“Breve Século XX” Segundo O Cinema De Carlo Lizzani Gabriela Kvacek Betella
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IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR Momentos decisivos da história da Itália no “breve século XX” segundo o cinema de Carlo Lizzani Gabriela Kvacek Betella 1 Resumo: Carlo Lizzani é um dos mais profícuos homens de cinema formados durante o neorrealismo italiano, período de breve duração e controvertido, porém de extrema importância como impulso moral no cinema italiano. Nos filmes aqui estudados, ressaltamos a busca do diretor pela ação corálica, a temática popular disposta a relembrar os anos de Resistência e a preocupação com o indivíduo que viveu os anos do fascismo, itens caros para uma poética situada no limite entre a percepção histórica e a visão excessivamente emocional do passado. Para demonstrar a vocação da filmografia do diretor para o panorama histórico do período que vai do final do século XIX e praticamente todo o século XX, destacamos Cronache di poveri amanti (Carlo Lizzani, 1953) e Fontamara (Carlo Lizzani, 1978), analisando-os na perspectiva do discurso histórico revisitado com vistas sobre o cotidiano, os pequenos fatos do passado recuperados no presente da criação. Os filmes mapeiam os anos de 1920 e o impacto do regime fascista tanto no contexto citadino quanto no ambiente rural. Assim, o microcosmo de uma rua de Firenze e um vilarejo na região de Abruzzo, cujas tramas têm origem em duas obras literárias, compõem a visão de Lizzani sobre os primeiros anos do fascismo, trazendo à tona um olhar humanizado sobre os problemas passados e presentes. Palavras-chave: Cinema italiano; Carlo Lizzani; cinema e história Abstract: Carlo Lizzani is one of the most fruitful men of cinema formed during the Italian neorealism, period of short duration and controversial nature, but of high importance as a moral impulse in the Italian cinema. In the films here studied, we stress the director’s search for choralic action, the popular themes disposed to remember the Resistance years and the concern with the individual that lived through the years of Fascism, which are all items of importance for a poetics located in the limit between historic perception and the extremely emotional vision of the past. In order to demonstrate the vocation of the director’s filmography to the historical overview of the period from the end of the 19th century to almost the whole of the 20th century, we highlight Cronache di poveri amanti (Carlo Lizzani, 1953) and Fontamara (Carlo Lizzani, 1978), analyzing them under the perspective of historical discourse, revisited with outlooks upon the daily affairs, the small facts of the past recovered in the present of the creation. The films charter the 1920’s and the impact of the fascist régime both in the city and the countryside. Thus, the microcosms of a street in Florence and a village in the region of Abruzzo, whose plots have origins in two literary works, compose the vision of Lizzani about the first years of Fascism, bringing to the fore a humanized perspective of the problems, past and present. Key-words: Italian cinema, Carlo Lizzani, cinema and history. 1 Professora assistente do Departamento de Letras Modernas, área de língua e literatura italiana, UNESP-Assis. E-mail:[email protected] 1318 IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR 1. Conhecer o que fomos para entender o que somos Carlo Lizzani, romano nascido em 1922, é um homem de cinema que, ao longo de sessenta anos como roteirista e diretor, mantém-se entre a ficção e o documentário, entre o cinema e a televisão, entre o ensaio e a produção cultural. Apreciado como historiador do cinema italiano, prestigiado como diretor da Mostra de Veneza, Lizzani também é visto como colaborador de significativos períodos do cinema, como o neorrealismo italiano e os novos cinemas dos anos de 1960, tanto no terreno da crítica quanto da estética, muito embora deva ser situado num campo intermediário, visto que ainda era muito jovem no período neorrealista e já era maduro no fervor das nouvelles vagues . Ainda assim, fez parte de momentos e ambientes importantes. Fez parte da redação da revista Cinema , que concentrava cineastas envolvidos num projeto antifascista, participou com Giuseppe de Santis e Massimo Mida da realização de Il sole sorge ancora (O sol também se levanta , 1946), projeto que resultou em amizade com De Santis e no trabalho de roteirista em Caccia Tragica (Trágica perseguição , 1947) e Riso Amaro (Arroz amargo , 1949), e ainda esteve ao lado de Roberto Rossellini na realização de Germania anno zero (Alemanha, ano zero , 1948). Após experiências tão significativas, Lizzani estreia na direção com Achtung! Banditi! (Achtung! Bandidos! , 1951). Logo em seguida roda Cronache di poveri amanti (Os Amantes de Florença , 1953). Ambos os filmes são produzidos pelo ex-partigiano Gaetano “Giuliani” De Negri e trazem as marcas de contextualização no cotidiano popular, nas situações vividas pela gente comum. De múltiplos interesses, a obra do cineasta se mostra como respeitável fonte para as pesquisas que envolvem a representação histórica. A particularidade de Lizzani está na crença na relação dialética entre a história representada num filme e a realidade política e social. Seu modo de trabalho envolve algo de historicismo crítico, talvez incorporado durante o que ficou conhecido como a passagem do cinema objetivo (que caracteriza o neorrealismo) para o cinema crítico (o realismo propriamente dito), no início dos anos de 1950, época considerada por Guido Aristarco (1975) senão como o final do neorrealismo, ao menos como uma distinção sobre a qual se fundava um novo cinema, disposto a representar a realidade para entender tanto o passado quanto o presente, numa mesma trama. É preciso observar que nem 1319 IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR todos os críticos aceitaram ou aceitam essa distinção entre neorrealismo e realismo que, à época de sua elaboração já havia causado muita polêmica (ARISTARCO, 1975, 859-861). Lizzani acompanhou a história italiana e as intenções de representação muito de perto, como ele mesmo afirma, atravessando pessoalmente as fases mais agitadas do século XX, “não como protagonista, mas como testemunha atenta”, a partir de um observatório bastante privilegiado, o cinema italiano (LIZZANI, 2007, 4). Além disso, o cineasta começa a trabalhar no cinema no período de intensa experimentação de linguagens, absorção de influências e, sobretudo, de grande intercâmbio de experiências. Até o início dos anos de 1950, será aprendiz disciplinado no roteiro e na direção, sob a batuta dos grandes diretores do neorrealismo (Roberto Rossellini, Giuseppe De Santis), até dirigir o primeiro longa, Achtung! Banditi! (Atenção! Bandidos! ), de 1951. Desse período em diante a carreira de diretor de Lizzani se divide com o ensaio – ele publica em 1953 Storia del cinema italiano , que será bastante reeditado – e retoma a atividade crítica que começara nos anos de 1940 nas revistas Bianco e nero e Cinema . Os anos de 1960 serão intensos e de diversas realizações – Lizzani participa até mesmo da temporada dos western spaghetti dirigindo Un fiume di dollari (Sangue nas montanhas , 1966) sob pseudônimo de Lee W. Beaver, e Requiescant (Réquien para matar , 1967), com Pier Paolo Pasolini, Ninetto Davoli e Franco Citti no elenco. No final dos anos de 1970, além de dirigir a Mostra de Veneza, passou a lecionar direção no Centro Sperimentale di Cinematografia. Alguns filmes marcantes de Lizzani nos anos de 1960 são Il processo di Verona (1963) e Banditi a Milano (Bandidos de Milão , 1968). O primeiro reconstitui os últimos anos do fascismo (1943-1945) do ponto de vista de Edda Ciano, filha de Benito Mussolini e esposa de Galeazzo Ciano, concentrando-se nas suas tentativas de negociar em favor da vida do marido durante o processo que julgou os traidores da então Repubblica Sociale Italiana (ou Repubblica di Salò ). O segundo refaz os arredores de uma empreitada da chamada banda Cavallero , um assalto a uma agência bancária idealizado pelo grupo de luta armada em 1967, em Milão, episódio que resultou em tiroteio, três mortos e dezenas de feridos. A década que havia se iniciado com Il gobbo (O corcunda de Roma , 1960) traz ainda Il carabiniere a cavallo (1961), L’oro di Roma (1961), La vita agra (1962), L’amante di Gramigna (1968) e L’indifferenza (Indiferença ), um dos cinco episódios de Amore e rabbia (Amor e raiva , 1969), entre outros. 1320 IV Encontro Nacional de Estudos da Imagem I Encontro Internacional de Estudos da Imagem 07 a 10 de maio de 2013 – Londrina-PR Durante os anos de 1970, Lizzani filma Crazy Joe (O mafioso rebelde , 1973), resgatando parte da história de Joseph Gallo, membro de uma das famílias do crime organizado, ou da máfia novaiorquina, a família Colombo. Também dirige Mussolini: ultimo atto (Os últimos dias de Mussolini , 1974), reconstituindo a memória dos anos fascistas através da memória do próprio duce desde momentos antes de sua captura em 1945 até sua morte, enquanto se mostra a versão oficial da prisão e execução do ex-líder fascista. Ainda dos anos de 1970 são, entre outros, Storie di vita e malavita (1975), abordando a prostituição infantil, além de Roma bene (1971), uma dissecação da alta burguesia romana adaptada da peça Mani aperte sull'acqua , de Luigi Bruno Di Belmonte, e Torino nera (1972) que, após Svegliati e uccidi (1966), Banditi a Milano (Bandidos de Milão , 1968) e Barbagia, la società del malessere (1969), encerra uma tetralogia “cronística” capaz de reunir cinema de ação e empenho social, abordando desde os sequestros de pessoas na Sardenha em 1969 até o tema da migração e da infiltração do crime organizado nas camadas sociais mais pobres, como no filme de 1972.