Paleoetnologia do Centro e 1. INTRODUCÁO Sul de O primeiro milénio antes de Cristo constituiu, em todo o mundo ocidental, um período de evolu~áo sócio-cultural sem precedentes apresentando, simul- taneamente, o desenvolvímento de uma economía de Teresa Júdice Gamito* mercado que a pouco e pouco se foi generalizando. Nele se detectam as grandes linhas de evolu9áo e mudan~a que iráo caracterizar a Europa, e em especial a Península Ibérica, nos tempos que se Ihe seguiram. Enquanto o final da Idade do Bronze apresenta ARSTRACT ainda um carácter predominantemente Atlántico, e uma evolvuáo lenta e compassada dos poyos europeus, as grandes mudan~as come~am a surgir a partir de Theforrnation ofihe peninsular peoples was examined 850 a. C. aproximadamente (data do depósito votivo by Bosch Cimpera in his work on the Palaeeíhnology da Ria de Huelva) quando as influéncias orientalizantes of íhe Iberian Peninsular (1974). Qíher auíhors such come9am atingir a Europa e simultaneamente a as Mendes Correa (1933), Caro Baroja (1946), Malu- mobilidade dos poyos aumenta exíraordinariamente. quer de Motes (1954) have also examined this aspecí Na verdade, a corrente de influÉncias fortemente ofpeninsular Proíohistory, refiecíing the research of orientalizantes foi um fenómeno, que, de um modo their time. desigual, atingiu e afectou todos os poyos da bacia do A re-examination of Me subject demands a collective Mediterráneo, mesmo os Celtas, um pouco mais reassessmení. In the indigenaus culture of centraland além, nos séculos VII e VI a, C., sofrendo transfor- souíhern PortugaL attention must be paid lo Me maQoes e adaptaeñes diversas, assumindo formas e variables associaíed with this vast region: classical aspectos diferentes, de acordo com os sub-estratos authors, linguisíic and archaeologícal evidence and sócio-culturais dos poyos envolvidos. Este fenómeno ideological and religious aspects. It is also necessary revela ainda a atrac$o e o fascínio que a iconografia to consider Me lacunae and inaccuracies of ihe e a simbologia orientais sempre exerceram sobre esses classical sources with regard lo Ihe peoples of Ihe poyos, com as suas formas exuberantes, animais peninsular and Iheir territories, since they were exóticos e religiñes estranhas. Assim, come~amos a wriííen without great detail and onlyfragments have ve-los reflectidos nos objectos de adorno, na introdu~áo survived, Oía the otizer bajad, tite lñniíaíions of de novos rituais religiosos ou objectos de culto, nas archaeologícal research itselfmust be evaluated because novas formas de vida, que necessariamente se reflectem the amount of information varíes acco?ding lo Ihe nos dados arqueológicos, confirmando a existencia de areas studíed. extensos e complexos mecanismos de intercambio comercial e cultural dos poyos nele envolvidos: Gregos, Fenicios, Cipriotas, Escitas, Trácios, Italianos RESUMO e ibéricos. Este fetiómeno náo deverá portando ser considerado A Jórmacdo dos poyos peninsulares foram já isoladamente, mas em correla~áo com outros fenóme- objecío da reflexílo de Bosch Gimpera e publicados nos igualmente importantíssimos neste evoluir cons- na Paletnología de la Península Ibérica (1974). tante e acelerado da Humanidade, e que entáo se Qutros autores tarnbém se debruqaram sobre este fazem sentir na bacia do Mediterráneo e nas regiñes aspecto da Proto-História peninsular tomo Mendes imediatarnente confinantes; Correa (1933), Caro Baroja (1946), Ma/uquer de Motes (1954), reflectíndo urna das grandes preocu- a) o aparecimento de grande complexidade social e pa~des dos investigadores da época. Foi-me pedido de hierarquiza9áo subsequente, surgindo, simultanea- que focasse especialmente o sub-estrato cultural do mente, élites cada vez mais poderosas e dominadoras; centro e sul de PortugaL o que tentareifazer dando b) um movímento na distribui9&o das popula9oes, especial aten~do las diferentes variáveis relacionadas e que passa a concentar-se em grandes centros urbanos interligadas nesta vasta regido: os relatos dos autores clássicos, a evidéncia linguistíca e arqueológica, os c) o énfase posto no armamento de poderosos aspectos ideológicos e religiosos. No entanto, há que exércitos, formados essencialmente por mercenários e considerar as lacunas e imprecisdes dos relatos dos por corpos marciais altamente especializados e com- autores clássicos sobre os poyos peninsulares e os seus plexos; territórios, que. embora abundantes. ñ&o foram escritos para nos transmitirem malores detaihes, e d) o estabelecimento de rédes comerciais extensas e também porque chegararn até nósitagmeníados. Por complexas, quer internas quer externas, geralmente outro lado, as lirnita~3es que a própria investiga~do apoiadas no desenvolvimento de uma marinha mer- arqueológica necessariamente apresenta. quer peía cante e de guerra igualmente servida por barcos desigualdade das zonas estudadas, quer peía própria especializados e poderosos; distribui~do da evidéncia arqueológica, sdo as prínca- país d

e) a grande mobilidade de pessoas e de idéias, 2. OS POVOS PENINSULARES E OS largamente apoiada pelo uso generalizado da eseTita; AUTORES CLASSICOS 1) a troca de presentes entre as elites dominantes, (HERODOTO, AVIENO E simbolizando, ela também, o poder e a maneira de ESTRARÁO) viver dos poyos envolvidos, e que vem simultaneamente Este aspectojá foi brilhante e pormenorizadamente facultar o aparecimento de uma larga clientela de tratado nesta conferéncia pelo Prof. Jorge de Alarcáo, servos e dependentes cm redor do senhor. pelo que me limitarei a fazer apenas algumas obser- Este tempo de mudan~a virá, necessariamente, vaQaes. trazer também com ele profundas transforma9óes nos Heródoto, nasceu em Halicarnasso, na Cária, no poyos nele envolvidos, na sua visáo do mundo e da primeiro quartel do século y. a. C., cerca de 484, sociedade, uos seus conceitos religiosos e artísticos tendo passado grande parte da sua vida em Samos reflectindo a introdu~Ao de novos cultos religiosos, tal onde certamente contactou com marinheiros e merca- como nos sugerem Coe (1981) e Rappaport (1971), e dores, que Ihe contaram sobre as terras distantes que deque sáo exemplQ oculto a Amon (l3oardman 1980; visitaram. Os seus relatos, procurando salientar os Júdice Gamito 1983), ou novos cultos introduzidos grandes feitos realizados pelos Gregos e preservar a por grupos migrantes, de que sáo exemplo o culto de memória do passado (Heródoto, 1, 1), baseiam-se em Hera (Strabo Geografia, III; Júdice Gamito 1983b e factos e relatos do século VII a. C., muito anteriores, 1987) ou os de Ataegina e do Endovellico (Lambrino portanto, á sua época. 1951, 1965; Tovar 1985, 1988; Encarna~áo 1985; Tal como Snodgrass (¡983, 144-146) e Fisher (1972) Júdice Gamito 1986, 1988), e reflectindo-se também salientam, Heródoto era muito preciso nas regiñes nos produtos e artefactos que aqui encontramos na que conhecia, quer directa, quer indirectamente, sua cultura material. através das diferentes ‘fontes de informa~áo dc que Embora o conceito de «um povo/uma cultura» dispunha, tal o caso da localizaqáo dos Celtas, dos tenha sido há muito ultrapassado sendo a realidade Cynetos e dos e Iberos na Península arqueológica apenas um magro reflexo de culturas e Ibérica. Assim, afirma: poyos passados, quando é possível determinar áreas de distribui~o de artefactos coincidentes com as de «..., Os Celtas habitarn agora para lá das colunas de Hércules, sendo vizinhos dos Cynetos, os poyos outros atributos, e se essas realidades sáo confirmadas mais ocidentais da Europa habitada» (Heródoto, por referencias históricas, poderemos pensar na possível associa~áo das diversas variáveis, e sugerir II, 33). estarmos na presenqa de um poyo ou de poyos ou ainda: mencionados pelos autores clássicos. Entáo a grande o... pois o Ister atravessa toda a Europa, crescendo recompensa do investigador residirá precisamente entre os Celtas, que, com excep9ao dos Cynetos, nesse passo de descodifica9áo do passado. que sáo os poyos mais ocidentais da Europa, e O centro e sul de Portugal penetram no limiar da correndo portando livre através da Europa, pros- História com uma complexa realidade sócio-cultural segue pelas fronteiras dos Escitas...» (Heródoto, e economica, e um mosaico de diferentes poyos que IV, 49). ora se unem ora se disputam como nos relatam os autores clássicos, A sua cultura material difere, e Avieno nasceu no século IV d. C. e, provavelmente poderemos observar manchas de distribui9óes de foi proconsul na Ásia e na Bética. Tal como ele objectos e monumentos, que secundados peía linguis- próprio o afirma serviu-sc de fontes muito anteriores tica, nos sugerem estarmos de facto cm presen9a de á sua época: talvez o Periplus, o relato massaliota do identidades sócio-culturais específicas, de poyos autó- século VI a. C., segundo Schulten (1932, 4-5) ou o de nomos. Pytheas, bastante mais tardío, do século IV a. A sul de Portugal observa-se airada a presenqa de segundo Koch (1979). 0 tratamento que Avieno dá duas incidéncias culturais predominantes: uma orien- aos poyos peninsulares e á sua localízagAo geográfica talizante, alastrando de sul para norte, outra oriunda apresenta já uma diferen~a considerável cm relaqáo a da Europa central, e que penetrando peía Meseta e Herodoto. movendo-se, por assim dizer de leste para oeste, irá Nota-se que entre os Celtas ele distingue duas atingir também o sul e o centro de Portugal. tribus mais importantes: os Cempsos e os Sefes, Seráo estes aspectos que iremos analisar seguida- afirmando que, no sen movamento para oeste, os mente, procurando atingir uma maior compreensáo Celtas tinbam provocado a desloca9Ao de um outro sobre a individualiza9áo, evolu~áo e distribui9áo dos poyo igualmente migrante, os Ligurios (Avieno, Ora diferentes grupos étnicos e sócio-culturais que aquí se Mart, 130-134). No entanto, ¿ de salientar que, fixaram, focando, com especial aten9áo, os seguintes aparentemente, os Cynetos se mantinham na sua pontos: posi9áo relativa aos Celtas e de poyo mais ocidental 1. Os poyos peninsulares vistos pelos autores clássicos, da Peninsiila (Avieno, Oro Mart, 195-204), enquanto cm especial Heródoto, Avieno e Estrabáo. aqueles tinham penetrando até ao sul, chegando ao Oceano, mas distinguindo-se dos Tartessos, de que 2. As áreas [inguisticas. eram vizinhos (Meleno, Ora Man., 255-259). 3. A cultura material- sua diferenciaqáo e áreas de Estrabáo, oriundo da Caria mas estabelecendo-se distribui~áo. em Roma onde teve, possivelmente, acesso á biblioteca 4. Os cultos religiosos. de Cassiodoro e reía aos escritos deixados por PALEOETNOLOGIA DO CENTRO E SUI: DE PORTUGAL 331

Posseidonio e Polybio, portanto fontes do século IV a. C., escreve no século 1 a, C. focando com especial ínteresse a geografía dos diferentes poyos, salientando a sua importAncia para o uso na política. Foi assim possível sabermos sobre grande número de detalbes de geología, geomorfología, geografia e poyos peninsulares (Estrabáo, Geog.. III) notando-se já as diferenQas entre os relatos das fontes onde se baseia e da sua própria época, como se pode ver nesta passagem: «Ephorus, na sua descri$o, faz a Céltica tAo vasta que Ihe junta a maior parte das nutras regiñes. incluida a de Gades, e que nós chamamos actual- mente Ibéria; declara ainda que os poyos sáo amigos dos Gregos, e especifica muitas coisas acerca deles que nAo estáo de acordo com os factos verificados hojess. (Estrabáo, Geog. III, 4-6). De salientar, que entre os poyos Celtas, Estrabáo distingue os situados a norte do Tejo, os Lusitanos, dos outros situados a sul, considerando-os, no entanto, todos poyos de origem Céltica, e neste ponto aproxima- se da tese defendida por Untermann (1962 e mais claramente em 1987) de que o Lusitano é uma língua de origem celtica, aspecto de que Tovar (1973) e também Schmidt (1976), nAo sEo tAo categóricos, considerando antes o Lusitano como uma lingua lndo-Europeia é certo, mas já constituida antes de chegar á Península Ibérica. Notamos assim que a distribui9áo dos poyos do sudoeste peninsularjá apresenta uma individualiza9áo FIG. 1. Os poyos do Sudoeste Peninsular e a sua muito maior e que vários movimentos de poyos se provó’Jel localizoedo. teráo verificado entre o relato de Herodoto e o de Avieno, aspecto que é completado com o relato de Celtibérico, qual dois dialectos de uma mesma lingua Estrabáo: assim os Celtas situavam-se por detrás e céltica (Untermann 1987); enquanto Tovar, practica- jutitd abs Cynetos, envolviam os Tartessos, surgindo mente toda a sua vida e também recentemente (1985, junto á costa, a sul, em Gades, localizando-se numa 1987), considera ter-se dado, há muito, uma separa9áo faixa trapezoidal e transversal á área em questáo, entre duas línguas distintas dentro do Indo-Europeu, aspecto que a Arqueologia e a Linguistica parecem as que vierarn constituir o Lusitano e o Celtibérico. confirmar. Neste ponto de vista é secundado por Schmidt (1985). Há aquí um aspecto que deve ser sublinhado: e a Se considerarmos o recente mapa de Tovar sobre mobilidade indiscutível de todos os poyos desta os poyos e as linguas da Península Ibérica (Tovar época, nEo só peninsulares como europeus. Seas teses 1987, 19) observamos a mancha sul constituida por difusionistas se excederam explicando todos os sinais poyos de «origem local ou indígena» (Tovar 1987, 18) de mudan9a com invasóes e guerras violentas de e distintas dos «indo-europeizados» mais a norte, cons- entre poyos, nEo podemos deixar de considerar que tituida pelos Lusitanos, e oretanos. Este de facto movimenta9ñes de poyos se verificaram em mapa difere apenas na extremidade sudoeste, da todas as épocas da História humana, e certamente na grande (livisória linguistica da Península sugerida nos Idade do Ferro, quando a domestica9áo do cavalo era seus topónimos e estudada por Untermann (em 1962 um passo há muito conseguido, e as tecnologias de e também posteriormente) e também por Albertos construc9áo de carros de trac~áo e de passeio se (1973) e Faust (1975), que a inclui na área céltica, encontravam extremamente desenvolvidas. aspecto que recentes estudos efectuados por Correa (1987) parecem corroborar. Á medida que caminhamos 3. ÁREAS LINGUISTICAS para norte as descri9óes dos autores clássicos escas- seiam, bem como os documentos linguisticos, sendo A Linguistica confirma em parte este mosaico de estas zonas habitadas por poyos mais primitivos e poyos apontado pelos autores clássicos. Assim, e isolados, aspectos com que as duas posi9óes linguistas nisso todos os linguistas sAo unánimes, dois grandes concord am. grupos de poyos dividem a Perirsula: a sul os poyos Parece, portanto, ter-se observado urna acentuada propriamente Ibéricos, isto é, há muito ah instalados, influéncia de estímulos mediterránicos sobre os poyos e poyos de origem Indo-Europeia, a maioria já aqui há muito instalados, de sul para norte, e de uma céltica, instalados no Centro e no Norte. Entre estes corrente mais fortemente ligada á Europa Central, e Untermann nota apenas uma língua originária, da de raíz céltica, no centro e norte, ao longo de todo o qual se distinguiram dois ramos: o Lusitano e o percurso que vai dos Pirineus, pelo centro da Península, 332 T. JUDICE GAMITO através dos planaltos da Meseta e que aparece já profundas. Tartessos parece desaparecer totalmente instalada e distinta nos séculos VII e Vi a, C. (Júdice como entidade sócio-política, e em seu lugar surgem Gamito 1986, 1988; Tovar 1987) oque quer dizer, que posteriormente os Turdetanos. Este facto, que Sehulten no período de tempo correspondente a Hallstatt C e considerou como verdadeiramente catastrófico (Sehul- D, já poyos Celtas se terAo deslocado para a ten 1945) implicando a total destruiqáo de Tartessos, Península Ibérica e instalado no sen centro e sudoeste, poderá ter —se tratado apenas de um grande enfra- e de que sEo testemunho influéncias diversas de índole quecimento económico, provocado por uma mudan9a Indo —Europeia que aquí se detectam, Nota-se radical na orienta9áo do comércio e no esgotamento também um acentuar de aspectos bélicos e disposiyóes aparente das suas principais fontes de riqueza; os defensivas, que surgem subitamente: a constru9áo de metais preciosos. Tartessos ter-se-ia assim reduzido á grandes povoados fortificados, as estelas funerárias expressáo mais simples do seu território, perdido a de tipo «Extremadura», celebrando os guerreiros importáncia e a exelusividade do comércio externo, desaparecidos. Esta uma tese que vimos defendendo evoluindo para uma nova entidade sócio-política, a há muito, isto é, de que a época do Bronze Final/Ferro Turdetánia, tal como esquemáticamente se sugere no Inicial no Sudoeste peninsular possuiajá, e predomi- modelo A, nas suas fases a, b, c, e, d. Este lacto. nAo nantemente, uma cultura material forte dentro da implica que nEo se tivesse observado a queda, essa influéncia da Europa Central e Atíantica, de matiz sim, da sua elite dominadora (Júdice Gamito 1989). celta, sobre a qual, estímulos orientalizantes, especial- Os Célticos parecem constituir-se cm grandes mente da Grécia oriental, Cipriotas e Assirio-fenícios, grupos, relacionados entre si por lasos culturais se come~am a fazer sentir aproximadamente a partir profundos e, principalmente, de parentesco, mas de 700 a. C. (Júdice Gamito ¡988, 1989). mantendo os seus traQos distintivos, eles também Este aspecto parece ser corroborado pelas recentes reflectidos na sua cultura material. Assim se distinguem tentativas de decifra~Ao da lingua do Sudoeste, usada os Celtas propiamente ditos, ocupando uma vasta nas célebres lápidas epigrafadas do Algarve e Baixo área equivalente a todo o Alentejo, e possivelmente Alentejo, com exemplos ainda na zona do Guadalquivir parte da margem esquerda do Guadiana, até ao e Extremadura espanhola (Correa 1987, 1989), pelas território dos Tartessos; os Vettones mais para quais parece deduzir-se que a escrita foi aproveitada interior na actual Extremadura espanhola, mas com por poyos ibéricos, possivelmente falando uma língua possíveis ligaQóes cm actual território fronteiri~o de origem céltica, e transmitida por um mestre ou (Arnaud e Júdice Gamito 1977), estendendo-se até ao mestres que dominavam o Fenicio e o Grego. Acima Douro; os Lusitanos ocupando as actuais provincias do Tejo estendia-se o território dos Sefes, o dos da Beira portuguesa. Esta mancha de poyos célticos é Cempsos, designagáo que desaparece a partir do também aquela que se tornará teatro das primeiras século II a. C., surgindo em seu lugar os Lusitanos, o lutas das guerras peninsulares. E parece —me que este que nos leva a pensar estarmos perante a evolucáo é um aspecto a salientar, porquanto revela o alto grau dos Sefes e dos Cempsos, poyos que se teriam de consciencia política e social que entán possuiam. passado a designar por Lusitanos, ou estes seriam a Estas áreas geográficas nEo sAo e nEo foram, designaQEo genérica dada já em época romana aos espa~os delimitados e estanques, mas flexíveís e poyos que habitavam esta regián. As inscri9óes interligados. Poderemos distinguir aqui áreas culturais encontradas, já cm época romana, no seu território: especificas? Nas regiñes ocupadas pelos diferentes Lamas de Moledo, Cabe’7o das Fráguas e Arroyo del grupos étnicos distinguimos alguns traqos de indivi- Puerco, sugerem tratar-se de poyos de origem céltica, dualiza$o, quer na distribui como Untermann sempre tem sugerido (1987). Os 9áo de alguns artefactos poyos do sul e centro peninsulares apresentavam. diagnóstico quer especialmente no campo religioso, portanto, uma maior complexidade sócio-cultural e nos cultos distintos al detectados. económica que se vai esbatendo para norte. A análise destes artefactos diagnóstico e das suas Estes sEo os aspectos dominantes que podemos áreas de distribui~án, conduzem á caracteriza9áo de também observar nos vestigios da cultura material zonas específicas, já por nós sugeridas para o sul de detectada nas esta9óes arqueológicas desta mesma Portugal (Júdice Gamito 1979, 1986, 1988), e que, ca- area. minhando de sul para norte, se poderáo caracterizar do seguinte modo: ZONA A: Zona compreendida pelo triángulo recto 4. A CULTURA MATERIAL-SUA que tem como catetos a costa do Algarve e a costa DIFERENCIACÁO E ARFAS Atlántica do sul de Portugal até Alcácer do Sal, e por DE DISTRIRUWÁO hipotenusa, a linha que necessáriamente une os dois pontos extremos destes dois lados. Esta é a zona de maior intensidade na distribui9áo das lápides epígra- Enquanto no extremo Sudoeste vamos, indubita- fadas com a chamada escrita do Sudoeste ou Tartés- velment, encontrar os Cynetos, sempre referidos pelos sica, Também nesta zona tinha predominado no autores clássicos como os poyos mais antigos e Bronze Final as estelas tipo «alentejanos> com as situados no extremo ocidental do mundo entáo armas gravadas e a cerámica brunida de caneluras, e conhecido, e nisso todos estEo de acordo: Herodoto, efeitos afins, bem como as tapas tipo «Atalaia» Estrabáo, os arqueólogos e em parte os linguistas, a (Schubart 1975), e nilo asde retícula brunida, e onde localizaQan de poyos Célticos mais a norte, já tem por se distinguem. posteriormente, a par de uma tradi~Ao vezes suscitado opiniñes diversas (Kalb 1979). E, no de vasos de cerámica autócnone, a importa9áo de entanto, a oriente que se observaram altera~oes mais objectos nitidamente mediterránicos, como os escara- PALEOETNOLOGIA DO CENTRO E SUL. DE PORTUGAL 333 velhos egipciantes de Naucratis e as primeiras ánforas cultura ibérica que encontramos nos pequenos reinos gregas ((Dias et al. 1970; Beiráo e Gomes 1981). De ibéricos da zona do Guadalquivir. salientar ainda o uso, peía élite dominante, de carros A cultura material caracteriza-se, na sua fase do ligeiros de prestigio, como observamos nas suas Bronze Final/Ferro inicial, pelo prodomínio de necrópoles, principalmente na de Alcácer do Sal cerámicas finas de retícula brunida, tipo Guadalquivir, (Schule 1969; Júdice Gamito 1986, 1988). Se as e de cerámicas grosseiras com decora9áo em cordñes necrópoles desta zona, com as suas características de dedadas ou incisóes, que encontramos em toda a próprias, cairam cm desuso a partir do século IV/ III Zona B. Juntamente a estas cerámicas come~am a a. C., como a evidéncia arqueológica sugere (Dias et aparecer as primeiras importa9ties de vasos de cerámica al. 1970; Beiráo e Gomes 1981), isso nEo quer dizer grega de prestigio, como a encontrada em Huelva que se tenha dado um corte sócio-cultural na zona e (Fernandez Jurado 1984; Olmos 1982), as primeiras nessa época, uma vez que nos povoados com uma importayóes de «barniz rojo», logo seguidas das sequéncia estratigráfica maior, nomeadamente Segóvia, respectivas cópias indígenas, e influencias orientali- Baldio, Vaiamonte, Azougada, issn nEo se verifica. zantes nas jóias de tipo orientalizante como as do Poderá ter-se observado uma transforma9áo nos Carambolo, e nos objectos de adorno e de ritual como padrñes, objectivos económicos e influéncias culturais, os jarros e brazeiros da necrópole de La Jóia. Nota-se mas um hiato absoluto e radical julgo ser de refutar. ainda que objectos de prestigio se passam a encontrar ZONA B. Abrangendo uma vasta zona, predomi- com frequencia ao longo das estradas do interior até nantemente interior, sob a forma de um vasto Es zonas ricas em minérios, surgindo assim junto á trapézio que se estende desde as desembocaduras do vía, mais tarde designada por oCaminho da Prata», Tejo e do Sado, incluindo a península de Lisboa, até como vemos em La Martela e Aliseda, chegando a ao Guadalquivir. Esta é a zona que se caracterizou Mérida e Medellin. durante o Bronze Final/ Ferro inicial por ser a área de Sub-zona B2: Esta zona abrange toda a regiAo maior intensidade na distribui~áo das cerámicas de imediatamente a norte e ocidente, constituida essen- retícula brunida, dos torques de ouro com decora9áo cialmente pelos poyos denominados célticos. É limitada incisa e cujos desenhos seguem, precisamente, os a ocidente pelo território dos Cynetos, que cm mesmos padróes geométricos que encontramos na- determinado momento irá tambem absorver (como quelas cerámicas, e onde posteriormente vamos tam- vimos na Linguistica) e observamos na estratigrafia bém encontrar as primeiras cerámicas com decora9áo de Ossonoba (Faro) e estender-se até an Atlántico, cm padrñes geométricos tanto incisa como estampil- atingindo a noroeste a desembocadura do Sado, hada, que se filiam nas influéncias de Hallstatt D e La sendo limitada a norte pelo Tejo e Serra da Gata, a Téne inicial. Observam-se necessaniamente diferen- oriente pelos territórios dos Vettones e Oretanos, ciagñes sub-regionais que talvez correspondam ás constituindo a continua9áo natural da cintura pirítica localiza9aoes de grupos de poyos célticos suficiente- de Peninsula Ibérica. É uma zona rica cm aluviñes de mente individualizados. Podemos assim e ainda estanho e de ouro e de minas de cobre, ferro e prata. subdividir esta regiáo em sub-zonas, tentando apre- A cultura material destes poyos caracteriza-se no sentar seguidamente a sea caracteriza9Ao: Sub-zona período do Bronze Final/Ferro inicial por reflectir de BI; Sub-zona B2; Sub-zona B3. facto um acentuado ambiente céltico, com cerámicas Sub-zona BI: Abrange toda a regiáo do enuto de retícula brunida de influencia mista: as da Estre- mineiro de Rio-Tinto até Huelva, com limites indefi- madura portuguesa e da bacia do Guadalquivir, peía nidos a oriente, mas atinguido a Serra Morena, a íntrodus;áo das primeiras cerámicas estampilhadas de ocidente a margem esquerda do Guadiana, e a norte largas matrizes rectangulares, como as encontradas possivelmente passando pelo leito do rio Ardila. Zona nos castros de Vaiamonte e de Segóvia (Arnaud e que se caracterizou como centro comercial e industrial Júdice Gamito 1977; Júdice Gamito 1979, 1983) logo importantíssimo para a época, dominando os contactos seguidas de cerámicas brunidas acinzentadas, por e a interacqáo sócio-cultural intensa com o Mediterrá- vezes com estampilbado fino tipo La Téne. E ainda a neo oriental na sua fase inicial, isto é, até cerca de 500 zona onde se concentram as estelas funerárias de tipo a. C. Este seu tra9o cultural característico tornou-se ~scom os seus escudos com entalhe cm predominante sobre o subestrato indígena e celtizado V e peqtíenas importaqñes de Kyllices gregos, como o que já observamos nitidamente cm Rio Tinto, o seu de Medellín (Almagro Gorbea 1977) ou os mais centro mineiro mais importante, especialmente no antigos de Azougada, que come~ando a importar Cerro Salomon e no povoado do Carambolo (Blanco tacas gregas no final do século VI, continua no V, mas Freijeiro 1962; Carriazo 1973). 0 centro de actividades principalmente no IV (Júdice Gamito 1990). Observam- e possivelmente de residéncia da elite dominante ter- se ainda influencias orientalizantes reflectidas nas se-ia deslocado para Huelva, por volta do século jóias de fabrico local como as de Aliseda, nas jóias VII/VI B.C., por esta cidade se encontrar junto á encontradas no povoado de La Martela (Enriquez costa, e portanto apresentar maiores facilidades para Navasqués (1988), no tesouro do Gaio (Costa 1966), e a carga e descarga dos produtos comercializados. E a nos braceletes de Grandola, bem como nos jarros e regiáo nuclear de Tartessos. Entre 500 e 400 a. C. a brazeiros rituais (García y Bellido 1960, Júdice crise económica e possivelmente também social de Gamito no prelo). Este carácter simultáneamente Tartessos terá sido tAo grande, que perden a impor- orientalizante e celtizante mantem-se, como vemos tAncia adquirida e a exelusividade do comércio nos horizontes mais recentes dos povoados da zona, mediterránico. Manteve, no entanto, o prestigio como é o caso dos povoados de Neves Corvo (García antigo sempre relembrado, e deteve o mesmo tipo de Pereira 1987). 334 T. JUDICE CAMIlO

Sub-zona B3: Esta zona, estendendo-se mais para tagñes de poyos que foram originadas pelas Guerras ocidente, ocuparia a península de Lisboa até á zona Púnicas e pelas Guerras Peninsulares é possível que de 5. Martinho e dos castros do Outeiro da Assenta, parte daqueles poyos se tivesse refugiado mais para e de Pragan~a a norte, a ocidente as zonas de Ocidente atingindo a Lusitánia. Os lagos tribais e de Santarém e Alpiar9a, a sul a margem esquerda do parentesco, tAo fortes entre eles, sAo também urna das Tejo até á sua desembocadura, incluindo a península suas características sociais mais acentuadas. Aspecto da Arrábida. Trata-se de uma regián de transiQán, que náo devemos esquecer, se quisermos alcan~ar onde importa9ñes orientais se verificam apenas nas uma maior compreensáo sobre a Paleoetnologia da zonas portuárias, mais importantes, mas onde sAo Peninsula ibérica. relativamente escassas. A cultura material caracteriza-se pelos seus aspectos predominantemente Atíanticos e Europeus. A ceramíca 5. CULTOS RELIGIOSOS de reticula brunida do Bronze Final/Ferro Inicial de tipo Estremadura, associam-se cerámicas de decora.áo A análise dos cultos religiosos detectados nestas incisa de tipo hallstattático como as que encontramos trás grandes zonas levam-nos a estabelecer igualmente em Alpiar~a, no castro de Praganca e na Lapa do ligeiras distinQóes entre elas: Fumo. Os torques de ouro mais antigos apresentam Zona A: Nota-se o predominio de obscuros cultos igualmente a característica dccora~áo incisa de tipo indígenas que ainda prevalecem em época romana, geométrico semelhante á da cerámica brunida, en- como o do Promontório de Sagres e nutros de quanto que as lunulae mais modernas apresentam importa9áo mediterránica como o culto de Hera e uma decora~áo em fino pontilhado e pequenas Hércules detectados nos túmulos dos heróis das estampilhas de tipo La Téne inicial como as que necrópoles do Sudoeste (Júdice Gamito 1986, 1987) e encontramos também nas cerámicas com decoragán no próprio promontório de Sagres (Leite de Vascon- estampilhada. cellos 1905; Encarna~Ao 1985, Blazquez 1975 e 1977), ZONA C: Estendendo-se numa vasta faixa a norte acentuando, juntamente com a introduí~áo da escrita, do Tejo, na regián hoje ocupada pelas provincias as influencias do Mediterráneo oriental. portuguesas da Beira Baixa, Beira Alta e Beira Litoral Zonas B e C: E uma zona muito mais complexa, apresenta um carácter predominantemente atíantico e sendo as divindades célticas as dominantes, mas celtizante. Talvez inicialmente constituida por poyos ligeiramente variáveis segundo a respectiva sub-zona. como os Sefes, os Cempsos e os Egitanos, julgo que Assim, notamos aqui cultos celebrados no Cerro seráo, eles ainda, aqueles que foram reconhecidos Solomáo (rio Tinto) a divindades representadas com mais tarde, em época Romana, e designados por cornos, comparáveis a representa~ñes de divindades Lusitanos, quer devido A sua própria evolu9áo, quer célticas como a de Waldalgesheim (Ross 1974, 179) porque a distin~Ao entre eles náo fosse tAo elevada ou a de Pfalzfeld (Cunliffe 1979, 27), e possivelmente que permitisse a sua individualiza9áo. relacionados com o culto de Cernunos. Entre os A sua cultura material é essencialmente atíantica e anímais mais venerados encontram-se o touro, repre- celtizante como referimos, com excep9áo de Santa sentado nos pequenos bronzes, tais como no thymia- Olaia, que nos aparece como um ponto isolado e terion da Safára, no selo de Aznugada, no touro da importante de importaQñes orientalizantes nesta zona, Bib. Nacional, touro de Sagres, ou nos monumentos talvez se justificando esta situaíáo por se ter tornado funerários ibéricos (Chapa 1986; Almagro Gorbea no porto de escoamento das riquezas mineiras dos 1983); o veado, representado nos vasos rituais de Lusitanos. NAo podemos esquecer as exploragóes Huelva e de Mérida, no thymiaterion de Cástulo, na auríferas das encostas do Alba e do Mondego, nem a corsa do British Museum, e em nutros pequeños riqueza cm estanho das áreas imediatamente interiores. bronzes votivos, e ojavali, representado no bronze de Conimbriga, já uma urbe importante na Idade do Sagres, nos monumentos funerários da célebre «Cultura Ferro, apresenta as mesmas características celtizantes, dos Berrñes» do Nordeste de Portugal (Santos Junior na sua cultura material, como atrás mencionei na 1975) e que encontramos já a norte do Tejo, na Zona caracteriza9áo desta área. No entanto, mesmo assím C por nós assinalada. Todos estes animais pertencem apresenta raras importayoes mediterránicas (Alarcáo A iconografia celta, relacionando-se com a vida do et al. 1979, 249-250). De salientar ainda tratar-se de além e com o próprio Cernunos, deus e senhor do uma zona onde ainda se detectam estelas de tipo mundo dos vivos e do mundo dos mortos. funerário da «Extremadura», de distribui9áo de cerá- Além destas representa9óes concretas relacionadas micas estampilhadas, de fibulas e vasos de prata de com cultos e rituais célticos, ainda se detectam nestas tipo La Téne e características da Meseta, como as zonas, o culto a determinadas divindades de carácter fíbulas de cavalinho, e onde predominam as esculturas céltico como Ataegina e Endovellico, cultos localizados zoomórficas características da chamada «cultura dos principalmente a sul do Tejo, com numerosas aras e berrñes». inscri9oes votivas, e ainda A Deusa MAe e a Trebaruna Os outros grandes grupos de poyos célticos da a norte do Tejo, também com algumas aras e Península sAo os Vettnnes e os Vaccaeos, que, inscriQóes votivas. juntamente com os Palendones e os Berones se situam Observamos assim que As entidades étnicas referidas nesse caminho de penetra9áo de influéncias da pelos autores clássicos correspondem identicas mdi- Europa Central que referi atrás, e que constituiráo vualizaqñes na organiza~áo política, social e religiosa, mais tarde as grandes uniñes dos poyos peninsulares secundadas pelos aspectos linguisticos e por igual contra o dominio Romano. Nessas grandes movimen- especificide na sua cultura material. PALEOE’I~NOLOGlA DO CENTRO E SUL DE PORTUGAL 335

6. CONCLUSOES defesa, parecem estar na génese dc todo este processo evolutivo durante o primeiro quartel. do milénio, A evidencia arqueológica, os relatos dos autores contribuindo para que as diferentes organiza9ñes clássicos e a própria informa~Ao línguistica permitem- sociais aqui estabelecidas crescessem cm complexidade nos sugerir um modelo explicativo para a evoluíáo e se observasse urna crescente difículdade no acesso e destes grupos sociais e dos seus possíveis mecanismos distribuiyáo de riquezas. A partir de 750 a. C. e razóes de comportamento. passamos a estar perante um processo acelerado de A partir do primeiro milénio a. C. a Regiáo em todo este mecanismo, enquanto as elites dominantes estudo parece ter sido o palco de grande desenvolvi- procurani manter um equilibrio do poder, o que foi mento económico, evolu~áo e movimentagAo de poyos, fácil enquanto os poyos do Mediterráneo Oriental se o que certamente terá contribuido para o seu-subse- mantiveram consignados nas suas áreas e o intercámbio quente desenvolvimento, complexidade e organiza~Ao económico e social se Cingia a essa regiáo, ou a social, consciéncia dos valores económicos que urgia esporádicas incursñes comerciais quer no Mediterráneo defender e preservar, bern como a inírodu$o de quer no Atlantico. A evolu9Ao dos poyos peninsulares ínflu~ncias diversas, europeias e mediterránicas, e um seguiu entáo urna fase equilibrada, observando-se abrandamento das influéncias atíanticas. urna acentuada acumula9áo de riqueza. Esta tomada de consciéncia dos valores económicos Logo que a procura das matérias primas essenciais disponíveis e da necessidade da sua conservaQáo e as sociedades do Mediterráneo Oriental se intensificou

a b

( 1 ~

c d

Fío, 2. A express&o gráfica do modelo proposto: a) Tar¡essos nc suc fase inicial, séculos ¡11/ VI a, C.: b) O desenvolvimenzo sócio-económico e cuí/ural de Tartessos e sua posiQño de !ugar centralséculos ¡/1/ V; e) O desenvolvimento das d~férentes entidades sócio-políticas dominantes na periferia de 7arte,vsos,séc.ulos ¡/1V; el,> A pro lijera~Oo dos pequenos reinos ibérico,> aparlir do século IV a, C. 336 T. JUDICE CAMIlO

e se deu simultaneamente uma modifica~áo e dificul- dade profundas no acesso a essas matérias primas exigisscm um refazer de toda a organiza~Ao socio- economíca, processo que a cute dominadora de consequente da expansáo do dominio dos Assiríos no Médio Oriente, tanto os Gregos como os Fenicios, se Tartessos nAo conseguiu controlar, nota-se a partir do sentiram na necessidade de procurarem nutras fontes século y a. C. um nítido desvio das rotas comercíais e o desenvolvimento das zonas periféricas de Tartessos. de abastecimento. Tartessos era entáo a única poténcia do Mediterrá- Este, possivelmente nAo desaparecendo de modo neo que dispunha de metais preciosos para troca «catastrófico», altera-se profundamente, passando a designar-se por Turdetánia. Esta nova entidade. imediata, e em táo grande abundAncia e qualidade que se tornou no pasmo das sociedades suas contem- muito embora possuindo ainda notáveis riquezas e gozando de um passado esplendoroso e chein de poráneas. A corrida ao novo mercado nAo se fez prestigio, como vemos expresso em Estrabáo (Gen- esperar. Inicialmente com todo o maneirismo e grafia, III, 2), já nAo é o poderoso reino de Tartessos cerimonial de embaixadas e trocas de presentes que referido na Antiguidade. veremos expresso cm Herodoto, Estrabán. e Justino, Atinguiu-sc assim um certo equilibrio sócio- e reflectidas na evid~ncia arqueológica aqui detectada: económico cm toda a área, sem o grande predominio os vasos gregos, e outros objectos de luxo, no de qualquer dos pequenos reinos ibéricos, mas todos Ocidente; marfins e armas ibéricas nos templos da detentores de um certo bem-esíar, reflectido na sua Grécia. a Oriente. Esta fase foi logo seguida de uma cultura material: tmporta9oes de cerámicas finas de pressáo continua sobre os fornecedores, que eram origcm grega, de anloras de vinho. de vidros e simultaneamente produtores. Aspecto que vemos esséncias, e certamente de tecidos exóticos. generalizado cm todos os povoados da época. Dal o A partir de 300 a. C. todo o sul e centro da desenvolvimento acelerado do comércio interno no Península é afetado pelas guerras Púnicas. quer Sudoeste peninsular e da troca de presentes valiosos directamente por se encontrarem na passagem dos para uma mais rápida aceita9áo das propostas comer- exércitos e contendas, ou pelo recrutamento de ciais apresentadas. Nota-se ainda a cria9áo de portos mercenários. quer indirectamente peía pcrturba~áo comercíais, que simultaneamente desempenhavam a económica e social que aquelas guerras neccssariamente fun9áo de centros sociais cdc centralizaq~áo do poder, trouxeram a cssas zonas da Península. Deverá ter de verdadeiros «lugares centrais,>. Essa deveria ter sido entáo que novas migraq~es do sul se dirigiram sido a situa9áo de Huelva entre 700 e 600/500 a. C. para o norte, e qñe vemos reflectidas na cultura Quer pelo facto de a natureza geológica destas castreja. Todavia, a organiza~áo social e étnica dos reservas de Tartessos serem frágeis e efémeras perante diferentes grupos manteve-se, como vemos, reflectida o sistema de extrac 9áo usado —o aproveitamento dos nas uniñes estabelecidas entre os poyos peninsulares gossans, como aparece até claramente descrita em durante as Guerras dos Lusitanos, de Numancia e de Estrabáo (Geog., III, 2.8)— quer porque as pressées Sertório. e mencionadas nos geógrafos e escritores socio-económicas e o próprio desenvolvimento interno romanos. dos diferentes sub-grupos situados na sua periferia Faro. novembro de 1989

BIBLIOGRAFIA

J. Alarqao 1988. 0 Dominio Romano cm Portugal, J. M. Blázquez 1975, Tartessos j las origines de la Lisboa, Europa, América. Colonízacion Fenicia en Occidente, Univ. de Sala- J. Alarqao e R. Etienne 1979. Fouílles de Conímbríga. man ca. y. VII, París, Boccard. J. M. Blázquez 1977. Imagen y Mito, Madrid. M. L. Albertos 1973. Lenguas primitivas de la Iberia, J. Boardman 1980. Tite Greeks overseas, London. (Boletín Sancho el Sabio, XVII), 23-39. P. Bosch Gimpera 1974. Paletnologia de la Península M. Almagro Gorbea 1977. El Bronce Final y el Iberica, Graz AL. Press, Verlagsanstalt. Periodo Orientalizante en Extremadura, (liii,, Pre- 1. Caro Baroja 1946. Los Pueblos dEspaña. Barcelona. hisí. Hísp.), Madrid. J. M. Carriazo 1973. Tartessos y el Carambolo, M. Almagro Gorbea 1983. Paisaje y sociedad en las Madrid, D. G. Belas Artes. necrópolis ibéricas y su interpretación sociocultural. Cong. Nac. Arqueología, Zaragoza, 725-740. T. Chapa 1986. Influjos Griegos en la escultura zoomorfa ibérica, Madrid, CSIC, Série Arqueo- J. Arnand e T. Júdice Gamito 1977. Cerámicas logía 2. estampilhadas da Idade do Ferro no Sul de M, D. Coe 1981. Religion and the risc of Mesoamerí- Portugal-I, O Arqueólogo Portugués. 5. III, y. VII, can states, The trasílion to síaíehood in the Lisboa, 165-202. Newworld. ecl O. D. iones and D. R. Krautz. C. M. Beiráo e M. y. Gomes 1981. A Idade do Ferro Camb. Univ, Press, ¡51-171. no sul de Portugal, epigrafía e cultura, Catálogo da J. A. Correa 1987. El signário tartesio, IV Col mt. exposi~&o do Museu Nacional de Arqueologia e Leng. y Cult. Prerromanas, Vitória, 275-284. Etnología, Lisboa, .1. A. Correa 1989. Notas a las inscripciones en A. Blanco Freijeiro 1962. Antiguidades de Rio Tinto escritura tartésica, V Col. Int. Leng. y Cult. Zephyrus. VI, 41-60. Paleohispanicas, Kdhl, no prelo. PALEOETNOLOGIA DO CENTRO E SUL DE PORTUGAL 337

J. M. Costa 966. 0 tesouro fenicio ou cartaginés do Ph. Kalb 1989. Zum Keltenbegriff in der Archánlogie Gain, E/hnos. Lisboa, 529-537. der iberischen Halbinsel, y CoL mt. Leng. y Culí. B. Cunliffe 1979. The Celtic World, Jugoslavia, Mac Paleohíspanicas, Kdhln, no prelo. Grawhill. M. Koch 1979. Die Keltiberien und ihr historischer M. A. Dias, L. Cocího e C. M. BeirEo. Duas Kontext. II Col. ini. Leng. y Culí. Paleohíspanícas, necrópoles do Baixo Alentejo, O Arqueólogo Salamanca, 387-419 Portugués, III Série, lisboa, 175-219. 5. Lambrino 1951. Le Dieu Lusitanien Endovellicus, J. d’Encarna~áo 1985. Divindades Indígenas de Por- liulí. Et. Portugaises. Lisboa, 93-147. tugal, Lisboa. 5. Lambrino 1965. Les cultes indigénes en espagne J. J. Enrique Navascués e A. Rodríguez Díaz. 1988. sous Trajan et Hadrien, Les impereurs Ronzans Campaña de urgencia en la Sierra de la Martela, d’Espagne, Col. Int, Madrid, 1964, Paris, 223-242. Extreenadura Arqueológica. 1, Badajoz, 113. J. Leite de Vasconcellos 1905. Religióes da Lusitania, M. Faust 1975. Die Kelten auf der lberischen II, Lisboa, Imp. Nac. 1-lalbinsel. Madrider Mítteílungen. 16, Mainz, A. A. Mendes Correia 1933. Valencianos e Portugue- 195-207. ses, Revista Guiníardes, Homenagem a Mariins J. Fernández Jurado 1984. La presencia griega Sarmento. Guimaraes, 242-256. arcaica en Huelva, (Mmi. Arq.), Huelva. J. N. Maluquer de Motes 1954. Los Pueblos y las F. Fisher 1972. IJie Kelten bei Herodotus. Madrider Tribunas Celtas de España, História d’España. cd. Menéndez Pidal, y. 1. Madrid. Espasa Calpe. 5-39. Mitícilungen. 13. Mainz, 109-124. E. Gabba 1983. Literatura. Sources ,f=’rancient R. Olmos 1982. La cerámica griega en el sur de la Península Ibérica. Etat de la question, La Farola historv, ed. M. Crawford, Camb. Univ. Press, 1-79. del Passato, 11ev. St. Antíchí, Nápoles, 393-406. A. García y Bellido 1960. Inventario de los jarros R. A. Rappaport 1971. The sacred inhuman evolution, Púnico-Tartessicos, Arch. Esp. Arq., XXXIII, Annual Review of Ecology and Systematics, 2, 23- 44-63. 44. M. A. García Pereira 1987. Dois Lanakes da Idade do A. Ross 1974. Pagan Celtíc Brítain. London, Cardinal. Ferro do Sul de Portugal, IV CoL mt. Leng. y Cult. Paleohispánicas. Vitória, 223-242. A. Santos Junios 1975. A Cultura dos Berrñes no Nordeste de Portugal. Trabalbos de Antropología e J. P. Garrido Roiz e E. Orta García 1978. Excavaciones Etnología, Porto, Inst. Antr. ~, en la necrópolis de la Jora, E.A.E., Madrid 353-518 e 53 estampas. T. Júdice Gamito 1982. A Idade do Ferro no Sul de K. H. Schmidt 1976. Probleme der Keltiberischen, U Portugal problemas e perspectivas, Arqueología. 6, Col, Ini. Leng. Culí. Paleohispónicas. Salamanca, Dez., Porto, 65-78. 101-115. T. Júdice Gamito 1983. A cabeQa de carneiro da K. II. Schmidt 1986. lIistory and Culture of the , colec~Ao de A. Júdice, O Arqueólogo Portugués, s. Geschichte und Kuklíur der Kelten, K. H. Schmidt IV, 1, Lisboa, 301-3 14. e R. Kdddeitzsch eds., Karl Winter Univ, Verlag. T. Júdice Gamito 1986. Social complexiív in South west 1-1. Schubart 1975. Die Kulíur der Bronzezeit br Iberia aspecís o/evolution and interaclion (Tese de Síidwest der iberísciten Halbinsel (Mad. Forschun- Doutoramento), Dep. Arq. Universidade de Cam- gen), Berlín. bridge. W. Sehúle 1969. Dic Meseta Kulíuren der iberischen T. Júdice Gamito 1986b. Os espetos de bronze do Halbínsel (Mad. Forschungen), Berlín, W. de Sudoeste Peninsular, contribuiQEo para a sua Gruyter. interpreta~áo sócio-ideológica, Conimbriga, XXV, Inst. Arq. Univ. Coimbra, 23-39. A. Schulten 1932. Taríessos, Madrid. A. Snodgrass 1983. Archaeology, Saurcesfor ancient T. Júdice Gamito 1987. Os obeloi de bronze do Hisíory, cd, M. Crawford, Camb. Univ. Press. 137- Sudoeste Peninsular, contribukAo para a sua interpreta~áo sócio-ideológica, Cong. Nac. Hist. 184. Antiga, Santiago dc Compostela, 1, 329-339. A. Tovar 1973. Etnia y lengua en la antigua: el problema del celtivismo, Estudos de Culí. Casírexa T. Júdice Gamito 1988. Social complexiíy in Southwest e Hisí. Ant., Univ. de Compostela, 247-282. Iberia, Tite case of Tartessos, B.A.R. Oxford, A. Tovar ¡985. Pub. 1987. Lenguas y pueblos de la T. Júdice Gamito 1989. The internal and external Antigua Hispania: lo que sabemos de nuestros an- dynamics of the development and collapse of tepasa(Ios protohistóricos, IV CoL ini. I.eng. y Culí. Tartessos, U Col. Ini, Leng, y Culí. Prerroníanas, Paleohispánicas, Vitoria, 15-34. Kóhln, no prelo. i. Untermann 1962. Areas e movimentos linguisticos T. Júdice Gamito 1990. Greenks and Phoenicians in na Hispania pre-Romana, Rey. Guímar&es, LXXII, Southwest Iberia, who were the firsí?, Tite Hellenic 5-61. Diaspora, Montreal, Mcgill University, no prelo. J. Untermann 1987. Lusitanisch. Keltiberischen, Kel- Ph. Kalb 1979. Dic Kelten in Portugal, II Col. Ini. ten, 1V. CoL Int. Leng. y Culí. Paleohispanicas, Leng. y Culí. Paleohispanicas. Salamanca, 209-223. Vitoria, 57-76.