CONJUNTURA AFRICANA

JAN./2014

A Reeleição de Mugabe: continuação ou ruptura?

Ana Paula de Mattos Calich1, 06 de janeiro de 2014.

Em julho de 2013 foram realizadas eleições no Zimbábue, as quais deram a vitória à situação, representada pela figura de Robert Mugabe, que também ganhou maioria nas eleições parlamentares. Mugabe, que em fevereiro de 2014 terá seu nonagésimo aniversário, representou no pleito a União Nacional Africana do Zimbábue - Frente Patriótica (ZANU-PF), partido que se encontra desde as primeiras eleições (1980) no poder. Seu principal opositor, Morgan Tsvangirai, concorreu pelo Movimento por Mudança Democrática (MDC-T) que se constitui como a principal força de contestação ao atual governo no país. Apesar da presença de observadores da União Africana e da SADC, que atestaram a legitimidade da votação, o MDC-T contestou os resultados, apoiado por países da Europa e pelos Estados Unidos. Destaca-se ainda que mesmo antes do início das eleições Tsvangirai já anunciava a fraude por parte da ZANU-PF. A posição de Tsvangirai vai a encontro das ideias ocidentais para o Zimbábue, uma vez que hoje o MDC-T representa os interesses das elites brancas, das ONGs, de parte da população urbana e de alguns grupos empresariais, opondo-se principalmente a medidas políticas de caráter popular por parte da ZANU-PF, notadamente seu modelo de reforma agrária, e ao tratamento do governo a alguns representantes da sociedade civil e à elite branca. Vale lembrar que a redistribuição de terras e a sua ocupação por parte da população e com apoio do governo Mugabe, iniciadas em 2000, foram o estopim para o início das sanções internacionais impostas ao país. O processo eleitoral e os primeiros meses do novo mandato presidencial marcaram o fim do Governo de União Nacional (GUN), iniciado em 2009, quando houve uma coalizão entre a ZANU-PF e o MDC-T em uma tentativa de amenizar a instabilidade política no país. O início do governo de coalizão relaciona-se diretamente com a questão agrária uma vez que, no início, o processo de desapropriação só poderia ser feito com o consentimento do proprietário da terra e em valor de mercado, que deveria ser financiado pela Inglaterra. Em decorrência disso, somente terras com pouca relevância foram distribuídas. Vale lembrar que, além de férteis, algumas propriedades rurais zimbabuanas são ricas em minérios, o que levou os fazendeiros brancos a intensificarem seu apoio ao candidato de oposição. Nesse ínterim, então, formou-se o GUN, o qual levou Tsvangirai a tornar-se primeiro-ministro de Mugabe. Uma vez que os antigos guerrilheiros2 colocaram-se na dianteira das expropriações, Mugabe teve que assumir o processo para preservar o poder. O GUN trouxe, entretanto, um problema de governabilidade, uma vez que os

1 Estudante do sexto semestre do Curso de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Bolsista de Iniciação Científica do Núcleo Brasileiro de Estratégia e Relações Internacionais (NERINT) e do Centro Brasileiro de Estudos Africanos (CEBRAFRICA). 2 Grupo que combateu o governo racista da Rodésia entre as décadas de 1960 e 1970

Conjuntura Africana – Jan./2014

ministérios controlados pelo MDC-T buscaram boicotar as políticas governistas. A conjuntura após as últimas eleições modificou esse quadro, dado que houve a consolidação do poder doméstico de Mugabe, em grande parte devido ao seu posicionamento referente à questão fundiária, o que permitiu maior estabilidade para seu partido (GUVAMATANGA, 2013). A nova configuração de forças permitiu inclusive a extinção do cargo de primeiro-ministro, existente desde a independência, anteriormente ocupado por Tsvangirai, como já mencionado. Importante ressaltar que há um sentimento nacional que este será o último mandato de Mugabe e que, portanto, ele estaria trabalhando em seu (BOWLER, 2013). Segundo o pronunciamento da ZANU-PF após as eleições, esse legado pretende ser uma transferência de renda em grande escala para a população. Isso se verifica pela continuidade e intensificação da Política de Indigenização. Essa política consiste em estatizar 51% de todas as empresas com investimentos acima de US$500.000. O manifesto da ZANU após as eleições prevê que mais de 1130 empresas em 12 setores estratégicos serão “indigenizadas”. Tal processo provavelmente irá liberar mais de US$ 7 bilhões em ativos (FRANCISCO, 2013). Além disso, há a perspectiva de aumento de investimentos chineses no país, seguindo a política de “Olhar para o Leste” do governo (TEYA, 2013; BAUER & TAYLOR, 2011). Os investimentos chineses mostram-se essenciais para o desenvolvimento da infraestrutura do Zimbábue face às sanções impostas pelo oeste. Há também especulações sobre a diminuição das sanções por parte da Europa (GUVAMATANGA, 2013). Assim, apesar de estar há mais de 30 anos no poder, parece que o novo mandato de Mugabe apresentará mudanças importantes, principalmente se comparado ao governo de coalizão em vigor até 2013. Resta observar os efeitos práticos de suas políticas e a reação ocidental à nova conjuntura.

Bibliografia BAUER, Gretchen; TAYLOR, Scott D.. Politics in Southern Africa: Transition and Transformation. Bouder: Lynne Rienner Publishers, 2011.

BOWLER, Tim. Zimbabwe: 'Huge' economic challenges after election. 2013. Disponível em: . Acesso em: 07 ago. 2013.

FRANCISCO, Netho. New hope for Zimbabwe economy. 2013. Disponível em: . Acesso em: 20 dez. 2013.

GUVAMATANGA, Golden. EU sanctions: An exposure of West’s arrogance. 2013. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2013.

HENGARI, Alfredo. Zimbabwe: Beyond Election Day 2013. 2013. Disponível em: . Acesso em: 02 ago. 2013.

Conjuntura Africana – Jan./2014

CONJUNTURA AFRICANA

JAN./2014

HUNGWE, Brian. Mugabe inauguration: New era or back to old days? 2013. Disponível em: . Acesso em: 27 ago. 20113.

KANENGONI, Alexander. ‘White farmers no longer have the land’. 2013. Disponível em: . Acesso em: 03 out. 2013.

TEYA, Knowledge. Chinese Government to invest billions in the country. 2013. Disponível em: . Acesso em: 27 set. 2013.

Conjuntura Africana – Jan./2014