"A Presença dos Ausentes": a Tare a Acadêmica de Criar e Perpetuar Vultos Literários

Alessandra El Far

Uma imortalidade tangível

No início da década de 1920, o romancista e membro da Academia Brasileira de Letras Coelho Neto publicava nos jornais um artigo em que explicava aos leitores a importância de se erguer um monumento a por subscrição nacional. Desta vez, em lugar de o governo ou alguma instituição privada tomar as rédeas do empreendimento, Coelho Neto clamava pela participação conjunta da população que, ao doar dinheiro para a construção de uma égide comemorativa ao nosso grande escritor, tomaria consciência da importância dos "vultos dos seus heróis" na vida nacional. ''A presença dos ausentes", para Coelho Neto, era imprescindível na configuração de uma memória comum, capaz de unir a nação em torno de um mesmo culto. Isto porque, através dos monumentos, "os mortos continuarão a trabalhar na vida pela glória da terra de que se geraram e à qual reverteram no giro da perpetuidade, estimulando, com o exemplo do que fizeram, as gerações que por eles passarem" (Coelho Neto, 1924: 53).

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A idéia de construir um monumento a Machado de Assis assinado pelo povo partia da Academia Brasileira de Letras. Na época, a Academia já havia l herdado os milhões do livreiro Francisco Alves e podia patrocinar qualquer estátua sem precisar da ajuda financeira de ninguém. No entanto, os acadêmicos, representados por Coelho Neto, consideravam de suma importância que o culto à figura do grande romancista não fosse algo circunscrito apenas a seus pares, e sim abrangesse a cumplicidade de todo o país. Apesar de ser esta uma proposta ousada e pretensiosa, a iniciativa de erguer bustos e monumentos a literatos, seja por subscrição nacional, por financiamento do governo ou por conta da própria Academia, sempre esteve presente na história da instituição. Desde sua fundação, em 1897, a Academia frisava sua preocupação de trabalhar pela glória e imortalidade dos homens de letras. Além de zelar pela língua e pela literatura brasileira, salientava, através dos inúmeros discursos de seus membros, sua tarefa de garantir a memória daqueles que dela faziam parte. Se os políticos, advogados, cientistas, engenheiros e médicos eram constante­ mente lembrados por seus feitos, os romancistas, poetas e cronistas, por suas qualidades ímpares, mereciam igual admiração. A literatura representava, para muitos daqueles literatos, "o substratum da nossa nacionalidade". Para além das "contingências da história e da política", a língua, nas palavras de José Veríssimo, por exemplo, demonstrava ser um viés primordial de expressão, pois era por meio dela que exprimíamos as nossas emoções, sentimentos e aspirações (Veríssimo, 1977, 6a série: 85). Assim, os literatos, como os demais homens eminentes do país, deveriam ser homena­ geados e glorificados. Ao usar como modelo a Académie Française criada por Richelieu em 1635, a Academia Brasileira de Letras já anunciava sua intenção de adotar os principais preceitos da instituição francesa, entre eles o estatuto da imortalidade. Todos aqueles que pertencessem aos quadros da associação nascente seriam qualificados de imortais, tendo seu nome e sua obra enaltecidos pelos demais e lançados à posteridade nas sucessivas sessões ordinárias e celebrativas. 2 Apesar das dificuldades financeiras de seus primeiros anos de vida, a Academia logo dirigiu seus esforços no sentido de instaurar uma série de eventos que permitissem enraizar na memória dos brasileiros a glória de determinados homens de letras, procurando fazer deles expoentes da vida nacional. Se, ainda nas sessões preparatórias, alguns acadêmicos frisavam a importância da escolha de um patrono para cada uma das 40 cadeiras, com o objetivo de implantar uma tradição, mesmo sendo ela uma tradição inventada, ao longo dos anos passou-se a deba_er a aquisição de bustos, retratos ou objetos pessoais de grandes literatos já falecidos a fim de manter presentes suas imagens e feitos.

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J á nas primeiras reuniões da Academia foram apresentados projetos que ambicionavam perpetuar a memória de seus membros. Em maio de 1898, Valentim Magalhães e Lúcio de Mendonça propuseram que cada um dos sócios fizesse um estudo biográfico sobre seu patrono (Ata de 16/5/1898). Os 40 ensaios seriam vendidos ao editor que oferecesse melhor pagamento. Diante do fracasso de tal empreitada, dois anos mais tarde, Rodrigo Otávio sugeriu algo menos trabalhoso, a publicação, no primeiro boletim acadêmico, das biografias dos sócios falecidos. Haveria também uma sessão em que esses textos seriam lidos em público. Em várias outras reuniões foi debatida a composição de estudos biográficos, porém, diante da pequena disponibilidade dos acadêmicos, pouco se fez a respeito. A confecção de estátuas foi também uma iniciativa constante da Acade­ mia. Nos seus primeiros 20 anos de vida, sem dinheiro disponível, os integrantes viam-se na obrigação de negociar com alguns políticos a concessão de verbas destinadas a perpetuar a imagem dos nossos homens de letras. Em 19 11, por exemplo, Mário de Alencar, filho do renomado autor de Iracema, sugeriu a confecção dos bustos de Machado de Assis, Lúcio de Mendonça e , que haviam falecido recentemente, a fim de colocá-los na sala das sessões. Diante do alto preço cobrado por Rodolfo Bernardelli, os acadêmicos resolveram con tratar os serviços de um artista francêspouco conhecido no Brasil, chamado Magrou. Graças à sua simpatia pelos brasileiros, Magrou concordou em fazer o trabalho por um preço mais em conta, como explica a José Veríssimo o escritor Sousa Bandeira, que na época residia em Paris: "( ...) procurei Magrou, escultor de nomeada, premiado no Salão, autor da estátua de Pedro II e de outras obras de arte que estão no Rio. Ele tem muito talento, gosto e desejo de ser agradável aos brasileiros. Conhece um pouco a nossa literatura, tem admiração pelo Machado e pelo N abuco, e penso que poderá fazer alguma coisa de bom. O preço dele é de 5.000 francos por busto, somente para o modelo e a fundição, o que estava muito longe do que temos. Expus-lhes as nossas condições, fiz-lhe ver que eu só tinha 8.000 francos e pedi que dissesse o último preço. Obtive dele, excepcionalmente, uma proposta de 12.000 francos pelos três bustos, compreen- , dendo a embalagem, transporte, em suma, postos no . E o menos que podemos obter, tendo a obra assinada por um homem de valor, se bem que não haja atingido ainda às culminâncias" (RABL,1932, voI. 40: 249). Com a herança do livreiro Francisco Alves, em 1917, a confecção de esculturas comemorativas poderia ser posta em prática sem muitos empecilhos. Assim sendo, no finalda segunda década do século XX apareceram, ao longo das sessões semanais, sucessivas sugestões. A primeira da série foi a de fazer um busto do próprio Francisco Alves pela ajuda prestada à Academia. Em 1919, veio à tona estátuas mármore de a idéia de encomendar de e Castro• Alves. A

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Academia contribuiu também, com doações em dinheiro, para a construção, em 1920, do monumento a Bilac da Faculdade de Direito de São Paulo e, um ano mais tarde, do monumento a em Itaboraí. Além das esculturas, a Academia procurou, durante anos, compor uma galeria de retratos de todos os seus membros e patronos. Desde 1910, Mário de Alencar pedia aos colegas que colaborassem trazendo fotografias de todos os acadêmicos, para que estas fossem reproduzidas em igual tamanho. Porém, dian te do pequeno material reunido, foi preciso contratar um fotógrafo profissionalpara continuar o trabalho (Ata de 23/3/1921). N o início da década de 1910, a Academia começou a discutir a aquisição de determinados patrimônios que haviam pertencido aos nossos literatos. Numa sessão em 1912, a casa de Tomás Antônio Gonzaga, em Ouro Preto, foi posta em debate (Ata de 26/10/1912). Um ano depois, Sousa Bandeira lembrava até mesmo 3 do sabugueiro da casa de , tão caro ao poeta. Na pauta do dia 20 de junho de 1918, como outro exemplo, entrava em debate a aquisição da biblioteca do barão Homem de Melo e da casa de Machado de Assis. Todas essas aquisições culminaram com a proposta de Mário de Alencar de criar um museu ou um relicário da Academia destinado a guardar manuscri­ tos, autógrafos, edições princeps e outros objetos que estivessem relacionados diretamente com a vida e o trabalho dos escritores brasileiros falecidos. Dizia Mário de Alencar:

Na Europa há um culto generalizado pelos objetos e lembranças dos grandes escritores. Em Weimar, a casa de Goethe é um templo de peregrinação, em que, entre as coisas de uso doméstico, se conservam até os sapatos velhos do poeta; e há carinho em guardá-los e vê- los. Assim também na Inglaterra pelo que foi Shakespeare. ( ...)

Eu, que proponho a idéia de reuni-los e perpetuá-los aqui, quero ser o primeiro no exemplo da abnegação em benefício da Academia. Começarei oferecendo o que possuo do nosso mais recente morto, que foi Olavo Bilac, e comprometo-me a dar em seguida, logo que me seja possível a busca, o que tenho dos outros companheiros mortos, Machado de Assis, Sousa Bandeira, José Veríssimo e ainda mais tarde, os manuscritos de José de Alencar. (Ata de 12/6/1919)

O arquivo e a bibliotec� apesar de serem precários, já guardavam algumas cartas e inúmeros livros. Entretanto, além desses documentos Mário de Alencar desejava expor os objetos de uso pessoal, para que pudessem ser admirooos pelo público. A Academia, mesmo sem a vetustez das instituições européias, seria um museu "das imagens do que foi ou serviu ao trabalho dos

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escritores". Esses objetos seriam contemplados, resgatando na memória dos espectadores o passado de cada um dos acadêmicos falecidos. Em meio a essas propostas de colecionar os bens dos nossos literatos, em 1916 a Academia enviou ao Ministério das Relações Exteriores, na época chefiado pelo acadêmico Lauro Müller, o pedido de· que fossem trasladados para o Brasil os restos mortais de Aluísio Azevedo, autor de O cortiço (1890), falecido em Buenos Aires, onde exercia a função de cônsul (Ata de 11/5/1916). Dois anos depois, a mesma requisição foi feita em relação aos ossos dos poetas Raimundo Correia e Guimarães Passos, ambos mortos em Paris (Ata de 11/7/1918). Na sessão comemorativa dedicada aos poetas, insistia no valor da aquisição

, para o paIS:

Sim, não estamos aqui realizando apenas uma obra de saudade, mas também incutindo uma lição na alma do povo. Cumpre que ela se nos associe, para glorificar, não somente os estadistas que • traçam planos de governo, ou os generais que ganham batalhas, mas também os poetas e prosadores que dignificam o idioma e lhe opulentam a literatura. (RABL,1921, n. 17, voI. 9: 7)

Na visão dos acadêmicos, o cultivo de coisas materiais relacionadas à vida e à obra dos nossos literatos era essencial para incutir nas pessoas que a glória não pertencia apenas aos homens de Estado. A Academia pretendia reunir todos esses pertences com a finalidade de constituir um verdadeiro templo de memória, onde o público pudesse ir para rever o passado e com ele a notoriedade de alguns dos seus maiores escritores. Através de uma variedade de imagens, os literatos seriam relembrados, burlando as contingências da vida terrena. Ao longo desses anos, a Academia foi alvo de inúmeras críticas que ridicularizavam a idéia de os acadêmicos imortalizarem-se uns aos outros por meio de bustos espalhados pela cidade do Rio de Janeiro. Um jornalista daRevista da Semana escrevia que o nascimento de estátuas e academias estava estritamente relacionado ao descontentamento dos seres humanos com a eternidade filosófica da alma. Segundo ele, esses homens desejavam, acima de tudo, uma imortalidade sólida e tangível:

Quem não lograr um lugar na Academia guarda ainda a esperança de ser incorporado aos bronzes; e se consegue as duas coisas, bem se pode considerar superior, e de muito, aos próprios deuses, cuja imortalidade é única.

Imaginemos, agora, muitos de nossos acadêmicos es­ culpidos em bronze! ... Seria a imortalização de toda essa geração.

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Eles que não percam a esperança de tão completa con­ sagração. A coisa está sendo hoje muito mais fácil que já se foi. Atraves­ samos uma idade de bronze e é impossível que não tratemos de moldar, em liga nobre, vultos como o do Sr. Joaquim N abuco... (Revista da Semana, 8/7/1900)

Os acadêmicos, insatisfeitos com a imortalidade abstrata e conceitual, almejavam, na opinião do jornalista, também a posteridade projetada pelos monumentos, para assim alcançar a mais completa consagração. Seus maiores vultos seriam eternizados pelo bronze e, com isso, teríamos pela cidade urna "verdadeira população de estátuas". Apesar das diversas críticas e oposições que foram surgindo às pretensões dos homens de letras de imortalizar aqueles que pertenciam aos quadros acadêmi­ cos através da confecção de estátuas dentro e fora da instituição, da encomenda de retratos e da aquisição de coleções de objetos particulares, esse trabalho constituiu um dos principais esforços dos membros da Academia ao longo das suas três primeiras décadas de vida. Se os monumentos eram construídos com o objetivo de evocar os tempos pretéritos e assim consolidar a memória institucional, as sessões destinadas a receber os novos sócios eleitos representavam o ápice desse processo. Partindo de uma teatralização minuciosamente delineada, os acadêmicos sublinhavam a existência de seu passado e sua tradição através de discursos que cultuavam a vida e a obra de seus patronos e membros falecidos. Com o tempo, os homens de letras evidenciavam uma intensa preocupação com a eficáciavisual dessas celebrações. Como veremos a seguir, lentamente, os salões onde eram efetuadas as cerimônias recebiam inúmeros adornos, e os agentes por elas responsáveis tornavam-se atores de comportamento ensaiado e gestos comedidos.

Entre cerimoniais e discursos de recepção

Ao comentar sua decisão de concorrer a uma vaga na Academia Brasileira de Letras em 1940, o poeta e ensaísta recordava uma sessão comemorativa realizada em 1901 à qual estivera presente. Escrevia ele sobre a ocasião em seu Itinerário de Pasárgada:

A Academia de 1940 já estava bem longe de poder competir com a de 1901, que eu vi reunida no Gabinete Português de Leitura na noite de 2 de junho para ouvir o elogio de Gonçalves Dias por Olavo Bilac, e os necrológicos de Luís Guimarães Júnior, J. M. Pereira da Silva e Visconde de Taunay (sócios falecidos) por Medeiros e Albu- • querque. A de junho de 1901 representava realmente a plenitude de nossa

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força intelectual nas letras. Com exceção de Capistrano de Abreu, que não tinha querido entrar para ela, de , , Lafayene Rodrigues Pereira e Vicente de Carvalho, que entrariam de­ pois, e de Alphonsus de Guimarães, pode- se dizer que lá tinham assento as maiores figurasda nossa literatura de todos os gêneros. A muitos deles tive ocasião de ver de perto naquela noite, e ainda tenho bem presente o sentimento de admiração e respeito com que os olhei na ingenuidade dos meus quinze anos. Sem dúvida isso me ajudou a compreender que a Academia não é só o elenco atual, mas alguma coisa que transcende a geração do momento. Em 1940 a idéia da Academia ainda implicava para mim, como ainda implica hoje, a idéia da casa de Machado de Assis, casa de Nabuco, casa de João Ribeiro, para citar três grandes espíritos que fascinaram a minha adolescência (Bandeira, 1990: 88).

Na noite de 2 de junho de 1901, a Academia dava início a uma de suas primeiras sessões celebrativas abertas ao público. Machado de Assis, Valentim Magalhães, Lúcio de Mendonça, Silva Ramos, José do Patrocínio, Rodrigo Otávio, Guimarães Passos, , o barão de Loreto, Filinto de Almeida, José Veríssimo, Pedro Rabelo reuniram- se para ouvir o elogio de Olavo Bilac ao patrono de sua cadeira, Gonçalves Dias, e o discurso de em memória dos três primeiros acadêmicos falecidos, o visconde de Taunay, Pereira de Silva e Luís Guimarães Júnior. O Real Gabinete Português de Leitura contou com a presença de ilustres convidados, entre eles governadores, intelec­ S tuais, damas da sociedade e o então presidente da República Campos Sales. Manuel Bandeira, ao relatar suas percepções daquela noite, chamava a atenção para o fato, que não por acaso condizia com a real intenção dos organi­ zadores, de ser a Academia não apenas o elenco atual, mas "alguma coisa que transcende a geração do momento". Ao apresentar os necrológicos, Olavo Bilac e Medeiros e Albuquerque estavam enaltecendo a obra e a vida literária dos falecidos acadêmicos e, com isso, glorificando o passado da própria instituição. Para sedimentar o perfil de uma associação que deveria carregar consigo uma determinada tradição, mesmo tendo nascido poucos anos antes, era necessário iluminar o fio condutor que ligava o presente aos tempos pretéritos. Para instigar nos espectadores o sentimento de transcendência e de ligação com as gerações passadas e, conseqüentemente, de prestígio da corpo­ ração, os acadêmicos também contavam com uma cuidadosa performance de seus atores. O Real Gabinete Português de Leitura era um cenário perfeito pois, além de ter as estantes de livros como pano de fundo, sua decoração interna, com mesas, cadeiras e luminárias, era de extremo bom gosto. Nesse ambiente refinado, os nossos imortais, que muitas vezes eram figuras públicas de grande popularidade,

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davam início à leitura das palestras, sempre atentos aos gestos ensaiados e à eloqüência dos discursos. Com o passar dos anos e a conquista de uma certa estabilidade financeira, a Academia passou a se preocupar cada vez mais com a realização desses cerimo­ niais. Diante do pequeno espaço reservado ao cultivo da língua e da literatura no Brasil, era provável que uma instituição ligada às letras não conseguisse, com o mérito de seus trabalhos teóricos, assegurar um lugar de prestígio. Assim sendo, nossos acadêmicos procuravam afirmar suas bases institucionais utilizando todos os elementos caros a uma teatralização da imortalidade literária. Muitas das sessões comemorativas, que celebravam aniversários de nas­ cimento ou de morte, eram realizadas com grande cuidado, como a que foi assistida por Manuel Bandeira na adolescência. Participava dessas sessões um público representativo. Preparava-se o local mais propício e uma decoração adequada, no caso de as sessões serem realizadas em lugares fechados. Geral­ mente, eram lidos trechos de obras conhecidas e discursos saudosos. A teatralização por excelência da Academia Brasileira ocorria durante as sessões de recepção dos novos acadêmicos. Depois de eleitos, os sócios eram recebidos por seus pares numa assembléia extraordinária aberta ao seleto público 6 da elite carioca. Ou seja, através de uma encenação repleta de detalhes, reafir­ mavam-se perante a sociedade, simultaneamente, o valor institucional de uma agremiação literária e a genealogia de seus integrantes. João Ribeiro foi o primeiro a ser recebido solenemente pela Academia Brasileira de Letras, no dia 30 de novembro de 1898, três meses depois de eleito. Sua posse foi assim descrita por A Notícia:

O sr. Machado de Assis, presidente da Academia, de­ clarou então aberta a sessão, e dizendo que ela tinha por fim a recepção do sr. João Ribeiro, pedia aos srs. Lúcio de Mendonça e Graça Aranha, paraninfos do novo acadêmico, que o fossem buscar e o trouxessem para o seio da academia.

, A entrada do sr. João Ribeiro na sala todos os presentes se levantaram. Tomando assento numa das extremidades da mesa, pou­ cos instantes depois o novo acadêmico, tomado de profunda comoção, começou a leitura de seu discurso, que foi ouvido no meio do maior silêncio e é uma admirável e brilhante produção literária.

Findo o discurso do sr. João Ribeiro, que foi saudado por uma salva de palmas, o sr. José Veríssimo, que para isso havia sido designado, leu igualmente a resposta do discurso que havia sido ouvido, I e proporcionou ao distinto auditório uma meia hora da mais agradável impressão. (A Notícia, 2/12/1898)

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Nessa época a Academia, ainda sem sede fixa, reunia-se nas salas de redação da Revista Brasileira, mas para que o evento pudesse ocorrer de modo formal e ser assistido por diversas pessoas, os acadêmicos pediram emprestado o salão de honra do Ministério do Interior. A descrição acima é interessante não só por ser um dos raros relatos sobre esse acontecimento, mas também por apresentar os principais passos do cerimonial de recepção. Como podemos ver no texto publicado por A Notícia, a leitura dos discursos constitui a parte essencial da recepção. Após os convidados tomarem seus assentos, o presidente da Academia dá início à sessão. O novo acadêmico é introduzido no seio da instituição por dois paraninfos - neste caso por Lúcio de Mendonça e Graça Aranha - e lê seu discurso em homenagem à vida e à obra de seu antecessor. Depois dos aplausos do público, um acadêmico previamente escolhido por possuir afinidade literária com o recém-eleito responde ao colega, oficializandoa entrada deste no novo grêmio. A cerimônia não chega a completar duas horas e é finalizada por Machado de Assis com algumas palavras mais. Os discursos eram considerados a parte mais importante da cerimônia, pois, através deles, reafirmava- se a linhagem dos membros da Academia, esta­ belecendo-se uma ligação entre o passado e o presente. A estrutura dos discursos obedecerá ao longo dos anos a um padrão semelhante. Após ser introduzido na sala, o novo sócio inicia o elogio a seu antecessor na cadeira. Invariavelmente, os homenageados recuperam a biografia do falecido acadêmico, suas obras mais importantes, e estabelecem uma filiação, seja ela literária, geográfica,profissional, seja relativa a outros aspectos comuns. A intenção dos fundadores desde as primeiras eleições era conservar uma relação literária entre os ocupantes de cada cadeira. Porém, diante da heterogeneidade das pessoas, muitas vezes sem obras literárias relevantes, essa genealogia era também construída pela cidade de nascimento, pelos cargos comuns em secretarias ou ministérios, e até mesmo pelos amigos e rodas freqüentados. Finda a leitura que elogiava o antecessor, um acadêmico veterano, previamente escolhido, tomava a palavra para ler uma breve resposta ao discurso do novo sócio, permeando sua vida e obra. Ambas as falas, de vez em quando, passavam pela figura do patrono da cadeira, reafirmando a linhagem da cadeira em questão. Apesar de os literatos terem cumprido rigorosamente, durante a recepção de João Ribeiro, cada um o seu papel na presença de uma platéia considerável, é evidente que, pelas dificuldades financeiras que a Academia atravessava, as primeiras sessões de recepção ocorriam de maneira precária. Entretanto, ao acompanhar as notícias sobre as recepções acadêmicas de 1898 até 1924, é fácil perceber a crescente preocupação daqueles homens de letras em fazer do evento algo distinto, cercado do maior número possível de adereços.

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No dia l° de julho de 1900, o diplomata Domício da Gama era recebido como acadêmico no salão central do Real Gabinete Português de Leitura. Para que houvesse uma melhor apresentação pública da solenidade, os acadêmicos resolveram providenciar os acessórios, dividindo entre si o total das despesas, como se vê na ata de 30 de junho:

Informou mais o sr. presidente que a diretoria da Aca­ demia havia providenciado para a realização da solenidade mandando imprimir os convites e alugando cadeiras necessárias para guarnecer o salão, e como não havia fundos tornou-se mister que houvesse uma pequena contribuição de 10$000 paga por cada acadêmico para atender as despesas.

, E provável que muitos acadêmicos não tenham pago a quantia determi- nada, mas o que importa, de fato, neste documento, é a intenção dos acadêmicos de fazer da recepção um acontecimento de maior envergadura. Além dos discur­ sos, era preciso uma refinada teatralização, balizada pela movimentação austera dos atores, em conjunto com os adornos selecionados para a circunstância. Domício da Gama voltava da Europa, onde cumpria suas tarefas diplomáticas. Na perspectiva dos acadêmicos, seria conveniente uma recepção em alto estilo, pois certamente a ocasião atrairia personalidades de prestígio na cena política e intelectual do Rio de Janeiro. Com uma celebração em homena­ gem a Domício da Gama, a Academia poderia divulgar, diante de uma camada privilegiada da sociedade, sua elegância e o esplendor de seus membros em meio a uma instituição de letras. A recepção de Afonso Arinos, três anos depois, também representou uma tentativa de compor um ambiente distinto e de refinado bom gosto. Ataulfo de Paiva, em 1918, relembrava a noite em que foi celebrada a entrada de Arinos na Academia:

Na cadeira da presidência sentara-se Machado de Assis e na fila de acadêmicos divisava-se o Barão do Rio Branco, que pela primeira vez se apresentava às cerimônias da Academia. Débil claridade derramava-se por todo o recinto, imprimindo ao ambiente uma nota empolgante e respeitosa. A esse tempo já era indício de bom gosto a luz morna, misteriosa, das câmaras solenes, dado que a orgia estonteante dos candelabros irradiando a flux, chocava e contrafazia as pretensões, aliás justificadas, dos artistas de boa têmpera. (Discursos acadêmicos, 1935: 250)

Descrevendo a iluminação usada naquela noite, Ataulfo de Paiva ilustra o intuito dos literatos do período de deixar transparecer diante do público uma corportlçãodelimitada por sua altivez. A luz morna conferia ao salão um ambiente

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sereno e respeitoso. Mesmo sem falar dos demais aspectos do Real Gabinete Português de Leitura, ao resgatar o detalhe, o autor destas linhas já incita a imaginação do ouvinte para a calma elegante em que transcorreu a recepção. Afonso Arinos já era admirado na época pela qualidade de sua obra regionalista e, além disso, inspirava grande respei to a seus leitores por dirigir o jornal Comércio de São Paulo. As recepções acadêmicas, portanto, aos poucos transformavam-se em um evento da alta sociedade do Rio de Janeiro. Os presidentes da República, acom­ panhados de seus secretários diretos, geralmente compareciam a essas sessões. As reportagens publicadas nos jornais, sem exceção, continham longas listas dos nomes famosos que se encontravam presentes. As senhoras "luxuosamente 7 vestidas,, ganhavam igualmente a menção dos repórteres. Os arranjos pareciam ser preparados com grande cuidado: as luzes, as poltronas, a ocupação do espaço e até mesmo a disposição das flores, samambaias e avencas que eram utilizadas para enfeitar a mesa central, ocupada pela diretoria da Academia, e os demais recantos da sala. Com a aquisição de uma certa estabilidade institucional, a Academia, para dar mais suntuosidade às recepções, resolveu adotar o uso de um uniforme, confeccionado especialmente para a celebração dos novos membros. Assim como o fardão da Académie Française, o nosso seria baseado no modelo do vestuário dos ministros plenipotenciários; só que, neste caso, dos ministros brasileiros. Porém, no vestuário dos acadêmicos brasileiros não apareceriam os desenhos do café e do fumo, e sim o emblema da murta que simbolizava a poesia; permane­ 8 ceriam as folhas de louro, que espelhavam a glória. A espada, ao lado do corpo, na altura da cintura, também era mantida. A cor verde, ao invés da preta, provavelmente significavali lIla referência à bandeira nacional. J.-J. Brousson, secretário do escritor Anatole France, ao recordar sua viagem ao Rio de Janeiro, comentava a extravagância dos membros da Academia Brasileira de Letras, que vestiam uniformes repletos de adereços. Na visão de Brousson (1927: 193), havia mais cordões do que costuras. Além da espada, os acadêmicos usavam plumas e botões de metal, que eram tão grandes como fivelas. Apesar dos comentários críticos de Oliveira Lima (1986: 128), que chamavam a atenção para a "ilusão" dos que envergavam tal vestimenta de que pertenciam à carreira afortunada, e de algumas iniciativas isoladas para simplificar o figurino acadêmico, o traje, aprovado em 1910, permaneceu o mesmo, sem qualquer modificação. O fardão daria a seus usuários um estilo pomposo e, ao mesmo tempo, fixaria os limites de uma "fronteira social" que diferenciaria os acadêmicos dos demais literatos e segmentos da sociedade brasileira. Do mesmo modo, o uso de uma vestimenta padrão reforçaria a unidade de grupo e o valor de corporação

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presente entre os membros. O indivíduo, nesse contexto, deixaria de lado suas especificidades para falar em nome da associação a que se filiava. Alguns antropólogos analisaram as vestimentas e enfeites corporais como uma maneira de dramatizar as hierarquias e papéis políticos em algumas sociedades. Terence Turner, por exemplo, referindo-se aos adereços usados pelo grupo Kaiapó, afirmava que a superfície do corpo, sendo uma fronteira social, tornava-se palco simbólico privilegiado sobre o qual o drama da comunidade era encenado. Para ele, o corpo devidamente adornado, em suas diversas formas culturais - seja por meio de cosméticos, pinturas, enfeites na cabeça ou roupas -, configurava também uma linguagem, uma forma de expressão (Turner, 1980: 112). Roberto DaMatta, ao estudar a parada militar, o carnaval e as procissões populares, chegava a uma conclusão semelhante. Na sua perspectiva, a farda militar, em contraponto às fantasias de carnaval, além de simbolizar identidades sociais concretas que operam em todos os níveis da vida social, iguala e corpori­ fica. Segundo o antropólogo, o traje militar, a beca e outras vestimentas típicas de certas posições sociais têm a função de esconder seu portador, protegendo o papel desempenhado por essa pessoa no interior da instituição (Matta, 1997: 60, e 1977). O primeiro a usar o fardão acadêmico foi Paulo Barreto, mais conhecido como João do Rio, em 12 de agosto de 1910. Era a primeira vez que um novo sócio entrava para a imortalidade devidamente fardado. Segundo a descrição de 9 um jornal, a recepção de Paulo Barreto, que ocorreu no Silogeu Brasileiro, foi iniciada "no meio de uma apoteose de luz, de cor e de requintada elegância. Nos· cantos da sala de sessão havia grandes corbeilles de flores naturais e magníficas palmeiras e do teto descia uma claridade ofuscante". Na tentativa de oferecer maiores detalhes aos seus leitores, o repórter continuava seu relato sobre a

. � . cenmoma:

Nas cadeiras dos acadêmicos uma nota inédita se apre­ ciava: a farda auri-verde, recém-criada, foi pela primeira vez publi­ camente apresentada pelos ilustres acadêmicos srs. Medeiros e Albu­ querque, que na ausência do conselheiro Rui Barbosa presidia a sessão, conde de Afonso Celso e Paulo Barreto, recipiendário.

Dez minutos antes de começar a sessão, o dr. Nilo Peçanha, presidente da República, chegou de automóvel ao Silogeu acompanhado do general Bento Ribeiro, chefe da casa militar, e dr. Alcebiades Peçanha, secretário da presidência, sendo logo recebido pelos srs. Medeiros e Albuquerque e Paulo Barreto.

• O sr. presidente da República, os ministros Esmeral- dino Bandeira e Rodolfo Miranda, o dr. Leoni Ramos, chefe da polícia,

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e demais pessoas gradas sentaram-se em estrado à direita da mesa. Nesta tornaram lugar o sr. Medeiros e Albuquerque, na cadeira de presidente, ladeado pelos srs. Coelho Neto, , João Ribeiro e Filinto de Almeida, e nas poltronas, os srs. Salvador de Mendonça, Raimundo Correia, Afonso Celso, Silva Ramos e Pedro Lessa.

( ... ) Seguindo os estilos, o sr. Medeiros e Albuquerque abriu a sessão dizendo qual o seu motivo e deu logo após a palavra ao novo acadêmico que imediatamente, da segunda fila de poltronas, leu de pé o seu belíssimo discurso, cuja extensão foi uma delícia e gozo para o auditório. (O País, 13/8/1910)

Pela narração do jornalista podemos recuperar com alguns detalhes a cerimônia de recepção de Paulo Barreto. Além das flores espalhadas pelo salão, foram penduradas nas paredes folhas de palmeiras, o que reforçava as característi­ cas singulares da nação tropical. A iluminação elétrica sublinhava uma decoração moderna em compasso com o progresso urbanístico da capital federal. A disposição dos acadêmicos mudava conforme o lugar escolhido para presidir a recepção. Em geral, o meio do salão era ocupado por uma mesa onde se sentavam alguns integrantes da diretoria da Academia e os paraninfos. Ao lado destes, acomodavam-se via de regra os convidados mais ilustres, como o presi­ dente da República e seus ministros. De frente para a mesa ficavam os demais acadêmicos e, entre eles, o mais novo sócio. As cadeiras da platéia ocupavam as duas laterais da sala. As pessoas que não conseguiam lugar para sentar costu­ mavam ficar de pé nas proximidades da porta. , Era comum existirem pequenas variações de uma sessão para outra. As vezes o novo integrante lia seu discurso ao lado da mesa central, e não de frente para ela. Em outras ocasiões, o presidente da República, em vez de receber um lugar na platéia perto dos membros da diretoria da Academia, sentava-se junto deles. Porém, apesar dessas pequenas modificações, a cerimônia de recepção conservava suas diretrizes fundamentais. Ou seja, invariavelmente, depois de sentado o público, o presidente da Academia abria a sessão, os paraninfos introduziam o recipiendário ao salão, ocorria a leitura do elogio ao antecessor, um acadêmico previamente escolhido respondia ao discurso e, em seguida, o presidente tomava novamente a palavra para encerrar a solenidade. A recepção de Paulo Barreto, com a inauguração do fardão, marcou o apogeu dessas sessões acadêmicas. Os jornais, que no começo do século faziam rápidos comentários acerca das celebrações, cediam agora um espaço con­ siderável para a narração do evento e para a publicação das fotos dos home­ nageados e dos longos discursos proferidos. Personalidades de grande destaque na época compareciam com "vistosos toilettes de baile" e "casacos a rebrilhar"

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(Correio da Manhã, 15/8/1911). Por meio dessa teatralização, cercada dos mais requintados aparatos, a Academia tomava para si uma via primordial de cele­ bração, tornando-se uma instituição bem vista e aceita pelos diversos setores da elite social carioca. As demais sessões de recepção da década de 1910 e início dos anos 20 seguiram os mesmos padrões. Da mesma forma que a solenidade em homena­ gem a Pedro Lessa, então ministro do Supremo Tribunal Federal, no Palácio Monroe, também no ano de 1910, foi feita com elegância, contando com as presenças de políticos e intelectuais, efetuaram-se as recepções na Academia de Dantas Barreto, Afrânio Peixoto, , Alcides Maia, Antônio Aus­ tregésilo, Lauro Müller, Alfredo Pujo, Don Silvério Pimenta, Humberto de Campos, entre outros. As recepções do sanitarista Oswaldo Cruz, em 1913, e do então ministro das Relações Exteriores, Lauro Müller, em 1917, foram as mais disputadas pela platéia. Apesar das inúmeras discussões sobre a legitimidade da presença de um militar e de um médico no interior de uma academia de letras, ambos foram empossados com grande pompa e assistência do público. Esses acontecimentos constituíram momentos de grande importância, já que era através deles que a Academia sublinhava, ao mesmo tempo, a excelência de seus membros, sua tradição - pela evidência de uma linearidade genealógica entre seus membros - e seu caráter corporativo - pela atuação desses atores em prol instituição. Quer dizer, seja pela encomenda de estátuas de acadêmicos já falecidos, ou pela realização de elegantes sessões de recepção, o que estava em jogo era fazer, de determinados homens de letras, sumidades nacionais aclamadas pelo povo de seu país, assim como o eram as grandes personalidades políticas. Sem dúvida alguma, o fato de a Academia atribuir a si mesma a função de formar um quadro de expoentes literários nacionais não ocorreu sem o repúdio e as críticas veementes daqueles que se encontravam do lado de lá do umbral acadêmico. Não foram poucos os que desmereceram sua atuação no meio intelec­ tual brasileiro, afirmando que, em lugar de cultivar a língua e a literatura nacional, os imortais preocupavam-se apenas em glorificar uns aos outros. Entretanto, apesar dos ataques alheios, a instituição, com toda a minúcia das suas reuniões e sessões celebrativas, passou a representar um caminho seguro para aqueles que desejavam ver seus nomes enaltecidos e glorificados. Mesmo que os discursos inaugurais lhe atribuíssem somente a tarefa de zelar pela língua nacional, a Academia nasceu com a preocupação de oferecer aos homens de letras que dela fizessem parte uma certa promoção social. Se, nos seus primeiros anos de vida, os eventos acadêmicos que enalteciam a memória e os feitlis dos sócios ocorriam de modo mais moderado, com o passar do tempo esses acontecimentos ganharam uma visível suntuosidade. Não foi à toa, portanto, que,

132 A Presença dos Ausentes para dístico da Academia, acabou sendo escolhida, ainda em uma das sessões preparatórias, a célebre frase de Machado de Assis: "Esta a glória que fica, eleva, honra e consola".

Notas

J. Em 1917, o livreiro e editor Francisco confrade tanto prezava; declara que Alves legou toda a sua fortuna, avaliada encontrou a maior cordialidade de parte na época em cinco contos de réis, à do atual ocupante que lhe declarou que Academia. Seu testamento estabelecia ficavam à disposição da Academia algumas condições, entre elas a de que a quaisquer mudas ou rebentos da Academia realizasse a cada cinco anos mencionada planta, que se não procedeu dois concursos, um sobre a "língua logo à transplantação foi por entender paItuguesa" e o outro sobre "o melhor que a Academia desejaria realizar esse ato modo de divulgar o ensino primário no com as devidas formalidades ( ... )". Brasil". Ver "Testamento de Francisco 4. Embora a criação da biblioteca da Alves de Oliveira", in Neves (1940: Academia tenha sido discutida pela 263-4). primeira vez em 13 de novembro de 2. Ao traçar as diretrizes de uma 1905, só em 1908 Machado de Assis (146: academia de letras em 1896, Lúcio de 138) informa a seu amigo Joaquim Mendonça, Machado de Assis e Joaquim Nabuco: "Já lá temos um princípio de Nabuco, entre outros, pretendiam biblioteca, a cargo especial do Mário de conseguir do governo republicano apoio Alencar ( ...)". Esse acervo foi construído, oficial e conseqüentemente as verbas em grande parte, pelas doações dos necessárias para a instalação e os gastos próprios acadêmicos. Algumas famílias cotidianos de uma entidade desse tipo. de sócios falecidos chegaram a transferir Diante da recusa, esses literatos acabaram todos os seus livros para as salas da por fundar uma instituição privada, que Academia, como foi o caso, por exemplo, contava com doações e favores de amigos de Machado de Assis e Salvador de para realizar as reuniões semanais e as Mendonça. Alguns anos depois, sessões de recepção. Mesmo recebendo instituiu-se o arquivo, que também concessões do Estado tais como a contou com contribuições dos membros. permissão para ocupar algumas salas do Em 1922, devido à pequena quantidade prédio do Cais da Lapa, a situação de documentos acumulados, Afrânio da Academia Brasileira de financeira Peixoto (1923: 38) dizia aos colegas: Letras só ganhou estabilidade com a "Pois bem, vamos com o auxílio herança de Francisco Alves, em 1917. prestimoso dos nossos confrades e de 3. Na ata de 30 de agosto de 1913 está todos os que possuírem cartas e outros descrita a aquisição do sabugueiro: "O sr. escritos dos nossos escritores, vamos Alberto de Oliveira dá conta à Academia fazer o nosso arquivo e num dia da comissão de que o encarregou de se próximo poderemos ir publicando o entender com o atual inquilino do prédio que importar de interesse histórico e que habitou Raimundo Correia, no literário, de José de Alencar ou Castro sentido de ser transplantado para a Alves, de Euclides da Cunha ou Academia o sabugueiro que o nosso EscragnoUe Taunay, de Joaquim Nabuco

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ou Machado de Assis, com o que 8. Em discurso proferido em janeiro de prestaremos assinalado serviço às letras". 1921, Mário de Alencar fala das folhas de murta e de louro como símbolos da 5. Sobre o evento ver também Jornal do poesia e da glória, respectivamente. Brasil, 3/6/1901. Ver RABL,1921, nO 17, vol. 9: 10. 6. Segundo o art. 22 do Regimento 9. Em 1905 a Academia ganhou sede Interno da Academia, depois de eleito, o própria. O governo ofereceu aos candidato devia tomar posse num prazo acadêmicos um prédio no largo da máximo de seis meses. Aqueles que Lapa, que - para o desapontamento dos residiam fora da capital ou do país nossos homens de letras - chegou a podiam ser declarados acadêmicos abrigar também o Instituto Histórico, através de uma declaração escrita dirigida o Instituto dos Advogados e a Academia à diretoria. de Medicina. Desde o início, esse 7. O País,15/8/1906, por ocasião da edifício foi chamado de Silogeu recepção de Mário de Alencar. Brasileiro.

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