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Após 23 Anos De Reinado Indisputado, Luca Di Montezemolo Deixa a Liderança Da Ferrari Aos Cuidados De Sergio Marchionne, O Diretor Executivo Da Fiat-Chrysler

2 EMOÇÃO 3 LUCA DI MONTEZEMOLO ARRIVEDERCI, APÓS 23 ANOS DE REINADO INDISPUTADO, LUCA DI MONTEZEMOLO DEIXA A LIDERANÇA DA AOS CUIDADOS DE SERGIO MARCHIONNE, O DIRETOR EXECUTIVO DA -. CONHEÇA OS MOTIVOS PARA ESTE DESFECHO E O IMPACTO QUE O IMPERADOR LUCA DEIXOU NA MARCA ITALIANA

TEXTO ANDRÉ BETTENCOURT RODRIGUES

Licenciado em Direito pela HELLO GOODBYE - THE BEATLES Universidade de Roma, Luca Montezemolo chegou à Ferrari após uma passagem por Nova Iorque e breves LUCAa apatia generalizada que contaminava diferenças com Marchionne que o levaram a tomar essa incursões como piloto as hostes no início da década de 90 à decisão) os serviços de um líder que elevou o nome da euforia mediática em torno dos feitos Ferrari à condição de “marca mais reconhecida em todo o de um homem cordial, elegante, que mundo” em 2013 e 2014? Para mais num momento da sua representava de forma imaculada história em que, no mesmo período, registou um resultado a engenharia, paixão e tecnologia de 2,3 mil milhões de euros (um aumento de 5 por cento italianas, a Ferrari vivia na viragem do face a 2012) – um valor recorde ao longo dos seus 67 anos século tempos risonhos, em pista e fora de vida? Um presidente que abriu fronteiras para outros dela. Um período que se manteve até países, idealizou dois museus em Modena e Maranello, 2004, ano do último título mundial de inaugurou um parque de diversões em Abu Dhabi e criou , ano em que Luca novas divisões como a Ferrari F1 Corse Clienti ou a Ferrari Cordero di Montezemolo acumulava Special Projects que permitem que qualquer pessoa, a mais um cargo com a presidência do troco de uma soma avultada de dinheiro, possa conduzir grupo de acionistas da Fiat S.p.A. – a companhia que Fórmula 1 históricos ou ter um Ferrari construído de raiz detinha, precisamente, a Ferrari. Enquanto Montezemolo à medida das suas preferências? A resposta é simples: um Dtratava de defender os interesses dos acionistas e conflito de interesses. comandar a máquina política de negociação com os sindicatos, o recém-nomeado chefe executivo da Fiat UMA MARCA AMERICANA após a morte de Umberto Agnelli, Sergio Marchionne, Defensor da exclusividade, Montezemolo acredita que tratava de definir a estratégia a longo prazo da empresa. o prestígio da Ferrari sairá prejudicado se a casa italiana Em 2004, esta divisão de poderes não foi um problema. seguir o exemplo de outras marcas, como a Porsche, e Mas, dez anos mais tarde, a situação ganhou novos aumentar brutalmente a produção dos seus veículos. No contornos, embora a Ferrari tivesse continuado a último ano saíram das linhas de Maranello 7200 carros, crescer, pelo menos no plano económico, e a Fiat mas Sergio Marchionne quer que a Ferrari passe a produzir tivesse sobrevivido à maior crise da sua história antes de pelo menos 10 mil unidades por forma a aumentar a adquirir a Chrysler e transformar-se no 6º maior grupo da rentabilidade da empresa. Marchionne pretende ainda que indústria. Qual, então, o motivo para dispensar (a bem da existam mais sinergias entre a Ferrari e as outras marcas verdade, Montezemolo renunciou ao cargo, mas foram as do grupo, algo que terá caído mal a Montezemolo: quando

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“CONSIGO VIVER COM PERÍODOS DE AZAR, MAS NÃO POSSO PERMITIR QUE ESTES SE TORNEM NUM ELEMENTO ESTRUTURAL DA MARCA. UMA FERRARI QUE NÃO VENCE NA F1 NÃO É A FERRARI” SERGIO MARCHIONNE 1 começaram a surgir notícias da sua decisão de abandonar os fracos resultados desportivos e as perdas financeiras do CRONOLOGIA a empresa, o barão italiano terá dito ao seu núcleo fechado negócio automóvel tinham colocado a Ferrari em sérias 1 Antes de chegar que a Ferrari era agora “uma marca americana”. No dificuldades. Como primeiro ponto de honra estabeleceu à presidência da companhia, Luca comunicado oficial divulgado no site da Ferrari, Luca diz como meta devolver a marca às vitórias na Fórmula 1. Montezemolo foi que “a Ferrari terá um importante papel a desempenhar Nomeou como consultor e administrador da no seio do Grupo Fiat na bolsa de valores de Nova Iorque. como diretor técnico, e foi dele a responsabilidade de Fiat e gestor da Tal abrirá uma nova e diferente fase que sinto que deve contratar o francês , atual presidente da FIA e Cinzano e da Itedi (duas empresas da ser liderada pelo CEO do Grupo. É o fim de uma era e por obreiro dos sucessos da Peugeot no Mundial de Ralis e no família Agnelli). Foi isso tomei a decisão de abandonar a minha posição como Dakar, para diretor desportivo da equipa. Este, por sua ainda responsável presidente após 23 maravilhosos e inesquecíveis anos, vez, trouxe e Gary Byrne para revolucionar o pela primeira participação de um além dos passados ao lado de Enzo na década de 1970”, futuro da “Scuderia”. Enquanto a Ferrari recuperava o seu veleiro italiano na afirmou, mencionando a importância do seu passado prestígio na modalidade (o primeiro de uma senda de 11 America’s Cup e desportivo, ao qual também deve ser imputado este títulos só surgiu em 1999, mas a equipa tinha regressado membro do comité desfecho. Afinal, a Ferrari não vence o título de pilotos aos triunfos de forma sistemática a partir de 1996, ano organizador do Mundial de Futebol desde 2007 e o de marcas desde 2008, mostrando-se ainda em que Michael Schumacher se juntou ao “dream-team” de 1990, em Itália incapaz de se ajustar às regras introduzidas este ano e idealizado por Jean Todt), Montezemolo diminuía ao 2 Ladeado por que contemplam motorizações híbridas – um período de mesmo tempo a dívida da Ferrari com o lançamento de Enzo, de quem insucesso criticado por Sergio Marchionne, que reitera que novos modelos e uma estratégia comercial virada para disse ter aplicado muitos dos a Ferrari está na Fórmula 1 para vencer: “Tento lembrar- os mercados emergentes. Essa aposta foi reconhecida seus princípios me que as corridas não são uma ciência, que um número em 2001 pela revistas “Automobile” e “Time”, que o ao “inovar de fatores influencia o desempenho. Mas depois vou a consideraram “Homem do Ano” e o “Rei da Estrada” constantemente, Monza e vejo que os primeiros seis carros não são Ferrari, pelo trabalho desenvolvido na recuperação da Ferrari nunca aceitar ser o segundo melhor 2 3 nem têm um motor da Ferrari, e a minha pressão arterial e , adquirida em 1997 pela Fiat e da qual e tomar decisões simplesmente dispara”. “Consigo viver com períodos Montezemolo era também responsável. rapidamente” 4 5 de azar, mas não posso permitir que estes se tornem 3 e 4 Com Lauda num elemento estrutural da marca. Uma Ferrari que não ASCENSÃO E QUEDA e Schumacher, dois dos melhores vence na Fórmula 1 não é a Ferrari”, concluiu. Agora que a Se a ele deve ser atribuída as contratações de Jean Todt e de pilotos que empresa se prepara para ser retalhada em Wall Street após Michael Schumacher que viriam a revitalizar os resultados passaram pela a separação da casa-mãe (80 por cento será distribuída desportivos da Ferrari, é também da responsabilidade Ferrari 5 Com a demissão pelos atuais acionistas da Fiat-Chrysler, com os restantes de Luca Montezemolo o desmantelamento de uma de Montezemolo, 10 por cento a serem vendidos em haste pública e os outros estrutura campeã com algumas decisões que privilegiaram Sergio Marchionne dez a manterem-se como até aqui na mão de Piero Ferrari), a crescente “italinização” do grupo que comandava as acumula, para já, resta saber se a fábrica de sonhos italiana poderá regressar operações na Fórmula 1 e impediram o crescimento da a presidência da Ferrari com o cargo às vitórias, vencendo em pista e fora dela, ou se sairá a equipa. Após o título conquistado por Kimi Räikkönen, em de chefe executivo perder em ambas as frentes. Uma coisa é certa: aquele que 2007, os erros somaram-se: fricções com os pilotos (puxou do Grupo Fiat- foi o seu rosto nos últimos 23 anos já faz parte da história. as orelhas a quando este se mostrou Chrysler (FCA) crítico com o rumo das coisas) e a inércia em melhorar o REI DA ESTRADA túnel de vento e reforçar o departamento de motores numa Contratado pelo fundador Enzo para dirigir os destinos era em que o desempenho na Fórmula 1 é tão dependente da equipa de Fórmula 1, em 1974, Luca Montezemolo foi da aerodinâmica e acaba de introduzir a maior revolução sedimentando a sua posição na empresa até 1991, data tecnológica da sua história contribuíram para a sua saída. em que foi nomeado presidente da marca do “Cavallino Mas é inegável que Luca é uma parte integral da história Rampante”. Para este aristocrata nascido em Bolonha da Ferrari e que esta, do mesmo modo, estará sempre e oriundo de boas famílias (o avô e bisavô foram ambos associada ao gestor italiano. Infelizmente para ele, a generais do exército transalpino), a subida ao topo chegava tradição ainda é o que era: tal como os pilotos, ninguém é numa época de sofrimento. A morte do fundador, em 1988, maior do que a Ferrari. Nem mesmo o seu presidente.

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