RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 52 [25/8/2011 a 31/8/2011 ] Sumário

CINEMA E TV...... 3 Estado de Minas - Sabor de veneno ...... 3 Folha de S. Paulo - 22º Festival de Curtas de SP celebra o feminino ...... 5 Folha de S. Paulo - Série mostra "celebridades" da periferia...... 5 Folha de S. Paulo - "Nas Rodas do Choro" mostra a vivacidade e o frescor do gênero...... 6 O Globo - Em nome da justiça...... 7 Época - A magia do tempo...... 9 Agência de Notícias Brasil-Árabe - Brasileiro faz filme sobre futebol palestino...... 10 Correio Braziliense – Democracia da Diversidade...... 11 O Estado de S Paulo - Cinema de Guerrilha feito no Brasil...... 12 TEATRO E DANÇA...... 13 O Globo - Festa exorbitante...... 13 O Globo - O novo salto de Nelson...... 15 O Globo - Em seu novo espetáculo, Grupo Corpo atinge síntese da dança...... 16 O Estado de S. Paulo - Antunes Filho busca naturalismo em seu 'Prêt-à-Porter 10'...... 17 ARTES PLÁSTICAS...... 18 Correio Braziliense - Entre compromissos e euforia ...... 18 Correio Braziliense – Murais e xilos como expressão poética...... 19 O Globo Uma exposição que desafia o espectador...... 20 FOTOGRAFIA...... 21 Correio Braziliense – Retratos da realeza...... 21 Correio Braziliense – Almas fisgadas...... 23 MÚSICA...... 24 Estado de Minas - Nasce uma estrela ...... 24 Correio Braziliense - Sublime voz...... 25 O Globo - Disco mostra o início da carreira de Leci Brandão...... 26 O Estado de S Paulo - Osesp faz transmissão pela internet com nova titular...... 27 O Estado de S. Paulo - Salve, Wilson Moreira...... 28 O Estado de S. Paulo - As joias do incansável China...... 29 O Globo – Admirável rock novo...... 30 Folha de S. Paulo - Após 43 anos, disco beneficente recria 'Tropicália' com 60 artistas...... 32 LIVROS E LITERATURA...... 33 O Estado de S. Paulo - Flip tem novo curador...... 34 O Estado de S. Paulo - Império da vaidade...... 34 Época - Antes de Rosa ser Rosa...... 35 Folha de S. Paulo - História é coisa do passado...... 37 Correio Braziliense - A língua de trapo do Lalau...... 38 GASTRONOMIA...... 39 O Estado de São Paulo - Treze à mesa e a poderosa jiquitaia...... 39 OUTROS...... 40 Correio Braziliense - Pelos mares do Brasil ...... 40

2 CINEMA E TV

ESTADO DE MINAS - Sabor de veneno

Sílvio Tendler lança na internet documentário sobre o uso de agrotóxicos e defende cinema político

Walter Sebastião (25/8/2011) “Filme de graça, mais barato que no camelô. Copie e divulgue”, anuncia, brincalhão, o cineasta carioca Sílvio Tendler, de 61 anos. Ele se refere ao filme O veneno está na mesa, lançado diretamente na internet, que denuncia os problemas trazidos para a saúde e para a meio ambiente pelo consumo excessivo de agrotóxicos no Brasil. O país é apontado como o primeiro colocado no ranking mundial no uso desses produtos. “É David contra Golias”, acrescenta o diretor, lembrando que o filme abre a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida, que enfrenta a propaganda massiva de empresas transnacionais que lucram com a venda dos venenos e defensivos.

“O filme está bombando”, comemora Sílvio Tendler, contando que nos primeiros 15 dias foram mais de 30 mil acessos. Cifra modesta para os padrões da internet, mas que deixa eufórico o pessoal de cinema, acostumado a lutas dramáticas para ver seus trabalhos nas telas. “A internet é a forma possível de o cinema brasileiro acontecer”, afirma. “Estamos confinados. Noventa e oito Sílvio Tendler não aceita os critérios de público por cento das salas estão em shoppings e se dedicam a baseados apenas em salas de cinema de shopping: um tipo exclusivo de cinema – o de entretenimento. Os " rede está bombando" chamados filmes-cabeça se expandiram e, mesmo tendo alta visibilidade, ficam restritos a periferias e cineclubes. Lançando meu filme via internet, estou corrigindo a distorção”, afirma o diretor.

O veneno está na mesa surgiu em jantar com o escritor Eduardo Galeano. O cineasta ouviu do uruguaio que o Brasil é o pais que mais consome agrotóxicos no planeta. “Decidi, na hora, fazer o filme sobre produtos que são prejudiciais às pessoas, contaminam a terra, penetram no lençol freático e envenenam as águas”, conta. “É assunto que todo mundo conhece, mas não fala porque o lobby das empresas transnacionais é forte. Meu filme tornou o tema público e todos resolveram discutir o assunto. Mostro que o rei está nu”, afirma.

Um fato chocou particularmente o cineasta: a existência de mães com leite contaminado por agrotóxicos em Lucas do Rio Verde, no Mato Grosso do Sul. “Fui atrás e confirmei. Estão no filme mulheres contaminadas por produto proibido desde 1960”, conta. A contaminação pode estar relacionada ao trabalho em plantações que usam os produtos e ao consumo de alimentos contaminados. Ou, ainda, ao ato de respirar o produto lançado nas lavouras por aviões. A repercussão do filme fez a agenda de Tendler ficar lotada com convites para palestras, pedidos de DVD e propostas de mostrar a obra no cinema. “Estou agradavelmente surpreso com tudo”, diz.

“A internet ajuda a difundir filmes e ainda estimula a vontade de ir ao cinema. Está mudando muita coisa”, observa. “Sou rato do YouTube. Aprendo muito e vejo coisas que, em outros tempos, não teria acesso. O SNI, da minha época só existiu porque não tinha internet”, analisa, recordando-se do Serviço Nacional de Informação, órgão ligado à prática de espionagem e perseguição a militantes de esquerda durante a ditadura militar. “Quer saber hoje se uma pessoa é comunista? Vá ao Facebook. A própria pessoa coloca a informação lá”, ironiza.

3 Sílvio Tendler vai mais longe: protesta contra o fato de na hora de levantar o número de espectadores de um filme só se considerar a frequência em salas de cinema. “Pessoas assistem a filmes numa laje, nas escolas, universidades, cineclubes e não são consideradas público de cinema. Temos que qualificar e quantificar esse público”, defende. “O termômetro para avaliar obra de arte é a presença do trabalho em circuitos de prestígio, em bons museus etc. Políticas públicas de cultura, que medem o valor de um filme pelo mercado convencional, estão com 30 anos de atraso. Quem fica medindo número de consumidores é fabricante de sapatos”, critica.

História Silvio Tendler é detentor das três maiores bilheterias de documentários na história do cinema brasileiro: O mundo mágico dos Trapalhões (1,8 milhão espectadores), Jango (1 milhão) e Os anos JK (800 mil).Os DVDs dos dois últimos estão reunidos numa mesma caixa. Em outro pacote estão as cinebiografias documentais sobre o geógrafo Milton Santos, o cineasta Glauber Rocha, o poeta Castro Alves e o líder da esquerda armada Carlos Marighella. Graduado em história pela Universidade de Sorbonne, na França, fez aperfeiçoamentos em fotografia no cinema e especialização em cinema aplicado às ciências sociais. Tem mestrado em cinema e história e doutorado em história, pela École des Hautes-Études, também na França. Tem mais de 40 filmes entre curtas, médias e longas-metragens, todos documentários. Está disponível no YouTube o curtíssimo Matzeiva juliano mer-khamis, sobre ator israelense, filho de pai árabe, que criou teatro na Palestina para filhos de mães judias e foi assassinado.

Saúde pública

Mais de 30 entidades da sociedade civil brasileira lançaram em abril a Campanha Permanente contra os Agrotóxicos e pela Vida. O objetivo é abrir debate sobre a falta de fiscalização no uso, consumo e venda de agrotóxicos no Brasil e denunciar os impactos dos venenos na saúde da população. Estima- se que 1 milhão de toneladas de venenos foi jogado nas lavouras em 2009. O que fez com que a aplicação exagerada de produtos químicos nas lavouras do país se transformasse em problemas de saúde pública e preservação da natureza. Os agrotóxicos ocupam o quarto lugar no ranking de intoxicações. Ficam atrás apenas dos medicamentos, acidentes com animais peçonhentos e produtos de limpeza.

ENTREVISTA/Sílvio Tendler

‘‘O país desconhece sua história’’

Você faz cinema político? Meus documentários são ensaios autorais. É trabalho histórico, político, sonho que construí a partir de 1968, quando decidi fazer cinema, que nasceu da luta contra a ditadura militar e se tornou cinema político. Faltava no Brasil algo assim. O país desconhece sua história. É visão do Brasil feita por cineasta que trata o país com carinho, com filmes diferentes uns dos outros, inclusive na questão técnica.

Sente-se pioneiro no terreno do documentário? Fui pioneiro do documentário que promoveu o encontro com o público. Não faço filmes para ficar na prateleira, todos os meus filmes têm público, têm função social, vida longa. Continuam fortes. Em Os trapalhões… peguei carona no sucesso deles. Jango e Os anos JK são filmes seminais de momento político em que a história estava sendo negada há duas décadas. Os filmes que abriram, potencializaram a luta contra a ditadura militar e pela redemocratização. O veneno está repetindo a experiência. A repercussão mostra que o cinema tem capacidade de mobilização.

Como você analisa o crescimento do cinema documental no Brasil? Com satisfação. É da quantidade que vem a qualidade. É segmento forte do cinema em todo o mundo. São filmes que, diferentemente do jornalismo, permitem visão mais elaborada do real, com direito à subjetividade. Não se pode mentir, mas o cinema permite ver as coisas de outros pontos de vista.

Como será Tancredo, a travessia? É continuação dos Anos JK e Jango, fechando trilogia sobre homens que lutaram pela democracia. JK foi a proposta de desenvolvimento com democracia. Jango colocou a necessidade de reformas

4 sociais. Tancredo é sobre o homem que fez a transição para a democracia. Meu trabalho com o passado não é nostalgia, mas construção de futuro, colaboração para Brasil mais democrático.

FOLHA DE S. PAULO - 22º Festival de Curtas de SP celebra o feminino

Até 2/9, evento exibe oito programas relacionados ao universo da mulher

Ingressos para os 400 filmes, selecionados entre 3.000 inscritos, são gratuitos; mostras ocupam oito espaços

GABRIELA LONGMAN DE SÃO PAULO

(25/8/2011) Há 35 anos, Vera Figueiredo lançava seu curta-metragem "Feminino Plural", considerado o primeiro filme feminista da América do Sul. O título volta, sob forma de homenagem, como tema de mostra especial do Festival Internacional de Curtas de São Paulo, que abre sua 22ª edição hoje para convidados e amanhã para o público.

Até o dia 2/9, a Cinemateca e outros sete espaços recebem 400 filmes de todo o mundo em sessões gratuitas. "Hoje em dia, cerca de 30% dos filmes inscritos no festival são feitos por mulheres", disse à Folha a diretora do evento, Zita Carvalhosa.

O peso crescente do olhar "feminino" por trás das câmeras certamente colaborou para definir o eixo temático. "Feminino Plural" comporta oito programas especiais, com 44 produções do Brasil e do resto do mundo. Uma seleção, por exemplo, é dedicada apenas à relação entre mulheres e política.

Mas a mostra especial não deve tirar a atenção do resto da programação. Neste ano estão previstos um programa especial de curtas alemães, sessões especiais de animação, uma mostra só com a produção paulista, um ciclo infantil e outros recortes específicos.

"A multiplicação da produção audiovisual é uma constatação e não vai parar. A questão que se coloca é a dos recortes que podem ser pensados para dar uma cara ao festival", diz Carvalhosa.

A ideia, segundo ela, é conseguir montar um panorama amplo e variado da produção no formato, criando ao mesmo tempo um ponto de encontro e discussão para os realizadores. Nesta edição, cerca de 80 diretores brasileiros e latinos estarão presentes. Responsável por montar os programas brasileiros do festival, William Hinestrosa assinala o hibridismo que torna as fronteiras -entre documentário e ficção por exemplo- cada vez mais tênues.

"De algumas edições para cá, desistimos de classificar os filmes por gênero, porque se tornou impossível", conta.

FOLHA DE S. PAULO - Série mostra "celebridades" da periferia

"Reis da Rua" registra a vida de artistas, esportistas, ativistas sociais e outros famosos que o Centro não conhece

Autor de documentário sobre funk carioca, diretor passou cinco dias com cada um dos 18 personagens

MARCUS PRETO

Aqui, todo mundo é famoso. Está no auge da carreira de músico, dançarino, artista plástico, esportista.

Um chef de cozinha, uma colunista de moda e uma drag queen completam o quadro.

5 Os 18 personagens da primeira temporada da série "Reis da Rua", no ar a partir de amanhã na TV Cultura, têm em comum o sucesso. Mas o sucesso é na quebrada, no bairro, na comunidade.

São pessoas comuns de Cidade Tiradentes, de Guaianases, de São Miguel Paulista, de Ermelino Matarazzo, do Capão Redondo e de outros bairros da periferia de São Paulo que têm atuação real no meio em que vivem.

Movimentam milhares de pessoas, sobretudo pela internet, mas passam ao largo do que é o senso comum de "indústria de celebridade".

E são milhares mesmo. Sob o nome artístico MC Dedê, Josley Caio Farias é bicampeão no festival de funk.

Ele tem 32 perfis lotados no Orkut (na periferia, o Facebook não pegou), o que significa 32 mil seguidores. Postados no YouTube, seus videoclipes beiram o milhão e meio de visualizações.

Idealizador e diretor da série, o mineiro Leandro HBL diz que o foco inicial do programa é a música.

Mas, durante as filmagens, foi conhecendo artistas extremamente talentosos em outros campos de atuação.

Agora, divide seus personagens em dois arquétipos: "altruístas" e "egoístas".

"Altruístas", ele diz, são aqueles que têm um projeto social que é mais importante do que eles próprios.

Como a Tia Eva, que montou times de futebol com 300 jovens, ou o padre Rosalvino, que oferece cursos profissionalizantes.

"Egoístas" são os artistas. Eles são o próprio projeto.

"Minha pesquisa sobre o que há de novidade na cultura da periferia começou no 'Favela on Blast'", diz o diretor, referindo-se a seu documentário de 2008, sobre funk carioca. "Percebi uma economia cultural nova, que não era vinculada só ao funk."

O trato com a TV Cultura determinou que a primeira temporada (a segunda está prevista, mas não confirmada) se fixaria em São Paulo.

A equipe passou cinco dias com cada personagem, num total de seis meses de produção. E pôde se aprofundar na vida de cada um deles, tanto quanto possível.

Leandro aponta, entre os registros importantes da série, a chegada das raves na periferia. E a criação de vários estilos de dança que, afirma, podem se tornar febre.

Mais? "MC Dedê é o maior artista de São Paulo. Mas, para entender isso, precisamos lembrar que a cidade é muito maior do que esse circuito em que a gente vive."

FOLHA DE S. PAULO - "Nas Rodas do Choro" mostra a vivacidade e o frescor do gênero

FABRICIO VIEIRA

O choro não seria o que é sem as informais rodas, responsáveis pela permanência do gênero e o surgimento de novos protagonistas.

Partindo dessa premissa, o documentário "Nas Rodas do Choro" visita a cena carioca para mostrar que o gênero que consagrou Pixinguinha se mantém vivo e fresco.

6 É com os músicos sentados em círculo, em bares, praças ou mesmo no quintal, que o choro acontece. Sem procurar ser didática, a diretora Milena Sá visita algumas dessas "rodas de choro" para desvendar um pouco o gênero.

O filme se constrói por meio de depoimentos e trechos de apresentações, praticamente sem recorrer a material de arquivo. O passado, que traz certo ar nostálgico, é resgatado por histórias contadas pelos entrevistados.

Dentre os veteranos, estão lá Carlinhos Leite e César Faria, que foram integrantes do lendário "Época de Ouro", conjunto criado por Jacob do Bandolim (1918-1969) na década de 1960.

Nomes como Joel Nascimento, Déo Rian, Bozó 7 Cordas e Odette Ernest Dias também marcam presença.

"Não tem outro jeito de aprender choro, é tocando. É transmitido dessa maneira, é informal mesmo, nas rodas de choro, foi assim que a gente aprendeu. Não tem muito que teorizar, é sentar e tocar com os garotos", resume a cavaquinista Luciana Rabello.

Uma das rodas sagradas da década de 1970, que acontecia no bar Sovaco de Cobra, é rememorada por Luciana. Foi lá que ela e o irmão Raphael Rabello (1962-1995) descobriram essa música.

Defendendo que o choro é uma expressão artística coletiva, informal e livre, o filme ilumina, de forma leve e envolvente, essa tão espontânea sonoridade brasileira.

O GLOBO - Em nome da justiça

Cristina Tardáguila

Dezoito anos depois da chacina de Vigário Geral, o cineasta Milton Alencar Júnior volta ao tema em documentário com novas fotos, vídeos e depoimentos

(29/08/2011) Há 18 anos, um grupo de policiais militares conhecido como “Cavalos corredores” irrompeu, armado, na favela de Vigário Geral, na Zona Norte do , e executou 21 pessoas a sangue frio. Na chacina, que reverberou negativamente por todo o noticiário internacional, nenhuma das vítimas tinha ligação com o tráfico de drogas ou outro crime qualquer. Foram assassinadas em um bar, no meio da rua ou dentro de suas casas, durante uma represália orquestrada por PMs que pretendiam vingar a morte de quatro colegas que haviam sido executados pelo tráfico local na noite anterior.

Quase duas décadas depois da chacina de Vigário Geral, nenhum dos 52 policiais formalmente acusados pelo massacre está preso, e o episódio aparece desbotado na memória popular. Com o intuito de paralisar esse processo generalizado de esquecimento, o cineasta Milton Alencar Júnior lança hoje, no Rio, o documentário “Lembrar para não esquecer”, no qual trabalhou nos últimos três anos. Com 50 minutos de duração e um narrador presente — o ator Antônio Pompêo — a fita reúne 22 depoimentos de pessoas envolvidas na tragédia e revela fotos e vídeos inéditos do caso. A estreia acontece em sessão gratuita, aberta ao público, às 19h no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. A escolha da sala denota uma posição política do cineasta:

— Optei conscientemente por fazer a estreia lá. Não houve justiça — diz Alencar Júnior, indignado. — Quem viveu aquele momento imaginava que o grupo de policiais ficaria preso por, pelo menos, uns 30 anos, mas não...

Em 2008, quando a tragédia cumpriu 15 anos, o diretor convidou os roteiristas Francisco Pereira e José Louzeiro para trabalhar com ele na criação de um longa-metragem de ficção em torno da chacina. No meio da produção de “21, mãos ao alto”, em fase de captação de recurso, mas com estreia planejada para agosto de 2013 (aproveitando os 20 anos da chacina), o trio se deu conta de que tinha um documentário quase pronto em mãos. Durante o processo de apuração da realidade, necessário ao roteiro da ficção, Alencar Júnior gravou mais de cem horas de depoimentos com

7 sobreviventes, policiais e representantes da Justiça. Daí para o documentário bastaram algumas horas na ilha de edição.

— Tive acesso a todo o processo judicial, xeroquei tudo, fiz pilhas no chão da minha sala e li muito. Também tive acesso a diversas fotos e a vídeos inéditos feitos pela perícia criminal que atuou na época. São imagens chocantes que, em respeito aos familiares, aparecerão apenas em flashes curtos.

Além disso, depois de três meses de muita negociação, consegui entrevistar o PM Ivan (nome fictício), que atuou como X-9 (informante) no processo judicial por ter presenciado a elaboração intelectual do crime. Ele passou dez anos no serviço de proteção às testemunhas e hoje trabalha como manobrista de luxo na Zona Oeste. Tudo isso vai para a tela — adianta Alencar Júnior.

“Lembrar para não esquecer” tem um tom didático, escolar. Começa situando o espectador no Rio de Janeiro do início da década de 1990. Lembra a chacina de Acari, a movimentação internacional em torno da Eco-92 e as manifestações pela renúncia do presidente Fernando Collor de Mello até desembocar na noite de 29 de agosto de 1993. Depois disso, apoiado no relato de testemunhas oculares — entre elas uma jovem que tinha apenas 5 anos de idade e que viu os pais serem baleados na sala de casa — reconstitui a tragédia.

No filme, o dire-tor dá a palavra a figuras públicas que atuaram no caso: o desembargador José Munoz Pineiro, que foi promotor do caso, o coronel Valmir Brum, então corregedor da Polícia Militar, e o coronel Emir Larangeira, que comandava o batalhão de onde saíram os "Cavalos corredores", entre outros. É do depoimento deste último, aliás, que Alencar Júnior tirou o nome do filme.

— Depois de conversarmos muito sobre aqueles dias, o coronel Larangeira virou-se para mim e disse: "Mas chacina de Vigário Geral...? Eu nem me lembrava mais disso!" — conta o diretor. Outra polémica que o documentário levanta gira em torno do AfroReggae, organização não governamental que ganhou o mundo depois da chacina. Em depoimento à câmera, uma das viúvas da tragédia critica o grupo por ter se estabelecido como instituição poderosa graças ao episódio e não reconhecer isso.

Ao falar sobre o assunto, o cineasta Alencar MILTON ALENCAR JÚNIOR unirá, na ficção, PM Júnior respira fundo, mas soma vozes: — Liguei arrependido e sobrevivente de chacina milhares de vezes para o José Júnior (coordenador executivo do AfroReggae). Disse que toparia qualquer agenda para encontrá-lo. Ele respondeu laconicamente di zendo que nos veríamos, mas não colaborou nem um pouco até agora: nem para o documentário nem para o longa.

José Júnior admite que foi procurado e explica: — Indiquei outras pessoas para falar sobre o assunto porque não me considero voz fundamental. O AfroReggae é mul-tifacetado, e quem tem que falar sobre a chacina são os integrantes do grupo, que nasceram e que moram em Vigário Geral. Fora isso, a produção me pediu para ajudar a captar dinheiro, coisa que decidi não fazer mesmo — diz ele, que reconhece que o episódio está esquecido. — Não há dúvida de que quem não é de movimento social, meios de comunicação ou política realmente se esqueceu da chacina. Uma pena.

Apesar disso, o AfroReggae, através de sua assessoria de imprensa, informa que não há nada para comemorar em torno dos 18 anos da chacina, motivo pelo qual não participa nem promove nenhum evento em torno do assunto.

8 Insatisfeito com a posição do grupo, o cineasta Milton Alencar Jr. contra-ataca: — Lembrar o que aconteceu é uma forma de não botar a poeira para debaixo do tapete — ele diz. — Ninguém está comemorando nada, só lutando para que uma história não seja esquecida. Meu objetivo é, acima de tudo, melhorar a vida de quem mora em Vigário Geral. Quero levar uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) para lá, por exemplo.

Se Alencar Júnior falhar na primeira — na estreia de hoje — poderá contar com um segundo round daqui a dois anos, com o longa que está produzindo. — Nele, vou contar a história de um dos PMs "chacineiros" que se arrepende, fica doente, é internado e se apaixona pela enfermeira. Só que ela é uma das crianças que sobreviveram ao massacre e vai viver a dúvida da vingança ante a possibilidade de se tornar sua algoz. O realizador ainda não sabe que atriz fará o papel da enfermeira em crise, mas já fechou com o ator André Gonçalves para viver o PM arrependido. — Não acredito em arrependimento de ninguém nessa história — enfatiza Alencar Júnior. — Mas vou me permitir uma licença poética aqui.

Três crianças sob um lençol

Na vida real, um dos PMs envolvidos na chacina disse à Justiça que protegeu três crianças pequenas sob um lençol furado — duas meninas e um menino — assim que invadiu a casa de uma família evangélica. A menina assistiu à morte dos pais por um rasgo no lençol que a cobriu. Na cabeça do diretor, essas duas almas vão se conhecer e quem sabe até se apaixonar.

ÉPOCA - A magia do tempo

MARTHA MENDONÇA

(29/8/2011) Aventuras através do tempo são tema frequente na ficção. Do livro O fim da eternidade, de Isaac Asimov, de 1955, ou da série de TV Túnel do tempo, dos anos 1970, à comédia Meia-noite em Paris, de Woody Allen, não faltam exemplos da obsessão humana pela possibilidade de transitar entre diferentes períodos da história e da própria vida. A partir desta sexta-feira, 2 de setembro, o cinema nacional ganha uma versão dessa fantasia. O homem do futuro, de Claudio Torres, estreia em 300 salas e é a grande aposta brasileira para o segundo semestre. O filme conta a história de João (Wagner Moura), um cientista amargurado que, ao testar um acelerador de partículas inacabado, é transportado para o ano de 1991 – no exato dia em que foi humilhado pela mulher amada, num baile da faculdade. Ali, ele vislumbra a possibilidade de mudar sua vida.

A ideia do roteiro de O homem do futuro surgiu num dia de ensaio de A mulher invisível. O diretor Claudio Torres, de 48 anos, um dos sócios da Conspiração Filmes, pediu que, num exercício, o ator Selton Mello contracenasse consigo mesmo. “O resultado foi interessante, e saí dali imaginando uma história em que várias fases do mesmo personagem convivessem. Só mesmo se ele viajasse no tempo”, diz. Torres assina o roteiro, a produção e escolheu a trilha sonora de O homem do futuro. “Saiu tudo do meu iPod”, afirma. O ASTRO João (Wagner Moura) sai da máquina do tempo em O homem do futuro. Na tradição dos romances de ficção científica No mercado, a expectativa é que o filme chegue aos 3 milhões de espectadores. “Seria uma forma de elevar a fatia do mercado nacional em 2011, depois de um 2010 que teve Tropa de elite 2 e Nosso lar batendo recordes”, diz Pedro Butcher, editor da Filme B, empresa especializada em análise e números do cinema. Além do bom roteiro e da novidade da ficção científica, há Wagner Moura, campeão de público. “Só tê-lo no elenco

9 é garantia de qualidade”, diz Torres. Alinne Moraes, no papel de Helena, interpreta a certinha da faculdade. Ela substituiu Ana Paula Arósio, a primeira opção para a produção, que desistiu do filme.

O homem do futuro não mascara referências a famosas produções de mesmo tema. Há uma cena em que o herói surge vestido de astronauta, cercado de raios e trovões, assustando um casal que namorava no carro. É uma homenagem a O exterminador do futuro (1984). Há pitadas de Peggy Sue – Seu passado a espera, de 1986, no qual a personagem, infeliz dona de casa, interpretada por Kathleen Turner, tem um desmaio e, quando acorda, volta à juventude. E de Um homem de família (2000), com Nicholas Cage, sobre a existência de um futuro alternativo em que é possível tomar outras decisões.

Se conseguir tocar a nostalgia do público, O homem do futuro tem tudo para ser um enorme sucesso – como foram os filmes De volta para o futuro (em suas três versões), O efeito borboleta, Em algum lugar do passado e, de outra maneira, A casa de vidro. Todos eles usam argumentos mais ou menos científicos (ou fantásticos) para contar histórias que têm o tempo, os sentimentos e sobretudo os relacionamentos como elemento central. Atendem ao desejo da audiência de voltar atrás e refazer sua vida romântica – ou conhecer o futuro e orientá-lo. Desde A felicidade não se compra, de Frank Capra, feito em 1946, o anjo do cinema tem levado milhões de pessoas a passear no tempo e imaginar como seria o futuro com ou sem elas. A conclusão, invariavelmente, é que o presente, habitado por nós e por aqueles que amamos, é o melhor lugar – senão o único – onde se pode viver feliz.

AGÊNCIA DE NOTÍCIAS BRASIL-ÁRABE - Brasileiro faz filme sobre futebol palestino

O diretor e roteirista Gilmar Rodrigues fará um documentário em longa-metragem sobre o dia a dia de um time de futebol na Palestina. Um curta promocional será exibido em São Paulo esta semana. Isaura Daniel

(30/8/2011) São Paulo – Na última Copa do Mundo, os palestinos não puderam participar das eliminatórias da competição. Foram impedidos pelos israelenses de viajar. Na Copa de 2014 eles também não estarão. Perderam nas eliminatórias, prejudicados por um dia a dia de atleta que vive em país em conflito, o que inclui dificuldade para construir estádios, restrições de locomoção, entre outras complicações. Essas histórias, dos que tentam jogar futebol na Palestina, vão ser o centro do enredo do filme "Campo da Paz", de iniciativa do brasileiro Gilmar Rodrigues.

"Sempre me interessei pelo Oriente Médio", conta o diretor e roteirista do filme, gaúcho que mora no Rio de Janeiro. O projeto do documentário começou a ser levado adiante há cerca de dois anos e as suas primeiras imagens viraram um curta-metragem que será exibido nesta quinta-feira (01) em um restaurante da capital paulista, em sessão fechada. A ideia é mostrar a apoiadores e imprensa o que já foi feito até agora e poder dar continuidade ao objetivo maior, que é fazer um documentário de longa-metragem. Rodrigues quer estar com o filme pronto em 2012.

O diretor e sua equipe estiveram na Palestina entre outubro e novembro de 2010 e lá formaram um time de futebol, com garotos entre 14 e 17 anos. E é da história da equipe que o filme de Rodrigues trata. De acordo com o diretor, não haverá imagens de conflito no documentário. "Basicamente retratamos as dificuldades do esporte na Palestina, como sinal do que acontece lá. Todos os aspectos [da vida palestina] são marcados pela ocupação", explica o cineasta. O objetivo é falar da questão social e política através do esporte.

A vontade do diretor é trazer o grupo ao Brasil, na Copa de 2014, para amistosos ou para ter uma participação festiva na competição. Possivelmente os meninos do time viagem ao Brasil ainda antes, já que a equipe treina com apoio do Corinthians. O projeto do filme como um todo tem apoio, na Palestina, da Federação Palestina de Futebol e do Ministério dos Esportes, e no Brasil, do Instituto de Cultura Árabe (Icarabe), além da comunidade árabe local.

O curta-metragem tem nove minutos e meio de duração e narração do ator Lázaro Ramos. A equipe de Rodrigues deve voltar à Palestina para fazer novas imagens para o longa-metragem. Além de direção e roteiro de Gilmar Rodrigues, o curta tem produção de Bettine Silveira, coordenação de

10 produção de Hassan Zarif, direção de fotografia de Ding Musa, montagem de Thiago Andries, trilha de B Negão e Rodrigues. A realização é da Txucarramãe Filmes, empresa de Bettine e Rodrigues, e apoio da Palmares Produções.

CORREIO BRAZILIENSE – Democracia da Diversidade

Vitrine apresenta no CCBB uma mostra de filmes alternativos brasileiros

Ricardo Daehn

Cena do filme Desassossego, criação coletiva em projeto original de Marina Meliande e Felipe Bragança Democratizar tanto o acesso de filmes brasileiros de baixo orçamento quanto permitir o contato de público mais amplo com títulos que circularam apenas por festivais de cinema é a pedra fundamental de Sessão Vitrine, projeto que, na segunda edição, estreia na capital a partir de hoje. “Em Brasília, teremos o caráter de mostra, pela ausência de salas comerciais para filmes alternativos. Nas outras capitais, temos, ao menos, sete sessões para cada filme que pode emplacar a exibição, a partir de resultados positivos com o público. Um lançamento convencional não valeria a pena, dado o caráter das obras. O custo mais baixo, com a estratégia de reunir um pacote para lançamento coletivo dos filmes, é o caminho”, explica Silvia Cruz, proprietária da Vitrine Filmes que, em Brasília, firmou parceria com o Centro Cultural Banco do Brasil para montar a mostra com entrada franca.

Acompanhar a carreira de quem faz, em rara média, um filme por ano no Brasil, beneficiando-se do uso do suporte digital, como pontua a curadora da Sessão Vitrine, é um dos objetivos. No bloco, a exceção fica para Os residentes — “uma produção muito bela, mas hermética”, na análise de Silvia Cruz. Em cópia 35mm, a atração de amanhã, assinada por Thiago Mata Machado, conquistou, no ano passado, quatro prêmios Candango, no Festival de Brasília do Cinema Brasileiro. Responsável pelo estardalhaço em torno do curta-metragem Recife frio, há dois anos no mesmo festival, Kleber Mendonça Filho está na programação com o primeiro longa, Crítico, documentário que toca no delicado ponto de interação entre realizadores de cinema e aqueles, por vezes, vistos como algozes: os críticos das obras filmadas.

Espírito poético

Aspecto interessante do Sessão Vitrine, como reforça a curadora — há nove anos atuante no nicho dos “filmes de arte”, em empresas como Pandora e Europa Filmes — , está no fato de propiciar o acompanhamento da continuidade de diretores empenhados de espírito “poético, livre e independente”. Do coletivo cearense Alumbramento (responsável pelo longa Estrada para Ythaca), por exemplo, chega Os monstros, do quarteto de cineastas que levanta a importância da amizade, num filme muito experimental e bastante detido em metalinguagem, com ênfase no peso do som no audiovisual e pronto para fazer chacota com o tipo de roteiro que aposta nas declamações em frente à câmera.

Sedimentado num expresso desejo de revelar visões de passageiros de cruzeiro destinado a Fernando de Noronha, o longa Pacific (2009) propõe o radicalismo de entregar o todo da realização para diretores amadores saídos da excursão. Em evidência, pela atual exibição de A alegria (visto ano passado no Festival de Brasília) no circuito comercial, a dupla de criadores Marina Meliande e Felipe Bragança tem a fita de estreia, A fuga da mulher gorila, inserida na programação do Sessão Vitrine.

11 No filme, imperam as perambulações, sem destino, de duas meninas que encenam, em plataforma itinerante, um consagrado número circense. É importante frisar que os diretores envolvidos no projeto escolheram curtas-metragens que travaram diálogo com os longas para preceder cada exibição. É a brecha para contato com filmes mais breves de diretores reconhecidos como Clarissa Campolina, Gustavo Spolidoro e a dupla Marco Dutra e Juliana Rojas.

O ESTADO DE S PAULO - Cinema de Guerrilha feito no Brasil

Três servidores da Ancine finalizam produção sem nenhum patrocínio

Roberta Pennafort / RIO

(30/8/2011) Três amigos de faculdade, três caminhos diferentes pós-formatura, e uma ideia fixa: filmar um longa-metragem. A natural dificuldade de se conseguir patrocínio não foi obstáculo forte o suficiente. Partiram para o tal cinema de guerrilha: buscaram permutas com diferentes empresas, sacaram dinheiro próprio, perseveraram por cinco anos para dar cabo do projeto.

O roteiro dessa história não é incomum entre apaixonados pela atividade. Curioso é o fato de eles serem servidores da Agência Nacional de Cinema,o órgão instituído há uma década para dar gás a toda a cadeia produtiva do audiovisual,além de regulá-la.Isso significa que, por questões éticas, “pela impossibilidade de estar dos dois lados do balcão”,não há dinheiro público envolvido.

Daniel Mattos e Marcial Renato, de 36 anos, e Marcos Felipe Delfino,de 35, fizeram concurso para o cargo de especialista em regulação da atividade cinematográfica. Atualmente,o primeiro é membro do comitê de investimento do Fundo Setorial do Audiovisual – justamente o instrumento criado para ajudar realizadores que vivem recebendo “não” das empresas financiadoras –, o segundo, coordenador de acompanhamento de projetos, e o terceiro, assessor da superintendência de fomento.

Ou seja, os três conhecem bem o metiê. O que não tornou mais fácil realizar o sonho do filme próprio. “Em 2000 aprovamos o primeiro projeto delonga em todas as leis de incentivo. Durante três anos batemos na porta das empresas. Para iniciante, é muito difícil, está tudo meio loteado”, lembra Marcial. “A empresa que investe não é da área de cinema, quer lucro. É uma ‘lógica jabuticaba’, só existe no Brasil. O cara que não conhece nada dá dinheiro para o nome famoso. A barreira de entrada é muito cruel, a grande maioria dos novos cineastas fica marginalizada”, completa Daniel. O tal projeto, voltado para o público jovem, “tipo Muita Calma Nessa Hora ou Desenrola”, lhes parecia viável e promissor: filmar num shopping, com atores jovens e um nome conhecido, o do ator Danton Mello.Mas nada de vir o dinheiro, e a desistência foi o caminho.

A frustração os levou ao concurso para Ancine. Entraram “por militância”,mesmo sabendo que o novo trabalho dificultaria um futuro filme. Nas horas livres, escreveram a seis mãos o roteiro de Dia de Preto, que agora finalizam. Como? Filmando de sexta a domingo, quando deveriam estar em casa com os filhos( são sete,somando as famílias), desembolsando gradualmente R$ 270 mil das economias, contraindo dívidas.

E negociando uma permuta para alimentar a equipe, caprichando num “rascunho”, feito com câmeras amadoras, para que na hora do “ação!”tudo estivesse amarrado. E fechando acordo com um shopping para locação, e com uma produtora de filmes publicitários, que cedeu câmera (digital), luz e maquinaria, e se tornou sócia .A trilha seguiu na mesma linha. Os atores trabalharam de graça.

Todos esperam a participação nos resultados do filme, rodado em 14 meses. Sem as permutas, os custos desse “no budget” – “sem orçamento”, como é chamada a modalidade, nascida há décadas entre jovens cineastas, e que no Brasil tem em Odiquê? (2006), de Felipe Joffily,um representante – chegariam perto R$ 1 milhão.

O roteiro é criativo, a fotografia, bem cuidada, os cenários, parte nos dias de hoje, parte no século 17.O protagonista (Marcelo Batista) é um escravo alforriado bem antes de 1888 (o primeiro do Brasil), e é também um motorista de uma família rica do século 21. Ele acaba acusado de um roubo que não cometeu. É um filme autoral, com ação e suspense, e “referências da cultura pop”.

12 O “powertrio”,que conta com o apoio e a solidariedade dos colegas da Ancine, divide o crédito de diretor. No momento, está inscrevendo Dia de Preto em festivais. Assim ele ganharia visibilidade e faria sua carreira no circuito comercial. Nem na etapa da pós-produção (que já dura três anos) e distribuição (que geralmente é paga pelos produtores) vão tentar recursos públicos.

“Estimamos a distribuição em R$ 500 mil. Se eu fosse o Andrucha (Waddington) ou o (José) Padilha, conseguiria que o distribuidor entrasse no risco com a gente. Como não somos, precisamos do aval de festivais”, diz Marcos Felipe.

TEATRO E DANÇA

O GLOBO - Festa exorbitante

A Cia. Fodidos Privilegiados completa 20 anos com montagem inédita no Dulcina

Luiz Felipe Reis

(25/8/2011) Eles chegam aos poucos, saúdam apressados os colegas revistos após tempos e voam ao camarim. De volta, aprumados e despudorados em transparentes vestidos brancos, circulam entre palco e poltronas do Teatro Dulcina antes de iniciar o ensaio. — Meu Deus! É a visão do inferno! — grita o ator Thelmo Fernandes ao se dar conta do vulto negro de Lincoln Oliveira caminhando todo de branco sobre o palco.

Minutos antes, quem estava de pé ali, acertando detalhes técnicos e negociando com os ponteiros do relógio, era João Fonseca. O diretor, que assumiu o comando da Cia. Fodidos Privilegiados há exatos dez anos, é o responsável pela encenação de “Uma festa privilegiada”, montagem que celebra de amanhã a domingo os 20 anos da companhia fundada por Antonio Abujamra em 1991, com a peça “Um certo Hamlet”. Aos poucos, as dezenas vão se acumulando: 10, 20, 30, 40 atores no palco. E amanhã, entre coxia e boca de cena, será o dobro: 80 atores. Uma exorbitância, mas não sem propósito. Sentados em cadeiras e com as vestes brancas, estarão ali personagens que marcaram os 24 espetáculos criados pelo grupo. Todos costurados num longo pot-pourri teatral que evocará cenas memoráveis de sucessos como “Um certo Hamlet” e “Fedra” (1991), “Exorbitâncias” (1995), “O casamento” (1997), “O auto da compadecida” (1998), “Tudo no timing” (1999), assim como as recentes “Escravas do amor” (2006) e “Comédia russa” (2010).

— Olhar todo esse repertório me faz sentir muito velho, é um choque absoluto! — brinca João Fonseca. — Mas é gostoso esse encontro. Parece reunião de formandos de 20 anos atrás.

Paulo Autran e Claudia Abreu fizeram peças

Sob o comando de Abujamra ou de João, atravessaram e se perpetuaram na condição de fodidos privilegiados mais de 150 atores fixos e convidados, gente das mais variadas gerações, como Paulo Autran, Edney Geovenazzi, Camila Amado, Vera Holtz, Claudia Abreu, Deborah Evelyn, Guta Stresser, Dani Barros, Natalia Lage, Charles Möeller e Antônio Grassi, hoje presidente da Funarte, responsável por convidar o grupo, que ocupou o Teatro Dulcina entre 1996 e 2001, a participar da temporada de reabertura da sala.

— Montamos “Um certo Hamlet” aqui mesmo no Dulcina, com a Vera (Holtz) e a Claudia (Abreu). Depois veio “Fedra”, com a Deborah (Evelyn) e a Vera de novo, e “A serpente”, do Nelson (Rodrigues), com o Grassi — conta a atriz e diretora Paula Sandroni, uma das poucas remanescentes do grupo original. — Eu tinha só 20 anos, hoje tenho 40. E, olhando para trás, vejo que, se o grupo tem uma característica, é a busca pelo ineditismo, pela ousadia, pelo deboche, pela ironia... As pessoas sabem que vão rir com os Fodidos.

Companheira de Abujamra durante as gravações da novela “Que rei sou eu?” (1989), Vera Holtz acende as lembranças para iluminar os agitos que levaram à formação do grupo.

13 — O Abujamra veio com a ideia de fazer um grande movimento teatral — conta a atriz. — Ele tinha essa necessidade e a noção de que o teatro precisa do alinhamento entre as pessoas. Falava da importância da arte, da criação coletiva. Fica na memória a convivência, as frases que inventava: “A vida é sua, estrague-a como quiser”.

O diretor Charles Möeller, que também conheceu Abujamra através da TV, nos corredores da Bandeirantes, trata sua passagem pelo grupo como um marco:

— Tive alguns mestres na minha vida, e o Abujamra foi um deles — conta Möeller, responsável por figurinos de peças como “O casamento” e “O auto da compadecida”. — Ele tinha uma alquimia com os jovens. Todos ficavam vidrados em volta daquele bruxo, ouvindo citações de Guimarães Rosa a Brecht. Foi muito enriquecedor viver de perto aquela criação caótica, coletiva e ininterrupta. Entrar no Dulcina com os Fodidos era enveredar por um universo paralelo, onde todo mundo podia tudo, onde o coadjuvante virava protagonista de um dia para o outro.

Em 1995, Möeller dividia um apartamento em Botafogo com seu conterrâneo, de Santos, J o ã o F o n s e c a , quando Abujamra o convidou para uma peça. Chegando ao ensaio, o diretor pedia que os atores chamassem seus amigos, conhecidos e quem mais pudesse atender à exorbitante ideia de pôr mais de 60 pessoas em cena. Möeller chamou. João apareceu. Nos encontros, todos sugeriam e selecionavam textos, colavam e amarravam as cenas que resultaram em “Exorbitâncias”. Mas uma semana antes da estreia no Sérgio Porto...

— Ele cortou todas as minhas cenas! Chorei que nem um cachorro, fui assistir à estreia me remoendo. Foi esse o meu começo com o Abu — recorda Fonseca. — Mas, como eram 60 pessoas, quando a peça foi para o Gláucio Gill bati no ombro dele: “Quero entrar”.

Hoje, 16 anos depois, João Fonseca se vale do modelo adotado por Abujamra em “Exorbitâncias” para criar “Uma festa privilegiada”.

— É o mesmo molde. Selecionamos cenas que foram bastante significativas para os atores e que representam momentos importantes para o grupo.

Após a orgia textual de “Exorbitâncias”, em 1995, o grupo, que já havia encenado “A serpente” três anos antes, voltou a Nelson Rodrigues, mas com nova abordagem: pesquisa, colagem e construção dramatúrgica a partir de fragmentos de obras não dramáticas do autor. “O que é bom em segredo é melhor em público” estreou em 23 de agosto de 1996 no Teatro Dulcina, dia do aniversário de Nelson Rodrigues. E, se a montagem foi um fracasso — consenso entre os integrantes do grupo —, serviu como impulso para um dos maiores sucessos da companhia, “O casamento”.

— Foi a minha primeira direção, assinada com o Abujamra. Ganhamos o Shell, foi uma retomada importante — conta o diretor. — O Abu estava sempre atrás do que ninguém havia feito, então tivemos a liberdade de pegar toda a obra não dramatúrgica do Nelson, com um carioquismo intenso, irreverente, coisa do subúrbio, que tem tudo a ver com a cara do grupo. Abu me ensinou tudo, me deu uma profissão e abriu o mundo. Fiz uma faculdade incrível de cinco anos aprendendo a dirigir ao lado dele.

O GLOBO - O novo salto de Nelson

Centenário do dramaturgo, no ano que vem, prevê traduções e encenações de todas as suas 17 peças, mas tempo e custo são inimigos

(26/8/2011) com o lançamento de uma página na internet e o ensaio aberto, em São Paulo, de uma montagem de “O beijo no asfalto”, começaram na terça-feira as comemorações do centenário de Nelson Rodrigues, que acontece em 23 de agosto de 2012. Vinte anos após “O anjo pornográfico”, a biografia de Ruy Castro que impulsionou uma redescoberta maciça do nome de Nelson, a obra do maior dramaturgo brasileiro poderá ganhar novo salto, chegando a outros países e inspirando grande quantidade de espetáculos.

14 Este é o sonho, mas ainda falta combinar melhor com a realidade. Um problema é o pouco tempo até os 100 anos. O projeto dos atores Renato Borghi e Élcio Nogueira Seixas de tradução para o espanhol das 17 peças de Nelson acabou de ser encampado pela Funarte — que também cuidará das versões para o inglês —, mas ainda não começou. A dupla revisará uma parte das traduções, a cargo do cubano Efraín Rodríguez Santana, e o diretor Marco Antonio Braz revisará outra, feita pelo espanhol José Sanchis Sinisterra.

— Viajamos durante um ano por 15 NELSON RODRIGUES: as comemorações dos 100 anos do autor países da América Latina. Nos começaram nesta semana com o lançamento de um site e o ensaio workshops com cenas do Nelson, a aberto de “O beijo no asfalto”, que estreia em setembro em São empatia era enorme, mas não há Paulo publicação das peças em espanhol, é um absurdo — diz Borghi, que também tenta viabilizar com Seixas um prêmio internacional voltado a patrocinar encenações de Nelson em países de língua espanhola.

Para Braz, é um “escândalo” Nelson não ser conhecido nesses países, pois “ele reina sobre o melodrama”, escola predominante na ficção hispânica. O diretor carioca do grupo paulista Círculo dos Canastrões, que já fez mais de dez espetáculos baseados no autor, tem mais três para este ano: “O beijo no asfalto” em setembro, “Os sete gatinhos” (ambos com Borghi no elenco) e “Valsa no- 6” em seguida. E, em 2012, deve dirigir Marco Ricca em “Boca de Ouro”, além de organizar o evento “Quem ainda tem medo de Nelson Rodrigues?”, com leituras dramáticas e palestras.

Também foi Braz quem propôs a Nelson Rodrigues Filho reunir versões de “Vestido de noiva” no Teatro Municipal do Rio em dezembro de 2012 — a peça que inaugurou o teatro moderno brasileiro estreou no mesmo Municipal em 28 de dezembro de 1943. Mas ele critica a opção de Nelsinho de cobrar 10% do que as produções conseguem de patrocínio para montar peças do pai. O procedimento padrão no meio é pagar um adiantamento e 10% da bilheteria.

— Nelson é, hoje, o autor mais caro do mundo — afirma Braz. — Se alguém consegue um patrocínio de R$ 600 mil para montar uma peça grande como “Anjo negro” ou “Senhora dos afogados”, R$ 60 mil vão para os herdeiros. E é dinheiro público. Descartei montar “Bonitinha, mas ordinária” porque seriam mais de 20 pessoas, ficaria caro e inviável.

Nelsinho diz não cogitar fazer uma espécie de anistia a fim de facilitar montagens no ano do centenário, mas ressalta que os 10% não são “um dado irreversível”. — Isso começou porque vi temporadas de peças do velho a R$ 1, gratuitas. Os produtores faziam isso porque tinham subsídio. Os diretores ganhavam R$ 30 mil, R$ 50 mil, e o autor, R$ 30, R$ 50, pois só tinha os 10% da bilheteria — explica. Nelson Rodrigues teve seis filhos: Joffre (morto em 2010) e Nelsinho, com Elza; Maria Lúcia, Sonia e Paulo César, com Yolanda; e Daniela (“a menina sem estrela”, assim chamada por ele por ter nascido com graves problemas), com Lúcia. Hoje, os herdeiros, que já tiveram brigas sérias, até conseguem se reunir, mas há divergências. Maria Lúcia e Sonia, que tinham concordado com os 10%, estão revendo sua posição.

— Eu aceitei por inércia, mas tendo hoje a achar que os 10% do patrocínio dificultam demais a vida da classe teatral, e isso é ruim para a obra — diz Sonia.

Nelsinho e Braz, respectivamente no Rio e em São Paulo, planejam ver todas as 17 peças encenadas em 2012. Antonio Grassi, presidente da Funarte, diz que cederá os teatros da fundação, além de lançar em janeiro um edital de apoio às produções. Ao menos no Rio, as apresentações seriam em agosto, dentro de um evento batizado por Nelsinho como A Gosto de Nelson.

15 — O nome de Nelson Rodrigues precisa significar para o Brasil o que Shakespeare significa para a Inglaterra. Ele é tão intenso, uma obra tão sem limites, que tudo pode ser feito. E o centenário é para todos os que queiram fazê-lo — diz Nelsinho, que tem dois projetos próprios nas comemorações: uma versão de “Vestido de noiva” que dirigirá para o Municipal, com os cenários originais de Santa Rosa refeitos; e o livro “Nelson Rodrigues — Pai e filho”, sobre a relação entre eles, em especial na ditadura militar (o pai conservador agoniado com o filho esquerdista preso por quase oito anos).

A jornalista e pedagoga Maria Lúcia Rodrigues Muller, que teve de deixar o país durante a ditadura, vem tocando de Cuiabá, onde mora hoje, uma exposição sobre Nelson que será inaugurada em maio no Itaú Cultural. Quer destacar, por exemplo, como Pernambuco ficou marcado no pai, mesmo ele tendo saído de lá aos 4 anos.

Já a escritora e jornalista Sonia Rodrigues está usando a estrutura de seu projeto Almanaque da Rede, de games educativos, para custear o site www.nelsonrodrigues.com.br, que tem como destaque o tópico Nelson por Ele Mesmo, com trechos de entrevistas e crônicas de Nelson, a maioria inédita em livro.

— Há mais de mil crônicas que não foram publicadas em livro — conta. — Existem milhões de pessoas que acessam a internet e mal conhecem Nelson.

Os herdeiros estão avaliando a proposta da Nova Fronteira para renovar o contrato de publicação das peças. A editora promete novos lançamentos da prosa para 2012.

No cinema, só está prevista a estreia no primeiro semestre da versão de “Bonitinha, mas ordinária” dirigida por Moacyr Góes, com João Miguel e Leandra Leal.

— Procurei tirar qualquer ranço folclórico associado a Nelson. É um filme passado nos dias de hoje, e com menos apelo erótico do que os já feitos — diz o diretor.

A pré-estreia será na quadra da Unidos do Viradouro, que apresentará no Grupo de Acesso A o enredo “A vida como ela é: Bonitinha, mas ordinária”, sobre Nelson.

O GLOBO - Em seu novo espetáculo, Grupo Corpo atinge síntese da dança

(26/8/2011) Com movimentos que remetem ao mar, companhia mineira vive momento especial Para o público carioca, apenas um ano separou a chegada de “Ímã”, a criação anterior do Grupo Corpo, de “sem mim”, que estreou ontem no Teatro Municipal e fica em cartaz até a próxima segunda-feira. De fato, o intervalo foi de dois anos, espaço em que a equipe encabeçada por Rodrigo Pederneiras se encaminhou para um universo totalmente distinto do anterior. Para esta companhia mineira, o encontro com a música, a escolha do compositor para a trilha de cada obra, serve de passagem para outras paisagens. Desta vez, entre “Imã” e “sem mim”, a travessia foi grande.

Fragmentos de outras obras

As cantigas-poemas atribuídas a Martín Codax, que teria vivido na cidade marítima de Vigo, na Galícia, entre os séculos XIII e XIV, falam de ausência, de amizade, falam de mar. O primeiro mergulho neste mar de referências foi de José Miguel Wisnik e Carlos Núñez, autores da trilha original de “sem mim”.

Com reverência ao material original mas, felizmente, sem fazer concessões aos modismos, os compositores atuali- zaram as cantigas e contaram com a companhia de instrumentistas e cantores de primeiríssima linha para criar a trilha de

16 “sem mim” que integra as seis cantigas de Codax e mais uma, composta por Wisnik a partir de Codax.

Como é de hábito na companhia, a peça que abre a noite — neste caso, “O corpo” (2000) , com música de Arnaldo Antunes — oferece pistas para a leitura da seguinte. As ondulações dos corpos robotizados da criação de 2000 parecem resultado do impacto de descargas elétricas, produzindo movimentos em chicote. Em “sem mim”, as ondulações voltam, mas são de outra natureza, contidas, insinuantes, delicadas. Como as ondas nas mudanças das marés, que aumentam e avançam pouco a pouco, sem que os olhos percebam de imediato, os bailarinos invadem e ocupam a cena. Mesmo com a presença de solos e duos, a coreografia se apoia no grupo. Para olhos e ouvidos mais acostumados com a obra de Pederneiras, talvez seja possível reconhecer extratos e referências a obras anteriores atravessando as águas de “sem mim”. Estão lá o barroco de “Bach”, a raiz africana de “Benguelê” e o colorido de “21”. Ao olhar para trás para visitar o cancioneiro medieval, essa equipe afinada arrastou para a cena sua própria história, brincando de fazer cochichar uma obra com a outra.

Os belos e delicadíssimos figurinos de Freusa Zechmeister se colam aos corpos dos bailarinos como tatuagens coloridas e só depois, ao final, ganham outras camadas de pano, como se a própria pele se expandisse, se desdobrasse e virasse luz. “sem mim” é daqueles momentos especiais do Grupo Corpo em que cenário, iluminação — ambos assinados por Paulo Pederneiras — figurinos, coreografia e música dissolvem, como no mar, seus contornos e tornam-se uma coisa só.

O ESTADO DE S. PAULO - Antunes Filho busca naturalismo em seu 'Prêt-à-Porter 10'

Ubiratan Brasil

(26/8/2011) Antunes Filho é um sujeito inquieto, inconformado até. Assíduo frequentador de exposições, é adorador de videoarte - aquelas tecnologias de distorção, repetição e sobreposição de imagens, que discutem a própria imagem, provocam sempre um choque criativo no encenador. No cinema, apaixonou-se agora por A Árvore da Vida, de Terrence Malick: "Mudei minha forma de ver a arte. Até então, eu me sentia como se usasse um escafandro - agora, minha visão é mais ampla".

É essa busca por novos horizontes que estimula Antunes em seus quase 82 anos (completa em dezembro). E o que justifica também a estreia do Prêt-à-Porter 10, na segunda-feira, no Sesc Consolação. Como as anteriores, é o conjunto de três cenas (ou movimentos, como prefere o grupo), criadas e dirigidas pelos próprios atores. Nesta edição, o cardápio é formado por Adorável Callas, com Nara Chaib Mendes e Patrícia Carvalho; O Homem das Viagens, com Marcos de Andrade e Natalie Pascoal; e Cruzamentos, com Geraldo Mario e Marcelo Szpektor.

Trata-se da consolidação de uma forma de protesto - em 1998, cansado das interpretações altamente dramáticas que dizia dominar os palcos nacionais, Antunes decidiu implantar a queima dos estereótipos e a formação do ator consciente de sua arte e técnica. "Teatro é um todo", comenta ele, ao justificar a soma de responsabilidades assumidas pelos intérpretes. "É preciso que quem pisa no palco saiba construir essa mentalidade."

A partir dessa nova gramática cênica, Antunes busca atuações mais naturalistas, em que o elenco parece dialogar diretamente com o público. "Não me interessa aquela montagem em que o espectador perceba que o ator está representando. Quero reações como a da grande Lélia Abramo que, depois de assistir a um dos primeiros Prêt-à-Porter, me disse, espantada: "Parece que os atores estavam conversando comigo e não interpretando"."

Para que isso aconteça, o controle deve estar totalmente nas mãos do elenco. No início do processo, os atores se encarregam de encontrar o tema. Em seguida, desenvolvem a dramaturgia por meio de improvisações e uma espécie de autodireção. Em meio a tudo isso, é preciso uma injeção espetacular de cultura - o grupo passa a ler os grandes clássicos da literatura mundial, a assistir a filmes de cineastas seminais como os russos Aleksandr Sokurov e Andrei Tarkovski, enfim, a questionar os próprios conceitos. O lema do encenador, nesse momento, coincide com o de Jean-Luc Godard, para quem a cultura é regra e a arte, exceção.

17 Antunes Filho acompanha todos os passos e vai apontando caminhos. "A cena que vou encenar agora foi criada em 2003", conta Marcelo Szpektor. "Na época, Antunes não aprovou, justificando que ainda não era o tempo certo. Naquele momento, não entendi e até fiquei decepcionado. Hoje, compreendo: faltava maturidade."

O processo é de, fato, doloroso. No início, são aproximadamente 70 cenas até se chegar às três escolhidas. No processo de filtragem, é necessária uma completa faxina mental. "A sensibilidade sofre uma grande transformação, passamos a ver de outra forma até as cenas corriqueiras, das pessoas que nos cercam", observa Patrícia Carvalho. "E eu, como os demais, não estava acostumada a escrever, apenas a interpretar", completa Nara Chaib Mendes.

As inquietações já se tornaram históricas. Participante desde o primeiro Prêt-à-Porter, Emerson Danesi não apenas atuou em várias edições como, com o tempo, também se tornou um ponto de referência de Antunes dentro do grupo, agindo como um organizador. "Tudo começou com uma frase do Antunes: "O Homem está com saudades do Homem"", relembra ele, que escreveu um texto para o programa dessa décima edição, no qual afirma: "A possibilidade em trazer à tona inquietações, memórias, afetos e desafetos, percebendo e questionando a realidade, com devido afastamento e sensibilidade, foi um duro e árduo caminho".

Em suma, não se pode ficar indiferente. Antunes dá o exemplo, arrastando seus pupilos para trabalhos que considera enriquecedores. Como incentivá-los a ver A Árvore da Vida e a evitar Melancolia, de Lars von Trier. "É pura enganação, as cenas não têm causas, parecem acontecer do nada." Para Antunes, o ofício tem de ser uma extensão da existência. ARTES PLÁSTICAS

CORREIO BRAZILIENSE - Entre compromissos e euforia

Alex Cerveny apresenta peças de cerâmica e desenhos dos últimos 10 anos de produção

Ricardo Daehn

(25/8/2011) Quem bate o olho no nome da primeira exposição individual do paulistano Alex Cerveny na capital, Playlist [Brasília], tem a ideia do vasto repertório em jogo: são três décadas de experiências, com técnicas que contemplam desenhos, pinturas e objetos. “Caminho numa tradição muito narrativa. Para compreender as obras, as pessoas não precisam de intermediários —, elas estabelecem contato direto com o meu trabalho”, afirma, aos 48 anos. Sem muito planejamento, a arte e o olhar de Cerveny derivam da “capacidade de adaptação” herdada de currículo incomum: no começo dos anos 1980, quando “ainda não era muito moda”, ele foi até contorcionista, sob a alcunha de Elvis Elástico, o Homem de Plástico.

Se cabe ao visitante da mostra, a “recriação em novo sentido” para as peças, como aponta o crítico de arte Evandro Salles (que ainda detecta o compromisso de Cerveny com a “tradição gráfica que a palavra desenho sintetiza e atualiza”), da parte do artista sobra a euforia. “Expor é sair da situação de viagem solitária e entrar em evidência. É um momento mágico, ter a apreciação pública do meu trabalho”. Com exemplares criados nos últimos 10 anos, o artista ressalta que não se trata de material velho. “Mesmo as obras mais antigas, ainda estão muito frescas na minha memória. Às vezes, demoro para executar, mas a produção vale pela atualidade representada”, comenta.

Filtrando informações cotidianas para o reflexo delas na arte (ao lado de outros temas como corpo, vida e mente), o pintor faz coro na poesia de Caetano Veloso que trata da “dor” e da “delícia de ser o que é”. “Não adianta fingir: tento ir fundo no que sou”, diz, ao reforçar que percebe seus “desenhos como sonhos” e que tenta, por vezes, um entendimento de si “por um viés psicanalítico”. Daí, apesar do interesse da curadora Onice de Oliveira pelas peças em cerâmica colorida, o artista alerta para a importância dos seus desenhos. “Eles representam a minha conexão extrema e instantânea entre o que está na minha cabeça e que é passado para o papel. Me sinto muito confortável com uma folha de papel na mão”, explica. A comodidade é tanta, que brotam obras como Deus incompreensivo,

18 detida na representação de um massacre, cenário em que há identificação de uma divindade narcisista e mesquinha, da qual “não se tem como esperar nada ou pedir pouco que seja”.

A mesma determinação ressaltada pela oportunidade com Playlist [Brasília] — superado período de “dificuldades, de introspecção e de dar meia-volta” — se configura na abordagem das peças, muitas delas em pequenas dimensões. O tratamento é para assuntos amplos. “Sempre tive interesse nas relações entre religião e arte. Gosto de representar Deus, como num exercício”, conta. A manifestação divina está em Deus bruto — óleo sobre tela “com um Deus violento, em meio a fogo, e que tem um cassetete à mão” — e ainda na pintura a óleo Deus sive natura (A Fera na Selva). Na última, que expressa a mordida de uma onça no pé de um índio, há a manifestação de um desejo, numa referência ao conceito de fusão entre Deus e natureza que decorre das ideias filosóficas de Spinoza para o século 17. Chapéus e barbas, tela de 2008, também imprime leitura crítica que toca o abstrato plano de atuação de quatro profetas.

Amplo alcance

Nas produções de maior dimensão (com largura de 1,60m), caso das obras feitas com aquarela e têmpera, como Sherazade e História moldura, pesam tanto a economia de cores quanto representação de mitos associados à moldura ancestral. Além disso, Playlist [Brasília] ainda é composta por coloridas esferas em cerâmica escolhidas pela marchand Onice de Oliveira. Versado em gravura em metal (sob a orientação de Selma Daffré) e ex-aluno de desenho de Valdir Sarubbi, está na cidade — depois de passagens pelos Estados Unidos, Holanda e Alemanha — para desfilar a arte, por vezes, engajada.

Ilustrador frequente para jornais pautados pela política, o senso crítico é inerente ao artista. A aquarela Vaidades, fogueiras (criação dele) desperta o próprio comentário: “Tem muito político, mesmo os do passado, que se queimam na fogueira das vaidades”. Distante dessa esfera, o desenhista é simples, despido de presunção. “A arte, para mim, é o usar as mãos”, define.

CORREIO BRAZILIENSE – Murais e xilos como expressão poética

Nahima Maciel

(25/8/2011) Paulo Werneck era uma espécie de peça- chave quando os arquitetos modernistas brasileiros começaram a incorporar trabalhos de artistas em seus projetos. Antes da parceria entre Athos Bulcão e Oscar Niemeyer, Werneck já quebrava pastilhas e combinava cores para criar murais integrados à arquitetura. Nos primeiros anos da década de 1940 estreou com murais projetados para o escritório MMM Roberto, importante reduto modernista no Rio de Janeiro e, em 1942, estava ao lado de Oscar Niemeyer na Pampulha. É de Werneck o painel da fachada externa da nave da igreja do complexo mineiro. Para contar um pouco a trajetória do artista cujo nome muitas vezes ficou escondido atrás das assinatura de arquitetos, a curadora Claudia Saldanha idealizou a mostra Paulo Werneck — Muralista brasileiro, em cartaz na Caixa Cultural. A ênfase é nos murais criados para prédios públicos e privados distribuídos por todo o Brasil. Durante as quatro décadas de atividade, antes de morrer aos 80 anos em 1987, o artista ajudou a humanizar a arquitetura moderna com murais coloridos e composições abstratas, enormes mosaicos construídos exclusivamente com pastilhas de cerâmica. “Ele se transformou num pioneiro”, explica Claudia. “Vários artistas, como Athos Bulcão e Di Cavalcanti, usaram a técnica, mas o Werneck foi um dos primeiros a implementar a aplicação de mosaico, que até então era usado como revestimento.”

19 Werneck era dono de uma paleta de cores muito própria. Azuis, marrons e verdes pálidos se encaixam em curvas e geometrias eventualmente pontuadas por figuras. O artista nunca se entregou inteiramente a um único formato e sempre transitou entre a abstração e a figuração.

Para a mostra, Claudia selecionou desenhos realizados como projetos para os murais e algumas fotografias da obra concluída. Werneck trabalhou em Brasília em pelo menos três ocasiões. Fez paineis para o Palácio do Itamaraty e para o prédio do BRB, no Setor Bancário Sul. Também assinou um trabalho para o hotel Brasília Palace, destruído por um incêndio em 1978. Quando o prédio foi reconstruído, há quatro anos, e investiu na reconstituição de um painel de Athos Bulcão também consumido pelo fogo, Claudia ofereceu os projetos do trabalho original de Werneck. “Mas eles disseram que nunca houve painel do Werneck no hotel”, diz a curadora, que preparou para a mostra fotografias, cartas e desenhos nos quais o artista se refere à obra encomendada por Oscar Niemeyer.

Moda alemã

Henrique Lemos precisou pesquisar muito para se convencer de que era possível fazer uma xilogravura contemporânea e com texturas diferentes daquelas geralmente proporcionadas pela técnica. Radicado na Alemanha há 19 anos, Lemos sabia que só encontraria espaço na terra de Albrecht Dürer e Rembrandt se fizesse algo diferente. “Passei anos pesquisando”, conta. Um colorido tropical e um jogo de volumes marcam os trabalhos.

Em Brasília, as gravuras foram emolduradas sem vidro para que o público possa se aproximar das texturas. Temáticas urbanas como a cultura dos cafés são frequentes na obra de Lemos. Na Caixa, ele apresenta também uma série de gravuras grandes realizadas para uma companhia de distribuição de produtos agrícolas. Também fazem parte da exposição os trabalhos selecionados para uma mostra promovida pelo governo alemão durante a Copa de 2006.

O GLOBO Uma exposição que desafia o espectador

Gabriela Gusmão exibe, a partir de hoje, vídeos com imagens contemplativas, que respeitam o tempo real

Catharina Wrede

(30/8/2011) Um convite para compartilhar a intuição poética do instante. É assim que a artista plástica carioca Gabriela Gusmão define sua nova exposição individual, “Vírgula no infinito”, que ela inaugura hoje, às 19h, no Museu de Arte Moderna. Composta por 13 vídeos, a mostra é um desafio ao espectador. O primeiro deles, editado e com som, possui 2m45s, tempo que levou para que uma garrafa na areia, com os dizeres “o repouso é uma vibração feliz”, fosse tragada pelo mar. Mas o que chama a atenção mesmo são os outros 12 vídeos, integrantes da série que dá nome à mostra: dispostos em um círculo, tal como um relógio, os trabalhos possuem uma hora de duração cada e não passaram por nenhum tipo de edição ou sonorização. São mudos.

— É um convite para a gente estender o instante e não se privar de viver as coisas por um tempo um pouco maior do que o dia a dia nos impõe — reflete Gabriela. — Somos forçados, no cotidiano, a perder a fluidez do tempo, porque tudo é entrecortado, saímos de uma situação para outra em minutos. Sei que as pessoas não vão se dar esse tempo de permanecer tantas horas dentro do museu. Você sabe que não tem uma hora para ver cada vídeo, mas tem um convite para isso. Já basta.

Representando uma hora do dia cada um, os vídeos têm imagens contemplativas, em que o tempo real é respeitado. No vídeo das 6h, vemos um pico de uma montanha coberto pela névoa, que ora toma conta da tela, ora revela a montanha; no das 7h, um close no umbigo de uma mulher grávida dá o tom daquele instante, em que pequenos movimentos de respiração são percebidos; às 8h, uma

20 maçã vai escurecendo lentamente; já às 9h, uma paisagem acinzentada é mostrada; e às 10h, um barco vazio boia, refletido no mar.

— É interessante como o trabalho da Gabriela se aproxima da pintura, em que as coisas vão se desenvolvendo lentamente diante do olhar, subvertendo a essência do suporte escolhido, o vídeo, em que o movimento é normalmente muito mais acelerado — diz Luiz Camillo Osorio, curador da mostra. FOTOGRAFIA

CORREIO BRAZILIENSE – Retratos da realeza

Mostra exibe fotos que retratam a vida da família real no período de exílio

Ullisses Campbell

(30/8/2011) São Paulo — Desde que resolveu abrir o acervo particular para o público, o descendente da família real dom João de Orleans e Bragança, de 56 anos, mais conhecido como dom Joãozinho, não tinha noção da importância do que havia guardado por tanto tempo. Bisneto da princesa Isabel, ele resolveu expor 150 fotos que retratam a vida privada da família real no período de exílio. São imagens marcantes da história brasileira.

A exposição, que recebeu o título de Retratos do império e do exílio, já passou pelo Rio de Janeiro, está em São Pauto até 11 de setembro e depois vai para o município de Poços de Caldas (MG), sem previsão de chegar a Brasília.

Princesa Isabel, conde d'Eu e os netos d. Luís Gastão, d. Pia Maria, d. João (no colo da avó), d. Pedro Henrique, príncipe do Grão-Pará; d. Maria Francisca, d. Pedro Gastão e d. Isabel, futura condessa de Paris, no castelo d'Eu, na Normandia, França

“As fotos são de família, das gerações e estavam em minha casa guardadas em caixas num clima úmido. Eu convivo com essas fotos desde que nasci, sempre dei valor, mas não dava tanto peso para esse acervo. Quando a família real foi para o exílio na França, d. Pedro 2º deixou 25 mil fotos para a Biblioteca Nacional, mas guardou consigo as fotos de família”, disse o príncipe d. João, um dos curadores da exposição.

21 Todas as reproduções foram feitas a partir dos negativos em vidro original. “Tivemos muita sorte ao longo de mais de 100 anos de os originais não terem se quebrado”, ressalta o curador. As imagens mostram a família real no dia a dia, reunida e descontraída. Em algumas fotos, eles nem estão posando. Numa delas, por exemplo, a princesa Isabel está com o rosto virado.

Todo o acervo herdado por dom Orleans e Bragança foi confiado em 2009 em regime de comodato ao Instituto Moreira Salles (IMS), onde está a exposição em São Paulo, para que fosse preservado e restaurado. Esse acervo soma quase 800 imagens de cerca de 80 fotógrafos. Para os críticos, o valor está relacionado especialmente ao registro da rotina e do cotidiano sob um ângulo que pouco se conhece da família imperial.

Quase todas as imagens da exposição são do fotógrafo Pedro 2º, o primeiro de origem brasileira e um dos primeiros colecionadores de fotos do mundo a guardar em acervo fotografias e a incentivar exposições, segundo diz o escritor e especialista em fotografia Pedro Vasquez, ex-diretor do Instituto Nacional de Fotografia da Funarte (Fundação Nacional de Artes). “D. Pedro era uma pessoa sisuda, com ar melancólico e compenetrado. No entanto, as fotos da família real são muito bem-humoradas e engraçadas”, conta o crítico.

Nas imagens capturadas pelo fotógrafo, duas chamam a atenção. Uma delas é um retrato de d. Pedro com a coroa. A outra é a princesa Isabel sorridente e carinhosa com as crianças no colo. “Raramente d. Pedro era visto com a coroa na cabeça. Ele era avesso a esse tipo de pompa”, ressalta Vasquez. Algumas fotos que retratam o cotidiano da família real foram tiradas por Marc Ferrez e Revert Henry Klumb, que foi professor de fotografia das princesas Isabel e Leopoldina. A maior vantagem dos dois fotógrafos é que eles tinham livre trânsito nos palácios reais e desfrutavam da intimidade da realeza, o que facilitou o trabalho, principalmente na hora de capturar fotos íntimas e sem poses. As imagens privadas mostram ainda registros históricos importantes, como a família real comemorando o fim da Guerra do Paraguai e numa missa campal celebrando a abolição da escravatura.

CORREIO BRAZILIENSE – Almas fisgadas

Fotógrafa Tina Coêlho capta flagrantes de expressões culturais e étnicas

(30/8/2011) Quando ela trabalhava em redação de jornal diário, os colegas fotógrafos achavam curioso Ana Cristina Coêlho, carinhosamente chamada de Tina, gostar de fotografar lixão e cadáveres. E de fazer o feio parecer bonito. No leque vasto de imagens, tinha de defunto a presidente. Mas o que Tina adora mesmo é clicar expressões culturais. Essas, sobretudo, são registradas por uma lente que mescla o olhar jornalístico com o artístico. Faz, ao mesmo tempo, ensaio e reportagem. “Aprofundei o factual.” É assim que define as fotos tiradas durante o Encontro de Culturas Tradicionais da Chapada dos Veadeiros, que estão agora reunidas na exposição Entre laços, em cartaz no Memorial Darcy Ribeiro até 17 de setembro.

Neste ano, a 10ª edição do evento ocorreu, em julho, na Vila de São Jorge, distrito de Alto Paraíso de Goiás. Durante os 15 dias de evento, Tina Coêlho produziu 15 mil fotos que retratam as diferentes comunidades e povos que passaram por lá, entre eles índios, quilombolas e africanos. Desse amplo universo de imagens, 49 delas foram selecionadas para a exposição. “As boas fotografias te chamam, gritam. Não tem matemática para isso. Na hora da edição, elas pulam à sua frente”, conta.

22 As fotografias escolhidas têm por objetivo traduzir em imagens o espírito de comunhão do encontro. “Muitas vezes, é difícil ter acesso a apenas uma dessas etnias, imagina a todas elas juntas”, afirma Tina, encantada com a oportunidade de transitar entre mundos diversos. O contato pode ser visto no toque entre as mãos de uma senhora de cabelos grisalhos e uma pequena índia, agarrada ao colo da mãe. Todas as fotografias são tentativas de captar a expressão cultural e pessoal dessa gente e, como elas se misturam. Para Tina, o público também é participante, um “outro ente dentro do festival”, define. “Todas elas revelam o que há de especial nesse encontro de etnias”, acredita.

Olhar misturado

Tina não procura semelhanças, tampouco diferenças. O olhar dela é atraído pelo fruto da mistura entre as várias culturas. Acessórios e pinturas de diversas etnias adornam um mesmo corpo: seja a menina kahô, seja a mulher calunga. “Infelizmente, a fotografia não carrega sons”, lamenta. Contudo, a visualidade das indumentárias da dança do sussa, grupo quilombola Calunga, não passa despercebida à lente fotográfica.

Em meio a tantos símbolos culturais fortes, Tina se posiciona à distância. Provida de uma lente capaz de congelar os mais longínquos lances de uma partida de futebol, Tina brinca de “roubar almas”: “Tento captar ao máximo a coisa como ela é. Quanto mais distante, menos você interfere”. E, portanto, mais perto se chega do que seria definido como realidade. “Depois de um tempinho, a pessoa esquece que tem um fotógrafo ali”, acredita. São as potentes lentes teleobjetivas que permitem a Tina manter a discrição, na medida do possível.

Em Entre laços, as fotografias repousam sobre os painéis de vidro da própria estrutura do Memorial Darcy Ribeiro. Tina explica por que preferiu aproveitar o que encontrou edificado, no lugar de utilizar suportes específicos para fotografias: “O formato circular do espaço cria um caminho. A luz durante o dia interage bem com o cenário de fundo, que é o jardim”. A ordem não é cronológica, mas fluida. O início coincide com o fim na figura do chocalho: aquele que dita o ritmo. “O ritual permeia as fotografias”, descreve. MÚSICA

ESTADO DE MINAS - Nasce uma estrela

Kiko Ferreira

(25/8/2011) Inspirada em Sandy, que ouviu aos 7 anos, a cantora e compositora Laura Rizzotto é a mais nova aposta do circuito pop brasileiro. Com algumas semelhanças com as mineiras Lu Alone e Paula Fernandes, ela está sendo lançada como prioridade pela gravadora Universal. Produzido pelo experiente Paul Ralphes, Made in Rio marca a estreia da adolescente de 17 anos, que entra em cena com uma dúzia de canções próprias, a maioria feita em parceria com o irmão, Lucas. A jovem Laura Rizzotto faz sua estreia com o aval de um mestre do porte de Eumir Deodato A trajetória da moça tem um roteiro quase de Cinderela. Nascida no Rio de Janeiro, ela foi com os pais morar nos Estados Unidos. Tinha 11 anos e começou a exercitar o ofício de autora, traduzindo para o inglês as letras de Lulu Santos, Herbert Vianna e Paula Toller. Era só uma maneira de fazer as amigas entenderem as palavras das músicas brasileiras que admirava. Um ano depois já compunha The reason why, primeira das 35 canções que ostenta no currículo.

23 A decisão de entrar na vida artística já estava tomada quando Laura foi a um show de Sandy. Começou a estudar piano e balé clássico aos 8, mas só cantava em família. O balé, parou com 15 anos. Mas a música, leva a sério. Está no quinto ano da escola de música da UFRJ. Ainda aos 15 anos, pediu ao pai, de presente de aniversário, o clipe de When I look in your eyes. O vídeo começou a circular e levou a algumas apresentações no Bar do Tom, no Rio, e no prestigiado café na loja Modern Sound, no ano passado.

Foi lá que Laura acabou sendo ouvida por um diretor da gravadora, que, confiante no potencial da moça, assinou um contrato para cinco CDs, fato raro no atual momento da indústria fonográfica. Ouvindo o disco, é fácil entender os motivos da aposta. Laura é bonita, jovem, fotogênica. Escreve letras em inglês com fluência, usando temas que agradam ao público adolescente, com linguagem direta de um diário imaginário. “A grande maioria é autobiográfica”, confessa. “E como sou romântica, elas também são.”

O estilo é, a grosso modo, um mix da porção mais doce de Avril Lavigne com a pegada pop country de uma Shania Twain. Daí para o sucesso no rádio, em trilha de novela e nos principais programas da TV aberta e fechada é questão de estratégia. Para completar, ela chega com um trunfo que poucos estreantes conseguem. Na música Who you are recebeu arranjo e a participação, ao piano, de mestre Eumir Deodato, que elogiou a garota e confessou que não entrou “com muito embelezamento, para não atrapalhar”. Tradução: contribuiu na medida certa para colaborar com o sucesso.

Se nas 12 faixas oficiais, todas com letras em inglês, ela soa como uma candidata a estrela pop internacional, nas três faixas bônus mira o público interno. Traduz para o português as canções Friend in me, Better place e When I look in your eyes. E aí soa como concorrente ao country pop de Paula Fernandes. Nas duas versões, fadada ao sucesso.

CORREIO BRAZILIENSE - Sublime voz

Recém-chegada de turnê pela Europa, Mônica Salmaso volta a Brasília com impecável repertório

Irlam Rocha Lima

(25/8/2011) Mônica Salmaso foi pega de surpresa ao saber que a presidente Dilma Rousseff é sua fã. “Não a conheço pessoalmente e, quando tomei conhecimento da declaração dela, afirmando que tem todos os meus discos, que gosta da minha voz e aprecia minha interpretação, fiquei felicíssima. Afinal de contas, o elogio veio da pessoa mais importante do país. Mas, claro, não esperava isso”, disse a cantora ao Correio.

Ela conta que no dia em que a notícia saiu publicada, o telefone de sua casa não parou de tocar. “Eram parentes, colegas e amigos me parabenizando. Ai me lembrei que a presidenta havia assistido a uma apresentação minha na Sala Villa-Lobos (Teatro Nacional), em Brasília, acompanhada pelo ministro (do Esporte), Orlando Silva, mas naquela oportunidade não formos apresentadas”.

A cantora volta, no sábado, à cidade para lançar o álbum Alma lírica brasileira, em show, às 21h, no Teatro Unip (Universidade Paulista). “Gostaria de ter a presidenta Dilma na plateia e, de poder encontrar com ela depois, para poder agradecê-la pela distinção a mim atribuída”. No palco, Mônica terá a companhia do pianista

24 Nelson Ayres e do multisoprista Teco Cardoso, músicos paulistas que, também, participaram da gravação dos disco.

O que o brasiliense verá no recuperado espaço para as artes, na 913 Sul, é um espetáculo acústico, intimista, com a delicadeza do canto de Mônica, presente nos cinco CDs anteriores ao Alma lírica. A artista retornou, na terça-feira, da Europa, mais precisamente da Itália, onde, ao lado do pianista André Mehmari e do clarinetista Gabriele Mirabassi, fez shows em Roccela, Scarlino e Ravello. “Os italianos nos acolheram calorosamente e a reação combinava com a temperatura que fazia naquelas cidades”, conta.

O show apresentado naquele país é diferente do que Mônica tem feito no Brasil desde junho, quando da estreia no Teatro Fecap, no bairro da Liberdade, na capital paulista. Esse, tem por base o elogiado Alma lírica, disco lançado pela gravadora Biscoito Fino, no qual ela lapida clássicos garimpados no baú do cancioneiro popular brasileiro.

Há músicas mais recentes, como Carnavalzinho (Meu carnaval), de Lisa Ono e Mário Adnet, que abre o repertório. Predominam canções como Melodia sentimental (Heitor Villa-Lobos e Dora Vasconcelos), Derradeira primavera (Tom Jobim e Vinicius de Moraes), Lábios que beijei (J. Cascata e Leonel Azevedo), Cuitelinho (adaptação de Paulo Vanzolini) e Trem das onze (Adoniran Barbosa).

“Meu rádio, meu mulato, de Herivelto Martins, eu conheci ouvindo numa gravação de Carmen Miranda, mas há uma outra da Zélia Duncan, no CD Eu me transformo em outras”, revela. “Como não sou compositora, recorro ao meu balaio de ideias na hora de escolher o que vou cantar em disco ou show. Seleciono músicas com as quais me identifico, que se adequam à minha interpretação”, explica.

O GLOBO - Disco mostra o início da carreira de Leci Brandão

Compilação reúne 18 gravações anteriores à explosão do pagode, inclusive a primeira versão de ‘Zé do Caroço’, recusada à época

(25/8/2011) Leci Brandão se mudou de vez para São Paulo há sete anos, após ser acolhida por grupos de pagode romântico que vinham gravando suas músicas. Diante de narizes torcidos da elite cultural, tornou-se popular e até se elegeu deputada estadual pelo PC do B, com 83 mil votos.

Entre 1976 e 1981, sua situação era inversa. Contratada da Polydor (hoje Universal), gravava outros gêneros além do samba, fazia letras com críticas políticas e comportamentais, conquistando assim um público de classe média, mas não fazendo sucesso. O CD “O canto livre de Leci Brandão”, lançado agora, reúne 18 faixas desse período inicial da carreira da artista carioca (primeira mulher a integrar a ala de compositores da Mangueira), desconhecido mesmo para muitos de seus fãs.

— Era a intelectualidade que me curtia — recorda Leci, falando por telefone de seu gabinete na Assembleia Legislativa de São Paulo. — Não vendia tantos discos, mas tinha prestígio. Eu falava do povo, mas não tinha acesso de verdade ao povo.

Tabus no repertório

Quando foi mostrar na Polydor, em 1981, o que já tinha gravado para seu quinto LP na companhia, Leci ouviu que aquilo não interessava e que precisava fazer um novo tipo de som, mais comercial. Recusouse, escreveu uma carta de demissão e deixou para trás os primeiros registros de “Deixa, deixa” e “Zé do Caroço”, sambas que se tornariam sucessos anos depois. Inéditas até hoje, as versões originais estão na coletânea.

— Muita gente jovem está me conhecendo por causa das regravações de “Zé do Caroço” — diz Leci, que viu nos anos 2000 o samba sobre um líder comunitário do Morro do Pau da Bandeira ser cantado por Revelação, Seu Jorge e Mariana Aydar. — Esse CD mostra que falar de problemas não é novidade para mim.

25 A Leci da primeira fase falava, por exemplo, da falta de liberdade que o país vivia sob o regime militar (“Não cala o cantor”). Filha de servente, lutou bastante para se formar em Administração, e sabia falar dos contrastes sociais (“Marias”). Também cantou, quando o tabu era ainda maior, os amores entre pessoas do mesmo sexo (“Ombro amigo”, “Assumindo”).

— Sempre fiz música com motivação. Falei de negros, mulheres e, no caso de “Ombro amigo”, fiz depois de ver uma pessoa ser ofendida na rua, em Copacabana — lembra.

Responsável pela seleção do repertório e pelo texto do encarte do CD, o pesquisador Rodrigo Faour diz que Leci pagou um preço por escolher assuntos espinhosos:

— Por ter tocado em temas como o da causa gay, Leci ficou um pouco estigmatizada e deixou de gravar por cinco anos. Em 1985, novos produtores vieram com a ideia de popularizá-la sem descaracterizar seu trabalho. Acabou dando certo, e ela conseguiu uma nova fatia de público, que antes era bem mais restrita.

Faixas do disco “Leci Brandão”, como “Isso é fundo de quintal”, estouraram. Ela, já na gravadora Copacabana, tornou-se expoente da onda que se convencionou chamar de pagode.

A situação pioraria de novo na década seguinte, e Leci foi buscar em São Paulo o que já não conseguia no Rio: palcos para fazer shows, selos para gravar, público para agradar. Mas tudo só foi possível graças ao apoio de grupos e cantores populares como Sem Compromisso, Sensação, Art Popular e Leandro Lehart.

— Consegui me reerguer e voltar à mídia. Foi fundamental para eu recuperar a minha autoestima. E não tenho problema com sambas românticos. Sempre cantei o amor. Mas as pessoas precisam de coisas para falar mal — diz ela, também acolhida por rappers como Mano Brown e Rappin’ Hood.

O ESTADO DE S PAULO - Osesp faz transmissão pela internet com nova titular

Orquestra faz transmissão pela internet e começa a gravar com nova titular

João Luiz Sampaio

José Patricio/AE

Entrevista Marin Alsop, nova regente da OSESP

(25/8/2011) A Osesp faz no sábado, às 16h30, a primeira transmissão de um dos seus concertos pela internet. Na regência estará a titular do grupo a partir de 2012, Marin Alsop, que rege o Concerto para Violino de Korngold e a Sinfonia n.º 5 de Prokofiev - o mesmo programa será apresentado hoje e amanhã na Sala São Paulo.

Em entrevista exclusiva ao Estado, Alsop define como um "teste" a transmissão, que será feita pelo site www.concertodigital.osesp.art.br - ainda não há confirmação sobre a permanência da iniciativa nos próximos anos.

Os concertos desta semana marcam também o início da primeira gravação da maestrina com o grupo. A Quinta de Prokofiev será registrada, abrindo projeto de gravação de todas as sinfonias do compositor para o selo Naxos, do qual Alsop é artista. A orquestra tem contrato com o selo BIS, firmado nos anos do maestro John Neschling como diretor artístico. Mas, segundo a Fundação, o novo contrato não anula o anterior. Para o selo BIS, será gravado em 2012 um disco com o maestro

26 Frank Shipway, outro com obras para trompete (com Ole Edvard Antonsen) e um de danças brasileiras.

Questionada sobre o valor do contrato com a Naxos, a orquestra disse apenas, por meio de sua assessoria de imprensa, que ele ainda não está assinado e, portanto, "não é possível apresentar valores" - mas que eles "seguem as normas de mercado".

A transmissão do concerto de sábado será um evento isolado? Há planos concretos de ampliar a iniciativa, torná-la regular nas próximas temporadas?

Estamos contentes com esse primeiro teste. Estar na internet é fundamental, permite buscar novas plateias e, como será no sábado à tarde, ou seja, à noite na Europa, vai permitir que lá fora as pessoas saibam o que anda acontecendo por aqui. A nossa percepção é clara: não adianta apenas fazer bons concertos, é preciso comunicar o que fazemos. Nesse sentido, acho que será importante transformar essa iniciativa em algo duradouro.

A senhora fala em atrair novos públicos. Como levar o internauta para a sala de concertos?

É esse o desafio. Quando se pensa em um artista como Justin Bieber é incrível perceber como ele surgiu com a internet, foi ela que o transformou em fenômeno. É admirável a maneira como o universo pop constrói carreiras. Hoje, a palavra fundamental é "relacionamento". É necessário estabelecer uma relação direta com o público. E as orquestras têm feito um péssimo trabalho nesse sentido. Assim, a nossa transmissão não terá apenas o concerto. No intervalo, vamos falar sobre a peça tocada, vou mostrar os bastidores da interpretação. Com isso vai se estabelecendo uma relação com o público e é isso que vai levar as pessoas aos concertos, a comprar os discos da Osesp e assim por diante.

Fala-se muito na necessidade de "vender" melhor a música clássica. Nesse sentido, o que exatamente o produto concerto tem a oferecer às pessoas?

O público está envelhecendo e os jovens associam o concerto a algo que não é dinâmico, não querem fazer parte dele, é como se fosse algo que pertencesse a outra geração, um território proibido. Não sei, talvez possamos fazer concertos nos quais quem tem mais de 40 anos não poderá entrar (risos). Enfim, uma vez que a educação musical não faz mais parte da vida cotidiana da criança e dos jovens, nós podemos fazer esse papel, trabalhar cada vez mais por projetos educacionais. E aos poucos devolver às pessoas a sensação de que a música é relevante para a vida delas. A internet dá essa sensação de proximidade. E, precisamos reconhecer, o universo dos concertos é rígido demais, há tantas regras: como se vestir, quando aplaudir. Isso não é necessário.

Por que foi escolhido este concerto especificamente para a primeira transmissão?

Temos um grande solista, o violinista Renaud Capuçon, que vai tocar o concerto de Korngold, uma peça que se aproxima da música de cinema. Além disso, o Prokofiev é bastante acessível, é um compositor que tem um pé no passado e outro no futuro, moderno e tradicional ao mesmo tempo.

A senhora escolheu a integral das sinfonias de Prokofiev como seu primeiro projeto de gravação com a Osesp. Por quê?

Eu vinha conversando com o selo Naxos sobre novos projetos e eles já haviam demonstrado interesse em substituir as gravações que já têm em catálogo dessas obras. Sugeri a eles que fizéssemos com a Osesp, o que agradou muito à gravadora. E acredito se tratar de um compositor bom para a Osesp, que se ajusta às suas melhores características, como o alcance dinâmico, a flexibilidade do som.

Além de Prokofiev, a senhora já tem novas projetos de gravação com a orquestra?

Nada está definido, mas posso dizer que acredito que a parceria com o selo Naxos poderá trazer frutos importantes e deve continuar depois desses álbuns.

27 O ESTADO DE S. PAULO - Salve, Wilson Moreira

Compositor carioca ganha centro cultural em sua homenagem no Rio

Lucas Nobile

(26/8/2011) No fim dos anos 1970, o compositor Nelson Sargento vaticinou que o "samba, agoniza, mas não morre/ Alguém sempre te socorre/ Antes do suspiro derradeiro". Os versos melancólicos, em parte, continuam a valer até os dias de hoje. Parcialmente, tendo em vista que nomes da antiga e também da nova geração seguem carregando a tocha do gênero mais popular do País com competência. Além disso, a eles somam-se outras iniciativas bem intencionadas em preservar a história do samba e de seus protagonistas, como ocorre agora com Wilson Moreira.

O compositor carioca, nascido no bairro do Realengo, comemora 75 anos em dezembro, mas as celebrações começam amanhã. Neste sábado, com a presença do sambista, será inaugurado o Centro Cultural Wilson Moreira, na Praça da Bandeira, no Rio, com roda de samba e a ilustre presença do "filho do Estácio", Luiz Melodia, às 15 horas.

A partir de setembro, o centro cultural abrirá inscrições para oficinas de violão, cavaquinho, sopros, pandeiro e percussão. O instituto, que demorou dois anos para sair do papel - e apenas recentemente ganhou apoio da prefeitura do Rio - também oferecerá cursos de dança, teatro, artesanato e culinária.

Além disso, na sede, o público poderá ter acesso ao acervo de Wilson Moreira, podendo escutar seus discos antológicos. "Eu sempre guardei muita coisa, como fotos, matérias de jornais, mas muito do material se perdeu, ou está com aquele papel amarelado, se desfazendo. Agora, poderemos preservar melhor essa história", conta o compositor.

Tal reconhecimento não poderia ser ignorado. Um dos fundadores da Mocidade Independente de Padre Miguel - no fim dos anos 1960, por descasos e desavenças, ele vestiu o azul e branco da , onde foi muito bem recebido -, ele também ajudou a "erguer" o Clube do Samba e do Grêmio Recreativo de Arte Negra e Samba Quilombos.

Na metade da década de 1960, foi levado por Délcio Carvalho a conhecer , com a seguinte credencial: "Esse cara musica até bula de remédio". Ao lado de Nei e pelas vozes de intérpretes como Alcione, Clara Nunes, Jair Rodrigues e Zezé Motta, Wilson colecionou sucessos, como Senhora Liberdade (feita após anos de experiência trabalhando como carcereiro) e Gostoso Veneno, entre outros. "O Wilson Moreira é um dos maiores melodistas do samba em todos os tempos. É da estatura musical de Dona Ivone Lara, pela beleza das melodias que cria. Tenho muito orgulho em ser seu parceiro. O Centro Cultural é uma forma de se dar a ele "flores em vida", como dizia o samba do Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito. E ele ainda merece muito mais", diz Nei Lopes.

Na virada de 1967 para 1968, mais uma passagem que resume o tamanho do talento de Wilson Moreira. Ao ser indicado para ter aulas com ninguém menos do que Guerra Peixe, o compositor, arranjador e maestro o dispensou: "Pode ir, você não tem nada para aprender comigo".

Tributos. Até o ano que vem há diversas celebrações em torno dos 75 anos do sambista. Recentemente ele lançou o disco Wilson Moreira + Baticun, acompanhado de Beto Cazes, Carlos Negreiros, Jovi Joviniano e Marcos Suzano. No cinema, Germano Fher filma um documentário sobre Wilson. Para o ano que vem sairá mais um disco, produzido por Paulão 7 Cordas com inéditas dos anos 1950 até hoje.

O ESTADO DE S. PAULO - As joias do incansável China

Aos 31 anos, pernambucano canta, compõe e produz em seu novo disco solo

Lucas Nobile

(26/8/2011) Dona Lúcia pode não ter se dado conta, mas até hoje ela tem grande peso naquilo em que seu filho Flávio Augusto se tornou artisticamente. Conhecido por todos, desde pequeno, como

28 China, ele ouviu de sua mãe que se decidisse a ser músico, "teria de ser o melhor e trabalhar sem descanso". A rotina dele segue assim até hoje e resume-se no título do disco Moto Contínuo, que China lança quarta-feira, gratuitamente, no site da gravadora Trama.

O nome do álbum pode ser o mesmo do tema de Chico Buarque e Edu Lobo (registrado no antológico Edu&Tom, de 1981), mas não tem ligação direta com tal composição. Apenas reflete a ubiquidade de China, dando a impressão de que ele está por toda parte o tempo inteiro. E está: como cantor, compositor e produtor deste disco completamente autoral, entre os amigos do Mombojó nos frequentes shows com o Del Rey (cantando músicas de Roberto Carlos) e diariamente na MTV, como apresentador do programa Na Brasa. "Eu ainda estou aprendendo muito com essa coisa de roteiro, de olhar pra câmera, dos cortes... Mas tem me ajudado muito como comunicador, que tenho tentado aproveitar e levar para os meus shows", diz China.

Sobre o fato de ele ter seu programa em uma emissora voltada para a música, China admite um extremo cuidado em não ficar inflando suas crias, como por exemplo o clipe de Só Serve Pra Dançar (feito colaborativamente por fãs internautas), que estreou recentemente. "Seria muita cara de pau eu ficar lá bombando meu clipe, saca? Nem pensar, man", comenta.

A preocupação se deu do mesmo jeito para fazer com que Moto Contínuo saísse do forno. Em 2007, China (que nos anos 1990 integrava a banda Sheik Tosado) havia captado recursos em um fundo de incentivo para viabilizar seu primeiro disco solo, Simulacro, que teve Pupillo como produtor. "Eu queria que ele tivesse produzido este também, mas não tinha grana para pagar. Fiz tudo do meu bolso, contando com a "brothagem" dos amigos, e não queria de novo inscrever meu disco num edital, seria muito escroto pegar grana do governo de novo sendo que outros artistas também precisam e têm esse direito", conta China.

Nessa linha, o compositor justifica o longo período de gravação do disco (entre novembro de 2009 e setembro de 2010) exatamente por não ter esse dinheiro sobrando e pelo fato de ter assumido a produção do próprio disco. "Quando você assume a produção do seu trabalho, man, você fica dez vezes mais criterioso, mas tem esse lado bom de fazer um disco solo, de não ter um conceito, uma unidade estética definida. Justamente por isso eu pude gravar músicas minhas que eu jamais pensaria em gravar um dia", explica.

E o não se guiar por um único conceito faz com que Moto Contínuo soe coeso, mas com "várias bandas em um único disco".

A diversidade fica evidente com a dançante Só Serve Pra Dançar, passando pelo hardcore de Espinhos, pela balada Overlock (com Pitty), pela doce Terminei Indo (com Tiê), pelas influências eletrônicas misturadas com rock em Nem Pensar em Você, pela dolente e etérea Mais Um Sucesso Pra Ninguém, chegando à valsa Anti-Herói, feita para seus filhos. "Sempre contei muita história inventada para meus filhos. Estou até começando a escrever um livro infanto-juvenil com elas. Não paro, man. Mas essa parada do livro não tem previsão de data ainda", diz.

Como ele mesmo gosta de definir, Moto Contínuo foi produzido por todo mundo que participou. Entre eles, amigos de longa estrada, como o irmão Bruno Ximarú, Dengue, Chiquinho, Homero Basílio, Vicente Machado, Felipe S., Jr. Black, Yuri Queiroga, e tantos outros. Tudo na base da irmandade colaborativa, fazendo com que, assim como Nó na Orelha (Criolo), Memórias Afro/Lusitanas (Gui Amabis), Metá Metá (Kiko Dinucci, Juçara Marçal e Thiago França) e Um Labirinto em Cada Pé (Romulo Fróes), Moto Contínuo, de China, seja mais uma das preciosidades de 2011.

O GLOBO – Admirável rock novo

Menos massificados, grupos brasileiros usam shows e internet para chegar ao Rock in Rio

Silvio Essinger

29 (31/8/2011) Em 2001, o Brasil viu o seu último Rock in Rio. No tempo que se passou até a edição nacional seguinte (que começa no próximo dia 23), o rock brasileiro mudou bastante: nomes fortes desapareceram ou perderam gás, as rádios e a MTV diminuíram seu espaço para o gênero, os shows internacionais ficaram mais comuns, a internet mudou todo o jogo da divulgação, e a distribuição da música e as grandes gravadoras deixaram de apostar na cena, ocupadas com outras ondas. Mesmo assim, uma nova geração de rock surgiu e se desenvolveu nesses dez anos. E está representada no Rock in Rio 2011: NX Zero, Pitty, Detonautas Roque Clube e Gloria (no palco Mundo, o principal), Matanza, Cidadão Instigado e Móveis Coloniais de Acaju (no palco Sunset). Cada um com sua história.

— Em 2001, na última edição brasileira do festival, minha banda, o Inkoma, tinha acabado. Mas eu continuei compondo. Havia a vontade imensa de viver de rock, mas tudo parecia muito difícil e distante — conta Pitty, que em 2003 lançou seu primeiro disco, "Admirável chip novo", e, anos depois, se tornaria um dos nomes comercialmente mais importantes do rock brasileiro nos anos 2000. Qual seria a razão, então, da virada de expectativas?

— Canções com as quais as pessoas pudessem se identificar profundamente. E muito trabalho para fazê-las saber que essas canções existem — diz.

Outra grande força do rock brasileiro dos anos 2000, o NX Zero (que surgiu logo depois do último Rock in Rio e comemora a primeira década com o CD e o DVD "Multishow Ao Vivo — NX Zero 10 anos"), analisa o estado de coisas no Brasil.

— Hoje, está cada vez mais difícil de botar um rock na rádio. Só a canção acústica, mais leve... A gente faz o possível, dentro do nosso limite — diz o guitarrista Leandro da Rocha, o Gee, que conta que a banda foi uma das primeiras do rock brasileiro a se valer de uma novidade fundamental. — Em 2001, a internet começou a bombar. A gente não tinha dinheiro, então gravava música acústica e botava ela em sites de mp3. Nossa divulgação começou por aí. Com isso, tocamos de norte a sul do país. Viajávamos 20 horas de van e montávamos nosso próprio palco – diz Gee.

O passo seguinte do NX Zero foi a contratação pelo selo Arsenal, do produtor Rick Bonadio, que é ligado à gravadora multinacional Universal Music. Foi o que abriu o caminho nas rádios, nas TVs e, daí em diante, nos grandes festivais de música do país. O que pôs a banda em situações inesperadas.

— Muitas vezes, tínhamos que tocar duas vezes a mesma música, para aquela galera que só conhecia os hits do NX Zero — diz o vocalista Di Ferrero.

— Antes, a gente vivia num nicho. Agora, toca com o Thiaguinho, do Exaltasamba — reconhece Gee.

— Sempre haverá concessões, é só escolher qual delas te machuca menos — acredita Pitty.

Mi, vocalista do grupo Gloria, é um dos que não tiveram boa experiência nos palcos dos grandes festivais, em que se misturaram a sertanejos, sambistas, forrozeiros e demais facções da MPB de massa.

— Os organizadores pediam para a gente pegar mais leve. Teve uma hora em que desistimos — diz ele, que hoje engrossa uma legião de artistas de rock que se mantém estável, fora da grande indústria, fazendo cinco, seis shows por mês, para públicos entre mil e duas mil pessoas.

O Matanza, que lançou seu primeiro disco em 2001, é um desses grupos.

30 — Aquele foi o último momento em que a gente teve mordomias e altas expectativas de vendagens — diz, sem pudores, o vocalista Jimmy London.

O Matanza (que se apresenta no Rock in Rio com o rapper BNegão) foi uma das bandas de rock que conseguiram dar a volta por cima, trilhando alguns caminhos alternativos.

— A gente não tinha feito uma banda só pra gravar disco. Era porque a gente gostava de música. E aí fomos ralando, ralando, fazendo shows e ignorando todo o resto — conta Jimmy, que hoje vive da música e segue gravando discos com o Matanza.

Os Móveis Coloniais de Acaju (que se apresentam no festival com Letieres Leite e Orkestra Rumpilezz, mais a cantora Mariana Aydar) também apostou na estrada.

— A gente foi investindo no trabalho. Viajamos muito por nossa conta, a partir de 2005, com o dinheiro que conseguimos arrecadar com os shows em Brasília — diz o saxofonista Esdras Nogueira, cuja banda não teve dúvidas em disponibilizar de graça, na internet, o seu primeiro CD, de 2005. — O Móveis apareceu numa época em que não era mais comum vender 100 mil discos. A internet foi uma boa forma de divulgar o trabalho.

Mais tarde, Esdras e seus companheiros viram a banda vender 15 mil cópias físicas dos seus dois álbuns. O problema principal que os roqueiros mais militantes apontam para a manutenção do cenário é o das ondas, como a das bandas “coloridas” (como Restart e Cine) e a dos sertanejos universitários. — O jovem não sabe mais do que vai gostar. O boom do sertanejo tirou o espaço de bandas maiores do rock, como o NX Zero e o Fresno — diz Mi, vocalista do Gloria.

— O sertanejo foi para a universidade, e o rock foi para o jardim de infância — polemiza Tico Santa Cruz, vocalista do Detonautas Roque Clube, banda carioca que recentemente voltou à independência depois de oito anos contratada por uma grande gravadora.

— O que mais me constrange atualmente é que o rock perdeu o que o distingue dos outros estilos: a espontaneidade. A facilidade de gravar e lançar na rede social fez com que se desse espaço a muita coisa sem conteúdo. E hoje a juventude é mais flexível, não tem mais o rock como filosofia de vida — analisa Tico.

— Antes tinha as bandas que eram do rock e as que não eram — alega Jimmy, do Matanza, que vê a cena rock brasileira pulverizada em nichos. Líder do Cidadão Instigado, uma dessas bandas que vivem no limite entre o rock e outros estilos (e que se apresenta no Rock in Rio ao lado do roqueiro retrô gaúcho Júpiter Maçã), o guitarrista Fernando Catatau tem visão diferente .

— Esse lance de movimento rock é sempre um lance de marketing das gravadoras, que deu certo nos anos 1980 porque elas apoiaram o rock. Acredito em bandas fortes e em pessoas se ajudando — diz.

O futuro do rock no Brasil ninguém pode dizer qual é. Mas otimismo é o que não falta entre os músicos. Ainda mais com o Rock in Rio. — Tem o mercado, mas tem sempre o público fiel, aquele que vai pedir a música mais pesada. É o que a gente conquistou, é a nossa base — festeja Di, do NX Zero.

— O rock é como o Jason, do “Sexta-Feira 13”: os caras matam ele e ele volta — aposta Tico, dos Detonautas.

FOLHA DE S. PAULO - Após 43 anos, disco beneficente recria 'Tropicália' com 60 artistas

Marisa Monte, David Byrne, Beirut, Beck, Rita Lee e Bebel Gilberto estão em 'Red Hot + Rio 2'

Renda do álbum, que sai em setembro, vai para a luta contra a Aids; há 15 anos CD celebrou a bossa nova

31 CHICO FELITTI

(31/8/2011) - Quarenta e três anos depois de "Tropicália ou Panis et Circencis", as vozes de Caetano Veloso, Tom Zé e Rita Lee seguem cantando músicas do álbum que deu nome ao movimento estético.

Só que em 2011 os dinossauros tropicalistas ganham reforço: Marisa Monte, Beck, Devendra Banhart, David Byrne e uma legião de 60 artistas de 13 países soltaram a voz para levantar dinheiro para o combate ao HIV no CD duplo "Red Hot + Rio 2", a ser lançado em setembro aqui.

O brasileiro Béco Dranoff coproduziu o álbum, gravado pelo projeto Red Hot, que já lançou 20 CDs para custear ações de conscientização sobre o vírus da Aids. O primeiro "Red Hot + Rio", há 15 anos, homenageou a bossa nova. Dranoff falou à Folha, de Nova York, onde mora desde 1988.

Folha - Como se decidiu quem participaria do CD?

Béco Dranoff - Desde o início queríamos convidar o Beck, o Devendra Banhart, o Of Montreal, o Beirut. Do Brasil, eram os clássicos, como Tom Zé, Caetano, Marcos Valle, Joyce, Os Mutantes, Rita Lee, e a nova guarda, como Bebel Gilberto, Céu, Apollo Nove, Otto, Marisa Monte, DJ Dolores e outros artistas com ângulos musicais incríveis.

Como escolheram o repertório?

Depois de definirmos que o projeto seria uma homenagem moderna ao tropicalismo, selecionamos artistas que são influenciados de alguma forma pelo movimento. Durante a produção, fomos enviando sugestões de músicas e parcerias para os artistas. Em alguns casos, eles escolheram as canções que iam gravar. Há também músicas originais, como as de John Legend, de Rita Lee, do duo Twin Danger, de Aloe Blacc, de Kassin com Cibelle e de Money Mark com Thalma de Freitas e João Parahyba.

O tropicalismo voltou à moda lá fora?

Desde os anos 1990, a tropicália é admirada como um movimento cultural à frente do seu tempo. No final dos anos 60, já era um movimento de vanguarda que pregava a abertura mental e musical e a globalização das culturas. Hoje, é absorvida pela juventude como uma referência artística importante e atual, no Brasil e no mundo.

Faz-se tropicalismo ainda?

Sim, claro que se faz tropicalismo. Hoje no Brasil temos uma geração inteira que desbrava novos caminhos musicais, fundindo a brasilidade sonora com as tendências e evoluções musicais internacionais. Misturam tudo sem perder a alma brasileira.

Há planos de shows reunindo os artistas do álbum?

Existe uma grande vontade de promovermos um evento no Brasil para marcar o Dia Mundial da Luta contra a Aids, em 1º de dezembro.

Gretchen e bossa nova entram na compilação

O baixista Paul Collin tocou no cavaquinho pela primeira vez quando soube que sua banda, Beirut, iria homenagear Caetano Veloso no álbum "Red Hot + Rio 2", com a música "Leãozinho". E a afinação não foi das melhores.

"É uma instrumentação muito estranha para a gente, então não estamos tocando essa música nos shows, e ela nem entrou no novo álbum ['The Rip Tide', lançado neste mês]", disse Collin à Folha.

32 Mas a insegurança [ou desgosto] quanto ao resultado final não distancia o Beirut do Brasil. "Todos fizemos aulas de português, mas o Zach [Condon, vocalista] fala. Meu 'portuguese' é muito básico: 'tudo bem', 'legal' e 'boa noite'. E 'tropicália', claro."

A palavra na ponta da língua do americano não estava na cabeça de alguns lusófonos participantes do projeto. "Não sabia que tropicalismo era o tema desta edição quando fui convidada", diz Vanessa da Mata, que escreveu "Boa Reza" e gravou a música com Seu Jorge e Almaz, projeto que o carioca tem com o Nação Zumbi.

"Mesmo assim, no fim minha canção é tropicalista", afirma Vanessa. "Você é um músico brasileiro e foi tocado por isso, vem de lá de trás. É uma eclosão. Toda a música é um pouco tropicalista."

O CD traz faixas como "Freak Le Boom Boom", imortalizada pelos gemidos de Gretchen nos anos 1980 e revivida por Marina Gasolina (ex-Bonde do Rolê), no mesmo balaio de "Baby", de Gal Costa.

"Não acho que o que eu faço seja tropicalismo. Mas, se é para lutar contra a Aids, está bem", diz João Parahyba, do Trio Mocotó. No disco, ele toca "Berimbau", de Baden Powell (1937-2000), famoso expoente da... bossa nova. LIVROS E LITERATURA

O ESTADO DE S. PAULO - Flip tem novo curador

Miguel Conde substitui Manuel da Costa Pinto na programação do evento de Paraty

Ubiratan Brasil

(25/8/2011) O jornalista Miguel Conde foi anunciado ontem como novo curador da Festa Literária Internacional de Paraty, a Flip, em substituição a Manuel da Costa Pinto. Ele assume o cargo no dia 1.º de outubro e vai cuidar da edição de 2012, que será a 10.ª.

Formado em jornalismo pela UFRJ e mestre em Letras pela PUC do Rio de Janeiro, Conde trabalha atualmente no jornal O Globo. Ele será o sexto curador da Flip, que já contou com Flávio Pinheiro (2004 a 05), Ruth Lanna (2006), Cassiano Elek Machado (2007), Flávio Moura (2008 a 2010) e Costa Pinto (2011).

"O planejamento dessa edição em que a festa completa uma década tem como ponto de partida inevitável o reconhecimento do que ela tem de mais valioso: a combinação entre celebração e pensamento crítico, num espaço em que escritores, leitores e intelectuais se reúnem em torno de um interesse comum pela literatura e pela reflexão", disse Conde, em comunicado distribuído pela Flip.

No próximo ano, que promete uma edição comemorativa, o escritor homenageado será Carlos Drummond de Andrade e as atividades em relação ao poeta - que incluem conferência de abertura, mesas literárias, exposição e eventos na Casa da Cultura - contarão com a colaboração de Flávio Moura, que atuará como cocurador. Ele vem coordenando desde o ano passado os projetos especiais em comemoração ao dez anos de Flip, como publicação de livro comemorativo, criação de prêmio e edição de DVDs.

A edição deste ano terminou de forma ruidosa, por conta de uma discordância entre o curador Costa Pinto e um dos convidados, o cineasta francês Claude Lanzmann. O motivo foi a crítica aberta feita por Lanzmann ao mediador de sua mesa, Márcio Seligmann-Silva. O curador saiu em defesa de Seligman e, durante entrevista coletiva sobre o balanço da Flip, acusou Lanzmann de fugir do debate intelectual, o que seria, segundo ele, "atitude de um nazista".

Em entrevista ao Estado, alguns dias depois, Lanzmann rebateu: "Eu nem conheço esse senhor, mas o desprezo. Os nazistas eu combati, e matei, na resistência".

33 O ESTADO DE S. PAULO - Império da vaidade

Roberta Pennafort

(28/8/2011) Tudo começou com uma insuspeita folha de parreira a cobrir o sexo de Adão. Os pré- históricos lançavam mão de fibras vegetais e de peles de animais; nos índios é notório o esmero com as pinturas corporais. Os drapeados das elites mesopotâmicas,o aimento dos vestidos gregos, as superfemininas estolas romanas, os plissados egípcios, a exuberância das vestimentas de muitas camadas das cortes europeias, imortalizadas em quadros na Renascença, tudo o que um dia foi moda – e que volta e meia reconhecemos nas coleções de estilistas contemporâneos– foi revisado pelo obsessivo pesquisador Marco Sabino.

Saldo de três anos de um trabalho tão solitário quanto fatigante, História da Moda, o livro de arte de 416 páginas que está lançando (Editora Havana, R$ 150), traz como epígrafe:“O homem é o único animal que não se aceita como veio ao mundo”. Para além da necessidade de se proteger das intempéries, está a Vontade de ser visto em sua individualidade, acredita. “Estilo é algo que sempre existiu.

Na Roma antiga, se não fosse na roupa, tinha o cabelo, o penteado ‘ninho de abelha’. Isso tudo é moda. O que nos faz querer mudar é a insatisfação”, avalia Sabino. “Se os homens da pré-história viam passar um animal de pele bonita, talvez quisessem trocar com a que usavam. São suposições. Não existe nada registrado. Mas pesquisei bastante e coloquei muito ‘talvez’.Não se pode ser categórico. Não estou fazendo apostila de escola”.

Ele próprio é um homem inquieto. Sempre foi menino observador e criativo a ponto de incluir nos contos fantásticos que escrevia, como mostra num caderno de páginas amareladas que guarda com todo o cuidado, detalhes do vestido da rainha feita personagem de seu castelo. Era “todo bordado a ouro com brilhantes”. Tinha à época dez anos. Na hora de escolher a profissão, no entanto, foi em outra direção: medicina.

Durante o curso na Universidade Federal do Rio, já fazia bijuterias para as colegas. Formado, não suportou a frustração de trabalhar em hospitais públicos sem recursos, e, contrariando a família, que até hoje pede ajuda ao ex-doutor, trocou o jaleco pelas vestes de estilista. O lado pesquisador se desenvolveu junto.

Seu novo livro, que sucede Dicionário da Moda, de 2006, com 1.400 verbetes, tem 24 capítulos, sendo metade dedicado ao longo período que se inicia com as peles de mamutes e que se estende ao século 19, e sua busca pela simplicidade pós-Revolução Francesa.

Cada década do século 20 mereceu um capítulo, começando com os primórdios da indústria da moda, propiciada pelas máquinas da Revolução Industrial, a gradual liberação da mulher (com a abolição dos espartilhos, a invenção do biquíni, da minissaia, dos tecidos colados ao corpo), o ready- to-wear norteamericano dos anos 50, o advento dos designers superstars, de Chanel a Gianni Versace, Alexander McQueen e John Galliano.

Num apartamento pequeno em Ipanema, as publicações sobre moda, arte e história agrupam-se sobre mesas, em estantes, empilhas a atravancar a porta de entrada. Isso porque a pesquisa para o seu livro já acabou – durante o processo, dormiam e acordavam espalhados.

O título abrangente indica o tamanho da ambição do projeto: explicar as transformações por que passou a indumentária humana até chegar às passarelas de hoje, a da oda e a do show biz. Trabalhou sem qualquer colaboração, nenhuma estagiária a lhe ajudar nas pesquisas dos bancos de dados,como Getty Images e a Corbis, as mais usadas. No Brasil, como não há tamanha quantidade de informação sistematizada, ele recorreu a reportagens de revistas antigas, como O Cruzeiro, Fon- Fon e Manchete.

A ideia era criar uma publicação referência, tal qual se tornaram alguns livrões de sua estante principal, como 20.000 Years of Fashion The History of Costume and Personal Adornment, de

34 François Bourcher, e Encyclopedia of Clothing and Fashion, de Valerie Steele. Só que o seu tem a moda brasileira incluída, dos vestidos à europeia da colônia às fashion weeks modernas, sobrevoando os anos 80, quando a grife Marco Sabino, hoje com peças vendidas só a conhecidos, desfilava no Rio.

ÉPOCA - Antes de Rosa ser Rosa

João Guimarães Rosa em 1930. Ele começava a carreira de médico e ganhava prêmios como contista

LUÍS ANTÔNIO GIRON

(29/8/2011) João Guimarães Rosa (1908-1967) se tornou célebre pelas histórias que ambientou no sertão mineiro, narradas em linguagem ao mesmo tempo regional e renovadora. Seu livro de estreia, Sagarana, de 1946, já tinha as características que lhe trariam a glória. Mas houve um tempo em que Rosa ainda não era o Rosa que conhecemos. Antes Das Primeiras Estórias (Nova Fronteira, 96 páginas, R$ 29,90) reúne pela primeira vez quatro contos da juventude do autor, publicados em revistas, de 1929 a 1930. São narrativas de horror, fantasia e suspense. Para alguns estudiosos, elas representam o avesso do futuro Rosa. Ou quase.

Os especialistas já conheciam os primeiros contos de Guimarães Rosa. Nenhum deles, porém, fez questão de analisá-los ou publicá-los. Dois motivos contaram para a atitude. O primeiro: os contos de aprendizagem são vistos como um estorvo na definição do estilo maduro do autor, pois não se encaixam na narrativa sertaneja iluminada e erudita que ele criou, com particularismos e invenções de linguagem absolutamente únicos. O segundo, mais importante: Rosa desprezava seus contos imaturos.

A editora Nova Fronteira, detentora dos direitos de publicação da obra do escritor mineiro, reúne agora os contos em volume, como uma curiosidade literária, dentro de um projeto de lançar textos inéditos do autor. “Nossa intenção é estimular a curiosidade daqueles que gostam de literatura”, diz Janaína Senna, organizadora do volume. “É uma coletânea simpática, com um título que remete às Primeiras estórias, de Guimarães Rosa (de 1962). Quem ler os contos vai descobrir um escritor em formação. Não é o Rosa que as pessoas aprenderam a amar. Mas é alguém que escreve bem e ainda está tentando encontrar sua voz narrativa.” Publicar os contos, diz ela, não é um desrespeito ao escritor, pois, afinal, eles foram publicados em revistas por sua própria vontade.

O menino Joãozito, como era conhecido em casa, sentia compulsão para a fábula. Gostava de escrever histórias nos papéis de embrulho da loja dos pais, em Cordisburgo, Minas Gerais. Escreveu assim, à mão, um jornal com seções fixas, com noticiário, charadas, contos e desenhos. “Desde menino, muito pequeno, eu brincava de imaginar intermináveis estórias, verdadeiros romances”, contou Guimarães em carta a seu ilustrador, Poty. “Quando comecei a estudar Geografia – matéria de que sempre gostei – colocava os personagens e cenas nas mais variadas cidades e países. Mas, escrever mesmo, só comecei foi em 1929, com alguns contos, que, naturalmente, não valem nada. Até essa ocasião (21 anos), eu só me interessava, e intensamente, pelo estudo, da Medicina e da Biologia.”

Tanto para ele “não valiam nada”, que demorou mais 16 anos para lançar um livro, e jamais os mencionou a seu amigo e colega Alberto da Costa e Silva. “Sabia da existência desses contos, mas há assuntos que os escritores preferem ignorar, principalmente quando estão entre escritores”, diz. Bem antes de se tornar poeta, historiador e especialista em Guimarães Rosa, Costa e Silva foi redator de “A cigarra”, caderno cultural mensal de O Cruzeiro. Em 1956, o lançamento de Grande sertão: veredas, de Rosa, causou estardalhaço. Até então, ele era conhecido pelos contos de Sagarana. O romance arrebatou os leitores pela revelação final e pela energia inovadora do estilo. O

35 enredo pode ser descrito ligeiramente como relato em primeira pessoa de escaramuças entre bandos de malfeitores e um caso de amor entre dois jagunços. Coube a Costa e Silva escrever sobre a novidade que empolgava milhares de leitores. Seu chefe era Constantino Paleólogo (1922-1966). Ele mostrou a Costa e Silva contos de Rosa publicados em O Cruzeiro 26 anos antes: “Olhe, Alberto, como o Rosa já sabia prender o leitor antes de ficar famoso. Fui eu que o revelei!”.

Paleólogo criara concursos mensais de conto e poesia em O Cruzeiro, a revista brasileira de maior circulação entre 1930 e 1960. Rosa venceu três, por sua habilidade de narrar tramas cheias de reviravoltas e efeitos especiais. O prêmio consistia na publicação dos textos, ilustrados por artistas famosos naquele tempo, como Carlos Chambelland e H. Cavalleiro. De Rosa, a O Cruzeiro publicou “O mistério de Highmore Hall”, em 7 de dezembro de 1929, “Chronos kai Anagke (Tempo e Destino)”, em 21 de junho de 1930, e “Caçadores de camurças”, em 12 de julho de 1930. “Makiné” saiu no “Suplemento dos domingos” de O Jornal em fevereiro de 1930. “Naquele tempo, foram lidos por centenas de milhares de leitores”, diz Costa e Silva. “Podem ser apreciados hoje com o mesmo prazer.”

Para finalizar a edição da Nova Fronteira, a organizadora Janaína Senna pesquisou no arquivo rosiano do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB), que compreende cerca de 20 mil documentos. A editora lançará até o fim do ano uma antologia dos cadernos Boiada, escritos entre 1950 e 1952, durante excursões a cavalo pelo sertão mineiro que serviram como material para Grande sertão: veredas. No ano que vem, a editora deverá lançar uma antologia de reflexões metafísicas, diários de viagens e crítica literária. Durante a pesquisa, Janaína deparou com esboços de contos no estilo consolidado do autor. Concluiu que os contos da juventude são somente os quatro da edição. “São tão peculiares que decidimos não convidar um especialista em Guimarães Rosa para redigir a introdução crítica, uma vez que eles não teriam nada a dizer sobre o estilo do autor jovem. Ele tem mais a ver com Edgar Allan Poe do que com Rosa no ápice.”

Mesmo assim, uma especialista no Rosa sertanejo como Walnice Nogueira Galvão afirma que o volume vai provocar interesse acadêmico. “Tenho certeza de que logo vão aparecer teses de doutorado sobre a narrativa fantástica em Guimarães Rosa”, diz. “Como são forjadas no estilo de gótico, também poderão agradar aos jovens que hoje adoram o gênero de fantasia.” De acordo com Walnice, os contos são antípodas da obra posterior de Rosa. “Na juventude, em sua terra natal, ele imaginou países estrangeiros que não conhecia. Inversamente, na maturidade, ele começou a escrever sobre o sertão quando estava na Alemanha.” Costa e Silva observa que os contos ajudam a compreender a estética rosiana. “Ele começou com temas universais, que retornariam em suas últimas coletâneas de contos, já transfigurados pelo mundo sertanejo”, diz.

Mesmo que pareça leviano estabelecer uma relação direta entre o Rosa moço e o adulto, há pistas de posteridade nas aventuras fantásticas. Até o diabo aparece, não no meio do redemoinho do grande sertão, mas nos salões de um hotel luxuoso no norte da Alemanha, onde se realiza uma competição internacional de xadrez em “Chronos e Anagke”. No romântico “Caçadores de camurças”, pastores usam gibão e lutam pelo amor de uma mulher, ainda que nos Alpes Suíços em vez do sertão dos Campos Gerais. Há paixões violentas feito a de Riobaldo por Diadorim no conto “O mistério de Highmore Hall”. E até Minas Gerais ancestral surge em“Makiné”, que narra a história de magos fenícios que descobrem a América e são sacrificados pelos índios na gruta de Makiné – localizada em Cordisburgo. Além do cenário e das tramas rocambolescas, o jovem Rosa se exaltava com as palavras e as descrições da natureza. Embora usando um vocabulário rebuscado, como os parnasianos, e uma sintaxe que não o alinhava à moda modernista nos anos 20 –, ele deixa escapar seu entusiasmo pela busca de palavras e de efeitos sensoriais, à maneira de um pré-modernista como Coelho Neto ou Euclydes da Cunha.

Será que o novo volume abre a porta para a criação de um João Guimarães Pulp? “Se for para o jovem começar a ler Guimarães Rosa, por que não?”, diz Walnice. “Só convém não exagerar a expectativa em relação à qualidade dos textos.” Certamente ele ainda não era o mestre fundador do sertão da alma que o mundo veio a admirar como um de seus maiores escritores.

36 FOLHA DE S. PAULO - História é coisa do passado

Novo livro de Leandro Narloch e Duda Teixeira desconstrói mitos da América Latina e combate visão 'esquerdista' sobre os fatos

CARLOS MESSIAS MARCO RODRIGO ALMEIDA DE SÃO PAULO

(30/8/2011) O jornalista Leandro Narloch descobriu uma mina de ouro -e uma fonte de polêmicas- com seu livro de estreia, "Guia Politicamente Incorreto da História do Brasil" (Leya), lançado em 2009.

Retrato mordaz de mitos do país, vendeu mais de 200 mil exemplares e enfureceu historiadores Brasil afora. Sua continuação, "Guia Politicamente Incorreto da América Latina", assinada com o também jornalista Duda Teixeira, chega agora às livrarias com a promessa de mais controvérsia.

A dupla tenta desmistificar os principais heróis da esquerda latino-americana, como o revolucionário mexicano Pancho Villa, o presidente socialista chileno Salvador Allende e o guerrilheiro argentino Che Guevara. "Levamos a polêmica em consideração, mas o objetivo principal foi apontar o que não está nos livros de história", diz Duda Teixeira, 36.

Os autores pesquisaram mais de cem títulos, mas nenhuma viagem foi realizada para a produção da obra. A edição do livro é didática, com capítulos curtos e linguagem coloquial, destacando os tópicos mais "cabeludos" de cada personagem. "Narloch domina a técnica de chamar a atenção para fatos históricos relevantes", diz Laurentino Gomes, autor do best-seller "1808" (Planeta).

O próprio Narloch, 33, não camufla suas intenções com a obra. "O livro foi desenhado para ser um best-seller. Se fosse para não ganhar dinheiro com ele, eu ficaria em casa jogando videogame."

Nenhuma das tais polêmicas chega a ser, de fato, novidade. O que faz a fama do livro é o tom satírico e assumidamente parcial usado pelos autores.

Ambos se definem como "direitistas liberais". Contam que o "Guia" é um contraponto à mentalidade esquerdista que, acreditam, dominou o ensino de história no Brasil entre os anos 1960 e 1980. "Não é um guia histórico. É politicamente incorreto. A gente só mostra o lado que é desagradável dos heróis da história", diz Narloch.

Vem daí, justamente, a principal crítica ao trabalho. Segundo a professora de história da USP Maria Ligia Prado, os autores pinçam "frases a esmo, retirando-as do contexto histórico, atribuindo-lhes valores positivos ou negativos sem as devidas explicações, o que restringe sua compreensão".

Já o historiador José Murilo de Carvalho enxerga um lado positivo no revisionismo provocativo do "Guia". Ele conta que, até os anos 1990, a cartilha marxista predominava nos livros de história. "Hoje, há uma variedade maior de interpretações. Essa dinâmica é boa, porque cria o debate." Carvalho não leu o novo "Guia", mas considera o primeiro um bom trabalho. "Está atualizado. Não é uma brincadeira."

CHILE

Além das críticas ao conceito do trabalho, o "Guia" também é alvo de contestações em relação a dados factuais. Oscar Pilagallo, autor de "A História do Brasil no Século 20", afirma ser incorreto que a CIA tenha atuado no Chile só entre 1962 e 1970, ou seja, antes do golpe de 1973 que depôs Allende.

"Depois disso [1970], a CIA apenas mudou o modo de operar e passou a desestabilizar a economia chilena, tendo financiado a fatídica greve de donos de caminhões em 1972. A informação consta do livro 'Fórmula para o Caos', de Moniz Bandeira, que Narloch usa em sua pesquisa."

Duda Teixeira, por outro lado, afirma que "não há provas, nem no livro do Moniz Bandeira nem fora dele, de que a CIA tenha orquestrado o golpe, tenha dado a ordem para executá-lo ou tenha

37 contribuído para ele". Certos ou não, os autores já lucram com a controvérsia. O novo "Guia" tem tiragem inicial de 100 mil exemplares, enquanto a média nacional fica entre 3.000 e 5.000.

Em 2013, Narloch pretende encerrar a série desconstruindo mitos de esfera mundial. "Meu grande dilema como escritor é não saber o quão dependente desse título eu sou", reconhece Narloch.

CORREIO BRAZILIENSE - A língua de trapo do Lalau

Antologia mostra a perspicácia de Stanislaw Ponte Preta, crítico implacável do permanente festival de besteiras que assola o país

Severino Francisco

(31/8/2011) Sérgio Porto é o pai espiritual da turma do Pasquim. Ele encarnou como poucos o melhor espírito crítico carioca e transformou a gozação em um estilo: “A prosperidade de alguns homens públicos do Brasil é uma prova evidente de que eles vêm lutando pelo progresso do nosso subdesenvolvimento”. Impôs-se, nas décadas de 1940 a 1950, no momento em que a imprensa do Rio de Janeiro era dominada por uma constelação de craques. As ridicularias, as arrogâncias e o festival de besteiras não passavam impunes por sua verve, que democratizou a inteligência crítica. Sérgio Porto está de volta com a antologia O melhor de Stanislaw Ponte Preta, ilustrada por Jaguar (Ed. José Olympio).

Pseudônimo

O pseudônimo Stanislaw Ponte Preta foi inspirado no personagem Serafim Ponte Grande, de Oswald de Andrade, por sugestão de Rubem Braga, nos tempos em que ambos trabalhavam no Diário Carioca, uma escola de linguagem coloquial no jornalismo. Culto, inteligente, elegante, alegre e simpático, Sérgio só aceitou usar o pseudônimo para preservar o lado supostamente mais sério de cronista musical e de escritor. No entanto, o personagem, ilustrado pela primeira vez pelo artista plástico Santa Rosa, ganhou vida própria e soterrou as pretensões graves de Sérgio, que se tornou muito popular, com suas frases de efeito: “Se o Diabo entendesse de mulher, não tinha chifre nem rabo”.

O instinto popular de Sérgio o levou a praticar o humor em várias frentes. “Uma feijoada só é realmente completa quando tem uma ambulância de plantão.” As suas crônicas têm a estrutura de pequenos contos, escritos numa linguagem coloquial, fluida e fácil, em tom de conversa de bar. Ele criou alguns personagens que se tornaram célebres. A sábia Tia Zulmira, o calhorda Primo Altamirando, o distraído Rosamundo e o retórico Data Vênia foram os mais famosos. Eles se envolvem em situações típicas do cotidiano.

Sérgio se autointitulava mulherólogo e mulherengo. Nunca deixava faltar em sua gaveta o perfume preferido das atrizes de teatro do rebolado. Os colegas de profissão eram, frequentemente, fontes de gozações e de inspiração para as suas criações. Um dos seus alvos preferidos era o colunista Ibrahim Sued, que perpetrava frases como esta ao anunciar o seu programa de televisão: “Estarei aqui diariamente às terças e às quintas”. Quando o colunista social Jacinto de Thormes lançou, na revista Manchete, “As 10 mais bem-vestidas”, o gaiato Stanislaw resolveu inventar “As 10 mais bem despidas” que, em um segundo momento, viraram as “Certinhas do Lalau”. Na coluna, ele promoveu beldades do teatro rebolado, tais como Virginia Lane, Gina Le Feu, Carmem Verônica. Todo mundo ficava de olho nas “Certinhas do Lalau”.

Febeapá

Quando o regime militar de 1964 se instalou, Stanislaw inaugurou o Febeapá, Festival de Besteiras que Assola o País. Garimpava notícias bizarras dos donos do poder nos jornais ou as inventava para ridicularizar a prepotência. Segundo Stanislaw, os militares prometiam prender o dramaturgo grego Sófocles, morto há vários séculos, em razão do conteúdo subversivo de suas peças.

Cronista, roteirista, radialista e apresentador de tevê, Sérgio pagou um preço alto pelo sucesso. Era cardíaco e não resistiu à enorme carga de trabalho. Ele morreu de infarto aos 45 anos.

38 Essa antologia oferece um bom panorama do humor de Sérgio Porto e mostra que ele tem qualidade literária para resistir ao desgaste do tempo. Mas faltou contemplar melhor tanto o Febeapá quanto as belas crônicas sobre futebol para fazer justiça ao título O melhor de Stanislaw Ponte Preta. A perspicácia e a graça de crítico de costumes, no entanto, permanecem vivas: “Pelo jeito que a coisa vai, logo o terceiro sexo estará em segundo”.

GASTRONOMIA

O ESTADO DE SÃO PAULO - Treze à mesa e a poderosa jiquitaia

Toda índia amazonense baniwa leva para o casamento o ‘seu’ jeito de preparar jiquitaia, pimenta em pó. Os segredos chegam a São Paulo,em degustação

Olívia Fraga

(25/8/2011) Toda índia baniwa tem um jeito de preparar jiquitaia que é só dela. Aprendeu com a mãe, a avó, e carrega para a casa do marido, como seu maior dote, os segredos de família para o preparo do pó dessa pimenta nativa da bacia do alto Rio Negro.Na última terça- feira,um lote de pimentas baniwas chegou ao restaurante Dalva e Dito para uma degustação. O Paladar participou da prova, Que foi organizada pelo Instituto Socioambiental com o objetivo De testar opotencial gastronômico do ingrediente, que pode chegar ao mercado em 2012.

Trata-se de um importante Passo para a valorização dos produtos nativos, na qual a jiquitaia desempenha papel agregador. As 11 pimentas foram divididas em amostras, desenvolvidas pelas próprias índias baniwas, que variavam em função do preparo a que foram submetidas.

“Os brancos estão em contato com os baniwas há mais de 300 anos, mas só no ano passado o Iphan reconheceu como bem imaterial o sistema agrícola do Rio Negro”,afirmou o antropólogo Beto Ricardo. “São cerca de 400 produtos catalogados na Amazônia. Temos um patrimônio real–não é a teoria da arca de Noé, de salvar essas espécies em Bancos genéticos.Queremos fortalecer as fontes ‘on farm’, numa ação de agrobiodiversidade. ” Patrimônio dos índios do alto Rio Negro, a jiquitaia (em tupi, “sal com pimenta”) é generosamente comida com biju de tapioca e peixe, mas a tradição está começando a correr risco em lugares como São Gabriel da Cachoeira, 2 mil quilômetros rio abaixo, onde muitas índias já não sabem mais como fazer tempero com as pimentas da floresta. Os frutos pertencem,na maioria, à espécie Capsicum frutenscens (família do tabasco), e variam em cor e tamanho. Para fazer a jiquitaia original, usam-se váriaspimentas,quesãosecasao sol por até cinco dias e, depois, sobre o fogão. São piladas e moídas até virarem pó.

A jiquitaia tradicional abriu os trabalhos e pegou de surpresa os chefs Jefferson Rueda, Ana Luiza Trajano, NekaMennaBarreto e Bel Coelho. As que levavam pimentas maduras dzakoite (conhecidas como pimenta-da-caatinga), com e sem semente, foram muito elogiadas.

“Usada numa macarronada, ela substitui bem o peperoncino”, disse Jefferson Rueda. De aroma defumado marcante, a pimenta feita a partir de koonihtako (pimenta-bico-de-coró-coró) parecia pimenta calabresa. Em muitas amostras, o frescor era evidente.

39 Pimenta baniwa - A jiquitaia é a pimenta em pó feita, em geral, a partir de frutos da espécie Capsicum florescens. É patrimônio gastronômico de 15 mil índios baniwa, distribuídos em 200 comunidades, entre o Brasil e a Colômbia OUTROS

CORREIO BRAZILIENSE - Pelos mares do Brasil

Exposição inaugura a sede do Iphan e passeia pela história cultural da embarcação no país

Nahima Maciel

O Brasil tem 8 mil quilômetros de litoral e é considerado o país mais rico em variedade de embarcações. São tantos formatos e funcionalidades que é possível classificá-los segundo a região, o uso e a cultura local. A diversidade é um dos temas de Barcos do Brasil, exposição que o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) abre hoje para inaugurar as instalações da sede na Asa Sul.

O prédio tem galeria destinada a exposições relacionadas ao patrimônio, biblioteca e espaço para, no futuro, abrigar lojinha e café. O Iphan quer aproximar a instituição do público e acredita que pode atrair as pessoas com espaços comuns e de acesso fácil. Batizada de Sala Mario de Andrade, o espaço será reservado para mostras do próprio Iphan, mas também aceita propostas externas.

Barcos do Brasil reúne 80 réplicas de embarcações brasileiras da Coleção Alves Câmara Século 21, uma iniciativa do Museu Nacional do Mar de São Francisco do Sul para resgatar o patrimônio naval brasileiro. O museu contratou especialistas em modelismo de barcos para reproduzir as peças de acordo com os originais. Muitas dessas embarcações estão extintas e datam de séculos passados, o que levou os pesquisadores do museu a realizar extensa investigação iconográfica para identificar os barcos.

Detalhes originais

Cheio de regras, o modelismo naval procura reproduzir os detalhes originais e constrói os modelos baseado numa escala que permite ao observador ter noção exata do tamanho e distribuição de espaços dos barcos. É um nível de detalhes capaz de fisgar crianças e adultos. “O modelismo reproduz da maneira mais fidedigna possível e é diferente do artesanato, que tem uma coisa de criatividade e não tem a preocupação em representar minimamente”, explica Maria Regina Weissheimer, uma das organizadoras da exposição.

A ideia de reproduzir as embarcações brasileiras para preservar a história do patrimônio naval surgiu com Alves Câmara. Ele chegou a reunir 42 réplicas, mas nenhuma confeccionada de acordo com as proporções e os detalhamentos que regem a prática do modelismo. O museu catarinense retomou a ideia e ganhou apoio do navegador Amyr Klink, patrono da coleção.

No conjunto, há preciosidades como a reprodução da última canoa de tolda do São Francisco, tombada pelo Iphan, e os saveiros que transportavam mercadorias pelo litoral do Recôncavo Baiano até os anos 1950 e acabaram por perder espaço para o transporto rodoviário.

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