A Presença Dos Ausentes": a Tare a Acadêmica De Criar E Perpetuar Vultos Literários
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"A Presença dos Ausentes": a Tare a Acadêmica de Criar e Perpetuar Vultos Literários Alessandra El Far Uma imortalidade tangível No início da década de 1920, o romancista e membro da Academia Brasileira de Letras Coelho Neto publicava nos jornais um artigo em que explicava aos leitores a importância de se erguer um monumento a Machado de Assis por subscrição nacional. Desta vez, em lugar de o governo ou alguma instituição privada tomar as rédeas do empreendimento, Coelho Neto clamava pela participação conjunta da população que, ao doar dinheiro para a construção de uma égide comemorativa ao nosso grande escritor, tomaria consciência da importância dos "vultos dos seus heróis" na vida nacional. ''A presença dos ausentes", para Coelho Neto, era imprescindível na configuração de uma memória comum, capaz de unir a nação em torno de um mesmo culto. Isto porque, através dos monumentos, "os mortos continuarão a trabalhar na vida pela glória da terra de que se geraram e à qual reverteram no giro da perpetuidade, estimulando, com o exemplo do que fizeram, as gerações que por eles passarem" (Coelho Neto, 1924: 53). 119 estudos históricos. 2000 - 25 A idéia de construir um monumento a Machado de Assis assinado pelo povo partia da Academia Brasileira de Letras. Na época, a Academia já havia l herdado os milhões do livreiro Francisco Alves e podia patrocinar qualquer estátua sem precisar da ajuda financeira de ninguém. No entanto, os acadêmicos, representados por Coelho Neto, consideravam de suma importância que o culto à figura do grande romancista não fosse algo circunscrito apenas a seus pares, e sim abrangesse a cumplicidade de todo o país. Apesar de ser esta uma proposta ousada e pretensiosa, a iniciativa de erguer bustos e monumentos a literatos, seja por subscrição nacional, por financiamento do governo ou por conta da própria Academia, sempre esteve presente na história da instituição. Desde sua fundação, em 1897, a Academia frisava sua preocupação de trabalhar pela glória e imortalidade dos homens de letras. Além de zelar pela língua e pela literatura brasileira, salientava, através dos inúmeros discursos de seus membros, sua tarefa de garantir a memória daqueles que dela faziam parte. Se os políticos, advogados, cientistas, engenheiros e médicos eram constante mente lembrados por seus feitos, os romancistas, poetas e cronistas, por suas qualidades ímpares, mereciam igual admiração. A literatura representava, para muitos daqueles literatos, "o substratum da nossa nacionalidade". Para além das "contingências da história e da política", a língua, nas palavras de José Veríssimo, por exemplo, demonstrava ser um viés primordial de expressão, pois era por meio dela que exprimíamos as nossas emoções, sentimentos e aspirações (Veríssimo, 1977, 6a série: 85). Assim, os literatos, como os demais homens eminentes do país, deveriam ser homena geados e glorificados. Ao usar como modelo a Académie Française criada por Richelieu em 1635, a Academia Brasileira de Letras já anunciava sua intenção de adotar os principais preceitos da instituição francesa, entre eles o estatuto da imortalidade. Todos aqueles que pertencessem aos quadros da associação nascente seriam qualificados de imortais, tendo seu nome e sua obra enaltecidos pelos demais e lançados à posteridade nas sucessivas sessões ordinárias e celebrativas. 2 Apesar das dificuldades financeiras de seus primeiros anos de vida, a Academia logo dirigiu seus esforços no sentido de instaurar uma série de eventos que permitissem enraizar na memória dos brasileiros a glória de determinados homens de letras, procurando fazer deles expoentes da vida nacional. Se, ainda nas sessões preparatórias, alguns acadêmicos frisavam a importância da escolha de um patrono para cada uma das 40 cadeiras, com o objetivo de implantar uma tradição, mesmo sendo ela uma tradição inventada, ao longo dos anos passou-se a deba_er a aquisição de bustos, retratos ou objetos pessoais de grandes literatos já falecidos a fim de manter presentes suas imagens e feitos. 120 - A Presença dos Ausentes J á nas primeiras reuniões da Academia foram apresentados projetos que ambicionavam perpetuar a memória de seus membros. Em maio de 1898, Valentim Magalhães e Lúcio de Mendonça propuseram que cada um dos sócios fizesse um estudo biográfico sobre seu patrono (Ata de 16/5/1898). Os 40 ensaios seriam vendidos ao editor que oferecesse melhor pagamento. Diante do fracasso de tal empreitada, dois anos mais tarde, Rodrigo Otávio sugeriu algo menos trabalhoso, a publicação, no primeiro boletim acadêmico, das biografias dos sócios falecidos. Haveria também uma sessão em que esses textos seriam lidos em público. Em várias outras reuniões foi debatida a composição de estudos biográficos, porém, diante da pequena disponibilidade dos acadêmicos, pouco se fez a respeito. A confecção de estátuas foi também uma iniciativa constante da Acade mia. Nos seus primeiros 20 anos de vida, sem dinheiro disponível, os integrantes viam-se na obrigação de negociar com alguns políticos a concessão de verbas destinadas a perpetuar a imagem dos nossos homens de letras. Em 19 11, por exemplo, Mário de Alencar, filho do renomado autor de Iracema, sugeriu a confecção dos bustos de Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e Joaquim Nabuco, que haviam falecido recentemente, a fim de colocá-los na sala das sessões. Diante do alto preço cobrado por Rodolfo Bernardelli, os acadêmicos resolveram con tratar os serviços de um artista francêspouco conhecido no Brasil, chamado Magrou. Graças à sua simpatia pelos brasileiros, Magrou concordou em fazer o trabalho por um preço mais em conta, como explica a José Veríssimo o escritor Sousa Bandeira, que na época residia em Paris: "( ...) procurei Magrou, escultor de nomeada, premiado no Salão, autor da estátua de Pedro II e de outras obras de arte que estão no Rio. Ele tem muito talento, gosto e desejo de ser agradável aos brasileiros. Conhece um pouco a nossa literatura, tem admiração pelo Machado e pelo N abuco, e penso que poderá fazer alguma coisa de bom. O preço dele é de 5.000 francos por busto, somente para o modelo e a fundição, o que estava muito longe do que temos. Expus-lhes as nossas condições, fiz-lhe ver que eu só tinha 8.000 francos e pedi que dissesse o último preço. Obtive dele, excepcionalmente, uma proposta de 12.000 francos pelos três bustos, compreen- , dendo a embalagem, transporte, em suma, postos no Rio de Janeiro. E o menos que podemos obter, tendo a obra assinada por um homem de valor, se bem que não haja atingido ainda às culminâncias" (RABL,1932, voI. 40: 249). Com a herança do livreiro Francisco Alves, em 1917, a confecção de esculturas comemorativas poderia ser posta em prática sem muitos empecilhos. Assim sendo, no finalda segunda década do século XX apareceram, ao longo das sessões semanais, sucessivas sugestões. A primeira da série foi a de fazer um busto do próprio Francisco Alves pela ajuda prestada à Academia. Em 1919, veio à tona estátuas mármore de a idéia de encomendar de Olavo Bilac e Castro• Alves. A 121 estudos históricos. 2000 - 25 Academia contribuiu também, com doações em dinheiro, para a construção, em 1920, do monumento a Bilac da Faculdade de Direito de São Paulo e, um ano mais tarde, do monumento a Joaquim Manuel de Macedo em Itaboraí. Além das esculturas, a Academia procurou, durante anos, compor uma galeria de retratos de todos os seus membros e patronos. Desde 1910, Mário de Alencar pedia aos colegas que colaborassem trazendo fotografias de todos os acadêmicos, para que estas fossem reproduzidas em igual tamanho. Porém, dian te do pequeno material reunido, foi preciso contratar um fotógrafo profissionalpara continuar o trabalho (Ata de 23/3/1921). N o início da década de 1910, a Academia começou a discutir a aquisição de determinados patrimônios que haviam pertencido aos nossos literatos. Numa sessão em 1912, a casa de Tomás Antônio Gonzaga, em Ouro Preto, foi posta em debate (Ata de 26/10/1912). Um ano depois, Sousa Bandeira lembrava até mesmo 3 do sabugueiro da casa de Raimundo Correia, tão caro ao poeta. Na pauta do dia 20 de junho de 1918, como outro exemplo, entrava em debate a aquisição da biblioteca do barão Homem de Melo e da casa de Machado de Assis. Todas essas aquisições culminaram com a proposta de Mário de Alencar de criar um museu ou um relicário da Academia destinado a guardar manuscri tos, autógrafos, edições princeps e outros objetos que estivessem relacionados diretamente com a vida e o trabalho dos escritores brasileiros falecidos. Dizia Mário de Alencar: Na Europa há um culto generalizado pelos objetos e lembranças dos grandes escritores. Em Weimar, a casa de Goethe é um templo de peregrinação, em que, entre as coisas de uso doméstico, se conservam até os sapatos velhos do poeta; e há carinho em guardá-los e vê- los. Assim também na Inglaterra pelo que foi Shakespeare. ( ...) Eu, que proponho a idéia de reuni-los e perpetuá-los aqui, quero ser o primeiro no exemplo da abnegação em benefício da Academia. Começarei oferecendo o que possuo do nosso mais recente morto, que foi Olavo Bilac, e comprometo-me a dar em seguida, logo que me seja possível a busca, o que tenho dos outros companheiros mortos, Machado de Assis, Sousa Bandeira, José Veríssimo e ainda mais tarde, os manuscritos de José de Alencar. (Ata de 12/6/1919) O arquivo e a bibliotec� apesar de serem precários, já guardavam algumas cartas e inúmeros livros. Entretanto, além desses documentos Mário de Alencar desejava expor os objetos de uso pessoal, para que pudessem ser admirooos pelo público. A Academia, mesmo sem a vetustez das instituições européias, seria um museu "das imagens do que foi ou serviu ao trabalho dos 122 -------------------------------------------------------------------------.. A Presença dos Ausentes escritores". Esses objetos seriam contemplados, resgatando na memória dos espectadores o passado de cada um dos acadêmicos falecidos.