Rio Claro • Junho de 2013 • Nº 11

Arquivo de Rio Claro: Passado Presente e Futuro "Salve, Salve, Oh Santa Liberdade!" Por um Cine-Canibal-Caipira-Zumbi Raízes do racismo em SP Escola Vocacional Patrimônio e Educação A validade da função social - Guarda Mirim Programa Segundo Tempo Arquivos Escolares Fábrica de móveis Palazzo Escolas Isoladas de Rio Claro Influência Germânica em Rio Claro Rio Claro de ontem e de hoje Plínio Salgado nas eleiçõs presidenciais Capela Santo Antonio dos Cordeiros Abecê de Rio Claro Dalva de Oliveira Durvalzinho do Pandeiro A Família Zottarelli História dos Imigrantes da família Brescansin Revista do Arquivo Público e Histórico do Município de Rio Claro “Oscar de Arruda Penteado” Junho/2013 Rua 6 nº3265 - Alto do Santana - CEP: 13500-099 Rio Claro/SP - Fone/fax: (19)3522-1938 www.aphrioclaro.sp.gov.br / www.memoriaviva.sp.gov.br [email protected] Coordenação desta edição Consuelo Carolina Rios Gomes Marcela Pires de Oliveira Apresentação Maria Teresa de Arruda Campos Conselho Editorial José Roberto Sant’Ana Esta Revista comemora os 186 anos da fundação de Rio Claro e, Marcela Pires de Oliveira Maria Teresa de Arruda Campos como um presente para a cidade, oferecemos na capa uma bela fotografia Sandra Regina Sanches Baldessin de nossa estrela maior - Dalva de Oliveira - e na última capa o famoso e Taciana Ferreira Carapeba Panini Conselho Superior inesquecível Trio de Ouro. Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Djalma José Walter Um desafio de 2013 que está em processo é a colaboração do Hélia Gimenez Machado (Presidente) José Roberto Sant’Ana Arquivo, em parceria com o CONERC, Associação Cultural Cruzeiro do Sul, Monica Ferreira Frandi Percy de Oliveira Unesp e a Faculdade Asser, na execução junto à Rede Municipal de Ensino/ Sandra Regina Sanches Baldessin (Secretária) Secretaria Municipal de Educação do projeto “A Comunidade Negra vai à Sebastião Luiz Miotto (Vice-presidente) Escola”, proposto pelo Centro de Voluntariado de Rio Claro à Secretaria de Sonia Maria Alem Marrach Superintendente Estado da Cultura/Programa de Ação Cultural 2012 – PROAC. Maria Teresa de Arruda Campos Reforçamos o interesse e a dedicação do atual governo, na garantia Servidores da Autarquia Ana Maria Penha Menna Pagnocca da participação e na democratização do acesso à história do município, Carolina Hirai Consuelo Carolina Rios Gomes identificando colaboradores que se dispõem a, voluntariamente, emprestar Elaine de Andrade Geraldo Francisco Antonello seu talento com a escrita e, assim, levantar fatos por vezes desconhecidos Leonardo de Andrade Luiz Gustavo Barrotte por muitos de nós e que dizem respeito à nossa cidade. Essa 11ª. edição da Marigelma Santos da Silva Marli Ap. Corrêa Bueno Revista do Arquivo deixou o grupo de coordenação bastante animado, com o Nádia Cristina Picelli recebimento de colaborações em grande volume, o que já nos garante vários Onivaldo Donisete Dagnolo artigos para o próximo número. Taciana Ferreira Carapeba Panini Servidores da Prefeitura Concluímos, na certeza de que, cada vez mais, os rio-clarenses Arthur Fernando Carvalho participarão dos espaços criados pelo Arquivo e, com isso, registrarão, a Assessora história de sua família, de sua empresa, de sua Instituição, ou seja, a nossa Marcela Pires de Oliveira Estagiários: História. Portal Memória Viva Felipe Porto Silva Gustavo Dumas Luiz Durval Litoldo Maria Teresa de Arruda Campos Renato Trevisan Superintendente Arte Gráfica Maxwlley Dar’c Guarinho

Pesquisa Luiz Fernando de Almeida Carina Reis da Silva NORMAS GERAIS PARA APRESENTAÇÃO DOS ARTIGOS Bárbara Fernanda da Silva a) Extensão: até 6 páginas de texto; Aprendiz – Guarda Mirim Vitor Evangelista Fantin b) Margens: superior de 2 cm, inferior de 2 cm, esquerda de 3 cm e direita Henrique Cordeiro da Silva Igor Henrique de Paula Brandão de 3 cm; Lucas Targino de Souza c) Fonte: Texto principal: Times New Roman, corpo 12, espaço entre linhas: Voluntários em projetos 1,5. Texto das notas: corpo 10, espaço simples; Ciça Alves da Cunha Renê Mainardi d) Título e subtítulo: na primeira linha, centralizados e em negrito. Ivan Bonifácio e) Identificação do autor: nome, indicação da profissão/titulação e e-mail Pesquisadores voluntários (opcional); Bernadete Aparecida Caprioglio de Castro Daniela Cristina Lopes de Abreu f) Citações: com menos de 3 linhas aparecem dentro do texto corrido, entre Hélia Gimenez Machado José Roberto Sant’Ana aspas; as citações de mais de 3 linhas vêm destacadas do texto. Monique Marques g) As imagens (máximo 7) devem ser enviadas em alta resolução, Créditos: separadamente, sempre acompanhadas por legenda com data e citação Imagem da Capa - Dalva de Oliveira em uma de suas apresentações da fonte. O Arquivo se coloca à disposição para auxiliar no processo de na Rádio BBC, em Londres, em 1952. digitalização dessas imagens. Acervo do APH Rio Claro Imagem da 4ª Capa h) As Referências devem aparecer como nota de rodapé, completas, Trio de Ouro - Cassino Urca-show: Vem, a Bahia te espera, em 1942. atendendo-se aos padrões da ABNT (Associação Brasileira de Normas Acervo do APH Rio Claro Técnicas), a saber: sobrenome do autor em maiúsculas, nomes abreviados Projeto Gráfico e Diagramação na 1ª. letra, título da obra, cidade, editora, ano e página. Oca Print Editora i) Os artigos devem ser enviados para o e-mail [email protected] Revisão Mariliana A. F. A. Penteado A Revista do Arquivo está aberta à participação de todos que queiram Impressão Divisa Editora & Artes Gráficas Ltda contribuir com o registro e a reflexão sobre nossa história, nossa cidade Todos os textos e imagens dessa publicação são de inteira e nossa gente. responsabilidade de seus respectivos autores Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Sumário 05. Arquivo de Rio Claro: Passado e Presente Construindo o Futuro. Maria Teresa de Arruda Campos 11. “Salve, Salve, Oh Santa Liberdade!” Imigração Germânica no Interior e o Mercado de Trabalho Livre em São Paulo. Bruno Gabriel Witzel de Souza 16. Por um Cine-Canibal-Caipira-Zumbi: A Imaginação e Laboração de Filmes Máquina-de-guerra na Perspectiva da Tranqueira e da Gambiarra em Rio Claro. Daniel Mittmann 19. Raízes do racismo e da intolerância à religiosidade africana no interior de SP. José Roberto Sant'Ana 23. GVive nos 50 anos de implantação dos Ginásios Vocacionais em Rio Claro (1963/2013). Luiz Carlos Marques (Luigy) | Imma Marques 26. Patrimônio e Educação: conhecimento e valoração de bens culturais imateriais. Ana Carolina Rios Gomes 30. A validade da função social de cidadãos rio-clarenses discorridas nos anais históricos entre a GM e seus colaboradores. Regina Claret Kapp dos Santos 34. Programa Segundo Tempo - Experiência do Município de Rio Claro. Jorge Henrique de Magalhães Sasso Sciascio | Alessandro Batezelli 39. Arquivos Escolares: um tesouro em perigo. Daniela Cristina Lopes de Abreu 47. A Grande Fábrica de Móveis José Palazzo. Anselmo Ap. Selingardi Jr. 50. As práticas educativas no ensino primário – Um estudo histórico sobres as Escolas Isoladas de Rio Claro (1940-1960). Kamila Cristina Evaristo Leite 54. Os Germânicos de Rio Claro: Uma breve análise de sua influência na cidade. André Luiz Bovo 58. A Minha Rio Claro de Ontem e de Hoje. Moacir Martins 60. As eleições de 1955: Ensaio sobre a participação de Plínio Salgado nas eleições presidenciais. Guilherme Jorge Figueira 63. Capela de Santo Antonio dos Cordeiros, Município de São João do Rio Claro: Cordeirópolis no território de Rio Claro (1880-1890). Paulo César Tamiazo

Histórias Marcantes ______

67. Abecê de Rio Claro. Lucas Puntel Carrasco 71. Instantâneos da trajetória de Dalva de Oliveira. Thais Matarazzo 77. Durval Augusto e Voz do Morro: A parceria que deu samba. Jussara Valéria de Miranda 80. A Família Zottarelli. Almerindo Zottarelli 83. Imigração no Brasil: Os Colonos Italianos e o Caso da Família Brescansin em Rio Claro e Região. Irineu Arlindo Brescansin

4 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 PassadoArquivo e Presente de Construindo Rio Claro: o Futuro

Maria Teresa de Arruda Campos Psicóloga e pedagoga, mestre e doutoranda do Grupo Violar, FE/UNICAMP, superintendente do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. E-mail: [email protected] Criação significa, antes de tudo, emoção. (Bergson)

Estar no Arquivo de Rio Claro foi tarefa produtiva que demandou energia, trabalho em equipe e roubou horas de sono, muito mais do que eu pudera um dia imaginar, ao aceitar o convite do Prefeito Du Altimari, em dezembro de 2008. Aprender com os desafios que se apresentavam, dia após dia, foi um trabalho de abertura pessoal e, sobretudo, de criação. Apresento neste artigo um pouco dos muitos dias e noites em que esse desafio tomou conta de nossos corpos e cabeças, para que pudéssemos, ao final dos primeiros quatro anos da gestão a que fora agora reconduzida, ter orgulho do que produzimos. Como um tipo de prestação de contas da gestão 2009-2012, registro nesta Revista de nº 11, o que nos- so grupo de trabalho pôde realizar. O Arquivo Público e Histórico de Rio Claro foi cria- do pela Lei Municipal Nº1573, de 11 de outubro de 1979, e desde a sua criação, entre as suas atribuições estão:

99 Garantir acesso às informações contidas na documen- tação sob sua custódia, ressalvados os casos de sigilo Visita da Escola José Cardoso, ao acervo do Arquivo, em agosto protegidos por Lei; de 2011. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de 99 Receber, por transferências ou recolhimento, os docu- Rio Claro. mentos produzidos e acumulados pelo poder público municipal; tes e setores de protocolo da Prefeitura Municipal; 99 Receber, por doação ou compra, documentos de origem privada de interesse do município; 99 Manter intercâmbio com instituições afins, nacionais e es- trangeiras; 99 Produzir documentos que registrem expressões culturais da comunidade; 99 Custodiar, por intermédio de acordos previamente afirma- dos, e se houver conveniência e oportunidade, documentos 99 Promover integração sistêmica com os arquivos corren- de outras esferas e poderes governamentais.1

1 Conforme Lei citada

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 5 Depois da adaptação ao modo como a Instituição estava estruturada, com apenas cinco servidores, pusemo- -nos a pensar em novas formas de gestão, a partir de um programa que contribuís- se para o exercício de suas atribuições e do reconhecimento da população sobre sua importância. Agregar as pessoas que tivessem a disponibilidade de cuidar de nossa história e daquilo que a memória poderia ainda somar a ela, essa foi a es- Imagem do 44º Bate-papo Cultural e lançamento de livro de Eduardo A. Pellejero, em tratégia que traçamos. fevereiro de 2012. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. O Arquivo é um equipamento arquivístico de Rio Claro e institui o Sis- nova Lei de Acesso à Informação2 . público que tem a responsabilidade de tema Municipal de Arquivos para que O Setor de Pesquisa cuida da ajudar a pensar a cidade, uma vez que a gestão documental da administração documentação permanente, histórica. cuida de sua história a partir do presente. pública possa ser melhor equalizada e Possui rico acervo composto de mate- Tem, entre muitas, duas grandes tarefas: adequar-se aos novos tempos. rial raro e necessário para a pesquisa cuidar da documentação da administra- É premente, também, que seja sobre o Município, a Região, o Estado ção municipal, que é realizada pelo ar- revista ainda a Legislação do Arquivo: e o País. Nesses quatro anos conseguiu quivo intermediário, e dos documentos Lei Municipal nº1573, de 11 de outubro estruturar-se, pois se encontrava fecha- do pela falta de servidores. Os equipa- que passam para guarda permanente de 1979 que cria o Arquivo Público e mentos, além de obsoletos, eram pou- Histórico do Município de Rio Claro e (históricos) sejam públicos ou privados. cos. Estamos trabalhando para ampliar O Arquivo Intermediário regis- o Regimento Interno de 21 de março de o número de servidores qualificados trou 25.704 atendimentos à Administra- 1981 do Conselho Superior do Arquivo para a função de organizar e disponibi- ção Pública, o que aponta para a neces- Público e Histórico do Município de lizar o acesso ágil e irrestrito a essa do- sidade de ampliar a equipe e o espaço Rio Claro. cumentação ímpar da história da cidade disponibilizado para a guarda documen- Essas alterações na legislação e do país. Foram 10.178 pedidos de tal. É importante que seja revista a LEI contribuirão para a modernização da pesquisa na documentação permanente, MUNICIPAL N° 1883, de 29 de março Autarquia, facilitando a agilidade e dis- hemeroteca e biblioteca de pesquisado- de 1984, que dispõe sobre o patrimônio ponibilidade documental, previstas na res ligados a Universidades brasileiras e do exterior. Optamos por trazer a comuni- dade para dentro do Arquivo, desen- volvendo vários eventos que pudessem ajudar a pensar a vida e a cidade, com temas diversos. Isso também contribuiu para que o Arquivo se integrasse à cida- de e passasse a fazer parte de seu dia a dia, ampliando o número de consulen- tes e ampliando seu acervo histórico, ainda guardados nos lares rio-clarenses. Ente as primeiras atividades, destacamos o Bate-papo Cultural. Evento mensal, até o final de 2012, ti- vemos quarenta e nove apresentações, marcadas por um pensar a vida em toda a extensão, com temas variados, apontando para a complexidade des- ses tempos pós-modernos. Os even- tos podem ser assistidos no endereço www.aphrioclaro.sp.gov.br. Desenho da residência do Dr. José Luiz Borges feito a bico de pena, por Percy O Bate-papo cultural é um es- de Oliveira, em 1987. Parte da reedição composta de 15 desenhos, lançada pelo paço de encontro, encontro que pode Arquivo Público em 2012. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de provocar uma outra experiência, um Rio Claro. novo pensar:

2 Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2011/lei/l12527.htm, acesso: 07/02/2013, às 10h30.

6 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Evento de lançamento Revista do Arquivo nº 10 e abertura da exposição de fotografias ''IV Rio Claro Revela sua História'', 2012. Casarão da Cultura - Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. A experiência é o que nos passa, o os melhores dos Novos Olhares (obras que nos acontece, o que nos toca. premiadas em anos anteriores) e três edi- Não o que se passa, não o que ções do Salão de Artes Novos Olhares acontece, ou o que toca. A cada que somente aceita obras sobre Rio Claro. dia se passam muitas coisas, po- Nessas três edições, realizadas em 2010, rém, ao mesmo tempo, quase nada 2011 e 2012, foram inscritas 226 obras. nos acontece. Dir-se-ia que tudo o que se passa está organizado para Foram produzidas oito Revistas que nada nos aconteça... Nunca se do Arquivo com lançamento semes- passaram tantas coisas, mas a tral, somando 134 artigos, envolvendo experiência é cada vez mais rara 159 autores, sempre com o foco na ci- (LARROSA, 1997). dade e na nossa gente. As Revistas são impressas e disponibilizadas no site www.aphrioclaro.sp.gov.br. Publicamos dois livros, quatro agendas anuais e, numa parceria com a Documentos do acervo do Arquivo In- ACIRC, coordenamos um livro sobre a termediário. 2013. Imagem do acervo história da instituição, da indústria, co- do Arquivo Público e Histórico de Rio mércio, arte e cultura em Rio Claro. Claro. Em parceria com fotógrafos do de um concurso de projetos da Pe- voluntários, produzimos cinco coleções trobrás, com o qual queremos trabalhar, de postais que apresentam nossa cida- dando o mesmo tratamento aos Inqué- de em diferentes olhares. Relançamos a ritos Policiais que abrangem o período coleção de pranchas em desenhos a bico 1940-1990, recolhidos nesta gestão. de pena sobre os prédios históricos da 2) Outro projeto importante cidade, feitas por Percy de Oliveira, na abordou o levantamento sobre as vítimas Pequenos reparos de documentos antigos década de 1980. degradados pelo tempo, que fazem parte Outra atividade que contribuiu do acervo do Arquivo. Imagem com uma para o registro do tempo presente foi o edição do Jornal O Alpha. concurso de fotografia “Rio Claro Reve- la sua História”. Foram quatro edições que somaram 899 fotografias inscritas Uma atividade importante que que passaram a compor o acervo da Au- já fazia parte das realizações do Arquivo tarquia com o registro atual feito pela e somente a ampliamos, diz respeito própria comunidade. às exposições de fotografias. Mostrar a história e/ou os acontecimentos recentes Três projetos de pesquisa foram é algo que sempre chama a atenção das realizados: pessoas. Fizemos vinte e cinco exposi- ções que foram montadas em vários pon- 1) Projeto “Patrimônio da Co- tos da cidade: do Paço Municipal, aos Desenho da Escola técnica "Armando Jardins e Praças, Estação Ferroviária, munidade: Cartório Criminal de Rio Bayuex da Silva", feito a bico de pena e Poupatempo, Casarão da Cultura, Centro Claro (1836-1930)”, financiado pelo aquarelado, por Luiz Miotto. Parte da Co- Cultural, escolas. No tocante às pinturas, BNDES que se constituiu por: tratamen- leção de Postais "As escolas de Rio Claro", esculturas e desenhos, fizemos quatro to físico dos processos e elaboração de lançada em 2012, composta por 12 exposições: Becos com Saídas – artis- banco de dados para consulta de pesqui- cartões. Imagem do acervo do Arquivo ta plástica Ciça Alves, exposição sobre sadores. Estamos aguardando o resulta- Público e Histórico de Rio Claro.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 7 de documentação sobre a história do negro em nossa região que, todos sabe- mos, explorou grandemente a mão de obra escrava nas fazendas produtoras do café. Esse projeto visa, ainda, dar elementos para a implantação da Lei nº 10.639/2003 na rede municipal de ensino, capacitando professores nes- sa nova tarefa que é discutir, na rede, a história afro-brasileira. O projeto foi contemplado com um prêmio do ProAc e conta com a história oral contada pelos Griôs de Rio Claro.

Conversa Griô, evento cultural realizado sob a Figueira do São Benedito e promovido Alberti (2004) ao abordar a en- pelo APH, com participação ativa da comunidade negra de Rio Claro. Agosto de trevista em História Oral assim afirma: 2012. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. da ditadura civil-miliar em Rio Claro É da experiência de um sujeito e reuniu a história de Maria Cecília que se trata; sua narrativa acaba Bárbara Wetten, Abílio Clemente Filho colorindo o passado com um va- e Orlando Moura Momente, culminando lor que nos é caro: aquele que faz com a presença no Arquivo, da Comis- do homem um indivíduo único e são de Anistia da Secretaria Especial de singular em nossa história, um su- jeito que efetivamente viveu – e, Direitos Humanos do Governo Federal, por isso dá vida a – as conjunturas da Procuradoria Geral da União, do e estruturas que de outro modo pa- “Grupo Tortura Nunca Mais”, do Servi- recem tão distantes (p.14) ço Franciscano de Solidariedade, de Juí- zes e Professores Universitários. Houve O projeto de contar a história da pedido público de desculpas às vítimas comunidade negra foi responsável por Oficina de ''Desenho'', realizada pelo de tortura e morte nesse período. Ativi- uma grande produção de documentação APH, com Ciça Alves, em novembro de dades desenvolvidas nesse tema: oral, pesquisa na hemeroteca, realização 2011. Imagem do acervo do Arquivo Pú- de eventos como: Conversas Griô3 (de- poimentos públicos), Bate-papo Cultural blico e Histórico de Rio Claro. 99 Realização de seis Bate-papos Cul- e produção de documentários. turais; 99 Produção de oito entrevistas com Foram desenvolvidas as seguin- gravação em audiovisual; tes atividades: 99 Produção de quatro documentários; 99 Capacitação para coordenadores de 99 Gravações de três eventos; Escolas Municipais sobre o cumpri- 99 Levantamento em jornais locais de mento da Lei nº 10.639/2003 nas sa- las de educação fundamental e EJA; matérias (1963-1988); 99 Cinquenta e uma documentações au- 9 9 Digitalização do Fundo Maria Cecília diovisuais sobre Cultura e História Bárbara Wetten; Afro- brasileira em Rio Claro; Oficina de Graffite, realizada pelo Arqui- 99 Contato com o Arquivo do Esta- 99 Nove Bate-papos Culturais sobre a vo, com o artista e grafiteiro Léo Dco, do – localização de processos dos temática; em setembro de 2012. Imagem do acer- rio-clarenses vítimas da ditadura. vo do Arquivo Público e Histórico de Rio 99 Oito Conversas Griô; Claro. 3) O terceiro projeto de pes- 99 Vinte e duas entrevistas com grava- quisa foi pensado a partir da ausência

3 A palavra griot é francesa, griot no masculino e griote no feminino. Os griôs são responsáveis por uma sabedoria e uma arte verbal presentes nos rituais da vida social: nascimento, iniciação, aliança matrimonial, cerimônia de casamento e funerais. Os griôs têm uma imagem social e política, além de um lugar econômico determinante no funcionamento das sociedades do noroeste da África.

8 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 às versões daqueles que não se veem representados na história oficial e parte do pressuposto de que não há verdade histórica” (MAGALHÃES, p. 28). Nesse sentido é preciso questionar os registros e documentos como representantes da ‘verdade’, revendo a forma como foram construídos, os interesses que representa- ram e o momento em que foram produ- zidos. Colher, organizar e disponibilizar os documentos orais são estratégias de outros recursos para compor a história de um povo. Em parceria com a TV Cidade Livre, esses documentários são veicula- Abertura da XII Mostra de Artes ''Novos Olhares'' e lançamento da Agenda 2013. dos no canal Canal 99 Analógico - Canal 2012. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. 10 Digital, duas vezes na semana: 5as e 6as feiras, às 18h15. Os documentos orais 99 Parceria com a TV comunitária, coletados são tratados e disponibilizados cujos documentários estão sen- para pesquisadores na autarquia. Os do- do transmitidos às 5as e 6as fei- cumentários podem ser vistos no endere- ras às 18h30, no canal 99 da Net. ço: www.memoriaviva.sp.gov.br. Iniciativas com as crianças da Em 2009, começamos a pro- rede municipal de ensino também estive- duzir o Portal Memória Viva que hoje ram presentes no Bate-papo na Floresta. conta 32 documentários produzidos Realizamos, ainda, a Roda de Conversa pela equipe do Arquivo. Tem sido uma com relatos de viagens e experiências, experiência muito interessante ouvir as apresentações teatrais, seminários, jorna- pessoas e produzir uma parte de suas da, atividades que o Arquivo pode organi- histórias no formato de documentários. zar no sentido de trazer temas da atualida- O projeto foi finalista do Prêmio Cultura de e da história para serem pensados, para Capa da Agenda 2013 - Os Sons da Viva, no ano de 2010, na categoria Ini- ajudar a viver esse tempo. Terra, produzida e lançada pelo Arquivo ciativas de gestores públicos, promovi- Apoiamos iniciativas de vá- Público e Histórico. do pelo Ministério da Cultura. O Portal rias Secretarias Municipais com proje- ção em audiovisual; Memória Viva entende que "A ditadura tos transversais. A Fundação Ulysses da escrita é tão fundamental que a His- Guimarães também contou com o apoio 99 Dez documentários; tória se preza como manifestação de co- da Autarquia na organização de seu acer- 99 Doze eventos gravados; nhecimento a partir da escrita. Antes, é vo. pré-história", explica Meihy (2005). A Adotamos o GESDOC como 99 Publicação de publicados nas Revis- partir dessa colocação, ele aponta ain- programa para acesso ao acervo. Fizemos tas do Arquivo ; da para todas as escritas que servem o primeiro pregão do Arquivo para iniciar para corroborar algo: contas, contratos, a digitalização do Fundo Plínio Salgado, 99 As agendas 2012 e 2013 trazem te- balanços, acordos, certidões, estatutos, acervo da Autarquia que é pesquisado por mática especifica; regimentos, regulamentos que são apre- pós-graduandos de vários estados brasi- 99 Parte dos artistas no capítulo sobre sentados como garantias da “verdade". leiros e do exterior. Estamos iniciando o Arte e Cultura em Rio Claro, foi A máxima de que “o que não processo de novo pregão para continuida- privilegiada na produção do livro está escrito o vento leva” ou ainda o tal de da digitalização do acervo e de indexa- “Acirc 90 anos”; “preto no branco” são posturas positivis- ção do que já está digitalizado. tas que impregnaram nossa cultura tiran- Prefeituras de várias cidades da 99 Envio de projetos sobre a temática do da história a singularidade provocada região têm procurado a Autarquia para para: IPHAN e PROAC parceria em cada um e em cada uma, levando a conhecer o trabalho e iniciar implantação com o grupo Taquara Rachada e o sociedade a equivocar-se acreditando de Arquivos Públicos e Históricos em Ponto de Cultura Rio Claro Cidade que sem documentos não há história. suas cidades. A democratização do aces- Viva; Essa nova história pretende “dar voz so a todas as informações tanto finan-

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 9 Para os próximos anos, queremos dar continuidade ao processo de digitali- zação e indexação do acervo, ampliar o número de servidores, poder atender a população em período integral, e iniciar o projeto do Centro de Memória da Ima- gem e do Som, incentivado nesse início com recursos do IBRAM (MinC), por meio de emenda parlamentar do Deputa- do Newton Lima. A próxima etapa será a adequação de espaço físico para abrigar o estúdio público de gravação, bem como o acervo fílmico, musical, iconográfico e de depoimentos orais que comporão o acervo do CMIS. Todo o processo produtivo do Evento cultural promovido pelo APH, Concerto de Violão, com ''Violões Artes Trio'' Arquivo foi possível com a contratação em novembro de 2012. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio de servidores por meio de concurso pú- Claro. blico, realizado em 2010. Tramitou na Câmara Municipal novo projeto de Lei ceiras como das atividades do Arquivo Nesses quatro anos consegui- para criação de novos cargos, inclusive estão disponibilizadas no site www. mos reunir uma equipe de pesquisadores de analista de gestão documental e histo- aphrioclaro.sp.gov.br, nos murais da e de artistas que se somaram, sem remu- riador, cargos inexistentes na estrutura do Autarquia e são enviadas, mensalmente, neração, aos projetos e iniciativas, moti- Arquivo. para o Conselho Superior. vados por um ideal de construir, produzir A presença do Conselho Superior O Arquivo teve como parceiros: e fazer do Arquivo, além de um espaço em todos os projetos trabalhando na con- Unesp, Centro de Voluntariado/Ponto de público de guarda, um espaço de produ- cepção, acompanhamento, fiscalização e Cultura Cidade Viva, Grupo Kino-olho, ção de conhecimento. envolvendo-se na vida da Autarquia fize- ACIRC, CIESP, ASSER, Grupo AUÊ, Foram muitos cursos frequenta- ram a diferença para que o Arquivo pu- TV Cidade Livre, Conselho da Comuni- dos pelos servidores e oferecidos gratui- desse conquistar um espaço de reconheci- dade Negra e toda a imprensa que pro- tamente para a população, aproximando mento de seu papel na história da cidade e porcionou a veiculação das campanhas, o Arquivo da comunidade, e trazendo na construção do presente. eventos e necessidades da Autarquia, re- especialistas para compartilharem seus Podemos dizer que criamos, nos conhecendo, dessa forma a importância saberes e práticas, qualificando-os, cada emocionamos e produzimos. Assim po- de estar junto nesse registro do tempo vez mais, para o exercício de um traba- demos tentar nos tornar “humanos, dema- presente. lho de excelência. siadamente humanos”. •

REFERÊNCIAS

ALBERTI, V. Ouvir Contar: textos em História Oral. : Edi- tora FGV, 2004.

LARROSA, B. Notas sobre a expe- riência e o saber de experiência. RE- VISTA BRASILEIRA DE EDUCA- ÇÃO. Jan/Fev/Mar/Abr 2002 n.º 19. Disponível em: http://www.anped.org. br/rbe/numeros_rbe/revbrased19.htm.

MAGALHÃES, V. B. Imigração: Sub- jetividade e memória Coletiva, in: Re- vista Oralidades,1, 2007, p. 23-32 Entrevista com o Padre Zezinho, para a produção de documentário sobre religiões, pelo Portal Memória Viva do APH. 2012. Imagem do acervo do Arquivo Público e MEIHY, J. Manual de História Oral. Histórico de Rio Claro. São Paulo, Ed. Loyola, 2005.

10 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 “Salve, Salve, Oh Santa Liberdade!” Imigração Germânica no Interior e o Mercado de Trabalho Livre em São Paulo

Bruno Gabriel Witzel de Souza Mestrando em Desenvolvimento Econômico pela Georg-August Universität Göttingen.* E-mail: [email protected] Observação: O título do artigo refere-se ao pavilhão confeccionado por João Witzel por conta das comemorações pela libertação dos escravos.

É raro os habitantes de Rio Claro, talvez por conta da pressa ou mesmo do hábito, perceberem quão grande é a influência do elemento germânico em sua cidade: quantos são os municípios brasileiros que contam com um bairro cha- mado Vila Alemã, um Colégio Alemão – atual Colégio Koelle, um Cemitério Luterano – popularmente conhecido como Cemitério Alemão? Ou que têm em seus distritos também populações descendentes de imigrantes alemães e suíços, além de fazendas que empregaram esses trabalhadores há cerca de um século e meio? Ou, então, ao fazer um curto passeio que seja, deparar-se com nomes claramente germânicos nas portas de lojas, escritórios e consultórios: Büll, Hebling, Hofling, Kannebley, Krettlis, Meyer, Schmidt, Weiss, Witzel... A história que conduziu a esse estado de coisas e levou a essa influência alemã no interior de São Paulo confunde-se, em larga medida, com o processo de formação e consolidação do mercado de trabalho livre no Brasil, em me- ados do século XIX. Embora temporalmente mais afastada e quantitativamente menor que outros processos imigratórios, sobretudo de italianos, a entrada dos alemães, suas reivindicações por condições de trabalho, baseadas em contratos e sua capacidade de associação e formação de grupos para manutenção de tradições culturais, estiveram na base da formação da sociedade paulista. O objetivo do presente artigo é reconstituir os fluxos desse processo imigratório, observando como se deu essa influência que sobrevive – e de maneira considerável – até hoje em municípios como Rio Claro, Limeira, Piraci- caba, Campinas e Jundiaí. 1847. 16 de junho. Após 42 dias de viagem cruzando o Atlântico em duas embarcações e 14 dias subindo o planalto paulista de Santos, em direção ao interior da Província, finalmente chegavam à Fazenda Ibicaba, em Limeira, os primeiros 401 alemães fundadores da Colônia Senador Vergueiro. As famílias desses pioneiros haviam sido contratadas, em sua maioria, na região de Mainz e depois, por uma longa viagem, haviam descido pelo rio Reno até as cidades de Arnheim e Amsterdã para, finalmente, serem embarcadas para o Brasil, em Hamburgo (PERRET GENTIL, 1851, p. 62). A con- tratação fora feita em nome de Vergueiro & Cia., sociedade formada pelo Senador Nicolau Pereira de Campos Vergueiro com dois de seus filhos, e tinha por objetivo introduzir na fazenda do senador um novo regime de trabalho: o sistema de parceria, segundo Witter (1982, p. 107-116). Para melhor compreender o início da contratação de imigrantes germânicos, é necessário observar mais am- plamente o contexto histórico da década de 1840. Nesse período, as pressões internacionais para a extinção do tráfi- co negreiro colocavam, no centro da pauta política, a necessidade de obtenção de fontes alternativas de mão de obra, sobretudo considerando-se a expansão da cafeicultura em direção ao oeste paulista (CALÓGERAS, 1998, p. 352 ss.). As perspectivas do fim do tráfico negreiro pressionavam pela busca de novos regimes de trabalho, e foi nesse contexto que o Senador Vergueiro formulou as bases do sistema de parceria em São Paulo.

* O autor convida os interessados nos temas da imigração germânica em São Paulo e nas relações bilaterais Brasil-Alemanha a enviarem-lhe um e-mail: o presente artigo baseia-se em um Trabalho de Conclusão de Curso e dois artigos, que o autor gostaria de compartilhar com os interessados.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 11 O regime de trabalho possuía líticos que enfrentara em 1842, o mais 1850, contudo, a função desta firma al- dois princípios: (i) endividamento e provável é que os termos dos contratos terou-se fundamentalmente, passando (ii) meação dos resultados. Em termos com os portugueses não estivessem a ser a principal engajadora de mão de de Teoria Econômica, o endividamen- equilibrados (HEFLINGER, 2009, obra para diversas fazendas no interior to funcionava como um “controle” p.26-34; LAMOUNIER, 1986, p.25). contratual, ou seja, buscava-se por Por outro lado, a imigração dos ale- da Província. Iniciava-se, assim, uma meio dele fazer com que as famílias mães de 1847 logrou relativo sucesso, segunda fase na imigração germânica, contratadas na Europa permaneces- muito embora seja necessário cautela um período de expansão. Entre 1850 sem por certo tempo na fazenda, até na leitura de documentos do período, e 1860, mais de 109 fazendas e sítios saldarem seus débitos. No entanto, a porque os agentes de imigração faziam de São Paulo tinham trabalhadores fim de que essas famílias imigrantes forte propaganda em prol do Brasil, de livres, contratados sob o sistema de não desanimassem com o trabalho nos modo que muitas informações veicu- parceria ou regimes de trabalho aná- cafezais, era necessário que vissem o ladas, nem sempre correspondiam à logos (WITZEL DE SOUZA, 2011, resultado de seus esforços por meio efetiva situação dos colonos. dos “incentivos” do contrato, entre os Com esses alemães, foram da- p. 230-245), grande parte das quais, quais a meação da produção – todo o dos os primeiros passos para a forma- com alemães. Somente em Rio Claro, resultado de um ano de trabalho era ção de um regime de trabalho livre em existiam, no período, 12 colônias (vide dividido entre o fazendeiro e o colo- uma sociedade escravocrata: os pri- tabela abaixo). É interessante obser- no – além de outros benefícios, como meiros passos de uma longa jornada, var, ainda, que as regiões de origem a permissão para que as famílias culti- repleta de descaminhos e recuos, mas, dos imigrantes passaram a ser mais vassem gêneros alimentícios. sem esses primeiros passos, nada se variadas: houve mais engajamentos no Antes, em 1840, o Senador conseguiria. Holstein e iniciou-se a contratação de Vergueiro já tentara aplicar o sistema De 1847 a 1852, a firma Ver- de parceria com imigrantes portugue- gueiro continuou a contratar traba- suíços, muitas vezes com a subvenção ses, mas a experiência falhara e, em- lhadores para suas próprias fazendas das municipalidades da Confederação bora o Senador atribuísse o fracasso da e, eventualmente, para um ou outro Helvética, que sofria a pressão do au- primeira experiência aos distúrbios po- fazendeiro interessado. Na década de mento populacional. Tabela 01 - Colônias existentes em Rio Claro 1850 -1860 Número Fazenda/Colônia Proprietário Médio de Composição Colonos Angélica Vergueiro & Cia. 149 Alemães, Suíços, Portugueses Biri Dr. José Elias Pacheco Jordão 125 Alemães, Suíços, Brasileiros Couvitinga Dr. José Elias Pacheco Jordão 75 Alemães, Suíços, Brasileiros Alemães, Suíços, Portugueses, Boa Vista Benedito Antonio de Camargo 176 Brasileiros Boa Vista Anna Joaquina Nogueira de Oliveira 46 Alemães, Portugueses Morro Grande Anna Joaquina Nogueira Oliveira - - S. João do Morro Grande João Ribeiro dos Santos Camargo 42 Portugueses, Brasileiros Corumbataí M. R. de Carvalho Pinto - - Chácara do Corumbataí - 18 Alemães S. José do Corumbataí Domingos José da Costa Alves - - Sertão de Araraquara Domingos José da Costa Alves - - Francisco Gouvea Botero Francisco Gouvea Botero - -

Itaúna Ignácio Xavier de Negreiros - -

Fonte: Elaborado conforme WITZEL DE SOUZA, 2011.

12 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Por conta dessa expansão, de língua alemã – esteja por volta de derada por Thomas Davatz, a maioria Vergueiro & Cia. transformou-se em 5.000 indivíduos. Somente em Rio dos suíços e alemães daquela fazenda agência de engajamento de mão de Claro, onde a população na década revoltou-se contra o que consideravam obra. Para que pudesse dar conta da de 1850 era de cerca de 2.400 pesso- descumprimentos contratuais impor- nova demanda, introduziu diversas as, existiam pelo menos 370 alemães tantes por parte de Vergueiro & Cia., alterações contratuais, principalmente e 121 suíços (SANTOS, 2000, p. 48). enviando um relatório muito negativo pelo aumento dos controles. Dentre O desenvolvimento ocasio- às autoridades cantonais suíças e re- as modificações nos contratos, mere- nado por esses colonos não passou querendo uma inspeção internacional cem destaque: (i) inclusão da cláusu- despercebido dos contemporâneos. O de sua situação. la de transferência, que permitia ao "Álbum Histórico de Rio Claro, 1922", A primeira inspeção ocorreu contratador do imigrante transferi-lo por exemplo, observava que com a ins- no ano seguinte, pelo envio do suíço a outros proprietários – o que chegou talação das colônias Bury (SIC) e Boa Dr. Heusser à fazenda, mas as dúvi- a ser observado como uma “escravi- Vista, em 1855, "[…] a vida da Villa se das das autoridades suíças e a intensa dão branca” pelos colonos que a ela intensificou grandemente e para aqui comunicação consular entre diversos se opunham; (ii) início da cobrança de se mudavam famílias e mais famílias e Estados Alemães e Cantões Suíços comissões de engajamento para pagar todos os dias se tiravam licenças para culminaram com a missão do Minis- os contratadores na Europa, muitas ve- abertura de armazéns [...]" (Álbum tro Plenipotenciário J. J. von Tschu- zes sem que essa dívida estivesse es- Histórico de Rio Claro (1922), p. 41). di, em 1860 (TSCHUDI, 1980). Um tipulada nos contratos; (iii) regulação E o Ministro Plenipotenciário Suíço, J. dos grandes méritos de Tschudi foi o dos serviços de beneficiamento do café J. von Tschudi, encarregado de inspe- de avaliar a responsabilidade de am- em $400 rs., o que não havia sido esti- cionar as colônias em São Paulo, as- bas as partes nas situações de conflito pulado no período anterior (DAVATZ, sim se expressou: “Diversas pessoas existentes, reconhecendo a parcela de 1972, Cap. 2). importantes em Campinas e em Rio culpa tanto de proprietários quanto de Curiosamente, outros fazen- Claro referiram-se, com inteira sin- colonos, na explicação de certos pro- deiros começaram a propor seus pró- ceridade, à benéfica influência que o blemas enfrentados nas colônias pau- prios contratos, não poucas vezes elemento germânico exercia na região listas. com termos mais vantajosos que os de [...]” (TSCHUDI, 1980, p. 159). Embora a Revolta dos Parcei- Vergueiro. A existência de um número O ano de 1856 marcou o início ros tenha sido a maior expressão de crescente de proprietários empregando de um novo período, o que em nosso descontentamento dos colonos, não trabalhadores livres iniciava a com- esquema cronológico poderia ser cha- se deve cair no erro de pensá-la como petição por mão de obra, algo inédito mado de fase de revoltas e apurações o único movimento contestatório dos em uma sociedade escravocrata. Mas internacionais. Em maio daquele ano, imigrantes. Ao longo de toda a década os problemas daí decorrentes também alguns suíços da colônia Nova Olinda, de 1850, existiram ofícios de autorida- não foram pequenos. Habituados aos em Ubatuba, conseguiram reportar-se, des municipais, provinciais e consula- métodos de coação da escravidão, a não apenas ao Cônsul Geral de seu res, reportando diversas queixas dos grande maioria dos proprietários via país, mas às próprias autoridades im- imigrantes a respeito de seus regimes nas demandas dos trabalhadores livres periais brasileiras, alegando que seus de trabalho e à maneira como eram in- apenas insubordinação; assim, movi- contratos não somente eram descum- terpretados e aplicados – ou, em certos mentos de reivindicação por parte dos pridos pelo fazendeiro, mas que tam- casos, não aplicados – seus contratos. trabalhadores germânicos eram vistos bém receberam tratamento violentís- A Revolta dos Parceiros foi um divi- apenas como infidelidade aos patrões, simo de autoridades brasileiras, após sor de águas frente à maneira pela qual ao passo que o cumprimento de cer- terem aprisionado animais que haviam se davam os engajamentos na Europa tos termos contratados era observado estragado suas plantações. e o emprego do trabalhador livre no como simples benesse fornecida de O grande movimento de con- Brasil, mas está longe de ser a única. cima para baixo, do fazendeiro para o testação, no entanto, ocorreria em fins Por outro lado, é importante salientar, colono, e não como uma relação hori- daquele ano, na primeira e principal também, que houve diversas fazendas, zontal entre eles, regulada por contra- colônia de São Paulo: Ibicaba. Após nas quais os contratos eram cumpridos tos. um ano conturbado, em que os colonos adequadamente, o que fazia prosperar Com essa expansão, estima- esperavam ótimos resultados, mas no o regime de trabalho livre (WITZEL -se que o número de colonos de origem qual obtiveram algo muito abaixo de DE SOUZA, 2011, Cap. 2). germânica em São Paulo – referindo-se suas expectativas, estourou em dezem- Finalmente, após as inspeções àqueles oriundos tanto dos Estados bro o movimento que ficou conhecido internacionais, iniciou-se o que pode Alemães quanto dos Cantões Suíços como a “Revolta dos Parceiros”. Li- ser considerado como o período da

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 13 imigração germânica “tardia”, ocorri- tos que ainda mantinham a parceria. & Cia. de colonos para suas próprias da, principalmente, na década de 1870. Grande parte das disputas en- fazendas; (ii) 1852-1856 – expansão Após intensa comunicação consular tre proprietários e colonos germânicos, do sistema de parceria entre fazendei- entre diversos Estados Alemães e a durante a década de 1850, deveu-se ros e aumento da entrada dos imigran- Suíça, em 1859 a Prússia promulgou à interpretação enviesada de certas tes alemães e suíços; (iii) 1856-1860 o Rescrito von der Heydt, o qual se es- obrigações contratuais, o que criava – período mais agudo de revoltas e ins- tendeu a todo o Império Alemão com expectativas exageradas nos colonos peções internacionais; (iv) 1860-1870 a unificação e vigorou até 1893, crian- – como o prazo que precisariam per- – imigração germânica “tardia”, com do empecilhos para o engajamento de manecer nas fazendas, e desconfiança maiores restrições à saída dos alemães, trabalhadores alemães para o Brasil e nos fazendeiros – de que os imigran- mas ainda assim existente. Pode-se cassando diversas licenças de casas tes interpretavam suas cláusulas com concluir que essas fases se relacionam diretamente com as mudanças contra- comerciais. Por conta disso, o proces- má fé. Assim, nessas duas décadas, o tuais pelas quais passaram o mercado so imigratório alemão para o interior que se observou foi o estabelecimento de trabalho livre na cafeicultura pau- paulista arrefeceu na década de 1870, de direitos e obrigações mais claros e lista. mas não cessou de todo. Ainda se ob- objetivos. Vale salientar, no entanto, servava a entrada de imigrantes dessa Além de toda a influência cul- que mesmo nesse período tardio ainda etnia, agora usualmente contratados tural e social, os germânicos, de 1850 a existiram disputas, como uma revolta nas partes mais a leste do território ale- 1870, foram fundamentais no estabele- na fazenda Saltinho, do Barão de In- mão, em especial na Silésia. cimento do mercado de trabalho, pois, daiatuba, demonstrando que as dificul- É interessante o fato de que Rio frente às reivindicações de alemães e dades na formação de um mercado de Claro tivesse continuado como foco de suíços, os fazendeiros não podiam usar trabalho livre ainda estavam longe do muitas dessas contratações, com desta- do expediente da força nos momentos que para a Fazenda Angélica, que per- fim. de conflito, assim como o caráter pa- tencera à família Vergueiro, mas que Em linhas gerais, o presente ternalista não surtia efeito toda vez que por essa época já se encontrava sob artigo subdividiu a imigração germâ- o colono mencionava que assinara um o controle do London and Brazilian nica em São Paulo em quatro fases: (i) contrato e que, por este, possuía direi- Bank (BASSANEZI, 2008, p.26). 1847-1852 – contratação de Vergueiro tos, legalmente estabelecidos. • Ademais, é importante observar que as contratações pelos fazendeiros di- minuíram nesse período, mas a atu- ação da Sociedade Auxiliadora da Imigração ainda utilizava os antigos polos de engajamento, mostrando que as linhas, iniciadas na década de 1850, continuavam a ser exploradas mesmo vinte anos depois. Em termos de contrato, foram observadas duas tendências nas déca- das de 1860 e 1870. Primeiramente, houve em muitas fazendas a substitui- ção do antigo sistema de parcerias por outras formas de emprego, em especial a locação de serviços, que consistia em pagamentos fixos aos trabalhadores (diferentemente da parceria, na qual o valor da meação dependia, dentre ou- tros fatores, da oscilação do preço do café) e, em alguns casos, formas próxi- mas ao assalariamento, muito embora características da antiga parceria ainda fossem mantidas, mesmo nesse novo corpo contratual. A segunda tendência Contratação de imigrantes por engajador – Fonte: Exposição permanente Ballinstadt foi a melhor especificação nos contra- Museum, Hamburg – Alemanha.

14 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 De Hamburgo a Santos: Veleiro de Imigrantes, década 1850 – Fanas, Suíça – Cidade natal de Thomas Davatz, líder da Fonte: Exposição permanente Ballinstadt Museum, Hamburg Revolta dos Parceiros – Fonte: Acervo Bruno Gabriel Witzel – Alemanha. de Souza.

Fazenda Ibicaba, Limeira – Fonte: DAVATZ (1972).

Contrapropaganda à emigração para o Brasil veiculada na Alemanha após repercussão da Revolta dos Parceiros, com a ideia de uma “Escravidão Branca” no Brasil – Fonte: Instituto Martius-Staden. Catálogo da Exposição: “180 Anos da Imigração Alemã em São Paulo”.

Casa sede da Fazenda Angélica, período do Barão de Grão- Mogol, Rio Claro – Fonte: Acervo de Bruno Gabriel Witzel de Souza.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 15 Por um Cine-Canibal-Caipira-Zumbi: A Imaginação e Laboração de Filmes Máquina-de-Guerra na Perspectiva da Tranqueira e da Gambiarra em Rio Claro

Prof. Ms. Daniel Mittmann Filósofo (UNISINOS), Especialista em Sociologia (ESP) e Mestre em Educação (UNESP/Rio Claro) E-mail: [email protected]

RESUMO: Este escrito busca retomar uma pequena e independente pu- blicação, o livro Manifesto Canibal dos excêntricos cineastas Petter Baiestorf e Cesar Souza, saída do contexto do cinema trash-lixo-mesmo dos anos de 1990, do interior do velho oeste do Estado de Santa Catarina, e aproximá-la com o que se vem pensando e fazendo no campo do cinema, na cidade de Rio Claro, no interior pós-caipira de São Paulo, chamado de cinema caipira ou, ainda, de um cinema menor. Buscamos, assim, nesse movimento de composição/pensamento/ elaboração, entender e vislumbrar no que um cinema canibal, como o baiestor- fiano e cesarsouziano, pode contribuir para com as construções de uma forma imagem-movimento caipira.

PALAVRAS-CHAVE: canibal, caipira, colono, Baiestorf, manifesto, trash.

O Manifesto Canibal

“Não queremos festivais, não queremos prêmios” (BAIESTORF e SOUZA, 2004. p.. 37)

“O brasileiro precisa de um cinema feito ao preço de pinga e, melhor ainda, movido a pinga!” (BAIESTORF e SOUZA, 2004. p.. 47)

O Manifesto Canibal é um pequeno livro em formato de edição de bolso e com não mais que 80 páginas. Escrito a quatro mãos por Petter Baiestorf e Cesar Souza, o livro apresenta algumas ideias, posições e experiências acerca do chamado Kanibaru Sinema. Publicado de forma independente pela editora Desenho de Doutor Insekto na perspec- anarquista Achiamé, do Estado do Rio de Janeiro, no ano de 2004, a obra apre- tiva do Projeto #Macedusss de cinema senta uma série de textos que já circulavam por fanzines dedicados ao cinema e canibal/colono/caipira. a cultura underground. O subtítulo do livro: “uma declaração de guerra dos que nada tem e tudo fazem contra os que tudo tem e nada fa- zem”, pode ser entendido como uma das principais ideias desse Manifesto. O cinema levado a cabo pela dupla de Palmitos, uma pequena cidade no oeste catarinense, a Canibal City, acaba por constituir um cinema de improviso e de invenção. O fato de não possuir nada, ou melhor, quase nada, coloca-os na obrigação da invenção e da construção de gambiarras. Este evento, o da precariedade de produção, que poderia prejudicá-los, ao contrário, incita-os a criar, torna-os independentes, pelo fato de não os prender a nada, nem a ninguém. O cinema canibal não se atrela a editais, não se conecta a interesses políticos, ao dinheiro público. Isso pode ser interessante ou não, apenas descrevo aqui a forma como os filmes da Canibal Produções vêm sendo paridos, sem querer valorar ou tomar posição a respeito. Fato é que se pode produzir cinema sem envolver-se com o aparato estatal.

16 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 “666 casa da dani 05” curta-metragem de (des)animação (ainda inédito) no marco do projeto #HomemParasita versus #Macedusss. ram para levar adiante seus projetos de cada da diferença, ele não passa indife- fazer cinema. rente. Seja pela sua forma esfarrapada, Com um celular qualquer da pele rasgada, do corpo-sem-órgãos, em mãos e uma ideia porcaria que ou pelo seu fedor de carniça ambulan- o valha na cabeça é possível ser ci- te, ele será notado. neasta. Pois, como afirma Gurcius Se o cinema é uma forma de “Canibais declaram guerra”, matéria publi- pensar, como afirma Roberto Macha- cada no jornal Vale dos Sinos sobre mos- Gewdner no documentário Baiestorf: tra de cinema canibal/tranqueira, 2003. Filmes de Sangueira e Mulher Pelada do (2009) em seu texto sobre as aná- (MITTMANN, 2011), “competência é lises cinematográficas deleuzianas, os Recorremos, aqui, a uma afir- coisa de cara recalcado”. zumbis, ou melhor, os filmes de zum- mação teórica, sobretudo política, da bis, representam a forma diferente de Internacional Situacionista que, na fi- Os Filmes de Zumbis pensar, de produzir ideias, estéticas e gura de Guy Debord, profere: “o que experimentos. O zumbi é a gambiarra queremos é que as ideias voltem a ser humana, ou a invenção (pós) humana. perigosas”. Não sei se o cinema já fora Os filmes de Zumbis consti- perigoso, nem mesmo se o poderia ser, tuem o gênero por excelência do cine- A Estética Caipira, Menor mas uma coisa é: Souza e Baiestorf ma de transgressão. O corpo violado buscam, de alguma forma, construir e profanado, o corpo que deveria ser “O cinema é uma forma de pen- um cinema perigoso. apenas útil, dócil e produtivo, é este- samento” Roberto Machado ticamente afetado e incomodado. O O Cinema de Tranqueira e Gam- zumbi é o morto-vivo do dia a dia, o biarras É possível pensarmos no cine- zumbi é o corpo que fede e que segue ma como um texto rebelde? É viável “Eu sou o cinema, eu sou a úni- a massa, o zumbi pode ser a metáfora buscarmos a construção de uma esté- ca possibilidade de existir cine- de nós mesmos. tica caipira subversiva? É possível um ma!” (MACEDUSSS, 2004). De uma forma ou de ou- caipira-zumbi derivando pelas ruas tra, é o filme de zumbis, do gênero quadradas e quadriculadas de Rio Cla- Todo e qualquer filme, sinema morto-vivo, que já há algumas dé- ro? Estas perguntas são apenas motes ou cinema, deve existir da forma como cadas fora escolhido pela estética do para justificar a existência deste texto pode e como se quer ser concebido. underground. O zumbi pode ser tam- enquanto um experimento. Os filmes tranqueiras, aqueles a que bém uma máquina de guerra, uma vez ninguém dá a mínima, aqueles que A estética caipira, menor, é que morto, mesmo que pego não po- não afetam as multidões, por isso não mister que esteja em confronto com constituem cinema-massa, são filmes derá ser eliminado, pelo menos não tão uma estética maior, a do bandeirante, que também contam uma história. As facilmente. O zumbi é também uma do fazendeiro, do urbano globalizado, gambiarras são as “tecnologias bola- fonte de contágio e de devastação. O da televisão. Por isso há que se fazer das” que seus realizadores encontra- zumbi é a própria encarnação putrifi- diferente.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 17 Quem é o caipira? O que é po do cinema que pululam pelos va- um caipira? Além de gentílico para riados espaços culturais da cidade de “um tipo de homem rural brasileiro” Rio Claro, tentando entender e entre- (RIBEIRO, 2010b), o caipira é uma laçar esses produtos em uma possível posição ideológica, é alcunha de jo- relação com o cinema canibal. Ambos cosidade. Por isso afirmar ser caipira é surgem como expressões de práticas afirmar ser menor. cinematográficas interioranas, um cai- A estética caipira não surge, pira, do interior paulista, outro colono, ela insurge; para existir, ela não pode do interior catarinense. pedir concessões, precisa arrombar Acabamos lançando algumas para encontrar o seu espaço. Ser cai- perguntas e afirmações. Entretanto, é pira, além de ser do interior do Estado fato que pretendendo ver, dentre em de São Paulo, é afirmar-se diferente, breve, as ruas reticuladas de Rio Claro menor. povoadas por zumbis e as telas por fil- mes ferozes e devastadores. Ambicio- Por Zumbis-Caipiras e Canibais- namos e acreditamos em movimentos -Menores epidêmicos de construção de ideias- -imagens por todos os cantos e dobras Cartaz de divulgação do filme: “Mace- Na introdução do Manifesto da metrópole caipira. • dusss vs la invasion”. Cine que segue os Canibal, página 9, no primeiro pará- preceitos do manifesto canibal, 2003. grafo, encontramos a afirmação que REFERÊNCIAS representa uma das principais pro- postas do cinema baiestorfiano: “o BAIESTORF, Petter, SOUZA, Cesar. Brasil precisa fazer filmes com fúria”. Manifesto Canibal. Rio de Janeiro: Pretendo aqui, parafrasear Baiestorf e Achiamé, 2004. afirmar que: Rio Claro “precisa fazer filmes com fúria”. MACEDUSSS, Dannius. Derrotados Precisamos que os caipiras pela própria fraqueza. São Leopoldo: bebam o sangue dos mortos e dos vi- vos, buscamos caipiras contaminados Fanzine Derrotados, 2004. e contaminadores. Este texto, como manifesto que é, procura iludir a fabri- MACHADO, Roberto. Deleuze, a cação de epidemias fílmicas, de ima- arte e a filosofia. Rio de Janeiro: gens-movimento que vertam o sangue Zahar, 2009. do gore e do splatter. Caipiras e meno- res sim, porém, não ingênuos. MITTMANN, Daniel. A libertação está nos equipamentos baratos e vaga- Considerações bundos de VHS, retomando a década de 1990 e o cinema trash nacional. Buscamos, neste pretenso arti- In: Cinema Caipira. 21: Rio Claro, go, retomar o cinema canibal dos anos 2010a. p. 01-02. de 1990, período esse em que ainda se pensava em (fazer) cinema inde- ______. O arquivamento do cinema pendente fora do circuito de divulga- menor; a produção (contra) cultural ção, comunicação e exibição, criado a como máquina de guerra (Deleuze): partir do advento da internet. Em um primeiro momento apresentamos o li- o (caso do) filme Baiestorf: Filmes vro Manifesto Canibal, de Baiestorf e de sangueira e mulher pelada. In: Souza, pensando, a partir de suas pági- Cineminha. 2: Rio Claro, 2011. pp. nas, nos filmes de Zumbis, bem como 06-09. no que podemos chamar de cinema de Campanha 2012: “Macedusss para o invenção, de gambiarras e ou de cine RIBEIRO, Darcy. O Povo Brasileiro: povo, só que não!”. Folder virtual divul- tranqueira. a formação e o sentido do Brasil. 3ª gado apenas para contatos de agitadores Referimo-nos no decorrer do Edição. São Paulo: Companhia das Le- culturais da cidade de Rio Claro. texto às recentes produções no cam- tras, 2010b.

18 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Raízes do racismo e da intolerância à religiosidade africana no interior de SP

J.R.Sant´Ana O autor é pedagogo e jornalista E-mail: [email protected]

Encontro de grupos afro na Praça de São Benedito - José, Eva, Silvio, André, Fabiano, Getúlio, Ivany e Henrique com o Coral Municipal de Rio Claro ao fundo. 20/11/2012 - foto do autor.

A lei de cotas raciais suscitou a previsão não realizada de enormes traumas nacionais. Cotistas, enquanto isso, são bem avaliados, chegam a ter melhor aproveitamento do que os demais; em diversos casos registram menor evasão; não houve conturbação nas faculdades nem houve guerra racial. O debate sobre as cotas depende de ser ampliado para além do conflito entre meritocracia e paternalismo. O fato de muitos negros dispensarem ou mesmo serem contra a medida, exibe a complexidade do tema. Antes de serem reduzidas a uma intervenção paternalista à meritocracia, as chamadas políticas afirmativas de perfil ra- cial devem ser vistas por seu aspecto indenizatório por efeitos da escravatura. Perspectivas a partir da ordem mundial exigem permanente revisão de como se deu o processo abolicionista no Brasil e suas consequências. A começar do contexto global, questões étnicas e religiosas desafiam a política em todo mundo, enquanto o cidadão se vê reduzido a consumidor. A democracia está em xeque pelas forças do mercado e do sistema financeiro. Povos temem por sua segurança e identidade. Nesse quadro, a busca por afirmação torna-se instrumento de resistência à redução das pessoas à condição vazia de consumidor. Em tempos de busca de identidade, a história de Rio Claro contribui para avaliar a influência da cultura paulista na formação da identidade nacional. A condição da cultura negra é elemento básico neste estudo e, nesse aspecto, cabe a tentativa de localizar no processo abolicionista raízes do atual comportamento paulista, em relação ao racismo, aos cultos de matriz africana em seus aspectos morais e políticos. Já não é sem tempo a necessidade de desmitificar o fato de que Rio Claro tenha sido precursora no processo da Abolição. Na revisão dos fatos, as evidências mostram o contrário.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 19 trabalhista. Face à Revolução Industrial e já sujeita a pressões internas devido a questões éticas e reivindicações socia- listas, o império inglês se cuidava. Con- cluíra pela necessidade de não aceitar no mercado internacional concorrência de países que faturassem com mão de obra escrava. Foco direto no Brasil. Assim, os ingleses projetaram sua expansão comercial. Para tanto de- pendiam de que países satélites, Brasil ainda direto no foco, tivessem assala- riados para comprar produtos ingleses. Isto implicava a legalização do traba- lho. A legislação trabalhista nacional, no entanto, só foi instituída em 1931, quando os fazendeiros iriam perder o poder. Eis um traço do pensamento conservador paulista. Algo do caráter nacional foi Encontro de grupos afro na Praça de São Benedito - Fátima, Josiane, Beatriz, Gabriela formado a partir da intenção brasilei- e Hugo. 20/11/2012 - foto do autor. ra de burlar a legislação imposta pelos ingleses. A tradição dali instituiu o es- O Brasil foi o último país do cias dessa lei e disso retirou traços de tigma de que lei é coisa para inglês ver mundo moderno a abolir seus escravos. seu comportamento. e que não precisa ser respeitada inter- O abolicionismo no País referenda seu A lei já havia tentado impor-se namente. Instituiu a informalidade do atraso na questão. Falar de pioneirismo em 1831, mas fracassara por falta de jeitinho brasileiro, com suas burlas. Em nesse quadro é ufanismo. A atual região aplicação decorrente da conivência cor- grau maior, estimulou o cinismo e hipo- Sudeste do País e a de São Paulo, com rupta do Estado com os interesses do crisia. Vale seguir. Rio Claro no eixo, foi o último reduto mercado. Experientes em vigarice, os da escravidão no Brasil. Foi, portanto, a Ao ser retomada, em 1850, a lei ingleses responderam com rigor ao atendia à imposição da Inglaterra. Coi- última entre as últimas. Os fazendeiros pretensioso jeitinho brasileiro. Diante do café resistiram à libertação até o der- sa que chama atenção por não se tratar de mérito nacional. Muito pelo contrá- da gritante corrupção resolveram fazer radeiro momento. Warren Dean (1977) cumprir a lei por conta própria. Torna- detalha a questão com minúcias. rio. Alegando que a soberania nacional ram-se policiais das costas brasileiras. Assim observado, cabe assina- estava sendo ferida, fazendeiros se arti- Prendiam navios. Libertavam escravos. lar que o interior paulista se formou no cularam na promoção do tráfico ilegal. Bombardeavam focos de resistência. pior momento na escravidão, o mais Por efeito da lei, a entrada de africanos discriminatório e o mais tenso. Isso no País aumentou. Isto porque os fazen- Não deram moleza. Cortes inglesas jul- forneceu raízes ainda influentes sobre deiros estavam fazendo estoque diante gavam brasileiros. A moral nacional fa- o caráter nacional. Manuela Carneiro da insegurança do futuro. lia diante as intervenções inglesas com da Cunha (2012) e Sidney Chalhoub Na época, a Inglaterra desperta- seus flagrantes e as prisões que faziam. (2012) oferecem recursos para ampliar va para a política de mercado e também Os bons políticos envergonhavam-se o assunto. A história da legislação na- disso. Eis um traço da falta de caráter cional explica muita coisa. misturado com sentimento de culpa. Os conflitos entre escravismo No Norte e Nordeste do País a e abolição destilaram comportamentos escravidão já havia acabado. Não por sociais que se expressaram em racismo, motivos legais, mas porque a economia no famoso espírito de levar vantagem, do açúcar caducara por falta de projeto. desprezo pela lei e sentimento de medo Devido à proibição de trazer em relação à cultura africana: o Can- novos africanos para o País, os paulis- domblé, por exemplo. A coisa vem lá tas passaram a comprar os escravos res- de trás. Então, é preciso rever. tantes no País, sem dispensar o contra- A história da escravidão no bando. Pela lei, os negros traficados já Brasil se divide em duas partes. Antes eram homens livres. A tensão escravista e depois de 1850. A data marca a proi- aumentava no interior. bição de trazer mais africanos para aqui Por questões de segurança, a serem escravos. Fim da importação. cultura negra acabou sendo proibida Era o início do fim da escravatura. É por lei. Religião, danças em público e importante salientar que Rio Claro se Beleza africana. capoeira eram reprimidas pelas forças formou sob os efeitos e as consequên- Fonte: http://mariabessem.blogspot.com.br do Estado. Para imaginar o clima, bas-

20 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Traço de fracassomania. Logo quando instalaram o novo regime, em 1889, os fazendeiros fize- ram recrudescer a proibição da cultura negra na reforma do Código Penal de 1891. O ministro da Justiça era Campos Salles, de família ruralista em Rio Cla- ro. A manifestação da religiosidade dos negros, suas danças em público, música e festas seguiam perseguidas. A criminalização da cultura negra subsistiu até a Constituição de 1945, na claudicante democratização do País. Em 1951, o racismo passou a ser penalizado pela Lei Afonso Arinos. A democracia cultural foi, final- mente, consolidada pela Constituição de 1988 e cuja legislação infraconstitu- Festa de Ogum sob a Figueira de São Benedito. Sem data - foto do autor cional ampliava a penalização para cri- mes de discriminação religiosa, racial e ta lembrar que leis de exceção, avessas revolta era matar todos os brancos, in- outras. à Constituição, instituíram a pena de distintamente. A divulgação dos termos A Abolição, por si, já era conhe- morte e a tortura para escravos fugiti- da conspiração ativou a paranoia dos cida como fraude. Após trezentos anos vos. brancos. A imagem do negro passou a de escravidão os negros foram alijados Entre os brancos a paranoia to- corresponder à ideia de inimigo mortal. do sistema. Na falta de projeto para mou conta da situação ante as perspec- Traços da temeridade pela organização tivas de revoltas nas fazendas. O moti- de negros e de tê-los como concorrentes vo de tal medo é óbvio. Negros e pardos advêm dessas raízes. formaram a maioria da população em O Código Penal de 1831, que vários locais. Se eles se rebelassem, não instituía o racismo por criminalizar a haveria força suficiente para resistir. E cultura negra, se desdobrou no drástico disposição para rebeliões havia. Havia, Código Criminal de 1835. Ano da re- também, duas situações distantes entre volta. Danças de candomblé, capoeira, si, mas que levavam os fazendeiros a reuniões de negros ganharam renova- temer por sua segurança. das perseguições. Sons de tambores O primeiro aconteceu como passaram a ecoar insegurança. uma espécie de 11 de setembro regis- Os fazendeiros também não trado no Haiti no início dos anos 1800. confiavam nos imigrantes europeus, Uma revolta escrava banhou a ilha de porque eles chegavam alfabetizados e sangue. A partir dali, todos os proprietá- conhecedores de seus direitos. Mais um rios de escravos nas Américas entraram traço do pensamento conservador local. em estado de terror, ante a possibilidade Se nos Estados Unidos os sulis- Festa de Ifá. 19/01/2013 - foto do autor de virem a ser as futuras vítimas. tas escravocratas responderam à Abo- O segundo episódio data 1835. lição com a Guerra Civil, no Brasil os Para piorar o clima, aconteceu na Bahia sulistas derrubaram o Império nacional. a chamada Revolta dos Malês. Tudo Espírito de golpismo. Eles proclama- porque entre muitos dos escravos baia- ram a República como retaliação pelo nos havia muçulmanos negros. Para o fato de o Império haver libertado seus Brasil, eles haviam sido trazidos civi- escravos, sem ao menos indenizá-los lizados, alfabetizados, conhecedores e pelo capital perdido. Feita a República, seguidores de leis e prontos para a guer- o regime instituído pelos fazendeiros ra. Foi uma questão de tempo aqueles foi um fracasso. Custou rios de sangue escravos organizaram-se para guerrear e dinheiro para o povo brasileiro. Traço contra seus dominadores. Antes que da imperícia política. isso acontecesse, porém, o movimento A oligarquia paulista só iria ser foi debelado. apeada do poder em 1930, por Getúlio Nas apurações sequentes fo- Vargas. Dois anos depois, tentaria reta- ram localizados documentos redigi- liação pela perda de poder e pela insti- dos em árabe pelos chamados malês. tuição das leis trabalhistas, deflagrando, Babalorixás e Yás desejam saúde e Conforme os registros, o objetivo da então, uma guerra civil. Sem sucesso. alegria para a comunidade.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 21 gerados pelos conflitos entre escravis- mo e abolição. Tenta anular um passivo com a alegação de uma quitação que nunca se verificou. Esquiva-se do prin- cípio de que desiguais dependem de ser tratados de forma desigual. O jogo segue. Nem Isabel nem Zumbi são os protagonistas principais da libertação porque a luta continua. A liberdade se constrói a cada minuto. Seus heróis são os construtores da ro- tina, lutando contra preconceitos e ra- cismo. Nenhum cidadão será livre sem a plenitude dos direitos individuais e sociais, que não admitem passivos de crimes contra a humanidade. •

Exibição de capoeira, proibida no Império e na Primeira República. inclusão social, a exclusão foi total. Os fazendeiros acabaram recorrendo à imi- gração branca. Traço de fusão cultural. Aqui se chega ao ponto cha- ve da questão. Os escravos não foram indenizados. O debate sobre a indeni- zação dos negros nunca foi aceito no País. Algo nesse sentido fora proposto, anteriormente, por José Bonifácio de Andrada e Silva durante a fracassada Constituinte de 1824, sob o clima da Independência de 1822. Em forma de projeto de lei, o texto com a proposta nem chegou a ser discutido no Con- gresso. A falta de indenização dos es- cravos é assunto que jamais deixará de impor-se à História. O tema sempre terá seu momento de cobrança porque en- volve responsabilidades do Estado em Tela sobre candomblé. Fonte: mariabessem.blogspot.com relação a um crime contra a humanida- de. É uma questão moral permanente A Lei de Cotas não promove LEITURAS SUGERIDAS que à sociedade civil caberia cobrar do racismo, só é consequência dele. Cabe - Chalhoub, Sidney. A força da es- Estado. A tradição racista, no entanto, a salientar que se o critério de raça foi cravidão: ilegalidade e costume no refuta sob o argumento de que tal ini- utilizado para justificar a escravidão, é Brasil oitocentista. Companhia das ciativa seria, ironicamente, racista. óbvio que as reparações devem decor- Letras, 2012. A Lei das Cotas é um mínimo rer do mesmo princípio. A condição éti- - Cunha, Manuela Carneiro da. Negros, que o Estado tem a fazer para, simbo- ca exige que regras não sejam mudadas estrangeiros: os escravos libertos e sua licamente, admitir que a escravidão foi volta à África. Companhia das Letras, no meio do jogo. 2012. um crime. Crime contra a humanidade, O discurso da meritocracia pre- conforme Joaquim Nabuco. A compen- coniza que concorrência precisa se dar - Del Priore, Mary e e Venancio, Re- sação que a lei oferece é ínfima, como nato. Uma breve história do Brasil. forma de ressarcir mão de obra gratuita entre iguais, de forma que o sistema de Planeta, 2010. cotas seria uma violação do princípio fornecida ao longo de trezentos anos. - Dean, Warren. Rio Claro: um siste- Sem falar do preço da liberdade rou- da igualdade. Tal discurso busca invia- ma brasileiro de grande lavoura 1820- bada. Da criminalização de toda uma bilizar reparações necessárias. Repro- 1920. Paz e Terra, 1977.Dean, Paz e cultura. Que indenização pagaria isso? duz em si todos os traços conservadores Terra, 1977.

22 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 GVive nos 50 anos de implantação dos Ginásios Vocacionais em Rio Claro (1963/2013) Luiz Carlos Marques (Luigy) Educador Social - Vice Presidente da GVive e ex-aluno da turma de 1963 (gestão 2012/2014) E-mail: [email protected] Imma Marques Educadora Social - Diretora Social e Cultural da GVive (gestão 2012/2014)

“O projeto pedagógico do Ensino Vocacional foi pensado e im- plantado pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo, na década de 1960, por iniciativa do então Secretário da Educação Dr. Luciano de Carvalho, no governo de Carvalho Pinto. Motiva- do pelo conhecimento das escolas compreensivas inglesas e após reconhecer nas experiências das classes experimentais da cidade de Socorro algo semelhante ao que vira na Inglaterra, resolveu renovar as escolas ginasiais da época. Surgiu daí a ideia dos giná- sios vocacionais, numa época de efervescência e abertura políti- ca e transformação cultural. O avanço das descobertas científicas e tecnológicas teve papel fundamental nesse clima”.– Esméria Rovai – 2013

Continua Esméria Rovai, (2013), “...no ano de 1962, foram im- plantadas as primeiras unidades e, em 1963 outras mais. A intenção era de, gradativamente, ir expandindo esse tipo de ginásio por todo o Estado de São Paulo. Aconteceu, porém, o golpe da ditadura militar, em 1964 e o clima antes propício às mudanças sociais e políticas foi reprimido e o projeto de uma nova escola, que se assentava em concepções teóricas muito avançadas, passou a ser alvo de sérias distorções, que o levaram a extinção após o AI-5, em 1969.” Seis unidades vocacionais foram instaladas em todo o Estado de São Paulo. A unidade da capital começou a funcionar em 1962, bem como as unidades da cidade de Americana e Batatais. Logo no ano seguinte, instalaram-se as unidades de Rio Claro e Barretos, e, em 1968, entrou em funcionamento a unidade de São Caetano do Sul, todas elas eram escolas públicas em período integral, o então ensino secundário em quatro anos. A proposta pedagógica dos Ginásios Vocacionais utilizava estra- Primeira turma de Rio Claro. Encontro no Horto tégias de integração curricular, como os estudos do meio e os projetos Florestal: 1966, 1986, 2003 e 2009. Foto cedida de intervenção na comunidade e planejamento curricular por meio da pelo colega Sydney. pesquisa na comunidade – um meio de trazer a realidade social para o interior da escola. O processo de avaliação nessas escolas Suas linhas diretrizes na condução da prática pedagógica eram também era considerado inovador: substituía as a apreensão integrada do conhecimento, o valor do trabalho em grupo, notas por conceitos. Os alunos se autoavaliavam o desenvolvimento de condições de maturidade intelectual e social, em relação aos objetivos, aos métodos e estraté- o exercício consciente do trabalho, a definição de opções de estudo e gias, conteúdos e atitudes. Atribuíam a seu pró- ocupações, a disposição para atuação no próprio meio e a descober- prio desempenho um conceito que era levado ta da responsabilidade social. A área de maior peso era a de Estudos aos Conselhos de Classe e ali eram discutidos. Sociais, que incluía noções de História, Geografia, Economia, Sociologia e Um aspecto bastante importante da pro- Antropologia. posta dos Vocacionais refere-se à integração

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 23 lucionou e acabou?”, de Ary Meirelles Jacobucci, ex-aluno, e “Os Ginásios Vocacionais: a dimensão política de um projeto pedagógico transformador”, de Ângela Tamberlini. Em 2005, um novo livro é lançado, “Ensino Vocacional, uma Pedagogia Atual”, que reunia di- versos professores e ex-alunos, livro este organizado pela Profª. Esméria Rovai. Paralelamente ao lançamento, aconteciam na capital paulista encon- tros mensais de turmas de ex-alunos, o que acabou resultando na criação de uma associação. Motivados pela vinda Participação da GVive no 33º Bate-papo Cultural, realizado pelo Arquivo Público e do colega Erich Hetzl Junior ao Brasil, Histórico, na Unesp/Campus de Rio Claro-SP. Na foto, Eduardo Amos - ex-aluno da que morava no Canadá e que desejava turma de 1964 Vocacional de Rio Claro. Foto de Giorgio Bastos. 19/09/2011. rever o maior número possível de co- legas de sua turma, surgiu uma movi- escola e pais. Ambos eram conside- Mascellani, que fora coordenadora dos mentação com esse objetivo no início rados os elementos essenciais para o vocacionais, manifestou a ideia da cria- de 2005. Graças ao advento da Internet, contato com a comunidade, sendo esta ção da Fundação Memorial Vocacional foi possível a localização de grande nú- a razão da importância dada aos traba- deixando escritas com instruções a mero de ex-alunos e de boca em boca lhos com os pais, bem como, a partici- respeito. Em 1994, ela reuniu todo seu a localização e divulgação do encontro pação deles no processo educativo de acervo sobre o Vocacional e fez doação foi sendo ampliada em larga escala. seus filhos. de todo o seu material para o CEDIC/ PUC/SP e, possibilitando, assim, de- A iniciativa, que partiu de re- Com o golpe militar de 1964 e senvolvimento de inúmeras teses sobre presentantes da turma de 69, foi rece- a implantação da ditadura, esse sistema o tema. bendo adesões de outras turmas mês a começou a ser visto como ameaça ao Maria Nilde Mascellani foi mês. Três meses depois, desta vez no regime. Em junho de 1969, a Coordena- uma batalhadora em prol da educação dia 11/06/2005, o Bar Memorial foi tes- dora Geral do SEV – Serviço de Ensino e, apesar do fechamento dos vocacio- temunha de um encontro marcante com Vocacional, Maria Nilde Mascellani, nais, sua posterior demissão dos qua- representantes das turmas de 62 até 77 e foi sumariamente afastada de seu car- dros educacionais e prisão, nunca desis- vários professores que se reuniram para go. Por fim, em 12 de dezembro desse tiu de lutar pela educação integral e de mesmo ano, o modelo foi extinto com a qualidade. Nos anos 90, foi Secretária ocupação truculenta pelos militares das de Educação em Rio Claro. seis unidades dos ginásios vocacionais. Maria Nilde Mascellani faleceu Cerca de 10.000 alunos passa- dez dias após defender sua tese, Uma Pedagogia para o Trabalhador: o En- ram pelos Vocacionais em quase uma sino Vocacional com Base para uma década de existência, e sentiram-se ór- Proposta Pedagógica de Capacitação fãos com o fechamento inesperado da Profissional de Desempregados, na escola, pois tinham orgulho de haver USP, em 9 de dezembro de 1999. Tal participado daquela experiência inova- acontecimento levou à dispersão de dora. parte do pessoal envolvido no resgate Independente do fechamen- da memória Vocacional. Por outro lado, to das escolas, um elo foi criado entre outro grupo decidiu arregaçar as man- alunos, professores e pais durante todo gas e lutar pelo resgate criando teses, o período e nunca retrocedeu. Turmas seminários e eventos. Com o intuito de alunos em todas as unidades faziam de registrar os 40 anos da implantação encontros anuais ou a cada cinco anos dos ginásios vocacionais, professores e para relembrar ou lamentar o fecha- ex-alunos reuniram-se para promover um evento comemorativo, em 2002, na mento e para reativar os laços. Assembleia Legislativa de São Paulo, Em Rio Claro, alunos da pri- no mês de dezembro, lotando o plená- meira turma (1963) se reúnem a cada rio. dez anos com registro em fotos a cada Nesse mesmo ano, foram década sempre nos mesmos lugares publicados três livros sobre o tema: Evento "Abraço ao Chanceler" em ocupados no primeiro encontro. “Martinho o Velho e o Tempo Novo”, 12/12/2009 início do evento - palco - Nos anos 80, Maria Nilde de J.C. Caio Magri, pai de aluno, “Revo- GT Memória da GVive by Luigy

24 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 um animado almoço e que se estendeu até tarde da noite. Compareceram 250 pessoas. Nas semanas seguintes houve uma intensa troca de e-mails e telefone- mas entre os que participaram daquela reunião e que foi convergindo para o amadurecimento de uma proposta para criar uma associação que desenvolves- se, de forma ordenada, as ideias que es- tavam sendo rapidamente geradas. No encontro de 2 de julho, o grupo se reuniu para confraternizar e também para pensar em como materia- lizar “o caldo” de ideias que surgiam. O grande "Abraço ao Chanceler" em 12/12/2009 - GT Memória da GVive by Luigy A partir desse encontro definiram-se grupos de trabalho com tarefas especí- Em 2008, entrevistamos a Profª das 40 escolas escolhidas. Entretanto, ficas: formalizar a criação da associa- Edneth Ferrite Sanches, com grava- o atendimento ao pleito de um espaço ção GVive – Ginásio Vocacional Vive; ção em vídeo. Nesse dia, ela prometeu para o memorial ainda ficou pendente. A GVive, juntamente com os intensificar a atualização do cadastro de doar todo o seu acervo para a GVive, ex-alunos que estudaram no ginásio vo- ex-alunos e professores; trabalhar pela fato que ocorreu após o seu falecimen- to – foram doadas mais de 50 caixas de cacional em Rio Claro, já começou os recuperação da memória documen- preparativos para a comemoração dos tal e afetiva do Vocacional; interagir documentos. Em 2009, visitamos e registra- 50 anos de implantação do vocacional no espaço físico do Oswaldo Aranha, em Rio Claro agora neste ano de 2013. Ginásio Vocacional na capital paulista mos em vídeos todos os espaços ocu- pados pelo Ginásio Vocacional de Rio Outros eventos ligados às co- e também das outras unidades; além de memorações são lançamento do Filme Claro desde sua implantação, passando criar um website para servir como pon- “Vocacional, uma aventura humana”, to de aglutinação de todas as sugestões pelo Horto e finalizando no complexo dirigido por Toni Venturi, já disponí- e propostas. do edifício onde, depois, se instalou o vel em DVD, e o Curso de Formação No dia 6 de agosto de 2005, em Ginásio Vocacional Chanceler Raul para Gestão de Currículo Integrado no mais uma reunião de confraternização Fernandes, atual Escola Estadual. O SEDES SAPIENTIAE, em São Paulo. dos ex-alunos do GEVOA, Ginásio projeto foi criado pelo arquiteto Pedro • Vocacional Oswaldo Aranha, e agora Torrano, pai de dois alunos. Todos os com a presença de ex-alunos de outras espaços foram filmados e, com tristeza, unidades, foi fundada a GVive Asso- registramos a deterioração e o abando- ciação dos Ex-Alunos, Ex-Colabora- no da maioria das instalações. dores e Amigos do Sistema de Ensino Houve a realização do Abra- Vocacional do Estado de São Paulo. ço ao Chanceler, em dezembro de Desde sua fundação, a GVive vem bus- 2009, para registrar os 40 anos da in- cando a consecução das ideias iniciais vasão e fechamentos dos Vocacionais. discutidas e que passaram a fazer parte O evento reuniu mais de uma centena de seu estatuto, disponível em http:// de professores e ex-alunos vindos dos gvive.org.br/estatutos/, e tem desenvol- mais diversos cantos do país para par- vido ações em parceria com as unidades ticipar. Coube à Profª Edneth Ferrite dos Ginásios Vocacionais no interior do Sanches fazer um breve relato sobre a Estado de São Paulo. Dentre elas desta- invasão ocorrida em 1969. Lado a lado camos as ações desenvolvidas pelos co- ex-alunos e professores deram-se as legas junto à Escola Estadual Chanceler mãos para abraçar o grande complexo Raul Fernandes em Rio Claro: do Chanceler. Em 2012 comparecemos a uma Viagem dos poetas do Chanceler a São 99 Doação de bolsa de estudo nos EUA/ audiência com o Professor Herman Paulo - Foto de Eduardo Amos - GT Premiação aos Vencedores dos con- Voorwald, atual Secretário de Educa- Memória da GVive cursos de fotografia e de poesia aos ção do Estado de São Paulo, para soli- NOTA alunos atuais da E.E. Chanceler Raul citar um espaço dentro do complexo do Fernandes em 2007, 2008 e 2009; Chanceler que abrigasse o Memorial Vocacional do Ginásio Vocacional de Para maiores informações sobre a toda história dos vocacionais, suas práticas 99 Viagem dos poetas do Chanceler à Rio Claro. Fez parte também da pauta e técnicas, acessar nossos sites: cidade de São Paulo, em 2009; sugerir a inclusão da Escola Estadual www.gvive.org.br Chanceler no projeto Escola de Tem- www.vocacional.org.br. 99 Entrevista com o Professor Felício, po Integral, o que foi atendido, e neste * O nome GVive quer dizer: Ginásio de Artes Industriais. ano, 2013, a escola fará parte da rede Vocacional Vive em nossos corações.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 25 Patrimônio e Educação: conhecimento e valoração de bens culturais imateriais

Ana Carolina Rios Gomes Doutoranda em Geografia – UNESP – Campus Rio Claro E-mail: [email protected]

As reflexões acerca do Patri- mônio Cultural Imaterial estão em pauta nas políticas culturais interna- cionais e no Brasil, mas as pesquisas e ações nessa área, ainda têm muito que avançar. É um universo que se abre à pesquisa, especialmente a partir da se- gunda metade do século XX, devido à ampliação do conceito de patrimônio e à abrangência conferida ao tema, por meio da “Convenção do Patrimônio Mundial”, celebrada pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), em 1972. A necessidade de se desenvol- verem estudos científicos sobre bens imateriais foi surgindo, conforme as Folia de Reis. Foto de Mateus Rios. Sem data. transformações do contexto global. A partir do avanço da industrialização e que isso: tomou-se consciência de que a humanidade está, de forma inerente, da difusão dos meios de comunicação fadada a produzir clivagens sociais, de não sei quantos grupos, de distinção de massa, foram criadas as condições cultural, de modos de vida e de consumo muito variados. Em suma: a hu- para os processos de globalização. manidade é uma formidável máquina de produção de diferenças culturais, Diante das transformações ocorridas a despeito dos processos que agem em sentido contrário (WARNIER, J., em todas as esferas da vida em so- 2004, p. 20). ciedade, incluindo a compressão do espaço e do tempo – duas categorias Longe de negar as influências da globalização nos aspectos culturais das consideradas por Stuart Hall (2006) sociedades, constata-se que a variedade cultural humana, marcada pela alta cria- como coordenadas básicas de todos tividade e pela capacidade de estabelecer referenciais identitários e distintivos, é os sistemas de representação –, era mais poderosa do que se supunha. É nessa conjuntura que as atenções se voltam pertinente imaginar que ocorreria uma para as questões relativas à identidade, memória e ao patrimônio. profunda homogeneização cultural Os movimentos de valorização da diversidade cultural, antes limitados na humanidade. Verificou-se, porém, aos aspectos materiais, ampliaram-se, em direção às manifestações de caráter uma tendência contrária: intangível. Rompeu-se, então, a ideia de patrimônio pautada na excepcionalida- de, aproximando o conceito às práticas mais cotidianas, mais representativas de A modernização dos últimos grupos diversos. quarenta anos não produziu a Legalmente, em âmbito nacional, a imaterialidade do patrimônio cultural convergência esperada. Mais do tem na Constituição Federal de 1988 o seu primeiro reconhecimento:

26 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 atender aos anseios dos países mem- te através da educação formal e não bros em relação ao patrimônio. Den- formal, bem como a revitalização dos tre elas as mais importantes estão: a diferentes aspectos desse patrimônio “Recomendação sobre a Salvaguarda (IPHAN, 2006). da Cultura Tradicional e Popular”, de Sant'Anna (2008), ex-diretora 1989; o programa de “Proclamação do Departamento do Patrimônio Ima- das Obras-primas do Patrimônio terial (DPI–IPHAN), aponta como Oral e Imaterial da Humanidade”, principal característica das políticas datada de 1997; e a “Convenção para patrimoniais brasileiras o resgate de Salvaguarda do Patrimônio Cultural experiências e ideias anteriores, asso- Imaterial”, elaborada em 2003. ciadas às contemporâneas, a fim de de- De acordo com essa Conven- finir conceitos e diretrizes de atuação, ção, elaborada na Conferência Geral o que estabeleceu três pressupostos das Nações Unidas para a Educação, básicos para atuação junto ao patrimô- Bandeira da Folia de Reis. Foto de Ana a Ciência e a Cultura em Paris – FR, o nio: Carolina Rios Gomes. Sem data. conceito de patrimônio cultural imate- 1. O patrimônio cultural é uma rial é entendido como: construção social que diz respei- to a todos, ou seja, não é fruto Art. 216. Constituem pa- [...] práticas, representações, ex- apenas da ação do Estado e dos trimônio cultural brasi- pressões, conhecimentos e téc- especialistas aos quais sempre leiro os bens de natureza nicas – junto com os instrumen- se delegou a tarefa de atribuir material e imaterial, tomados in- tos, objetos, artefatos e lugares valor patrimonial aos bens da dividualmente ou em conjunto, culturais que lhes são associados cultura; portadores de referência à iden- – que as comunidades, os grupos 2. A natureza dos bens culturais tidade, à ação, à memória dos e, em alguns casos, os indivídu- imateriais é dinâmica e mutável; diferentes grupos formadores da os reconhecem como parte inte- 3. O critério básico que orienta sociedade brasileira, nos quais grante de seu patrimônio cultu- a seleção do que deve ser reco- se incluem: ral. [...] Esse patrimônio cultural nhecido e declarado como patri- I – as formas de expressão; imaterial, transmitido de geração mônio cultural imaterial é o da II – os modos de criar, fazer e em geração, é constantemente representatividade e não o da viver; recriado pelas comunidades e excepcionalidade. III – as criações científicas, -ar grupos em função do seu meio, tísticas e tecnológicas; da sua interação com a natureza IV – as obras, objetos, documen- e da sua história, incutindo-lhes tos, edificações e demais espa- um sentimento de identidade e ços destinados às manifestações de continuidade, contribuindo, desse modo, para a promoção do artístico-culturais; respeito pela diversidade cultu- V - os conjuntos urbanos e sítios ral e pela criatividade humana. de valor histórico, paisagístico, (IPHAN, 2006, p. 15). artístico, arqueológico, paleon-

tológico, ecológico e científico. Segundo o Instituto do Patri- Parágrafo 1. O poder público, com mônio Histórico e Artístico Nacional a colaboração da comunidade, pro- (IPHAN), o patrimônio cultural ima- moverá e protegerá o patrimônio terial se manifesta por meio de tradi- cultural brasileiro por meio de re- ções, expressões orais, práticas sociais, gistros, vigilâncias, tombamento e rituais, eventos festivos, artesanato tra- desapropriação, e de outras formas dicional, entre outras formas. A fim de de acautelamento e preservação assegurar sua perpetuação e sua viabi- (BRASIL, 1988). lidade, as estratégias de salvaguarda desse patrimônio contemplam a iden- Em fins da década de 1980, tificação, documentação, pesquisa, e dali em diante, muitas orientações preservação, proteção, promoção, va- Congada de São Benedito em Rio Claro. da UNESCO foram propostas para lorização, transmissão, essencialmen- Foto de Mateus Rios. Sem data.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 27 quintais, além das fronteiras. É incluir as gentes, os costumes, os sabores, os saberes. Não mais somente as edificações histó- ricas, os sítios de pedra e cal. Patrimônio também é o suor, o sonho, o som, a dança, o jeito, a ginga, a energia vital, e todas as formas de espiritualidade da nossa gente. O intangível, o ima- terial.

Assim, considerando a imateria- lidade do patrimônio e pensando que a 7ª Conversa Griô, evento bimestral realizado pelo APH com a comunidade negra Educação Patrimonial atua em favor do de Rio Claro. Foto do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. Agosto desenvolvimento humano, do respeito e de 2012. da valoração da diversidade cultural, é possível pensar em uma educação nesse e de seus bens culturais, mais ela será sentido, voltada para essas expressões Com base nessas premissas fo- agente da preservação e conservação culturais, para o intangível. Nessas cir- ram instituídos o Registro, o Inventá- desses mesmos bens. cunstâncias, penso que os registros au- rio Nacional de Referências Culturais As principais orientações em diovisuais têm grande potencial como (INRC) e o Programa Nacional do Pa- educação patrimonial, até então, bus- estratégia de difusão e valoração de bens trimônio Imaterial (PNPI). É por meio cam sistematizar atividades voltadas culturais em práticas educativas. desses instrumentos que o Ministério da Cultura (MINC) e, em particular, o IPHAN executam a política federal de salvaguarda patrimonial. Atualmente, estão sendo discutidos os desafios para a formulação de uma Política Nacional de Educação Patrimonial. É recorrente, ao longo da tra- jetória do IPHAN, o discurso sobre importância do papel da educação patrimonial para a preservação do patrimônio cultural. Porém, apenas em 1999, foi lançada a primeira pu- blicação da Instituição sobre o tema, o Guia Básico de Educação Patrimo- nial (HORTA, M. L. P. et al., 1999), e somente em 2007 foi editado outro Maracatu. Foto de Ana Carolina Rios Gomes. Sem data. livro abordando questões conceituais mais especificamente para o patrimô- A democratização do uso e metodológicas, o Manual de ativida- nio material, não contemplando, de desse recurso metodológico em âm- des práticas de educação patrimonial maneira satisfatória, a imaterialidade bito escolar e em atividades culturais (GRUMBERG, 2007). dos bens culturais. Porém, como já foi diversas promove a reflexão sobre a Nessas duas publicações, a esclarecido, o conceito de patrimônio diversidade dos povos e a interpreta- Educação Patrimonial é pensada como vem se ampliando diante da complexi- ção de culturas, por meio do contato metodologia para promover o conhe- dade das manifestações culturais, cujo com “o outro”, a partir da experiência cimento sobre o patrimônio cultural limite é a criatividade humana. Nas audiovisual – que, por captar atenção e dos povos. Ela é considerada peça palavras do ex-ministro da Cultura, emoção, é capaz de favorecer a imer- fundamental para a preservação do pa- Gilberto Gil: são dos espectadores no modo de vida, trimônio, na medida em que só se pre- na paisagem, na realidade que se regis- serva o que se conhece. Sob este ponto Pensar em patrimônio agora tra e se apresenta. Em outros termos, de vista, quanto mais uma comunidade é pensar com transcendência, o audiovisual possibilita apresentar as conhecer e se apropriar de sua história além das paredes, além dos peculiaridades de diferentes lugares

28 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 versa sobre Patrimônio Cultural Ima- terial, atualizada e associada a novas pesquisas sobre educação patrimonial e documentários etnográficos.• REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988.

CASTRO, M. V. e FONSECA, M. C. Patrimônio cultural imaterial no Brasil. Brasília: UNESCO, Educarte, 2008.

FREIRE, M. e LOURDOU, P. (orgs.) Descrever o visível – Cinema, docu- mentário e antropologia fílmica. Esta- ção Liberdade, 2010.

Equipe do Portal Memória Viva, no Arquivo Público e Histórico de Rio Claro, GRUNBERG, E. Manual de ativida- coletando depoimentos do pai espiritual Carlos Henrique Felisberto (Pai Henrique), des práticas de Educação Patrimo- do Templo de Umbanda Lúcia Oiá e Caboclo 7 Cachoeiras, para o documentário: As nial. Brasília-DF: IPHAN, 2007. Religiões Afro-Brasileiras - Umbanda. Foto do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. Abril de 2012. HALL, S. A identidade cultural na pós-modernidade. Tradução: To- e dos modos de vida mais distintos, maz Tadeu da Silva e Guaraeira Lo- por meio do registro de imagens e pes Louro. 11 edição. Rio de Janeiro: sons, captando cenários, personagens, DP&A, 2006. gestos, emoções. HORTA, M. L. P.; GRUNBERG, E. A obra organizada por Freire e MONTEIRO, A. Q. Guia Básico e Lourdou (2010) esclarece sobre o de Educação Patrimonial. Brasília: potencial do documentário, conside- IPHAN/Museu Imperial, 1999. rando-o como meio de expressão e INSTITUTO DO PATRIMÔNIO descrição privilegiado do tempo, dos HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIO- espaços e dos lugares, enfatizando NAL (IPHAN). aspectos da sociedade e do homem, A Trajetória da Salvaguarda do os quais, muitas vezes não são veicu- Patrimônio Cultural Imaterial no lados, e trazendo-os para o campo do Brasil: 1936–2006. Brasília: De- partamento do Patrimônio Imaterial, visível e do sensível, a fim de promo- 2006. Disponível em: . Acesso em: 20/06/2012, sociais, rituais e educativas. Terreiro de Pai Silvio - Candomblé Ilê Axé às 21h. Em Rio Claro, há uma gran- Xangô (Ylê Axé Obá Odokiran) -, para o documentário: As Religiões Afro-brasileiras SANT'ANNA, M. O patrimônio de produção de registros audiovisuais – - O Candomblé, produzido pelo Portal imaterial – políticas em curso: a le- temos Paulo Rodrigues, Portal Memó- Memória Viva de Rio Claro. Foto do gislação brasileira e os programas de ria Viva (Arquivo Público e Histórico), acervo do Arquivo Público e Histórico de fomento. Curso Livre: Patrimônio Kino-Olho, dentre outros coletivos e Imaterial: política e instrumentos de Rio Claro. Fevereiro de 2011. identificação, documentação e salva- individuais – que contribuem para o guarda – turma 2. Realização: UNES- conhecimento sobre a história, arte e com os bens culturais locais, conheça e CO. Coordenação Geral: COMUNA. Plataforma de Educação à Distância: cultura da cidade. Cabe, diante desse possa valorizar esse patrimônio, que é cenário, pensarmos e agirmos ainda DUO Informação e Cultura. . Belo Horizonte, 2008. mais no sentido de divulgar o material registrado, para que um número cada Nota: Este artigo é parte de WARNIER, J. La mondialisation de vez maior de pessoas entre em contato minha dissertação de mestrado, que la culture. Paris: La Découverte, 2004.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 29 A validade da função social de cidadãos rio-clarenses discorridas nos anais históricos entre a Guarda Mirim de Rio Claro-SP e seus colaboradores. Regina Claret Kapp dos Santos Estudante do 7º Semestre de Serviço Social - Presencial Faculdades Integradas Claretianas / Rio Claro E-mail: [email protected]

Resumo

Este artigo pretende mostrar a importância da função social e seus respectivos resultados em prol do bem comum, gerando crescimento e sustentabilidade para o futuro da socie- dade. Destacamos, de modo especial, a esperança e a coragem de cidadãos rio-clarenses que trabalham, enfrentam desafios e investem os mais diversos recursos e credibilidade para, juntos, construirmos um arcabouço histórico em favor de “sementes” que um dia se transformarão em frutos saudáveis para a sociedade. Assim, neste intuito rever a história, conhecer as dificuldades e os desafios enfrentados e as prováveis soluções que ocasionaram os devidos méritos e reconhecimento social e político dos trabalhos realizados pela Guarda Mirim de Rio Claro, apresentamos nosso trabalho.

Introdução

A necessidade e a validade da aplicação da função social do homem em sua comunidade, território ou município se dá, primeiramente, pela concepção de que o homem através de uma das dimensões de sua fenomenologia é um ser social que vive em grupos, desde os primórdios de sua existência ao se aglomerar a outros de sua espécie compartilhando suas dores, sofrimentos, ne- cessidades, sonhos e alegrias. Podemos constatar também que no decorrer histórico da evolução da humanidade, ocorreram diver- sos períodos de transição e complexidade em que os referenciais comunitários e sociais foram-se compondo para, juntos, desco- Brasão da Guarda Mirim de brirem e agregarem valores éticos e humanitários, com o fim de Rio Claro. Acervo da GM construir um novo projeto social de vida em sociedade, onde cada membro faça a sua função.

1. Afinal o que é função social?

Segundo Hoult (1969), podemos definir a função social como uma contribuição fenomenológica que provê um sis- tema maior que aquele do qual o fenômeno faz parte. Assim, deduzimos que função social de algo ou alguém é tudo aquilo que contribui para o desenvolvimento da sociedade, em uma visão ampla. O ser humano, por exemplo, tem a função de se

30 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 A Guarda Mirim nasceu de um projeto social, em meados de 1961, a partir de um grupo de pessoas lidera- das pelo Dr. Luís Gonzaga de Arruda Campos, juntamente com a Diretoria da época e o Instrutor do Tiro de Guerra, o Sargento Mineu Gonçalves da Rocha, que visitaram as empresas locais para obtenção de parceria econômica em prol da efetivação do trabalho da enti- dade - que visava à formação de adoles- centes em situação de vulnerabilidade social, em futuros guardinhas mirins. Com espírito cívico e social, a Guarda Mirim foi fundada em 3 de outubro de 1961, oferecendo cuidado, Em pé da esquerda para direita: Marco Souza, Lázaro Calestine , Claudinei Souza formação e educação a adolescentes, (funcionário do Correio na área de Transporte), Luiz Antonio e Auricídio Cupido. para ajudarem a priori, na orientação do Abaixados, da esquerda para direira: Mário Novaes, Edegilson Zerbo (professor do Ensino trânsito. Inicialmente tal orientação foi Médio na rede estadual de ensino), Rinaldo Baptista (permanece na instituição até a data proporcionada a 60 garotos, seleciona- de hoje), Osvaldo Oliveira, Luis Flores e Douglas Martins (proprietário em Rio Claro da dos entre as 100 inscrições ocorridas no empresa “Chaveiro de Prata”). Imagem datada de 1977, por ocasião da Cerimônia de período. Graduação dos Guardinhas. Foto do acervo da Guarda Mirim de Rio Claro. A formação foi conduzida pelo então Comandante da Polícia Militar relacionar com outras pessoas, traba- Neste sentido, constatamos que Tenente Átila, que orientou seu traba- lhar e pensar no coletivo, com a ideia não basta ao homem apenas conviver lho num período de aulas dispostas em de uma sociedade vista como um orga- com seus semelhantes, mas sim é pre- disciplina militar, instruções de postura nismo vivo onde cada parte tem uma ciso que cada indivíduo faça a sua par- e comportamento no ambiente de tra- função, para a manutenção da vida em te, contribuindo na construção de uma balho; convém salientar que os adoles- comum. sociedade mais justa, livre e solidária, centes eram uniformizados com fardas Podemos ainda acrescentar par- específicas ao contexto militar do perí- indiferente à sua visão de mundo, cos- odo, conforme foto acima. te do artigo escrito por Ramos/ Thomasi tumes e tradições culturais, contexto ou Posteriormente, devido às difi- (2008): situação social. Ainda podemos acres- culdades financeiras encontradas para centar que temos uma função social a sua manutenção, ocorreu em meados A dignidade da pessoa humana desempenhar junto ao grupo de pes- de 1965 uma remodelação da entidade hoje é expressiva em qualquer soas que constituem o nosso contexto que buscou a cooperação de repartições meio, denotando toda esta preo- de vida cotidiana; precisamos, então, públicas e de empresas do município, solicitando a contratação e um voto de cupação com o homem, seja em quebrar as barreiras da indiferença, da confiança no trabalho realizado pelos sua integridade física ou men- insensibilidade e da exclusão social que assolam os relacionamentos, dificultan- guardinhas, já formados pela entidade. tal (...), pois comprovado que do assim o respeito pelo ser humano e Tais atitudes tiveram como recebe influência do seu meio, o empoderamento de sua dignidade e assim incute transformações em consequentemente sua realização pes- seu habitat, seja de forma social, soal e inserção social. educacional e até mesmo am- Deste modo, ilustrando a efeti- biental. va função social e sua real contribuição Importante acrescentar que a à sociedade de ontem, de hoje e pen- cada direito adquirido por sua sando no futuro do município, destaca- dignidade, corresponde a um de- mos um pouco do arcabouço histórico ver a ser observado, assim neste da Guarda Mirim de Rio Claro, vista como protagonista nacional deste tipo sentido, toda pessoa tem uma de trabalho com adolescentes em vul- função social dentro do universo nerabilidade social, que precisam de que faz parte, já que seu papel atenção, cuidado, formação e oportuni- transformador e comprometi- dades para ajudarem na construção da mento quanto genitor, quanto sociedade comum. Assistente Social da GM há 27 anos, educador, quanto cidadão (...) Maria José de Andrade Guarnieri. Agosto dependendo de sua posição no 2. Anais históricos da Guarda de 2008. Foto do acervo da Guarda grupo em que está inserida. Mirim / Rio Claro. Mirim de Rio Claro.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 31 a Lei do Menor Aprendiz (10.097/00), oferecendo benefícios trabalhistas e o registro em carteira. Ao lado deste desempenho funcional, ativo e promissor, seus diri- gentes investiram também no espaço físico e estrutural da entidade, a qual atualmente dispõe em sua sede central situada na Avenida Brasil nº 600 / Vila Martins, de departamentos administra- Alunos integrantes da Turma C.P.P. XI, para compor o novo site da GM. 2007. Foto tivo e social, centro educacional e uma do acervo da Guarda Mirim. casa residencial para o zelador. Em seu território, porém do outro lado da rua resultados positivos a estabilidade rio-clarense, a GM em 1998 foi reco- foi construído um Grêmio Recreativo econômica e a manutenção da entida- nhecida e declarada entidade de Utili- com piscinas e aparelhos de muscula- de e ainda propiciou oportunidades de dade Pública em nível Federal. ção, disponibilizando ainda monitores aprendizagem profissional e ingresso Neste ínterim, para atender me- para as diversas atividades oferecidas no mercado de trabalho, dos guardi- naquele local de lazer, oferecido de nhas, então contratados como menores lhor as demandas dos adolescentes e da modo especial aos adolescentes em for- aprendizes. A partir de então, os guardi- sociedade, a entidade desenvolveu um nhas passaram a desempenhar suas ati- Projeto Pedagógico Educacional onde mação e aos guardinhas em atividade. vidades em repartições públicas, ban- dinamizou o sucesso escolar, a prepa- É imprescindível destacarmos cos, empresas, indústrias e comércio ração pré-profissional e a viabilização o maravilhoso e eficiente trabalho rea- de Rio Claro e nos Distritos Regionais. de ingresso no mercado de trabalho, lizado pela equipe multidisciplinar que Assim, a GM foi reconhecida no Mu- oferecendo aos adolescentes formados atua na entidade, já a partir da recepção do Departamento Social que atende nicípio e declarada como Entidade de a oportunidade de ingresso no primeiro Utilidade Pública, chegando ao âmbito diariamente os adolescentes e seus res- emprego. Estadual pela Lei nº 769/75. pectivos familiares numa escuta quali- Acompanhando o desenvolvi- Junto à implantação deste pro- ficada. mento e as mudanças sociais ocorridas jeto, consolidou-se pela entidade, uma Os profissionais da área peda- nas décadas de 70 e 80, a Guarda Mi- nova filosofia de trabalho com metas gógica dispõem de salas de aula à for- mação pré-profissional, implementadas com revisões ortocaligráficas, a escrita e a pronúncia correta do idioma portu- guês, bem como oferecem oportunida- des de aprendizagem dos idiomas espa- nhol e inglês, noções de administração básica, de contabilidade, informática e práticas de atendimento ao cliente. É oportuno, ainda, colocar que desde o período de inscrições, aplicação da pro- va de seleção e divulgação dos adoles- centes selecionados para o CPP – Curso Pré-Profissionalizante, como é conheci- do –, toda a equipe de funcionários se desdobra para o bom andamento desse Coral "Encanto Jovem". Em pé da esquerda para a direita: Camila Ferreira, Dafne processo tão importante e necessário na Baungartner, Sônia Carvalho, Milena, Alisneia Antunes, Tais Stencel, Grazielle Tinós, vida dos adolescentes interessados pelo Gabriela Rocha, Natália do Carmo, Rafaela Braz, Marina Oliveira, Nayara Cunha. Projeto. Abaixados, da esquerda para direita: Leonardo Gava, Felipe Scandiusse e Renato Durante o período do curso Silva. Maio de 2011. Imagem do acervo da Guarda Mirim. também se percebe o envolvimento da equipe, que se esmera em melho- rim renovou o critério de elegibilidade, sociais efetivadas com estrutura ad- rar e preparar futuros profissionais, passando a selecionar adolescentes de ministrativa, social e pedagógica ade- avaliando-os e orientando-os, para que 14 a 18 anos, oportunizando também o quadas às necessidades da sociedade e cheguem um dia à realização pessoal, ingresso de meninas, ampliando dessa das exigências do mercado de trabalho. profissional e social. forma o seu atendimento social. Cres- Salientamos, porém, que tais mudanças Ao término do CPP, os adoles- cendo em méritos por seu arcabouço e implementações foram adequadas centes são encaminhados para entre- histórico de estar plenamente em ativi- ao ECA, garantindo aos adolescentes vistas de seleção, em relação às vagas dade social para o bem da comunidade prioridade na defesa de seus direitos e existentes no mercado de trabalho, pela

32 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 livre e solidária, que vise a um futuro promissor de envolvimento fraterno, cívico, democrático, ético e moral de respeito pelo ser humano. Desde a mais tenra idade, pas- sando pelas exigências e necessidades da adolescência, precisamos cuidar e formar adultos equilibrados, livres e comprometidos com a sociedade. As- sim, juntos, buscarmos o crescimento e desenvolvimento social numa coo- peração ativa, outorgada por funções individuais e coletivas que enfrentem os desafios da perene construção da história da comunidade, do município e, consequentemente, da nação. Provas já foram descritas nos desafios enfrentados pelos anais histó- ricos da GM de Rio Claro, e do voto Apresentação Musical do Coral “Encanto Jovem” - regente Grazielle Tinós -, em de credibilidade dado pela comunidade encenação do nascimento de Jesus, em dezembro de 2010. Imagem do acervo da local, através dos resultados colhidos Guarda Mirim de Rio Claro. desde sua fundação e permanecendo demanda das colaboradoras parceiras nibilizada pelo trabalho constante da em crescimento até os dias atuais. Con- da GM. Atualmente, podemos destacar entidade junto aos adolescentes que a vém, então, investir, acreditar e juntar algumas das empresas colaboradoras, procuram como referência efetiva em nossas forças numa função social ativa, departamentos e repartições públicas sua função social de comprometimento em prol da formação e educação desses de Rio Claro que utilizam os traba- com a sociedade, e ainda demonstrando jovens que buscam a oportunidade de lhos desses adolescentes aprendi- sua preocupação em preparar sementes, um futuro melhor. A história de nosso zes: Prefeitura Municipal, Arquivo que um dia nos trarão frutos. município é construída cotidianamente Público e Histórico, Câmara Municipal, por aqueles que entendem e atendem as DAAE, Jornal Cidade, BMC/Brasil, Considerações finais demandas sociais, pensam e trabalham RC/Escritório de Contabilidade, Nheel, hoje em prol do amanhã, envolvidos e Brascabos, Veloz/Soluções em embala- Atualmente, vemos que a so- comprometidos com a causa comum de gens, Etel/automação, Fiat/Viviani, Caf, ciedade, de modo geral, perdeu muitos justiça e equidade social, fazendo sua Fricock, Tranenge/Construções, Geromel/ de seus valores referenciais de civismo, parte, ou melhor, assumindo sua fun- Construções, Agroceres, Farmazul, Tigre, comprometimento e envolvimento ção social num sentimento de empatia, Lojas Cem, entre outras... social, decorrentes de esquecimento Vemos, através deste elenco de sua função social em prol do bem comprometimento e paixão pelo seu de colaboradores vinculados ao tra- comum. Assim, é necessário repensar semelhante. • balho da GM, a credibilidade dada à novas atitudes humanas que possam formação pré-profissional que é dispo- construir uma sociedade mais justa,

REFERÊNCIAS

Dados da entidade em destaque dispo- níveis no site: www.guardamirimrio- claro.com.br/ Acesso em: 31/12/2012

HOULT, Thomas Ford. Dicionário de Sociologia Moderna, p. 139.1969.

RAMOS, Aline Maria Trindade / THO- MASI, Tanise Zago. Função Social do homem na contemporaneidade. Dis- ponível em: www.ucs.br/ucs/tplCon- Apresentação da Banda da Guarda Mirim de Rio Claro, em desfile nas ruas de Rio gressoFilosofia/extensao/.../tanize.pdf. Claro. Fonte: Jornal Cidade, outubro de 2012. Acesso em: 31/12/2012.

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 33 Programa Segundo Tempo - experiência do Município de Rio Claro

Jorge Henrique de Magalhães Sasso Sciascio Alessandro Batezelli Jorge Henrique de Magalhães Sasso Sciascio, professor de Educação Física e Pedagogo é Prof. Especialista e mestrando em Desenvolvimento Humano e Tecnologias pela Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (UNESP – Rio Claro). Professor de Educação Física efetivo. Atualmente afastado de suas funções, para exercer a Função de Diretor do Departamento de Esportes, atuou também como Diretor de Esportes Competitivos e Secretário Municipal de Esportes, cargos esses lotados na Secretaria Municipal de Esportes de Rio Claro. Atualmente é o Coordenador Geral do Programa Segundo Tempo no Município de Rio Claro. E-mail: [email protected]

RESUMO

O presente trabalho tem por objetivo demonstrar a experiência de Rio Claro na implantação do Programa Segundo Tempo, mostrando como e onde este programa se estabeleceu em nosso município.

INTRODUÇÃO

Tendo em vista o CONVÊNIO/ME/PREFEITURA MUNICIPAL DE RIO CLARO/Nº 0725609/2009, a Se- cretaria Municipal de Esportes implantou no Município de Rio Claro 10 núcleos para o desenvolvimento do Progra- ma Segundo Tempo. Trata-se de um programa que oferece a prática de modalidades esportivas educacionais para crianças e jovens, de 7 a 17 anos. No total, foram 1.000 crianças (100 crianças em cada núcleo) beneficiadas pelo programa, que acontece 3 vezes por semana, por um período de 2h50min por dia, no contraturno escolar. A duração total das atividades foi de 19 meses, a contar a partir da data de início 4 de abril de 2011. A cada polo do Programa Segundo Tempo foi destinada a implantação de 2 núcleos, atendendo 100 crianças no total, sendo 50 no período da manhã e 50 no período da tarde. Para cada núcleo de 50 crianças, foi designado 1 Coordenador de Núcleo (professor), 1 Monitor de Atividades Esportivas e 1 Monitor de Atividades Complementares, para desenvolver as atividades, orientar e supervisionar as crianças. Sendo assim, cada grupo de professores – coordenador de núcleo, monitor de atividades esportivas e monitor de atividades complementares – é responsável por 50 crianças no período da manhã e 50 crianças no período da tarde, cujo horário de funcionamento era das 08h00 às 10h50min e das 14h00 às 16h50min, às 2ªs, 4ªs e 6ªs feiras. Durante esse período foram oferecidas atividades esportivas de futsal, basquete, natação, vôlei, handebol, xadrez, entre outras modalidades culturais. As crianças recebiam reforço alimentar e um uniforme para frequentar as aulas, ambos fornecidos pelo programa. Além disso, o Programa Segundo Tempo conta com um Coordenador Geral, responsável legal pelo programa e cadastrado no Ministério dos Esportes, como tal e ainda um Coordenador Pedagógico, que zela pelas questões pedagógicas do programa, além de orientar e acompanhar os coordenadores de núcleo e os monitores de atividades esportivas e atividades complementares, no desenvolvimento diário do programa, junto aos beneficiários.

34 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 saúde e da cidadania como um todo. Em vista dessa proposta, o Programa Nacional de Esportes – PNE, conta com a Secretaria Nacional de Esporte Educacional – SNEED, que é a responsável pelas políticas pú- blicas voltadas ao esporte educacional brasileiro. O programa Segundo Tempo tem por estratégia, o estabelecimen- to de parcerias institucionais, com a descentralização da execução orça- mentária e financeira, para os gover- nos municipais, estaduais e outros, inclusive iniciativas privadas, sem fins lucrativos. Isso é possível pela celebra- ção de convênios com o Ministério do Esporte, como foi o caso de Rio Claro, que se tornou, assim, respon- sável pela execução do Programa Lagoa Seca do Cervezon, em 20/04/2011. Imagem do acervo da Secretaria Municipal Segundo Tempo, que é um de Esportes de Rio Claro. programa estratégico do Governo Federal, com o objetivo de demo- PROGRAMA SEGUNDO Federal, no sentido de responder às cratizar a prática de esportes, desen- TEMPO – BRASIL demandas sociais, uma vez que são volvimento e integração de crianças, direitos sociais do cidadão. adolescentes e jovens, como fator de O Ministério dos Esportes, O programa visa à acessibili- formação da cidadania e melhoria da qualidade de vida, prioritariamente ao instituir o Programa Segundo dade de indivíduos em risco de vul- daqueles que se encontram em áreas Tempo, efetivou uma política públi- nerabilidade social, atuando como de vulnerabilidade social. ca de esporte e lazer, conforme de- instrumento de formação e inclusão A intenção precípua do pro- terminam o Art. 6º. da Constituição social, especialmente a promoção da grama é a ocupação do tempo ocioso de crianças, adolescentes e jovens, usando para isso o contraturno esco- lar, com atendimento de, no mínimo, de três vezes por semana, duas horas por dia, com a prática esportiva, so- ciais e culturais, sendo coordenados e monitorados por profissionais da Educação Física, inclusive com re- forço alimentar durante o processo.

CARACTERIZAÇÃO

Foram beneficiadas direta- mente 1.000 crianças, adolescentes e jovens na faixa etária dos 7 aos 17 anos, estimados em distribuição re- lativamente homogênea de gênero; a grande maioria residente em terri- tórios vulneráveis, muito expostos a situações de risco social, além dos familiares (cerca de 1.000 famílias) e de membros da comunidade, in- Lagoa Seca do Cervezon, em 20/04/2011. Imagem do acervo da Secretaria Municipal diretamente beneficiados através de de Esportes de Rio Claro. atividades de lazer, entretenimento,

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 35 em diversas formas. Poucas opções de lazer e recreação, bem como de atividades esportivas. Região muito pobre, com poucos recursos finan- ceiros, difícil acesso à saúde, distan- te do centro urbano da cidade de Rio Claro. Muito populosa e povoada. (Projeto básico, Programa Segundo Tempo, PMRC.2009). Bairro Santana: região que engloba diversos bairros, porém em situação melhor, no que diz respeito à vulnerabilidade social; não exis- tem ali, entretanto, muitos progra- mas de esporte educacional. (Projeto básico, Programa Segundo Tempo, PMRC.2009). Bairro Jardim Bandeiran- tes, Vila São Miguel, Vila Cristina, Piscina Olímpica Municipal (POM) Hertha Clara Koelle, em 06/05/2011, Técnico Vila São Jose e Armando Orestes Desportivo Silvio Generoso. Foto do acervo da Secretaria Municipal de Esportes de Giovanni: semelhantes à região do Rio Claro. Jardim Panorama, ou seja, de extre- ma vulnerabilidade social. Há crian- como, por exemplo, campeonatos e tráfico de drogas, violência. Aten- ças fora da escola, criminalidade, entre outras modalidades. dimento à saúde precário, apesar tráfico de drogas e a problemática da de possuir um Pronto Atendimento violência em diversas formas. Pou- PERFIL GEOGRÁFICO E para casos de emergência. Situa- cas opções de lazer e recreação bem PERFIL DA POPULAÇÃO ção de risco social crítica. (Projeto como de atividades esportivas. ATENDIDA básico, Programa Segundo Tempo, Arco Iris, Jardim Vilage e PMRC.2009). Jardim América: região semelhante Bairro Cervezão e arredo- Jardim Panorama: região ao Bairro Santana, engloba três bair- res: região populosa e com densida- crítica, de extrema vulnerabilidade ros, em situação melhor no que diz de demográfica alta. Engloba uma social. Há crianças fora da escola, respeito à vulnerabilidade social, en- região marcada por problemas so- criminalidade crescente, tráfico de tretanto não existem muitos progra- ciais, como criminalidade crescente, drogas e a problemática da violência mas de esporte educacional. Bairro do Estádio: região mais central do município. Locali- zada próximo ao centro urbano, ao comércio, hospitais, etc. É onde se concentra o complexo Poliesporti- vo Municipal, com um Ginásio, um Mini Ginásio, um campo de Futebol e uma piscina olímpica, uma estru- tura completa para realização do Programa Segundo Tempo. (Projeto básico, Programa Segundo Tempo, PMRC.2009). Bairro Jd. Bom Sucesso / Novo Jardim Wenzel / Jd. Cente- nário / Vila Anhanguera: regiões da extrema periferia da cidade, com alta vulnerabilidade social, presença constante de tráfico de entorpecen- tes, evasão escolar, carência de pro- Piscina Olímpica Municipal (POM) Hertha Clara Koelle, em 06/05/2011, Técnico gramas esportivos e de lazer, poucas Desportivo Silvio Generoso. Foto do acervo da Secretaria Municipal de Esportes de estruturas para a prática de ativida- Rio Claro. des físicas e esportivas.

36 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 risco social que envolve a população beneficiada, entendendo risco social como qualquer situação que agregue valores nocivos ao desenvolvimento humano e à cidadania, como violên- cia, desemprego, pobre assistência à saúde, baixa escolaridade, presen- ça de tráfico de drogas e criminali- dade. Fez-se, também, a avaliação da inserção das crianças em outras atividades esportivas. (Projeto bá- sico, Programa Segundo Tempo, PMRC.2009)

MODALIDADES OFERECIDAS

Como já foi anteriormente CSU João Rehder Neto, em 24/06/2011. Fotos do acervo da Secretaria Municipal de mencionado o projeto contempla Esportes de Rio Claro. atividades esportivas, educacionais e culturais. Jardim Guanabara I, Jar- A seleção dos beneficiários Uma das atividades ofereci- dim Guanabara II e Jardim Bra- do Projeto foi realizada em conjun- das neste projeto e que alcançou um sília: região muito semelhante à dos to com a Secretaria Municipal de grande sucesso entre os jovens foi à bairros do Jd. Bom Sucesso / Novo Ação Social, através da utilização inserção do xadrez nos horários de Jardim Wenzel / Jd. Centenário / do cadastro de munícipes que rece- aula do Programa Segundo Tempo. Vila Anhanguera, com alta vulnera- biam auxílio de outros programas A partir dessa experiência no pro- bilidade social, presença constante grama, um novo projeto foi pactuado de tráfico de entorpecentes, evasão do Governo Federal (Bolsa Escola, Bolsa Família); com a Secretaria entre as Secretarias Municipais de escolar, carência de programas es- Esportes e de Educação, projeto este portivos e de lazer, poucas estruturas Municipal de Educação, por infor- que contempla o ensinamento de xa- para a prática de atividades físicas e mações colhidas pertinentes ao per- drez em um grupo piloto de escolas esportivas. fil dos alunos de escolas localizadas nos arredores dos núcleos (escolas municipais de Rio Claro, para alu- nos matriculados nas séries iniciais CRITÉRIOS PARA SELEÇÃO municipais e estaduais); e, o mais do ensino fundamental I, ou seja, de importante, a seleção foi baseada no DOS BENEFICIÁRIOS primeiro a quinto ano. Para Antonio Villar Marques de Sá, Professor Associado da Facul- dade de Educação da Universidade de Brasília e um dos maiores espe- cialistas em Pedagogia Enxadrística do Brasil, o xadrez, por se tratar de um jogo complexo, é uma das me- lhores atividades para desenvolver a capacidade intelectual dos jovens.

O jogo de xadrez é considerado pelos estudiosos como um im- portante instrumento pedagógi- co que pode ajudar bastante no desenvolvimento da relação en- sino-aprendizagem nas escolas. A prática enxadrística estimula o desenvolvimento de habilida- CSU João Rehder Neto, em 24/06/2011. Fotos do acervo da Secretaria Municipal de des cognitivas como atenção, Esportes de Rio Claro. concentração, raciocínio lógico,

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 37 memória, organização de ideias, no entanto, antes mesmo de o pro- que sejam melhor explanadas a fim imaginação, antecipação, espíri- grama se iniciar em 4 de abril de de facilitar o entendimento do pro- to de decisão, autocontrole, dis- 2011, verificou-se a inexequibilida- grama. ciplina, perseverança etc. de de funcionamento baseado nessa O resultado prático da exe- distribuição. cução do projeto sinaliza para um Para Wilson da Silva, mes- Após uma análise preliminar sucesso em alcançar os objetivos tre em Educação pela UFPR e dou- minuciosa da realidade do município pretendidos inicialmente. A equipe e suas necessidades populacionais, torando também em Educação pela de trabalho foi recompensada com ficou constatado que seria prudente Unicamp, o xadrez merece crédito o êxito inquestionável do desafio porque ensina às crianças o mais im- redistribuir esses polos. Sendo as- sim, o projeto iniciou-se de forma chamado PROGRAMA SEGUNDO portante na solução de um problema, TEMPO. que é saber olhar e entender a rea- diversa da pretensão inicial, ou seja, • lidade que se apresenta. (REVISTA iniciamos com 5 polos contendo CONEXÃO PROFESSOR, 2009) cada um 2 núcleos de 100 beneficiá- rios no período da manhã e mais 100 REFERÊNCIAS É comum notar crianças fra- no período da tarde. No total eram 10 polos atendendo a 1.000 benefi- cassando em matemática, por COSTA, Greiner; DAGNINO, Renato ciários. exemplo, por não entenderem (org). Gestão Estratégica em Políticas Após a iniciação do projeto, o que o enunciado do problema observou-se um sucesso relativo, Públicas, Campinas, 2008. lhes diz. Não sabem analisá-lo, sendo que seu ponto fraco dizia aprendem fórmulas de memória; respeito ao número de beneficiários, BRASIL. Ministério da Educação e quando encontram textos dife- que num primeiro momento, parecia do Desporto. Parâmetros Curricula- rentes não acham a resposta cor- estar adequado ao número de polos res Nacionais: Educação Física / Se- reta. [...]. Em uma época na qual existentes (cinco polos). A realidade cretaria de Educação Fundamental. os conhecimentos nos ultrapas- apontou para uma nova reestrutura- Brasília: MEC/SEF, 1997. sam em quantidade e a vida é ção mais adequada considerando a efêmera, uma das melhores li- relação número de beneficiários X ções que a criança pode apren- núcleos de atendimento. O projeto OLIVEIRA, A.A. Bássoli; PERIN, der na escola é como organizar sofreu, então, uma nova descentrali- L.Gianna (org). Fundamentos Peda- zação e consequente redução de me- seu pensamento, e acreditamos gógicos do Programa Segundo Tem- tas de beneficiários. O projeto pas- po: da Reflexão a Prática, Maringá: que essa valiosa lição pode sou a atender 800 beneficiários em 8 ser obtida mediante o estudo e núcleos, distribuídos em 7 polos. Eudem, 2009. a prática do xadrez”, destaca Em que pesem as observa- Wilson da Silva. ções anteriores, a aprovação e exe- AMORIN. O Ensino do Xadrez como cução do PST em Rio Claro, foi um Ferramenta Pedagógica. Revista Co- CONCLUSÃO desafio importante e gratificante nexão Professor. Rio de Janeiro, 2009. para todos os envolvidos neste pro- Disponível em: http://xadrez.altervista. O Programa Segundo Tempo, jeto, desde os profissionais ligados no Município de Rio Claro, iniciou- direta ou indiretamente a este traba- org/xadrez/ensinoxadrez.htm, Acesso -se com a apresentação do Projeto lho, como também para as centenas em: 28/01/2013. Básico no Ministério do Esporte, no de crianças e adolescentes que, três início do ano de 2009; sua aprova- vezes por semana, tiveram a oportu- Prefeitura Municipal de Rio Claro. ção, contudo, se deu em 14 de janei- nidade de trabalhar conteúdos espor- Projeto Básico Programa Segundo ro de 2010 com a sua efetiva publi- tivos, culturais, sociais e cívicos. Tempo: Rio Claro, 2009. cação no Diário Oficial da União. Estes conteúdos desenvol- Em seguida, uma longa e vidos no projeto, com toda certeza, exaustiva “batalha” tomou corpo nas irão contribuir em muito para a for- SCIASCIO, Jorge Sasso; PEDRO, mãos dos responsáveis pela execu- mação moral, social e educacional Jose Cesar; MACHADO, Marcos ção do projeto na forma pleiteada, dos jovens beneficiários do progra- Pisconti. Implantação do Programa pois já de início verificou-se a im- ma e com isso cumprir a finalidade Segundo Tempo no Município de Rio possibilidade de pôr-se em prática o do projeto pactuado. Claro. Gestão Estratégica Pública, convênio aprovado. Maiores informações perti- Originalmente o projeto de- nentes à implantação, execução e Universidade Estadual de Campinas, veria atender a 1000 beneficiados, redistribuição de beneficiários deste Instituto de Geociências, Rio Claro, divididos em 4 polos e 10 núcleos; projeto, merecem outro trabalho para 2011,44p.

38 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Arquivos Escolares: um tesouro em perigo.

Daniela Cristina Lopes de Abreu Doutoranda da FE/USP Professora da Escola Superior de Tecnologia e Educação de Rio Claro E-mail: [email protected]

Introdução

O artigo em questão discute a organização e a manutenção dos arquivos escolares, que constituem instrumentos fundamentais para a história da escola e a construção da memória educativa. Os arquivos escolares constituem o arcabouço das fontes de informação, diretamente relacionadas com o funcionamento das instituições educativas, o que lhes confere uma importância acrescida nos novos caminhos da investigação em educação, colocando tais instituições em posição de grande centralidade para a compreensão dos fenômenos educativos e dos processos de socialização. O trabalho buscou, por meio de um levantamento e catalogação, inventariar a natureza dos documentos do pri- meiro Grupo Escolar da cidade de Rio Claro (textos legais, relatórios, livros de matrículas, livros de frequência, atas de reuniões, folhas de pagamento, lista de mobiliário, entre outros) no período de 1900, ano da criação da escola, até 1940. A organização final deste acervo poderá suscitar novas pesquisas que possibilitem pensar as trajetórias de alunos e professo- res; investigar a organização do espaço escolar; analisar a escola a partir de sua interioridade; discorrer sobre a relação entre arquivos escolares e cultura escolar, ou seja, permite uma multiplicidade de leituras daquela escola.

Arquivos Escolares

Os arquivos e os seus documentos têm adquirido uma importância crescente no campo da história da educação. Eles possuem informações que permitem introduzir a uniformidade na análise realizada sobre os vários discursos que são produzidos pelos atores educativos – professores, alunos, funcionários, autoridades locais e nacionais, os quais têm repre- sentações diversas relativamente à escola e expressam-nas de formas diversificadas. O cruzamento que se estabelece entre os dados obtidos, através da análise dos documentos de um arquivo escolar, permite realizar correlações estreitas entre as diversas informações – também obtidas em fundos documentais externos à escola –, revelando um elevado índice de coerência e lógica internas do fundo arquivístico e o papel central dos seus documentos para a compreensão da organização e funcionamento da instituição que os produziu (MOGARRO, 2001). Os documentos de arquivo (manuscritos e datilografados, no caso dos mais recentes) refletem a vida da instituição que os produziu. No entanto, as informações fornecidas por tais documentos têm, necessariamente, de ser cruzadas com os dados que se encontram em fontes de outra natureza, apresentando-se em suportes variados e sob formas diversificadas. Muitas dessas fontes de informação encontram-se no exterior da escola a que dizem respeito e, consequentemente, do seu arquivo, sendo parte integrante de um universo que hoje é múltiplo e complexo. Esse universo engloba as fontes de informação mais tradicionais e consagradas, assim como aquelas que conquista- ram recentemente o seu lugar neste contexto; reúne fontes produzidas no interior das instituições, e também outras que lhe (ao universo) são exteriores; muitos dos seus documentos estão marcados pela materialidade dos seus suportes, outros pela oralidade com que os atores educativos expressaram os seus discursos. Ao localizar estes materiais, podemos estabelecer uma geografia documental sobre a escola:

99 Textos legais e documentos emanados do poder central; 99 Estatísticas oficiais; 99 Relatórios técnicos, elaborados por inspetores, reitores e diretores de escolas; 99 Regulamentos, circulares, normas e outros textos gerados pela instituição escolar e de circulação interna, mas

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 39 Foto do Grupo Escolar Joquim Salles. Imagem do acervo do Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. Sem data. que também podem ser documentos pólios particulares e revelam o signifi- e formativas, assim como a diversida- que asseguram o fluxo de comunica- cado atribuído pelas pessoas à escola e de e pluralidade dos meios de inter- ção entre o organismo político de tute- aos processos educativos, ao longo dos venção dos agentes educativos. la e a própria escola; seus percursos de vida; Os arquivos escolares devem 99 Documentos administra- 99 Fotografias e outros docu- ser objeto de cuidadosa preservação. tivos e pedagógicos, que constituem mentos de natureza iconográfica; Seu estudo sistemático está longe de grande parte do acervo arquivístico de 99 Testemunhos orais de pro- ser realizado. Nesse sentido, este tra- cada instituição educativa; fessores, alunos, funcionários e outros balho realizou o levantamento do 99 Publicações exteriores elementos que exerceram funções no material localizado no arquivo do à escola – livros, artigos de jornais e sistema educativo, na escola e na co- primeiro Grupo Escolar de Rio Claro, revistas e afins. São trabalhos científi- munidade. resgatando toda a importância da es- cos, pedagógicos e culturais, poesias, cola para o período e organizando um que muitas vezes surgem na imprensa No seu conjunto, essas fontes acervo para futuros pesquisadores que regional e na imprensa pedagógica, da de informação exigem do investigador se aventurarem nessa temática. autoria de professores da instituição, uma atitude necessariamente atenta os quais também publicaram livros, aos contextos educativos e culturais Grupo Escolar Joaquim Salles expressando, por meio dessas diversas em que foram produzidas e à seleção a modalidades a sua cultura profissional; que sucessivamente foram submetidas A implantação dos Grupos Es- 99 Equipamento, mobiliário pelas gerações de atores sociais que as colares no Estado de São Paulo ocor- escolar e objetos de diversa natureza; tutelaram, ocupando diferentes níveis reu no interior do projeto republicano 99 Materiais didáticos, que se de poder decisório sobre elas e sobre de educação popular. Os republicanos encontram na escola, mas também, em a sua preservação ou eliminação. Em mitificaram o poder da educação, de- muitos casos, integram acervos exte- consequência, esses documentos cons- positando nela o poder de regeneração riores à instituição; tituem produções múltiplas, que refle- da nação. Neste sentido, surgem como 99 Trabalhos escolares de alu- tem a própria multidimensionalidade e símbolos, com uma concepção e es- nos que, geralmente, pertencem a es- complexidade das realidades escolares cola renovada e uma nova concepção

40 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 arquitetônica, a qual organiza tempo e uma instrumentação da escola a ser- to estrutural da escola que materializa espaço como apontam Escolano, Fra- viço dos ideais nacionais, religiosos, as concepções e os modos de educa- go e Viñao. sociais e morais. ção, além de instituir um discurso Como bem ressalta Escolano pedagógico e cultural. Os tempos do (1993), a arquitetura escolar é uma for- A escola primária republicana relógio e do calendário são estruturas ma de escritura do espaço. A arquitetu- instaurou ritos, espetáculos, ce- que se internalizam, a partir dos pri- ra é, por si mesma, uma propaganda, lebrações (...) além de divulgar meiros anos de aprendizagem. Marcar uma espécie de discurso que institui a ação republicana, corporificou o tempo escolar constitui um esquema em sua materialidade um sistema de os símbolos, os valores e a peda- básico, destinado à regulação da vida valores, como os de ordem, disciplina gogia moral e cívica que lhe era e necessário, pois o homem tem um e vigilância, marcos para aprendiza- própria. Festas, exposições esco- relógio biológico que precisa de orga- gem sensorial e motora e toda uma se- lares, desfiles dos batalhões in- nização temporal. A ordem do tempo miologia que abrange diferentes sím- fantis, exames e comemorações educativo surgiu, de um lado, como bolos estéticos, culturais e ideológicos. cívicas constituíram momentos aponta Escolano (1992), da interação Para Viñao (1993, p.77), os especiais na vida da escola pelos entre os rituais e as disciplinas da mo- elementos básicos da atividade educa- quais ganhava ainda maior visi- dernidade e, de outro lado, dos mode- tiva são tempo e espaço, uma vez que bilidade social e reforçava sen- los de controle social e os aparatos do a escola, enquanto instituição, ocupa tidos culturais compartilhados Estado contemporâneo. um lugar no espaço, espaço esse que (SOUZA: 1998b, p. 241). Esse tipo de organização tem- tem relações pessoais, interpessoais poral já preparava o indivíduo para o e configurações arquitetônicas que o A organização temporal mar- processo de industrialização, no qual definem. Destaca, ainda, que o lugar cou o ensino primário paulista, quan- era necessário o cumprimento de ho- é sempre o mesmo, onde se aprende, to à divisão do tempo em horários rários pré-estabelecidos. Percebemos se ensina e onde se cria, mas o tem- pré-definidos, à duração do ano letivo que as regulamentações internas da es- po pode ser diferente para professo- e à jornada escolar, mas os programas cola, de certo modo, estavam a serviço res e alunos. Além disso, esse espaço de ensino, a hierarquização de poderes do mercado que então se instalava. jamais é neutro, pois se comunica. O e a divisão de trabalhos, também fize- Conforme destaca Souza autor atribui a difusão desse modelo de ram parte da identidade escolar. (1998a), a formação do homem mo- escola a dois aspectos: o pedagógico e Segundo Souza, derno exigia uma soma maior de co- o arquitetônico. nhecimentos. Ancorados no princípio (...) o grupo escolar republica- da ciência, da valorização da educa- O primeiro implicava a identifi- no inaugura uma nova ordena- cação dos alunos em grupos os ção do tempo escolar. O tempo ção moral e cívica e nas exigências da mais homogêneos possíveis a é, agora, marcado pelo relógio, preparação para o trabalho, iniciam a fim de facilitar o ensino simul- presença obrigatória na parede construção de um projeto cultural a ser tâneo, a fragmentação do currí- de cada sala de aula. O empre- operacionalizado pela escola. Segun- culo em graus e a especializa- go do tempo ganha importância do a autora, esse projeto articulava as ção ou divisão do trabalho dos e significado na organização ideias de uma educação integral (com- professores. O segundo era a racional de ensino da escola pri- preendendo a educação física, intelec- construção dos edifícios ad hoc mária republicana. Em relação tual, moral e as necessidades de homo- com várias salas de aula e a atri- ao uso do tempo, várias pres- geneização cultural e de civilização de buição a cada professor de uma crições são estabelecidas pela massas). Esse é o motivo pelo qual as sala de aula independente sob a reforma da instrução pública em discussões quanto aos programas de supervisão de um diretor. São Paulo: a proposição do ca- ensino serão tão evidenciadas nos rela- lendário escolar que fixará o iní- tórios dos inspetores. O programa era Para os republicanos paulis- cio e o término do ano letivo, as visto como um instrumento por meio tas, o edifício escolar servia também férias, as interrupções devido a do qual a escola realizaria as finalida- como estrutura material para colocar o feriados, o horário das aulas e as des a ela atribuídas.. Nesse sentido, o escudo pátrio, a bandeira nacional, as pausas para descanso: (1998b, p. controle do tempo era, então, impor- imagens e os pensamentos de homens 214). tante. ilustres, os símbolos religiosos, algu- Para Escolano (1992), a me- mas máximas morais e higiênicas, o A propósito, Escolano (1992) diação do tempo resulta ser um poder sino e o relógio, tal fato expressa toda considera o tempo escolar um elemen- sobre a duração, uma conquista em si

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 41 ária entre Santos e Jundiaí, resolvendo o problema do transporte, e a partir de 1876, passou a ser ponto de baldeação das cargas que vinham de São Carlos. Segundo Santos (2000, p. 94)

A influência da Cia. Rio Claro de Estradas de Ferro para a ur- banização de São João Batista do Rio Claro foi considerável. Em primeiro lugar, porque sua sede foi instalada em Rio Claro; formou-se um entroncamento ferroviário na cidade para bal- deação entre as duas bitolas. Em segundo lugar, instalaram ali um dos mais importantes segmentos que vinha somar-se ao já expres- sivo número de serviços ofere- cidos à população. Em terceiro lugar, e extramente importante, demandar trabalhadores e am- pliar a oferta de trabalho, direta ou indiretamente ligados a Cia. Rio Claro. (...) Com o prolon- gamento da linha férrea rumo a São Carlos, Rio Claro deixa de ser ponta de trilho e passa a con- dição de intermediária.

O problema da mão de obra Livro de Matrícula. Foto do arquivo da Escola Joaquim Salles. Datado de 1904. também foi resolvido com a imigra- mesma. Por isso, os calendários foram A cidade de Rio Claro desen- ção. O Estado de São Paulo subsidiou objetos emblemáticos confeccionados volveu-se a partir da expansão cafe- a vinda dos estrangeiros e um grande desde as culturas pré-clássicas, pela eira, na direção do oeste paulista, na número de europeus veio para Rio arte de medir e por detentores carismá- primeira metade do século XIX. As Claro, tanto para o trabalho nas fazen- ticos do poder. Apropriar-se do tempo terras, distribuídas na forma de sesma- das com também para os centros urba- e do espaço são chaves do domínio e rias, foram então ocupadas e a nova nos como aponta a tabela acima. do triunfo. cultura substituiu a da cana-de-açúcar. Nessa perspectiva, os tra- Ao mesmo tempo, posseiros foram ex- A transformação do regime de balhos escolares, as horas e os dias pulsos das terras, e delimitaram-se as trabalho nas fazendas levou à constituem marcos de aprendizagem divisas dos latifúndios. diversificação da economia no e mecanismos de autorregulação do Embora a região possuísse estado. Uma variedade mui- comportamento da infância. A organi- faixas de terras propícias ao plantio to maior de produtos se fazia zação das instituições educativas não do café, o fim do tráfico de escravos necessária a fim de satisfazer são apenas elementos estruturais, são gerava um impeditivo quanto à mão a demanda dos consumidores, também dimensões que afetam toda a de obra. Outro ponto dizia respeito ao e a natureza da economia dos ordem pedagógica da instituição, des- transporte do café até o porto de San- bens de exportação brasileiros de o currículo, os métodos e a cultura tos o que, naquele tempo, era realiza- era tal que as importações não que configuram a realidade educativa. do por animais, tornando a operação podiam dar conta da mesma. Deste modo, a uniformidade das ativi- muito cara e insegura. No entanto, em Alguns imigrantes abandona- dades é imprescindível. 1867 foi inaugurada a ligação ferrori- ram o trabalho agrícola e se

42 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 dedicaram a ofícios. Pequenas docência. Grupo Escolar "Irineu Penteado”, que indústrias multiplicaram-se no Somente em 1896, as unidades serviria os bairros da região norte da interior de São Paulo. O centro públicas de ensino do município pas- cidade. da cidade de Rio Claro industria- saram à categoria de Escolas Reunidas Vale ressaltar que, na Primei- lizou-se notavelmente. Sua po- de Rio Claro, em vias de se tornarem ra República, Rio Claro contava com sição, primeiro como terminal grupo escolar. Após a proclamação da três Grupos Escolares Estaduais, um ferroviário, depois como ponto República, o poder de Rio Claro pas- Grupo Escolar Municipal, o “Barão de baldeação entre a Paulista e sou a ser disputado por dois grupos de Piracicaba” e inúmeras escolas a linha de Rio Claro, de bitola políticos representados por Joaquim isoladas, além de um grande número estreita, aconselha a construção Salles e Marcello Schmidt. de escolas particulares. A origem dos de depósitos de vagões de ambas Joaquim Salles, irmão de grupos escolares em especial, reporta as ferrovias. Uma usina hidroe- Manuel Ferraz de Campos Salles, que entre outros aspectos o poder da aris- létrica começou a funcionar... foi Presidente da República entre 1898 tocracia rural do café – em São Paulo Havia oficinas de construção e 1902, era proprietário de fazendas – e seus respectivos coronéis, patentes de carruagens, selarias, serra- de café em Rio Claro. Foi sob seu dos patronos de inúmeras escolas do rias, olarias, fornos de cal, uma domínio que se instalou, em 1900, período em todo o interior. fábrica de sapatos, várias tipo- a primeira escola pública – Grupo As irmãs da Congregação grafias, oficinas mecânicas e de Escolar– organizado pelo profes- Puríssimo Coração de Maria, que es- fundição. Estabelecimentos me- sor João von Atzingen, em 1900 e, tavam radicadas no município desde nores fabricavam massa, sabão, por força do poder político local foi 1909, trabalhando com uma escola vinagre, colchões, chapéus de chamado de Grupo Escolar Coronel primária na rede privada, fundaram, palha, charutos, foguetes e gelo. Joaquim Salles, que era, então, deputa- em 1928, a Escola Normal Livre que Uma grande cervejaria vendia do por Rio Claro e região. teve, durante muito tempo, importan- 600 mil litros para todo o estado Em 1900, foi também instala- te função na formação de professores (DEAN : 1977, p. 154). da a Central Elétrica de Rio Claro, pro- normalistas para regência de escolas duzindo energia na Usina Hidrelétrica primárias do município e da região. Com o avanço dos trilhos, a Corumbataí. A cidade era iluminada De acordo com Souza (1998b), cidade começa a progredir. Segundo com lâmpadas de arco voltaico, desde no Estado de São Paulo, os Grupos Gonçalves (2001), por volta de 1900, 1895, e já possuía rede telefônica. Em Escolares consolidaram um modelo Rio Claro tinha uma população de 1904, foram concluídas as obras do de escola graduada fundamentada na quase 32 mil habitantes, possuía rede Grupo Escolar Joaquim Salles, que em classificação dos alunos, na divisão do telefônica, energia elétrica e demanda- 1900, trabalhava com classes mascu- trabalho docente e na racionalização va a instalação de uma rede de esgoto. linas e femininas em prédios distintos do ensino. Tais estabelecimentos esco- Rio Claro sofreu grande influ- e passou a contar com dez classes em lares tornaram-se símbolos da educa- ência de imigrantes. Muito antes da funcionamento. Em 1919, o grupo já ção elementar e constituíram, de certa proclamação da República, ainda no distribuía suas dezoito classes em dois forma, uma identidade para o ensino Brasil Império, o Senador Vergueiro períodos. primário no estado de São Paulo e em foi um dos pioneiros a propor o traba- Marcello Schmidt trabalhou todo o Brasil. lho livre com imigrantes em suas fa- na construção da linha da Companhia Complementando essa ideia, zendas Ibicaba e Angélica. Paulista de Estradas de Ferro, e era Faria Filho (2000) apresenta a cria- A convivência dos imigrantes proprietário de fazendas de café e, em ção dos grupos escolares no Estado na cidade e no campo foi fundamental 1904, venceu Salles nas eleições mu- de Minas Gerais, não apenas como para o surgimento de diversos setores nicipais. forma de “organizar” o ensino, mas, comerciais, educacionais, religiosos Tanto o Grupo Escolar principalmente, como uma forma de entre outros. Os alemães e suíços, que "Marcelo Schmidt” foi instalado em “reinventar” a escola, objetivando tor- se instalaram na cidade, influíram de 1911, como o Grupo Joaquim Salles nar mais efetiva sua contribuição aos maneira significativa na organização localizavam-se no centro da cidade, projetos de homogeneização cultural social. Em 2 de dezembro de 1883, mas outros grupos viriam depois e política da sociedade. Reinventar a foi fundada a primeira escola Alemã para servir os bairros. escola significava, entre outras coisas, da cidade, por intermédio do Pastor Entre 1900 e 1920, a popula- organizar o ensino, suas metodologias Jacob Zink, da Igreja Evangélica de ção crescera 2,3% ao ano. Em 1925, e conteúdos; formar, controlar e fisca- Confissão Luterana, o qual contratou ampliou-se a rede de ensino público lizar a professora; adequar espaços e o professor Theodor Köelle para sua com a criação de mais uma escola, o tempos ao ensino; repensar a relação

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 43 Escolar Joaquim Salles. O processo de catalogação passou por procedimentos iniciais de seleção do material locali- zado e agrupamentos, conforme a na- tureza de sua produção. Nos primeiros contatos com o arquivo, observamos que há uma preocupação em organizar e preservar a documentação compro- batória de vida de alunos e professo- res. Dessa forma, o acervo fica acomo- dado em lugares denominados acervos correntes. As demais documentações são encaminhadas ao Arquivo Morto e, dependendo do tempo e de sua ser- ventia, podem ser descartados. As visitas à escola e o projeto de pesquisa tinham como objetivo ini- cial realizar apenas um mapeamento do material conservado. No entanto, quando iniciamos o trabalho, observa- mos não ser possível realizá-lo, uma vez que, inicialmente, seria preciso organizar o próprio arquivo. Neste sentido, foi preciso repensar as ações. A escola Joaquim Salles, também pre- ocupada com a preservação de seu Termo de posse. Foto do arquivo da Escola Joaquim Salles. Datado de 1912. patrimônio cultural, disponibiliza hoje uma sala somente para o arquivo. Os com as crianças, famílias e com a pró- normais no Estado de São Paulo foram documentos encontram-se em fase de pria cidade. responsáveis pela constituição de uma organização, pois, como sabemos, ain- Para Faria Filho, das mais importantes e expressivas da há muita falta de material humano arquiteturas escolares do país. Impor- nas escolas. Seria necessário ter uma (...) os grupos escolares e seu tando da Europa estilos arquitetônicos pessoa somente para cuidar e organi- processo de organização signi- como o neoclássico e o eclético, essas ficavam, portanto, não apenas zar o arquivo presente, já que a escola construções serviram de propaganda foi a primeira do município. Um gran- uma nova forma de organizar das realizações do poder público no de avanço da instituição foi reconhecer a educação, mas, fundamental- campo educacional, simbolizando a mente, uma estratégia de atua- a importância deste acervo e sensibili- importância da educação popular no ção no campo do educativo es- zar a gestão para sua preservação. projeto político, tanto dos republica- colar, moldando práticas, legiti- É importante destacar que nos históricos, como os da nova ge- mando competências, propondo o Grupo Escolar Coronel Joaquim metodologias, enfim, impondo ração, ansiosos por republicanizar a República. Salles é o primeiro grupo escolar da uma outra prática pedagógica e cidade, fundado em 1900, com um dos social dos profissionais do ensi- melhores acervos da cidade, embora no através da produção e divul- Arquivo Escolar: Joaquim Salles ainda não organizado integralmente gação de novas representações escolares. (2000, p. 37). O objetivo deste artigo é, além está disponível para pesquisadores. de evidenciar o cuidado que devemos Além disso, por se tratar do primeiro Para Souza (2009), no início ter com os arquivos escolares, apre- grupo escolar e ter várias escolas iso- do século XX, as construções de pré- sentar os primeiros resultados da série ladas vinculadas a ele, possui muitos dios para grupos escolares e escolas documental encontrada no Arquivo documentos dessas outras escolas.

44 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Tabela 01: Série Documental do Grupo Escolar Coronel Joaquim Salles: 1900 – 1940.

Produtor Série documental Data-limite Quantidade

EE Coronel Joaquim Salles Livro de Chamada 1900 1940 58 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro de Matrícula 1900 1940 28 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro de Correspondência Oficial 1905 1936 01 livro Livro Caixa - Registro de Despesas do EE Coronel Joaquim Salles 1934 1938 02 livros Expediente EE Coronel Joaquim Salles Livro de Faturas 1917 1917 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Mapa de faltas e folha de pagamento 1900 1940 15 encartes EE Coronel Joaquim Salles Atas de Exames 1900 1914 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livro de compromisso de professores 1905 1905 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livro de Correspondências Diversas 1902 1940 05 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro de Ofícios Recebidos 1908 1908 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livro de Licença do pessoal 1914 1914 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livro de inventário de objetos e móveis 1904 1936 03 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro de notas de alunos 1900 1909 02 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro de registro de penas indisciplinares 1908 1908 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livros de Diário Oficial 1900 1915 13 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro - Caixa Escolar 1934 1934 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Rascunho Relatório Inspetoria 1910 1911 02 encartes EE Coronel Joaquim Salles Relatório de Inspeção 1901 1901 01 livro Livro de Requerimento de Dispensa de EE Coronel Joaquim Salles 1924 1924 01 livro Taxas EE Coronel Joaquim Salles Livro de Carga e Descarga 1907 1907 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livro de Movimento de Classes 1910 1920 01 livro EE Coronel Joaquim Salles Livro Ponto - Administrativo 1900 1940 39 livros EE Coronel Joaquim Salles Livro de Eliminações 1912 1912 01 encarte Correspondências professores escolas EE Coronel Joaquim Salles 1921 1921 01 encarte isoladas para o Diretor do Grupo Escolar EE Coronel Joaquim Salles Declaração sobre Ensino Religioso 1935 1935 01 encarte EE Coronel Joaquim Salles Livro de Atas de Reuniões 1931 1940 03 livros

Os livros de chamada ou frequên- Itinerante na Secretaria de Estado considerados de guarda permanente. cia dos alunos, livros de matrículas e da Educação (PGDI/Educação)”. Por essa razão, tais documentos não ponto administrativo dos professores Isto é, as escolas públicas criadas no poderão ser eliminados, mesmo que são os documentos que podem ser início do período republicano foram sejam submetidos à microfilmagem, considerados como série documental, convocadas para informar a documen- digitalização ou a qualquer outra for- ou seja, estão preservados desde a fun- tação que possuem e que foram produ- ma de reprodução devendo ser pre- dação da escola até os anos de 1940. zidas até o ano de 1940. servados pelo próprio órgão produtor, Destaca-se, que o projeto fez O Decreto nº 48.897/2004, ou recolhidos ao Arquivo Público do esse recorte inicial pelos anos 40, artigo 31, inciso III, e artigo 32 deter- Estado (APE). por motivos da própria Secretaria da mina que todos os documentos produ- A tabela a seguir apresenta Educação em projeto de guarda de zidos, recebidos ou acumulados pelos uma listagem dos documentos locali- documentação permanente, nomeado órgãos e entidades da Administração zados de escolas isoladas, rurais e ou- “Programa de Gestão Documental Pública Estadual até o ano de 1940 são tros estabelecimentos:

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 45 Tabela 02: Série Documental Escolas de Rio Claro: 1900 – 1940. Produtor Série documental Data-limite Quantidade EE Marcello Schmidt Livro de nomeação e licenças dos professores 1911 1919 01 livro EE Irineu Penteado Livro de Correspondência - Auxiliar de Inspeção 1938 1938 01 livro EE Marcello Schmidt Mapa de faltas e folha de pagamento 1931 1940 10 encartes EE Marcello Schmidt Livro de Nomeação 1919 1935 03 livros EE Marcello Schmidt Livro de Títulos e Portarias 1940 1948 01 livro Escola Anexa 7ª Companhia de Metralhadoras Livro de Chamada 1919 1919 01 livro Escola isolada Bairro Cachoerinha Livro de Inspeção Escolar 1922 1922 01 livro Escola isolada Bairro Conceição Livro de Inspeção Escolar 1939 1939 01 livro Escola isolada Bairro Conceição Livro de Inspeção Escolar 1939 1939 01 livro Escola isolada Bairro do Cabeça Livro de Inspeção Escolar 1936 1936 01 livro Escola isolada Estação Camaquã Livro de Inspeção Escolar 1940 1940 01 livro Escola isolada Bairro Conceição Livro de Inspeção Escolar 1939 1939 01 livro Escola isolada Fazenda Morro Grande Livro de inventário de objetos e móveis 1939 1939 01 livro Escola isolada Fazenda Pindorama Livro de inventário de objetos e móveis 1940 1940 01 livro Escola isolada Fazenda São José Livro de Matrícula 1940 1940 01 livro Escola isolada Fazenda São José Livro de Matrícula 1939 1939 01 livro Escola isolada Pau d'Alho Livro de Inspeção Escolar 1939 1939 01 livro Escola Mista Rural e Itapé Livro de Chamada 1926 1936 04 livros Livro de nomeação e licenças dos professores de Escolas Isoladas 1914 1914 01 livro escolas isoladas

Considerações Finais REFERÊNCIAS

Observa-se a importância de DEAN, W. Rio Claro: Um sistema bra- MOGARRO, M. J. Projecto: História e preservar os arquivos escolares, para a sileiro de grande lavoura. Tradução de memória da escola. Aprender – Revis- Waldívia Marchiori Portinho. Rio de Ja- ta da Escola Superior de Educação de história da escola, ou seja, a materiali- Portalegre, 24.out.2001 p. 91-93. dade escolar é fundamental para efe- neiro: Paz e Terra, 1977. tivação de leituras sobre a escolariza- SANTOS, Fábio Alexandre dos. Rio ção. Dessa forma, há que se incentivar ESCOLANO, A. Tiempo y Educación. Claro: uma cidade em transformação Notas para una genealogia del almana- as pesquisas quanto às organizações – 1850-1906. Dissertação de Mestrado. que escolar. In: Revista de Educación, escolares e seus acervos. Campinas, 2000. nº 298, 1992, p. 55-79. É preciso reconhecer que SOUZA, Rosa Fátima de. O direito à a guarda de objetos escolares como ______. Tiempo y Educación. La educação: lutas populares pelas escolas carteiras, globos, mapas, livros, cader- formación del cronosistema. Horario en em Campinas. Campinas: Editora Uni- nos, entres outros objetos, possibilitam la escuela elementar (1825-1931). In: camp: Área de Publicações CMU/Uni- pistas das múltiplas maneiras como Revista de Educación, nº 301, 1993, p. camp, 1998a professores e alunos constituíram in- 127-163. ______Alicerces da Pátria: histó- teligibilidades e suscitam a investiga- ria da escola primária no Estado de São ção sobre diferenciadas formas de sua FARIA FILHO, Luciano Mendes de. Paulo (1890-1976). Campinas: Mercado apropriação, oferecendo ao pesquisa- (org). Arquivos, fontes e novas tecno- das Letras, 2009. dor possibilidades de apropriar-se de logias: questões para a história da edu- um tempo escolar, suas formalidades e cação. Campinas: Autores Associados; ______. Templos de civilização: a práticas. Bragança Paulista, SP: Universidade implantação da escola primária gradua- da no Estado de São Paulo (1890-1910). Destaca-se, ainda, a necessi- São Francisco, 2000. São Paulo: Ed. UNESP, 1998b. dade de políticas em âmbito nacional, GONÇALVES, Paulo Celso Costa. For- que estabeleçam a preservação desse VIÑAO, A. La renovación de la organi- patrimônio educativo, para que pos- mação do trabalhador e ensino profis- zación escolar: la escuelagraduada. In: samos estabelecer diálogos profícuos sional: a escola profissional masculina SAUTER, G. O. (coord.). Psicologia y com a história da educação e suas prá- de Rio Claro. Campinas. Dissertação de pedagogia en a primeira mitad del si- Mestrado. 2001. ticas de escolarização. • glo XX. Madri: UNED, 2003, p. 73-104.

46 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 A Grande Fábrica de Móveis José Palazzo Anselmo Ap. Selingardi Jr. Perito Judicial em Arqueologia e Documentação Histórica Inscrição: Nº 1417 SP E-mail: [email protected]

Em pé, da esquerda para a direita: Edelvina, José, Maria Selma, Emília, Odair, Jamil, Evaldo, Yolanda, Domingos, Ângelo e Palmiro Izzi. Sentados, da esquerda para a direita: Carolina, Maria Dagnone, Emília, Nicola, Maria Arminda Nobre Franco, Maria, e as crianças Djalma e Creusa Aparecida. Sem data. Acervo da Família José Palazzo.

A “Grande Fábrica de Móveis José Palazzo”, uma das mais antigas lojas de móveis de Rio Claro, localizava-se à Rua 6, números 1529 e 1531, entre as Avenidas 8 e 10, a atual Hidraúlica Fonteluz. Giuseppe (José) Palazzo nasceu no dia 4 de outubro de 1900, em Civitanova Del Sannio, Província de Campobasso, Itália. Chegou a Rio Claro aos três anos de idade, juntamente com o irmão Ângelo e os pais Nicola Maria Palazzo e D. Emília Di Tomaso. Aqui nasceram os outros filhos Domingos, Maria que se casou com Palmiro Izzi e Carolina com Frederico Speglis. Muito jovem, humilde, alegre e comunicativo, Giuseppe prestou serviços na antiga “Companhia Paulista de Estradas de Ferro”, tornando-se brilhante artífice em marcenaria e na confecção de móveis. Em 1923, foi inaugurada, junto à residência de seus pais, a “Grande Fábrica de Móveis José Palazzo”, na Rua 6, en- tre as Avenidas 8 e 10, com três amplos salões e mezanino, confrontando com imóveis de Silvério Cornachione e Paschoal Di Giovanni, tendo ao fundo o Córrego da Servidão. No local, eram confeccionados móveis famosos pelas entalhaduras

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 47 Hellmeister e pela auxiliar Vera Botta. Em 1º de maio de 1926, aos vinte e seis anos de idade, José contraiu matrimônio com D. Maria Dagnone, natural de Rio Claro, filha de Cosmo Dagnone e de D. Arriqueta Prioli (de Nápoles, pais de Ângelo, Paschoal, José, Dolorata e Carmela). O casal teve as filhas Emília Leonildes que se casou com Mário Lúcio Landi (pais de Luiz Fernando, químico industrial, casado com Regina Célia Arnosti, empresária; Rosângela Leonildes, professora, que se casou com Sérgio Aparecido Etiqueta impressa para os móveis artesanais feitos por José Palazzo. Sem data. Autoria Squissato, técnico agropecuário; desconhecida. Lucia Maria, professora, casada com Guilhermo Hertz, químico industrial; de extremo bom gosto, resistência e du- Tal era o volume de enco- Maria José, professora, casada com rabilidade, feitos com excelentes ma- mendas – despachadas nos vagões da José Nelson Bertevello, professor) e deiras trazidas do Paraná. Contam-nos “Paulista” para as diversas regiões do Edelvina, que se casou com André seus parentes que, para o desespero Brasil – que José admitiu novos em- Real Dias. Falecida, prematuramente, de José, seus netos brincavam e pula- pregados e aprendizes na confecção aos 29 anos de idade, em 3 de janeiro de vam entre os móveis, parando somente de móveis. Dentre os competentes 1961, Edelvina deixou uma filha, Maria quando ouviam se aproximar o solda- funcionários destacaram-se Scopinho, José, com 2 anos, que foi educada pelos do Pernambuco, com voz forte e gros- Diório, João Camargo, José Martins, avós, com enorme zelo e afeto. sa, que quase diariamente lá parava Alcides Arraes, Hellmeister, Ben-Hur À época, a próspera e concei- para conversar, pois era seu caminho Paes da Silva, Odair e Djalma Izzi. tuada firma possuía modernos equipa- para a “Coloninha”, onde morava, en- A parte contábil era brilhantemen- mentos: grande quantidade de banca- tre as Avenidas 12 e 14. te dirigida pela firma de Ethelwood das, máquinas, moldes, ferramentas, além de inúmeras serras de fita. Con- forme relatos, a Igreja de Santa Cruz, o antigo Seminário – Congregação dos Padres Stigmatinos e a Família Ortolan, residente em Ipeúna, guar- dam móveis artesanais fabricados por José Palazzo. Em 5 de novembro de 1956, José Palazzo foi declarado brasileiro, de acordo com a Lei de Nacionalidade nº 818, de 18 de setembro de 1949. Esse italiano/brasileiro, lutador, faleceu em 10 de maio de 1975, aos 75 anos, de enfisema, assistido pelo Dr. Mário Antonio Fittipaldi. D. Maria seguiu-o poucos anos depois, em 29 de junho de 1979, de neoplasia das vias biliares, aos 78 anos de idade. Homem carismático e respei- tado pelos seus conterrâneos, José era perfeccionista, honesto, bem-humora- do e brincalhão, traços esses marcan- tes da família Palazzo. Nas viagens Buffet aparador em madeira. Sem data. Acervo: Palmiro e Zenaide Ortolan.

48 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 mensais de negócios a São Paulo e deles mesmos. São Bernardo do Campo, juntamente Naquela época, havia uma com o Sr. Antonio César, o “Toninho”, figura folclórica, o carroceiro “Tonhão também comerciante de móveis, com Reis”, cunhado do Sr. Sebastião loja na Rua 8, entre as Avenidas 8 e 10, Generoso, proprietário do afamado José gostava muito de levar seus netos. “Restaurante Líder” que, durante o José e D. Maria dedicaram-se carreto dos móveis, anunciava: “Lá ao árduo trabalho de confecção e for- vem o Tonhão...”; “Seu Zé, bom dia”. necimento de móveis para Rio Claro, Hoje, o antigo local da Grande cidades do Estado de São Paulo e do Brasil. Aos poucos, foram progredin- Fábrica de Móveis abriga as modernas do. Em meados de 1967, logo após instalações do estabelecimento comer- completar quarenta e quatro anos de cial “Hidráulica Fonteluz”, coman- Cama de casal em madeira. Sem data. existência, o renomado estabeleci- dado pelos netos e bisnetos de José Acervo: Palmiro e Zenaide Ortolan.

Armário em madeira com puxadores em metal. Sem data. Acervo: Palmiro e Zenaide Ortolan. Imóvel onde funcionou a antiga “Grande Fábrica de Móveis José Palazzo”. Sem data. Autoria desconhecida. mento comercial encerrou as ativida- Palazzo. des. Naquela época, faziam enorme “Lá é como no tempo de nosso sucesso suas mesinhas de centro que avô, apesar de nova tecnologia comer- exibiam gravuras japonesas de guei- cial e de todos que lá trabalham terem xas, com o Monte Fuji ao fundo. curso superior, é um ponto de bons ne- Cumpre lembrar, também, a gócios, boa conversa, contos, comen- destacada atuação do competente in- tários políticos, esportivos e técnicos, dustrial Ângelo Palazzo (e descenden- com aquela boa aguinha e a mesma tes), fundador de tradicional sapataria placa do estabelecimento de José e fábrica de calçados localizada no Palazzo (Agradecemos a Preferência)”, Bairro de Santa Cruz. Aos inúmeros relata a neta Rosângela. fregueses da zona rural, os irmãos di- Registre-se, na oportunidade, ziam afetuosamente: “os chapeludos a valiosa colaboração da Sra. Lucia vêm vindo”. Como propaganda de Maria que, com Luiz Fernando, muito Cristaleira em madeira. Sem data. seus negócios, cada qual dizia em sua contribuíram para o desenvolvimento Acervo: Palmiro e Zenaide Ortolan. loja – “já foi no meu irmão” – e riam-se das pesquisas históricas. •

Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 49 As práticas educativas no ensino primário – Um estudo histórico sobres as Escolas Isoladas de Rio Claro (1940-1960)

Kamila Cristina Evaristo Leite Graduanda do curso de Pedagogia - UNESP / Campus Araraquara Bolsista IC/CNPq [email protected]

Este texto tem como objetivo apresentar resultados preliminares de pesquisa de iniciação científica em desenvolvi- mento, projeto intitulado: “As Práticas Educativas das Escolas Isoladas Primárias Paulistas (1940 a 1960)”. O estudo incide sobre as escolas primárias públicas da cidade de Rio Claro, especialmente, as denominadas escolas isoladas. A principal fonte de pesquisa utilizada na investigação compreende os Livros Atas das Reuniões Pedagógicas das Professoras das Escolas Isoladas, que foram localizados no primeiro Grupo Escolar da Cidade, atual Escola Estadual Cel. Joaquim Salles. As atas constituem registros de reuniões realizadas mensalmente com a participação das professoras e das autoridades de ensino, isto é, Inspetores de Ensino e Auxiliares de Inspeção. Por meio da consulta a essa documentação, pretendemos reconstruir aspectos da cultura escolar das escolas isoladas, isto é, vestígios do exercício da docência e das práticas de ensino e do cotidiano escolar. Para contextualizar as práticas educativas das Escolas Isoladas Primárias faremos, inicialmente, uma caracterização do ensino primário no Estado de São Paulo, com base nas normas previstas no Código da Educação de 1933, e na Consoli- dação das Leis do Ensino, de 1947. O Código da Educação de 1933 estabelecia que o tempo de duração no ensino primário seria diferenciado entre os grupos escolares e as escolas isoladas, pois os grupos teriam seu curso com quatro anos mais um ano de caráter pré-vocacional. Nas escolas isoladas, a duração seria de três anos. E, para que houvesse o funcionamento des- sas escolas isoladas, deveria existir, dentro de um raio de dois quilômetros, 40 crianças em condições de matrícula. Para os alunos das escolas isoladas rurais, o ensino visava a um programa diferenciado, onde se privilegiariam a prática e a fixação do homem em seu meio, o campo. Conforme o artigo 178, da Consolidação das Leis do Ensino de 1947, as escolas primárias públicas eram classifi- cadas da seguinte forma: escolas isoladas, grupos escolares, cursos primários anexos às escolas Normais, cursos populares noturnos e escolas experimentais. Referentes às escolas isoladas, nosso objeto de estudo, elas se dividiam em urbanas, distritais e rurais. Como foi assinalado anteriormente, o objetivo desta investigação é reconstituir vestígios da cultura escolar das Es- colas Isoladas do Estado de São Paulo. Para uma definição do termo cultura escolar, utilizamos o conceito de Dominique Julia, que afirma:

Para ser breve, poder-se-ia descrever a cultura escolar como um conjunto de normas que definem conhecimentos a ensi- nar e condutas a inculcar, e um conjunto de práticas que permitem a transmissão desses conhecimentos e a incorporação desses comportamentos; normas e práticas coordenadas a finalidades que podem variar segundo as épocas (finalidades religiosas, sociopolíticas ou simplesmente de socialização). Normas e práticas não podem ser analisadas sem se levar em conta o corpo profissional dos agentes que são chamados a obedecer a essas ordens e, portanto, a utilizar dispositivos pedagógicos encarregados de facilitar sua aplicação, a saber, os professores primários e os demais professores. (JULIA, 2001, P.10 e 11). O conceito de cultura escolar diz respeito, portanto, aos aspectos internos da escola, as práticas de transmissão e apropriação do conhecimento.

50 Revista do Arquivo | Rio Claro | Junho de 2013 Vestígios da cultura escolar das utilizava do ensino simultâneo, tendo desse tipo de escola e sua relação com Escolas Isoladas de Rio Claro cada professor uma sala de aula, isto o ensino primário. é, uma sala para cada uma das séries No que diz respeito às reuni- Nos anos de 1940, podemos do ensino primário. Como exemplo, ões pedagógicas das professoras das encontrar no cenário da instrução pú- temos o Grupo Escolar Cel. Joaquim Escolas Isoladas, elas eram estrutura- blica do Município de Rio Claro, 4 Salles, o primeiro instalado na cida- das em duas partes: a administrativa Grupos Escolares: o Grupo Escolar de de Rio Claro, tendo sido planejado e a pedagógica. Essas reuniões eram Cel. Joaquim Salles, o Grupo Escolar conforme os pr