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13/05/2016 ­ 05:00 O olhar de Lula e o ministério Temer

Por Cristian Klein

Muitos Lulas foram apresentados aos brasileiros ao longo de quase quatro décadas: o sindicalista raivoso e de barba desgrenhada, o candidato "paz e amor" com sorriso de publicidade, mas nenhum como aquele que surgiu ontem. Dilma falava em resistência, mas era o olhar de Lula, atrás da presidente recém­apeada do poder, que chamava atenção no comício para militantes do PT, à frente do Planalto. Abatido, Lula afiava os fios do bigode, com os olhos quase sem brilho. Parecia não acreditar na cena, buscando, com pensamento distante, explicações ou saídas.

O tom de Dilma não foi de despedida, mas será difícil escapar depois de uma votação que, para admitir o processo de impeachment no Senado, terminou com o placar de 55 a 22. Precisa que no julgamento final o número contrário seja inferior a 54. Não é impossível.

O sucesso de dependerá da relação com o Congresso e, principalmente, o cuidado em atender ao Senado. No ministério, que ainda montava às pressas no fim da tarde ­ quando fez um pronunciamento quase sem a presença de mulheres, em contraste com a cerimônia de Dilma pela manhã ­ o presidente interino mostrou que conseguiu equilibrar bem as forças que articulou intensamente para ocupar a Presidência.

A distribuição de pastas indica que agradou os principais aliados, de acordo com o tamanho das bancadas da Câmara. O grande escanteado ­ pelo menos em status de ministério ­ é Paulinho da Força e seu Solidariedade, cuja bancada é maior que a dos contemplados PPS (Defesa, com ) e PV (Meio Ambiente, ).

Apesar de ser provavelmente um dos presidentes da República que menos votos diretos recebeu em sua vida política, Temer foi eleito três vezes ao comando da Câmara e chega ao poder como uma espécie de primeiro­ ministro. O ministério é de um notável parlamentarismo. Em vez de técnicos com destaque em suas áreas ­ como pretendia ou ao menos vendeu para afastar a ideia de que armaria um balcão de negócios ­ Temer preferiu os políticos. Apenas dois dos 23 ministros não o são.

Onze partidos estão lá representados, alguns com líderes de bancadas, como (PMDB), no Esporte; (PSB), confirmado na última hora em Minas e Energia; e Sarney Filho. Ao todo, são dez deputados, três senadores, quatro ex­ministros, dois presidentes de partido ­ Marcos Pereira (PRB) e (PSD) ­, um secretário estadual e um ex­deputado federal, o ex­presidente do BC no governo Lula, , agora na Fazenda.

Temer buscou uma representatividade parlamentar grande, a despeito do enxugamento do número de ministérios ­ o que de resto é jogo para plateia, pois as estruturas burocráticas são apenas incorporadas debaixo de guarda­ chuva maior. Ao atender os aliados, Temer destinou pastas importantes para o PSDB que ficou com três (entre as quais Cidades, Justiça e Relações Exteriores, para o sempre presidenciável José Serra); e duas para o PP (Agricultura e Saúde) e PSD (Fazenda e a turbinada Ciência, Tecnologia e Comunicação).

O PMDB, que tem o núcleo duro de ministros e amigos de Temer, entre eles (Casa Civil), Romero Jucá (Planejamento) e (Secretaria de Governo), ficou com o maior número, sete. Mas são pastas cujos orçamentos discricionários, livres para gastos, representam apenas 10,9% do total ­ a quarta maior fatia, depois do DEM (22,4%, com a Educação), PP (20%) e PSDB (12,2%), de acordo com levantamento da Diretoria de Análise de Políticas Públicas (Dapp/FGV).

Para o pesquisador Luis Felipe da Graça, o PMDB não repete a tendência do PT em aglutinar ministérios fortes. "Não deixa de ser curioso o fato de que o governo do PMDB 'terceirizou' o comando das duas pastas programáticas e de política social mais clássicas, como Saúde e Educação", diz.

Se Temer, com o cargo máximo da República, conteve a voracidade habitual do PMDB sobre as pastas de maior orçamento, por outro lado, parece ter criado um desequilíbrio entre as duas instâncias em que tradicionalmente o partido se divide. O PMDB do Senado, de onde dependerá sua sobrevivência e é comandado pelo adversário interno, Renan Calheiros, ficou subrepresentado. É um risco. Pode ser o suficiente para dar novo brilho ao olhar de Lula.

Cristian Klein é repórter da sucursal do Rio. César Felício volta a escrever em junho

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