DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

José Sebastião de Oliveira Kellen Cristina Gomes Ballen Ana Claudia Rossaneis (organizadores)

VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade

V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade ©2020 José Sebastião de Oliveira Kellen Cristina Gomes Ballen Ana Claudia Rossaneis (organizadores)

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Direção e Edição Carlos Roberto Garcia Cottas

Capa Carlos Roberto Garcia Cottas/UniCesumar

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Direito de família [livro eletrônico] : a análise da evolução do direito de família sob os fundamentos constitucionais, filosóficos e sociológicos no direito contemporâneo / organização José Sebastião de Oliveira, Kellen Cristina Gomes Ballen, Ana Claudia Rossaneis. -- 1. ed. -- Birigüi, SP : Editora Boreal : UniCesumar, 2020. -- (VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade - V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade ; 1) 1 Mb ; PDF

Vários autores. ISBN 978-65-88038-08-6(Editora Boreal)

1. Direito 2. Direito civil 3. Direito constitucional 4. Direito de família 5. Personalidade (Direito) I. Oliveira, José Sebastião de. II. Ballen, Kellen Cristina Gomes. III. Rossaneis, Ana Claudia. IV. Série.

20-39095 CDU-347.6

Índices para Catálogo Sistemático:

1. Direito de família : Direito civil 347.6 Maria Alice Ferreira - Bibliotecária - CRB-8/7964

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Orgulhosamente elaborado e impresso no Brasil 2020 V CONGRESSO INTERNACIONAL DE DIREITOS DA PERSONALIDADE

VI CONGRESSO DE NOVOS DIREITOS E DIREITOS DA PERSONALIDADE

COMISSÃO ACADÊMICA

Professor Doutor Dirceu Pereira Siqueira Coordenador do PPGCJ Professora Doutora Valéria Silva Galdino Cardin Docente Permanente do PPGCJ

COMISSÃO ORGANIZADORA (DISSENTES , BOLSITAS E MEMBROS EXTERNOS)

Ana Elisa Silva Fernandes Bruna Caroline Lima de Souza Caroline Previato Souza Claudia Aparecida Costa Lopes Débora Alécio Diego Fernandes Vieira Diogo Valério Felix Elcio João Gonçalves Moreira Fernanda Corrêa Pavesi Lara Fernando Rodrigues de Almeida Jamille Bernardes da Silveira Oliveira dos Santos Juliana Luiza Mazaro Karyta Muniz de Paiva Lessa Ligia Maria Lario Fructuozo Lorenna Roberta Barbosa Castro Lucimara Plaza Tena Mylene Manfrinato dos Reis Amaro Nathan Pereira Cavalheiro Raíssa Arantes Tobbin Rodrigo Roger Saldanha Suelen Maiara dos Santos Alécio CONSELHO EDITORIAL DA EDITORA BOREAL

Andréia de Abreu Doutora e Mestre em Engenharia de Produção pela UFSCAR Antonio Celso Baeta Minhoto Doutor em Direito pela ITE-Bauru Daniel Marques de Camargo Mestre em Direito pela UENP Dayene Pereira Siqueira Mestre em Educação pelo Centro Universitário Moura Lacerda Dirceu Pereira Siqueira Pós-doutor em Direito pela Universidade de Coimbra - Doutor e Mestre em Direito pela ITE-Bauru Jaime Domingues Brito Doutor em Direito pela ITE-Bauru Leonides da Silva Justiniano Doutor em Educação pela UNESP Doutorando em Ciências Sociais pela UNESP Luciano Lobo Gatti Doutor em Ciências pela UNIFESP Marisa Rossignoli Doutora em Educação pela UNIMEP Murilo Angeli Dias dos Santos Mestre em Filosofia pela USJT Sérgio Tibiriçá Amaral Doutor em Direito pela ITE-Bauru Vinicius Roberto Prioli de Souza Doutorando em Direito pela ITE-Bauru Mestre em Direito pela UNIMEP-Piracicaba Cláudio Ribeiro Lopes Doutor em Direito pela UFRJ APRESENTAÇÃO

A presente obra coletiva reúne estudos doutrinários e jurisprudenciais de conceituados juristas, bem como, de alguns dos mais promissores doutrinadores da nova geração de estudiosos da área jurídica do direito de família brasileira.

Os alunos e professores do Curso de Graduação em Direito e do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá – UniCesumar, e de outras Instituições de Ensino Superior do Brasil, decidiram unir forças para possibilitar a publicação de seus trabalhos científicos produzidos durante a realização do V Congresso Internacional de Direitos de Personalidade e VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade.

Assim, todos os artigos que compõem a presente obra coletiva dizem respeito acerca do tema Direitos da Personalidade e de sua tutela perante a ordem jurídica brasileira.

Essa coletânea de trabalhos científicos traz abordagens no contexto dos Direitos da Personalidade com abrangências no campo do direito civil, constitucional, penal e processual, de modo que o seu conteúdo permite ao leitor ter a mais ampla visão dessa temática desenvolvida.

Com os olhos voltados para esses direitos novos, que é o caso dos direitos da personalidade, encartados pela primeira vez na Constituição Federal de 1988 e depois também agasalhados pelo Código Civil de 2002, percebe-se que cada vez mais, a ampliação da proteção dos direitos das pessoas, sob o enfoque da garantia do acesso à justiça e do acesso à ordem jurídica justa, como forma de obtenção da adequada tutela jurisdicional perante a ordem jurídica brasileira.

Pela simples leitura de cada artigo que compõe esta obra coletiva, no que diz respeito aos artigos aprovados e apresentados no GT-05: direitos da família: a análise da evolução do direito de família sob os fundamentos constitucionais, filosóficos e sociológicos no direito contemporâneo em data de 12(doze) de Setembro de 2018, sob Coordenação dos Professores: Dr. José Sebastião de Oliveira, Ms. Ana Claudia Rossaneis, Ms. Kellen Cristina Gomes Ballen, constata-se estudos verticalizados e bem fundamentados, com abundância de detalhes, reveladores de minuciosa investigação científica, representando, sem qualquer dúvida, contribuição inestimável à ciência do direito.

Certamente, o leitor, como operador do direito, encontrará nos diversos trabalhos elaborados, apresentados e ora publicados nesta obra coletiva, no tocante a este Grupo 05, informações que vieram a lume nos novos arranjos da família contemporânea brasileira, como verdadeiros subsídios para serem utilizados no diuturno trabalho de realização do direito, permitindo a aproximação do direito com a realidade social, tão exigida nos dias atuais e feita à luz, principalmente, de novos valores constitucionais e civilísticos.

Agradecemos o especial convite para elaborar a apresentação dos trabalhos deste grupo, desta obra que, para mim, com certeza foi razão de muita alegria, satisfação e justo orgulho, ao atender o convite, tendo desde já, certeza de seu sucesso em nível nacional, haja vista a importância da temática desenvolvida na presente obra coletiva.

Maringá, 31 de julho de 2020.

Prof. Dr. José Sebastião de Oliveira Professor Pós-Doutor pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, em Portugal, Professor Doutor em Direito Civil pela PUC-SP. Professor permanente do Programa de Mestrado/Doutorado em Ciências Jurídicas da UniCesumar. Ex-Coordenador do Curso de Mestrado em Ciências Jurídicas do Centro Universitário de Maringá (2005/2018). Professor Aposentado do Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá. A COLEÇÃO

GT-1: BIOÉTICA E BIODIREITO I Valéria Silva Galdino Cardin Tereza Rodrigues Vieira Alessia Magliacane Marta Beatriz Tanaka Ferdinandi

GT-1: BIOÉTICA E BIODIREITO II Valéria Silva Galdino Cardin Henderson Fürst de Oliveira Carlos Alexandre Moraes Letícia Carla Baptista Rosa

GT-2: DIREITOS SOCIAIS: AVANÇOS E RETROCESSOS NA CONCRETIZAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA Marcio Perez Ramos Carlos Alexandre Moraes Dirceu Pereira Siqueira

GT-3: VULNERABILIDADE, OBRIGAÇÕES E DIREITOS DA PERSONALIDADE Cleber Sanfelici Otero Fernanda Moreira Benvenuto Nilson Tadeu Reis Campos Silva

GT-4: DEMOCRACIA E DIREITOS FUNDAMENTAIS Fernanda Julie Rufino Thomaz Jefferson Carvalho Valéria Julião Silva Medina Zulmar Antônio Fachin

GT-05: DIREITO DE FAMÍLIA: A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO José Sebastião de Oliveira Kellen Cristina Gomes Ballen Ana Claudia Rossaneis

GT-06: VIOLÊNCIA E DIREITOS DA PERSONALIDADE Gisele Mendes de Carvalho Gustavo Noronha de Ávila Camila Virissimo Rodrigues da Silva Moreira

GT- 07: POLÍTICAS PÚBLICAS DE PROMOÇÃO HUMANA Andrea Carla de Moraes Pereira Lago Paulo André de Souza Ivan Dias da Motta GT-08: REFORMA TRABALHISTA E DIREITOS DA PERSONALIDADE Alessandro Severino Valler Zenni Matheus Ribeiro de Oliveira Wolowski Leda Maria Messias da Silva

GT-09: AS CRISES NO MUNDO E OS IMPACTOS NOS DIREITOS DA PERSONALIDADE Antonio Lorenzoni Neto Daniela Menengoti Ribeiro Simone Fogliato Flores

GT-10: ACESSO À JUSTIÇA E OS DIREITOS DA PERSONALIDADE Gabriel Mendes de Catunda Sales Marcelo Negri Soares Rodrigo Valente G. Teixeira

GT-11: DIGNIDADE HUMANA E JUSTIÇA I Cleide Aparecida Gomes Rodrigues Fermentão Oscar Ivan Prux Tatiana de Freitas Giovanini Mochi CONTEÚDO

A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO FORMA DE GARANTIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O EXERCÍCIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL 1 THE IMPORTANCE OF FAMILY PLANNING AS A WAY OF GUARANTEEING THE DIGNITY OF THE HUMAN PERSON AND THE EXERCISE OF RESPONSIBLE FATHERHOOD Thais Regina Casares Kellen Cristina Gomes Ballen

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 11 CIVIL RESPONSIBILITY FOR ACTS OF PARENTAL ALIENATION IN FACE OF PERSONALITY RIGHTS Glaucia Cardoso Teixeira Torres Luiz Gustavo Tiroli

A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL ANTE O DIVÓRCIO DOS PAIS: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DO DIREITO DE FAMÍLIA EM CONSONÂNCIA DA LEI 12.318/10 21 THE PARENTAL ALIENATION SYNDROME BEFORE PARENTS ‘DIVORCE: AN ANALYSIS FROM THE PERSPECTIVE OF FAMILY LAW IN ACCORDANCE WITH LAW 12.318 / 10 Ana Claudia Rossaneis Leara Mazur Caetano Pinto

ABANDONO AFETIVO. AFINAL, O QUE SE PRETENDE INDENIZAR? 30 AFFECTIVE ABANDONMENT. AFTER ALL, WHAT IS IT INTENDED TO INDEMNIFY? Ana Claudia Rossaneis Amanda Luisa Carniel AS FAMÍLIAS PLURIPARENTAIS: OS FILHOS PODEM SE UNIR EM CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL? 41 THE PLURIPARENT FAMILIES: CAN THE CHILDREN JOIN IN MARRIAGE OR STABLISH COMMON-LAW MARRIAGE? Yasmine de Resende Abagge

DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES MIDIATIZADOS: UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DOS PAIS NA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE 52 MEDIATIZES CHILDREN AND TEENAGERS: AN ANALYSIS OF PARENTS ‘ROLE IN THE VIOLATION OF THE PERSON RIGHT Letícia de Campos Milani Fernanda Moreira Benvenuto Mesquita Simões

DIREITOS DA AMANTE: RELAÇÕES JURÍDICAS E CONJUGALIDADES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO 60 LOVER’S RIGHTS: LEGAL RELATIONS AND CONJUGALITIES IN THE BRAZILIAN LEGAL ORDER Luiz Geraldo do Carmo Gomes Isabelly Medeiros Venancio

DIVÓRCIO E DIREITO DA PERSONALIDADE: A PROTEÇÃO DO MENOR E O PERFIL DO POSSIVEL ALIENADOR 69 DIVORCE AND PERSONALITY LAW: THE PROTECTION OF THE MINOR AND THE PROFILE OF THE POSSIBLE ALIENER Ellaysse Braga Ribeiro Gonçalves Marcelo Negri Soares

DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS MIDIÁTICOS E DA LIBERDADE DE IMPRENSA: ASPECTOS DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DO DE CUJUS E DOS DIREITOS AO LUTO E AO ESQUECIMENTO DA FAMÍLIA DIANTE DA POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DOS DANOS 77 MEDIA TECHNOLOGICAL ADVANCES AND PRESS FREEDOM: ASPECTS OF INFRINGEMENT OF DECEASED RIGHTS AND RIGHTS TO MOURNING AND FORGETTING FAMILY AND THE POSSIBILITY OF DAMAGE REPAIR Bruna de Oliveira Andrade José Sebastião de Oliveira INTERFACE ENTRE RELIGIÃO E DIREITO INFLUÊNCIA DA REFORMA PROTESTANTE NA VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA 87 INTERFAZ ENTRE LA RELIGIÓN Y LA LEY INFLUENCIA DE LA REFORMA PROTESTANTE EN EL VALOR DE LOS NIÑOS EN LA FAMILIA Joana Ferreira Machado Kellen Cristina Gomes Ballen

JUIZADOS ESPECIAIS DE FAMÍLIA? 96 SPECIAL FAMILY JUDGES? Valéria Julião da Silva Medina

MULTIPARENTALIDADE: MAPEAMENTO DO REGISTRO MULTIPARENTAL NA COMARCA DE MARINGÁ-PR 108 MULTIPARENTALITY: MAPPING THE MULTIPARENTAL REGISTRATION IN MARARÁ-PR Luiz Geraldo do Carmo Gomes Talita Cristina Braga Macimino Takayama

O DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL GERADO PELO ABANDONO AFETIVO 118 Andrea Carla De Moraes De Pereira Lago João Marcos Liasch

O PAPEL DA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS ORIGINADOS DOS NOVOS ARRANJOS DA FAMILIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA 126 THE ROLE OF MEDIATION IN CONFLICTS FROM THE NEW ARRANGEMENTS OF THE BRAZILIAN CONTEMPORARY FAMILY Bruna de França Hungaro Cassia Alves Moreira Denck

PARENTALIDADE RESPONSÁVEL COMO INFLUÊNCIA NO CUMPRIMENTO DO DIREITO/DEVER DE CONVIVENCIA 134 RESPONSIBLE PARENTALITY AS AN INFLUENCE IN COMPLYING WITH THE RIGHT / DUTY OF CONVIVENCE Ana Maria Silva Maneta Andrea Carla de Moraes Pereira Lago VI Congresso Internacional de V Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

A IMPORTÂNCIA DO PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO FORMA DE GARANTIA DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E O EXERCÍCIO DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL

THE IMPORTANCE OF FAMILY PLANNING AS A WAY OF GUARANTEEING THE DIGNITY OF THE HUMAN PERSON AND THE EXERCISE OF RESPONSIBLE FATHERHOOD

Thais Regina Casares Acadêmica do Curso de Direito, Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR. [email protected]

Kellen Cristina Gomes Ballen Professora no Centro Universitário de Maringá – Unicesumar; Especialista em Direito Civil (Direito de Família) e Processo Civil. Mestre pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar, área de concentração em Direitos da Personalidade. Membro do IBDFAM. [email protected]

RESUMO family, might influence significantly so that parenting is exercised responsibly, taking account the need of the emotional and economic O presente trabalho tem o intuito de preparation, in order to ensure that the offspring the right of being demonstrar como o planejamento familiar, que in an environment that they can enjoy affection, material and é um ato livre dos cônjuges ou conviventes que intellectual means to have a complete developing, guaranteeing desejam formar uma família, pode influenciar them their human dignity, since the family, according to the significativamente para que a paternidade seja Federal Constitution, article 226, it’s declared as the base of every exercida de forma responsável, levando em conta society. a necessidade do preparo emocional e econômico, tendo a finalidade de assegurar à prole o direito KEYWORDS de estar em um ambiente no qual possam usufruir Affection; Development; Family; Planning; Responsible Parenting. do afeto, meios materiais e intelectuais para que tenham um desenvolvimento completo, garantindo- INTRODUÇÃO lhes sua dignidade humana, visto que a família, conforme prevê Constituição Federal, no artigo 226, A família, trata-se de uma realidade sociológica é declarada como base de toda sociedade. que ao longo da história recebeu diferentes conceitos. Conforme os pensamentos vinham sendo PALAVRAS-CHAVE transformados, o conceito familiar caminhava para a Afeto; Desenvolvimento; Família; Planejar; Paternidade evolução de acordo com as necessidades que foram Responsável. existindo na sociedade. Não importando como a família venha a ser ABSTRACT constituída, é imprescindível que haja um devido planejamento para a sua organização, em razão de The present work aims to demonstrate how the family planning, que é de dentro do núcleo familiar que os cidadãos which is a free act of the spouses or cohabitants who wish to form a têm os primeiros acessos a seus direitos essenciais, V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade pois constitui obrigação dos genitores e responsáveis econômico e social de cada período. Na atualidade, pela prole, assegurar a existência com dignidade, o que se entende por família pode ser muito além reprimindo quaisquer formas de negligências. da união entre homem e mulher pelos laços do No entanto, aliado com a função dos matrimônio e a posterior constituição de sua prole. genitores e responsáveis familiares, também cabe O que se vê no presente, é a ampliação da proteção ao Estado satisfazer suas obrigações, no que tange estatal às novas formas de família, assegurando seu ao fornecimento de meios e métodos que auxiliem reconhecimento. as famílias a exercerem o planejamento familiar de Em uma realidade não tão distante da qual forma adequada, sem que haja uma interferência vivencia-se hoje, somente era considerada família direta na liberdade familiar, posto a existência de legítima, aquela constituída dentro do matrimônio, vedação em lei para tal forma de atuação. entre seres de sexos opostos. No entanto, se de alguma Tanto a relevância da questão sobre a forma a mesma se constituía dentro outro contexto, preparação familiar, foram instituídas previsões como por exemplo, através do concubinato, e a união legais na Constituição Federal, no Código Civil e estável, ou seja, uma relação entre homem e mulher ainda resultou o advento da Lei n° 9.263/1996 que sem estar dentro do matrimônio, à mesma seria trata especificamente sobre essa temática. considerada ilegítima, e ainda, os filhos que viessem O ente público deve ser encarregado da eventualmente a surgir destas relações, também promoção de políticas públicas, medidas assistenciais seriam considerados ilegítimos ou legitimáveis, não e fornecimento de meios que auxiliem tanto para a tendo sua filiação assegurada pela lei. realização da concepção como para a contracepção, Contudo, a Constituição de 1988 veio impedindo a procriação de forma irresponsável amparar e dedicar atenção aos novos modelos e atendendo as necessidades de cada grupo de familiares, no que diz respeito ao reconhecimento indivíduos. dessas novas formas de família, e consequentemente, Ademais, havendo um planejamento assegurando a sua proteção. A entidade familiar adequado vinculando-se com a paternidade protegida pelo Estado é a comunidade formada por responsável, consequentemente será tangível impedir qualquer dos pais e seus descendentes, podendo as más implicações causadas pela procriação sem originar do casamento civil, da união estável e da consciência e a ignorância causada pela ausência monoparentalidade (MADALENO, 2008, p. 5). de informações a respeito de métodos preventivos No entanto, o rol trazido pela Carta Federal, de fecundidade, que vem afetar tanto a vida dos pode ser considerado exemplificativo, tendo em genitores como da futura prole. vista que são admitidos modelos familiares que Por conseguinte, o objetivo desta pesquisa foi não se encontram previstos expressamente em lei. de realizar uma análise mais acurada, se pautando Os novos institutos muito se divergem do modelo pela Lei do Planejamento Familiar 9.263/96, a tradicional de família nuclear e patriarcal, e vem Constituição Federal, o Código Civil e ainda o valorizar da mesma forma da família tradicional, que que prevê a doutrina e os artigos científicos sobre o é a comunidade formada por homem, mulher e seus tema, no que diz respeito à imprescindibilidade do descendentes, originada do casamento civil, aquelas planejamento familiar, como forma do exercício da entidades constituídas a partir da união estável, paternidade responsável, e para que diante disso, todos monoparentalidade, das relações socioafetivas, os componentes do núcleo familiar possam desfrutar abrangendo também, famílias anaparentais, de uma existência nos parâmetros da dignidade homoafetivas e pluriparentais. humana, principalmente em respeito à prole, por Neste contexto, nota-se que a família vem tratarem-se de seres em desenvolvimento físico e adotando novos conceitos e se modernizando ao psicológico ressaltando a necessidade do incremento longo do tempo, em decorrência da evolução das de políticas públicas efetivas para esse fim. ideias, convicções e valores dos indivíduos. Acolhe a Constituição Federal a família biparental do 1 O CONCEITO DE FAMÍLIA E O EMBASAMENTO casamento e da união estável e a família monoparental NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 formada por qualquer dos pais e seus descendentes, havendo a ampliação da proteção estatal de outras A ideia de família sofre transformações, formas existentes de família, que teriam sido em decorrência do desenvolvimento intelectual, negligenciadas pelo legislador, como relações

2 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade monoparentais surgidas da coabitação de madrasta Afinal, como a família tem especial proteção e enteado, das relações familiares entre irmãos, entre pelo Estado, resta aos cidadãos, da mesma forma primos, entre tio e sobrinho, e os relacionamentos como lhes é assegurado seus direitos, também tem o homoafetivos (MADALENO, 2008, p.2) dever de exercer suas obrigações no tocante a família, Além disso, deve se levar em conta a grande da maneira mais apropriada possível, como forma valorização da afetividade nas relações familiares, de preservar ao núcleo familiar, um ambiente pelo visto que hoje, o aspecto afetivo se tornou tão qual possam desfrutar de seus direitos individuais, importante quanto os laços sanguíneos. garantindo-lhes o mínimo de dignidade que é Diante desta perspectiva, a família passou a ser necessário para a sobrevivência humana. aquela que prioriza a pessoa humana, seu bem-estar e o pleno desenvolvimento das capacidades e virtudes 2 PLANEJAMENTO FAMILIAR COMO FORMA de cada um de seus componentes (MADALENO, DE GARANTIA DA DIGNIDADE HUMANA 2008, p. 14). No entanto, ainda há um conceito que Para garantir o bem estar e o equilíbrio no seio abrange todas as modalidades familiares, este é aquele familiar, é imprescindível que haja um planejamento que define a família como, uma realidade sociológica para que a mesma seja constituída. O ato da e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental preparação para a formação familiar deve realizar-se, em que repousa toda a organização social. É uma no intuito de garantir a todos aqueles que compõem instituição ampla e sagrada, que vai merecer a mais a família, filhos, pais, e demais parentes, que sejam ampla proteção do Estado (GONÇALVES, 2018, p. respeitados e que sua dignidade seja assegurada. 17). Conforme ilustra Lisboa (2013, p. 40): Assim, é imprescindível ter a compreensão O Planejamento familiar é o direito que que extraímos da família determinados padrões, os representantes da entidade familiar (os convicções, crenças e valores que implicam na cônjuges ou, na união estável, os conviventes) têm livremente de deliberar acerca do construção do caráter dos seres humanos e com base planejamento da família, em especial sobre nestes aspectos há direita e relevante influência no a constituição, limitação e aumento da prole e adoção dos meios lícitos necessários para o modo como os indivíduos irão portar-se perante desenvolvimento físico, psíquico e intelectual a sociedade, contribuindo para a organização e dos integrantes de sua família. evolução social. Além disso, o vocábulo família abrange Ainda, conforme elucida Serejo (2004, p. 68), todas as pessoas ligadas por um vínculo de sangue a respeito do planejamento familiar: que procedem, portanto, de um tronco ancestral Não se deve reduzir esse debate, que é comum, bem como as unidades pela afinidade e pela muito amplo, apenas à política de controle adoção. Compreende os cônjuges e companheiros, demográfico. O tema envolve acurada análise relacionada com a saúde e a educação da os parentes e os afins (GONÇALVES, 2018, p. 17). população, com maiores esclarecimentos Ainda, a Carta Federal, também traz como e exigindo-se respeito para com seus protagonistas. definição de família, sendo ela a base sobre a qual a sociedade é formada e estabelecida, conforme Para que o planejamento possa realizar- preceitua o seu artigo 226. se de forma efetiva é necessário inicialmente que Desta forma, diante da evolução humana, os indivíduos possam buscar métodos que visam visto as constantes mudanças no que tange ao impedir o advento da gravidez em um momento conceito familiar, havendo o reconhecimento de inoportuno, onde não se achem preparados para o entidades familiares diversificadas, as mesmas serão exercício dos papéis parentais, visto que a chegada asseguradas pela proteção proveniente do ente de um filho traz grandes responsabilidades a seus Estatal, visto que esta, segundo o que preceitua a genitores, que terão o dever de assegurar que a Constituição Federal de 1988, é a base que sustenta criação e o desenvolvimento da prole sejam exercidos toda a estabilidade social, e ainda, é a partir dela que apropriadamente. se tem a estruturação e a formação das características, Neste sentido é imprescindível que haja, para da personalidade, dos valores, da ética e da moral dos todos os cidadãos o acesso a métodos de contracepção, indivíduos, e também dela, que depende o futuro da proliferação de informações relativas à educação sociedade.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 3 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade sexual e políticas públicas no intuito de impedir a Conforme afirma Tartuce (2016, p. 7): procriação em um momento impróprio, visto que a A dignidade humana é algo que se vê nos olhos ausência do planejamento pode vir a implicar graves da pessoa, na sua fala, na sua atuação social, no consequências que certamente repercutirão sobre a modo como ela interage. Em suma concretiza- se socialmente, pelo contato da pessoa com a dignidade desse novo indivíduo e do seio familiar sua comunidade. como um todo. Outrossim, é de suma importância que na Além disso, a Constituição Federal em seu art. ocasião em que os cônjuges ou conviventes optarem 226 declara que a família constitui a base de toda pelo aumento da família, é crucial que levem em a sociedade, em uma mesma linha de raciocínio, conta suas condições materiais e psíquicas para a é possível considerar que o respeito à dignidade criação de sua prole, visto que esse novo indivíduo humana pode ser visto como o sustentáculo da necessitará de cuidados imprescindíveis para a família. O princípio do respeito à dignidade da manutenção de sua vida. pessoa humana constitui, assim, base da comunidade Por isso é importante que os genitores familiar, garantindo o pleno desenvolvimento e a possam estar estabelecidos na esfera patrimonial e realização de todos os seus membros, principalmente psicológica, impedindo o comprometimento da boa da criança e do adolescente (GONÇALVES, 2018, convivência familiar e a negligência em relação aos p. 23). direitos essenciais de sobrevivência. Contudo, é inegável o entendimento de que é A dignidade da pessoa humana trata-se de um dentro do ambiente familiar que se inicia o respeito princípio constitucional previsto no art. 1°, III, da á dignidade do outro, e a partir de um planejamento CF, e um direito assegurado a todos os indivíduos, adequado juntamente com a atuação do Estado, será em virtude de tratar-se de uma característica típica possível que os indivíduos possam estar devidamente da própria condição de ser humano. Deste modo, assistidos e assegurados de seus direitos individuais, se somos seres humanos, temos a garantia, em todas preservando o mínimo existencial decorrente da as esferas do direito, que a nossa dignidade seja dignidade humana. respeitada, sendo assegurado um mínimo existencial. Conforme elucida Dias (2008, p. 58), a Segundo Sarlet (2001, p. 69): dignidade da pessoa humana encontra na família o solo apropriado para florescer. A ordem constitucional A dignidade da pessoa humana é a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano dá-lhe especial proteção independentemente de sua que o faz merecedor do mesmo respeito origem. e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um Ter a consciência da necessidade do complexo de direitos e deveres fundamentais planejamento familiar, tanto por parte da família que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e em si, como pelo Estado, com o fornecimento de desumano, como venham a lhe garantir as recursos educacionais e científicos para esse fim, condições existenciais mínimas para uma impede que haja a ausência do fornecimento de meios vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e corresponsável nos materiais, psíquicos e intelectuais para a criação da destinos da própria existência e da vida em prole, evitando que sejam negligenciados no tocante comunhão com os demais seres humanos. ao seu desenvolvimento pessoal, e ainda, garantindo Assim sendo, os indivíduos, ao realizarem que a convivência familiar possa seguir-se de forma o devido planejamento familiar, assegurando à estável, de maneira em que os indivíduos possam possibilidade de existência de afeto, meios materiais preservar o respeito e a liberdade dos conviventes, e intelectuais, impedimento de violências físicas e pois tais aspectos constituem o alicerce da dignidade morais, dentro do núcleo familiar, garantem que da pessoa humana. seus membros possam desfrutar de uma vida digna e equilibrada, que repercutirá perante todo o contexto 3 RESPONSABILIDADE PATERNAL E A social, visto que quando uma pessoa é respeitada no VINCULAÇÃO COM O PLANEJAMENTO que tange a seus direitos individuais, principalmente FAMILIAR na esfera familiar, esta irá transmitir esse respeito à dignidade dos demais cidadãos existentes ao Responsabilidade é para o direito a seu entorno, materializando-se gradualmente na consequência que advém de uma obrigação, conforme sociedade. prevê o art. 4º da Lei 9.263/1996 “O planejamento

4 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade familiar orienta-se por ações preventivas e educativas para que sejam capazes de oferecer à seus filhos, não e pela garantia de acesso igualitário a informações, importando como serão constituídos, um ambiente meios, métodos e técnicas disponíveis para a familiar estruturado, que lhes proporcionem um regulação da fecundidade”. desenvolvimento completo, visto que a paternidade O planejamento familiar está intimamente responsável pressupõe a obrigação que os pais tem ligado à paternidade responsável, visto que é de prover a assistência moral, afetiva, intelectual e necessário que no momento pelo qual os indivíduos material aos filhos (CARDIN, 2009, p. 6). decidam constituir uma família, deve-se avaliar a A partir disso, é possível concluir que a melhor forma de realizar tal feito, razão pela qual paternidade responsável, refere-se á um conjunto de ao decidir a respeito da quantidade da prole, é obrigações que os pais se submetem no intuito de imprescindível que se leve em conta todas as formas assegurar os direitos de sua prole, garantindo-lhes a de propiciar os meios essenciais para que os filhos dignidade. possam se desenvolver de maneira adequada. Ainda, o planejamento familiar é estritamente É de suma importância que o casal ou os ligado a esta responsabilidade, visto que o ato indivíduos saibam ponderar sobre o momento da preparação consciente, garante à estabilidade certo para a filiação, considerando sua situação emocional e financeira do núcleo familiar, resultando emocional, visto que ao criar uma criança, esta terá em uma convivência prazerosa entre os familiares, a necessidade de receber afeto e ainda, que haja um garantindo que os deveres parentais sejam supridos de planejamento econômico, pois esse novo indivíduo forma adequada, com o intento do desenvolvimento terá a necessidade de receber cuidados, devendo ser completo e apropriados da prole. assegurados meios materiais para a sua existência, A influência dos pais na formação do filho é como o fornecimento de alimentação, vestuário, primordial para seu desenvolvimento psicossocial, educação, saúde e afins. inclusive com consequências no próprio conceito de As obrigações em relação à prole são cidadania, que começa a se desenvolver dentro do lar, legitimadas levando em conta o Princípio do com as noções preliminares de direitos e obrigações maior interesse da criança e do adolescente, (SEREJO, 2004, p.70). que é previsto no artigo 227 da Constituição Por fim, resta evidente que a realização do Federal, determinando que “É dever da família, planejamento familiar, com a decisão dos conviventes da sociedade, e do Estado assegurar à criança, ao a respeito da constituição, delimitação da prole, adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o e o momento oportuno para a formação familiar direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, incidem diretamente no exercício responsável dos ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, papéis parentais, visando a fruição plena da prole de ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e seus direitos fundamentais. comunitária, além de coloca-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, 4 PLANEJAMENTO FAMILIAR E A NÃO violência, crueldade e opressão”. INTERVENÇÃO ESTATAL Ademais, o artigo 3° do ECA, afirma que “a criança e o adolescente gozam de todos os direitos Ao planejar de que forma a família será fundamentais inerentes a pessoa humana, sem instituída, como já destacado, os indivíduos devem prejuízo da proteção integral, assegurando-lhes, por levar em conta suas possibilidades econômicas e lei ou por outros meios, todas as oportunidades e emocionais, no entanto, além disso, também é de facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento livre interesse dos pais decidirem a forma pela qual físico, mental, moral, espiritual e social, em condições se dará a constituição dos filhos, e ainda a regulação de liberdade e dignidade”. da fecundidade, decidindo sobre o número de sua Deste modo, é de grande importância que prole e a forma de sua criação dentro dos limites da haja uma prévia preparação do casal, companheiros, dignidade humana. ou mesmo do individuo por si só, para o momento Diante disso, podem optar pelos meios da decisão de iniciar uma família, conciliando naturais de concepção ou então, recorrer a outras suas possibilidades da melhor forma, visto que possibilidades, como por exemplo, o reconhecimento chegando à este estágio, as pessoas possam estar de filiação socioafetiva, adoção, ou a métodos de preparadas emocionalmente e economicamente, reprodução humana assistida.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 5 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

No entanto, como já mencionado, tais referentes à criança e ao adolescente, concedendo o escolhas devem ser exercidas de forma livre devido suporte para a criação dos filhos. por aqueles que desejam a formação do núcleo Conforme já exposto, o art. 227 da Carta familiar, sendo vedadas quaisquer formas de Federal elenca uma série de direitos relativos à criança imposição ao casal de como devem realizar esse e ao adolescente. Neste sentido, é de grande relevância planejamento. De acordo com o que preceitua que o Estado deva juntamente com as famílias, Tartuce (2018), o fundamento constitucional assegurar que a prole esteja desfrutando de todos os da autonomia privada é a liberdade, um dos seus direitos básicos essenciais para a sobrevivência, principais atributos do ser humano (art. 1°, no intuito de terem livre acesso à educação, saúde, III, da CF/1988), e completa afirmando que a lazer, cultura, liberdade, convivência comunitária e autonomia não existe apenas em sede contratual, afins. mas também na ótica familiar. Dentro desta perspectiva nota-se que A atuação do Estado se limita no sentindo mesmo que o Estado seja impedido de realizar de proporcionar aos indivíduos meios, informações uma interferência direta no que diz respeito ao e políticas públicas para o livre exercício do planejamento familiar, no que se refere a criação dos planejamento familiar, o art. 5º da Lei 9.263/1996 filhos, o mesmo estará incumbido, juntamente com expressa que “é dever do Estado, através do Sistema a família de garantir o gozo de direitos para o normal Único de Saúde, em associação, no que couber, às desenvolvimento da prole. instâncias componentes do sistema educacional, Enfim, é inegável a ideia de que não é promover condições e recursos informativos, admissível, de qualquer forma, intervir no livre direito educacionais, técnicos e científicos que assegurem o dos cidadãos ao planejamento familiar. Contudo, livre exercício do planejamento familiar”. ao poder público, conforme se infere do art. 1565 Desta maneira serão vedadas quaisquer §2° do CC, restaria apenas o dever de garantir atuações que possam ir além desta proposta, visto aos indivíduos os meios necessários pelos quais que trata-se de um direito livre daqueles que queiram pudessem utilizar para realizar tal planejamento, estabelecer seus próprios preceitos para a formação como o fornecimento de recursos de garantam a do seio familiar, no entanto sempre devendo se concepção ou a contracepção, sem que destes meios pautar no respeito aos princípios fundamentais da pudesse surgir algum risco a vida, garantindo desta dignidade humana. forma, a livre escolha. Nestes moldes, o Estado A intervenção do Estado deve apenas e tão deve agir no sentido de garantir à seus cidadãos que somente ter o condão de tutelar a família e dar- realizem seus anseios pessoais no tocante a formação lhe garantias, inclusive de ampla manifestação da instituição familiar e oferecer o que se dispôs para de vontade, e de que seus membros vivam em o desenvolvimento da prole. condições propícias à manutenção do núcleo afetivo (PEREIRA, 2004, p. 112). 5 DAS POLÍTICAS PÚBLICAS EM PROL DO A ideia da não intervenção também é PLANEJAMENTO FAMILIAR estabelecida no artigo 1565 §2° do Código Civil, que prevê que, o “planejamento familiar é de livre As políticas públicas refere-se a ações e decisão do casal, competindo ao Estado propiciar projetos governamentais que se destinam a todos os recursos educacionais e financeiros para o exercício cidadãos, independentemente de cor, raça, sexo ou desse direito, vedando qualquer tipo de coerção classe social, visando assegurar o exercício de direitos por parte de instituições privadas ou públicas”. de cidadania. Assim, os instrumentos de ação do Outrossim, o artigo 1513 do Código Civil, também governo, políticas públicas, servem para alcançar defende a proposta de vedação à intervenção estatal, melhorias, proporcionar bem-estar e diminuir a preceituando que “é defeso a qualquer pessoa de desigualdade. direito público ou privado, interferir na comunhão No que diz respeito à realização de políticas de vida instituída pela família”. públicas no âmbito do planejamento familiar, trata- Ainda, é crucial que se leve em conta que se de iniciativas criadas por parte do ente público, mesmo que o Estado não possa intervir de forma no sentido de proliferar informações e métodos direta no tocante a liberdade das famílias, o mesmo que auxiliem no livre exercício desse direito, dando tem o dever de proteger e assegurar os interesses oportunidade para que os cidadãos exerçam da

6 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade melhor forma seu direito de escolha no tocante a atualmente percebe-se que tais métodos são buscados formação da família. quase que exclusivamente por pessoas que tenham Ao ente estatal, como já mencionado, é vedada maiores recursos financeiros. a atuação de forma coercitiva e intervencionista no Segundo o médico Drauzio Varella: que se refere livre direito ao planejamento familiar. O planejamento familiar no Brasil é inacessível Os meios escolhidos para a constituição da família, aos que mais necessitam dele. Os casais de a quantidade da prole, métodos e técnicas utilizadas, classe média e os mais ricos, que podem criar os filhos por conta própria, tem acesso é uma escolha a ser feita estritamente pelo casal ou garantido a preservativos de qualidade, pílulas, indivíduos que tem o intuito da formação do núcleo injeções e adesivos anticoncepcionais, DIU, familiar. laqueadura, vasectomia, e em caso de falha, ao abortamento. No entanto, é necessário que o ente estatal possa viabilizar à todos os cidadãos, informações Orientadas e cientes dos métodos educacionais necessárias para que o planejamento contraceptivos, as pessoas terão como desvincular familiar possa ser exercido de forma consciente, visto sua sexualidade da reprodução, podendo optar que não se trata apenas de um controle de natalidade, por terem filhos no momento em que entenderem mas a existência de uma família que deverá mais adequado, sem que isso lhes cause prejuízo ou proporcionar aos indivíduos um desenvolvimento interrompa sua formação (CARDIN, 2009, p. 21). individual adequado, além do equilíbrio em suas Ainda, além da relevância da distribuição relações familiares como garantia de sua dignidade de métodos contraceptivos por parte do Estado, é humana. necessário que a população seja informada e educada A realização de políticas públicas tem o sobre o quão significativo é o ato da preparação condão de assegurar que a formação e ampliação familiar e da maneira de utilização dos métodos das famílias possam ocorrer dentro de um período contraceptivos. adequado, onde os indivíduos tenham condições O Manual Técnico do Ministério da Saúde, propícias de assegurar á prole uma existência digna, que traz orientações a respeito da Assistência em impedindo que haja o aumento de encargos para o Planejamento Familiar, alude que “as atividades Estado, visto que a procriação desenfreada, pela falta educativas devem ser desenvolvidas com o objetivo de de informação e acesso dos indivíduos a meios que oferecer os conhecimentos necessários para a escolha venham a impedir a fecundidade, e a consequente e a utilização do método anticoncepcional mais ausência de planejamento, traz graves consequências adequado, assim como propiciar o questionamento ao ente público que terá que dispor de mais recursos e reflexão sobre temas relacionados com a prática da para a criação de escolas, hospitais, presídios e afins, anticoncepção, inclusive a sexualidade.” e também à sociedade como um todo, visto que Além disso, é imprescindível haja um maior o aumento populacional vertiginoso implica em investimento na educação, pois a consciência empobrecimento e marginalização, acarretando na do bom planejamento familiar vem através de ascensão da violência urbana. cidadãos que estejam capacitados intelectualmente, Segundo Cardin (2009, p. 21): financeiramente e psicologicamente, e desta forma

De fato, pobreza e falta de planejamento contribuir para a diminuição da evasão escolar; apoio familiar estão diretamente relacionadas e qualificação de jovens; programas de requalificação com a violência urbana. Nas classes menos e recolocação profissional, combate incisivo à favorecidas o acesso e a compreensão do planejamento familiar são embrionários e criminalidade dentre outros (CARDIN, 2009, p. débeis, seja por desconhecimento dos métodos 22). contraceptivos, seja por falta de politicas públicas do Estado. Ademais, para que a ideia do planejamento familiar juntamente com o exercício da paternidade Neste sentindo, é imprescindível que o Estado responsável venha ser difundida em maior proporção atue com o fim de uma maior distribuição de meios para toda a população, seria crucial a realização de venham impedir a gravidez indesejada. É necessário iniciativas nos bairros, com o fornecimento de cursos que haja o aumento da distribuição de camisinha, de capacitação, com profissionais da área da saúde e pílulas do dia seguinte, anticoncepcionais eficazes e da psicologia que auxiliem os cidadãos a realizarem ainda, que os procedimentos como laqueadura, DIU, tal planejamento e avaliarem o melhor momento de vasectomia sejam acessíveis a todos os cidadãos, pois suas vidas, no âmbito econômico e psíquico para que

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 7 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade venham realizar a ampliação da família, no intuito de interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, que exerçam com responsabilidade seus cuidados em para o fim e ao cabo dar sentido e dignidade à relação a prole, sem comprometer o bom convívio existência humana”. do seio familiar. Ainda, o amor é condição para entender o Por conseguinte, conclui-se que a adoção de outro e a si, respeitar a dignidade, e desenvolver uma políticas públicas para o planejamento familiar, é de personalidade saudável (GROENINGA, 2006, p. fato uma forma preventiva auxiliando para que as 6). famílias possam ser constituídas de maneira propícia, Outra implicação gerada pela falta do e consequentemente assegurando o exercício da planejamento familiar, é que com o advento de paternidade responsável, para que a prole e os reiteradas concepções não planejadas e nem sequer demais que compõe o seio familiar tenham uma vida prevenidas, muitas vezes por conta da falta de digna, contribuindo assim, de forma eficiente para o acesso a métodos contraceptivos e educação sexual desenvolvimento social, evitando que consequências pertinente, vem acarretar no empobrecimento da mais graves sejam difundidas, como a propagação da população, visto que, quanto mais filhos vão sendo violência urbana. gerados, maiores os gastos econômicos, em razão da necessidade de prover-lhes o sustento necessário 6 DAS CONSEQUÊNCIAS ORIUNDAS DA para a sobrevivência, e na maioria dos casos onde AUSÊNCIA DE PLANEJAMENTO FAMILIAR observa-se as sucessivas concepções, as famílias já não apresentam os meios financeiros essenciais para uma Tendo destacado o quão relevante é o vida digna mesmo antes da gravidez. planejamento familiar, para manutenção do equilíbrio Muitas famílias acabam não conseguindo da estrutura das famílias e também para o fim de recursos suficientes para o sustento de seus assegurar o bem estar da prole, é indispensável que integrantes, e diante de tal precariedade acabam aborde as consequências da falta desse planejamento. vivendo situações miseráveis e consequente disso, A falta do ato preparatório pode trazer vem a desvanecer toda a dignidade humana. graves implicações dentro do núcleo familiar, que Ainda, o aumento gradativo de concepções consequentemente poderá repercutir perante a cumulada com a ausência planejamento familiar, sociedade. também acaba por trazer algumas consequências A gravidez indesejada é uma das consequências para o ente estatal. Com o aumento populacional, da ausência deste planejamento. Mulheres acabam o Estado terá o encargo de dispor de cada vez mais engravidando acidentalmente sem mesmo terem o recursos para atender as necessidades das famílias, e desejo de cuidar de uma criança. Em alguns casos visto o maior número de crianças dependentes no a concepção acaba se tornando um fardo a ser cenário social, o desenvolvimento socioeconômico carregado pelos pais, implicando na falta de afeto no pode vir a manter-se engessado. cuidado com os filhos. E esse fato acaba ocorrendo Conforme aduz Cardin (2009, p. 21): de maneira mais acentuada entre a população Cada gravidez indesejada em quem não empobrecida, que não consegue ter acesso a meios tem condições econômicas para sustentar eficazes que previnam a fecundidade. adequadamente uma criança onera ainda mais o país, que fica obrigado a investir em escolas, A falta de afeto nas relações familiares, postos de saúde, hospitais, alimentação, também pode ser considerada uma implicação da vacinas, medicamentos, habitação e em ausência do planejamento familiar, em virtude de penitenciárias para os delinquentes. que sem que haja essa estima pelo outro ser humano, Ademais, com a falta da preparação para as relações familiares vão se tornando cada vez mais constituição familiar, poderá decorrer o aumento conturbadas, pois é dentro da família onde os filhos da violência urbana e da marginalização, visto que deveriam sentir-se cuidados, amados e protegidos, com o maior número de pessoas que não apresentam é nela que deveriam receber toda a assistência condições dignas de sobrevivências pela falta de necessária, e havendo a supressão dessa relação recursos financeiros e de uma boa base familiar que profunda com os familiares, os indivíduos, poderão contribua para o bom desenvolvimento do caráter, vir a desenvolver consideráveis abalos psicológicos. muitos indivíduos acabam buscando a satisfação de Segundo Madaleno (2008, p.66) “O afeto é suas necessidades no meio ilícito. a mola propulsora dos laços familiares e das relações

8 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

O empobrecimento, a falta de afeto e a ausência que desfrutem da liberdade de decisão da forma de uma formação educacional apta, contribuem como se dará a organização familiar. diretamente para a migração dos indivíduos para o Além disso, é de suma importância que haja a mundo do crime. promoção de políticas públicas por parte do Estado Essa consequência vem resultar em danos no intuito de prevenir as consequências resultantes da para o núcleo familiar, que agora terá de lidar com falta do planejamento, como a gravidez indesejada, a delinquência de forma direta, como também culminando na não consolidação dos vínculos vem sobrecarregar o Estado das exigências para familiares pela ausência do afeto, empobrecimento, o emprego de maiores esforços para a repressão marginalização, inchaço populacional gerando da criminalidade, bem como o sentimento de oneração ao ente público, e o aumento da violência insegurança se propagando diante do meio social. urbana. Posto isto, é de suma importância que haja Todas essas consequências poderão ser evitadas o planejamento familiar, visando impedir que tais se houver uma atuação mais efetiva para a distribuição consequências sejam geradas, pois as mesmas não de meios eficazes de contracepção e também o implicam somente no sofrimento para a família, investimento na conscientização populacional, desde mas também geram repercussões a toda sociedade, adolescência, acerca do quão importante é a realização levando em conta que a base para a formação do do planejamento familiar, que traz benefícios não indivíduo e a maneira de como este irá se determinar só a prole, para que venha a ser concebida em um no corpo social, encontra-se embasada na criação momento da vida adequado de seus genitores, onde que obteve no interior do núcleo familiar. terão plena capacidade de garantir a esses novos indivíduos meios de sobrevivência que garantam a CONCLUSÃO dignidade humana mas também que a paternidade seja exercida no período da vida onde os indivíduos O planejamento familiar é o modo pelo possam ter atingido o amadurecimento, estabilidade qual as famílias utilizam para que seja determinada emocional e econômica, para que exerçam seus a limitação da filiação e os meios pelos quais serão papéis de forma apropriada. utilizados para a realização da fecundidade. Por fim, conclui-se que é manifesto a O intuito do planejamento é aquele pelo qual importância que se deve atribuir a família e a paternidade seja exercida de forma estritamente consequentemente ao planejamento familiar, visto responsável com respeito pela dignidade da pessoa que a mesma é entendida como a base da sociedade, humana, conforme alude o §7° do art. 226 da é o primeiro núcleo de pessoas em que mantemos Constituição Federal de 1988. convivência e que extraímos valores, ideias, costumes Tal preparação mostra-se imprescindível no e o nosso modo de viver. É da família que temos tocante à garantia da paternidade responsável, visto nossas primeiras percepções de mundo, é das que ao ponderar sobre a quantidade de filhos, os convicções que se têm dentro do núcleo familiar que indivíduos devem levar em conta suas possibilidades se constitui pilares para o molde do caráter. para que o essencial para a sobrevivência seja A partir de um planejamento adequado e garantido à prole, no que diz respeito de meios consciente, é que a organização familiar se formará de materiais de sobrevivência com o fornecimento de maneira a garantir e satisfazer os direitos essenciais, alimentação, vestuário, saúde, e também levando em refletindo não só no bom equilíbrio de convivência conta os meios afetivos, visto que tal característica familiar, mas sobre toda a sociedade, pois se temos é imprescindível para que exista um vínculo um ambiente adequado para crescer e sobreviver, consolidado nas relações familiares. esses bons valores serão refletidos perante os outros Dentro do contexto das famílias há uma indivíduos, promovendo a estabilidade social. limitação para a atuação do Estado, vê-se que ao mesmo é vedada a interferência nas decisões dos REFERÊNCIAS cônjuges ou conviventes em relação ao planejamento familiar. BRASIL. Ministério da Saúde. Assistência em No entanto, conforme abordado, constitui Planejamento Familiar, Brasília: Série A. Normas e dever do Estado permitir e propiciar aos cidadãos o Manuais Técnicos; n. 40. p.11. 4 Ed, 2002. acesso a métodos de concepção e contracepção para CARDIN, Valéria Silva Galdino. Do Planejamento

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 9 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

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10 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

A RESPONSABILIDADE CIVIL POR ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL EM FACE DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

CIVIL RESPONSIBILITY FOR ACTS OF PARENTAL ALIENATION IN FACE OF PERSONALITY RIGHTS

Glaucia Cardoso Teixeira Torres Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina e pós-graduada em Direito Civil e Processo Civil pelo Curso Luiz Carlos. Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná. Professora de Direito na Unicesumar – campus Londrina, [email protected].

Luiz Gustavo Tiroli Acadêmico do curso de Direito da Escola de Direito das Faculdades Londrina, [email protected]

RESUMO possibility of indemnity for moral damages resulting from acts of parental alienation for violating the rights Os direitos da personalidade são aqueles of the infant’s personality and the alienated parent. que tutelam as características inerentes à condição humana nas relações privadas, cabendo, nos casos KEYWORDS de sua violação a devida reparação por meio do Personality rights; Civil liability; Parental Alienation. instituto da responsabilidade civil que determina que todo aquele que lesar alguém tem o dever de INTRODUÇÃO reparar. Neste sentido, o presente trabalho, através da revisão bibliográfica, objetiva perquirir sobre Os direitos da personalidade possuem a a possibilidade de indenização por danos morais finalidade de tutelar aspectos inerentes à pessoa decorrentes dos atos de alienação parental por humana relacionados à sua dignidade na esfera das violarem os direitos da personalidade do infante e relações privadas. Neste contexto, a violação a estes do genitor alienado. direitos ensejam a possibilidade de pleitear em juízo a reparação do dano moral sofrido, presentes os PALAVRAS-CHAVE pressupostos de responsabilidade civil. Direitos da personalidade; Reponsabilidade civil; Alienação Um dos mais conflituosos ramos das relações parental. privadas consiste na esfera familiar, nesse contexto, tem-se a alienação parental enquanto campanha ABSTRACT empreendida por um genitor no intuito de desmoralizar e desqualificar o outro perante a prole. The rights of personality are those that safeguard Os atos de alienação parental ferem diretamente os the inherent characteristics of the human condition direitos da personalidade tanto do infante como in private relations, and their violation is due to do genitor alienado, cabendo a aplicabilidade da reparation according to the institute of civil liability teoria da responsabilização civil por estes atos, vez that determines that anyone who injures someone que constrangem a honra e a imagem do genitor has the duty to repair. In this sense, the present work, alienado e prejudica o desenvolvimento holístico do through literature review, aims to inquire about the infante, tendo sua identidade pessoal em formação V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade prejudicada pela campanha de desqualificação que determinam a reparação de um dano, patrimonial ou um genitor empreende em face do outro. extrapatrimonial, sofrido por um terceiro decorrente Nesse contexto, o presente artigo tem por de um ato ilícito praticado por um determinado objetivo perquirir sobre a possibilidade de reparação indivíduo, por alguém que por este responde, por civil por dano moral decorrente dos atos de alienação alguma coisa pertencente a este ou simplesmente por parental no âmbito da família contemporânea e uma imposição legal. (DINIZ, 2011, p. 50) em face da teoria da responsabilidade civil e da Lei “A responsabilidade civil decorre de uma 12.318/10 que trata da alienação parental. conduta voluntária violadora de um dever jurídico O primeiro tópico tratará a respeito [...]”. Deste modo, nota-se que havia um dever jurídico da teoria geral da responsabilidade civil no cuja violação gerou um novo dever: a reparação do ordenamento jurídico brasileiro, perquirindo sobre a dano. Logo, a responsabilidade civil consiste em responsabilidade civil objetiva e subjetiva, analisando um dever jurídico sucessivo ou secundário. É uma os pressupostos de configuração do dever de reparar obrigação que nasce da violação de uma obrigação a conduta ilícita do agente, o dano causado e o nexo anteriormente prevista (GONÇALVES, 2011, p. 24) de causalidade entre a conduta e o dano. Entretanto, O objetivo das medidas jurídicas que impõem irá se analisar sobre a necessidade de caracterização o dever de reparar visa restabelecer a harmonia de culpa em lato sensu, para reparação civil nos casos jurídica, pois ato ilícito “rompe o equilíbrio jurídico de alienação parental. econômico anteriormente existente entre o agente No segundo capítulo serão abordados os e a vítima”. Logo, a fim de que se restabeleça atos de alienação parental segundo a Lei 12.318/10 esse equilíbrio e o prejudicado seja recolocado que se apresentam em rol exemplificativo e as no status quo ante torna-se necessária a fixação de consequências danosas desencadeadas por estes, reparação por danos decorrentes da responsabilidade que podem inclusive culminar no desenvolvimento civil. (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 13). da Síndrome de Alienação Parental. Ainda neste A responsabilidade civil subdivide-se em capítulo será perquirido a respeito dos estágios responsabilidade objetiva, como sendo aquela em de desenvolvimento da síndrome no âmbito da que não é necessária a apuração da culpa do agente violência aos direitos da personalidade do infante e causador do dano, sendo configurada quando, do genitor alienado. simplesmente, estão presentes o dano e o nexo Ao final a conclusão a que se pretende chegar causal ligando-o ao ato ilícito, e em responsabilidade é de que cabe o dever de reparar o dano moral subjetiva, na qual necessita-se a comprovação da cometido pelo genitor alienador em face do infantil e culpa em lato sensu, quer seja o dolo, a negligência, do genitor alienado, a fim de restabelecer a harmonia a imprudência ou a imperícia. (LISBOA, 2010, p. jurídica e garantir a dignidade da pessoa humana 275). Neste sentido, destaca-se o culpa enquanto a partir da tutela dos direitos da personalidade das pressuposto de responsabilidade civil, classificada vítimas desses atos violentos. em lato sensu, compreendendo o dolo, como sendo a propositura, a intencionalidade da prática do ato 1 A TEORIA DA RESPONSABILIDADE CIVIL ilícito e a culpa em stricto sensu, subdividida em NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO negligência, imprudência e imperícia, sendo a culpa CONTEMPORÂNEO pressuposto essencial para a responsabilidade civil subjetiva, uma vez que “ninguém pode merecer O ordenamento jurídico brasileiro estabelece censura ou juízo de reprovação sem que tenha faltado que todo aquele que lesar outrem tem o dever de com o dever de cautela em seu agir”. (CAVALIERI reparar, neste sentido a responsabilidade civil FILHO, 2009, p. 16) surge para disciplinar esta previsão, estabelecendo Para que haja indenização deve haver a pressupostos, tais como a conduta do agente, o dano ocorrência de um dano, sem isso, não há o que causado e o nexo de causalidade, e nos casos de reparar, ainda que a conduta seja dolosa ou culposa. responsabilidade civil subjetiva a apuração da culpa, Sendo assim, indenização sem existência de um dano a fim de configurar o dever de indenizar pelo dano sofrido pela vítima importaria em enriquecimento causado. ilícito, que é vedado pelo Código Civil brasileiro. A responsabilidade civil pode ser definida (CAVALIEIRI FILHO, 2009, p. 70-71). como a aplicabilidade de medidas coercitivas que Outro elemento da responsabilidade civil

12 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade imprescindível para configuração do dever de Manual of Mental Disorders, tendo conceituado a indenizar vincula-se à conduta do agente, que se Síndrome de Alienação Parental como “um distúrbio desenvolve em uma ação ou omissão que, em regra que surge principalmente no contexto de disputas de é ilícita, mas excepcionalmente pode ser lícita. custódia da criança.” (GARDNER; NAZARETH, Comete ato ilícito aquele que, agindo culposamente, 2019). viola direito e causa dano a outrem. Sendo assim, na Na campanha de difamação empreendida por responsabilidade civil subjetiva o centro de exame é um dos genitores em face do outro tem- se os atos o ato ilícito (VENOSA, 2014, p. 27). de alienação parental, que dada a intensidade podem O ato ilícito, expresso nos artigos 186 e resultar na síndrome, de modo que “sua manifestação 927 do Código Civil, tem por elemento nuclear primária é a campanha do próprio filho para denegrir uma conduta humana voluntária e contrária ao o progenitor, uma campanha sem justificativa”. Neste direito, que provém de uma ação ou uma omissão. contexto, por genitor alienante tem-se o indivíduo (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 23-24). “O dever que empreende os atos de alienação parental e por de indenizar vai repousar justamente no exame da genitor alienado o que sofre os atos em face da prole. transgressão ao dever de conduta que constitui o ato (GARDNER; NAZARETH, 2019). ilícito” (VENOSA, 2014, p. 27). A legislação brasileira trata da alienação E por fim, outro elemento imprescindível para parental, focando seus esforços, tão somente, em a configuração da responsabilidade civil constitui no punir a prática, não abrangendo seus sintomas e nexo de causalidade, que se configura pela conexão consequências, uma vez que a síndrome ainda não foi lógica entre a conduta e o dano. (GONÇALVES, incluída na Classificação Internacional de Doenças. 2011, p. 348). O artigo 186 e artigo 927 do Código A doutrina conceitua alienação parental como Civil expressamente determinam a necessidade sendo a ação de um dos genitores com o intuito de do nexo causal para se atribuir a responsabilidade distanciar a prole do outro genitor, estabelecendo civil àquele que por ação ou omissão voluntária, uma verdadeira campanha que visa utilizar seus negligência ou imprudência, violar direito e causar filhos como instrumento de agressividade e dano a outrem. Deste modo, o dano só pode vingança direcionadas ao outro. (MADALENO, R. acarretar em responsabilidade quando houver liame MADALENO, A.C. C. 2015, p. 48). de causalidade entre o ato praticado pelo agente e o Ainda, para muitos, existe confusão entre dano causado no paciente. (VENOSA, 2014, p. 58). o que seria a alienação parental em si e a Sendo assim, presentes os pressupostos da Síndrome da Alienação Parental (SAP). Muitas vezes, utiliza-se genericamente a sigla responsabilidade civil, caberá ao lesado pleitear SAP para abranger tudo que está relativamente em juízo a reparação do dano, quer seja material, ligado a tal instituto. A alienação parental, quer seja moral que decorram da conduta ilícita do de uma maneira sucinta e objetiva, são os atos praticados pelos genitores, familiares ou agente. Neste sentido, os atos de alienação parental, responsáveis, a fim de interferir no psicológico dispostos na Lei 12.318/10, são tidos como conduta infantil. Enquanto que a SAP é o reflexo desses atos, que se concretiza através de transtorno. ilícita, vez que geram danos tanto ao genitor alienado Basicamente, a alienação parental refere-se como ao menor que tem seu relacionamento com um às condutas praticadas para com os menores, isto é, são as manobras utilizadas para induzir dos genitores afetado, por vezes de modo irreversível, o menor a se distanciar do outro genitor. cabendo, pois, a reparação moral dos vitimados. (KROTH; SARRETA, 2016, p. 2).

2 OS ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL Neste sentido, a legislação brasileira por NO CONTEXTO DA LEI 12.318/10 E SUA meio da Lei n° 12.318/10 positivou o conceito CONSEQUÊNCIA NO DESENVOLVIMENTO DA de alienação parental e trouxe resposta para a SÍNDROME DE ALIENAÇÃO PARENTAL construção do conceito dentro do ordenamento jurídico brasileiro, suas causas e consequências para A terminologia Síndrome de Alienação os agentes promotores de tal conduta. Parental foi utilizada pela primeira vez pelo psiquiatra Considera-se ato de alienação parental a Richard Gardner, clínico do Departamento de interferência na formação psicológica da Psiquiatria Infantil da Universidade de Columbia, criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou Estados Unidos, que se valeu do termo síndrome a pelos que tenham a criança ou adolescente sob fim de inclui-la no rol do IV Diagnostic and Statistical a sua autoridade, guarda ou vigilância para

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 13 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

que repudie o genitor ou que cause prejuízo ao advertir o alienador; estabelecimento ou à manutenção de vínculos II- ampliar o regime de convivência familiar com este. (BRASIL, 2010). em favor do genitor alienado; III - estipular multa ao alienador; IV- determinar acompanhamento psicológico Sendo assim, a legislação ampliou a e/ou biopsicossocial; compreensão a respeito dos possíveis alienadores, V- determinar a alteração da guarda para ultrapassando a conduta do genitor e atingindo guarda compartilhada ou sua inversão; VI - determinar a fixação cautelar do domicílio terceiros que direta ou indiretamente possam da criança ou adolescente; contribuir para o impedimento do estabelecimento VII- declarar a suspensão da autoridade parental. de vínculo afetivo entre a prole e seu genitor. Além Parágrafo único. Caracterizado mudança de caracterizar, em rol exemplificativo, as condutas abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o juiz que podem ser consideradas alienantes no sentido também poderá inverter a obrigação de de prejudicar ou impossibilitar o pleno convívio levar para ou retirar a criança ou adolescente entre a criança ou adolescente com seu genitor, da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência prevê também as possíveis punições que a autoridade familiar. (BRASIL, 2010) judicial poderá determinar frente ao caso concreto em que se configura alienação parental, respectivamente Essa conduta de alienação, condenada pela nos artigos 2° e 6° da Lei n° 12.318/2010. legislação vigente supracitada, torna-se tão constante que passa a confundir o discernimento do menor Art. 2o Considera-se ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da em relação ao genitor atacado, podendo inclusive criança ou do adolescente promovida ou desenvolver sentimento de rejeição e falsas memórias. induzida por um dos genitores, pelos avós ou Sendo assim, a alienação parental, enquanto postura pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância para do genitor ou de terceiros contra o outro genitor que repudie genitor ou que cause prejuízo ao passa a ser incorporada psicologicamente pelo estabelecimento ou à manutenção de vínculos com este. filho, de modo que neste se inicia um processo de Parágrafo único. São formas exemplificativas incorporação interna das proposituras às quais de alienação parental, além dos atos assim declarados pelo juiz ou constatados por esteve exposto enquanto não possuía discernimento perícia, praticados diretamente ou com auxílio suficiente para compreender o processo de alienação de terceiros: parental, o que pode levar a prole a disseminar o I- realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da paternidade comportamento do alienante. ou maternidade; II- dificultar o exercício da autoridade A Síndrome de Alienação Parental (SAP), parental; ao contrário da Alienação Parental, só se III- dificultar contato de criança ou faz presente quando a criança passa a nutrir adolescente com genitor; sentimento de repulsa ao genitor alienado, a IV- dificultar o exercício do direito recusar-se a vê-lo e, ainda por cima, a contribuir regulamentado de convivência familiar; na campanha difamatória contra ele. Portanto, V- omitir deliberadamente a genitor a Síndrome de Alienação Parental nada mais é informações pessoais relevantes sobre a criança do que resultado de Alienação Parental severa, ou adolescente, inclusive escolares, médicas e sendo considerada um subtipo de alienação alterações de endereço; parental. (BARROS, 2012, p.10). VI- apresentar falsa denúncia contra genitor, contra familiares deste ou contra avós, para obstar ou dificultar a convivência deles com a Neste sentido, quando um menor absorve criança ou adolescente; a campanha do genitor alienante contra o outro, VII- mudar o domicílio para local distante, pode-se verificar a instauração da síndrome, que sem justificativa, visando a dificultar a convivência da criança ou adolescente com se manifesta pelo ódio demonstrado pelo filho o outro genitor, com familiares deste ou com contra o genitor alienado, beirando inclusive ao avós. Art. 6o Caracterizados atos típicos de alienação fanatismo, não havendo possibilidade de diálogo, parental ou qualquer conduta que dificulte uma vez que o menor utiliza todos os artifícios para a convivência de criança ou adolescente com genitor, em ação autônoma ou incidental, o denegrir a imagem do genitor alienado e defende juiz poderá, cumulativamente ou não, sem indistintamente o genitor alienante. prejuízo da decorrente responsabilidade Outra demonstração da instauração da civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou Síndrome de Alienação Parental está relacionada à atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do existência de situações simuladas verificadas nos caso: I- declarar a ocorrência de alienação parental e diálogos com o menor, sobretudo nas entrevistas

14 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade realizadas pelas equipes multidisciplinares e falta de manejo deste com aquele. os psicólogos, de modo que o menor realiza Por fim, no estágio grave ou terceiro estágio, encenações, dramatiza e atribui convivências suas verifica-se uma extensiva perturbação do menor em que sequer jamais existiram ou que se demonstram relação ao genitor alienado, podendo impossibilitar excessivamente incompatíveis com a sua idade. a ocorrência das visitas, o menor demonstra ódio (MADALENO, R; MADALENO, A. C. C. 2015, e aversão ao pai alienado sem necessariamente ser p. 51). capaz de demonstrar efetivamente seus motivos, A Síndrome de Alienação Parental desenvolve- ainda nesta fase o genitor alienador acredita haver se em diferentes estágios, inicia-se com baixa grande perigo no outro alienado, construindo falsos intensidade nas ações do genitor alienante e no sentimentos e projetando no menor. avançar das fases verifica-se a extensão das proporções Sendo assim, compreendendo a alienação alienantes, incutindo no menor sentimentos, parental enquanto postura ilícita do genitor frente ao desejos, falsas verdades e memórias que realizam nas outro, a síndrome de alienação parental se demonstra palavras de (KROTH; SARRETA, 2016, p. 4) uma como consequência desastrosa no âmbito psicológico verdadeira “lavagem cerebral.” da prole vítima dessa atuação nefasta do alienante, devendo ser combatida pela sociedade e, sobretudo Numa primeira fase, o alienador escolhe um tema ou um motivo (ou mais do que um) para pela tutela jurisdicional. Uma postura alienadora iniciar a campanha de difamação e agressão. E pode inferir inúmeras sequelas que evidentemente esse tema começa a ser assimilado pelo filho. [...] Na segunda fase, o filho e progenitor irão comprometer o pleno desenvolvimento da alienador potencializam a proximidade e a criança e do adolescente, ferindo os princípios lealdade entre ambos, demonstradas pelo jurídicos que o tutelam, tais como o melhor interesse forte apoio entre os envolvidos e recusas de quem não faça parte da relação entre eles. da criança e a sua defesa integral e prioritária. Na terceira fase, é possível verificar-se, no filho, comportamentos típicos de negação, confronto e termos de se relacionar com o 3 OS DIREITOS DA PERSONALIDADE E A outro progenitor. E é nessa fase que o alienador POSSIBILIDADE DE RESPONSABILIZAÇÃO CIVIL costuma obrigar seus filhos a assumir uma POR ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL posição [...]. Numa progressão lógica, na quarta fase, os comportamentos de recusa aumentam em intensidade e frequência, e o A elevação da figura do homem ao epicentro progenitor alienador adota a postura de que não é responsável ou capaz de convencer o axiológico dos ordenamentos de vários países no pós- filho a mudar de opinião. É a fase mais grave, segunda guerra trouxe desdobramentos à tutela das quando o filho já não precisa mais se apoiar no progenitor alienador, mas comporta-se como características intrínsecas à condição humana. alguém “programado” para tais palavras ou atos. (MEIRELLES, 2010, p. 269). O positivismo jurídico e a teoria dos direitos inatos contribuíram decisivamente para a bipartição da tutela do homem e de sua Na visão de Ana Carolina Carpes Madaleno personalidade em dois grandes ramos, em (2015, p. 52-53), a Síndrome de Alienação Parental direitos públicos de personalidade e em direitos privados de personalidade. Os se manifesta em três estágios, o primeiro denominado primeiros seriam os direitos inerentes ao leve está relacionado ao início da dificultação de homem, previstos na Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão e expressos visitas, de modo que os empecilhos são verificados nas constituições dos diversos países como no momento de realizar a troca entre os genitores e direitos fundamentais. Destinam-se estes para neste estágio não são utilizados os processos judiciais a defesa da pessoa contra atentados praticados contra a mesma pelo próprio Estado ou são como argumentação para expor o menor, neste invocados na defesa da sociedade, considerada estágio ainda o menor demonstra afetividade pelo como um todo, por agressões perpetradas contra a mesma por grupos privados. genitor alienado. Concomitantemente, passou a doutrina e a No segundo estágio ou estágio moderado, jurisprudência a admitir, ao lado dos direitos de personalidade públicos, a existência de evidencia-se o surgimento de um sentimento de direitos de personalidade privados. Estes ódio e aversão nutrido pelo alienador e acolhido pelo últimos eram considerados os mesmos direitos menor, tornando ambos cúmplices, neste momento de personalidade públicos, todavia observados e aplicados nas relações entre particulares, o alienador não verifica o problema e denota que quando houvesse prática de atentados por os acontecimentos de rejeição da criança ou do um sujeito privado contra algum atributo da personalidade de outro. (SZANIAWSKI, adolescente ao genitor alienado estão relacionados à 2005, p.19)

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 15 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

A reconstrução dos direitos fundamentais garantir-lhe os direitos necessários à uma existência a partir do pós-guerra, a reflexão a respeito da digna, usufruindo da proteção que lhe permita dignidade humana e da noção de personalidade vivenciar sua humanidade da maneira mais plena. Se tornou-se terreno fértil para a construção dos direitos tais conceitos trazem na essência o mesmo anseio é da personalidade enquanto mecanismo de proteção preciso esclarecer onde reside, então a diferença entre contra as arbitrariedades do Estado, sobretudo pelos eles. fenômenos das Guerras Mundiais, do Nazismo, do A ampla variedade de termos não deve gerar Comunismo e de outros regimes e acontecimentos confusões. Todas essas diferentes designações semelhantes que colocaram em cheque a proteção destinam-se a contemplar atributos da personalidade humana merecedores de da pessoa e fizeram retomar a reflexão a respeito da proteção jurídica. O que muda é tão somente fragilidade humana e da necessidade da construção o plano em que a personalidade humana se de instrumentos de proteção ao ser humano. manifesta. Assim, a expressão direitos humanos é mais utilizada no plano internacional, A partir da centralização da pessoa humana independentemente, portanto, do modo nos ordenamentos jurídicos e da positivação dos como cada Estado nacional regula a matéria. Direitos fundamentais, por sua vez, é o termo direitos fundamentais, paulatinamente, sedimentam- normalmente empregado para designar se juridicamente os direitos da personalidade sendo “direitos positivados numa constituição de um determinado Estado”. É, por isso mesmo, a tutelados na esfera privada nas relações entre terminologia que tem sido preferida para tratar indivíduos, uma vez que os direitos da personalidade da proteção da pessoa humana no campo do são absolutos no sentido erga omnes1, surtindo seus direito público, em face da atuação do poder estatal. Já a expressão direitos da personalidade efeitos entre o indivíduo e outros indivíduos, a é empregada na alusão aos atributos humanos coletividade e o Estado. (GAGLIANO, 2004, p. 10.) que exigem especial proteção no campo das relações privadas, ou seja, na interação entre particulares, sem embargo de encontrarem [...] de um lado, os “direitos do homem” ou também fundamento constitucional e “direitos fundamentais” da pessoa natural, proteção nos planos nacional e internacional. como objeto de relações de direito público, (SCHREIBER, 2019, p. 13) para efeito de proteção do indivíduo contra o Estado. [...] De outro lado, consideram- se “direitos da personalidade” os mesmos Assim, embora tratados com nomenclatura direitos, mas sob o ângulo das relações entre particulares, ou seja, da proteção contra outros diversa e inseridos em âmbitos distintos, os direitos homens. (BITTAR, 2008, p. 22-23) da personalidade, os direitos fundamentais e os direitos humanos possuem elo inegável. De modo No mesmo sentido: especial os direitos fundamentais positivados no

[...] deve-se entender que quando se fala dos bojo constitucional concedem um rol de direitos aos direitos humanos, referimo-nos aos direitos indivíduos que consistem em poderoso subsídio para essenciais do indivíduo em relação ao direito a ampliação do rol dos direitos da personalidade. público, quando desejamos protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando Neste contexto, os atos de alienação parental examinamos os direitos da personalidade, sem conforme disposto em rol exemplificativo no artigo dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sobre o ângulo do direito 2° da Lei 12.318/10 afrontam diretamente privado, ou seja, relações entre particulares, os direitos da personalidade do infante, à medida devendo-se, pois, defendê-los frente aos atentados perpetrados por outras pessoas. que geram danos ao desenvolvimento da identidade (MATTIA, 1977, p. 150) pessoal e da construção da imagem em face da configuração familiar. Desse modo três conceitos passaram a ser Assim como fere os direitos da personalidade paralelamente desenvolvidos para tratarem da do alienado, impossibilitado de desenvolver sua proteção à condição humana: direitos humanos, parentalidade de maneira efetiva, descontruindo sua direitos fundamentais e direitos da personalidade. identidade pessoal, sua honra e sua imagem em face Ao aprofundar-se em tal tríade, denota-se que o da prole, que por decorrência dos atos de alienação cerne da preocupação de todos eles reside na busca da constrói uma imagem distorcida do genitor alienado. proteção do homem justamente naquilo que possui Os direitos da personalidade possuem o intuito de mais intrínseco, sua humanidade, procurando de tutelar a dignidade da pessoa humana nas relações

1 Erga omnes é uma expressão em latim que significa “contra todos”, “frente privadas, estando dispostos em rol exemplificativos a todos” ou “relativamente à”. Costuma ser usada no âmbito jurídico para entre os artigos 11 e 21 do Código Civil, quer seja o se referir a uma lei ou norma que vale para todos os indivíduos (efeito vinculante). direito à honra, à imagem, ao corpo, à intimidade e

16 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade ao nome, garantindo a proteção integral aos direitos os atos dispostos na legislação citada, o alienador que são inerentes à condição humana, não podendo incorre em descumprimento de um dever legal, pois ser violados e nem dispostos pelo próprio tutelado, conforme disciplina Sérgio Cavalieri Filho (2009, pois sem estes, não poderia se considerar o indivíduo p. 2) “a violação de uma dever jurídico configura enquanto pessoa humana. ato ilícito, que, quase sempre, acarreta dano para Neste sentido, a possibilidade de outrem, gerando um novo dever jurídico, o de responsabilização civil e por consequência a reparar o dano”, ou seja “ato ilícito é aquele praticado reparação por danos morais pelos atos de alienação com infração a um dever e do qual resulta dano para parental, tanto à prole, quanto ao genitor alienado outrem”. (RODRIGUES, 2007, p. 308) torna-se real à medida que para que se configure a Neste sentido, os atos de alienação parental responsabilidade civil é imprescindível a presença de, ferem o direito à convivência familiar saudável ao menos, três elementos, a conduta, o dano e o nexo alicerçado no artigo 227 da Constituição Federal e causal. o artigo 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente Desse modo, denota-se que o fato de haver Lei 8.069/90, pois conforme visto, o conceito um ataque direto ou indireto à imagem do genitor contemporâneo de família está relacionado a “palco alienado causa dano, por vezes irreversível, a este. de realização do indivíduo”, com foco nos princípios Ademais não há como negar-se a configuração do da solidariedade e afetividade, de maneira que a nexo causal entre o dano e a conduta ilícita, de modo dignidade da pessoa humana no seio familiar deve que resta configurado o dever de indenizar pelo ser tutelada pelo Estado, cabendo neste contexto a genitor alienante. responsabilização civil por atos de alienação parental Deste modo, a indenização por danos morais em face da conduta ilícita de descumprimento por atos de alienação parental se torna factível à de preceito legal conforme elencado na legislação medida que se considera a afronta aos direitos da supracitada. (CRISPINO; MENEZES, 2015, p. personalidade do menor e do genitor alienado, 199) uma vez que os efeitos psicológicos desprendidos [...] pode-se reconhecer como fundamental em face de ambos compromete seu relacionado, nas relações familiares, independentemente da sua construção afetiva, sua imagem enquanto prole sua espécie, a afetividade, que deve ser alçada a valor jurídico de fundamental importância e genitor, além da identidade pessoal de genitor para a constituição e manutenção das famílias e de prole e ainda sua honra no contexto social modernas. [...] A família recupera assim contemporâneo. sua mais importante função, a saber, a de servir como comunidade de laços afetivos A possibilidade de responsabilização civil do e amorosos em perfeita união, como célula genitor alienante esta alicerçada na Lei 12.318/10 menor da sociedade, envolta na solidariedade e no respeito familiares, o lugar em que são que prevê em seu artigo 6° a aplicabilidade de exaltados, observados e tutelados os interesses e medidas para coibir os efeitos dos atos de alienação direitos fundamentais dos cidadãos-familiares [...] (GAMA, 2008, p. 127) parental sem prejuízo da responsabilidade civil e A conduta ilícita incide ainda sobre a penal. Neste sentido, faz-se necessário compreender violação do direito-dever da autoridade parental os pressupostos da teoria de responsabilidade civil compartilhada, embasada na Constituição Federal aplicada aos atos de alienação parental, quer seja a em seus artigos 226, §5° e 227, §7° e ainda nos conduta ilícita do agente, a culpa, o dano e o nexo artigos 1566, incisos III e IV, 1631 e 1634 do de causalidade. Código Civil brasileiro, que prevê o exercício da A conduta do alienador se manifesta em duas autoridade parental de maneira democrática e maneiras, primeiramente como comissiva à medida colaborativa entre os genitores, através da igualdade em que emprega meios para evitar o exercício entre ambos, sem sobreposição de um sobre o outro, regular da autoridade parental do genitor alienado, e uma vez que as separações e os divórcios põem fim omissiva quando deixa de transmitir dados escolares, nos deveres conjugais, entretanto os parentais se médicos, alterações de endereço, registros públicos estendem para além da relação vivenciada dos e outras informações essenciais ao exercício desta genitores, devendo ambos exercerem a autoridade autoridade. (CRISPINO; MENEZES 2015, p. 196) parental preferencialmente por meio da guarda A conduta do genitor alienador torna-se compartilhada, possibilitando o desenvolvimento ilícita à medida que viola um dever legal presente no holístico da prole. artigo 3° da Lei 12.318/10, uma vez que praticando

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 17 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

[..] É preciso que genitores e operadores do do genitor denunciado e condenou o pagamento direito estejam atentos ao momento social em que as separações e os divórcios atuais estão de indenização por danos morais no valor de R$ eclodindo e passem a dar atenção redobrada ao 25.000,00 (vinte e cinco mil reais). instituto do poder familiar. Exercê-lo de forma ampla e efetiva implica corresponsabilidade na AÇÃO INDENIZATÓRIA DECORRENTE educação integral do filho, sendo irrelevante DA INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO qual dos genitores tem a guarda integral dos POLICIAL FUNDADO EM FALSA filhos. (SOUZA, 2008, p. 8) IMPUTAÇÃO DE CRIME DE ABUSO SEXUAL CONTRA O PRÓPRIO FILHO E O genitor alienador tem o dever de reparar DO DESPROPOSITADO AJUIZAMENTO DE AÇÃO DE SUSPENSÃO DE PÁTRIO por seus atos de alienação parental à medida que PODER UTILIZANDO-SE DESTE viola o exercício regular da autoridade parental, toda FUNDAMENTO – DEMONSTRAÇÃO DE NOTÍCIA DESVIRTUADA E vez que impede ou dificulta o convívio entre a prole INCOMPATÍVEL COM A VERDADE e o genitor alienado, conforme previsto no artigo DOS FATOS – DANO MORAL CONFIGURADO. 2° da Lei 12.318/10. Neste contexto, a conduta 1. Preliminar de nulidade da sentença, por ilício não se figura somente no descumprimento violação do princípio da identidade física de dever legal, mas quando apesar de não infringir do juiz, afastada. 2. Demonstrado nos autos a imputação a legislação, exercita um ato que foge da finalidade leviana, por parte da genitora do menor, social para qual foi designado, constituindo assim de prática de crime de abuso sexual pelo pai da criança, com o objetivo de afastá- abuso de direito. lo de sua convivência. Impedir ou dificultar o acesso à prole que 3. Abuso de direito de informar às autoridades competentes a possível está sob sua guarda, sobretudo havendo prévia ocorrência de delito, bem como regulamentação do regime de visitas, omitir do direito de ação, que atingiu, informações que se tem acesso por decorrência do inegavelmente, a reputação do Autor, configurando dano moral indenizável, exercício unilateral da guarda, alterar de domicílio sem que, no caso, foi bem mensurável, não comunicação do novo endereço, impossibilitando merecendo modificação. 4. Recurso a que se nega seguimento, nos as visitas constituem atos de alienação parental que moldes do artigo, 557, caput, do CPC. configuram abuso de direito, ou seja, o genitor que (BRASIL, 2010, s/p) detêm os direitos de guarda deturpa tal exercício incidindo em ato ilícito, conforme dispõem os O dano, como pressuposto de responsabilidade artigos 186 e 187 do Código Civil. civil, constitui-se como o mais nefasto nos atos de Dentre os pressupostos de responsabilidade alienação parental, podendo ser verificados tantos nas civil destaca-se a culpa do genitor alienador que proles quanto nos genitores alienados, pois sem um deverá ser demonstrada em juízo na pretensão de tratamento adequado das autoridades competentes, arguir o dano moral, pois como disciplina o Código estes atos podem causar danos que poderiam perdurar Civil no artigo 186: “todo aquele que, por ação ou para toda vida, justamente pelos efeitos do abuso omissão voluntária, negligência ou imprudência, moral em que o genitor alienador expõe a prole e violar direito ou causar prejuízo a outrem, fica o alienado, comprometendo o desenvolvimento da obrigado a reparar o dano”. prole e do relacionamento afetivo-familiar entre Neste sentido, vale destacar jurisprudência do ambos. Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro que um genitor Dentre os danos para o infante, destaca-se os ajuizou ação de reparação por danos morais contra o oriundos da exclusão de um dos genitores do convívio outro genitor por falta acusação de abuso sexual contra familiar saudável, comprometendo sua estabilidade o infante, no caso em questão o tribunal entendeu emocional e seu desenvolvimento cognitivo e estar presente a pretensão do genitor denunciante psíquico, uma vez que o abuso moral sofrido enseja em denigrir a imagem do outro, a fim de afastar o o surgimento de comportamentos egocêntricos convívio familiar com a prole, além de ferir sua honra que dificultam e até mesmo impossibilitam a no contexto social, advindo da repercussão que tal reaproximação da prole com o genitor afastado denúncia trouxe para o denunciado, afrontando seus vítima de falsa acusação de abuso. direitos da personalidade, constituindo o ato de falsa [...] Essas crianças possivelmente estabelecerão denúncia mecanismo de abuso de direito. Como relações marcadas por essa vivência da infância, aprendendo a manipular situações, verifica-se no caso concreto, o tribunal acolheu a tese desenvolvendo um egocentrismo, uma

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dificuldade de relacionamento e uma grande genitor alienante por atos de alienação parental incapacidade de adaptação. Tiveram destruída a ligação emocional com o progenitor ausente, em face da prole manipulada como para o genitor atualizando estas dificuldades nas relações alienado, pois ambos são titulares desse direito, futuras. (SILVA; REZENDE, 2008, p. 28) uma vez que presentes o dano, a culpa, o nexo de [...] as crianças vivem o afastamento de um dos genitores como uma perda de causalidade e a conduta, o genitor alienador deve grande vulto (ainda que não saibam disso) e ser responsabilizado na finalidade de reparar os permanentemente sentem-se abandonadas e vivenciando profunda tristeza. [...] danos causados e sobretudo servir como medida Quando ocorrem interrupções penosas de contensão social desses atos nefastos que vem do relacionamento das crianças com as figuras de pai e/ou mãe, torna-se evidente atingindo a família contemporânea em face de seus a sua vulnerabilidade. Mais cedo e mais novos arranjos, merecendo assim maior atenção da intensamente descobrem que as relações entre as pessoas podem não ser para sempre sociedade que deve tutelar a família enquanto espaço e começam a sentir medo do abandono. de desenvolvimento da dignidade da pessoa humana. (MOTTA, 2008, p. 37) CONCLUSÃO Em que pese o dano causado ao infante pelos atos de alienação parental do genitor alienante, não Os atos de alienação parental, dispostos na Lei pode-se ignorar os danos causados a personalidade 12.318/10, são tidos como conduta ilícita geradores do genitor alienado, que “[...] ausente, privado do de danos, como a síndrome de alienação parental que contato com o filho, tem uma vida marcada por surge no contexto de disputas pelos genitores em que stress advindo de uma luta infrutífera, apresentando sofrida com a campanha de desqualificação de um frequentemente comportamento depressivos [...]”, dos genitores, a prole passa a rejeitar, ainda que sem conforme nos ensina Evandro Luiz Silva e Mário motivos, o genitor alienado, inclusive repetindo as Rezende (2008, p. 28), demonstrando inclusive práticas empreendidas pelo genitor alienante. Nesse isolamento, desmoralização perante a prole e contexto, sendo configurado dano oriundo de atos perante seu contexto social, ferindo seus direitos praticados pelo alienante, caberá a reparação moral da personalidade, inclusive em hipóteses de falsa dos vitimados, seja o infante ou o genitor alienado. acusação de abuso, podendo apelar para o suicídio e Sendo assim, compreendendo a alienação para o homicídio. (CRISPINO; MENEZES, 2015, parental enquanto postura ilícita do genitor frente ao p. 201) outro, a síndrome de alienação parental se demonstra Sendo assim, o dano se concretiza de maneira como consequência desastrosa no âmbito psicológico nefasta e devastadora na personalidade da prole e da prole vítima dessa atuação nefasta do alienante, do genitor alienado, impedindo algumas vezes a devendo ser combatida pela sociedade e, sobretudo possibilidade de reaproximação entre ambos em um pela tutela jurisdicional. futuro que demonstre a inocência do acusado de Uma postura alienadora pode inferir inúmeras abuso, trazendo consequências para o relacionamento sequelas que evidentemente irão comprometer o familiar, para a afetividade e para o exercício pleno, pleno desenvolvimento da criança e do adolescente, lícito e democrático da autoridade parental. ferindo os princípios jurídicos que o tutelam, tais Por fim, a configuração de responsabilidade como o melhor interesse da criança e a sua defesa civil e consequente dever de reparar necessitam integral e prioritária. do pressuposto de nexo de causalidade entre os Deste modo, em face da teoria da atos de alienação parental e os danos causados à responsabilidade civil, torna-se evidente o dever de personalidade do infante manipulado e do genitor reparar o dano pelo abuso moral desempenhado alienado, devendo ser demonstrado em juízo pelo genitor alienante por atos de alienação parental mediante avaliação profissional capacitada, sendo tanto em face da prole manipulada quanto em através de laudo técnico a comprovação de que a relação ao genitor alienado. Neste sentido, ambos conduta comissiva ou omissiva do genitor alienante são titulares desse direito, por terem seus direitos da desempenhou os danos supracitados. (CRISPINO; personalidade violados e o genitor alienador deve MENEZES, 2015, p. 202) ser responsabilizado com a finalidade de reparar Deste modo, em face da teoria da os danos causados e no intuito de tutelar a família responsabilidade civil, torna-se evidente o dever enquanto espaço de desenvolvimento da dignidade de reparar pelo abuso moral desempenhado pelo da pessoa humana.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 19 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

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20 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

A SÍNDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL ANTE O DIVÓRCIO DOS PAIS: UMA ANÁLISE SOB A ÓTICA DO DIREITO DE FAMÍLIA EM CONSONÂNCIA DA LEI 12.318/10

THE PARENTAL ALIENATION SYNDROME BEFORE PARENTS ‘DIVORCE: AN ANALYSIS FROM THE PERSPECTIVE OF FAMILY LAW IN ACCORDANCE WITH LAW 12.318 / 10

Ana Claudia Rossaneis Mestre em Direito da Personalidade pelo Centro Universitário de Maringá (UniCesumar). Graduada em Direito Pela Universidade Estadual de Maringá (UEM). Professora nos cursos de Graduação em Direito da UniCesumar e da UEM. Advogada.

Leara Mazur Caetano Pinto Acadêmica do curso de graduação em Direito da UniCesumar. Endereço Eletrônico: [email protected]

RESUMO life. The alienating parent usually uses the Judiciary to accelerate the rupture of the bond between the alienated O presente artigo trata da alienação parental e and the child. The law provides punishments for de uma de suas consequências que é a síndrome da anyone committing parental alienation ranging from Alienação Parental sendo, por sua vez, a instalação de psychological counseling and fines or even loss of custody tortura mental ou física, na qual existe a implantação of the child. de falsas memorias e da lavagem cerebral. Trata- se de óbvio desrespeito ao direito fundamental à KEYWORDS convivência familiar. O genitor alienador geralmente Parental Alienation Syndrome. Alienating Genitor. Law serve-se do Poder Judiciário para que se acelere 12.318/10. Judicial power. a ruptura do vínculo entre o alienado e o filho. A lei prevê punições para quem comete a alienação INTRODUÇÃO parental que vão desde acompanhamento psicológico e multas ou até mesmo a perda da guarda da criança. Perante o desenvolvimento social, é de suma importância que o Ordenamento Jurídico o PALAVRAS-CHAVE acompanhe de forma que possa solucionar conflitos Síndrome da Alienação Parental; Genitor alienador; Lei que a sociedade coloca em pauta. Desse modo, 12.318/10; Poder Judiciário. considera-se Alienação Parental todo e qualquer tipo de interferência na formação psicológica da ABSTRACT criança ou do adolescente, promovida por um de seus pais, avós ou outra pessoa que detenha a guarda The present article deals with the parental na tentativa de fazer com que o menor não mais alienation and syndrome, being, in turn, the installation estabeleça vínculos com um de seus genitores. of mental or physical torture, in which there is the Assim, essa síndrome se manifesta à medida implantation of false memories and brainwashing. It is em que o genitor alienador não mais permite ao filho an obvious disregard of the fundamental right to family comum viver com o outro genitor, seja por denigrir V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade a imagem ou insuflar na mente da criança que o alcançar sua independência financeira, e também em outro genitor é uma ameaça, dessa forma afligindo relação ao marido. o direito da criança a ter uma infância saudável, bem A chegada da Constituição Federal de 1988 como seu desenvolvimento psíquico e emocional. traz a igualdade entre homens e mulheres e por O presente artigo baseia-se em pesquisas conseguinte ambos passaram a exercer os direitos e de caráter bibliográfico, a qual abrange obras deveres inerentes à sociedade conjugal. doutrinarias e jurisprudenciais, materiais estes Diante disso, nascem diversas transformações disponíveis na internet ou impressos. inerentes à transformação do conceito de família, Inicialmente será explicado o desenvolvimento destarte, o art. 226 da Constituição Federal revela: das famílias e o papel da equipe interdisciplinar na Art. 226. A família, base da sociedade, tem apuração de exigências da Alienação Parental, o qua especial proteção do Estado. § 1º O casamento se apura por meio de laudo de psicólogos e assistentes é civil e gratuita a celebração. § 2º O casamento religioso tem efeito civil, nos termos da lei. sociais. § 3º Para efeito da proteção do Estado, é Logo mais, serão feitas considerações em reconhecida a união estável entre o homem e relação ao conceito, quando se desenvolve tal a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. § 4º prática abusiva, os sujeitos envolvidos no processo Entende-se, também, como entidade familiar de Alienação Parental, bem como as consequências a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. § 5º Os direitos e deveres devastadoras que podem advir com a evolução das referentes à sociedade conjugal são exercidos atitudes alienatórias. igualmente pelo homem e pela mulher. § 6º O casamento civil pode ser dissolvido pelo Por fim, será citado julgado atinente à divórcio. § 7º Fundado nos princípios da problemática, além disso, também as falsas alegações dignidade da pessoa humana e da paternidade no âmbito do poder judiciário, no qual infelizmente responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado ainda encontram-se frequentes, o que exige do propiciar recursos educacionais e científicos operador do direito certo nível de informação para para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições assim evitar uma visão estreita do litigio, e que acaba oficiais ou privadas. § 8º O Estado assegurará por favorecer pretensões no qual não exista o fummus a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para boni iuris, causando um dano grave ou de difícil coibir a violência no âmbito de suas relações reparação posteriormente para aqueles que forem (BRASIL, 1988). atingidos. O Código Civil de 2002 também dispõe que 1 A EVOLUÇÃO DA FAMÍLIA BRASILEIRA E SEUS o poder familiar deve ser exercido por ambos os pais, CONFLITOS situação está que não deve ser modificada em caso de separação do casal. Para se entender por completo a Síndrome A previsão legal do referido Código Civil se da Alienação parental perante a sociedade brasileira, encontra em seu art. 1.632, no qual dispõe: faz-se mister compreender a evolução da família sob Art. 1.632. A separação judicial, o divórcio e diversas perspectivas que dela se apresentam. a dissolução da união estável não alteram as A princípio, a família brasileira era de cunho relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em patriarcal, ou seja, quem era o chefe de família era o pai sua companhia os segundos (BRASIL, 2002) ou marido, sendo este considerado como provedor, devendo sustentar financeiramente a família. Tal Mesmo com os avanços da sociedade brasileira, fundamentado jurídico se encontra no Código na qual a família patriarcal é substituída pela família Civil de 1916, em seu artigo 233, caput. Assim, em que prevalece a igualdade de direitos e deveres dos as mulheres eram vistas como sendo submissas, no homens e mulheres, deve-se salientar que o modelo qual estas desenvolviam o papel de apenas cuidar de família patriarcal ainda está predominante na dos filhos e do lar, dessa forma, mostrando o caráter sociedade nos dias atuais. eminentemente machista daquela sociedade. Contudo, o pai, de forma igualitária, também Todavia, com a evolução do mundo e da se ocupa com a educação e formação dos filhos, tecnologia tudo busca se atualizar, e assim a sociedade bem como afazeres domésticos. A mulher agora se transforma, as mulheres passam a buscar espaço está dentro do mercado de trabalho ganhando sua mesmo em meio a tanta discriminação, buscando autonomia que sempre almejara.

22 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Segundo a psicanalista paulista Malvina E. A União Estável, de acordo com o Código Muszkat: Civil, se dá pelo objetivo de constituir família, devendo ser de forma continua e duradoura para Os homens deixaram de ter a posição de autoridade absoluta, de gerar e gerir a família, existir tal caracterização. de cuidar dos bens e do comportamento Tal conceito se encontra tipificado no art. familiar. Cabe então, uma indagação: qual o lugar masculino hoje? Os homens já não 1.723 do referido código, no qual dispõe: sabem com exatidão. Digo, de brincadeira, que mudaram as regras do jogo e eles não Art. 1.723. É reconhecida como entidade foram avisados. Outro dia, Gloria Kalil falava familiar a união estável entre o homem e a na televisão a respeito do livro de etiqueta que mulher, configurada na convivência pública, estava lançando, e o entrevistador perguntou- contínua e duradoura e estabelecida com o lhe se o homem deveria ou não abrir a porta objetivo de constituição de família (BRASIL, do carro para a mulher. O que antes era visto Código Civil. 2002). como gentileza agora pode ser considerado machista (VEJA – Editora ABRIL edição A família Homoparental, por sua vez, admite 2581 – ano 51 – n°19 – 9 de maio de 2018, p. 17). e garante a união de pessoas do mesmo sexo. Tal caracterização se deu com o Supremo Tribunal Federal Neste lapso, surgem diversos modelos de quando julgou procedente os pedidos da ADPF n° organização familiar, no qual podemos citar o 132 e da ADIN n° 4277, no qual tornou obrigatória Anaparental, o Monoparental, o Mosaico, a União a interpretação do art. 1.723 do Código Civil para a Estável e o Homoparental. família Homoparental, e assim reconheceu a União Sobre isso, se pronunciou André-Jean Arnaud Estável como sendo pública e duradoura entre (1999): pessoas do mesmo sexo como entidade familiar. Neste mesmo sentido, apontou o STF: Segundo numerosos sociólogos, a diversidade de formas de organização da vida privada para Não há como fazer rolar a cabeça do art. os adultos e os filhos – celibato, concubinato, 226 no patíbulo do seu parágrafo terceiro. casamento, família monoparental, família Dispositivo que, ao utilizar da terminologia recomposta – é o sinal da multiplicidade dos “entidade familiar”, não pretendeu diferenciá- modelos familiares. la da “família”. Inexistência de hierarquia ou diferença de qualidade jurídica entre as O modelo de organização familiar duas formas de constituição de um novo e autonomizado núcleo doméstico. Emprego do Anaparental é aquele em que a família é existente fraseado “entidade familiar” como sinônimo sem pai e sem mãe, sendo que os pais morreram e perfeito de família. A Constituição não os filhos têm por tutores os avós ou qualquer que interdita a formação de família por pessoas do mesmo sexo. Consagração do juízo de que tenham sua guarda. não se proíbe nada a ninguém senão em face A família Monoparental ocorre quando apenas de um direito ou de proteção de um legítimo interesse de outrem, ou de toda a sociedade, o um dos genitores de uma criança ou adolescente arca que não se dá na hipótese sub judice (BRASIL, com as responsabilidades de criar o filho ou os filhos. ADPF 133, 2012). Exemplo típico seria a adoção de filho por somente uma pessoa. Estes novos arranjos são as denominadas A família Mosaico veio a se caracterizar em famílias sócio-afetivas, os quais se fundam em afeto, nosso Ordenamento Jurídico com a atualização do dedicação, amor e ajuda mútua, transformando tais Estatuto da Criança e do Adolescente incluído pela convivências em verdadeiras entidades familiares. Lei nº 12.010, de 2009, no que tange a apresentação Na mesma concepção, preceitua Maria do conceito de família ampliada ou extensa, estando Berenice Dias: tal conceito encontrado no art. 25 em seu § único, Casamento, sexo e procriação deixam de ser no qual discorre: elementos identificadores da família. Na união estável não há casamento, mas há família. O Art. 25. Entende-se por família natural a exercício da sexualidade não está restrito ao comunidade formada pelos pais ou qualquer casamento – nem mesmo para as mulheres deles e seus descendentes. Parágrafo único. -, pois caiu o tabu da virgindade. Diante Entende-se por família extensa ou ampliada da evolução da engenharia genética e dos aquela que se estende para além da unidade modernos métodos de reprodução assistida, pais e filhos ou da unidade do casal, formada é dispensável a pratica sexual para qualquer por parentes próximos com os quais a criança pessoa realizar o sonho de ter um filho. Todas ou adolescente convive e mantém vínculos de estas mudanças impõem uma nova visão afinidade e afetividade. dos vínculos familiares, emprestando mais significado ao comprometimento de seus

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 23 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

partícipes do que a forma de constituição, à Isto é, tendo em vista a não aceitação da identidade sexual ou a capacidade procriativa de seus integrantes (XAXÁ, 2008. p. 15). separação por uma das partes, faz surgir no alienador sentimento de vingança, rancor e ódio, assim esta Nesse ínterim, percebe-se que atualmente parte começa a suscitar na memória dos filhos o conceito de família está intimamente ligado concepções falsas sobre a outra parte, fazendo com ao laço de afetividade e não a laços puramente que haja o rompimento dos laços afetivos entre a biológicos, sendo extremamente necessário que criança e o genitor. o Poder Judiciário se mostre com o intuito de Na maioria das vezes a guarda dos filhos é proceder de forma eficaz com seu compromisso de dada a mãe, sendo um dos motivos pelos quais a fazer justiça. mesma está mais propensa a desenvolver esse tipo Diante do que se encontra supracitado, de comportamento em relação aos filhos e aos ex- apresentam-se diversas transformações cônjuges (XAXÁ, 2008. p. 19). experimentadas pela família, envolvendo a Nesse sentido, discorre Maria Berenice Dias: constituição e dissolução da vida conjugal, a No entanto, muitas vezes a ruptura da vida igualdade e o reconhecimento da família formada conjugal gera na mãe sentimento de abandono, por pessoas do mesmo sexo, e o reconhecimento da de rejeição, de traição, surgindo uma tendência vingativa muito grande. Quando não consegue união estável. elaborar adequadamente o luto da separação, É também através dessas modificações que desencadeia um processo de destruição, de desmoralização, de descrédito do ex-cônjuge. se tem uma maior preocupação com crianças e Ao ver o interesse do pai em preservar a adolescentes, momento em que estes vivenciam o convivência com o filho, quer vingar-se, divórcio dos pais, principalmente no que tange à afastando este do genitor. Para isso cria uma série de situações visando dificultar ao máximo Síndrome da Alienação Parental, no qual os mesmos ou impedir a visitação. Leva o filho a rejeitar o se apresentam totalmente vulneráveis e propensos pai, a odiá-lo [...] (DIAS, 2009, p. 46). a serem vítimas de tal atitude causada por um dos Diante disso, percebe-se que a Alienação pais, avós ou parentes próximos, tema este que Parental ataca diretamente a dignidade da criança, não é novidade na esfera brasileira, porém pouco sendo que esta tem o direito à convivência conhecido e que será delineado a seguir. familiar e comunitária, livre de qualquer forma de 2 SINDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL discriminação, violência, ou negligência, assegurando o artigo 227, caput. Da Constituição Federal:

2.1 CONCEITO É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar a criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à O primeiro a utilizar tal expressão foi um saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à médico psiquiatra norte- americano chamado profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e a convivência familiar Richard A. Gardner, no final da década de 1980, que e comunitária, além de colocá- los a salvo de se desencadeia com a separação ou divórcio do casal, toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão afetando sobremaneira as crianças e adolescentes (BRASIL, 1988). de uma forma tão drástica em que diante de tais acontecimentos, estas sentem-se literalmente Dessa forma, ocorrendo a separação de fato do culpadas pelo fato ocorrido. casal, não devem-se desfazer os vínculos de parentesco, Gardner discorre em relação ao conceito da estes devendo permanecer até o fim da vida, e também Síndrome da Alienação Parental: não deve à criança e ao adolescente serem tratados como objeto de disputa pelos genitores, uma vez que A Síndrome da Alienação Parental (SAP) é um distúrbio que surge inicialmente no estes tem o dever de compartilhar a tarefa de criar e contexto das disputas em torno da custódia educar os filhos num ambiente saudável em prol do infantil. Sua primeira manifestação verifica- se numa campanha que não tem justificação. pleno desenvolvimento dos mesmos. Esta síndrome resulta da combinação de um Segundo Douglas Phillips Freitas, são duas programa de doutrinação dos pais (lavagem cerebral) juntamente com a contribuição da as formas de alienação parental no âmbito de abuso própria criança para envilecer a figura parental psicológico: a consciente e a inconsciente. que está na mira desse processo (XAXÁ, 2008. A consciente ocorre quando o alienador p. 18). induz intencionalmente a criança contra seu genitor,

24 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade podendo ser perversamente, insinuando coisas Já no estágio grave, a criança apresenta-se explicitamente (FREITAS, 2015. p. 165). bastante conturbada, a ponto de ajudar o genitor A Inconsciente acontece através de símbolos alienante de forma inconsciente a denegrir a e vias reflexas, que aparecem na forma de um imagem do genitor alienado (FREITAS, 2015. p. representante (FREITAS, 2015, p. 165). Um 191). exemplo de um caso hipotético seria quando As consequências da síndrome da alienação uma criança passa a ter sonhos com um cavalo a parental são manifestadas de forma grave na vida mordendo, isto porque a mesma ouviu a mãe dizer da criança, provocando anormalidades em sua em sua frente repetidamente que o pai é um grosso, psique, apresentando diversos tipos de sintomas, um cavalo. como a depressão, nervosismo, ansiedade, medo, Desta forma a criança sente a angustia da mãe isolamento, culpa, e frustação, ou seja, acontece inconscientemente e por isso os reflete em sonhos, uma enorme desorganização mental, podendo está no qual toda vez que o alienado busca a mesma para até mesmo chegar a ter pensamentos suicidas. passear, esta bate à porta na cara do alienado, se Gardner (1998) lista oito sintomas principais encontrando sem entender ao certo o porquê de tal que são definidos e classificados em graduação atitude (FREITAS, 2015, p. 166). nos níveis leve, moderado e severo: manifestações sintomáticas primárias, campanha de desmoralização, 2.2 CAUSAS, EFEITOS E CONSEQUÊNCIA justificativas fúteis, fracas ou absurdas para a depreciação, ausência de ambivalência, fenômeno A primeira modificação de ocorrência da de independência, apoio deliberado ao alienador no prática da Síndrome da Alienação Parental, na conflito parental, ausência de culpa, generalização à maioria das vezes, se dá pelo fato de um dos cônjuges família do alienado. não se conformar com a separação, recusando-se em Todavia, é somente na fase adulta que a aceitar a perda do matrimônio (FREITAS, 2015. p. síndrome gera efeitos irreversíveis, pois este, agora 166). adulto, se vê com um complexo de culpa por ter a A segunda diz respeito em relação um dos consciência de que foi um dia cumplice do genitor cônjuges ter total exclusividade da posse dos filhos, alienante e que agiu de forma injusta com o genitor situação na qual este se vê como sendo o proprietário alienado, mesmo que de forma inconsciente. da criança, não partilhando a convivência desta com o ex-cônjuge, querendo o alienador o amor da 2.3 IDENTIFICAÇÃO criança só para si (FREITAS, 2015. p. 167). Também é visto como uma causa da alienação Richard A. Gardner julga serem quatro os parental a depressão do alienante, no qual surge critérios de identificação que podem ser levados em por fatos que tenham lhe traumatizado, como por consideração no processo de alienação parental. exemplo uma traição (FREITAS, 2015. p. 189). O primeiro deles ocorre quando o alienador Outra causa que surge como fator responsável busca evitar o contato da criança com o não guardião, pela alienação é o fator econômico, quando o interferindo nas visitas, ligações, ou até mesmo alienante busca obter vantagens financeiras à custa quando não comunica decisões importantes da vida da criança, fazendo dela mero objeto para conseguir dos filhos (XAXÁ, 2008. p. 24). o que quer (FREITAS, 2015. p. 189). O segundo critério é, e sem dúvidas o mais São diversos os efeitos que a síndrome pode grave, quando o alienador faz falsas denúncias de causar, dependendo muito do grau da alienação. abuso, situação diante da qual a criança passa a ter Primeiramente se tem um estágio leve, no qual medo de encontrar-se com o genitor, principalmente a alienação é tratada como sendo superficial, onde quando a denúncia é de abuso sexual, no qual a existe um desconforto da criança nos momentos em criança passa a denegrir a imagem do genitor (XAXÁ, que os pais se encontram, sendo que ela é o alvo da 2008. p. 24). disputa (FREITAS, 2015. p. 190). O terceiro critério é aquele que diz respeito Posteriormente existe também um estágio da separação de fato do casal, no qual o alienador moderado, no qual a criança está conflituosa e projeta nos filhos todas as frustações que teve com tende a se mostrar insensível com o genitor alienado o fim do relacionamento, persuadindo a criança de (FREITAS, 2015. p. 190). que o genitor a abandonou e não gosta da mesma,

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 25 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade sugerindo também que este genitor é perigoso e que ou adolescente, inclusive escolares, médicas e alterações de endereço; VI - apresentar falsa pode causar-lhe mal (XAXÁ, 2008. p. 24). denúncia contra genitor, contra familiares O quarto e último critério para identificação deste ou contra avós, para obstar ou dificultar do processo de alienação parental ocorre quando a a convivência deles com a criança ou adolescente; VII - mudar o domicílio para local criança passa a ter medo do guardião, achando que distante, sem justificativa, visando a dificultar este se voltara contra ela se ela assim não fizer o que a convivência da criança ou adolescente com o outro genitor, com familiares deste ou com ele diz, e desta forma a criança passa a se apegar ao avós (BRASIL, Lei 12.318, de 26 de agosto guardião em detrimento do não guardião, no qual de 2010. Dispõe sobre a Alienação Parental e altera o artigo 236 da Lei 8.069, de 13 de o alienado passa a ficar cada vez mais afastado do julho de 1990). convívio com a criança. Por esse motivo o filho sente necessidade de proteger o genitor alienador, por Depois de realizadas todas as provas e se achar justamente que ele é a parte mais “fraca” da verificar a ocorrência da alienação parental, deve relação (XAXÁ, 2008. p. 25). o juiz aplicar as regras contidas no artigo 6° da supracitada lei, lembrando que tais providências 2.4 A LEI 12.318/10 devem ser tomadas dependendo do grau em que se encontra a Alienação Parental. A Alienação encontra-se regulamentada O art. 6° da referida Lei traz um rol taxativo na Lei n° 12.318/10, bem como no Estatuto da da tipicidade da Alienação Parental, bem como as Criança e do Adolescente (ECA), no Código Civil sanções penais as quais o juiz deve aplicar segundo a e na Constituição Federal, no qual se encontram as gravidade de cada caso concreto. referidas sanções para a matéria em questão, visando Dessa forma, o art. 6° da Lei 12.318/10 proteger a criança e o adolescente, assim como seus evidencia: direitos fundamentais em relação ao convívio com a Caracterizados atos típicos de alienação família. parental ou qualquer conduta que dificulte A Lei n° 12.318/10 se encontra bem clara a convivência de criança ou adolescente com e evidente no que tange a preocupação do Poder genitor, em ação autônoma ou incidental, o juiz poderá, cumulativamente ou não, sem Legislativo para controlar tais práticas repudiáveis prejuízo da decorrente responsabilidade daqueles em que deveriam proteger as crianças. civil ou criminal e da ampla utilização de instrumentos processuais aptos a inibir ou Conforme o artigo 2°, caput da referida lei, atenuar seus efeitos, segundo a gravidade do alienação parental é: caso: I - declarar a ocorrência de alienação parental e advertir o alienador; II - ampliar Art. 2o Considera-se ato de alienação parental o regime de convivência familiar em favor a interferência na formação psicológica da do genitor alienado; III - estipular multa ao criança ou do adolescente promovida ou alienador; IV - determinar acompanhamento induzida por um dos genitores, pelos avós ou psicológico e/ou biopsicossocial; V - pelos que tenham a criança ou adolescente sob determinar a alteração da guarda para a sua autoridade, guarda ou vigilância para guarda compartilhada ou sua inversão; VI - que repudie genitor ou que cause prejuízo ao determinar a fixação cautelar do domicílio estabelecimento ou à manutenção de vínculos da criança ou adolescente; VII - declarar a com este. suspensão da autoridade parental. Parágrafo único. Caracterizado mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à Ou seja, nada mais é do que a influência que convivência familiar, o juiz também poderá tem um dos genitores sobre o filho, vindo desta inverter a obrigação de levar para ou retirar a criança ou adolescente da residência do forma a denegrir a imagem do outro genitor. genitor, por ocasião das alternâncias dos A lei mostra-se de forma exemplificada quanto períodos de convivência familiar. às formas da alienação parental nos incisos do artigo 2°, sendo elas: Para Pinho (2009), a Síndrome da Alienação Parental serve: I - realizar campanha de desqualificação da conduta do genitor no exercício da Para descrever, a situação em que, separados, paternidade ou maternidade; II - dificultar ou em processo de separação, em casos o exercício da autoridade parental; III - menores, por desavenças temporárias, a mãe dificultar contato de criança ou adolescente manipula e condiciona o menor, para vir a com genitor; IV - dificultar o exercício romper os laços afetivos com o outro genitor, do direito regulamentado de convivência criando sentimento de ansiedade e temor em familiar; V - omitir deliberadamente a genitor relação ao ex companheiro. informações pessoais relevantes sobre a criança

26 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Diante ao exposto, a denominada Síndrome do regime de convivência em favor do alienado, da Alienação Parental (SAP) é uma prática utilizada estipulação de multa ao alienador, determinação de de forma recorrente e irresponsável que põe em acompanhamentos psicológicos, alteração da guarda risco a saúde emocional e compromete o sadio e suspensão da autoridade parental. desenvolvimento de uma criança ou adolescente. Consequentemente, a jurisprudência se Assim, vê-se a tamanha urgência em resguardar encontra evidente acerca de tal síndrome: os direitos fundamentais da criança e do adolescente, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº bem como manter a sua dignidade humana, sendo 0045296-97.2018.8.16.0000 DA 6ª VARA este um princípio basilar de nossa Carta Magna de DE FAMÍLIA E SUCESSÕES DO FORO CENTRAL DA COMARCA DA REGIÃO 1988. METROPOLITANA DE CURITIBA. AGRAVANTE: ADRIANE V. AGRAVADO: 2.5 SINDROME DA ALIENAÇÃO PARENTAL VS PODER LEANDRO de L. R. RELATOR: Desembargador ROBERTO JUDICIARIO MASSARO. Vistos. I. Trata-se de Agravo de Instrumento interposto por contra os termos da decisão (mov. 7.1) proferida nos autos de Nesse jogo de manipulações, todas as armas são Ação de Guarda, Regulamentação de Convívio utilizadas, no qual o filho é convencido da existência Familiar e Alimentos nº 0014124-Agravo de Instrumento nº 0045296-97.2018.8.16.0000 de determinados fatos e levado a repetir o que lhe é fl. 2 58.2018.8.16.0188, que deferiu afirmado como tendo realmente acontecido. parcialmente a tutela de urgência, “de modo Dificilmente a criança ou adolescente a assegurar a Adriane Viturino visitas regulares aos filhos João Vitor Viturino Ribeiro e consegue discernir que está sendo manipulada e Alexandre Viturino Ribeiro, as quais ocorrerão acaba acreditando naquilo que lhe foi dito de forma em finais de semana alternados, com início no sábado às 09 (nove) horas e término no insistente e repetidamente, tornando a passar como domingo às 17 (dezessete) horas, cuja retirada/ sendo verdade absoluta em sua mente de forma devolução das crianças deverá ser intermediada pela irmã do requerido (Lurdes Aparecida inconsciente. Lara Ribeiro)”, postergando a análise da Com o passar do tempo nem mesmo o guarda “pois, sem identificar de plano que alienador sabe distinguir entre a verdade e a mentira. a requerente possa acolher ambos os filhos, tampouco que houve retenção indevida deles Sua verdade passa a ser verdade para o filho, que pelo genitor, deve-se premiar o contraditório e vive com falsos personagens de uma falsa existência, também instrução mais detida para enfrentar a controvérsia”. A Recorrente, aduz, em síntese, implantando-se assim, falsas memórias. que: a) o Agravado está obstaculizando a Quando for identificado que existe processo efetivação do direito de convivência materno- filial, por meio de ameaças e agressões, em de alienação parental, cabe ao Poder Judiciário prejuízo ao desenvolvimento dos infantes; b) impedir que tal síndrome se instale definitivamente, por meio do relatório acostado no mov. 30, visando garantir o melhor interesse da criança e, com constata-se que o infante Alexandre afirma que a mãe “não se preocupa com ele”, “não gostaria total relevância, a sua dignidade. de ficar perto dele”, mas ao se encontrarem, diz Tendo-se identificado a síndrome, o poder ser a “melhor mãe do mundo”; c) o Agravado é contraditório quanto à afirmação de que judiciário conta com diversos profissionais de áreas a genitora é desinteressada em visitar os especificas, tais como: assistentes sociais, psiquiatras menores; d) não há interesse na manutenção da convivência da genitora com os menores, e psicólogos, estes podendo dar um laudo pericial pois está sendo impedida de ter contato com baseado em avaliações psicológicas, entrevistas com eles; d) a desqualificação da genitora pelo as partes bem como com a criança. Agravado pode configurar alienação parental; e) a fim de resguardar o melhor interesse das A equipe interdisciplinar tem o prazo de 90 crianças, pugna pela fixação do lar materno dias para apresentar um laudo em relação à ocorrência como referência. Requer, por consequência: f.1) a concessão da antecipação da tutela de alienação parental. Constatada a pratica, o recursal, para o fim de fixar o lar de referência processo passa a ter tramitação prioritária e o juiz materno para Agravo de Instrumento nº 0045296- 97.2018.8.16.0000 fl. 3 os infantes; determinara com urgência as medidas provisórias, f.2) a concessão do benefício da gratuidade visando à preservação da integridade psicológica da da justiça; f.3) por fim, e em definitivo, a criança, inclusive para assegurar a sua convivência confirmação da tutela pleiteada. É o relatório. II – Em razão do deferimento da gratuidade com o genitor e efetivar a reaproximação de ambos. da Justiça à Autora/Agravante por meio As medidas que podem ser tomadas, da decisão de mov. 7.1, este benefício se estende à instância recursal, restando, por de acordo com a lei, vão desde uma simples consequência, prejudicado a sua análise. III – advertência ao genitor até mesmo a ampliação O presente recurso é passível de ser decidido

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 27 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

monocraticamente, nos termos do artigo 932, - 0005240-85.2019.8.16.0000 - Londrina - inciso III, do Código de Processo Civil de Rel.: Desembargador Mario Nini Azzolini - J. 2015, por ser inadmissível. Compulsando os 19.06.2019). autos, observa-se que o presente recurso não é passível de ser conhecido, já que a decisão recorrida não enfrentou a questão relativa CONCLUSÃO à guarda provisória e/ou o lar referência aos menores, postergando sua análise “pois, sem identificar de plano que a requerente possa O presente estudo revela a grande preocupação acolher ambos os filhos, tampouco que houve atual no Poder Legislativo bem como Judiciário no retenção indevida deles pelo genitor, deve-se premiar o contraditório e também instrução que concerne a Síndrome da Alienação Parental, mais detida para enfrentar a controvérsia”. este sendo o fruto de desiquilíbrio mental, que Agravo de Instrumento nº 0045296- se manifesta inicialmente no alienador, no qual 97.2018.8.16.0000 fl. 4 Na verdade, a decisão recorrida limitou-se a regulamentar o direito o mesmo impregna falsas memórias na criança ou de visitas da Agravante e, mesmo após ser adolescente, transformando estas às demais vítimas acostado relatório psicossocial (mov. 30.1), por determinação judicial, os autos sequer da alienação, e por fim, sofrendo lavagem cerebral foram conclusos ao magistrado singular. ou falsas memórias, tornando-as doentes a ponto de Assim, considerando que a matéria não restou enfrentada pelo juiz a quo, não pode assumirem o ódio. ser analisada neste momento processual, Essas crianças ou adolescentes que são sob pena de supressão de instância. A submetidos a abuso emocional não escaparão propósito: DECISÃO MONOCRÁTICA. AGRAVO DE INSTRUMENTO. durante a vida às sequelas ou a instalação de moléstias AÇÃO DE RECONHECIMENTO E crônicas. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL C/C GUARDA, REGULAMENTAÇÃO Nesse mesmo sentido, vê-se necessário que o DE VISITA, ALIMENTOS E PEDIDO ordenamento jurídico guarde correspondência com a DE TUTELA PROVISÓRIA DE URGÊNCIA. DECISÃO RECORRIDA realidade social, buscando adequar-se as necessidades QUE FIXOU A L I M E N T O S que a sociedade impõe, e assim, detenham ou ao PROVISÓRIOS.ARGUMENTAÇÃO menos minimizem as práticas de Alienação Parental, E DOCUMENTOS TRAZIDOS PELO RÉU EM RECURSO SOBRE OS QUAIS assim evitando sua continuação e propagação. NÃO HOUVE A MANIFESTAÇÃO DO Por fim, há de se incumbir de que se difundam JUÍZO SINGULAR. IMPOSSIBILIDADE DE CONHECIMENTO, SOB PENA maiores divulgações e informações, para que assim DE SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA E as pessoas possam reconhecer os casos de Alienação VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL. INCIDÊNCIA DO ART. Parental, casos estes que podem até mesmo estar 932, III, DO CPC. RECURSO NÃO acontecendo do seu lado. CONHECIDO. (TJPR – Agravo de Agravo de A ameaça ou concretização de multas e penas, Instrumento nº 0045296-97.2018.8.16.0000 fl. 5 Instrumento 1735360-5 – 11ª Câmara inclusive a de prisão, além da redução da pensão Cível – Relator Rodrigo Fernandes Lima alimentícia e da inversão da guarda, fornecem a Dalledone – publicado em 02/10/2017). criança e ao adolescente uma oportunidade de

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO se desvencilharem da dominação do alienador, REVISIONAL DE GUARDA. DECISÃO podendo demonstrar o sentimento real em relação QUE DETERMINOU A COMPROVAÇÃO DO DOMICÍLIO DO INFANTE, TENDO ao alienado, sem temer que sejam abandonados por EM VISTA A SUA FIXAÇÃO CAUTELAR todos, inclusive por este. JUNTO À COMARCA DE LONDRINA ATÉ O TRÂNSITO EM JULGADO DA SENTENÇA. IRRESIGNAÇÃO REFERÊNCIAS DA GENITORA. PRETENSÃO DE SE MUDAR PARA CAMPO GRANDE COM O FILHO – ACOLHIMENTO – AUSÊNCIA BRASIL. Constituição (1998). Constituição da DE PROVAS QUANTO À PRÁTICA DE Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado ATOS DE ALIENAÇÃO PARENTAL – Federal: Centro Gráfico, 1988 ATUAL ESPOSO DA GENITORA QUE TRABALHA NA CIDADE – INTENÇÃO BRASIL. Código Civil. 2002. Editora Saraiva, Número DE ALTERAR O DOMICÍLIO QUE da edição: 20, Ano da edição 2018 JÁ HAVIA SIDO MANIFESTADA ANTERIORMENTE – REGIME DE ECA - Lei nº 8.069 de 13 de Julho de 1990. Editora CONVIVÊNCIA DO GENITOR COM Saraiva, Número da edição: 20, Ano da edição 2018 O FILHO QUE DEVE OBSERVAR O REGRAMENTO PREVISTO EM BRASIL, Lei 12.318, de 26 de agosto de 2010. Editora SENTENÇA. DECISÃO REFORMADA. Saraiva, Número da edição: 20, Ano da edição 2018 RECURSO PROVIDO. (TJPR - 11ª C.Cível

28 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. Editora Revista dos Tribunais, 2011 XAXÁ, Igor Nazarovicz. A Síndrome da Alienação Parental e o Poder Judiciário. Monografia.São Paulo, 2008 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 1 3 2 / RJ, Rel. Ministro Ayres Britto, julgado em 05/05/2011.Disponívelem:http://redir.stf.jus. br/ paginadorpub/ paginador.jsp? doc TP= AC&doc ID=375324. Acessado em: 19/08/2019 Revista VEJA, Editora Abril, edição 2581, ano 51, nº 19, 9 de maio de 2018, p. 81-87 Freitas, Douglas Phillips. Alienação Parental: Comentários à Lei 12.318/10. Rio de Janeiro, RJ: Forense, 2015 ARNAUD, André-Jean. Et. Al. (direção). Dicionário Enciclopédico de Teoria e de Sociologia do Direito. Tradução de Patrice Charles, Ef. X. Willlaume. Rio de Janeiro: Renovar, 1999. GARDNER, R.; SAUBER, S. R.; LORANDOS, D. The international Handbook of Parental Alienation Syndrome. Springfield, Illinois, U.S.A. Charles C. Thomas Publisher, ltd., 2006. Pinho, M. A. G. (2009). Alienação parental: histórico, estatísticas, projeto de lei 4053/08 & jurisprudência completa. Disponível em: www.conteudojuridico.com. br Acessado em: 19/08/2019

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 29 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

ABANDONO AFETIVO. AFINAL, O QUE SE PRETENDE INDENIZAR?

AFFECTIVE ABANDONMENT. AFTER ALL, WHAT IS IT INTENDED TO INDEMNIFY?

Ana Claudia Rossaneis Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá – Unicesumar; Graduada em Direito pela Universidade Estadual de Maringá – UEM; Professora do Curso de Direito no Centro Universitário de Maringá – Unicesumar; Professora Colaboradora do Curso de Direito da Universidade Estadual de Maringá – UEM, Professora da Pós Graduação Latu Sensu em Direito da Universidade Paranaense – UNIPAR. Advogada. E-mail: [email protected] Amanda Luisa Carniel

Acadêmica do 5º ano da Graduação em Direito do Centro Universitário de Maringá – Unicesumar. E-mail: amanda.carniel07@ gmail.com

RESUMO KEYWORDS Family Law. Responsible Parenting. Civil Responsability. O afeto é ponto sensível para se discutir, inclusive quando se trata de direito de família. INTRODUÇÃO Desta forma, traça-se considerações quanto a responsabilidade civil, o poder familiar e o papel O afeto é ponto sensível para se discutir, da família exercido na sociedade, analisando o afeto inclusive quando se trata de direito de família. Afinal, nas doutrinas e jurisprudências. Procura-se ainda o que é afeto? O que é cuidado? O que é amor? É diferenciar os conceitos tão comumente confundidos cediço que o amor não se exige, não se compra e não de amor, afeto e cuidado, além de demonstrar o que se paga. Então, o que se pretende indenizar diante da o Poder Judiciário compreende como abandono ausência do mesmo? afetivo passível de indenização. Neste artigo se trabalhará os conceitos de Responsabilidade Civil, Paternidade PALAVRAS-CHAVE Responsável, além de trazer posições doutrinárias Direito de Família. Paternidade Responsável. Responsabilidade e jurisprudenciais para que se consiga entender o Civil. que o Direito de Família considera afeto e o que os Doutos Magistrados entendem por abandono ABSTRACT afetivo indenizável, uma vez que o mero dissabor do cotidiano e a não incidência de indenização já é Affection is a sensitive point to discuss, even when matéria esgotada nos Tribunais. it comes to family law. Thus, it outlines considerations Para tanto, será utilizado além dos códigos regarding civil responsability, family power and the role tradicionais (CF, CC e ECA) e doutrinadores, tais played in society, analyzing the affect in doctrines and como Carlos Roberto Gonçalves, Flávio Tartuce, jurisprudence. It also seeks to differentiate the concepts Silvio de Salvo Venosa, entre outros, os diversos so commonly confused of love, affection and care, and julgados que são encontrados nos sites dos respeitados demonstrate what the Magistrates undestand as affective Tribunais de Justiça do nosso País. abandonment that can be compensated. VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

2 RESPONSABILIDADE CIVIL. Ação ou omissão – Inicialmente, refere- se a lei a qualquer pessoa que, por ação ou omissão, venha a causar dano a outrem. A Para compreender a necessidade de indenizar o responsabilidade pode derivar de ato próprio, de ato de terceiro que esteja sob sob a guarda Abandono Afetivo é preciso primeiramente entender do agente, e ainda de danos causados por o que é a Responsabilidade Civil e por que ela é tão coisas e animais que lhe pertençam. importante para o tema. [...] Culpa ou dolo do agente – Todos concordam em que o art. 186 do Código Civil cogita 2.1 CONCEITO o dolo logo no início “ação ou omissão voluntária”, passando, em seguida, a referir-se à culpa: “negligência ou imprudência”. A Responsabilidade Civil é nada mais, nada O dolo consiste na vontade de cometer a menos que um instituto, uma parte, do direito violação de direito, e a culpa, na falta de diligência. Dolo, portanto, é a violação de obrigacional. Trata-se da obrigação de reparar um liberdade, consciente, intencional do dever dano que, por lei, o agente é responsável. jurídico. [...] Para Sílvio de Salvo Venosa, o termo A culpa pode ser, ainda, in eligendo: decorre da responsabilidade é utilizado em qualquer situação na má escolha do representante, do preposto; in vigilando: decorre da ausência de fiscalização; qual alguma pessoa, natural ou jurídica, deva arcar com in comittendo: decorre de uma ação, de um as consequências de um ato, fato ou negócio danoso. ato positivo; in omittendo: decorre de uma omissão, quando havia o dever de não se Sob essa noção, toda atividade humana, portanto, pode abster; in custodiendo: decorre da falta de acarretar o dever de indenizar. (2017, pg. 433). cuidados na guarda de algum animal ou de Para Carlos Roberto Gonçalves: algum objeto. Relação de causalidade – É a relação de causa e efeito entre a ação ou omissão do agente e o Integra o direito obrigacional, pois a principal dano verificado. Sem ela, não existe a obrigação consequência da prática de um ato ilícito de indenizar. Se houve o dano, mas sua causa é a obrigação que acarreta, para seu autor, não está relacionada com o comportamento de reparar o dano. [...] o vínculo jurídico do agente, inexiste a relação de causalidade e que confere ao credor o direito de exigir também a obrigação de indenizar. [...]Dano do devedor o cumprimento da prestação. – Sem a prova do dano, ninguém pode ser (GONÇALVES, 2002. Pág. 1) responsabilizado civilmente. O dano pode ser material ou simplesmente moral, ou seja, sem Desta forma, fica estipulado pela repercussão na órbita financeira do ofendido. Responsabilidade Civil o dever de indenizar, (GONÇALVES, 2018, p. 53-54) decorrente da prática de ato ilícito. Assim, faz-se necessária a análise de cada requisito, de modo individual, para melhor 2.2 REQUISITOS entendimento. O que se faz a seguir. Vencido o conceito, vem a análise dos 2.2.1 ATO ILÍCITO. requisitos da Responsabilidade Civil. Desta forma, imperioso observar o disposto O conceito de ato ilícito é tratado por Silvio no artigo 186, do Código Civil de 2002: de Salvo Venosa como “[...] um conceito aberto no Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão campo civil, exposto ao exame do caso concreto e voluntária, negligência ou imprudência, violar às noções referidas de dano, imputabilidade, culpa direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito. e nexo causal, as quais, também, e com maior razão, fazem parte do delito ou ilícito penal.” (2017, Pg. Neste mesmo dispositivo, vale ressaltar o 459). disposto no artigo 927, caput, ou seja: Venosa traz à baila, ainda sobre o ato ilícito, que: Art. 927. Aquele que, por ato ilícito, causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. O ato de vontade, contudo, no campo da responsabilidade deve revestir-se de A saber, são 4 (quatro) os requisitos. Quais ilicitude. Melhor diremos que na ilicitude há, sejam: Ato ilícito, Nexo Causal, Dano e Culpa. geralmente, uma cadeia ou sucessão de atos ilícitos, uma conduta culposa. Raramente, Carlos Roberto Gonçalves trata dos requisitos a ilicitude ocorrerá com um único ato. O essenciais para a responsabilidade civil em sua obra. ato ilícito traduz-se em um comportamento voluntário que transgride um dever. Desta forma: (VENOSA, 2017, p. 464).

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 31 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Ainda, Flávio Tartuce trata em sua obra bastando que qualquer um destes atos cause violação da conduta humana como aquela que “pode ser ao direito de outrem. causada por uma ação (conduta positiva) ou omissão (conduta negativa) voluntária ou por negligência, 2.2.2 NEXO CAUSAL imprudência ou imperícia, modelos jurídicos que caracterizam o dolo e a culpa, respectivamente”. Para o requisito do nexo causal, tem-se a (2016, pg. 361). necessidade de que a ação ou omissão do agente Para tanto, deve-se conceituar ação, omissão, cause dano verificado a outrem. Sem a causalidade negligência, imprudência e imperícia. entre as partes, não existe a obrigação de indenizar. Para Carlos Roberto Gonçalves “A Para tal verificação, a doutrina majoritária responsabilidade pode derivar de ato próprio, ato de adotou a teoria do dano direto e imediato, expresso terceiro que esteja sob a guarda do agente e ainda no artigo 403. Desta forma: de danos causados por coisas e animais que lhe Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de pertençam” (2002, pg. 15). Configurando, desta dolo do devedor, as perdas e danos só incluem forma, a ação. os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do Já a omissão se encontra na existência de dever disposto na lei processual. jurídico de praticar determinado fato e que, com sua prática, o dano poderia ter sido evitado. Este, é Gonçalves discorre acerca do tema: configurado também na esfera penal, no artigo 135. Requer ela haja, entre a conduta e o dano, Tartuce alega que, além do dever jurídico, deve haver relação de causa e efeito direta e imediata. É a prova de que a conduta não foi praticada. (2016, pg. indenizável todo dano que se filia a uma causa, desde que ela lhe seja causa necessária, por não 361). existir outra que explique o mesmo dano. [...] Carlos Roberto Gonçalves discorre que: Segundo tal teoria, cada agente responde, assim, somente pelos danos que resultam Para que se configure a responsabilidade direta e indiretamente, isto é, proximamente, por omissão é necessário que exista o dever de sua conduta. (GONÇALVES, 2002. Pág. jurídico de praticar determinado fato (de não 70-71) se omitir) e que se demonstre que, com a sua prática, o dano poderia ter sido evitado. O dever jurídico de agir (de não se omitir) pode Para Venosa deriva das leis naturais, sendo ser imposto por lei ou resultar de convenção e elemento indispensável. Assim: até da criação de alguma situação especial de perigo. (GONÇALVES, 2018. Pág. 59) O conceito de nexo causal, nexo etiológico ou relação de causalidade deriva das leis naturais. Em se tratando de imprudência, pressupõe- É o liame que une a conduta do agente ao dano. É por meio do exame da relação se uma ação de forma precipitada e sem a devida causal que se conclui quem foi o causador cautela e zelo que se esperava. do dano. Trata-se de elemento indispensável. A responsabilidade objetiva dispensa a culpa, Para a negligência, entende-se em o agente mas nunca dispensará o nexo causal. Se a deixar de fazer algo que sabidamente deveria ter vítima, que experimentou um dano, não feito, agindo com descuido ou indiferença. identificar o nexo causal que leva o ato danoso ao responsável, não há como ser ressarcida. Quanto a imperícia, trata-se da falta de (VENOSA, 2017. Pág. 500) qualificação ou treinamento de um profissional para desempenhar determinada função. Portanto, para que se verifique o Nexo Causal Para Carlos Roberto Gonçalves: deve haver a relação de causa e efeito entre a conduta Imprudência é a precipitação ou o ato do agente e o dano causado. de proceder sem cautela. Negligência é a inobservância de normas que nos ordenam 2.2.3 DANO agir com atenção, capacidade, solicitude e discernimento. E imperícia é fala de habilidade ou inaptidão para praticar certo Dano, em sentido amplo, é a lesão de qualquer ato. Não há responsabilidade sem culpa, exceto disposição legal expressa, caso em que se terá bem jurídico – seja material ou moral. responsabilidade objetiva. (GONÇALVES, Sem sua prova, não pode haver 2018. Pag. 328) responsabilização. Sendo assim, o Ato Ilícito trata-se de ação Para Carlos Roberto Gonçalves (2002, p. 18 e ou omissão, imprudência, negligência ou imperícia, 73), “mesmo que haja violação de um dever jurídico

32 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade e que tenha existido culpa e até mesmo dolo por parte excessivamente sensível, que se aborrece com fatos diuturnos da vida, nem o homem de do infrator, nenhuma indenização será devida sem pouca ou nenhuma sensibilidade, capaz de que se tenha verificado prejuízo. A inexistência de resistir sempre às rudezas do destino. Nesse dano torna sem objeto a pretensão a sua reparação”. campo, não há fórmulas seguras para auxiliar o juiz. Cabe ao magistrado sentir em cada caso o Flávio Tartuce corrobora com o entendimento pulsar da sociedade que o cerca. O sofrimento em sua obra, trazendo que “para que haja pagamento como contraposição reflexa da alegria é uma constante de comportamento humano de indenização, além da prova da culpa ou dolo na universal. (VENOSA, 2017. Pág. 491). conduta, é necessário, normalmente, comprovar o dano patrimonial ou extrapatrimonial suportado por Trata ainda do dano psíquico, como alguém” (2016, Pg. 392). modalidade de danos morais, onde os sintomas do Ainda, Silvio de Salvo Venosa discorre sobre dano são palpáveis. Desta forma: o tema: Acrescentemos que o dano psíquico é modalidade inserida na categoria de danos A responsabilidade civil leva em conta, morais, para efeitos de indenização. O primordialmente, o dano, o prejuízo, o dano psicológico pressupõe modificação desequilíbrio patrimonial, embora em sede de personalidade, com sintomas palpáveis, de dano exclusivamente moral, o que se tem inibições, depressões, síndromes, bloqueios, em mira é a dor psíquica ou o desconforto etc. Evidente que esses danos podem decorrer comportamental da vítima. No entanto, é de conduta praticada por terceiro, por dolo ou básico que, se não houver dano ou prejuízo culpa. O dano moral, em sentido lato, abrange a ser ressarcido, não temos porque falar em não somente os danos psicológicos; não se responsabilidade civil: simplesmente não traduz unicamente por uma variação psíquica, há porque responder. A responsabilidade mas também pela dor ou padecimento moral, civil pressupõe um equilíbrio entre dois que não aflora perceptivelmente em outro patrimônios que deve ser restabelecido. sintoma. A dor moral insere-se no amplo (VENOSA, 2017. Pág. 461). campo da teoria dos valores. Desse modo, o dano moral é indenizável, ainda que não resulte Continuando com Silvio de Salvo Venosa: em alterações psíquicas. Como enfatizamos, o desconforto anormal decorrente de conduta do ofensor é indenizável. (VENOSA, 2017. Forma-se mais recentemente entendimento Pág. 494-495) jurisprudencial, mormente em sede do dano moral, no sentido de que a indenização pecuniária não tem apenas cunho de reparação Gonçalves trata da indenização como a do prejuízo, mas tem também caráter punitivo ou sancionatório, pedagógico, preventivo e restauração ao estado anterior ao ilícito e, não sendo repressor: a indenização não apenas repara possível, como compensação. Assim: o dano, repondo o patrimônio abalado, mas também atua como forma educativa Indenizar significa reparar o dano causado à ou pedagógica para o ofensor e a sociedade vítima, integralmente. Se possível, restaurando e intimidativa para evitar perdas e danos o status quo ante, isto é, devolvendo-a ao estado futuros. (VENOSA, 2017. Pág. 466) em que se encontrava antes da ocorrência do ato ilícito. Todavia, como na maioria dos casos O dano patrimonial é aquele suscetível de se torna impossível tal desiderato, busca-se uma compensação em forma de pagamento de avaliação pecuniária, podendo ser reparado por uma indenização monetária. (GONÇALVES, reposição em dinheiro. 2018. Pág. 368). O dano moral ou extrapatrimonial, para Desta forma, independente o Dano ser Silvio de Salvo Venosa, se traduz como o prejuízo material ou meramente moral, em qualquer de suas que afeta o ânimo psíquico, moral e intelectual, não modalidades. Uma vez que o dano foi suportado, a sendo qualquer dissabor da vida que acarrete em vítima deve ser reparada. indenização. Assim:

O prejuízo que afeta o ânimo psíquico, moral 2.2.4 CULPA. e intelectual da vítima. Sua atuação é dentro dos direitos da personalidade. Nesse campo, o prejuízo transita pelo imponderável, daí Quanto à culpa, temos que a culpa pode ser por que aumentam as dificuldades de se lato sensu (dolo) ou stricto sensu (culpa). estabelecer a justa recompensa pelo dano. Em muitas situações, cuida-se de indenizar o Tanto a ação quanto a omissão são inefável. Não é também qualquer dissabor da características do dolo, ou seja, violação deliberada, vida que pode acarretar a indenização. Aqui, também é importante o critério objetivo do intencional, do dever jurídico. homem médio, o bonus pater familias: não Já a negligência, a imprudência e a imperícia se levará em conta o psiquismo do homem são características da culpa, ou seja, por falta do

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 33 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade devido cuidado e atenção, acarreta em ato ilícito. o responsável pela atividade que provocou o dano” Carlos Roberto Gonçalves trata do assunto, (GONÇALVES, Carlos Roberto. 2002. Pg. 4). discorrendo que: A teoria do risco também pode ser chamada de teoria da responsabilidade objetiva, onde Agir com culpa significa atuar o agente em termos de, pessoalmente, merecer a censura ou Silvio de Salvo Venosa colaciona que “A teoria da reprovação do direito. E o agente só pode ser responsabilidade objetiva não pode, portanto, ser pessoalmente censurado, ou reprovado na sua conduta, quando, em face das circunstâncias admitida como regra geral, mas somente nos casos concretas da situação, caiba a afirmação de que contemplados em lei ou sob o novo aspecto enfocado ele podia e devia ter agido de outro modo. pelo Código Civil de 2002” (2017. Pg. 452). Se a atuação desastrosa do agente é deliberadamente procurada, voluntariamente A respeito do assunto, importante o que alcançada, diz-se que houve culpa lato sensu colaciona Flávio Tartuce em seu livro: (dolo). Se, entretanto, o prejuízo da vítima é decorrência de comportamento negligente Pertinente, mais uma vez, deixar claro que e imprudente do autor do dano, diz-se que para o Direito Civil não importa se o autor houve culpa stricto sensu. (GONÇALVES, agiu com dolo ou culpa, sendo a consequência 2018. Pág. 325). inicial a mesma, qual seja a imputação do dever de reparação do dano ou indenização Para Silvio de Salvo Venosa, culpa é a dos prejuízos. Todavia, os critérios para a fixação da indenização são diferentes, eis que inobservância de um dever que o agente devia os arts. 944 e 945 da atual codificação trazem conhecer e observar. Não podemos afastar a noção a chamada redução equitativa da indenização de culpa do conceito de dever. (2017, Pg. 465). ou por equidade, consagrando a teoria da causalidade adequada. (TARTUCE, 2016. Necessário observar também que, muito Pág. 365). embora a imperícia não esteja no bojo do art. 186, reiteradamente citado acima, o mesmo integra o Desta forma, a Teoria do Risco é admitida conceito de culpa, conforme dispõe Venosa. Desta somente nos casos permitidos em lei, onde o agente forma: indeniza simplesmente por ser proprietário ou responsável pela atividade que causou o dano. A culpa, sob os princípios consagrados da negligência, imprudência e imperícia, contém uma conduta voluntária, mas com resultado 3 PATERNIDADE RESPONSÁVEL. involuntário, a previsão ou a previsibilidade e a falta de cuidado devido, cautela ou atenção. A previsibilidade é aquela aferida no caso Para discorrer sobre o tema da paternidade concreto, uma definição do previsível. Na responsável, é preciso primeiramente compreender a negligência o agente não age com a atenção devida em determinada conduta; “há um história do Direito de Família e em que momento se desajuste psíquico traduzido no procedimento fez necessária a inserção da responsabilidade entre os antijurídico, ou uma omissão de certa atividade que teria evitado o resultado danoso” genitores para com a sua prole. (Stoco, 2004:136). Na imprudência o agente é intrépido, açodado, precipitado e age sem 3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA prever consequências nefastas ou prejudiciais. Na culpa sempre existe o aspecto do defeito da previsibilidade, assim como na imperícia, não Como é cediço, o Direito Brasileiro foi trazida ao bojo do art. 186, mas certamente também integrante do conceito de culpa. É desenvolvido com muita influência no Direito imperito aquele que demonstra inabilidade Romano. Desta forma, não seria diferente no âmbito para seu ofício, profissão ou atividade. (VENOSA, 2017. Pg. 470-471) do Direito de Família. Sendo assim, enquanto o direito romano Portanto, quando se fala de Culpa como era pautado sob o princípio da autoridade, onde o requisito da Responsabilidade Civil, não se trata responsável da família era o homem, que dispunha apenas da culpa stricto sensu, mas também da culpa da vida e atividades do restante da família, o Código lato sensu¸ comumente conhecida como dolo. Civil de 1916 tratava da relação familiar com distinção entre homem e mulher e suas atividades intrínsecas 2.3 TEORIA DO RISCO. à entidade familiar, dispondo minimamente sobre a prole. Deve ainda levar-se em conta a chamada teoria No tocante a evolução histórica do direito de do risco, pela qual “o agente indeniza não porque família, Carlos Roberto Gonçalves discorre acerca do tenha culpa, mas por que é o proprietário do bem ou tema de forma clara e concisa, desta forma:

34 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

No direito romano a família era organizada caput, CF e art. 1.583 e 1.584 do CC), Princípio da sob o princípio da autoridade. O pater familias exercia sobre os filhos direito de afetividade, Princípio da paternidade responsável e vida e de morte (ius vitae ac necis). Podia, planejamento familiar (art. 227, §7º, CF), Princípio desse modo, vendê-los, impor-lhes castigos da função social da família, entre diversos outros. e penas corporais e até mesmo tirar-lhes a vida. A mulher era totalmente subordinada à O art. 227 da Constituição traz a redação, autoridade marital e podia ser repudiada por ipsis litteris: ato unilateral do marido. [...] Art. 227. É dever da família, da sociedade e Com o tempo, a severidade das regras do Estado assegurar à criança, ao adolescente foi atenuada, conhecendo os romanos e ao jovem, com absoluta prioridade, o o casamento sine manu, sendo que as direito à vida, à saúde, à alimentação, à necessidades militares estimularam a criação educação, ao lazer, à profissionalização, à de patrimônio independente para os filhos. cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade [...] Aos poucos foi então a família romana e à convivência familiar e comunitária, evoluindo no sentido de se restringir além de colocá-los a salvo de toda forma progressivamente a autoridade do pater, de negligência, discriminação, exploração, dando- se maior autonomia às mulheres e aos violência, crueldade e opressão. filhos. (GONÇALVES, 2018. Pág. 31). Em reforço, o art. 3º do ECA determina que: Art. 3º. A criança e o adolescente gozam de Em se tratando do Código brasileiro, todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção Gonçalves faz uma breve comparação entre o Código integral de que trata esta Lei, assegurando- de 1916 e 2002: se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes O Código Civil de 1916 e as leis posteriores, facultar o desenvolvimento físico, mental, vigentes no século passado, regulavam a família moral, espiritual e social, em condições de constituída unicamente pelo casamento, de liberdade e de dignidade. modelo patriarcal e hierarquizada, ao passo que o moderno enfoque pelo qual é identificada Complementando, o art. 4º do ECA enuncia tem indicado novos elementos que compõem as relações familiares, destacando-se os que: vínculos afetivos que norteiam a sua formação. [...] Art. 4º. É dever da família, da comunidade, Todas as mudanças sociais havidas na segunda da sociedade em geral e do poder público metade do século passado e o advento da assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação Constituição Federal de 1988, com as dos direitos referentes à vida, à saúde, à inovações mencionadas, levaram à aprovação alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, do Código Civil de 2002, com a convocação à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao dos pais a uma “paternidade responsável” e a respeito, à liberdade e à convivência familiar e assunção de uma realidade familiar concreta, comunitária. onde os vínculos de afeto se sobrepõem à verdade biológica. (GONÇALVES, 2018. Págs. 32,33 e 34). No que tange a afetividade, Tartuce em sua obra discorre que “Apesar de algumas críticas Desta forma, com o advento da Constituição contundentes e de polêmicas levantadas por alguns Federal de 1988 e da Carta Magna, fez- se necessária juristas, não resta a menor dúvida de que a afetividade a proteção dos indivíduos que compõem a entidade constitui um princípio jurídico aplicado no âmbito familiar, bem como da própria entidade. familiar.” (2016, Pg. 24). Discorre ainda que: 3.1 PRINCÍPIOS Apesar da falta de sua previsão expressa na legislação, percebe-se que a sensibilidade Com o advento das novas proteções aos dos juristas é capaz de demonstrar que a afetividade é um princípio do nosso sistema. direitos de família trazidos pela CF/88 e pelo Como é cediço, os princípios jurídicos são CC/2002, entraram em cena princípios que até concebidos como abstrações realizadas pelos intérpretes, a partir das normas, dos costumes, então não eram tutelados, quais sejam, o Princípio da doutrina, da jurisprudência e de aspectos da proteção da dignidade da pessoa humana (art. políticos, econômicos e sociais. (TARTUCE, 1º, III, CF), Princípio da solidariedade familiar (art. 2016. Pg. 24). 3º, I, CF), Princípio da igualdade entre os filhos No que tange ao planejamento familiar, dispõe (art. 227, §6º da CF e 1.596 do CC), Princípio da o art. 227, §7º da CF que o planejamento familiar igualdade entre cônjuges e companheiros (art. 226, é livre decisão do casal, fundado nos princípios §5º da CF e 1.511 do CC), Princípio do melhor da dignidade da pessoa humana e da paternidade interesse da criança e do adolescente (art. 227,

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 35 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade responsável. Essa responsabilidade versa sobre ambos insculpido no art. 226, §7º da Constituição Federal. os genitores. [...] Desta forma, uma vez que o agente é livre para É, portanto, irrenunciável, incompatível com planejar sua família, decidindo por tornar-se genitor, a transação, e indelegável, não podendo os pais renunciá-lo, nem transferi-lo a outrem. deve arcar com os deveres e responsabilidades de tal, Sendo assim, o Poder Familiar não é mais seguindo os preceitos de paternidade responsável. tratado como o pátrio poder, onde o homem ainda tem uma posição distinta da mulher na organização 3.2 CONCEITO familiar. O Poder Familiar agora é tratado como direitos e, sobretudo, deveres como convivência, Márcio Antônio Boscaro trata do atual educação, direção e colaboração, pautados no afeto. conceito dos institutos da família, assim:

Atualmente, após ampla consagração 3.2 EXERCÍCIO DO PODER FAMILIAR legislativa das hipóteses de dissolução do casamento e da disciplinação das uniões livres, deve-se reconhecer que o direito de O art. 1.634 do CC traz as atribuições do família, que sempre foi calcado em normas exercício do poder familiar que compete aos pais, a consideradas de ordem pública (já que visavam a regulamentar a constituição da saber: família, tida como base do Estado e calcada no matrimônio), passou a considerar os I - dirigir-lhes a criação e a educação; interesses pessoais dos membros dessa família, II - exercer a guarda unilateral ou numa crescente privatização do tema, pois compartilhada nos termos do art. a felicidade e o bem-estar destes passaram 1.584; a superar o interesse estatal na preservação III - conceder-lhes ou negar-lhes da família calcada exclusivamente no consentimento para casarem; matrimônio. (BOSCARO, 2002. Pág. 76). IV - conceder-lhes ou negar-lhes consentimento para viajarem ao exterior; Gonçalves (2018, p. 410) trata do conceito V - conceder-lhes ou negar-lhes de poder familiar como “o conjunto de direitos e consentimento para mudarem sua residência permanente para outro deveres atribuídos aos pais, no tocante à pessoa e aos Município; bens dos filhos menores”. VI - nomear-lhes tutor por testamento ou documento autêntico, se o outro dos Ainda discorre que “O instituto em apreço pais não lhe sobreviver, ou o sobrevivo resulta de uma necessidade natural. Constituída não puder exercer o poder familiar; a família e nascidos os filhos, não basta alimentá- VII - representá-los judicial e extrajudicialmente até os 16 los e deixá-los crescer à lei da natureza, como os (dezesseis) anos, nos atos da vida civil, animais inferiores. Há que educa-los e dirigi-los”. e assisti-los, após essa idade, nos atos em que forem partes, suprindo- lhes o (GONÇALVES, 2018, p. 410). consentimento; Tartuce (2016, p. 484) trata do conceito do VIII - reclamá-los de quem ilegalmente os detenha; poder familiar como “o poder exercido pelos pais IX - exigir que lhes prestem obediência, em relação aos filhos, dentro da ideia de família respeito e os serviços próprios de sua democrática, do regime de colaboração familiar e de idade e condição. relações baseadas, sobretudo, no afeto.” Tais atribuições devem ser consideradas Trata ainda sobre o assunto que “será exercido deveres legais dos genitores, assim, uma vez violados, pelo pai e pela mãe, não sendo mais o caso de se gera-se a responsabilidade civil por ato ilícito, nos utilizar, sob hipótese alguma, a expressão pátrio termos do art. 186 do CC. poder, totalmente superada pela despatriarcalização Sobre o assunto, colaciona Carlos Roberto do Direito de Família” (2016, Pg. 497). Gonçalves (2018, p. 416): Ainda sobre o poder familiar, trata Gonçalves (2018, p. 411-412): I – O dever de dirigir-lhes a criação e a educação. É o mais importante de todos. O poder familiar nada mais é do que um Incumbe aos pais velar não só pelo sustento munus público, imposto pelo Estado aos dos filhos, como pela sua formação, a fim de pais, a fim de que zelem pelo futuro de seus torná-los úteis a si, à família e à sociedade. O filhos. Em ouras palavras, o poder familiar é encargo envolve, pois, além do zelo material, instituído no interesse dos filhos e da família, para que o filho fisicamente sobreviva, também não em proveito dos genitores, em atenção o moral, para que, por meio da educação, ao princípio da paternidade responsável forme seu espírito e seu caráter.

36 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Sobre o tema, importante o que colaciona O artigo 227 da Constituição Federal dispõe que é dever da família, da sociedade e do Tartuce (2016, p. 485) em sua obra, desta forma: Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o Enuncia o art. 1.632 da atual codificação direito à vida, à saúde, à alimentação, à material que a separação judicial, o divórcio educação, ao lazer, à profissionalização, à e a dissolução da união estável não alteram as cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade relações entre pais e filhos senão quanto ao e à convivência familiar e comunitária, direito, que aos primeiros cabe, de terem em além de colocá-los a salvo de toda forma sua companhia os segundos. O dispositivo de negligência, discriminação, exploração, acaba trazendo um direito à convivência violência, crueldade e opressão.” familiar e, ao seu lado, um dever dos pais Por sua vez, o art. 229 da Carta Magna prevê de terem os filhos sob sua companhia. Nessa que os pais têm o dever de assistir, criar e norma reside fundamento jurídico substancial educar os filhos menores. para a responsabilidade civil por abandono Importante ressaltar que a ordem afetivo, eis que a companhia inclui esse afeto. constitucional define o cuidado como valor jurídico relativo ao dever de criar, educar, Assim, muito embora sejam considerados acompanhar, assegurando a dignidade da pessoa humana. E este dever de cuidado, deveres, não se trata apenas do auxílio material. decorrente do poder familiar, quando Trata-se, sobretudo, do zelo moral. ignorado, desdobra-se em ato ilícito, capaz de ensejar dano moral. 3.4 POSICIONAMENTO SOBRE PATERNIDADE O Des. Diaulas Costa Ribeiro traz que: RESPONSÁVEL Quando um pai morre, vítima de um crime, obviamente praticado por terceiro, Importante trazer à baila o entendimento dos o filho - nascituro, com pouco tempo de Doutos Magistrados quanto ao tema acima exposto. vida ou adulto - tem direito, incontinente, Desta forma, A Min. Nancy Andrighi, no à indenização por danos morais, não ficando a ação suspensa por prejudicial, à espera do REsp nº 1.159.242-SP discorre que: resultado do seu desconhecido futuro. O dano moral é in re ipsa porque até os sonhos É indiscutível o vínculo não apenas afetivo, que temos com quem partiu antes da hora mas também legal que une pais e filhos, (e sempre há os que partem antes da hora) sendo monótono o entendimento doutrinário provam o sofrimento, a angústia e a dor de que, entre os deveres inerentes ao poder causados pela ausência. familiar, destacam-se o dever de convívio, de A mesma lógica jurídica dos pais mortos pela cuidado, de criação e educação dos filhos, morte deve ser adotada para os órfãos de pais vetores que, por óbvio, envolvem a necessária vivos, abandonados, voluntariamente, por transmissão de atenção e o acompanhamento eles, os pais. Esses filhos não têm pai para do desenvolvimento sócio-psicológico da ser visto. Também para eles, “O sonho é o criança. E é esse vínculo que deve ser buscado recurso do vidente que nele se refugia a fim e mensurado, para garantir a proteção do filho de ganhar forças para afrontar o sentido do quando o sentimento for tão tênue a ponto futuro.”(Fernando Gil,Op. cit.).Também eles de não sustentarem, por si só, a manutenção afrontam o sentido do futuro e sonham o física e psíquica do filho, por seus pais – sofrimento, a angústia e a dor causados pelo biológicos ou não. desamor do pai que partiu às tontas, quando Vê-se hoje nas normas constitucionais a as malas não estavam prontas e a conta não máxima amplitude possível e, em paralelo, estava em dia. a cristalização do entendimento, no âmbito Não há dúvidas. No simbolismo psicanalítico, científico, do que já era empiricamente há um ambicídio. Esse pai suicida-se percebido: o cuidado é fundamental para a moralmente como via para sepultar as formação do menor e do adolescente; ganha obrigações da paternidade, ferindo de morte o debate contornos mais técnicos, pois não o filho e a determinação constitucional da se discute mais a mensuração do intangível paternidade responsável. – o amor – mas, sim, a verificação do Quando o abandono é afetivo, a solidão dos cumprimento, descumprimento, ou parcial dias não compreende a nostalgia das noites. cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar. Mesmo que nelas se possa sonhar, as noites Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. podem ser piores do que os dias. A comprovação que essa imposição legal foi descumprida implica. por certo, a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois Desta forma, os Doutos Magistrados acima na hipótese o non facere que atinge um bem citados entendem por aplicar a Responsabilidade juridicamente tutelado, leia-se, o necessário Civil ante o direito de família e o exercício familiar, dever de criação, educação e companhia – de cuidado onde, analisando cada caso e cumprindo os requisitos – importa em vulneração da imposição legal. necessários para a aplicação da indenização, assim o fazem. A Desa. Aparecida Grossi dispõe que:

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4 JURISPRUDÊNCIAS QUANTO AO TEMA Direito Privado do Foro de Santos do Tribunal de Justiça de São Paulo em 28/02/20193 pelo Após todo o colacionado sobre o tema, Desembargador Relator Alexandre Coelho trata de tanto sobre a Responsabilidade Civil como sobre a Apelação interposta pela prole contra a sentença Paternidade Responsável, imperioso analisarmos o de Improcedência ao pedido de Indenização por que os Tribunais do nosso País consideram como Abandono Afetivo. Abandono Afetivo passível de indenização. No caso em tela, o Tribunal entendeu pela ausência de conduta paterna ilícita e consequente 4.1 PARANÁ inexistência do dever de indenizar, uma vez que a prova pericial não confirma o abandono A apelação Cível nº 0004397- afetivo, além de a autora, em depoimento pessoal, 12.2017.8.16.0188, julgada pela 11ª Câmara Cível confessar o interesse da genitora na propositura da 1 do Tribunal de Justiça do Paraná em 13/06/2019 demanda. pelo Desembargador Relator Mario Nini Azzolini Uma vez que não há prova efetiva da conduta trata de Apelação interposta pelo genitor contra a ilícita do pai, do abalo psicológico na prole e inexiste Indenização por Abandono Afetivo arbitrada em Nexo Causal, resta ausente a Responsabilidade Civil R$50.000,00. e não há o dever de indenizar. No caso em tela, muito embora o valor tenha O referido Tribunal ainda finaliza o julgado reduzido para R$30.000,00 devido a condição alegando que os desencontros e distanciamento socioeconômica do genitor, o abandono afetivo foi oriundos de circunstâncias da vida não geram, por configurado no caso concreto, violando os direitos si só, dano moral. da personalidade da autora, entendendo o Tribunal Na contramão da maioria dos julgados está pela devida reparação. a apelação Cível nº 0012514- 71.2014.8.26.0526, Noutra banda, a apelação Cível nº 0014989- julgada pela 7ª Câmara de Direito Privado do Foro 60.2015.8.16.0035, julgada pela 12ª de Salto do Tribunal de Justiça de São Paulo em Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná 25/09/20184 pela Desembargadora Relatora Maria em 17/04/20192 pelo Desembargador Relator de Lourdes Lopez Gil. Marco Antonio Antoniassi trata de Apelação No caso em tela, o Tribunal entendeu que a Lei interposta pela prole contra a Inocorrência do Abandono Afetivo. não obriga ninguém a prestar afeto a outrem, sendo Neste caso, a filiação se deu de maneira um sentimento que se conquista e a monetarização socio afetiva, não por vínculo biológico. Motivo do afeto é incabível. pelo qual o Tribunal entendeu que, uma vez que a Já no STJ, em sede de Recurso Especial filiação se deu por afinidade, não há que se falar em nº 1.159.242-SP, julgado pela 3ª Turma em 5 abandono afetivo, inexistindo o Nexo Causal entre a 24/04/2012 pela Minstra Nancy Andrighi trata da demanda da prole e a conduta do genitor. possibilidade da indenização por Abandono Afetivo. Desta forma, não acatou a tese de Abandono Afetivo 3. “[...]Ausência de conduta paterna ilícita – Inexistência do dever de indenizar e, consequentemente, não houve indenização. [...] Prova pericial que não confirma o abandono afetivo – Depoimento pessoal da filha em que confessado o interesse da genitora na propositura da demanda – Necessidade de prova da efetiva conduta ilícita do pai, do 4.2 SÃO PAULO abalo psicológico e do nexo de causalidade – Ausência de responsabilidade civil [...]” (TJSP; Apelação Cível 1007000- 12.2014.8.26.0562; Relator (a): Alexandre Coelho; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Privado; Foro de A apelação Cível nº 1007000- Santos - 3ª Vara de Família e Sucessões; Data do Julgamento: 27/02/2019; 12.2014.8.26.0562, julgada pela 8ª Câmara de Data de Registro: 28/02/2019) acesso em 09.07.2019 4. “[...]Filhos que a buscam ao fundamento de que o genitor os abandonou 1. “[...]Indenização por abandono afetivo arbitrada em R$50.000,00 [...] afetivamente. Não cabimento. Monetarização do afeto incabível. Lei Abandono afetivo configurado no caso concreto – Violação aos direitos da que não obriga ninguém a prestar afeto a outrem. [...] Sentimento que personalidade da autora – Reparação devida [...]” (TJPR – 11ª C.Cível – 0004397- se conquista. [...]” (TJPS; Apelação Cível 001251471.2014.8.26.0526; 12.2017.8.16.0188 – Curitiba – Rel.: Desembargador Mario Nini Azzolini – J. Relator (a): Maria de Lourdes Lopez Gil; Órgão Julgador: 7ª Câmara de 13.06.2019) acesso em 09.07.2019 Data de Registro: 25/09/2018) acesso em 09.07.2019 Impossibilidade. O vínculo de afeto que impede a desconstituição 5. “[...]imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se da paternidade demonstra, justamente, a inocorrência do abandono reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão [...]daí, a afetivo. [...]” (TJPR – 12ª C.Cível – 0014989-60.2015.8.16.0035 – São possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono José dos Pinhais – Rel.: Desembargador Marco Antonio Antoniassi – J. psicológico. [...]” (STJ, REsp 1.159.242-SP, 3ª T., rel. Min. Nancy Andrighi, j. 17.04.2019) acesso em 09.07.2019 art20120510-02.pdf> acesso em 04.08.2019

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Sua ementa traz como ponto forte do julgado Trata, ainda, da lógica dos pais mortos pela que quando a imposição legal de cuidar da prole é morte devendo ser adotada para os órfãos de pais descumprida, implica em se reconhecer a ocorrência vivos, abandonados voluntariamente. de ilicitude civil sob a forma de omissão. Além disso, trata do quantum alegando que O julgado em questão é o conhecido R$50.000,00 não é um valor absurdo, pois, no “amar é faculdade, cuidar é dever” da Ministra caso concreto, foram cerca de 7.749 dias e noites Nancy Andrighi, onde são reconhecidos todos os e quando o abandono é afetivo a solidão dos dias requisitos da Responsabilidade Civil, a ausência não compreende a nostalgia das noites. Mesmo que de Paternidade Responsável e consequente nelas se possa sonhar, as noites podem ser piores Abandono Afetivo, condenando o genitor a do que os dias, uma vez que nelas, também há indenizar a prole. pesadelos.

4.3 RIO GRANDE DO SUL 4.5 MINAS GERAIS

A apelação Cível nº 70081770042, julgada A apelação Cível nº 1.0236.14.003758- pela Oitava Câmara Cível do Tribunal de Justiça 1/001, julgada pela 17ª Câmara Cível do Tribunal de do Rio Grande do Sul em 27/06/20196 pelo Minas Gerais em 18/06/20198 pelo Desembargador Desembargador Relator Rui Portanova trata de Relator Evandro Lopes da Costa Teixeira trata de apelação interposta pela prole. apelação interposta pelo genitor. O referido Tribunal trata da necessidade de No caso em tela, o genitor se recusa criteriosa análise dos requisitos que autorizam a a estabelecer convívio com a prole, gerando indenização. Desta forma, em análise verifica-se que repercussão psicológica ao infante, além da o distanciamento, por si só, não configura ato ilícito violação ao direito de convívio familiar. Por este ensejador de indenização. motivo, entendeu o Tribunal de Minas Gerais pela ocorrência do Dano Moral e efetiva indenização 4.4 DISTRITO FEDERAL por Abandono Afetivo.

O acórdão nº 1162196, julgado pela 8ª Turma CONCLUSÃO Cível em 28/03/20197 pelo Relator Designado Diaulas Costa Ribeiro trata do Abandono Afetivo Ante todo o exposto, podemos verificar a como Dano in re ipsa. importância e a necessidade de que, cada vez mais, as Ensina ainda que a indenização do dano normas e entendimentos evoluam e se desenvolvam moral por abandono afetivo não é o preço do amor, no sentido da dignidade da pessoa humana, em todas mas uma obrigação natural e moral. Há, entre o as áreas do direito. abandono e o amor, o dever de cuidado, sendo amar A discussão quanto ao abandono afetivo, uma possibilidade e cuidar uma obrigação. muito embora seja um tema recente, já possui um entendimento consolidado, gerando teses 6. “[...]O pedido de indenização por dano moral, em decorrência do abandono afetivo exige criteriosa análise dos requisitos autorizadores divergentes em poucos pontos da doutrina, sendo do reconhecimento de dano indenizável nessa seara. Para tanto, é imprescindível a configuração de ato ilícito. O distanciamento entre pai e imperioso o entendimento principalmente dos filha, por si só, não configura o conceito jurídico de ato ilícito ensejador do termos comumente confundidos. dever de indenizar.[...]” (Apelação Cível, Nº 70081770042, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em: 27-06- Desta forma, resta ao Magistrado avaliar, 2019) caso a caso, a adequação da norma ao caso concreto, acesso em 09.07.2019 7. “[...]A indenização do dano moral por abandono afetivo não é o preço analisando se houve o ilícito civil causado pela do amor, não se trata de novação, mas de uma transformação em que a condenação para pagar quantia certa em dinheiro confirma a obrigação ausência do poder familiar, juntamente com o nexo natural (moral) e a transforma em obrigação civil, mitigando a falta do causal e o dano ao infante. que poderia ter sido melhor [...] Não se pode exigir, judicialmente, desde os primeiros sinais do abandono, o cumprimento da “obrigação natural” do amor. Por tratar-se de uma obrigação natural, um Juiz não pode obrigar um 8 “[...] Abandono afetivo – Dano moral – Ocorrência [...]Configura dano pai a amar uma filha. Mas não é só de amor que se trata quando o tema moral a atitude de um pai que se recusa a estabelecer convívio com o filho, é a dignidade humana dos filhos e a paternidade responsável. Há, entre o causando-lhe sofrimento e prejuízo para sua integridade emocional [...]” abandono e o amor, o dever de cuidado. Amar é uma possibilidade; cuidar é (TJMG - Apelação Cível 1.0236.14.003758-1/001, Relator(a): Des.(a) Evandro uma obrigação civil.[...]” (Acórdão n.1162196, 20160610153899APC, Relator: Lopes da Costa Teixeira , 17ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 06/06/2019, NÍDIA CORRÊA LIMA, Relator Designado: DIAULAS COSTA RIBEIRO 8ª publicação da súmula em 18/06/2019) Acesso em 10/04/2019. Pág.: 533/535) 04.08.2019

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REFERÊNCIAS

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40 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

AS FAMÍLIAS PLURIPARENTAIS: OS FILHOS PODEM SE UNIR EM CASAMENTO OU UNIÃO ESTÁVEL?

THE PLURIPARENT FAMILIES: CAN THE CHILDREN JOIN IN MARRIAGE OR STABLISH COMMON- LAW MARRIAGE?

Yasmine de Resende Abagge Mestranda em Ciências Jurídicas pela Unicesumar – Centro Universitário Cesumar; Especialista em Direito Notarial e Registral pela Universidade Anhanguera-Uniderp; Especialista em Direito Público pela Unibrasil – Centro Universitário Autônomo do Brasil; Registradora de Imóveis de Terra Boa, Paraná; E-mail: [email protected].

RESUMO from previous relationships join with other parents in the same situation, forming families with children As famílias pluriparentais são cada vez mais whose blood and affective bonds are confused. Issues comuns, contudo, poucos autores se dedicam a such as kinship ties, marital impediments, alimony and escrever sobre o tema. A facilitação do divórcio, a inheritance are not addressed in current legislation, and regulamentação sobre as uniões estáveis e a evolução da few are the doctrinators who approach the subject. sociedade atual resulta na rapidez no estabelecimento e desfazimento dos relacionamentos. Pais que KEYWORDS ficaram com a guarda de filhos de relacionamentos Families; Reconstituted; Multiparentality; Mosaic; Pluriparental. anteriores se juntam com outros pais na mesma situação, formando famílias com filhos cujos laços INTRODUÇÃO sanguíneos e afetivos se confundem. Pretende-se discutir questões como vínculos de parentesco, As famílias são institutos que vivem em impedimentos matrimoniais, alimentos e sucessão, constante evolução. O modelo tradicional, de pai não tratadas na legislação e pouco abordadas pela e mãe unidos pelo matrimônio e gerando filhos, doutrina. nem sempre foi a regra. Ao longo da história da humanidade, diversos modelos de famílias existiram PALAVRAS-CHAVE e, com o avanço da sociedade e da globalização, a Família; Reconstituída; Multiparentalidade; Mosaico; tendência é que o conceito de família continue a se Pluriparental. transformar e a se adaptar às novas realidades sociais. Houve tempos em que era possível o casamento ABSTRACT entre parentes, o incesto, a poligamia e diversas outras situações que hoje parecem inconcebíveis, Multi-parental families are becoming more mas que eram comuns e continuam existindo até common, however, few authors write about it. The hoje em outras culturas e partes do mundo. facilitation of divorce, the regulation of common-law Hoje, o divórcio já não é mais um tabu, e marriage, and the evolution of present-day society já se tem reconhecida a possibilidade de uniões results in the rapidity in establishing and breaking homoafetivas e da paternidade socioafetiva, que relationships. Parents who have custody of children são apenas alguns exemplos de como o direito V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade está se adaptando para acompanhar a sociedade O Código Civil de 1916 traçava o perfil contemporânea, de forma a não excluir de sua das famílias como matrimonializado, patriarcal, proteção situações que fogem do chamado ‘modelo hierarquizado, patrimonializado e heterossexual: tradicional’. Só era reconhecida a família constituída A facilitação do divórcio, não obstante, fez com pelo casamento. O homem exercia a chefia que as pessoas buscassem novos relacionamentos, da sociedade conjugal, sendo merecedor de respeito, a mulher e os filhos deviam-lhe unindo-se em novos matrimônios e uniões estáveis obediência. A finalidade essencial da família que, muitas vezes, traziam filhos provenientes das era a conservação do patrimônio, precisando anteriores, criando novos arranjos familiares. gerar filhos como força de trabalho. Como era fundamental a capacidade procriativa, claro Crianças e adolescentes são criados de forma que as famílias necessitavam ser constituídas concomitante por seus pais biológicos e afins, por um par heterossexual e fértil (DIAS, 2013, p. 44). assim como padrastos e madrastas convivem com os filhos de seus companheiros. A legislação pátria Embora a Constituição de 1891 já houvesse simplesmente ignora a existência desses novos tratado do casamento, a primeira constituição arranjos familiares, enquanto que a doutrina pouco brasileira a fazer referência expressa ao termo família aborda o assunto. foi a de 1934, que estabelecia, em seu art. 144 “A Afinal, esses filhos e pais afins possuem família, constituída pelo casamento indissolúvel, está laços de parentesco? Qual a natureza jurídica e as sob a proteção especial do Estado” (ROCHA, 2009, consequências advindas dessas relações? p. 23). Este trabalho visa responder algumas dessas As mudanças da sociedade, em especial a perguntas e trazer ao leitor uma reflexão sobre maior independência das mulheres, que ingressaram as diferentes estruturas familiares que são pouco no mercado de trabalho; e a migração das áreas abordadas pela doutrina. Para tanto, será feita uma rurais para os espaços urbanos, inspiraram algumas análise do conceito de família e das suas classificações, mudanças neste conceito, em especial com relação para extrair-se o alcance dos vínculos de parentesco ao estreitamento dos vínculos afetivos dentre os seus entre os filhos destas uniões e, desta forma, responder membros, que culminaram na sua evolução, com aos questionamentos. o advento da Constituição Federal de 1988 e do Código Civil de 2002 (DIAS, 2013, p. 28). 1 CONCEITO DE FAMÍLIA Marisa Herrera defende que todas essas mudanças, aliadas ao aumento da perspectiva Conceituar ‘família’ não é uma tarefa fácil, de vida, da facilidade do divórcio, dos avanços dado que este instituto passou por diversas evoluções tecnológicos, fazem com que as pessoas tenham ao longo da história. A maioria dos pensadores no transcurso de suas vidas não só um estado civil, entende que a família é uma palavra que deriva do matrimonial, mas mais de um, criando novas formas latim para designar o conjunto de pessoas submetidas de viver em família após o ‘fracasso’ matrimonial à autoridade do pater familias (ROCHA, 2009, (2008, p. 158). p. 11), estava ligada a ideia de escravos e acervo A família, portanto, foi deixando de ser um patrimonial pertencentes a um senhor. instituto formal e absoluto, para se transformar em No direito romano, a família era considerada um núcleo social cuja função é o desenvolvimento uma comunidade política, econômica e religiosa, da personalidade e da dignidade de seus membros. também ligada a ideia de servir a um senhor. No direito Somente enquanto cumpridora desta função a família canônico, família e casamento eram consideradas justifica sua existência e a tutela estatal (TEIXEIRA; realidades inseparáveis, sendo este o único meio de se RODRIGUES, 2009, p. 35). constituir aquela (ROCHA, 2009, p. 13). Nossa Constituição Federal não traz um A partir do direito clássico, a autoridade conceito definido de família, mas é clara ao ampliar despótica do pater familias sofre atenuações e o o leque de proteção no artigo 226, tanto no caput, parentesco de sangue ganha força. A economia não ao dizer que ela é a base da sociedade e tem especial gira mais em torno das famílias e sim do indivíduo, proteção do Estado, como ao reconhecer a união enquanto que o culto doméstico é absorvido pela estável (§ 3º) e a comunidade formada por qualquer religião do Estado (GRISARD FILHO, 2007, p. dos pais e seus descendentes (§ 4º). 20).

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Referido dispositivo prevê como tipos de A Lei Maria da Penha identificou a família família o casamento, a união estável e as famílias como qualquer relação de afeto (art. 5º, III), monoparentais, contudo, ele não é considerado alargando ainda mais o conceito constitucional. taxativo, uma vez que a liberdade de constituição de Heloisa Helena Barbosa (2009, p. 29) também família é um direito fundamental, não cabendo ao destaca a sua importância: Estado limitá-lo (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2009, A verdadeira família é uma comunhão de p. 36). afetos, antes de ser um instituto jurídico. O CC/02, embora tenha entrado em vigor [...] O afeto é um sentimento que se traduz em fatos para o direito, fatos esses que se um ano depois, teve seu projeto redigido em 1975, verificam na convivência social, originando ou seja, muito antes da entrada em vigor da CF/88 a socioafetividade. Do mesmo modo que e até mesmo da Lei do Divórcio, que é de 1977. Em as mencionadas entidades familiares, o parentesco pode ser gerado apenas pela razão disso, sofreu inúmeras emendas, durante seu scioafetividade, que é um fato. trâmite, para se adaptar à nova Constituição, o que resultou em uma grande colcha de retalhos, que já Questiona-se ainda a situação dos celibatários, nasceu velha, segundo alguns doutrinadores (DIAS, viúvos ou divorciados e jovens que abandonam suas 2013, p. 31). famílias de origem e vivem só, ou crianças que se Hoje, é possível extrair do Código Civil que reúnem sem pais, idosos que vivem em casas de família: asilos, uniões poliafetivas e etc. Ficará a cargo da [...] é o núcleo formado pelo casal e filho doutrina e da jurisprudência definir se essas situações ou filhos e seus parentes da linha reta e ou da colateral, bem como os afins, que são os podem ou não ser consideradas famílias. parentes do outro cônjuge, como o concebem Maria Berenice Dias diz que a família é uma os arts. 1.591 a 1.595 do Código Civil (GRISARD FILHO, 2007, p. 22). construção cultural (2013, p. 27), enquanto que Valdyr Grisard Filho explica que não é possível O Código, todavia, não previu em sua chegar num conceito universal sobre o que é redação original diversos institutos que na prática família, pois ela é abstrata e intemporal, cabendo sempre existiram, como a guarda compartilhada, as apenas descrever suas estruturas e modalidades filiações socioafetivas e as uniões homoafetivas. O assumidas ao longo dos tempos. Por esta razão, reconhecimento destes adveio da jurisprudência. a lei não se preocupa em defini-la, até mesmo A família hoje possui concepções mais porque a amplitude do conceito varia de acordo restritas, como aquelas que tratam apenas do casal e com o aspecto a ser considerado, como a sucessão, filhos; outras mais tradicionais, que considera apenas alimentos, seguridade social e até mesmo na esfera pessoas unidas por laços de parentesco ou por nexos criminal (2007, p. 26). de matrimônio (GRISARD FILHO, 2007, p. 22- Valdyr afirma ainda que a ideia contemporânea 23). Este conceito tradicional, contudo, se encontra de família se assenta no vínculo afetivo e duradouro superado, pois exclui a possibilidade de se reconhecer daqueles que desenham um projeto biográfico como família uma união estável da qual não resultem conjunto, existindo uma relação de parentesco filhos, o que é claramente vedado pelo diploma que lhes atribui a condição de familiares. A função constitucional. principal da família contemporânea é a afetividade As famílias, portanto, não estão mais ligadas (2007, p. 30). necessariamente à ideia do casamento, mas sim à afetividade, conforme reconhecido pelo Superior 2 TIPOS DE FAMÍLIAS Tribunal de Justiça: Dada a amplitude do conceito de família, hoje Agora, a concepção constitucional do casamento, diferentemente do que ocorria podemos classificá-las em diversas espécies. Fala-se com os diplomas superados -, deve ser em famílias matrimoniais ou formais e informais; necessariamente plural, porque plurais hetero ou homossexual; paralelas ou simultâneas; também são as famílias e, ademais, não é ele, o casamento, o destinatário final da proteção uniões poliafetivas; famílias monoparentais, que do Estado, mas apenas o intermediário de um podem ser até mesmo anaparentais (DIAS, 2013, p. propósito maior, que é a proteção da pessoa humana em sua inalienável dignidade (STJ, 55); famílias naturais, extensas ou ampliadas; famílias REsp 1.183.378 RS 2010/0036663-8, 2012). substitutas e, por fim, em famílias pluriparentais, que são o objeto deste trabalho.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 43 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Nem todas as formas aqui citadas foram fundada no afeto entre o filho e cada um de seus pais, evidenciar-se-á que a criança previstas no ordenamento jurídico e muitas delas não se integra, desde logo, em duas entidades são reconhecidas pela doutrina e pela jurisprudência familiares simultâneas (2005, p. 176). de forma unânime. Citamos algumas espécies apenas com o intuito de ilustrar a pluralidade e amplitude Também não é necessário que o pai do instituto. detenha a guarda da criança para que a família Para Paulo Lôbo, são necessários no mínimo seja considerada pluriparental. Se um casal que três requisitos para caracterizar uma entidade possui filhos se divorcia e vem a se casar com outras familiar, sendo estes presentes em diversas espécies pessoas, tanto a nova família do pai que ficou com aqui citadas: a) afetividade: como fundamento e a guarda, como a do que não ficou será considerada finalidade da entidade; b) estabilidade: excluindo- família recomposta. se relacionamentos casuais, episódicos ou sem Cecilia Grosman e Irene Martínez Alcorta comprometimento, que não objetivam a comunhão defendem essa amplitude do conceito, justificando-a de vida; e, c) convivência pública e ostensiva: a no fato de que a lei considera parente por afinidade família tem que se apresentar assim publicamente o filho do cônjuge proveniente de união precedente, (2008, p. 57-58). exista ou não convivência. Ademais, o pai que não detém a guarda possui direito de visitas, havendo 2.1 AS FAMÍLIAS PLURIPARENTAIS alternância de períodos de convivência (2000, p. 35). Embora o termo pareça novo, na verdade as Uma das principais consequências da famílias recompostas sempre existiram, contudo, facilitação e desestigmatização do divórcio foi o eram mais comuns em caso de viuvez (FERREIRA; surgimento das chamadas “famílias reconstituídas”. RÖRHMANN, p. 3). É natural que a pessoa que se divorcia busque um Estas famílias têm recebido diversas novo parceiro para formar uma nova família. Muitas denominações: pluriparentais, mosaico, binucleares, vezes, este novo parceiro também veio de um outro reconstruídas, recompostas, reconstituídas, casamento ou união e, não raramente, um ou ambos ensambladas, compostas, (DIAS, 2013, p. 55- possuem filhos daquele relacionamento anterior. 56), patchwork (Alemanha), stepfamilies (Estados Para Grisard Filho, famílias pluriparentais são Unidos da América), familles recomposées (França) aquelas que, em virtude de um divórcio, rompimento e muitas outras. de união estável ou até mesmo de viuvez, foram Grosman e Alcorta defendem que a eleição recompostas através de uma nova união, sendo que de uma nomenclatura adequada é essencial, pois pelo menos um dos adultos do atual casal possui dá visibilidade ao instituto. Elas criticam os termos filho da relação precedente (2007, p. 15). Em suas que iniciam com o prefixo “re”, uma vez que ele dá a próprias palavras: impressão de reconstrução de uma família “intacta”, sendo que essas famílias não são uma reparação de [...] é a estrutura familiar originada do algo quebrado, que não deu certo, pois tem sua casamento ou união estável de um casal, na qual um ou ambos de seus membros têm um própria individualidade (2000, p. 34). Elas preferem ou vários filhos de uma relação anterior. Numa o termo ensambladas: formulação mais sintética, é a família na qual ao menos um dos adultos é um padrasto ou [...] porque simboliza com maior precisão os uma madrasta (p. 78). intercâmbios e articulações que existem entre a unidade que se cria e os sistemas familiares Ruzyk adverte que não é necessário que o filho precedentes. Se tomamos como referência a figura da criança, o termo é convincente tenha sido fruto de um casamento ou união estável, porque mostra a existência de uma “rede podendo ser também de uma relação esporádica e até familiar” (2000, p. 35). mesmo clandestina: Para Flávio Tartuce (2017, p. 1.241), a família É inegável, entretanto, que, ainda que os pais pluriparental decorre “de vários casamentos, uniões jamais tenham vivido – e jamais venham a viver – uma relação familiar na perspectiva estáveis ou mesmo simples relacionamentos afetivos da conjugalidade, é possível que o fruto de seus membros. Utiliza-se o símbolo do mosaico, desse relacionamento esporádico venha a nascer, desde logo, em uma situação de diante de suas várias cores, que representam as várias simultaneidade familiar. Presente, na situação origens”. de fato, convivência familiar duradoura

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O artigo 1.636, do Código Civil, trata das o filho do pai que formou uma nova família, poderá famílias recompostas: ter um relacionamento socioafetivo com o cônjuge de seu pai. Se tal vínculo for formado e a paternidade Art 1.636. O pai ou a mãe que contrai novas núpcias, ou estabelece união estável, não perde, socioafetiva reconhecida, estar-se-ia diante de uma quanto aos filhos do relacionamento anterior, multiparentalidade, já que este filho terá seus pais os direitos ao poder familiar, exercendo-os sem qualquer interferência do novo cônjuge biológicos e o pai afim como socioafetivo. ou companheiro. Este conceito afasta a ideia de que apenas a parentalidade biológica é exclusiva e certa, pois Parágrafo único. Igual preceito ao estabelecido normalmente são as próprias partes envolvidas neste artigo aplica-se ao pai ou à mãe solteiros que que pleiteiam o reconhecimento da paternidade casarem ou estabelecerem união estável. socioafetiva sem a exclusão da biológica (PAIANO, Este dispositivo visa tutelar o genitor biológico, 2017, p. 153). Conforme elucida Paiano: e não o menor inserido no novo contexto familiar. Na prática, esta não interferência é dificilmente Ou seja, a multiparentalidade é um fenômeno jurisprudencial e doutrinário, advindo de estabelecida, já que o novo arranjo familiar acaba uma interpretação conforme, integrativa e por criar um conjunto de regras próprias para uma expansiva, que permite o reconhecimento de mais de um pai ou mãe a uma mesma convivência saudável (TEIXEIRA; RODRIGUES, pessoa, de modo que conste em seu registro 2009, p. 43). de nascimento as consequências desse reconhecimento – alteração de nome, inclusão Ana Carolina B. Teixeira e Renata de Lima de outro pai ou mãe, inclusão de outros Rodrigues criticam a redação legal: avós. Já que não existe essa prevalência de uma paternidade ou parentalidade sobra a Há, portanto, mostras de que essa interferência outra (biológica ou socioafetiva) e pensando é real, seja ela de maneira negativa ou positiva em um melhor interesse da criança (ou do e, neste último caso, é perfeitamente possível filho), bem como a igualdade jurídica que que se crie um vínculo afetivo entre estes deve haver entre todos os filhos, fazendo uma parentes afins e os filhos de seus consortes, interpretação do ordenamento em que se visa uma vez que padrasto e madrasta exercem, consagrar tais realidades fáticas e, não havendo com frequência, uma série de atos tipicamente nenhuma incompatibilidade ou impedimento inseridos no conteúdo da autoridade parental, para tais reconhecimentos é que os operadores mesmo que não haja uma real desvinculação do Direito têm se debruçado sobre o tema e afetiva ou material desses filhos com admitido o fenômeno da multiparentalidade seus genitores biológicos, que, a despeito como consequência dessa nova ordem familiar da dissolução da família anteriormente – não discriminatória, inclusiva, formada por constituída, não deixaram de se desincumbir famílias recompostas e buscando a realização de seus papéis na formação da personalidade pessoal de seus membros (2017, p. 155). de seus filhos (2009, p. 44). Logo, é possível que um filho deseje o Vê-se, portanto, que nossa legislação pouco reconhecimento da paternidade socioafetiva de seu tratou sobre o tema. Embora inexistam dúvidas de pai afim, sem exclusão da paternidade biológica; que o simples fato de um casamento ter precedido assim como também é possível que um filho cujo outro não o torna mais ou menos legítimo, percebe- pai registral seja socioafetivo, um dia deseje o se até hoje um certo estigma com relação às famílias reconhecimento e inclusão da paternidade biológica, reconstituídas. sem excluir o pai socioafetivo do registro. Em ambos os casos, teremos a multiparentalidade. 3 MULTIPARENTALIDADE Esta não surge apenas quando coexiste paternidade biológica e socioafetiva, mas também Famílias pluriparentais e multiparentalidade em casos de adoção e inseminação heteróloga por são dois conceitos aproximados, mas que não casais homossexuais, adoção à brasileira em que se confundem. A multiparentalidade, também posteriormente se busca o reconhecimento da chamada de pluriparentalidade, é a pluralidade de paternidade genética, filiação advinda da posse de pais, ou seja, a possibilidade de uma pessoa possuir estado de filho, a exemplo do reconhecimento do mais de um pai e/ou mãe, que coexistirão. filho de criação (PAIANO, 2017, p. 157). Já a família pluriparental é aquela em que um Também é possível que a pluriparentalidade ou ambos os cônjuges, possui um ou mais filhos de um ocorra em momentos distintos ou concomitantes, relacionamento anterior. É comum, portanto, que os na vida de uma pessoa. Exemplo de um caso de dois conceitos existam em um mesmo contexto, pois multiparentalidade ocorrida em momentos distintos

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é o da filha que conviveu com a mãe biológica e, após si pelo vínculo de parentesco, podendo ser esse seu falecimento, criou uma relação socioafetiva com consanguíneo, afim ou adotivo. a madrasta (PAIANO, 2017, p. 164). Paulo Lôbo define parentesco como: Já a multiparentalidade em momentos [...] a relação jurídica estabelecida pela lei concomitantes é aquela das famílias pluriparentais, ou por decisão judicial entre uma pessoa e em que os pais biológicos continuam exercendo suas as demais que integram o grupo familiar, nos limites da lei. A relação de parentesco funções e, o novo cônjuge de um deles, passa a auxiliar, identifica as pessoas como pertencentes a um a desempenhar também um papel de pai, criando um grupo social que as enlaça num conjunto de vínculo socioafetivo (PAIANO, 2017, p. 165). direitos e deveres (2008, p. 181). Ou seja, ainda que o genitor biológico exista Já Flávio Tartuce, conceitua parentesco como e exerça sua autoridade parental, pode existir um “vínculo jurídico estabelecido entre pessoas que têm compartilhamento das funções parentais com o pai mesma origem biológica (mesmo tronco comum); afim (TEIXEIRA; RODRIGUES, 2009, p. 41), entre o cônjuge ou companheiro e os parentes do consubstanciada nos deveres de criar, educar e assistir, outro e entre as pessoas que têm entre si um vínculo fonte da socioafetividade e que gera efeitos jurídicos e civil” (2017, p. 1.410). Como se vê, os conceitos responsabilidade parental, por ser nova modalidade de de família e parentesco se entrelaçam, mas não se parentesco, enquadrada na cláusula geral de parentesco confundem. “outra origem” do art. 1.593, do CC, que será tratada É importante esclarecer que o casamento no próximo capítulo deste trabalho. não torna os cônjuges parentes entre si, mas sim Inexiste impedimento legal ao reconhecimento familiares. O vínculo de parentesco por afinidade da multiparentalidade. Na verdade, ela apenas que surgirá será em relação aos parentes do cônjuge, reconhece juridicamente uma situação que já existe restrito aos ascendentes, descendentes e irmãos, de forma fática. Por tais razões, alguns autores conforme preceitua o art. 1.595, §1º, do CC defendem que a Lei de Registros Públicos deve ser (GRISARD FILHO, 2007, p. 32). Já a filiação, flexibilizada e interpretada sistematicamente com a segundo Paulo Lôbo, é o mais importante vínculo de Constituição, o Eca e com princípios como o melhor parentesco (2008, p. 181). interesse da criança, a dignidade da pessoa humana, O direito não trata o parentesco consanguíneo solidariedade, paternidade responsável e outros da mesma forma que o por afinidade. (PAIANO, 2017, p. 154/159). Como nos explica Paulo Lôbo: Nesta linha, Ana Carolina Brochado Teixeira e Renata de Lima Rodrigues: Assim, o enteado não é igual ao filho, jamais nascendo para o primeiro, em virtude de tal [...] o registro não pode ser um óbice para situação, direitos e deveres que são próprios sua efetivação, considerando que sua função do estado de filiação. O parentesco afim tem é refletir a verdade real; e, se a verdade real por fito muito mais o estabelecimento de concretiza-se no fato de várias pessoas exercerem uma situação jurídica de impedimentos e funções paternais na vida dos filhos, o registro deveres, por razões morais. O parentesco afim deve refletir essa realidade (2009, p. 53). é normalmente considerado, pelo legislador e pela administração da justiça, para impedir a aquisição de algum direito ou situação de Vale lembrar que o Provimento nº 2, do vantagem, em virtude da aproximação afetiva CNJ, de abril de 2009, padronizou as certidões de que termina por ocorrer entre os parentes afins e suas respectivas famílias (2008, p. 189). nascimento, substituindo os campos ‘pai’ e ‘mãe’ por filiação e o dos avós paternos e maternos por O parentesco pode ser em linha reta, quando simplesmente ‘avós’. Assim, em sendo reconhecida uma pessoa descende da outra, sem limite de graus a multiparentalidade, deve a decisão ser objeto de (pais e filhos, avôs e netos, bisavôs e bisnetos); ou em mandado de averbação, para se incluir no registro linha colateral, quando descendem de um mesmo os dados da nova filiação, nos termos do art. 97, da tronco comum, limitado ao quarto grau (irmãos, tios Lei de Registros Públicos (PAIANO, 2017, p. 163). e sobrinhos e primos). Os irmãos, portanto, são parentes colaterais 3 VÍNCULO DE PARENTESCO em segundo grau. Quando são filhos dos mesmos pais, se dizem irmãos germanos ou bilaterais. Se Vimos que a doutrina tradicional define do mesmo pai, mas de mães diferentes, são irmãos família como o conjunto de pessoas ligadas entre consanguíneos e se da mesma mãe, mas de pais

46 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade diferentes, irmãos uterinos. Nos dois últimos casos Em virtude da controvérsia, foi elaborado o podem ser denominados também de unilaterais. Esta enunciado 103 do CJF/STJ, da I Jornada de Direito diferenciação é importante para o direito sucessório, Civil: uma vez que o art. 1.841 do Código Civil diferencia O Código Civil reconhece, no art. 1.593, o quinhão de cada irmão de acordo com este critério. outras espécies de parentesco civil além É necessário esclarecer também que, em daquele decorrente da adoção, acolhendo, assim, a noção de que há também parentesco virtude da afinidade, padrastos e madrastas são civil no vínculo parental proveniente quer das parentes em linha reta de primeiro grau de seus filhos técnicas de reprodução assistida heteróloga afins (enteados). Porém, como a afinidade é um relativamente ao pai (ou mãe) que não contribuiu com seu material fecundante, quer vínculo estritamente pessoal, os afins de um cônjuge da paternidade socioafetiva, fundada na posse não são afins entre si (GRISARD FILHO, 2007, p. do estado de filho. 112), pois como diria o brocardo romano affinitas Importante lembrar que, uma vez reconhecida affinitatem non parit– afinidade não gera afinidade. a filiação socioafetiva, também serão instauradas Tanto é assim, que é possível e até mesmo comum, todas as linhas e graus de parentesco, de forma a o casamento entre dois casais de irmãos, em que o produzir efeitos jurídicos pessoais e patrimoniais. irmão de um cônjuge casa-se com a irmã do outro Como efeitos pessoais, podemos citar: a) criação do cônjuge. vínculo de parentesco na linha reta e na colateral, O art. 1.593, do CC, preceitua que “o inclusive permitindo a adoção do nome de família e parentesco é natural ou civil, conforme resulte da gerando impedimentos matrimoniais; b) criação do consanguinidade ou outra origem”. O parentesco vínculo de afinidade. Já como efeitos patrimoniais, natural é o consanguíneo, já o civil teria uma podemos citar os direitos a alimentos e os sucessórios. outra origem. Para Eduardo de Oliveira Leite, este Assim, os parentes do pai socioafetivo se tornam parentesco civil é sinônimo de adoção mas, ao parentes do filho socioafetivo, sob pena de afronta ao estender o conceito para outra origem inaugurou princípio constitucional da igualdade entre os filhos a possibilidade do reconhecimento dos vínculos (BARBOZA, 2009, p. 31-33). socioafetivos, que não seriam nem naturais, nem civis. Aqui também se incluiriam relações de parentesco 4 POSSE DO ESTADO DE FILHO oriundas de inseminações artificiais heterólogas, de reconhecimento voluntário, da adoção à brasileira, Posse de estado é uma expressão utilizada judicial, dos filhos de criação e de qualquer outra que para designar quando uma pessoa desfruta de uma advenha da noção de posse de estado de filho(LEITE situação jurídica que não corresponde à verdade. O apud GRISARD FILHO, 2007, p. 115). vínculo de filiação é chamado de posse de estado Maria Berenice Dias também entende que de filho ou de estado de filho afetivo. A aparência o termo outra origem não se limita à adoção, mas daquela situação faz com que todos pensem que ela refere-se à qualquer origem diversa da sanguínea: seja verdadeira, embora não o seja (DIAS, 2013, p. Assim, ‘outra origem’ não significa mais e tão 380). somente o parentesco decorrente da adoção, mas o parentesco que tem origem diversa O termo “posse de estado” já vinha sendo da consanguínea. Também a referência a usado pela doutrina ao tempo do Código Civil de veementes presunções resultantes de fatos já 1916, para reconhecer a existência do casamento. certos (CC 1.605 II) diz com o conceito de posse de estado de filho, nada mais do que Ela era caracterizada pela nominativo, tractatus e a filiação socioafetiva. Desse modo, a filiação reputatio e era reconhecida com o propósito de pode constituir-se pela incidência direta de uma lei, que regula a atribuição do estado de beneficiar os filhos comuns de um casal que não filho, ou da posse de estado: situação fática registrou o casamento, de modo que estes filhos prolongada de convivência e afetividade que conduz à paternidade (2013, p. 352-353). fossem considerados legítimos (BARBOZA, 2009, p. 27). Daniela Paiano também defende que o termo No conceito de Paulo Lôbo: “A posse de ‘outra origem’ inclui a relação pautada na afetividade, estado de filiação refere à situação jurídica fática na mas pondera que para que a parentalidade qual uma pessoa desfruta do status de filho em relação socioafetiva produza efeitos jurídicos, é necessário o a outra pessoa, independentemente dessa situação seu reconhecimento (2017, p. 73). corresponder à realidade legal” (2008, p. 211).

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 47 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Já Maria Berenice: A investigação de paternidade fundada em prova genética não é hábil para descaracterizar a A noção de posse de estado de filho não se estabelece com o nascimento, mas num ato posse do estado de filiação consolidada no tempo de vontade, que se sedimenta no terreno da (LÔBO, 2008, p. 212). afetividade, colocando em xeque tanto a verdade jurídica, quanto a certeza científica Na verdade, a jurisprudência pátria tem até no estabelecimento da filiação. A filiação mesmo se mostrado mais favorável ao reconhecimento socioafetiva assenta-se no reconhecimento da da filiação socioafetiva do que da genética, quando posse de estado de filho: a crença da condição de filho fundada em laços de afeto, A posse estas entram em conflito. Critica-se a doutrina de estado é a expressão mais exuberante do do afeto pelo fato de que o vínculo genético seria parentesco psicológico, da filiação afetiva. A maternidade e a paternidade biológica nada estável e permanente, enquanto que o do afeto seria valem frente ao vínculo afetivo que se forma instável e se modificaria com frequência, entretanto, entre a criança e aquele que trata e cuida dela, lhe dá amor e participa da sua vida (2013, p. para rebater tal argumento, Romualdo Baptista dos 380-381). Santos explica que o afeto que permeia as relações familiares não é o mesmo das paixões, mas sim A posse do estado de filiação se revela pela sentimentos de amor e compaixão, mais complexos, convivência familiar, pelo efetivo cumprimento pelos estáveis e duradouros (apud PAIANO, 2017, p. 64). pais dos deveres de guarda, educação e sustento, pelo Daniela explica que as famílias recompostas relacionamento afetivo e pelo comportamento que podem ser exemplos de famílias socioafetivas, pois adotam perante a comunidade (LÔBO, 2008, p. novos laços afetivos são criados, muito embora cada 212). um de seus membros, em sua maioria, já tivesse esses Para se reconhecer a posse do estado de filho, laços em relacionamentos anteriores (2017, p. 66): há que se analisar três aspectos: a) tractatus: o filho é tratado como filho, criado, educado e apresentado Na família reconstituída, aumenta o número de pessoas que desempenha a mesma função – como filho pelos pais; b) nominatio: ele usa e se dois pais, duas mães, meio-irmãos etc, fazendo apresenta com o nome da família; c) reputatio: ele é surgir dificuldades no entendimento do papel que cada um desempenha. conhecido como parte da família de seus pais (DIAS, Dessas relações de padrastio e madastio 2013, p. 381). Estas características não precisam ser geralmente decorrem demandas de adoção e, agora, a possibilidade de multiparentalidade, cumulativas, uma vez que inexiste exigência legal e ou seja, a declaração de filiação socioafetiva o estado de filiação deve ser favorecido, em caso de entre eles, sem exclusão da biológica (2017, dúvida. p. 68). Heloisa Helena Barboza defende que a filiação O Enunciado 256, da III Jornada de Direito socioafetiva depende da prova do elemento externo Civil, ao interpretar o art. 1.593, do Código (reconhecimento social) e interno (afetividade), Civil, estabeleceu que a posse de estado de filho sendo que o primeiro traduz o segundo e pode ser (parentalidade socioafetiva) constitui modalidade de identificado objetivamente quando presentes os três parentesco civil. requisitos acima citados (2009, p. 31). A essência da socioafetividade é o exercício 5 OS VÍNCULOS EXISTENTES ENTRE OS fático da autoridade parental, é a criação e educação MEMBROS DA FAMÍLIA RECONSTITUÍDA do filho, com o escopo de edificar sua personalidade, não obstante a inexistência de um vínculo sanguíneo Como visto, padrastos e madrastas são que justifique esta obrigação (TEIXEIRA; parentes afins em primeiro grau com seus enteados RODRIGUES, 2009, p. 38). e enteadas, em virtude do art. 1.595, do CC. Já A posse do estado de filho também deve ser os parentes consanguíneos de um cônjuge não constante, sendo desejável, embora não obrigatório, são parentes do outro, uma vez que afinidade não que tenha iniciado desde o nascimento da criança gera afinidade, como já se dizia no direito romano e se estendido por período significativo. Importante affinitas affinitatem nom parit(GRISARD FILHO, esclarecer que a posse do estado de filho pode ser 2007, p. 119). reconhecida ainda que o pai não possua a guarda É importante lembrar, como já dito da criança, mas desde que exerça regularmente e de anteriormente, que o parágrafo único do art. 1.636, forma constante o seu direito de visitas (TARTUCE, do CC, estabelece que os pais que se unem em novo 2017, p. 38).

48 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade matrimonio ou união estável não perdem os direitos conviverem vários anos como se irmãos fossem na mesma residência familiar, pois estes não relativos ao poder familiar quanto aos filhos do são considerados parentes entre si (2008, p. relacionamento anterior, ou seja, a relação de filiação 73). não sofre alteração pelo divórcio, separação ou novo casamento. É importante lembrar que por mais forte Contudo, se este cônjuge divorciado vier a que seja o vínculo entre padrasto ou madrasta (pais ter um filho no novo relacionamento, este filho não afins) e seus enteados (filhos afins), este vínculo não terá relação de parentesco com relação ao cônjuge gera efeitos sucessórios. O Código Civil não prevê do primeiro matrimônio, pois uma vez rompido esta possibilidade de sucessão, fazendo distinção, o vínculo de afinidade entre o homem e a mulher, inclusive, com relação aos quinhões de filhos uni inexiste possibilidade de incorporar-se novos parentes ou bilaterais. Portanto o filho do cônjuge não afins (GRISARD FILHO, 2007, p. 120). possui direito de herança com relação ao pai afim. Como já visto, não há relação de parentesco Da forma como é hoje, só é possível contemplar entre os parentes de um cônjuge e os parentes do este filho através de testamento ou doação em vida outro cônjuge, pois os afins de afins não são parentes (GRISARD FILHO, 2007, p. 168). entre si. Desta forma, tem- se que os filhos de relações A doutrina faz duras críticas a esta exclusão de anteriores dos cônjuges não são parentes entre si, proteção das famílias reconstituídas pois, não raras muito embora sejam comumente designados irmãos, vezes, a relação desses pais e filhos afins é tão forte dada a proximidade e afetividade que permeiam essas como a derivada do nexo biológico. relações: Deste modo, o direito hereditário ignora a realidade das famílias reconstituídas, nas Nesta ordem, não há parentesco algum entre quais, dadas certas circunstâncias ou por suas os filhos próprios de cada um dos adultos do especificidades, como quando não há filhos novo casal. Entretanto, estes são comumente próprios ou tenha havido uma convivência de chamados irmãos, simbolizando a existência larga duração, caberia presumir a vontade de de um laço afetivo entre eles, na medida beneficiar o filho do cônjuge ou companheiro em que vivem no mesmo lar e integram um ou vice-versa, como coube ao filho adulterino, mesmo grupo (novo) familiar. Para eles, não ao tempo da Lei 883, de 1949, uma quota existe na literatura uma denominação própria. hereditária a título de amparo social. Todavia, Porém, na linha adotada por este trabalho, em direito hereditário, a idéia segundo a qual passam a se chamar irmãos afins, porque seus existe uma verdadeira solidariedade entre genitores se acham unidos aos filhos do outro os filhos que vivem no seio de uma família (pai ou mãe afim) pelo vínculo de afinidade reconstituída está longe de ser admitida pelo (GRISARD FILHO, 2007, p. 121). legislador (GRISARD FILHO, 2007, p. 168- 169). O autor defende, contudo, que estes filhos são impedidos de se casarem, uma vez que tal fato Nos Eua, alguns Estados proíbem produziria desordem e confusão familiar. Para ele, expressamente a sucessão entre pais e filhos afins, não se pode aplicar simplesmente os conceitos de enquanto que em outros Estados eles são incluídos consanguinidade para dizer que estes irmãos afinsnão na cadeia sucessória apenas quando ausentes outros são parentes, mas deve-se ter em mente o conteúdo parentes. Estados como a California, por exemplo, socioafetivo, que amplifica a noção de família. trazem requisitos para que os filhos afins sejam Cecília P. Grosman e Irene Martínez Alcorta considerados herdeiros, exigindo que a relação defendem que a legislação deveria tratar da relação se inicie durante a menoridade do filho afim e se entre estes irmãos afins, pois outras questões além prolongue para além da maioridade. Outros Estados dos impedimentos matrimoniais, como o dever de invocam ainda a doutrina do in loco parentis que dá alimentos e de igualdade de tratamento afetam as significação jurídica ao fato do adulto ter assumido relações familiares (GROSMAN; ALCORTA, 2000, voluntariamente suas responsabilidades parentais p. 257-258). (GRISARD FILHO, 2007, p. 169). No mesmo sentido, Paulo Lôbo: Outro modo de contornar o problema é pela adoção do filho afim (GRISARD FILHO, 2007, p. Há situações de forte conteúdo moral decorrentes dessas famílias, como o 176). Trata-se de adoção unilateral, prevista no art. impedimento de casamento de enteados com 1.626, do Código Civil e 41, §1º, ECA. Ela cria padrastos ou madrastas e o impedimento de um vínculo do filho adotado com a família do pai casamento dos enteados com os filhos de um dos cônjuges ou companheiros, após adotante, porém, para tanto, era necessário que o

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 49 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade pai consanguíneo fosse destituído do poder familiar Vimos, no decorrer deste trabalho, que pai e (DIAS, 2013, p. 56). filho afim são parentes em linha reta em primeiro Hoje, todavia, a jurisprudência tem grau por afinidade, vínculo este que não se extingue reconhecido a possibilidade da multiparentalidade, com a morte ou divórcio. Este vínculo, no entanto, ou seja, que a pessoa tenha mais de um pai e/ou mãe, limita-se a estabelecer impedimentos matrimoniais, como já tratado: não englobando direitos alimentares, sucessórios ou

Com isso, surgem as relações de madrastio previdenciários. Ademais, como a afinidade não gera e padrastio, em que novas pessoas ocupam e afinidade, os parentes do pai e filho afim não são exercem o papel e função de pais e mães, de considerados parentes entre si, ou seja, os filhos dos forma concomitante ou não, com os biológicos. Inclusive, dessas relações, emanam muitas pais em segunda união não são considerados irmãos, vezes, pedidos de adoção. Ocorre que, para a legalmente falando. procedência do pedido de adoção, quando houver vínculo biológico de relação originária, Para que tais direitos sejam reconhecidos, seria ela precisa ser desfeita por meio da destituição necessário a adoção unilateral por parte do pai afim, do poder familiar, a fim de que seja constituído o novo vínculo parental. Em diversas situações ocasião em que o pai registral era excluído do registro. em concreto, tal solução jurídica não pareceu Outra maneira de contornar o problema foi através a mais acertada, de modo que começaram do reconhecimento da paternidade socioafetiva, a surgir declarações de multiparentalidade, possibilitando, de modo concomitante, a o que pode resultar na multiparentalidade, caso o manutenção do vínculo biológico ao lado do pai biológico continue constando no registro civil. socioafetivo (PAIANO, 2017, p. 73). O reconhecimento da paternidade socioafetiva As famílias mosaicos podem se estabelecer estabelece vínculos como os do parentesco de maneiras diversas. Há que se pensar em pelo consanguíneo, fazendo com que produza todos os menos duas situações: 1) a que o pai biológico, que efeitos anteriormente citados e que alcance também não possui a guarda, não se faz presente, ficando a os parentes desses pais e filhos afins. criança com a convivência restrita à um dos pais e seu Hoje, existe uma lacuna legislativa com cônjuge; 2) a que o pai biológico apenas não possui a relação ao parentesco entre os filhos de relações guarda, mas exerce seu poder familiar. Para Mizrahi, precedentes do casal que formou uma nova união. a primeira situação poderia ser resolvida através Como pais e filhos afins são parentes por afinidade da adoção por parte do pai afim, enquanto que a e a afinidade não gera afinidade, conclui-se que estes segunda, é um pouco mais complexa, pois ocorrerá filhos não possuem qualquer vínculo de parentesco. uma concorrência de funções do pai biológico com o Esta conclusão soa ilógica, pois, na maioria das vezes, pai afim (MIZRAHI, 2001, p. 450). estes filhos se consideram irmãos, pois são criados sob o mesmo teto e possuem fortes laços de afetividade. CONCLUSÃO Seria possível, portanto, o casamento entre estes “irmãos”, o que causaria confusão e poderia ser No decorrer deste trabalho, pudemos perceber considerado imoral. Para contornar tal lacuna, a que as famílias pluriparentais existem há muitos anos, maioria da doutrina defende que a afetividade entre mas pouco se vê sobre elas na legislação ou mesmo na esses irmãos seria um impeditivo matrimonial, ainda doutrina. Os tribunais limitam-se a decidir questões que não reconhecida a paternidade socioafetiva específicas em casos concretos, como direito de expressamente. visitas dos pais afins após a morte ou o rompimento Sabe-se que, na prática, cada família possui da relação com o ex-companheiro/cônjuge e algumas uma dinâmica. Há famílias em que os pais não fazem questões referentes à alimentos e sucessões. Não há, qualquer distinção entre os filhos que trouxeram todavia, qualquer normativa que trate o tema de de relacionamentos anteriores, os comuns e/ou os maneira mais generalizada. do seu cônjuge ou companheiro. Estes filhos são Tal se deve em razão do preconceito que submetidos às mesmas regras, à mesma educação, permeia este tipo familiar, que vem desde as histórias frequentam a mesma escola. O contrário também infantis, retratando as madrastas como vilãs; até o é possível: famílias em que cada cônjuge exerce o preconceito contra as famílias de segunda união, pois poder familiar exclusivamente sobre seus próprios até mesmo a Igreja Católica não as aprova. Outro filhos. Também é possível pensar em pais e filhos ponto que certamente influencia o silêncio legislativo afins que possuem vínculos afetivos tão fortes ou até é a amplitude e magnitude destas relações. maiores do que com seus pais/filhos registrais; assim

50 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade como é razoável pensar na existência de relações em e prática. 6. ed. rev., atual e ampl. Rio de Janeiro: que pai e filho afim não formaram qualquer vínculo, Forense; São Paulo: Método, 2014. limitando-se à coabitação. MIZRAHI, Maurício Luis. Familia, matrimonio y Em suma, devemos admitir que a realidade divorcio. Ciudad de Buenos Aires: Editorial Astrea, fática sempre abarcará inúmeras hipóteses que 2001. certamente o legislador não conseguirá regular, até PAIANO, Daniela Braga. A Família Atual e as Espécies de mesmo porque o direito de família acompanha a Filiação: Da possibilidade jurídica da multiparentalidade. evolução da sociedade em si, que está em constante 1. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2017. transformação. De qualquer forma, a lei também ROCHA, Marco Tulio de Carvalho. O conceito de não deve simplesmente ignorar uma situação tão família e suas implicações jurídicas: teoria sociojurídica comum e limitar-se a dizer que o novo cônjuge do direito de família. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. não interferirá na criação do filho que não é dele, RUZYK, Carlos Eduardo Pianovski. Famílias tal como o art. 1.636, do Código Civil. Isto é simultâneas: da unidade codificada à pluralidade simplesmente negar a realidade. É preciso, portanto, constitucional. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. que as famílias pluriparentais recebam mais atenção STJ. RECURSO ESPECIAL: REsp 1.183.378 RS da doutrina e do legislador, de forma a encontrar 2010/0036663-8. Relator: Ministro Luis soluções para nortear os problemas que podem advir Felipe Salomão. DJ: 01/02/2012. STJ, 2012. destas relações. Disponível em: . Acesso em: 11 abr. 2018. BARBOZA, Heloisa Helena. Efeitos jurídicos do parentesco socioafetivo. Revista Brasileira de Direito TARTUCE, Flávio. Manual de Direito Civil: volume das Famílias e Sucessões. Porto Alegre: Magister; Belo único. 7. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Horizonte: IBDFAM, v. 11, n. 9, abr./maio 2009. Forense; São Paulo: Método, 2017. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; Rodrigues, ed. rev. atual. e ampl. de acordo com: Lei 12.344/2010 Renata de Lima. Multiparentalidade como efeito da (regime obrigatório de bens): Lei 12.398/2011 (direito socioafetividade nas famílias recompostas. In: Revista de visita dos avós). São Paulo: Editora Revista dos Brasileira de Direito das Famílias e Sucessões. v. 11, n. Tribunais, 2013. 10, jun./jul., 2009, p. 34-60. FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser; RÖRHMANN, Konstanze. As famílias pluriparentais ou mosaicos. Revista do Direito Privado da UEL. v.1., n. 1. In:. GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias reconstituídas: novas uniões depois da separação. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. GROSMAN, Cecilia P.; ALCORTA, Irene Martínez. Famílias ensambladas: nuevas uniones después del divorcio. Ley e creencias. Problemas y soluciones legales. Buenos Aires: Editorial Universidad, 2000. HERRERA, Marisa. Filiación, adopció y distintas estructuras familiares em los albores del siglo XXI. A família além dos mitos. Coord. BASTOS, Eliene Ferreira e DIAS, Maria Berenice. Belo Horizonte: Del Rey, 2008. LÔBO, Paulo. Direito Civil: Famílias. São Paulo: Saraiva, 2008. LOUREIRO, Luiz Guilherme. Registros Públicos: teoria

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 51 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

DAS CRIANÇAS E DOS ADOLESCENTES MIDIATIZADOS: UMA ANÁLISE SOBRE O PAPEL DOS PAIS NA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE

MEDIATIZES CHILDREN AND TEENAGERS: AN ANALYSIS OF PARENTS ‘ROLE IN THE VIOLATION OF THE PERSON RIGHT

Letícia de Campos Milani Acadêmica do curso de Bacharel em Direito pelo Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Endereço eletrônico: [email protected];

Fernanda Moreira Benvenuto Mesquita Simões Graduação em Direito pela Faculdade Maringá (2006); Especialista em Responsabilidade Civil e Direito de Família pela Universidade Estadual de Londrina - UEL (2012); Mestre em Ciências Jurídicas pelo Centro de Ensino Superior de Maringá - Unicesumar (2014). Doutoranda em Educação pela Universidade Estadual de Maringá – UEM (2016). Docente da Unicesumar. Endereço eletrônico: [email protected];

RESUMO Constitution of 1988 as a fundamental right and a guarantee to all citizens. With the advent of new Os direitos da personalidade estão presentes technologies and the development of the digital age, fortemente no ordenamento jurídico pátrio, inseridos these rights have been violated to a large extent. In this na Constituição Federal de 1988 como um direito e sense, this article aims to analyze the violations of rights garantia fundamental a todos os cidadãos. Com o of children and adolescents in the digital age that are advento de novas tecnologias e o desenvolvimento exposed by their own parents. This article presents the da era digital, os mencionados direitos vêm sendo real injuries that may affect the very personal rights of violados em uma magnitude vultuosa. Nesse sentido, children by their parents, to the detriment of family o presente artigo tem como problemática a análise power legally granted to this child. quanto a violação desses direitos no que tange às crianças e adolescentes quando midiatizados por seus KEYWORDS pais, possuindo como escopo expor as reais lesões Person Right; Power Family, Children and teenagers. que podem acometer os direitos personalíssimos destes, em virtude de um poder familiar exercido de INTRODUÇÃO modo equivocado. Com o avanço tecnológico, a utilização das PALAVRAS-CHAVE mídias sociais cresceu em um número vertiginoso. Direitos da Personalidade; Poder Familiar; Crianças e adolescentes. Diante dessa evolução digital, muito vem se discutindo a respeito dos limites a serem impostos, ABSTRACT através da lei e ou da autorresponsabilidade, na utilização desses instrumentos digitais, com o fim The person right is strongly present in the específico de afastar qualquer ameaça de lesão e/ homeland legal system, once it is inserted in the Federal ou violação aos direitos da personalidade alheia, VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade especialmente ao direito à intimidade, à vida privada, Por fim, será exibido entendimentos de à honra e à imagem. juristas nacionais com o escopo de demonstrar que Nesta senda, o presente artigo busca demostrar de fato existem violações aos direitos personalíssimos as violações dos direitos da personalidade de crianças dos filhos pelos próprios pais, violações essas e adolescentes em razão da midiatização sofrida potencializadas por uma geração digital em que tudo dentro do poder familiar. A violação dos direitos da é mostrado, fotografado e viralizado para o público personalidade do menor por seus pais muitas vezes em geral, ficando no esquecimento que existe ocorre de modo inconsciente, sem mesmo os pais uma privacidade e intimidade alheia que deve ser prognosticarem que certa conduta será lesiva à um respeitada. direito do menor. Será imprescindível adentrar nos temas da 1 DO PODER FAMILIAR parentalidade responsável e do dever de cuidado, ferramentas estas fundamentais às pessoas dos O ser humano tem como necessidade a pais, para que estes conduzam seus filhos ao companhia do seu próximo. A realidade da evolução desenvolvimento saudável e ao adequado exercício de demonstra que há uma dependência entre o homem e seus direitos, não utilizando da autoridade parental a mulher, seja por um instinto naturalmente animal, como meio negativo, inibitório ou lesivo à dignidade ou pelo almejo de serem cuidado por outro alguém. e personalidade infantil. Diante dessa ânsia, os homens se aglomeram formando uma reunião de vínculos informais, Destaca-se que, à título de exemplo, os pais fazendo nascer um sentimento de pertence uns violam o direito à imagem de seu filho quando há com os outros. A família advém dessa construção uma exposição esmiuçada nas mídias sociais de toda informal. sua rotina, como banhos, brincadeiras, broncas e Gustavo Tepedino aduz que a família é uma condutas negativas do filho, possibilitando o acesso a construção cultural, onde cada integrante possui esses arquivos por qualquer pessoa. uma função – função de pai, mãe, filho – sem, Por isso, a importância de revelar que necessariamente, serem ligados biologicamente. a autoridade parental pode vir a cometer atos (TEPEDINO, 2000, p. 14) atentatórios quanto aos direitos de seus filhos Através dessas hierarquias surge uma com uma simples postagem de uma foto que trará autoridade e um poder que prevalecerá no comando repercussões a esse indivíduo, objetivando evitar, organizacional desse instituto, o chamado “poder pois, possíveis demandas judiciais no âmbito cível familiar”. pleiteadas por estas crianças e adolescentes no futuro, A expressão “poder familiar “– do quando atingirem sua capacidade plena. direito romano: pater potestas – possuía a antiga Neste estudo, parte-se da revisão bibliográfica nominação de “pátrio poder” no Código Civil de e da análise da legislação brasileira, garantidora da 1916, demonstrando um patente machismo, por proteção dos direitos da personalidade, defendendo, considerar, na derivação do termo, apenas o homem consequentemente, o princípio constitucional como detentor de um poder absoluto e ilimitado da dignidade da pessoa humana, com cerne em perante as pessoas de seus filhos. conceituá-los a partir de leis e doutrinas selecionadas Para Waldyr Grisard (2014, p.24), o e, interdisciplina-los com o poder familiar instituído poder familiar é a tentativa de unir as faculdades às figuras parentais. encomendadas aos pais, como a instituição protetora Posteriormente, há o aprofundamento do da menoridade, com a finalidade de conquistar o estudo, desenvolvendo, como tópico central deste pleno desenvolvimento e a formação integral dos referencial teórico, a real violação dos direitos filhos, seja física, mental, psíquica, moral, espiritual personalíssimos dos filhos por seus pais, em razão ou socialmente. da alta exposição da criança nas mídias sociais, Desse modo, a Constituição Federal, bem com o objetivo de salientar a imprescindibilidade como o Código Civil1, conferem aos genitores do dever de cuidado que as figuras parentais devem dos filhos o pleno e igualitário dever de cuidado e praticar perante seus filhos, estando dotados de proteção para com eles, garantindo um poder de uma paternidade responsável capaz de defender e 1. Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: IV - sustento, guarda e preservar o melhor interesse do menor. educação dos filhos; V - respeito e consideração mútuos.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 53 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade familiar irrenunciável, intransferível, inalienável e apenas nas obrigações de mera proteção material e imprescritível. Nesta senda, as obrigações advindas intelectual, sob pena das sanções acima transcritas. do poder familiar são de caráter personalíssimas, Nesta perspectiva, o poder familiar deve ter sendo nulo qualquer ato que lese alguma das como objeto central o cuidado, amor e carinho com naturezas jurídicas supramencionadas. os filhos, demonstrando sentimentos e emoções Nasce, então, o princípio constitucional da dignos para com estes, formando um porto seguro igualdade na chefia familiar, podendo ser exercida de amparo frente à situações ameaçadoras. tanto pelo homem quanto pela mulher de modo Nesse sentido, é o escólio de Carlos Roberto cooperativo. Assim, a Carta Magna Pátria dispõe em Gonçalves (2018, pg. 410), o poder familiar “resulta seu artigo 226, parágrafos 5º e 7º: de uma necessidade natural. Constituída a família e nascidos os filhos, não basta alimentá-los e deixá-los Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. crescer à lei da natureza, como os animais inferiores. § 5º Os direitos e deveres referentes à Há que educá-los e dirigi-los”. Portanto, o símbolo que sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo homem e pela mulher (BRASIL, 1988). a família representa para a sociedade é de proteção e cuidado perante o natural desenvolvimento humano, Destaca-se que o poder familiar deve ser em que o respeito, o amor e a responsabilidade um exercido intentando continuamente o melhor para com o outro devem triunfar. interesse dos filhos. Havendo transgressão dessa finalidade pelos pais, o Estado sente-se legitimado a 2 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE entrar no seio familiar a fim de proteger e defender os menores que ali vivem, podendo ocorrer a suspensão Os direitos da personalidade são aqueles e até a exclusão do poder familiar. (DINIZ, 2015 p. considerados intrínsecos ao ser humano, devidos em 470). razão da natureza e existência humana. Na percepção de Lobo (2002, p.6 e 7), a Nas palavras de Orlando Gomes (2001, p. família em si não é o núcleo da norma constitucional, 141), são “direitos considerados essenciais à pessoa mas o bem-estar de seus membros e a realização dos humana, que a doutrina moderna preconiza e indivíduos nela inseridos. disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade”. As sanções de suspensão e perda/extinção do Os direitos da personalidade demonstraram-se poder familiar estão previstas nos artigos 1637 e fortes após períodos históricos, principalmente com 1635 do Código Civil, respectivamente, cabendo a o repúdio ao nazifacismo, fruto do Holocausto e da primeira em hipóteses de abuso de autoridade, e a Segunda Guerra Mundial (1939-1945). Após este fato segunda em casos de infringências de deveres mais histórico, o direito à dignidade da pessoa humana, relevantes: abarcando todos os direitos da personalidade em seu conteúdo, foi altamente discutido, sendo colocado Art. 1.635. Extingue-se o poder familiar: I - pela morte dos pais ou do filho; como princípio fundamental nas Constituições II - pela emancipação, nos termos de diversos países, como Brasil, Espanha, Grécia, o do art. 5 , parágrafo único; III - pela Irlanda, Itália, Portugal, Bélgica, entre outros. maioridade; - pela adoção; Não obstante a tutela dos direitos da - por decisão judicial, na forma do artigo personalidade seja recente, a importância de 1.638. (BRASIL, 2002) Art. 1.637. Se o pai, ou a mãe, abusar de sua garantia e proteção é tão relevante em nosso sua autoridade, faltando aos deveres a eles ordenamento jurídico que a Carta Magna2, em seu inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, artigo 5º, inciso X, dispõe sua inviolabilidade de ou o Ministério Público, adotar a medida modo absoluto. que lhe pareça reclamada pela segurança do A consagração desses direitos expostos no menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha. (BRASIL, Código Civil de 2002 representou para a sociedade 2002) brasileira uma descomunal tutela da pessoa humana

Destarte, é através do poder familiar que os 2. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a pais possuem o dever de perceber tudo ao redor da inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: criança e do adolescente, valorizando seus interesses X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das e a tutela de seus direitos, não podendo se limitar pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

54 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade em face do princípio da dignidade da pessoa humano, É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, em harmonia com a ótica de Gustavo Tepedino com absoluta prioridade, o direito à vida, à (2004, pg. 31). saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à Nesse tocante, Roxana Cardoso Brasileiro profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar Borges expõe: e comunitária, além de colocá- los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, Não se trata de direitos à personalidade, mas exploração, violência, crueldade e opressão. de direitos que decorrem da personalidade (BRASIL, 1988) humana, da condição de ser humano. Com os direitos da personalidade, protege-se o que é próprio da pessoa, como o direito à Diante disso, o dispositivo legal acima citado vida, o direito à integridade física e psíquica, impõe a interpretação conforme a proteção integral o direito à integridade intelectual, o direito da criança e do adolescente, em que a sociedade é ao próprio corpo, o direito à intimidade, o direito à intimidade, o direito à privacidade, o garantidora dos direitos dos menores. Com isso, o direito à liberdade, o direito à honra, o direito tratamento jurisdicional e administrativo deve ser à imagem, o direito ao nome, dentre outros. (BORGES, 2007, p.21) diferenciado quando há o envolvimento do interesse da criança e do adolescente. Diante disso, infere-se a amplitude que os Posteriormente, a classificação dos direitos da direitos da personalidade se inserem, salvaguardando personalidade compreende os aspectos fundamentais valores intrínsecos, protegendo, aliás, o princípio da personalidade, abrangendo a integridade física, fundamental da dignidade da pessoa humana. nela compondo o direito à vida, ao corpo, à saúde Assim, os direitos da personalidade alcançam tudo e o direito ao cadáver; a integridade intelectual, nela aquilo se encontra como o minimum para uma vida englobando o direito à autoria cientifica ou literária, digna. liberdade religiosa, de expressão e de intelecto; e Nas palavras dos ilustres Cristiano Chaves de por fim, a integridade moral ou psíquica, nesta Farias e Nelson Rosenvald abarcando o direito à privacidade, ao nome e à imagem, cumprindo ressaltar que estes elencados É possível vislumbrar o direio à vida digna (dignidade da pessoa humana), a partir da não exaure o rol dos direitos personalíssimos. intelecção do art. 1º, III, da Constituição No presente artigo, o tema é correlacionado, da República, como o pressuposto lógico da personalidade humana e, consequentemente, principalmente, à integridade moral ou psíquica, dos próprios direitos da personalidade. (2014, concernente à proteção conferida aos atributos pg. 202) psicológicos do indivíduo, como sua honra, imagem, moral, vida privada, nome, entre outros. O atual Código Civil elenca algumas espécies Neste tocante, a violação a qualquer um dos de direitos personalíssimos, cumprindo ressaltar direitos acima induz a ocorrência de dano indenizável. que o rol normativo possui caráter exemplificativo, A título de exemplo, especificamente ao direito priorizando do artigo 11 ao 21 os direitos pertinentes à imagem, por si só o uso indevido da imagem de à integridade física humana. outrem caracteriza o dano extrapatrimonial, também Sedimentou-se no Enunciado 274 da Jornada chamado de dano moral. Nesta oportunidade, a de Direito Civil que “os direitos da personalidade, Corte Superior asseverou, didaticamente, sobre o regulados de maneira não exaustiva pelo Código tema: Civil, são expressões da cláusula geral de tutela da pessoa humana, contida no art. 1º, III, da ... Em se tratando de direito à imagem, a Constituição Federal”. obrigação de reparação decorre do próprio uso indevido do direito personalíssimo, não Da óptica da criança e do adolescente, a havendo de cogitar-se da prova da existência proteção a esses direitos potencializa na medida de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização, indevida da imagem, não sendo que a pessoa não emancipada possui uma maior necessária a demonstração do prejuízo vulnerabilidade em decorrência do desenvolvimento material. (STJ, 2000, pg. 208)3 ainda em expansão. Assim, a Constituição Federal prioriza como Denota-se, portanto, que o ordenamento dever da família, do Estado e da sociedade a proteção jurídico pátrio confere uma ampla proteção aos à criança e ao adolescente, dispondo em seu artigo direitos da personalidades, que por suas vezes 227, caput: 3. STJ, Ac 4ªT, REsp. 267.529/RJ, rel. Min. Sálvio de Figueiredo Teixeira, j.3.10.00, DJU 18.12.00

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 55 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade possuem um forte elo com o princípio fundamental principais psicólogos modernos que trouxe novas da dignidade da pessoa humana, com o fim de perspectivas nos estudos relativos à crianças, o salvaguardar os valores intrínsecos do indivíduo em menor é considerado como ele próprio, e não um todas suas concepções. adulto em miniatura. Diante disso e, fechando o parêntese, o pensamento de que toda criança irá se 3 DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DA desenvolver no decurso do ciclo natural da vida é PERSONALIDADE DA CRIANÇA PELO PODER errôneo, dado que ela necessita de instrumentos, FAMILIAR proteção, carinho e nortes que a influenciará em seu desenvolvimento. A tutela aos direitos da personalidade infanto- Neste ponto, com a era digital que todo o juvenil possui um amparo especial na Constituição mundo está vivendo, essas violações aos direitos Federal, assim como em todo o ordenamento jurídico personalíssimos infantis estão sendo infringidos brasileiro, em razão da vulnerabilidade assistida pelas pelas autoridades parentais, mesmo que de maneira crianças e adolescentes. “inconsciente”. A salvaguarda à essa gama de direitos é singular A exposição da criança e do adolescente na medida em que a personalidade infantil e juvenil em redes sociais utiliza-se da hipervulnerabilidade apresenta características distintas quando comparada infantil, inerente à fase de desenvolvimento que os a personalidade adulta, porquanto crianças e menores se encontram. (MARQUES e MIRAGEM, adolescentes estão em fase de desenvolvimento. 2012, p. 129). Isso significa que a criança não possui Desse modo, o ápice dessa preservação deve ferramentas para se defender de situações que violem ser a dignidade da criança e do adolescente e, em seus bens jurídico, diferentemente do adulto, que é havendo situações que os envolvam suas dignidades e dotado de sendo crítico e capacidade de mensurar seus direitos da personalidade devem ser preservados, situações ameaçadoras ou lesivas. subsistindo uma maior cautela, em razão da própria Nesta senda, conforme ilustra (REIS e proteção constitucional a eles destinada – art. 227, PINTO, 2012, p. 516 e 517), quando ocorre uma CF4 - consubstanciado com o melhor interesse violação aos deveres inerentes ao poder familiar da criança, disposto no Estatuto da Criança e do essa lesão repercute na intimidade dos membros do Adolescente5, bem como no Código Civil. núcleo social, formalizando as primeiras rupturas na Até a criança atingir sua capacidade plena, seus personalidade dos atingidos, sujeitando os cônjuges pais, via de regra, a representam em tudo aquilo que à responsabilidade civil decorrente das ofensas. a diz respeita, portando o múnus legal em protegê-la Não obstante exista uma relativização do contra qualquer ameaça de lesão. direito à imagem proposta pelo Código Civil em Sob a óbice dos direitos da personalidade, os seu artigo 206, em que o titular pode dispor do seu pais ou, os representantes legais da criança, possuem direito à imagem desde que haja consentimento o dever, em razão do poder familiar, em garantir os para isso, interpreta-se, portanto, que esse direitos personalíssimos cabalmente, sem a ocorrência consentimento seja, em um primeiro momento, de qualquer vício. Seja o direito à integridade física livre de vícios e, posteriormente, do indivíduo ao direito à imagem, todos devem ser resguardos de capaz de realizar um senso crítico íntegro quanto modo suprassumo pelos responsáveis do menor. ao uso de sua imagem. Isso porque, o desenvolvimento infantil é No caso de crianças e adolescentes, esse um curso natural da vida, contudo, extremamente senso crítico perfeito não é pleno, em razão de seu complexo. As transformações psíquicas, emocionais desenvolvimento ainda em progresso. Clarividente se e físicas que são exteriorizadas na criança, bem como torna, então, que a criança não possui até o momento no adolescente, são ostensivas e profundas. de seu crescimento a experiência psíquica suficiente De modo a abrir um parêntese, conforme para lidar com situações que necessitam diferenciar a o pensamento de Vygotsky (1996), um dos lesão do dever dos pais de cuidado e repreensão. Para eles, tudo girará em torno da hierarquia que subsiste 4. Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à 6. Art. 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo violência, crueldade e opressão. da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a 5. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990 respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

56 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade entre pais e filhos, e todas as condutas advindas dos responsável absolutamente orientada em proteger os pais decorrem de sua autoridade para com estes. Os filhos, seus interesses e acima de tudo seus direitos. filhos não conjecturam que os indivíduos, membros Nas palavras do Ministro Marco Aurélio que conduzem uma relação onde existe, ou deveria (2018), ilustre fomentador da jurisprudência existir, ad extremum proteção, poderiam violar nacional, o melhor interesse da criança deve ser a qualquer de seus bens jurídicos. prioridade dos pais, de modo a nortear qualquer Ademais, as figuras paternais transmitem uma decisão, formalizando, de fato, a parentalidade autoridade soberana tanto a eles próprios, bem como responsável. para seus filhos, tornando intacta a ideia de quem No honroso pensamento da Ministra Maria cada pai sabe o melhor para seu filho, não subsistindo Isabel Gallotti, igualmente membro da Suprema a hipótese de discussão sobre a adequação das Corte de Justiça nacional: decisões tidas pelos pais. Contudo, a Constituição A caracterização do “dever de cuidado” Federal ascende sobre a necessidade das decisões como dever jurídico, cujo descumprimento parentais estarem embasadas plenamente no melhor pode acarretar responsabilidade civil é assim sustentada no voto condutor do REsp. interesse da criança e do adolescente, protegendo 1.159.242/SP pela Ministra Nancy Andrighi: fielmente suas dignidades e, em consequência disso “Essa percepção do cuidado como tendo valor seus valores personalíssimos. jurídico já foi, inclusive, incorporada em nosso ordenamento jurídico, não com essa Neste tocando ao melhor interesse infantil, expressão, mas com locuções e termos que para Roberta Tupinambá: manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. Vê-se hoje nas normas constitucionais a máxima amplitude Ao atentar para a dignidade da pessoa humana possível e, em paralelo, a cristalização do no contexto do princípio do melhor interesse entendimento, no âmbito científico, do que da criança e da proteção integral, trata- já era empiricamente percebido: o cuidado é se, em verdade, de atenção voltada a uma fundamental para a formação do menor e do dimensão muito específica do princípio da adolescente; ganha o debate contornos mais dignidade da pessoa humana, qual seja a do técnicos, pois não se discute mais a mensuração cuidado. Destarte, no que concerne ao teor do do intangível – o amor – mas, sim, a verificação princípio do melhor interesse da criança, nota- do cumprimento, descumprimento, ou parcial se outra dose de cuidado, veja- se: o conceito cumprimento, de uma obrigação legal: cuidar. de “melhor interesse”, além de ser aberto e Negar ao cuidado o status de obrigação subjetivo, adere à relatividade, daí porque o legal importa na vulneração da membrana entendimento do princípio do melhor interesse constitucional de proteção ao menor e da criança poder sofrer variações de diversas adolescente, cristalizada, na parte final do naturezas – culturais, sociais, axiológicas dispositivo citado: “(...) além de colocá-los etc. Ato contínuo, ao permitir que hajam as a salvo de toda a forma de negligência (...)”. referidas variações, permite o legislador que a Alçando-se, no entanto, o cuidado à categoria definição do mérito do princípio do melhor de obrigação legal supera-se o grande empeço interesse da criança e da proteção integral seja sempre declinado quando se discute o definido no caso concreto, em uma situação abandono afetivo – a impossibilidade de se real. Assim, atende-se cabalmente ao princípio obrigar a amar. Aqui não se fala ou se discute jurídico do cuidado, ao passo que, por não o amar e, sim, a imposição biológica e legal haver um entendimento preconcebido do que de cuidar, que é dever jurídico, corolário da seja o melhor para a criança ou adolescente, liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem pode-se verificar qual a decisão mais justa no filhos. O amor diz respeito à motivação, caso concreto. E não poderia ser diferente, questão que refoge os lindes legais, situando- afinal, tem-se que, em linhas gerais, o que a se, pela sua subjetividade e impossibilidade Convenção Internacional sobre os Direitos de precisa materialização, no universo meta- da Criança proclama é a prioridade absoluta jurídico da filosofia, da psicologia ou da e imediata da infância e da juventude, religião. conduzindo a criança e o adolescente a uma O cuidado, distintamente, é tisnado por consideração especial, sendo seus direitos elementos objetivos, distinguindo-se do amar fundamentais universalmente salvaguardados. pela possibilidade de verificação e comprovação Não obstante, o teor da Convenção deixa de seu cumprimento, que exsurge da avaliação cristalina a imposição aos pais e responsáveis de ações concretas: presença; contatos, mesmo do dever de dirigir às crianças cuidados que não presenciais; ações voluntárias em favor especiais, corolário do princípio do melhor da prole; comparações entre o tratamento interesse da criança. (TUPINAMBÁ, 2008, dado aos demais filhos – quando existirem pg. 371-372) –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Diante da existência de violações dentro do Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever. A comprovação que essa imposição legal foi aconchego familiar, destaca-se, pois, a importância descumprida implica. por certo, a ocorrência do dever de cuidado da figura parental para com seus de ilicitude civil, sob a forma de omissão, pois filhos, com o propósito de exercer uma parentalidade na hipótese o non facere que atinge um bem

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 57 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

juridicamente tutelado, leia-se, o necessário CONCLUSÃO dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal. Fixado esse ponto, impõe- Embora a tutela aos direitos da personalidade se, ainda, no universo da caracterização da ilicitude, fazer- se pequena digressão sobre seja recente no ordenamento jurídico brasileiro, a culpa e sua incidência à espécie. Quanto clarividente se encontra a potência à sua proteção e a essa monótono o entendimento de que a resguardo, principalmente ao se tratar dos direitos da conduta voluntária está diretamente associada à caracterização do ato ilícito, mas que se exige criança e do adolescente. ainda, para a caracterização deste, a existência Em razão de uma vulnerabilidade exacerbada, de dolo ou culpa comprovada do agente, em relação ao evento danoso. Eclipsa, então, a em virtude do desenvolvimento biológico ainda existência de ilicitude, [...]. em construção, a criança carece de uma proteção. Todas essas circunstâncias e várias outras que se possam imaginar podem e devem O Estado e a sociedade possuem o dever para com ser consideradas na avaliação dos cuidados aquela, contudo os pais, através do poder familiar dispensados por um dos pais à sua prole, contemplado pela lei, apresentam um compromisso frisando-se, no entanto, que o torvelinho de situações práticas da vida moderna não toldam absoluto, supremo e único com seus filhos. plenamente a responsabilidade dos pais Assim, as autoridades parentais detém a naturais ou adotivos, em relação a seus filhos, pois, com a decisão de procriar ou adotar, nasce incumbência de, através de seu dever de cuidado igualmente o indelegável ônus constitucional e da paternidade responsável, proteger seus filhos de cuidar. Apesar das inúmeras hipóteses que poderiam contra qualquer ameaça ou efetiva lesão a seus bens justificar a ausência de pleno cuidado de um jurídicos. dos genitores em relação à sua prole, não Destarte, caso os pais não utilizem das pode o julgador se olvidar que deve existir um núcleo mínimo de cuidados parentais com o ferramentas disponíveis por seu poder familiar, menor que, para além do mero cumprimento assim como não façam jus a seus deveres inerentes da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada à condição de genitores o/ou responsáveis, haverá o formação psicológica e inserção social. cometimento de ato ilícito por eles, configurando Assim, cabe ao julgador ponderar – sem nunca deixar de negar efetividade à norma a responsabilidade civil por violação à dignidade constitucional protetiva dos menores – as humana e os direitos personalíssimos de seus filhos. situações fáticas que tenha à disposição para Nesta oportunidade, foi demonstrado no seu escrutínio, sopesando, como ocorre em relação às necessidades materiais da prole, presente artigo a realidade das violações aos direitos o binômio necessidade e possibilidade. personalíssimos dos filhos pelo núcleo familiar, (GALLOTI apud ANDRIGHI, 2017, pg. 9-10, grifos nossos) conscientizando-os acerca dos deveres impostos aos pais, como a paternidade responsável, evitando Diante disso, o dever de cuidado não diz assim, não apenas demandas judiciais de pretensão respeito apenas ao sustento, mas também a guarda, por danos morais, mas, principalmente, a não educação e cautela para com os filhos. A obrigação transgressão aos direitos personalíssimos intrínsecos legal instituída ao poder familiar deve repercutir aos filhos. na vida dos filhos, tendo a certeza que a família é Os filhos possuem direito à imagem, à a máxima proteção ao menor. Percebe-se, pois, privacidade, à honra e à intimidade, cabendo a interligação que a paternidade responsável, aos pais protegê-los e garantir o pleno exercício severamente ligada ao dever de cuidado, pode vir a destes direitos por seus filhos, jamais utilizando da garantir a proteção dos direitos personalíssimos do autoridade advinda da natureza parental para violar menor, por não se olvidarem em escudar o que é mais os mencionados direitos e garantias ou qualquer bem importante na vida de um indivíduo: sua dignidade jurídico referente àqueles. humana. Desse modo, em face da hipervulnerabilidade REFERÊNCIAS intrínseca à criança e ao adolescente, a consciência dos pais a uma proteção e dignificação de seus BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. filhos, tendo como norte à tutela a imagem, Planalto. Disponível em . Acesso em: 25 jul. 2019. suporte para que não exista lesões aos bens jurídicos personalíssimos das crianças. BRASIL. Código Civil. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Planalto. Disponível em

58 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm>. Aparecida. Direito da personalidade e dano moral nas Acesso em: 25 jul. 2019. relações familiares. Revista Jurídica Cesumar - Mestrado, BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso v. 7, p. 217-240, 2007. Especial 1.674.849/RS. Relator: Min. Marco Aurélio REIS, Clayton; PINTO, Simone Xander. O abandono Bellize. Brasília, 17 de abril de 2018. Disponível em: afetivo do filho, como violação aos direitos da personalidade. . Acesso em: 12 ago. 2019. Quiarati. Direitos de Personalidade e os meios BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso probatórios nas ações de direito de família. 2013. Especial 1.579.021/RS. Relator: Min. Maria Isabel TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de Galloti. Brasília, 19 de outubro de 2017. Disponível Família. 12. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. em: Acesso: 12 ago. 2019. microssistemas e a Constituição: premissas para uma reforma legislativa. Rio de Janeiro: Renovar, 2000. BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial 267.529/RJ. Relator: Min. Sálvio de Figueiredo TEPEDINO, Gustavo. Código civil interpretado: Teixeira. Brasília, 3 de outubro de 2000. Disponível conforme a Constituição da República. em: Acesso: 8 ago. 2019. jurídico nas relações familiares. IN: PEREIRA, Tânia BORGES, Roxana Cardoso Brasileiro. Direitos da da Silva; OLIVEIRA, Guilherme (Coord.) O cuidado personalidade e autonomia privada. 2. ed. São Paulo: como valor jurídico. Rio de Janeiro: Forense, 2008, pg. Saraiva, 2007. 371-372. DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA 10. ed. São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2015. CATARINA. Centro de Ciências Jurídicas. ENUNCIADO nº 274 do CJF/STJ, da III Jornada de Departamento de Direito. Publicidade Infantil na Direito Civil. Internet. Monografia. 2016. D i s p o n í v e l em . Acesso em: 29 jul. GRISARD FILHO, Waldyr. Guarda compartilhada. 2019. São Paulo: RT, 2014. VYGOTSKY, Lev Semenovich. A formação social da GOMES, Orlando: Introdução ao direito civil. Rio de mente. Rio de Janeiro: Martins Fontes, 1996. Janeiro: Forense, 2001. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil Brasileiro: direito de família. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007. JÚNIOR, Antonio Jorge Pereira. Direitos da criança e do adolescente em face da TV. Editora Saraiva, 2017. LOBO, Paulo Luiz Netto. Entidades Familiares Constitucionalizadas: para além do numerus clausus. Disponível em: . Acesso em: 05 ago. 2019 MARQUES, Cláudia Lima; MIRAGEM, Bruno. O novo direito privado e a proteção dos vulneráveis. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012. OLIVEIRA, José Sebastião de; CAVALCANTI, Rodrigo Camargo de. O dano institucional, o dano moral e a aplicação da proteção dos direitos da personalidade às pessoas jurídicas no Brasil. v. 11, n.1. Revista Pensamento Jurídico, 2017. OLIVEIRA, José Sebastião de; MOTA, Luizane

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 59 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

DIREITOS DA AMANTE: RELAÇÕES JURÍDICAS E CONJUGALIDADES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

LOVER’S RIGHTS: LEGAL RELATIONS AND CONJUGALITIES IN THE BRAZILIAN LEGAL ORDER

Luiz Geraldo do Carmo Gomes Doutor em Função Social do Direito pela FADISP. Mestre em Ciências Jurídicas. Visiting Lecturer na School of Law da University of Limerick (Irlanda). Endereço eletrônico: [email protected]

Isabelly Medeiros Venancio Graduanda em Direito pelo Unicesumar – Centro Universitário de Maringá. Endereço eletrônico: [email protected]

RESUMO and this does not mean the consent of the State to this practice does not represent a violation of the Monogamy A relação extraconjugal é uma realidade na Principle, but that it is essential that it admit the conjuntura do ordenamento jurídico brasileiro e existence and comply with the state responsibility to determinadas situações devem ser conferidos direitos guarantee and preserve the rights of all those involved. às amantes, porquanto consoante demonstrado Thus, the study found support through a qualitative em inúmeros julgados que tais relações têm efeitos and bibliographical approach to procedures, especially patrimoniais, sobretudo na esfera previdenciária e isto as to what jurisprudence has been understanding and não significa a anuência do Estado para esta prática deciding on the subject. e tampouco representa uma violação ao Princípio da Monogamia, mas sim que é imprescindível que este KEYWORDS admita a existência e cumpra com a responsabilidade Adultery; Concubinage; Monogamy; Stable union; estatal de garantir e preservar os direitos de todos os envolvidos. Desta forma, o estudo encontrou respaldo INTRODUÇÃO através de uma abordagem qualitativa e bibliográfica quanto aos procedimentos, especialmente quanto ao A Pós Modernidade está sendo marcada que a jurisprudência vem entendendo e decidindo por uma explícita evidenciação de temas como sobre o assunto. feminismo, sistema patriarcal, orientação sexual, identidade de gênero, relações homoafetivas, PALAVRAS-CHAVE poliamorismo, abortamento, violência doméstica, Adultério; Concubinato; Monogamia; União estável; dentre muitos outros, temas que, seja dito de passagem, são indissociáveis à história da sociedade, ABSTRACT pois a datar dos tempos primórdios sempre existiram relações poligâmicas – tanto que em alguns países The extramarital relationship is a reality in the do Oriente Médio tais relações fazem parte da conjuncture of the Brazilian legal system and certain cultura –, assim como na Grécia Antiga prevalecia situations should be conferred on the lovers, since as o homoerotismo e as relações homoafetivas, onde “a shown in many judges that such relationships have homossexualidade era vista como uma necessidade patrimonial effects, especially in the social security sphere natural, considerada um verdadeiro privilégio dos VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade bem- nascidos” (DIETER, 2018, p. 02 apud DIAS, no que tange à família, na medida em que para o 2009, p. 36-37) e o mesmo se sucede com as relações autor: extraconjugais. A instituição social é um mecanismo de O adultério, que sempre foi uma prática proteção da sociedade, é o conjunto de regras comum, passou a ser amplamente discutido apenas e procedimentos padronizados socialmente, reconhecidos, aceitos e sancionados pela no século atual, pois foi no final do século passado sociedade, cuja importância estratégica é que começou a existir a possibilidade de a, então manter a organização do grupo e satisfazer chamada, concubina ingressar em juízo com o as necessidades dos indivíduos que dele participam. As instituições são, portanto, propósito de ter reconhecida a relação para fins cíveis conservadoras por essência, quer seja família, ou previdenciários. escola, governo, polícia ou qualquer outra, elas agem fazendo força contra as mudanças, pela A forma com que a relação extraconjugal vem manutenção da ordem. sendo tratada é contigua com a progressiva prática do feminismo, isto pois antigamente era absolutamente Desta forma, é primordial compreender a insólito que uma mulher na condição de amante família enquanto uma das instituições mais sólidas obtivesse pensão por morte de um homem que fosse na sociedade. Como dito por Rodrigo da Cunha casado ou que uma mulher optasse por se divorciar Pereira, o que deve embasar essa concepção é a em razão de o marido ter relação extraconjugal ao perspectiva da família como uma estrutura familiar, invés de, em uma linguagem coloquial, “preservar as pois esta estrutura “existe antes e acima do Direito” aparências” perante as demais pessoas. (2012, p. 29), sobretudo devido ao fato de que “o No Brasil esse tipo de relação percorreu Direito não é o único responsável pela harmonia da várias fases, desde a criminalização e a posterior vida em sociedade, uma vez que a religião, a moral, descriminalização do adultério, até o presente as regras de trato social igualmente contribuem para momento, em que é cada vez mais comum que o sucesso das relações sociais” (BETIOLI, 2015, p. as amantes busquem que o Estado preste a devida 51). tutela jurídica. Inicialmente, “é preciso não confundir família Desta forma, é impreterível refletir sobre a real com casamento” (PEREIRA, 2012, p. 31), pois, o eficácia do Princípio da Monogamia estabelecido na que se revela, na realidade, é que o casamento não Constituição Federal, devido à incapacidade que é o que configura o grupo como uma família, ele o Estado apresenta de fiscalizar e se fazer cumprir, é, segundo Pereira (2012, p. 31), “apenas uma das principalmente devido a evidente impossibilidade formas de sua constituição”. de intercomunicação instantânea (como um sistema Isto posto, a essência da estrutura familiar – unificado) entre os cartórios de registro civil, o que no que concerne ao direito dos cônjuges enquanto possibilitaria verificar se os nubentes já possuem laço administradores dessa instituição – acolhida matrimonial. atualmente pelo ordenamento jurídico pátrio tem Em que pese a inadequação dos institutos como alicerce o Princípio da Igualdade, consagrado jurídicos e a insegurança jurídica causada pelo na Carta Magna, em seu artigo 5º, inciso I, que ativismo judicial, é incontestável que atualmente “homens e mulheres são iguais em direitos e a jurisprudência é o único respaldo jurídico que obrigações”. viabiliza a concessão de direitos nos casos das relações O referido princípio foi consagrado no Estado extraconjugais, que ainda permanecem às margens Brasileiro defronte à predominância do pátrio poder da legislação. que imperava – e que, não obstante, ainda existe – na instituição familiar. Com isto, o que se verifica é 1 BREVES CONSIDERAÇÕES ACERCA DA que esse modelo, assim como o Direito Brasileiro em INSTITUIÇÃO FAMILIAR si, derivou precipuamente da estrutura familiar que se apresentava no Direito Romano, que solidificou a A família é caracterizada nos tempos vida social e jurídica de forma a evidenciar e respeitar hodiernos – cognominados pela Sociologia de Pós apenas o chefe da família – o pater familias –, que Modernidade - por ser uma instituição social, termo exercia poder cabal sobre sua prole e seus agregados. profusamente evidenciado pelo sociólogo francês Ademais, “o patriarca tinha tanta autoridade que Émile Durkheim. O significado atribuído a este podia vender e até mesmo cometer infanticídio de conceito por Durkheim (2007) é o mais relevante seu filho, e, este ato de crueldade e desumanidade,

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 61 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade decorria da prole gerar transtornos ao genitor” Essas disposições influenciavam diretamente (MEDEIROS, 2004, p. 10 apud LISBOA, 2001, p. na composição de uma estrutura familiar 29), o que perpetrava, destarte, a sociedade patriarcal. caracterizada pela quase absoluta submissão da O patriarcado é “uma organização social mulher em todos os âmbitos da relação conjugal e ou familiar em que prevalece a autoridade do pai” da vida em sociedade, desde a realização das tarefas (BECHARA, 2011, p. 960). No entanto, a influência domésticas, até no que tange à aceitação de relações deste, conforme exposto na acepção do termo, não extraconjugais do homem; ora, em uma sociedade se restringe apenas à intimidade do lar: Estende- que possuía respaldo jurídico para o pátrio poder, se ao âmbito social e tal fato se constata no Brasil tais relações eram, efetivamente, um fato social especialmente no período anterior à promulgação da velado. Ou seja, era aceito, via de regra, de forma Constituição Federal de 1988. Isto se confirma pela tácita, exatamente como expõe Denardi (2015, p. simples análise das normas estabelecidas no Código 41): Civil de 1916 (Lei 3.071 de 1º de janeiro de 1916), Além disso, Pianovski sugere haver uma pois na redação deste várias seções, capítulos e artigos diferenciação de aplicação da monogamia foram integralmente dedicados a determinarem a para os homens e para as mulheres. Afirma o autor que a monogamia se apresenta endógena extensão dos direitos do homem enquanto chefe da para o homem, ou seja: A monogamia sociedade conjugal. O artigo 233 do Código, definia, endógena consiste na existência de uma única ipsis litteris, que: relação de conjugalidade no interior de uma mesma estrutura familiar. Ela não exclui a possibilidade de conjugalidades múltiplas, O marido é o chefe da sociedade conjugal. desde que exteriores à estrutura monogâmica Compete-lhe: constituída. I - A representação legal da família. II - A administração dos bens comuns e dos particulares da mulher, que Sendo assim, a família é elementar para o bom ao marido competir administrar funcionamento da sociedade, tendo em vista ser, de em virtude do regime matrimonial adaptado, ou do pacto antenupcial. certa forma, “um conjunto de regras padronizadas III - direito de fixar e mudar o domicílio da socialmente, reconhecidas e efetivamente aceitas família. IV - O direito de autorizar a profissão da pela sociedade” (CONTRIBUIÇÕES... 2018), mulher e a sua residência fora do tecto tornando-se, essencialmente, em um “organismo conjugal. V - Prover à manutenção da família, social e jurídico” (MEDEIROS, 2004, p. 14). Porém, guardada a disposição do art. 277. sob esta paira a prática das relações extraconjugais, que podem ser consideradas como um fato social – No mesmo sentido, Medeiros apresenta porquanto, segundo Durkheim (2007), “só há fato (2004, p. 14 apud VENOSA, 2003, p. 28): social onde há organização social” – e se tornaram

Quanto ao chefe da sociedade conjugal em ainda mais complexas, devido ao fato de estarem nosso país, Sílvio de Sá Venosa afirma: Os circundadas pela transformação do Direito – no que códigos elaborados a partir do século XIX tange ao ativismo judicial – e pelas modificações das dedicaram normas sobre a família. Naquela época, a sociedade era eminentemente rural relações interpessoais. e patriarcal, guardando traços profundos da família da Antiguidade. A mulher dedicava-se aos afazeres domésticos e a lei não lhe conferia 2 CONCUBINATO, UNIÃO ESTÁVEL E SOCIEDADE os mesmos direitos do homem. O marido DE FATO era considerado o chefe, o administrador e o representante da sociedade conjugal. Amante é aquele “que ama alguém; Pessoa O artigo 233 não era o único a ter em seu que mantém com outra, relações sexuais fora do conteúdo disposições dessa natureza: No artigo casamento” (BECHARA, 2011, p. 130). O referido 6º do mesmo Código estava estabelecido que as termo somente passou a ser utilizado no ordenamento mulheres eram relativamente incapazes enquanto jurídico nos últimos anos – como é possível notar subsistisse a sociedade conjugal, bem como no artigo através das jurisprudências –, pois até então o termo 178, §1, que determinava que o homem possuía a adotado era o que intitulava a mulher de concubina, prerrogativa de anular o casamento no prazo de 10 ou seja, “mulher que vive com um homem, sem dias se houvesse contraído matrimônio com mulher ser casada com ele” (Ibid. p. 337), o que pode ser já deflorada. demonstrado nas palavras de Romano (2018):

62 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Há quem entenda que o termo concubinato solteiros, viúvos, separados judicialmente (ou envolve sentido pejorativo, não sendo apenas de fato, como prevê o artigo 1723, § 1º, adequado para tutelar a entidade familiar, daí do Código Civil), divorciados ou que tiverem a distinção do novo Código Civil de 2002, o casamento declarado nulo ou anulado. preferindo designá-la união estável, reservando Concubinato impuro, por sua vez, seria a a palavra “concubinato” para a união de fato convivência incestuosa, desleal (em relação a impura, insuscetível de ser convertida em uma outra união de fato) ou adulterina. casamento. Já Nogueira (2015, apud. TARTUCE, 2013) Neste trabalho não serão apresentadas as apresenta a seguinte diferenciação: matrizes e o processo histórico do concubinato, pois isto foi amplamente exposto por incontáveis juristas Convivência estabelecida entre uma pessoa ou pessoas que são impedidas de casar e que e acadêmicos. O que se demonstrará brevemente na não podem ter entre si uma união estável, presente seção é o tratamento social e jurídico atual como é o caso da pessoa casada não separada de fato, extrajudicialmente ou judicialmente, das relações extraconjugais. que convive com outra. Imagine- se o caso do A Constituição de 1824 estabeleceu que fosse sujeito casado que tem uma amante, havendo desenvolvida uma legislação penal, sendo a primeira aqui um concubinato impuro ou concubinato em sentido estrito (stricto sensu). O professor o Codigo Criminal Do Imperio Do Brazil (Lei de 16 Villaça utiliza para tal hipótese a expressão de dezembro de 1830), que versava em seus artigos concubinato adulterino. Nos casos de concubinato entre pessoas que estão impedidas 250 a 253 sobre o adultério. Logo após, veio o de casar diante de impedimentos decorrentes Código Criminal da Republica, o Decreto nº 847 de do parentesco, o concubinato é denominado incestuoso. Ainda, se a pessoa tiver outra união 11 de outubro de 1890, que tratava do mesmo crime de fato, o concubinato é chamado de desleal. nos artigos 279 a 281. Em seguida ficou vigente o Decreto nº 22.213, de 14 de dezembro de 1932, Maria Helena Diniz (DINIZ, 1989, p. 212) denominado de Consolidação das Leis Penais de escreve, no mesmo sentido: Piragibe. Veio, então, o Código Penal de 1940 e em O concubinato pode ser: puro ou impuro. que pese a alteração realizada em 1984, o que aqui Será puro se se apresentar como uma união importa é que o artigo 240, que dispunha sobre o duradoura, sem casamento civil, entre homem adultério, somente veio a ser revogado com a Lei n. e mulher livres e desimpedidos, isto é, não comprometidos por deveres matrimoniais ou 11.106 de 28 de março de 2005. por outra ligação concubinária. Assim, vivem Assim sendo, no que se refere às relações em concubinato puro: solteiros, viúvos e separados judicialmente (RT 409:352). Ter- extraconjugais, destaca-se que, após a Proclamação se-á concubinato impuro se um dos amantes da Independência do Brasil em 1822, esteve em vigor ou ambos estão comprometidos ou impedidos legalmente de se casar. Apresenta- se como: durante cento e setenta e cinco anos a penalização a) adulterino (RTJ 38:201; RT 458:224), se jurídica do crime de adultério. Porém, considerando se fundar no estado de cônjuge de um ou de ambos os concubinos, p. ex., se o homem o efetivo início da colonização e a cronologia casado mantém, ao lado da família legítima, das Ordenações – que eram profundamente outra ilegítima; e b) incestuoso, se houver influenciadas pela Igreja Católica e que também parentesco próximo entre amantes. castigavam e puniam as pessoas que praticassem o Consubstancia-se, então, que a presente adultério1, principalmente por meio da excomunhão pesquisa tem como cerne o concubinato impuro – a criminalização do adultério durou cerca de adulterino, que é, em sua essência, uma relação quinhentos e cinco anos. extraconjugal onde as partes, ainda que com a O termo adultério é comumente utilizado existência da affectio maritalis, possuem impedimentos como sinônimo de concubinato, pois adulterino é jurídicos para contraírem matrimônio, exatamente justamente uma de suas espécies. Nesse sentido, como traz o artigo 1.727 do Código Civil. explica a juíza Fernanda Dias Xavier acerca da Tais impedimentos se encontram dispostos acepção do termo concubinato (2015, p. 44): entre os artigos 1.521 a 1.524 do Código Civil de A doutrina fala em concubinato puro, 2002, assim como estavam estabelecidos no artigo quando houver uma convivência duradoura, como marido e mulher, sem impedimentos 183 do Código Civil de 1916. O impedimento decorrentes de outra união, como no caso dos que sustenta a configuração de uma relação como

1. Conforme Icizuka e Abdallah (2007, p. 212) “houve época em que o Adultério concubinato – inciso VI, do artigo 1.521: “Não era crime passível de pena capital. As Ordenações Filipinas (1603), legislação podem casar as pessoas casadas” – incide na legislação aplicada no Brasil colonial, previam a pena de morte para a adultera e o amante”. p. 40 pois no Brasil impera, desde a colonização, o regime

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 63 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade monogâmico, no qual é proibido aos cônjuges ter convivência pública, contínua e duradoura e mais de um marido ou esposa durante a vigência estabelecida com o objetivo de constituir de do matrimônio (BECHARA, 2011, p. 875), em família. Somam-se a tais requisitos algumas normas decorrência das influências do Direito Canônico aplicadas ao casamento, como a capacidade e os ao qual se submetiam os países europeus que impedimentos, devido ao fato desta também ser colonizaram o Brasil. Portanto, “seria irreal considerada uma entidade familiar, além de dever a pretender negar que a sociedade ocidental lei, obrigatoriamente, facilitar a conversão da união contemporânea é, efetivamente, centrada em um estável em casamento. modelo familiar monogâmico” (PIANOVSKI, p. Portanto, a existência de requisitos e normas 04). específicas referentes a união estável e a inexistência Em relação a união estável, conforme Xavier, de regulamentação do concubinato adulterino – cuja (2015, p. 41 apud. SILVA, 1984, p. 45-48), desde inexistência é compreensível meramente na medida o período colonial no Brasil existiam os domicílios em que o Estado Brasileiro tem a monogamia formados por coabitação, sendo que tal fato como princípio basilar – são dois aspectos que são, resultava da existência de obstáculos à celebração mormente, de total responsabilidade do Estado, do matrimônio, como “a vadiação dos homens, as posto que em um Estado Democrático de Direito, exigências da burocracia eclesiástica, o atraso da no qual apresenta-se o Princípio da Segurança agricultura, o recrutamento e o serviço militar”. Jurídica, “a segurança e a certeza do direito são Foi somente em 1988 com Constituição indispensáveis para que haja justiça, porque é óbvio Federal que se inaugurou a proteção da união que na desordem não é possível reconhecer direitos estável. Em seu § 3º do artigo 226, instituiu-se que ou exigir o cumprimento de obrigações” (NICOLAU “para efeito da proteção do Estado, é reconhecida JUNIOR, 2018 p. 01) a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar”. É indispensável ressaltar que 3 OS DIREITOS DA AMANTE NO ORDENAMENTO a relação qualificada como união estável foi o JURÍDICO BRASILEIRO concubinato puro, isto é, aquele no qual não incidem impedimentos para o casamento. Contudo, Como supramencionado, a prática do adultério a Constituição se restringiu apenas a preceituar o no período colonial brasileiro possuía “penas severas reconhecimento da união estável, sendo, portanto, e cruéis (açoites, degredo, mutilação, queimaduras) omissa quanto à regulamentação. Assim, “exatamente que visavam infundir o temor pelo castigo” assim para dar efetividade ao dispositivo constitucional”, como “eram desiguais e aplicadas com extrema foi promulgada a Lei 8.971 de 29 de dezembro de perversidade” (DUARTE, 1999) e, concomitante 1994 e, posteriormente, a Lei n. 9.278 de 10 de maio (com as Ordenações) e posteriormente (com a de 1996 – “como ficou claro, e isso era balizado por Independência), continuou sendo criminalizada pelo doutrina e jurisprudência, as duas leis conviviam” direito positivado. (TARTUCE, 2016, p. 315-316) –, bem como o Observa-se, com a forma em que a prática Título III do Código Civil de 2002, que trata da do adultério era tratada nas legislações apresentadas, união estável, demonstrando a extrema importância que justamente por ser considerada crime, por via deste instituto para o Direito de Família, “eis que de consequência, nenhum direito era conferido à muitas pessoas, principalmente das últimas gerações, amante, haja vista que após a revogação do artigo têm preferido essa forma de união em detrimento do 240 em 2005, a mulher que estava na condição de casamento” (TARTUCE, 2016, p. 313). amante continuou às margens do Direito quando a Os requisitos necessários para a caracterização mesma pretendia obter amparo no Poder Judiciário da união estável, conforme estabelecido no artigo referente a esta relação. 1.723 do Código Civil são a diversidade de sexo2, Até a descriminalização do adultério são raras as ações que se findaram favoráveis à amante e um dos 2. Como bem aponta Fernanda Dias Xavier (2015, p. 46), “a partir do julgamento motivos que sustentam esse fato é que tanto o Estado- da ADIn 4277 e da ADPF 132, em maio de 2011, o Supremo Tribunal Federal, a despeito da redação do artigo 1.723, do Código Civil, e o artigo 226, § 3º, da juiz quanto os próprios advogados equiparavam esta Constituição Federal, passou admitir que os relacionamentos homoafetivos também possam ser reconhecidos como união estável.” Maria Helena Diniz relação com o instituto da união estável, exatamente (2018, p. 421) também apresenta a Resolução do CNJ n. 175/2013, bem como como pode ser visto na jurisprudência colacionada: o Enunciado n. 524 da V Jornada de Direito Civil, que reconhecem a união estável entre casais homoafetivos.

64 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR benefícios previdenciários de pensão por morte, MORTE. RATEIO ENTRE ESPOSA E CONCUBINA. IMPOSSIBILIDADE. como nesse caso: AUSÊNCIA DE UNIÃO ESTÁVEL. PRECEDENTES DO STJ, DA TNU E DO APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO STF. INCIDENTE CONHECIDO E PREVIDENCIÁRIO. PREVIDÊNCIA PROVIDO. PEDIDO INICIAL PÚBLICA. PREVIMPA. PENSÃO POR IMPROCEDENTE. (...) A jurisprudência MORTE. EX-ESPOSA. SEPARAÇÃO DE dominante do STJ e da TNU, refletida nos FATO. NÃO CONFIGURADA. RATEIO paradigmas supracitados, bem como no DA PENSÃO ENTRE EX-ESPOSA E PEDILEF nº. 200872950013668, Rel. Juíza COMPANHEIRA EM UNIÃO ESTÁVEL. Federal Simone dos Santos Lemos Fernandes, POSSIBILIDADE. Incontroversa a união DOU 28/10/2011, julgado na forma do art. estável do de cujus com a co-ré, razão pela qual 7º do RI TNU, reconhece que o concurso correta a sua habilitação como beneficiária de entre esposa e companheira para o recebimento pensão por morte. Da mesma forma, irrefutável de pensão por morte só é possível na a comprovação de que o vínculo do casamento hipótese de “cônjuge divorciado ou separado não foi desfeito. Portanto, correta a sentença judicialmente ou de fato que recebia pensão ao reconhecer a concomitância das relações - de alimentos”, nos termos do art. 76, §2º, da entre o casamento da autora com o de cujus Lei nº. 8.213/91. Do contrário, não deve se e a união estável da co-ré com o ex-servidor falar em relação de companheirismo, mas de - e, por conseguinte, o direito da autora em concubinato, que não gera direito à pensão receber o benefício previdenciário na condição previdenciária”. De igual modo, já decidiu o de viúva. Rateio do valor da pensão que se Supremo Tribunal Federal no RE 590779/ impõe. À UNANIMIDADE, NEGARAM ES (...) que a proteção do Estado à união PROVIMENTO AOS RECURSOS. estável alcança apenas as situações legítimas, (Apelação Cível Nº 70063470108, Segunda nas quais não está incluído o concubinato. 4 Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, O concubinato impuro do tipo adulterino, Relator: João Barcelos de Souza Junior, 5 isto é, a relação extra-conjugal paralela ao Julgado em 03/06/2015). casamento, não caracteriza união estável pelo que não justifica o rateio da pensão por A título de curiosidade, a Apelação Cível morte entre cônjuge supérstite e concubina. 5 Incidente de uniformização conhecido e abaixo colacionada demonstra claramente essa provido para, reafirmando a tese de que não há transformação do posicionamento dos tribunais com concurso entre esposa e concubina pela pensão previdenciária, julgar improcedente o pedido o ativismo judicial. Antes sequer considerava-se a inicial. (PEDILEF 05083345520104058013, hipótese de conceder à amante parte da herança ou JUIZ FEDERAL ALCIDES SALDANHA pensão e, nesta apelação o julgador chega até mesmo LIMA, TNU, DJ 21/09/2012.)3 a exceder o pedido – cabe ressaltar que a sentença Desta forma, tinha-se uma relação extra petita é causa de nulidade, ou seja, é vedado ao extraconjugal que era simultaneamente objeto e juiz decidir sobre questões não suscitadas (artigo 141 causa de pedir4 em uma demanda interposta no do Código de Processo Civil, Lei nº 13.105 de 16 Poder Judiciário de um Estado dogmaticamente de março de 2015) –, declarando a possibilidade de monogâmico e, sobretudo, em um período no qual o rateio quando, na realidade, a ação consistia somente ativismo judiciário não se realizava da mesma forma na declaração de reconhecimento da união: com que se verifica hodiernamente. PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO O ativismo judicial atual permite que o MERAMENTE DECLARATÓRIA DE Direito, mesmo sem modificações ou criação de RECONHECIMENTO DE SOCIEDADE DE FATO. CONDENAÇÃO AO novas leis, acompanhe as transformações sociais. RATEAMENTO DE PENSAO POR Assim, é possível notar essa transformação com as MORTE. VIÚVA E CONCUBINA. SENTENÇA EXTRA PETITA. 1. É jurisprudências atuais de ações com o mesmo objeto considerada extra petita a sentença que de demanda, nas quais, porém, o legislador passou determina rateamento de pensão por morte entre viúva e concubina, em ação meramente a admitir em seu posicionamento a possibilidade declaratória de reconhecimento de sociedade de concessão integral ou rateio com a esposa de de fato. Pedido de partilha do benefício apenas ocorreu nas alegações finais da autora, não 3. Neste sentido: REsp nº. 813.175/RJ; PEDILEF nº. 200770950160607; PEDILEF sendo possível acrescentá-lo após a citação do nº. 200640007098359; RE 590779; Pedido 05023537220154058303; Pedido réu, sem o seu consentimento. (...) Retorno de Uniformização 2008.72.95.001366-8; Pedido 00023811420134036302; dos autos ao Juízo originário para novo Recurso 05032302620174058308; AC: 03031418820158240064; AC: julgamento. (AC 00007287920164059999, 03007772820168240091; Desembargador Federal Élio Wanderley de 4. Objeto na medida em que buscava-se reconhecer a relação com o fim Siqueira Filho, TRF5 - Primeira Turma, DJE de obter a tutela jurídica pretendida decorrente de uma pretensão – Data: 22/07/2016 – Página 50) resistida (o indeferimento do pedido na via administrativa), quer seja a pensão, e causa de pedir porquanto ser um fato que, “com base em norma jurídica”, comprovará “que o autor é titular de um direito 5. Nesse mesmo sentido: EIAC 0008788702011405830002; AC violado” (BRAGA, 2008). 200780000020357; AC 00062645720124058400; AC 00044411620108260053;

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 65 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Já na Apelação Cível nº edição da Súmula nº 382 de 1964, relativizando, 00026159320124058300, a autora era amante do então, o período de convivência. de cujus, com o qual teve três filhos, e recorreu da Portanto, com a Súmula 382 já não era decisão que julgou improcedente seu pedido de requisito que ambos residissem no mesmo domicílio concessão do benefício previdenciário de pensão e com a Lei nº 9.278 de 10 de maio de 1996 foram por morte. O pedido foi julgado improcedente suprimidos tanto o prazo de convivência quanto a sob o fundamento de que esse tipo de relação – existência de prole em comum. extraconjugal ou concubinato impuro – é causa A existência dessa flexibilidade foi verificada impeditiva para a concessão do benefício requerido. nas jurisprudências anteriormente apresentadas, nas Entretanto, na própria decisão da Primeira Turma do quais constatou-se que alguns tribunais já entendem TRF5, o relator apresentou que: – condicionado à análise do caso concreto – que determinadas relações extraconjugais assemelhavam-se A existência do concubinato não é óbice à concessão do benefício, porquanto, esta c. e, assim, eram passíveis de equiparação à união estável, Primeira Turma já teve oportunidade de se sem nem mesmo sequer subordinar tal equiparação ao pronunciar, com base em entendimento do STJ, pela possibilidade de se partilhar uma fato de ser união estável putativa ou não. pensão entre a viúva e a concubina, quando A análise do caso concreto é imprescindível provada a coexistência de concubinato impuro em todos os processos, devendo ser rigorosamente de longa duração com vínculo conjugal, sem ter havido a separação de fato da esposa. realizada para garantir a efetividade do contraditório e da ampla defesa. No caso das relações extraconjugais, Portanto, em que pese não ter sido elaborada em tese, para certificar se há a possibilidade de legislação que regule tais situações, o que se verifica equiparação à união estável, a análise deve ser capaz é que o legislador passou a dar primazia à realidade de identificar a incidência de fatores como a intenção – ou seja, importância à realidade dos fatos – de constituir família, a existência de habitualidade conforme visto nas jurisprudências expostas, que da relação e a dependência econômica absoluta da demonstram que houve relevante transformação amante para com o homem, que são determinantes no posicionamento do Judiciário, pois este vem para identificar qual a relação e diferenciá-la paulatinamente reconhecendo que, ainda que entre uma união estável, namoro ou uma relação a relação extraconjugal não seja união estável, é esporádica, isto pois em uma relação onde não possível, ao menos, a equiparação à este instituto há tais características, em que pese a convivência para fins de matéria cível e previdenciária, desde que habitual, presume-se que se resuma tão somente em observadas todas as circunstâncias fáticas do caso uma relação de namoro. concreto de forma pormenorizada com o escopo De forma mais elucidativa, basta conjecturar de, simultaneamente, tanto para evitar fraudes um relacionamento entre duas pessoas. Devido à e enriquecimento ilícito como para assegurar os complexidade dessas conjugalidades, há diversas direitos das partes enquanto cidadãos. possíveis situações: Aquela na qual uma das partes desconhece que o outro possui vínculo matrimonial 4 POR UM DIREITO DAS AMANTES (união estável putativa), o que é muito comum em relações em que não residam na mesma cidade, pois As jurisprudências analisadas demonstram isto favorece a ocultação tanto da relação conjugal um fato de extrema importância: a flexibilização para a amante quanto da relação extraconjugal para dos requisitos para caracterização de uma relação a esposa. Agora, independentemente de conhecer ou como sendo uma união estável. A exemplo disso, não o laço matrimonial, considere que essa relação tem-se a Lei no 8.971 de 29 de dezembro de 1994, durou dez, quinze anos ou mais, e que até mesmo que estabelecia como requisito o prazo de 5 anos de resultou em prole em comum. Em um cenário em que vivência ou a existência de prole em comum para o homem possua considerável condição financeira, caracterizar a relação como união estável, conforme durante todos esses anos sustentou tanto sua o caput do artigo 1º, sendo que, antes mesmo do família matrimonial (ou união estável devidamente advento da referida lei, o Supremo Tribunal Federal documentada) quanto à mulher e os filhos fora do já havia firmado o entendimento de que “a vida casamento. Outra situação é aquela em que a amante em comum sob o mesmo teto, more uxorio, não é conhece o vínculo matrimonial, mas, assim como na indispensável à caracterização do concubinato”, na hipótese anterior, o homem também custeia todos

66 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade os gastos da amante. Porém, assim como há relações principalmente a relação extraconjugal enquanto extraconjugais puramente carnais, também existem união estável – putativa ou não. as que possuem como pilar o afeto. É inescusável, porém, não reconhecer a O fato de a amante desconhecer o vínculo existência de pedidos de pensão fraudulentos matrimonial altera essencialmente o caráter da – apenas com o escopo de enriquecimento –, relação extraconjugal, tirando a especificidade da solicitados tanto por ex-esposas (separadas de extraconjugalidade e revelando um namoro ou um fato ou divorciadas judicialmente) quanto por namoro qualificado, possibilitando até mesmo a amantes que não dependiam economicamente caracterização como união estável. do homem. Todavia, esse alto índice de mulheres Ora, se uma das partes de uma relação que estavam na posição de amante e que requerem extraconjugal desconhece o vínculo matrimonial na via administrativa e – com o indeferimento6 – que a outra possui, é incongruente não permitir que judicial, remete à presunção de que a imposição tenha os mesmos amparos legais que aquelas relações da monogamia imposta pelo Estado é quase que não possuem impedimentos matrimoniais, absolutamente ineficaz e isso em nada tem relação pois, por via lógica, para uma das partes tal fato era com a descriminalização do adultério, haja vista ser desconhecido e a união não possuía impedimentos. considerável a quantidade de processos judiciais Essa circunstância tipifica a supramencionada união envolvendo relações extraconjugais mesmo durante estável putativa que, conforme Bueno (2011) são a vigência do artigo do Código Penal que tipificava “famílias simultâneas constituídas de boa-fé” e, o adultério como crime. aqui é importante salientar que a boa-fé norteadora é a objetiva, ou seja, a que diz respeito à conduta CONSIDERAÇÕES FINAIS praticada pelo agente. Um dos principais problemas acerca da É de caráter imperioso ressaltar que a relação extraconjugal é o caráter vilipendioso jurisprudência é a principal fonte de adequação do atribuído à esta de forma genérica. No entanto, é Direito à realidade social e à evolução das relações inconcebível – no sentido de admitir – generalizar interpessoais e sociais, pois aliada aos princípios e todas as relações extraconjugais, consubstanciando- métodos de interpretação das normas, esta é capaz as a uma relação carnal entre duas pessoas, pois de abranger e solucionar fatos dos quais inexistem nestas, como citado, também há o afeto, que possui previsão legal para sua solução, como ocorre no caso manifesto valor jurídico e, conforme Cardin e Frosi das relações extraconjugais. (2010), é “decorrente dos princípios da solidariedade Portanto, o ativismo judicial associadamente e da dignidade da pessoa humana” e, nas palavras dos com as jurisprudências são os responsáveis pela mesmos, a palavra afeto: possibilidade de hoje, não obstante a inexistência de previsão legal, as amantes buscarem amparo no Poder Designa um conjunto de atitudes, como a bondade, a benevolência, a inclinação, a Judiciário, pois estes se tornaram, por conseguinte, a devoção, a proteção, o apego, a gratidão, própria previsão legal. Porém, simultaneamente, o a ternura etc., que no seu todo pode ser caracterizado como a situação em que uma mesmo ativismo judicial que possibilita a concessão pessoa preocupa-se ou cuida de outra pessoa de direitos, proporciona também insegurança jurídica ou em que esta responde positivamente haja vista cada tribunal adotar um posicionamento, aos cuidados ou à preocupação de que foi objeto. diferença que se nota evidentemente nos julgados de cada unidade federativa. Os referidos autores ainda ressaltam que o O que se conclui após a pesquisa realizada é afeto tem um “valor indisponível na caracterização da que, de fato, não são todas as relações extraconjugais entidade familiar” e apresentam também que “para que podem ser irrestritamente enquadradas Paulo Luiz Neto Lobo, o conceito constitucional como união estável. Entretanto, determinadas de família abrange qualquer entidade que preencha conjugalidades, mesmo que circundadas pelo caráter os requisitos da afetividade, estabilidade e extraconjugal, podem e devem ser equiparadas se tal ostensividade”. À vista disso, este conceito, em que medida for necessária para a concessão de direitos, pese ser amplo e radical devido a sua capacidade de na medida em que uma relação entre duas pessoas abrangência, torna viável a aproximação da relação 6. Tema 350 do Supremo Tribunal Federal - Prévio requerimento administrativo extraconjugal ao conceito de entidade familiar, como condição para o acesso ao Judiciário.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 67 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade pode ser única e incomparavelmente complexa e a DURKHEIM, Émile. As Regras do Método Sociológico. imposição da monogamia estabelecida pelo Estado 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007. Disponível em: não é e nunca foi capaz de coibir que os indivíduos . Acesso em: 01 ago. 2018. REFERÊNCIAS ENGELS, Friedrich. A origem da família, da propriedade privada e do Estado. 9. ed. Rio de Janeiro: Civilização BERNARDI, Renato; NEVES, Raquel Cristina. Brasileira, 1984. As garantias constitucionais à igualdade de gênero e a ICIZUKA, Atilio de Castro; ABDALLAH, Rhamice realidade do “teto de vidro” para a mulher trabalhadora . Ibrahim Ali Ahmad. A trajetória da descriminalização Revista do Direito Público, [s.l.], v. 10, n. 2, p.167- do adultério no direito brasileiro: uma análise à luz das 186, 1 set. 2015. Universidade Estadual de Londrina. transformações sociais e da política jurídica. Revista BETIOLI, Antonio Bento. Introdução ao Direito. 14. Eletrônica Direito e Política, Itajaí, v. 2, n. 3, p.212- ed. São Paulo: Saraiva, 2015. 234, 2007. Disponível em: . Disponível em: . Acesso em: 17 jul. 2018. direitos dos companheiros. 2004. 49 f. TCC (Graduação) CARDIN, Valéria Silva Galdino; FROSI, Vitor - Curso de Direito, Universidade do Vale do Itajaí - Eduardo. O afeto como valor jurídico. In: XIX Encontro Univali, São José, 2004. nacional do CONPEDI, Fortaleza, 2010. p. 6857 - NICOLAU JUNIOR, Mauro. Segurança Jurídica e 6869. Disponível em: . Acesso em: 25 jul. 2018. revistajustitia.com.br/artigos/36d8wa.pdf>. Acesso em: CONCEIÇÃO, Catarina Vargues. Conjugalidade: 12 jun. 2018. Conceito de conjugalidade. Disponível em: NOGUEIRA, Marden de Carvalho. Considerações . Acesso em: 16 jun. 2018. reflexos na legislação civil brasileira.2015. Disponível Contribuições de Émile Durkheim. Disponível em: em: . Acesso em: 01 ago. 2018. conteudo/conteudo.php?conteudo=167 Acesso em: 01 PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Concubinato e união ago. 2018. estável. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. DENARDI, Vagner Bolzan. Reflexos patrimoniais do PIANOVSKI, Carlos Eduardo. Famílias Simultâneas e concubinato adulterino: Os direitos decorrentes desta Monogamia. In: V Congresso Brasileiro de Direito de prática à concubina. 2015. 58 f. TCC (Graduação) Família, 2005, Distrito Federal. Anais eletrônicos... - Curso de Direito, Universidade Federal da Santa Distrito Federal: Pavilhão de Exposições do Parque da Maria, Santa Maria, 2015. Disponível em: . Acesso concubinato. 2018. Disponível em: . DIETER, Cristina Ternes. As raízes históricas da Acesso em: 31 mai. 2018. homossexualidade, os avanços no campo jurídico e o TARTUCE, Flávio. Direito Civil, v. 5: Direito de prisma constitucional. Disponível em: . XAVIER, Fernanda Dias. União Estável e Casamento: A Acesso em: 06 ago. 2018. impossibilidade de equiparação à luz dos princípios da Igualdade e Liberdade. Brasília: Tjdft, 2015. Disponível Curso de Direito Civil Brasileiro: DINIZ, Maria Helena. em: . Acesso em: Penal. 1999. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2018.

68 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

DIVÓRCIO E DIREITO DA PERSONALIDADE: A PROTEÇÃO DO MENOR E O PERFIL DO POSSIVEL ALIENADOR

DIVORCE AND PERSONALITY LAW: THE PROTECTION OF THE MINOR AND THE PROFILE OF THE POSSIBLE ALIENER

Ellaysse Braga Ribeiro Gonçalves Graduanda em Direito pelo Centro Universitário de Maringá – UNCESUMAR.

Marcelo Negri Soares Pós-Doutorado pela Uninove/SP (2017). Doutor (2013) e Mestre (2005) pela PUC/SP. Professor do Programa de Mestrado e Doutorado em Direito UniCesumar, na linha Efetividade da Justiça e Direitos da Personalidade. Orientador e pesquisador ICETI. Advogado e Contabilista. Lattes: http://lattes.cnpq.br/8798303423669514.

RESUMO characterization of this possible alienator. It also seeks primarily to apply the principle of the dignity of the O presente trabalho tem por objetivo human person and the best interest of the minor as a analisar o possível perfil do alienador do menor, form of irrefutable argumentation in guaranteeing and como meio principal de garantir a proteção do applying such security. The methodology used for the menor, nesse sentido busca se uma conceituação e development of this topic was the bibliographic research caracterização desse possível alienador. Intenta ainda allied to the analysis of the national legislation, and as primordialmente aplicar o princípio da dignidade a research method to confirm these arguments applied da pessoa humana, e do melhor interesse do menor here, concrete case data were used. como forma de argumentação irrefutável na garantia e aplicação de tal segurança. A metodologia utilizada KEYWORDS para o desenvolvimento desse tema foi à pesquisa Personality rights; Child Protection; Parental alienation. bibliográfica aliada à análise da legislação nacional, e como método de investigação para confirmação de INTRODUÇÃO tais argumentos aqui aplicados se utilizou dados de casos concretos. Este trabalho fundamenta-se em violações temporárias ou permanentes a direitos e princípios PALAVRAS-CHAVE garantidores de um desenvolvimento, físico, mental e Direitos da personalidade; Proteção do Menor; Alienação parental. social do menor, não os permitindo um crescimento saudável no seio familiar. ABSTRACT Diante disto, e atendendo a essa deficiência social, se tornou perceptível, que os prejuízos causados The objective of this work is to analyze the advinham na maioria das vezes de indivíduos com possible profile of the alienator of the minor, as the traços de formação de personalidade característicos. main means of guaranteeing the protection of the Visto que por maioria das vezes o menor minor, in this sense he seeks a conceptualization and que tem seus direitos violados, desenvolve V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade comportamentos adversos daqueles considerado E foi só a partir de meados dos anos 80 e maior adequado, afetando seu desenvolvimento e até dissipação nos anos 2000 que comportamentos causando o distanciamento do convívio social. de alienação foram sendo mais percebidos e Deste modo surgiu a necessidade de traçar consequentemente estudados pelas comunidades das o perfil desses indivíduos, para que se pudesse áreas do direito e psicologia. efetivamente conceituar, caracterizar os danos Posteriormente algumas definições foram causados, e fundadamente buscar métodos de dadas a alienação parental, sendo uma dela aplicadas responsabilização eficaz e imediata. Assim quando conforme Jorge Trindade (2008, p 102): comportamentos adversos se sobressaíssem por A alienação parental é um transtorno parte de um menor, a própria sociedade já teria psicológico que se caracteriza por um conhecimento de que condutas e princípios conjunto de sintomas pelos quais um genitor, denominado cônjuge alienador, transforma a foram desobedecidos causando danos, não apenas consciência de seus filhos, mediante diferentes ao menor, mas a toda uma sociedade presente e formas de atuação, com o objetivo de impedir futura. ou destruir seus vínculos com o outro genitor. De forma mais direta, tal comportamento tem 1 DIVÓRCIO por alvo, colocar o menor contra um dos genitores, induzindo-o a sentimentos de ódio e desprezo, A origem do termo divórcio remonta a chegando a desmoralizar o outro genitor, muitas divertere, que significa voltar-se para direções vezes usando de mentiras. De tal modo percebe-se diferentes. O prefixo dis remete a “fora”, mais que a alienação está diretamente ligada ao divórcio e vertere, “virar-se para tornar”. Mais especificamente, a traços pré-existentes no cônjuge alienador mesmo no latim encontramos o verbete divortium, que em anos de harmonia conjugal, não restando dúvidas significa separação de um casal com a dissolução do de que trata- se de uma forma de abuso. casamento. Ainda aduzindo ao conceito ou forma de O divórcio teve sua criação em 1916, antes entendimento do que seria a Alienação entende era regido pelo Decreto nº 181/1890, porém com Lisboa, Roberto Senise (2013, p.182), que: outra nomenclatura “denominado desquite judicial ou amigável”, e foi instituído oficialmente com a Alienação Parental é o ato de interferência emenda constitucional 9, de 28 de junho de 1977, e na formação psicológica da criança ou do adolescente, a fim de que o menor seja induzido regulamentada pela lei a repudiar o estabelecimento ou a manutenção 6.515 do referido ano. da relação com o seu genitor, o que importa na violação de um dos direitos fundamentais, Nesse sentido, o divórcio compreende a decorrente da autoridade parental, tutor ou dissolução matrimonial de um casamento válido, ou guardião, que é o da convivência familiar da seja, a extinção do vínculo matrimonial (CC, art. criança e adolescente. 1.571, IV e §1º), que se opera mediante sentença 1.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA APLICADA A judicial ou escritura pública, habilitando as pessoas a ALIENAÇÃO PARENTAL convolar novas núpcias. No Brasil, foi só com a criação da emenda Sob esta ótica cabe afirmar que há também constitucional nº 9, é que se passou a permitir que a violação de um dos maiores princípios, o da a pessoa pudesse divorciar-se e casar novamente “dignidade da pessoa humana”, visto que esse versa quantas vezes quisesse. Posto fim a uma amarra que a nenhum ser humano pode ser imposta situação social dar-se então início as adaptações outrora não degradante , pois estes devem ter condições mínimas vividas, e aquelas que por ventura já tiveram sido de subsistência, bem como condições matérias e experimentadas, sabe-se que era na obscuridade de morais de autodeterminação. uma sociedade tradicionalista e patriarcal. Neste A esse respeito descreve Castilho, Ricardo momento aparecem então os filhos e as controvérsias (2018, p. 244): de, a quem lhe seriam direcionados os cuidados dos mesmos. Dignidade é, portanto, condição, qualidade, Historicamente ainda não se falava de irrenunciável, inalienável, ínsita a todo ser humano que veda a submissão deste, a alienação, porém já havia aqueles que dispensavam tratamentos degradantes e as situações em tempo e recursos para estudar tais comportamentos. que inexistam ou se apresentem escassas as

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condições materiais ou morais mínimas para 1.2 FORMAS DE APRESENTAÇÃO DOS sua subsistência ou autodeterminação. COMPORAMENTOS DO ALIENADOR Quanto a sua maior incidência é perceptível Ao estudar tal tema, é possível perceber que no ambiente materno, até mesmo pelo fato de a mãe de forma genérica sempre existe um padrão do qual ser na maioria das vezes a indicada para a guarda dos tanto o alienador, quanto o alienado fazem parte, filhos menores, o que não exclui que a alienação pode e que infelizmente é de difícil percepção pessoal e estender-se a terceiros, cujos menores lhes é entregue social. Visto que é muito importante identificar os aos cuidados, definitivos ou temporários. comportamentos que podem ser desde diferentes Desta feita, existe hoje a fantasia de que condições psicológicas, quanto físicas em modos de o Estado, ou poder público de forma geral irá agir, falar e se socializar com outros indivíduos, e restabelecer a harmonia e estruturação social muitas vezes esses indivíduos são da própria família, que essas famílias acabaram por perder. O que o que acaba dificultando a busca por tratamento infelizmente de fato não o é, pois tanto o Estado, qualificado, possibilitando assim menores prejuízos quanto as instituições que se dispõe a trabalhar neste aos envolvidos. viés tem por direcionamento tratar dos envolvidos Embora se tenham características idênticas na situação de alienação, dando a eles capacidade a todos os alienadores e também nos alienados, é para se reestruturarem e se reorganizarem como difícil estabelecer um padrão ou rol de apresentação família. destas características, pois, estas podem se apresentar Apesar da Alienação está presente cada dia das mais variadas formas. mais no convívio das famílias, o grande problema são as sequelas que ela causa tanto aos menores 1.3 COMPORTAMENTOS CONSIDERADOS MAIS alienados quanto aos adultos alienadores, as sequelas COMUNS deixadas são muitas vezes graves de mais, podendo deixar traços irreparáveis na vida desse futuro adulto, Quando se refere ao alienador, Trindade, o que infelizmente pode vir a desencadear um Jorge (2008, p.105), destaca algumas características comportamento alienador neste também. marcantes as quais são denotativas deste, sejam elas: O que temos percebido é que a alienação deixa traços capazes de perdurar para o resto da • Dependência; vida, pois cria no alienador prazer e saciedade nos • Baixa Autoestima; comportamentos abusivos, agressivos e de domínio • Condutas de não respeitar as regras; contra o alienado, o que para ele o alienador já se • Sedução e Manipulação; pode dizer que tem um vinculo com o alienado, pois cria um ambiente de contradições entre os pais, COMPORTAMENTOS CONSIDERADOS “MAIS causando assim a desconstrução na relação amorosa CRIATIVOS” pai/mãe e filho. Dentre estes efeitos causados pelos atos Assim sendo ainda pode o alienador apresentar praticados pela parte alienadora, ainda pode se condutas das mais criativas, mas não desconhecidas, perceber outras inúmeras situações advindas de sendo elas: tal problemática, alguns casos bem comuns é a negligencia dos filhos, maltrato e demonstração de • Desvalorizar o cônjuge perante terceiros; rejeição, estes são comportamentos tão danosos à • Desqualificar o outro cônjuge para o(s) mente humana que é considerada de difícil reversão. filho(s); Nos menores a alienação também pode trazer • Recusar informações em ralação aos danos extremamente prejudiciais, o que muitas filhos (escola, passeios, aniversários...); vezes corroboram para que esses comportamentos • Impedir a visitação; de alienação sejam de difícil constatação, pois ante • Envolver pessoa na lavagem emocional toda essa problemática considera se característica dos filhos; pessoal do menor como sendo “coisas do próprio • Sair de férias e deixar os filhos com outras desenvolvimento”, o que leva ao tardio diagnóstico pessoas; de uma criança vítima de alienação. • Culpar o outro cônjuge pelo

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comportamento dos filhos. as duas partes podem se e devem ter auxilio para superar tal situação. 1.4 COMPORTAMENTOS MAIS AGRESSIVOS 1.7 QUANTO AO RECONHECIMENTO E AVALIAÇÃO Logo, em alguns casos também podemos observar comportamentos mais agressivos que podem A alienação parental é ato que somente pode ferir o desenvolvimento da criança ou adolescente, ser reconhecido como tal por força de decisão judicial, quais sejam: a requerimento do interessado o por iniciativa do juiz (ex officio), a qualquer tempo. O ato da Alienação • Obstrução a todo contato; Parental pode ser complexo, com a atuação de duas • Falsas denúncias de abuso físico, ou mais pessoas, admitindo concurso de agente emocional ou sexual; mediante participação de terceiros. • Implantação de falsas memorias e a Algumas são as maneiras de avaliação da criação de memorias distorcidas. personalidade dos envolvidos, dentre elas

1.5 COMO É O ALIENADOR estão: • Exame comportamental; Segundo alguns estudos mostram, assim como • Acompanhamento psicológico; é difícil identificar uma alienação, assim também • Histórico familiar; é quase impossível identificar os sentimentos do • Avaliação psicossocial. alienador, os reais motivos que o levaram a tais atos. Estudos nos dizem que tais comportamentos são A) LEGISLAÇÃO advindos de uma infância muitas vezes traumática ou até cercadas de tragédias emocionais e familiares. No decorrer dos séculos o homem criou e Esses sentimentos por vezes são demostrados através tentou aplicar leis, que aparentemente para sua de: época se mostravam mais favoráveis e davam aos menores, proteção e cuidados necessários, porém, • Destruição, Ódio e Raiva; o que se tem percebido que em nenhum tempo as • Inveja e Ciúmes; crianças gozaram de tais cuidados de fato, sendo • Superproteção dos filhos. estas, desrespeitadas pela sociedade em que vivem. Deste modo o que podemos observar é que 1.6 FORMAS DE ASSISTENCIA AOS ENVOLVIDOS NA apenas com a criação da lei do divórcio em dezembro ALIENAÇÃO de 1977 (6.515/19770), lei que regulamentou a situação da mulher casada em agosto de 1962 Estudos e pesquisas já mostram que algumas (4.121/1962), criação do ECA em julho de 1990 ações podem ajudar a pessoa do alienador a (8.069/1990) e mais recentemente a lei de alienação superar esse comportamento e se torar uma pessoa parental em agosto de 2010 (12.318/2010), é com segurança emocional capa de desenvolver conseguimos observar alguns avanços em prol de relacionamentos saudáveis, deixando de ferir e ser ofertar aos menores uma vida mais segura e um feridos. Essas ações geralmente dão se por meio de desenvolvimento mais saudável. ajuda profissional e apoio familiar, algumas delas são: B) ATUALMENTE NA PRÁTICA • Assistência Jurídica e psicológica; • Equilíbrio emocional; Hoje tendo em vista que a sociedade evoluiu, • Empatia; de forma que em alguns casos é difícil fazer andar • Visão de futuro; em harmonia a evolução social e as leis, podemos • Resiliência; dizer que tivemos avanços significativos, quando se • Esperança. desrespeita a proteção do menor, no entanto , ainda A busca de diagnóstico e assistência, o apoio temos aspectos que precisam urgentemente de uma familiar e todo o acompanhamento e tratamento e reestruturação, de adaptação das leis ao seu tempo, eficaz tanto para o alienador quanto para o alienado, de leis que se façam expressamente clara ao seu

72 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade tempo, para que haja melhor compreensão daqueles houve um Decreto de nº 1.313, no ano de 1891 que que a tiverem de usar. estipulou idade mínima de 12 anos para o trabalho, As crianças precisam de maior proteção real, porém isso não teve aplicabilidade na prática, pois e que deixemos de ser garantidores de direito na fabricas e trabalhos voltados para a agricultura, teoria e passemos a executar atos que não visem constantemente contavam com mão de obra infantil. nossos próprios interesses, mas que garantam uma No início do século XX (entre 1900 – 1930), sociedade mais solidaria, liberta de individualismo, no Brasil houve o inicio das lutas sociais lideradas onde os menores não se sintam oprimidos e sem pelo proletariado urbano. Em 1917 durante a greve harmonia, inclusive no próprio âmbito familiar. geral foi criado o comitê de defesa do proletariado, que entre muitas reivindicava a proibição do trabalho 2 DA PROTEÇÃO DO MENOR por menores de 14 anos. No ano de 1927 teve se a promulgação do primeiro documento legal para o A proteção implica nos sentidos de abrigo, menor de 18 anos, conhecido como Código Mello acolhimento, agasalho, coberta, escondedouro, Mattos. esconderijo, guarita, recanto, refúgio, toca, Nos anos que ficou conhecido como Estado aconchego, conforto, ninho, teto... Assim, como Novo houve grandes mudanças no senário, como podemos observar, a palavra proteção já garante a revolução de 30 que representou a derrubada das um maior cuidado a quem dela se acoberta, deste oligarquias rurais do poder político, esse período deu modo ao decorrer dos séculos o homem tem cada se entre aos anos de 1937 e 1945, e ficou marcado vez mais tentado garantir essa proteção ao menor, por seu autoritarismo alargado, alcançando até a assegurando as crianças e adolescentes, métodos para assistência ao menor com a criação da SAM, um órgão garantir a eles os direitos fundamentais inerentes ligado a justiça equivalente ao sistema penitenciário à pessoa humana, sendo que estes devem ser para a população menor de idade, esse sistema previa respeitados prioritariamente não apenas pela família tratamento diferenciado para adolescentes autores e pela sociedade, como também pelo Estado, estando de atos infracionais, bem como menores carentes e ambos sob pena de responder pelos danos causados. abandonados. Os primeiros registros que se tem da definição O Governo Vargas é deposto em 1945 e uma de alienação Parental, deu-se nos EUA e está associado nova constituição é promulgada em 1946, nesse a Richard Gardner (1987), e posteriormente com as momento histórico e político do país é também contribuições de F. Podevyn (2001) foi difundida na momento de uma nova organização social. Foi em Europa, a partir de então gerou grande interesse da meio a esse cenário no ano de 1950, que instalou se o psicologia e dos operadores do direito. primeiro escritório do UNICEF no Brasil, na cidade Até o início do século XX não se tem muitos de João Pessoa, na Paraíba e o primeiro projeto relatos sobre políticas sociais brasileiras, as populações destinou-se a proteção da criança e da gestante. carentes economicamente eram entregues aos E o início da década de 60 foi marcada por uma cuidados da igreja católica que através de algumas sociedade civil mais organizada. instituições como a Santa casa de Misericórdia, Em 64, com o golpe militar, o Brasil acolhia órfãos e doentes, e por meio de donativos tornou se o cenário principal diante do panorama aparavam esses desfavorecidos, esse era um sistema internacional, a ditadura foi instituída e nesse vindo da Europa que objetivava o amparo de crianças momento interrompeu se por 20 anos a democracia abandonadas. de todo uma nação. Só em 1967 foi elaborada uma Em 1927 houve algumas mudanças, o que nova constituição, que deu novas diretrizes para a garantiu que o registro das crianças entregues a essas vida civil. instituições agora fossem obrigatórias. Só em 1954 No período do governo militar, dois que o ensino também tornou se obrigatório, porém documentos foram criados para a área da infância: ainda tinha suas restrições, pois os escravos e os não vacinados não podiam ter acesso ao ensino, deste a. A Lei que criou a Fundação Nacional modo podemos observar que essas restrições apenas do Bem-Estar do Menor (Lei 4.513 de se aplicavam a famílias de classes baixas, pois estas 1/12/64) não possuíam meios de obter tais recursos. b. O Código de Menores de 79 (Lei 6697 Quanto ao trabalho realizado pelo menor, de 10/10/79)

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O objetivo da FUNABEM era formular e A) LEGISLAÇÃO implantar a Política Nacional do Bem Estar do Menor, seu intuito era de assistência à infância, tanto Ao falamos de legislação de proteção ao menor, para abandonados, carentes, como infratores, seu devemos nos atentar que o Brasil por muitas décadas principal foco. não tinha olhos voltados para essa questão, visto Na década de 80 a democracia outra vez se faz que até mesmo a mulher demorou bastante tempo realidade com a promulgação da constituição cidadã para conseguir direitos básicos na sociedade (votar, em 88, e com ela veio toda uma reorganização do divorciar se), consequentemente não fora diferente Estado, e com um novo olhar em torno do tema com os menores da nossa sociedade, os filhos até infância. Nesse momento o país vivia a defesa da meados do século XX eram visto apena como infância em uma nova carta constitucional, e dividia heroísmo o chefe da casa por ter a honra de possuir se em duas vertentes, os menoristas e os estatutistas. herdeiros homens, por outro lado as filhas servia de Os menoristas defendia que se mantivesse o ajuda nas tarefas do lar para as mães enquanto até código dos menores e se regularizasse a situação da pouco tempo sua maior missão era não envergonhar criança e adolescente irregular. seu pai, pois tinha ele a obrigação de dar a ela um Já os estatutistas defendiam amplos direitos “bom casamento”. criança e adolescente, tornando os sujeitos de direitos De uma sociedade totalmente machista, onde e política proteção integral, desse modo o estatutistas menores não tinham sua proteção como pilar da defendiam uma grande mudança no código. família e da sociedade, onde crianças trabalhavam Foi só em outubro de 1988 com a na agricultura, na criação de gado ou nas fabricas, promulgação da carta magna que marcou se foi onde começamos a sentir a necessidade de criar os avanços na área social, introduzindo as meios para que estas crianças deixassem de ser vistas políticas sociais e trazendo avanços normativos como mais uma mão de obra e começassem a serem internacionais para a população infanto-juvenil observadas como a garantia de um país desenvolvido, Brasileira, então estava lançada as bases do Estatuto seguro e equilibrado. da Criança e do Adolescente. Mas como tudo demora longos anos para se Após longos anos de luta para garantir desenvolver, se criar ou readaptar-se, no Brasil não direitos humanos a criança e ao adolescente, foi em foi diferente, somente em 1990, com a criação do 13 de julho de 1990, que se promulgou o ECA, ECA é que conseguimos de fato dar um grande consolidando assim uma grande conquista não salto para uma evolução na proteção do menor e em apenas das crianças e adolescentes, mas também de garantia de seus direitos. toda uma sociedade. Desde que o ECA entrou em vigor, o Estado B) ATUALMENTE NA PRÁTICA e alguns setores de âmbitos não- governamentais, uniram-se para pôr em pratica as medidas Hoje após 28 anos da conquista de um determinadas neste novo dispositivo. Pelo caminho documento legal (ECA), que veio garantir ao menor já percorrido por esta causa, a certeza é que ainda há proteção, cuidados e direitos que ainda lhes eram um grande caminho a ser trilhado, para que se possa negados, temos ainda que olhar para os menores do garantir plenos direitos às crianças e adolescentes, nosso país com um olhar especial, exigindo que se ofertando a elas instituições sólidas e mecanismos cumpram todos os requisitos dispostos nessa lei, pois que operem com eficiência. apesar do reconhecimento de tal conquista, ainda Ainda em se tratando deste viés, e analisando temos uma dificuldade de pôr em pratica cada ponto as constantes buscas para a proteção do menor, o que dessa lei. tem se observado é que por muitas vezes as nossas Podemos dizer que, isso se dá não por falta crianças e adolescentes são vítimas daqueles os quais de vontade social, mas talvez por não termos uma são incumbidos de sua constante proteção. Ainda sociedade totalmente preparada e orientada nesse que por algumas vezes essa negligencia se dê de forma aspecto. Talvez pudéssemos dizer que maiores involuntária, infelizmente a realidade nos mostra investimentos em políticas públicas fosse um ponto que, na maioria delas está é de forma intencional e a se destacar nesse assunto em um momento futuro, antecipadamente planejada. mas o certo é que apesar de tantas lutas por proteção ao menor, hoje temos em nossas mãos o ECA, que

74 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade podemos reconhecer como uma grande conquista voz ativa, a vontade do pai prevalecia, os filhos deviam não apenas do menor, mas também de toda uma a ele mais que apenas respeito, deviam obediência sociedade. e cumplicidade, mesmo que estas se apresentassem e desfavor da figura materna, eles eram ensinados a 3 O PERFIL DO ALIENADOR obedecer inquestionavelmente sempre. Talvez por tais motivos hoje possamos observar Em que pese à sociedade tenha suas definições que traços de um alienador já se fazia presente nas para o alienador, por um ângulo mais claro e famílias em séculos passados. reconhecido no meio da psicanalise e de estudiosos de comportamentos que caracterizam o indivíduo. A) LEGISLAÇÃO; Reconhecido como alguém sórdido, pelos comportamentos desenvolvidos, e que diante de Após anos na luta contra comportamentos situações indesejadas se comporta como vítima, de alienação, buscando melhorar o convívio social e a pessoa do alienador não sente culpa pelos atos o desenvolvimento mental e psicológico do menor, praticados, mesmo que esses atos causem danos ao a sociedade hoje tem a lei de alienação parental menor sob seus cuidados, característica essa bem (12.318/2010), que veio para proteger o menor de típica de psicopatas. O alienador costuma transformar situações danosas ao seu desenvolvimento individual o menor em um “ser não pensante”, onde este tem e social. a função eficaz de realizar seus desejos, também é característico do alienador não sentir emoções ou B) ATUALMENTE NA PRÁTICA. ao senti-las não exprimi-las, geralmente se tornam intolerantes, não admitindo ser contrariado ou Depois da lei 12.318/2010, tivemos grandes frustrado quanto a seus planos. ganhos quanto a proteção do menor, claro que Existem estudos da psicologia, psicanalise sempre teremos que estar nos adaptando a novas e áreas a fins, onde se afirma que o alienador não situações, mas o fato de ter uma legislação que trata se formou em tal individuo em um momento com especial cuidado dos menores, é um avanço repentino, em regra o que esses estudos mostram é para o país, visto que, por longos anos esses menores que crianças que vivem em lares desorientados, sem nem se quer foram vistos como dignos de qualquer estrutura (econômica, social e psicológica), entre cuidado especial. outros, são mais propensos a desenvolverem esse tipo Contudo, ainda temos que melhorar “ampliar” de comportamento. essa proteção aos menores, com mais fiscalização, É um comportamento “doentio”, muitas incentivos relativos a políticas públicas entre outros, vezes não percebido pelo próprio alienador e para que a sociedade se sinta amparada qualitativa e que pode gerar graves consequências para o quantitativamente em relação aos menores. desenvolvimento do menor que interage com essa Se tratando na figura do alienador atualmente, situação, comportamentos estes que podem ir existe uma linha de pensamento, a qual se devem desde isolamento social, depressão e agressividade voltar os olhos um pouco para evitar futuros danos, até tornar-se também um possível alienador na fase quando a figura do alienador é identificada, a grande adulta. preocupação da sociedade é afasta-lo do convívio familiar, ou seja, tirar o menor do ambiente dessa A) INTRODUÇÃO HISTÓRICA; pessoa, porem as medidas tomadas quanto ao próprio alienador devem ser observadas com mais Hoje quando voltamos um pouco o olhar ao perspicácia. passado vemos que, mesmo em épocas onde não Em estudos e debates o que se percebe é se tinha definido o alienador como tal, ele sempre que o alienador em muitas das vezes é distanciado esteve presente, como mostra a psicologia em séculos da família, porém com o passar dos anos ele pode anteriores muitas vezes o próprio “pai”, aquele que formar nova família, o que pode resultar em um detinha o poder familiar, tomava a forma da figura novo processo de alienação, tais cuidados devem do alienador. também tomar forma mais ativa por nós, sociedade Ao analisarmos essa afirmação, podemos notar de forma geral. que na família dos séculos passados, a mãe não tinha

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CONSIDERAÇÕES FINAIS Saraiva, 2013. MIRANDA JUNIOR, H. C. Um psicólogo no tribunal Em que se pese a nossa sociedade ainda tenha de família: a prática na interface Direito e Psicanálise. muito em que se desenvolver quanto a esse tema, Belo Horizonte: Editora Arte Sã, 2010. estamos certos que os avanços dados até o momento PODEVYN, F. Sindrome de Alienação Parental: é de grande valia, até mesmo para que possamos dar Associação de Pais Para Sempre. Disponível em: http:// novos passos e garantir melhores recursos de proteção, www.paisparasemprebrasil.org. Acesso em: 23 de mar. no foco de que no futuro possamos sanar tais 2004. problemas sociais com mais agilidade e perspicácia. TRINDADE. Jorge. Incesto e Alienação Parental – No decorrer desse trabalho ao ler artigos, Realidades que a Justiça insiste em não ver. IBDFAM. leis e pesquisas, a conclusão que se pode chegar é Editora Revistas Dos Tribunais, 2008. que mesmo em meio a tantas dificuldades, a longos anos de batalhas e grandes perdas nesse percurso, a conquista de uma lei que olhe por uma classe especial do país é sem dúvidas uma vitória, porem em face disso ainda temos como sociedade, grandes caminhos a trilhar.

REFERÊNCIAS

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76 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

DOS AVANÇOS TECNOLÓGICOS MIDIÁTICOS E DA LIBERDADE DE IMPRENSA: ASPECTOS DA VIOLAÇÃO DOS DIREITOS DO DE CUJUS E DOS DIREITOS AO LUTO E AO ESQUECIMENTO DA FAMÍLIA DIANTE DA POSSIBILIDADE DA REPARAÇÃO DOS DANOS

MEDIA TECHNOLOGICAL ADVANCES AND PRESS FREEDOM: ASPECTS OF INFRINGEMENT OF DECEASED RIGHTS AND RIGHTS TO MOURNING AND FORGETTING FAMILY AND THE POSSIBILITY OF DAMAGE REPAIR

Bruna de Oliveira Andrade Mestranda em Ciências Jurídicas pelo UniCesumar; Especialista em Processo Penal pela Damásio Educacional; Licenciada em Educação Física pela Universidade Estadual do Paraná – Campus Paranavaí; Advogada no Paraná; E-mail: brunaoliv.andrade@ gmail.com

José Sebastião de Oliveira Pós-doutor em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa; Doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP); Mestre em Direito Negocial pela Universidade Estadual de Londrina (UEL); Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (UEM); professor do curso de Mestrado em Ciências Jurídicas e Doutorado em Direito do Centro Universitário de Maringá (UNICESUMAR); Advogado. E-mail: [email protected]

RESUMO ABSTRACT

Com os avanços tecnológicos, a divulgação de With technological advances, the dissemination fotos e vídeos de cadáveres, em seus momentos finais of photos and videos of corpses, in their final and tragic e trágicos, como em acidentes de trânsito, cenas de moments, such as traffic accidents, crime scenes, even in crimes, até no preparo dos corpos para o velório, the preparation of bodies for the wake, occur routinely ocorrem rotineiramente e sem critérios éticos e and without ethical and moral criteria, only to answer morais, apenas para sanar a curiosidade mórbida the human morbid curiosity of the disseminators and humana dos divulgadores e receptores, que sequer receivers who did not even know the victim. Given this, conheciam a vítima. Diante disto, este trabalho traz this work brings reflections on the freedom and limits reflexões sobre a liberdade e limites da imprensa of the press in Brazil, the violation of personality rights no Brasil, a violação dos direitos da personalidade inherent to the dead, as well as the rights that support inerentes aos mortos, bem como dos direitos que family members. amparam os familiares. KEY WORDS PALAVRAS-CHAVE Freedom of the press; Freedom of information; Personality rights; Direito ao Luto e ao Esquecimento; Direitos da Personalidade; Civil Liability, Right to Mourning and Oblivion. Liberdade de Imprensa; Liberdade de Informação; Responsabilidade Civil. V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

INTRODUÇÃO traz imagens dos restos mortais da pessoa falecida, em situações deploráveis. Superadas as intervenções ditatoriais da censura Esse compartilhamento sem limites esbarra prévia, a imprensa brasileira pôde se expressar e com o direito ao luto do familiar, que além de ter que informar livremente os seus cidadãos. Com o advento suportar a dor de uma perda, revive dia após dia as da tecnologia, suas informações são rapidamente e imagens chocantes da morte de seu familiar, ferindo amplamente disseminada principalmente no meio inclusive o direito ao esquecimento. virtual. Contudo, além da imprensa oficial, este Este trabalho, utilizando-se do método dedutivo avanço tecnológico fez surgir a divulgação informal em uma pesquisa de levantamento bibliográfico em de notícias, feita pelos próprios espectadores que revistas científicas, doutrinas e jurisprudências que se tornaram agentes ativos da transmissão dos mais tratam de Direitos da Personalidade, de Família e variados conteúdos, principalmente por intermédio Civil, busca compreender se existe uma proteção no das redes sociais. ordenamento jurídico brasileiro capaz de defender No entanto, não se pode dizer que o direito os direitos de personalidade post mortem, bem como de informar está completamente desregulado, trazer quais as consequências jurídicas que uma visto que há limitações legais que visam impedir o pessoa que divulgam imagens de um cadáver poderá cometimento de abusos tanto pela imprensa oficial, suportar se o fizer sem autorização e/ou quando como pelos divulgadores informais. causar danos a outrem. Sabe-se que o direito de informar é um direito constitucional, porém, este direito muitas vezes 1 DA LIBERDADE DE IMPRENSA NO BRASIL esbarra em outros, como por exemplo, os direitos da personalidade, também protegidos pela Carta Magna A imprensa no Brasil, da maneira como de 1988, e nestes casos, existe a necessidade de se conhecemos hoje, passou a existir com a promulgação fazer uma ponderação, avaliando o caso concreto a da Constituição Federal de 1988. A nova Lei Maior fim de decidir qual deverá prevalecer. eliminou a censura prévia dos meios de comunicação e cultura, assegurando àqueles que trabalhavam A facilidade de transmissão de dados e nestas áreas a liberdade de expressão, pensamento e informações propiciadas pelas novas tecnologias fez criação. surgir um grande problema, as pessoas perderam O Governo Militar (1964 a1985) coibiu de sua humanidade, pois na busca da autopromoção diversas formas a expressão livre das ideias no Brasil, e sob o escudo da liberdade de imprensa, passaram principalmente por meio dos atos institucionais. A a desrespeitar inclusive, os mortos. Tem-se visto censura dos meios de comunicação assegurava que as inúmeras publicações de imagens e vídeos de outros notícias e informações passadas à população seriam seres humanos em seus momentos agonizantes, de um país próspero, afastando o perigo comunista principalmente quando o seu fim na vida terrena, e mantendo o apoio da maioria da sociedade chega de maneira trágica. (OLIVEIRA; MOTTA, 2014). Ante esta expansão de informações algumas Antes da Constituição existia a Lei nº perguntas são trazidas, por exemplo, se, seria possível 5.250/67, conhecida como Lei da Imprensa, mesmo a defesa dos direitos da personalidade, tendo em vista que neste período não fosse respeitada, sobreviveu a que a personalidade da pessoa natural se extingue fase do governo militar brasileiro e seu art. 1º garantia com a sua morte? Será que estes direitos podem ser a livre manifestação do pensamento e a difusão de objeto de pedido de proteção por outras pessoas, ou informações. seja, outras pessoas tem legitimidade para pleitear Diante destes preceitos de liberdade seguem, proteção para eles? também, as diretrizes estabelecidas no art. 13, item Ainda, com a divulgação desenfreada das 11 do Pacto de São José da Costa Rica (Convenção imagens e vídeos provenientes da morte de uma Americana sobre Direitos Humanos de 1969), do pessoa, que muitas vezes são violentas, os familiares qual o Brasil é signatário. do falecido são os mais atingidos, haja vista que 1. Artigo 13 - Liberdade de pensamento e de expressão acabam recebendo a notícia por meio de aplicativos 1. Toda pessoa tem o direito à liberdade de pensamento e de expressão. Esse direito inclui a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de conversa e das redes sociais, porém, o conteúdo de qualquer natureza, sem considerações de fronteiras, verbalmente ou por divulgado e compartilhado é mórbido, uma vez que escrito, ou em forma impressa ou artística, ou por qualquer meio de sua escolha.

78 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Nota-se que os constituintes e os legisladores à utilização do anonimato, ao passo que, a Lei da brasileiros procuraram garantir legalmente que Imprensa possibilita a punição pelo cometimento de os cidadãos exerçam seus direitos à comunicação, abusos. informação e cultura, e desta forma, evitar o constrangimento por parte do Estado. 2 DOS LIMITES DA LIBERDADE DE IMPRENSA Assim, pode-se dizer que a liberdade de imprensa nada mais é do que a reunião de três É comum, em rádio, televisão, internet, jornal garantias constitucionais: a manifestação do escrito ou falado a circulação de reportagens e notícias pensamento, a expressão de atividades intelectuais, a respeito de vários assuntos, inclusive, notícias que artísticas e de comunicação, e, por fim, o direito trazem imagens fortes do momento do falecimento à informação. Todas encontradas no art. 5º da de pessoas, no entanto, esquecem ou talvez não se Constituição Federal de 88 (incisos IV, IX e XIV, preocupam, que a veiculação de tais informações possa respectivamente) e art. 220, §§1º e 2º (PEREIRA, ferir direitos inerentes ao falecido, principalmente a 2013)2. intimidade e as imagens da pessoa falecida. É de senso comum, que a Constituição Importante destacar, que sempre que a Federal de 1988 buscou exorcizar em seu texto liberdade de imprensa conflitar com outros direitos todas as práticas anteriores a sua existência. O Brasil fundamentais, como a intimidade, a vida privada, a almejava a mais límpida democracia, conquistada honra e a imagem das pessoas4, haverá necessidade de se a árduas lutas e, sem dúvidas, uma das amarras avaliar o caso concreto e verificar os danos que o abuso do governo militar que se pretendia eliminar era a causou. Desta forma, não obstante a livre expressão censura. Assim, em seu texto, no Capítulo V – Da do pensamento, opinião, criação e comunicação, Comunicação Social, trouxe a imposição de limites se estas causarem dissabores a outrem é, também, ao controle do Estado sobre a imprensa, impedindo constitucional o direito à resposta e a indenização por que o poder estatal criasse obstáculos às liberdades dano material ou moral (BRASIL, 1988). contidas no art. 5º (BRASIL, 1988). Na legislação brasileira, não há direito ou Como se vê, a própria legislação dá sustentação princípio que se apresente absoluto, ou seja, que possa à liberdade de imprensa, sem, contudo, deixar ser exercido em detrimentos de direitos e garantias de impor-lhe limites mínimos que garantam o da sociedade ou de terceiros. Este é entendimento convívio social. Há alguns anos, foi promulgada a do ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Lei nº 12.965/2014 conhecida como Marco Civil Mello no HC nº 82.4245. da Internet, e nos mesmos moldes da Constituição, Para José Afonso da Silva (2006), como a buscou garantir a liberdade de expressão e a livre maioria dos direitos não são absolutos, a liberdade de manifestação do pensamento no âmbito virtual imprensa também é regida por limites, estes que são conforme trata seu art. 3º, inciso I e art. 4º, inciso II3. considerados como internos e externos como trazido Entretanto, esta liberdade não é irrestrita e a seguir. nem desregulada, uma vez que a Constituição veda 4. Constituição Federal, art. 5º, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano 2. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, material ou moral decorrente de sua violação; garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a 5. A proteção constitucional que assegura a liberdade de expressão inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à do pensamento não pode compreender, em seu âmbito de tutela, propriedade, nos termos seguintes: manifestações revestidas de ilicitude penal. A liberdade de manifestação do IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato; pensamento, por mais abrangente que deva ser o seu campo de incidência, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de não constitui meio que possa legitimar a exteriorização de propósitos comunicação, independentemente de censura ou licença; criminosos, especia1mente quanto às expressões de ódio racial. [...] Não há, XIV - é assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da no sistema constitucional brasileiro, direitos ou garantias que se revistam de fonte, quando necessário ao exercício profissional; caráter absoluto, assim, nenhum direito ou garantia pode ser exercido em Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a detrimento da ordem pública ou com desrespeito aos direitos e garantias de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer terceiros.[...] Cabe reconhecer que os postulados da igualdade e da dignidade restrição, observado o disposto nesta Constituição. pessoal dos seres humanos constituem limitações externas à liberdade § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena de expressão, que não pode, e não deve ser exercida com o propósito liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação subalterno de veicular práticas criminosas.[...] Entendo que a superação dos social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV. antagonismos existentes entre princípios constitucionais há de resultar da § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e utilização, pelo Supremo Tribunal Federal, de critérios que lhe permitam artística. ponderar e avaliar, “hic et nunc”, em função de determinado contexto e sob 3. Art. 3º A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: uma perspectiva axiológica concreta, qual deva ser o direito a preponderar I- garantia da liberdade de expressão, comunicação e manifestação de no caso, considerada a situação de conflito ocorrente, desde que, no entanto, pensamento, nos termos da Constituição Federal; a utilização do método da ponderação de bens e interesses não importe em II- do acesso à informação, ao conhecimento e à participação na vida cultural esvaziamento do conteúdo essencial dos direitos fundamentais (Ministro e na condução dos assuntos públicos; (grifamos) Celso de Mello - STF HC 82.424 publicado em 19/03/2004)

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 79 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Os limites internos traduzem-se nas 3 DA TECNOLOGIA E DA LIBERDADE DE responsabilidades sociais e no compromisso com a verdade. Os limites externos significam INFORMAÇÃO que a liberdade de imprensa tem seu âmbito de atuação estendido até o momento em que não atinja outros direitos de igual hierarquia Com os avanços tecnológicos as pessoas constitucional. estão perdendo alguns valores morais e solidários, tomando como correto a divulgação exacerbada Um indivíduo não pode simplesmente criar de informações suas próprias vidas e das alheias, uma história ou notícia, esta “informação” deve sem qualquer racionalização ética sobre aquilo que ser divulgada com responsabilidade. Do mesmo “postam”, “compartilham” ou “curtem”. modo, deve ser levado em consideração o fato de A forma e a velocidade com que as informações que esta informação não pode ferir outros direitos são divulgadas e a facilidade de sua distribuição pelas constitucionais (CALDAS, 1997). A informação redes sociais e equipamentos tecnológicos de massa, inconsequente, muitas vezes atinge, como já tratado como os celulares (smartphones), tablets, dificulta acima, outros princípios constitucionais, quais não só o controle da disseminação de certos fatos, sejam, o princípio da proteção dignidade humana como também sua retirada do meio social, pois é (art. 1º, III, CF6); direito de acesso a informação (art. praticamente impossível mensurar ou rastrear sua 5º, XIV, CF); a intimidade, a vida privada, a imagem abrangência (COSTA, 2011). e a honra de uma pessoa (art. 5º, X, CF). Atualmente, a maioria da população tem um Com a intenção de coibir que as pessoas celular com câmera fotográfica e/ou filmadora, e se utilizem da imprensa para lesionar direitos de quando se depararam com certas situações, como a terceiros, os costumes e a ordem pública, usando-a morte de uma pessoa, sem qualquer responsabilidade como um “escudo legal” a Constituição Federal, acabam divulgando cenas fortes dos minutos finais da também em seu art. 220, §3º traz em seu texto, vida de um indivíduo, porém, este ato muitas vezes que leis federais poderão regular certas atividades, está atrelado a verdadeiro desrespeito a vítima e sua espetáculos, programas de televisão, entre outros. família, tendo em vista que a dinâmica da postagem Sobre isto, a Lei nº 12.965/2014 trouxe a e “repasses” é tão intensa que é quase utópico que normatização da internet no Brasil, sendo possível o lesado ou os parentes consigam localizar os verificar a existência de princípios que limitam responsáveis e processá-los (COSTA, 2011). a divulgação de informações no mundo virtual. É neste contexto que se tem a dificuldade em Inclusive, protegem a privacidade, a intimidade e limitar a liberdade de informação e comunicação. as informações pessoais dos cidadãos, incentivando Talvez haja necessidade de educar e conscientizar as o uso responsável e as boas práticas na rede. Além pessoas para o uso responsável destes equipamentos disto, também responsabiliza aqueles que lesarem tecnológicos. o direito alheio, conforme se depreende do art. 3º, Este mesmo autor observa que com a evolução inciso VI e artigo 7º, inciso I7. da tecnologia tudo se tornou mais fácil tanto para A necessidade de limitação de certos conteúdos divulgar, como para receber as informações, os e informações que são divulgadas ao público não usuários que antes eram meros espectadores dos deve ser confundida com a censura prévia, pois conteúdos, agora se tornaram protagonistas. E com aquela surge da importância de se proteger outros o advento das redes sociais, WhatsApp, Facebook, direitos e bens jurídicos, também, protegidos pela Instagran e outros, as pessoas encontraram um meio legislação brasileira, enquanto esta se impõe como mais rápido para reproduzir uma informação, mesmo meio de evitar e estimular o pensamento crítico do que sem autenticidade ou veracidade comprovadas indivíduo e manter o poder do censura. ou totalmente deturpadas da realidade fática.

6. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel 4 DOS DIREITOS DA PERSONALIDADE E SUA dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- a dignidade da pessoa DEFESA APÓS A MORTE humana; 7. Art. 3o A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios: VI - responsabilização dos agentes de acordo com suas atividades, nos termos Os direitos da personalidade são aqueles da lei; Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário que formam a identidade de uma pessoa, são assegurados os seguintes direitos: I – inviolabilidade da intimidade e individualizando-a das demais. Segundo o art. da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ouo moral decorrente de sua violação; 11 do Código Civil, esses direitos irrenunciáveis e

80 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade intransmissíveis visam proteger o nome, a imagem, a subjetivo e inato, o que, contudo, não prejudica honra, a intimidade, dentre outros. seu caráter de mutabilidade ao longo da vida Nas palavras de José Sebastião de Oliveira e do indivíduo. No entanto, a honra consiste na Rodrigo de Camargo Cavalcante, 2016, direito de “dignidade pessoal do indivíduo refletida na personalidade consiste em: consideração dos outros e no sentimento da própria pessoa” (MOURA, 2015). Os direitos da personalidade são tomados pela maior parte da doutrina e da jurisprudência A proteção à honra é algo histórico para o como ramificação dos direitos humanos e homem, vez que, quando esta era de alguma forma fundamentais. Os direitos da personalidade, desta forma, enquanto direitos inerentes ofendida, sua defesa se dava por meio da violência, à pessoa humana, de caráter pessoal, guerras e duelos. Hoje não é diferente, no entanto, a intransmissíveis e irrenunciáveis, são espécie defesa desses direitos não se faz como antes, o famoso dos direitos fundamentais, os quais, por sua vez, são a positivação constitucional dos ditado “olho por olho, dente por dente”, atualmente direitos humanos. existe em nosso ordenamento jurídico a tutela destes direitos8. No que diz respeito a proteção dos direitos Celso Bastos e Ives Gandra Martins (1989, da personalidade inerente aos mortos, alguns deles p.63) afirmam que o direito à privacidade é também devem ser destacados como é o caso da imagem, a personalíssimo, e garante que o indivíduo não honra e a privacidade. tenha sua vida privada exposta, protegendo-a da Para Adriano de Cupis (2008) o direito a intromissão de terceiros. imagem se refere a faculdade que o ser humano possui para decidir tornar público ou não sua imagem. Já [...] faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos em sua vida Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda (2012) privada e familiar, assim como de impedir-lhes o direito a imagem só existe se houver a relação e o acesso a informações sobre a privacidade incidência dos demais direitos da personalidade, como de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre esta área da a honra, nome, etc., contrapondo o entendimento manifestação existencial do ser humano [...] de Luiz Alberto David Araújo (1996) que defende que o direito à imagem é direito autônomo. De modo geral, a defesa destes direitos, Muitas vezes um direito da personalidade deve só devem ser exercidos por seu titular, contudo, ser visto e interpretado para além do seu conceito após o falecimento de uma pessoa, alguns direitos individual, deve ser ponderado juntamente com personalíssimo ainda remanescem, e os legitimados outros interesses constitucionalmente protegidos. a defendê-los é trazido no art. 12, parágrafo único9 É o caso do direito a imagem que em determinada e art. 20, parágrafo único10 ambos do Código situações esbarra no direito à acesso a informação Civil. e a liberdade de imprensa, por exemplo, divulgar Assim, a legislação dá o direito de controle, ou imagens de cadáver sob o argumento de se tratar seja, as pessoas podem controlar o acesso de outros a um direto a informação pode entrar em conflito às informações quanto a sua vida pessoal, recorrendo com os direitos da personalidade o que admite a ao judiciário caso se julgue lesado pela intromissão ponderação de sua defesa. alheia. Já a respeito do direito a honra, José Afonso da Silva (2006, p.209) traz que “a honra é o conjunto 5 DO DIREITO POST MORTEM de qualidades que caracterizam a dignidade da pessoa, o respeito dos concidadãos, o bom nome, O legislador reservou no ordenamento a reputação”. Desta forma pode ser entendido que jurídico brasileiro os direitos post mortem, assim, todo cidadão tem direito a preservação e respeito a 8. Art. 138 - Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: essas qualidades, visto que a honra está diretamente § 1º - Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou ligada ao princípio da dignidade da pessoa humana, divulga. § 2º - É punível a calúnia contra os mortos. ou seja, cabe a cada pessoa o direito de decidir sobre Art. 139 - Difamar alguém, imputando-lhe fato ofensivo à sua reputação: sua identidade moral, não podendo de forma alguma Art. 140 - Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro: 9. Art. 12, CC. Parágrafo único. Em se tratando de morto, terá legitimação para haver a violação deste direito. requerer a medida prevista neste artigo o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral até o quarto grau. Adentrando no direito à honra, Pontes de 10. Art. 20, CC. Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são Miranda diz ser um direito absoluto, público, partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 81 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade mesmo que o falecimento da pessoa tenha posto no entanto, a divulgação de imagens de corpos um fim a sua personalidade, deve ser destacado que estendidos não traz em seu conteúdo nenhum ainda existe um princípio constitucional importante, material informativo, ou seja, é possível perceber a dignidade da pessoa humano. que o divulgador objetiva somente buscar efeitos A morte de uma pessoa coloca fim aos direitos midiáticos ou até mesmo algum tipo de lucro com inerentes a personalidade, pois, segundo ele, a pessoa aquela divulgação. morta não possui direitos nem deveres, uma vez que Pode-se dizer que o dano causado pela estes são adquiridos com o nascimento com vida propagação da imagem do cadáver em redes sociais e que se extingue com a morte. No entanto, para tem cunho moral (CAVALIERI FILHO, 2012)11, outros, a proteção e a defesa do direito a imagem e a uma vez que fere direitos da personalidade, bem honra dos direitos da personalidade vão além da vida como por causar grande sofrimento às famílias e (BITTAR, 2015). amigos da vítima quando, além de suportar a morte Estar a pessoa morta não significa que foi de um ente querido, revive o momento da perda colocado um fim a tudo que aconteceu em sua vida, quando visualiza cenas chocantes e agonizantes do deve ser respeitado seus restos mortais, bem como fim da vida de uma pessoa próxima. o sentimento dos familiares que perderam um ente O Superior Tribunal de Justiça já tratou sobre querido e que sofrem com determinada situação. o tema em seus julgados12, e o entendimento é de que Nesse sentido, é apropriado falar que os direitos post o dano causado decorre do direito personalíssimo à mortem são resguardados pelos familiares, que ao imagem, ante isto, nos casos de publicação de fotos se sentirem prejudicados, podem buscar auxílio do da vítima em seu leito de morte, caberá aos familiares Poder Judiciário, para tentar reparar a violação de tal legitimados o direito de requerem a reparação de direito ou lesão que tenha sofrido (BRASIL, 1988; danos13. BRASIL 2002). Sendo assim, aquele que propagar a imagem O maior exemplo, que está se tornando de cadáveres sem autorização de quem de direito, sob corriqueiro e que cabe citar, é a divulgação de fotos o pretexto de estar agindo amparado pelo direito de e vídeos de cadáveres por meio de redes sociais. As informação e imprensa, poderá ser responsabilizado pessoas quando se depara com a morte, geralmente civilmente e obrigado ao pagamento de indenização trágica de um indivíduo, acabam fotografando e/ou por danos morais e materiais. filmando esse momento, em seguida publicam nos aplicativos, expondo e explorando os conteúdos que 11. [...] Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes são fortes e chocantes, e que em frações de segundos, dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. [...]só deve ser reputado como dano moral a dor, vexame, sofrimento ou humilhação podem visualizar e compartilhar a informação a que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento milhares de pessoas. psicológico do indivíduo, causando-lhe aflições, angústia e desequilíbrio em seu bem-estar (CAVALIERI FILHO, 2012 p. 89-90/93). Postar fotos e compartilhar vídeos de uma 12. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. DANO MORAL. DIREITO pessoa morta fere a honra, a imagem e a intimidade À IMAGEM. MORTE EM ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. 1. Descabe a esta Corte apreciar alegada violação de dispositivos constitucionais, sob do cadáver. Tanto que no Código Penal no Título V, pena de usurpação da competência do Supremo Tribunal Federal, ainda que com intuito de prequestionamento. 2. Havendo violação aos direitos Capítulo II, trata sobre os Crimes contra o respeito da personalidade, como utilização indevida de fotografia da vítima, ainda aos mortos, no qual tipifica algumas condutas, ou ensanguentada e em meio às ferragens de acidente automobilístico, é possível reclamar perdas e danos, sem prejuízo de outras sanções previstas seja, fica claro que com o fim da vida de um indivíduo em lei, conforme art. 12 do Código Civil/2002. 3. Em se tratando de pessoa apenas encerrou alguns efeitos dos direitos de sua falecida, terá legitimação para as medidas judiciais cabíveis, o cônjuge sobrevivente, ou qualquer parente em linha reta, ou colateral, até o quarto personalidade, entretanto, outros permanecem e grau, independentemente da violação à imagem ter ocorrido antes ou após a morte do tutelado (art. 22, § único, C.C.). 4. Relativamente ao direito à subsistem, e devem ser preservados e respeitados. imagem, a obrigação da reparação decorre do próprio uso indevido do Ao se confrontar o direito de informação com direito personalíssimo, não havendo de cogitar-se da prova da existência de prejuízo ou dano. O dano é a própria utilização indevida da imagem, não os demais direitos fundamentais e da personalidade, sendo necessária a demonstração do prejuízo material ou moral. Precedentes pode-se verificar que, se alguém divulgar uma notícia, 5. A indenização deve ser fixada em termos razoáveis, orientando-se o juiz pelos critérios sugeridos pela doutrina e jurisprudência, com razoabilidade, uma foto, um vídeo, sem observância dos limites valendo-se de sua experiência e bom senso, atento à realidade da vida e às tratados em tópico anterior, automaticamente estará peculiaridades de cada caso. Impossibilidade de modificação do quantum indenizatório sob pena de realizar julgamento extra petita. RECURSO entrando na intimidade do outro, o que é vedado ESPECIAL PROVIDO. (STJ , Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 04/11/2010, T4 - QUARTA TURMA) - grifamos pelo ordenamento jurídico. 13. Se as imagens forem utilizadas com fins comerciais ou lucrativos independerá De fato, a Constituição Federal de 1988 de provas segundo entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça Súmula 403 “Independe de prova ou prejuízo a indenização pela publicação defende e garante o direito de impressa/informação, não autorizada da imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais ”.

82 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

6 DO DIREITO AO LUTO E DO DIREITO AO humana na sociedade da informação inclui o direito ESQUECIMENTO PELOS FAMILIARES ao esquecimento”. Com isto, é possível notar que estes Como dito anteriormente, não é surpresa que divulgadores profissionais ou informais, não se a internet vem sendo utilizada como mecanismo importam com o sentimento dos familiares que para expor em demasia a imagem da pessoa humana, ficaram, tão pouco com as consequências da e na maioria das vezes, esta exposição está atrelada propagação da imagem, uma vez que além de ferir a postagens que violam a dignidade do ser humano direitos da personalidade destinados ao falecido, (BITTAR, 2015). acabe ferindo direitos intrínseco aos familiares Importante destacar a obra “Direitos de que ficaram, como o direito ao luto e o direito ao Personalidade e sua tutela” de 1993 de Elimar esquecimento. Szaniawski, que, apesar desta edição de seu trabalho datar de uma época em que a Internet e a tecnologia 7 DA PROTEÇÃO DOS DIREITOS DA de comunicação móvel estava em seu embrião, a PERSONALIDADE DO DE CUJUS E DO DIREITO A ideia trazida pelo autor ainda se mostra atual. REPARAÇÃO DA FAMÍLIA Mas a ganância humana, a falta de respeito pelo próximo, a exploração de fatos escandalosos através de meios de comunicação É obvio que a pessoa morta não consegue e o desenvolvimento de uma tecnologia exigir a reparação do dano, porém seus familiares cada vez mais aperfeiçoada dos aparelhos 14 que invadem a esfera da vida privada alheia sim, uma vez que o art. 186 do Código Civil aborda trouxeram como que um aprisionamento ato ilícito e dispõe sobre responsabilidade civil. do ser humano e da sociedade, exercendo, A responsabilidade civil existe para reparação desta forma, uns sobre os outros, um poder e um controle quase que absoluto [...] do dano moral e manutenção do equilíbrio entre (SZANIAWSKI, 1993 p. 27). as partes. Assim, os indivíduos que cometem Não é incomum receber nos aplicativos ilícito civil, seja por ação ou omissão, devem sofrer de conversa como Whatsapp, vídeos, fotos e as consequências jurídicas pelos atos praticados, “reportagens” instantâneas que mostram imagens arcando com indenizações para que possa sanar a de pessoas falecidas em acidentes, homicídios e lesão causada a terceiros. suicídio a fim de saciar a curiosidade mórbida do ser Como visto, com a responsabilidade civil o humano ou até mesmo para conseguir audiências em legislador impôs limites nas atitudes das pessoas, programas jornalísticos, especialmente, os populares ou seja, aquele que causar dano a outrem, tem a sensacionalistas. obrigação de reparar, como no caso daquele que Na ausência de dispositivo legal expresso divulgam imagem de pessoas mortas nas redes que tutele o direito da família a vivenciar o seu sociais, ferindo direitos da personalidade inerentes ao luto, qualquer violação a este, como tem ocorrido falecido e direitos atinente a seus, ou seja, causando reiteradamente pela exposição midiática de danos aos familiares legitimados, conforme preceitua imagens do evento de morte, deve fundamentar o art. 927 do Código Civil de 200215. sua proteção no princípio da dignidade humana e O mesmo se aplica à aqueles que ao receber na inviolabilidade da intimidade e da vida privada a imagem de um indivíduo morto de uma forma desses familiares. Tendo em vista, que o luto deve trágica, compartilho com outros. É o que diz no ser vivido de forma intima e adequada, sendo que a texto da lei “[...]haverá obrigação de reparar o reiteração da experiência de sofrimento ao assistir ou dano, independente de culpa[...]”, esta por sua vez, visualizar as cenas da morte de seu ente querido fere é a inobservância de um dever que a pessoa devia a sua dignidade (BRASIL, 1988). conhecer e observar (LEONARDECZ, 2008). Além disto, tem que ser levado em conta Como anteriormente foi dito, a divulgação o direito destes parentes poder esquecer as de cenas de pessoas mortas de forma violenta, não circunstâncias cruéis que levaram ao falecimento da pessoa estimada, essa situação, atualmente no 14. Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente Brasil tem sido tratada e protegida pelo direito ao moral, comete ato ilícito. (Grifamos) esquecimento, que segundo o Enunciado nº 531 da 15. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único: Haverá obrigação de reparar VI Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou Federal se trata de “a tutela da dignidade da pessoa quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem. (Grifamos)

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 83 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

trazem em seu conteúdo cunho informativo, na O mesmo autor faz menção à preocupante verdade, isto apenas vem sendo usado de forma facilidade que trazem os meios de comunicação, sensacionalista. Este foi o entendimento do Tribunal pois as pessoas acreditam estar passando uma de Justiça do Distrito Federal, que deixa claro o informação, mas na verdade, está apenas sanando direito a reparação do dano, pela exposição de uma curiosidade intrínseca do ser humano, ou seja, fotos de um cadáver, sendo aquele que divulgou, vai além dos direitos a informação protegido pela obrigado a sanar/reparar o dano causado, pois feriu Constituição Federal. a dignidade da pessoa humana, havendo excesso no Desta forma, para tentar diminuir as atitudes direito de informar16. impensadas de pessoas que divulgam imagem de Como se verifica no julgado mencionado, cadáver sem preocuparem-se com as consequências, a genitora, necessitou buscar amparo jurídico para tramita na Câmara dos Deputados um Projeto de Lei requerer que fossem respeitadas a imagem e a honra nº2.237/2015 (Lei Cristiano Araújo) de autoria do de seu filho. Isto é o que ocorre devida a falta de Deputado César Halum - PRB/TO no sentido de regulamentação e a ausência de tecnologia adequada alterar o art. 212 do Código Penal que trata sobre o para combater os casos de violação da privacidade crime de vilipêndio de cadáver, criando um parágrafo dificultam a prevenção e repressão a estes atos único com o seguinte texto: ofensivos: Vilipêndio a cadáver: Art. 212 – Parágrafo único. É punível quem Esse quadro é particularmente preocupante reproduz acintosamente, em qualquer meio em relação a privacidade, cuja violação é de comunicação, foto, vídeo ou outro material exponencialmente facilitada pelas mesmas que contenha imagens ou cenas aviltantes de características e peculiaridades que tornam a cadáver ou parte dele. internet tão atraente, a tremenda facilidade de disseminação, de busca e de reprodução de informações em tempo real, sem limitações Segundo Halum, a justificativa de tal geográficas aparente (LEONARDI, 2012, p.42). modificação no texto legal, esta inteiramente ligado a coibir as divulgações de imagens de cadáver, 16. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO.PUBLICAÇÃO DE FOTO. FINITITUDE DO DIREITO DE HUMANIDADE. IMAGEM DE ADOLESCENTE preservando assim o respeito aos mortos e aos seus FALECIDO, VÍTIMA DE HOMICÍDIO. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO E familiares. Para ele, “[...] fotografar um cadáver só VEICULAÇÃO DE INFORMAÇÕES DEGRADANTES. OFENSA À DIGNIDADE HUMANA. EXCESSO NO DIREITO DE INFORMAÇÃO. DEVER DE REPARAR. pelo fato de estar em via pública não é justificado por VALOR DA INDENIZAÇÃO. AUSÊNCIA DE VÍCIO NO ACÓRDÃO. NÍTIDO INTERESSE DE REDISCUTIR QUESTÕES JÁ DECIDIDAS NO ARESTO. nenhum um ato acobertado por lei, pois é eivado de AUSÊNCIA DOS REQUISITOS DO ART. 535 DO CÓDIGODE PROCESSO vício moral que não legitima essa atitude [...]”, tendo CIVIL. EMBARGOS REJEITADOS. 1. Nos termos do art. 535, do Código de Processo Civil, os embargos declaratórios se prestam a esclarecer o ato em vista que guarda de imagens de cadáver, apenas judicial impugnado, quanto a eventuais pontos omissos, contraditórios ou por interesse pessoal, não trazendo qualquer cunho obscuros. Ou seja, a estreita via dos declaratórios não é útil para a reavaliação das questões apreciadas por ocasião do julgamento do recurso principal, científico, devendo, segundo ele, ser o divulgador quando não evidenciada presença dos vícios acima elencados. 2. Não há que punido pelo tipo penal descrito. se falar em vícios, porquanto o aresto esclareceu que é passível de gerar danos de ordem moral a publicação de notícia em jornal que ultrapasse os limites da divulgação, da informação, da expressão de opinião e livre discussão dos CONSIDERAÇÕES FINAIS fatos, afrontando a honra e integridade moral de pessoas, como é o caso dos autos, em que os jornais realizaram a publicação de fotos extremamente fortes, do corpo inteiro e do rosto de dois menores de idade falecidos, estirados no chão, tendo sido levantado o lençol que cobria os cadáveres. 2.1. Ficou demonstrado neste trabalho, que todas Está claro no aresto que tais publicações implicaram em ofensa aos direitos as pessoas têm direito à informação e a liberdade de extrapatrimoniais da mãe de Jairo, já que expôs, sem qualquer ressalva, a imagem de seu filho, em situação que devassa sua intimidade e honra. Isto é, imprensa, e que a restrição destes, deliberadamente, não há dúvidas de que, sem prejuízo do direito de informação, poderiam os réus ter noticiado o falecimento dos menores de forma menos sensacionalista, seria além da censura propriamente dita, um resguardando sua intimidade, sem expor sua imagem e demonstrando maior descumprimento a Constituição Federal e ao Estado respeito com a dor dos familiares. 2.2. O acórdão esclareceu que o critério que vem sendo adotado pelo e. Superior de Tribunal de Justiça para a fixação Democrático de Direito. Também é inconteste do quantum a título de danos morais considera as condições pessoais e que o direito de proteção à imagem e a honra são econômicas das partes, devendo o arbitramento operar-se com moderação e razoabilidade, atento à realidade da vida e às peculiaridades de cada caso, encontrados em nossa Lei Fundamental, sendo um de forma a não haver o enriquecimento indevido do ofendido, bem como direito de personalidade. que sirva para desestimular o ofensor a repetir o ato ilícito (REsp 334.827/SP, Rel. Ministro Honildo Amaral De Mello Castro (Desembargador Convocado Também foi possível verificar que, após Do TJ/AP), Quarta Turma, DJe. 16/11/2009). 3. O julgador não está obrigado a se pronunciar individualmente sobre todos os pontos, jurisprudências e a morte, alguns direitos da personalidade ainda dispositivos legais mencionados pelas partes quando, para decidir a lide, subsistem ao falecido, principalmente os que dizem encontrar outros fundamentos que a resolvam. 4. Embargos de Declaração rejeitados. (TJ-DF - EMD1: 201101114722801 Apelação Cível , Relator: respeito a sua imagem, a sua honra e a privacidade. JOÃO EGMONT, Data de Julgamento: 05/08/2015, 2ª Turma Cível, Data de Logo, mesmo após o falecimento de uma pessoa, a Publicação: Publicado no DJE : 17/08/2015 . Pág.: 232) (Grifamos).

84 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade imprensa ou os divulgadores informais não podem Comentários à Constituição do Brasil. vol. 2, São Paulo: se apropriar livremente destes direitos para propagar Saraiva, 1989. qualquer tipo de “informação”, que acaba por BITTAR, Carlos Alberto. Os Direitos da Personalidade. denegrir a imagem e a honra da pessoa falecida. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2015. Com isto, percebe-se que se a divulgação de BRASIL. Constituição Federal (1988). Brasília, DF: fotos e vídeos de cadáveres que não trouxer conteúdo Senado Federal: Centro Gráfico, 1988. Disponível em: informativo, mas apenas especulações, não pode http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/ servir como justificativa de estar amparado pela constituicao.htm. Acesso em: 17.ago.2019 Lei da Imprensa e pelo direito constitucional de BRASIL. Decreto nº678 de 6 de novembro de 1992 informar, pois na verdade estaria cometendo um (Pacto de São Jose da Costa Rica). Disponível em: ilícito civil por ferir os direitos de personalidade do http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/d0678. morto divulgando imagens ou fotos sem autorização htm. Acesso em: 17.ago.2019. de seus familiares. BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Também restou evidenciado que ao reiterado Institui o Código Civil. Lex. Brasília, 11 jan. 2002. compartilhamento das imagens provenientes da Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ ccivil_03/ morte de uma pessoa, causa danos não só a este, mas leis/2002/ L10406compilada.htm. Acesso em: 15 ago. àqueles que ficaram, como os seus familiares e amigos, 2019. que acabam tendo o direito ao luto e o esquecimento BRASIL. Lei nº 5.250, de 9 de fevereiro de 1967 (Lei de da dor da perda daquela pessoa falecida. Imprensa). Disponível em: http://www.planalto.gov. Então, na impossibilidade do de cujus atuar br/ ccivil_03/ leis/ l5250.htm. Acesso 17. Ago. 2019 em defesa própria, a legislação brasileira autoriza BRASIL. Lei nº12.965 de 23 de abril de 2014 Marco os legitimados a requerer a reparação do dano e a civil da internet. Disponível em: http://www.planalto. intervir em favor do morto. Haja vista que se entende, gov.br/ ccivil_03/ _ato2011-2014/ 2014/lei/ l12965. que o falecimento de alguém não interrompe certos htm. Acesso em 16.ago.2019. direitos da personalidade, como a imagem e a honra BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula principalmente. nº403. In: https://ww2.stj.jus.br/ docs_internet/ Dado o exposto, a evolução tecnológica não revista/ eletronica/ stj-revista-sumulas- 2014_38_ capSumula403.pdf. Acesso em 14 ago.2019. pode ultrapassar limites abarcados e protegidos pela Constituição Federal de 1988, e assim, a divulgação CALDAS, Pedro Frederico. Vida Privada, liberdade de de fotografias e/ou vídeos que mostram pessoas imprensa e dano moral. São Paulo: Saraiva, 1997. mortas em cenas chocantes, por se tratar de ilícito CAVALIERI, Sergio Filho. Programa de Responsabilidade civil, gera ao divulgador responsabilidade civil e civil. 10. ed. - São Paulo: Atlas, 2012. a obrigação de reparar o dano causado quando COSTA, João Pedro Fachana Cardoso Moreira da. A caracterizada a divulgação de foto de forma indevida responsabilidade civil pelos conteúdos ilícitos colocados e e ofensiva. Neste sentido, conforme foi apresentado difundidos na Internet: Em especial da responsabilidade no texto do artigo, que já existem diversos julgados pelos conteúdos gerados por utilizadores. 2011. pelos Tribunais de Justiça Brasileiros que condenam 160 f. Dissertação (Mestrado) - Curso de Direito, Universidade do Porto, Porto, 2011. Disponível em: o ofensor ao pagamento pecuniário por dano moral https://repositorio- aberto.up.pt/ bitstream/10216/ e material aos legitimados. E ainda, em alguns casos, 63893/2/Joo%20 FachanaA%20 responsabilidade%20 o Poder Judiciário tem considerado estas publicações civil%20pelos%20 contedos%20ilcitos%20 criminosas, enquadradas como vilipêndio de cadáver, colocados%20e%20 difundidos%20na%20 Internet. uma vez que o de cujus e os membros de sua família pdf. Acesso em: 15 ago. 2019. devem ser respeitados, nos limites da legislação CUPIS, Adriano de. Os direitos da personalidade. 2. ed. constitucional federal e infraconstitucional. São Paulo: Quórum, 2008. DEPUTADOS, Câmara. Projeto de Lei nº2237/2015. REFERÊNCIAS Disponível em: http://www2.camara.leg.br/ proposicoesWeb/ prop_mostrarintegra; jsessionid ARAÚJO, Luiz Roberto David. A promoção =A14E1F760853 AB73B6631D4 A0840639B. constitucional da própria imagem. Belo Horizonte: Del proposicoes Web1?codteor=1357947& Rey, 1996. filename=PL+2237/2015. Acesso em: 13 ago.2019. BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 85 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

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86 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

INTERFACE ENTRE RELIGIÃO E DIREITO INFLUÊNCIA DA REFORMA PROTESTANTE NA VALORIZAÇÃO DA CRIANÇA NO SEIO DA FAMÍLIA

INTERFAZ ENTRE LA RELIGIÓN Y LA LEY INFLUENCIA DE LA REFORMA PROTESTANTE EN EL VALOR DE LOS NIÑOS EN LA FAMILIA

Joana Ferreira Machado Acadêmica do Curso de Direito da UNICESUMAR, Campus de Maringá/PR. E-mail: [email protected]

Kellen Cristina Gomes Ballen Professora no Centro Universitário de Maringá- Unicesumar; Especialista em Direito Civil (Direito de Família) e Processo Civil. Mestre no Centro Universitário de Maringá - Unicesumar, área de concentração em Direitos da Personalidade. Membro do IBDFAM. E-mail: [email protected]

RESUMO PALAVRAS-CHAVES personalidade; criança; família; sociedade; religião e direito. O presente trabalho tem por objetivo ímpar, em conformidade com os direitos fundamentais, RESUMEN abordar consideráveis mudanças na sociedade após a reforma protestante, no que concerne El presente trabajo tiene el objetivo único, de aos direitos da criança e adolescente. A reforma acuerdo con los derechos fundamentales, de abordar protestante por sua vez, embora pouco lembrada, cambios considerables en la sociedad después de la teve participação suma dentro da sociedade, não reforma protestante, con respecto a los derechos de los somente impondo uma filosofia de vida, não niños, niñas y adolescentes. La reforma protestante a su apenas doutrinando pessoas, não apenas aplicando vez, aunque poco recordada, jugó un papel importante a religião em si; mas valorizando o ser humano dentro de la sociedad, no solo imponiendo una de modo geral, desde o nascimento o que nada filosofía de vida, no solo adoctrinando a las personas, mais é do que o direito atual preconiza. “OS no solo aplicando la religión misma; pero valorando DIREITOS DA PERSONALIDADE”, que são al ser humano en general, desde su nacimiento, lo irrenunciáveis, intransmissíveis, direitos esses que que no es más que abogados de la ley actual. “LOS diz respeito à proteção da essência e dignidade da DERECHOS DE LA PERSONALIDAD”, que pessoa humana. Vale ressaltar que tais direitos não son derechos indispensables e intransferibles que se são pleiteados na idade adulta, até porque não refieren a la protección de la esencia y la dignidad de nascemos adultos, mas estes são defendidos deste la persona humana. Es de destacar que tales derechos o ventre quando se tem noticia do surgimento de no se reclaman en la edad adulta, porque no somos uma vida. Foi utilizado o método teórico com adultos nacidos, pero estos se defienden desde este útero base na consulta de obras, artigos e documentos cuando hay noticias del surgimiento de una vida. eletrônicos que tratam do assunto, bem como a legislação pertinente. PALABRAS LLAVES personalidad; niño; familia; sociedad; religión y derecho. V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

INTRODUÇÃO da ilusão da existência pessoal e física por meio de meditação. Sabe-se que a religião é um dos meios que move Para ser aceito em determinada religião, a sociedade desde os primórdios, de modo haver uma obrigatoriamente teria que seguir seus preceitos, proximidade enorme entre os dois termos, meio este converter-se, pelo contrário o indivíduo não seria que reúne pessoas, grupos; pode fazer mudar leis, aceito pelos demais no seio do grupo. fazer que seus princípios se façam valer; enfim capaz de influenciar uma sociedade. Não é só dizer que se 1 RELIGIÃO E DIREITO tem uma religião, uma filosofia de vida, mas viver em comunidade, com ideais e perspectivas de uma Direito: substantivo masculino, reunião das vida melhor. O Brasil é um país onde a diversidade regras e das leis que mantêm ou regulam a vida em de religiões toma conta da sociedade e que em várias sociedade. situações causam polêmicas e discussões quanto a Aquilo que é garantido ao indivíduo por razão vários assuntos. da lei ou dos hábitos sociais: direito de frequentar É um apanhado de princípios que são qualquer escola. “Dicionário Aurélio” baseados em livros sagrados, que contam vidas de A Declaração Universal dos Direitos Humanos profetas que viveram no passado e chegaram ao ápice de 1948, em seu artigo 1º: “Todos nascem livres e de sua crença. O sagrado acompanha os homens, iguais em dignidade e direitos.” a etimologia da palavra “religião”, vem do latim, e Direito fundamentais são os direitos básicos nasceu de RELIGIO, que significa “respeito pelo individuais, sociais, políticos e jurídicos que são sagrado; louvor aos deuses”. previstos na Constituição Federal de uma nação. Na esfera teológica, religião é estudada no Tem como base os princípios dos direitos humanos contexto histórico, mediante várias pesquisas e e abrange as garantias à vida, liberdade, igualdade, análises de fenômenos, doutrinas, livros sagrados, educação entre outros. moral e influência nas áreas do conhecimento, dando É impossível manter distantes estes dois prioridade ao conhecimento das ciências humanas, institutos, pois a religião sempre influenciou no como antropologia e a sociologia. direito, desde os primórdios, na criação das leis entre Religião é um dos fenômenos mais os antigos povos. importantes que abrange a humanidade, e é vista em A Constituição brasileira protege o direito de todas as culturas, desde as mais remotas civilizações liberdade religiosa no seu artigo 5º, VI: nada mais é que um modo de viver, são práticas que inviolável a liberdade de consciência e de unem um povo, que rege a conduta de uma nação, crença, sendo assegurado o livre exercício dos é impossível olhar a sociedade e separá-la de suas cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e suas liturgias. crenças, dogmas e princípios. Esta aproxima homens de entidades, do Embora o Brasil seja um país laico, pode-se sobrenatural e pode influenciar outras pessoas através verificar que o código penal brasileiro é regido por de suas pregações, é crença e as pessoas buscam fazer artigos que se referem a versículos da bíblia sagrada, valer o que acreditam; em certos casos, são capazes de prova cabal da impossibilidade da não condição de matar, de dar suas próprias vidas em defesa dessa fé. influência da religião nas normas jurídicas. Ser religioso, nada mais é que seguir dogmas, doutrinas e filosofias de vida, é padronizar certo 2 REFORMA PROTESTANTE PARTE HISTÓRICA grupo, é viver segundo aos preceitos de determinados pensamentos. É sabido que a reforma protestante, se deu Desde a antiguidade pode-se verificar que principalmente pelo domínio do feudalismo, os as religiões conduziam pessoas, as crenças falavam príncipes, a paz pública, o comercio e comunicação mais alto a ponto de anular pessoas no que dizia estava a passar por evidentes dificuldades. A sentido às suas vontades próprias, direitos, deveres e desorganização do estado era presente e várias pensamentos, como é o caso do hinduísmo na Índia, mudanças estavam acontecendo; cresce assim o em que prega que o mundo físico é uma ilusão e sentimento pelo todo, nacionalista e um “UP” para ver-se livre de sofrimentos (do que foi feito de econômico. ruim na encarnação passada), a pessoa deve ficar livre

88 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

No presente trabalho, verifica-se a valorização No entanto, um dos elementos mais da criança no seio familiar, e como a reforma significativos foi o desagrado quanto à situação da protestante contribuiu para tal evento. igreja da época, que diferenciava pessoas, buscava-se De modo geral, os movimentos do assim, um evangelho mais pessoal. A peste, a guerra renascimento e reforma protestante, deram uma e o declínio econômico contribuíram para a busca alavancada no início do sec. XVI, o primeiro de uma reforma religiosa, afinal a igreja é quem iniciou-se no sec. XIV na Europa e tomou força dominava as pessoas. até o final do século XVI por defender ideias e O Papa “transformara-se num príncipe conteúdos humanistas deixando para traz a velha italiano, muito mais preocupado com a expansão do sociedade medieval e saltando para fundamentos poder temporal do Papado do que com interesses da morais, o segundo embora com base religiosa, Igreja Universal” (GREN, 1984.p.124). adentrou a outros campos sociais não só pelo A reforma de Lutero abriu os portais para fato da Reforma Protestante, mas também pela um mundo moderno, o reformador defendia as Contrarreforma igreja católica. (SILVA; SANTOS; escrituras de modo incluir todos os homens, sem ALMEIDA, 2017). distinção, um evangelho onde o homem é visto sem A reforma protestante teve seu início na discriminação de poder aquisitivo. Importante que Alemanha sec. XVI, através do monge Martinho nas teses defendidas por Lutero, ao coloca-las em Lutero, que inconformado com a atual situação da prática ele dá ênfase ao homem desde a infância. igreja católica, tinha anseio por conhecer mais o Para que houvesse uma correção na Cristo “salvador” e através desse movimento, mudou conduta da igreja católica em relação às pessoas, a esfera religiosa mundial, também em termos de Lutero dá prioridade a um dos pilares quanto ao relação entre Estado e Educação trazendo mudanças desenvolvimento infantil. às estruturas sociais pelo mundo. 3 RELIGIÃO E SOCIEDADE “É evidente que a Reforma não foi apenas obra de um só homem, mas sem Lutero não teria havido a Reforma”. Afirma Geoffrey Elton Embora seja um dos temas mais polêmicos (1982, p.15-6). dos últimos tempos, pode-se afirmar que a religião desempenha papel imprescindível na sociedade, O renascimento deu origem à reforma uma vez que promove avanços morais e civis, de protestante que por sua vez trouxe benefícios ao modo a manter a ordem pública, rejeitando o ódio mundo moderno o qual fazemos parte, a sociedade e propagando o auxilio ao próximo. Sempre teve foi beneficiada pelos direitos de liberdade, igualdade conexão com as mudanças da sociedade e visão no os movimentos nacionais e a gloriosa democracia, futuro desta, o ocorre desde a antiguidade. que tem fundamentos nas teses levantadas por A questão religiosa está presente não somente Lutero, vieram as mudanças na lei, casamento e na na vida das pessoas, como também na política e família. influencia na área econômica de qualquer Estado. Se formos analisar pelo âmbito da educação, Atualmente há vários conflitos religiosos de temos o conceito: “sujeito histórico, social e cultural.” seitas ou doutrinas que envolvem países, repercutindo LUSTIG, El.al.(2014). em ataques terroristas, catástrofes e mortes, sempre Com Martinho Lutero e suas 95 teses fixadas pela busca do poder, do domínio. na porta da igreja de Wittenberg (como de costume) Para a sociologia, a religião é vista como uma para que houvesse publicidade, contra as práticas do necessidade, pois está presente em várias esferas da papa, iniciou a luta por uma educação, modernizar o sociedade, ou por que não dizer que a sociedade ensino e o que as crianças e jovens deveriam aprender forma as religiões; pois na realidade todas as religiões na escola, como esse ensino deveria ser organizado e são constituídas por pessoas. em que beneficiaria estes; uma vez que não deveria As relações sociais estão permeadas de ter diferença na educação entre leigos e cléricos, já atividades religiosas, que faz com que as pessoas que todos são iguais perante Deus, Lutero propõe façam, deixem de fazer, são ou deixem de ser. Isto a criação de escola cristã. As questões levantadas porque na maioria das vezes a religiosidade pode abrangeram não somente a vida religiosa, mas mudar conceitos e atitudes e novos pensamentos que primordialmente o âmbito social. transformam vidas.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 89 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Não se tem possibilidade de analisar o mundo É função da família a participação na formação sem a presença religiosa, não há possibilidade de fazer e desenvolvimento da criança é a redação do Estatuto levantamento de uma nação sem verificar a religião da Criança e do Adolescente, (Lei n.8.069, de 13 de predominante; assim, novamente a conclusão de que julho de 1990) Art. 3º que afirma que a criança e o é impossível não ver a atuação da religião no meio da adolescente gozam de todos os direitos fundamentais sociedade. inerentes à pessoa humana, além a fim de lhes facultar Em Marx observa-se que a religião pode sim o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e trazer à tona as mazelas de um povo, em busca de social, em condições de liberdade e de dignidade. melhorias, pode trazer vida a determinado grupo, Diante do contido no referido artigo, traz o nada melhor para retratar um povo do que o que este âmbito espiritual como parte de seu desenvolvimento povo acredita: e é a família que levar a criança e adolescente até este patamar com a colaboração do Estado e sociedade “A religião é o suspiro da criança acabrunhada, o coração de um mundo sem coração, assim em geral. como também o espírito de uma época sem A Constituição Federal de 1988 (constituição espírito. Ela é o ópio do povo. (KARL MARX) cidadã), em seu artigo V, VI, assegura e protege a Martinho Lutero contribuiu muito para com liberdade de crença e liberdade de cultos, faz parte de o período de modificações da sociedade medieval direitos fundamentais a cada pessoa sem distinção. para moderna através da reforma protestante, a Art. 5º VI: é inviolável a liberdade de iniciar por bases teológicas. consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, O reformador, sempre visou que as pessoas na forma da lei, a proteção aos locais de culto e descobrissem dentro de si mesmo experiências a suas liturgias; (BRASIL, 1988). com Deus, as quais podem proporcionar um conhecimento melhor em primeiro lugar de Cristo No que concerne ao termo “religião”, o e em segundo lugar do próximo; se todos tiverem dicionário (AURÉLIO, 2010), traz a seguinte essa visão, se terá um mundo melhor, menos definição: egoísta: Culto prestado à divindade. Doutrina ou crença religiosa. O que é considerado como O cristão vive não em si mesmo, mas em um dever sagrado. Reverência, respeito. Cristo e no próximo. De outro modo, ele não Escrúpulo. Comunidade religiosa que segue será um cristão. (LUTERO.15-?). a regra do seu fundador ou reformador. em A religião não é ‘conhecimento doutrinário’, religião: como religioso. religião do Estado: mas sim sabedoria nascida da experiência aquela que o governo subvenciona. pessoal. (LUTERO, 15-?). “As palavras religiosas só têm valor para a Ser religioso não é somente seguir a dogmas criança na medida em que sua experiência no lar lhes e preceitos, mas encontrar-se dentro do que se dá significado” (DRESCHER, 2006). coloca em prática, mudar conceitos e se tornar uma A liberdade religiosa, independente de qual seja pessoa melhor com intuito de contribuir para com a religião, traz como fundamentos ao cumprimento a sociedade. de preceitos que leva pessoas a firmar-se sob certa doutrina de modo que este grupo/comunidade viva 4 LIBERDADE RELIGIOSA NO ÂMBITO FAMILIAR em concordância, de modo a interagirem buscando uma filosofia de vida que de certo modo une pessoas. Para o ordenamento jurídico brasileiro a Claro que uma religião pode influenciar família como pedra fundamental para a construção pessoas desde sua infância, onde o desenvolvimento da sociedade. espiritual poderá surtir efeitos diversos em sua vida Preservar a liberdade religiosa faz com que adulta. se expanda o desenvolvimento socioeconômico e Na questão da Reforma protestante, Lutero desacelera conflitos dentro da sociedade. via o Cristianismo como solução para aproximar A proteção da liberdade religiosa deve dar pessoas, reconstruir famílias, compadecer de órfãos liberdade ao cidadão de expressar sua crença, e viúvas, proteger crianças e adolescentes, pois este demonstrando prática moral e social; porém, nunca é o verdadeiro sentido do evangelho e não apenas o domínio absoluto da religião onde todos devem ser doutrinar pessoas. Lutero via a religião como meio livres para fazer suas escolhas.

90 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade primordial de valorização do ser humano a partir do Já no governo de Getúlio Vargas, se estabeleceu desenvolvimento infantil. projetos para proteção da saúde da criança. No período militar, criou o Código de 5 CONTEXTO BRASILEIRO QUANTO A Menores 1979 e A Fundação Nacional do Bem- PROTEÇÃO INTEGRAL DA CRIANÇA E Estar do menor. ADOLESCENTE A partir de então, muitas mudanças aconteceram, claro que levaram anos, porém Quanto à família desde a antiguidade se chegamos a CF/88 (constituição cidadã) e após o mostrou de maneira patriarcal, o homem tinha ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente, (Lei o domínio e os procedimentos que visavam o n.8.069, de 13 de julho de 1990), grande conquista desenvolvimento sócio-político e econômico. brasileira, LEI de proteção às nossas crianças e A partir do acréscimo da produção agrícola, adolescentes. houve o desenvolvimento do clã individualmente o Nosso país dá atenção supra aos ensinamentos que provocou mudanças consideráveis na organização cristãos, tanto que a maioria de nossas leis tem base social e surgindo outras formas de instituição do bíblica, a Constituição da república federativa do casamento. As famílias seguiam as religiões dos Brasil de 1988 em seu artigo 227, traz a redação antepassados e era valorizada a religião no seio da quanto a proteção integral da criança e adolescente, família e não dentro das paredes do templo. A partir tema este que por sua vez já havia sido discutido do casamento, a mulher deveria seguir a religião do em patamar internacional em 1989 e aprovado pela esposo e não mais de seu pai, totalmente submissa e ONU. sem direitos. A Constituição Cidadã de 1988, criança e A mulher tinha por obrigação gerar filhos adolescentes são admitidos como sujeitos de direito, homens, para que se dessem sucessão ao nome e deste modo faz-se jus à lei específica para esta patrimônio familiar, este era o intuito de se ter filhos; proteção, é aí que surge o ECA – já uma vez que filhas mulheres não preenchiam os Estatuto da Criança e do Adolescente, (Lei requisitos para que levasse adiante o nome do pai. n.8.069, de 13 de julho de 1990) artigo 1º, traz o No Brasil, por exemplo, a criança não era intuito para o qual a referida lei fora criada: Art. 1º tratada como sujeito de direitos, não era livre, esta lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao pois não tinha participação na vida política, era adolescente. simplesmente de responsabilidade da família. Nota-se que a criança e adolescente passa a ser A reforma chega ao país no período colonial sujeito de direitos e não objeto de direto como no quando franceses e holandeses tinham a intenção de princípio eram tratadas, o dever de tal proteção não estabelecerem em terras brasileiras. cabe somente à família, mas também da sociedade e As primeiras legislações brasileiras, somente ao estado; conforme o artigo 3º do ECA. tratavam da criança e adolescentes em situação irregulares “situação de risco” em 1900, período do 6 PERSONALIDADE X DIREITO DA final do império e inicio da república, as pessoas PERSONALIDADE carentes eram entregues aos cuidados da igreja católica através de instituições dentre elas as “rodas Personalidade em si se trata de condição de das Santas Casas de Misericórdia”, isso incluía ser pessoa, o conjunto de qualidades que definem as crianças órfãs e abandonadas. Nos meados particularmente cada indivíduo. de 1900 a 1930, fora implantado o Juizado de Atualmente os direitos da personalidade são Menores e consequentemente o Código de Menores mais propagados do que na antiguidade, embora direcionado à fase infanto-juvenil excluídos, local em desde a era antiga houvesse a proteção quando das que aguardavam julgamento do juiz. punições por torturas físicas e que denegriam a moral Em 1930 devido às lutas sociais, os menores do indivíduo. infratores eram recolhidos em casas de correção, em Com o avanço do cristianismo, que prega 1942 foi criado o chamado Serviço de Assistência ao que o homem é imagem e semelhança de Deus, Menor, onde os menores recebiam sanções como se fortaleceu as lutas para que este homem fosse tratado fosse um sistema prisional que incluía internatos e com dignidade e respeito mesmo diante de seus patronato rurais e escola de aprendizado na via urbana. erros, seus pecados.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 91 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

O mundo viveu uma alavancada com a de suas obras para a análise das propostas de Lutero Declaração Universal dos Direitos Humanos com no que se refere ao seu pensamento pedagógico. a participação de representantes de diversos países, Desde o princípio tinha preocupação não só com a proclamada pela Assembleia Geral da ONU em reforma da igreja, mas para com os pequenos quanto 1948. à educação escolar, mudança que no momento talvez Com a segunda guerra mundial, o mundo fosse visto como impossível. abriu os olhos para a proteção do homem em sua “Para Lutero, a existência humana consiste dignidade e personalidade, incluindo os referidos no serviço de Deus e ao próximo, de modo que as direitos desde o nascimento da pessoa. crianças deveriam ser educadas tanto espiritualmente No ordenamento jurídico brasileiro, os como em função de sua utilidade social.” (Ibid., direitos da personalidade constam na Constituição p.52-3). Federal, no Código Civil, no Código Penal, e em Martinho faz sua proposta quanto à educação outras Leis específicas. e durante todo seu percurso, via o Estado como canal Para o autor Orlando Gomes (1995 pág.153) para se chegar a concretização de suas teses, e para “sob a denominação de direitos da personalidade, isso recorria às autoridades locais da época. compreendem-se direitos considerados essenciais à Escreveu na “doutrina dos dois reinos” que pessoa humana, que a doutrina moderna preconiza e Deus estabelecera dois tipos de reino, sejam: espiritual disciplina, a fim de resguardar a sua dignidade”. e secular que de modo natural e sensível é visto o Os direitos da personalidade protegem a homem corrompido pelo pecado e com a redenção dignidade da pessoa humana, direitos subjetivos propiciada por Jesus Cristo, este mesmo homem inerentes a cada indivíduo de modo particular, os pode ser resgatado e elevado ao modo espiritual. quais não devem ser violados, acompanha tanto a Lutero deve ser reconhecido como o primeiro parte de desenvolvimento do ser humano quanto seu reformador moderno a defender a educação valor como pessoa. obrigatória. [...] Insistiu em que era obrigação das autoridades municipais e dos príncipes estabelecer e sustentar escolas; e foi tão longe 7 VISÃO DO REFORMADOR a ponto de exigir, para o bem do Estado, da cidade e da igreja, que os pais fossem obrigados a enviar seus filhos à escola. (EBY, 1976.p.62) A maioria dos estudiosos observa Lutero somente como bacharel bíblico, como alguém que Estado assim é visto como organização que revolucionou a religião cristã, chamado de louco pela pertence ao modo natural e sensível o qual Deus igreja católica, psicótico demoníaco que derrubou os instituiu para intervir quanto ao natural corrompido, pilares da igreja, porém foi mais além. que deve impor a ordem em nome de Deus, o Martinho Lutero foi analisado de diversas Estado na visão de Lutero, não deveria envolver-se maneiras. Ele recebeu as mais altas exaltações e elogios somente quanto às questões sensíveis, mas também e também as mais severas críticas e julgamentos: as espirituais, como as ciências, artes e educação. (Muniz e Barbosa. 2017). Pode-se analisar no decorrer dos anos, O reformador no decorrer da vida recebeu significativa evolução tanto na religião quanto a na elogios, mas também críticas inúmeras. Aqui não família que forma a sociedade que por sua vez é um se prioriza as questões religiosas muito menos se contributo aos direitos da personalidade. analisa ou exalta a pessoa de Lutero, mas ressaltar Este é o motivo de vermos hoje no século que esta “Reforma” contribuiu e muito para o XXI como tal visão evoluiu, não somente no âmbito desenvolvimento da sociedade e no protestantismo escolar, mas também dentro das mais diversas a visão de tal desenvolvimento se dá desde a infância religiões e principalmente isso se deu a partir da onde se a criança se desenvolve. reforma protestante que tanto concorreu para tal no Lutero teve sua primeira educação doméstica mundo. através de seus pais que basearam nos princípios Tem-se contemplado algo em nosso país cristãos se destacou no Direito, Artes, ética e que teve início a partir da reforma, os homens Metafísica, mestre em ciências e doutor em filosofia, foi não mais com visão limitada diante de Deus e do ensinado a partir de textos que o levaram a percepção Estado, expandiu a sua visão quanto a seus direitos quanto à educação. Há destaque nos muitos livros e deveres e pode-se analisar isso a partir da infância. de história da educação e pedagogia, destinam parte Embora a diversidade de religiões no Brasil, as

92 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade religiões protestantes conforme já explicitamos aqui, A preocupação central das igrejas protestantes desde o início contribui significativamente para o é cooperar com a sociedade, se importa com o desenvolvimento infantil de forma extraordinária; presente com visão no futuro, é investir nas crianças o que nas demais religiões houve demora no é dar vez e voz a este departamento que faz parte não reconhecimento. somente da igreja, mas da sociedade, é conscientizar aos pais quanto ao significado de família que condiz 8 A VALORIZAÇÃO DAS MINORIAS DIANTE DO em atenção, diálogo, respeito, compreensão, perdão PROTESTANTISMO e isto se praticado, pode proteger crianças e restaurar famílias. O protestantismo se baseia no objetivo do Dentro das igrejas protestantes ou evangélicas evangelho, no viés bíblico em que Deus não faz como chamadas atualmente, todas as crianças acepção de pessoas e que Cristo sempre esteve no (independente das famílias em que estão inseridas), meio da multidão ( pessoas comuns), que foi para têm seu lugar no (ministério infantil); desde isto que Ele veio, para unir as pessoas e que isto deve os primeiros passos fazendo parte do; não são iniciar pela família. ensinadas junto aos adultos, o que pode prejudicar Nos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e o aprendizado e não surtir objetivo, os sermões são João percebe-se que a maioria dos milagres realizados ensinadas gradativamente, isto é, por faixa etária. por Cristo quando esteve aqui na terra, foi sempre As concepções de Lutero sobre Educação, em favor das famílias. Em uma das passagens bíblicas principalmente sobre uma educação cristã, pode-se ver Cristo priorizando as crianças. acabem perpassando toda a sua obra na medida em que neles expõe e ataca os problemas da Então disse Jesus: “Deixem vir a mim as igreja e também da sociedade, aconselhando- crianças e não as impeçam; pois o Reino dos céus as sobre o que deveriam melhorar e como pertence aos que são semelhantes a elas”. (BÍBLIA, deveriam ser. (BARBOSA, 2017) Mateus,19:14) O ensino claro que sempre permeia a bíblia Desde o princípio as igrejas protestantes sagrada de modo lúdico, porém a trazendo para os dias partem da premissa que a criança como alvo atuais conforme Cristo ensinava seus discípulos. Os fundamental da sociedade, o intuito não é somente ensinamentos são ministrados nas “escolas dominicais” doutriná-las conforme alguns pensam e afirmam, ou “sabatinas”, por pessoas aptas, preparadas para tal, mas no fundo a ideia é construir uma sociedade sadia, com as mais diversas formações sejam pedagógicas, de modo que se o indivíduo desde a infância estiver psicológicas, didáticas, o lúdico muito utilizado no inserido na comunidade e aprendendo os princípios ensino secular também é utilizado nas igrejas. bíblicos, terá mais possibilidade de se converterem Os pequenos são acolhidos com amor e em verdadeiros cidadãos. carinho, muitas vezes antes de nascer onde as igrejas No meio protestante evangélico, a religião é acolhem as gestantes com alimentação, doação de muito utilizada como meio de socialização e feito roupas e calçados, no entanto, a cooperação para através de exemplos contidos na própria bíblia que o desenvolvimento das crianças segundo as Leis são trazidos para o cotidiano de modo lúdico para brasileiras que permeiam a fase da infância. Procura- que as crianças assimilem; bem como os adolescentes se também ensinar as crianças e adolescentes nas mais que recebem instruções nos mais variados temas, diversas áreas, a partir de serviços sociais aprendem a partir de histórias bíblicas onde adolescentes questões de socialização que abrange caráter, arte, tiveram participações que mudaram vidas, um música, dança e artesanato, a maioria das igrejas povo, uma sociedade, um Estado. Também é muito acompanham diversas crianças a partir de serviços utilizado a questão de afetividade quando crianças e sociais no Brasil e exterior. adolescentes utilizam de práticas religiosas (práticas Interessante que hoje século XXI tais parentais) com suas famílias o que pode ser em instituições prestam auxílio de modo relevante para retiros espirituais, acampamentos etc. com a sociedade e isto se dá devido a preocupação Por todo o mundo, tem-se perdido famílias com crianças e adolescentes que são o futuro da nação para a violência, drogas e muitas vezes isto tem sido e também abrange aos que ensinam voluntariamente, ser gerado em uma infância sem proteção dentro dos pois desde que se propõem a entrar nessa empreitada, lares, lares estes desestruturados e isto repercute na precisam estar aptos para o exercício. sociedade.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 93 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

A preocupação envolve os mais variados temas ter hipóteses concretas, para que haja a proteção do como abandono, bullyng, violência física, emocional indivíduo nas mais diversas relações, seja entre outros e sexual entre outros. A igreja tem utilizado estratégias ou mesmo o frente ao Estado. variadas para proteção das crianças e conscientização A reforma protestante trouxe inúmeros dos pais e responsáveis a partir de palestras com benefícios para o mundo, pode-se verificar na profissionais, seminários para pais e capacitação de questão da Revolução Francesa muito estudada na professores voluntários do “Ministério Infantil” da educação secular, o que esta revolução defendeu igreja a fim que os mesmos promovam encontros de nada mais é do que evolução das teses defendidas crianças com o intuito de socialização e instrução por Lutero. Os fundamentos da igualdade e principalmente quanto ao tema “Violência Sexual liberdade são evolução da tese luterana de que não Infantil”. existe diferença entre leigo e clérigo, de que todos Chegou-se a situação atual com visão são iguais perante Deus. expandida, devido às significativas mudanças A ascensão da mulher na sociedade, a dignidade negativas na sociedade, nas inúmeras famílias que da pessoa humana fazem parte de princípios que chegam até os templos ou mesmo são acolhidas Lutero trouxe com a reforma protestante o que a por serviços sociais voluntários, o crescimento sociedade pós-modernidade não se atenta; no que sem medida quanto a problemas que envolvem os diz respeito da raiz que abrange hoje de valores e pequenos, desde maus tratos até o abandono. direitos os quais a sociedade é alcançada. Os encontros se dão entre meninas e meninos A reforma deixa seu legado na história e não e dependendo do tema a ser abrangido em separado alcançou somente legislações, mas o mundo. encontro de “Carros” para meninos ou de “Bonecas” para meninas, conscientizando e instruindo como CONSIDERAÇÕES FINAIS tais abusos podem ocorrer. E impressionante como tem ajudado na proteção dos pequenos que muitas Pode-se afirmar que todo exposto neste vezes não têm este tipo auxílio de outra parte. trabalho, é extensão da reforma protestante, a É nítida a relação entre Direito e religião onde valorização e proteção da pessoa desde o ventre se pode semelhanças e distinção, não tem como em que está sendo gerada, é um dos princípios do trabalhar esses dois institutos separadamente. evangelho o amor ao próximo. A diversidade religiosa que toma conta da Uma vez que a personalidade civil do homem sociedade com seus dogmas e costumes, o Estado começa com o nascimento com vida, deve-se por sua vez, mesmo laico, tem que lidar com todas priorizar a educação desde a infância, seja a educação as religiões existentes, sempre buscando apaziguar de secular quanto a religiosa, de modo tornar seres modo não proteger a uma e desprezar outra. humanos melhores, aptos a seguir normas para a A religião é uma conduta humana, uma busca convivência em sociedade. A criança e adolescente para solução de problemas dos mais diversos de têm papel importantíssimo dentro da sociedade e seu problemas que assolam a sociedade. desenvolvimento deve ser acompanhado e protegido, Toda religião, tem sua doutrina própria, a sociedade precisa se conscientizar quanto à proteção, acompanhada de dogmas, usos, costumes, doutrinas a família só pode ser constituída com a chegada de e preceitos a serem seguidos por aqueles que desejam um filho, seja este biológico ou sócio afetivo. seguir e fazer parte dos rituais, cultos ou reuniões. Mesmo com a evolução do termo família que O Direito também possui suas normas, hoje acompanhamos tão de perto, seja qual for o diretrizes, princípios, Leis extravagantes que busca modo que ela seja constituída, deve-se ver a criança e amparar a sociedade e aplicando sanções a quem não adolescente como um indivíduo, portador de direitos obedecer o que preconiza. inerentes a sua personalidade. Por este viés, Religião e Direito se interligam, Não é admissível neste interim visar somente através de meios (normas) utilizados para controle um grupo, uma religião, longe disto, mas devemos social, com condutas e valores a serem seguidos para nos ater a um direto que percorre todo o mundo que prevaleça o bem comum a todos. através da (ONU), não é um direito isolado, mas Na realidade na questão religiosa, não se vê um direito que une pessoas, transformando-as em muita segurança, uma vez que é regida pela fé, no que famílias. o indivíduo acredita. Já no direito, faz-se necessário

94 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

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GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 95 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

JUIZADOS ESPECIAIS DE FAMÍLIA?

SPECIAL FAMILY JUDGES?

Valéria Julião da Silva Medina Pós-doutoranda e bolsista da CAPES pela UNICESUMAR – PR, Doutora e Mestre em Direito Público pela UNESA – RJ, Professora de Direito Processual Civil e Advogada. Artigo vinculado do PPGCJ do Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR, através da linha de pesquisa de instrumentos de efetivação dos direitos da personalidade. Maringá, PR, Brasil. [email protected].

RESUMO solution for family disputes, being certain that these are no less complex, hypothesis in which is not in line with A ‘crise’ do acesso à justiça, no Brasil, vem the current proposal. sendo objeto de profundas transformações desde a entrada em vigor da Constituição de 1988. A KEY-WORDS partir daí, diversas leis foram implementadas com Small Claims Courts; Family Law; Access To Justice. o objetivo de melhorar a prestação jurisdicional, desburocratizando- a e tornando-a mais acessível INTRODUÇÃO e eficaz. Uma das que mais se destacou foi a que implementou os juizados especiais, competente Um dos maiores desafios para a reestruturação para processar e julgar causas cíveis de menor do Poder Judiciário de modo a garantir o princípio complexidade, o que a perfilou como uma possível democrático e fundamental do acesso à justiça ainda solução para os litígios de família, sendo certo que está sendo construído. É inegável que o marco inicial estes não são menos complexos, hipótese em que não desta trajetória foi o projeto de Florença na década de se coaduna com a proposta em voga. setenta do século passado, capitaneado pelos juristas Mauro Cappelletti e Bryant Garth. PALAVRAS-CHAVE Ocorre, porém, que não só a crise de efetividade Juizados Especiais; Direito De Família; Acesso À Justiça. do Poder Judiciário foi um fator determinante para as reformas, mas também a inequívoca mudança ABSTRACT de paradigmas da sociedade em geral, que bem se classifica pela expressão multicomplexas. The ‘crisis’ of access to justice in Brazil has Alterações legislativas, incentivos a been the object of profound changes since the 1988 soluções consensuais de litígios, reformulação do Constitution came into force. Since then, several laws procedimento e mudança no papel da magistratura have been implemented with the aim of improving estão no ápice destas transformações em todo o jurisdictional provision, reducing bureaucracy and mundo. Dentre elas, uma que restou muito bem making it more accessible and effective. One of the ones aceita foi a implementação de órgãos responsáveis that stood out the most was the one that implemented pelo julgamento de causas de menor valor e/ou the special courts, competent to process and judge civil complexidade, através dos sistemas de juizados cases of less complexity, which profiled it as a possible especiais, com baixos custos e céleres. VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

No Brasil, este microssistema foi muito bem seara processual ao longo das mais diversas realidades recebido pela comunidade em razão de permitir mundiais. uma amplitude de causas reprimidas, como de Como resultado da aludida pesquisa, três consumidores e cobranças de baixos valores ou sugestões foram lançadas para minimizar as barreiras ausente de complexidade, em geral, em razão do alto que geravam a ineficácia da prestação jurisdicional, custo do Poder Judiciário. então denominadas de ondas renovatórias de acesso Por esta razão, perfila-se pela implementação à justiça. desta sistemática para o julgamento de algumas Na primeira onda, atentou-se para o alto custo causas de família, como o propósito de reduzir o alto do serviço judiciário que acaba inviabilizando o grau de litigiosidade nesta seara. amplo acesso da população ao mesmo, seja em razão Assim, será abordado no primeiro capítulo, um da necessidade de pagamento de custas processuais, panorama do acesso à justiça no Brasil e no mundo, seja no custeio dos honorários advocatícios, o que com especial destaque para a implementação dos acaba por limitá-lo apenas aos mais abastados juizados especiais. No segundo capítulo, abordar-se- financeiramente, gerando inequívoco entrave não só ão as ideias para implementação de juizados especiais ao acesso à justiça, como violação à própria igualdade de família e a projeção legislativa. Por fim, no terceiro entre as partes. e último capítulo, restarão demonstrados outras Para os autores, a garantia de acesso efetivo possíveis ferramentas procedimentais que permitirão à justiça à população mais carente só poderá ser uma análise e julgamentos diferenciados para estes viabilizada através do custeio, pelo Estado, dos litígios de alto grau de complexidade. honorários do profissional que irá atuar em defesa da Registre-se, outrossim que foi utilizado o parte, podendo ser advogado ou defensor público, método de abordagem dedutivo e de procedimento, segundo a realidade brasileira. Não obstante, é ainda o monográfico. A técnica de pesquisa utilizada foi a imperioso que o próprio Poder Público dispense a bibliográfica e a documental. parte economicamente hipossuficiente de pagamento das custas processuais garantindo-lhe a gratuidade de 1 OS JUIZADOS ESPECIAIS E O ACESSO À JUSTIÇA justiça. Neste diapasão, os conceitos de gratuidade Na década de setenta do século passado, de justiça e assistência jurídica integral e gratuita, através dos juristas Mauro Cappelletti e Bryant esta garantida pelo texto constitucional de 1988 Garth, iniciou-se o denominado ‘Projeto de (art. 5º, LXXIV), não se confundem, uma vez que Florença’, cuja pesquisa objetivou analisar a “crise” aquela representa apenas a dispensa do pagamento do acesso à justiça no mundo, de modo a repensar das custas processuais devidas em razão da prestação meios que pudessem, de fato, concretizar o amplo pelo serviço judiciário, enquanto essa representa o acesso à justiça.1 custeio pelo serviços prestados pelo profissional com A conclusão desse projeto resultou em uma formação em direito e habilitado a atuar em defesa dos obra de vários volumes, publicados naquela mesma interesses da parte economicamente hipossuficiente década, com contribuições de diversos pesquisadores em juízo, pelo próprio Poder Público. de várias partes do mundo. No entanto, é a O outro entrave à prestação jurisdicional partir do Relatório Geral do Projeto de Florença, percebido pelo projeto de Florença, consistiu na consubstanciado no livro Acces to Justice: the certeza de que o processo civil existente não permitia worldwide movement to make rights effective – a general a tutela de interesses da coletividade, fomentando report, sob a coordenação dos citados autores, com apenas solução de controvérsias individuais, o que tradução e publicação no Brasil, que o tema ganha resultava um grande congestionamento de processos relevância e passa a nortear as diversas reformas na no Poder Judiciário. Nesta vertente segue a segunda onda, 1. A expressão “acesso à justiça” é reconhecidamente de difícil definição, mas serve para determinar duas finalidades básicas do sistema jurídico – o sistema registrando a necessidade de ampliação da legitimação pelo qual as pessoas podem reivindicar seus direitos e/ou resolver seus ativa para a tutela de direitos coletivos lato sensu, litígios sob os auspícios do Estado. Primeiro, o sistema deve ser igualmente acessível a todos; segundo, ele deve produzir resultados que sejam individual objetivando reduzir o grande número de processos e socialmente justos. Nosso enfoque, aqui, será primordialmente sobre o primeiro aspecto, mas não podemos perder de vista o segundo. Sem dúvida, idênticos tramitando no Poder Judiciário que uma premissa básica será a de que a justiça social, tal como desejada por envolvem os mesmos direitos, de modo que o custo, nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo. (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 8) o tempo e o desgaste da demanda em juízo, poderiam

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 97 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade ser minimizados por ações de conhecimento que atendê-las. tutelem estes direitos transindividuais, de modo Partindo desta premissa é que se pode afirmar uniforme para todos os envolvidos, restando às que as leis que implementaram os juizados especiais tutelas individuais apenas as execuções das medidas no Brasil para solucionar demandas reprimidas determinadas pela coisa julgada coletiva. de causas de menor complexidade, a baixo custo, A pesquisa concluiu, ainda, que somente sejam cíveis ou criminais, de fato, alcançaram sua estes dois fatores, se implementados, de fato, em finalidade, apesar de ainda deixar a desejar, em todas as jurisdições existentes, não seriam suficientes alguns casos, no prazo de duração da demanda. No para resolver o problema do entrave da jurisdição, entanto, a ampliação desta competência para atingir uma vez que o Poder Judiciário não teria elementos conflitos de família, talvez não seja a melhor escolha, suficientes para conseguir sentenciar todos os casos o que será melhor analisado adiante. dentro de um prazo razoável e com a máxima satisfação do jurisdicionado.2 1.1 OS JUIZADOS ESPECIAIS NO BRASIL Com base nestas premissas restou encampada a terceira onda que fomentou o aprimoramento Com base nas premissas delineadas pelo legislativo como forma de reduzir os custos e o projeto de Florença, no Brasil começou, após a tempo do processo, em especial mediante adequação aprovação da Constituição de 1988, um movimento do processo civil ao tipo de litígio. Tais mudanças para aprimorar o acesso à justiça, o que restou poderiam ser pensadas a partir do auxílio de pessoas demonstrado a partir das reformas legislativas. Uma leigas ou paraprofissionais, como o intuito de prevenir das principais leis que cumpriram este papel foi a ou reduzir a grande quantidade de litígios, mediante que instituiu os Juizados Especiais Cíveis e Criminais utilização de métodos extrajudiciais. Neste sentido, (Lei nº 9.099/955), o que restará demonstrado. sustenta pela importância do incentivo dos ADR’s Como bem salientado na aludida pesquisa, (alternative dispute resolutions), como a mediação, as causas mais afetadas com o entrave do acesso à a conciliação, a arbitragem, dentre outros, como justiça eram as de pequeno monte, considerando ferramentas essenciais para alcançar a efetividade que, em regra, o benefício econômico perseguido almejada. pela demanda poderia ser menor do que seus custos, É importante ressaltar que o estudo de o que decerto causava um desincentivo na busca meios para ampliar ou melhorar o acesso à justiça pela reparação das lesões ou ameaças do direito. Isto intensificaram-se por todo o mundo a partir deste sem contar o tempo em média, de 3 (três) anos, marco inicial que foi o projeto de Florença. Por por uma resposta jurisdicional, o que seria capaz esta razão, é relevante mencionar o alerta feito por de aumentar o custo para as partes e pressionaria os GALANTER (2016, p.16-31), de que a agenda economicamente mais fracos a abandonarem suas convencional de acesso à justiça, consistente na causas ou a aceitarem acordos em valores muito remoção de barreiras de modo que se possa alcançar inferiores ao que teriam direito, apenas para terem e responder todas as reivindicações existentes, é uma solução ao seu pleito. Para um acesso à Justiça absolutamente inadequada para os desafios futuros, eficaz, era preciso uma resposta jurisdicional célere. uma vez que a lei sempre irá amparar novos (MENDES; SILVA, 2015) sujeitos e direitos, restando impossível atender a Inicialmente, é conveniente mencionar que crescente busca por Justiça. Ressalta, ainda, que a primeira experiência brasileira com a criação de distribuir Justiça é fazer escolhas políticas baseadas um órgão para julgar “pequenas causas” foi trazida em racionamento e priorização de oportunidades, pela Lei nº 7.244 de 1984, outrora revogada pela hipótese em que para o reconhecimento de escolhas Lei 9.099/95. Naquela legislação, de conteúdo adequadas é imprescindível que se reconheça as basicamente idêntico à lei revogadora, ora em vigor, demandas crescentes e os mecanismos criados para mas com mais limitações, permitia o processo e

2. Essa “terceira onda” de reforma inclui a advocacia, judicial ou extrajudicial, julgamento de causas de valor até 20 (vinte) vezes o seja por meio de advogados particulares ou públicos, mas vai além. Ela salário mínimo vigente no País, restrita a interesses centra sua atenção no conjunto geral de instituições e mecanismos, pessoas e procedimentos utilizados para processar e mesmo prevenir disputas nas patrimoniais de pessoas naturais, uma vez que sociedades modernas. Nós o denominados “o enfoque do acesso à justiça” por sua abrangência. Seu método não consiste em abandonar as técnicas das somente estas poderiam ser autoras. duas primeiras ondas de reforma, mas em tratá-las como apenas algumas de A diferença substancial entre os juizados uma série de possibilidades para melhorar o acesso. (CAPPELLETTI; GARTH, 2002, p. 67-68) de pequenas causas e os especiais cíveis consiste

98 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade na independência dos órgãos do Poder Judiciário Merece destaque, ainda, o fato de que a comum, ou seja, enquanto estes são dotados e total competência dos juizados especiais é opcional pela autonomia, aqueles se mantinham vinculados às parte autora que tem o poder de escolha entre estes varas cíveis e eram julgados de forma “prioritária”, ou órgãos da justiça comum, sendo de importante mas seus recursos eram julgados por juízes de monta observar a majoração do valor da causa que primeiro grau, o que dificultava a compreensão da passou a ser de 40 (quarenta) salários mínimos, com separação necessária para ser considerado um novo dispensa de advogado para as causas de valor até 20 órgão ou sistema, o que motivou o aprimoramento (vinte) salários mínimos, mantendo-se a gratuidade legislativo que foi aprovado anos mais tarde. dos feitos em primeira instância, hipótese em que Com o advento da Lei nº 9.099/95 houve a só serão devidas custas processuais em caso de criação de um órgão independente, implementados interposição de recursos, nos mesmos moldes da lei a partir de uma jurisdição própria, dotados de revogada. autonomia em relação aos já existentes, cuja O respectivo procedimento é regulado nos competência é de processo e julgamento de causas artigos 14 a 46, sendo certo que só se instaurará a lide cíveis de menor complexidade, expressamente em caso de impossibilidade de acordo entre as partes, determinadas no art.3º da lei, embora se mantenha que, repita-se, é a premissa maior deste formato de a permissão do julgamento de causas pelo seu valor, órgão judiciário. A legitimidade ativa também foi que foi ampliado. ampliada por esta lei, não se restringindo somente É de bom alvitre registrar que a complexidade à pessoa natural, mas também, às micro e pequenas que se pretendeu afastar com a novel legislação, empresas, aos microempreendedores individuais, às à época, está relacionada com a maior ou menor organizações da sociedade civil de interesse público dificuldade de resolução da causa e o tempo de e às sociedades de crédito ao microempreendedor, duração do trabalho a ser desempenhado pelo juiz consoante rol do art. 8º. e seus auxiliares na condução do processo até seu A referida lei regula, ainda, o procedimento efetivo julgamento, inclusive a atividade probatória. para julgamento de crimes de menor potencial (MENDES, 2012, p. 157) ofensivo, pelo que institui medidas judiciais Por esta razão, não é possível a admissão liberalizantes, com o propósito de reduzir o de prova pericial para a solução dos conflitos de encarceramento, o que constituiu total inovação no competência destes juizados especiais, exceto se sistema processual penal brasileiro. realizadas de forma simples, através de parecer técnico Diante do sucesso dos Juizados Especiais, pelas partes e/ou inquirição de experts de confiança foram aprovadas, posteriormente, as Leis nº do juiz, consoante deliberação do FONAJE em seu 10.259/01 e 12.153/2007, que instituíram, enunciado nº 123. respectivamente, os Juizados Especiais Federais e Isto se justifica pelo fato de que os princípios da Fazenda Pública dos Estados, Distrito Federal norteadores dos juizados encontram-se pautados nos e Municípios, com competência para processar e critérios da oralidade, simplicidade, informalidade, julgar causas cíveis que não ultrapassem 60 (sessenta economia processual e celeridade, consoante expressa salários mínimos), cujas premissas e procedimentos disposição do artigo 2º da mencionada lei, o que são muito semelhantes, adaptadas aos interesses consubstancia a incompatibilidade de julgamento de públicos. Uma importante diferenciação que merece causas complexas e que exijam perícia para a devida ser lembrada consiste na atribuição da competência fundamentação da sentença, o que merece destaque. absoluta aos processos cujo valor seja o mencionado, Sem prejuízo, a própria legislação ressalta permitindo-se a realização de perícias, o que amplia a importância dos instrumentos aptos a fomentar em demasia do conceito de menor complexidade a tentativa de solução dos conflitos de forma previsto na lei base. alternativa, nos moldes dos ADR’s já comentados, e dá especial relevo à conciliação, que se torna 1.2 OS JUIZADOS ESPECIAIS NO DIREITO obrigatória desde o início do processo, eis que é a ESTRANGEIRO audiência de conciliação o ato processual inaugural do rito especial, na forma do art. 17. Segundo Ferraz (2010, p. 36-37), a criação de um órgão judiciário com propósitos exclusivos 3. ENUNCIADO 12 – A perícia informal é admissível na hipótese do art. 35 da Lei 9.099/1995. Disponível em: www.cnj.jus.br. Acesso em 15/08/2019. de julgar causas de pouco valor e/ou complexidade

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 99 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade jurídica surgiu no governo do Presidente João competência: para causas de valor limitado, Figueiredo, através do Programa Nacional de consoante já manifestado; (b) capacidade de estar Desburocratização, que recebeu muitas críticas da em juízo: que variará de Estado para Estado, uma sociedade acerca da atuação do Poder Judiciário. vez que em alguns, o acesso às Small Claims Court é Neste contexto, o aludido Ministério nomeou como vedado às empresas, ficando adstrito aos cidadãos e secretário executivo o jurista Piquet Carneiro que foi em outros permite-se sua participação; (c) acesso à convocado para conhecer a experiência estrangeira no justiça: para se propor uma ação perante estas cortes, tratamento das causas de pequeno valor. Em setembro somente é necessária uma pequena taxa, que será de 1980, o aludido jurista visitou as Small Claims reembolsada pelo vencido, em caso de sucumbência. Courts de Nova York e, positivamente impressionado Para facilitar o acesso à justiça, alguns Estados com os resultados verificados, concebeu a criação dos têm mantido o funcionamento noturno, bem juizados de pequenas causas, já mencionado. como intérpretes de plantão para os estrangeiros, Por esta razão, é importante mencionar as principalmente em Nova Iorque e na Califórnia; fontes alienígenas que serviram de inspiração para (d) procedimento: o interessado se dirige à corte e sua implementação no Brasil, de modo que seja narra os fatos, indicando as testemunhas e provas possível estabelecer uma conexão com a possível de que dispõe. Um secretário preenche uma ficha criação de um juizado destinado ao julgamento de com todos estes dados e marca o dia da audiência conflitos de família, senão vejamos. de instrução e julgamento. No mesmo ato, entrega É de notória percepção que a lei que instituiu ao reclamante carta de citação do reclamado, para os juizados de pequenas causas no Brasil sedimentou- que ele próprio providencie a entrega (inclusive se nas regras norte-americanas das small claims courts, mediante “AR”). Quando o reclamado recebe a especialmente a de Nova York, como mencionado. citação, toma ciência do teor da reclamação, da data No entanto, com o passar do tempo, constatou- do julgamento, do valor da causa e fica advertido se as deficiências daquele modelo para a nossa de que deve, desde logo, levar à audiência todas as sociedade, hipótese em seu aprimoramento, através provas que pretenda produzir. O tempo médio que da experiência brasileira fomentou a aprovação decorre entre a propositura da ação e a audiência é de da lei vigente hodiernamente, muito mais efetiva, aproximadamente um mês, dependendo do Estado; apesar de ter algumas deficiências de ordem prática, (e) advogado: as partes podem comparecer sem dependendo do órgão ou magistrado responsável advogado, sendo que somente no Estado de Nova pela gestão dos processos, o que ainda é um entrave. York é que existe restrição mais ampla, na hipótese No entanto, é importante mencionar que nos da parte ser uma empresa, cuja representação por países do commom law, de família anglo- saxônica, advogado é obrigatória, mesmo que a outra parte como a Inglaterra, os Estados Unidos, a Austrália, o assim não proceda. As estatísticas mostram, contudo, Canadá e outros, há uma cultura de separação dos que a participação do advogado não é relevante para casos mais simples ou de menor valor, dos complexos, a decisão da controvérsia, quando ele representa há longa data, em especial da Inglaterra, o que o demandado. A participação do advogado, no influenciou os demais. Entretanto, hodiernamente, entanto, se mostra mais eficaz quando ele representa esta já é uma realidade em diversos outros o reclamante, sendo que, quando isso ocorre, 91% ordenamentos, inclusive para os que pertencem ao das ações são julgadas procedentes. Não há previsão civil law, o que restará demonstrado. de obrigatoriedade de representação para ambos; (f) Nos Estados Unidos da América há uma execução: não há previsão procedimental para que legislação específica em cada Estado da federação o vencedor execute a sentença. Em muitos casos, a para regular os procedimentos de pequenas causas, execução se torna muito difícil, uma vez que as custas cujo valor máximo é variável, podendo ser de US$ podem ser elevadas, mas, em geral, são adiantadas 2.500,00 (dois mil e quinhentos dólares), como em pelo próprio interessado, com o auxílio do Sheriff, do Rhode Island ou de US$ 15.000,00 (quinze mil Marshal, etc.; (g) Conciliação: ao início da audiência, dólares) em Minnesota e Georgia, por exemplo.4 as partes são aconselhadas a fazer um acordo. Assim, Segundo LAGRASTA NETO (1998, p. podem, desde logo, solicitar o julgamento do litígio 36-37), as principais características dos Juizados pelo juiz ou ratificação (homologação) do acordo; de Pequenas Causas norte-americano são: (a) encyclopedia/small-claims-suits-how- much-30031.html. Acesso em 4. Informações retiradas do sítio eletrônico https://www.nolo.com/legal- 10/08/2019.

100 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade podem, ainda, escolher que o julgamento seja dado inequívoca vantagem em sua utilização, qual seja, de por um árbitro. Essa possibilidade de escolha, no execução em qualquer território pertencente à União entanto, só existe em Nova York, sendo que 85% Europeia. Há previsão de tradução para o idioma dos casos nesse Estado são resolvidos por arbitragem. do país em que o pleito estiver sendo efetuado e do Os árbitros não são remunerados e, geralmente, são requerido; há incentivo à conciliação; a participação advogados voluntários. do advogado não é obrigatória; as custas serão pagas Na Inglaterra, apesar de já existir órgãos pela parte que perder a demanda e, em caso de pessoa judiciais competentes para julgar causas de menor natural desprovida da assistência de um advogado, valor desde o início do século passado, foi na década não haverá pagamento de sucumbência; a lei prevê de 70 que as ideias se concretizaram, mediante a que o julgamento deve ser apresentado no prazo criação de três tribunais independentes mantidos, máximo de seis meses, mas não há previsão para enquanto existiram, por instituições privadas recurso, podendo ser permitido, o que se denota ligadas a advogados, e tendo como característica como ponto fraco do regulamento. (KRAMER, comum a ênfase na conciliação, a facultatividade da 2011, p. 119-133) representação por advogado e a legitimação exclusiva Por fim, cabe salientar que em nenhum destes por parte de pessoas naturais. Apesar de sua curta países restaram demonstradas experiências acerca existência – o Tribunal de Londres foi o mais longevo, da possibilidade de solucionar conflitos envolvendo permanecendo ativo entre 1973 e 1979 –, aqueles direito de família nestes modelos de juizados tribunais veriam seus princípios incorporados por especiais, o que seria inovador neste sentido. tribunais ordinários, sobretudo no que concerne à etapa da conciliação e ao procedimento da 2 OS JUIZADOS ESPECIAIS DE FAMÍLIA arbitragem. (WHELAN, 1990, p. 102) Com a aprovação do Código de Processo Em artigo científico, a Ministra do Superior Civil Inglês, em 1998, uma das principais novidades Tribunal de Justiça Fátima Nancy Andrighi (2001), inauguradas consistiu na atribuição de amplos manifesta apreço pela criação de um Juizado Especial poderes e deveres de gestão do processo às cortes. que trate, exclusivamente, das questões conflituosas da Uma vez ajuizada a ação e já iniciada a fase de família em um arcabouço procedimental semelhante conhecimento, após apresentação de defesa do réu aos dos Juizados Especiais Cíveis, capitaneados pela e, quiçá, réplica, caberá ao juiz alocar a causa em Lei nº 9.099/95, fazendo, inclusive, proposta de um dos procedimentos (tracks) previstos em lei, alteração legislativa desta, para a devida adequação quais sejam o small claims track, o fast track e o multi a estes conflitos. track, definidos conforme o valor, a complexidade Introduz suas ideias observando os ótimos e a importância pública do objeto da demanda. Há resultados e as inúmeras vantagens obtidas nos critérios para definição de um procedimento padrão Juizados Especiais em todas as esferas, incluindo os para cada caso, que pode ser moldado pelo juiz federais (Lei nº 10.259/01) e da Fazenda Pública (Lei mediante a sua atuação como gestor do processo, nº 12.153/09). Ressalta que as questões conflituosas adequando-o às peculiaridades de cada demanda. da família exigem um tratamento diferenciado, de (SIME, 2012, p.11) modo a propiciar ao jurisdicionado ‘uma Justiça mais É relevante mencionar, outrossim, que o humana, mais sensível, mais célere e sem custos’. parlamento Europeu instituiu o sistema de juizados Para justificar a proposta, Andrighi (2001) especiais para aplicação irrestrita aos jurisdicionados suscita a experiência da Vara do Juizado Informal da comunidade europeia, exceto na Dinamarca.5 de Família, instalada no Fórum do Recife, capital Trata-se de procedimento célere e informal para do Estado de Pernambuco, que é integrada cobrança de crédito de até E$ 2.000,00 (dois mil por uma equipe interdisciplinar de psicólogos, Euros) de lides cíveis ou comerciais e, em regra, assistentes sociais e terapeutas familiares. Confessa deve ser utilizado como procedimento subsidiário ao sua oportunidade de participação de uma sessão estabelecido internamente por cada Estado membro. de sensibilização presidida por uma psicóloga e Por se tratar de uma legislação transnacional, há uma realizada em sala adredemente preparada para receber

5. Regulamento (EC) Nº 861/2007 do Parlamento Europeu e do Conselho de todos os casais que iriam participar da primeira 11 julho de 2007 estabelece a ‘European Small Claims Procedure’- ESCP. Este audiência em seus processos de família. Ressaltou Regulamento entrou em vigor em 1º de janeiro de 2009 em todos os Estados da União Europeia, exceto a Dinamarca. a adequação do ambiente à finalidade proposta,

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 101 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade como a utilização de cromoterapia, iluminação tratar de residência da família. diminuída, ar condicionado, música suave e projeção de transparências, que impunham o desarmamento 2.1 A PROPOSTA LEGISLATIVA dos espíritos em conflito, de sorte que às partes ali presentes, restaram esclarecidos os objetivos deste Em 08/11/2001, o então Deputado Federal projeto, as prioridades dos filhos em detrimento dos Pedro Fernandes, do PFL, apresentou um projeto de interesses dos pais, a importância da autocomposição lei (PL 5696/2001) que visa alterar o § 2º, do art. levando em consideração a natureza do conflito, bem 3º, da Lei nº 9.099 de 1995, facultando a aplicação como as vantagens proporcionadas pela conciliação. do rito sumaríssimo da referida lei nas ações judiciais Para sugerir a criação de um Juizado atinentes ao Direito de Família.6 Especial de Família, a aludida Ministra põe em O referido projeto ainda em trâmite no relevo as peculiaridades dos conflitos de família, Congresso Nacional, foi aprovado pela CCJ que se contrapõem aos conflitos judiciais em geral, (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara dos que seguem o processo tradicional, adversarial, Deputados em 20/09/2017, sendo objeto de recurso fomentando os sentimentos negativos das partes. para o plenário, assinado por diversos deputados Ressalva que, às causas de família impõe- contrários ao seu conteúdo, sem que tenha havia se uma postura diferenciada do juiz, que deve se qualquer movimentação a partir de então. conscientizar de um perfil pacificador, serenador das É relevante mencionar que o objetivo da lei almas, despindo-se, ao máximo, da postura moralista, projetada é permitir que processos ligados ao direito ou apenas crítica, acerca das partes e do conflito. Sem da família, como divórcio, pensão alimentícia e prejuízo de auxílio de outros profissionais, como guarda de filhos, possam tramitar em juizados médicos, psicólogos, assistentes sociais e terapeutas especiais, com a presença de mediadores, em menor de família, para a melhor e mais adequada solução prazo, mediante procedimento mais célere. dos litígios. De acordo com a proposta, os demandantes Em relação ao procedimento ideal para poderão optar pela tramitação dos processos em uma encampar as experiências narradas, sugere o vara de família tradicional ou em um juizado especial sumaríssimo, regulado pela Lei 9.099/95, eis que 6. PLC nº 5696/2001: Altera o §2º, do art. 3º, da Lei 9.099, de 26 de setembro de entende ter demonstrado eficiência diante dos 1995, faculta a aplicação do rito sumaríssimo da referida Lei às causas que especifica e dá outras providências. Art. 1º Esta Lei altera o §2º, do art. 3º, da rigorosos princípios da simplicidade, informalidade, Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, e faculta a aplicação do rito sumaríssimo oralidade, economia e celeridade processuais. da referida Lei às causas que especifica. Art. 2º O §2º, do art. 3º, da Lei 9.099, de 26 de setembro de 1995, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. Elucida que é fundamental a adoção de 3º (...) §2º Ficam excluídas da competência do Juizado Especial as causas de natureza falimentar, fiscal e de interesse da Fazenda Pública, e também as rito único a todos os conflitos desta matéria, relativas a acidentes de trabalho, a resíduos e à capacidade das pessoas, ainda destacando: “separação judicial, separação de que de cunho patrimonial.’ Art 3º Por opção do autor, poderão submeter-se ao rito sumaríssimo da Lei 9.099/95 as ações de investigação de paternidade; corpos, regulamentação de visita, investigação de separação judicial; de fixação, revisão e exoneração de alimentos; de de paternidade, alimentos/revisionais, guarda de divórcio; de regulamentação de visita; de separação de corpos; de guarda de filhos; de perda do pátrio poder; busca e apreensão de criança, bem como menores, busca e apreensão de criança, perda do pátrio outras atinentes ao Direito de Família. §1º A competência de que trata o caput compreende a conciliação, o processo e o julgamento das causas de poder, divórcio etc.”. Sobremaneira seria facilitado o família cujo patrimônio não exceda a um imóvel. §2º Para a efetivação da trabalho dos operadores do direito, bastando que se tutela pretendida nas ações previstas no caput, poderá o juiz, de ofício ou a requerimento, mediante petição, oral ou escrita, determinar, antecipada ou embutisse nesse rito a previsão legal da possibilidade incidentalmente, todas as providências cautelares necessárias para obtenção de concessão de medidas de urgência, de natureza do resultado útil do processo. §3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz cautelar e antecipada, sem maiores formalidades, conceder a tutela liminarmente ou mediante justificação prévia, citado o réu. A liminar poderá ser revogada ou modificada, a qualquer tempo, em decisão desde que atendidos os requisitos legais respectivos, fundamentada. §4º A execução da sentença processar-se-á no próprio admitindo-se recursos destas decisões, incluindo, Juizado e integrará o processo de conhecimento. Art. 5º A conciliação será antecedida por mediação conduzida por equipe multidisciplinar, que neste contexto, a atividade satisfativa. fará trabalho de sensibilização das partes. Parágrafo único – A conciliação Para conclusão das ideias, destaca Andrighi será antecedida por mediação conduzida pelo juiz togado ou leigo, ou por conciliador, sob sua orientação. Art. 6º Considerando a especialidade do (2001), a competência relativa deste Juizado em direito em litígio devem as partes comparecer sempre acompanhadas de termos de opção para questões que possam ser advogados. Art. 7º Caberá recurso para o próprio Juizado da concessão de liminar. Art. 8º Aplica-se subsidiariamente a esta Lei, no que couber, a Lei nº solucionadas por jurisdição voluntária e, sendo 9.099/95. Art. 9º As demandas ajuizadas até a data de publicação desta Lei continuarão a correr na Justiça Comum, parente Vara com competência para contencioso, restringir-se-ia a casais proprietários de conhecer de causas atinentes ao Direito de Família. Art. 10. É facultado aos um único imóvel, respeitada uma limitação de valor Estados a instituição de Juizado Especial de Família para os fins de que trata esta Lei, na forma das normas locais de Organização Judiciária. Art. 11. Esta do referido bem, como condição sine qua non, por se Lei entra em vigor três meses após a data de sua publicação.

102 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade cível, no qual o procedimento é menos formal, o que Feitas tais considerações, é possível afirmar já restou esclarecido. que os juizados especiais informais certamente não Para o Deputado Hiran Gonçalves, então são os mais adequados para garantir a melhor solução Relator do projeto na CCJ, os juizados especiais dos complexos conflitos de família submetidos à cíveis dão mais agilidade aos processos, o que é apreciação judicial. Isto porque, o conceito cartesiano benéfico para as famílias. Em suas palavras: “Dá de solução de conflitos nos juizados especiais, não oportunidade de que as pessoas que estão fazendo foram criados para resolução de questões de alta separação judicial, que estão litigando sobre pensão complexidade e interdisciplinariedade, como as alimentícia, divórcio, entre outros, utilizem os exigidas naquelas que envolvem relações familiares. juizados especiais porque a tramitação é mais célere (MEDINA, 2017, p.169-173) e a gente entende que esses litígios são tão dolorosos Como bem destacou a Ministra em sua que eu acho que, quanto mais rápido se resolvem experiência empírica junto ao Juizado Informal essas questões, mais chances de a família seguir o de Família da comarca de Recife, o que a motivou curso normal”.7 a capitanear um projeto de lei desta alçada, é É pertinente, ainda, registrar que o Relator fundamental a humanização e sensibilização do do Projeto, Deputado Hiran Gonçalves fez duas processo por parte dos operadores do direito, alterações na versão original, retirando a possibilidade responsáveis pela análise e julgamento destas de investigações de paternidade serem resolvidos tormentosas questões, decerto que, um erro judiciário nos juizados especiais, já que nestes casos é preciso pode causar transtornos irreparáveis aos destinatários produzir provas, assim como, também foi retirada a da medida. previsão de criação de juizados especiais de família Não se pode negar que algumas vantagens pelos estados, considerando que estes têm autonomia seriam obtidas na solução destes litígios, como a para deliberar sobre a matéria. gratuidade de justiça e o aumento quantitativo de órgãos jurisdicionais competentes aptos ao 2.2 CRÍTICAS À SUA IMPLEMENTAÇÃO NO BRASIL recebimento destas demandas. No entanto, é evidente que não será através da ampliação do É louvável a iniciativa de mudanças no número de órgãos jurisdicionais que a qualidade da âmbito do processo de família, em especial prestação será demonstrada, mas sim com a devida diante da necessidade inequívoca de uma atuação qualificação de magistrados e outros profissionais multidisciplinar para auxiliar o magistrado na habilitados para atuação conjunta e multidisciplinar árdua tarefa de solução destes litígios, registrando a em uma “força tarefa” para tal desiderato. (SANTOS, evidente diferenciação deste julgador dos burocratas, 1999, p. 157) ante as peculiaridades da causa. Quem já passou por problemas desta monta, Entretanto, os juizados especiais foram criados tem a exata percepção da tese sustentada, hipótese em para ter competência para conciliação, processo e que não se pode olvidar pela evidente necessidade de julgamento de causas cíveis de menor complexidade, um procedimento adequado, presidido por um juiz como dispõe, literalmente, o caput do art. 3º da consciente de seu papel social, que tem a imperiosa aludida Lei 9.099/95. tarefa de decidir questões urgentes de forma imediata, E, evidentemente, as causas de família não e ter a certeza que seu trabalho só pode ser concluído são menos complexas! Cada vez mais o pluralismo com a participação de profissionais experientes, que da sociedade e as constantes mudanças no o auxiliem nestas tormentosas tomadas de decisões. comportamento humano, que foram brilhantemente Em estudos realizados em várias partes do talhadas como líquidas pelo sociólogo Zygmunt mundo, constatou-se que os conflitos de família Bauman em diversas de suas obras, evidenciam o alto demandam a movimentação de todo o aparato grau de complexidade da conceituação da família, em judicial, inclusive com a participação de advogados especial a moderna, considerando sua diversidade de e outros profissionais habilitados, diferentemente de conceitos e o destaque ao respeito de seus indivíduos, outras causas, como as cíveis de menor complexidade com base no Princípio da Dignidade Humana. ou as penais de menor potencial ofensivo, de

7. Afirmação retirada da Radio Câmara em 09/10/2017. Disponível em: www2. competência dos juizados especiais, o que demonstra camara.leg.br/camaranoticias/radio/materias/RADIOAGENCIA/546292- de forma inequívoca a inaplicabilidade deste CCJ-APROVA-QUE-CASOS-DE-FAMILIA-SEJAM-DECIDIDOS-EM- JUIZADOS-ESPECIAIS.html. Acesso em 28/06/2019. procedimento às multicomplexas relações familiares.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 103 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

(PLEASENCE; BALMER; SANDEFUR, 2016, p. efetivação das causas menos complexas, diante do 243) seu baixo custo e de sua proposta de celeridade na É conveniente mencionar, ainda, que em solução dos conflitos. sede de juizados especiais há previsão de julgamento Ocorre, porém, que não se pode considerar os por juízes leigos, o que se mostraria temerário em juizados especiais como o meio mais indicado para se tratando de processo de família, sendo certo que a solução de todos os litígios, pelo simples fato de já se ressaltou a importância de uma magistratura que a sociedade assim o classificou, uma vez que esta qualificada para este jaez. Isto sem contar com a continua sendo culturalmente beligerante e não tem limitação recursal, uma vez que, em regra, as decisões discernimento suficiente para decidir qual o meio tomadas ao longo do processo são irrecorríveis, o que processual ideal para cada tipo de litígio, como o não se afigura possível em demandas de família, não caso das complexas questões de família em que já se só pela natureza dos conflitos, mas, em especial, pela teve oportunidade de mencionar. Enfim, não se pode necessidade de tutelas de urgência, fato este que deve mudar uma sociedade pela reforma na lei, é preciso permitir a interposição do competente recurso de mudar a cultura dos litigantes, como já mencionava Agravo de Instrumento e o duplo juízo decisório, ora Jean Cruet (1908, p. 18 e 21) no início do século pelo juiz de primeiro grau, ora pelo tribunal. passado. Diante de tais premissas é que se pode ratificar Diante da convicção de que não há outra que a ideia da Ministra Fátima Nancy Andrighi forma senão estabelecer uma prestação jurisdicional (2001) é, sem sombra de dúvidas, muito importante especializada, com procedimento adequado, cujos para permear a necessária modificação da forma magistrados sejam aqueles dotados de sensibilidade como os conflitos familiares são analisados e julgados diferenciada, cientes de seu papel social, que diuturna e cotidianamente, nas varas de família das propiciem decisões pautadas na oitiva prévia das milhares de comarcas espalhadas por este país, por partes e/ou testemunhas, que se utilizem de experts certo que, não será por intermédio de uma alteração ou técnicos experientes, para não produzir decisões na Lei nº 9.099/95, que se alcançará esta vitória. vazias, como critérios diferenciadores das demandas É preponderante considerar que não se está em curso perante as vara de família, especialmente, as tecendo críticas à legislação vigente acerca dos que não têm caráter patrimonial, é que se debruçam juizados especiais. Ao contrário. Tem-se a certeza de as críticas a uma possível criação de Juizados Especiais sua importância na ampliação do acesso à justiça no de Família. Brasil, demonstrando bom funcionamento diante do volume de feitos subjacentes. A crítica decorre de sua 3 SUGESTÕES PARA A VIABILIDADE DE UM aplicação aos complexos conflitos familiares. PROCEDIMENTO DIFERENCIADO PARA AS Há, no Brasil, uma tendência legislativa DEMANDAS DE FAMÍLIA NO BRASIL de se criar ‘microssistema’ para “todos” os males não solucionados pelos códigos, sendo certo que A deficiência da prestação jurisdicional na seara a existência da norma, por si só, desacompanhada de família, no Brasil, é um fato notório em razão da de condutas concretas e apropriadas, não consegue grande complexidade dos conflitos e da inequívoca alterar ou corrigir substancialmente a situação falta de qualificação dos magistrados, em especial, objetivada. (MANCUSO, 2011, p. 66) apesar de outros fatores também influenciarem. No Na mesma ótica, em se tratando do imbróglio entanto, tal fato merece repugnância, considerando que é o acesso à justiça no Brasil, analisado de forma que é dever do Estado prestá-la de forma eficiente, eis ampla, qual seja, desde a distribuição da ação até que é vedada a realização da justiça de mão própria, o resultado final do processo, com a entrega da constituindo crime previsto em lei. prestação jurisdicional final, incluída a atividade É verídico, ainda, que a aludida prestação deste satisfativa, é possível concluir que é ineficaz, seja pela serviço, por constituir um dos maiores bens da vida demora deste resultado, seja pela dinâmica ainda tutelados pelo Estado, qual seja, a família, não pode muito formalista do processo. ser ofertada ao jurisdicionado através de uma simples Por esta razão, é que decorre uma falsa sentença, mas deve ser realizada da melhor forma a percepção de que os juizados especiais seriam uma atender ao conflito determinado, considerando sua espécie de ‘salvador da pátria’, considerando sua respectiva peculiaridade. boa aceitação pela sociedade como instrumento de Trata-se de uma condição legitimante da

104 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade função jurisdicional, a qual não mais se basta da conflitos potencializados, o que deve ser evitado. singela aplicação da norma aos fatos da lide, mas sim Todas as circunstâncias negativas acima na expectativa de um engajamento do juiz no esforço vislumbradas, certamente não serão solucionadas geral pela pacificação justa, jurídica, econômica, através da atribuição de competência ao sistema de tempestiva, razoavelmente previsível, com aptidão juizados especiais para julgamento dos complexos para promover a efetiva e concreta satisfação do conflitos de família, o que justifica a crítica já exposta. direito, valor ou bem da vida reconhecidos no Neste jaez, cumpre destacar possíveis julgado. (MANCUSO, 2011, p. 383) sugestões procedimentais que, de fato, podem ser Isto porque é cada vez mais recorrente mais adequadas a estas demandas que dependem conflitos que, uma vez judicializados, não restam de uma solução adjudicatória, senão vejamos. Em satisfatoriamente solucionados, seja pela demora, primeiro lugar, é possível a sugestão de alteração pelo alto custo ou pela ineficiência da prestação legislativa para que seja implementado um concurso jurisdicional, o que acaba por agravar a situação das público próprio para exercício da magistratura de pessoas envolvidas nestes conflitos, quiçá, tornando- família, mediante regulamentação do art. 37, II da os trágicos, consoante notícias cotidianas de violência Constituição de 1988, de modo que o exercício da doméstica. profissão seja de especialidade única, evitando, assim, Todos esses fatores acarretam descrédito para que juízes sem o devido perfil pudessem exercer tal com o Poder Judiciário que, não raras vezes, não mister por interesses próprios, diversos da solução consegue impor coercitivamente seus comandos, destes conflitos específicos. não impede que atitudes reprováveis ocorram na Outra hipótese a ser vislumbrada é a vida daquelas famílias, como a alienação parental e a necessária qualificação prévia, porém, sendo violência doméstica como exemplos típicos. renovada constantemente ao longo do exercício É por esta razão que se sustenta pela da judicatura de magistrado que fosse exercer sua necessidade de uma atuação responsável e eficaz da função na vara de família, ou seja, a seleção ser não prestação jurisdicional nos complexos conflitos de só pelo merecimento ou antiguidade, mas, também, família, de modo que seja dado ao jurisdicionado de aptidão, pelo critério da especialização para este uma resposta adequada ao litígio, do ponto de vista múnus. prático, por se tratar de um problema de efetividade, É importante justificar estas proposições, pelo entendida como capacidade ou idoneidade da solução fato de que o sistema de formação dos atores judiciais, adjudicada estatal para: compor o conflito – e não em especial dos magistrados, pode constituir um apenas “resolver o processo”; reconquistar a confiança dos principais fatores indutores para o fomento da do jurisdicionado, desfazendo a generalizada e cultura de uma necessária especialização, assim como desolada percepção do processo judicial como um para o aprimoramento da eficiência e qualidade da longo e sinuoso caminho conducente a um futuro prestação jurisdicional. incerto e imprevisível, tenebroso contexto que Uma adequada formação de magistrados leva ao desprestígio da função judicial, fomenta a é preocupação constante em diversos estudos insegurança jurídica, e, não raro, beneficia o infrator multidisciplinares no mundo, consoante mencionado e o cliente habitual do Judiciário, já que esses em por Santos (2011), o qual destacou o retrato-robô verdade não são impactados pelas deficiências do dos magistrados em Portugal, registrando que se trata sistema, senão que delas sabem tirar proveito, pois de uma cultura normativista, técnico-burocrática, lhes interessa ganhar tempo e protelar o cumprimento assente em três grandes ideias: a autonomia do direito, das obrigações. (MANCUSO, 2011, p. 379) pois pode ser considerado um fenômeno totalmente Uma resposta tempestiva e satisfatória da diferente de outros seguimentos sociais e autônomo prestação jurisdicional nas demandas de família em relação à própria sociedade; uma concepção é o que se espera de uma jurisdição integral a ser restritiva do que é esse direito ou do que são os prestada no presente e para o futuro, uma vez que é autos aos quais o direito se aplica; e uma concepção evidente a tendência de formação de novos arranjos burocrática ou administrativa dos processos. Destaca interpessoais, diante de relações multiplexas que o autor que a aludida cultura normativista e técnico- cada vez mais são percebidas entre nós, sob pena de burocrática, manifesta- se de múltiplas formas, como se perpetuar lides, seja através de renovação daquelas a prioridade do direito civil e penal; a proliferação não solucionadas, ou até mesmo diante de novos de uma cultura generalista; desresponsabilização

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 105 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade sistêmica; refúgio burocrático; isolamento social; e destas causas, sendo certo que as alterações realizadas, independência como autossuficiência. inclusive com a aprovação de um novo código de A crítica demonstrada pelo autor traz à processo civil, no ano de 2015, visaram a assegurar baila as carências mais evidenciadas na formação um avanço no processo civil em geral, sem atender as dos magistrados pós-modernos, quais sejam: a necessidades destas demandas reprimidas. interpretação juridicamente inovadora, de acordo É conveniente mencionar que em diversos com uma perspectiva emancipatória dos direitos outros ordenamentos jurídicos há uma legislação humanos, da realidade social que subjaz aos autos; específica para regulamentar o processo de família, a aplicação das reformas; a especialização em como no Reino Unido, através das Family Procedure determinadas áreas, como, por exemplo, no âmbito da Rules – FPR 2010 e suas respectivas práticas diretivas; criminalidade econômica complexa e de outros tipos na Austrália, as Family Law Rules – FLR 2004; e em de criminalidade grave (racismo, violência doméstica, alguns estados norte-americanos, como a Arizona violência contra as crianças), da justiça de família e Rules of Family Law Procedure, de 2006, que de crianças, da justiça laboral; a gestão processual, estabelecem as regras procedimentais das demandas incluindo novos métodos de trabalho; e a utilização de família, de forma específica aos conflitos e às leis eficiente das novas tecnologias de comunicação e de direito material que os tutelam, garantindo uma de informação. Salienta, ainda, a importância da maior eficácia de resultados positivos. (MEDINA, criação de programas de formação, com recurso a 2017, p.48-80) metodologias adequadas, designadamente através de Estas e outras propostas mais amadurecidas ateliers de análise crítica de jurisprudência, e com podem e devem ser implementadas para a ampliação um corpo docente multidisciplinar, que permitam do acesso à justiça no que tange às demandas de inovar na resposta judicial a situações de maior família no Brasil. Registre-se que se pretende uma urgência. (SANTOS; GOMES, 2011) inequívoca mudança para garantir a efetividade, Destarte, para que o sistema judicial possa o que só se concretizará mediante reformas na lei, promover a cidadania e a correção das desigualdades consoante já experimentada em ordenamentos sociais, mormente nas complexas e difíceis questões alienígenas, mas também, com o fomento de de família, é imperiosa a capacitação dos atores políticas públicas de conscientização do papel de judiciais, em especial dos magistrados, eis que são todos os participantes, inclusive as próprias partes. responsáveis não só pela decisão final, mas pela forma como serão conduzidos os processos para se chegar CONCLUSÃO ao resultado final. É evidente que uma formação preocupada com a compreensão dos mais variados O amplo acesso à justiça, no Brasil, continua fenômenos sociais ou não jurídicos, ao menos, que sendo um desafio para os operadores do direito no estão no lastro dos processos judiciais e das pessoas limiar deste século XXI, diante das inequívocas envolvidas, solidamente sustentada na valorização transformações sociais e a valorização do ser humano dos direitos humanos determinará, por parte destes como indivíduo, assim como pela globalização, julgadores, diferentes valores das condutas, dos fatos especialmente a tecnológica, que reduziu diferenças e e do direito a ser aplicado. permitiu constantes trocas culturais e de outros afins, Mas não é só na qualificação dos magistrados o que gerou uma comunidade multicomplexa. que se concentra o problema da ineficácia do Tal fator foi determinante para a formação acesso à justiça das demandas de família no Brasil. de novos arranjos familiares que desembocaram Relembrando as ondas renovatórias de acesso à justiça no Poder Judiciário como órgão responsável por subtraídas do projeto de Florença, já mencionado, é solucionar os complexos litígios daí decorrentes, possível registrar que apenas uma das vertentes da sejam divórcios, conflitos parentais e até os resultantes terceira onda se desenvolveu a contento no Brasil, da violência doméstica, que aumenta cada vez mais qual seja, a dos incentivos pelos meios extrajudiciais nos dias hodiernos. de solução de conflitos, em especial nas demandas de Todos estes conflitos geraram uma demanda família, como a mediação, por exemplo. reprimida junto a este órgão que se tornou ineficiente No entanto, as reformas na lei processual não para solucioná-los, seja for ausência de legislação foram suficientes para garantir a efetivação de um processual específica, seja por falta de aptidão dos processo de família que atendesse às peculiaridades operadores do direito para enfrentá-los.

106 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Como no Brasil, esta mesma “crise” LAGRASTA NETO, Caetano. Juizado Especial de existente outrora, diante de conflitos de menor Pequenas Causas no Direito Comparado. São Paulo: valor e/ou complexidade, foi “solucionada” com a Oliveira Mendes, 1998. implementação dos juizados especiais, que garantiu MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Acesso à justiça: um aumento expressivo destas causas, mediante condicionantes legítimas e ilegítimas. São Paulo: redução de custos e julgamento em prazo razoável, Revista dos Tribunais, 2011. perfilou-se a mesma proposta para as lides ainda sem MEDINA, Valéria Julião Silva. Processo de Família e o solução, como as de família. Novo CPC: prática processual versus Assim, desenvolveu-se uma proposta legislativa direito material. Curitiba: Juruá, 2017. que permitisse o processo e julgamento de causas de MENDES, Aluisio Gonçalves De Castro. Competência família perante os juizados especiais, através de uma cível da justiça federal. 4.ed. São Paulo: Revista dos alteração na lei nº 9.099/95, já existente, para os Tribunais, 2012. conflitos cíveis de menor complexidade e criminais MENDES, Aluisio Gonçalves De Castro.; SILVA, de menor potencial ofensivo. Larissa Clare Pochmann da. Acesso à Justiça: uma Ocorre, porém, que os conflitos de família não Releitura da obra de Mauro Cappelletti e Bryant Garth, são menos complexos, ao revés, como já afirmado, a partir do Brasil, após 40 Anos. Revista Quaestio Iuris, a evolução social vem transformando cada vez mais vol. 08, nº. 03, Rio de Janeiro, 2015. os indivíduos em pessoas complexas, cujo conceito PLEASENCE, Pascoe; BALMER, Nigel J.; cartesiano não é suficiente para julgá-las, o que SANDEFUR, Rebecca L.. A Experiência Pública do merece destaque. Direito: Pesquisas de Larga Escala Sobre Problemas Neste jaez, sugere-se como alternativa, a Judicializáveis e Política de Acesso à Justiça. Repensando criação de órgãos de família autônomos, com o acesso à Justiça no Brasil: estudos internacionais, juízes especializados e a implementação de políticas Vol.02. FERRAZ, Leslie Shérida (Coord.), Aracaju: públicas de fomento a uma cultura não litigiosa para Evocati, 2016. estes tipos de conflitos, sem prejuízo de alteração SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o legislativa processual específica para estes litígios, social e o político na pós-modernidade. 7.ed. Porto: como já experimentada e com êxito em outros países, Edições Afrontamento, 1999. como Reino Unido, Austrália, Canadá etc. SANTOS, Boaventura de Sousa. Para uma revolução democrática da Justiça. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011. REFERÊNCIAS SANTOS, Boaventura de Sousa; GOMES, Conceição. O sistema judicial e os desafios da complexidade social: ANDRIGHI, Fátima Nancy. Juizado Especial de novos caminhos para o recrutamento e a formação Família. Revista virtual da AGU, ano II, nº 15, 2001. de magistrados. Relatório final do projeto. Coimbra: Disponível em: www.agu.gov.br. Acesso 28/072019. Centro de Estudos Sociais/Observatório Permanente CAPPELLETTI, Mauro; GARTH, Bryant. Acesso à da Justiça, 2011. Justiça. Porto Alegre: Fabris, 2002. SIME, Stuart. A Practical Approach to Civil Procedure. CRUET, Jean. A vida do direito e a inutilidade das leis. 15. ed. Oxford: University Press, 2012. José Bastos & Cia. Livraria Editora, 1908. WHELAN, Christopher J. Small Claims in England FERRAZ, Shérida Leslie. Acesso à justiça: uma análise and Wales: redefining Justice. In: WHELAN, C. dos Juizados Especiais Cíveis no Brasil. Rio de Janeiro: J. (org.). Small Claims Court: a comparative study. FGV, 2010. Oxford: Clarendon Press, 1990. GALANTER, Marc. Acesso à Justiça em um mundo com capacidade social em expansão. Repensando o acesso à Justiça no Brasil: estudos internacionais, Vol.02. FERRAZ, Leslie Shérida (Coord.), Aracaju: Evocati, 2016. KRAMER, Xandra E. Small claim, simple recovery? The European small claims procedure and its implementation in the member states. ERA Forum, 2011. Disponível em: www.repub.eur.nl. Acesso em 26/06/2019.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 107 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

MULTIPARENTALIDADE: MAPEAMENTO DO REGISTRO MULTIPARENTAL NA COMARCA DE MARINGÁ-PR

MULTIPARENTALITY: MAPPING THE MULTIPARENTAL REGISTRATION IN MARARÁ-PR

Luiz Geraldo do Carmo Gomes Orientador, Doutor, Departamento de Pesquisa, UNICESUMAR. Pesquisador do Instituto Cesumar de Ciência, Tecnologia e Inovação – ICETI. Visiting Professor e tutor da School of Law – University of Limerick. Endereço eletrônico: [email protected].

Talita Cristina Braga Macimino Takayama Graduada em Ciências Econômicas pela Universidade Estadual de Maringá (2010) e discente do curso Direito no Unicesumar- Centro Universitário Cesumar. Bolsista PIBIC/ Unicesumar. Endereço eletrônico: [email protected]

RESUMO the analysis of this evolution of family society until the advent of multiparenting, the norms that govern A sociedade hodierna, após muitas mudanças, it, with data collection within the analyzed area, the apresenta à realidade modelos de famílias que se region of Maringá - PR. fazem plurais, estas assistidas pelo direito de família. Com isso, surge a multiparentalidade, que consiste KEYWORDS na possibilidade de o filho ter mais de um pai ou civil registration of natural persons, socioaffectivity, family. mais de uma mãe em seu registro de nascimento. Já não é mais necessária uma demanda judicial INTRODUÇÃO para se ter reconhecido um filho socioafetivo. O presente trabalho tem por escopo a análise dessa A partir da Constituição da República evolução da sociedade familiar até o advento da Federativa do Brasil de 1988 a sociedade passou a ter multiparentalidade, as normatizações que a regem, como referência princípios importantes como o da com levantamento de dados dentro da área analisada, dignidade da pessoa humana e da igualdade. Dessa a comarca de Maringá –PR. forma, deixa-se o modelo baseado no pátrio poder e passa-se ao poder familiar, em que ambos os pais PALAVRAS-CHAVE passam a ter responsabilidade pelo desenvolvimento registro civil das pessoas naturais, socioafetividade, família. dos filhos. As famílias passam também por mudanças ABSTRACT em sua constituição, surgindo dessa forma as famílias recompostas, e por consequência a filiação Today’s society, after many changes, presents to socioafetiva. Filhos passam a conviver com padrastos reality models of families that are plural, assisted by e madrastas e dessa convivência surge laços de family law. This gives rise to multiparenting, which afeto. É dessa relação de amor que se verifica o consists in the possibility of the child having more than elemento primordial para a caracterização da one father or more than one mother in his birth record. multiparentalidade – a posse de estado de filho. No longer is a court case required to have recognized a Os Tribunais têm se posicionado no sentido socio-affective child. The present work has as its scope de reconhecer esse vínculo afetivo, manifestando VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade entendimento de que a paternidade/maternidade Maria Berenice Dias (2016, p.22): “Tratava-se de biológico podem conviver com a afetiva, tornando uma entidade patrimonializada, cujos membros essa realidade possível, não só através de demanda representavam força de trabalho. O crescimento da judicial, mas no presente momento, essa relação pode família ensejava melhores condições de sobrevivência ser constituída pela simples manifestação de vontade a todos”. dos pais afetivos e aceitação dos pais biológicos. Com o advento da revolução industrial Consagra-se dessa forma a multiparentalidade a mulher ingressa no mercado de trabalho e o – a possibilidade de se ter mais de um pai ou mais de homem deixa de ser o único provedor do lar. Com uma mãe no registro de nascimento – sendo este fato isso, as pessoas trocam o meio rural pelo urbano e documentado diretamente nos cartórios de registro este propicia um maior contato entre os membros civil de pessoas naturais. da casa, o que permite maior vínculo afetivo entre Após pronunciamento do Superior Tribunal eles. Neste ínterim, surge a família formada pelo Federal (STF) no reconhecimento do vínculo afetivo afeto, pelo amor. Quando essa relação baseada na concomitante com o biológico, os Tribunais dos afetividade se rompe, a base da família se dissolve Estados foram regularizando suas situações junto aos garantindo a dissolução do casamento, que passa a cartórios, possibilitando que aos poucos começasse a ser um modo de preservação da dignidade da pessoa surgir os casos de famílias multiparentais. humana. (DIAS, 2016, p. 23). O presente trabalho traz os números de Assim, a família hoje se faz plural, registros de multiparentalidade na comarca de diferentemente daquela de séculos passados em Maringá –PR, fazendo a análise desse novo universo que sua formação era baseada no matrimônio, sob representado pela multiparentalidade no direito de um modelo patriarcal no qual somente os filhos da família. Para a presente pesquisa o método de estudo relação do casamento eram considerados. utilizado foi o teórico dedutivo que consiste na As últimas décadas apresentaram novas consulta de obras, artigos de periódicos e documentos características na composição das famílias, como a eletrônicos que tratam do assunto, bem como da redução no número de seus membros, a existência de legislação pertinente, e também, levantamento do famílias monoparentais, as que não são constituídas número de casos registrados na comarca, este feito pelo casamento, as recompostas, e assim, despontam junto aos cartórios de registro de pessoas naturais. como um espaço privado, democrático, amparado na solidariedade e respeito entre seus membros. 1 A EVOLUÇÃO NO MODO DE CONSTITUIÇÃO (NOGUEIRA, 2014, p. 35). DAS FAMÍLIAS A Emenda Constitucional 66, em julho de 2010, inovou ao permitir o divórcio, não sendo mais A família já existia muito antes do Estado e sua necessário a separação judicial por mais de um ano ou constituição se dava por indivíduos que mantinham a comprovação da separação de fato por mais de dois laços, podendo ser estes naturais ou afetivos. Na anos. Nesta evolução no modo de constituição e de sociedade hodierna, ela é vista como um grupo de desconstituição da estrutura familiar é que surgem os pessoas identificadas como entidade familiar, em novos modelos familiares dando origem às chamadas que seus membros colaboram uns com os outros, famílias plurais, reconstituídas, criando espaço para todos ligados por relações de afeto. (SOUZA NETA, o surgimento da parentalidade socioafetiva, e desta, 2017, p. 18). a multiparentalidade. A sociedade sempre se organiza em torno Waldyr Grisard Filho (2007, p. 78) define da família, que se encontra sempre em constante família reconstituída como uma estrutura que se mudança, dessa forma, a família juridicamente origina do casamento ou da união estável de um regulada não corresponde à natural, pois o direito não casal, em que um ou ambos têm um ou mais filhos acompanha essas mudanças na mesma velocidade, advindos do relacionamento anterior. já que a lei vem depois do fato e tende a refletir a São nessas famílias recompostas, reconstituídas realidade do momento. (DIAS, 2016, p.21). que se desenvolve a filiação socioafetiva, que se Num determinado período histórico a família verifica na relação pai e filho, ou entre mãe e filho, se formava sob um perfil hierarquizado e patriarcal, ou entre pais e filho, em que estas uniões não se dão constituída pelo matrimônio. Pela intervenção por laços de sangue, e sim, pelo afeto. (PAIANO, do Estado surge o casamento. Assim, explica 2017, p. 61).

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 109 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

2 DA PARENTALIDADE SOCIOAFETIVA À sendo a referida expressão uma vaga moldura, na MULTIPARENTALIDADE qual fatos não previsto também possam ser tutelados. Parentalidade socioafetiva, conforme expõe A família passa a ser considerada importante Christiano Cassettari (2015, p. 16), é o vínculo de na formação de valores do indivíduo com base no parentesco civil por aqueles que não estão ligados princípio da dignidade da pessoa humana. Supera- pelo vínculo biológico, contudo, por causa do vínculo se a noção de família como ente a ser defendido e afetivo se comportam como se fossem parentes. esta passa a existir em função dos indivíduos que a O mesmo entendimento se extrai do compõem, o que desfaz a figura da família baseada enunciado 256 da III Jornada de Direito Civil: “a no matrimonio e esta passa a ter ênfase baseada na posse de estado de filho (parentalidade socioafetiva) socioafetividade. (NICOLAU JÚNIOR, 2011, p. constitui modalidade de parentesco civil”. 106). Christiano Cassettari (2015, p. 29-33) cita Expõe Laís Meneghin (2016, p. 45) as quais os requisitos devem compor a parentalidade mudanças pelas quais passou a estrutura da família, socioafetiva, sendo: laços de afetividade, o tempo que saiu de uma instituição matrimonializada, de convivência, sólido vínculo afetivo e também hierarquizada e patriarcal, para se firmar como reciprocidade na afetividade. Além dos requisitos provedora de afeto, carinho, amor, respeito e expostos, o mais importante é a demonstração da solidariedade, tudo isso em função da Constituição posse de estado de filho. da República Federativa do Brasil de 1988, que Devem estar presentes os seguintes trouxe em seu texto princípios como o da dignidade pressupostos para que se identifique a posse de – regra fundante do ordenamento jurídico – e da estado de filho: que sempre se tenha adotado o igualdade entre filhos e entre cônjuges. nome dos presumidos genitores, que o tratamento João Baptista Villela (1979, p. 408), em seu recebido seja como se de filho legítimo fosse, e ter notável artigo “Desbiologização da Paternidade” o reconhecimento - pelos pais presumidos e pela assegura que, ao fazer uma análise da história da sociedade - como filho legítimo. (CASSETTARI, humanidade, pode-se perceber que a paternidade 2015, p. 35) está mais no fato de amar e servir do que no de gerar A necessidade de ser reconhecida a posse de o filho. estado de filho encontra-se expressa no Enunciado A verdade genética tornou-se prescindível 519 da V Jornada de Direito Civil: “o reconhecimento para se auferir o vínculo familiar. Dessa forma, judicial do vínculo de parentesco em virtude de são considerados pais aqueles que se comportam socioafetividade deve ocorrer a partir da relação entre como tal, possibilitando que o filho se desenvolva pai(s) e filho(s), com base na posse do estado de filho, de forma sadia, cercando-o de proteção e afeto. para que produza efeitos pessoais e patrimoniais”, e (MENEGHIN, 2016, p. 36). também no enunciado nº 7 do IBDFAN – Instituto Mauro Nicolau Júnior (2011, p. 170), ao Brasileiro de Direito de Família: “a posse de estado tratar da filiação socioafetiva, a conceitua como um de filho pode constituir paternidade e maternidade”. liame jurídico entre uma pessoa e seus pais, que não O advento do divórcio propiciou a liberdade deriva da consanguinidade, mas da afetividade. de constituição de novas relações, fato que O carinho, o afeto nas relações ocorre por contribuiu para o aumento do número de famílias meio da convivência; é o fator tempo o responsável recompostas, o que levou à multiparentalidade, pelo seguimento da cumplicidade entre os membros permitindo a formação de novos laços de parentesco, da família, entre as pessoas, contudo, não se pode o que culminou com a filiação socioafetiva ao estabelecer o tempo mínimo de convivência a dar lado da biológica. É pensando no melhor interesse ensejo ao nascimento do afeto. (CASSETTARI, da criança, que na realidade atual, essas filiações 2015, p. 31). acabam por coexistir permitindo que o fenômeno A parentalidade socioafetiva, apesar de não da multiparentalidade se estendesse por todos os estar expressa no ordenamento jurídico brasileiro, Estados do país. (PAIANO, 2017, p. 181) pode ser auferida do art. 1593 do Código Civil Para o reconhecimento da filiação na expressão “outra origem”. Dessa forma, pode- pluriparental, basta flagrar a presença do se entender que o legislador criou uma norma de vínculo de filiação com mais de duas pessoas. A pluriparentalidade é reconhecida sob o prisma cláusula geral com conceito legal indeterminado,

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da visão do filho, que passa a ter dois ou Referido posicionamento adotado pelo Ministro mais novos vínculos familiares. Coexistindo vínculos parentais afetivos e biológicos, mais encontra-se ancorado no princípio constitucional da do que apenas um direito, é uma obrigação pluralidade familiar, sendo que o texto constitucional constitucional reconhecê-los, na medida em permite várias formas de constituição da família. que preserva direitos fundamentais de todos os envolvidos, sobretudo o direito à afetividade. (SOUZA NETA, 2017, p. 36). (DIAS, 2016, p. 657). Apresenta-se a seguir a ementa do referido julgamento: Em 2012 Marcos Catalan (2012, p. 637) apontava que o desafio da multiparentalidade era EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. REPERCUSSÃO transpor as barreiras do direito codificado – um GERAL RECONHECIDA. DIREITO pai, uma mãe – e reavaliar as novas possibilidades CIVIL E CONSTITUCIONAL. normativas que se apresentam das relações CONFLITO ENTRE PATERNIDADES SOCIOAFETIVA E BIOLÓGICA. pluriparentais, voltando-se às necessidades do ser PARADIGMA DO CASAMENTO. humano. SUPERAÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. EIXO CENTRAL DO DIREITO A multiparentalidade ocorre quando DE FAMÍLIA: DESLOCAMENTO estabelecida a relação de paternidade/ maternidade PARA O PLANO CONSTITUCIONAL. SOBREPRINCÍPIO DA DIGNIDADE do filho com mais de um pai e/ou mais de uma HUMANA (ART. 1º, III, DA CRFB). mãe. Essa relação se verifica com mais frequência SUPERAÇÃO DE ÓBICES LEGAIS quando padrastos e madrastas assumem a função de AO PLENO DESENVOLVIMENTO DAS FAMÍLIAS. DIREITO À BUSCA pai e mãe; também se faz comum em reproduções DA FELICIDADE. PRINCÍPIO assistidas, em que há participação de duas ou mais CONSTITUCIONAL IMPLÍCITO. INDIVÍDUO COMO CENTRO pessoas no processo reprodutivo. (PEREIRA, 2015). DO ORDENAMENTO JURÍDICO- Quando a maternidade e a paternidade são POLÍTICO. IMPOSSIBILIDADE DE REDUÇÃO DAS REALIDADES assumidas por padrastos e madrastas, estes passam FAMILIARES A MODELOS PRÉ- a representar referenciais importantes na vida da CONCEBIDOS. ATIPICIDADE criança ou do adolescente, sendo que desta forma CONSTITUCIONAL DO CONCEITO DE ENTIDADES FAMILIARES. o Direito assume papel preponderante na regulação UNIÃO ESTÁVEL (ART. 226, § 3º, desses relacionamentos, pois tem como objetivo CRFB) E FAMÍLIA MONOPARENTAL (ART. 226, § 4º, CRFB).VEDAÇÃO À assegurar o interesse do menor. (TEIXEIRA, DISCRIMINAÇÃO E HIERARQUIZAÇÃO RODRIGUES, 2009, p. 48). ENTRE ESPÉCIES DE FILIAÇÃO (ART. 227, § 6º, CRFB). PARENTALIDADE Neste diapasão, o fenômeno multiparentalidade PRESUNTIVA, BIOLÓGICA OU não pode deixar de ser considerado, sob pena AFETIVA. NECESSIDADE DE de transgressão de direitos fundamentais dessa TUTELA JURÍDICA AMPLA. MULTIPLICIDADE DE VÍNCULOS criança ou adolescente, por impedir que desfrutem PARENTAIS. RECONHECIMENTO da convivência familiar, assistência psicológica e CONCOMITANTE. POSSIBILIDADE. PLURIPARENTALIDADE. PRINCÍPIO financeira em relação àqueles que assumiram de fato a DA PATERNIDADE RESPONSÁVEL responsabilidade pela criação, educação e assistência. (ART. 226, § 7º, CRFB). RECURSO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. FIXAÇÃO (TEIXEIRA, RODRIGUES, 2009, p. 48). DE TESE PARA APLICAÇÃO A Maria de Nazaré Barros de Souza Neta (2017, CASOS p. 36) comenta o recurso extraordinário 898.060- SEMELHANTES. 1. O prequestionamento revela-se autorizado quando as instâncias SC, de 21 de setembro de 2016, no qual os ministros inferiores abordam a matéria jurídica entenderam que a paternidade socioafetiva não RECURSO EXTRAORDINÁRIO 898.060 SÃO PAULO RELATOR : MIN. LUIZ FUX exclui os deveres da paternidade biológica, negando RECTE.(S) :A. N. ADV.(A/S) :RODRIGO o provimento ao recurso no qual o pai biológico FERNANDES PEREIRA RECDO.(A/S) :F. G. 2 invocada no Recurso Extraordinário na recorria de acórdão que havia estabelecido sua fundamentação do julgado recorrido, tanto paternidade com efeitos patrimoniais. mais que a Súmula n. 279 desta Egrégia Corte Consta como entendimento no referido indica que o apelo extremo deve ser apreciado à luz das assertivas fáticas estabelecidas na recurso, pelo relator Luiz Fux, de que todos os origem. 2. A família, à luz dos preceitos modelos de filiação devem ser considerados pela constitucionais introduzidos pela Carta de 1988, apartou-se definitivamente da vetusta legislação, podendo a paternidade biológica conviver distinção entre filhos legítimos, legitimados e com a afetiva, desde que sejam do interesse do filho. ilegítimos que informava o sistema do Código Civil de 1916, cujo paradigma em matéria

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 111 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

de filiação, por adotar presunção baseada na popularização do exame de DNA conduziu centralidade do casamento, desconsiderava ao reforço de importância do critério tanto o critério biológico quanto o afetivo. biológico, tanto para fins de filiação quanto 3. A família, objeto do deslocamento do eixo para concretizar o direito fundamental à central de seu regramento normativo para o busca da identidade genética, como natural plano constitucional, reclama a reformulação emanação do direito de personalidade de um do tratamento jurídico dos vínculos parentais ser. 12. A afetividade enquanto critério, por à luz do sobreprincípio da dignidade humana sua vez, gozava de aplicação por doutrina e (art. 1º, III, da CRFB) e da busca da felicidade. jurisprudência desde o Código Civil de 1916 4. A dignidade humana compreende o ser para evitar situações de extrema injustiça, humano como um ser intelectual e moral, reconhecendo-se a posse do estado de filho, capaz de determinarse e desenvolver-se em e consequentemente o vínculo parental, em liberdade, de modo que a eleição individual favor daquele utilizasse o nome da família dos próprios objetivos de vida tem preferência (nominatio), fosse tratado como filho pelo pai absoluta em relação a eventuais formulações (tractatio) e gozasse do reconhecimento da sua legais definidoras de modelos preconcebidos, condição de descendente pela comunidade destinados a resultados eleitos a priori (reputatio). 13. A paternidade responsável, pelo legislador. Jurisprudência do Tribunal enunciada expressamente no art. 226, § 7º, Constitucional alemão (BVerfGE 45, 187). da Constituição, na perspectiva da dignidade 5. A superação de óbices legais ao pleno humana e da busca pela felicidade, impõe desenvolvimento das famílias construídas pelas o acolhimento, no espectro legal, tanto dos relações afetivas interpessoais dos próprios vínculos de filiação construídos pela relação indivíduos é corolário do sobreprincípio afetiva entre os envolvidos, quanto daqueles da dignidade humana. 6. O direito à busca originados da ascendência biológica, sem da felicidade, implícito ao art. 1º, III, da que seja necessário decidir entre um ou Constituição, ao tempo que eleva o indivíduo outro vínculo quando o melhor interesse do à centralidade do ordenamento jurídico- descendente for o reconhecimento jurídico político, reconhece as suas capacidades de de ambos. 14. A pluriparentalidade, no autodeterminação, 3 autossuficiência e Direito Comparado, pode ser exemplificada liberdade de escolha dos próprios objetivos, pelo conceito de “dupla paternidade” (dual proibindo que o governo se imiscua nos meios paternity), construído pela Suprema Corte eleitos pelos cidadãos para a persecução das do Estado da Louisiana, EUA, desde a década vontades particulares. Precedentes da Suprema de 1980 para atender, ao mesmo tempo, Corte dos Estados Unidos da América e ao melhor interesse da criança e ao direito deste Egrégio Supremo Tribunal Federal: RE do genitor à declaração da paternidade. 477.554-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, DJe Doutrina. 15. Os arranjos familiares alheios de 26/08/2011; ADPF 132, Rel. Min. Ayres à regulação estatal, por omissão, não podem Britto, DJe de 14/10/2011. 7. O indivíduo restar ao desabrigo da proteção a situações de jamais pode ser reduzido a mero instrumento pluriparentalidade, por isso que 5 merecem de consecução das vontades dos governantes, tutela jurídica concomitante, para todos por isso que o direito à busca da felicidade os fins de direito, os vínculos parentais de protege o ser humano em face de tentativas origem afetiva e biológica, a fim de prover a do Estado de enquadrar a sua realidade mais completa e adequada tutela aos sujeitos familiar em modelos pré-concebidos pela envolvidos, ante os princípios constitucionais lei. 8. A Constituição de 1988, em caráter da dignidade da pessoa humana (art. 1º, meramente exemplificativo, reconhece como III) e da paternidade responsável (art. 226, legítimos modelos de família independentes § 7º). 16. Recurso Extraordinário a que se do casamento, como a união estável (art. 226, nega provimento, fixando-se a seguinte tese § 3º) e a comunidade formada por qualquer jurídica para aplicação a casos semelhantes: dos pais e seus descendentes, cognominada “A paternidade socioafetiva, declarada “família monoparental” (art. 226, § 4º), além ou não em registro público, não impede de enfatizar que espécies de filiação dissociadas o reconhecimento do vínculo de filiação do matrimônio entre os pais merecem concomitante baseado na origem biológica, equivalente tutela diante da lei, sendo vedada com todas as suas consequências patrimoniais discriminação e, portanto, qualquer tipo de e extrapatrimoniais”. hierarquia entre elas (art. 227, § 6º). 9. As uniões estáveis homoafetivas, consideradas pela jurisprudência desta Corte como entidade Em 11 de novembro de 2014, o Tribunal familiar, conduziram à imperiosidade da de Justiça do estado de Santa Catarina, em seu interpretação nãoreducionista do conceito de provimento nº11, dispôs sobre o reconhecimento família como instituição que também se forma por vias distintas do casamento civil (ADI nº. da paternidade socioafetiva junto aos Oficiais de 4277, Relator(a): Min. AYRES BRITTO, Registro Civil no âmbito do próprio Estado. Tribunal Pleno, julgado em 05/05/2011). 10. A compreensão jurídica cosmopolita das Daniela Braga Paiano (2017, p. 71) destaca famílias exige a ampliação da tutela normativa ponto importante do provimento: a todas as formas pelas quais a parentalidade pode se manifestar, a saber: (i) pela presunção Afirma que, tendo por base a importância decorrente do casamento ou outras hipóteses da família, dada pela Constituição, o legais, (ii) pela descendência biológica ou 4 planejamento familiar, a igualdade dos filhos, (iii) pela afetividade. convivência familiar, entre outros pontos, 11. A evolução científica responsável pela autorizou o reconhecimento da paternidade

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socioafetiva no cartório se a pessoa, já 3º, §2º estabelece a solução consensual dos conflitos. registrada, não tiver paternidade estabelecida, mediante apresentação de documentos (Lei 13105/2015). pessoais seu e do filho a ser reconhecido. Se o filho a ser reconhecido tiver 18 anos ou 3 GARANTIA DE DIREITOS NA FAMÍLIA mais, o reconhecimento dependerá de seu consentimento. Uma vez reconhecido, será MULTIPARENTAL averbado o reconhecimento em seu assento de nascimento. Diante dessas novas configurações que a Recentemente, o Conselho Nacional de família tem assumido, faz-se importante reconhecer Justiça (CNJ), em seu provimento n. 63, de 14 de que os direitos e deveres concedidos à nova realidade novembro de 2017, instituiu modelos únicos de familiar deve ser regulado pelo ordenamento jurídico, certidões, entre as quais, a de nascimento, a serem em que se insere os direitos aos alimentos, bem como recepcionadas pelos ofícios de registro civil de os direitos sucessórios. (NOGUEIRA, 2014, p. 36). pessoas naturais dispondo sobre o reconhecimento Em 1994, J. M. Leoni Lopes de Oliveira voluntário da paternidade e maternidade (1994, p. 218), já mostrava entendimento, citando socioafetiva. Dentre algumas considerações feita a Constituição Federal, de que os filhos, havidos ou na referida normatização estão: o reconhecimento não do casamento, possuíam os mesmos direitos, por voluntário da paternidade e maternidade conseguinte, filhos reconhecidos por ato voluntário socioafetiva pelos registros civis de pessoas naturais; ou por decisão judicial seriam merecedores dos aceitação da parentalidade socioafetiva expondo mesmos direitos que os filhos havidos como legítimos; como fundamento da filiação civil os princípios giza o autor serem estes direitos os relativos ao nome, da efetividade e da dignidade da pessoa humana; a alimentos e sucessórios. reconhecimento de que o parentesco pode se dar O Instituto Brasileiro de Direito de Família em por vias que não sejam a consanguinidade, e assim, seu enunciado nº 9 declara: “A multiparentalidade reconhecer aos filhos, havidos ou não do casamento, gera efeitos jurídicos”. os mesmo direitos sem discriminação; entre outras A parentalidade irá influenciar na árvore considerações de mesma importância. biológica, pois o filho socioafetivo passará a ter novos O provimento nº 63 instituído pelo CNJ traz ascendentes e colaterais, surgindo a figura do irmão, segurança jurídica aos envolvidos, pois ao uniformizar do avô, do tio, todos socioafetivos. (CASSETTARI, – no território nacional – as regras que regem o 2015, p.113). registro da paternidade ou maternidade socioafetiva, Pelo princípio da igualdade, as mesmas garante a observância de princípios no qual esta obrigações e os mesmos direitos serão estendidos se encontra sedimentada, a saber, a afetividade e a aos filhos socioafetivos, assim como os são aos filhos dignidade da pessoa humana. (SIMÕES, 2018). biológicos. Ao analisar os artigos do referido documento, Ao reconhecer um filho socioafetivo a árvore Ulisses Simões (2018) expõe: genealógica da família aumenta e, logo, o art.1694 do Código Civil passa a abrigar, dentro do temo Trata-se, portanto, de importante invocação “parentes”, novos ascendentes, descendentes e legislativa que, em consonância com o atual estágio evolutivo do Direito das Famílias, colaterais e com isso, mais pessoas podem vir a ser confere maior autonomia à esfera privada das demandadas ao pagamento de alimentos numa pessoas, desburocratizando procedimentos, tutelando o interesse primordial dos menores possível lide. (MENEGHIN, 2016, p. 88). ao reconhecimento da filiação socioafetiva Corrobora com o exposto o enunciado 341 do e reafirmando o afeto como um princípio CJF: “Para os fins do art. 1.696, a relação socioafetiva jurídico constitucional a ser tutelado pela ordem jurídica. pode ser elemento gerador de obrigação alimentar” Tanto os pais biológicos quanto os afetivos Flávio Tartuce (2017) preleciona que a serão responsáveis pelo dever alimentar quando regulamentação do registro civil voluntário da estabelecida a multiparentalidade, na qual todos paternidade socioafetiva junto ao Registro Civil participam como credores e devedores em relação de Pessoas Naturais configura um passo para a à concessão de alimentos, com observância do art. extrajudicialização do Direito de Família. Este 1694, §1º do Código Civil, sendo que cada um entendimento vai ao encontro do que é proposto deve contribuir de acordo com suas condições. pelo Novo Código de Processo Civil, que em seu art. (MENGHIN, 2016, p. 112).

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Afirma Gabriele Repossi Nogueira (2014, p. como princípio a nortear a relação de filiação. 38, que a prestação aos alimentos está ancorada no (PARENTE, TEIXEIRA, 2017, p. 80). princípio da solidariedade, e assim sendo, os pais José Sebastião de Oliveira e Valéria são responsáveis pelo sustento de seus filhos, não Silva Galdino Cardin (2017, p. 178) firmam estando este dever limitado ao vínculo biológico, posicionamento de que não é necessário a existência mas também ao afetivo. de lei expressa que autorize o registro de filho Em decisão recente, os Ministros da Quarta socioafetivo junto ao registro de pessoas naturais, Turma do Superior Tribunal de Justiça julgaram bem como, exigir o reconhecimento da posse de improcedente ação que buscava a desconstituição estado de filho, junto ao poder judiciário, torna-se da paternidade, em razão da ausência de vínculo algo desnecessário, visto que os filhos devem receber biológico, e exoneração de alimentos, por restar o mesmo tratamento, não importando o critério comprovada a paternidade socioafetiva, confome de filiação adotado – filhos socioafetivos devem ser ementa a seguir: reconhecidos assim como os são os biológicos.

AGRAVO INTERNO NO AGRAVO Admitir o reconhecimento de filhos (ART. 1042 DO NCPC)- AÇÃO DE socioafetivos perante o registro civil das EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS E pessoas naturais está em consonância com o NEGATÓRIA DE PATERNIDADE movimento de desjudicialização presente no - DECISÃO MONOCRÁTICA QUE Brasil e reafirmado no Código de Processo NEGOU PROVIMENTO AO RECLAMO. Civil de 2015 e, inversamente, exigir o prévio INSURGÊNCIA DO AUTOR. 1. A reconhecimento judicial da paternidade jurisprudência desta egrégia Corte Superior socioafetiva para a averbação da paternidade já proclamou que a simples divergência iria dificultar a proteção do Estado à família entre a paternidade declarada no assento de e o acesso à justiça. (OLIVEIRA, CARDIN, nascimento e a paternidade biológica não 2017, p. 176). autoriza, por si só, a anulação do registro, o qual só poderia ser anulado, uma vez comprovado erro ou falsidade, em ação 4 A REALIDADE MARINGAENSE própria - destinada à desconstituição do registro. Precedentes. 2. Rever a conclusão do Tribunal a quo acerca da desconstituição O julgamento do Recurso Extraordinário do registro de nascimento e a exoneração da 898.060 e a Repercussão Geral 622, em 2016, na qual obrigação alimentar, demandaria o reexame de provas, providência que encontra óbice os Ministros do Supremo Tribunal Federal aprovaram na Súmula 7 desta Corte Superior. 3. importante tese decidindo que: “A paternidade Agravo interno desprovido. (STJ - AgInt socioafetiva, declarada ou não em registro público, no AREsp: 1041664 DF 2017/0006501- 7, Relator: Ministro MARCO BUZZI, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação Data de Julgamento: 10/04/2018, T4 - concomitante baseado na origem biológica, com QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 16/04/2018) efeitos jurídicos próprios”, demonstrou que o Poder Judiciário não está alheio às mudanças pelas quais A multiparentalidade produz ainda efeitos têm passado o Direito de Família. sucessórios, tendo o filho o direito de ter parte na Neste desiderato, a Corregedoria do herança, tanto dos parentes consanguíneos como Tribunal de Justiça do Estado do Paraná, seguindo também dos socioafetivos. Os pais, biológicos exemplo de estados como Pernambuco e São Paulo, e afetivos também serão herdeiros do filho. editou, em maio de 2017, o Provimento 265/17, (MENEGHIN, P. 116). o qual regulamentou o tema perante os serviços De acordo com o art. 1784 do código Civil, extrajudiciais paranaenses. Segue a transcrição dos a herança transmite-se aos herdeiros legítimos e artigos do referido provimento: testamentários. Os herdeiros legítimos obedecem Art. 1º. Autorizar o reconhecimento ao exposto no art. 1829 do mesmo diploma legal, espontâneo da paternidade socioafetiva respeitando a seguinte ordem: descendentes, de pessoas maiores de 18 (dezoito) anos sem paternidade registral estabelecida ascendentes, cônjuge sobrevivente e colaterais. pelos Oficiais do Registro Civil de Pessoas Diante do mencionado artigo, ao filho socioafetivo Naturais no âmbito do Estado do Paraná. caberá os mesmos direitos que ao biológico, assim, Art. 2º. O interessado poderá proceder ao reconhecimento espontâneo da paternidade aquele concorrerá pela herança na mesma proporção socioafetiva perante o Oficial de Registro Civil deste, posto que a Constituição da República de Pessoas Naturais, mediante a apresentação de documento de identificação com foto e Federativa do Brasil de 1988 estabelece a igualdade certidão de nascimento do filho, em via original

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ou cópia autenticada. § 1º. O Oficial deverá eletrônico http://www.tjpr.jus.br/documentos- proceder minuciosa verificação da identidade assinados através do número 580.239.945 do interessado que perante ele comparecer, Página 4 de 4 Art. 7º. A sistemática do presente mediante coleta, no termo próprio, conforme provimento não poderá ser utilizada nos casos modelo anexo a este Provimento, de sua em que o reconhecimento da paternidade qualificação e assinatura, além de rigorosa socioafetiva já tenha sido judicializada, conferência de seus documentos pessoais. razão pela qual constará, ao final do termo, § 2º. Em qualquer caso, o Oficial, após declaração da pessoa interessada, sob as penas conferir o original, manterá em arquivo cópia da lei, de que isso não ocorreu. Art. 8º. O do documento de identificação, certidão de reconhecimento espontâneo da paternidade nascimento, bem como do termo assinado socioafetiva não obstaculiza a discussão judicial pelas partes. § 3º. Constarão do termo, além sobre a existência de vínculo biológico, ou, dos dados do requerente, os dados da genitora meramente, a ação para conhecimento da e do filho. § 4º. O reconhecimento dependerá origem genética. Art. 9º. O reconhecimento da anu Documento assinado digitalmente, espontâneo da paternidade socioafetiva conforme MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° é irrevogável e irretratável. Art. 10º. Este 11.419/2006 e Resolução n.° 09/2008, do provimento aplica- se, no que couber, às TJPR/OE Este documento pode ser validado famílias formadas por casais homoafetivos no endereço eletrônico http://www.tjpr. e aos casos de parentalidade múltipla. Art. jus.br/documentos-assinados através do 11. Deverão ser observadas as normas legais número 580.239.945 Página 3 de 4 § 5º. A referentes à gratuidade de atos. Art. 12. Este anuência deverá ser colhida pelo Oficial de provimento entra em vigor na data de sua Registro Civil de Pessoas Naturais, não se publicação. admitindo o reconhecimento ainda que com reconhecimento de firma. § 6º. Na falta ou impossibilidade de Apesar de a evolução no modo de constituição manifestação válida do filho maior, o pedido das famílias, as normatizações que ajudam a regê-las de reconhecimento da paternidade socioafetiva no ordenamento jurídico, principalmente em relação deverá ser formulado por via judicial. § 7º. O reconhecimento de filho socioafetivo por ao registro de filho socioafetivo, são recentes. Assim, pessoa relativamente incapaz dependerá a comarca de Maringá-PR, campo de estudo do da assistência de seu curador. Art. 3º. A deficiência de um dos envolvidos não é óbice número de casos de multiparentalidade, apresentou ao reconhecimento voluntário da paternidade poucos casos, sendo a pesquisa direcionada aos socioafetiva perante o Oficial de Registro Civil de Pessoas Naturais (art. 6º Lei 13.146/2015). cartórios de registro civil da comarca; sendo que os § 1º. Caso a pessoa com deficiência tenha números apresentados foram obtidos no primeiro constituído apoiadores por meio de processo semestre do ano de 2018. de Tomada de Decisão Apoiada, estes deverão participar do procedimento, desde que Conforme dados apresentados pelo Cartório observados os limites do apoio acordado Maringá – 1º Registro Civil de Pessoas Naturais (art. 1783-A, §4º, do Código Civil). § 2°. Havendo divergência de opiniões entre a 5º Tabelionato de Notas Maringá-PR – foram pessoa apoiada e um dos apoiadores, o pedido registrados quatro casos de multiparentalidade por deverá ser encaminhado ao juízo competente (art. 1783-A, §6º, do Código Civil). Art. requerimento e dois foram feitos por ordem judicial. 4º. A fim de efetuar o reconhecimento da O Cartório Maria Regina - 2º Registro Civil de paternidade socioafetiva, o interessado poderá Pessoas Naturais 6º Tabelionato de Notas Maringá- comparecer a qualquer Ofício de Registro Civil de Pessoas Naturais do Estado do Paraná, PR – confirmou 12 casos de registro socioafetivos, desde que apresente os documentos elencados sendo que destes, somente quatro casos referentes à no art. 2º do presente Provimento. Art. 5º. Sempre que o Oficial de Registro Civil de multiparentalidade por requerimento e um caso por Pessoas Naturais, ao atuar nos termos deste ordem judicial. Provimento, suspeitar de fraude, falsidade ou má-fé no ato de reconhecimento, não praticará Conta-se, até a data da presente pesquisa, o registro, submetendo o caso imediatamente com onze registros de filiação multiparental, em ao juízo competente, explicitando, por escrito, uma cidade com população estimada de 406.693 os motivos da suspeita. Art. 6º. Efetuado o reconhecimento de filiação socioafetiva, o pessoas, segundo dados do IBGE para o ano de Oficial da serventia em que se encontra lavrado 2017. Isso posto, nota-se que o modelo adotado o assento de nascimento procederá com sua averbação, independente de manifestação do pela Constituição da República Federativa do Brasil, Representante do Ministério Público ou de baseado no Poder Familiar em detrimento do Pátrio decisão judicial. Parágrafo único. A notícia da averbação do reconhecimento da paternidade Poder, em que prevalece a igualdade e a preservação socioafetiva não constará nas certidões, salvo da dignidade da pessoa humana, para os casos de nos casos em que for autorizado o inteiro teor. Documento assinado digitalmente, conforme multiparentalidade, tem se mostrado presente na MP n.° 2.200-2/2001, Lei n.° 11.419/2006 sociedade de forma tímida, considerando que se faz e Resolução n.° 09/2008, do TJPR/OE Este recente o posicionamento dos Tribunais em resguardar documento pode ser validado no endereço estes direitos expressos constitucionalmente.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 115 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

O Supremo Tribunal Federal, por meio de seu BRASIL. Lei nº 13105, de 16 de março de 2015. posicionamento, demonstra estar acompanhando Codigo de Processo Civil. Brasilia, DF, Disponível em: e acolhendo as diferentes formas de constituição . Acesso em: 15 fev. 2018. caminho para o reconhecimento de um direito de CASSETTARI, Christiano. Multiparentalidade e família que se faz plural e democrático no Brasil. parentalidade socioafetiva: efeitos jurídicos. 2. ed. São Paulo: Editora Atlas, 2015. CONCLUSÃO CATALAN, Marcos. Um ensaio sobre a multiparentalidade: prospectando, no ontem, pegadas que A Constituição da República Federativa levarão ao amanhã.2012. Disponível em: < http://www. do Brasil, de 1988, colaborou com o abandono scielo.org.co/ pdf/rfdcp/ v42n117/ v42n117a10.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2017. do modelo patriarcal e trouxe novos valores, norteadores para a sociedade, como a dignidade CJF. Enunciado 256: III Jornada de Direito Civil. da pessoa humana, solidariedade, igualdade. Dessa Disponível em: . Acesso em: 18 maio 2018. se conduzirem pelos mesmos princípios. O direito CJF. Enunciado 341: IV Jornada de Direito Civil. de família tem se mostrado atendo às mudanças Disponível em: . Acesso em: 16 jun. 2018. hierarquia entre vínculos biológicos e socioafetivos. CJF. Enunciado 519. V Jornada de Direito Civil. O reconhecimento da existência de diversas Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2018. como a multiparentalidade, aos poucos está sendo CNJ. Provimento n. 63, de 14 de novembro de 2017. reconhecida e dessa forma, precisa ser normatizada Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2018. A comarca objeto de estudo do presente DIAS, Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. trabalho, Maringá-PR, tem registrado um número 11. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais Ltda, pequeno de casos em que há mais de um pai ou 2016. uma mãe no registro de nascimento, o que pode GRISARD FILHO, Waldyr. Famílias Reconstituídas. ser reflexo da falta de informação sobre os efeitos São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. da multiparentalidade, como também, falta de IBDFAN. A multiparentalidade gera efeitos jurídicos. conhecimento de que já não se faz mais necessário 2015. Disponível em: . socioafetivo registrado. Acesso em: 20 maio 2018. Posto isto, é através de estudos e conscientização IBDFAN. Enunciado 07. Disponível em: . Acesso em: 15 fev. 2018. legisladores para que possam atualizar as leis, para IBDFAN. Enunciado 09. Disponível em: . Acesso em: 16 fev. 2018. interesse da criança, do adolescente, do ser humano. IBGE. População Maringá-PR. 2017. Disponível em: . Acesso em: 10 jun. 2018. MENGHIN, Laís. Parentalidade Socioafetiva e BRASIL. Emenda Constitucional nº 66, de 13 de julho Multiparentalidade: Fenômenos Contemporâneos do de 2010. Brasília, DF, 13 jul. 2010. Disponível em: Direito de Família. 2016. Disponível em: . Acesso em: 28 abr. 2018. Juridica/ article/ viewArticle/ 5307>. Acesso em: 17 fev. BRASIL. Lei nº 10406, de 10 de janeiro de 2002. 2018. Código Civil. Brasília, DF, 11 jan. 2002. Disponível NETA, Maria de Nazaré Barros de Souza. em: . Acesso em: 20 jul. 2017. reconheceu a multiparentalidade e da repercussão geral

116 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

622. 2017. Disponível em: . Acesso em: 17 15 abr. 2018. maio 2018. STJ. Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial: NICOLAU JÚNIOR, Mauro. Paternidade e Coisa Aglnt no AREsp 1041664 DF 2017/ 0006501- Julgada. 4. ed. Curitiba: Juruá Editora, 2011. 7. 2018. Disponível em: . Acesso em: 20 . maio 2018. Acesso em: 1 maio 2018. TARTUCE, Flavio. Da extrajudicialização da OLIVEIRA, José Sebastião de; CARDIN, Valéria Silva parentalidade socioafetiva e da multiparentalidade. Galdino. A Socioafetividade Perante o Registro Civil das 2017. Disponível em: . i2l227gsxSK522q0.pdf>. Acesso em: 10 maio 2018. Acesso em: 15 maio 2018. OLIVEIRA, J. M. Leoni Lopes de. Nova Lei de TEIXEIRA, Ana Carolina Brochado; RODRIGUES, Investigação de Paternidade. 2. ed. Rio de Janeiro: Renata de Lima. Multiparentalidade como Efeito Editora Lumen Juris Ltda, 1994. da Socioafetividade nas Famílias Recompostas. Revista Ibdfam: Direito das famílias e sucessões, Belo PAIANO, Daniela Braga. A Família Atual e as Horizonte, n. 0, p.34-59, 2009. Bimestral. Espécies de Filiação: da responsabilidade jurídica da multiparentalidade. Rio de Janeiro: Editora Lumen TJ/SC. Provimento n. 11, de 11 de novembro de 2014. Juris, 2017. Disponível em: . Acesso em: 11 mar. PARANÁ. Provimento nº 265, de 12 de maio de 2017. 2018. Paternidade Socioafeitva. Curitiba, PR, Disponível em: . Acesso em: 10 direito.ufmg.br/ revista/ index.php/ revista/ article/ jun. 2018. view/ 1156>. Acesso em: 28 set. 2017. PEREIRA, Rodrigo da Cunha. Decisão reafirma a importância da multiparentalidade. 2015. Disponível em: . Acesso em: 10 maio 2018. PARENTE, Amanda Pessoa; TEIXEIRA, Renata Marini. Filiação Socioafetiva e seus Efeitos Jurídicos. 2017. Disponível em: . Acesso em: 25 maio 2018. SCHEREIDER, Anderson. STF, repercussão geral 622: multiparentalidade e seus efeitos. 2016. Disponível em: . Acesso em: 5 jun. 2018. SIMÕES, Ulisses. Filiação socioafetiva e reconhecimento pela via extrajudicial. 2018. Disponível em: . Acesso em: 15 abr. 2018. STF, Recurso Extraordinário 898.060 São Paulo. Disponível em: http://www.stf.jus.br/ arquivo/ cms/

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 117 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

O DIREITO A INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL GERADO PELO ABANDONO AFETIVO

THE MORAL DAMAGE GENERATED BY EMOTIONAL ABANDONMENT

Andrea Carla De Moraes De Pereira Lago Doutorado em Ciências Jurídicas pela Universidade do Minho/Portugal (2019); Mestrado em Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá (2011); Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Sócio-Econômicos (1998); Graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1992); Docente da UniCesumar – Centro Universitário Cesumar no curso de Direito. Líder do Grupo de Pesquisa: Mediação nas relações familiares e escolares – CNPq. Coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos – CEJUS EXTENSÃO UNICESUMAR (PRÉ, PRÓ, CID). Conciliadora e Mediadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos – CEJUSC EXTENSÃO UNICESUMAR. Coordenadora das Clínicas Jurídicas do Centro Universitário Cesumar – UNICESUMAR. Sócia-administradora da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Mota & Lago LTDA; Advogada Militante desde o ano de 1993, com grande experiência em Direito Empresarial e Direito Urbanístico-Imobiliário. Email: [email protected].

João Marcos Liasch Discente do Curso de Direito do Centro Universitário de Maringá - Unicesumar. joã[email protected]

RESUMO ABSTRACT

O presente estudo objetiva-se a demonstrar a The present study aims to demonstrate the importância do amparo familiar no desenvolvimento importance of family support in psychic, emotional psíquico, emocional e material na vida do infante. and material development in the infant’s life. From A partir da observação dos impactos causados pela the observation of the impacts caused by the parental negligência parental existente em casos atuais, negligence existing in so many ordinary cases of em vista que já se encontra na presente legislação the present times, considering that it is already in amparo em benefício do infante como vulnerável, the present legislation protection for the infant as verificando assim as atuais decisões proferidas pelo vulnerable, thus verifying the current decisions made sistema judiciário em favor do indivíduo que tiver by the judicial system in favor of the individual who seus direitos de personalidade feridos por conta do have their personality rights injured by abandonment, abandono, violando assim a dignidade da pessoa thus violating the dignity of the human person. To humana. Para tanto, utilizou-se o método dedutivo this end, the deductive method of approach was de abordagem. Foram adotados os métodos used. Procedural methods of bibliographic research, procedimentais de pesquisa bibliográfica, estudo case study and documentary were adopted, being de caso e documental, sendo consultado doutrinas, consulted doctrines, scientific articles, laws and artigos científicos, leis e decisões judiciais. judicial decisions.

PALAVRAS CHAVE KEYWORDS Abandono afetivo. Amparo. Dignidade da Pessoa Humana. Affective abandonment. Support.Human Dignity. VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

INTRODUÇÃO No presente trabalho, Foram adotados os métodos procedimentais de pesquisa bibliográfica, O presente trabalho, visa desenvolver o tema estudo de caso e documental, sendo consultado Dano moral por Abandono Afetivo, e está dividido doutrinas, artigos científicos, leis e decisões judiciais. em cinco seções, sendo esta introdução a primeira. Na segunda seção, se explica o Plano Nacional 1 O PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO EM de Educação de Direitos Humanos e a importância DIREITOS HUMANOS do mesmo na difusão dos conhecimentos básicos de direitos, previstos na Constituição Federal para O plano nacional de educação em direitos o desenvolvimento de cidadania e os deveres como humanos se trata de uma política pública firmada cidadão em uma sociedade saudável e justa. junto de documentos nacionais e internacionais, Na terceira seção do presente trabalho, define- promovendo a ideia de sociedade baseada nos se por lei e pela doutrina buscada de base, o que é princípios da democracia, da cidadania e da justiça de fato Abandono Afetivo e quando que por meio social, por meio de um instrumento de construção de efetivo deste fato se gera um dano a um bem jurídico uma cultura de direitos humanos que visa o exercício que por lei deve ser reparado por meio de sentença da solidariedade e do respeito às diversidades. de indenização. Este projeto se iniciou no ano de 2003 com a Na quarta seção, o presente estudo se criação do comitê Nacional de Educação em Direitos debruçou em uma análise mais profunda e subjetiva Humanos, sendo feito a divulgação e o debate deste no que tange a importância do amparo familiar no plano no ano posterior, ou seja, em 2004, sendo desenvolvimento psíquico, emocional e material concluído e validado pelo próprio Comitê Nacional do infante mostrando primeiramente a grande de direitos humanos no ano de 2006. importância do vínculo materno nos primeiros dias O plano de educação em direitos humanos de vida de alguém, pincelando posteriormente a é um documento de 72 páginas e estruturado em importância também da presença paterna na vida de concepções, princípios, objetivos, diretrizes e linhas uma criança. de ação que mostram o passo a passo de como o Ainda dentro da quarta seção, é abordado plano pretende levar o conhecimento dos direitos à também com embasamento teórico, a importância dos população. pais no que tange a diretriz moral, comportamental e Esta estrutura se divide em alguns eixos, profissional que deve ser dada na vida de seus filhos sendo eles: a educação básica, a educação superior, a no período da adolescência. educação não formal (aquela que é adquirida fora do Na quinta seção, é vislumbrado perante ambiente escolar), a educação dos profissionais dos legislação, qual é o presente amparo jurídico já sistemas de justiça e segurança pública, e por fim a encontrado para suporte em situações que de fato educação e a mídia, mostrando o poder que esta tem ocorre o Abandono afetivo, mostrando quais artigos de divulgar uma informação. e leis podem ser a base em ações judiciais que No mais, o plano tem como objetivo geral abranjam este tema. dar visibilidade e ferramentas de acesso aos direitos Por fim, na sexta e última seção, se mostram oriundos da constituição federal, de tratados e dois casos concretos em que houve o fato de convenções ratificadas pelo Brasil. As linhas gerais abandono afetivo, e quais foram suas consequências de ação são as ações mais concretas e pontuais que jurídicas perante decisão dada pelo Superior Tribunal farão com que os objetivos sejam alcançados, estas de Justiça a um recurso feito por um homem que estão divididas em sete linhas de frente, sendo acreditou ser indevido o pagamento de indenização já elas: o Desenvolvimento normativo e institucional proferido em sentença de primeira instância, por ter relacionado aos profissionais da justiça, a produção abandonado seu filho afetivamente e materialmente de informação e conhecimento, a realização de quase que por toda a vida deste. É citado também parcerias e intercâmbios internacionais (esta que está outro exemplo de um outro homem que também muito a relacionada às universidades), a produção e praticou o abandono afetivo com sua filha e teve de divulgação de materiais, a escola juntamente com a pagar indenização por danos morais a ela, tendo seu imprensa, a formação e capacitação de profissionais, recurso sido negado perante o Supremo tribunal de a gestão de programas e projetos e a avaliação e Justiça . monitoramento.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 119 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

O plano se resume então em um compromisso 2 DA DEFINIÇÃO DE ABANDONO AFETIVO do Estado com a concretização dos direitos humanos A LUZ DA LEGISLAÇÃO E DOUTRINA e de uma construção de uma sociedade civil MAJORITÁRIA organizada. Nem todas as pessoas têm o conhecimento de seus direitos como ser humano, tendo esse plano Se entende por abandono afetivo quando o intuito de levar esse conhecimento à sociedade. A os pais ou responsável legal privam-se de suas base legal deste plano é o documento de declaração responsabilidades cívicas e obrigações lícitas previstas de direitos humanos (Dezembro,1948). O artigo 26 no código civil e na Constituição Federal para com deste documento diz : seu infante, abstendo-se de conviver com mesmo, dar- lhe afeto, e de cooperar para todo o desenvolvimento I - Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, humano do mesmo no que tange a saúde psíquica, pelo menos nos graus elementares e emocional e material. fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico Não obstante, salienta-se que é de total profissional será acessível a todos, responsabilidade e obrigação dos pais tal amparo, bem como a instrução superior, esta sendo assim previsto no artigo 227 da CF, o qual diz: baseada no mérito. II - A instrução será orientada no É dever da família, da sociedade e do Estado sentido do pleno desenvolvimento assegurar à criança e ao adolescente, com da personalidade humana e do absoluta prioridade, o direito à vida, à fortalecimento do respeito pelos saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à direitos do homem e pelas liberdades profissionalização, à cultura, à dignidade, ao fundamentais. A instrução promoverá respeito, à liberdade e à convivência familiar a compreensão, a tolerância e amizade e comunitária, além de colocá-los a salvo de entre todas as nações e grupos toda forma de negligência, discriminação, raciais ou religiosos, e coadjuvará as exploração, violência, crueldade e opressão. atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. III - Os pais têm prioridade de direito na Sendo assim, o desapego afetivo é considerado escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos. pelos tribunais hoje um ato ilícito pelo fato de haver o descumprimento do dever familiar previsto em lei. Sendo assim,a educação e o ensino são grandes Segundo RODRIGUES (2015, p. 310), ferramentas para a efetivação de direitos. entende-se por dano a “violação de qualquer interesse Outro documento de base legal é a jurídico protegido; a lesão a qualquer bem jurídico Constituição Federal (Outubro,1988), onde em tutelado pelo direito”. No caso de abandono afetivo, seu artigo primeiro diz que a dignidade da pessoa não se trata de prejuízo apenas patrimonial da vítima, humana é um dos fundamentos da República. O mas sim da violação dos direitos da personalidade artigo 4 da constituição também diz que a República da mesma previstas nos artigos 11 até 21 do código é regida pela “Prevalência dos direitos humanos” em civil brasileiro. Desta forma o dano causado será de suas relações internacionais. âmbito moral através da negativa dos pais em desferir Entende-se também como embasamento legal amparo, assistência moral/psíquica e desatender a LDB, lei de número 9.394/1996, que segundo as necessidades, causando prejuízo na formação da o que foi estabelecido pela Constituição Federal, criança por conta do descumprimento dos deveres determina que a educação básica tem por finalidade decorrentes do poder familiar. “desenvolver o educando e assegurar-lhe a formação Deve-se desta forma alegar na ação de danos comum indispensável para o exercício da cidadania” morais por abandono afetivo todas as consequências Artigo 22). Interessante também citar o artigo 27 negativas em que a criança sofrer ou estiver sofrendo desta lei, que diz sobre a importância da a difusão dos por conta do abandono, somando também nas valores fundamentais ao interesse social, aos direitos alegações os pressupostos de responsabilidade civil e deveres do cidadão, de respeito ao bem comum e a que não estão sendo cumpridas pelos pais, visando ordem democrática. a proteção da dignidade da pessoa humana e dos Desta forma, conclui-se que a difusão dos direitos da personalidade da parte autora da ação. conhecimentos presentes neste plano é de grande Pode-se usar também como embasamento da ação, apoio ao conhecimento de forma geral, fomentando dependendo do caso concreto, o ECA (Estatuto da de forma grandiosa os direitos humanos, os direitos Criança e do Adolescente), legislação esta que visa da personalidade e a dignidade da pessoa humana. proteger a criança e o adolescente de qualquer forma

120 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade de negligência, sendo os interesses deles de prioridade de relações interpessoais, fazendo com que esses absoluta, em função de serem sujeitos vulneráveis e indivíduos tenham uma predisposição a delinquência em desenvolvimento. juvenil e a comportamentos antissociais. Bowlby Desta forma conclui-se que há bastante fez uma pesquisa em 1944 com jovens ladrões e amparo legislativo no que tange as responsabilidades, viu que a maioria deles haviam sido separados da deveres e obrigações dos pais para com seus filhos mãe por grandes períodos na infância. Analisa-se e como o direito de personalidade dos mesmos são assim que o vínculo materno é primordial para o protegidos pela atual legislação. desenvolvimento interno de uma criança para que ela possa compreender a si própria, os outros e o 3 DA IMPORTÂNCIA DO AMPARO FAMILIAR mundo, sendo o vínculo com a mãe um protótipo PARA O DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO, de como será as relações futuras da criança com os EMOCIONAL E MATERIAL DO INFANTE. outros indivíduos (COLLIN, 2012, p. 276). Sendo assim, se pode concluir que a legislação 3.1 DA IMPORTÂNCIA DO VÍNCULO MATERNO atual é muito cuidadosa ao deixar claro o quanto NO DESENVOLVIMENTO INICIAL PSÍQUICO E é de suma importância as mães assumirem suas EMOCIONAL DA CRIANÇA. responsabilidades em relação aos seus filhos durante as fases de vulnerabilidade e desenvolvimento dos A presente seção, objetiva explicar o quanto mesmos. é importante o vínculo entre o ser humano e sua mãe em seus primeiros anos de vida para que ele 3.2 DO PAPEL PATERNO NO DESENVOLVIMENTO se desenvolva de forma saudável emocionalmente, INICIAL PSÍQUICO E EMOCIONAL DO INFANTE psicologicamente e mentalmente. John Bowlby, um grande psicólogo, Nesta parte do trabalho, será abordado a psiquiatra e psicanalista britânico especializado no importância da presença paterna nos primeiros anos desenvolvimento infantil, adotou uma perspectiva de vida do ser humano para que seu desenvolvimento sobre a formação dos primeiros laços afetivos ocorra de forma saudável. entre a criança e sua mãe, mostrando o quão Os renomados psicólogos britânicos Rudolph imprescindível é a presença desta nos primeiros Schaffer e Ross Parker, desenvolveram pesquisas momentos de seu bebê. Para Bowlby, os recém relacionadas à ligação entre pai e filho, e chegaram nascidos são geneticamente programados para criar a conclusão de que homens são dotados da mesma um vínculo com suas mães para que seja garantida capacidade que mulheres para prover afeto e a sua sobrevivência, assim como as mães também sensibilidade a seus filhos. (COLLIN, 2012, p. 276 tem essa programação genética de gerar vínculo e 277). com o bebê, (COLLIN et al. 2012, p. 274-275). Ele Destaca-se também a importância da figura afirma que qualquer condição que ameace separar paterna na fase do Complexo de Édipo que, segundo a mãe do filho, ativa atitudes instintivas de apego, o psicanalista Sigmund Freud (1856-1939), todo insegurança e medo. Bowlby continua dando alguns ser humano passa. Tal etapa é muito importante esclarecimentos interessantes sobre as consequências pois, segundo Freud, tem grande função no do abandono ou a privação materna no começo reconhecimento das limitações da vida. Esta fase da vida de um ser humano, dizendo que crianças ocorre entre os três aos oito anos de idade. Segundo privadas de cuidados maternos por longos períodos, FONTES (1989, p. 158): em futuros breves, apresentam algum nível de retardo Por volta dos 3 anos, o comportamento do intelectual, social e emocional, mostrando-se assim menino com relação a mãe sofre algumas mais uma vez a importância do amparo do genitor alterações. Ele depende dela, é exigente com para com o infante para que haja desenvolvimento ela, mas compreende que ela tem outros interesses, em razão dos quais outras pessoas psíquico e emocional. de seu meio ambiente ganham importância. Em estudos mais profundos com crianças O pai adquire uma nova dimensão e o garoto vê nele um poderoso representante do mundo de sete a treze anos, Bowlby notou que a privação exterior materna era capaz de resultar até uma psicopatia insensível, tornando a criança incapaz de se afeiçoar Isto apresenta a importância da figura paterna aos outros, tornando assim difícil o desenvolvimento no que tange a compreensão de mundo na vida da

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 121 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade criança, para que ela elabore bem a perda da relação 3.3 A IMPORTÂNCIA DO AMPARO MATERIAL PARA O inicial de total dependência com a mãe. A psicanálise DESENVOLVIMENTO DO INFANTE também aponta a figura paterna como essencial no que tange a ideia de autoridade, lei, regras e diretrizes Além de todo o cuidado psíquico e emocional, de comportamento. supracitado, que os pais devem oferecer para seus Desta forma, ressalta-se os ensinamentos filhos, há também obrigações de suporte material, de FREUD (1910, p. 59): “Na maioria dos seres uma vez que não há como se desenvolver emocional humanos, tanto hoje como nos tempos primitivos, e psiquicamente sem que haja o mínimo de sustento a necessidade de se apoiar numa autoridade de material para sobrevivência, como por exemplo qualquer espécie é tão imperativa que seu mundo a moradia, alimentação, vestuário, dentre outros desmorona se essa autoridade é ameaçada”. elementos básicos de provisão. Portanto conclui-se que o senso de lei tanto Dentro do desenvolvimento psíquico da quanto a maior diretriz comportamental submetida criança, está englobado também o desenvolvimento a uma autoridade, vem de uma representação da sociocultural de forma geral. Tal progresso é feito relação com a figura paterna. através da educação, não só da família mas, também da escola. 3.3 A IMPORTÂNCIA DO AMPARO DOS PAIS NO Desta forma, cumpre ressaltar que o amparo DESENVOLVIMENTO PSÍQUICO E EMOCIONAL NA dos pais ao desenvolvimento mental e sociocultural ADOLESCÊNCIA DE SEUS FILHOS. do menor, conforme acima citado, se encontra positivado no Estatuto da Criança e do Adolescente A Adolescência é uma fase difícil na vida do no artigo 129, destaca-se: ser humano, tendo em vista que se trata da transição Art. 129. São medidas aplicáveis aos pais ou da fase infantil para a fase adulta. Além de uma responsável: [...] presente descarga emocional através de cobranças e V - obrigação de matricular o filho ou pupilo e acompanhar sua freqüência e aproveitamento medos oriundos de incertezas, há também questões escolar; fisiológicas a serem consideradas como, por exemplo, a grande quantidade de hormônios sendo liberados Por isso, é de grande importância que os pais, na puberdade. dentro de suas possíveis condições, deem a seus filhos Tratando-se de uma fase intensa e com amparo material e psicoemocional para o acesso muitos acontecimentos internos e externos, do a plena sobrevivência e desenvolvimento pessoal, ponto de vista intrapessoal e interpessoal, é de sendo dessa forma, possível o progresso em outras suma importância a presença e o apoio materno áreas do seu existir enquanto pessoa. Ressalta-se e paterno para que boas decisões sejam tomadas também o artigo 4 do Eca, que diz: em todos os âmbitos da vida do adolescente. Os Art. 4° - É dever da família, da comunidade, pais são os principais responsáveis em oferecer da sociedade em geral e do Poder Público diretrizes de comportamentos construtivos e assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à escolhas produtivas na vida de seus filhos no alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, período da adolescência. Segundo WINNICOTT à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao (1971, p. 49). respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária. Parágrafo Único - A garantia de prioridade enquanto o crescimento se encontra em compreende: progresso, a responsabilidade tem de ser a) primazia de receber proteção e socorro assumida pelas figuras parentais. Se essas em quaisquer circunstâncias; figuras abdicam, então os adolescentes têm de b) precedência do atendimento nos serviços passar para uma falsa maturidade e perder sua públicos ou de relevância pública; maior vantagem: a liberdade de ter ideias e de c) preferência na formulação e na execução agir segundo o impulso. das políticas sociais públicas; d) destinação privilegiada de recursos Conclui-se, então, o quão importante é, por públicos nas áreas relacionadas com a parte dos pais, o exercício de oferecer diretrizes proteção à infância e à juventude. morais, educacionais e profissionais aos seus filhos Ante ao exposto, se vê o dever dos pais no que na fase de adolescência onde muito do caráter e tange o provimento e suporte material ao filho, para maturidade emocional está sendo forjado. que, assim, ele seja inserido na sociedade sabendo

122 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade de seu valor como ser humano e seus direitos Supremo tribunal de Justiça deferiu indenização em como cidadão. Tudo isso, com embasamento no ações de cunho pertinente ao abandono afetivo. plano nacional de educação em direitos humanos, Um caso de jurisprudência atual é a decisão supracitado. do Superior Tribunal de Justiça STJ no RECURSO ESPECIAL: RESP 1087561 RS 2008/0201328-0. 4 O AMPARO JURÍDICO PARA CASOS DE No final do ano de 2017, a 4ª Turma do ABANDONO AFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS. Superior Tribunal de Justiça indeferiu o recurso de um pai que estava se negando a pagar a indenização, Nesta seção será apresentado as consequências já pleiteada em uma ação de danos morais movida concretas para os casos de abandono afetivo, à luz da por seu filho. Este homem recorreu ao Supremo atual legislação. Tribunal de Justiça, onde também não obteve êxito, Primeiramente, salienta-se que há um projeto tendo a condenação o embasamento no artigo 186 de lei, de número 700/2007, que geraria mudança do código civil, ilustra-se: no Estatuto da criança e do Adolescente, o qual Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão sendo aprovado, obrigará a reparação de danos voluntária, negligência ou imprudência, violar morais aos pais que deixarem de prestar assistência direito e causar dano a outrem, ainda que efetiva aos seus filhos, por meio da convivência ou exclusivamente moral, comete ato ilícito. visita periódica. Contudo, cumpre destacar que Neste mesmo caso, foi notificado pela a atual jurisprudência do Supremo Tribunal de mãe do filho em questão, que desde quando este Justiça já adota tal entendimento, compreendendo nasceu, o tal pai abandonou-a junto com o filho, que o abandono afetivo afeta o desenvolvimento nunca mais fez visitas ou efetuou o pagamento de de personalidade do ser humano, ofendendo sua pensão devidamente, apenas quando foi acionado dignidade, gerando assim ofensa ao bem jurídico judicialmente. tutelado que é a dignidade da pessoa humana, A mãe ainda afirmou que, por muitas vezes tratando-se também de violação de uma obrigação não teve condições nem mesmo de dar o que comer, legal que pode gerar o dever de indenizar. vestimenta e até mesmo lugar onde dormir para seu Ante ao exposto, destaca-se o julgamento filho. O mais chocante deste caso, é que este pai tem do Recurso Especial 1.159.242 SP, que diz: “Aqui por confirmação legal e investigada, mais de 1,4 mil não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição hectares de terra, onde planta arroz, além de terrenos biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, e várias cabeças de gado. corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou Desta forma, o ministro do STJ Herman adotarem filhos.” Benjamin, confirmou a procedência da condenação, Sendo assim mostra-se que o cuidar é um citando o artigo 227 da Constituição Federal, que dever e uma responsabilidade legalmente amparada, delimita as responsabilidades dos pais, do Estado sendo o abandono afetivo uma ilicitude civil na e da sociedade sobre as crianças e os adolescentes, forma de omissão, onde o necessário dever de criação, já supracitado. Citou também o artigo 4 do ECA, educação e companhia – de cuidado – importa em e acrescentou como embasamento os artigos 1.566, razão da imposição legal. 1.568 e 1.579 do Código Civil que elencam: Desta forma, os atuais tribunais do país já têm o entendimento que o abandono afetivo gera danos Art. 1.566. São deveres de ambos os cônjuges: [...] aos direitos de personalidade e a dignidade da pessoa III - Mútua assistência; humana do ofendido, podendo assim ser cabível a IV - Sustento, guarda e educação dos filhos; obrigação de indenização por danos morais a parte Art. 1.568. Os cônjuges são obrigados a concorrer, na proporção de seus bens e dos autora da ação de casos de abandono afetivo. rendimentos do trabalho, para o sustento da família e a educação dos filhos, qualquer que seja o regime patrimonial. 5 DA ANÁLISE DE CASO CONCRETO DE Art. 1.579. O divórcio não modificará os ABANDONO AFETIVO E SUAS CONSEQUÊNCIAS direitos e deveres dos pais em relação aos JURÍDICAS. filhos. (ECA) Artigo 4. É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder Nesta última seção do presente artigo, será público assegurar com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes a vida, saúde, apresentado exemplos de casos concretos em que o à vida, à saúde, à alimentação, à educação,

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 123 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à de ações concretas: presença; contatos, mesmo cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e que não presenciais; ações voluntárias em favor à convivência familiar e comunitária. da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à O ministro destacou em seu voto ser evidente apreciação do julgador, pelas partes.Em suma, o fato de que o pai da criança tem condições para amar é faculdade, cuidar é dever [...]. sustentá-la, mas não o faz, ilustra-se: Desta forma conclui-se que apesar de o amor O descumprimento voluntário do dever de ser algo que não tem como ser valorado, o cuidado prestar assistência material, direito fundamental da criança e do adolescente, afeta a integridade se encontra inserido em um contexto em que o física, moral, intelectual e psicológica do filho, dever de dar assistência moral pode sim ser valorado em prejuízo do desenvolvimento sadio de sua personalidade e atenta contra a sua dignidade, e, havendo a inexistência desta assistência há sim a configurando ilícito civil e, portanto, os danos geração de dano moral. Resume-se o pensamento da morais e materiais causados são passíveis de compensação pecuniária. Ministra em “Amar é faculdade, cuidar é dever.” Sendo assim, fica nítido o quanto na Para o deferimento de indenização por dano atualidade, os tribunais reconhecem os danos moral aplicado, o ministro explicou da seguinte psíquicos causado a pessoas que sofrem o abandono forma: dos pais e o quanto este abandono fere a dignidade humana, tão protegida pela constituição Federal. A reparação por danos morais, no presente caso, não trata, então, de monetarização das Este abalo psíquico sofrido pelos filhos relações familiares para penalizar os infratores abandonados, de forma mais específica, ainda dentro por não demonstrarem a dose necessária da idéia da dignidade da pessoa humana, fere de de amor, como entende o recorrente, mas de compensação imposta sobretudo pelo forma direta os direitos da personalidade, sendo estes descumprimento dos deveres decorrentes direitos subjetivos que tange bens e valores essenciais do exercício do poder familiar e do dever de prestar assistência material à criança a pessoa, no seu aspecto físico, intelectual e moral. Segundo MIRANDA, (2012, pág. 4): Este pai foi condenado a dar uma casa Para auferir a aplicação da responsabilidade mobiliada ao seu filho, um computador, uma civil aos casos de abandono afetivo dos impressora e pagar R$ 35 mil de indenização por pais em relação aos filhos é necessário o enquadramento desta situação a todos os danos morais. Provando assim a eficácia da atual elementos da responsabilidade civil. Quanto jurisprudência no que tange a indenização por danos à conduta, convém analisar se há ilicitude no morais decorrente de abandono afetivo. ato de privar o filho de afeto na orientação e formação de sua personalidade, quer dizer, se a Outro caso que também serve como conduta está revestida de ilicitude. É certo que embasamento ao presente estudo, é o Recurso a responsabilidade no caso é extracontratual, consagrada no art. 186 do novel Código Civil, Especial de número 1.159.242 julgado também pelo haja alhures transcrito, haja vista que os pais STJ, o qual a terceira turma do supremo tribunal não se obrigam por contrato ou outro ato negocial a oferecerem afeto aos seus filhos, de Justiça, reconheceu o cabimento de indenização essa obrigação decorre diretamente de normas pelo abandono afetivo no valor de R$415.000,00, presente no ordenamento jurídico brasileiro.. obrigando o pai desta filha em questão ao pagamento. A ministra Nancy Andrighi, embasou seu Pode-se concluir que há a inclusão de voto explicando que apesar de o dever de “amar” ser responsabilidade civil quanto a omissão de subjetivo, a questão a ser discutida não é essa, mas comportamento esperado dos pais em relação aos sim a imposição biológica imposta e legal de cuidar, filhos, dando-se importância às normas já existentes que é dever jurídico. Evidencia-se trecho do voto da que que asseguram o afeto nas relações familiares, ministra: sendo este um fator essencial no desenvolvimento da dignidade da pessoa humana e em seus direitos de O amor diz respeito à motivação, questão personalidade. que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico CONCLUSÃO da filosofia, da psicologia ou da religião.O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar Ante todo o exposto, mostra-se como o pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação abandono afetivo fere a dignidade dos indivíduos,

124 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade gerando por vezes marcas permanentes e negativas em: https://stj.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/ na vida dos mesmos, sendo evidente desta forma o 490422303/ recurso-especial-resp-1087561- direito à reparação. rs-2008-020 1328-0/ inteiro-teor-490422312?ref=serp. No mais, conforme o posicionamento Acesso em: 19 de ago de 2019. dos teóricos expostos ao presente trabalho, como BRASIL.Decisão proferida pelo Supremo Tribunal De Sigmund Freud, Rudolph Schaffer, John Bowlby e Justiça, 24 de abril de 2012.Brasília,Disponível em: Donald Winnicott, chega-se à conclusão de que o ser http://arquivocidadao.stj.jus.br/ index.php/ recurso- humano não se desenvolve sozinho, sendo necessário especial-n-1-159-242-sp. Acesso em: 19 de ago de 2019. o cuidado e o amparo familiar em todas as áreas de sua vida, para que somente assim, se possa desenvolver- COLLIN, Catherine et al. O livro da Psicologia. São se mental, emocional, psicológica e materialmente Paulo: Globo, 2012. de forma saudável, possibilitando assim a inserção FONTES, Martins. Curso Básico de Psicanálise.São e manutenção do indivíduo na sociedade, sabendo Paulo: Martins Fontes Editora, 1989. ele de todos os seus direitos e deveres como cidadão, FREUD, Sigmund. Leonardo da Vinci,1910. Rio de conforme o exposto no Plano Nacional de Educação Janeiro: Imago, 1970. em Direitos humanos citado na segunda seção do MELISO RODRIGUES, Alessandro Carlo et al. presente artigo. Manual do Direito civil. São Paulo,Saraiva, 2015. Não obstante, ao analisar o amparo jurídico e MINISTÉRIO DA JUSTIÇA; MINISTÉRIO DA legislativo referente ao presente tema, percebe-se que EDUCAÇÃO; SECRETARIA ESPECIAL DOS este assunto se desenvolve na forma de que além de DIREITOS HUMANOS. Plano Nacional de Educação se buscar os próprios direitos, os indivíduos devem se em Direitos Humanos. Brasília: [s. n.], 2007. Disponível situar de suas obrigações, como sujeitos inseridos em em: http://portal.mec.gov.br/ docman/ 2191-plano- convívio social e principalmente de seus deveres para nacional-pdf/ file. Acesso em: 15 ago. 2019. com seus filhos, os quais, no começo de suas vidas, MIRANDA, Amanda Oliveira Gonçalves de. são vistos pela lei como vulneráveis. Responsabilidade civil dos pais nos casos de abandono Por fim, é de total notoriedade a evolução do afetivo dos filhos. Jus Navigandi, Teresina, ano 17, n. pensamento dos tribunais atuais em relação a suas 3242, 17 maio 2012 . Disponível em: http://jus.com. br/ revista/ texto/ 21799. Acesso em: 15 de ago.2019. jurisprudências de cunho pertinente ao abandono afetivo, reconhecendo de fato todos os danos que este WINNICOTT, Donald. O brincar e a realidade.Rio de gera a vida emotiva, material, mental e psicológica Janeiro,Imago Editora LTDS, 1971. do indivíduo.

REFERÊNCIAS

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GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 125 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

O PAPEL DA MEDIAÇÃO NOS CONFLITOS ORIGINADOS DOS NOVOS ARRANJOS DA FAMILIA CONTEMPORÂNEA BRASILEIRA

THE ROLE OF MEDIATION IN CONFLICTS FROM THE NEW ARRANGEMENTS OF THE BRAZILIAN CONTEMPORARY FAMILY

Bruna de França Hungaro Acadêmica de Direito pela UNICESUMAR - Centro Universitário Cesumar.

Cassia Alves Moreira Denck Mestra em Ciências Jurídicas pela UNICESUMAR – Centro Universitário Cesumar, Especialista em Direito de Família e Sucessões pela Faculdade de Direito Professor Damásio de Jesus, Especialista em Direito Aplicado pela Escola da Magistratura do Estado do Paraná Bacharel em Direito pela UNIPAR – Universidade Paranaense. Advogada. Secretaria da Comissão de Mediação Conciliação e Arbitragem da OAB Subseção Maringá/PR.

RESUMO KEYWORDS Mediation, Civil Procedural Law, Family Mediation. O presente artigo visa abordar como a mediação, como um meio alternativo de solução de INTRODUÇÃO conflitos, pode colaborar na solução de demandas familiares no que tange os novos meios de arranjos A mediação tem papel essencial no atual familiares. Portanto, através do método dedutivo mundo jurídico, frente a uma grande variedade de e utilizando o método de pesquisa bibliográfica, o demanda de processos que deixa o judiciário sem uma estudo demonstrará a mediação como um método duração razoável procedimental, é com base nessa eficaz e certeiro para solucionar demandas familiares, premissa que se objetiva arguir no estudo presente o que a doutrina chama de mediação familiar. o papel da mediação familiar nos novos arranjos familiares, com ênfase na multiparentalidade, por PALAVRAS CHAVE meio de uma pesquisa dedutiva e bibliográfica. Mediação, Direito Processual Civil, Mediação Familiar Apesar da instituição familiar ser considerada uma comunidade jurídica mais antiga do que o ABSTRACT próprio Estado, foi somente a partir do Código Civil de 1916 que se passou a regulamentar os conflitos This article aims to broach how mediation, as an e impasses advindos dos grupos familiares. Neste alternative means of conflict resolution, can collaborate período sua constituição sofria fortes influências do in solving family demands regarding the new means of Catolicismo, principalmente quanto aos seus valores family arrangements. Therefore, through the deductive tais como; o domínio na família era centralizado method and using the bibliographic research method, na figura masculina paterna, não cabendo ao Poder the study will demonstrate mediation as an effective and Público intervir além do mínimo necessário. accurate method for solving family demands, which is Consequentemente, o Código Civil embasou- what the doctrine calls family mediation. se nos conceitos eclesiásticos para regulamentar o Direito de Família, não reconhecendo outra VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade estrutura familiar que não a advinda do casamento. Em singelas palavras, a mediação é o meio Sendo assim, um grupo familiar era afirmado alternativo de solução de conflitos pelo qual as exclusivamente por meio de casamento oficial, partes possuem conexão pessoal, o que faz com monogâmico e indissolúvel. Os respingos de uma que seja extremamente viável nos litígios familiares, sociedade com valores católicos, que empregavam a à vista que, via de regra, as partes detêm de uma supervalorização do homem como autoridade central, alta intimidade familiar. Apesar de ser referência refletia nas relações de gênero e, concomitantemente simbólica de ser um solucionador de conflitos, a nas constituições da família. doutrina aponta a mediação não como resolução O Código Civil de 1916 estabeleceu diversas de conflito, mas como um acesso à cidadania, a um outras roupagens. Uma delas é em relação a filiação espaço de criatividade pessoal e social. o ordenamento jurídico adotava um critério discriminatório em relação a cada tipo de filho, 1 UMA CAMINHADA ENTRE FAMÍLIA E podendo ser visto o filho legítimo, originados dentro PROCESSO CIVIL do casamento que possuía reconhecimento e proteção do Estado e, os filhos ilegítimos, constituídos fora do 1.1 O DIREITO DE FAMÍLIA COMO PONTO INICIAL casamento eram marginalizados pela legislação e pela PARA A RESOLUÇÃO DE CONFLITOS FAMILIARES sociedade da época. O caráter discriminatório era tão forte que se estendia até aos casos de adoção, sendo o O direito de família está situado no Código filho adotivo, não merecedor de direitos sucessórios Civil de 2002, contendo seus próprios princípios caso o adotante tivesse também algum filho legítimo, norteadores e definições por ser o ramo de direito mais legitimado ou reconhecido. intimamente ligado a própria vida (GONÇALVES, O casamento era considerado um laço 2018, p. 17), em face das relações desenroladas no “perpétuo”, superior a felicidade dos consortes ou seio do ambiente familiar (GONÇALVES, 2018, realização pessoal dos membros da família. Seu p. 17). Para a psicologia, a família é revestida de objetivo era patrimonial, visando a manutenção da uma importância crucial, dado que é a matriz da riqueza no núcleo familiar. identidade pessoal e social, caracterizada por relações A separação judicial podia ser feita na forma de afeto e compromisso permanentes (MACEDO, da lei em casos de adultério, tentativa de morte, 1993, p. 63-64). sevícia ou injúria grave, abandono do lar conjugal Não diferentemente, os direitos oriundos da por um dos cônjuges, por dois anos contínuos com família surgem quando uma pessoa passa a pertencer o consentimento de ambos os cônjuges. Logo, os a determinado grupo afetivo (GONÇALVES, 2018, conjugues eram proibidos de se casarem novamente p. 18), podendo esses direitos ter natureza pessoal enquanto o outro fosse vivo, pois a separação ou patrimonial (GONÇALVES, 2018, p. 19), como judicial não dissolve o vínculo jurídico do ato e as normas reguladoras que se versa o casamento e o suas consequências, tão somente termina com direito à herança, respectivamente. as obrigações advindas do casamento como, por Nas palavras de Carlos Gonçalves (2018, exemplo, o dever de fidelidade mútuo. p. 19), “o direito de família constitui ramo do Todas essas diversas influências de uma direito civil que disciplina as relações entre pessoas sociedade que carregava quase uma “fórmula” para unidas pelo matrimônio, pela união estável ou pelo definição de família, pelo qual os papéis não poderiam parentesco”. Em síntese, o direito de família busca ser modificados, melhorados ou substabelecidos e regular normas advindas de relações familiares as relações de gêneros e os direitos inerentes eram afetivas e/ou biológicas. praticamente unilaterais, tornaram a luta por direitos Rosa Macedo (1993, p. 64), diz que a família fundamentais, ainda mais difícil. Entretanto, com o mais amplamente visualizada e estudada é a nuclear, advento da Constituição Federal de 1998, iniciou um ou seja, as relações familiares entre pais, mães e árduo caminho para assegurar direitos e reconhecer filhos biológicos, sendo poucos os estudos acerca das as diversas formas de se constituir instituições nominadas famílias extensas, que incluem outros familiares, nascendo consigo, novos conflitos membros na constituição de família, como os avós, inerentes frente as diversas outras formas de família por exemplo. Mesmo diante desse fato, o direito fica a e novos meios alternativos de solução de conflitos, é par de regular as mais diversas concepções de família, nesta seara que entra o papel da mediação familiar. como muito bem explicado por Gonçalves (2018, p.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 127 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

19): protegendo a prole, o enjeitado, zelando pelo a realidade brasileira, fundada no direito através do abandonado, cuidando da mãe, do pai, dos custos da princípio da afetividade. casa e regulando o habitual, frente aos novos valores fundamentais contidos na Constituição. 1.2 O NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL E O A denominada família típica brasileira é DIREITO DE FAMÍLIA considerada um mito, pois, tal concepção foi construída a partir de um modelo ideal de família Nas palavras de Rodrigo Pereira “o novo que apenas é visualizada em uma pequena parcela de Código de Processo Civil é uma das leis de maior uma classe social (MACEDO, 1993, p. 65), que é a espectro de incidência, pois é aplicável direta ou família oriunda de um pai, mãe e filhos biológicos. supletivamente a todos os processos que não tenham Segundo Macedo citando Figueira (1993, natureza penal. É a lei das leis, pois é ele que viabiliza p. 65), a denominada família tradicional vem sido e possibilita a aplicação de direitos” (PEREIRA, alterada no sentido da modernização, entre motivos, 2016). destaca-se as mudanças decorrentes nas modificações O Código é disciplinado através do princípio de gênero, posição da mulher na sociedade e na da celeridade processual, o qual influencia as normas família, as relações de casamento, a legalização do a buscarem um processo mais rápido e eficiente. Para divórcio, relações homossexuais, entre outros. Ainda, atingir esta finalidade, o legislador ordenou ao Estado “percebe-se imediatamente que a família evolui junto a buscar, sempre que possível, a solução consensual com seus membros no decorrer do ciclo de vida de conflitos, como a mediação, conciliação, entre das gerações sucessivas, assumindo peculiaridades outros. específicas em cada momento dessa evolução” Entretanto, o direito de família ganhou (MACEDO, 1993, p. 66). destaque pessoal no que tange os meios alternativos A doutrina traz uma série de entidades de solução de conflitos, com base no art. 694 do Novo familiares estendidas, merecendo destaque a Código: “ Nas ações de família, todos os esforços classificação de Maria Berenice Dias (2016, p. 21- serão empreendidos para a solução consensual da 22): “família matrimonial, família monoparental, controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de homoafetiva, anaparental, pluriparental, mosaica ou profissionais de outras áreas de conhecimento para a recomposta, paralela ou simultânea, eudemonista mediação e conciliação”. e unipessoal”. Destarte, sabendo-se da suma Nas palavras de Fernanda Tartuce (2015, importância dos vínculos familiares, a Constituição p. 2) “a previsão é salutar, em certa medida, por Federal promulgada em 1988 dedicou com especial ser essencial disponibilizar elementos para que os atenção (GONÇALVES, 2018, p. 33) a assistência membros da família possam reforçar tal instituição social para a devida proteção à família (art. 203, I, de modo que ela mesma supra suas necessidades sem CF), além afirmar a importância da família para precisar delegar a solução de suas crises a terceiros”, a educação (art. 205, CF) e regular a produção por isso, a necessidade de uma atenção especial do e programação das emissoras que devem sempre legislador no direito de família é necessária, haja vista atentar pelo respeito aos valores éticos e sociais da a sensibilidade dos conflitos familiares. pessoa e família (art. 221, IV, CF). Logo no Capítulo VII, a Constituição atribuiu 2 A FAMÍLIA MODERNA: O PRINCÍPIO BASILAR normas para a consagração dos principais direitos DA AFETIVIDADE e fundamentos que tangem a família, a criança, o adolescente, o jovem e o idoso, tendo destacado que O princípio da afetividade diz respeito ao a família é a base da sociedade brasileira, gozando de afeto oriundo de um grupo familiar. Para Maria uma especial proteção do Estado (art. 226, caput, Berenice Dias (2016, p. 84), a caracterização do CF). afeto é o que distingue o pertencer de cada indivíduo Sobreleva notar que a definição conceitual em determinada família, podendo tal preceito ser que pese a palavra “família” não possui congruência visualizado na união estável, reconhecida como entre os pesquisadores, e até mesmo para as pessoas entidade familiar. civis, mesmo assim, frente a moderna sociedade, a O afeto foi reconhecido como o ponto de conceituação que abrange família não só biológica, identificação da família. É o envolvimento mas bem como a afetiva, é a que mais se encaixa com emocional que subtrai um relacionamento

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do âmbito do direito obrigacional - cujo Atualmente, as famílias contemporâneas núcleo é à vontade - e o conduz para o direito decorrem de diversos fenômenos sociais das famílias, cujo elemento estruturante é o que as modificam, desde a possibilidade do sentimento de amor, o elo afetivo que funde divórcio como dissolução da entidade familiar almas e confunde patrimônios, fazendo e o reconhecimento de famílias informais, gerar responsabilidades e comprometimentos que originam as famílias recompostas onde os mútuos. (DIAS, 2016, p. 14) ex conjuges ou ex companheiros constituem nova família. De modo que nesses novos arranjos familiares encontra-se os filhos dos Levando a discussão em um patamar mais relacionamentos anteriores com quem se afundo, o laço afetivo que caracteriza família não é estabelece o novo convívio e vínculos afetivos único e absoluto. Apesar do indiscutível debate na decorrentes dessa convivência. (LOPES, 2015, p. 21) importância do afeto nas relações familiares, os direitos advindos de alimentos, por exemplo, não alcançam a A multiparentalidade ganha espaço na medida afetividade existente entre os pais e filhos, pois a simples em que o princípio da afetividade ganha mais cor caracterização de pai ou mãe biológico(a) ocasiona o e adesão por parte da sociedade. “No Brasil, a dever de prestar alimentos. Ademais, sobreleva notar filiação afetiva é muito comum, conhecida por que o abandono afetivo pode gerar consequências “filhos de criação” em que pais criam um filho sem jurídicas para o acusado, em decorrência da amplitude qualquer vínculo biológico como se fossem seus do abalo psíquico na saúde do filho. filhos biológicos” (CASSETTARI, 2014, p. 39-40), O direito sozinho não tem o conhecimento por isso, a cada dia mais, os doutrinadores buscam necessário para determinar certos tipos de conflitos, solucionar os diferentes conflitos advindos dessa como é o caso do próprio abandono afetivo, pois, nova concepção. há quem sustente (CUNICO, 2013, p. 28-40) o Pode-se destacar, logo de início, como o dever de indenizar por parte do acusado para, ao Judiciário irá decidir se a adesão do novo nome menos, manter-se conectado com o filho através na certidão de nascimento caso os biológicos não do dinheiro, outrora há quem sustente o contrário, concordem, e mais, como solucionar os direitos debatendo que judiciário não deve obrigar ninguém de herança, alimentos, guarda, entre essas famílias. a amar outrem (CUNICO, 2013, p. 28-40). A resposta é simples, o Judiciário fornecerá meios O amor que advém das relações entre pais e alternativos de solução de conflitos, em qual o filhos, para o direito, é praticamente presumido, pois, terceiro não precisará decidir tais manifestações. nascendo o vínculo biológico entre as partes, nasce Deste modo, a mediação familiar se perfaz como também direitos e obrigações familiares, sendo que condição suficiente a família para a solução dos o abandono afetivo se trata de uma mera exceção, e seus próprios litígios, sem que o envolvimento de mesmo assim não se extingue os direitos contraídos. terceiros seja necessário. Por isso, pode-se definir o princípio da afetividade como o “o princípio que fundamenta o direito das 3 MEDIAÇÃO FAMILIAR famílias na estabilidade das relações socioafetivas e na comunhão de vida, com primazia em face de O Direito de Família, por envolver valores considerações de caráter patrimonial ou biológico” personalíssimos, é tido como o mais humano dos (DIAS,2016, p. 84). ramos jurídicos. O afeto é o ponto central das relações Para o direito brasileiro, a família não familiares e o instituto da mediação se insere nesse é só formada por laços biológicos, bem como contexto como uma ferramenta que busca evitar que também formado por laços afetivos. Pode-se o afeto existente seja extinto. Ou seja, a prática da visualizar na sociedade atual, casos envolvendo a mediação nesse contexto, possibilita a transformação de “multiparentalidade”, podendo uma mesma pessoa um conflito nocivo para o ambiente familiar em algo possuir mais de uma mãe e/ou pai, em decorrência potencialmente positivo (TARTUCE, 2015, p. 324). do laço afetivo. Insta salientar que o novo Código de Processo A multiparentalidade é a chamada nova forma Civil (Lei federal nº. 13.105/2015) trouxe no seu de família caracterizada pelo reconhecimento em bojo o instituto da mediação aplicado às ações certidão de nascimento da filiação biológica e afetiva. de família, em seus arts. 693 a 699 (Das ações de De toda sorte, cumpre ressaltar a assertiva de Maria família), regulamentando as atribuições da figura do Lopes o qual texto remete a uma avaliação histórica mediador para auxiliar no processo de enfrentamento e atual: dos conflitos identificados (BARBOSA, 2016).

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 129 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

De acordo com Tartuce (2015, p. 328), vê-se que “a requerimento das partes, o juiz pode que os artigos que compõem o Capítulo destinado às determinar a suspensão do processo enquanto os Ações de Família não tratam, em sua maioria, sobre litigantes se submetem a mediação extrajudicial ou “mecanismos processuais aos processos que envolvem a atendimento multidisciplinar”. Nesse ínterim, demandas familiares (com exceção dos arts. 698 e previu-se, acertadamente, o legislador, a suspensão 699), mas sim do fomento ao consenso nesse caso e do processo no intuito de beneficiar as partes que da inserção de algumas regras peculiares a este tipo se submetem as sessões consensuais, pois como de demanda”. a mediação trabalha com o reestabelecimento de Dentre todos os artigos do Código de Processo vínculos que podem estar muito desgastados ou até Civil de 2015, que tratam da matéria, merece mesmo dilacerados, é importante que a prática se destaque o art. 694 que estabelece que “nas ações de dê em tantas sessões quantas forem necessárias para família, todos os esforços serão empreendidos para a auxiliá-las verdadeiramente. solução consensual da controvérsia, devendo o juiz A Lei da Mediação (Lei federal n°. dispor do auxílio de profissionais de outras áreas 13.140/2015), seguindo essa orientação, quanto de conhecimento para a mediação e conciliação”. à realização de várias sessões, também afirma, em O mencionado artigo, segundo Neves “prestigia de seu art. 15, que “a requerimento das partes ou do forma significativa os meios de solução consensual mediador e com anuência daquelas, poderão ser dos conflitos” (2016, p. 1098), já que traz de forma admitidos outros mediadores para funcionarem no expressa, no caput, que nas demandas dessa natureza mesmo procedimento, quando isso for recomendável deve-se, em primeiro lugar, tentar a sua resolução em razão da natureza e da complexidade do conflito”. pela via consensual, seja por meio do auxílio do A respeito deste artigo da lei de mediação, Tartuce conciliador ou do mediador. (2015, p. 329), aconselha “a atuação conjunta, por Como salienta Tartuce (2015, p. 329), exemplo, quando se revelar pertinente contar com contudo, “o empreendimento de esforços deve se facilitadores de diferentes gêneros e formações”. verificar sem qualquer coerção para que as partes Barbosa (2012, p. 14), acompanhando esse aceitem participar das sessões consensuais”. Essa entendimento, contextualiza o conceito de mediação preocupação já foi alvo de estudo, tendo sua para o meio familiar, vindo a complementar as importância destacada por Lopes (2011), onde conceituações mencionadas anteriormente. Nesse o autor teceu observações sobre os princípios da sentido, entende-se mediação familiar como imparcialidade e neutralidade do mediador. Na obra, [...] um instrumento capaz de compreender o nota-se uma melhor operacionalização do instituto movimento que deu origem ao conflito, e sua da mediação ligada à condução de todo o processo abrangência ultrapassa os limites de eventual acordo, que possa vir a ser celebrado entre sem que haja favorecimento a alguma das partes, os litigantes, porque seu tempo é o futuro. bem como não apresentar sugestões referentes ao Trata-se, portanto, de uma abordagem muito mérito da disputa (ou que influencie a solução em mais ampla que a conciliação, que se limita à celebração de um acordo que possa pôr fim à vista de seu sistema de valores). Por outro lado, cabe demanda. indicar que a neutralidade do mediador não implica em ausência de valores, sendo que esse terceiro deve Somando a esse entendimento, essa autora agir em vista de atingir os objetivos pelos quais a acrescenta que a mediação busca que os conflitantes busca pela mediação foi iniciada. estabeleçam uma comunicação (ainda que o acordo Ainda que Lopes (2011) se refira a mediação não seja o objetivo da prática), reconhecendo com relação a conflitos de interesses em geral, tal o sofrimento existente. O mediador, então, age entendimento mostra-se compatível, sobretudo, com oferecendo uma oportunidade dos conflitantes se as necessidades envolvendo o uso do mecanismo no escutarem, em consonância com os apontamentos contexto familiar, uma vez que os demandantes de Lopes (2011), o que acaba por gerar uma podem apresentar considerações distintas sobre um experiência que, dados os conflitos estabelecidos, mesmo fenômeno, e o mediador deve conduzir as pode representar uma dinâmica não vivenciada. sessões sem favorecer um dos lados, agindo sempre Barbosa (2012, p. 15) atribui à mediação que necessário para fazer com que as partes dialoguem categoria de princípio, tratando-se de e cheguem juntas a uma solução para o litígio. [...] um comportamento, uma experiência O art. 694, em seu parágrafo único, prevê humana que assegura o livre desenvolvimento

130 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

da personalidade, capacitando os sujeitos de trabalho ao Poder Judiciário. Nisso, há uma crítica de direito à conquista da liberdade interna. Trata-se da experiência de reconhecer a pelo fato dos litigantes das ações atribuírem aos juízes pertença à humanidade, enfim, a mediação é uma figura de “deus ex machina” e “superpai”, como um princípio que concretiza o princípio da se ele tivesse o poder de solucionar o problema que dignidade da pessoa humana, representando a reunião simbólica de todos os homens naquilo motivou a propositura da ação (quando, na verdade, que eles têm de comum – a igualdade de ser a sentença não implica na resolução do conflito, já humano – permitindo o reconhecimento de ser parte da unidade: o gênero humano. que ele ainda pode continuar presente no ambiente familiar) (BARBOSA, 2016, p. 83). Prosseguindo, a autora atribui tal categoria à Por outro lado, sabe-se que a aceitação (e, mediação, porque os princípios estão acima da lei consequente, incorporação) dessa forma alternativa e outorgam a ela expressão normativa, agregando na transformação de conflitos de interesses pela valores às relações humanas. Como o referido população é um processo gradual. Por isso, esforços instituto constitui nas relações familiares uma como os relatados por Bonn (2012), implantando especialidade labiríntica, Barbosa (2012, p. 15-16), um núcleo de mediação familiar e apresentando a baseia-se no conceito advindo da Association Pour alternativa à sociedade, tende a gerar uma mudança la Mediation Familiale, para a edificação de um na forma como as pessoas enfrentam os conflitos, programa sólido de formação de mediadores. contribuindo para a diminuição do cenário apresentado por Barbosa (2016), onde os juízes A mediação familiar, notadamente em matéria de separação e divórcio, é um processo de são imbuídos de características que não lhes são gestão de conflitos no qual os membros da competentes. família demandam ou aceitam a intervenção confidencial e imparcial de uma terceira Ademais é preciso que se combata “o pessoa, o mediador familiar, cujo papel é hermetismo das linguagens (caricaturando, o de leva-los a encontrar por si próprios as bases de acordo durável e mutuamente advogados falam em latim, psicanalistas falam em aceito, levando em conta as necessidades de gregos – e o pior é que muitas vezes nossos clientes cada um, e, particularmente, das crianças, não nos compreendem)” (GROENINGA, 1999, no espírito de corresponsabilidade parental. A mediação familiar ocupa-se das questões p.154), o corporativismo exacerbado e rígida divisão da desunião, principalmente relacionais, das áreas do conhecimento, pois tais comportamentos econômicas e patrimoniais. Este processo pode ser acessível ao conjunto de membros da impedem que os profissionais da atualidade exerçam, família (ascendentes, descendentes, colaterais) de forma eficiente as suas atividades, tornando-se concernentes à ruptura da comunicação cuja origem está vinculada a uma separação. insuficientes seus esforços para atender às demandas daqueles que buscam aliviar o seu sofrimento e a sua Em vista da importância da mediação nos angústia, como no caso dos profissionais do Direito, conflitos de interesses de tal natureza, trabalhos como da Psicologia etc. os de Mazzoni (2013) e Spengler e Marcantônio E é na relação com nossos clientes e (2013) trazem luz à questão de que os conflitos nesse analisados, escutando suas demandas de forma ambiente podem extrapolar as duas partes envolvidas, mais ampla, ao invés de tentar enquadrá- las no nosso arsenal teórico prático, sempre o que aumenta a necessidade de uma tratativa que limitado, que podemos ter uma ampliação busque uma resolução pacífica e consensual. Nesses da compreensão. E é escutando as nossas insatisfações profissionais e na busca de casos, é possível identificar que conflitos parentais aperfeiçoamento que podemos encontrar podem chegar ao ponto de envolverem os filhos do outros caminhos, o que passa necessariamente pela interdisciplina. Nesse sentido legitima- casal, e não se sabe a extensão de potenciais danos aos se uma Dinâmica da Mediação entre as membros dessa família, indiretamente relacionados disciplinas, como paradigma de abordagem (filhos) caso o conflito não seja resolvido como pode dos conflitos. (GROENINGA, 1999, p. 155). ser visto na Síndrome de alienação parental, por A fala de Groeninga (1999) se confirma exemplo. quando analisamos os resultados de Müller, Beiras A importância, ainda, é ressaltada, em função e Cruz (2007), que a implementação do programa de que os conflitos familiares envolvem sentimentos chamado “Serviço de Mediação Familiar”, fazendo que apresentam impactos em termos afetivos, uso de profissionais da Psicologia no processo de psicológicos e relacionais. Por conta dos conflitos mediação como uma forma de promover uma estabelecidos, a resolução, via meios tradicionais tratativa mais humanizada, lidando com os aspectos (jurisdição estatal), implica em somar mais uma carga

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 131 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade emocionais de uma relação desgastada, sem recorrer resolução de conflitos familiares, devido a sua alta aos métodos tradicionais (ao menos em primeiro proximidade com as necessidades especiais que momento), onde os litigantes são postos como carecem os ritos, e as próprias demandas no âmbito adversários. familiar. Para que a mediação, principalmente no A análise histórica do conceito de família é de âmbito familiar, surta os efeitos para os quais ela grande valia para busca da compreensão de como a foi introduzida ao ordenamento jurídico pátrio, sociedade atual permite a multiparentalidade e de será necessária uma mudança de mentalidade e do como a mediação será um instrumento do direito pensamento da comunidade jurídica, sendo preciso para solucionar esses novos conflitos. Como visto, o que deixem de lado pensamentos prontos imersos histórico do direito de família do Brasil passou de somente na realidade do Direito. É necessário que uma época em que os laços biológicos eram os únicos se “beba de outras fontes” como da Psicologia, da meios de se constituir família, para uma sociedade Sociologia, da Antropologia, do Serviço Social para mais ‘liberal’, em que predomina o princípio da desenvolvermos ferramentas para melhor resolver afetividade. os conflitos trazidos pela família contemporânea. Sabe-se que a mediação é instrumento É difícil para o profissional do Direito com uma alternativo de solução de conflitos, instituído como formação voltada para a cultura do litígio “abrir procedimento obrigatório pelo Novo Código de sua mente”, aceitar que o conhecimento não está Processo Civil, de 2015. Logo, a mediação se perfaz separado em caixas fechadas que não se comunicam. em um instrumento cuja abordagem principal é O conhecimento é na verdade um sistema de vasos restabelecer a comunicação entre as partes, com comunicantes, que permeiam todas as áreas com o objetivo de celebração de acordo para que seja conteúdo análogo sob perspectivas diferentes e sob finalizado o conflito, ou amenizado. olhares diferentes. Portanto, conforme o capítulo três bem Seguindo com os pensamentos expostos por dialogou, o direito de família, envolve valores Barbosa (2016, 2012) e Tartuce (2015), identifica- da personalidade de cada um dos agentes que se se que os conflitos de interesses tendem a ser envolvem no conflito, sendo o afeto ponto central resultantes de uma comunicação inadequada entre desse impasse, por isso, a ideia de levar esse conflito as partes, onde os desentendimentos florescem de ao magistrado, pode agravar o sentimento ruim das dificuldades dos envolvidos em comunicarem seus partes, à vista da ideia de “problema” e “seriedade” a sentimentos e entenderem os dos outros. Cada um qual se afrontam o Judiciário. possui formas particulares de expressar o amor e É nesta vereda que a mediação surge, como afeto que formam o ambiente familiar. Com isso, o ferramenta para evitar que a afetividade seja ainda mediador age alinhando as linguagens, possibilitando mais abalada e agravada. Para tanto, os mediadores a transformação do conflito em uma resolução, devem abraçar outras matérias além do Direito, como encontrando um caminho consensual e harmônico. a Psicologia, para a melhor desenvoltura da audiência Vive-se, assim, uma nova fase na história do Direito de mediação. Por fim, à vista que os conflitos novos brasileiro. estão surgindo mediante a mudança no seio da Não se pode mais persistir, com exclusividade, sociedade, no que tange o conceito de família, cabe em mecanismos e formas antigas diante do conteúdo ao Judiciário se adequar e propor medidas suficientes de novos conflitos de interesses, no presente momento para que não se abale a personalidade de todos os histórico, e ainda, de que um dos fundamentos do envolvidos. Estado Democrático de Direito é a dignidade da pessoa humana, sem perder de vista uma sociedade REFERÊNCIAS que tem por objetivos construir uma sociedade livre, justa e solidária. BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar interdisciplinar. São Paulo: Atlas, 2015. CONCLUSÃO BARBOSA, Águida Arruda. Mediação familiar no novo Código de Processo Civil. Revista Nacional de Direito de Face aos argumentos evidenciados, é Família e Sucessões, v. 10, n. 1, p. 78-85, 2016. incontestável que a mediação é o método alternativo BARBOSA, Águida Arruda. Formação do mediador de solução de conflitos que mais se enquadra na familiar interdisciplinar. 2012. Disponível em: Acesso

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GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 133 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA A ANÁLISE DA EVOLUÇÃO DO DIREITO DE FAMÍLIA SOB OS FUNDAMENTOS CONSTITUCIONAIS, FILOSÓFICOS E SOCIOLÓGICOS NO DIREITO CONTEMPORÂNEO

PARENTALIDADE RESPONSÁVEL COMO INFLUÊNCIA NO CUMPRIMENTO DO DIREITO/DEVER DE CONVIVENCIA

RESPONSIBLE PARENTALITY AS AN INFLUENCE IN COMPLYING WITH THE RIGHT / DUTY OF CONVIVENCE

Ana Maria Silva Maneta Acadêmica do Curso de Direito, Centro Universitário de Maringá – UNICESUMAR. [email protected];

Andrea Carla de Moraes Pereira Lago Doutorado em Ciências Jurídicas pela Universidade do Minho/Portugal (2019); Mestrado em Ciências Jurídicas pelo Centro Universitário de Maringá (2011); Pós-Graduação “Lato Sensu” em Direito Civil e Processual Civil pelo Instituto Brasileiro de Estudos e Pesquisas Socioeconômicos (1998); Graduação em Direito pela Universidade Estadual de Maringá (1992); Docente da UniCesumar - Centro Universitário Cesumar no curso de Direito. Líder do Grupo de Pesquisa: Mediação nas relações familiares e escolares - CNPq. Coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos - CEJUSC EXTENSÃO UNICESUMAR (PRÉ, PRO, CID). Conciliadora e Mediadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos - CEJUSC EXTENSÃO UNICESUMAR. Coordenadora das Clínicas Jurídicas do Centro Universitário Cesumar - UNICESUMAR. Sócia-administradora da Câmara de Conciliação, Mediação e Arbitragem Mota & Lago LTDA; Advogada militante desde o ano de 1993, com grande experiência em Direito Empresarial e Direito Urbanístico- Imobiliário.

RESUMO planning (art. 226, §7º of the Constitution). That is based on respect for the condition of infants, verifying O objetivo do artigo foi analisar a parentalidade the need for coexistence between parents and children, responsável, em função limitante do planejamento which is right and duty, because they need the diligence, familiar (art. 226, §7º da Constituição). Que se ethical, moral and social values from their parents while pauta no respeito a condição dos infantes, verificando they develop psychologically and physically, so that they a necessidade da convivência entre pais e filhos, que are healthy since their early ages. And even if the parents é direito e dever, pois estes precisam do cuidado, of infants are no longer relating, the family power is not valores éticos, morais e sociais daqueles enquanto extinguished, there is the need for family coexistence and se desenvolvem psicológica e fisicamente, para que if this does not happen is an illicit act. sejam saudáveis desde cedo. E mesmo que os pais dos infantes não estejam mais se relacionando, o poder KEYWORDS familiar não se extingue, havendo a necessidade da Civil Law; Family; Responsability. convivência familiar e caso isto não aconteça é ato ilícito. INTRODUÇÃO

PALAVRAS-CHAVE Sabe-se que os pais têm funções de extrema Direito Civil; Família; Responsabilidade. importância no desenvolvimento de seus filhos, desde seu nascimento até sua vida adulta. Para tanto, ABSTRACT no § 7º do art. 226 da Constituição Federal traz uma previsão da necessidade de se haver o planejamento The objective of the article was to analyze the familiar, como forma de garantir direitos de todas as responsible parenthood, in a limiting function of family pessoas envolvidas quando se fala em família. VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

Com isso, faz-se necessário a analisar a em que eram apenas consideradas como tal, aquelas parentalidade responsável, que conforme o artigo que advinham do casamento. Veja-se: citado da Carta Magna, refere-se ao dever de cuidado A família brasileira era eminentemente que os pais têm em relação aos filhos. Dever este que matrimonializada, só existindo legal e ao analisar casos concretos, vincula não apenas aos socialmente quando oriunda do casamento válido e eficaz, sendo que qualquer outro pais que estão juntos, mas também aos divorciados e arranjo familiar existente era socialmente aqueles cuja união estável fora dissolvida. marginalizado e quando um homem e uma Dessa forma, sendo necessária, mesmo com a mulher constituíssem um concubinato, equivalente à atual união estável, seus separação dos pais, a convivência entre pais e filhos. eventuais e escassos efeitos jurídicos teriam E isto não pode ser negligenciado, pois o dever de ser examinados no âmbito do Direito das Obrigações, pois eram entidades comparadas de cuidado, ou seja, a parentalidade responsável, às sociedades de fato (MADALENO, 2018, refere-se à comunicação, companheirismo e p. 82). formação de relacionamento entre pais e filhos, tanto em relação ao pai com quem o infante mora, Dessa forma, a proteção das famílias era mais quanto em relação àquele que não está morando difícil, em razão de seu conceito limitado. Contudo, com o menor. com o advento da Constituição Federativa do Brasil, Caso esse direito/dever seja negligenciado, em 1988, a situação passou a mudar, porque o graves consequências podem surgir, então, considera- leque de tipos de família aceitáveis para o direito se se que um ato ilícito ocorreu, gerando o dever de ampliou. reparar o dano, por força dos arts. 186 e 927, ambos A edição da Carta Política de 1988 que abriu do Código Civil. o leque de exemplos distintos de núcleos familiares, cujos modelos não mais se Outrossim, além da previsão de restringiam ao casamento, à união estável e à responsabilidade civil, há a previsão de família monoparental, simplesmente, porque responsabilização criminal, que conforme os arts. o vínculo de matrimônio deixou de ser o fundamento da família legítima e, na época 244, 246 e 247 do Código Penal, constitui crime presente, embora ausente o laço matrimonial, quando um pai abandona seu filho, tanto no aspecto com efeito, que ninguém ousa afirmar esteja afastada uma entidade familiar fora do material, quanto no intelectual e moral. casamento, porquanto esta se expandiu ao Levando isto em consideração, busca-se se adequar às novas necessidades humanas construídas pela sociedade (MADALENO, por meio deste artigo, a análise dessas situações 2018, p. 82). acima citadas, para melhor elucidação das questões pertinentes sobre o assunto, fazendo com que se Antes disso, apenas reconhecia-se a paternidade saiba a necessidade de se respeitar a parentalidade de filhos advindos do casamento “por concepção responsável, cumprindo, dessa forma, o dever de genética ou através da adoção” (MADALENO, convivência. 2018, p. 82), ou seja, só era considerado filho, para Além disso, pretende-se que haja uma fins sucessórios aqueles que eram da família, baseado conscientização maior por parte da sociedade sobre no conceito do Código Civil de 1916. a necessidade que existe em se haver o planejamento Então, com o advento da Constituição para se ter uma família, para que os filhos que Federativa do Brasil esta realidade mudou, conforme possam advir deste relacionamento, como pessoas já explanado, pois (BRASIL, p. 21): em desenvolvimento, tenham uma vida digna e Em face desse papel de mecanismo de saudável desde seu início. promoção e proteção dos direitos humanos, no tocante às relações familiares, a Constituição 1 DA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL Federal rompe com o anterior tratamento diferenciado e discriminatório dado aos filhos em razão da origem do nascimento O direito de família é um ramo em constante ou das condições de convivência dos pais, determinando a equiparação de filhos havidos evolução, pois “é produto do sistema social e refletirá ou não da relação do casamento ou por adoção o estado de cultura desse sistema” (MADALENO, (Art. 227 §6º). 2018, p. 81). De maneira tal que antigamente, enquanto Assim, entende-se como entidade familiar, vigia no Brasil o Código Civil de 1916, a legislação toda aquelas em que as pessoas estão juntas, era mais fechada em relação ao conceito de família, vivendo em unidade, cuja “comunidade formada

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 135 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade por qualquer dos pais e seus descendentes, podendo filhos, muitas vezes abandonados e vivendo na pobreza e na marginalidade. originar do casamento civil, da união estável e da monoparentalidade” (MADALENO, 2018, p. 82). Sobre o assunto, comenta Lisboa (2013, p. Sendo a família (BRASIL, p. 29 e 30) 121) que: Referência de afeto, proteção e cuidado, O planejamento familiar viabiliza o nela os indivíduos constroem seus primeiros estabelecimento de orientações comuns vínculos afetivos, experimentam emoções, aos membros da família sobre constituição, desenvolvem a autonomia, tomam decisões, limitação e aumento da prole e adoção exercem o cuidado mútuo e vivenciam dos meios lícitos necessários para o conflitos. Significados, crenças, mitos, regras desenvolvimento físico, psíquico e intelectual e valores são construídos, negociados e dos integrantes de sua família. Compete ao modificados, contribuindo para a constituição Estado proporcionar os recursos educacionais da subjetividade de cada membro e capacidade e financeiros para que o casal possa efetuar para se relacionar com o outro e o meio. o seu planejamento familiar, vedando-se Obrigações, limites, deveres e direitos são qualquer interferência externa neste sentido, circunscritos e papéis são exercidos. observados os princípios constitucionais (...): a dignidade da pessoa humana e a paternidade De maneira tal que quando um casal decide responsável. unir-se, ou seja, quando duas pessoas decidem que querem viver juntas, muitas consequências surgem A liberdade no planejamento familiar, em decorrência desta decisão. conforme visto acima, tem determinados limites, É necessário o planejamento familiar, que realizados em razão da intervenção mínima do conforme previsto na Constituição Federativa do Estado. Sua principal limitação é a dignidade da Brasil, em seu art. 226, §7º, será de livre decisão do pessoa humana, tanto no que se refere ao casal, casal, mas pautado na dignidade da pessoa humana. quanto em relação aos filhos que podem advir desta Além da regulamentação em leis relação. infraconstitucionais, como a Lei nº 9.263/1996, que Outra limitação importante, quando há em seu art. 2º conceitua o planejamento familiar filhos, é a parentalidade responsável, prevista no §7º como sendo “o conjunto de ações de regulação do art. 226 da Constituição Federal de 1988, que da fecundidade que garanta direitos iguais de preceitua que o planejamento familiar será “fundado constituição, limitação ou aumento da prole pela nos princípios da dignidade da pessoa humana e da mulher, pelo homem ou pelo casal. ”. paternidade responsável (...)”. Bem como o §2º do art. 1.565 do Código Vale ressaltar que a parentalidade responsável, Civil, que trata do planejamento familiar como não se trata da “impossível obrigação de amar, mas sim sendo “de livre decisão do casal, competindo ao no impostergável dever de cuidar” (MADALENO, Estado propiciar recursos educacionais e financeiros Rolf, 2018. p. 510). para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo De maneira tal que, quando duas pessoas têm de coerção por parte de instituições privadas ou um filho, obrigatoriamente se tornam detentores públicas. ”. do poder familiar, tendo em vista que “com o Ou seja, percebe-se por tais conceitos legais nascimento desse ser humano, surge o poder familiar “que a intervenção estatal não é de molde a interferir decorrente da relação entre pais e filhos, sendo este no planejamento familiar” (MADALENO, Rolf, carregado muito mais de dever do que direito” 2018. p. 164), sendo livre para todo casal que (ESCANE, 2013, p. 5), o que gera vários direitos se planeje conforme sua liberalidade, sendo-lhes e obrigações, tanto em relação aos pais, quanto em assegurado que o Estado lhes proporcionará os relação aos filhos. recursos educacionais e financeiros necessários para Tal poder, refere-se ao “dever de assistir, criar e o exercício de seu direito. educar os filhos menores (...)”, segundo o art. 229 da Segundo Rolf Madaleno (2018. p. 252), o Constituição Federal de 1988. Além do contido nos planejamento familiar é algo amplo: arts. 1.584, 1.634 e 1.631 todos do Código Civil. No caso do art. 1.634, do Código Civil, estão Sua natureza técnica e bioética também tem presentes alguns deveres dos pais em relação aos seus uma dimensão religiosa, que pressupõe uma família a ser livremente construída, sem filhos menores, como por exemplo, no inciso I o de qualquer óbice para a liberdade de procriar, dirigir os filhos à criação e educação. apesar das dificuldades econômicas, sociais e culturais que interferem na capacitação dos No mesmo sentido, trata o art. 22, do ECA,

136 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade ao dizer que é dever dos pais o sustento, a guarda e não implica em ruptura na relação entre pais e filhos, a educação dos filhos, confirmando a necessidade da pelo contrário, pois em que pese seja comumente presença e exercício dos pais nas vidas de seus filhos, conhecido como direito na relação familiar, a para que recebam o tratamento digno que merecem, convivência é um dever, pautado principalmente, no como todas as pessoas. crescimento saudável do infante. Preceitua Rolf Madaleno (2018, p. 907) que: Isto é tão importante que “pelo princípio da continuidade o genitor detentor da guarda unilateral Como dever prioritário e fundamental, devem os genitores antes de tudo, assistir seus tem a obrigação de facilitar o relacionamento da filhos, no mais amplo e integral exercício de criança com o outro ascendente não guardião” proteção, não apenas em sua função alimentar, mas mantê-los sob a sua guarda, segurança e (MADALENO, 2018. p. 598), porque o que se companhia, e zelar por sua integridade moral busca quando há uma criança na relação, é seu e psíquica, e lhes conferir todo o suporte tratamento de forma prioritária, e neste caso, para necessário para conduzi-los ao completo desenvolvimento e independência, devendo- ela é prioridade que conviva com seus pais. lhes os filhos a necessária obediência. A importância da convivência entre pais e filhos é tamanha, que também é verificada pelos estudiosos Quando os pais continuam casados enquanto da psicologia, sendo que Donald Winnicott, por o filho se desenvolve, se torna mais fácil de que se exemplo, ousava dizer que “uma criança sem sua mãe entenda o exercício do poder familiar e da paternidade não existe” (MARCELLI; COHEN; 2011. p. 21), responsável, contudo, quando há dissolução desta pois para este estudioso, a mãe suficientemente boa união, seja judicialmente ou apenas de fato, as era primordial para o desenvolvimento do seu filho, pessoas têm mais dificuldade para entenderem que a ou também, nesta posição de “mãe”, caberia uma responsabilidade parental permanece. pessoa equivalente, entendendo-se assim, os pais da Pois o casal pode se separar, isso é de criança (MESSA, 2010, p. 130). sua liberalidade, contudo, o poder familiar e a Para Winnicott, a mãe deve ser uma pessoa paternidade responsável sempre subsistirão (a não que é flexível, presente (não invasiva), de maneira tal ser os casos de extinção deste, mas que são casos a que crie laços profundos com a criança, passando-a parte), porque quando há um menor envolvido, o amor. Gerando no infante uma dependência da mãe, princípio que rege as relações é o do melhor interesse o que faz com que essa criança se sinta parte de algo. deste, que será tratado com prioridade (art. 227, CF É o sentimento de pertencimento. Isso gera uma e art. 1º do ECA). relação saudável, de confiança, que acarretará efeitos para sua vida adulta e relacionamentos futuros 2 CONVIVÊNCIA FAMILIAR (MARCELLI; COHEN; 2011. p. 22). Indo neste sentido também o entendimento A convivência familiar pode ser entendida legal, conforme o art. 1.632 do Código Civil que diz basicamente por seu nome, sendo o direito e dever que “a separação judicial, o divórcio e a dissolução de convivência, de relacionamento entre pais e filhos. da união estável não alteram as relações entre pais Rolf Madaleno (2018, p. 908) diz que: e filhos senão quanto ao direito, que aos primeiros É dever dos pais ter os filhos sob a sua cabe, de terem em sua companhia os segundos. “. companhia e guarda, pois eles dependem Sobre o assunto comenta Flávio Tartuce da presença, vigília, proteção e contínua orientação dos genitores, porque exsurge (2018, p. 513), que “enuncia o art. 1.632 da atual dessa diuturna convivência a natural troca codificação material que a separação judicial, o de experiências, sentimentos, informações e, sobremodo, a partilha de afeto, não sendo divórcio e a dissolução da união estável não alteram apenas suficiente a presença física dos pais, mas as relações entre pais e filhos senão quanto ao direito, essencial que bem desempenhem suas funções parentais, logrando proporcionar aos filhos sua que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia proteção e integral desenvolvimento, sempre os segundos. ”. com mira nos melhores interesses da criança Há concordância com tal posicionamento o e do adolescente, elegendo consecutivamente aquilo que resultar mais conveniente para a Estatuto da Criança e do Adolescente, que em seu prole. art. 19 estabeleceu a importância da criação dos infantes no seio de sua família. Sobre o assunto, Como explanado no capítulo anterior é da comenta-se (BRASIL, p. 22): liberalidade dos casais se separarem, contudo, isto

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 137 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

No tocante ao direito à convivência familiar CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. e comunitária, o Estatuto da Criança e do RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E Adolescente estabeleceu no artigo 19 que PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. GUARDA toda criança ou adolescente tem direito COMPARTILHADA. CONSENSO. de ser criado e educado no seio de sua NECESSIDADE. ALTERNÂNCIA DE família e, excepcionalmente, em família RESIDÊNCIA DO substituta, assegurada a convivência familiar e MENOR. POSSIBILIDADE. 1. A guarda comunitária. compartilhada busca a plena proteção do melhor interesse dos filhos, pois reflete, com muito mais acuidade, a realidade da Ratificando tal entendimento, decidiu o organização social atual que caminha para Tribunal de Justiça do Paraná, que em razão da o fim das rígidas divisões de papéis sociais definidas pelo gênero dos pais. 2. A guarda importância da convivência familiar, entendeu compartilhada é o ideal a ser buscado no que a suspensão do exercício de visitas é situação exercício do Poder Familiar entre pais excepcional, veja-se: separados, mesmo que demandem deles reestruturações, concessões e adequações AGRAVO DE INSTRUMENTO diversas, para que seus filhos possam usufruir, - DIREITO DAS FAMÍLIAS - durante sua formação, do ideal psicológico de REGULAMENTAÇÃO PROVISÓRIA duplo referencial. 3. Apesar de a separação ou DAS VISITAS - VISITAS MONITORADAS do divórcio usualmente coincidirem com o PELA EQUIPE DE APOIO DO JUÍZO ápice do distanciamento do antigo casal e com , - MANUTENÇÃO - DIREITO À a maior evidenciação das diferenças existentes o melhor interesse do menor, ainda assim, CONVIVÊNCIA FAMILIAR - MELHOR dita a aplicação da guarda compartilhada INTERESSE DA CRIANÇA - AUSÊNCIA como regra DE ELEMENTOS SUFICIENTES A , mesmo na hipótese de ausência PERMITIR A SUSPENSÃO DAS VISITAS de consenso. 4. A inviabilidade da guarda - DECISÃO compartilhada, por ausência de consenso, MANTIDA. 1. A deliberação judicial faria prevalecer o exercício de uma potestade provisória acerca do regime de visitas está inexistente por um dos pais. E diz-se amparada pelos relatórios psicológicos da inexistente, porque contrária ao escopo do equipe de apoio do Juízo, não se vislumbrando Poder Familiar que existe para a proteção da nos autos provas suficientes que autorizem a prole. 5. A imposição judicial das atribuições restrição do convívio paterno-filial, que só de cada um dos pais, e o período de convivência pode ser admitida em caráter excepcional. 2. da criança sob guarda compartilhada, quando Os conflitos havidos entre os genitores não não houver consenso, é medida extrema, podem comprometer o convívio entre pais e porém necessária à implementação dessa nova filhos, devendo prevalecer o melhor interesse visão, para que não se faça do texto legal, letra da criança. RECURSO CONHECIDO E morta. 6. A guarda compartilhada deve ser NÃO PROVIDO. (g.n). tida como regra, e a custódia física conjunta - sempre que possível - como sua efetiva expressão. 7. Recurso especial provido. (g.n). Além disso, a Revista Síntese, na área de direito de família (1999. p. 82), entende que: O §2º, do art. 1.583 conceitua ambas a modalidades de guarda, dizendo que: No contexto familiar pós-ruptura da vida em comum dos genitores, a comunicação entre pais e filhos que não convivem resiste obedecer Compreende-se por guarda unilateral a atribuída a um só dos genitores ou a alguém ao modelo de guarda/visitas estabelecido por o acordo ou sentença, que fixa o conteúdo e as que o substitua (art. 1.584, § 5 ) e, por guarda responsabilidades parentais, não resguardando compartilhada a responsabilização conjunta e convenientemente o direito de quem não o exercício de direitos e deveres do pai e da mãe detém a guarda a manter uma adequada que não vivam sob o mesmo teto, concernentes comunicação com o filho. ao poder familiar dos filhos comuns.

Então, quando há o divórcio ou a dissolução Pressupõe-se que quando a guarda é da união estável, algumas coisas terão de ser resolvidas regulamentada como compartilhada, os pais se em relação aos filhos, em decorrência do poder comunicam de forma mais pacífica e a convivência familiar, como a guarda, o direito de alimentos e de entre o pai não detentor da guarda e o infante será convivência, mais conhecido como direito de visitas, realizada de forma mais tranquila, contudo, nem apesar de não ser o termo mais adequado. sempre isso ocorre, muito menos quando a guarda No direito brasileiro há principalmente dois é unilateral. tipos de regulamentação de guarda admitidos de Porém, deve-se salientar que mesmo que o ex- forma pacífica, a guarda compartilhada e a unilateral, casal não se dê bem, para que o desenvolvimento de sendo a primeira a regra e a outra, a exceção, segundo seu filho em comum seja saudável, tem-se o dever a doutrina e jurisprudência brasileiras: de convivência, porque além de ser um direito entre pais e filhos, o infante precisa da referência de ambos

138 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade os pais, constituindo-se um dever, por força do art. entre estes, que traz implicações em várias áreas da 227, caput, CF/88. vida da pessoa em desenvolvimento, principalmente no que se refere ao aspecto psicológico. Falar em visita acarreta reconhecer a soberania constitucional de o menor ser visitado, porque Nos casos de as crianças inseridas nessas é direito basilar da organização social dos filhos situações de irresponsabilidade parental estes eles serem criados por seus pais, como direito fundamental da criança e do adolescente, podem “desenvolver posteriormente quadros mais e, estando seus genitores apartados pelas complexos no registro de uma desarmonia de contingências das relações afetivas desfeitas evolução, de uma pré-psicose ou de uma doença pelos mais variados motivos, jamais podem os pais permitir sejam seus filhos privados depressiva de longo prazo”, exigindo intervenções da sua presença, e se as visitas se darão médico-sociais adequadas (MARCELLI; COHEN, em menor quantidade devem oportunizar em contrapartida uma maior qualidade. 2011. p. 411 e 412). (MADALENO, Rolf, 2018. p. 415). Neste sentido, Rolf Madaleno (1999, p. 494) diz que: Fabio Maria de Mattia (1977, p. 431) ao tratar do assunto diz que “o direito de convivência As visitas judicialmente homologadas devem ser obedecidas, deixando há muito do pai ou da mãe que não reside com seus filhos de se constituírem em uma mera faculdade menores e incapazes é deferido ao não custodiante de exercício do ascendente não guardião, causando a omissão um incontestável dano para assegurar o cumprimento dos deveres de de ordem moral e psicológica, que nem comunicação, vigilância, controle e, em especial, a indenização tratará de reparar em sua para atuar ativamente e por completo no processo de destruidora extensão. formação e ensino da prole”. Além de questões como depressão e doenças psiquiátricas, outra grave consequência pode surgir 3 DAS IMPLICAÇÕES DA AUSÊNCIA DA PARENTALIDADE RESPONSÁVEL da ausência da parentalidade responsável e da presença dos pais na relação com os filhos, que é a gravidez prematura, em razão da falta de orientação Conforme analisado, a convivência entre em relação a prevenção. pais e filhos, decorre do poder familiar e constitui Segundo as Nações Unidas (2018): um direito e dever na relação de parentalidade, que quando responsável, respeita tais institutos, em razão A taxa mundial de gravidez adolescente é do dever de cuidar. Tendo em vista que “a paternidade estimada em 46 nascimentos para cada 1 mil meninas de 15 a 19 anos, enquanto a taxa na emerge como objeto de atenção, de investigação, de América Latina e no Caribe é estimada em investimento” (MOREIRA; TONELI, 2013, p. 3). 65,5 nascimentos, superada apenas pela África Subsaariana, segundo o relatório “Aceleração Valéria Silva Galdino Cardin (2009, p. 8) diz do progresso para a redução da gravidez na que entende que “não se prega que os genitores devem adolescência na América Latina e no Caribe“. oferecer luxo aos filhos, mas que possam garantir o No Brasil, a taxa é de 68,4. mínimo, que consiste em afeto, alimentação básica, Sendo esta, apenas mais uma das inúmeras educação em escola pública, afeto, e direção dessa consequências da falta de orientação, tanto estatal, personalidade em formação através de princípios quanto paterna, da ausência da presença dos pais, de éticos e morais. ”. noção de autopreservação que as pessoas sofrem por Para Rolf Madaleno (2018, p. 907) tal dever falta reponsabilidade parental, havendo desrespeito é para o “sadio crescimento, e assegurar à prole, da legislação constitucional e infraconstitucional com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos (GALDINO, 2009. p. 8). inerentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, Contudo, sabe-se que na prática a ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à parentalidade responsável nem sempre ocorre, dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência mesmo havendo previsão constitucional sobre o familiar e comunitária”. assunto, então, surgiu a necessidade de impor de Quando há negligência do dever de cuidado, forma mais incisiva o cumprimento de tal dever, ou seja, inexistência da parentalidade responsável, sendo possível, conforme cada caso, a reparação pelo graves consequências podem surgir de tal situação, dano moral e abandono do dever de cuidado. pois quando os pais cuidam dos filhos, mesmo que Dessa maneira, encontra-se “nas disposições sejam um ex-casal, há o exercício da convivência legais a fundamentação da indenização pelo

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 139 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade abandono moral e psíquico da prole, cuja obrigação abandono afetivo, eis que a companhia inclui esse decorre do dever de visita dos pais aos filhos, afeto”. no exercício responsável de uma paternidade ou Na legislação brasileira, o fundamento para a maternidade, como ordena o artigo 226, § 7º, da caracterização da reparação do dano em pecúnia, está CF. “. (MADALENO, 2018. p. 493). previsto nos arts. 186 e 927 do Código Civil, que O Superior Tribunal de Justiça entendeu que trata justamente da necessidade de se reparar o dano quando há o abandono afetivo, que pode- se entender todas as vezes que um ato ilícito é cometido, mesmo como abrangido pela ausência da parentalidade que seja considerado como exclusivamente moral, responsável, ou seja, pela ausência do dever de deve-se haver indenização por parte do causador do cuidado, é gerado o dever de indenizar, de reparar o dano, sendo neste caso, o pai negligente, que não dano causado, ainda que apenas moral. Veja-se: exerce sua paternidade responsável. Além disso, da questão civil, tratando da parte Civil e Processual Civil. Família. Abandono afetivo. Compensação por dano moral. pecuniária, vale salientar que o abandono dos filhos Possibilidade. 1. Inexistem restrições por parte seus pais é algo tão grave que constitui legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente crime, tanto o material, quanto o intelectual e o dever de indenizar/compensar no Direito de moral, segundo os arts. 244, 246 e 247, ambos do Família. 2. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento Código Penal, sendo algo que deve ser observado por jurídico brasileiro não com essa expressão, parte dos pais. mas com locuções e termos que manifestam Para o direito penal, caracteriza-se o abandono suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/1988. 3. Comprovar material (art. 244, CP), quando, segundo Nucci que a imposição legal de cuidar da prole (2014, p. 742): foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma Deixar de prover a subsistência (não mais dar de omissão. Isso porque o non facere, que sustento para assegurar a vida ou a saúde), sem atinge um bem juridicamente tutelado, leia- justa causa, do cônjuge, ou de filho menor se, o necessário dever de criação, educação de 18 anos ou inapto para o trabalho, ou de e companhia – de cuidado –, importa em ascendente inválido ou maior de 60 anos, não vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí lhes proporcionando recursos (deixando de a possibilidade de se pleitear compensação por fornecer auxílio) ou faltando ao pagamento danos morais por abandono psicológico. 4. (deixar de remunerar) de pensão alimentícia Apesar das inúmeras hipóteses que minimizam judicialmente acordada, fixada ou majorada, a possibilidade de pleno cuidado de um dos bem como deixar de socorrer (abandonar a genitores em relação à sua prole, existe um defesa ou proteção) descendente ou ascendente, núcleo mínimo de cuidados parentais que, gravemente enfermo, também sem justa causa. para além do mero cumprimento da lei, garantam aos filhos, ao menos quanto à afetividade, condições para uma adequada Cujo momento consumativo do crime se dá formação psicológica e inserção social. 5. no momento da omissão do amparo devido, por A caracterização do abandono afetivo, a existência de excludentes ou, ainda, fatores parte do familiar responsável pela subsistência do atenuantes – por demandarem revolvimento outro (NUCCI, 2014, p. 742). de matéria fática – não podem ser objeto de reavaliação na estreita via do recurso especial. Já o abandono intelectual do art. 246, do 6. A alteração do valor fixado a título de Código Penal, em que os sujeitos ativos, ou seja, as compensação por danos morais é possível, pessoas que cometem o crime só podem ser os pais em recurso especial, nas hipóteses em que a quantia estipulada pelo Tribunal de origem e segundo Nucci (2014, p. 745 e 746) se caracteriza revela-se irrisória ou exagerada. 7. Recurso ao: especial parcialmente provido. (g.n). Deixar de prover (não mais providenciar Ratificando o entendimento de que a alguma coisa), sem justa causa, a instrução primária (é a referente ao 1.º grau, quando expressão “abandono” pode ser interpretada como se alfabetiza uma pessoa, ensinando-lhe os que abrangendo a questão da ausência da paternidade conceitos básicos e fundamentais da sua responsável, no que se refere ao dever de convivência formação educacional) do filho em idade escolar (é o período de vida que abrange a familiar, Tartuce (2018, p. 513) diz que “o dispositivo pessoa dos sete aos quatorze anos completos). acaba trazendo um direito à convivência familiar e, Dispõe a Constituição Federal ser dever do Estado promover o ensino fundamental, ao seu lado, um dever dos pais de terem os filhos obrigatório e gratuito, para todos os que a sob sua companhia. Nessa norma reside fundamento ele não tiverem acesso na idade própria. A educação básica deve ser proporcionada dos jurídico substancial para a responsabilidade civil por quatro aos dezessete anos. O acesso ao ensino

140 GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA VI Congresso de Novos Direitos e V Congresso Internacional de Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

obrigatório e gratuito constitui direito público Para tanto, os pais precisam entender seu papel subjetivo (art. 208, I, e § 1.º). Por outro lado, a Lei 9.394/96 estabelece as diretrizes e bases na vida dos filhos, percebendo que a convivência com da educação nacional. Em suma, considera-se seus filhos não é apenas um direito que os assiste, a idade escolar dos quatro aos dezessete anos. mas sim, um dever. Os adultos em questão são os pais e os filhos os dependentes deles, necessitando de E o abandono moral do art. 247, do CP, em todos os tipos de informações e cuidados possíveis. são sujeitos ativos “o pai, a mãe ou qualquer outra Percebeu-se também que nem sempre isto pessoa que tenha poder sobre o menor, como o tutor ocorre, fazendo com que graves consequências ou o guardião” (NUCCI, 2014, p. 745). possam aparecer nos infantes em razão da negligencia Segundo Guilherme Nucci (2014, p. 746) de seus pais, o que constitui ato ilícito, sendo grave, este tipo penal se caracteriza ao: o que é passível de responsabilização civil, por força Permitir (dar liberdade ou licença), de forma dos arts. 186 e 927 do Código Civil Brasileiro. expressa ou implícita, que o menor de 18 anos, sujeito ao seu poder ou confiado à sua guarda Ainda, verificou-se que além da possibilidade ou vigilância: frequente (visite reiteradamente) da responsabilização civil, há a possibilidade de casa de jogo ou mal-afamada; b) conviva responsabilização criminal, tamanha a gravidade do (viva em contato íntimo) com pessoa viciosa ou de má vida; c) frequente espetáculo abandono na vida de uma pessoa, conforme os arts. ofensivo à moral; d) participe (tome parte) 244 e 246 do Código Penal. de representação dessa natureza; e) resida (more ou viva) ou trabalhe (ocupe-se de alguma atividade) em casa de prostituição; f) REFERÊNCIAS mendigue (peça esmola ou amparo) ou sirva a mendigo (trabalhe para pedinte). BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: Madaleno (2018, p. 1.235) diz que o fato de . Acesso em: 14 de jul. o pai desamparar economicamente “afeta os deveres 2019. familiares mais relevantes de subsistência, educação, instrução e formação dos filhos, constituindo o BRASIL. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Institui o Código Penal. Disponível em: . do poder familiar, pouco importando se trate de Acesso em: 22 de jul. 2019. abandono definitivo da prole ou esporádico”. BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. Institui Dessa forma, percebe-se que as consequências o Estatuto da Criança e do Adolescente. Disponível dos pais não cumprirem a parentalidade responsável, em: . Acesso em: 14 de jul. 2019.

CONSIDERAÇÕES FINAIS BRASIL. Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996. Disponível em: . Acesso em: 14 de jul. 2019. Concluiu-se que é entendimento pacificado, BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. tanto na legislação, quanto na doutrina e Institui o Código Civil. Disponível em: . pais no desenvolvimento de seus filhos e isto não é Acesso em: 14 de jul. 2019. apenas verificado pelos estudiosos do ramo do direito, BRASIL. Plano Nacional de Promoção e Defesa do mas também pelos estudiosos da psicologia, que Direito de Crianças e Adolescentes à Convivência entendem que esta participação é primordial, pois a Familiar e Comunitária. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2019. parte do dever de cuidado, ou seja, da paternidade BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO responsável, que existe em decorrência do poder ESPECIAL: REsp nº 1.428.596/RS 2013/0376172-9, familiar, que deve ser exercido pelos pais, visando Terceira Turma. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. o desenvolvimento saudável de seus filhos, fazendo DJe 25/06/2014. Disponível em: . Acesso em: sociedade de forma segura. 14 de jul. 2019.

GT 05 – DIREITO DE FAMÍLIA 141 V Congresso Internacional de VI Congresso de Novos Direitos e Direitos da Personalidade Direitos da Personalidade

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO no-brasil-esta-acima- da-media-latino-americana-e- ESPECIAL: REsp nº 1.159.242/SP, Terceira Turma. caribenha/>. Acesso em: 22 de jul. 2019. Relatora: Ministra Nancy Andrighi. DJe 10/05/2012. Disponível em: . Acesso em: 21 de jul. 2019. BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO PARANÁ. AGRAVO DE INSTRUMENTO nº 1.056.124-5/ PR 1056124-5 (Acórdão), 12ª Câmara Cível. Relator: Marcel Guimarães Rotoli de Macedo, DJe 24/07/2014. Disponível em: < https://tj- pr.jusbrasil.com.br/ jurisprudencia/25203275/acao-civil-de-improbidade- administrativa 10561245-pr-1056124-5-acordao- tjpr?ref=serp>. Acesso em: 21 de jul. 2019. CARDIN, Valéria Silva Galdino. Do planejamento familiar, da paternidade responsável e das políticas públicas. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, 2009. Disponível em: . Acesso em: 21 de jul. 2019. ESCANE, Fernanda Garcia. A afetividade, o dever de cuidado e o direito de família. Revista eletrônica Direito, Justiça e Cidadania, 2013. Disponível em: . Acesso em: 14 ago. 2019. LISBOA, Roberto Senise. Manual de Direito Civil: Direito de família e sucessões. São Paulo: Saraiva, 2013. V. 5. MADALENO, Rolf. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 2018. MARCELLI, Daniel; COHEN, David. Infância e Psicopatologia. Porto Alegre: Artmed, 2011. MATTIA, Fábio Maria de. Direito de visita e limites à autoridade paterna. In: Enciclopédia Saraiva de Direito, 1977, v. 77. MESSA, Alcione Aparecida, Psicologia Jurídica. São Paulo: Editora Atlas, 2010. v. 20. MOREIRA, Lisandra Espíndula; TONELI, Maria Juracy Filgueiras. Paternidade responsável: Problematizando a responsabilização paterna. Psicologia e Sociedade, 2013. NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de Direito Penal. Rio de Janeiro: Forense, 2017. REVISTA síntese direito de família, v. 1, nº 1, jul. 1999. TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil: volume único. São Paulo: Método, 2018. TARTUCE, Flávio. Direito civil: Direito de Família. V. 5. São Paulo: Método, 2018. TAXA de gravidez adolescente no Brasil está acima da média latino-americana e caribenha. Disponível em: < https://nacoesunidas.org/taxa-de-gravidez-adolescente-

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