UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS

INSTITUTO DE ESTUDOS DA LINGUAGEM

TEREZINHA RIVERA TRIFANOVAS

(RE)CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DE TRADUTORES: ENTRE A ADERÊNCIA E A RESISTÊNCIA À FETICHIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS

CAMPINAS

2016

TEREZINHA RIVERA TRIFANOVAS

(RE)CONSTITUIÇÃO IDENTITÁRIA DE TRADUTORES: ENTRE A ADERÊNCIA E A RESISTÊNCIA À FETICHIZAÇÃO DAS FERRAMENTAS TECNOLÓGICAS

Defesa de tese de doutorado apresentado ao Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP) para obtenção do título de doutora em Linguística Aplicada do Programa de Pós- graduação do Instituto de Estudos da Linguagem, na área de Linguagem e Sociedade.

Orientadora: Profa. Dra. Maria José Rodrigues Faria Coracini

Este exemplar corresponde à versão final da Tese defendida pela aluna Terezinha Rivera Trifanovas e orientada pela Profa. Dra. Maria José Rodrigues Faria Coracini.

CAMPINAS

2016 Agência(s) de fomento e nº(s) de processo(s): Não se aplica.

Ficha catalográfica Universidade Estadual de Campinas Biblioteca do Instituto de Estudos da Linguagem Crisllene Queiroz Custódio - CRB 8/8624

Trifanovas, Terezinha Rivera, 1961- T733r Tri(Re)constituição identitária de tradutores : entre a aderência e a resistência à fetichização das ferramentas tecnológicas / Terezinha Rivera Trifanovas. – Campinas, SP : [s.n.], 2016.

TriOrientador: Maria José Rodrigues de Faria Coracini. TriTese (doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

Tri1. Tecnologia - Serviços de tradução. 2. Análise do discurso. 3. Fetichismo. 4. Identidade (Conceito filosófico). 5. Representação (Linguística). I. Coracini, Maria José Rodrigues Faria,1949-. II. Universidade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. III. Título.

Informações para Biblioteca Digital

Título em outro idioma: Translators identity (re)constitution : between adherence and resistence towards fetishization of the technological tools Palavras-chave em inglês: Technology - Translating services Discourse analysis Fetishism Identity (Philosophical concept) Representation (Linguistics) Área de concentração: Linguagem e Sociedade Titulação: Doutora em Linguística Aplicada Banca examinadora: Maria José Rodrigues de Faria Coracini [Orientador] Eliane Righi de Andrade Érika Nogueira de Andrade Stupiello Márcia Aparecida Amador Máscia Rosa Maria Olher Data de defesa: 19-05-2016 Programa de Pós-Graduação: Linguística Aplicada

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BANCA EXAMINADORA:

Maria José Rodrigues Faria Coracini

Eliane Righi de Andrade

Érika Nogueira de Andrade Stupiello

Márcia Aparecida Amador Mascia

Rosa Maria Olher

Marcelo El Khouri Buzato

Érica Luciene Alves de Lima

Anna Maria Grammatico Carmagnani

IEL/UNICAMP 2016

Ata da defesa com as respectivas assinaturas dos membros encontra-se no processo de vida acadêmica do aluno.

DEDICATÓRIA

Aos meus filhos, Lucca e Rafael, por me ensinarem que não temos caminhos traçados, mas sim percursos múltiplos que nos levam a experiências inimagináveis.

Aos meus pais pela herança familiar; de minha mãe, Dna. Stefania, a responsabilidade e a criticidade, e de meu pai, Sr. Eugênio, a seriedade e a perseverança.

AGRADECIMENTOS

À minha orientadora, Profa. Dra. Maria José de Faria Rodrigues Coracini, por sua generosidade em entregar seu valioso conhecimento acadêmico de forma desvelada e apaixonada.

Às Profas. Dras. Márcia Aparecida Amador Máscia e Érika Nogueira de Andrade Stupiello, integrantes das bancas de qualificação de projeto e de tese, cujas contribuições teóricas tanto auxiliaram no desenvolvimento desta pesquisa.

Às Profas. Dras. Eliane Righi de Andrade e Rosa Maria Olher pelo apoio e incentivo acadêmicos, bem como pelo florescimento de laços de amizade sincera e duradoura.

Aos integrantes do grupo de pesquisa de orientação da Profa. Dra. Maria José de Faria Rodrigues Coracini pelo coleguismo em oferecer importantes sugestões e críticas que propiciaram o redesenho deste estudo.

O que constitui o interesse principal da vida e do trabalho é que eles lhe permitem tornar-se diferente do que você era no início. Se, ao começar a escrever um livro, você soubesse o que irá dizer no final, acredita que teria coragem de escrevê-lo? O que vale para a escrita e para a relação amorosa vale também para a vida. Só vale a pena na medida em que se ignora como terminará. Michel Foucault, (1988 [2004, p, 294]).

RESUMO

O objetivo geral deste estudo é o de entender o uso de recursos tecnológicos na prática de tradução e, assim, contribuir para os Estudos da Linguagem e da Tradução, sobretudo, o movimento que o advento tecnológico provoca na identidade do tradutor e na prática tradutória. No mercado de traduções, a atividade tradutória parece apenas ser viável pela idealização tecnológica, ou seja, a qualidade da tradução é colocada como um ideal de perfeição, impecabilidade e maestria apenas possível pelo aparato tecnológico, responsável por apagar deslizes tributários da imperfeição humana e da equivocidade da língua. Diante disso, apresentamos a hipótese de que as tecnologias de tradução funcionam como enxertos, próteses, substitutivos imprescindíveis ao conhecimento linguístico do tradutor, instaurados como um fetiche o qual assegurará a legitimação da qualidade tradutória. Os recortes discursivos, advindos das entrevistas conduzidas por Skype e Facebook, com 19 tradutores, formaram dois eixos de análise. No primeiro, notamos, por parte de alguns tradutores, aderência à hegemonia tecnológica, refletindo representações de si enquanto parte de uma elite tecnológica por possuir expertise em softwares atualizados para a realização do ato tradutório. No segundo eixo, observamos, por parte de outros tradutores, resistência à imposição tecnológica, realçando representações de si como integrantes de um grupo desvalorizado, consciente de que precisa lidar com as exigências do mercado de traduções. Diante disso, conectamos a concepção freudiana de fetichismo como uma atitude de submissão à tecnologia e a concepção marxista de fetichismo como um anseio de objeção à tecnologia. Na primeira, é necessária a presença de algum elemento externo, substituindo o pênis, para a realização sexual. Na segunda, a mercadoria é transformada de matéria inorgânica à criatura orgânica para a realização comercial.

Palavras-chave: tecnologias de tradução, análise de discurso, fetichismo, identidade, representações.

ABSTRACT

The main goal of this research is to understand the usage of technological tools in the practice and therefore to contribute for Language and , especially, the movement that the technological advent generates in the translator identity as well as in the translation practice. In the translation industry, translation practice seems to be only possible through technological idealization, that is, quality in translation is viewed as a concept of perfection, impeccability and mastership only feasible by the technological apparatus, responsible for erasing lapses from human imperfection and language equivocity. In light of this, we hypothesize that translation technologies work as scions, prostheses, substitutives indispensable to the translator’s linguistic knowledge, established as a fetish which will assure legitimization of translation quality. The discoursive extracts, from the interviews done by Skype and Facebook, with 19 translators, formed two analytical axis. In the first, we observed, from some translators, adherence to the technological hegemony reflecting representation of the self as part of a technological elite for having updated software expertise to carry out the translation act. In the second axis, we observed, from other translators, resistance to the technological imposition highlighting representations of the self as part of a devaluated group conscious of the necessity to deal with demands from the translation industry. Wherefore we connected the Freudian concept of fetish as a submission attitude towards technology and the Marxist concept of fetish as an objection desire for technology. On the former, it is paramount the presence of an external element, replacing the penis for the sexual accomplishment. On the latter, merchandise is transformed from inorganic matter to organic creature for the commercial achievement.

Keywords: translation technologies, discourse analysis, fetishization, identity, representations.

ABREVIAÇÕES E SIGLAS

ASR Automatic Speech Recognition

CAT Computer-Aided Translation

ES Espanhol

FR Francês

I18N Internationalization

IN Inglês

L10N Localization

MT

MT Memória de Tradução

OCR Optical Character Recognition

PTBR Português Brasileiro

RD Recorte Discursivo

TA Tradução Automática

TAC Tradução Assistida por Computador

TM Translation Memory

TRAD Tradutor

TCLE Termo de Consentimento Livre e Esclarecido

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO 1.1. Motivações Iniciais ...... 11 1.2. Justificativa ...... 12 1.3. Objetivos e Hipótese ...... 14 1.4. Metodologia ...... 14

2. TECNOLOGIAS DE TRADUÇÃO 2.1. Tradumática ...... 24 2.2. Tradução Automática ...... 26 2.2.1. Línguas Naturais Controladas ...... 29 2.2.2. Pós-Edição ...... 30 2.2.3. Tradução Colaborativa ...... 31 2.3. Sistemas de Memórias de Tradução ...... 33 2.3.1. Memórias de Tradução ...... 33 2.3.2. Tradução Móvel ...... 35 2.3.3. Legendagem ...... 36 2.4. Internacionalização ...... 37 2.4.1. Localização ...... 38 2.4.2. Glocalização ...... 40 2.4.3. Globalização ...... 40

3. TRANSCURSO TEÓRICO 3.1. Fetiche ...... 43 3.2. Tradução ...... 53 3.3. Escritura ...... 58 3.4. Sujeito e Identidade ...... 64

4. ANÁLISE DO USO DAS TECNOLOGIAS DE TRADUÇÃO 4.1. Representações de si: satisfação por integrar uma elite tecnológica ...... 71 4.2. Representações de si: preocupação com a hegemonia tecnológica ...... 95

5. POSSIBILIDADES CONCLUSIVAS ...... 114

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...... 125

7. ANEXO (TCLE) ...... 138

11

1. INTRODUÇÃO

Um motor de busca predominante pode fazer mais do que apenas influenciar os usuários. Ele pode aprender coisas sobre indivíduos, empresas, países, grupos de usuários e toda a população de usuários da internet. Esse conhecimento pode ser usado para detectar tendências, prever acontecimentos, ganhar dinheiro e intimidar inimigos.

Cleland e Brodsky (2012, p. 20)

1.1. Motivações Iniciais

Nossa motivação inicial de apresentar um projeto de pesquisa para doutoramento em Linguística Aplicada da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), com o intuito de estudar as representações sobre tradutores e tecnologias, deve-se à experiência profissional, como docente de língua inglesa, e à experiência acadêmica, como discente de especialização em tradução. No primeiro contexto, observamos repetidas indagações de alunos de cursos sequenciais de formação de tecnólogos a respeito da metodologia da disciplina intitulada Inglês Instrumental, ministrada em formato semipresencial. Diante da dificuldade que esses alunos apresentavam com o conteúdo da disciplina, constantemente, havia discussões, em sala de aula, acerca da efetiva necessidade de eles cursarem tal disciplina. Os alunos argumentavam que, no cotidiano profissional, e até pessoal, o Google Tradutor resolveria todas as necessidades ou dificuldades de leitura e compreensão de textos escritos não só em inglês, mas em qualquer língua.

No segundo contexto, igualmente, testemunhamos discussões, em sala de aula, em que os professores (tradutores experientes) manifestaram preocupações quanto à reconfiguração do mercado de tradução em que pesem questões de contratação de serviços. Segundo eles, tradutores com ou sem vínculo empregatício enfrentam questões de ordem econômica, no que tange ao valor a ser cobrado por serviços de tradução, em virtude da disponibilização pública e gratuita de tradutores automáticos, mais precisamente, o Google Tradutor. Segundo os professores/tradutores, a contratação de serviços de tradução se dá por negociações acirradas com clientes e intermediações de grandes empresas de tradução, ambas as partes argumentando que, diante do aprimoramento da qualidade das traduções automáticas, há que se baratear os custos dos textos 12

traduzidos. Ou seja, questões de ordem econômica e tecnológica vêm afetando, de forma inédita, a atividade de tradução e a identidade dos tradutores.

Após testemunharmos tais discussões – em que o Google Tradutor se apresentava como um componente de ligação entre discursos, aparentemente díspares, buscamos, em comunidades virtuais e blogs de tradução, postagens de tradutores sobre o uso de tecnologias de tradução. Nesses sites, encontramos comentários bastante favoráveis à utilização de tecnologias na prática tradutória, diferentemente do que vimos com os professores de tradução. É bem verdade que a maioria desses sites ou blogs tem a assinatura de renomados tradutores que já se tornaram proprietários de grandes agências de traduções que monopolizam a obtenção de contratos exponenciais para prestação de serviços de tradução os quais são, então, repassados para tradutores autônomos ou em início de carreira. Diante deste cenário, interessamo-nos em problematizar a tarefa do tradutor em relação à utilização das tecnologias de tradução, analisando quais representações sobre tecnologias, tradução e tradutores se cristalizam no imaginário de tradutores profissionais, com o intuito de observar como a subjetividade do tradutor está sendo constituída na pós-modernidade e as possíveis consequências desse movimento.

1.2. Justificativa

A proposição deste estudo está aliada aos constantes avanços tecnológicos presentes em quase todos os aspectos da vida contemporânea, nas sociedades ditas globais. Nos Estudos da Linguagem, a problematização acerca das Novas Tecnologias de Informação e Comunicação (NTICs), inseridas em contextos de ensino e aprendizagem de línguas, encontra-se em um patamar privilegiado graças às contribuições de Coracini, Uyeno e Mascia (2011), as quais se debruçaram sobre o tema, priorizando uma perspectiva particularmente desconstrutivista, em oposição a uma proposição prescritiva. Percorrendo essa via desconstrutivista, iniciada no mestrado (TRIFANOVAS, 2007) em que analisamos o discurso de professores de inglês em um contexto de ensino a distância semipresencial, acreditamos na relevância de se estudar a utilização de ferramentas de tradução digital, observando a tessitura do discurso de tradutores. 13

No atual mercado de traduções, a tarefa do tradutor deve ser concluída com eficiência sobre-humana capaz de neutralizar as idiossincrasias culturais, linguísticas e sociais ali envolvidas. E como viabilizar que a tradução mediada por tecnologias tenha, ao mesmo tempo, a eficiência de um tradutor humano e a eficácia de um programa computacional, produzindo traduções excelentes, econômicas e velozes? A resposta parece estar no movimento inverso, ou seja, não mais se preocupar com as discussões sobre as vicissitudes apresentadas pela língua, constituída pela ambiguidade, opacidade, complexidade, mas sim com a homogeneização, simplificação e pasteurização dessa mesma língua, organizando-a em um projeto ainda mais positivista. Ou seja, uma tentativa em retirar, esconder ou apagar da língua toda sua complexidade que incide na constituição identitária e nos processos de subjetividades.

Ademais, há o questionamento, sempre em pauta, na contemporaneidade, se a inteligência artificial se sobreporá à humana, ou, em nosso caso, se as tecnologias de tradução substituirão a função do tradutor. A função do tradutor está fadada à extinção? Senão, é possível pensar na reconfiguração da atividade do tradutor, especialmente, a do tradutor técnico, e se essa reconfiguração encontra-se já definida em direção apenas de reproduções e repetições linguísticas simplificadas?

Diante dessas reflexões, entendemos ser imprescindível, para Estudos da Linguagem, o desenvolvimento de pesquisas que privilegiem a análise do dizer dos tradutores sobre sua própria prática, a qual se apresenta apoiada na utilização das novas tecnologias de tradução, concebendo as formações discursivas (FOUCAULT, 1969 [2005, p. 35])1 como formas de subjetivação e a incidência da tecnologia na identidade dos sujeitos.

Para isso, conduzimos entrevistas com, aproximadamente, vinte tradutores profissionais, com o intuito de analisar, na materialidade linguística, a emergência de efeitos de sentido2 produzidos no dizer do tradutor acerca de sua prática e de seus pares, considerando a utilização tecnológica viabilizada por ferramentas de busca

1 A primeira data refere-se à publicação original, em língua estrangeira e, a segunda refere-se à edição consultada, em língua portuguesa. 2 Nos Estudos do Discurso, a expressão correta é efeitos de sentido, sem plural no segundo termo. Em virtude da multiplicidade de efeitos que um significado poderá produzir. 14

eletrônica, softwares para tradução e os serviços virtuais gratuitos de tradução instantânea de textos.

1.3. Objetivos e Hipótese

Em termos gerais, objetivamos contribuir para o entendimento acerca do uso de recursos tecnológicos para os Estudos da Linguagem e da Tradução, sobretudo, o movimento que o advento tecnológico provoca na identidade do tradutor e na prática tradutória e, consequentemente, nas relações profissionais e no mercado de traduções. Especificamente, pretendemos:

1) Problematizar a utilização de tecnologias de tradução; 2) Discutir a reconfiguração da prática tradutória contemporânea; 3) Questionar a reconfiguração identitária do tradutor.

No mercado de traduções, a atividade tradutória parece apenas ser viável pela idealização tecnológica, ou seja, a qualidade da tradução é colocada como um ideal de perfeição, impecabilidade e maestria apenas possível pelo aparato tecnológico, responsável por apagar deslizes tributários da imperfeição humana e da equivocidade da língua. Diante disso, apresentamos a hipótese de que as tecnologias de tradução funcionam como enxertos, próteses, substitutivos imprescindíveis ao conhecimento linguístico do tradutor, instaurados como um fetiche, o qual assegurará a legitimação da qualidade tradutória. Desdobramos essa hipótese em três perguntas de pesquisa:

1) Que representações emergem, no dizer do tradutor, sobre tecnologias? 2) Que representações emergem, no dizer do tradutor, sobre tradução? 3) Que representações de si e do outro emergem, no dizer do tradutor?

1.4. Metodologia

Adotaremos uma perspectiva discursivo-desconstrutivista, analisando os recortes discursivos extraídos das entrevistas com os tradutores. Tais recortes discursivos (RD) constituirão o corpus da pesquisa que, ao serem agrupados, constroem efeitos de sentido no processo de análise da materialidade linguística e das condições de produção. Assim, acreditamos ser possível observar as representações e a 15

constituição das subjetividades dos tradutores contemporâneos pelo viés do seu dizer. Tais conceitos serão discutidos mais amiúde no capítulo teórico.

No que diz respeito à análise da materialidade linguística, focalizaremos as estratégias argumentativas de natureza verbal. Abordaremos, por exemplo, a formação do discurso dos tradutores entrevistados, a fim de analisar as representações que os tradutores fazem de si e de seus pares. A análise da materialidade linguística, ou seja, do intradiscurso, do fio do dizer, propicia a identificação dos sentidos contidos nos enunciados dos sujeitos, não por querermos encontrar sentidos ocultos, mas, ao contrário, para evidenciarmos os sentidos presentes, porém sutis, e seus desdobramentos na constituição das subjetividades. Em Foucault (1984 [2004, p. 236]), a noção de subjetividade é pensada como a maneira pela qual o sujeito faz a experiência de si mesmo em um jogo de verdade, no qual ele se relaciona consigo mesmo.

Nas teorias de discurso, é essencial observar as condições de produção do discurso, isto é, toda a circunstancialidade social e histórica em torno do ato enunciativo. Essa contextualização está, consideravelmente, atrelada às formações discursivas propostas por Foucault (1969 [2005, p. 30]), entendidas como sendo o discurso em formação, sempre em mobilidade, instável, mapeando, em um dado momento histórico-social, as possibilidades de expressão.

Em consonância com essa perspectiva discursiva, esta pesquisa ancora-se, também, na perspectiva desconstrutivista de Derrida pensada como um modo, uma atitude, uma postura ou uma possibilidade de problematização ou de questionamento. Desconstrução, na obra de Derrida, não se refere à desmontagem nem à destruição. Tampouco se aproxima da teoria hegeliana da proposição de uma tese, com a contraposição de uma antítese e a solução por uma síntese. Desconstrução é uma crítica de dentro; é a partir do edifício histórico-social e cultural, em que nos inserimos, e da epistemologia ocidental que há a possibilidade de problematizar ou questionar o que, invariavelmente, nos constitui como sujeitos, a fim de viabilizar a emergência de partes in(visíveis), o que poderá abrir possibilidades para interpretações de possíveis interditos. Foi a partir do gesto de leitura empreendido por Derrida às obras clássicas de sua preferência que se 16

constituiu o que hoje denominamos desconstrução, contribuição inestimável para novas perspectivas teórico-filosóficas contemporâneas.

A hegemonia teórica logocêntrica começou a ser questionada por Nietzsche e teve continuidade nas obras de Foucault e Derrida, embora eles também tivessem sido constituídos pela fantasia logocêntrica (ARROJO, 1993, p. 29) e pelo estruturalismo, presente nas ciências humanas e sociais, a partir de 1950, e originário das contribuições teóricas de Wundt, na psicologia, de Saussure, na linguística, e de Claude Lévi-Strauss, na antropologia. Os estruturalistas estavam interessados em analisar as estruturas e suas regularidades, endossando a perspectiva logocêntrica. Ainda nos dias de hoje, é possível observar essa herança cartesiana e estruturalista em variadas áreas do conhecimento, especialmente, nos estudos da linguagem. Ou seja, somos todos ainda constituídos pela naturalização da lógica cartesiana, independentemente de um posicionamento teórico contrário a ela. Sobre a desconstrução do edifício estruturalista, Derrida (1987 [2005, p. 23 e 24]) escreve:

O “estruturalismo” era então dominante. “Desconstrução” parecia ir nesse sentido, já que a palavra significava certa atenção às estruturas (as quais não são simplesmente nem ideias, nem formas, nem sínteses, nem sistemas). Desconstruir era também um gesto estruturalista, em todo caso, um gesto que assumia certa necessidade da problemática estruturalista. Mas era também um gesto anti-estruturalista – e seu destino se deve, por um lado, a esse equívoco. Tratava-se de desfazer, descompor, dessedimentar as estruturas (todas as estruturas linguísticas, “logocêntricas”, “fonocêntricas” – o estruturalismo sendo então dominado, sobretudo, por modelos linguísticos, da linguística dita estrutural que se dizia também saussuriana, socioinstitucionais, políticos, culturais e, sobretudo, e antes de tudo, filosóficos). É por isso que, principalmente nos Estados Unidos, se associou o móbil da desconstrução ao “pós-estruturalismo” (palavra ignorada na França, exceto quando ela “retorna” dos Estados Unidos). Mas desfazer, decompor, dessedimentar as estruturas, movimento mais histórico, em um certo sentido, que o movimento “estruturalista”, o qual se encontrava, desse modo, recolocado em questão, não era uma operação negativa. Mais que destruir, era preciso também compreender como um “conjunto” se tinha construído e, para isso, reconstruí-lo (DERRIDA, 1987 [2005, p. 23 e 24]).

Desta forma, aliando os Estudos do Discurso às contribuições de Derrida, conforme mencionado, adotaremos uma perspectiva discursivo-desconstrutivista, tal como propõe Coracini (2003, p.13): 17

Assumindo a linguagem como opacidade, lugar do equívoco e do conflito, essa perspectiva, que poderíamos chamar de discursivo-desconstrutivista, trabalha, como dissemos, com a concepção de sujeito descentrado, clivado, múltiplo, atravessado pelo inconsciente, de modo que lhe é impossível o controle dos sentidos que produz. Constituindo-se na ilusão de ser a origem do seu dizer, esse sujeito é flagrado pelo já-dito, pela memória discursiva que o precede, pela falta que o constitui, e adia ad infinitum o encontro com a verdade, a completude, a certeza, que ele tanto deseja. Da mesma maneira, constitui-se na ilusão imaginária de que lhe é possível controlar os sentidos que produz, esquecendo-se de que seu dizer terá tantas interpretações quantos forem os intérpretes e as situações de interpretação (CORACINI, 2003, p. 13).

A partir dessa perspectiva metodológica, analisaremos, na materialidade linguística dos dizeres de tradutores, a emergência de efeitos de sentido produzidos acerca da prática tradutória permeada pela utilização tecnológica. Sobre nosso corpus de pesquisa, decidimos entrevistar tradutores, intérpretes, legendadores cuja atividade profissional principal é a prestação de serviços de tradução ou de interpretação. Para isso, inicialmente, acessamos a lista de tradutores credenciados pela Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes (ABRATES, http://abrates.net.br/site/home) e convidamos os 50 tradutores credenciados em algum dos seguintes pares de línguas: português, espanhol, inglês, francês e alemão, para participarem em nossa pesquisa. Enviamos o seguinte e-mail convite:

Assunto: Participação voluntária em pesquisa de doutoramento Prezado (a)

Sou doutoranda em Linguística Aplicada no Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) da UNICAMP e gostaria de agendar uma entrevista com você para falarmos sobre a prática tradutória na atualidade. Essa entrevista comporá o corpus de análise de meu projeto de pesquisa e deverá ser online (Skype, Facebook ou e-mail), com duração aproximada de 45 minutos.

Haverá total confidencialidade das informações e sigilo de sua identidade, garantidos por meio da assinatura prévia do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), conforme exigência da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (CONEP), acessível pelo endereço eletrônico http://www.saude.gov.br/plataformabrasil. Em virtude de não haver custos ou despesas financeiras, não haverá nenhuma forma de reembolso para sua participação voluntária nesta pesquisa. Esperando contar com sua colaboração, agradeço antecipadamente a atenção.

Terezinha Rivera Trifanovas Doutoranda Unicamp – IEL 19-3826-2032 19-9-9772-4409 Skype: terezinha.trifanovas Plataforma Lattes: http://lattes.cnpq.br/4164749602235124 18

Dentre os 50 tradutores convidados, obtivemos 22 respostas e entrevistamos 13 tradutores. Em seguida, acessamos o site Proz.com (http://www.proz.com/about/), considerado a maior comunidade internacional de tradutores, e enviamos o mesmo convite a outros 20 tradutores cadastrados. Recebemos oito respostas e entrevistamos seis tradutores. Assim, nosso material de pesquisa é constituído pelas entrevistas, conduzidas por Skype e Facebook, com 19 tradutores signatários do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)3. Formulamos as subsequentes perguntas de natureza aberta e ampla, a fim de permitir que o entrevistado se sentisse à vontade para falar de sua prática, com poucas interferências da pesquisadora.

1) Discorra sobre sua experiência profissional; 2) Comente sobre a tradução no Brasil e no mundo; 3) Narre algum episódio interessante ou peculiar envolvendo tradução; 4) Fale sobre algumas especificidades ou procedimentos da prática tradutória; 5) O que significa, para você, ser um bom tradutor ou fazer uma boa tradução? 6) Qual é, em sua opinião, a diferença entre o tradutor profissional e o amador? 7) Como o tradutor profissional é visto hoje em relação ao passado? 8) Como as tecnologias de tradução são vistas hoje em comparação com o que acontecia há alguns anos?

Durante a análise do material coletado, percebemos que as respostas da pergunta número oito englobava, de forma mais contundente, o universo tradutório, fazendo emergir representações sobre tecnologias, tradução e tradutores. Diante do fato de não termos colocado as perguntas de forma linear e na mesma sequência aos entrevistados, constatamos que as respostas às demais perguntas eram, de alguma forma, constituídas por paráfrases ou recorrências encontradas nas respostas à pergunta número oito. Assim, decidimos compor nosso corpus de análise com as respostas dessa pergunta por elas contemplarem as demais respostas de forma mais consistente. Utilizamos as respostas da pergunta número um para apresentar,

3Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Registro CAAE: 19933013.5.0000.5404. http://www.saude.gov.br/plataformabrasil, 2014. 19

a seguir, uma breve descrição da experiência profissional dos 19 entrevistados, doravante denominados TRAD 1, TRAD 2, e assim, sucessivamente:

TRAD 1 atua como tradutora há 20 anos. Nos últimos 13 anos, organizou um escritório de traduções em São Paulo, em conjunto com alguns colegas. Trabalha, preferencialmente, com empresas multinacionais nas áreas médica, farmacêutica, ecológica e de proteção ambiental, ocasionalmente, em setores acadêmicos.

TRAD 2 frequentou a educação básica em Genebra (Suíça), até os 15 anos de idade (1974 – 1989). Desde 1989, reside em Brasília e presta serviços de tradução para a Embaixada da França, instituições francesas (IRD, Cirad, CNRS, AFD) e grupos de negócios bilaterais franceses, em Brasília. Desde 1997, atua como tradutor (ES, IN, FR, PTBR > FR, PTBR) e, desde 1999, como intérprete (FR < > PTBR). É tradutor certificado pelas ABRATES e tradutor juramentado (PTBR < > FR), desde 2012. Ministra cursos de Wordfast desde 2010.

TRAD 3 é formado em engenharia, tornou-se tradutor a partir de uma oportunidade para atuar como tradutor in-house, na empresa Oracle, em Denver, Colorado (EUA). Em seguida, trabalhou nove anos para uma agência de tradução, com controle de qualidade da tradução. Fez trabalhos, como tradutor freelance, por cinco meses, e, atualmente, é especialista em Machine Translation, na empresa eBay, na Califórnia (EUA).

TRAD 4 atua como tradutor juramentado (ES< >PTBR), há 37 anos, na Junta Comercial do Rio Grande do Sul, e há alguns anos como tradutor técnico.

TRAD 5 começou a trabalhar com tradução, há 37 anos, como assistente de tradutores de patentes. Em 1983, abriu, com dois sócios familiares, uma empresa de tradução, responsável por traduzir toda a programação inaugural da TV Manchete, constituída por séries de filmes da BBC de Londres. Em seguida, abriu uma editora que expandiu para outros segmentos – informática, construção, artes gráficas, editoração –, tornando-se uma das 10 maiores no Brasil. Em 1999, essa empresa foi adquirida por um grupo multinacional, mais tarde também incorporado por uma multinacional ainda maior. Continua com a empresa de traduções, trabalhando para grandes grupos, como tradutora e organizadora de eventos. Fez o curso de 20

extensão em tradução da PUC-RJ e é credenciada pela ATA e pela ABRATES, a qual preside desde 2012.

TRAD 6 serviu, por seis anos, no exército britânico, e, depois, por 12 anos, como investigador na polícia londrina. Mudou-se para o Brasil e tornou-se professor de inglês com o certificado CELTA da Cambridge University. Lecionou, na Cultura Inglesa, por cinco anos. Durante esse tempo, começou a trabalhar com traduções e interpretações e, em 2011, obteve o diploma em tradução (PT > IN) pelo UK Chartered Institute of Linguistics.

TRAD 7 é formado em Letras - radução (Inglês) pela Universidade de rasília ( 997) e liança Francesa ( ) . Trabalhou como tradutor interno (in-house), em 998, no rasil, em , nos EU e entre 7 e 8, na Inglaterra . Atua como tradutor e intérprete profissional, desde 1998 , em economia, finanças, contabilidade , meio ambiente , administração pública e relações diplomáticas (IN > FR > PT).

TRAD 8 trabalha, desde 1967, com tradução (ES > FR> IN), inicialmente, em uma agência de notícias e diretorias internacionais de camponeses da uíça, do ri Lanka e Panam . Lecionou História da rte, por um ano, na Universidade de Londrina e, por anos, na PU - J. Fez cursos e trabalhou, com o professor Waltensir Dutra, no indicato de radutores ( intra).

TRAD 9 foi executivo de algumas empresas multinacionais e, trabalhou, durante 18 anos, no Citibank, nos últimos 5 anos, como vice presidente de recursos humanos, para a América Latina. Em 2003, abriu uma empresa de tradução, em Curitiba, e presta serviços de traduções para clientes nacionais e internacionais.

TRAD 10 foi professora de inglês durante alguns anos. Dedica-se, desde 2000, integralmente, à tradução.

TRAD 11 iniciou a atividade de tradução, em 1990, trabalhando em firmas de consultoria jurídica. Fez cursos de tradução geral (Brasillis), tradução jurídica (Inlíngua e PUC), pós-graduação em tradução (Universidade Gama Filho) e Interpretação simultânea e consecutiva (Brasillis). 21

TRAD 12 é formada em Letras pela Universidade Mackenzie e, em 1975, iniciou como professora. Fez pós-graduação Lato Sensu, na Universidade de São Paulo (USP), em tradução de linguagem jornalística, e, em 1996, concluiu o curso de tradução da Alumni. Especializou-se na área jurídica, fazendo cursos livres de tradução com Claire Charity, e cursos de gramática avançada para tradutores com ristina Martorano. Em 999, foi acreditada como tradutora juramentada. Formou- se, em 7, em direito e concluiu o curso de pós-graduação em direito contratual.

TRAD 13 estudou inglês, no Instituto Cultural Brasileiro-Norte-Americano (ICBNA), francês, na Aliança Francesa de Porto Alegre, italiano, na Sociedade Italiana do Rio Grande do Sul, e alemão, no Instituto Goethe de Porto Alegre. Residiu em Portugal e na Espanha. Seu primeiro trabalho profissional foi a tradução, em equipe, de uma versão, em inglês, do Corão, para o português, em 1992, quando morava em Lisboa. A equipe era composta por um editor português, que coordenava o projeto, um sacerdote muçulmano, que traduzia os versos sagrados do Corão e o signatário, que traduzia as notas de rodapé de cada página da obra (de 30 a 35 linhas de notas de rodapé por página). Em 1995, abriu uma empresa de traduções e, em 1997, tornou- se tradutor e intérprete judicial da Justiça Federal do Brasil, Seção Judiciária de São Paulo. Em 2013, ingressou no curso de Tradução e Interpretação, da Universidade Católica de Santos.

TRAD 14 se considera bilíngue nativa (PT < > ES) e, desde 1999, trabalha como tradutora e intérprete (PT < > ES > IN). Possui mais de 5.000 horas de interpretação simultânea. Participou de diversos projetos internacionais: FMI, OMS/OPAS, FAO/Unesco, DEA - USA, Polícia Federal, Funasa, White Martins, Conselho Britânico, Itaú Cultural entre outros. Em 2005, foi credenciada pela Associação Brasileira de Tradutores e Intérpretes (ABRATES). Em 2006, concluiu pós- graduação em tradução português e espanhol na Universidade Gama Filho- RJ. Em 2009, foi aprovada no concurso para Tradutor Público e Intérprete Comercial do Estado do Rio de Janeiro.

TRAD 15 aprendeu português, durante os 18 meses que residiu, no Brasil, na adolescência. Há 25 anos, trabalha como tradutor e intérprete autônomo (PT > IN) e como professor em uma universidade americana. Já prestou serviços de tradução para o Departamento de Estado dos Estados Unidos. 22

TRAD 16 faz traduções e revisões de textos jurídicos e financeiros (PT > ES > IN), há 20 anos. Atualmente, é funcionário de um banco internacional de investimentos.

TRAD 17 foi professora de inglês, por mais de 25 anos. Trabalhou, por 13 anos, na União Cultural Brasil-Estados Unidos (UCBEU). Morou, nos Estados Unidos por quase três anos, quando começou a traduzir manuais técnicos. De volta ao Brasil, fez o curso de Tradutor - Intérprete da Alumni. Atualmente, faz um curso de tradução literária.

TRAD 18 é tradutora há 22 anos, principalmente, na área de tecnologia da informação (TI). Morou, por 20 anos, nos EUA, trabalhando, como secretária, para um tradutor húngaro e, depois, como tradutora em agências de tradução. Atualmente, vive no Brasil e é tradutora juramentada (JUCEPAR).

TRAD 19 É tradutor freelance (PT > EN), em tempo integral, há 11 anos. Embora não tenha graduação, credenciamento ou treinamento formal em tradução, estabeleceu boa reputação profissional.

Do exposto, observamos que apenas dois tradutores possuem graduação em Letras (TRAD 7 e TRAD 12) e três tradutores possuem pós-graduação em Tradução (TRAD 11, TRAD 14 e TRAD 17). A maioria dos demais entrevistados possui graduação em outras áreas e adquiriu experiência em tradução a partir do contato com as línguas estrangeiras, fomentando o interesse por trabalhar, em tempo integral, com tradução e interpretação. A faixa etária dos entrevistados é de 40 a 60 anos de idade, o que significa dizer que, na fase de ingressar no ensino superior, já havia oferta de cursos de formação específica em tradução, a exemplo dos cursos de bacharelados em tradução no Rio de Janeiro e São Paulo, a partir da década de 1960, conforme informa Wyler (2003, p.140)

Uma das consequências da expansão do mercado de trabalho foi a abertura de bacharelados de tradução no Rio de Janeiro e em São Paulo, a partir da década de 1960. Respaldados pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação de 1968, o primeiro a requerer reconhecimento foi o da Faculdade Ibero-Americana, embora o da PUC do Rio de Janeiro tenha sido o primeiro a entrar em funcionamento (WYLER, 2003, P. 140). 23

A título de enfatizar o nascimento desse contexto acadêmico em tradução, lembramos que a Associação Brasileira de Tradutores (ABRATES) foi criada em 21 de maio de 1974, no Rio de Janeiro, por um grupo de intelectuais liderado por Paulo Rónai. Por conseguinte, nos dias 23, 24 e 25 de abril de 1975, foi realizado o Primeiro Encontro Nacional de Tradutores (WYLER, 2003, p. 142), organizado pelo Departamento de Letras e Artes da PUC/RJ e ABRATES.

24

2. TECNOLOGIAS DE TRADUÇÃO

Eu tenho dificuldade em aprender línguas, e isso é exatamente a beleza da tradução automática: a coisa mais importante é ser bom em matemática.

4 Och, 2013

Com a internet, a comunicação internacional ganhou desdobramentos que, ainda nos dias de hoje, não estão totalmente compreendidos ou vislumbrados pelo próprio público que utiliza e consome bens e serviços oferecidos via web. Nas últimas décadas, a prática tradutória, nos moldes que a conhecemos, tem passado por processos de constantes transformações em razão da agilidade das atualizações de recursos tecnológicos. Apresentamos a seguir, um breve histórico das Tecnologias de Tradução.

2.1. Tradumática

A junção entre a atividade de tradução e os recursos de informática possibilitou o surgimento do termo “tradum tica” (inform tica aplicada à tradução), ou seja, é o conjunto da terminologia, da documentação e da informática aplicado à tradução (http://cvc.instituto-camoes.pt/tradumatica/). De acordo com a exposição de Davidson e Teixeira (2013, http://pt.slideshare.net/lizardon/26365), esses recursos informáticos podem ser divididos em três grupos:

1) Ferramentas de tradução que intervêm no processo de tradução de forma direta ou indireta:

DIRETA: a) programas de tradução automática (Google tradutor, Bing tradutor, Systran BabelFish, WorldLingo, etc.);

4 Tradução nossa: I have trouble learning languages, and that’s precisely the beauty of machine translation: The most important thing is to be good at math. Franz Josef Och, cientista computacional alemão, liderou, de 2004 a 2014, a equipe responsável pela criação, desenvolvimento e disponibilização do Google Tradutor, em abril de 2006. http://interpretamerica.com/index.php/45-home-page-blogs/108-interpreting-the-news- translate-this-google-s-quest-to-end-the-language-barrier, 2015. 25

b) tradução assistida por computador – CAT Tools – (Wordfast, MemoQ, OmegaT, DéjàVu, SDLTrados, etc).

INDIRETA: a) processadores de texto (Microsoft Word, Open Office, etc.);

b) programas de tratamento de imagem (Optical Character Recognition – OCR ABBYY), de conversão e de edição de texto (PDF Adobe) e reconhecimento de voz (Automatic Speech Recognition – ASR).

2) Ferramentas que auxiliam o processo tradutório como fontes de informação ou recuperadores de informação gerada pelo tradutor:

a) dicionários e enciclopédias online;

b) corpus terminológico (WordSmith Plus);

c) glossários virtuais.

3) Ferramentas acessórias à tradução para gerenciamento de arquivos:

a) correio eletrônico;

b) compartilhamento e transferência de arquivos (DropBox, ICloud, Google Drive, etc); ferramentas de backup (Combien Backup, BackUp Maker, Personal Backup, etc);

c) redes de relacionamentos (facebook, twitter, whatsapp, etc); comunidades de tradução (ProZ, pt.lexis.pro, Tradwiki, ranslator‟s café, etc.)

(DAVIDSON E TEIXEIRA, 2013, http://pt.slideshare.net/lizardon/26365).

A seguir, detalhamos um pouco mais sobre os recursos informáticos, atualizações tecnológicas e contextos virtuais.

26

2.2. Tradução Automática

Considerando as diversas etapas de sua história, a Tradução Automática recebeu, na língua inglesa, inúmeras designações, tais como, mechanical translation, machine translation, computer translation, electronic translation, digital translation. A Tradução Automática se relaciona ao desenvolvimento de sistemas computacionais para a produção de traduções, conforme a definição de Hutchins (1995, p. 431):

O termo “tradução autom tica” (M em inglês) se refere a sistemas computadorizados responsáveis pela produção de traduções com ou sem a assistência humana. Isso exclui ferramentas de tradução computadorizadas que auxiliam tradutores pelo acesso a dicionários online, bancos de dados de terminologia com acesso remoto, transmissão e recepção de textos, etc.5 (HUTCHINS, 1995, p. 431 http://www.hutchinsweb.me.uk/ConcHistoryLangSci- 1995.pdf, 2016).

O percurso da Tradução Automática teve sua origem, em 1629, a partir da proposta de René Descartes de uma língua universal com a afirmação de que ideias equivalentes em diferentes línguas partilhavam o mesmo símbolo. No esteio da concepção cartesiana, por volta do século XVII, o monge Johannes Becher escreveu sobre a possibilidade de automatização do processo tradutório entre línguas naturais pela criação de uma metalinguagem matemática para descrever o significado de frases escritas em qualquer língua (FREIGANG, 2001, http://cvc.instituto- camoes.pt/tradumatica/rev0/freigangPT.html).

Entre 1930 e 1940, os primeiros aparelhos mecânicos foram inventados, em contextos geográficos isolados, pelo engenheiro francês Georges Artusruni, (inventor do “cérebro humano”) e pelo engenheiro russo Petr rojanskij os quais consistiam no escaneamento das perfurações em cartões contendo expressões de uma língua natural relacionando-as com palavras de outra língua natural, também perfuradas em cartões. Quase simultaneamente, durante a segunda guerra mundial, o matemático britânico Alan Turing concebeu o dispositivo teórico conhecido como “m quina universal”, que é um modelo abstrato de um computador restrito aos

5 Tradução nossa: The term 'machine translation' (MT) refers to computerized systems responsible for the production of with or without human assistance. It excludes computer- based translation tools which support translators by providing access to on-line dictionaries, remote terminology databanks, transmission and reception of texts, etc. (HUTCHINS (1995, p. 431 http://www.hutchinsweb.me.uk/ConcHistoryLangSci-1995.pdf, 2016). 27

aspectos lógicos do seu funcionamento e não à sua implementação física. Em uma máquina de Turing é possível modelar qualquer computador digital.

Sob a égide das contribuições computacionais, abriram-se as possibilidades para o nascimento da linguística computacional também voltada para a Tradução Automática, culminando na experiência de sucesso da Universidade de Georgetown, que, em 1954, possibilitou a tradução totalmente automática de mais de 60 frases do russo para o inglês. No mesmo ano, na Universidade de Londres, o Birkbeck College fez a demonstração de uma tradução rudimentar do inglês para o francês utilizando a máquina APEXC. (FREIGANG, 2001, http://cvc.instituto- camoes.pt/tradumatica/rev0/freigangPT.html).

Diante desse escopo, nas décadas de 50 e 60 (HUTCHINS, 1986a, Chapter 1, http://www.hutchinsweb.me.uk/PPF-1.pdf), com a ameaça do programa espacial soviético, em particular com o lançamento do primeiro Sputnik em 1957, o governo americano estimulou, nas esferas governamentais e militares, a tradução entre o idioma russo e inglês. Até a metade da década de 60, a Tradução Automática foi alvo de intensa atividade de pesquisa, despertando atenção do público em geral. Contudo, as dificuldades técnicas e a complexidade linguística reduziram as expectativas de pronta comercialização de programas de Tradução Automática. Em seguida, ocorreu a divulgação do célebre Relatório ALPAC6, em 1966, atestando que as pesquisas em tradução automática tinham fracassado e não mereciam seriedade científica. Provavelmente, o argumento mais persuasivo do Relatório ALPAC tenha sido os poucos avanços científicos em Tradução Automática em relação ao enorme investimento de recursos públicos do governo americano (HUTCHINS, 1986b, Chapter 8, http://www.hutchinsweb.me.uk/PPF-8.pdf ).

Na década de 70, o estado embrionário da União Europeia evidenciou as consequências da multiplicidade linguística nas transações administrativas, comerciais e políticas entre os países europeus. Com isso, alavancaram-se pesquisas em Tradução Automática, a exemplo do SYSTRAN, considerado o mais antigo sistema de Tradução Automática do mundo, desenvolvido por Dr. Peter Toma

6 A Academia Nacional de Ciências (National Academy of Sciences) dos Estados Unidos, formou um comitê intitulado ALPAC (Automatic Language Processing Advisory Committee) em abril de 1964. 28

em 1968. O SYSTRAN teve reconhecimento acadêmico por ser linguisticamente avançado, tendo sido utilizado pelo Departamento de Defesa dos Estados Unidos e pela Comissão Europeia. Arthern (1979, p. 79), comentando a proposta do SYSTRAN, previu a união entre o trabalho mecânico e humano, abrindo espaço para o nascimento da função do pós-editor. Essa concepção inicial da importância da função do pós-editor foi também antevista por Kay (1980, p. 11).

A contribuição do século XXI para a Tradução Automática foi trazida sob o formato do Google Tradutor, publicamente disponibilizado em Abril de 20067, e concebido a partir de textos oficiais da Organização das Nações Unidas (ONU), vertidos em seis idiomas. Em seguida, a empresa recorreu aos documentos bilíngues de arquivos públicos, disponibilizando-os na internet. Hoje, O Google Tradutor traduz e verte textos em 71 idiomas (http://www.spiegel.de/international/europe/google-translate- has-ambitious-goals-for-machine-translation-a-921646.html) e conta com a colaboração de seus próprios usuários para ampliar o banco de dados, sugerindo traduções mais aprimoradas àquelas que são disponibilizadas pelo Google Tradutor. Especialistas dessa ferramenta de tradução estudam possibilidades de incluir, além dos algoritmos, regras gramaticais no programa, que possibilitariam compor textos mais fluentes.

Exemplos atuais de Tradução Automática mais conhecidos são: Google Tradutor, Bing Tradutor, Systran BabelFish, WorldLingo. Assim, com a utilização de programas computacionais, a tradução é realizada de forma automática, envolvendo a decodificação e recodificação de unidades de tradução de um texto da língua de partida para a língua de chegada. De acordo com a explicação de Abaitua (2001, http://cvc.instituto-camoes.pt/tradumatica/rev0/abaituaPT.html), a Tradução Automática apresenta melhor funcionamento em traduções restritas a um campo semântico semelhante ou padronizado, em que unidades de tradução são equiparadas às unidades de significado, ou seja, o menor segmento do enunciado que produz sentidos. As unidades de tradução são classificadas em categorias e

7 http://www.google.com/about/company/history/, 2015.

29

subcategorias morfossintáticas: colocações, lexias8 complexas, locuções, locuções idiomáticas e fórmulas.

Desde o fim de 2013, o Google Tradutor incluiu, como parte da versão do aplicativo Android, traduções de voz e imagens. A versão de 2015 do aplicativo do Android (também disponível em IPhone Operating System, IOS) para smartphones traduz em tempo real a fala entre duas pessoas que estejam conversando em línguas diferentes. O aplicativo também tem a função para fotografar palavras (Word Lens function) permitindo que a lente da câmera foque em algum texto escrito (sinalizações públicas, placas de trânsito, instruções em geral, anúncios publicitários, etc.) e traduza automaticamente na tela do celular. Atualmente, Word Lens traduz do/para inglês, francês, alemão, italiano, português, russo e espanhol, com expansão para mais línguas (http://www.gizmag.com/google-translate- update/35605/).

2.2.1. Línguas Naturais Controladas

As chamadas Línguas Naturais Controladas (Controlled Natural Languages) são subgrupos de uma língua natural, possíveis pela restrição gramatical que objetiva a redução ou a eliminação da ambiguidade e da complexidade, presentes em qualquer língua. Há duas categorias de línguas naturais controladas:

a) Simplificadas ou técnicas, cujo objetivo é melhorar a produção de documentação técnica e simplificar a tradução semiautomática de textos. Para isso, há regras generalizantes para a escrita, tais como: manter as sentenças curtas, evitar o uso de pronomes, usar apenas palavras dicionarizadas, usar apenas a voz ativa. Exemplos desta categoria de Língua Natural Controlada são: aterpillar echnical English, I M‟s Easy English, Gellish Formal English, Simplified Technical Russian, Controlled Language Optimized for Uniform Translation, International Auxiliary Language.

8 Ling. Qualquer unidade do léxico (palavra, locução etc.), Unidade lexical que encerra um significado [Pode ser simples, composta ou complexa.] http://www.aulete.com.br/lexia, 2016. 30

b) Baseadas em lógica formal, cujo objetivo é a representação lógica do conhecimento. Para isso, há a formalização da sintaxe e da semântica utilizando conceitos de lógica de primeira ordem na escrita, tais como consistência automática, checagem de redundância e consulta para pergunta-resposta. Exemplos desta categoria de Língua Natural Controlada são: Attempto Controlled English, Commom Logic Controlled English, Pseudo Natural Language, Restricted Natural Language Statements, Semantics of Business Vocabulary and Business Rules, Controlled Language for Ontology Editing.

Igualmente às demais tecnologias de tradução, as línguas controladas naturais são bem recebidas no mundo globalizado como alternativas relativamente práticas e simplificadas para a comunicação empresarial, conforme Schwitter (2010, p. 1120)9:

Línguas naturais controladas se assemelham ao idioma Inglês, porém correspondem a uma língua-alvo formal. Qualquer pessoa que tenha habilidade de leitura em Inglês possui as habilidades básicas para entender essas línguas naturais controladas. Já a redação de uma especificação em linguagem natural controlada é um pouco mais difícil: exige que o autor aprenda a linguagem, a fim de ser capaz de permanecer dentro de suas restrições sintáticas e semânticas, ou que ele use uma ferramenta de criação inteligente que suporte o processo de escrita e reforce as restrições da linguagem (SCHWITTER, 2010, p. 1120).

2.2.2. Pós-Edição

No processo de tradução de um texto por meio de Tradução Automática, melhores resultados podem ser adquiridos pela Pré-edição do texto de origem, por exemplo, com a aplicação dos princípios das Linguagens Naturais Controladas e depois pela Pós-edição (), que se diferencia da revisão textual (GREEN, S. HEER, J. e MANNING, C. D. 2013, http://vis.stanford.edu/files/2013-PostEditing-CHI.pdf). Pós-edição é o processo de melhoria da Tradução Automática, objetivando garantir a qualidade desejada em termos de estilo e qualidade de tradução que será,

9 Tradução nossa: These controlled natural languages look like English but correspond to a formal target language. Anyone who can read English has already the basic skills to understand these controlled natural languages. Writing a specification in controlled natural language is a bit harder: it requires that the author either learns the language in order to be able to stay within its syntactic and semantic restrictions or that he uses an intelligent authoring tool that supports the writing process and enforces the restrictions of the language. 31

posteriormente, submetida à revisão textual para corrigir erros ortográficos ou gramaticais. Há dois tipos de pós-edição de textos traduzidos: simples e completa.

a) Pós-edição Simples (light post-editing) se caracteriza por intervenções mínimas, necessárias para tornar a tradução mais compreensível, factível e gramaticalmente correta. Destina-se às situações em que a tradução é urgente e sua utilização será temporária com divulgação restrita. b) Pós-edição Completa (full post-editing) se caracteriza por intervenções detalhadas para tornar a tradução mais precisa e adequada, com o uso consistente e correto de terminologia aprovada, observando questões linguísticas, estilísticas e gramaticais. Destina-se às situações em que a utilização do texto será mais prolongada e publicamente divulgada. Após essa edição, o texto deverá ser lido como se tivesse sido escrito na língua de chegada (http://info.moravia.com/blog/bid/353532/Light-and-Full-MT-Post- Editing-Explained, 2016).

2.2.3. Tradução Colaborativa

Dillinger (2014: ix), discute o cenário atual de traduções afirmando que, no mundo tecnológico e globalizado em que vivemos, há mais conteúdos para traduzir, em menor espaço de tempo e a preços mais baixos do que nunca. Para lidar com esta reconfiguração, o papel da Tradução Automática e da Pós-edição é de suma importância, pois se espera que o processo tradutório seja rápido, preciso, eficaz e lucrativo.

De fato, vemos despontar novas práticas enlaçando a Tradução Automática com a Pós-edição, culminando no trabalho colaborativo entre grupos de tradutores e pós- editores, cujas denominações são igualmente diversas, quais sejam: Crowdsourced Translation, Community Translation, Hive Translation, Collaborative Translation, Social Translation, ou ainda, CT3 (Community, Crowdsourced, and Collaborative Translation). A ideia de Tradução Colaborativa emergiu em resposta à impossibilidade da tradução humana e também dos programas de tradução automática produzir traduções rápidas e de qualidade diante das crescentes demandas por traduções de informações digitais cada vez mais volumosas e infindáveis. 32

A Tradução Colaborativa, que agrupa tradutores profissionais, amadores ou até mesmo voluntários, é viabilizada pela comunhão de tecnologias de tradução humana e automática, seguidas de revisão, entre os próprios profissionais, dos trechos traduzidos. Ou seja, trata-se da contribuição, voluntária ou remunerada, proveniente de grandes grupos de tradutores integrantes das comunidades online globais em caráter autônomo. Essa nova configuração do trabalho no mercado de traduções redefine os moldes da contratação de profissionais que se consolidará, de forma generalizada, ao longo do século XXI. Parece-nos que, cada vez mais, o trabalho será uma prestação autônoma de serviços, em oposição à contratação formalizada de funcionários.

De acordo com Vashee ( 8, p. ), […] em 2006, o volume de informação digital criado, capturado e replicado foi de 1,288 x 1018 bites10. Em linguagem computacional, significa 161 exabytes ou 161 bilhões gigabytes. Isso é aproximadamente três milhões de vezes a informação de todos os livros já escritos11. Assim, com demandas por traduções crescendo rapidamente, é

10 Os computadores "entendem" impulsos elétricos, positivos ou negativos, que são representados por 1 ou 0. A cada impulso elétrico damos o nome de bit (BInary digiT). Um conjunto de oito bits reunidos como uma única unidade forma um byte.

1 Byte = 8 bits 1 kilobyte (KB ou Kbytes) = 1024 bytes 1 megabyte (MB ou Mbytes) = 1024 kilobytes 1 gigabyte (GB ou Gbytes) = 1024 megabytes 1 terabyte (TB ou Tbytes) = 1024 gigabytes 1 petabyte (PB ou Pbytes) = 1024 terabytes 1 exabyte (EB ou Ebytes) = 1024 petabytes 1 zettabyte (ZB ou Zbytes) = 1024 exabytes 1 yottabyte (YB ou Ybytes) = 1024 zettabytes

É também por meio dos bytes que se determina o comprimento da palavra de um computador, ou seja, a quantidade de bits que o dispositivo utiliza na composição das instruções internas, como por exemplo:

8 bits => palavra de 1 byte 16 bits => palavra de 2 bytes 32 bits => palavra de 4 bytes http://www.infowester.com/bit.php, 2016.

11 Tradução nossa: In 2006 the amount of digital information created, captured, and replicated was , 88 x 8 bites. In computer parlance, that‟s 6 exabytes ou 6 billion gigabytes. his is about 3 million times the information in all the books ever written! 33

humanamente impossível produzir traduções de qualidade de maneira instantânea. Por outro lado, os programas de Tradução Automática podem traduzir instantaneamente, mas sem qualidade. É, então, por isso que a combinação entre tradução humana e automática parece ser, por ora, uma solução viável tanto para o tempo dispendido quanto para a qualidade da tradução.

2.3. Sistemas de Memórias de Tradução

A Tradução Assistida por Computador (Computer-Aided Translation, ou CAT Tools) é possível por meio de Sistemas de Memórias de Tradução, que são bancos de dados de onde se aproveitam a recorrência de palavras, frases e sentenças em um documento para assegurar a coerência da terminologia e da tradução sintática. Dentre os softwares mais conhecidos estão SDL Trados, Wordfast, Swordfish, DéjàVu, Mymemory, Euro-lex, MemoQ, MetaTexis, Multitrans, OmegaT, Wordbee, WordFisher, Similis, para citar apenas alguns, considerados ferramentas básicas na atividade profissional de tradutores em geral.

2.3.1. Memórias de Tradução

Sistemas de Memórias de Tradução são desenvolvidos especialmente para serem usados por tradutores profissionais com o intuito de auxiliar na tradução de documentos com conteúdos semelhantes. Assim, a cada tradução, as escolhas do tradutor irão gradativamente compondo um banco de dados que espelha o trabalho humano. Se o usuário for um tradutor descuidado, o seu banco de dados será impreciso. Entretanto, se o tradutor for criterioso e traduzir textos do mesmo assunto, o banco de dados proporcionará confiabilidade terminológica e otimização de tempo.

Conforme Brum (2008, p. 47), a segmentação é um dos recursos básicos desse processo e consiste na divisão do texto em segmentos formando pares de frases, uma no idioma original, que permanecerá inalterada, e outra inicialmente no idioma original, mas que será editada pelo tradutor e substituída pelo texto traduzido. O par é composto pelo idioma de origem e pelo idioma de destino que será gravado na memória, formando um banco de dados. Ou seja, toda vez que um segmento é traduzido, ele será armazenado na memória de tradução que passa a ser um banco de dados de pares de segmentos de textos de origem e de destino, chamados de 34

unidades de tradução. Se, em futuras traduções, o texto original apresentar algum trecho igual ou semelhante ao que já tenha sido traduzido anteriormente, a memória identificará esse trecho e o mostrará como sugestão. Assim, dependendo do contexto, o tradutor poderá decidir se manterá a tradução sugerida, se usará apenas uma parte dela ou se fará uma nova tradução. Com isso, o tradutor economiza tempo e custos, mantendo a consistência terminológica com maior índice de reaproveitamento possível.

O outro recurso é o alinhamento que consiste em alimentar a memória com outros textos traduzidos anteriormente mesmo sem o uso de sistemas de memórias de tradução. Ou seja, é a comparação automática entre arquivos eletrônicos e a correspondência entre frases que possibilitam a criação das respectivas unidades de tradução. Por fim, mais um outro recurso é a recuperação, que consiste em aplicar, previamente e sem a interferência do tradutor, uma memória já existente em arquivos para tradução em lotes. Assim, o sistema substituirá as correspondências encontradas no banco de dados e o tradutor se dedicará aos segmentos novos e revisará os segmentos com correspondência inferior a 100%.

Considerando os objetivos desses recursos básicos em reduzir tempo e custos, Garcia (2006, p. 97) indaga se a chegada das Memórias de Tradução pode ser pensada como “uma benção ou uma maldição”, em razão de os ganhos com a alta produtividade serem contrabalanceados com as reduções de custos dos serviços de tradução, significando diminuição na remuneração aos profissionais de tradução. Ou seja, clientes não pagarão por trechos de textos já traduzidos anteriormente os quais já foram pagos, por esses mesmos clientes ou por outros clientes. A lógica desse mercado é a de não propiciar duplicidade de pagamento por algo já realizado.

Essa situação amplia as discussões sobre a contratação e a prestação de serviços de natureza intelectual. Os contratos de tradução não permitem ao tradutor a oportunidade de negociação da produção, ou seja, não há uma relação contratante/contratado, em que o contratado possa deter os direitos dos meios de produção (representados pelos segmentos anteriormente traduzidos e armazenados nas memórias), pois os tradutores são obrigados a aceitar as condições que lhe são impostas para a produção de um trabalho se quiserem ser contratados. 35

Nesse sentido, Garcia (2006, p. 97) problematiza a postura ética sobre o uso das memórias de tradução, indagando se o cliente teria direito também a essas memórias advindas dos serviços de tradução por ele pagos. Ademais, se um tradutor se utiliza de memórias de tradução produzidas por um grupo de tradutores, poderá requerer direitos autorais alegando que a tradução é, genuinamente, fruto de seu trabalho? Essas e outras questões fazem parte do cotidiano de todo tradutor com contrato de trabalho efetivo, autônomo ou freelancer.

Ainda sobre ética, Stupiello (2012a, p, 235) discute a relevância que o meio de produção tem na elaboração de uma tradução. Traduz-se com o auxílio das memórias não só para acelerar a produção do tradutor, mas especialmente para reaproveitá-la em trabalhos futuros:

Outro efeito dessa divisão de trabalhos seria a alienação dos direitos autorais por parte do tradutor, visto que, da mesma forma que este recebe o banco de dados para “alavancar” seu trabalho, dele também se espera a provisão do banco de dados formado a partir do trabalho realizado. Contratantes de serviços de tradução defendem sua exclusividade de acesso aos dados terminológicos reunidos a partir de um trabalho contratado. Por se considerarem propriet rios desse “subproduto” da tradução, em geral, exigem que lhes sejam repassados os dados terminológicos juntamente com a tradução. Esses dados são usados em trabalhos posteriores com o intuito de reduzir custos de tradução, na medida em que possibilitam o aproveitamento de correspondências estabelecidas, as quais são organizadas em “unidades de tradução”. Pela perspectiva do contratante, uma tradução deveria ser remunerada uma única vez, ou seja, a partir do momento em que um segmento for traduzido e reocorrer em outros textos, não deveria ser remunerado integralmente, independentemente do contexto de que ela vier fazer parte (STUPIELLO, 2012a, p. 235).

Dessa forma, vemos que, com os aportes tecnológicos, a discussão sobre a tarefa do tradutor centraliza-se na necessidade de garantir qualidade e lucratividade frente ao volume astronômico de traduções a serem realizadas.

2.3.2. Tradução Móvel

Embora a Tradução Móvel () não seja utilizada diretamente por tradutores profissionais, ilustramos este capítulo com esta outra modalidade de Tradução Automática, que é viabilizada por aparelhos portáteis conectados à internet (smartphones ou tablets) e que produz traduções instantâneas, acessíveis e 36

gratuitas. A tradução móvel foi desenvolvida em 1999, pelo Instituto Internacional de Pesquisas Avançadas em Telecomunicações, em Kansai Science City, no Japão. Em 2004, esse sistema foi disponibilizado comercialmente por meio da Transclick. Em 2009, NEC Corporation apresentou outro sistema de tradução móvel capaz de reconhecer 50.000 palavras japonesas e 30.000 palavras inglesas, produzindo traduções simples para situações de viagens internacionais (http://en.people.cn/200511/30/eng20051130_224674.html). Os aplicativos de tradução para smartphones oferecem serviços adicionais que facilitam o processo comunicativo, tais como:

a) Análise de fala (speech synthesis): o texto traduzido pode ser transformado em áudio no formato de uma fala humana com o registro da língua de chegada;

b) Reconhecimento de voz (speech recognition): a voz do usuário é gravada e enviada para um servidor que converte a fala em texto antes de ser traduzido;

c) Tradução por imagem (image translation): a imagem de um texto fotografado é enviada para um servidor que utilizará a tecnologia OCR (optical character recognition) para extrair o texto que será traduzido;

d) Interpretação de voz (voice interpreting): o usuário seleciona a combinação de idioma desejada e é conectado automaticamente a um intérprete.

2.3.3. Legendagem

Legendagem (Subtitling) não é apenas o método mais rápido e mais barato para traduzir diálogos em um filme, mas também é o mais preferido, pois permite que a audiência ouça o diálogo original e as vozes dos atores, diferentemente da dublagem. A tradução por legendagem é um pouco diferente da tradução do texto escrito, pois o tradutor de legendas nem sempre tem acesso à transcrição do diálogo e, via de regra, necessita sintetizar muito os enunciados para cumprir com as determinações de espaço e tempo estabelecidas em manuais de legendagem; por exemplo, uma legenda não deve passar de duas linhas ou 32 caracteres ou, ainda, cuja leitura seja de 15 caracteres por segundo. 37

Os principais tipos de tradução audiovisual em utilização atualmente são: tradução interlingual (legendagem, dublagem, voice-over12) e tradução intralingual (legendagem para surdos, descrição em áudio para cegos, closed-caption13 e legendagem para o teatro e para óperas).

Além da criação da legenda, o legendador também sincroniza as posições exatas onde cada legenda deve ser mostrada ou ocultada, resultando em um arquivo de legendas sincronizadas com a entrada e a duração das cenas. Estes marcadores são geralmente baseados em código de tempo (timecode) – se for um trabalho para mídia eletrônica (por exemplo, TV, vídeo, DVD) –, ou na duração do filme (medida em centímetros e quadros) – se as legendas forem utilizadas para filmes de cinema tradicional. Alguns programas de legendagem mais utilizados são o Subtitle Workshop para Windows, MovCaptioner para o Mac e Compositor da legenda para o Linux que, em seguida, serão codificados em um arquivo de vídeo com programas como o VirtualDub em conjunto com VSFilter (DÍAS-CINTAS e SÁNCHEZ, 2006, p. 40).

2.4. Internacionalização

A Internacionalização (Internacionalization) é o início do processo de desenvolvimento de um software que será comercializado em outros países. Com a Internacionalização, desde as primeiras etapas do projeto de um novo software, passando pelo planejamento, desenvolvimento e, por fim, implementação, é importante considerar questões linguísticas, culturais, financeiras e legais que envolvem a distribuição, a comercialização e a exportação do software para mercados estrangeiros. Ou seja, é primordial que o desenvolvimento do software contemple as prerrogativas que envolvem a tradução da língua materna do país exportador, a neutralidade cultural no texto do programa, a adaptação de imagens e ícones, a observação às convenções gráficas (números, alfabetos, calendários,

12 Voice-over é a voz (em filmes, programas ou comerciais) de um narrador oculto ou é a voz de uma personagem visível expressando pensamentos não falados. Tradução nossa. http://www.merriam-webster.com/dictionary/voice%E2%80%93over, 2016.

13 Closed-caption é a transcrição na tela das falas expressas em filmes, programas ou comerciais. Tradução nossa. http://www.merriam-webster.com/dictionary/voice%E2%80%93over, 2016. 38

horários, endereços, etc.) e a inclusão de caracteres ortográficos e fonéticos, como por exemplo, o som [œ], em francês, ou o som [ñ], em espanhol, dentre outros (AUER, WEIDL, LEHMANN, ZAVERI e CHOI, 2010).

2.4.1. Localização

A indústria de Localização teve início com os microcomputadores e com a expansão comercial de produtos de informática, quando fabricantes entenderam a necessidade de adaptar seus produtos às idiossincrasias sociais, culturais e linguísticas de cada local, conforme esclarecem Gil e Pym (2006, p. 13)14: Destacadamente, a partir da década de 1980, a necessidade de traduzir e adaptar o software a novos mercados levaram ao uso comum do termo "localização" em vez de "tradução". A palavra inglesa localization significa “to make local, orient locally” e traz a noção de tornar algo local ou orientar localmente, conforme explica Prudêncio, Valois, e De Lucca (2004, p. 215):

Localização é o processo que adapta o produto ao mercado local. Uma primeira concepção é que é somente o trabalho de tradução dos textos, afinal, realiza-se a Localização a partir do idioma (e aspectos culturais) original de criação do software (inglês, por exemplo), chamado de idioma de origem ou de partida (source language), para o idioma local (português, por exemplo), ou idioma-alvo ou de destino (target language). Mas também é necessário localizar diversos outros aspectos dos softwares: por vezes, um software envolve, por exemplo, questões legais ou de práxis contábil ou de negócios que não são adequadas ao país de destino. As adaptações que se fazem necessárias também correspondem ao conjunto de atividades que a localização engloba (PRUDÊNCIO, VALOIS, e DE LUCCA, 2004, p. 215).

A Internacionalização (I18N)15 e a Localização (L10N) de websites, programas e aplicativos são responsáveis pela comercialização de produtos em formato textual ou audiovisual, como um jogo eletrônico (Mario, Pokémon, Battlefield, etc.), um site corporativo (Unilever, Nestlé ou Novartis, etc.), um site educacional (UNESCO,

14 Tradução nossa: Most prominently, from the 1980s the need to translate and adapt software to new markets led to common use of the term “localization” rather than “translation”.

15 Na área de Tecnologias da Informação (TI), a criação de siglas ocorre de forma peculiar. Por exemplo, a palavra Internacionalização, por ser muito longa, é representada pela sigla I18N, ou seja, a primeira letra da palavra [I], o número 18, representando as 18 letras intermediárias, e a última letra [N] da palavra em inglês (InternationalizatioN). Da mesma forma, a palavra Localização (Localization) é representada pela sigla L10N. 39

Harvard ou Paris-Sorbonne, etc.), uma rede social (Facebook, Twitter, Linkedin, etc.) ou um serviço de comunicação pela internet (Skype, Whatsapp ou Hangout, etc.).

A Localização de Jogos (Game Localization) refere-se ao processo de transformação do software e do hardware para preparação de videogames que serão importados e vendidos em uma nova região, normalmente, em outro país. Apesar da transposição de textos, o processo de Localização inclui quaisquer alterações feitas no jogo, incluindo e alterando elementos de arte, criando novas embalagens e manuais, registrando novo áudio, transformando hardware, e até mesmo cortando porções inteiras do jogo devido às diferentes sensibilidades culturais. O objetivo da Localização é criar uma experiência agradável de jogo, que não seja confusa ao usuário final, em razão da adaptação ao contexto cultural. A suspensão da descrença é de extrema importância para o processo; se um jogador se sente como se o produto não tenha sido concebido para ele, ou se a Localização cria confusão ou dificuldade de compreensão, isso pode quebrar a imersão e interromper a habilidade de o jogador continuar interessado pelo jogo.

A decisão de localizar um produto depende fortemente de fatores econômicos, como os lucros potenciais que poderiam ser angariados em um novo país. Como tal, o processo é geralmente realizado ou pelos próprios desenvolvedores de jogos ou por uma empresa terceirizada de tradução. Como um campo industrial, a Localização ainda está em desenvolvimento e carece de consistência para implementação e reconhecimento de sua importância. A coleta de informações sobre práticas de Localização industrial, muitas vezes torna-se difícil pela falta de coerência entre as empresas e pelas cláusulas de sigilo inseridas nos contratos assinados pelas empresas de tradução. Um exemplo da nebulosidade desse contexto foi a curta duração da LISA (Localization Industry Standards Association), com base na Suíça, entre 1990 e 2011. Após o encerramento das atividades da LISA, o consórcio TerminOrgs (Terminology for Large Organizations) foi criado para promover o alinhamento de práticas terminológicas voltadas para a indústria de Localização. Alguns dos softwares utilizados na Localização são: Corel Catalyst, Appcaliza, RD- Wintrns e Passolo que são compatíveis com o Windows. Já o Appleglot e o Powerglot são compatíveis com o Macintosh (ESSELINK, 2003, p. 27). 40

De forma resumida, a Internacionalização (I18N) se refere à colocação de um produto (textual ou audiovisual) no mercado internacional. Já a Localização (L10N) constitui a segunda parte na preparação do software, responsável pela adaptação ao local específico em que será utilizado; tornando esse produto estrangeiro o mais regional possível em seu local, ou locale (mercado-alvo). Assim, o trabalho de Localização está intimamente ligado ao da tradução, posto que o localizador deve ser fluente ou nativo no idioma-alvo.

2.4.2. Glocalização

Glocalização () combina a ideia de globalização com a de considerações locais. Glocalização (uma junção de globalização e localização) é a adaptação de um produto ou serviço especificamente para cada localidade ou cultura em que é vendido. É semelhante à internacionalização. É quando um produto global é alterado de alguma maneira, a fim de atrair consumidores locais a se acostumarem com um produto estrangeiro. Um exemplo de globalização é a crescente presença de restaurantes McDonalds em todo o mundo, enquanto as alterações do menu, com o objetivo de agradar paladares locais, são um exemplo de glocalização. Uma ação que ilustra o conceito de glocalização é a escolha feita pela empresa McDonald, durante uma campanha de marketing em 2010, ao substituir sua mascote para o mercado francês. A cadeia de restaurante utilizou Asterix, o Gaulês, personagem das histórias em quadrinhos da cultura francesa, ao invés do mundialmente reconhecido Ronald McDonald (BUFFERY, 2010, http://in.reuters.com/article/2010/08/18/idINIndia-50918120100818).

2.4.3. Globalização

É interessante notar que o entendimento, nos primórdios da globalização, apontava para a consolidação de uma língua franca. Contudo, observamos o contrário, a necessidade de manter, por interesses comerciais, a multiplicidade linguística e cultural, não por se acreditar que a preservação de uma língua seja uma forma de reverenciar uma cultura, mas para ser um instrumento de aproximação mercadológica. Considerar as especificidades de uma língua, em uma transação comercial, não parece uma tentativa de respeitar, mas sim de subjugar uma cultura, pela imposição de mercadorias e práticas estrangeiras que não se relacionam com 41

as idiossincrasias culturais, mas que atendem, tão somente, a audaciosos projetos de marketing internacional.

Um cenário globalizado e plurilíngue, como o da Comunidade Europeia, leva-nos a mencionar outras tentativas de uniformidade linguística, a exemplo do Esperanto – língua artificial mais falada no mundo e que já adquiriu o status de semilíngua –, ainda considerado como uma opção para se tornar uma língua franca internacional. Conforme seu idealizador – o médico judeu Ludwik Lejzer Zamenhof, que a desenhou, em 1887, na iałystok (atualmente localizada na Polônia, então, Império Russo) – o Esperanto não visaria à substituição de todas as outras línguas existentes, mas, sim, à facilitação da aprendizagem de uma língua franca. Christiansen (2006, p. 21) analisa a potencialidade de algumas políticas linguísticas destinadas para a União Europeia em que pesem a participação, a integração e os benefícios de processos democráticos para comunidades linguísticas minoritárias e majoritárias. A autora discute a reinterpretação do que a União Europeia poderá representar no que se refere às questões identitárias permeadas pelo multilinguísmo e resumidas em noções de uma União Inglesa, uma União Elitista, uma União Equalitária ou uma União Esperanto (palavra formada pelas partículas latinas sper + ant + o = o que espera).

Em que pese o desenvolvimento de Tecnologias de Tradução, as políticas linguísticas são particularmente importantes nesse cenário, supondo que uma educação multilíngue, ou plurilíngue, é vista como uma ferramenta democrática para assegurar a participação cidadã em debates intergovernamentais, como é o caso da União Europeia. Considerando um planejamento cuidadoso de educação multilíngue, o ensino poderia seguir um modelo trilíngue (uma língua materna, uma língua franca e uma língua adicional) salvaguardando, com isso, identidades étnicas. Christiansen (2006, p. 43) conclui que, em longo prazo, a alternativa para uma política linguística mais adequada seria empregar uma língua artificial, tal qual o Esperanto, como língua franca ou língua de apoio, a fim de que comunicações profissionais, no interior de instituições da Comunidade Europeia, sejam viabilizadas de maneira eficaz e eficiente.

Do exposto neste capítulo, a prática tradutória encontra-se no centro de toda a problematização mercadológica, tecnológica e linguística. Com a utilização de 42

Memórias de Tradução, vemos a reciclagem de segmentos de textos em que a língua recebe esparsas atualizações, como se fosse uma entidade fixa, rígida e que não estivesse em constante (re)construção. Com a Localização, temos a busca de especificidades da língua local para impor mercadorias estrangeiras, em uma relação de controle da língua, colocando e retirando o que causa estranhamento, ou seja, a própria equivocidade constitutiva da língua que escapa, deixando rastros do que é diferente e estranho. Por fim, com a Tradução Colaborativa, vemos a fixação de modelos de trabalho ainda mais neoliberais, isentos de direitos e garantias trabalhistas e carregados de obrigações e riscos empresariais. Assim, por meio do discurso da qualidade de produto, sofisticação tecnológica e lucratividade de serviços se estabelece a legitimação de procedimentos de naturalização das práticas, apagando, indícios do surgimento de mecanismos de simplificação da linguagem e homogeneização das subjetividades e, por conseguinte, de reconfiguração da identidade de tradutores, ou seja, a eterna secundarização dos tradutores.

43

3. TRANSCURSO TEÓRICO

A razão na linguagem: oh, que velha e matrona enganadora! Receio que não nos livraremos de Deus, pois ainda cremos na gram tica…

Nietzsche, ( 888 [ 6 “razão na filosofia”§ 5])

3.1. Fetiche

Durante os séculos XVI e XVIII, o Golfo do Benin, localizado na África Ocidental, era a região mais densamente povoada do continente africano, fomentando o contato transcultural em razão dos interesses mercantis. Comerciantes, navegantes e exploradores de ouro, marfim e escravos (dentre outras mercadorias), com o intuito de sucesso comercial, passaram a observar detalhes das multiculturas que ali passavam. Cartógrafos, antropólogos e missionários também contribuíram para o interesse europeu pelas idiossincrasias das culturas africanas.

É neste contexto que as variantes do termo fetiche – fétiche (do francês), feitiço (do português), ficticius ou facere (do latim) – são cunhadas, especialmente, a partir da publicação “Du culte des Dieux Fétiches ou Parallèle de l‟ancienne eligion de l‟Égypte avec la eligion actuelle de Nigritie”, em 760, escrita pelo erudito francês Charles de Brosses (1709 – 1777). Segundo Laranjeira (2010, p. 1), De Brosses interpretou os cultos dos povos primitivos relacionando fetichismo a objetos ou animais (oráculos, amuletos, talismãs) que, embora não fossem considerados deuses, eram pensados como dotados de poderes mágicos ou sobrenaturais, positivos ou negativos, podendo ser comparados à adoração de imagens santas das religiões europeias.

Entretanto, Charles de Brosses (1760, p. 10-11) não restringia o fetichismo à população africana. O filósofo definia o fetichismo, exemplo de Teologia Pagã, como uma crença da população da África ou de qualquer outra nação cujos objetos de culto seriam animais ou seres inanimados divinizados. O fetichismo também poderia se referir a objetos não considerados como deuses propriamente ditos, mas como coisas dotadas de uma força imanente, a exemplo dos oráculos, amuletos e talismãs protetores (LARANJEIRA, 2010, p.1).

Entre os séculos XVIII e XIX, o conceito de fetichismo foi largamente utilizado, na antropologia e na sociologia. Para o filósofo francês e fundador da Sociologia e do 44

Positivismo, Auguste Comte (1798 – 1857), o fetichismo atribui características antropomórficas a todos os seres (vivos ou não) que são percebidos como vivos e dotados de vontade. Todavia, no início do século XX, o conceito caiu em desuso por ser, ao mesmo tempo, muito etnocêntrico (“fruto de um mal-entendido colonialista”) e muito amplo, pois tudo o que era relacionado ao sobrenatural, na África Ocidental, era chamado fetiche. Não obstante, foi revitalizado por outras epistemologias que contribuíram para um deslocamento do enfoque etnocêntrico, conforme atesta Pires (2011, p. 62):

Conceitos de grande importância em teorias desde o séc. XVIII ao início do séc. XX caíram em desuso por volta da segunda década do século passado por serem considerados ao mesmo tempo etnocêntricos (fruto de um mal-entendido colonialista) e muito amplos (tudo relacionado ao sobrenatural na África ocidental era chamado de fetiche). Mas o fetiche enquanto categoria heurística não morreu. Paralelamente ao declínio de sua importância na antropologia, a noção foi transposta para os campos da sexologia, da psicanálise e da economia (por Binet 1888, Freud 1927 e Marx 1883). E, recentemente, o fetichismo religioso tem sido revivido paulatinamente por autores como Pouillon, MacGaffey, Pietz e Latour, ainda que de maneiras muito distintas entre si, e ainda que nem sempre tendo como objetivo tal revitalização (PIRES, 2011, p. 62).

Além desse enfoque antropológico e sociológico, há o conceito de fetichismo da linguagem na filosofia de Nietzsche. Apresentaremos alguns conceitos-chaves no pensamento nietzschiano que frequentemente se encontram imbricados; por exemplo, o de niilismo, o de moral e o de verdade e, em seguida, o conceito de fetiche da linguagem.

Nietzsche, que se autointitulava não como um homem, mas como uma dinamite, em sua filosofia do martelo (NIETZSCHE, 1888 [2006]) estilhaçou conceitos tradicionais e enraizados a partir da filosofia socrática, responsável por dicotomizar o entendimento da vida entre mundo inteligível e mundo sensível. O primeiro só seria possível de ser tangenciado pela alma imaterial ou por valores e verdades absolutos. E o segundo só poderia ser tangenciado se relacionado às ilusões percebidas pelos sentidos e sensações corporais. Em oposição a esse viés dicotômico, Nietzsche problematiza o conceito de niilismo entendido, na tradição filosófica, como a ausência ou negação de valores e princípios que possam reger a existência humana, ou seja, tradicionalmente, sob a égide do niilismo, o indivíduo 45

negaria os valores superiores e abstratos.

Nietzsche inverte essa perspectiva, ao afirmar que o niilismo se refere àqueles que vivem de acordo com princípios e determinações superiores e imateriais, e assim, ligam-se a algum tipo de ideologia, por exemplo, o cristianismo, o comunista, o anarquismo, o socialismo; pautando a vida em idealidades. Em Nietzsche (1872 [1992 § 5, p. 19-20]), o que o niilista nega é o mundo da vida, em favor de ideais e valores absolutos. O mundo dos afetos, dos corpos, das sensações, das pulsões e das energias vitais é negado pelo niilista. Ou seja, em nome do céu, nega-se a terra, em nome de uma vida ideal, nega-se a vida real. E, neste sentido, a crítica de Nietzsche à filosofia clássica é particularmente contundente, pois o legado de Sócrates, Platão e Aristóteles, absorvido pelo Cristianismo, professa que a realidade é uma ilusão e que o mundo das ideias, no caso de Platão, e do cosmos, no caso de Aristóteles, tem maior importância do que a manifestação artística, sensorial ou psíquica.

Na verdade, não existe contraposição maior à exegese e justificação puramente estética do mundo, tal como é ensinada neste livro, do que a doutrina cristã, a qual é e quer ser somente moral, e com seus padrões absolutos, já com sua veracidade de Deus, por exemplo, desterra a arte, toda arte, ao reino da mentira isto é, nega-a, reprova-a, condena-a. Por trás de semelhante modo de pensar e valorar, o qual tem de ser adverso à arte, enquanto ela for de alguma maneira autêntica, sentia eu também desde sempre a hostilidade à vida, a rancorosa, vingativa aversão contra a própria vida: pois toda a vida repousa sobre a aparência, a arte, a ilusão, a óptica, a necessidade do perspectivístico e do erro. O cristianismo foi desde o início, essencial e basicamente, asco e fastio da vida na vida, que apenas se disfarçava, apenas se ocultava, apenas se enfeitava sob a crença em "outra" ou "melhor" vida. O ódio ao "mundo", a maldição dos afetos, o medo à beleza e à sensualidade, um lado-de-lá inventado para difamar melhor o lado-de-cá, no fundo um anseio pelo nada, pelo fim, pelo repouso, para chegar ao "sabá dos sabás" - tudo isso, não menos do que a vontade incondicional do cristianismo de deixar valer somente valores morais, se me afigurou sempre como a mais perigosa e sinistra de todas as formas possíveis de uma "vontade de declínio”, pelo menos um sinal da mais profunda doença, cansaço, desânimo, exaustão, empobrecimento da vida - pois perante a moral (especialmente a cristã, quer dizer, incondicional), a vida tem que carecer de razão de maneira constante e inevitável, porque é algo essencialmente amoral - a vida, apressa sob o peso do desdém e do eterno não, tem que ser sentida afinal como indigna de ser desejada, como não-válida em si. A moral mesma - como? A moral não seria uma "vontade de negação da vida" , um instinto secreto de aniquilamento, um princípio de decadência, apequenamento, difamação, um começo do fim? E, em consequência, o perigo 46

dos perigos? ... Contra a moral, portanto, voltou-se então, com este livro problemático, o meu instinto, como um instinto em prol da vida, e inventou para si, fundamentalmente, uma contradoutrina e uma contra-valoração da vida, puramente artística, anticristã. Como denominá-la? Na qualidade de filólogo e homem das palavras eu a batizei, não sem alguma liberdade - pois quem conheceria o verdadeiro nome do Anticristo? - com o nome de um deus grego: eu a chamei dionisíaca (NIETZSCHE, 1872 [1992 § 5, p. 19-20]).

Nietzsche também ataca o conceito de verdade e a designa como um ideal, um ídolo como qualquer outro. Se a busca da verdade faz parte do mundo transcendente e não do mundo real, por que então as pessoas buscam ou são interpeladas a falar a verdade? Para ele, a verdade é um exemplo bem acabado de muleta metafísica, tendo em vista que a verdade é enunciada em palavras e não há nenhuma relação entre o real e uma verdade, pois o real não se deixa traduzir em palavras que são incapazes de designar as coisas do mundo real pelo fato de o mundo estar em constante transformação e movimento.

Para Nietzsche, as palavras não correspondem às pessoas ou coisas pelo fato de elas estarem em transformação constante. Com o intuito de lidar com a transitoriedade da descrição do mundo, verdades universais são criadas paralisando, ilusoriamente, o mundo fugidio, fugaz, fluido. Isto é, a construção da verdade é um desejo de controlar o mundo real em que não há verdades. Verdade é uma ilusão e traz tranquilidade e fixidez. Para Nietzsche, tudo é potência, é energia vital que não se estancam, não se traduzem em palavras. A verdade produz a ilusão de um mundo imóvel, brecado e estancado e menos angustiante. Dessa forma, a busca e a construção da verdade são decorrentes do fetichismo da linguagem criado pela filosofia clássica. Esse processo é a expressão da decadência, que teve início na Grécia Clássica com Platão, passou pelos teólogos cristãos e chegou ao mundo moderno nas mãos dos cientistas e filósofos. A sabedoria dos instintos e dos sentidos foi eliminada pelo saber racional, objetivo e positivo, recuperados pela modernidade.

Segundo seu aparecimento, a linguagem pertence ao tempo da forma mais rudimentar de psicologia. Inserimo-nos em um fetichismo grosseiro quando trazemos à consciência os pressupostos fundamentais da linguagem metafísica: ou, em alemão, da razão. Esse fetichismo vê por toda parte agentes e ações; ele crê na vontade enquanto causa em geral; ele crê no "Eu", no Eu enquanto Ser, no Eu enquanto Substância, e projeta essa crença no Eu-substância para todas as coisas. - Só a partir daí a consciência cria então o conceito 47

"coisa"... Por toda parte, o Ser é introduzido através do pensamento, imputado como causa. Somente a partir da concepção do "Eu" segue, enquanto derivado, o conceito "Ser"... No começo encontra-se a grande imposição do erro: a assunção de que a vontade é algo que atua - de que a vontade é uma faculdade... Hoje sabemos que ela é meramente uma palavra... Muito mais tarde, em um mundo milhões de vezes mais esclarecido, veio com espanto à consciência dos filósofos a segurança, a certeza subjetiva na manipulação das categorias da razão. Eles concluíram que elas não poderiam provir da empiria - toda a empiria já se encontra para eles em contradição (NIETZSCHE, 1888 [2006, A razão da filosofia § 5]).

Em contraposição ao fetichismo da linguagem de Nietzsche, temos também o conceito de fetiche da teoria econômica e política do marxismo que considera o fetiche um elemento fundamental para a manutenção do modo de produção capitalista que cria aparência de igualdade e ocultamento da desigualdade. O fetiche relaciona-se à fantasia (simbolismo), ou seja, a mercadoria, um ser inanimado, passa a ser considerado como se tivesse vida: produtos com vida própria.

O fetichismo da mercadoria revela a criação de um mundo em que as coisas têm o poder de estabelecer as relações sociais com os homens. A partir desta forma de ser das relações humanas no sistema capitalista, o mundo da mercadoria alarga-se, o processo de expansão do capital adquire força, impulsionado pela supressão das idiossincrasias de tempo e de espaço. Reside também no fato de que, com a universalização da produção de mercadorias, as relações sociais entre os produtores passam a ser mascaradas pelas relações de troca entre as diferentes mercadorias. Com isso, as relações sociais entre as pessoas são apresentadas como relações sociais entre coisas, em virtude de a forma da mercadoria ser baseada no esvaziamento do conteúdo sócio-histórico-simbólico do processo produtivo do trabalho humano, fazendo crer que a base de tudo é a abstração do trabalho. Marx explica o processo por meio do qual o fetiche da mercadoria se coloca ao afirmar que o valor das mercadorias é um dado objetivo, mas na verdade, esse valor tem bases no trabalho humano nela objetivado.

Os objetos de uso tornam-se mercadorias apenas por serem produtos de trabalhos privados, exercidos independentemente uns dos outros. O complexo desses trabalhos privados forma o trabalho social total. Como os produtores somente entram em contato social mediante a troca de seus produtos de trabalho, as características especificamente sociais de seus trabalhos privados só aparecem dentro dessa troca. Em outras palavras, os trabalhos privados só 48

atuam de fato, como membros do trabalho social total, por meio das relações que a troca estabeleceu entre os produtos do trabalho e, por meio dos mesmos, entre produtores (MARX, 1867, Volume 1, seção 4, disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap01.htm#c1s4).

A importância da noção de fetichismo para Marx relaciona-se à noção de preço político e de preço de mercado. Considerando o preço como expressão monetária do valor, as mesmas relações que valem para o preço também valem para o valor. Em uma sociedade socialista, o preço (e o valor) é politicamente determinado e não se esconde nos produtos, nas coisas ou em nenhuma relação de produção, ao contrário do que ocorre no capitalismo. No socialismo, a relação é do tipo homem- homem, não havendo a necessidade da interposição da mercadoria. Ou seja, não se constitui uma relação homem-mercadoria-homem. Os objetos de uso não se tornam mercadorias, pois não são produtos de trabalhos privados. Os objetos de uso, portanto, não se fetichizam; não apresentam atributos mágicos e não escondem relações sociais. A forma social valor, na verdade, perde significado em virtude da relação entre trabalho individual e trabalho social.

Entretanto, o fetichismo da mercadoria, nas sociedades de mercado, esconde não o objeto desejado, mas as relações que são desejadas e que não acontecem, pois no capitalismo, as mercadorias é que têm vida social. As pessoas relacionam-se por meio das mercadorias e se tornam coisas; os indivíduos apenas são aquilo que possuem. Nos dois casos, as coisas ganham propriedades mágicas. Aparecem como se tivessem um valor próprio e não como objetos que só têm sentido quando utilizados pelos seres humanos. As pessoas aprendem que a riqueza social é produzir mercadorias, mas, para Marx, a riqueza social não se mede pela quantidade de mercadorias produzidas e sim pela capacidade de transformar a criatividade humana em valor a ser apreciado de forma comunitária e não de forma monetária. O fetichismo da mercadoria designa que o valor dos produtos é atribuído às suas qualidades intrínsecas, trazendo, assim, o esquecimento que elas foram fabricadas pelo homem. Esta ilusão define a relação entre homens como simples relações entre coisas. O mundo das coisas domina o mundo dos homens, ou melhor, tudo se torna mercantil.

A forma mercadoria e a relação de valor dos produtos do trabalho [na qual aquela se representa] não tem a ver absolutamente nada com a sua natureza física [nem com as 49

relações materiais dela resultantes]. É somente uma relação social determinada entre os próprios homens que adquire aos olhos deles a forma fantasmagórica de uma relação entre coisas. Para encontrar algo de análogo a este fenómeno, é necessário procurá-lo na região nebulosa do mundo religioso. Aí os produtos do cérebro humano parecem dotados de vida própria, entidades autónomas que mantêm relações entre si e com os homens. O mesmo se passa no mundo mercantil com os produtos da mão do homem. É o que se pode chamar o fetichismo que se aferra aos produtos do trabalho logo que se apresentam como mercadorias, sendo, portanto, inseparável deste modo-de-produção (MARX, 1867, Volume 1, seção 4, disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital- v1/vol1cap01.htm#c1s4).

Passemos agora à teoria de Freud (1938 [1940]), para explicarmos o fetiche que está ligado ao complexo de castração, que tem origem no momento em que o menino percebe que a mãe não possui o falo. Essa constatação o aterroriza por acreditar que ele também, eventualmente, será castrado. Para se proteger da suposta castração, o menino cria uma prótese para a satisfação sexual, ou seja, um fetiche, na infância, que funcionará como uma parafilia, na vida adulta, para a ausência de pênis na figura feminina. O fetiche poderá ser representado por um objeto, uma vestimenta, uma parte do corpo, ou qualquer outro dispositivo que passe a ter grande importância no corpo ou visualização do outro, durante o ato sexual. Por ser um substitutivo ao pênis, o fetiche traz transferência de uma parte, e não do todo, do/no corpo. A escolha inconsciente de um fetiche poderá afastar o terror da castração, originado na infância, e permitir a realização sexual, na idade adulta.

O interesse de Freud pelo fetichismo iniciou-se em 9 5, com “ rês Ensaios sobre a eoria da exualidade” e percorreu toda a sua obra até 9 8, com “ Divisão do Ego no Processo de Defesa” e “Esboços de Psican lise”, nos quais estudou as aberrações da pulsão sexual e o abandono do alvo sexual relacionados à supervalorização sexual. O conceito de fetiche é entendido como uma substituição do objeto sexual normal por outro totalmente impróprio e esse substituto é, geralmente, uma parte do corpo (os pés, os cabelos) ou um objeto inanimado (uma peça íntima, um artigo de vestuário), que se propaga por tudo o que se associa ao objeto de fetiche:

O ponto de ligação com o normal é proporcionado pela supervalorização psicologicamente necessária do objeto sexual, que se propaga inevitavelmente por tudo o que está 50

associativamente ligado ao objeto. Por isso certo grau desse fetichismo costuma ser próprio do amor normal, sobretudo nos estágios de enamoramento em que o alvo sexual normal é inatingível ou sua satisfação parece impedida (FREUD,1905, p.92).

Em alguns casos, na escolha do fetiche, manifesta-se a persistência de uma impressão sexual precoce, geralmente, associada à primeira infância, que se compara ao primeiro amor. Em outros casos, a substituição do objeto pelo fetiche está relacionada a uma conexão simbólica, e por isso, inconsciente de pensamentos. Contudo, tal simbolismo não, necessariamente, está relacionado às experiências sexuais da infância. O fetiche também salva o fetichista de se tornar homossexual, dotando as mulheres da característica que as torna toleráveis como objetos sexuais.

Em 9 7, no texto intitulado “Fetichismo”, Freud explica que o fetiche se constitui por meio de um processo de ambiguidade e de dualidade de forças antagônicas, pois é, ao mesmo tempo, ausência e presença, rejeição e aceitação, esquecimento e lembrança da castração feminina. Assim, refere-se tanto à constatação de que a mãe não possui um pênis, quanto à incredibilidade de que a mãe foi castrada, bem como o reconhecimento apavorante, para o menino, de que ele também poderá sofrer, no futuro, uma terrível experiência de ser castrado:

O fetiche é um substituto do pênis da mulher (da mãe) em que o menininho outrora acreditou e que - por razões que nos são familiares - não deseja abandonar. O que sucedeu, portanto, foi que o menino se recusou a tomar conhecimento do fato de ter percebido que a mulher não tem pênis. Não, isso não podia ser verdade, pois, se uma mulher tinha sido castrada, então sua própria posse de um pênis estava em perigo, e contra isso ergueu-se em revolta a parte de seu narcisismo que a Natureza, como precaução, vinculou a esse órgão específico (FREUD, 1927, p. 91).

Contudo, o fetiche não se constitui como um substituto para qualquer pênis, Freud (1927, p. 91) alerta que não é um substituto para qualquer pênis ocasional, e sim para um pênis específico e muito especial, que foi extremamente importante na primeira infância, mas posteriormente perdido. O caso estudado por Freud de um paciente de nacionalidade inglesa que, após ter se mudado para a Alemanha, esquecera totalmente o idioma inglês, apresenta-se como um caso emblemático de fetichismo. Em virtude de o processo de fetiche se originar na primeira infância, Freud considerou a importância de analisar o fetiche do paciente em língua inglesa 51

que se constituía por certo brilho no nariz. A descrição em língua inglesa seria glimpse remetendo a vislumbre.

O caso mais extraordinário pareceu-me ser aquele em que um jovem alçou certo tipo de „brilho do nariz‟ a uma precondição fetichista. explicação surpreendente para isso era a de que o paciente fora criado na Inglaterra, vindo posteriormente para a Alemanha, onde esquecera sua língua materna quase completamente. O fetiche, originado de sua primeira infância, tinha de ser entendido em inglês, não em alemão. O „brilho do nariz‟ [em alemão „Glanz auf der Nase„] era na realidade um „vislumbre (glance) do nariz‟. O nariz constituía assim o fetiche, que incidentalmente, ele dotara, à sua vontade, do brilho luminoso que não era perceptível a outros (FREUD, 1927, p. 91).

Dessa forma, a palavra vislumbre remete à visão da mãe castrada, nariz remete à anatomia do pênis e brilho remete à adoração à língua estrangeira, ou seja, esquecendo a língua materna, ocorre a fetichização da língua estrangeira, que tem a função de substituir o reconhecimento de que a língua materna é castrada, não tem brilho ou valor, podendo, por isso, ser “esquecida”.

Fetiche, também, refere-se à idealização, que na tradução, pode ser atribuída à maneira pela qual tradutores encaram o momento de indecidibilidade entre a língua tida como materna e a língua estrangeira. Ou seja, o fetiche pela língua estrangeira pode emergir nos momentos em que o tradutor se depara com termos que ele acredita ser intraduzíveis e, por isso, ele opta por não traduzi-los. Assim, ocorre o processo de fetichização que tem a função de substituir a falta na língua materna pela ilusão de completude da língua estrangeira, protegendo o sujeito do horror da castração da língua materna. A fetichização no intraduzível remete ao que Berman (1984 [2002, p. 23]) denomina de pulsão traduzinte, ou seja, a primazia da língua estrangeira sobre a língua materna:

A pulsão traduzinte coloca sempre outra língua como ontologicamente superior à língua própria. De fato, não seria umas das experiências primeiras de qualquer tradutor ver sua língua como que desprovida, pobre diante da riqueza linguageira da obra estrangeira? A diferença das línguas – outras línguas e língua própria – é aqui hierarquizada (BERMAN, 1984 [2002, p. 23]).

Contudo, fetiche só ocorre em partes e não no todo, pois não se fetichiza o corpo humano, tampouco o corpo textual, inteiramente, sob o risco de não ocorrer nem o 52

ato sexual nem o ato de tradução. A (in)traduzibilidade não aponta para a impossibilidade de tradução, mas para o momento de indecidibilidade, quando o tradutor é forçado a tomar uma decisão pelas contingências da língua, mas que, de antemão, essa escolha não lhe agrada. É um momento de angústia para o tradutor que se vê desafiado em sua habilidade tradutória frente às idiossincrasias da língua(gem).

Um exemplo desse processo de fetichização na tradução é trazido pelo texto de Thom (2005, p. 125), cujo objetivo é questionar a interpretação dos termos freudianos verneinung, verwerfung e ausstossung. O autor discorre sobre as possibilidades de tradução desses termos mesmo declarando não ser fluente em alemão: Meu conhecimento de alemão é mínimo, mas não acho que ao amarrar minha argumentação aos três termos citados tenha, tal qual o lendário Barão de Münchausen, amarrado meu cavalo à torre de uma igreja (THOM, 2005, p. 126).

Problematizando as traduções dos três termos em alemão (verneinung, verwerfung e ausstossung), que se relacionam ao processo de fetichização na teoria freudiana, concomitantemente, Thom plasma o próprio processo de fetiche na linguagem e na tradução ao afirmar que: é evidente que o artigo de Freud “Die Verneinung” foi traduzido de várias formas distintas; não obstante, é valido examinar os termos originais em alemão para “ver o que se perdeu” (grifo nosso) nas traduções inglesas e francesas (THOM, 2005, p. 126). De fato, o que se perdeu é o que foi extirpado, castrado, e, essa tentativa de retorno remete à própria fetichização em que o sujeito tenta encontrar algo que substitua o objeto perdido. O fato de manter, nesse exemplo, os termos em alemão, Thom aponta para uma tentativa de preservar o enigma advindo da dualidade de lembrar e esquecer o horror da castração da língua materna e a possibilidade de ser castrado também pela tradução, tal como o menino que atesta a castração da mãe e acredita que também será eventualmente castrado.

Para se proteger da castração e para ser capaz de se relacionar sexualmente no futuro com mulheres, ele encontrará um algo no corpo feminino, ou relacionado com o feminino, que substituirá a ausência do falo. Evitar a castração pela tradução é se esquivar do momento de decisão, protegendo-se de uma possível escolha malfadada que o apavora pela exposição de sua possível ineficiência. O fetiche pela língua estrangeira é analisado também por Coracini (2007a, p. 194) a partir do 53

desejo de fidelidade em que tradutores elevam a língua estrangeira a um patamar superior ao da língua dita materna:

Por um lado, o respeito e a sacralização (fetiche?) do texto original remetem à ânsia de fidelidade, ao desejo de que a linguagem fosse transparente e de que o conhecimento total de cada uma das línguas e culturas implicadas bastasse para garantir a transposição literal de um texto escrito numa língua para uma outra, sem que o tradutor ficasse em dívida, endividado, comprometido com uma espécie de traição que a tradição tem fomentado por meio de alguns teóricos e especialistas. Por outro lado, o prazer da tradução reconhecida por sua qualidade – embora seja difícil definir o que significa isso: tradução fiel (CORACINI, 2007a, p. 194).

O fetichismo, então, como uma prótese para o complexo de castração se caracteriza como um mistério, um enigma; é um valor escondido que se atribui ao que não se tem, ou seja, um substituto enigmático para o falo castrado e que, em nossa pesquisa, configura-se como a tecnologia, substituindo o saber do tradutor como se ele não mais possuísse um saber próprio independente da tecnologia. Fetiche também se refere à idealização, que em nosso caso, pode ser atribuída à maneira pela qual tradutores encaram as prerrogativas do mercado de trabalho, organizado em torno de metas cada vez mais rigorosas em relação a prazos e preços. Para nosso estudo, é possível que, no dizer dos tradutores, ocorra oscilação entre as variantes do conceito de fetiche presentes na visão antropológica, sociológica, filosófica, psicanalítica ou linguística. Ou seja, as tecnologias de tradução podem ser vistas como amuletos ou talismãs enfeitiçados, construção de verdade, mercadorias ou substitutivos para o complexo de castração ou intraduzibilidade.

3.2. Tradução

A concepção de tradução que nos orienta é a de que traduzir é, essencialmente, interpretar e, por isso, consideramos a tradução (oral ou escrita) como um gesto de leitura e, por extensão, como uma atividade de produção de sentidos, em cujo processo o leitor, e, portanto o tradutor, não se coloca de maneira passiva. Por ser constituído pela linguagem, o tradutor não está fora do jogo da leitura e da interpretação; ele é afetado pelo que traduz, pela língua-cultura do outro e pela sua própria língua-cultura. 54

As contribuições pós-estruturalistas dos estudos da tradução mostram que o original sobrevive por meio da tradução; a tradução é a sobrevida do texto e propiciar essa sobrevida é a tarefa do tradutor. Algumas obras estão sempre à espera da tradução, mesmo que nunca venham a ser traduzidas. A potencialidade dos sentidos imersos no original (que podem emergir na tradução) é analisada por Benjamim (1923 [2008, p 27]) ao problematizar a relação de sobrevida entre original e tradução em que pese o distanciamento temporal:

O fato da traduzibilidade ser própria de certas obras não significa que a sua tradução lhes seja necessária e essencial mas sim que um determinado significado, existente na essência do original, se expressa através da sua traduzibilidade. É evidente que uma tradução, por muito boa que seja, nunca consegue afetar ou mesmo ter um significado positivo para o original. Ela mantém, no entanto, com o original uma estreita conexão através da traduzibilidade. E esta conexão é tanto mais estreita e íntima por não afetar o original, podendo ser denominada como conexão natural, ou mesmo, num sentido mais rigoroso, como relação vital. Do mesmo modo que as exteriorizações vitais se mantêm intimamente relacionadas com os seres viventes, sem todavia os afetar, a tradução nasce também do original, procedendo neste caso não tanto da vida como antes da “sobrevivência” da obra. Isto porque a tradução é posterior ao original, e, como os tradutores predestinados nunca as encontram na época da sua formação e nascimento, a tradução indica, no caso das obras importantes, a fase em que se prolonga e continua a vida destas. Não é metafórica mas sim literalmente que se deve entender a vida e sobrevivência de uma obra de arte (BENJAMIN, 1923 [2008, p 27]).

Entretanto, em nossa perspectiva teórica, é a perspectiva de múltiplas leituras e interpretações que promove a sobrevida de uma obra sempre prenhe de novas leituras, abrindo possibilidades para outros gestos de leituras e interpretações, lembrando que toda interpretação está permeada pelas condições de produção de um momento histórico-social, do contexto situacional do tradutor/leitor. Daí a impropriedade de alguns tradutores (e, mais ainda, de analistas críticos sobre a qualidade das traduções) que tentam encerrar o sentido em uma única leitura, como se houvesse um sentido ideal a ser transmitido pelo autor, passível de ser totalmente resgatado pelo leitor ou tradutor e, assim, uma única tradução. Berman (1984 [2002, p. 16]), em oposição à Benjamin, assinala que a tradução é responsável pela estrangeirização do texto na língua meta, mantendo o que é do outro no texto traduzido, como por exemplo, a geografia do sertão traduzida para o inglês. 55

Toda cultura resiste à tradução mesmo que necessite essencialmente dela. A própria visada da tradução – abrir no nível da escrita uma certa relação como o Outro, fecundar o Próprio pela mediação do Estrangeiro – choca-se de frente com a estrutura etnocêntrica de qualquer cultura, ou espécie de narcisismo que faz com que toda sociedade deseje ser um Todo puro e não inusitado. Na tradução há alguma coisa da violência da mestiçagem (BERMAN, 1984 [2002, p.16]).

Nesse sentido, destacamos a indagação de Schnaiderman (2011, p. 55), a fim de refletir sobre algumas representações de leitura, tradução e interpretação que perpassam o sujeito na posição de autor. Schnaiderman (2011, p. 51 e 52) faz alusão às afirmações elaboradas por Guimarães Rosa em sua correspondência com o tradutor alemão, Curt Meyer-Clason, responsável pela tradução de sua obra Grande Sertão: Veredas. Nessas cartas, Rosa reitera que as soluções encontradas por Meyer-Clason superaram o original, considerando a possibilidade de modificar tais trechos de sua obra para incluir essas soluções, encontradas pelo referido tradutor responsável por importantes problematizações, durante a tradução, sobre o processo tradutório. Meyer-Clason escreve suas cartas a Rosa em alemão as quais aparecem traduzidas para o português por Erlon José Paschoal na publicação de Bussolotti (2003).

Meyer- lason afirma que “toda interpretação mata a poesia à medida que d mastigado para o leitor o que este deveria captar com a imaginação”. chnaiderman objeta indagando: “ser possível transpor criativamente um texto sem que haja interpretação por parte do tradutor?” chnaiderman não oferece resposta à sua própria pergunta, tampouco insiste em abrir a discussão sobre esse importante tema, tão dileto aos estudos da tradução. Ao não fazê-lo, emerge a possibilidade de pensarmos algumas representações de leitura, de interpretação e de tradução que perpassam o dizer desses profissionais. A afirmação de Meyer-Clason remete a uma concepção unívoca de interpretação e por extensão de leitura como um processo transparente e sem equivocidade.

Já Schnaiderman apresenta alguma inquietação sobre a objetividade da produção de sentidos, porém não se posiciona ou se expõe. Com isso, entrevemos representações sobre transcriação e interpretação opostas à de tradução como se essas noções estivessem seguramente seccionadas e distantes umas das outras. Observamos, então, representações de que ler não é interpretar, de que interpretar 56

não é traduzir, de que traduzir não é transcriar, ou seja, não há produção de sentidos, não há múltiplas leituras, não há equivocidade na linguagem, não há mobilidade de posições-sujeito, ou seja, não há o jogo de funções; tradutores ora na função-autor, ora na função-leitor, ora na função-tradutor. Aparentemente, essas representações remetem ao sujeito logocêntrico e à língua como idioma que, na tradução, apresenta-se como um código a ser decifrado por uma única chave; uma única interpretação, ignorando-se a complexidade da linguagem em si, independentemente das dificuldades nas relações entre línguas como idiomas.

As questões sobre interpretação tocam as noções conflitantes entre fidelidade e domesticação, tradicionalmente impostas ao tradutor que ainda é demandado a perpetuar sua própria invisibilidade. Contudo, acreditamos que ao tradutor não deveria recair a responsabilidade de domesticar o texto, de garantir a fidelidade ou mesmo de se manter invisível. O tradutor como todo leitor interpreta e este gesto de leitura é único e singular; por isso, sempre haverá possibilidades de novas leituras, interpretações e traduções, as quais fomentariam condições para a recriação do texto, e, por consequência, a sua sobrevida. Venuti (1998 [2002]) critica a tradução domesticadora que tenta apagar o estranho e o diferente:

[…] a tradução que assume uma abordagem popular do texto estrangeiro não é necessariamente democrática. A estética popular requer traduções fluentes que produzam um efeito ilusório de transparência, e isso significa aderir ao dialeto-padrão corrente, ao evitar qualquer dialeto, registro, ou estilo que chame a atenção de palavras como palavras e, portanto, que frustra a identificação do leitor (VENUTI, 1998 [2002, p. 29]).

Outrossim, a leitura de textos estrangeiros traduzidos, na maioria das vezes, produz a ilusão de que não se lê uma tradução, mas sim o texto original escrito na língua dita maternal. Mesmo com os deslocamentos empreendidos pelos estudos contemporâneos da tradução, tradutores ainda convivem com a angústia da intraduzibilidade e com o fantasma da fidelidade, conforme nos apresenta Olher (2013, p.3) ao estudar as representações de tradução nos contextos literários acadêmicos no Brasil e nos Estados Unidos, em que pese a noção de double bind, isto é, duas possibilidades de sentido díspares que se entrelaçam, por exemplo, o termo pharmacón, que tanto pode significar remédio ou veneno. 57

Observa-se que a questão da (in)fidelidade permeia, também, o discurso do tradutor, marcado, quase sempre, pela dúvida, dívida, frustração e melancolia, pela situação de dilema ao double blind que a tarefa de traduzir impõe ao tradutor. Nesse double bind (duplo vinco), o tradutor encontra-se “entre-línguas”, entre a polissemia ou a pluralidade de sentidos que se deslizam de um termo a outro e transbordam na passagem de um texto a outro, tornando sua tarefa difícil, dada a necessidade de traduzir o que é muitas vezes intraduzível (OLHER, 2013, p. 3).

Andrade (2013, p. 179) amplia a concepção de tradução, trazendo a perspectiva psicanalista que incide na constituição identitária dos sujeitos em que pese relações de poder.

Derrida propõe a possibilidade de uma visão transformadora de tradutor e tradução. Dentro dessa perspectiva desconstrutora, é possível refletir sobre a tradução também sob o ponto de vista psicanalítico, o qual permite uma visão de não totalidade, não racionalidade e de não perfeição à língua, considerando os fatores inconscientes. Isso significa ver a tradução por uma ótica que não prescreve a boa tradução ou o bom tradutor, mas busca as questões de resistência do sujeito, que estão associadas, ainda, às questões identitárias e as relações de poder (ANDRADE, 2013, p. 179).

Além disso, tradutores convivem ainda com críticas contundentes dos pares e do público em geral, sobre a qualidade de suas traduções. Lages (1992, p. 92) elenca as representações sobre tradutores e como essas representações projetam melancolia. São elas: empobrecimento do Ego, preconceito de inferioridade; capacidades sobre-humanas ou heroicas; fidelidade ao autor; supremacia do texto dito original; fidelidade = humildade versus soberba; apagamento do tradutor; equivalência como aproximação; tradutor como maligno ou destruidor. Assim, o tradutor é visto apenas como um Doppelgänger16 do autor.

16 Doppelgänger, segundo as lendas germânicas de onde provém, é um monstro ou ser fantástico que tem o dom de representar uma cópia idêntica de uma pessoa que ele escolhe ou que passa a acompanhar (como dando uma ideia de que cada pessoa tem o seu próprio). Ele imita em tudo a pessoa copiada, até mesmo suas características internas mais profundas. O nome Doppelgänger se originou da fusão das palavras alemãs doppel (duplo, réplica ou duplicata) e gänger (andante, ambulante ou aquele que vaga). http://dicionario.sensagent.com/Doppelg%C3%A4nger/pt-pt/, 2016. 58

3.3. Escritura

A civilização grega conheceu seu apogeu com o esplendor da cidade de Atenas, que dominou a Grécia com seu poderio militar e econômico, nos séculos 5 a.C. e 4 a.C. A Filosofia da Grécia Clássica – sucessora dos Pré-Socráticos (com Parmênides, Heráclito e Tales de Mileto) – é representada pela filosofia de Sócrates, Platão e Aristóteles. Sócrates discutia com seus discípulos diversos temas sobre o homem, a vida e o mundo e desse convívio livre, dialogado cordialmente, resultava o conhecimento. Em Gramatologia, Derrida (1967 [2006]) se debruça, inicialmente, sobre a filosofia de Platão, cuja obra é composta por textos não sistematizados em forma de diálogos produzidos em torno da figura de seu mestre, Sócrates, que não deixou nenhuma obra escrita.

A problematização de Derrida sobre esses diálogos realça que, na Grécia Clássica, havia o privilégio da oralidade sobre a escritura e da presença sobre a ausência, pois o conhecimento só poderia ser legitimado pela oralidade. Aristóteles, que, diferentemente de Platão, organizou e sistematizou sua obra, também concebia que os sons emitidos pela voz são símbolos dos estados de espírito, e as palavras escritas são símbolos das palavras emitidas pela voz (DERRIDA, 1967 [2006, p. 10]). Esta crença da primazia da fala é também encontrada nas escrituras sagradas, em que a mensagem divina seria apenas viabilizada pelo ouvido e pela boca, tal como uma inspiração do sopro divino, que, contagiando o mensageiro, poderia só ser emitida pela fala.

H também a peculiaridade do sistema de “ouvir-se-falar”: simultaneamente, esse enviado divino fala a mensagem sagrada e a ouve pelo som de sua própria voz. O verbo original, só depois de proferido, poderia ser representado pela escrita, plasmando a univocidade da mensagem divina, ou seja, a escritura é pensada como a representação restrita da oralidade, enquanto a oralidade era presença (da palavra escrita). A escrita (grámmatos), ou a letra (grámma), então, é pensada como subalterna à fala; é apenas o lugar de representação da linguagem oral. Com o livro das Escrituras Sagradas, instaura-se a preocupação em preservar a essência da mensagem divina, possível apenas pelo controle das interpretações no jogo de leitura; a escrita é necessária para divulgar o sagrado aos iniciados, mas deve ser hermética para evitar a multiplicidade de leituras. A interpretação deve ser cerceada; 59

algo ou alguém no entremeio produzindo sentidos precisa ser seguramente afastado. Derrida (1967 [2006, p. 10]) disserta sobre a aventura da escritura e da asfixia do sopro divino:

Tudo ocorre, portanto, como se o que se denomina linguagem apenas pudesse ter sido, em sua origem e em seu fim, um momento, um modo essencial, mas determinado, um fenômeno, um aspecto, uma espécie da escritura. E só o tivesse conseguido fazer esquecer, enganar *, (marcas dos tradutores) no decorrer de uma aventura: como esta aventura mesma. Aventura, afinal de contas, bastante clara. Ela confundiria com a história que associa a técnica e a metafísica logocêntrica há cerca de três milênios. E se aproximaria hoje do que é, propriamente, sua asfixia. No caso em questão – e este é apenas um exemplo entre outros –, dessa tão falada morte da civilização do livro, que se manifesta inicialmente pela proliferação convulsiva das bibliotecas. Apesar das aparências, esta morte do livro anuncia, sem dúvida (e de certa maneira desde sempre), apenas uma morte da fala (de uma fala que se pretende plena) e uma nova mutação na história da escritura, na história como escritura (DERRIDA, 1967 [2006, p. 10]).

Essa concepção estrita de escritura é também problematizada por Derrida (1967 [2006, p. 10]) por meio da Linguística de Saussure, fortemente aliada ao estatuto do logofonocentrismo. Saussure (1916 [2006, p. 22]) afirma que o campo da Linguística deve se restringir à língua, não levando em conta a fala. Com a preocupação de obter legitimidade científica para seus estudos, Saussure distingue língua (langue) como um sistema de signos e fala (parole) como um ato individual, concentrando-se em estudar apenas a língua, excluindo a escritura e a fala. Para ele, a língua é um produto social da faculdade da linguagem, um conjunto de convenções adotado socialmente. Já a fala é a audição, a vocalização (física, fisiológica, psíquica) recebida pela natureza. Saussure parte da fala para chegar à abstração da língua, possibilitando, com isso, seu projeto científico, excluindo todos os aspectos regionais e individuais.

Com isso, Saussure estabelece o famoso conceito de signo linguístico que é definido como uma entidade psíquica de dupla face formada pelo significado (conceito) e pelo significante (imagem acústica). A cientificidade da Linguística se deve ao seu fundamento fonológico: phoné (fonia), glossa (significado) e logos (razão). A articulação de som e sentido define a escrita sempre como exterior, secundária, técnica em relação à fala, ou seja, a escrita como técnica. Sobre essa suposta tecnicidade da escrita, Derrida (1967 [2006, p. 39]) apresenta as colocações 60

de André Martinet sobre condensação da tela da palavra nas aplicações da linguística na tradução mecânica:

O que um linguista contemporâneo pode dizer da palavra ilustra bem a que revisão geral dos conceitos tradicionais a pesquisa funcionalista e estruturalista dos trinta e cinco últimos anos teve de proceder, visando dar uma base científica à observação e à descrição das línguas. Certas aplicações da linguística, tais como as pesquisas relativas à tradução mecânica pelo relevo que dão à forma escrita da linguagem, poderiam fazer acreditar na importância fundamental das divisões do texto escrito e fazer esquecer que é do enunciado oral que sempre é preciso partir para compreender a natureza real da linguagem humana. Também, mais que nunca, é indispensável insistir sobre a necessidade de desenvolver o exame para além das aparências imediatas e das estruturas mais familiares ao investigador. É por trás da tela da palavra que aparecem mais frequentemente os traços realmente fundamentais da linguagem humana (DERRIDA, 1967 [2006, p. 39]).

Contudo, Derrida alerta que essas advertências de Martinet apenas remetem à escritura fonética conformando-se às divisões empiricamente determinadas e praticadas da língua oral comum, pois os referidos procedimentos de tradução mecânica ainda estão atrelados à limitação de Saussure de que há apenas dois sistemas de representação da linguagem oral: representação pelas palavras escritas ou representação pelo som das palavras (grafismo), mas que não se caracterizam como escritura, ou seja, a inscrição do sujeito por meio de sua escrita. A noção de arbitrariedade do signo proposta por Saussure camufla essa limitação da representação da linguagem oral, ao mesmo tempo em que lida com algumas questões impossíveis de serem justificadas em sua teoria do signo, tais como: as onomatopeias, as exclamações e as traduções. O que Derrida (1967 [2006, p. 40]) problematiza é que, mesmo quando a escritura parece ascender à fala, esse processo é falacioso, pois considera a escrita como grafismo, um sistema de representação e não de significação e de subjetivação; do eu se inscrevendo:

Esta limitação, no fundo, é justificada, aos olhos de Saussure, pela noção do arbitrário do signo. escritura sendo definida como “um sistema de signos”, não h escritura “simbólica” (no sentido saussuriano), nem escritura figurativa: não há escritura na medida em que o grafismo mantém uma relação de figuração natural e de semelhança, qualquer que seja esta, com o que é então não significado mas representado, desenhado, etc. (DERRIDA, 1967 [2006, p. 40]). 61

Nesse sentido, trazemos questões atuais sobre o desenvolvimento de pesquisas científico-tecnológicas desenhadas para aperfeiçoar programas de Tradução Automática, sistemas de Memórias de Tradução e softwares de Localização, mencionados anteriormente. Igualmente a Saussure, a criação das Línguas Naturais ontroladas pressupõe que a escritura é apenas uma “figuração” da língua, é “por si, estranha ao sistema interno da língua”. Derrida ( 967 [ 6, p. ]) revela a dificuldade de Saussure em excluir a escritura de seu projeto científico, relegando a ela um caráter tecnicista, a fim de aplacar a monstruosidade que ela encerra:

A escritura teria, pois, a exterioridade que é atribuída aos utensílios; sendo, além disso, ferramenta imperfeita e técnica perigosa, diríamos quase que maléfica. Compreendemos melhor por que, e, em vez de tratar desta configuração exterior num apêndice ou nas margens, Saussure a ela consagra um capítulo tão trabalhoso quase que na abertura do Curso. É que se trata, mais do que delinear, de proteger e mesmo restaurar o sistema interno da língua na pureza de seu conceito contra a contaminação mais grave, mais pérfida, mais permanente que não parou de ameaçá-lo, até mesmo alterá-lo, no decorrer do que Saussure quer, de qualquer forma, considerar como uma história externa, como uma série de acidentes afetando a língua, e lhe sobrevindo do fora, no momento da “notação” (p. ), como se a escritura começasse e terminasse com a notação. O mal da escritura vem do fora (DERRIDA, 1967 [2006, p. 41]).

Com efeito, aqui temos uma possibilidade de vislumbrar, na desconstrução que Derrida faz da teoria saussureana, a própria concepção de escritura em Derrida que não é em nada tecnicista ou mecânica, mas complexa e incontrolável. Assim, o perigo vem de fora, do outro, das interpretações que são sempre múltiplas. Entretanto, não só a escritura é perigosa pela ação dos leitores, mas pela própria inscrição do sujeito na escritura que jamais poderá controlar as marcas subjetivas deixadas no texto que produz. Derrida fala de arrombamento, ou seja, com a morte do livro que protegia a mensagem, a escritura, em vez de ser um procedimento de fechamento das possibilidades de sentido, das interpretações, é, na verdade, o próprio arrombamento das portas que se tenta construir para preservar a univocidade e evitar a equivocidade da linguagem. Assim, a escritura se caracteriza como a mais importante forma de constituição da subjetividade tanto de escritores quanto de leitores que, neste jogo duplo, constroem conhecimento e deslocam pensamentos ao mesmo tempo em que desconstroem teorias; escrita e leitura 62

produzindo múltiplas interpretações. Escritura é a inscrição que passa pelo corpo do sujeito. É uma possibilidade de vazamento do inconsciente.

Questionamos a criação das chamadas Línguas Naturais Controladas, considerando que seu desenvolvimento e aplicação objetivam reduzir a tradução e, por extensão, a escrita em atividades meramente técnicas e passíveis de controle, a exemplo do Caterpillar Technical English, dentre outros já mencionados. Saussure não tentou controlar a escrita; ao contrário, a excluiu de seu projeto científico por entender sua complexidade. Nos dias atuais, a tecnologia é pensada como sendo capaz de resolver todas as idiossincrasias inerentes à linguagem e à tradução. Pensar em eliminar as ambiguidades da língua e as complexidades do pensamento com restrições lógicas, que reduzem a linguagem a simples proposições falsas ou verdadeiras, configura-se como um projeto econômico que se apropria da ciência logocêntrica para obter sucesso.

Ademais, há o total descaso às teorias pós-estruturalistas dos estudos da linguagem e da tradução. A apropriação de teorias científicas é sempre a estratégia de projetos econômicos que, para obter lucro nas atividades intelectuais complexas, as pasteurizam e as simplificam pela suposta eficiência e eficácia tecnológica. Nesse sentido, projetos tecnológicos que visam à mecanização e instrumentalização da linguagem se assemelham às preocupações em torno das possíveis interpretações das escrituras sagradas. Tecnologias de tradução podem carregar objetivos duplos: mecanizar a prática tradutória para evitar incorreções e controlar a multiplicidade de interpretações possíveis. Assim, em Gramatologia, a escritura, para Derrida, carece, de concepções mais amplas que afastem a dicotomização forma (escrita) e conteúdo (fala), de existência (escrita) e essência (fala), em que a forma a existência são exteriores e o conteúdo e a essência são interiores.

Derrida (1967 [1996, p. 62]) também faz um enlace entre escritura e representação, ao afirmar que a representação da realidade exterior não é uma cópia imagética de algo entendido como um real em si. O conhecimento é sempre da ordem da escritura, da repetição do que nele se repete, requer, do que se pede mais uma vez: (re)presentação no sentido de apresentar (nova)mente, mas nunca o mesmo. É no retorno que há renovação, reformulação, experiência de transformação: 63

Estas afirmações levantam questões muito diversas. Mas dizem todas respeito ao estatuto da representação na linguagem. Da representação no sentido geral de Vorstellung, mas também no sentido de re-presentação como repetição ou reprodução da presentação, como Vergegenwärtigung que modifica a Präsentation ou Gegenwärtigung; enfim, no sentido de representante que substitui, que ocupa o lugar de uma outra Vorstellung (Repräsentation, Repräsentant, Stellverstreter) (DERRIDA, 1967 [1996, p. 62]).

Se a realização de tradução for, nos dias de hoje, apenas possível por meio da tecnologia, enfrentamos o surgimento de um mecanismo de simplificação da língua, objetivando o apagamento da equivocidade da língua. Por outro lado, a maneira como o tradutor vê a própria atividade de tradução, e também a si mesmo, produz deslocamentos nos modos de subjetivação que se entrelaçam em representações sobre a tradução humana e automática. Assim, se a magnitude da utilização de Tecnologias de Tradução pode ser vista como uma reconfiguração da atividade tradutória, é também possível que esse aparato tecnológico possa estar funcionando como um fetiche; uma prótese tida como “indispens vel” para que a pr tica de tradução possa se materializar. Essa possibilidade traz inquietações sobre a tarefa do tradutor que parece estar fadada a ser apenas uma operação mecanizada que tenta isentar ou afastar a discussão sobre a complexidade da relação entre sujeito e língua-cultura e as consequências para a constituição identitária do tradutor. Ressaltando a importância da tarefa do tradutor em qualquer contexto e momento histórico-social, Benjamin (1923 [2008, 40]) fala da relação imbricada de estranhamento entre as línguas, presente, mais amiúde, no ato de tradução e do benéfico alargamento histórico das fronteiras:

A liberdade do tradutor afirma-se em termos da função da Língua pura sobre a sua: libertar na sua própria essa Língua pura que está desterrada no estrangeiro, e descativá-la da obra em que está presa enquanto a remodela e lhe dá forma: é essa a tarefa do tradutor. Por causa dessa Língua pura ele demole e remove as velharias obsoletas da sua língua e alarga- lhe as fronteiras: foi assim que Lutero, Voss, Hölderlin e George alargaram os domínios em que era válida a língua alemã (Benjamin, 1923 [2008, 40]).

E assim, libertar o idioma de seu desterro ou morada e deixá-lo viajar livremente, encontrando novas culturas e se alojando em outros idiomas se constituiria a tarefa do tradutor.

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3.4. Sujeito e Identidade

Antes de problematizar a constituição das subjetividades, é preciso pensar o conceito de sujeito que, inicialmente, remete à possibilidade de interdisciplinaridade das grandes áreas do conhecimento como exatas, humanas e biológicas. Mais amiúde, em ciências humanas, encontramos, na Sociologia e na Antropologia, um consenso relativamente homogêneo acerca do sujeito social, considerado como o próprio indivíduo. Já nos Estudos da Linguagem, não se vislumbra um consenso, considerando que a noção de sujeito não se restringe apenas ao sujeito do enunciado, ao sujeito gramatical, tampouco ao sujeito falante, crente de que pode controlar o seu dizer, tido como consciente.

Estudos mais aprofundados sobre o sujeito é consequência do que se denominou linguistic turn ou virada linguística, ocorrida no início do século XX, advinda das contribuições de Freud para a Psicanálise, Marx para a Sociologia e Saussure, para a Linguística. A partir dos trabalhos desses teóricos, foi possível deslocar as noções pré-estabelecidas e arraigadas sobre o ser.

Considerando que o ser humano não pode estar dissociado da capacidade da fala (a maneira pela qual diz algo tanto pela oralidade quanto pela escrita), todas as formas de linguagem tornam-se importantes para a vida do homem consigo mesmo ou em sociedade. Emerge, assim, a noção do sujeito do inconsciente, ou seja, aquele que, não sendo o indivíduo social nem o pronome pessoal e, tampouco, o eu falante, mas sim o eu fal(t)ante que tem sua existência pela possibilidade do lapso de linguagem, pelo furo no discurso e, por conseguinte, pelo dizer que toma o lugar do falante, fazendo emergir o significante. Assim, o sujeito, embora tamponado pela língua que o interdita, emerge pelo que vaza do inconsciente na e pela linguagem.

Após um século e no despertar do século XXI, a problematização da constituição das subjetividades faz-se ainda tão pertinente quanto necessária. O aporte tecnológico da internet reconfigurou o cotidiano social e, apenas quase duas décadas após o advento da internet, é possível vislumbrar a interferência tecnológica na privacidade dos cidadãos. Informações pessoais compõem perfis de usuários e se tornaram o produto mais disputado na economia cibernética, 65

dissolvendo subjetividades em fluxos de dados computacionais, conforme problematiza Santos (2003, p. 148):

O problema é muito mais complexo do que parece e comporta muitas dimensões. Não é só o cidadão que, reduzido à condição de consumidor cativo, fica superexposto e tem a sua privacidade violada. Na verdade, na nova economia, a própria existência do indivíduo é posta em questão. Aqueles que processam a sua vida descendo a níveis microscópicos não o concebem mais como sujeito, mas sim como geradores de padrões informacionais que é preciso manipular; aos olhos de quem opera com o valor do tempo de vida, o indivíduo dissolve-se em fluxos de dados (SANTOS, 2003, p. 148).

Problematizando as liberdades individuais, Cleland e Brodsky (2012, p. 44), ferrenhos críticos do Google, cunharam o termo publicacidade para explicar que o Google vê a privacidade dos usuários não como um direito a ser protegido, mas como um obstáculo a ser transposto:

A razão pela qual a maioria das pessoas exige privacidade não é para esconder evidências embaraçosas e identidade; é para proteger sua soberania, autonomia e identidade. Sem privacidade, você não pode ser quem quiser, porque é forçado a revelar tudo. Sem privacidade, há poucas oportunidades de pensamento independente e de dissenso, porque suas ideias são imediatamente sujeitadas ao escrutínio público. Sem privacidade, não pode haver dignidade humana, porque os outros podem invadir sua vida quando quiserem (CLELAND e BRODSKY, 2012, p. 33).

Em Foucault, o sujeito, heterogêneo em sua constituição, é um lugar no discurso e se constitui através das práticas de liberação de liberdade, como na Antiguidade – a partir, obviamente, de um certo número de regras, de estilos, de convenções que podemos encontrar no meio cultural (FOUCAULT, 1984 [2004, p. 291]). Discurso é um conjunto de enunciados, é uma série de elementos que operam no interior do mecanismo geral do poder. Consequentemente, é preciso considerar o discurso como uma série de acontecimentos, como acontecimentos políticos, através dos quais o poder é vinculado e orientado (FOUCAULT, 1978 [2006, p. 254]). Diante disso, o indivíduo, tido como indiviso, uno, é um produto do exercício de poder cuja constituição identitária se dá pelo discurso (CORACINI, 2007, p. 17). Assim, a identidade é o efeito que o poder, proveniente das formações discursivas, exerce sobre o indivíduo que, ilusoriamente, se vê inteiro, coerente e homogêneo, pertencente a um determinado grupo, pretensamente, escolhido. 66

A constituição da identidade do sujeito se dá, então, pelo discurso, pelo arquivo, que é memória, constituindo os regimes de verdade configurados como um sistema de procedimentos que permite, entre a distinção de verdadeiro e falso, efeitos específicos de poder à noção de verdadeiro (FOUCAULT, 1979 [1985, p. 21]). Com isso, arquivo é o recorte, é o fragmento do que é permitido ou do que é intencionado que seja dito ou lembrado, sendo por isso, a garantia de uma memória, de uma interpretação que não exclui outras memórias e outras interpretações possíveis. No entanto, há ainda o que não foi selecionado para compor um arquivo formal, por exemplo, um museu, um acervo, uma biblioteca, uma galeria, uma enciclopédia, uma exposição, uma coleção, uma narrativa pessoal, uma reportagem, um documentário, dentre outros, e que foram esquecidos ou excluídos durante a seleção. A noção de esquecimento é inerente à de memória, pois só há esquecimento para o consciente. O inconsciente é um eterno leitor, que de nada esquece.

Sociologicamente, identidade (do latim identĭtas, idem, idêntico) é definida como o conjunto das características e traços próprios de um indivíduo ou de uma comunidade unificada em torno desses traços que caracterizam o sujeito ou a coletividade perante os demais. Considerando a possibilidade de que a unificação de um grupo se dê por uma única língua, ou seja, a construção identitária de um povo ocorra por meio de uma língua una, tal possibilidade remete à fantasia babélica segundo a qual, na perspectiva de Derrida (1987 [2006 p. 14]), o nome Babel pode ser interpretado por confusão ou desordem entre o Pai e seus filhos:

É também a origem das línguas, da multiplicidade dos idiomas, dito de outra maneira, daquilo que se chama correntemente de línguas maternais. Pois toda essa história desdobra-se em filiações, gerações e genealogias: semíticas. Antes da desconstrução de babel, a grande família semítica acabara de fundar seu império, ela o queria universal, e sua língua, que ela também tenta impor ao universo. O momento desse projeto precede imediatamente a desconstrução da torre (DERRIDA, 1987 [2006, p. 14]).

Para Berry, identidade ou sentimento de identidade (BERRY, 1987 [1991, p.14]) é ilusória; o sujeito se constitui pela linguagem e na relação com o outro, condição instável, incerta e angustiante, que tira do sujeito a ilusão de ordem e de controle, jogando-o no movimento constante de construção e de deslize. Movimento esse que descentraliza o sujeito de sua ilusão logocêntrica que traz o suposto conforto de 67

fixidez e de coerência do que ele pensa ser ou ao que ele crê pertencer. A noção de identidade relaciona-se ao imaginário lacaniano, que é a parte mais consciente do sujeito (que é o registro marcado pelas representações binárias, duais, refere-se às imagens especulares) e, por isso, tem certa fixidez e é mais ou menos estável e passível de análise; é um acúmulo de traços (de representações) de alguém sobre algo. Para Derrida, identidade liga-se também ao outro; aquele que é o espelhamento do eu. Identidade é, então, um conjunto de traços, de imagens, de representações abstratas que constituem o sujeito, conforme explica Coracini (2007b, p. 168):

Da perspectiva da psicanálise, entretanto, a identidade se resume ao que o sujeito é capaz de dizer (narrar) sobre si, sobre o ego (eu), construído necessariamente a partir da relação com o outro – pai, mãe, grupo social… – que o define e que ele internaliza como sendo ele próprio, no desejo, de corresponder ao que o outro deseja dele: afinal, o desejo do sujeito é ser o desejo do outro, é ser amado pelo outro, e, para isso, não mede esforços no sentido de ser como o outro deseja que ele seja. É o que parece acontecer com o tradutor, que constrói sua identidade por meio dos vários discursos sobre ele, sobre sua(s) tradução(ções) e sobre a tarefa do profissional da tradução, das imagens ou representações que outros – teóricos sobretudo, mas também outros tradutores – deixam escapar pela linguagem (CORACINI, 2007b, p. 168).

Diferentemente de identidade, a identificação é fugaz e ocorre instantaneamente, sendo difícil de ser capturada. A admiração que uma pessoa tem por outra pode trazer deslocamento, pois incentiva à mudança de algo no sujeito admirador. Para Freud, a identificação vem de fora do sujeito, não há nenhum traço interno: é o outro que marca o sujeito. Já para Lacan, a identificação vem de dentro do sujeito, pois há traços inconscientes no sujeito que permitem a identificação com o outro. Ademais, a noção de identificação pode ser relacionada ao imaginário ou ao simbólico lacaniano.

A identificação imaginária está mais próxima da noção de identidade (traços mais consistentes que formam um todo ou com o que o sujeito entende de si mesmo; traços no sujeito que podem ser encontrados no outro). Há um todo com o que o sujeito quer se identificar, mas apenas se identifica com alguns traços (por exemplo, a vaidade). Já a identificação simbólica não é consciente; é imitação ou repetição que se internaliza, pois de tanto imitar e repetir, o sujeito internaliza o traço, que não 68

é possível de ser imitado, a partir do outro. A partir dessa imitação do que é inimitável, o sujeito já não é mais capaz de se lembrar do modelo que gerou a imitação (por exemplo, a lealdade). É o que age, por exemplo, nos sonhos, nas traduções, nos atos de fala (lapsos e atos falhos). Zǐzěk (1990 [1992, p. 108]) explica essa diferença entre identificação imaginária e identificação simbólica, analisando o filme intitulado Play it again Sam do diretor e ator americano Wood Allen que se caracteriza como “um filme dentro do filme” por iniciar com a famosa cena final do clássico do cinema americano Casablanca.

Numa primeira aproximação, podemos dizer que, na identificação imaginária, imitamos o outro no nível da semelhança, ou seria, identificamo-nos com a imagem do outro de maneira a ser “como ele”, ao passo que, na identificação simbólica, identificamo-nos com o outro precisamente no ponto em que ele é inimit vel, no ponto que escapa à semelhança (ZǏZĚK, 1990 [1992, p. 108]).

Ainda sobre questões de identidade, é importante pensar nas contribuições de Lacan sobre o inconsciente. Desde a conferência realizada na Sociedade Francesa de Psicanálise, em 1953, Lacan, em um retorno a Freud, apresentou as três instâncias psíquicas do inconsciente na forma da tripartição estrutural real-simbólico- imaginário (RSI), como registros separados entre si. Vinte anos mais tarde, por volta de 1974/75, Lacan entende que esses três registros, ou instâncias, são indissolúveis, a partir da noção do nó borromeano, ou seja, RSI não estão separados, mas intimamente ligados. Ademais, estabeleceu que o lugar do simbólico é entre o real e o imaginário, tal qual a cabeça do deus greco-romano bifrontino Janus, possuidora de duas faces opostas, conforme escreve Coutinho Jorge ( 2000 [2011, p. 99]):

Representação imagética frequente igualmente na Grécia antiga, da dualidade sintetizada na unidade e da unidade dividida, Janus é, sem dúvida, o melhor representante do sujeito do inconsciente que, embora representado entre os significantes, é, no fundo, avesso a toda e qualquer possibilidade de representação, e, nesse sentido, se identifica com o objeto “negativo” causa do desejo: o sujeito é esse entre (COUTINHO JORGE, 2000 [2011, p. 99]).

Nesse sentido, o real (permeado pela visão fragmentada de mundo do sujeito), que se diferencia de realidade (representada pelo todo da sociedade), é o inconsciente atuando no sujeito; é a verdade intangível do sujeito. O real resiste e escapa à simbolização, não possibilitando a representação. É apenas possível rondar o real, 69

mas não simbolizá-lo, por ser a instância mais inconsciente. O real da língua é, portanto, o que escapa, é aquilo sobre o qual não se consegue falar, é algo que não pode ser representado pela linguagem (COUTINHO, 2000 [2011, p. 93/94]). Já o simbólico, que está também ao nível do inconsciente, é o que se materializa na língua, por uma estrutura, por um léxico. Todo esforço de simbolizar o real é uma tentativa de dominar a linguagem. Imaginário, por sua vez, é o que está mais próximo do eu consciente, é um conjunto de imagens, representações que o sujeito constrói sobre as coisas e pessoas. Nesse sentido, a identidade se dá por representações que constituem o imaginário: são imagens que o sujeito tem dele mesmo a partir do outro, bem como imagens que produz do outro. As representações são traços um pouco mais completos; são um pouco mais conscientes e, por isso, podem ser rastreadas no dizer do sujeito, em nosso caso, o tradutor profissional.

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4. ANÁLISE DO USO DAS TECNOLOGIAS DE TRADUÇÃO

A tecnologia não é uma opção no mundo profissional atual; é uma necessidade. Anos atrás se falava de Tradução Assistida por Computador que agora parece uma redundância. Virtualmente, toda tradução é auxiliada por computadores.

Gil e Pym, (2006, p. 17)17:

Apresentamos neste capítulo o dispositivo analítico, composto pelos recortes discursivos (RD) – provenientes das respostas à pergunta número oito: Como as tecnologias de tradução são vistas hoje em comparação há alguns anos? –, com o intuito de observar quais representações sobre tecnologias, sobre tradução, sobre si e sobre os pares emergem dos dizeres dos tradutores entrevistados. Ressaltamos, mais uma vez, nossa perspectiva metodológica que objetiva analisar a materialidade linguística, ou seja, o intradiscurso, o fio do dizer, que produz efeitos de sentido, em cada gesto de leitura, a partir dos enunciados dos sujeitos.

A análise da materialidade linguística possibilita que efeitos de sentido sejam produzidos a partir de cada leitura, que é única. Esses efeitos de sentido, provenientes da interpretação de cada leitor, não estão dados e não são homogêneos, pois a leitura é um processo heterogêneo que se constrói de maneiras diversas e múltiplas. A nossa análise possibilitará a emergência, nos dizeres dos entrevistados, dos desdobramentos proporcionados pelo atual contexto de traduções na constituição das subjetividades dos tradutores. Em Foucault (1978 [2006, p. 253]), significaria observar como o poder se materializa no discurso e quais os desdobramentos desse poder.

Não procuro encontrar, por trás do discurso alguma coisa que seria o poder e sua fonte, tal como em uma descrição de tipo fenomenológico, ou como em qualquer outro método interpretativo. Eu parto do discurso tal como ele é! Em uma descrição fenomenológica, se busca deduzir do discurso alguma coisa que concerne ao sujeito falante; tenta-se encontrar, a partir do discurso, quais são as intencionalidades do sujeito falante – um pensamento em via de se fazer. O tipo de análise que pratico não trata do problema do sujeito falante, mas examina as diferentes maneiras pelas quais o discurso desempenha um papel no interior de um sistema estratégico em que o poder está implicado, e para o qual o poder funciona. Portanto, o poder não é nem fonte nem

17 Tradução nossa. Technology is not an option in today’s professional word; it is a necessity. Years ago one talked about Computer-Aided Translation (CAT). That now seems a redundancy. Virtually all translating is aided by computers. 71

origem do discurso. O poder é alguma coisa que opera através do discurso, já que o próprio discurso é um elemento em um dispositivo estratégico de relações de poder (FOUCAULT, 1978 [2006, p. 253]).

Ainda nesta linha de raciocínio, o entendimento da noção de dispositivo concebida por Deleuze (1996, p. 3) coaduna-se com a noção de interdiscurso por trazer a imagem de tessitura do discurso com suas linhas, furos, enlaces e aberturas, bem como a imagem de percurso, caminho ou dispersão:

Os dispositivos têm por componentes linhas de visibilidade, linhas de enunciação, linhas de força, linhas de subjetivação, linhas de brecha, de fissura, de fractura, que se entrecruzam e se misturam, acabando por dar uma nas outras, ou suscitar outras, por meio de variações ou mesmo mutações de agenciamento (DELEUZE, 1996, p. 3).

Para empreender a análise, agrupamos os recortes discursivos (RDs) das falas dos tradutores (TRAD) em dois eixos temáticos, quais sejam:

 Representações de si: satisfação por integrar uma elite tecnológica;  Representações de si: preocupação com a hegemonia tecnológica.

4.1. Representações de si: satisfação por integrar uma elite tecnológica

Este eixo particulariza algum sentimento de pertencimento a uma seleta classe de tradutores ansiosos por autopromover a expertise tecnológica que possuem, em substituição à falta (presente na maioria dos entrevistados) de formação superior em cursos de Letras ou de Tradução, o que operaria como uma suplência ao corpo e, que sem ela, o corpo do tradutor não funcionaria ou não existiria.

RD 1 (TRAD 1)

Hoje, as ferramentas de memória de tradução (CAT) são parte integrante do trabalho do tradutor. Os próprios clientes já começam a se organizar para guardar suas memórias de tradução e glossários, visando obter consistência nas traduções técnicas. Sem falar do total domínio dos aplicativos de texto informatizados e de uma excelente técnica de digitação – competências obrigatórias – é difícil imaginar, atualmente, um tradutor que não trabalhe com pelo menos um programa de memória (Trados, Wordfast, Studio, MemoQ, etc.). Essas ferramentas são a garantia de que a terminologia tradutória será utilizada de modo consistente, confiável e documentável. Aliado às ferramentas CAT, o conhecimento sobre técnicas de pesquisa na Internet e sobre o uso apropriado do dicionário – seja na tela ou em 72

papel – completa o arsenal de recursos que todo tradutor deve empregar para prestar um serviço condizente com a remuneração que exige do cliente.

Na afirmativa Os próprios clientes já começam a se organizar para guardar suas memórias de tradução e glossários, visando obter consistência nas traduções técnicas, é possível entrever uma relação conflituosa no novo modus operandus, no mercado de traduções, em que parece haver um entrelaçamento hostil entre as posições de tradutor e de cliente. Tal enlace remete à noção de Banda de Möebius, inicialmente, concebida por August Ferdinand Möebius, 1858, ao estudar a teoria geométrica dos poliedros. A banda de Möebius é constituída por apenas um lado, apenas uma borda que representa um percurso sem início e sem fim, infinito. Ao se percorrer tal superfície, sua extensão se apresenta torcida, e o lado exterior se volta para o lado interior, fazendo parecer que há duas superfícies, mas que, na verdade, é a mesma do início ao fim. O mesmo ocorre com o símbolo do Tao, Yin e Yang, em que o preto origina-se do branco e o contém como semente e vice-versa, conforme ilustrações abaixo:

(http://sujeitocontemporaneo.blogspot.com.br/2009/02/banda-de-moebius.html)

Posteriormente, a Banda de Möebius foi adotada por Jacques Lacan em sua teoria sobre a relação das dimensões do consciente e do inconsciente e a constituição do sujeito em seu dizer.

Mas não seria o próprio corte interpretativo que, para aquele que titubeia na borda, constitui um problema, por criar consciência? Ele revelaria então a topologia que o comanda num cross-cap, ou seja, numa banda de Moebius. Pois é só por esse corte que essa superfície (...) se vê, num depois, provida de uma frente e um verso. A dupla inscrição freudiana não seria, portanto, da alçada de nenhuma barreira saussuriana, mas da própria prática que formula a pergunta, isto é, do corte mediante o qual o inconsciente, ao se retirar, atesta que consistia apenas nele, ou seja, quanto mais o discurso é interpretado, mais confirma ser inconsciente. A tal ponto que somente a psicanálise descobriria que existe um avesso do discurso – sob a condição de interpretá-lo (LACAN, 1967 [2008, p.7]). 73

Em nosso caso, o enlace cliente e tradutor ocasiona o apagamento das fronteiras entre a função do tradutor em contraponto com a do contratante. O cliente, como agente da tarefa que contrata, quer ter controle total da mercadoria que almeja comprar apenas uma vez. Para isso, precisa se organizar para guardar suas memórias de tradução. O emprego do verbo transitivo direto “guardar” complementado pelo substantivo plural “memórias” cria alguma desarticulação de sentidos com o uso do pronome possessivo feminino plural “suas”, considerando que as memórias não são do cliente, mas, sim, do tradutor que alimentou um software. A máquina não tem memória; tem uma engrenagem que permite estocar informações. Com isso, o entendimento de memória que emerge é o de lugar ou espaço; um arquivo amplo que traz informações pelo simples acionamento de comando. Esse entendimento de memória se distancia da noção de memória a partir das contribuições de Foucault (1969 [2005, p. 141]) que tratam a memória como um processo de seleção que engendra, pelo arquivo, relações de poder-saber, esquecimento e lembrança:

A análise enunciativa supõe, finalmente, que se levem em consideração os fenômenos de recorrência. Todo enunciado compreende um campo de elementos antecedentes em relação aos quais se situa, mas que tem o poder de reorganizar e de redistribuir segundo relações novas. Ele constitui seu passado, define, naquilo que o precede, sua própria filiação, redesenha o que o torna possível ou necessário, exclui o que não pode ser compatível com ele. Além disso, coloca o passado enunciativo como verdade adquirida, como um acontecimento que se produzia, como uma forma que se pode modificar, como matéria a transformar, ou, ainda, como objeto de que se pode falar. Em relação a todas essas possibilidades de recorrência, a memória e o esquecimento, a redescoberta do sentido ou sua repressão, longe de serem leis fundamentais, não passam de figuras singulares (FOUCAULT, 1969 [2005, p, 141]).

Ainda no enunciado guardar suas memórias, é possível depreender que quem guarda memórias é quem as vive e não quem as adquire. Guardar memórias, então, passa a significar uma possibilidade de produto que se pode adquirir financeiramente. Nesse sentido, vislumbra-se a teoria de fetiche da mercadoria, não exatamente como concebida por Marx (1867, volume 1, seção 4), mas com a variante de que tudo pode se transformar em mercadoria que será fetichizada, sejam objetos inanimados obtendo vida, sejam capacidades humanas (no caso, a memória) transformadas em objetos mecânicos. 74

Clientes, ao decidirem pela aquisição de tecnologias de tradução, que, em tese, não usariam – por não serem tradutores profissionais, mas sim, contratantes de serviços de tradução – fazem emergir características da ideologia capitalista aplicadas às prerrogativas profissionais atuais, quais sejam: aumento de intermediários nas transações comerciais, promessa de qualidade de serviços e garantia de lucro, controlando custos e preços. Com a intermediação, no mercado de serviços de tradução, grandes agências internacionais de tradução repassam serviços para escritórios nacionais de tradução que podem ter tradutores contratados, autônomos, terceirizados ou freelances. Tradutores sem vínculo empregatício prestam serviços às agências internacionais e nacionais de tradução, às empresas em geral ou aos clientes diretos (pessoas físicas ou jurídicas).

Nesta direção, o enunciado visando obter consistência nas traduções técnicas, associa-se à afirmativa Essas ferramentas são a garantia de que a terminologia tradutória será utilizada de modo consistente, confiável e documentável, produzindo efeitos de que a tecnologia possa também funcionar como um substitutivo ou uma prótese para apaziguar a ilusória transparência e uniformidade semântica ou a homogeneidade da lingua(gem). Assim, revitaliza-se o desejo legendário de controlar a multiplicidade de sentidos e de interpretações, inevitáveis ao jogo discursivo.

Igualmente, os adjetivos “consistente”, “confi vel” e “document vel” remetem ao edifício positivista em que a legitimidade de uma metodologia só é reconhecida se for passível de apresentar sempre os mesmos resultados pela repetição de procedimentos e, com isso, assegurar a confiabilidade e a consistência de resultados. Ou seja, a complexidade do ato tradutório parece estar controlada e limitada pelo uso de ferramentas que constroem a terminologia tradutória. As expressões traduções técnicas e terminologia tradutória contribuem para se pensar que a tradução literária estaria isenta das possíveis consequências advindas da utilização de softwares no ato tradutório, fazendo emergir sentidos de que a complexidade da linguagem permanece apenas em textos literários e não técnicos, embora TRAD 1 tenha afirmado o contrário, no enunciado Hoje, as ferramentas de memória de tradução (CAT) são parte integrante do trabalho do tradutor. O substantivo “trabalho” faz despontar que, mais uma vez, trata-se da tradução técnica 75

e não literária que, no imaginário coletivo, é considerada como uma atividade de uma elite intelectualizada e não operacional. O emprego do advérbio de tempo “hoje” remete a uma oposição com o passado quando uma elite intelectual traduzia textos clássicos. Hoje ser tecnologicamente hábil permite integrar a elite tecnológica de tradutores técnicos.

Ademais, nota-se, no dizer de TRAD 1, a substituição da primeira pessoa do singular pela terceira pessoa do singular, nos conjuntos, “todo tradutor”, “um tradutor”, “o tradutor”, para se referir à sua própria pr tica, não se inserindo, diretamente, nesse contexto, ou seja, toma a posição de narrador como se estivesse apenas narrando o contexto alheio. Este (des)posicionamento ocasiona o apagamento do sujeito pelo distanciamento do enunciador às consequências da utilização tecnológica na tarefa dele enquanto tradutor.

No segmento Sem falar do total domínio dos aplicativos de texto informatizados e de uma excelente técnica de digitação – competências obrigatórias – é difícil imaginar, atualmente, um tradutor que não trabalhe com pelo menos um programa de memória (Trados, Wordfast, Studio, MemoQ, etc.), a expressão “sem falar” – que poderia produzir efeitos de exclusão – , colabora para valorizar as habilidades digitais complementares que todo tradutor deve possuir. Com isso, de um lado, produz-se efeitos de sentido de insuficiência profissional àqueles que apenas sabem utilizar memórias de tradução (é difícil imaginar, atualmente, um tradutor que não trabalhe com pelo menos um programa de memória) em oposição à possível existência de um outro grupo que além da familiaridade com softwares de memórias de tradução, considerados obrigatórios (Trados, Wordfast, Studio, MemoQ, etc.), também conhece outros softwares mais modernos, integrando, assim, um grupo elitizado de especialistas tecnológicos.

Ainda nesse sentido, chamamos atenção para a formação dos conjuntos adjetivados total domínio dos aplicativos de texto informatizados / excelente técnica de digitação / técnicas de pesquisa na Internet, em particular aos substantivos aplicativos, digitação e técnicas, que remetem à demanda de importantes práticas tecnicistas com as quais o tradutor deve ter familiaridade para desenvolver seu trabalho adequadamente. Ao inventariar programas de tradução (Trados, Wordfast, Studio, memoQ, etc.), TRAD 1 parece se orgulhar de seu conhecimento tanto de ordem 76

concreta (programas de tradução) quanto de ordem abstrata (expertise tecnológica, mas não linguística). A expertise tecnológica parece estar ganhando primazia em relação à especialização linguística ou, melhor, uma condição para a contratação de um tradutor.

TRAD 1 discorre mais amiúde sobre essa expertise tecnológica (Aliado às ferramentas CAT, o conhecimento sobre técnicas de pesquisa na Internet e sobre o uso apropriado do dicionário – seja na tela ou em papel – completa o arsenal de recursos que todo tradutor deve empregar para prestar um serviço condizente com a remuneração que exige do cliente.), completando uma lista exigente de requisitos. Uma vez mais, nota-se o excesso de adjetivos para definir o perfil de um tradutor atualizado tecnologicamente. Vejamos o emprego do adjetivo “apropriado” que remete a um contexto anterior ao contexto tecnológico em que o tradutor apenas se valia de dicionários, hoje vistos como recursos obsoletos ou limitados em comparação à diversidade de softwares responsáveis por apresentar sugestões de enunciados e não apenas de palavras. Devido à simplicidade de utilização, apenas um uso apropriado e não total domínio é esperado de dicionários em papel ou em tela. escolha pelo substantivo “domínio” sugere que o dizer de D parece particularmente direcionado a ressaltar que a excelência profissional está mais relacionada à expertise tecnológica do que ao conhecimento linguístico, tendo em vista que essa lista de adjetivos está mais propensa a se vincular ao legado cartesiano.

Na sequência enunciativa completa o arsenal de recursos que todo tradutor deve empregar para prestar um serviço condizente com a remuneração que exige do cliente, a escolha de verbos no infinitivo impessoal “empregar” e “prestar”, aliada à locução adjetiva “serviço condizente” promovem sentidos de que o dizer de TRAD 1 conduz a se pensar a prática tradutória apenas como um conjunto de técnicas e programas que se realiza em termos estritamente operacionais. Com o substantivo “arsenal” e com o verbo “exigir” na terceira pessoa do singular do presente do indicativo, parece despontar, no dizer de TRAD 1, a figura do tradutor como um guerreiro que necessita de um arsenal tecnológico, para enfrentar uma batalha para ser considerado eficaz e eficiente no aniquilamento de concorrentes e na conquista 77

de grandes clientes que valorizarão sua prática e não se oporão a pagar honorários mais caros por seus serviços diferenciados.

Concluindo, delineia-se não apenas um enlace, mas também uma batalha entre tradutores e clientes intermediários por meio de um discurso capitalista focado em garantir a promessa de qualidade a preços competitivos. Para isso, há que se impedir a multiplicidade indesejada de interpretações e evitar a duplicidade de remuneração financeira por palavras e enunciados já traduzidos, por meio de recursos tecnológicos da Tradução Assistida por Computador (Computer-Aided Translation, CAT tools), as quais têm a função de segmentar o texto, gerar memórias e apresentar sugestões de traduções pela repetitividade estatística, ou seja, textos iguais ou semelhantes podem ser traduzidos de forma igual ou semelhante. Com isso, softwares de tradução se caracterizariam como produtos valiosos, concorridos e fetichizados, tanto para quem os usa como instrumento de trabalho, quanto para quem os utiliza para controlar o trabalho de tradução executado em termos de qualidade e de valor. A expertise tecnológica também permeia o dizer de TRAD 2, a seguir.

RD 2 (TRAD 2)

Há tecnologia e tecnologia. Usar computadores para traduzir, embora hoje nos pareça natural, é bastante recente e mudou muita coisa. Vamos pensar que antes de existir computador, quando alguém queria uma tradução ele tinha fisicamente que encontrar o tradutor para entregar seu texto em papel, não raro manuscrito. E tecnologias como "usar computador" me parecem globalizadas e integralizadas. Não imagino mais ninguém trabalhando sem computador. Por outro lado há determinadas tecnologias, não muito mais recentes na verdade, cuja adoção variou bastante. Primeiro porque elas não são mais úteis e generalizadas para todos: nem todo mundo precisa de OCR, por exemplo. Eu montei um curso de Wordfast, uma ferramenta de TAC (ou CAT, tradução assistida por computador), e continuo chocado de ver que estas tecnologias ainda são muito pouco adotadas no Brasil. Minha carreira decolou quando pude vender traduções realizadas com uma ferramenta para o mercado europeu.

Por meio da afirmativa Há tecnologia e tecnologia, TRAD 2 aponta em direção à diferenciação entre tecnologias, comparando procedimentos passados e presentes, produzindo efeitos de sentido de que, apenas em um passado longínquo, tradutores não dispunham de máquinas e equipamentos em sua prática tradutória, conflitando 78

com o que ocorre na atualidade em que tecnologias de tradução se proliferam rapidamente, demandando que o tradutor esteja constantemente atualizado e familiarizado com tantos softwares e recursos tecnológicos de tradução. Ainda nessa direção, no enunciado Usar computadores para traduzir, embora hoje nos pareça natural, é bastante recente e mudou muita coisa, as escolhas lexicais “natural”, “hoje”, “recente”, “mudança”, por si só, parecem insuficientes para afirmar que alguma prática já tenha sido naturalizada, pois se o que hoje é pensado como tão recente, não houve ainda o tempo necessário para ser naturalizado.

A noção de que a passagem do tempo seja sutil para que práticas sejam naturalizadas é postulada por Foucault (1969 [2005, p. 133]) ao afirmar que práticas naturalizadas são instaladas amiúde sendo imprescindível a ação do tempo para sua acomodação. Nesse sentido, se uma mudança é recente não possibilitou ainda a naturalização de procedimentos. Mesmo sabendo que a revolução tecnológica, promovida pelo advento da internet, no século 21, desestabilizou a noção de tempo e espaço, no cotidiano orgânico ou “fora do virtual”, a assimilação de novas pr ticas ainda caminhou com menos velocidade.

Com o emprego de aspas para se referir ao computador, no enunciado E tecnologias como "usar computador" me parecem globalizadas e integralizadas, TRAD 2 remete à possibilidade desse uso ser muito popular, e por isso, inferior ou ordinário. Essa parece ser uma estratégia para, mais à frente, privilegiar o seu conhecimento em outras formas mais requintadas de tecnologias. Ainda sobre a possibilidade de TRAD 2 estar fazendo diferença entre tipos de tecnologia, destacamos a construção do enunciado organizado por tríplice negação Não imagino mais ninguém trabalhando sem computador, em que o advérbio “não”, o pronome indefinido “ninguém” e a preposição “sem” funcionam como elementos que ora recobrem, ora descobrem sentidos, como em uma brincadeira de esconde- esconde, ou nas regras de sinais de equações de primeiro grau da matemática, em que o sinal negativo com outro sinal negativo resulta no sinal positivo (menos com menos equivale a mais), ou seja, o dizer de TRAD 2 parece ter um cunho classicista em que o uso de computador já é corriqueiro no cotidiano de tradutores, mas que o uso de tecnologias de ponta está limitado apenas a alguns. Igualmente, ao enunciar 79

Não imagino mais..., o dizer de TRAD 2 faz despontar que antes imaginava o trabalho sem computador e agora isto é impensável.

Neste jogo discursivo, em que sentidos emergem e submergem, chamamos a atenção para a assertiva Por outro lado há determinadas tecnologias, não muito mais recentes na verdade, cuja adoção variou bastante. Primeiro porque elas não são mais úteis e generalizadas para todos: nem todo mundo precisa de OCR, por exemplo, em que a afirmação: não muito mais recentes faz aflorar a ideia de que há tecnologias populares e há tecnologias sofisticadas. Com a afirmativa nem todo mundo precisa de OCR, por exemplo, o dizer de TRAD 2 (re)vela o pertencimento a uma elite de usuários de tecnologias. Novamente, com o uso das locuções adverbiais de negação não muito mais, não são mais, nem todo mundo, há alguma tentativa de tentar ofuscar o entendimento de que há tecnologias que apenas uma elite de tradutores conhece e sabe utilizar. Ademais, nesse dizer, parece haver algum saudosismo de um tempo em que uma elite de tradutores estava à frente de dispositivos tecnológicos de vanguarda e, que, atualmente, estão acessíveis a todos, retirando, por isso, o aspecto de eminência, de distinção ou de importância dessa elite de tradutores.

E é neste território nebuloso que desponta o que realmente se considera por tecnologia no enunciado Há tecnologia e tecnologia: são as tecnologias pouco conhecidas ou utilizadas por tradutores em geral, por exemplo, a tecnologia OCR (Optical Character Recognition)18. Por meio dessa estratégia, o dizer de TRAD 2 encaminha para considerá-lo um profissional atualizado e conhecedor de tecnologias inusitadas. Nesse sentido, o uso do adjetivo “chocado” enfatizaria o quanto ele está atualizado em relação aos tradutores sem especialização tecnológica, principalmente, quando faz alusão à experiência internacional: continuo chocado de ver que estas tecnologias ainda são muito pouco adotadas no rasil. inha carreira decolou quando pude vender traduções realizadas com uma ferramenta T para o mercado europeu. utilização do verbo “decolar”, na terceira pessoa do singular no passado simples e do verbo “vender”, no infinitivo pessoal,

18A tecnologia OCR (Optical Character Recognition) reconhece texto e caracteres de documentos escaneados em formato PDF (incluindo arquivos de múltiplas páginas), fotografias e imagens capturadas por câmera digitais; alguns serviços OCR são capazes de reconhecer 32 línguas. 80

fazem emergir sentidos de que TRAD 2 se considera integrante de uma elite de tradutores altamente qualificada para comercializar com sucesso a produção de traduções. Vendendo traduções, o dizer de TRAD 2 faz aflorar que o trabalho de tradução (tal qual a tecnologia) pode também ser fetichizado como uma mercadoria (MARX, 1867) que, preparada de forma automatizada e, por isso, vista como eficiente, pode ser comercializada e importada para um mercado elitista ou exigente, o “mercado europeu”, como uma espécie de commodity. O enaltecimento aos recursos tecnológicos na tradução emerge também no dizer de TRAD 4, conforme a seguir.

RD 3 (TRAD 4)

Elas fazem a diferença. São um divisor de águas. Nivelam por cima. Economizam tempo e melhoram a qualidade da produção. As memórias de tradução, por exemplo, auxiliam a memória fisiológica, padronizando o texto, sem riscos de esquecimento. Se acrescentarmos a questão de linguística de corpus e os métodos de pesquisa online teremos um panorama de superação e de melhora inestimável ao que acontecia há alguns anos, realidade comentada no item 1 da exposição retro.

Com a utilização dos verbos de ação, conjugados nas terceiras pessoas do plural, fazem, nivelam, economizam, melhoram, auxiliam para se referir às tecnológicas, o dizer de TRAD 4 privilegia o tom enfático e conciso, produzindo efeitos de sentido de uma verdade inquestionável de que com o advento tecnológico a atividade tradutória ganhou qualidade sem precedentes.

Igualmente, com as escolhas lexicais “diferença”, “divisor”, “qualidade”, “superação”, “inestim vel” o dizer de D parece reafirmar a convicção em uma constatação irrefutável de que o simples uso de tecnologias traz benefícios imensuráveis, diferentemente, do que ocorria no passado quando o tradutor não dispunha de tecnologias para efetuar traduções. Nesse sentido, a suposta inteligência artificial (memória de tradução) não só é equiparada à inteligência humana (memória cognitiva), mas também a supera, pois não apresenta riscos de esquecimento.

Da mesma forma como nos dizeres de TRAD 1, a noção de memória, no dizer de TRAD 4, parece ser concebida como um processo dicotômico, isto é, ou se tem ou não se tem completude de memória; ou se lembra de tudo ou de nada, contrapondo- 81

se à noção de Derrida (1995 [2001, p. 12]) que afirma que o arquivo está sempre possibilitando o esquecimento, o apagamento da memória: É bem verdade que o conceito de arquivo abriga em si mesmo esta memória do nome arkhê. Mas também se conserva ao abrigo desta memória que ele abriga: é o mesmo que dizer que a esquece. A memória preservada em arquivo relaciona-se não só com o passado, mas também com o presente e, principalmente, com o futuro; com a proposta de vir- a-ser; uma repetição que possibilitará a sobrevida:

É outra maneira de dizer que o arquivo, como impressão, escritura, prótese ou técnica hipomnésica em geral, não é somente o local de estocagem e de conservação de um conteúdo arquivável passado, que existiria de qualquer jeito e de tal maneira que, sem o arquivo, acreditaríamos ainda que aquilo aconteceu ou teria acontecido. Não, a estrutura técnica do arquivo arquivante determina também a estrutura do conteúdo arquivável em seu próprio surgimento e em sua relação com o futuro. O arquivamento tanto produz quanto registra evento. É também nossa experiência política dos meios chamados de informação (DERRIDA, 1995 [2001, p. 28/29]).

Considerando que a (re)petição (pedir novamente) nunca será a mesma, a sobrevida ocorre pela multiplicidade de interpretações ou traduções, pois traduzimos, constantemente, em nossa língua dita “materna” os dizeres do outro quer sejam interlocutores nacionais e estrangeiros. Por esse viés, ao utilizar o verbo “padronizar”, na forma de gerúndio, emergem sentidos de que o dizer de D nutra uma concepção estruturalista de língua(gem) passível de ser controlada, padronizada, organizada sem enganos, deslizes, falhas ou múltiplas interpretações. Parece que a padronização do texto e, por conseguinte, da linguagem é vista como benéfica. Por essa possibilidade, há algum movimento de neutralização das contribuições dos Estudos da Linguagem sobre os prejuízos da sua padronização; sua homogeneização, especialmente, no campo da tradução responsável pelo trânsito da linguagem entre culturas, tendo em vista que a complexidade da linguagem é advinda da complexidade da constituição das subjetividades. No enunciado Elas fazem a diferença. São um divisor de águas, há indícios de que as tecnologias sejam vistas por TRAD 4 como amuletos, talismãs tal como concebido por De Brosses em seus estudos sobre o fetiche dos objetos cultuados por religiões africanas. Ou melhor, a tradução só é possível pelo apego a algo que o faça crer na viabilidade da realização tradutória – rompendo-se, assim, com o conceito de double blind (necessidade e (im)possibilidade de traduzir) –, pois, de um lado, o tradutor 82

não mais se considera capacitado para traduzir sem adereços tecnológicos, e de outro, a ele não lhe é permitida a escolha; o uso da tecnologia é requisito essencial para a contratação de serviços de tradução proficiente. Em seguida, o dizer de TRAD 5 coaduna-se com os sentidos produzidos a partir do dizer de TRAD 4.

RD 4 (TRAD 5)

Meu lazer é buscar informações na rede, ler de tudo e muito, assistir a filmes sem legenda para treinar o ouvido e me manter atualizada com as línguas faladas e as gírias mais correntes. Também, sempre leio mais de um livro de cada vez e pesquiso muito. Minha prática é sempre duvidar da primeira concepção, aprofundar as soluções tradutórias, cercar meu texto de toda a garantia possível, anotar onde encontrei qual solução para ter argumentos em caso de dúvida. Uso o WordFast e o MemoQ como ferramentas de memória. Mas devo confessar que nunca me sinto inteiramente satisfeita com o resultado. A vida é um eterno aperfeiçoar, afinal, o texto traduzido tem v rias “vidas" até chegar ao cliente ou ao público leitor.

Ao realçar as atividades esperadas de um tradutor responsável, atualizado e dedicado que não se distancia da aprendizagem mesmo em horas de lazer, o dizer de TRAD 5, no enunciado Meu lazer é buscar informações na rede, ler de tudo e muito, assistir a filmes sem legenda para treinar o ouvido e me manter atualizada com as línguas faladas e as gírias mais correntes. Também, sempre leio mais de um livro de cada vez e pesquiso muito, reforça o discurso recorrente, em cursos de formação e de preparação de tradutores, que preconizam o autodidatismo, a intelectualidade e a autonomia do tradutor profissional, ou seja, remete ao imaginário coletivo de tradutor ideal. Há também a incidência do que significa ser empreendedor como aquele que lança mão de estratégias de marketing para promover seu produto, com a diferença de que seu produto é ele mesmo. Se não fizer, constantemente, campanha publicitária de si e de seus atributos, ele talvez não seja considerado apto pelos seus pares ou contratantes.

Lembramos que, desde os primórdios da constituição do Brasil como nação até a metade do século XX, a atividade de tradução era realizada por uma elite (escritores, poetas, jornalistas, diplomatas, políticos) que, muitas vezes, dispunha-se voluntariamente a traduzir obras de sua preferência, conforme atesta Wyler (2003, p. 51): 83

Ao contrário do que ocorreu com a tradução oral, a escrita enfrentou, desde o início, fortes obstáculos ao seu desenvolvimento como profissão, entre os quais a ausência de demanda. Até quase a segunda metade do século XX a tradução escrita teve predominantemente o caráter de exercício acadêmico ou prazeroso e de ocupação temporária para as elites intelectualizadas. Concorreram para construir e prolongar tal situação, além da consolidação tardia do português como língua nacional (1823), as políticas aplicadas no Brasil pela metrópole portuguesa com relação à educação e à imprensa (WYLER, 2003, p. 51).

Nos dias de hoje, parece, então, que o perfil do bom tradutor acumula os atributos de outrora bem como os de agora, ou melhor, deve ser um tradutor autônomo com erudição e um tradutor eficiente com produção. Sua autonomia não se relaciona às opções individualizadas, mas sim às imposições materializadas em práticas discursivas que agenciam o sujeito, de acordo com Foucault (1969 [2005, p. 133]) que define discurso como um conjunto de regras anônimas históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definem, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou linguística as condições de exercício da função enunciativa. Mascia (2002, p. 54) ao analisar o discurso político educacional e a importância de se pensar a relação entre os registros de estado e de liberdade, traz também a questão da autonomia como uma prática discursiva que agencia os sujeitos:

(...) à medida que o ato de governar passa a ser entendido como a construção de uma democracia moderna, na qual se espera que cada indivíduo exiba auto-disciplina e auto- motivação. Essa relação entre a administração do estado e a administração do indivíduo permanece nas ciências sociais (e na educação), mesmo nas tradições críticas (MASCIA, 2002, p. 54).

Da mesma forma, Trifanovas (2007, p.136), analisando a troca de e-mails em contexto virtual de gestão de ensino-aprendizagem de inglês, questionou o discurso do perfil autônomo do aluno, concluindo que práticas discursivas naturalizadas tornam-se invisíveis e permitem o agenciamento das subjetividades e das tecnologias do eu, em consonância com a obra foucaultiana:

(...) tal perfil é construído em torno de atitudes pré-estabelecidas e pré-selecionadas por outrem e não pelo aluno como é preconizado por estudiosos em EaD. Desse modo, com a análise foi possível entrever que o perfil esperado não é o de um aluno autônomo, mas sim autômato que deve autoforma(ta)-se, a fim de cumprir um conjunto de práticas que resultam na homogeneização de sua conduta (TRIFANOVAS, 2007, p. 136). 84

Assim, no dizer de TRAD 5 Minha prática é sempre duvidar da primeira concepção, aprofundar as soluções tradutórias, cercar meu texto de toda a garantia possível, anotar onde encontrei qual solução para ter argumentos em caso de dúvida, o uso do verbo “cercar” na forma infinitiva e do substantivo feminino singular “garantia” produz efeitos de sentido de que a autonomia esperada é uma falácia, pois seu trabalho parece não ser reconhecido por sua expertise como tradutor, mas sim, pela constatação documental das pesquisas feitas, durante a prática tradutória, acerca de cada decisão tomada, isto é, deve se munir de argumentos para provar a legitimidade da qualidade de seu trabalho.

Ademais, com o dizer Mas devo confessar que nunca me sinto inteiramente satisfeita com o resultado, TRAD 5 dá voz às inseguranças constantemente vividas por tradutores em relação às dúvidas que eles mesmos têm e que clientes e público em geral também têm da qualidade de suas performances. Assim, surge algum sentimento de medo do julgamento público de seu trabalho caso haja algum deslize ou engano. Para aplacar esse temor e alcançar o ideal de tradutor, TRAD 5 estaria trazendo, pela confissão, alguma tendência narcisista ao ideal de ser singular ao utilizar expressões hiperbólicas (ler de tudo, e muito, sempre leio mais de um livro, pesquiso muito, toda garantia possível).

Com isso, faz emergir também traços da subjetividade e da incompletude do sujeito (mas devo confessar que nunca me sinto inteiramente satisfeita com o resultado), apesar do uso das tecnologias de tradução, produzindo efeitos de que a profissão de tradutor se configura como uma das mais vulneráveis às críticas, não só das comunidades de tradutores, mas do público em geral, que desconhece as agruras da atividade tradutória. Ora, temos, então, a contradição a que o tradutor está exposto constantemente: ser elevado à condição de intelectual, capaz de oferecer erudição enciclopédica e dicionarizada ou ser rebaixado à condição de amador sem autoridade ou autonomia que deve apresentar comprovação documental em futuros questionamentos ou julgamentos levianos.

O dizer de TRAD 5 remete também às possibilidades de fetiche de objetos na forma de informações, livros, filmes, audições ou ferramentas de memória que funcionariam como promotores de bem-estar, a fim de protegê-lo do mal-estar advindo do julgamento leviano ou do suplicio público (FOUCAULT, 1975 [2004, 85

p.12]) pelas negligências ou inapropriações linguísticas que por ventura venham a incorrer. E nesse sentido, a afirmativa A vida é um eterno aperfeiçoar, afinal, o texto traduzido tem várias “vidas" até chegar ao cliente ou ao público leitor, especialmente pelo uso dos substantivos “vida” “vidas” e “eterno” indica o embricamento entre a angústia perante a vida ou a morte do reconhecimento de seu bom trabalho como tradutor, independentemente, das boas práticas de um profissional responsável e dedicado. Figura-se uma dança de sucesso e fracasso, tal qual um equilibrista caminhando por uma corda estendida entre as duas margens de um abismo; nesse caminhar perigoso, necessitará de amuletos, talismãs em forma de um fetiche que o proteja. Esse reconhecimento da importância por apetrechos está também presente no dizer de TRAD 6, a seguir.

RD 5 (TRAD 6)

Existem no mercado de hoje, várias CAT tools de boa qualidade – ferramentas de memória de tradução, onde soluções de repetições em textos são apresentadas automaticamente pelo software –, encurtando o tempo de tradução e melhorando a produtividade do profissional. Eu uso esse tipo de software em muitos dos trabalhos que eu faço, principalmente em textos técnicos com listas e repetições. A qualidade tem melhorado bastante nos últimos anos. Também utilizo Voice Recognition Software, que pode ser usado em conjunto com um CAT tool – para reduzir os esforços constantes sofridos ao digitar durante várias horas por dia. A versão na língua-alvo pode ser falada, e o programa digita automaticamente. Esse software também melhorou bastante nos últimos anos, e pode ser “treinado” para reconhecer as peculiaridades da voz e da fala do profissional.

Continuando na linha de raciocínio de que o tradutor é agenciado a falar de si e de sua expertise com alguma deferência, TRAD 6 traz na explicação encurtando o tempo de tradução e melhorando a produtividade do profissional a possibilidade de se pensar que sua tarefa perdeu o status de intelectualidade, sendo reduzida a uma tarefa operacionalizada, como em uma linha de produção cujas prerrogativas de tempo incidem no corpo do operário para reduzir os esforços constantes sofridos ao digitar durante várias horas por dia.

Desta forma, o enaltecimento que TRAD 6 tenta fazer sobre seu conhecimento tecnológico ao mencionar tecnologias modernas (CAT tools, Voice Recognition Software) se opõe à sua realidade de trabalhador quase braçal. Na verdade, as tecnologias de ponta servem para forçar o profissional a entregar maior produção 86

com mais qualidade. Ou melhor, responsabilizá-lo exclusivamente com metas e prazos exíguos que teoricamente podem ser factíveis pela justificativa de que os aparatos tecnológicos modernos reduzem o tempo das tarefas, trazendo praticidade e economia. Toda fábrica moderna está equipada com os robôs mais modernos, a fim de que a produção alcance as rigorosas metas estabelecidas.

No entanto, ao mencionar o software Voice Recognition Software, pouco utilizado por tradutores em geral, e pelo emprego do pronome pessoal subjetivo “eu” e dos verbos “usar”, “fazer” e “utilizar”, em primeira pessoa do singular, no presente indicativo (eu uso, eu faço e utilizo), surgem indícios de que o dizer de TRAD 6 vangloria a própria atualização tecnológica. Ainda, com a afirmação A versão na língua-alvo pode ser falada, e o programa digita automaticamente, em que ele descreve que o ato tradutório ocorre oralmente (como na interpretação de conferências) e não por escrito, produz sentidos de que o dizer de TRAD 6 exibe a extensão da sua própria capacidade como tradutor, desconsiderando os entraves peculiares à tradução em relação à complexidade das línguas.

Ademais, há, agora, o câmbio de posições, apagando a imagem de operário sobrecarregado com procedimentos repetitivos e cansativos, e realçando a sua superioridade à máquina que ele treina para trabalhar por e para ele. De qualquer forma, os softwares parecem ser ferramentas essenciais à realização tradutória tal qual na teoria freudiana em que o fetiche funciona como uma prótese que ameniza o terror da castração futura. O dizer de TRAD 7, a seguir, completa esse sentimento da necessidade de estar atualizado tecnologicamente ao evidenciar o quanto conhece acerca do trajeto do uso de tecnologias de tradução.

RD 6 (TRAD 7)

As duas principais tecnologias da nossa profissão (Memória de radução e radução utom tica) deram imensos saltos de qualidade nos últimos anos. Os programas de memória de tradução surgiram na década de 1980 de forma muito rudimentar e hoje há imensa variedade de programas disponíveis no mercado, alguns com tecnologia bastante avançada. A Tradução Automática surgiu praticamente junto com a informática na década de 1950 (em plena guerra fria, a IBM foi contratada pelo governo dos EUA para decifrar grandes quantidades de informações interceptadas dos russos) . Durante décadas, foi alvo de chacota por ser muito limitada e sempre produzir erros grosseiros. penas no século XXI vimos o 87

surgimento de uma tecnologia verdadeiramente revolucion ria nesse campo, capitaneada pela empresa Google. Passamos de um sistema bin rio, com a equivalência de um para um, para uma lógica de linguística de corpus, onde a m quina é capaz de diferenciar contextos. O tradutor atual não pode se dar ao luxo de ignorar as novas tecnologias, sobretudo os programas de memória de tradução. O tradutor atual não precisa ser especialista em inform tica, mas certamente precisa ter um domínio acima da média do processador de texto e ferramentas assessórias. Ainda há tradutores de gerações anteriores que se recusam a usar a tecnologia de memória de tradução. Esses tradutores naturalmente têm certas limitações em sua produção. Eu compararia a recusa da adesão à tecnologia de memória de tradução daqui por diante ao absurdo do que seria a recusa da migração da máquina de escrever para o computador h algumas décadas.

Com o emprego de muitas locuções adverbiais de tempo últimos 20 anos, década de 1980, década de 1950, Durante décadas, século XXI, há algumas décadas, para marcar a cronologia do percurso da história das tecnologias de tradução, o dizer de TRAD 7 parece valorizar mais os avanços tecnológicos (imensos saltos de qualidade, tecnologia bastante avançada, máquina é capaz) do que desprestigiá-los (alvo de chacota, muito limitada erros grosseiros), emergindo efeitos de sentido de priorização do sucesso e de minimização do insucesso. Ao mesmo tempo em que essa narrativa sobre as tecnologias de tradução faz aflorar a glorificação desse percurso, também faz brotar o envaidecimento não só por narrá-la, mas também por poder avaliá-la (surgimento de uma tecnologia verdadeiramente revolucionária nesse campo, capitaneada pela empresa Google.), em um movimento que permite que TRAD 7 também se inclua neste processo evolutivo que parece lhe trazer status e notoridade.

Não só TRAD 7 se vê como um tradutor pertencente a um grupo seleto de experts, mas também em posição para expressar comentários axiológicos de seus pares (O tradutor atual não pode se dar ao luxo de ignorar as novas tecnologias, sobretudo os programas de memória de tradução. O tradutor atual não precisa ser especialista em informática, mas certamente precisa ter um domínio acima da média do processador de texto e ferramentas assessórias). Ou seja, as representações que TRAD 7 faz de si sinalizam que se vê integrante de uma elite especializada em contraponto a alguns pares que não participaram do avanço tecnológico. 88

Entretanto, a comparação simplificada que ele faz entre máquina de escrever e processador de textos, em lugar de legitimá-lo em uma classe profissional de vanguarda, na verdade, o coloca em uma classe bastante mediana que ainda utiliza algumas tecnologias (memória de tradução, processador de texto e ferramentas assessórias) não necessariamente modernas. Vemos, então, que a identidade do tradutor parece estar em deslocamento constante; em um movimento em que ora há enlaçamento, ora há esgarçamento. Isto é, por vezes, há diferenciação daqueles que não usam, em outras vezes, há deferenciação daqueles que usam tecnologias de tradução. Em seguida, temos no dizer de TRAD 8, um transbordamento passional pelo uso de tecnologias de tradução.

RD 7 (TRAD 8)

mo as tecnologias de tradução udo o que diminua o braçal e aumente a disponibilidade mental é muito bem-vindo. Quando comecei a traduzir, usava máquina de escrever manual. A primeira foi uma Olivetti lettera 22. Depois, na élgica, adquiri um objeto lindo, na loja do Exército da alvação, uma Underwoood do início do século XX, tinha o 5 mais bonito que j vi na vida. laro que agora fico muitíssimo mais feliz com o meu Ultrabook... Em um momento dificílimo da minha vida, recebi um artigo sobre armas nucleares de umas cinquenta páginas de revista para traduzir. Em papel, máquina manual. Ia traduzindo e sentindo que alguma coisa estava errada, mas não sabia o que. Quando fui revisar a primeira das bem mais de cinquenta laudas, bati o olho na barbaridade que havia cometido: tinha traduzido "nuclear head", ogiva nuclear, como "cabeça nuclear". Arrepiada de horror, redigitei - ou melhor, redatilografei - tudo, não queria nem que o editor soubesse que aquilo tinha me passado pela ogiva, ou melhor, pela cabeça e fosse hoje, um "find and replace" daria conta do recado sem expor minha vergonha

Se até este ponto de nossa análise, tivemos os dizeres dos tradutores organizados de maneira comedida, em um jogo alternante entre elite e operariado, ou entre vaidade e angústia, agora vemos o deslumbramento flagrado de TRAD 8, afirmado não só pelo excesso de pontuação exclamativa, mas também pelos conjuntos superlativos com conotação positiva “amar”, “bem-vindo”, “objeto lindo”, “5 mais lindo”, “muitíssimo mais feliz” que produzem efeitos de sentidos de que D 8 sempre teve empolgação tanto por maquinarias (lettera 22, Underwood), no passado, como por tecnologias, no presente (Ultrabook). 89

A expressão Tudo que diminua o braçal, produz o sentido de que, ao diminuir o braçal, estendem-se ferramentas ao longo do corpo. É como se a máquina se amalgamasse ao corpo, em que um é continuidade do outro. Diminuir o braçal e aumentar o mental expõe a questão da suposta hierarquização entre homem e máquina ou mesmo da ausência de hierarquização entre humanos e não humanos. ontudo, h e não h essa extensão, pois haver sempre o escape em que o “eu” não usa nem controla e não se deixa controlar efetivamente pela tecnologia. Paradoxalmente, há também alguma inversão na relação entre tradutores e tecnologias em que, embora tradutores acreditem usar as tecnologias, são as tecnologias que, possivelmente, “usam” os tradutores. Ou seja, tecnologias são impostas aos tradutores em um agenciamento a que todos estamos submetidos, fomentando um jogo de resistência e aderência.

Em oposição à empolgação positiva, TRAD 8 também intensifica sua narrativa com conjuntos superlativos com conotação negativa “dificílimo”, “barbaridade”, “arrepiada de horror”, “vergonha” que delineiam sentidos de que a vergonha por seu deslize em trocar “ogiva nuclear” por “cabeça nuclear”, parece relacionar-se mais com a vergonha em traduzir um texto bélico (Em um momento dificílimo da minha vida, recebi um artigo sobre armas nucleares de umas cinquenta páginas de revista para traduzir) do que por um deslize bastante compreensível na prática tradutória. Ou melhor, o ato falho ocorre não pelo engano entre substantivos homônimos em inglês (que são diferentes em português), mas sim pela temática que parece assombrar TRAD 8 por precisar traduzir um texto considerado politicamente incorreto, que, não fossem as dificuldades, provavelmente, financeiras, ela não aceitaria traduzir.

Assim, com o enunciado Se fosse hoje, um "find and replace" daria conta do recado sem expor minha vergonha , TRAD 8 parece conceber os recursos modernos, que permitem corrigir partes dos textos de forma rápida e fácil, como um desejo de fidelidade (CORACINI, 2007a, p. 194), um fetiche, agora pensado nos Estudos da Tradução, como um mecanismo em que tradutores elevam a língua estrangeira a um patamar superior ao da língua tida como materna e, com isso, se veem subordinados não só à hegemonia linguística, como também à hegemonia política. O dizer de TRAD 3, a seguir, mostra também esse acolhimento incondicional ao uso de tecnologias no ato tradutório. 90

RD 8 (TRAD 3)

Alguns tradutores estão sempre resistindo às mudanças tecnológicas, sob o argumento de que elas “desumanizam” o trabalho (e chamar uma tecnologia de machine translation não ajuda muito). Eu discordo integralmente desse pensamento. Mas eu penso que a tecnologia vem sempre para reduzir o trabalho braçal e deixar mais tempo para o trabalho mental de qualidade. Isto é verdade, mas a indústria de tradução põe muita ênfase em produção e pouca em qualidade, resultando em uma atividade e profissão menos interessante, por enquanto. Isto talvez ocorra porque os clientes não estão maduros para comprar qualidade e os fornecedores de serviço estão tentando sobreviver e a prioridade é produzir barato. Acredito que isto vá mudar no futuro próximo. Admiro o fato que as memórias de tradução foram criticadas quando surgiram e não são mais, e agora a machine translation é criticada. Para mim, o mais importante é entender o que a tecnologia faz sistematicamente e se preparar para a qualidade. Por exemplo, memórias podem sugerir uma tradução parecida, mas não exata. É importante identificar quando algo parecido foi usado. Machine translation tem erros de significado para palavras com múltiplos significados. É importante construir glossários e controles de qualidade que ajudem a identificar estes termos. Temos que usar tecnologia para a qualidade da tradução e não somente para a produção da tradução. Acho que isso está no futuro da indústria em alguns anos.

Ao enunciar eu penso que a tecnologia vem sempre para reduzir o trabalho braçal e deixar mais tempo para o trabalho mental de qualidade, o dizer de TRAD 3 reforça a situação de desconforto físico, presente na rotina do tradutor, também mencionada por TRAD 6 (reduzir os esforços constantes sofridos ao digitar durante várias horas por dia.) e por TRAD 8 (Tudo o que diminua o braçal e aumente a disponibilidade mental é muito bem-vindo. ). Os dizeres desses tradutores sugerem que as tecnologias trazem mais praticidade e agilidade à atividade de tradução, o que, em parte, é positivo. Entretanto, toda essa discursivização remete a um cotidiano em que o volume de trabalho configura um ambiente opressor e exaustivo. Quando TRAD 3 discorda de que Alguns tradutores estão sempre resistindo às mudanças tecnológicas, sob o argumento de que elas “desumanizam” o trabalho ..., parece fazer referência ao fato de que o texto traduzido se maquiniza; porém, é possível que o contrário ocorra, isto é, quem se maquiniza e se desumaniza é o tradutor, que tem sua conduta controlada por práticas que naturalizam, pela imposição velada, o agenciamento dos sujeitos, conforme ensina Foucault (1984 [2004, p. 285]), sobre jogos estratégicos de poder que determinam a conduta dos indivíduos agenciados em redes de relações de poder: 91

(...) acho que é preciso distinguir as relações de poder como jogos estratégicos entre liberdades – jogos estratégicos que fazem com que uns tentem determinar a conduta dos outros, ao que os outros tentam responder não deixando sua conduta ser determinada ou determinando em troca a conduta dos outros – e os estados de dominação, que são o que geralmente se chama de poder. E entre os dois, entre jogos de poder e os estados de dominação, temos as tecnologias governamentais, dando a esse termo um sentido muito amplo – trata-se tanto da maneira com que se governa sua mulher, seus filhos, quanto da maneira com que se dirige uma instituição. A análise dessas técnicas é necessária, porque muito frequentemente é através desse tipo de técnicas que se estabelecem e se mantêm os estados de dominação. Em minha análise do poder, há esses três níveis: as relações estratégicas, as técnicas de governo e os estados de dominação (FOUCAULT, 1984 [2004, p. 295]).

Dito de outra forma, o discurso de que a máquina ou a tecnologia eliminará o tradutor parece ser uma inversão do que realmente ocorre: tradutores trabalhando de forma automatizada e entregando altos índices de produtividade, quase se transformando em máquinas de traduzir, submetidos, assim, a estados de dominação. Propaga-se, assim, a ideia de que as ferramentas tecnológicas trazem diminuição do trabalho “braçal” e aumento da produtividade. De acordo com as práticas mercadológicas que regem a contratação de serviços de tradução e pela maneira pela qual as tecnologias de tradução são empregadas hoje, o tradutor está sendo cada vez mais submetido ao trabalho automatizado e dominado pelos programas e recursos tecnológicos que ele utiliza. Vislumbra-se uma tendência em direção ao aumento da automação de todas as etapas do trabalho tradutório, quais sejam: tradução automática, revisão, pós-edição, armazenamento de produção, treinamento dos programas de tradução automática e sistemas de memória de tradução, ou seja, tudo isso para maximizar o desempenho futuro e os resultados das traduções não recuperadas pelo sistema de memória.

Ao finalizar o enunciado a indústria de tradução põe muita ênfase em produção e pouca em qualidade, resultando em uma atividade e profissão menos interessante, por enquanto, com o advérbio de tempo “por enquanto”, que caracteriza uma situação temporária em vias de ser mudada, o dizer de TRAD 3 entremostra anseio de que, em um futuro próximo, o mercado de traduções reconhecerá a qualidade da tradução. Com isso, parece haver a esperança de que a boa performance do tradutor com o aparato tecnológico poderá viabilizar a qualidade das traduções e 92

proporcionar pagamentos mais justos, o que afastaria prerrogativas de traduzir grandes volumes para compensar os preços baixos que incidem nos serviços das traduções. No entanto, o dizer de TRAD 3 aponta à logica capitalista que valoriza mais o lucro do que a qualidade, e com isso, agenciando, cada vez mais, o tradutor por essa contingência. Ou seja, conduz para se pensar o quanto o tradutor está sendo agenciado, nos termos de Foucault (1984 [2004]).

Para que os agenciamentos de poder (FOUCAULT, 1984 [2004, p. 285]) sejam bem sucedidos, é necessário que sejam engendrados pelo convencimento, pelo consenso e pela naturalização. Nas relações comerciais da ideologia neoliberal, o discurso da qualidade possibilita o agenciamento de poder pela reprodução de fórmulas, imposição de procedimentos e estabelecimento de metas para alcançar padrões de qualidade cada vez mais exigentes. Essa fórmula de sucesso surge no dizer de TRAD 3 (Isto talvez ocorra porque os clientes não estão maduros para comprar qualidade e os fornecedores de serviço estão tentando sobreviver e a prioridade é produzir barato. Para mim, o mais importante é entender o que a tecnologia faz sistematicamente e se preparar para a qualidade), caracterizando a manutenção de princípios econômicos que naturalizam o agenciamento que afeta sobremaneira a prática de tradução, tornando o tradutor cada vez mais atarefado, mais robotizado e mais demandado a repetir e viabilizar as exigências de um discurso que o escraviza, impedindo-o de questionar como padrões de qualidade incidem sobre ele e sua atividade. Na lógica capitalista, padrões de qualidade são definidos pela conformidade às exigências dos clientes, pela relação custo/benefício, pela adequação ao uso, pelo valor agregado que produtos similares não possuem e pela efetividade do conjunto de práticas que otimizam e controlam os processos de produção.

Embora com a afirmativa temos que usar tecnologia para a qualidade da tradução e não somente para a produção da tradução. Acho que isso está no futuro da indústria em alguns anos haja alguma tentativa em dissociar os conceitos de qualidade dos de produção, parece não haver percepção acerca do quanto esses dois pilares do discurso neoliberal estão intimamente imbricados com o objetivo de alcançar índices de produção cada vez maiores e com a maior excelência possível, tal qual preconiza a teoria marxista sobre a mercadoria (MARX, 1867, Volume 1, seção 4). 93

Na nossa sociedade, a forma econômica mais geral e mais simples que se liga aos produtos do trabalho - a forma-mercadoria - é tão familiar a toda a gente que ninguém vê mal nisso. Consideremos outras formas económicas mais complexas. Donde provinham, por exemplo, as ilusões do sistema mercantilista? Evidentemente do carácter fetiche que a forma-dinheiro imprime aos metais preciosos [segundo esse sistema, o ouro e a prata na sua função de dinheiro não representavam uma relação social de produção, antes eram objectos naturais com peculiares propriedades sociais]. E a economia moderna que se tem em alta conta e não se cansa de zombar, insipidamente, do fetichismo dos mercantilistas, será ela menos vítima das aparências? O seu primeiro dogma não consiste em considerar que estas coisas (instrumentos de trabalho por exemplo) são, por natureza, capital, e que, pretender despojá- las deste carácter puramente social, é cometer um crime contra a natureza? Finalmente, os fisiocratas, tão superiores em tantos aspectos, não imaginaram que a renda fundiária não é um tributo arrancado aos homens, mas um presente feito pela própria natureza aos proprietários? (MARX, 1867, Volume 1, seção 4, disponível em: https://www.marxists.org/portugues/marx/1867/ocapital-v1/vol1cap01.htm#c1s4).

Logo, no dizer de TRAD 3, nota-se o discurso de qualidade neoliberal incidindo sobre a prática tradutória e como as demandas tecnológicas reconfiguram o mercado de tradução, remetendo à noção de fetiche da mercadoria da teoria Marxista. Ou seja, no mercado de traduções, a subjetividade do tradutor parece estar em constante reconfiguração, ora como um operário demandado a atingir metas e prazos, ora se robotizando para que dele apenas se retire a “propriedade intelectual”, mas que só ser possível com a destreza braçal. ssim, a subjetividade do tradutor parece estar sendo constituída tal qual o surgimento de um produto ou de uma marca que deverá ser lucrativa, de qualidade e comercializada em larga escala com baixos custos de produção. A seguir, TRAD 9 enfatiza essa importância do uso de tecnologias para assegurar padrões de qualidade de um produto.

RD 9 (TRAD 9)

Como eu disse, há uma evolução muito grande dessas tecnologias, a tradução de máquina está se tornando cada vez melhor, as empresas de tradução que conhecem bem essas tecnologias e sabem utilizá-las eficientemente, produzem traduções de boa qualidade em tempo cada vez menor.

Com palavras axiológicas (evolução, melhor, eficientemente, boa qualidade) – que parecem indicar ser imprescindível o uso de softwares no ato tradutório – , e com verbos, conjugados em terceira pessoa do plural (conhecem, sabem, produzem) – 94

que denotam concepções logocêntricas –, o dizer de TRAD 9 produz efeitos de a linguagem ser considerada uma ferramenta utilitarista a serviço de objetivos capitalistas. Ademais, o enunciado está se tornando cada vez mais remete a uma situação iminente em que a linguagem poderá ser totalmente controlada por softwares infalíveis, reforçando o viés empresarial na tarefa do tradutor.

Com isso, o dizer de TRAD 9 parece professar que o mercado de traduções encontra-se, predominantemente, organizado entre a imposição de tecnologias modernas e o monopólio das grandes empresas de tradução (as empresas de tradução que conhecem bem essas tecnologias e sabem utilizá-las eficientemente, produzem traduções de boa qualidade em tempo cada vez menor.), objetivando lucros elevados, discursivização de qualidade e altos índices de produção, tal qual a teoria de Marx (1867, Volume 1, seção 4) sobre o valor escondido do trabalho na produção de mercadoria.

É certo que a economia política, embora de uma forma muito imperfeita, analisou o valor e a grandeza do valor [e descobriu o conteúdo escondido nessas formas].Mas nunca pôs a questão de saber [porque é que esse conteúdo reveste essa forma,] por que é que o trabalho se representa no valor, e a medida do trabalho pela sua duração na grandeza do valor dos produtos. Fórmulas, que logo à primeira vista mostram pertencer a uma formação social em que a produção e as suas relações comandam o homem em vez de serem por ele comandadas, surgem à sua consciência burguesa como uma necessidade tão natural como o próprio trabalho produtivo. Nada de espantar que as formas de produção social que precederam a produção burguesa sejam tratadas da mesma maneira que os Padres da igreja tratam as religiões que precederam o Cristianismo. O que, entre outras coisas, mostra a ilusão produzida sobre a maior parte dos economistas pelo fetichismo inerente ao mundo mercantil ou pela aparência material dos atributos sociais do trabalho, é a longa e insípida querela travada a propósito do papel da natureza na criação do valor-de-troca. Ora, dado que o valor-de-troca é apenas uma determinada maneira social de exprimir o trabalho empregue na produção de um objecto, ele não pode conter mais elementos materiais do que, por exemplo, a cotação dos câmbios (MARX, 1867, Volume 1, seção 4).

Assim, vemos a discursivização dos conceitos de qualidade da mercadoria, remetendo mais uma vez, ao fetiche da mercadoria da teoria de Marx.

Concluindo o primeiro eixo de nossa análise, qual sejam, representações de si enquanto satisfeitos por integrar uma elite tecnológica, observamos a legitimação da excelência profissional do tradutor pela atualização tecnológica, nos dizeres de 95

TRAD 1, TRAD 2 e TRAD 4; o envaidecimento do tradutor por sua expertise tecnológica, nos dizeres de TRAD 5, TRAD 6 e TRAD 7; o deslumbramento do tradutor pelas facilidades tecnológicas, nos dizeres de TRAD 8 e, por fim, a exaltação aos softwares de tradução como promotores do discurso de confiabilidade, produtividade e qualidade, nos dizeres de TRAD 3 e TRAD 9.

4.2. Representações de si: preocupação com a hegemonia tecnológica:

Este eixo singulariza ansiedades, advindas das demandas tecnológicas, que parecem ameaçar a constituição identitária, desvalorizando o tradutor experiente que se posiciona como um crítico, legitimado pelo contexto em que está inserido, sendo, por isso, capaz de problematizar sua própria área de atuação, ao mesmo tempo, em que se apresenta fragilizado pela reconfiguração imposta pelas tecnologias de tradução. Observemos o dizer de TRAD 10.

RD 10 (TRAD 10)

As ferramentas de auxílio à tradução podem ser divididas em dois grandes tipos. A chamada Machine Translation (MT), ou tradução de máquina, a exemplo do Google Translator e outros. Desde que foi lançada, a tradução de máquina melhorou muito, mas ainda não trabalha sozinha e nunca trabalhará, porque esbarra na estrutura dos idiomas, a construção de uma frase em português é diferente da construção de frases no inglês e daí por diante, mas essa ferramenta tem sua utilidade. Se eu estiver escolhendo um texto para saber se vale a pena mandar traduzir ou não, essa primeira tradução rudimentar já poderá me dar essa resposta. Por outro lado existem os programas de auxílio à tradução, como Trados, Wordfast, SDL Studio e uma infinidade de outros, que são bancos de dados que o tradutor vai abastecendo à medida que trabalha e que facilitará o seu trabalho quando ele ou ela vier a traduzir outro texto da mesma área. Uma pesquisa longa que tenha feito sobre aquele assunto, não precisará ser feita novamente. Quando surgiram, essas ferramentas eram vistas com grande desconfiança por parte da maioria dos tradutores (entre os quais eu me incluo) especialmente porque eram (e são) caras. Então eu teria que comprar um produto que iria competir comigo, tirar trabalho de mim, mas as grandes empresas de tradução ou os grandes clientes passaram a exigir o uso dessas ferramentas. Hoje, os tradutores não têm mais este temor. Todos os tradutores técnicos (para os literários as ferramentas não são tão boas) trabalham com algum tipo de ferramenta.

Inicialmente, o dizer de TRAD 10 apresenta organização textual com sentença tópica (As ferramentas de auxílio à tradução podem ser divididas em dois grandes 96

tipos.), corpo de texto com detalhamento, exemplificação, argumentação e conclusão pessoal, assemelhando-se a um procedimento didático, o que faz aflorar uma posição professoral que parece objetivar o reconhecimento de seu conhecimento e profissionalismo, pelo histórico descritivo impessoal. Ao escolher os verbos “trabalhar” e “esbarrar” e os substantivos “estrutura”, “construção” e “ferramenta”, no enunciado desde que foi lançada, a tradução de máquina melhorou muito, mas ainda não trabalha sozinha e nunca trabalhará, porque esbarra na estrutura dos idiomas, a construção de uma frase em português é diferente da construção de frases no inglês e daí por diante, mas essa ferramenta tem sua utilidade, delineia-se uma concepção estruturalista de língua, bem como uma concepção positivista de tradução.

Nesse sentido, se a língua é pensada como uma estrutura e, por sua vez, a tradução é possível de ser automática, é porque no dizer de TRAD 10 há a crença de que a língua pode ser controlada e que a interpretação não é considerada em sua multiplicidade de sentidos. Ou seja, os sentidos não são pensados como deslizamentos na superfície porosa da linguagem. É interessante observar que o enunciador afirma que a linguagem técnica é passível de controle por meio de aplicação de sistemas automáticos.

Com o enunciado se eu estiver escolhendo um texto para saber se vale a pena mandar traduzir ou não, essa primeira tradução rudimentar já poderá me dar essa resposta, acenam-se opiniões antagônicas sobre tecnologias de tradução. De um lado, com os verbos de ação “escolher, “saber”, “mandar” e “traduzir” – que pressupõem um sujeito (cons)ciente do que fala –, o dizer de TRAD 10 aponta para alguma certeza de que as tecnologias de tradução são úteis para avaliar a relevância da empreitada de tradução. Por outro lado, não são capazes de lidar com as diferenças sintáticas entre idiomas. A contradição interna no dizer de TRAD 10 – tecida pelas malhas da linguagem e de como os advérbios “ainda” (mas ainda não trabalha sozinha), “mas” (mas essa ferramenta tem sua utilidade) e “j ” (primeira tradução rudimentar já poderá) são colocados para sinalizar a argumentação –, causa ruído na orquestração de argumentos. Se há especificidades linguísticas que a máquina não pode resolver, como possibilitará, ao tradutor, uma avaliação prévia do trabalho a ser desenvolvido? Apoiar-se em uma primeira tradução rudimentar não 97

poderia induzir o tradutor ao erro quanto à complexidade do trabalho a ser desenvolvido?

Em outra direção, com o verbo “abastecer” na forma nominal de gerúndio – que determina uma ação em andamento – o dizer de TRAD 10 traz à luz o cerne da discussão sobre a competitividade entre tradução humana e tradução automática. Ao abastecer os bancos de dados, os tradutores são os trabalhadores por trás do que eles mesmos criticam, temem ou desprezam, isto é, a tradução por máquina. A tradução automática só é possível pela ação do trabalho dos próprios tradutores. Entretanto, nota-se um jogo interessante de personificação da máquina e de objetificação do humano: a concorrência entre homem e máquina ou do tradutor que trabalha para a existência de programas de auxílio à tradução.

Embora TRAD 10 declare não haver mais uma ameaça das tecnologias de tradução ao trabalho do tradutor (Hoje, os tradutores não têm mais este temor), a própria explicação de não haver mais essa preocupação produz efeitos de sentido de denegação, ou seja, uma recusa em aceitar algo que incomoda e que não se pode mudar ou controlar, embora alegando que tinham esse temor antes, mas que, agora, supostamente, o temor acabou. Na verdade, a demanda das empresas de tradução por softwares de tradução estimulou um agenciamento circular, em que já não se pode distinguir se o tradutor se vê livre da ameaça de perder sua legitimidade profissional, ou se o tradutor se tornou cativo de uma situação em que já se via como perdedor. A naturalização de procedimentos parece ter arrefecido o temor da competição, fomentando a colaboração voluntária dos tradutores para a construção de imensos bancos de dados, sintaticamente corretos e de qualidade. Em outras palavras, a tradução de máquina é apenas um meio para a realização tradutória e não a atividade de tradução em si.

Todavia, o dizer de TRAD 10 parece indicar o contrário, tendo em vista a afirmação de as tecnologias de tradução se encontrarem mais voltadas à tradução técnica, e não à tradução literária (Todos os tradutores técnicos (para os literários as ferramentas não são tão boas) trabalham com algum tipo de ferramenta.). Vislumbra-se, nesse enunciado, uma hierarquização ou elitização entre áreas de tradução (literária, juramentada, técnica e legendagem), sendo a literária vista como aquela que é impermeável às distorções ou manipulações tecnológicas, pois o 98

tradutor literário é, talvez, tido, no imaginário coletivo, como aquele que tem um dom nato para lidar com a complexidade da linguagem literária, não necessitando de assistência ou colaboração de qualquer natureza a não ser talento ou expertise. É como se a tradução literária resistisse à automatização pela própria maneira como a linguagem nela se constrói e que, diferentemente da tradução técnica, não pode ser controlada ou auxiliada por ferramentas tecnológicas. A construção de sentidos estaria imune à aplicação da automatização na tradução literária, mas não na técnica, que suposta e, idealmente, seria constituída por construções terminológicas rígidas e padronizáveis.

Ao enunciar que Hoje, os tradutores não têm mais este temor. Todos os tradutores técnicos (para os literários as ferramentas não são tão boas) trabalham com algum tipo de ferramenta, o dizer de TRAD 10 remete, duplamente, ao conceito de fetiche em De rosses e em Freud, devido ao emprego do substantivo “temor”. Isto é, para De Brosses, o fetiche, para os povos primitivos, se configurava como um amuleto ou um talismã que afastaria o temor pelo que é maléfico. Em Freud, o fetiche se caracteriza por um substitutivo ou uma prótese que também afastaria o temor pela castração. Nesse sentido, ao conceber a tecnologia como um fetiche (que o protegeria da ameaça de ter sua posição de tradutor substituída pelas tecnologias de traduções), o temor parece ser afastado. Assim, existiriam dois tipos de tradutores: aqueles que precisam de fetiche, da tecnologia para funcionar, e aqueles que não precisam, por se verem completos e bem dotados. Com o enunciado Então, eu teria que comprar um produto que iria competir comigo, tirar trabalho de mim, TRAD 10 fala em primeira pessoa e faz emergir representações de falta e de incompletude, pois reluta em não adquirir ferramentas consideradas inimigas. Com a afirmativa entre os quais eu me incluo, TRAD 10 descreve o embate psicológico que viveu ao prognosticar uma batalha vencida, como efetivamente ocorreu, ou seja, hoje é integrante do grupo que necessita de próteses, isto é, de ferramentas tecnológicas que se instauram como fetiche. Em seguida, o dizer de TRAD 12 também revela alguma indisposição às prerrogativas ao uso de tecnologias de tradução.

99

RD 11 (TRAD 12)

Elas estão certamente melhorando ano a ano e o que mais nos deixa a vontade com a profissão é a certeza que enquanto a máquina não conseguir raciocinar não conseguir fazer o trabalho do tradutor.

Valendo-se do advérbio “certamente” e do substantivo “certeza”, que poderiam reforçar a opinião de TRAD 12 (também partilhada por TRAD 10), de que os tradutores não precisariam temer nenhuma ameaça, insinua-se uma preocupação do passado e do presente. Da mesma forma, com o verbo “melhorar”, na forma nominal de gerúndio, e com a expressão temporal “ano a ano”, que apontam para uma circunstância em continuidade e com destino iminente, o dizer de TRAD 12 produz efeitos de sentido de denegação, com afirmações inconsistentes, como uma tentativa do tradutor de amenizar seu temor de perder seu trabalho. Ademais, com o enunciado enquanto a máquina não conseguir raciocinar não conseguirá fazer o trabalho do tradutor, é possível entrever, na denegação de TRAD 12, a crença de que as máquinas já raciocinam e que o trabalho do tradutor já está com os dias contados.

Se TRAD 12 não concebesse a possibilidade de uma máquina raciocinar, não relacionaria uma ação mental humana a uma máquina nem utilizaria o advérbio de temporalidade “por enquanto”. o fazê-lo, parece tentar arrefecer o medo de perder sua posição (o que nos deixa a vontade com a profissão é a certeza ...), pois tenta acreditar que sua profissão só estará ameaçada quando a máquina raciocinar como um humano, realmente ocorrer. O que escapa de seu dizer é que a hegemonia tecnológica neoliberal não pretende que a máquina raciocine como o homem, mas que o homem funcione como uma máquina eficaz e eficiente. Com isso, TRAD 12 se vale da denegação para lidar com algo que o atemoriza e, diferentemente dos demais, resiste ao uso de uma prótese, de um fetiche para a realização tradutória. TRAD 13, por sua vez, deflagra a sensação de rebaixamento da profissão pela imposição tecnológica.

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RD 12 (TRAD 13)

Do ponto de vista do público em geral, as novas tecnologias acarretaram uma acentuada desvalorização da profissão, pois criou-se a impressão de que qualquer um pode traduzir, bastando usar uma dessas novas ferramentas. Do ponto de vista dos profissionais da área as novas tecnologias resultaram em aumento da produtividade e, consequentemente, da possibilidade de ganhos financeiros. Por outro lado, exigiram mais especialização, pois aprender a usar e dominar essas novas ferramentas não é um processo simples nem r pido. Esses novos softwares são complexos, suas curvas de aprendizagem são lentas, e demandam esforço e dedicação até que possam ser usados de modo eficiente. Você pode escolher um software específico (Trados, MemoQ, Wordfast etc.) ou apenas um. Como as memórias de tradução são compatíveis e você pode entregar aos clientes os arquivos unclean (bilíngues), isso não chega a ser um problema.

Quando o dizer de TRAD 13 expressa a desvalorização da profissão (Do ponto de vista do público em geral, as novas tecnologias acarretaram uma acentuada desvalorização da profissão, pois criou-se a impressão de que qualquer um pode traduzir, bastando usar uma dessas novas ferramentas.), parece fazer referência a conversas informais, em situações variadas do cotidiano, acerca do quanto a qualidade da tradução possa estar cada vez mais exposta à criticidade. Devido ao fenômeno da globalização e da internet, a aprendizagem e a utilização, ainda que de nível básico do idioma inglês, aumentaram exponencialmente, ao contrário do que ocorria no passado, quando o intercâmbio de línguas estava restrito a alguns segmentos mercantis. Ou seja, devido à hegemonia linguística, a tradução do inglês para uma língua de chegada se encontra cada vez mais suscetível a comentários levianos, pois o público em geral parece se ver capacitado para julgar a qualidade da tradução de enunciados ou vocabulário populares, sem conhecimento da realidade do contexto de tradução que tem exigências e critérios rígidos, os quais tradutores, mais especificamente legendadores, devem seguir. Muitas vezes, as escolhas linguísticas não são unicamente de responsabilidade dos tradutores, pois há sempre prerrogativas culturais, sociais ou religiosas que esbarram em questões morais ou financeiras que impedem que o tradutor possa traduzir livremente.

Em outra direção, essa mesma afirmativa (Do ponto de vista do público em geral, as novas tecnologias acarretaram uma acentuada desvalorização da profissão, pois criou-se a impressão de que qualquer um pode traduzir, bastando usar uma dessas 101

novas ferramentas) permite entrever duas possibilidades: a utilização de softwares de tradução automática, por exemplo o Google Tradutor, por usuários em geral, e a utilização de tecnologias de tradução, por exemplo memória de tradução, por tradutores amadores ou em início de carreira. O dizer de TRAD 13 parece se referir à segunda opção, pelo uso da expressão “qualquer um” que não se relacionaria à popularidade do Google Tradutor, o qual oferece traduções automáticas e gratuitas, mas sim à tradução amadora que, graças às novas tecnologias, entraria em competição com a tradução profissional, considerando a entrada de uma nova geração, tecnologicamente mais preparada, para competir com tradutores mais experientes.

Ainda com o enunciado por outro lado, exigiram mais especialização, pois aprender a usar e dominar essas novas ferramentas não é um processo simples nem rápido, o dizer de D (ao empregar os verbos “usar e dominar”, nas formas infinitivas) apontaria para uma dupla insegurança de que a ameaça ao tradutor chegue tanto pelas tecnologias de tradução quanto por tradutores mais jovens e, invariavelmente, mais tecnológicos, em razão de terem nascidos no auge da explosão tecnológica, poucas décadas atrás. Pelo enunciado Esses novos softwares são complexos, suas curvas de aprendizagem são lentas, e demandam esforço e dedicação até que possam ser usados de modo eficiente, afigura-se também algum anseio em narrar o desafio que novos profissionais poderão enfrentar, especialmente, pelo uso da expressão “modo eficiente”, que remete a uma tentativa de enobrecer a própria experiência em detrimento da inexperiência alheia.

No enunciado Do ponto de vista dos profissionais da área as novas tecnologias resultaram em aumento da produtividade e, consequentemente, da possibilidade de ganhos financeiros, o emprego das expressões “aumento da produtividade” e “ganhos financeiros” fazem emergir sentidos de que as tecnologias de tradução agregam valor por meio da produtividade que gerará lucros e, neste sentido, o dizer de TRAD 13 se apresenta opaco e nebuloso, possibilitando a emergência de sentidos conflituosos na constituição identitária do tradutor que ora se vê desvalorizado, ora se vê altivo, ou, mais frequentemente, ameaçado por tecnologias ou por pares concorrentes. Novamente, as tecnologias parecem funcionar como um objeto fetichizado capaz de aplacar a angústia do rebaixamento disfarçado em 102

produtividade a que o tradutor está submetido. Isto é, ele parece ter vislumbres de que a hegemonia tecnológica o colocou em um patamar mais baixo em comparação à antiga hierarquia de profissões intelectualizadas, pois hoje cada vez mais ele está se tornando um tecnólogo, ou mesmo, um operário que precisa entregar produtividade e qualidade em tempos recordes. Igualmente, o dizer de TRAD 14 enseja alguma objeção ao uso indiscriminado de ferramentas tecnológicas em tradução.

RD 13 (TRAD 14)

Sem dúvida, a tradução automática e principalmente as memórias de tradução são grande avanços na vida do tradutor profissional. Porém, a meu ver, por parte do grande público não especializado, há ainda muita confusão sobre o uso e o alcance dessas ferramentas. Como ferramentas de auxílio que são, elas apenas ajudam na tradução, mas de forma alguma substituem o papel do tradutor. A meu ver, os bons profissionais cada vez tem mais consciência disso, e mais cuidado ao usar a tecnologia. Não sei se a mesma afirmação vale para as agências de tradução ou o público em geral...

partir da expressão “sem dúvida” – que poderia ser um elemento que afastaria qualquer incerteza sobre a opinião de TRAD 14 –, em conjunto com os substantivos “avanços” (um termo com valor positivo) e “confusão” (um termo com valor negativo), é possível verificar o afloramento do embate que a ascensão da tradução automática e a opinião do grande público não especializado provocam na legitimidade da posição do tradutor profissional. Ainda, no enunciado como ferramentas de auxílio que são, elas apenas ajudam na tradução, mas de forma alguma substituem o papel do tradutor. O emprego do advérbio de exclusão “apenas” e da conjunção adversativa “mas” delineia uma dualidade em aceitar a contribuição ou a maldição tecnológica. Decorre, ainda, com o uso do adjetivo plural “bons” e do substantivo singular “consciência”, uma necessidade de diferenciar tradutores “bons”, “conscientes” e “cuidadosos” daqueles que não são.

Da mesma maneira, pelo uso do sinal de reticências ao final (Não sei se a mesma afirmação vale para as agências de tradução ou o público em geral...), o dizer de TRAD 14 insinua que a restrição não se dá apenas entre o grande público e agências de tradução, mas também entre a categoria de tradutores, dividida entre aqueles que são conscientes do contexto em que estão inseridos e aqueles que são 103

alienados. Mais uma vez, as representações de tradutores que se afiguram são da ordem de amadores que usam, indiscriminadamente, tecnologias de tradução, acenando para a possibilidade de que os tradutores profissionais não adotam essa atitude leviana, pois sabem balancear a utilização de tecnologias devido à sua longa experiência, elevando-os a uma categoria diferenciada em comparação aos iniciantes. Esse possível equilíbrio ao uso de tecnologias ressoa também no dizer de TRAD 11, a seguir.

RD 14 (TRAD 11)

Sem dúvida, os chamados CATs prestam imenso auxílio aos tradutores para fins de pesquisa terminológica, reaproveitamento de traduções existentes e repetições internas, consistência, aumento de produtividade e receita, e competitividade frente a outros tradutores que se abstenham de usar essas ferramentas. Por outro lado, seu uso pode levar ao empobrecimento da tradução e à autonomia dos clientes em relação ao trabalho do tradutor, mediante o uso de suas memórias, e restringe-se às traduções técnicas, de nada servindo no contexto das traduções literárias. As ferramentas de tradução totalmente automática não têm serventia outra que não apresentar um leve esboço do contexto original, como retratos distorcidos da realidade em foco, sendo incapazes de efetuar um processo tradutório satisfatório, que depende do raciocínio e da sensibilidade ausentes nos processos mecanizados. No passado essas tecnologias eram vistas com desconfiança, descrédito e temor de substituição do trabalho dos tradutores. Hoje, de forma geral, são bem aceitas, pois sabe-se que há um longo caminho a percorrer na reposição completa do homem pela máquina, se é que isto jamais ocorrerá.

Se no dizer de TRAD 14, a ameaça parece vir dos tradutores jovens tecnologicamente mais eficientes, mas com pouco conhecimento linguístico, no dizer de TRAD 11, a ameaça seria proveniente da própria tecnologia que faz sombra à capacidade do tradutor. No enunciado Sem dúvida, os chamados CATs prestam imenso auxílio aos tradutores para fins de pesquisa terminológica, reaproveitamento de traduções existentes e repetições internas, consistência, aumento de produtividade e receita, e competitividade frente a outros tradutores que se abstenham de usar essas ferramentas, o emprego da locução adverbial “sem dúvida”, associada ao adjetivo superlativo “imenso” produzem efeitos de sentido de que o dizer de TRAD 11 seria uma tentativa de modalização para não ser visto como retrógrado ou reacionário à presença incontestável das tecnologias na atividade tradutória. 104

Com a expressão frente a outros tradutores que se abstenham de usar essas ferramentas, especialmente pelo uso da terceira pessoa do plural do verbo “abster” no presente do subjuntivo, surge a possibilidade de que o dizer de TRAD 11 aponte para a periculosidade do uso de aparatos tecnológicos tal como uma prática nociva ou inebriante, cujo uso pode levar ao empobrecimento da tradução e à autonomia dos clientes. Entretanto, esse poder de entorpecimento – pois apenas apresentam leve esboço do contexto original, como retratos distorcidos da realidade em foco –, é ineficiente e incapaz para corromper a “nobreza” da tradução literária dotada de raciocínio e sensibilidade ausentes nos processos mecanizados.

Em lugar de reforçar a superioridade da tradução literária, a confissão de que a tecnologia poderia ameaçar a atividade do tradutor produz efeitos de que essa ameaça se mantém no presente tanto quanto no passado, sendo apenas uma questão de tempo até a reposição completa do homem pela máquina, se é que isto jamais ocorrerá. Ou melhor, o uso do advérbio de tempo “jamais”, que deveria indicar total impossibilidade, aparece como um ato falho, indicando total possibilidade de que essa ameaça jamais desapareça, isto é, a ameaça “j não mais” é pensada como impossível, mas como possível; é sim uma preocupação constante acerca de a profissão do tradutor correr riscos de ser reduzida a programas computacionais ou softwares de tradução automática.

De fato, como vimos até agora, nos dizeres de todos os tradutores entrevistados, observa-se a recorrente alusão de que a máquina tomará o lugar do homem que poderá ser, tal qual uma peça desnecessária de uma antiga engrenagem, reposto, descartado e substituído por um robô ou por um software que garantirá a produtividade com qualidade. TRAD 11 também esboça essa preocupação, ao preconizar, em seu dizer que Hoje, de forma geral, são bem aceitas, pois sabe-se que há um longo caminho a percorrer na reposição completa do homem pela máquina, se é que isto jamais ocorrerá, que, invariavelmente, tradutores serão substituídos por máquinas. Porém, os dizeres de nossos entrevistados remetem a um contexto ainda mais aterrador, qual seja, o tradutor será demandado a produzir como uma máquina ou como um mecanismo automático que traz a produtividade esperada. 105

Entrelaçados na construção do argumento, os voc bulos “auxílio” e “abstenham” corroboram para se pensar que a tecnologia seria um remédio ou uma droga de que alguns tradutores lançam mão com o intuito de fortalecer sua prática e que outros tentam evitar para não incorrer em uma dependência de algo externo ao conhecimento linguístico individualizado de cada tradutor. Essa possibilidade de pensar a tecnologia como sendo, ao mesmo tempo, remédio e droga remete à teoria de Derrida (1972 [2005, p. 44]), que analisa a tradução da palavra phármakon, no mito de Teuth, afirmando que a escritura, como suplemento da fala, é tanto remédio quanto veneno:

A tradução corrente de phármakon por remédio – droga benéfica – não é de certa forma inexata. Não somente phármakon poderia querer dizer remédio e desfazer, a uma certa superfície de seu funcionamento, a ambiguidade de seu sentido. Mas é também evidente que, a intenção declarada de Teuth sendo a de fazer valer seu produto, ele faz girar a palavra em torno de seu estranho e invisível eixo e a apresenta sob apenas um, o mais tranquilizador, de seus pólos. Esta medicina é benéfica, ela produz e repara, acumula e remedia, aumenta o saber e reduz o esquecimento. ontudo, a tradução por “remédio” desfaz, por sua saída da língua grega, o outro pólo reservado na palavra phármacon. Ela anula a fonte de ambiguidade e torna mais difícil, senão impossível, a inteligência do contexto. Diferentemente de “droga” e mesmo de “medicina”, remédio torna explícita a racionalidade transparente da ciência, da técnica e da causalidade terapêutica, excluindo assim, do texto, o apelo à virtude mágica de uma força à qual se domina mal os efeitos, de uma dinâmica sempre surpreendente para quem queria manejá-la como mestre e súdito (DERRIDA, 1972 [2005, p. 44]).

Uma vez mais, a tecnologia é vista pelos tradutores como amiga e inimiga, parceira e concorrente, remédio e veneno. Assim, para lidar com essa ameaça, com esse temor, o tradutor precisaria pensar na tecnologia como um talismã, um amuleto ou uma prótese, um remédio, um fetiche. Esse temor da morte da função do tradutor assemelha-se ao que diz Derrida (1972 [2005, p. 68]) sobre o phármakon, ou seja, o temor da morte dá lugar a todos os feitiços, a todas as medicinas ocultas. O phármakéus aposta nesse temor. Em um afã de afugentar o temor de uma possível morte de sua profissão ou da castração de sua habilidade de traduzir, TRAD 15, a seguir, lança mão de laconismo ao se referir aos recursos tecnológicos em tradução.

106

RD 15 (TRAD 15)

Que eu saiba, isto é uma grande área de mudanças. Porém mal comecei a aproveitar estas novas tecnologias, portanto não posso responder a esta pergunta adequadamente.

É interessante notar que as expressões Que eu saiba e porém mal comecei – as quais poderiam remeter a um sentimento de humildade pelo fato de não conhecer algo – produzem efeitos de descaso ou desprezo por algo que não deseja admitir não ter conhecimento, embora esteja muito presente em sua área de atuação. Em outras palavras, o dizer de TRAD 15, com essa breve resposta, minimizaria a exposição de sua desatualização profissional ou seu temor de não estar suficientemente atualizado em sua área de atuação profissional. O efeito de menosprezo aflora também no dizer de TRAD 16, a seguir.

RD 16 (TRAD 16)

Parece que agora todos os tradutores usam. Antes não era tanto assim. Os clientes ainda não sabem o que é.

O uso do verbo modalizador “parecer” - que indica opinião e, ao mesmo tempo, descompromisso -, produz efeitos de sentido de que o dizer de TRAD 16 transfere a outros a informação de que todos os tradutores usam as tecnologias de tradução, mas não ele. Com isso, parece que TRAD 16 se exclui de um grupo que ignora; um grupo que não quer integrar. Ainda, a resposta, construída por frases concisas – que efetivaria um posicionamento resoluto e determinado, dispensando maiores detalhes –, faz emergir sentidos de uma afirmação permeada pelo distanciamento ou pelo desinteresse sobre algo de que deveria ter experiência, mas que não tem e, por isso, parece desdenhar a pergunta com uma resposta curta e descompromissada. demais, o uso dos advérbios de tempo “agora” e “ainda” evidencia alguma controvérsia em termos temporais, pois se agora todos os tradutores usam como seria possível que os clientes ainda não sabem o que é, considerando que tradutores e clientes interagem, quase sincronicamente, durante o projeto de tradução? Assim, aflora a possibilidade de que o percurso da prática tradutória não está muito claro para TRAD 16, e, por conseguinte, talvez seu dizer seja uma tentativa de apagar rastros de desatualização na própria área de atuação 107

profissional. Já o dizer de TRAD 17 enseja o enobrecimento da tradução literária que prescinde de tecnologias.

RD 17 (TRAD 17)

As tecnologias têm ajudado muito, mas só quando as traduções são mais técnicas. Na área de tradução literária, elas ajudam muito pouco, porque é um trabalho mais criativo do que mecânico. As pessoas que fazem traduções técnicas usam muito essas tecnologias e isso poupa muito tempo.

utilização dos advérbios de intensidade, “muito”, “pouco” e “mais”, ao invés de contribuir para marcar a ausência das tecnologias na tradução literária, permite pensar que essa suposta ausência seja, com efeito, presença. Em outras palavras, ao afirmar que as tecnologias ajudam muito pouco, o dizer de TRAD 17 sugere que elas também ajudam e estão presentes na tradução literária. Em outra direção, e por meio da locução adversativa “mas só”, emerge efeitos de sentido de que há traduções mais técnicas e menos técnicas. Dizer que o trabalho é mais criativo, igualmente produz contradição, pois uma atividade criativa, no imaginário coletivo, não estaria associada a uma atividade profissional em que a presença do substantivo “trabalho” implica a possibilidade de tarefa operacional e não de atividade artística. Isto é, no dizer de TRAD 17, há oposição dicotômica entre textos literários (criativos) e textos técnicos (não criativos).

Ainda neste sentido, ao afirmar que as pessoas que fazem traduções técnicas usam muito essas tecnologias e isso poupa tempo, o dizer de TRAD 17 pode apontar para alguma exclusão de si dessa categoria pensada como operária, especialmente pelo emprego dos pronomes demonstrativos (relacionados à posição espacial dos substantivos) “essas” e “isso”, o que remete a um distanciamento do enunciador em relação à classe de tradutores operários de que ele parece não se considerar integrante, possivelmente por se incluir no grupo mais elitizado dos tradutores literários. Ademais, a escolha pelo substantivo genérico “pessoas” sugere uma concepção de amadorismo, pois o enunciador não utiliza a denominação “tradutores técnicos”, mas, sim, pessoas que fazem traduções técnicas, ou seja, possivelmente amadores e não profissionais. 108

Por fim, parece haver certa disputa entre classes de tradução (amadores versus profissionais, técnicos versus literários), além de certa dificuldade em associar a utilização de tecnologias de tradução por tradutores literários, considerados uma classe nobre, relacionada ao artista e não ao operário. De outra parte, o dizer de TRAD 18 lida com questões nevrálgicas da imposição tecnológica para a rotina do tradutor.

RD 18 (TRAD 18)

Hoje temos mais ferramentas para auxiliar na tradução. Elas estão mais acessíveis em preço e as informações sobre seus pontos fracos e fortes são mais divulgadas, como em fóruns de tradutores (o Proz, por exemplo). Mas, algumas ferramentas trazem suas limitações, ou seja, são muito usadas por muitos, porém não são compatíveis com as dos concorrentes. A batalha para plataformas e ferramentas intercambiáveis é constante. A grande vantagem em tecnologia hoje é a Internet, mas é preciso ter muito cuidado com o que ela traz. Tudo se resume em saber avaliar riscos de exposição para usar com segurança o que há disponível no mundo eletrônico. O que me preocupa mais são as ferramentas nas nuvens, onde não há certeza de que elas sejam blindadas... como saber quem tem acesso aos dados do teu cliente que você acabou de arquivar num sistema de backup na nuvem? Algumas ferramentas de tradução, como as CAT, são boas, passam a ser usadas por empresas de tradução e por tradutores. Mas, acabam criando um monopólio, seja por aspectos técnicos por gerarem arquivos que deveriam ser intercambiáveis com as ferramentas dos concorrentes, ou por aspectos de criarem uma reserva de mercado (a agência não está treinada para aceitar que haja outras CATs, quer poupar tempo e usar apenas aquela que é sua preferida), e com isso reforça o monopólio. A agência adota uma ferramenta e espera que os tradutores também... e nem sempre isso é preciso. O protocolo tmx, por exemplo, Translation Memory eXchange, deveria fazer uso de um padrão aberto, mas isso não é o que acontece. Algumas CAT tools geram memória de tradução que não são compatíveis para uso nas outras CAT. Esse padrão aberto do XML - a base dos arquivos .tmx - não é seguido de perto pelos fabricantes de CAT. Acredito que houve muito avanço para melhor a compatibilidade, mas já passamos por situações onde a TM gerada pela mesma ferramenta, porém numa versão anterior, era incompatível com as versões mais recentes. Pode sempre haver uma desculpa que os padrões mudam (e esperamos que seja sempre para melhor), mas deixar uma versão incompatível com a mais nova e não oferecer um "remendo" ou uma alternativa é desanimador. Ainda bem que hoje existem mais ferramentas alternativas que ajudam a amenizar os lances da incompatibilidade.

O enunciado “A batalha para plataformas e ferramentas intercambiáveis é constante”, no dizer de D 18 problematiza não só a exigência de usar, como 109

também a de adquirir algumas tecnologias de tradução que impactam na realização da profissão do tradutor. Este cen rio de “batalha” tecnológica remete, mais uma vez, às questões predominantemente econômicas, pois o tradutor é demandado, em primeiro lugar, a utilizar tecnologias que garantam produtividade com qualidade a baixos custos aos clientes diretos ou agências de tradução. Em segundo lugar, ao tradutor é imposta a compra e a familiarização de tecnologias diferenciadas para atender seus clientes e, com isso, vencer a competitividade. Ou seja, o tradutor parece encontrar-se, constantemente, em uma trama de interesses financeiros em que ele ora está na posição de cliente (ao comprar tecnologias), ora na posição de usuário (ao utilizar tecnologias), devendo lidar também com a multiplicidade de marcas de softwares, a fim de viabilizar o compartilhamento de arquivos e compatibilidade de versões. Tal contexto parece remeter à noção de governamentalidade de Foucault (1978 [2006, p. 281]) instituída, inicialmente, no século XVI e que diz respeito ao modo como o governado governa a si mesmo e aos outros, e a preocupação com o que fazer para se tornar o melhor governante possível, ou ainda, aceitar ser governado por alguém. Para Foucault, governamentalidade é a forma de gerir a população de forma profunda, sutil, e detalhada.

Por essa palavra “governamentalidade”, quero dizer três coisas. Por “governamentalidade”, entendo o conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer essa forma bem específica, bem complexa, de poder, que tem como alvo principal a população, como forma mais importante de saber, a economia política, como instrumento técnico essencial, os dispositivos de segurança. E, segundo lugar, por “governamentalidade”, entendo a tendência, a linha de força que, em todo o Ocidente, não cessou de conduzir, e há muitíssimo tempo, em direção à preeminência desse tipo de saber que se pode chamar de “governo” sobre todos os outros: soberania, disciplina. Isto, por um lado, levou ao desenvolvimento de toda uma série de aparelhos específicos de governo e, por outro, ao desenvolvimento de toda uma série de saberes. Enfim, por “governamentalidade, acho que se deveria entender o processo, ou melhor, o resultado do processo pelo qual o Estado de Justiça da Idade Média, tornado nos séculos XV e XVI Estado administrativo, encontrou-se, pouco a pouco, “governamentalizado” (FOUCAULT, 1978 [2006, p. 303]).

Ou seja, complementado pelo enunciado tudo se resume em saber avaliar riscos de exposição para usar com segurança o que há disponível no mundo eletrônico, vislumbra-se o quanto o tradutor parece ser governado pelas prerrogativas 110

tecnológicas impostas pelo mercado de traduções, devendo também governar sua prática e o relacionamento com clientes, pares, bem como com o contexto virtual que, se por um lado facilita a interação, por outro, dificulta a segurança. De fato, a virtualidade impõe cada vez mais desafios aos usuários em geral. Assim, com o enunciado como saber quem tem acesso aos dados do teu cliente que você acabou de arquivar num sistema de backup na nuvem?, o dizer de TRAD 18 faz emergir o questionamento de como a governabilidade no século XXI poderá ser ainda mais exercida sob a justificativa de zelar pela segurança de dados e informações confidenciais. Parece despontar no cenário global uma nova ameaça, invisível e difícil de localizar, que poderá culminar em desestabilização de forças e poderes cibernéticos.

A problemática do compartilhamento seguro de arquivos e de compatibilidade de versões de softwares remete também ao princípio arcôntico trazido por Derrida (1995 [2001, p. 12]) ao analisar a etimologia da palavra arquivo (do grego Arkhê) que designa o começo das coisas e o comando da autoridade, abrigando a memória para evitar o esquecimento.

De certa maneira, o vocábulo remete bastante bem, como temos razões de acreditar, ao arkhê no sentido físico, histórico ou ontológico; isto é, ao originário, ao primeiro, ao principal, ao primitivo em suma, ao começo. Porém, ainda mais, ou antes ainda, “arquivo” remete ao arkhê no sentido nomológico, ao arkhe do comando. Como o archivum ou o archium latino (palavra que empregamos no singular, como era o caso inicialmente do francês “archive”, que outrora era usado no singular e no masculino: “un archive”), o sentido de “arquivo” seu único sentido, vem para ele do arkheîon grego: inicialmente uma casa, um domicílio, um endereço, a residência dos magistrados superiores, os arcontes aqueles que comandavam. Aos cidadãos que detinham e assim denotavam o poder político reconhecia-se o direito de fazer ou de representar a lei. Levada em conta sua autoridade publicamente reconhecida, era em seu lar, nesse lugar que era a casa deles (casa particular, casa de família ou casa funcional) que se depositavam então os documentos oficiais. Os arcontes foram seus primeiros guardiões. Não eram responsáveis apenas pela segurança física do depósito e do suporte. Cabiam-lhes também o direito e a competência hermenêuticos. Tinham o poder de interpretar os arquivos. Depositados sob a guarda desses arcontes, estes documentos diziam, de fato, a lei: eles evocavam a lei e convocavam à lei. Para serem assim guardados, na jurisdição desse dizer a lei eram necessários ao mesmo tempo um guardião e uma localização. Mesmo em sua guarda ou em sua tradição hermenêutica, os arquivos não podiam prescindir de suporte nem de residência (DERRIDA, 1995 [2001, p. 12]). 111

Se, de um lado, parece haver ameaça à segurança de arquivos que parecem não dispor de guardiões arcônticos, por outro lado, parece haver descrédito à legitimidade da evolução tecnológica. Nesse sentido, o emprego do substantivo masculino “remendo”, no dizer de TRAD 18, pode sempre haver uma desculpa que os padrões mudam (e esperamos que seja sempre para melhor), mas deixar uma versão incompatível com a mais nova e não oferecer um "remendo" ou uma alternativa é desanimador, produz efeitos de sentido de que embora se trate de tecnologias de ponta, isto é, ultramoderna, há uma crítica velada às constantes atualizações e versões de softwares que não parecem tão avançadas quanto são propagandeadas. Há possivelmente um contrassenso no entendimento do que realmente significa avanço tecnológico.

Diante do exposto, podemos fazer, mais uma vez, alusão à noção de fetiche tanto na teoria de Marx e de Freud. Do primeiro, no que se refere à necessidade de rotatividade de comercialização de versões de softwares de tradução (Mas, algumas ferramentas trazem suas limitações, ou seja, são muito usadas por muitos, porém não são compatíveis com as dos concorrentes.), ou seja, o fetiche da mercadoria que objetiva a comercialização indiscriminada de produtos aparentemente semelhantes, porém incompatíveis. Do segundo, no que tange à necessidade de utilização de tecnologias para que a atividade de tradução ocorra (Ainda bem que hoje existem mais ferramentas alternativas que ajudam a amenizar os lances da incompatibilidade.) evidencia-se o mecanismo fetichista que funcionará como uma prótese para a realização tradutória, dissimulando, com isso, a inquietude em lidar com a imposição de tantos artefatos tecnológicos para traduzir. Nessa direção, temos o dizer de TRAD 19, conforme a seguir.

RD 19 (TRAD 19)

everal years ago, tools grew tremendously in popularity, greatly improving translators‟ efficiency, consistency and ability to work in groups on large projects. Their benefits are still evident today. In recent years, technology trends have been largely detrimental to freelance translators, namely large agencies wanting to consolidate their workflow into proprietary CAT software. This has forced freelancers to learn to work in many new, unfamiliar and highly artificial working environments. As the limitations and distractions of these working environments are recognized, they will (hopefully) be ultimately replaced by more common CAT tools. 112

Coadunando com os comentários de TRAD 18, o dizer de TRAD 19 remete também às exigências de aquisição de variedades de memórias de traduções (In recent years, technology trends have been largely detrimental to freelance translators, namely large agencies wanting to consolidate their workflow into proprietary CAT software.), o que impõe ao tradutor acréscimo de horas de aprendizagem e reciclagem de conhecimentos (This has forced freelancers to learn to work in many new, unfamiliar and highly artificial working environments.), bem como investimento financeiro em novos softwares.

O emprego de locuções adverbiais de tempo (Several years ago, today, In recent years) parece não surtir o efeito de descrição gradual do movimento ocorrido no mercado de traduções quanto à utilização tecnológica, mas sim de que esse movimento tenha sido acelerado, de maneira quase simultânea, tendo em vista que tais marcadores de tempo são muito abrangentes, não sendo eficazes para ilustrar como a passagem de tempo de cada etapa do avanço tecnológico ocorreu. Há, assim, a emergência de sentidos de que as atualizações tecnológicas foram sendo apresentadas rapidamente ao tradutor, que teve pouco tempo para se adequar a tantas novidades tecnológicas em sua área de atuação profissional.

Ademais, a velocidade das evoluções tecnológicas estão ainda muito presentes na atividade profissional do tradutor (As the limitations and distractions of these working environments are recognized, they will (hopefully) be ultimately replaced by more common CAT tools) e sem previsão de desaceleramento que permita a ele se recuperar desse momento de extrema obrigatoriedade de investimento financeiro, técnico e tecnológico para se manter atuante como tradutor profissional. Diante desse cenário, podemos relacionar, mais uma vez, a utilização de tecnologias de tradução com a noção de fetiche da mercadoria, considerado um elemento fundamental na manutenção do modo de produção capitalista, que traz a aparência de igualdade, ao mesmo tempo em que traz o ocultamento da desigualdade, isto é, não só utilizar, mas também comprar tecnologias como ferramentas profissionais. Assim, parece que a constituição identitária do tradutor passou e, ainda passa, por vicissitudes que ainda não permitem que ele possa avaliar o quanto lhe é demandado e, por conseguinte, possa reverter os processos de dominação a que ele está submetido. E com isso, mais uma vez, podemos pensar que a fetichização 113

da tecnologia ainda obscurece o olhar do tradutor lhe impossibilitando de problematizar ou refletir sobre o contexto profissional que está inserido.

Concluindo o segundo eixo de nossa análise, qual seja, representações de si: preocupação com a hegemonia tecnológica, observamos a ameaça das tecnologias de tradução à posição principal do tradutor, nos dizeres de TRAD 10 e TRAD 12, a desvalorização do tradutor pelo uso de tecnologias de tradução, nos dizeres de TRAD 13 e TRAD 14, o desdém pelas tecnologias de tradução que competem com a expertise do tradutor, nos dizeres de TRAD 11, TRAD, 15, TRAD 16, e TRAD 17, e, finalmente, a crítica ao monopólio, à incompatibilidade e à insegurança de dados e informações gerados pelas tecnologias de tradução (TRAD 18 e 19).

114

5. POSSIBILIDADES CONCLUSIVAS

A vida de todo ser humano é um caminho em direção a si mesmo, a tentativa de um caminho, o seguir de um simples rastro. Homem algum chegou a ser completamente ele mesmo; mas todos aspiram a sê-lo, obscuramente alguns, outros mais claramente, cada qual como pode.

HESSE (1919 [1983, p. 9])

O objetivo geral deste estudo foi o de entender o uso de recursos tecnológicos na prática de tradução e, assim, contribuir para os Estudos da Linguagem e da Tradução, sobretudo, o movimento que o advento tecnológico provoca na identidade do tradutor e na prática tradutória. No mercado de traduções, a atividade tradutória parece apenas ser viável pela idealização tecnológica, ou seja, a qualidade da tradução é colocada como um ideal de perfeição, impecabilidade e maestria apenas possível pelo aparato tecnológico, responsável por apagar deslizes tributários da imperfeição humana e da equivocidade da língua. Diante disso, apresentamos a hipótese de que as tecnologias de tradução funcionam como enxertos, próteses, substitutivos imprescindíveis ao conhecimento linguístico do tradutor, instaurados como um fetiche o qual assegurará a legitimação da qualidade tradutória.

Conforme já mencionado, decidimos analisar as respostas advindas da pergunta de entrevista número oito (Como as tecnologias de tradução são vistas hoje em comparação com o que acontecia há alguns anos?), em virtude de termos obtido respostas que, de alguma forma, contemplavam as demais. Para desenvolvermos a análise desse corpus, desenhamos o primeiro eixo de análise, intitulado Representações de si: satisfação por integrar uma elite tecnológica, que proporcionou o desdobramento nas seguintes categorias:

a. Legitimação da excelência profissional do tradutor pela atualização tecnológica (TRAD 1, TRAD 2, TRAD 4); b. Envaidecimento do tradutor por sua expertise tecnológica (TRAD 5, TRAD 6, TRAD 7); c. Deslumbramento do tradutor pelas facilidades tecnológicas (TRAD 8) d. Exaltação aos softwares de tradução como promotores do discurso de confiabilidade, produtividade e qualidade (TRAD 3, TRAD 9). 115

No segundo eixo de análise, intitulado Representações de si: preocupação com a hegemonia tecnológica, delineamos as seguintes categorias:

a. Ameaça das tecnologias de tradução à posição principal do tradutor (TRAD 10, TRAD 12); b. Desvalorização do tradutor pelo uso de tecnologias de tradução (TRAD 13, TRAD 14); c. Desdém pelas tecnologias de tradução que competem com a expertise do tradutor (TRAD 11, TRAD, 15, TRAD 16, e TRAD 17); d. Crítica ao monopólio, à incompatibilidade e à insegurança de dados e informações gerados pelas tecnologias de tradução (TRAD 18, TRAD 19).

A partir desses dois eixos e categorias, a análise do corpus propiciou a emergência de representações sobre tecnologias, nos dizeres dos tradutores, que apontam para relações conflituosas entre tradutores e clientes, em consonância com o dizer de TRAD 19, RD 19 (In recent years, technology trends have been largely detrimental to freelance translators, namely large agencies wanting to consolidate their workflow into proprietary CAT software. This has forced freelancers to learn to work in many new, unfamiliar and highly artificial working environments.). Ou seja, ao trabalhar com grandes agências de tradução, na entrega da tradução finalizada, o tradutor deve também ceder às Memórias de Tradução por ele produzidas (large agencies wanting to consolidate their workflow into proprietary CAT software). Ao entregar o texto “sujo”, o tradutor abre mão de sua pesquisa, de suas escolhas, que serão segmentadas e reaproveitadas pelos clientes, em outros trabalhos futuros. Esse reaproveitamento ocorre sem problematizar se as escolhas foram as mais adequadas e sem levar em conta a questão da autoria da tradução. Nesse sentido, temos uma das características da inexistência da função autor problematizada por Foucault (1969 [2006, p. 273]) que apenas existirá se promover o funcionamento de regimes de verdade:

O nome do autor não está localizado no estado civil dos homens, não está localizado na ficção da obra, mas na ruptura que instaura um certo grupo de discursos e seu modo singular de ser. Consequentemente, poder-se-ia dizer que há, em uma civilização como a nossa, um certo número de discursos que são providos da função “autor”, enquanto outro são dela desprovidos. Uma carta particular pode ter um signatário, ela não tem autor; um contrato pode ter um fiador, ele não tem autor. Um texto anônimo que se lê na rua em uma parede 116

terá um redator, não terá um autor. A função autor é, portanto, característica do modo de existência, de circulação e de funcionamento de certos discursos no interior de uma sociedade (FOUCAULT, 1969 [2006, p. 273]).

Quer por essa característica de inexistência de autoria, quer pelas condições contratuais, parece-nos que tradutores se encontram em posição desvantajosa em relação à imposição de recursos tecnológicos, cientes de que devem se submeter para se manterem no mercado de traduções cujos parâmetros de execução e de produção são cada vez mais rigorosos e exigentes, a despeito de não se oferecer nenhuma segurança contratual, mas excessivo controle de rotina de trabalho.

Ademais, não há remuneração desses reaproveitamentos futuros que serão reutilizados pelas agências de tradução, garantindo índices de produtividade e lucratividade imprescindíveis para que elas obtenham vantagens competitivas e concorrenciais em futuros projetos. Isto é, o otimismo pelas tecnologias em tradução se consolida para atender as prerrogativas do cliente final que pagará cada vez menos por serviços de tradução que (a)pagam a autoria e, por extensão, obscurecem a identidade do tradutor. O tradutor poderá ter algum pálido reconhecimento quando seu nome estiver relacionado aos de importantes clientes, empresas ou marcas para os quais prestou serviços de tradução. Em outras palavras, o reconhecimento de sua prática profissional se dará às sombras dos nomes de importantes clientes corporativos sobrepostos ao do tradutor, quando lhe for autorizado divulgá-los em seu perfil online, disponíveis em páginas, sites ou redes de relacionamentos profissionais.

De outra parte, a utilização das tecnologias se constitui como a melhor solução para a estabilidade da língua e, por conseguinte, como passível de ser um produto rentável, conforme o dizer de TRAD 1, RD 1 (Essas ferramentas são a garantia de que a terminologia tradutória será utilizada de modo consistente, confiável e documentável.) em que a língua pode se tornar um produto. Constroem-se representações sobre tecnologias como próteses que tamponam a equivocidade da língua, desvalorizam e, portanto, desumanizam o sujeito reconfigurado como uma máquina. 117

Embala-se também o temor ou anseio de que tecnologias de tradução possam executar o trabalho humano completamente, de acordo com o dizer de TRAD 12, RD 11 ( las estão certamente melhorando ano a ano e o que mais nos deixa a vontade com a profissão é a certeza que enquanto a máquina não conseguir raciocinar não conseguirá fazer o trabalho do tradutor. ), a despeito do contexto da Tradução Colaborativa (Crowdsourcing), em que nem a tecnologia tampouco o tradutor poderão dar cabo do volume estratosférico de traduções que o mundo globalizado demanda.

Aos poucos, e de maneira velada, vemos, mais uma vez, a reconfiguração identitária de si e dos pares, agora, com o estabelecimento não só da função do pós-editor, mas das comunidades de tradutores autônomos envolvidos na Tradução Colaborativa, no dizer de TRAD 14, RD 13 (Como ferramentas de auxílio que são, elas apenas ajudam na tradução, mas de forma alguma substituem o papel do tradutor. A meu ver, os bons profissionais cada vez tem [sic] mais consciência disso, e mais cuidado ao usar a tecnologia.), naturalizando o apagamento do sujeito e a desvalorização do tradutor restrito às funções de preencher e alimentar bancos de dados e tendo a responsabilidade de apenas arquivar e desarquivar, incluir ou excluir escolhas que se transformarão em segmentos linguísticos. O tradutor é, então, um gerador de arquivos atemporais em projetos de tradução de larga escala.

Acalentam-se, ainda, representações sobre tecnologias, a partir do dizer de TRAD 6, RD 5 (Esse software também melhorou bastante nos últimos anos, e pode ser “treinado” para reconhecer as peculiaridades da voz e da fala do profissional), que perfazem uma fantasia, isto é, de que recursos tecnológicos figurem como entidades que incorporam características humanas, em uma inversão do que é humano e do que é maquinário.

Nesse sentido, a memória humana parece estar em situação de precariedade e fragilidade, prestes a não mais funcionar como tal, quer a partir do conceito de memória, na psicanálise, que pressupõe esquecimento para poder lembrar, quer pelo conceito de memória, em neurologia, como a incapacidade de o cérebro 118

humano fazer sinapses19. Diariamente, um tradutor profissional traduz, em média, 3.000 palavras20 e faz diversas buscas terminológicas na internet. Assim, a efetiva aquisição cognitiva de novos termos é consideravelmente muito baixa, pois a ação mental está direcionada a não se perder no labirinto de sites e redirecionamentos de links, focando no registro das fontes das escolhas realizadas. Com isso, a memorização de novos vocábulos e expressões deixa de ocorrer e, para impedir esse escoamento, essa impossibilidade de reter informações, necessita, conforme o dizer de TRAD 4, RD 3 (As memórias de tradução, por exemplo, auxiliam a memória fisiológica, padronizando o texto, sem riscos de esquecimento.) da máquina, garantida pelas Memórias de Tradução.

Finalizando as representações sobre tecnologias, vemos também o delineamento de alguma esperança de que a Tradução Automática possa vir a alcançar a completude que a própria língua nunca teve, nem terá, de acordo com a afirmação de TRAD 10, RD 10 (Desde que foi lançada, a tradução de máquina melhorou muito, mas ainda não trabalha sozinha e nunca trabalhará, porque esbarra na estrutura dos idiomas, a construção de uma frase em português é diferente da construção de frases no inglês e daí por diante, mas essa ferramenta tem sua utilidade.). Igualmente, a explicação de TRAD 13, RD 12 (Esses novos softwares são complexos, suas curvas de aprendizagem são lentas, e demandam esforço e dedicação até que possam ser

19 Sinapse: O que permite que a atividade elétrica de um neurônio influencie a atividade elétrica do neurônio seguinte é a transmissão sináptica, o processo de transformação de um sinal elétrico em um sinal químico, e deste sinal químico de volta em um sinal elétrico - agora, no neurônio do outro lado da sinapse. A sinapse, portanto, é esse local onde a atividade de um neurônio é capaz de influenciar a atividade do outro neurônio. http://www.cerebronosso.bio.br/sinapses/, 2016.

20 Tradução nossa: Um tradutor típico traduz habitualmente 3.000 mil palavras por dia, pode-se dizer então que, em média, a quantidade de palavras que traduz por hora é, aproximadamente, de 300 e, por minuto, por volta de cinco. Isso significa que nós tradutores, tomamos pelo menos duas “micro decisões” terminológicas por minuto enquanto trabalhamos, e que a quantidade de micro decisões desse tipo que tomamos em um dia qualquer é por volta de 1200. (https://translartisan.wordpress.com/2016/04/04/traduzco- luego-olvido/, 2016.)

Un traductor típico traduce habitualmente tres mil palabras por día; puede decirse entonces que, en promedio, la cantidad de palabras que traduce por hora es de aproximadamente trescientas y, por minuto, de alrededor de cinco. Esto significa que los traductores tomamos al menos dos «microdecisiones» terminológicas por minuto mientras trabajamos, y que la cantidad de microdecisiones de este tipo que tomamos en un día cualquiera es de alrededor de mil doscientas. 119

usados de modo eficiente.) fomenta representações de que a complexidade tecnológica seja hierarquicamente superior à complexidade da língua, sinalizando concepções sobre língua como um código imutável e controlável nos moldes de um programa computacional.

Quanto às representações sobre tradução, vimos no dizer de TRAD 5, RD 4, (Mas devo confessar que nunca me sinto inteiramente satisfeita com o resultado. A vida é um eterno aperfeiçoar, afinal, o texto traduzido tem várias “vidas" até chegar ao cliente ou ao público leitor.) o afloramento de concepções de leitura que coadunam com o nosso aporte teórico que considera a perspectiva de multiplicidade de sentidos e interpretações, promovendo a sobrevida de um texto, sempre prenhe de novos gestos de leitura, que em síntese, ensina que ler é interpretar, é traduzir.

No entanto, a tradução também aparece como um ideal de perfeição, de passividade em relação ao original. TRAD 9, RD 9 sustenta que a qualidade da tradução estaria cada vez mais assegurada pela tecnologia (Como eu disse, há uma evolução muito grande dessas tecnologias, a tradução de máquina está se tornando cada vez melhor, as empresas de tradução que conhecem bem essas tecnologias e sabem utilizá-las eficientemente, produzem traduções de boa qualidade em tempo cada vez menor.). Nessa direção, haveria a eliminação do conflito de equivalência e de fidelidade, historicamente presente no ato tradutório e intensamente discutido por teóricos e tradutores. Acredita-se que tecnologias de tradução conseguiriam tornar a tarefa do tradutor um procedimento cartesiano, afastando todas as idiossincrasias linguísticas e idiomáticas.

Ademais, são construídas representações de que a tradução literária não pertence a esse contexto tecnológico, fazendo emergir o imaginário coletivo de que há hierarquização da tradução literária sobre a técnica, conforme depoimento de TRAD 17, RD 17 (As tecnologias têm ajudado muito, mas só quando as traduções são mais técnicas. Na área de tradução literária, elas ajudam muito pouco, porque é um trabalho mais criativo do que mecânico. As pessoas que fazem traduções técnicas usam muito essas tecnologias e isso poupa muito tempo.). A tradução técnica não poderia ser reduzida ao conceito de atividade mecânica e, por isso, passível de automação, pois a língua não é composta unicamente de termos técnicos a serem reaproveitados. Tampouco a complexidade da língua com suas sutilezas, requintes, 120

falhas e deslizes se constitui apenas na tradução literária e não em qualquer outra modalidade linguística, a exemplo da vastidão de gêneros e tipos textuais que abarca a tradução técnica.

No tocante às representações de si e do outro, emergem, por exemplo, no dizer de TRAD 8, RD 7 (Quando fui revisar a primeira das bem mais de cinquenta laudas, bati o olho na barbaridade que havia cometido: tinha traduzido "nuclear head", ogiva nuclear, como "cabeça nuclear". rrepiada de horror, redigitei - ou melhor, redatilografei - tudo, não queria nem que o editor soubesse que aquilo tinha me passado pela ogiva, ou melhor, pela cabeça Se fosse hoje, um "find and replace" daria conta do recado sem expor minha vergonha!) a sugestão de que a identidade do tradutor se constrói por sua capacidade de ser sempre perfeito e de produzir, continuamente, com qualidade e consistência, evitando enganos, apagando lapsos, detectando deslizes e corrigindo imperfeições. Assim, acredita-se na bem- aventurança que o aparato tecnológico oferecerá ao proteger o tradutor, salvando-o da humilhação e desonra públicas, muitas vezes, outrora vivenciadas. É como se essa reconfiguração no mercado de traduções trouxesse também estabilidade à identidade do tradutor, possibilitando o reconhecimento e a legitimação de uma categoria profissional que, para sobreviver nesse contexto, deve afastar qualquer possibilidade de incorreções e deslizes linguísticos. O uso de tecnologias de tradução acalenta o desejo de perfeição.

Outrossim, as representações de tradutor são deslocadas, em relação ao passado, conforme enuncia TRAD 7, RD 6 ( inda há tradutores de gerações anteriores que se recusam a usar a tecnologia de memória de tradução. Esses tradutores naturalmente têm certas limitações em sua produção.), pois ele não é mais visto como integrante de uma elite intelectual que outrora traduzia artisticamente, e não raro, voluntariamente. Mas, sim, como uma classe operária treinada para utilizar o maquinário adequadamente, a fim de mover a indústria de traduções cada vez mais cravada por ideais neoliberais de produtividade, competividade e lucratividade.

De outra parte, as representações de si e do outro indicam que o suposto empreendedorismo (que demanda proatividade e atualização profissional) encastela alguns e desaloja outros. A reconfiguração no mercado de tradução e, por conseguinte, na constituição identitária dos tradutores está estruturada com bases 121

no mundo dos negócios que conduz os sujeitos a se tornarem, ao mesmo tempo, operários e patrões, produtores e consumidores, ora produzindo tradução, ora sendo consumindo de tecnologia. Ou seja, devem participar do jogo alternativo de funções que ocorre de forma simultânea, ora produzindo no chão de fábrica, ora gerenciando na sala de reuniões, conforme atesta TRAD 2, RD 2 (Eu montei um curso de Wordfast, uma ferramenta de TAC (ou CAT, tradução assistida por computador), e continuo chocado de ver que estas tecnologias ainda são muito pouco adotadas no Brasil. Minha carreira decolou quando pude vender traduções realizadas com uma ferramenta CAT para o mercado europeu.). Essa sobreposição de funções díspares, operário/gerente, produz subjetividades múltiplas, instáveis e difusas, pois mesmo do tradutor “elitizado” são, também, demandadas as mesmas metas corporativas neoliberais exigidas de outros operários.

Juntamente com a atualização tecnológica, o tradutor crê estar preparado para lidar com as demandas da profissão, acreditando que, ao fazê-lo, lançar-se-á a um patamar superior, tal como outrora, de um intelectual e não mais de um operário, conforme anuncia TRAD 3, RD 8 (Alguns tradutores estão sempre resistindo às mudanças tecnológicas, sob o argumento de que elas “desumanizam” o trabalho (e chamar uma tecnologia de machine translation não ajuda muito). Eu discordo integralmente desse pensamento. Mas eu penso que a tecnologia vem sempre para reduzir o trabalho braçal e deixar mais tempo para o trabalho mental de qualidade.). Dessa forma, cria-se a ilusão de que seu trabalho está mais sofisticado e que não está submetido a estados de dominação com apagamento da dimensão subjetiva, fragmentando a identidade e homogeneizando as subjetividades. Ou seja, tecnologias de tradução não substituirão o tradutor, mas os embrenharão por labirintos, levando-os a coexistirem com mecanismos dúbios, ou até múltiplos, de maquinaria versus automação, de operariado versus empreendedorismo, com sobrecarga de responsabilidades profissionais e desaparecimento de garantias trabalhistas.

A partir dessas representações, acredita-se que para sobreviver neste contexto multifacetado é primordial conceber as tecnologias de tradução como engrenagens extremamente necessárias à realização do ato tradutório como amuletos, talismãs, próteses, substituições. Isto é, fetichização de tecnologias de tradução – tanto na 122

concepção de fetiche em De Brosses, Nietzsche, Marx e Freud – responsáveis por resgatar o conhecimento e a memória do tradutor durante o ato tradutório, ao mesmo tempo, que apaziguam a angústia em traduzir enormes volumes de textos dentro de prazos exíguos.

Do exposto, vimos, por parte de alguns tradutores, no primeiro eixo, aderência à hegemonia tecnológica por aceitar que ser tradutor é dominar recursos tecnológicos e ser capaz de antever tendências e demandas do mercado de traduções, refletindo representações de si enquanto parte de uma elite tecnológica que possui expertise e empreendedorismo. Ou melhor, essa atitude de submissão perante a tecnologia remete à concepção freudiana de fetichismo pela necessidade de prótese, de algum elemento externo, substituindo o pênis, para a realização sexual.

No segundo eixo, vimos, por parte de outros tradutores, resistência à imposição tecnológica, por perceber que ser tradutor é tornar-se um operário biônico (pós- humano), demandado a se (re)produzir em larga escala, realçando representações de si como integrantes de um grupo desvalorizado, consciente de que para sobreviver precisa lidar com as exigências do mercado de traduções. Ou seja, essa objeção à imposição tecnológica conduz à concepção marxista de fetichismo da mercadoria e à lógica da economia mercantil, que transforma matéria inorgânica em criatura orgânica para a realização comercial, isto é, um produto conquista identidade própria, apagando os modos de produção, especialmente de quem os produz.

Chegamos agora na última parte de nossa conclusão e, para isso, apresentamos um resumo da obra de Shakespeare intitulada Mercador de Veneza, a fim de fazermos algumas conexões com a constituição identitária dos tradutores entrevistados. A peça shakespeariana se desenvolve em torno de um contrato de empréstimo monetário. Na impossibilidade de Antônio, um rico mercador de Veneza, emprestar a quantia que o amigo Bassânio, nobre veneziano sem herança, necessita para se casar com a rica herdeira Pórcia, ele recorre ao agiota judeu Shylock, que exige a bizarra fiança de uma libra (453 quilogramas) de carne do corpo de Bassânio, caso a dívida não seja paga dentro do prazo estipulado. Antônio, como fiador de Bassânio, acredita poder saldar a dívida do amigo assim que sua frota retornar a Veneza, o 123

que não ocorre, pois seus navios naufragam em alto-mar, perdendo todo o seu investimento.

No dia do julgamento da dívida em atraso, Pórcia, disfarçada de juiz de direito, tenta convencer Shylock a ser misericordioso, desistindo da bizarra fiança e recebendo, em troca do perdão, três vezes o valor da dívida. Shylock recusa e insiste em receber a libra de carne. Pórcia, então, declara que Shylock tem direito a libra de carne de Bassânio desde que nenhuma gota de sangue seja derramada e que apenas o justo peso seja retirado do peito de Bassânio. Pela impossibilidade de assim proceder, Shylock se vê traído pelo próprio contrato comercial e punido pela lei veneziana que estabelece que se um estrangeiro atentar contra a vida de um veneziano, será condenado por tal crime. A pena de Shylock é cruel: indenizar o Estado com 50% de sua fortuna, nomear o indesejado genro cristão como herdeiro dos 50% restantes de seu patrimônio e converter-se ao cristianismo.

Derrida (1998 [2000]) analisou o engodo do contrato da dívida proposto por Shylock, contrastando-o com o contrato de tradução e a impossibilidade de o tradutor saldar a dívida com o texto original. Em nosso estudo, acreditamos haver conexão entre os tradutores do primeiro eixo de análise e a personagem de Pórcia, bem como entre os tradutores do segundo eixo de análise e a personagem de Shylock.

No primeiro, temos o fetiche freudiano que se relaciona com uma prótese, com uma substituição tal qual Pórcia travestida de juiz que proclama, declarando que o judeu deva ser misericordioso e colocando o perdão acima da justiça. Com isso, engaja a corte em uma falácia astuta, convencendo, fingindo, enganando, com o intuito de salvar seu amado da morte, nos moldes de um fetiche necessário à realização sexual, que em nosso caso, se caracteriza pelo fetiche tecnológico necessário à realização tradutória.

No segundo, temos o fetiche marxista que se relaciona com a mercadoria, com o contrato, tal qual Shylock impiedosamente exige por meio do sangue do cristão, prejudicando-se sobremaneira nessa trapaça ardilosa e pagando demasiado caro por resistir à logica cristã do perdão. É punido por ser fiel à sua identidade judia, por crer na justiça de uma corte cristã e por confiar em um contrato social. Nesse sentido, relaciona-se inversamente ao fetiche da mercadoria em que um ser inanimado (um produto, um contrato) passa a ser considerado como se tivesse vida 124

própria, ganhando características animadas ou humanas, tornando-se uma entidade. Shylock resiste ao fetiche da mercadoria ao não aceitar o pagamento em espécie. Igualmente, os tradutores do segundo eixo resistem à imposição do fetiche mercadológico que os transformam em máquinas e a tradução em produto fetichizado.

E nessa direção, indagamos em que medida a utilização de tecnologias de tradução se caracteriza como um remédio ou como um veneno – em consonância com o conceito derridiano do pharmacón – e assim, ponderar as consequências na (re)constituição identitária dos tradutores, em que pesem os desdobramentos do que deles restam e do que neles se alteram, a partir da naturalização de práticas que agenciam a homogeneização de subjetividades por meio de um discurso tecnológico e mercadológico neoliberal. Deixamos aqui a reflexão a partir da máxima de Sartre (1946) ao anunciar: não importa o que fizeram de mim, o que importa é o que eu faço com o que fizeram de mim.

125

6. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO (TCLE)

Em observação à Resolução do Conselho Nacional de Saúde de nº 196/96 (http://conselho.saude.gov.br), eu – Terezinha Rivera Trifanovas (Rua Toscana, 275 – Mirante das Estrelas, Vinhedo – São Paulo – SP, CEP: 13.280-000, telefones: (19) 3826- 2032 / (19) 9-9772-4409, [email protected]), responsável pela pesquisa de doutorado intitulada Tecnologias de Tradução e Representações Identitárias, a ser desenvolvida na Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), no Programa de Pós- Graduação do Instituto de Estudos da Linguagem (IEL), Departamento de Linguística Aplicada (DLA) –, convido você a participar voluntariamente deste estudo. Esta pesquisa objetiva contribuir para o entendimento acerca do uso de recursos tecnológicos para os estudos da linguagem e da tradução na pós-modernidade. Esta pesquisa tem relevância por trazer contribuições para os estudos linguísticos e sociais e por fomentar uma reflexão acerca do discurso dos tradutores sobre sua própria prática, a qual se apresenta apoiada na utilização das novas tecnologias de informação e de tradução. Após a assinatura deste Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as entrevistas serão realizadas por meio de conversas trocadas por e-mail, facebook ou skype as quais serão previamente agendadas entre nós. As entrevistas apenas ocorrerão online e terão aproximadamente uma hora de duração. Sua participação será voluntária e poderá ser cancelada sem quaisquer prejuízos para a pesquisa, para você ou para mim. Assim, você tem garantido o seu direito de não aceitar participar ou de retirar sua permissão, a qualquer momento, sem nenhum tipo de prejuízo ou retaliação pela sua decisão. Durante todo o período da pesquisa você tem o direito de tirar qualquer dúvida ou pedir qualquer outro esclarecimento, bastando para isso entrar em contato comigo, no endereço abaixo, ou com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP), ou ainda pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa do Conselho Nacional de Saúde (CONEP), acessível pelo endereço eletrônico http://www.saude.gov.br/plataformabrasil. Em virtude de não haver custos ou despesas financeiras, não haverá nenhuma forma de reembolso para sua participação voluntária nesta pesquisa. A sua participação nesta pesquisa não deve apresentar desconfortos ou riscos previsíveis. Contudo, você poderá se preocupar com a falta de confidencialidade às informações prestadas por você ou com a privacidade de seus dados pessoais. Quanto a isso, asseguramos total sigilo às fontes das informações prestadas bem como total anonimato de sua identificação pessoal. Tais dados serão substituídos por nomes fictícios. Possivelmente, você também poderá se preocupar com a utilização da norma culta do idioma por acreditar que uma pesquisa em Linguística possa estar interessada em detectar incorreções gramaticais ou redacionais. Quanto a isso, ressalto que esta pesquisa está empenhada em ouvir o que os tradutores têm a dizer acerca da prática tradutória, a fim de analisar o discurso sobre tradução e tecnologia. Há também a possibilidade de sua participação trazer benefícios no que se refere à auto-observação de sua atuação 139

profissional. Ressalto ainda que as informações desta pesquisa serão confidenciais, e serão divulgadas apenas em eventos ou publicações científicas, não havendo identificação das pessoas voluntárias, sendo assegurado o sigilo sobre sua participação e seus dados pessoais. Eu, ______– nome completo do (a) voluntário (a) – após a leitura deste documento e ter tido a oportunidade de conversar com a pesquisadora responsável, para esclarecer todas as minhas dúvidas, acredito estar suficientemente informado (a), ficando claro para mim que minha participação é voluntária e gratuita e que posso retirar este consentimento a qualquer momento sem penalidades ou represálias. Estou ciente também dos objetivos da pesquisa, dos procedimentos aos quais serei submetido (a), dos possíveis danos ou riscos deles provenientes, da garantia de confidencialidade, bem como da oportunidade de obter esclarecimentos sobre a minha participação sempre que eu desejar. Diante do exposto expresso minha concordância de espontânea vontade em participar deste estudo.

______Nome do (a) voluntário (a) ______Endereço eletrônico do (a) voluntário (a) ______Telefones do (a) voluntário (a)

Pesquisadora: Terezinha Rivera Trifanovas Universidade Estadual de Campinas Rua Toscana, 275 – Mirante das Estrelas (UNICAMP) Vinhedo – São Paulo – SP Faculdade de Ciências Médicas (FCM) CEP: 13280-000 Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) 55+ (19) 3826-2032 / (19) 9- 9772-4409 CAAE: 19933013.5.0000.5404 [email protected] Rua: Tessália Vieira de Camargo, 126 Universidade Estadual de Campinas Distrito de Barão Geraldo - Campinas – SP (UNICAMP) CEP: 13083-887 Instituto de Estudos da Linguagem (IEL) +55 (19) 3521-8936 / (19) 3521-7187 e-mail: [email protected]

http://aplicacao.saude.gov.br/plataformabrasil/visao/pesquisador/gerirPesquisa/gerirPesqui saAgrupador.jsf, 2016.