2018, consultado o 26 setembro 2020. URL : http://journals.openedition.org/medievalista/1563 ; DOI : https://doi.org/ 10.4000/medievalista.1563

Este documento foi criado de forma automática no dia 26 setembro 2020.

Mediavalista está licenciado com uma Licença Creative Commons - Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional. 1

SUMÁRIO

Editorial: Um número especial da Medievalista… dentro da nossa normalidade Covadonga Valdaliso Casanova e Francisco José Díaz Marcilla

Entrevista a Maria Helena da Cruz Coelho Maria Helena da Cruz Coelho

Artigos

O complexo religioso e os batistérios de Mértola na Antiguidade Tardia Virgílio Lopes

As crónicas de Zurara: a corte, a aristocracia e a ideologia cavaleiresca em Portugal no século XV Miguel Aguiar

Tanto malvagio da essere d’esempio. I clerici anglo-normanni e la descrizione di Guglielmo II Rufo, disgraziatamente re d’Inghilterra Fabrizio De Falco

Staging deaths: King Sverre or a usurper’s path to the throne David Brégaint

Erat simplicis ingenii: A deposição de Garcia da Galiza vista pelos cronistas dos séculos XII e XIII Maria Joana Gomes

The Justification of Tyrannicide in the Chronicle of Dalimil. The Czech Nobility as the “Mystical Body” of the Realm Éloïse Adde

La filosofia discursiva de Pedro El Cerimonioso respecto a la reintegración de la corona de Mallorca a la corona de Aragón Gabriel Ensenyat Pujol

“El maestre Davis que se fazia llamar rede Portugal” – La imagen propagandística de D. João I de Portugal en la fuentes castellanas Néstor Vigil Montes

Les humanistes français, le roi et le tyran. Débats autour du tyrannicide au sein du milieu humaniste français, 1ère moitié du XVe siècle Lucie Jollivet

¿Representar la legitimidad? Objetos, símbolos y comunicación en las ceremonias públicas del reinado de Fernando I de Aragón Víctor Muñoz Gómez

“Mulier ne debuerit habere regnum”: a regência na menoridade de D. Afonso V vista pelos juristas Manuel Francisco Ramos

Medievalista, 23 | 2018 2

Recensões

Lênia Márcia Mongelli, Raúl Cérsar G. Fernandes, Fernando Maués (Eds.), Francisco de Moraes, Palmeirim de Inglaterra Geraldo Augusto Fernandes

Apresentação de Teses

Fragmentos de medicina medieval em Portugal: Frei Gil de Santarém e o Códice eborense CXXI/2-19 Tese de Mestrado em História, área de especialidade em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Abril de 2017. Orientação da Professora Doutora Manuela Santos Silva Ana Marta Silva Pinto

Tese de Doutoramento em História apresentada à Universidade de Málaga (Espanha), Julho de 2016. Orientação do Professor Doutor Ángel Galán Sánchez El reino de Sevilla y la fiscalidad extraordinaria en la Corona de Castilla. Del pedido regio a las contribuciones de la Santa Hermandad (1406-1498) José Manuel Triano Milán

Medievalista, 23 | 2018 3

Editorial: Um número especial da Medievalista… dentro da nossa normalidade

Covadonga Valdaliso Casanova e Francisco José Díaz Marcilla

1 O presente número da Medievalista é uma edição especial. Não porque quebre a absoluta regularidade de publicação da revista nem porque se tenha alterado o figurino a que habituou quem nela publica ou quem a consulta. Fiel às nossas exigências também neste campo, o número é disponibilizado na data normal, no início do semestre a que respeita. Mas especial porque, embora discutido e pensado várias vezes, nunca antes fora possível preparar e oferecer um verdadeiro dossier temático. Graças ao trabalho e à colaboração dos organizadores do colóquio “Debuerit habere regnum. Depor e proclamar reis na Idade Média”, que teve lugar na Faculdade de Letras de Lisboa entre 12 e 14 de Outubro de 2016, e à disponibilidade de um vasto conjunto de autores, são agora divulgados vários dos trabalhos aí apresentados, depois de submetidos ao processo de avaliação por pares. Trata-se de nove artigos que, após aprovação, desenvolvem as comunicações então apresentadas e formam um excelente corpus de reflexão sobre o tema da deposição e da proclamação de soberanos medievais em diversos reinos e circunstâncias. Os textos aqui incluídos são adiante individualmente apresentados pelos organizadores do referido colóquio, Covadonga Valdaliso Casanova e Francisco José Díaz Marcilla, a quem agradecemos pela proposta que apresentaram à Medievalista e por todo o empenhamento com que participaram na preparação editorial do dossier que agora vem a público. Do mesmo modo, cumpre agradecer aos autores dos artigos por publicarem na nossa revista, dando assim mostras da confiança e do apreço que a Medievalista lhes merece.

2 É também publicado um artigo de Miguel Aguiar cuja temática (“As crónicas de Zurara: a Corte, a Aristocracia e a Ideologia Cavaleiresca em Portugal no século XV”) se encontra de algum modo relacionada com o referido dossier. Daí ter-se decidido incluí- lo neste número. Igualmente presentes estão as habituais secções de Recensões e Apresentação de Teses.

Medievalista, 23 | 2018 4

3 Uma menção especial para o Destaque, com uma extensa entrevista a Maria Helena da Cruz Coelho. Tomando como pretexto a sua aposentação e as várias homenagens que nessa ocasião lhe foram feitas, a Medievalista entrevistou aquela que é uma historiadora de referência no medievalismo português e com claro reconhecimento além-fronteiras. As respostas constituem não apenas um balanço do que tem sido uma vida dedicada à investigação e ao ensino, mas também um relevante contributo para a reflexão acerca da situação actual dos estudos e dos “usos” da Idade Média entre nós. Destaque merece também o texto de Virgílio Lopes sobre “O Complexo Religioso de Mértola e os Baptistérios de Mértola na Antiguidade Tardia”, dando a conhecer novos elementos sobre os trabalhos arqueológicos nesta vila alentejana.

4 Um “número especial”, portanto, que não se afasta da linha científica e da orientação editorial da Medievalista. Uma linha científica que não é de “escola” nem de “capela”, procurando definir-se apenas pela busca do rigor; e uma orientação editorial de plena abertura temática, metodológica e linguística, para todos aqueles que queiram ajudar a fazer da Medievalista o que ela sempre quis e quer continuar a ser: um instrumento de verdadeiro acesso aberto para a construção e a divulgação de estudos de qualidade sobre a Idade Média.

“Debuerit habere regnum. A Legitimidade nas Monarquias Medievais”

5 Embora no testamento de D. Afonso II de Portugal se estabelecesse que o seu filho, Sancho, devia herdar o reino – debuerit habere regnum –, anos mais tarde este monarca foi deposto e morreu exilado em Castela. Poder-se-ia pensar que este episódio isolado não é representativo na história de uma monarquia que, só mais de um século depois, iria viver uma outra irregularidade sucessória, com a proclamação do mestre João de Avis como D. João I. Porém, a instabilidade política em territórios com sistemas de governo monárquicos, como eram em grande parte os medievais, traduzia-se frequentemente em deposições, proclamações e no que hoje chamamos quebras dinásticas. Para alguns períodos da Idade Média basta escolher uma área geográfica para reunir vários exemplos. Em 1359, cinco anos depois de o rei Iúçufe V de Granada ter sido assassinado, o seu filho Maomé V foi destronado e substituído pelo seu meio- irmão, Ismail II, que seria também assassinado, dez meses mais tarde, por ordem do novo monarca, Maomé VI. Em 1362, a cabeça de Maomé VI foi enviada a Maomé V, que recuperou assim a coroa, pelo seu aliado Pedro I de Castela. Em 1366, Henrique de Trastámara, filho ilegítimo de Afonso XI de Castela, autoproclamou-se rei, obrigou o seu meio-irmão, Pedro I, a fugir do reino e, três anos depois, assassinou-o.

6 Os estudos reunidos neste dossier apresentam outros casos de deposições, regicídios e proclamações irregulares, bem como análises de processos de legitimação ou de deslegitimação que envolveram a utilização de vários símbolos e palcos, a construção de discursos propagandísticos e de argumentos jurídicos, a escrita de complexos relatos historiográficos e a elaboração de teorias sobre o tiranicídio. Mostram como a memória de Guilherme II de Inglaterra, o Ruivo, filho de Guilherme o Conquistador, ficou associada ao modelo de mau rei, exemplum daquilo que um soberano não devia ser (Fabrizio De Falco, “Tanto malvagio da essere d’esempio. I clerici anglo-normanni e la descrizione di Guglielmo II Rufo, disgraziatamente re d’Inghilterra”); a forma como o rei Sverre da Noruega utilizou três funerais – os dos seus inimigos e o seu próprio –

Medievalista, 23 | 2018 5

como palco para encenar a propaganda política que iria fazer com que ele e o seu sucessor se mantivessem no poder (David Brégaint, “Staging deaths: King Sverre or a usurper’s path to the throne”); as justificações da deposição de Garcia da Galiza, filho dos reis Sancha e Fernando de Leão, e irmão de Sancho II e Afonso VI, que refletem as crónicas dos séculos posteriores (Maria Joana Gomes, “Erat simplicis ingenii: A deposição de Garcia da Galiza vista pelos os cronistas do século XII e XIII”); a fundamentação do tiranicídio e o papel jogado pela nobreza na eleição do novo rei, na primeira crónica escrita em língua checa (Éloïse Adde, “The Justification of Tyrannicide in the Chronicle of Dalimil. The Czech Nobility as the “Mystical Body” of the Realm”); a auto-afirmação dos motivos que levaram o rei Pedro IV de Aragão a depor o rei de Maiorca, Jaime III, em 1349, e a ocupar o trono desse reino, justificando a sua acção através da cronística (Gabriel Ensenyat, “La filosofia discursiva de Pedro el Ceremonioso respecto a la reintegración de la Corona de Mallorca a la Corona de Aragón”); o tratamento propagandístico da imagem do novo rei de Portugal, João I, eleito em 1385, na historiografia redigida pelos inimigos castelhanos (Néstor Vigil, “’El maestre Davis que se fazia llamar rey de Portugal’. La imagen propagandística de D. João I de Portugal en las fuentes castellanas”); as teorias humanistas sobre o tiranicídio utilizadas para justificar o assassinato de Louis d’Orléans, irmão do rei Carlos VII de França (Lucie Jollivet, “Les humanistes français, le roi et le tyran. Débats autour du tyrannicide au sein du milieu humaniste français, 1ère moitié du XVe siècle”); os mecanismos usados pelo rei eleito da Coroa de Aragão, Fernando I, para fazer propaganda através das cerimônias de entrada nas cidades e de coroação (Víctor Muñoz, “¿Representar la legitimidad? Objetos, símbolos y comunicación en las ceremonias públicas del reinado de Fernando I de Aragón”); e as argumentações jurídicas que aduziram os juristas, aquando da menoridade de D. Afonso V de Portugal, para negar os direitos à regência de D. Leonor de Aragão, mãe do rei menino (Manuel Ramos, “Mulier ne debuerit habere regnum”: a regência na menoridade de D. Afonso V vista pelos juristas”).

7 Trata-se de nove artigos, escritos em cinco línguas diferentes por investigadores procedentes de universidades de seis países, que foram selecionados depois de terem passado por dois processos de avaliação. A estes dados, que revelam o carácter internacional do conjunto, bem como a alta qualidade dos textos, devemos acrescentar mais um: os estudos que formam este dossier da Medievalista foram apresentados no Colóquio Internacional “Debuerit habere regnum. Depor e proclamar reis na Idade Média”, celebrado entre os dias 12 e 14 de Outubro de 2016 na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, que acolheu mais de quarenta investigadores, três conferências e quase trinta comunicações. O objetivo desse encontro interdisciplinar foi reunir especialistas em História, Literatura e História da Arte para debater sobre as deposições e as auto-proclamações irregulares de reis medievais, a função dos símbolos monárquicos e o desenvolvimento dos processos de legitimação, o significado das cerimónias régias e das imagens e descrições verbais contemporâneas que se lhes referiam, o valor dos objectos simbólicos associados à monarquia, o conteúdo dos discursos e argumentos utilizados ou criados para legitimar as deposições e as proclamações irregulares, as justificações posteriores e as refutações. Este dossier representa o último capítulo desse debate e a sua plasmação escrita. Resta apenas agradecer a todos os que participaram no Colóquio as suas contribuições como conferencistas, comunicantes, comentadores, presidentes de mesa, avaliadores ou membros das comissões; à revista Medievalista o acolhimento, a simpatia e o laborioso trabalho de avaliação e edição desempenhado; e, aos autores dos textos aqui publicados,

Medievalista, 23 | 2018 6

a confiança depositada neste projeto e a vontade de partilhar os resultados das suas investigações.

Medievalista, 23 | 2018 7

Entrevista a Maria Helena da Cruz Coelho Maria Helena da Cruz Coelho – an Interview

Maria Helena da Cruz Coelho

1 Catedrática de História Medieval na Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, Maria Helena da Cruz Coelho aposentou-se há cerca de um ano. Foi este o pretexto para uma entrevista à Presidente da Sociedade Portuguesa de Estudos Medievais, passando em revista um extenso e prestigiado percurso académico que é parte importante de um percurso de vida – da própria, mas também da instituição universitária e dos estudos medievais entre nós. Alvo de diversas homenagens, a nossa entrevistada deixa aqui

Medievalista, 23 | 2018 8

inúmeros elementos de reflexão sobre o passado, o presente e o futuro da investigação e do ensino da Idade Média.

2 Com respostas claras a perguntas frontais, Maria Helena da Cruz Coelho (MHCC) revela uma vez mais a disponibilidade e a ponderação que lhe é reconhecida e que, a par da sua obra e do seu magistério, fazem dela uma figura de referência no panorama académico e historiográfico português. P: Foi difícil, no início dos anos setenta do século passado, uma mulher muito jovem iniciar, desenvolver e afirmar uma carreira universitária num meio tradicionalista e quase exclusivamente masculino como era o da Universidade portuguesa? MHCC: Comecemos pelo princípio. Licencianda em 1970, eu tinha de apresentar a minha dissertação final para obter o grau de licenciada. Não podia ficar um ano sem trabalhar – e desconhecia que também para esse fim poderia gozar da bolsa da Fundação Calouste Gulbenkian, que sempre tive desde o 2º ano do Liceu. Assim, concorri ao ensino secundário e fiquei colocada na Escola Preparatória da Mealhada. Parece que já antes de eu ter feito o concurso, o meu nome, atendendo às classificações obtidas ao longo do curso, fora proposto no Conselho Científico para ser Monitora da Faculdade, cargo novo que estava então a surgir, situação que eu de todo desconhecia. Leccionei então na referida Escola e quando me desvinculei em Dezembro, houve mesmo alguns problemas na minha contratação, dado que já havia completado a escolaridade da Licenciatura em História. Só a 1 de Fevereiro de 1971 entrei como Monitora na Faculdade de Letras e, note-se, para o Curso de Bibliotecários e Arquivistas, que então estava a frequentar. O tempo de Monitora foi absorvido essencialmente na escrita da dissertação de licenciatura, defendida em Julho de 1971. A 2 de Dezembro de 1971 tomei posse de Assistente Eventual. E deparei-me com a primeira surpresa. Iria ser assistente não do meu orientador, o Prof. Doutor Avelino de Jesus da Costa, mas sim do Prof. Doutor Torquato de Sousa Soares, que, entretanto, regressara de Sá da Bandeira. Primeiro desafio – trabalhar com alguém que não conhecia de todo, salvo pela leitura dos seus estudos. E seria Assistente de um Professor com cerca de setenta anos de idade – completados a 7 de Março de 1973 – quando eu estava nos inícios dos 20. A minha juventude e um diferente modo de pensar e viver não foram, porém, um impedimento para uma excelente relação que mantive com este Professor, que era um Mestre que gostava de projectar os seus discípulos. Por sua mão e pela do Prof. Doutor José Sebastião da Silva Dias, fui mesmo frequentar, durante um mês, a XXI Sessão de Verão, promovida pelo "Centre d'Études Supérieures de Civilisation Médiéval de l'Université de Poitiers", assim actualizando os meus conhecimentos no estrangeiro, o que era muito raro e marcou o meu percurso. Mas cedo percebi que a presença de uma mulher assistente, a primeira a entrar no corpo docente de História na Faculdade de Letras de Coimbra, podia ser “inquietante” para muitos, dos professores aos alunos e funcionários. Tive de me situar pessoal e academicamente neste meio. No plano pessoal, continuei a ser aquela que sempre fora, uma jovem, como tantas outras daquele tempo, que gostava de trabalhar, mas também de ver cinema, ouvir música, enfim, de me divertir, e uma mulher comprometida com a sociedade, o que não poucas vezes se reverteu no epíteto de “feminista”. Epíteto que assumia com orgulho, se tal quisesse dizer que pugnava por direitos iguais entre ambos os sexos, mas não renunciando à plena diferenciação dos mesmos, numa desejável complementaridade entre ambos. Mas outros pensamentos conotavam, por vezes, essa designação!... Depois, como tantas outras mulheres, vim a constituir uma família e a ser mãe. No

Medievalista, 23 | 2018 9

plano académico pautei-me por uma exigência do maior rigor e cientificidade na docência e investigação, trabalhando como melhor o sabia fazer, com todo o sentido e dedicação institucional, sendo do mesmo modo muito exigente e rigorosa para com os alunos. Creio que assim actuando, com naturalidade e coerência, e também com o apoio e solidariedade dos meus jovens Colegas, que já eram ou iam entretanto entrando para Assistentes, ganhei o meu lugar como mulher e professora, num meio académico tradicionalmente masculino. Como depois aconteceu a tantas outras Colegas que me seguiram. P: Após várias décadas de dedicação ao ensino e à investigação da História Medieval, qual o balanço que faz da evolução da historiografia sobre a Idade Média no nosso país? Quais os pontos que considera mais positivos e quais os que considera mais negativos? O medievalismo português é capaz de acompanhar o passo do que de melhor se faz no plano internacional? MHCC: O ensino e a investigação em História Medieval seguiram os caminhos da evolução do estudo e da investigação da História em Portugal. Talvez com duas especificidades. Foi um período da História sempre estudado, muito em particular até na época do Estado corporativista, ao contrário, como bem se sabe, da História Moderna mais tardia e sobretudo da Contemporânea, esta só mesmo verdadeiramente estudada depois da implantação da Democracia. Mas, devemos acentuá-lo, foi uma época histórica que teve bons professores e investigadores ao longo dos tempos. A continuidade de estudo deu-lhe, por certo, espessura científica. A escola erudita alemã contou entre nós com cultores da craveira de um Alexandre Herculano, que teve o mérito de pôr em obra a publicação dos Portugaliae Monumenta Historica, acessibilizando os documenta-monumenta, fundamentos da ciência histórica, como nos legou ainda uma História de Portugal, enformada pela base científica da investigação histórica, mas também nos deixou esse exercício outro do romance histórico e este com todos os requisitos da ficção enquadrada no ambiente histórico retratado. Essa herança, que se prolongou largamente pela primeira metade do século XX, teve o mérito de ensinar ao medievalista uma segura metodologia no domínio de algumas ciências, como a paleografia, a diplomática, a sigilografia, a cronologia, entre outras. Em Coimbra, Avelino de Jesus da Costa, é um nome incontornável no domínio de tais saberes e no exercício da sua aplicabilidade, sobretudo nas obras que escreveu sobre a História da Arquidiocese de Braga. E a historiografia medieval não esteve totalmente fechada ao exterior, como bem o podem comprovar os estudos publicados, na década de quarenta, na Revista Portuguesa de História, que revelam conhecimentos da Escola dos Annales, os quais lentamente se iam fazendo sentir. Na década de 60 pressentem-se já os rumos da mudança e os trabalhos de A. H. de Oliveira Marques sobre a sociedade medieval portuguesa, a introdução à história da agricultura e os seus ensaios são bem significativos, a anunciar os percursos futuros de ensino e orientação deste Mestre em estudos de história rural e urbana. Mas é claramente depois da Revolução de Abril que a tradicional história institucional e política se abre a outras tendências. Primeiro a uma história económica e social, em que o económico predominava, sendo os medievalistas muito influenciados pelo trabalho dos historiadores franceses como Marc Bloch e dos modernistas, de Braudel a Vitorino Magalhães Godinho, fixando-se na história quantitativa, mas sempre explicativa e construtiva. Depois direi que se pôs mais a tónica numa história social, em que o homem todo e todos os homens se queriam desvendar, entrecruzada com o enredo dos conceitos e métodos das demais ciências sociais, como a sociologia e a

Medievalista, 23 | 2018 10

antropologia, num posicionamento interdisciplinar muito frutífero. Na abertura à história cultural, do pensamento e das mentalidades e à renovação temática de campos de análise, os estudos de José Mattoso serão uma bússola a orientar caminhos na história da Igreja, da religiosidade e das linhagens nobiliárquicas. E na transição do século XX para o XXI insiste-se numa abrangente história dos poderes e das elites, que beneficia da divulgação e aplicação do método prosopográfico e de diferentes enfoques da história institucional e do Direito. Em consentâneo, uma nova história militar ganhou fôlego, neste século que abriu sob o impacto da guerra. Estas mutações nem sempre foram um devir em contínuo. Assiste-se a períodos de maior sombra na historiografia medieval portuguesa e de desfasamentos face ao que se produzia internacionalmente. Da mesma forma que os trabalhos realizados não foram, nem são, todos da mesma qualidade. Mas o balanço que faço desta evolução é positivo. Houve sempre quem “agitasse as águas” e fizesse progredir e renovar a investigação da história medieval. Num testemunho na primeira pessoa, direi que desde cedo tive vontade de conhecer o que de melhor se ia fazendo dentro e fora do país. Por isso, logo nos inícios da minha carreira, e muito ao contrário do que era uso na Escola de Coimbra, eu passei a frequentar reuniões científicas nacionais e estrangeiras. Percebia claramente como tais encontros me davam o ensejo de aproveitar com o saber dos Mestres e de acompanhar a evolução da historiografia internacional. E esforcei-me por compaginar a minha produção científica com os novos campos historiográficos que se foram abrindo a nível internacional da mesma forma que procurei investi-los reprodutivamente na minha pedagogia e na investigação dos trabalhos académicos que orientei. E aqui estamos já a dar passagem às outras interrogações que me coloca, passando para a avaliação do presente, o que é bem mais difícil. Mas claramente lhe direi que estou também optimista, embora, como penso, atenta ao que se produz. Logo, parece- me que se está a involuir um tanto para a elaboração de estudos assentes na apresentação de fontes, seja de que natureza forem, com pouca reflexão e construção histórica. E pergunto-me: uma avaliação dos Currículos, que parece ter muito em conta a bibliometria, não estará em grande parte a contribuir para a composição deste pior cenário? A ânsia ou a exigência de marcar presença em reuniões científicas – que me parecem estar a ter lugar em número excessivo, pelo menos em Portugal – e de contar com várias publicações em revistas não permite, por vezes, uma investigação mais aprofundada e uma maturação reflexiva das temáticas abordadas. Para mais a nossa carência de debates críticos e abertos também não ajuda. Todavia, deverei assinalar que foram os mais jovens a promover encontros de debates de dissertações de mestrado, teses de doutoramento e outras, que me parecem da maior oportunidade e valia. Do mesmo modo, sabemos que a historiografia portuguesa não é muito voltada para a teorização, e os medievalistas não fogem a essa regra, ainda que tal situação devesse ser revertida. Num outro sentido, entendo ser vantajoso que os medievalistas portugueses entrem decididamente pela investigação e estudo de temáticas fora do contexto e da espacialidade do reino de Portugal, não temendo estudar a história de outros reinos da Europa ou até de outros continentes. Creio que esta poderá ser mesmo uma via de atrair os olhares dos outros sobre os historiadores portugueses e sobre a História de Portugal e fomentar, mais intensamente, uma história comparativa. O cruzamento interdisciplinar na abordagem histórica, julgo

Medievalista, 23 | 2018 11

que continua a ser um percurso muito perseguido pelos medievalistas, mais numas Escolas que noutras, é certo, o que será sempre uma mais valia. Deixarei ainda um reparo e um incentivo – o de se escrever num português claro e elegante. E tal não vem acontecendo, já que os mais jovens têm uma cada vez maior dificuldade em se exprimir num português correcto e limpo, desde logo na oralidade, mas sobretudo na escrita. Quando chegam ao Ensino Superior com esta deficiência, terão de a colmatar lendo, lendo muito, lendo boas obras de literatura portuguesa ou, no caso de traduções, assegurando-se que elas são de qualidade. Por outro lado, verifico que, muito assinalavelmente, e até por força dos imperativos da avaliação, ao insistir na internacionalização, os jovens participam com assiduidade em reuniões científicas internacionais. Fazem-no comunicando, e bem, maioritariamente em inglês, e seguindo as propostas de uma historiografia anglo- saxónica. Todavia, seria desejável que dominassem mais línguas estrangeiras, como o francês, para terem acesso à historiografia francesa, tão importante no fundamento do pensamento histórico científico, ou o alemão, e cada vez mais se predispusessem a trabalhar com a bibliografia italiana ou espanhola, e logo desde a licenciatura, já que estas línguas não são difíceis de entender para quem utiliza como veículo de expressão uma língua românica. Só este esforço no sentido de ampliarem o seu domínio de línguas estrangeiras lhes permitirá uma mais abrangente e complexa rede de inserção em diferentes correntes historiográficas. A finalizar, e respondendo à sua última pergunta, direi que considero que o medievalismo português acompanha o panorama da historiografia internacional. Todo, em parte, ao mesmo ritmo? Isso é mesmo muito difícil de avaliar. Mas inequivocamente, quando estou presente num Congresso internacional, no geral, congratulo-me com as prestações científicas dos nossos medievalistas. Peço-lhes, no entanto, que se sintam sempre inquietos com o que fazem e interpelados pelo que de melhor os outros fizeram para experimentarem o estímulo interior e pessoal de desejarem ir sempre mais além. P: E quanto ao ensino universitário, especialmente ao da História e da História Medieval? Quais os aspectos melhores e quais os piores que tem encontrado? Considera que a História da Idade Média, na acepção mais tradicional da disciplina, tem sabido relacionar- se com outras áreas de especialidade como a arqueologia, a história da arte, a literatura, a antropologia...? MHCC: Actualmente os Cursos de História, como outros de Ciências Humanas, estão muito vocacionados para uma grande abertura científica e combinação transdisciplinar. A exigir um regime tutorial muito dinâmico e que se empenhe mesmo em conhecer os estudantes para os aconselhar, de acordo aos seus gostos e competências, e para os acompanhar ao longo de todo o Curso ou mesmo da vida. Estas combinatórias colocam ainda mais desafios ao ensino da História e, concretamente, da História Medieval. Numa licenciatura, creio que se torna fundamental que os alunos saibam o que é a História e com que fontes e metodologias se constrói o saber histórico. Depois, na leccionação, o docente de História da Idade Média Geral ou de Portugal sabe que não poderá abarcar os mil anos que o seu período histórico abrange. Terá portanto de ensinar de acordo com os critérios que considera mais operativos para sua apreensão – evolução diacrónica? total? parcial? enfoque mais político, económico ou social? temas? – e penso que aqui não há programas “obrigatórios” ou mesmo “modelares”. Será apenas desejável que o que for leccionado o seja com rigor, com recurso à bibliografia mais actualizada e pertinente, com sentido crítico, de tal modo que o estudante possa depois, por si

Medievalista, 23 | 2018 12

mesmo, estudar qualquer período, acontecimento ou temática. Parece-me, no entanto, fundamental que logo na licenciatura haja um seminário que inicie os estudantes na investigação, pondo-os em contacto com a crítica das fontes, e que os motive para o questionamento das mesmas e para a reflexão histórica. Se, porventura, ao longo da licenciatura, os tutores se aperceberem da vocação do estudante pela época medieval deveriam aconselhá-lo a frequentar algumas disciplinas que lhe são muito úteis, da paleografia e diplomática ao latim, mas também outras das áreas que mencionou de arqueologia, história de arte, literatura, antropologia, sociologia ou direito. Este relacionamento entre a História e as diferentes áreas do saber pode e deve ser intensificado. E, por vezes, nem mesmo nas áreas disciplinares que estão bem próximas, como a história de arte ou arqueologia, são postas em prática. Em seguida, nos demais graus de ensino – 2º Ciclo e 3º Ciclo – creio que se deve insistir essencialmente no saber fazer História e menos no saber aprender História. Há que privilegiar o trabalho do aluno com orientação do professor, levando-o a desenvolver um sentido crítico, a conhecer e a recorrer a todo o tipo de fontes, a saber interrogar coerentemente e com novidade as mesmas face ao objectivo do tema a investigar, e a apresentar uma elaboração histórica rigorosa, clara e coesa, de um texto oral ou escrito. P: A Idade Média, tantas vezes vista como uma época de "barbárie e obscurantismo”, tem vindo a suscitar alguma curiosidade e mesmo simpatia entre públicos não especializados. As "utilizações" da época medieval são cada vez mais frequentes entre nós, por exemplo em feiras e mercados ou em torneios "medievais". Que reflexões lhe merecem estes tipos de utilizações? MHCC: Primeiro, muito desejaria que já estivesse plenamente erradicada a visão retrógrada e errónea da Idade Média como uma época de “barbárie e obscurantismo”. E infelizmente verifico que ainda se encontram muitas dessas desastrosas afirmações, e pior ainda, interiorizações, mesmo entre pessoas letradas e cultas. Mas se temos de carregar o peso dessa visão “negra” projetada pelos humanistas sobre a Idade Média, também somos herdeiros de uma visão nostálgica e pitoresca do romantismo, que desenvolveu um gosto pelas tradições medievais, pelos romances de cavalaria, pela cultura folclórica e que buscava na época medieval as lendas e mitologias germânicas. E creio que é ainda com este mesmo sentido, com um desejo do exótico e de uma procura das origens, a par do fascínio pelas reconstituições históricas, que se põem em cena feiras, mercados, ceias ou torneios medievais. Como sabe, eu estive à frente da reconstituição da feira medieval de Coimbra, em 1992, talvez a primeira a realizar- se no nosso país. E fi-lo com toda a consciência dos perigos e desafios que tal empresa envolvia. Mobilizei-me, então, para ensinar os grupos que encenavam a feira, transmitindo-lhes conhecimentos sobre o tema em sessões mensais muito vivas e participadas. Esta primeira feira de Coimbra, e talvez ainda a segunda, correram muito bem. Depois deixaram de ser respeitadas as condições indispensáveis de verosimilhança e eu, inevitavelmente, tive de me afastar. Na verdade, se queremos reconstituir uma época e uma actividade, temos de saber do que tratamos e trabalhar com rigor e com um sentido de historicidade. Só assim esses eventos poderiam ser didácticos, captando o público para a História, e, mais ainda, para a época medieval, que se representa. Tal não acontecendo, como na maior parte dos casos actualmente, essas reconstituições não prestam um bom serviço à medievalidade, apelando apenas à diversão e ao negócio e transmitindo mesmo mensagens históricas erróneas. Mas vemo-las por toda a parte na Península Ibérica. E talvez mesmo em crescendo,

Medievalista, 23 | 2018 13

quando os regionalismos se reivindicam dos foros e costumes medievais para reclamarem a sua especificidade e, mais ainda, a sua independência. P: Num outro plano, várias entidades locais têm procurado recuperar e valorizar elementos do que consideram o seu património colectivo, com destaque também para tudo o que remonta à época medieval. Referimo-nos não apenas aos monumentos (castelos, igrejas, mosteiros...), mas também, por exemplo, à edição de documentos como as cartas de foral, publicadas geralmente através da iniciativa de autarquias que nisso procuram um elevado rigor quanto ao respectivo conteúdo e um grande cuidado na apresentação gráfica. Como interpretar este interesse? A época medieval é vista como uma época fundadora das identidades e das especificidades locais ou regionais? MHCC: Retomamos o tema anterior. Sim, inequivocamente, e sobretudo em Espanha, a época medieval é vista, sobretudo pelos políticos, como uma época fundadora das identidades e dos particularismos locais ou regionais. Nós bem sabemos como a História, pouco estudada e relegada para o esquecimento nos diversos graus de ensino, é aproveitada pelos políticos e pelos poderes quando tal lhes interessa. Mas julgo ser possível afirmar que em Portugal, sem regiões que reclamem a independência, o empenho das autarquias vai mais no sentido de pretenderem conhecer o seu passado histórico com vista a um maior aprofundamento das suas raízes, cimentadoras das suas identidades. Esta é a minha convicção, certa ou errada, não sei. Talvez acredite nela, porque muito me esforcei por dotar as autarquias de técnicos com formação científica que as apoiassem na sua política cultural. O Curso de Especialização em Assuntos Culturais no Âmbito das Autarquias, que funcionou na Faculdade de Letras de Coimbra de 1989 a 2004, em parceria com o Centro de Estudos e Formação Autárquica, e depois a sua reestruturação em 2º Ciclo de Política Cultural Autárquica, que desde 2007 abre bianualmente, foram cursos pioneiros, criados por mim e pelo Doutor José d’Encarnação, e de que sempre fui Coordenadora, os quais pretenderam e pretendem justamente fornecer conhecimentos de “banda larga” em história, arquivos, bibliotecas, direito, finanças, comunicação social e criação artística para habilitar os que os frequentam a saber gizar e pôr em prática projetos e realizações sócio-culturais. Acredito que a presença de técnicos licenciados em História ou ciências afins, e alguns deles com esta Especialização ou Mestrado, esteja a dar bons frutos. Como afirmou, as obras publicadas pelas autarquias são de “elevado rigor” e “cuidada apresentação gráfica”. De facto, as autarquias têm-se aproximado das Universidades e trabalhado com os historiadores – sendo esse o caminho correcto a perseguir –, e, no caso vertente, com os diversos especialistas da época medieval, o que é extraordinariamente louvável. Julgo que a maioria dos dirigentes autárquicos partilha já da opinião que a História deve ser tratada por historiadores. Da mesma forma que estou convicta que o poder local quer conhecer o seu passado histórico e preservar e divulgar o seu património, como um meio de fundamentar a identidade e coesão dos seus munícipes, com vista a fomentar uma cidadania mais comprometida e activa em prol da comunidade, e perseguindo uma saudável política de valorizar cultural e economicamente e dar a conhecer a sua terra e região. P: Sendo os arquivos históricos lugares quase inevitáveis para o trabalho de quem investiga sobre a época medieval, debatemo-nos muitas vezes com a contradição entre a obrigação de preservar um património documental com centenas de anos e a necessidade de ter acesso a esses mesmos documentos. É frequente ouvir-se que os arquivistas privilegiam a conservação (tempos houve em que foram mesmo designados “conservadores”…) e que aos investigadores só interessa poderem aceder sem limites à documentação. Postas assim as coisas, estamos, evidentemente, perante uma caricatura;

Medievalista, 23 | 2018 14

mas como conjugar estas duas “urgências”? Como fazer convergir, neste ponto, arquivistas e historiadores? MHCC: Como diz, e muito bem, as funções do arquivista e do historiador são diferentes, mas não devem ser dicotómicas, antes complementares. De facto, aos arquivistas compete a meritória tarefa de preservar a documentação, mas igualmente de a tratar – inventariando, catalogando, sumariando – e de a acessibilizar ao público. Aos historiadores cumpre estudar os documentos, mas ao mesmo tempo respeitar o património documental. Compreende-se, por isso, que hoje se recorra a técnicas de digitalização ou reprodução dos documentos, que os preservam dos estragos do seu contínuo manuseamento. Mas tal exige que, correlativamente, existam bons meios de divulgação e de acessibilidade de leitura dessas reproduções. Em paralelo, a política nacional dos arquivos deve ter como objectivo a conservação do seu espólio, ónus que não se deve transferir para o utilizador. Não se compreende que, em certos casos, se pretenda que seja o investigador a arcar com os custos da conservação ou restauração das espécies documentais, quando as pretende reproduzir. O património documental é de todo um país e, portanto, a todos os cidadãos, através dos impostos que pagam, compete a sua manutenção. O investigador terá de suportar os custos das reproduções que requer, e apenas dessas, dentro de um preçário justo e acessível, que não seja ditado por uma lógica de lucro. Do mesmo modo haverá que fazer os possíveis para que o tempo previsto entre o pedido e a sua concretização seja razoável e não excessivamente arrastado no tempo. Igualmente os arquivistas devem fornecer todas as informações requeridas pelo público utente, da mesma forma que o investigador tem de ser colaborante e pôr mesmo ao dispor do arquivo o resultado do seu labor com as fontes nele consultadas. E para bem de toda a comunidade, será muito importante reclamar que os arquivos insistam numa política de digitalização e acessibilização online do seu espólio, o que requer, inevitavelmente, um maior financiamento estatal para os Arquivos e Bibliotecas. P: O que considera que será mais importante dizer aos jovens universitários que se interessam por História da Idade Média, num contexto que não é muito auspicioso para quem queira enveredar pela investigação? E que balanço se pode fazer da política da FCT ao longo destes últimos anos, no que respeita a opções de financiamento (bases de dados versus edição de fontes; livros versus publicações electrónicas), à estrutura, avaliação e financiamento das Unidades de Investigação, à composição e funcionamento dos júris (das UI’s e dos concursos de bolsas)? MHCC: Isso não é uma pergunta. É uma “bateria” de perguntas! Comecemos pelos jovens, pois são eles que devem merecer a nossa melhor atenção. E neste particular haverá a considerar várias situações. Mas, em qualquer delas, só queria transmitir que se devem munir das melhores ferramentas possíveis para a investigação histórica que, em rigor metodológico e conceptual, é igual para qualquer época, se bem que a medievalidade exija acrescidos saberes paleográficos, diplomáticos e afins, além de, em muitos casos, conhecimentos de latim e, noutros, de grego ou árabe. Se porventura se encontram a elaborar uma tese de doutoramento, deverão, como é evidente, concorrer ao programa de bolsas da FCT, ainda que, infelizmente, tais bolsas sejam em escasso número. Encontrando-se numa fase de pós-doutoramento, o percurso do medievalista, como de qualquer outro historiador, parece ser mais estreito, cabendo-lhe concorrer a projectos de investigação. Neste particular, creio que teremos de ser ainda mais dinâmicos na elaboração e submissão de projectos que captem financiamento europeu, embora eu saiba bem como tal trabalho exige apoios

Medievalista, 23 | 2018 15

e competências técnicas informáticas de que muitas vezes os investigadores não dispõem nos Centros ou nas Faculdades para levarem a efeito essas propostas de projectos. Além disso, penso que devem, e todos devemos, batalhar por uma carreira de investigação, que seja de facto uma realidade, capaz de integrar os jovens altamente qualificados que ajudámos a formar, e não uma quimera como a que se gizou. Se porventura estamos a falar de um aluno que gosta de História de Idade Média, ou mais amplamente de História, não sabendo se vai ou não prolongar os seus estudos neste campo do saber, aconselhava-o a realizar um Curso com as maiores aberturas disciplinares e a entrecruzar o saber histórico com as competências informáticas, com o domínio de várias línguas e com algumas áreas científicas diferentes do seu particular interesse. Na verdade, o conhecimento histórico poderá servir-lhe como uma ferramenta para a melhor apreensão da realidade económica, social e política do presente, a investir em diversas actividades laborais, que se lhe possam apresentar. Vejamos agora o caso da FCT. Comecemos talvez do mais amplo para o mais restrito, portanto pelas Unidades de Investigação. Torna-se inquestionável que no actual panorama são elas que sustentam a investigação em Portugal e também parece claro que um Ensino Superior sem investigação não é um Ensino Superior. Dizendo apenas isto, não estou a advogar que se tem de sancionar qualquer UI universitária, mas a política científica deve ir no sentido de apoiar as que são credíveis, bem como incentivar à reformulação as que não cumpram os objectivos desejados, o que pode exigir mesmo fusões para ganharem escala. Não me parece que se devam fomentar grandes disparidades entre as UI – salvo perante casos verdadeiramente excepcionais – mas antes distribuir mais equilibradamente as verbas. A tempo, e com toda a clareza, terão de ser conhecidos os critérios (e revistos muitos deles desde a bibliometria à hegemonia da difusão do saber em língua inglesa) e normativas da avaliação das UI. Em seguida, os júris que as avaliam deveriam integrar sempre um investigador português, pois ele seria o penhor do conhecimento das estruturas universitárias portuguesas em que as UI se inserem, e os investigadores estrangeiros teriam, obrigatoriamente, de saber ler o português, a nossa língua materna e uma língua de dimensão global. A internacionalização não tem que ser feita apenas em inglês, esse terá de ser um dogma a rever, mas igualmente em francês, alemão, italiano, espanhol ou português. Para os júris das bolsas de doutoramento ou pós- doutoramento reclama-se a mais ampla integração de docentes e investigadores de diversas instituições de Ensino Superior e um total descomprometimento dos avaliadores face aos avaliados para que possa haver isenção e limpidez no julgamento científico. Quanto a opções de financiamento, o que nos levaria para a discussão dos critérios de avaliação, a merecer um debate aberto, frontal e objectivo, em que se tenha em conta a compatibilização da avaliação com a diversidade das áreas científicas, pronuncio-me apenas pelos casos que me aponta. Sou totalmente a favor de publicações electrónicas, se tal não for redutor. A publicação electrónica não é incompatível com a divulgação em papel e, para cada caso, haverá que avaliar a melhor hipótese. A política da livre e aberta acessibilização dos resultados das publicações parece-me fundamental e muito enriquecedora. Igualmente não vejo dicotomia entre as bases de dados e as edições de fontes. Mas como foram estas últimas as anatematizadas, comecemos por estas. Todos sabem que sou plenamente a favor das edições críticas de fontes. Sinto até uma certa inferioridade ao dizer que as chancelarias e cortes medievais portuguesas não estão ainda publicadas, a par de

Medievalista, 23 | 2018 16

tanta outra documentação importantíssima de diversas entidades produtoras. Sou mesmo defensora de criteriosas edições críticas de fontes, que apenas apresentem um adequado estudo diplomático das mesmas, e não qualquer estudo histórico. A edição crítica documental é um meticuloso e científico labor, que deve ser levado a cabo por especialistas, e que fica depois ao serviço de toda a comunidade científica. E servi-la- iam tanto melhor quanto, a par das edições em papel, pudessem estar acessíveis online. As bases de dados são um outro material de trabalho, ainda que, no geral, mais parcial. Na verdade, muitas delas foram elaboradas de acordo com os critérios do projecto de investigação em que se inseriam e não têm por isso a “universalidade” das publicações documentais. Mas são, sem dúvida, utilíssimas. Devem, no entanto, no final de cada projecto, ser disponibilizadas ao público em geral para que possam ser utilizadas por todos os historiadores que delas necessitem. Penso até que, para muitos assuntos da história medieval, em que não há fontes directas, mas podemos colher informação em qualquer uma, como preços, por exemplo, poderia haver bases de dados em construção, que os medievalistas pudessem ir preenchendo com os contributos da sua investigação específica. Mais do que nunca devemos trabalhar em rede e em intercomunicação. E, por fim, desejava formular um voto de que a investigação, muito em particular nas ciências sociais e humanas, tivesse um financiamento reforçado, dado que elas contribuem, como as demais ciências, para o aprofundamento do conhecimento que é sempre um investimento reprodutivo, social e economicamente, muito mais quando o património e a cultura estão a ser mobilizados pelo turismo, que, no momento, é uma âncora do nosso desenvolvimento económico.

P: Além de autora de uma obra considerada como referência fundamental na historiografia portuguesa, a Professora Maria Helena da Cruz Coelho tem-se mantido como uma figura muito respeitada e admirada, mas também singularmente consensual entre os medievalistas portugueses. A postura institucional que a tem caracterizado, evitando ou atenuando atitudes críticas em tomadas de posição públicas, ajuda a explicar essa que é uma situação pessoal pouco comum? MHCC: A afirmação da minha consensualidade entre os medievalistas portugueses é do entrevistador. Quanto à pergunta, é de difícil resposta. Desde logo porque não me parece que o consenso não corra a par com um espírito crítico e interventivo. Acredito que é com o diálogo, com debates abertos, francos e frontais, que se podem articular ideias e actos. Sempre procurei conhecer a opinião dos outros, mas não deixei de expressar e pugnar pela minha. Os que exprimiam ideias contrárias às que defendia mereceram-me sempre o maior respeito. Assumi, não poucas vezes, posições críticas e tomei posições públicas de acordo com o conhecimento mais abrangente possível do assunto em debate e os imperativos da minha consciência. Entretanto, na minha vida académica, trabalhei com muitas Escolas para além da minha de Coimbra e com Mestres dessas instituições. Tal relacionamento deu-me, desde muito cedo, uma abertura comparativa e uma capacidade de lidar consensualmente com historiadores de formações distintas e personalidades próprias. No Porto fui extraordinariamente apoiada pelo Doutor Baquero Moreno e através dele conheci toda a medievalidade (e não só) das Universidades do Porto e do Minho e os mais relevantes medievalistas ibéricos de então. Em Lisboa tive como meu orientador de Doutoramento o Doutor A. H. de Oliveira Marques, que me abriu o espírito para o vasto mundo do relacionamento entre os historiadores pela sua experiência docente e de investigação na Alemanha, nos Estados Unidos e em Portugal e me deu ensejo de

Medievalista, 23 | 2018 17

conhecer a cultura urbana lisboeta. Mas, como é bem sabido, não deixei de ter contactos científicos e pessoais com tantos outros historiadores de diversas pensamentos e Escolas, como José Mattoso, Joaquim Veríssimo Serrão, Jorge Borges de Macedo, António Borges Coelho, entre muitos mais da minha geração. Acresce que, pelo facto de ter sido a única Doutora em Coimbra durante alguns anos, era convidada para integrar quase todos os júris de História Medieval, quando a regra era a presença nos mesmos de, pelo menos, dois Doutores exteriores à instituição onde se realizavam as provas. E depois, nos meus longos 45 anos de carreira, continuei a participar em provas públicas académicas e em concursos – e já conto com mais de 270 – o que me permitiu ter um quadro muito abrangente do saber histórico desenvolvido em várias Escolas e por muitos medievalistas e de exercitar largamente o meu espírito crítico, ainda que sempre em permanente diálogo. Não menos partilhei com Colegas o exercício científico e responsabilizante da avaliação, e insisto, sempre com um espírito construtivo de apelar à melhoria e reformulação, quando integrei, em 1998-1999, a primeira Comissão da Avaliação Externa dos Cursos de História e, de 2012 a 2014, fui, a convite da Agência de Acreditação e Avaliação do Ensino Superior, Membro da Comissão de Avaliação Externa dos Cursos de História, Arqueologia e Património, ou quando integrei os Painéis de Avaliação da Fundação para a Ciência e Tecnologia para analisar as candidaturas a bolsas de Mestrado, Doutoramento e Pós-Doutoramento em História e Arqueologia. Aliás, o espírito crítico, mas não menos o consensual, faz hoje parte integrante das nossas funções, quando aceitamos fazer parte de Comissões Científicas de Congressos ou da Direcção, Coordenação ou Corpo Científico de uma revista. Os medievalistas constituem um grupo pequeno dentro do conjunto dos historiadores, com problemas específicos, no âmbito dos já muitos que a História enfrenta no contexto das ciências humanas e sociais. Deveremos, mais do que nunca, trabalhar em conjunto, num permanente debate pelo fazer, desfazer e refazer o conhecimento histórico. Eu continuarei a querer dialogar e a colaborar, enquanto me for possível, com todos os que acreditem que poderemos estar a dignificar a História e muito em particular a História Medieval.

Medievalista, 23 | 2018 18

Artigos

Medievalista, 23 | 2018 19

O complexo religioso e os batistérios de Mértola na Antiguidade Tardia The religious complex and the baptisteries of Mertola in Late Antiquity

Virgílio Lopes

NOTA DO EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 20-02-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 15-12-2017

NOTA DO AUTOR

Bolseiro de Pós-Doutoramento da Fundação para a Ciência e a Tecnologia.

1 A história do burgo de Mértola foi, desde sempre, fortemente condicionada por dois factores que moldaram a sua ocupação e a sua importância ao longo do tempo. Em primeiro lugar, a sua localização estratégica: implantado no topo de uma elevação ladeada pelo rio Guadiana, a nascente, e pela ribeira de Oeiras, a poente, possuía excelentes condições naturais de defesa. Em segundo, o ser ponto extremo da navegabilidade do rio Guadiana: a montante da vila, o acidente geológico do Pulo do Lobo, com um desnível de catorze metros, impede a progressão de embarcações para norte, pelo que Mértola adquire importância fundamental como último porto de acostagem. Esses factores tornaram-na num importante entreposto mercantil, em permanente contacto com um vasto território interno e com o Mar Mediterrâneo. Pelo porto da cidade escoavam-se, por exemplo, o ouro, a prata e o cobre extraídos das entranhas da faixa piritosa ibérica e os produtos da agricultura das férteis terras de Beja, e afluíam as gentes de mil paragens e os mais diversos produtos e artefactos.

2 Estas características darão a Mértola um importante papel nos processos históricos subsequentes, pois as estradas e o rio não transportam somente mercadorias, mas também e, principalmente, as ideias e as culturas daqueles que as percorrem,

Medievalista, 23 | 2018 20

influenciando as populações dos locais que visitam. Quanto maior é o número de visitantes estrangeiros, quanto mais é facilitado o contacto com eles, maior e mais marcante será a adopção de outras referências culturais, num sentido largo, e menos conservadora a sua evolução. Mértola, terra de comércio, é, sem dúvida, um local onde essa miscigenação deixou marcas relevantes (Fig. 1).

Fig. 1 - Mértola e o rio Guadiana (Virgílio Lopes).

3 As escavações arqueológicas que decorrem na área do forum/alcáçova há mais de trinta anos têm incidido, sobretudo, nos níveis medievais e modernos, ou seja, numa necrópole que foi usada após a reconquista cristã até ao século XVII d.C. e, num plano inferior, um bairro do período islâmico. Apenas nas áreas onde este último registo arqueológico se encontra bastante destruído foi possível aprofundar a escavação, atingindo-se desta forma, os níveis mais antigos, nomeadamente o que se refere ao período paleocristão onde, no início de 2000, se exumaram restos dum grande pavimento de mosaicos.

4 Este excepcional conjunto musivo, sem paralelo em território nacional, vem reafirmar a importância de Mértola nos finais do Império Romano e na Antiguidade Tardia e a permanência dos contactos que esta urbe mantinha com o Mediterrâneo. Este período histórico, ainda mal conhecido, tendo em conta os poucos locais identificados e as escassas escavações a ele referentes, tem em Mértola um importante conjunto de vestígios arqueológicos, entre os quais se destacam, o complexo religioso com os seus dois Baptistérios, as Basílicas do Rossio do Carmo e do Cineteatro Marques Duque, o Mausoléu e a Torre do Rio. Estas descobertas contribuem significativamente para um melhor conhecimento de Mértola neste período, realçando a riqueza desta cidade portuária, capaz de proceder a grandes programas de obras e de desenvolver, nalgumas delas, apurados trabalhos, com acabamentos de refinada qualidade artística1.

Medievalista, 23 | 2018 21

A cidade de Myrtilis

5 O urbanismo de Myrtilis foi fortemente condicionado pela situação topográfica pré- existente. A vertente virada ao rio Guadiana implicou que, do lado nascente e sul, se criasse uma estrutura de contenção das construções urbanas. Inevitavelmente, a topografia original levou à construção de fortes muros para suster e criar plataformas habitáveis que, simultaneamente, constituíam o sistema defensivo da cidade. A muralha atual tem um perímetro de cerca de 1.291 m e abarca uma área de cerca de 50.000 m2, ou seja, aproximadamente 5 hectares. Neste recinto são identificáveis quatro acessos que devem corresponder às portas existentes desde os tempos romanos1.

6 Na Antiguidade Tardia, Myrtilis manteve a sua importância económica e vocação mercantil. Os dados arqueológicos revelam que a atividade do porto de Mértola não decaiu, facto atestado pelas diversas importações de cerâmicas do Mediterrâneo oriental. A cidade funcionava como uma placa giratória das riquezas comerciais e minerais, que atravessavam o território em carroças ou no dorso de animais e, já embarcadas, desciam até ao mar e daí aos portos mediterrâneos. No sentido inverso chegavam mercadorias exóticas, múltiplos artigos provenientes de outras paragens, bem como outras gentes, com as suas linguagens, cultos e culturas. Este constante vaivém trouxe os primeiros evangelizadores e a nova mensagem começou a florescer entre os patrícios e plebeus da Myrtilis romana, numa época em que o culto se oficializava e as várias comunidades religiosas podiam conviver simultaneamente.

7 As referências documentais da cidade e do seu sistema de defesa são escassas e resumem-se à Crónica de Idácio que refere que “Censorius comes, qui Legatus missus fuerat ad Sueuos, rediens Martyli, obsessus a Rechila in pace se tradidit”2. O texto permite deduzir a existência de uma fortificação importante em Mértola, em 440 que, ao ser escolhida por Censorius como refúgio, demonstra a capacidade para resistir, durante algum tempo, ao cerco de Requila. A presença sueva, referida por esta fonte, deve ter sido efémera, não tendo ficado qualquer vestígio arqueológico que o demonstre nem registo epigráfico que o ateste.

O complexo religioso

8 As estruturas relacionadas com o complexo religioso ocupam uma área superior a 1500m2.. A plataforma, onde está implantado o complexo religioso e o corredor porticado, é suportada por uma construção subterrânea designada por criptopórtico- cisterna. A descoberta desta construção foi feita no início do século XVI, por Duarte de Armas que anota no seu “Livro das Fortalezas” o seguinte: “aqui esta huã abobada atopida muyto boa”1. Os trabalhos de escavação levados a cabo pelo Campo Arqueológico de Mértola (CAM), em finais dos anos setenta do século XX, no interior desta estrutura, que “foi minuciosamente desentulhada durante cinco anos”2, revelaram uma galeria com um papel essencialmente estrutural, de contenção e suporte da plataforma de implantação do forum. Assim, no seu lado norte, para suportar maiores pressões numa amplitude mais vasta, o desnível era compensado por um criptopórtico de 32 metros de comprimento, com largura e alturas médias de, respetivamente, 2,70 e 5,80 metros3. Equaciono, contudo, que esta galeria teve, no início, várias funções: serviu como elemento estruturante de apoio e sustentação do complexo religioso, integrou o sistema defensivo da cidade e funcionou como local de

Medievalista, 23 | 2018 22

armazenamento de mercadorias, dadas as temperaturas amenas do interior da galeria durante os meses de Verão.

9 Nos últimos trinta anos, as escavações da Acrópole puseram a descoberto um conjunto de construções do complexo religioso. Este é constituído pela sala central, um compartimento anexo, situado a norte, uma passagem em cotovelo e um espaço que ladeia a abside; a sul e a norte é delimitado por um compartimento de planta basilical e uma galeria porticada. Este complexo batismal implantou-se na parte noroeste da plataforma artificial onde se teria possivelmente localizado o forum da cidade de Myrtilis (Fig. 2).

Fig. 2 - Vista geral do complexo religioso de Mértola (Virgílio Lopes)

10 Este grande edifício, que ocupa uma área de 393 m2, de planta retangular, continha no seu interior um batistério octogonal implantado no centro de um tanque ou piscina rodeado por um deambulatório. Partindo do espaço central abre-se a leste uma abside de planta em arco ultrapassado onde marcas no solo indicam a possível localização de uma mesa de . O pavimento da galeria porticada e o deambulatório estavam cobertos por um belo tapete de mosaicos, do qual se conservam alguns fragmentos. A piscina batismal, com um ressalto em degrau que serviria de assento, é sustentada pelo exterior por oito pequenos absidíolos. A água trazida da encosta do castelo penetrava na piscina por uma canalização de chumbo e jorrava no alto de um pequeno pináculo cravado no centro. Alguns lanços de degraus permitiam o acesso ao tanque e à pia batismal completamente revestidos com placas de mármore e envolvidos por uma cancela.

11 Este batistério tem algumas semelhanças técnicas e formais com exemplares da França mediterrânica, do Norte da Itália e de Cartago na Tunísia – todos datados entre os séculos IV e VII d.C. Contudo, é no batistério de Ljubljana (Emona, Eslovénia) que são mais notórias as semelhanças construtivas, tendo os autores que estudaram este conjunto batismal e o pórtico anexo, situado a sua cronologia por volta do século V d.C.

Medievalista, 23 | 2018 23

Na costa italiana da Ligúria um complexo batismal, também com elementos semelhantes ao de Mértola, é atribuível a meados do mesmo século4.

12 Associado ao espaço batismal existe um significativo conjunto musivo, de que fazem parte várias representações mitológicas entre as quais, é de realçar no deambulatório do batistério, um Belerofonte cavalgando o Pégaso para matar a Quimera e, no longo corredor porticado, dois leões afrontados (Fig. 3) e várias cenas de caça com um cavaleiro empunhando um falcão. Procurando os paralelos para estas representações, não podemos deixar de referir uma pequena capela perto de Hergla, na Tunísia, onde foi descoberto um mosaico em que também são representados dois leões afrontados e uma cena de caça com falcoaria, conjunto datado do século VI d. C.5.

Fig. 3 - Painel musivo da galeria porticada (Virgílio Lopes)

13 Não é de excluir que tenha sido a mesma equipa de mosaístas, oriundos certamente do Mediterrâneo oriental, a executar todo este trabalho. Se a falta de paralelos bem datados inviabiliza uma cronologia segura, leituras estratigráficas e traços estilísticos permitem atribuir esta obra à primeira metade do século VI d.C. Nessa época, a cidade de Myrtilis e os seus comerciantes, estão em contacto com todos os portos do Mediterrâneo nomeadamente com o Próximo Oriente de onde são originários vários personagens sepultados na Basílica Paleocristã do Rossio do Carmo.

14 A organização do espaço litúrgico em torno deste batistério assemelha-se à dos exemplares conhecidos, ou seja, o sacramento da iniciação cristã começa com o despojar das vestes, desenvolvendo-se em seguida os ritos pré-batismais: os catecúmenos iriam em cortejo pelo pórtico entrando no batistério pela porta oeste, donde desceriam pelas escadas ocidentais até ao interior da fonte batismal, para subir, já batizados, pelo lado oriental e serem recebidos pelo bispo, possivelmente na zona da abside. A procissão dos catecúmenos culminava com a Eucaristia, onde se procedia à Primeira Comunhão6.

15 Durante a cerimónia batismal, o compartimento existente a norte do batistério poderia servir de sala de espera ou vestiário, onde os diversos grupos – crianças, homens e

Medievalista, 23 | 2018 24

mulheres – aguardavam a sua vez para aceder ao batistério, sentados, possivelmente, em bancos de madeira7. Tendo em conta que o batismo é um ritual anual, este conjunto arquitetónico do batistério poderia ser utilizado, na restante parte do ano, como catecúmeno, para preparar os aspirantes a cristãos em determinados períodos, podendo até ter outras funções que não se prendessem com o sacramento batismal (Figs. 4 e 5).

Fig. 4 - O batistério I (Virgílio Lopes)

Medievalista, 23 | 2018 25

Fig. 5 - Planta do batistério I e do compartimento anexo (Nélia Romba, CAM)

16 A sul deste conjunto situa-se uma possível basílica civil, ligada ao funcionamento do forum romano, posteriormente integrado no complexo religioso, a prová-lo estão os restos de mosaicos que naquele local existiram e que apresentavam motivos idênticos aos restantes encontrados no complexo baptismal. Este espaço foi escavado por uma equipa do CAM no mesmo local onde, em finais do século XIX, Estácio da Veiga teria procedido a uma intervenção arqueológica e retirado um fragmento de mosaico designado por mosaico da tartaruga8. Trata-se de uma construção de planta retangular, com uma abside semicircular orientada a oeste. Não se sabe se esta abside teria uma outra simétrica no lado este, pois os dados arqueológicos para suster esta hipótese são inexistentes.

17 A escavação da plataforma do antigo forum, e também a desmontagem de estruturas posteriores, sobretudo pertencentes ao bairro islâmico, onde, por sua vez, se implantaram os enterramentos medievais e modernos, tem proporcionado a descoberta de um interessante conjunto de edificações onde sobressaem a sua decoração musiva e os elementos de uma arquitectura decorativa. Aliás, o desmonte e a análise minuciosa de um bloco de opus caementicium que pertenceu, certamente, ao enchimento de uma abóbada que cobria a abside do batistério, permitiu encontrar um pequeno fragmento de cerâmica sigillata foceana tardia, cuja cronologia vai de meados do século V a meados do século VI d.C. Suponho, portanto, que a data de construção, ou as últimas obras realizadas nesta importante edificação, não deve afastar-se muito deste leque cronológico.

18 Outro elemento proveniente das campanhas arqueológicas de 1981, e que reforça a convicção da presença cristã neste edifício, é o fragmento de uma cruz pátea inscrita em círculo9. Esta peça de mármore cinzento é formada por um quarto de círculo e apenas um braço que permite, no entanto, reconstituir o conjunto: uma coroa de louros simplificada, em moldura de entalhes helicoidais, que envolve uma cruz de braços iguais aberta em gelosia. Um pequeno espigão serviria para a fixar numa empena ou janela. Nessa mesma área foi recolhido o fragmento de uma possível mesa de altar, em mármore branco de grão fino, com o comprimento máximo de 30 cm, largura máxima 29 cm, espessura máxima 8 cm, reutilizada nas paredes da casa islâmica implantada na zona do batistério. A placa retangular era envolvida por uma moldura em forma de meia cana, separada no ângulo por uma palmeta. Pelo tipo de material, e pelo local do aparecimento, penso ser provável a sua pertença ao mobiliário litúrgico10.

19 Um fragmento de pé de altar de mármore branco de grão fino que está trabalhado nas suas quatro faces com o que parece ser a base de cruzes páteas, com quatro ou cinco bases que Palol situa no século VI em que denominou como altares paleocristãos. Sendo uma forma comum em todo o Mediterrâneo – mesa de suportes múltiplos, possui paralelos em Mérida11.

20 Ou o fragmento de pia de mármore branco. Trata-se de parte de uma peça de forma semiesférica com pega lateral. O bordo é plano e apresenta uma decoração constituída por um encordoado entre dois filetes. A superfície interior e exterior apresenta-se polida. Pode tratar-se de uma pia ou almofariz. Peças semelhantes foram encontradas em Mérida12 e em Córdoba13. Estes autores consideram este tipo de peças como tendo servido de almofariz ou moinho, contudo nada invalida que tenha sido reutilizadas posteriormente para outros fins.

Medievalista, 23 | 2018 26

21 Destaca-se ainda uma placa retangular de mármore, possivelmente aparecida neste local e pertencente ao acervo do Museu Nacional de Arqueologia, com cronologia atribuída ao século VI d.C. e que se encontra trabalhada em três das suas faces. O motivo central, insculpido na face maior, é o tema da Árvore da Vida, “descrevendo círculos e, entre estes, um touro e um leão, sendo os espaços livres ocupados por outros pequenos animais, como a pomba e o coelho ou lebre”14. Nas faces laterais, de um cantarus sai uma gavinha de videira coberta de parras e cachos de uvas15.

Batistério II

22 Nos meses de junho e julho de 2013 a equipa do CAM iniciou uma escavação arqueológica na encosta do Castelo de Mértola, com o objetivo de compreender a sequência ocupacional daquela área. O edifício, onde se insere esta estrutura octogonal, encontra-se em fase de escavação, no entanto, os elementos existentes permitem-nos estimar a sua área de implantação em 262 m2. O limite Este foi parcialmente destruído, contudo, a limpeza das áreas anteriormente intervencionadas, pôs a descoberto vários compartimentos paralelos. O espaço central é mais comprido que o anterior, não tendo a escavação arqueológica revelado a sua largura. Contudo, a centralidade deste compartimento e o aparecimento de duas bases de coluna e um fragmento de cancela, sugerem poder tratar-se do local de implantação do altar. Na parte sul e paralela à parede localiza-se um conjunto de bases de colunas com as colunas tombadas.

23 Paralelo ao muro delimitador do edifício, a sul, foram postas a descoberto três bases de colunas de mármore, localizadas in situ, e que permitem definir um intercolúnio com um espaçamento de 2,70 m. No lado oposto, no sentido perpendicular, existe um conjunto de três estruturas de alvenaria alinhadas com o intercolúnio mantendo uma cadência semelhante que seria o local de colocação de bases de colunas. A escavação revelou, junto às bases, restos de fustes de coluna em mármore, partidos mas reconstituíveis, com uma métricas em torno dos 2,35 m e 2,30 m1.

24 Grande parte do pavimento posto a descoberto preservava in situ o empedrado feito com lajes de calcário retangular2, e duas lajes de mármore que contêm letras gravadas. A disposição deste pavimento fez-se de forma regular na maior parte conservada. No entanto, no lado sul e sudoeste do octógono, as lajes estão dispostas de forma ligeiramente enviusada, havendo três fiadas que apresentam placas com contornos irregulares mas perfeitamente integradas na pavimentação. Na parte norte e este do edifício verifica-se a ausência de pavimentação pois algumas destas lajes encontravam- se integradas nos muros das casas islâmicas situadas nas imediações (Figs. 5 e 6).

Medievalista, 23 | 2018 27

Fig. 6 - Planta do batistério II (Nélia Romba, CAM)

25 O lugar central é ocupado por uma piscina que tem uma largura exterior máxima de 4,80 m, a profundidade máxima é de 1,52 m, sendo de 1,16 m de profundidade até ao orifício do desaguo. Interiormente, estrutura-se em degraus com distinta altura, sendo o fundo constituído por duas placas de mármore que formam um octógono irregular (Fig. 7).

Fig. 7 - O batistério II na fase final da escavação arqueológica (Virgílio Lopes)

26 A quantidade de fragmentos de frescos, recolhidos nos estratos de derrubes, leva a equacionar um programa pictórico em que na composição se destacam figuras humanas, motivos geométricos e florais, e eventuais símbolos. Apesar de estar longe de entender a totalidade do programa pictórico, podem ser avançadas algumas

Medievalista, 23 | 2018 28

considerações: a primeira que nos parece evidente tratar-se da pigmentação em tom de azul que, certamente, representa o céu e que teria um lugar central. Seguem-se as representações humanas, das quais apenas chegaram até nós três rostos perceptíveis, e um desenho de uma face sumariamente delineada, da qual só se conservam o desenho dos olhos e do nariz (Fig. 8). Apesar de não se conhecer o programa decorativo, os restos identificáveis parecem assemelhar-se aos programas pictóricos das pinturas das catacumbas de Roma3, ou com os frescos do Batistério de Barcelona. Estes últimos foram encontrados nas proximidades da piscina do batistério, conservados atualmente no Museu de História de Barcelona, datados arqueologicamente da segunda metade do século VI d.C.4.

Fig. 8 - Fragmento de fresco proveniente do derrube do batistério II (Virgílio Lopes)

27 Foram ainda identificados fragmentos de cancela junto ao batistério e na abside central, na possível zona do altar, e no pequeno tanque situado a norte do batistério. Apesar deste tipo de decoração ser frequente em placas maciças (Mértola, Beja, Mérida) são mais raros os casos de placas vazadas. Os paralelos que apresento de seguida aproximam-se das peças de Mértola, no entanto possuem elementos diferentes como referirei.

28 As peças de Mértola possuem semelhanças formais com as cancelas de “Tipo V” de Algezares (Murcia), que são decoradas com o motivo dos círculos secantes que originam quadrifólios que, superiormente, originam pequenos arcos junto ao remate decorado. No entanto estas cancelas apenas se apresentam trabalhadas numa das suas faces e estão datadas do século VI-VII d.C.5.

29 Ao âmbito batismal são conhecidos restos de cancelas no Tolmo de Minateda (Alicante). As cancelas conservadas situam-se entre os pilares de separação das naves. No entanto, a escassa qualidade da pedra em que foram lavradas impediu reconhecer os motivos ornamentais, exceção para o alçado meridional sudeste, onde se conserva uma decoração composta por círculos secantes, que originam rosetas quadripétalas, em cujos centros se inscrevem losangos de lados curvos ou cruzes lanceoladas curvilíneas, rematadas a modo de folhas de hera6.

Medievalista, 23 | 2018 29

30 A composição de círculos secantes, que originam rosetas quadripétalas, tem um duplo efeito ótico, que teve origem em modelos de larguíssima tradição no mundo romano, sendo considerada como a mais difundida no repertório ornamental visigodo por M. C. Villalón7. Esta composição também se verifica num fragmento oriundo de Valeria, que apresenta os quadrifólios decorados internamente8. As dimensões da piscina só têm paralelo no batistério de Marselha e ultrapassam claramente os exemplos de Ljubljana ou Barcelona, para referir os que mais se assemelham ao caso de Mértola, sendo de salientar que o batistério de Barcelona também estava decorado com frescos. Em termos de ato batismal existem duas possibilidades documentadas em Mértola. A este respeito C. Godoy Fernández refere: “Desde épocas paleocristãs, a tradição antiquíssima das primeiras comunidades tinha mostrado sempre uma predileção pela imersão completa dos catecúmenos que, naquele tempo, se realizava em fontes de água viva, imitando o baptismo de Jesus no Jordão. Mas também em épocas mais recentes se autorizou o rito de aspersão em caso de não se dispor de melhores condições”9.

31 E existem também casos, segundo esta autora, em que o ritual poderia ser misto.

32 O facto de existirem dois batistérios no complexo religioso de Mértola, situados a cerca de 25 metros de distância, leva-me a procurar locais em que tal situação ocorra e inevitavelmente é nos conjuntos episcopais existentes na Península Ibérica. Os conjuntos episcopais deste território são conhecidos através das fontes documentais, como é o caso de Emerita, e através das intervenções arqueológicas, como são os casos de Valentia a par de Barcino, Tarraco, Egitania e Córdoba, no entanto, é o de Egara (Terrassa) um dos locais que melhor se conhece arqueologicamente. Terrassa foi uma antiga cidade romana Municipium Flavium Egara, elevada a sede episcopal do século V ao século VIII. A implantação topográfica do complexo arquitetónico, e as escavações arqueológicas, vieram confirmar a existência de um grupo episcopal de grandes dimensões, no entanto não se pode ainda, com exatidão, relacioná-lo com qualquer envolvente urbana. O grupo episcopal teve fases antigas, datadas da segunda metade do século IV e da primeira metade do século V, a que correspondem uma igreja de planta retangular, à qual é acrescentado um batistério localizado atrás da abside. Coincidente com a designação de sede episcopal, esta igreja aumenta os seus volumes, passando a ter uma planta basilical de três naves e de cabeceira tripartida, com um novo batistério que substitui o anterior, construído aos pés da nave central10.

33 Os primeiros restos arqueológicos, vinculados à sede episcopal egarense, encontram-se localizados debaixo da atual igreja de Santa Maria e, no seu exterior, com vestígios de uma basílica de cabeceira retangular e com pavimentos de mosaicos e o baptisterium, um edifício de planta octogonal dotado de uma piscina baptismal11. Este conjunto episcopal possui dois batistérios com piscinas de forma octogonal, que se sucederam no tempo e no espaço interior do complexo episcopal12.

34 Também em Idanha-a-Velha é conhecida a existência de dois batistérios que, muito provavelmente, funcionaram em períodos distintos e seriam o testemunho da remodelação e monumentalização do grupo episcopal13. Segundo J. Alarcão “foram escavados, na Egitania, dois baptistérios, um dos quais atribuído ao século IV ou V, e o outro, ao VI”14. Nesta localidade as escavações, realizadas nos anos 50 do século XX, puseram a descoberto no exterior sul da Sé, encostada à parede da nave central, o batistério dotado de uma piscina de tipo cruciforme15, datado do século VI16. Possivelmente o local tinha tido, em data incerta do século VI, aquando da elevação da

Medievalista, 23 | 2018 30

cidade a sede episcopal17, um outro edifício religioso. Deste edifício restam parcos elementos construtivos no topo norte. No entanto, as escavações arqueológicas realizadas nos primeiros anos do século XX, puseram a descoberto um batistério com uma piscina retangular. Verifica-se que em ambas as piscinas batismais existem escadas laterais, constituídas por três degraus18, sendo o fundo revestido com placas de mármore. Entre a igreja e a muralha desenvolvem-se as ruínas de construções, que têm sido interpretadas como pertencentes a um paço episcopal, construído em época visigótica19.

35 Em ambientes urbanos destaca-se o caso de Barcelona, em que são conhecidos dois batistérios que coexistem temporalmente. O primeiro que foi descoberto, no casco antigo, é constituído por uma piscina octogonal, do século IV, do conjunto episcopal, onde uma primitiva piscina do batistério é substituída por outra de planta octogonal, e que se traduz numa nova pavimentação do edifício batismal. As reformas, levadas a cabo no batistério e na aula episcopal, consistiram numa nova ornamentação pictórica do edifício20.

36 Trabalhos arqueológicos realizados em 2012, na basílica Sants Màrtirs Just i Pastor, puseram a descoberto uma piscina batismal datada do século VI. Esta estrutura está implantada dentro do antigo recinto amuralhado de Barcino e a presença da piscina na igreja permitiu conhecer a existência de dois grupos episcopais na cidade e, consequentemente, de dois bispos que conviveram durante os séculos V e VI: um de culto católico, com sede nesta basílica, e o outro de culto ariano, instalado na atual catedral. Esta dualidade de culto manteve-se até ao ano de 589, data final do arianismo. Segundo Júlia Beltrán, estes achados convertem Barcelona na única cidade mediterrânea, a par de Ravena, onde conviveram dois núcleos episcopais21.

37 Em Son Peretó (Maiorca) o espaço dedicado ao batismo é um dos pontos mais polémicos dos últimos anos, pelo problema suscitado devido ao facto de existirem duas piscinas no mesmo recinto, o que levou a várias opiniões: P. Palol, que desenvolveu trabalhos arqueológicos no local, sustenta a opinião de que as duas piscinas correspondiam a duas fases distintas da igreja, no entanto defendeu, ultimamente, a possibilidade do uso simultâneo de ambas as piscinas, argumentando que normalmente, quando se reforma ou se substituem as piscinas batismais, se constroem sobre a primeira e, no mesmo local, como pode comprovar-se nas reformas ocorridas nos batistérios de Barcelona ou de Sevilha22.

38 Na bacia do mediterrânio são também conhecidos os casos da basílica de Tingad onde foram registadas três pias batismais23, e na igreja do monte Nebo existem dois batistérios, um situado à esquerda e datado de 531, e um outro localizado à direita e datado de 59724.

39 Já tem sido abordada a incongruência que se verifica entre o princípio do batismo por imersão e as medidas das piscina batismais, (com diâmetros entre os 1,30 m e os 1,60 m e a profundidade a rondar um metro) o que não invalida a sua função. Parece provável que a imersão fosse apenas simbólica e que o celebrante, ou os que assistiam, lançassem água sobre o que estava a ser batizado. Em todo o caso, o catecúmeno poder-se-ia ajoelhar ou acocorar dentro da piscina, até que a água o cobrisse. Fica também por esclarecer se a imersão era una ou tripla, para sublinhar que o batismo se administra em nome da Santíssima Trindade, inclinando-se os liturgistas para esta segunda hipótese25. Esta variedade de situações significa que não há um batistério "standard", como sublinha Olof Brandt a propósito de nove batistérios paleocristãos de Itália26. Mas,

Medievalista, 23 | 2018 31

para além das diferenças, a comparação entre eles mostra que compartilham muitas características comuns que, de alguma forma, indicam "como deveria ser" um batistério e atender às necessidades funcionais e estéticas do batistério cristão e, especialmente, como ele se desenvolve no espaço criando um "ambiente batismal"27.

40 Em regra, o batistério integra-se num conjunto arquitetónico em que os diversos espaços têm funções precisas na organização do ritual. Na maioria dos casos conhecidos, o batistério estava situado ao lado da basílica principal, ou entre duas igrejas, no caso dos grupos episcopais. No caso de Mértola, com os dados disponíveis, não se pode definir com clareza o tipo de edifício a que o batistério estava associado. Por outro lado, não parece que a basílica civil do forum romano, situada a sul do batistério, fosse o espaço litúrgico complementar, pois trata-se de um espaço demasiado pequeno comparado com a área ocupada pelo batistério. Em termos cronológicos, pela conjugação dos diversos dados elencados, parece plausível que o batistério II se possa situar a partir da segunda metade do século V, não excluindo a possibilidade de se manter em funcionamento nas centúrias seguintes e ter sido contemporâneo do anteriormente descoberto. É, portanto, necessário, como refere L. Caballero, estudar estes edifícios num sentido diacrónico e não estático28.

41 Estatisticamente chama-se à atenção para que, da quarentena de batistérios hispanos conhecidos29, apenas cinco se situam em ambientes urbanos como o batistério do complexo episcopal de Barcelona (dois batistérios), Valencia, Ergara (Terrassa), Idanha a Velha (dois batistérios) Sevilha30 e em Mértola. Também é interessante constatar que, grande parte dos batistérios, se situam na proximidade dos templos. Outra constante Hispânica, documentada noutras geografias, é a presença de degraus para baixar até à base da piscina batismal, característica arquitetónica que aparece referenciada na literatura hispânica referente à liturgia específica do batismo31.

42 Pouco depois do ano 400, Prudêncio foi um dos primeiros a utilizar o termo baptisterium32, denominação que prevalece e passa a ser utilizada em todos os concílios posteriores33. Por outro lado, Isidoro de Sevilha refere este âmbito arquitetónico como delumbrum e à piscina como fons34. Na literatura visigoda também se utilizou o termo fons para designar o espaço arquitetónico35.

43 O caso do batistério I de Mértola apresenta três degraus descendentes e quatro ascendentes – gradus ascensionis – em terminologia isidoriana, estando o último degrau parcialmente destruído, pois situava-se a uma cota mais elevada, do qual apenas se conserva o arranque do mesmo; esta situação também detetada nos batistérios do Tolmo de Minateda36 e no da basílica de Cap des Port, Fornelles, Menorca 37. O texto acerca do martírio de S. Manços, em Évora, tem uma passagem de grande importância para o estudo dos batistérios e do catecumenato prévio: “Construyen una basílica para uso de los fieles, se le une un baptisterio, se dispone todo en una obra maravillosa, con columnas formando un octógono; por la parte de atrás se la añade una basílica para catecúmenos”38. A celebração do batismo era geralmente feita pelo bispo mas, através da leitura das atas de concílios, apercebemo-nos que os diáconos também podiam batizar, ainda que fosse necessária a confirmação final do bispo39.

44 Na Península Ibérica a maior parte dos locais como estes são, geralmente, alvo de remodelações da piscina batismal mantendo-se no local ou diminuindo a sua área. Alguns autores como J.-Ch. Picard propõem relacionar esta diminuição paulatina do tamanho das piscinas batismais com a generalização do batismo infantil, embora se conserve o ritual de imersão40. Esta questão poderá estar relacionada com a existência

Medievalista, 23 | 2018 32

das duas piscinas batismais de Mértola, será o batistério II anterior ao batistério I, situado a oeste. Se tivermos em consideração a dimensão e a profundidade das piscinas parece ser o mais lógico. Sendo o batistério II anterior e situado numa época em que maioritariamente se batizavam adultos, dadas as suas maiores dimensões e profundidade e, posteriormente, já numa fase de batismo de jovens e crianças, em que o ritual da imersão é progressivamente substituído pela infusão/aspersão.

O templo anterior à mesquita

45 A atual Igreja Matriz está situada no limite nascente da plataforma artificial contígua ao complexo batismal e foi cristianizada com a reconquista cristã, em 1238, quando Mértola foi conquistada pelas hostes de Santiago de Espada. Os novos senhores não promoveram novas construções, mais uma vez se reaproveitam as edificações existentes, reaproveitando as estruturas do antigo castelejo, e se cristianiza a Mesquita, dedicando-a a Santa Maria1. A escavação, realizada na parte exterior do monumento, revelou uma estrutura monumental, constituída por silharia de granito reaproveitada, com cerca de 2 m de altura. Estas estruturas foram interpretadas como sendo de uma construção, anterior à mesquita. A escavação ainda revelou um espaço retangular, que se destaca do muro paralelo à mesquita, e que foi interpretado como sendo uma abside2.

46 Fora desta plataforma onde foi feita a escavação, foi analisado o paramento da estrutura que está na base da atual igreja e constatou-se que este era construído com recurso a silharia de granito, disposta em fiadas regulares. Com os dados de que disponho coloco a hipótese de se tratar do limite nascente de um edifício, de planta simples, com uma abside retangular, colocada ao centro. Tratar-se-ia de uma construção com cerca de 14 m de largura interior, dos quais 2,5 metros seriam ocupados pela abside; suponho que o limite norte da construção seria coincidente com o atual muro da igreja e com um comprimento a rondar os 20 m. Pela análise dos materiais epigráficos e arquitetónicos, provenientes das várias obras feitas no edifício e nas imediações, pode-se inferir a existência de vários momentos construtivos. Um primeiro edifício, possivelmente um templo dedicado ao culto imperial, atendendo à epigrafia e aos elementos arquitetónicos aí encontrados, poderá ter estado em funções até aos inícios do século IV. Com a proclamação do cristianismo como religião oficial, certamente o templo sofreu transformações, mas desconhecemos o programa arquitetónico. Contudo a descoberta, no local, de algumas impostas e cimácio leva a considerar a existência de um templo cristão no século VI-VII naquele local (Fig. 9).

Medievalista, 23 | 2018 33

Fig. 9 - Alçado da construção paleocristã anterior à mesquita (Nélia Romba, CAM)

Conclusões

47 Os vários edifícios cristãos de Mértola levam-nos a pensar na existência de uma população numerosa, pois durante o século V-VIII d.C., os casos apontados coexistem em termos da topografia histórica, e a sua extensão espacial aponta para uma relativa dimensão das comunidades de crentes que deles usufruía. Na igreja do Rossio do Carmo, como constatou Manuela A. Dias, foi sepultado um indivíduo referenciado como “primeiro cantor” da igreja de Mértola. A dimensão e importância que esta comunidade de fiéis teria então nesta localidade está documentada epigraficamente desde 489 com o Presbítero Satyrio, até 729 com o Clérigo Adulteus. Contudo, os primeiros enterramentos documentados epigraficamente são de um anónimo e de Stefanus, Famulus Dei, sepultados em 4621.

48 A juntar a este dado cultural e institucional, destaca-se o programa formal e a qualidade artística do conjunto musivo do batistério e estruturas anexas, a partir das quais se pode refletir sobre o poderio económico e ligações comerciais e culturais das classes dominantes de então com as civilizações da bacia do Mediterrâneo, onde classicismo, orientalismo e cristianismo se encontram num constante processo de trocas e segmentações multiculturais. Desde os primeiros séculos da nossa Era, em Mértola, não podemos deixar de notar a capacidade de relacionamento, atestada, entre várias comunidades religiosas (Fig. 10).

Fig. 10 - Planta geral das estruturas do complexo religioso de Mértola.

(Nélia Romba, CAM)

49 Quem foram os encomendadores de todas estas obras de carácter religioso que incluíam um complexo religioso com dois batistérios e duas igrejas, que ocupavam um volume de construções que ronda os 2000 m2, a que acrescem no suburbium as basílicas do Rossio do Carmo e do cineteatro e o mausoléu com uma área construtiva de cerca de 1500 m2? Estas obras contrastam com o conhecimento disponível em termos da arquitetura

Medievalista, 23 | 2018 34

doméstica, dado que esta se resume a uma casa situada na cave do edifício dos Paços do Concelho com um suposto prolongamento para a casa contígua e ainda a um pequeno armazém situado mais abaixo, na zona ribeirinha. A cidade, à falta de um poder central distante, teria que estar organizada e com capacidade para gerar receitas em proveito de uma organização civil ou religiosa capaz de investir e edificar novas construções quer de carácter defensivo quer religioso.

50 Como sugere J. Alarcão, o comércio e a exploração mineira (a que eu acrescentaria os mármores de Beja) estariam possivelmente nas mãos de uma oligarquia local, capaz de gerar receitas para se poder proceder a um significativo conjunto de obras. No entanto, há notícias indiretas do papel da Igreja como entidade económica. No livro Vita Sanctorum Patrum Emeritensius é explícito o papel do bispo Masona, metropolitano da província da Lusitânia entre cerca de 570 e 600/610, data da sua morte. Foi um dos bispos mais empreendedores, tendo construído em Mérida um Xenodochium (580), aberto a judeus, peregrinos e habitantes da área envolvente. Era tal a sua preocupação com a miséria dos desfavorecidos, que dotou a Basílica de Santa Eulália de Mérida, sendo abade o diácono Redempto, com dois mil solidi de ouro, a fim de que alguém que precisasse e estivesse em apuros, pudesse contrair um empréstimo, contra recibo, sem demora ou sujeições, e remediar assim os seus problemas2. Temos o testemunho de uma Igreja a desempenhar um papel económico importante, capaz de fazer uma política de solidariedade social e certamente capaz de gerar riqueza que permitia construir importantes edificações de carácter religioso.

51 O que se terá passado em Mértola na mesma altura poderia ter sido semelhante, pois não deixa de ser surpreendente o volume de construções religiosas da cidade. Como se custearam estas construções, que não só são importantes pela área construída como também pela qualidade dos materiais e técnicas empregues? A riqueza mineira e o comércio decorrente da atividade portuária têm sido apontados como as causas da grandeza de Mértola, no entanto penso que devemos incluir aqui um aspeto novo que é a questão da fiscalidade, ou seja, teria que haver na cidade alguém que controlasse a atividade portuária em proveito da igreja mirtiliana, e lhe facultasse rendimentos capazes para proceder a tão sumptuosas construções religiosas. A meu ver, a questão da fiscalidade é determinante para se entender a capacidade e a qualidade construtiva que Mértola teve na Antiguidade Tardia (Fig. 11).

Medievalista, 23 | 2018 35

Fig. - 11 A Topografia religiosa de Mértola na Antiguidade Tardia: 1- Mausoléu; 2 - Basílica do Rossio do Carmo; 3 Basílica do Cineteatro; 4 – Complexo religioso batistério I; 5 – Batistério II; Templo anterior à mesquita (Virgílio Lopes)

52 Na ausência de um bispo, como justificar a existência de dois batistérios? Cláudio Torres avançou com a hipótese de em Mértola existir uma comunidade monofisita e que os dois batistérios seriam cada um pertencente a uma comunidade cristã diferente3. Embora esta segunda realidade ocorra em cidades como Ravena e Barcelona, é de referir que os batistérios de ambas as cidades estão separados espacialmente na malha urbana, ao contrário do que ocorre em Mértola em que os dois batistérios se situam em edifícios muito próximos um do outro. A existência de dois baptistérios, aparentemente contemporâneos, implica a existência de um complexo religioso importante, possivelmente heterodoxo, daí os seus eventuais bispos não terem participado nos coevos concílios católicos. O ritual do batismo sofreu transformações ao longo dos tempos, e se nos primeiros séculos apenas se fala do batismo de adultos, progressivamente os batistérios vão diminuindo de tamanho, tendo sido adaptados ao batismo de jovens e posteriormente de crianças.

53 Seriam assim tantos os catecúmenos que se justificasse a existência de duas instalações batismais? Ou poder-se-á falar de uma piscina batismal para mulheres e outra para homens? Ou será o batistério II o primeiro a ser construído para baptismo de adultos e o primeiro adaptado ao batismo de crianças? São questões a que, perante a insuficiência dos dados arqueológicos, não me é possível de momento responder cabalmente.

54 Conhecemos relativamente bem os espaços funerários, a grande basílica do Rossio do Carmo, a do cineteatro e ainda o mausoléu, templos que albergavam enterramentos no seu interior e no espaço envolvente. Estes locais proporcionaram um importante acervo epigráfico, testemunho de uma elite, onde se incluem epitáfios em latim, em grego e também com simbologia hebraica. A cidade de Myrtilis foi uma importante urbe que a partir da segunda metade do século V e durante os séculos VI-VII d.C. gozou de grande

Medievalista, 23 | 2018 36

prosperidade como o traduzem os vestígios arqueológicos postos a descoberto nas últimas décadas, e que continuam a surpreender-nos com novos achados.

BIBLIOGRAFIA

Fontes impressas

CAMACHO MACIAS, Aquilino – El Libro de Las Vidas de Los Santos Padres de Mérida. Mérida 1988.

DUARTE DE ARMAS – Livro das Fortalezas. Ed. Manuel da Silva Castelo Branco. Edição do fac- similado MS 159 da Casa Forte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (2a ed.). Lisboa, 1997.

IDACIO OBISPO DE CHAVES, su Cronicón. Introducción, texto crítico, versión española y comentario por Julio Campos, SCH. P. Salamanca: Ediciones Calasancias, 1984.

ISIDORO DE SEVILHA – Isidori Hispalensis Episcopu Etymologiarum sive Originum. Liber XV. Disponível em: http://www.thelatinlibrary.com/isidore/15.shtml 10/3/2012

Estudos

ABAD CASAL, Lorenço; GUTIÉRREZ LLORET, Sonia; GAMO PARRAS, Blanca – “La basílica y el baptisterio del Tolmo de Minateda (Hellín, Albacete)”. Archivo Español de Arqueología 73 (2000), pp. 193-221.

ACTES DU XIe CONGRÈS International d’Archéologie Chrétienne. Lyon, Vienne, Grenoble, Genève, Aoste, 21-28 septembre 1986. Vol. I; Vol. II. Rome: École Française de Rome, 1989.

ALARCÃO, Jorge – “Notas de Arqueologia, epigrafia e toponímia VI”. Revista Portuguesa de Arqueologia 15 (2012), pp. 113-137.

ALBIOL LÓPEZ, Esther – “Una Pintura de sostre de L’antiguitat Tardana al Batisteri de Barcelona”. Quarhis: Quaderns D’Arqueologia I Història de la Ciutat de Barcelona 9 (2013), pp.164-183.

ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – “Arte paleocristã da época das invasões”. in História da Arte em Portugal, Vol. 2, (2ª ed.), Lisboa: Alfa, 1993, pp. 9-37.

ALMEIDA, Fernando de – “Arte Visigótica em Portugal”. O Archeólogo Português. Nova Série, IV (1962), pp. 5-278.

– “Um “palatium episcopi” do séc. VI em Idanha-a-Velha (Portugal)”. in IX Congreso Nacional de Arqueologia. Valladolid-Santander, 17-21 de octubre de 1965. Zaragoza, 1966, pp. 408-411.

ASENSIO RAMALLO, S. F.; SÁNCHEZ VIZCAÍNO, J.; GARCÍA VIDAL, J. M. – “La decoración arquitectónica en el sureste Hispano durante la antigüedad tardía. La basílica de Algezares (Murcia)”. in CABALLERO ZOREDA, Luis; MATEOS CRUZ, Pedro (eds.) – Escultura decorativa tardorromana en la Península Ibérica, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas (C.S.I.C.), 2007, pp. 367-389.

BOIÇA, Joaquim; BARROS, Maria de Fátima R. – “A Igreja Matriz de Mértola” in MACIAS, Santiago et alii – Mesquita Igreja de Mértola. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2011, pp. 33-88.

BOURGUET, Pierre – La peinture paléo-chrétienne. Suíça: Port Royal 3, 1965.

Medievalista, 23 | 2018 37

BRANDT, Olof – Battisteri Oltre La Pianta. Città del Vaticano: Pontificio Instituto di Archeologia Cristiana, 2012.

BRANDT, Olof; CASTIGLIA, G. (eds.) – Acta XVI Congressvs Internationalis Archaeologiae Christianae Romae (22-28.9.2013). Costantino E I Costantinidi L’innovazione Costantiniana. Città Del Vatican: Pontificio Istituto Di Archeologia Cristiana, 2016.

CABALLERO ZOREDA, Luis – “Un canal de trasmisión delo clássico en la Edad Media española: arquitectura y escultura de influjo omeya en la Península Ibérica entre mediados del siglo VIII e inicios del X”. Al-qantara: Revista de estúdios árabes 15, Fasc. 2 (1994), pp. 321-350.

CABALLERO ZOREDA, Luis –; MATEOS CRUZ, Pedro (eds.) – Escultura decorativa tardorromana en la Península Ibérica, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas (C.S.I.C.), 2007.

CRISTÓVÃO, José – As muralhas romanas de Idanha-a-Velha. Coimbra, Universidade de Coimbra, 2002. Dissertação de Mestrado.

CRUZ VILLALÓN, Maria – Mérida Visigoda La Escultura Arquitectónica y Litúrgica. Departamento de Publicaciones, Excma. Diputación Provincial de Badajoz, 1985.

DIAS, Maria Manuela Alves; GASPAR, Catarina – Catálogo das Inscrições Paleocristãs do Território Português. Lisboa: Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, 2006.

FERNANDEZ CATÓN, José Maria – “Documentos leoneses en escritura visigótica. Fundo del archivo del monasterio de Carrizo”. Archivos Leonenses: revista de estudios y documentación de los Reinos Hispano-Occidentales 72 (1982), pp. 195-292.

GARCIA, Gemma; MORO, Antoni; TUSET, Francesc – La seu episcopal d’Ègara. Arqueologia d’un conjunt cristià del segle IV al IX. Tarragona: Documenta Institut Català d'Arqueologia Clàssica, 2009.

GODOY FERNÁNDEZ, Cristina – “Baptistérios hispánicos (siglos IV al VIII): arqueología y liturgia”. in Actes du XIe. Congrès Internatinal D’Archeologie Chrétienne. Lyon, Vienne, Grenoble, Genève, Aoste, 21-28 septembre 1986. Vol. I. Rome: École Française de Rome, 1989, pp. 607-635.

GÓMEZ MARTÍNEZ, Susana – Arqueología y liturgia: iglesias hispánicas (siglos IV al VIII). Barcelona: Universitat de Barcelona, 1995.

GÓMEZ MARTÍNEZ, Susana – “Intervenção arqueológica na Mesquita-Igreja Matriz de Mértola”. in MACIAS, Santiago et alii – Mesquita Igreja de Mértola. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2011, pp. 89-104.

GÓMEZ MARTÍNEZ, Susana; MACIAS, Santiago; LOPES, Virgílio (eds.) – O sudoeste peninsular entre Roma e o Islão / Southwestern between Rome and Islam. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2015.

GUYON, Jean – “Le baptême et ses monuments”. in Naissance des arts chrétiens: atlas des monuments paléochrétiens de la France. Paris: Imprimerie Nationale Éditions, 1991, pp. 70-87.

GURT I ESPARRAGUERA, Josep M.; MACÍAS, Josep M. – “La ciudad y el territorium de Tarraco: el mundo funerario”. in VAQUERIZO, D. (ed.) – Espacios y usos funerarios en el Occidente romano: Actas del Congreso Internacional, Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Córdoba, 5-9 junio 2001. Vol. 1. Córdoba: Universidad Córdoba, 2002, pp. 87-112.

GURT I ESPARRAGUERA, Josep M.; SÁNCHEZ RAMOS, Isabel – “Topografía cristiana en Hispania durante los siglos V y VI”. in El tiempo de los “bárbaros”: pervivencia y transformación en Galia e Hispania (ss. V-VI d.C.). Alcalá de Henares: Museo Arqueológico Regional, 2010, pp. 321-245.

GUTIÉRREZ LLORET, Sonia; SARABIA BAUTISTA, Julia – “El problema de la escultura decorativa visigoda en el sudeste a la luz del Tolmo de Minateda (Albacete): distribución, tipologías

Medievalista, 23 | 2018 38

funcionales y talleres”. in CABALLERO ZOREDA, Luis; MATEOS CRUZ, Pedro (eds.) – Escultura decorativa tardorromana en la Península Ibérica, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas (C.S.I.C.), 2007, pp. 302-343.

HEREDIA BERCERO, Julia Beltran – De Barcino a Barcinona (siglos I-VII): los restos arqueológicos de la plaza del Rey de Barcelona. Barcelona: Institut de Cultura, 2001.

KHATCHATRIAN, Armen – Les baptistères paléochrétiens. Paris: École Pratique des Hautes Êtudes, 1962.

LOPES, Virgílio – Mértola na Antiguidade Tardia. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2003.

LOPES, Virgílio – Casa romana: Museu de Mértola. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2012.

LOPES, Virgílio – Mértola e o seu território na antiguidade tardia (séculos IV-VIII). Huelva: Universidade de Huelva, 2014. Tese de Doutoramento.

MACIAS, Santiago et alii – Mesquita Igreja de Mértola. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2011.

MACIEL, Manuel Justino P. – “A Época Clássica e a Antiguidade Tardia (séculos II a.C.-II d.C.): a arte da Antiguidade Tardia (séculos III-VIII, ano de 711)”. in PEREIRA, Paulo (ed) – História da arte portuguesa. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995, pp. 103-152.

MACIEL, Manuel Justino P. – Antiguidade Tardia e Paleocristianismo em Portugal (1ª ed.). Lisboa: Colibri, 1996.

NICOLAI, Vincenzo Fiocchi; BISCONTI, Fabrizio; MAZZOLENI, Danilo – Les catacombes chrétiennes de Rome. Turnhout: Brepols Publishers, 2000.

PALOL SALELLAS, Pedro de – Arqueología cristiana de la España romana (siglos IV al VI). Madrid: C.S.I.C.; Instituto Enrique Florez, 1967.

PALOL SALELLAS, Pedro de – “La basílica des cap des Port, de Fornells. Menorca”. in II Reunió d’Arqueologia paleocristiana Hispànica. Barcelona: Institut d’Arqueologia i Prehistòria, 1982, pp. 353-404.

PICARD, Jean-Charles – “Ce que les textes nous apprennent sur les équipements et le mobilier liturgique nécessaires pour le baptême dans le Sud la Gaule et l'Itale du Nord”. in Actes du XIe Congrès International d’Archéologie Chrétienne. Lyon, Vienne, Grenoble, Genève, Aoste, 21-28 septembre 1986. Vol. II. Rome: École Française de Rome, 1989, pp. 1451-1468.

PUERTAS TRICAS, Rafael – Iglesias hispánicas (siglos IV al VIII): testimonios literarios. Madrid: Dirección General del Patrimonio Artístico y Cultural, 1975.

RIPOLL LÓPEZ, Gisela; VELÁZQUEZ SORIANO, Isabel – “Origen y desarrollo de las parrochiae en la Hispania de la antegüedad tardía”. in PERGOLA, Philippe; BARBINI, Palmira Maria (eds.) – Alle origini della parrocchia rurale (IV-VIII sec.). Città del Vaticano: Pontificio Instituto di Archeologia Cristiana, 1999, pp. 101-165.

SALES CARBONELL, Jordina – Las construcciones cristianas de la Tarraconensis durante la Antigüedad Tardía: topografía, arqueología e historia. Barcelona: Universitat de Barcelona; Publicacions i Edicions, 2012.

SÁNCHEZ VELASCO, Jeronimo – Elementos arquitectónicos de época visigoda en el Museo Arqueológico de Córdoba: arquitectura y urbanismo en la Córdoba visigoda. Córdoba: Consejería de Cultura, 2007.

SASTRE de DIEGO, Isac – Los primeros edificios cristianos de Extremadura: sus espacios y elementos litúrgicos: Caelum in terra. [Mérida]: Asamblea de Extremadura 2010.

Medievalista, 23 | 2018 39

TORRES, Cláudio; OLIVEIRA, José C. – “O criptopórtico-cisterna da Alcáçova de Mértola”. in II Congreso de Arqueología Medieval Española, Madrid, 1987. T. II, pp. 617-626. Madrid: Comunidad de Madrid, 1987.

TORRES, Cláudio; SILVA, Luís – Mértola Vila Museu. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 1989.

TORRES, Cláudio – et alii – Museu de Mértola: núcleo do Castelo. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 1991.

TORRES, Cláudio – “Do cristianismo primitivo ao Islão”. in GÓMEZ MARTÍNEZ, Susana; MACIAS, Santiago; LOPES, Virgílio (eds.) – O sudoeste peninsular entre Roma e o Islão / Southwestern Iberian Peninsula between Rome and Islam. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2015, pp. 46-53.

VEIGA, Estácio da – Memórias das Antiguidades de Mértola. Ed. fac-similada de 1880. Lisboa; Mértola: Imprensa Nacional; Câmara Municipal de Mértola, 1983.

NOTAS

1. LOPES, Virgílio – Mértola e o seu território na antiguidade tardia (séculos IV-VIII). Huelva: Universidade de Huelva, 2014. Tese de Doutoramento. Disponível em www http:// rabida.uhu.es/dspace/ handle/10272/8053 1. LOPES, Virgílio – Casa romana: Museu de Mértola. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2012, p. 32. 2. IDACIO OBISPO DE CHAVES, su Cronicón. Introducción, texto crítico, versión española y comentario por Julio Campos, SCH. P. Salamanca: Ediciones Calasancias, 1984, p. 82. 1. DUARTE DE ARMAS – Livro das Fortalezas. Ed. Manuel da Silva Castelo Branco. Edição do fac-similado MS 159 da Casa Forte do Arquivo Nacional da Torre do Tombo (2a ed.). Lisboa, 1997, p.6. 2. TORRES, Cláudio; SILVA, Luís – Mértola Vila Museu. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 1989, p. 31. 3. TORRES, Cláudio; OLIVEIRA, José C.–“O criptopórtico-cisterna da Alcáçova de Mértola”. in II Congreso de Arqueología Medieval Española, Madrid, 1987. T. II, pp. 617-626. Madrid: Comunidad de Madrid, 1987, p. 618. 4. LOPES, Virgílio – Mértola e o seu território. 5. LOPES, Virgílio – Mértola na Antiguidade Tardia. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2003. 6. GODOY FERNÁNDEZ, Cristina – Arqueología y liturgia: iglesias hispánicas (siglos IV al VIII). Barcelona: Universitat de Barcelona, 1995, p. 53. 7. GODOY FERNÁNDEZ, Cristina – “ Baptistérios hispánicos (siglos IV al VIII): arqueología y liturgia”.inActes du XIe. Congrès International d’Archéologie Chrétienne. Lyon, Vienne, Grenoble, Genève, Aoste, 21-28 septembre 1986. Vol. I. Rome: École Française de Rome,1989,pp. 607-635. 8. VEIGA, Estácio da – Memórias das Antiguidades de Mértola. Ed. fac-similada de 1880. Lisboa; Mértola: Imprensa Nacional; Câmara Municipal de Mértola, 1983, p. 75. 9. TORRES, Cláudioet alii–Museu de Mértola: núcleo do Castelo. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 1991, p. 45. 10. LOPES, Virgílio – Mértola e o seu território. 11. SASTRE de DIEGO, Isac – Los primeros edificios cristianos de Extremadura: sus espacios y elementos litúrgicos: Caelum in terra. [Mérida]: Asamblea de Extremadura 2010, p. 53.

Medievalista, 23 | 2018 40

12. CRUZ VILLALÓN, Maria – Mérida Visigoda La Escultura Arquitectónica y Litúrgica. Departamento de Publicaciones, Excma. Diputación Provincial de Badajoz, 1985, pp. 99-100 e 234-235. 13. SÁNCHEZ VELASCO, Jeronimo – Elementos arquitectónicos de época visigoda en el Museo Arqueológico de Córdoba: arquitectura y urbanismo en la Córdoba visigoda. Córdoba: Consejería de Cultura, 2007, p. 92. 14. MACIEL, Manuel Justino P. – “A Época Clássica e a Antiguidade Tardia (séculos II a.C.-II d.C.): a arte da Antiguidade Tardia (séculos III-VIII, ano de 711)”. in PEREIRA, Paulo (ed) – História da arte portuguesa. Vol. I. Lisboa: Círculo de Leitores, 1995, p. 139. 15. ALMEIDA, Fernando de – “Arte Visigótica em Portugal”. O Archeólogo Português. Nova Série, IV (1962), pp. 5-278, pp. 194-195, figs. 75 e 76. ALMEIDA, Carlos Alberto Ferreira de – “Arte paleocristã da época das invasões”. in História da Arte em Portugal. Vol. 2 (2ª ed.). Lisboa: Alfa, Lisboa, (1993), pp. 9-37. MACIEL, Manuel Justino P. – Antiguidade Tardia e Paleocristianismo em Portugal (1ª ed.). Lisboa: Colibri, 1996. 1. O diâmetro destes fragmentos de fuste de coluna ronda os 30 cm. 2. Lajes retangulares de calcário cuja métrica varia entre os 50-70 cm de comprimento, 30 cm de largura e 10 cm de espessura; refira-se que este é o único edifício em Mértola que conhecemos que emprega placas de calcário a nível da pavimentação de estruturas. 3. BOURGUET, Pierre – La peinture paléo-chrétienne. Suíça: Port Royal 3, 1965; NICOLAI, Vincenzo Fiocchi; BISCONTI, Fabrizio; MAZZOLENI, Danilo – Les catacombes chrétiennes de Rome. Turnhout: Brepols Publishers, 2000. 4. ALBIOL LÓPEZ, Esther – “Una Pintura de sostre de L’antiguitat Tardana al Batisteri de Barcelona”. Quarhis: Quaderns D’Arqueologia I Història de la Ciutat de Barcelona 9 (2013), pp. 164-183. 5. ASENSIO RAMALLO, S. F.; SÁNCHEZ VIZCAÍNO, J.; GARCÍA VIDAL, J. M. – “La decoración arquitectónica en el sureste Hispano durante la antigüedad tardía. La basílica de Algezares (Murcia)”. in CABALLERO ZOREDA, Luis; MATEOS CRUZ, Pedro (eds.) – Escultura decorativa tardorromana en la Península Ibérica, Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas (C.S.I.C.), 2007, pp. 367-389. 6. ABAD CASAL, Lorenço; GUTIÉRREZ LLORET, Sonia; GAMO PARRAS, Blanca – “La basílica y el baptisterio”del Tolmo de Minateda (Hellín, Albacete)”. Archivo Español de Arqueología 73 (2000), pp. 193-221. 7. CRUZ VILLALÓN, Maria – Mérida Visigoda La Escultura Arquitectónica, pp. 332 e ss. 8. GUTIÉRREZ LLORET, Sonia; SARABIA BAUTISTA, Julia – “El problema de la escultura decorativa visigoda en el sudeste a la luz del Tolmo de Minateda (Albacete): distribución, tipologías funcionales y talleres”. in CABALLERO ZOREDA, Luis; MATEOS CRUZ, Pedro (eds.) – Escultura decorativa tardorromana, pp. 302-343, fig. 11. 9. GODOY FERNÁNDEZ, Cristina–“Baptistérios hispánicos”,pp. 607-635. 10. GURT I ESPARRAGUERA, Josep M.; MACÍAS, Josep M. – “La ciudad y el territorium de Tarraco: el mundo funerario”. in VAQUERIZO, D. (ed.) – Espacios y usos funerarios en el Occidente romano: Actas del Congreso Internacional, Facultad de Filosofía y Letras de la Universidad de Córdoba, 5-9 junio 2001. Vol. 1. Córdoba: Universidad Córdoba, 2002, pp. 87-112. 11. PALOL SALELLAS, Pedro de – Arqueología cristiana de la España romana (siglos IV al VI). Madrid: C.S.I.C.; Instituto Enrique Florez, 1967, pp. 45-51; GUYON, Jean – “Le baptême et ses monuments”. in Naissance des arts chrétiens: atlas des monuments paléochrétiens de la France. Paris: Imprimerie Nationale Éditions, 1991, pp. 70-87; GODOY FERNÁNDEZ, Cristina – Arqueología y liturgia, pp. 212-217.

Medievalista, 23 | 2018 41

12. GARCIA, Gemma; MORO, Antoni; TUSET, Francesc – La seu episcopal d’Ègara. Arqueologia d’un conjunt cristià del segle IV al IX. Tarragona: Documenta Institut Català d'Arqueologia Clàssica, 2009, p. 117. 13. GURT I ESPARRAGUERA, Josep M.; SÁNCHEZ RAMOS, Isabel – “Topografía cristiana en Hispania durante los siglos V y VI”. in El tiempo de los “bárbaros”: pervivencia y transformación en Galia e Hispania (ss. V-VI d.C.). Alcalá de Henares: Museo Arqueológico Regional, 2010, pp. 321-245. 14. ALARCÃO, Jorge – “Notas de Arqueologia, epigrafia e toponímia VI”. Revista Portuguesa de Arqueologia 15 (2012), pp. 113-137, p. 120. 15. ALMEIDA, Fernando – “Um “palatium episcopi” do séc. VI em Idanha-a-Velha (Portugal)”. in IX Congreso Nacional de Arqueologia. Valladolid-Santander, 17-21 de octubre de 1965. Zaragoza, 1966, pp. 408-411. 16. CRISTÓVÃO, José – As muralhas romanas de Idanha-a-Velha. Coimbra, Universidade de Coimbra, 2002. Dissertação de Mestrado, pp. 14-15. 17. A este propósito refira-se que o bispo egitaniense assina as actas do chamado Concílio de Lugo, realizado em 569. ALMEIDA, Fernando – “Um “palatium episcopi”, pp. 408-411. 18. CRISTÓVÃO, José – As muralhas romanas de Idanha-a-Velha. 19. ALMEIDA, Fernando – “Um “palatium episcopi”, pp. 408-411. 20. HEREDIA BERCERO, Julia Beltran – De Barcino a Barcinona (siglos I-VII): los restos arqueológicos de la plaza del Rey de Barcelona. Barcelona: Institut de Cultura, 2001, p. 80. 21. HEREDIA BERCERO, Julia Beltran – “Nuevos datos sobre el cristianismo en Barcino. Los orígenes de la basílica de los santos mártires Just i Pastor”. in BRANDT, O.; CASTIGLIA, G. (eds.) – Acta XVI Congressvs Internationalis Archaeologiae Christianae Romae (22-28.9.2013). Costantino E I Costantinidi L’innovazione Costantiniana. Città Del Vatican: Pontificio Istituto Di Archeologia Cristiana, 2016, pp. 1549-1566. 22. PALOL SALELLAS, Pedro de – Arqueología cristiana de la España romana. 23. KHATCHATRIAN, Armen – Les baptistères paléochrétiens. Paris: École Pratique des Hautes Êtudes, 1962, p. 27, nº. 213. 24. PICCIRILLO, Michele – “Recenti scoperte di arqueologia Cristiana in Giordania”. in Actes du XIe . Congrès International d’Archéologie Chrétienne. Vol. II, p. 1733, fig. 27. 25. GODOY FERNÁNDEZ, Cristina– “Baptistérios hispánicos”,pp. 607-635. 26. BRANDT, Olof – Battisteri Oltre La Pianta. Città del Vaticano: Pontificio Instituto di Archeologia Cristiana, 2012. 27. GODOY FERNÁNDEZ, Cristina–“Baptistérios hispánicos”,pp. 607-635. 28. CABALLERO ZOREDA, Luis – “Un canal de trasmisión delo clássico en la Edad Media española: arquitectura y escultura de influjo omeya en la Península Ibérica entre mediados del siglo VIII e inicios del X”. Al-qantara: Revista de estúdios árabes 15, Fasc. 2 (1994), pp. 321-350. 29. São conhecidos quarenta e três batistérios, neste cômputo estão incluídos o novo batistério de Barcelona e os dois de Mértola. 30. RIPOLL LÓPEZ, Gisela; VELÁZQUEZ SORIANO, Isabel – “Origen y desarrollo de las parrochiae en la Hispania de la antegüedad tardía”. in PERGOLA, Philippe; BARBINI, Palmira Maria (eds.) – Alle origini della parrocchia rurale (IV-VIII sec.). Città del Vaticano: Pontificio Instituto di Archeologia Cristiana, 1999, pp. 101-165. 31. GODOY FERNÁNDEZ, Cristina – Arqueología y liturgia, pp. 340-342.

Medievalista, 23 | 2018 42

GODOY FERNÁNDEZ, Cristina – “A los pies del templo: espacios litúrgicos en contraposición al altar: una revisión”. Antigüedad y cristianismo 21 (2004), pp. 473-489. Disponível em: http://revistas.um.es/ayc/issue/view/5041 32. Prvdentivs, Peristeph, 8, referido por SALES CARBONELL, Jordina – Las construcciones cristianas de la Tarraconensis durante la Antigüedad Tardía: topografía, arqueología e historia. Barcelona: Universitat de Barcelona; Publicacions i Edicions, 2012, p. 60. 33. PUERTAS TRICAS, Rafael–Iglesias hispánicas (siglos IV al VIII): testimonios literarios. Madrid:Dirección General del Patrimonio Artístico y Cultural, 1975. ESALES CARBONELL, Jordina – Las construcciones cristianas, p. 60. 34. IV. DE AEDIFICIIS SACRIS. [10] “Fons autem in delubris locus regeneratorum est, in quo septem gradus in Spiritus sancti mysterio formantur; tres in descensu et tres in ascensu: septimus vero is est qui et quartus, id est similis Filio hominis, extinguens fornacem ignis, stabilimentum pedum fundamentum aquae; in quo plenitudo divinitatis habitat corporaliter”. ISIDORO DE SEVILHA – Isidori Hispalensis Episcopu Etymologiarum sive Originum. Liber XV, IV. Disponível em: http://www.thelatinlibrary.com/ isidore/15.shtml 10/3/2012 35. “Iunguntur beati fontis edificia, per hoctagonum columnarum admirabili opere disponuntur ”. Citado de Passio Mantii, 9, 4-5. Esta passio foi redigida nos finais do século VII ou inícios do século VIII. “Edifícios com belas fonte unidas pelo trabalho maravilhoso das colunas que estão disposta em octógono / de forma octogonal”. SALES CARBONELL, Jordina – Las construcciones cristianas, p. 60. 36. ABAD CASAL, Lorenço; GUTIÉRREZ LLORET, Sonia; GAMO PARRAS, Blanca – “La basílica y el baptisterio”, pp. 193-221. 37. PALOL SALELLAS, Pedro de – “La basílica des cap des Port, de Fornells. Menorca”. in II Reunió d’Arqueologia paleocristiana Hispànica. Barcelona: Institut d’Arqueologia i Prehistòria, 1982, pp. 353-404. 38. Excerto traduzido do Leccionário de Burgos por Fernández Catón: FERNANDEZ CATÓN, José Maria – “Documentos leoneses en escritura visigótica. Fundo del archivo del monasterio de Carrizo”. Archivos Leonenses: revista de estudios y documentación de los Reinos Hispano-Occidentales 72 (1982), pp. 195-292, p. 205. 39. RIPOLL LÓPEZ, Gisela; VELÁZQUEZ SORIANO, Isabel – “Origen y desarrollo de las parrochiae”, pp. 101-165. 40. PICARD,Jean-Charles – “ Ce que les textes nous apprennent sur les équipements et le mobilier liturgique nécessaires pour le baptême dans le Sud la Gaule et l'Itale du Nord ”.inActes du XI' Congres International d'Archéologie Chrétienne, pp. 1451-1468. 1. BOIÇA, Joaquim; BARROS, Maria de Fátima R. – “A Igreja Matriz de Mértola” in MACIAS, Santiago et alii – Mesquita Igreja de Mértola. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2011, pp. 33-88. 2. GÓMEZ MARTÍNEZ, Susana – “Intervenção arqueológica na Mesquita-Igreja Matriz de Mértola”. in MACIAS, Santiago et alii – Mesquita Igreja de Mértola, pp. 89-104. 1. DIAS, Maria Manuela Alves; GASPAR, Catarina – Catálogo das Inscrições Paleocristãs do Território Português. Lisboa: Centro de Estudos Clássicos da Universidade de Lisboa, 2006, p. 55. 2. CAMACHO MACIAS, Aquilino – El Libro de Las Vidas de Los Santos Padres de Mérida. Mérida 1988, p. 59. 3. TORRES, Cláudio – “Do cristianismo primitivo ao Islão”. in GÓMEZ MARTÍNEZ, Susana; MACIAS, Santiago; LOPES, Virgílio (eds.) – O sudoeste peninsular entre Roma e o

Medievalista, 23 | 2018 43

Islão / Southwestern Iberian Peninsula between Rome and Islam. Mértola: Campo Arqueológico de Mértola, 2015, pp. 46-53.

RESUMOS

O presente trabalho inscreve-se numa linha de investigação arqueológica que tenho vindo a desenvolver, desde 1990, no Campo Arqueológico de Mértola. Os resultados são fruto de diversas campanhas de escavação que tenho levado a cabo como corresponsável, integrado na equipa da instituição e que, de uma forma ininterrupta, em muito têm contribuído para o conhecimento da cultura material e da topografia histórica da cidade de Myrtilis e do seu território na Antiguidade Tardia.

The theme of the present work is part of an archaeological research that I have been developing since 1990 in Mértola’s Archaeological Centre. The results are the outcome of several archaeological excavation I have carried out as co-responsible, integrated into the institution’s team, and that has greatly contributed, on a continuous basis, to the knowledge of the material culture and historical topography of the city of Myrtilis city and its territory in Late Antiquity.

ÍNDICE

Keywords: Baptisteries, Religious complex, Late Antiquity, Mertola Palavras-chave: Batistérios, Complexo religioso, Antiguidade Tardia, Mértola

AUTOR

VIRGÍLIO LOPES

Campo Arqueológico de Mértola; Centro de Estudos em Arqueologia Artes e Ciências do Património, 7750-353, Mértola, Portugal [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 44

As crónicas de Zurara: a corte, a aristocracia e a ideologia cavaleiresca em Portugal no século XV The chronicles of Zurara: royal court, aristocracy and chivalry in fifteenth- century Portugal

Miguel Aguiar

NOTA DO EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 25-01-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017 As crónicas de Zurara: a corte, a aristocracia e a ideologia cavaleiresca em Portugal no século XV / The chronicles of Zurara: royal court, aristocracy and chivalry in fifteenth-century Portugal Miguel Aguiar

1 No capítulo 46 da Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, depois de cerca de trinta páginas onde se descrevem os episódios que tiveram lugar durante o cerco muçulmano a Alcácer Ceguer, Gomes Eanes Zurara apresenta uma lista com “os nomes daqueles que se a este cerco uyerom pera seruyr deos e seu Rey”1. O cronista realça trinta e três homens que se terão destacado, aí se encontrando, naturalmente, o “illustre e muy famoso caualleyro dom Duarte de meneses”, mas também outros indivíduos pertencentes a linhagens da média e alta nobreza de corte (Vasconcelos, Melo, Távora, Ataíde, Sousa, Noronha, entre outros)2. Depois de arrolados estes nomes, Zurara sublinha que na defesa da praça também participaram outros “nobres homeens e

Medievalista, 23 | 2018 45

gente”, dispensando-se do trabalho de explicitar a sua identidade “por nom causar fastyo”.

2 A lista é o corolário de um ciclo da narrativa em que se descrevem os principais acontecimentos que marcaram o assédio que a segunda praça portuguesa no Magrebe sofreu, decorria o ano de 1459. Aí são percetíveis as dificuldades em aguentar a pressão muçulmana, mas também em gerir as tensões inerentes à própria composição da guarnição. Por isso, e como não podia deixar de ser, o capitão D. Duarte de Meneses é amplamente elogiado. Personificando a autoridade na cadeia de comando e a encarnação da indispensável virtude da prudência, D. Duarte vai fazendo a sensível gestão dos egos e ímpetos bélicos dos fidalgos sob o seu comando, sem deixar, contudo, de dar provas da sua fortaleza – outra virtude essencial – ao desafiar o comandante inimigo para o combate. Ao longo destas páginas são também relatadas as façanhas individuais dos fidalgos portugueses: nas muralhas, nos combates travados na barreira erguida diante da praça – o lugar onde “mais onradamente” se podia combater – e também nas rápidas surtidas a cavalo fora das muralhas, organizadas sobretudo para destabilizar as forças inimigas ou para atingir determinados objetivos estratégicos3.

3 Os relatos de enfrentamentos militares – cercos, expedições navais, cavalgadas sobre aldeias inimigas – preenchem quase totalmente as diversas obras de Zurara4, a ponto de se ter dito que as suas obras convertiam a crónica geral do reino “na crónica dos cavaleiros da Távola redonda da corte”5. Mas o que explica esta aparente devoção do autor pelos modelos narrativos de pendor cavaleiresco? Haverá razões que expliquem os repetitivos e estereotipados capítulos que descrevem façanhas mais ou menos reais de forma grandiloquente? De que forma se podem entender e enquadrar estas obras? O objetivo essencial deste artigo é analisar a produção cronística de Zurara de acordo com o contexto em que foi elaborada, com os objetivos que terão presidido à sua feitura e com os materiais de que o cronista dispôs. Por isso, começarei por me referir sumariamente às diversas obras por si assinadas, aos seus objetivos práticos, à sua relação com a chamada ‘crónica geral do reino’ e também às fontes que Zurara terá utilizado, procurando demonstrar que todos estes aspetos são fundamentais para compreender o conteúdo e o estilo das obras em questão. Depois, o objetivo é analisar as obras de Zurara enquanto discurso sobre a cavalaria em Portugal no século XV. Ao realçar as perspetivas do cronista e sua relação com aquele que seria o sistema de valores que caracterizava a ideologia cavaleiresca nesta época, procurarei contrapor o discurso de Zurara com outros testemunhos coevos. Uma ideologia que, como se tentará demonstrar, tinha também implicações práticas, cuja tradução, no caso das crónicas assinadas por Zurara, se reflete nomeadamente no seu caráter didático e de exempla, fazendo delas uma espécie de espelhos de nobres6 – mais à frente desenvolverei este conceito. Por fim, o derradeiro ponto a considerar nesta linha de inquérito é o papel desempenhado por este conjunto de escritos enquanto elementos de ‘propaganda’ ao serviço de um dos desígnios constantes no reinado de D. Afonso V: a expansão ultramarina e a cruzada.

Medievalista, 23 | 2018 46

1. A atividade do cronista-mor: entre a crónica-geral do reino e as narrativas que chegaram aos nossos dias

4 A atividade de Gomes Eanes de Zurara enquanto cronista-mor do reino estendeu-se entre o final da década de 1440 e o início da década de 14707. Entre 1449 e 1450, e com possíveis alterações até 1460, compôs a Crónica da Tomada de Ceuta8. Apesar de ser uma obra estruturada como se de uma gesta cavaleiresca se tratasse, foi entendida pela crítica como pertencente à crónica geral do reino, sendo neste caso a peça final da narrativa dedicada ao reinado de D. João I9. A Crónica dos Feitos da Guiné, provavelmente composta entre 1452 e 1453 (ou seja, ainda em vida do D. Henrique), e com alterações até 1464, é aquela que suscitou mais problemas eruditos e acesas polémicas entre os especialistas10 (discutindo-se, entre outras coisas, a hipótese de resultar de uma fusão entre um livro dedicado aos feitos do Infante e uma narrativa centrada nas navegações e conquistas propriamente ditas11). O texto relata as navegações e as ‘conquistas’ portuguesas promovidas pelo Infante D. Henrique ao longo da costa ocidental africana, apresentando inúmeras descrições de expedições militares12, em cujos interlúdios se podem encontrar descrições geográficas ou notícias de acontecimentos marcantes como, por exemplo, o célebre episódio da primeira grande venda de escravos negros em Lagos13. As duas outras crónicas compõem, juntamente com a narrativa dedicada à conquista de Ceuta, uma espécie de trilogia do Norte de África14. Em primeiro lugar, a crónica do Conde D. Pedro de Meneses, composta entre 1458 e 1464, e, finalmente, a Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, começada em 1464, depois da morte do capitão de Alcácer Ceguer, e completada até 1469. Ambas apresentam um caráter “híbrido”15, aliando a biografia dos dois exemplares fidalgos16 e capitães ao relato pormenorizado dos cercos, recontros e cavalgadas dos portugueses em torno de Ceuta e de Alcácer Ceguer (voltarei à questão do conteúdo destas crónicas mais à frente).

5 Ao longo dos cerca de trinta anos em que ocupou o cargo de cronista-mor, Zurara surge como autor de quatro textos distintos, orientados segundo o propósito de contar uma nova etapa na história do reino, isto é, o que a historiografia convencionou chamar o processo de expansão, mas que os homens de Quatrocentos conceberam como as guerras de Marrocos ou a descoberta de novas terras. Ao mesmo tempo, existia uma espécie de projeto contínuo no que toca à redação da crónica geral do reino17, como fica patente em várias partes das obras aqui em análise: “como na cronyca do Regno he contheudo” 18, “como na coronica gerall do rregno mais largamente podeys achar”19 ou “como mays compridamente acharees na cronica do Regnado deste Rey dom Affomso [V]”20. Enquanto cronista-mor, Zurara estaria encarregado de ir reunindo materiais e provavelmente de ir redigindo o que seria a crónica geral do reino, mesmo que esta, tanto quanto se sabe, não tivesse visto a luz do dia senão já no século seguinte pela mão de Rui de Pina. Essa função primordial seria executada em simultâneo com a feitura do conjunto de textos em análise neste artigo, sobre os quais é possível detetar algumas indicações acerca das fontes reunidas pelo autor e do tratamento que lhes terá dado. Creio aliás, como tentarei demonstrar, que uma parte delas poderá ajudar a explicar a forma de algumas das crónicas.

6 A primeira tipologia consiste nos testemunhos orais, dos quais Zurara faz explícita menção em várias passagens da sua obra. É o caso da importância dos testemunhos dos

Medievalista, 23 | 2018 47

Infantes D. Henrique e D. Pedro sobre a conquista de Ceuta21 e também de outros depoimentos que hoje se apresentam anónimos, mas de quem o cronista diz ter recebido “avisamento”22. No caso da elaboração da Crónica de D. Duarte de Meneses é bem possível que o peso dos testemunhos orais tenha sido ainda mais significativo, uma vez que Zurara esteve cerca de um ano no Magrebe (partiu em 146723), tendo tido certamente a oportunidade de entrevistar muitos dos que conheceram e acompanharam o capitão de Alcácer nas suas lides bélicas.

7 Essa estadia podia até ter permitido o contacto com algum tipo de documentação que não se encontraria na Torre do Tombo ou noutras instituições com sede em Lisboa e que albergavam arquivos potencialmente interessantes, como é o caso da Casa de Ceuta. Numa passagem da crónica em honra de D. Duarte de Meneses, Zurara alude à estratégia utilizada pelo capitão para controlar as aldeias dos vales contíguos a Alcácer. A certa altura, D. Duarte logrou que essas aldeias lhe pagassem tributo, especificando o cronista que os moradores de uma determinada terra ao “tempo que eu screuya esta storea eram trezentos casados e mais os que pagauam tributo”24. Sabendo que se trata de um mero indício que apenas permite avançar suposições, é pelo menos lícito colocar a possibilidade de Zurara ter consultado uma espécie de arrolamento desses vizinhos, talvez guardado no paço do capitão de Alcácer, local a partir de onde se exercia a autoridade sobre as terras em redor da praça. O mesmo se diga relativamente a uma passagem da crónica dedicada a D. Pedro de Meneses. Reportando-se às despesas efetuadas pelo capitão aquando da estadia na cidade dos D. Henrique e D. João, Zurara afirma que achou “per seus lyvros” – isto é, provavelmente um registo contabilístico da casa de D. Pedro de Meneses – que a despesa com carnes e dádivas subiu a 6756 dobras25.

8 As fontes mencionadas mais frequentemente são, porém, escritos já compilados e trabalhados, e nos quais Zurara se baseou para elaborar a sua redação26. É o caso de referências anónimas como “aquelles que os feitos de Çeepta escreverão”27, ou “alguuns screuerom em seus scriptos”28. Noutros casos, Zurara indica autores ou materiais específicos. Na Crónica da Guiné refere por três vezes “huu Affomso cerueira que esta estorya primeiramente quis ordenar”29, enquanto na Crónica de D. Duarte de Meneses cita um “livro dos feitos” de D. Fernando de Noronha, não aclarando, contudo, a utilização que dele terá feito30. Seja como for, esta última e pequena referência deve sublinhar a evidência de que muito do que foi escrito na época não chegou até ao presente31. É por isso plausível admitir a existência de outros textos, nomeadamente de proveniência nobiliárquica, que circulariam e podiam ter sido conhecidos e utilizados pelo autor em questão, mas cuja existência é totalmente obscura para a crítica moderna.

9 No entanto, ao longo da leitura das crónicas dos Meneses e mesmo da Crónica da Guiné, e sobretudo nos longos ciclos em que são descritas em formas e termos algo repetitivos as cavalgadas, os ataques a aldeias ou operações de carácter anfíbio ao longo do litoral africano, fica-se com a ideia de que o autor terá recorrido a um tipo de documentação cuja utilização raramente explicita, mas que pode muito bem ter enformado grande parte destes capítulos. Refiro-me concretamente à correspondência que seria trocada entre o capitão e outros membros das guarnições norte-africanas e o reino (“cartas que ho comde escrevia a este rregno”)32. Zurara terá utilizado esta correspondência para contar as diversas operações militares, numas circunstâncias compaginando hipoteticamente várias missivas sobre o mesmo episódio, noutras fazendo as devidas adaptações do conteúdo das epístolas ao tom que pretendia imprimir nas crónicas33.

Medievalista, 23 | 2018 48

Quem enviaria essa correspondência, qual seria o seu volume, qualidade e que aproveitamento em concreto delas terá feito o cronista são questões que permanecerão provavelmente sem resposta.

10 Mesmo que hoje não tenhamos acesso a essas missivas, não se apresenta descabida a hipótese de que especialmente a correspondência do capitão fosse arquivada, assumindo como tal a forma de uma espécie de relatório enviado para o reino, dando conta dos problemas, das necessidades da praça mas também das expedições e dos feitos – até porque tanto o capitão como o resto da guarnição tinham todo o interesse em promover o valor dos seus esforços junto do monarca. Se enquadrados nestes moldes, os aparentemente repetitivos episódios bélicos narrados por Zurara poderão talvez ser mais bem compreendidos. Até porque, como o cronista fez questão de frisar, havia uma diferença entre os textos dedicados aos Meneses e aquela que seria a crónica geral, distinção que se refletia nos assuntos tratados em cada uma delas34. Por isso, a forma e o conteúdo das obras aqui em análise, assim como a seleção e a adaptação dos materiais a que o cronista recorreu35, é uma questão que tem que ver, entre outras coisas, com uma tradição estilística e com a mensagem que se pretendia transmitir com estas crónicas. Em primeiro lugar com o intento de serem espelhos de nobres, mas também com o intuito de serem um documento favorável a um dos grandes desígnios do reinado de D. Afonso V. Centremo-nos por ora no primeiro aspeto.

2. “Espelhos de nobres”

11 Considerar as obras de Zurara como espelhos de nobres significa enquadrá-las numa categoria artificial, inspirada na tradição literária dos espelhos de príncipes. Essas obras continham reflexões políticas e morais sobre o exercício do poder, e eram tidas como referências essenciais para os monarcas e príncipes europeus. Também em Portugal esse género literário proliferou36. Tendo presente os objetivos e características dessas obras, consideraremos as crónicas de Zurara enquanto espelhos de nobres na medida em que nelas se encontra um conjunto de ensinamentos e de exemplos através dos quais se transmitiam os valores e ideais pretensamente característicos da conduta nobiliárquica. Interessa por isso compreender que ideais são esses, e quais eram as implicações do modelo comportamental proposto para a vida do reino.

12 É preciso sublinhar que estas crónicas estavam pensadas para serem lidas e para “as orelhas dos ouvintes”37 do auditório cortesão. Há que fazer notar o facto de a corte régia ser, do ponto de vista social, um local de significativa heterogeneidade38. Apesar de ser um espaço aristocrático na medida em que aí se encontravam os dominantes na sociedade39, também é verdade que esses dominantes não eram apenas os que apelidamos de nobres ou fidalgos40. Nesse espaço social, os homens ligados ao desembargo ou à Igreja tinham um papel igualmente destacado, sendo que alguns homens e mulheres dentro desses diferentes grupos procuravam encontrar formas de progressão social que, não raras vezes, se deviam consubstanciar num fenómeno de nobilitação.

13 Em todo o caso, não deixa de ser visível a importância desempenhada pelos valores, gostos e comportamentos ditos nobiliárquicos, exercendo estes um certo poder de atração e de emulação para os diversos grupos aí presentes. No caso de que nos ocupamos neste artigo, a relevância atribuída aos modelos cavaleirescos é um reflexo notório da preponderância assumida pela ideologia e pelo simbolismo associado à

Medievalista, 23 | 2018 49

nobreza. Quer para aqueles que eram reconhecidos como fidalgos, quer para os que almejavam esse estatuto, as referências guerreiras que no plano teórico definiam o lugar que a nobreza ocupava no edifício social afiguravam-se essenciais. Do ponto de vista da nobreza em geral, a emulação dos ideais da cavalaria significava o cumprimento das expectativas que recaiam sobre o grupo e, do ponto de vista individual, era igualmente a forma de serviço ao rei e de obtenção de honra primordiais no competitivo plano cortesão. Na ótica dos outros grupos aristocráticos não necessariamente pertencentes à nobreza, emular os comportamentos e símbolos cavaleirescos significava, por um lado, a realização de serviços sob a forma tida por uns como a mais honrada – a guerra – e evidenciava, por outro, uma tentativa daqueles grupos se associarem, através dos valores e das práticas, ao escol de topo na sociedade.

14 Os valores exaltados nas crónicas de Zurara refletem este contexto, pelo que não espanta a centralidade atribuída a todos os referenciais de natureza bélica. E, nesse sentido, a virtude cardeal acaba por ser a fortaleza, também presente nas crónicas com o seu sinónimo ardideza. Ela significava a capacidade de demonstrar bravura, coragem e talento nos atos guerreiros. Tratava-se, enfim, da virtude que permitia concretizar a tríade que, segundo as Ordenações Afonsinas, definia os cavaleiros41: “esforço, honra e poderio”42. Por isso, esta é a virtude mais exaltada ao longo das obras de Zurara. Era desde logo utilizada para elogiar alguns fidalgos: Gonçalo Vaz de Coutinho era “sabedor de guerra” e “ardido e forte”43; João Soares, “home de boa presemça e linhagem” e de “amtiga fidallguya” era também de “ardida natureza”44; D. Pedro de Meneses é louvado pela sua “gramde ardedeza” 45; Afonso de Vasconcelos é retratado por “assy ardidamente cometya os Jmijgos assy os leuaua ante sy”, tendo “estatura de corpo pequena” mas não lhe falecendo a “fortelleza do coraçom nem a nobreza e magnificancya e as outras uertudes”46.

15 A fortaleza enquanto virtude cardeal dos cavaleiros pode ser explicada por estar também, segundo Zurara, umbilicalmente ligada à obtenção de honra, o que, por sua vez, era algo próprio dos fidalgos47. A ideia do cronista é que somente os homens com passado – isto é, com “avoengas” – eram movidos à prática de grandes feitos, pois sobre eles pesava a responsabilidade de não envergonhar a linhagem. O peso da mácula que a vergonha pode trazer é, de resto, um tema recorrente nos textos dedicados à cavalaria – literários, didáticos ou legislativos –, assim como a própria importância da fortaleza48. A centralidade deste ideal (entendendo-o simultaneamente como demonstração de coragem e perícia nos atos miliares) encaixa naquilo que Richard W. Kaeuper chamou “a worship of demi-god prowess”, considerando que a prática da violência, enquanto função e privilégio dos cavaleiros no esquema funcional da sociedade, era também a fonte essencial de honra49. Honra que, segundo Zurara, “he aquella uida em que os homeens uiuem pera sempre”50, ou seja, a fama de bom e de alguém que vive de acordo com o que dele é esperado.

16 Outras virtudes são, contudo, igualmente importantes, ainda que não se apresentem tão salientes numa primeira leitura dos textos. É o caso da lealdade, um ideal que vai ocupar uma importância crescente no esquema ideológico da cavalaria nos séculos XIV e XV como consequência da adaptação dos referenciais cavaleirescos à nova estruturação dos poderes típica dos estados modernos. A lealdade ao rei e ao reino poderia no limite implicar o sacrífico dos cavaleiros em prol de um bem maior, cujo exemplo mais representativo é a imolação de D. Duarte de Meneses para salvar D. Afonso V na serra do Benacofu51.

Medievalista, 23 | 2018 50

17 Outro aspeto também muito presente na época é a discussão da eficiência militar, para a qual aliás não contribuem apenas a fortaleza e a ardideza. São várias as passagens nas crónicas sobre Marrocos onde é salientada a necessidade de aliar estas virtudes a uma outra determinante e também de origem clássica: a prudência. Esta questão é particularmente pertinente no caso dos capitães. Depois de mais uma demonstração dos seus ímpetos guerreiros, D. Pedro de Meneses é alertado por Gonçalo Nunes que a sua função implicava que “primeiro sejaes boom capitão e depois bõo cavaleiro”, recordando que, como afirmava Vegécio no “llyvro da Arte da Cavalaria”, aos príncipes e aos “rregedores da oste pertemçe mais a prudemçia que a cada hu dos outros cavalleiros”52. O que estava em causa era o cumprimento dos objetivos militares de cada operação, para o qual os ímpetos bélicos dos cavaleiros eram determinantes mas tinham forçosamente de ser coordenados com prudência, disciplina e respeito pela cadeia de comando. Essa discussão está exemplarmente demonstrada em duas passagens. Numa delas, D. Duarte de Meneses repreende alguns cavaleiros da guarnição de Alcácer dizendo-lhes que apesar de eles quererem atuar como “nobres e uallentes caualleyros e homeens dignos de grande louuor” deveriam ter “boa regra” e “disciplina” para que a praça não ficasse em risco e, com ela, a “honra delRey nosso Senhor”. Segundo o capitão, isso não podia ser posto em causa apenas para deleite de alguns que queriam “nouos titollos dardimento e de fortelleza”53. A outra situação passa-se com o escudeiro Gonçalo de Sintra. Tendo recebido o comando de uma caravela com a missão de ir à Guiné, o escudeiro criado do Infante D. Henrique, motivado pela cobiça de “cobrar fama”, decidiu fazer um desvio com destino à ilha de Arguim, pois a curta distância poderiam capturar alguns cativos. A expedição não correu bem e, no meio de uma emboscada, Gonçalo de Sintra optou por perder a vida de forma heroica. Apesar de Zurara elogiar a bravura do escudeiro no momento capital, não deixa, porém, de elencar as lições que os fidalgos deveriam retirar da atitude irresponsável de Gonçalo. Entre conselhos mais práticos para a condução da guerra ao longo do litoral africano, outras lições destacam-se como mandamentos gerais para a prática guerreira, como por exemplo não contrariar ordens superiores, assim como confiar nos conselhos dos homens que vão na companhia – regras que, para seu próprio prejuízo, Gonçalo de Sintra não cumpriu54.

18 O espírito didático também está presente nas sugestões de leituras que se encontram ao longo das crónicas. Neste caso, obras do período clássico mas que sobreviveram e foram sucessivamente readaptadas no período medieval, como o tratado de Vegécio ou o relato de Júlio César55. D. Duarte de Meneses é apresentando por Zurara como sendo um “excelente capitão”, forte e prudente, julgado positivamente e comparado a um novo Marco Fúrio Camilo por aqueles que tinham autoridade para isso, isto é, os que “as cronicas romãas auyam lijdas”56. Está implícito, portanto, que os fidalgos deviam conhecer estes textos, que formariam parte da sua cultura militar57 e cuja leitura era aconselhada pelo próprio rei D. Duarte58, quer em tempo de paz, quer em tempo de guerra59.

19 Todos estes exemplos, assim como o próprio discurso de D. Duarte de Meneses a repreender os fidalgos da guarnição (certamente ficcionado por Zurara, mas perfeitamente normal na lógica da recriação de arengas ou discussões militares60), destinavam-se, portanto, a transmitir um conjunto de mensagens61. Os fidalgos deviam procurar ser bons cavaleiros, e isso significava serem fortes e ardidos para enfrentarem situações de risco, mas simultaneamente leais, obedientes, cumpridores da hierarquia

Medievalista, 23 | 2018 51

de comando e dotados de alguma cultura teórica sobre a guerra. De tudo isso retiravam honra, que era, segundo Zurara, a recompensa própria para a fidalguia. Ora, esta retórica é compaginável com outros textos escritos na época, e que demonstram que as mensagens transmitidas pelo cronista-mor se enquadram num esquema bem definido e genericamente aceite pela sociedade cortesã. Acerca da centralidade da fortaleza, dizia o Infante D. João no seu parecer sobre a continuidade da guerra em África escrito em torno de 1430 que “os que em nosso estado vyuem não podem ser quanto ao deste mundo ditos bons se honrra de Cauallaria non alcanção”, a qual só se pode obter na guerra e através de um feito “dessarezoado e perigoso”62. Contrariamente ao siso, que dizia que não se devia deixar o certo pelo incerto, a cavalaria significava, aos olhos do Infante, a capacidade de correr riscos para alcançar grandes feitos. Essa ideia de esforço está também presente na obra do rei D. Duarte, defendendo o monarca que os que andavam em “feitos de cavalaria” tinham de se expor a todos os perigos e trabalhos necessários63.

20 A questão que se coloca agora é saber qual a pertinência deste discurso. Qual era de facto o interesse da coroa em patrociná-lo? E que implicações tinha este quadro de valores para as fileiras aristocráticas? Pela perspetiva dos monarcas enquanto regedores do reino, há que ter presente a necessidade de manter um braço armado devidamente preparado e capaz de responder a situações de risco. Por isso, alimentar as capacidades bélicas da fidalguia afigurava-se algo de essencial para manter o reino em segurança, e esses argumentos estão presentes, por exemplo, na Crónica da Tomada de Ceuta. Escrevendo por volta de 1449-1450, um dos argumentos colocados por Zurara na boca de D. João I a favor da manutenção da cidade é justamente para que “os boos homeens de meus rregnos nom ajam rrezam desqueçer o virtuoso exerçiçio das armas” 64. Também a crónica dedicada ao Infante D. Fernando apresenta as mesmas causas a motivar a expedição sobre Tânger em 143765; curiosamente, e pela sua própria pena, o rei D. Duarte salientava que esta era uma das razões pelas quais decidia organizar a expedição cujo final desastroso levou ao cativeiro de seu irmão66. Além disso, a discussão sobre as virtudes essenciais dos cavaleiros – fortaleza, prudência, lealdade, assim como a questão da eficiência militar – estava na ordem do dia em várias latitudes da Cristandade67.

21 E que implicações tinha este quadro de valores para as fileiras aristocráticas? Como se tentou demonstrar, as crónicas de Zurara representam uma visão partilhada por alguns setores do entorno cortesão, servindo como referência de comportamentos e ideais a vários quadrantes da aristocracia: tanto à nobreza cortesã como a linhagens menos relevantes no seio do grupo, ou ainda a homens provenientes do desembargo ou de setores da chamada aristocracia urbana. Se a coroa decidiu conquistar e manter praças no Norte de África, vemos enstanciarem com maior ou menor regularidade nesses locais homens pertencentes a esses vários estratos aristocráticos68. Todos percebiam que a participação neste teatro de guerra era fundamental para manter o prestígio da estirpe e procurar honras e benesses, e, nesse sentido, lograr que os seus nomes fossem inscritos nas crónicas de Zurara significava algo de muito importante. No fundo, esta circunstância reflete um problema mais lato. Por um lado, os referenciais cavaleirescos contribuíam para a coesão do grupo aristocrático, fornecendo-lhe elementos de identificação e ligação. Por outro lado, a cavalaria era também uma forma de renovação da aristocracia, estabelecendo cânones de entrada de novos elementos no grupo.

Medievalista, 23 | 2018 52

22 Para todos eles, figurar nas crónicas de Zurara tinha várias implicações positivas. Num sentido mais lato, a escrita assegurava a memória e a perenidade dos feitos que haviam protagonizado. Como retoricamente perguntava D. Afonso V numa carta ao cronista, o que seria de Aquiles se Homero não tivesse escrito os seus feitos69? E o que se saberia dos feitos dos romanos, que tanto inspiravam os homens deste tempo, se Tito Lívio os não tivesse narrado70? Mas para além disto, e num plano mais imediato, figurar nestas crónicas significava que, no auditório cortesão onde estes textos eram conhecidos, os nomes dos cavaleiros eram repetidos e dados a conhecer enquanto fortes e ardidos, com todos os benefícios que se poderiam esperar desse reconhecimento71. Daí que a maneira como certos personagens figurariam na narrativa – como heróis ou como fracos – ou até se teriam ou não lugar no texto afigurava-se algo de fundamental na lógica competitiva que pautava a relação entre os setores aristocráticos no círculo cortesão72. Competição e rivalidade de que Zurara dá vários exemplos: as intrigas e armadilhas movidas por D. Leonor de Meneses ao seu meio-irmão D. Duarte, diminuindo a sua importância perante o rei D. Duarte73; as invejas e maledicência suscitadas pela ascensão de D. Duarte de Meneses ainda na sua juventude, em Ceuta74; ou ainda a “capital” inimizade que existira entre Martim de Távora e Gonçalo Vaz Coutinho75. Todavia, não deixa de ser notório que a coroa acabe por, em última análise, patrocinar esse esquema competitivo com o benefício de, através dele, poder estabelecer algumas regras e pressupostos para manipular a estruturação da aristocracia76. Neste caso, os modelos cavaleirescos acabam por ser a linguagem através da qual se expressa esta dinâmica: bom cavaleiro é aquele que reúne as virtudes já descritas, em causas favoráveis ao rei e ao reino, e que merece ser honrado por isso.

23 Zurara dá conta da importância séria que os seus textos tinham nesta lógica competitiva quando confessa que “ainda eu bem nom tomo a pena na mãao pera screuer. Ja começam de condanar mjnha obra”: uns porque temiam que nada se dissesse sobre eles, outros porque receavam ver o seu papel diminuído77. Fosse como fosse, este contexto explica o por vezes longo e até enfadonho elencar de nomes que se encontra ao longo das obras – e que Zurara por vezes interrompe, seja porque nem todos os nomes foram apontados78, seja para “nom causar fastyo”79. Certo é que D. Afonso V reconhece que crónicas de Zurara teriam sido fundamentais para o monarca recompensar devidamente os trabalhos de alguns fidalgos que serviram em África: “depoys que eu vi a coronica que vos delles escreuestes: a muytos fiz onrra e merçe com milhor vontade por ser çerto dalguns boons feytos que la fizeraõ”80.

24 Estes dois aspetos (a memória glorificada da linhagem e os dividendos retirados a curto / médio prazo) andam de mãos dadas81, como fica bem patente nas palavras de D. Afonso V. Por isso mesmo, a aristocracia procurou valorizar o seu comprometimento ao projeto guerreiro português no Norte de África. Zurara reconhece que D. Leonor de Meneses foi uma das mais entusiastas promotoras junto de D. Afonso V para que se empreendesse a redação da crónica em honra de seu pai82. Tal movimentação, compaginada com a vontade de D. Pedro em recuperar os títulos que pertenciam à linhagem antes da crise de 1383-138583, ou com a criação do panteão na Igreja da Graça em Santarém84, fazem com que se possa vislumbrar um claro projeto simbólico levado a cabo por esta linhagem. De resto, o próprio texto do epitáfio tumular de D. Pedro de Meneses enquadra-se no conteúdo da crónica em seu louvor, frisando-se os méritos guerreiros deste cavaleiro e o facto de ter governado Ceuta durante 22 anos, “huma soo em africa per xpistãos possuida”85.

Medievalista, 23 | 2018 53

25 Mas se os Meneses são o exemplo mais notório e citado, a verdade é que outros se podem juntar. Nos epitáfios tumulares da nobreza portuguesa podem-se contar várias referências explícitas à participação dos sepultados na guarnição de Ceuta: desde indivíduos recordados por terem participado na conquista86, outros por aí terem sido armados cavaleiros87, e outros ainda por aí terem perecido88. Por tudo isto, fica patente uma clara coincidência entre os comportamentos e os modelos de autorrepresentação utilizados pela aristocracia e os ideais propostos nas crónicas de Zurara. É possível então detetar uma notória circularidade de ideais e comportamentos que fazem dos textos em análise neste artigo, na sua forma e estilo, algo de essencial para compreender o mundo aristocrático do século XV, em particular da esfera cortesã. Ao definirem concretamente o que deveria caracterizar o comportamento dos nobres, estes textos figuravam assim enquanto ‘espelhos’, definindo não só as referências comportamentais dos nobres propriamente ditos, mas definindo também os moldes através dos quais aqueles que almejavam atingir esse estatuto social poderiam operar a sua ascensão.

26 No entanto, para além dos valores que defendiam e que eram genericamente aceites neste meio, a verdade é que estes textos eram também documentos a favor de ideias e projetos acalentados ao longo do reinado de D. Afonso V, mas que não eram encarados com unanimidade – como sempre sucede, de resto, mas que não se torna tão evidente caso se fique apenas pela leitura das obras de Zurara.

3. Documentos a favor de um “projeto”

27 Ao ler as obras de Zurara, fica-se com a impressão de que o cronista se esforça por tentar demonstrar que havia uma mobilização unânime no reino em torno do esforço militar em Marrocos (salvo os medos e hesitações dos “néscios” antes do ataque a Ceuta), e de que este esforço tinha acima de tudo um caráter justo e até sacralizado em virtude de ser consagrado como tal pelas bulas papais. No entanto, havia na sociedade portuguesa vozes dissonantes, o que faz destas crónicas e da utilização que delas foi feita um dos documentos a favor de um plano de intenções perseguido ao longo do reinado de D. Afonso V89. Plano gizado e perseguido pelo próprio monarca, mas também por um dos principais personagens das narrativas de Zurara: o Infante D. Henrique90. Importa como tal ter presentes quais eram os principais argumentos contra o esforço de guerra no Magrebe, e de que maneira as crónicas de Zurara foram utilizadas e fazem parte de uma ‘propaganda’ levada a cabo pela coroa portuguesa com o intuito de demonstrar a valia e a singularidade da gesta guerreira lusitana naquela região.

28 Os manifestos contra as investidas em Marrocos são da autoria de membros do Conselho Régio. Homens provenientes das mais altas esferas nobiliárquicas e que, ao longo do século XV, foram chamados a dar a sua opinião acerca dos rumos da política do reino, não se demitindo, nessas circunstâncias, de se manifestarem contra ou com algumas reservas face a este projeto91. Assim o fez o conde de Barcelos na década de 1430, referindo-se ao exagerado custo humano e material provocado pelo “dano de çepta”92, mas também o conde de Arraiolos, para quem a honra de um feito de armas por si só de pouco valia, dizendo que os que assim pensavam rapidamente perceberiam que “honrra sem proveito prestava pouqo”93. Na década de 1460 surgem outros pareceres que colocam reservas a novas investidas em Marrocos, baseando-se em argumentos que hoje apelidaríamos de ‘pragmáticos’ ou ‘realistas’. É o caso do marquês

Medievalista, 23 | 2018 54

de Vila Viçosa, que dizia “sentir tão pouco da guerra de Afriqua”, desconfiando dos que na corte defendiam esta via por “dezejo de maior gloria e de cobiça”. Frisava, contudo, que não deixaria de servir o monarca “se lla sempre fordes, como sempre fiz”94. Já o condestável D. Pedro aconselhava o monarca a dedicar-se ao “pacifico regimento da cousa pubrica”, não acreditando na viabilidade da conquista de África e da conversão do continente ao Cristianismo95.

29 Em síntese, os pareceres contra a continuação da guerra em Marrocos, não deixando de sublinhar o seu caráter justo e até piedoso, manifestam-se contra sobretudo por razões práticas, tais como o imenso custo humano e material e a impossibilidade estratégica de o reino de Portugal conseguir por si só derrotar o poderio muçulmano em África. Daí que, não raras vezes, estas personalidades aconselhem o monarca a procurar disferir um golpe contra o Islão não em África mas sim em Granada, ainda que este cenário de guerra implicasse um acordo com Castela.

30 Face a estas posições, parece ter havido um esforço retórico e ‘propagandístico’ da coroa para sustentar o seu plano guerreiro no Norte de África, do qual as crónicas de Zurara são peça-chave, mas, ainda assim, não únicas96. Se esses textos se propunham relatar as façanhas portuguesas no Magrebe e nas explorações do litoral africano, apresentando esse esforço como justo, meritório e honrado, não se pode deixar de enquadrar num espírito semelhante a redação da crónica em memória do Infante D. Fernando, apresentando-o primeiro como um verdadeiro cruzado, “Armado este Ifante do sinal da †”, e “despoendo se a todo periigo e trabalho pola santa fe, sob guarda do alferez de Jhesu Christo Sa Miguel, que em seu estendarte levava pintado”97 e, depois, como modelo de mártir pela fé98. Além dos textos, as cerimónias públicas tinham igualmente o poder de difundir estas mensagens. A mesma crónica dedicada ao Infante D. Fernando relata a partida para Tânger envolvida num ambiente de festa e solenidade, com missas e procissões, no meio das quais se destaca a entrega da absolvição pela bula de cruzada, o exibir da bandeira de cruzada e, também, a já referida capa com o sinal da cruz pelas costas do Infante e de todos os que partiam na armada99. Tanto quanto se sabe, este tipo de manifestações ter-se-á repetido com alguma frequência ao longo da centúria. Um documento de 1488 contém as instruções dadas por D. João II às autoridades de Lisboa sobre como pregar a nova bula de cruzada recebida. Ordenava o rei que se organizasse uma procissão de receção do documento desde as portas da cidade até à Sé, indo nela “tocadores de harpas, órgão e trombeta”, com as ruas limpas e ornamentadas. O dia marcado para a pregação seria também feriado, para que as gentes da cidade e do seu termo pudessem presenciar a cerimónia e ser envolvidas pelo ambiente de fervor100.

31 Havia, portanto, da parte da coroa e dos círculos favoráveis ao esforço militar no Norte de África, uma clara vontade de difundir um espírito proselítico em torno da guerra frente ao Islão, do qual, como já se referiu, as crónicas de Zurara são uma entre várias peças101. Mas é também importante fazer notar que estes elementos propagandísticos tiveram uma difusão internacional, certamente com o intuito de afirmar o reino português e demonstrar a sua potência e valor. Desde logo, duas das crónicas assinadas por Zurara foram traduzidas para latim, pois, como explicita o autor no texto dedicado a D. Pedro de Meneses, a intenção era que “fossem manyfestos a todo conhecimento de toda a nobreza da cristamdade”102. As letras, a juntar à imagem (as tapeçarias de Pastrana), à música (uma peça encomendada por D. Afonso V para celebrar a conquista de Arzila) e à correspondência com outros príncipes europeus (como uma carta enviada

Medievalista, 23 | 2018 55

de Marrocos para o duque da Borgonha, posteriormente traduzida para francês e utilizada pelos cronistas do norte da Europa), fazem com que se possa falar, segundo Rita Costa Gomes, de uma constelação de trabalhos artísticos e culturais para celebrar a experiência das guerras de expansão no Norte de África103. Expressões a que não ficariam alheios nem portugueses nem estrangeiros. Os representantes do imperador Frederico III testemunharam a referência ao martírio do Infante D. Fernando numa arenga pública e a comoção geral que tal menção terá provocado entre os que assistiam à pregação na rua104. Na mesma linha, e segundo Zurara, D. Afonso V faria ler, perante os estrangeiros presentes na corte, algumas cartas onde se relatavam expedições bem- sucedidas no Magrebe105. A tudo isto também não será estranha a frequência com que cavaleiros de outras paragens instanciaram nas praças magrebinas, vendo nas pontas avançadas detidas pelos portugueses locais privilegiados para a obtenção de honra. Zurara é um dos que testemunha esta realidade106.

Conclusões

32 No conjunto de quatro obras que chegaram até hoje, as narrativas de Zurara merecem ser interpretadas segundo um contexto específico, considerando desde logo o facto de três delas – à exceção da Crónica da Tomada de Ceuta, com os devidos matizes – formarem um plano distinto da Crónica Geral do Reino. Neste sentido, a forma e o estilo das obras devem ser enquadradas sob várias perspetivas. Em primeiro lugar, num género literário cavaleiresco que estava muito em voga na época e cujos valores e características tinham já, no século XV, uma longa tradição107. Um género onde pontifica a aventura e onde são louvados audazes e bravos cavaleiros, certamente para deleite e entretenimento dos auditórios cortesãos.

33 Mas, para além deste plano, as crónicas de Zurara também tinham outras implicações. Eram desde logo espelhos de nobres na medida em que nelas se encontravam relatos exemplares – para o bem mas também para o mal – que lhes conferiam um estatuto didático e de difusão de um quadro de valores e comportamentos tidos como ideais, e cuja emulação seria fonte de honra. Propunha-se fundamentalmente que os cavaleiros fossem fortes e ardidos, leais e prudentes, tudo com o fito essencial de obterem a eficiência militar que deles fazia, teoricamente, o braço armado indispensável à segurança e à estabilidade do reino. Figurar nas crónicas de Zurara como bom cavaleiro era forma de honrar a linhagem com a imortalidade da escrita, mas era também, num plano mais imediato, uma via para obter recompensas honoríficas e materiais. A escrita do cronista acabava por ser, como ele próprio não deixava de sublinhar, uma de entre as várias arenas de competição aristocrática na esfera da corte régia, traduzindo a importância da mundividência cavaleiresca enquanto forma de coesão do grupo aristocrático, mas também como meio de progressão social para os que desejavam aceder à categoria nobiliárquica.

34 Simultaneamente, as crónicas celebraram, em conjunto com outras peças artísticas e cerimónias públicas, a gesta guerreira portuguesa em África, retratando-a como honrada e justa e como um serviço que o reino fazia em prol de Deus e da Cristandade. Um sacrífico a que os cavaleiros portugueses eram convidados, sendo aliás uma sugestão que pretenderia certamente convencer ou silenciar as vozes que se erguiam contra o conflito, vendo-o como interminável, injusto ou infrutífero – sem sucesso, no entanto, considerando a longevidade da presença portuguesa em Marrocos. A força e a

Medievalista, 23 | 2018 56

honra do reino eram também proclamadas junto de outros potentados da Cristandade, esforço que certamente presidiu à intenção de traduzir algumas das crónicas de Zurara para latim.

35 Através de todos estes prismas e matizes, sem dúvida que as obras de Zurara ganham muito em riqueza e complexidade. Aquilo que, numa leitura mais superficial ou menos precavida, poderá soar a repetitivo, enfadonho ou a uma exagerada glorificação retórica poderá ser, afinal, o reflexo de algo muito mais vivo e complexo.

BIBLIOGRAFIA

Fontes impressas

ÁLVARES, Frei João – Trautado da Vida e Feitos do muito Vertuoso S.or Ifante D. Fernando. Ed. Adelino de Almeida Calado. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1960, vol. I.

DOCUMENTOS DO ARQUIVO HISTÓRICO da Câmara Municipal de Lisboa – Livros de Reis. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1959, vol. 3.

DOM DUARTE – Leal Conselheiro. Ed. Maria Helena Lopes de Castro. Lisboa: Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1998.

DOM DUARTE – Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela que fez El-Rey Dom Eduarte. Ed. Joseph M. Piel. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986.

DOM DUARTE – Livro dos Conselhos de El-rei D. Duarte (Livro da Cartuxa). Ed. João José Alves Dias e A. H. de Oliveira Marques. Lisboa: Estampa, 1982.

Leonor de Portugal, Imperatriz da Alemanha: diário de viagem do Embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein. Ed. Aires de Nascimento. Lisboa: Cosmos, 1992.

MONUMENTA HENRICINA. Ed. António J. Dias Dinis. Coimbra: Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, 13 vols.

ORDENAÇÕES AFONSINAS. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, Livro I.

ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da Tomada de Ceuta por el rei D. João I. Ed. Francisco Maria Esteves Pereira. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1915.

ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses. Ed. Larry King. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 1978.

ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica dos feitos notáveis que se passaram na conquista de Guiné por mandado do infante D. Henrique. Ed. Torquato de Sousa Soares. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1997, 2 vols.

Estudos

AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV. Porto: Universidade do Porto, 2016. Dissertação de Mestrado.

BERTOLI, André – O Cronista e o Cruzado: a revivescência do Ideal Cavaleiresco no Outono da Idade Média Portuguesa (Século XV). Curitiba: Universidade de Curitiba, 2009. Dissertação de Mestrado.

Medievalista, 23 | 2018 57

BERTOLI, André – “Modelos de ação bélica na Crônica de D. Duarte de Meneses - Texto, Contexto e Representação”. Mirabilia 15 (2012/2), pp. 171-201.

BUESCU, Ana Isabel – “Um Discurso sobre o Príncipe: a “pedagogia especular” em Portugal no século XVI”. Penélope 17 (1997), pp. 33-50.

BRAGANÇA, José de – “Introdução”. In ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da Guiné. Porto: Livraria Civilização, 1937, vol. I, pp. I-XLV.

CAMPOS, Nuno Silva – D. Pedro de Meneses e a construção da casa de Vila Real (1415-1437). Lisboa: Colibri/CIDEHUS, 2004.

COELHO, Maria Helena da Cruz – “Aristocracia Vilã”. in COELHO, Maria Helena da Cruz e HOMEM, Armando Luís de Carvalho (coord.) – Portugal em Definição de Fronteiras. Lisboa: Presença, 19, pp. 253-260.

CURTO, Diogo Ramada – “A Literatura e o Império: entre o espírito cavaleiresco, as trocas da corte e o humanismo cívico”. in BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti (dir.) – História da Expansão Portuguesa. Lisboa, Círculo de Leitores, 1998, vol. I, pp. 434-454.

DINIS, A. J. Dias – Vida e Obras de Gomes Eanes de Zurara. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1949, vol. I.

DUARTE, Luís Miguel – “Os melhores da terra (um questionário para o caso português)”. in BARATA, Filipe Themudo (ed.) – Elites e redes clientelares na Idade Média: problemas metodológicos. Lisboa: Colibri e CIDEHUS-EU, 2001, pp. 91-106.

DUARTE, Luís Miguel – Ceuta, 1415: Seiscentos anos depois. Lisboa: Livros Horizonte, 2015.

FERNANDES, Adriano – A Crónica do Conde D. Duarte de Meneses de Gomes Eanes de Zurara: estudo histórico-cultural e edição semidiplomática. Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2007, 2 vols. Tese de Doutoramento.

FIGUEIREDO, Albano – O ideal de cavalaria na crónica da Tomada de Ceuta de Gomes Eanes de Zurara. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1996. Dissertação de Mestrado.

FIGUEIREDO, Albano – “O narrador e o herói na Crónica da Tomada de Ceuta de Gomes Eanes de Zurara”. in Figura: Actas do II Colóquio da Secção Portuguesa da Associação Hispânica de Literatura Medieval. Faro: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, 2001, pp. 89-109.

FIGUEIREDO, Albano – A Crónica Medieval Portuguesa: génese e evolução de um género (sécs. XIV-XV). A dimensão estética e a expressividade literária. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005. Tese de Doutoramento.

FIGUEIREDO, Albano – “Viagem, cavalaria e conquista na Crónica de Guiné de Gomes Eanes de Zurara”. in Modelo: Actas do V Colóquio da Secção Portuguesa da Associação Hispânica de Literatura Medieval. Porto: Departamento de Estudos Portugueses e de Estudos Românicos – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005, pp. 25-33.

FONSECA, Luís Adão. “Uma carta do Condestável Dom Pedro sobre a política marroquina de D. Afonso V”. Revista da Faculdade de Letras: História 1ª Série, vol. I (1970), pp. 83-96.

GAUCHER, Elisabeth – La Biographie Chevaleresque: typologie d'un genre (XIII-XV siècle). Paris: Honoré-Champion Éditeur, 1994.

GIBELLO BRAVO, Víctor – La Imagen de la Nobleza Castellana en la Baja Edad Media. Cáceres: Universidad de Extremadura, 1995.

Medievalista, 23 | 2018 58

GOMES, Rita Costa – A Corte dos Reis de Portugal. Lisboa: Difel, 1995.

GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”. Storia della storiografia 47 (2005), pp. 56-89.

KAEUPER, Richard W. – Chivalry and Violence in Medieval Europe. Oxford: Oxford University Press, 1999.

KING, Larry – “Introdução”, in ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses. Ed. Larry King. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 1978, pp. 21-40.

LEITE, Duarte – Acerca da “Cronica dos Feitos de Guinee”. Lisboa: Bertrand, 1941.

MONTEIRO, João Gouveia – “A Cultura Militar da Nobreza na primeira metade de Quatrocentos”. Revista de História das Ideias 19 (1997), pp. 195-229.

MONTEIRO, Nuno Gonçalo – O Crepúsculo dos Grandes: a Casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003.

MORSEL, Joseph – L’aristocratie médiévale. Paris: Armand Colin, 2004.

PIMPÃO, Álvaro Júlio da Costa – A “Crónica dos feitos de Guinee”: as minhas “teses” e as “teses” de Duarte Leite. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1941.

PIMPÃO, Álvaro Júlio da Costa – Escritos Diversos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1972.

PONTES, Luís Filipe – Do mundo da corte ao mundo da memória. Subsídios para o estudo da mentalidade cavaleiresca da nobreza portuguesa, 1400-1521. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2008. Dissertação de Mestrado.

RODRÍGUEZ VELASCO, Jesús – El Debate sobre la Caballería en el siglo XV: la Tratadística Caballeresca Castellana en su marco Europeo. Salamanca: Junta de Castilla y León, 1996.

ROSA, Maria de Lurdes – O Morgadio em Portugal: Sécs. XIV-XV. Lisboa: Estampa, 1995

ROSA, Maria de Lurdes – “Mortos – “tidos por vivos”: o Tribunal Régio e a capacidade sucessória das “Almas em Glória” (Campanhas Norte- Africanas, 1472-c. 1542)”. Anais de História de Além-Mar 6 (2005), pp. 9-46.

ROSA, Maria de Lurdes – “Velhos, novos e mutáveis sagrados…um olhar antropológico sobre as formas “religiosas” de percepção e interpretação da conquista africana (1415-1521)”. Lusitânia Sacra 18 (2006), pp. 13-85.

RUSSELL, Peter – Henrique, o Navegador. Lisboa: Horizonte, 2004.

SARAIVA, António José – História da Cultura em Portugal. Lisboa: Jornal do Fôro. 1950, 2 vols.

SARAIVA, António José – O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1998.

SERRÃO, Joaquim Veríssimo – Cronistas do Século XV posteriores a Fernão Lopes. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesas, 1989.

SOUSA, Bernardo Vasconcelos e – “Linhagem e Identidade Social na Nobreza Medieval Portuguesa (Séculos XIII-XIV) ”. Hispania vol. LXVII, nº 227, pp. 881-898.

TAYLOR, Craig – “English Writings on Chivalry and Warfare during the Hundred Years War”. in CROSS, Peter e TYERMAN, Christopher (dir.) – Soldiers, Nobles and Gentlemen: Essays in Honour of Maurice Keen. Woodbridge: Boydell, 2009, pp. 64-84.

TAYLOR, Craig – “Military Courage and Fear in the Late Medieval French Chivalric Imagination”. Cahiers de Recherches Médiévales et Humanistes 24 (2012), pp. 129-147.

Medievalista, 23 | 2018 59

TAYLOR, Craig – Chivalry and the Ideals of Knighthood in France during the Hundred Years War. Cambridge: Cambridge University Press, 2013.

NOTAS

1. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses. Ed. Larry King. Lisboa: Faculdade de Ciências Sociais e Humanas – Universidade Nova de Lisboa, 1978, p. 234. 2. GOMES, Rita Costa – A Corte dos Reis de Portugal. Lisboa: Difel, 1995, pp. 62-108. 3. Como por exemplo desmantelar peças de artilharia ou recolher lenha. A descrição deste assédio encontra-se em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, pp. 201-234. 4. Tendo sido motivo para uma certa menorização do cronista, principalmente em comparação com o seu predecessor, Fernão Lopes. Vejam-se as sínteses desta leitura crítica em DINIS, A. J. Dias – Vida e Obras de Gomes Eanes de Zurara. Lisboa: Agência Geral das Colónias, 1949, vol. I pp. 51-60; KING, Larry – “Introdução”. in ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, pp. 26-27; SERRÃO, Joaquim Veríssimo – Cronistas do Século XV posteriores a Fernão Lopes. Lisboa: Instituto de Cultura e Língua Portuguesas, 1989, pp. 35-37; e sobretudo em DUARTE, Luís Miguel – Ceuta, 1415: Seiscentos anos depois. Lisboa: Livros Horizonte, 2015, pp. 33-44. 5. SARAIVA, António José – História da Cultura em Portugal. Lisboa: Jornal do Fôro. 1950, vol. I, p. 547; SARAIVA, António José – O Crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1998, pp. 250-265. 6. Expressão já utilizada por BERTOLI, André – O Cronista e o Cruzado: a revivescência do Ideal Cavaleiresco no Outono da Idade Média Portuguesa (Século XV). Curitiba: Universidade de Curitiba, 2009. Dissertação de Mestrado, p. 42. 7. Para uma biografia de Zurara veja-se DINIS, António J. Dias – Vida e Obras de Gomes Eanes de Zurara. Vol. I, pp. 3-114. Sem querer entrar nas discussões eruditas que têm motivado os especialistas da obra de Zurara em torno da datação das suas obras, as informações apresentadas a seguir têm por base as ideias sintetizadas em FIGUEIREDO, Albano – A Crónica Medieval Portuguesa: génese e evolução de um género (sécs. XIV-XV) – A dimensão estética e a expressividade literária. Coimbra: Universidade de Coimbra, 2005. Tese de Doutoramento, pp. 466-517 e FERNANDES, Adriano – A Crónica do Conde D. Duarte de Meneses de Gomes Eanes de Zurara: estudo histórico-cultural e edição semidiplomática. Vila Real: Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, 2007, vol. I. Tese de Doutoramento, p. 264. 8. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da Tomada de Ceuta por el rei D. João I. Ed. Francisco Maria Esteves Pereira. Lisboa: Academia das Ciências de Lisboa, 1915. 9. FIGUEIREDO, Albano – O ideal de cavalaria na crónica da Tomada de Ceuta de Gomes Eanes de Zurara. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1996. Tese de Mestrado. Vejam-se ainda FIGUEIREDO, Albano – A Crónica Medieval Portuguesa…, pp. 479-517 e FIGUEIREDO, Albano – “O narrador e o herói na Crónica da Tomada de Ceuta de Gomes Eanes de Zurara”. in Figura: Actas do II Colóquio da Secção Portuguesa da Associação Hispânica de Literatura Medieval. Faro: Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade do Algarve, 2001, pp. 89-109. 10. Debates que envolveram, entre outros, Costa Pimpão, Duarte Leite, Dias Dinis e Torquato de Sousa Soares. Discutiu-se muito se a crónica resultaria ou não da fusão de dois textos, quando teria sido de facto feita essa fusão e em que épocas teriam sido redigidas as diversas partes da narrativa. Este debate tem toda a pertinência para compreender, por exemplo, qual o papel do Infante D. Henrique enquanto personagem e autor/idealizador destas narrativas, questões que permanecem completamente em aberto e suscetíveis de debate. No entanto, estas não constituem o âmago do presente artigo, que procurou responder a outras interrogações, não ignorando, todavia, a pertinência e a importância dos citados problemas.

Medievalista, 23 | 2018 60

11. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”. Storia della storiografia 47 (2005), p. 67; LEITE, Duarte – Acerca da “Cronica dos Feitos de Guinee”. Lisboa: Bertrand, 1941, p. 80; PIMPÃO, Álvaro Júlio da Costa – A “Crónica dos feitos de Guinee”: as minhas “teses” e as “teses” de Duarte Leite. Coimbra: Livraria Gonçalves, 1941, p. 14; DINIS, António J. Dias – Vida e Obras de Gomes Eanes de Zurara. Vol. I, pp. 319-351. 12. FIGUEIREDO, Albano – “Viagem, cavalaria e conquista na Crónica de Guiné de Gomes Eanes de Zurara”. in Modelo: Actas do V Colóquio da Secção Portuguesa da Associação Hispânica de Literatura Medieval. Porto: Departamento de Estudos Portugueses e de Estudos Românicos – Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2005, pp. 25-33. 13. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica dos feitos notáveis que se passaram na conquista de Guiné por mandado do infante D. Henrique. Ed. Torquato de Sousa Soares. Lisboa: Academia Portuguesa da História, 1997,Vol. I, pp. 107-109. 14. Assim a considera, entre outros autores, Larry King, que classifica a Crónica dos Feitos da Guiné como “disjuntiva”, formando um plano distinto e à parte do ciclo relativamente homogéneo das três obras que têm Marrocos como cenário: KING, Larry – “Introdução”, pp. 27-28. 15. Assim as classifica FIGUEIREDO, Albano – A Crónica Medieval Portuguesa…, p. 479. 16. Pelo que reúnem certas características das “biografias cavaleirescas” (expressão de Elisabeth Gaucher) muito em voga na época, como por exemplo os sinais desde tenra idade de que os biografados seriam grandes cavaleiros (sobre D. Duarte de Meneses diz-se “nom se desenfadaua tanto em outra cousas como nos feitos da cauallarya como aquelle que casy do berço husara ho officio das armas”: ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p 49). Veja-se o estudo de GAUCHER, Elisabeth – La Biographie Chevaleresque: typologie d'un genre (XIII-XV siècle). Paris: Honoré-Champion Éditeur, 1994. 17. Aspeto também já sublinhado por PIMPÃO, Álvaro Júlio da Costa – Escritos Diversos. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1972, pp. 33-42. 18. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 107 19. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 655 20. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica dos feitos notáveis…, p. 59. 21. Veja-se a análise feita acerca destes testemunhos e da sua adaptação à crónica por DUARTE, Luís Miguel – Ceuta, 1415…, pp. 36-40. 22. “E em esta derradeira vollta matarã outro cujo nome esqueçeeo aaquelles de que rreçebemos avisamemto pera escrevermos aqueste llyvro”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 342. 23. Os “adaijs e almocadeens e escuitas e outra gente do campo que foram os principaaes meos per que se as cousas ordenarom e fezerom”, e que certamente dariam “melhor lembrança dos feitos que os cortesaãos cujo sentido como som no regno ha mais dantender a outras partes”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 47. 24. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 321. 25. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 523-524. 26. Veja-se, por exemplo, o detalhado elenco das fontes que terão sido utilizadas para a redação da Crónica da Guiné feito por LEITE, Duarte – Acerca da “Cronica dos Feitos de Guinee”, pp. 80-108. Diogo Ramada Curto refere o caráter “miscelânico” das obras de Zurara: CURTO, Diogo Ramada – “A Literatura e o Império: entre o espírito cavaleiresco, as trocas da corte e o humanismo cívico”. in BETHENCOURT, Francisco e CHAUDHURI, Kirti (dir.) – História da Expansão Portuguesa. Lisboa, Círculo de Leitores, 1998, vol. I, p. 438. 27. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 585 28. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 233 29. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica dos feitos notáveis… pp. 133, 213 e 311. Veja-se o que se diz sobre este personagem em BRAGANÇA, José de – “Introdução”. in ZURARA, Gomes Eanes de –

Medievalista, 23 | 2018 61

Crónica da Guiné. Porto: Livraria Civilização, 1937, vol. I, pp. XXXVIII-XXXIX; DINIS, António J. Dias – Vida e Obras de Gomes Eanes de Zurara. Vol. I, pp. 443-447. 30. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 55. 31. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”, pp. 88-89. 32. “Como melhor podemos apremder, assy pelos escriptos daquelles que primeiramemte tomarão cuydado de poerem estes feitos em nembramça como pellas cartas que ho comde escrevia a este rregno e também per aqueles que laa esteverão”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 545. 33. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”, pp. 73-75. 34. “ymda que aquy neste vallume achem allguas cousas desvairadas ou mumgoadas da coronica gerall, he por não ser desta callydade e a elle há-de ser primçipallmente emderemçada. E como quer que as cousas que aquy quamto tamger aos feitos da cavalaria vão, na outra cronica não seram escriptos na ordenamça que aquy são”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 185. 35. Veja-se o que escreve Rita Costa Gomes acerca de um códice dedicado à ação de Martim Afonso de Melo como fronteiro do Alentejo na década de 1450, e a maneira como esse códice preparado pelo próprio Zurara, teria sido uma espécie de “working dossier”, em GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”, pp. 77-78. 36. Fica explícito de resto numa afirmação colocada por Zurara na boca do rei D. João I: “Como achareys no rregimento dos prymçipes, que muitas vezes em minha camara ledes e ouvis “, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 206. Sobre esta tradição em Portugal veja-se BUESCU, Ana Isabel – “Um Discurso sobre o Príncipe: a “pedagogia especular” em Portugal no século XVI”. Penélope 17 (1997), pp. 33-50. 37. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 179-180. 38. GOMES, Rita Costa – A Corte dos Reis de Portugal…, p. 45, pp. 59-60, p. 108. 39. Antes de mais, é conveniente explicar devidamente o que se quer dizer com o conceito aristocracia, pois este é muitas vezes utilizado em paralelo ou em oposição com nobreza ou fidalguia, gerando-se frequentemente alguns equívocos conceptuais. Neste caso, a utilização do conceito de aristocracia tem como referente o fenómeno de dominação social existente nas sociedades de Antigo Regime, segundo o qual alguns grupos estavam, sob vários pontos de vista, numa posição de predomínio tida como natural e aceitável (ver MORSEL, Joseph – L’aristocratie médiévale. Paris: Armand Colin, 2004, pp. 6-7). Esta questão é importante para compreender a nomenclatura utilizada na medida em que essa dominação não era exercida apenas pelo que convencionalmente se chama nobreza (de resto, e pelo menos até ao século XV, o termo nobre era usado sobretudo como adjetivo, e não como forma de precisar a categoria social do indivíduo), mas também por outros grupos sociais em diferentes circunstâncias. Neste contexto, tenham-se presentes dois exemplos do mundo concelhio: os cavaleiros-vilãos dos séculos XII e XIII, também chamados na bibliografia de “aristocracia vilã” (COELHO, Maria Helena da Cruz – “Aristocracia Vilã”. in COELHO, Maria Helena da Cruz e HOMEM, Armando Luís de Carvalho (coord.) – Portugal em Definição de Fronteiras. Lisboa: Presença, 19, pp. 253-260) ou, no final da Idade Média, os homens bons, espécie de oligarquia endinheirada que controlava as estruturas político-administrativas dessas circunscrições de poder (vejam-se os problemas colocados por DUARTE, Luís Miguel – “Os melhores da terra (um questionário para o caso português)”. in BARATA, Filipe Themudo (ed.) – Elites e redes clientelares na Idade Média: problemas metodológicos. Lisboa: Colibri e CIDEHUS-EU, 2001, pp. 94-98). Por isso, aristocracia (significando, na sua origem grega, o governo dos melhores) é um conceito operativo mais válido, libertando a análise de divisões porventura demasiado estanques

Medievalista, 23 | 2018 62

e lineares, e colocando a ênfase nas dinâmicas e interações sociais de modo mais global e compreensivo. 40. A definição de nobreza enquanto grupo social é um fenómeno tardio em Portugal, que passou à margem da discussão típica de Quatrocentos sobre os fundamentos da nobreza e da sua função na sociedade. Neste reino, tais definições só foram elaboradas já na Época Moderna. Vejam-se MONTEIRO, Nuno Gonçalo – O Crepúsculo dos Grandes: a Casa e o Património da Aristocracia em Portugal (1750-1832). Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2003, pp. 22-29 e SOUSA, Bernardo Vasconcelos e – “Linhagem e Identidade Social na Nobreza Medieval Portuguesa (Séculos XIII- XIV)”. Hispania LXVII, 227, pp. 896-898. 41. Sobre o sentido polissémico do termo cavaleiro nas fontes veja-se AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV. Porto: Universidade do Porto, 2016. Dissertação de Mestrado, pp. 26-28. 42. ORDENAÇÕES AFONSINAS. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1998, Livro I, p. 360. 43. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 197. 44. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 482-483. 45. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 289. 46. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, pp. 206-207. 47. “soomente a nobreza trazida per antijgas auoengas poem necessydade aos homeens de se quererem alleuantar e estremar antre os outros nos tempos em que se a honra deue aqueryr e buscar por lhes parecer que quanto elles sobreleuam em trabalhos e grandeza de feitos tanto sam mais dignos de mayores e mais excellentes denidades de honra e louuor. E esta he a principal rezom que os esforça a cometer e a ssoportar cousas grandes e fortes de que a outra gente mais baixa aJa mais rezom de se marauilhar que fortelleza nem ousyo pera as cometer nem acabar. E por isto os excelentes e nobres requerem por fim e gallardom de sseus grandes trabalhos honra e boa fama e os mais baixos requerem rrecompensamento do gaanho”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 136. 48. Veja-se AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV, pp. 29-66. 49. KAEUPER, Richard W. – Chivalry and Violence in Medieval Europe. Oxford: Oxford University Press, 1999, pp. 135-160. 50. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 176. 51. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, pp. 354-355. 52. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 292-293. 53. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, pp. 221-22. 54. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica dos feitos notáveis..., pp. 115-121. 55. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 292-293; Crónica dos feitos notáveis..., p. 120. 56. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 214. 57. MONTEIRO, João Gouveia – “A Cultura Militar da Nobreza na primeira metade de Quatrocentos”. Revista de História das Ideias 19 (1997), pp. 195-229. 58. “E os da enssynança da guerra com as cronycas aprovadas he muito perteencente leitura pera os senhores e cavalleiros, e seus filhos, de que se tiram grandes e boos exempros e sabedorias que muyto prestam, com a graça do senhor, aos tempos da necessydade”, em DOM DUARTE – Livro da Ensinança de Bem Cavalgar Toda a Sela que fez El-Rey Dom Eduarte. Ed. Joseph M. Piel. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1986, p. 121. 59. Como o rei aconselha ao Infante D. Henrique no regimento que lhe entrega sobre a armada de Tânger: “quando tyuerdes espaço lede per os liuros de guerra e non per outros porque per eles sempre aueres bons conselhos e auysamentos”, e “embre uos dacustumar de ler por liuros d auysamentos de pelejas que leua o Jfante dom fernando e o conde d arrayolos porque em eles açharees muytos auysamentos que em alguas cousas uos podem bem prestar”, em DOM DUARTE –

Medievalista, 23 | 2018 63

Livro dos Conselhos de El-rei D. Duarte (Livro da Cartuxa). Ed. João José Alves Dias e A. H. de Oliveira Marques. Lisboa: Estampa, 1982, pp. 131-132. 60. Recorde-se por exemplo a arenga de D. Pedro de Meneses antes do cerco de Ceuta, ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 459-462. 61. Veja-se igualmente o estudo de BERTOLI, André – “Modelos de ação bélica na Crônica de D. Duarte de Meneses - Texto, Contexto e Representação”. Mirabilia 15 (2012/2), pp. 171-201. 62. DOM DUARTE – Livro dos Conselhos…, p. 47. 63. DOM DUARTE – Leal Conselheiro. Ed. Maria Helena Lopes de Castro. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1998, pp. 21-22. 64. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica da Tomada de Ceuta, p. 258. 65. ÁLVARES, Frei João – Trautado da Vida e Feitos do muito Vertuoso S.or Ifante D. Fernando. Ed. Adelino de Almeida Calado. Coimbra: Universidade de Coimbra, 1960, vol. I, pp. 19-20. 66. DOM DUARTE – Livro dos Conselhos…, pp. 135-137. 67. Víctor Gibello Bravo fez um estudo sobre a representação de alguns destes ideais enquanto referenciais da nobreza castelhana. Veja-se GIBELLO BRAVO, Víctor – La Imagen de la Nobleza Castellana en la Baja Edad Media. Cáceres: Universidad de Extremadura, 1995. Vejam-se os estudos de Craig Taylor sobre os escritos ingleses e franceses sobre o tema: TAYLOR, Craig – “English Writings on Chivalry and Warfare during the Hundred Years War”. in CROSS, Peter e TYERMAN, Christopher (dir.) – Soldiers, Nobles and Gentlemen: Essays in Honour of Maurice Keen. Woodbridge: Boydell, 2009, pp. 64-84; Chivalry and the Ideals of Knighthood in France during the Hundred Years War. Cambridge: Cambridge University Press, 2013. Nota ainda para o estudo de RODRÍGUEZ VELASCO, Jesús – El Debate sobre la Caballería en el siglo XV: la Tratadística Caballeresca Castellana en su marco Europeo. Salamanca: Junta de Castilla y León, 1996. 68. AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV, pp. 124-133. 69. Tópico que remonta ao discurso Pro Archia Poeta, de Cícero. 70. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 42. 71. Como diz no prólogo do texto dedicado a D. Pedro de Meneses, o objetivo era que os “naturais ouvessem conhecimento e saber das gramdes cavalarias daquele comde e dos outros que com elle comcorrerão”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 175-176. 72. MORSEL, Joseph – L’aristocratie médiévale, pp. 276-279; GOMES, Rita Costa – A Corte dos Reis de Portugal…, p. 160. 73. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 92 e p. 108. 74. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 695-696. 75. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 173. 76. Este tópico será discutido com maior profundidade no meu artigo “A ‘honra’ de cavalaria e a aristocracia medieval portuguesa” (Anuario de Estudios Medievales, publicação prevista para 2018). 77. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 45. 78. Veja-se a nota 22. 79. Como no exemplo que abriu este artigo, embora Zurara se queixe a certa altura que “os modernos nom quiseram senom breuyedades porem nom curamos descreuer em este liuro senom aquello que sentyrmos que nom podemos scusar”, em ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 145. 80. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, p. 42. 81. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”, p. 73 82. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, p. 175 e p. 718. 83. Veja-se o estudo de CAMPOS, Nuno Silva – D. Pedro de Meneses e a construção da casa de Vila Real (1415-1437). Lisboa: Colibri / CIDEHUS, 2004. 84. ROSA, Maria de Lurdes – O Morgadio em Portugal: Sécs. XIV-XV. Lisboa: Estampa, 1995, p. 49.

Medievalista, 23 | 2018 64

85. “o qual conde dom pedro a dicta cidade de cepta huma soo em africa per xpistãos possuida com [muit]a descrisçom xxii anos governou e contr os mouros enfiiees muy esforçadamente defendeo e os conquistou per mar e per terra e fez afastar e per força leixa[r grande parte dos termos della onde por] sua defensom e per a dicta conquista fez muitas peleias en ellas sempre vençedor e nunca vençido de que a dicta cidade ouve sempre em seu tempo gloria de vencimento os mouros temor e os dictos regnos grande louvor”, em PONTES, Luís Filipe – Do mundo da corte ao mundo da memória – subsídios para o estudo da mentalidade cavaleiresca da nobreza portuguesa, 1400-1521. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa, 2008. Dissertação de Mestrado, p. 146. 86. Como João Gomes da Silva, louvado por ter estado com D. João I “na batalha Real, que houve com el Rei de Castella, na tomada de Ceuta”, em PONTES, Luís Filipe – Do mundo da corte ao mundo da memória…, p. 150. 87. Como é o caso de Martim do Sem e de Fernão Gomes de Góis, in PONTES, Luís Filipe – Do mundo da corte ao mundo da memória…, p. 140 e p. 165. 88. O caso de Vasco Martins de Albergaria, que se diz ter morrido “DAS FERIDAS Q OUUE NA TOMA / DA E NO DESÇERCO DE CEPTA AO ... DIAZ DO MES DE DZº DA ERA DE IHS Xº DE MIL IIIIc XXX BI ANNOS”, em PONTES, Luís Filipe – Do mundo da corte ao mundo da memória…, p. 145. 89. Para uma revisão da bibliografia sobre este assunto e apresentação de uma perspetiva veja-se AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV, pp. 91-117. 90. Sobre Zurara e o Infante D. Henrique veja-se RUSSELL, Peter – Henrique, o Navegador. Lisboa: Horizonte, 2004, pp. 20-21 91. Veja-se um tratamento mais alargado destes pareceres e sua relação com os projetos de cruzada em AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV, pp. 99-112. 92. DOM DUARTE – Livro dos Conselhos…, p. 66. 93. DOM DUARTE – Livro dos Conselhos…, pp. 61-63. 94. MONUMENTA HENRICINA. Org. António J. Dias Dinis. Coimbra: Comissão Executiva das Comemorações do V Centenário da Morte do Infante D. Henrique, vol. XIII, pp. 309-3010. 95. MONUMENTA HENRICINA, vol. XIII, pp. 324-328. FONSECA, Luís Adão – “Uma carta do Condestável Dom Pedro sobre a política marroquina de D. Afonso V”. Revista da Faculdade de Letras: História I (1970), pp. 83-96. 96. Vejam-se os artigos de ROSA, Maria de Lurdes – “Mortos – “tidos por vivos”: o Tribunal Régio e a capacidade sucessória das “Almas em Glória” (Campanhas Norte- Africanas, 1472-c. 1542)”. Anais de História de Além-Mar 6 (2005), nomeadamente as pp. 23-43 e “Velhos, novos e mutáveis sagrados…um olhar antropológico sobre as formas “religiosas” de percepção e interpretação da conquista africana (1415-1521)”. Lusitânia Sacra 18 (2006), pp. 13-85. 97. ÁLVARES, Frei João – Trautado da Vida e Feitos…, p. 22. 98. Maria de Lurdes Rosa afirma que D. Fernando se torna numa “figura exemplar da doutrina cruzadística (...) oferece-se aos sectores motivados para a expansão africana uma alternativa à morte em batalha: a vida eterna conquistada pelo martírio às mãos dos infiéis”. Além disso, a autora também demonstra de que maneira a morte na guerra em Marrocos conferia um estatuto jurídico específico aos que haviam perecido, com implicações específicas, por exemplo, em pleitos de heranças – ROSA, Maria de Lurdes – “Mortos – “tidos por vivos”, pp. 39-40. Rita Costa Gomes também salienta o caráter ‘documental’ que estes textos tinham na época durante os processos de canonização. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth- century Portuguese Historiography”, p. 71 99. ÁLVARES, Frei João – Trautado da Vida e Feitos…, pp. 21-22. 100. DOCUMENTOS DO ARQUIVO HISTÓRICO da Câmara Municipal de Lisboa - Livros de Reis. Lisboa: Câmara Municipal de Lisboa, 1959, vol. 3, p. 277. Também em 1464 D. Fernando da Guerra dá instruções sobre como pregar a cruzada: MONUMENTA HENRICINA, vol. XIV, pp. 290-291. 101. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”, p. 67 e pp. 81-82.

Medievalista, 23 | 2018 65

102. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Pedro de Meneses, pp. 175-176. 103. GOMES, Rita Costa – “Zurara and the Empire: Reconsidering Fifteenth-century Portuguese Historiography”, pp. 56-57. 104. Leonor de Portugal, Imperatriz da Alemanha: diário de viagem do Embaixador Nicolau Lanckman de Valckenstein. Ed. Aires de Nascimento. Lisboa: Cosmos, 1992, pp. 37-39. 105. ZURARA, Gomes Eanes de – Crónica do Conde D. Duarte de Meneses, pp. 240-41. 106. AGUIAR, Miguel – Ideologia Cavaleiresca em Portugal no Século XV, pp. 58-59. 107. GAUCHER, Elisabeth – La Biographie Chevaleresque…

RESUMOS

Neste artigo pretende-se analisar a produção cronística de Gomes Eanes de Zurara, enquadrando a sua forma e estilo, assim como as mensagens transmitidas, em função dos objetivos que terão presidido à sua feitura. Por um lado, as crónicas destinavam-se a ser ‘espelhos de nobres’, propondo um conjunto de referenciais cavaleirescos que deviam orientar o comportamento da aristocracia e que, simultaneamente, definiam a matriz de serviço ao rei e da própria competitividade no seio daquele grupo social. Por outro lado, estes textos podem também ser analisados enquanto peças de ‘propaganda’ favoráveis ao esforço cruzadístico no Norte de África, inscrevendo-se num discurso que visava, nos planos interno e externo, justificar e alimentar o entusiasmo por tal empresa guerreira.

This article aims to analyse Gomes Eanes de Zurara’s chronicles, considering not only form and style, but also the message regarding the general purposes of the text. Chronicles were seen as “nobles' mirrors” based on chivalric principles, which functioned as a way of shaping aristocracy’s behaviour, while simultaneously defining the competitivity amid that social group. Nonetheless, these texts can also be analysed as pieces of ‘propaganda’ on behalf of the crusade in North Africa, validating and reinforcing internally and externally the zeal and eagerness of this same movement.

ÍNDICE

Keywords: Zurara; aristocracy; nobility; chivalry Palavras-chave: Zurara; aristocracia; nobreza; cavalaria

AUTOR

MIGUEL AGUIAR

Universidade do Porto, CEPESE – Centro de Estudos da População, Economia e Sociedade, 4150-564, Porto, Portugal Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, LaMOP – Laboratoire de médiévistique occidentale de Paris [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 66

Tanto malvagio da essere d’esempio. I clerici anglo-normanni e la descrizione di Guglielmo II Rufo, disgraziatamente re d’Inghilterra Evil enough to serve as an example. The Anglo-Norman clergy and the description of William II Rufus, regrettably, king of England

Fabrizio De Falco

NOTA DELL'EDITORE

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017 Tanto malvagio da essere d’esempio. I clerici anglo-normanni e la descrizione di Guglielmo II Rufo, disgraziamente re d’Inghilterra / Evil enough to serve as an example. The Anglo- Norman clergy and the description of William II Rufus, regrettably, king of England. Fabrizio De Falco

1 Guglielmo II (1060-†1100), detto Rufo, fu re d’Inghilterra dal 1087 alla sua morte, succedendo al padre Guglielmo il Conquistatore e regnando in aperta contrapposizione al fratello maggiore Roberto Curthose. Fin dall’inizio è descritto non come un principe ma come un tiranno, valoroso comandante ma uomo iracondo e guerrafondaio, dedito a spogliare le chiese per poter finanziare il suo nutrito gruppo di cavalieri1; irriverente ai limiti della blasfemia2, vizioso, amante del lusso e forse omosessuale, dall’aspetto tozzo e dai modi volgari3; filogiudeo e esterofilo4. Un tiranno che sarebbe stato probabilmente ricordato come il peggiore re d’Inghilterra se questo ruolo non fosse poi stato riservato

Medievalista, 23 | 2018 67

a Giovanni SenzaTerra, per fortuna tiranno perdente5. La riflessione storica su Guglielmo II ha generalmente seguito la linea tracciata dagli autori medievali e poche volte, fino all’opera biografica di Barlow6, se ne è distanziata, operando spesso solo un semplice calco della costruzione biografica avvenuta nel corso XII secolo7. Una tendenza che ha portato gli storici a seguire con particolare interesse quella che è poi la descrizione più vivida delle vicende che segnarono la vita di Guglielmo II: quella della sua morte, avvenuta durante una battuta di caccia a New Forest dove, incurante dei presagi che annunciavano la sua fine, il re è colpito da una freccia vagante scagliata da uno dei suoi compagni. Morte accidentale, complotto, rituale pagano? Nel proliferare di ipotesi, l’attenzione riservata dalle fonti per quella morte, tanto improvvisa quanto dal tempismo perfetto, ha portato con se quella degli storici8.

2 Oggetto di questa breve riflessione non è la veridicità della ricostruzione storica del regno di Guglielmo II, bensì la descrizione del re nelle narrazioni a lui coeve e immediatamente successive. La costruzione di una biografia è anche nel XII secolo una operazione precisa: la selezione degli avvenimenti e il loro taglio interpretativo sono condizionati dalle intenzioni dell’autore, dalle sue conoscenze e dagli strumenti del suo lavoro. Mi concentrerò così dapprima sulla costruzione biografica di Guglielmo II, la quale si basa su opere scritte a cavaliere tra i secoli XI e XII. In primo luogo le biografie di Anselmo d’Aosta, arcivescovo di Canterbury e nemico di Guglielmo II; in successione, le opere di inizio XII secolo, scritte quando nell’agenda politica del regno era di primaria importanza la necessità di Enrico I di costruirsi una legittimità politica, minacciata dal fratello Roberto, e di ricostruire i rapporti con la Chiesa Inglese9. In un secondo momento cercherò la rappresentazione della figura di Guglielmo II detto Rufo nel passaggio, alla metà del XII secolo, della produzione scritta dai monasteri alla regis. Si vedrà in che modo l’esemplare malvagità di Guglielmo II sia raccontata dai curiales della corte di Enrico II, attenti alla rilettura del passato in chiave politica, e il re trasformato in un topos, un esempio da poter usare nelle loro argomentazioni e per i loro obiettivi.

I

3 L’ascesa al trono di Guglielmo II, al posto del fratello maggiore Roberto, non fu una usurpazione del trono: Guglielmo II fu designato dal padre Guglielmo I come suo erede in Inghilterra, trovò l’aiuto dell’ arcivescovo di Canterbury Lanfranco che lo incoronò e divenne suo consigliere e fu acclamato e sostenuto dal suo esercito. Andando a confrontare le politiche portate avanti da Guglielmo II non si trovano grandi discordanze con le idee e le pratiche di governo proprie dei sovrani e duchi normanni10 e Guglielmo II esercitò il potere regio in Inghilterra sulle basi dell’esperienza del ducato di Normandia: ritenne l’attribuzione dei seggi episcopali come facente parte delle sue prerogative; assicurò i confini del regno con spedizioni verso la Scozia, il Galles e la Normandia; promosse la creazione di una curia regia, o meglio di un apparato di governo formato da uomini a lui legati e che rendesse l’amministrazione del regno stabile e fruttuosa. Guglielmo II diventò così uno dei sovrani più facoltosi dell’epoca.

4 La tendenza accentatrice del suo governo, che caratterizzò anche quello del fratello Enrico I, trovò poi l’opposizione del nuovo arcivescovo di Canterbury Anselmo d’Aosta, a capo delle proposte riformatrici della Chiesa Romana, e anche quella dei nobili normanni, che avevano maggiore libertà d’azione sotto il più morbido governo del

Medievalista, 23 | 2018 68

fratello Roberto Curthose. Nell’affrontare una riflessione sulla descrizione totalmente negativa di Guglielmo II è da notare che tale sovrano non curò in alcun modo la rappresentazione di sé e del suo regno da tramandare poi alla posterità. Le uniche fonti contemporanee al regno di Guglielmo II che ne descrivano la figura, e sulle quali si basano le successive costruzioni storiche e biografiche, sono le opere di Eadmero di Canterbury, la Historia Novorum e la Vita Sancti Anselmi, e, in parte minore, le Cronache Anglo-Sassoni.

5 Eadmero fu monaco a Canterbury e nel 1093 il neo-arcivescovo Anselmo lo nominò suo cappellano e membro della curia. Da quel momento Eadmero non lasciò più il fianco dell’arcivescovo, testimoniando in prima persona dello scontro tra Anselmo e Guglielmo II11 e seguendolo due volte in esilio. Entrambe le opere che dedicò alla vita di Anselmo furono iniziate durante il regno di Guglielmo II e poi continuate dopo la sua morte12. Nella penna di Eadmaro, Guglielmo II è un re ingiusto, sacrilego, corrotto, devastatore e oppressore della Chiesa, ma sopratutto un voltagabbana che aveva disatteso le promesse di pacificazione fatte ad Anselmo13. Per il monaco “orta est ergo tam vasta miseria miseraque vastatio per totum regnum, ut qui illius recordatur parem se ei ante hanc vidisse in Anglia, sicut aestimo, non recordetur” 14.

6 A questa narrazione faziosa si aggiungono le Cronache Anglo-Sassoni, anche loro di produzione monastica. Nelle Cronache possiamo leggere che il re, mal consigliato, “fu sempre intento a opprimere la sua nazione con la richiesta di servizi militari e tasse eccessive, cosicché ai suoi tempi la giustizia era totalmente assente e l’ingiustizia prosperò sia negli affari ecclesiatiaci che in quelli secolari. Abbatté la Chiesa di Dio e vendette per denaro o trattenne nelle sue mani tutte quelle abbazie o vescovati i cui responsabili erano morti, questo perché intendeva essere l’erede di chiunque, laico o ecclesiastico”15.

7 È l’ambiente monastico quindi, e in particolar modo quello vicino al rivale di Guglielmo II, Anselmo, a fornire il materiale originario per la costruzione della figura del sovrano che si sarebbe poi consolidata nell’immaginario collettivo e storico del XII secolo.

II

8 Nel corso del XII secolo queste ricostruzioni negative e fatte da autori ostili a Guglielmo II furono usate per mettere a confronto il regno di Guglielmo II con quello di suo fratello Enrico I (1068-†1135). Una comparazione tanto impietosa quanto necessaria dal punto di vista della legittimazione politica del nuovo sovrano e di quanti aspiravano a succedergli. Dopo i primi turbolenti anni, Enrico I, ultimo dei figli di Guglielmo I, garantì un periodo di crescita e prosperità al regno inglese, portando avanti un rafforzamento dell’autorità regia e riuscendo a evitare quanto più possibile lo scontro con gli altri poteri operanti nel regnum. Enrico I Beauclerck è descritto come un sovrano giusto e il suo regno è considerato dagli autori anglo-normanni come l’età dell’oro inglese16. La figura di Enrico I si costruisce dal punto di vista narrativo quando il re è ancora in vita e la legittimazione del suo potere nei confronti del fratello maggiore Roberto è una questione di primaria importanza. Alla necessità di Enrico I si aggiunse poi, dopo il naufragio della Nave Bianca che privò il regno di molti dei suoi nobili e dell’erede al regno, la spinosa questione della successione al trono. A queste contingenze si accompagna il considerevole aumento della produzione di opere storiche durante la prima metà del XII secolo17 – una vitalità che si esprime tramite molti autori, basti pensare a John di Worcester, Orderico Vitale, Guglielmo di

Medievalista, 23 | 2018 69

Malmesbury e Henry di Huntingdon o al anche fortunatissimo Goffredo di Monmouth – e così, nello scrivere e riscrivere la historia, Guglielmo II diventa confronto e metro di misura per il buon governo del fratello. Basandosi proprio sulle Cronache Anglo-Sassoni e sulle opere di Eadmaro, e a distanza di circa venti anni dalla scomparsa del Rufo, la figura di Guglielmo II si arricchisce e prende forma, vi si aggiungono pregi come quello del suo immenso valore in battaglia18, ma sopratutto si delineano gli ultimi tratti del tiranno in un racconto più particolareggiato e calato nel contesto, fissandone la narrazione storica.

Guglielmo di Malmesbury e il ritratto del Rufo

9 L’autore di maggior successo e influenza è senza dubbio Guglielmo di Malmesbury la cui opera storica ebbe una diffusione capillare e che è stato poi apprezzato particolarmente anche dagli storici moderni19. La più conosciuta tra le opere di Guglielmo, che trae ispirazione e si allinea a quella di Beda20, sono i Gesta Regum Anglorum21. Diversi capitoli del IV libro dei Gesta Regum Anglorum descrivono il regno di Guglielmo Rufo e la figura del sovrano22. Il monaco di Malmesbury riporta la nascita del Rufo in Normandia, ben prima della Conquista, e descrive l’educazione del sovrano e il suo carattere, sottolineando come il fallimento del suo governo non sia stato causato dalla mancanza di qualità ma dal fatto che il re non le abbia mai messe a frutto, facendosi invece accecare dal potere. La descrizione delle qualità giovanili corrispondono poi alla figura dell’uomo adulto: dedito all’esercizio delle armi, coraggioso e rispettoso del volere paterno23. L’animo guerriero e l’uso smoderato del potere nelle parole di Guglielmo di Malmesbury porta però il Rufo alla rovina: la sua ira è a stento contenibile e la sua severità contro ribelli e malvagi terribile. Il suo animo cavalleresco e la sua indomita animosità ne fanno un condottiero valoroso ma non un vincente: il Rufo rimane fondamentalmente un soldato, come si può notare dall’esito negativo delle dispendiose campagne in Galles24. La moderazione non è caratteristica del Rufo che, dopo la morte di Lanfranco, non ha più un saggio consigliere a guidarlo e non ha più rispetto né per gli uomini né per il Signore25. La sua prodigalità eccessiva attrae il favore interessato di molti e la sua corte si colma di cavalieri – ai quali il re ritiene di non dover far mancare nulla e ai quali promette sempre maggiori ricchezze – e di ecclesiastici, pronti a sfruttare il suo comportamento simoniaco. Guglielmo di Malmesbury ritrae una corte contraria alla natura, immorale e depravata, un riflesso del sovrano ormai degradato e corrotto dall’avidità, dove nessuno rispetta la propria funzione e l’effeminatezza ha ormai fiaccato gli animi. Ancora, Guglielmo Rufo è un re dedito allo sperpero ma anche facile da raggirare26, e illetterato. Gugliemo Rufo non manifesta alcun desiderio di ascoltare gli insegnamenti della storia e si esprime in modo rozzo e goffo27. Il suo aspetto fisico non ha nulla della dignità regale ma molto del caporione minaccioso28: uomo forte ma basso di statura e dal ventre prominente; i capelli lunghi e biondicci incorniciano il viso sempre arrossato e collerico e dagli occhi dai colori cangianti e instabili.

10 Tuttavia Guglielmo di Malmesbury ricostruisce un Guglielmo Rufo dai tratti meno ferici rispetto ai suoi predecessori: il secondo re normanno d’Inghilterra non è per lui un esempio di malvagità innata, ma piuttosto un uomo che ha sprecato le sue qualità lasciandosi corrompere dal vizio. Guglielmo II entra a far parte dei re cattivi, ma nell’intenzione didascalica del Gesta Regum la regalità del Rufo è un esempio negativo di regalità corrotta dall’ambizione29. Nei Gesta Regum Guglielmo II soffre poi il confronto

Medievalista, 23 | 2018 70

con l’esempio positivo del regno di Enrico I su cui si concentra l’intero quinto libro dei Gesta Regum e nel quale Enrico I diventa esempio e misura del buon governo 30. Il confronto tra i due re è però necessaria espressione del contesto che ha dato vita ai Gesta Regum. La prima stesura dell’opera iniziò sotto invito della regina Matilde ma il lavoro del monaco continuò poi sotto il patronaggio di Roberto di Gloucester31, figlio naturale di Enrico I, quando si era nel vivo della lotta per il trono che oppose Roberto e la sorellastra Matilde l’Imperatrice a Stefano di Blois. L’opera di Guglielmo di Malmesbury serve a rinforzare la propaganda del regno di Enrico I ed essere così utile agli avversari di Stefano di Blois. Così, nel narrare il regno di Guglielmo II, hanno ruolo sia la necessità di limare le colpe dovute alla sua natura – dal momento che si trattava di una natura familiare che condivideva sia con Enrico I, sia con Roberto di Gloucester – sia quella di offrire un modello di regalità negativo, da legare a Stefano di Blois32.

Orderico Vitale: Guglielmo II Rufo e Enrico I, un paragone comune nel regnum

11 La figura storica di Guglielmo II ha le stesse caratteristiche descritte da Guglielmo di Malmesbury anche sull’altra sponda della Manica, in Normandia, nell’opera di un altro contemporaneo, Orderico Vitale33. Nella sua Historia Ecclesiastica il monaco normanno ripete gli attributi del Rufo: lascivo, avido, gretto, corrotto e superbo34. La prospettiva di Orderico è però diversa da quella di Guglielmo: nella sua Historia la necessità di salvaguardare l’istituzione monastica e la ecclesia sono fondamentali. Orderico è anch’egli uno dei fieri sostenitori di Enrico I, a suo parere il ‘leone della giustizia’ delle profezie di Merlino35, e sostiene Enrico I contro le rivendicazioni del fratello maggiore Roberto. Per Orderico, il debole governo di Roberto, che lascia mano libera alla voracità dei nobili e dei cavalieri, non è capace di tutelare le istituzioni ecclesiastiche e i monasteri, mentre quello di Guglielmo II semplicemente non se ne interessava e, anzi, trovava nel saccheggio il modo di remunerare i mercenari e cavalieri che affollavano la corte del re. Anche nel caso di Orderico, Guglielmo II si pone in relazione a Enrico I come esempio negativo. Nelle parole del monaco, il vescovo di Séenz Serlo convince Enrico I a prendere la guida del suo popolo facendo notare al re la deriva effeminata della sua corte, esempio pratico di come il governo del Rufo avesse corrotto l’intero corpo del regnum. Enrico I si dimostra però ben diverso dal fratello, e impugnate le forbici, taglia i lunghi capelli femminei di tutti i magnati, preparandosi a brandire la spada della giustizia e cancellando l’eredità del fratello maggiore36.

12 Queste descrizioni si formano quando, durante la prima metà del XII secolo, la figura del sovrano perfetto è in fase di strutturazione: il re deve essere giusto, moderato, pio, vincitore, in un perfetto equilibrio tra mente e corpo37. La produzione storica anglonormanna fissa nella figura del Rufo l’esatto contrario – il re corrotto, tirannico e deviato, oppressore di chiese e propugnatore di vizi – e ne fa un contraltare dell’aurea sovranità di Enrico I. I motivi che hanno portato a questa opposizione risiedono tanto nelle fonti usate dagli autori quanto dai motivi alla base delle loro opere e la conseguente necessità di descrivere Enrico I secondo i canoni della regalità perfetta ha come effetto secondario la narrazione del tiranno corrotto, ovvero Guglielmo Rufo.

Medievalista, 23 | 2018 71

III

13 Re Enrico II (1133-†1189) riprese le politiche del nonno e il suo regno si caratterizzò per la volontà di rafforzamento autocratico della corona inglese, in linea con le tendenze generali che nel XII secolo muovevano i principi europei alla ricerca di fondamenta economiche e giuridiche capaci di rendere il loro potere il meno possibile contrattabile. Una politica che coinvolgeva sia l’amministrazione del regno e i rapporti con la Chiesa inglese, sia la narrazione stessa del regno e della regalità. L’attenzione data dalla corte di Enrico II alla produzione culturale e ai suoi usi politici giocò un ruolo fondamentale nell’attrazione che l’isola britannica esercitò su un gran numero di intellettuali europei nella seconda metà del XII secolo. Erano i curiales, letterati e burocrati, i protagonisti di questo movimento, anche propriamente spaziale, verso un nuovo tipo di produzione della cultura e della sua interpretazione sul piano politico. La necessità di Enrico II – un re, che per quanto nipote di Enrico I, era comunque un non anglo-normanno – di legittimare non solo le sue politiche ma la sua stessa sovranità ebbe un peso nella produzione di opere storiche e nella creazione di una coscienza storica condivisa all’interno dell’ambiente plantageneto38. Non mi concentrerò sulla riflessione storiografica avvenuta ai tempi del primo re plantageneto bensì sulle opere non prettamente di carattere storico che, proprio perché partecipi di questa diffusa cultura storica, hanno evocato la figura di Guglielmo II Rufo, accettandone la versione tramadata dagli autori della prima metà del XII secolo e declinandola secondo le regole della cortesia, intesa come codice di comunicazione riservato a quanti potessero decifrarne i messaggi39. Nello specifico tratterò le opere di tre autori archetipici del modello di curialità sviluppatosi nel XII secolo inglese: Giovanni di Salisbury, Walter Map e Giraldo Cambrense.

Giovanni di Salisbury: il Rufo nella lotta tra corona e arcivescovato

14 Tra i curiales della seconda metà del XII secolo inglese Giovanni di Salisbury (1110- †1180) è quello che ha raccolto sicuramente più successo tra i posteri. Discepolo dei più grandi pensatori del secolo e a sua volta maestro, fu uomo di fiducia degli arcivescovi di Canterbury Teobaldo e Tommaso Becket e, infine, divenne vescovo di Chartres40. La sua opera più fortunata, il Policraticus scritto nel 1159, è un trattato sulla società e sul buon governo. Ai primi cinque libri, incentrati sui cattivi costumi delle corti e dei loro abitanti, fanno seguito altri tre che illuminano la figura del retto sovrano. Il re giusto, filosofo saggio e virtuoso, trova la sua antitesi nella figura del tiranno. In Giovanni di Salisbury, il principe che per eccessiva ambizione di potere si degrada a tiranno non fa altro che segnare la sua triste e inevetabile sorte. L’autore si sofferma a lungo sulla caratterizzazione dell’esercizio tirannico del potere sia nel campo civile sia, e sopratutto, nel campo dei soprusi ai danni della Chiesa41. La conclusione di questo ragionamento è la famosa teorizzazione del giusto tirannicidio.

15 Nel Policraticus, Guglielmo Rufo appare solo una volta, citato per rimarcare l’importanza per i re di avere un adeguata esperienza militare42. Giovanni lo presenta già come persecutore di santi e persona empia, eppure non lo cita quando descrive la cattiva abitudine della caccia, nella quale i cortigiani si dilettano43 e che avrebbe potuto essere facilmente collegata alla famosa morte del Rufo, né lo fa in altri passaggi. Giovanni evita accuratamente di scrivere di Guglielmo II, che pure è nella tradizione storiografica a lui

Medievalista, 23 | 2018 72

contemporanea l’esempio perfetto del tiranno, nonostante la sua funzionalità all’argomento trattato. Un’assenza che pone dei dubbi: si può ipotizzare che nel 1159 Giovanni di Salisbury, segretario della sede arcivescovile di Canterbury, non trovasse conveniente sottolineare le mancanze croniche dei re d’Inghilterra, o almeno non in maniera così diretta. La funzionalità della narrazione di Guglielmo II si rivelò nel 1163, un anno appena dopo la nomina di Tommaso Becket come arcivescovo di Canterbury, quando Becket e il re Enrico II entrarono in contrasto (uno scontro che ebbe fine solo con l’assassinio di Becket nel 1170 e il peana di Enrico II sulla sua tomba nel 1174). Giovanni di Salisbury scrisse così per un nuovo arcivescovo, in contrasto con il re e intento a crearsi una propria narrazione personale. Tommaso Becket nel suo passaggio dalla curia regis al pallio arcivescovile si era trasformato in uno strenuo difensore della libertas ecclesiae, desideroso, anche in esilio, di ripercorrere i passi di Anselmo d’Aosta44.

16 Nel 1163 Giovanni di Salisbury compose una Vita sancti Anselmi da consegnare a papa Alessandro III quale allegato alla richiesta di canonizzazione dell’arcivescovo di Canterbury45 e la scrisse proprio mentre, aperte le ostilità tra la sede arcivescovile e la corona inglese, Becket annunciava esplicitamente di voler ripercorrere i passi di Anselmo. Nel momento in cui Tommaso Becket, nuovo Anselmo, si erse a difesa dei diritti della Chiesa allora, nella penna del suo segretario, la figura del Rufo riappare nella sua malvagità: “vir quidem armis strenuus, sed parum iustus aut pius; prodifus sui, appetens alieni, ferarum amantissimum, sed negligentissimus animarum, fautor militiae et malitiae, sed Ecclesiae et innocentiae vehementissimus oppugnator, voluptatis sectator acerrimus, utpote in quo sine modo et mensura vigebant pariter amor mundi et contemptus Dei”46,

17 che corrompe al suo seguito il popolo e quei nobili che, silenziosi come pecore, obbediscono ai suoi ordini. Giovanni non si limita a fare un riassunto dell’opera di Eadmero, ma vi aggiunge il suo pensiero, ovvero quello dell’arcivescovato di Canterbury. Il tiranno Guglielmo, “qui vixerat bestialiter, bestialem invenerat exitum vitae”, è colpito dal giudizio divino. Un giudizio divino che rende ben più triste la tragica fine del Rufo, tanto che nelle parole di Giovanni (e non di Eadmero) lo stesso Anselmo è raffigurato addolorato per la fine del re, non solo per la sua morte fisica, ma perché il re aveva spirato l’anima in uno stato di abbandono del Signore47.

18 Questa aggiunta è fondamentale e lo è proprio in comparazione con Enrico I. Giovanni di Salisbury, nella sua Vita, ricorda come anche Enrico I, dopo una iniziale concordanza, abbia avuto delle discordie con Anselmo riuscendo però a ricomporle per il bene del regno e governando di lì in poi in concordia con la sede di Canterbury48. Rapportando queste due diverse narrazioni alla situazione di tensione che esisteva tra la corona inglese e la sede arcivescovile al momento della stesura dell’opera, è possibile allora seguire il ragionamento suggerito da Giovanni di Salisbury: se Tommaso Becket è un nuovo Anselmo, Enrico II chi vorrà essere? La scrittura della Vita offre al re plantageneto due esempi da seguire: il terribile Rufo da un lato, il tiranno ucciso fuori dalla grazia di Dio, e, dall’altro, l’aurea figura di Enrico I, ovvero l’incarnazione della giusta regalità. Tutto stava nel trovare o meno la pace con l’arcivescovo di Canterbury. Enrico II, nel dubbio, seguì entrambi gli esempi, riappacificandosi con Becket solo dopo il suo assassinio. Nella narrazione di Giovanni è così possibile vedere, prescindendo dal risultato, come Rufo abbia ricoperto un ruolo di exemplum, usato dall’ambiente vicino a Tommaso Becket quando si accese la lotta con la corona inglese.

Medievalista, 23 | 2018 73

Walter Map: il Rufo come esempio, pessimo, di regalità cavalleresca

19 Entrando però nel cuore della corte di Enrico II, vi si trovava, tra gli altri, un chierico gallese che potremmo definire un lealista di Enrico II e che aveva un diverso approccio alla produzione culturale. Walter Map (†1210), lungo un ampio periodo che va dal 1180 a, presumibilmente, la sua morte nel 1210, compose l’unico suo lavoro giunto fino a noi, il De nugis curialium. Il De nugis è un’opera complessa e di difficile categorizzazione, nella quale si alternano personaggi reali, aneddoti, riflessioni storiche e narrazioni fantastiche. Nella commistione di leggende celtiche, pettegolezzi di corte, accuse e riflessioni che compongono questo zibaldone, ricompare Guglielmo II: “Willelmus secundus rex Angliae, regum pessimus (…), iusto Dei iudicio a sagitta uolante pulsus, quia demonio meridiano deditus, cuius ad nutum uixerat, onere pessimo leuauit orbem”49. La strana ora della morte di Guglielmo II, andato a caccia nel pomeriggio in spregio alle premonizioni – come riportato da Eadmero e Guglielmo50 – si trasforma in allusione a un’unione demoniaca. L’unione con il demone meridiano collega, all’interno del De Nugis, Guglielmo II a un altro personaggio spinto dall’ambizione oltre i limiti consentiti: Gerberto d’Aurillac, ovvero papa Silvestro II, che nel De Nugis diventa pontefice proprio grazie al suo rapporto demoniaco con Meridiana, come accade con Guglielmo II51. Così il Rufo, nella costruzione di Walter Map, ha una carriera simile a uno dei più vituperati uomini del tempo e la sua morte acquisisce una nota sovrannaturale: giusta punizione divina per chi ha spogliato le chiese per mantenere i suoi cavalieri52.

20 Per proseguire è necessario ora tralasciare la questione di Gerberto, concentrarsi sul rapporto tra Guglielmo II e la cavalleria e fare un passo indietro. Le capacità di Guglielmo II come guerriero sono testimoniate da tutte le fonti, ma vi è un’opera nella quale la figura di Guglielmo II emerge in maniera completamente differente rispetto alle altre: si tratta dell’Estoire des Engleis scritta in francese da Gaimar 53 nel 1137 circa, nell’ambito del patronaggio culturale di Roberto di Gloucester. In questa opera Guglielmo II è ritratto come un re amatissimo da tutti, fior della cavalleria e splendore delle corti, la cui morte lascia sgomenti nobili e popolazione54. Tramite Guglielmo II, Gaimar offre la prima descrizione della regalità cavalleresca55, un’idea che poi ebbe molta fortuna, da Maria di Francia a Chrétien de Troyes. Pare che la descrizione del Rufo come ottimo sovrano cavalleresco non abbia avuto fortuna nelle successive rappresentazioni56, ma questa è una affermazione che dovrebbe tenere in conto la differenza linguistica tra le narrazioni latine e quelle francesi. Gli autori latini del XII secolo erano ecclesiastici e, oltre ad avere a cuore gli interessi della ecclesia, avevano come principale fonte per i loro studi la storiografia latina ed ecclesiastica, ovvero, per la descrizione di Gugliemo II, i già citati Eadmero e Guglielmo di Malmesbury. Potremmo così pensare che non sia possibile trovare il Rufo di Gaimar nella storiografia inglese dell’epoca semplicemente perché Gaimar non faceva parte della riflessione storiografica degli autori che scrivono in lingua latina. Ma che Gaimar – seppure la storia vernacolare in francese più conosciuta (o pubblicizzata?) fu poi il Roman de Rou di Wace – fosse autore noto ai parlanti francese è facile da ipotizzare. Per questo ragionamento Walter Map è un autore chiave: famoso più come oratore in francese che come scrittore in latino, più un novelliere che uno storico, il suo rapporto con la produzione orale era conosciuto già dai suoi contemporanei57, e si caratterizza così come un punto di contatto tra due modi di produrre e interpretare la cultura. Possiamo così tornare a Gerberto e notare come, tramite l’elemento demoniaco, Walter Map leghi

Medievalista, 23 | 2018 74

al peggiore papa possibile, perché simoniaco, il peggior re mai conosciuto, ovvero il re cavaliere.

21 È questa una chiave di lettura resa possibile dal fatto che la regalità cavalleresca, propagandata anche tramite i romance, era un problema politico e non solo sociale durante il regno di Enrico II: re cavalieri sono i suoi figli, Enrico il Giovane e Riccardo Cuor di Leone, in aperta rivolta contro il padre, così come nella cavalleria si identifica gran parte della nobiltà anglonormanna a loro sostegno. La regalità cavalleresca sostenuta da molti grandi magnati proponeva una visione ben differente da quella svolta autocratica di cui si è prima parlato e narrava di un re pronto a dividere con i nobili, suoi pari, le ricchezze del regno58. Guglielmo II è in Walter Map un pessimo re e, come già altri cavalieri dei suoi racconti, spinto dall’ambizione come Gerberto, lega la sua scalata al vertice al demonio. Nel De nugis in effetti è possibile vedere la figura dei cavalieri come totalmente ribaltata rispetto a quella proposta dalle composizioni in francese ben conosciute da Map. Walter Map usa topoi e riferimenti tipici dei romanzi cavallereschi per dare forma a una differente descrizione della cavalleria nella società, capovolgendo quella carica positiva che veniva attribuita alla quête. Alla descrizione negativa della cavalleria si aggiunge quella della regalità cavalleresca che, già delineata in maniera negativa da Map nelle sue altre nugae, acquisisce con il Rufo un’aspetto totalmente disprezzabile59. Considerando che Walter Map, il quale rivendica più volte il suo essere stato un uomo di Enrico II, volesse indicare, tramite il ribaltamento dell’etica cavalleresca, l’errore di quanti sostenevano Enrico il Giovane e Riccardo Cuor di Leone – parte di quella nobiltà laica che possiamo immaginare intenta ad ascoltare i versi francesi e cavallereschi di Gaimar, Maria di Francia e Chrétien de Troyes, oltre che di Bertrand de Born e altri – allora la figura di Guglielmo Rufo diventa centrale come esempio negativo e culmine di un attacco ‘propagandistico’ di più ampio respiro. Il secondo re normanno d’Inghilterra è trasformato in un personaggio letterario a tutti gli effetti e la coscienza storica condivisa dai lettori e ascoltatori del De Nugis lo rende utile come veicolo per altri messaggi.

Giraldo Cambrense: il Rufo e le rivendicazioni della nobiltà

22 Walter Map nella sua opera si professa come uomo del re, un legame che può sembrare simile a quello che unisce Giovanni di Salisbury all’arcivescovo di Canterbury. La situazione dei curiales non è però sempre così chiara. Giraldo Cambrense (1146-†1220) era uno dei chierici attivi nella corte plantageneta di Enrico II ma alla sua carriera a corte univa gli interessi della nobiltà attiva nelle marche Gallesi. Giraldo era membro di una famiglia della nobiltà cambro-normanna direttamente coinvolta nell’invasione dell’Irlanda, uomo coltissimo e ambizioso che ha lasciato ai posteri una voluminossima opera scritta ed è una fonte ricca di informazioni che attraversa ogni stile di scrittura, dal racconto di viaggio all’autobiografia, dalle agiografie alla polemistica60.

23 Nella sua opera Guglielmo Rufo compare dapprima in un aneddoto raccontato nell’ Itinerarium Kambriae61: Giraldo descrive dei monti sulla costa Gallese dai quali, nelle giornate serene, è possibile vedere i promontori della dirimpettaia costa irlandese. Racconta Giraldo che un giorno il Rufo, avendoli visti, progetta l’invasione dell’Irlanda. Un re irlandese, venuto a conoscenza di questo proposito, si preoccupa e chiede conferma delle parole del re, volendo sapere se questi avesse aggiunto ai suoi intenti la formula “Si Deo placuerit”. Appurato che il Rufo non si era preoccupato di aggiungere

Medievalista, 23 | 2018 75

alcun commento riguardo la provvidenza divina, il re irlandese si calma: finché i re inglesi fossero stati tanto empi non avrebbero mai compiuto la conquista dell’isola. Se, per Giraldo, il Rufo non era riuscito a conquistare l’Irlanda in quanto re empio, è da notare però che, al tempo della scrittura dell’Itinerarium, Giraldo era parte della corte regia e il paese era già stato conquistato e proprio grazie all’iniziativa della famiglia del chierico, ovvero quella dei Giraldini.

24 La conquista dell’Irlanda operata sotto il regno di Enrico II, anche se non con il suo favore, assume nelle parole di Giraldo un’ulteriore legittimazione. Infatti, se è impossibile per gli empi conquistare l’isola allora è facile suggire che coloro che hanno compiuto la conquista siano degni di tale impresa: un’invasione che, anche nella Topographia Hibernica, Giraldo descrisse come parte del disegno divino e soggetta alla Provvidenza62. In questo caso, la figura di Rufo diventa un metro di paragone per la corona inglese e la famiglia di Giraldo ma anche, probabilmente, un mezzo per ricordare ai lettori che le conquiste irlandesi avevano bisogno di un re pio e ben consigliato per poterle amministrare. Infatti, le richieste di Giraldo per un intervento del re inglese nell’amministrazione dell’Irlanda, dove a suo dire i funzionari regi abusavano dei loro poteri a discapito delle famiglie – tra cui la sua – che avevano compiuto l’impresa, sono il sottotesto delle sue due precendenti opere dedicate all’Irlanda, la Topographia e l’Expugnatio Hibernica63. Giraldo non si fa sfuggire l’occasione gallese per rimarcare i propri interessi personali e lo fa usando le aspirazioni frustrate di Guglielmo II.

25 Ma il Rufo è assai più presente negli scritti di Giraldo quando, dopo quasi tre lustri e a seguito del suo volontario allontanamento dalla curia, i suoi rapporti con la corona inglese erano ormai completamente deteriorati. Negli ultimi anni della sua vita Giraldo si impegnò nella produzione polemistica contro gli ambienti che lo avevano rigettato. L’amarezza di Giraldo si riversò soprattutto nella scrittura del De instructione principum, in realtà iniziato circa nel 1190 ma poi stravolto e terminato probabilmente nel 1217, che da Speculum Principis diventò un libello di esasperata violenza contro l’intera dinastia Plantageneta. Guglielmo Rufo compare qui tra la descrizione di Enrico II e quella di Riccardo Cuor di Leone. Sul finire dell’opera Giraldo, solito all’uso del racconto profetico come chiave esegetica del presente64, racconta delle visioni avute da Enrico II e che ne avevano preceduto le sventure e, in perfetta continuità, nel capitolo successivo ricorda che anche il tiranno Guglielmo Rufo aveva avuto simili visioni prima della sua morte65.

26 La correlazione tra il Rufo e i Plantageneti non è però creata solo nella struttura del testo e diventa esplicita. Giraldo, prima di dilungarsi in una verbosa descrizione della tirannide del Rufo e di quella di altri principes, sottolinea il legame di sangue che esisteva tra Enrico II e Guglielmo II. Si crea così una spiegazione della cattiva indole di una intera stirpe regale, quella plantageneta, che si unisce a una spiegazione simile della malvagità dei tre figli del re inglese, dovuta cioè al cattivo sangue tramandato loro da Eleonora d’Aquitania e da Enrico II66. Giraldo ricostruisce la genealogia dei Plantageneti per sostenere il suo scopo, ricordando la sua stretta parentela con Matilda l’Imperatrice, madre di Enrico II, a Guglielmo II: “(…)Willelmus, Willelmi Bastardi filius et matris Henrici secundi patruus, quem Regem Rufum vocavit (…) Erat enim Rex ille strenuus in armis et animosus, sed tyrannus” e poi, confrontando la linea di successione dei re francesi, perfettamente lineare, con quelli inglesi, interrotta da morti improvvise, ricorda come vite dei tiranni siano attese da morti violente67. Il capitolo si chiude con

Medievalista, 23 | 2018 76

un’altra invettiva, già preannuciata nelle righe precedenti: non vi è da stupirsi se la fine di un tiranno come Riccardo Cuor di Leone sia arrivata sulla punta di un dardo come quella di Guglielmo Rufo che era arrivata su quella di una freccia.

27 Nella polemica mossa da Giraldo, Guglielmo II si fa specchio di una stirpe di tiranni, non lascia scampo al destino dei Plantageneti e alla punizione divina che si abbatterà su di loro. Nel 1217, quando l’opera fu completata, Giovanni SenzaTerra era già morto e il regno di Enrico III cominciò con presupposti completamente diversi da quelli che avevano supportato le politiche dei precedenti re anglo-normanni: il giovane plantageneto era sotto la tutela del cardinale Guala Bicchieri e di Guglielmo il Maresciallo e la Magna Charta garantiva le prerogative giuridiche della nobiltà. Calato nel suo contesto politico, l’attacco alla dinastia plantageneta di Giraldo non si caratterizza come un’isolata espressione di un astio personale: gli ultimi anni di regno di Giovanni erano stati caratterizzati dal riaccendersi delle ostilità nobiliari alla politica autocratica portata avanti dalla corona inglese. Le rivendicazioni principali della nobiltà, poi confluite nella Magna Charta, erano state alimentate da una retorica precisa, che voleva abrogare gli ultimi dispotici decenni di governo e di tornare alle leggi promulgate dal giusto e degno re Enrico I68. Nella descrizione di Giraldo, Guglielmo II diventa quasi un pater tyrannorum ed eclissa nella genealogia plantageneta il giusto re Enrico I, privandola del suo illustre progenitore ormai arruolato tra le fila dei baroni ribelli: ciò allinea Giraldo alla nuova narrazione politica vigente.

28 Giraldo usa ancora il Rufo come metro di paragone nel suo ultimo lavoro, lo Speculum Ecclesiae, quando descrive l’avidità dei cistercensi69.

29 Ormai nel XIII secolo Guglielmo II non sembra più essere una figura storica: è diventato uno strumento di comparazione, la sua tirannia può essere usata nella composizione delle più disparate opere – agiografia, narrazione fantastica e polemistica – e per i più disparati intenti. Nella produzione cortese della seconda metà del XII secolo Guglielmo II detto Rufo diventa un paradigma nelle mani delle differenti fazioni che animavano il regno inglese e che nella scrittura cercavano legittimazione e propaganda. Il re tiranno è così trasformato in un passaggio logico, un argomento retorico o un personaggio letterario, al quale legare le proprie argomentazioni, siano queste in sostegno dell’arcivescovo, del re o della nobiltà.

IV

30 Questa mia breve analisi non ha avuto come suo obiettivo un giudizio sull’operato di Guglielmo II né la veridicità delle fonti che ne hanno tramandato la figura, bensì si è concentrata sull’evoluzione del racconto del secondo re normanno d’Inghilterra e delle motivazioni che lo hanno portato a essere un esempio topico della figura del tiranno. La scarsa attenzione che Guglielmo II prestò alla produzione storica che doveva tramandarne le gesta ha fatto sì che le uniche fonti a lui contemporanee siano quelle provenienti da ambienti a lui fortemente ostili, quelli ecclesiastici e monastici. La successiva produzione storica della prima metà del XII secolo, muovendosi da quelle descrizioni profondamente negative, non se ne distaccò e aggiunse alla descrizione di Guglielmo II la comparazione impietosa con la figura di Enrico I.

31 Guglielmo II arriva così al volgere del XII secolo come una figura storica illustrata da un racconto ormai accettato, almeno per quanto riguarda la produzione culturale di lingua latina. L’ambiente di corte plantageneto, attento alla rilettura del passato in chiave

Medievalista, 23 | 2018 77

propagandistica e avvezzo all’uso delle lettere per la conduzione di battaglie politiche, si basò su questa ricostruzione condivisa. Guglielmo II, cristallizzato nella sua descrizione di re malvagio e tirannico, fu usato e evocato a sostegno di differenti fazioni politiche e idee, adattato agli stili di scrittura dei chierici anglo-normanni. Possibile specchio di Enrico II nella sua lotta contro Tommaso Becket per Giovanni di Salisbury, amante di demoni e cavaliere nelle nugae di Walter Map, inizio e destino di una intera stirpe regale secondo Giraldo Cambrense. Al volgere del XIII secolo Guglielmo II, il Rufo, si era andato a trasformare in un personaggio la cui narrazione condivisa lo rendeva uno strumento retorico per gli autori in quanto metro di paragone e esempio perfettamente comprensibile dal pubblico di riferimento.

BIBLIOGRAFIA

Fonti edite

ANGLO-SAXON CHRONICLE. Ed. Dorothy Whitelock, David Douglas and Susie Tucker. Westport: Greenwood Press, 1986.

EADMERO – Historia Novorum. Ed. Martin Rule. Lessig-Druckerei: Kraus reprint, 1965.

EADMERO – Vita Anselmi. Ed. Inos Biffi, Aldo Granata, Stefano Maria Malaspina, Costante Marabelli. Milano: Jaca Book, 2009.

GAIMAR GEFFREY – Estoire des Engleis. Ed. Thomas Wright. London: Canton Society, 1850; Short, Ian. Oxford: Oxford University Press, 2009.

GIOVANNI DI SALISBURY – Policraticus. Ed. Charles C. J. Webb. Oxford: Clarendon Press, 1909.

GIOVANNI DI SALISBURY – Vita Sancti Anselmi. Ed. Inos Biffi, Aldo Granata, Stefano Maria Malaspina, Costante Marabelli. Milano: Jaca Book, 2009.

GIRALDO CAMBRENSE – Topographia Hibernica, Expugnatio Hibernica, Itinerarium Kambriae, De Principis Instructione, Speculum Ecclesiae. Ed. John S. Brewer, James F. Dimock, George F. Warner, Giraldi Cambrensis Opera. 8 vol. Londra: Rerum Britannicarum Medii Aevi Scriptores, 1851-1891.

GUGLIEMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum. Ed. Roger A. B. Mynors, Rodney M. Thompson, Michael Winterbottom. Oxford: Clarendon Press, 1998.

JOHN OF WORCESTER – Chronica. Ed. Reginald Darlington, Patrick McGurk. Oxford: Clarendon Press, 1998.

MATERIALS FOR THE HISTORY of Thomas Becket, archbishop of Canterbury, (canonized by Alexander 3., A. D. 1173). Ed. James C. Robertson. London: Longman, 1891.

ORDERICO VITALE – Historia Ecclesiastica. Ed. Marjorie Chibnall. Oxford: Oxford University Press, 1975.

WALTER MAP – De Nugis Curialium. Ed. Montague R. James, Charles N. L. Brooke, Rodney A. B Mynors. Oxford: Oxford University Press, 1983.

Studi

Medievalista, 23 | 2018 78

AURELL, Martin – L’empire des Plantagenêt. Paris: Perrin, 2003.

AURELL, Martin – “Les Plantagenêt, la propagande et la relecture du passé”. in AURELL, Martin (ed.) – Culture Politique des Plantagenêt: 1154-1224: Actes Du Colloque Tenu à Poitiers Du 2 Au 5 Mai 2002. Poitiers: Université de Poitiers - CNRS, 2003, pp. 9-34.

BARLOW, Frank – William Rufus. 2nd ed. New Haven: Yale University Press, 2000.

BARTLETT, Robert – Gerald of Wales, 1146-1223. Oxford: Clarendon Press, 1982.

BARTLETT, Robert – “Political prophecy in Gerald of Wales”. in AURELL, Martin (ed.) – Culture Politique des Plantagenêt: 1154-1224: Actes Du Colloque Tenu à Poitiers Du 2 Au 5 Mai 2002. Poitiers: Université de Poitiers - CNRS, 2003, pp. 303-311.

BARTLETT, Robert – England under the Norman and Angevin Kings 1075-1225. Oxford: Clarendon Press, 2006.

BELLEI MUSSINI, Lorenzo – Propter adhorantium auctoritatem voluntate. Legittimazione, patronage e propaganda nelle Gesta Regum Anglorum di Guglielmo di Malmesbury. Bologna: Alma Mater Studiorum Università di Bologna, 2014. PhD Thesis.

BEZZOLA, Reto – La cour d’Angleterre comme centre littéraire sous les rois Angevins (1154-1199). Paris: Champion, 1963.

BRETT, Martin – The English Church under Henry I. London: Oxford University Press, 1975.

CALLAHAN, Thomas – “The Making of a Monster: the Historical Image of William Rufus”. Journal of Medieval History 7, 2 (1981), pp. 175-185.

CANTARELLA, Glauco Maria – Principi e corti nel XII secolo. Torino: Einaudi, 1997.

CANTARELLA, Glauco Maria – “Il pallottoliere della regalità: il re perfetto di Sicilia”. in CORRAO, Pietro e MINEO, E. Igor (eds.) – Dentro e fuori la Sicilia. Roma: Viella, 2009, pp. 29-45.

CHAUOU, Amaoury – L'idéologie Plantagenêt: Royauté arthurienne et monarchie politique dans l'espace Plantagenêt, XIIe-XIIIe siècles. Rennes: Presses universitaires de Rennes, 2001.

CHAUOU, Amaoury – “La culture historique à la cour Plantagenêt et les réseaux ecclésiastiques”. in AURELL, Martin (ed.) – Culture Politique des Plantagenêt: 1154-1224 : Actes Du Colloque Tenu à Poitiers Du 2 Au 5 Mai 2002. Poitiers: Université de Poitiers - CNRS, 2003, pp. 269-286.

CHIBNALL, Marjorie – The world of Orderic Vitalis. Oxford: Oxford University Press, 1984.

CHURCH, Stephen – King John: New Interpretations. Woodbridge: Boydell Press, 2012.

CHURCH, Stephen – King John, Magna Carta and the making of a Tyrant. London: Macmillan, 2015.

CINGOLANI, Stefano Maria – “Filologia e miti storiografici: Enrico II, la corte plantageneta e la letteratura”. Studi Medievali XXXII (1991), pp. 814-832.

CROSBY, Everett – The King's Bishops: The Politics of Patronage in England and Normandy, 1066-1216. New York: Palgrave, 2013.

CROUCH, David – The Beaumont twins: The roots and branches of power in the twelfth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1986.

CROUCH, David – The birth of nobility: Constructing aristocracy in England and France: 900-1300. Harlow, England: Pearson/Longman, 2005.

DAL PRA, Mario – Giovanni di Salisbury. Milano: Bocca, 1951.

Medievalista, 23 | 2018 79

DAVIES, Rees – The first English Empire, power and identities in the British Isles, 1093-1343. Oxford: Oxford University Press, 2000.

DE FALCO, Fabrizio – “Lo specchio del cavaliere. L’uso del fantastico per rappresentare i lati oscuri dei milites nel de Nugis Curialium di Walter Map”. L’immagine riflessa Testi, società, culture XXIV/34 (2015), pp. 135-155.

DE FALCO, Fabrizio – “Portraits of royalties in the De nugis curialium of Walter Map. A hyphothesis about chivalric royalty and political factins at the Plantagenet court”. [online] Memoria Europae II/1, (2016), pp. 120-153, http: //www.ojs.unsj.edu.ar/ index. php/ memoriaeuropae/ article/ view/ 100/ 99 [accessed on 13-01-2017].

DE FALCO, Fabrizio – “I capitoli melusiniani del de nugis curialium: ribaltamento dell’ideologia cavalleresca e uso politico”. Studi Medievali LVIII, 1 (2017), pp. 45-92.

DE FALCO, Fabrizio – “I tempi narrati e il tempo della narrazione. Alcune ipotesi sulla Topographia Hibernica di Giraldo Cambrense”. in BARILLARI, Sonia Maura; DI FEBO, Martina (eds.) – Calendari. L’uomo, il tempo, le stagioni. Aicurzio: Virtuosa-Mente, in corso di stampa.

DUBY, George – “Les “jeunes” dans la société aristocratique dans la France du Nord-Ouest au XII siecle”. Annales E.S.C. 5 (1964), pp. 835-846.

DUFFY, Sean – “Henry II and England’s insular neighbours”. in HARPER-BILL, Christopher; VINCENT, Nicholas (eds.) – Henry II: New Interpretations. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, pp. 132-133.

FARMER, Dom Hugh – “William of Malmesbury's Life and Works”. The Journal of Ecclesiastical History 13, 01 (1962), pp. 39-54.

FASSÒ, Andrea – Il sogno del cavaliere: Chrétien de Troyes e la regalità. Roma: Carocci, 2003.

FLORI, Jean – Richard Coeur de Lion: Le roi-chevalier. Paris: Éditions Payot, 1999.

GILLINGHAM, John – “Kingship, Chivalry and Love: Political and Cultural Values in the Earliest History Written in French: Geoffrey Gaimar's Estoire Des Engleis”. in HOLLISTER, C. Warren (ed.) – Anglo-Norman Political Culture and the Twelfth-Century Renaissance: Proceedings of the Borchard Conference on Anglo-Norman History, 1995. Woodbridge: The Boydell Press, 1997, pp. 45-47.

GARFAGNINI, Gian Carlo – “Legittima potestas e tirannide nel Policraticus di Giovanni di Salisbury”. Critica Storica 14 (1977), pp. 9-44.

GILLINGHAM, John – Richard Coeur de Lion: Kingship, chivalry, and war in the twelfth century. London: Hambledon Press, 1994.

GILLINGHAM, John – The English in the Twelfth Century: Imperalism, National Identity and Political Values. Woodbridge: Boydell & Brewer, 2008.

GILLINGHAM, John – William II The Red King. London: Lane, 2015.

GOUTTEBROZE, Jean-Guy – “Robert de Gloucester et l’écriture de l’histoire”. in BUSCHINGER, Danielle (ed.) – Histoire et literature au moyen âge: actes du colloque du Centre d’Études Médiévales de l’Université de Picardie (Amiens 20–24 mars 1985). Göppingen: Kümmerle Verlag, 1991, pp. 143-160.

GRANSDEN, Antonia – Historical Writing in England. Ithaca, New York: Cornell University Press, 1974-1982.

GREEN, Judith A. – The Government of England under Henry I. London; New York Melbourne: Cambridge University Press, 1986.

Medievalista, 23 | 2018 80

HAAHR, Joan Gluckauf – “The Concept of Kingship in William of Malmesbury's Gesta Regum and Historia Novella”. Mediaeval Studies 38 (1976), pp. 351-371.

HARPER-BILL, Christopher; VINCENT, Nicholas (eds.) – Henry II: New Interpretations. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

HASKINS, Charles Homer – The renaissance of the Twelfth Century. Cambridge: Harvard University Press, 1927.

HOLLISTER, C. Warren – “The Strange Death of William Rufus”. Speculum 48, 4 (1973), pp. 637-653.

HOLLISTER, C. Warren – “William Rufus, Henry I, and the Anglo-Norman Church: Difference in Style or Change in Substance?”. Peritia 6-7 (1987), pp. 119-140.

HOLLISTER, C. Warren – (ed.) – Anglo-Norman Political Culture and the Twelfth-Century Renaissance: Proceedings of the Borchard Conference on Anglo-Norman History, 1995. Woodbridge: The Boydell Press, 1997.

KÖHLER, Erich – L’avventura cavalleresca. Ideale e realtà nei poemi della Tavola Rotonda. Bologna: Il Mulino, 1985 [ed. originale 1970].

MASON, Emma – “William Rufus: Myth and Reality”. Journal of Medieval History 3, 1 (1977), pp. 1-20.

MASON, Emma – King Rufus: The Life & Mysterious Death of William II of England. Stroud: History, 2008.

MASSEY, Hector J. – “John of Salisbury: Some Aspects of His Political Philosophy”. Classica et Mediaevalia 28 (1967), pp. 357-372.

OLDONI, Massimo – Gerberto e il suo fantasma. Tecniche della fantasia e della letteratura nel Medioevo. Napoli: Liguori, 2008.

PATTERSON, Robert – “William of Malmesbury's Robert of Gloucester: A Re-evaluation of the Historia Novella”. The American Historical Review 70, 4 (July 1965), pp. 983-997.

ROUSE, Richard and ROUSE, Mary – “John of Salisbury and the Doctrine of Tyrannicide”. Speculum 42 (1967), pp. 693-709.

SOUTHERN, Richard William – Saint-Anselm and his biographer: a study of monastic life and thought: 1059 - c.1130. Cambridge: Cambridge University Press, 1963.

SOUTHERN, Richard William – Medieval Humanism: And Other Studies. Oxford: Blackwell, 1984.

STRICKLAND, Matthew – War and chivalry: The conduct and perception of war in England and Normandy, 1066-1217. New York: Cambridge University Press, 1996.

STRICKLAND, Matthew – “On the instruction of a prince: the upbringing of Henry, the young king”. in HARPER-BILL, Christopher; VINCENT Nicholas (eds.) – Henry II: New Interpretations. Cambridge: Cambridge University Press, 2012, pp. 184-214.

THOMSON, Rodney M. – William of Malmesbury. Woodbridge: Boydell, 2003.

TÜRK, Egbert – Nugae curialium: le règne d'Henri II Plantegenêt (1145-1189) et l'étique politique. Genef: Librairie Droz, 1977.

VÀRVARO, Alberto – “Le corti anglo-normanne e francesi”. in Lo spazio letterario del Medioevo, II Medioevo volgare, La produzione del testo. Vol. I. Roma: Salerno editrice, 1994, pp. 253-301.

WARREN, Wilfred Lewis – Henry II. London: E. Methuen, 1973.

WEILER, Björn – “William of Malmesbury on Kingship”. History XC (2005), pp. 3-22.

Medievalista, 23 | 2018 81

WARREN, Wilfred Lewis – “William of Malmesbury, king Henry I and the Gesta regum Anglorum”. in LEWIS, Christopher P. (ed.) – Anglo-Norman Studies XXXI: Proceedings of the Battle Conference 2008. Woodbridge: Boydell, 2009, pp. 157-176.

WILKS, Michael – The World of John of Salisbury. London: Blackwell, 1994.

WOLF, Kenneth Baxter – Making History: The Normans and Their Historians in Eleventh-Century Italy. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1995.

NOTE

1. VITALE, Orderico – Historia Ecclesiastica. Ed. Marjorie Chibnall. Oxford: Oxford University Press, 1975, Lib. X, 4, p. 209.

2. EADMERO – Historia Novorum. Ed. Martin Rule. Lessig-Druckerei: Kraus reprint, 1965, Lib. II, p. 102.

3. MALMESBURY, Guglielmo di – Gesta Regum Anglorum. Ed. Roger A.B. Mynors, Rodney M. Thompson, Michael Winterbottom. Oxford: Clarendon Press, 1998, Lib. IV, 313, p. 557. 4. Cfr. BARLOW, Frank – William Rufus. 2nd ed. New Haven: Yale University Press, 2000, pp. 115-116, 158-163, 435-438. 5. Su Giovanni, re d’Inghilterra, si rimanda CHURCH, Stephen – King John: New Interpretations. Woodbridge: Boydell Press, 2012. 6. Vide: BARLOW, Frank. – William Rufus; MASON, Emma – King Rufus: The Life & Mysterious Death of William II of England. Stroud: History, 2008; GILLINGHAM, John – William II. The Red King. London: Lane, 2015. 7. Per una riflessione storiografica sulla figura di Guglielmo II cfr.: CALLAHAN, Thomas – “The Making of a Monster: The Historical Image of William Rufus”. Journal of Medieval History 7, 2 (1981), pp. 175-185. 8. Cfr. HOLLISTER, C. Warren – “The Strange Death of William Rufus”. Speculum 48, 4 (1973), pp. 637-653; CANTARELLA, Glauco M. – Principi e corti. Torino: Einaudi, 1997, pp. 87-90.

9. BRETT, Martin – The English Church Under Henry I. London: Oxford University Press, 1975; GREEN, Judith A. – The Government of England under Henry I. London / New York / Melbourne: Cambridge university press, 1986; HOLLISTER, C. Warren – “William Rufus, Henry I, and the Anglo-Norman Church: Difference in Style or Change in Substance?”. Peritia 6-7 (1987), pp. 119-140.

10. Cfr. MASON, Emma – “William Rufus: Myth and Reality”. Journal of Medieval History 3, 1 (1977), pp. 1-20; CROSBY, Everett – The King's Bishops: The Politics of Patronage in England and Normandy, 1066-1216. New York: Palgrave, 2013. 11. Lo scontro, o meglio gli scontri tra Anselmo e Guglielmo II si concentrarono sulla questione delle investiture, del primato di Canterbury (il primo esilio fu causato dal divieto di convocare un concilio episcopale), e dell’accettazione di Urbano II in quanto papa e sul servizio che Anselmo prestava alla corona ritenuto da Guglielmo II non sufficiente. 12. La Historia Novorum, sebbene si presenti come una storia degli ultimi avvenimenti del regno inglese, tratta quasi esclusivamente dello scontro politico tra l’arcivescovato e la corona; la Vita Anselmi aggiunge al ritratto politico di Anselmo una visione più privata e la lista dei suoi miracoli, in vista della futura canonizzazione. 13. EADMERO – Historia Novorum, lib. I, pp. 25, 30 e 38-39. 14. EADMERO – Historia Novorum, p. 39.

Medievalista, 23 | 2018 82

15. ANGLO-SAXON CHRONICLE, versione E. Ed. Dorothy Whitelock, David Douglas and Susie Tucker. Westport: Greenwood Press, 1986, p. 176. 16. O quella di Saturno, cfr. WALTER MAP – De Nugis Curialium. Ed. Montague R.James, Charles N. L. Brooke, Rodney A. B Mynors. Oxford: Oxford University Press, 1983, Dist. V, cap. 5, p. 439. 17. SOUTHERN, Richard W. – Medieval Humanism: And Other Studies. Oxford: Blackwell, 1984, pp. 160-162; WOLF, Kenneth B. – Making History: The Normans and Their Historians in Eleventh-Century Italy. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1995; HOLLISTER, C. Warren – Anglo-Norman Political Culture and the Twelfth-Century Renaissance: Proceedings of the Borchard Conference on Anglo- Norman History, 1995. Woodbridge: The Boydell Press, 1997. 18. A esempio: JOHN OF WORCESTER – Chronica, 22 (1088). Ed. Reginald Darlington, Patrick McGurk. Oxford: Clarendon Press, 1998, vol. III, pp. 49-56. 19. Guglielmo di Malmesbury (1090-†1142). Nato trent’anni dopo la Conquista normanna dell’Inghilterra, durante il regno di Guglielmo Rufo, nella contea del Wiltshire e poi monaco dell’abbazia di Malmesbury. In questo ambiente, Guglielmo è iniziato alla vita intellettuale e ai doveri monastici da Goffredo di Jumièges, approfondendo discipline come la filosofia e la storia; successivamente gli sono affidati i ruoli di precettore dei novizi e di bibliotecario. Oltre ai Gesta Regum, la sua produzione storica comprende i Gesta Pontificum; Historia Novella. Cfr. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, vol. 1, pp. xiii–xxi; FARMER, Dom Hugh – “William of Malmesbury's Life and Works”. The Journal of Ecclesiastical History 13, 01 (1962), pp. 39-54, p. 39; GRANSDEN, Antonia – Historical Writing in England. Ithaca, New York: Cornell University Press, 1974-1982, pp. 179-180; THOMSON, Rodney M. – William of Malmesbury. Woodbridge: Boydell, 2003, pp. 36-38. 20. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. I, Prologus, p. 15. 21. Le Gesta Regum Anglorum sono composte su invito della regina Matilde che incoraggia il monaco a compiere una ricerca storica sulla famiglia regale, con lo scopo di dimostrare la discendenza della stessa sovrana da sant’Adelmo, cofondatore dell’abbazia di Malmesbury. L’opera è iniziata intorno al 1118, interrotta, recuperata e portata a termine intorno al 1125-1127, per essere rivista e modificata negli anni tra il 1135 e il 1140. Cfr. THOMSON, Rodney M. – William of Malmesbury, pp. 7-8. 22. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, pp. 540-707, passim. 23. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. III, Prefatio, p. 425. 24. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, 311, p. 552. 25. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, 312, pp. 554-556. 26. Guglielmo II pare molto interessato allo sfarzo della sua figura e in tal senso Guglielmo di Malmesbury riporta un aneddoto: il re, indossando delle scarpe, chiede al cameriere quanto fossero costate; venendo a sapere che erano costate solo tre soldi il re indignato e lo ingiuria, “ Filii ‘ait’ meretricis ex quo habet rex caliga tam exilis pretii?”, chiedendone di più costose, per almeno un marco d'argento. Il cameriere ne compra un nuovo paio, ma a un prezzo molto inferiore e, intascando la differenza, le offre al sovrano che ne è molto soddisfatto. GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, 313, pp. 556-558. 27. “Quis talia de illiterato homine crederet? Et fortassis erit aliquis qui, Lucanum legens, falso opinetur Willelmum haec exempla de Iulio Cesare mutuatum essse. Sed non erat ei tantum studii vel otii ut litteras umquam audiret” GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, III. 320, p. 566. “ Eloquentiae nullae, sed titubantia linguae notabilis, maxime cum ira succresceret”, GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, 321, p. 566. 28. “Si quis vero desiderat scire corporis eius qualitatem, noverit eum fuisse corpore quadrato, colore rufo, crine sufflavo, fronte fenestrata, oculo vario, quibusdam intermicantibus guttis distincto, precipuo robore,

Medievalista, 23 | 2018 83

quamquam non magnae staturae, et ventre paulo proiectiore”, GUGLIELMO DI MALMESBURY – Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, 321, p. 566. 29. Cfr. HAAHR, Joan Gluckauf – “The Concept of Kingship in William of Malmesbury's Gesta Regum and Historia Novella”. Mediaeval Studies 38 (1976), pp. 351-371 ; WEILER, Björn – “ William of Malmesbury on Kingship”. History XC (2005), pp. 3-22. 30. Cfr. WEILER, Björn – “William of Malmesbury, king Henry I and the Gesta Regum Anglorum”. in LEWIS, Christopher P. (ed.) – Anglo-Norman Studies XXXI: Proceedings of the Battle Conference 2008. Woodbridge: Boydell, 2009, pp. 157-176. 31. PATTERSON, Robert – “William of Malmesbury's Robert of Gloucester: A Re-evaluation of the Historia Novella”. The American Historical Review 70, 4 (July, 1965), pp. 983-997; GOUTTEBROZE, Jean- Guy – “Robert de Gloucester et l’écriture de l’histoire”. in BUSHINGER, Danielle (ed.) – Histoire et literature au moyen âge: actes du colloque du Centre d’Études Médiévales de l’Université de Picardie (Amiens 20–24 mars 1985). Göppingen: Kümmerle Verlag, 1991, pp. 143-160. 32. La descrizione del regno di Guglielmo II si confronta con l’immagine esemplare di Enrico I che è però a sua volta in diretta relazione con quella di Roberto di Gloucester. L’autore crea così una alternanza tra modelli negativi e modelli positivi: Aroldo e Guglielmo I; Guglielmo II e Enrico I; infine Stefano di Blois e Roberto di Gloucester. Tra Guglielmo II e Stefano è possibile vedere delle analogie molto forti, se i regni del Conquistatore e di Enrico I sono rappresentati come una fase di ‘costruzione’, quelli del Rufo e di Stefano appaiono chiaramente come regni di rovina. Per questa analisi si veda: BELLEI MUSSINI, Lorenzo – Propter adhorantium auctoritatem voluntate. Legittimazione, patronage e propaganda nelle Gesta Regum Anglorum di Guglielmo di Malmesbury. Bologna: Alma Mater Studiorum Università di Bologna, 2014. PhD Thesis, passim e in particolare le pp. 3-30 e 224 e 269. 33. Orderico Vitale (1075-†1142) fu un monaco benedettino. Di origini inglesi, si trasferì poi nel monastero di St. Evroult, in Normandia, dove trascorse il resto della sua vita e scrisse la Historia Ecclesiastica, completata nel 1141. Cfr. CHIBNALL, Marjorie – The world of Orderic Vitalis. Oxford: Oxford University Press, 1984. 34. ORDERICO VITALE – Historia Ecclesiastica, Lib. X, pp. 200-290 passim. 35. Guglielmo II è invece uno dei due draghi – l’altro è il fratello Roberto – che combattendo distruggono il regno inglese. ORDERICO VITALE – Historia Ecclesiastica, Lib. XII, pp. 386-389. 36. ORDERICO VITALE – Historia Ecclesiastica, Lib. XI, 2, pp. 61-69. 37. Cfr. CHAUOU, Amaoury – L'idéologie Plantagenêt: Royauté arthurienne et monarchie politique dans l'espace Plantagenêt, XIIe-XIIIe siècles. Rennes: Presses universitaires de Rennes, 2001, pp. 195-202; CANTARELLA, Glauco Maria – “Il pallottoliere della regalità: il re perfetto di Sicilia”. in CORRAO, Pietro e MINEO, E. Igor (eds.) – Dentro e fuori la Sicilia. Roma: Viella, 2009, pp. 29-45. 38. Radulfo de Diceto, Roberto de Torigny, Ruggero di Howden, Gervasio di Canterbury, Guglielmo di Newburgh, Benoît di Sainte-Maure sono solo alcuni dei nomi dei protagonisti di una profonda ricostruzione e ripensamento della storia del regno anglo-normanno. Vide AURELL, Martin – “Les Plantagenêt, la propagande et la relecture du passé”. in AURELL, Martin (ed.) – Culture Politique des Plantagenêt: 1154-1224: Actes Du Colloque Tenu à Poitiers Du 2 Au 5 Mai 2002. Poitiers: Université de Poitiers; CNRS, 2003, pp. 9-34; CHAUOU, Amaury – “La culture historique à la cour Plantagenêt et les réseaux ecclésiastiques”. in AURELL, Martin (ed.) – Culture Politique des Plantagenênet, pp. 269-286. 39. Per completare questa riduttiva panoramica non posso che rimandare molto brevemente a: HASKINS, Charles Homer – The renaissance of the Twelfth Century. Cambridge: Harvard University Press, 1927. BEZZOLA, Reto – La cour d’Angleterre comme centre littéraire sous les rois Angevins (1154-1199). Paris: Champion, 1963; TÜRK, Egbert –

Medievalista, 23 | 2018 84

Nugae curialium: le règne d'Henri II Plantegenêt (1145-1189) et l'étique politique. Genef: Librairie Droz, 1977; CINGOLANI, Stefano Maria – “Filologia e miti storiografici: Enrico II, la corte plantageneta e la letteratura”. Studi Medievali XXXII (1991), pp. 814-832. AURELL, Martin – L’empire des Plantagenêt. Paris: Perrin, 2003. Per quanto riguarda la cortesia e le corti principesche: CANTARELLA, Glauco M. – Principi e Corti; Su Enrico II si veda: WARREN, Wilfred Lewis – Henry II. London: E. Methuen, 1973; BARTLETT, Robert – England Under the Norman and Angevin Kings 1075-1225. Oxford: Clarendon Press, 2006; GILLINGHAM, John – The English in the Twelfth Century: Imperalism, National Identity and Political Values. Woodbridge: Boydell & Brewer, 2008; HARPER-BILL, Christopher; VINCENT, Nicholas (eds.) – Henry II: New Interpretations. Cambridge: Cambridge University Press, 2012.

40. DAL PRA, Mario – Giovanni di Salisbury. Milano: Bocca, 1951; MASSEY, Hector J. – “John of Salisbury: Some Aspects of His Political Philosophy”. Classica et Mediaevalia 28 (1967), pp. 357-372; ROUSE, Richard, ROUSE, Mary – “John of Salisbury and the Doctrine of Tyrannicide”. Speculum 42 (1967), pp. 693-709; GARFAGNINI, Gian Carlo – “Legittima potestas e tirannide nel Policraticus di Giovanni di Salisbury”. Critica Storica 14 (1977), pp. 9-44; WILKS, Michael – The World of John of Salisbury. London: Blackwell, 1994. 41. GIOVANNI DI SALISBURY – Policraticus. Ed. Charles C. J Webb. Oxford: Clarendon Press, 1909, lib. III, cap. xv, pp. 232-233 e passim. 42. “Rex Anglorum qui Rufus cognominatus est, armis quidem strenuus sed parum religiosus et qui persecutione sanctorum et praecipue sancti Anselmi Cantuariensis spiculum inuidiae quo suffocatus est in se uisus est prouocasse, is, inquam, Cenomannum expugnauit, comitem cepit nec tamen dignatus est eum carcerali custodiae mancipare; tantoque operi attestabitur in perpetuum mons Barbatus aut, si alio nomine censere malueris, dicatur mons Barbarus aut Barbarorum”, GIOVANNI DI SALISBURY – Policraticus, lib. VI, cap. XVIII, p. 48. 43. GIOVANNI DI SALISBURY – Policraticus, lib. I, cap. IV, pp. 21-35. 44. Cfr. SOUTHERN, Richard William – Saint-Anselm and his biographer: a study of monastic life and thought: 1059-c.1130. Cambridge: Cambridge University Press, 1963, pp. 337-338; S. THOMAE CANTUARIENSIS Archiepiscopi, Epistolae ad Alexandrum Papam, Ep. XXV, (PL, 190, 476); Ep. XLII, (PL 190, 566). 45. MATERIALS FOR THE HISTORY of Thomas Becket, archbishop of Canterbury (canonized by pope Alexander 3., A. D. 1173). Ed. James C. Robertson. London: Longman, 1891, Epistola XXIII, pp. 35-36.

46. GIOVANNI DI SALISBURY – Vita Sancti Anselmi. Ed. Inos Biffi, Aldo Granata, Stefano Maria Malaspina, Costante Marabelli. Milano: Jaca Book, 2009, VII, p. 320. 47. GIOVANNI DI SALISBURY – Vita Sancti Anselmi, XI, p. 350; Cfr. EADMERO – Vita Anselmi. Ed. Inos Biffi, Aldo Granata, Stefano Maria Malaspina, Costante Marabelli. Milano: Jaca Book, 2009, lib. II, cap. XLIX, p. 193. 48. GIOVANNI DI SALISBURY – Vita Sancti Anselmi, XII e XIII, pp. 353-361. 49. WALTER MAP – De Nugis Curialium. Ed. Montague R. James, Charles N. L. Brooke, Rodney A. B Mynors. Oxford: Oxford University Press, 1983, Dist. V, Cap. 6, pp. 464 e 466. 50. EADMERO – Vita Anselmi, lib. II, cap. XLIV e XLIX, pp. 187 e 193; Gesta Regum Anglorum, Lib. IV, 333, pp. 573-577. 51. WALTER MAP – De Nugis Curialium, Dist. IV, Cap. 11, pp. 351-3; Cfr. OLDONI, Massimo – Gerberto e il suo fantasma. Tecniche della fantasia e della letteratura nel Medioevo. Napoli: Liguori, 2008, in particolare pp. 33-85. 52. “(…) ecclesia, quam tu [Guglielmo] truculenter irrumpis, predia sua distrahens in stipendia certe sed dispendia militum?”, WALTER MAP – De Nugis Curialium, Dist. V, Cap. 6, pp. 466 e 468.

Medievalista, 23 | 2018 85

53. Geffrei Gaimar, poeta anglo-normanno, di origini sconosciute. Non si hanno notizie della sua vita eccetto che godette della protezione e del supporto, tra gli altri, di Roberto fitzHenry, earl di Gloucester, e di Walter Spec. Scrisse L’estoire des Engleis probabilmente tra il 1136 e il 1137, una ambiziosa storia in lingua francese dell’isola britannica che parte dalle mitologiche ascendenze troiane dei suoi abitanti e si conclude con la morte di Guglielmo II Rufo. Cfr SHORT, Ian – Geffrei Gaimar: Estoire des Engleis (History of the English). Oxford: Oxford University Press, 2009, pp. IX-LIII. 54. GEFFREI GAIMAR – Estoire des Engleis. Ed. Thomas Wright. London: Canton Society, 1850, ll. 5775-6434, pp. 200-224. 55. GILLINGHAM, John – “Kingship, Chivalry and Love: Political and Cultural Values in the Earliest History Written in French: Geoffrey Gaimar's Estoire Des Engleis”. in HOLLISTER, C. Warren (ed.) – Anglo-Norman Political Culture and the Twelfth Century Renaissance, pp. 45-47; GILLINGHAM, John – The English in Twelfth Century, pp. 240-248. 56. CALLAHAN, Thomas – “The Making of a Monster”, pp. 180-181; GRANSDEN, Antonia – Historical Writing in England, pp. 178-182. 57. VÀRVARO, Alberto – “Le corti anglo-normanne e francesi”. in Lo spazio letterario del Medioevo, II Medioevo volgare, La produzione del testo. Vol. I. Roma: Salerno editrice, 1994, pp. 253-301. Vide GIRALDO CAMBRENSE – Expugnatio Hibernica, Proemium secundae editione. Ed. John S. Brewer, James F. Dimock, George F. Warner, Giraldi Cambrensis Opera. 8 vol. Londra: Rerum Britannicarum Medii Aevi Scriptores, 1851-1891, pp. 410-411 (Vol. V). 58. Per quanto riguarda la rappresentazione letteraria, brevemente gli essenziali: KÖHLER, Erich – L’avventura cavalleresca. Ideale e realtà nei poemi della Tavola Rotonda. Bologna: Il Mulino, 1985 [ed. originale 1970], pp. 53-89; DUBY, George – “Les “jeunes” dans la société aristocratique dans la France du Nord-Ouest au XII siecle”. Annales E.S.C. 5 (1964), pp. 835-846. Per i re cavalieri in ambiente plantageneto: GILLINGHAM, John – Richard Coeur de Lion: Kingship, chivalry, and war in the twelfth century. London: Hambledon Press, 1994; FLORI, Jean – Richard Coeur de Lion: Le roi-chevalier. Paris: Éditions Payot, 1999; CHAUOU, Amaoury – L'idéologie Plantagenêt; FASSÒ, Andrea – Il sogno del cavaliere: Chrétien de Troyes e la regalità. Roma: Carocci, 2003; STRICKLAND, Matthew – “On the instruction of a prince: the upbringing of Henry, the young king”. in HARPER-BILL, Charles; VINCENT, Nicholas (eds.) – Henry II: New Interpretations, pp. 184-214. E per quanto riguarda le fazioni a supporto delle rivolte dei principi plantageneti, e in particolare la famiglia Beaumont: CROUCH, David – The Beaumont twins: The roots and branches of power in the twelfth century. Cambridge: Cambridge University Press, 1986; STRICKLAND, Matthew – War and chivalry: The conduct and perception of war in England and Normandy, 1066-1217. New York: Cambridge University Press, 1996; CROUCH, David – The birth of nobility: Constructing aristocracy in England and France: 900-1300. Harlow, England: Pearson/ Longman, 2005. 59. Per quanto riguarda l’analisi dell’opera di Walter Map come anti-cavalleresca e la rappresentazione dei re cavalieri mi permetto di rimandare ai miei: DE FALCO, Fabrizio – “Lo specchio del cavaliere. L’uso del fantastico per rappresentare i lati oscuri dei milites nel de Nugis Curialium di Walter Map”. L’immagine riflessa Testi, società, culture XXIV/34 (2015), pp. 135-155; DE FALCO, Fabrizio – “Portraits of royalties in the De nugis curialium of Walter Map. A hyphothesis about chivalric royalty and political factins at the Plantagenet court”. [online] Memoria Europae II/1, (2016), pp. 120-153, http: // www.ojs.unsj.edu.ar/ index. php/ memoriaeuropae/ article/view/ 100/ 99 [accessed on 13-01-2017]; DE FALCO, Fabrizio – “I capitoli melusiniani del de nugis curialium:

Medievalista, 23 | 2018 86

ribaltamento dell’ideologia cavalleresca e uso politico”. Studi Medievali LVIII 1 (2017), pp. 45-92. 60. BARTLETT, Robert – Gerald of Wales, 1146-1223. Oxford: Clarendon Press, 1982. 61. GIRALDO CAMBRENSE – Itinerarium Kambriae, lib. II, cap. I, pp. 109-110 (vol. VI). 62. Cfr. GIRALDO CAMBRENSE – Topographia Hibernica, dist. I, cap. XXXII, dist. II, capp. IX, X e XIX, pp. 33-34, 91-95 e 101-107 (vol. V). 63. Sempre restrittivamente, sulla conquista irlandese e sulla visione che ne ha Giraldo: DAVIES, Rees – The first English Empire, power and identities in the British Isles 1093-1343. Oxford: Oxford University Press, 2000; DUFFY, Sean – “Henry II and England’s insular neighbours”. in HARPER- BILL, Charles; VINCENT Nicholas (eds.) – Henry II: new interpretations, pp. 132-133; DE FALCO, Fabrizio – “I tempi narrati e il tempo della narrazione. Alcune ipotesi sulla Topographia Hibernica di Giraldo Cambrense”. in BARILLARI, Sonia Maura; DI FEBO, Martina (eds.) – Calendari. L’uomo, il tempo, le stagioni. Aicurzio: Virtuosa-Mente, in corso di stampa. 64. BARTLETT, Robert – “Political prophecy in Gerald of Wales”. in AURELL, Martin (ed.) – Culture Politique des Plantagenêt, pp. 303-311. 65. GIRALDO CAMBRENSE – De principis instructione libri III, dist. III, capp. XXIX e XXX, pp. 312-326 (vol. VIII). 66. GIRALDO CAMBRENSE – De principis instructione libri III, cap. XXVII, pp. 208-304. 67. “Item, principes vidimus qui non lineali propagine sibi invicem succedentes, sed per hysteron proteron potius, perque caedes suorum et strages propinquorum violentam adepti dominatione, cruentae tyranndis suae et crudelitatis nimiae talionem in terris ultione divina suscipiunt, perque sagittas atque balistas vel oppressiones bellicas et hostiles invasiones creberrimas, innaturali plerumque morte decedunt, perpetuam alibi poenam in Gehennae supplicio praestolantes, nec filiis aut nepotibus ceterive propinquis male quaesita pejusque detenta, cuncta nimirum grave nimis et perverse gubernata, relinquunt”, GIRALDO CAMBRENSE – De principis instructione libri III, cap. XXX, pp. 315 e 320. 68. Cfr. CHURCH, Stephen – King John, Magna Carta and the making of a Tyrant. London: Macmillan, 2015. 69. GIRALDO CAMBRENSE – Speculum ecclesiae, dist. III, cap. I, p. 138, (vol. IV).

RIASSUNTI

Guglielmo II detto Rufo, terzogenito di Guglielmo il Conquistatore, fu re d’Inghilterra dal 1084 al 1100, anno della sua improvvisa morte. Ottimo comandante e animo battagliero, Guglielmo Rufo riuscì a rafforzare il regno inglese e passò gran parte della sua reggenza in guerra con suo fratello maggiore e in aperto contrasto con la Chiesa. Passerà poi alla storia, tramite soprattutto la descrizione che ne daranno le cronache immediatamente successive la sua morte, come uno dei peggiori re d’Inghilterra. Durante l’XI e il XII secolo Guglielmo Rufo diventa l’exemplum di tutto ciò che un re non sarebbe dovuto essere. Nessun aspetto della regalità gli appartiene: non la grazia, non la giustizia, non l’abilità di governo. Il ritratto di Guglielmo Rufo è creato da ecclesiastici che ben ricordano, e accusano, la sua condotta nei riguardi della Chiesa. In questo articolo sono ricostruite in breve le tappe attraverso le quali autori come Guglielmo di Malmesbury e Orderico Vitale hanno descritto Guglielmo Rufo; poi sono prese in analisi alcune opere del XII secolo, come quelle di Giovanni di Salisbury, Walter Map e Giraldo Cambrense, dove la figura del malvagio re inglese diventa metro di paragone e di confronto per la

Medievalista, 23 | 2018 87

contemporaneità. Il re, la cui morte misteriosa fu un “atto di giustizia” divina, si trasforma da uomo in exemplum.

William II called Rufus – William the Conqueror‘s third-born – was king of England from 1084 until his unexpected death in 1100. Being an excellent captain and a brave warrior, William Rufus succeeded in strengthen the English kingdom. He spent most of his regency in war against his older brother, and in direct conflict with the Church. His name will be remembered by the History, especially through the annals written immediately after his death, as one of the worst kings of England. In the 11th and 12th centuries, William Rufus became the example of everything a sovereign should not be: he missed every aspect of the kingship. He did not show nor gracefulness nor justice nor capability of government. His memorial image was created by ecclesiasticals that well remembered and abhorred his behavior towards the Church. In this paper I will briefly reconstruct the steps through which authors such as William of Malmesbury and Orderic Vitalis described William II. Moreover, I will analyse John of Salinsbury, Gerald of Wales and Walter Map’s works of the 12th century. They present the portrait of the evil sovereign as a comparison tool for the contemporaneity – he became an exemplum and his death emerged as “divine justice”.

INDICE

Keywords : William Rufus, Anglo-Norman, Culture, Plantagenets, Clergy

AUTORE

FABRIZIO DE FALCO

Università di Bologna, Dipartimento di Storia Culture Civiltà, 40124, Bologna, Italia [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 88

Staging deaths: King Sverre or a usurper’s path to the throne

David Brégaint

EDITOR'S NOTE

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017

1 In 1177, the defrocked priest Sverre Sigurdsson left the Faroe Islands in the North Atlantic for the shores of Norway with the resolute intention of claiming the throne of Norway1. According to the Sverris saga2, soon after landing in Norway, Sverre took command of a rebel faction, the Birchlegs, whom he subsequently led to numerous victories. Eventually, Sverre became the sole king and went on to “enjoy” 18 long, yet troubled years in power. His rise to royal power was troubled likewise, as the Norwegian throne was already occupied by King Magnus V Erlingsson (1161-1184), who needed to be driven out.

2 Like any usurper with royal ambitions, Sverre faced two main challenges: to gain support for his cause and, in turn, eliminate his enemies. However, Sverre suffered from several handicaps. These are summed up perfectly in the prologue of a late 14th- century version of the Sverris saga: “But neither goods nor kin supported Sverre and no friends either, as one should know, as he came in the country young and alone and unknown to any”3. No one in Norway was waiting for him or ready and willing to support his cause. The latter challenge proved particularly troublesome and would remain a stumbling block until his death in 1202. His claim to the throne rested upon a dubious assertion of royal descent, as he declared he was an illegitimate son of the late King Sigurd II Munn (1133-1155). His kinship with that monarch could not be legally proven, nor was there anyone in Norway ready to acknowledge it4. Furthermore, his intention of asserting his claim by force seemed incredible, for Sverre neither commanded armies nor possessed the resources needed to finance or attract military

Medievalista, 23 | 2018 89

backing. Claiming the Norwegian throne with so little political, legal and military support looked like it must be a stillborn enterprise.

3 Yet Sverre’s unlikely schemes profited from favorable circumstances. First, the ruling king, Magnus Erlingsson, was challenged on both political and military fronts. His election to the throne in 1161 and his coronation in 1163, the first of its kind in Scandinavia, also rested upon questionable foundations. He was made king based on his kinship with a queen, which according to the traditional lines of succession should not have qualified him for kingship. Moreover, Snorre Sturlusson’s main political saga, Heimskringla, depicts the crowning of Magnus Erlingsson as the outcome of an improvised compromise between the king’s father, Earl Erling Skakke, and the archbishop of Norway5. In this respect, Sverre faced a ruler who was himself a usurper of sorts. For this reason, other pretenders to the throne and their parties regularly contested Magnus Erlingsson’s power by military means. Although Magnus and his father were generally successful in quelling these threats, Sverre reckoned that he could potentially channel these resistance movements in his favor, pledging to champion and, in turn, profit from existing military and political opposition forces.

4 Given these political premises, Sverre had no other option than to establish his claim by force of arms. However, while Sverre’s way to power was largely dependent on his military victories, he also needed to address another necessary element that could secure him the throne: popular and political support. Popular support was decisive, because once his authority over the population and its elite was accepted, Sverre could draw resources, whether in the form of taxes or recruits to his army, to wage his war against King Magnus. Indeed, economic stakes were crucial to the war, in particular concerning the possession of a fleet. In the particular Norwegian context, no contender could mount a serious military challenge to King Magnus without boats, which ensured a swifter transportation of troops than on land. For Sverre’s strategy, this meant abandoning guerrilla warfare for large-scale encounters6. However, the mobilizing of vessels or their construction needed the population to be willing to contribute. In addition, the possession of fleet was in itself a mark of power. As we will see, an armada conferred upon its leader a prestige that could be instrumentalised for propaganda purposes. Sverre’s challenge lay precisely in winning victories on the battlefields as well as in the minds of the people. A series of propitious episodes allowed Sverre to combine his military victories with a persuasion campaign: the burial ceremonies of Erling Skakke in 1179 after the battle of Kalvskinnet, and of King Magnus Erlingsson in 1184 following his death in the naval battle of Fimreiti.

5 The aim of this article is to explore Sverre’s skillful exploitation of these burial ceremonies for his own political benefit by creating a rostrum for his political arguments. The following analysis will shed light on Sverre’s use of orality, the medium of speech, and ritual staging to heighten the impact of his defeat of the incumbent monarch, thus obtaining royal authority for himself. In addition, it will emphasize how the constantly changing balance of power shaped the very foundations for Sverre’s propaganda: Sverre adapted his speeches and staging to each particular situation. The aforementioned burials are well known to scholars treating about the Civil war and King Sverre’s march to power. However, in a general manner, these episodes have simply counted for pivotal successive steps in Sverre’s conquest of power7. In addition, Sverre’s burial orations have only been treated whether as eminent examples of the king’s rhetorical skills or as a source for his royal ideology8. Yet, earlier scholarship has

Medievalista, 23 | 2018 90

largely failed to examine their meanings in the changing context of Sverre’s assertion of power and in connection to his military victories. Finally, the staging of death in order to gain royal power was not restricted to the deaths of his enemies. Once he had gained the throne, Sverre’s last challenge was to secure his succession. Thus, as an eminent example of Sverre’s political opportunism and propaganda, we will lastly explore Sverre’s efforts to stage his own agony and death in 1202 in an attempt to render his authority more enduring. The case of King Sverre, a usurper in the peripheral kingdom of Norway, will enrich our understanding of royal usurpers, the pressing challenges they faced, and the strategies they devised in within the medieval monarchic context.

6 Before proceeding to the analysis, we must first address two central issues: the ambivalent character of Sverre as a usurper, and the challenging source situation. First, Sverre’s situation with respect to the ruling king was ambiguous as his royal ambitions were not entirely those of a usurper. Although Magnus Erlingsson’s crowning and anointment in 1163 was followed by a rule of succession that established the Norwegian monarchy, the traditional system of joint kingship and agnatic succession was not obsolete and still had ardent supporters, especially among the families of royal descent9. At the very start of his journey to royal power, Sverre only aimed to claim a share of the kingdom10. However, this was unthinkable for King Magnus and the Church, and King Sverre would never have been acknowledged as anything other than a usurper. Finally, the different episodes addressed in this study stem from a single source, the Sverris saga, a situation that raises source-critical questions, which we can only address briefly here11. The eponymous saga recounts the life of King Sverre from his arrival to Norway to his death in 1202. It was written, in part, during the king’s own lifetime and later completed a decade after his death12. It is unquestionably a masterful work of propaganda aiming at legitimizing Sverre’s path to royal power and discrediting the rebels against Sverre’s successors in the context of the Civil War (1130-1240). For this reason, we should approach these episodes with caution, bearing in mind their function in the legitimization and glorification of Sverre’s kingship. In particular, the different speeches upon which this analysis is based may not reflect Sverre’s orations word for word. They may have been based upon the testimony of witnesses who were still alive when the saga was completed. But they also may have sprung from the author’s imagination. However, it is my contention that political propaganda necessarily must enjoy a certain degree of credibility in order to be successful13. The saga addressed an audience that was most probably composed of the still living protagonists of these staged burials, necessarily limiting the author’s textual manipulations. In other words, although we cannot take every piece of information for granted, it is reasonable to assume that there is some truth in the events narrated in the saga.

Feasting on the Earl’s grave

7 The battle of Kalvskinnet near Nidaros (now known as Trondheim) in the summer of 1179 was crucial to Sverre’s path to power in Norway. Until then, he and his men had been successful in leading skirmishes and guerilla-like warfare against King Magnus Erlingsson. The encounter in Nidaros, where he fell unexpectedly on Magnus and his father Earl Erling, was the first large-scale battle he fought14. Sverre won his first major

Medievalista, 23 | 2018 91

victory, killing several of the king’s hirdmen15, putting the king to flight and seizing his fleet, but the battle had also had a further crucial outcome: Erling Skakke, the royal vanguard and father of the incumbent king, lay slain upon the battlefield. Erling’s death was a serious blow to Magnus and his partisans. Earl Erling had been the real military leader of the royal troops and his death left the young and unexperienced king alone to face a military strategist on the rise: King Sverre. Symbolically, too, the defeat was a disaster for Archbishop Eysteinn Erlendsson (1157-1188), Magnus’s most steadfast supporter, as it took place in Nidaros, the head of the archbishopric and the very home of the archbishop. The death of the earl in Nidaros provided Sverre not only with control over the region around Nidaros, but also with an unhoped for opportunity to leave an impression and reverse the power relations. The saga recounts that after the battle, the earl’s body was carried into town and prepared for burial at Christ Church16. The staging of the burial is not described in much detail; it is only mentioned that King Sverre stood in the open, outside the walls of the Nidaros cathedral, over Erling’s grave. However, the brevity of the text does not detract from the dramaturgy of Sverre’s posture. Indeed, the saga narrates several similar situations in which Sverre addressed the public, standing and waiting for the proper moment to speak, building up an atmosphere of suspense and expectations. The saga also mentions liturgical chants and a “beautiful service” from the clerics present, attesting that the burial ceremony had thus followed the regular pattern for solemn burials17. Thus, for the one who stood to give the eulogy was none other than Sverre, whose aims were rather political than sentimental: in paying his tribute, he hoped to elaborate upon the significance of his military victory by delivering a propaganda speech.

8 Reading the Sverris saga, it is unsurprising that Sverre felt comfortable with holding a public speech under these circumstances. The saga recounts numerous speeches, both battle speeches to encourage his men and several public orations in assemblies, portraying the king as a clever orator18. His personal eulogy presents him as “most eloquent in speech; his ideas were lofty, his articulation was distinct, and when he spoke, the ring of his voice was so clear that though he did not appear to speak loudly, all understood him”19. Although an outstanding military strategist, King Sverre also knew how to manipulate using the weapon of persuasion, which in the proto-literary context of the time made public orations the best instrument for propaganda20.

9 The context of Erling’s burial on the heels of battle dictated the form and the content of Sverre’s performance. Sverre had won a military encounter, but had yet to win the war. Combining acerbic attacks with a dash of irony and humor, Sverre’s speech aimed to exacerbate the struggle against the king and his party, undermining Magnus’s legitimacy and attacking his credibility. He began by ironizing the archbishop’s promise that those who fell against Sverre upon the battlefield would go directly to heaven and become saints to worship. Sverre argued these men should not be worshiped for what they could do for the living, but that the audience should rather pray for them and their rest21. This humorous argumentation was a skilled rhetorical device establishing a strong premise upon which Sverre could build his speech’s line of argument. First, he portrayed the fallen Erling not as a saint, but as a sinner. Sverre declared that Earl Erling bore the helmet of terror (“œgishjálmr”), portraying Erling as a perturbator pacis, one who brought death and destruction not only to Sverre and his men, but to many more22. Indeed, Erling’s fight was rooted in the fallacious initiative of elevating his own son to the rank of king; an outrageous undertaking, argued Sverre,

Medievalista, 23 | 2018 92

that deprived rightful royal claimants of their titles23. In stigmatizing Erling, Sverre indirectly addressed the legal foundation of Magnus Erlingsson’s rights. This issue was, of course, fundamental for Sverre, as it cast doubts on the king’s legitimacy and thus weakened the loyalty of Magnus’ partisans. Finally, in stigmatizing Erling as a peacebreaker and his death as the end of tyranny, King Sverre presented himself as the one who had set wrong to right, as a rex iustus bringing peace and justice to the realm.

10 The military victory and the funeral of Erling also served another purpose: to garner support for Sverre’s cause, including the support of his own men as well as that of his defeated enemies and supporters. Standing over the body of his enemies’ military commander was a splendid opportunity for Sverre to motivate his troops for the upcoming battles. Sverre’s speech had begun with praising their triumph, which he interpreted as a divine sign: victory was God’s will, which was manifest in Erling’s defeat and death at the hands of Sverre and his men. In other words, God had found his champion, Sverre, and was thus backing him in his struggle. Divine support would strengthen the faith of Sverre’s warriors in his cause and sanction the legitimacy of his claims to the throne.

11 Yet the speech was also directed at another audience: Sverre spoke just as much to Erling’s surviving supporters – the majority of the people of Nidaros, who originally were loyal to King Magnus, and in particular clerics from the cathedral, who, as the saga suggests, were present at the burial ceremony24. Vanquished and leaderless, these men could be persuaded to rally behind Sverre. As a way of creating doubt in the minds of his enemies and their supporters, Sverre’s oration sought first to elevate his victory as the foundational act of a new era, a turning point or ‘alda skipti’ in the course of time and more particularly in the balance of power: “Times are greatly changed, as you may see, and have taken a marvelous turn, when one man stands in the place of three – king, earl, or archbishop – and I am that one. Much to be seen and known is occurring here now, of great import.”25

12 These words were a call to his enemies to reassess their situation. They were now at a crossroads. After that momentous day, on which they had been direct witnesses of a new era beginning, there would be no way back. Still under the shock of Erling’s death, they were confronted with a choice between a decisive victor, King Sverre, who was now a major force to be reckoned with, and their allegiance to a ‘trinity’, now diminished and in disarray. Sverre urged these men to “Let every man among you do now what seems best, and what he thinks meetest for himself”26. Having planted the seeds of doubt, Sverre could proceed to undermine their faith in the king’s party. The overall tone and argumentation of the speech then stresses that these men had been lured by false pretenses and empty promises. Those whom they supported, Erling and the archbishop, had proven to be political frauds, and nothing of what they prophesied, such as the fate of the men dying for the king, would come to pass. Sverre’s speech aimed to stress how dire their situation was, compelling them to reconsider their loyalties.

13 King Sverre thus wanted to make his victory in Nidaros and its aftermath a significant turning point in his struggle for power against King Magnus Erlingsson. The saga itself played a part in presenting Sverre’s victory and Erling’s death as a pivotal event, stating that “[a]fter this battle and the fall of Earl Erling, King Sverri's power grew to such a height that there was no-one in Norway, except King Magnus and his men, who did not call him King” (my emphasis)27. Finally, according to the text the event also marked

Medievalista, 23 | 2018 93

a significant shift in popular opinion about the Birchlegs. While these owed their rather disparaging name to their poor social origins, their victory in Nidaros meant that their heroism and bravery was now acclaimed throughout the kingdom28.

Feasting on the king’s grave

14 The second speech to be analyzed here developed in very similar fashion to that given at the burial of Earl Erling: an oration held at the burial of King Magnus Erlingsson following his defeat against Sverre at the battle of Fimreiti, near the town of Bergen, in 118429. The context, however, was quite different. Here, it was not the military commander of the king’s faction who was to be buried, but rather the king himself. This was, of course, a major turn in Sverre’s quest for royal power. During the five years preceding the battle of Fimreiti, King Sverre’s power had grown stronger; he had defeated King Magnus on several occasions, even forcing him and Archbishop Eysteinn to flee the country for some periods of time30. Now King Magnus’s death had cleared Sverre’s path to the throne, which he could ascend to on more peaceful terms. However, years of war had divided the realm into irreconcilable factions. If Sverre wished to establish his rule beyond doubt, he needed to either rally the support of the late king’s followers or, at the very least, compel them to abandon their fight. Magnus’s burial became the stage upon which Sverre could articulate this new political agenda.

15 Indeed, for Sverre, the interment of King Magnus was envisioned as a decisive act in the transfer of power. The battle in which Magnus had fallen was a naval engagement. Magnus had drowned and Sverre expended considerable energy in recovering his body, mobilizing every warrior in the search31. Once Sverre had the body in his possession, he directed his fleet to Bergen. The arrival of the fleet near the town was the first act in Sverre’s persuasion campaign. This arrival could not be discreet; on the contrary, it was staged as a royal entry showing the inhabitants of Bergen, a town long loyal to Magnus, that a powerful victor was coming. As explained in the saga, Sverre orchestrated a grand display of his fleet in an effort to astound the townsmen with his power: “Before he sailed in front of the town the King commanded his men so to arrange the approach that their force might impress to the utmost the eyes of the townsmen.”32 When the king docked at the town’s wharf, he was received in princely fashion with church bells ringing and a procession33. Sverre had thus left nothing to chance, and this meticulously prepared show of force was the prelude to the burial that engineered a direct link between the ceremony and the battle from which Sverre had emerged victorious.

16 Building upon his military victory at Fimreiti, Sverre claimed a dominant role in the ceremony. He first exploited this control to put a definitive end to the war. As the saga mentions, Magnus was to be interred inside Christ Church, in the space near the altar. King Sverre is then said to have stood over the grave together with Pál, Bishop of Bergen, in front of all the townsmen. Magnus’s body, which Sverre had been so anxious to recover, was publicly displayed on his order so that the whole audience could identify the defunct ruler, precluding any potential imposters from continuing the fight under a false identity34. With this display, Sverre aimed to emphasize that the conflict had ceased because one of its protagonists was no more. This device took up the topos of the ‘turning point’ from Sverre’s speech over Erling’s grave. His victory and the death of the king marked the irremediable end of an era. His speech, laudatory

Medievalista, 23 | 2018 94

and mild, also aimed to achieve the same goals, albeit in a different manner. Although not as long as the one he held at Erling’s grave, this speech was highly informative. While the words employed are interesting, it is those that are left out that are most fascinating. Unlike the earlier speech, this one resembled a standard funeral eulogy. Sverre praised Magnus as a great king, “kind and loving to his friends and kinsmen”, mentioning his honor and his royal kinship, “an honorable chief in many respects, and adorned by kingly descent”35. The tone of Sverre’s speech was also mild and compassionate36. The struggle in which they had been opponents through many years and battles was reduced to a mere disagreement: “he and I, kinsmen, had not the good fortune to agree. He was hard to me and my men; may God forgive him now all his transgressions”37. The death and destruction that Magnus had inflicted upon Sverre were now forgiven. With the words and tone of Sverre’s speech five years earlier in mind, one can hardly believe that Erling and Magnus had belonged to the same faction. Even more remarkable here is Sverre’s silence on any potentially problematic issues. He makes no reference to Magnus’s illegitimate claim to the throne, nor did he use the speech as a platform from which to put forward his own right or God’s supposed support of his cause. Compared to the battle that had taken Earl Erling’s life five years earlier, Sverre’s military victory over Magnus in Fimreiti presented an equally good opportunity to equate the fate of battle with the will of God. However, none of these motifs is elaborated upon in Sverre’s speech. Sverre’s funeral oration for King Magnus was meant to be consensual, not to fuel hostilities; to sooth antagonisms, not exacerbate them. It was now time to prepare for his rule, to demonstrate magnanimity, to gather popular support and to rally his previous enemies to his cause. Finally, Sverre’s generosity and nobility of mind, so emphatically demonstrated throughout the burial, was also revealed in his particular care for Magnus’s grave; the tomb was adorned with coverlets and a balustrade was set up around it. Magnus’s grave obviously deserved the greatest honor attached to the royal function. Sverre was now entitled to precisely this same function; from now on, he expected the same respect and reverence.

Staging your own death

17 Like a vulture feasting on corpses, Sverre had unscrupulously exploited the death of his enemies to fuel his royal ambitions. Unfortunately for him, the death of King Magnus did not put an end to the war. The Church and the archbishop of Nidaros, long-time allies of King Magnus, carried on the rebellion, both on the battlefield and in rhetorical terms. In the eyes of the Church, Sverre was the regicide of a crowned king, and his rule could not be accepted. The opposition escalated when the archbishop Eirik Ivarsson (1188-1205) excommunicated Sverre in 1194 or 1196. Soon after the death of King Magnus, a new party, the Baglers38, had appeared around a new pretender, Inge Magnusson. Founded by the bishop of Oslo, Nicholas Arnason, the Baglers threatened Sverre’s control over the kingdom. Ecclesiastical opposition, the weight of excommunication, and constant warfare were to plague Sverre until the end of his reign – indeed, until his very last breath. The third and final episode that I wish to explore does not concern the burial of Sverre’s enemies, but his own death. When Sverre fell ill and sensed his impending death in 1202, he meticulously prepared his own agony.

Medievalista, 23 | 2018 95

18 A propagandist at heart, Sverre viewed his own death as a splendid final opportunity to realize his political dream: to impose his royal rule over the realm of Norway. This time, as a king who had conquered the throne, his ambition was to extend his rule beyond his own death. Sverre had a son, Hákon Sverresson (1182-1204), whom he publicly acknowledged as his true heir on his deathbed39. However, ecclesiastical opposition threatened the political edifice, which Sverre had so patiently erected by continuing to oppose his heir. As part of his recommendations to his son, Sverre thus urged Hákon to make peace with the Church. For his own part, reconciliation with the Church was impossible, and Sverre deployed a last effort to weaken ecclesiastical resistance, staging his own agony and death in a manner that sought to prove the fallacy of the Church’s struggle against his line. The saga tells that King Sverre demanded to be propped upon the throne until his final breath: “Now before I am anointed, I wish to be set in the high-seat, where I will abide, come better come worse. And if I die here in the high-seat, my friends standing around me, the death and the story of it will be other than Bishop Nicholas Arnason will expect; for he said that I should be smitten down like an ox, and be food for hound and raven. But God be thanked that He has protected me in many struggles from the weapons of my foes.”40

19 The dying king thus wished to disprove an earlier prediction, made by his fiercest rival, Bishop Nicholas Arnason of Oslo that Sverre would die alone in a ditch with scavengers feasting upon his flesh. No, Sverre was dying perched upon the throne, the supreme symbol of royal power, as a king with his loyal subjects around him. This striking demonstration of the prelate’s error also allowed Sverre to touch upon the recurring theme of the king’s divine legitimacy. Sverre’s conquest of power, his success in battles but also in defeating his enemies’ propaganda (in this particular case through staging his death) had been God’s will all along. Sverre’s wish was certainly that God’s sanction of his rule would pass on to his son and his right to succeed to his father.

20 Sverre’s excommunication had been the climax of his struggle with the Church. Killing a king, Magnus Erlingsson, whose rule and legitimacy had never been fully accepted was less of a burden than being exposed to the Church’s highest punishment. The papal excommunication also had direct consequences for the people of the realm, as the country was most probably placed under ecclesiastical interdict41. The clergy’s temporary refusal to carry out liturgical rites such as mass and baptisms not only exposed Sverre himself to great unpopularity – a serious impediment for a ruler who strove to win popular support. An even more serious threat was that the released his subjects from their oath of fidelity and obedience. The staging of his death thus also sought to prove the fallacy and injustice of his excommunication. “Leave my face uncovered when I am dead, that my friends and foes may both see if there is any mark on my body of the ban wherewith my foes have cursed and excommunicated me. If the signs are no better than they say, I shall not then be able to conceal them.”42

21 Thus, as he had in his display of King Magnus Erlingsson’s body, King Sverre intended to exploit his own corpse for his propagandistic aims. The reference to physical marks of excommunication on the body is puzzling, as this phenomenon is not documented in medieval literature. Nor is it known whether these marks belonged to the Norse world of magic43. Be this as it may, the whole staging suggests a popular belief that excommunicated individuals bore signs of their punishment in their flesh. It even implies that Sverre had been victim of some sort of propaganda that spread rumors

Medievalista, 23 | 2018 96

that he was marked following his excommunication in 1196. Obviously, Sverre’s request that his naked body be displayed to the public, allowing witnesses to search for the stigma of his excommunication, aimed at proving that these rumors were wrong. This staging of Sverre’s death and agony and the displaying of his corpse were part of his strategy of clearing himself of accusations and false predictions. It was a counterpropaganda meant to prove that Sverre’s enemies had sought to undermine his legitimacy with lies and deceit. Clearly, Sverre could not benefit directly from this stratagem himself. Sverre was looking beyond his own death. This macabre staging was a final attempt to discredit those challenging his power and through this to strengthen the legitimacy of his successor, Hákon Sverresson, in freeing his future reign and relationship with the Church from the burden of usurpation.

22 According to the saga, his wish was fulfilled, and “His face was left uncovered, as he had commanded. All who were present observed, and all afterwards bore one and the same testimony, that they had never seen a fairer corpse than his”44. The impact of Sverre’s act of propaganda remains difficult to gauge. Hákon Sverresson succeeded his father after his death. He also inherited the opposition of the Church. However, he was more successful in dealing with it than Sverre. In the immediate aftermath of Sverre’s burial, King Hákon made a truce with the clergy. The document that bears witness to the agreement, known as King Hákon’s letter of truce with the Church, makes it clear that both the Church and the crown shared responsibility in the conflict45. Even though many elements made this reversal possible, Sverre’s last desperate action may have contributed to it. Although he could just as well have chosen to stage his death in such a way as to stress his humility and repentance in order to ease the situation for his son, Sverre instead chose aggressive propaganda. Ultimately, the public display of his body was meant to influence public opinion and to tip the balance of power in his favor, providing his son with a better foundation for a deal with the Church. Thus, Sverre’s death staging and his call to Hákon to seek peace with the clergy must be interpreted as a unified act of propaganda.

Conclusion

23 So, what does Sverre’s case reveal about usurpers, their campaigns for power and the challenges with which they were confronted? First, it shows that the path to power often involved a long series of conflicts and that not every fight was played out upon battlefield. Some needed to be acted out upon the stage of communication and propaganda. Enemies needed to be discredited, their position weakened, and their support undermined with words in the context of public rituals. Furthermore, words were necessary to motivate partisans, strengthen loyalties and defend claims. These episodes show in particular that these two forms of combat were intimately related. The successful outcome of a battle provided the usurper with the opportunity to maximize and exploit the strategic advantage obtained by arms to conduct propaganda. Sverre’s appropriation of princely burials is symptomatic of the challenges met by outsiders in their quest for power. In contrast to the legitimate ruler, who controlled the communication arenas in his kingdom (even if some of these were in an embryonic state at this time) to propagate his legitimizing ideology, the usurper’s scope for communication was far more restricted. Often limited to face-to-face communication, the usurper needed to seize each opportunity to reach a local audience. To stick with

Medievalista, 23 | 2018 97

military metaphors: the usurper needed to conquer public spaces in order to win the war of propaganda.

24 However, as Sverre’s burial speeches eminently illustrate, the link that connected the battlefield to the propaganda enterprise was not limited to providing an opportunity for the victor to publicize his own propaganda. Both Sverre’s performance as well as his arguments rested crucially on this proximity to the battlefield. Whether it was the royal entry of his fleet into Bergen or the public display of Magnus Erlingsson’s corpse, the staging of Sverre’s interventions turned the other actors involved into a powerful reminder of his power and success. The arguments put forward in his speeches also derived directly from the outcome of the battle. The recurring topoi of victory as a landmark event and of God’s intervention, or the mocking of the defeated general, locate Sverre’s speeches within the framework of his military success.

25 Finally, these three successive episodes, in spite of their obvious similarities, attest Sverre’s ability to adapt his ritual performance to the respective context. Each of his military victories had a different impact and significance. Incisive verbal attacks when the throne was barely in sight in 1179 were followed a tempered and consensual speech when it was at hand in 1184. King Sverre’s own burial was both the occasion for power to be transferred from one generation to the next and a source of worry, as there was ambiguity over the succession. In order to face the threat from the Church, Sverre was compelled to take the staging of his death into his own hands, adapting it using brutal and even quasi-sacrilegious means in the holy precinct of the burial church to free his successor from the stigma of usurpation. Sverre’s initiative, although in keeping with his character, may also have been a last move to prevent the irony of the Church exploiting Sverre’s burial to achieve its political aims.

BIBLIOGRAPHY

Printed sources

NORGES GAMLE Love indtil 1387. Ed. R. Keyser and P.A. Münch: Kristiania, 1846-1895.

SNORRE STURLASON – Saga of Magnus Erlingsson. Ed. Samuel Laing. Heimskringla: A history of the Norse kings. London: Norroena Society, 1907.

THE SAGA of King Sverri of Norway. Ed. J. Sephton. Somerset: Llanerch Press, 1899.

JÓNSSON, Karl – Sverris saga. Ed. Gustav Indrebø, Historiske Kildeskriftkommission. Münch: Kristiania, 1920.

Studies

BAGGE, Sverre – From gang leader to the Lord’s anointed. Kingship in Sverris saga and Hákonar saga Hákonarsonar. Odense, Denmark: Odense University Press, 1996.

BAGGE, Sverre – From Viking Stronghold to Christian Kingdom, Museum Tusculanum Press, 2010.

BLÖNDAL, Lárus – Um uppruna Sverrissögu. Reykjavík: Stofnun Árna Magnússonar, 1982.

Medievalista, 23 | 2018 98

BRÉGAINT, David – Vox regis. Royal communication in High Medieval Norway. Leiden: Brill, 2016.

ELLUL, Jacques – Propaganda. The Formation of Men’s Attitudes. London: Vintage Books Edition, 1973 (1965).

GUNNES, Erik – Kongens Ære. Kongemakt og kirke i “En Tale mot biskopene”. Norge: Gyldendal Norsk Forlag, 1971.

HOLM-OLSEN, L. – “Sverris saga”. in OLSEN, O. et alii (ed.) – Kultur historisk leksikon for nordisk middelalder fra vikingetid til reformasjonstid. København: Rosenkilde og Bagger 1978, Vol. XVII, pp. 551-558.

KNIRK, James E. – Oratory in the King’s sagas. Oslo: Universitetsforlaget, 1981.

KRAG, Claus – Norges historie fram til 1319. Oslo: Universitetsforlaget, 2000.

KRAG, Claus – Sverre. Norges største middelalderkonge. Oslo: Aschehoug, 2005.

KRAG, Claus – “Sverre vinner kongedømmet”. in OLSEN, Per E. (red.) – Norges kriger. Fra Hafrsfjord til Afghanistan. Norge: Vega Forlag, 2011, pp. 104-109.

OLSEN, O. et alii (ed.) – Kultur Historisk Leksikon for Nordisk Middelalder fra vikingetid til reformasjonstid. København: Rosenkilde og Bagger 1978.

NOTES

1. This article was originally a paper presented at the international conference, Debuerit habere Regnum. – Deposing and Proclaiming Kings in the Middle Ages, Lisbon 12th -14th October 2016. 2. The English translation of the Sverris saga used in this article is THE SAGA of King Sverri of Norway. Ed. J. Sephton. Somerset: Llanerch Press, 1899 (Later abbreviated SvS). 3. SvS, prologue. 4. The sole ‘proof’ of his kingly descent is concealed in the Sverris saga, a text of propaganda aimed at legitimizing Sverre’s seizure of royal power. According to the saga, in his childhood, Sverre heard from his mother that he was son of King Sigurd II Munn (SvS Ch. 4); a state that, according to the traditional system of succession, qualified him for the royal title. Scholars have questioned Sverre’s alleged kinship with King Sigurd. Indeed, many contemporaries seriously doubted Sverre’s paternal claims. Sverre himself very seldom put forward his royal origin as the criterion legitimizing his claims to the throne, like in Ch. 59, preferring to stress his personal achievements. See in KRAG, Claus – Norges historie fram til 1319. Oslo: Universitetsforlaget, 2000, pp. 241-242. 5. SNORRE STURLASON – Saga of Magnus Erlingsson. Ed. Samuel Laing. Heimskringla: A history of the norse Kings. London: Norroena Society, 1907, Ch. 21. 6. KRAG, Claus – “Sverre vinner kongedømmet”. in OLSEN, Per E. (red.) – Norges kriger. Fra Hafrsfjord til Afghanistan. Norge: Vega Forlag, 2011, pp. 104-109. 7. BAGGE, Sverre – From Viking Stronghold to Christian Kingdom. København: Museum Tusculanum Press, 2010, pp. 40-52. 8. BAGGE, Sverre – From gang leader to the Lord’s anointed. Kingship in Sverris saga and Hákonar saga Hákonarsonar. Odense, Denmark: Odense University Press, 1996, pp. 31 and 68; KNIRK, James E. – Oratory in the king’s sagas. Oslo: Universitetsforlaget, 1981, pp. 99-126; KRAG, Claus – Sverre. Norges største middelalderkonge. Oslo: Aschehoug, 2005, pp. 72-77.

Medievalista, 23 | 2018 99

9. The first Law of Succession was issued following Magnus Erlingsson’s crowning in 1163 in Bergen. The Law established sole kingship in Norway for the first time and invalidated the earlier formal right of any sons of kings to the throne. Royal succession was based on the principles of male primogeniture and legitimate birth. See BAGGE, Sverre – From Viking Stronghold, pp. 166 ff. 10. For instance, as late as the summer of 1182, King Sverre met King Magnus Erlingsson in Bergen to discuss a truce. During the meeting, King Sverre offered to Magnus to split the kingdom in two halves, leaving him the choice of the part he preferred to rule. King Magnus refused and told Sverre to leave the country or to die on the battlefield. SvS Ch. 60. 11. For a deeper investigation of the historical accuracy of Sverris saga’s speeches, see KNIRK, James E. – Oratory, pp. 114-118, and BAGGE, Sverre – From gang leader, pp. 1-18. 12. It is commonly acknowledged that the beginning of the Sverris saga (whose extent is still not clearly defined), also known as Grýla, was written by the Icelandic Karl Jonsson during a stay in Norway between 1185 and 1188. The final and probably larger part of the saga was probably completed by Karl during the first decade of the 13th century after Sverre’s death in 1202. See BAGGE, Sverre – From Gang Leader, pp. 15-19; HOLM-OLSEN, L. – “Sverris saga”. in OLSEN, O. et alii (ed.) – Kultur historisk leksikon for nordisk middelalder fra vikingetid til reformasjonstid. København: Rosenkilde og Bagger 1978, Vol. XVII, pp. 551-558. 13. ELLUL, Jacques – Propaganda. The Formation of Men’s Attitudes. London: Vintage Books Edition, 1973 (1965), pp. 294 ff. 14. SvS Ch. 37 15. ‘Hirdmen’ is the name given to the retainers of Norwegian princes. 16. SvS Ch. 38. 17. BRÉGAINT, David – Vox regis. Royal communication in High Medieval Norway. Leiden: Brill, 2016, pp. 109-114. 18. See KNIRK, James E. – Oratory, pp. 99-126; INDREBØ, Gustav – “Innleiding”. in JÓNSSON, Karl – Sverris saga. Ed. Gustav Indrebø, Historiske Kildeskriftkommission. Münch: Kristiania, 1920, pp. lxvii-lxxi. For King Sverre’s battle speeches, see BAGGE, Sverre – From gang leader, pp. 25-33. 19. SvS Ch. 181. 20. Brégaint, David – Vox regis, pp. 103-114. 21. SvS Ch. 38. 22. SvS Ch. 38. 23. “(…) he, a mere baron caused the title of king to be given to his son; and more than that, collected a force and raised his standard against king's sons, King Hakon and King Eystein, both of whom he deprived of their realm, over which he rules with King Magnus without any more rightful title than I now declare to you”. SvS Ch. 38. 24. “I see many now present here at this grave sorrowing (...)” SvS Ch. 38. 25. SvS Ch. 38. 26. SvS Ch. 38. 27. SvS Ch. 40. 28. “Hitherto wherever in market towns or other places great persons were present, if a man was called Birkibein [Birchlegs] it was thought a mark of contempt; henceforth the name was a title of honour, and the bearers of it were highly esteemed.” SvS Ch. 40. The term “Birchleg” was pejorative and originates in King Magnus’s propaganda, which portrayed the rebels as so poor that they made their shoes of birch bark. 29. SvS Ch, 93. 30. In 1180, Archbishop Eysteinn Erlendsson, facing King Sverre’s repeated successes after the death of Earl Erling, chose to sail to northern England where he stayed for three years before coming back in 1183 and reconciling with Sverre. In the spring of 1183, King Magnus was ambushed by Sverre’s troops in the town of Bergen. Magnus succeeded in escaping and fled to Denmark, leaving his coronation crown and scepter behind him.

Medievalista, 23 | 2018 100

31. Svs Ch. 95. 32. Svs Ch. 97. 33. SvS Ch. 97. 34. SvS Ch. 97. 35. SvS Ch. 97. 36. It has been argued that the laudatory character of the speech held over King Magnus’s grave can be explained by the fact that it was King Magnus himself who had commissioned the redaction of this part of the saga (BLÖNDAL, Lárus – Um uppruna Sverrissögu. Reykjavík: Stofnun Árna Magnússonar, 1982). However, there is very little that supports this interpretation and the scholarship has definitively dismissed this hypothesis. 37. SvS Ch. 97. 38. Their name stems from the Norse word ‘bagall’ meaning crosier, the bishop’s staff. 39. SvS Ch. 180. 40. SvS Ch. 180. 41. We have no explicit proof that the realm, or the parts of the realm under King Sverre’s authority, were placed under ecclesiastical interdict. The sole reference to such a penalty is mentioned in a letter from Pope Innocent II to the Norwegian bishops that if Sverre did not comply with the Church’s requests, he would bring the punishment upon himself. However, scholars usually admit that the realm was effectively placed under interdict as ecclesiastical interdict usually was latae sententiae, automatically following excommunication. See in GUNNES, Erik – Kongens Ære. Kongemakt og kirke i “En Tale mot biskopene”. Norge: Gyldendal Norsk Forlag, 1971, pp. 269-295. 42. SvS Ch. 180. 43. Stephon’s translation of this passage is not literal concerning the word ‘mark’. The original version reads "latid þa sia bædi víní mina ok v-uíní huart þa bírtíz nockut a likama mínum (…)” (my emphasis), “that my friends and foes may both see if there is something on my body” (my emphasis). The translation of ‘nockut’ with ‘something’ is somewhat vague and does not help us to identify what the author is referring to. 44. SvS Ch. 181. 45. NORGES GAMLE Love indtil 1387. Ed. R. Keyser and P.A. Münch: Kristiania, 1846-1895, Vol I, pp. 444-445.

ABSTRACTS

The present study explores how the Norwegian usurper, King Sverre (1184-1202) exploited three princely burials to overthrow the ruling king and establish his dynasty. Both in 1179 and 1184, King Sverre took full advantage of his military victories to gain popular support for his claims to the throne, in transforming the burial of his most prominent enemies felt on the battlefield into a rostrum for his political propaganda, through speeches and ritual staging. Sverre’s own agony and funerals were also meticulously staged in order to defend his rule from accusations of excommunication and pave the way for his succession. The study provides insights on the challenges met by a usurper on his way to royal power and, in particular, on the concomitant relationship between military combat and the work of political persuasion.

Medievalista, 23 | 2018 101

O presente estudo explora o modo como o usurpador norueguês, o rei Sverre (1184-1202), fez uso do enterro de três príncipes para provocar a queda do monarca reinante e estabelecer a sua dinastia. Em 1179 e 1184 o rei Sverre aproveitou as suas vitórias militares para conquistar o apoio popular às suas pretensões ao trono, transformando o funeral dos seus mais destacados inimigos, mortos nos campos de batalha, no palco da sua propaganda política, através de discursos e de encenações rituais. A própria agonia de Sverre, bem como os seus funerais, foram meticulosamente encenados com o objetivo de alinhar a sua sucessão e defender os seus direitos perante as acusações de excomunhão. Este estudo analisa os desafios enfrentados por um usurpador no seu caminho ao poder régio e, em particular, a coexistência do combate militar com o esforço de persuasão política.

INDEX

Keywords: Usurper, rituals, burials, propaganda, speeches Palavras-chave: Usurpador, rituais, enterramentos, propaganda, discursos

AUTHOR

DAVID BRÉGAINT

Norwegian University of Science and Technology, Department of Historical Studies, 7419, Trondheim, Norway [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 102

Erat simplicis ingenii: A deposição de Garcia da Galiza vista pelos cronistas dos séculos XII e XIII Erat simplicis ingenii: The deposition of Garcia of Galiza in the 12th and 13th century Iberian chronicles

Maria Joana Gomes

NOTA DO EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017 Erat simplicis ingenii: A deposição de Garcia da Galiza vista pelos os cronistas dos séculos XII e XIII/ Erat simplicis ingenii: The deposition of Garcia of Galiza in the 12th and 13th century Iberian chronicles Maria Joana Gomes

Introdução

1 Quando pensamos em deposições régias durante a Idade Média do ocidente peninsular, é a deposição de Sancho II, que teve lugar em 1245, que imediatamente nos ocorre1. A recordação deste evento perdurou na memória por se tratar da primeira notícia de destronamento régio no qual se confrontaram vários sectores e figuras da sociedade do reino de Portugal e do vizinho reino de Castela, pelo papel que o Papa Inocêncio III teve na validação do processo, mas também porque o evento encontrou eco e perenidade em várias obras escritas coevas e posteriores, nas quais as perspectivas sobre o sucedido apresentam versões contrastantes. Se nas cantigas de escárnio e mal dizer é visível uma

Medievalista, 23 | 2018 103

crítica acirrada aos alcaides que entregam os castelos de Sancho II ao seu irmão, na historiografia régia portuguesa dos séculos subsequentes nota-se o esgrimir de argumentos em favor do destronamento de Sancho II.

2 Neste caso em concreto, a produção de discursos antagónicos ou multivariados prende- se directamente com questões de natureza política fundamentais que evocam necessariamente um debate em torno do que define a legitimidade da sucessão régia, das características e qualidades que moldam o conceito de realeza numa determinada época, e do que pode representar quer uma violação dos limites do poder legítimo do monarca, quer uma insuficiência no cumprimento dos seus deveres. Existe, pois, uma relação intrínseca entre a deposição de um rei e a construção de um duplo discurso: por um lado, apologético, procurando sublinhar as qualidades daquele que vem ocupar o lugar do rei deposto; por outro, condenatório, pondo em manifesto os defeitos e procedimentos negativos do rei caído. Poderíamos dizer que, tal como qualquer evento histórico tido como problemático, o destronamento régio é quase indissociável da produção de discurso justificativo desse mesmo evento2.

3 Se a deposição de Sancho II de Portugal é sobejamente conhecida, há, no entanto, outros casos documentados na historiografia medieval peninsular que, muito embora não sigam os moldes protocolares aplicados ao destronamento de Sancho II, acabam por ter igual desfecho: o afastamento de um rei do trono e do governo do reino. Um exemplo paradigmático que se tratará neste artigo é o de Garcia II, rei da Galiza entre 1067 e 1072, ano em que foi feito prisioneiro por um dos seus irmãos, Afonso VI de Leão ou Sancho II de Castela, consoante as versões. Os eventos que conduziram a este desenlace são sobejamente conhecidos. Sabe-se que o filho mais novo de Fernando I e de Sancha de Leão, senhores de um vasto território que compreendia Leão, Castela e as Astúrias, e ainda a Galiza e o futuro condado portucalense, veio a ser contemplado com estes dois territórios na famosa divisão dos reinos executada por Fernando I3. Aos seus irmãos mais velhos, Sancho e Afonso, os progenitores atribuíram Castela e Leão, respectivamente. Após a morte de Fernando, em 1065, e de Sancha, em 1067, os três irmãos envolvem-se num conflito que originou a morte a Sancho II às portas de Zamora e a captura e prisão de Garcia. O irmão vitorioso, Afonso, acabou por congregar em si a autoridade sobre os três reinos previamente divididos, repondo a unidade territorial do tempo dos seus pais4.

4 Na senda do que se tem vindo a expor, faremos um estudo dos argumentos evocados para justificar (ou não) o destronamento de Garcia da Galiza nos textos historiográficos redigidos no ocidente peninsular nos séculos XII e XIII. Não pretendemos, portanto, chegar a uma reconstrução histórica e fidedigna dos eventos que conduziram à deposição de Garcia5. Nem procuramos tão pouco, como fez quase há um século George Tyler Northup, investigar a potencial origem épica e oral desta estória e a sua relação com os textos historiográficos6. Partindo do princípio de que a deposição de Garcia constitui o que Angus Ward chamou “a locus of historiographical intervention”7, isto é, um episódio que, pelo seu potencial problemático, é objecto de alterações sucessivas por parte dos cronistas, centraremos a nossa atenção na análise ideológica das semelhanças e diferenças da estória de Garcia nos textos historiográficos produzidos no ocidente peninsular durante os séculos XII e XIII para tentarmos perceber de que modo a construção discursiva do episódio se relaciona com o sistema de valores políticos que caracteriza estas crónicas, sobretudo no que diz respeito ao exercício da função régia8. Pese embora o facto de esta questão estar intimamente ligada a todo o relato da

Medievalista, 23 | 2018 104

partição dos reinos, vamos restringir a nossa reflexão à argumentação e às estratégias discursivas utilizadas por cada texto para construir a sua versão da deposição do filho mais novo de Fernando I e Sancha de Leão.

A figura de Garcia da Galiza nos textos do século XII

5 Os textos historiográficos medievais que abordaram a sucessão dos três filhos de Fernando I e Sancha de Leão, Sancho II de Castela, Afonso VI de Leão e Garcia II da Galiza, deixaram-nos sobre esta última figura muito pouca informação. Como bem apontou Ermelindo Portela, a verdade é que a construção historiográfica do destronamento de Garcia é feita de contradições e omissões, oscilando sempre entre um silêncio eloquente e uma condenação explícita do seu comportamento enquanto rei9. Paradoxalmente, a ausência de um discurso sobre o destino trágico deste rei neste período, faz-se sentir com maior intensidade nas terras que teriam estado sob a sua jurisdição: a Galiza e Portugal. De facto, é revelador o silêncio de alguns dos textos produzidos no scriptorium eclesiástico mais importante do território galego – a de Santiago de Compostela – fazem relativamente a esta matéria. Esta diocese galega, respaldada pela tutela do túmulo de Santiago e por uma série de privilégios papais, torna-se, ao longo do século XII, numa das mais importantes da Península Ibérica; e os textos nela produzidos, quer se tratem de cartulários ou de textos historiográficos, mostram a relação de proximidade que esta mantinha com realeza astur-leonesa, ainda que essa relação nem sempre tenha sido cordial10. Contudo, Garcia não parece ter colhido grande simpatia junto dos clérigos compostelanos, já que apesar de ser mencionado no Chronicon Compostellanum, nunca o é na Historia Compostellana nem no cartulário conhecido como Tumbo A11. No território português, a situação é algo similar. Encontramos uma alusão isolada ao rei Garcia na tradição analística no Chronicon Lusitanum: aqui é referida a sua vitória sobre o conde de Portucale, Nuno Mendes12. Mas, no que diz respeito ao final do seu reinado, os textos redigidos em território português são omissos13.

6 Contrariamente às crónicas redigidas no extremo ocidente da Península Ibérica, os textos produzidos em Leão e Castela no período em causa centram-se quase exclusivamente na narração dos eventos que conduziram à prisão e afastamento de Garcia do trono da Galiza. Todos os textos que mencionam a deposição situam-na na sequência narrativa que ficou conhecida como a Partição dos Reinos, e que descrevemos sucintamente algumas linhas acima. Este episódio da divisão territorial empreendida por Fernando I apresenta variações significativas na tradição historiográfica medieval e tardo-medieval que permitem entrever as posições ideológicas dos seus redactores não só relativamente à sucessão de Fernando I, mas também à questão da sucessão régia em geral14. Sobre o final abrupto do reinado de Garcia em 1072, verifica-se o mesmo tipo de fenómeno: o câmbio dinástico anómalo que ocorre na sequência da captura e prisão de Garcia é usado pelos redactores dos textos que o mencionam como exemplo ideal para tecer considerações sobre o contexto e invocar argumentos que possam justificar satisfatoriamente o ocorrido.

7 A primeira referência textual à prisão do mais novo dos filhos de Fernando I e Sancha tem origem em Castela. Trata-se de uma curta apostilha inserida no Liber Commicus, um lecionário pertencente ao mosteiro de São Domingo de Silos, próximo de Burgos, e elaborado antes de 106715. Neste pequeno relato, narra-se a estória dos conflitos entre os

Medievalista, 23 | 2018 105

irmãos Sancho, Afonso e Garcia. Este é expulso da Galiza por Sancho II, sendo por ele aprisionado em Burgos. Esta acção de Sancho contra o seu irmão mais novo ocorre na sequência de um engano ou de uma ofensa que Garcia teria perpetrado contra o rei de Castela16. O mesmo procedimento é repetido em relação a Afonso, que é aprisionado e enviado para o exílio.

8 Se deixarmos de lado as informações que a Postilha Anónima de Silos nos dá a respeito de Afonso VI, que vão também no sentido de justificar a guerra que Sancho II move contra ele17, pode dizer-se que, neste sintético relato, se destacam dois elementos que constituem o núcleo do enredo: por um lado, Sancho é apresentado como a figura que dá início aos conflitos armados que terminam com a expulsão e aprisionamento dos seus irmãos, Afonso e Garcia. Por outro, se é verdade que a agressão militar é imputada a Sancho, esse acto é justificado pela pré-existência de uma ofensa ou engano (ob fraudem) de Garcia contra o seu irmão mais velho18. A Historia Legionensis, escrita no mosteiro de Santo Isidoro de Leão19, provavelmente entre os anos de 1120 e 113520, apresenta importantes diferenças relativamente ao texto que acabamos de mencionar. Concebida com o propósito de louvar os feitos de Afonso VI, esta crónica constrói um enredo elaborado dos conflitos em que se envolveram os filhos de Fernando I, entrecruzando a narração dos eventos com comentários pontuais do autor sobre a inevitabilidade dos conflitos entre reis que partilham a função régia21.

9 Neste texto leonês é introduzida uma variante sobre o exílio dos dois irmãos derrotados por Sancho II, ao revelar-se o local para onde Afonso foi enviado: Toledo. E, discrepância ainda mais importante, a Historia Legionensis imputa a captura e prisão de Garcia não a Sancho II, mas a Afonso VI, que segue o conselho da sua irmã Urraca nesta matéria. À primeira vista, a opção do redactor da Legionensis pode parecer paradoxal, já que, sendo Afonso VI objecto de louvor incondicional, torná-lo o captor do seu irmão parece manchar a construção idealizada do protagonista do relato. Contudo, apesar de referir este acto, o texto evoca razões de monta para desculpabilizar o comportamento do rei de Leão: a segurança pessoal de ambos e a protecção do reino22. Para além disso, e de forma a reforça ainda mais a benignidade das opções de Afonso VI, a Historia Legionensis avança a ideia de que Garcia não perde o seu estatuto régio, sendo até confirmado como potencial herdeiro do irmão23. Toda esta argumentação faz sentido se tivermos presente que a rejeição da divisão da função régia e da divisão territorial é uma das preocupações centrais do texto, como tivemos ocasião de mostrar recentemente24. Ainda assim, a alusão à prisão de Garcia por Afonso só se compreende se admitirmos a existência de outras versões do mesmo evento nas quais as acções de Afonso VI não estariam tão bem defendidas, ou seriam mesmo atacadas. É desta linha que se aproxima o Chronicon Compostellanum25. Redigido, entre 1126 e 113526, provavelmente em contexto compostelano, este breve relato é sobretudo conhecido pelo carácter anti-goticista (o que tem levado os investigadores a entendê-lo como um libelo em defesa dos interesses da diocese de Compostela27) e pelas acusações que faz contra a rainha Urraca, filha de Afonso VI.

10 Tal como faz a Historia Legionensis, o Chronicon Compostellanum aceita a responsabilidade de Sancho no início dos conflitos e no subsequente exílio de Afonso VI e Garcia28. Da mesma forma, atribui a Afonso, guiado pelo conselho de Urraca, a captura e prisão de Garcia, que também coloca já depois da morte de Sancho II em Zamora e logo após o regresso de Afonso do exílio. Ao contrário da Apostilha de Silos e da Historia Legionensis, o Chronicon não elabora nenhuma justificação para a acção 29. Dado que faz um elogio

Medievalista, 23 | 2018 106

rasgado a Afonso VI um pouco mais adiante na narrativa30, não parece plausível que o Chronicon Compostellanum pretendesse traçar um negro retrato do rei de Leão ao incluir esta informação sobre o destino de Garcia. No entanto, é possível que esta alusão tenha sido assim entendida: tendo em conta que o Chronicon Compostellanum parece dialogar muito de perto com a Historia Legionensis31, não é difícil aceitar que a versão do Chronicon possa ter contribuído para que a Legionensis se visse na necessidade de arquitectar uma argumentação com vista a desculpabilizar o procedimento de Afonso VI para com o seu irmão mais novo.

11 A versão do episódio proposta pela Chronica Pelagiana32, uma crónica dinástica redigida por Pelaio, bispo de Oviedo, depois de 113033, é algo diferente. Aqui, o episódio da prisão de Garcia apresenta uma combinação dos motivos presentes nos textos já mencionados: na senda da Historia Legionensis e do Chronicon Compostellanum, a captura de Garcia é apresentada como obra de Afonso. Contudo, a Chronica Pelagiana introduz neste ponto o motivo do engano/engodo, de forma a aclarar as circunstâncias em que essa captura se torna possível: Afonso consegue o seu intento graue ingenium sine pugna34.

12 Entre os textos latinos do século XII, importa ainda ter em conta a Chronica Naierensis35. Redigida no mosteiro de Santa Maria la Real de Nájera entre 1173 e 119036, esta crónica tem a particularidade de propor uma translatio dos preceitos políticos do goticismo legitimador da dinastia astur-leonesa para a dinastia castelhana37. No episódio da deposição de Garcia, a Chronica Naierensis vai, tal como a Apostilha Anónima de Silos, atribuir a prisão de Garcia a Sancho, uma figura que o texto denigre ao longo de todo o relato38. Na senda do Chronicon Compostellanum e da Chronica Pelagiana, também recorre ao motivo do engano, mas exprime-o através de outro vocábulo (dolus)39 e ao qual adiciona a alusão ao desconhecimento de Garcia do estratagema planeado pelo irmão (doli nescius). Acorre assim por obrigação (obsequiosus) ao encontro do irmão em Santarém (Sanctum Yreneum), acabando por ser preso e levado para Castela, onde vem a falecer mais tarde40.

13 Como mostrou Francisco Bautista, o autor da Naierensis inova relativamente aos textos que conhecia e que forneciam versões distintas sobre este evento: estabelece uma relação entre o motivo do engano e a figura de Sancho II, ao mesmo tempo que absolve Afonso VI, figura que interessa exaltar, desse comportamento41. Para além disso, refere- se a Garcia como “obsequiosus”. Este adjectivo pode ter o sentido geral de deferente42, mas está relacionado com obsequium, um termo multifacetado, ligado a modos de subordinação política e social, como o serviço feudo-vassálico43. Deve pressupor-se que a introdução de tal adjectivo na Chronica Naierensis significa que Garcia estaria politicamente subordinado ao irmão? Ou que apenas indica a vontade de Garcia em cumprir a sua parte no encontro combinado? Por razões que abordaremos mais adiante44, inclinamo-nos para a primeira interpretação.

14 Em suma, as crónicas do século XII relatam a prisão e consequente deposição de Garcia com alguma heterogeneidade. Contudo, é possível agrupar os relatos mencionados em dois tipos: 1) um, mais vinculado ao espaço castelhano, atribui a Sancho a autoria da prisão (Postilha Anónima de Silos e Chronica Naierensis): 2) o outro, presente em textos de procedência leonesa, apresenta este acto como tendo sido praticado por Afonso, com ou sem conselho da irmã de ambos, Urraca (Historia Legionensis, Chronica Pelagiana e Chronicon Compostellanum). Além disso, os textos empregam estratégias para contextualizar ou explicar o evento. Uma, gira em torno do motivo – oscilante, é certo – do engodo: ingenium (no sentido de estratagema), fraus (fraude, logro), dolus (armadilha,

Medievalista, 23 | 2018 107

engano)45. Este motivo surge em todos os textos castelhanos e também na Chronica Pelagiana, redigida em Oviedo. A outra justificação, que apenas surge na Historia Legionensis, tem um carácter “político” mais acentuado (aquilo que poderíamos designar anacronicamente como “razão de estado”): a prisão de Garcia é acompanhada por considerações sobre formas de sucessão régia (sucessão horizontal na ausência de descendentes directos) e pela alusão à preservação do seu estatuto régio. Pode, então, dizer-se que, com excepção da Historia Legionensis, que debate a questão a partir de um ponto de vista mais institucional, estas crónicas apresentam uma versão do episódio em que a captura e prisão de Garcia é obtida através de uma acção dissimulada (Fig. 1).

Fig. 1 - A prisão de Garcia de acordo com a historiografia do século XII (Maria Joana Gomes)

A historiografia do século XIII

15 Passemos agora aos textos que mais directamente nos interessam. O primeiro deles, o Chronicon Mundi46, foi redigido entre os anos de 1230 e 123647. O seu autor, Lucas, também conhecido como Tudense, foi monge do mosteiro de Santo Isidoro de Leão e, posteriormente, bispo de Tui48. Para além desta obra historiográfica, deixou outros textos, nomeadamente uma colecção hagiográfica conhecida como Miracula Sancti Isidori e uma obra teológica denominada De altera vita49.

16 O opus magnum do bispo de Tui constitui um relato global da história do mundo que começa com o início da criação e se estende até aos acontecimentos coevos de escrita, terminando com a conquista de Córdova por Fernando III, ocorrida em 1236. Como amiúde sucedia com as obras historiográficas medievais, também é moldado por um príncipio didático e exemplarístico. No entanto, a componente pedagógica nesta obra do Tudense é particularmente acentuada já que, de acordo com o seu próprio prefácio, foi concebida a mando da rainha Berengária como um instrumento para a educação dos seus filhos, sobretudo de Fernando III50. O episódio da prisão de Garcia ocorre no quarto e último livro do Chronicon, onde se relatam os acontecimentos compreendidos entre o reinado de Pelaio e a conquista de Córdova, e onde se inscreve a matéria relativa à Partição dos reinos. Para a construção deste segmento do seu texto, o Tudense usou

Medievalista, 23 | 2018 108

como fonte estrutural a Historia Legionensis, cujo conteúdo enriqueceu com informações provenientes de outros relatos51.

17 Contudo, Lucas de Tui não se limita a copiar a informação contida nesses escritos, procedendo a uma reescrita que inclui remodelações, alterações, cortes, e outro tipo de intervenções52. Pode dizer-se que, de um modo geral, as narrativas do bispo de Tui se tornam mais complexas e prolixas do que as que conheceu. Tal deve-se ao facto de o autor combinar várias fontes que apresentam, muitas vezes, versões distintas do mesmo evento, mas também a uma leitura própria dos textos que recebe. É o que sucede na sua versão da deposição de Garcia. Segundo a Legionensis, a prisão do rei da Galiza tinha sido ordenada por Afonso VI53. Mas na Chronica Naierensis, que o bispo de Tui também conheceu54, Garcia era primeiro exilado por Sancho, tendo depois sido enganado e preso por ele55. O Chronicon Mundi combina estes dois relatos: aceita que Garcia é primeiro capturado por Sancho e interpreta o adjectivo obsequiosus da Chronica Naierensis na sua dimensão feudo-vassálica, pois diz que o rei da Galiza acaba por ser libertado pelo irmão mais velho depois de lhe prestar juramento de fidelidade56.

18 A partir daqui, e sem deixar de fazer algumas inovações, o Chronicon Mundi retoma a estrutura narrativa da Historia Legionensis, relatando o episódio da morte de Sancho em Zamora, o regresso de Afonso VI do exílio toledano e a nova prisão de Garcia, desta feita por Afonso VI57. Neste ponto, o Chronicon Mundi volta a afastar-se da Historia Legionensis, preferindo fornecer uma explicação para a prisão de Garcia diferente da proposta por esta crónica leonesa. O Tudense opta por justificar o sucedido associando a captura de Garcia a dois traços do seu carácter: a ira, que o assalta ao ver-se preterido pelos seus cavaleiros em favor de Afonso VI, e o simplex ingenium, que o impede de se precaver devidamente antes de ir ao encontro do seu irmão para celebrarem a paz58.

19 Como interpretar as alterações efectuadas pelo Tudense a este episódio? No que diz respeito à técnica narrativa em questão, podemos pôr a hipótese de se tratar de um caso de recepção activa, em que o autor ressemantiza um dado colhido noutros textos, neste caso em particular, a Chronica Naierensis. Recordamos que este texto atribuía o destino infeliz de Garcia a um desconhecimento do logro concebido pelo seu irmão Afonso (dolo nescius). Ora é possível pensar que Lucas de Tui, conhecendo a versão naierensis, faz já dela uma interpretação que acarreta um juízo de valor negativo relativamente à informação que recebe do cronista asturiano a propósito do encontro de Garcia com Afonso. Se o primeiro, movido pela raiva e ignorando o perigo que o espreita ao encontrar-se com o irmão, não toma precauções antes desse encontro, então Garcia é dotado de uma pobre capacidade de discernimento, simplex ingenium59.A reescrita deste episódio por Lucas de Tui assenta num subtil processo de releitura de vocábulos que se prestam a múltiplas interpretações, resultando na transferência da responsabilidade do evento relatado de Afonso VI para Garcia. Através desta subtileza, o cronista desvia a atenção do acto de deslealdade cometido por Afonso VI (dolus) para a imprevidência e ignorância de Garcia (simplex ingenium).

20 É, portanto, evidente que, face à tradição historiográfica que tem a montante, Lucas de Tui aposta num tipo diferente de argumentação para explicar a deposição de Garcia. Contudo, essas alterações só podem ser cabalmente entendidas quando contextualizadas no âmbito mais alargado das concepções político-sociais que enformam a obra do cronista de Santo Isidoro, e que estão intimamente ligadas quer ao modelo de realeza que defende, quer à sua inequívoca parcialidade a favor de Leão e dos seus monarcas60. O prológo do Chronicon Mundi permite entrever algumas dessas

Medievalista, 23 | 2018 109

concepções. Amplamente influenciado por Isidoro de Sevilha61, a cujas obras recorreu amiúde, Lucas de Tui manifesta uma visão da realeza onde se valoriza a importância da fé cristã, da justiça e da misericórdia para a boa governação62, deplorando, ao mesmo tempo, a violência e o belicismo desenfreados, características que, na sua óptica, acabam por ser prejudiciais para o reino por gerarem conflitos desnecessários e desviarem energias do combate ao inimigo da fé63. Assim, o Tudense louva, acima de tudo, as virtudes próprias de uma visão clerical e cristã do exercício do poder, concedendo ainda uma importância basilar à sabedoria (sapientia) e à temperança (temperantia)64, ao mesmo tempo que censura a violência desmesurada, que considera própria de um grupo social específico: a aristocracia65. Ora Garcia é precisamente apresentado como um rei que exibe a falta destas duas qualidades: movido pela ira, é incapaz de assegurar a fidelidade dos seus súbditos; pouco inteligente, não sabe sequer guardar a sua pessoa do perigo. Em franco contraste com esta figura cheia de defeitos, está Afonso VI, descrito como um rei prudente e sábio, que sabe manter a paz entre todos66.

21 A reescrita deste episódio por Lucas de Tui tem, sem dúvida, o objectivo imediato de desresponsabilizar Afonso VI do acto cometido contra o seu irmão mais novo. Contudo, tendo em conta os propósitos didáticos do Chronicon Mundi já referidos, podemos assumir que Afonso e Garcia transcendem a sua individualidade e representam, antes de mais, dois modelos antagónicos de realeza: Afonso é apresentado como um rei ideal; Garcia é caracterizado com defeitos que o tornam passível de ser encaixado no protótipo do rex inutilis67.

De Rebus Hispaniae

22 Poucos anos depois de Lucas de Tui terminar o Chronicon Mundi, mais concretamente em 1243, uma nova crónica foi completada. Sugestivamente intitulada De Rebus Hispaniae68, este texto já não tem o perfil de uma crónica universal como o Chronicon de Lucas de Tui, mas sim o da história de um território, a Espanha, e daqueles que o dominaram69. O seu autor foi Rodrigo Ximénez de Rada70, magnata de origem navarra e arcebispo de Toledo.

23 Este texto, que tem como objectivo central a exaltação Castela (e a defesa da primazia de Toledo sobre as restantes peninsulares), mantém uma relação textual próxima com o Chronicon Mundi de Lucas de Tui, que usou como fonte71. Apesar disso, as duas obras espelham as diferenças de posição dos seus autores no que concerne às respectivas concepções político-sociais72. Essas divergências estão também patentes no episódio aqui nos ocupa, a deposição de Garcia. O afastamento de posições dos dois cronistas é logo visível nos prólogos que antecedem a matéria narrativa de cada uma das crónicas. Do princípio didático explícito formulado pelo Tudense, o Toledano passa ao louvor exemplarístico dos feitos dos homens do passado73: o Tudense pretendia ensinar o rei a agir, Rodrigo de Rada pretende celebrar um rei que age de acordo com determinados preceitos.

24 Rodrigo de Rada concebe o exercício do poder na sociedade como o resultado de uma relação dialógica entre grupos sociais, destacando a aristocracia, cujo papel político, embora diferente do do monarca, considera igualmente importante74. Nesta relação simbiótica que se estabelece entre o monarca e os aristocratas, cada parte detém os seus direitos e deveres, e é sobre o compromisso pessoal de cumprimento das

Medievalista, 23 | 2018 110

obrigações mútuas que assenta o edifício político arquitectado pelo Toledano75. Associadas ao cumprimento (ou não) deste pressuposto estão certo tipo de qualidades, simultaneamente individuais (porque se materializam ou não num indivíduo) e colectivas (comuns a todo o grupo social). Assim, a importância que o grupo nobiliárquico (sobretudo o castelhano) adquire no Toledano vai reflectir-se no modo como este cronista modela a figura idealizada do monarca. Do mesmo modo, o apreço que Rodrigo de Rada manifesta por este grupo social implica uma definição das qualidades paradigmáticas dos seus membros. Vejamos em que termos são definidos um e outros.

25 O monarca ideal deverá possuir várias virtudes. Se no Tudense se destacavam a sapiência, o Toledano considera como virtude essencial ao exercício do poder soberano a larguitas, isto é, a capacidade de reconhecer e recompensar o contributo da aristocracia para a existência e prosperidade do reino, e ainda a strenuitas e justitia, qualidades que permitem o estabelecimento e a manutenção de uma relação social harmoniosa76. Por seu lado, na aristocracia, Rodrigo de Rada valoriza a lealdade (fidelitas)77. Neste particular, a questão da territorialidade adquire no Toledano uma dimensão importante pois acarreta o reconhecimento da aristocracia como elemento mediador entre o rei e um determinado território. Essa concepção implica um desdobramento do objecto da fidelitas aristocrática: ela pode resultar do estabelecimento de um vínculo pessoal e volitivo com um monarca ou outra figura que representa uma autoridade (fidelitas contratual), ou então ser parte integrante da relação de um determinado homem com a terra de onde é natural e, consequentemente, do senhor que a governa (fidelitas natural). Não raras vezes, estes dois tipos de fidelidade entram em conflito78. Ora, a nosso ver, a versão da deposição de Garcia da Galiza contada no De Rebus Hispaniae não só está moldada pelos princípios que acabámos de elencar, como parece constituir-se como uma estória exemplar que concretiza – confirmando, por isso, o propósito didático da história – os princípios teóricos enunciados pelo arcebispo de Toledo.

26 O Chronicon Mundi leva a narrativa da deposição de Garcia por um caminho diferente do dos textos do século XII. Reformula de tal forma o motivo do engodo de que Garcia fora vítima que, de estratagema para o afastamento do rei da Galiza do trono, acaba por ser transformado não numa armadilha, mas num defeito do próprio Garcia, que denotava a sua incapacidade para a governação e que, portanto, fazia cair o rei da Galiza no paradigma do rex inutilis79. Já no De Rebus Hispaniae, a correlação entre a deposição do filho mais novo de Fernando I e Sancha de Leão e sua incompatibilidade com o regimento do reino vai ser veiculada de outro modo: através da acusação de tirania. Na sequência da partida de Afonso para o exílio e da tomada de Leão por Sancho, o De Rebus Hispaniae dá conta da situação política no reino da Galiza. Garcia, confrontado com a proximidade de Sancho, tenta atacá-lo ao mesmo tempo que se envolve em perseguições contra os seus súbditos, que o De Rebus considera serem tirânicas (tirannide)80. Essa terrível acusação é seguida por um episódio novo onde o Toledano mostra o comportamento do rei da Galiza com os aristocratas que senhoreia.

27 Garcia mantém junto a si um conselheiro de baixo nível social (vermulus) que difama constantemente os magnates da sua corte. Apesar dos reiterados pedidos dos senhores lesados para que afaste de si este mau conselheiro, Garcia recusa livrar-se dele81. Confrontados com esta resposta insatisfatória, os cavaleiros decidem agir e matam o conselheiro na presença do rei. Indignado, Garcia começa a perseguir indiscriminadamente os seus vassalos que, perante a atitude do seu senhor, transferem

Medievalista, 23 | 2018 111

a sua lealdade para Sancho de Castela82. O abandono dos cavaleiros acaba por ser um factor decisivo para a derrota de Garcia em Santarém e para o seu aprisionamento pelo irmão mais velho.

28 Na senda do Tudense, mas de forma muito mais explícita, o De Rebus Hispaniae estabelece uma relação entre a deposição de Garcia e o (mau) tratamento que este dá aos seus milites e barones83. Ao mesmo tempo, e diferentemente de Lucas de Tui, insere o tópico do mau conselheiro como elemento catalisador da crescente espiral de violência. Noutros autores, este tópico surge em conjugação com a construção da figura do rex inutilis84. Contudo, aqui Garcia não parece ser retratado como um rex inutilis, estando mais próximo do perfil do tirano. Por preferir o conselho de um homem com estatuto social inferior, Garcia acaba por perseguir indiscriminadamente (indistincte)85 todos os súbditos, independentemente do seu envolvimento na morte desse conselheiro predilecto. Precisamente por isso, Garcia demonstra ser um rei injusto, não sabe quem recompensar e quem castigar. Ora um rei incapaz de aplicar convenientemente a justiça nos seus reinos não é tanto um rei incapaz, mas um rei que governa de forma tirânica86.

29 O episódio do conselheiro implica, como vimos, a construção de uma nova perspectiva sobre a deposição de Garcia, que se enquadra de forma clara no programa político do Toledano. A deposição do rei da Galiza é avaliada e validada a partir de uma correlação entre a tirania e injustiça do rei para com o grupo nobiliárquico, que ganha assim legitimidade para a quebra da fidelidade natural e para a sua substituição pela fidelidade contratual a um novo senhor, como aliás sucede noutros pontos da narrativa87. Portanto, o De Rebus Hispaniae reescreve o episódio da deposição de Garcia à luz da problemática das relações entre realeza e aristocracia, uma das preocupações fundamentais de Rodrigo de Rada.

Conclusão

30 A análise das estratégias argumentativas dos textos dos cronistas dos séculos XII e XIII usadas para justificar a deposição de Garcia da Galiza permitiu entrever a complexidade e a riqueza dos motivos narrativos e dos pressupostos políticos que se cruzam neste pequeno episódio. Pode dizer-se que ficou patente que a construção argumentativa proposta por cada texto é feita sempre a partir de um diálogo intenso com a tradição textual coeva ou mais antiga. Partindo de uma leitura motivada / tendenciosa de vocábulos específicos, os redactores dos textos reconfiguram determinados motivos de forma a dar-lhe um sentido que se enquadre com a sua visão do mundo e no seu entendimento do poder político e da função régia. De acordo com estes preceitos, a responsabilidade da captura e deposição de Garcia oscila, consoante o aproveitamento e ensinamento político pretendido, entre Sancho e Afonso, entre um castelhano e um leonês.

31 Encontramos algumas diferenças entre a tradição textual dos séculos XII e XIII no que toca à abordagem deste problema. À excepção da Historia Legionensis, que opta por uma argumentação já marcadamente política, os textos do século XII mencionam sem grande detalhe o tipo de acto que propiciou a queda de Garcia. Neste aspecto, todos os textos recordam, através de uma terminologia reveladora, o motivo do engano, o que pode sugerir que a estória veiculada absorveu outras tradições mais arcaicas, uma hipótese que não nos foi possível explorar.

Medievalista, 23 | 2018 112

32 A construção do mesmo episódio pelos cronistas do século XIII reveste-se de outros processos. Quer o Tudense quer o Toledano procuram encontrar para a deposição de Garcia da Galiza uma explicação que vá para além da mera desresponsabilização do seu irmão, Afonso VI. O destronamento do filho mais novo de Fernando I e Sancha de Leão é aproveitado pelos dois cronistas para tecer, dentro do seu quadro ideológico e da sua visão do poder, um exemplo negativo de realeza. O Tudense, prezando virtudes como a sapientia, fá-lo imputando a Garcia uma candura ou uma falta de inteligência que o desqualifica como bom rei. Por seu lado, o Toledano, recuperando o tema dos maus conselheiros, condena em Garcia a incapacidade de fazer justiça e de exercer a boa governação com o consilium dos nobres. Assim, os cronistas do século XIII utilizam este episódio para fornecer um exemplo concreto e negativo das suas teorias políticas sobre a função régia. Lucas de Tui constrói uma imagem de Garcia mais próxima do paradigma do rex inutilis. Rodrigo de Toledo, encena-o como um tirano. Num caso como no outro, o destino historiográfico de Garcia da Galiza não foi mais misericordioso do que a sua vida.

BIBLIOGRAFIA

Fontes

CARMEN Campidoctoris. Ed. Emma Falque Rey, Juan Gil y Antonio Maya, Historia Roderici vel gesta Roderici Campidocti. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis (Chronica Hispana saeculi XII. Pars I), vol. 71. Turnhout: Brepols, 1990.

CHRONICA Legionensis (olim silensis). Ed. Justo Pérez de Urbel y Atilano González Ruiz-Zorrilla. Madrid: Ruiz-Zorrilla, 1959.

CHRONICA Naierensis. Ed. Juan Estévez Sola. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis (Chronica Hispana saeculi XII, Pars II), vol. 71A. Turnhout: Brepols, 1995.

CHRONICA Najerense. Ed. e trad. espanhola Juan A. Estévez Sola. Madrid: Akal, 2003.

CHRONICON Compostellanum. Ed. Emma Falque. Habis 14. Sevilla: Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 1983, pp. 73-83.

CHRONICON Lusitanum (Chronica Gothorum). “Annales Portucalenses Veteres”. Ed. Pierre David. in: DAVID, Pierre – Études Historiques sur La Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècle. Coimbra: Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos, 1947, pp. 291-302.

HISTORIA Roderici vel gesta Roderici Campidocti. Ed. Emma Falque Rey, Juan Gil y Antonio Maya. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis, vol. 71 (Chronica Hispana saeculi XII. Pars I). Turnhout: Brepols, 1990.

JUAN DE OSMA – Crónica latina de los reyes de Castilla. Ed. e trad. espanhola Luis Charlo Brea. Madrid: Akal, 1999.

LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi. Ed. Emma Falque. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis, vol. 74. Turnholt: Brepols, 2003.

Medievalista, 23 | 2018 113

PELAIO DE OVIEDO – Crónica del Obispo don Pelayo. Ed. Benito Sánchez Alonso. Madrid: Centro de Estudios Históricos, Imprenta de los sucesores de Hernando, 1924.

RODRIGO XIMÉNEZ de RADA, arcebispo de Toledo – Historia de rebus hispaniae sive historia gotica. Ed. Juan Valverde. Corpus Christianorum Continuatio Mediaevalis, vol. 72. Turnhout: Brepols, 1989.

Estudos

BARTON, Simon; FLETCHER, Richard – The world of el Cid: chronicles of the Spanish reconquest. Manchester: Manchester University Press, 2000.

BAUTISTA, Francisco – “Breve historiografía: Listas regias y Anales en la Península Ibérica (siglos VII-XII)”. Talia dixit 4 (2009), pp. 113-190.

BAUTISTA, Francisco – “Sancho II y Rodrigo Campeador en la Chronica Naierensis”. e-Spania [em linha] 7 (2009) [Consultado a 20-01-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/18101 DOI: 10.4000/e-spania.18101

ECKEL, Auguste – Charles le Simple. Paris: Éd. Bouillon, 1899.

ESTÉVEZ SOLA, Juan – “Introducción”. in Crónica Najerense. Ed. e tradução espanhola de Juan Estévez Sola, Madrid: Akal, 2004.

FALQUE, Emma – “Introduction”. in LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, Ed. Emma Falque. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis, vol. 74. Turnhout: Brepols, 2003, pp. i-lxxxvii.

GLARE, P. G. – Oxford Latin Dictionary. Oxford: Clarendon Press, 1968.

GOMES, Maria Joana – O rei na escrita: as múltiplas faces de Afonso VI (sécs. XI-XII). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2017. Tese de Doutoramento.

HENRIET, Patrick – “Sanctissima patria. Points communs entre les trois œuvres de Lucas”. in HENRIET, Patrick – Actes du colloque: Chroniqueur, hagiographe, théologien. Lucas de Túy († 1249) dans ses œuvres (Sorbonne-Collège d'Espagne, 10 décembre 1999). Cahiers de linguistique et de civilisation hispaniques médiévales 24 (2001), pp. 249-278.

JEREZ CABRERO, Enrique – El Chronicon Mundi de Lucas de Tuy (C. 1238): Técnicas compositivas y motivaciones ideológicas. Madrid: Facultad de Letras y Filosofía de la Universidad Autónoma de Madrid, 2006. Tese de Doutoramento.

LINEHAN, Peter – “De Lucas de Tui a Alfonso X”. in FERNÁNDEZ-ORDÓNEZ, Inés (org.) – Alfonso X el sabio y la Crónicas de España, Valladolid: Universidad de Valladolid-Centro de Estudios para la Edición de Clásicos Españoles, 2000, pp. 19-36.

MARTIN, Georges – Les Juges de Castile: mentalités et discours historique dans l'Espagne médiévale. Paris: Séminaire d' Études Médiévales Hispaniques, 1992.

MARTIN, Georges – “Nobleza y realeza en el De rebus Hispaniae (Libros 4 a 9)”. in MOLINIE, Annie; ZIMMERMANN, Marie-Claire; RALLE, Michel (pres.) – Hommage à Carlos Serrano. Paris: Éditions hispaniques, 2 vols., 2005, pp. 1-23.

MARTIN, Georges – “Ordoño Sisnández, autor de la Historia Legionensis (llamada silensis). Notas histórico-filológicas sobre un ego fundador”. e-Spania [em linha] 14 (2012) [Consultado a 22-01-2017]. Disponível em: http://espania.revues.org/21711 DOI: 10.4000/e-spania.21711

MARTIN, Georges – “Toponimia y avidez de los reyes: doble lexicalización de los territorios hispanos en la Historia Legionesis” (llamada Silensis). e-Spania [em linha] 13 (2012) [Consultado a

Medievalista, 23 | 2018 114

22-01-2017]. Disponível em: http://espania.revues.org/21070 DOI: 10.4000/e-spania.17990

MONTANER, Alberto – “Presencia y ausencia de Alfonso VI en la Historia Legionensis (hactenus Silensis nuncupata)”. e-Spania [em linha] 14 (2012) [Consultado a 26-02-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/21750 DOI: 10.4000/e-spania.21750

NIEDERMEYER, J. L. – Mediae Latinitaties Lexicon Minus. Leiden: Brill, 1975.

NORTHUP, George Tyler – “The Imprisionment of King García”. Modern Philology 17 (1919), pp. 393-412.

PÉREZ DE URBEL, Justo – “Introducción”. in Liber Commicus. Edición crítica. Madrid: CSIC, 1955.

PÉREZ RODRÍGUEZ, Estella – “La Historia Roderici en su aspecto léxico: Estudio comparativo en relación con la Chronica Adefonsi Imperatoris y las crónicas hispanolatinas anteriores al siglo XIII”. e-Spania [em linha] 15 2013. [Consultado a 25-02-2017]. Disponível em: http://e- spania.revues.org/22341

DOI: 10.4000/e-spania.22341

PETERS, Edward – The Shadow King: the rex inutilis in Law and literature. New Haven: Yale University Press, 1970.

PORTELA, Ermelindo – García II de Galicia, el rey y el reino (1065-1090). Burgos: La Olmeda, 2001.

RAMOS Y LOSCERTALES, José María – “El reino de Aragón bajo la dinastía pamplonesa”. Acta Salmanticensia tomo XV, 2, 1961.

REGLERO DE LA FUENTE, Carlos – “Omnia totius regni sui monasteria: la Historia Legionense, llamada Silense, y los monasterios de las infantas”. e-Spania [em linha] 14 (2012) [Consultado a 25-02-2017]. Disponível: http://espania.revues.org/21775#ftn3 DOI: 10.4000/e-spania.21775

RODRÍGUEZ DE LA PEÑA, Manuel Alejandro – “Rex institutor scholarum: la dimensión sapiencial de la realeza en la cronística de León-Castilla y los orígenes de la Universidad de Palencia”. Hispania Sacra 126 (2010), pp. 491-512.

WARD, Aengus – History and Chronicles in Late Medieval Iberia: Representations of Wamba in late medieval narrative histories. Leiden: Brill, 2011.

NOTAS

1. Sobre a deposição de Sancho II podem ser consultados os seguintes títulos: VARANDAS, José – Bonus Rex ou Rex inutilis: as periferias e o centro (redes de Poder no reinando de D. Sancho II (1223-1248). Lisboa: Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, 2003. Tese de Doutoramento. FERNANDES, Hermenegildo – Sancho II. Colecção dos Reis de Portugal. Lisboa: Círculo de Leitores, 2006; MOREIRA, Filipe – “‘E des ally foi pera mall’ – o reinado de D. Sancho II na cronística medieval portuguesa”, Revista Diálogos Mediterrânicos 3 (2012), pp. 160-171; MATTOSO, José – “A crise de 1245”. in MATTOSO, José – Portugal medieval: novas interpretações. Obras Completas, 12 vols. Lisboa: Círculo de Leitores, 2002, vol. 8, pp. 47-60; PETERS, Edward – The Shadow King, the Rex inutilis in medieval law and literature (751-1327). New Haven and London: Yale University Press, 1970, pp. 135-170; SANTOS, Herlander Gonçalves dos – D. Sancho II: da deposição à composição das fontes literárias dos séculos XIII e XIV. Porto: Faculdade de Letras da

Medievalista, 23 | 2018 115

Universidade do Porto, 2009. Dissertação de Mestrado. Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/bitstream/10216/20092/2/ mestherlandersantossanchoII000084373.pdf 2. PETERS, Edward – The Shadow King, p. 23. 3. Sobre o episódio conhecido como Partição dos reinos há uma profusa bibliografia. Saliento alguns títulos que se centram estritamente o episódio: MENÉNDEZ PIDAL, Ramón – La España del Cid. 2 vols. Madrid: Espasa-Calpe, 1929; POWELL, Brian – “The "Partición de los reinos" in the "Crónica de veinte reyes"”. Bulletin of Hispanic Studies LXI (1984), pp. 459-471; VAQUERO, Mercedes – “El rey don Alfonso, el que dixieron el Bravo e el de las partiçiones”. Boletín de la Real Academia Española 70 (1990), pp. 265-288; CATALÁN, Diego – La épica española: nueva documentación y nueva evaluación. Madrid: Fundación Ramón Menéndez Pidal; JARDIN, Jean-Pierre – “La partición de los reinos de Fernando I en la Chronica Naiarensis”. e-Spania [em linha] 7 (2009) [Consultado a 20-01-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/17991 4. Para uma perspectiva histórica sobre estes acontecimentos veja-se: GAMBRA, Andrés – Cancillería, Curia e Imperio: Diplomatario de Afonso VI. León: Centro de Estudios San Isidoro, 1998, vol. 1, pp. 77-100; LINAGE CONDE, Antonio – Alfonso VI: El rey hispano y europeo de las tres religiones. Burgos: La Olmeda, 1994 (reed. 2006); PORTELA, Ermelindo – García II de Galicia, el rey y el reino (1065-1090). Burgos: La Olmeda, 2001; GONZÁLEZ MÍNGUEZ, César – El proyecto político de Sancho de Castilla (1065-1072). Palencia: ITTM, 2002, pp. 77-99; MÍNGUEZ, José María – Alfonso VI: poder, expansión territorial y reorganización interior. Donostia/San Sebastián: Nerea, 2003; FERNÁNDEZ GONZÁLEZ, Etelvina – Alfonso VI y su época. Los horizontes de Europa (1065-1109). León: Instituto Leonés de Cultura, 2009. Para a construção da sua identidade textual veja-se a minha recentemente defendida Tese de Doutoramento: GOMES, Maria Joana – O rei na escrita: As múltiplas faces de Afonso VI (sécs. XI-XII). Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2017. Tese de Doutoramento. 5. Remeto para o estudo biográfico de Ermelindo Portela acima citado e que aborda esta questão. 6. NORTHUP, George Tyler – “The Imprisionment of King García”. Modern Philology 17 (1919), pp. 393-412. 7. WARD, Aengus – History and Chronicles in Late Medieval Iberia: Representations of Wamba in late medieval narrative histories. Leiden: Brill, p. 174. 8. Deixamos de fora de uma abordagem mais exaustiva outro texto historiográfico fundamental redigido no século XIII, a Chronica Regum Castellae. Este texto, escrito pelo chanceler de Fernando III, Juan de Osma entre 1223 e 1239 não faz qualquer referência à captura e prisão de Garcia no contexto dos conflitos entre os filhos de Fernando I, limitando-se a dizer quais as terras recebidas pelo filho mais novo de Fernando e Sancha na divisão dos reinos, atribuindo-lhe erradamente a tutela de Najera e de Navarra e não da Galiza (ver JUAN DE OSMA – Crónica Latina dos reis de Castela. Ed. e trad. Espanhola: Charles Brea, Madrid: Akal, 1999, p. 26). Trata-se de uma confusão entre dois Garcias: o filho de Sancha de Leão e de Fernando I, e o irmão de Fernando I, rei de Navarra e conhecido como “el de Nájera”. 9. PORTELA, Ermelindo – García II, pp. 7-14. A escassez de fontes sobre este rei é transversal à sua colecção diplomática. Ainda segundo PORTELA, Ermelindo – García II, p. 176, apenas sete documentos sobrevivem em que Garcia cumpre uma função relevante. É interessante ressalvar que não encontramos qualquer referência a este rei, quer na historiografia, quer na documentação produzidas e/ou conservadas na catedral

Medievalista, 23 | 2018 116

de Santiago de Compostela no século XII. A documentação de Sancho e Afonso assim como a de Fernando I e das infantas Elvira e Urraca poderão prestar alguns esclarecimentos adicionais sobre a forma como se terá desenrolado o afastamento de Garcia do trono da Galiza. 10. Ver GOMES, Maria Joana – O rei na escrita, sobretudo pp. 151-167 e bibliografia citada. 11. PORTELA, Ermelindo – García II, p. 174, relaciona este silêncio com a restauração da diocese de Braga em 1071. Há, no entanto, alguns documentos de Garcia referidos e editados por Ermelindo Portela que estão vinculados a outras instituições eclesiásticas galegas: Lugo (1), Mondonhedo (1), e mosteiro de Toques (1). 12. CHRONICON Lusitanum (Chronica Gothorum). “Annales Portucalenses Veteres”. Ed. Pierre David. in: DAVID, Pierre – Études Historiques sur La Galice et le Portugal du VIe au XIIe siècle. Coimbra: Instituto de Estudos Históricos Dr. António de Vasconcelos, 1947, pp. 291-302, p. 298. Dos documentos citados por Ermelindo Portela, a antiga abadia de Pendorada, situada actualmente no concelho de Marco de Canaveses, é a instituição à qual está associado um maior número de documentos de Garcia hoje editados (três), o que leva o investigador galego a afirmar que a memória “portuguesa” de Garcia está preferencialmente vinculada ao território situado entre Douro e Minho (PORTELA, Ermelindo – García II, p. 174), enquanto a zona a sul do Douro parece pautar-se por um silêncio semelhante ao que encontramos nas fontes galegas. 13. Séculos mais tarde, a narrativa da captura e prisão de Garcia será recontada pela Crónica de 1344 de Pedro de Barcelos, que reconfigura e reescreve o episódio tal como o recebera da tradição historiográfica afonsina. O tratamento do episódio pelos vários textos e as respectivas interpretações foram já estudadas em DIAS, Isabel de Barros – “Os impossíveis grilhões do futuro”. 6º Congresso da Associação Internacional de Lusitanistas [em linha]. 2001 (texto consultado pela última vez a 18-10-2009, actualmente indisponível). 14. GOMES, Maria Joana – O rei na escrita, pp. 281-289. 15. PÉREZ DE URBEL, Justo – “Introducción”. in Liber Commicus. Edición crítica, Madrid: CSIC, 1955, p. XLV. 16. POSTILLA Anónima de Silos. Ed. Ramón Menéndez Pidal in La España del Cid, vol. II, p. 709: “Rex Sancius prolix Ferdinando, ob fraudem sui fratri Garseani, ira comotus, eum, de Gallecia expulsum et captum in opidum Burgos in exilium trusit”. 17. Na mesma linha, o ataque de Sancho contra Afonso VI é justificado pela inveja sentida por este em relação ao primeiro (causa invidia). Esta qualidade, juntamente com a ira, é também evocada em outros textos, como forma de explicar um determinado comportamento menos aceitável. Por exemplo, nos textos cidianos, a ira e inveja de Afonso VI são tidas como justificação para a expulsão do Cid do reino: No Carmen Campidoctoris, a tentativa de inimizar o rei com o Cid deriva da inveja sentida por um grupo anónimo de cavaleiros relativamente ao prestígio do Campeador. A interferência deste grupo de cavaleiros na relação entre o rei e o Cid acaba por despertar a ira do rei que exila o cavaleiro castelhano no Carmen Campidoctoris. A associação entre a inveja e o conflito está também patente noutros textos historiográficos peninsulares: existe o episódio em que Fruela I mata o seu irmão Vímara “ob inuidia” (Chronica Albeldensia e também na Historia Legionensis). Na Historia Legionensis, a inveja é também apresentada como o motivo que mobiliza Garcia III de Navarra contra o seu irmão, Fernando. Esse sentimento é motivado, segundo a crónica, pela magnificência e opulência que rodeiam Fernando I, agora rei de Leão. Apesar de o texto não estabelecer essa ligação, a verdade

Medievalista, 23 | 2018 117

é que pode perceber-se que a inveja de Garcia é motivada pela subida de Fernando I ao trono leonês, acabando por ultrapassar em estatuto o seu irmão mais velho e primogénito. Se a divisão dos reinos de Sancho III implicava, como se pensa uma prevalência do primogénito sobre os irmãos mais novos, como propõe RAMOS Y LOSCERTALES, José María – “El reino de Aragón bajo la dinastía pamplonesa”. Acta Salmanticensia tomo XV, 2 (1961), pp. 56-58, então a subida ao trono leonês de Fernando I poderia constituir uma ameaça a essa posição de superioridade do seu irmão. Recordemos também que a inveja foi o motivo apresentado por Caim para o assassinato de Abel. 18. O texto não esclarece qual o tipo de engano cometido. A polissemia da palavra remete, num sentido lato para um engano ou ofensa, e, num sentido mais específico, para o domínio do direito contratual. É possível que o autor anónimo do texto estivesse consciente dessa polissemia. Para além disso, também é necessário dar importância à referência ao exílio presente neste texto, não só pela sua importância simbólica relacionada com a perda da terra, temática que, como sabemos, tinha ampla ressonância na historiografia medieval peninsular, mas também porque esta alusão ao duplo exílio de Garcia e Afonso é matéria narrativa que encontra eco em todos textos historiográficos posteriores, sendo especialmente desenvolvida pela historiografia afonsina e pós-afonsina (Versão Sanchina da Estória de Espanna e Crónica de 1344). 19. A proveniência deste texto foi e é matéria para amplo debate entre os investigadores. Actualmente, as posições dividem-se entre aqueles que se inclinam para o mosteiro de Santo Isidoro de Leão (Gómez Moreno, Simon Barton e Richard Fletcher, George Martin, Hélene Thieulin-Pardo, Gaelle le Morvan) e os que relacionam a redacção desta crónica com o mosteiro de Sahagún (Benito Sánchez-Alonso, Canal Sánchez-Pagín, Peter Linehan e Patrick Henriet). Posta de lado está a hipótese de esta crónica proceder do mosteiro de São Domingos de Silos, como defendiam Ramón Menéndez Pidal, Francisco Santos Coco e Justo Pérez de Urbel. 20. Os investigadores não têm uma posição unânime relativamente à datação do texto. Para Simon Barton e Richard Fletcher a obra foi escrita entre 1109 e 1120 (BARTON, Simon; FLETCHER, Richard – The world of El Cid. Chronicles of the Spanish Reconquest. Manchester: Manchester University Press, 2000, p. 12. Alberto Montaner propõe que o texto tenha sido redigido antes de 1135, data em que Afonso VII passa a reivindicar para si o uso do título imperial (MONTANER, Alberto – “Presencia y ausencia de Alfonso VI en la Historia Legionensis (hactenus Silensis nuncupata)”, e-Spania [em linha] 14 (2012), § 21 [consultado a 22-01-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/21750. Georges Martin põe a hipótese de o texto ter sido redigido entre os anos de 1121 e 1133, época em que Ordoño Sisnández, que o investigador francês considera como autor do texto, permaneceu em San Isidoro, mas sugerindo também que o terminus ante quem seja o ano de 1153 (MARTIN, George – “Ordoño Sisnández, autor de la Historia Legionensis (llamada Silensis). Notas histórico-filológicas sobre un ego fundador”. e-Spania [em linha] 14 (2012), § 24 [Consultado a 22-01-2017]. Disponível em: http://espania.revues.org/21711 21. Para a questão da estrutura da Historia Legionensis ver MONTANER, Alberto – “Presencia y ausencia de Alfonso VI”. Para uma interpretação e funcionalidade dos comentários do narrador em geral ver MARTIN, Georges – “Ordoño Sisnández”. Para a sua funcionalidade no episódio da partição dos reinos ver GOMES, Maria Joana – O rei na escrita, sobretudo pp. 278-288.

Medievalista, 23 | 2018 118

22. HISTORIA Legionensis. Ed. Justo Pérez de Urbel, p. 123: “Huius itaque Adefonsum acepto consilio [de Urraca] hac scilicet necessitudine anxius, ne rursus uel sua dolose uel fratris morte regnum corrumperetur, Garsiam minimum fratrem cepit”. 23. HISTORIA Legionensis. Ed. Pérez de Urbel, p. 125: “[...] cui in vincula presto posito, preter licentiam inperitandi, omnis regis honor exhibebatur. Considerabat namque Adefonsus hunc interim salua pace post se regnaturum sed inperatrix natura que homini ineuitabilem mortis metam infixit, interueniens, sub eadem custoria, multo post febre correptus, obiit”. 24. GOMES, Maria Joana – O rei na escrita, pp. 278-288. 25. CHRONICON Compostellanum. Ed. Emma Falque. Habis 14. Sevilla: Publicaciones de la Universidad de Sevilla, 1983, pp. 73-83. 26. A datação proposta baseia-se na referência à morte de Urraca (1126) e à identificação de Afonso Raimundes como rei e não imperador (MARTIN, Georges – Les Juges de Castille: mentalités et discours historique dans l'Espagne médiévale. Paris: Séminaire d' Etudes Médiévales Hispaniques, 1992, pp. 96-97). Francisco Bautista propôs recentemente uma datação mais tardia (BAUTISTA, Francisco – “Breve historiografía: Listas regias y Anales en la Península Ibérica (siglos VII-XII)”. Talia dixit 4 (2009), pp. 113-190, p. 139). 27. BAUTISTA, Francisco – “Listas Regias”, p. 141. Para outra visão dos objectivos deste texto veja-se GOMES, Maria Joana – O rei na escrita, pp. 321-323. 28. CHRONICON Compostellanum, p. 80: “[...] Sancius primogenitus frater cum duobus fratribus singulis uicibus pugnauit et bello captos alterm, scilicet Adefonsum, Toletum, alterum uero, scilicet Garseam, Ispalim cum omnibus suis militibus in exilium abire permisit”. De salientar que esta informação sobre a partida de Garcia para Sevilha será apenas retomada mais tarde pela historiografia afonsina e pós-afonsina. 29. CHRONICON Compostellanum, p. 81: “Ipse enim Adefonsus sue sororis Urrache consilio eum [Garcia] captum feria IIII idus Februarii era ICXI in carcere retrusit et usque ad mortem eum ibi tenuit”. 30. CHRONICON Compostellanum, p. 81. 31. REGLERO DE LA FUENTE, Carlos – “Omnia totius regni sui monasteria: la Historia Legionensis, llamada Silense, y los monasterios de las infantas”. e-Spania [em linha] 14 (2012), § 71 [Consultado a 25-02-2017]. Disponível em: http://espania.revues.org/ 21775#ftn3 32. PELAIO DE OVIEDO – Crónica del Obispo don Pelayo. Ed. Benito Sánchez Alonso, Madrid: Centro de Estudios Historicos, Imprenta de los sucesores de Hernando, 1924. Utilizo a designação Chronica Pelagiana proposta por Enrique Jerez. 33. A Chronica Pelagiana integra o conjunto de escritos compilados e redigidos por Pelaio de Oviedo de forma a promover os direitos e a autoridade da sua diocese e a que se convencionou chamar Corpus Pelagianum. Como mostrou Enrique Jerez (JEREZ, Enrique – El Chronicon Mundi de Lucas de Tui, pp. 94-95) a elaboração deste corpus tem três fases distintas. Perdida a mais antiga, temos hoje testemunhos manuscritos da Compilação A e da Compilação B. A edição da Chronica Pelagiana, elaborada por Benito Sánchez-Alonso em 1924, baseia-se na Compilação B, mas dá conta das adições integradas nesta terceira fase. Relativamente à datação, tem sido proposta a data de 1130 para a Compilação A e uma datação posterior a 1153 para a Compilação B (e, portanto, elaborada já depois da morte de Pelaio de Oviedo. Para uma posição diferente relativamente à datação da Compilação B, veja-se ALONSO, Raquel – “El rey Alfonso VI (m. 1109) en la obra del obispo Pelayo de Oviedo (m. 1153)”. in Imágenes del poder en la Edad Media. Estudios in

Medievalista, 23 | 2018 119

Memoriam del Prof. Dr. Fernando Galván Freile. León: Universidad de León e Instituto de estudios medievales, 2011, pp. 13-32, p. 16. 34. PELAIO DE OVIEDO – Crónica del Obispo don Pelayo, p. 79: “Post non multos uero dies uoluit capere regnum fratris sui Garseani, et per ingenium graue sine pugna captus est Garseanus rex et missus in uinculis per XX annos [...]”. 35. CHRONICA Naierensis. Ed. Juan Estévez Sola. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis (Chronica Hispana saeculi XII, Pars II), vol. 71A. Turnhout: Brepols, 1995. 36. ESTÉVEZ SOLA, Juan – “Introducción”. in Crónica Najerense. Ed. e trad. espanhola Juan A. Estévez Sola. Madrid: Akal, 2003, pp. 8-9. 37. Para os princípios políticos postulados pelo texto pode consultar-se, entre outros trabalhos: BAUTISTA, Francisco – “Sancho II y Rodrigo Campeador en la Chronica Naierensis”. e-Spania [em linha] 7 (2009), § 2 [Consultado a 20-01-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/18101 KLINKA, Emmanuèlle – “Chronica naiarensis: de la traición a la exaltación”. e-Spania [em linha] 7 (2009) [Consultado a 22-10-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/18934 MARTIN, Georges – “Mujeres de la Najerense”. e-Spania [em linha] 7 (2009) [Consultado a 22-10-2017]. Disponível em: http://espania.revues.org/17990 38. BAUTISTA, Francisco – “Sancho II y Rodrigo Campeador”. 39. Segundo GLARE, P.G. – Oxford Latin dictionary. Oxford: Oxford University Press, 1968, p. 570, “dolus” pode ter o sentido de uma armadilha concreta ou também, de forma mais abrangente, traição ou embuste. Para NIERMEYER, J.F. – Mediae latinitatis lexicon minus. 2 vols. Leiden: Brill, 1975, p. 347, “dolus” significa engano. 40. CHRONICA Naierensis, p. 172: “Set cum Garsias illi apud Sanctum Yreneum doli nescius et obsequiosus occurreret, mox captus et uinculis mancipatus Castellam per extra caminum ducitur et in graui custodia per XXIIII annos usque ad obitum detinetur”. 41. BAUTISTA, Francisco – Sancho II y Rodrigo Campeador, § 10-11. 42. GLARE, P. G. – Oxford Latin Dictionary, p. 1221. 43. NIERMEYER, J.F. – Mediae Latinitatis, pp. 729-730. O adjectivo obsequiosus não vem listado. 44. Veja-se nota 56. 45. O emprego de ingenium e de fraus com o sentido de “engano” também ocorre na Historia Roderici, outra crónica redigida no século XII, sinal de que o uso de tais lexemas como sinónimos não se limitava ao caso que temos vindo a relatar. Ver PÉREZ RODRÍGUEZ, Estella – “La Historia Roderici en su aspecto léxico: Estudio comparativo en relación con la Chronica Adefonsi Imperatoris y las crónicas hispanolatinas anteriores al siglo XIII”. e-Spania [em linha] 15 (2013), § 66 [Consultado a 25-02-2017]. Disponível em: http://e-spania.revues.org/22341 46. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi. Ed. Emma Falque. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis, vol. 74. Turnholt: Brepols, 2003. Apesar de uma abundante tradição manuscrita (existem actualmente dezanove manuscritos (dois truncados), sendo o mais antigo do século XIII e o mais recente do século XVII) teve parca fortuna editorial: depois da edição realizada pelo padre Mariana para a obra de Andreas Schott no século XVII (mais concretamente em 1608), foi só no final do século XX que o texto de Lucas de Tui conheceu nova edição e estudo, tendo sido o tema da tese de doutoramento de Olga Valdés García. Já no século XXI, elaborada por Emma Falque e publicada na colecção do Corpus Christianorum. 47. Esta datação é proposta por FALQUE, Emma – “Introduction”. in LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, Ed. Emma Falque. Corpus Christianorum Continuatio Medievalis, vol. 74,

Medievalista, 23 | 2018 120

Turholt: Brepols, 2003, p. xix. JEREZ, Enrique – El Chronicon Mundi, pp. 351-354, propõe como terminus ante quem o ano de 1238. 48. Para os aspectos biográficos de Lucas de Tui ver sobretudo: JEREZ, Enrique – El Chronicon Mundi, pp. 180-182; FALQUE, Emma – “Introduction”, pp. vii-xii e LINEHAN, Peter – “Fechas y sospechas sobre Lucas de Tuy”. Anuario de Estudios Medievales 32/1 (2002), pp. 18-38. Mais recentemente HENRIET, Patrick – “Lucas de Tuy”. in THOMAS, D.; MALLETT, A. (dir.) – Christian-Muslim Relations. A Bibliographical History, 4: 1200-1350. Leyden/New-York: Brill, 2012, pp. 271-279. 49. Sobre estas obras ver JEREZ, Enrique – El Chronicon, pp. 182-183 e respectivas notas. 50. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, Praef., p. 4): “Astrictus preceptis gloriosissimae ac prudentissimae Hispaniarum reginae dominae Berengariae, [...] hanc praemisi praefactionem ut prima fronte voluminis discant Principes praeclaro negotio sanguine generosi non minus sapienter et clementer quam in manu valida regna sibi subdita gubernare”. Sobre os propósitos didáticos do Chronicon Mundi, ver MARTIN, George – Les Juges, p. 233 e LINEHAN, Peter – “De Lucas de Tui a Alfonso X”. in FERNÁNDEZ-ORDÓNEZ, Inés (org.) – Alfonso X el sabio y la Cronicas de España. Valladolid: Universidad de Valladolid, 2000, pp. 19-36, pp. 23-24. 51. O estudo mais complete e rigoroso das fontes historiográficas usadas por Lucas de Tui é a tese de doutoramento de Enrique Jerez, já citada. Para as citações e referências bíblicas e patrísticas veja-se a edição do texto preparada por Emma Falque. Sobre a relação entre o Chronicon Mundi e outras obras do Tudense veja-se HENRIET, Patrick – “ Sanctissima patria. Points communs entre les trois œuvres de Lucas”. in HENRIET, Patrick (dir.) – Actes du colloque: Chroniqueur, hagiographe, théologien. Lucas de Túy († 1249) dans ses œuvres, Sorbonne-Collège d'Espagne, 10 décembre 1999). Cahiers de linguistique et de civilisation hispaniques médiévales 24 (2001), pp. 249-278; REILLY, Bernard – “Sources of the fourth book of Lucas of Túy’s Chronicon mundi”. Classical Folia 30 (1976), pp. 127-137, considera que algumas partes apresentam semelhanças linguísticas com a Chronica Naierensis, e com a Historia Regum Castellae, mas atribui essa proximidade ao uso de fontes comuns, hoje desconhecidas. 52. Para a técnica compositiva de Lucas de Tui ver JEREZ, Enrique – El Chronicon Mundi, pp. 164-179. 53. Veja-se acima, pp. 9-10. 54. JEREZ, Enrique – El Chronicon Mundi, p. 145. 55. Veja-se acima, p. 13. 56. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, p. 298: “Rex etiam Sancius fratrem suum Garsiam iuniorem cepit, et ut sibi esset subditus, acceptis obsidibus et sacramento eum dimisit”. Podemos ver aqui talvez uma reinterpretação feudo-vassálica de uma forma mais antiga de partilha do poder entre irmãos, habitual em Navarra e que preconizava a primazia do primogénito sobre os outros irmãos. Se considerarmos o episódio da partição dos reinos sob esse prisma, então a acção militar de Sancho contra os seus irmãos pode significar uma represália justa contra um possível incumprimento por parte de Afonso e de Garcia das suas obrigações para com o irmão mais velho. Veja-se sobre este tema GOMES, Maria Joana – O rei na escrita, p. 286, n. 1034. 57. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, pp. 298-301. 58. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, pp. 310-302: “Rex uero Garsias frater eius, ut uidit sui regni Gallecos ad regem Adefonsum prosperare, iratus est ualde, et cepit bellum inferre regi Adefonso fratri suo. Adefonsus autem habito consilio sororis Urrace et Petri Ansuri misit nuncius

Medievalista, 23 | 2018 121

ut eum tractare de pacem. Garseanus autem ut nuncios fratris uidit, et erat simplicis ingenii, uenit ad regem Adefonsum nulla fide de securitate”. 59. Segundo GLARE, P. G. – Oxford Latin Dictionary, p. 1765, o adjectivo simplex tem um sentido contraditório no que respeita à natureza humana: tanto pode querer dizer puro, bem-intencionado ou ingénuo, como pode uma conotação mais marcadamente negativa como ignorante ou pouco inteligente (a obra de J.F. Niermeyer não refere este adjectivo). O duplo sentido do étimo é palpável na construção historiográfica da figura de Carlos III, rei da França Ocidental entre 898 e 922, cognominado o Simples. De acordo com Auguste Eckel, esse cognome foi-lhe atribuído por cronistas posteriores à sua morte, sendo que a conotação negativa de simplex surge já no século XI, numa crónica redigida no mosteiro beneditino de Montier-en-Der: “Tempora hujusmodi infelicitatis impediebantur regimine Karoli junioris, qui Simplex ferebatur nomine, non tam innocentia quam ignavia omnis rei civilis et militaris” (ECKEL, Auguste – Charles le Simple. Paris: Éd. Bouillon, 1899, pp. 142-143). Pode, portanto, assumir-se que Lucas de Tui pode usar o epíteto simplex ingenium num sentido negativo. Outro dado interessante a ter em conta é semelhança entre a história e prisão de Carlos, o Simples, com a versão do Toledano da prisão de Garcia. Abordaremos este aspecto um pouco mais adiante. Por outro lado, Lucas de Tui conhecia a obra de Pelaio de Oviedo para quem a captura de Garcia tinha sido obtida por via de um graue ingenium, no sentido de artifício ou estratagema. É possível que Lucas de Tui tenha interpretado ingenium, não no sentido de dolus, mas antes com o sentido de inteligência ou disposição. 60. LINEHAN, Peter – “De Lucas de Tuy”, p. 22. 61. Sobre a influência de Isidoro de Sevilha em Lucas de Tui, veja-se HENRIET, Patrick – “Sanctissima patria, pp. 257-264; FALQUE, Emma – “En torno a la figura de Isidoro en el s. XIII: Lucas de Tuy”. Antiquité Tardive 23 (2015), pp. 249-260. 62. Lucas de Tui elenca cinco requisitos necessários ao bom governo: Reconhecer a Deus como seu rei e criador, admitir os preceitos e as palavras do catolicismo, conservar a paz do reino, guardar a justiça, e combater o inimigo (LUCAS DE TUI, Chronicon Mundi, Praef., p. 3): “Rex dicitur a regendo, quod se eta lios bene regat; cui specialius quinque sunt necessaria: primo videlicet creatorem et regem suum, Patrem et Filium et Spiritum sanctum, unum uerum Deum in unitate substancie et in trinitate personarum agnoscere; secundo fidem catholicam moribus et uerbis confiteri: tercio regnum in pace omnimode conservare; quarto sine accipetione personarum unicuique iusticiam exibere; quinto uero hostes uiriliter, contemptis cunctis laboribus, expugnare”. 63. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, Praef., p. 8: “(…) habent mundi sapientes inter ceteros peritos sapientissimos; habent et milites strenuos inter ceteros milites mundi precipue animosos. Quorum animositas et audacia tam feruida est ut non sollum illos, uerum etiam patriam nonnunquam in periculum ducat”. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, Praef., pp. 8-9: “Habet etiam Yspanie princeps uiros consilii, quos natura sapientia fecit insignes; habetut dictum est, milites bellicosos, et etiam pedites agiles et animos”. 64. A sapientia é uma das qualidades que possibilita o alcance dos cinco requisitos para o exercício de uma boa governação. A importância destas características vem confirmada através de citações bíblicas: “Beata terre cuius rex sapiens est et cuius principes uescuntur tempore suo”, do consilium: “rex qui sedet in solio iudicii, intuitu suo dissipat omne malum” (LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, Praef., p. 4). Para a importância desta qualidade para Lucas de Tui (e Rodrigo de Rada) ver RODRÍGUEZ DE LA PEÑA, Manuel Alejandro – “Rex institutor scholarum: la dimensión sapiencial de la realeza en la cronística de León-

Medievalista, 23 | 2018 122

Castilla y los orígenes de la Universidad de Palencia”. Hispania Sacra 126 (2010), pp. 491-512, sobretudo pp. 493-497. 65. O sentimento anti-nobiliárquico em Lucas de Tui foi notado por MARTIN, George – Les Juges, pp. 205-206 e 225-226, e denotado também por outros lexemas que pertencem ao campo semântico da violência, como a ira (ira), a ferocidade (ferocitas), belicosidade (bellicosus), a avareza (avaritia) e a cupidez (cupiditas). 66. LUCAS DE TUI – Chronicon Mundi, p. 302: “Tam sapienter rex Adefonsus regni gessit gubernacular, ut omnes potestates, nobiles diuites uel pauperes qui erant in regno, erant in quiete, ita quod non auderet unus contra alterum litem mouere nec aliquid mali facere”. Lucas de Tui prossegue na descrição do retrato de Afonso VI utilizando informações retiradas da Chronica Pelagiana. No entanto, esta referência a sapiência parece ser da autoria do próprio, aplicando assim ao conquistador de Toledo algumas das qualidades que atribui a Afonso VIII, o rei-modelo por excelência. 67. De acordo com Gregório Magno, há dois tipos de reis que resvalam para a má governação. Um é o tirano, que se caracteriza por violar deliberadamente preceitos da justiça, da moral e da religião (iniquus). O outro é o rei “inútil” que exibe características como a letargia, negligência, inépcia e ignorância. No século IX, é a incapacidade mental ou física, a má-gestão administrativa ou a decadência moral que estão associadas à figura do rex inutilis (PETERS, Edward – The shadow king, p. 43, p. 72). 68. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De rebus hispaniae sive historia gothica. Ed. Juan Valverde. Corpus Christianorum Continuatio Mediaevalis, vol. 72, Turnhout: Brepols, 1989. 69. Esta crónica relata os acontecimentos ocorridos entre o povoamento (mítico) da Espanha e a conquista de Córdova por Fernando III (RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Prol., p. 7: “(...) a tempore Iaphet Noe filii usque ad tempus uestrum, gloriossissime rex Fernande (...)”). 70. Ao contrário do que sucede com Lucas de Tui, o percurso biográfico de Rodrigo de Rada é bem conhecido. Vários autores traçaram a biografia do arcebispo toledano de maneira mais ou menos elaborada, como é o caso de J. Gorosterratzu, Hilda Grassotti, María Desamparados Cabanes Pecourt, Peter Linehan e Juan Valverde. Mais recentemente, MARTIN, Georges – Les Juges, pp. 255-258). O próprio epitáfio de Rodrigo de Rada descreve assim a sua vida: “Mater Navarra, nutrix Castella, Parisium studium, toletum sedes, mors rhodanus, orta mauseolum calum requies, nomen Rodericus”. 71. VALVERDE, Juan – “Introducción”. in RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, ed. Juan Valverde, 1989, pp. xxxv-xxxix. O autor da edição crítica não consegue saber com certeza se o autor utilizou ou não a Historia Legionensis, mas garante Rodrigo de Rada conheceu certamente a Chronica Naierensis e a Chronica Pelagiana. Em casos pontuais, como por exemplo assuntos que se relacionam mais de perto com a sua diocese, terá também recorrido a materiais conservados no arquivo da catedral de Toledo. Ver também LINEHAN, Peter – “De Lucas de Tui”. 72. LINEHAN, Peter – “De Lucas de Tui”, pp. 21-22. 73. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Praef., p. 5: “Fidelitas antiquitatis, antiquas fidelitatis primeuorum doctrix et genitrix posterorum credidit actibus minorari si sibi soli se genitam reputaret”. 74. Tendo esse objectivo em conta, tem uma atitude conciliatória para com os outros grupos sociais, em especial a aristocracia. MARTIN, Georges – “Nobleza y realeza en el De rebus Hispaniae (Libros 4 a 9)”. in MOLINIE, Annie; ZIMMERMANN, Marie-Claire; RALLE, Michel (pres.) – Hommage à Carlos Serrano. Paris: Éditions hispaniques, 2 vols., 2005, pp. 1-23, pp. 1-2.

Medievalista, 23 | 2018 123

75. MARTIN, Georges, Les Juges, p. 267. 76. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Praef., pp. 5-6: “[...] gesta etiam principium quorum alios ignauia fecit uiles, alios sapientia, strenuitas, larguitas et iustitia futuris seculis comendauit”. Ver também a propósito deste assunto: MARTIN, Georges – Les Juges, pp. 262-263. 77. MARTIN, George – Les juges, p. 262; MARTIN, Georges – “Nobleza y realeza”, pp. 9-12. 78. MARTIN, George – Les juges, p. 263-267; MARTIN, Georges – “Nobleza y realeza”, pp. 12-21. 79. Veja-se acima, p. 20. 80. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Liber iv, cap. xviii, p. 198: “Et cum rex Sancius circa huiusmodi moraretur, rex Garcias in suos tirannide grasabatur (...)”. 81. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Liber IV, cap. xviii, p. 198: “ Habebat autem quendam vernulum causa familiaris secreti plus debito sibi carum, cuius delationibus contra milites et barones aures credulas adhibebat; et licet sepius supplicassent ut a se predictum vernulum removeret, discessum eius nullatenus voluit sustinere”. O episódio apresenta alguns pontos de contacto com a estória contada por alguns analistas e cronistas francos para justificar a rebelião dos barones da França Ocidental contra Carlos III, o simples. Este rei cumula de bens indevidos um conselheiro chamado Hagano, um acto que os aristocratas contestam e consideram motivo suficiente para uma rebelião. Mais tarde, Carlos III acaba por ser deposto e passa o resto da vida encarcerado num castelo (Ver sobre este assunto ECKEL, Auguste – Charles le Simple, pp. 107-111, e também GEARY, Patrick – Phantoms of Remeberance: memory and oblivion at the end of the first millenium. Princeton: Princeton University Press, pp. 147-153. 82. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Liber IV, cap. xviii, p. 198: “Et ipsi reputantes dedecus et iacturam quia eius delationibus ledebantur, delatorem in eius presentia occiderunt (...) In cuius morte se lesum reputans et confusum, illatum dedecus sepe obiciens omnes suos cepit affligere indistincte, districte cominans se indignationi sue nullem terminum positurum. Sui autem minarum pericula pauescentes et illatum dedecus recolentes ab eius dominio, prout poterant, discedebant”. 83. RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Liber IV, cap. xvii, p. 198: “(...) rex Garsias in suos tirannide grassabatur et villis ab omnibus et a suis etiam habebatur et contra fratrem bella, licet segniter, intemptabat”. 84. PETERS, Edward – The Shadow king, p. 103. 85. Em flagrante oposição com a descrição de Afonso VI, onde nos é dito que o rei age com cada um conforme as suas necessidades (RODRIGO XIMÉNEZ DE RADA – De Rebus Hispaniae, Liber IV, cap. xxi, p. 202). 86. PETERS, Edward – The Shadow King, p. 42. 87. MARTIN, George – “Nobleza y realeza”, p. 3: “(...) amenazas de deposición blandidas por los “magnates” contra Alfonso el Casto que está dispuesto a legar el reino de Oviedo a Carlomagno; ejecución, por el “senatus”, de un Fruela Vermúdez que se comporta en tirano; asesinato del infante García por los nobles a quienes su padre, el conde Sancho, expulsó “indignanter” de Castilla; derrota y muerte en Atapuerca de un García III de Navarra que no supo ganarse el “animus” de los suyos; y, al morir sin descendencia Alfonso el Batallador, apartamiento del trono por los “nobiles” aragoneses del soberbio Pedro Atarés en beneficio de Ramiro el Monje”.

Medievalista, 23 | 2018 124

RESUMOS

Garcia, filho mais novo de Fernando I (1038-1065) e de Sancha de Leão (1038-1067), foi contemplado com o reino da Galiza na divisão dos reinos promovida pelo pai. Ao fim de cinco anos de reinado, em 1071, foi preso pelo seu irmão Afonso, rei de Leão, que se torna rei da Galiza. Garcia passa o resto da sua vida encarcerado, acabando por morrer na prisão em 1090. A prisão e deposição de Garcia foram assuntos abundantemente revisitados pelas crónicas leonesas e castelhanas medievais desde o século XII. Contudo, é sobretudo no século XIII que os cronistas ibéricos começam a tecer justificações mais sólidas para os eventos ocorridos em torno desta transmissão de poder anómala. Este artigo pretende analisar os argumentos evocados pelos cronistas do século XII de forma a justificar a deposição de Garcia da Galiza, para depois avançar para o estudo do mesmo tema nas mais importantes crónicas ibéricas em latim do século XIII, o Chronicon Mundi, de Lucas de Tui, e De Rebus Hispaniae, de Rodrigo de Rada. Partindo do estudo dos argumentos aduzidos pelos dois cronistas tentar-se-á perceber as implicações ideológicas que a construção discursiva deste episódio tem no sistema de valores políticos que caracteriza os textos mencionados.

Garcia, the youngest son of Ferdinand of Castile (1038-1065) and Sancha of León (1038-1067), was given the kingdom of Galicia by his parents, when they splited their kingdom by their sons. Five years into his reign, he was captured and imprisoned by one of his elder brothers, Alfonso, king of León, who becomes king of Galicia in its brother’s place. The former king spent the rest of his life in prison until his death in 1090. The circumstances which led to Garcia’s arrest and captivity were frequently debated among the 12th medieval Iberian Latin historiographers. However, it is in the 13th century that historians elaborate more solid justifications to make sense, not only Garcia’s fate but also the anoumalous power transmission that took place. This paper analyses the arguments brought up by the works of several 12th and 13 th century historiographers of western Iberia - conceeding special attention to Lucas de Tuy’s Chronicon Mundi and Rodrigo de Rada’s De rebus Hispaniae - to justify the fall of Garcia of Galicia. It aims at understanding the relation between the discursive mutations of this episode and the writers’ political and ideological conceptions.

ÍNDICE

Keywords: Chronicon Mundi, De rebus hispaniae, Garcia of Galicia, medieval kingship, 13th century Palavras-chave: Chronicon Mundi, De rebus hispaniae, Garcia da Galiza, realeza medieval, século XIII

AUTOR

MARIA JOANA GOMES

Universidade do Porto, Instituto de Filosofia / SMELPS – Seminário Medieval de Literatura, Pensamento e Sociedade, 4150-654, Porto, Portugal [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 125

The Justification of Tyrannicide in the Chronicle of Dalimil. The Czech Nobility as the “Mystical Body” of the Realm A justificação do tiranicídio na ‘crónica de Dalimil’. A nobreza checa como o ‘corpo místico’ do reino

Éloïse Adde

EDITOR'S NOTE

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017

1 The Czech nobility enjoyed a very strong position in society at the beginning of the 14th century, thanks to a long tradition of gathering (assemblies)1 and a first crisis which began after the death of Přesmysl Ottokar II (1278)2. The young, new King of Bohemia, Wenceslas II (1278-1305)3, was immediately abducted by the regent Otto V of Bavaria (1267-1298). In response, the Bohemian magnates entered the scene, negotiating with Otto about his release and taking responsibility for administering the country in his absence. By the time Wenceslas finally returned to Prague in 1283, the nobility had been able to establish itself both outside (when negotiating with Otto) and inside (within the Czech lands) as the real political representative of the people and the country4. Above all, its relationship with the sovereign had been irrevocably transformed. The Czech nobility managed to consolidate its new position because of the succession crisis (the interregnum of 1306-1310) following the death of Wenceslas III, murdered without descent, which entailed the extinction of the Přemyslid dynasty5. After the short reign of Rudolf of Habsburg, Henry of Carinthia failed to impose himself as the legitimated ruler6. As a consequence, the barons worked with the main of

Medievalista, 23 | 2018 126

the country to find a solution7. They negotiated with the recently elected King of the Romans, Henry of Luxembourg (1308-1313)8, and decided to arrange a marriage for his young son John with the Přemyslid princess Elizabeth9 and elect him as King of Bohemia (1310)10. In exchange, John gave his promise to respect the local customs and liberties (Inaugural diplomas)11.

2 Dating from the early 14th century (1309-1314), the Chronicle of Dalimil reflects the political attitudes of this pivotal period12. Composed in verse by an unknown author13, this text is the first chronicle written in the Czech language14; it compiles information from older Czech chronicles written in Latin and combines it with the author’s own experiences. While narrating the history of the Czech lands, the author planned to support the political role of the Czech nobility. In addition to emphasising the election of the ruler by the lords, he also went to great lengths to justify tyrannicide15. When facing kings who could be weak (Henry of Carinthia), foreign (John the Blind) or too young (Wenceslas II at the beginning of his reign), the nobility had to embody the permanence of the state, the “community of the realm”, in a dialectic connecting the lords into constituting the “mystic body of king”, a concept so well brought to light by Ernst Kantorowicz16.

3 In this chronicle, the occasional necessity for tyrannicide is not, however, presented as a novelty, but as a fundamental and almost moral duty of the nobility that had earlier been abandoned because of the rise of the ruler’s authoritarian exercise of power when the duchy of Bohemia became a kingdom. By presenting tyrannicide falsely as an age- old tradition, the author helped increase the nobility’s political range, giving it the right to judge the king’s capacity to reign or lack thereof.

1. “Community of the realm”, dualism and contract in the Dalimil’s Chronicle

1.1. The “community of the realm” in the Chronicle

4 The notion of a “community of the realm” (communitas regni) is well known by historians specialized in the political movements of 13th-century Europe, specifically in England17. The notion could encompass the lords of the realm, who were the only people allowed to deal with the king, as well as all the inhabitants of the English kingdom. We can find the idea of a community or even the words communitas or universitas in Bohemian charters 18, but Dalimil’s Chronicle is the first text that clearly defined it as the zemská obec19. As in Latin, the Czech expression emphasises the opposition between a group of individuals and a single individual: the prefix ob- (around) is the equivalent of the Latin cum- (with) of communitas20. Two criteria defined the notion and conferred on it its efficiency: the solidarity between its members and the perenniality obtained through their permanent replacement21. It is precisely because of their solidarity that the nobility constituted a group and could thus emerge as the incarnation of the “community of the realm”22. Although it was not yet an independent corporate state, the nobility was unified by culture, social practices, political purposes, and a dominant position in society, all aspects that strengthened its cohesion while conspicuously – and radically – distinguishing it from the rest of the population23.

Medievalista, 23 | 2018 127

5 Dalimil (as he is known) introduced the notion of community at the beginning of his narration, when elaborating on the origins of Bohemia. According to him, the legendary figure of Libuše became the judge of the country after her father Krok had died. Although she proved herself as a wise chieftain, the male members of the tribe were displeased about their ruler being a woman, and they demanded that she marry and thus give them a prince. Respectful to the voice of the majority – we could say, to the “community” –, Libuše accepted their request, but not before having warned them: “The community is the protection of all / and it is better to forget the one who insults it. / If you lose the community, do not expect anything from the castle, / outside the community, you will have to face the most diverse disagreements”24.

6 The community here includes all men who have the right to speak and deliberate with Libuše. It is placed in an adversarial relationship with the “castle”. The castle symbolizes the authority of the ruler, whereas the community embodies the protection against the arbitrariness and the possible absolutism of the exercise of the power by the sovereign. In contrast to Cosmas of Prague, his principal model25, Dalimil transposed the 14th century motives of the nobility into a legendary past26: in order to solve the problem she faces, she convened the “noblemen” to the “general diet”27. While the nobility did not exist at all, Dalimil presents a “community of the realm” older even than the duchy. The noblemen who form the community are instructed to stay close and vigilant. Libuše says: “You should rather suffer my judgment / than seek to have a strong man as your duke. / The hand of the girl knocks gently, / Whereas the blow given by that of the man is a real ordeal. / You give me debt / the day you will see your Duke sitting down at an iron table”28.

7 Even if it remains abstract and does not include any institutional set-up, the concept of the community refers obviously to the idea of an united nobility, intended to balance the role of the sovereign. According to Dalimil, being able to maintain a dialogue with the sovereign is the prerequisite for social peace and prosperity. Using this personal interpretation of past events, he shows that the current problems – the crisis of 1306-1310 – had their origin at the time of Přemysl Ottokar I (1192-1193, 1197/1198-1230), when the lords lost interest in taking part in the council of the sovereign and when the sovereign became a King29 and gained, according to Dalimil, much power30. According to Dalimil, the lords and the sovereign were committed to one another in a fundamental contract, which was the base of the dualism.

1.2. The dualism and the idea of a contract

8 The term “dualism” is not a medieval one, but a historiographical projection to understand Czech medieval political history, more precisely the still informal collaboration of the nobility and the sovereign in governing, before the effective establishment of the estates of the realm (Ständeordnung) in the 15th century31. The participation of the elites in the exercise of power was not a specifically Czech phenomenon. Across Europe, sovereigns had proven increasingly dependent on the elites of their realms, because of several social and political transformations starting in the 13th century 32. In Bohemia, the nobility massively imposed itself in this process against the clergy and cities, the absence of Premysl Ottokar II during his many military campaigns, the two crises of 1278-1282 and 1306-1310, and the ethnic partition of the population: the mainly German burghers had no credibility in representing the

Medievalista, 23 | 2018 128

Czech subjects of Bohemia and thus in exercising any power33. Being noble and of Czech origin were two essential criteria for being part of the “community of the realm”.

9 Its member par excellence is designated by the term “zeman”, the noble attached to his land – země. While Dalimil generally uses the term pán to refer to the lords, i.e. the term commonly used for the Latin dominus, he uses the word zeman 27 times, although it was by no means a common term at the time34. The word is always used in the plural and refers only to Czech noblemen35, reinforcing the idea of the lords thus referred to as a group36. Moreover, the word refers almost exclusively to political action (24 out of 27 occurrences of the word): the election of the duke (chap. 3), the endorsement of a decision of the sovereign (chap. 32), the advice given to the sovereign (chap. 43), etc. Zemané is strictly used to present the acting “Community of the realm”, i.e. the zemská obec in Czech, which the proximity between the words zeman and zemská seems to confirm.

10 Dalimil claimed that the restauration of the contract between the duke and the lords was the key to the prosperity of the kingdom and the return to peace, a contract that should lead to the preservation of the “common good” and the integrity of Bohemia. This contract, though, was also asymmetrical: the prince was the only one to be forced by concrete duties, while the lords – bound in the “community of the realm” – were the righters of wrongs and in charge of its good observation37.

2. Tyrannicide, a necessary tool

2.1. Dalimil’s justification of tyrannicide

11 According to Dalimil – and the ideology of the nobility –, the Duke-King of Bohemia had to respect two main principles: reject foreign at his council and respect the nobility while ruling with it, which is exactly reflected by the content of the Inaugural diplomas of 1310-1311. These two duties are omnipresent in Dalimil’s narration. In case of a failure of the ruler, the lords had to intervene. The first step was trying to resolve any conflict through dialogue. But if the duke/king refused to listen and collaborate, the lords were required to employ the most radical of means.

12 While the issue of tyranny and tyrannicide were a “classic” topic in ancient Greek and Roman political theory38, it became more problematic during the Middle Ages. The execution of the tyrant contradicted the sixth commandment “Thou shalt not kill39” as well as the precept “All power comes from God40”41. The whole reflexion about tyrannicide is polarised by the contradiction between Christian principles and the heritage of ancient culture, as reflected by John of Salisbury’s (1115-1180) many changes of mind (Policraticus)42. Even Thomas Aquinas was not able to follow a direct line of argument and ultimately failed to propose a real and well-founded justification for resistance against a tyrant43.

13 Dalimil, however, cultivated a genuine culture of royal deposition and tyrannicide. From the beginning of his history of Bohemia, dukes and kings are constantly in the spotlight, while the author does not hesitate to invent precedents in order to give lessons either to the ruler in place, Jean the Blind (1310-1346), or to invite the lords to act if they would not be satisfied with him. In medieval logic, old age was the best source of authority and rooting a practice as long ago as possible the best justification44.

Medievalista, 23 | 2018 129

Bad rulers and their punishment by the lords

Souvereign Sanction Motivation Facts

Bořivoj II Friendly with Personal conflict with his Banished by the lords chap. 63 Germans brother Vladislav

Vladislav II Friendly with Abdicated in favour of Flees the Czech lords chap. 67 Germans Frederick

Frederick I Deposed by the Czech Friendly with Deposed by the emperor chap. 69 lords Germans

Conrad II Murdered on the decision Friendly with Died during the siege of chap. 69 of the lords Germans Neapoli

Stanimír Murdered on the decision Friendly with Invented character chap. 69 of the lords Germans

Přemysl Disrespect of the Ottokar I Flees the Czech lords Deposed by the emperor Czech lords chap. 73

14 Dalimil relates several cases of banishment, deposition or escape, all of which are invented. In addition, we can read about two – equally invented – cases of tyrannicide45. In chapter 69, Conrad II Otto (1189-1191) is demonized as an incompetent supporter of Germans, and is executed for this reason. In reality, he was actually favourable to the nobility. He published the Iura Conradi, a set of privileges that consolidated the position of the lords (freemen guaranteed against the abuses of the duke or the provincial courts under his zhupans, extension of the right of inheritance to brothers of deceased lords, confiscation of property only after a long legal procedure conforming to local custom)46. And he was not executed as a tyrant, but died instead of the plague at the siege of Neapoli in September 1191 during the Italian campaign of Emperor Henry III – 1190-119747. According to Dalimil, a certain Stanimir48, an invented character, succeeded him. But as well as Conrad, he supported the Germans (chapter 69 v 81), which again brought a sanction from the lords and his death at their hands.

15 Dalimil goes further. In a passage of his chronicle, he legitimizes the right and the use of tyrannicide. Killing a tyrant is even presented as a duty. Chapter 68 is dedicated to Duke Soběslav II (1173-1178), called the “friend of the Czech people”, even though he did not trust the Czech lords, relied on the Church and lower classes49 and eventually published a privilege (1174) which regulated the position of foreigners living in Prague, and whose most important beneficiary was the German community50. According to Dalimil’s fabricated narration, the duke had to send his two sons, Frederick and Conrad, to the court of the emperor. The latter planned to make them forget their language and customs by their immersion in a fully German environment. His plan was to put the Kingdom of Bohemia eventually under his authority. Because of the superior position

Medievalista, 23 | 2018 130

of the emperor, Soběslav could not refuse, but expressed his concern at the moment of their departure to the German lands: “If I learn from a bird / that you are leaving it up to the Germans, / I will put you in a leather bag / and throw it into the Vltava river with you both inside! / Because it would be easier for me to lament you two, / than to see the shame assail my nation and leave it for dead”51.

16 He also appealed to the lords to be careful and to react in case of non-respect of their duties by his sons when they rule in the future: “I am grateful for your loyalty / because you have demonstrated it very often. / I ask you to be as faithful to my children / as they will stay loyal to theirs. / If they do not demonstrate any love to theirs, / do not respect them anymore! / Do not be their faithful / and take instead a ploughman for your duke! / A simple ploughman always makes a better duke52 / While a German can never be faithful to the Czechs” 53.

17 Whereas the beginning of the first citation can be understood as simply expressing the anger of a father towards his own children, the strongly nationalist tone and the recalling of a prince’s duties in its second part represent a political statement. With the duke facing potential difficulties, he beseeches the lords to ensure the integrity of the Czech state.

18 The message is all the stronger given that Soběslav abided by the authority of the barons and could be recognized by them as a tyrant. Willing to make a sacrifice like Abraham, he obviously favours the common good over his personal interests. Tyrannicide was thus legitimate.

2.2. From the “community of the realm” to the “mystical body”

19 The lords had to watch over the actions of the duke and intervene, possibly even execute him, if he did not accomplish his duties (such as rejecting foreigners, collaborating with the lords of the country). The lords’ action was given legitimacy by their association as a community, the “community of the realm”, and the postulate that this “community of the realm” acted for the common good.

20 Aristotle postulated that “any community was made for some good”54. The “community” was eternal through the perpetual succession of its members (communitas non moritur) and thus embodied stability. In the hierarchy of the medieval values, the collegial structure of the community provided a permanent consensus, very much in contrast with a mortal individual, inconstant in action and motivated by his own interest55.

21 Through the “community of the realm”, the Czech nobility was – according to Dalimil – able to assure the continuity of the state. Justifying the nobility’s right to execute the duke or king when acting as a tyrant is entirely coherent with this view. At the same time, Dalimil attributes to the lords the right to elect their sovereign. The privilege given by the King of the Romans Philipp of Swabia (1198-1208) in 1198 and known through the confirmation of Frederick II Hohenstaufen (1212-1250), the Golden Bull of Sicily (1212), confirmed the right of the lords to elect the duke, later king, of Bohemia56. Whereas the hereditary principle had undoubtedly been imposed a long time ago57, so that the Přemyslid dynasty was the appointed family of the throne of Bohemia, the new sovereign had to be acclaimed by the “assembly of the Czechs”, in reality the great lords. As long as the Přemyslid dynasty would rule, such an exigence was in fact a

Medievalista, 23 | 2018 131

formality58. At Dalimil’s time, this privilege took a new signification and the author wanted to support the idea that the lords could elect the candidate of their choice without considering the international prestige of his family59.

22 Dalimil tells us how the Czech lords received this right from the emperor Henry IV (1050-1106) in return for having helped him during his expedition against Stephen III of Hungary (1161-1173): “Then the emperor granted liberty to Bohemia, / and instituted the free election”60, and does not allude to the circumstances of elevation of the events of 1198. As with the right to commit tyrannicide, Dalimil presents a false succession of elections, thereby creating a tradition of elected rulers and inviting the lords to use it in the future. In chapter 54, he reports that the country had to return to Břetislav after the death of Vratislav II in 1092. But the lords disagreed, because he had revolted against his father and thus risked sowing trouble among the new generation, and elected Conrad of Moravia61. In reality, the accession of Conrad I corresponded well to the plan foreseen by Vratislav before his death62! In chapter 58, Dalimil explains how the lords invalidated the nomination of Otto of Moravia as Duke by Emperor Henri V63 and elected Vladislav not because he was a better candidate, but to consolidate their right of election64. In reality, the conflict between supporters of Otto and Vladislav had nothing to do with the empire: Otto was elected by Moravian lords, without the Bohemian lords and the bishop of Prague who, on the other hand, imposed their candidate, Vladislav, as the legitimate one65.

23 The supposed venerable age of the practice creates a tradition and is thus an indisputable source of authority and legitimation. In Chapter 65, the author even praises the benefits of the election: “When the succession to the throne is natural, / if you kill the duke, his mother is not able to provide a new one. / But when the duke is chosen by election, / his death causes little damage. / Some people request the duke’s death, / especially those who have some hope for themselves. / Let them know that when the duke was elected, / it is not possible to not get rid of him”66.

24 When elected, the sovereign is the expression of the constant will of the lords, of the “community of the realm”, which constantly tends towards the common good and peace. While the sovereign is the “real body” of the state because he is natural, mortal, subject to infirmities, to the defects of infancy and old age, the nobility is supposed to epitomise its “mystical body”, both immortal and universal, as the “community of the realm”. Facing the instability induced by the dynastic succession, especially in the time of crisis that follows Venceslas III’s murder, Dalimil intends to give the greatest power to the nobility and deliberately ignores the problems which could also be produced by the election, as shown by the repeated cases of simultaneous elections of two competing kings in the Empire67.

25 According to Dalimil, the non-respect of this initial contract between the nobility and the sovereign, who is only the primus inter pares68, is the direct cause of the many crises that occurred from the beginning of the 13th century. This was a time of change, when Bohemia became a kingdom and the duke a king who demanded ever more power for himself at the cost of general prosperity and the common good.

Medievalista, 23 | 2018 132

Conclusion

26 The reflection on the duality of the person of the ruler led to many interpretations and practices. The superposition and identification of the two bodies in the same person (the king) strengthened his sacralisation, while the differentiation of the two bodies allowed the limiting of his importance and the recognition of any corporation or group as the “mystical body” in the face of a mortal ruler who should be only the primus inter pares.

27 In the early 14th century, the Czech nobility managed to take advantage of a favourable political situation. A first crisis after the death of Přemysl Ottokar II and the weakness of royal authority, already undermined in the late 13th century but seriously diminished during the reign of Henry of Carinthia, produced a set of occasions for the nobility to present itself as the guarantor of the integrity of the state. Its dominant position can be illustrated by its decisive role in the negotiation with the new King of the Romans, Henry VII, and the election of Henry’s son, John, in 1310 as the new King of Bohemia.

28 Dalimil’s Chronicle is representative of that evolution. Its author aimed to define clearly the political role of the nobility, projecting an ideal government where the two bodies, the king and the community of the realm, work together. The two parts are committed to each other by contract, albeit an asymmetrical one, where the nobility had to judge the king’s rule and possessed the last word. Two tools helped the nobility to command respect: the duty to kill a tyrant and the prerogative to elect a new king.

BIBLIOGRAPHY

Sources

ARISTOTELES – Éthique à Nicomaque. Ed. Jules Barthélemy Saint-Hilaire, Alfredo Gomez-Müller. Paris: Le Livre de Poche, 2012 (1992).

ARISTOTELES – La politique. Ed. Jean Aubonnet. Vol. 2, Paris. Les Belles Lettres, 1973.

CICERO – Les devoirs. Book 1. Ed. Maurice Testard. Paris : Les Belles Lettres, 1974.

CICERO – Les devoirs. Books 2 ans 3. Ed. Maurice Testard. Paris: Les Belles Lettres, 1984.

CODEX DIPLOMATICUS et epistolaris regni Bohemiae. Vol. 1. Ed. Gustavus Friedrich, Praha: Sumptibus comitiorum Regni Bohemiae, 1904-1907.

CODEX DIPLOMATICUS et epistolaris regni Bohemiae. Vol. 2. Ed. Gustavus Friedrich, Praha: Sumptibus comitiorum Regni Bohemiae, 1912.

COSMAS VON PRAG – Die Chronik der Böhmen des Kosmas von Prag. Ed. Berthold Bretholz. Berlin: Weidmannsche Buchhandlung, 1923.

DALIMIL – La Chronique de Dalimil et les débuts de l’historiographie nationale tchèque en langue vulgaire. Ed. Eloïse Adde. Paris: Publications de la Sorbonne, 2016.

Medievalista, 23 | 2018 133

DEMOSTHENES – Περὶ τῶν πρὸς Ἀλέξανδρον Συνθηκῶν. Ed. Samuel Henry Butcher. Oxford: Oxford University Press, 1903, 17, 1-30.

JOHN OF SALISBURY – Policraticus sive de nugis curialium et vestigiis philosophorum. Ed. Cary J. Nederman. Cambridge: Cambridge University Press, 1990.

REGESTA NEC NON epistolaria Bohemiae et Moraviae. Vol. 2. Ed. Joseph Emler. Praha: Typis Grégerianis, 1882.

Studies

ADDE, Éloïse – “Volba krále a tyranovražda – návod k ustavení politické role české šlechty v Dalimilově kronice”. Mediaevalia Historica Bohemica 17/1 (2014), pp. 41-88.

ADDE, Éloïse – “Idéologie nobiliaire et espace public dans les pays de la couronne de Bohême au XIVe siècle”. in Hémecht (revue d’histoire luxembourgeoise) 4 (2015), pp. 401-419.

ADDE, Éloïse – La Chronique de Dalimil et les débuts de l’historiographie nationale tchèque en langue vulgaire. Paris: Publications de la Sorbonne, 2016.

ADDE, Éloïse – “Langage et pouvoir dans la Bohême médiévale, les enjeux de la naissance d’une littérature de langue tchèque au XIVe siècle”. in MAIREY, Aude; MADELINE, Fanny; ABÉLÈS, Solal (eds.) – Contre-champs. Études offertes à Jean-Philippe Genet par ses élèves. Paris: Classiques Garnier. 2016, pp. 275-296.

ADDE, Éloïse – “Communauté du royaume et affirmation de la noblesse dans les pays tchèques (XIIIe-XIVe siècles)”. in BARTHÉLEMY, Dominique; GUYOT-BACHY, Isabelle, LACHAUD, Frédérique; MOEGLIN, Jean-Marie (eds.) – La “communauté du royaume” (Angleterre, Écosse, France, Empire, Scandinavie), de la fin du Xe siècle au début du XIVe siècle, théories et pratiques, Nancy – 6 novembre / 8 novembre 2014. Paris, in preparation (2017).

ADDE, Éloïse – “Corriger le roi. La doléance comme source de légitimation de la noblesse de Bohême dans la littérature vernaculaire tchèque au XIVe siècle”. in BUBENICEK, Michelle (ed.) – Doléances. Approches comparées de la plainte politique comme voie de régulation dynamique des rapports gouvernants-gouvernés (fin XIIIe-premier XIXe s.), in preparation (2017).

ADDE, Éloïse – “Die deutschsprachige Übersetzung der Dalimil-Chronik. Ein Versuch der politischen Legitimation der städtischen Eliten im Böhmen der Luxemburger?”. in SIEBURG, Heinz Sieburg, STÖRMER-CAYSA, Uta, BENDHEIM, Amelie (eds.) – Prag in der Zeit der Luxemburger. Literatur, religiöse Ideen und Herrschaftskulturen zwischen Bereicherung und Behauptung, Interkulturalität. Studien zu Sprache, Literatur und Gesellschaft, in preparation (2017).

ADDE, Éloïse – “Un roi étranger en Bohême. Les modalités de la communication politique entre Jean l’Aveugle et la noblesse, de la publication des Diplômes inauguraux aux accords de Domažlice (1310-1318)”. in ADDE, Éloïse; MARGUE, Michel (eds.) – Gouverner en territoire étranger, Actes du colloque organisé à l’Université du Luxembourg, 15-16 décembre 2016. in preparation (2018).

BAKALA, Jaroslav – “K výkladu prvního ustanovení Statut Konráda Oty”. in: Český stát na přelomu 12. a 13. Století. Opava: Slezská univerzita - Filozoficko–přírodovědecká fakulta, Ústav historie a muzeologie, 1993, pp. 9-15.

BARTHÉLEMY, Dominique; GUYOT-BACHY, Isabelle; LACHAUD, Frédérique; MOEGLIN, Jean-Marie (eds.) – La “communauté du royaume” (Angleterre, Écosse, France, Empire, Scandinavie), de la fin du Xe siècle au début du XIVe siècle, théories et pratiques, Nancy – 6 novembre / 8 novembre 2014. Paris, in preparation (2017).

BENEŠOVSKÁ, Klára – Královský sňatek: Eliška přemyslova a Jan Lucemburský 1310, Praha. Gallery, 2010.

Medievalista, 23 | 2018 134

BLÁHOVÁ, Marie – Staročeská kronika tak řečeného Dalimila v kontextu středověké historiografie latinského kulturního okruhu a její pramenná hodnota. Praha: Academia, 1995.

BLÁHOVÁ, Marie – ; FROLÍK Jan; PROFANTOVÁ Naďa – Velké dějiny zemí Koruny české. Vol. 1. Prague-Litomyšl: Paseka, 1999.

BLICKLE, Peter – Kommunalismus. Skizzen einer gesellschaftlichen Organisationsform. München: Oldenbourg Verlag, 2000.

BROM, Vlastimil – “Panovnické tituly v Dalimilově kronice, k využití textové lingvistiky pro historickou interpretaci”. in WIHODA, Martin; MALAŤÁK (eds.) – Stát, státnost a rituály přemyslovského věku. Brno: Matice moravská, 2006, pp. 217-234.

CHALOUPECKÝ, Václav – “Inaugurační diplomy krále Jana z roku 1310 a 1311”. Český časopis historický 1/2 (1949), pp. 69-102.

COTTRET, Monique – Tuer le tyran ? Le tyrannicide dans l’Europe moderne. Paris: Fayard, 2009.

GRAUS, František, “Kněžna Libuše – od postavy báje k národnímu symbol”. Československý Časopis Historický 17 (1969), pp. 817-844.

GRAUS, František – Lebendige Vergangenheit: Überlieferung im Mittelalter und in den Vorstellungen vom Mittelalter. Köln, Wien: Böhlau, 1975.

HIGOUNET, Charles – Les Allemands en Europe centrale et orientale au Moyen Âge. Paris: Aubier, 1989.

HOENSCH, Jörg Konrad – Die Luxemburger. Eine spätmittelalterliche Dynastie gesamteuropäischer Bedeutung (1308-1437). Stuttgart-Berlin-Köln: Verlag W. Kohlhammer, 2000.

HORÁK, Petr – “K statutům Konráda Oty”. Časopis matice moravské 80 (1961), pp. 267–280.

HRABÁK, Josef – Dějiny české literatury. Vol. 1, Starší česká literature. Praha: Československá Akademie Věd: Sekce Jazyka a Literatury, 1959.

KANTOROWICZ, Ernst – The King’s Two Bodies. A Study in Mediaeval Political Theology. Princeton: Princeton University Press, 1957.

KEJŘ, Jiří – “K privilegiu knížete Soběslava II. pro pražské Němce”. Právně historické studie 14 (1969), pp. 241-258.

KERN, Fritz – Gottesgnadentum und Widerstandsrecht im früheren Mittelalter, zur Entwicklungsgeschichte der Monarchie. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgemainschaft, 1954 (1915).

MACEK, Josef – Česká středověká šlechta. Praha: Argo, 1996.

MALECZEK, Werner – “Abstimmungsarten. Wie kommt man zu einem Wahlergebnis?”. in SCHNEIDER, Reinhard; ZIMMERMAN, Harald (eds.) – Wahlen und wählen im Mittelalter. Sigmaringen: Jan Thorbecke, 1990, pp. 79-134.

MALÝ, Karel – Počátky českého sněmovnictví (do konce 14. století), Česká národní rada, sněm českého lidu. Praha: Česká národní rada, 1970, pp. 75-91.

MEZNÍK, Jaroslav – Praha před husitskou revoluci. Praha: Academia, 1990.

MEZNÍK, Jaroslav – “Vývoj a systém stavovské reprezentace v českých zemích v pozdních středověk”. Sborník prací filozofické fakulty brněnské univerzity 44 (1997), pp. 71-81.

MOLNÁR, Péter – “La légitimité de la résistance. Deux solutions chez saint Thomas d’Aquin”. Freiburger Zeitschrift für Philosophie und Theologie 46 (1999), pp. 115-137.

Medievalista, 23 | 2018 135

MORAW, Peter – Von offener Verfassung zu gestalteter Verdichtung. Das Reich im späten Mittelalter 1250 bis 1490. Berlin: Propyläen, 1985.

MORSEL, Joseph – “L’invention de la noblesse en Haute-Allemagne à la fin du Moyen Âge. Contribution à l’étude de la sociogenèse de la noblesse médiévale”. in PAVIOT, Jacques; VERGER, Jacques (eds.) – Guerre, pouvoir et noblesse au Moyen Âge. Mélanges en l’honneur de Philippe Contamine. Paris: Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 2000, pp. 533-545.

MORSEL, Joseph – L’aristocratie médiévale, Ve-XVe siècle. Paris: Armand Colin. 2004.

NOVOTNÝ, Václav – České dějiny. Vol. 1/2. Od Břetislava I. do Přemysla I. Praha: Jan Laichter, 1913.

PAULY, Michel Pauly (ed.) – Die Erbtochter, der fremde Fürst und das Land: die Ehe Johanns des Blinden und Elisabeths von Böhmen in vergleichender europäischer Perspektive. Luxemburg: Publications du CLUDEM, 2013.

PEČÍRKOVÁ, Jana (in reality MACEK, Josef) – “Sémantická analýza staročeského slova obec”. Listy filologické 97 (1974), pp. 89-100.

RAPP, Francis – Le Saint-Empire romain germanique. Paris: Seuil, 2003 (2000).

REINHARD, Wolfgang – Les Élites du pouvoir et la construction de l’État en Europe. Paris: Presses universitaires de France, 1996 (Power Elites and State Building, Oxford, 1996).

REYNOLDS, Susan – Kingdoms and Communities in Western Europe 900-1300. Oxford: Oxford University Press, 2002 (1984).

RUSSOCKI, Stanisław – Protoparlamentaryzm Czech do poczatku XV wieku. Warszawa: Wydawnictwa Uniwersytetu Warszawskiego, 1973.

SCHNEIDMÜLLER, Bernd – “Konsensuale Herrschaft. Ein Essay über Formen und Konzepte politischer Ordnung im Mittelalter”. in HEINIG, Paul-Joachim (ed.) – Reich, Regionen und Europa in Mittelalter und Neuzeit. Festschrift für Peter Moraw. Berlin: Duncker & Humblot, 2000, pp. 53-87.

SANSTERRE, Jean-Marie (ed.) – L’autorité du passé dans les sociétés médiévales, actes du colloque organisé par l'Institut historique belge de Rome, l’École française de Rome, l’Université libre de Bruxelles et l’Université Charles de Gaulle-Lille III en collaboration avec l’Academia Belgica à Rome les 2, 3 et 4 mai 2002. Bruxelles/Rome: Belgisch Historisch Instituut, École Française de Rome, 2004.

SEIBT, Ferdinand – “Land und Herrschaft in Böhmen”. Historische Zeitschrift 200 (1965), pp. 284-316.

SÈRE, Bénédicte – “Aristote et le bien commun au moyen âge: une histoire, une historiographie”. Revue française d’histoire des idées politiques 32 (2010), pp. 277-291.

SIVÁK, Florian – Dějiny státu a práva v českých zemích a na Slovensku do roku 1918. Praha: H&H, 1992.

ŠMAHEL, František – “Obrysy českého stavovství od konce 14. do počátku 16. Století”. Český časopis historický 90 (1992), pp. 161-187.

SZÜCS, Jenö – “Sur le concept de nation, réflexions sur la théorie politique médiévale”. Actes de la recherche en sciences sociales 64 (1986), pp. 51-62.

STRAYER, Joseph – Medieval Statecraft and Perspectives of History: Essays by Joseph Strayer. Princeton: Princeton University Press, 1971.

ŠUSTA, Josef – Dvě knihy českých dějin. Kus středověké historie našeho kraje. Vol. 1: Poslední Přemyslovci a jejich dědictví, 1300-1308. Praha: Nákladem české akademie císaře Františka Josefa pro vědy, slovesnost a umění, 1917.

Medievalista, 23 | 2018 136

ŠUSTA, Josef – Dvě knihy českých dějin. Kus středověké historie našeho kraje. Vol. 2. Počátky Lucemburské (1308-1320), Praha: Argo, 2002 (1935).

THOMA, Heinz – “Das Jahr 1308 in der europäischen Geschichte. Ereignisse und Tendenzen”. in PAULY, Michel (ed.) – Europäische Governance im Spätmittelalter. Heinrich VII. von Luxemburg und die großen Dynastien Europas. Actes des 15e Journées Lotharingiennes. Luxembourg: Publications du CLUDEM, 2010, pp. 17-44.

THOMAS, Yan – “L’extrême et l’ordinaire, remarques sur le cas médiéval de la communauté disparue”. in HERMITTE, Marie-Angèle, NAPOLI, Paolo Napoli (eds.) – Les opérations du droit. Paris: Seuil, 2011.

TOMEK, Václav Vladivoj – Dějepis města Prahy. Vol. 1. Praha: Řivnáč, 1892.

TŘEŠTÍK, Dušan – “Bořivoj a Svatopluk. Vznik českého státu a velká Morava”. in: POULÍK, Josef; CHROPOVSKÝ Bohuslav (eds.) – Velká Morava a počátky československé státnosti. Praha: Academia, 1985, pp. 273-301.

UHLÍŘ, Zdeněk – “Pojem zemské obce v tzv. Kronice Dalimilově jako základní prvek její ideologie”. Folia Historica Bohemica 9 (1985), pp. 7-32.

VÁLKA, Josef – “Středověké kořeny mocenského dualismu panovníka a obce (Historiografické aspekty diskusí o ‘absolutismu’)”. Časopis Matice moravské 123 (2004), pp. 311-335.

VANÍČEK, Vratislav – “Předpoklady a formování šlechtické ‘obce českého království’ – zemské obce”. Mediaevalia historica bohemica 1 (1991).

VANÍČEK, Vratislav – Velké dějiny zemí koruny české. Vol. 2, Praha-Lytomyšl: Paseka, 2000.

VANÍČEK, Vratislav – Velké dějiny zemí koruny české. Vol. 3, Praha: Paseka, 2002.

VERGER, Jacques (eds.) – Guerre, pouvoir et noblesse au Moyen Âge. Mélanges en l’honneur de Philippe Contamine. Paris: Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 2000, pp. 533-545.

VEYSSET, Philippe – Situation de la politique dans la pensée de Saint Thomas d’Aquin, Paris: Le Cèdre, 1984.

WIHODA, Martin – Zlatá bula sicilská. Podivuhodný příběh ve vrstvách paměti. Praha: Argo, 2005.

WIHODA, Martin – “Der dornige Weg zur Goldenen Bulle von 1212 für Markgraf Vladislav Heinrich von Mähren”. in HRUZA, Karel; HEROLD, Paul (eds.) – Wege zur Urkunde. Wege der Urkunde. Wege der Forschung. Beiträge zur europäischen Diplomatik des Mittelalters. Köln: Böhlau, 2005, pp. 65-79.

WIHODA, Martin – “První česká království”. in WIHODA, Martin, MALAŤÁK (eds.) – Stát, státnost a rituály přemyslovského věku. Brno: Matice moravská, 2006, pp. 67-99.

WIHODA, Martin – První česká království. Praha: Lidové Noviny, 2015.

ŽEMLIČKA, Josef – Čechy v době knížecí 1034-1198. Praha: Lidové Noviny, 1997.

ŽEMLIČKA, Josef – Počátky Čech královských 1198-1253. Proměna státu a společnosti. Praha: Lidové Noviny, 2002.

ŽEMLIČKA, Josef – “Mocran et Mocran. Třetí basilejská listina Fridricha II. v kontextu Zlaté buly sicilské”. Český časopis historický 104/4 (2006), pp. 733-782.

ŽEMLIČKA, Josef – “Österreich und Böhmen 1156-1212: Versuch eines historischen Vergleichs des Privilegium minus und der Goldenen Bulle von Sizilien, Historica”. Historical Sciences in the Czech Republic 13 (2008), pp. 47-74.

Medievalista, 23 | 2018 137

ŽEMLIČKA, Josef – Přemysl Otakar II. Kráů na rozhrání věků. Praha: Lidové Noviny, 2011.

NOTES

1. VANÍČEK, Vratislav – “Předpoklady a formování šlechtické ‘obce českého království’ – zemské obce”. Mediaevalia historica bohemica 1 (1991), pp. 13-55. 2. Přesmysl Ottokar II died during the Battle on the Marchfeld against Rudolph I of Habsburg, VANÍČEK, Vratislav – Velké dějiny zemí koruny české. Vol. 3. Praha: Paseka, 2002, pp. 190-196; ŽEMLIČKA, Josef – Přemysl Otakar II. Kráů na rozhrání věků. Praha: Lidové Noviny, 2011, pp. 443-476. 3. Venceslas II was born in 1271. 4. On this crisis and its resolution, VANÍČEK, Vratislav – Velké dějiny, pp. 359-386. 5. Wenceslas III was King of Hungary between 1301 and 1305, and King of Bohemia and Poland from 1305. His assassin has not been identified, ŠUSTA, Josef – Dvě knihy českých dějin. Kus středověké historie našeho kraje. Vol. 1: Poslední Přemyslovci a jejich dědictví, 1300-1308. Praha: Nákladem české akademie císaře Františka Josefa pro vědy, slovesnost a umění, 1917, pp. 460-462. 6. ŠUSTA, Josef – Dvě knihy, pp. 493-499. 7. ŠUSTA, Josef – Dvě knihy českých dějin. Kus středověké historie našeho kraje. Vol. 2. Počátky Lucemburské (1308-1320). Praha: Argo, 2002 (1935), p. 55. 8. Albert I of Habsburg was murdered on May 1308 by his nephew Duke John, afterwards called “the Parricide” or “John Parricida”, whom he had deprived of his inheritance, THOMA, Heinz – “Das Jahr 1308 in der europäischen Geschichte. Ereignisse und Tendenzen”. in PAULY, Michel (ed.) – Europäische Governance im Spätmittelalter. Heinrich VII. von Luxemburg und die großen Dynastien Europas. Actes des 15e Journées Lotharingiennes. Luxembourg: Publications du CLUDEM, 2010, pp. 17-44. On the election of Henry of Luxemburg, HOENSCH, Jörg Konrad – Die Luxemburger. Eine spätmittelalterliche Dynastie gesamteuropäischer Bedeutung (1308-1437). Stuttgart-Berlin-Köln: Verlag W. Kohlhammer, 2000, p. 30. 9. BENEŠOVSKÁ, Klára – Královský sňatek: Eliška přemyslova a Jan Lucemburský 1310. Praha: Gallery, 2010; PAULY, Michel Pauly (ed.) – Die Erbtochter, der fremde Fürst und das Land: die Ehe Johanns des Blinden und Elisabeths von Böhmen in vergleichender europäischer Perspektive. Luxemburg: Publications du CLUDEM, 2013. 10. ŠUSTA, Josef – Dvě knihy, Vol. 2, p. 89. 11. The one from the year 1310 concerned the Kingdom of Bohemia, while the one from 1311 dealt with the margraviate of Moravia, CHALOUPECKÝ, Václav – “Inaugurační diplomy krále Jana z roku 1310 a 1311”. Český časopis historický 1/2 (1949), pp. 69-102; ADDE, Éloïse – “Un roi étranger en Bohême. Les modalités de la communication politique entre Jean l’Aveugle et la noblesse, de la publication des Diplômes inauguraux aux accords de Domažlice (1310-1318)”. in ADDE, Éloïse; MARGUE, Michel (eds.) – Gouverner en territoire étranger, Actes du colloque organisé à l’Université du Luxembourg, 15-16 décembre 2016, in preparation (2018). 12. ADDE, Éloïse – La Chronique de Dalimil et les débuts de l’historiographie nationale tchèque en langue vulgaire. Paris: Publications de la Sorbonne, 2016. 13. The name of Dalimil entered history by chance. For a long time, the chronicle was simply called Kronika [Chronicle] or Kronika česká [Chronicle of Bohemia]. But one of the medieval copies of the text, the manuscript of Fürstenberg, bears the inaccurate title of Kronika Boleslavská [Chronicle of Boleslav]. And as Václav Hájek of Libočany († 1553) cited between his sources for the writing of his Chronicle of Bohemia a certain “Dalimil of Mezeřice, of the church of Boleslav”, Tomáš Pešina of Čechorod (1629-1680) deducted from this link between the title of the manuscript and his function in this town, that he was the author of the chronicle. BLÁHOVÁ, Marie – Staročeská kronika tak řečeného Dalimila v kontextu středověké historiografie latinského

Medievalista, 23 | 2018 138

kulturního okruhu a její pramenná hodnota. Praha: Academia, 1995, p. 283. Everybody knows today that this identification is a mistake. The name is still used for convenience. 14. Previous texts were also written in old-Czech. The oldest is the liturgical song Hospodine, pomiluj ny [Kyrie eleison] which was composed at the end of the 10th or at the beginning of the 11th century, HRABÁK, Josef – Dějiny české literatury. Vol. 1, Starší česká literature. Praha: Československá Akademie Věd: Sekce Jazyka a Literatury, 1959, pp. 56-57, 59, 151. During the 13th century, other texts were written in Czech, but these pieces are very short in comparison with the Alexandreida (around 1300) or the Chronicle of Dalimil (1309-1313) which betokens the beginning of Czech literature. 15. ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 209-228; ADDE, Éloïse – “Volba krále a tyranovražda – návod k ustavení politické role české šlechty v Dalimilově kronice”. Mediaevalia Historica Bohemica 17/1 (2014), pp. 41-88. 16. KANTOROWICZ, Ernst – The King’s Two Bodies. A Study in Mediaeval Political Theology. Princeton: Princeton University Press, 1957. 17. For a synthesis on this theme, STRAYER, Joseph – Medieval Statecraft and Perspectives of History: Essays by Joseph Strayer. Princeton: Princeton University Press, 1971; BLICKLE, Peter – Kommunalismus. Skizzen einer gesellschaftlichen Organisationsform. München: Oldenbourg Verlag, 2000; BARTHÉLEMY, Dominique; GUYOT-BACHY, Isabelle; LACHAUD, Frédérique; MOEGLIN, Jean- Marie (eds.) – La “communauté du royaume” (Angleterre, Écosse, France, Empire, Scandinavie), de la fin du Xe siècle au début du XIVe siècle, théories et pratiques, Nancy – 6 novembre / 8 novembre 2014. Paris, in preparation (2017). For the case of Central Europe, SZÜCS, Jenö – “Sur le concept de nation, réflexions sur la théorie politique médiévale”. Actes de la recherche en sciences sociales 64 (1986), pp. 51-62. 18. CODEX DIPLOMATICUS et epistolaris regni Bohemiae. Vol. 1. Ed. Gustavus Friedrich, Praha: Sumptibus comitiorum Regni Bohemiae, 1904-1907, n° 204 (1159), pp. 192-193; n° 208 (1160), pp. 195-196; CODEX DIPLOMATICUS et epistolaris regni Bohemiae. Vol. 2. Ed. Gustavus Friedrich, Praha: Sumptibus comitiorum Regni Bohemiae, 1912, n° 21 (1201), pp. 17-18; n° 22 (1201), pp. 18-20; n° 58 (1202-07), pp. 51-52; n° 86 (1209), pp. 79-80; n° 172 (1219), pp. 160-161; n° 227 (1222), pp. 210-213; n° 234 (1222), pp. 222-225; REGESTA nec non epistolaria Bohemiae et Moraviae. Vol. 2. Ed. Joseph Emler, Praha: Typis Grégerianis, 1882, n° 1238 (1281), pp. 535-536, n° 2141 (1307), p. 923. 19. UHLÍŘ, Zdeněk – “Pojem zemské obce v tzv. Kronice Dalimilově jako základní prvek její ideologie”. Folia Historica Bohemica 9 (1985), pp. 7-32; ADDE, Éloïse, “Communauté du royaume et affirmation de la noblesse dans les pays tchèques (XIIIe-XIVe siècles)”. in BARTHÉLEMY, Dominique; GUYOT-BACHY, Isabelle, LACHAUD, Frédérique; MOEGLIN, Jean-Marie (eds.) – La “communauté du royaume”. 20. It is the most common signification of the word in the old-Czech literature according to PEČÍRKOVÁ, Jana (in reality MACEK, Josef), “Sémantická analýza staročeského slova obec”. Listy filologické 97 (1974), pp. 89-100, here p. 89. 21. THOMAS, Yan – “L’extrême et l’ordinaire, remarques sur le cas médiéval de la communauté disparue”. in HERMITTE, Marie-Angèle, NAPOLI, Paolo Napoli (eds.) – Les opérations du droit. Paris: Seuil, 2011, pp. 207-237. 22. VANÍČEK, Vratislav – “Předpoklady”, p. 13. 23. Everywhere in medieval Europe, the nobility worked to impose its distinction from the rest of the population, MORSEL, Joseph – “L’invention de la noblesse en Haute-Allemagne à la fin du Moyen Âge. Contribution à l’étude de la sociogenèse de la noblesse médiévale”. in PAVIOT, Jacques; VERGER, Jacques (eds.) – Guerre, pouvoir et noblesse au Moyen Âge. Mélanges en l’honneur de Philippe Contamine. Paris: Presses de l’Université de Paris-Sorbonne, 2000, pp. 533-545; MORSEL, Joseph – L’aristocratie médiévale, Ve-XVe siècle. Paris: Armand Colin. 2004. In the Czech Lands, the nobility used for itself the budding vernaculare literature to formulate its own identity and ideologie, ADDE, Éloïse – “Langage et pouvoir dans la Bohême médiévale, les enjeux de la

Medievalista, 23 | 2018 139

naissance d’une littérature de langue tchèque au XIVe siècle”. in MAIREY, Aude; MADELINE, Fanny; ABÉLÈS, Solal (eds.) – Contre-champs. Études offertes à Jean-Philippe Genet par ses élèves. Paris: Classiques Garnier, 2016, pp. 275-296; ADDE, Éloïse – “Idéologie nobiliaire et espace public dans les pays de la couronne de Bohême au XIVe siècle”. Hémecht (revue d’histoire luxembourgeoise) 4 (2015), pp. 401-419; ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 134-152. 24. Chap. 4, v. 7-10. BLÁHOVÁ, Marie – Staročeská Kronika tak řečeného Dalimila, Vydání textu a veškerého textového materiálu. Ed. Jiří Daňhelka, Karel Hádek, Bohuslav Havránek, Naděžda Kvítková. Praha: Academia, 1988, Vol. 1, p. 129; translation into French: Éloïse ADDE – La Chronique, p. 245. 25. Cosmas of Prague (c. 1045-1125) was a canon in a chapter of Prague. His Latin Chronicle of Bohemians is one of the most important sources of the Bohemian historiography and one of the first European chronicles dedicated to a people, COSMAS VON PRAG – Die Chronik der Böhmen des Kosmas von Prag. Ed. Berthold Bretholz. Berlin: Weidmannsche Buchhandlung, 1923, book I, chap. 2-3, pp. 7-15. 26. GRAUS, František – “Kněžna Libuše – od postavy báje k národnímu symbol”. Československý Časopis Historický 17 (1969), pp. 817-844, here p. 824; GRAUS, František – Lebendige Vergangenheit: Überlieferung im Mittelalter und in den Vorstellungen vom Mittelalter. Köln, Wien: Böhlau, 1975, p. 98. 27. Chap. 3, v. 28. BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 1, p. 118; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 245. 28. Chap. 4, v. 13-18. BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol 1, p. 129; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 245-246. 29. Two Dukes of Bohemia, Vratislaus II (1085-1092) and Vladislaus II (1158-1172), were already crowned as Kings by the emperors Conrad III (1138-1152) and Frederick Barbarossa (1152-1190), but these experiences stayed “personal”, and did not change the status of the Bohemian “state”. In 1198, Přemysl acquired the hereditary title King of Bohemia and the Duchy became a Kingdom. ŽEMLIČKA, Josef – Počátky Čech královských 1198-1253. Proměna státu a společnosti. Praha: Lidové Noviny, 2002, pp. 91-92; WIHODA, Martin – “První česká království”. in WIHODA, Martin, MALAŤÁK (eds.) – Stát, státnost a rituály přemyslovského věku. Brno: Matice moravská, 2006, pp. 67-99; WIHODA, Martin – První česká království. Praha: Lidové Noviny, 2015. 30. In Dalimil’s narration, chapter 75 dedicated to Přemysl Ottokar I marks a caesura between an idealized time of collaboration of the ruler with the nobility and a new era characterized by the lack of dialogue and the arbitrariness of the King, ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 177-178. 31. SEIBT, Ferdinand – “Land und Herrschaft in Böhmen”. Historische Zeitschrift 200 (1965), pp. 284-316; MEZNÍK, Jaroslav – “Vývoj a systém stavovské reprezentace v českých zemích v pozdních středověk”. Sborník prací filozofické fakulty brněnské univerzity 44 (1997), pp. 71-81; VÁLKA, Josef – “Středověké kořeny mocenského dualismu panovníka a obce (Historiografické aspekty diskusí o ‘absolutismu’)”. Časopis Matice moravské 123 (2004), pp. 311-335. The Polnish historian Stanisław Russocki prefers the term of protoparliamentarism, RUSSOCKI, Stanisław – Protoparlamentaryzm Czech do poczatku XV wieku. Warszawa: Wydawnictwa Uniwersytetu Warszawskiego, 1973. See also MALÝ, Karel – Počátky českého sněmovnictví (do konce 14. století), Česká národní rada, sněm českého lidu. Praha: Česká národní rada, 1970, pp. 75-91, here pp. 76, 85; ŠMAHEL, František – “Obrysy českého stavovství od konce 14. do počátku 16. Století”. Český časopis historický 90 (1992), pp. 161-187. 32. REINHARD, Wolfgang – Les Élites du pouvoir et la construction de l’État en Europe. Paris: Presses universitaires de France, 1996 (Power Elites and State Building, Oxford, 1996); SCHNEIDMÜLLER, Bernd – “Konsensuale Herrschaft. Ein Essay über Formen und Konzepte politischer Ordnung im Mittelalter”. in HEINIG, Paul-Joachim (ed.) – Reich, Regionen und Europa in Mittelalter und Neuzeit. Festschrift für Peter Moraw. Berlin: Duncker & Humblot, 2000, pp. 53-87. 33. TOMEK, Václav Vladivoj – Dějepis města Prahy. Vol. 1. Praha: Řivnáč, 1892, p. 607; HIGOUNET, Charles – Les Allemands en Europe centrale et orientale au Moyen Âge. Paris: Aubier, 1989, pp. 327-328;

Medievalista, 23 | 2018 140

MEZNÍK, Jaroslav – Praha před husitskou revoluci. Praha: Academia, 1990, p. 10; ADDE, Éloïse – “Die deutschsprachige Übersetzung der Dalimil-Chronik. Ein Versuch der politischen Legitimation der städtischen Eliten im Böhmen der Luxemburger?”. in SIEBURG, Heinz Sieburg, STÖRMER-CAYSA, Uta, BENDHEIM, Amelie (eds.) – Prag in der Zeit der Luxemburger. Literatur, religiöse Ideen und Herrschaftskulturen zwischen Bereicherung und Behauptung, Interkulturalität. Studien zu Sprache, Literatur und Gesellschaft, in preparation (2017). 34. The word zeman began to be used later to designate the hobereau. At Dalimil’s time, the nobility was not yet socially differentiated. 35. MACEK, Josef – Česká středověká šlechta. Praha: Argo, 1996, p. 29. 36. BROM, Vlastimil – “Panovnické tituly v Dalimilově kronice, k využití textové lingvistiky pro historickou interpretaci”. in WIHODA, Martin; MALAŤÁK (eds.) – Stát, státnost a rituály přemyslovského věku. Brno: Matice moravská, 2006, pp. 217-234, here p. 230. 37. On this asymetrical relationship, ADDE, Éloïse – “Corriger le roi. La doléance comme source de légitimation de la noblesse de Bohême dans la littérature vernaculaire tchèque au XIVe siècle”. in BUBENICEK, Michelle (ed.) – Doléances. Approches comparées de la plainte politique comme voie de régulation dynamique des rapports gouvernants-gouvernés (fin XIIIe-premier XIXe s.), in preparation (2017). 38. The Ancient Philosophers commonly defended the idea that the tyrant should be executed: DEMOSTHENES – Περὶ τῶν πρὸς Ἀλέξανδρον Συνθηκῶν. Ed. Samuel Henry Butcher, Oxford: Oxford University Press, 1903, 17, 1-30; ARISTOTELES – Éthique à Nicomaque. Ed. Jules Barthélemy Saint-Hilaire, Alfredo Gomez-Müller, Paris: Le Livre de Poche, 2012 (1992), VIII, 10, pp. 341-344; ARISTOTELES – La politique. Ed. Jean Aubonnet. Vol. 2, Paris: Les Belles Lettres, 1973, V, 10-11, pp. 73-91; CICERO – Les devoirs. Book 1. Ed. Maurice Testard, Paris : Les Belles Lettres, 1974, 26, p. 116; CICERO – Les devoirs. Books 2 ans 3. Ed. Maurice Testard, Paris: Les Belles Lettres, 1984, 2:7:23-26, pp. 24-26, 3:4:19, pp. 79-80, 3:6:32, p. 86. 39. Exodus, 20, 13; Deuteronomy, 5, 17. 40. Romans, 13, 1. 41. The Bible also contains many contradictions on this issue. Judith is considered as a heroin as she murdered the tyrant Holofernes; the Acts of the Apostles justify the idea of a revolt when human power goes against the Law of God, Acts, 19, 27, 29, COTTRET, Monique – Tuer le tyran? Le tyrannicide dans l’Europe moderne. Paris: Fayard, 2009, p. 16; ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 210-212. 42. Salisbury says that the tyrant is both “the image of depravity” and that it is “glorious to kill him” (VIII, 17, 19, 20), but that the injustice of the tyrant has a providential function (IV, 12) and that the most important is to obey the “head” [i.e. the ruler] in order to preserve the social order (VI, 25), JOHN OF SALISBURY – Policraticus sive de nugis curialium et vestigiis philosophorum. Ed. Cary J. Nederman, Cambridge: Cambridge University Press, 1990, pp. 191, 200-208, 63, 137. 43. VEYSSET, Philippe – Situation de la politique dans la pensée de Saint Thomas d’Aquin, Paris: Le Cèdre, 1984; MOLNÁR, Péter – “La légitimité de la résistance. Deux solutions chez saint Thomas d’Aquin”. Freiburger Zeitschrift für Philosophie und Theologie 46 (1999), pp. 115-137; on both John of Salisbury and Thomas Aquinas, ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 212-219. 44. SANSTERRE, Jean-Marie (ed.) – L’autorité du passé dans les sociétés médiévales, actes du colloque organisé par l'Institut historique belge de Rome, l’École française de Rome, l’Université libre de Bruxelles et l’Université Charles de Gaulle-Lille III en collaboration avec l’Academia Belgica à Rome les 2, 3 et 4 mai 2002. Bruxelles-Rome: Belgisch Historisch Instituut, École Française de Rome, 2004. 45. ADDE, Éloïse – “Volba”, pp. 68-72; ADDE, Éloïse – La Chronique, pp. 219-223. 46. HORÁK, Petr – “K statutům Konráda Oty”. Časopis matice moravské 80 (1961), pp. 267-280; MALÝ, Karel; SIVÁK, Florian – Dějiny státu a práva v českých zemích a na Slovensku do roku 1918. Praha: H&H, 1992, p. 50; BAKALA, Jaroslav – “K výkladu prvního ustanovení Statut Konráda Oty”. in: Český stát na přelomu 12. a 13. Století. Opava: Slezská univerzita - Filozoficko–přírodovědecká

Medievalista, 23 | 2018 141

fakulta, Ústav historie a muzeologie, 1993, pp. 9-15; ŽEMLIČKA, Josef – Čechy v době knížecí 1034-1198. Praha: Lidové Noviny, 1997, pp. 358-363; VANÍČEK, Vratislav – Velké dějiny zemí koruny české. Vol. 2, Praha-Lytomyšl: Paseka, 2000, pp. 156-162. 47. BLÁHOVÁ, Marie; FROLÍK Jan; PROFANTOVÁ Naďa – Velké dějiny zemí Koruny české. Vol. 1. Prague-Litomyšl: Paseka, 1999, p. 666. 48. Historians think that Dalimil uses here the fictive character of Strojmír who occurs in the Christian’s Legend, BLÁHOVÁ, Marie – Staročesk, p. 371; TŘEŠTÍK, Dušan – “Bořivoj a Svatopluk. Vznik českého státu a velká Morava”. in: POULÍK, Josef; CHROPOVSKÝ Bohuslav (eds.) – Velká Morava a počátky československé státnosti. Praha: Academia, 1985, pp. 273-301, here p. 283. 49. For these reasons, he was called “the Duke of the peasants”, kníže sedláků in Czech, BLÁHOVÁ, Marie; FROLÍK Jan; PROFANTOVÁ Naďa – Velké, p. 641. 50. KEJŘ, Jiří – “K privilegiu knížete Soběslava II. pro pražské Němce”. Právně historické studie 14 (1969), pp. 241-258; BLÁHOVÁ, Marie; FROLÍK Jan; PROFANTOVÁ Naďa – Velké, p. 643. 51. Chap. 68, v. 163-168, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, pp. 182-183; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 346. 52. The author refers here to Přemysl the Ploughman, the legendary husband of Libuše, and ancestor of the Přemyslid dynasty. 53. Chap. 68, v. 171-180, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, p. 183; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 346. 54. ARISTOTELES, Politique, I, 1, 1252a 1-5. SÈRE, Bénédicte – “Aristote et le bien commun au moyen âge: une histoire, une historiographie”. Revue française d’histoire des idées politiques 32 (2010), pp. 277-291. 55. KERN, Fritz – Gottesgnadentum und Widerstandsrecht im früheren Mittelalter, zur Entwicklungsgeschichte der Monarchie. Darmstadt: Wissenschaftliche Buchgemainschaft, 1954 (1915), pp. 128, 169; MALECZEK, Werner – “Abstimmungsarten. Wie kommt man zu einem Wahlergebnis?”. in SCHNEIDER, Reinhard; ZIMMERMAN, Harald (eds.) – Wahlen und wählen im Mittelalter. Sigmaringen: Jan Thorbecke, 1990, pp. 79-134, here pp. 80-81. 56. WIHODA, Martin – Zlatá bula sicilská. Podivuhodný příběh ve vrstvách paměti. Praha: Argo, 2005; WIHODA, Martin – “Der dornige Weg zur Goldenen Bulle von 1212 für Markgraf Vladislav Heinrich von Mähren”. in HRUZA, Karel; HEROLD, Paul (eds.) – Wege zur Urkunde. Wege der Urkunde. Wege der Forschung. Beiträge zur europäischen Diplomatik des Mittelalters. Köln: Böhlau, 2005, pp. 65-79; ŽEMLIČKA, Josef – “Mocran et Mocran. Třetí basilejská listina Fridricha II. v kontextu Zlaté buly sicilské”. Český časopis historický 104/4 (2006), pp. 733-782; ŽEMLIČKA, Josef – “Österreich und Böhmen 1156-1212: Versuch eines historischen Vergleichs des Privilegium minus und der Goldenen Bulle von Sizilien, Historica”. Historical Sciences in the Czech Republic 13 (2008), pp. 47-74. 57. In 1054, the duke Břetislav introduced the agnatic seniority. In 1216, it was replaced by the principle of primogeniture set up by Přemysl Ottokar I. 58. ŽEMLIČKA, Josef – Počátky, p. 132. 59. This idea triumphed much later with the election of Georges of Poděbrady in 1458. 60. Chap. 53, v. 16-17, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, p. 7; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 316. 61. Chap. 54, v. 2-8, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, p. 20; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 318. 62. COSMAS VON PRAG – Die Chronik, book II, chap. 46, p. 153. 63. Chap. 58, v. 28-29, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, p. 73; translation into French, ADDE, Éloïse – La Chronique, p.326. 64. Chap. 58, v. 30-45, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, p. 74; translation into French, ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 326.

Medievalista, 23 | 2018 142

65. NOVOTNÝ, Václav – České dějiny. Vol. 1/2. Od Břetislava I. do Přemysla I. Praha: Jan Laichter, 1913, pp. 470-473. 66. Chap. 65, v. 31-38, BLÁHOVÁ, Marie – STAROČESKÁ KRONIKA, Vol. 2, pp. 150-151; translation into French: ADDE, Éloïse – La Chronique, p. 339. 67. MORAW, Peter – Von offener Verfassung zu gestalteter Verdichtung. Das Reich im späten Mittelalter 1250 bis 1490. Berlin: Propyläen, 1985, pp. 157-158; RAPP, Francis – Le Saint- Empire romain germanique. Paris: Seuil, 2003 (2000), p. 186. 68. Susan Reynolds has shown that this expression is not attested for the Middle Ages. The King was a sacred character in the eyes of his contemporaries and basically above the lords and the people, REYNOLDS, Susan – Kingdoms and Communities in Western Europe 900-1300. Oxford: Oxford University Press, 2002 (1984), pp. XLVII, 259. It is nevertheless useful to synthesize the political and state ambitions of a certain nobiliary current. We therefore continue to use it as an “ideal- type”, bearing in mind that it was neither a reflection of an observed reality nor a formula then in use.

ABSTRACTS

The chronicle of the so-called Dalimil is the first chronicle written in the Czech language, dating from the early 14th century. In the context of the succession crisis (interregnum of 1306-1310) entailed by the death of Venceslas III, murdered without descent, and the extinction of the Přemyslide dynasty, its author’s plane was to establish the political role of the Czech nobility. Next to the emphasis on the election of the ruler by the Lords, the justification of the tyrannicide had to play a crucial role. In front of a king who could be weak (Henry of Carinthie), foreign (John the Blind) or too young (Venceslas II at the beginning of his reign), the nobility had to embody the durability of the State, the "community of the realm", in a dialectic that connected the Lords in the idea of constituting the "mystic body of king". In this text, the necessity of the application of the tyrannicide is not however presented as a novelty, but as a fundamental and almost moral duty of the nobility, which was abandoned because of the rise of the authoritarian exercise of the power by the ruler when the duchy of Bohemia became a Kingdom.

A crónica do chamado Dalimil é primeira crónica escrita em língua checa, datando de inícios do século XIV. No contexto da crise de sucessão (interregno de 1306-1310) criada pela morte de Venceslau III, assassinado sem descendência, e pela extinção da dinastia Přemyslide, o objectivo do autor da crónica era estabelecer o papel político da Nobreza checa. Após enfatizar a eleição do Rei pelos nobres, a justificação do tiranicídio tinha de desempenhar um papel central. Perante um Rei que podia ser fraco (Henrique de Carinthie), estrangeiro (João, o Cego), ou muito jovem (Venceslau II no início do seu reinado), a nobreza do reino tinha de garantir a estabilidade do Estado e a “comunidade do reino”, numa dialéctica que os apresentava como se fossem “o corpo místico do rei”. Nesta Crónica, a necessidade do tiranicídio não é apresentada, porém, como uma novidade, mas como um dever fundamental e quase moral da Nobreza, que fora abandonado devido ao exercício autoritário do poder pelo monarca, quando o ducado da Boémia se transformara num reino.

Medievalista, 23 | 2018 143

INDEX

Keywords: Bohemia, Political Thought, Nobility, Tyrannicide, Legitimity Palavras-chave: Boémia, discurso político, nobreza, tiranicídio, legitimidade

AUTHOR

ÉLOÏSE ADDE

University of Luxembourg, Institute of History, 4366, Esch sur Alzette, Luxembourg [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 144

La filosofia discursiva de Pedro El Cerimonioso respecto a la reintegración de la corona de Mallorca a la corona de Aragón The discursive philosophy of Peter IV of about the reinstatement of the Crown of Majorca to the

Gabriel Ensenyat Pujol

NOTA DEL EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017

1 Pedro el Ceremonioso tenía en alta estima el texto cronístico firmado por su antepasado Jaime I y decidió emularlo. No obstante, una de las motivaciones concretas que le impulsaron a hacerlo debió ser la necesidad de justificar ante la opinión pública y las monarquías europeas la actuación tan drástica que tuvo con respecto a Jaime III de Mallorca, a quien confiscó su reino (1343-1344) y, más tarde, acabó con su vida (1349). Ciertamente, no parece casual que el mismo año de 1343, mientras el monarca catalano- aragonés llevaba a cabo la campaña contra el rey de Mallorca, se patrocinara en Poblet (donde reposaban los restos del Conquistador) una copia del Llibre dels feits1. Para justificar y legitimar la deposición elaboró un discurso político, cuya pieza fundamental lo constituye el relato cronístico, completado con diversos textos y acciones. A este episodio tan importante se añaden los otros conflictos que caracterizaron su reinado: las uniones de Aragón y Valencia, las guerras contra Génova y Castilla, etc. Por tanto, nos hallamos ante una crónica basada en el relato de las gestas del monarca, acompañadas de una voluntad legitimadora. En definitiva, ante un libro que podemos denominar de razones de estado2.

Medievalista, 23 | 2018 145

2 Con el fin de ofrecer una visión ordenada del discurso político que subyace tras el relato real, vamos a estructurar nuestro análisis a partir de cinco ejes expositivos: a) la legalidad que atribuye el monarca a su actuación; b) las omisiones y distorsiones; c) la propaganda; d) la simbología que acompaña sus actos; y, finalmente, e) la catalanidad de las tierras mallorquinas como justificación última de su manera de proceder.

1. La legalidad de su actuación contra Jaime III

3 Pedro el Ceremonioso era un rey muy preocupado por legitimar siempre sus actuaciones, a partir de una base legal. En el caso que nos ocupa, su argumentación contra el rey de Mallorca se basó en dos aspectos fundamentales. El primero, de carácter político: la necesidad de recuperar aquello que ya había pertenecido a la jurisdicción regia y que, por tanto, formaba parte del tronco común catalano-aragonés. Con ello, no hace más que remarcar la importancia del espacio geopolítico. Para su justificación, en la Crònica hace servir el parecer de su bisabuelo Pedro el Grande: “E, aprés algun temps, lo dit rei En Pere, ab delliberació de son Consell, atrobà e regonec que la donació e heretament al dit rei de Mallorques, frare seu, feta, no valia de dret, car era donació inmensa e la qual tol·lia major o gran partida del patrimoni de la Casa d’Aragó”3.

4 El segundo aspecto que señala es de tipo jurídico: la denegación por parte de Jaime III del señorío eminente que sobre sus tierras ejercía el rey de la Corona de Aragón: “En aquest terç capítol és declarat en qual manera lo rei de Mallorques, qui era vassall e hom nostre lige, tractà e s’esforçà en denegar la senyoria alodial e la feeltat de què ens era tengut per lo regne de Mallorques e comdats e terres que tenia per nós en féu nostre”4.

5 Por ello, no resulta extraño que el Ceremonioso siempre mantuviera un vivo interés por los códigos legales, un aspecto, por cierto, que le asemeja a Jaime III, incluso rivalizando con él sobre dicha materia5. De ahí que la pieza angular sobre la que basa su filosofía discursiva sea el proceso que llevó a cabo contra Jaime III6. En consecuencia, fue utilizado por los autores de la Crònica en numerosas secciones del capítulo III para explicar diferentes episodios del entramado legal. Por ejemplo, en los apartados 56, 64-66, 122, 140, 159, 163 y 185. Al respecto, resulta particularmente interesante observar la estratagema legal que urdió el rey catalán para tejer una telaraña jurídica con la que envolvió a Jaime III. Éste había iniciado una política antifrancesa (derivada del vasallaje que debía al rey de Francia por el dominio de Montpellier), de clara aproximación a Inglaterra, aprovechando el inicio de la guerra de los Cien Años. Dado que los reyes de Mallorca también eran vasallos de los monarcas de la Corona de Aragón, Jaime III confiaba en la ayuda del Ceremonioso ante el conflicto que se avecinaba. Además éste último así se lo había medio insinuado, en una entrevista mantenida en Sant Celoni el marzo de 1341 (que la Crònica omite). No obstante, el monarca catalán no tenía ninguna intención de entrar en conflicto contra Francia (un conflicto ante el cual estaba obligado a intervenir, como señor eminente del rey de Mallorca). Por ello aprovechó la circunstancia para poner contra las cuerdas a Jaime III: lo citó ante la corte de Barcelona el 1 de marzo de 1342 (no el 20 de abril, como dice la Crònica)7. Jaime III, ante la amenaza de invasión francesa, lógicamente hizo caso omiso del requerimiento, por lo cual fue acusado de felonía y el Ceremonioso pudo abrirle un proceso por incumplimiento de la obligación vasallática. De esta manera el rey Pedro había matado dos pájaros de un tiro: no tenía la obligación de acudir en ayuda del

Medievalista, 23 | 2018 146

vasallo felón y, en cambio, podía proceder judicialmente contra él, precisamente por la misma felonía que le liberaba de darle apoyo. A partir de aquí se fueron añadiendo nuevos motivos, uno tras otro. El más importante, el de haber puesto en circulación moneda propia en el Rosellón, en concreto el florín de oro.8 Cabe indicar que el relato que hace la Crònica de todos estos episodios presenta diversos problemas de cronología con respecto a otras fuentes de archivo9. No obstante aquí nos interesa remarcar la forma de proceder del Ceremonioso, astuta y sagaz, una auténtica muestra de maquiavelismo político “avant la lettre”, como ha sido definida.

6 Según la Crònica, la decisión de actuar de esta manera (“una bona manera”) partió del propio monarca, lo cual el mismo remarca haciendo gala de una notoria dosis de autocomplacencia10. De hecho, el consejo real, según expone, literalmente no sabía qué decisión tomar: “vosaltres tots estats empensats”, les dijo. Su habilidad a la hora de conducir un asunto tan complejo y delicado (no en balde afirma que “veent que se’n mouria guerra, ligar-s’hia per ventura ab lo rei de França, e no ens seria bon e sà haver semblant guerra”) había sido manifiesta y, por ello, debía confiar que su estrategia fuese valorada y admirada. De ahí la extensión que concede al discurso donde explica el procedimiento que urdió para atrapar a Jaime III, que hemos resumido en el párrafo anterior.

7 Para fundamentar la ocupación ante la opinión pública insular, Pedro el Ceremonioso y su curia querían abrumar a los mallorquines con razones jurídicas. En consecuencia, después del desembarco, tras recibir a la embajada de la universidad del reino, remitió a los integrantes de la misma a su consejero, quien les puso al corriente del resultado del proceso seguido contra Jaime III y les inundó de documentación justificativa11. Obviamente, en torno al entramado jurídico ligado a la reintegración, determinados aspectos adquieren una importancia notoria. Es el caso del acto de vasallaje de los nuevos súbditos, llevado a cabo tras la ocupación del reino. A través de otras fuentes documentales, podemos ver como el homenaje fue preparado de manera concienzuda12. Asimismo, destaca el discurso del monarca al pueblo en la catedral de Mallorca, donde explica “nostre dret”, así como “los torts, greuges, rebel·lions e fellonies que en Jacme, qui fo rei de Mallorques, nos havia fetes”13. Se trata, por tanto, de un parlamento centrado en los aspectos jurídicos y legales que justificaban la reincorporación.

8 Por otra parte, para dar base legal al conflicto, cuando el monarca se siente atacado siempre recurre al usatge “Princeps namque”, que le facultaba para ello a la hora de solicitar el apoyo popular. Así fue con motivo de diversos ataques puntuales que llevó a cabo Jaime III contra algunas localidades rosellonesas, tras haber sido destronado14. Lo mismo se repitió más tarde, durante el conflicto con Pedro el Cruel, cuando “haguem ardit que grans companyes de França venien per entrar vers les parts de Rosselló”15.

9 En toda esta toma de decisiones, el rey quiere dejar claro que no actúa sólo o sin criterio. De ahí la importancia que confiere al consejo real y la asiduidad con la cual éste es convocado16. Como sabemos, en el Occidente bajomedieval las tendencias autoritarias de los monarcas son alimentadas por los burócratas y legistas de su entorno, cuyo ideal cesarista va a jugar un papel importante en la evolución del Estado. En el caso de la corte del Ceremonioso, precisamente tras la reintegración, resulta conocido el grupo denominado “els rossellonesos”, durante un tiempo hegemónico en el consejo real. Pertenecían a él caballeros y juristas, una parte significativa de los cuales eren originarios del Rosellón o bien tenían relación con este condado. Otros no, pero al participar de las mismas opiniones se les incluía entre el grupo. Su punto de

Medievalista, 23 | 2018 147

vista estaba imbuido del espíritu renacentista del derecho romano y del derecho canónico y eran partidarios de la preeminencia real.

10 En su momento, Ramon d’Abadal17 puso de relieve las múltiples referencias al consejo real que hallamos en la Crònica. Pedro el Ceremonioso, cuando se halla ante situaciones de crisis, recurre a su consejo para asesorarse, aunque no siempre sigue sus recomendaciones y a menudo el rey impone su parecer. Este consejo puede ser reducido o bien estar integrado por un número elevado de personas. Cuando, tras la finalización del conflicto, se planteó la determinación final que debía tomarse sobre la situación jurídica y personal en la que iba a quedar Jaime III, el consejo fue numeroso: participaron 56 personas, que incluyen a príncipes de la casa real, un obispo (el confesor del rey), miembros de la nobleza catalana y aragonesa, oficiales, jueces, secretarios reales y representantes de las ciudades de Barcelona, Valencia, Zaragoza, Lleida, y Perpiñán18. Esta numerosísima asamblea es un caso extraordinario, debido a la complejidad de la circunstancia. También lo es en cuanto a la manera de proceder: el parecer de cada consejero fue expuesto por escrito, de manera secreta y anónima19.

11 En otras ocasiones es el monarca quien toma personalmente la decisión. Cuando Jaime III solicitó ayuda contra Francia los miembros del consejo vacilaron sin saber qué aconsejar. Entonces el Ceremonioso explica sin vacilar la trama (en realidad, la trampa) que preparó para atrapar jurídicamente al rey de Mallorca, como ya hemos explicado. Además, el Ceremonioso disponía de algunos privados, consejeros personales de máxima confianza. A lo largo de toda su actuación contra Jaime III, sus dos brazos derechos fueron el noble Bernat de Cabrera y su tío el príncipe Pere. El monarca presenta a Bernat de Cabrera, entonces su principal consejero, como el fautor de la política agresiva contra Jaime III, mientras que el infante Pere, en general, se muestra más tolerante con respecto al rey de Mallorca y proclive a intentar arreglar las cosas a través del diálogo, aunque tampoco es partidario de realizar excesivas concesiones.

2. Omisiones y distorsiones

12 Hillgarth ha analizado diversas omisiones deliberadas y distorsiones con las que la Crònica pretende tergiversar determinados hechos20. O no dar cuenta de ellos. Ya hemos indicado que omite la entrevista de marzo de 1341 en la que el Ceremonioso dio esperanzas a Jaime III de ayudarle contra Francia. Como sabemos, el monarca catalán, luego procedió en sentido contrario, lo cual constituye una razón de peso para dejar de lado el relato del hecho. Un episodio famoso lo constituye el del puente de madera, que hizo construir Jaime III para conectar directamente su nave con el convento de los franciscanos donde se hallaba hospedado, a raíz de la entrevista que mantuvo en Barcelona con el Ceremonioso (julio-agosto 1342). Según el texto cronístico, a través de él Jaime III habría proyectado secuestrar al monarca catalano-aragonés o, en su defecto, darle muerte. La Crònica relata con amplitud el supuesto intento21. Pero si lo incluimos en este apartado es porque, a pesar de la importancia que tenía el hecho, en el proceso no aparece consignado con la vehemencia que uno esperaría encontrar. Tan sólo habla de ello, tardíamente, en una carta remitida a Jaime III el 12 de febrero de 134422. Sorprende que no se le otorgue una mayor importancia, dado que esta acusación había de ser la más grave de todas (ninguna otra podía igualar el intento de asesinato del monarca). Por ello tradicionalmente se ha dudado de su veracidad. ¿Se trata de una

Medievalista, 23 | 2018 148

invención? No lo sabemos. Quizás tan sólo nos hallamos ante una declaración de intenciones por parte del rey mallorquín, que no iba a pasar de aquí, debido a la inviabilidad de llevar a cabo una acción tan arriesgada. En todo caso, sí que parece más creíble que la reina Constanza, esposa de Jaime III y hermana del Ceremonioso, decidiera permanecer voluntariamente en Barcelona al lado de su hermano, a raíz del episodio23.

13 En un sentido similar, tras la ocupación del reino de Mallorca24, no especifica las “moltes rahons que serien llongues d’escriure” que le aconsejaron de no ver a Jaime III mientras preparaba la campaña del Rosellón. Éste le había remitido una carta en tal sentido, el 25 de julio de 1343, pero el rey Pedro hizo caso omiso de la misma25. Y, escudándose en la extensión que tendría exponer las razones aducidas (lo cual interpretamos como un simple pretexto), no lo hace. Probablemente porque no eran convincentes. El propósito del rey de Mallorca era ponerse bajo su merced, para intentar un último arreglo, antes de emprender el operativo rosellonés. De ahí que el Ceremonioso evite dar explicaciones, porque serían poco favorables para él, ya que le hubiera sido difícil persistir en su actitud, la cual resulta evidente que no tenía posible marcha atrás.

14 Tampoco incluye el texto de los documentos cruciales de la rendición final de Jaime III, pese a aludir a ella26. Se limita a escribir que don Pedro de Ejérica concertó con él los capítulos correspondientes, “e parlà ab ell en concòrida que l’endemà per lo matí se vendría metre en nostre poder e aportà los capítols, segons que foren e avenguts”. En cambio, lo hace una y otra vez cuando se trata de rendiciones de una ciudad (Argelers, Cotlliure, Elna, Perpiñán), obviamente de menor importancia. F. Soldevila plantea que esto puede ser debido a la inexistencia de un acuerdo escrito27 pero, al igual que Hillgarth, consideramos que ello es improbable y si el Ceremonioso obvió las cláusulas del acuerdo fue porque posteriormente debió incumplirlas en buena parte. Lo que no parece ser el caso de lo que aconteció con respecto a las ciudades.

15 En cuanto al posterior intento de suicidio que, al parecer, protagonizó Jaime III28, la Crònica lo atribuye a un rumor (que no aparece documentado en ningún otro texto): “axí que oïm dir que En Jacme de Mallorques se baté molt la cara e lo cap de dol, e es volia ferir en si mateix ab brotxa e d’altres armes, mas que les li tolien”29. Su relato, por tanto, se basa en el recurso a la fuente oral. Por su parte, la embajada llevada a cabo en la corte papal de Aviñón (1345), “per los afers del dit alt En Jacme de Mallorques, e altres diverses afers grans”, que la Crònica presenta como muy fructífera30, a través de otros documentos sabemos que no tuvo tanto éxito31. Por lo que se refiere a la narración de la empresa bélica, la crónica acaba el relato de los hechos en 1345, cuando el conflicto aún no se había cerrado. Omite detallar los ataques puntuales que llevó a cabo Jaime III durante los años siguientes, como había hecho hasta entonces32. Simplemente los resume mediante una frase: “Molts d’altres tractaments malvats e traïdors féu depuis e tractà lo dit en Jacme de Mallorques contra nós, los quals no poc adur a acabament”33. No menciona la derrota final de Jaime III en la batalla de Llucmajor (Mallorca), donde además este último perdió la vida (25 de octubre de 1349). Sin duda el episodio resultaba demasiado drástico y de difícil explicación como para obtener la comprensión de la opinión pública. Asimismo tampoco habla del destino de la segunda mujer del monarca mallorquín, Violante de Vilaragut, que permaneció prisionera en Valencia hasta que el rey Pedro le halló un marido a su gusto34. Ni aparece la trágica historia de Jaime (IV) a quien el rey catalán mantuvo prisionero durante

Medievalista, 23 | 2018 149

largos años, con dureza35. Sí que en el apéndice le hallamos mencionado, a raíz de su muerte en Soria 1375 (“ab herbada que li fon dada”, o sea, envenenado), pero el texto es de autenticidad dudosa36.

16 Todas estas omisiones pueden ser consideradas lógicas, dado que se trata de hechos que no resultarían favorables para la imagen del monarca. En cambio, una omisión que resulta sorprendente es que la Crònica no menciona la embajada que Pedro el Ceremonioso recibió por parte de mercaderes mallorquines para instigarle a actuar pronto contra Jaime III. Sorprende porque el episodio redunda a favor de sus intenciones. En el siguiente apartado nos referiremos al mismo con detalle.

3. Propaganda

17 Para empezar, en la Crònica (cc. 1-9), hallamos un resumen de las disensiones suscitadas entre ambas monarquías hasta el momento, debidas a la infeudación de la Corona de Mallorca, fuente de conflicto. Aquí, el monarca pone de relieve los sucesivos intentos de los reyes catalanoaragoneses para reincorporar Mallorca. Por tanto, Pedro el Ceremonioso no esconde que la finalidad del texto consiste en justificar su acción. Por lo que se refiere a aspectos concretos, en primer lugar cabe resaltar la oratoria real. Una buena muestra de textos propagandísticos de esta clase la podemos observar en los discursos, que a veces redactaba el monarca mismo. Ya hemos hecho referencia a alguno. Se trata de documentos brillantes, escritos para ser leídos ante ocasiones especiales, con un marcado tono institucional37.

18 También a lo largo de la Crònica hallamos continuas manifestaciones de propaganda contra Jaime III, junto con esfuerzos continuados del Ceremonioso para mostrar que era visto como un libertador en los territorios del rey de Mallorca38. Como ejemplo de propaganda antijaimista, cabe señalar como muestras que, según el relato cronístico, Jaime III engañaba a los habitantes39. Mientras que el rey Pedro remarca que recibió muestras de solidaridad de todos los súbditos, no sólo de los nobles40. También presenta a los servidores más fieles de Jaime III como unos extranjeros41. En otras ocasiones es Jaime III quien, según el parecer de su adversario, reconoce su culpabilidad. Por ello, admite su “follia” y mal consejo42. O bien ofrece sus servicios a Pedro el Ceremonioso43.

19 En este contexto no podían faltar muestras de providencialismo. Por una parte, Dios le guía hacia la conquista de Mallorca44. Y, en cambio, la divinidad no estaba al lado de Jaime III, ya que sus sacerdotes no pudieron celebrar la misa prevista a raíz del desembarco45. Como acción de gracias por el desenlace de la campaña, a su regreso el Ceremonioso subió al monasterio de Motnserrat46. Otro aspecto que consideramos de gran importancia en la construcción del relato es la presión popular que, según presenta el rey catalán, recibía para que llevase a cabo el ataque definitivo contra Jaime III47. Con ello pretende justificar su actuación implacable. Otro de los elementos propagandísticos más importantes aducidos por el monarca catalán fue que habían sido los propios mallorquines quienes le habían pedido que interviniera contra Jaime III. Cosa que, como veremos a continuación, al menos en el caso de la embajada mencionada al final del apartado anterior, no es falsa. Luego se repite con motivo del proceso seguido en 1345 contra el gobernador Arnau d’Erill.

20 Pedro el Ceremonioso remarca que la conquista se hizo a petición de un determinado grupo de mallorquines, quienes “jam dicte ad nostram justitiam anhelabant”48. Se trata de un motivo sin duda muy poderoso que merece ser examinado con una cierta

Medievalista, 23 | 2018 150

extensión. La insistencia y normalidad con la que el monarca catalán lo expone ante sus súbditos mallorquines indican que no debía tratarse de ninguna invención. De hecho, en el reino mallorquín existían dos partidos enfrentados: los “aragoneses”, partidarios de la reintegración, integrado sobre todo por mercaderes y juristas, y los “bretones”, nobles y cortesanos, que anhelaban el retorno de Jaime III. Estos últimos eran denominados así por analogía con la “historia” del rey Arturo y su futuro regreso, recogida en las obras literarias que integran la materia de Bretaña. Por tanto, según el testimonio cronístico, es el pueblo quien toma la decisión sobre quién debe ser el rey. Esta manera de proceder tiene un antecedente, ligado a la casa de Barcelona, en las Vísperas Sicilianas, cuando una parte significativa de los sicilianos (el bando antifrancés) pidió la intervención de Pedro el Grande para expulsar a Carlos de Anjou del reino. Cabe indicar que la existencia de dichos bandos se remonta a la primera ocupación de Mallorca en 1285 y se prolongó durante el tiempo: hacia 1418 los documentos los mencionan “aragoneses” y “mallorquines”49. (Esta última denominación había sustituido a la de “bretones”). Y, dos décadas antes, Anselm Turmeda había compuesto una obra entera dedicada a la cuestión, las Cobles de la divisió del regne de Mallorca.

21 En consecuencia con este relato, resulta perfectamente coherente que, en su discurso, el Ceremonioso se presente como un rey que va a Mallorca para guarecer y curar las heridas que había infligido su antecesor a la población (“així com lo metge qui sana e guareix les nafres dels malalts nafrats e consumats”)50. Cabe indicar que este mismo sentimiento debía existir, al menos en parte, entre la gente del pueblo que entonaba por las calles canciones referidas al mal gobierno de Jaime III51. Por todo ello resulta sorprendente el olvido – si es tal − de la Crònica respecto a la embajada que recibió en Barcelona el monarca, encabezada por el mercader Miquel Roig. El motivo era para solicitarle que no demorase por más tiempo su intervención contra Jaime III en Mallorca. El primer autor que recoge este episodio fue Zurita52. No obstante, el episodio no sólo no aparece en la Crònica sino que no existe el menor rastro documental sobre dicho mercader. Por ello, se ha llegado a dudar de la veracidad de dicha embajada.

22 Por nuestra parte, podemos confirmar la certeza de la existencia de la misma53. Los documentos aportados hacen referencia al retorno a la isla del mercader Bertrán Roig. Respecto a las misivas que tenemos, nada induce a pensar que las autoridades del reino tuviesen la menor sospecha contra él. Antes al contrario, a su retorno le preguntaron sobre los preparativos del Ceremonioso. Y él les respondió que al salir del puerto de Barcelona, el sábado 10 de mayo, la flota estaba a punto de hacerse a la mar. Inmediatamente el gobernador hizo correr la voz54. En otro documento se afirma que Roig era un espía enviado para saber el estado de la flota55.

23 En conjunto, el episodio resulta extraño. En primer lugar porque el nombre del mercader es distinto en el relato de Zurita y en los documentos mencionados. El apellido, en cambio, concuerda. ¿Se trata de la misma persona? Si es así, sería un error de Zurita al consignar el nombre de pila. También podría tratarse de dos personas diferentes – quizás parientes − que viajaron en la misma embarcación (¿con fines distintos?). Así lo recoge algún historiador decimonónico. O bien de un agente doble, que mientras solicitó al Ceremonioso que no tardase en ir a Mallorca “espió” a favor de las autoridades del reino (lo cual le sirvió de pretexto perfecto para llevar a cabo sin contratiempos una embajada tan comprometida). En este caso, la circunstancia explicaría por qué al retornar a la isla no tuvo ningún problema. De todas formas, el

Medievalista, 23 | 2018 151

papel de Bertrán Roig no ofrece dudas: tras la reintegración se convirtió en un hombre fuerte del reino, ocupando cargos importantes i formando parte del sector reintegracionista más intransigente, partidario de una política dura i represiva contra los partidarios de Jaime III56. De hecho, fue él el principal instigador del proceso que conllevó la destitución del gobernador Arnau d’Erill en 134557. En alguna ocasión el Ceremonioso, contra su imagen habitual, que no esconde (por ejemplo, con motivo de la represión de los unionistas valencianos), se presenta como un monarca moderado e indulgente. Ello tiene lugar ante el gobernador del Rosellón, a quien recomienda que actúe con prudencia contra los jaimistas sublevados, “car bona és la justicia moderada” 58.

4. Aspectos protocolarios y ceremoniales

24 En diversas ocasiones, la crónica realiza una descripción del vestido del rey en las ceremonias (ya sea por instigación del monarca o bien porque se podría haber obtenido a través de los registros reales). Y también encontramos referencias similares al uso de objetos suntuosos por parte del monarca. Todo ello estaba pensado para contribuir a la creación de una imagen ideal del soberano como rey-caballero y para el reconocimiento y legitimación de su poder. Además, en el caso que nos ocupa, ello dio lugar al sobrenombre de “el Ceremonioso” con el que el monarca ha pasado a la historia. Ahora nos centraremos en algunos episodios concretos referidos a su problemática con el rey de Mallorca59.

25 En primer lugar, cabe destacar el conocido episodio del cojín que le fue ofrecido a Jaime III a raíz de la ceremonia del homenaje que prestó al Ceremonioso el 17 de agosto de 1339. Dado que el rey de Mallorca había demorado en exceso su asistencia a Barcelona, el rey Pedro preparó el acto a su gusto: abrió las puertas del palacio para darle un carácter público (estos actos solían ser privados) y, cuando el rey de Mallorca le pidió un cojín para sentarse – el vasallo debía estar de pie, pero si se trataba de un monarca la costumbre era que también estuviese sentado − le hizo traer uno de dimensiones más reducidas, para remarcar quien tenía la preeminencia. La crónica realiza una descripción pormenorizada de la ceremonia de homenaje60. A través del relato, se desprende que el rey Pedro no sólo pretendía humillar a Jaime III sino también hacer visible la preeminencia que, como soberano eminente, tenía sobre el vasallo.

26 Otro incidente destacado es el que tuvo lugar el mismo año 1339 en Aviñón, a raíz de una visita conjunta al papa Benedicto XII, para rendirle homenaje61. Ambos monarcas llegaron a un acuerdo para desfilar a la misma altura, durante el trayecto hasta la sede papal, en la procesión previa por las calles de la ciudad. Cuando en un momento determinado el caballo del Ceremonioso se adelantó unos pasos con respecto al de Jaime III, un paje de éste lo azotó, lo que provocó tal ira por parte del monarca catalán que éste metió mano a su espada, para empuñarla contra el rey mallorquín, pero el excesivo aderezamiento que llevaba le impidió desenvainarla. En su relato, el rey no esconde su animadversión hacia Jaime III. Después, fue recibido por el pontífice de manera desafortunada. De ahí, el sarcasmo que expresa sobre el papa y los duros calificativos con que se refiere a él.

27 En cuanto a algún hecho concreto, podemos remarcar la manera como el monarca expone que bebió un cierto vino que había sido abandonado por las huestes de Jaime III tras desembarcar en Mallorca62. La precaución de hacerlo probar antes de ingerirlo

Medievalista, 23 | 2018 152

constituye una muestra a la vez de cautela i ceremonia63. Asimismo es digno de remarcarse todo el cap. 3.47 por lo que se refiere al valor de la corona y la vestimenta como símbolo del poder. Lo mismo acontece en cuanto a la solemnidad de la coronación, descrita en el capítulo 3.48, llevada a cabo en la catedral de Mallorca64. Por si solo ambos aspectos merecerían un estudio aparte, cosa que dejamos para una próxima ocasión. O bien cabe señalar la satisfacción personal por una respuesta que dio a su adversario sobre sus pretensiones, tras acabar el conflicto armado, que el monarca califica de “molt bella resposta e bé dictada e assats llonga”65. A partir de su deposición como rey de Mallorca, la Crònica cambia el trato real recibido por Jaime III. Hasta entonces siempre había sido denominado “rey”, rey de Mallorca. Pero luego pasa a ser designado con expresiones como “lo dit qui fo rei de Mallorques”, “aquell que solia ésser rei de Mallorques”, “el rei qui solia ésser de Mallorques”, “En Jacme de Mallorques” o “L’alt En Jacme de Mallorques”. Como vemos, las primeras denominaciones aluden a su anterior condición de rey y, en cualquier caso, en todas se indica su vinculación al reino mallorquín. No obstante, posteriormente el Ceremonioso decidió “rebajarle” la intitulación, a medida que el monarca destituido inició revueltas desde su enclave montpellerés, y pasó a denominarle simplemente “Jacme de Montpesler”. Nos lo explica así en la Crònica: “E per ço que sapiats per què li mudam lo nom, que, així com d’abans li deíem Jacme de Mallorques, que li diguéssem d’aquí avant Jacme de Montpesller, fem-ho a suplicació e requisició dels hòmens de Perpenyà, e, per la rebel·lió que ens tornava fer, remoguem-li lo dit títol, així com damunt és dit, ço és que l’intitulàvem abans l’alt En Jacme de Mallorques, e, d’ací avant, Jacme de Montpeller”66.

28 Mientras tanto, en la documentación de archivo de la época, que hemos consultado de manera abundante, se le denomina de manera generalizada “ínclito”. En algún caso aparece reflejado de manera explícita el cambio ordenado por el Ceremonioso. Por ejemplo, en un texto del 30 de septiembre de 1345, leemos: “Jacobi cognominati tunc de Majoricis, nunc vero domini Montispessulani”67.

29 De hecho, la resolución del consejo real de 1344 obligaba a Jaime III a renunciar al título de rey de Mallorca, “e les insígnies reials e fondre los segells on havia lo nom e lo títol e majestat reial”68. Ante ello, el monarca mallorquín, continúa refiriendo la Crònica, protestó y puso mala cara. Y, de hecho, continuó titulándose “rei de Mallorques”, como indica el texto cronístico69 y aparece en la documentación. Huelga decir que la circunstancia de que el Ceremonioso requiriese a Jaime III las insignias, emblemas y sellos, al tratar con él la rendición, no era ninguna formalidad, sino que todo ello tenía una simbología especial. Como afirma B. Guenée “el poder de un príncipe estaba unido de alguna forma a la propia existencia de tales insignias”70.

30 Otro aspecto que Pedro el Ceremonioso no improvisó fue el cambio en el orden de intitulación existente antes de la formación de la Corona de Mallorca, en el cual el reino de Mallorca precedía al de Valencia (siguiendo un criterio de índole cronológica en cuanto a la conquista y formación de ambos como reino). Tras la reincorporación el Ceremonioso antepuso el reino de Valencia al de Mallorca, quedando éste en tercer lugar, tras Aragón y Valencia. Ello motivó tibias protestas de algunos ciudadanos mallorquines, que fueron respondidas por el rey haciendo uso del ingenio, aparentemente espontáneo pero que el monarca catalán ya debía tener preparado para la ocasión. Su respuesta consistió en indicar que confiaba que con el nuevo criterio el reino de Mallorca tuviese más “ventura” dentro de la Corona de Aragón71. De hecho, el anterior orden de prelación se remontaba al 18 de octubre de 1238, cuando Jaime I

Medievalista, 23 | 2018 153

utilizó por vez primera la intitulación normalizada de “rex Aragonum, Maioricarum, Valentie, comes Barchinone et Urgelli et dominus Montispesulani”72.

5. Catalanidad de la Corona de Mallorca

31 La historiografía ha extendido la doctrina del conflicto como elemento dinamizador y fortalecedor de identidades y conciencias específicas. La guerra actuaba como elemento que incentivaba el desarrollo de la propaganda73. Una muestra puntual de ello, no exenta de una dosis de exageración, la hallamos expuesta en la Crònica mediante la voluntad que tenía la tropa de combatir, al llegar a Mallorca. Según el monarca, su ejército se hallaba tan animado para el combate que “los qui romangueren en naus tiraren-se los cabells e les barbes, e feien gran dol per tal com no podien venir als afers ab nós”74.

32 No obstante, en el caso que ahora nos ocupa la legitimación no se hacía frente al “otro”, que siempre era diferente (no solo cuando se hacía referencia a los musulmanes, sino también en los conflictos entre cristianos: la guerra de los dos Pedros, la de los Cien Años…). Con relación a la otra parte, se construían estereotipos nacionales muy negativos sobre los rivales o enemigos (por ejemplo, los franceses eran cobardes y afeminados a los ojos de los ingleses, etc.). Pero, por lo que se refiere a la ocasión que analizamos, no podía hablarse del “otro”, sino más bien de todo lo contrario: la afinidad nacional catalana de los mallorquines era evidente: un mismo origen, una misma lengua e identidad, etc.75. Por tanto, el discurso debía variar sensiblemente. Para la ocasión, era preciso que se hiciese en un sentido opuesto al habitual: en lugar de exponer la diferencia, se trataba ahora de remarcar la semejanza. De esta forma no había lugar a la existencia de dos monarquías diferentes, por lo cual se dotaba de cohesión política a la “reintegración”, un término suficientemente explícito que ya aparece en la época: “privando eudem Jacobo dicto regno et comitatus, et predicta reducendo et reintegrando ad regnum Aragonum”76.

33 Por otra parte, si en la Corona de Aragón el monarca quiere consolidar su poder sobre el conjunto del país (la “terra”), debe imponer que su domino se extienda sobre toda Cataluña, como ha señalado F. Sabaté77. Y, de acuerdo con la visión del Ceremonioso, las tierras que formaron parte de la Corona de Mallorca, aunque no políticamente, de una manera u otra se hallaban dentro de los límites mentales catalanes, por decirlo de algún modo. Ello era debido a la afinidad nacional catalana de mallorquines y roselloneses78. La Crònica establece como una de las razones de la reincorporación el hecho de que los súbditos de la Corona de Mallorca “eren catalans e naturals nostres”79. A continuación, al tratar con los comisionados por los jurados del reino, vuelve a reiterar respecto a los isleños “que catalans eren, e que catalans tostemps foren lleals”.80 Como afirma F. Soldevila, “la insistencia del rei a parlar de la catalanitat dels mallorquins respon no sols al que era una realitat persistent, sinó al sentiment d’esquinç (per a les terres catalanes: sentiment compartit pels súbdits, com pot deduir-se de la participació de Barcelona i d’altres passatges de la crònica) i al desig del rei Pere de fer sentir la unitat de Catalunya i Mallorca”81. Esta unidad con Cataluña también es aplicable a los condados del Rosellón y la Cerdaña, la parte continental de la Corona mallorquina, “qui són dins lo Principat de Catalunya”, según afirma el texto cronístico82. También hallamos expuesta la cuestión en los mismos términos en un documento del proceso contra Jaime III, referido a la acusación de que fue objeto de poner en circulación

Medievalista, 23 | 2018 154

moneda propia en dichos condados, en el cual se afirma que “los dits comtats et terres tots temps foren de Cathalunya et dins Cathalunya”83.

34 Dicha catalanidad se fundamenta en un origen común: la procedencia catalana, ampliamente mayoritaria, de los repobladores de Mallorca tras la conquista de 1229, conocida y remarcada por la historiografía84. También cabe considerar el factor lingüístico, expuesto por P. Cateura, quien ha remarcado la carga de identidad que subyace detrás de una lengua85. De hecho, los mallorquines de la época se denominaban “catalanes” (el gentilicio “mallorquín” es más tardío), empezando por el más célebre de todos, Ramón Llull, y también así se les (re)conocía fuera de la isla86. Todo ello, en definitiva, demuestra la existencia de una cierta conciencia nacional asumida no sólo por los súbditos sino, en el caso que nos ocupa, por la misma realeza, encarnada aquí a través de Pedro el Ceremonioso87. Se trata de una conciencia compartida con Cataluña y Valencia, pero no con Aragón, como lo demuestra el compromiso del Ceremonioso, tras la reintegración, de no nombrar como gobernadores de Mallorca a súbditos procedentes de Aragón88. Evidentemente ya quedaba lejos la época de Jaime I, un monarca que hizo justo lo contrario que el Ceremonioso: dividir la Corona en dos estados soberanos. Los sesenta años que separan el final del reinado del Conquistador con el advenimiento al trono de Pedro el Ceremonioso evidencian una notoria clarificación de la concepción nacional del estado en el seno del casal de Barcelona. Y el Ceremonioso, como hemos indicado al comienzo, esgrime esta circunstancia como uno de los motivos fundamentales para legitimar su forma de proceder.

BIBLIOGRAFÍA

Fuentes

BOFARULL, Próspero de − Proceso contra el rey de Mallorca don Jaime III, mandado formar por el rey don Pedro IV de Aragón. Barcelona: CODOINACA, 29-31, 1867-1868.

GUBERN, Ramon − Epistolari de Pere III. Barcelona: Barcino, 1955.

PERE EL CERIMONIÓS – Crònica. Ed. Ferran Soldevila. Les quatre grans cròniques. 2ª ed. Barcelona: Selecta, 1983, pp. 1001-1125.

Estudios

ARCHETTI, Gabriele − “Le forme della propaganda política alla fine del Medioevo”. Nuova Rivista Storica 80, vol. 3 (1996), pp. 681-706.

CATEURA BENNÀSSER, Pablo – “El bipartidismo en la Mallorca de comienzos del siglo XV”. Bolletí de la Societat Arqueològica Lul·liana 41 (1985), pp. 157-170.

CATEURA BENNÀSSER, Pau − “Sobre l’encreuament de fidelitats en el regne de Mallorca medieval”. Mayurqa 25 (1999), pp. 179-186.

CRUSAFONT i SABATER, Miquel; COMAS i EZEQUIEL, Rafael − El florí d’or català: Catalunya, València, Mallorca. Barcelona: Asociación Numismática Española; Societat Catalana d’Estudis Numismàtics, 1996.

Medievalista, 23 | 2018 155

D’ABADAL, Ramon − Pere el Cerimoniós i els inicis de la decadencia política de Catalunya. Barcelona: Edicions 62, 1987.

ENSENYAT PUJOL, Gabriel: “La catalanitat dels mallorquins de l’Edat Mitjana segons la Crònica de Pere el Cerimoniós". El Mirall 18 (juny 1988), pp. 39-40.

ENSENYAT PUJOL, Gabriel − La reintegració de la Corona de Mallorca a la Corona d’Aragó (1343-1349), 2 vols. Mallorca: Editorial Moll, 1997.

ENSENYAT PUJOL, Gabriel – “La cultura escrita a Mallorca en temps de la redacció del Llibre dels Reis”. in URGELL HERNÁNDEZ, Ricard – Llibre dels Reis. Llibre de franqueses i privilegis del regne de Mallorca. Palma: Universitat de les Illes Balears; J. J. de Olañeta Editor, 2010, pp. 29-48.

ENSENYAT PUJOL, Gabriel – “Ego magister Raymundus Lul catalanus. La identitat de i sobre Ramon Llull a l’Edat Mitjana”, en prensa.

GUENÉE, Bernard – Occidente durante los siglos XIV y XV. Los estados. Barcelona: Labor, 1973.

GIMENO BLAY, Francisco – Escribir, reinar. La experiencia gráfico-textual de Pedro IV el Cerimonioso (1336-1387). Madrid: Abada, 2006.

GIMENO, Francisco M.; GOZALBO, Daniel; TRENCHS, Josep – Ordinacions de la Casa i Cort de Pere el Cerimoniós. València: Universitat de València; Acadèmia Valenciana de la Llengua, 2009.

HILLGARTH, J. N − “La personalitat política i cultural de Pere III a través de la seva crònica”. Llengua & Literatura 5 (1992-1993), pp. 7-102.

HOMET, Raquel – “El discurso político de Pedro el Ceremonioso”. in GUGLIELMI, Nilda; RUCQUOI, Adeline – El discurso político en la Edad Media. Buenos Aires: CNICT; CNRS, pp. 97-115.

HUICI MIRANDA, Ambrosio; CABANES PECOURT, María Desamparados − Documentos de Jaime I de Aragón, vol. 2. Valencia: Anubar Ediciones, 1976.

LÓPEZ VALERO, M. del M. – “La guerra de los dos Pedros: discurso e interpretación en las crónicas de Pere IV el Ceremoniós y Pedro I el Cruel”. in LUCÍA MEJÍAS, José Manuel – Actas del VI Congreso de la Asociación Hispánica de Literatura Medieval, II. Alcalá de Henares, Universidad de Alcalá, 1997, pp. 915-924.

LLOMPART, Gabriel – “’Rei de Mallorches, mal regnats…’. Una enquesta secreta feta pel governador Arnau d’Erill en 1344”. Randa 29 (1991), pp. 51-62.

MAS i FORNERS, Antoni − “El procés repoblador a Mallorca durant la primera meitat del segle XIV. Una aportació al seu estudi”. Bolletí de la Societat Arqueològica Lul·liana 50 (1994), pp. 167-198.

MAS i FORNERS, Antoni − “Algunes consideracions sobre l’ús de la toponomàstica i de l’etimologia com a font per a l’estudi de l’origen dels ‘repobladorsʼ de Mallorca (Segles XIII-XIV). Mayurqa (2001), pp. 123-143.

MORAN, Josep; RABELLA, Joan Anton − “La llengua: vehicle de transmissió de la identitat catalana al llarg de la historia”. in SABATÉ, Flocel − Anàlisi històrica de la identitat catalana. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015, pp. 157-171.

NIETO SORIA, José Manuel − “Propaganda política y poder real en la Castilla trastámara”. Anuario de Estudios Medievales 25, vol. 2 (1995), pp. 489-515.

PALACIOS MARTÍN, Bonifacio − La Coronación de los Reyes de Aragón. Valencia: Anubar, 1975.

PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – “Sobre la redacción y difusión de las “Ordinacions” de Pedro IV de Aragón y sus primeros códices”. Anuario de Estudios Medievales 25, vol. 2 (1995), pp. 659-682.

Medievalista, 23 | 2018 156

PÉREZ MARTÍNEZ, Llorenç (ed.) – Jaume III rei de Mallorca. Lleis palatines. Palma: J. J. de Olañeta Editor, 1991.

PIFERRER, Pablo; QUADRADO, José María − Islas Baleares. 2ª ed. Palma: Luis Ripoll Editor, 1968.

SABATÉ, Flocel – “L’origen medieval de la identitat catalana”. in SABATÉ, Flocel − Anàlisi històrica de la identitat catalana. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015, pp. 19-47.

SABATÉ, Flocel – Percepció i identificació dels catalans a l’edat mitjana. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2016.

SERRA BARCELÓ, Jaume − “Lo rei qui fo. El context ideològic del destronament de Jaume III”. in El Regne de Mallorca a l’època de la dinastía privativa. XVI Jornades d’Estudis Històrics Locals. Palma: Institut d’Estudis Baleàrics, 1998, pp. 265-290.

VIANNA, Luciano José − “La interacció entre els àmbits “polític” i “textual” en el regnat del Cerimoniós”. Revista de Lenguas y Literaturas Catalana, Gallega y Vasca 16 (2011), pp. 15-26.

NOTAS

1. VIANNA, Luciano José – “La interacció entre els àmbits “polític” i “textual” en el regnat del Cerimoniós”. Revista de Lenguas y Literaturas Catalana, Gallega y Vasca 16 (2011), pp. 16-17. Disponemos de noticias concretas sobre el proceso de elaboración del texto. El rey había remitido en préstamo al abad de Poblet, Ponç de Copons, un manuscrito de la crónica real para proceder a su copia. Dada la demora en la devolución, el monarca reclamaba, el 11 de septiembre de 1343, el retorno del manuscrito a la corte. Pocos días después, el 17 del mismo mes, el monje Celestí Destorrents acababa y firmaba la copia. Este manuscrito, conservado en la Biblioteca Universitària de Barcelona (ms. 1), constituye la versión más antigua que nos ha llegado del Llibre dels feits. 2. Sobre la cultura del rey y de sus lecturas, aspecto que cabe tener presente cuando se entra en un tema como el que tratamos, el cual en parte implica la valoración del personaje, es importante la obra de GIMENO BLAY, Francisco – Escribir, reinar. La experiencia gráfico-textual de Pedro IV el Ceremonioso (1336-1387). Madrid: Abada, 2006. Con relación a la materia tratada, en concreto interesa el cap. “Los discursos políticos”, pp. 137-145. También, de este mismo autor, es importante su “Estudi introductori”, in GIMENO, Francisco M.; GOZALBO, Daniel; TRENCHS, Josep – Ordinacions de la Casa i Cort de Pere el Cerimoniós. València: Universitat de València; Acadèmia Valenciana de la Llengua, 2009, pp. 13-48. 3. PERE EL CERIMONIÓS – Crònica. Ed. Ferran Soldevila – Les quatre grans cròniques. 2ª ed. Barcelona: Selecta, 1983, c. 3.1, p. 1037. 4. PERE EL CERIMONIÓS – Crònica, c. 3.1, p. 1037. 5. ENSENYAT PUJOL, Gabriel – “La cultura escrita a Mallorca en temps de la redacció del Llibre dels Reis”. in URGELL HERNÁNDEZ, Ricard – Llibre dels Reis. Llibre de franqueses i privilegis del regne de Mallorca. Palma: Universitat de les Illes Balears; J. J. de Olañeta, Editor, 2010, pp. 32-36. 6. ENSENYAT PUJOL, Gabriel − La reintegració de la Corona de Mallorca a la Corona d’Aragó (1343-1349). 2 vols. Mallorca: Editorial Moll, 1997, pp. 115-131. 7. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.13, pp. 1041-1042. 8. Esta acusación, tradicionalmente considerada una invención del Ceremonioso, ha sido demostrada por CRUSAFONT i SABATER, Miquel; COMAS i EZEQUIEL, Rafael − El florí d’or català: Catalunya, València, Mallorca. Barcelona: Asociación Numismática Española; Societat Catalana d’Estudis Numismàtics, 1996, pp. 27-30. De hecho, pocos años después, en 1346, fue el Ceremonioso quien adoptó el florín de oro. O, dicho de

Medievalista, 23 | 2018 157

otra manera, el rey mallorquín se le avanzó en la acuñación de esta moneda. Cabe decir que de la misma manera que Pedro el Ceremonioso imitó el florín de oro de Jaime III, también hizo lo mismo con las Leges Palatinae del monarca mallorquín. Sobre este aspecto, remitimos a PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – “Sobre la redacción y difusión de las “Ordinacions” de Pedro IV de Aragón y sus primeros códices”. Anuario de Estudios Medievales 25, vol. 2 (1995), pp. 659-682; i GIMENO Francisco M.; GOZALBO, Daniel; TRENCHS, Josep – Ordinacions. 9. HILLGARTH, J. N. – “La personalitat política i cultural de Pere III a través de la seva crònica”. Llengua & Literatura 5 (1992-1993), p. 85. 10. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.13, p. 1041. Las citas que siguen a lo largo del párrafo pertenecen al mismo capítulo. 11. SERRA BARCELÓ, Jaume − “Lo rei qui fo. El context ideològic del destronament de Jaume III”. in El Regne de Mallorca a l’època de la dinastia privativa. XVI Jornades d’Estudis Històrics Locals. Palma: Institut d’Estudis Baleàrics, 1998, p. 277; PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.30, pp. 1050-1051. 12. ENSENYAT, G. − La reintegració, pp. 191-193. 13. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.47, p. 1055. 14. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, cc. 3.194, p. 1087 i 4.12, p. 1094. 15. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 6.30, p. 1138. 16. HOMET, Raquel –“El discurso político de Pedro el Ceremonioso”. in GUGLIELMI, Nilda; RUCQUOI, Adeline – El discurso político en la Edad Media. Buenos Aires: CNICT; CNRS, pp. 109-110. 17. D’ABADAL, Ramon – Pere el Cerimoniós i els inicis de la decadencia política de Catalunya. Barcelona: Edicions 62, 1987, pp. 83-88. 18. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.183, pp. 1083-1084. 19. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.182, p. 1084. Leemos: “E que cascú per si donàs a nós per escrit lo consell sobre les dites coses. E així es féu, que cascú nos donà lo consell en una cèdula secretament. E nós estojàvem lo consell de cascú, així com lo’ns donava per escrit, e metíem-lo en una candelera. E com tots los consells foren donats, feem-los tots transllatar en un qüern de paper, exceptats los noms, que nós escrivíem en lo qüern”, per tal que no es sabés de cascun consell qui l’havia donat. Aprés, fem en la nostra cambra ajustar totes les persones que eren vengudes, de manament nostre, al Parlament, e fem aquí llegir tots los consells de paraula a paraula, segons que els nos havia donat cascú, per si, mes en escrit”. Huelga remarcar el valor que tiene esta exposición sobre la manera como el monarca requirió el parecer de sus consejeros. 20. HILLGARTH, J. N. – “La personalitat política”, pp. 63-68. Otras omisiones, referidas a hechos pertenecientes a la guerra contra Pedro I el Cruel, pueden verse en LÓPEZ VALERO, M. del M. – “La guerra de los dos Pedros: discurso e interpretación en las crónicas de Pere IV el Cerimoniós y Pedro el Cruel”. in LUCÍA MEJÍAS, José Manuel – Actas del VI Congreso de la Asociación Hispánica de Literatura Medieval, II. Alcalá de Henares, Universidad de Alcalá, 1997, pp. 915-924. 21. PERE EL CERIMONIÓS – Crònica, cc. 16-20, pp. 1043-1045. 22. SOLDEVILA, F. – Les quatre grans cròniques, p. 1180. 23. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.19, p. 1044; ENSENYAT, G. – La reintegració, pp. 132-135. También sorprende que el Ceremonioso se olvide de algo tan trascendental como del nombre de su familiar que le previno de la acción que pensaba perpetrar Jaime III: “Entre nona e vespres, car llavors no dormíem de dia, a nós vénc un fraire preïcador, de santa vida, qui era familiar nostre, de qui no ens membra lo nom, ab lo qual un hom, qui en la dita traïció devia caber, se’n descobrí e li dix que ens degués dir, en secret e en confessió, que per res nós no anàssem veure la reina, nostra sor, car, si no feíem, sens algun dubte que nós seríem morts, e que d’aquesta raó no ens podía més avant dir” (PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.18, p. 1043). En cambio, en el siguiente capítulo el rey recuerda el nombre de la única sirvienta de su hermana Constanza que prefirió quedarse a su lado en Barcelona, cuando Jaime III se marchó precipitadamente: “E, de continent,

Medievalista, 23 | 2018 158

ell se’n partí ab les sues quatre galeres, e manà a totes les dones e donzelles, qui ab nostra sor eren vengudes, que es recollissen e se n’anassen ab ell. E així es féu, exceptat una cambrera que romàs ab ella, la qual havia nom Vicenta, que era nadiua de Mallorques, que no se’n volc anar ab ell” (PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.19, p. 1045). Todo ello ha restado credibilidad a la acusación, pero también podría ser que el monarca, por las razones que fuese, prefiriera silenciar el nombre del dominico que le puso sobre aviso. 24. Esto es, del archipiélago balear. No debemos confundir (como por desgracia continúa sucediendo muy a menudo) el reino de Mallorca (las islas) con la Corona de Mallorca (islas –o sea, el reino de Mallorca−, el condado del Rosellón y la señoría de Montpellier, que en su conjunto formaban el “estado” mallorquín). 25. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, cc. 3.65-66, pp. 1059-1061. 26. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.160-163, pp. 1078-1080; ENSENYAT, G. – La reintegració, p. 237. 27. SOLDEVILA, F. – Les quatre grans cròniques, p. 1199. 28. ENSENYAT, G. – La reintegració, p. 247. 29. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.195, pp. 1087-1088. 30. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.205, p. 1089. 31. HILLGARTH, J. N. – “La personalitat política”, p. 65. 32. ENSENYAT, G. – La reintegració, pp. 249-262. 33. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.207, p. 1090. 34. ENSENYAT, G. – La reintegració, p. 433. 35. ENSENYAT, G. – La reintegració, p. 434. 36. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, Apèndix, p. 1154. Tampoco están nada claras las circunstancias de la muerte de este príncipe. 37. MORAN, Josep; RABELLA, Joan Anton – “La llengua: vehicle de transmissió de la identitat catalana al llarg de la història”. in SABATÉ, Flocel – Anàlisi històrica de la identitat catalana. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015, p. 161. 38. Como muestras, PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, 3.30, 51, 169, pp. 1049-1051, 1056-1057, 1080-1081; BOFARULL, Próspero de – Proceso contra el rey de Mallorca don Jaime III, mandado formar por el rey don Pedro IV de Aragón. Barcelona: CODOINACA, 29-31, 1867-1868, pp. 30, 317 i ss., 355 i ss. 39. ENSENYAT, G. – La reintegració, p. 246. 40. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.28, p. 1049. No obstante, en alguna ocasión expone las simpatías que despertaba Jaime III, especialmente en tierras rosellonesas. Así, a raíz de las escaramuzas protagonizadas por el rey mallorquín, sabemos que sus partidarios gritaban “¡Mallorques!” (cc. 3.192, 195, pp. 1086, 1087). Y tras algunas de ellas, en las cuales las huestes jaimistas hallaron apoyo entre la población, escribe textualmente que “majorment que los demés de Rosselló e de Conflent e de tota l’altra terra que li havíem presa lo amen e el desigen” (PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, 4.12, p. 1094). Ciertamente, Jaime III siempre dispuso de más partidarios en el Rosellón que en Mallorca. 41. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, cc. 3.45, 120, 139, pp. 1054, 1069-1070, 1073-1074. 42. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.163, pp. 1079-1080. 43. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.170, p. 1081. 44. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.66, pp. 1060-1061. 45. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.27, pp. 1048-1049. 46. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.99, pp. 1066-1067. 47. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.53, pp. 1057-1058. 48. SERRA, J. – “Lo rei qui fo”, p. 266. 49. CATEURA BENNÀSSER, Pablo – “El bipartidismo en la Mallorca de comienzos del siglo XV”. Bolletí de la Societat Arqueològica Lul·liana 41 (1985). 50. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 47, p. 1055; ENSENYAT, G. – La reintegració, p. 188.

Medievalista, 23 | 2018 159

51. LLOMPART, Gabriel – “’Rei de Mallorches, mal regnats…’. Una enquesta secreta feta pel governador Arnau d’Erill en 1344”. Randa 29 (1991). 52. SERRA, J. – “Lo rei qui fo”, p. 275 transcribe el fragmento del historiador aragonés. 53. ENSENYAT, G. – La reintegració, 176. 54. ENSENYAT, G. – La reintegració, II, doc. 81, p. 76. 55. ENSENYAT, G. – La reintegració, II, doc. 83, p. 77. 56. ENSENYAT, G. – La reintegració, pp. 53,79, 176, 232, 243, 374, 379, 382 57. ENSENYAT, G. – La reintegració, pp. 397-403. 58. GUBERN, Ramon – Epistolari de Pere III. Barcelona: Barcino, 1955, p. 80. 59. Podríamos analizar otros muchos aspectos protocolarios y su simbología, como cuando, una vez concluida la reintegración, en una entrevista que iban a mantener los dos monarcas, Pedro el Ceremonioso deseaba que Jaime III le besara en la boca, pero no la mano, y éste, llegado el momento, hizo todo lo posible para besarle la mano (PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.162, p. 1079). 60. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, cc. 2.32, 34, pp. 1033-1034. 61. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 2.37, pp. 1034-1035. 62. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.26, p. 1048. 63. Les Lege Palatinae, de Jaime III, por ejemplo, exponen que los escuderos que sirven la mesa del rey deben probar previamente el vino “ut quia in solute nostra subiectorum salutem cupimus conservari, ipsam a novicis intactam valeamus praeservare” (como sea que, dado que deseamos conservar la salud de los súbditos a partir de la nuestra, podamos preservar a ésta, intacta de cosas nocivas). PÉREZ MARTÍNEZ, Llorenç (ed.) – Jaume III rei de Mallorca. Lleis palatines. Palma: J. J. de Olañeta Editor, 1991, p. 139. 64. Sobre la importancia del ceremonial, véase PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – La Coronación de los Reyes de Aragón. Valencia: Anubar, 1975. 65. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, cc. 3.185, 187, pp. 1085. 66. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 4.12, p. 1093. A continuación vuelve a reiterar que “la nostra resposta era molt bella e ben dictada e ben complida”. 67. PIFERRER, Pablo; QUADRADO, José María – Islas Balerares. 2ª ed. Palma: Luis Ripoll Editor, 1968, p. 284. 68. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.183, p. 1084. 69. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.65, p. 1060. 70. GUENÉE, Bernard – Occidente durante los siglos XIV y XV. Los estados. Barcelona: Labor, 1973, p. 84. 71. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.36, p. 1053. 72. HUICI MIRANDA, Ambrosio; CABANES PECOURT, María Desamparados – Documentos de Jaime I de Aragón, vol. 2. Valencia: Anubar Ediciones, 1976, doc., 277, pp. 43-44. 73. ARCHETTI, Gabriele– “Le forme della propaganda política alla fine del Medioevo”. Nuova Rivista Storica 80, vol. 3 (1996). 74. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.26, p. 1048. 75. ENSENYAT, G. – La reintegració, pp. 392-393. 76. PIFERRER, P.; QUADRADO, J. M. – Islas Baleares, p. 284. 77. SABATÉ, Flocel – “L’origen medieval de la identitat catalana”. in SABATÉ, Flocel – Anàlisi històrica de la identitat catalana. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015, p. 38. 78. ENSENYAT PUJOL, Gabriel – “La catalanitat dels mallorquins de l’Edat MItjana segons la Crònica de Pere el Cerimoniós”. El Mirall 18 (juny 1988). 79. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.30, p. 1050. 80. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.30, p. 1051. 81. SOLDEVILA, F. – Les quatre grans cròniques, p. 1185. 82. PERE EL CERIMONIÓS − Crònica, c. 3.14, p. 1042.

Medievalista, 23 | 2018 160

83. BOFARULL, P. − Proceso, 30, p. 305. 84. MAS i FORNERS, Antoni – “El procés repoblador a Mallorca durant la primera meitat del segle XIV. Una aportació al seu estudi”. Bolletí de la Societat Arqueològica Lul·liana 50 (1994), pp. 167-198; “Algunes consideracions sobre l’ús de la toponomàstica i de l’etimologia com a font per a l’estudi de l’origen dels ̔repobladors’ de Mallorca (Segles XIII-XIV)”. Mayurqa 26 (2001), pp. 123-143. 85. CATEURA BENNÀSSER, Pau. “Sobre l’encreuament de fidelitats en el regne de Mallorca medieval”. Mayurqa 25 (1999). 86. ENSENYAT PUJOL, Gabriel − “ Ego magister Raymundus Lul catalanus. La identitat de i sobre Ramon Llull a l’Edat Mitjana”, en prensa. 87. SABATÉ, Flocel – Percepció i identificació dels catalans a l’edat mitjana. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2016, pp. 49-60. 88. SABATÉ, F. − Percepció, p. 59.

RESÚMENES

Pedro O Cerimonioso escreveu a sua crónica inspirando-se no caso de Jaime I, autor do Llibre dels feits. Contudo, o autêntico “leit motif” que o levou a elaborar essa crónica foi a sua atuação contra o rei de Maiorica, Jaime III, a quem, entre 1342-1344, destituiu da Coroa de Maiorica tendo, por fim, acabado com a sua vida (1349). Esta atuação tão drástica obrigava-o a justificar a sua ação perante a opinião pública e perante as monarquias europeias. Previamente, para legitimar a destituição submeteu o monarca maiorquino a um processo judicial, sob determinadas acusações e, posteriormente, elaborou a crónica. Nela expõe os motivos legais do seu procedimento, omitindo aspetos que não lhe interessava explicar, ao mesmo tempo que outorga uma grande importância à simbologia e, como corolário, sublinha a catalanidade das terras reincorporadas.

Peter IV of Aragon, called “the Ceremonious”, wrote his chronicle under the inspiration of the case of , the author of the Llibre dels feits. Nevertheless, the true leitmotiv which motivated him to do it was his act against the King of Majorca, James III, whom he deposed from the Crown of Majorca in 1342-1344, before bringing his life to an end in 1349. His drastic act forced him to justify his behavior in front of the public opinion and the European Kingdoms. In order to legitimate the deposition, in first place he subjected the Majorcan king to a judicial process under certain accusations, and after that he conceived a political discourse, whose main part was the historical account. In it, he explains the legal reasons of his proceeding, omitting all the details he wasn’t interest in explaining, at the same time that he gives big importance to the symbology, Eventually, his speech culminates by remarking the Catalan ownership of the reintegrated lands.

ÍNDICE

Keywords: Peter the Ceremonious, James III, Crown of Majorca, Crown of Aragon, reinstatement. Palavras-chave: Pedro O Cerimonioso, Jaime III, Coroa de Maiorica, Coroa de Aragão, Reintegração.

Medievalista, 23 | 2018 161

AUTOR

GABRIEL ENSENYAT PUJOL

Universitat de les Illes Balears, Departamento de Filologia Catalana, 07122, Palma, Illes Baleares, España [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 162

“El maestre Davis que se fazia llamar rede Portugal” – La imagen propagandística de D. João I de Portugal en la fuentes castellanas “The Davis’ Master that called himself King of Portugal”. The propagandistic image of D. João of Portugal in the Castillian sources

Néstor Vigil Montes

NOTA DEL EDITOR

Data recepção do artigo: 16-03-2017 Data aceitação do artigo: 20-10-2017 “El maestre Davis que se fazia llamar rey de Portugal” – La imagen propagandística de D. João I en las fuentes castellanas / “The Davis’ Master that called himself King of Portugal”. The propagandistic image of D. João of Portugal in the Castillian sources Néstor Vigil Montes

Introducción

1 No diremos nada nuevo si afirmamos que D. João I de Portugal es una de las figuras clave en la historia lusa. Tampoco si señalamos que la historiografía portuguesa tradicionalmente nos ha trasladado la imagen propagandística que el propio monarca y sus herederos se encargaron de construir para reforzar su nueva dinastía. Así, nos aparece constantemente el monarca “de boa memoria”, que garantizó la independencia

Medievalista, 23 | 2018 163

del Reino de Portugal y le otorgó la misión histórica de expandir al ultramar la fe cristiana1. En los esfuerzos de la historiografía portuguesa reciente por trasmitir una imagen más realista sobre el fundador de la dinastía Avis, creemos necesario reconstruir el discurso propagandístico opuesto, el creado por los monarcas castellanos como rivales en los derechos al trono portugués.

2 Este discurso propagandístico de los castellanos fue de sobra conocido por la historiografía portuguesa2 desde los inicios de la construcción de la propaganda dinástica. Fernão Lopes en su Crónica de D. João I utilizó las crónicas de Pedro López de Ayala como fuente principal, sin dudar en copiarlo literalmente en ocasiones, ni en omitir deliberadamente casi todos los extractos perjudiciales para su discurso3. El propio Fernão Lopes en el primer capítulo de su crónica sobre D. João I criticó la intencionalidad del discurso de Pedro López de Ayala; a pesar de que no lo citó directamente se sobreentiende que estaba refiriéndose a él cuando señaló la existencia de un “historiador castellano que escribió sobre el Reino de Portugal, que a pesar de ser hombre de buena autoridad se desvió del buen camino a la hora de escribir sobre D. João I de Portugal dada su desafección hacia su figura”4. A partir de entonces, la historiografía portuguesa solamente centró su atención en Ayala para criticar su versión alternativa de los hechos acontecidos en el reinado de D. João I de Portugal, siempre escudándose en esa desafección de los castellanos. José Soares da Silva en 1732 señaló que el autor de las crónicas castellanas afirmaba cosas sin fundamento5, mientras que Francisco de São Luis, más conocido como el cardenal Saraiva, en la primera mitad del siglo XIX directamente dudó de su autoridad al no contar con documentación que apoyase su narración6.

3 El discurso alternativo ayaliano apenas tiene presencia en las últimas dos grandes biografías de D. João I, la de Damião Lopes en 19177 y la de Maria Helena da Cruz Coelho en 20058. Esa falta de hueco no tiene su razón de ser en el desconocimiento del discurso castellano, sino que se debe a la preocupación de la historiografía lusa en atender y criticar exclusivamente al mito construido en la historiografía portuguesa en torno a la figura de este monarca, ese que Margarida Garcez Ventura fue desgranando en su obra O messias de Lisboa9.

4 En la actualidad el discurso castellano, el de la legitimidad contraria a D. João I de Portugal, cobra interés dentro de las nuevas tendencias de la historia política bajomedieval, que ponen su acento en la cuestión de la legitimidad dinástica. En este sentido cabe destacar el hecho de que el macroproyecto Gènese de l’État Moderne dirigido por Jean Philippe Genet haya puesto sus miras en las cuestiones de legitimidades contrarias a través de los resultados del congreso ¿Golpes de estado a fines de la Edad Media? Fundamentos del poder político, celebrado en la madrileña Casa de Velázquez en 200210. Una cuestión que más recientemente fue abordada por la historiografía portuguesa al acoger el cuarto congreso de la Royal Studies Network que llevó por título Dynastic changes and legitimacy y tuvo lugar en la Universidade de Lisboa en 2015; y al celebrar el congreso Debuerit Habere Regnum. Deponer y proclamar reyes en la Edad Media en esa misma universidad al año siguiente.

5 Nuestra intención es la de rescatar el discurso castellano en las diversas fuentes: crónicas, epístolas, documentación diplomática, sigilografía, numismática..., para conocer su fundamentación, sus vehículos de difusión y su pervivencia a lo largo del tiempo. De esta forma analizaremos cuestiones como la defensa oficial de los derechos soberanos sobre el trono luso de Juan I de Castilla y Beatriz de Portugal, el no

Medievalista, 23 | 2018 164

recocimiento de la soberanía del denominado adversario D. João I de Portugal, la construcción de un personaje cuyos orígenes y acciones lo hacían indigno de ser considerado monarca de Portugal, las réplicas de ese discurso en la acción de gobierno del infante Fernando como segundo del reino, regente y monarca de Aragón; y la reutilización del discurso en posteriores momentos de enfrentamiento luso-castellano como la Guerra de Sucesión Castellana.

1. La posición oficial de la monarquía castellana: de adversario a monarca reconocido

6 La posición oficial de la monarquía castellana desde el fallecimiento de Fernando I de Portugal en 1383, fue la de reivindicar los derechos sucesorios de su hija Beatriz, esposa de Juan I de Castilla, y no reconocer la proclamación de D. João I de Portugal en las cortes de Coimbra de 138511. Con tal fin, todo el aparato oficial del reino (documentación, sellos, monedas, …) se adaptó para reflejar a los monarcas castellanos como soberanos del territorio luso. Igualmente en aquella documentación, en la que se tenía que identificar al monarca portugués de facto, no podía ser titulado como D. João I de Portugal, sino que se utilizó una terminología específica que daba a entender ese no reconocimiento.

7 Como señalamos, Juan I de Castilla se hizo titular constantemente en la documentación emitida por su cancillería regia como “Don Juan, por la gracia de Dios Rey de Castilla, de León, de Portugal, de Toledo, de Gallizia, de Sevilla, de Córdova, de Murçia, de Iahen, del Algarbe, de Algezira, et sennor de Vizcaya e de Molina”12. Asimismo tenemos constancia del empleo de dicha titulación y de iconografía en otros dos medios propagandísticos como la moneda y el sello. Por una parte, disponemos del testimonio de la acuñación de moneda con el emblema “Ioanis Rex Cast Legionis Portvg” en un cornado de vellón de una ceca fronteriza como era Zamora13. Por otra parte, tenemos conocimiento de la existencia de varios ejemplos de sellos (en sus diversas materialidades: plomo, cera, placa, signo rodado) con la leyenda “Sigilvm Ioanis Dei Gratie Regis Castel.Leg.Portugaliae” y con el empleo de las armas del reino de Portugal junto con las de la corona de Castilla y León14.

8 La utilización de la nominación y de los emblemas del reino de Portugal por parte de Juan I de Castilla era esencial para hacer constar sus derechos regios sobre el territorio luso, era lo que el cronista Duarte Nunes de Leão describió como parte del ejercicio efectivo de la soberanía: “Mandou abrir novos sellos das armas de Portugal, e Castella, partindo o escudo pollo meido; e na primeira ametade estavão as insignias de Castela, e Leão, de Portugal, de Toledo, de Galiza, etc. E allí en Santarem mandou lavrar moeda com o cunho daquellas insignias”15. La nueva nominación debía ser respetada por sus súbditos tanto al dirigirse al monarca como en los actos públicos; de esta forma observamos cómo por ejemplo fue empleada en el pontificial encargado por Juan de Villacreces, obispo de Calahorra y Santo Domingo de la Calzada (1382-1394)16.

9 La nominación oficial fue también reconocida por su principal aliado externo, Carlos VI de Francia, que en la documentación de su cancillería se refería al soberano castellano en estos términos: “carissimi fratris nostri Castelle, Legionis et Portugalie regis”17. Asimismo el pontífice aviñonés Clemente VII, candidato apoyado por el soberano castellano, también reconoció a Juan I de Castilla como “Castelle et Legionis ac Portugalie regi illustri”

Medievalista, 23 | 2018 165

en una bula otorgada en abril de 138618, aunque inmediatamente después eliminó la referencia al reino portugués a partir de otra bula promulgada en julio de 138619. Por el contrario y como es lógico, los aliados externos de D. João I de Portugal no reconocían oficialmente los derechos de Juan I de Castilla al trono luso. El pontífice romano Urbano VI, que no era reconocido por el monarca castellano, siempre se refirió a Juan I de Castilla como “rege Castelle et Legionis”, como podemos observar en la bula de cruzada en la que el pontífice romano autorizaba a iniciar una guerra santa en contra del monarca castellano a fin de acabar con su posición cismática20.

10 En ese sentido se entiende que Juan I de Castilla no emplease su titulación como monarca luso en el acuerdo de 1388 con Juan de Gante para el matrimonio de sus hijos Enrique de Castilla (futuro Enrique III) y Catalina de Lancaster, que ponía fin a las pretensiones de los Lancaster al trono castellano. En ese documento el monarca castellano aparece simplemente como “Johannis Castelle regem”21, lo que suponía rebajar sus pretensiones al trono portugués en aras de llegar a un pacto con los Lancaster ingleses, aliados de D. João I de Portugal22. Del mismo modo que el monarca castellano, su esposa y reina Beatriz apareció titulada como reina de Castilla, León y Portugal en los documentos emitidos por su cancillería23, en unos reales de plata24 y en dos sellos de cera25. Una prelación de títulos idéntica a la de su esposo que según César Olivera Serrano nos indica su sumisión hacia el soberano castellano, demostrando su papel de depositario y administrador de los derechos de sucesión de la reina sobre el trono portugués26.

11 Cuando Juan I de Castilla fallece en octubre de 1390, su sucesor Enrique III de Castilla no mantiene la nominación como monarca luso por expreso deseo de las últimas voluntades de su padre. La causa era que el nuevo monarca era fruto del matrimonio anterior de Juan I de Castilla con Leonor de Aragón, y no de las últimas nupcias de su padre con Beatriz de Portugal, las cuales además no dejaron descendencia alguna. Algo que no significaba que el monarca castellano cejase en su lucha por defender los derechos dinásticos de su madrastra, la cual sí mantuvo su nominación como reina de Castilla, León y Portugal hasta sus últimos días, incluso cuando la monarquía castellana había reconocido a D. João I como monarca legítimo de Portugal27.

12 Anteriormente a ese reconocimiento, en la documentación emitida por la cancillería castellana se utilizó el término “adversario” para designar a D. João I de Portugal, ya fuese en las órdenes dadas a los municipios28, en correspondencia con el aliado Carlos VI de Francia29 o incluso en las ratificaciones de las treguas con el propio soberano luso no reconocido30. Ésto último supone una contradicción porque el hecho en sí mismo de admitirlo como interlocutor en la negociación de unas treguas, significaba el reconocimiento de facto de su condición de soberano portugués. Para evitar ese reconocimiento tácito, en ocasiones el discurso de la documentación diplomática va más allá y llega a discernir entre el “adversario” y el reino de Portugal, como podemos ver en la dirección del documento de concesión de treguas por parte de Enrique III de Castilla en 140231. Con este recurso se planteaba disociar al pretendido usurpador de un reino que no le correspondía y que tenía secuestrado.

13 Ese término “adversario” fue en ocasiones también empleado por aquellos monarcas y señores que se dirigían a los castellanos, como fue el caso de la epístola enviada en 1398 por Felipe II de Borgoña a Enrique III de Castilla en la que se hace mención al enfrentamiento dinástico de la siguiente manera: “ce qui touche la guerre de vous et de l’adversaire de Portugal”32, o de la carta enviada por Martín I de Aragón a Enrique III de

Medievalista, 23 | 2018 166

Castilla en 1400 para felicitarle por la victoria obtenida sobre su adversario33. Sin embargo, en otras ocasiones no sucedió lo mismo, como fue el caso de la epístola enviada por Luis de Valois, duque de Orleans, a Enrique III de Castilla para ofrecerle ayuda militar en el contexto de la toma de Badajoz por parte de los portugueses en 1396. En dicha epístola se reconoce al soberano luso cuando se remite a las empresas militares del monarca castellano: “touchant la matiere d’aucunes vos besoignes que vous avez faire au roy de Portugal pour cause de votre guerre”34. No podemos conocer con exactitud la razón de esta actitud del duque de Orleans, pero una causa posible podría ser una muestra de su rechazo al apoyo que el monarca castellano brindó a las pretensiones de la casa de Luxemburgo al trono del Sacro Imperio Romano, una familia con la que el duque estaba enfrentado por sus aspiraciones al trono de Hungria35.

14 Sin embargo, la terminología empleada por la cancillería castellana para designar a D. João I de Portugal se suavizó en la comunicación directa e informal a través de epístolas entre la administración regia castellana y el monarca luso de facto. De esta suerte, el doctor Antón Sánchez se dirigía a D. João I de Portugal como “muy grande, honrrado e excelente señor” en una carta enviada en 1403 para informarle sobre la confirmación francesa a las treguas luso-castellanas de 1402 y sobre una serie de ataques corsarios ingleses en Galicia36. No cabe duda de que el formato epistolar y la flexibilización de las relaciones luso-castellanas a partir de las mencionadas treguas permitían tal licencia al burócrata castellano.

15 A pesar de que el monarca castellano no reconocía formalmente al nuevo monarca portugués, se vio abocado a aceptarlo de facto con el fin de iniciar la negociación de las diversas treguas acaecidas entre la crisis sucesoria de 1383 y el tratado de paz en 1411. Ésto daba lugar a que la diferentes partes en los acuerdos firmados entre las misiones diplomáticas de cada monarca defendieran su posición sobre quién era el soberano luso, lo que llegó a ocasionar que en el documento de las treguas de Monção de 1389 aparecieran simultáneamente dos reyes de Portugal: “dom Ioham pela graça de Deus rey de Portugal e do Algarve” (D. João I de Portugal) y “el rey de Castella, de Leom e de Portugal” (Juan I de Castilla)37.

16 La utilización del término “adversario” se mantuvo en la documentación oficial hasta la aprobación del Tratado de Paz de Ayllón de 1411, por el que el consejo de regencia de Juan II de Castilla aceptaba reconocer a D. João I como soberano de Portugal y apartarse activamente de la defensa de los derechos al trono de Beatriz de Portugal38 (la renuncia efectiva no llegó hasta el Tratado de Medina del Campo de 1432)39. Por ello en el propio Tratado de Paz de Ayllón de 1411 ya no se habla de “adversario”, un vocablo que desde entonces desapareció y fue reemplazado por el de “rey don Iohan de Portugal e del Algarbe”40. Automáticamente, Carlos VI de Francia dando su aquiescencia al Tratado de Ayllón, también se refiirió a D. João I como “le roy de Portugal et d’Algarbe”41. En ese momento podemos señalar que la dinastía Avis quedaba oficialmente reconocida por las principales potencias políticas del momento.

2. La construcción de un infame personaje a través de la crónica de Pedro López de Ayala

17 La corona castellana tenía consciencia de que la propaganda en favor de sus derechos dinásticos sobre el Reino de Portugal, y en contra de las aspiraciones de D. João I de Portugal, debía mantener un discurso que sobrepasase el lenguaje técnico y formal de

Medievalista, 23 | 2018 167

documentos, sellos y monedas. La fuente esencial para el conocimiento del discurso propagandístico es la crónica, instrumento narrativo de gran difusión y conservación, cuya intencionalidad básica es la defensa de los intereses dinásticos.

18 Para estudiar la posición de la dinastía Trastámara sobre la proclamación de D. João I de Portugal contamos con una fuente cronística de excepcional importancia: las crónicas de Pedro López de Ayala correspondientes a los reinados de Juan I y Enrique III de Castilla. Ambas crónicas fueron redactadas por un testigo de primera mano al calor de los hechos acontecidos, lo que nos acerca más al discurso oficial de los soberanos castellanos en plena crisis y no a una construcción de memoria histórica posterior. El cronista Pedro López de Ayala, miembro de la administración castellana, fue apresado por los portugueses tras la derrota de Aljubarrota en 1385, para posteriormente ser liberado y volver al reino luso como embajador del monarca castellano en las negociaciones de las treguas de 139342.

19 Pedro López de Ayala describía desde el prisma castellano la tensa situación política entre ambos reinos en la década de los noventa del siglo XIV como de “poca amistanza que era entre el Regno de Castilla e de Portogal, é que estaban para aver guerra, o facer pleytesia a poca honra de Castilla, por maneras tales que los de Portogal veian”43. Si bien el cronista tenía la consciencia de que el conflicto no solamente existía con el monarca portugués al afirmar que “el maestre Davis e todos los de aquel regno eran enemigos de Castilla”, sabía de la necesidad de dirigir sus miras contra su gobernante de facto que era descrito como “el enemigo capital de Castilla”44, y procedió a criticarle personalmente. Las críticas ayalianas acabaron siendo respondidas tiempo después por la crónica de D. João I de Fernão Lopes, un texto encargado entre 1440 y 1448 por el consejo de regencia de D. Afonso V al cronista oficial del reino. Este texto pretendía consolidar la imagen de la dinastía Avis en un momento de debilidad regia, en la que las alabanzas a su fundador eran fundamentales. A pesar de que una de las bases más importantes del texto de Fernão Lopes son las crónicas de Pedro López de Ayala, podemos detectar cambios fundamentales y lógicos a la hora de presentar la figura y los hechos de D. João I de Portugal.

20 La condición de ilegitimidad de D. João I de Portugal era una constante en el discurso de las crónicas. Pedro López de Ayala destacó sus lazos de parentesco en sus primeras apariciones inmediatamente posteriores al fallecimiento de D. Fernando I de Portugal para realzar su condición de bastardo. A partir de la narración de la proclamación de las Cortes de Coimbra de 1385 se centró sobre su condición de clérigo regular al resaltar la condición de maestre de una orden religiosa por encima de su nombre, al referirse a su persona con la expresión “el maestre Davis que se fazia llamar rey de Portugal”45, la cual posteriormente fue utilizada de forma distorsionada por Fernão Lopes ya que la puso en el discurso del propio Juan I de Castilla46. El soberano luso era consciente de que la condición eclesiástica era el principal obstáculo en sus aspiraciones regias, puesto que era un impedimento para contraer matrimonio, algo esencial para preservar una futura dinastía, una cuestión que era resaltada por Ayala en la narración del pacto entre Juan de Gante y D. João I de Portugal por el que le cedía la mano de su hija Filipa de Lancaster, en la que señala que la orden militar de Avis era una orden regular cisterciense como lo era la orden militar de Calatrava en Castilla47. El discurso de contestación de D. João I que fue articulado en las “razões” de João das Regras presentadas en las Cortes de Coimbra de 1383 se basó en que el pontífice tenía potestad para declarar los casos en los que el derecho divino impide el contrato matrimonial48. El

Medievalista, 23 | 2018 168

proceso de obtención de la dispensa papal requirió de varias embajadas49, pero la consecusión de las bulas pontificias de dispensa en 139150 hizó que el discurso legitimador de la dinastía Avis utilizase esos documentos, los cuales incluso fueron traducidos al portugués en la crónica de Fernão Lopes51. El monarca portugués es descrito en la crónica de Ayala como un dirigente que era capaz de utilizar todas las artimañas para hacerse con el poder, vacilante, intrigante, oportunista, cobarde, pérjuro…, toda una suerte de cualidades propias de un perfecto gobernante maquiavélico opuestas a los valores propios del código caballeresco que eran utilizados por el cronista para enjuiciar los actos de los monarcas52.

21 La primera aparición de D. João I de Portugal en la crónica de Juan I de Castilla coincide con la muerte de D. Fernando I de Portugal. Ayala subrayó que fue el primero en comunicar lo sucedido al monarca castellano y en reclamar su pronta llegada a Portugal para tomar el reino53, cuestión que Fernão Lopes omitió deliberadamente en su relato54. Este hecho sirvió a Ayala para reprochar el cambio de posición política del soberano luso de interpelar al monarca castellano para tomar el trono portugués a ser proclamado como rey de Portugal. Ayala obviaba que la postura inicial es comprensible en el contexto de que el bastardo regio quería evitar a toda costa que su enemiga política, la reina madre Leonor Teles, llegase a dirigir los designios políticos en el territorio portugués como reina regente55.

22 Lo que parece un simple cambio de postura política vuelve a ser planteado en la crónica de Ayala en términos de incumplimiento de juramento, puesto que se narra cómo Juan I de Castilla en las vísperas de la batalla de Aljubarrota recordó al maestre de Avis que su rebeldía suponía la ruptura de la lealtad prometida en las bodas entre el monarca castellano y Beatriz de Portugal56, hecho que ni siquiera fue ocultado por Fernão Lopes57. En virtud del juramento el maestre de Avis se comprometía a respetar que en el caso del fallecimiento sin descendencia masculina de D. Fernando I de Portugal, la corona portuguesa se trasmitiera a Beatriz de Portugal y que su marido Juan I de Castilla pudiera ejercer como regente, por lo que su ruptura fue uno de los argumentos de los castellanos para calificarle como pérjuro58.

23 Para el cronista castellano el soberano luso era una persona poco cumplidora con los pactos alcanzados, cuestión que no se limitaba al incumplimiento de lo acordado con sus enemigos castellanos, sino que se hizo extensible a sus propios aliados. En este sentido Ayala describió cómo Juan I de Portugal no respetó el acuerdo con Juan de Gante, duque de Lancaster, por el que solamente podía casarse con su hija Filipa de Lancaster a partir de la obtención de la dispensa papal requerida, el monarca luso se anticipó a la acquiescencia pontificia para así poder chantajear a Juan de Gante y exigirle en concepto de dote el pago de los gastos que supuso la participación del ejército portugués59 en su fallida invasión al reino castellano en 138760. Por el contrario, Fernão Lopes no niega que en el acuerdo inicial de matrimonio se exigiese la dispensa papal61 y que la ceremonia se realizó sin ese requisito previo 62, pero no refleja a posteriori una mala sintonía con el duque de Lancaster y mucho menos la exigencia de un pago en concepto de dote, sino todo lo contrario porque describe como D. João I de Portugal obtuvo los fondos necesarios para poder sufragar los gastos de las tropas inglesas63.

24 Por otra parte, el cronista fue describiendo cómo a partir del asesinato del favorito de la regente, João Fernandes Andeiro, conde de Ourém, el maestre de Avis fue ganando progresivamente el afecto del pueblo de Lisboa, primero como regente a la espera del

Medievalista, 23 | 2018 169

regreso del legítimo infante Juan (hijo de Pedro I de Portugal y hermanastro del maestre de Avis, que estaba preso en manos de Juan I de Castilla64), y después como monarca ante la imposibilidad de tal liberación65. Fernão Lopes también consideró el asesinato de João Fernandes Andeiro como el punto de partida del ascenso de D. João I de Portugal, por lo que lo estableció como inicio de la narración de la crónica del mencionado soberano66.

25 El maestre de Avis es descrito como un líder que intentaba controlar a la turba del pueblo de Lisboa, esas masas que clamaban venganza cuando pensaban que su candidato, el propio João, fue asesinado en lugar del odiado favorito de la regente, y que después provocaron la muerte del obispo de Lisboa, el castellano Martinho de Zamora67. Pero López de Ayala compartía con la crónica de Fernão Lopes que el soberano portugués representaba los intereses de los sectores urbanos, entre los que se encontraba tanto la burguesía de los “homens bons” como los sectores populares que el cronista luso define como “arraia-miúda dos menesterais e ventres ao sol” (el populacho menudo de los artesanos y los estómagos al sol)68. Sin embargo, a diferencia del cronista luso, Ayala no lo consideraba como algo positivo, sino todo lo contrario, puesto que esas ambiciones eran contrarias a las legítimas de la nobleza portuguesa, alineada con las pretensiones de Juan I de Castilla. Con este discurso puede entenderse que Ayala los denominara como grandes caballeros de Portugal en un listado con una treintena de nombres de señores, miembros de órdenes militares y alcaides portugueses que apoyaron las pretensiones castellanas69.

26 Existe cierto maniqueísmo en el discurso de Ayala, puesto que aquellos portugueses que colaboraban con la causa castellana eran presentados con adjetivos como bueno, honrado, de buena voluntad…, que apenas fueron utilizados en las crónicas de este autor. Un ejemplo de ello es Afonso Correia, obispo de Guarda70, clementista y sufragáneo de Santiago de Compostela, que fue descrito como “ome bueno e honrado e con buena voluntad” cuando ofreció su ciudad como base de la primera entrada de los castellanos en 138371, lo que Ayala omitió y Fernão Lopes matizó es que su compromiso con la causa de Juan I de Castilla derivaba de su cargo de chanceler de Beatriz de Portugal72. Otro ejemplo es el de Arias Gómez de Silva, que para el cronista era un “caballero muy bueno” cuando narraba su resistencia al asedio por parte de los partidarios del recién nombrado D. João I de Portugal sobre su villa de Guimarães73. Por su parte Fernão Lopes también relató los sucesos de Guimarães desde otra perspectiva, la de la resistencia de Arias Gómez de Silva, un valiente caballero de orígenes castellanos y no portugueses, que finalmente se vió traicionado por los castellanos al negarle los refuerzos solicitados y que no tuvo más remedio que entregar la ciudad a D. João I74. En definitiva, el discurso cronístico de Pedro López de Ayala nos resalta que D. João I de Portugal no era el monarca óptimo no solamente por sus condiciones de bastardía y de eclesiástico, sino también por su personalidad y su modo de dirigir las riendas del reino luso. Decadas después, Fernão Lopes utilizó las crónicas de Pedro López de Ayala para un objetivo contrario, el de ensalzar la figura de D. João I, para ello aplicó diversos recursos como la omisión de información o la reinterpretación de los mismos hechos. En definitiva, tenemos dos cronistas relatando los mismos hechos al servicio de cada una de las dos dinastías, y el resultado son dos imágenes diferentes de un mismo personaje.

Medievalista, 23 | 2018 170

3. La mano dura del infante Fernando de Castilla contra el traidor adversario.

27 La casual conservación en diversos archivos de una serie de interesantes epístolas escritas por el infante Fernando, hermano de Enrique III de Castilla (futuro Fernando I de Aragón) nos permite saber cuál era el discurso seguido en referencia a D. João I de Portugal a través de un personaje de importancia capital en la corte castellana. El infante Fernando de Castilla era la personalidad de la familia real castellana que podía mantener la posición más dura contra el soberano luso, puesto que a diferencia de su hermano Enrique III de Castilla, no debía mantener la moderación propia de un monarca, ni estaba casado con Catalina de Lancaster, hermana de la reina portuguesa Filipa de Lancaster. Asimismo, en aquel momento no tenía posibilidad alguna de casar a sus descendientes con los de la dinastía Avis, los infantes de la ínclita geração, a causa de la prohibición impuesta por su propio hermano75.

28 Dadas estas condiciones, no parece de extrañar que el infante Fernando de Castilla se refiriese a D. João I de Portugal como “traydor adversario” cuando comunicó a su hermano Enrique III de Castilla que aceptaba su decisión en las negociaciones llevadas a cabo en 139976. Posteriormente el infante, siguiendo su rol de “poli malo” en las negociaciones luso-castellanas, se permitió la licencia de comunicar a la embajada portuguesa que acudía a la corte castellana para negociar las treguas de 1402 que no iba a ser recibida, señalando que seguían órdenes de su monarca para engañar a su hermano Enrique III de Castilla77. El discurso del infante Fernando de Castilla parece extraído de la propia crónica de Pedro López de Ayala, y es que parece que no existe diferencia alguna entre el discurso propagandístico oficial y el empleado en su comunicación epistolar en su etapa como segundo del reino. El infante dibujó a D. João I de Portugal como un personaje de poca palabra, que no dudaba en recurrir a sucias artimañas para conseguir su propio beneficio como gobernante. Por ello su acción política posterior giraría en torno a la idea de desconfianza.

29 Cuando Enrique III de Castilla fallece prematuramente en la navidad de 1406 se estableció una regencia compartida entre la reina madre Catalina de Lancaster y el infante Fernando de Castilla. En este contexto tendremos un enfrentamiento entre ambos regentes sobre las relaciones luso-castellanas: mientras la reina madre era defensora de un acercamiento, el infante albergaba suspicacias sobre las intenciones del soberano luso. En este sentido el infante fue reticente a la firma del Tratado de Paz de Ayllón de 1411 y se opuso exitosamente a una posible intervención portuguesa en la campaña de Granada (1408-1412)78.

30 La muerte sin descendecia de Martín I de Aragón abrió la posibilidad de que el regente Fernando de Castilla pudiera ocupar el trono aragonés, como finalmente sucedió tras la aprobación del Compromiso de Caspe de junio de 1412. El nuevo monarca castellano se encontró gobernando un reino extranjero y con la oposición de otros candidatos que vieron frustradas sus opciones; especialmente importante fue la revuelta del conde Jaume II de Urgel que Fernando I de Aragón tuvo que sofocar con el asedio de Balaguer y con el posterior encarcelamiento del conde en el castillo de Xàtiva. En su etapa como monarca aragonés continuó la actitud de sospecha hacia el monarca portugués, al que acusaba de participar en socorro del conde de Urgel en su encierro en Balaguer79 y de que la armada que estaba preparando para finalmente conquistar Ceuta tendría como objetivo liberarle del castillo de Xàtiva y apoyarle en sus reivindicaciones, llegando a

Medievalista, 23 | 2018 171

casar a uno de los infantes portugueses con una de las hijas del conde80. En los múltiples rumores que circulaban sobre el destino de la armada portuguesa también se apuntaban una posible intervención en Nápoles o en Sicilia, territorios de influencia aragonesa, e incluso los más aventurados se atrevieron a señalar la posibilidad de una confederación entre Catalina de Lancaster con D. João I de Portugal frente a Fernando I de Aragón81. El monarca aragonés, haciendo gala de su desconfianza ante su homólogo portugués, inició un despliegue de medios para tener informaciones sobre la cuestión que incluyeron la representación diplomática y el espionaje82.

31 Sin embargo, Fernando como gobernante tuvo que moderar su discurso con respecto a D. João I de Portugal. Incluso vemos que en la correspondencia cruzada con el monarca portugués el infante, ya como monarca aragonés, se refiere a él como “rey muy caro y muy amado tío” y le desea buenos augurios en estos términos: “a quien querríamos que diese Dios tanta vida, salud e buena ventura quanta vos mismo querriades”83. Al mismo tiempo, tanto D. João I de Portugal como Filipa de Lancaster se dirigían hacia el monarca aragonés como “muy nobre e mui honrrado e poderos prinçipe, nosso muy amado e muy preçado sobrino dom Fernando, polla graça de Deus rey d’Aragom e de Cezilia”84 o como “muy amado e muy preçado rey d’Aragom, sobrino amigo”85. Podemos señalar que existió una creación de parentesco ficticio dado que Fernando I de Aragón no era sobrino de los reyes de Portugal, pero que posiblemente se estableció en virtud de su posición como representante de Juan II de Castilla, sobrino de la reina de Portugal.

32 En definitiva, uno de los rasgos propios de la trayectoria política de Fernando en sus tres estadios (infante de Castilla, regente de Castilla y monarca de Aragón) fue su constante oposición a D. João I de Portugal. El discurso y la actuación política de Fernando fueron importantes para la construcción de la imagen negativa del soberano portugués en Castilla. Por todo ello Luis Suárez Fernández llegó a calificarle de anti- portugués86, una afirmación inexacta puesto que en realidad solamente albergaba suspicacias acerca de la dinastía que gobernaba el reino vecino.

4. La imagen de D. João I de Portugal en la construcción historiográfica castellana del siglo XV

33 D. João I de Portugal afrontó el tramo final de su reinado con el reconocimiento castellano a su proclamación y el espaldarazo internacional de la exitosa empresa de la conquista de Ceuta. Su longevidad le permitió sobrevivir a todos aquellos protagonistas del enfrentamiento luso-castellano: Juan I de Castilla (+1390), Enrique III de Castilla (†1406), Pedro López de Ayala (†1407), Fernando I de Aragón (†1416), Beatriz de Portugal (†1420). Esto podía ser ápice para que el discurso castellano fuera suavizado. Sin embargo, el encargado de realizar las dos primeras partes de la crónica de Juan II de Castilla entre 1406 y 1435, Álvar García de Santa María, también tenía una edad avanzada que le había hecho ser espectador del enfrentamiento luso-castellano87. Asimismo, como miembro de la familia conversa de los García de Santa María, era una personalidad de indudable cercanía a Fernando I de Aragón88, protagonista principal de la primera parte de la crónica de Juan II de Castilla como encargado de la empresa militar granadina89.

34 Álvar García de Santa María en su crónica se refirió a D. João I de Portugal como “rey de Portugal”, puesto que no reconocerlo no tendría sentido alguno en la situación política

Medievalista, 23 | 2018 172

posterior al Tratado de Ayllón de 1411. La reivindicación de los derechos castellanos al trono portugués quedó apartada del discurso cronístico castellano y su nuevo objetivo era el de relativizar el éxito de la conquista de Ceuta, que había dejado en un segundo plano todos los triunfos de Fernando de en su campaña contra los nazaríes granadinos. Con tal fin se puso en valor la participación de marineros castellanos en la empresa militar y se subrayaron las consecuencias negativas del mantenimiento de la plaza norteafricana para la economía portuguesa90. Frente a la imagen de estratega exitoso que presentó posteriormente en la Crónica da Tomada de Ceuta de Gomes Eanes de Zurara91 de 1450, la crónica castellana refleja la imagen de un gobernante poco realista que, a pesar de conseguir apoderarse de Ceuta, no tuvo en consideración todas las consecuencias negativas para el reino: “E esta tomada de Çeuta que tomaron los portogaleses fue muy grande armada, e el reyno es pequeño, e con las maneras quel rey lo fizo fue muy dañoso a los moradores del reyno de Portogal. Porque por ocasión desta armada, e de mantener a Çebta, hera muy despachados de su rey para esto. Tanto que lo avían por muy grande sentimiento; e muchos dellos le dexaron la tierra, e fueron a poblar otros reynos”92.

35 La figura de D. João I de Portugal no aparece mencionada ni en la Segunda parte de la Crónica de Juan II atribuida a Fernán Pérez de Guzmán que cubre el espacio temporal comprendido entre 1435-145493, ni en la Crónica del Halconero de Juan II, Pedro Carrillo de Huete, de 1441 que cubre el arco cronológico comprendido entre 1420 y 144194. Sin embargo, la Refundición de la Crónica del Halconero de Juan II de de 145495 situa el inicio de la narración en 1395 coincidiendo con el final de la crónica de Enrique III de Pedro López de Ayala, esto supone la reaparición de D. João I de Portugal en la crónistica castellana como el monarca traidor que quebrantó las treguas de 1393 con la tomada de Badajoz de 139696.

36 El ascenso al trono de D. Enrique IV de Castilla en 1454 y su matrimonio con Juana de Portugal, hermana del monarca D. Afonso V de Portugal en 1455, significaron la culminación de una política de acercamiento iniciada por el soberano luso tras su victoria en la batalla de Alfarrobeira en 1449, la cual perduró hasta la batalla de Toro en 147697. En este periodo la monarquía portuguesa para llevar a cabo su política procastellana realizó un esfuerzo propagandístico basado en realzar la importancia de las campañas norteafricanas portuguesas y en mejorar la reputación de la dinastía Avis, pruebas de ello son la versión traducida al latín en 1460 por Mateo Pisano de la Crónica da Tomada de Ceuta conocida como De Belli Septensi98, y un panegírico datado entre 1461 y 1462 sobre la familia real portuguesa escrito en castellano por Alonso de Cordoba bajo el patronazgo del condestable Don Pedro de Portugal99 que lleva por título Conmemoraçión breve de los muy insignes y virtuosos varones que fueron desde el magnífico rey don Juan el primero fasta el muy esclarecido rey don Alfonso el quinto. En el apartado de la figura de D. João I de Portugal de este último texto se destaca su nobleza, su valentía y sus dotes de mando (“No fue desde los godos tan esforçado caudillo”)100. La versión más amable de la figura de D. João I ofrecida por la propaganda portuguesa aparece en dos crónicas castellanas del reinado de Enrique IV, el Memorial de Diversas Hazañas de Enrique IV de Diego de Valera datado entre 1467 y 1481 101, y la Gesta Hispaniensia de Alonso de Palencia, fechada en 1481102. En la primera aparece recordado como el gran conquistador de Ceuta en el momento de registrar noticias sobre las empresas africanas de D. Afonso V de Portugal103, y en la segunda es evocado como el rey de inolvidable recuerdo104.

Medievalista, 23 | 2018 173

37 Sin embargo, el fracaso de la política procastellana de D. Afonso V de Portugal con la victoria de los Reyes Católicos en la Guerra de Sucesión Castellana supuso una vuelta al enfrentamiento entre ambas monarquías105 y la recuperación de la imagen negativa del fundador de la dinastía Avis. Fernando del Pulgar en su Crónica de los Reyes Católicos escrita en los últimos años del siglo XV106 rescató el discurso de la crónica de Pedro López de Ayala para defender los intereses de los Reyes Católicos; de esta forma, D. João I de Portugal vuelve a ser nombrado como “maestre de Avis” y dibujado como el usurpador, que a pesar de ser fraile profeso y bastardo, aprovechó la connivencia de los portugueses para ser proclamado rey de Portugal. Sin embargo, Fernando del Pulgar utilizó en su discurso rasgos propios de un discurso protonacionalista al señalar que “los portugueses eligieron e quisieron por su rey al maestre de Avis, abuelo deste rey de Portugal, aunque era frayle profeso e bastardo, antes que sofrir por rey a onbre castellano, caso que era legítimo”, obviando que en la crónica de Pedro López de Ayala se hace constante mención a aquellos portugueses “buenos” que defendieron la causa legítima de Juan I de Castilla107. La intención del cronista, al rescatar el discurso ayaliano y darle un barniz protonacionalista, era exhortar a los castellanos para que apoyasen a los Reyes Católicos como herederos legítimos de la dinastía castellana Trastámara frente a una dinastía extranjera como la de los Avis.

Conclusiones

38 Los sucesos que condujeron a la proclamación del maestre de Avis como D. João I de Portugal y a la pérdida de los derechos de sucesión de Juan I de Castilla, no solamente obligaron a los monarcas castellanos a mantener una larga situación de enfrentamiento que se prolongó a lo largo de tres décadas, sino que además tuvieron que crear un discurso legitimista con el fin de reivindicar los derechos al trono portugués y en detrimento del usurpador de tales intereses. Este discurso que giro en torno a la deslegitimación del golpe de estado de D. João I de Portugal tuvo una enorme vigencia y se prolongó más allá del conflicto inicial entre ambas dinastías, a pesar de que desapareció en las décadas centrales del siglo XV por el acercamiento entre los dos reinos, volvió a reaparecer con tinte protonacionalistas a partir el enfrentamiento en la Guerra de Sucesión Castellana.

39 El discurso tuvo dos vertientes: una legal y otra historiográfica. Tenemos constancia de la perspectiva legal tanto en instrumentos de aparato (monedas y sellos) como en los documentos diplomáticos castellanos y, por extensión, en los de sus aliados externos, en los que se titula a Juan I de Castilla y a Beatriz de Portugal como soberanos del reino luso y en los que se hace referencia a D. João I de Portugal como el adversario. Una política lógica de no reconocimiento oficial que se prolongó hasta la ratificación del Tratado de Ayllón de 1411, pero que contrastaba con el reconocimiento de facto al considerarlo como parte valida en las negociaciones de treguas anteriores.

40 Desde la vertiente historiográfica el discurso se centró en desacreditar a D. João I como gobernante, tanto por sus condiciones personales, que impedían su acceso al trono (la bastardía o la condición de fraile profeso de la orden de Avis), como por su actuación política basada en la traición, el perjurio, la intriga, la vacilación, el oportunismo o la cobardía…; todas ellas características impropias de un buen gobernante para la teoría política de la época, basada más en el idealismo que en el realismo político.

Medievalista, 23 | 2018 174

41 En definitiva, las fuentes castellanas ofrecen una imagen bien distinta de las portuguesas en torno a una de las figuras más importantes de la historia lusa como es D. João I de Portugal. Contrasta enormemente el discurso luso, propio de un proceso de legitimación de un golpe de estado y de una nueva dinastía, con la propaganda castellana, cuya dirección era totalmente opuesta hacía la deslegitimación de esa nueva situación de facto, antagónica a sus intereses. Frente al rey de “buena memoria”, también conocido como “mesias de Lisboa” al ser mandado por la divinidad como garante de las esencias del pueblo portugués frente al intervencionismo castellano, tenemos al “adversario”, ese usupador “que se fazia llamar rey de Portugal”, dispuesto a utilizar cualquier clase de artimañas con tal de ser reconocido como soberano frente a los derechos legítimos de su medio sobrina Beatriz de Portugal.

42 Esta versión de un D. João I de Portugal como una suerte de gobernandor maquiavélico dada por las fuentes castellanas debe ser atendida por la historiografía portuguesa, pudiendo de esta forma alejarse en cierta manera del discurso hagiográfico de Fernão Lopes o de Gomes Eanes de Zurara, y enriqueciendo la visión del primer monarca de la dinastía Avis, un personaje con mil caras que ha sido reivindicado por diferentes grupos de interés, tanto para bien como para mal.

BIBLIOGRAFÍA

Fontes manuscritas

Archivo Secreto Vaticano

Registra Lateranensia, 12, 10v.-12v.

Registra Supplicationum, 90, 55v.-60v.

Registra Supplicationum, 99, 50v.

Registra Supplicationum, 100, 71r.-73r.; 73v.-79r.

Registra Supplicationum, 102, 142r., 240r.

Registra Supplicationum, 103, 50r.-50v.

Registra Supplicationum, 104, 221v., 262r.

Registra Supplicationum, 116, 31v.-32r.

Registra Vaticana, 297, 9r., 75v.

Registra Vaticana, 310, 343v.-344v.

Archivo General de Simancas

Diversos de Castilla, legajo 11, documento 7.

Estado, Castilla, legajo 1-1º, 73r.

Estado, Castilla, legajo 1-2º, 2r.

Medievalista, 23 | 2018 175

Libros De Privilegios y Confirmaciones, libro 299, 12r.

Patronato Real, legajo 49, documento 3.

Patronato Real, legajo 49, documento 4.

Patronato Real, Legajo 52, documento 4.

Biblioteca Capitular y Colombina de Sevilla

Manuscritos, manuscrito BB 149-3, 1v.

Arquivo Nacional da Torre do Tombo

Bulas, maço 5, documento 9

Gavetas, gaveta 18, maço 11, documento 4.

Leitura Nova, livro 38 (Livro I dos Reis), fols. 8r.-9v.

Manuscritos, manuscrito 364, 457r.

Gabinete de História da Câmara do Porto

Vereações, libro 2, 47v. Editado como documento 119.

Archivo de la Corona de Aragón

Cartas reales, caja 1, Fernando I, número 3.

Cartas reales, caja 13, Fernando I, número 2490.

Cartas reales, caja 18, Alfonso V, número 1.

Registros reales, registro 2405, 56v., 142v.

Registros reales, registro 2408, 17r.

Archives Nationales de la France

Série K, 1482, 12r. 13r.

Série J, 603, número 63.

Série J, 604, número 77.

Série J, 916, 4r.

Fontes impressas

AS GAVETAS da Torre do Tombo. Vol. IX. Ed. António da Silva Rego. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1971.

BARRIENTOS, Lope de – Refundición de la Crónica del Halconero. Ed. Juan de Mata Carriazo. Madrid: Espasa Calpe, 1946.

COLECCIÓN DE privilegios, franquezas, exenciones y fueros, concedidos a varios pueblos y corporaciones de la corona de Castilla copiados por orden de S. M. de los registros del Real Archivo de Simancas. Vol. V. Ed. Archivo General de Simancas. Madrid: Imprenta Real, 1830.

CÓRDOBA, Alonso de – Conmemoración breve de los reyes de Portugal. Un sermón castellano. Ed. Pedro Cátedra. Barcelona: Humanitas, 1983.

COSTA, Antonio Domingues de Sousa – Monumenta Portugaliae Vaticana. Vol. 2. Roma: Editorial Franciscana, 1970.

LOPES, Fernão – Crónica de D. João I. 2 vols. Lisboa: Civilização editora, 1983.

Medievalista, 23 | 2018 176

LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando. Ed. Giuliano Macchi. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2004.

LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Enrique III de Castilla”. in Crónicas de los reyes de Castilla Don Pedro, Don Enrique II, Don Juan I y Don Enrique III por D. Pedro López de Ayala, chanciller mayor de Castilla, con las enmiendas del secretario Gerónimo Zurita. Vol. 2. Ed. Eugenio Llaguna Amirola. Madrid: Imprenta de Don Antonio de Sancha, 1780, pp. 345-582.

LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”. in Crónicas de los reyes de Castilla Don Pedro, Don Enrique II, Don Juan I y Don Enrique III por D. Pedro López de Ayala, chanciller mayor de Castilla, con las enmiendas del secretario Gerónimo Zurita. Vol. 2. Ed. Eugenio Llaguna Amirola. Madrid: Imprenta de Don Antonio de Sancha, 1780, pp. 123-344.

MONUMENTA HENRICINA. Vol. I. Ed. Manuel Lopes de Almeida. Coimbra: Comissão executiva das commemorações do V centenário da morte do infante D. Henrique, 1960.

MONUMENTA HENRICINA. Vol. II. Ed. Manuel Lopes de Almeida. Coimbra: Comissão executiva das commemorações do V centenário da morte do infante D. Henrique, 1962.

NUNES DE LEÃO, Duarte – “Crónica del rey D. João I deste nome, e dos reys de Portugal o decimo”. in Cronicas del rey dom João de gloriosa memoria, o I deste nome, e as dos reys D. Duarte e D. Afonso V. Tomo I. Ed. Rodrigo da Cunha. Lisboa: Oficina de Jose de Aquino Bulhoens, 1780.

PALENCIA, Alonso de – Gesta Hispaniensa ex annalibvs svorvm diervm collecta. Tomo I, Libri I-V. Ed. Brian Tate y Jeremy Lawrence. Madrid: Real Academia de la Historia, 1998.

PULGAR, Fernando del – Crónica de los Reyes Católicos (Volumen I: la guerra de Granada). Ed. Juan de Mata Carriazo. Granada: Universidad de Granada, 2008.

VALERA, Diego de – Memorial de diversas hazañas. Crónica de Enrique IV. Ed. Juan de Mata Carriazo. Madrid: Espasa Calpe, 1941.

ZURITA, Jerónimo – Anales de la corona de Aragón. Vol. 5. Ed. Ángel Canellas López. Zaragoza: Institución Fernando el Católico, 1974.

Estudios

ÁLVAREZ PALENZUELA, Vicente Ángel – “El restablecimiento de la paz entre Castilla y Portugal 1402-1431”. in HOMEM, Armando Luís de Carvalho; PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor; COSTA, Paula María de Carvalho Pinto (coords.) – Ibéria, quatrocentos / quinhentos, duas décadas de cátedra (1984-2006): homenagem a Luís Adão de Fonseca. Porto: Civilização Editora, pp. 47-90.

ÁLVAREZ PALENZUELA, Vicente Ángel – “Relations between Portugal and Castile in the Late Middle Ages – 13th-16th centuries”. E-Journal of Portuguese History 1 (2003), pp. 1-18.

BEIRANTE, Maria Ângela – As estruturas sociais em Fernão Lopes. Lisboa: Livros Horizonte, 1984.

BRÁSIO, António – “As razões de João das Regras nas cortes de Coimbra”. Lusitania Sacra 3 (1958), pp. 14-15.

BRÁSIO, António – “Influência do cisma castelhano na solução da crise nacional de 1385”. Lusitania Sacra 4 (1959), pp. 93-129.

CAETANO, Marcelo – A crise nacional de 1383-1385. Subsídios para o seu estudo. Lisboa-São Paulo: Verbo.

COELHO, Maria Helena da Cruz – D. João I, o que re-colheu Boa Memória. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005.

Medievalista, 23 | 2018 177

CONTRERAS Y LÓPEZ DE AYALA, Juan de – “El cronista don Pedro López de Ayala y la historiografía portuguesa”. Boletín de la Real Academia de la Historia 102 (1933), pp. 115-157.

DAUMET, Georges – Étude sur l’alliance de la France et de la Castille au XIVe et XV siècles. París: Libraire Émile Bouillon, 1898.

DUARTE, Luis Miguel – Ceuta 1415, seiscentos anos depois. Lisboa: Horizonte, 2015.

ECHEVARRIA, Ana – “Catalina of Lancaster, the Castilian Monarchy and the coexistance”. in COLLINS, Roger; GOODMAN, Anthony – Medieval Spain, culture, conflict and coexistance. Studies in Honour of Angus MacKay. New York: Palgrave Macmillan, 2002.

FARELO, Mário – “O percurso eclesiástico e político de Afonso Domingues de Linhares, bispo de Guarda (1364-1394) e de Segóvia (1394-1397)”. Estudios segovianos 60-112 (2013), pp. 277-323.

FERNÁNDEZ DE CÓRDOBA MIRALLES, Álvaro – “Los emblemas de la conquista: armas y divisas de Juan I Trastámara ante la sucesión portuguesa”. Armas e trofeus, revista de história, heráldica, genealogia e arte 9 (2013), pp. 229-268.

FONSECA, Luis Adão da – “Alguns aspectos das relações diplomáticas entre Portugal e Castela em meados do século XV (1449-1456)”. Revista da Faculdade de Letras: História, I série, 3 (1972), pp. 51-112.

FONSECA, Luis Adão da – “Una elegía inédita sobre la familia de Avis, un aspecto de la propaganda política en la Península Ibérica a mediados del siglo XV”. Anuario de Estudios Medievales 16 (1986), pp. 449-463.

FORONDA, François; GENET, Jean-Philippe; NIETO SORIA, José Manuel – Coups d’État à la fin du Moyen Âge? Aux foundaments du pouvoir politique en Europe Occidentale. Madrid: Casa de Velázquez, 2005.

GÓMEZ REDONDO, Fernando – “Discurso y elocución en la Crónica de Juan II (1406-1434)”. Cahiers de linguistique et de civilisation hispaniques médiévales 27 (2004), pp. 225-248.

GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Santiago – Fernando I, regente de Castilla y rey de Aragón. Gijón: TREA, 2012.

DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle. 2 vols. Leiden: Brill, 2010.

JARRY, Eugène – La vie politique de Louis de France, duc d’Orléans, 1372-1407. Paris: Alph. Picard, 1889.

LÓPEZ-MAYAN, Mercedes – “Los pontificales en Castilla durante la Edad Media: aproximación a una fuente de conocimiento histórico”. in MIRANDA, Flavio; SEQUEIRA, Joana; FARIA, Diogo (eds.) – Incipit 2. Workshop de Estudos Medievais da Universidade do Porto. Porto: Universidade do Porto, 2014, pp. 141-143.

MATA CARRIAZO, Juan de – “La conquista de Ceuta en la crónica de Juan II de Álvar García de Santa María”. Anais da Academia Portuguesa da História, II Série, 27 (1982), pp. 281-295.

MORENO, Humberto Baquero – “O valor da Crónica de Zurara sobre a conquista de Ceuta”. in A abertura do mundo, estudos da história dos descobrimentos europeus. Em homenagem a Luís de Alburquerque Vol. II. Lisboa: Presença, 1987, pp. 191-202.

OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal. La pugna dinástica Avís-Trastámara. Santiago de Compostela: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Xunta de Galicia, Instituto de Estudios Gallegos Padre Sarmiento, 2005.

ORIOL PERNAS, António – “Acuñaciones de Juan I de Castilla como rey de Portugal”. Nummus, Série I, 33 (1974), pp. 65-72.

Medievalista, 23 | 2018 178

PIMENTA, Alfredo – “As trégoas de Monção de 1389”. in Idade-Média (Problemas & soluçoens). Lisboa: Edições Ultramar, 1946.

RUSSELL, Peter Edward – A intervenção inglesa na Península Ibérica durante a Guerra dos Cem Anos. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2000.

SALAS, Javier de – “Dos cartas sobre la expedición a Ceuta en 1415”. O Instituto: o jornal scientifico e litterario 81 (1931), pp. 317-338.

SÃO LUIS, Francisco de – “Memória em que se apontam algumas noticias para a historia de el-rei D. João I e se refutam outras, que nela andam introduzidas”. in Obras Completas do Cardeal Saraiva (D. Francisco de S. Luiz) Patriarcha de Lisboa. Vol. III. Ed. António Correia Caldeira. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874, pp. 221-263.

SERRANO, Luciano – Los conversos D. Pablo de Santa María y Alonso de Cartagena. Obispos de Burgos, gobernantes, diplomáticos y escritores. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1942.

SERRANO DE HARO, Antonio – El embajador Don Pero López de Ayala (1332-1407). Madrid: Ministerio de Asuntos Exteriores de España, 2001.

SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Castilla, el cisma y la crisis conciliar (1378-1440). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1960.

SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla en la época del infante don Enrique 1393-1460. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1960.

UNALI, Anna – Ceuta 1415. Los orígenes de la expansión europea en África. Ceuta: Archivo Central, 2004.

VENTURA, Margarida Garcez – O Messias de Lisboa. Um estudo de Mitologia Política (1383-1415). Lisboa: Cosmos, 1992.

NOTAS

1. Este estudio ha sido posible gracias al disfrute de una beca postdoctoral (bolsa de pós- doutoramento) financiada por la Fundação para a Ciência e a Tecnologia do Ministério da Educação e Ciência de Portugal (SFRH/BPD/94257/2013), encuadrado en el proyecto estratégico del CIDEHUS (UID/HIS/00057/2013). 2. CONTRERAS Y LÓPEZ DE AYALA, Juan de – “El cronista don Pedro López de Ayala y la historiografía portuguesa”. Boletín de la Real Academia de la Historia 102 (1933), pp. 115-157. 3. PERES, Damião – D. João I. Lisboa: Livraria Ferin, 1917, p. 18. 4. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I. Vol. 1. Lisboa: Civilização editora, 1983, prólogo, p. 2. 5. SILVA, Joseph Soares da – Memorias para a Historia de Portugal que comprehendem o governo del rey D. João I do anno de mil e trezentos e oitenta e tres, até o anno de mil e quatrocentos e trinta e tres. Lisboa: Academia Real, 1732. 6. SÃO LUIS, Francisco de – “Memória em que se apontam algumas noticias para a historia de el- rei D. João I e se refutam outras, que nela andam introduzidas”. in Obras completas do Cardeal Saraiva (D. Francisco de S. Luiz) Patriarcha de Lisboa. Vol. III. Ed. António Correia Caldeira. Lisboa: Imprensa Nacional, 1874, p. 231. 7. PERES, Damião – D. João I. 8. COELHO, Maria Helena da Cruz – D. João I, o que re-colheu Boa Memória. Lisboa: Círculo de Leitores, 2005. 9. VENTURA, Margarida Garcez – O messias de Lisboa. Um estudo de Mitologia Política (1383-1415). Lisboa: Cosmos, 1992.

Medievalista, 23 | 2018 179

10. FORONDA, François; GENET, Jean-Philippe; NIETO SORIA, José Manuel – Coups d’état à la fin du Moyen Âge? Aux foundaments du pouvoir politique en Europe Occidentale. Madrid: Casa de Velázquez, 2005. 11. OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal. La pugna dinástica Avís-Trastámara. Santiago de Compostela: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Xunta de Galicia, Instituto de Estudios Gallegos Padre Sarmiento, 2005, p. 105. 12. Así aparece por ejemplo en el privilegio concedido el 16 de diciembre de 1387 a la ciudad de León para limitar la contribución de sus vecinos a la corona. Archivo General de Simancas (En adelante citado como AGS), Libros De Privilegios y Confirmaciones, libro 299, 12r. Editado como documento 136 en COLECCIÓN DE privilegios, franquezas, exenciones y fueros, concedidos a varios pueblos y corporaciones de la corona de Castilla copiados por orden de S. M. de los registros del Real Archivo de Simancas. Vol. V. Ed. Archivo General de Simancas. Madrid: Imprenta Real, 1830, pp. 416-419. 13. ORIOL PERNAS, António – “Acuñaciones de Juan I de Castilla como rey de Portugal”. Nummus, Série I, 33 (1974), pp. 65-74. 14. FERNÁNDEZ DE CÓRDOBA MIRALLES, Álvaro – “Los emblemas de la conquista: armas y divisas de Juan I Trastámara ante la sucesión portuguesa”. Armas e trofeus, revista de história, heráldica, genealogia e arte 9 (2013), pp. 229-268. 15. NUNES DE LEÃO, Duarte – “Crónica del rey D. João I deste nome, e dos reys de Portugal o decimo”. in Cronicas del rey dom João de gloriosa memoria, o I deste nome, e as dos reys D. Duarte e D. Afonso V. Tomo I. Ed. Rodrigo da Cunha. Lisboa: Oficina de Jose de Aquino Bulhoens, 1780, cap. XVII, pp. 63-70. 16. Biblioteca Capitular y Colombina de Sevilla, manuscrito BB 149-3, 1v. Editado parcialmente en LÓPEZ-MAYAN, Mercedes – “Los pontificales en Castilla durante la Edad Media: aproximación a una fuente de conocimiento histórico”. in MIRANDA, Flavio; SEQUEIRA, Joana; FARIA, Diogo (eds.) – Incipit 2. Workshop de Estudos Medievais da Universidade do Porto. Porto: Universidade do Porto, 2014, p. 152. 17. Esta denominación aparece en un documento por el que Carlos VI de Francia otorgaba financiación a sus representantes en las negociaciones entre Juan I de Castilla y Juan de Gante en 1387. Archives Nationales de la France (En adelante citado como ANF), Série J, 603, número 63. Editado como documento 35 en DAUMET, Georges – Étude sur l’alliance de la France et de la Castille au XIVe et XV siècles. París: Libraire Émile Bouillon, 1898, pp. 175-176. 18. Archivo Secreto Vaticano (En adelante citado como ASV), Registra Vaticana, 297, 9r. Editado como documento 15 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Castilla, el cisma y la crisis conciliar (1378-1440). Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1960, p. 165. 19. ASV, Registra Vaticana, 297, 75v. Editado como documento 17 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Castilla, el cisma y la crisis conciliar, pp. 166-167. 20. ASV, Registra Vaticana, 310, 343v.-344v. Editado como documento 2 en BRÁSIO, António – “Influência do cisma castelhano na solução da crise nacional de 1385”. Lusitania Sacra 4 (1959), pp. 115-116. 21. AGS, Patronato Real, Legajo 52, documento 4. Editado en ECHEVARRIA, Ana – “Catalina of Lancaster, the Castilian Monarchy and the coexistance”. in COLLINS, Roger; GOODMAN, Anthony (eds.) – Medieval Spain, culture, conflict and coexistance. Studies in Honour of Angus MacKay. New York: Palgrave Macmillan, 2002, pp. 104-105. 22. RUSSELL, Peter Edward – A intervenção inglesa na Península Ibérica durante a Guerra dos Cem Anos. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2000, pp. 563-585. 23. De este modo aparece en varias súplicas realizadas por la reina a la curia pontificia de Benedicto XIII. ASV, Registra Supplicationum, 90, 55v.-60v.; 99, 50v.; 100, 71r.-73r.; 73v.-79r.; 102, 240r.; 102, 142r.; 103, 50r.-50v.; 104, 221v.; 104, 262r. Editadas en COSTA, António Domingues da Sousa – Monumenta Portugaliae Vaticana (Vol. II: Súplicas dos pontificados dos papas de Avinhão Clemente VII e Bento XIII e do papa de Roma Bonifácio IX), Lisboa: Editorial Franciscana, 1970, pp.

Medievalista, 23 | 2018 180

298-309, 313, 317-318, 324-325, 339, 341, 346-347, 360, 365. Igualmente en una súplica realizada a la curia pontificia de Martin V. ASV, Registra Supplicationum, 116, 31v.-32r. Editada en COSTA, António Domingues da Sousa – Monumenta Portugaliae Vaticana (Vol. III/2: Súplicas do pontificado de Martinho V: anos 1-7), pp. 101-102. 24. ORIOL PERNAS, António – “Acuñaciones de Juan I de Castilla como rey de Portugal”, pp. 65-74. 25. FERNÁNDEZ DE CÓRDOBA MIRALLES, Álvaro – “Los emblemas de la conquista...”, pp. 229-268 26. OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal, p. 358. 27. OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal, pp. 116-117. 28. Como por ejemplo la carta enviada por Enrique III de Castilla a la ciudad de Burgos ordenándola hacer una leva para entrar en la guerra con Portugal en 1397. AGS, Diversos de Castilla, legajo 11, documento 7. Editada como documento 15 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla en la época del infante don Enrique 1393-1460. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1960, pp. 110-112. 29. De ese modo se refiere al monarca portugués en la solicitud que Enrique III de Castilla realiza a Carlos VI de Francia para que declarase la guerra a Portugal en 1397. ANF, Série J, 916, 4r. Editada como documento 33 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, pp. 98-99. 30. Por ejemplo aparece en la ratificación de Enrique III de Castilla de la tregua de 1402. AGS, Patronato Real, legajo 49, documento 4. Editada como documento 33 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, pp. 159-162. 31. AGS, Patronato Real, legajo 49, documento 3. Editado como documento 32 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, pp. 136-158. 32. Archives Nationales, Série K, 1482, 13r. Editada como documento 50 en DAUMET, Georges – Étude sur l’alliance, pp. 204-206. 33. Archivo de la Corona de Aragón (En adelante citado como ACA), Registros reales, registro 2216, 11v. 34. Archives Nationales, Série K, 1482, 12r. Editada como documento 49 en DAUMET, Georges – Étude sur l’alliance, pp. 206-207. 35. JARRY, Eugène – La vie politique de Louis de France, duc d’Orléans, 1372-1407. Paris: Alph. Picard, 1889, p. 244. 36. AGS, Estado, Castilla, legajo 1-2º, 2r. Editada como documento 35 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, pp. 164-165. 37. Arquivo Nacional da Torre do Tombo (En adelante citado como ANTT), manuscrito 364, 457r. Editado en PIMENTA, Alfredo – “As trégoas de Monção de 1389”. in Idade-Média (Problemas & soluçoens), Lisboa: Edições Ultramar, 1946, pp. 317-328. 38. OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal, p. 152 39. ÁLVAREZ PALENZUELA, Vicente Ángel – “El restablecimiento de la paz entre Castilla y Portugal 1402-1431”. in HOMEM, Armando Luís de Carvalho; PIZARRO, José Augusto de Sotto Mayor; COSTA, Paula María de Carvalho Pinto (coords.) – Ibéria, quatrocentos/quinhentos, duas décadas de cátedra (1984-2006): homenagem a Luís Adão da Fonseca. Porto: Civilização Editora, p. 89. OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal, pp. 189-192. 40. ANTT, Gaveta 18, maço 11, documento 4. Editado como documento 5 en MONUMENTA HENRICINA. Vol. II. Ed. Manuel Lopes de Almeida. Coimbra: Comissão executiva das comemorações do V centenário da morte do infante D. Henrique, 1962, pp. 7-25, y en AS GAVETAS da Torre do Tombo. Vol. IX. Ed. António da Silva Rego. Lisboa: Centro de Estudos Históricos Ultramarinos, 1971, pp. 608-636. 41. Archives Nationales de la France, Série J, 604, número 77. Editado como documento 55 en DAUMET, Georges – Étude sur l’alliance, pp. 220-222. 42. SERRANO DE HARO, Antonio – El embajador Don Pero López de Ayala (1332-1407). Madrid: Ministerio de Asuntos Exteriores de España, 2001, pp. 98-111.

Medievalista, 23 | 2018 181

43. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Enrique III de Castilla”. in Crónicas de los reyes de Castilla Don Pedro, Don Enrique II, Don Juan I y Don Enrique III por D. Pedro López de Ayala, chanciller mayor de Castilla, con las enmiendas del secretario Gerónimo Zurita. Vol. 2. Ed. Eugenio Llaguna Amirola. Madrid: Imprenta de Don Antonio de Sancha, 1780, cap. I, pp. 459-462. 44. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Enrique III de Castilla”, cap. XIII, pp. 450-452. 45. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”. in Crónicas de los reyes de Castilla Don Pedro, Don Enrique II, Don Juan I y Don Enrique III por D. Pedro López de Ayala, chanciller mayor de Castilla, con las enmiendas del secretario Gerónimo Zurita. Vol. 2. Ed. Eugenio Llaguna Amirola. Madrid: Imprenta de Don Antonio de Sancha, 1780, cap. VI, pp. 213-214. 46. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I. Vol. 2, cap. XII, pp. 28-30. 47. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. VII, pp. 250-252. 48. BRÁSIO, António – “As razões de João das Regras nas cortes de Coimbra”. Lusitania Sacra 3 (1958), pp. 14-15. 49. BRÁSIO, António – “Influência do Cisma...”, pp. 103-110. CAETANO, Marcelo – A crise nacional de 1383-1385. Subsídios para o seu estudo. Lisboa-São Paulo: Verbo, pp. 44-49. COELHO, Maria Helena da Cruz – D. João I, p. 67. 50. ANTT, Bulas, maço 5, documento 9; ASV, Registra Lateranensia, 12, 10v.-12v.; y ANTT, Leitura Nova, livro 38 (Livro I dos Reis), fols. 8r.-9v. Publicada en COSTA, Antonio Domingues de Sousa – Monumenta Portugaliae Vaticana, vol. 2, pp. CVIII-CXXII. 51. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 2, caps. CXXIV-CXXV, pp. 274-281. 52. VALDALISO CASANOVA, Covadonga – “La obra cronística de Pedro López de Ayala y la sucesión monárquica en la Corona de Castilla”. Edad Media, revista de historia 12 (2011), p. 198. 53. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. VII, pp. 175-176. 54. LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando. Ed. Giuliano Macchi. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2004, caps. CLXXII-CLXXVIII, pp. 591-612. 55. La enemistad entre Leonor Teles y su cuñado D. João I de Portugal es una constante en la narración de Fernão Lopes, COELHO, Maria Helena da Cruz – D. João I, p. 18. 56. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. XII, pp. 225-227. 57. LOPES, Fernão – Crónica de D. Fernando, cap. CLXVII, pp. 575-577. 58. OLIVERA SERRANO, César – Beatriz de Portugal, p. 358. 59. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. VI, pp. 269-270. 60. RUSSELL, Peter Edward – A intervenção inglesa, pp. 435-586. 61. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 2, cap. LXXXVIII, p. 216-217. 62. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 2, caps. XC-XCII, pp. 222-225. 63. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 2, cap. CXXI, p. 268. 64. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. XIV, pp. 183-184. 65. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. VI, pp. 213-214. 66. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 1, cap. I, p. 4. 67. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. XIV, pp. 183-184. 68. BEIRANTE, Maria Ângela – As estruturas sociais em Fernão Lopes. Lisboa: Livros Horizonte, 1984. 69. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. X, pp. 197-198. 70. FARELO, Mário – “O percurso eclesiástico e político de Afonso Domingues de Linhares, bispo de Guarda (1364-1394) e de Segóvia (1394-1397)”. Estudios segovianos 60-112 (2013), pp. 277-323. 71. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. X, pp. 179-180. 72. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 1, cap. LVII, pp. 113-114. 73. LÓPEZ DE AYALA, Pedro – “Crónica de Don Juan I de Castilla”, cap. VII, pp. 214-217. 74. LOPES, Fernão – Crónica de D. João I, vol. 2, caps. IX-XII, pp. 22-30. 75. SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, p. 36. 76. AGS, Estado, Castilla, legajo 1-1º, 73r. Editado como documento 21 en SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, p. 122.

Medievalista, 23 | 2018 182

77. Gabinete de História da Câmara do Porto, Vereações, libro 2, 47v. Editado como documento 119 en MONUMENTA HENRICINA, vol. I, p. 277. 78. GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Santiago – Fernando I, regente de Castilla y rey de Aragón. Gijón: TREA, 2012, p. 181. 79. ZURITA, Jerónimo – Anales de la corona de Aragón. Vol. 5. Ed. Ángel Canellas López. Zaragoza: Institución Fernando el Católico, 1974, libro XII, cap. LII, pp. 441-443. 80. ACA, Cartas reales, caja 1, Fernando I, nº 3. Editado como doc. 1 en SALAS, Javier de – “Dos cartas sobre la expedición a Ceuta en 1415”. O Instituto: o jornal scientifico e litterario 81 (1931), pp. 320-337, y como doc. 57 en MONUMENTA HENRICINA, vol. II, pp.132-146. 81. ACA, Cartas reales, caja 1, Fernando I, número 3. Editado como doc. 1 en SALAS, Javier de – “Dos cartas...”, pp. 320-337, y como doc. 57 en MONUMENTA HENRICINA, vol. II, pp. 132-146. 82. UNALI, Anna – Ceuta 1415. Los orígenes de la expansión europea en África. Ceuta: Archivo Central, 2004, pp. 207-223. 83. ACA, Registros reales, registro 2405, 56v., 142v; registro 2408, 17r. Editada como documento 107 en MONUMENTA HENRICINA, vol. II, pp. 225-226. 84. ACA, Cartas reales, caja 13, Fernando I, número 2490. Editada como documento 49 en MONUMENTA HENRICINA, vol. II, pp. 121-122. 85. ACA, Cartas reales, caja 18, Alfonso V, número 1. Editada como documento 49 en MONUMENTA HENRICINA, vol. II, pp. 121-122. 86. SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Relaciones entre Portugal y Castilla, p. 35. 87. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle. Vol I. Leiden: Brill, 2010, p. 661. 88. SERRANO, Luciano – Los conversos D. Pablo de Santa María y Alonso de Cartagena. Obispos de Burgos, gobernantes, diplomáticos y escritores. Madrid: Consejo Superior de Investigaciones Científicas, 1942, pp. 61-62. 89. GÓMEZ REDONDO, Fernando – “Discurso y elocución en la Crónica de Juan II (1406-1434)”. Cahiers de linguistique et de civilisation hispaniques médiévales 27 (2004), pp. 231-234 90. MATA CARRIAZO, Juan de – “La conquista de Ceuta en la crónica de Juan II de Álvar García de Santa María”. Anais da Academia Portuguesa da História, II Série, 27 (1982), pp. 281-295. 91. MORENO, Humberto Baquero – “O valor da Crónica de Zurara sobre a conquista de Ceuta”. in A abertura do mundo, estudos da história dos descobrimentos europeus. Em homenagem a Luís de Alburquerque. Vol. II. Lisboa: Presença, 1987, pp. 191-202. 92. MATA CARRIAZO, Juan de – “La conquista de Ceuta...”, p. 287. 93. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle, vol. 2, p. 1200 94. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle, vol. 1, p. 251. 95. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle, vol. 1, p. 251. 96. BARRIENTOS, Lope de – Refundición de la Crónica del Halconero. Ed. Juan de Mata Carriazo. Madrid: Espasa Calpe, 1946, cap. I, pp. 11-12. 97. FONSECA, Luis Adão da – “Alguns aspectos das relações diplomáticas entre Portugal e Castela em meados do século XV (1449-1456)”. Revista da Faculdade de Letras: História, I série, 3 (1972) pp. 51-112. FONSECA, Luis Adão da – “Una elegía inédita sobre la familia de Avis, un aspecto de la propaganda política en la Península Ibérica a mediados del siglo XV”. Anuario de Estudios Medievales 16 (1986), p. 449. 98. DUARTE, Luis Miguel – Ceuta 1415, seiscentos anos depois. Lisboa: Horizonte, 2015, pp. 35-36. 99. FONSECA, Luis Adão da – “Una elegía inédita...”, p. 459. 100. CÓRDOBA, Alonso de – Conmemoración breve de los reyes de Portugal. Un sermón castellano. Ed. Pedro Cátedra. Barcelona: Humanitas, 1983, p. 44. 101. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle, vol. 2, pp. 1466-1467. 102. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle, vol. 2, p. 1183. 103. VALERA, Diego de – Memorial de Diversas Hazañas. Crónica de Enrique IV. Ed. Juan de Mata Carriazo. Madrid: Espasa Calpe, 1941, cap. XXII, pp. 87-89.

Medievalista, 23 | 2018 183

104. PALENCIA, Alonso de – Gesta Hispaniensa ex annalibvs svorvm diervm collecta (Tomo 1 – Libri I-V). Ed. Brian Tate y Jeremy Lawrence. Madrid: Real Academia de la Historia, 1998, lib. I, cap. 10, pp. 30-31. 105. ÁLVAREZ PALENZUELA, Vicente Ángel – “Relations between Portugal and Castile in the Late Middle Ages – 13th-16th centuries”. E-Journal of Portuguese History 1 (2003), p. 15. 106. DUNPHY, Graeme (ed.) – Encyclopedia of the Medieval Chronicle, vol. 1, p. 781. 107. PULGAR, Fernando del – Crónica de los Reyes Católicos (Volumen I: la guerra de Granada). Ed. Juan de Mata Carriazo. Granada: Universidad de Granada, 2008, p. 175.

RESÚMENES

A proclamação de D. João I de Portugal e o estabelecimento de uma nova dinastia levou à criação de vários discursos propagandísticos. A historiografía portuguesa deu-lhe particular destaque em detrimento dos seus descendentes, tendo sido consagrado pela crónica de Fernão Lopes. Em contrapartida, este texto pouco referiu a trama construída contra D. João pelos Transtâmara – que reividicavam o trono português sob os direitos de Beatriz de Portugal. Através da análise do discurso das crónicas de Pedro López de Ayala, das epístolas de Fernando de Castela, da documentação da chancelaria castelhana e de outros instrumentos de poder, como o selo e a moeda, podemos não só observar as reivindicações dos Trastâmara e o seu não-reconhecimento da dinastia de Avis, mas também a construção da imagem de um D. João I de Portugal como governante indigno. Tanto pelas suas condições pessoais (bastardia e clérigo), como pelo seu modo de governação traiçoeiro, cobarde, vacilante e oportunista. Trata-se de uma imagem radicalmente distinta das fontes portuguesas, que o estabelecem como o monarca de “boa memória” e o “messias de Lisboa”; uma alternativa, pois, que surge no discurso político da época.

The constitution of a new dynasty with the proclamation of D. João I of Portugal led to the creation of various propagandistic discourses. Portuguese historiography has only focused on the one created in his favor by his descendants, consecrated in the chronicle of Fernão Lopes. On the other hand, it has scarcely taken care of the constructed against it by the Castilian Trastámara who claimed the Portuguese throne under the rights of Beatriz of Portugal. Through the analysis of the discourse of the chronicles of Pedro López Ayala, the epistles of Fernando de Castilla, the documentation of the Castilian Chancellery and other instruments of power, such as the seal and the currency, we can not only observe the claims of the Trastámara and their non-recognition of the Avis dynasty, but also the construction of the image of D. João I of Portugal as an unworthy ruler by his personal conditions (barstardy and clergyman) and his style of governing in a traitorous, cowardly, hesitant, and opportunistic way. An image of the Portuguese sovereign radically different from that of the "good memory" and the "messiah of Lisbon" consecrated by the Portuguese sources, an alternative that appeared in the political discourse of the time.

Medievalista, 23 | 2018 184

ÍNDICE

Keywords: Dynastic legitimacy, Dynastic delegitimization discourses, Crisis of 1383-1385 in Portugal, Portuguese-Castilian relations, Late-medieval political history Palavras-chave: Legitimidade dinástica, discursos de não legitimação dinástica, Crise de 1383-1385 em Portugal, relações luso-castelhanas, história política da Baixa Idade Média

AUTOR

NÉSTOR VIGIL MONTES

Universidade de Évora, CIDEHUS – Centro Interdisciplinar de História, Culturas e Sociedades, 7000-809, Évora, Portugal [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 185

Les humanistes français, le roi et le tyran. Débats autour du tyrannicide au sein du milieu humaniste français, 1ère moitié du XVe siècle French humanists, the king and the tyrant. Debates on tyrannicide in the French humanist milieu, 1st half of the 15th century

Lucie Jollivet

NOTE DE L’ÉDITEUR

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017 Les humanistes français, le roi et le tyran. Débats autour du tyrannicide au sein du milieu humaniste français, 1ère moitié du XVe siècle / French humanists, the king and the tyrant. Debates on tyrannicide in the French humanist milieu, 1st half of the 15th century Lucie Jollivet

1 Le 23 novembre 1407, le meurtre avec préméditation de Louis d’Orléans, frère du roi Charles VI, par les sbires de leur cousin Jean de Bourgogne, remet la question du tyran et du tyrannicide au centre des débats entre intellectuels1. En effet, après avoir avoué être le commanditaire du crime, Jean sans Peur revient sur ses déclarations et demande à une équipe de théologiens, dirigée par le normand Jean Petit, de préparer sa défense2. Cette justification est exposée au public en 1408 et repose sur un argument repris au juriste-consulte Cassius: vim vi repellere licet. Louis aurait été un tyran, il aurait donc été à la fois licite et juste de le supprimer. L’actualité du crime rend la proposition de Jean

Medievalista, 23 | 2018 186

Petit d’autant plus choquante que la justice royale se trouve paralysée face au refus de l’aveu. Devant l’incapacité de la justice publique à réagir, la famille et les proches du défunt n’ont plus d’autre choix que la vengeance pour d’obtenir réparation. Le milieu humaniste français, constitué d’humanistes avérés et reconnus, tels Nicolas de Clamanges, Laurent de Premierfait et Alain Chartier, et d’universitaires tentés par ce nouveau mouvement intellectuel comme Pierre d’Ailly et Jean Gerson3, réactivent une ancienne polémique en l’adaptant au contexte: Qu’est-ce qu’un tyran? Quelle est la différence entre le tyran et le roi légitime? Est-il licite de tuer le tyran pour sauver le roi? Il faut impérativement trouver la réponse la plus juste à ces questions car la sauegarde du royaume de France est en jeu. C’est cette réflexion globale autour du Bien Commun qui unit les auteurs, par delà la distance géographique ou générationnelle.

2 Nicolas et Laurent, tout d’abord, sont presque du même âge4 et participent à la fois aux cercles humanistes avignonnais et parisien. Ils ont en commun une verdeur de ton qui tranche avec la prudence d’un grand nombre de leurs contemporains. Alain Chartier, quant à lui, appartient à la 2e génération d’humanistes: c’est un laïc, fidèle serviteur du dauphin puis du roi Charles VII et fervent admirateur de Clamanges et sans doute de Premierfait, dont il ne peut méconnaître les traductions, notamment celles du De Casibus virorum illustrium et du Decameron de Boccace, achevées respectivement en 1409 et en 14145. Nicolas de Clamanges est très prolixe tout au long de sa vie mais ce sont deux œuvres fondamentales qui retiendront plus particulièrement notre attention: son traité De lapsu et reparatione justitie rédigé au début des années 1420, ainsi que ce qu’il considérait comme son œuvre maîtresse, commencée sans doute dès le début du XVe siècle mais demeurée inachevée et encore inédite à ce jour, l’Expositio super quadraginta septem capitula Isaye. Enfin, le poème en latin Ad detestationem belli gallici d’Alain Chartier, certainement composé juste avant 1419, nous permettra de mesurer l’impact des travaux de ses prédécesseurs, donc de souligner la circulation des idées dans le cercle humaniste français malgré un contexte défavorable. Au fil de cette étude, il apparaîtra qu’à la faveur de la polémique autour du tyrannicide, les œuvres des trois humanistes dévoilent leur idéal partagé d’un roi légitime capable de ramener la justice et la paix dans le royaume.

Le tyrannicide? Une question d’une brûlante actualité

3 “Il n’est sacrifice tant agreable a Dieu comme le sang d’un tirant et mauvaiz prince”6. Laurent de Premierfait, qui traduit ici littéralement la célèbre phrase de Boccace, s’étonne-t-il de l’entendre, le 8 mars 1408, dans la bouche du défenseur duc de Bourgogne, le théologien Jean Petit?7 Ce dernier la brandit parmi d’autres auctoritates, tel le jurisconsulte Cassius8, qui affirmait Vim vi repellere licet, pour justifier le meurtre odieux de Louis d’Orléans9. Le tyrannicide est en effet une question d’une brûlante actualité, comme le prouve le débat qui fait rage en Italie durant la 2nde moitié du XIVe siècle.

4 En 1400, l’humaniste florentin Coluccio Salutati, qui lutte alors contre la tyrannie de Gian Galeazzo Visconti, achève son traité De tyranno, dans lequel il admet l’axiome vim vi mais reste prudent lorsqu’il s’agit de légitimer le tyrannicide. Pour lui, Dante a eu raison de placer Cassius et Brutus en Enfer car le tyran ne peut être tué que sur ordre de l’Etat et dans le cadre strict de la loi. Or, César exerçait légalement le pouvoir... Jean Petit ne peut ignorer cet ouvrage car, s’il n’appartient pas lui-même au cercle

Medievalista, 23 | 2018 187

humaniste, il en a pourtant côtoyé certains membres. La majeure de sa justification repose en outre sur la fameuse citation de saint Paul, radix omnium malorum est cupiditas, que Pierre d’Ailly avait placé au cœur de son accusation, victorieuse, contre le chancelier de l’Université de Paris, Jean Blanchard, en 138510. Provocation?

5 L’ardeur combative de Jean Petit n’est pas une nouveauté en 1408, elle s’illustre en effet dès 1398, dans la lutte contre le schisme. Alors porte-parole de l’Université de Paris, il prend clairement position dans ses discours pour l’abdication simultanée des deux papes et soutient aux côtés de Simon de Cramaud que la soustraction d’obédience est la meilleure solution pour amener Benoît XIII à céder. Or, le milieu humaniste est bien plus indulgent à l’égard du pape, voire lui est personnellement attaché, comme Nicolas de Clamanges parti en 1394 à Avignon pour y devenir son secrétaire. D’Ailly et Gerson ne cachent pas leur hostilité face à la soustraction d’obédience et c’est finalement Louis d’Orléans, le frère du roi, qui convainc ce dernier de se réconcilier avec Benoît XIII et d’accepter la restitution d’obédience en 1403. D’ailleurs, cette décision est officiellement prononcée le 30 mai 1403 par nul autre que Pierre d’Ailly.

6 Mais Jean Petit ne désarme pas et en 1406, lors de l’assemblée du clergé, il mène l’attaque contre le pape en demandant une nouvelle soustraction d’obédience. En 1407, il fait partie, comme Pierre d’Ailly, Jean Gerson ou Jacques de Nouvion11, de l’ambassade de 36 membres qui se rend à Avignon, Marseille puis Gênes et Rome pour négocier la double cession avec Benoît XIII et Grégoire XII. Mais les divisions se font rapidement jour entre les soutiens du pape et les intransigeants, dont Petit et Cramaud font partie12. Jacques de Nouvion, proche de Louis d’Orléans, qualifie d’ailleurs le discours de Jean Petit à Rome de diffusius, “dispersé”13, critique qui peut aussi bien avoir une réalité stylistique, Nouvion appartient au cercle humaniste et on imagine que son jugement à l’égard de la prose de ses collègues peut être sévère, que révéler une mesquinerie personnelle face au discours d’un théologien appartenant au camp opposé.

7 Devant les atermoiements de Benoît XIII, certains ambassadeurs pensent que la nouvelle de la soustraction d’obédience, décidée par l’université parisienne, pourrait lui extorquer les garanties recherchées. Gerson, d’Ailly et Nouvion s’y refusent et parviennent à convaincre leurs collègues. On ne saurait douter qu’ils se font l’écho ici des conseils de Louis d’Orléans, qui a toujours ménagé le souverain pontife. Jean Petit proteste énergiquement, sans effet14. Dans sa Justification, il montre que ce souvenir est encore amer: il reproche nommément à Jacques de Nouvion, Jean Gerson et Pierre d’Ailly d’avoir contraint les ambassadeurs à garder le secret sur la 2ème soustraction d’obédience. En outre, il accuse Nouvion d’être revenu auprès du duc d’Orléans afin de lui faire part de l’entente nouée entre les deux papes pour faire échouer les négociations. De là à rendre Nouvion et ses amis en partie responsables de l’échec de la résolution du schisme, il n’y a qu’un pas, vite franchi par le théologien normand15.

8 On voit donc que Jean Petit, devenu un protégé du duc de Bourgogne après 1395, a toutes les raisons, personnelles et professionnelles, pour s’attaquer en 1408 à la mémoire de Louis d’Orléans et à ceux qui voudraient la défendre16. Cependant, pour les humanistes français, la réalité du crime prend le pas sur les débats oratoires: les circonstances de l’acte, la diffamation de la victime et les conséquences de la justification sont autant de péchés et de violations du principe de justice.

9 Jean de Montreuil, dans une lettre adressée à Nicolas de Clamanges, entre novembre 1416 et avril 1417, se demande comment il a été possible de massacrer le frère du roi en pleine rue et comment ses assassins ont pu rester impunis, alors qu’il devait y avoir de

Medievalista, 23 | 2018 188

nombreux témoins17. Son ami lui adresse une réponse dans l’Expositio super Isayam18: “Je me demande ce qu’on peut attendre d’une justice ensevelie, quand les juges détournent leur regard des voleurs et des homicides officiels, pour le porter sur d’autres?”.

10 La question est de pure forme: l’audace d’une embuscade tendue dans un quartier populeux de Paris, impliquant la présence de nombreux témoins potentiels ne laisse toujours pas d’étonner, plusieurs années après son déroulement19. Chartier, dans l’Ad detestationem, déplore: “les crimes les plus extrêmes [qui] se montrent […] en public”20.

11 Le meurtre public entache la mémoire de la victime et couvre ses proches de honte. En outre, la blessure faite à l’honneur et à l’amour-propre est rendue encore plus cuisante par le déni de justice, appuyé sur la diffamation21. L’impunité dont a bénéficié Jean sans Peur a ensuite servi de précédent pour la légitimation des massacres suivants22.

12 Enfin, la Justification a été soutenue en public, comme le rappelle Chartier 23. Comment s’étonner alors qu’une lutte fratricide déchire le royaume, quand la honte est infligée officiellement? S’inspire-t-il de Clamanges qui, dans l’Expositio fait clairement référence à la séance publique du 8 mars 140824 quand il évoque: “la flagornerie ou l’injustice spontanée, captieuse et perverse de scribes ou de princes pernicieux habitués à se mêler de la loi25, […] “les simples et les incultes se laissent [ainsi] séduire par les sophismes astucieux”26.

13 A cause de l’accusation de tyrannie portée contre Louis d’Orléans, le défunt est privé de la reconnaissance du statut légal de victime, sa famille et ses proches n’ont plus d’autre choix que la vengeance pour faire valoir leur droit. La justice sort alors du cadre public pour revenir dans le domaine privé et rappeler les pires vendettas du haut Moyen-Age. Pour les membres du cercle, la Justification est le scandalon, la pierre qui fait basculer la société dans la sédition: “Là, [à Paris] tous les scandales furent provoqués et éclatèrent […] N’est-ce pas là que les guerres civiles entre les princes prennent leur origine, suscitées par des paroles à double tranchant qui mirent le feu aux poudres et qui, en infligeant des plaies inouïes, hâtèrent le royaume vers sa fin universelle?”27.

14 Les humanistes s’indignent de la légitimation de l’assassinat, permise par une fallacieuse accusation de tyrannie. La Justification constitue pour la société chrétienne un piège qui l’éloigne toujours plus de la voie du salut. D’ailleurs, l’histoire offre aux lecteurs des exemples d’actes odieux qui entraînent toute une société dans le malheur. Les troubles ayant opposé, à Rome, Sylla et Marius, en 88-87 puis en 82 avant notre ère, semblent avoir particulièrement inspiré Laurent de Premierfait et Alain Chartier. Cet exemple est loin d’être anodin, puisqu’il fait référence à l’opposition entre les populares et les optimates, à l’origine des guerres civiles qui auront finalement raison de la République romaine.

15 La traduction de l’ouvrage de Boccace De casibus virorum offre à Laurent le moyen de dénoncer vigoureusement le pouvoir, avec une véhémence qui rappelle celle de Clamanges. Le passage du latin à la langue vulgaire est pour l’humaniste une occasion de développer certains passages, ce qui nous renseigne notamment sur sa conception de la souveraineté. Ainsi, les épisodes des guerres civiles romaines constituent pour l’auteur un sujet de choix28. Carla Bozzolo29 note que Laurent puise dans Lucain pour leur description ; ce même choix sera fait par Chartier, mais avec un apport original, nous y reviendrons bientôt. L’apparition de Pompée sur la scène politique romaine, puis son affrontement final avec César permettent à Laurent de dresser un parallèle saisissant avec sa propre époque. Il évoque tout d’abord: “la cité de romme perillée et

Medievalista, 23 | 2018 189

detruite par les dommageuses dissensions et guerres civiles qui longuement furent contre Marius et Silla, […] enflammez de envie l’un contre l’autre”30. Comment ne pas penser à la jalousie que ressentaient l’un envers l’autre Louis d’Orléans et Jean de Bourgogne, alors qu’ils s’affrontaient pour contrôler le roi Charles VI? De même, l’évocation du corps mutilé de Pompée sur le champ de bataille31 rappelle celui de Louis d’Orléans, retrouvé étendu à terre, le crâne fendu et le poing tranché. La dépouille de Pompée est privée de funérailles dignes de son rang, des pleurs et des louanges qu’il aurait mérités. Si Louis d’Orléans reçoit des obsèques royales, autour du cercueil on ne voit ni le roi ni ses fils, pas plus que la veuve, exilée à Château-Thierry et qui ignore encore la mort de son mari32. En outre, la joie du peuple contraste avec la tristesse des proches et le refus de l’aveu du commanditaire vient troubler le repos du défunt. A Rome, les parents et amis du grand homme vaincu jurent alors de “faire la vengeance de Pompée”33, comme Valentine Visconti et ses enfants, puis ses soutiens, derrière le clan armagnac. Enfin, la description de la guerre civile qui en découle est la vivante évocation du conflit opposant Armagnacs et Bourguignons après 1408: “En celle maudite et cruelle bataille entretoient les peres leurs enfans, les enfans leurs peres, les parens leurs amis et les voysins l’un l’autre [...]”34. Mais l’auteur se réserve pour plus tard une description plus minutieuse des faits: “je di que chose trop longue seroit ja […] de maintenant escrire [...]”. Toujours est-il que le meurtre d’un homme d’Etat provoque nécessairement une sédition affectant toute le corps social.

16 Quelques années plus tard, le conflit n’est toujours pas résolu. Dans son poème dénonçant les horreurs d’une guerre “intestine”, Alain Chartier utilise à son tour les sources antiques pour mieux éclairer le terrible présent et revient sur la guerre civile entre Sylla et Marius: “Cette rage toute sillanienne s’empare de Rome, devant laquelle Sylla le furieux se pare du titre d’artisan de la paix, après que Rome ait gardé le silence lors du massacre public de Marius”35.

17 En 88 av. J.-C. Sylla marche sur Rome avec ses troupes, ce qui est un acte illégal. Il élimine ensuite ses opposants et fait voter aux sénateurs apeurés un senatus-consulte mettant tous ses adversaires hors-la-loi. La paix est alors acquise, comme le dit Chartier, au prix de la terreur. Sylla prendrait ensuite, en flagrante opposition avec la réalité de la situation, le titre de pacis auctorem, artisan de la paix. Cette expression se trouve déjà dans les Histoires de C. Velleius Paterculus36, historien romain qui est le seul à l’avoir utilisée en évoquant Sylla. L’humaniste complète donc habilement Lucain grâce à cette source moins connue.

18 Contrairement à Laurent, qui en suivant Boccace soulignait la déchéance morale de Marius, à l’origine de son échec et de sa mort ignominieuse, Alain Chartier présente Marius comme une victime de la folie meurtrière de Sylla, mais la guerre civile entre César et Pompée fait également l’objet d’une description pathétique: “les yeux portant leur regard sur les champs baignés du sang romain pleurent abondamment”37. Nous retrouvons les mêmes accents tragiques dans l’évocation d’un conflit opposant les membres d’une même famille et inscrivant au centre du poème le thème du sang qui souille car injustement répandu38: “nos mains et nos glaives (sont) ruisselants du sang de nos frères”39.

19 Enfin, la pensée du chef de file du mouvement humaniste français, Nicolas de Clamanges, est la plus complexe car appuyée à la fois sur les Ecritures et l’histoire romaine. Dans l’Expositio super Isayam, il cherche à prouver que la France est l’Egypte décrite par le prophète Isaïe. C’est alors Virgile qui vient à l’appui de sa démonstration,

Medievalista, 23 | 2018 190

ce qui n’est pas étonnant car l’Enéide40 est un de ses ouvrages de référence, qu’il cite fréquemment. Comme Chartier ou Premierfait, il a également en tête les épisodes des guerres civiles romaines, mais eu égard à son sujet, il choisit celles qui ont eu sur le théâtre égyptien, c’est-à-dire la guerre entre Marc-Antoine et Octave41. Toutefois, des trois humanistes, c’est lui qui développe le moins ce thème à la lumière de l’histoire romaine, préférant le recours aux auteurs prophétiques. Ces descriptions ne sont toutefois pas uniquement destinées à montrer l’étendue des connaissances historiques des humanistes mais bien à ajuster et à réactualiser les notions de roi et de tyran, au regard des événements du début du XVe siècle.

Distinguer le bon prince du tyran au XVe siècle

20 Jean Petit le premier actualise la définition du tyran en présentant Louis d’Orléans comme un être avide, qui rêvait d’être roi à la place de son frère. Le théologien passe à dessein sur le fait qu’à cause des crises de folie de Charles, Louis exerçait souvent la réalité du pouvoir. En outre, les mêmes reproches auraient pu être adressés à Jean sans Peur. Les humanistes s’attachent alors à mettre en évidence les traits de caractère qui définissent à coup sûr le tyran et l’opposent au roi juste. Chartier, on s’en souvient, méprise visiblement Sylla, dont il dénonce le comportement instable lorsqu’il évoque sa rage, non pas avec un terme suggérant la colère comme ira mais grâce à rabies qui souligne une fureur incontrôlable comparable à la démence42. Cette tournure fait d’ailleurs écho à celle utilisée par Pierre d’Ailly en 1419, dans une lettre à Gerson et dans laquelle il parle de la “rage du lion” rabies leonis, en rappelant les massacres parisiens de 141843. La rage est la marque du tyran, on s’en souvient. Il fait peu de doute que Jean sans Peur incarne ce lion enragé. Laurent de Premierfait, dans son 1er prologue des Cas des nobles hommes et femmes, affirme que: “aux nobles principalement affert avoir clemence qui met equitté devant vigueur et veult plus encliner a merci que a vengence sanz saillir hors des termes de justice sanz laquele roys ne roys ne roannes ains sont tirans cruelz et tirannes”44.

21 Sans le binôme Justice et Pitié, “un roy n’est pas roy ains larron” et son royaume est une “larroniere”45. Cette tirade, assez véhémente n’est pas sans rappeler les accents de Clamanges dans son traité sur la justice, datant du début des années 1420. D’abord destiné à Louis de Guyenne, l’auteur le dédicace, après la mort de ce dernier, au duc Philippe de Bourgogne, fils de Jean sans Peur. “Il est notoire que le roi se distingue du tyran par la justice: alors que le roi, par l’exercice de la justice préserve les droits et les libertés du peuple, le tyran au contraire use de l’injustice pour l’opprimer”46, “[…] que la justice provoque le pardon et que la clémence tempère la rigueur de la justice47. […] La patrie dans laquelle il est […] permis au prince d’extorquer à ses sujets ce qu’il voudra, selon son bon plaisir […] n’est rien d’autre qu’un repère de brigands”48.

22 Et Chartier d’insister: “Bon roi, […] dont la patience l’emporte sur la démence, la clémence sur la témérité, car […] la mansuétude et la bonté ont été domestiquées par l’usage […]”49. Le bon50 roi est celui qui sait user du pardon pour faire régner la justice et mettre fin à la folie meurtrière de la guerre civile. L’aveu de Jean sans Peur et l’exercice de la justice royale sont nécessaires à l’extinction du cercle vicieux de la vengeance. Comme le dit Clamanges: “il ne peut y avoir de vraie paix sans justice”51.

Medievalista, 23 | 2018 191

23 Par ailleurs, dans l’Expositio, Clamanges donne au terme “tyran” une définition différente de celle de Jean Petit: c’est un homme qui exerce le pouvoir52 et ne se contente pas d’en rêver. A partir du XIVe siècle, la théorie d’une élection divine des princes de France se répand dans le royaume. Laurent de Premierfait n’est pas resté insensible à cette “propagande” puisque dans son prologue à la traduction du De amicitia, dédicacé à Louis de Bourbon, il évoque: “la lignee royalle seignouriant en France, dont le glorieux nom est magnisfié et congneu par les 7 climats du monde […] par le don de Dieu”53.

24 C’est l’époque à laquelle Jean de Montreuil réactualise la loi salique pour justifier le transfert du trône de France à la branche Valois plutôt qu’au roi d’Angleterre. Et Chartier, proche et fidèle du futur Charles VII reprend à son compte cette idée de l’origine divine du pouvoir royal en France54. Selon lui, le royaume de France est une terre bénie, chère à Dieu55: le sang du martyr saint Denis au IIIe siècle consacre la France au rang de pays d’élection du christianisme. Chartier ajoute ainsi sa pierre à l’édifice, en construction, de la France championne du christianisme. Enfin, le peuple de France a pour patronne nulle autre que la Vierge Marie, mère de Dieu: Virgo puerpera, […] Dei genitricem, gallice gentis patronam56, ce qui renforce la symbolique de la maison des fleurs de lis.

25 Chartier est favorable au gouvernement d’un seul homme à l’aura divine, c’est le principe de la monarchie française, dont il est un fervent défenseur. L’action de Marius, créateur d’une armée suffisamment puissante et disciplinée pour être victorieuse des ennemis divers et surtout d’une nouvelle figure dans le paysage politique romain, celui de l’homme providentiel, protégé des dieux et admiré de la population qui le vénère, rencontre probablement aussi son approbation. L’existence d’une armée de métier, tout comme l’établissement d’impôts, est nécessaire à la création d’un Etat fort. Le clan bourguignon refuse cette mutation et son appel à la réforme est d’abord un refus des mutations de l’Etat, appuyées au contraire par Louis d’Orléans puis par les partisans de sa politique. La comparaison de Jean sans Peur à Sylla, défenseur de la république aristocratique, trouve ainsi son explication. Clamanges enfin, décrit la France, auparavant la plus admirable57, comme un royaume occupé, depuis que le roi d’Angleterre Henri V s’en est emparé. Mais ce “valeureux chef de guerre” selon Clamanges, est mort58, après s’être comporté en tyran, contrairement à ce qu’il promettait d’être grâce à ses qualités. Dans les paroles de l’humaniste perce toutefois l’admiration qu’il éprouvait pour le roi défunt, mais également une déception d’autant plus forte qu’il avait un temps placé ses espoirs en Henri V59. Cette chute rappelle celle de Marius, décrite par Laurent de Premierfait, on s’en souvient. Cependant, le traité de Troyes, signé en 1420 livre le royaume aux Anglais, “transférant le gouvernement aux ennemis”60.

26 Un peu plus loin, par une jolie synecdoque, Clamanges se fait le témoin de l’attachement de l’opinion à cette transmission de la fonction royale, dont la couronne est le symbole, aussi bien parmi les “intellectuels” dont l’humaniste fait partie, que dans le peuple en général: après le traité de Troyes, “le royaume est occupé par les ennemis, le sang royal rejeté au loin61“. Le Dauphin est effectivement évincé de la succession au trône. Plus loin, Clamanges souligne que c’est la “couronne” qui est passée entre d’autres mains62; elle représente certes la fonction, mais pas la “personne” du roi, dont la qualité royale est donc invariablement transmise biologiquement.

Medievalista, 23 | 2018 192

27 L’exercice du pouvoir ne suffit donc pas à faire le roi, la légitimité du gouvernant dépend en grande partie de son ascendance et de l’origine divine de ce pouvoir, rejetant ainsi l’usurpateur dans la catégorie tyrannique. Peut-on alors de bon droit se débarrasser du tyran? Les choses ne sont pas si simples. “Je livrerai l’Egypte entre les mains d’un maître sévère et un roi cruel les dominera63. Ce qui est confirmé par une autre citation: par moi les rois règnent et les tyrans occupent la terre64”. Clamanges annonce ainsi dans l’Expositio le commentaire d’ Isaïe 19:4, qui correspondrait à la situation vécue par le royaume de France depuis la défaite d’Azincourt. Les Egyptiens représentent métaphoriquement les Français, livrés à des maîtres cruels. Pour renforcer son exégèse, Clamanges puise chez saint Augustin65, qui se démarque du latin de la Vulgate, en introduisant le concept de tyran à un endroit auquel il ne figurait pas à l’origine. Le choix de Clamanges ne doit bien sûr rien au hasard. Il enchaîne: “En effet, celui qui est un tyran dans le monde grec, est désigné chez les Latins comme un roi puissant. C’est [Dieu] qui fait régner, non seulement le tyran mais également le fourbe, à cause des péchés du peuple66. D’ailleurs, le tyran et le fourbe forment plus souvent une seule et même personne et il est rare qu’un tyran ne soit pas également un fourbe et qu’un fourbe ne tende pas à être un tyran”67.

28 La tyrannie est ainsi explicitement liée aux péchés capitaux et devient un flagellum Dei. Ce roi puissant, d’aucuns pensent qu’il s’agissait du roi d’Angleterre Henri V, envoyé pour dominer l’Egypte-France mais récemment décédé. D’après l’humaniste, il fut fort, valeureux et prudent, puisqu’il mit à profit les troubles de la guerre civile pour conquérir la plus grande partie du royaume de France, dans l’espoir d’y régner68.

29 Résumons: les Français, accablés du poids de leurs vices, se déchirent dans une guerre fratricide; un tyran doit, en guise de punition, leur imposer sa cruelle domination, donc Henri V en réussissant cet exploit est le tyran envoyé par Dieu pour châtier les Egyptiens métaphoriques, c’est-à-dire les Français, de leurs péchés. La violence et l’injustice du pouvoir tyrannique assument ici une fonction providentielle de châtiment des péchés, comme c’est déjà le cas dans le Policraticus de Jean de Salisbury 69, que Clamanges a sans doute étudié. Le tyrannicide n’est donc pas envisageable si Dieu lui- même se trouve à l’origine de l’installation du pouvoir tyrannique. Dieu pourvoira au châtiment du tyran, comme l’explique Alain Chartier.

30 Les tyrans sont d’après lui les fauteurs de guerre, ceux qui en “actionnant des armes étrangères mettent en branle de cruels supplices70” et empêchent le peuple de se nourrir de la paix71. La notion de tyrannie chez l’auteur est donc explicitement liée aux guerres, civile et anglaise: le tyran est prêt à tout pour servir ses propres intérêts, y compris à s’allier à des forces extérieures. Mais celui qui rejette la mission de défense des intérêts du peuple, confiée à lui par Dieu en échange de sa place prééminente dans la hiérarchie sociale, s’expose à la colère divine: une vie et une mort, viles, pleines d’opprobre, damnées72.

31 Le ton de l’humaniste se fait ensuite presque menaçant: que les Grands prennent garde, s’ils ne remplissent pas leur mission, le peuple qu’ils doivent défendre, sera peut-être tenté de rejeter leur domination, de mettre en doute la légitimité de leur statut social. Alors, le risque sera encore la guerre civile, la subversion de l’ordre établi par Dieu. Ce dernier risquerait bien d’exercer sa colère à leur encontre et de se débarrasser “des racines et des troncs inutiles qui encombrent la terre”73.

32 Chartier, assez audacieusement, sous-entend que lorsqu’un membre du corps ne remplit plus sa fonction, les autres membres peuvent légitimement contester sa place

Medievalista, 23 | 2018 193

dans la hiérarchie. Le peuple accepte de servir les Grands et les princes, s’ils le méritent, c’est-à-dire s’ils les protègent, les défendent, dans le respect de la justice. Le peuple supporte la “domination naturelle” de ceux qui lui sont supérieurs74, à condition qu’ils lui garantissent la paix, la béatitude, sinon, par angoisse, il cède aux sirènes des fausses promesses75. Une fois de plus, nous pensons au Policraticus, dans lequel se trouve exposée la théorie du tyrannicide la plus unique par son ton péremptoire. Pour Jean de Salisbury, le prince incarne le respect de la loi et se considère comme le serviteur du peuple qu’il gouverne. Donc, l’autorité souveraine est dépendante de la loi et de la justice. Au contraire, le tyran opprime le peuple, donc il peut et doit être tué. La démonstration est également illustrée par la métaphore de l’arbre dont la racine malade doit être coupée, pour la survie de l’ensemble. L’analogie entre ce passage et le poème de Chartier est tellement frappante qu’il semble inconcevable que l’humaniste n’ait pas lu ou au moins eu connaissance de l’œuvre majeure de Jean de Salisbury. Toutefois, la grande différence est que Chartier s’en remet à Dieu et non à la révolte populaire pour châtier le tyran. La morale du poème est en tout cas claire: si l’on veut éviter de nouveaux massacres, chacun doit assumer la mission qui lui a été dévolue par Dieu et favoriser le retour à la paix et au bonheur qui en découle. L’idée d’un consensus entre le souverain et le peuple se retrouve d’ailleurs sous la plume de Premierfait.

33 L’histoire du roi Roboam, dont une partie des sujets accablés d’impôts se séparent au profit de Jéroboam, est l’occasion d’un commentaire sur le “contrat” liant le roi et ses sujets. Le peuple devient un “conserf” et en contrepartie de son travail, qui donne au prince “toute la force et la seurté”, le souverain s’engage à lui “garder le salut et le repoz”76. Carla Bozzolo77 remarque que cette notion de pacte mutuel n’est pas suggérée par le texte de Boccace. On peut donc en conclure qu’il s’agit bien d’un avis personnel.

34 Même si elle n’est pas explicite, l’idée de pacte réciproque entre la noblesse, dont le roi fait partie, et le peuple est très claire chez Chartier et paraît donc étonnamment similaire à celle développée par Laurent de Premierfait dans sa traduction de Boccace. Comme dans cet ouvrage, le thème du tyran est intimement lié à celui du consentement populaire, ce qui ne peut être une coïncidence. La défense du peuple est enfin un thème cher à Clamanges, qui dénonce ses souffrances dans le De lapsu et y revient bien plus longuement encore tout au long de l’Expositio, dans laquelle il n’hésite pas à affirmer que la noblesse ne cesse d’opprimer le peuple78. Une étude plus approfondie de ce thème permettrait sans doute d’éclairer l’évolution de cette imbrication des notions de patriotisme et de “contrat social” chez les humanistes français de la 1ère et 2 nde génération.

35 Ainsi, les trois auteurs se rejoignent sur la façon globale d’utiliser le concept de “tyran”: loin de la définition actualisée de Jean Petit, qui faisait du tyran celui qui rêve du pouvoir et complote pour l’obtenir, les auteurs combinent une définition plus traditionnelle du pouvoir tyrannique à une défense du consensus unissant le peuple à son souverain et à sa classe dirigeante. Celui qui, à l’inverse du bon souverain, gouverne dans son seul intérêt, de façon arbitraire et surtout contraire à l’intérêt de ses sujets, est un tyran. Lorsque le pouvoir est exercé à des fins mauvaises, peccamineuses, il devient un crime, d’autant plus qu’il fait injure à Dieu, en remettant en cause la hiérarchie sociale instaurée par Lui. Toutefois, les humanistes ne légitiment jamais clairement le tyrannicide, préférant appeler de leurs vœux un royaume dans lequel s’exerce la justice et abandonnant à Dieu le châtiment des tyrans.

Medievalista, 23 | 2018 194

36 D’ailleurs, le 10 septembre 1419, le “tyran” Jean sans Peur est assassiné sur le pont de Montereau et le commanditaire, le dauphin Charles, est évincé de la succession au profit du roi étranger, Henri V, réduisant à néant les espoirs de paix nourris par Chartier et Clamanges. Cependant, la réaction populaire suscitée par l’intervention de Jeanne d’Arc prouve que les humanistes partageaient avec le peuple de France un sentiment patriotique naissant et surtout la confiance en la légitimité d’une divine lignée de rois79.

BIBLIOGRAPHIE

Sources

CHARTIER, Alain – Ad destestationem belli gallici et suasionem pacis. Ed. Pascale Bourgain-Hemeryck – Les œuvres latines d’Alain Chartier. Paris: CNRS, 1977, pp. 225-237.

CLAMANGES, Nicolas – Expositio super quadraginta septem capitula Isaye, Arsenal, ms. 137.

CLAMANGES, Nicolas – De lapsu et reparartione justitie, Bâle, 1519.

CLAMANGES, Nicolas – Epistola CXXXVII, Quoniam princeps illustris. Ed. Lydius – Opera Omnia. Leyde, 1613, T.II, pp. 347-353.

MONTREUIL, J. – Opera IV. Monsteroliana. Ed. Ezio Ornato, Gilbert Ouy, Nicole Pons. Paris: CEMI, 1986, épître 202, pp. 278-279.

PREMIERFAIT, Laurent de – Des Cas des nobles hommes et femmes. Paris, BN, fr.131. Ed. Carla Bozzolo, inédit.

PREMIERFAIT, L. – De l’amitié, Paris, BN, fr.24283.

Sources secondaires

BOCCACE – De Casibus, II, 5, “contra filios tyrannorum”. Ed. P.G Ricci et V. Zaccaria. Milan: Arnoldo Mondadori, 1984.

MONSTRELET, E. – Chroniques. Ed. J.A. Buchon. Paris: Verdière, 1827.

PATERCULUS, V. – Histoire romaine, II. Ed. Baptiste Lescaut. Anvers: Au navire d’argent, 1679.

SAINT AUGUSTIN – De Civitate Dei, Livre V, chap. 19. Ed. J.P Migne – Sancti Aurelii Augustini opera omnia, Patrologie latine 32–47. Paris: Ateliers catholiques, 1844, réimp. Turnhout: Brépols, 1993.

Études

AUTRAND, Françoise – Charles VI. Paris: Fayard, 1986.

BOZZOLO, Carla – “L’intérêt pour l’histoire romaine à l’époque de Charles VI: Laurent de Premierfait”. in Saint-Denis et la royauté, études offertes à Bernard Guenée. Paris: Publications de la Sorbonne, 1999, pp. 109-124.

BOZZOLO, Carla – Un homme populaire et de petite science au service des hommes de pouvoir: l’humaniste Laurent de Premierfait”. in Karen L. Fresco (ed.), Authority of Images / Images of

Medievalista, 23 | 2018 195

Authority: Shaping Political and Cultural Identities in the Pre-Modern World. Kalamazoo: Western Michigan University, 2016, pp. 159-171.

BOZZOLO, Carla – “La conception du pouvoir chez Laurent de Premierfait”. Réimp. in BOZZOLO, Carla (ed. ) – Un traducteur et un humaniste de l'époque de Charles VI: Laurent de Premierfait. Paris: Publications de la Sorbonne, 2004, pp. 53-68

COVILLE, Alfred – Le véritable texte de la justification du duc de Bourgogne par Jean Petit, 8 mars 1408. Paris: Daupeley-Gouverneur, 1911.

COVILLE, Alfred – Jean Petit. La question du tyrannicide au commencement du XVe siècle. Paris: Picard, 1932.

COVILLE, Alfred – “Un ami de Nicolas de Clamanges, Jacques de Nouvion (1372-1411)”. Bibliothèque de l'école des chartes. Paris; Genève: Droz, 1935, tome 96, numéro 1, pp. 63-90.

GAUVARD, Claude – De grace especial. Crime, État et société en France à la fin du Moyen Âge. Paris: Publications de la Sorbonne, 1991.

GAUVARD, Claude – Violence et ordre public au Moyen Âge. Paris: Picard, 2005

GUENÉE, Bernard – Entre l’Eglise et l’Etat. Quatre vies de prélats français à la fin du Moyen Âge. Paris: Gallimard, 1987.

GUENÉE, Bernard – Un meurtre, une société. L’assassinat du duc d’Orléans (23 novembre 1407). Paris: Gallimard, 1992.

LECUPPRE-DESJARDIN, É. – Le royaume inachevé des ducs de Bourgogne (XIVe-XVe siècle). Paris: Belin, 2016.

LEVELEUX-TEXEIRA, Corinne – “Du crime atroce à la qualification impossible. Les débats doctrinaux autour de l’assassinat du duc d’Orléans 1408-1418”. in FORONDA, F.; BARRALIS, Ch.; SÈRE, B. (dir. ) – Violences souveraines au Moyen Âge. Travaux d’une école historique. Paris: PUF, 2010, pp. 261-270

LEVELEUX-TEXEIRA, Corinne – “Le lien politique de la fidélité jurée (XIIIe-XVe siècle)”. in ALLIROT, A-H.; GAUDE- FERRAGU, M.; LECUPPRE, G.; LEQUAIN, É.; SCORDIA, L.; VÉRONÈSE, J. (eds.) – Une histoire pour un royaume (XIIe-XVe siècle). Actes du colloque Corpus regni en hommage à Colette Beaune. Paris: Perrin, 2010, pp. 197-217.

LEVELEUX-TEXEIRA, Corinne – ; RIBÉMONT, Bernard, (dir. ) – Le crime de l’ombre. Complots, conspirations et conjurations au Moyen Âge. Paris: Klincksieck, 2010.

KRYNEN, Jacques – Idéal du Prince et pouvoir royal en France à la fin du Moyen Âge (1380-1440). Paris: Picard, 1981.

SCHNERB, Bertrand – Les Armagnacs et les Bouguignons. La maudite guerre. Paris: Perrin, 1988.

SCHNERB, Bertrand – L’État bourguignon (1363-1477). Paris: Perrin, 1999.

SCHNERB, Bertrand – Jean sans Peur. Le prince meurtrier. Paris: Payot, 2005.

SWANSON, Robert N. – Universities, Academics and The Great Schism. Cambridge: Cambridge University Press, 1979.

JOLLIVET, Lucie – Les humanistes français face aux crises du début du XVe siècle. Rennes 2, 2013. Thèse de doctorat. Disponible en ligne sur theses.fr.

Medievalista, 23 | 2018 196

NOTES

1. À propos de l’histoire de ces théories, on pourra lire avec profit TURCHETTI, M. – Tyrannie et tyrannicide, de l’Antiquité à nos jours. Paris: PUF, 2001. Quelques années avant le meurtre, en 1400, un des modèles du mouvement humaniste français, le chancelier de Florence Coluccio Salutati, termine son ouvrage De tyranno, dans lequel il pose le débat autour du choix de Dante de mettre les meurtriers de César en Enfer. Le tyran ne peut selon lui être tué que sur l’ordre du pouvoir en place et selon la loi, sinon, il s’agit d’un crime. César exerçait le pouvoir légalement, donc Dante a bien placé Brutus et Cassius. La théorie de Salutati est fort intéressante car elle introduit en outre dans la définition de la tyrannie la notion de péché capital, celui d’orgueil. Les humanistes français s’en inspireront sans doute, nous le verrons. 2. Concernant l’assassinat et ses conséquences douloureuses, voir GUENÉE, Bernard – Un meurtre, une société. L’assassinat du duc d’Orléans, 23 novembre 1407. Paris: Gallimard, 1992. 3. Dans cet article, seuls seront analysés certains travaux des trois humanistes que sont Nicolas de Clamanges, Laurent de Premierfait et Alain Chartier. D’autres membres de ce milieu, comme Jean Gerson ou Pierre d’Ailly, ne seront évoqués qu’en filigrane, pour des raisons matérielles, non de pertinence. 4. Ils sont tous deux nés dans la décennie 1360. Laurent de Premierfait meurt cependant beaucoup plus tôt, en 1418, sans doute victime de la peste, alors que Clamanges vit jusqu’en 1437. 5. Nous remercions chaleureusement Carla Bozzolo qui a mis à notre disposition ses travaux inédits concernant Laurent de Premierfait et nous a permis d’en faire l’usage dans cet article. Sans sa généreuse contribution, cet article n'aurait pu être aussi complet. 6. BOCCACE – De Casibus. Ed. P.G Ricci et V. Zaccaria. Milan: Arnoldo Mondadori, 1984, II, 5, “contra filios tyrannorum”. 7. Voir SCHNERB, B. – Jean sans Peur. Le prince meurtrier. Paris: Payot, 2005. 8. 1er siècle après J.C. 9. “Il est licite de repousser la force par la force”. Voir MONSTRELET, E. – Chroniques. Ed. J.A. Buchon. Paris: Verdière, 1827, p. 277 et suivantes, numérisé par Google Books, ainsi que COVILLE, Alfred – Le véritable texte de la justification du duc de Bourgogne par Jean Petit, 8 mars 1408. Paris: Daupeley-Gouverneur, 1911 et COVILLE, Alfred – Jean Petit. La question du tyrannicide au commencement du XVe siècle. Paris: Picard, 1932. 10. Voir GUENÉE, Bernard – Entre l’Eglise et l’Etat. Quatre vies de prélats français à la fin du Moyen Âge. Paris: Gallimard, 1987, pp.188-189. 11. Il s’agit d’un autre ami des humanistes Clamanges et Montreuil et appartenant, comme ce dernier, à la maison d’Orléans. 12. Pour plus de détails sur ces événements, voir SWANSON, R. N. – Universities, Academics and The Great Schism. Cambridge: Cambridge University Press, 1979. 13. COVILLE, Alfred – “Un ami de Nicolas de Clamanges, Jacques de Nouvion (1372-1411)”. Bibliothèque de l'école des chartes. Paris; Genève: Droz, 1935, tome 96, numéro 1, pp. 63-90. 14. COVILLE, Alfred – “Un ami de Nicolas de Clamanges”, p.79. 15. COVILLE, Alfred – “Un ami de Nicolas de Clamanges”, p. 80. 16. Voir LECUPPRE-DESJARDIN, É. – Le royaume inachevé des ducs de Bourgogne (XIVe-XVe siècle). Paris: Belin, 2016, chap. 3, “Opportunisme et éthique en politique”. 17. MONTREUIL, J. – Opera IV. Monsteroliana. Ed. E. Ornato, G. Ouy, N. Pons. Paris: CEMI, 1986, épître 202, pp. 278-279. 18. CLAMANGES, N. – Expositio super quadraginta septem capitula Isaye, Arsenal, Ms. 137, folio 41, 1ère colonne, “Quid de sepulta, me loqui, attinet justitia, cum latrones atque publicos homicidas, aliorum judices intueri licet, ut verum hodie sit quod propheta dixit? ”. 19. GUENÉE, Bernard – Un meurtre, une société, pp. 176-179.

Medievalista, 23 | 2018 197

20. CHARTIER, A. – Ad detestationem belli gallici et suasionem pacis. Ed. P. Bourgain-Hemeryck – Les œuvres latines d’Alain Chartier. Paris: CNRS, 1977, p. 232, parag. 32, “[…] extrema facinora in publicum emergunt”. 21. À ce propos, voir GUENÉE, Bernard – Un meurtre, une société, ainsi que GAUVARD, Claude – De grace especial. Crime, État et société en France à la fin du Moyen Âge. Paris: Publications de la Sorbonne, 1991 et GAUVARD, Claude – Violence et ordre public au Moyen Âge. Paris: Picard, 2005. 22. Concernant les débats autour de ce crime, voir LEVELEUX-TEXEIRA, C. – “Du crime atroce à la qualification impossible. Les débats doctrinaux autour de l’assassinat du duc d’Orléans 1408-1418”. in FORONDA, F.; BARRALIS, Ch.; SÈRE, B. (dir.) – Violences souveraines au Moyen Âge. Travaux d’une école historique. Paris: PUF, 2010, ainsi que “Le lien politique de la fidélité jurée (XIIIe-XVe siècle)”. in ALLIROT, A-H, et alii (ed.) – Une histoire pour un royaume (XIIe-XVe siècle). Paris: Perrin, 2010, pp.197-217. Enfin, LEVELEUX-TEXEIRA, C.; RIBÉMONT, B. (dir.) – Le crime de l’ombre. Complots, conspirations et conjurations au Moyen Âge. Paris: Klincksieck, 2010. 23. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 232, parag. 32. 24. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 50; Isaïe, 10:1, “Ve qui condunt leges iniquas et scribentem injustitiam scribserunt”. 25. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 50, 1ère colonne, “Ecce nominatum contra scribas qui, vel perniciosa principum, assertatione vel spontanea iniquitate, perversa et captiosa, in legum descriptione solent immiscere”. 26. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 50, 2ème colonne, “[…] quibus simplices et ignari per subolas irretiantur cavillationes”. 27. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 66, “Cuncta siquidem et Ecclesie Dei et regni ipsius illic conflata sunt ac suscitata scandala. An non illic excitata sunt inter principes nostros per gladios acutos ac bicipites flammiferarum linguarum bella civilia que regnum plagis inauditis ad exitium universale conficiunt?”. 28. Nous remercions Carla Bozzolo qui nous a fourni “la matière première” de l’analyse qui va suivre en nous confiant une partie de son travail inédit et nous renvoyons à ses articles concernant l’humaniste: “L’intérêt pour l’histoire romaine à l’époque de Charles VI: Laurent de Premierfait”. in Saint-Denis et la royauté, études offertes à Bernard Guenée. Paris: Publications de la Sorbonne, 1999, pp. 109-124; “La conception du pouvoir chez Laurent de Premierfait”, réimp. in BOZZOLO, Carla (ed.) – Un traducteur et un humaniste de l'époque de Charles VI: Laurent de Premierfait. Paris: Publications de la Sorbonne, 2004, pp. 53-68. 29. BOZZOLO, Carla – “L’intérêt pour l’histoire romaine”, p. 120 et suivantes. 30. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes et femmes. Paris, B.N. fr.131, fl. 194. 31. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes, fl. 200. 32. Voir AUTRAND, F. – Charles VI. Paris: Fayard, 1986, pp. 252-253 et 354-355. 33. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes, fl. 202v-203. 34. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes, fl. 199. 35. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 239, parag. 67, “Hanc sillana rabies Rome consecuta est, cujus titulo se pacis auctorem Silla seviens appelavit, cum trucidatis Marianis cujus in conspectu Roma sileret”. 36. PATERCULUS, V. – Histoire romaine, II. Ed. Baptiste Lescaut. Anvers: Au navire d’argent, 1679, chapitre XXV, “Putares Sullam venisse in Italiam non belli vindicem, sed pacis auctorem”. 37. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 229, parag. 18, “[…] quid aliud Cesaris et Pompei bello quesitum est, quam romano sanguine campos fluentes defelentibus oculis intueri”. 38. A ce propos, voir notre article “Le milieu humaniste français et la réhabilitation de la mémoire de Louis d’Orléans” à paraître dans les actes du colloque en hommage à Nicole Pons, aux Publications de la Sorbonne.

Medievalista, 23 | 2018 198

39. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 233, “[...] excutite ergo, viri, excutite fraterno sanguine manibus madentes gladios”. 40. Comme nous l’avons souligné dans notre thèse Les humanistes français face aux crises du début du XVe siècle, soutenue en décembre 2013 à Rennes 2. 41. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 102, 1ère colonne, “[…] sicut Anthonio et Cleopatra apud actionum bello navali devictis […] Virgilius introducit”. 42. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 238, parag. 67. 43. Lettre de Pierre d’Ailly à Gerson, n°44a, Glorieux, ed., p. 221, “Hinc scandala multa secuta sunt, hinc potissime superba, rabies leonis in vos aliosque strenuos tunc fidei defensores crudeliter saevientis, quorum plures in seditione parisiensi sunt inhumaniter trucidati”. 44. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes, fl. 1v-5v. 45. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes, fl. 267. 46. CLAMANGES, N. – De lapsu et reparatione justiciae libellus. Ed. Johannes de Trittenheim. Bâle, 1519, p. 24. 47. CLAMANGES, N. – De lapsu, p. 3. 48. CLAMANGES, N. – De lapsu, p. 7. 49. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 239, parag. 71, “Igitur, bone rex, quem […] patientia vince dementiam, temeritatem clementia reprime. Nam […] mansuetudinis atque humanitatis usu domantur”. 50. Mais le tyran peut également être un prince dissolu et de peu de vertu. Ce point de vue est partagé par les trois humanistes et la critique, acerbe, vise souvent le dauphin Louis de Guyenne, ainsi interpellé par Laurent: “O monstre de homme! O ydole de roy pusilanime qui plus que d’autre doit être fort et magnanime” et méprisé par Clamanges qui le décrit comme “efféminé” et laisse planer le doute sur la rectitude de ses mœurs, puellarum amores, conjugium contemptus. Accusations portées également par le religieux de Saint-Denis et Nicolas de Baye qui soulignent avec perfidie que le jeune homme préfère passer la nuit en compagnie de ses amis plutôt que dans le lit de son épouse... 51. CLAMANGES, N. – De lapsu, p. 19. 52. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 52v, 2e col., “Et super gloriam altitudinis oculorum ejus”, hoc est super gloriam superbie ejus que maxime solet in oculis externis elucere. [...] Eum tria sint precipua potencia, sapientia et bonitas. Tyrannus iste superbissimus duo priora sibi attribuit et tertium autem qui pessimus erat, usurpare non presumpsit sed in tercio signo cum magis defecit”. 53. PREMIERFAIT, L. – De l’amitié, Paris, BN, fr. 24283, fl. 3v. 54. Sur le prince idéal, voir KRYNEN, J. – Idéal du Prince et pouvoir royal en France à la fin du Moyen Âge (1380-1440). Paris: Picard, 1981. 55. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 242, parag. 84, “sancti martires Dyonisi cum sociis, quorum sanguine gallica tellus christianae religioni consecrata est”. 56. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 242, parag. 85. 57. CLAMANGES, N. – De lapsu, p. 5, “Ista autem, nisi fallor, causa est ruina et prostrationis hujus regni preclarissimi”. 58. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 101, “[…] nonnulli Henricum opinantur, regem anglorum esse recenter exinctum, qui fortis et prudens et strenuus erat et mira valde celeritate propter intestina discidia regni francorum partem ingentissimam occupaverat”.

Medievalista, 23 | 2018 199

59. En témoigne la lettre 137, “Quoniam princeps illustris” destinée à Henri V en 1417, dans Lydius (ed.) – Opera Omnia, vol II, Epistolae. Leyde, 1613, pp. 347-353. Dans cette lettre, il fait l’éloge des qualités du roi: piété, justice, culture... et souligne qu’il est celui grâce auquel royaume de France retrouvera sa grandeur passée. Il se conduit presque comme un fonctionnaire de l’Etat, fidèle à la res publica plutôt qu’à la personne du roi, donc fidèle à la couronne comme symbole du royaume. 60. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 18, “[...] regnum ipsum ad hostes transtulit”. 61. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 25v, “[...] per hostes occupatio, regii sanguinis eiecto”. 62. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 103, “[...]” per corone translationem”. 63. Isaïe, 19:4, “Je livrerai les Egyptiens au pouvoir de maîtres cruels, un roi puissant dominera sur eux”. 64. Proverbes, 8:15, “Per me reges regnant et legem conditores justa decernunt”, CLAMANGES, N. –Expositio, fl. 101, 2ème colonne. 65. SAINT AUGUSTIN – De Civitate Dei, Livre V, chap. 19. Dans MIGNE, J.P (ed.) – Sancti Aurelii Augustini opera omnia, Patrologie latine 32–47. Paris: Ateliers catholiques, 1844, réimp. Turnhout: Brépols, 1993, “Per me reges regnant et tyranni per me tenent terram. [...] Apertissime alio loco de Deo dictum est: Quia regnare facit hominem hypocritam propter peruersitatem populi”. C’est par moi que les rois règnent. C’est par moi que les tyrans dominent sur la terre. [...] L’Écriture dit ailleurs de Dieu en termes exprès: “C’est lui qui fait régner l’homme fourbe à cause de la perversité du peuple”. 66. Job, 34:30: “c’est lui qui fait régner l’homme impie, à cause de la perversité / des péchés du peuple”. 67. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 101, 2e col, “Tyrannus enim quod Grecum est, Latine regem fortem notat ipse est, ʺqui regnare facit ʺ, non modo tyrannum, sed etiam ypocritam, ʺpropter peccatam populiʺ, quamquam tyrannus et ypocrita sepius in eandem personam conveniunt et rarus est tyrannus qui non sit ypocrita, rarus insuper ypocrita qui non aliquid de tyranno participet”. 68. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 101, 2e col, “Hunc regem fortem, quia Egyptiis Francis dominaturum, dominus ipse pollicetur, nonnulli Henricum opinantur, regem Anglorum esse recenter exinctum, qui fortis et prudens et strenuus erat et mira valde celeritate, propter intestina discidia Regni Francorum, partem ingentissimam occupaverat, ad spem que corona sua estimatione quasi certam venerat”. Henri V est décédé à Vincennes en 1422, ce qui nous permet de dater approximativement ces lignes, après la mort du roi. Pour Clamanges, il était le “roi puissant” annoncé par Isaïe. 69. L’édition la plus récente est celle de KEATS–ROHAN, K. – Policraticus I-IV. Turnhout: Brépols, 1993. Nous nous référons quand à nous aux extraits cités par HARF-LANCNER, L. – “Les membres et l’estomac: la fable et son interprétation politique au Moyen Âge”. in BOUTET, D.; VERGER, J (ed.) – Penser le pouvoir au Moyen Age, Mélanges Françoise Autrand. Paris: Editions rue d’Ulm, 2000, pp. 111-126. 70. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 241, parag. 78, “Ubi vero tyrannos extraneaque arma moventes supplicia dura concutiunt”. 71. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p.241, parag. 80, “Audi vero, miserande populus cujus pax nutrix est et beatitudo tranquillitas”.

Medievalista, 23 | 2018 200

72. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 241, parag. 78, “[…] impundenter conturbantius a Deo preter tormentum durissimum, opprobrium vile exitusque vite dampnatissimis […]”. 73. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 240, parag. 73, “Sed auferet forsitan Dominum pacem vestram et velut truncos inutiles et qui frustra terra occupant radicitus extirpabit”. 74. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 241, parag. 80, “Audi vero, miserande populus […] excute depulvere servitutis, naturale dominium, cognosce dominium, pacem disce”. 75. CHARTIER, A. – Ad detestationem, p. 241, parag. 81, “[…] fortasse dolis malignis et fallacibus promissis seductus angustii incidisti”. 76. PREMIERFAIT, L. – Des Cas des nobles hommes, fl. 44r. 77. BOZZOLO, Carla – “Un homme populaire et de petite science au service des hommes de pouvoir: l’humaniste Laurent de Premierfait”, Colloque Images of Authorithy and Authorithy of Images / Images du pouvoir et pouvoir des images. University of Illinois at Urbana-Champaign, 29 avril-1er mai 2002, sous presse. 78. CLAMANGES, N. – Expositio, fl. 101v, 2e colonne, “Cepit nobilitas plebem opprimere”. 79. Sur cette question, voir BEAUNE, C. – Naissance de la nation France. Paris: Gallimard, 1985.

RÉSUMÉS

Le 23 novembre 1407, le meurtre avec préméditation de Louis d’Orléans, frère du roi Charles VI, par les sbires de leur cousin Jean de Bourgogne, remet la question du tyran et du tyrannicide au centre des débats entre intellectuels. En effet, après avoir avoué être le commanditaire du crime, Jean sans Peur revient sur ses déclarations et demande à une équipe de théologiens, dirigée par le normand Jean Petit, de préparer sa défense. Cette justification est exposée au public en 1408 et repose sur un argument repris au juriste-consulte Cassius: vim vi repellere licet. Louis aurait été un tyran dont le meurtre aurait été à la fois licite et juste. L’affirmation apparaît comme un écho des débats autour du tyrannicide qui agitent les humanistes italiens depuis la 2ème moitié du XIVe siècle. Mais l’actualité du crime rend la proposition de Jean Petit d’autant plus choquante que la justice royale se trouve paralysée face au refus de l’aveu. Devant l’incapacité de la justice publique à réagir, la famille et les proches du défunt n’ont plus d’autre choix que la vengeance pour obtenir réparation. Le milieu humaniste français, constitué d’humanistes avérés et reconnus, tels Nicolas de Clamanges, Laurent de Premierfait et Alain Chartier, et des universitaires, tentés par ce nouveau mouvement intellectuel, comme Pierre d’Ailly et Jean Gerson, réactivent la polémique italienne en l’adaptant au contexte: Qu’est-ce qu’un tyran? Quelle est la différence entre le tyran et le roi légitime? Est-il licite de tuer le tyran pour sauver le roi? Les humanistes et leurs amis cherchent la réponse la plus juste à ces questions, car l’enjeu est alors immense: la sauvegarde du royaume de France.

On November 23, 1407, the premeditated murder of king Charles’ brother Louis d’Orléans by the henchmen of their cousin John of Burgundy puts the question of the tyrant and tyrannicide at the center of intellectual debates. Indeed, having confessed to ordering the crime, Jean sans Peur goes back on his statement and asks a team of theologians led by the Norman Jean Petit to prepare his defense. This justification is exposed to the public in 1408 and is based upon an argument taken to Cassius: vim vi repellere licet. Louis was a would-be tyrant, so his

Medievalista, 23 | 2018 201

murder was both lawful and good. This assertion seems to be an echo of the debates surrounding tyranicide raging amoung the Italian humanists for half a century. Due to the refusal of confession, the royal justice is paralized; therefore the Justification by Jean Petit is all the more shocking. Faced with the inability of justice, Louis’ family is left with no choice but vengeance. The French humanists milieu, which brings together acknowledged and famous humanists such as Nicolas de Clamanges, Laurent de Premierfait and Alain Chartier, and academics tempted by this new intellectual movement, such as Pierre d’Ailly and Jean Gerson, revive the controversy by adapting it to the context: who can be call a tyrant? What is the difference between a tyrant and a legitimate king? Is it lawfull to kill the tyrant as to save the king? The most appropriate answer to these questions must be found because what is at stake is no less than the French kingdom survival.

INDEX

Mots-clés : Humanisme français, tyrannicide, justice, guerre civile, homicide Keywords : French humanism, tyrannicide, justice, civil war, murder

AUTEUR

LUCIE JOLLIVET

Université Rennes 2, Tempora (EA 7468), UFR Sciences Sociales, 24307-5043, Rennes, França [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 202

¿Representar la legitimidad? Objetos, símbolos y comunicación en las ceremonias públicas del reinado de Fernando I de Aragón Representing Legitimacy? Artifacts, Symbols and Communication in Public Royal Ceremonies during the Reign of Ferdinand I of Aragon

Víctor Muñoz Gómez

NOTA DEL EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 15-12-2017 ¿Representar la legitimidad? Objetos, símbolos y comunicación en las ceremonias públicas del reinado de Fernando I de Aragón / Representing Legitimacy? Artifacts, Symbols and Communication in Public Royal Ceremonies during the Reign of Ferdinand I of Aragon Víctor Muñoz Gómez

1 Cuando el infante Fernando de Castilla fue finalmente proclamado rey de Aragón en Caspe el 28 junio de 1412, se cerraba el interregno iniciado en los reinos de la Corona de Aragón por la muerte sin un heredero definido del rey Martín I en mayo de 1410. La decisión de los compromisarios reunidos en el castillo hospitalario de la bailía de Caspe ratificaba la legitimidad de los mejores derechos a la sucesión al trono por el candidato castellano frente a los del resto de candidatos. No obstante, más allá del proceso de negociación entre las elites de las sociedades políticas de los reinos peninsulares de la Corona de Aragón que desembocó en la sentencia de Caspe, el interregno había

Medievalista, 23 | 2018 203

supuesto un tenso período de enfrentamiento y guerra civil entre las distintas facciones que apoyaron a los principales candidatos al trono, fundamentalmente Jaume de Aragón, conde de Urgell, Luis de Anjou, conde de Calabria, y, en último término, el infante Fernando. Como es bien conocido, el asentamiento firme de Fernando I en el trono de Aragón no quedó certificado hasta la derrota del levantamiento del conde de Urgell contra él en octubre de 1413, por más que los apoyos que Jaume de Aragón logró movilizar en la Corona de Aragón contra el monarca de origen castellano tras Caspe fueron ciertamente escasos frente al mayoritario acatamiento y sustento que recibió Fernando1.

2 Me interesa señalar que las especiales circunstancias del ascenso al trono de Aragón de Fernando “el de Antequera” frente a unos candidatos que, a priori, contaban con mejores y más fuertes apoyos iniciales que él para acabar siendo proclamados como reyes han conducido a focalizar no poco interés historiográfico en el debate sobre la legitimidad del derecho a ceñir la corona de Fernando de Castilla frente a, fundamentalmente, el de Jaume de Aragón, el peso de la fuerza en el resultado final de del compromiso de Caspe o su carácter pragmático. No es mi objetivo aquí entrar en el debate de cuál fue el elemento decisivo que terminó por decantar el resultado de la proclamación de Fernando de Castilla en Caspe como persona con mejor derecho a la sucesión de la casa real de Aragón. Es suficiente referirse, en este sentido, a las opiniones que diferentes autores han desarrollado en las reuniones científicas y publicaciones auspiciadas en torno a los centenarios del interregno y el compromiso de Caspe entre 2010 y 2012 ya citadas2. Si prevaleció el grado de madurez de los agentes sociales y de las organizaciones de la monarquía catalanoaragonesa para canalizar hacia una solución legalista e institucionalizada las tensiones generadas en torno a la elección o si se impuso la orientación de determinados grupos de las elites sociopolíticas de la Corona a lo largo del interregno hasta la agrupación de un sector mayoritario de ellos alrededor de un candidato con derecho al trono pero ante todo valioso para los intereses generales de la monarquía de sus sociedades políticas3.

3 A resultas de esta discusión historiográfico, uno de los aspectos que más ha atraído mi atención como investigador ha sido el relativo a los esfuerzos que el nuevo soberano habría tenido que realizar para afirmar sus derechos legítimos a ceñir la corona ante sus súbditos a lo largo de todo su breve reinado, concluido con su abrupto fallecimiento por enfermedad el 2 de abril de 1416. Pude realizar un primer acercamiento al discurso propagandístico generado en torno a la persona de Fernando “el de Antequera”, de cara a la afirmación de su liderazgo político y social, primero en Castilla, luego en la Corona de Aragón4. A partir de él, se puso de manifiesto la potencialidad que ofrecía el estudio tanto de los conceptos como de las formas de comunicación simbólica que constituyeron de manera efectiva ese mensaje de legitimación elaborado por el nuevo soberano de Aragón de origen castellano y su entorno para los agentes individuales y colectivos de las sociedades políticas de su monarquía. En un primer estudio fue posible presentar esa propuesta de análisis y su posible alcance5. Así, en estas páginas me propongo profundizar en esa problemática ligada a los principios y los medios de representación de sus derechos legítimos al trono de Aragón que el infante Fernando de Castilla promocionó y exhibió ante sus súbditos.

Medievalista, 23 | 2018 204

1. Comunicación simbólica y propaganda: fuentes para un reinado

4 Como señalaba más arriba, me interesa no sólo incidir en la valoración de las nociones centrales manejadas para la exaltación de la majestad y legitimidad del rey Fernando, sino ir un paso más allá al preguntarme por la forma en que tuvieron efecto muchos de los procesos de comunicación política entre el nuevo monarca y los agentes sociales de sus nuevos reinos de la Corona de Aragón entre 1412 y 1416. Para ello parece especialmente apropiado analizar los espectáculos elaborados para tal fin, la celebración de la presencia, dignidad y autoridad de la persona regia, durante su reinado. La monumentalidad y grandiosidad de muchos de ellos daban lugar a una plasmación de enorme plasticidad y efectividad comunicativa de la argumentación conceptual y simbólica manejada por la monarquía para la manifestación ceremonial de su poder6, de modo que el análisis de dichos festejos podría darnos algunas de las claves en torno al discurso de legitimación elaborado alrededor del rey Fernando y desplegado ante sus súbditos.

5 Así, no son pocas las aportaciones historiográficas para las monarquías bajomedievales ibéricas en general y para la Corona de Aragón más en particular que se han ocupado de incidir en el papel de dichos espectáculos ligados al ceremonial real. Más aún, la valoración propagandística de los desarrollados en el reinado de Fernando I de Aragón, a partir de las posibles necesidades legitimadoras del rey ante la falta de apoyo unánime en su ascenso al trono, ha dado no pocos frutos7. Entonces, a la hora de elegir el objeto de estudio a tratar, se ha tenido en cuenta, por un lado, el peso de esta trayectoria de análisis alrededor del problema que aquí nos ocupa y, por otro lado, la disponibilidad y potencialidad contrastada de fuentes documentales y literarias aptas para afrontar esta investigación. Por ello, se decidió atender al simbolismo desplegado en las representaciones escénicas encargados para ellas, formas de arquitectura efímera, juegos caballerescos, etc. desarrollados en, prioritariamente, dos contextos especialmente destacados para el despliegue simbólico del discurso propagandístico del rey. Primero, la propia coronación de Fernando I y de su esposa, Leonor de Alburquerque, en Zaragoza en febrero de 1414. En segundo término, las entradas reales del monarca, la reina consorte y el príncipe heredero en las principales ciudades de la monarquía catalanoaragonesa entre 1412 y 1415 motivadas por distintas circunstancias.

6 Así, ya desde los años 80 del siglo XX distintos autores habían puesto de relieve el valor central, como expresión más acabada de representación de la legitimidad del rey Fernando, tras la derrota y condena del rebelde conde de Urgell, de los festejos ligados a su coronación. Así evocó de forma muy somera Angus MacKay algunos de los principios argumentales manejados en ella y ligados a la devoción a la Virgen María por parte de Fernando8. Tales celebraciones, en cualquier caso, se desarrollaron en Zaragoza entre los días 10 y 19 febrero de 1414 en diferentes escenarios dentro la capital aragonesa, destacadamente, la iglesia catedral, la Seo, y el palacio de la Aljafería, pero sin olvidar el propio papel de las calles de la urbe como espacio escénico de primer orden de desfiles procesionales y entremeses. Estos aspectos han sido analizados con mayor profundidad, prioritariamente, por Roser Salicrú, en un sentido más ligado a la preparación logística de todos los actos de la coronación, y por Francesc Massip, desde el punto de vista del estudio de los espectáculos escénicos desplegados en esos días y de su contenido simbólico9.

Medievalista, 23 | 2018 205

7 En ese sentido, los investigadores citados han podido beneficiarse del acceso a dos conjuntos de fuentes. Por una parte, como bien denota el trabajo de la profesora Salicrú, los registros documentales de la Corona, tanto aquellos de la cancillería como los de tipo contable formados bajo la supervisión del maestre racional del rey, conservados en el Archivo de la Corona de Aragón en Barcelona. Éstos aportan noticias en general someras, ligadas al coste de la preparación de los espectáculos escénicos o la petición del envío a Zaragoza desde algunas ciudades de la monarquía ciertos artilugios ya utilizados en otros entremeses con el fin de ser reutilizados durante los juegos y diversiones que se preparaban10. Todo ello nos aporta una cierta idea en torno a las instrucciones emanadas desde el entorno regio para el diseño de unos fastos que obedecían a una lógica de comunicación simbólica claramente intencional y que pretendía primar la expresión de ciertas ideas de un modo muy claro en beneficio de la imagen pública del rey11. Por otra parte, al fin, el conocimiento de los acontecimientos de la coronación y del ceremonial en ellos desplegado se basa, en cambio, en fuentes de naturaleza cronística. De hecho, son las crónicas reales castellanas las que más detalladamente han dado cuenta del relato de las fiestas de la coronación a partir de la narración de Álvar García de Santa María en su Crónica de Juan II de Castilla, habiéndose conservado la parte del texto relativa a dicha coronación en los manuscritos editados por Donatella Ferro12.

8 Por lo que se refiere a las entradas reales, este tipo de acontecimiento ceremonial ha sido objeto de gran interés por parte de los estudiosos de la comunicación política y la representación del poder en el Occidente bajomedieval. Los distintos estudios que ha discurrido en torno al sentido de los actos y espectáculos desarrollados alrededor de la recepción de las personas reales en las ciudades de su monarquía han subrayado el carácter fundamentalmente urbano de las ceremonias de entrada real. Así, aunque sin duda su cometido era remarcar la dignidad y honra del monarca, eran las autoridades municipales las que primordialmente controlaban la organización de dichos espectáculos, atendiendo a prácticas y tradiciones de recibimiento y representación del rey, en buena medida, autónomas. De este modo, a través de las ceremonias de entrada real, los grupos dirigentes de las sociedades políticas urbanas pretendían resaltar prioritariamente la propia identidad y honra de la ciudad en su relación con el rey dentro del cuerpo político de la monarquía, en términos variables, de sometimiento, de acatamiento pero también de negociación o de pacto, de modo que el lenguaje simbólico desgranado en dichas ceremonias servía para escenificar los distintos sentidos cambiantes de los vínculos entre la ciudad y la Corona13.

9 En esta línea se ha movido la interpretación de quien ha estudiado de forma más reciente y de forma más exhaustiva muchas de esas ceremonias de entrada real en Barcelona desde el final del siglo XIV y durante el siglo XV, Miguel Raufast. Éste se ha ocupado, a partir de documentación real del Archivo de la Corona de Aragón y de la de origen municipal barcelonesa (Llibres del Consell y Clavaria, fundamentalmente), complementada con noticias cronísticas, de analizar de forma comparada las prácticas de representación en dicha ciudad ligadas a la entrada real con ocasión de la protagonizada por Martín I en 1397 y luego por Fernando I en 1412, amén de las realizadas por sus sucesores Trastámara a lo largo del siglo XV, con el fin de detectar posibles modificaciones en el sentido del ceremonial que pudieran denotar nuevas necesidades representativas ligadas a la legitimación dinástica de estos monarcas de origen castellano14. Sin embargo, las posibilidades de estudio comparado no quedan

Medievalista, 23 | 2018 206

aquí. Centrándose en aspectos escénicos y de representación simbólica, también Francesc Massip ha tratado las entradas reales en Barcelona en el último tercio del siglo XIV y el siglo XV, ampliando esta pesquisa también a las entradas realizadas en la ciudad de Valencia15. En ese sentido, la conservación en Valencia entre la documentación municipal de los llibres de l’entrada relativos a la realizada por Martín I en 1402 y a las que protagonizaron Fernando I, su esposa y el infante primogénito Alfonso y su prometida, la infanta María de Castilla, para su matrimonio en la ciudad entre diciembre de 1414 y los primeros días de 1415, ambos recientemente editados16, nos dotan de un material de extraordinaria riqueza para el análisis de tales aspectos. A partir de dichos libros es posible hacer un seguimiento muy puntual de los preparativos de los distintos festejos previstos para la entrada, de la construcción de complejos entremeses destinados a dignificar la presencia del monarca en la ciudad y de los diferentes elementos que los componían, pudiendo en gran medida reconstruirlos e interpretar su significado e intencionalidad, como así han hecho el citado Massip o María Milagros Cárcel Ortí y Juan Vicente García Marsilla por lo que respecta a los distintos entremeses que se prepararon para la entrada real de Fernando I17.

10 Sin duda, otras ceremonias de representación del poder real y con un sentido de comunicación política pública abierta pueden ser objeto de análisis y serán tenidos en cuenta en esta pesquisa, si bien en un segundo plano a causa del menor conocimiento documental o literario que tenemos de ellas a día de hoy. Es el caso de las distintas liturgias desarrolladas en torno al sitio de Balaguer durante el otoño de 1413 y la final entrada del rey victorioso en la ciudad rendida a él por el conde de Urgell, de las vistas desarrolladas en Morella entre Fernando I y el antipapa Benedicto XIII, en verano de 1414 o las negociaciones entabladas entre el rey de Aragón, el emperador Segismundo y el papa Luna en Perpiñán a final del año 1415, en relación con la problemática ligada a la resolución del cisma de la Iglesia. Los tres contextos son narrados con notable detalle en diferentes fuentes historiográficas, como la citada Crónica de Juan II de Castilla de Álvar García de Santa María, la Crónica de Juan II de Castilla de Fernán Pérez de Guzmán, las Recordanzas en tiempos del Papa Luna de Luis Panzán o los Anales de Aragón de Jerónimo Zurita18. Sobre otras entradas reales y el ceremonial que en ellas se exhibió, como la realizada en Zaragoza por Fernando I a primeros de agosto de 1412 por desgracia, a día de hoy, no contamos con mayores noticias. Es de esperar que la información sobre estos momentos de representación simbólica del poder del rey Fernando I de Aragón pueda ampliarse en un futuro gracias al acceso a registros documentales del Archivo de la Corona de Aragón y a fuentes municipales.

2. Usos representativos y conceptos para la exaltación del poder real: continuidad, reinterpretación e innovación

11 La consideración de manera comparada de los momentos de expresión ceremonial arriba referidos ya puede ser objeto de evaluación a la hora de proponer respuestas sobre el sentido del discurso desarrollado al servicio del rey Fernando I de Aragón y su encaje dentro de un contexto de presumible legitimación tras Caspe y la rebelión del conde de Urgell. Las aportaciones historiográficas, incluidas las mías propias, que se han ocupado de trabajar esas entradas reales y las fiestas de la coronación, con la simbología en ellas manejada, lo permiten. En este sentido, podía entenderse todo el

Medievalista, 23 | 2018 207

ceremonial y festejos de la coronación como un punto cumbre ciertamente excepcional en la exaltación de la figura de Fernando “el de Antequera” en su acceso a la dignidad real pero, en todo caso, éste no dejaba de encajar dentro de la evolución de un discurso y un lenguaje representativo conformado progresivamente en torno a la figura de este personaje desde su época como infante de Castilla, el cual se iría enriqueciendo para mayor afirmación de las cualidades y valores que adornaban a este príncipe durante la regencia de su sobrino Juan II de Castilla y al calor de la guerra contra Granada, entre 1406 y 141019. Es por ello que el análisis detallado del ceremonial desplegado en los momentos de exaltación pública de la persona del nuevo rey de Aragón desde 1412 permite observar, como expondré a continuación, una lógica que se ordenó en un sentido triple. En primer lugar, mediante la adopción de fórmulas del ceremonial regio tradicional de los reyes de Aragón o el recurso sin alteraciones de significado a fórmulas representativas ya manejadas en los reinados de sus antecesores, tanto por iniciativa propia como a partir del concurso de instituciones y fuerzas sociales de la monarquía en actos de recepción o celebración de las personas reales. En segundo lugar, a través la reconducción de algunos de estos espectáculos ya conocidos en tiempos anteriores en servicio del discurso que pretendía escenificar el rey y su entorno. Para ello, se procedería al mantenimiento completo o de una parte sustancial de la forma de los elementos representativos mientras que el significado de los mismos o del conjunto era objeto de reinterpretación con el fin de ensalzar la figura del rey, de la reina o de sus hijos. En tercer y último lugar, la consecuencia lógica en la construcción de un nuevo significado para este tipo de espectáculos del ceremonial regio sería la elaboración de significantes también nuevos, con objetos integrados en la representación de nuevo cuño. Éstos, aunque pudieran integrarse en usos y tradiciones propias de la sociedad del momento en el Occidente bajomedieval, supondrían innovaciones en cuanto a la concepción y manifestación de la condición, dignidad y autoridad del rey, las cuales venían así a integrarse en el discurso de comunicación simbólica de la monarquía catalanoaragonesa a partir de las necesidades del nuevo monarca Fernando I de definición de su poder.

2.1 Conceptos, imágenes simbólicas y espectáculos para un reinado: de la coronación a otros contextos ceremoniales

12 Partiendo, entonces, de estas consideraciones, se puede afirmar, en primer lugar, que Fernando y su entorno no dejaron de adaptarse al ceremonial cortesano de Aragón, Así, el ceremonial de la coronación de Fernando y su esposa Leonor se adecuó de forma estricta a las ordinacions para tal efecto dispuestas por Pedro IV el Ceremonioso20. No en vano, y de acuerdo con ellas, Fernando veló armas en la noche víspera de su coronación en el sitial preparado al efecto sobre un gran tablado en el crucero de la Seo de Zaragoza21. Del mismo modo, esa noche de vísperas el rey vistió parcialmente ropajes blancos22, los cuales, el domingo 11 de febrero, para la ceremonia de ese día, una vez procedió a armarse él mismo caballero, cambió por otros en los que predominó claramente el blanco con detalles y borduras carmesíes, doradas y con amplia presencia de aljófar y otra pedrería en las calzas, zapatos, hábito, cordón, casulla, túnica y dalmática23. De esta guisa fue ungido por el obispo de Huesca para posteriormente tomar directamente del altar la corona, el cetro y el orbe en él depositados procesionalmente por sus hijos Alfonso, Juan y Enrique, respectivamente, para ceñirla en su cabeza y portarlos sin intermediación alguna24. Del mismo modo, Leonor también

Medievalista, 23 | 2018 208

veló el martes 13 para ser ungida y coronada el miércoles 14 de febrero, unos días después de la coronación de su esposo, con arreglo a los dispuesto en las ordinacions, exhibiendo vestiduras blancas diferentes en ambas jornadas, pronunciando las palabras contenidas en tales ordenanzas, ungida por el obispo de Huesca y ceñida la corona por su propio marido Fernando25.

13 Por otra parte, como ya he señalado, también se aprovecharon y adaptaron determinados elementos representativos ya previamente conocidos dentro de los espectáculos asociados a su coronación y sus entradas reales. Así puede deducirse de algunas partes de los entremeses que se preparaban para la entrada en Valencia del rey desde 1413, enviados e integrados en el llamado “entremés del Cisma” y en el de “de la Jarra de Santa María” en el banquete de la coronación del rey Fernando26. Algunos fragmentos de los cielos que aparecen en el “entremés de mestre Vicent” y del entremés de la “Divisa del senoyr rei” en Valencia, como las nubes o la torre, fueron utilizados en los espectáculos de Zaragoza27. También ese fue el caso de los ángeles presentes en los cielos móviles preparados para el “entremés del Cisma”28. Mientras, se pidieron a Barcelona expresamente tres entremeses completos o las figuras animales principales de ellos, llamados “[...] lo Drach e l’Àguila e lo Basilisç” conocidos a partir de su presencia en la entrada real en dicha ciudad por el rey Fernando y que pueden rastrearse en la entrada real de Martín I en Barcelona, además de, luego, en la entrada real de Alfonso V en 1423 y en las festividades de Corpus de la ciudad condal del siglo XV29, para componer el águila y el grifo que se usarían en el entremés final del banquete, igual que las siete cabezas de demonio que se utilizaron en el “entremés del Cisma” para los Siete Pecados Capitales que se opusieron a las Siete Virtudes30.

14 En las situaciones citadas nos encontraríamos más bien con el aprovechamiento de determinados elementos escénicos pertenecientes a otros entremeses para su integración en nuevos espectáculos al servicio de una nueva significación conjunta, sobre la que luego se podrá volver. No puede compararse, en cualquier caso, el manejo de piezas de utilería que servían para construir las escenografías o caracterizar a algunos de los personajes más secundarios con la integración de figuras con valor simbólico y protagonismo más claro en el discurso del espectáculo evidente, como es el caso del águila y el grifo arriba citados. Ambos animales aparecían combatiéndose en el “entremés de la Jarra de Santa María”, y que remitían directamente a la monarquía y a su autoridad espiritual y temporal, en una lectura celeste, en el caso del águila, mientras que la interpretación del grifo se podía hacer, dentro del entremés, en su carácter de bestia sobrenatural ligada al castigo del pecado cuyo combate reflejaba una acción de evidente sentido heroico dentro de la ética caballeresca31. Cabe, sin embargo, citar que también se dieron situaciones en que algunos de los entremeses ya representados en espectáculos de coronación o entrada regia en momentos anteriores en la Corona de Aragón fueron adoptados sin variación. Es muy representativa de esta adopción de espectáculos exitosos ya manejados en otros festejos la del entremés del triunfo de la Muerte. Escenificado en la entrada real de Martín I en Barcelona en 1397 y luego en la de Fernando I en esta misma ciudad 1412, fue solicitado por el rey para su inclusión, por dos veces, entre los entremeses de los banquetes en el palacio de la Aljafería que sucedieron a las coronaciones de los reyes Fernando y Leonor32. En este caso, la integración desde el ceremonial cívico al ceremonial monárquico de un tema de sentido alegórico y contenido moralizante por otro lado muy popular en la época no

Medievalista, 23 | 2018 209

representaba mayor problema, al no generar ningún conflicto interpretativo en el conjunto del discurso propagandístico del rey.

15 En cualquier caso, es francamente relevante que los entremeses del “Cisma” y de la “Jarra de Santa María” de la coronación fueron el resultado de un rechazo claro por parte del rey Fernando y su entorno al espectáculo original en que iban a basarse, pues se consideró inadecuado el sentido de la escena en él representado. Así parece deducirse por el enorme parecido entre uno de los entremeses que preparaba el consell de Valencia para la entrada real de Fernando I desde 1413, el de la “Divisa del senoyr rei”, en el que luego me detendré, y otro entremés que se estaba diseñando para las fiestas de la coronación en Zaragoza, en el que había de aparecer la Virgen María y diversos ángeles para servir al rey en su mesa. Finalmente, el monarca ordenó que tal escena no se incluyera en los fastos del banquete al entender que esta imagen era poco digna para la ocasión33. La interpretación de Francesc Massip de la carta dirigida al baile general de Valencia relativa a este asunto vendría a confirmar lo que otras evidencias ya señaladas apuntaban: el origen valenciano de una gran parte de los elementos escénicos incluidos en estos dos entremeses de la coronación34. Sin embargo, a lo que se procedió fue a una completa restructuración de aquella escena. De ese modo, en ninguno de los espectáculos del banquete del 11 de febrero aparecía la Virgen María y sendos ángeles se presentaban ante el rey como mensajeros, uno en el “entremés del Cisma”, otro al inicio del de la “Jarra de Santa María” expresamente como enviado de la Virgen, anunciándole ambos cómo había sido elegido por Dios y por María para el ejercicio de la potestad real y el desempeño de las misiones a ellas vinculadas: el liderazgo unido de sus reinos y súbditos y la resolución del cisma de la Iglesia en favor del legítimo pontificado del papa Luna35. El resultado eliminaba cualquier equívoco respecto una posible imagen utilitaria de la intermediación divina por parte del rey, manifestándose con cuidado la subordinación de Fernando a su designio por Dios, protegido por su Madre, para ostentar la corona de los reinos de Aragón.

16 Sin embargo, como ya decía, la integración de elementos simbólicos que podían ligarse con el discurso de exaltación de las virtudes y cualidades personales de la persona del rey Fernando, elaborado al menos desde 1403 fue especialmente relevante. En él confluían elementos más o menos originales generados en el entorno de Fernando desde sus años como infante de Castilla pero también otros que remitían a formas de la sacralización de la monarquía y de las personas regias en Castilla desde, al menos, los tiempos de Alfonso XI, si no anteriormente: la elección providencial de Fernando, manifestada a través de la especial protección prestada por la Virgen María y la devoción a ella, la promoción de los valores de la caballería y la incidencia en el liderazgo cruzado en la guerra contra los musulmanes para la “recuperación de España”36. Articulados todos estos principios alrededor de la orden caballeresca de la Jarra y el Grifo, fundada por el infante Fernando el 15 de agosto de 1403, como vehículos de la devoción mariana y la promoción del ideal caballeresco y príncipe en torno a Fernando, su presencia en el ceremonial real de éste a partir de su acceso al trono de Aragón resultó más que destacada. No podía ser de otro modo, pues tal expresión de la virtud y cualidades del príncipe se convertía en la mejor manifestación de la elección providencial que se habría hecho en Fernando para acometer las distintas empresas desarrolladas en su vida y, al fin, ascender a la máxima dignidad regia en Aragón.

Medievalista, 23 | 2018 210

17 No es posible ahora extenderse en un análisis completo de todos los elementos a considerar en este sentido en el conjunto de las ceremonias de representación pública de las personas reales en el reinado de Fernando I. En todo caso, sí querría atender a algunos aspectos de especial relevancia ligados a los citados festejos de la coronación de Zaragoza y las entradas reales que vengo analizando, comenzando por subrayar cómo la jarra con las azucenas de la Virgen, el grifo y la banda blanca, símbolos de dicha orden de caballería, aparecieron con profusión durante las fiestas de la coronación.

18 Así, es cierto que el recurso a vestiduras blancas por el rey estaba estipulado en las ordenaciones de esta ceremonia, pero también entroncaba con el uso representativo de este color en las celebraciones de la hermandad caballeresca fundada y liderada por Fernando37. Las jarras también aparecían adornando el sitial del rey en la ceremonia que precedió a la vela de armas del rey en la Seo de Zaragoza el 10 de febrero, utilizado también en la misa en la capilla de Lope de Luna de la catedral que precedió el domingo 11 a la toma de caballería del rey y su posterior coronación38. También las jarras fueron portadas en sus vestiduras el día de ella, tal y como se ha señalado, e igualmente el rey cabalgó en su desfile solemne, de la Aljafería a la Seo y de la Seo a la Aljafería los días 10 y 11 antes y después de ser coronado, respectivamente, sobre un caballo con gualdrapa “[...] del mesmo paño que sus vestidos [...]”, lo que presumiblemente remite, más que a que fueran blancas, a que lucían las armas reales39.

19 Mientras, en el “entremés de la Jarra de Santa María”, ya nombrado y que sucedía al del “Cisma” en el final del banquete de la coronación del rey, los aspectos providenciales marianos, de virtud caballeresca y liderazgo guerrero asociados a Fernando como rey de Aragón pasaron a primer plano. En él, un niño ataviado con ropajes con las armas reales de Aragón y blandiendo una espada, salía de una jarra de azucenas de plata depositada en el centro de un castillo para derrotar al grifo que, acompañado por “moros alarbes”, lo atacaba, tratando de vencer a sus defensores: seis doncellas y un águila dorada, aportada como se vio por el consell de Barcelona, a la que se añadió corona y, al cuello, el collar de la orden de la Jarra y el Grifo40. Las imágenes alegóricas del rey Fernando, son tremendamente expresivas: como protegido por la Virgen y enviado por Dios, defendiendo a su nuevo reino y a la propia dignidad real frente al Mal, representado por el grifo en su faceta de animal bestial acompañado por esos “moros”, los cuales fácilmente reflejan a los paganos contra los que el infante, al frente de la hermandad de la Jarra y el Grifo, según rezaban sus estatutos, se comprometía a luchar en defensa de la iglesia, los pobres y los huérfanos41. Esta manifestación providencial de la elección del rey Fernando ya había sido presentada previamente durante el banquete. Así, en la representación primera de los “círculos del Paraíso” que iniciaba el banquete y su propia recepción, los cielos se hallaban rematados por dos niños, uno de los cuales coronaba al otro “[...] a remembrança de quando Dios coronó a la Virgen [...]”, lo cual podría evocar a su vez la propia coronación del rey Fernando, fruto último de la voluntad divina y que de algún modo se sancionaba con esa semejanza a la Coronación de la Virgen42. Mucho más evidente resultaba, en cualquier caso, que en el final del “entremés del Cisma” apareciera un ángel ante la mesa del rey, bajando de los cielos escenificados y entregándole, como embajador de la Virgen, una jarra dorada con azucenas como su señal “[...] que por siempre truxesse en su conquista [...]”, designándole, en un ilustrativo gesto legitimador, como su predilecto para las empresas que hubiera de acometer43. Esos proyectos, a razón del desarrollo de los espectáculos del banquete, apuntaban hacia el justo gobierno de sus reinos, la

Medievalista, 23 | 2018 211

resolución del cisma en favor de Benedicto XIII y, de un modo más implícito, la continuación de la guerra contra los musulmanes y su expulsión de suelo hispano como máxima expresión de su liderazgo como príncipe y caballero cristiano, que se evocaba en el combate contra el grifo y los “moros”44.

20 Este tipo de imágenes conceptos que vinculaban a Fernando I de Aragón con su elección providencial quedo reflejado en las habituales prácticas devocionales marianas y de hermandad caballeresca que durante todo su reinado giraron alrededor de la orden de la Jarra y el Grifo. Buen ejemplo de ello puede apreciarse en la continuidad en la celebración de la fiesta de la Asunción, ligada a citada orden desde su fundación en 1403 como festejo mayor de la hermandad45, dentro de las solemnidades periódicas de la corte aragonesa, como se ha podido documentar en las ocasiones del sitio de Balaguer en 1413 o de las vistas en Morella con Benedicto XIII en 141446. Otro tanto puede decirse la difusión de la imagen del rey tejida en torno a la divisa caballeresca de la Jarra y el Grifo y el propio fomento de esta corporación como orden propia de la monarquía aragonesa, dejando de lado órdenes y divisas fundadas por sus antecesores como la de Sant Jordi d’Alfama, de Pedro IV, las divisas del Cinyell, del Águila y de la Corona Doble, de Juan I o aun la divisa de la Lleoparda y las empresas de la Corretja y de la Garrotera, de Martín I47.

21 La falta de evidencias que muestren que alguna de estas órdenes o divisas de sus antecesores fuera adoptada y mantenida por Fernando I contrasta con el esfuerzo de promoción de la Jarra y el Grifo, no sólo a partir de la exhibición pública dentro del ceremonial de distintos actos representativos, como estamos viendo, sino también mediante su profusa concesión entre los criados de su casa, los súbditos de sus reinos y aun caballeros y monarcas de otros lugares de la Cristiandad. En este sentido pueden ser ilustrativos dos ejemplos. Por un lado, la investidura de 80 caballeros con la divisa de la Jarra y el Grifo tras la misa solemne que sucedió a la capitulación y entrada en Balaguer el 5 de noviembre de 141348. La toma de Balaguer al conde de Urgell, como un hecho de armas extraordinario que, igual que otras ceremonias de excepcional lustre político y simbólico, podía ser escenario para las no demasiado habituales investiduras caballerescas bajomedievales, fue aprovechada para la extensión de toda una serie de lazos de interdependencia personales entre los fieles del rey y hacia él mismo a través de su integración dentro de la hermandad por él liderada. Por otro lado, merece la pena traer a colación el intercambio entre Fernando I y el emperador Segismundo del emblema de la Jarra por el de la Sociedad del Dragón del emperador en el contexto de sus entrevistas en Perpiñán a final de 1415 para la búsqueda de acuerdos en la liquidación del cisma de la Iglesia junto con el antipapa Benedicto XIII49. Este acto de amistad en torno a ideales de caballería, en pos del reforzamiento de los tratos diplomáticos entre ambos, quedó sellado con más fuerza a partir del envío de la embajada de en diciembre de ese año a Aviñón, a lo largo de la cual impuso la divisa de la orden del rey de Aragón al emperador Segismundo, al conde palatino de Hungría, Nicolás Garai el joven, el polaco Luis II, duque de Brieg, mossen Steve, que portaba ceremonialmente la espada del emperador, y otros seis caballeros más. A cuenta de ello, solicitó Segismundo el derecho para poder otorgar el emblema de la Jarra a otros 30 caballeros, despachando sus embajadores al rey de Aragón en 1416 para que impusiese a Fernando y a sus hijos los infantes Alfonso y Pedro el emblema de la Societas Draconistrarum del emperador, en tanto rey de Hungría50.

Medievalista, 23 | 2018 212

22 Atendiendo a lo expuesto, el elemento de virtud y liderazgo caballeresco ostentado por el rey Fernando I de Aragón se manifestó como de especial importancia a la hora de construir la imagen externa del monarca que fue presentada en diversos actos con fuerte contenido ceremonial de mayor o menor publicidad ante los naturales de sus reinos y dignatarios y príncipes extranjeros. La orden de la Jarra y el Grifo, en la medida en que escenificaba la relación especial establecida entre Fernando “el de Antequera” y la Providencia a través de la devoción y protección de la Virgen María, resultó crucial en ese sentido aunque no fue la única muestra de ese afán por evidenciar la condición ideal de caballero del rey. La propia coronación en Zaragoza vuelve a ofrecernos evidencias de enorme peso al respecto, al ser la vela de armas y toma de caballería por parte de Fernando los episodios previos a la propia unción y coronación y, de hecho, venir a manifestar, a través del ejercicio de la investidura caballeresca, la propia superioridad de la dignidad real y de su titular sobre sus reinos51.

23 Ya de por sí la vela de armas del sábado 10 de febrero planteaba esta situación, al menos en dos sentidos. En primer lugar, porque no sólo el rey Fernando velaría armas esa noche, sino que también lo hicieron sus hijos Alfonso y Juan y los hijos del condestable de Castilla Ruy López Dávalos, Pedro y Beltrán, quienes recibirían la caballería el día de la coronación de manos del rey y de forma subordinada a la propia investidura del soberano52. En segundo lugar, porque por más que el rey aún hubiera de protagonizar su propia toma de caballería, eso no impidió que, en el salón de los Mármoles de la Aljafería, antes de partir para la catedral zaragozana, Fernando armara públicamente (“[...] mostrándose a las gentes de muchas partes que ende estaban [...]”) a seis caballeros53.

24 Según estos indicios, la potestad monárquica parecía llevar implícita la capacidad para conferir el rango de caballeros a otras personas sin ser condición necesaria entre sus titulares el haber recibido una investidura formal como tales. Este hecho de algún modo también quedó expresado en la medida en que los infantes Alfonso y Juan, tras la coronación de su padre, no fueron sometidos a ninguno de los rituales propios de la toma de caballería – ceñirles la espada a la cintura, espaldarazo o cachetada, recepción de los toques de espada sobre los hombros – sino que simplemente fueron investidos como príncipe de Gerona y como señor de Lara, respectivamente, por su padre, siéndoles impuestos chapeletes y mantos, además de una verga de oro para el infante primogénito como príncipe y heredero54. Más evidente a la hora de mostrar la superioridad que correspondía a la persona regia en relación con esta atribución resulta que, en efecto, Fernando tomó caballería por su propia mano: una vez fue bendecida la espada sobre el altar por el obispo de Huesca, él mismo la ciño para después darse la cachetada en la mejilla y blandir tres veces la espada, tras lo cual la desciñó y puso sobre el altar, dejándose poner las espuelas doradas por el infante Enrique, maestre de Santiago, su hijo y por su primo el duque de Gandía55.

25 Las ordinacions de Pedro IV tipificaban la toma de caballería por la propia mano del rey, siguiéndose, pues, este modelo, si bien fue su padre Alfonso IV el primer monarca aragonés que sabemos que se armó a sí mismo caballero en la ceremonia de su coronación en 132856. Con todo, tampoco puede dejarse de lado que, junto a la necesaria observancia en este punto del ritual tradicional de la Corona de Aragón, Fernando I también contaba con otro poderoso referente a la hora de establecer en torno a la caballería un vínculo privilegiado en la transmisión del poder de forma directa de Dios al rey: su propia herencia castellana, normalizada en la coronación de Alfonso XI en

Medievalista, 23 | 2018 213

1332, de autoinvestidura caballeresca del rey, practicada también por el propio padre de Fernando, Juan I, en 137957. Ya se contase con una estatua articulada de Santiago Apóstol con el fin de dar el espaldarazo al rey, como se indica que ocurrió en la Crónica de Alfonso XI, o no fuera así y Alfonso XI y Juan I procedieron a actuar por su propia mano58, las tomas de caballería de ambos reyes castellanoleoneses en su coronación venían a reafirmar la autonomía respecto a cualquier mediación clerical entre Dios y el rey para la transmisión de su poder. Tal hecho hundía sus raíces en la toma de armas de Fernando III en 1219 y en la posterior de Alfonso X, si bien en 1221 Jaime I de Aragón reprodujo la acción de tomar la espada del altar y ceñírsela él mismo y sus sucesores Pedro III y Alfonso III actuaron del mismo modo59.

26 Ambas tradiciones, catalanoaragonesa y castellanoleonesa, bien parecen confluir en la investidura de la coronación de Fernando I, afirmando a partir de dicho acto caballeresco la autoridad y legitimidad del rey, basada en esa concepción simbólica de comunicación directa del poder de Dios al monarca. Aquél, en todo caso, insistió en la explicitación de su relación directa y virtuosa con la Virgen, presente en el conjunto de las celebraciones de la coronación de febrero de 1414, enunciando, al vestir las ropas previstas para la vela de armas, cómo eligió camisa y paños con braguero con hebilletas y troperas, todo en blanco, “[...] a significança que dende en adelante que usasse de castidad, de la qual virtud el dicho señor rey es fama que siempre uso como devoto caballero de Sancta Maria [...]”60. Una vez más devoción, virtud personal y elección providencial mariana, ejes por otra parte de un modelo de religiosidad intensamente cultivado por el linaje real castellano desde, al menos, los inicios del siglo XIII y bien transmitido entre los primeros monarcas Trastámara en la segunda mitad del siglo XIV, a menudo con un perfil caballeresco evidente, vienen a reforzar los elementos ligados al ejercicio y liderazgo en el orden de caballería del discurso legitimador de Fernando I61.

27 No hay lugar en este momento a profundizar aquí en algunos otros aspectos que podrían resultar de mucho interés por lo que respecta al manejo de valores caballerescos al servicio de la imagen pública del rey Fernando. Torneos, justas y otros juegos de armas desplegados en los días de la coronación o en ceremonias de entrada real ofrecen un interesante campo de estudio por lo que respecta a su valor desde el punto de vista de la comunicación simbólica. Así resulta tanto por lo que respecta al manejo de determinados colores estereotipados en algunos de estos actos, por ejemplo en el caso de sobrevestas de torneo y de parada verdes y rojas por parte de los caballeros implicados en ellos62, como por lo que toca al diseño de nuevos espectáculos de combate, a razón de las evidencias que parecen evocar unos incipientes pasos de armas organizados durante las fiestas de la coronación los días 12, 13 y 19 de febrero63.

2.2 Síntesis conceptual y representativa en la entrada real en Valencia

28 Realizado este amplio recorrido por la confluencia de significados y significantes en la elaboración y representación de un lenguaje de representación del poder y legitimidad del rey Fernando I de Aragón, me parece interesante concluir a partir de un ejemplo, ya evocado, que permite contemplar el esfuerzo de integración, reinterpretación y creación simbólica al que procedió el entorno del soberano durante su reinado para aquel fin. Quiero por ello volver a insistir en los núcleos centrales del discurso

Medievalista, 23 | 2018 214

propagandístico generado en torno al monarca en los festejos supervisados por el consell de Valencia para la entrada real de éste, su esposa y su hijo Alfonso en dicha ciudad. Justamente, tales fastos, que llevaban preparándose desde 1413 y sólo pudieron llevarse a efecto entre el final de 1414 y el inicio de 1415, permiten reconocer un interesante proceso de interlocución entre la Corte real y las autoridades urbanas para la organización de un recibimiento que, postergado durante prácticamente dos años, integró con gran centralidad y expresividad los dos ejes de representación pública de la persona y el poder del rey Fernando: la exaltación de sus virtudes de cara a su ejercicio como monarca y su elección providencial para tal fin, conectada con la devoción mariana sostenida en torno a la orden de la Jarra y el Grifo.

29 No en vano, el primero de los cinco entremeses de la entrada recibió el nombre de la “ Divisa del senyor Rei”, constando de un dispositivo ciertamente espectacular que formado por dos carros diferentes en los que mostraban dos escenas complementarias: el Verger, un suerte de hortus conclusus donde aparecía la Virgen María, rodeada por las jarras de azucenas y acompañada de un grifo, y la “Torre”, a su vez compuesto por dos estructuras, una en forma de cielo, de donde partía un ángel enviado por la Virgen y que, mediante un curioso mecanismo a modo de nube, llegaba hasta la segunda, que semejaba una torre, en la que la figura alegórica de Fernando mostrado como infante esperaba en un asiento en lo alto de una torre a recibir el don de la Virgen64. Así, la imagen de la elección divina de Fernando de Castilla, como condición previa a la exposición de cualquiera de sus cualidades y como primer argumento de la superioridad de su persona para el ejercicio del poder soberano quedaba claramente de manifiesto.

30 Acto seguido, dos entremeses reafirmaban esta idea, evidenciando también esas virtudes y cualidades del monarca y de su estirpe ante sus súbditos, como apoyo a mejor legitimar su ejercicio del poder real. Para ello, eso sí, se procedió a exhibir referencias iconográficas y simbólicas novedosas, aunque bien integradas en el horizonte cultural de la época. Por un lado, un complejo entremés con dos carros, nombrado les set cadires (las siete sillas, sitiales), debía reflejar, en el primero, la rueda de los “siete planetas” precopernicanos (Sol, Luna, Mercurio, Venus, Marte, Saturno, Júpiter) girando alrededor de la Tierra, mientras que el segundo mostraba a los siete hijos del rey Fernando (Alfonso, Juan, Enrique, Sancho, Pedro, María y Leonor) en otra rueda alrededor de su padre65. Tras este entremés, ya el tercero de la entrada valenciana mostraba un tema de enorme popularidad y contenido moral en el imaginario tardomedieval: las edades del hombre y la rueda de la Fortuna. Distribuido en dos carros, debió de ser especialmente espectacular en sus dimensiones y formas, representándose en el primero una gran rueda móvil de gran complejidad mecánica, con las edades, en número de siete personajes, desde la niñez hasta la misma muerte en forma de cadáver en la sepultura, quedando en el centro un figurante que accionaba la rueda y que representaba también a la Fortuna. Mientras, el segundo carro reflejaba la Creación, con Dios sentado en el centro y, a su alrededor toda suerte de plantas y de animales66.

31 La integración de la monarquía y del mismo rey en el orden universal emanado de Dios es clara. En torno a la simbología del número siete, se articulan en escala la centralidad de Dios sobre la Creación, de la Tierra sobre el conjunto del Universo y el destino inevitable de la naturaleza humana pero también la centralidad del rey Fernando, del que emana su prolífica estirpe. La legitimidad del monarca, señalado por la Divinidad, y

Medievalista, 23 | 2018 215

rodeado por sus siete hijos igualmente refleja idealmente ese orden perfecto que adornaría a la monarquía de Aragón en su titular y en sus descendientes67.

32 Resulta difícil no encontrar la conexión entre el simbolismo del carro de “los siete hijos del rey” y un poema compuesto por el castellano fray Diego de Valencia en los años anteriores al ascenso de Fernando de Antequera al trono de Aragón, en el cual los hijos de los infantes Fernando y Leonor son celebrados por sus virtudes, emanadas de sus padres de sangre real, plenos a su vez de virtudes por voluntad de Dios para los mayores logros. La asimilación con los siete planetas se encuentra por primera vez en esta composición, retomada para la entrada en Valencia, del mismo modo que la formulación de una estirpe fructífera, asimilada a plantas que provienen de la mejor raíz, sus padres, protegidos por Dios, para dar los mejores frutos en un provenir. “Syete planetas rreales vy salir de dos raíces poderosas e felices todas siete naturales; e las plantas era tales, segunt fue el mi avisso, que manauan del paraíso de dos fuentes perenales. E la vna se desía flor de nardo preçiosa, e la otra abundossa por do el balssamo corria; estas fuentes que veya eran criadas de Dios, por vertud d’amas y dos vna verga se regia. [...] Dios del çielo radiante con las sus manos redichas estas plantas sobredichas bendiga muy de talante; porque vea el Infante e la su madre otrosy, muy grant goso desde aquí por los ver yr delante.”68

33 A razón de lo expuesto sobre el “entremés de les set cadires” y el de “les set edats de l’home”, la armonía de la imagen de la monarquía encarnada por Fernando I de Aragón no dejaba lugar a discusión. Del mismo modo, se mostraba la garantía de su continuidad y supervivencia en el futuro a partir de cada uno de esos “syete planetas rreales”, ahuyentando el riesgo del desorden que significaría un nuevo interregno provocado por la falta de un heredero para el trono. La lógica de la proclamación de Caspe quedaba escenificada con toda viveza, de suerte que los espectadores pudieran sentirse partícipes del orden divino en el que ellos mismos giraban como súbditos en torno a una monarquía instituida a imagen y semejanza de la Creación sobre la base de la elección de su titular, Fernando “el de Antequera” por Dios y de la protección directa de la Virgen María.

Medievalista, 23 | 2018 216

3. Conclusiones. Representar la legitimidad: ¿qué legitimidad?

34 Hasta aquí llega este recorrido en torno al lenguaje simbólico desplegado por el rey Fernando I de Aragón en toda una serie distintas ceremonias de marcada dimensión pública desarrolladas al servicio de la legitimación de su ascenso al trono y de su ostentación de la dignidad real. El análisis del ceremonial y los festejos que enlucieron la solemne coronación de Fernando y Leonor en Zaragoza en febrero de 1414, además de algunas de sus entradas reales mejor conocidas y aún otros actos no exentos de contenido ceremonial desplegados en situaciones como el sitio de Balaguer en octubre de 1413 o las negociaciones con el emperador Segismundo en el tránsito entre los años 1415 y 1416, ha permitido comprobar cómo el discurso propagandístico elaborado en el entorno del rey Fernando destacó por su suntuosidad y riqueza representativa pero también por su desarrollada elaboración conceptual, su cuidada planificación y su espectacular puesta en escena.

35 Dicho lenguaje representativo y su significado fueron el resultado de conjugar la tradición ceremonial y representativa de la monarquía catalanoaragonesa y de las comunidades de los territorios de la Corona con propuestas y símbolos más ligados a la trayectoria personal de Fernando como infante y regente en Castilla o incluso a la propia andadura representativa de la autoridad y poder de la monarquía castellana. Al fin, como ya he podido señalar, la noción que tendió a prevalecer dentro de tal discurso fue la de la celebración de la elección providencial de Fernando, emanada directamente de la voluntad de Dios y reflejada a partir de la relación privilegiada de aquel con la Virgen María, para convertirse en rey. La consideración de sus virtudes personales para el ejercicio como gobernante y caballero cristiano y su espléndida exposición en ceremonias caballerescas, religiosas o cívicas, fiestas, representaciones escénicas o juegos de armas alcanzaban su más pleno sentido al ilustrar cómo el rey Fernando era el depositario de la voluntad de Dios para ceñir la corona de Aragón, aspectos todos ellos preferentemente articulados en torno a la hermandad caballeresca de la orden de la Jarra y el Grifo y sus distintivos.

36 Por otro lado, puede hacerse otra afirmación en cuanto al problema de la legitimación del derecho de Fernando “el de Antequera” al trono y su manejo en los distintos niveles de comunicación política que he podido estudiar en su reinado. No puede negarse que la presencia de las armas de Aragón y de Sicilia fue un continuo dentro de la exhibición pública del monarca durante todo su reinado. Si atendemos a las diferentes ceremonias estudiadas en estas páginas, los colores y composición de las armas reales ocuparon un lugar central en la representación de la persona del rey, tal y como se ha podido ver al describir vestiduras regias, gualdrapas de caballo, presencia de banderas y estandartes o personajes alegóricos ataviados con dichos colores en los festejos señalados de la coronación, de las entradas reales estudiadas o de la toma de Balaguer, entre otros69. Sin embargo, en ningún momento ha sido posible documentar la presencia de referencias de cualquier tipo dirigidas a mostrar públicamente que Fernando I descendía de forma legítima de la línea de sangre de los anteriores reyes de Aragón, sus antecesores, y que éste era el motivo principal de su derecho a ceñir la corona. Parece evidente que esto no fue considerado necesario, tal vez porque tras la proclamación de Caspe no había lugar a discutir la sucesión de Martín I por su sobrino Fernando de Castilla como su pariente más próximo y con derecho legítimo, sin duda perteneciente

Medievalista, 23 | 2018 217

al casal d’Aragó. Al fin y al cabo, la decisión de los nueve compromisarios reunidos en Caspe no implicaba, en el plano teórico, elegir a un rey entre candidatos potenciales sino desvelar a una certeza: que el proclamado era quien siempre había ostentado los mejores y más directos vínculos de sangre para la sucesión. Partiendo de que todos los candidatos podían alegar lazos de consanguineidad que les hacían pertenecer a la casa reinante, una vez acatado Fernando mayoritariamente por los naturales de los territorios de la corona real de Aragón, la legitimidad en cuanto a la continuidad en él del linaje real no era cuestionable70. Dentro del discurso de la propaganda regia, al fin, con toda lógica, no se atendería a este aspecto de “legitimidad de origen”, principio indiscutible que en el peor de los casos podía dar pie a las reivindicaciones de la, de todos modos, débil oposición urgelista, para insistir espléndidamente en las cuestiones señaladas de la elección providencial del príncipe y su virtud como gobernante y caballero cristiano.

37 Más allá de lo aquí expresado, hay margen para continuar la vía iniciada a partir de esta investigación. Por un lado, tratando de enriquecer el conjunto de evidencias documentales relativas a la preparación y el desarrollo del discurso representativo de la monarquía durante el reinado de Fernando I en otras ceremonias de carácter público y marcado contenido simbólico71. Por otro lado, y regresando a lo referido por la preparación de los entremeses de la coronación y de la entrada real de Valencia de forma muy especial, por lo que toca el peso de la comunicación entre la monarquía y las instancias de poder dentro de la Corona de Aragón para la construcción del discurso en torno al poder regio y su representación pública en estos reinos a lo largo de toda la Baja Edad Media, al menos desde el siglo XIV. Difícilmente este proceso puede apreciarse como unidireccional sino más bien como el resultado de un diálogo negociado entre el rey y su entorno, de un lado, y las comunidades políticas de sus reinos para definir el lugar a ocupar por cada una de las partes en tal representación del poder.

38 Al fin, cabe preguntarnos si el seguimiento en esta línea de trabajo a partir del lenguaje simbólico generado en torno a Fernando I de Aragón, integrando elementos tradicionales de la monarquía catalanoaragonesa y otros reinterpretados o novedosos a partir de herencias diferentes, como la de Castilla, no podría llevar a verificar una base con continuidad en el futuro para la conformación de la representación simbólica de los reyes en Aragón en el siglo XV Ciertas apreciaciones consideraban que muchos de los principios conceptuales de manifestación del poder real asentados por el rey Fernando I sirvieron para el desarrollo del discurso y el ceremonial de sus sucesores, Alfonso V, Juan II y Fernando II el Católico. Esto puede valorarse particularmente a partir del papel asignado dentro dichos ceremonial cortesano y lenguaje representativo de estos reyes a la orden de la Jarra y el Grifo72. No en vano, la continuidad de la también conocida como “banda de Aragón” como orden de caballería de la monarquía hasta los inicios del siglo XVI está confirmada, conviviendo y posiblemente influyendo de forma directa en la sucesión de divisas personales adoptadas por Alfonso V (el mijo, el siti perillós, el libro abierto), Juan II (posiblemente el carro del triunfo de la Fortuna o de la Justicia) y Fernando el Católico (el yugo) 73. La confirmación de la vitalidad de este rasgo, más vinculado al desarrollo de fórmulas de solidaridad aristocrática de tipo caballeresco y monárquico en época tardomedieval, bien podría colocarnos sobre la pista de la construcción de un marco conceptual y ceremonial propio para la monarquía de Aragón y Sicilia en el siglo XV. Un modelo de expresión del poder real con identidad propia pero abierto a captar influencias diversas y actuar como referente

Medievalista, 23 | 2018 218

difusor de fórmulas de representación y comunicación política en el ámbito ibérico, del Mediterráneo occidental e incluso del conjunto de la Europa cristiana latina al final de la Edad Media.

BIBLIOGRAFÍA

Fuentes

CANCIONERO DE JUAN ALFONSO DE BAENA. Ed. José María Azáceta. Madrid: CSIC, 1966.

DOCUMENTS DE LA PINTURA valenciana medieval i moderna. II: Llibre de l’Entrada del rei Martí. Ed. Joan Aliaga, Lluïsa Tolosa, Ximo Company. Valencia: Publicacions de la Universitat de València, 2007.

DOCUMENTS DE LA PINTURA valenciana medieval i moderna. IV: Llibre de l’entrada de Ferran d’Antequera. Ed. María Milagros Cárcel Ortí, Juan Vicente García Marsilla. Valencia: Universitat de València, 2013.

LES ENTRÉES RAYALES françaises de 1328-1515. Ed. Bernard Guenée, Françoise Lehoux. Paris: CNRS, 1968.

ORDINACIONS DE LA CASA i cort de Pere el Cerimoniós. Ed. Francisco M. Gimeno, Daniel Gozalbo, José Trench, Universitat de València, Valencia, 2009.

DORMER, Diego Iosef – Discvrsos varios de historia, con mvchas escritvras reales antigvas, y notas a algvnas dellas. Herederos de Diego Dormer: Zaragoza, 1683.

GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite della “Crónica de Juan II” de Álvar García de Santa María. Ed. Donatella Ferro. Venecia: Consiglio Nazionale delle Richerche. Gruppo Studi d'Ispanistica, 1972.

PANZÁN, Luis – Recordanzas en tiempo del Papa Luna (1407-1435). Ed. Gregorio de Andrés. Madrid: Publicaciones de la Fundación Universitaria Española, 1987.

PÉREZ DE GUZMÁN, Fernán – Crónica del Serenísimo Príncipe Don Juan, segundo rey deste nombre en Castilla y en León. Ed. y notas de C. Rosell. Madrid: Ediciones Atlas, 1953.

ZURITA, Jerónimo –Anales de la Corona de Aragón, Libros X, XI y XII. Ed. Ángel Canellas López, ed. electrónica José Javier Iso, María Isabel Yagüe, Pilar Rivero. Zaragoza: Institución Fernando el Católico 1977 [Consult. 18 Ene. 2017]. Disponible en http://ifc.dpz.es/

Estudios

ANDRÉS DÍAZ, Rosana de – “Las entradas reales castellanas en los siglos XIV y XV”. En la España medieval 4 (1984), pp. 47-62.

BELLVESER, Ricard (coord.). Els valencians en el Compromís de Casp i en el Cisma d'Occident. Valencia: Institució Alfons el Magnànim, 2013.

BOULTON, D’Arcy J. D. – The Knights of the Crown: The Monarchical Orders of Knighthood in Later Medieval Europe 1325-1520. Woodbridge: Boydell Press, 2000.

BRESC, Henri – “L’empresa de la Correge et la conquète de la Sicilie: le royaume errant de Martin de Montblanc”. Anuario de Estudios Medievales 23 (1993), pp. 197-220.

Medievalista, 23 | 2018 219

CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – Discurso político y propaganda en la Corte de los Reyes Católicos, (1474-1482). Madrid: [s. n.], 2000. Tesis doctoral.

CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – “Discurso político y propaganda en la corte de los Reyes Católicos: resultados de una primera investigación (1474-1482)”. En la España medieval 25 (2002), pp. 299-379.

CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – “La ceremonia de entrada real ¿un modelo castellano?”. in GONZÁLEZ JIMÉNEZ, Manuel, MONTES ROMERO-CAMACHO, Isabel (eds.) – La Península Ibérica entre el Mediterráneo y el Atlántico siglos XIII-XV. Cádiz-Sevilla: Diputación de Cádiz-Sociedad Española de Estudios Medievales, 2006, pp. 651-656.

CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – “Las entradas reales en la corona de Castilla: pacto y diálogo político en torno a la apropiación simbólica del espacio”, in Le pouvoir symbolique en Occident (1300-1640). París: Publications de la Sorbonne-École française de Rome, 2013.

CARRERO SANTAMARÍA, Eduardo – “Por las Huelgas los juglares. Alfonso XI de Compostela a Burgos, siguiendo el Libro de la Coronación de los Reyes de Castilla”. Medievalia 15 (2012), pp. 143-157.

CORETH, Anna – “Orden von Stola und den Kanndeln und dem Greifen (Aragonesischer Kannenorden)”. Mitteilungen des Oesterreichischen Staatsarchivs 5 (1952), pp. 34-62.

DOMENGE I MESQUIDA, Joan – “Las joyas emblemáticas de Alfonso V”. Anales de Historia del Arte 14-Número especial (2014), pp. 99-117.

DURÁN GUDIOL, Antonio – “El rito de la coronación del rey en Aragón”. Argensola: Revista de Ciencias Sociales del Instituto de Estudios Altoaragoneses 103 (1989), pp. 17-40.

ESPAÑOL BELTRÁN, Francesca – “Artistas y obras entre la Corona de Aragón y el reino de Francia”. in COSMÉN, María C., HERRÁEZ ORTEGA, María Victoria, PELLÓN GÓMEZ-CALCERRADA, María (coords.) – El intercambio artístico entre los reinos hispanos y las cortes europeas en la Baja Edad Media. León: Universidad de León, pp. 253-29.

FALCÓN, Isabel (coord.) – XIX Congreso de Historia de la Corona de Aragón. 26-30 junio 2012. Caspe, Alcañiz y Zaragoza. El Compromiso de Caspe (1412), cambios dinásticos y Constitucionalismo en la Corona de Aragón. Zaragoza: Obra Social de Ibercaja, 2013.

FERNÁNDEZ DE CÓRDOVA MIRALLES, Álvaro – La corte de Isabel I. Ritos y ceremonias de una reina (1474-1504). Madrid: Dykinson, 2002.

FERNÁNDEZ DE CÓRDOVA MIRALLES, Álvaro – “Bajo el signo de Aljubarrota: la parábola emblemática y caballeresca de Juan I de Castilla (1379-1390)”. En la España medieval 37 (2014), pp. 9-84.

FERRER I MALLOL, Maria Teresa (coord.) – Martí l'Humà: el darrer rei de la dinastia de Barcelona (1396-1410). l'Interregne i el Compromís de Casp. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015.

FERRER VALLS, Teresa – “La fiesta cívica en la ciudad de Valencia en el siglo XV”, in RODRÍGUEZ CUADROS, Evangelina (ed.) – Cultura y representación en la Edad Media. Alicante: Diputación Provincial de Alicante, Instituto Alicantino de Cultura Juan Gil-Albert, 1994, pp. 145-169.

FURIÓ, Antoni – “Un Debat inacabat. El Compromís de Casp a través de la historia”, in FERRER I MALLOL, Maria Teresa (coord.) – Martí l'Humà: el darrer rei de la dinastia de Barcelona (1396-1410). l'Interregne i el Compromís de Casp. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015, pp. 815-865.

GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Santiago – Fernando I, regente de Castilla y rey de Aragón (1407-1416). Gijón: Trea, 2012.

Medievalista, 23 | 2018 220

HYE, Franz-Heinz von – “Testimonios sobre órdenes de caballería españolas en Austria y estados vecinos (Bohemia, Alemania, Suiza y Hungría)”. En la España medieval 16 (1993), pp. 169-187.

INFANTES DE MIGUEL, Víctor – Las danzas de la muerte. Génesis y desarrollo de un género medieval (siglos XIII-XVII). Salamanca: Universidad de Salamanca, 1997.

MACKAY, Angus – “Don Fernando de Antequera y la Virgen Santa María”. in Homenaje al profesor Juan Torres Fontes. Murcia: Universidad de Murcia, 1987, Vol. II, pp. 949-957.

MARTÍN, José-Luis – “Un Debat inacabat y el Compromiso de Caspe ¿una incorporación a España?”, Espacio, Tiempo y Forma. Serie III, Historia Medieval 13 (2000), pp. 161-176.

MARTÍNEZ LLORENTE, Félix – “Divisas y heráldica. Encuentros y desencuentros de dos realidades emblemáticas”. Emblemata. Revista Aragonesa de Emblemática 20-21 (2014-2015), pp. 171-199.

MASSIP BONET, Francesc – “Imagen y espectáculo del poder real en la entronización de los Trastámara (1414)”, in XV Congreso de la Corona de Aragón (El poder real en la Corona de Aragón (siglos XIV-XVI). Zaragoza: Gobierno de Aragón, 1996, Tomo I, Vol. 3, pp. 371-386.

MASSIP BONET, Francesc – La monarquía en escena. Teatro, fiesta y espectáculo del poder en los reinos ibéricos: de Jaume el Conquistador al Príncipe Carlos. Madrid: Consejería de las Artes, 2003.

MASSIP BONET, Francesc – “Pompa cívica y ceremonia regia en la Corona de Aragón a fines del Medievo”. Cuadernos del Cemyr 17 (2009), pp. 191-219.

MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei: festa cívica i espectacle del poder reial a la Corona d'Aragó. Tarragona: Cossetània, 2010.

MASSIP BONET, Francesc – “Huellas de Oriente en las representaciones macabras de la Europa medieval: el caso catalán”. Cuadernos del Cemyr 19 (2011), pp. 137-161.

MASSIP BONET, Francesc – “El mecenazgo regio en la Corona de Aragón”. Cuadernos del Cemyr 20 (2012), pp. 55-92.

MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana dels primers Trastàmares”. Locus amoenus 12 (2013-2014), pp. 55-65.

METGE, Bernat – Lo somni. Ed. Stefano Cingolani. Barcelona: Barcino, 2006.

MORALES ARRIZABALAGA, Jesús – “La publicación de Fernando de Castilla como Rey de Aragón. El ‘Compromiso de Caspe’ de 1412 como cuestión de justicia”, in SESMA MUÑOZ, José Ángel (dir. científico) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412, pp. 315-346.

MULRYNE, J. Ronnie, ALIVERTI, Maria Ines, TESTAVERDE, Anna-Maria (eds.) – Ceremonial entries in Early Modern Europe. The iconography of power. Aldershot: Ashgate Publishing Limited, 2015.

MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “De Medina del Campo a Zaragoza: un periplo por las devociones “políticas” de un príncipe castellano bajomedieval (el infante Fernando de Antequera, 1380-1416)”. eHumanista. Journal of Iberian Studies 24 (2013), pp. 375-395.

MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “La guerra contra el Islam en el proyecto político de Fernando ‘el de Antequera’, infante de Castilla y rey de Aragón (1380-1416)”, in RÍOS SALOMA, Martín Federico (ed.) – El mundo de los conquistadores. Ciudad de México-Madrid: Instituto de Investigaciones Históricas. Universidad Nacional Autónoma de México – Sílex Ediciones, 2015.

MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Corona, señoríos y redes clientelares en la Castilla bajomedieval (ss. XIV-XV). El estado señorial y la casa de Fernando de Antequera y Leonor de Alburquerque, infantes de Castilla y reyes de Aragón (1374-1435). Valladolid: [s. n.], 2016. Tesis doctoral.

Medievalista, 23 | 2018 221

MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera” y Leonor de Alburquerque (1374-1435). Sevilla: Editorial Universidad de Sevilla, 2016.

MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “Después de Caspe: ceremonias, símbolos y legitimación en el reinado de Fernando I de Aragón”. in XLIII Semana Internacional de Estudios Medievales de Estella ‘El acceso al trono’. Pamplona: Gobierno de Navarra, 2017, pp. 371-385.

NADOT, Sébatien – Le Spectacle des joutes. Sport et courtoisie à la fin du Moyen Âge. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012.

NARBONA CÁRCELES, María –"¡Ay!... las divisas de Carlos de Evreux, Príncipe de Viana (1421-1461)”. Príncipe de Viana Vol. 72, 253 (2011), pp. 357-374.

NARBONA CÁRCELES, María – “El contenido devocional de las divisas: el azafrán y la olla ardiente de la reina de Aragón (1416-1458)”. Emblemata. Revista Aragonesa de Emblemática 20-21 (2014-2015), pp. 435-452

NAVARRO ESPINACH, Germán – “La historiografía moderna del Compromiso de Caspe”, in SESMA MUÑOZ, José Ángel (dir. científico) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412. El Interregno y el Compromiso de Caspe. Zaragoza y Alcañiz, 24, 25 y 26 de noviembre de 2010. Zaragoza: Gobierno de Aragón. Departamento de Educación, Universidad, Cultura y Deporte, 2011, pp. 41-60.

NIETO SORIA, José Manuel – Ceremonias de la realeza: propaganda y legitimación en la Castilla Trastámara. Madrid: Nerea, 1993.

NIETO SORIA, José Manuel – “La realeza”. in NIETO SORIA, José Manuel (coord.) – Orígenes de la Monarquía Hispánica: Propaganda y legitimación (ca. 1400-1520). Madrid: Dykinson, 1999, pp. 25-62.

NIETO SORIA, José Manuel – “Ceremonia y pompa para una monarquía: los Trastámara en Castilla”. Cuadernos del Cemyr 17 (2009), pp. 51-72.

ORCÁSTEGUI GROS, Carmen – “La coronación de los reyes de Aragón: evolución política- ideológica y ritual”, in Homenaje a Don Antonio Durán Gudiol. Huesca: Instituto de estudios Altoaragoneses, 1995, pp. 633-647.

PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – La Coronación de los Reyes de Aragón (1204-1410). Aportación al estudio de las estructuras medievales. Valencia: Anubar, 1975.

PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – “Investidura de armas de los reyes españoles en los siglos XII y XIII”. Gladius. Vol. Especial. Actas del I Simposio Nacional "Las Armas en la Historia (siglos X- XIV)" (1988), pp. 153-192.

PÉREZ MONZÓN, Olga – “Ceremonias regias en la Castilla medieval. A propósito del llamado Libro de la Coronación de los reyes de Castilla y Aragón”. Archivo Español de Arte LXXXIII, 332 (2010), pp. 317-334.

PORRO GIRARDI, Nelly R. – La investidura de armas en Castilla. Valladolid: Junta de Castilla y León, 1998.

RAMOS VICENT, María del Pilar – “Reafirmación del poder monárquico en Castilla: la coronación de Alfonso XI”. Cuadernos de Historia Medieval 3 (1983), pp. 3-36.

RAUFAST CHICO, Miguel – “¿Negociar la entrada del rey?: La entrada real de Juan II en Barcelona”. Anuario de Estudios Medievales 36/1 (2006), pp. 295-333.

RAUFAST CHICO, Miguel – “¿Un mismo ceremonial para dos dinastías?: las entradas reales de Martín el Humano (1397) y Fernando I (1412) en Barcelona”. En la España medieval 30 (2007), pp. 91-129.

Medievalista, 23 | 2018 222

RIERA I SANS, Jaume – “Els heralds i les divises del rei Martí (1356-1410)”. Paratge 14 (2002), pp. 41-61.

RUBIO VELA, Agustín – “Urgelistas valencianos. Sobre la oposición a Fernando I de Trastámara”, Anuario de Estudios Medievales 33/1 (2003), pp. 191-261.

RUBIO VELA, Agustín – “Después de Caspe. El urgelismo y las oligarquías”, in SESMA MUÑOZ, José Ángel (dir. científico) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412. El Interregno y el Compromiso de Caspe. Zaragoza y Alcañiz, 24, 25 y 26 de noviembre de 2010. Zaragoza: Gobierno de Aragón. Departamento de Educación, Universidad, Cultura y Deporte, 2011, pp. 265-291.

SABATÉ I CURULL, Flocel – Lo senyor rey és mort!, Actitud i cerimònies dels municipis catalans baix medievals davant la mort del monarca. Lleida: Universitat de Lleida, 1994.

SÁINZ DE LA MAZA LASOLI, Regina – La Orden de San Jorge de Alfama. Aproximación a su historia. Barcelona: CSIC, 1990.

SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació de Ferran d'Antequera. L'organització y els preparatius de la festa”. Anuario de Estudios Medievales 25/2 (1995), pp. 699-759, en concreto, pp. 699-707.

SALICRÚ I LLUCH, Roser – “Caballeros cristianos en el Occidente europeo e islámico”. in HERBERS, Klaus, JASPERS, Nikolas – “Das kommt mir spanisch”. Eigenes und Fremdes in den deutsch- spanischen Beziehungen des spaten Mittelalters. Münster: Lit Verlag, 2004, pp. 217-289.

SESMA MUÑOZ, José Ángel – El Interregno (1410-1412). Concordia y Compromiso político en la Corona de Aragón. Zaragoza: Institución Fernando el Católico, 2011.

SESMA MUÑOZ, José Ángel – (dir.) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412. El Interregno y el Compromiso de Caspe. Zaragoza y Alcañiz, 24, 25 y 26 de noviembre de 2010. Zaragoza: Gobierno de Aragón. Departamento de Educación, Universidad, Cultura y Deporte, 2011.

SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Historia del reinado de Juan I de Castilla. Tomo I. Estudio. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, 1977.

TENENTI, Alberto (ed.) – Humana Fragilitas. I temi della morte in Europa tra Duecento e Settecento. Clusone: Ferrari editrice, 2000.

TORRES FONTES, Juan – “Don Fernando de Antequera y la romántica caballeresca”. Miscelánea Medieval Murciana 5 (1980), pp.83-120.

VENDRELL GALLOSTRA, Francisca – "Caballeros centroeuropeos en la Corte aragonesa". Miscellanea Barcinonensia Vol. X, XXVIII (1971), pp. 19-43.

VICENS VIVES, Jaume – Els Trastàmares (segle XV). Barcelona: Teide, 1956.

NOTAS

1. Para una aproximación general actualizada a las cuestiones de política internacional del reinado de Fernando I de Aragón y, más en concreto, al interregno, acceso al trono de Fernando I de Castilla y consolidación en él, baste aquí ceñirnos a la producción más actualizada, generada a partir de las conmemoraciones entre 2010 y 2012 de dichos acontecimientos: SESMA MUÑOZ, José Ángel – El Interregno (1410-1412). Concordia y Compromiso político en la Corona de Aragón. Zaragoza: Institución Fernando el Católico, 2011; SESMA MUÑOZ, José Ángel (dir. científico) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412. El Interregno y el Compromiso de Caspe. Zaragoza y Alcañiz, 24, 25 y 26 de noviembre de 2010. Zaragoza: Gobierno de Aragón. Departamento de Educación,

Medievalista, 23 | 2018 223

Universidad, Cultura y Deporte, 2011, en particular en este volumen, RUBIO VELA, Agustín – “Después de Caspe. El urgelismo y las oligarquías”, pp. 265-291; GONZÁLEZ SÁNCHEZ, Santiago – Fernando I, regente de Castilla y rey de Aragón (1407-1416). Gijón: Trea, 2012, pp. 117-185; BELLVESER, Ricard (coord.) – Els valencians en el Compromís de Casp i en el Cisma d'Occident. Valencia: Institució Alfons el Magnànim, 2013; FALCÓN, Isabel (coord.) – XIX Congreso de Historia de la Corona de Aragón 26-30 junio 2012. Caspe, Alcañiz y Zaragoza. El Compromiso de Caspe (1412), cambios dinásticos y Constitucionalismo en la Corona de Aragón. Zaragoza: Obra Social de Ibercaja, 2013; FERRER I MALLOL, Maria Teresa (coord.) – Martí l'Humà: el darrer rei de la dinastia de Barcelona (1396-1410). l'Interregne i el Compromís de Casp. Barcelona: Institut d’Estudis Catalans, 2015; MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera” y Leonor de Alburquerque (1374-1435). Sevilla: Editorial Universidad de Sevilla, 2016, pp. 99-117. 2. Conviene aquí retrotraerse al debate de corte nacionalista entre posturas catalanistas y españolistas sobre la interpretación del compromiso de Caspe, del que uno de sus hitos más famosos es el célebre debate entre Ferrán Soldevila y Ramón Menéndez Pidal. Sin ánimo de remitir a un tema que ya he podido abordar en otros estudios, remito preferentemente a las valoraciones historiográficas, pertinentes y alejadas de partidismos nacionalistas de MARTÍN, José-Luis – “Un Debat inacabat y el Compromiso de Caspe ¿una incorporación a España?”. Espacio, Tiempo y Forma. Serie III, Historia Medieval 13 (2000), pp. 161-176; NAVARRO ESPINACH, Germán – “La historiografía moderna del Compromiso de Caspe”, in SESMA MUÑOZ, José Ángel (dir. científico) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412, pp. 41-60; FURIÓ, Antoni – “Un Debat inacabat. El Compromís de Casp a través de la historia”, in FERRER I MALLOL, Maria Teresa (coord.) – Martí l'Humà, pp. 815-865. 3. Bien representativos de estas dos posturas resultan los trabajos ya citados de, para la primera, SESMA MUÑOZ, José Ángel – El Interregno (1410-1412); y para la segunda, de FURIÓ, Antoni – “Un Debat inacabat”. Tampoco conviene, en relación con las valoraciones de la resolución del interregno en términos fundamentales de interés político las aportaciones de José-Luis Martín (FURIÓ, Antoni – “Un Debat inacabat) ni aún las anteriores de Jaume Vicens Vives (VICENS VIVES, Jaume – Els Trastàmares (segle XV). Barcelona: Teide, 1956, en especial pp. 99-102). 4. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Corona, señoríos y redes clientelares en la Castilla bajomedieval (ss. XIV-XV). El estado señorial y la casa de Fernando de Antequera y Leonor de Alburquerque, infantes de Castilla y reyes de Aragón (1374-1435). Valladolid: [s. n.], 2016. Tesis doctoral (defendida en la Universidad de Valladolid bajo la dirección del profesor Pascual Martínez Sopena). En concreto, sobre el discurso propagandístico de Fernando “el de Antequera”, en ese trabajo, pp. 607-647, o una versión revisada para su edición en MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 119-163. 5. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “Después de Caspe: ceremonias, símbolos y legitimación en el reinado de Fernando I de Aragón”. in XLIII Semana Internacional de Estudios Medievales de Estella ‘El acceso al trono’. Pamplona: Gobierno de Navarra, 2017, pp. 371-385. 6. En relación con el ceremonial regio y el papel político de la representación del poder en las Coronas de Castilla y Aragón al final de la Edad Media, véanse, entre otros NIETO SORIA, José Manuel – Ceremonias de la realeza: propaganda y legitimación en la Castilla Trastámara. Madrid: Nerea, 1993; SABATÉ I CURULL, Flocel – Lo senyor rey és mort!, Actitud i cerimònies dels municipis catalans baix medievals davant la mort del monarca. Lleida: Universitat de Lleida, 1994; CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – Discurso político y propaganda en la Corte de los Reyes Católicos, (1474-1482). Madrid: [s. n.], 2000. Tesis doctoral (defendida en la Universidad Complutense de Madrid bajo la dirección del profesor José Manuel Nieto Soria); FERNÁNDEZ DE CÓRDOVA MIRALLES, Álvaro – La corte de Isabel I. Ritos y ceremonias de una reina (1474-1504). Madrid: Dykinson, 2002; MASSIP BONET, Francesc – La monarquía en escena. Teatro, fiesta y espectáculo del poder en los reinos ibéricos: de Jaume el Conquistador al Príncipe Carlos. Madrid: Consejería de las Artes, 2003.

Medievalista, 23 | 2018 224

7. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació de Ferran d'Antequera. L'organització y els preparatius de la festa”. Anuario de Estudios Medievales, 25/2 (1995), pp. 699-759, en concreto pp. 699-707; MASSIP BONET, Francesc – “Imagen y espectáculo del poder real en la entronización de los Trastámara (1414)”, in XV Congreso de la Corona de Aragón (El poder real en la Corona de Aragón (siglos XIV-XVI). Zaragoza: Gobierno de Aragón, 1996, Tomo I, Vol. 3, pp. 371-386; NIETO SORIA, José Manuel – “La realeza”. in NIETO SORIA, José Manuel (coord.) – Orígenes de la Monarquía Hispánica: Propaganda y legitimación (ca. 1400-1520). Madrid: Dykinson, 1999, pp. 25-62, en concreto pp. 46-49; NIETO SORIA, José Manuel – “Ceremonia y pompa para una monarquía: los Trastámara en Castilla”. Cuadernos del Cemyr 17 (2009), pp. 51-72, en concreto p. 56. 8. MACKAY, Angus – “Don Fernando de Antequera y la Virgen Santa María”. in Homenaje al profesor Juan Torres Fontes. Murcia: Universidad de Murcia, 1987, Vol. II, pp. 949-957. 9. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació”; MASSIP BONET, Francesc – “Imagen y espectáculo”; MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei: festa cívica i espectacle del poder reial a la Corona d'Aragó. Tarragona: Cossetània, 2010, en especial pp. 99-120; MASSIP BONET, Francesc – “El mecenazgo regio en la Corona de Aragón”. Cuadernos del Cemyr 20 (2012), pp. 55-92, en concreto pp. 58-66. 10. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació”, pp. 751-752. Volveré sobre ello más adelante. 11. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació”, pp. 752; MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana dels primers Trastàmares”. Locus amoenus 12 (2013-2014), pp. 55-65, en concreto pp. 58, 64. 12. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite della “Crónica de Juan II” de Álvar García de Santa María. Ed. Donatella Ferro. Venecia: Consiglio Nazionale delle Richerche. Gruppo Studi d'Ispanistica, 1972, pp. 97-130. 13. Sobre las entradas reales en el Occidente bajomedieval y en Castilla y Aragón, de un modo general, LES ENTRÉES ROYALES françaises de 1328-1515. Ed. Bernard Guenée, Françoise Lehoux. Paris: CNRS, 1968; ANDRÉS DÍAZ, Rosana de – “Las entradas reales castellanas en los siglos XIV y XV”. En la España medieval 4 (1984), pp. 47-62; NIETO SORIA, José Manuel – Ceremonias de la realeza, pp. 119-143; FERRER VALLS, Teresa – “La fiesta cívica en la ciudad de Valencia en el siglo XV”, in RODRÍGUEZ CUADROS, Evangelina (ed.) – Cultura y representación en la Edad Media. Alicante: Diputación Provincial de Alicante, Instituto Alicantino de Cultura Juan Gil-Albert, 1994, pp. 145-169; CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – “Discurso político y propaganda en la corte de los Reyes Católicos: resultados de una primera investigación (1474-1482)”. En la España medieval 25 (2002), pp. 299-379, en concreto pp. 308-312, pp. 317-322, pp. 327-328, pp. 345-360; CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – “La ceremonia de entrada real ¿un modelo castellano?”. in GONZÁLEZ JIMÉNEZ, Manuel, MONTES ROMERO-CAMACHO, Isabel (eds.) – La Península Ibérica entre el Mediterráneo y el Atlántico siglos XIII-XV. Cádiz-Sevilla: Diputación de Cádiz-Sociedad Española de Estudios Medievales, 2006, pp. 651-656; RAUFAST CHICO, Miguel – “¿Negociar la entrada del rey?: La entrada real de Juan II en Barcelona”. Anuario de Estudios Medievales 36/1 (2006), pp. 295-333; CARRASCO MANCHADO, Ana Isabel – “Las entradas reales en la corona de Castilla: pacto y diálogo político en torno a la apropiación simbólica del espacio”, in Le pouvoir symbolique en Occident (1300-1640). París: Publications de la Sorbonne-École française de Rome, 2013; MULRYNE, J. Ronnie, ALIVERTI, Maria Ines, TESTAVERDE, Anna-Maria (eds.) – Ceremonial entries in Early Modern Europe. The iconography of power. Aldershot: Ashgate Publishing Limited, 2015. 14. RAUFAST CHICO, Miguel – “¿Un mismo ceremonial para dos dinastías?: las entradas reales de Martín el Humano (1397) y Fernando I (1412) en Barcelona”. En la España medieval 30 (2007), pp. 91-129. 15. MASSIP BONET, Francesc – “Pompa cívica y ceremonia regia en la Corona de Aragón a fines del Medievo”. Cuadernos del Cemyr 17 (2009), pp. 191-219; MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”. 16. DOCUMENTS DE LA PINTURA valenciana medieval i moderna. II: Llibre de l’Entrada del rei Martí. Ed. Joan Aliaga, Lluïsa Tolosa, Ximo Company. Valencia: Publicacions de la

Medievalista, 23 | 2018 225

Universitat de València, 2007; DOCUMENTS DE LA PINTURA valenciana medieval i moderna. IV: Llibre de l’entrada de Ferran d’Antequera. Ed. María Milagros Cárcel Ortí, Juan Vicente García Marsilla. Valencia: Universitat de València, 2013. 17. MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”; Documents Llibre de l’entrada de Ferran d’Antequera, pp. 7-25, correspondientes al estudio introductorio de la edición. 18. PÉREZ DE GUZMÁN, Fernán – Crónica del Serenísimo Príncipe Don Juan, segundo rey deste nombre en Castilla y en León. Ed. y notas de C. Rosell. Madrid: Ediciones Atlas, 1953; PANZÁN, Luis – Recordanzas en tiempo del Papa Luna (1407-1435). Ed. Gregorio de Andrés. Madrid: Publicaciones de la Fundación Universitaria Española, 1987; ZURITA, Jerónimo –Anales de la Corona de Aragón, Libros X, XI y XII. Ed. Ángel Canellas López, ed. electrónica José Javier Iso, María Isabel Yagüe, Pilar Rivero. Zaragoza: Institución Fernando el Católico 1977 [Consult. 18 Ene. 2017]. Disponible en http://ifc.dpz.es/. 19. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 119-163. 20. PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – La Coronación de los Reyes de Aragón (1204-1410). Aportación al estudio de las estructuras medievales. Valencia: Anubar, 1975; ORCÁSTEGUI GROS, Carmen – “La coronación de los reyes de Aragón: evolución política-ideológica y ritual”, in Homenaje a Don Antonio Durán Gudiol. Huesca: Instituto de estudios Altoaragoneses, 1995, pp. 633-647; ORDINACIONS DE LA CASA i cort de Pere el Cerimoniós. Ed. Francisco M. Gimeno, Daniel Gozalbo, José Trench (ed.), Universitat de València, Valencia, 2009. 21. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 97-102, en especial pp. 99-101. 22. “El rey queriendo salir a los caballeros e nobles que le estaban esperando, desnudose las ropas que traia e vestiose camisa e paños de lino nuevos con braguero de sirgo e con feuilletas de plata blancas e sus troperas de sirgo blanco”. El jubón, las calzas, la saya y el pellote que lució encima, no obstante, no portaban estos colores sino dorado y escarlata o carmesí, reflejando con ellos los de las armas reales de Aragón (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 97-102, en especial pp. 99-102). 23. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 103-104. 24. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 104-107. 25. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 122-125. 26. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 113-120. 27. MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 57-58. 28. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació”, “p. 753, ACA, C., reg. 2.403, f. 153 r., 1413, diciembre, 9, Lleida); MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei, pp. 98-106. 29. METGE, Bernat – Lo somni. Ed. Stefano Cingolani. Barcelona: Barcino, 2006, p. 276; MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei, pp. 45-72. 30. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació”, pp. 751-752; ACA, C., reg. 2.403, f. 149 r., 1413, diciembre, 2, Lleida; reg. 2.404, f. 85 v., 1413, diciembre, 4, Lleida). 31. MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei, pp. 61, 64. No ha de olvidarse que el simbolismo del grifo, como el más poderoso de los animales de los bestiarios medievales, junto con el valor “negativo” que hemos referido, también podía evocar un perfil “positivo”, integrando elementos celestes y terrestres, vinculados a la doble naturaleza de Cristo, la profética redención de los cristianos y su protección frente a los infieles (FERNÁNDEZ DE CÓRDOVA MIRALLES, Álvaro – “Bajo el signo de Aljubarrota: la parábola emblemática y caballeresca de Juan I de Castilla (1379-1390)”. En la España medieval, 37 (2014). pp. 9-84, en concreto pp. 33-46, 64-84; MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 136-137. 32. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 118, 126-127; MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei, pp. 74-85, 106-110. En relación a la temática de las danzas de la muerte y otras formas de espectáculos macabros, de forma general y con mayor atención a casos ibéricos, INFANTES DE MIGUEL, Víctor – Las danzas de la muerte. Génesis y desarrollo de un género medieval (siglos XIII-XVII).

Medievalista, 23 | 2018 226

Salamanca: Universidad de Salamanca, 1997; TENENTI, Alberto (ed.) – Humana Fragilitas. I temi della morte in Europa tra Duecento e Settecento. Clusone: Ferrari editrice, 2000; MASSIP BONET, Francesc – “Huellas de Oriente en las representaciones macabras de la Europa medieval: el caso catalán”. Cuadernos del Cemyr 19 (2011), pp. 137-161. 33. SALICRÚ I LLUCH, Roser – “La coronació”, pp. 752; ACA, C., reg. 2.403, ff. 157 v.-158 r., 1413, diciembre, 15, Lleida. 34. MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 58, 64. 35. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 115, 119; MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 160-161. 36. Remito sobre estas cuestiones, para su estudio más pormenorizado, a algunos trabajos recientes míos [MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “De Medina del Campo a Zaragoza: un periplo por las devociones “políticas” de un príncipe castellano bajomedieval (el infante Fernando de Antequera, 1380-1416)”. eHumanista. Journal of Iberian Studies 24 (2013), pp. 375-395; MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “La guerra contra el Islam en el proyecto político de Fernando ‘el de Antequera’, infante de Castilla y rey de Aragón (1380-1416)”, in RÍOS SALOMA, Martín Federico (ed.) – El mundo de los conquistadores. Ciudad de México-Madrid: Instituto de Investigaciones Históricas. Universidad Nacional Autónoma de México – Sílex Ediciones, 2015]. 37. Así se estipulaba en las ordenanzas que regían esta orden de caballería, establecidas a la fundación de las mismas, en su tercer artículo, el uso de vestidos blancos para la celebración de la fiesta de la Asunción de la Virgen. Véase DORMER, Diego Iosef – Discvrsos varios de historia, con mvchas escritvras reales antigvas, y notas a algvnas dellas. Herederos de Diego Dormer: Zaragoza, 1683, pp. 188-197; TORRES FONTES, Juan – “Don Fernando de Antequera y la romántica caballeresca”. Miscelánea Medieval Murciana 5 (1980), pp.83-120, en concreto pp. 112-117; MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 250-258. 38. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 99-102). Se cita la “ [...] silla rica de las jarras, que estaba en el palacio de los Mármoles[...]”, en la que se sentó el rey Fernando en las investiduras caballerescas de varios de sus criados ese día 10 antes de su propia vela de armas en la Seo de Zaragoza (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 99). Puede que se trate de la misma “[...] silla que estaba cabe el pilar [del crucero de la catedral] la quale tenia a los quatro cantos, e cada cinco una jarrilla de Sancta Maria con sus lirios cubierta con un paño de azeituni villotado carmesin”. (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 101) o tal vez de dos sitiales diferentes que, en cualquier caso, contaban con el mismo elemento decorativo y simbólico central, ligando al rey con la devoción y protección de la Virgen. 39. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 109. La casulla y la dalmática del rey llevaba bordadas, junto a otro adornos de oro, aljófar y pedrería, las jarras de la Virgen (ver nota 23). En relación a esos ropajes reales con las armas de Aragón, ver nota 22. 40. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 118-120. 41. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 154, 253, 257. 42. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, p. 113. Así interpreta lo descrito con esas palabras precisas por García de Santa María, con muy probable acierto, MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei, pp. 99-100. 43. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 119. 44. En relación a esas loas a la legitimidad del papa Luna en el solio pontificio que Fernando I de Aragón habría de sostener, manifestadas por las coplas pronunciadas por los dos ángeles mensajeros del “entremés del Cisma” y el de la “jarra de Santa María”, amén del sentido caballeresco y de continuación de la “recuperación de España” en los espectáculos de la coronación, véase la nota 35. Igualmente, más específicamente en cuanto a la asociación de la persona de Fernando “el de Antequera” con el caudillaje de la guerra contra los musulmanes dentro de su discurso de legitimación del poder desde su época como infante de Castilla,

Medievalista, 23 | 2018 227

enriquecido desde 1407 y presente en su política real como monarca de Aragón, MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “La guerra contra el Islam pp. 415-417 y ss. 45. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – “De Medina del Campo a Zaragoza”, pp. 380-385; MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 133-139. 46. ACA, Cancillería, reg. 2412 (Ferran I-Pecuniae 2. 1413-1416), fol. 41 r.: referencia al pago el día 16 de agosto de 1413 a los menestrales que intervinieron en la celebración de la festividad de la Virgen. Sobre la celebración en 1414 en Morella, J. ZURITA, Anales, libro XII, cap. XLI: pp. 248-249. 47. SÁINZ DE LA MAZA LASOLI, Regina – La Orden de San Jorge de Alfama. Aproximación a su historia. Barcelona: CSIC, 1990; BRESC, Henri – “L’empresa de la Correge et la conquète de la Sicilie: le royaume errant de Martin de Montblanc”. Anuario de Estudios Medievales 23 (1993), pp. 197-220; RIERA I SANS, Jaume – “Els heralds i les divises del rei Martí (1356-1410)”. Paratge 14 (2002), pp. 41-61; ESPAÑOL BELTRÁN, Francesca – “Artistas y obras entre la Corona de Aragón y el reino de Francia”. in COSMÉN, María C., HERRÁEZ ORTEGA, María Victoria, PELLÓN GÓMEZ-CALCERRADA, María (coords.) – El intercambio artístico entre los reinos hispanos y las cortes europeas en la Baja Edad Media. León: Universidad de León, pp. 253-294, en concreto pp. 270-274; MARTÍNEZ LLORENTE, Félix – “Divisas y heráldica. Encuentros y desencuentros de dos realidades emblemáticas”. Emblemata. Revista Aragonesa de Emblemática 20-21 (2014-2015), pp. 171-199, en concreto pp. 180-181, pp. 184-186. 48. ZURITA, Jerónimo – Anales, Libro XII, cap. XXX, p. 234. 49. ZURITA, Jerónimo – Anales, cap. LIX, pp. 279-280. 50. La comisión de Fernando I a Felip de Malla para otorgar la divisa de la Jarra al conde palatina de Hungría se data a 20 de diciembre en Perpiñán, mientras que las dos cartas del teólogo embajador desde Aviñón son de los días 1 y 11 de enero de 1416 [VENDRELL GALLOSTRA, Francisca – "Caballeros centroeuropeos en la Corte aragonesa". Miscellanea Barcinonensia. Vol. X, nº XXVIII (1971), pp. 19-43, en concreto pp. 29-35, 41-42]. 51. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 97-102. 52. Aunque se cita en la comitiva reunida en el palacio de la Aljafería también a los infantes Enrique, Sancho y Pedro y el cronista García de Santa María indica que los hijos del condestable “[...] venían a ser caballeros con los hijos del rey [...]”, igualmente éste señala que cabalgaron junto al rey en dirección a la Seo “[...] don Alonso e don Joan sus fijos en otros dos caballos con coberturas de paño de sus vestidos e los otros fijos del condestable, eso mesmo, en sus caballos”. (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 98). Efectivamente, tras la coronación del rey, los infantes Alfonso y Juan y los hijos del condestable Dávalos, además de otros personajes no citados previamente, fueron armados caballeros (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 108). 53. Se trató de su criado García de Herrera, de Pedro Fernández de Hileces, Fernando Manuel, criado del rey de Castilla, Joan Aymerich, Rodrigo de Ledesma y mosén Pin de Xativa (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 98). 54. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 108. Del mismo modo, a ninguno de los dos se les cita en la crónica en ese punto como armados caballeros pese que algunas páginas antes se anunciaba que así serían investidos, mientras que en los casos de Pedro López Dávalos y Beltrán Dávalos, hijos de Ruy López Dávalos, Diego de Quesada, hijo de Pedro Díaz de Quesada, Diego de Ávila, Fernán Rodríguez de Arévalo, Rodrigo de Avellaneda, Miguel Belome, siciliano, Álvaro Gutiérrez de Vadillo, Joan Mercer y Fernán López, escribano del maestre de Alcántara, a todo ellos expresamente el rey “[...] los armo caballeros” o “[...] armo el dicho señor rey estos caballeros [...]” (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 108). 55. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 102. 56. PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – La Coronación; DURÁN GUDIOL, Antonio – “El rito de la coronación del rey en Aragón”. Argensola: Revista de Ciencias Sociales del Instituto de Estudios

Medievalista, 23 | 2018 228

Altoaragoneses 103 (1989), pp. 17-40, en concreto pp. 27-35; ORCÁSTEGUI GROS, Carmen – “La coronación”, pp. 641-645. 57. SUÁREZ FERNÁNDEZ, Luis – Historia del reinado de Juan I de Castilla. Tomo I. Estudio. Madrid: Universidad Autónoma de Madrid, 1977, pp. 25-27; RAMOS VICENT, María del Pilar – “Reafirmación del poder monárquico en Castilla: la coronación de Alfonso XI”. Cuadernos de Historia Medieval 3 (1983), pp. 3-36, en concreto pp. 26-30; PORRO GIRARDI, Nelly R. – La investidura de armas en Castilla. Valladolid: Junta de Castilla y León, 1998, pp. 279-289; PÉREZ MONZÓN, Olga – “Ceremonias regias en la Castilla medieval. A propósito del llamado Libro de la Coronación de los reyes de Castilla y Aragón”. Archivo Español de Arte. LXXXIII, 332 (2010), pp. 317-334, en concreto pp. 331-332; CARRERO SANTAMARÍA, Eduardo, “Por las Huelgas los juglares. Alfonso XI de Compostela a Burgos, siguiendo el Libro de la Coronación de los Reyes de Castilla”. Medievalia 15 (2012), pp. 143-157, en concreto pp. 150-152. 58. Los autores citados en la nota anterior plantean dudas en relación a las características de ambas tomas de caballería dentro de las respectivas coronaciones, ya en la catedral Santiago o en el monasterio de las Huelgas de Burgos la de Alfonso XI, ya a cuenta de la existencia o no del Santiago articulado o de su correspondencia con la estatua conservada en el monasterio de las Huelgas, aspecto este último que Carrero Santamaría rechaza taxativamente (CARRERO SANTAMARÍA, Eduardo, “Por las Huelgas”, p. 151). 59. PALACIOS MARTÍN, Bonifacio – “Investidura de armas de los reyes españoles en los siglos XII y XIII”. Gladius. Vol. Especial. Actas del I Simposio Nacional "Las Armas en la Historia (siglos X- XIV)" (1988), pp. 153-192, en concreto pp. 185-192. Las fuentes no son claras a la hora de certificar si Alfonso VIII de Castilla acaso ya hubiera procedido a armarse sin intermediación de ningún clérigo. 60. GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, p. 97. 61. MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 137-138, 154-157, en relación con la promoción del culto mariano por los monarcas castellanos a partir de la consideración de la Virgen como abogada directa, con hitos particulares en los reinados de Alfonso X, Enrique II y Juan I. 62. Durante el torneo de cien contra cien caballeros celebrado el 16 de febrero de 1414, dentro de los festejos de la coronación, cada uno de los grupos se atavió de manera diferenciada con dichos colores (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 127-129). El verde y el rojo también aparece reflejado en las vestimentas en los personajes que representaban a los siete hijos de los reyes Fernando en uno de los entremeses de la entrada de Valencia, además de que el séquito que cerraba el último entremés de dicha entrada representaba a tres personajes femeninos, dos de ellas a caballo y con banderas verdes y rojas, escoltadas por cuatro caballeros, la otra con un estandarte blanco (Documents, Llibre de l’entrada de Ferran d’Antequera, pp. 341-342, 358-359, 374, 376). Francesc Massip se pregunta si no existe alguna relación entre estos colores y los Trastámara (MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 59, 63). A razón de lo observado en mi propio trabajo, sería necesario valorar el simbolismo de los colores ligado acaso a algún concepto abstracto de virtud más que a una conexión de tipo dinástica, por lo menos en relación con el rojo y el verde porque el blanco bien podría evocar el de la divisa de la orden de la Jarra y el Grifo, que se sabe que era blanco y había ocupado un papel central en las entradas triunfales de Fernando “el de Antequera” en Antequera y en Sevilla en 1410 o en Balaguer en 1413 (MUÑOZ GÓMEZ, Víctor – Fernando “el de Antequera”, pp. 147-153; ZURITA, Jerónimo – Anales, Libro XII, cap. XXX, p. 234). 63. En estos juegos de armas, según el relato cronístico de García de Santa María, se aprecia la presencia de “mantenedores” que combaten contra “aventureros” en justas pretendiendo defender un espacio u objeto, no del todo bien determinado en cada uno de aquellos (GARCÍA DE SANTA MARÍA, Álvar – Le parti inedite, pp. 121-122, 129-130). Se trata de elementos propios de los famosos pasos de armas, tan populares en el siglo XV en toda Europa en los medios aristocráticos y

Medievalista, 23 | 2018 229

con un fuerte valor simbólico en torno a la teatralización realizada del mantenimiento de una promesa o un paso. Un estudio reciente ha podido documentar los primeros pasos de armas con una forma completa descritos por las fuentes precisamente en Castilla, en concreto en 1428, si bien no deja de apuntar la presencia de formas incipientes previamente, citando los propios torneos de las fiestas de la coronación (NADOT, Sébatien – Le Spectacle des joutes. Sport et courtoisie à la fin du Moyen Âge. Rennes: Presses Universitaires de Rennes, 2012, pp. 12 y ss., 28, 129-141). La teatralidad que subyace el paso de armas lo convierte en un espectáculo a tener en cuenta en relación con la transmisión de mensajes cargados de contenido político y acaso no sea casual su promoción en el entorno de Fernando “el de Antequera”, aun en una forma incipiente. 64. MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 57-58; Documents, Llibre de l’entrada de Ferran d’Antequera, pp. pp. 13, 228, 248, 264-265, 273, 279, 296, 298, 320, 322-323, 325, 327-328, 330, 334, 347, 349, 352-353, 357, 362, 375, 377. 65. MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 58-59. En la entrada del príncipe Alfonso en febrero de 1415 la segunda rueda fue modificada, representando a las virtudes, al carecer de sentido la representación de los infantes de Aragón alrededor de su padre, tal y como sí se hizo en las entradas del rey y de la reina. 66. MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 59-61. 67. Mientras, el entremés que cerraba la entrada, llamado “de Mestre Vicent”, y que mostraba la visión de Santo Domingo y San Francisco de Cristo con las tres lanzas estaba revestido de un simbolismo fundamentalmente profético y escatológico, ligado a la predicación de Vicente Ferrer en relación al fin de los Tiempos y el Juicio Final. Aunque su lectura no sería fundamentalmente política, bien puede entenderse que ayudaba a entroncar el orden temporal en el que encajaba el rey como parte de la globalidad del plan divino de la Creación y hacia la salvación del ser humano frente al pecado, la muerte y el Mal (MASSIP BONET, Francesc – “L’entrada valenciana”, pp. 62-63). 68. CANCIONERO DE JUAN ALFONSO DE BAENA. Ed. José María Azáceta. Madrid: CSIC, 1966, pp. 1.009-1.013. 69. Junto con los ejemplos ya citados, puede ser ilustrativa la profusión de pendones con las armas de Aragón en las celebraciones del 29 de junio de 1412 en Cuenca al conocerse la proclamación del infante Fernando como nuevo rey de Aragón (PANZÁN, Luis – Recordanzas, pp. 100-103) 70. Particularmente esclarecedores en este sentido SESMA MUÑOZ, José Ángel – El Interregno (1410-1412), pp. 146-224, hasta el punto de concluir su estudio el profesor Sesma insistiendo, como conclusión, que el ascenso al trono de Fernando I no abrió una nueva etapa en la evolución institucional, política, social y económica de la Corona de Aragón y “[...] ni siquiera se puede hablar de un cambio de dinastía. La Casa Real de Aragón seguirá en el trono, al menos durante el siglo XV”. (p. 224); Igualmente, MORALES ARRIZABALAGA, Jesús – “La publicación de Fernando de Castilla como Rey de Aragón. El ‘Compromiso de Caspe’ de 1412 como cuestión de justicia”. in SESMA MUÑOZ, José Ángel (dir. científico) – La Corona de Aragón en el centro de su Historia 1410-1412, pp. 315-346, donde se procede al análisis desde la teoría jurídica contemporánea en los reinos ibéricos de la Corona de Aragón del sentido de la decisión tomada en Caspe. 71. Puede ser el caso de la entrada real en Perpiñán para las vistas con el emperador Segismundo, en la medida en que se sabe que, a la llegada de éste a la ciudad el 19 de septiembre de 1415 “[...] la Cibdad embió los juegos con que rescibieron al Rey [...]” (PÉREZ DE GUZMÁN, Fernán – Crónica, Año 1415, Cap. XII, p. 365). 72. BOULTON, D’Arcy J. D. – The Knights of the Crown: The Monarchical Orders of Knighthood in Later Medieval Europe 1325-1520. Woodbridge: Boydell Press, 2000, pp. 330-338. 73. La difusión de la divisa de la Jarra y el Grifo entre caballeros de todo el Occidente, sólo mejor documentada por lo que se refiere a casos procedentes del Imperio, Bohemia, Hungría y Polonia, hasta el inicio del siglo XVI, cuando igual que la Banda de Castilla pasase a verse eclipsada por el

Medievalista, 23 | 2018 230

protagonismo adquirido por la orden del Toisón de Oro en el reinado de Carlos I, la relevancia de sus principios y de su simbolismo ceremonial en la corte aragonesa sino también su valor en el establecimiento de relaciones diplomáticas en los entorno aristocráticos del continente (VENDRELL GALLOSTRA, Francisca – "Caballeros centroeuropeos”; CORETH, Anna – “Orden von Stola und den Kanndeln und dem Greifen (Aragonesischer Kannenorden)”. Mitteilungen des Oesterreichischen Staatsarchivs 5 (1952), pp. 34-62; HYE, Franz-Heinz von – “Testimonios sobre órdenes de caballería españolas en Austria y estados vecinos (Bohemia, Alemania, Suiza y Hungría)”. En la España medieval 16 (1993), pp. 169-187; SALICRÚ I LLUCH, Roser – “Caballeros cristianos en el Occidente europeo e islámico”. in HERBERS, Klaus, JASPERS, Nikolas – “Das kommt mir spanisch”. Eigenes und Fremdes in den deutsch-spanischen Beziehungen des spaten Mittelalters. Münster: Lit Verlag, 2004, pp. 217-289. Sobre las divisas reales en la Corona de Aragón desde el final del siglo XIV, MASSIP BONET, Francesc – A cos de rei, pp. 122-134; DOMENGE I MESQUIDA, Joan – “Las joyas emblemáticas de Alfonso V”. Anales de Historia del Arte 14, Número especial (2014), pp. 99-117; NARBONA CÁRCELES, María – “¡Ay!... las divisas de Carlos de Evreux, Príncipe de Viana (1421-1461)”. Príncipe de Viana. Vol. 72, 253 (2011), pp. 357-374; NARBONA CÁRCELES, María – “El contenido devocional de las divisas: el azafrán y la olla ardiente de la reina de Aragón (1416-1458)”. Emblemata. Revista Aragonesa de Emblemática 20-21 (2014-2015), pp. 435-452; MARTÍNEZ LLORENTE, Javier – “Divisas y heráldica”, pp. 180-187.

RESÚMENES

A 28 de junho de 1412, como resultado do Compromisso de Caspe, o infante D. Fernando de Castela foi proclamado rei de Aragão depois de dois anos de interregno. As possíveis necessidades de legitimação do direito ao trono e do exercício do poder real de Fernando enquanto sucessor de Martinho I derivaram num espetacular programa propagandístico. Neste artigo propõe-se uma análise dos princípios fundamentais da linguagem simbólica usada pelo rei D. Fernando de Aragão para este fim. Para tal, parte-se do estudo das principais cerimónias públicas protagonizadas pelo monarca durante o seu breve reinado (1412-1416), com destaque para as entradas reais nas principais cidades da monarquia e para as festas da sua coroação em Saragoça em fevereiro de 1414.

On 28 June 1412, as a result of the compromiso of Caspe’s sentence, the infante Ferdinand of Castile was proclaimed king of Aragon after two years of interregnum. Ferdinand’s potential needs to legitimise his right to the throne and his exercise of royal authority as king Martin I’s successor conducted to an spectacular propaganda apparatus. This paper aims to analyse the core principles of the symbolic language which was performed to this goal by king Ferdinand I of Aragon. This purpose is based on the study of the main public ceremonies that were led by the monarch during his brief reign (1412-1416), prominently royal entries in the major cities in the Aragonese monarchy and Coronation festivities at Zaragoza in February 1414.

Medievalista, 23 | 2018 231

ÍNDICE

Palavras-chave: Coroa de Aragão, Fernando I, legitimação, comunicação política, cerimónias reais Keywords: Crown of Aragón, Ferdinand I, legitimation, political communication, royal ceremonies

AUTOR

VÍCTOR MUÑOZ GÓMEZ

Universidad de La Laguna, Facultad de Humanidades, Instituto de Estudios Medievales y Renacentistas, 38200, San Cristóbal de La Laguna (S. C. de Tenerife), Espanã [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 232

“Mulier ne debuerit habere regnum”: a regência na menoridade de D. Afonso V vista pelos juristas “Mulier ne debuerit habere regnum”: the regency during D. Afonso V minority seen by lawyers

Manuel Francisco Ramos

NOTA DO EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 16-03-2017 Data aceitação do artigo / Accepted in revised form: 20-10-2017 “Mulier ne debuerit habere regnum”: a regência na menoridade de D. Afonso V vista pelos juristas / “Mulier ne debuerit habere regnum”: the regency during D. Afonso V minority seen by lawyers Manuel Francisco Ramos

1.

1 Com a morte prematura de D. Duarte [9/9/1438], o herdeiro do trono, Afonso, de quase sete anos, foi alevantado rei, mas não pôde governar por não ter róbora, i.e., não ter atingido a idade da razão. Em Portugal, a maioridade régia era adquirida aos 14 anos, como preceituavam os “foro(s) d’Espanha”1, e não aos 25 (ou então aos 20 anos2), como determinava o direito justinianeu, situação que tem paralelo com as Partidas II, 15, 3. Assim sendo, teria de ser nomeado um regente que assegurasse a administração do reino na menoridade do rei, isto é, de 1438 a pelo menos 1446.

Medievalista, 23 | 2018 233

2 Era a quinta vez na história de Portugal que o instituto da regência era posto em prática e a terceira relativa a uma mulher: depois de D. Teresa, isto no caso de se aceitar como autêntica regência a acção governativa da mãe de D. Afonso Henriques3; de D. Afonso, conde de Bolonha, até à morte de Sancho II [1245-1247], com o título de “visitador, procurador e defensor do reino”; da rainha D. Leonor Teles de Meneses, a qual entre 1383-1384, após a morte de D. Fernando, exerceu nominalmente a regência em nome de sua filha, D. Beatriz, então de 10 anos e casada com o rei de Castela, D. Juan I4; e do Mestre de Avis, igualmente após a morte de D. Fernando. Também há situações de co- regência5; também há regências por o rei se ter ausentado do reino6.

3 Mas quem deveria ser o contemplado, se não havia legislação nacional sobre regências dos monarcas – as Cortes de Lamego de 1143, que alegadamente regulavam a sucessão dinástica de Portiugal, nunca existiram nem nunca foram convocadas, são antes uma falsificação patriótica do séc. XVII7 – e os costumes do reino nenhuma resolução segura autorizavam por haver mais do que uma tradição? O melhor a fazer naquele momento era abrir o testamento do falecido rei, ver as suas cláusulas e esperar que elas elucidassem a corte e os representantes dos três estados acerca da questão. Talvez D. Pedro, filho secundogénito e, por morte de D. Duarte, o mais velho dos filhos de D. João I, tivesse grande esperança em figurar no testamento, se não na posse plena da regência pelo menos com uma parte substancial. Aliás, já no passado ele havia sido nomeado por D. Duarte curador do herdeiro do trono, D. Afonso, juntamente com o irmão Henrique. Foi nas cortes de Leiria-Santarém [11 de novembro de 1433], pouco depois de D. Duarte ter sido entronizado rei, “para receberem em seu nome os preitos, homenagens e juramentos de lealdade dos três estados”8. Por isso, as expectativas deviam ser grandes.

4 Todavia, aberto o testamento do falecido rei, o qual não se conserva, foi nele achado que a regência do reino ficaria a cargo da rainha D. Leonor in solido, juntamente com a tutela e a curatela do filho menor; também seria a herdeira dos bens móveis de D. Duarte. Uma Carta de Crença enviada pelos vencedores de Alfarrobeira a D. João II de Castela e ao ducado da Borgonha, após a morte de D. Pedro, em Alfarrobeira, e que em grande parte é uma caricatura da figura do Infante, resume desta forma os eventos desse tempo9: “por morte delrrej, meu senhor e padre [D. Duarte], que Deos haja, fiquamos de idade de sete annos. E porque no seu solene testamento, que logo no dia seguinte [10 de setembro de 1438], a requerimento de todolos tres estados, foy aberto e pruuicado, se continha que a rrajnha, minha senhora e madre [D. Leonor de Aragão], de piadosa lembrança, como nossa titor, nos criasse e tiuesse regimento e aministração comprida de todas nossas cousas”10.

5 Isso significava que, passados cinco anos, D. Duarte tinha mudado de ideias e que não queria que os seus irmãos tivessem qualquer participação na tutela do reino e na tutela e curatela do rei, mas unicamente sua mulher. E porque seria? Desconfiava das ambições desmedidas de D. Pedro e de que ele, experimentado como era, não devolvesse o poder ao sobrinho? Apesar de mãe de várias crianças, tinha plena confiança na sua mulher, acerca da qual afirma a Crónica de D. Afonso V11 que era “muyto honesta, virtuosa, prudente, devota e muyto amiga da vyda e honra d’elRey seu Marido”? Tem sido referido que o que D. Duarte pretende é que o poder fique na pessoa mais próxima dele e do filho primogénito; e que é normal que se sirva da esposa para deixar algo aos filhos12. Poderá ser, mas importa ter presente as questões jurídicas acerca desta questão, coisa que nos propomos fazer e que é relevante. No dia seguinte ao falecimento do rei (10/09/1438), os infantes de Avis, a nobreza, prelados e povo,

Medievalista, 23 | 2018 234

parecendo aceitar as disposições testamentárias do falecido rei, juraram e prometeram executar as suas cláusulas, até porque, segundo os vencedores de Alfarrobeira – em que pontificava o duque de Bragança, D. Afonso, e seus filhos como entidades maiores –, ele tinha sido completamente redigido de acordo com o direito. Afirma a Carta de Crença, que de novo citamos: “os jfantes dom Pedro e dom Amrique, meus tios, e os condes, prelados, fidalgos e pouos que presentes erão o tiuerão por bem, jurando e prometendo primejro os ditos meus tios, desy todos os outros de o ter e manter, porque concordaua com as leis imperiaes, que outorguarão as titorias dos filhos as viuuas e onestas madres, e com os foros dEspanha e antiguas vsanças e ordenações, praticadas em nossos rrejnos”13.

6 Nesse mesmo dia 10 de setembro, D. Pedro dirigiu a sessão do alevantamento do rei e, no decorrer dela, sugeriu que D. Fernando, filho secundogénito de D. Duarte (tal como D. Pedro é filho secundogénito de D. João I), de cinco anos, fosse imediatamente jurado herdeiro e sucessor do trono, o qual passou a intitular-se “príncipe”, aliás o primeiro, porque todos os anteriores filhos segundos foram “infantes”. Por conseguinte, a sucessão de D. Afonso V nunca foi posta em causa, nem que D. Fernando seria o herdeiro em caso de morte de Afonso; nem que D. Pedro seria o rei em caso de morte dos dois irmãos; o problema, como a seguir se verá, é de regência, por não haver uma lei da sucessão e da regência que esclarecesse a situação, mas apenas ideias nascentes, ideias em crise e ideias em conflito.

7 Nessa altura, vários conselheiros do reino – é Rui de Pina que o lembra14 – alertaram a rainha viúva para a dificuldade da tarefa, quer por ser trabalho exigente, quer por ter a seu cargo vários filhos: Afonso, Fernando, Leonor, Catarina e no ventre Joana, que viria a nascer nos finais de março de 1439. Também a alertaram para o facto de os príncipes de Avis terem uma palavra a dizer em matéria de governação e ainda para a aversão que havia no reino às rainhas estrangeiras, sobretudo quando assumiam funções governativas. Além disso, cinco anos antes, Pedro e Henrique tinham sido nomeados temporariamente curadores e era provável que agora quisessem ser mais do que isso. Ela deve ter percebido bem a dificuldade da missão, mas não anuiu aos conselhos, começando “logo a husar do Regimento ynteiramente sem alguma pubryca contradyçam”15, não só porque julgasse que a lei estava do seu lado, mas também porque era essa a vontade do seu falecido esposo e ainda porque, gozando do apoio da nobreza senhorial, se sentisse confiante no desempenho do cargo de regente.

8 Pouco depois de iniciada a regência e assumido a tutoria do rei menor, apoiada na legalidade do testamento de D. Duarte, a sua autoridade – tal como havia sido previsto pelos conselheiros – foi contestada por D. Pedro e partidários, que a Crónica resume assim: “agora pellas praças se solta, que ElRey nosso Senhor, vosso Marido, que Santa Gloria aja, vos nam podia leixar este cargo de reger: cá este poder demleger Regedor do Reino era somente ao Reino, e aos tres Estados dele resservado”16; mas que a Carta de Crença atribui à “desordenada cobiça” de D. Pedro, a qual, por ser patológica, o destrói moralmente: “hum mujto agudo e desordenado dezejo de reger estes rrejnos, por qualquer arte ou industria que podesce, o qual dezejo trazia escondido sob aquellas falças cerimonias de fengida obediençia, do que os auizados homens, dando lugar aos tempos, usar soem”17. A partir daí teve lugar uma feroz luta partidária, a qual só terminou quando a “incessa cobiça” do Infante foi plenamente satisfeita.

9 Nas Cortes de Torres Novas [1438], as quais tanto serviram para os procuradores dos estados reconhecerem e prestarem obediência solene ao novo monarca, como para

Medievalista, 23 | 2018 235

aclarar a questão política da regência, viria a ser encontrada uma solução duunviral, que consistia na partilha da regência pelo Infante D. Pedro e D. Leonor18. Segundo a Carta de Crença, o recurso a esta solução de partilha foi unicamente para satisfazer a cobiça de D. Pedro19. Tal solução, porém, acabou por fracassar por duas razões: (1) D. Leonor não terá sido eficaz no despacho, muito devido ao facto de estar grávida de Joana e aquele trabalho ser laborioso; (2) terá havido descoordenação entre ela e o cunhado, talvez porque as antigas inimizades entre o pai de D. Leonor de Aragão e o sogro do Infante, ambos pretendentes ao trono de Aragão em que, por fim, o primeiro acabou por reinar, não tivessem sido esquecidas20. Estando D. Leonor, por assim dizer, sob vigilância da facção contrária, tal fraqueza não passou despercebida aos partidários de D. Pedro, que não perderam a oportunidade de a criticar e acusar de inaptidão; parecia-lhes que estava aí a prova de que a rainha carecia de personalidade para o cargo. Por isso, vive-se um ambiente revolucionário em Lisboa21, por isso D. Pedro rompeu o contrato de regência com D. Leonor e o conflito acerca da regência do reino permaneceu.

10 Para o dirimir (melhor, para ser consumada a entrega do poder unicamente a Pedro), foram marcadas as Cortes de Lisboa [1439]. A forma excessiva como D. Pedro aí se apresentou: à frente do seu exército ducal (parte do qual dispensou à entrada de Lisboa), para intimidar e desmoralizar os adversários22, levou mais tarde os vencedores de Alfarrobeira, na Carta de Crença, a afirmar, com ou sem razão, que nas Cortes de Lisboa ele, ambicioso como era, assaltou o poder: “iuntou gentes darmas23 e uejo assj poderoso com ellas as cortes […] que os grandes, com reçeo, e os pequenos, com medo, lhe nom ousascem nem podescem contradizer o que ligeiramente acabou; porque alguns, pello recebido, outros, por hi prometidos beneficios, inclinados, e mujtos por auitar majores escandalos e conhecendo que o seu contradizer nom prestaria, lhe outroguarão todos, ascj a desuairadas fins, o regimento de nossos rrejnos com a tjtoria”24.

11 Por conseguinte, a solução aí encontrada passou pela entrega dos dois institutos: o da tutoria do reino e o da tutoria do rei, ao Infante D. Pedro in solido, quer por ser reconhecido como a pessoa mais capaz, quer pelo respeito à hierarquia familiar dos príncipes de Avis, quer ainda pela aversão que havia no reino ao governo de uma mulher e para mais estrangeira. No apoio recebido nessas cortes, D. Pedro contou sempre com o auxílio dos procuradores dos municípios; também o irmão D. João se revelou um incondicional partidário seu em toda a conjuntura. Como a solução encontrada nas Cortes de Lisboa fosse definitiva e não agradasse à rainha e partidários, o exército real moveu-lhes dura e excessiva luta armada [Almeirim, Crato…]25 com a finalidade de a expulsar do país e, sem oposição, D. Pedro pudesse governar in solido, o que viria a acontecer.

2.

12 No fundo temos dois partidos – como assevera Martim de Albuquerque26 – , um encabeçado por D. Leonor e o outro por D. Pedro, advogando cada um sua teoria político-jurídica: uma, por assim dizer, de cariz popular, que contestou a força do testamento de D. Duarte, alegando que a sucessão da coroa estabelecida pelos reis em testamento não tinha validade e que, em caso de extinção da dinastia, pertencia às cortes a eleição do rei27, tal como tinha ocorrido com a eleição de D. João I nas Cortes de Coimbra; outra, de cariz nobre, que defendia o cumprimento integral do testamento de

Medievalista, 23 | 2018 236

D. Duarte e, por isso, a outorga do regimento e da tutela do rei menor unicamente a D. Leonor. Além de duas teorias político-jurídicas e de dois cabeças de partido que familiarmente eram cunhados, também temos duas questões vistas a posteriori: uma de direito privado: tutela e curatela do rei menor, e outra de direito público: tutela do reino ou regência.

13 Cada partido fixa-se nos argumentos mais fortes e apresenta-os como melhores. D. Leonor e os seus partidários escudam-se num único e imponente argumento que julgam inatacável: que a rainha viúva é a contemplada no testamento, o qual “concordaua com as leis imperiaes, que outorguarão as titorias dos filhos as viuuas e onestas madres, e com os foros dEspanha e antiguas vsanças e ordenações, praticadas em nossos rrejnos”. Esta forma de argumentar, por recorrer ao argumento jurídico, revela que por trás de quem a defende há juristas, mas não sabemos quem são. D. Pedro e os seus partidários, em que pontificam os juristas Diogo Afonso Mangancha e Jean Jouffroy, defendem: (1) que em caso de extinção da dinastia, pertence às cortes a eleição do regente; (2) que o filho secundogénito de D. João I não podia ser excluído da regência até porque se morressem os dois filhos varões de D. Duarte seria ele o rei; (3) e que D. Pedro é a pessoa mais capaz, tanto pela nobreza intelectual como pelo facto de ser homem e, por isso, poder comandar o exército em caso de guerra.

14 Vejamos cada uma das posições em particular. A primeira questão que se nos coloca é a seguinte: testamento do rei ou cortes na escolha do regente? A rainha viúva e os seus partidários, entre os quais se contam membros da alta nobreza e juristas anónimos, fixam-se exclusivamente neste único argumento, que consideram inatacável sob o ponto de vista jurídico: ela é a única contemplada no testamento do falecido rei e isso é concordante com o direito imperial, o direito hispânico e o direito nacional; e que D. Leonor não pode ser desprovida das duas tutelas “sem manifesta injuria e offensa sua”, isto é, sem haver razões penais para a poder privar desse benefício. Além disso, argumentam que, quando o testamento foi revelado, todos o aceitaram sem contestação e juraram fazê-lo cumprir: “prometido e yurado de ter e manter o testamento do dito senhor rrey”28. Mais ainda: nas Cortes de Torres Novas, o testamento foi de novo examinado pelos juristas e de novo foi declarado legal: “E, sendo os principaes prelados, fidalguos e pouos aiuntados em cortes, foy uisto e examinado o dito testamento; e porque, segundo as forças e clausulas delle, nom podião tolher aa dita senhora minha madre a nossa titoria com o regimento de nossos rrejnos sem manifesta injuria e offensa sua, foy determinado, em as ditas cortes, com acordo de meus tjos, que a dita senhora rrajnha fosse nossa titor”29.

15 Para mais, excluem a possibilidade de que D. Pedro possa partilhar o regimento do reino por não ser contemplado no testamento e acham que as cortes não têm poder para dirimir o conflito, nem há tradição em se imiscuírem nos assuntos da regência. No fundo, a questão principal radica na legalidade do testamento de D. Duarte. Não é de estranhar que este rei, pouco antes da sua morte por peste, tenha tomado precauções no seu testamento acerca da sua sucessão, já que quase todos os reis até ao seu tempo tomaram iguais providências, contemplando uns a sucessão e outros, além da sucessão, a situação da regência. Mas comecemos pelo princípio, já que a posse da coroa tem um longo historial e é oportuno referi-lo.

16 Entre os visigodos da península, a posse da coroa concretizava-se por eleição geral entre magnates e sacerdotes, por rebelião, ou o rei nomeava o seu sucessor. O princípio electivo (que muito mais tarde foi posto em prática em Portugal, nas Cortes de Coimbra

Medievalista, 23 | 2018 237

de 1385) foi sancionado pelos Concílios de Toledo e era o preferido da nobreza que se opunha ao princípio da hereditariedade30. Na Reconquista, a transmissão da coroa foi quase sempre de pais a filhos, ainda que o princípio eletivo não lhe seja estranho. No entanto, a hereditariedade prevaleceu no costume, porque os reinos da Península principiaram por ser considerados património dos monarcas, razão pela qual alguns reis dividiram o reino pelos filhos31. Aliás, foi tal divisão que proporcionou a Portugal a separação do reino de Castela e de Leão e, portanto, a sua independência.

17 Quando Portugal se tornou independente pela separação do reino de Castela e de Leão, a hereditariedade em linha direta estava já consagrada por longo uso mantendo-se, passando o trono de pais para filhos32. No entanto, o princípio da hereditariedade não era um direito escrito pelo que não podia ainda ter raízes profundas33 e, por conseguinte, podia ser questionado, como veio a ser.

18 Observando o testamento dos primeiros monarcas, Sancho I, Afonso II e Sancho II, onde se estabelece a sucessão da coroa, constata-se que quem herda o trono é o filho primogénito da mulher legítima e a sua descendência; depois os outros filhos do testador pela ordem de nascimento; na falta de herdeiro masculino, são chamadas à sucessão as filhas legítimas pela mesma ordem; não havendo, são chamados os irmãos do rei pela ordem do nascimento (foi assim que O Bolonhês herdou o trono); depois os filhos ou filhas do irmão que reinar (foi assim que D. Dinis herdou o trono); não havendo, a sucessão regressa à linha colateral. É, pois, esta a ordem que se institui em Portugal e Castela: a hereditariedade na linha de sucessão, sem que haja oposição à sucessão na linha feminina, se a masculina faltar (contrariamente à Lei sálica, vigente em França). “A hereditariedade nos fins do século XIV, conclui Gama Barros34, era a única doutrina que se reputava jurídica e que tinha voga”. D. Afonso II e Sancho II também contemplaram no seu testamento a possibilidade de o[a] herdeiro[a] da coroa não ter chegado à maioridade; nesse caso, ditam vagamente, que o[a] herdeiro[a] menor e o reino fiquem em poder dos vassalos até que o sucessor tenha róbora; não surge aqui a possibilidade de a rainha ser a regente, como no testamento de D. Duarte.

19 Com a morte de D. Fernando [Outubro de 1383], só sobrevive a filha Beatriz, casada com D. Juan I de Castela, e havia o perigo de união das duas coroas. Ficou como regente do reino a rainha viúva, usando de toda a jurisdição e senhorio, mas foi de curta duração porque representava a sujeição à coroa de Castela e a perda da independência. Por isso, o amor da independência reagiu contra o jugo estranho, e o Mestre de Avis, dirigindo o movimento nacional, assumiu o governo do reino em Dezembro de 1383, por eleição do povo de Lisboa, com o título de defensor, que conservou até ser aclamado rei nas Cortes de Coimbra de 138535. Argumentaram que, não havendo ninguém que pudesse invocar legitimamente o direito de sucessão, o trono foi declarado vago. Assim sendo, os três estados exerceram a soberania, elegendo o Mestre de Avis, mas não estabelecem disposição alguma quanto à sucessão futura36.

20 D. João I, no seu testamento, declara sucessor o seu filho D. Duarte, primogénito, ou a sua descendência por linha direta; depois os outros filhos seus segundo a ordem de nascimento [Pedro, Henrique, ...], precisamente como tinham feito os reis da Dinastia de Borgonha. D. Duarte, quando já estava atacado de febres mortais, declarou herdeiro seu filho Afonso, mas, por não ter róbora, instituiu como tutora do reino e do rei menor a rainha D. Leonor, sua mulher. Mas pouco depois de ter iniciado funções, as disposições testamentárias foram contestadas e impugnadas, o que não deixa de ser espantoso porque nunca antes o tinham sido, sobretudo pelas razões que os

Medievalista, 23 | 2018 238

contestatários invocavam: D. Leonor é mulher, é estrangeira, não tem personalidade para o cargo, há três irmãos do rei falecido que têm uma palavra a dizer... Segundo a Carta de Crença, isso foi devido às intrigas de D. Pedro e de seus partidários e não a razões de direito ou de tradição. No fundo, o que D. Pedro e os procuradores dos concelhos procuraram fazer foi o mesmo que fora feito em 1385. A recordação desse feito, que conduzira ao período mais extraordinário da história de Portugal, estava ainda bem presente na mente de todos (nacionais e estrangeiros), como J. Jouffroy recorda várias vezes e com nostalgia37. Todavia, as situações não são bem a mesma coisa porque se em 1385 há extinção da coroa, o trono fica vago e há risco de perda de independência, em 1449 não se verifica o mesmo.

3.

21 Ao procederem desta forma os reis (i.e., ao pronunciarem-se em testamento acerca da sucessão ou da regência, tal como D. Duarte fez), eles têm em vista a Partida Segunda t. 15, l. 3 – teoria da patrimonalidade e o instituto da tutela testamentária em geral como figurava no direito romano –, que afirma, dado ser habitual o conflito acerca das tutelas do reino e do rei menor, estabelece-se como lei geral que, no caso de haver testamento ou indicações, que as tutelas fossem dadas à(s) pessoa(s) indicada(s) pelo rei; se não houver, que o(s) tutor(es) fosse(m) escolhido(s) em cortes: “TÍTULO 15: Cuál debe ser el pueblo en guardar al rey de sus hijos Ley 3: “Ocurre muchas veces que cuando el rey muere, queda niño el hijo mayor que ha de heredar, y los mayores del reino contienden sobre quién lo guardará hasta que sea de edad; y de esto nacen muchos males. Y por ello los sabios antiguos de España, que consideraron todas las cosas muy lentamente y las supieron guardar, por quitar todos estos males que hemos dicho establecieron que cuando el rey fuese niño, si el padre hubiese dejado hombres señalados que le guardasen mandándolo por palabra o por carta, que aquellos hubiesen la guarda de él, y que el rey lo hubiese mandado; mas si el rey finado de esto no hubiese hecho mandamiento ninguno, entonces débense juntar allí donde el rey fuere todos los mayores del reino, así como los prelados y los ricos-hombres y otros hombres buenos y honrados de las villas; y desde que fueren adjuntados, deben jurar sobre los santos Evangelios que anden primeramente en servicio de Dios y en honra y en guarda del señor que tengan y en pro comunal de la tierra y del reino; y según esto, que escojan tales hombres en cuyo poder lo metan, que lo guarden bien y lealmente”38.

22 Tal lei que regula a regência do reino não figura no direito pátrio português. Figura, no entanto, a disposição de que os “padres podem dar tetores, e curadores a seus filhos em testamento”, que foi acolhida pelo direito pátrio no tempo de D. João I – como afirma Martim de Albuquerque39 –, desembargada em cortes gerais e introduzida mais tarde nas Ordenações Afonsinas, liv. 4, t. 85 §7: “Segundo direito os Padres podem dar tutores, e curadores a seus filhos em testamentos… que honde o Padre leixar com quem seu filho viva, e com quem more, ou officio que aja, que assy se cumpra, poendo pena a quem o contrairo fezer”40.

23 As Ordenações Afonsinas liv. 4, t. 82 também distinguem os três tipos de tutores que a tutela admite41: (1) tutor testamenteiro: os tutores que são deixados pelos pais em testamento e devem ser tidos por bem escolhidos; (2) quando não há testamento, ou indicações em testamento, que seja tutor do órfão o parente mais chegado [tutor lidimo]; (3) quando não há testamento, ou indicações em testamento, ou não há parente

Medievalista, 23 | 2018 239

chegado, ou se há não pode ou não quer ser, que o juiz do lugar dê ao órfão um homem bom [tutor dativo].

24 Ora, no caso de Afonso V, há testamento e tutor testamenteiro nomeado pelo rei: é D. Leonor, mãe, e é ela que tem de assumir a tutela do rei à luz da lei. E segundo a mesma lei (O.A. liv. 4, t. 83 §1), o tutor que o pai escolher será tido como bem escolhido, e a justiça não deverá interferir com a escolha. De igual forma, a justiça não poderá retirar ao tutor testamenteiro a tutoria do órfão até que ele atinja a maioridade, excepto se o tutor administrar mal a tutoria ou os bens do tutor (O.A. liv. 4, t. 83 §3), tal como os partidários de D. Leonor asseveram42.

25 Porém, uma coisa é a tutela particular, acerca da qual não parece haver dúvida, e outra coisa é a tutela pública do reino. Se D. Leonor também pode assumir a tutela do reino, é outra questão e bem mais difícil de dirimir do que a tutela privada. Contudo, certo é que a vontade do testador D. Duarte e a dos seus juristas era a de que D. Leonor herdasse as duas tutelas – a do rei e a do reino. Na base do seu desejo, do rei e dos seus juristas, talvez estivesse a convicção de que:

26 (i) se a mulher, à luz da legislação nacional, não pode ser afastada da sucessão, também não deverá ser afastada da regência do reino;

27 (ii) ao D. Leonor ser tutora do rei, devia ser igualmente tutora do reino por na Península se considerar, desde o início, que o património do rei é o próprio reino;

28 (iii) tal como nas tutelas privadas o pupilo herda os bens dos pais, assim na tutela pública o pupilo real herda o reino, que é o seu património43.

29 É um argumento poderoso a favor da legalidade das cláusulas testamentárias do testamento de D. Duarte e, por conseguinte, da legitimidade de D. Leonor; e será a principal razão que explica porque D. Leonor e partidários pugnarão pela regência in solido e porque, em Lisboa, aceitaram contrariados a partilha da regência com o Infante.

4.

30 Apesar de a lei ser clara, apesar de as instruções deixadas por D. Duarte acerca da sucessão e da tutoria do filho varão terem pleno enquadramento dentro da tradição da casa real portuguesa, do direito comum, do peninsular e das ordenações do reino, “o suprimento da menoridade régia não tardaria a ser posto em crise”44 pelos partidários do duque de Coimbra e juristas pró-D. Pedro. As primeiras vozes do descontentamento são atribuídas pela Crónica de D. Afonso V às pessoas anónimas e numerosas da capital, partidárias do duque de Coimbra: “agora pellas praças se solta, que ElRey nosso Senhor, vosso Marido, que Santa Gloria aja, vos nam podia leixar este cargo de reger”, cujo argumento é que pertencia às cortes a escolha: “cá este poder demleger Regedor do Reino era somente ao Reino, e aos tres Estados dele resservado”45.

31 Depois virão os juristas pró-Infante com a sua bateria de argumentos, os quais tanto retomam o argumento das Cortes, que foi posto em prática em 1385, mas que não é bem o mesmo, como advogam novos argumentos de vária ordem. O primeiro deles foi o Doutor Diogo Afonso Mangancha, ligado ao conselho e desembargo de D. Duarte e apoiante do duque de Coimbra, a quem representou nas Cortes de 1446, na passagem do poder a D. Afonso V; o segundo foi Jean Jouffroy, deão de Vergy, referendário papal, conselheiro de Filipe, o Bom, e embaixador experimentado, tendo sido o cabeça da pequena embaixada borguinhã que D. Isabel de Portugal enviou em 1449-1450, à corte

Medievalista, 23 | 2018 240

de D. Afonso V, defender a memória do duque de Coimbra e a de seus filhos infamados e espoliados dos bens46. Ambos eram juristas in utroque iure e famosos pelas suas bibliotecas particulares, mas enquanto a do português não sobreviveu, a do borguinhão ainda hoje se conserva praticamente intacta!

32 Jean Jouffroy, ainda que não negue que a mulher possa assumir as tutelas do reino e do rei, argumenta aos vencedores de Alfarrobeira que a tutela deixada por D. Duarte a D. Leonor é inválida por razões de ordem legal e que nos reinos em que excepcionalmente acontece não são constituídos direitos. Em primeiro lugar, são várias as leis gerais e regulae iuris que excluem as mulheres de todos os cargos civis ou públicos: “As mulheres foram afastadas de todos os cargos civis ou públicos. Por isso, nem podem ser juízes, nem exercer a magistratura, nem requerer judicialmente, nem intervir a favor de alguém, nem ser procuradores”47; e também foram excluídas das tutelas por ser um cargo masculino: “Às mulheres não podem ser dadas tutores, porque isso é um cargo masculino, salvo se elas fizerem ao governador um pedido especial para terem a tutela dos filhos”48.

33 É certo que em determinadas situações (tutela privada) é lícito que a mãe execute a tutela; também é lícito que o testador possa prescrever que a tutela seja regida com o conselho da mãe, mas não é a regra geral, nem tem aplicação no instituto da tutela dos reis. A regra geral, verificada em muitos reinos e corroborada pelas leis imperiais, é que a tutela dos filhos confiada em testamento do pai à mãe é nula: “Segundo o nosso direito, declara-se que a tutela dos filhos comuns, confiada em testamento do pai à mãe, seja nula; e se o governador da província, caído em erro, tiver decretado a vontade do pai, que o sucessor não siga a determinação do governador por as nossas leis não a admitirem”49. E é essa a regra que deve ser observada na tutela dos reis – continua Jean Jouffroy, abordando o instituto da tutela do reino, o qual diferencia das tutelas particulares: que o rei não passe o poder para a rainha, até porque, como assevera Gregório Magno nos seus Morais, “O costume da vida de outros tempos determinou que as mulheres não obtenham em herança a administração dos reinos, porque a direção dos reinos necessita do que é forte e menospreza o que é fraco, elege o bem preparado e repele o que é inconstante”50.

34 É certo, continua o orador, que nalguns reinos as mulheres têm o direito de sucessão e dirigem a administração (i. e., são rainhas), mas, além de casos excepcionais, não são constituídos direitos: “Não são constituídos direitos nos casos em que, eventualmente, possam ter acontecido num ou noutro caso”51. Além disso, convém distinguir nas tutelas do reino dois graus de direito: o da mulher que, não havendo filhos varões, sobe ao trono por direito de sucessão (mulher herdeira; de autoridade maior por provir de si próprio e que não se verifica no caso de D. Leonor) e o direito da mulher que o administra como regente (mulher regente; mais fraco por provir de outrem, como é o caso de D. Leonor)52.

35 Apesar de toda a série de argumentos extraídos do “bom” direito, não ficamos impressionados com o jurista da Borgonha por sabermos as transformações que o direito justinianeu sofreu na sua adaptação ao direito pátrio, como já vimos anteriormente. Por isso, o que conta – é essa a nossa opinião –, é a legislação nacional, pouco depois transformada em Ordenações Afonsinas, quer tenha sido bem ou mal adaptada pelos juristas da corte; e o direito imperial, direito canónico e as glosas de Acúrsio e de Bártolo não passavam de direito subsidiário neste tempo. Por isso, a legalidade do testamento de D. Duarte e da ascensão de D. Leonor à regência

Medievalista, 23 | 2018 241

permanecem firmes. Jouffroy sabe disso, por isso tem necessidade de recorrer a novos argumentos para destronar D. Leonor do estado de legalidade e dar razão a D. Pedro. Se conseguir, livrará o antigo regente do crime de lesa-majestade e os seus filhos da infamação em que incorreram por culpa paterna; e atrás da comutação da pena, virá a devolução dos bens copiosos, há pouco confiscados.

36 D. Pedro – assevera o embaixador borguinhão – não podia ser excluído da partilha do poder, devendo, por isso, ter sido contemplado no testamento de D. Duarte, por várias razões. O direito comum permite constituir como herdeiro um estranho; também é possível privar da herança um irmão, desde que não se institua uma indigna pessoa, todavia os reis têm estatuto especial, por não poderem no seu testamento (ao contrário das tutelas particulares) privar da sucessão do reino os que descendem de linha paterna53. E como o que é válido para a tutela testamentária é válido para a sucessão, pois são institutos inseparáveis (é a unidade dos institutos sucessórios e da tutela)54, D. Pedro, como filho secundogénito de D. João I e, depois da morte de D. Duarte, filho mais velho, nem podia ser privado da tutela do rei menor, nem da sucessão do reino (em caso de morte de D. Duarte sem filhos ou dos filhos de D. Duarte: Afonso e Fernando) por ele ser o legítimo tutor55. Estes institutos só a ele, como agnado (parente pela linha masculina) mais próximo, podiam ser confiados e deles não podia ser privado por D. Duarte em testamento. Por conseguinte, D. Pedro poderia estar confiante que a tutela do reino lhe seria entregue por direito próprio. Como ele conhecia este direito, reivindicou-o com alguma veemência, quer apresentando-se nas Cortes de Lisboa com o seu exército ducal; quer, depois destas Cortes, movendo dura luta à rainha e partidários, empecilhos, com a finalidade de os expulsar do país.

37 De novo o orador da Borgonha recorreu ao direito justinianeu e sem contemplar as transformações que ele sofreu no momento em que foi adaptado bem ou mal para o direito pátrio e que os conselheiros de D. Afonso V lhe lembram. Daí a sua animosidade contra o direito pátrio, a que chama “não direito, mas a dissolução do direito”56. Num tempo de evolução do quadro legislativo e em que o direito justinianeu (também chamado comum ou imperial) vinha a ser substituído pela legislação e ordenações nacionais, talvez Jouffroy tenha sido a primeira pessoa a insurgir-se contra as Ordenações Afonsinas, publicadas havia muito pouco tempo, precisamente no final da regência de D. Pedro. Assim sendo, a questão da legalidade de D. Leonor permanece.

38 O partido de D. Pedro tem em grande consideração a escolha do regente em Cortes, não só porque isso lhe é favorável, mas também porque estava na memória de todos as felizes Cortes de Coimbra de 1385, em que o Mestre de Avis foi alçado rei e que daria origem, quiçá, ao melhor período da história de Portugal. Jean Jouffroy sabe disso, eis porque não se esquece de explorar este campo, preocupado como está em ver atendidos na corte de Portugal os rogos de D. Isabel da Borgonha. Daí a questão: qual o poder das cortes na escolha do(s) tutor(es) do reino e do rei menor.

39 O partido de D. Leonor argumenta que as cortes não têm poder nenhum, o qual reside unicamente no testamento do rei; por seu lado, o partido do Infante, fortemente apoiado na mediação popular, argumenta – comparando esta situação com a que ocorreu em 1383, mas as duas situações não são iguais – que em caso de extinção da dinastia pertence às cortes a escolha do monarca57. Esta é naturalmente também a opinião do embaixador da Borgonha, empenhado como está em defender na corte de Évora, onde foi recebido em 1449, os interesses de D. Isabel. A governação do reino e os bens do reino – argumenta Jean Jouffroy – são de todos os cidadãos, e estes deliberaram

Medievalista, 23 | 2018 242

em Cortes que tais cargos (quer a tutela do reino, quer a tutela do rei) conviessem a D. Pedro, e o que a maior parte do reino decidir pelo direito subsiste: “Ora, se se diz que a governação do reino e os bens do reino são de toda a gente, é por isso que, segundo Inocêncio, no cânon Quarto, título De Iureiurando [liber Extra.], o que a maior parte do reino decidir pelo direito subsiste58. Importa lembrar que os legados de todas as cidades e de todos os concelhos, que todos os nobres de teus reinos e todos os prelados intercederam para que o infante Pedro assumisse a tutela da tua majestade. Negar isto não podem os teus conselheiros, porque se podem mostrar as cartas e as assinaturas deles nelas firmadas. Além disso, eu poderia mostrar o consentimento da tua ilustrísssima mãe, somente o qual bastaria”59.

40 De facto, nas Cortes de Torres Novas [1438] foi-lhe outorgado a partilha do poder e nas Cortes de Lisboa [1439] os procuradores das cidades e vilas do reino, muitos nobres e prelados (mas não tantos quanto o embaixador, exagerando, afirma terem sido) intercederam para que o Infante assumisse in solido a regência e a tutela do rei; intercederam porque reconheceram que o filho mais velho de D. João I era a pessoa mais competente, como a seguir veremos. Baquero Moreno60, no seguimento da Crónica de D. Afonso V, destaca o papel relevante dos procuradores das cidades e vilas do reino, que conseguiram para D. Pedro a outorga do regimento, em vez de se cumprirem as disposições testamentárias de D. Duarte, tendo sido repetido nas Cortes de Lisboa [1439] aquilo que o povo fizera algumas décadas antes nas Cortes de Coimbra [1385]61. Sancho II foi derrubado pelo poder do clero, coadjuvado pela nobreza, mas aqui revelou-se a força das instituições municipais que, em peso, intercederam em favor do Infante.

41 O argumento das Cortes, em que “a maior parte do reino” (“regni maior pars”) decidiu os destinos nacionais, é um bom argumento, até por, à distância de muitos anos, conhecermos a feliz escolha em cortes do Mestre de Avis para rei. Além disso, já em 1450, quando o embaixador borguinhão esteve na corte de D. Afonso V, em Évora, era evidente que tinha sido uma boa escolha, como se depreende das palavras elogiosas que tece ao fundador da dinastia de Avis. Mas a questão de fundo permanece: infelizmente a eleição do regente em cortes pela maioria dos membros presentes não está contemplada no direito pátrio, antes estivesse! Não há lei do reino que reserve às Cortes a escolha do sucessor ou do regente como na monarquia visigótica.

5.

42 Segunda questão que se coloca: “A direcção dos reinos necessita do que é forte e menospreza o que é fraco, elege o bem preparado e repele o que é inconstante”62. Esta citação a partir dos Moralia de Gregório Magno foi apresentada pelo embaixador à Corte como argumento e significa que a regência atribuída a D. Pedro não pode ser acusada porque ele é mais capaz do que a cunhada para o cargo de regente do reino, aliás, ele é o melhor de todos. O tema da maior competência de D. Pedro quando comparada com as capacidades de D. Leonor é fácil de dirimir, tal a distância que os separa, e é até das coisas mais certas nesta conjuntura. Ainda que haja na questão da competência alguma subjectividade, e toda a gente seja capaz de fornecer exemplos de pessoas competentes que desiludiram e de candidatos medianos que surpreenderam, a verdade é que o vulto de D. Pedro, quando comparado, dá outras garantias que D. Leonor não pode dar. É claramente dito pelo orador da Borgonha e pelos historiadores que dos dois um é incomparavelmente melhor do que o outro e toda a gente sabe quem é. É aqui que as qualidades dos dois cabeças de partido mais discrepam63.

Medievalista, 23 | 2018 243

43 Acerca das capacidades políticas de D. Leonor, pouco sabemos. A Crónica de D. Afonso V64 diz que era “muyto honesta, virtuosa, prudente, devota e muyto amiga da vyda e honra d’elRey seu Marido”, mas isso não é um atestado de competência política e, mesmo assim, pode nem sequer ser verdade por fazer parte de uma tópica “a persona”, como muitas vezes acontece nas Crónicas. Ana Maria Rodrigues, que estudou a pessoa de D. Leonor, fala da educação nobre da rainha65, mas que de forma alguma é igual à educação política dada aos filhos varões. Além disso, enquanto rainha, pouco contacto teve com a administração do reino por D. Duarte ser muito dedicado ao despacho e consagrar-lhe grande parte do dia, reservando para D. Leonor uma participação muito restrita66. Além disso, ainda que exercesse influência sobre o rei67, não deixa de ser uma figura politicamente apagada e de fraca experiência política, quando comparada, por exemplo, com a condessa D. Teresa.

44 Já quanto a D. Pedro o caso é diferente, pois conhecemos as suas qualidades políticas, intelectuais e militares. Basta citar a carta acerca da realeza que ele enviou a D. Duarte, depois de ter sido alevantado rei68; ou então a Carta de Bruges69: um extenso memorando de teor político remetida ao irmão Duarte sobre o que deve ser a sua acção governativa, para revelar como o duque de Coimbra nutre paixão pela política e tem uma ideia para o país, além de D. Duarte lhe pedir conselhos. Além disso, D. Pedro era pessoa viajada, a ponto de Veiga Simões dizer hiperbolicamente que “partiu um homem medieval e voltou um homem moderno”70; e era pessoa culta, fama que ganhou na tradição cultural como (entre outros méritos)71 autor do Livro dos Ofícios72, tradutor73 e promotor de traduções74, facto que levou Rui de Pina a afirmar que era príncipe “bem latinado, e assaz mistyco75 em ciencias e doutrinas de letras, e dado muyto ao estudo”76.

45 Jean Jouffroy traçou desta forma o seu perfil de estadista e viajante: “Um Infante valente, justo, sério, benéfico, liberal, magnânimo, que espalhou quase por todo o mundo excelentes virtudes”77, o qual, em parte, deve ser entendido por ele ser o advogado do Infante na Corte; mas se o louvor está ferido de exagero, está longe da negatividade e dos juízos de desvalor com que a Carta de Crença o trata ao classificá-lo de ambicioso sem limite, de “perigoso traidor” e de se ter locupletado durante a regência. Apesar de as qualidades de D. Pedro, quando comparadas com as de D. Leonor, parecerem superiores – o que não quer dizer que ela fosse pior regente do que o Infante ‑, ainda assim isso não serve de argumento, porque o direito pátrio não contempla a questão da competência. Antes contemplasse, como nas modernas sociedades meritocráticas ou mesmo como nas Cortes de Coimbra de 1385!

46 Quanto à questão de género: se uma mulher pode ou não assumir a regência, é claro hoje e comumente aceite, mas não na Idade Média com a mesma clarividência. A citação anterior dos Moralia e muitas outras que poderiam ser feitas revelam os preconceitos “antifeministas” (para usar um conceito que hoje é familiar, mas que não existia na Idade Média) alimentados por via erudita e popular e as reservas colocadas às capacidades femininas. Ainda assim, os testamentos dos reis, como já vimos, não excluem a mulher da sucessão, colocando-a, todavia, depois do homem, e da regência. Entre as limitações da “fragilidade da natureza feminina” ou da “fraqueza do sexo feminino” está a potestas militaris: a inabilidade da mulher para executar serviços militares ou comandar o exército em caso de guerra78. Jouffroy lembra isso e é mais um argumento para impressionar, até porque as capacidades militares de D. Pedro eram bem conhecidas: combateu contra os turcos na Hungria, fazendo-se comunicar em latim, e contra os mouros no norte de África.

Medievalista, 23 | 2018 244

47 Se ao que fica dito juntarmos a itinerância da corte durante a Idade Média por motivos políticos (os juristas não falam nisso, mas não deixa de ser uma questão pertinente); e o facto de D. Leonor ser mãe de vários filhos, ainda que andasse sempre acompanhada de aias; e ainda a sua má prestação depois das Cortes de Torres Novas, muito devido ao facto de estar grávida, mas que os seus inimigos políticos não desculparam; e, mais do que ser mulher, ser “aquela mulher”, que é estrangeira e irmã dos infantes de Aragão e de família rival da de D. Pedro, são tudo desvantagens e formas de enfraquecer a sua posição quando comparada com a figura masculina de D. Pedro, príncipe de Avis, aliás, o mais velho depois da morte de D. Duarte. Diogo Afonso de Mangancha, outro jurista que se pronunciou sobre o conflito, destacou sobretudo o mérito da pessoa de D. Pedro, a qual, quando confrontada com a figura débil de D. Leonor, mais se agiganta. Pouco antes do início das Cortes de Lisboa, numa sessão de esclarecimento e de apoio ao Infante na Câmara de Lisboa, foi-lhe pedido uma pública declaração sobre o caso. Depois de ter apontado os erros de o regimento ter sido repartido em Torres Novas, continua a Crónica de D. Afonso V79: “com determinaçooẽs do Dereito Canonyco e Civel, e com autorydades do Testamento Novo e Velho80, e com emxemplos d’estoreas antygas reprovou Regimento público ser dado a molher, perque excludio a Raynha; e com outras de nom menos rezam e autoridade, provou que devia ser dado a homem baram, em que ouvesse as virtudes e calidades, que todas achou com verdade no Yfante Dom Pedro”.

48 Portanto, Afonso Mangancha não nega, como outros membros da fação popular negaram, que, legalmente, a mulher não possa herdar o regimento do reino. Ele sabe que já no passado D. Teresa o herdou (se é que podemos falar desta forma tão ligeira) e como D. Leonor Teles o herdou de facto, ainda que por pouco tempo. O que ele diz é que “não deve” porque há alternativa melhor; perante dois candidatos à regência, eventualmente tão legal um como o outro, D. Pedro é francamente melhor e mais popular, e é o melhor que deve ser escolhido.

49 Apesar da opinião concordante destes dois juristas, a questão de fundo continua por resolver: D. Pedro é, em abstracto, melhor candidato, é homem, pode comandar o exército, todavia a escolha por competência ou por género (tal como o princípio da maioria referido pelo Deão de Vergy) não está contemplada nas tutorias dos órfãos, mas unicamente quem o testador designar como tutor testamenteiro, o qual é D. Leonor. Assim sendo, a questão da legalidade do testamento do falecido rei permanece, e D. Leonor só poderia ser excluída das duas tutelas, como asseveram os juristas seus partidários na Carta de Crença, se desistisse da regência voluntariamente, ou se fosse declarada incapaz, ou ainda por “manifesta injuria e offensa sua”81, ou seja, pela prática de um crime. Os partidários de D. Pedro, no seu afã de triunfar, ainda tentaram a via da incapacidade quando a acusaram, depois das Cortes de Torres Novas, de inapta pela má prestação e fracasso no despacho, ao não cumprir atempadamente (ao contrário do co- regente D. Pedro) as suas funções, esquecendo a sua desvantagem em relação ao cunhado por ser mãe de vários filhos de tenra idade e por estar grávida de Joana.

6.

50 Portanto, a legalidade parece estar do lado de D. Leonor, tendo em conta a legislação nacional, que é essa a que conta, pois o direito romano, canónico e as glosas de Acúrsio e de Bártolo, que os juristas defendem, são direito subsidiário naquele tempo. Daí as

Medievalista, 23 | 2018 245

palavras de Manuel Heleno: “A verdade porém é que, como a legislação nada dispunha sobre regências e os costumes nenhuma resolução segura autorizavam, como não havia exemplos das cortes se imiscuírem em tais assuntos, a vontade de D. Duarte, não tendo nenhuma norma a limitá-la, devia ser cumprida. A legalidade estava portanto do lado da Rainha e dos seus partidários”82; e noutra parte assevera que D. Pedro se apoderou revolucionariamente do poder83.

51 Não obstante a aparente legalidade da rainha viúva, a verdade é que acaba por ser destronada pouco a pouco de todos os poderes, incluindo o da tutoria do rei; e como se isso não bastasse, foi-lhe montada apertada vigilância no seu paço. Por fim, sentindo-se prisioneira na própria casa, encetou a fuga para Almeirim e Crato, onde foi perseguida por D. Pedro com força excessiva e forçada ao exílio em Castela, que era o que se pretendia. Perde o confronto partidário em favor do cunhado Pedro, não porque carecesse de razão, mas porque é a parte mais fraca da contenda.

52 Acerca das implicações futuras que originou a luta pela tutoria de D. Afonso V, afirma Martim de Albuquerque84: o caso de Afonso V representa, a diversos títulos, um marco na história das regências em Portugal. Não apenas pelas sequelas políticas que teria, mas porque deu origem a que se equacionassem os grandes problemas do instituto: direito do povo ou do rei na designação do regente do sucessor menor?; capacidade ou incapacidade das mulheres para exercerem a regência? A estes dois problemas, acrescentou-se então um outro: o termo da regência ou o início da maioridade do monarca. Finalmente, tomou-se nessa altura consciência, embora nem sempre de forma clara, de que existem duas situações distintas durante o período da incapacidade do monarca: uma respeitante à sua pessoa (tutela regis), outra relativa ao reino (tutela regni), ou seja, como hoje diríamos, uma de direito privado, de direito público a outra.

Conclusão

53 Não havendo uma lei da sucessão e da regência do reino, mas apenas tradições, não é fácil dizer a quem assiste a razão no confronto havido entre D. Leonor e D. Pedro, cabeças de partido, pela posse das tutelas do reino e do rei na menoridade de D. Afonso V. Como se trata de uma questão de direito privado (tutela do rei) e de direito público (tutela do reino), convém atender nos aspectos jurídicos da questão. Se se atender ao direito pátrio que estava a ser compilado e culminou no tempo da regência de D. Pedro na publicação das Ordenações Afonsinas, à tradição da casa real portuguesa contemplada nos testamentos dos reis, às regências anteriores, especialmente as femininas, a ideia que se tira é que D. Leonor tem a primazia na regência e só no caso de ela desistir das duas tutorias ou de perder o direito por manifesta culpa pessoal é que o candidato a seguir, D. Pedro, pode assumir funções. É essa a ideia que parece estar latente no testamento de D. Duarte e que, com toda a certeza, tem por trás a mão de juristas da corte; é também essa a opinião dos partidários de rainha viúva, em que pontificam elementos da nobreza senhorial.

54 Pelo contrário, dois outros juristas, os únicos que se pronunciaram publicamente sobre a questão de forma oral e escrita: Afonso Mangancha, brevemente, e Jean Jouffroy, de forma bem desenvolvida, advogam a legitimidade de D. Pedro na regência. Apoiam-se no Direito Comum ou Justinianeu e no Direito Canónico, o “bom” direito, e repelem os códigos legislativos nacionais e as transformações e adaptações que o direito imperial tinha sofrido na sua adaptação ao direito pátrio. Em concreto, Jean Jouffroy cita, em

Medievalista, 23 | 2018 246

primeiro lugar, o Digesto, o Codex e o Decretum de Graciano, mas também as Glosas de Acúrsio, os Conselhos de Bártolo, as Decretais de Gregório IX, o livro Sexto de Inocêncio IV, a Authentica, os Moralia in Job de Gregório Magno, a Clementina…85 Todavia, o direito imperial era cada vez mais direito subsidiário devido à emergência do corpus legislativo nacional que estava a ser compilado e que pouco depois seria publicado com o nome de Ordenações Afonsinas. Por isso, é lícito pensar que o parecer destes juristas, que advogavam a legitimidade de D. Pedro na regência, tem de ser visto mais por serem seus partidários e torcerem para o lado do partido que estão a defender do que pela força e atualidade dos seus argumentos.

55 Onde falha a diplomacia, entra a força, e aí os argumentos estão do lado de D. Pedro porque se apresentou em Lisboa com o seu exército para dissuadir os inimigos e tem mais gente a seu lado, sobretudo os procuradores dos concelhos e vilas do reino e ainda o povo de Lisboa, que decidiram a questão a seu favor, tal como tinha sido feito em 1385, nas Cortes de Coimbra. Por isso vai vencer e ser regente in solido, mas com a vitória também assinou a sua sentença de morte que lhe estava reservada para o dia em que abandonasse a regência.

BIBLIOGRAFIA

Fontes impressas

CORPUS IURIS Civilis. Ed. Theod. Mommsen-Paulus Krüger. Vol. I. 18ª ed. Berlim, 1965.

CORPUS IURIS Civilis. Ed. Paulus Krüger. Vol. II. 13ª ed. Berlim, 1963.

CORPUS IURIS Civilis. Ed. R. Schöll-G. Kroll. Vol. III. 8ª ed. Berlim, 1963.

FRIEDBERG, E. – Corpus Iuris Canonici. Pars prior: Decretum magistri Gratiani. Leipzig, 1879 [reimpr. Graz, 1959].

FRIEDBERG, E. – Corpus Iuris Canonici. Pars secunda: Decretalium collectiones. Leipzig, 1881 [reimpr. Graz, 1959].

INFANTE D. PEDRO; [colab.] Frei João Verba – Livro da vertuosa benfeytoria. Ed. crítica, introdução e notas de Adelino de Almeida Calado. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade de Coimbra, 1994.

LAS SIETE partidas del Sabio Rey D. Alonso, extractadas por D. Ignacio Velasco Peres. Madrid, 1843.

LIVRO DOS OFÍCIOS de Marco Tullio Ciceram o qual tornou em linguagem o Infante D. Pedro. Ed. Joseph M. Piel. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1948.

MONUMENTA HENRICINA. Ed. de Dias Dinis. Vol. X. Coimbra, 1969, doc. 49, pp. 71-79.

ORDENAÇÕES AFONSINAS. 4 vols. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984.

PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”. in Crónicas de Rui de Pina, introdução e revisão de M. Lopes de Almeida. Porto: Lello & Irmãos Editores, 1977, pp. 577-881.

Estudos

Medievalista, 23 | 2018 247

PINA, Rui de – “As regências na História do Direito Público e das ideias políticas em Portugal”. in Estudos de cultura portuguesa. Vol. 1. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pp. 11-33.

PINA, Rui de – “Politica, moral e direito na construção do conceito de estado em Portugal”. in Estudos de cultura portuguesa. Vol 1. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, pp. 125-248.

PINA, Rui de – “O Infante D. Pedro e as Ordenações Afonsinas”. in Estudos de cultura portuguesa. 3 vols. Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993, pp. 125-248.

PINA, Rui de – A consciência nacional portuguesa. Verbo, 2016.

PINA, Rui de – ; ALBUQUERQUE, Ruy de – História do Direito Português. 2 vols. Lisboa: Pedro Ferreira, 1999.

AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge – A condessa-rainha Teresa. Maia: Círculo de Leitores, 2012.

BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV. Vol. 3. Lisboa: Sá da Costa, 1946.

CAMPOS, Isabel Maria Garcia – Leonor Teles, uma mulher no poder? Vol. I. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2008. Dissertação de Mestrado em História Medieval.

Disponível em: repositorio.ul.pt/bitstream/10451/1751/1/21996_ulfl062047_tm.pdf

DUARTE, Luís Miguel – D. Duarte. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2005.

FREITAS, Judite Gonçalves de – “D. Leonor de Aragão: imagens de contestação e de poder”. in TOSCANO, Ana M.; GODSLAND, Chelley – Percepção e representações da Mulher transgressora no mundo Luso-Hispânico. Mulheres Más. Vol. I, Cap. I. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2004, pp. 103-122.

Disponível em: https://www.academia.edu/14253995/

GOMES, Saul A. – D. Afonso V. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2006.

GONÇALVES, José Júlio – O Infante D. Pedro, as sete partidas e a génese dos Descobrimentos. Lisboa: Agência Geral do Ultramar, 1955.

GUTIÉRREZ-ALVIZ, Faustino – Diccionario de derecho romano. Madrid: Editorial Reus, 1995.

HELENO, Manuel – Subsídios para o estudo da regência de D. Pedro, duque de Coimbra. Lisboa. 1933.

MARQUES, Alfredo Pinheiro – Vida e obra do Infante D. Pedro. Lisboa: Gradiva Publicações, 1996.

MERÊA, M. Paulo – Estudos de História de Portugal. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 2006.

MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado histórico. Lourenço Marques, 1973.

PINHO, Sebastião – “O Infante D. Pedro e a “escola” de tradutores da corte de Avis”. Biblos 69 (1993), pp. 129-153.

RAMOS, Manuel – “O impacto de Alfarrobeira nas relações com o ducado da Borgonha”. História. Revista da FLUP, IV Série, vol. 5 (2015), pp. 23-36.

RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy em favor do Infante D. Pedro (1449-1450) – Retórica e Humanismo Cívico. Porto, Faculdade de Letras, 2007.

RODRIGUES, Ana Maria S. A. – As tristes rainhas. Leonor de Aragão e Isabel de Coimbra. Círculo de Leitores, 2012.

Medievalista, 23 | 2018 248

SÁ, Artur Moreira de – A “Carta de Bruges” do Infante D. Pedro”. Coimbra, 1952 (Separata de Biblos, vol. XXVIII).

SARAIVA, António José – O crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1993.

SILVA, J. Espinosa Gomes da – História do Direito Português. Fontes de Direito. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1991.

ULLMANN, Walter – Historia del pensamiento político en la Edad Media. Barcelona: Editorial Ariel, 1983.

NOTAS

1. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”. in Crónicas de Rui de Pina, introdução e revisão de M. Lopes de Almeida. Porto: Lello & Irmãos Editores, 1977, cap. 86, p. 696: “ydade de XIV anos (…) qualquer Pryncepe Real deve aver ynteira posse e administaçam de seu Reyno e Senhoryo”. Veja-se cap. 2, pp. 588-590. A propósito, afirma BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública em Portugal nos séculos XII a XV, vol. 3. Lisboa: Sá da Costa, 1946, p. 313, que no reino de Portugal, durante este período, a maioridade dos príncipes não estava determinada por nenhum preceito especial, contudo o costume mais seguido indicava a idade de 14 anos. 2. Como assevera o Codex 2,45,2, ao menor em idade podia ser concedida a dispensa da idade (“veniam aetatis”) e ver a maioridade antecipada, mas nunca antes dos 20 anos. Veja-se RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy em favor do Infante D. Pedro (1449-1450) – Retórica e Humanismo Cívico. Porto, Faculdade de Letras, 2007, pp. 203-206; ALBUQUERQUE, M. – “As regências na História do Direito Público e das ideias políticas em Portugal”. Estudos de cultura portuguesa. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1984, p. 31; GUTIÉRREZ-ALVIZ, Faustino – Diccionario de derecho romano. Madrid: Editorial Reus, 1995, p. 695. 3. Ver AMARAL, Luís Carlos; BARROCA, Mário Jorge – A condessa-rainha Teresa. Maia: Círculo de Leitores, 2012, p. 169 e ss. Se é duvidoso que D. Teresa fosse uma regente de plenos poderes e de facto, num mundo eminentemente masculino, era pelo menos uma mulher de grande poder. 4. O papel político da rainha D. Leonor Teles, antes e durante a regência, mereceu o estudo de CAMPOS, Isabel Maria Garcia – Leonor Teles, uma mulher no poder? Vol. I. Porto: Faculdade de Letras da Universidade do Porto, 2008. Dissertação de Mestrado em História Medieval. Disponível em: repositorio.ul.pt/bitstream/10451/1751/1/21996_ulfl062047_tm.pdf. 5. Aconteceu isso com D. Sancho I, que foi associado ao trono na parte final da vida do pai, depois do desastre de Badajoz (1169-1185). Também D. Duarte foi associado ao trono por seu pai (1412-1433), exercendo uma espécie de co-regência. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 309, fala também de D. Dinis associado ao trono pelo pai Afonso III; e de D. Pedro associado ao trono pelo pai Afonso IV em 1355. 6. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 316, refere que quando D. Afonso IV foi ao Salado não deixou regente, mas D. João I fê-lo quando foi a Ceuta, deixando o Mestre de Avis; e D. Afonso V fê-lo por diversas vezes durante as suas ausências em África, Castela e França. 7. Veja-se TORGAL, L. Reis – Ideologia política e teoria do Estado na Restauração. Vol. I. Coimbra: Biblioteca Geral da Universidade, 1981, pp. 231-233. 8. Ver GOMES, Saul A. – D. Afonso V. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2006, p. 42. 9. MONUMENTA HENRICINA. Ed. de Dias Dinis. Vol. X. Coimbra, 1969, doc. 49, pp. 71-79; veja-se também RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy, pp. 93-101. Citaremos a primeira destas obras por ser mais acessível.

Medievalista, 23 | 2018 249

10. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, p. 71. Ver ainda Crónica de D. Duarte, cap. 44, p. 575 e Afonso V, cap. 3, p. 590. 11. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. II, p. 590. 12. Veja-se DUARTE, Luís Miguel – D. Duarte. Rio de Mouro: Círculo de Leitores, 2005, p. 264. 13. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, p. 71. 14. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 3, pp. 590-591; veja-se GOMES, Saul A. – D. Afonso V, p. 45. 15. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. II, p. 590. 16. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 3, p. 591; veja-se cap. 14. 17. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, p. 72. 18. D. Leonor ficava com a tutoria do filho; D. Pedro com a organização militar e o comando do exército, e ambos repartiriam as relações externas, a concessão de tenças, privilégios e doações e o regimento da praça de Ceuta (GOMES, Saul A. – D. Afonso V, pp. 47-48). 19. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, pp. 72-73. 20. Veja-se MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira, p. 26 ss. Tal inimizade remonta ao difícil processo sucessório de Martinho, o Humano, rei de Aragão, que culminou no compromisso de Caspe, reunião que designou para o trono Fernando de Antequera, pai de Leonor e dos infantes de Aragão. O conde de Urgel, D. Jaime (sogro de D. Pedro), derrotado, não tendo aceitado a decisão, liderou uma revolta militar contra o vencedor que havia de o levar, tempos depois, à morte. Daí nasceu uma inimizade profunda entre a esposa de D. Pedro (e ele próprio) e D. Leonor, mulher de D. Duarte (Veja-se DUARTE, Luís Miguel – D. Duarte, p. 125). 21. MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira, p. 30 ss. 22. MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira, p. 51 ss. 23. Veio às Cortes de Lisboa acompanhado por mil e oitocentos cavaleiros e dois mil e seiscentos peões. Porém, dispensou a maioria à sua chegada a Lisboa (MORENO Baquero – A Batalha de Alfarrobeira. Antecedentes e significado histórico. Lourenço Marques, 1973, pp. 51-54; PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 45. 24. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, p. 73. 25. MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira, p. 67 ss. 26. ALBUQUERQUE, Martim de – “As regências na História do Direito Público e das ideias políticas em Portugal”, Estudos de cultura portuguesa, p. 16 e ss. 27. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 3, p. 591; veja-se cap. 14. 28. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, p. 72. 29. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, pp. 72-73. 30. Ver BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 289 ss. 31. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 299. 32. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 300. 33. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 301. 34. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 306. 35. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 316. 36. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 306. 37. “D. João, por cuja bravura este teu reino existe”; “rei D. João, o melhor de todos os reis” (RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy, pp. 179 e 215). 38. LAS SIETE partidas del Sabio Rey D. Alonso, extractadas por D. Ignacio Velasco Peres. Madrid, 1843, pp. 154-155. 39. ALBUQUERQUE, Martim de – “As regências na História do Direito...”, p. 16 e ss. 40. ORDENAÇÕES AFONSINAS. 4 vols. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1984, p. 315. 41. ORDENAÇÕES AFONSINAS, pp. 305-306. 42. ORDENAÇÕES AFONSINAS, pp. 306-307.

Medievalista, 23 | 2018 250

43. J. Jouffroy não concordará e dirá que uma coisa é a tutela privada e outra a tutela pública, como veremos. 44. ALBUQUERQUE, Martim de – Estudos de cultura portuguesa, 1 vol, p. 16. 45. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 3, p. 591; veja-se cap. 14. 46. Ver RAMOS, Manuel – “O impacto de Alfarrobeira nas relações com o ducado da Borgonha”. História. Revista da FLUP, IV Série, vol. 5 (2015), pp. 23-36. 47. Digesto 50,17,2 – Das diversas regras do direito antigo: “Foeminae ab omnibus officiis ciuilibus uel publicis remotae sunt et ideo nec iudices esse possunt, nec magistratum gerere, nec postulare, nec pro alio interuenire, nec procuratores existere”. 48. Digesto 26,1,18 – Das tutelas: “Foeminae tututores dari non possunt, quia id munus masculorum est, nisi a principe filiorum tutelam specialiter postulent”. 49. Digesto 26,2,26 – Da tutela testamentária: “Iure nostro tutela communium liberorum matri, testamento patris, frustra mandatur: nec, si prouinciae Praeses imperitia lapsus patris uoluntatem sequendam decreuerit, successor eius sententiam, quam leges nostrae non admittunt, recte sequetur”. 50. Gregorius Magnus, Moralia in Job, lib. XXXV, cap. XIV. 51. Digesto 1,3,4 – Das leis, das decisões do senado e do costume antigo: “Ex his, quae forte uno aliquo casu accidere possunt, iura non constituuntur”. 52. Digesto 40,5,33,1. 53. Diz Inocêncio IV no cân. Grandi, tit. De supplemento negligentia prael., liv. Sexto (Sext. 1,8,2). 54. Digesto 50,17,73; Digesto 26,2,3. 55. Acresce o facto de ele ter sido a primeira pessoa a ser escolhida por D. Duarte para a curatela do rei menor, como já foi referido. 56. RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy, p. 217. 57. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 3, p. 591;veja-se cap. 14. 58. Ideia próxima de algumas regulae iuris: Ulpiano, Digesto 50.17.160.1: “Refertur ad uniuersos, quod publice fit per maiorem partem” (Atribui-se a todos o que de maneira pública se faz pela maioria); Escévola, Digesto 50.1.19: “Quod maior pars curiae efficit, pro eo habetur, ac si omnes egerit” (O que fez a maior parte da cúria tem-se como feito por todos); “Maior pars trahit minorem” (A parte maior leva consigo a menor); Paulus, Digesto 50.17.110pr.: “In eo quod plus sit, semper inest et minus” (No que é mais sempre está compreendido também o menos). 59. RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy em favor do Infante D. Pedro (1449-1450), p. 203. 60. MORENO, Humberto Baquero – A Batalha de Alfarrobeira, p. 55 e ss. 61. BARROS, Henrique da Gama – História da Administração Pública, p. 101. 62. Gregorius Magnus, Moralia in Job, lib. XXXV, cap. XIV. 63. Veja-se FREITAS, Judite Gonçalves de – “D. Leonor de Aragão: imagens de contestação e de poder”. in TOSCANO, Ana M.; GODSLAND, Chelley (ed.) – Percepção e representações da Mulher transgressora no mundo Luso-Hispânico. Mulheres Más. Porto: Edições Universidade Fernando Pessoa, 2004, vol. I, cap. I, p. 111 e ss. Disponível em: https://www.academia.edu/14253995/ 64. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 2, p. 590. 65. RODRIGUES, Ana Maria S. A. – As tristes rainhas. Leonor de Aragão e Isabel de Coimbra. Círculo de Leitores, 2012, pp. 40-42. 66. RODRIGUES, Ana Maria S. A. – As tristes rainhas, p. 118 e ss. 67. RODRIGUES, Ana Maria S. A. – As tristes rainhas, p. 121. 68. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Duarte”. in Crónicas de Rui de Pina. Introd. e revisão de M. Lopes de Almeida. Porto: Lello & Irmãos Editores, 1977, cap. IV, pp. 495-498. 69. SÁ, Artur Moreira de – “A carta de Bruges do Infante D. Pedro”. Biblos 28 (1952), pp. 33-34.

Medievalista, 23 | 2018 251

70. De acordo com MARQUES, Alfredo Pinheiro – Vida e obra do Infante D. Pedro. Lisboa: Gradiva Publicações, 1996, p. 37. 71. Na sua ânsia de reformar a justiça, fez concluir as Ordenações Afonsinas, código legislativo iniciado no reinado de D. João I, que “representam, essencialmente, obra do Regente D. Pedro” (ALBUQUERQUE, Martim de – “O Infante D. Pedro e as Ordenações Afonsinas”. Estudos de cultura portuguesa. Vol. 3. Lisboa: Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1993, p. 43). A sua preocupação com as leis e o ensino levou-o a conceber o projecto de uma nova universidade em Coimbra custeada pelas suas rendas e sob a sua protecção. Foi criada em 1443, em nome de D. Afonso V, mas com a morte prematura em Alfarrobeira e a sua memória danada, o projecto não teve continuação (SARAIVA, António José – O crepúsculo da Idade Média em Portugal. Lisboa: Gradiva, 1993, p. 128; PIEL, Joseph M. (ed.) – LIVRO DOS OFÍCIOS de Marco Tullio Ciceram o qual tornou em linguagem o Infante D. Pedro. Ed. Joseph M. Piel. Coimbra: Acta Universitatis Conimbrigensis, 1948, p. XX. 72. Compôs, em 1418, em parceria com Frei João Verba, o Livro da virtuosa bemfeitoria (conserva- se), que tem como ponto de partida o De beneficiis de Séneca. 73. Além de autor, diz-se que traduziu o De re militari ou Epitome rei militaris de Flávio Vegécio Renato (desaparecido), e o De regimine principum de Egídio Romano (desaparecido) ( PINHO, Sebastião – “O Infante D. Pedro e a “escola” de tradutores da corte de Avis”, Biblos 69 (1993), p. 144). Com o De officiis (Livro dos ofícios) de Cícero (1433-1438), códice latino que havia sido uma oferta “assaz dannos ha” do Infante D. Fernando e que também constava da biblioteca de Condestável D. Pedro (conserva-se), foi o primeiro tradutor de um clássico latino para português. 74. Além de autor e tradutor, D. Pedro foi também promotor de traduções. De facto, em 1442, encomendou a Vasco Fernandes de Lucena “que lhe tornasse em lingoagjem” o De ingenuis moribus et liberalibus studiis de Pier Paolo Vergerio (desaparecido, excepto o prólogo da tradução) (LIVRO DOS OFÍCIOS, pp. XLVI-XLVII), tratado pedagógico destinado à educação de D. Afonso V; o De senectute (Livro da Velhice), de Cícero (desaparecido, excepto o longo prólogo ou carta de encomenda) (LIVRO DOS OFÍCIOS, pp. XLIII-XLVI) e o Panegyricus Traiano Augusto, de Plínio o Jovem (desaparecido, excepto o prólogo ou carta de encomenda) (LIVRO DOS OFÍCIOS, pp. XLI-XLII). 75. I. e., enciclopédico. 76. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 125, p. 754. 77. RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy, p. 215. 78. Que a mulher não comanda o exército é reiterado na paremiografia, por exemplo, o monóstico de Menandro (157 Jäkel): “à mulher a natureza não deu o dom de comandar”. Nos paremiógrafos aparece como paradoxo evidente a expressão: “a mulher comanda o exército”, ainda que Joana d’Arc tenha fornecido inspiração e direcção militar. 79. PINA, Rui de – “Cronica do Senhor Rey D. Affonso V”, cap. 36, pp. 624-625; veja-se cap. 46, pp. 638-639. 80. Por exemplo, a tradição misógina de S. Paulo e a esposa submetida ao marido; também há escritos patrísticos. Por exemplo, os profetas e reis de Israel são homens, já que a herança do reino faz-se pela via agnatícia (masculina). A mulher também está excluída do sacerdócio. 81. MONUMENTA HENRICINA, vol. X, doc. 49, p. 73. 82. HELENO, Manuel – Subsídios para o estudo da regência de D. Pedro. Lisboa, 1933, p. 17 83. HELENO, Manuel – Subsídios, p. 18. 84. ALBUQUERQUE, Martim de – “As regências na História do Direito...”, p. 23. 85. A lista completa encontra-se em RAMOS, Manuel – Orationes de Jean Jouffroy, pp. 235-250.

Medievalista, 23 | 2018 252

RESUMOS

A questão da regência na menoridade de D. Afonso V, em que D. Leonor começou por ser investida no cargo de regente e assumido plenos poderes, mas que posteriormente a sua autoridade foi posta em causa, vindo a perder nas Cortes de Lisboa [1439], em favor de D. Pedro, a tutoria do reino e do rei menor, não é de fácil resolução por não haver uma lei da sucessão na regência. Assim sendo, talvez as pessoas mais autorizadas para se pronunciarem sobre este controverso caso, de entre as muitas que o fizeram, sejam os juristas. Dois deles: Afonso Mangancha e Jean Jouffroy, Deão de Vergy, tomaram posições públicas sobre a questão, o primeiro na altura dos acontecimentos, o segundo a posteriori. Ainda que não se conhecessem, as suas opiniões são concordantes e são favoráveis a D. Pedro: a mulher não deve obter a regência. No entanto, quando se trata de indagar a fortaleza e a justeza dos seus argumentos, ficamos desconfiados do seu discurso por sabermos que, como juristas, estavam a favor da parte que representavam ou defendiam e não tanto a favor da verdade ou da equidade. Ainda assim, vale a pena conhecer os argumentos de que cada lado se mune e averiguar acerca da sua robustez.

The question concerning the regency during D. Afonso V minority is not an easy one to solve. During this period, D. Leonor became the Regent of the country and she was sworn in full powers for the government of the kingdom, but later her authority was questioned and she lost her cause against D. Pedro during the “Cortes de Lisboa” in 1439. The tutorial power over the kingdom and the young king was not an effortless answer to achieve, since there was no Law on the subject of the succession of Regency. Thus the lawyers might become the most accurate authorities to tackle the problem, among the many that actually did so. Two of them: Afonso Mangancha and Jean Jouffroy, of Vergy, took a public position on these questions. The former jurist presented his view at the time of the events and the latter a posteriori. Although they had never met, they held similar opinions and they both favoured D. Pedro’s intentions: no woman should ever be in charge of the Regency. Nevertheless, when it comes to analysing and evaluating the power and propriety of their arguments, we get suspicious of their speeches for we know that, as lawyers, they were supporting the interests they represented. They were not searching the truth and the equity. Even so, it is worth knowing the arguments of each of them and finding out their strength.

ÍNDICE

Keywords: Regency during D. Afonso V minority, Afonso Mangancha and Jean Jouffroy, D. Leonor of Aragon, D. Pedro - duke of Coimbra Palavras-chave: Regência de D. Afonso V, mulher regente, D. Leonor de Aragão, D. Pedro - duque de Coimbra, Afonso Mangancha e Jean Jouffroy

AUTOR

MANUEL FRANCISCO RAMOS

Universidade do Porto, Faculdade de Letras, Departamento de Estudos Portugueses e Românicos / Instituto de Filosofia, 4150 – 564, Porto, Portugal [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 253

Recensões

Medievalista, 23 | 2018 254

Lênia Márcia Mongelli, Raúl Cérsar G. Fernandes, Fernando Maués (Eds.), Francisco de Moraes, Palmeirim de Inglaterra

Geraldo Augusto Fernandes

REFERÊNCIA

MONGELLI, Lênia Márcia; FERNANDES, Raúl Cérsar G.; MAUÉS, Fernando (Ed.) – Francisco de Moraes, Palmeirim de Inglaterra. São Paulo: Ateliê Editorial / Unicamp, 2016 (744 pp.)

NOTA DO EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 01-04-2017 Fábula bem escrita, ainda que não tenha força de verdade, tem uma ordem de razão. Francisco Rodrigues Lobo1

1 Os editores da obra, inédita no Brasil, Palmeirim de Inglaterra informam que custaram- lhes onze anos para a edição definitiva desta novela de cavalaria portuguesa, pertencente ao “ciclo dos Palmeirins” – expressão que designa uma série de novelas que tem origem em Espanha com o primeiro do ciclo, Palmeirín de Oliva, de 1511, provavelmente de Francisco Vásquez, de Salamanca. Deste nasceram outras seis continuações, três delas portuguesas, as outras espanholas. O Palmeirim recentemente editado é da autoria de Francisco de Moraes e aparece pela primeira vez em 15472. Diferente das novelas de cavalaria primevas, que tinham uma forte conotação religiosa

Medievalista, 23 | 2018 255

e eram permeadas por ensinamentos cristãos implícitos no enredo das histórias, refletindo o culto à vida espiritual, a busca pela perfeição moral, e a valorização de qualidades morais, as novelas quinhentistas, à parte algumas influências em itens como a honra, bravura, castidade, lealdade, generosidade e justiça, que prevalecem, primam pelo teor profano. Isso, é claro, não impede que os textos sejam permeados por uma certa religiosidade, mas muito mais contida – haja vista essas novelas surgirem na ascensão das ideias renascentistas do século XVI.

2 O extenso e espesso volume – seu formato é 18 x 27 cm – traz em 744 páginas, além do texto narrativo, informações riquíssimas que ajudam o leigo a melhor entender o fenômeno que agradou a um público leitor inumerável, em grande parte constituído por mulheres, na época um “grande consumidor do assunto”. O primeiro assunto abordado na introdução intitula-se “O ciclo dos Palmeirins” apresentando toda a historiografia e cronologia dos ciclos arturianos; seguidamente, nas “Informações biográficas”, procura-se definir e descrever o autor (cujos dados são ainda nebulosos), profícuo escritor de cartas, diálogos, relações informativas, textos narrativos outros e poesia, além, certo, de narrativas cavaleirescas, cujo Palmeirim é o destaque; segue-se uma extensa e valorosa discussão sobre a questão do fingimento, peculiaridade das novelas de cavalaria – “narração fictícia ou mentirosa, sem garantia histórica, lendária; irrealidade, mentira” (p. 23), como sugere a etimologia de fábula. Além dessa “Introdução”, seguem-se explicações sobre a edição atual, bem como a bibliografia selecionada. Antes do texto propriamente dito, esta edição inclui ainda belos fac-símiles das primeiras edições do Palmeirim. Da página 77 à 684, deliciam o leitor as inúmeras narrativas eivadas de aventuras e desaventuras, como não podia deixar de acontecer neste tipo de texto. Compõem ainda o volume um necessário “Glossário” (uma vez que o léxico é ainda quinhentista) com explanações de palavras que hoje não são mais usadas (e.g. trouver em lugar de trazer) e uns “Índices Onomásticos” que explanam as personagens e os topônimos da obra. Entremeiam o texto ilustrações estilizadas de Audifax3 (cuja referência mais precisa se ressente no texto) – diferentemente de se tomarem figuras ou iluminuras próprias da Idade Média, os desenhos modernos, de refinadíssimo bom gosto, trazem um prazer especial à obra.

3 Em qualquer narrativa cavaleiresca, nenhum herói consegue conquistar sua dama sem antes “provar sua experiência bélica, sua retidão espiritual” (p. 29) – e é esse excesso de aventuras para o feito da conquista que pode afastar o leitor de hoje, uma vez que, por causa do maravilhoso que cerca as novelas, esse mesmo excesso leva a duvidar se a ficção não foi forjada. O extenso enredo do Palmeirim é aparentemente simples: nos primeiros 41 capítulos o autor dá continuidade à história de D. Duardos e de Flérida, pais dos dois heróis gêmeos da novela: Palmeirim e Floriano, raptados por Salvage, e criados por este numa ermida. Os 131 capítulos seguintes entregam-se às aventuras de inumeráveis mini-enredos, que poderiam ser denominados de digressões, que avolumam a obra e, em certa medida, trazem certo cansaço ao leitor desacostumado. Mas o foco da novela é a batalha final entre cristãos e turcos, em que, dos dois lados, computam-se perdas de relevância. Apenas como digressão, e não é exagero, já que se trata de novela cavaleiresca, as batalhas finais nada ficam a dever às batalhas hollywoodianas em que a quantidade de sangue e de mortos excede a racionalidade (o que vai ao encontro da verdade e parte para o essencial do texto cavaleiresco: o fingimento ficcional).

Medievalista, 23 | 2018 256

4 Ao longo das aventuras, o leitor se surpreende pela ekphrasis – os lugares descritos são espaços e geografias bem detalhados, desde florestas que se aproximam do real àquelas encantadas, uma viagem por países que, no modo de relatar, parecem cada um fazer esquina com o outro, castelos ora assombrados ora que beiram a realidade.

5 Outra questão interessante, e concernente com o estilo de Moraes, é a verborragia para as narrações e descrições. Mario Vargas Llosa, no Prólogo ao Tirant lo Blanc, diz que, além de várias razões de seu deslumbramento pelas novelas de cavalarias, o Tirant em especial, é a descoberta de que as protagonistas da obra são as palavras. É o óbvio em se tratando de literatura. Mas, para o autor peruano, no Tirant, “todos falam até pelos cotovelos, desde o narrador até a última personagem e tudo – as guerras, os desafios, as viagens, as festas, o amor a religião, o prazer, os sofrimentos, é pretexto para intermináveis efusões retóricas”4. A isso nada deve o Palmeirim de Inglaterra. Se não pela extensão do texto, também pelo uso esmerado do léxico que Moraes faz. No entanto, há de se considerar alguns pontos quanto a essa verborragia: períodos longuíssimos, inversões e excesso de orações coordenadas dificultam, e muito, a leitura. Além disso, registrem-se os inúmeros flashbacks para, entre as narrativas, encaixar outras narrativas. Se isso agrada (pois o jogo do mise-en-abyme tem por peculiaridade trazer novas expectativas) e provoca alívio no decurso enunciativo, para além de amarrar as pequenas histórias ao assunto central, também resulta em certo tédio na degustação da leitura. A inclusão de novas narrativas vem geralmente explicada pelo narrador por frases como “aqui deixa a história de falar neles e torna aos outros” – o que constitui outro recurso muito usado pelos textos narrativos cavaleirescos.

6 Voltando a Llosa, o que mais lhe impressionou no Tirant foi a proficuidade de lágrimas e prantos que perpassam por todo o texto. Diz o autor: “o pranto tem aí ligação exclusivamente com as lágrimas e não com os sentimentos e as emoções, pois estes não existem separados de sua expressão formal, de seu emblema: esses olhos que derramam ‘vives llàgremes’. Por isso nesse mundo se chora amiúde socialmente, por razões de cortesia e de mera encenação, como ocorre com o rei Escariano que, ao ver a imperatriz chorando, também se pôs a chorar para fazer-lhe companhia” (p. L).

7 Isso não acontece absolutamente no Palmeirim, apesar das emoções que enlaçam as narrativas; o único momento de pranto em excesso vai ocorrer nos capítulos finais, aquando das duas batalhas entre cristãos e turcos, cujo resultado é um vale de lágrimas escorridas por todos e quaisquer personagens.

8 Ainda quanto ao estilo, Moraes pratica a metalinguagem ao explicar o nome do gêmeo de Palmeirim, Floriano: “Floriano do Deserto, assi pola floresta em que nascera se chamar do Deserto, como por ser em tempo que o campo estava coberto de flores e ele em si tão fermoso, que o nome parecia dino dele e ele do nome” (p. 87). Recurso, claro, mais poético que metalinguístico... Outra recorrência própria dos textos cavaleirescos é a inserção de conselhos, ditos, máximas, ao longo da narrativa (ex: “porque o homem que, vencido de sua vontade, vai contra a virtude, não se deve atrever no merecimento de suas obras” [p. 90]), mas principalmente no final de cada capítulo, como este do Capítulo 45: “que assi são as mudanças desta vida: curar os grandes descontentamentos com descontos de alegrias, e as alegrias torvá-las com descontentamentos; assi que, em suas cousas, pola mor parte sempre pesar vence o prazer” (p. 205).

Medievalista, 23 | 2018 257

9 Muito chama a atenção nas novelas cavaleirescas a descrição da violência nas batalhas, tanto as coletivas quanto as feitas a pares. Como exemplo, leia-se o enfrentamento de Vernau com o gigante Pândaro, no Capítulo 15: “Pândaro e ele se andaram ferindo tão bravamente, que Vernau quebrou a espada por o punho nos arcos de ferro na borda do escudo do gigante, de que Pândaro não ficou pouco satisfeito. E deixando cair o seu pelo poder melhor ferir, tomou a maça com ambas as mãos (porque, ainda que Primaleão lhe cortara quatro dedos da mão esquerda na batalha que com ele houve, depois que foi são, a necessidade o ensinou a servir-se dela com engenhos que pera isso buscou); Vernau, que viu sobre si o golpe, juntou-se tanto com ele que lho fez ficar em vão.5”

10 Outro fato a registrar, consiste numa certa comicidade na escolha dos exuberantes nomes das personagens: Avandro, Armião, Drapos, Dramusiando, Frisol, Floramão, Pompides e uma centena de outros, todos exóticos e inverossímeis. Muito interessante, como em qualquer novela de cavalaria, são os motivos (pelo menos uma boa parte deles) dos enfrentamentos: por exemplo, a beleza da mulher servida é tão maior de que qualquer outra, mesmo que todas belas. Esse simplório motivo é o cerne do amor cortesão que perpassa qualquer texto cavaleiresco. Essa questão está ligada ao tema da “contemplação” da amada. Se na poesia trovadoresca a dama era mais imaginada do que real, nas novelas a mesura existe de modo formal, como que um tópico próprio desse tipo de texto. “Nos romances e nas novelas de cavalarias, são conhecidas as “provas” por que têm de passar os cavaleiros enamorados se quiserem receber o galardon de estar com aquela dame sans merci que conheceram não poucas vezes só por ‘efígie’”6, conforme escreve Lênia Márcia Mongelli. No Palmeirim essas provas são constantes, mas, ao lutar pelo amor dessa dama servida, o herói não mede esforços para contar como venceu essas provas.

11 Por ser profano, o texto recorre, não com muita intensidade, a situações eróticas, como podemos ver com Floriano do Deserto, num trecho onde é identificado por uma de suas personas, o Salvage, num dos episódios em que salva uma donzela. Ao tirar seu elmo, mostrou-se moço e gentil-homem, o que agradou à moça. Num jogo de olhos e gestos, ora se mostrava ela tímida ora libidinosa. Aparentemente, isso lhe fazia sofrer, mas, como conta o narrador: “o amor nas mulheres, antes de dar fim ao desejo, não sabe o nome à tristeza; por isso, leda e contente tornava logo a mostrar-se, por não descontentar a ele. Pois como o Cavaleiro do Salvage fosse mestre destes acidentes, com amorosas palavras e afagos necessários a começou tentar, e achando-a mais branda na prática, deu uma pequena de ousadia às mãos, tocando-a nas mangas da roupa e outros lugares onde não parecia desonesto. E sentindo-lhe a vontade entregue, satisfez com seu desejo, de maneira que, quando o escudeiro tornou, era feita dona e bem contente” (p. 393).

12 Palavras dissimuladas, mas de puro erotismo...

13 Neste instigante Palmeirim, outras e muitas alusões e reflexões podem ser feitas para se entender ora o que remete ao real ora o que remete ao fingimento ficcional. Entram no conto as posições do senso comum medieval quanto ao papel do velho, como sábio, mas também como instrumento de crítica do autor; não desmerece o fato de o livro, assim como a maioria dos textos medievais, vir eivado de misoginia, apesar de a força da mulher ser evidente por ser o motivo das aventuras e lutas, ela ainda é vista como ser inferior; o preconceito também se revela no texto, principalmente contra a França, caso que aparece em vários capítulos, principalmente naqueles em que se relata a aparição de quatro damas francesas que, belíssimas, levam a lutas pela conquista de seu amor.

Medievalista, 23 | 2018 258

Também interessante é observar certa volubilidade por parte dos heróis que ora lutam pelo amor de uma dama ora por outras, apesar de, no caso dos dois gêmeos principais protagonistas, o seu objetivo era aquelas damas as quais pela primeira vez tocaram-lhes o coração.

14 O Palmeirim não apenas deve ser lido. Deve ser apreciado e permitir ao leitor de hoje – não somente os estudiosos do gênero – conhecer os germes do romance moderno. Apesar de ele ser mais do que isso.

NOTAS

1. LOBO, Francisco Rodrigues – Corte na aldeia. Lisboa: Verbo, 1972, p. 16. 2. De acordo com os organizadores do volume, “é provável, contudo, que a obra tenha sido impressa pela primeira vez em 1544, edição recentemente descoberta, em português, mas talvez realizada fora de Portugal, em França”, p. 12. 3. Trata-se de Audifax Rios (1946-2015), escritor, cordelista e artista plástico cearense, ultimamente cronista do jornal O Povo. 4. Veja-se “Prólogo. TirantloBlanc: as palavras como atos”. in MARTORELL, Joanot – Tirant lo Blanc. São Paulo: Ateliê, pp. LI-LII. 5. Observe-se neste trecho a dificuldade que se apresenta ao leitor, um trecho eivado de inversões e de palavras pouco usuais hodiernamente. 6. Veja-se Revista Signum 17 (2016), p. 151 (Resenha).

AUTORES

GERALDO AUGUSTO FERNANDES

Universidade Federal do Ceará, Centro de Humanidades / Departamento de Literatura, 60.160-060, Fortaleza, Brasil [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 259

Apresentação de Teses

Medievalista, 23 | 2018 260

Fragmentos de medicina medieval em Portugal: Frei Gil de Santarém e o Códice eborense CXXI/2-19 Tese de Mestrado em História, área de especialidade em História Medieval, apresentada à Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, Abril de 2017. Orientação da Professora Doutora Manuela Santos Silva

Ana Marta Silva Pinto

NOTA DO EDITOR

Data recepção do texto / Received for publication: 23-06-2017

A formação do “problema” e a estruturação do trabalho1

1 A medicina da Europa medieval era composta por uma mescla de saberes herdados da Antiguidade, tradições orientais, árabes, judaicas e cristãs adicionados às práticas populares e ao cunho mágico-pagão trazido pelos variados povoadores da Europa pré medieva.

2 O estudo da história da medicina implica o olhar para as condições sociais, económicas, políticas e culturais. Esta história não se limita aos físicos, aos doentes, às doenças, mas também ao corpo, à religião, à história das universidades, às plantas e aos animais, à alimentação, ao clima e às estações do ano, entre tantos outros factores que influenciam o meio do homem medieval e, por conseguinte, os males que o afectam e as práticas combativas desses males. As perguntas surgem automaticamente. Afinal como era praticada a medicina em Portugal na Idade Média? Quem cuidava dos doentes? Onde os tratavam? Como eram feitos os diagnósticos e o que era usado para os seus tratamentos? Quais eram as principais doenças que afectavam o homem medieval e

Medievalista, 23 | 2018 261

qual o seu prognóstico perante elas? E destas questões muitas outras vão surgindo; entre elas quais os livros usados para praticar medicina? Qual o cunho mágico agregado à medicina medieval? Seria esta medicina tão rudimentar e estaria tão longe de um pensamento científico como a conotação da “Idade das trevas” leva a crer? Estas e muitas outras interrogações acompanham o historiador de medicina medieval e, à medida que este se vai envolvendo nas páginas da história, vai percebendo que muitos outros campos influenciam a sua pesquisa. Foi com base nelas que iniciámos um processo de investigação para a realização de uma Tese de Mestrado intitulada Fragmentos de Medicina Medieval em Portugal: Frei Gil de Santarém e o Códice Eborense CXXI/ 2-19, com o propósito de transcrever o manuscrito, conhecer um pouco melhor a vida de Frei Gil como físico, perceber quais os principais compostos utilizados para a realização de mezinhas medievais, fazer um levantamento dos principais problemas de saúde referidos e da forma como eram abordados.

3 O nosso estudo compõe-se, então, de oito capítulos, incluindo um capítulo introdutório, estado da arte e conclusão. O corpo do trabalho é acopmpanhado, ainda que de modo desigual, por um enquadramento teórico que permite uma melhor compreensão do documento analisado, abrangendo temáticas da medicina medieval não só num contexto mais geral, mas também mais específico. Assim, para o caso português, analizam-se as boticas medievais e a vida e obra de Frei Gil de Santarém, presumível autor da fonte indicada. O último capítulo dedica-se ao Livro de Naturas, o objecto de estudo central, transcrito neste capítulo.

Frei Gil de Santarém

4 Envolto num contexto de mudanças socioculturais peninsulares dos séculos XII e XIII, Frei Gil, contemporâneo de Santo António de Lisboa e de Pedro Hispano, constitui também ele uma figura emblemática da nossa história. Representado pela ambiguidade religiosa entre o bem e o mal, tentado pelo Diabo, orientado pela Virgem Maria, manteve-se no limiar entre a ortodoxia e a heresia. Sinaliza a mudança da espiritualidade de uma península detentora de um cristianismo visigótico-bizantino, de cariz mediterrânico, oriental e andaluz, para um cariz europeu regido pelo papado romano, onde imperavam a vida cenobítica urbana, a aproximação às populações rurais e urbanas, característica da Baixa Idade Média. Frei Gil e os seus semelhantes lograram a elevação da medicina a um plano divino. E o seu enquadramento na escolástica medieval das universidades europeias permitiu maior visibilidade do campo e o seu aprofundamento2.

A Fonte, o Códice Eborense CXXI/2-19

5 O Códice Eborense CXXI/2-19, dada a marca de água registada, deverá ter sido escrito no final do século XV e comporta uma diversa cronologia em acervo, na área da medicina. São identificados onze livros diferentes, alguns dos quais atribuídos a Galeno, a Constantino (provavelmente Constantino Africano) e a Frei Gil de Santarém – livro sobre o qual recai a nossa investigação. Encontra-se escrito em português, a negro e com iniciais floreadas, verificando-se que está truncado ao começar no fólio número XII, com o capítulo número XIII.3

Medievalista, 23 | 2018 262

6 Dada a sua grande dimensão – trezentos e cinquenta fólios escritos, com um total de trezentas e setenta e quatro imagens digitalizadas, contando com capa, contra capa e folhas em branco – tornou-se necessária a seleção de apenas uma parte para a concretização do nosso estudo. Decidimo-nos pelos fólios atribuídos a Frei Gil de Santarém que, desde logo, nos cativou não só pela amplitude de ingredientes e doenças apresentados nas suas mezinhas, mas também por se tratar de uma personalidade importante da medievalidade portuguesa, cujo contributo no mundo médico foi pouco estudado.

7 Começámos pela transcrição do documento, que permitiu proceder à identificação dos problemas de saúde / doenças referidos e das plantas, ingredientes e componentes utilizados nas mezinhas. Foi identificada, na medida do possível, a origem destes ingredientes, que permitiu depois uma classificação repartida (maioritariamente) pelas seguintes categorias: animal, vegetal e mineral. Com estes dados, foram elaboradas tabelas que permitem identificar os principais problemas de saúde que afectavam o homem comum, dos mais variados sistemas, e resultantes das mais variadas situações, facultando ainda bastante informação sobre o impacto da doença no dia a dia do homem medieval.

8 Deve acrescentar-se que é inegável a importância Códice Eborense CXXI/2-19 como fonte de vocábulos específicos do português medieval, como já apontado por Mário Martins, S.J.4, que nos permitem uma aproximação à nomenclatura médica usada, bem como aos principais compostos das mezinhas medievais, na sua maioria plantas, nem todas conotadas atualmente como medicinais. As tabelas e o glossário que realizámos (ferramentas para facilitar o acesso ao conteúdo da fonte) tornam essa riqueza e variedade ainda mais claras.

9 Na análise das tabelas podemos verificar que as principais afecções referidas são compostas por problemas oculares; problemas relacionados com os dentes, com a digestão, com a cicatrização e com os ossos; maleitas resultantes de infecções e possibilidade de carências de hábitos de higiene; queimaduras, lesões por fraturas ou corpos estranhos; problemas relacionados com a saúde da mulher; problemas intestinais, como diarreia e obstipação; gota, afectando diversas zonas do corpo; febres, sem etiologia conhecida; diversas úlceras, bostelas, bubões, apostemas, tumores e cancro; afecções cutâneas; problemas do foro mental e problemas do foro mágico- supersticioso.

Conclusões

10 O estudo por nós desenvolvido, permitiu concluir que:

11 O Livro de Naturas compõe-se de uma grande quantidade de mezinhas e da descrição de sinais de morte ou de vida que nos familiarizam com a prática médica medieval. Não se tem ainda como certo que o seu autor fosse Frei Gil de Santarém. Vimos, pela enumeração dos sinais mortais ou “vidais”, que este tipo de discurso médico era comum no contexto da medicina medieval, da mesma forma que nestes sinais e em outras passagens do livro podemos verificar a importância dos prognósticos. A riqueza da linguagem utilizada no texto dá-nos indicações de variados sintomas e doenças que preocupavam o homem medieval e que instigavam o físico na procura de um tratamento eficaz. A riqueza de informação sobre plantas, animais e outros

Medievalista, 23 | 2018 263

ingredientes utilizados na composição destas mezinhas dá-nos uma indicação sobre a fauna e flora conhecidas. Através das doenças referidas, podemos identificar muitos problemas que nos acometem na atualidade, apesar de nem sempre serem identificadas com o nome que hoje lhes atribuímos. Outras inserem-se no contexto do quotidiano medieval e outras ainda não conseguimos encontrar significado elucidativo.

12 Certamente que muito fica por dizer e que, possivelmente, outros olhos retirariam outro tipo de informação desta fonte, no entanto, esperamos deixar com este estudo um fragmento das práticas de medicina em Portugal, durante a Idade Média, e um contributo para a escrita da história da medicina.

NOTAS

1. O texto integral desta tese poderá ser consultado em: https://www.academia.edu/33446039/ Fragmentos_de_Medicina_Medieval_em_Portugal_Frei_Gil_de_Santarém_e_o_Códice_Eborense_CXXI_2-19 2. CUSTÓDIO, Jorge – “S. Frei Gil de Santarém, da Ordem dos Pregadores: Uma personalidade entre a Lenda, a Hagiografia e a História”. in CUSTÓDIO, Jorge (coord.) – S. Frei Gil de Santarém e a sua época. Santarém: Câmara Municipal de Santarém, 1997, pp. 20, 48. 3. SANTOS, Maria Leonor Ferraz de Oliveira Silva; OLIVEIRA, L. N. Ferraz – “Um testemunho do conhecimento teórico e prático da medicina portuguesa quatrocentista”. in Actas do Congresso Comemorativo do V Centenário da Fundação do Hospital Real do Espírito Santo de Évora. Évora: Barbosa & Xavier, LDA – Artes Gráficas, 1996, pp. 65-73. 4. Veja-se MARTINS, Mário – “O Códice Eborense CXXI/2-19 como repositório da linguagem médica do séc. XV”. Boletim de Filologia 19 (1960), pp. 95-103.

AUTOR

ANA MARTA SILVA PINTO

Universidade de Lisboa, Faculdade de Letras / Centro de História, 1600-214, Lisboa, Portugal [email protected]

Medievalista, 23 | 2018 264

Tese de Doutoramento em História apresentada à Universidade de Málaga (Espanha), Julho de 2016. Orientação do Professor Doutor Ángel Galán Sánchez El reino de Sevilla y la fiscalidad extraordinaria en la Corona de Castilla. Del pedido regio a las contribuciones de la Santa Hermandad (1406-1498)

José Manuel Triano Milán

NOTA DEL EDITOR

Data recepção do artigo / Received for publication: 26-07-2017

1 La creciente necesidad de gasto de las monarquías medievales auspició la conformación de unos sistemas fiscales que no adquirieron su estructura definitiva hasta bien entrada la Edad Moderna. Este complejo proceso, bien conocido en líneas generales, ha sido asumido de forma un tanto simplista y esquemática por cierta historiografía durante los últimos años. La complejidad del fenómeno, sin embargo, obliga a un acercamiento cuidadoso y exento de interpretaciones apriorísticas, teniendo en cuenta sus sensibles variables territoriales. En el caso castellano, al igual que ocurriera con otras potencias vecinas, vemos como los denominados ingresos ordinarios se mostraron insuficientes para hacer frente a la creciente demanda de recursos de una monarquía que, si bien no experimentó conflictos bélicos del calado de otras regiones europeas (como es el caso de lo ocurrido en Francia o Inglaterra en los siglos XIV-XV), sí que hubo de sufrir la apropiación de sus recursos, de manera parcial o total, como resultado de sus problemas internos. La vía para afrontar este problema fue acudir al Reino, a través de

Medievalista, 23 | 2018 265

sus representantes en ciertos espacios de negociación (principalmente en las Cortes), para conseguir sumas extraordinarias que permitieran hacer frente a ciertos momentos de emergencia. Con el paso del tiempo, estas demandas se fueron haciendo más y más habituales, permitiendo la expansión del sistema fiscal. En paralelo, se fue conformando una maquinaria recaudatoria cada vez más compleja y eficiente, que acabaría culminando en los modernos servicios de Cortes a partir del siglo XVI.

2 Tradicionalmente, este problema ha recibido una atención mucho menor por parte de la historiografía que la de la denominada fiscalidad ordinaria, que ha atraído el interés y los esfuerzos de los investigadores de manera predominante. Su rica tipología de tributaria, su utilidad para obtener índices de actividad económica, las posibilidades de estudio de sus sistemas de gestión o de la participación política de las élites, explican, entre otros factores, la atención recibida por los ingresos ordinarios. Por su parte, la fiscalidad extraordinaria se ha resentido de una visión plana, que atendía sólo a las cifras globales y al papel de las Cortes, no siempre bien entendido en lo que toca a este asunto. A ello hay que añadir la escasez y dispersión de las fuentes para su estudio, que no han ayudado precisamente a una mejor comprensión de la cuestión, a diferencia de lo que ocurre con los servicios de época moderna.

3 En este sentido, el la presente tesis nace con vocación de poner en valor la importancia de la fiscalidad extraordinaria, no sólo por su importancia en la evolución del sistema tributario castellano, sino también como una vía para abordar un elemento esencial en la historiografía sobre el período: el de la construcción del Estado. En este sentido, desde los estudios de J. A. Schumpeter se ha venido poniendo en valor cómo este tipo de ayudas o servicios negociados entre el monarca y los diversos cuerpos políticos dentro del reino se convirtieron en la vía a través de la que se extendieron los sistemas tributarios y, de la mano de estos, también la esfera pública. Pero, se suele olvidar que existe otra vía mediante la cual la Corona logró expandir su autoridad e integrar a esos otros poderes en la estructura política que estaba tomando forma: su participación en el emergente sistema fiscal. En el caso de las ciudades, las haciendas locales fueron siendo introducidas en la maquinaria administrativa de la Corona mediante su paulatina conversión en una extensión más de la Real Hacienda. Este proceso, su consolidación y expansión, es el objeto fundamental de nuestra investigación.

4 Nuestro análisis se inicia a comienzos del siglo XV con la emergencia de un nuevo sistema de ingresos extraordinarios: el denominado servicio medieval de Cortes. Éste, que toma forma tras la definitiva conversión de la alcabala en pecho ordinario, presentará un carácter dual, conformado por dos vías: las monedas, recaudadas mediante el tradicional método de arrendamiento, y el pedido regio, que requería de las ciudades para su funcionamiento. Para ello se aplicará un sistema de repartimiento para su recaudación, que implicará en buena medida a toda la estructura administrativa concejil, desde los contadores hasta los jurados. Ello permitirá desarrollar un sistema de extracción y gestión de los ingresos que, debido a su elevado grado de complejidad y al control de la información requerido para su funcionamiento, solo podía ser llevado a efecto por los municipios. No obstante, la creciente confluencia que este hito marcaba entre la fiscalidad de Estado y la fiscalidad municipal aún no era definitiva, ya que las haciendas de los concejos solo participaban tangencialmente en la gestión del pedido, como refleja el hecho de que su máxima autoridad fiscal – el mayordomo en el caso hispalense – no tuviera un papel real en este proceso.

Medievalista, 23 | 2018 266

Efectivamente, únicamente con la implantación del sistema fiscal de la Hermandad acabará por producirse una simbiosis completa entre ambas realidades.

5 Para el estudio de las mismas hemos adoptado una doble aproximación. Por un lado, hemos tratado de presentar una imagen general de la evolución de estos ingresos, tanto en lo referente a su valor cuantitativo general como a los avatares de su procedimiento de recaudación, gestión y gasto, al que ya hemos aludido. Información que hemos recabado fundamentalmente en los ricos fondos inéditos del Archivo General de Simancas. Allí nos ha resultado especialmente provechoso el análisis de la sección Escribanía Mayor de Rentas. Más parciales son las referencias de otras secciones de documentación fiscal como la Contaduría Mayor de Cuentas o Expedientes de Hacienda. Otras de carácter ajenas al hecho tributario como Cámara de Castilla o la Sección Estado han aportado interesantes noticias de carácter cualitativo.

6 Por otro lado, hemos analizado cómo funcionaban estos ingresos desde una perspectiva local y cómo afectó su implementación y desarrollo a los gobiernos municipales, así como las relaciones que establecieron estos poderes locales con la Real Hacienda. Para ello disponemos de los fondos del Archivo Municipal Hispalense, los únicos que conservan información serial sobre esta cuestión que sepamos en los denominados Libros del Pedido. Así mismo, también se han conservado allí una mayor cantidad de documentos relativos a la evaluación de la riqueza de los contribuyentes que en cualquier otra parte de la Corona. Nos referimos a esos célebres padrones que eran necesarios para que la distribución de la carga del pedido, y posteriormente parte de las de las contribuciones de la Hermandad, se hiciera en proporción a la riqueza de cada contribuyente. A ello se puede sumar la información complementaria que proporcionan otros fondos documentales municipales situados en el antiguo espacio del reino de Sevilla (Archivo Municipal de Jerez, Archivo Municipal de Carmona y Archivo Municipal de Écija) y las interesantes referencias localizadas en el Archivo de la Real Chancillería de Granada, el Archivo General de Andalucía y el Archivo Catedralicio de Sevilla sobre el asunto que aquí nos ocupa. Este doble acercamiento, como hemos apuntado en diversas ocasiones, es resultado de la fuerte convicción de que el análisis desde solo una de estas perspectivas, general o local solo alcanzaríamos una imagen sesgada para el conocimiento del problema que aquí pretendemos abordar.

7 Hemos iniciado nuestro estudio del pedido regio con un primer capítulo en el que hemos tratado de clarificar los orígenes de este ingreso y las causas que motivaron su rápida consolidación y su transformación en el ingreso extraordinario más importante de la Corona. Para ello hemos emprendido un pormenorizado análisis cuantitativo, que también nos ha permitido aclarar otros aspectos de interés, como la estrecha relación entre las dos vías que componían el servicio (pedidos y monedas). Los datos extraídos de las nóminas conservadas en el Archivo General de Simancas – tanto en moneda de cuenta como deflactados en reales de plata, para solventar el problema constante de la devaluación del maravedí – han permitido arrojar una gran cantidad de luz sobre estas circunstancias. Una vez hecho esto hemos tratado de explicar cómo esta consolidación y expansión de los ingresos extraordinarios solo fue posible gracias a la constitución de sólidas bases institucionales. En relación a ellas hemos estudiado con suma atención el papel que jugaron en la recaudación del pedido desde las instituciones centrales, como las Cortes o la Contaduría Mayor de Hacienda, hasta la maquinaria financiera de los concejos. Aunque los escasos y dispersos testimonios documentales en torno a esta cuestión y el hecho de que las relaciones entre estas instituciones fueran, en gran

Medievalista, 23 | 2018 267

medida, de carácter informal, hayan limitado un tanto los resultados obtenidos. No obstante, hemos podido clarificar la articulación de las relaciones que se establecieron entre los ámbitos locales y estos organismos generales, para los que resulta particularmente interesante, por ejemplo, el nuevo sistema de organización del espacio fiscal vinculado a los servicios de Cortes, que tomó forma durante las primeras décadas de esta centuria. Todo este complejo entramado institucional y financiero adolecía, sin embargo, de una serie de problemas que acabaron lastrando estos ingresos en el largo plazo. La acumulación de privilegios fiscales, la substracción de ciertos espacios de la autoridad de la Real Hacienda o la falta de control sobre territorios teóricamente despoblados son algunos de los asuntos a los que no se dio una solución adecuada durante los reinados de Juan II y Enrique IV y acabaron por minar la recaudación del pedido. Ello obligó, ya durante el reinado de los Reyes Católicos, a buscar nuevas vías que permitieran al trono dotarse de unos ingresos que le eran cada vez más necesarios.

8 Una vez analizados los orígenes y evolución del ingreso, en el segundo capítulo nos detenemos en el proceso de negociación del otorgamiento del servicio de Cortes. Éste estuvo marcado por esas justificaciones doctrinales que, acuñadas por la escolástica para justificar el hecho fiscal, han sido bien estudiadas para el ámbito castellano por Pablo Ortego, José Manuel Nieto y Juan Manuel Carretero. Pero, más allá del plano estrictamente teórico, hemos tratado aquí de observar la plasmación de este tipo de argumentos en un debate que tuvo una destacada trascendencia política. Éste marcó, en buena medida, las relaciones entre rey y reino en Castilla durante buena parte de esta centuria. Una relación dialéctica que hace evidente la falsedad de esa pasividad de las Cortes como sujeto político que tradicionalmente ha venido defendiendo una historiografía que podemos remontar hasta el mismo Martínez Marina. Al contrario, lo que se presenta ante nosotros es una dura y callada pugna entre los representantes del reino y el monarca por el control de unos ingresos que se fueron haciendo cada vez más necesarios para la Real Hacienda. La derrota en su pretensión de fiscalizar estas sumas, aspecto que los procuradores de las ciudades estuvieron cerca de alcanzar en varios momentos, fue lo que realmente privó a las Cortes de ejercer un papel relevante en el panorama político castellano. Cabe destacar, así mismo, el valor de estas negociaciones como plataforma desde la que abordar el estudio de la evolución de las relaciones políticas en este territorio, aspecto que hemos acometido desde una perspectiva un tanto más narrativa que el resto de capítulos de esta obra.

9 En el tercer capítulo de este trabajo hemos abordado con detalle el proceso de tasación, recaudación, gestión y gasto del pedido desde una perspectiva local. Algo posible gracias a la conservación en el Archivo Municipal Hispalense de esa documentación privilegiada a la que ya aludimos anteriormente. Aunque otros autores y nosotros mismos habíamos acometido esta labor anteriormente, se hacía necesario abordar de nuevo este asunto transcendiendo el mero ejercicio descriptivo para matizar algunos aspectos relevantes de lo que se ha venido apuntando sobre esta cuestión y para ampliar el análisis de lo que este proceso supuso desde un punto de vista político y económico. En este sentido, hemos considerado aspectos de interés como la definición del número de contribuyentes, su potencial económico y la desigual distribución de la carga fiscal.

10 Al margen de estas cuestiones, el análisis de los fenómenos sociales no podía ser olvidado en una obra como ésta, en la que se siguen los postulados de la denominada New Fiscal History. A ello dedicamos el capítulo cuarto, en relación al pedido regio.

Medievalista, 23 | 2018 268

Aquí abordamos esta cuestión desde una perspectiva doble, pero complementaria: primero desde la de los agentes fiscales que hacían funcionar el sistema recaudatorio y, en segundo lugar, desde el de los contribuyentes del pedido. En relación a esos agentes fiscales vemos como el pedido, al igual que otros ingresos de la Real Hacienda, se convirtió en campo abonado para la obtención de beneficios financieros. No obstante, su particular forma de recaudación introdujo algunos matices que hemos creído conveniente destacar. Mediante un detallado estudio prosopográfico, además, hemos tratado de señalar las líneas maestras de la evolución del perfil de los agentes vinculados al proceso de recaudación de este ingreso, lo que supone también un primer paso para el conocimiento de los grupos y compañías financieras que operaron en un espacio tan destacado como el reino de Sevilla. Nuestro estudio de los contribuyentes, por su parte, ha partido de la consideración del carácter heterogéneo de este grupo. Por ello, hemos tratando de distinguir las distintas respuestas que éstos dieron a la recaudación de este ingreso y su motivación para ello.

11 Tras concluir este capítulo, contando con una imagen general del pedido regio y de lo que éste supuso en la historia fiscal castellana, damos por finalizada la primera parte de nuestro trabajo y nos adentramos directamente en la segunda, focalizada en el estudio de la Hermandad General constituida por los Reyes Católicos a comienzos de su reinado. Esta institución polifacética, que sustentó el germen de un primer ejército permanente, se financió gracias a un nuevo sistema fiscal nutrido por las denominadas contribuciones de la Hermandad. Éstas fueron, en la práctica, las herederas naturales del servicio de Cortes, y más concretamente del pedido regio, aunque para hacer más eficiente su recaudación, gestión y gasto se le dotó de nuevas bases doctrinales, institucionales y territoriales que bebían directamente de la experiencia previa de la Corona en este sentido. Así, estos recursos fueron presentados como un ingreso de nueva planta, en cuyo funcionamiento se trató de implicar mucho más estrechamente a las haciendas municipales, mediante un modelo de encabezamiento que permitía a las autoridades locales elegir el medio de punción fiscal que consideraran más adecuado a las circunstancias. La nueva geografía administrativa y financiera de la Hermandad favoreció una organización del espacio más racional y centralizado, en el que cada región contaba con su propia tesorería, dependiente de la tesorería central hermandina.

12 Una vez analizada la Hermandad en su vertiente fiscal desde un punto de vista general en el capítulo seis hemos dedicado un último capítulo al estudio de su funcionamiento desde un punto de vista provincial y local. Gracias a ello podemos observar como la maquinaria financiera hermandina vino a transformar las relaciones que las ciudades venían manteniendo con la gestión de los ingresos reales. La imbricación entre la fiscalidad de Estado y la municipal alcanzará ahora un grado mucho mayor de la que había mantenido con el pedido, mientras que la creciente presión fiscal generada por este tipo de demandas, solicitadas de forma periódica, suponían todo un revulsivo a nivel local. El desarrollo del recurso al crédito, fundamentalmente mediante medios tradicionales, pero también mediante la introducción de algunas relevantes novedades, vino a anticipar lo que estaba por venir. Así mismo, los concejos lograron dinamizar sus ingresos mediante la cesión de nuevos impuestos y rentas por parte de la Corona. Por otra parte, la creciente capacidad de los municipios a la hora de controlar las vías más convenientes para aplicar la punción fiscal favoreció que el dominio sobre la gestión de estos recursos extraordinarios se siguiera utilizando, más aún que en el caso del pedido,

Medievalista, 23 | 2018 269

como una vía para reforzar el predominio político que los gobiernos municipales tenían sobre los territorios bajo su jurisdicción.

13 El sistema financiero de la Hermandad se extinguió tras apenas treinta años de funcionamiento. Su incapacidad para adaptarse a las nuevas necesidades generadas por el cambiante panorama político y económico determinó su desaparición. Sin embargo, la experiencia no fue inútil. La creciente regularidad de estos servicios, la articulación territorial del espacio fiscal o la estrecha vinculación entre los ingresos extraordinarios y el nuevo modelo crediticio que surgió a finales del siglo XV pueden considerarse legados del sistema financiero hermandino. El nuevo sistema de ingresos extraordinarios que sustentará la ambiciosa política exterior de la Corona castellana desde comienzos del siglo XVI es el heredero directo de toda esta experiencia.

AUTOR

JOSÉ MANUEL TRIANO MILÁN

Universidad de Málaga, Departamento de Ciencias Históricas, 29071, Málaga, España [email protected]

Medievalista, 23 | 2018