Paleoetnologia Do Centro E 1. INTRODUCÁO Sul De Portugal

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Paleoetnologia Do Centro E 1. INTRODUCÁO Sul De Portugal Paleoetnologia do Centro e 1. INTRODUCÁO Sul de Portugal O primeiro milénio antes de Cristo constituiu, em todo o mundo ocidental, um período de evolu~áo sócio-cultural sem precedentes apresentando, simul- taneamente, o desenvolvímento de uma economía de Teresa Júdice Gamito* mercado que a pouco e pouco se foi generalizando. Nele se detectam as grandes linhas de evolu9áo e mudan~a que iráo caracterizar a Europa, e em especial a Península Ibérica, nos tempos que se Ihe seguiram. Enquanto o final da Idade do Bronze apresenta ARSTRACT ainda um carácter predominantemente Atlántico, e uma evolvuáo lenta e compassada dos poyos europeus, as grandes mudan~as come~am a surgir a partir de Theforrnation ofihe peninsular peoples was examined 850 a. C. aproximadamente (data do depósito votivo by Bosch Cimpera in his work on the Palaeeíhnology da Ria de Huelva) quando as influéncias orientalizantes of íhe Iberian Peninsular (1974). Qíher auíhors such come9am atingir a Europa e simultaneamente a as Mendes Correa (1933), Caro Baroja (1946), Malu- mobilidade dos poyos aumenta exíraordinariamente. quer de Motes (1954) have also examined this aspecí Na verdade, a corrente de influÉncias fortemente ofpeninsular Proíohistory, refiecíing the research of orientalizantes foi um fenómeno, que, de um modo their time. desigual, atingiu e afectou todos os poyos da bacia do A re-examination of Me subject demands a collective Mediterráneo, mesmo os Celtas, um pouco mais reassessmení. In the indigenaus culture of centraland além, nos séculos VII e VI a, C., sofrendo transfor- souíhern PortugaL attention must be paid lo Me maQoes e adaptaeñes diversas, assumindo formas e variables associaíed with this vast region: classical aspectos diferentes, de acordo com os sub-estratos authors, linguisíic and archaeologícal evidence and sócio-culturais dos poyos envolvidos. Este fenómeno ideological and religious aspects. It is also necessary revela ainda a atrac$o e o fascínio que a iconografia to consider Me lacunae and inaccuracies of ihe e a simbologia orientais sempre exerceram sobre esses classical sources with regard lo Ihe peoples of Ihe poyos, com as suas formas exuberantes, animais peninsular and Iheir territories, since they were exóticos e religiñes estranhas. Assim, come~amos a wriííen without great detail and onlyfragments have ve-los reflectidos nos objectos de adorno, na introdu~áo survived, Oía the otizer bajad, tite lñniíaíions of de novos rituais religiosos ou objectos de culto, nas archaeologícal research itselfmust be evaluated because novas formas de vida, que necessariamente se reflectem the amount of information varíes acco?ding lo Ihe nos dados arqueológicos, confirmando a existencia de areas studíed. extensos e complexos mecanismos de intercambio comercial e cultural dos poyos nele envolvidos: Gregos, Fenicios, Cipriotas, Escitas, Trácios, Italianos RESUMO e ibéricos. Este fetiómeno náo deverá portando ser considerado A Jórmacdo dos poyos peninsulares foram já isoladamente, mas em correla~áo com outros fenóme- objecío da reflexílo de Bosch Gimpera e publicados nos igualmente importantíssimos neste evoluir cons- na Paletnología de la Península Ibérica (1974). tante e acelerado da Humanidade, e que entáo se Qutros autores tarnbém se debruqaram sobre este fazem sentir na bacia do Mediterráneo e nas regiñes aspecto da Proto-História peninsular tomo Mendes imediatarnente confinantes; Correa (1933), Caro Baroja (1946), Ma/uquer de Motes (1954), reflectíndo urna das grandes preocu- a) o aparecimento de grande complexidade social e pa~des dos investigadores da época. Foi-me pedido de hierarquiza9áo subsequente, surgindo, simultanea- que focasse especialmente o sub-estrato cultural do mente, élites cada vez mais poderosas e dominadoras; centro e sul de PortugaL o que tentareifazer dando b) um movímento na distribui9&o das popula9oes, especial aten~do las diferentes variáveis relacionadas e que passa a concentar-se em grandes centros urbanos interligadas nesta vasta regido: os relatos dos autores clássicos, a evidéncia linguistíca e arqueológica, os c) o énfase posto no armamento de poderosos aspectos ideológicos e religiosos. No entanto, há que exércitos, formados essencialmente por mercenários e considerar as lacunas e imprecisdes dos relatos dos por corpos marciais altamente especializados e com- autores clássicos sobre os poyos peninsulares e os seus plexos; territórios, que. embora abundantes. ñ&o foram escritos para nos transmitirem malores detaihes, e d) o estabelecimento de rédes comerciais extensas e também porque chegararn até nósitagmeníados. Por complexas, quer internas quer externas, geralmente outro lado, as lirnita~3es que a própria investiga~do apoiadas no desenvolvimento de uma marinha mer- arqueológica necessariamente apresenta. quer peía cante e de guerra igualmente servida por barcos desigualdade das zonas estudadas, quer peía própria especializados e poderosos; distribui~do da evidéncia arqueológica, sdo as prínca- país d</iculdades, que surgem neste tipo de irabaiho. * Universidade do Algarve 330 T. JUDICE GAMITO e) a grande mobilidade de pessoas e de idéias, 2. OS POVOS PENINSULARES E OS largamente apoiada pelo uso generalizado da eseTita; AUTORES CLASSICOS 1) a troca de presentes entre as elites dominantes, (HERODOTO, AVIENO E simbolizando, ela também, o poder e a maneira de ESTRARÁO) viver dos poyos envolvidos, e que vem simultaneamente Este aspectojá foi brilhante e pormenorizadamente facultar o aparecimento de uma larga clientela de tratado nesta conferéncia pelo Prof. Jorge de Alarcáo, servos e dependentes cm redor do senhor. pelo que me limitarei a fazer apenas algumas obser- Este tempo de mudan~a virá, necessariamente, vaQaes. trazer também com ele profundas transforma9óes nos Heródoto, nasceu em Halicarnasso, na Cária, no poyos nele envolvidos, na sua visáo do mundo e da primeiro quartel do século y. a. C., cerca de 484, sociedade, uos seus conceitos religiosos e artísticos tendo passado grande parte da sua vida em Samos reflectindo a introdu~Ao de novos cultos religiosos, tal onde certamente contactou com marinheiros e merca- como nos sugerem Coe (1981) e Rappaport (1971), e dores, que Ihe contaram sobre as terras distantes que deque sáo exemplQ oculto a Amon (l3oardman 1980; visitaram. Os seus relatos, procurando salientar os Júdice Gamito 1983), ou novos cultos introduzidos grandes feitos realizados pelos Gregos e preservar a por grupos migrantes, de que sáo exemplo o culto de memória do passado (Heródoto, 1, 1), baseiam-se em Hera (Strabo Geografia, III; Júdice Gamito 1983b e factos e relatos do século VII a. C., muito anteriores, 1987) ou os de Ataegina e do Endovellico (Lambrino portanto, á sua época. 1951, 1965; Tovar 1985, 1988; Encarna~áo 1985; Tal como Snodgrass (¡983, 144-146) e Fisher (1972) Júdice Gamito 1986, 1988), e reflectindo-se também salientam, Heródoto era muito preciso nas regiñes nos produtos e artefactos que aqui encontramos na que conhecia, quer directa, quer indirectamente, sua cultura material. através das diferentes ‘fontes de informa~áo dc que Embora o conceito de «um povo/uma cultura» dispunha, tal o caso da localizaqáo dos Celtas, dos tenha sido há muito ultrapassado sendo a realidade Cynetos e dos Tartessos e Iberos na Península arqueológica apenas um magro reflexo de culturas e Ibérica. Assim, afirma: poyos passados, quando é possível determinar áreas de distribui~o de artefactos coincidentes com as de «..., Os Celtas habitarn agora para lá das colunas de Hércules, sendo vizinhos dos Cynetos, os poyos outros atributos, e se essas realidades sáo confirmadas mais ocidentais da Europa habitada» (Heródoto, por referencias históricas, poderemos pensar na possível associa~áo das diversas variáveis, e sugerir II, 33). estarmos na presenqa de um poyo ou de poyos ou ainda: mencionados pelos autores clássicos. Entáo a grande o... pois o Ister atravessa toda a Europa, crescendo recompensa do investigador residirá precisamente entre os Celtas, que, com excep9ao dos Cynetos, nesse passo de descodifica9áo do passado. que sáo os poyos mais ocidentais da Europa, e O centro e sul de Portugal penetram no limiar da correndo portando livre através da Europa, pros- História com uma complexa realidade sócio-cultural segue pelas fronteiras dos Escitas...» (Heródoto, e economica, e um mosaico de diferentes poyos que IV, 49). ora se unem ora se disputam como nos relatam os autores clássicos, A sua cultura material difere, e Avieno nasceu no século IV d. C. e, provavelmente poderemos observar manchas de distribui9óes de foi proconsul na Ásia e na Bética. Tal como ele objectos e monumentos, que secundados peía linguis- próprio o afirma serviu-sc de fontes muito anteriores tica, nos sugerem estarmos de facto cm presen9a de á sua época: talvez o Periplus, o relato massaliota do identidades sócio-culturais específicas, de poyos autó- século VI a. C., segundo Schulten (1932, 4-5) ou o de nomos. Pytheas, bastante mais tardío, do século IV a. A sul de Portugal observa-se airada a presenqa de segundo Koch (1979). 0 tratamento que Avieno dá duas incidéncias culturais predominantes: uma orien- aos poyos peninsulares e á sua localízagAo geográfica talizante, alastrando de sul para norte, outra oriunda apresenta já uma diferen~a considerável cm relaqáo a da Europa central, e que penetrando peía Meseta e Herodoto. movendo-se, por assim dizer de leste para oeste, irá Nota-se que entre os Celtas ele distingue duas atingir também o sul e o centro de Portugal. tribus mais importantes: os Cempsos e os Sefes, Seráo estes aspectos que iremos analisar seguida- afirmando que, no sen movamento para oeste, os mente, procurando atingir uma maior compreensáo Celtas tinbam provocado a desloca9Ao de um outro sobre a individualiza9áo, evolu~áo e distribui9áo dos poyo igualmente migrante, os Ligurios (Avieno, Ora diferentes grupos étnicos e sócio-culturais que aquí se Mart, 130-134). No entanto, ¿ de salientar que, fixaram, focando, com especial aten9áo, os seguintes aparentemente, os Cynetos se mantinham na sua pontos: posi9áo relativa aos Celtas e de poyo mais ocidental 1. Os poyos peninsulares vistos pelos autores clássicos, da Peninsiila (Avieno, Oro Mart, 195-204), enquanto cm especial Heródoto, Avieno e Estrabáo.
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