UNIVERSIDADE FEDERAL DO INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO

RACHEL NASCIMENTO LINO

OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO NO SETOR AÉREO BRASILEIRO: O CASO DA GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES

Rio de Janeiro 2014

RACHEL NASCIMENTO LINO

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do títulos de Mestre em Administração (M.Sc.).

Orientadora: Denise Lima Fleck, Ph.D.

Rio de Janeiro 2014

FICHA CATALOGRÁFICA

Nascimento Lino, Rachel. Os desafios do Crescimento no Setor Aéreo Brasileiro : o caso da Gol Linhas Aéreas Inteligentes / Rachel Nascimento Lino. – Rio de Janeiro: UFRJ, 2014.

161 f.

Orientadora: Denise Lima Fleck Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração, Programa de Pós-Graduação em Administração, 2014.

1. Crescimento organizacional. 2.Setor Aéreo. 3. Gol. 4. Estratégia. I. Fleck, Denise, orient. II. Título.

RACHEL NASCIMENTO LINO

OS DESAFIOS DO CRESCIMENTO NO SETOR AÉREO BRASILEIRO: O CASO DA GOL LINHAS AÉREAS INTELIGENTES

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto Coppead de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração (M.Sc.).

Aprovada por:

______Profª. Denise Lima Fleck, Ph.D - Orientadora (COPPEAD/UFRJ)

______Prof. Agrícola Bethlem, D. Sc. (COPPEAD/UFRJ)

______Prof. Elton Fernandes, P.hD. (PEP / COPPE / UFRJ)

Rio de Janeiro 2014

AGRADECIMENTOS

Essa é uma página muito especial, porque representa o início e o fim. O início deste, que é o produto físico resultante de longas horas de dedicação e trabalho, e o fim de uma jornada desafiadora e por vezes, sofrida. Essa página também é especial, pois é nela que posso expressar toda a minha gratidão e amor às pessoas que estiveram comigo durante todo esse período. Apesar de ser minha a caminhada, eu nunca estive sozinha, muitos estiveram comigo e a cada um deles dedico este trabalho. Assim agradeço primeiro à Deus, que com sua sabedoria e bondade iluminou meus caminhos e me cercou de pessoas especiais: Meus pais, Vera e Gilson, que sempre me incentivaram em todos os momentos da minha vida. Eles são meu porto seguro e estão sempre de braços abertos, não importe quando e onde. Mesmo estando distantes, eles acompanham cada novo trecho da minha caminhada, comemorando comigo as vitórias e me socorrendo nos momentos de dificuldades. Meu irmão Rodrigo, minha avó Vera e a toda minha família que souberam compreender minhas ausências e continuaram me transmitindo amor e incentivo à todo momento. Minha tia Fátima, que trouxe as palavras certas na hora exata. Sua sabedoria trouxe luz quando estava tudo nebuloso. Meu namorado Albany, que acompanhou de perto cada dia desses dois anos. Por sua paciência e compreensão nos diversos momentos de ausência, pela presença nos momentos de dificuldades e por sua alegria, que sempre faz a nossa vida mais leve. O amigo Felipe Paiva, que acreditou em mim desde o primeiro instante. Ele me mostrou novos caminhos, cheios de possibilidades, que me permitiram tomar decisões que impactaram para sempre a minha trajetória pessoal e profissional. Os amigos Andreia Aljan e Thomaz Meirelles, que sempre compartilharam comigo suas experiências e ensinamentos, participando de todo um processo de descobertas que eu vivi enquanto estive na equipe da Artisan.

As amigas Bruna Cunha, Carla Reis, Mariana Coelho, Renata Jospeh e Thaís Wanderley, companheiras em diversos momentos do mestrado: aulas, seminários, trabalhos, viagens e semana de recolocação. Admiro vocês pela energia e pelo profissionalismo. Muito obrigada pela ajuda, mesmo quando também estavam em dificuldades, pelas risadas no corredor e pela amizade, que com certeza ultrapassará os limites do COPPEAD. A orientadora Denise Fleck, pela dedicação e profissionalismo, que foram fundamentais e me ajudaram na aplicação dos conhecimentos necessários para entendimento e valorização dos conceitos envolvidos neste trabalho. Aos meus entrevistados, pela disponibilidade e generosidade de contribuir com a minha pesquisa. Mesmo sem me conhecer, todos se mostraram receptivos, compartilhando seu conhecimento e experiência sobre a aviação brasileira.

RESUMO LINO, Rachel Nascimento. Os desafios do crescimento no setor aéreo brasileiro: o caso da Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração)

A Gol Linhas Aéreas surgiu no Brasil com a proposta de implantar um modelo de negócios inovador no setor de aviação civil comercial brasileira. Os donos da empresa tinham como objetivo implantar o modelo low cost/low fare inspirado na companhia americana Southwest. Porém, ao longo de sua trajetória, a Gol demonstrou ter perdido sua diferenciação no mercado, além de registrar sucessivos resultados financeiros negativos ao longo dos últimos anos. O objetivo do presente trabalho é investigar como a Gol enfrentou os desafios do crescimento ao longo de sua trajetória. Para isso, o referencial teórico utilizado como base para análise foi o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso organizacional de Fleck (2009). Para complementar utilizamos outros autores que contribuem para a compressão desse modelo como Penrose (1959) e Chandler (1977) e autores que falam da teoria de institucionalização como DiMaggio & Powell (1983), Meyer & Zucker (1989) e Selznick (1957). Para realização da análise foi feito um levantamento histórico sobre a evolução do setor aéreo brasileiro e da história da Gol, que são apresentados em fases temporais (LANGLEY, 1999). A partir da análise da história da Gol, podemos identificar que em sua primeira fase ela apresentava respostas consistentes para parte dos desafios do crescimento, porém ainda estava experimentando o aumento da complexidade e diversidade internas do negócio. Em sua segunda fase, foram encontradas evidências de respostas menos efetivas aos desafios do crescimento da navegação, assim como uma diminuição da capacidade de captura de valor da empresa. A partir da análise do setor de aviação foi possível concluir que após a entrada da Gol, houve o desenvolvimento do motor de co-evolução, que posteriormente, gerou uma homogeneização dos serviços oferecidos pelas diversas companhias aéreas brasileiras, aumentando a competição entre elas.

Palavras-chave: Gol Linhas Aéreas; crescimento organizacional; aviação

ABSTRACT LINO, Rachel Nascimento. Os desafios do crescimento no setor aéreo brasileiro: o caso da Gol Linhas Aéreas Inteligentes, Orientadora: Denise Fleck. Rio de Janeiro: UFRJ/COPPEAD, 2014. Dissertação (Mestrado em Administração)

Gol Linhas Aéreas emerged in with the purpose to implement an innovative business model on Brazilian civil sector. Company owners had as objective to implement a low cost/low fare model inspired on the American carrier Southwest. However, throughout its path, Gol has shown to have lost their differentiation in the market, in addition to registering successive negative financial results over the past years. The objective of this study was to analyze how Gol faced growth challenges throughout its path. To realizes that was used as the theoretical basis Fleck (2009) model of organizational success and failure archetypes. Aiming to complement theoretical basis, we used other authors that contribute to the model understanding and comprehension like Penrose (1959) and Chandler (1977), and also authors that discuss about institutionalization theory as DiMaggio & Powell (1983), Meyer & Zucker (1989) and Selznick (1957). To realize the analyses had been done an histhorical research about Brazilian aviation sector and Gol’s history evolution, wich are presents in temporal bracketing strategy (LANGLEY, 1999). From the analysis of Gol’s history, we can identify that in its first phase it showed consistent responses to growth challenges, but was still experiencing an increasing process of internal complexity and diversity of the business. During its second phase, evidences of less effective responses to growth challenges of navigation, as well as a decreased ability to capture the value of the company were found. From the analysis of the aviation sector was concluded that after the entry of Gol, the sector experienced the development of the co-evolution growth engine, which subsequently generated a homogenization of the services offered by several Brazilian , increasing the competition among them.

Key Words: Gol Linhas Aéreas; Organizational Growh, Aviation

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...... 17

2 REFERENCIAL TEÓRICO ...... 20 2.1 ARQUÉTIPOS DE SUCESSO E FRACASSO ORGANIZACIONAL .... 22 2.1.1 Desafio do empreendedorismo ...... 23 2.1.2 Desafio da navegação ...... 26 2.1.3 Desafio de gestão da diversidade ...... 27 2.1.4 Desafio de provisão de recursos humanos ...... 28 2.1.5 Desafio de gestão da complexidade ...... 29 2.1.6 Gestão da Folga ...... 29 2.2 CRESCIMENTO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO ...... 30 2.3 LOW COST / LOW FARE ...... 33

3 MÉTODO ...... 37 3.1 DEFINIÇÃO DO TEMA ...... 37 3.2 COLETA DE DADOS ...... 37 3.2.1 Dados históricos ...... 37 3.2.2 Entrevistas ...... 39 3.2.3 Análise dos dados ...... 41

4 HISTÓRICO ...... 43 4.1 1a FASE: INÍCIO DA AVIAÇÃO NO BRASIL (ATÉ 1931) ...... 43 4.1.1 A influência alemã ...... 45 4.1.2 A influência francesa ...... 47 4.1.3 A influência norte americana ...... 48 4.1.4 Os primeiros voos regulares no Brasil ...... 49 4.2 2a FASE: ESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO (1932-1951) ...... 51 4.3 3a FASE: CONCENTRAÇÃO DO MERCADO E AUMENTO DA REGULAÇÃO (1952-1990) ...... 57 4.4 4a FASE: DESREGULAMENTAÇÃO E AUMENTO DA COMPETIÇÃO (1991-2000) ...... 74 4.5 5a FASE: A GOL E NOVO MERCADO BRASILEIRO (2001-2012) ..... 81

5 ANÁLISE ...... 98 5.1 PRIMEIRA FASE: DE 2000 A 2006 ...... 98

5.1.1 Desafio do empreendedorismo ...... 105 5.1.2 Desafio da navegação ...... 112 5.1.3 Desafio de gestão da diversidade ...... 117 5.1.4 Desafio de provisão de recursos humanos ...... 119 5.1.5 Desafio de gestão da complexidade ...... 121 5.1.6 Folga organizacional ...... 123 5.2 SEGUNDA FASE: DE 2007 A 2012 ...... 124 5.2.1 Desafio do empreendedorismo ...... 126 5.2.2 Desafio da navegação ...... 134 5.2.3 Desafio de gestão da diversidade ...... 136 5.2.4 Desafio de provisão de recursos humanos ...... 140 5.2.5 Desafio de gestão da complexidade ...... 141 5.2.6 Folga Organizacional ...... 141

6 CONCLUSÃO ...... 144

7 BIBLIOGRAFIA ...... 152

LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABAV Associação das Agências de Viagens ABEAR Associação Brasileira de Empresas Aéreas ADS American Depositary Shares AERUS Instituto Aerus de Seguridade Social AIG American international Group ANAC Agência Nacional de Aviação Civil ANP Agência Nacional de Petróleo BNDE Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CAM Correio Aéreo Militar CBEA Companhia Brasileira de Empreendimentos Aeronáuticos CGEA Compagnie Générale d’Entreprises Aéronautiques CONAC Conselho nacional de Aviação civil COOPEAD Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro COTAC Coordenação do transporte Aéreo Civil CPOPV Curso de Preparação de Oficiais de Proteção de Voo DAC Departamento de Aviação Civil DECEA Departamento de Controle do Espaço Aéreo DLR Deutsche Luft-Reederei Empresa Brasileira de Aeronáutica EUA Estados Unidas da América FAVECC Fórum das Agências de Viagens Especializadas em Contas Comerciais IATA International Air Transport Association ICEA Instituto de Controle do Espaço Aéreo INFRAERO Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária IPO Initial Public Offering MUSAL Museu Aero espacial NYRBA Linha Nova Iorque –Rio- OACI Organização de Aviação Civil Internacional (tradução da

ICAO) PANAIR Pan American Airways PAX Passageiros PIB Produto Interno Bruto REAL Redes Estaduais Aéreas Ltda RIN Rede de Integração Nacional SCADTA Sociedade Colombo-Alemã de Transportes Aéreos SINCOCAF Setor Integrado de Controle e Fiscalização da Aviação Civil SITAR Sistema Integrado de Transporte Aéreo Regional SNEA Sindicato Nacional das empresas Aéreas TACA Transportes Aéreos Centro-Americanos TAM Transportes Aéreos Marília TCU Tribunal de Contas da União URV Unidade Real de Valor Viação Aérea Rio Grandense VASP Viação Aérea São Paulo VDC Voo Direto ao Centro

LISTA DE FIGURAS

Figura 2-1 Estrutura geral do motor de crescimento contínuo ...... 24 Figura 2-2 Estrutura geral do motor de co-evolução do todo e partes ...... 25 Figura 2-3 Respostas estratégicas às pressões institucionais ...... 27 Figura 2-4 O efeito do processo de institucionalização no sucesso de longo prazo ...... 31 Figura 4-1 Mapa visual primeira fase ...... 45 Figura 4-2 Mapa visual segunda fase ...... 51 Figura 4-3 Mapa visual terceira fase ...... 57 Figura 4-4 Mapa visual quarta fase ...... 74 Figura 4-5 Mapa visual quinta fase e história Gol ...... 81 Figura 4-6 Mudança de estrutura organizacional ...... 96 Figura 5-1 Análise das respostas da Gol aos desafios do crescimento na primeira fase ...... 105 Figura 5-2 Análise da resposta da Gol aos desafios do crescimento na segunda fase ...... 126

LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 4-1 Quilômetros voados (1959-1964) ...... 61 Gráfico 4-2 Evolução do número de cidades brasileiras servidas por linhas aéreas ...... 61 Gráfico 4-3 Número de passageiros totais transportados ...... 72 Gráfico 4-4 Evolução da oferta e demanda de assentos ...... 85 Gráfico 5-1 Evolução do número de aeronaves da Gol ...... 106 Gráfico 5-2 Evolução do número de passageiros transportados ...... 106 Gráfico 5-3 Evolução percentual anual da participação de mercado, em RPK, das principais empresas em operações domésticas de passageiros ...... 107 Gráfico 5-4 Evolução do indicador de tamanho da Gol na primeira fase ...... 109 Gráfico 5-5 Evolução do preço das ações da Gol no mercado brasileiro (Preços em Reais de 2004 a 2006) ...... 111 Gráfico 5-7 Evolução do indicador de desempenho da Gol na primeira fase . 117 Gráfico 5-8 Evolução do número de destinos atendidos pela Gol (2001 a 2006) ...... 118 Gráfico 5-9 Evolução do número de funcionários da Gol (2001 a 2006) ...... 119 Gráfico 5-10 Custo por assento quilômetro voado (CASK) ...... 125 Gráfico 5-11 Evolução do número de aeronaves da Gol (2005 a 2012) ...... 127 Gráfico 5-12 Evolução de funcionários da Gol (2005 a 2012) ...... 127 Gráfico 5-13 Evolução percentual anual da participação de mercado, RPK, das principais empresas em operações domésticas de passageiros...... 128 Gráfico 5-14 Evolução do indicador de tamanho da Gol na segunda fase ..... 130 Gráfico 5-15 Evolução do patrimônio líquido e passivo da Gol ...... 131 Gráfico 5-16 Evolução do preço das ações da Gol no mercado brasileiro (preços em Reais de 2007 a 2012) ...... 132 Gráfico 5-17 Evolução do indicador de desempenho da Gol na segunda fase ...... 136 Gráfico 5-18 Evolução do número de destinos atendidos pela Gol (2005 a 2012) ...... 137 Gráfico 5-19 Índices de liquidez e endividamento da Gol (2007 a 2012) ...... 142 Gráfico 6-1 – Aviação Mundial – 1950 à 2012: Receita passageiro-quilômetro ...... 144

Gráfico 6-2 – Rentabilidade de companhias aéreas comerciais globais, pedidos e entregas 1999-2012F ...... 146

LISTA DE QUADROS

Quadro 2-1 Desafios do Crescimento ...... 23 Quadro 2-2 Exemplo de motores de crescimento contínuo ...... 24 Quadro 3-1 Fontes de coleta de dados ...... 39 Quadro 3-2 Perfil dos Entrevistados ...... 40 Quadro 3-3 Distribuição temporal da experiência dos entrevistados no setor .. 41 Quadro 3-4 Critérios para classificação dos fatos e dados da Gol ...... 42 Quadro 4-1 Empresas do setor regional ...... 66 Quadro 5-1 Características do modelo low cost implantadas pela Gol ...... 99 Quadro 5-2 Custo por assento quilômetro voado (CASK) ...... 103 Quadro 5-3 Evolução do YIELD (R$ de 2008, deflacionado pelo IPCA) ...... 104 Quadro 5-4 Atores do setor aéreo e suas influências ...... 113 Quadro 5-5 Respostas estratégicas da Gol as pressões institucionais (2001- 2006) ...... 115 Quadro 5-6 Respostas estratégicas da Gol as pressões institucionais (2007 a 2012) ...... 135

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1 INTRODUÇÃO A Gol - Linhas Aéreas Inteligentes foi a primeira empresa de aviação brasileira a se autodenominar uma empresa de baixo custo. Em apenas cinco anos de existência ela já havia se tornado a segunda maior empresa de aviação civil brasileira, posição que mantém até os dias atuais. A Gol surgiu da ideia de seus fundadores de trazer o modelo da Southwest para o Brasil (EXAME, 2002). O objetivo era oferecer um serviço mais simples e mais barato do que até então era praticado no país. As antigas empresas brasileiras tinham um histórico de luxo e glamour que proporcionavam serviços de primeira classe e preços inacessíveis para boa parte da população. À época da sua fundação a Gol era uma empresa familiar de capital fechado. Seus fundadores tinham uma vasta experiência no setor de transportes terrestres, porém não em transportes aéreos, foram contratados gestores e técnicos das principais companhias aéreas da época. No momento em que a Gol entrou no mercado em 2001, a aviação brasileira passava por um momento de muitas mudanças. Além do processo de desregulamentação do setor que estava em curso, grandes empresas de aviação nacionais passavam por dificuldades. As quatro principais empresas da década de 90 enfrentavam dificuldades, sendo elas: Varig, VASP, e TAM. Dentre elas somente a TAM conseguiu superar o mal momento, sendo que das outras três empresas VASP e Transbrasil fecharam as portas definitivamente no início dos anos 2000 e a Varig foi comprada e absorvida pela Gol em 2007. A compra da Varig pela Gol foi um episódio emblemático na aviação brasileira por diversos motivos dentre eles: por representar o fim da maior empresa de aviação brasileira; pelo choque cultural que a absorção de uma empresa de luxo por uma empresa de baixo custo representava para os funcionários e consumidores; pela constatação de que uma empresa símbolo de um país teria fracassado; e pelas circunstâncias da compra em si, que envolveram um consórcio estrangeiro e um pedido do Presidente da República para que a Gol salvasse a Varig.

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Três anos após a aquisição da Varig, a Gol adquiriu uma outra concorrente, a Webjet, que desde o seu estabelecimento, tentava concorrer com a Gol em voos de baixo custo. Essa transação, ao contrário da compra da Varig, não proporcionou um aumento de capacidade para a Gol, que posteriormente acabou desmobilizando os funcionários e as aeronaves da empresa. Desde a compra da Varig, a Gol vem experimentando resultados financeiros negativos e uma certa deterioração da sua credibilidade no mercado. Apesar de ainda manter sua posição no mercado brasileiro, ela vivencia uma desaceleração de seu crescimento e um aumento de seu endividamento. Dois aspectos despertaram a curiosidade para realização desse estudo: Por um lado a percepção empírica de que empresas de aviação têm uma vida relativamente curta em um setor que vem experimentando um crescimento significativo. Por outro, a observação da trajetória de uma empresa tão jovem como a Gol, que em apenas 12 anos, conseguiu se estabelecer em um mercado altamente competitivo, adquirir dois concorrentes e agora enfrenta dificuldades. Nesse sentido, o objetivo desse trabalho é estudar a trajetória de crescimento da Gol, identificando como os desafios do processo de crescimento se apresentaram para a empresa e que tipo de respostas a Gol desenvolveu para superá-los. Para realização dessa análise o referencial teórico escolhido foi o modelo de sucesso e fracasso organizacional de Fleck (2009), que trata dos desafios organizacionais inerentes ao crescimento. Além disso, o modelo de Fleck (2009) também nos permite avaliar as respostas da empresa aos desafios do crescimento e sua possível propensão à autoperpetuação ou autodestruição. Para alcançar esse objetivo o presente trabalho está organizado em seis capítulos, sendo este o primeiro deles. Nessa primeira parte do trabalho apresentamos a introdução do trabalho, seu objetivo e sua estrutura. No segundo capítulo, apresentamos o referencial teórico utilizado para análise do objeto de estudo em questão. Primeiramente, apresentamos o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso organizacionais de Fleck (2009),

19 além de outros autores que contribuem para o seu entendimento como Penrose (1959), Chandler (1977) e Oliver (1991). Depois apresentamos a teoria institucionalista e sua relação com o processo de crescimento, baseada principalmente nos DiMaggio & Powell (1983), Meyer & Zucker (1989) e Selznick (1957). Por fim, como fechamento desse capítulo, apresentamos o referencial teórico que trata das características do modelo low cost / low fare baseado nos artigos de Graham, (2013) e Silva & Espírito Santo Jr (2003). No terceiro capítulo é apresentado o método utilizado para a pesquisa, contemplando a delimitação do tema, fontes de informação utilizadas, processo de coleta de dados e os critérios de análise do material coletado. O quarto capítulo apresenta o histórico de formação e desenvolvimento do setor de aviação civil comercial no Brasil e a trajetória de crescimento da Gol nesse mercado. Esse histórico foi elaborado com base nos principais eventos do setor no que diz respeito à regulação técnica e econômica, intervenção governamental e movimentação das principais companhias aéreas. Além disso, é apresentada também a história de criação da Gol desde a sua fundação até o ano de 2012. No quinto capítulo é apresentada a análise da trajetória da Gol utilizando o referencial teórico selecionado. Essa análise foi divida em duas fases que contemplam momentos diferentes da trajetória da Gol. Por fim, o sexto capítulo apresenta a conclusão do trabalho à partir da coleta de dados e análises realizadas, além das sugestões de pesquisas futuras.

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2 REFERENCIAL TEÓRICO No presente trabalho usaremos como abordagem teórica o modelo que trata das dinâmicas de sucesso e fracasso das organizações desenvolvido por Fleck (2009). Esse modelo nos permitirá analisar em que medida, a Gol Linhas Aéreas Inteligentes responde de forma saudável aos desafios do crescimento organizacional. O crescimento organizacional é um tema que vem sendo amplamente estudado na literatura de estratégia, principalmente por ser comumente utilizado como indicador de sucesso (DRUCKER, 1954 apud FLECK, 2003). De acordo com Whetten (1987) muitos autores defendem que o crescimento das organizações pode ser explicado através do conceito de ciclos de vida no qual a empresa passa por diversos estágios, sendo o último estágio o inevitável declínio. Porém, apesar desses estudos tratarem de aspectos relevantes a respeito dos impactos negativos do crescimento como diminuição da capacidade de se adaptar a mudanças, aumento da burocracia interna (WHETTEN, 1987) e diminuição da motivação dos funcionários (WICKER et al, 1976 apud WHETTEN, 1987) ele trata de forma determinística o crescimento, não levando em consideração outras variáveis importantes que influenciam esse processo. Ao estudar crescimento sob a ótica de autores com uma visão mais voluntarista podemos visualizar outras variáveis que influenciam na trajetória de uma empresa. De acordo com Penrose (1959), existem várias evidências que conectam o crescimento da firma com o esforço de um grupo de pessoas que toma decisões e age em conjunto para atingir um objetivo. Nesse sentido, os impactos da atuação humana, ou seja, dos gestores da firma, também influenciariam a ocorrência de aspectos negativos, como por exemplo, o aumento excessivo da burocracia que de acordo com Child & Kieser (1981, apud WHETTEN, 1987) seriam associados a problemas de gestão e não ao processo de crescimento por si só. Para Fleck (2009) o sucesso da empresa está relacionado com a sua capacidade de auto perpetuação, que de acordo com Chandler (1977 apud FLECK, 2009) seria alcançada a partir da ocorrência simultânea de dois processos: o crescimento contínuo, o qual gera novas oportunidades de

21 expansão e renovação; e a existência continuada, um processo que se relaciona com a habilidade de preservação de integridade. A noção de crescimento contínuo de Chandler (1977) se baseia na ideia de que os recursos não utilizados dentro da organização constituem um estímulo ao crescimento. De acordo com Penrose (1959) devido à indivisibilidade dos recursos produtivos uma organização nunca conseguirá adquirir somente as quantidades necessárias desses recursos para sua atuação. Nesse sentido, ao identificar recursos disponíveis a empresa tende a querer otimizar a utilização dos mesmos. Para ampliar a utilização desses recursos a firma expande suas atividades, o que posteriormente gera a necessidade de adquirir mais recursos novos. De acordo com Chandler (1977, apud FLECK, 2009) existem dois tipos de motivação para a expansão da firma. A primeira seria a motivação produtiva, que promove mudanças e é capaz de aumentar a produtividade através da diminuição dos custos unitários. A segunda motivação seria a defensiva, que controla a mudança e busca garantir segurança e prevenindo da falta de recursos produtivos ou da entrada de novos competidores. Para Penrose (1959), embora a organização deva ser capaz de correr riscos, deve também procurar maneiras de evita-los e ainda sim, continuar expandindo. Segundo ela, para equilibrar esses dois movimentos, é necessário que a firma tenha primeiramente, ambição de buscar novas oportunidades que gerem lucro, além de dispor de dois tipos de serviços internos: os empreendedores e os gerenciais. Os serviços empreendedores são necessários para que a firma possa tirar vantagem das novas possibilidades de expansão lucrativa e servem para coordenar a utilização lucrativa dos recursos. Penrose (1959) descreve os serviços empreendedores como sendo os seguintes: versatilidade empreendedora, capacidade para levantar recursos, julgamento empreendedor e ambição. Já os serviços gerenciais se constituem a partir das relações interpessoais entre novos empregados e seu processo de formação na empresa, até que se tornem totalmente produtivos. Para completar a ideia de autoperpetuação descrita por Chandler (1977) além do crescimento contínuo a firma necessita também fomentar sua existência continuada. Essa noção de existência continuada está relacionada

22 com a capacidade da firma de continuar existindo mesmo com a saída de gestores, ou seja, sua capacidade de regeneração e formação de sucessores, que devem estar prontos para assumir a empresa no caso de os então líderes não poderem mais dar continuidade ao seu trabalho. Para Chandler (1977 apud FLECK, 2009) o comprometimento de longo prazo dos gestores e investimentos de longo prazo são essenciais para que a firma alcance essa existência continuada.

2.1 ARQUÉTIPOS DE SUCESSO E FRACASSO ORGANIZACIONAL O modelo desenvolvido por Fleck (2009) a respeito dos arquétipos de sucesso e fracasso organizacional será a principal ferramenta de análise desse trabalho. O modelo apresenta cinco desafios relacionados ao crescimento da firma e dois conjuntos de respostas extremas que estão localizadas em extremidades opostas de um contínuo, constituindo assim os arquétipos de sucesso e fracasso. O arquétipo do fracasso está relacionado com a inabilidade de a empresa gerir os desafios do crescimento, o que no longo prazo pode levar a empresa à autodestruição. De forma antagônica, o arquétipo do sucesso seria resultado da habilidade da organização de responder de forma positiva aos desafios do crescimento, o que no longo prazo seria traduzido na autoperpetuação da mesma. No quadro 2-1 estão apresentados os desafios e os arquétipos de Fleck (2009).

Categoria do Descrição do desafio Polo de respostas aos desafios desafio Sucesso Fracasso organizacional de Organizacional longo prazo (Autodestruição) (Autoperpetuação) Empreendedorismo Estimular o Baixo ou Alto empreendedorismo satisfatório (alto nível de através da promoção (baixo nível de ambição de iniciativas de ambição, versatilidade, expansão da empresa versatilidade, imaginação visão, que criem valor de imaginação, visão, julgamento e de forma continuada e julgamento e de habilidade em previnam a empresa habilidade em levantar fundos, da exposição levantar fundos, levando a excessiva ao risco. levando a motivados movimentos por por estratégias estratégias defensivas e nulas). produtivas e híbridas). Navegação no Relaciona-se Passiva Ativa

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ambiente adequadamente com (monitoramento (monitoramento os diversos incompleto e compreensivo e stakeholders da ineficiente do contínuo do empresa almejando ambiente, utilização ambiente, utilização assegurar captura de anacrônica ou precisa e adequada valor e legitimidade inadequada de de estratégias de organizacional. estratégias de resposta: manipular, respostas: manipular, anuir, comprometer- anuir, comprometer- se, esquivar-se ou se, esquivar-se ou resistir). resistir). Gestão da Conservar a Fragmentação Integração diversidade integridade da (Incompetência no (Competência no empresa face ao desenvolvimento de desenvolvimento de aumento da rivalidade relacionamentos relacionamentos interna de conflitos coesos e na coesos e na organizacionais. coordenação de coordenação eficaz capacitações). de capacitações) Provisionamento de Abastecer Tardio Antecipado recursos humanos continuamente a (contratação “just-in- (contratação de organização com a time” ou depois de pessoal como parte quantidade necessária confirmada a do planejamento das de recursos carência de pessoal). ações da qualificados. organização). Gestão da Gerenciar questões de Ad hoc Sistemático complexidade alta complexidade e (capacidade de (capacidade de resolver problemas resolução de resolução de relacionados ao problemas não problemas baseada aumento de sistematizada, em buscas por complexidade tendo voltada para buscas soluções em vista anular riscos rápidas e simplistas abrangentes e de e existência da por soluções. Inibe o forma sistemática. empresa. aprendizado e a Fomenta o criação de processos aprendizado e a preventivos). criação de processos preventivos. Quadro 2-1 Desafios do Crescimento Fonte: (FLECK, 2009)

2.1.1 Desafio do empreendedorismo O primeiro desafio do crescimento descrito por Fleck (2009) consiste em estimular o empreendedorismo contínuo a partir da disposição da empresa de realizar expansões com mecanismos de reforço e criação de valor sem expô-la a riscos desnecessários. Esse desafio, se baseia às ideias de Penrose (1959), e Chandler (1977) a respeito da necessidade de promoção do crescimento contínuo para perpetuação da empresa. Baseado na obra de Chandler (1977), Fleck (2003) propõe o motor de crescimento contínuo que descrevendo de forma detalhada o funcionamento do mecanismo de crescimento continuado. De acordo com a autora, esse é um processo onde a “expansão alimenta condições favoráveis a novas expansões”, o que na prática se traduz na ocorrência de três etapas principais:

24 desequilíbrio, expansão e mecanismos de reforço, conforme vemos na figura 2- 1:

Figura 2-1 Estrutura geral do motor de crescimento contínuo Fonte: (FLECK, 2003)

O desequilíbrio pode ocorrer dentro ou ao redor da firma e suas origens podem ser diversas, conforme vemos no quadro 2-2. A partir do aproveitamento das oportunidades identificadas nesse desequilíbrio, ocorre a expansão produtiva e por último, temos os mecanismos de reforço que são constituídos por mudanças ocorridas durante a expansão que podem intensificar o desequilíbrio e dar continuidade a esse ciclo (FLECK, 2003).

Quadro 2-2 Exemplo de motores de crescimento contínuo Fonte: (FLECK, 2003)

Também baseada em Chandler (1977), Fleck (2003) propõe o motor de co-evolução. Esse motor promove o crescimento concomitante da firma e da indústria, além de ser o processo “que promove a padronização da indústria, uma condição necessária para que a sua capacidade de crescimento se desenvolva". Dentro desse mecanismo, temos cinco blocos constituintes,

25 conforme figura 2-2: a cooperação entre as partes onde firmas da mesma indústria cooperam entre si de forma espontânea ou compulsória; a padronização do setor que pode ocorrer em processos, tecnologias ou produtos; homogeinização de oferta de produtos ou serviços decorrente da padronização; competição entre as firmas devido à disputa por recursos entre as partes; e por último o crescimento do todo, decorrente da padronização estabelecida.

Figura 2-2 Estrutura geral do motor de co-evolução do todo e partes Fonte: (FLECK, 2003)

Porém, esse modelo não se aplica somente à relação de crescimento interdependente das firmas e do setor, podemos utilizá-lo em outras circunstâncias onde coexistam um todo e suas partes como nos seguintes exemplos: unidades de negócios-firma, firma-funcionários e economia- indústria. Esses motores explicam as dinâmicas do processo de crescimento, entretanto, para que a firma possa aproveitar essas oportunidades sem se expor a riscos desnecessários com respostas de alta qualidade é necessário que ela tenha serviços empreendedores (PENROSE, 1959) à sua disposição. Eles devem ser combinados com movimentos de reforço da expansão para que gerem novas oportunidades de criação de valor (CHANDLER, 1977; PENROSE, 1959). A falha em promover esses serviços internos, prejudicará a manutenção dos mecanismos de reforço à expansão. Para melhor compreensão do papel dos serviços empreendedores na organização, vamos detalhar cada um deles segundo definição de Penrose (1959):

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Versatilidade: está relacionada com a visão e imaginação dos gestores. Capacidade de vislumbrar novas oportunidades para a empresa que estejam além do produto ou serviço já prestado por ela. Capacidade para levantar recursos financeiros: está relacionada com a habilidade de conquistar a confiança de terceiros e conseguir os recursos necessários para a expansão da empresa. Essa capacidade está intimamente ligada com a habilidade empreendedora da empesa, logo, dificuldades em levantar financiamentos podem ter origem interna na empresa e não externa. Ambição: está relacionada à vontade de sempre fazer mais e melhor. Pode se manifestar de duas formas: A primeira, seria a ambição orientada à produto/serviço onde o empreendedor está interessado na lucratividade e crescimento da sua firma como uma organização que produz e distribui serviços. Para que isso aconteça, ele se interessa pela melhoria da qualidade dos produtos, redução de custos, desenvolvimento de tecnologia, entre outros. A segunda, seria a ambição orientada à construção de impérios, na qual o empreendedor tem a visão de dominar o mercado. Para realizar isso, o empreendedor se dedica à expansão do escopo da empresa através da aquisição e concorrentes e eliminação e competidores. Julgamento: está relacionado com a coleta de informações externas e disponibilidade de mecanismos de avaliação interna de riscos, incertezas e do papel das expectativas da organização no seu crescimento.

2.1.2 Desafio da navegação De acordo com Fleck (2009), o segundo desafio do crescimento está relacionado com uma gestão bem sucedida dos múltiplos stakeholders da organização em um ambiente de mudança, no qual, a firma visa assegurar captura de valor e legitimidade. Enquanto no desafio de empreender o foco é a

27 criação de valor, esse desafio enfatiza a captura de valor (LEPAK, SMITH & TAYLOR, 2007 apud FLECK, 2009). Respostas apropriadas ao desafio da navegação incluem o monitoramento regular das pressões do ambiente e o uso adequado das estratégias descritas por Oliver (1991). Em seu artigo Strategic responses for institutional process, Oliver descreve cinco estratégias de resposta ao ambiente, que vão desde uma postura mais passiva de aceitação até uma postura mais ativa de moldar o ambiente, conforme vemos descrito na figura 2- 3.

Figura 2-3 Respostas estratégicas às pressões institucionais Fonte: Oliver (1991)

2.1.3 Desafio de gestão da diversidade O terceiro desafio do modelo de arquétipos de Fleck (2009) consiste em sustentar a integridade da firma, à medida que ela experimenta o aumento da diversidade interna. À medida que a organização cresce surgem problemas e oportunidades relacionados à diversidade de força de trabalho, de estrutura e de negócios. A heterogeneidade entre diversas partes da organização pode gerar conflitos e rivalidades ameaçando a unidade organizacional (FLECK, 2009). Porém, quando a firma consegue distinguir os elementos homogêneos e heterogêneos fomentando relações de união, a integração acontece. Essa

28 união pode ser cultivada não somente com o compartilhamento de serviços, instalações e pessoal, mas também, de coisas intangíveis como reputação da organização, mitos organizacionais (SELZNICK, 1957 apud FLECK, 2009) e percepções coletivas de ameaça à existência da organização. Nesse sentido, podem ser desenvolvidos alguns mecanismos de coordenação como forças tarefa, comitês permanentes, gerentes de integração e departamentos de integração. A implantação bem sucedida dessas estratégias promove a integração sem acabar com a heterogeneidade das partes.

2.1.4 Desafio de provisão de recursos humanos O quarto desafio de Fleck (2009) trata da necessidade de prover recursos humanos qualificados para a firma de forma constante. Para garantir esse provisionamento no tempo adequado, a firma deve antecipar as necessidades de gestores através da antecipação das necessidades de formação, retenção, desenvolvimento e renovação. A formação, retenção, desenvolvimento e renovação das equipes são essenciais para que o crescimento contínuo e a existência continuada da firma possam ocorrer. De acordo com Penrose (1959) os recursos gerenciais devem estar disponíveis na firma antes que os movimentos de expansão aconteçam, uma vez que a sua disponibilidade influencia diretamente no quanto a organização conseguirá expandir. Porém, além de limitar o crescimento, a falta de recursos de gerenciais pode gerar também problemas de integração quando houver contratações em massa de pessoas de fora, para suprir a necessidade da firma durante a expansão, uma vez que eles não compartilham os valores e cultura da empresa (FLECK, 2009). De acordo com Chandler (1977, apud FLECK, 2003) o comprometimento de longo prazo dos líderes é essencial para a existência continuada da firma, pois, ao se preocuparem em não serem substituídos, os gestores se empenham em assegurar a continuidade do uso lucrativo dos recursos e habilidades da firma.

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2.1.5 Desafio de gestão da complexidade O último desafio do crescimento descrito no modelo de Fleck (2009) trata da gestão de questões complexas e da resolução de problemas que envolvem um grande número de variáveis interdependentes de forma a evitar que a organização coloque em risco sua existência. Para tratar a aumento da complexidade inerente ao crescimento é necessário que a organização desenvolva processos sistemáticos de coleta de dados, análise e tomada de decisão. A forma como a organização lida com a diversidade afeta a qualidade das respostas de todos os outros desafios, uma vez que está relacionada com a sistematização da solução de problemas e do aprendizado interno da organização como um todo e não de suas partes separadamente. De acordo com Fleck (2009) quanto maior a organização, maior a necessidade de soluções sistemáticas, uma vez que a sua ausência na empresa poderá deixá- la mais exposta aos riscos do negócio, mais desatenta às ameaças, menos efetiva na antecipação da necessidade de recursos humanos e menos efetiva na neutralização da fragmentação. De acordo com o modelo de Fleck (2009), uma organização que não apresenta uma gestão sistemática da complexidade, atua de forma ad hoc. Essa prática dificulta o aprendizado organizacional e propicia um aumento da incidência de decisões sem a avaliação necessária de seus impactos.

2.1.6 Gestão da Folga A folga organizacional, de acordo com Fleck (2009) é formada por todos os tipos de recursos que excedam a quantidade necessária para a operação da empresa em um determinado nível de performance. Os recursos utilizados pela empresa podem ser tangíveis ou intangíveis dentre eles pessoas, equipamentos, capital, marca, reputação, entre outros. A folga pode ser utilizada na organização para diversas finalidades como manter as alianças internas da empresa, evitar conflitos, dar maleabilidade em momentos de incerteza, possibilitar a inovação e permitir tomadas de decisão satisfatórias (BOURGEOIS, 1981; BOWEN 2002 apud FLECK, 2009). Dentro do modelo dos desafios de Fleck (2009) a folga alimenta o crescimento contínuo e vice-versa, permitindo a inovação e a exploração,

30 sendo uma condição necessária para a renovação organizacional. Conforme Penrose (1959) defende em sua teoria, alguns recursos, como recursos gerenciais, precisam estar disponíveis antes que a expansão aconteça. No caso dos recursos não estarem disponíveis antecipadamente, a qualidade e a velocidade do crescimento podem ser comprometidos. Ainda de acordo com Penrose (1959) o crescimento alimenta a existência de slack. Essa ideia, também defendida por Chandler (1977), consiste no fato de que o processo de crescimento produz recursos inutilizados que passam a integrar o pool de recursos disponíveis para expansões posteriores. Além de possibilitar novas expansões, Fleck (2009) destaca que a folga pode influenciar positivamente a integridade da organização, quando aplicada no desenvolvimento e implantação de mecanismos de coordenação e integração. Porém, em alguns casos o slack pode afetar negativamente a integridade da organização, por exemplo, quando é usado para compensar ineficiências, comunicação deficiente e baixa capacidade para lidar com conflitos organizacionais.

2.2 CRESCIMENTO E A INSTITUCIONALIZAÇÃO Além dos aspectos discutidos anteriormente a respeito dos mecanismos de crescimento e seus desafios, faz-se necessário também discutir o tema da institucionalização e sua abordagem a respeito da sobrevivência das organizações. De acordo com autores como Meyer & Zucker (1989 apud FLECK, 2007) a persistência da organização é um dos elementos que contribui para a sua continuidade no longo prazo. A teoria institucional (DIMAGGIO & POWELL, 1983; MEYER & ZUCKER, 1989; SCOTT, 1987; SELZNICK, 1957; STINCHCOMBE, 1965) investiga a persistência de comportamentos e de organizações e a considerando-a essencial para o alcance da estabilidade e da continuidade. Porém, como efeitos colaterais desse processo Fleck (2007) destaca o aumento da rigidez e da resistência à mudança, conforme vemos na figura 2-4.

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Figura 2-4 O efeito do processo de institucionalização no sucesso de longo prazo Fonte: (FLECK, 2007)

De acordo com Scott (1987 apud FLECK, 2007) a teoria da institucionalização é multifacetada, apesar de todas elas tratarem de instituições e processos de institucionalização, cada uma das correntes enfatiza um aspecto diferente. Zuckers (1987 apud FLECK, 2007) sintetiza a teoria de institucionalização das organizações em duas abordagens distintas. A primeira, conhecida como institucionalismo antigo (SELZNICK, 1957), considera a organização como uma instituição. A segunda, conhecida como neo ou novo institucionalismo (SELZNICK, 1957), considera o próprio ambiente como instituição. De acordo com Selznick (1957), expoente do institucionalismo antigo, a diferença entre organizações e instituições reside no fato de que as primeiras podem ser vendidas, terceirizadas ou simplesmente extintas, enquanto que as outras são valiosas e indispensáveis, devendo ser preservadas e não descartadas. Sua teoria estuda a institucionalização como o processo de transformação de organizações em instituições e os impactos dessa transformação na estrutura da firma. Para que esse processo de institucionalização ocorra Selznick (1957) argumenta que ao longo do tempo é necessário que ocorra dentro da organização uma infusão de valores que estejam além dos requisitos técnicos relacionados à operação. Uma das técnicas destacadas é a construção de mitos integradores. Além disso, esse processo também é marcado pela preocupação da sua auto perpetuação, que na prática significa a necessidade de uma certa permanência e estabilidade, que tende a resultar na perda de

32 flexibilidade e dificuldade de implementar mudanças administrativas devido ao estabelecimento de hábitos. Selznick (1957) detalha que a institucionalização pode ser vista como o processo de formação da personalidade organizacional, onde são estabelecidos padrões de resposta recorrentes para as pressões internas e externas. Esses padrões, aliados aos valores da organização formam uma identidade organizacional única. Porém, isso não implica necessariamente em virtude ou efetividade, nesse processo a organização pode formar uma competência distintiva ou insuficiente. A liderança tem um papel muito importante no processo de institucionalização, para o autor os líderes assumem tarefas-chave nesse processo como a definição da missão institucional, da materialização do propósito institucional, da defesa da integridade institucional, gestão de conflitos internos, criação e preservação de valores. Além disso, é responsabilidade da liderança buscar o equilíbrio entre a estabilidade e a mudança e de desenvolver capacidades de aprendizado. A corrente de pensamento descrita por Zuckers (1987 apud FLECK, 2007) como neo-institucionalista, estuda a institucionalização sob a ótica das práticas no nível do ambiente. Essa teoria contribui com a noção de campo organizacional, que seria constituído por organizações que juntas formam um reconhecido campo institucional como fornecedores chave, consumidores de recursos e produtos, agências regulatórias e outras organizações que produzem produtos ou serviços similares (DIMAGGIO & POWELL, 1983 apud FLECK, 2007). De acordo com Meyer and Rowan (1977 apud FLECK, 2007) tanto a tecnologia e a regulação são fontes de práticas organizacionais no campo. Novas práticas organizacionais vêm em virtude de requisitos técnicos ou econômicos estabelecidos por atores do campo. Uma vez que essas práticas ganham legitimidade, outros atores no campo passam a imitar essas práticas de forma passiva, sem criticar sua validade e seu valor. Como as práticas disseminadas no campo se tornam isomórficas (DIMAGGIO & POWELL, 1983 apud FLECK, 2007), elas se tornam difíceis de mudar e a eficiência é reduzida. A conformidade com as práticas do campo resultam de normas sociais que definem o modo como as coisas são feitas,

33 e/ou o modo como as coisas devem ser feitas (SCOTT, 1987 APUD FLECK, 2007). De acordo com DiMaggio & Powell (apud FLECK, 2007) existem três processos que explicam o isoformismo, sendo eles: imitação de elementos de sucesso de outros, a transmissão normativa de práticas vindas de fontes externas e adoção de práticas devido à atuação de forças coercitivas. Cada um desses processos corresponde respectivamente a um dos três sistemas: cognitivo-cultural, normativo e regulatório (SCOTT, 1987 APUD FLECK, 2007). Nos sistemas cognitivo-culturais rotinas são seguidas porque são adquiridas a partir da maneira como as coisas são feitas e outros tipos de comportamento são inconcebíveis. Legitimidade vem da consistência cognitiva que é traduzida em comportamentos sustentados pela cultura. Em sistemas normativos, as normas especificam como as coisas devem ser feitas e definem os meios legítimos para alcançar os objetivos valorizados. A adequação com o comportamento desejável é uma obrigação social. Controles normativos são mais propensos a serem internalizados, e a legitimidade é governada pela moral. Os sistemas regulatórios abrangem estabelecer as regras, inspecionar a conformidade de outros a elas e manipular sanções (ex: recompensas e punições) para influenciar o comportamento futuro. Mecanismos coercitivo são empregados para forçar a adequação dos comportamentos cujas bases de legitimidade são legalmente sancionadas (conformidade com regras legais ou quase legais). Oliver (1992, apud FLECK, 2007) também descreve o processo de desinstitucionalização do setor que segundo ela ocorre quando prática organizacional ou procedimento estabelecido é desafiado pelas organizações ou quando elas falham em reproduzir as ações legitimadas anteriormente.

2.3 LOW COST / LOW FARE Para que posamos analisar posteriormente a Gol, faz-se necessário compreender o que caracteriza o modelo operação escolhido como referência para construção da estratégia da empresa. A Gol nasceu se auto declarando ser a primeira companhia aérea low cost / low fare (baixo custo / baixa tarifa) do Brasil. De acordo com Doganis (2010 apud GRAHAM, 2012) o modelo low cost apareceu pela primeira vez com a criação da companhia norte-americana

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Southwest Airlines em 1971 e ao longo das últimas décadas vem sendo amplamente copiado pelo mundo. De acordo com Silva e Espírito Santo Jr (2003) o modelo low cost enfatiza o oferecimento de serviços a preços acessíveis, com segurança e pontualidade, sendo o meio de transporte aéreo mais conveniente entre dois pontos, que em geral estão a uma distância menor que um voo de 2 horas. Os autores também destacam que o modelo low cost pressupõe o oferecimento de serviços básicos e descomplicados de transporte aéreos, com o objetivo de reduzir custos ao máximo possível, ao mesmo tempo que busca maximizar as receitas através de um serviço extremamente confiável, apoiado por estudos de mercado cuidadosos e pesquisas com os clientes. Para alcançar esses resultados as empresas que escolhem adotar esse modelo necessitam operar com características próprias, diferentes do modelo de operação das companhias aéreas tradicionais. De acordo com vários autores essas características englobam a padronização da frota, não oferecimento de comida e bebida gratuitos à bordo, utilização de aeroportos secundários, venda direta pela internet, trechos ponto a ponto, rotas de curta distância, layout da aeronave com somente uma classe, o alto nível de utilização da frota e da tripulação, utilização de ticket eletrônico e ausência ou simplificação de programas de passageiros frequentes. Silva e Espírito Santo Jr (2003) detalham os impactos dessas características na operação da companhia, conforme podemos verificar abaixo: A padronização das aeronaves proporciona uma redução dos custos de manutenção, peças de reposição e suprimentos, uma vez que um único estoque pode atender toda a frota. A padronização também permite uma redução nos custos de treinamento dos mecânicos, pilotos e tripulação, além de proporcionar maior flexibilidade na alocação desses profissionais. Além da padronização do tipo de avião, empresas low cost padronizam também o interior do avião ao oferecer somente um tipo de classe. Essa padronização diminui a complexidade do atendimento, elimina a diferenciação do serviço de bordo e permite que a disponibilidade de assentos na aeronave seja maximizada. A eliminação ou simplificação do serviço de bordo compreende o não oferecimento de jornais e refeições quentes e a não diferenciação do serviço

35 em função da hora do dia. A eliminação desses serviços diferenciados, diminui os custos, mas também a carga de trabalho dos tripulantes, libera espaço para mais assentos na aeronave devido à redução do espaço necessário para os equipamentos de catering e reduz o tempo de limpeza da aeronave, contribuindo para a diminuição do tempo em solo. A utilização de aeroportos secundários é um ponto de destaque no modelo de operação low cost. As companhias low cost buscam se instalar em aeroportos secundários em troca de menores taxas de serviços aeronáuticos, dentre elas taxas para pousos e decolagens, para utilização de guichês de atendimento, handling e catering. Além disso, esses aeroportos tendem a ser menos congestionados do que os aeroportos principais o que facilita a operação e diminui o tempo de preparação da aeronave. As vendas diretas ao cliente via internet ou call center, assim como a utilização de quiosques de auto atendimento reduzem substancialmente os custos de operação das companhias low cost em comparação com o modelo de atendimento tradicional por outras companhias, principalmente por eliminar as altas comissões pagas ao agentes de viagens. Além disso, as operações online, eliminaram a necessidade da utilização de bilhetes de papel, facilitando o atendimento e o controle financeiro. Outro ponto que contribui para a facilitação das operações é oferecimento de voos diretos, ou seja, sem escala em rotas curtas. As operações ponto a ponto combinadas com tempos reduzidos de preparação das aeronaves e rotas que duram no máximo duas horas permite uma alta frequência da empresa no trecho operado, funcionando quase que como uma ponte aérea. Além disso, é preciso garantir que a companhia tenha um alto nível de utilização diária da aeronave, o que significa que ela voará o quanto for possível para trazer mais receitas. A utilização de programas para passageiros frequentes também são limitadas ou inexistentes nas companhias low cost. Algumas companhias não oferecem esse benefício, porém, as que o fazem usam sistemas simples de contabilização, como por exemplo, benefícios por número de voos. Esse sistema barateia e simplifica os sistemas necessários para controle quando comprados com programas baseados em milhas ou dinheiro.

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Uma outra diferença é que as equipes das companhias low cost também são menores que nas companhias tradicionais e tem uma remuneração também inferior. Porém, em contrapartida elas são capazes de motivar seus funcionários através de uma boa integração vertical e ótimo ambiente de trabalho, além de políticas de participação nos lucros.

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3 MÉTODO

3.1 DEFINIÇÃO DO TEMA A motivação para a realização desse trabalho surgiu da observação empírica de que as empresas de aviação têm vida relativamente curta dentro do universo das empresas de prestação de serviços. É curioso imaginar que empresas como a VARIG, que transmitiam uma imagem de grandeza com seus serviços e com seu marketing institucional sucumbiram. Em contrapartida, ao mesmo tempo em que o Brasil assistiu o declínio de suas principais companhias aéreas, surgiu a Gol, uma novata que chegou com uma proposta inovadora para o mercado brasileiro e rapidamente ganhou destaque, cobrindo parte do hiato deixado por suas antecessoras. A trajetória da Gol chama atenção, não apenas pela inovação, mas também pelos resultados alcançados em um curto espaço de tempo. Em apenas 12 anos de existência a Gol conseguiu se tornar a segunda maior companhia aérea brasileira em participação de mercado, tendo realizado duas aquisições no período, sendo elas a compra da Varig em 2006 e a da Webjet em 2011. Porém, nos últimos anos a Gol tem enfrentando sucessivos resultados financeiros negativos que vem provocando preocupação no mercado a respeito de suas perspectivas futuras. A aparente dificuldade de reverter esses resultados geram dúvidas sobre a capacidade da empresa de se manter de forma saudável no futuro. Diante disso, o objetivo do presente trabalho é investigar como a Gol enfrentou os desafios do crescimento ao longo de sua trajetória. Para isso, utilizaremos como base para análise o modelo dos arquétipos de sucesso e fracasso organizacional de Fleck (2009).

3.2 COLETA DE DADOS

3.2.1 Dados históricos Como primeira etapa da coleta de dados para pesquisa, foi feito um levantamento de dados históricos que teve como finalidade fornecer subsídios para o entendimento da formação e desenvolvimento do setor de aviação civil comercial no Brasil. Por ser esse um setor com características muito peculiares e devido à suspeita de que ele compunha um campo organizacional conforme

38 descrição de DiMaggio e Powell (1983 apud FLECK, 2007) escolhemos estudar a sua formação desde o início. Nesse sentido, foram coletados e analisados dados sobre o setor aéreo brasileiro compreendidos entre o período de 1906 até 2012. A escolha de 1906 como ponto de partida se justifica por ser o ano do voo de Santos Dumont com o XIV Bis, fato marcante para a aviação brasileira, mesmo não tendo ocorrido em território nacional. Já o ano de 2012 foi escolhido por ser o último ano com informações anuais compiladas disponíveis. Após a coleta de dados históricos, foi realizada a coleta de dados específica a respeito da trajetória da Gol. O histórico da Gol apresentado neste trabalho compreende desde seu período pré-fundação em 2000 até o ano de 2012, último ano contemplado neste estudo. Dentre os fatos e dados coletados estão comunicados das empresas ao mercado, lançamento de campanhas institucionais e comerciais, leis e decretos governamentais, pronunciamentos oficiais de autoridades, dados financeiros e dados operacionais, entre outros. Essas informações foram coletadas a partir da consulta de materiais como reportagens de jornais e revistas, artigos acadêmicos, dissertações, teses, relatórios e anuários setoriais, relatórios das empresas, leis, decretos, livros e websites especializados no assunto. A consulta de materiais foi realizada principalmente junto às fontes listadas no quadro 3-1.

Fontes de Endereço na Web Material pesquisado Dados Acervo do Notícias sobre o setor Estado de São http://acervo.estadao.com.br aéreo Paulo Leis, decretos e portarias Acervo Câmara http://www2.camara.leg.br/atividade- que afetaram o setor dos Deputados legislativa/legislacao aéreo Base de Artigos sobre o setor de Periódicos da www.periodicos.capes.gov.br/ aviação civil comercial e CAPES sobre a Gol Anuários do Setor Aéreo Biblioteca da http://www2.anac.gov.br/biblioteca/biblioteca2. e livros sobre o histórico ANAC asp do setor http://biblioteca.ibge.gov.br/d_detalhes.php?id Anuário estatístico do IBGE =720 Brasil IPEADATA http://www.ipeadata.gov.br Dados sobre o setor Informações sobre a http://www.voegol.com.br/pt-br/a-gol/memoria- Memória Gol história da Gol e gol/paginas/default.aspx Relatórios Anuais

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Dados históricos do início Museu www.musal.aer.mil.br/ da aviação civil comercial Aeroespacial no Brasil Sistema de Artigos e livros sobre o Bibliotecas da http://www.minerva.ufrj.br setor UFRJ Quadro 3-1 Fontes de coleta de dados

À medida que os fatos e dados foram sendo coletados, eles foram organizados e classificados em uma planilha do Microsoft Excel. Nessa planilha foi disposto o período de ocorrência do fato, a descrição do acontecimento, a unidade de análise à qual ele se referia e a respectiva fonte bibliográfica, conforme exemplo do anexo A. A partir da pesquisa histórica foram registrados 521 fatos relacionados ao período estudado. Para facilitar a organização e a narrativa dos acontecimentos foi adotada a estratégia de divisão temporal em fases descrita por Langley (1999), onde cada uma das fases apresenta uma certa continuidade entre os acontecimentos contidos nela e uma descontinuidade entre diferentes fases. Ainda com o objetivo de organizar os inúmeros dados coletados foram desenvolvidos mapas visuais, pois estes permitem a exposição de um grande volume de informações de forma concisa (LANGLEY, 1999), o que posteriormente ajuda tanto a compreensão do leitor quanto a análise. Para complementar o material de análise sobre a trajetória da Gol e sua evolução do longo dos doze anos de existência da empresa compreendidos no recorte temporal proposto foram coletados também alguns dados quantitativos da companhia como evolução da frota, do quadro de colaboradores, de ocupação, entre outros.

3.2.2 Entrevistas Como segunda etapa da coleta de dados para a pesquisa, foram realizadas entrevistas em profundidade com pessoas que já haviam trabalhado ou ainda trabalhavam na aviação civil comercial no Brasil. Como o estudo engloba também uma perspectiva setorial, além de pessoas com experiência em companhias aéreas foram escolhidas também pessoas de outros órgãos ligados à aviação civil como a Embraer, Infraero, ANAC e DECEA.

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O fio condutor das entrevistas, em todos os casos, foi a experiência de vida do entrevistado no setor. A partir dos relatos de ingresso, desenvolvimento e saída das organizações descritas pelos indivíduos foram sendo colhidas percepções e dados que posteriormente serviram como subsídios para um aprofundamento do conhecimento sobre a estratégia e trajetória da Gol, sobre a evolução das ações governamentais no âmbito da aviação e sobre a cultura do setor de aviação brasileira. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para permitir um melhor aproveitamento e precisão no registro dos dados coletados. A lista com o perfil dos entrevistados pode ser observada no quadro 3-2.

Tempo Tempo de Entrevistado Aérea Empresa no setor Entrevista Entrevistado 1 TI Smiles 3 anos 48 minutos Cruzeiro / Entrevistado 2 Piloto 34 anos 160 minutos Varig / Azul Entrevistado 3 Recursos Humanos Gol 3 anos 52 minutos Entrevistado 4 Controle de voo Infraero 13 anos 27 minutos Entrevistado 5 Planejamento financeiro Azul 3 anos 88 minutos Entrevistado 6 Equipe de aeroporto Gol 2 anos 92 minutos Entrevistado 7 Relações Institucionais Embraer 3 anos 35 minutos Entrevistado 8 Jurídico Varig 19 anos 66 minutos Entrevistado 9 Jurídico Varig 24 anos 66 minutos Segurança e Entrevistado 10 ANAC 14 anos 76 minutos Infraestrutura Entrevistado 11 Gestão de Qualidade VRG / Gol 6 meses 67 minutos Treinamento em Entrevistado 12 Varig 19 anos 67 minutos atendimento Entrevistado 13 Piloto Gol 8 anos 72 minutos Subdepartamento de Entrevistado 14 DECEA 33 anos 59 minutos Operações Confiabilidade e Entrevistado 15 Gol 8 anos 70 minutos qualidade Entrevistado 16 Relações Institucionais Embraer 14 anos 37 minutos Entrevistado 17 Operações de aeroporto Gol 10 anos 74 minutos Quadro 3-2 Perfil dos Entrevistados Os entrevistados foram recrutados pelo método bola de neve, através da indicação de contatos em comum e tinham experiência no setor em diversas épocas diferentes, conforme podes observar na 3-3.

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Quadro 3-3 Distribuição temporal da experiência dos entrevistados no setor

3.2.3 Análise dos dados Após a coleta e organização dos fatos e dados encontrados, foi realizada uma seleção onde foi possível separar as informações que efetivamente seriam utilizadas na análise. Como o objetivo era analisar a trajetória da Gol, os fatos e dados referentes a empresa foram colocados em outra planilha de Microsoft Excel (ANEXO B) onde foram classificadas. A classificação se baseou nos critérios do quadro 3-4, que são baseados nas definições teóricas dos desafios de crescimento que objetivávamos verificar investigar na empresa.

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Desafios do Crescimento Critérios

Ações que demonstrem ambição orientada a produto (redução de custos, melhoria de processos, expansão de Ambição mercados) ou ambição imperialista (compra ou eliminação de concorrentes)

Desafio de Capacidade de Obtenção de financiamentos ou ampliação de capital da Empreender levantar recursos empresas através da entrada de terceiros.

Versatilidade Inovações que contribuam com o crescimento.

Julgamento Evidências de avaliação de riscos para tomada de decisão. Episódios onde conseguem antecipar os fatos e ter Desafio de Navegar alcançadas suas reivindicações. Coordenação e Evidências de funcionamento de forças tarefas, comitês, Desafio de integração gerentes de integração. Diversidade Compartilhamento Evidências de compartilhamento de recursos e valores, de Recursos existências de mitos. Desafio de Provisionamento de Ações que denotem preparação e desenvolvimento prévio da Recursos Humanos equipe.

Evidências de auto aprendizado e sistematização das Desafio da Complexidade soluções Quadro 3-4 Critérios para classificação dos fatos e dados da Gol

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4 HISTÓRICO

4.1 1a FASE: INÍCIO DA AVIAÇÃO NO BRASIL (ATÉ 1931) O primeiro episódio marcante da história da aviação comercial brasileira ocorreu em Paris na França no início do século XX e tornou famoso o brasileiro que o realizou. Em 1906, Alberto Santos Dumont, saindo do solo por meios próprios com sua criação, um biplano feito de bambu, seda chinesa e alumínio, o 14 Bis, voou sete segundos a três metros de altitude, completando o primeiro voo dirigível com uma máquina mais pesada que o ar. A superação deste desafio, permitiu que os aviões, até então chamados de máquina mais pesada que o ar, decolassem e pousassem de pontos pré-determinados, seguindo um trajeto controlado pelo piloto e não ao sabor do vento, como ocorria até então. O desenvolvimento dessa tecnologia, inicialmente por excêntricos e curiosos, acelerou o avanço das máquinas de voo de forma surpreendente a ponto de serem usadas como ferramentas de combate na 1a Guerra Mundial, apenas dez anos depois. O entusiasmo por uma tecnologia tão inovadora estimulou sua difusão a ponto de cinco anos depois, já em 1911, ter sido fundado o Aeroclube do Brasil que formou diversos pilotos e ajudou a difundir o interesse pela aviação (RIBEIRO, L. M., 2002). No mesmo ano foram registrados também os primeiros voos realizados no país, dentre eles o primeiro voo da América Latina realizado em Osasco por Dimitri Sensaud e o primeiro reide do Rio de Janeiro realizado por Edmond Plauchut (MUSAL 2014). Três anos depois foi inaugurada no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, a Escola Brasileira de Aviação, que apesar de só ter funcionado por cinco meses, posteriormente seria ocupada pela Escola de Aviação Militar inaugurada em 1919 (MUSAL 2014). Como resposta à rápida expansão, e crescente interesse demonstrado por empresas estrangeiras em explorar comercialmente a nova modalidade, foi criada em 1920 a Inspetoria Federal de Viação Marítima e Fluvial que acumulava atribuições referentes à navegação aérea e à indústria aeronáutica nascentes (RIBEIRO, L. M., 2002). Porém, apesar dessas iniciativas, o desenvolvimento da aviação brasileira nesse período ocorria de forma pulverizada e dependente do investimento de pessoas físicas que apresentavam um interesse pessoal pela aviação. Durante as duas décadas

44 seguintes o foco do desenvolvimento da aviação comercial mundial concentrou-se na Europa. Nesta época os países industrializados da Europa viviam um clima de disputa e tensão, que acirrava a busca por território, matéria prima e mercados consumidores, o que resultou em uma intensa corrida armamentista que inaugurou a era das metralhadoras, tanques e aviões. A Primeira Guerra Mundial exerceu um papel importante no desenvolvimento da aviação na Europa não só no decorrer do conflito, como também após o seu término. Durante a guerra foram utilizadas aeronaves para diversos fins dentre eles transporte de autoridades e malas postais, reconhecimento de terrenos, e até mesmo para a ataques aéreos nos últimos anos do conflito. Com o final da guerra em 1918, foram desmobilizados cerca de dez mil pilotos, dentre os quais, alguns passaram a realizar transporte de malas postais, voos de exibição e taxi aéreo como forma de subsistência (PEREIRA, A., 1987). A partir desse excedente de profissionais, da oferta de aeronaves e campos de aviação agora sem uso, nasceu a necessidade do desenvolvimento de outras atividades econômicas baseadas no transporte aéreo, principalmente o transporte de malas postais, o que deu impulso para que fossem criadas diversas companhias aéreas na Europa. À medida que essas companhias foram tendo êxito nas rotas continentais, elas foram tentando ampliar os serviços através de rotas intercontinentais de forma a conquistar novos mercados consumidores. Esse processo de ampliação de rotas postais europeias e posteriormente norte-americanas trouxe para o Brasil as três primeiras linhas de voos regulares existentes no país. Essas três rotas não só reduziram o tempo decorrido de envio de malas postais entre a América do Sul e Europa, como também são consideradas as raízes da aviação comercial brasileira. As três rotas pioneiras trouxeram para a aviação nacional a influência alemã da Syndikat-, a francesa da Aéropostale- Air France e a americana da NYRBA – (PEREIRA, A., 1987). Para compreender essas influências, se faz necessário conhecer um pouco da história dessas três empresas em seus países de origem. Para uma visão

45 consolidada dessa fase, podemos recorrer ao mapa visual apresentado na figura 4-1.

1905% 1910% 1915% 1920% 1925% 1930% 1935%

Nil Hermes%da% Vencesláu% Delfim% Epitácio% G Rodrigues%Alves% Afonso%Pena% Artur%Bernardes% Washington%Luís% Getúlio%Vargas% o%P.%%% Fonseca% Brás% Moreira% Pessoa% P%

1931–% I%Guerra%Mundial% Final%1ª% fase%%

1906;% Brasil% 1914;% 1931;% Voo%14% 1911;% 1925;% Inaugurada% 1919;% Criação% Bis% Fundação% 1922;%1ª% Estabelecido%% Escola% Funda DAC% Aeroclube% travessia% Regulamento% Brasileira% ção% Brasil% do% da%Navegação% de%Aviação% IATA% AtlânQco% Aérea%Civil.% 1931;%Decreto%prazo%p/%% Concedidas%as% aeronautas%brasileiros% 1as%licenças% Infl.%Alemã%

1926;% 1911;%Voo% 1917;% 1924;% Criação% 1927;% do% Deutsche% Criação% Deutsc Criação% dirigível% LuY; Condor% he%LuY% Condor% LZ.7% Reederei% Syndikat% Hansa% Condor% e%Varig% e%Varig% Infl.%Francesa%

1925;%Criação% 1922;%Criação% 1924;% da%Companhia% da%Compagnie% Chegada% Brasileira%de% Générale% Missão% Empreendime d`Entreprises% Latécoère% ntos% AéronauQque% AeronáuQcos% Infl.%Americana%

1930;% Início% operações% NYRBA%%

Figura 4-1 Mapa visual primeira fase

4.1.1 A influência alemã O primeiro marco da aviação comercial alemã ocorreu em junho de 1910 com o voo do dirigível LZ.7 Deutschland com cabine para 24 passageiros (PEREIRA, A., 1987). O uso do avião se iniciou em 1912 quando foi transportada a primeira mala postal do país que saiu de Bork para Brück. Apesar desse episódio não ser oficialmente reconhecido devido à falta de licença do piloto que realizou o voo, ele delimita o início do tráfego de malas postais na Alemanha. Em 1917 foi fundada a primeira companhia alemã de transportes aéreos, a Deutsche Luft-Reederei GmbH – DLR Inicialmente ela era apoiada pelo consórcio A.E.G., que era um grande produtor de material elétrico, e desde 1910, grande fabricante de aviões. Com o fim da primeira guerra a DLR começou a operar em 1919 a rota Berlim-Weimar, serviço de correio aéreo com horários pré-estabelecidos, instalado pela administração dos correios, assim inaugurando o primeiro tráfego aeropostal regular do mundo. Essa rota foi

46 escolhida porque urgia manter em contato a Assembleia Nacional da Nova República Alemã localizada em Weimar e a capital Berlim (PEREIRA, A., 1987). Em 1919, ocorria também a fundação da Associação Internacional do Tráfego Aéreo (IATA) que foi criada com o objetivo de disciplinar o tráfego internacional. Sua criação foi realizada por seis empresas pioneiras da época, incluindo a alemã DLR. A partir de 1922 a fábrica de aviões Junkers organizou um departamento especial para o tráfego aéreo. Com o fim da Primeira Guerra Mundial a Junkers passou a se dedicar à fabricação de aviões especialmente destinados à nascente aviação comercial. Em 1923 foi fundada em Berlim a Deutsche A.G. com a participação da Aero Union A.G., holding da DLR Essa nova companhia era apoiada pelas duas grandes empresas de navegação marítima, a HAPAG e Norddeutscher Lloyd, além de grandes bancos e empresas comerciais e industriais. (PEREIRA, A., 1987) Em 1925 a Junkers controlava cerca de dezessete empresas aéreas em dois consórcios a Trans-Europa-Union e a Nord-Europa-Union. Em outubro deste ano o Ministério da Viação do Reich iniciou uma transformação assumindo 80% das ações da Junkers, um meio de pressão para obrigar as duas grandes empresas aéreas não lucrativas a se fundirem. A medida governamental cumpriu o objetivo desejado e em janeiro de 1926 foi criada a Empresa Única de Tráfego Aéreo, a A.G. Além do governo alemão, algumas outras empresas também participaram do empreendimento como a , uma organização dedicada à venda de aviões alemães no exterior. (PEREIRA, A., 1987) A Condor Syndikat foi criada em 1924 pela Deutsche Aero Lloyd A.G. e a SCADTA (Sociedade Colombo-Alemã de Transportes Aéreos) como uma sociedade de estudos e comércio internacional para que posteriormente pudesse ser estabelecida uma rota entre a Colômbia, sede da SCADTA, EUA e Europa. Porém, em 1927 a Luft Hansa já tinha assumido o controle da Condor Syndikat. Para iniciar suas atividades o Condor Syndikat comprou dois aerobotes Dornier Wal, um dos quais seria posteriormente o primeiro avião registrado no

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Brasil. Em 1926, teve início em Buenos Aires, o famoso voo da Missão Luther que resultou na fundação da Varig e do Sindicato Condor.

4.1.2 A influência francesa A França apesar de não ter instalado no Brasil nenhuma empresa que perdurasse como fizeram os alemães e norte-americanos, influenciou bastante a aviação brasileira através da formação de profissionais locais e da construção de uma infraestrutura aeroportuária. Uma missão militar francesa organizou cursos na Escola de Aviação Militar sediada no Campo dos Afonsos, no Rio de Janeiro, onde técnicos franceses formaram pilotos, navegadores, mecânicos entre outros profissionais. Além disso, eles também deixaram um legado de aeroportos perfeitamente equipados para operações aéreas no trecho brasileiro da rota Toulouse – Santiago do Chile que se estendia de Natal até . (PEREIRA, A., 1987) A primeira empresa de aviação francesa chamava-se Sociétè Industrialle d’Aviation Latécoère e foi fundada em 1922 com sede em Paris e fábrica em Toulouse. Logo depois a empresa teve seu nome alterado para Compagnie Générale d’Entreprises Aéronautiques (CGEA). Em 1924 chegaram ao Brasil técnicos franceses para o estudo de implantação da linha que iria do nordeste brasileiro até Buenos Aires, e após quatro anos, foi inaugurado o primeiro serviço aeropostal entre a França e a América do Sul. A mala postal viajava de avião de Toulouse até Dacar, onde era transferida para um navio rápido que levava a mala até , de onde seguia novamente de avião até Buenos Aires (PEREIRA, A., 1987). No entanto, o processo de implantação dessa linha enfrentou mais desafios do que o esperado, uma vez que a então chamada Missão Latécoère não encontrou no Brasil apoio do governo, que inicialmente negou as permissões necessárias à operação no país. Além disso, os franceses também não conseguiram convencer as autoridades brasileiras a subsidiar o transporte de mala postal. Até então o Brasil não tinha qualquer legislação relativa ao transporte aéreo e só em janeiro de 1925 foi publicada uma lei referente a essa pauta. Além disso, estabeleceu-se o Regulamento da Navegação Aérea Civil, subordinado ao Ministério da Viação e Obras Públicas.

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Com o objetivo de operar no Brasil em conformidade com a nova regulamentação a Latécoère organizou uma empresa brasileira, a Companhia Brasileira de Empreendimentos Aeronáuticos (CBEA), que em 1925 conseguira a licença para operar a rota Recife-Pelotas, com escalas em Maceió, Salvador, Caravelas, Vitória, Rio de Janeiro, Santos, Paranaguá, Florianópolis e . Porém, devido a atrasos relativos à demora nas aprovações legais subsequentes, a CGEA só iniciou as operações dessa rota em 1927 (PEREIRA, A., 1987). Ainda em 1927 a CGEA foi comprada pela Bouilloux-Lafont e no ano seguinte teve seu nome alterado para Compagnie Générale Aéropostale. Nesse período criou a Companhia Aeronáutica Brasileira com o objetivo de preparar e administrar a infraestrutura aeroportuária necessária à operação da Aéropostale, que foi a primeira a construir campos de pouso no litoral brasileiro. No ano seguinte, 1928, a companhia já estava operando voos regulares de Natal a Buenos Aires. Até que em 1930, realizou a primeira travessia do Atlântico Sul com um avião comercial.

4.1.3 A influência norte americana A aviação norte americana demorou a se consolidar em comparação com a dos países europeus. Somente após participarem da Primeira Guerra Mundial e de conhecerem o transporte militar de correio e pessoas empregado tanto pelo lado dos aliados quanto da Alemanha Imperial, os americanos resolveram experimentar o transporte aéreo de malas postais (PEREIRA, A., 1987). Em 1926 aconteceu o primeiro grande salto no transporte aéreo comercial norte-americano quando Ford começou a empregar o novo avião, o Ford Trimotor, que ficou conhecido como Ganso de Lata. Até esse momento, era usada uma grande variedade de pequenos aviões, muitos deles excedentes de guerra. Nessa época, a maioria das companhias não se interessava em transportar passageiros, pois consideravam a demanda muito pequena. Porém, um jovem chamado Juan Trippe, após ter saído da primeira companhia aérea que ajudara a fundar, criou uma nova empresa com o nome de Pan American Airways. Logo ele começou a ganhar dinheiro transportando americanos para

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Havana onde não era crime beber bebidas alcoólicas, uma vez que estava em pleno vigor a lei seca nos Estados Unidos. (PEREIRA, A., 1987). Entre 1929 e 1933 ocorreu um movimento intenso de compras e unificações de companhias aéreas. O político Walter F. Brown, então diretor geral dos correios incentivava uma política de concentração das empresas do setor o que levou ao fechamento de 23 das 48 empresas existentes nos EUA quando Brown assumiu seu cargo. O relativo atraso observado no desenvolvimento da aviação comercial americana ocorreu também devido ao fato de quase todos os aviões americanos serem máquinas militares adaptadas para uso civil. Na época o foco da indústria aeronáutica norte-americana era a produção de aviões militares o que prejudicava o fornecimento para o mercado civil. No entanto, o desenvolvimento de tecnologia militar permitiu a fabricação de motores mais modernos, que superavam os europeus em simplicidade, economia e potência.

4.1.4 Os primeiros voos regulares no Brasil A partir da consolidação da aviação civil na Europa e do estabelecimento de rotas postais regulares, surgiu a necessidade de conectar a Europa com outros continentes. Com esta conexão aérea seria possível reduzir o tempo necessário para transporte postal intercontinental, até então realizado por navios, o que tornaria mais ágil a comunicação mundial. Existiram simultaneamente diversas iniciativas tanto comercias quanto civis que intencionavam conectar o Brasil e Europa, até que em 1922 foi realizada a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, proeza realizada pelos pilotos portugueses Gago Coutinho e Sacadura Cabral. (MUSAL 2014). Apesar desse voo não ter sido realizado com cunho comercial, ele demonstrou que era possível, com a tecnologia já existente vencer os milhares de quilômetros que separavam os dois continentes. Dois anos mais tarde, em 1924, registrou-se no Brasil a chegada de uma missão de técnicos franceses que tinha como objetivo estudar a implantação da parte sul-americana de uma rota que ligaria a França, África e América do Sul. Porém, os técnicos da chamada Missão Latècoère encontraram grandes dificuldades no Brasil devido a falta de infraestrutura e pessoas qualificadas (PEREIRA, A., 1987).

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Entretanto, essas dificuldades não impediram que a Missão Latècoère seguisse com seus objetivos. Em 1927, a Latècoère recebeu do Ministério de Viação e Obras Públicas a licença para operar a rota Recife-Pelotas, trecho brasileiro que efetivaria a ligação com a Europa. (PEREIRA, A., 1987). Nesse período o Ministério de Viação e Obras Pública também estabeleceu as instruções para a exames, cartas, licenças, matrículas e demais providências relativas aos aviadores civis (RIBEIRO, L. M., 2002). Junto com a Aéropostale, o Condor Syndikat, na época controlado pela alemã Luft Hansa também conseguiu sua autorização para operar na costa brasileira. Porém, ao contrário da Aéropostale que investiu na construção de infraestrutura em terra, a Condor Syndikat começou sua atuação utilizando aerobotes que pousam no mar, recebendo o suporte necessário através de barcos. (RIBEIRO, L. M., 2002). Além de começar a operar sua própria rota em 1927, a Condor Syndikat participou também da incorporação da Varig, ficando com 21% das 5 mil ações que compunham o capital da nova companhia aérea brasileira. (SONINO, 1995). Nesse mesmo ano o Condor Syndikat ainda mudaria seu nome para Sindicato Condor e a Varig passaria a operar a Linha da Lagoa, como era conhecido o trecho Porto Alegre – Rio Grande (RIBEIRO, L. M., 2002). Em 1928, houve finalmente a inauguração do serviço aeropostal França América do Sul (PEREIRA, A., 1987). Dois anos depois a NYRBA também iniciou suas operações no Brasil, com o objetivo de conectar Nova Iorque - Rio de Janeiro - Buenos Aires. Ainda em 1930 a NYRBA foi reconhecida através do Decreto 19.417 como Panair do Brasil (RIBEIRO, L. M., 2002). No final de 1930 temos a posse de Getúlio Vargas como Presidente do Brasil. Em seu primeiro mandato ele ficou no poder até 1945 e durante esse período, importantes instituições governamentais relacionadas à aviação foram criadas. Após o início da operação regular de voos no Brasil, surgiu a necessidade de sistematizar a atuação do governo junto ao nascente mercado da aviação brasileira. Em 1931 foi criado o Departamento de Aeronáutica Civil (DAC), subordinado ao Ministério de Viação e Obras Públicas, que ficou responsável por tratar de assuntos como: aeronaves, espaço aéreo, sobrevoo, aeronautas, transporte aéreo, aeroportos e aeródromos. (RIBEIRO, L. M.,

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2002). Uma importante resolução lançada pelo Ministério nesse mesmo ano, foi o estabelecimento de um prazo de dois anos para que as aeronaves nacionais fossem tripuladas por aeronautas brasileiros, ficando o DAC responsável por estabelecer como seria feita a substituição de aeronautas estrangeiros (RIBEIRO, L. M., 2002). Além dessas iniciativas ligadas ao controle operacional da aviação brasileira, foi criado também um órgão que colaborou com a interiorização da aviação no Brasil e consequentemente com sua integração, em uma época onde o transporte rodoviário para regiões norte e nordeste eram precários (RIBEIRO, L. M., 2002). Esse órgão era o Correio Aéreo Militar (CAM), que tinha por objetivo atender as necessidades de regiões brasileiras que não eram contempladas pelos serviços postais das empresas privadas (MUSAL 2014).

4.2 2a FASE: ESTRUTURAÇÃO E EXPANSÃO (1932-1951)

1930% 1935% 1940% 1945% 1950% 1955% 1960%

Washingto G Getúlio% Getúlio%Vargas% J.L% Eurico%Dutra% n%Luís% P% Vargas%

II%Guerra%Mundial% 19069% Voo%14% Bis% 19409 19349% Campanha% 19449% Concedid Asas%do% Convenção% 1946%–% 1949%–% a%licença% Brasil% de%Chicago% assinado% Cruzeiro%do% para%a% e%criação% acordo% Sul%abandona% VASP.% da%ICAO% bilateral% linhas%para%os% 19409Criação% com%EUA% EUA% 19349% do%Ministério% Criado%o% da%AeronáuXca% 1945%9% Infl.%Alemã% Correio% Criada%a% Aéreo% 19419% Real% Naval% SubsXtuiç ão%dos% dirigentes% 19349% alemães% 1947%–%Criada% Governo% da%Varig% a%Comissão% assume% de%Busca%e% controle% Salvamento% 1941%9% Infl.%Francesa% da%VASP% Criação%da% 1951–% 1932–% Diretoria% Final%da%% Início%%2ª% de%rotas% 2ª%fase% fase% aéreas%

1941%–% nacionaliz Infl.%Americana% ação%do% Sindicato% Condor.%

Figura 4-2 Mapa visual segunda fase A visão consolidada dessa fase pode ser observada na figura 4-2 e a descrição segue descrita a seguir. Como consequência da criação do DAC, a partir de 1932 começaram a ser lançadas as primeiras normas para regular a

52 execução do Serviço Aeronáutico de Aviação Civil e foi instituído o Registro Aeronáutico Brasileiro (RAB) (RIBEIRO, L. M., 2002). Além do início da regulamentação do setor no Brasil, ocorreram nesse período algumas mudanças no mercado externo. Uma mudança significativa aconteceu em 1933, quando a França passou por um processo de unificação do mercado interno de aviação, o que deu origem à empresa estatal Air France. A partir desse momento a nova empresa francesa assumiu as operações da Aéropostale no Brasil. No mesmo ano, registrou-se também a criação de uma nova empresa aérea no Brasil, a Viação Aérea São Paulo (VASP) (PEREIRA, A., 1987). Seus voos começaram a operar em 1934 com dois pequenos aviões que faziam as rotas São Paulo - São Carlos – Rio Preto e São Paulo – Ribeirão Preto – Uberaba. Nesse momento o único aeródromo paulista existente era o Campo de Marte, ainda com pouca infraestrutura (PEREIRA, A., 1987). Em 1934 foi criado o Correio Aéreo Naval, que juntamente com o Correio Aéreo Militar visava fortalecer a integração nacional através do transporte de malas postais pelo interior do país (MUSAL 2014). Além disso, nos anos seguintes foram inaugurados dois aeroportos que, posteriormente, viriam a ser os mais importantes do país: Congonhas em São Paulo e Santos Dumont no Rio de Janeiro que começaram a operar em 1936 e 1939, respectivamente (RIBEIRO, L. M., 2002). Com o início da Segunda Guerra Mundial os investimentos das empresas europeias no Brasil diminuíram, a Panair, por sua origem norte- americana, foi beneficiada com o direito de construir, operar e manter aeroportos (MUSAL 2014). Além de priorizar a Panair nas concessões, o Governo Federal estimulou a compra de aeronaves norte-americanas através da concessão de crédito (PEREIRA, A., 1987). Devido ao esforço de guerra empregado na Europa, as companhias brasileiras estavam sofrendo com a falta de peças de reposição para as aeronaves até então empregadas nas rotas do país. A Varig, por exemplo, foi beneficiada com essa linha de crédito e comprou uma frota de oito Lockheed e 10 Electra para renovação de sua frota (PEREIRA, A., 1987).

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Com o crescimento do setor aéreo e de sua relevância estratégica para o país foi necessário também ampliar a estrutura governamental responsável pelo setor. Em 1941 foi criado, através do Decreto 2.961, o Ministério da Aeronáutica que, a partir dessa data, seria responsável pelo estudo e despacho de todos os assuntos relativos à atividade da aviação nacional. O órgão foi criado com atribuições militares e civis, unificando a gestão do poder aéreo brasileiro ao assumir a coordenação do DAC e ao criar a Força Aérea Brasileira, fruto da unificação da Aeronáutica Naval e da Aeronáutica do Exército, atendendo uma reivindicação antiga da opinião pública brasileira (RIBEIRO, L. M., 2002). Ainda como consequência da criação do Ministério da Aeronáutica, foi criada também a Diretoria de Rotas, que posteriormente daria origem ao Departamento de Controle do Espação Aéreo - DECEA (DECEA, 2014) e que seria responsável pela gestão do Correio Aéreo Nacional e pela segurança de voo no espaço aéreo brasileiro (RIBEIRO, L. M., 2002). No entanto, apesar desses novos órgãos, as décadas de 40 e 50 ficaram conhecidas como “Época da Política de Céus Abertos” devido à pouca regulamentação do Estado atrelada à expansão acelerada e desordenada do setor. Em 1941, como consequência da participação brasileira na Segunda Guerra Mundial, que ainda estava em curso na Europa, o Governo solicitou compulsoriamente o afastamento dos executivos alemães que compunham o quadro da Varig (SONINO, 1995). Essa determinação do governo culminou na saída do fundador da Varig, o alemão Otto-Ernst Meyer e na eleição de Ruben Berta como presidente da empresa. Nessa mesma época, o antigo Sindicato Condor, que havia recém mudando o nome da empresa para Serviços Aéreos Condor, também sofria as consequências da guerra. Após o ataque de Pearl Harbor, o governo americano ordenou a suspensão do fornecimento de combustível e outros produtos essenciais à operação da empresa (PEREIRA, A., 1987). Com o objetivo de preservar a empresa e tirá-la da tutela da Lufthansa o governo brasileiro decidiu pela sua nacionalização. Após este ato os dirigentes alemães foram substituídos por executivos brasileiros, a proibição de fornecimento para

54 a empresa foi revogada e o nome da mesma foi alterado novamente, para Serviços Aéreos Cruzeiro do Sul (PEREIRA, A., 1987). Ainda durante a guerra foi realizada nos Estados Unidos a Conferência de Chicago, que reuniu representantes de 52 países para discutir os rumos da aviação mundial (ICAO, 2014a). Como consequência dessa conferência foi criada a Organização de Aviação Civil Internacional (OACI), que tinha como objetivo aperfeiçoar os princípios e a técnica de navegação aérea internacional e também estimular o crescimento internacional do setor (RIBEIRO, L. M., 2002). As resoluções resultantes da Conferência de Chicago serviram como base para a criação das primeiras normas brasileiras relativas à exploração de rotas internacionais. Primeiramente foi determinado que os acordos para a exploração de rotas internacionais seriam estabelecidos através de negociações bilaterais com os países interessados. Posteriormente, em 1946, o governo brasileiro determinou que as companhias brasileiras interessadas em explorar novas rotas deveriam ter pelo menos 51% de capital nacional (RIBEIRO, L. M., 2002). A partir do final da guerra a aviação experimentou uma expansão acelerada devido à grande oferta de aeronaves excedentes da guerra e facilidade para abertura de novas companhias (SONINO, 1995). Durante a década de 40 foram construídos cerca de duzentos aeroportos e aeródromos e o número de aviões de transporte foi multiplicado por dez (RIBEIRO, L. M., 2002). Dentre as inúmeras companhias aéreas criadas nesse período, destacam-se a criação da Redes Estaduais Aéreas Ltda – REAL e a . A REAL, fundada por Linneu Gomes em novembro de 1945, iniciou suas atividades operando a linha Rio de Janeiro – São Paulo e sua principal arma para crescer foi a oferta de tarifas substancialmente baixas em comparação com a concorrência (PEREIRA, A., 1987). As outras companhias seguiram a estratégia de oferecer tarifas mais baixas também, o que acabou resultando em uma disputa de tarifas. Além disso, a REAL passou a oferecer horários noturnos regulares, aumentando a frequência e horários disponíveis ainda que em precárias condições técnicas (PEREIRA, A., 1987).

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Essas ações da REAL resultaram em alguns acidentes atribuídos tanto à falta de apoio nas rotas quanto pela inexperiência de jovens pilotos que mesmo sem o devido preparo, eram obrigados a voar sob pena de serem demitidos se não cumprissem as ordens (PEREIRA, A., 1987). Porém mesmo com essas questões, a REAL conseguiu crescer e alguns anos depois, absorveu algumas concorrentes, confirmando assim sua posição de player importante no mercado. A Aerovias também desempenhou um importante papel na aviação brasileira. Sua criação foi fruto de uma tentativa de expansão da Transportes Aéreos Centro-Americanos – TACA que pertencia a Lowell Yerex Charles Matthew e aos irmãos Oscar e Roberto Taves, cujo objetivo era ter empresas de aviação em todo os países latino-americanos (PEREIRA, A., 1987). Sua operação começou com voos esporádicos de carga para ainda durante a Segunda Guerra. Após o final da guerra, a Aerovias estava consolidada como uma empresa sólida e conseguiu autorização para implantação de uma rota costeira entre as cidades de Porto Alegre e Belém (PEREIRA, A., 1987). A partir do acordo bilateral de tráfego aéreo entre o Brasil e os Estados Unidos, houve a necessidade de designar duas empresas brasileiras para representar o Brasil nessa operação. Os acordos bilaterais visavam definir as regras de operação para voos internacionais entre os dois países negociantes e suas cláusulas tinham como base as resoluções resultantes da Conferência de Chicago (RIBEIRO, L. M., 2002). Sendo estabelecido que para cada empresa americana designada para operar às rotas acordadas, deveria haver uma empresa brasileira para fazer o mesmo. Depois do estabelecimento desse acordo, a Aerovias foi uma das operadoras brasileiras escolhidas das rotas Brasil-EUA e passou a realizar o trecho Belém-Miami. Em 1947, a TACA vendeu quase toda a sua participação na empresa que a partir desse momento passou a contar com 91% de capital nacional (PEREIRA, A., 1987). A outra companhia aérea brasileira que iria operar as frequências para os EUA era a Cruzeiro do Sul. Ela recebeu autorização para administrar as rotas para Washington e Nova Iorque, pois estava em melhores condições técnicas (SONINO, 1995). Porém, após realizar trinta voos experimentais (PEREIRA, A., 1987), a Cruzeiro do Sul declarou que a operação dessas linhas

56 não seriam viáveis sem a concessão de subsídios do governo. O governo negou o pedido da Cruzeiro do Sul, que acabou desistindo do projeto em 1949 (SONINO, 1995). Em 1950, a Varig assumiu as linhas da Cruzeiro do Sul com subsídios do governo, tendo obtido a licença definitiva de operação dos trechos três anos depois (PEREIRA, A., 1987). Ainda em 1950, o Brasil criou oficialmente o Serviço de Busca e Salvamento Aeronáutico, seguindo uma recomendação da OACI (MUSAL 2014). O novo órgão teria como responsabilidades executar missões de busca, salvamento, interceptação e escolta, além de outras ações humanitárias e de apoio à população. Em 1951 o ex-presidente Getúlio Vargas foi eleito para um novo mandato, que cumpriu até 1954 quando cometeu suicídio. Durante esse período, diversas empresas aéreas fecharam, foram adquiridas ou se fundiram, conforme podemos observar no genealogia das empresas brasileiras apresentada no Anexo C. Embora esse período tenha representado o fim de muitas empresas, para outras foi uma grande oportunidade de crescimento. Um exemplo desse fenômeno foi a Real, que com apenas dois anos de fundação começou a adquirir concorrentes menores o que permitiu a ela ganhar dimensão nacional. (FAY, 2001). A Real adquiriu em sequência a Wright, a Natal e a Linha Aérea Transcontinental nos anos de 1948, 1950 e 1951, respectivamente. Porém de todas as aquisições, a compra da Aerovias em 1954 foi a que gerou maior crescimento devido ao número de novas linhas e aeronaves incorporadas.

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4.3 3a FASE: CONCENTRAÇÃO DO MERCADO E AUMENTO DA REGULAÇÃO (1952-1990)

1955% 1960% 1965% 1970% 1975% 1980% 1985% 1990%

Getúlio% Jucelino% J. João% Castelo% Costa%e% C.F% G.I.% Emílio%Médici% Ernesto%Geisel% João%Figueiredo% José%Sarney% Vargas% Kubitschek% Q.% Goulart% Branco% Silva%

Guerra%do%Vietnã%

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1961%–% Infl.%Americana% Venda% do% 1952–% controle% Início%%3ª% da% fase% Panair%

Figura 4-3 Mapa visual terceira fase Como pode se observar no mapa visual da figura 4-3 em 1954, além da morte do então presidente Getúlio Vargas houve também a abertura da Sadia Transportes Aéreos, que inicialmente foi criada para transportar os produtos do Grupo Sadia da cidade de Concórdia () para São Paulo. E que posteriormente viria a ser uma das poucas companhias a atuarem no setor nacional. Nessa época já não era mais possível encontrar equipamentos excedentes de guerra, o que encarecia a manutenção e a atualização da frota (SONINO, 1995). A falta de capital para a renovação da frota motivou uma política de endividamento que aumentara os custos operacionais das companhias (SONINO, 1995). Com o crescimento dos custos operacionais, as companhias aéreas passaram a ter problemas financeiros. Com o objetivo de ajudar as empresas a reequilibrar suas contas, o governo passou a oferecer para as empresas aéreas uma taxa de câmbio inferior à taxa de câmbio oficial (FAY; OLIVEIRA, 2013). Com essa medida, as companhias conseguiram diminuir, mesmo que

58 artificialmente, os custos com combustíveis e reequipamento, uma vez que essas operações eram realizadas em dólares. Em 1956, já durante a gestão de Jucelino Kubitschek, o governo federal criou um novo mecanismo de ajuda às companhias aéreas. Através da Lei nº 3.039, de 20 de dezembro de 1956 o governo instituiu que seria concedida uma “contribuição financeira às empresas de transporte aéreo que explorem linhas dentro do país, para fins de reaparelhamento de material de voo” (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1956). De acordo com o documento, o novo subsídio calculado em 450 milhões de Cruzeiros anuais seria dividido dentre as empresas existentes em 31 de outubro de 1956 de acordo com a proporção de tonelagem – quilômetro oferecido nas linhas domésticas no ano anterior. Nesse mesmo ano a Varig e a VASP iniciaram uma parceria com o objetivo de enfrentar o crescimento da Real. Essa parceria foi constituída em forma de um consórcio operativo onde cada empresas continuaria independente jurídica, econômica e administrativamente, porém compartilhariam serviços onde houvesse sobreposição (FAY; OLIVEIRA, 2013). Nessa época a Real-Aerovias era a maior empresa aérea do Brasil e a sétima pelo ranking da IATA. Além de ter crescido através das aquisições, apresentava uma política de promoções constantes na venda de bilhetes e sorteio de prêmios, o que prejudicava a venda das outras companhias (FAY, 2001). Além disso, a Real-Aerovias crescia também em alcance e frequências, em 1957, ela inaugurou a rota para Brasília, sendo a primeira companhia a pousar na nova capital federal (PEREIRA, A., 1987). Na rota Rio-São Paulo, seu principal trecho, ela operava 15 saídas diárias em cada sentido, sendo considerada a líder da rota (BETING, 2007). Visando combater a concorrência da Real-Aerovias e melhorar o desempenho operacional algumas empresas se uniram, ainda em 1957, para criar um modelo de operação pioneiro com o objetivo de melhorar o retorno da principal linha do país, o trecho Rio-São Paulo (BETING, 2007). A Varig, VASP e Cruzeiro do Sul se uniram para oficializar uma prática que seus gerentes do aeroporto de Congonhas já vinham fazendo de maneira informal.

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A ideia era operar a rota em forma de pool onde os voos das três companhias eram escalonados sem sobreposição de horários, bastava que o passageiro com uma reserva antecipada de apenas 24 horas de antecedência, chegasse ao aeroporto, comprasse o bilhete e se dirigisse até os aparelhos das operadoras (RIBEIRO, L. M., 2002). Todos os voos aceitavam os bilhetes das outras companhias do pool e posteriormente era feito o rateio da receita de forma proporcional aos resultados de cada cia. Esse modelo inédito no mundo de operação compartilhada, chamado de Ponte Aérea, permitiu que as companhias participantes do pool melhorassem seu desempenho na rota tivessem mais força para enfrentar a concorrência da Real-Aerovias. Durante esse período o Brasil experimentou uma deterioração das condições de operação do setor aéreo, o que se refletiu em um aumento da incidência de acidentes aéreos. De acordo com o manifesto “As verdadeiras causas dos acidentes na Aviação Comercial Brasileira” publicado pelo Sindicato Nacional dos Pilotos de Transportes Aéreos as verdadeiras causas dos acidentes seriam a falta de pistas para decolagens, excesso de peso nas aeronaves e número excessivo de horas voadas pelas tripulações (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1957). Além desse manifesto o sindicato lançou ainda mais dois documentos expondo as preocupações da categoria sobre o setor de aviação civil, foram eles: “A situação da aviação comercial brasileira” em 1959 e “Sobre a situação em que se encontra a aviação comercial brasileira” em 1961 (FAY, 2001). Diante desse cenário, o Governo Federal criou em 07 de abril de 1959 uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) com o objetivo de: Investigar as condições de segurança de voo e pouso dos aviões civis, de alimentação, regime de trabalho dos tripulantes das aeronaves e dos empregados nos serviços de manutenção; as condições do serviço de busca e salvamento e as atuais condições de oferta de transporte aéreo superior à procura; problemas de ordem tarifária que estão originando a crise na aviação comercial brasileira e, bem assim, a questão do zoneamento ou da conveniência do monopólio estatal (CÂMARA DOS DEPUTADOS, 1959).

Mesmo diante de todos os problemas vividos pelas empresas aéreas brasileiras, elas continuavam expandindo. Em 1959 a Varig inaugurou a era dos jatos no Brasil ao realizar o primeiro voo no país com o Caravelle

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(CASTRO; LAMY, 1993) e em 1960 a Real-Aerovias inaugurou a linha Brasil- Japão (PEREIRA, A., 1987). Além da realização da CPI, o governo instituiu outras medidas com o objetivo de conter a crise. Entre essas medidas destacam-se a criação do Curso de Preparação de Oficiais de Proteção de Voo (CPOPV), que posteriormente deu origem ao Instituto de Controle do Espaço Aéreo (ICEA) (DECEA, 2014) e a realização da I Conferência Nacional de Aviação Comercial (SONINO, 1995) que originou uma série de medidas do governo. A I Conferência Nacional de Aviação Comercial ocorrida no ano de 1961 em Petrópolis, foi a primeira de uma série de conferências que tiveram como objetivo discutir alternativas de melhoria para o setor aéreo brasileiro (SONINO, 1995). A CONAC II e a CONAC III ocorreram em 1963 e 1968, respectivamente. Como produto dessas reuniões surgiram políticas de estímulo à fusão de empresas, além da implantação de regime de competição controlada, condicionado ao interesse público. Além disso, o Governo passou a controlar fortemente as atividades das companhias aéreas, desde a escolha de linhas até a fixação do valor dos bilhetes (BNDES, 2002). Além dessas ações o governo também criou uma iniciativa para garantir que o interior do Brasil continuaria sendo atendido pelas companhias aéreas. A Rede de Integração Nacional (RIN) foi um programa idealizado com o propósito de integrar as regiões remotas do país através de subsídios às empresas, que continuariam utilizando o DC-3 mesmo já sendo considerado na época uma máquina obsoleta (FAY; OLIVEIRA, 2013). Esse programa visava enfrentar um problema gerado a partir da adoção de aeronaves a jato em rotas nacionais, o que ocasionou um aumento na oferta de assentos. Pois, apesar do custo por assento dos aviões a jato ser inferior aos aviões excedentes de guerra até então utilizados, era necessário um número maior de passageiros para garantir a ocupação mínima necessária para cobertura dos custos (FAY; OLIVEIRA, 2013). Como os aviões a jato necessitavam de um volume maior de passageiros para ter uma operação rentável, aos poucos as companhias foram abandonando as rotas de baixo tráfego, o que resultou numa diminuição de quilômetros voados e representou o fim de voos para muitas cidade do interior (FAY; OLIVEIRA, 2013), conforme podemos observar nos gráficos

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Gráfico 4-1 Quilômetros voados (1959-1964) Fonte: DAC

Gráfico 4-2 Evolução do número de cidades brasileiras servidas por linhas aéreas Fonte: DAC

Embora o governo estivesse tomando algumas medidas para interferir na situação do setor, algumas empresas já se encontravam em uma situação delicada. A Real-Aerovias, que em 1961 estava passando por graves problemas financeiros, optou por vender metade da Aerovias Brasil em maio de 1961, porém em outubro do mesmo ano o consórcio Real-Aerovias foi absorvido pela Varig (PEREIRA, A., 1987). A incorporação da Real a Varig foi um dos episódios investigados pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da aviação, devido ao fato de a Varig ter pago 1,75 bilhões de Cruzeiros na compra de uma empresa financeiramente desestabilizada e com um passivo muito maior (FAY, 2001).

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De acordo com o deputado Miguel Bahury (apud Fay, 2001), o então Presidente Jânio Quadros tinha interesse em proteger o grupo de Linneu Gomes. Devido a isso, Jânio teria solicitado a Ruben Berta que adquirisse a empresa, para evitar assim a sua falência. Além da Real, a Panair do Brasil também sofreu mudanças em seu controle acionário durante esse período. Em 1961 a Pan American Airways passou o controle da unidade brasileira para o grupo de Celso Rocha Miranda e Mário Wallace Simonsen, que até então, controlavam um grupo que atuava nos ramos de seguros, comunicação e exportação de café, além serem representantes de firmas anglo-germânicas ligadas ao transporte aéreo (FAY; OLIVEIRA, 2013). O grupo brasileiro pagou 600 milhões de Cruzeiros e consolidou a dívida de quase 7 milhões de dólares da companhia. O plano inicial era estruturar um novo grande consórcio aéreo no Brasil, porém esse plano acabou não se concretizando (FAY, 2001). De acordo com o Ministério da Aeronáutica a transferência da Panair para os novos donos apresentava algumas irregularidades. O governo alegou que as ações da companhia foram vendidas por um preço cinco vezes maior do que seu valor nominal. Além disso, o balanço encerrado naquele ano apontava um prejuízo de 400 milhões de Cruzeiros, o que correspondia a quatro vezes o capital da empresa, (FAY; OLIVEIRA, 2013). Apesar dessa alegação do governo o negócio foi mantido e a venda concretizada. Em 1963, foi realizada a II CONAC, desta vez sediada no Rio de Janeiro. O setor de transporte aéreo ainda estava em dificuldades e as medidas definidas na primeira conferência, dois anos antes, não tinham surtido o efeito esperado. Dentre as novas propostas discutidas nessa conferência, destaca-se o projeto da Aerobrás (SONINO, 1995). A ideia da Aerobrás era criar uma companhia nacional que unificaria o setor de aviação civil (SONINO, 1995). Essa proposta surgiu do fato de que havia uma oferta maior que a demanda por assentos no Brasil e de que a concorrência era prejudicial ao desenvolvimento desse setor. Porém, no ano seguinte, após toda as mudanças políticas no país, esse projeto foi engavetado. Em 1964, já sob a presidência de Humberto Castelo Branco, o governo instituiu novas medidas de intervenção no setor aéreo. Foram eliminadas as

63 passagens gratuitas e implantou-se um sistema tarifário ajustável em proporção aos índices de inflação (FAY; OLIVEIRA, 2013). Porém, não demorou muito para que outra companhia fosse fechada, porém dessa vez sob ordens do governo. Em 10 de fevereiro de 1965, o Governo Federal enviou um telegrama para a Panair, informando que as concessões de suas linhas tinham sido canceladas (BETING, 2005). Imediatamente, as linhas domésticas da Panair foram transferidas para a Cruzeiro do Sul e as linhas internacionais para a Varig (FAY; OLIVEIRA, 2013). As linhas internacionais operadas pela Panair foram entregues ao Ruben Berta, então presidente da Varig, pelo próprio Ministro da Aeronáutica, o Brigadeiro (SONINO, 1995). A Varig foi convocada a cumprir a determinação do governo e no mesmo dia do comunicado, assumiu a gestão trechos em questão. Somente cinco dias após a cassação das linhas, foi decretada a falência da Panair (MUSAL, 2014). O fechamento da Panair surpreendeu muitas pessoas do alto escalão da aviação civil e aos próprios dirigentes da Panair, uma vez que essa ação teria sido articulada em sigilo, sem dar evidências aos diretores da companhia o que estava por vir (PEREIRA, A., 1987). Para os que trabalhavam na empresa, sua falência fora resultado de perseguições políticas da ditadura e até hoje Rodolfo da Rocha Miranda, filho de Celso Rocha Miranda luta na justiça pelo reconhecimento do governo brasileiro que tal ação se tratou de um episódio de perseguição política (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2013). A década de 60 avançou, porém o desempenho das empresas brasileiras não demonstrava sinais de melhoras. O governo seguiu tentando implantar medidas conhecidas como de correção de rumo. Em 1967, o governo realizou uma reforma administrativa, onde o Ministério da Aeronáutica passou a formular, em conjunto com as empresa as novas políticas adotadas. O governo passou a regulamentar com mais ênfase, através de uma política que ficou conhecida como “concorrência controlada”. O objetivo era evitar a competição ruinosa entre as empresas, especialmente na área tarifária, onde estava reinando a guerra de preços (RIBEIRO, L. M., 2002). Até 1980, a política tarifária do setor de transporte aéreo caracterizou-se pelo controle e fixação pelas autoridades de toda e qualquer tarifa.

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Em 1968 foi realizada a III CONAC, que mais uma vez, tentava discutir medidas que pudessem ajudar a melhorar o desempenho do setor. Nesta edição, os principais resultados da conferência foram os estudos para corrigir as defasagens tarifárias e proibições para abertura de novas empresas (SONINO, 1995). Além dessas medidas, foi criada também a Comissão de Coordenação do Transporte Aéreo Civil (COTAC), presidida pelo Diretor Geral do DAC. Essa comissão tinha como objetivo reduzir o trâmite dos pedidos de importação e intermediar importações e exportações de aeronaves civis (RIBEIRO, L. M., 2002). A década de 70 se iniciou em meio a um contexto internacional turbulento. Os EUA, que estava envolvido na Guerra do Vietnã desde de 1955, estava sofrendo fortes pressões devido ao fortalecimento do movimento pacifista (FAY, 2001). Além disso, o dólar estava servindo como objeto de especulação de outros países, o que diminuiu a confiança internacional na moeda até 1971 quando o Presidente Nixon declarou a inconversibilidade do dólar frente ao padrão ouro. Paralelamente a isso, ainda ocorriam surtos de recessão (SONINO, 1995) e outros focos de guerra, como a Guerra de Yom Kippur, movida pelo Estados Árabes contra Israel e que deu origem à primeira crise internacional do petróleo (FAY, 2001). Nessa ocasião os Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) elevaram o preço do barril de petróleo de US$1,28 em 1969 para quase US$12,00 em outubro de 1973 o que acabou gerando mais dificuldades ao setor aéreo (O ESTADO DE SÃO PAULO, 1973). Em meio a esses acontecimentos, no Brasil era criada a Infraero, empresa pública destinada à administração da infraestrutura aeroportuária (RIBEIRO, L. M., 2002). Durante os anos anteriores essa tarefa já havia ficado a cargo o Ministério da Aeronáutica via comandos regionais e do DAC, porém nesse momento, passava a ter um órgão independente totalmente dedicado à gestão dos aeroportos. Depois disso, o governo continuou tomando medidas reguladoras, que restringiam o setor. Através do Decreto No. 72989/73 foi oficialmente consolidado o oligopólio de quatro companhias de atuação nacional, sendo elas Cruzeiro do Sul, Transbrasil (antiga Sadia), Varig e VASP.

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No entanto, a Cruzeiro do Sul mesmo sendo uma das quatro empresas designadas a operar o transporte nacional, não estava em uma boa fase. Ela apresentava sinais de dificuldades econômico-financeiras, em grande parte, devido à falta de cautela na execução dos planos de expansão internacionais (SONINO, 1995) e crescimento excessivo das dívidas decorrentes da introdução de novos aviões (PEREIRA, A., 1987). Aos primeiros boatos de que a Cruzeiro do Sul não estava bem, a Transbrasil apresentou uma proposta de fusão das duas empresas solicitando apoio financeiro do BNDE (PEREIRA, A., 1987). Depois do anúncio oficial de que o controle da Cruzeiro do Sul seria transferido para outra empresa, a VASP também demonstrou interesse em incorporar a concorrente, principalmente devido seu interesse nas linhas internacionais que a mesma operava (PEREIRA, A., 1987). No entanto, nenhuma das duas propostas se concretizou e depois de muitas especulações a Varig, através da Fundação Ruben Berta passou a ser a controladora da Cruzeiro do Sul após a aquisição de seu controle acionário realizada em maio de 1975 (SONINO, 1995). Até 1975, as quatro empresas já operavam com frotas totalmente constituídas por aviões a jato, sendo o menor deles com 100 lugares (BNDES, 2002). Com essa composição de frota, as empresas passaram a priorizar rotas de maior tráfego que eram as mais viáveis para operação de aeronaves desse tipo (BNDES, 2002). Como consequência, as operações aéreas ficaram concentradas em cidades de grande porte, reduzindo drasticamente a extensão da malha aérea brasileira. Em 1975, somente 92 cidades eram atendidas pela aviação aérea regular (BNDES, 2002), sendo que em 1950 as linhas domésticas serviam quase quatrocentas localidades (RIBEIRO, L. M., 2002). Na tentativa de superar esse problema e garantir o transporte aéreo no interior do país, o Governo Federal criou através do Decreto 76590/75 o Sistema Integrado de transporte Aéreo Regional (SITAR) (RIBEIRO, L. M., 2002). Para implantação do SITAR o Brasil foi dividido em cinco aéreas, contendo cada uma sua respectiva companhia aérea autorizada a operar, conforme descrita na quadro 4-1.

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Empresa Aérea Regional Área Homogênea De Tráfego Nordeste Linhas Aéreas Regionais S.A. Região Nordeste e parte dos estados de e Espírito Santo* Rio-Sul Serviços Aéreos Regionais S.A. Região Sul e parte dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo e São Paulo TABA Transportes Aéreos da Bacia Região Norte Amazônica S.A. TAM Transportes Aéreos Regionais S.A. Atual estado do Mato Grosso do Sul, parte dos estados do Mato Grosso e de São Paulo** VOTEC Serviços Aéreos Regionais S.A. Estado de Goiás, parte dos estados do Pará e do Maranhão, o Triângulo Mineiro e o Distrito Federal*** Quadro 4-1 Empresas do setor regional Fonte: DAC * Com ligações dessas localidades para o Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília e . ** Com ligações dessas localidades para o Rio de Janeiro e São Paulo. *** Com ligações dessas localidades para o Rio de Janeiro. Reproduzido do (BNDES, 2002)

De acordo com o DAC o funcionamento do SITAR correria dentro dos seguintes parâmetros: “1) atendimento prioritário às populações do interior; 2) reativação do mercado potencial e desenvolvimento de novos mercados; 3) Alimentação das redes tronco; 4) colocação de aeronaves de fabricação nacional; 5) cobertura financeira, através de suplementação tarifária” (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1974). A suplementação tarifária foi estabelecida com o objetivo de estimular a efetivação do serviço de transporte regional, uma vez que as companhias não demonstravam interesse nas rotas de baixa densidade, que são aquelas com baixo índice de passageiros por quilômetros voados (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1976). O governo passou a conceder a suplementação para equilibrar o custo do quilômetro dispendido com recursos vindos de um adicional tarifário correspondente a 3% da receita da venda de passagens nacionais recolhidos mensalmente. Durante toda a sua existência a aviação regional foi tratada como sendo um setor independente da aviação nacional e foi também rigidamente regulada. Através da atuação do DAC o governo controlava tarifas, rotas, horários, tipos de aeronaves e operações em geral, como publicidade e financiamentos de compra passagens (CASTRO; LAMY, 1993). Além da criação do SITAR, o governo editou um outro decreto que visava equilibrar a participação das três empresas de âmbito nacional, de forma a evitar o monopólio da Varig. Esse limite foi imposto através da

67 distribuição de cotas em termos de assentos-quilômetros e a participação máxima da Varig seria de quarenta por cento (RIBEIRO, L. M., 2002). Por outro lado, nesse mesmo ano o governo lançou um decreto que proibia a utilização de aviões bimotores na ponte aérea Rio-São Paulo (PEREIRA, A., 1987). Porém, após a proibição a Varig era a única companhia aérea a ter aviões adequados para operar o trecho, o que a fez alugar seus Lockheed Electra II para suas concorrentes e, ao mesmo tempo parceiras de ponte aérea. Uma outra medida governamental para fomentar o turismo interno no país, foi lançada em 1976. A partir do Decreto 1470/76 estabeleceu-se que todo cidadão brasileiro que viajasse ao exterior fizesse um depósito de doze mil cruzeiros no Banco do Brasil. Apesar de países vizinhos como , Chile Paraguai e Uruguai estarem isentos, registrou-se uma desaceleração do crescimento das saídas turísticas para o exterior ao mesmo tempo que houve um incremento no turismo interno. Em outubro de 1976 as cinco empresas designadas para operar o transporte regional já estavam em funcionamento, atendendo cerca de 113 localidades com uma frota de 64 aviões (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1976) Enquanto o Brasil caminhava em direção a um setor aéreo cada vez mais regulado pelo governo, os EUA , em 1978, o Deregulation Act (Ato de Desregulamentação Aérea), que tinha como objetivo diminuir a ingerência do Governo Federal Americano no setor aéreo e permitir uma maior competição entre as empresas (SONINO, 1995). Foram implantadas alterações radicais na política de controle de tarifas, de permissões para operação de novas empresas e charters e para cancelamento de rotas (SONINO, 1995). Essa medidas afetaram não somente o mercado interno de aviação norte-americano, como também seu novos contornos à competição internacional. Os Estados Unidos passaram a exigir que os acordos bilaterais de aviação trabalhassem com o conceito de multidesignação, o que significaria um maior número de empresas operando as mesmas ligações internacionais, estimulando assim a competição, o que posteriormente chegaria a afetar o Brasil (SONINO, 1995).

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Em 1979, o mundo viveu a segunda crise do petróleo, quando o preço do barril de óleo subiu de US$12,00 para US$ 32,00. Diante desse situação, o governo brasileiro, na tentativa de minimizar os efeitos no mercado interno promoveu uma desvalorização do Cruzeiro de 15137,5% nos anos seguintes e reduziu drasticamente as importações (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1984). Mesmo diante de todo o endividamento das empresas acumulado na década de 70, as mesmas, juntamente com o governo continuavam investindo em renovação de frota. No início dos anos 80, o governo alegava que a introdução de aeronaves de nova geração, que gastavam menos combustível poderia contribuir para a recuperação da lucratividade da operação aérea (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1980). Em 1982, o setor de processamento de dados e estatística do DAC, passou por modificações significativas. Foi implantado o Setor Integrado de Controle e Fiscalização da Aviação Civil (SINCOCAF), que permitiu que a coleta, tratamento e divulgação dos dados de desempenho do setor fossem registrados de forma online, melhorando a confiabilidade dos dados de voo. Uma outra iniciativa de destaque do DAC nesse mesmo período foi a ideia da criação do Instituto Aerus de Seguridade Social (AERUS) em 1983 (RIBEIRO, L. M., 2002). Apesar de ter sido criado pela companhias Varig, Cruzeiro e Transbrasil, o conceito do AERUS surgiu de um grupo de trabalho instituído pelo então Ministro da Aeronáutica, Brigadeiro Délio Jardim de Matos (AERUS, 2014). Essa instituição foi criada como uma entidade de previdência privada complementar voltada exclusivamente para os profissionais do setor aéreo brasileiro. Os recursos necessários sairiam das empresas patrocinadoras, Varig, Cruzeiro e Transbrasil e de uma taxa adicional de 3% sobre as tarifas nacionais (AERUS, 2014). Em 1983 houve uma maxi desvalorização do Cruzeiro que ocasionou uma erosão tarifária, prejudicando assim os resultados de receitas das companhias aéreas brasileiras (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1984). A partir de tal mudança na economia brasileira, em 1984 se fez necessário fazer uma revisão da política tarifária com objetivo de recuperar a receita de

69 serviços, o que segundo o relatório do DAC de 1984 estabeleceu condições para que as empresas tivessem um bom resultado naquela ano. Nesse período, a Fundação Ruben Berta, através da Varig e da Cruzeiro do Sul, ainda detinha o monopólio das rotas internacionais. No entanto, cansadas dessa segregação, VASP e Transbrasil se uniram para tentar pleitear o direito de exploração de rotas internacionais (PEREIRA, A., 1987). Apesar da parceria as duas empresas só conseguiriam operar rotas internacionais em 1991 após as primeiras ações de desregulamentação do setor (BETING, 2005). Em 1985 foi criado um novo tipo de operação para as linhas que ligavam grandes capitais a Brasília. Os Voos Direto ao Centro (VDC) começaram a operar em 1986 em sistema de pool formado por empresas de aviação regional, ligando São Paulo, Belo Horizonte e Curitiba à capital federal (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1986). Nessa época o Brasil estava vivendo um momento político agitado, onde começava a transição do regime militar, que governava o país desde 1964, para o regime democrático. Como resultado das Diretas Já, movimento civil que lutou pelo retorno do sistema de eleições diretas no Brasil, Tancredo Neves foi eleito para governar o país durante a transição para a democracia. Porém, Tancredo Neves morreu antes da posse, fato que levou seu vice José Sarney ao Palácio do Planalto em 1985. Juntamente com o novo governo, começaram a ser registradas também novas iniciativas de gestão do setor aéreo. A publicação do Código Brasileiro de Aeronáutica, também conhecido como marco regulatório, através da Lei No 7.565 de 1986 foi uma tentativa de alterar o modelo de intervenção do governo no setor, porém como a lei ficou sem regulamentação até o final de 1990, formam necessários mais quatro anos para que as novas medidas entrassem em vigor (CASTRO; LAMY, 1993). Apesar das diversas medidas de controle econômico realizadas nos anos anteriores, o governo seguia sem sucesso lançando novas medidas. Em dezembro de 1985 foram lançadas medidas de caráter contracionista como congelamento das contas de movimento do Banco do Brasil e Banco Central, restringiu o crédito para consumo e criou um encaixe de 25% sobre o saldo de depósitos das cadernetas de poupança para a alocação em títulos públicos

70 federais (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1986). Mesmo com essas ações, a taxa de inflação média registrada nos dois meses seguintes motivaram novas ações governamentais que culminaram na criação do Plano Cruzado (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1986). O Plano Cruzado foi caracterizado pelo esforço do governo de aumentar a arrecadação pública e reduzir gastos, para além de promover um ajuste da demanda interna através de um choque de preços. (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1986). Com relação ao setor aéreo, houve a transferência do controle das tarifas aéreas do Ministério da Aeronáutica para o Ministério da Fazenda e a descontinuidade da utilização da equação tarifária que até então garantia às empresas um retorno operacional de 12%. A partir dessa data, os reajustes tarifários era concedidos a posteriori, trazendo dificuldades para as empresas (RODRIGUES; WEYDMANN, 2009). Esse congelamento de tarifas durou nove meses e apesar de ter favorecido o consumo não foi suficiente para tirar as linhas domésticas do vermelho, fazendo com elas dependessem dos resultados das linhas internacionais para que as contas ficassem equilibradas (SONINO, 1995). Em 1988, Transbrasil iniciou uma ação contra o DAC na qual solicitava reparações por danos fiscais ocasionados por decretos lançados pelo órgão (BETING, 2005). Como resposta, o DAC nomeou um interventor federal para gerir a empresa alegando que a mesma se encontrava em uma situação pré- falimentar (SONINO, 1995). Além disso, o governo concedeu um empréstimo para a empresa por intermédio do Banco do Brasil para que a equipe de intervenção pudesse utilizar na recuperação da empresa (SONINO, 1995). Apesar de todo o esforço do governo em controlar a economia do país, a inflação continuava subindo e as medidas implantadas pareciam não fazer efeito. Depois do Plano Cruzado ainda houveram mais duas tentativas de estabilização antes do final da década de 80. Ainda em 1987, foi lançado o plano Bresser que determinava um congelamento flexível de preços e salários por um tempo determinado de três meses (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1987). Apenas dois anos depois, foi implantado o Plano Verão, que apresentou medidas mais drásticas como a criação de um nova moeda, o Cruzado Novo, a

71 privatização de estatais e política de juros altos (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1989). Além da necessidade interna de diminuir os gastos públicos havia uma pressão externa por mudanças na regulamentação do setor aéreo. Até aquele momento o Brasil operava as rotas Brasil – Estados Unidos somente através da Varig, que detinha o monopólio de operação internacional. No entanto, quando o Brasil precisou renegociar o acordo bilateral de operação aérea com os Estados Unidos em 1989, o mesmo exigiu que fosse implantado o regime de multidesignação, o que significaria que cada país deveria indicar um número maior de empresas para operar cada uma das rotas, estimulando assim a competição (SONINO, 1995). O acordo foi firmado em 1989, porém só entrou em vigor dois anos depois após a aprovação do mesmo na câmara federal. Além disso, visando iniciar o processo de flexibilização gradual do setor, foi implementado um sistema de liberdade monitorada das tarifas aéreas. Nesse sistema as empresas passaram a trabalhar com preços de referência e bandas tarifárias, o que permitia que elas variassem a tarifa de -50% a +32% do valor principal (OLIVEIRA apud RODRIGUES; WEYDMANN, 2009). Nesse momento, o Brasil vivia um momento político importante, uma vez que 1989 foi o último ano do governo de transição. Em 1990, no Brasil Fernando Collor, o primeiro presidente eleito por voto direto no Brasil depois de anos de governos militares, assumiu com a difícil missão de continuar as transformações na estrutura de gestão pública iniciadas no governo anterior e de encontrar medidas eficazes de controle da economia. Dentro das novas medidas adotadas pelo novo governo destacam-se a dissolução de diversas entidades públicas, a criação de um Programa de Desestatização, a implantação de uma nova política de comércio exterior de caráter liberalizante que contemplava o fim de algumas isenções no pagamento do imposto de importação, redução gradual de alíquotas e de barreias não tarifárias, o congelamento das poupanças, além da instituição de taxações transitórias no sistema financeiro (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1990). Sob o prisma econômico, observa-se que essas medidas impactaram a demanda por assentos o que se refletiu em uma queda do número total de passageiros transportados no período, como podemos observar no gráfico 4-3.

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Porém, sob o prisma político observa-se que essas medidas abriram caminho para que o setor de aviação civil passasse por um processo de transformação, onde a ingerência do Estado sobre alguns temas seria reduzida e a competição entre as empresas seria incentivada.

Gráfico 4-3 Número de passageiros totais transportados Fonte: DAC

Como um sinal da mudança na relação do Estado brasileiro com o setor, destacamos a privatização da VASP em 1990 (CASTRO; LAMY, 1993). A VASP, que era controlada pelo governo do Estado de São Paulo desde 1935, foi privatizada através de leilão público onde o consórcio vencedor VOE/Canhedo adquiriu 60% das ações da VASP (SONINO, 1995). Desse montante adquirido pelo consórcio, 12% das ações estavam em nome dos funcionários, que ainda ficaram com o direito de comprar mais dez por centro do remanescente no futuro e restante da empresa continuou nas mãos do governo do Estado de São Paulo. Na época da privatização a empresa, 5400 funcionários de um total de 7800 aceitaram ser acionistas da VOE. Assim, uma porção significativa dos funcionários ficou ainda mais comprometida com a empresa, que naquele momento tinha uma dívida que totalizava 700 milhões de dólares (SONINO, 1995). A nova direção assumiu com a missão de trazer uma gestão mais profissional para a empresa com o objetivo de aumentar a participação da

73 empresa no mercado brasileiro e conseguir algumas rotas internacionais (BETING, 2005). Posteriormente, surgiram denúncias de irregularidades no processo de privatização da VASP, que culminaram na formação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI). De acordo com Sonino (1995) a CPI deveria esclarecer questões tais como: (I) se o governo de São Paulo havia pago à VASP US$ 53 milhões alguns dias antes o leilão de privatização; (II) se havia sido realizada algum tipo e fraude fiscal, a legalidadade do refinanciamento oferecido pelo Banco do Brasil para o refinanciamento da dívida da VASP; e (III) se o valor das garantias oferecidas por Wagner Canhedo correspondia à avaliação feita na época. Mesmo em meio a esse processo investigativo, a VASP conseguiu inaugurar novas linhas para o exterior, como a ligação Los Angeles – Seul, e de fazer um acordo operacional com a Transbrasil, que configurava o primeiro passo para um posterior fusão entre as duas empresas (SONINO, 1995). Quando a VASP efetivamente apresentou uma proposta de compra da Transbrasil no valor de US$ 100 milhões, o então presidente Omar Fontana recusou a oferta e fusão não foi concretizada. Segundo Sonino (1995), o desgaste da imagem da VASP devido à CPI e o aumento de sua dívida , podem ter sido fatores decisivos para não a concretização do negócio. Posteriormente, ao final da investigação, o parecer emitido pela Comissão sobre o caso considerou transparente a venda da empresa e atribuiu as acusações a uma perseguição política (SONINO, 1995). Porém de acordo, com o Estado de São Paulo, o parecer da CPI teria sido favorável devido ao envolvimento de seu presidente com os envolvidos na investigação (FOLHA DE SÃO PAULO, 1995).

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4.4 4a FASE: DESREGULAMENTAÇÃO E AUMENTO DA COMPETIÇÃO (1991-2000)

Figura 4-4 Mapa visual quarta fase

A partir da implantação da “Política de Flexibilização para a Aviação Civil Brasileira”, que teve seu início em 1986 com a publicação do Código Brasileiro de Aeronáutica, o setor iniciou seu processo de desregulamentação (RIBEIRO, L. M., 2002). Para que as etapas desse processo fossem melhor discutidas e aprofundadas foi realizada a V CONAC (RIBEIRO, L. M., 2002). A partir dessa conferência foi elaborado o “Livro Branco” – Política para os Serviços de Transporte Aéreo Comercial do Brasil com assessoria do DAC. Essa política estava fundamentada na busca pela livre competição, com a retirada gradual e progressiva da extensa regulamentação existente e estimulo à exploração de mercados, linhas e horários novos (RIBEIRO, L. M., 2002). Como exemplo disso, o regime de concessão de linhas regionais foi alterado permitindo a entrada de novas empresas de transporte regular, empresas e transporte não regular de passageiros e carga e de transporte regional após quinze anos de operação exclusiva (SONINO, 1995).

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Baseado nesses princípios discutidos na CONAC V, o governo fez algumas recomendações para as companhias aéreas como unificar sistemas de reservas, predeterminação de capacidade oferecida, dupla aprovação de tarifas e garantia de estímulo governamental para cooperação das companhias brasileiras em rotas internacionais (SONINO, 1995). As ações concretas do governo foram oficializadas através da Portaria 075/GM5 de Fevereiro de 1992 e das Portarias 686 a 690/GM5 de 15 de setembro de 1992. A partir desse momento, iniciou-se a implantação das ações que compunham a desregulamentação que foi realizada em três etapas: 1992, 1998 e 2001. A chamada Primeira Rodada de Liberalização, em 1992, foi efetivada a partir da extinção dos monopólios regionais, o que representou o fim do SITAR (SALGADO; MOTTA, 2005) e o surgimento de novas empresas aéreas, a maioria oriunda do taxi aéreo como a Tavaj, Meta, Rico e (Oliveira 2007 apud Ribeiro 2011). Apesar do fim do SITAR, a exclusividade de operação nos aeroportos de Belo Horizonte (Pampulha), Brasília (), Rio de Janeiro (Santos Dumont) e São Paulo (Congonhas), que constituíam as linhas conhecidas como Voo Direto ao Centro (VDC), continuaram sendo exclusivas e protegidas da entrada de novas empresas (RIBEIRO, S. D. C., 2011). A partir de dezembro de 1992 essas rotas passaram a ser chamadas de Linhas Aéreas Especiais, incluindo a Ponte Aérea Rio-São Paulo, mesmo essa última tendo um sistema de operação diferenciado (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1994). Mesmo com o fim do SITAR as denominações “regional” e “nacional” continuaram sendo usadas, porém a partir desse momento, elas classificavam o tipo de rota e não mais o tipo de empresa, como acontecia anteriormente (RIBEIRO, S. D. C., 2011). Além do extinguir o SITAR, o governo também alterou os critérios de suplementação tarifária de linhas regionais. O adicional tarifário de 3% foi mantido, porém além de incidir sobre os bilhetes das linhas aéreas nacionais ele passou a incidir também sobre os bilhetes das linhas aéreas especiais (BNDES, 2002). Os critérios para o cálculo e distribuição da suplementação também foram alterados. O cálculo da suplementação passou a considerar o custo

76 unitário do assento e o número de passageiros/quilômetros transportados, o que serviria como um índice de desempenho da rota, sendo a base de cálculo da suplementação. Além disso, a suplementação deixou de ser distribuída para todas as linhas aéreas regionais e passou a ser destinada apenas àquelas ligações regionais classificadas pelo DAC como linhas essenciais do ponto de vista do interesse público, ou pioneiras, servidas por aeronaves de até 30 assentos (BNDES,2002). Em 1992 a Varig incorporou definitivamente a Cruzeiro do Sul o que ocasionou a descontinuação da utilização da marca que tinha sido mantida desde a sua aquisição em 1975 (SONINO, 1995). Nesse momento VASP e Transbrasil passavam por momentos delicados. A VASP não conseguiu reorganizar suas dívidas após a privatização e no final de 1992 o saldo devedor era de US$ 1,2 bilhão (SONINO, 1995). Essa situação ameaçava a operação de suas rotas, uma vez que 28 de suas 52 aeronaves poderiam ser recuperadas pelas empresas de leasing por falta de pagamentos. Como alternativa à crise, a VASP realizou uma reestruturação de suas rotas e escalonou a retirada das aeronaves para evitar um colapso. A empresa passou por greves, ações de sindicatos, demissão em massa de funcionários pedidos de intervenção, porém o governo, resistindo as pressões externas, concedeu um período de noventa dias de trégua para que a empresa tentasse rolar a dívida (SONINO, 1995). Ao mesmo tempo a Transbrasil, que teve seus relatórios financeiros analisados pela Comissão de Valores Mobiliários, foi considerada tecnicamente falida. Ela já tinha tido ajuda do governo para renegociar algumas dívidas, mas seu balanço acusava uma perda de U$88,6 milhões. Ao longo de todo esse ano o Brasil passou por muitas mudanças políticas. Após sucessivos planos econômicos fracassados e após denúncia realizada por Pedro Collor de Mello sobre o esquema de desvio de dinheiro liderado por seu irmão e então Presidente Fernando Collor de Mello, o país entrou novamente em uma mudança de governo. O presidente Collor sofreu impeachment, assumindo seu vice Itamar Franco. O novo governo que assumiu em Brasília após o impeachment apresentou no final de 1993 um novo conjunto de medidas econômicas para controlar a inflação, que estava fechando o ano na marca de 2.708% (VEJA,

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2014) e diminuir o déficit orçamentário previsto para o período seguinte (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1993). Dentre essas medidas estavam a criação do Fundo Social de Emergência e a introdução de um novo indexador da economia, a Unidade Real de Valor (URV). Após a realização de ajustes fiscais, esse indexador passou a ser usado como referência para as receitas do governo e tarifas públicas (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1993). Após os problemas vividos em 1992, a VASP passou a operar somente com 25 aeronaves, tendo entregue suas outras aeronaves para a empresa de leasing que as enviou para Cemitério de Aviões em Mojave (SONINO, 1995). Na tentativa de encontrar formas de equilibrar as contas, Varig, VASP e Transbrasil acabaram adotando uma estratégia bem parecida: contraíram a demanda; realizaram planos de redução de custos e aplicaram, em acordo, tarifas elevadas para os serviços domésticos (SONINO, 1995). Paralelo a isso foi lançado em 1994 o Plano Real, que foi um plano econômico implantado com o objetivo de controlar a hiperinflação que assolava o país e estabilizar a economia. O país, recém-saído do regime miliar, vivia um período de instabilidade econômica que perdurava desde a década de 70 e já acumulava o fracasso de outros 12 planos econômicos (PEREIRA, L. C. B., 1994). A inflação do país, que em 1992 superou os 1000% ao ano, era causada principalmente por problemas oriundos da falta de eficiência da administração pública. (SILVA, J. et al., 2007). A partir do entendimento de que essa crise vivida no país era proveniente de um descontrole ligado à gestão política da máquina pública, foi possível desenhar um plano que englobasse também uma reforma política e não estritamente econômica, como havia ocorrido com os planos anteriores. Nesse sentido o Plano Real foi concebido para contemplar uma mudança política e econômica que seria realizada em três fazes: equilíbrio das contas públicas, criação da URV e lançamento do Real. (PEREIRA, L. C. B., 1994) Para alcançar o equilíbrio das contas públicas, houve a necessidade de realizar uma série de medidas entre elas: Corte e maior eficiência de gastos, recuperação da receita tributária, fim da inadimplência de estados e municípios em relação às dividas com a União, controle e rígida fiscalização dos bancos

78 estaduais, saneamento dos bancos federais e privatizações (SILVA, J. et al., 2007). Todas essas medidas, ao serem implantadas juntas, iriam aumentar a arrecadação da União, diminuir os gastos, permitindo o saneamento das dividas do governo e uma melhoria da percepção externa sobre a capacidade econômica brasileira. Os efeitos da implantação do Plano Real foram imediatos e refletiram em um aumento da capacidade de consumo da população e no alcance do objetivo principal que era o controle da inflação. No entanto, como a estratégia do Plano Real estava ligada à taxa de câmbio fixa de US$1=R$1,00, houve um aumento exponencial das importações e uma crescente dependência de afluxos de capitais externos, o que posteriormente vieram a prejudicar o desempenho da balança de pagamentos brasileira. Após o sucesso do plano Real, Fernando Henrique Cardoso, que foi o Ministro da Fazenda responsável pela implantação do plano, foi eleito presidente. Mesmo que as empresas reconhecidas como grandes players do setor estivessem passando por dificuldade o mercado continuava atraindo novos investidores dispostos a abrir novas empresas aéreas. Dando continuidade a expansão do setor, em 1996 foram registradas as aberturas de quatro novas empresas que começaram operando linhas regionais, sendo elas Penta, Presidente, Rico e Total (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1996). Em 1997, a Varig ingressou na aliança global , o qual faziam parte importantes companhias internacionais como a Lufthansa, , , entre outras (BETING, 2005). Nessa ocasião, quando poucas empresas participam de alianças globais, a ampliação programa de milhagem Smiles através das parcerias da Star Alliance era visto como um atributo distintivo na busca por fidelização de passageiros frequentes (SALGADO; MOTTA, 2005). Nesse mesmo ano a Varig ainda aumentou sua frota ao adquirir duas aeronaves DC-10, três MD-11s, três -200s e três 737-300s e fechou rotas poucos rentáveis. Além disso, iniciou um plano de padronização das grandes aeronaves, que previa a retirada progressiva dos modelos DC-10-30s e 747-300s (BETING, 2005). Simultaneamente, o governo fez uma nova mudança na regulamentação do controle de tarifas, que ampliava a faixa de flexibilização tarifária de 50%

79 para 65%. Portanto, concedendo ainda mais liberdade de determinação de tarifas pelas empresas, sem a necessidade de autorização da autoridade aeronáutica (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1997). Durante o ano de 1998 ocorreu a Segunda Rodada de Liberalização do setor aéreo brasileiro através da publicação das Portarias 986 e 988/DGAC de 18 de dezembro de 1997 e da Portaria 05/GM5 de 9 de Janeiro de 1998 (SALGADO; MOTTA, 2005). Essas portarias removeram dois dispositivos de controle que ainda perduravam no setor aéreo brasileiro: as bandas tarifárias e a exclusividade do direito das regionais operarem as linhas aéreas especiais. A liberação total para definição de tarifas e o fim da exclusividade de linhas importantes estimulou a competição, contribuindo assim para uma queda nos preços de passagens aéreas (RIBEIRO, L. M., 2002). Com a liberação à entrada de novas empresas na operação das Linhas Especiais, a TAM e a Nordeste começaram a realizar voos entre Rio e São Paulo (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1998). Nesse contexto de aumento da competição, a Varig decidiu sair da operação em pool da Ponte Aérea Rio-São Paulo, passando a ofertar individualmente a Ponte Varig/Rio Sul (BETING, 2007). A VASP e a Transbrasil continuaram operando o pool da Ponte Aérea por mais alguns meses, porém colaboração entre as duas empresas não durou muito, o que culminou no fim do sistema de operação em forma de pool, quarenta anos após a sua criação. Assim como as outras empresas que operavam a rota, VASP e Transbrasil passaram a oferecer suas próprias ligações frequentes entre as cidades (BETING, 2007). Ainda em 1998 foi criada a Trip Linhas Aéreas, que teve sua origem em uma empresa de transportes rodoviários, o Grupo Capriolli. Sua malha era composta tanto por capitais como Brasília e Belo Horizonte, como também por cidades do interior como Sinop (Mato Grosso) e Videira (Santa Catarina) (CECATO, 2001a). Em 1999, o ano começou com mudanças no cenário macroeconômico que afetaram diretamente as empresas do setor. Depois de quase cinco anos de estabilidade na taxa de câmbio devido ao regime de câmbio controlado instaurado juntamente com o Plano Real, o Brasil voltou a operar em regime de câmbio flutuante. Essa medida, determinada pelo então presidente reeleito

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Fernando Henrique Cardoso, juntamente com o Ministro da Fazenda Pedro Malan, foi realizada devido às constantes perdas de reservas em Real que o país vinha tendo dificuldades para manter a estabilidade cambial (AVERBUG; GIAMBIAGI 2000). Com a liberação do câmbio, o dólar que no limite da banda cambial custava R$1,32, após a liberação chegou ao pico de R$2,16 em março de 1999. Para o setor aéreo a elevação do câmbio apresentou um efeito duplo, por um lado a elevação dos custos operacionais e por outro a retração das receitas da venda de bilhetes no segmento internacional (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 1999). Ainda em 1999, Varig e VASP obtiveram em maio e junho, respectivamente, liminares que suspendiam a obrigatoriedade da arrecadação do adicional tarifário. Esse acontecimento reduziu bastante a arrecadação da suplementação que passou de R$ 44 milhões em 1998 para R$ 22,7 milhões em 1999 (RIBEIRO, S. D. C., 2011). Nesse mesmo ano, houve uma mudança na organização do Ministério responsável pela Departamento de Aviação Civil (DAC). O DAC, que estava subordinado ao Ministério da Aeronáutica desde 1941, a partir desse momento passou a ser subordinado ao Ministério da Defesa. Esse novo ministério foi criado para unificar os três ministérios das forças armadas e sua principal atribuição é o estabelecimento de políticas ligadas à defesa e à segurança do país (MINISTÉRIO DA DEFESA, 2014). Em 2000, política de recolhimento do adicional tarifário foi alterada pelo governo através da Portaria 101/GC5 de 22 de fevereiro. De acordo com a Portaria o recolhimento do adicional tarifário passaria ser de 1% sobre o valor da tarifa de todos os bilhetes de passagens das linhas aéreas domésticas não suplementadas (RIBEIRO, S. D. C., 2011). A distribuição da suplementação seria proporcional ao volume de passageiros/quilômetros transportados nas linhas elegíveis à suplementação. As linhas elegíveis eram as rotas regionais de médio e baixo tráfego na Amazônia Legal (até 20.000 pax/ano) e baixo potencial de tráfego na região nordeste (até 15.000 pax/ano). Além disso, o governo decidiu extinguir a delimitação de mercado regional e nacional (RIBEIRO, S. D. C., 2011). Através da Portaria 569/GC5 de

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5 de julho de 2000 todas as empresas domésticas no Brasil passaram a ser classificadas como companhias de transporte aéreo regular. Nesse período a Transbrasil, Rio Sul, Nordeste e TAM também conseguiram liminares que suspendiam a arrecadação do adicional tarifário sobre seus bilhetes vendidos. Como elas eram as únicas empresas que ainda contribuíam, após essa decisão judicial a suplementação foi extinta no ano seguinte (RIBEIRO, S. D. C., 2011).

4.5 5a FASE: A GOL E NOVO MERCADO BRASILEIRO (2001-2012)

Figura 4-5 Mapa visual quinta fase e história Gol

Como podemos visualizar na figura 4-5 o ano de 2001 se iniciou com o lançamento de uma nova companhia aérea no Brasil, a primeira a se autodenominar low cost / low fare. A Gol foi criada pelos donos do Grupo Áurea, que era um grande conglomerado de transportes urbanos e interestaduais liderado por “Nenê” Constantino (BETING, 2005). A nova empresa nasceu sob o comando de Constantino Júnior, inspirada por empresas como a britânica easyJet e a norte-americana Southwest Airlines. Influenciada por essas referências internacionais a Gol chegou ao mercado com algumas inovações operacionais, que de acordo com a direção da empresa, reduziriam custos permitindo a venda de passagens mais baratas (GOL, 2014). Dentre essas inovações destaca-se a montagem de uma frota de

82 modelo único, em sua inauguração a Gol apresentou uma frota formada por seis aviões Boeing 737-700. Além de mudanças no processo de emissão de passagens, que privilegiava o website como principal canal de venda e a substituição do tradicional bilhete utilizado até então, por um sistema de localizadores alfanuméricos (GOL, 2014). Juntamente com a inauguração do serviço de passageiros a Gol criou também a Gollog, sua divisão de transporte de carga, que além da malha aérea, contava também com suporte rodoviário para entregas e coletas (GOL, 2014). Ao longo do ano, foram iniciados também os voos fretados para agências de turismo, que segundo a empresa, diminuíam a ociosidade de parte das aeronaves durante os finais de semana (SIQUEIRA, 2001). Apesar de realizar grande promoção do seu canal online de vendas, a Gol tentou explorar outros canais com o objetivo de atingir outros públicos. Para tentar atingir o público empresarial a Gol conseguiu estabelecer uma parceria com o Fórum das Agências de Viagens Especializadas em Contas Comerciais (Favecc), quando passou a vender bilhetes diretamente para essas agências (CECATO, 2001b). Para atingir o público que nunca havia viajado de avião, a Gol tentou vender passagens e agências bancárias e casas comerciais do Baú da Felicidade, porém esse anúncio foi mal recebido por outros parceiros da empresa e após pressão da Associação das Agências de Viagens (ABAV) a Gol recuou e cancelou a abertura desses novos canais de vendas (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2001). Enquanto novas empresas chegavam ao mercado, as empresas mais antigas continuavam em dificuldades. Depois das companhias de combustível se recusarem a reabastecer os tanques das aeronaves da Transbrasil por falta de pagamentos, a empresa anunciou que suspenderia suas operações por tempo indeterminado (BETING, 2005). Além disso, nesse mesmo ano ocorreu a Terceira Rodada de Liberalização, quando o DAC e o Ministério da Fazenda, por meio da Portarias 672/DGAC de 16/04/2001 e da Portaria 1213/DGAC de 16/08/2001 liberaram os preços das tarifas aéreas, deixando a cargo do mercado a regulação das tarifas. Além dessa ação, houve também uma flexibilização da entrada de novas empresas, da concessão de novas linhas aéreas, frequências e aviões (RODRIGUES; WEYDMANN, 2009).

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Internacionalmente, 2001 também foi um ano marcante devido aos atentados de 11 de setembro, onde foram sequestradas quatro aeronaves nos Estados Unidos. Duas das aeronaves atingiram o World Trade Center em Nova Iorque, uma atingiu o Pentágono e a quarta aeronave caiu quando, supostamente, se dirigia à Casa Branca em Washington. Após esse episódio, foi registrada uma queda na demanda por viagens internacionais, devido ao clima de medo entre as pessoas e simultaneamente, um aumento dos valores dos seguros das companhias aéreas, o que impactou negativamente os custos operacionais (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 2001). O preço dos combustíveis também voltou a subir, em parte motivado pelos conflitos externos que se iniciaram após o atentado. Segundo a Agência Nacional de Petróleo (ANP) o aumento no preço do combustível foi de 118%, bem acima da inflação do mesmo período medida pelo IGP-DI de 26,41% (DEPARTAMENTO DE AVIAÇÃO CIVIL, 2002). Além das pressões externas, o mercado brasileiro também sofreu com uma nova desvalorização do Real, atribuída por Teixeira (2006) a uma retração do PIB em 2001, ocasionada pela falta de energia elétrica no país, e também à desconfiança de investidores internacionais à possível chegada de Luís Inácio da Silva (Lula) ao Palácio do Planalto, devido ao seu perfil de esquerda. Nessa época a Varig se encontrava em uma situação crítica, o que levou o governo a propor uma fusão dela com a TAM. Como parte do plano de fusão, as duas empresas começaram por um code-share das operações para posteriormente se tornarem uma única empresa (BETING, 2005). A TAM, se preparando para uma possível fusão, acabou realizando uma reestruturação interna e uma redefinição da malha aérea operada pela companhia (BETING, 2005). Nesse mesmo ano, a Gol iniciou suas operações na ponte aérea, passando a concorrer com as principais concorrentes na principal rota do país. Alguns meses depois, a Gol teve seu serviço telefônico de atendimento ao cliente bloqueado pela justiça. A empresa fui multada em 97 mil Reais pela cobrança do serviço 0300 de atendimento ao cliente. Além da multa a empresa foi obrigada incorporar os custos das ligações da central de atendimento e oferecê-lo sem custo adicional para os clientes através do telefone 0800 (FARIELLO, 2002).

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No ano de 2003, após breve período de liberdade para as empresas do setor, o governo federal, liderado pelo presidente leito no ano anterior Luís Inácio Lula da Silva, implantou novos mecanismos de controle sobre o setor com o objetivo de “adequar a demanda diminuindo o excesso de capacidade” para assim evitar uma “competição ruinosa”. Através da Portaria 243/GC5, de 13 de março de 2003 e da Portaria 731/GC5, de 11 de agosto de 2003 o DAC passou a exercer um papel moderador de adequar a oferta à demanda. A partir desse momento, o DAC passou a exigir estudos de viabilidade econômica que justificassem a necessidade do mercado para a compra de novas aeronaves, a abertura de novas companhias e de novas linhas (SALGADO; MOTTA, 2005). Na prática, o governo deixou de autorizar o aumento da oferta de aviões em trajetos com baixa taxa de ocupação (JUNIOR; KOMATSU, 2004). Como exemplo de como a regulação voltou a ser exercida pelo DAC nesse momento, podemos destacar a não concessão de novas linhas requeridas pela Gol para realização de voos noturnos que incluíam cidades como Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador e Recife (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2003b). De acordo com o órgão, essas linhas não atendiam as exigências de viabilidade previstas na lei. De fato, na década de 90 houvera um crescimento da oferta acima da demanda. Após as medidas de desregulamentação em 1991 a VASP dobrou a sua frota, passando de 26 para 52 aviões (SANT'ANNA, 2003b). Para não perder espaço, as concorrentes também aumentaram a oferta de assentos, porém, ao longo dos anos seguintes, a ocupação desses assentos nas linhas domésticas não ultrapassou os 61%. No gráfico 4-4 podemos observar a evolução da oferta e demanda de assentos nesse período.

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Gráfico 4-4 Evolução da oferta e demanda de assentos Fonte: DAC Nesse período a Gol ganhou rapidamente espaço no mercado, em 2003, apenas dois anos após a sua inauguração a Gol já estava com quase 20% do market share dos voos domésticos, tendo transportado nesse ano mais de sete milhões de passageiros (GOL, 2014). Enquanto a Gol estava buscando o crescimento, a VASP vivia um momento oposto. Para tentar frear a queda da sua participação no mercado, a VASP pagava altas comissões para que agentes de viagens continuassem a fazer reservas nos seus voos (BETING, 2005). A empresa estava tentando se reerguer, mas enfrentava dificuldades. A Varig também passava por dificuldades, a ponto do então Comandante da Aeronáutica, Luiz Carlos da Silva Bueno declarar em entrevista ao Estado de São Paulo que com exceção de empréstimo, o governo faria de tudo para evitar a quebra da Varig (SANT'ANNA, 2003a). Enquanto isso, a TAM se preparava para uma possível fusão com a Varig, ao longo de 2003, a empresa passou por uma reestruturação interna, redefinição de sua malha aérea. De acordo com notícias veiculadas nesse período, a Varig, VASP e TAM, tinham a esperança de quitar suas dívidas por meio de ações que estavam movendo contra a União. Essas empresas reivindicavam um

86 ressarcimento do governo devido às perdas geradas pelo congelamento das tarifas ocorridas durante o governo Sarney (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2003a). Estimava-se na época que as indenizações poderiam chegar a R$6 bilhões de Reais, e como a maior parte da dívida das aéreas era composta de tributos, taxas da Infraero e pagamentos de combustível da Petrobrás, ao ganhar a ação, as empresas planejavam fazer um encontro de contas com o governo, conforme fez a Transbrasil, única empresa que conseguiu ganhar essa ação na época. As empresas não tiveram sucesso nessas ações movidas contra a união, porém continuaram tentando uma ajuda governamental em forma de incentivos e linhas de crédito específicas para o setor (MURPHY, 2003). Elas alegavam que o custo Brasil e a alta carga tributária diminuía a margem das empresas, porém essas reivindicações também não foram bem sucedidas na época. Em 2003, a Gol teve a primeira parte de seu capital vendida a terceiros. Desde a sua fundação, a empresa fora 100% controlada pelo grupo Aeropar, subsidiária do Grupo Áurea, da família Constantino. Nessa operação, 12,5% de participação na empresa em ações preferenciais foi adquirida pelo grupo AIG (GOL, 2003). No ano seguinte, em 2004, a Gol vendeu mais uma fatia de participação através do IPO (Initial Public Offering) realizado simultaneamente nos mercados de ações da Bolsa de Valores de São Paulo e de Nova Iorque. A empresa conseguiu captar R$1,9 bilhão na venda de 38 milhões de ações preferenciais, que equivaliam a 17,6% do capital total da empresa (GOL, 2003). Após a realização do IPO o Grupo Áurea ficou com 77% de participação na empresa e a AIG com 5,4%. Esse ano marcou também a entrada da Gol no mercado internacional, com a inauguração da rota Brasil - Argentina. Enquanto a Gol continuava crescendo, a situação VASP se agravava ainda mais. Além da continuidade da perda de market share, a companhia teve as operações de oito aviões de sua frota suspensas pelo DAC, devido ao não comprimento de normas de segurança (BETING, 2005). Como faltavam recursos para a realização dos procedimentos necessários para reparação das aeronaves, essas máquinas foram aposentadas e depois viraram fonte de

87 peças para as outras aeronaves. Com a diminuição do número de aeronaves a Vasp só conseguiu decolar 18% dos voos previstos para o ano. Além disso, VASP, Gol e Varig tiveram promoções de passagens aéreas canceladas por suspeita de dumping. Nessa ocasião, somente as promoções da TAM não foram proibidas pelo DAC, que exigia que as empresas provassem que os valores cobrados nas tarifas promocionais eram suficientes para cobrir os custos operacionais dos mesmos (BARBOSA, 2004). Mesmo que as promoções estivessem restritas a alguns assentos das aeronaves, as companhias não conseguiram reverter a revogação. De acordo com o DAC os dados fornecidos pela Gol, por exemplo, levavam à conclusão de que a tarifa média estava abaixo dos custos de operação, o que levava o órgão a manter a proibição das promoções (SOBRAL, 2004). Para agravar ainda mais a situação da VASP, seus funcionários começaram a fazer greve, diminuindo ainda mais o nível de serviço oferecido pela empresa. No final de 2004, participação da companhia no mercado estava em 1,39% e no início de 2005 a empresa encerrou suas atividades (BETING, 2005). Depois do cancelamento inesperado de voos e a continuidade do não pagamento dos salários dos funcionários, o DAC cancelou as autorizações de operação da VASP, marcando o fim da empresa. Em 2005, foi finalizado o code-share entre a Varig e a TAM, sem que fosse efetivada a fusão entre as duas empresas. Alguns dias após o fim da parceria com a TAM, a Varig anunciou um novo Conselho de Administração, e em seguida nomeou um novo presidente para a empresa (BETING, 2005). A nova liderança da empresa assumiu com o desafio de reequilibrar as contas da empresa, que naquele momento devia US$ 4 bilhões de dólares para o governo, instituições financeiras e fornecedores. A partir da retração da concorrência e continuidade de sua expansão, a Gol tornou em 2005 a única companhia brasileira a operar em todas as capitais brasileiras. Visando ampliar seu alcance internacional, a Gol fechou, nesse mesmo ano, o primeiro acordo de compartilhamento de voos com a , que permitiria aos passageiros da companhia brasileira voarem para vários países das Américas aproveitando a malha da empresa parceira (GOL, 2014) e iniciou as operação da Gollog no exterior. Além disso, a partir desse ano a Gol assinou acordo com a , empresa líder em sistema online de

88 venda de passagens. Com essa parceria, profissionais de turismo do mundo inteiro passaram a ter acesso a consulta de voos, reservas e compra de passagens. Durante esse ano de 2005, a Gol também trabalhou para ampliar sua participação internacional. Além da ampliação malha própria na América do Sul com a inclusão de destinos na Bolívia, Paraguai e Uruguai (KOMATSU, 2005a), foi também anunciado um acordo com uma empresa mexicana para a criação de uma empresa aérea de baixo custo no México (BARBOSA, 2005a). Visando facilitar ainda mais a compra de passagens, a Gol criou o Voe Fácil, cartão próprio de pagamento de passagens que permitia o parcelamento em até 36 vezes e eliminava a utilização do cartão de crédito como intermediário de pagamento. Essa iniciativa, além de facilitar o crédito a compradores em potencial, criou uma nova fonte de receita auxiliar (GOL, 2009). Além disso, também no ano de 2005, a Gol iniciou a construção de um centro de manutenção de aeronaves em Confins, Minas Gerais. A empresa construiu um hangar com 17,300 m2 e um investimento de cerca de 30 milhões de Reais que foi inaugurado um ano depois do início das obras. A expectativa à época da inauguração era que a manutenção, ao ser realizada pela própria empresa, geraria uma economia da ordem de US$2 milhões/ano (GOL, 2005b). No início de 2005 surgiu uma nova companhia aérea no mercado brasileiro. A Webjet começou a operar com apenas dois aviões, 100 funcionários e tinha como objetivo manter uma operação simplificada de trechos curtos com alto tráfego, sem oferecer serviço de bordo e com canais de vendas exclusivo, sendo eles o website e o call center próprio. (DANTAS, 2005). A expectativa era que a passagem da Webjet ficasse 10% mais barata do que a da concorrência. Simultaneamente à estreia da Webjet, observou-se uma onda de bilhetes promocionais no mercado para voos entre as cidades de Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre (KOMATSU; BARBOSA, 2005). Esses trechos coincidiam com os destinos da Webjet, que posteriormente acusou formalmente a Gol e TAM de terem praticado preços predatórios com o objetivo de impedi-la de se tornar uma concorrente efetiva (JUNIOR, 2005).

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É interessante observar que nesse mesmo ano de 2005, foi registrado um crescimento expressivo de 20% no número de passageiros transportados, se compararmos com o resultado do ano anterior. Porém, apesar do crescimento, nem todas as empresas se beneficiaram disso. Enquanto a média de ocupação do setor nos voos domésticos em agosto de 2005 foi de 68%, a Webjet só estava alcançando 35% de ocupação. Esses resultados ruins nas vendas podem ter incentivado uma mudança na estratégia da Webjet. Inicialmente, a empresa visava ter somente canais de vendas próprios, porém a partir de setembro de 2005, seus bilhetes passaram a ser vendidos também por agentes de viagens (BARBOSA, 2005b). Ainda no ano de 2005 o governo reformulou o aparato público de regulação do setor aéreo, a partir da criação da Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), Lei 11.182 de 27 de setembro de 2005. A ANAC, subordinada ao Ministério da Defesa, foi criada como uma autarquia especial, o que garantia a ela independência administrativa, autonomia financeira, ausência de subordinação hierárquica e mandato fixo de seus dirigentes (CASA CIVIL, 2005). A ANAC substituiu o DAC e ficou com a responsabilidade de regular o setor de aviação civil no Brasil do ponto vista técnico e econômico. De acordo com a própria ANAC, a regulação técnica, tem como objetivo garantir a segurança dos passageiros por meio de regulamentos sobre a certificação e fiscalização da indústria (ANAC, 2014) e a regulação econômica se refere ao monitoramento e possíveis intervenções no mercado com objetivo de buscar a máxima eficiência, sendo considerados, tanto as empresas aéreas quanto os operadores de aeródromos. Mesmo após o início das vendas através de agentes de viagens, a Webjet continuou registrando uma baixa ocupação o que afetou significativamente o seu desempenho. A situação ficou tão crítica que a companhia chegou a cancelar todos seus voos em única semana. A empresa foi notificada pela ANAC devido ao não cumprimento dos voos regulares, e apenas um mês depois, culminou na suspensão temporária de linhas com fraca demanda, como as rotas para Brasília e Salvador (BARBOSA, 2005c). Como alternativa de geração de novas receitas, a Webjet resolveu iniciar a operação de voos fretados e transporte de carga. Mesmo não tendo previsto

90 esse tipo de operação em seu projeto de negócio inicial, a empresa teve que se adaptar diante dos resultados ruins no transporte de passageiros (KOMATSU, 2005b). O ano de 2006 se iniciou com a notícia de que os seis sócios fundadores da Webjet venderiam suas participações na empresa para Wagner Abrahão, dono do Grupo Águia (46,5%) e para Jacob Barata Filho (32,5%), da família que controlava as transportadoras Útil e Normandy (KOMATSU, 2006). Os novos donos restabeleceram os voos da companhia, que tinham sido suspendidos no final do ano anterior por falta de passageiros. Ao longo do ano a situação da Varig piorou muito e as tentativas de recuperação da empresa vinham se mostrando sem eficácia. Temendo que os voos internacionais da Varig fossem suspensos, o Comando da Aeronáutica determinou em junho, que dois boeings 707 da Força Aérea Brasileira ficassem a postos para decolar a qualquer momento, caso houvesse a necessidade de resgatar passageiros brasileiros com problemas para voltar ao país devido aos cancelamentos recorrentes da Varig (MONTEIRO, 2006). Em meio a esse cenário conturbado, a Varig seguia tentando se recuperar até que em meados de 2006, a VarigLog assumiu a gestão da empresa pós adquirida em leilão judicial. Como a Varig, apesar de estar em processo de recuperação judicial, não dava sinais de conseguiria se reerguer, a Gol e TAM começaram a investir em capacidade para ocupar mercado que não estava mais sendo suprido pela Varig. Eles anteciparam a compra de aviões (BARBOSA, 2006) e começaram a reivindicar junto à ANAC os critérios de redistribuição das linhas da Varig entre as empresas existentes (SOBRAL, 2006). Em 29 de setembro de 2006, o Brasil vivenciou um grande acidente aéreo, sendo o primeiro dessa magnitude operado pela Gol. O voo 1907, que fazia a rota – Brasília, caiu no meio da Amazônia após uma colisão com uma aeronave Legacy que voava em direção a Manaus (TAVARES; GODOY, 2006). Após a colisão, a aeronave caiu e todos os 154 passageiros e seis tripulantes faleceram. Os tripulantes da outra aeronave sobreviveram e após investigação, foram considerados os causadores do acidente por terem alterado o plano de voo sem informar devidamente aos centros de controle de voo.

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Como desdobramento do acidente, vários controladores de voo foram afastados temporariamente do exercício de suas funções para investigação. De acordo com Neto (2007) a diminuição do número de profissionais em operação e um maior rigor no cumprimento das normas de segurança aérea gerou grandes atrasos nas decolagens em todos os aeroportos brasileiros. No dia 20 de outubro, após o afastamento de oito controladores de voo que estavam no dia do acidente os profissionais da área decidem operar de acordo com as normas da OACI, que indicam que o tráfego aéreo deve ser controlado com no máximo 14 aeronaves simultaneamente na tela (NETO, 2007). Como o Brasil estava operando com mais aeronaves simultaneamente no sistema, essa decisão ocasionou mais atrasos e confusão nos aeroportos. Esse período ficou conhecido como apagão aéreo e seu dia mais crítico ocorreu em 5 de dezembro de 2006. Uma pane no sistema de rádio da torre de controle aéreo de Brasília paralisou o sistema de controle por oito horas (NETO, 2007). Posteriormente, a aeronáutica atribuiu a sucessão de problemas a uma sobrecarga do centro de controle de Brasília e apresentou como solução a redistribuição dos voos entre outros centros. Porém, de acordo com relatório emitido pelo Tribunal de Contas da União (TCU) as causas do apagão aéreo estavam relacionadas à uma série de decisões equivocadas que prejudicaram os investimentos na expansão do setor (NETO, 2007). Em março de 2007, após continuada agonia da Varig, a Gol anunciou a compra da concorrente. O negócio de US$ 320 milhões chamou atenção não somente pela importância da Varig para o país, mas também devido à situação financeira dramática que a empresa se encontrava. De acordo com reportagem da Folha de São Paulo (2007), ‘Nênê’ Constantino teria admitido em entrevista ter recebido um pedido do Presidente Lula para que a Gol salvasse a Varig (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2007). Com a aquisição da Varig, a Gol passou a ser a segunda maior empresa do Brasil 44,83% do mercado doméstico, ficando na época somente 2,5% atrás da primeira colocada, a TAM. Além de novas rotas e aeronaves, a Gol incorporou também o Smiles, programa de milhagem da Varig, que também entrou na negociação (O ESTADO DE SÃO PAULO, 2007). Após a compra, foi registrada a saída da Varig da aliança internacional Star Alliance (STAR ALLIANCE, 2007). A Gol privilegiou a continuidade do

92 modelo de code share que implantou através de acordos realizados com a Continental e com a Delta, que previam o compartilhamento na venda de passagens e a integração das conexões entre as malhas aéreas das empresas signatárias. Esse modelo contribuía para a ampliação do alcance internacional Gol, via venda de conexões com esses novos parceiros (GOL, 2014). Em 2007, entrou um novo player no mercado, a Trip. Essa nova empresa foi criada com objetivo de operar voos regionais em aeronaves 50 a 70 lugares em uma malha que não competia diretamente com as outras empresas já estabelecidas no mercado (BARBOSA, 2007). Além disso, nesse mesmo período, a Webjet foi vendida novamente, somente quinze meses depois de ser vendida pela primeira vez. Desta vez, a compradora foi a CVC, maior operadora de pacotes turísticos do país, que pagou R$45 milhões pela aquisição de 100% das ações da companhia (G1, 2007). O objetivo da CVC era integrar a venda de pacotes com a oferta de voos para diminuir sua dependência das operadoras regulares. Em 2008, houve uma reorganização societária na Gol que efetivou a fusão da Varig tornando-as uma única empresa. No entanto, a nova empresa manteve a existências de duas marcas, sendo a Gol utilizada para voos domésticos e voos internacionais de curta duração e a marca Varig sendo utilizada para voos internacionais de média duração (GOL, 2008). Além disso, as rotas de longa duração foram descontinuadas assim como as sobreposições de rotas ocasionadas pela fusão de duas empresas concorrentes. A empresa iniciou também a ampliação do centro de manutenção de Confins, que apesar de ser recente na empresa, já apontava a necessidade de aumento de capacidade devido ao acelerado crescimento ocorrido após a aquisição da Varig (GOL, 2008). Após a compra da Varig a Gol, que até então vinha apresentando resultados financeiros positivos, registrou três trimestres seguidos de perdas. Em menos de um ano após a aquisição, estima-se que a Gol tenha desembolsado R$1 bilhão, contabilizando o valor da compra e outras perdas provenientes da aquisição (CIARELLI, 2008). Devidos aos sucessivos prejuízos a Gol iniciou uma política de corte de custo e reequilíbrio de contas. Dentre as ações imediatas estavam a mudança da sede administrativa da empresa da Vila Olímpia, para a antiga sede da

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Varig próximo a entrada do aeroporto de Congonhas (MOREIRA, 2008). Além disso, a empresa anunciou pela primeira vez desde a sua fundação que não distribuiria dividendos aos seus acionistas (KOMATSU, 2008). Ainda em 2008, foi registrado também o nascimento de uma nova companhia aérea, a Azul. A empresa que instalou sua base de operações inicial em Campinas, começou a operar com voos diretos para Porto Alegre, Salvador, Curitiba e Vitória (BARBOSA, 2008b). Fundada por David Neeleman, também fundador da companhia americana JetBlue, a empresa nasceu com estratégia de operar somente com aeronaves brasileiras, com prioridade pra o tráfego regional. Nesse mesmo ano, a ANAC anunciou as novas regras para redistribuição de slots em aeroportos concorridos. No novo modelo de operação, as empresas que estivessem prestando um serviço abaixo da qualidade determinada pela ANAC em aeroportos saturados, perderiam seus slots. Então 80% desses slots seriam redistribuídos para empresas que já operavam no aeroporto em questão e os outros 20% iriam para novas empresas (BARBOSA, 2008a). Em 2009 o governo anunciou que a Pantanal se tornaria a primeira companhia aérea a perder slots, a partir do cumprimento dessa nova regra. Ela perderia quinze slots do aeroporto de Congonhas, que seriam redistribuídos para a TAM e Gol que já operavam nesse terminal e para as novas entrantes Webjet e Azul. Porém esse processo de redistribuição foi efetivado somente oito meses depois. Nesse mesmo período a TAM anunciou a compra da Pantanal por R$13 milhões, o que diminuía ainda mais o número de companhias operando em Congonhas (G1, 2009). Além da compra da concorrente, a TAM também anunciou o lançamento do Multiplus, seu programa de fidelidade próprio (LATAM AIRLINES GROUP, 2014). A partir de 2010 as empresas Webjet e Azul, conseguiram entrar no grupo de empresas que operavam em Congonhas, através da redistribuição de slots realizada pela ANAC (COSTA, M., 2010). Porém, apesar dessas empresas terem interesse de operar em Congonhas, o espaço alcançado foi pouco significativo diante do volume de operação existente nesse terminal. As duas companhias conseguiram poucas frequências nos finais de semana, uma

94 vez que a distribuição das frequências em dias úteis priorizaram à Gol, TAM e OceanAir que já operavam no aeroporto. No início de agosto de 2010, a Gol enfrentou diversos atrasos e cancelamentos de voos durante dias de pico de tráfego durante o período de fim das férias escolares. No dia 02 de agosto 52,5% dos voos nacionais previstos sofreram atrasos, sendo que a média dos cinco primeiros meses do ano tinha sido de 12,5%. Além disso, cerca de 13% dos voos foram cancelados (O GLOBO, 2010). Esses problemas foram atribuídos ao excesso de voos fretados realizados pela companhia e às falhas no sistema de monitoramento de horas dos tripulantes, que de acordo com a legislação, só podem voar 85 horas por mês. Como forma de exigir que a carga horária mínima fosse cumprida, os tripulantes ameaçaram realizar uma greve, porém a mesma acabou não se concretizando (G1, 2010). Após um mês de negociações entre a Gol e seus funcionários em audiências conduzidas pelo Ministério Público do trabalho, foi realizado um acordo que proporcionou mais transparência sobre o registro das horas trabalhadas aos funcionários e mais rigidez no controle de horas (LEAL, 2010). Nesse mesmo período, a Webjet registrou novas dificuldades, no mês de setembro de 2010, a companhia teve 40 voos cancelados e 19 atrasados (COSTA, N.; BOGHOSSIAN, 2010). Como punição ao não cumprimento das saídas previstas, a ANAC suspendeu temporariamente as vendas de passagens da empresa. Após o fim da suspensão a Webjet voltou a operar e implementou uma mudança em seus voos. A partir de novembro, a empresa passou a cobrar pelo lanche a bordo, seguindo os passos da Gol, que havia anunciado a mesma medida na semana anterior (GONÇALVES, 2010). Nesse mesmo período a TAM anunciou sua entrada na Aliança Global Star Alliance, o que permitiu que seu programa de pontos e sua malha aérea fossem integrados com os outros parceiros da aliança (LATAM AIRLINES GROUP, 2014). Enquanto isso a Gol também anunciou novos acordos de cooperação comercial do Smiles com dois importantes programas de milhagem, o AAAdvantage da American Airlines e o Flying Blue da Air France – KLM. A

95 partir desses acordos, os participantes desses programas passaram a ter acesso aos benefícios e destinos oferecidos pelos outros programas (GOL, 2014). No entanto, o modelo da Gol estava baseado na formação de parcerias bilaterais, diferente do modelo de Aliança adotado pela TAM. Além dessas parcerias, a Gol implantou uma outra ação com o objetivo de fortalecer o programa de milhagem da empresa: a criação do cartão de crédito internacional Smiles. Esse cartão transformava o valor equivalente dos gastos do usuário em milhas Smiles, permitindo assim, um novo canal de acúmulo e estímulo a utilização passagens aéreas (GOL, 2014). Nesse mesmo ano, a Gol lançou o serviço de venda a bordo para voos com duração superior a uma hora e quinze minutos, abrindo assim uma nova fonte de receitas auxiliares (GOL, 2010). Uma outra iniciativa de destaque da empresa nesse ano foi a criação do Instituto Gol, uma associação sem fins lucrativos que oferecia ensino profissionalizante ligado à aviação civil para jovens de comunidades carentes da grande Belo Horizonte. Além de desempenhar uma função social, a Gol prepara mão de obra qualificada para suprir a sua demanda por profissionais (GOL, 2010). Ainda em 2010, um fato importante na política brasileira foi a posse da nova Presidente Dilma Rousseff. Dentre as ações de seu governo no âmbito da aviação, destacamos uma nova alteração da estrutura federal responsável pelo setor aéreo. Em 2011, através da Lei 12.462 foi criada a Secretaria de Aviação Civil (SAC), ligada diretamente à Presidência da República, o qual passou a ser responsável pela ANAC (PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 2011). Em 2011, além da nova parceria de code-share com a Qatar Airways, a Gol ainda adquiriu mais uma concorrente. A Webjet foi comprada pela Gol por R$96 milhões, porém incluído as dívidas da companhia na transação o montante envolvido chegava a R$ 310,7 milhões. De acordo com reportagem do Estado de São Paulo, o interesse da Gol na compra da Webjet seria o aumento do número de slots em aeroportos, que devido ao fato de já operarem no limite, impedem a concessão de novos slots. Portanto, essa seria uma estratégia para crescer dentro dos aeroportos e não no alcance de mercado (COSTA, M.; CANÇADO; GONÇALVES, 2011). A anúncio de aquisição Webjet veio após um período de reestruturação dentro da Gol. No início do ano, a empresa demitiu 1100 aeroviários, que são

96 os funcionários das equipes de solo, e posteriormente os cortes chegaram também à Diretoria (GAZZONI, 2012b). Nessa época a Gol fundiu a Vice- Presidência de Mercado com a Diretoria de Gestão de Pessoas e Aeroportos, criando a Vice-Presidência de Clientes e Mercado. Além dessa mudança, houve também a diminuição do número de áreas, o que resultou na extinção da Diretoria de Desenvolvimento Organizacional, e na Vice-Presidência de Marketing e Serviços conforme figura 4-6. Além dessas mudanças organizacionais a Gol também registrou a entrada de um novo acionista na empresa. A Delta adquiriu 3% do capital da Gol o que iria permitir que ela operasse em regime de full codeshare com a empresa brasileira (FROUFE; RODRIGUES, 2011).

Figura 4-6 Mudança de estrutura organizacional Fonte: Gol Em 2012, a Gol iniciou uma nova política de alteração de bilhetes que passou a permitir que seus passageiros alterassem sua passagem para voos até seis horas antes ou depois do tempo previsto sem custo adicional (GOL, 2014). Nesse mesmo ano, foi implantado o serviço de venda a bordo, que permite que os passageiros comprem seus lanches no voo, eliminando assim o serviço de bordo incluído no preço da passagem. Essa medida já tinha sido anunciada um dois anos antes, mas só foi completamente adotada em 2012.

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A TAM e a LAN concluíram a fusão das duas empresas, criando o Grupo LATAM que se tornou a maior companhia aérea da América Latina (VEJA, 2012). Em junho de 2012, Constantino Junior, presidente da Gol desde a sua fundação, deixou a liderança executiva da empresa e assumiu a Presidência do Conselho de Administração. Em seu lugar na presidência da empresa assumiu Paulo Kakinoff, ex-presidente da Audi do Brasil (SILVA, C.; GAZZONI, 2012). Essa mudança ocorreu em um cenário onde a empresa vinha registrando sucessivos prejuízos, cortes de pessoal e redução de voos. Somente em 2012, a Gol eliminou cem voos diários. Para evitar a demissão de pilotos, a empresa abriu um programa de licença não remunerada pra pilotos e comissários, porém somente 46 pilotos e comissários aderiram à licença e 28 à demissão voluntária. Como a empresa estava reestruturando seu quadro após o corte de 8% na oferta de voos, foram ainda demitidos mais 131 pilotos e comissários (GAZZONI, 2012a). Nesse mesmo ano, foi anunciada a fusão da Trip com a Azul, que se tornou a terceira maior empresa brasileira na época, ficando atrás somente da TAM e Gol (TERRA, 2012). Em 2012, as companhias aéreas brasileiras fundaram a Associação Brasileira de Empresas Aéreas (ABEAR), que foi criada com a missão de defender os interesses das empresas junto ao governo brasileiro. Como primeira ação da nova associação, estava a tentativa de influência junto ao governo federal para que fosse aprovada a desoneração da folha de pagamentos do setor dentro da MP563 e a redução de encargos sobre o querosene de aviação. Antes do final de 2012, a Gol fechou definitivamente as operações da Webjet e demitiu 850 funcionários provenientes da empresa adquirida. Porém apenas um mês depois, a Justiça do Trabalho expediu um mandado exigindo a recontratação dos funcionários (FARIELLO, 2002). Apesar da Gol ter alegado que os funcionários da Webjet não estavam aptos apara operar suas aeronaves, ela teve que cumprir a ordem judicial. Como último marco de 2012, a Gol anunciou a segregação das operações do Smiles, que se tornaria uma unidade de negócios independente e que realizaria seu próprio IPO no ano seguinte (CUNHA, 2012).

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5 ANÁLISE O presente capítulo tem como objetivo analisar como a Gol - Linhas Aéreas Inteligentes respondeu aos desafios do crescimento de Fleck (2009) ao longo de sua trajetória de crescimento. Para isso, os doze anos de existência da empresa compreendidos nesse trabalho serão divididos em dois períodos. O primeiro período compreende os anos de 2000 até 2006, onde podemos observar a fundação da empresa e seu estabelecimento no mercado através do crescimento orgânico. O segundo período analisado compreende os anos entre 2007 e 2012, época marcada por mudanças internas na empresa e reflexos do processo de integração de duas aquisições realizadas no período. A primeira e maior delas, foi a aquisição da Varig, que proporcionou à empresa uma rápida expansão em um curto espaço de tempo. Além disso, houve também a aquisição da Webjet que apesar de menor, parece ter contribuído para o aumento da complexidade do momento vivido pela empresa. Conforme visto na metodologia, os fatos e dados históricos, assim como as entrevistas descritas o capítulo 3, serviram de base para análise. Após a organização e classificação desses dados, verificou-se a existência de evidências de respostas consistentes aos desafios do crescimento. A partir do resultado dessa análise, foram confeccionados dois mapas visuais (Figuras 5-1 e 5-2), que sintetizam a existência de evidências de respostas consistentes aos desafios nas duas fases.

5.1 PRIMEIRA FASE: DE 2000 A 2006 Agora vamos iniciar a análise da primeira etapa da trajetória da Gol. Primeiramente vamos investigar em que medida o modelo implantado pela Gol apresenta as características do modelo low cost/low fare descritas na literatura e posteriormente, analisamos sua história à luz do modelo de Fleck (2009). A Gol teve suas origens em uma família empreendedora. Quando ela foi criada, em 2001, a família liderada por Constantino Oliveira tinha 38 empresas de transporte urbano rodoviário com faturamento anual em torno de R$ 1 bilhão. Ao idealizarem a Gol, seus fundadores relatam que tiveram como inspiração o modelo da americana Southwest. O objetivo era ser a primeira empresa aérea brasileira no modelo low cost/low fare.

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Conforme vimos anteriormente, o modelo low cost/low fare se destaca do modelo tradicional de empresas aéreas por oferecer serviços mais padronizados e por ter níveis de eficiência operacional maiores que os das companhias tradicionais. Ao confrontarmos o modelo implantado pela Gol no Brasil com as características descritas por Graham (2013) e Silva e Espírito Santo Jr (2003) vemos que nem todas as características do modelo foram replicadas pela empresa brasileira, conforme vemos no quadro 5-1.

Implantad Característica Comentários o pela Gol Desde a sua fundação a Gol utiliza uma Padronização da frota Sim frota única de Boeings 737. Primeira companhia a eliminar as refeições Simplificação do serviço de Sim quentes dos voos domésticos. Passaram a bordo ser servidos snacks e barras de cereais. Não opera em aeroportos secundários. Utilização de aeroportos Desde o início já estava presente nos Não secundários principais aeroportos brasileiros, incluindo Congonhas. Venda direta pela internet e Pioneira no mercado brasileiro na venda eliminação do bilhete Sim online e na eliminação do bilhete de papel. impresso A empresa trabalha com o modelo hub-and- Trechos ponto a ponto Não spoke e a comercialização de viagens com escalas e conexões. Logo nos primeiros anos de existência a malha da Gol já conectava capitais de todas Rotas de curta distância Não as regiões do Brasil, com trechos de curta e média distâncias. Desde o início a empresa adotou o modelo Classe única nas aeronaves Sim de classe única em todas as suas aeronaves. Iniciou das operações sem nenhum tipo de Ausência de programas de Sim programa de recompensa para passageiros passageiros frequentes frequentes. Quadro 5-1 Características do modelo low cost implantadas pela Gol Embora a Gol não tenha conseguido implantar todas as características do modelo low cost, ela conseguiu inovar no setor de aviação comercial brasileiro ao implantar parte dessas características. Sua proposta consistia em oferecer menos e também cobrar menos de seus consumidores. Ela foi pioneira no mercado brasileiro ao simplificar o serviço de bordo e eliminar o oferecimento de refeições quentes nos trechos domésticos. As companhias tradicionais brasileiras ofereciam um serviço de bordo de luxo tanto em voos nacionais quanto internacionais, mesmo quando já estavam passando por dificuldades. A Varig mesmo em crise foi a última companhia aérea a tirar o serviço de bordo a francesa, até o final ela mantinha a sequencia de pratos

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incluindo uma salva de caviar que vinha numa salva de prata desse tamanho (ENTREVISTADO 12).

Além da simplificação do serviço de bordo em relação ao tipo de produto servido, a Gol simplificou também o layout das aeronaves, eliminando a existência da classe executiva. As aeronaves eram padronizadas e ofereciam somente um tipo de acomodação, sem diferenciação entre os passageiros. Essa padronização facilitava o trabalho da tripulação e diminuía a complexidade da operação de serviço de bordo. A utilização de uma frota padronizada e de última geração pode ser considerado um diferencial da Gol em seu lançamento. Ao operar com aviões novos, a Gol tinha duas vantagens em relação à concorrência, a primeira seria uma maior eficiência da aeronave devido a sua tecnologia mais moderna e a segunda seria o menor custo com manutenção em comparação com aeronaves com mais tempo de uso. Além disso, a alocação e gestão da frota era facilitada, uma vez que as aeronaves podiam ser trocadas sem impactos para os passageiros devido ao fato dos configurações internas serem as mesmas. Você consegue colocar, se o avião está aqui, você consegue fazer transposições, se um avião está com uma rota e deu algum problema eu vou lá e coloco outro com a mesma capacidade. Não tem nenhum problema de configuração, você consegue ter mais gestão, fica melhor com uma frota unificada. (ENTREVISTADO 15)

Uma outra inovação trazida pela Gol para o mercado brasileiro foi a mudança processo de emissão de passagens aéreas. Na época, todas as companhias aéreas brasileiras ainda operavam com emissão de bilhete de papel carbonado. Esse sistema era baseado no modelo de vendas por agentes de viagens e exigiam um sistema de controle e conferência manuais, o que exigia que houvessem equipes dedicadas a isso. Aí na Varig todo mundo que entrava começava no PRA, que era um setor de conferência de bilhetes porque estava implementando ainda o bilhete eletrônico, a gente ainda usava aqueles bilhetes carbonados vermelhos, àqueles talõezinhos que eram preenchidos muitas vezes à mão e tal, então esses bilhetes tinham que ser conferidos sempre depois dos voos e aí a gente tinha que inutilizar esses bilhetes porque valia dinheiro, qualquer um que pegasse aquilo ali depois poderia usar para embarcar. Então a gente tinha que invalidar o bilhete e existia um setor para isso na Varig. (ENTREVISTADO 17)

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Ao entrar no mercado, a Gol eliminou a emissão do bilhete de papel e adotou a utilização de bilhetes eletrônicos, que eram identificados através de códigos alfanuméricos que eram gerados na finalização da compra. Esse processo eliminou a quantidade de papel necessária, eliminou a necessidade de equipes de conferência de bilhetes e viabilizou a implantação do processo de venda online, que por sua vez eliminava a necessidade dos agentes de viagens como intermediários. A decisão de eliminar o bilhete físico, causou um certo estranhamento em sua implantação. De acordo com Silva e Espírito Santo Jr (2003) o DAC recomendou que a companhia utilizasse o bilhete tradicional, que de acordo com a instituição, era de uso obrigatório de acordo com as regulações brasileiras. A Gol solicitou que o DAC indicasse qual era o documento onde estava registrada essa exigência, porém, como esse documento não existia, a Gol seguiu com seu plano de eliminação do bilhete tradicional. Desde a sua fundação a Gol deu destaque às vendas diretas através de seu website, uma vez que reduzia custos com comissões e facilitava a comunicação com seu público final. Para que todas essas mudanças no processo de emissão fossem possíveis, a Gol adotou um sistema diferente dos até então utilizados pela concorrência. O sistema da Gol era completamente diferente do [sistema] da Varig. O da Varig era muito complexo, a gente passava um mês em treinamento, uma apostila imensa, os comandos eram muito grandes e a gente tinha que decorar. O [sistema] da Gol era muito simples, era pouca coisa para se fazer. (ENTREVISTADO 17)

Além dos sistemas de vendas mais modernos e simplificados a Gol começou sua trajetória sem oferecer um programa de passageiros frequentes. Essa decisão estava alinhada com o modelo low cost de redução dos serviços oferecidos e da complexidade da operação. Dentre as características do modelo low cost/low fare destacadas por Graham (2013) e Silva e Espírito Santo Jr (2003) três características não foram implantadas pela Gol: o modelo de voos ponto a ponto, a operação de trechos de curta distância e a utilização de aeroportos secundários. A estratégia de utilizar aeroportos secundários é um ponto importante no modelo low cost, porque além de possibilitar a diminuição de custos, permite

102 também um aumento de eficiência devido à diminuição do tempo de preparação em solo, slots em horários mais convenientes e espaço disponível em solo devido ao fato de não ser um aeroporto congestionado (GRAHAM, 2013). No entanto, essa é uma estratégia que a Gol não conseguiu implantar no Brasil devido à falta de aeroportos secundários habilitados a receber operações regulares com aviões Boeing 737 perto das principais cidades brasileiras (SILVA, E. N. D. A.; ESPÍRITO SANTO JR., 2003). A não utilização de aeroportos secundários significa que a Gol teve que montar sua operação nos mesmos aeroportos onde operava a concorrência, pagando as mesmas tarifas, disputando slots, fingers e espaço em terra para suas operações. Isso é ponto que impactou a estratégia da Gol, uma vez que a não disponibilidade de uma estrutura adequada afeta diretamente os custos da empresa. Além de não conseguir as vantagens operacionais que teria em aeroportos secundários, a Gol teve que enfrentar, assim como as concorrentes, problemas de infraestrutura nos aeroportos brasileiros. Esses problemas estavam relacionados tanto à falta de equipamentos que auxiliam o voo quanto à falta de espaço suficiente nos aeroportos. E outra, em vários lugares onde as empresas já operaram você conseguiria baixar muito o custo se você tivesse uma estrutura melhor. Então, por exemplo, que agora no Brasil ainda é exceção, finger pra você acessar o avião. Isso economiza tempo, além de ser mais cômodo pro passageiro, pra empresa aérea é mais rápido, então você consegue despachar um voo mais rápido, e avião parado é dinheiro perdido. Quanto mais rápido... usando o finger você consegue despachar mais rápido, você economiza em handling porque se você não tem finger você tem que colocar uma escada. Aí você tem duas opções, ou você é dono de uma escada e paga alguém no aeroporto com um trator pra colocar a escada lá ou paga uma empresa que faz isso pra você, mas do mesmo jeito você vai gastar. (ENTREVISTADO 5)

Por exemplo, acontece direto, a gente está chegando lá [no aeroporto de Vitória no Espírito Santo], tem dois aviões só para pousar, tem um TAM e um Gol atrás, se tivesse radar daria para pousar os dois, mas como não tem nem pista de táxi e nem radar, tem que ficar esperando, queimando combustível as vezes cinco, dez minutos, para dar a separação e você conseguir pousar. Esse tempo custa muito para a empresa, cinco minutos de voo são quase 200kg de combustível, é muita coisa. A maioria dos materiais da aviação, motor, tudo é por hora. (ENTREVISTADO 13)

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Além disso, a Gol desde a seu início operava voos de curta e média distâncias. Ao operar em todas as capitais brasileiras logo no seu terceiro ano de operação, a companhia passou a contar com voos de média distância em sua malha. Por último, a companhia adotou o modelo de malha hub-and-spoke, onde são vendidos trechos com conexões e não trechos ponto a ponto como nos modelos low cost tradicionais. Apesar da não implantação total do modelo low cost/low fare, a Gol conseguiu implantar no mercado brasileiro uma estratégia diferente com uma estrutura de custos mais enxuta. Observamos que em seus primeiros anos de existência a Gol manteve o custo por assento voado inferior ao de outras companhias brasileiras (gráfico 5-2).

Quadro 5-2 Custo por assento quilômetro voado (CASK) Fonte: DAC

A estratégia da Gol encontrou também um ambiente propício a sua implantação. Apesar da flexibilização do controle do governo sobre as tarifas aéreas ter se iniciado em 1989, somente em 2001 houve a desregulamentação total dos valores cobrados.

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Essa liberação permitiu que a Gol iniciasse suas operações em um patamar mais baixo que as companhias concorrentes, conforme mostrado no gráfico 5-3.

Quadro 5-3 Evolução do YIELD (R$ de 2008, deflacionado pelo IPCA) Fonte: Anuários Estatísticos / DAC

A estratégia utilizada pela empresa de oferecer um serviço de baixo custo, aliado à diminuição do atendimento da demanda por parte de empresas concorrentes como Transbrasil, VASP e Varig, permitiu que a Gol crescesse rapidamente no mercado. Agora, vamos analisar a Gol à luz da teoria de Fleck (2009) para que possamos identificar como a empresa enfrentou os desafios do processo de crescimento. A figura 5-1 nos apresenta um resumo das evidências encontradas em cada um dos desafios e o impacto gerado nas inter-relações do modelo proposto. A cor verde indica que encontramos evidências de que a empresa conseguiu desenvolver mecanismos internos para lidar com os desafios do crescimento. A cor amarela indica que encontramos evidências de que a empresa não desenvolveu e/ou não são suficientes gerir superação dos

105 desafios. E finalmente, a cor branca indica que não foram coletados dados suficientes que nos permitissem avaliar as respostas da empresa.

Figura 5-1 Análise das respostas da Gol aos desafios do crescimento na primeira fase

5.1.1 Desafio do empreendedorismo Conforme vimos anteriormente, o desafio do empreendedorismo está relacionado com a capacidade de criação de valor da empresa e para isso, se faz necessário que a mesma tenha a sua disposição um conjunto de serviços empreendedores (FLECK, 2009). Nessa primeira fase, podemos dizer que encontramos evidências de respostas consistentes para o desafio do empreendedorismo, uma vez que a empresa demonstrou ter desenvolvido os quatro serviços empreendedores descritos por Penrose (1959).

Ambição Ao analisar a trajetória da Gol podemos afirmar que foram encontradas evidências de que a empresa atuou de forma ambiciosa, no período que consideramos como a primeira fase de sua história. A Gol iniciou suas operações com 2001 como uma nova entrante no mercado de aviação civil comercial operando apenas seis aeronaves. Porém, ao longo de toda a primeira fase a Gol apresentou um crescimento significativo,

106 que a levou a ser a segunda companhia em participação de mercado em cinco anos de atuação (gráfico 5-3). Esse crescimento foi viabilizado a partir de um plano de expansão contínuo implantado pela empresa que contou com a compra de novas aeronaves anualmente (gráfico 5-1), permitindo sucessivas ampliações na malha aérea atendida pela empresa e também no número de passageiros transportados (gráfico 5-2).

Gráfico 5-1 Evolução do número de aeronaves da Gol Fonte: Gol

Gráfico 5-2 Evolução do número de passageiros transportados Fonte: Gol

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Gráfico 5-3 Evolução percentual anual da participação de mercado, em RPK, das principais empresas em operações domésticas de passageiros Fonte: ANAC

Versatilidade

A versatilidade é um serviço empreendedor que, de acordo com Penrose (1959) está relacionada com a visão e imaginação de seus gestores. Uma empresa que desenvolve versatilidade tem a capacidade de vislumbrar novas oportunidades que estejam além dos produtos e serviços já prestados por ela. Ao analisar a trajetória da Gol nessa primeira fase podemos dizer que foram encontradas evidências de versatilidade empreendedora. Os gestores da empresa conseguiram vislumbrar a oportunidade de mercado propiciada pelo declínio de empresas tradicionais do setor como Transbrasil, VASP e Varig. A medida que as principais empresas do setor foram tendo dificuldades de atender a demanda existente uma nova oportunidade se formara para uma nova entrante. Além disso, a Gol conseguiu aproveitar as oportunidades geradas em função da desregulamentação do setor aéreo. A estratégia de preços implantada pela Gol, não seria possível antes da flexibilização do controle governamental sobre as tarifas aéreas. As faixas de preços eram determinadas

108 pelo governo e uma vez determinadas, todas as empresas tinham que operar no mesmo patamar. Ao iniciar o processo de flexibilização das tarifas, as companhias tiveram mais liberdade para determinação de preços, o que poderia beneficiar empresas com estruturas de custos inferiores. Alguns entrevistados qualificaram o momento de entrada da Gol no mercado, como a melhor oportunidade do setor em décadas. Acho que eles [Gol] quiseram arriscar e acabaram dando sorte porque foi uma época que a Vasp estava falindo, Transbrasil também, a Varig estava em decadência, né. Então, eles acabaram dando sorte em relação a isso, entraram no momento certo. (ENTREVISTADO 13)

Além disso, a Gol percebeu que havia um oportunidade de crescimento em segmentos de mercado que na época não eram atendidos pelas empresa existentes. O avião era considerado um meio de transporte de luxo, que era utilizado por classes mais altas e estava distante da classe média brasileira. Alguns entrevistados relataram a mudança de perfil de passageiros nos aeroportos e o estranhamento causado por essa mudança. Antes [da Gol o transporte aéreo] não era acessível, agora com a facilidade de pagamento, paga em 10, 15 vezes sem juros no cartão, boleto bancário, crédito. [...] O tempo diminui muito ao invés de levar 3, 4 dias para chegar na cidade leva 3 horas de voo. Ao longo desse tempo isso foi aumentando, quantos mil passageiros já foram pela primeira vez e gostaram e estão voando cada vez mais. (ENTEVISTADO 15)

A Varig tem um histórico de nicho de mercado classe A, A+, havia uma diferença muito grande com o surgimento da Gol, os passageiros da Varig, principalmente ponte aérea, com seus brilhantes e suas bolsas, quando começaram a ver a fila da Gol perguntavam se "aquela gente vai viajar aqui agora". Tinham essas perguntas. Gente pensa! Aquela gente vai viajar hoje... (ENTREVISTADO 12)

Além de preços mais baixos que os praticados pela concorrência, a Gol passou a oferecer também outras formas de pagamento e parcelamento que facilitaram ainda mais a compra. Além dos parcelamentos convencionais realizados no cartão de crédito, a Gol criou seu próprio cartão de parcelamento, o Voe Fácil. Esse produto foi criado para atender pessoas que queriam parcelar as passagens sem o cartão de crédito. Além de facilitar o acesso dos usuários, esse produto eliminava o intermediário do cartão de crédito da transação de compra, o que possibilitava uma maior absorção das margens pela companhia. Desde a sua fundação, cerca de 10% do total de

109 pessoas transportadas por ano são passageiros de primeira viagem (GOL, 2010). O aproveitamento dessas oportunidades de mercado propiciaram um crescimento significativo na Gol nesse primeira fase de sua história. Para observamos melhor esse crescimento, usamos indicador de tamanho de Fleck (2001), conforme vemos no gráfico 5-4. Esse indicador nos mostra a relação entre a receita bruta da Gol com o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil ano após ano. Isso nos permite visualizar o crescimento relativo da empresa automaticamente corrigido pela inflação, gerando uma medida que é comparável ao longo do tempo, entre firmas e entre indústrias (FLECK, 2001).

Gráfico 5-4 Evolução do indicador de tamanho da Gol na primeira fase Fonte: baseado em Fleck (2001)

Capacidade de levantar recursos De acordo com Penrose (1959) a capacidade de levantar recursos se traduz na habilidade de a firma conquistar a confiança de terceiros e conseguir os recursos necessários para a extensão da empresa. Empresas pequenas e ainda desconhecidas podem encontrar mais dificuldades para atrair recursos se compararmos com grandes empresas já estabelecidas no mercado. Embora a falta de capital disponível possa impedir a expansão de pequenas firmas, algumas delas conseguem ser bem sucedidas em mobilizar capitais e crescer.

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Ao longo da primeira fase, temos evidências de que a Gol desenvolveu uma boa habilidade de captar recursos externos. Nessa fase foram identificadas algumas formas de captação de recursos externos como venda direta de participação da empresa, realização de empréstimos e financiamentos junto à instituições financeiras e a abertura de capital da empresa. A Gol iniciou suas atividades com capital da Aeropar, sua controladora e ao mesmo tempo subsidiária do Grupo Áurea. Porém, à medida que a empresa foi ampliando suas operações, a necessidade de capital externo foi aumentando. Conforme verificamos nos relatórios anuais da empresa a partir de 2003 ela deixou de ter capital exclusivo da Aeropar e começou a contar com a entrada de novos sócios como, por exemplo, a AIG Capital Partners, braço de venture capital da American International Group, que comprou 12,5% de participação na empresa. Além disso, à medida que a empresa foi crescendo, foi aumentando também a utilização de empréstimos e financiamentos bancários. A Gol ampliou a sua frota em mais de dez vezes em cinco anos, partindo de seis aeronaves na sua fundação para 65 em 2006. As compras de aeronaves foram feitas, em sua maioria, em regime financiamentos de arrendamento operacional, o que exige a concessão de crédito por parte das instituições financeiras. Além disso, a companhia ao longo desse período utilizou de forma recorrente empréstimos para capital de giro, que segundo a empresa serviram pra cobrir pagamentos parcelados com cartão de crédito feitos por parte de seus clientes. Para suprir essa necessidade, a Gol contava em 2004 com duas linhas de crédito especiais que garantiam esses recebíveis (GOL, 2005a). Em 2005, a Gol contava com 11 linhas de crédito rotativo em seis instituições financeiras, as quais permitiam a tomada de empréstimos de até R$340 milhões (GOL, 2005a). Além disso, outro fato marcante nessa fase foi a realização da abertura de capital da empresa em junho de 2004. Em sua primeira oferta pública de ações, a Gol comercializou 33.050.000 ações preferenciais, sendo 28% delas

111 negociadas no Brasil e 72% no exterior sob a forma de ADSs (American Depositary Shares) (GOL, 2004). O lançamento dessas ações foi considerado um sucesso em 2004, no dia de seu lançamento as ações negociadas no Brasil subiram 5,38% e o volume de negócios com os papeis da companhia somou 64,969 milhões. Nos Estados Unidos, as ações da Gol chegaram a subir até 12% sobre o preço de referência (PEREIRA, R., 2004). Ao longo dessa primeira fase, as ações da companhia continuaram subindo, conforme vemos no gráfico 5-5.

Gráfico 5-5 Evolução do preço das ações da Gol no mercado brasileiro (Preços em Reais de 2004 a 2006) Fonte: EXAME (2014)

Julgamento A capacidade de julgamento, de acordo com Penrose (1959), está relacionada à capacidade da firma de coletar informações externas e com a existência de mecanismos de avaliação interna de riscos e incertezas. Ao longo da primeira fase da trajetória da Gol foram encontradas evidências do desenvolvimento da capacidade de julgamento. Embora não tenha sido possível acessar os processos específicos de coleta de informações, de avaliação de riscos e tomada de decisão, a Gol demonstrou consistência e cautela em suas decisões de expansão, assim como um senso

112 de oportunidade, que a permitiu à firma aproveitar as oportunidades que se apresentaram em sua trajetória. De acordo com entrevista de Constantino Júnior, então presidente da Gol ao jornal O Estado de São Paulo em 2005, a empresa tinha como premissa tomar as decisões de crescimento de forma a manter a sua identidade e seu posicionamento no mercado. Há um mercado imenso para poder crescer [no Brasil] e eu acredito nesse potencial. A encruzilhada que vivemos é a de avaliar muito bem o risco para cada atitude diferente daquela que levou ao êxito do negócio. Vamos crescer? Vamos, mas não a qualquer custo. O princípio da empresa é o baixo custo repassado como benefício ao cliente. Deixar de ter esse ponto básico seria muito arriscado. Constantino Júnior (TEICH, 2005b)

Nesta mesma entrevista Constantino Júnior descreveu algumas oportunidades externas que surgiram ao longo dessa primeira fase da trajetória da Gol. A partir da identificação e avaliação dessas oportunidades a Gol pode se beneficiar de situações externas não previstas anteriormente. Nós tivemos boas oportunidades nesses quatro anos. Passamos a ter disponibilidade de mão-de-obra qualificada no Brasil, tivemos condições de tirar proveito, se é que esse é o termo correto, das crises mundiais que o setor passou. O 11 de setembro e, depois a crise de SARS e gripe na Ásia geraram disponibilidade de aeronaves de última geração, com custo bastante atraente. Planejávamos abrir o capital apenas em 2005 ou 2006, mas os bons resultados acabaram precipitando essa operação para o ano passado. Constantino Júnior (TEICH, 2005b)

Ainda de acordo com Constantino Júnior, essa capacidade de crescer de forma consistente, avaliando riscos e oportunidades seria uma das causas para a grande valorização das ações da empresa à época dessas declarações, em 2005 (TEICH, 2005b).

5.1.2 Desafio da navegação Dentro do modelo de desafios do crescimento de Fleck (2009) o desafio da navegação está relacionado com a gestão de múltiplos stakeholders da organização em um ambiente de mudança, de forma a assegurar que a firma capture valor e adquira legitimidade. Para que a firma seja bem sucedida na gestão desse desafio, é necessário que seja realizado um monitoramento constante das pressões do

113 ambiente e que seja feito um uso adequado das estratégias de resposta descritas por Oliver (1991). Ao olharmos para o setor aéreo podemos dizer que ele está constituído como um campo organizacional segundo a descrição neo-institucionalista de Zuckers (1987 apud FLECK, 2007). Essa corrente teórica explica a institucionalização de normas no nível do ambiente e de acordo com Meyer and Rowan (1977 apud FLECK, 2007), podem ocorrer a partir de exigências tecnológicas e regulatórias fortes. Essas duas fontes de pressão institucional, que são capazes de alterar as práticas organizacionais estão presentes no setor aéreo. Devido às questões de segurança e eficiência, a pressão pelo cumprimento aos requisitos técnicos influencia consideravelmente a constituição organizacional da firma, exigindo a existência de áreas específicas e o cumprimento de procedimentos padronizados. Além disso, o caráter estratégico do setor para a economia e defesa do país contribuem para que existam pressões advindas de órgãos reguladores e responsáveis pela defesa nacional. Conforme podemos observar no quadro 5-6, existem diversos atores compondo o campo organizacional no qual se encontra uma companhia aérea e, consequentemente, influenciando sua operação. Ator Influência no Sistema Organização da Desenvolve padrões e políticas para área de aviação internacional, Aviação Civil e fiscaliza o cumprimento dessas normas. Internacional (OACI) Associação Associação internacional que representa as companhias aéreas e Internacional de trabalha na formulação de políticas e padrões de segurança, Transporte Aéreo eficiência e impactos ambientais. (IATA) Secretaria de Aviação Coordena as iniciativas de expansão e desenvolvimento do Civil (SAC) transporte aéreo no Brasil. Agência Nacional de Regulação e fiscalização técnica, econômica e operacional de Aviação Civil (ANAC) aeroportos e companhias aéreas. Departamento de Fiscalização do espaço aéreo brasileiro e fornecedor de Controle do Espaço infraestrutura de navegação aérea. Aéreo (DECEA) Infraero Operador público de aeroportos. Prefeituras Operador de aeroportos municipais. Fabricantes de Determinação dos requisitos técnicos e operacionais a serem aeronaves seguidos pela companhia que opera a aeronave. Representações coletivas dos funcionários do setor que defendem Sindicatos os diretos das classes de Aeronautas e Aeroviários junto à companhias aéreas e junto ao Governo. Fiscalização do cumprimento dos direitos dos consumidores de PROCON serviços aéreos. Quadro 5-4 Atores do setor aéreo e suas influências

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Para que a Gol pudesse começar a operar no mercado muitos requisitos técnicos tiveram que ser seguidos, porém, ela entrou no mercado de aviação em um momento de mudança, o que propiciou a ela algumas diferenças em relação às empresas tradicionais do setor. Conforme vimos no histórico, a Gol entrou no mercado durante a fase de desregulamentação do setor aéreo brasileiro. Ao longo desse processo o governo mudou sua forma de intervenção, dando mais liberdade às empresas e também diminuindo as ajudas financeiras concedidas às mesmas. Nesse cenário, algumas das mudanças ocorridas foram: o fim da delimitação de empresas regionais e nacionais, a liberação de tarifas aéreas, o fim dos monopólios de exploração de rotas internacionais e o fim das subvenções concedidas às empresas. O fato de o mercado brasileiro ter sido unificado, eliminando as diferenças entre empresas regionais e nacionais, permitiu que a Gol operasse como uma única companhia, sem subsidiárias para voos menores. Além disso, quando ela começou a operar, a concessão de novas linhas estava sendo feita à partir do critério de viabilidade econômica, o que permitiu que ela expandisse a malha em rotas economicamente viáveis, não contemplando rotas notadamente deficitárias, como era feito durante o programa de aviação regional. A liberação das tarifas permitiu que a Gol praticasse um novo patamar de preços de passagens aéreas. Antes, as tarifas eram padronizadas o que impedia que empresas com uma estrutura de custos inferiores, repassem essas diferenças para os consumidores. A partir do momento, que as tarifas foram liberadas e as subvenções governamentais cessaram, era preciso que a empresa trabalhasse a sua eficiência para que as contas ficassem equilibradas. Enquanto a Gol, ao começar suas operações nesse novo cenário já projetou seu modo de operar dentro dessas novas regras, as outras empresas aéreas tiveram não só que adaptar suas operações, como também sua cultura para as novas práticas organizacionais do campo impostas pelas forças institucionais. No entanto, algumas empresas veteranas tentaram resistir às mudanças, o que posteriormente não se mostrou uma estratégia adequada,

115 uma vez que o Governo não revogou as decisões de liberalização estabelecidas. Embora a Gol tenha começado em um cenário diferente das suas concorrentes não significa que ela estava livre das pressões institucionais. Ao contrário, além de sofrer as pressões dos órgãos reguladores ela sofreu também pressão das concorrentes que tentavam impedir a implantação de suas estratégias. Ao analisarmos o histórico da Gol e suas respostas às pressões do ambiente, observamos que existem evidências de que a empresa fez um uso adequado das respostas estratégicas descritas por Oliver (OLIVER, 1991), conforme podemos ver no quadro 5-4.

Ano Stakeholder Ação Estratégia Tática 2001 Governo Implantação do bilhete eletrônico Desafiar Contestar com eliminação do bilhete físico mesmo contra as recomendações do DAC. 2001 Mercado Cancelamento da utilização de novos Aceitação Consentimento canais de vendas como bancos e lojas do baú. 2002 Governo Interrupção da utilização do serviço Aceitação Consentimento de atendimento 0300, e conversão do mesmo em 0800. 2003 Governo Solicitação de novas rotas em Desafiar Ignorar momento de redução de oferta e retorno do controle governamental.

2004 Governo Lançamento de promoções Desafiar / Atacar / agressivas, que posteriormente foram Aceitação Consentimento proibidas pelo DAC.

2005 Governo Exercício de pressão junto ao Moldar Influenciar governo para definição da redistribuição das rotas da Varig em um cenário de fechamento da empresa. 2005 Mercado Realização de parceria operacional Moldar Cooptar com a Copa Airlines. Não adoção do modelo vigente de alianças internacionais. 2006 Mercado Compra da Varig. Ao mesmo tempo Aceitação Consentimento que a Gol demonstrou interesse na / Desafiar / Atacar compra, revelou que esse foi um pedido do Presidente da República. Quadro 5-5 Respostas estratégicas da Gol as pressões institucionais (2001-2006)

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A partir dos tipos de respostas utilizadas pela Gol, observamos que ela demonstrou a capacidade de alterar respostas proativas com respostas de passivas, o que pode indicar sua habilidade de navegação no ambiente. Nos primeiros anos de operação, sua postura pró ativa estava relacionada à implantação de inovações no setor que contrariavam as regras já institucionalizadas do mesmo, como a mudança do padrão de bilhetes, a busca por novos canais de vendas e por um novo modelo de negócio ainda inédito no Brasil (low cost). Ao longo dessa fase, a Gol foi tendo sucesso na implantação dessas ações e apesar das pressões externas, conseguiu ganhar legitimidade e aumentar sua captura de valor ao longo dos anos. A legitimidade no setor, pode ser observada à medida que a Gol passa a ser reconhecida como uma das principais empresas aéreas do país, a ponto de em conjunto com a TAM, liderar as negociações com o governo a respeito do futuro do mercado de aviação durante o declínio da Varig. Esse reconhecimento culminou com o pedido do então presidente Luís Inácio Lula da Silva de compra da Varig pela Gol (SCOLESE; ZIMMERMANN, 2007). Além da legitimidade, a Gol foi conseguindo ampliar a sua captura de valor do ambiente ao longo dessa primeira fase. Como uma evidência desse aumento de captura de valor vivenciado pela empresa, podemos destacar a curva de desempenho da Gol, feita com base no indicador de desempenho descrito por Fleck (2001). Esse indicador de desempenho compara o lucro líquido obtido pela empresa com o Produto Interno Bruto do país onde ela atua, o que gera um indicador relativo de seu desempenho em relação à economia. Conforme vemos no gráfico 5-7, a Gol conseguiu ampliar de forma consistente o seu desempenho no mercado brasileiro nessa primeira fase de sua trajetória.

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Gráfico 5-6 Evolução do indicador de desempenho da Gol na primeira fase Fonte: baseado em Fleck (FLECK, 2001)

5.1.3 Desafio de gestão da diversidade Para Fleck (2009) o desafio da diversidade consiste em manter a integridade da firma à medida que ela experimenta o aumento da diversidade interna proveniente do crescimento. Com a ampliação da organização, o nível de especialização das funções aumenta gerando assim uma maior heterogeneidade. Se não for bem gerida, a heterogeneidade pode gerar a fragmentação interna das equipes, ocasionando disputas por poder e recursos, estimulando a competição interna e não a cooperação (FLECK, 2009). Ao longo da pesquisa não foram coletados dados que nos permitissem avaliar a gestão da diversidade na primeira fase da trajetória da Gol. Essa ausência de dados sobre o tema é compreensível, uma fez que a empresa ainda estava em formação e esses eram os primeiros anos de sua existência. De acordo com Fleck (2009), a gestão da diversidade é necessária quando há uma grande diversidade interna o que passa a ocorrer à medida que a firma cresce. Na fase da Gol que está sendo analisada, a empresa ainda estava iniciando seu processo de crescimento. Portanto, a diversidade se demonstrou baixa nos primeiros anos da empresa tendo aumentando com o passar do tempo. Com relação à diversidade na alta gestão, observamos que a Gol começou sua trajetória com um único acionista. No início, toda a empresa era controlada pela Aeropar, subsidiária do Grupo Áurea, o que em um primeiro

118 momento, indicaria uma baixa complexidade na gestão de interesses da cúpula da empresa. À medida que a empresa foi crescendo essa diversidade na alta gestão da empresa se ampliou a partir da entrada de novos sócios como a AIG em 2003, a Comporte Participações em 2004 e a abertura de capital ocorrida no mesmo ano. Porém, mesmo após essas vendas de capital para terceiros, a controladora Aeropar continuou como sócia majoritária com 71% das ações totais da empresa, dentre elas 100% das ações ordinárias (GOL, 2004). Em relação à diversidade geográfica e de força de trabalho, vemos que a Gol começou sua trajetória com uma estrutura relativamente enxuta para uma empresa de aviação, com cerca de 1100 funcionários operando em 16 destinos diferentes. Para cada destino atendido existe uma base de operação, e no início, como a Gol só operava destinos nacionais, o que significa que todas as bases estavam localizadas no Brasil e com funcionários brasileiros. À medida que ela foi expandindo, a quantidade de destinos atendidos e funcionários também foram ampliando conforme demonstrado nos gráficos 5-8 e 5-9. Porém, além disso, com o início dos voos internacionais, a empresa começou a gerir bases fora do Brasil com mão de obra estrangeira, o que apesar de representar uma porcentagem pequena nessa primeira fase, mostra indícios de ampliação da diversidade.

Gráfico 5-7 Evolução do número de destinos atendidos pela Gol (2001 a 2006) Fonte: Gol

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Gráfico 5-8 Evolução do número de funcionários da Gol (2001 a 2006) Fonte: Gol

5.1.4 Desafio de provisão de recursos humanos O desafio de provisão de recursos humanos do modelo de desafios de Fleck (2009) está relacionado com a capacidade de a firma prover recursos humanos qualificados de forma consistente. O não provisionamento de forma antecipada limita a expansão da firma e para que isso não ocorra, é necessário que a formação, retenção, desenvolvimento e renovação das equipes ocorra de forma contínua. Além de limitar o crescimento, a falta de recursos gerenciais pode gerar problemas de fragmentação em tempos de crescimento onde haja a necessidade de contratação em massa de pessoas de fora para atender a expansão. Ao olharmos a trajetória da Gol não foram encontradas evidências de uma gestão diferenciada de recursos humanos para nenhum de seus públicos de funcionários. No setor de aviação o treinamento e desenvolvimento dos profissionais ligados à operação, como aeronautas e aeroviários, é regulamentado e fiscalizado pela ANAC. Existem evidências de que a Gol cumpre com os requisitos legais relacionados à preparação de seus funcionários, uma vez que tem milhares de funcionários certificados operando em todo o país, além de não terem sido encontrados indícios de irregularidades nesse sentido.

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Nos primeiros anos de sua formação, a força de trabalho técnica da Gol foi composta por profissionais experientes e altamente qualificados oriundos de empresas aéreas brasileiras que cessaram suas operações como VASP e Transbrasil (SILVA, E. N. D. A.; ESPÍRITO SANTO JR., 2003). Dentre os profissionais contratados havia gerentes de manutenção, mecânicos, comandantes e primeiros-oficiais. De acordo com Silva e Espírito Santo Jr. (2003), essa absorção de profissionais bastante experientes gerou um bordão interno que qualificava a Gol como “a mais nova e mais experiente companhia aérea no Brasil”. Então, muita gente veio da Transbrasil, e assim, muita gente dessa fase inicial da Gol veio da Transbrasil. Tripulantes, funcionários de terra. (ENTREVISTADO 17)

A Gol foi fundada pelo pessoal da Vasp e aí a Azul foi fundada pelo pessoal da Varig. (ENTREVISTADO 13)

Silva e Espírito Santo Jr (2003) destacam ainda que a absorção de mão de obra qualificada no início da empresa, reduziu enormemente a necessidade de investimento em treinamento nos primeiros anos de operação. No entanto, a existência de pessoas experientes oriundas de empresas diferentes implicou também na existência de formas de trabalhar diferentes entre os diferentes empregados. De acordo com alguns entrevistados, para padronizar as operações e fomentar uma homogeneidade, foi criado um modo de operar Gol, com procedimentos específicos que deveriam ser seguidos por todos. Quando ela [a Gol] começou a crescer mesmo, o que teve de diferente foi que veio piloto da Vasp, Transbrasil, Varig, foi uma mescla muito grande de culturas muito diferentes. Na Transbrasil se trabalhava de um jeito, na Varig de outro, na Vasp... Então, não tinha um piloto igual eu, que comecei na Gol e fiz tudo na Gol, eram pilotos de fora que tavam... Ela teve muito trabalho, a gestão que fundou, de tentar igualar todo mundo não por baixo, mas igualar quem está embaixo para subir e criar uma cultura dela, né. No começo teve muita confusão porque a Gol sempre foi muito restritiva, muito conservadora nas operações, privilegiando demais a segurança, né. Quanto mais segurança você busca, as vezes... Não dá para você ter 100% de segurança na aviação. Mas ela acabou optando pelo máximo de segurança para poder nivelar todo mundo e no começo o cara que fazia tudo do jeito dele na Transbrasil, chegou aqui e teve que fazer o padrão Gol, o cara assusta. (ENTREVISTADO 13)

Em oposição à vasta experiência da equipe técnica, a equipe de atendimento de solo da Gol ficou conhecida nessa primeira fase de sua

121 trajetória pelo atendimento de qualidade inferior ao praticado pela concorrência da época. Enquanto as equipes de outras companhias, como a Varig, tinham qualificação que exigia nível superior, a Gol, optou por contratar um perfil menos qualificado, conforme descrevem alguns entrevistados. O pessoal, embora a aviação seja uma coisa relativamente glamorosa, o pessoal que trabalha, especialmente o pessoal que eu conheço de Gol é um pessoal bem operacional mesmo, é o chão de fábrica da aviação, então a pessoa que trabalha no aeroporto ela ganha mal, ela é pouco qualificada. Então eles pegam um pessoal espertinho, que minimamente sabe falar, sabe atender, ensina eles lá a usar o sistema e coloca o pessoal pra trabalhar. (ENTREVISTADO 6)

De acordo com relato de um entrevistado, não só a formação dos profissionais era inferior em relação ao resto do mercado, mas também o processo seletivo da empresa. Eu tenho colegas que falaram que era assim, que foram recrutados do shopping. Estavam andando no shopping aí chegava e falava assim: Olha vai abrir uma companhia aérea agora e você não gostaria de trabalhar nela? E as pessoas aceitavam sem nem saber exatamente o que era. Eu soube por um colega que é antigo mesmo da primeira formação da Gol falou que foi recrutado em shopping, assim. (ENTREVISTADO 17)

5.1.5 Desafio de gestão da complexidade O desafio de gestão da complexidade de Fleck (2009) está relacionado com a solução de problemas que contemplam grande quantidade de variáveis interdependentes e com gerenciamento adequado de assuntos complexos. A medida que a firma cresce, a complexidade aumenta e para não colocar em risco a organização é preciso que ela desenvolva processos sistemáticos de coleta de dados, análise e tomada de decisão. O desempenho da firma em desenvolver a capacidade de gerir a complexidade, interfere nas respostas de todos os outros desafios, uma vez que está relacionada ao processo de tomada de decisão (FLECK, 2009). Uma empresa que consegue desenvolver a habilidade de gerir a complexidade é capaz e promover a busca por soluções e fomentar o aprendizado interno contribuindo para que ela tenha sucesso ao enfrentar os desafios do empreendedorismo, da navegação, da diversidade e do provisionamento gerencial. Quando a empresa falha em desenvolver a capacidade de gerir o aumento da complexidade ela acaba adotando um padrão ad hoc de solução

122 de problemas, que privilegia a busca por soluções rápidas que impossibilitam o aprendizado, gerando um passivo organizacional para a firma (FLECK, 2009). O setor de aviação civil se configura como um setor complexo por si só, devido ao número de atores envolvidos na operação da empresa aérea e ao número de requisitos que devem ser cumpridos. Em relação à Gol, foram encontradas evidências de que, em sua primeira fase, houve o desenvolvimento de um processo sistemático de resolução de problemas. As evidências apontam para uma tendência de a Gol criar padrões e uniformizar procedimentos que orientam a tomada de decisão de seus funcionários. Além disso, de acordo com os entrevistados, existe uma tendência à centralização das decisões nos líderes. A Gol já tinha uns procedimentos muito mais engessados, tudo você tem que pedir uma autorização para os superior, porque tem custos. (ENTREVISTADO 17)

Além disso, a Gol demonstra ter uma sistemática de coleta de informações e resultados para utilização em decisões gerenciais. Embora, nos primeiros anos de operação, a Gol tenha tentado desenvolver seus mecanismos de controle internamente, conforme descrevem Silva e Espírito Santo Jr (2003), sobre a tentativa da empresa de desenvolver um software para gestão da tripulação, rapidamente, a Gol mudou os rumos e optou pela aquisição e implantação de sistemas de coleta e controle de informações específicos para a aviação. O principal deles é o sistema para controle de manutenção das aeronaves, que monitora cerca de 24 mil partes da aeronave checando sua milhagem, ciclo e depreciação (SILVA, E. N. D. A.; ESPÍRITO SANTO JR., 2003). Esse controle permite a Gol planejar quando e onde partes específicas da aeronaves passarão por manutenção, de acordo com a disponibilidade de peças, de mecânicos e com as rotas que a aeronave opera. Esse processo contribui para uma tomada de decisão antecipada, baseada em informações confiáveis, que são sistematizadas a partir dos resultados obtidos através de análise realizada pela equipe de confiabilidade. É bem complexo, mas tomar a decisão é muito importante, então chegar para um gerente ou para um gestor de uma determinada área e falar, qual é a tomada de decisão e em que me baseio. [...] [os gestores] Solicitam para gente fazer uma análise com base no histórico de falhas de um determinado sistema e em um histórico de projeções para o futuro. Se você tiver qualquer tipo de mudança, você

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está vendo um comportamento de falha subindo. (ENTREVISTADO 15)

5.1.6 Folga organizacional A folga de recursos é uma das condições necessárias ao crescimento e autoperpetuação empresa (FLECK, 2009). Ela se constitui a partir da existência de recursos em quantidade superior a quantidade necessária para o desempenho das funções da firma. Conforme destaca a autora, a folga pode ser constituída por recursos tangíveis e intangíveis. Dentre os recursos tangíveis podemos destacar os recursos financeiros, máquinas, equipamentos e pessoas, e dentre os recursos intangíveis estão incluídos marca e reputação, somente para citar alguns exemplos. Nessa primeira fase da trajetória da Gol, observamos que a empresa apresentou evidências da existência de folga financeira, porém não demonstrou evidências de folga de recursos produtivos nem de recursos humanos. Logo em seu segundo ano de operação a Gol apresentou um balanço positivo, registrando um lucro líquido de R$ 3,980 milhões (SITUANI; SIQUEIRA, 2003). Apesar dessa medida por si só não nos trazer evidências sobre folga, ela nos ajuda a compreender o momento vivido pela Gol, principalmente quando observamos que nesse ano, ela foi a única companhia aérea brasileira a fechar o balanço com saldo positivo. A existência de uma folga financeira pode ser evidenciada a partir dos investimentos sucessivos realizados pela empresa ao longo do período em questão. A Gol investiu na ampliação da sua frota de forma contínua o que resultou em um aumento da frota de 6 aeronaves em janeiro de 2001 para 65 em 2006 (GOL, 2006). Além dos investimentos em aeronaves, a empresa investiu também na construção de um Centro de Manutenção em Confins (Minas Gerais) para que a empresa pudesse realizar as manutenções de suas aeronaves internamente sem a necessidade de terceirização do serviços (JUNIOR; KOMATSU, 2006). O centro, inaugurado em 2006, tinha inicialmente uma área total construída de 17.300 m², incluindo dois hangares: um com 4,8 mil m² e capacidade para receber três aeronaves e outro com 2 mil m², para um avião (GOL, 2014).

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Com relação à folga de recursos produtivos, observamos que apesar da grande quantidade de aeronaves adquiridas no período, a Gol estava operando somente com a quantidade suficiente de aeronaves cobrir a malha existente. As compras de novos equipamentos foram feitas à medida que a malha foi expandindo. De acordo com declaração da própria empresa, somente em 2005 a Gol adquiriu aviões para contingência de manutenção e contingência de malha (TEICH, 2005a). Durante a pesquisa, não foram identificados indícios de folga ou falta e recursos humanos na estrutura da Gol.

5.2 SEGUNDA FASE: DE 2007 A 2012 A segunda fase da Gol se inicia com um marco importante na história da empresa, a aquisição da Varig. A partir dessa compra a Gol experimentou uma aceleração de seu crescimento, que proporcionaram novos desafios para a empresa. No entanto, vamos acompanhar primeiramente a evolução do modelo de negócios pretendido pela Gol. Conforme vimos anteriormente, desde a sua criação não apresentava todas as características do modelo low cost/low fare que serviu de referência para a empresa. Porém, nessa segunda fase outras características low cost, deixaram de estar presentes na empresa. Logo no primeiro ano após a aquisição da Varig a Gol ficou com uma frota mista, devido à unificação da sua frota de Boeings 737-700 e 737-800 com os Boeings 737-300 e 767-300 provenientes da Varig (GOL, 2007). Após a realização da compra, a Gol começou a operar algumas rotas internacionais de longo curso remanescentes da Varig para a França, Alemanha, Itália, Inglaterra e México. Esses voos foram realizados com as antigas aeronaves da Varig do modelo -300, porém, de acordo com o Presidente da Gol, a operação não trouxe o retorno esperado pela empresa o que resultou no posterior abandono dessas rotas (THOMÉ, 2010). Constantino Júnior atribuiu o fracasso da Gol nessas rotas à falta de diferenciação dos serviços oferecidos pela companhia aliada a uma impossibilidade de oferecer custos significativamente mais baixos, devido aos altos custos das aeronaves utilizadas. Diante desse resultado negativo a Gol optou por abandonar as rotas de longo curso, voltou a dar ênfase às rotas nacionais e sul-americanas em seu

125 plano de expansão e realizou a completa renovação da frota voltando ao modelo de padronização da mesma (GOL, 2009). Outro aspecto do modelo low cost presente na Gol que mudou nesse período foi a incorporação de um programa de passageiros frequentes, que até então não existia na empresa. A partir da compra da Varig, a Gol incorporou o programa Smiles, que foi pioneiro no Brasil e tinha na época da compra uma base de 5 milhões de usuários. De acordo relatórios da Gol, a incorporação desse programa tinha por objetivo fomentar as vendas para o público corporativo, ampliando a participação do mesmo nos resultados da empresa (GOL, 2008). Além dessas duas mudanças, no final da segunda fase, a Gol introduziu um sistema de diferenciação de assentos em suas aeronaves, que eliminaram a padronização do layout das aeronaves. Essa mudança, também foi realizada com objetivo de ampliar as receitas e de oferecer uma certa diferenciação para os passageiros executivos . Essas mudanças afastaram ainda mais a Gol do modelo low cost e trouxeram novos contornos à sua operação. Durante esse período foi verificado um ligeiro aumento dos custos por assento quilômetro voado da Gol, porém ela ainda, se manteve com custos inferiores aos da concorrência, conforme podemos observar no gráfico 5-10.

Gráfico 5-9 Custo por assento quilômetro voado (CASK) Fonte: ANAC

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Agora vamos analisar a segunda fase à luz dos desafios de Fleck (2009). Assim como na primeira fase, apresentamos um mapa que resume as evidências encontradas na análise (figura 5-2).

Figura 5-2 Análise da resposta da Gol aos desafios do crescimento na segunda fase

5.2.1 Desafio do empreendedorismo Ao analisarmos a segunda fase da trajetória da Gol, podemos dizer que foram encontradas evidências de respostas consistentes para alguns aspectos do desafio do empreendedorismo. As evidências sugerem que os serviços empreendedores relacionados à ambição e capacidade de levantar recursos continuaram bem desenvolvidos na empresa, enquanto a versatilidade e julgamento tiverem suas respostas reduzidas.

Ambição Na segunda fase da trajetória da Gol, as evidências apontam que ela continuou atuando de forma ambiciosa. Embora nesse período a empresa tenha perdido algumas características do seu modelo inicial de operação, ao mesmo tempo, demonstrou evidências de que continuou trabalhando para sua expansão. Ao observarmos o processo de crescimento vivenciado pela Gol nesse período, à luz de Fleck (2003) vemos que esse período seu principal motor de

127 crescimento foi o motor horizontal, no qual a empresa expandiu através da aquisição de rivais mais fracos e detentores de habilidades e recursos valiosos. Dentre as aquisições realizadas no período estão a compra da Varig em 2007 e da Webjet em 2011. A partir da incorporação da Varig em 2007, a Gol experimentou um grande crescimento, que pode ser observado a partir do aumento de alguns indicadores da empresa como número de aeronaves e funcionários, conforme os gráficos 5-11 e 5-12.

Gráfico 5-10 Evolução do número de aeronaves da Gol (2005 a 2012) Fonte: Gol

Gráfico 5-11 Evolução de funcionários da Gol (2005 a 2012) Fonte: Gol

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Porém apesar do crescimento observado na estrutura da empresa e quantidade de assentos utilizados, vemos que a sua participação de mercado em relação às outras empresas não aumentou, conforme gráfico 5-13.

Gráfico 5-12 Evolução percentual anual da participação de mercado, RPK, das principais empresas em operações domésticas de passageiros. Fonte: ANAC

Ao olharmos o gráfico 5-13, podemos observar que a compra da Webjet, também não se converteu em aumento da participação do mercado. Embora a Gol tenha ampliado o número de passageiros/quilômetro transportados em todos os anos do período, a expansão da concorrência foi significativa e no último ano dessa fase já representava em torno de 60% do mercado.

Versatilidade Na segunda fase da trajetória da Gol, não foram encontradas evidências de continuidade da utilização da versatilidade empreendedora dentro da empresa. Ao longo da primeira fase de sua história observamos que a Gol foi hábil em identificar novas oportunidades propiciadas pela desregulamentação do setor, pelo atendimento de novas camadas da sociedade e pelo oferecimento de serviços de facilitação de pagamentos.

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Porém, nesse segundo momento, as evidências apontam para uma estagnação na busca por oportunidades que estivessem além dos serviços já prestados pela empresa. Após a entrada da Gol no mercado observou-se uma tendência de padronização do mercado, que pode ser explicada através do motor de coevolução de Fleck (2003). Após a implantação do modelo de operação da Gol observa-se um tentativa da concorrência de oferecer produtos e processos similares aos da Gol. Em relação aos processos, verificou-se que todas as empresas aéreas brasileiras adotaram o processo de emissão de bilhetes eletrônicos com utilização de códigos alfanuméricos e a venda pela internet tornando esse o padrão da indústria. Com relação aos produtos oferecidos, observou-se que as outras companhias aéreas passaram a oferecer produtos promocionais, nos mesmos níveis de preços que a Gol, passando a concorrer com ela em todos os públicos atendidos. Em contrapartida, também foi registrado no período uma elevação do nível, de preços da Gol, aproximando ela dos níveis praticados pela TAM em alguns trechos conforme relatam alguns entrevistados.

Como a TAM foi pra uma estratégia de ganhar mercado e não... antes ela tinha uma estratégia de ser diferente, de ter um produto diferente dos outros. Hoje ela está com um produto muito mais parecido com o da Gol, por exemplo, do que era antigamente. Tanto porque a Gol foi chegando perto, quanto porque eles também tão tirando um pouco da diferenciação que eles tinham. Então, o serviço de bordo, você só tem serviço diferenciado em algumas poucas rotas da TAM, aquele negócio do glamour, do tapete vermelho aquilo foi embora. O avião não é mais um negócio super confortável, é um avião que tem um pitch [espaço entre poltronas] menor, que não é tão confortável pros passageiros quanto era antigamente. Então a estratégia deles hoje é disputar mercado com um custo um pouco mais baixo e encher avião. (ENTREVISTADO 5)

Hoje, mesmo sem promoções com os preços bem no tipo da TAM, preços altos, as pessoas ficaram na cabeça que ainda é o mais barato. Tem gente que nem consulta passagem na TAM, vai direto na Gol porque acha que é mais barato e às vezes está pagando mais caro até. (ENTREVISTADO 17)

Conforme modelo de Fleck (2003) após a padronização do setor ele cresce como um todo, porém as partes, passam a experimentar uma maior competição entre si, devido a escassez de recursos. Se analisarmos a curva de

130 tamanho da Gol através do indicador de Fleck (2001), mostrado no gráfico 5- 14, observamos que após 2008, o crescimento relativo da empresa se estabilizou.

Gráfico 5-13 Evolução do indicador de tamanho da Gol na segunda fase

Fonte: baseado em Fleck (2001)

Capacidade de levantar recursos Durante a segunda fase da trajetória de crescimento da Gol, foram encontradas evidências de que a empresa continuou conseguindo captar recursos de terceiros para financiar seu crescimento. Quando olhamos a composição acionária da empresa, observamos que ela atraiu novos acionais como a Delta Airlines, Wellington Management Company, Fidelity Investments que em 2012 somavam 10,6% das ações da empresa. O fundo de investimentos da família Constantino detinha 62,7% das ações totais, porém, continuou com 100% das ações ordinárias. De acordo com os dados coletados, a compra de ações da Gol pela Delta Airlines não teve somente o objetivo financeiro. Segundo as empresas envolvidas nessa transação, a entrada da Delta como acionista foi parte de um plano de parceria de longo prazo realizado entre as duas empresas, que envolvia o compartilhamento de voos e a integração das malhas para ampliar as possibilidades de conexões para os clientes de ambas.

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Além da entrada de novos acionistas a Gol, demonstrou capacidade de conseguir novos empréstimos e financiamentos para a compra de aeronaves. Porém, conforme relatório 20-F da Gol de 2012, a empresa já demonstrava preocupação com a obtenção de crédito no futuro, uma vez que a mesma já estava com quantidade significativa de compromissos de longo prazo, conforme podemos observar no gráfico 5-15.

Gráfico 5-14 Evolução do patrimônio líquido e passivo da Gol Fonte: Gol

Embora a Gol ainda tenha conseguido novos financiamentos e arrendamentos nesse período, a percepção de valor da empresa caiu durante esse período. Ao longo da segunda fase, as ações da Gol sofreram constante desvalorização mercado, conforme observamos no gráfico 5-16.

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Gráfico 5-15 Evolução do preço das ações da Gol no mercado brasileiro (preços em Reais de 2007 a 2012) Fonte: EXAME (2014) Julgamento Ao analisar a trajetória da Gol na segunda fase observamos que não foram encontradas evidências da atuação consistente do serviço empreendedor de julgamento. Essa afirmação se baseia nas evidências relacionadas a situações críticas vividas pela empresa nesse período. No início dessa frase a Gol efetuou a compra da Varig, o que representou um movimento muito importante para a empresa. Apesar de a Gol ter demonstrado objetivos claros com a compra da Varig, o não atingimento desses objetivos e os desdobramentos negativos da absorção da Varig apontam para a não utilização de um julgamento adequado nesse episódio específico. De acordo com declaração do presidente da Gol, Constantino Júnior, a Gol se surpreendeu com os problemas operacionais vividos pela Varig à época da aquisição (THOMÉ, 2010). Dentre os problemas destacados por Constantino estavam a falta de mecanismos de controle de processos, o que interferia diretamente na qualidade operacional da empresa comprada. Além disso, os objetivos iniciais que motivaram a Gol a adquirir a Varig não foram alcançados em sua totalidade. A Gol almejava ampliar a sua participação nos principais aeroportos, utilizar o direito de exploração da Varig de rotas internacionais e incorporar o programa de relacionamento Smiles.

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Apesar de ter conseguido ampliar a participação em vários aeroportos, esse objetivo não foi totalmente alcançado após da redução da capacidade do aeroporto de Congonhas, o que impediu o pleno aproveitamento dos slots da Varig no principal aeroporto do país (THOMÉ, 2010). Em relação às rotas internacionais, a Gol chegou a iniciar voos de longo curso para a Europa e para o México, porém não obteve êxito. De acordo com declaração de Constantino Júnior (THOMÉ, 2010), a Gol teria cometido um erro estratégico de oferecer um produto sem nenhum diferencial em relação à concorrência. Ele destaca que os voos da Gol para a Europa não apresentavam nem tarifas mais baixas, nem uma melhoria substancial no serviço oferecido, o que teria atrapalhado o desempenho da empresa nessas linhas, que posteriormente foram descontinuadas. Além da compra da Varig, a Gol realizou, também nesta fase, a aquisição da Webjet. Ao analisarmos os impactos dessa movimentação, observamos que ela não proporcionou para a Gol um crescimento expressivo, ao mesmo tempo em que trouxe novos problemas para a empresa. A Webjet entrou no mercado com o objetivo de atuar como uma empresa low cost e concorrer diretamente com a Gol no segmento de passagens baratas. Porém, desde seu primeiro ano a Webjet enfrentou dificuldades e ao longo de seus cinco anos de existência foi vendida três vezes, sendo a última delas para a Gol (COSTA, M. et al., 2011). Se analisarmos os gráficos de número de passageiros, participação de mercado e composição da malha, veremos que os ativos da Webjet não foram incorporados pela Gol. Após a compra, a Gol adotou uma estratégia de desmontar a estrutura da Webjet, que teve o seu fim anunciado após a aprovação do CADE (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). A Gol alegou que a Webjet tinha um modelo operacional não competitivo atribuído, principalmente, à idade média avançada da frota e sua consequente defasagem tecnológica com alto gasto de combustível. O fim das operações resultou na venda das aeronaves e na demissão de 850 funcionários Webjet (GOL, 2012). No entanto essa decisão trouxe problemas trabalhistas e jurídicos para a empresa, que após ter perdido uma ação judicial foi obrigada a recontratar e

134 manter os funcionários da Webjet mesmo que eles não estivessem na ativa, conforme vemos no depoimento de um dos entrevistados. Ficou muita gente da Web na Gol. Muita gente. Teve aquele problema de eles serem demitidos e aí entraram no sindicato, recorreram à justiça e eles foram reintegrados porque a multa era muito alta. Muitos estão meio que na geladeira, estão contratados, mas não estão fazendo voo, estão recebendo o mínimo da carteira porque muitos a empresa considera que não atendia ao perfil. (ENTREVISTADO 17)

Além desse episódio, podemos destacar uma outra situação, onde a Gol demonstrou ter tido dificuldades oriundas de uma avaliação de riscos não efetiva. Em agosto 2010, a Gol vivenciou uma onda de atrasos e cancelamentos de voos, devido à não disponibilidade de tripulantes e pilotos para realização dos voos. Devido ao aumento expressivo de voos fretados no período de férias escolares, os funcionários da Gol, cumpriram o limite da escala determinada por lei, e ficaram impedidos de voar. Em uma semana, 10% dos 6630 voos previstos da Gol foram cancelados e 54,4% saíram com atraso (TAVARES, 2010). Esse episódio expôs a Gol e gerou problemas com passageiros, com o Sindicato Nacional das Empresas Aéreas (SNEA) e com seus próprios funcionários.

5.2.2 Desafio da navegação Durante a segunda fase da trajetória da Gol, todas as mudanças da desregulamentação econômica já estavam consolidadas e as novas práticas organizacionais do setor já haviam sido incorporadas pelas empresas. Além disso, como vimos na análise do desafio do empreendedorismo, a Gol e as suas concorrentes passaram por um processo de homogeneização dos serviços oferecidos, o que aproximou o modelo de operação das grandes empresas de aviação do mercado brasileiro. Essa homogeneização dos modelos de operação, ocasionou a perda das vantagens competitivas da Gol em relação à sua concorrência. Ao analisarmos as repostas da Gol ao desafio da navegação em sua segunda fase, foram encontradas evidências de que a empresa privilegiou o monitoramento regular das empresas concorrentes, diminuindo o foco no monitoramento regular do governo que era preponderante na primeira fase.

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De acordo com os fatos coletados, observou-se que a Gol monitorou os movimentos de expansão da concorrência e buscou implementar respostas antecipadas de forma a diminuir os impactos das mesmas. Porque todas as vezes que eles [Gol] fazem esses anúncios, [...] coincide com alguma ação da Azul, ou algum boato que tá no mercado e acho que é muito uma manobra de se posicionar, a vocês tão pensando em fazer alguma coisa, então eu vou me posicionar e dizer que eu estou aqui e se vocês fizerem eu também vou fazer. Se vocês vierem muito pro meu mercado eu vou contra-atacar. Acho que é muito disso. Eu lembro que quando abriu, quando a Azul fez o fining pra abertura de capital, aliás, foi uma das únicas a fazer. A Azul ia fazer o fining num dia, no dia que a Azul ia fazer o fining, eles soltaram um comunicado ao mercado que iam botar acho que dez voos Rio-Viracopos por dia. No mesmo dia, a Azul fez o fining a tarde, eles divulgaram isso de manhã. (ENTREVISTADO 5)

Além das evidências de continuidade no monitoramento do setor, foram encontrada evidências de que a Gol conseguiu manter um uso adequado das estratégias de resposta às pressões do ambiente (OLIVER, 1991).

Ano Stakeholder Ação Estratégia Tática

Estabelecimento de parcerias de 2010 Mercado operação conjunta com Air France Moldar Cooptar e American Airlines. Cumprimento da determinação Funcionários das determinações do governo Negociação Pacificação 2010 / Governo para regularização das escalas / aceitação Consentimento dos pilotos e tripulantes

2011 Mercado Compra Webjet Desafiar Atacar

Funcionários Recontratação dos funcionários 2012 Aceitação Consentimento / governo Webjet demitidos

Mercado / Fundação da ABEAR em conjunto 2012 Moldar Influenciar governo com outras empresas aéreas Quadro 5-6 Respostas estratégicas da Gol as pressões institucionais (2007 a 2012) Conforme quadro 5-5 podemos ver que a Gol continuou alternando a utilização de respostas proativas e passivas de acordo com o tipo de situação apresentada. Porém, mesmo mostrando evidências de uma navegação ativa, a Gol diminuiu consideravelmente a sua capacidade de capturar valor do ambiente. Ao analisarmos o indicador de desempenho de Fleck (2001) mostrado no

136 gráfico 5-17, vemos que o desempenho da empresa entrou em declínio nos últimos anos. O indicador de desempenho de Fleck (2001) nos mostra o desempenho relativo da empresa em relação à economia, uma vez que compara o lucro líquido obtido pela empresa em um determinado ano com o respectivo PIB do mercado onde atua.

Gráfico 5-16 Evolução do indicador de desempenho da Gol na segunda fase Fonte: baseado em Fleck (FLECK, 2001)

5.2.3 Desafio de gestão da diversidade Ao analisarmos a segunda fase da trajetória da Gol, observamos que a empresa vivenciou um aumento da diversidade interna durante esse período. O aumento no número funcionários, a continuidade da expansão geográfica, a incorporação de funcionários vindos de outras empresas estão entre as razões. Embora o aumento da diversidade interna da empresa seja notável, ao longo do presente trabalho não foram coletados dados suficientes que nos permitissem avaliar a existência de mecanismos de integração consistentes. Algumas iniciativas de integração foram identificadas, porém elas não demonstram ser suficientes para a promoção de integração no longo prazo. Com relação à diversidade na alta gestão, observa-se que nesse período, a Gol incorporou três novos acionistas a Delta Airlines, Wellington Management Company, Fidelity Investments. Se por um lado, a Delta Airlines,

137 ao se tornar acionista da Gol, teve por objetivo estreitar os laços de cooperação entre as duas empresas, ampliando as sinergias operacionais entre as suas respectivas malhas aéreas. Por outro, a Wellington Management Company e Fidelity Investments, entraram na Gol com objetivos financeiros. Apesar de a Família Constantino continuar com o controle da empresa, a existência desses acionistas com interesses divergentes contribui para um incremento da diversidade. Ao observamos a evolução da estrutura operacional da Gol, observamos também que a diversidade geográfica ampliou durante, principalmente relacionada ao número de bases internacionais. Após a incorporação da Varig em 2007, a Gol quase dobrou o número de bases internacionais (gráfico 5-18), ampliando ainda mais a dispersão geográfica e a diversidade de nacionalidades que compõe a força de trabalho da empresa.

Gráfico 5-17 Evolução do número de destinos atendidos pela Gol (2005 a 2012) Fonte: Gol

Embora o número de bases no Brasil tenha permanecido relativamente estável durante esse período, existem evidências de que a dispersão geográfica já existente representava um desafio de integração para a gestão central da empresa.

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Cuidei também da parte de subsídios para idiomas, a gente implementou um programa lá que era online e a pessoas podiam fazer a distância e a gente arcava com 50% e acompanhava o rendimento, as notas, e era bem difícil porque a gente não tinha um programa para fazer isso, era longo, era difícil de divulgar eu acho que as maiores dificuldades de trabalhar [...]. Era mesmo a capilaridade, [a Gol] era um empresa muito grande e pra chegar com os projetinhos que a gente fazia lá na ponta era super complicado. E aí quando você começa a ir nas bases, nos aeroportos você começa a entender o quanto é difícil chegar uma mensagem lá, ela vai se perdendo por quilômetros e chega lá quase nada do que você quis dizer. (ENTREVISTADO 3)

No entanto, apesar das evidências apontarem para uma fragmentação entre o corporativo e as bases operacionais, estas demonstraram apresentar mecanismos de integração entre si. Um dos mecanismos identificados foi a existência de um comitê onde as bases apresentam seus resultados semanais, seus eventuais problemas e a evolução de seus custos, conforme descrição de um dos entrevistados. Aí tinha esse tipo de variação. Uma vez por semana, nas sextas- feiras, pra ser mais preciso, sentava o diretor de aeroportos, o gerente de cada regional e seus respectivos analistas, como era eu de Congonhas. Cada um desses cinco sub-diretores tinha um analista que cuidava dessa parte da apresentação lá, o power point de resultados deles, de enfim, fazer todo o acompanhamento [...] E aí assim, você tinha perguntado se era só do meu aeroporto ou era dos outros, nessa reunião que a gente tinha semanal com o diretor nacional, a gente pra incentivar, pra não ficar aquela coisa de eu faço um mentirinha aqui e tá tudo certo no meu aeroporto e enganar o diretor, a gente separava esses custos e todo mundo tinha que explicar o seu, mas cada um tinha uma conta do outro pra controlar, entendeu? Aí quando eles falavam a conta de transportes, no nosso caso, era de transportes. Congonhas controlava todas as contas de Congonhas e mais transporte de todas as bases. A gente ficava ligando e perguntando, mas quanto você tá gastando? Pô mas você tá gastando muito, porque não troca esse fornecedor? Ah, então, porque na verdade o fornecedor falou que não sei o que lá... por quê? (ENTREVISTADO 6)

Outro ponto que propiciou um aumento da diversidade à Gol foram as duas aquisições ocorridas no período. As compras da Varig e da Webjet trouxeram uma grande quantidade de funcionários para a empresa com culturas diferentes e a sua incorporação à empresa trouxeram novos desafios de integração. Eu entrei lá, sei lá, acho que alguns anos depois que a operação [compra da Varig] se concretizou e ainda via muitos resquícios, [...] A GOL chegou com uma proposta low cost, né, uma proposta de ser jovem, de ser inovadora, de ser baixo custo, de ser econômica, tipo assim, o conflito foi muito grande, de cultura mesmo, o choque de cultura foi gritante, mas algumas pessoas da VARIG foram sim absorvidas. E era engraçado, por que você conseguia perceber

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diferença sabe, a gente costumava falar que a VARIG da Gol, era a parte de tripulação e de comissários. Você ia fazer reunião lá, parecia que você estava em outra empresa, por que te traziam uma bandejinha com copo com o simbolozinho da VARIG, copo de vidro, te ofereciam assim, só faltava te colocar no colo, era muito engraçado, super educados, falando cinquenta línguas, sabe assim, impecável, muito legal. (ENTREVISTADO 3)

Então misturou Webjet com Gol que já era um pouco Varig, juntou aquilo tudo ali e ficou uma mistura estranha e aí houve novamente esse choque. Os funcionários também não se misturavam muito e adotou-se o termo de padrão Webjet como sendo um estilo bem ruim de atender cliente, de atender voo. (ENTREVISTADO 17)

Apesar das dificuldades na integração dessas diferentes culturas, identificamos um ponto que pode ter contribuindo para a integração de um público específico dentro da organização, a tripulação. Historicamente a tripulação, principalmente os pilotos, eram conhecidos como uma classe à parte do resto dos funcionários das companhias aéreas brasileiras. De acordo com relatos de entrevistados, a Gol conseguiu desenvolver uma cultura onde apesar dos pilotos terem sua autoridade reconhecida no exercício de suas funções, eles não são tratados de forma especial em detrimento de outros funcionários, o que contribui para a integração, uma vez o tratamento mais igualitário minimiza o surgimento de disputas internas. Mudou a cultura dos tripulantes. Na Varig os tripulantes, principalmente o comandante, se considerava dono da empresa. A gente tinha medo de falar com eles, tinha que abaixar a cabeça para falar com eles. Eles eram os deuses, eles mandavam e desmandavam na empresa, então isso era uma coisa ruim na Varig. Era de dar todo esse poder para eles quando na verdade a gente tinha que ter um respeito, consideração e uma admiração pelo conhecimento que eles tinham que era fantástico, mas eles abusavam do poder, faltavam às vezes com respeito. Quando foram para a Gol de cara o salário deve ter ficado umas quatro vezes menor. E a Gol não dava essa bola toda pra comandante não. Você é um funcionário merece respeito e deve respeito como qualquer outro. Aqui não tem essa de você vir me dizer o que você quer, que é assim, que não vai fazer determinado voo. Não tem essa. Eles tiveram que começar. Muitas comissárias da Varig também se achavam as rainhas do aeroporto e do avião, todo mundo teve que baixar a bola um pouquinho. E hoje a gente se surpreende em ver comandante que na Varig passava e não falava e hoje passa e pergunta: E aí tudo bem? Faz piadinha, leva biscoitinho para a gente, leva chocolate, brinca... é... as coisas mudam. (ENTREVISTADO 17)

Ao olharmos a formação da cultura Gol sob o prisma do institucionalismo descrito por Selznick (1957 apud FLECK, 2009) é possível identificar a formação de um mito organizacional criado ao longo de sua história. De acordo

140 com o autor o mito contribui com a integração e com a institucionalização da empresa. No caso da Gol, o mito identificado foi a ideia de que a Gol democratizou a aviação comercial no Brasil, trazendo, segundo os entrevistados, a classe C para o aeroporto. Os funcionários da Gol defendem essa ideia com orgulho, como um legado da Gol para a aviação brasileira e entrevistados de outras empresas também atribuem esse fenômeno à Gol. Na verdade a Gol era conhecida como um grande ônibus lotado.[...] A Gol abriu as portas da aviação para todo mundo voar, ela meio que forçou isso. (ENTREVISTADO 17)

A Varig tem um histórico de nicho de mercado classe A, A+, havia uma diferença muito grande com o surgimento da Gol, os passageiros da Varig, principalmente ponte aérea com seus brilhantes e suas bolsas, quando começaram a ver a fila da Gol perguntavam se "aquela gente vai viajar aqui agora". Tinham essas perguntas. [...] A Varig tinha um nicho onde ela sempre atendeu a classe A, a classe B e com a Gol ela percebeu que ela teria que ir para a classe C. (ENTREVISTADO 12)

5.2.4 Desafio de provisão de recursos humanos Ao analisar a segunda fase da trajetória da Gol, não foi possível avaliar a existência de uma gestão diferenciada de recursos humanos para os diversos públicos de funcionários da Gol devido à falta de dados coletados sobre o tema. O que podemos observar com relação às características da força de trabalho da Gol, foi uma mudança no perfil dos funcionários de atendimento de solo, que na primeira fase ficaram conhecidos por sua baixa escolaridade e atendimento não qualificado. Ao longo de sua trajetória a Gol mudou as exigências de formação dos seus funcionários de atendimento, passando a exigir o nível superior e o domínio de idiomas estrangeiros que antes não eram valorizados. A empresa ela continua crescendo, têm parcerias muito importantes com empresas internacionais... Então tem que elevar o nível. Igual assim eu te falei que antes o pessoal da Gol tinha o primeiro grau e olhe lá. As pessoas mal falavam português, inglês então... Inglês é uma coisa de você falar o mínimo e a pessoa não saber o que você está falando. Tipo assim chequinho, você tem que fazer o seu chequinho ali, nesse nível. E aí hoje as contratações já estão sendo mais exigentes. Com a própria tripulação não era exigido inglês. Passou se exigir inglês para a tripulação, agora está se exigindo inglês ou espanhol para trabalhar em terra e a faculdade. Então o pessoal que está entrando agora tem essa exigência e o nível tá melhorando. (ENTREVISTADO 17)

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5.2.5 Desafio de gestão da complexidade Conforme podemos observar, o crescimento da Gol proporcionou a ela também um aumento da complexidade de gestão da empresa. Embora o escopo de atuação da empresa tenha continuado o mesmo, o aumento da estrutura física, geográfica e a nova composição cultural da empresa, trouxeram novos desafios para a empresa. A Gol demonstrou ter dado continuidade à sua prática de utilização de sistemas de coleta de informações da empresa para apoiar as tomadas de decisão, bem como a centralização e busca por uniformização procedimentos. No entanto, não temos dados suficientes para afirmar que as práticas adotadas pela empresa seriam suficientes diante do novo patamar de complexidade vivido pela Gol. Além disso, não conseguimos informações sobre a existência ou falta de processos de fomento e disseminação do aprendizado organizacional, que se configura como quesito fundamental para a superação desse desafio do crescimento.

5.2.6 Folga Organizacional Ao longo dessa segunda fase da trajetória da Gol não foram encontrados indícios da existência de folga financeira, folga de recursos produtivos nem de recursos humanos. Em um primeiro momento, podemos dizer que havia uma folga financeira proveniente dos resultados obtidos na primeira fase da trajetória da Gol. Porém, existem indícios de que essa folga foi utilizada pela empresa sem que ela tenha desenvolvido a capacidade de gerar mais folga. Um indício relevante na análise dessa folga financeira é representado pela compra da Varig, que mesmo em dificuldades era uma empresa maior que a própria Gol. A transação custou a Gol R$558,7 milhões, sendo R$194,1 milhões desembolsados e o restante pago com ações da empresa. Além disso, durante esse período a Gol realizou outros investimentos significativos como a compra da Webjet, a ampliação do centro de manutenção e a renovação completa de sua frota de aeronaves por modelos mais modernos. Ao analisarmos os índices de endividamento e liquidez da empresa (gráfico 5-19), observamos que tanto o endividamento quando a sua

142 capacidade de pagamento atual e futura pioraram consideravelmente no período em questão.

Gráfico 5-18 Índices de liquidez e endividamento da Gol (2007 a 2012) Fonte: Gol

Embora a Gol tenha realizado alguns investimentos significativos no período, as evidências apontam que essas movimentações tenham sido feitas com capital de terceiros e não com folga da empresa. Um outro ponto importante nesse período, foi cancelamento na distribuição de dividendos a acionistas em 2008, que apesar de ter ocorrido novamente em 2009 e 2010, divergia da política anterior de distribuição constante. Com relação à folga de recursos humanos, podemos dizer que após a compra da Varig, a Gol recebeu um grande contingente de pessoas que conferiram a ela um excedente de pessoal. Porém, as evidências apontam para o uso não produtivo dessa folga, o que posteriormente resultou em uma redução da força de trabalho, conforme pode ser visto no gráfico 5.17. De acordo com relato de entrevistados quando a Gol atingiu a marca de 19 mil colaboradores, era possível identificar ineficiências relacionadas ao excesso de contingente não utilizado de forma produtiva. Você perde mão quando a empresa começa a crescer muito, e aí você passa a ter muita gente ociosa, gente que não aparece para trabalhar e você não sabe o por que, e você não sabe nem quem é o chefe da pessoa, sabe assim, não tem como, é muita gente. Então começaram a fazer esses estudos, e começaram em algumas áreas, e aí eles começaram a reduzir. (ENTREVISTADO 3).

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Outro tipo de folga identificado nesse período foi o desenvolvimento de uma folga intangível relacionada à marca da empresa. A Gol se consolidou no mercado como uma marca mais barata que a concorrência, e mesmo tendo aumentado o nível de preços de seus bilhetes aéreos, ainda desfrutava da percepção dos clientes de ser uma empresa barata. Hoje, mesmo sem promoções com os preços bem no tipo da TAM, preços altos, as pessoas ficaram na cabeça que ainda é o mais barato. Tem gente que nem consulta passagem na TAM, vai direto na Gol porque acha que é mais barato e às vezes está pagando mais caro até. (ENTREVISTADO 17).

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6 CONCLUSÃO

Ao iniciamos esse estudo, o objetivo principal era investigar a trajetória da Gol e a evolução de suas respostas ao desafio do crescimento. Porém, ao coletarmos informações históricas e observamos o mercado de aviação civil como um todo, foi possível perceber algumas características do mercado, que parecem afetar diversas companhias aéreas. Um aspecto interessante encontrado na pesquisa é o fato de que, tanto no Brasil como no mundo, o mercado de aviação civil comercial apresentou um crescimento praticamente contínuo desde seu estabelecimento. A curva de receita de passageiro-quilômetro transportado se mostrou constantemente ascendente, conforme observamos no gráfico 6-1, apresentando retração em momentos pontuais, onde o mercado foi afetado por eventos externos específicos, como as crises do petróleo e os ataques de 11 de setembro, por exemplo.

Gráfico 6-1 – Aviação Mundial – 1950 à 2012: Receita passageiro-quilômetro Fonte: ICAO (2014b)

Porém, mesmo com a expansão contínua do mercado, observamos dois fenômenos. O primeiro se refere às constantes dificuldades financeiras enfrentadas pelas empresas do setor. A percepção empírica de que muitas

145 empresas do setor têm uma existência curta foi um dos motivadores desse trabalho, porém, no decorrer da pesquisa observamos que mesmo as empresas mais longevas do setor apresentam um histórico de dificuldades. Além das constantes dificuldades enfrentadas pelas companhias aéreas, a ajuda governamental às mesmas apareceu também como uma questão frequente, não só no Brasil, mas também em outras partes do mundo. Notamos que o mercado mundial alterna momentos de maior e menor ajuda governamental às empresas, porém essa é uma prática recorrente no setor. Sendo o caso de maior repercussão internacional recentemente a ajuda do governo norte americano à American Airlines em 2011 (KOENIG, 2011). Ainda dentro desse complexo relacionamento entre as companhias aéreas e os governos nacionais, destacamos o segundo fenômeno da indústria observado ao longo do desenvolvimento deste trabalho. Identificamos uma alternância entre momentos de maior e menor intervenção governamental no que se refere à operação do setor aéreo. Nesse sentido, a intervenção na operação pode significar interferência na definição de rotas e valores de passagens, regulação da expansão da malha e da infraestrutura aeroportuária, por exemplo. De acordo com o discurso defendido pelo setor, embora alguns aspectos do mau desempenho de companhias aéreas seja oriundo de problemas internos das empresas, fatores externos, como flutuações econômicas e o preço do combustível, têm um peso relevante do desempenho das mesmas. Além dessa dependência de flutuações econômicas, as companhias aéreas são os atores da indústria com menor poder de barganha frente a seus stakeholders. Esse cenário crítico fica evidente quando observamos os lucros da indústria como um todo na última década. Os prejuízos têm sido constantes e foram poucos os anos com resultados positivos (gráfico 6-2).

146

Gráfico 6-2 – Rentabilidade de companhias aéreas comerciais globais, pedidos e entregas 1999-2012F Fonte: PWC (2013)

Essas evidências sugerem que a indústria teria características que inibem o desenvolvimento saudável de organizações no longo prazo. A verificação dessa conjectura, ultrapassa o escopo deste trabalho, exigindo exame aprofundado nos relacionamentos das empresas com o ambiente de negócio onde elas estão inseridas, assim como uma análise detalhada dos impactos externos na gestão dos desafios do crescimento das empresas. Não obstante essas características relacionadas à indústria, ainda se faz relevante a conclusão do estudo específico do caso da Gol Linhas Aéreas Inteligentes. Ao analisarmos sua trajetória observamos que ela foi uma empresa que conseguiu entrar no mercado de aviação civil comercial no Brasil em um momento muito propício. Por um lado, as mudanças que estavam ocorrendo no setor devido ao processo de desregulamentação abriram novas possibilidades de atuação para as empresas aéreas. Além disso, a liberação das tarifas passou a permitir que empresas com estruturas de custos inferiores repassassem essa diferença para o consumidor, premiando empresas com níveis maiores de eficiência operacional em detrimento de empresas com estruturas de custos superiores. Finalmente, a eliminação da divisão entre empresas regionais e nacionais, assim como o fim do monopólio de exploração regional, abriram caminho para empresas com escopo de atuação nacional, que passaram a ter novas linhas concedidas a partir de um critério de viabilidade econômica. Esse novo critério

147 para abertura rotas, apesar de prejudicar a capilaridade da malha, permitiu que a as malhas aéreas fossem sustentáveis, sem a necessidade de subvenções federais. Nesse cenário, a Gol iniciou suas operações, já usufruindo das novas regras no setor, enquanto as suas concorrentes, ainda estavam buscando se adaptar. Varig, VASP e Transbrasil, todas com mais de cinquenta anos de existência, carregavam em suas estruturas e práticas organizacionais características de um setor extremamente regulado, onde preços eram determinados pelo governo, linhas eram exclusivas e a eficiência operacional não era a principal preocupação de seus gestores. A Gol conseguiu identificar a oportunidade não só de entrar nesse novo mercado, mas também de adotar novas práticas que naquele momento se tornaram viáveis. A implantação de algumas características do modelo low cost concederam à Gol um diferencial em seus primeiros anos de vida, que aliado às oportunidades de mercado, proporcionou a ela um rápido crescimento. A empresa demonstrou habilidade em navegar nesse ambiente de mudanças nos primeiros anos de sua existência, além de aproveitar oportunidades oriundas do declínio da concorrência. Da Transbrasil e VASP a Gol absorveu mão-de-obra qualificada e parte de seus clientes. O ambiente institucional do setor aéreo estava em mudança devido à desregulamentação, porém podemos afirmar que essas mudanças foram potencializadas com a entrada da Gol. Ela foi a primeira companhia no Brasil a quebrar o paradigma de que aviação é um serviço de luxo e, com isso, abriu caminho para que o transporte aéreo fosse encarado como uma commoditie. A partir da chegada da Gol e da sua filosofia de oferecer menos cobrando menos, outras companhias, que até então investiam em manter tratamento de luxo para seus clientes, também mudaram seus serviços, com o objetivo de simplificar e também oferecer opções mais econômicas ao consumidor. Além de ter chegado ao mercado brasileiro com um modelo novo em um momento propício, a Gol, em sua primeira fase de existência, demonstrou ter desenvolvido habilidades importantes para superar os desafios do crescimento. A Gol teve sua origem em uma família empreendedora dona de um grande conglomerado de transportes rodoviários. Ao partirem para o setor

148 aéreo, a ambição empreendedora se mostrou presente ao gerir uma empresa orientada ao crescimento contínuo. A empresa foi capaz de tomar riscos, porém, com cautela. Durante a primeira fase o crescimento da empresa foi planejado, ocorrendo à medida que a Gol tinha resultados positivos de suas movimentações. Pode-se dizer que o desenvolvimento da capacidade de julgamento contribuiu para esse crescimento uma vez que a empresa evitou riscos excessivos e movimentos que a afastassem de sua essência nesse primeiro momento. Além disso, a reputação da família e os bons resultados obtidos logo no início das operações, proporcionaram à Gol uma certa facilidade na obtenção de recursos de terceiros para a viabilização da sua expansão. A Gol se mostrou hábil também em navegar no ambiente, atuando de forma pró-ativa na gestão de seus relacionamentos com stakeholders importantes como governo, funcionários e concorrência. Essa habilidade trouxe para a empresa legitimidade perante os outros atores, além da capacidade de capturar valor no ambiente de forma crescente em seus primeiros cinco anos de existência. Os mecanismos de controle de processos e indicadores desempenharam um papel importante ao longo dessa fase, uma vez que permitiram aos gestores da empresa acompanhar os resultados corporativos e forma ágil, permitindo antecipação de movimentos de crescimento já planejados à medida que seus respectivos pré-requisitos eram atingidos. Um exemplo disso foi o episódio de antecipação da abertura de capital da empresa, que pôde ser antecipada devido aos bons resultados nos dois primeiros anos de atuação. A Gol apresentou resultados tão significativos em seus primeiros anos, que com seis anos de existência, decidiu executar seu maior movimento de crescimento em toda a sua história, a compra da Varig. Essa transação proporcionou a ela um crescimento instantâneo que quase dobou sua força de trabalho, sua frota de aviões e o número de destinos internacionais. Esse crescimento trouxe com ele um aumento brusco da diversidade interna de culturas, de origens da força de trabalho e de frota. Além disso, ao incorporar a Varig, a Gol trouxe para dentro de sua estrutura uma empresa não saudável, que estava organizacionalmente preparada para outro mercado de

149 aviação e que contribuiu para o afastamento ainda maior do modelo low cost, no qual a Gol tinha sido inspirada. Ao olharmos como a Gol enfrentou os desafios nessa segunda etapa de sua existência verificamos ter havido diminuição da capacidade de responder de forma eficiente aos desafios do crescimento em dimensões que já tinham sido desenvolvidas anteriormente. A Gol, que em seu início demonstrou ter capacidade de responder aos desafios do empreendedorismo e da navegação, posteriormente apresentou uma redução dessas habilidades. Nesse segundo momento, a ambição da empresa continuou presente em seus esforços de crescimento, porém o julgamento parece não ter funcionado adequadamente. A empresa demonstrou estar mais exposta a riscos em suas movimentações de crescimento, como na compra da Varig e também da Webjet. Essas duas decisões estratégicas tiveram implicações negativas na estrutura da Gol. No caso da compra da Varig, a Gol demonstrou ter tido dificuldades em integrar as duas operações e a cultura de duas organizações tão diferentes. A Varig, apesar de ter sido líder no mercado brasileiro durante anos, passava por um momento de dificuldades quando foi adquirida, com muitas dívidas, além de ter uma estrutura inchada e com poucos mecanismos de controle. Devido a essas características, ao incorporá-la, a Gol vivenciou um aumento significativo da sua estrutura de custos, além de não ter conseguido concretizar todos os benefícios vislumbrados na ocasião da compra. Ademais, a incorporação de um grande número de funcionários com uma cultura organizacional diferente, contribuiu para que a Gol perdesse características próprias de sua cultura orientada ao baixo custo. No caso da aquisição da Webjet, a Gol também enfrentou problemas após a aquisição. A Gol realizou essa compra com o objetivo desmontar a concorrente e absorver somente os slots da mesma. Porém, além de incorporar a dívida da Webjet, a Gol também teve que manter os antigos funcionários da empresa. Após a demissão coletiva de cerca de 800 funcionários da Webjet, a Gol foi obrigada pela justiça a manter todos os funcionários mesmo que não estivessem efetivamente trabalhando. Nesse episódio, a Gol, novamente, não teve sucesso em concretizar o seu plano pré-aquisição, gerando assim mais impactos negativos do que benefícios.

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Simultaneamente a todas essas questões internas vividas pela Gol, o setor de aviação civil vivenciou aumento da concorrência entre as empresas e diminuição gradativa das margens operacionais. Após a sucesso da Gol, chegaram outras empresas com o objetivo operar com a mesma proposta de baixo custo. Além disso, mesmo empresas que ofereciam serviços notadamente superiores como a TAM, sentiram a necessidade de oferecer serviços nos mesmos patamares da Gol. Esse fenômeno acabou gerando uma padronização na indústria e a Gol, que antes conseguia ter uma tarifa abaixo da concorrência, passou a disputar os mesmos clientes. Podemos dizer que essa padronização ocorreu por um esforço das companhias concorrentes de oferecerem produtos similares, porém, o fato da Gol ter uma estrutura híbrida, que misturava características do modelo de negócio tradicional e do low cost, facilitou esse processo de homogeneização, uma vez que a diferenciação da estrutura da Gol em relação às concorrentes já não era mais significativo como no início da história da empresa. Conforme vimos na análise do trabalho, a Gol não teve sucesso na implantação total do modelo low cost tipo Southwest por escolhas internas e por impedimentos externos à empresa. Porém, no início de sua trajetória ela conseguiu implantar um patamar de preços inferior porque apresentava custos operacionais inferiores, devido ao tamanho da empresa e a algumas vantagens competitivas oriundas da utilização de tecnologias que permitiam que ela tivesse economias significativas. No entanto, à medida que a concorrência foi adquirindo as mesmas tecnologias e foi adotando o mesmo padrão de operação Gol, essa diferença de custos foi diminuindo. Aliado a isso, a Gol adquiriu uma empresa tradicional, inchada e que não tinha uma estrutura baseada no baixo custo, o que contribuiu para que sua estrutura ficasse ainda mais parecida com a estrutura das concorrentes, principalmente a TAM, perdendo assim o diferencial de baixo custo. De acordo com notícias recentes a direção da empresa aponta para uma mudança de paradigma na empresa. Ao invés de se preocupar com a redução de custos, a nova estratégia da empresa está pautada no aumento de receita (VILARDAGA, 2014).

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A decisão da empresa de brigar declaradamente com a concorrência de forma padronizada, esquecendo suas raízes e sem um diferencial competitivo significativo, aliado à não existência de respostas efetivas para a maioria dos desafios do crescimento pode colocar em risco a longevidade da organização. Sabemos que esse estudo não foi exaustivo e que ainda restam existem inúmeros aspectos à serem aprofundados em pesquisas futuras. Um estudo mais aprofundado sobre as práticas e políticas de recursos humanos poderia contribuir para o maior entendimento sobre a formação e o desenvolvimento dos profissionais que compõem a empresa. Além de complementar a análise dos desafios, esse estudo, poderia esclarecer também com mais detalhes a formação da força de trabalho da Gol e em que medida a absorção de mão de obra proveniente de empresas com modelo de negócio tradicional pode ter impactado os rumos da empresa. Outro ponto interessante a ser investigado seria a identificação e análise dos efeitos dos mecanismos de integração identificados nesse trabalho e em que medida eles evitam a fragmentação da empresa. E por fim, identificar como se deu o processo de padronização da indústria de aviação civil brasileira e suas implicações.

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ANEXO C – Genealogia das empresas brasileiras. Fonte: FAY, 2001 Empresa Ano de criação Varig 1927 Condor / Cruzeiro do Sul 1928 Panair 1930 VASP 1934 Nab - Navegação Aérea Brasileira 1941 Aerovias Brasil 1942 Linhas Aéreas Paulistas 1945 Vasd (Viação Aérea Santos Dumont) 1945 Aerovias de Minas 1945 Linha Aérea Transcontinental Brasileira 1946 Cia Meridional de Transportes 1945 Viação Aérea Arco-Iris 1945 Viação Aérea Bahiana 1946 Linhas Aéreas Brasileiras - LAB 1945 Real 1945 Viabras - Viação Aérea Brasileira 1946 Omta (Organização Minieira Transp Aérea) 1946 Central Aérea Ltda 1948 1949 Lóide Aéreo Nacional 1949 Empresa de Transportes Aéreos Catarinense - TAC 1948 Linhas Aéreas Itaú 1948 Linha Aéreas Wright Ltda 1947 Transportes Aéreos Nacional 1948 TASA Transporte Aéreo Sul-Americano 1948 TABA Transportes Aéreos Bandeirantes 1948 Universal Transportes Aéreos 1948 1947 (não VITA - Viação Interestadual de transportes Aéreos operou) Savag - S/A Viação Aérea Gaúcha 1947 Paranaense Transportes Aéreos 1952 Linhas Aéreas Natal 1946 Transportes Aéreos Ltda 1948 Central Aérea Ltda 1948 TAS Transportes Aéreos Salvador 1950