PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

LOANA RIOS ANDRADE LIMA BARTOLOTTI

Pouso Forçado – “Desproteção” do Trabalhador: Uma Tragédia Silenciosa no Cotidiano dos Demitidos e Aposentados da /Aerus

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

São Paulo 2012 PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

LOANA RIOS ANDRADE LIMA BARTOLOTTI

Pouso Forçado – “Desproteção” do Trabalhador: Uma Tragédia Silenciosa no Cotidiano dos Demitidos e Aposentados da Varig/Aerus

DOUTORADO EM SERVIÇO SOCIAL

Tese apresentada à banca examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), como exigência parcial para obtenção do título de doutora em Serviço Social, sob a orientação da Professora Doutora Aldaíza Sposati.

São Paulo 2012

ERRATA

Folha Linha Onde se lê Leia-se

19 Tabela 2 Total Sexo Feminino 14 Total Sexo Feminino 13 19 Tabela 2 Total Sexo Masculino 20 Total Sexo Masculino 19 51 Referência 24 Vide Anexo A – Documentos Vide Anexo B – Documentos Fundantes, Item A, 3 Jurídicos, Item B 1 76 Referência 57 Ibid, p. 54 Ibid, p. 73

BANCA EXAMINADORA

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Dedico este estudo aos demitidos e aposentados da Varig que, apesar do “pouso forçado”, continuam lutando, bem como àqueles que tiveram a sua luta interrompida e não se encontram mais entre nós, mas que fizeram e fazem parte da “família variguiana”.

PÁSSARO DE AÇO

Rasga o céu, rompe nuvens Flutua no espaço, pássaro de aço Leva dor, traz alegria Deixa saudade, cria apatia Os gritos no ar, é o eterno cantar Desperta a manhã com o estrondoso roncar Nina a tarde, que se transforma em noite Acorda o sol, renascendo o dia Majestoso e respeitado O espaço é teu reinado Tantas idas, tantas voltas Não se cansa, não se esgota Lá no ventre, estão guardados Os segredos dos amantes. Corações tão magoados Nos caminhos flutuantes!

(Luís Fernando Félix)

AGRADECIMENTOS

Muitos são aqueles que fizeram parte desse meu caminhar, contribuindo direta ou indiretamente para a edificação desse trabalho.

A Luiz Mauricio, Lyz, Lucas e Luan, de um modo especial, pela compreensão, pelo apoio nas horas difíceis e pelo estímulo nessa caminhada que não foi fácil, mas que certamente plantamos lírios.

Às mãos amigas que me acolheram com carinho nessa grande e bela cidade de São Paulo, em especial a Roza Grosworsel e Ana Cristina Pimenta, amigas-irmãs de todas as horas.

Aos funcionários e professores do Programa de Pós-graduação em Serviço Social.

Ao Prof. Dr. Evaldo Amaro Vieira, em especial, pelo tempo dedicado na orientação dos meus estudos, em um primeiro momento, e pelos conhecimentos compartilhados.

À Profª Drª Aldaíza Sposati, por ter conduzido minha orientação para que eu pudesse concretizar este estudo, meus agradecimentos pela paciência, dedicação, conhecimento e estímulo.

Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) pelo apoio financeiro.

A todos os demitidos e aposentados da “estrela brasileira” que tiveram seu brilho ceifado prematuramente do nosso céu, em especial ao comandante Marcelo Lins e aos comissários José Paulo de Resende e Maria João Matos, sem os quais seria impossível a realização desse estudo. Minha eterna gratidão, respeito e admiração.

RESUMO

BARTOLOTTI, Loana Rios Andrade Lima. Pouso forçado – “desproteção” do trabalhador: uma tragédia silenciosa no cotidiano dos demitidos e aposentados da Varig/Aerus. Tese (Doutorado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2012.

Este estudo tem por objetivo analisar o impacto da falência da Varig, para os demitidos e aposentados dessa empresa, nas suas condições de existência, enfocando as demissões e perdas de direitos com a intervenção no Fundo de Pensão Complementar Aerus. Examina as sequelas de um processo jurídico- financeiro que retirou direitos de proteção social dos trabalhadores daquela empresa. Ocupa-se da criação e falência da empresa Varig, criada em 1927, dando ênfase à Fundação Ruben Berta (FRB) e ao Aerus. A reconstrução histórica da empresa, feita por meio de documentos e bibliografias, é enriquecida por depoimentos. Vale-se da história oral para caracterizar as transformações ocorridas no cotidiano de vida dos trabalhadores e de suas famílias a partir da falência da empresa. São 32 depoimentos colhidos na pesquisa, que agregam 18 trabalhadores demitidos e 14 aposentados, que ocuparam diferentes cargos na empresa ao longo de mais de 15 anos. A falência da empresa, em julho de 2006, causou impacto não somente em seus funcionários, mas em grande parte da sociedade nacional e fez parte de um processo que alterou o padrão operacional da viação aérea brasileira. Dentre as causas principais de falência da Varig, destaca-se o esgotamento do modelo de gestão da empresa nacional de viação aérea que, embora de qualidade, se colocava em confronto com os interesses da conjuntura econômico-política do País, somada à ausência de interesse do governo em manter aquele modelo de gestão empresarial. Desde o “pouso forçado” da Varig, seus trabalhadores, demitidos e aposentados, ainda lutam e esperam por um futuro que faça retornar a dignidade compatível com sua história de trabalho e dedicação à grande empresa aérea.

Palavras-Chave: Aviação comercial. Varig. Fundação Ruben Berta. Falência. Fundo de Pensão Complementar Aerus. Desproteção do trabalho.

ABSTRACT

BARTOLOTTI, Loana Rios Andrade Lima. Pouso forçado – “desproteção” do trabalhador: uma tragédia silenciosa no cotidiano dos demitidos e aposentados da Varig/Aerus. Tese (Doutorado em Serviço Social)- Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), São Paulo, 2012.

This study has as objective to analyze the impact of Varig's bankruptcy for the laid off and retired people from that company in their conditions of existence, focusing on the impacts of layoffs and loss of rights with the intervention of Aerus. It examines the consequences of a financial lawsuit which withdrew the rights of social protection of workers from that company. It deals with the creation and collapse of Varig company established in 1927, emphasizing the Ruben Berta Foundation and the Aerus pension fund. The historical reconstruction of the company by means of documents and bibliographies is enriched by interviews. It makes use of oral history to characterize the transformations in the everyday life of workers and their families from bankruptcy. There are thirty-two testimonies collected in this research that aggregate eighteen laid off workers and fourteen retired ones who occupied different positions in the company for over 15 years. The company's bankruptcy in July 2006 had an impact not only on their employees, but on much of the national society and was part of a process of changing the standard operation of Brazilian transportation airlines. Among the main causes of the bankruptcy of Varig, the following stand out: the exhaustion of the management of a national airline company of transportation that, although of quality, was placed in conflict with the interests of the economic and political situation of the country coupled with the lack of interest from the government to maintain that model of business management. Since the "hard landing" of Varig, their laid off and retired workers still struggle and hope for a future that brings back their dignity consistent with their story of hard work and dedication to the great airline company.

Keywords: Commercial Aviation. Varig. Ruben Berta Foundation. Bankruptcy. Aerus Pension Fund. Deprotection from work.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 13

CAPÍTULO I VARIG E SUA HISTÓRIA NO SOLO BRASILEIRO: CRIAÇÃO, ANOS DE OURO E FALÊNCIA...... 22 1.1 A criação da fundação Ruben Berta...... 28 1.2 Anos de ouro da Varig...... 36 1.3 O começo da crise e a sua falência...... 41

CAPÍTULO II DESASTRE SOCIAL NO TRÁGICO DESFECHO DO AERUS.... 57 2.1 A previdência complementar...... 61 2.2 Aerus: criação, ruína e consequências...... 65

CAPÍTULO III OS IMPACTOS CAUSADOS NOS DEMITIDOS E APOSENTADOS “VARIGUIANOS: VOZES SEM ESCUTA”...... 82 3.1 Histórias de vida...... 83 3.2 Ainda resta uma esperança – Organização e luta...... 90

CONCLUSÃO ...... 102

REFERÊNCIAS...... 106

ANEXO A – Documentos Fundantes...... 112 ANEXO B – Documentos Jurídicos...... 136 ANEXO C – Pesquisa...... 195 ANEXO D - Álbum de Fotografias...... ,. 203

LISTA DE FIGURAS E FOTOS Figura 1 - Atlântico (Dornier Wal), o primeiro avião...... 23 Figura 2 - Junkers F13...... 24 Figura 3 - Junkers A50...... 24 Figura 4 - Klemm L25...... 25 Figura 5 - Messerschmitt M20...... 25 Figura 6 - Junkers JU-52 (PP-VAL, Mauá)...... 25 Figura 7 - Dragon Rapide (PP-VAN, Chuí)...... 26 Figura 8 - Trechos da Rerum novarum ...... 29 Figura 9 - Funcionários, o real patrimônio da Varig...... 30 Figura 10 - Participação e justiça social...... 31 Figura 11 - Estrutura do grupo Varig...... 36 Figura 12 - Convair 240...... 37 Figura 13 - Avro...... 37 Figura 14 - Electra II...... 38 Figura 15 - Caravelle ...... 38 Figura 16 - ...... 38 Figura 17 - STF versus Varig...... 43 Figura 18 - Demissões políticas...... 51 Figura 19 - Empresas e países onde estão hoje muitos pilotos da Varig...... 87 Foto 1 - STF – Olhai por nós! ...... 81 Foto 2 - Manifestação no aeroporto Santos Dumont em 21/10/2006...... 91 Foto 3 - Manifestação no aeroporto Santos Dumont em 21/10/2006...... 91 Foto 4 - Manifestação no aeroporto Santos Dumont em 21/10/2006...... 92 Foto 5 - Manifestação na Alerj-RJ, em 7/7/2009...... 92 Foto 6 - Manifestação em frente à Alerj-RJ, em 7/7/2009...... 93 Foto 7 - Manifestação em frente à Alerj-RJ, em 7/7/2009...... 93 Foto 8 - Manifestação em frente à Alerj-RJ, em 7/7/2009...... 94 Foto 9 - Manifestação Acordo Já, em Copacabana-RJ, em 20 /1/2012...... 94 Foto10 - Manifestação Acordo Já, em Copacabana-RJ, em 20 /1/2012...... 95 Foto 11 - Sem amparo, aposentados da Varig lutam para receber pensão...... 97 Foto 12 - Manifestação no Forte de Copacabana-RJ, em 21/6/2012...... 99 Foto 13 - Manifestação no Forte de Copacabana-RJ, em 21/6/2012...... 99 LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Grupos de debate na Internet...... 18 Tabela 2 - Amostra do universo pesquisado...... 19 Tabela 3 - Participantes ativos Aerus/Varig...... 19 Tabela 4 - Assistida Aerus/Varig...... 20 Tabela 5 - Gestões da Fundação Ruben Berta de 1945 a 1995...... 33 Tabela 6 - Gestões da Fundação Ruben Berta de 1995 a 2007...... 33 Tabela 7 - Aeronaves utilizadas pela Varig em sua história (1927-2008)...... 39 Tabela 8 - Perfis da Varig e da TAM...... 46 Tabela 9 - Os presidentes da Varig de 1986 a 2006...... 54 Tabela 10 - Regimes de previdência: principais características...... 60 Tabela 11 - Resultados da avaliação atuarial de 1998 a 2002...... 71

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

Abrapp - Associação Brasileira das Entidades Fechadas de Previdência Complementar Acvar - Associação dos Comissários da Varig AMVVAR - Associação dos Mecânicos de Voo da Varig Anac - Agência Nacional de Aviação Civil Apvar - Associação dos Pilotos da Varig BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social Cade - Conselho Administrativo de Defesa Econômica CDDPH - Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana CF - Constituição Federal CGPC - Conselho de Gestão de Previdência Complementar CLT - Consolidação das Leis do Trabalho CNSP - Conselho Nacional de Seguros Privados Conac - Conselho de Aviação Civil Cofins - Contribuição para Financiamento da Seguridade Social DAC - Departamento de Aviação Civil Draa - Demonstrativo dos Resultados da Avaliação Atuarial EAPC - Entidade Aberta de Previdência Complementar EFPC - Entidade Fechada de Previdência Complementar FEB - Força Expedicionária Brasileira FGTS - Fundo de Garantia do Tempo de Serviço FNTTA - Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aéreos FMI - Fundo Monetário Internacional FRB - Fundação Ruben Berta Funrural - Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural INPS - Instituto Nacional de Previdência Social INSS - Instituto Nacional de Seguro Social LC - Lei Complementar MPAS - Ministério da Previdência e Assistência Social Nordeste - Nordeste Linhas Aéreas S.A. ONU - Organização das Nações Unidas PIS - Programas de Integração Social Petros - Fundação Petrobras de Seguridade Social Previ - Caixa de Previdência dos Funcionários do Banco do Brasil Previc - Superintendência Nacional de Previdência Complementar RGPS- Regime Geral de Previdência Social Rio Sul - Rio Sul Serviços Aéreos Regionais RJ - RJU - Regime Jurídico Único RPPS - Regime Próprio de Previdência Social Sata - Serviços Auxiliares de Transportes Aéreos Seae - Secretaria de Acompanhamento Econômico SEDH - Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República SNA - Sindicato Nacional dos Aeroviários SNA - Sindicato Nacional dos Aeronautas SNEA - Sindicato Nacional das Empresas Aéreas SPC - Secretaria de Previdência Complementar STJ - Superior Tribunal de Justiça STF - Supremo Tribunal Federal Susep - Superintendência de Seguros Privados Tafic - Taxa de Fiscalização e Controle da Previdência Complementar TAM - Transportes Aéreos Marília TAP - Transportes Aéreos Portugueses TGV - Trabalhadores do Grupo Varig TJ-RJ - Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Varig - Viação Aérea Rio-Grandense S.A. Varig LOG - Varig Logística Vasp - Viação Aérea São Paulo VEM - Varig Engenharia e Manutenção VPSC - Varig Participação em Serviços Complementares S.A. VPTA - Varig Participações em Transportes Aéreos S.A.

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INTRODUÇÃO

Nada melhor para introduzir este estudo do que o depoimento emocionado de quem viveu e vive os impactos causados pela falência daquela que foi a maior empresa de aviação comercial brasileira: a Varig, “abortada precocemente do solo do Brasil” e, junto com ela, muitas esperanças e vidas.

Estou doente e tentando viver. Remédios caros. Tenho sentido fortes dores de cabeça, bem como dores no peito. Tenho genética para infarto. Qualquer dia farei parte desse número estatístico. Essa minha foto não está atualizada, não quero mostrar aos amigos que voei tantos anos, como estou hoje... Estou com muitos cabelos brancos, de repente, após a nossa demissão, eles apareceram e depois fui acometida por vários problemas de saúde, entre outros que não quero falar publicamente. Estou com meus olhos lacrimejando. Estamos morrendo sem esperança até em deixar alguma coisa para a nossa família. É muita dor, revolta, desespero, medo, alucinações, pesadelos. Eu só durmo com quatro miligramas de Rivotril, entre outros remédios que não quero comentar. Estamos destruídos e sem rumo. Precisamos de muita ajuda, além de pessoas como você, mas que o Judiciário no [Supremo Tribunal Federal] STF, olhasse por nós, por um novo princípio: o da misericórdia. Eu vivia e amava a vida, hoje apenas respiro. (Identidade do autor preservada).

A escolha do tema justifica-se por muitas razões. Ela não nasceu ao acaso. A principal delas é pelo que a Varig representou para o País, e o quanto perdura o significado da sua logomarca. O seu respeito não se estreita no Brasil, pois também é internacional. Em segundo lugar, além da aproximação com o objeto, por ter escrito artigos para o jornal da Apvar - Associação dos Pilotos da Varig, na área de saúde e segurança no trabalho, também existia e existe uma relação de amizade com vários aposentados e demitidos dessa empresa. Essa convivência teceu, ao longo dos anos, admiração e respeito para com esses trabalhadores. Por isso o compromisso em retratar parte da história desses homens que tiveram seus ideais de vida abortados depois das “turbulências” instaladas nas suas trajetórias de trabalho e, consequentemente, de existência.

Se o homem é roubado de seu próprio trabalho, é roubado de si mesmo, perde-se quando deveria se identificar desconhece a si mesmo quando deveria se reconhecer, destrói-se quando deveria estar se construindo. (CODO, 1987: 32). 14

O homem, desde os primórdios, descobre e transforma os elementos da natureza em prol de sua sobrevivência. Nessa descoberta, ocorre a própria descoberta das suas capacidades físicas e mentais; há uma troca entre homem-natureza/ natureza-homem. Ocorre uma troca entre o sujeito e objeto; ao mesmo tempo em que constrói com o que transforma da natureza, ele também se vê nesse produto final... Dá-se um intercâmbio entre criação e criador, sujeito e objeto. Ele transforma, cria e, ao criar, se transforma também. O diálogo aqui é uma constante. Mas, com o passar dos tempos, pela complexidade produtiva, o homem perde essa capacidade de troca entre o sujeito e o objeto, na medida em que não domina mais todo o processo de trabalho, o que antes era da vontade do homem; a questão do tempo de execução do trabalho, dos instrumentos de trabalho, dos meios de produção, já não estão na mão desse criador. Ele deixa de ser o criador para ser uma força objeto. Os meios de produção estão nas mãos de poucos... Poucos são os “possuidores” e muitos os “des - possuídos”. Só que a vida toda do homem é atravessada pelo trabalho, ele se constitui com o que está nele, por isso se torna tão importante a compreensão dessa categoria, dialeticamente cheia de contradições e mediações. O trabalho é o fundamento da vida e o homem só conseguirá a liberdade, quando as atividades produtivas deixarem de ser orientadas pelo princípio do lucro existente na sociedade capitalista. Não se pode falar da categoria trabalho sem enfocar a ontologia do ser social, um dos supostos do humanismo, do materialismo e da dialética de Marx. Porque é a constituição do homem como sujeito da história, que inicia um processo histórico em que o homem põe na história a sua finalidade, a sua teleologia, a sua vontade. É a constituição do homem como um ser racional, porque este desenvolve a razão nesse processo.

A história não é sucessão de fatos no tempo, não é o progresso das ideias, mas o modo como homens determinados criam os meios e as formas de sua existência social, produzem ou transformam essa existência social que é econômica, política e cultural. (CHAUÍ, 1985: 20)

O ser social é homem como sujeito, portador de vontades, ou seja, prevê o fruto de seu trabalho antes de executar, provê o fruto de sua ação antes de agir 15

(tendências teleológicas). As condições do ser social são criadas pelos homens, e o desenvolvimento do ser natural, conserva o ser natural. Mas o ser social supera-o e esse intercâmbio entre o ser social e a dimensão natural ocorre mediante o trabalho, com o qual se constrói a sociedade e as relações sociais. O que caracteriza o homem é o potencial de liberdade, que não significa o exercício da liberdade. A liberdade não é dada, liberdade é um processo histórico do ser social. Portanto, o homem se faz construindo a sua liberdade, a sua emancipação por meio da superação das necessidades. A emancipação supõe o aumento da liberdade, ou seja, o espaço, as condições de ações conscientes dos homens e a superação das barreiras naturais. O homem, porém, não consegue se construir como sujeito de liberdade a partir da fragmentação do real que, em vez de gerar consciência, gera alienação e impede a emancipação. Cada obra do homem é uma obra contraditória. Os mesmos elementos que servem para emancipar servem também para oprimir. O desenvolvimento do ser social, ao mesmo tempo em que aponta para a libertação, ou seja, aponta para a emancipação; desenvolve condições de alienação. A dialética, a contraditoriedade entre emancipação e alienação, está contida na história do ser social. A alienação é mais do que opressão. É mais do que exploração. É a incapacidade do homem de dominar a sua condição de existência.

O homem alienado é um estranho perante si mesmo, perante o outro, perante a sua historicidade. Produz e não é dono do produto de seu trabalho, se realiza num produto que, ao se voltar contra ele, o desrealiza, enfrenta como inimigo o seu ser inorgânico. (CODO, 1987: 69-70)

Todas essas amarras que impedem o homem de se ver como sujeito da história, tem origem na ideia que a ideologia dominante coloca na cabeça dos homens, é a imagem de um mundo que é instrumentalizado, um mundo que é o objeto e o meio de realização (econômica, cultural e política) do indivíduo, é uma espécie de suporte cultural e ideológico da sociedade capitalista. O mundo do trabalho não é isento de contradições, podendo levar a sociedade a tornar-se meio irracional, com relações enredadas de poder e de autoritarismo. Nesse processo, a partir das mudanças do processo produtivo, a 16

competição pelo menor custo e maior lucro tem trazido sérias consequências para o trabalho humano. As empresas reduzem seus custos e eliminam simplesmente postos de trabalho ou reformulam os existentes, informalizam os direitos do trabalhador, transformando-o em um prestador de serviços, sem carteira de trabalho. À medida que ocorre a ameaça da queda de rendimento real, a desigualdade aumenta. Vozes sindicais tornam-se mais amenas e com poder reduzido. Os trabalhadores, despidos dos seus ideais e direitos, abafam o grito que ecoava como arma de luta, com receio do crescente desemprego. Não só flexibiliza- se a economia, mas também os direitos e a vida. É tudo isso que se encontra na tentativa de entender a falência da Varig; um retrato do que acontece no Brasil. Desemprego, arrocho dos salários e acentuada queda do padrão médio de vida da sociedade. A ofensiva contra os trabalhadores, visando, em particular, ao esvaziamento dos sindicatos, e contra os interesses nacionais em favor do capital estrangeiro, é feroz e está refletida no projeto da reforma constitucional, com quebra dos monopólios, eliminação de direitos sociais, as mudanças na Previdência Social, desindexação dos salários e políticas de privatização. Tudo isso tem vivido os trabalhadores e para reagir a essa situação faz-se necessário um alto grau de organização, para obter maior união de forças, com o objetivo de se defender dos estragos da política neoliberal. Para isso, urge ousar sempre mais. O objeto deste estudo foi tratado com muita seriedade e responsabilidade, para que sentimentos não falassem mais alto do que o conhecimento adquirido das próprias vivências e falas dos trabalhadores entrevistados. O conhecimento é um processo que se constrói no decorrer da história. É um processo dinâmico que ilumina a realidade. A pesquisa produz a possibilidade de construir conhecimentos. Tal construção não ocorre à parte da realidade social. Esse processo só se torna possível se vinculado a uma relação entre sujeito e objeto. Todo conhecimento científico se faz por investigação (forma que comporta o espaço de reconstrução do real pelo pensamento) e não apenas de coleta de dados. Ninguém chega ao conhecimento sem uma investigação, que é um processo rigoroso de apreensão do 17

real. E é com a investigação que se reconstrói, pelo pensamento, o objeto de estudo. Um desses instrumentos de investigação é a história oral. A pesquisa requer uma estrutura filosófica que a fundamente e trabalhe com o método de análise da realidade, com teoria, instrumentação técnica e a própria realidade. A metodologia do objeto de pesquisa se fez no processo, foi um enlace vivo estabelecido entre o sujeito investigador e o seu objeto de pesquisa. Tal estrutura se apoiou em mediações que construíram seu caminhar metodológico acolhendo diferentes fontes de informações, por escolha dentre documentos, ou por estratégia de busca criada para complementar os fatos e este estudo tem como objetivo principal analisar o impacto da falência da Varig para os demitidos e aposentados dessa empresa, enfocando as demissões e perdas de direitos com a intervenção do Fundo de Pensão Complementar Aerus. Com a extinção da Varig, única empresa de aviação comercial totalmente brasileira, que possuía mais de 10 mil trabalhadores na ativa, as questões centrais foram:  O funcionamento da Fundação Ruben Berta (FRB) e do Aerus, do ponto de vista das relações de trabalho e as garantias que possibilitava aos trabalhadores a ele filiado.  A falência da Varig e a intervenção no Aerus transformaram a vida dos demitidos e aposentados, dissolvendo garantias contratualmente estabelecidas e tornando sua falta uma situação de risco.

A compreensão e o conhecimento da vida desses trabalhadores foram obtidas na pesquisa qualitativa, no campo da história oral e da escrita, por meio de depoimentos orais e escritos dos sujeitos, para conhecer a realidade passada e a presente. As narrativas foram gravadas e/ou escritas, recebidas via e-mail e em conversas pela Internet; transcritas fielmente, para expressar, com essa “relação viva” entre sujeito e objeto, o conhecimento de uma versão devidamente qualificada. Segundo Thompson (1992, p. 45), “a história oral é tão antiga quanto a própria história. Ela foi a primeira espécie de história”. Para o desenvolvimento do estudo, além da colheita de depoimentos, foi realizada uma revisão bibliográfica por meio de leitura sobre os temas trabalho, o trabalho na aviação comercial civil, sua legislação, as normas de previdência social 18

privada, bem como por meio de análise documental sobre a Varig e a Aerus, a partir do complexo organizacional de dados disponíveis na Associação dos Pilotos da Varig (Apvar), consultando jornais e revistas, além de site da Internet. Importante ressaltar que a participação em grupos de debates, fundados pelos aposentados e demitidos da Varig, disponibilizados na Internet, por site, por Facebook (www.facebook.com), foi de suma importância, pois ampliou o universo de informações e dados para esse estudo. Uma ferramenta nova, que pode ser utilizada por outros pesquisadores.

Tabela 1 – Grupos de debate na Internet Nome dos Grupos de Debates Total de Participantes até o Término desta Pesquisa Credores da Varig 7.782 Varig People 3.235 Faço Parte da Tripulação 1.866 Varig 901 Fonte: Elaboração própria.

Dos 90 convites de entrevista enviados, 58 foram respondidos dentro do prazo estabelecido. Na pesquisa, foram utilizadas 32 entrevistas (conforme Tabela 2), para caracterizar essa amostra, com sujeitos tendo idade igual ou superior a 45 anos e tempo de empresa igual ou superior a 15 anos, devido à necessidade de alcançar o universo dos funcionários mais antigos da empresa, e que vivenciaram, portanto, vários períodos de mudanças ocorridos dentro dela, bem como os aposentados. Foram escolhidas entrevistas de várias categorias de trabalho, visto que poderiam participar do Aerus, todos os funcionários da FRB da qual a Varig fazia parte.

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Tabela 2 – Amostra do universo pesquisado Cargo Entrevistados Tempo de Sexo Idade Situação Empresa F M Demiti- Aposen (em anos) dos -tados Comissários 12 15 a 29 9 3 45 a 65 7 5 de bordo Comandantes 11 21 a 33 - 11 49 a 60 8(a) 3 Piloto chefe(b) 1 33 - 1 68 - 1 do Boeing 747 Engenheiro de 1 27 - 1 63 - 1 voo Coordenadora 1 17 1 - 53 - 1 de administração Chefe do 1 36 - 1 62 - 1 centro de multimídia do treinamento de operações de voo Controlador de 1 25 - 1 60 1 - tráfego aéreo Agente de 2 21 a 27 2 - 50 a 51 2 - atendimento de aeroporto líder Supervisora e 1 24 1 - 53 - 1 instrutora continental e intercontinental Diretor 1 41 - 1 63 - 1 TOTAL 32 De 15 a 41 14 20 45 a 68 18 14 (a) Seis dos oito comandantes demitidos entrevistados encontram-se trabalhando fora do País. (b) Piloto chefe é um comandante que exerce função administrativa, em determinado momento designado Pela empresa. É responsável por todos os comandantes e pilotos. Fonte: Elaboração própria.

Na composição do universo pesquisado, foi utilizada como base o ano de 2002, antes da intervenção do Aerus e da falência da Varig. Estimava-se, na época, que os participantes ativos, aposentados e pensionistas somavam 7.755 pessoas, no Plano I, e 10.120, no Plano II. A maioria dos aposentados, nessa época, encontrava-se no Plano I e a maioria dos ativos no Plano II. Essa composição, no decorrer dos anos, sofre mudanças, que serão ressaltadas no decorrer deste estudo.

Tabela 3 – Participantes ativos Aerus/Varig Tipos de Plano Participantes Participantes Total de Aerus/Varig Ativos do Sexo Ativos do Sexo Participantes Masculino Feminino Ativos Plano I 2.278 1.264 3.562 Plano II 4.818 3.769 8.587 Fonte: Dados obtidos na Apvar. 20

Tabela 4 – Assistidos Aerus/Varig Tipos Total de Total de Total de Total de Total de de Aposentadoria Aposentadoria Aposentadoria Pensões Assistidos Plano Especial por Invalidez Aerus Plano I 1.084 1.818 444 847 4.193 Plano II 506 753 171 103 1.533 Fonte: Dados obtidos na Apvar.

Este estudo é apresentado em três capítulos. O primeiro capítulo, intitulado Varig e sua História no Solo Brasileiro: Criação, Anos de Ouro e Falência, retrata a criação da Varig e da FRB, os anos de ouro da Varig, o começo da crise e a sua falência, ressaltando o papel da Apvar, diante dessa crise, devido à demissão de toda a sua diretoria, ocorrendo desrespeito aos direitos humanos. No segundo capítulo, Desastre Social no Trágico Desfecho do Aerus, é apresentado um breve histórico sobre a proteção do trabalho no Brasil, e da criação do Aerus, sua ruína e consequências. Para finalizar, no terceiro e último capítulo, sob o título Os Impactos Causados nos Demitidos e Aposentados “Variguianos”: Vozes Sem Escuta, são abordadas as histórias de vida, os impactos no cotidiano e as lutas engendradas por esses homens em defesa da garantia de seus direitos. No Anexo A, intitulado Documentos Fundantes, estão cópias da Certidão da Empresa Aérea Rio Grandense (1952), dos Estatutos da Fundação Ruben Berta (já com a nova redação de 2006) e do Aerus (nova redação de 2002). No Anexo B encontram-se cópias dos Documentos Jurídicos: a Audiência Pública de 2006, que discutiu a situação da Varig; o Relatório usado para fundamentar a Declaração de Falência da Varig (2010); o Recurso Instrumental de 2010; bem como o Processo de Informação ao Juiz de Direito da 1a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (2012). No Anexo C, Pesquisa, encontram-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e a íntegra dos depoimentos dos aposentados e demitidos, usados na pesquisa. Finalmente, no Anexo D, Álbum de Fotografias, fotos ilustram parte da história da Varig mantida na memória dos variguianos. Com essas reflexões, chama-se a atenção para a importância em considerar as mudanças vivenciadas nas condições de vida e trabalho desses ex-integrantes da “família Varig”, bem como em ter descortinada por eles a história da empresa, sua falência e a intervenção do Fundo de Pensão Complementar Aerus, que não 21

vem cumprindo o objetivo de proporcionar as garantias de proteção social, e assim, quiçá, fomentar debates futuros entre os diversos ramos profissionais e a sociedade. E por meio do pensar, do questionar, viabilizar novas ações, que transformem essa cruel e trágica realidade. Cada decolagem e aterrissagem continham mais do que um trabalho intelectual e/ou técnico... continham histórias de vidas.

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CAPÍTULO I

VARIG E SUA HISTÓRIA NO SOLO BRASILEIRO: CRIAÇÃO, ANOS DE OURO E FALÊNCIA

Para entender a repercussão da falência da Varig, para os demitidos e apo- sentados, é primordial uma volta no tempo com breve retrospectiva do nascimento e crescimento dessa empresa, na área comercial, no solo brasileiro, bem como a cria- ção da FRB, pois a história dessa empresa e dessa instituição possui relação simbi- ótica. Pode-se dizer que tudo começou em 7 de maio de 1927 quando o oficial a- viador da Força Aérea alemã, Otto Ernst Meyer1, idealista e empreendedor, fundou a Viação Aérea Riograndense (Varig) contando com o apoio de nomes influentes no governo do estado do Rio Grande do Sul. Com a intenção de concretizar uma empresa aérea no Brasil, no dia 12 de outubro de 1925, Otto retorna à sua pátria, em Hamburgo, e decide se juntar ao Syndicato Condor2 na fundação da Varig. Esse grupo participaria na Varig com 21%

1Ernst Otto Meyer LaBastille, (Hanôver, 25 de novembro de 1897, - Porto Alegre, 1966) alemão naturalizado brasileiro, com o nome Otto Ernst Meyer, foi o fundador e primeiro presidente da companhia aérea Varig. Oficial-aviador da Força Aérea Alemã, Ernst Otto Meyer, filho de pai alemão e mãe francesa, radicado no Haiti, embarca para o Brasil em 27 de janeiro de 1921, desembarcando em para trabalhar nas empresas têxteis dos irmãos Lundgreen. Em 1922, fixa-se no Rio de Janeiro, onde trabalha na agência de passagens marítimas da empresa Theodor Wille. Em 13 de janeiro de 1923 muda-se para Porto Alegre, e se desfaz, em 1925, de uma empresa de comissões e consignações. Nesse momento, Otto Meyer já planejava organizar uma empresa aérea e, antes mesmo de fundá-la, dá o nome de Viação Aérea Rio-Grandense. (WIKIPÉDIA, a enciclopédia livre. Otto Ernst Meyer. (Disponível em: ).

2 No dia 5 de maio de 1924, é fundado, em Berlim, o Condor Syndicato, do qual participam o Deuts- cher Aero Lloyd. A empresa é um consórcio aéreo experimental e tem como objetivo promover a ven- da de aviões e material alemão no exterior, devendo, para isso, estudar as possibilidades de tráfego aéreo civil na América do Sul e na América Central. O interesse por essa área geográfica em especial se explica pelo fato de Peter Paul Von Bauer ter sido um dos fundadores da Sociedade Colombo- Alemanha de Transportes Aéreos (SCADTA), uma empresa aérea criada em dezembro de 1919 e que, seis anos depois, tentaria expandir suas rotas para o norte, até os Estados Unidos, sem obter êxito, por falta da necessária autorização norte-americana. A tentativa do primeiro voo até os Estados Unidos é realizada entre 10 de agosto e 19 de setembro de 1925, por dois aerobotes Dornier Wal, ba- tizados com os nomes de Atlântico e Pacífico e que pertenciam ao Condor Syndicato e que tinham sido alugados à SCADTA. O Atlântico foi levado de volta para a Alemanha, de navio, e depois envia- do para Montevidéu, de onde faria, pouco depois, um histórico e lucrativo voo para o Brasil. O avião chegou ao Rio Grande do Sul no dia 19 de novembro de 1926, tendo partido dois dias antes de Bue- nos Aires, e ao Rio de Janeiro no dia 27 de novembro. (Wikipédia, a enciclopédia livre. Syndicato Condor. Disponível em: )

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das ações, sendo elas pagas com aviões e a assistência técnica para sua manutenção. De volta ao Brasil, em 6 de outubro de 1926, entra com um pedido de isen- ção de imposto estadual, para a empresa, ao Palácio do Governo, pelo período de 15 anos e tem total apoio do então governador Antônio Borges de Medeiros3, quan- do no dia 30 de outubro de 1926, no Brasil, é concedida a solicitação feita por Otto. Assim nasce a maior companhia aérea brasileira, oficialmente registrada em 7 de maio de 19274 e que operava a linha Porto Alegre-Pelotas-Rio Grande do Sul. Posteriormente, em 10 de junho desse mesmo ano, tem a autorização para estendê- la até Montevidéu, com o hidroavião Dornier Wal, batizado de Atlântico. Projetado na Alemanha e construído na Itália, em 1925, voou até 2 de julho de 1930, pela Varig.

Figura 1 - Atlântico (Dornier Wal), o primeiro avião Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

A Varig começa a crescer e, em 1930, com apoio do governo gaúcho, ex- pande suas operações, com fundos para a construção de um hangar e aquisição de novos aviões: Junkers F-13, para o transporte de passageiros; Junkers A-50, para

3 Antônio Augusto Borges de Medeiros nasce em Caçapava do Sul (RS), em 1863. Advogado, inicia seus estudos universitários na Faculdade de Direito de São Paulo, em 1881, tomando contato com as ideias positivistas de Augusto Comte e parte ativa no Clube Republicano Acadêmico. Em 1885, ba- charela-se na Faculdade de Direito de Recife, para onde havia se transferido no ano anterior. Em se- guida, volta ao seu estado natal para exercer a advocacia em Cachoeira do Sul. Ali, continua sua mili- tância política e logo torna-se o chefe local do Partido Republicano Rio-Grandense (PRR), agremia- ção liderada por Júlio de Castilhos. Com a Proclamação da República, em 1889, é imediatamente nomeado delegado de polícia da cidade e, no ano seguinte, integra a bancada gaúcha na Assembleia Nacional Constituinte de 1890/1891. Em 1945, é aclamado como presidente de honra da seção gaú- cha da União Democrática Nacional (UDN), mas não retoma a atividade política. Morre em Porto Ale- gre, em 1961. (Dicionário histórico biográfico brasileiro pós 1930. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2001)

4 Ver Anexo A – Documentos Fundantes, item A.1.

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correio e cargas; e Klemm L-25, para treinamento de pilotos. Cresce o número de cidades servidas, entre elas Livramento, Santa Cruz, Cruz Alta e Santana do Livra- mento. Com a aquisição de um Messerschmitt M20, o voo para Livramento é esten- dido até Uruguaiana, em 1937. Já em 1938, adquire seu primeiro trimotor de fusela- gem metálica, o Junkers JU-52 (PP-VAL, Mauá), que é o maior avião da empresa, na época.

Figura 2 - Junkers F-13 Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

Figura 3 - Junkers A-50 Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

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Figura 4 - Klemm L-25 Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011

Figura 5 - Messerschmitt M20 Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

Figura 6 - Junkers JU-52 (PP-VAL, Mauá) Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

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Com a eclosão da II Guerra Mundial5, faltam peças de reposição para aviões de fabricação alemã, obrigando a empresa a renovar sua frota. Com a aquisição do bimotor biplano inglês Dragon Rapide (PP-VAN, Chuí), a Varig faz seu primeiro voo internacional, ligando Porto Alegre a Montevidéu, em 1942.

Figura 7 - Dragon Rapide (PP-VAN, Chuí) Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

Importante ressaltar que a progressiva tomada de posição do Brasil ao lado dos aliados, na II Grande Guerra, cria uma situação difícil para as empresas ligadas à Alemanha, consequentemente, para o Sindicato Condor, uma empresa de origem alemã, que teve mudado o seu nome, no ano de 1941, para Serviços Aéreos Condor Ltda., bem como seu controle passou parcialmente das mãos dos alemães para as mãos dos brasileiros. A entrada do Brasil na guerra, enviando para a Itália (região de Monte Cas- sino) os pracinhas da Força Expedicionária Brasileira (FEB), resultou na demissão

5 Relembrando um pouco da história, um dos mais importantes componentes de conflitos da Segunda Guerra Mundial, foi a presença, na Europa, de governos totalitários com fortes objetivos militaristas e expansionistas. Na Alemanha, o nazismo, liderado por Hitler, pretendia expandir o território alemão, desrespeitando o Tratado de Versalhes, assinado em 28 de junho de 1919, como um acordo de paz, feito pelos países europeus, após o fim da Primeira Guerra Mundial (1914-1918). Nesse tratado, a A- lemanha assume a responsabilidade pelo conflito mundial, comprometendo-se a cumprir uma série de exigências políticas, econômicas e militares. Essas exigências foram impostas à Alemanha pelas nações vencedoras da Primeira Guerra, principalmente a Inglaterra e França. Em 10 de janeiro de 1920, a recém-criada Liga das Nações, futura Organização das Nações Unidas (ONU), ratificou o Tra- tado de Versalhes. Na Itália, crescia o Partido Fascista, liderado por Benito Mussolini, que se torna o Duce da Itália, com poderes sem limites. O marco inicial ocorre no ano de 1939, quando o exército alemão invade a Po- lônia. De imediato, a França e a Inglaterra declaram guerra à Alemanha. De acordo com a política de alianças militares existentes na época, formaram-se dois grupos: Aliados (liderados por Inglaterra, U- nião das Repúblicas Socialistas Soviéticas - URSS, França e Estados Unidos) e Eixo (Alemanha, Itá- lia e Japão). Wikipédia. (Tratado de Versalhes. 1919. Disponível em: ).

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de todos os alemães que ainda trabalhavam na empresa e a passagem de todo o seu patrimônio para o País. Os cerca de 25 mil soldados brasileiros conquistam a região, somando uma importante vitória ao lado dos Aliados. Foi uma época conturbada, pois faltava combustível, e havia a necessidade de treinar novas tripulações, o que provoca a suspensão, por algum tempo, dos ser- viços de operação da empresa. No ano de 1942, o panorama da viação civil brasileira passa a ser o seguin- te: A Panair do Brasil6 tinha 20 aviões e cobria também a faixa litorânea, além de penetrar pela Amazônia, com um voo que ia de Belém a Tabatinga. Os Serviços Aé- reos Condor Ltda. tinham nada menos do que 28 aviões e suas linhas percorriam praticamente todo o Brasil, seguindo a faixa litorânea e penetrando em direção a o- este, na altura de Mato Grosso, ao sul; e do Maranhão, no norte; e a Vasp7, embora com apenas cinco aparelhos, voava para o Rio de Janeiro e chegava, na direção no- roeste, até Goiânia (GO) e, para o sul, até Porto Alegre (RS). Também durante a II Guerra Mundial, ocorre mudança na presidência da empresa. Otto Ernst Meyer, por ser de origem germânica e temendo possíveis dificul- dades para a empresa, decide renunciar à Presidência da Varig. A partir desse fato, inicia-se um novo modelo de gestão explicitado no item a seguir.

6 S.A. foi uma das companhias aéreas pioneiras do Brasil. Nasce como subsidiária de uma empresa norte-americana, a NYRBA (New York -Rio-), em 1929. Incorporada pela , em 1930, teve seu nome modificado de Nyrba do Brasil para Panair do Brasil, em refe- rência à empresa controladora Pan American Airways. (Wikipédia, a enciclopédia livre. Panair do Brasil. Disponível em: ).

7 A Viação Aérea São Paulo (Vasp) foi uma empresa de aviação comercial brasileira com sede na ci- dade de São Paulo. A história da Vasp começa a ser escrita nos anos seguintes à Revolução de 1932. Em 4 de novembro de 1933, um grupo de empresários e pilotos reune-se e cria a Viação Aérea São Paulo, apresentando ao público, na sua base do Campo de Marte, seus primeiros aviões, dois Monospar ST-4 ingleses, denominados Bartholomeu de Gusmão (PP-SPA) e Edu Chaves (PP-SPB), com capacidade para três passageiros. (Wikipédia, a enciclopédia livre .Vasp. Disponível em: .)

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1.1 Criação da Fundação Ruben Berta

Com a saída de Meyer, da Presidência, Ruben Berta8 assume o cargo de presidente, eleito pela assembleia dos acionistas no ano de 1942. Conhecedor dos problemas da companhia, no início de 1927 e aos 19 anos, torna-se o primeiro fun- cionário da empresa de Varig. Possuía um profundo aprendizado, que o tornava ap- to a assumir a Presidência. Assim, nova visão empresarial começa a ser desenhada nos Serviços Aéreos Condor Ltda. Uma das primeiras ações de Ruben Berta foi diversificar as fontes de abas- tecimento dos aviões e de peças de reposição, em virtude da situação criada, na Eu- ropa e no Atlântico, pelo alastramento da guerra. A única alternativa possível e justi- ficável eram os Estados Unidos da América (EUA), cuja indústria aeronáutica, en- trementes, começava a passar à frente da europeia. No dia 16 de janeiro de 1943, o Decreto 5.197 muda o nome dos Serviços Aéreos Condor Ltda. para Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul Ltda. Com o fim da guerra, em 1945, é criada a Organização das Nações Unidas (ONU) com o objetivo principal de manter a paz entre as nações. Inicia-se também um período conhecido como Guerra Fria, colocando, agora em lados opostos, os EUA e a União Soviética em uma disputa geopolítica entre o capitalismo norte- americano e o socialismo soviético, em que ambos os países buscavam ampliar su- as áreas de influência sem entrar em conflitos armados. Nesse mesmo ano de 1945, com a Varig em franco desenvolvimento, no fi- nal da ditadura do período Vargas (de 1930 a 1945), Ruben Berta possuía algumas preocupações: a intensificação da concorrência na aviação comercial pós-guerra, mesmo sabendo que poucas empresas conseguiriam enfrentar uma competição; o interesse do Estado na regulamentação e controle sobre o tráfego aéreo, e a relação dos funcionários com a companhia, pois acreditava que a centralização do poder,

8 Ruben Martin Berta (Porto Alegre, 5 de novembro de 1907 - Porto Alegre, 14 de dezembro de 1966) empresário brasileiro e ex-presidente da Varig era filho de Martin Félix Berta e Helena Maria Lenz. Casado com Wilma Weber Berta e pai de Ivone e Eliete, nasceu em Porto Alegre em 5 de novembro de 1907. A infância e a adolescência seguiram o padrão das famílias da modesta classe média porto- alegrense, de origem alemã e luterana. No início de 1927, já frequentava o curso de Medicina quan- do, por necessidade do sustento familiar, resolveu atender a um curioso anúncio de emprego de uma companhia de aviação comercial em implantação, a S.A. Empresa de Viação Aérea Rio-Grandense. Segundo Otto Meyer, fundador da companhia, Berta nada lhe perguntou sobre salário, tarefas ou ex- tensão da jornada de trabalho. Apenas aceitou o emprego e o desafio. (FUNDAÇÃO RUBEN BERTA, 1996).

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que não existia até então, era essencial para a sobrevivência da empresa no merca- do em expansão. Querendo valorizar o trabalho desses funcionários e manter o crescimento da empresa, o já então presidente Ruben Berta, que era respeitado e admirado por todos, lança a ideia de criar uma Fundação, uma entidade de direito civil, subordina- da ao Ministério Público, transferindo o controle acionário da empresa para essa Fundação.

Ruben Berta vinha maturando esse projeto desde fins de 1941, quando se tornara o novo diretor gerente da companhia. A Varig ain- da era uma empresa de aviação regional, lutando para vencer dis- tâncias e dificuldades. (FUNDAÇÃO RUBEN BERTA, 1996: 30).

Adepto do capitalismo social inspirado, de um lado, na Carta Encíclica Rerum Novarum, do papa Leão XIII, de 15 de maio de 1891, que trata da condição dos operários, de outro, nas teorias liberais de Jean-Jacques Rousseau contidas no Contrato Social, de 1762, forma o pilar filosófico e moral da estrutura dessa institui- ção. Berta era um visionário.

Figura 8 - Trechos da Rerum Novarum Fonte: Fundação Ruben Berta (1996:32).

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Ruben Berta sugere, na assembleia geral do dia 29 de outubro de 1945, que os mais de 500 acionistas transfiram metade das ações da Varig para uma fundação de funcionários (com o passar dos anos, essa participação acionária vai aumentan- do até controlar 87% do capital votante da empresa). Com a ideia concretizada, em 7 de dezembro, é criada a Fundação dos Fun- cionários da Varig, que teve, no dia 29 do mesmo mês, aprovado o estatuto, bem como eleito o primeiro Colégio Deliberante, composto por 64 funcionários de carrei- ra. Após a morte de seu criador, passa a chamar-se Fundação Ruben Berta9 Entidade sem fins lucrativos, a FRB sempre foi voltada a promover o bem- estar social de seus beneficiários e de seus dependentes, com a melhoria de quali- dade de vida. Era pautada em um sistema de gestão considerado humanizante, pois valorizava seu capital social, trabalhando em função de objetivos comuns, e não com a exploração do homem pelo homem.

Figura 9 – Funcionários, o real patrimônio da Varig Fonte: Fundação Ruben Berta (1996:28).

Essa ideia de cooperação, o agir de forma coletiva, para satisfazer as aspi- rações e necessidades econômicas, sociais e culturais comuns, por meio da melho- ria da qualidade de vida e da boa convivência entre todos, trouxe ao trabalhador da

9 Ibid. p. 28

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Varig a noção de pertencimento, de união. Esse funcionário, ao mesmo tempo em que era um filiado da Fundação, e por isso usufruía dos serviços e benefícios ofere- cidos, por outro, era um potencial dirigente. Certamente, um sistema de governança incomum, adotado por Ruben Berta. Essas ideias democráticas e humanistas que levam em conta a liberdade, participação e justiça social, atribuem à Varig uma res- ponsabilidade social antes apenas exercida pelo Estado.

Figura 10 - Participação e justiça social Fonte: Fundação Ruben Berta (1996:99).

Ruben Berta acreditava que haveria mais comprometimento e motivação dos funcionários para com a Varig e, satisfeitos, produziriam mais. A Fundação Ruben Berta, nesses anos de atuação, monta uma estrutura de serviços em três cidades-sede, com grandes centros de atendimento médico e de

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assistência social, além de restaurantes para alimentação dos funcionários do Gru- po. Também manteve, durante alguns anos, serviços médico e social em Salvador (BA), Recife (PE), Brasília (DF) e Manaus (AM).10 Os benefícios oferecidos antes da falência da Varig englobavam auxílio- medicamentos (a Fundação cobria 50% do valor dos medicamentos de funcionários e aposentados), auxílio material escolar, colônia de férias, áreas de lazer, convênios com universidades, seguro de automóveis, empréstimos e financiamentos, projetos internos ligados à melhoria da qualidade de vida dos funcionários e seus dependen- tes, plano de saúde (FRB Saúde) com baixa mensalidade, convênios com outros planos de saúde, como a Amil, Unimed e Bradesco, à escolha dos funcionários, bem como serviço médico especializado na saúde do aeronauta, visto que a Varig era a maior empresa envolvida no grupo da Fundação. A Fundação também praticava serviço humanitário de transporte de medi- camentos e, mesmo após a venda da Varig, continuou executando-o em caráter gra- tuito, sendo pago apenas o preço do medicamento. O serviço teve início em 1980, quando os próprios empregados sediados no exterior compravam os medicamentos, a partir da necessidade de funcionários da empresa, familiares e amigos próximos, enviando-os para o Brasil pelos aeronautas. A partir de 1993, a Varig passa a contar com a atuação da Fundação Ruben Berta, através de sua área médica, que assume essa complexa operação (processo de informação, encomenda, acompanhamento, retirada, entrega e contato com a Vi- gilância Sanitária, Receita Federal).11 O serviço social da FRB era atuante, como confirma o seguinte relato:

Através de uma empresa financeira com a qual tínhamos convênio eu ia pegando empréstimo sobre empréstimo… Foi através de uma Assistente Social da Fundação Ruben Berta que consegui o “impossível”: o instituto Aerus (é, esse mesmo) pagou a minha dívida com a Varig e parcelou esse total em 36 meses. Isso me permitiu voltar a receber salário já no mês seguinte.12

10 VARIG. História da varig. Disponível em: .

11 HOUNIE, ANA. Importação de medicamentos que não há no Brasil. Disponível em: . Acesso em: 18 maio 2011

12 O cão que fuma. Por duas ou três vezes estive, como, falido. Disponível em: . Acesso em: 3 fev. 2012.

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A Fundação, desde a sua criação, até o ano de 1995, tinha seu quadro ad- ministrativo composto por presidente e vice-presidente, eleitos por um Colégio Deli- berante, formado por funcionários da Varig, a cada cinco anos (Tabela 5), escolhidos em assembleia-geral e um Conselho de Administração, formado por ex-membros do Colégio. O presidente da Fundação, acionista majoritária, era eleito pelo Colégio.

Tabela 5 - Gestões da Fundação Ruben Berta, de 1945 a 1995 Presidente Período Ruben Berta 1945/1966 Erik de Carvalho 1966/1979 Harry Schultz 1979/1980 Hélio Smidt 1980/1990 Rubel Thomas 1990/1995 Fonte: Os administradores. Disponível em: .

No ano de 1995, começam as reformulações estatutária e administrativa, du- rante a gestão de Rubel Thomas, quando foi criado e eleito o Conselho de Curado- res da Fundação, pelo Colégio Deliberante, composto por sete membros com man- dato de três anos. O presidente e vice-presidente também eram escolhidos pelo Co- légio Deliberante, órgão máximo da Fundação Ruben Berta. Na Tabela 6, indica-se que, após essa mudança administrativa, ocorreram várias substituições, entre os membros do Conselho Curador, que não chegam a concluir o mandato até o final do período estabelecido.

Tabela 6 - Gestões da Fundação Ruben Berta de 1995 a 2007 Primeiro Conselho de Curadores Período Aguinaldo de Mello Junqueira Filho (presidente) 1995/1998 Walterson Fontoura Caravajal (vice-presidente) 1995/1998 Gílson Gomes 1995/fev. 1996 Yutaka Imagawa 1995/fev. 1996 Carlos Luiz Martins Pereira e Souza 1995/jun. 1996 Artur Carlos Becker 1995/jun. 1996 José Guilherme Winther de Carvalho 1995/maio 1997 Roberto de Módolo Sacom 1995/maio 1997 Carlos Willy Engels 1995/1998 Hílnon Leite Iglezias 1995/1998 Segundo Conselho de Curadores Período

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Yutaka Imagawa (presidente) 1998/2001

Hilnon Leite Iglezias (vice-presidente) 1998/2001 Aguinaldo de Mello Junqueira Filho 1998/mar. 1999 George Ermakoff 1998/mar. 1999 Adenias Gonçalves Filho 1998/abr. 1999 Walterson Fontoura Caravajal 1998/abr. 1999 Humberto Rodrigues Filho 1998/ago. 1999 Gilberto Carlos Rigoni 1998/ago. 1999 Floriano Zinaro Ribeiro da Silva 1998/2001 Luiz Carlos Buaes 1998/2001 Terceiro Conselho de Curadores Período Yutaka Imagawa (presidente) 2001/2003 Floriano Zinaro Ribeiro da Silva (vice-presidente) 2001/2003 Alexandre Arno Kaiser 2001/2003 George Ermakoff 2001/2003 Gilberto Carlos Rigoni 2001/2003 Gilberto Santos 2001/2003 Lúcio Ricardo Marques da Silva 2001/2003 Quarto Conselho de Curadores Período Ernesto Miguel Fazolin Zanata (presidente) 2003/2004 Adenias Gonçalves Filho (vice-presidente) 2003/2004 Carlos Luiz Martins 2003/2004 Celso Rodrigues da Costa 2003/2004 Delfim da Costa Almeida 2003/2004 João Luis Bernes de Sousa 2003/2004 Luiz Carlos Buaes 2003/2004 Quinto Conselho de Curadores Período Ernesto Miguel Fazolin Zanata (presidente) 2004/jun. 2005 Osvaldo Cesar Curi de Souza (presidente) Jun. 2005/2007 Adenias Gonçalves Filho (vice-presidente) 2004/2007 Carlos Luiz Martins Pereira e Souza 2004/maio 2005 Luiz Carlos Buaes 2004/ago. 2005 Jorge Wilson Mastriani Neves 2004/set. 2006 Celso Rodrigues da Costa 2004/dez. 2005 Élcio Humberto Câmara Rayol 2004/dez. 2005 Edson Arruda de Faria e Albuquerque Abr.2005/ago.2005 Delfim da Costa Almeida Jun.2005/set. 2005 Marcelo William Bottini Ago.2005/nov.2005 Antônio José Mazzoli da Rocha 2004/2007

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Antônio Teixeira Maglione 2004/2007 Carlos Eduardo Pereira Filho 2004/2007 João Manuel Correia de Assunção 2004/2007 Sheila Soares de Oliveira 2004/2007 Fonte: Os administradores. Disponível em: .

Na assembleia do dia 15 de outubro de 1999, com a aprovação do Colégio Deliberante, é criada a FRB-Par Investimentos Ltda. destinada a controlar os inves- timentos, recursos e a prestação de serviços nas áreas da saúde, assistência social e de lazer, da Fundação Ruben Berta, no intuito de investir em novos empreendi- mentos e parcerias para a Fundação. O Conselho Curador administra a entidade e a FRB-Par Investimentos Ltda. O primeiro estatuto da Fundação afirma:

[...] se destina a assegurar aos funcionários da Varig que a ela per- tencerem e às suas famílias, de acordo com o mérito, os anos de serviço dos primeiros, o bem-estar social e a proteção contra a velhi- ce, a invalidez, a viuvez e a orfandade, secundando a atuação e os benefícios da respectiva Caixa de Aposentadoria e Pensões (p. 36).

No início, todos os funcionários e aposentados da Varig eram filiados à Fundação. Posteriormente, tornam-se filiados todos os funcionários das empresas do Grupo FRB-Par, bem como os funcionários da própria Fundação. Aposentados e dependentes são beneficiários de tudo o que a Entidade oferece. Como está estabe- lecido no Estatuto da Fundação Ruben Berta13 que recebe nova redação dos arts. 1o e seu § 1o, 17 e 29, § único do Estatuto, aprovada na 54a Assembleia Geral Extraor- dinária, realizada em 27 de maio de 2006. A FRB-Par Investimentos Ltda. controlava três holdings: Varig S.A. (Vari- glog, a Pluna e Vem); a VPTA (RioSul, Nordeste e Rotatur) e a .VPSC ( Sata, Rede Tropical de Hotéis, Amadeus Brasil e Varig Travel).

Mais que o mercado, a sinergia desenvolvida entre a Varig e a FRB sustentou e orientou o crescimento empresarial e o fortalecimento institucional. Ideais e interesses comuns, espírito participativo e com- petitivo, consciência da responsabilidade e da solidariedade de todos com todos foi o que moveu e deu rumo à expansão das atividades do Grupo Varig. Seja para atividades naturalmente ligadas à aviação comercial, como hotelaria e turismo, seja para atividades voltadas ao

13 Ver Anexo A - Documentos Fundantes, item A.2

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mesmo tempo para o mercado e para o atendimento da coletividade ‘variguiana’, como a agropecuária. Em todas, a mesma conjugação dos interesses econômico e social, marca de uma relação muito es- pecial entre empresa e instituição. (FUNDAÇÃO RUBEN BERTA, 1996: 92).

A estrutura do grupo Varig era composta como demonstrado na Figura 11.

Figura 11- Estrutura do grupo Varig Fonte:

1.2 Anos de Ouro da Varig

Ocorre forte crescimento na empresa, a partir de 1946. A Varig apresenta a maior expansão de todos os tempos e começa a vivenciar seus anos de ouro, ainda na época de Ruben Berta na presidência.

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Com o final da II Guerra Mundial, as aeronaves eram encontradas a preços muito baixos, no mercado. Com a frota aumentando cada vez mais, a Varig cresce e vai engolindo empresas menores. Em maio de 1952, compra a e se torna uma das grandes empre- sas aéreas nacionais, junto com a Vasp, Cruzeiro, Panair do Brasil e o consórcio Real/Aerovias. Em 1955, a malha de rota doméstica da Varig já atende 20 cidades. No dia 6 de julho de 1959, começa a operar na Ponte Aérea Rio-São Paulo, com um Convair 240 (Figura 12), seguidos pelo Avro e o Electra II (Figuras 13 e 14).

Figura 12 - Convair 240 Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

Figura 13 - Avro Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

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Figura 14 - Electra II Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

O primeiro voo a jato comercial, para Nova York, foi realizado em dezembro desse mesmo ano, com o Caravelle (Figura 15).

Figura 15 - Caravelle Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

E em julho de 1960, chegam, ao Rio de Janeiro, os dois primeiros Boeing 707, da Varig, quando realizam, sem escalas, o voo Rio de Janeiro-Nova York (Figu- ra 16).

Figura 16 - Boeing 707 Fonte: . Acesso em: 20 maio 2011.

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A Varig não parava de crescer e conquistar cada vez mais o “céu” do mun- do. Em 1961, compra a empresa Real e, com isso, torna-se dona das linhas de Chi- cago, Los Angeles, Bogotá, Cidade do México, Honolulu e Tóquio e, em 1965, com a cassação dos direitos de voar da Panair do Brasil, a Varig passa a operar com ex- clusividade todas as linhas internacionais. As decisões do presidente Ruben Berta eram muito fortes e todos confiavam nele e as acatavam. Restava, para a Fundação, o papel secundário, na administra- ção da Varig. Após sua morte, em 1966, o carioca Erik de Carvalho14 ex-funcionário da Panair15 (que conclui o processo de consolidação da empresa), assume a presi- dência e em homenagem ao criador, denomina-a Fundação Ruben Berta. Em 1975, o monopólio das rotas internacionais da Varig vem com a aquisi- ção da empresa aérea Cruzeiro do Sul. A princípio, continuam como empresas dis- tintas, apenas com a racionalização de serviços entre ambas, para evitar, por exem- plo, a superposição de rotas e horários. Em 1993, a empresa é inteiramente incorpo- rada pela Varig. A partir desse momento, os funcionários da Cruzeiro do Sul tornam- se funcionários da Varig. O patrimônio da Varig só foi crescendo, com linhas sendo expandidas, e no- vas aeronaves adquiridas (Tabela 7).

Tabela 7- Aeronaves utilizadas pela Varig em sua história (1927-2008)

Período de Aeronave Quantidade Notas Operação Primeira Aeronave da Varig e do Brasil, batiza-

Dornier Do J Wal 1 1927-1930 da de Atlântico.

14 Em 1966, com o falecimento de Ruben Berta, assume a Presidência da Varig, Erik de Carvalho, então vice-presidente. Experimentado homem de aviação, com longa vivência no transporte aéreo, dá continuidade à obra de seus antecessores, consolidando e também ampliando serviços e a infraestru- tura da companhia. Em fevereiro de 1979, vítima de acidente vascular, submete-se a delicada inter- venção cirúrgica, da qual não se recupera, deixando o cargo e aposentando-se (falece em 4 de maio de 1984). Assume, então, a Presidência, Harry Schuetz, seu substituto legal. (PRECEITOS-MAGAZIN ELETRÔNICA. História da Varig. Disponível em: ).

15 A Panair do Brasil S.A. foi uma das companhias aéreas pioneiras do Brasil. Surge como subsidiá- ria de uma empresa norte-americana, a New York-Rio-Buenos Aires (NYRBA), em 1929. Incorporada pela Pan Am, em 1930, tem seu nome modificado de Nyrba do Brasil para Panair do Brasil, em refe- rência à empresa controladora (Pan American Airways). Por décadas, domina o setor de aviação no Brasil. Encerra suas atividades abruptamente, em 1965, devido à sua permanente falta de condições operacionais. O fechamento total da empresa só se dá concretamente em 1968, pela ditadura militar, durante o governo Castello Branco, devido a ligações de elementos da ditadura militar com seus ami- gos da concorrente Varig, favorecida e beneficiada com o fim da Panair. (Wikipédia, a enciclopédia li- vre. Panair do Brasil. Disponível em: )

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Período de Aeronave Quantidade Notas Operação Dornier Merkur 1 1928-1930 Batizada de Gaúcho. Morane Sauliner 1 1930-1931

Nieuport Délage 641 1 1931

Junkers A50ce 3 1931-1934 PP-VAI, batizada de Bagé. Klemm L-25 2 1930-1937

Junkers G-24 1 1927 Arrendado do Syndicato Condor

Junkers F-13 2 1932-1948 PP-VAG, batizada de Santa Cruz. Messerschmitt Bf- 1 1936 Perdida em acidente. 108B Messerschmitt Me 1 1937-1944 Batizada de Aceguá. 20B2 Primeiro grande orgulho na frota da Varig. Bati-

Junkers Ju52 1 1938-1943 zado de Mauá. Arrendado do Syndicato Condor, é batizada de Focke Wulf Fw 58 Kl2 1 1940-1941 Aquirí. Fiat G.2 1 1942-1945 Apelidada de Spaghetti e batizado de Jacuí. De Havilland DH-89 Batizada de Chuí, está preservada no Museu 1 1942-1945

Dragon Rapide Aeroespacial (Musal). CANT Z.1012 1 1943 Perdida em acidente Lockheed L-10E Elec- Primeiros tipos de aeronave que compuseram 8 1943-1955 tra uma frota. Noordyun UC-64A- 1 1947-1950 Utilizada no transporte de cargas. Noresman Aeronave que mais contribui para a expansão

Douglas DC-3 48 1946-1971 da Varig.

Curtiss C-46 29 1948-1971

Douglas DC-6 5 1961-1968 Provenientes da Real Aerovias

Convair 240 14 1954-1968

Convair 340 3 1961-1963 Provenientes da Real Aerovias

Convair 440 12 1961-1963 Provenientes da Real Aerovias Inauguram a rota Porto Alegre-Nova Iorque. Lockheed Constellati- 10 1955-1966 São sete da versão G e três da versão H (pro- on venientes da Real Aerovias). Lockheed L-188 Elec- 15 1962-1991 Primeira turbo-hélice da Varig. tra Hawker Siddeley Hs- 11 1965-1976 748 "AVRO" Beechcraft B-99 Airli- Operada por quatro meses em testes que visa- 1 1968 ner vam a adesão do modelo à frota.

NAMC YS-11 4 1976-1977 Arrendadas da Cruzeiro. Fairchild Hiller FH- 4 1970-1975 Provenientes da Paraense. 227B Sud Aviation Caravel- 3 1959-1964 Primeiro jato do Brasil. le

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Período de Aeronave Quantidade Notas Operação

Boeing 707 20 1960-1989

Aeronave mais rápida da época. Provenientes

Convair 990 3 1963-1971 da Real Aerovias.

Douglas DC-8 2 1965-1977 Provenientes da Panair do Brasil. Repassados à Varig Log, onde ficaram até 11 1970-1992 2007.

Boeing 737-200 20 1974-2003 Substitutas do DC-3. Primeira Widebody do Brasil. Algumas repas-

Douglas DC-10 16 1974-1999 sadas à Varig Log, onde ficam até 2008.

Boeing 747-200 4 1981-1995 Primeira aeronave 747 brasileira. Boeing 747-300 5 1985-2000 Duas da versão Combi.

Boeing 747-400 3 1992-1994 Maior avião operado pela Varig.

Airbus A300 2 1981-1990 Únicas aeronaves airbus da Varig.

Boeing 767-200 8 1987-2003 PP-VNS pintadas nas cores da Star Alliance. PP-VOI, pintadas nas cores da Star Alliance

Boeing 767-300ER 9 1989-2008 com cauda branca. PP-VOL, nunca foi pintada nas novas cores. Substituem o -200 e os Electra. São

Boeing 737-300 52 1987-2008 45 da Varig, quatro da Rio Sul e três da Nor- deste.

Boeing 737-400 8 2000-2006 Provenientes da .

Boeing 737-700 7 1999-2006

Boeing 737-800 2 2001-2006

Maior operadora mundial do tipo na versão de McDonnell Douglas 26 1992-2006 passageiros. PP-VTH e PP-VTU nas cores da

MD-11 Star Alliance. PP-VRA, batizada de Otto Meyer e PP-VRB,

Boeing 777-200 8 2001-2006 batizada de Ruben Berta.

Boeing 757-200 4 2004-2006 Ex-. Último tipo recebido pela Varig. Fonte: VARIG. Aeronaves utilizadas pela Varig em sua história (1927-2008). Disponível em: . Acesso em: 19 abr. 2011.

1.3 O Começo da Crise e sua Falência

A Varig demonstra, em seu tempo de existência, profissionalismo, preocupa- ção com a segurança operacional de suas aeronaves e a qualidade na prestação de serviços de transporte de passageiros. A identidade da empresa, com fortes traços de paternalismo em sua cultura gerencial, fez da Varig uma grande empresa, até o final de 1979 e início dos anos 80.

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A figura da família Varig sempre foi muito forte entre seus funcionários. Por isso, além do crescimento da empresa em outros setores, o nome Varig era reco- nhecido e respeitado em várias partes do mundo, compondo as referências do nos- so País. O modelo gerencial com o qual a própria empresa produzia boa parte dos insumos e equipamentos funcionaram por muito tempo. Porém, a estrutura da em- presa foi ficando muito extensa e de difícil administração pela FRB. Mesmo sendo a maior empresa de aviação do Brasil, a Varig sofre com mu- danças econômicas que acabam por afetar seu patrimônio ao longo dos anos. Além do endividamento, fruto de anos de péssimas negociações realizadas por suas su- cessivas administrações, bem como da incapacidade da FRB de cobrar resultados desses administradores, visto que, ao longo dos anos, ocorreu complexa disputa in- terna de poder. Essa disputa por poder político e econômico acabou por minar a par- ticipação efetiva dos funcionários-beneficiados, pois o Colégio Deliberativo teve o acesso, ao seu quadro, restringido, por meio de alterações em seu estatuto, pas- sando a defender que, para participar do órgão, era necessária a aprovação da alta direção. As mudanças propostas pela FRB não obtiveram eficácia ou foram ações que acabavam prejudicando o serviço da empresa, demonstrando a falta de capaci- dade gerencial da maioria dos seus dirigentes. A própria estrutura administrativa difi- cultava a tomada de decisão pelos gestores. Devido ao processo moroso, muitas vezes, após a aprovação do Colégio Deliberativa, as decisões já não eram mais ne- cessárias e eficientes para aquele dado momento. A aviação comercial foi alvo de mudanças profundas na sua estrutura e fun- cionamento, devido a vários fatores, entre eles, o fato de as empresas tradicionais terem o padrão baseado no conforto e luxo, e terem sido substituídas por empresas cada vez mais preocupadas com a redução do custo. A Varig precisava mudar para continuar competitiva no mercado. Mudar a Varig tornava-se algo difícil devido à sua estrutura engessada, sem metas e sem planejamento, somada à pouca habilidade gerencial. Também é importante salientar que as interferências dos governos, editando planos econômicos e congelamentos tarifários, contribuíram também para o colapso da Transbrasil, da Vasp e da Varig.

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Quando, em 1986, o Plano Cruzado congelou os preços das passagens, cri- ou-se uma situação complicada, para as companhias aéreas, pois os custos, que eram regulamentados pelo mercado internacional, continuavam subindo. Os prejuízos que a Varig teve com os congelamentos foram estimados em R$ 5 bilhões. Essa situação fez com que as empresas acionassem o governo federal na Justiça em busca de indenização pelas perdas sofridas com a defasagem tarifária. Após decisão favorável à Varig, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), o governo fe- deral recorre ao Supremo e o processo ainda se arrasta e se encontra em mãos da ministra Cármen Lúcia, desde o ano de 2008 (Figura 17).

Figura 17 – Matéria STF versus Varig, divulgada no jornal O Globo, edição de 10 de julho de 2011 Fonte: Acervo pessoal/Ex-funcionários da Varig

Não basta o Plano Cruzado. Quando a empresa começa a ter problema de liquidez, em 1990, o governo federal permite a entrada de companhias estrangeiras na disputa do mercado da aviação, e beneficiadas pois operavam com preços e cus- tos mais baixos, com a isenção de alguns tributos (Programa de Integração Soci- al/Contribuição Social para Financiamento da Seguridade Social - PIS/Confins), bem como abre esse mercado para rotas internacionais, o que faz com que a Varig ga- nhe duas concorrentes: a Vasp e a Transbrasil. Portanto, a Varig começa a contabi- lizar prejuízo financeiro, no governo de Fernando Collor de Mello.

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Essa abertura do espaço aéreo é feita de forma desastrosa, e quando a re- gulação restrita do espaço aéreo brasileiro passa a ser liberado, a Varig, a Vasp e a Transbrasil competem com empresas americanas que contam com a ajuda gover- namental nas situações de crise, em detrimento das brasileiras. Os juros no exterior, muito inferiores aos níveis do Brasil, os custos fiscais, o preço do combustível permi- tem que essas empresas americanas pratiquem preços mais baixos, prejudicando por demais as empresas, principalmente a Varig, nessa disputa de mercado.

O distanciamento do Estado brasileiro (sob o domínio da ideologia neolibe- ral) da gestão da aviação civil, com a substituição do Departamento de Aviação Civil (DAC), da Aeronáutica, pela Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), o DAC deixa de aplicar o Código Brasileiro de Aeronáutica que determina em seu artigo 188: “O Poder Executivo (do Brasil) poderá intervir nas empresas concessionárias ou autori- zadas, cuja situação operacional, financeira ou econômica ameace a continuidade dos serviços, a eficiência ou a segurança do transporte aéreo”. E assim a crise se enraizou. Sem o apoio político existente nos governos anteriores, a Varig deveria ter buscado modernizar sua estrutura, para reduzir os custos desnecessários e melhor alocar seus recursos. Mas isso não aconteceu. Houve tentativa, nos anos 90, de ter- ceirizar seus fornecedores para reduzir os gastos, mas conseguiram apenas diminuir a qualidade dos serviços. Ao fim de quatro anos, a Varig acumula prejuízos de cerca de US$ 20,4 bi- lhões, agravados com a recessão, em consequência da Guerra do Golfo que fez com que a empresa vendesse algumas de suas aeronaves para empresas de lea- sing e bancos, quando passa a pagar aluguel pela utilização delas. No ano de 1993, em meio aos prejuízos, a Varig começa seu processo de reestruturação. Assim, são fechados 30 escritórios no exterior, demitidos três mil funcionários, suspensos os pagamentos por um período de 60 dias e renegociados contratos de leasing com empresas arrendatárias. Nesse momento, o impacto em prejuízo para os funcionários já pode ser detectado. Na década de 1990, a empresa Transportes Aéreos Marília (TAM), torna-se a maior concorrente da Varig, no mercado doméstico, também operando rotas inter- nacionais. No final dessa década, no então Governo de Fernando Henrique Cardo- so, a crise cambial vem agravar os prejuízos da Varig.

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Com a nova superdesvalorização do real, em 1999, as dívidas em dólares da Varig disparam, o que compromete ainda mais a saúde financeira da empresa. Mesmo com a criação, no ano de 2000, da Varig Log16 (terceira maior em- presa do grupo), a dívida continua a aumentar, pois, além dos atentados ocorridos nos EUA, em 11 de setembro que causaram imenso prejuízo para a indústria de avi- ação, por ocasionar impacto negativo nas viagens internacionais, como jamais visto antes, na história da aviação comercial, a Gol entra em cena no mercado doméstico de aviação, o que aumenta a concorrência. Aliada a uma política de qualidade com baixo custo e tarifas acessíveis, a Gol conquista significativa parcela do mercado in- terno. Em poucos anos, a Gol, com gestão eficiente e ágil, apresenta crescimento orgânico rápido e lucrativo. No início de 2003, cogita-se a hipótese de suspensão dos serviços da Varig:

O governo já fez estudos sobre os impactos no mercado de aviação civil caso a situação da Varig chegue ao extremo de suspender seus voos e concluiu que as consequências não levariam a um colapso no transporte aéreo nacional. Segundo um dos técnicos que tiveram a- cesso ao estudo, a conclusão do trabalho mostra que como a Varig não tem exclusividade em rotas, nenhuma parte do país ficaria isola- da e as linhas operadas pela companhia poderiam ser rapidamente redistribuídas entre outras empresas. O trabalho mostra ainda que existe um índice 101 elevado de ociosidade na ocupação dos voos da empresa, que chega a 50% dos assentos. (O GLOBO. Governo não vai fazer intervenção na Varig, 27 nov. 2002).

No ano de 2003, para amenizar os prejuízos, a Varig cogita uma fusão com a TAM, e assina um memorando de intenções, entre elas, a de compartilhar voos, mas a esperada fusão acaba não acontecendo. A Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae) recomenda ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) a suspensão do code-share17 por causar danos ao consumidor. Na Tabela 8, consta o perfil dessas duas empresas, na época.

16 Varig Logística S.A– “Fornecer ao mercado gestão logística como solução na integração dos pro- cessos de coleta, armazenagem, transporte e entrega de encomendas e mercadorias, com regulari- dade, confiabilidade e segurança”. (Empresa - Missão. Disponível em: ).

17 Código compartilhado - Procedimento adotado de comum acordo entre duas empresas aéreas, quando suas aeronaves adotam dupla designação de número de voo. Na prática, significa que um passageiro pode voar numa aeronave de empresa diferente da qual comprou a passagem.

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Tabela 8 – Perfis da Varig e da TAM

Varig e TAM em Números Varig TAM Varig + TAM Aeronaves 116 102 218 Passageiros 15,4 milhões 13,7 milhões 29,1 milhões Faturamento anual US$ 2,8 bilhões US$ 1,7 bilhões US$ 3,9 bilhões Funcionários 18.293 7.724 26.017 Destinos (inclui mercado interna- 88 cidades 47 cidades 135 cidades cional) Fonte: O Globo, 7/2/2003 – extraído das empresas e do DAC.

Como consequência, dois anos depois dessa suspensão, a Varig começa a cancelar rotas e a Gol aumenta sua participação no mercado de voo doméstico. A Gol é a primeira empresa brasileira regular a operar no conceito low cost, low fare (baixo custo, baixa tarifa) e teve crescimento significativo (orgânico), principalmente após a abertura do seu capital, em 2004. No início do século XX, o corporativismo18, como sistema de organização político-econômico, preconizava organizar a sociedade a partir da criação de associ- ações. Esse era o meio de amenizar e controlar conflitos inerentes ao capitalismo industrial, impedindo a ruptura da ordem social.

[...] foi com a encíclica Quadragesimo anno, promulgada em 15 de março de 1931 por Pio XI, cujo papado ocorreu durante o período en- tre as duas grandes guerras, que o corporativismo foi introduzido no debate do catolicismo social. Naquele contexto, o corporativismo surgiu como uma resposta às novas inquietações dos católicos en- volvidos na ação social e foi visto por estes como a possibilidade de a Igreja se fazer presente no mundo de então. Era preciso que os ca- tólicos se pronunciassem sobre a restauração da ordem social e seu aperfeiçoamento em conformidade com o evangelho. (SOUSA, 2006: 424-425).

18 O corporativismo é uma forma de organização político-econômica das sociedades, que se distancia das outras (que vão desde o dirigismo estatal puro até ao liberalismo radical) pelo fato de implicar a existência das denominadas corporações. As corporações são corpos profissionais que assumem o controlo dos principais aspectos da economia, ficando o Estado sem intervenção relevante a esse ní- vel. De acordo com o sistema corporativista, as corporações correspondem a instituições que podem ter vários tipos de caráter: econômico, moral e cultural. Entre as instituições de caráter econômico, associadas ao corporativismo, podem destacar-se os sindicatos (associações profissionais setoriais cujo principal objetivo é a defesa dos interesses econômicos e profissionais dos elementos que os compõem), os grêmios, as associações de comércio, as associações da indústria, as associações da agricultura, etc. Relativamente às instituições de caráter moral, no âmbito do Corporativismo, podem referir-se as misericórdias, as associações de assistência, etc. Finalmente, no que concerne a institui- ções de caráter cultural, o corporativismo pressupõe a atribuições de poderes a universidades, aca- demias, etc. (Corporativismo. Disponível em: ).

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No Brasil, o corporativismo foi institucionalizado no âmbito do governo de Getúlio Vargas (1930-1945), influenciando a Era Vargas. Apesar de não ter sido im- plementado integralmente, ainda hoje existem resquícios desse sistema. Segundo Jessie Jane V. de Souza (2006):

Para Luiz Werneck Vianna, o corporativismo seria uma resposta às pressões sociais sem, no entanto, ser a única solução possível para a resolução destes mesmos conflitos. Representava uma condena- ção à participação do governo no sistema produtivo como um meio de resolver a crise econômica; apresentava características oriundas da sua adequação à ideologia revolucionária e seria voltado especi- almente para os conflitos gerados no setor urbano – fabril, com con- trole sobre a classe operária vista como capaz de desestabilizar a ordem social. (p. 435)

O estado cria leis que visam assegurar direitos aos trabalhadores. Segundo Vieira (1992) não representam “[...] a consagração de todas as reivindicações popu- lares, e sim a consagração daquilo que é aceitável para o grupo dirigente no mo- mento” (p. 23). Esse ideário mostra a previdência social que foi inserindo os trabalhadores por ocupações (Welfare Ocupacional - direito dos assistidos). O Welfare State, ao mesmo tempo em que assegurava e consolidava a seguridade social para os traba- lhadores, oferecia bases para a acumulação capitalista. Sposati (2002) salienta que:

No Estado Keynesiano, a classe trabalhadora era mais organizada e através de lutas acentuadas por melhores condições de vida e de trabalho, fez com que as possibilidades de negociações com o capi- tal fossem ampliadas e concretizadas. (p. 115, 116).

A Constituição Federal (CF) de 1988 adota o modelo de unicidade sindical por categoria. Isso quer dizer que os trabalhadores devem se organizar em entida- des sindicais da sua atividade econômica ou profissão. Também não pode existir na mesma base territorial mais de um sindicato da mesma categoria profissional ou e- conômica. “No Brasil não houve nenhum empenho em tomar o corporativismo como doutrina globalizante, salvo talvez numa das vertentes do integralismo.” (SOUZA, 1999, p. 125).

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Ao mesmo tempo em que se tem a liberdade sindical (liberdade de filiação, desfiliação, etc.), há formato de filiação regrado pela unicidade sindical (representa- ção por categoria, contribuição compulsória, etc.,), ocorrendo aqui um paradoxo. Essa representação por categoria pode ser percebida fortemente em relação aos trabalhadores da aviação civil, aqui, mais precisamente, na Varig, pois, ao mesmo tempo, há um Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA), um Sindicato Na- cional dos Aeronautas, uma Associação dos Comissários da Varig (ACVAR), uma Associação dos Mecânicos de Voo da Varig (AMVVAR) e, ainda, a Associação dos Pilotos da Varig (Apvar), tema deste item, e todos formam o Trabalhadores do Grupo Varig (TGV). Essa divisão por categoria de trabalho formal em muito dificulta a união de todos os trabalhadores por uma causa maior, fragmentando os seus interesses, não vinculando cidadania e trabalho. Em 11 de março de 1960, é criada, em Porto Alegre/RS, a Apvar, entidade técnica sem fins lucrativos, regida por Estatuto Social. Com atuação política e social, torna-se referência nacional e internacional para a comunidade aeronáutica. Dirigida por pilotos associados, eleitos pelo voto direto, por um período de dois anos, com o objetivo de representá-los nas questões e instâncias essenciais, em relação à defesa dos direitos e à segurança no ambiente de trabalho.

Na Apvar, o convívio associativo, pessoal e profissional está balizado pelo nosso Código de Ética. E, ao ingressar no quadro social da enti- dade, logo entendemos que nossa principal missão (aquela que nor- teia todos os dirigentes e ombreia os associados), é fazer cumprir a finalidade estatutária da Associação – zelar pelos direitos dos asso- ciados e suas condições de trabalho, pela segurança de voo, e pela implementação correta das normas e procedimentos de entidades das quais participa, além de colaborar na fiscalização do cumprimen- to de todas as disposições legais vinculadas à nossa categoria pro- fissional. Congregar, para avançar. Atuar, para conquistar posições. Traçar o rumo e seguir em frente, garantindo ao nosso grupo um ambiente de trabalho digno e uma qualidade de vida à altura dos ris- cos e das exigências de nossa profissão. E sempre com a certeza de estar contribuindo para o aprimoramento da aviação civil.19

A princípio, a Apvar, e depois em conjunto com a Acvar e a Amvvar, vêm travando luta árdua em defesa dos trabalhadores do grupo Varig, por não terem re-

19 APVARNET- Associação dos pilotos da Varig. Institucional. Quem somos. Disponível em: .

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cebido do SNA, no início de todo o processo, o apoio devido (reclamado por eles) em defesa dos direitos, quando essa luta culminou na demissão de toda a diretoria da Apvar, em fevereiro de 2002. A Apvar vinha apontando, em reuniões, pesquisas e assembleias, desde 2002, a crise que já se alastrava silenciosamente, mas não foi ouvida. Os esforços foram em vão e tentaram calar as vozes com a demissão, ocorrida em 2002, de 31 pilotos (dentre eles, toda a diretoria da Apvar e os componentes da Comissão de Acordo Coletivo de Trabalho). Além de demitidos, esses homens, que tinham mais de 30 anos dedicados a Varig, tiveram, de forma arbitrária e desrespeitosa, suas fotos, com seus respectivos nomes, “estampadas” em postos de polícia e de controle dos aeroportos do País, como persona non gratae, cujo significado literal é "pessoa não bem-vinda".

O deputado Estilac Xavier20, líder do Governo Lula na Assembleia Legislativa, comentou nesta terça-feira (7) o relatório apresentado na 170ª reunião ordinária do Conselho de Defesa dos Direitos da Pes- soa Humana (CDDPH), referente às demissões de 31 pilotos da Va- rig, ocorrida em fevereiro de 2002. O relatório, apresentado no último dia 3 de março pela conselheira e defensora pública da União, Mari- na Steinbruch, considerou comprovada a perseguição política dos pi- lotos demitidos e recebeu aprovação unânime. Entre os profissionais demitidos, se encontra toda a diretoria da Associação dos Pilotos da Varig (Apvar) e membros da comissão de negociação trabalhista de 2001-2002. No início do mês de fevereiro, o parlamentar petista soli- citou formalmente ao presidente do CDDPH, ministro Paulo de Tarso, profundidade e rapidez na análise do caso. Ao longo do ano de 2005, Estilac fez diversos contatos junto à Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH) solicitando atenção especial para o caso. Em inúmeras oportunidades solicitou à direção da Varig a revisão das demissões. “A decisão do CDDPH21 é muito importante. Este conselho é o principal instrumento institucional bra- sileiro de defesa dos direitos humanos. Os pilotos da Varig deram

20 Defensor da aviação civil como fator estratégico de desenvolvimento, Estilac é autor do projeto de criação do Conselho Estadual de Aviação Civil e vem realizando, ao longo de sua atuação parlamen- tar, seminários, encontros e audiências no setor aeronáutico. Por sua contribuição para o setor, foi homenageado, em novembro de 2004, pela Federação dos Aeroclubes do Rio Grande do Sul (Faers), durante o 20o Campeonato Brasileiro de Acrobacia Aérea em Porto Alegre.

21 O CDDPH é um órgão colegiado, criado por Lei federal (4.319, de 16 de março de 1964) e compos- to por representantes de setores representativos ligados aos direitos humanos e com importância fundamental na promoção e defesa destes direitos no País. O Conselho tem por principal atribuição receber denúncias e investigar, em conjunto com as autoridades competentes locais, violações de di- reitos humanos de especial gravidade com abrangência nacional, como chacinas, extermínios, as- sassinatos de pessoas ligadas à defesa dos direitos humanos, massacres, abusos praticados por o- perações das polícias militares. Para tanto, o Conselho constitui comissões especiais de inquérito e atua por meio de resoluções. O Conselho é vinculado administrativamente à SEDH e está sediado em Brasília.

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uma demonstração de perseverança e combatividade. Seu caminho até esta decisão do CDDPH foi longo e permeado de obstáculos. Sinto-me gratificado por ter contribuído, ainda que de forma singela, para este resultado. Sempre tive em mente que o processo de recu- peração da Varig deveria ter como uma de suas bases a revisão de injustiças contra pilotos, aeronautas e aeroviários”, destacou Esti- lac.22(OSÓRIO, 2006)

Uma batalha vencida que durou anos, com a reintegração de alguns dos demitidos:

No final de maio, a APVAR pôde finalmente celebrar a reparação à grave injustiça cometida, em 2002, contra os Pilotos da Varig, quan- do dezenas de colegas foram demitidos, incluindo toda a diretoria da Associação. Com grande satisfação, registramos o reingresso na companhia de Marcelo Duarte, Marcos Lodi e Bruno Parga, que na época eram diretores da APVAR e Ricardo Lazzarini e Gustavo Gre- enhalg, que até hoje estavam afastados do voo. Em fevereiro de 2002, os Pilotos da Varig deflagraram o Movimento mais importante de sua trajetória profissional. Com o gradual desmantelamento da Varig já em curso, saíram em defesa dos 60 copilotos mais novos da Empresa, que haviam sido demitidos após o Natal de 2001. Iniciou- se, ali, o Movimento de Ação Industrial. Com determinação e denodo, a APVAR expôs a séria crise já instalada na Empresa, revelando, como jamais fora feito, suas verdadeiras causas e causadores. Indo além, apontou o rumo da mudança no modelo de governança corpo- rativa como a única saída possível. O desvendar da triste realidade que corroia a Varig levou seus administradores de então a determi- narem, ao longo de 2002, a demissão de todos os diretores da AP- VAR, dos membros da Comissão de Negociação e dos participantes ativos da entidade. No total, foram 63 baixas, com sequelas incurá- veis para o nosso Movimento. Contudo, a perseverança da ação e a coerência do discurso trouxeram à APVAR o valoroso apoio dos co- missários e mecânicos de voo, dos pilotos da Nordeste, de milhares de aposentados e aeroviários. Unidos, hoje, formamos o bloco TGV. Acabamos com a transferência, em pleno curso, dos ativos da Varig e de sua mão de obra para as subsidiárias. Em 2004, impedimos a liquidação da empresa e sua venda a preço vil para uma congênere. Em dezembro de 2005, às vésperas da Assembleia de Credores, im- pedimos a concretização de proposta formulada de modo irrespon- sável, uma quase “doação” ou “ação entre amigos”, que levaria todos nós ao desemprego. Mas, no histórico de resistências às sucessivas tentativas de encerramento da nossa Varig, o mais emblemático foi termos apontado que os inimigos da Varig, como o tempo provou, fo- ram também os inimigos dos Pilotos (...).23 (APVAR, 2006).

22 OSÓRIO. Pedro Luiz S. A falsa recuperação da Varig. Conselho de defesa dos direitos da pes- soa humana considera perseguição política a demissão de pilotos da Varig. Disponível em: . Agência Alergs, 7 mar. 2006.

23 APVAR. Marco histórico para o grupo de pilotos da Varig. Apvar celebra retorno ao voo de 3 di- retores e 2 associados demitidos em 2002 e restabelecimento dos descontos em folha. Disponível em: . Acesso em: 2 jun. 2006.

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Uma prova da falta de respeito aos direitos humanos pode ser medida com a decisão da empresa em espalhar foto dos demitidos para que fossem identificados e impedidos de entrar nas dependências da empresa como se fossem marginais. Re- produz-se o documento cedido por um diretor da Apvar demitido a época (Figura 18).

Figura 18 - Demissões políticas Fonte: Acervo/Apvar

A situação da Varig começa a piorar, no ano de 2005, quando é realizada uma Audiência Pública sobre o caso.24 Em substituição à concordata, em junho de 2005, a Varig entra na justiça com o pedido do processo de recuperação judicial. É a primeira empresa a se valer da Lei 11.101/200525 que cria a figura de empresas em Recuperação Judicial, fato que permite, além do uso da marca, a continuidade das suas operações. Ainda no ano de 2005, inicia negociações com a empresa Transportes Aé- reos Portugueses (TAP), concluídas em novembro, quando a TAP e investidores brasileiros formalizam a compra das subsidiárias Variglog e Varig Engenharia e Ma- nutenção S.A. (VEM), proporcionando à Varig condição de quitar os débitos com credores internacionais. Em maio de 2006, os credores aprovam proposta de venda da Varig. O lei- lão é marcado para 8 de junho e o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) oferece empréstimo. Um grupo de trabalhadores vence esse pri- meiro leilão, mas não deposita os recursos necessários para adquirir a empresa. O BNDES nega a eles o empréstimo, e novo leilão é marcado.

24 Vide Anexo A - Documentos Fundantes, Item A.3

25 PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: .

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Colocada em recuperação judicial, a Varig foi dividida em duas partes: para a Flex26, coube o passivo de R$ 8 bilhões, enquanto a outra parte - tida como a parte boa -, foi vendida ao Grupo TAP e Volo Brasil (constituída pelo fundo Mattin Patter- son e investidores brasileiros) que assumem a VEM e a Variglog respectivamente, parte responsável pelas rotas e posições em aeroportos do mundo inteiro, que foi vendida em 20 de julho de 2006, por R$ 24 milhões, para a VRG Linhas Aéreas (ra- zão social constituída pela empresa VarigLog para participar do leilão). A Varig fez seu pouso forçado no dia 27 de junho de 2006, para nunca mais decolar. Abortada precocemente do solo brasileiro, a empresa não mais existe, mas sua história marcou a vida do País. Marca da capacidade brasileira, demonstrava profissionalismo e manteve como sua premissa principal a preocupação com a segu- rança operacional de suas aeronaves e a qualidade na prestação de serviços de transporte de passageiros. A Flex teve a falência decretada, mas houve uma reviravolta e segue em re- cuperação judicial. Ao acessar o site da Flex (www.flex-fac.com.br), pode-se consta- tar que, mesmo falida, continua promovendo cursos e treinamentos por meio de si- muladores de voos, com modernos recursos e equipamentos, como é descrito no si- te. Com a venda da Varig, em julho 2006, portanto, torna-se uma unidade indepen- dente de negócios. Torna-se difícil entender como uma empresa decretada como falida pode desenvolver atividade empresarial. Mas falida até que ponto? Eis a questão, ou eis mais uma questão sem resposta nessa intrigante, controvertida e nebulosa venda da Varig. A nova Varig surge em 28 de março de 2007, após ser comprada pela Gol, que vence a disputa com a empresa chilena LAN, por US$ 275 milhões. O objetivo é ocupar o espaço no mercado internacional, mas foi interrompido e logo os voos in- ternacionais fora da América do Sul deixam de ser realizados. Hoje, tenta manter apenas os slots27, em Congonhas.

26 A Flex Linhas Aéreas S.A. é uma companhia aérea brasileira, herdeira das dívidas da antiga Varig e resulta do processo de recuperação judicial pelo qual passou a antiga Varig, que foi dividida em du- as. A VRG Linhas Aéreas (a "nova" Varig), hoje nas mãos da Gol Transportes Aéreos, ficou apenas com a parte saudável da empresa e a Flex herdou os passivos e as pendências judiciais. (Wikipédia, a enciclopédia livre. Flex linhas aéreas. Disponível em: .) 27 No setor de transporte aéreo, o termo slot refere-se a uma faixa de tempo e relaciona-se a determi- nado espaço que uma companhia aérea utiliza para que sua aeronave, em determinada rota, possa realizar os procedimentos de aterrissagem e decolagem em um aeroporto. Assim, faz parte do slot o intervalo de tempo do procedimento que está associado às instalações: pista, estacionamento, portão

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A promessa de acordo rezava que toda mão de obra disponível da antiga Varig fosse aproveitada pela compradora. Mas, de um total de 10.500 empregados, apenas 850 foram aproveitados pela chamada nova Varig - a VRG -, controlada pela Gol. A promessa não foi cumprida, bem como nenhum direito trabalhista foi pago aos ex-funcionários. Além disso, o Fundo de Pensão Aerus "padeceu". Já são mais de 600 falecidos, desde a intervenção no Fundo de Pensão Aerus Varig, no dia 12 de abril de 2006, fato que será relatado no próximo capítulo. No dia 20 de agosto de 2010, a Justiça do Rio de Janeiro decretou falência da antiga Varig, além de mais duas empresas do grupo, a Rio Sul Linhas Aéreas e a Nordeste Linhas Aéreas. Segundo o tribunal, o pedido foi feito pelo próprio administrador e gestor judicial do grupo, Licks Associados, que alegou não ter, a Viação Aérea Rio Grandense, condições de pagar suas dívidas.28 Após decretada a falência, a Fundação Ruben Berta e outros entram com o Recurso Instrumental 0044076-61.2010.8.19.0000 sustentando a ilegitimidade do administrador para confessar a falência. Foi negado o provimento ao recurso, em comunicado oficial feito pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).29

Desse modo, forçoso é concluir pela legitimidade do requerimento de falência formulado pelo I. Administrador Judicial, sem qualquer outra exigência, diante da inviabilidade econômico-financeira das Socieda- des apurada, que não conseguirão manter os postos de trabalho, seu funcionamento, nem poderão cumprir sua função social e estimular a atividade econômica, preceitos basilares da Lei de Recuperação Ju- dicial e Falência, devendo ser mantida a R. Decisão hostilizada. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO DE JANEIRO, Agravo 0044076- 61.2010.8.19.0000)

Pode-se atribuir a quebra da Varig a alguns fatores, dentre eles: o modelo de gestão da empresa e falta de habilidade dos gestores; a conjuntura político- econômica; regulamentação do mercado; influência da conjuntura internacional; bem

de embarque e desembarque de passageiros, ou seja, toda e qualquer infraestrutura referente à ater- rissagem e decolagem (Cf. ROCHA, B. M.; TAVARES, M. P. Tavares. Crise, concorrência e regula- ção no transporte aéreo doméstico brasileiro. In: ROCHA, B. M. (Org.). A regulação da infraestrutu- ra no Brasil – balanço e propostas. São Paulo: IOB Thomson, 2003, p. 290.)

28 Vide Anexo B – Documentos Jurídicos, item B.2.

29 Vide Anexo B – Documentos Jurídicos, item B.3.

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como as constantes mudanças na presidência da empresa e a falta de incentivo do governo brasileiro.

Tabela 9 - Os presidentes da Varig de 1986 a 2006 Presidentes da Varig de 1986 a Período 30 2006 Hélio Smidt abril de 1980 – abril de 1990 Rubel Thomas abril de 1990 – abril de 1995 Carlos Engels maio de 1995 – março de 1996 Fernando Pinto abril de 1996 – janeiro de 2000 Ozires Silva janeiro de 2000 – agosto de 2002 Arnim Lore agosto de 2002 – novembro de 2002 Manuel Guedes novembro de 2002 – abril de 2003 Roberto Macedo maio de 2003 – agosto de 2003 Luiz Martins agosto de 2003 – maio de 2005 Henrique Sutton Neves maio de 2005 – julho de 2005 Omar Carneiro da Cunha julho de 2005 – novembro de 2005 Marcelo Bottini novembro de 2005 – julho de 2006 Fonte: OLIVEIRA, Alessandro. Transporte aéreo: economia e políticas públicas. São Paulo: Pezco Editora, 2009.

A (verdadeira) Varig desapareceu no primeiro semestre de 2006, a- fundada em dívidas, asfixiada pela indiferença de nossos governan- tes para com uma verdade inquestionável: de que um país só vale, no mercado econômico mundial, aquilo que arrecada, em divisas e royalties. Se os Estados Unidos, após a “invasão chinesa” e a débâ- cle do dólar frente ao euro, ainda são considerados uma economia forte, é porque detêm o maior número de patentes registradas no planeta. Com elas, arrecadam royalties. Com sua movimentação, di- visas. A nós, resta meditar sobre uma impressão antiga – mas recor- rente e, portanto, atual, firmada por Eduardo Galeano em suas “Vei- as abertas da América Latina”: nascemos para sermos colonizados e explorados. O fim da (verdadeira) Varig parecia sinalizar, para as concorrentes nacionais, o fim de um “monopólio” nos céus e a possi- bilidade de novos mercados, lucros maiores. Ilusão: não tinham nem estrutura, nem conhecimento, nem sabedoria para herdar (ou aboca- nhar?) os bens e produtos da “pioneira”. Até o momento, só as con- correntes estrangeiras estão lucrando (e muito, de forma até exorbi- tante). Enquanto isso, o país perdeu milhares de postos de trabalho estáveis, salários dignos, impostos pagos e divisas certas. Em nome do quê? Satisfazendo aos interesses de quem? (...) O setor aéreo é vital para a integração e o desenvolvimento de um país, principal- mente quando possui a dimensão territorial de um Brasil.. Por defini- ção, o transporte aéreo regular é um serviço de concessão pública. Portanto, o Estado brasileiro tem o dever de proteger a aviação co- mercial contra a concorrência ruinosa e impatriótica, promovendo seu indispensável e imediato reordenamento. (...) Céus brasileiros para Trabalhadores brasileiros.31 (LINS, 2011).

30 OLIVEIRA, Alessandro. Transporte aéreo: economia e políticas públicas. São Paulo: Pezco Edito- ra, 2009.

31 LINS, Marcelo. Apagão aéreo e a entrega do estratégico setor aéreo brasileiro ao domínio es- trangeiro. Domingo, 25 set. 2011. Disponível em: .

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As perdas com a falência da Varig foram inúmeras, mas, apesar de abortada do solo brasileiro, deixa inestimável legado e bela história escrita no imaginário de todos os brasileiros como uma empresa que fazia a diferença, pois primava:  pelo requinte no seu serviço de bordo (idealizado por Hélio Smidt);  pela educação e profissionalismo dos seus funcionários;  pela elegância de suas camissárias de bordo;  por seu alto padrão técnico de engenharia e manutenção prestando serviços para diversas outras empresas nacionais e internacionais;  pela excelência no atendimento ao público em suas lojas e escritórios, rodeados de requintes que chegaram, nos tempos auréos, a ser considerados verdadeiros consulados extra-oficiais do País, pois prestavam os mais variados serviços de apoio e forneciam inúmeras informações ao público brasileiro em viagem;  por ter transportado inúmeras celebridades, entre elas o papa João Paulo II, jogadores da Seleção Brasileira de Futebol, presidentes de várias nações, artistas, entre outros;  pela participação ativa na construção da capital federal, quando realizou inúmeros voos cargueiros da empresa no transporte de materiais para a construção de Brasília, hoje a sede do governo federal. A Varig, através de Ruben Berta, apoiou Assis Chateaubriand32, proprietário dos Diários e Emissoras Associados, em seu último projeto no âmbito das artes: a constituição do que denominava “museus regionais”. Com o transporte gratuito de obras de arte feito pela Varig, ele recebeu homenagem de Chateaubriand que atribu- iu seu nome à Pinacoteca de Porto Alegre, instalada em 6 de março de 1967.

32 O “rei do Brasil”, como chegou a ser denominado o paraibano Francisco de Assis Chateaubriand Bandeira de Melo, ou simplesmente Chatô, construiu, entre os anos 30 e 60, o maior império de co- municações então existente na América Latina, contando com dezenas de jornais, revistas, estações de televisão e de rádio, além de agências de notícias e de propaganda. Antes de partir para a aventu- ra dos museus regionais, já construíra com curadoria do crítico e marchand italiano Pietro Maria Bar- di, o Museu de Arte de São Paulo (MASP), uma das coleções mais importantes da América Latina. Apaixonado ela aviação, em 1941 promoveu a Campanha Nacional de Aviação, com o lema "Deem asas ao Brasil". Embora fosse um dos representantes da emergente burguesia nacional, não deixou de assumir posições favoráveis ao capital estrangeiro. É o pai dos aeroclubes Brasileiros que fecun- daram em todo o território nacional após a Campanha Nacional criada por ele, e que visava a forma- ção de pilotos reservistas para a FAB sem a obrigatoriedade do serviço militar. (Café Modelismo Fó- rum. Assis Chateaubriand, ou simplesmente Chatô. Disponível em: . Acesso em: 3 fev. 2009.)

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O programa smiles de milhagem da Varig foi outro benefício. Ao se cadas- trar, o usuário desfrutava de diversas vantagens. Quanto mais milhas acumulasse, mais privilégio poderia ter, à medida que fosse subindo de categoria no programa. Tinha a possibilidade de apreciar benefícios especiais para viajar com muito mais conforto. Hoje, o programa é praticado pela Gol. A marca Varig, mesmo depois de decretada a falência, ainda é forte, não só no Brasil como no exterior, tanto que, em breve, se especula que a Gol a usará em seus voos internacionais. Os bens da Varig estão sendo leiloados para pagar aos credores33. No pri- meiro leilão de imóveis da Massa Falida S.A. Viação Aérea Rio Grandense, Rio Sul e Nordeste, foi realizado no Auditório da Corregedoria da Justiça, localizada na Av. Erasmo Braga, 115, 7o andar, Castelo (RJ), realizado em 28 de junho de 2012, sob o processo 0260447-16.2010.8.19.0001. Vários imóveis, em toda parte do País, foram a leilão, além de sucatas de aeronaves. O leilão, que deveria arrecadar, no mínimo, R$ 42.032.900,00, arrecadou R$ 22,6 milhões, valor insuficiente para pagar todos os credores e essa história, certamente, não foi finalizada.34 A Varig sempre fará parte da história do Brasil, porque ajudou a escrevê-la. Mas atrelada à sua bela história, está registrada a “desproteção” ao trabalho, quan- do os direitos daqueles que a ajudaram a criar a sua história foram desrespeitados. O capítulo a seguir dará enfoque à proteção do trabalho, mais precisamente ao fundo de previdência privada complementar, Aerus, que foi criado a princípio com esse objetivo.

33 Vide Anexo B– Documentos Jurídicos, item B.4

34Justiça arrecada R$ 22,6 milhões no leilão da Varig, 28 jun. 2012. Disponível em: .

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CAPÍTULO II

DESASTRE SOCIAL NO TRÁGICO DESFECHO DO AERUS

Protoformas da Previdência Social, no Brasil, já se apresentavam no século XIX. Mas a legislação trabalhista e a previdenciária foram sancionadas dentro do princípio que norteou a Revolução de 1930: “Façamos a revolução antes que o povo a faça”.

[...] o papel de implementar uma legislação social e previdenciária (…), já que seu projeto pareceu expressar, em todos os princípios e objetivos, o desejo de forjar uma cultura corporativa, tanto no plano da organização das classes quanto na elaboração de um corpo jurídico voltado para a solução da chamada ‘questão social’. (SOUZA, 2006: 435).

A primeira legislação pertinente ao tema é datada de 1888. Trata-se do Decreto 9.912, de 26 de março de 1888, que regulamenta o direito à aposentadoria para empregados dos Correios. Outra norma, de novembro do mesmo ano, cria a Caixa de Socorros em cada uma das estradas de ferro do Império. O Decreto Legislativo 4.682, de 14 de janeiro de 1923, mais conhecido como Lei Elói Chaves35, é dado como um marco do desenvolvimento da Previdência Social brasileira pois criou a Caixa de Aposentadoria e Pensões para empregados de empresas ferroviárias, estabelecendo assistência médica, aposentadoria e pensões, válidas inclusive, para os familiares. Em três anos, a lei seria estendida para trabalhadores de empresas portuárias e marítimas. As reformas tiveram um caráter contraditório, como resultado da pressão dos trabalhadores, feita por meio de duas mobilizações e greves, “aceitas” pelas elites conservadoras, majoritárias no Parlamento e no Executivo, como forma de estabilizar a ordem capitalista. Na década de 1930, benefícios sociais foram sendo implementados para a maioria das categorias de trabalhadores dos setores público e privado.

35 O autor da primeira lei de previdência brasileira, o deputado paulista Eloy Chaves, era latifundiário e, como secretário da Segurança Pública, coordenou a repressão à greve geral em São Paulo, em 1917.

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Em 1963, foi editada a Lei 4.214, que instituiu o Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural (Funrural), estendendo alguns benefícios conquistados pelos trabalhadores urbanos aos rurícolas brasileiros. Em 1966, com a alteração de dispositivos da Lei Orgânica da Previdência Social, foram instituídos o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), e o Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), que reuniu os seis institutos de aposentadorias e pensões existentes, unificando administrativamente a previdência social no Brasil. A CF de 196736 (primeira a prever a concessão de seguro-desemprego), instituída no início do regime militar, traz algumas regras sobre a Previdência Social, especificamente no art. 158:

Art. 158 - A Constituição assegura aos trabalhadores os seguintes direitos, além de outros que, nos termos da lei, visem à melhoria, de sua condição social: I – salário-mínimo capaz de satisfazer, conforme as condições de cada região, as necessidades normais do trabalhador e de sua família; II - salário-família aos dependentes do trabalhador; III - proibição de diferença de salários e de critérios de admissões por motivo de sexo, cor e estado civil; IV - salário de trabalho noturno superior ao diurno; V - integração do trabalhador na vida e no desenvolvimento da empresa, com participação nos lucros e, excepcionalmente, na gestão, nos casos e condições que forem estabelecidos; VI - duração diária do trabalho não excedente de oito horas, com intervalo para descanso, salvo casos especialmente previstos; VII - repouso semanal remunerado e nos feriados civis e religiosos, de acordo com a tradição local; VIII - férias anuais remuneradas; IX - higiene e segurança do trabalho; X - proibição de trabalho a menores de doze anos e de trabalho noturno a menores de dezoito anos, em indústrias insalubres a estes e às mulheres; XI - descanso remunerado da gestante, antes e depois do parto, sem prejuízo do emprego e do salário; XII - fixação das percentagens de empregados brasileiros nos serviços públicos dados em concessão e nos estabelecimentos de determinados ramos comerciais e Industriais; XIII - estabilidade, com indenização ao trabalhador despedido, ou fundo de garantia equivalente; XIV - reconhecimento das convenções coletivas de trabalho; XV - assistência sanitária, hospitalar e médica preventiva;

36 Disponível em: . 59

XVI - previdência social, mediante contribuição da União, do empregador e do empregado, para seguro-desemprego, proteção da maternidade e, nos casos de doença, velhice, invalidez e morte; XVII - seguro obrigatório pelo empregador contra acidentes do trabalho; XVIII - proibição de distinção entre trabalho manual, técnico ou intelectual, ou entre os profissionais respectivos; XIX - colônias de férias e clínicas de repouso, recuperação e convalescença, mantidas pela União, conforme dispuser a lei; XX - aposentadoria para a mulher, aos trinta anos de trabalho, com salário integral; XXI - greve, salvo o disposto no art. 157, § 7o. § 1o - Nenhuma prestação de serviço de caráter assistencial ou de benefício compreendido na previdência social será criada, majorada ou estendida, sem a correspondente fonte de custeio total. § “2o - A parte da União no custeio dos encargos a que se refere o nº XVI deste artigo será atendida mediante dotação orçamentária, ou com o produto de contribuições de previdência arrecadadas, com caráter geral, na forma da lei.

Em 1974, é criado o Ministério da Previdência e Assistência Social. Até então, o tema ficava sob o comando do Ministério do Trabalho e Emprego (na época, chamado de Ministério do Trabalho e Previdência Social). A CF de 1988 estende os benefícios da previdência a todos os trabalhadores brasileiros. É extinta a antiga Renda Mensal Vitalícia e criado em seu lugar o Beneficio de Prestação Continuada (BPC) que atribui um salário-mínimo a todo idoso ou pessoa com deficiência cuja renda per capita familiar for inferior a ¼ do salário-mínimo. O INPS passa, no ano de 1990, a se chamar Instituto Nacional de Seguro Social (INSS). A Previdência Social é um sistema estatal cuja principal função é garantir a proteção social de trabalhadores que se aposentam ou que, por algum motivo, ficam impossibilitados de trabalhar. Tudo o que é arrecadado vai para um fundo coletivo, por meio do qual os atuais contribuintes acabam financiando os atuais inativos, baseado no princípio da solidariedade, como bem diz Wladimir Novaes (1995) “significa a contribuição de uns em favor de outros”.37 A estrutura do sistema previdenciário no Brasil baseia-se em três pilares: o Regime Geral de Previdência Social, que é público, de filiação obrigatória para trabalhadores regidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), é operado

37 MARTINEZ, Wladimir Novaes. Princípios de direito previdenciário. São Paulo: LTr, 1995, p. 93. 60

pelo INSS, e possui regime financeiro de caixa; os Regimes Próprios de Previdência dos Servidores Públicos são públicos, com filiação obrigatória para os servidores titulares de cargos efetivos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios; via de regra, o regime financeiro de caixa e o Regime de Previdência Complementar, sobre o qual vamos nos ater neste capítulo. Privado e de natureza contratual, a filiação é facultativa. É autônomo em relação ao regime geral de Previdência Social e aos regimes próprios dos servidores públicos. É um regime financeiro de capitalização.

Tabela 10 - Regimes de previdência: principais características Previdência Complementar Regime Geral Regimes Próprios Aberta Fechada Base Constitucional Art. 201 Art. 40 Art. 202 Art. 202 Operado por Autarquia federal Órgãos ou entidades Sociedades Fundações (INSS) da Administração Anônimas privadas / Pública direta ou (fins Sociedades indireta lucrativos)(a) civis (fins não lucrativos) Natureza Público Público Privada Privada Instituição Instituído por lei Instituído por lei Contratual Contratual Filiação Obrigatória Obrigatória Facultativa Facultativa Abrangência Pessoas não Servidores titulares de Planos Funcionários abrangidas pelos cargo efetivo da União, individuais e de regimes próprios Distrito Federal, planos determinadas Estados e Municípios empresariais empresas que têm regime próprio Fiscalização MPS/SPC MPS/SPC MF/Susep MPS/SPC (a) Exceção: LC 109/01, art. 77, § 1o Fonte: Paixão (2007, p.3).

Instituída pela Emenda Constitucional 20, de 15 de dezembro de 1998, a reforma da Previdência Social consolidou o novo modelo previdenciário de caráter contributivo e atuarial, estabelecendo normas gerais para a organização e funcionamento dos regimes próprios de previdência dos servidores da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, regulamentado pela Lei federal 9.717 de 27 de novembro de 1998. A Previdência Social vem padecendo, ao longo dos tempos, de problemas de gerenciamento de seus recursos. Com o crescimento do trabalho informal, em detrimento do emprego formal, e o aumento da expectativa do tempo de vida dos aposentados, ocorre maior dispêndio nos cofres públicos, entre outras causas. 61

A Previdência Social Geral necessita de profunda reformulação na sua estrutura, visto o descompasso entre a arrecadação e o dispêndio de recursos para a manutenção dos seus benefícios, mas este não será objeto deste estudo.

A Europa e a América Latina têm sido palco de intensa polêmica e de medidas inovadoras em torno da reforma de seus sistemas de seguridade social em razão da chamada crise fiscal do Estado. De fato, o desequilíbrio das contas públicas vem constituindo o grande argumento em favor da redução das despesas previdenciárias como, no caso da América Latina e, particularmente, do Brasil, uma das formas de liberar recursos para o pagamento de juros e encargos da dívida pública. (SILVA, 2010, p.191).

A nossa atenção estará voltada para a Previdência Complementar que visa, segundo previsto em sua criação, proporcionar ao trabalhador proteção previdenciária adicional, de acordo com sua respectiva necessidade e vontade.

2.1 Previdência Complementar

Durante um tempo, era pacífica a ideia de que a Previdência Social garantiria velhice tranquila com estabilidade econômica. Com o passar do tempo e o custo de vida aumentando, serviços públicos de saúde precários, riscos sociais maiores e o empobrecimento da população, não só econômico, mas socialmente, aumenta a preocupação de pessoas que possuem condição econômica quase satisfatória ou satisfatória de como viver sem a contraprestação salarial e manter um padrão de qualidade de vida, visto que a Previdência Social possui um teto máximo de concessão de benefícios. A ideia de criar uma previdência que pudesse complementar uma aposentadoria mais justa consolida-se, pois todos anseiam por uma velhice mais segura e tranquila depois de anos de trabalho e contribuições. Esse receio de um futuro incerto e economicamente instável dá origem à Previdência Privada ou Previdência Complementar. Antes da Legislação da Previdência Complementar, no Brasil, é criada, em 16 de abril de 1904, sob a forma de associação, a Caixa Montepio dos Funcionários do Banco da República do Brasil (Previ), por um pequeno grupo de funcionários, em um projeto ambicioso e inovador para a sociedade brasileira. 62

Mais de meio século depois, é criada, em 1970, a Fundação Petrobrás de Seguridade Social (Petros); bem como a Caixa dos Empregados da Usiminas, em 1972; a Fundação Companhia Energética de São Paulo (Cesp) em 1974; e a Fundação Cosipa de Seguridade Social (Femco), no ano de 1975. Essas são algumas das primeiras entidades de previdência complementar associadas a grandes empresas. Com o aparecimento dessas entidades, era necessária criar a regulamentação para disciplinar os fundos de pensão enquanto entidades captadoras de poupança popular38.

A previdência complementar no Brasil surgiu, de forma regulamentar, com a lei nº. 6.435, de 1977, em consonância com a experiência norte-americana do ERISA (Employee Retirement Income Security Act), na necessidade de regulamentação dos montepios, da canalização da poupança previdenciária ao desenvolvimento do mercado de capitais no País a partir do 2º Programa Nacional de Desenvolvimento e no funcionamento de algumas entidades de previdência privada ligadas ao setor estatal. (ABRAPP/ICSS/SINDAPP. Artigo. Revista Fundo de Pensão, ano XXVII, n. 340, maio 2008, p. 13-15).

A Previdência Complementar torna-se uma complementação àquela do Regime Geral da Previdência Social.

A previdência complementar é um benefício opcional, que proporciona ao trabalhador um seguro previdenciário adicional, conforme sua necessidade e vontade. É uma aposentadoria contratada para garantir uma renda extra ao trabalhador ou a seu beneficiário. Os valores dos benefícios são aplicados pela entidade gestora, com base em cálculos atuariais. (MINISTÉRIO DA PREVIDÊNCIA SOCIAL. Disponível em . Acesso em: 29 fev. 2012).

A modernização normativa foi necessária para adequar essa nova realidade do Sistema Previdenciário Brasileiro e teve início com a Emenda Constitucional 20,

38 Na Previdência Complementar, há direito incorporável ao patrimônio desde a adesão a um plano de benefícios, por meio do aporte mensal de recursos, configurando uma poupança individual em formação, sendo este patrimônio jurídico do participante. (SIMÕES, Fernando Nunes; MACEDO, Manoel Moacir Costa. Op. cit. p. 76-78).

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de 15 de dezembro de 1998, que modifica o texto do art. 202 da Constituição Federal39.

Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. (redação dada pela Emenda Constitucional 20, de 15/12/98).

A nova redação estabelece a edição de duas leis complementares: uma prevista no caput do mencionado dispositivo, que introduz normas gerais sobre a Previdência Complementar, materializada na Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001; e outra, prevista no § 4o do art. 202, que dispõe sobre as normas específicas para disciplinar a relação entre a Administração Pública direta e indireta e suas respectivas entidades fechadas de Previdência Complementar, sobretudo no que se refere à governança e ao custeio, concretizada na Lei Complementar 108, de 29 de maio de 2001. Às entidades que administram o regime complementar cabe recolher as contribuições, pagar os benefícios e aplicar o patrimônio acumulado. É um regime

39 Art. 202. O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, será facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício contratado, e regulado por lei complementar. § 1o A lei complementar de que trata este artigo assegurará ao participante de planos de benefícios de entidades de previdência privada o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos. § 2o As contribuições do empregador, os benefícios e as condições contratuais previstas nos estatutos, regulamentos e planos de benefícios das entidades de previdência privada não integram o contrato de trabalho dos participantes, assim como, à exceção dos benefícios concedidos, não integram a remuneração dos participantes, nos termos da lei. § 3o É vedado o aporte de recursos a entidade de previdência privada pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, suas autarquias, fundações, empresas públicas, sociedades de economia mista e outras entidades públicas, salvo na qualidade de patrocinador, situação na qual, em hipótese alguma, sua contribuição normal poderá exceder a do segurado. § 4o Lei complementar disciplinará a relação entre a União, Estados, Distrito Federal ou Municípios, inclusive suas autarquias, fundações, sociedades de economia mista e empresas controladas direta ou indiretamente, enquanto patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada, e suas respectivas entidades fechadas de previdência privada. § 5o A lei complementar de que trata o parágrafo anterior aplicar-se-á, no que couber, às empresas privadas permissionárias ou concessionárias de prestação de serviços públicos, quando patrocinadoras de entidades fechadas de previdência privada. § 6o A lei complementar a que se refere o § 4o deste artigo estabelecerá os requisitos para a designação dos membros das diretorias das entidades fechadas de previdência privada e disciplinará a inserção dos participantes nos colegiados e instâncias de decisão em que seus interesses sejam objeto de discussão e deliberação.

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de capitalização porque os pagamentos dos benefícios dependem também do rendimento do patrimônio. Os recursos são “exclusivamente e obrigatoriamente investido para gerar numerário suficiente ao cumprimento dos objetivos sociais estatuídos, observados os padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, solvência e equilíbrio dos planos de benefícios, e da própria entidade”40. Não deve existir finalidade lucrativa. A Entidade Fechada de Previdência Complementar (EFPC) é armazenadora de recursos, aplicados conforme a legislação pertinente (Lei Complementar 109, de 29 de maio de 2001)41, e voltada para instituir e administrar planos privados de concessão de benefícios de pecúlio e/ou renda, assemelhados aos do Regime Geral de Previdência Social, segundo os artigos:

Art. 1o O regime de previdência privada, de caráter complementar e organizado de forma autônoma em relação ao regime geral de previdência social, é facultativo, baseado na constituição de reservas que garantam o benefício, nos termos do caput do art. 202 da Constituição Federal, observado o disposto nesta Lei Complementar. Art. 2o O regime de previdência complementar é operado por entidades de previdência complementar que têm por objetivo principal instituir e executar planos de benefícios de caráter previdenciário, na forma desta Lei Complementar. (LEI COMPLEMENTAR 109, de 29 de maio de 2001).

A vinculação não é obrigatória, e cabe ao indivíduo optar por participar ou não, podendo ser cancelado, o contrato, a qualquer tempo, O saldo acumulado pode ser resgatado integralmente, existindo incidência de impostos em tal transação, ou recebido mensalmente. Os planos são classificados nas modalidades de: benefício definido; contribuição definida; e contribuição variável. Segundo a LC 109, de 2001:

Art. 7o Os planos de benefícios atenderão a padrões mínimos fixados pelo órgão regulador e fiscalizador, com o objetivo de assegurar transparência, solvência, liquidez e equilíbrio econômico-financeiro e atuarial. Parágrafo único. O órgão regulador e fiscalizador normatizará planos de benefícios nas modalidades de benefício definido, contribuição definida e contribuição variável, bem como outras formas de planos

40 In Gestão dos fundos de pensão – aspectos jurídicos. São Paulo: Abrapp, 2006.

41 Disponível em: . 65

de benefícios que reflitam a evolução técnica e possibilitem flexibilidade ao regime de Previdência Complementar.

Existem, no Brasil, dois tipos de previdência complementar: a previdência aberta (destinadas à coletividade e gerenciadas por instituições bancárias e seguradoras) e a previdência fechada (restrita aos funcionários de determinadas empresas). Não será objeto deste estudo a Previdência Complementar Aberta mas, sim, a Entidade Fechada de Previdência Complementar, precisamente o Fundo de Pensão Aerus/Varig. As EFPCs42, igualmente conhecidas como fundos de pensão, são pessoas jurídicas sem finalidade lucrativa, criadas para o fim exclusivo de administrar planos de benefícios de natureza previdenciária, patrocinados e/ ou instituídos, desempenhando atividades com alto grau de especificidade, regidos por legislação especial43 Fiscalizadas pela Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc) e regulada pela Secretaria de Políticas de Previdência Complementar (SPPC), do Ministério da Previdência Social.

Assim, ainda que sua constituição e funcionamento dependam de prévia e expressa autorização do órgão fiscalizador (art. 33, I, da Lei Complementar no 109, de 2001), e que sua atuação seja acentuadamente controlada pelo Poder Público, a entidade fechada de Previdência Complementar constitui pessoa jurídica de direito privado, submetida à disciplina legal de idêntica natureza. [...] (PULINO, 2010, p. 225).

2.2 Aerus: Criação, Ruína e Consequências.

O Aerus é uma EPCF (fundo de pensão). No ano de 1981, o ministro da Aeronáutica, brigadeiro Délio Jardim de Mattos, determina a instituição de um grupo de trabalho que elabora documento embasando o surgimento do Aerus.

42 Decorre da expressão pension fund, que significa, nos Estados Unidos, "fundo de previdência".

43 LC 109, de 2001. Art. 32. As entidades fechadas têm como objeto a administração e execução de planos de benefícios de natureza previdenciária. Parágrafo único. É vedada às entidades fechadas a prestação de quaisquer serviços que não estejam no âmbito de seu objeto, observado o disposto no art. 76. 66

Art. 1o O Instituto Aerus de Seguridade Social, doravante designado instituição, é uma entidade fechada de previdência complementar, constituída sob a forma de sociedade civil, para instituir e administrar planos privados de concessão de benefícios de pecúlio e/ou renda, assemelhados aos do Regime Geral de Previdência Social: § 1o A Instituição terá sede e foro na cidade do Rio de Janeiro, Estado do Rio de Janeiro, podendo manter representações regionais ou locais. § 2o O patrimônio da instituição é autônomo, livre e desvinculado de qualquer outro órgão ou entidade. § 3o As obrigações assumidas pela instituição não são imputáveis, isolada ou solidariamente, aos seus membros. § 4o Nenhum benefício poderá ser criado, majorado ou estendido na instituição, sem que, em contrapartida, seja estabelecida a respectiva receita de cobertura. (ESTATUTO DO INSTITUTO AERUS DE SEGURIDADE SOCIAL - aprovado pela Portaria SPC 988, de 12/09/2002)44.

Para viabilizar a implantação do Instituto Aerus, além das contribuições de participantes e empresas patrocinadoras, havia uma proposta da criação da terceira fonte de custeio (a partir da cobrança de uma taxa de 3% incidente sobre as tarifas aéreas nacionais), defendida por representantes do Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), Federação Nacional dos Trabalhadores em Transportes Aéreos (FNTTA), DAC e do Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (SNEA). O Instituto de Seguridade Social Aerus foi criado em 20 de outubro de 1982 pelas empresas aéreas Varig e Transbrasil, com sede na cidade do Rio de Janeiro. Com o passar dos anos, outras empresas patrocinadoras aderiram ao Aerus. Para participar, bastava ser funcionário das empresas patrocinadoras ligadas ao setor aéreo (aeronautas45 e aeroviários46), que totalizavam 18 empresas e 32 tipos de planos, bem como não poderia estar em gozo de auxílio-doença no momento da inscrição no Aerus. Empresas patrocinadoras:

44 Vide Anexo A - Documentos Fundantes, item A.3.

45 Termo designa todo profissional que trabalha dentro de aeronaves em vôo, compreendendo os seguintes profissionais: piloto, copiloto, mecânico de vôo também chamado de "engenheiro de voo" e comissário de voo, como também no feminino, popularmente chamada aeromoça. (Disponível em: ).

46 Trabalhador que, não sendo aeronauta, exerce funções em empresas de transporte aéreo. É também considerado aeroviário o titular de licença e respectivo certificado válido de habilitação técnica expedidas pela Diretoria de Aeronáutica Civil para prestação de serviços em terra, que exerça função efetivamente remunerada em aeroclubes, escolas de aviação civil, bem como o titular, ou não, de licença e certificado, que preste serviço de natureza permanente na conservação, manutenção e despacho de aeronaves. (Disponível em: ). 67

- Varig: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Rio Sul Serviços Aéreos Regionais: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Nordeste Linhas Aéreas S.A.: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Fundação Ruben Berta: plano de benefício em liquidação extrajudicial; - Varig Logística (Varig Log ): plano de benefício em liquidação extrajudicial; - Varig Engenharia e Manutenção (VEM); - Serviços Auxiliares de Transportes Aéreos (Sata): planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Tropical: em processo de retirada de patrocínio; - Amadeus; - Sindicato Nacional dos Aeroviários (SNA); - Aeroespaço: plano de benefício em liquidação extrajudicial; - Aeromot Indústria: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Aeroclube RS: plano de benefício I em liquidação extrajudicial; - Aeromot Aeronaves: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Interbrasil: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Sindicato Nacional das Empresas Aeroviárias (SNEA); - Transbrasil: planos de benefícios em liquidação extrajudicial; - Federação Nacional dos Trabalhadores em Transporte Aéreo (FNTTA).

A previdência complementar fechada é vista como um mecanismo que amplia a proteção social, quando benefícios são recebidos pelas contribuições feitas ao longo da vida laborativa, bem como contra a perda da capacidade de trabalho. Além da aposentadoria, geralmente oferecem também proteção contra riscos de morte, acidentes, doenças, invalidez, entre outros. São considerados beneficiários o(a) cônjuge ou companheiro(a); filhos solteiros menores de 21 anos; filhos solteiros até 24 anos, desde que estejam cursando Ensino Superior; e pessoas inválidas, ou de idade avançada (acima de 55 anos), mediante a comprovação de que dependem economicamente do participante. 68

Podem também participar do Aerus ex-funcionários, desde que contribuam e aquelas pessoas de empresa patrocinadora, dentro do prazo estabelecido no respectivo regulamento do plano de benefícios47. A aposentadoria é paga mensalmente até a morte do participante, quando então os beneficiários apontados por ele passam a receber uma pensão, desde que tenham direito a esse benefício, de acordo com o estabelecido no regulamento. O valor da aposentadoria varia conforme a escolha do participante, podendo ser: - vitalícia, sem continuação para dependentes - com a morte do participante, não há mais pagamento do benefício; - vitalícia, com um percentual limitado a 100% e escolhido pelo participante - como continuação do benefício para seus beneficiários, em caso de morte; - vitalícia, com um período garantido de 120 meses - no caso de morte do participante antes de completados os 120 meses contados desde o início do pagamento da aposentadoria, o benefício será pago ao conjunto de beneficiários até o fim desse período. Caso não haja beneficiário, o valor equivalente às parcelas que faltam para completar os 120 meses será pago, de uma única vez, à pessoa designada pelo participante, ou aos herdeiros legais. Mesmo depois de decorridos os 120 meses, a renda mensal será paga enquanto o participante estiver vivo. As contribuições feitas ao Aerus só podem ser resgatadas integralmente quando o funcionário se desligar da empresa patrocinadora sem ter direito a nenhum benefício posterior. O contribuinte pode se desligar do Aerus sem sair da empresa, mas a quantia que se refere às suas contribuições ficará retida até o dia em que o participante se desligar da empresa. Durante esse período, o montante das contribuições continuará sendo atualizado. Desde janeiro de 1996, em conformidade com a Lei 9.250, de 26 de dezembro de 199548, o Aerus passou a reter a parcela ao Imposto de Renda do montante de contribuições que é resgatado pelo beneficiário.

47 É o conjunto de direitos e obrigações reunidos em um regulamento. (Disponível em: ).

48 Art. 4o Na determinação da base de cálculo sujeita à incidência mensal do imposto de renda poderão ser deduzidas: V - as contribuições para as entidades de previdência privada domiciliadas no País, cujo ônus tenha sido do contribuinte, destinadas a custear benefícios complementares assemelhados aos da Previdência Social. (Disponível em: ) 69

Os beneficiários da Varig/Aerus possuem dois tipos de plano: Plano I e Plano II. O Plano de Benefícios I - Varig e Plano de Benefícios II – Varig, do Instituto Aerus, abrangem os seguintes benefícios/institutos:49 - Aposentadoria normal, - Aposentadoria antecipada - Aposentadoria por invalidez, - Pensão por morte antes da aposentadoria, - Pensão por morte após a aposentadoria, - Benefício proporcional diferido, - Pecúlio por morte, - Auxílio-reclusão, - Resgate, - Portabilidade, - Abono anual, - Benefício proporcional (participantes do Plano II, oriundos do Plano I, cujos benefícios foram concedidos com base no regulamento vigente até 31/12/2002).

O Plano de Benefícios I – Varig nasceu praticamente junto com o Aerus. Nesse plano, a Varig pagava um valor mensal, mediante o recolhimento de percentuais da folha de pagamento de todos os seus empregados e diretores, e o funcionário, outro, definido por ele próprio, que escolhia um percentual de seu salário. Mais a contribuição do governo, chamada de terceira fonte. Era um adicional de 3% do valor da tarifa dos trechos domésticos, cobrado dos passageiros, a ser aplicado por 30 anos. Antes de terminado o prazo estabelecido de 30 anos, após nove anos o governo, através do DAC, extinguiu a terceira fonte, alegando a sua não necessidade, a partir daquele momento, e as patrocinadoras passaram a incluir o adicional tarifário no valor total da tarifa, retendo-o para seu uso próprio. O Plano de Benefícios II – Varig foi criado em 1995, permitindo à Varig, in extremis, desobrigar-se do pagamento de sua contraparte. Os funcionários que

49 Nota Técnica Atuarial de Liquidação do Plano de Benefícios I – Varig e Plano de Benefícios II – Varig – junho de 2006. (Disponível em: ). 70

optassem pelo Plano II, por sua vez, poderiam contribuir com percentual maior ou menor do que o até então fixado no Plano I. Os pagamentos da Varig ao Aerus, relativamente aos participantes do Plano I, não sendo mais efetuados, causam imensa dívida, jamais paga. A Varig decide, ainda, quanto à sua contraparte para os vinculados ao Plano II do Aerus, utilizar alíquota zero, ou seja, nenhuma contribuição. Muitos ativos migram de plano e essa mudança é prevista na previdência privada mediante as situações financeiras negativas, para garantir o equilíbrio, segundo o artigo 17 da Lei Complementar 109/2001que dispõe:

Art. 17 As alterações processadas nos regulamentos dos planos aplicam-se a todos os participantes das entidades fechadas, a partir de sua aprovação pelo órgão regulador e fiscalizador, observado o direito acumulado50 de cada participante. Parágrafo único. Ao participante que tenha cumprido os requisitos para obtenção dos benefícios previstos no plano é assegurada a aplicação das disposições regulamentares vigentes na data em que se tornou elegível a um benefício de aposentadoria.

Desde 4 de julho de 2005, os planos de benefícios da patrocinadora Varig, administrados pelo Aerus, entram em regime de administração especial, por decisão da Secretaria de Previdência Complementar (SPC). Com o início do processo de recuperação judicial da Varig e com a interrupção do pagamento da dívida, a Secretaria opta por designar um administrador especial para os planos da empresa aérea no Aerus, como sugere a Lei Complementar 109:

Art. 42 O órgão regulador e fiscalizador poderá, em relação às entidades fechadas, nomear administrador especial, a expensas da entidade, com poderes próprios de intervenção e de liquidação extrajudicial, com o objetivo de sanear plano de benefícios específico, caso seja constatada na sua administração e execução alguma das hipóteses previstas nos arts. 44 e 48 desta Lei Complementar. Parágrafo único. O ato de nomeação de que trata o caput estabelecerá as condições, os limites e as atribuições do administrador especial.

50 Assim, o instituto jurídico do direito acumulado visa à preservação do direito constituído (reserva matemática) pelos participantes ativos e à manutenção da finalidade última da entidade que é o pagamento de benefícios. (SIMÕES, Fernando Nunes; MACEDO, Manoel Moacir Costa. Op. cit. p. 76-78). 71

Com o fim da Varig (e criação da Varig “velha”, responsável pela dívida com o Aerus), as aposentadorias e pensões tornam-se insustentáveis, sem o pagamento da enorme dívida da Varig para com o Aerus – segundo algumas fontes, de cerca de R$ 3,6 bilhões.

Só sei que o Plano I tem mais gente e é o que mais tem problemas de caixa. Tanto que se não resolverem o problema em abril teremos dinheiro somente até junho de 2012. O Plano II apresenta uma maior liquidez ainda, mas mesmo assim sofrerá também, se nada for resolvido. O Plano II foi criado depois de anos de existência do Aerus, mas este Plano II não dava todas as garantias que existiam com o Plano I que é o início do Aerus. Eu e muitos outros fomos diversas vezes convidados para passar para o Plano II. Nunca aceitei e outros também não aceitaram. Agora, se todos nós pudéssemos imaginar que haveria esta tragédia eu teria mudado de Plano. Pois este Plano II, que não oferecia garantias como o Plano I do Aerus Varig, é o que tem mais liquidez, ainda hoje. (Comissário E, 30/9/2011).

O valor da ação da defasagem tarifária ainda não foi pago pelo governo à “velha” Varig, para repasse ao Aerus, devido a diversos recursos impetrados pelo governo contra decisões favoráveis à Varig. A situação financeira do Aerus/Varig vem se tornando insustentável, ao longo dos anos, como se verifica na Tabela 11 com dados e pareceres atuariais do Demonstrativo dos Resultados da Avaliação Atuarial (Draa), por plano, de 1998 a 2002.

Tabela 11 - Resultados da avaliação atuarial de 1998 a 2002 Varig - Plano de Benefícios I Varig - Plano de Benefícios II A Ocorrência A Ocorrência Ano- Ano- base base Déficit1 técnico de R$ Superávit1 de R$ 5.045.389,00 que, 1998 90.518.149,00 e reserva a 1998 comparado com a reserva a amortizar de amortizar, de R$ 247.498.601,00. R$ 7.037.030,00, implicava uma Na comparação entre o ativo e o insuficiência de R$ 1.991.641,00, coberta passivo atuarial, o resultado era pela taxa de contribuição suplementar a uma insuficiência de R$ cargo da patrocinadora. O ativo líquido 338.016.750,00. O ativo líquido era de R$ 204.732.858,00. era de R$ 928.558.406,00. 72

Déficit1 técnico de R$ Indicava1 um equilíbrio, ou seja, o ativo 1999 36.040.279,00. Na comparação 1999 líquido igual ao passivo atuarial. entre o ativo e o passivo atuarial, Considerada a reserva a amortizar, havia a insuficiência era de R$ uma insuficiência de R$ 61.982.974,00, 153.770.618,00, coberta pela taxa de contribuição consideravelmente menos que a suplementar, a cargo da patrocinadora e do exercício anterior. O ativo com prazo de amortização de 15,83 líquido era de R$ 835.905,041,00. anos. O ativo líquido era de R$ 576.182.447,00. Déficit2 técnico de R$ Superávit2 de R$ 23.574.694,00 2000 66.635.402,00. Na comparação 2000 (totalmente na reserva da contingência) entre o ativo e o passivo atuarial, que, comparado com a reserva a o resultado era uma insuficiência amortizar de R$ 140.704.201,00 de R$ 217.565.309,00. O implicava uma insuficiência de R$ crescimento dessa insuficiência 117.129.516,00, coberta pela taxa de em relação ao resultado do ano contribuição suplementar a cargo da anterior foi creditado, segundo o patrocinadora e com prazo de parecer, à “rentabilidade amortização de 14,58 anos a partir de insuficiente frente às metas agosto de 2000. O ativo líquido era de atuariais”. O ativo líquido era de R$ 624.792.437,00. R$ 846.994.224,00. Déficit2 de R$ 222.528.311,00. Na A patrocinadora2 não assumiu parte do 2001 comparação entre o ativo e o 2001 custo suplementar e estabeleceu a sua passivo atuarial, o resultado era contribuição fixa em 3,32% da folha, no uma insuficiência de R$ período de janeiro a junho, e em 4,32% 386.020.061,00. O crescimento da folha, de julho a dezembro. Em face dessa insuficiência em relação ao disso, ocorre um déficit de R$ resultado do ano anterior foi 12.653.861,00, que, somado com a creditado, segundo o parecer, à reserva a amortizar de R$ “rentabilidade insuficiente frente 177.894.041,00, aponta uma às metas atuariais e da prática de insuficiência de R$ 190.547.902,00. O contribuições abaixo do nível aumento dessa insuficiência em relação atuarialmente recomendado”. O ao exercício anterior foi creditado, ativo líquido era de R$ segundo o parecer atuarial, à 814.775.623,00. “rentabilidade do ativo abaixo das metas atuariais. O ativo líquido era de R$ 647.948.459,00. Déficit2 de R$ 1.136.988,00 que, Sup2erávit de R$ 8.196.115,00. 2002 somado à provisão matemática a 2002 Comparando-se o superávit, com a constituir, referente ao serviço provisão matemática, com a reserva a passado e ao déficit equacionado, constituir referente ao serviço passado e implicava uma insuficiência ao déficit equacionado. O resultado era técnica de R$ 413.176.201,00. O uma insuficiência de R$ 184.392.798,00. ativo líquido do plano, no valor de O ativo Líquido era de R$ R$ 837.508.822,00, ainda que 686.398.432,00, se, integralmente, seria integralmente razoável, seria suficiente para cobrir as provisões insuficiente para cobrir as matemáticas de benefícios concedidos, provisões matemáticas de de R$ 454.626.472,00, e também o valor benefícios concedidos, de R$ de resgate de R$ 135.352.647,58. 1.021.773.504,00. Fonte: Dossiê Aerus. Dados obtidos no arquivo de documentos da Apvar:

Segundo a avaliação atuarial realizada, quanto à base de cálculo das contribuições, o Aerus não calcula as contribuições devidas pelo patrocinador. Este é que se encarrega de descontar os valores devidos pelos participantes ativos, 73

mediante informação dos percentuais. Portanto, o Aerus não tem controle da base de cálculo, visto não ter acesso aos salários do patrocinador. Também não há controle sobre movimentação de participantes. Alguns são licenciados e, em seguida, nomeados diretor em empresa coligada à patrocinadora à qual estão vinculados, passando a contribuir pela remuneração que recebem na empresa coligada. A contribuição em nível abaixo do atuarialmente recomendado acontece nos planos da Varig. Registra no Draa o percentual de contribuição admitido pela patrocinadora e, consequentemente um déficit, como foi o caso da patrocinadora Varig, durante os exercícios de 1999 a 2002, em relação ao Plano I, e de 2002, em relação ao Plano II.51 Desde 1995, o Aerus utiliza, nas suas avaliações atuariais, entre outras hipóteses financeiras e econômicas, válidas para todos os planos de benefícios:  Taxa anual de juros de 6% a.a; projeção de crescimento real de salário de 0% a.a;  Projeção de crescimento real do maior salário de benefício do INSS: 0% a.a;  Projeção de crescimento real dos benefícios do plano: -3,5% a.a (até a avaliação de 2000, válida até 2001), -3,25% a.a (na avaliação de 2001, válida para o ano de 2002) e de -3,0% a.a (na avaliação de 2002, válida para o ano de 2003); o indicador econômico utilizado é o Índice Geral de Preços - Disponibilidade Interna (IGP-DI). É importante ressaltar que, para que os resultados da avaliação atuarial sejam confirmados, é preciso que as hipóteses utilizadas sejam consistentes. Quando isso não acontece, como é o caso do Aerus/Varig surgem as seguintes distorções:  O Aerus vem perseguindo uma meta de IGP-DI + 6% a.a, que não é capaz de cumprir com a sua função de contribuir para o equilíbrio dos planos;  As provisões matemáticas são estimadas por valor menor, pois acredita-se que a taxa de juros real será maior do que a efetivamente alcançada;  As contribuições de patrocinadores e participantes são definidas com valor menor do que o de fato necessário para manter o equilíbrio dos planos;

51 Dossiê Aerus. Dados obtidos no arquivo de documentos da Apvar 74

 O valor dos benefícios de renda continuada é calculado a mais, em relação ao que as provisões garantiriam, se fosse considerada a taxa de juros efetivamente alcançada;  O resultado deficitário deixa, em parte, de ser reconhecido, na espera de que, em algum momento futuro, será reduzido ou anulado pelo efeito de uma excepcional rentabilidade dos investimentos que a muito não vem sendo alcançada. As questões que envolvem a rentabilidade dos investimentos abaixo da meta atuarial e as hipóteses financeiras e econômicas que não se confirmam têm sido objeto de notas nos pareceres atuariais a partir do ano-base de 2000, tendo, o Aerus, iniciado um processo de correção da hipótese de crescimento real de benefício em +0,25 ponto percentual (p.p.) por ano, a partir de 2002. A Superintendência Nacional de Previdência Complementar – Previc, por meio da Portaria 393, de 29 de julho de 201152; nomeia José Pereira Filho para exercer a função de administrador especial, com poderes de liquidação extrajudicial dos Planos de Benefícios I e II - Varig até a presente data. No panorama mais atual dos 15.785 beneficiários (ativos, aposentados e pensionistas) do Aerus/Varig, 7.068 optaram pelo Plano de Benefício I e 8.717 pelo Plano de Benefício II.53 Dos 7.068 que optaram pelo Plano de Benefício I, 4.965 são aposentados e pensionistas e 2.103 são participantes ativos e quirografários54. Já dos 8.717 que optaram pelo Plano de Benefício II, 2.985 são aposentados e pensionistas, enquanto 5.732 são participantes ativos e quirografários. Isso mostra que a maioria dos aposentados e pensionistas está no Plano I do Aerus/Varig, que deu início ao Fundo de Pensão, sendo o mais prejudicado, desde o dia 12 de abril de 2006, que completou, neste ano de 2012, seis anos de luta e tragédia que ainda assolam a vida dos variguianos.

52 Publicada no Diário Oficial da União 146, de 1o de agosto de 2011, p. 52, seção 2.

53 Disponível em: < http:// www.aerus.com.br>.

54 Credor que não tem preferência ou privilégio, no quadro geral de credores, deste modo, os trabalhadores têm seus créditos dotados de privilégio na falência, cuja questão, encontrada disciplinada na nova lei de recuperação de empresa, no equivalente a 150 salários-mínimos, o que passar disto será quirografário, especial também será o crédito hipotecário, sendo certos, quando do pagamento do crédito por ocasião da falência, os credores quirografários receberão por último os seus créditos e se sobrar, após a paga dos outros privilegiados. Credor quirografário em tese é a pessoa física ou jurídica que detém o crédito comum habilitado no Juízo da Falência. 75

Eu ganhava, em 2006, um mês antes da intervenção do Aerus, o benefício bruto de R$ 3.745,00. Hoje, só recebo R$ 592,55. Mas tem gente recebendo verdadeiras migalhas. O Aerus foi a pique quase na mesma época da empresa, exatamente dois meses antes. Os problemas de caixa fizeram a Varig deixar de repassar a parte dela e a que descontava nos contracheques dos empregados. A Secretaria de Previdência Complementar interviu. Extinguiu os planos Aerus 1 e 2 e os pensionistas perderam seus rendimentos. Sem indenização trabalhista, sem pensão para os já aposentados e ainda sem o dinheiro depositado mensalmente num fundo que deveria garantir a tranquilidade dos ex-funcionários da Varig. Esse foi o trágico ano de 2006, mas de lá pra cá nada mudou... Paguei durante 17 anos um Fundo de Pensão de Previdência Privada para ter uma aposentadoria digna e hoje, assim como milhares de trabalhadores da Varig, tenho apenas uma aposentadoria indigna. Até hoje o STF (Supremo Tribunal Federal) não colocou em julgamento o processo da defasagem tarifária devida pela União à Varig, que poderia resolver este terrível problema que assola a todos nós. A companhia aérea ganhou em todas as instâncias jurídicas por onde este processo passou e só falta o Supremo colocá-lo em julgamento. A dor e o sofrimento por que todos nós passamos são insuportáveis. É desesperador ver em condição de penúria e miserabilidade tantas pessoas que trabalharam a vida toda para levar o nome do Brasil e a bandeira brasileira, nas asas da Varig, aos quatro cantos do mundo. (Comissário E, 30/9/2011).

E importante ressaltar que todos os funcionários da ex-Varig, pagaram por um plano de previdência privada incentivados por seus diretores à época, plano este garantido pela ex-SPC (Secretaria da Previdência Complementar), hoje com o nome de Previc55, órgão vinculado ao Ministério da Previdência Social da Presidência da República. Ao Estado caberia a função de regular e fiscalizar, levando em conta os objetivos definidos na LC 109/2001:

Art. 3o A ação do Estado será exercida com o objetivo de: I - formular a política de previdência complementar; II - disciplinar, coordenar e supervisionar as atividades reguladas por esta Lei Complementar, compatibilizando-as com as políticas previdenciárias e de desenvolvimento social e econômico-financeiro; III - determinar padrões mínimos de segurança econômico-financeira e atuarial, com fins específicos de preservar a liquidez, a solvência e o equilíbrio dos planos de benefícios, isoladamente, e de cada entidade de previdência complementar, no conjunto de suas atividades;

55 Superintendência Nacional de Previdência Complementar. 76

IV - assegurar aos participantes e assistidos o pleno acesso às informações relativas à gestão de seus respectivos planos de benefícios; V - fiscalizar as entidades de previdência complementar, suas operações e aplicar penalidades; e VI - proteger os interesses dos participantes e assistidos dos planos de benefícios.

O Estado, portanto, possui “poder de polícia” que, segundo José dos Santos Carvalho Filho, é “a prerrogativa do direito público que, calcada na lei, autoriza a Administração Pública a restringir o uso e o gozo da liberdade e da propriedade em favor do interesse da coletividade” 56(2004) Rodrigues (2005) relata:

Embora a Previdência Complementar encontre-se no âmbito do direito privado, esse meio de provimento está inserido em contexto de preocupação social pela natureza fundamental das prestações envolvidas. Por conseguinte, há forte controle estatal sobre as suas atividades, sendo que essa atuação incide prioritariamente para a proteção dos interesses dos participantes e assistidos (art. 3º VI). A ação pública volta-se tanto para a regulação como para a fiscalização do segmento (p. 19).

Há expectativas sobre soluções para a situação de insolvência dos Planos de Benefício I e II – Varig:57  Como ação de defasagem tarifária movida pela Varig contra a União, em que o Aerus possui a caução de direito ao eventual crédito que a empresa fizer jus até o montante contratado. Em 25 de abril de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça (STJ) julgou o pleito favorável à Varig e o processo ainda está submetido à apreciação daquela instância.  Ação da Terceira Fonte de Custeio, movida pelo Aerus contra a União. O processo é movido pelo Instituto Aerus em face da União Federal. Distribuído sob o no 2003.34.00030154-6 e em trâmite na 14a Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal, tem como objeto o recebimento de indenização pela supressão antecipada e imotivada da terceira fonte de custeio, constituída nos termos do compromisso assinado entre as empresas aéreas e o DAC à época da

56 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de direito administrativo. 11. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004. p. 63.

57 Ibid, p. 54. 77

criação do Instituto. O processo foi julgado improcedente em pimeira instância e o Aerus está recorrendo da decisão. O sucesso dessas ações judiciais contra a União torna-se imprescindível para que sejam honrados os compromissos dos Planos de Benefício I e II – Varig na sua integralidade. O drama dos contribuintes da Aerus é levantado pelo senador Paulo Paim na matéria Senador Paulo Paim quer negociar fundo Aerus com União, como segue:

O Senador Paulo Paim (PT-RS), presidente da Subcomissão Permanente em Defesa do Emprego e da Previdência Social, informou, nesta terça-feira (13/3), que pretende conversar com o ministro-chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams, e com a Casa Civil para a construção de um entendimento com os beneficiários do fundo de pensão Aerus que reivindicam a integralidade das pensões e aposentadorias a que teriam direito. O Aerus ruiu com a falência da Varig, uma de suas maiores devedoras. Com isso, cerca de 10 mil aeronautas e aeroviários recebem atualmente valores irrisórios que não condizem com suas contribuições da época da ativa. O senador também disse que poderá ir ao Supremo Tribunal Federal para cobrar agilidade na decisão do processo. Paulo Paim alertou para a situação “dramática”, vivida por milhares de famílias que dependem da “míngua aposentadoria do INSS”. “A situação se arrasta e houve até quem fizesse greve de fome. É um massacre que se faz sobre essa gente que tantos serviços prestou a este País. Os aposentados não têm dinheiro para pagar um plano de saúde e comprar remédios. Muitos já perderam todos os seus bens. Quantos mais ainda vão morrer sem receber seus direitos? Até quando persistirá este impasse?”, protestou Paim. O Senador disse estar otimista e afirmou acreditar em uma solução, seja por via judicial ou por acordo. “A audiência de hoje é a retomada de mobilização do Congresso Nacional”, completou. Em até dois meses, deve sair decisão do STF sobre ação movida pela Varig contra a União para reaver perdas causadas por defasagens tarifárias durante os anos 80. (PtnoSenado).58

Sem risco de errar, observa-se que a Lei de Falências vem gerando graves prejuízos sociais por privilegiar os créditos fiscais, e comerciais em total detrimento dos créditos trabalhistas e previdenciários. Não se privilegiou a quitação do débito com o fundo Aerus na falência e venda da Varig.

58 Anexo B - Documentos Jurídicos, item B.1. 78

Dia 3 de julho de 2012 o deputado do PPS do PR Rubens Bueno fez um forte discurso da Câmara dos Deputados sobre a difícil causa Aerus Varig. Além dele, o único recentemente a falar do nosso grave problema na Câmara de Deputados em Brasília tem as vozes da Exma. Senadora Ana Amélia e dos Exmos. Senadores Paulo Paim e Álvaro Dias. Num universo de mais de 700 pessoas que fazem parte do parlamento brasileiro temos este número deveras pequeno. Muito pequeno. Parece que a causa Aerus Varig onde milhares de homens e mulheres passam pelas piores situações possíveis desde o dia 12 de abril de 2006 (Intervenção do Aerus Varig pela SPC - Secretaria de Previdência Complementar - hoje Previc) não é do interesse dos nobres deputados e senadores. Parece que nós, ex.trabalhadores da Varig somos peças descartáveis no cenário da Sociedade Brasileira. (...) Dia após dia somos sabedores que mais ex.trabalhadores da Varig falecem sem terem a oportunidade de verem o grave problema do Aerus Varig resolvido. Reuniões e mais reuniões são feitas com os Exmos. Ministros do Governo Federal e eles se mostram sensibilizados e preocupados com a causa, mas, no entanto os resultados destas reuniões não revelam que a solução está por vir. Muitas reuniões e os resultados das mesmas não aparecem. Parece que não há vontade política de resolver tão grave e difícil questão. Não há interesse do governo federal em resolver a tão difícil causa Aerus Varig. De repente o governo vai empurrando com a barriga esta grave questão. Mais e mais ex.trabalhadores da Varig vão falecendo e o dinheiro que lhes é devido fica ou ficará como um belo e enorme precatório que não sabemos se um dia os nossos netos ou bisnetos irão receber. Dinheiro que nos é devido sim. Pagamos muitos anos para ter uma aposentadoria digna e tranquila e hoje amargamos não ter dinheiro suficiente para manter um pouco de dignidade para nós e nossas famílias. (...) Não há justiça social em um país onde milhares de homens e mulheres passam as maiores dificuldades financeiras por terem pago um plano de previdência privada ( Fundo de Pensão Aerus/ Varig) e o mesmo agora está em extinção. Pobre País em que seus trabalhadores são relegados a segundo plano pelo governo e pelos representantes que fazem as leis do País. Atenciosamente, Comissário de bordo aposentado da Varig José Paulo de Resende.Itaipu - Niterói - Rio de Janeiro.

Muitos processos estão ainda sem respostas, mas no dia 23 de julho de 2012, os participantes e os dependentes titulares de benefícios dos Planos de Benefícios da Varig, conseguiram uma vitória. O Ex-juiz Jamil Rosa de Jesus julgou procedente o pedido de condenação da União por não ter fiscalizado e nem protegido os participantes dos planos da previdência complementar no processo 2004.34.00.010319-2 movido pelo Sindicato Nacional dos Aeronautas e Associação dos Funcionários Aposentados e Pensionistas da Transbrasil (AAPT) contra a União, Superintendência de Previdência Complementar (sucessora legal, em parte, da União) Instituto Aerus de Seguridade Social e outros: 79

Processo: 2004.34.00.010319-2 Nova Numeração: 0010295-77.2004.4.01.3400 Classe: 65 - AÇÃO CIVIL PÚBLICA Vara: 14a VARA FEDERAL Juiz: JAMIL ROSA DE JESUS OLIVEIRA Data de Autuação: 24/03/2004 Distribuição: 7 - REDISTRIBUICAO MANUAL 13/09/2005 No de volumes: 1 Assunto da Petição: 1030000 - ATOS ADMINISTRATIVOS - ADMINISTRATIVO Observação: Localização: PILHA 1 - PILHA 1 Movimentação Data Cód Descrição Complemento 23/07/2012 10:43:42 179 Intimação / Notificação pela imprensa: Publicado Sentença Data:23/07/2012 19/07/2012 14:26:00 178 Intimação / Notificação pela imprensa: Publicação Remetida Imprensa Sentença publicação

140. – Os atos omissivos e danosos da União, pela antiga SPC, ocorreram desde o vencimento das primeiras contribuições não recolhidas e a partir da adesão de cada patrocinadora Varig e Transbrasil, até as respectivas liquidações dos seus Planos de Benefícios pela antiga SPC. 141. – E o não recolhimento das contribuições, para o qual concorreu decisivamente a omissão da União, causou prejuízo aos participantes, e aos dependentes, que não puderam perceber os benefícios complementares, ou de receber a parcela que lhes coubesse na distribuição dos ativos dos Planos, conforme cláusula IX do Regulamento do Plano de Benefícios (…). 142. – Portanto, a reparação dos danos consistirá em montante individual e nos estritos limites das contribuições que deveriam ser vertidas e não o foram pelas referidas companhias, tanto da parcela da patrocinadora quanto da parcela dos participantes, inclusive a chamada Terceira Fonte até sua extinção, devidamente corrigida e adicionada de juros, nos termos da lei civil, conforme se apurar em liquidação de sentença por arbitramento.(...)

Na parte dispositiva, em que o Juízo determina as providências concretas, assim ficou estabelecido:

[...] Em face do exposto, a) rejeito todas as questões preliminares suscitadas pelos réus; b) pronuncio a prescrição da pretensão concernente à chamada Terceira Fonte; c) julgo improcedente os pedidos relativos à alteração e ao fracionamento, por patrocinador, dos Planos de Benefícios do Aerus, à retirada de patrocinadoras (TAM e ) e das respectivas reservas, e à liquidação dos Planos Varig e Transbrasil; d) julgo improcedente o pedido de condenação das demais patrocinadoras em relação aos Planos da Varig e da Transbrasil, pois não há solidariedade entre os diversos Planos de Benefícios administrados pelo Aerus; e) julgo improcedentes os pedidos de nulidade das renegociações de dívidas 80

das patrocinadoras Varig e Transbrasil; f) julgo procedente o pedido de condenação da União a indenizar os participantes e os dependentes titulares de benefícios dos Planos de Benefícios da Varig e da Transbrasil, por omissão no poder-dever de fiscalização e proteção dos participantes dos planos de previdência complementar (art. 3, item I, da Lei no 6.435, de 1977, c/c art. 3o, itens V e VI, da Lei Complementar no 109, de 2001), indenização que consistirá em montantes individuais, apurados nos termos declinados no tópico próprio (itens 140 e 142) desta sentença. Determino o imediato comprimento pela União da decisão proferida no Agravo de Instrumento no 2006.01.00.016434-4, pois realizada a condição imposta pelo Supremo Tribunal na Suspensão de Liminar no 127 (fls. 2.439).59

O trabalhador ficou esquecido nesse processo e reduzido a último plano. Que tipo de proteção trabalhista é essa que desprotege? Onde se encontrava a fiscalização governamental quando o Aerus padecia? O direito do trabalhador flexibiliza-se, sua proteção tende à fragmentação para soluções feitas sob medidas? Eis a questão!

“E vamos nós”... Somos loucos ou heróis? Imbatíveis no tempo, mortais ao relento. Noites adentro, sem dias certos. Sem horas marcadas, não deixamos pegadas Nas noites aladas... É o dia... Virando noite, é a noite... Virando dia Eterna agonia... Cavaleiros do ar, cavalheiros à bordo Abordamos o tempo, acordamos no intento E tentamos... Enganar a mente, que muitas vezes sente O que está presente, e torna-se ausente Mesmo que se tente, e até que se invente Para passar as horas, por aí afora... E agora? Outra vez vamos nós Somos loucos ou heróis? Pai... Rogai por nós!” (Pai... Rogai por Nós, Luís Félix)

59 A sentença completa do Processo: 2004.34.00.010319-2. Disponível em: . 81

Foto 1 – STF – Olhai por nós! Fonte: Cedida por ex-funcionários da Varig

Os relatos registrados no próximo capítulo são um sucinto retrato dessa cruel realidade vivida pelos ex-funcionários participantes e beneficiários do Aerus da extinta Varig, e salientam os impactos causados nos demitidos e aposentados “variguianos”60, e como se encontram em meio a essas mudanças ocorridas nos últimos anos no setor da aviação comercial brasileira, especificamente na antiga Varig.

60 Denominação dada aos funcionários que trabalhavam na Varig. 82

CAPÍTULO III

OS IMPACTOS CAUSADOS NOS DEMITIDOS E APOSENTADOS “VARIGUIANOS: VOZES SEM ESCUTA”

Sede como os pássaros que, ao pousarem um instante sobre ramos muito leves, sentem-nos ceder, mas cantam! Eles sabem que possuem asas.

(Victor Hugo)

Levando em conta que falar do ser humano é falar de um ser biológico, psicológico e social histórico, fragmentar seria o mesmo que abortar partes integrantes e importantes desses homens. Querendo justamente buscar essa integralidade e avançar um pouco mais no conhecimento desses homens que dedicaram tantos anos de suas vidas à Varig, que voaram por tantos lugares, tendo várias vidas sob suas responsabilidades. Por serem considerados funcionários de uma empresa de prestígio nacional e internacional, pela competência dos serviços prestados, é que se tornou importante apreender um pouco do cotidiano desses homens. Os depoimentos usados neste capítulo constam na íntegra no Anexo C, item C.2. Como estariam e como se sentem hoje, esses funcionários demitidos e aposentados, em sua vida profissional, social e familiar? Que consequências sofreram ou vêm sofrendo com a perda de seus direitos? Os impactos sofridos vão além da questão do emprego; perda de direitos trabalhistas e previdenciários. Ocorrem problemas de saúde e de famílias que foram desfeitas. Mais de 600 óbitos, registrados desde o início da crise da Varig até hoje, são sentidos. A família é o reduto do mundo íntimo e um lugar de pertencimento. É a “comunhão” de sujeitos que tecem a mesma “teia”, da qual preservarão alguns fios tecidos em suas composições ou recomposições futuras. No entanto, vem ocorrendo uma desestruturação na vida social e familiar dessas pessoas, como se pode constatar em alguns relatos, concluindo que batalhas também são causadas na alma. 83

3.1 Histórias de Vida

Os problemas na família e mudança na vida social são fortemente observados: Alguns amigos se afastaram, lazer praticamente não existe, conflitos dentro da família. (Engenheiro de voo A, 17/10/2011).

Na família – muda muita coisa, você passa de independente para estorvo, de quem dá presente para aquela pessoa que nunca dá nada, de legal para tolerável, de jovial para velha, de convidada para esquecida, daquela que dá para aquela que pode pedir, é muito duro isso! Passei da fase da depressão, mas venho perdendo por causa desta indigna e podre maldade que fizeram conosco! (Comissária I, 25/9/2011).

Nos últimos meses de vida da Varig, me separei, o ex-marido que também foi comissário, entrou em depressão pela situação e então sem trabalho ou chances de procurar emprego, fui obrigada a assumir toda a educação assim como as despesas financeiras do filho e de toda uma casa. (Comissária E, 29/9/2011)

Minha vida social se resume em fotografar e filmar cenas do cotidiano e voltar para casa e trabalhar muito no meu computador fazendo os meus pequenos filmes que coloco no Youtube. (Comissário C, 30/9/2011).

Eu me separei, em virtude de não aguentar tamanha mudança em toda a minha estrutura de vida. Meu filho, na época com 13 anos, estudava em uma escola alemã. Teve que sair desta escola e hoje estuda em um Colégio do Estado. Teve que deixar o inglês, o judô. Do que eu fazia como entretenimento, diversão, quase nada sobrou. Com todas essas mudanças, minha autoestima também se foi. (Comissária C, 3/10/2011).

Vivo só com a aposentadoria, me privo de muitas coisas, mas o que mais me incomoda é não ver mais minha família com a frequência que via. (Comissária A, 29/9/2012).

Saí muito machucado de todo este processo. Minha vida social ficou muito mais restrita, reduzida, até mesmo porque não me sobra tempo para uma vida social. Minhas horas livres e meu pouco tempo de folga são utilizados para descansar. (Comandante G, 27/9/2011)

Hoje vivo longe de dois filhos de um casamento anterior, longe da família e dos amigos em um país de cultura completamente diferente da nossa. Hoje me sinto como um exilado político e profissional. (Comandante A, 17/10/2011).

84

O trabalho torna-se uma via de mão dupla, quando este pode ser o gerador do prazer e/ou do sofrimento humano, como bem diz Codo (1987):

Se o homem é roubado de seu próprio trabalho, é roubado de si mesmo, perde-se quando deveria se identificar desconhece a si mesmo quando deveria se reconhecer, destrói-se quando deveria estar se construindo. (p. 32).

Esse sofrimento pode ser identificado nos relatos a seguir sobre perdas materiais e financeiras:

Nunca posso ir a um aniversário, a um encontro, tudo custa dinheiro. Essa é a verdade. Adoro cursos, não posso fazer. Não posso comprar livros. Não posso ir ao cinema. Esses dias teve o aniversário de uma amiga que custava ridículos 16,00 reais. Não pude ir. (Comissária I, 25/9/2011).

A minha vida mudou muito. Se não fosse minha mulher que trabalha fazendo bolos, doces, vestidos de noivas, de noite (trabalha muito e tem 63 anos) eu estaria passando por mais dificuldades financeiras. Se não fosse esta grande ajuda da parte dela eu já teria vendido a minha casa aqui em Itaipu para morar em uma casa muito menor ou morar até em um apartamento menor. Não frequento a muitos anos teatros. Cinema de vez em quando. A maioria das vezes, pego filmes em locadoras para assistir no meu computador. Restaurantes somente em datas muito especiais. (Comissário C, 30/09/2011).

Não tenho mais casa, moro em um quarto da casa de meu irmão, não tenho carro, não tenho namorado, não recebo ninguém em casa, pois a casa é dele, não saio. (...) O máximo que vou é ao cinema eventualmente. Nunca mais viajei, não tenho dinheiro para viajar nem no Brasil. Tentei me recolocar no mercado de trabalho, mas aos 50 anos não encontrei emprego então fui trabalhar na organização de casamentos, mas o que eu ganho não é suficiente para pagar minhas contas. Minha irmã e cunhado pagam meu plano de saúde e me dão uma mesada. (Comissária B,17/10/2011).

Trabalho em uma firma de exames de saúde, meu padrão financeiro é o mínimo possível; CPF negativado, em virtude da falta de pagamento pela Varig e pelo não recebimento da rescisão. Ainda choro muito, pois trabalhar na Varig era prazeroso, e fizemos o possível para chamar atenção para nossa situação. Não possuo mais carro, tenho dificuldades financeiras reais. (Comissária C, 3/10/2011).

Acho que todos sofremos com o final de nossos empregos, como era da Apvar tive que ajudar muitas pessoas destruídas psicologicamente e financeiramente pelo encerramento repentino 85

da Varig, apesar de toda a luta que tivemos sabíamos que só estávamos protelando sua falência, tive dois empregos depois do final da empresa que me deixaram fisicamente debilitada, já que fui trabalhar só pelo financeiro, como sou solteira hoje decidi que prefiro “contar tostões”, mas estar com saúde. (Comissária A, 29/9/2012).

Não sou infeliz, mas tenho grande mágoa de não poder continuar a minha vida como deveria, sem tantos cortes e tanta miséria. (Comissária F, 26/9/2011).

Apesar de todos os problemas hoje vivenciados, enfatizam o prazer que era voar; trabalhar na Varig:

Era o que eu queria, meu sonho profissional. Quando tinha cerca de 7 anos vi um anúncio na tevê, da Vasp, com a comissária de voo Marcelina. Ali eu vi que era o que eu queria. (Comissária C, 3/10/2011).

Tenho aviação nas veias. Amo aviação e sempre amarei. A Varig foi meu primeiro emprego. Comecei a voar aos dezoito anos, já falava Inglês, pois sabia o que queria desde criança. Voei por 21 anos. (...) Como funcionária, eu amava a minha profissão e vesti a camisa da empresa até o seu fim. Tinha uma grande motivação de viver pelo mundo, conhecendo lugares e principalmente pessoas. Eu optei pela profissão e não tive filhos para me dedicar 100% ao meu trabalho. (Comissária D,17/10/2011).

Meu pai foi funcionário da Varig por 40 anos então “me criei” lá dentro! Assim, acabei tomando gosto pela vida da aviação e me formei pra isso. (Comissária H, 18/11/2011).

A Varig funcionava como uma família. Os funcionários tinham muitas compensações pelo trabalho realizado. O ambiente era de respeito e tenho certeza NUNCA existirá outro igual no Brasil. Não com os atuais figurantes. (Piloto chefe A, 28/9/2011).

Sempre fui apaixonada por aviões e aeroporto, desde menina. Liguei um ano inteirinho para o RH da Varig, até ficar sabendo que havia vagas disponíveis para trabalhar no aeroporto que seria inaugurado em Guarulhos (...). Era completamente realizada. (Agente de atendimento A, 30/9/2011).

Realizei-me como Comissário de Bordo porque a função me fazia ter contato com outras pessoas, servir as mesmas (servir e não ter postura serviçal ) com prazer, requinte. (Comissário C, 30/9/2011).

Dediquei minha vida profissional à Varig e todos os dias acordava feliz por poder ir trabalhar. Depois de 10 dias de férias já estava “louco” para voltar ao trabalho. Era onde estavam meus amigos e minha vida. (Diretor A, 28/9/2011).

86

Muitos foram obrigados a deixar o Brasil, para sobreviver e sustentar suas famílias, pois não mais encontraram espaço no mercado de aviação civil brasileira, apesar do conhecimento e experiência que possuíam e possuem. Como consequência, vivem longe de seu país de origem, dos amigos e familiares.

Quebrei financeiramente, perdi meu fundo de pensão, vivo fora do Brasil e nunca mais voltarei. (Comandante B, 17/10/2011).

Saí do Brasil em 2006 na pior, falido. Não pretendo voltar a trabalhar no Brasil nunca mais. Voei quatro anos na China e hoje estou em Dubai. Lugares seguros e prósperos em que vivemos muito mais confortavelmente e prosperamos a cada dia. A consequência maior foi o afastamento dos familiares – pais, avós, etc. e amigos. (Comandante H, 30/9/2011).

Graças a Deus ainda tenho saúde para trabalhar. Fui obrigado a deixar o país e me sujeitar a um contrato de trabalho, o qual me proporciona aproximadamente três meses de convívio com minha esposa e filhos por ano. Com o fim da empresa, minha promoção para comandante foi abortada. As empresas no Brasil não me aceitaram devido a idade. Fiquei sem emprego e sem perspectiva de sustento através da aviação. Acabei aceitando sair do país para que pudesse dar uma vida digna e estudo aos meus filhos e esposa. (Comandante I, 27/9/2011).

Por conta da minha participação ativa contra as falcatruas que estavam sendo perpetradas contra a Varig, meu nome consta de uma lista negra mantida pelas empresas aéreas brasileiras, o que me impede de trabalhar no meu próprio país. Assim, hoje me encontro morando e trabalhando no exterior, tentando refazer meus planos de aposentadoria. (Comandante A, 17/10/2011).

Exilado. Longe da família, pessoas queridas, perseguido político. (Comandante K, 28/9/2011).

Na Figura 19 são retratadas as empresas e os países onde hoje estão alguns ex-funcionários da Varig.

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Figura 19 - Empresas e países onde estão hoje muitos pilotos da Varig Fonte: Site da Apvar 1. Inglaterra – Ryanair; 2. Alemanha – Ryanair; 3. – Ryanair, Euroathantic Airways e Portugália; 4. Itália – Ryanair; 5. Turquia – Turkish Airlines; 6. Tunísia – Karthago Airlines; 7. Bahrain – Gulf Air; 8. U.A.E – Emirates Airline, Fly Dubai e Etihad Airways; 9. Qatar – Qatar Airlines; 10. Índia – Jet Airways, Kingfisher Airlines e Air India; 11. China – Hong Kong Express, Hong Kong Airlines, Air Macau, Shenzhen Airlines, Jade Cargo International, Hainan Airlines e Shanghai Airlines.; 12. Coreia – Korean Air e Asiana Airlines; 13. Japão – JAL Express e Skynet Asia Airlines; 14. Taiwan – EVA Air; 15. Cingapura – Singapore Airlines; 16. Nigéria – Arik Air; 17. Angola – TAAG; 18. Brasil – Azul Linhas Aéreas, Gol Transportes Aéreos, Webjet Linhas Aéreas, BRA Transportes Aéreos, Flex-Nordeste Linhas Aéreas, NHT Linhas Aéreas, OceanAir e Varig Logística. 61

Como se percebe nos relatos anteriores, as perdas foram imensas, em todos os sentidos da vida, e o descaso para com os direitos do trabalhador são traduzidas por esses desabafos.

Tinha uma vida de aposentado tranquila porque meu salário do Aerus (antes da liquidação dos planos I e II da Varig no Fundo de Pensão) era muito bom. Ganhava, em março de 2006, bruto, R$ 3.475,00 - um mês antes da Intervenção do Aerus - 12 de abril de 2006 (sem contar a aposentadoria do INSS) e hoje ganho somente R$ 592,55 de benefícios do Aerus. Paguei durante 17 anos para ter uma aposentadoria digna e hoje tenho, assim como todos temos, uma aposentadoria indigna. E o pior disto tudo é ver os colegas demitidos sem o seu Aerus. Eles ficaram a ver navios. (Comissário C, 30/9/2011).

Sinto-me uma palhaça, enganada e roubada, fui enganada, acreditei que a empresa cumpriria o que estava determinando na convenção e que nos pagariam,roubaram meus depósitos de 21 anos no Aerus, meus salários, FGTS, etc. (Comissária B, 17/10/2011).

61 Disponível em: . 88

Estou aposentada, sem grana dependente de família para “sobreviver”. Sofrendo muito... Fui ignorada e desrespeitada como trabalhadora e, sobretudo como ser humano. (Supervisora e Instrutora Continental e Intercontinental A, 30/9/2011).

Paguei 21 anos de Aerus e não recebi nada porque não sou aposentado! A secretaria de aposentadoria complementar deveria me pagar ou o Aerus, para que eu pudesse me aposentar. (Comandante C, 29/9/2011).

Graças a Deus, continuo trabalhando, atualmente, na ANAC como Gerente (em cargo comissionado), mas não com tanto entusiasmo como tinha antes, e recebendo, como aposentadoria do Aerus, menos de 30% do que deveria receber. (Diretor A, 28/9/2011).

Contribui todo tempo para o Aerus, minha matrícula é de três dígitos, isto é, entrei no primeiro ano. Essa era minha poupança! E eu, ainda sou do plano I - o mais prejudicado! Olha, sou feliz porque sou osso duro. Faço limonada do limão e ponho açúcar. Mas, não posso parar para pensar no Aerus/Varig, caso venha a enfartar terei que ir para hospital público. Ou ir para sete palmos como mais de 500 foram! Escolhi “viver”! (Comissária I, 25/9/2011).

Sofro com a atual situação do Aerus, na falência total. Mudou tudo para pior. O dinheiro não dá para mais nada. (Comandante E, 7/10/2011).

Como a maioria dos ex-colaboradores, estou numa situação delicada. Nossa aposentadoria complementar, o Aerus, que serviria para complementar nosso salário do INSS para que continuássemos a receber o que recebíamos na ativa, sofreu intervenção do Governo. É que, apesar da obrigação da Fiscalização do Governo, o Aerus, a Varig e o Governo acordaram em deixar de receber a parcela mensal que deveria ser feita pela Varig. Com isto a reserva do Aerus foi sendo corroída até acender o sinal vermelho. O Governo lavou as mãos e até hoje se exime de qualquer responsabilidade, ainda que fosse o Fiscal das transações. Assim, apesar ter pagado pontualmente a integralidade das minhas contribuições ao Aerus, deixamos de receber nossos pagamentos. Limitações de toda a sorte. A receita caiu mais de 80%. (Chefe do Centro de Multimídia do Treinamento de Operações de Voo A, 26/9/2011).

A revolta com as perdas, envolta em um sentimento de raiva e mágoa, é grande, assim como o abalo físico e o emocional.

Fui roubada, surrupiada nos meus direitos trabalhistas e previdenciários. (Comissária E, 29/9/2011).

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Sinto-me roubado, paguei quase 20 anos para ter uma velhice tranquila, estou recebendo 10% do que deveria com perspectiva de acabar e o governo, o grande culpado fica empurrando a solução com a barriga. (Engenheiro de voo A, 17/10/2011).

Hoje, estou doente, meu corpo e alma morreram juntos com a Varig, aquela Varig. Hoje, aviação perdeu o glamour... Nunca mais haverá uma Varig neste País, com os profissionais, se me permite a modéstia, se empenhando em dar um atendimento de excelência. (...) Quando ficamos meses trabalhando sem receber salários, estávamos dando a nossa vida pela empresa, como um soldado pelo seu País. (...) Estou de licença de INSS me tratando de uma depressão gravíssima entre outros problemas análogos... Hoje me sinto Infeliz e vazia... Incapaz, frustrada, perdedora... (Comissária D, 17/10/2011).

Um governo que autorizou a recuperação judicial e permitiu que ficássemos sem receber salários dos meses trabalhados até os dias de hoje, sem falar nos mínimos direitos trabalhistas só pode ser classificado como Bárbaro, Medieval, inescrupuloso e assassino, por conta de colegas que morreram de infarto ou até mesmo por não terem mais condições de comprarem medicamentos. (...) É simplesmente impossível descrever em uma frase o nível de humilhação, ultraje, desrespeito e dano causado a minha pessoa e a de minha família. (Piloto A, 28/9/2011).

Perdi uma parte de minha autoestima, me tornei uma pessoa mais reclusa e conformada em "não poder mais", "não ter mais”, "sonhar menos. (Controlador de Tráfego Aéreo A, 3/10/2011).

Assassinato de milhares de famílias que ficaram sem ter o que colocar na mesa, sem poder mais pagar colégio e cuidados com a saúde. Sem falar na impossibilidade de encontrar outro emprego. Ficamos absolutamente na miséria. (...) Em suma, perdi amigos, casa, família, junto com a possibilidade de ter uma vida mais tranquila. monetariamente. (Comissária F, 26/9/2011).

Nunca mais me encontrei em nada, fiquei meio sem rumo (...). A Varig não tinha salários estratosféricos, mas não posso me queixar do que recebia porque tinha alguns adicionais por conta do tempo de casa que faziam a diferença, além do plano de saúde que era metade do que pago hoje, e era para mim e meu marido. (...) ainda choro toda vez que vejo algo da Varig. Não consegui cortar o “cordão umbilical”. É como se fosse um casamento que acabou de repente e ficou algo pendente, algo por ser resolvido. (Agente de Atendimento A, 30/9/2011).

Pergunta-se até quando vidas continuarão sendo ceifadas (hoje, registra-se um total de 640 óbitos) e famílias continuarão desamparadas.

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Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia... A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar- se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se costuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.

(Marina Colasanti)

3.2 Ainda Resta uma Esperança – Organização e Luta

Divergências entre associações (Apvar, Acvar e AMVVAR) e o Sindicato Nacional dos Aeronautas ainda perduram, bem como o corporativismo que existe entre as categorias, inclusive, e é ressaltado em uma das entrevistas:

O nepotismo e o corporativismo dos tripulantes técnicos (comandantes) o que criava um abismo entre eles e o restante dos trabalhadores da empresa. Eram "os intocáveis”. Cresci na empresa por méritos e cheguei a ser Chefe de Equipe internacional. Hoje sou aposentado e não sinto falta da aviação, não sei explicar o porque. (Controlador de Tráfego Aéreo A, 3/10/2011).

Em um dado momento, vários representantes se uniram e iniciaram assembleias e manifestações públicas contra a falência e venda da Varig e intervenção no Aerus. Crise essa que a Apvar vinha anunciando. A luta dos variguianos continua por meio das manifestações feitas durante todos esses anos, apesar de tudo indicar que o governo federal ignora a importância daquela que foi a maior empresa aérea brasileira, contando 79 anos de serviços prestados ao povo brasileiro e ao País. Consequentemente, são várias as famílias “órfãs”, sem perspectiva e nem esperança, aspectos que ultrapassam, e muito, a questão financeira, quando é verificada a dimensão das perdas com a “tragédia silenciosa” que tomou conta de todos os envolvidos. Fotos de algumas manifestações, relatos e entrevistas, retratam a luta solitária desses homens: vozes ainda não ouvidas.

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- Manifestação no aeroporto Santos Dumont (SDU), no Rio de Janeiro

Foto 2 – Manifestação no aeroporto Santos Dumont (SDU), no Rio de Janeiro, em 21 de outubro de 2006 Fonte: Acervo/ Paulo Resende

Foto 3 – Manifestação no aeroporto Santos Dumont (SDU), no Rio de Janeiro, em 21 de outubro de 2006 Fonte: Acervo/ Paulo Resende

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Foto 4 – Manifestação no aeroporto Santos Dumont (SDU), no Rio de Janeiro, em 21 de outubro de 2006 Fonte: Acervo/ Paulo Resende

- Manifestação na Alerj, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2009

Foto 5 – Manifestação em frente da Alerj, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2009 Fonte: Acervo/Paulo Resende

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Foto 6 - Manifestação em frente da Alerj, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2009 Fonte: Acervo/Paulo Resende

Foto 7 - Manifestação em frente da Alerj, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2009 Fonte: Acervo/Paulo Resende

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Foto 8 - Manifestação em frente da Alerj, no Rio de Janeiro, em 7 de julho de 2009 Fonte: Acervo/Paulo Resende

- Manifestação Acordo Já no Posto 6, em Copacabana, no Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 2012

Foto 9 – Manifestação Acordo Já, no Posto 6, em Copacabana (RJ), em 20 de janeiro de 2012 Fonte: Acervo/ Paulo Resende

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Foto 10 – Manifestação Acordo Já, no Posto 6, em Copacabana (RJ), em 20 de janeiro de 2012 Fonte: Acervo/Paulo Resende

Em relato de 12 de outubro de 2011 o comissário aposentado, José Carlos Bolognese, assim se expressa:

Neste dia 12 de outubro atingimos a incrível, inaceitável e injustificável marca de 5 anos e meio de um covarde e arbitrário calote em nossa aposentadoria. Mas, falar em perda de poupança e pensão é muito pouco, pois esses termos, por mais que se esforcem, não podem definir o que é passar a vida trabalhando, atento ao passar dos anos, poupando para um futuro um pouco menos incerto e descobri-lo comprometido pela irresponsabilidade de terceiros. Aposentar-se de um emprego de muitos anos não significa retirar-se da vida. Ao contrário, poderiam ser os melhores da vida de um trabalhador se o trato fosse feito com gente séria. Contudo, da maneira como são tratados os aposentados nesse país, parece ser o sonho dourado de todos os governantes brasileiros, senão mesmo uma política de estado, ver o trabalhador ser extinto junto com seu emprego. Não é incomum uma pessoa em situação como a nossa, remexer o passado e se perguntar com algum embaraço, se fez algo de errado. Com vergonha até, perguntar-se, se contribuiu para o seu sofrimento e o dos familiares. Mas não é preciso ir muito longe para descobrir que se há uma vergonha aí, ela não lhe pertence. É uma vergonha alheia, criada por

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mentes que não abrigam esse sentimento. Desde o começo – antes e depois do fim da Varig – os fatos que contam são: 1) Um fundo de pensão privado foi criado para complementar as aposentadorias dos trabalhadores na aviação. 2) A estrutura jurídica do Aerus foi baseada em leis vigentes no país – e não comprada em uma banca de camelô. 3) Os funcionários das empresas pagaram religiosamente a sua parte no contrato. Nada disto foi defendido, fiscalizado ou protegido pelo Estado como era sua obrigação. Daí, a trágica situação em que se encontram os aposentados do Aerus até este mês de outubro de 2011. Quando reclamamos nossa aposentadoria de volta, não damos a ninguém o direito de duvidar que seja legítima. Nós realmente pagamos parte de nossos salários segundo um modelo instituído dentro de perfeitos marcos legais. Assim como uma mentira não vira verdade só por ser muito repetida, uma verdade não vira um delírio só porque sua repetição incomoda. Eu também concordo com o ministro do STF quando ele fala de uma emenda que pode tornar a justiça não apenas mais ágil, mas… muito mais ágil. Concordar é uma coisa. Acreditar porém, é bem outra. Em que mundo vive essa gente que sempre, ao ser questionada, declara-se comprometida com os mais profundos interesses sociais, mas não consegue ou não se esforça para ir do discurso à prática? Das autoridades aceitaria com prazer se, ao declararem suas boas intenções, estivessem sinceramente compreendendo que nós, ao falarmos do calote em nossa aposentadoria, estamos falando em termos muito reais, que nos faltam recursos para pagar um plano de saúde. Em vez de declarações genéricas sobre princípios republicanos, geralmente desprezados no mundo real, preferia que um ministro, uma autoridade dessas, perguntasse como é que a gente faz para viver. De que forma vivemos o problema de não poder ir ao dentista quando um dente dói. Quando e como compramos um par de óculos novos porque o nosso quebrou ou ficou defasado. Se temos acesso ao lazer e, se ele, como às demais pessoas, faz falta. De minha parte quero deixar bem claro que não serei grato a nenhuma autoridade, pois ao virem com uma solução para o Aerus, depois de tantos anos sabendo o que essa demora acarretou, não vão pensar por certo naqueles aos quais ela não alcançou. Serei grato apenas a Deus e aos colegas que realmente se empenharam desde o começo para reparar uma injustiça histórica. Às autoridades concederei apenas os cumprimentos por terem afinal enxergado a luz da razão. A caminho do sexto Natal sem o nosso dinheiro, esperamos que essa luz ilumine essas autoridades dissipando as trevas da hipocrisia. E se mais este Natal for como os últimos cinco, quando passamos vergonha por não podermos estar como pessoas normais, vamos lembrar que é a vergonha dos outros que faltou se mostrar. A vergonha “alheia”. (BOLOGNESE, José Carlos. A vergonha alheia. Comissário de bordo aposentado da Varig, 2012).

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Os ex-funcionários e aposentados do Aerus/Varig não se calam, mas vêm lutando por meio da divulgação na mídia falada e na escrita, na internet, em encontros e manifestações que continuam, neste ano de 2012. Onde conseguem espaço deixam ecoar seus “gritos” de aflição, de indignação, de desrespeito ao direito da proteção social para aqueles que dedicaram tantos anos de trabalho e de suas vidas à empresa que era considerada a “estrela brasileira”.

Foto 11 - Sem amparo, aposentados da Varig lutam para receber pensão Fonte: BUSTAMANTE, Luisa. Jornal do Brasil. Publicidade de 14/2, às 13h22.

Durante 24 anos ininterruptos, a ex-comissária de bordo Elizabeth Ferreira de Oliveira, que prefere ser chamada de Elizabeth Feoli, voou o país inteiro pelas asas da antiga Varig. Há alguns anos, a vida da aposentada de 58 anos, assistida pelo plano de previdência privada Aerus, despencou em queda livre. Desde a falência da então maior companhia de aviação do Brasil, Elizabeth sobrevive com menos de 15% do que teria direito a receber pelo plano com o qual contribuiu durante grande parte da sua profissão. Na luta contra um câncer de ovário, ela desabafou ao JB que tem a sorte de poder contar com a ajuda dos amigos, que contribuem com remédios e a alimentação necessária para combater a doença. Assim como Elizabeth, cerca de 12 mil assistidos do fundo de pensão Aerus, o maior credor privado do processo de recuperação judicial da Varig, foram obrigados a viver uma dramática velhice sem receber o que lhes é devido. São pessoas que, durante grande parte das suas carreiras, contribuíram com quantias que chegaram a ultrapassar 60% das suas rendas mensais, sem mencionar os valores que eram retidos na fonte. Hoje, esses aposentados em guerra enviam incansáveis cartas para autoridades distintas, na esperança de

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que o processo de defasagem tarifária da companhia – que já tramita há seis anos no judiciário - seja julgado. Engatilhado por essa via-crúcis, o efeito colateral é de um aumento de 50% na taxa de mortalidade do grupo. De acordo com a Associação dos Participantes e Beneficiários do Aerus (Aprus), foram registradas 627 mortes, em um grupo de pouco menos de 9 mil associados do fundo de pensão, desde 2006 para cá. A senadora Ana Amélia (PP-RS) chamou atenção para o número, lembrando que no próximo dia 12 de abril, completam-se seis anos que o processo tramita sem ser julgado. (BUSTAMANTE, Luisa. Sem amparo, aposentados da Varig lutam para receber pensão. Jornal do Brasil. Publicidade, 2012).

Mais um relato é publicado pela Internet nos grupos de debates:

Nós, ex.trabalhadores da Varig, assim como milhões de pessoas comemoramos a Páscoa neste domingo 08 de abril de 2012. Infelizmente gostaríamos de ter comemorado a mesma com nossa dignidade de volta. Coisa difícil de acontecer até o presente momento, pois desde o fatídico dia 12 de abril de 2006, os ex.trabalhadores da Varig, não possuem mais dignidade e estão mergulhados em difíceis tempos que já ceifaram 633 pessoas ( gente nossa ) e levaram milhares de homens e mulheres e suas respectivas famílias a bancarrota. A partir de abril de 2006 nós tivemos nossas vidas viradas de cabeça para baixo e tudo isto porque quem deveria cuidar de nossas poupanças no Fundo de Pensão Aerus Varig não o fez corretamente e deixou, ou melhor, permitiu que repactuações de dívidas fossem feitas entre a Varig e o Fundo de Pensão Aerus (21 repactuações de dívidas no caso Varig). Esta incumbência foi da SPC - Secretaria de Previdência Complementar hoje Previc. Ela não fiscalizou como deveria ter feito, mas soube muito bem Intervir e liquidar de vez os Planos I e II da Varig no Fundo de Pensão Aerus no dia 12 de abril de 2006. A SPC hoje Previc é um Órgão do Governo Federal para fiscalizar os Fundos de Pensão. A fiscalização da SPC, hoje Previc, foi péssima ou pior foi desastrosa, mas quem só pagou a conta desta péssima fiscalização foram os ex.trabalhadores da Varig e suas respectivas famílias. (RESENDE, Paulo. comissário de bordo aposentado da Varig, 2012).

Aproveitando o fato de várias autoridades estarem presentes na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, os demitidos e aposentados da Varig/ Aerus fizeram manifestação no Forte de Copacabana, no Rio de Janeiro, no dia 21 de junho de 2012.

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Foto 12 – Manifestação no Forte de Copacabana (RJ) em 21 de junho de 2012 Fonte: Acervo/Paulo Resende

Foto 13 – Manifestação no Forte de Copacabana (RJ), em 21 de junho de 2012 Fonte: Acervo/Paulo Resende

A reivindicação dos direitos continua, mesmo ainda sem solução digna para esses trabalhadores que dedicaram tantos anos de suas vidas à Varig, empresa que teve seu voo interrompido do céu do Brasil e de outras partes do mundo e, com isso, gerou um problema social, ceifando vidas, pondo fim à esperança e desenhando um futuro incerto para milhares de famílias. Por isso,

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este capítulo é finalizado por uma carta enviada à presidente Dilma Rousseff pela comissária Angel Nunes e divulgada nos grupos de discussão da Varig e dos credores do Aerus na Internet, no site Facebook, com o consentimento da autora e que sintetiza a aflição de todos os demitidos e aposentados da Varig/Aerus, na esperança de que suas vozes quiçá sejam ouvidas.

Carta à Presidenta Dilma sobre seu discurso na criação da Comissão da Verdade.

Cara Presidenta Dilma Rousseff. Muito me emocionou seu discurso. Por empatia me pus em seu lugar e imaginei sua dor, sua juventude roubada, sua impotência diante de um sistema que lhe torturou física, emocional e psicologicamente. Hoje Presidenta, a Sra. se ocupa da extinção da miséria, tem a imagem de mãe zelosa e dedicada, para com um povo que nunca se sentiu objeto de atenção. Lamentável porém que sua benevolência ainda não privilegie a mim e aos que como eu são já irremediavelmente sequelados, funcionários da falida Varig, sim falida, pois com a venda da marca há quem pense que a Varig foi recuperada. Existem ações judiciais, inclusive em última instância,dependendo apenas de boa vontade política, já nos foram feitas promessas de solução que não se cumprem, ficando nossos pleitos fadados a servir de estofo às cadeiras da justiça. Ainda me dói lembrar o quanto rogamos ao BNDES, 300 milhões para salvar a Varig, o que nos foi friamente negado, concomitantemente acompanhávamos os investimentos deste banco até em países estrangeiros. Como Brizola nos fez falta. Me lembro de seu orgulho como bom gaúcho pela nossa Varig, nas repetidas vezes em que o servi na primeira classe.Ele nos conhecia, nos amava e certamente nos teria ajudado. Resultado: perdeu-se um patrimônio nacional, a aviação brasileira nunca mais foi a mesma, e não haverá outra Varig. Da mesma forma que a Senhora se sentiu, eu me sinto agora, torturada pela angústia de ver meus colegas morrendo, pelo medo nas noites insones, sob a ameaça de suspensão definitiva do meu plano de previdência privada Aerus, que desde 2006 me paga 60% a menos do que eu faço jus, isso por ser do plano 2, porque os colegas que optaram pelo plano 1 recebem 80% a menos do que lhes caberia. Torturada Sra. Presidenta, por ver o abalo na vida e na saúde de meus filhos, um com epilepsia por stress, outro com depressão. Não vou discorrer aqui sobre minhas perdas, mas, foram muitas e irreversíveis. Torturada ainda pela humilhação de ter que implorar aos políticos, ao Judiciário e a Senhora por um direito que é meu, pois eu recebia 1200 e pagava 900 reais ao Aerus na expectativa de uma velhice tranquila e um bom futuro para meus filhos, por ter a garantia da União através da

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Secretaria de Previdência Complementar, atual Previc, órgão fiscalizador criado especificamente para me proteger, mas, que a despeito das denúncias nada fez para evitar as irregularidades que acabaram por destroçar nossa autossustentação financeira. Nossa contemporaneidade nos torna semelhante, vivemos a ditadura, o feminismo, o sonho dourado do socialismo. Somos mães, eu de dois filhos a Sra. de uma filha e de uma nação, da qual eu e meus colegas fazemos parte. Se lhe foi roubada a juventude, nos está sendo roubada a velhice, em alguns casos a vida, já que desde que essa hecatombe nos atingiu mais de 600 morreram por doenças adquiridas pelo desespero ou pelo suicídio. Se seu pranto por suas perdas, por seus mortos e por todas as violações aos direitos humanos que sofreu é legitimo, o nosso também. Seus gritos abafados nos porões da ditadura militar não sensibilizaram seus algozes. Os gritos em uníssono de 10.000 vozes (fora os dependentes) injustiçadas pelo total desrespeito a seus direitos trabalhistas e previdenciários, portanto alimentícios, regido pelo mesmo princípio jurídico que leva à prisão imediata um pai não pagador, também continuam sendo abafados nos porões da ditadura do descaso e da indiferença, sem sensibilizar aos que podem e devem preservar a justiça, e a cada óbito esse grito se torna mais fraco. Por ironia nosso algoz é o nosso defensor que não nos salvaguardou nem antes, nem durante nem depois, que agiu dentro de seu mundo entupido de leis e interpretações destas, de burocracia e etc., desprezando o valor do trabalho e da vida, como se fora cego e surdo aos nossos clamores. Alerto aquela jovem que um dia sonhou em mudar o mundo, que imbuída de sentimento nobre não poupou a si mesma de todos os riscos inclusive o de morte, que chegou a hora de realizar seu ideal de igualdade e justiça. Presidenta Dilma, o seu discurso me comoveu, será que algum dia a Senhora se comoverá com o meu? Cordialmente. Angel Nunes. (Comissária de bordo da Varig, com muito orgulho por ter representado em 10.000 horas de voo, a qualidade superior de uma empresa e o nome de meu amado país pelos mais diversos cantos do mundo - 2012).

Uma música fica mais bonita e forte quando é cantada por um coral, bem como o som de um violino ganha mais brilho quando unido a uma orquestra. Por isso, a união, a participação, a troca de experiências e conhecimentos são importantes e vitais para qualquer categoria e entre as categorias. As vozes foram e continuam sendo lançadas, faltam apenas autoridades competentes que queiram ouvi-las.

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CONCLUSÃO

A breve revisão histórica da Varig e da Fundação Ruben Berta, apresentada no primeiro capítulo, proporciona melhor entendimento da empresa, desde a sua origem até a falência e venda, bem como o surgimento da Fundação dos funcionários. Os arranjos institucionais promovidos por Otto Meyer (fundador e primeiro presidente da empresa) e Ruben Berta (primeiro funcionário e segundo presidente da empresa) introduziram inovação no gerenciamento empresarial no Brasil, ao mesmo tempo em que trouxeram o conceito de uma grande família, onde o “usufruir” era fruto do “produzir”. Os procedimentos que priorizavam a segurança de voo, e o investimento em treinamento de mão de obra, tornando-a altamente especializada, o cumprimento integral das leis do setor, a prioridade na alta qualidade dos serviços faziam o funcionário sentir-se parte integrante dessa empresa. A Fundação, criada em 1945, englobou parte das ações da companhia passando a oferecer uma rede de proteção social, através de benefícios, aos seus funcionários e familiares. A Varig foi crescendo, adquirindo novas aeronaves, conquistando rotas para além das nacionais e mesmo em tempos de dificuldades não abriu mão desses arranjos que a elevaram ao patamar mais alto da aviação aérea civil brasileira. Respeitada nacionalmente e, depois, internacionalmente, o nome Varig tornou-se uma marca forte. A expansão no mercado doméstico, iniciado no final de 1970, quando a empresa trouxe o primeiro Boeing 727, continuou durante anos, enquanto renovava sua frota e abria novas rotas. O congelamento das tarifas aéreas, na década de 1990, no entanto, resultou em crise e dívidas. A Varig perdeu espaço no mercado doméstico, com o crescimento da TAM Linhas Aéreas, e da Gol Transportes Aéreos, que conquistou os brasileiros com suas passagens baratas.

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As dívidas da empresa, somadas ao não posicionamento da diretoria, ao corporativismo existente dentro da Varig e da Fundação Ruben Berta, dificultaram a tomada de decisões e mudanças necessárias. Mudanças econômicas no governo, como os congelamentos das tarifas, durante o governo Sarney, e a forte intervenção governamental na política de reajustes tarifários, levaram os preços a valores artificialmente baixos; o Governo Collor, com a implementação da política de flexibilização do transporte aéreo brasileiro e abertura do mercado para a concorrência internacional só acirrou a crise da Varig. No governo Lula, o panorama não mudou. A tentativa de fusão com a TAM, em 2005, não se concretizou, devido às culturas particulares de cada empresa. As mudanças constantes de gestores da Varig e da Fundação são outro assunto emblemático. Entre as medidas emergenciais para conter a crise, estavam a suspensão de rotas e a redução de voos para alguns destinos; o uso de aviões menores; redução de salários e demissões. Apesar do sentimento de insegurança que permeou aquele momento, quando direitos trabalhistas, previdenciários e humanos eram desrespeitados, as associações dos funcionários se uniram em defesa dos seus direitos e pela continuação da empresa. A proposta feita para a compra da Varig, pelos Trabalhadores do Grupo Varig (várias associações na área da aviação civil ligados à empresa), liderados pela Associação dos Pilotos da Varig (que já anunciava, desde 2002, a crise, e teve, por isso, sua diretoria demitida, em um ato arbitrário), não foi aceita pela Justiça do Rio de Janeiro, que alegou falta de comprovação de renda para o pagamento. No ano de 2005, a Varig entra em processo de recuperação judicial, e, em 2006, teve suas partes estrutural e financeira isoladas e vendidas para a Varig Logística S. A. através da constituição da razão social VRG Linhas Aéreas S.A., a qual foi cedida para a Gol Transportes Aéreos. À “Varig Velha” couberam as demais atividades e dívidas acumuladas pela empresa. Conclui-se que ocorreu a privatização dos bônus e a socialização dos ônus. Com a política neoliberal, o esgotamento do papel do Estado como executor e provedor de serviços, e a “ausência” do governo em não chamar

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para si a solução do problema e passar essa responsabilidade para o Poder Judiciário, a Varig faz seu “pouso forçado”. No segundo capítulo, verifica-se como essa crise afetou também o Fundo de Pensão Aerus. Criado pelo governo, em 1982, pela Varig e Transbrasil, com o objetivo de assegurar uma aposentadoria mais digna aos trabalhadores da classe aeronáutica, encontra-se hoje sob intervenção judicial. A extinção da terceira fonte, antes do prazo firmado no acordo entre o Aerus e Varig, do adicional tarifário de 3% no total dos trechos domésticos, causou um duro golpe ao fundo, aliado à crise econômica da empresa. A falta de pagamento dos débitos da Varig para com o fundo inviabilizou a manutenção de parte das obrigações previdenciárias. A prioridade aos créditos fiscais e comerciais em detrimento dos créditos trabalhistas e previdenciários ficou clara com a Lei de Recuperação Fiscal, que tem ainda muito por discutir. O que deixa todos perplexos é a afirmativa de que, após anos de contribuição para um fundo de previdência privada, não exista nenhuma garantia de manutenção do benefício. O papel do Estado na intervenção e liquidez dos planos Aerus/Varig I e II foi feita tardiamente, e a fiscalização tornou-se inadequada para assegurar os direitos de proteção social do trabalhador. A morosidade da justiça em dar uma resposta é confirmada quando, passados sete anos, verifica-se que nenhuma ação foi executada para mudar esse cenário. Muitos processos ainda tramitam em julgado. A exemplo, o processo 2004.34.00.010319-2, com data de autuação em 24 de março de 2004 e sentença publicada sete anos depois, em 23 de julho de 2012, em favor dos “participantes e dependentes titulares dos Planos de Benefícios da Varig e da Transbrasil, reconhecendo a omissão do poder-dever de fiscalizador e proteção dos Planos de Previdência Complementar” condena a União a indenizar esses beneficiários. A sentença saiu, mas quando será executada ainda não se sabe. Pode-se concluir que o Aerus é um imbróglio quando aqueles trabalhadores que passaram longo tempo de suas vidas contribuindo para ter

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um futuro mais tranquilo e garantido junto com seus familiares, podem, a qualquer momento, ver seus benefícios cortados. O que deveria ser seguro passa a gerar insegurança e pode vir a se transformar em grave problema social. Ilustrando alguns impactos causados com a falência da Varig e a Intervenção no Aerus, no capítulo III, através das “vozes sem escuta”, mas que ainda clamam por justiça e pelos seus direitos até agora desrespeitados, percebem-se, nos relatos colhidos, grandes perdas, não só no âmbito material, visto que muitos se encontram ainda desempregados, ou recebendo benefícios que não condizem com o que têm direito, gerando, assim, perda de qualidade de vida, bem como problemas emocionais sérios, problemas de saúde e um número alto de óbitos nesse período (mais de 640). Alguns demitidos tiveram que abandonar o Brasil, para continuar sobrevivendo, ocorrendo um desraizamento, uma ruptura familiar e social. Esta pesquisa não pretendeu esgotar o tema e sim fomentar debates futuros na intenção de gerar mudanças na maneira de gerir o setor aéreo civil brasileiro. Apesar de toda a revolta, do sofrimento com as perdas, fica evidente o orgulho que seus funcionários tinham em fazer parte da família Variguiana, E o quão é difícil aceitar que a “estrela brasileira” não mais habita o céu do nosso País. Os ex-funcionários (demitidos e aposentados) da Varig tiveram seus ideais aprisionados, seu futuro sem um voo certo. Sem a proteção dos direitos trabalhistas e previdenciários garantida, viver nesse “céu” de incertezas faz deles sonhadores e sobreviventes. Mas, até quando?

Quem não sonha o azul do voo perde seu poder de pássaro.

(Thiago de Mello)

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ANEXO A - DOCUMENTOS FUNDANTES

A.1. Certidão da Empresa Aérea Rio Grandense (17/7/1952)

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A.2. Estatuto da Fundação Ruben Berta (Nova Redação de 2006)

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A.3. Estatuto do Instituto Aerus de Seguridade Social - Aprovado pela Portaria SPC 988, de 12/9/2002

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ANEXO B – DOCUMENTOS JURÍDICOS (Anterior a esse documento, há o Processo 2004.34.00.010319-2, autuado em 24/3/2004, citado no Capítulo II, na página 84, que não foi introduzido no anexo devido à sua extensão.)

B.1. Relatório da Audiência Pública que discutiu a situação da Varig (2/5/2006)

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B.2. Relatório usado para fundamentar a Declaração de Falência da Varig (28/7/2010)

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B.3. Recurso Instrumental 0044076-61.2010.8.19.0000 (17/11/2010)

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B.4. Processo 0260447-16.2010.8.19.0001 - Informação ao Exmo. Sr. Dr. Juiz de Direito da 1a Vara Empresarial da Comarca da Capital do Rio de Janeiro (2/3/2012)

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ANEXO C – PESQUISA

C.1. Termo de consentimento livre e esclarecido

Eu, ..., RG n...., fui convidado(a) para participar da pesquisa intitulada: Pouso forçado - “desproteção” do trabalhador: uma tragédia silenciosa no cotidiano dos demitidos e aposentados da Varig/Aerus, no Programa de Pós-graduação em Serviço Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, pela pesquisadora Loana Rios Andrade Lima Bartolotti. Estou ciente de que a participação não é obrigatória, sendo voluntária e que a qualquer momento posso desistir de participar e retirar esse consentimento. Tal recusa não trará nenhum prejuízo em minha relação com o(a) pesquisador(a) ou com a instituição perante o objetivo desse estudo: analisar os impactos da falência da Varig para os demitidos e aposentados dessa empresa nas suas condições de existência, enfocando as demissões e perdas de direitos com a intervenção do Aerus. Estou ciente de que o(a) pesquisador(a) se compromete que os conteúdos cedidos serão de uso exclusivo desta pesquisa; terei identidade preservada; não terei ônus financeiros por tal participação; não receberei nenhuma remuneração, pois trata-se de colaboração voluntária. Serei livre para interromper a participação em qualquer momento; receberei esclarecimento sobre dúvidas que terei a qualquer momento da pesquisa; fui informado do endereço eletrônico e telefone do(a) pesquisador(a), caso precise interrogá-lo(a). Estou ciente do envio da versão digital da tese para os sujeitos pesquisados. Declaro que entendi os objetivos, riscos e benefícios de minha participação na pesquisa, e concordo livremente em participar.

______Local e Data

______Sujeito da Pesquisa

______Pesquisador

Loana Rios Andrade Lima Bartolotti E-mail: [email protected] - Tel.: (22) 9984-8408

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C.2. Depoimentos utilizados dos demitidos e aposentados

Sobre o Aerus

Entrevistado Pág. Depoimentos Comissário C 71 Só sei que o Plano I tem mais gente e é o que mais tem problemas de caixa. Tanto que se não resolverem o problema em Abril teremos dinheiro somente até junho de 2012. O Plano II apresenta uma maior liquidez ainda, mas mesmo assim sofrerá também se nada for resolvido. O plano II foi criado depois de anos de existência do Aerus, mas este plano II não dava todas as garantias que existiam com o Plano I que é o início do Aerus. Eu e muitos outros fomos diversas vezes convidados para passar para o Plano II. Nunca aceitei e outros também não aceitaram. Agora se todos nós pudéssemos imaginar que haveria esta tragédia eu teria mudado de Plano. Pois este Plano II, que não oferecia garantias como o Plano I do Aerus Varig é o que tem mais liquidez ainda hoje. (30/9/2011)

75 Eu ganhava em 2006, um mês antes da intervenção do Aerus, o benefício bruto de R$ 3.745,00. Hoje, só recebo R$ 592,55. Mas tem gente recebendo verdadeiras migalhas. O Aerus foi a pique quase à mesma época da empresa, exatamente dois meses antes. Os problemas de caixa fizeram a Varig deixar de repassar a parte dela e a que descontava nos contracheques dos empregados. A Secretaria de Previdência Complementar interviu. Extinguiu os planos Aerus 1 e 2 e os pensionistas perderam seus rendimentos. Sem indenização trabalhista, sem pensão para os já aposentados e ainda sem o dinheiro depositado mensalmente num fundo que deveria garantir a tranquilidade dos ex-funcionários da Varig. Esse foi o trágico ano de 2006, mas de lá pra cá nada mudou. Paguei durante 17 anos um Fundo de Pensão de Previdência Privada para ter uma aposentadoria digna e hoje, assim como milhares de trabalhadores da Varig, tenho apenas uma aposentadoria indigna. Até hoje o STF (Supremo Tribunal Federal) não colocou em julgamento o processo da defasagem tarifária devida pela União à Varig, que poderia resolver este terrível problema que assola a todos nós. A companhia aérea ganhou em todas as instâncias jurídicas por onde este processo passou e só falta o Supremo colocá-lo em julgamento. A dor e o sofrimento por que todos nós passamos são insuportáveis. É desesperador ver em condição de penúria e miserabilidade tantas pessoas que trabalharam a vida toda para levar o nome do Brasil e a bandeira brasileira, nas asas da Varig, aos quatro cantos do mundo. (30/9/2011)

Problemas na família e mudança na vida social

Entrevistados Pág. Depoimentos Engenheiro de voo A 83 Alguns amigos se afastaram, lazer praticamente não existe, conflitos dentro da família. (17/10/2011) Comissária I 83 Na família – muda muita coisa, você passa de independente para estorvo, de quem dá presente para

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aquela pessoa que nunca dá nada, de legal para tolerável, de jovial para velha, de convidada para esquecida, daquela que dá para aquela que pode pedir, é muito duro isso! Passei da fase da depressão, mas venho perdendo por causa desta indigna e podre maldade que fizeram conosco! (25/9/2011) Comissária E 83 Nos últimos meses de vida da Varig, me separei, o ex- marido, que também foi comissário, entrou em depressão pela situação e então sem trabalho ou chances de procurar emprego, fui obrigada a assumir toda a educação assim como as despesas financeiras do filho e de toda uma casa. (29/9/2011) Comissário C 83 Minha vida social se resume em fotografar e filmar cenas do cotidiano e voltar para casa e trabalhar muito no meu computador fazendo os meus pequenos filmes que coloco no YouTube. (30/9/2011) Comissária C 83 Eu me separei, em virtude de não aguentar tamanha mudança em toda a minha estrutura de vida. Meu filho, na época com 13 anos, estudava em uma escola alemã. Teve que sair desta escola e hoje estuda em um Colégio do Estado. Teve que deixar o inglês, o judô. Do que eu fazia como entretenimento, diversão, quase nada sobrou. Com todas essas mudanças, minha autoestima também se foi. (3/10/2011) Comissária A 83 Vivo só com a aposentadoria, me privo de muitas coisas, mas o que mais me incomoda é não ver mais minha família com a frequência que via. (29/9/2012) Comandante G 83 Saí muito machucado de todo este processo. Minha vida social ficou muito mais restrita, reduzida, até mesmo porque não me sobra tempo para uma vida social. Minhas horas livres e meu pouco tempo de folga são utilizados para descansar. (27/9/2011) Comandante A 83 Hoje vivo longe de dois filhos de um casamento anterior, longe da família e dos amigos em um país de cultura completamente diferente da nossa. Hoje me sinto como um exilado político e profissional. (17/10/2011)

Perdas materiais e financeiras

Entrevistados Pág. Depoimentos Comissária I 84 Nunca posso ir a um aniversário, a um encontro, tudo custa dinheiro. Essa é a verdade. Adoro cursos, não posso fazer. Não posso comprar livros. Não posso ir ao cinema. Esses dias teve o aniversário de uma amiga que custava ridículos 16,00 reais. Não pude ir. (25/9/2011) Comissário C 84 A minha vida mudou muito. Se não fosse a minha mulher que trabalha fazendo bolos, doces, vestidos de noivas, de noite (trabalha muito e tem 63 anos) eu estaria passando por mais dificuldades financeiras. Se não fosse esta grande ajuda da parte dela eu já teria vendido a minha casa aqui em Itaipu para morar em uma casa muito menor ou morar até em um apartamento menor. Não frequento a muitos anos teatros. Cinema de vez em quando. A maioria das vezes, pego filmes em locadoras para

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assistir no meu computador. Restaurantes somente em datas muito especiais. (30/9/2011) Comissária B 84 Não tenho mais casa, moro em um quarto da casa de meu irmão, não tenho carro, não tenho namorado, não recebo ninguém em casa, pois a casa é dele, não saio. O máximo que vou é ao cinema eventualmente. Nunca mais viajei, não tenho dinheiro para viajar nem no Brasil. Tentei me recolocar no mercado de trabalho, mas aos 50 anos não encontrei emprego então fui trabalhar na organização de casamentos, mas o que eu ganho não é suficiente para pagar minhas contas. Minha irmã e cunhado pagam meu plano de saúde e me dão uma mesada. (17/10/2011) Comissária C 84 Trabalho em uma firma de exames de saúde, meu padrão financeiro é o mínimo possível; CPF negativado, em virtude da falta de pagamento pela Varig e pelo não recebimento da rescisão. Ainda choro muito, pois trabalhar na Varig era prazeroso, e fizemos o possível para chamar atenção para nossa situação. Não possuo mais carro, tenho dificuldades financeiras reais. (3/10/2011) Comissária A 84 Acho que todos sofremos com o final de nossos empregos, como era da Apvar tive que ajudar muitas pessoas destruídas psicológica e financeiramente pelo encerramento repentino da Varig, apesar de toda a luta que tivemos sabíamos que só estávamos protelando sua falência, tive dois empregos depois do final da empresa que me deixaram fisicamente debilitada, já que fui trabalhar só pelo financeiro, como sou solteira hoje decidi que prefiro “contar tostões”, mas estar com saúde. (29/9/2012) Comissária F 85 Não sou infeliz, mas tenho grande mágoa de não poder continuar a minha vida como deveria, sem tantos cortes e tanta miséria. (26/9/2011)

Prazer em voar e trabalhar na Varig

Entrevistados Pág. Depoimentos Comissária C 85 Era o que eu queria, meu sonho profissional. Quando tinha cerca de 7 anos vi um anúncio na tevê, da VASP, com a comissária de voo “Marcelina”. Ali eu vi que era o que eu queria. (3/10/2011) Comissária D 85 Tenho aviação nas veias. Amo aviação e sempre amarei. A Varig foi meu primeiro emprego. Comecei a voar aos 18 anos, já falava Inglês, pois sabia o que queria desde criança. Voei por 21 anos. (...) Como funcionária, eu amava a minha profissão e vesti a camisa da empresa até o seu fim. Tinha uma grande motivação de viver pelo mundo, conhecendo lugares e principalmente pessoas. Eu optei pela profissão e não tive filhos para me dedicar 100% ao meu trabalho. (17/10/2011) Comissária H 85 Meu pai foi funcionário da Varig por 40 anos então ‘me criei’ lá dentro! Assim, acabei tomando gosto pela vida da aviação e me formei pra isso. (18/11/2011) Piloto chefe A 85 A Varig funcionava como uma família. Os funcionários tinham muitas compensações pelo trabalho realizado. O ambiente era de respeito e tenho certeza NUNCA

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existirá outro igual no Brasil. Não com os atuais figurantes. (28/9/2011) Agente de atendimento A 85 Sempre fui apaixonada por aviões e aeroporto, desde menina. Liguei um ano inteirinho para o RH da Varig, até ficar sabendo que havia vagas disponíveis para trabalhar no aeroporto que seria inaugurado em Guarulhos (...). Era completamente realizada. (30/9/2011) Comissário C 85 Realizei-me como comissário de bordo porque a função me fazia ter contato com outras pessoas, servir as mesmas (servir e não ter postura serviçal) com prazer, requinte. (30/9/2011) Diretor A 85 Dediquei minha vida profissional à Varig e todos os dias acordava feliz por poder ir trabalhar. Depois de 10 dias de férias já estava ‘louco’ para voltar ao trabalho. Era onde estavam meus amigos e minha vida. (28/9/2011)

Vivem e trabalham fora do País

Entrevistados Pág. Depoimentos Comandante B 86 Quebrei financeiramente, perdi meu fundo de pensão, vivo fora do Brasil e nunca mais voltarei. (17/10/2011) Comandante H 86 Saí do Brasil em 2006, na pior, falido. Não pretendo voltar a trabalhar no Brasil nunca mais. Voei quatro anos na China e hoje estou em Dubai. Lugares seguros e prósperos em que vivemos muito mais confortavelmente e prosperamos a cada dia. A consequência maior foi o afastamento dos familiares – pais, avós, etc. e amigos. (30/9/2011) Comandante I 86 Graças a Deus ainda tenho saúde para trabalhar. Fui obrigado a deixar o país e me sujeitar a um contrato de trabalho, o qual me proporciona aproximadamente três meses de convívio com minha esposa e filhos por ano. Com o fim da empresa, minha promoção para comandante foi abortada. As empresas no Brasil não me aceitaram devido à idade. Fiquei sem emprego e sem perspectiva de sustento através da aviação. Acabei aceitando sair do país para que pudesse dar uma vida digna e estudo aos meus filhos e esposa. (27/9/2011) Comandante A 86 Por conta da minha participação ativa contra as falcatruas que estavam sendo perpetradas contra a Varig, meu nome consta de uma lista negra mantida pelas empresas aéreas brasileiras, o que me impede de trabalhar no meu próprio país. Assim, hoje me encontro morando e trabalhando no exterior, tentando refazer meus planos de aposentadoria. (17/10/2011) Comandante K 86 Exilado. Longe da família, pessoas queridas, perseguido político. (28/9/2011)

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Descaso com os direitos do trabalhador

Entrevistados Pág. Depoimentos Comissário C 87 Tinha uma vida de aposentado tranquila porque meu salário do Aerus (antes da liquidação dos planos I e II da Varig no Fundo de Pensão) era muito bom. Ganhava em março de 2006 bruto 3.475,00 reais - Um mês antes da Intervenção do Aerus - 12 de abril de 2006 (sem contar a aposentadoria do INSS) e hoje ganho somente 592,55 reais de benefícios do Aerus. Paguei durante 17 anos para ter uma aposentadoria digna e hoje tenho, assim como todos temos, uma aposentadoria indigna. E o pior disto tudo é ver os colegas demitidos sem o seu Aerus. Eles ficaram a ver navios. (30/9/2011) Comissária B 87 Sinto-me uma palhaça, enganada e roubada, fui enganada, acreditei que a empresa cumpriria o que estava determinando na convenção e que nos pagariam, roubaram meus depósitos de 21 anos no Aerus, meus salários, FGTS, etc. (17/10/2011) Supervisora e Instrutora 88 Estou aposentada, sem grana, dependente de família Continental e Intercontinental para ‘sobreviver’. Sofrendo muito... Fui ignorada e A desrespeitada como trabalhadora e, sobretudo, como ser humano.” (30/9/2011) Comandante C 88 Paguei 21 anos de Aerus e não recebi nada porque não sou aposentado! A secretaria de aposentadoria complementar deveria me pagar ou o Aerus, para que eu junte para me aposentar. (29/9/2011) Diretor A 88 Graças a Deus, continuo trabalhando, atualmente, na Anac como Gerente (em cargo comissionado), mas não com tanto entusiasmo como tinha antes, e recebendo, como aposentadoria do Aerus, menos de 30% do que deveria receber. (28/9/2011) Comissária I 88 Contribui todo o tempo para o Aerus, minha matrícula é de três dígitos, isto é, entrei no primeiro ano. Essa era minha poupança! E eu, ainda sou do plano I - o mais prejudicado! Olha, sou feliz porque sou osso duro. Faço limonada do limão e ponho açúcar. Mas não posso parar para pensar no Aerus/Varig, caso venha a enfartar terei que ir para hospital público. Ou ir para sete palmos como mais de 500 foram! Escolhi ‘viver’! (25/9/2011) Comandante E 88 Sofro com a atual situação do Aerus, na falência total. Mudou tudo para pior. O dinheiro não dá para mais nada. (7/10/2011) Chefe do Centro de Multimídia 88 Como a maioria dos ex-colaboradores, estou numa do Treinamento de Operações situação delicada. Nossa aposentadoria de Voo A complementar, o Aerus, que serviria para complementar nosso salário do INSS para que continuássemos a receber o que recebíamos na ativa, sofreu intervenção do governo. É que, apesar da obrigação da Fiscalização do governo, o Aerus, a Varig e o governo acordaram em deixar de receber a parcela mensal que deveria ser feita pela Varig. Com

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isso, a reserva do Aerus foi sendo corroída até acender o sinal vermelho. O governo lavou as mãos e até hoje se exime de qualquer responsabilidade, ainda que fosse o Fiscal das transações. Assim, apesar de ter pagado pontualmente a integralidade das minhas contribuições ao Aerus, deixamos de receber nossos pagamentos. Limitações de toda a sorte. A receita caiu mais de 80%. (26/9/2011)

Revolta, abalo físico e emocional

Entrevistados Pág. Depoimentos Comissária E 88 Fui roubada, surrupiada nos meus direitos trabalhistas e previdenciários. (29/9/2011) Engenheiro De Voo A 89 Sinto-me roubado, paguei quase 20 anos para ter uma velhice tranquila, estou recebendo 10% do que deveria com perspectiva de acabar e o governo, o grande culpado, fica empurrando a solução com a barriga. (17/10/2011) Comissária D 89 Hoje, estou doente, meu corpo e alma morreram juntos com a Varig, aquela Varig. Hoje, aviação perdeu o glamour... Nunca mais haverá uma Varig neste País, com os profissionais, se me permite a modéstia, se empenhando em dar um atendimento de excelência. (...) Quando ficamos meses trabalhando sem receber salários, estávamos dando a nossa vida pela empresa, como um soldado pelo seu País. (...) Estou de licença de INSS me tratando de uma depressão gravíssima entre outros problemas análogos... Hoje me sinto Infeliz e vazia... Incapaz, frustrada, perdedora. (17/10/2011) Piloto A 89 Um governo que autorizou a recuperação judicial e permitiu que ficássemos sem receber salários dos meses trabalhados até os dias de hoje, sem falar nos mínimos direitos trabalhistas só pode ser classificado como Bárbaro, Medieval, inescrupuloso e assassino, por conta de colegas que morreram de infarto ou até mesmo por não terem mais condições de comprarem medicamentos. (...) É simplesmente impossível descrever em uma frase o nível de humilhação, ultraje, desrespeito e dano causado à minha pessoa e à minha família. (28/9/2011) Controlador de Tráfego 89 Perdi uma parte de minha autoestima, me tornei uma Aéreo A pessoa mais reclusa e conformada em ‘não poder mais’, ‘não ter mais’, sonhar menos.(3/10/2011) Comissária F 89 Assassinato de milhares de famílias que ficaram sem ter o que colocar na mesa, sem poder mais pagar colégio e cuidados com a saúde. Sem falar na impossibilidade de encontrar outro emprego. Ficamos absolutamente na miséria. (...) Em suma, perdi amigos, casa, família, junto com a possibilidade de ter uma vida mais tranquila monetariamente. (26/09/2011)

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Agente de Atendimento A 89 Nunca mais me encontrei em nada, fiquei meio sem rumo (...). A Varig não tinha salários estratosféricos, mas não posso me queixar do que recebia porque tinha alguns adicionais por conta do tempo de casa que faziam a diferença, além do plano de saúde que era metade do que pago hoje, e era para mim e meu marido. (...) Ainda choro toda vez que vejo algo da Varig. Não consegui cortar o ‘cordão umbilical’. É como se fosse um casamento que acabou de repente e ficou algo pendente, algo por ser resolvido. (30/9/2011)

Sobre o corporativismo

Entrevistado Pág. Depoimento Controlador de Tráfego 90 O nepotismo e o corporativismo dos tripulantes Aéreo A técnicos (comandantes) o que criava um abismo entre eles e o restante dos trabalhadores da empresa. Eram ‘os intocáveis’. Cresci na empresa por méritos e cheguei a ser chefe de equipe internacional. Hoje sou aposentado e não sinto falta da aviação, não sei explicar o porquê. (3/10/2011)

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ANEXO D – ÁLBUM DE FOTOGRAFIAS

Foto 1 - A estrela italiana Gina Lollobrigida Crédito: Valdir Friolin/Agência RBS

Foto 2 - Getúlio Vargas Crédito: Banco de dados/Agência RBS 204

Foto 3 - Rainha Elizabeth Crédito: Banco de dados/Agência RBS

Foto 4 - A eterna miss Brasil Marta Rocha desembarca no Rio de Janeiro Crédito: Banco de dados/Agência RBS

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Foto 5 - Delegação brasileira tricampeã, em 1970, comemora com a tripulação Crédito: Banco de dados/Agência RBS

Foto 6 - Presidente Crédito: Banco de dados/Agência RBS

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Foto 7 - Atleta brasileiro Adhemar Ferreira da Silva, bicampeão no salto triplo, chega dos Jogos Olímpicos de Melbourne, na Austrália, em 1956 Crédito: Banco de dados/Agência RBS

Foto 8 - A cantora Crédito: Banco de dados/Agência RBS 207

Foto 9 – Pelé Crédito: Banco de dados/Agência RBS

Foto 10 - Presidentes João Goulart e Richard Nixon Crédito: Banco de dados/Agência RBS

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Foto 11 - O papa João Paulo II Crédito: Banco de dados/Agência RBS

Foto 12 – Edith Piaff Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig

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Foto 13 - Marlene Dietrich voa pela Varig, para o Brasil, em 1959 Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig

Foto 14 - Roy Rogers Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig 210

Foto 15 - Cantor Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

Foto 16 - Romário chega da Copa do Mundo, em 2002 Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig

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Foto 17 - Cruzeiro do Sul Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig

Foto 18 – Varig, 1930 Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig

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Foto 19 - Essa foto, durante muitos anos, foi o símbolo da vanguarda da Varig. E foi usada em alguns comerciais, como um emblema da empresa Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

Foto 20 – Propaganda do TAC Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig 213

Foto 21- Entrega do Electra 10 da Varig Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

Foto 22- Entrega dos 747s da Varig Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig 214

Foto 23 - Entrega dos DC-10s. da Varig Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

Foto 24 - Antigo Aeroporto de Congonhas Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

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Foto 25 - Manifesto dos funcionários da Varig em 1980 Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

Foto 26 - Audiência pública sobre a venda da Varig Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

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Foto 27- Comissárias de bordo Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig

Foto 28- Serviço de bordo Crédito: Acervo pessoal/ Funcionário da Varig

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Foto 29 - Serviço de bordo Crédito: acervo pessoal funcionário da Varig

Foto 30 – Varig Crédito: Acervo pessoal/Funcionário da Varig