O Momento Literário

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O Momento Literário Literatura Literatura GENIRA CHAGAS COELHO NETO JOÃO RIBEIRO SILVA RAMOS JÚLIA LOPES DE ALMEIDA INGLÊS DE SOUSA SÍLVIO ROMERO SOUSA BANDEIRA JOÃO PAULO EMÍLIO CRISTÓVÃO O momento literário DOS SANTOS COELHO BARRETO (JOÃO DO RIO), EM 1909 COLETÂNEA DE ENTREVISTAS COM ESCRITORES PUBLICADA NO SÉCULO XX RESGATA O PAPEL DA IMPRENSA COMO SUPORTE PARA AS PRODUÇÕES LITERÁRIAS momento literário, obra de João do Rio 1891 realizou para o jornal L’ Éch o de Paris Garnier, que quatro anos depois publicou em O lançada em 1909 pela Garnier, foi re- uma série de entrevistas com importantes livro as entrevistas com Coelho Neto, João edita neste 2019 por Rafael Copetti Editor. escritores, publicadas no ano seguinte no Ribeiro, Silva Ramos, Júlia Lopes de Almei- A ideia de organizá-la é das professoras Sil- livro Enquête sur l’évolution littéraire, a fim da e Francisco Felinto de Almeida, Inglês de via Maria Azevedo e Tania Regina de Luca, de averiguar, desde problemas sociais de seu Sousa, Rocha Pombo, Magnus Söndhal, Me- ambas da Faculdade de Ciências e Letras país, até as tendências do campo literário. deiros e Albuquerque, Garcia Redondo, Félix (FCL) da Unesp, Câmpus de Assis, após Com esse projeto, a que chamou de “repor- Pacheco, Osório Duque-Estrada, Guimarães terem oferecido um curso de pós-graduação tagem experimental,” Huret destacou-se no Passos, Afonso Celso, Sílvio Romero, Mário em que trabalharam temas das disciplinas cenário midiático da época. Pederneiras, Clóvis Beviláqua, Rodrigo Otá- de História e Literatura. O objeto de estudo João do Rio, pseudônimo do escritor João vio, Fábio Luz, Padre Severiano de Resende, do curso foi a imprensa como suporte para Paulo Emílio Cristóvão dos Santos Coelho Alberto Ramos, Augusto Franco, Júlio Afrânio, as produções literárias. “É quase impossí- Barreto, deu a mesma denominação para sua Sousa Bandeira, Lima Campos, Frota Pessoa, vel pensar o campo intelectual brasileiro do série de entrevistas. Ele justificava a inicia- Laudelino Freire, Pedro do Couto, Gustavo começo do século XX sem levar em conta a tiva afirmando que “a imprensa que fala de Santiago, Elísio de Carvalho. Acrescente-se imprensa,” diz Tania de Luca. “Particular- toda gente, só não falou ainda dos literatos. os escritores que não responderam ao inqué- mente O momento literário nos interessou Entretanto nós somos um país de poetas!” rito, mencionados por João do Rio no final do porque o trabalho de João do Rio colocou os Para o escritor e jornalista carioca, o inte- livro: nomes como Machado de Assis, Graça escritores como personagens da narrativa,” resse do público não eram as obras, mas a Aranha, Aluízio Azevedo, Arthur Azevedo, enfatiza Silvia Azevedo. vida dos autores. Alberto de Oliveira, Gonzaga Duque, Emílio O livro é uma coletânea de 36 entrevistas, Os convites aos literatos acerca do inqué- de Meneses e José Veríssimo. realizadas com importantes escritores brasilei- rito foram enviados por carta. As respostas Os participantes foram inquiridos a co- ros no decorrer do ano de 1905, originalmente foram colhidas por carta ou pessoalmente. mentar suas leituras de formação, indicar a publicadas no conceituado jornal Gazeta de Os escritores que aceitaram o chamado fi- principal obra entre as próprias produções e Noticias, do Rio de Janeiro. Ter a intimidade guravam entre os nomes de grande prestígio sobre o estado atual da poesia e da prosa no dos literatos como foco da informação era uma na época, embora muitos deles estejam to- Brasil. Também foram instados a se posicio- novidade aqui nos trópicos. Nesse sentido, o talmente esquecidos na atualidade. Coroada nar a respeito da formação de centros literá- escritor fluminense inspirou-se no trabalho de sucesso, a iniciativa pioneira de João do rios nos Estados. Foi a última pergunta – o do jornalista francês Jules Huret, que em Rio foi bem aceita pela prestigiosa editora jornalismo, especialmente no Brasil, é um 16 UNESPCIÊNCIA | JUNHO 2019 JUNHO 2019 | UNESPCIÊNCIA 17 Literatura Literatura GENIRA CHAGAS Professoras Silvia Maria Azevedo (à esq.) e Tania Regina de Luca, ambas Chagas © Genira da Faculdade de Ciências e Letras que envolveu duas áreas, o inquérito é impor- no que diz respeito ao estilo”. (FCL) da Unesp, tante não somente pelo seu caráter documen- Na introdução do livro, as organizadoras Câmpus de Assis tal, uma vez que fornece uma fotografia de destacaram a opinião de alguns entrevistados. como a produção literária era compreendida Por exemplo, para Garcia Redondo o jornal na época, mas também por colocar em cena “estimula o cultivo das letras.” Otimista, Cur- dois narradores: o entrevistado e o entrevista- velo de Mendonça assinalou que a imprensa dor, que igualmente se converte em escritor. “é a vida do país.” Sílvio Romero enfatizou “João do Rio ficcionaliza a narrativa de cada que “o jornalismo tem sido o animador, o entrevista,” explica a docente Tania de Luca. protetor, e, ainda mais, o criador da litera- O jornalista não publicava as respostas tal tura brasileira há cerca de um século.” Para como as havia colhido. As entrevistas eram Medeiros e Albuquerque, “em nenhum país enriquecidas com descrições romanceadas de grande literatura deixa de haver grande acerca da figura do entrevistado, do lugar jornalismo.” onde ocorria o encontro, aspectos que iam Dentre os aspectos desfavoráveis à litera- O MOMENTO LITERÁRIO, ao encontro do imaginário do leitor sobre os tura, os entrevistados mencionaram princi- Joao do Rio, seus ídolos. O encontro com Olavo Bilac, cuja palmente a falta de tempo, mercantilização Editora Rafael Copetti Editor, entrevista só aparece no livro, resultou em e banalização. Osório Duque-Estrada, autor 368 pág. uma narrativa com o seguinte preâmbulo: “A da letra do Hino Nacional Brasileiro, resu- casa do poeta é de uma elegância delicada miu bem o sentimento: “Atualmente é um e sóbria. Ao entrar no jardim, que é como péssimo fator. Dominou o espírito prático da um país de aramas, cheio de rosas e jasmins, época; o jornalista está quase substituído pelo ouvindo ao longe o vago anseio do oceano, repórter; as redações, de focos intelectuais, Anúncio de lançamento fator bom ou mal para a arte literária? – que eu levava n’alma um certo temor.” “Isso é converteram-se em casas de negócios; as co- DO JORNAL AO LIVRO O momento literário. motivou a escolha de O momento literário uma criação literária,” comenta a professora lunas da imprensa estão quase trancadas às Desde a primeira edição, em 1909, O momento literário trazia apenas Fonte: Gazeta de uma reunião de entrevistas, não necessariamente na mesma ordem das Notícias, ano XXXV, n. pelas docentes da Unesp, quando ministra- Tania de Luca. produções intelectuais; os talentos reais, que publicações em a Gazeta de Notícias, em 1905. Faltavam informações 21, 21 jan. 1909, p. 6; A ram o curso de pós-graduação. Elas avaliam, Com suas múltiplas abordagens, O mo- ainda colaboram nela, já refletem o espírito para contextualizar a obra no seu período histórico. Para corrigir essa Notícia, ano XVI, n. 23, necessidade, as professoras empreenderam uma pesquisa de fonte que 27 jan. 1909, p. 4 na introdução do livro, que a questão sobre mento literário ilustra bem o espírito de seu prático dessas empresas mercantis: a crôni- resultou na atual edição de O momento literário. “A introdução funciona jornalismo inscreve-se no contexto da moder- tempo. O inquérito atendia ao interesse do ca política, o comentário sobre os assuntos nesse sentido. As edições que conhecemos traziam a obra com uma nização da imprensa, da profissionalização, leitor, que desejava saber o que pensavam os da vida burguesa e conservadora, a chalaça apresentação muito sucinta,” informa Silvia Azevedo. Além de uma introdução bem detalhada sobre a mudança de suporte visibilidade e consagração do escritor, assim escritores que dominavam a cena cotidiana pérfida, o verso mordaz e a invectiva sórdida na realização do inquérito – do jornal ao livro –, o momento da assinatura como da massificação da produção veicula- da época, que figuravam em revistas e nos ou desabalada substituíram a obra forte da do contrato entre João do Rio e a editora Garnier, as autoras trazem jornais cotidianos, então elemento indispen- intelectualidade.” informações sobre o autor e o projeto, falam das entrevistas, da organização do livro e das questões propostas aos escritores. A data correta da sáveis à formação cultural e intelectual da Olavo Bilac tinha opiniões ambíguas so- primeira edição do livro – 1909 – é outra importante contribuição. “A O INQUÉRITO ATENDIA AO INTERESSE DO LEITOR, QUE sociedade. Com tantas possibilidades de es- bre a questão. De um lado assinalava que “o edição original da Garnier não tem data. Nós a descobrimos a partir de DESEJAVA SABER O QUE PENSAVAM OS ESCRITORES tudo, a obra de João do Rio tornou-se biblio- jornalismo é para todo escritor brasileiro um anúncios de jornal,” esclarece Tania de Luca. Outras novidades da atual edição são as notas de rodapé com informações QUE DOMINAVAM A CENA COTIDIANA DA ÉPOCA, grafia obrigatória do curso. grande bem. É mesmo o único meio do escri- sobre autores, obras e referências históricas mencionadas durante as QUE FIGURAVAM EM REVISTAS E NOS JORNAIS tor se fazer ler. O meio de ação nos falharia entrevistas. Também se descobriu que o livro traz sete entrevistas que AS RESPOSTAS absolutamente se não fosse o jornal – porque não foram publicadas em a Gazeta de Notícias, dentre elas, a do então popular escritor Olavo Bilac, que abre o inquérito. Dentre as cinco perguntas propostas, vale o livro ainda não é coisa que se compre no A capa reproduz uma imagem do Real Gabinete Português de Leitura, da em jornais e revistas, temas que podem ressaltar as respostas relativas aos efeitos da Brasil como uma necessidade.” Por outro, com sede no Rio de Janeiro, local escolhido pela mãe de João do Rio ser abordados a partir do inquérito de João imprensa na literatura.
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