ESTUDO SOBRE OS CASAMENTOS INFANTIS NA PROVÍNCIA DE BENGUELA O CASO DOS MUNICÍPIOS DE GANDA E CUBAL
Realizada pelo CIES por Desiderio Segundo
FEVEREIRO 2016
INDICE
ABREVIAÇÕES 3
INTRODUÇÃO 4
I CAPITULO - CONTEXTUALIZAÇÃO 6
1.1 ENQUADRAMENTO HISTORICO GEOGRAFICO 6
1.1.1 SOBRE ANGOLA 6
1.1.2 SOBRE BENGUELA 8
1.1.3 SOBRE CUBAL 9
1.1.4 SOBRE GANDA 12
1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIO-CULTURAL 14
1.2.1 OVIMBUNDU 14
II CAPITULO - TEORIZAÇÃO 18
2.1 CONCEITUALIZAÇÃO DO CASAMENTO PRECOCE 18
2.1 CAUSAS 20
2.2 CONSEQUÊNCIAS 22
2.3 ENQUADRAMENTO JURÍDICO 23
2.3.1 LEGISLAÇÃO INTERNACIONAL 23
2.3.2 LEGISLAÇÃO NACIONAL 27
III CAPITULO - LANÇAMENTO E ANÁLISE DOS DADOS 30
3.1 BREVE APRESENTAÇÃO DA PESQUISA 30
3.2 RESULTADOS DA PESQUISA 32
3.2.1 CUBAL 32
3.2.2 GANDA 39
3.3 ANALISE DOS RESULTADOS 45
3.4 SUGESTÕES E RECOMENDAÇÕES 52
CONCLUSÃO 54
BIBLIOGRAFIA 56
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ABREVIAÇÕES
CIES Centro Informazione e Educazione allo Sviluppo CFB Caminho de Ferro de Benguela
INAC Instituto Nacional da Criança
MINARS Ministério da Assistência e Reinserção Social
MINFAMU Ministério da Família e Promoção da Mulher
MPLA Movimento Popular para Libertação de Angola
NDHC Núcleo dos Direitos Humanos Comunitários
OMA Organização da Mulher Angolana
OMS Organização Mundial da Saúde
ONG Organização Não Governamental
ONU Organização das Nações Unidas
OUA União Africana
PROMAICA Promoção da Mulher Angolana na Igreja Católica
UNICEF Fundo Das Nações Unidas para a Infância
UNITA União Nacional para Independência Total de Angola
VIH Vírus da imunodeficiência humana
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INTRODUÇÃO
O casamento precoce ou infantil é compreendido como a união formal ou informal entre duas pessoas, desde que uma delas ou os duas tenham menos de 18 anos de idade (maior idade). Neste tipo de situação, os mais afectados, de acordo com os dados estatísticos internacionais, continuam a serem as mulheres, em particular as meninas ou adolescentes.
O casamento precoce enquadra-se fundamentalmente como um problema social, uma vez que este acto viola gravemente a legislação internacional e nacional e põe em causa a dignidade da pessoa humana, em todos os direitos inerentes a criança, ao menor e a mulher.
É importante lembrar que Nascimento, Casamento e Morte são os três principais eventos na vida da maioria dos seres humanos. Mas apenas um deles, o casamento, é determinado por uma escolha. Não decidimos quando nascer e nem quando morrer, mas é possível decidir quando casar. O direito de exercer essa escolha foi reconhecido pela lei já em tempos romanos, e tem sido desde há muito tempo consagrado nos instrumentos jurídicos internacionais de direitos humanos e sucessivamente em cada pais que o adote.
No entanto, é possível ainda verificar, que muitos adolescentes tem sido forçados a se casarem sem serem capazes de exercerem o seu direito de escolha, deixando assim de poder escolher uma das coisas mais importantes na sua vida. Tal acto como vimos representa uma agressiva violação dos direitos humanos e constitui-se como um crime tanto para os pais que dão os seus filhos e filhas em casamento, como para, em muitos casos, os adultos que os/as recebem em casamento.
Em Angola existem poucos dados relativos a situação do casamento precoce a nível nacional, porque ainda não foi realizado um estudo completo, mas somente focados por casos ou áreas específicas. Assim sendo, existe a necessidade de conhecer a real condição do problema, as suas causas profundas, a extensão e sobretudo a percepção social que as comunidades têm sobre o assunto.
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Neste sentido, a presente pesquisa tem como objectivo apresentar a situação relativa ao casamento precoce dos Municípios de Ganda e Cubal, na província de Benguela, em comunidades rurais, como forma de contribuição e apoio na compreensão do problema dos casamentos precoces e encontrar possíveis soluções de redução deste fenómeno.
A estrutura deste estudo destina-se a divulgar informações, melhorar o nível de conhecimento sobre o tema e para ser usado pelos profissionais sociais do sector público e privado que trabalham em diferentes níveis na sociedade, em particular na educação dos jovens, no diálogo entre governo e sociedade civil, portanto com pessoas capazes de compreender as mudanças na sociedade e responder adequadamente as mesmas.
De forma especifica, o presente estudo será uma contribuição importante para poder apoiar os grupos mais vulneráveis da população, que estão expostos e sujeitos aos casamentos precoces, violando assim os direitos humanos e os direitos das crianças.
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I CAPITULO - CONTEXTUALIZAÇÃO
1.1 ENQUADRAMENTO HISTORICO GEOGRAFICO
1.1.1 SOBRE ANGOLA
Angola está situada na parte ocidental do Continente Africano e na costa sul do Oceano Atlântico, limitada geograficamente pelas República do Congo, Namíbia e Zâmbia, com uma superfície total de 1.246.700 km2. Administrativamente está divididas em 18 províncias, 173 municípios e 618 comunas, admitindo ainda a divisão em povoações nas zonas rurais e, com uma população estimada em cerca de 24.3 milhões de habitantes, sendo que 52% por cento do sexo feminino. Ainda deste total importa dizer que 62,5% é representado por pessoas que vivem nas cidades, portanto, 37,5% desse total vivem nas zonas rurais, apesar do êxodo rural desencadeado pela guerra civil.
Angola é um país com uma imensa diversidade histórica e cultural e de uma imensa riqueza natural, mas também com muitos problemas sociais, tanto nas zonas rurais como nas zonas urbanas.
Historicamente o país teve varias ocupações, desde os seus primeiros habitantes Khoisan, dispersos e pouco numerosos, que posteriormente com a expansão do povo Bantu, que chegaram no Norte de Angola a partir do segundo milénio, foram forçados a recuar para o Sul, abandonado assim o seu território habitual, dando lugar a ocupação Bantu.
Esta ocupação ganho corpo e no período que vai entre os séculos XIV e XVII, com o estabelecimento no território de uma série de reinos, sendo o principal o Reino do Congo que abrangeu o Noroeste da Angola de hoje e uma faixa adjacente da hoje República Democrática do Congo, da República do Congo e do Gabão, passou a ser considerado um território do povo Bantu.
No ano de 1568, entrava um novo grupo pelo norte, os Jagas, que combateram os Bakongo que os empurraram para sul, para a região de Kassanje. No século XVI ou
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mesmo antes, os Nnhanecas (Vanyaneka) entraram pelo sul de Angola, atravessaram o Cunene e instalaram-se no planalto da Huíla.
No mesmo século XVI, um outro povo abandonava a sua terra na região dos Grandes Lagos, no centro de África, e veio também para as terras angolanas. Eram os Hereros (ou Ovahelelos), um povo de pastores. Os Hereros entraram pelo extremo leste de Angola, atravessaram o planalto do Bié e depois foram-se instalar entre o Deserto do Namibe e a Serra da Chela, no sudoeste angolano.
Também no século XVI os portugueses instalam-se na região e fundam São Paulo da Assunção de Luanda, a actual cidade de Luanda.
Já no século XVIII, entraram os Ovambos (ou ambós), grandes técnicos na arte de trabalhar o ferro, deixaram a sua região de origem no baixo Cubango e vieram estabelecer-se entre o alto Cubango e o Cunene. No mesmo século, os Quiocos (ou Kyokos) abandonaram o Catanga e atravessaram o rio Cassai. Instalaram-se inicialmente na Lunda, no nordeste de Angola, migrando depois para sul.
Finalmente, já no século XIX apareceu o último povo que veio instalar-se em Angola: os Cuangares (ou Ovakwangali). Estes vieram do Orange, na África do Sul, em 1840.
Com o colonialismo português não se pode falar de fluxos de migrações consideráveis, mas de deslocações de povoações autóctones das áreas rurais, dirigidas pelos Portugueses, para o trabalho nas obras.
As grandes mudanças e misturas étnicas serão relevantes somente durante a guerra civil após a independência, porque milhões de pessoas se movimentarão das áreas rurais às cidades a procura de melhores condições e salvação. A guerra e as suas consequências estimularão de forma indirecta a aproximação entre as etnias e os casamentos entre as mesmas, reduzindo a distancia entre os grupos.
Todas estas e outras ocupações fazem do território angolano um grande mosaico cultural ainda hoje é visível e o tornam um país onde os hábitos e os costumes diferem de região à região, pelo que, alguns fenómenos, muitas vezes são vistos como algo completamente normal, mesmo quando estes ultrapassam os limites do costume.
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1.1.2 SOBRE BENGUELA
Benguela é umas das 18 províncias de Angola, tem como capital a cidade de Benguela e é composta por 10 municípios: Baía Farta, Balombo, Benguela, Bocoio, Caimbambo, Chongorói, Cubal, Ganda, Lobito. A província de Benguela ocupa uma área de cerca de 39 827 km² e, dos dados preliminares do Censo Populacional 2014, tem uma população de 2.036.662 habitantes, dos quais 961.484 do sexo masculino e 1.075.178 do sexo feminino.
A maior parte desta população (1.278.680 pessoas) vive em zonas urbanas, correspondendo 62,8% da população total, contra 37,2% (757.982 pessoas) que vive nas zonas rurais.
A província de Benguela apresenta ainda uma grande maioria da população pertence hoje à etnia dos Ovimbundu, mas os diferentes grupos - (Mu) Ndombe, (Mu) Hanha (ortografia internacional: Hanya), (N) Ganda, Lumbo, Quilengues - foram em geral "umbundizados" apenas no século XIX. Como consequência da Guerra Civil angolana e do êxodo rural que esta desencadeou, muitos Ovimbundu de outras regiões, nomeadamente da Província do Huambo, migraram para as cidades de Benguela e do Lobito que, como todas as grandes cidades de Angola, cresceram enormemente nas últimas décadas.
Benguela é um território rico e diverso, com recursos minerais, energéticos, agrícolas, marinhos e hídricos. De entre os recursos disponíveis na província são da salientar pela relevância extraordinária aptidão agrícola, a tradição no sector pecuário, os recursos marinhos oferecidos pela vasta costa, a disponibilidade de água e os recursos minerais.
A agricultura da província de Benguela mostra uma diversidade elevada, que a torna uma das áreas mais férteis do país. A pecuária tem também uma relevância sobretudo ao nível do consumo local e a pesca, quer artesanal, quer de frota, é um dos recursos naturais mais forte da para o que muito contribui o porto as vantagens naturais que lhe estão associadas.
A Província de Benguela detém uma centralidade excecional, que apoiada pela existência de um Porto comercial, de três aeroportos dos quais um internacional, lhe
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confere um posicionamento geoestratégico impar a nível nacional. A localização da província é também alavancada pelo Corredor de Benguela, que une Angola à República Democrática do Congo e à Zâmbia (zona de mineração e capital zambiana). O potencial turístico é também elevado; as praias e todo o enquadramento urbanístico-histórico, fazem da província de Benguela, uma área apetecida para o investimento hoteleiro, restauração e oferta de serviços complementares, nomeadamente, ligados ao mar.
A económica da Província de Benguela é prevalentemente de tipo agro-pecuária no âmbito da recolha do sisal, algodão, açúcar, café, bananas, feijão, e horticultura. Já a produção animal é feita com carne de porco, e bovina, além de leite e seus derivados. Na Província há também uma actividade de extração de mineral em particular o tungstênio, grafite e outros minerais.
A industria, sobretudo com a presença do Porto de Lobito é principalmente metalurgia, projectada ao refino de petróleo, a importação e produção de materiais de construção, têxtil e produtos alimentares.
Este êxodo rural étnico e populacional que Benguela hoje apresenta influencia claramente com a estrutura social da província, com o aumento do número de cidadão que procuram o seu bem-estar social e claramente com o aumento da população vulnerável e que necessita de protecção social.
1.1.3 SOBRE CUBAL
O Cubal é uma cidade (desde 23 de Janeiro de 1968) e um município da província de Benguela situa-se a 146 km da cidade de Benguela e a 200 km da cidade do Huambo, antiga. O município tem 4.794 km² e 287.931 habitantes, sendo o terceiro município mais populoso da Província de Benguela. Limita a Norte com o município do Bocoio, a Este com o município da Ganda, a Sul com o município de Chongoroi e a Oeste com o município de Caimbambo.
É banhado por um rio que partilha o seu nome, o rio Cubal. À sua volta, existem numerosos campos de cultivo do sisal, que conferem à sua terra um aroma muito
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particular. O sisal desempenhou um papel importante na economia da região durante o século XX, fornecendo grandes quantidades dessa matéria-prima para exportação.
O Caminho de Ferro de Benguela (CFB) chegou ao Cubal em 1908. Em 1974, foi concluída a construção de uma nova variante ligando o Cubal à cidade do Lobito, diminuindo a distância entre as duas cidades de 197 km para 153 km. Após muitos anos de interrupção de actividade a causa da guerra, esta variante foi reinaugurada em 2004, circulando nela actualmente três comboios por semana.
Na cidade de Cubal existem dois hospitais, um no centro da cidade o Hospital Municipal do Cubal, atualmente em fase de reabilitação e outro na área da missão católica no Tchambungo, o Hospital Nossa Senhora da Paz de Cubal, gerido pelas irmãs Teresianas. Há também centros de saúde nas diferentes comunas do município.
A administração municipal do Cubal é o órgão da administração do Estado que representa o poder e a autoridade estatal naquela localidade, bem como, o principal responsável no município pela implementação das políticas definidas a nível central, tal como responsável por dar uma resposta a todos os problemas estruturais, administrativos e sociais que o município enfrenta.
O município como tal existe já desde antes da independência (1975), ficando após a mesma sobre a responsabilidade das autoridades angolanas.
A população é composta por povoações, cada povoação é formada por um grupo de aldeias. Cada aldeia é constituída por um grupo de "Kimbos", que são um conjunto de casas de construção tradicional (adobe, palha e madeira) de uma ou mais unidades da família alargada. Estão actualmente identificados pela Administração Municipal 417 autoridades tradicionais distribuídas em quatro comunas.
Os grupos mais vulneráveis no âmbito municipal são: menores, idosos, deficientes físicos, órfãos (pessoas que vivem com VIH e pobres) e repatriados.
Em geral, as principais ocupações dos jovens da cidade são os estudos e algumas atividades geradoras de renda (empresa de pequeno porte, pescas, agricultura). Nas áreas urbanas, há alguns jovens que trabalham em empresas públicas e outras
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empresas privadas, mas o acesso a este trabalho é muito limitado, uma vez que nem todos os jovens têm formação.
Para os jovens, especialmente em áreas rurais, a situação é bastante crítica, uma vez que a maioria não tem formação ou condições financeiras para cursos de formação.
A agricultura é a principal actividade económica do município e è praticada por 91% das famílias. No passado, Cubal foi considerado o maior produtor de cereais na província de Benguela.
Um dos grandes problemas é que a maioria dos agricultores não têm nenhum título ou documento que concede o uso da terra e por isso, as autoridades tradicionais desempenham um papel muito importante no controle da disputa de terras.
A economia do município é composta por pequenos agricultores, médios e grandes agricultores. Os pequenos agricultores são proporcionalmente em número maior, e têm a agricultura como sua principal actividade para a sobrevivência, organizando-se em cooperativas. As principais culturas são o milho, feijão macunde, milho, amendoim. Em algumas regiões também cultivam mandioca, girassol e sorgo.
A criação animal no município é bastante frequente. Os principais criadores de animais se ocupam de gado (59%), caprinos (21%) e suínos (19%).
Os animais criados por camponeses têm várias finalidades. Aqueles de pequeno tamanho (cabras, porcos e galinhas) são usados em alimentos e comércio. Os bovinos são mais utilizados para tração animal.
A actividade de pesca é usada como fonte de subsistência econômica, mas não há dados sobre o volume das capturas. O Rio Cubal, Cuporolo e Catumbela são aqueles que oferecem maiores possibilidades para a prática da pesca, embora têm riscos com a presença de crocodilos em alguns rios.
A caça também é uma atividade praticada em muitas partes da cidade, especialmente nos distritos de Tumbulu, Yambala e Capupa.
No Cubal o tipo de comércio dominante é aquele informal, como em todos os bairros há pequenos mercados em que o povo exerce suas atividades diárias.
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As principais actividades desenvolvidas por mulheres são na área da agricultura e a sua maioria não conseguiu um nível académico elevado. Nas áreas urbanas, são principalmente vendedoras informais de mercado. As mulheres que conseguiram estudar estão principalmente enquadradas na função pública, sendo principalmente enfermeiras e professoras.
Esta situação de baixa escolaridade das mulheres e de poucas oportunidades de ser enquadradas em um contexto laboral e social mais desenvolvido, as expõe desde criança, mas sobretudo no principio da adolescência, ao risco de serem assediadas sexualmente ou de serem utilizadas para trabalho domestico e rural, fechando as já poucas possibilidades das mesmas de ter acesso a oportunidades diferentes e fazer uma escolha de vida própria e não tomada pela família.
1.1.4 SOBRE GANDA
Ganda é uma cidade e município da província de Benguela, em Angola. Tem 4 817 km² e 224.668 habitantes, sendo o quarto município mais populoso da Província de Benguela. É composto por 4 Comunas (Babaera, Casseque, Chikuma, Ebanga, Ganda), limita a Norte com os municípios do Bocoio e do Balombo, a Este com os municípios de Tchinjenje, Ukuma e Longonjo, a Sul com os municípios de Caconda e Caluquembe e a Oeste com o município do Cubal. Até 1975 designou-se Vila Mariano Machado.
Circundado de vários outros municípios, a cidade e o município da Ganda apresentam- se ainda como um dos municípios em que a protecção social se enquadra na linha dos principais problemas que a população enfrenta.
Do ponto de vista estrutural e administrativo figura naqueles em que a administração municipal é a principal instituição que assegurar a presença dos serviços do Estado na localidade. Assim, os representantes das instituições contactadas são principalmente funcionários da administração que desenvolvem as funções e representam os serviços dos órgãos do Estado no município.
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A principal fonte de rendimento económico da população é a agricultura. As diversas plantações de ananases, mangas, bananas e milho na Ganda são reconhecidas como sendo uma das melhores em termos de qualidade, obtendo várias colheitas por ano. Estas produções são posteriormente vendidas para todo o território Angolano destinando-se mesmo, em alguns casos, à exportação. Deste modo, constituem uma importante fonte de subsistência e de rendimento para a população.
Para fortalecer a capacidade económica e as trocas comerciais, foi recentemente reabilitada a estrada de ligação à província do Huambo.
Presentemente a Ganda encontra-se em fase de reestruturação e reconstrução de diversas infraestruturas básicas, as quais foram parcialmente destruídas aquando da guerra civil.
No entanto, Ganda é o município onde a protecção social dos idosos, jovens e crianças é fundamentalmente garantida pela administração do Estado com as suas insuficiências e limitações, devida por exemplo a falta de recursos humanos suficientes a responder as exigências e aos serviços de apoio complementares.
O contexto social no qual os menores e as meninas em particular crescem é parecido àquele de Cubal, no qual as mulheres têm um nível académico mais baixo em relação aos homens e estão ocupadas principalmente em actividades domesticas, no sector comercial informal e na agricultura. Assim sendo, também no contexto do município da Ganda encontram-se jovens que por falta de oportunidades de crescimento no âmbito académico, por falta do apoio da família em melhorar a própria condição social com as próprias capacidades escolares e, por vezes, por falta de outras oportunidades a nível de crescimento social, devida a falta de serviços, se encontram a contrair casamento após uma gravidez e serem obrigadas a constituir a própria família, não tendo a preparação física e mental para faze-lo.
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1.2 CONTEXTUALIZAÇÃO SOCIO-CULTURAL
Angola possui três principais grupos etno-linguísticos, os quais juntos, representam cerca de três quartos da população africana. Esses grupos, que não são linguisticamente homogêneos, são os Ovimbundu, Mbundu e Bakongo. Embora durante o período de guerra, por causa das migrações internas e dos acontecimentos bélicos, estes grupos misturaram-se bastante, a província de Benguela é actualmente composta na sua maioria pelos Ovimbundu.
1.2.1 OVIMBUNDU
Os Ovimbundu falam o Umbundu e estiveram historicamente concentrados nas províncias de Huambo e Bié, no planalto central do país. No período colonial, começaram a migrar para o litoral devido à falta de terra e à competição com agricultores brancos. Foram principalmente para as cidades de Lobito e Benguela. Muitos homens Ovimbundu também integraram as forças armadas portuguesas, em parte por razões econômicas e em parte porque os portugueses, deliberadamente, concentraram seu processo de recrutamento militar nas regiões centro e sul de Angola, na sequência do início da revolta nacionalista, em 1961.
Havia um certo desenvolvimento industrial na região dos Ovimbundu, sendo que Huambo e Lobito tornaram-se o segundo e o terceiro maiores centros industriais, atrás apenas de Luanda. A ferrovia de Benguela tornou-se um factor-chave na indução do desenvolvimento do planalto central.
De acordo com o censo de 1960, 38% dos angolanos eram Ovimbundu. Essa proporção parece não ter mudado desde então. Uma pesquisa nacional feita em 1996 (realizada em todas as 18 províncias, em áreas controladas tanto pelo MPLA como pela UNITA) mostrou que o Umbundu era a língua-materna de 30% da população.
O povo Ovimbundu é um povo culturalmente ligado a tradição e por isso as suas práticas antigas são ainda visíveis em muitos lugares, como é o caso da iniciação de jovens para a vida cultural e social que começa com a circuncisão.
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A palavra circuncisão masculina na sua língua tradicional, denomina-se por “Evamba ou Ekwendje” dependendo das áreas e, é uma prática sagrada e obrigatória. Trata-se de um rito que serve de transição da infância para a adolescência.
Normalmente realiza-se o acto na época do Cacimbo, por ser uma época friorenta por facilitar a cura das feridas que surgem após o corte.
Um contacto prévio é feito com os pais ou tutores das crianças. Posteriormente, cada família selecciona os rapazes em condições de partir e, depois todos juntos numa semi-caravana rumam à mata, num local já preparado que fica a dez ou mais quilómetros da zona habitada.
Por regra, o local escolhido possui um riacho próximo. O recinto que vai albergar os garotos designa-se por “Otjilombo”. Cada criança faz-se acompanhar do seu farnel que entregará ao seu tutor “Onawa” com habilidades para solucionar todas as questões durante o período de circuncisão que por norma dura 90 dias. O treino serve para aprender as técnicas de autodefesa, saber proteger o seu território, a família, dominar as técnicas de construção das suas residências e as artes de caça. Sobre este último aspecto, quem passou por esses acampamentos aprendeu e sabe que quem arremessa uma flecha aos olhos do animal, fica sujeito a uma multa caso seja visto pelos anciãos.
Durante a sua convivência no acampamento, os jovens também aprendem agricultura e outros ofícios, numa rigorosa iniciação que começa no mês de Junho e termina em Outubro, quando o juramento é feito.
No dia decidido, os jovens são levados um a um para um lugar específico onde lhes será subtraído a ponta do prepúcio “Utue” a sangue frio. Os mestres “Otjilue” orientam aos “Onawa” para tocar batuques, apitos e canções com o propósito de impedir que os gritos sejam captados pelos outros que aguardam pela sua vez.
Quando a cicatrização está consolidada, o jovem começa a ensaiar danças com a máscara (otchingandje), já se considerando evoluído em termos de aprendizagem.
Logo, a circuncisão como elemento cultural é uma tradição que marca o dia-a-dia dos povos Bantu. É uma maneira de aprender as regras, as normas de uma determinada sociedade, transmitidas e conservadas de geração em geração.
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Entre as meninas, o rito de iniciação chama-se Efiko e não consiste na circuncisão mas num ritual que serve como passagem para as meninas da infância a idade matura, porque no fim pode casar-se e ter uma família.
Efiko, kusikala, ovangolo ou hangolo são terminologias que se traduzem literalmente como rituais de iniciação feminina, uma referência a identidade do povo da região da Hanha que abarca os municípios do Chongoroi, Caimbambo, Cubal e uma parte da Ganda.
Depois que as meninas começam a menstruar, as famílias enviam as jovens para o “Otchitenda”, local do ritual, onde elas ficaram a saber sobre os regulamentos e vestes a serem usadas durante o rito.
A cerimónia do Efikó, envolve várias etapas, nomeadamente a preparação das jovens no Octhiotelo, o sacrifício de alguns animais e o processo de pintura com argila, que decorre debaixo de uma árvore, denominada “Utiwopanda”, que é um local proibido para os homens.
As raparigas são ainda ordenadas ao banho de rio e a trançar o cabelo segundo a linhagem familiar de cada uma, bem como a prepararem as suas vestes e serem submetidas a danças como Ondjando, Wtembo e Batuque.
A última etapa é o culminar das festividades, pois estão preparadas para a vida futura. Nesta fase elas associam-se aos jovens do sexo masculino circuncisados, que não tiveram a oportunidade de passar por esta cerimónia, que termina com passeatas em casas dos familiares dos participantes.
Os ritos de iniciação, na perspectiva sociológica, são processos de socialização, através dos quais as crianças e os adolescentes aprendem as normas, as regras da sociedade onde estão inseridas.
Em termos antropológicos, a cerimónia de iniciação é uma endo-culturação, que significa aprendizagem cultural das normas dos valores das sociedades Bantu, em que durante três ou mais meses os adolescentes são submetidos a um conjunto de ensinamentos sobre as tradições.
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Com estes mitos aprende-se a caçar, a pescar, durante a noite há um mais velho a contar histórias e provérbios. As meninas aprendem a cuidar da casa, dos maridos e como enfrentar as dificuldade da vida como esposa. Ambos aprendem num processo de transmissão filosófica da visão do mundo da sociedade cultural Bantu
Importa salientar que a iniciação (masculina ou feminina) é um rito de passagem, que marca a transição de uma posição social para outra, porque nas aldeias um jovem não circuncidado ou uma jovem que não passou pelo Efiko são estigmatizados, por não estarem completamente integrados na sociedade e nem preparados para enfrentarem os desafios da vida.
É por isso, que o próprio acto culmina com uma grande festa, em que é convidada toda a comunidade, a fim de testemunhar que o e a adolescente passaram para a classe de adultos e já têm outro estatuto social.
Nos últimos tempos, com o processo de urbanização, com o cristianismo e a escolarização, o sentido cultural da circuncisão começa a desaparecer e este vem sendo confundido unicamente como a preparação do homem para arranjar mulher, ignorando-se que a cultura Bantu também prevê que o homem para poder constituir família deve ter propriedades e capacidades de gestão da mesma.
Ainda assim, a evolução social e o afastamento das tradições meteram as mulheres na condição de não passarem nos ritos de iniciação e serem projectadas de um dia para outro da condição de criança a condição de mulher, mãe, esposa e chefe de família, não tendo a capacidade física, mental, cultural e emocional de poder gerir esta situação.
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II CAPITULO - TEORIZAÇÃO
2.1 CONCEITUALIZAÇÃO DO CASAMENTO PRECOCE
Analisando isoladamente cada um dos termos que compõem a palavra casamento precoce, poderemos ver que a palavra casamento etimologicamente é derivada de “casa” também pode ser do latim medieval casamentu: Ato solene de união entre duas pessoas, capazes e habilitadas, com legitimação religiosa e/ou civil.
Casamento ou matrimônio do ponto de vista global é um vínculo estabelecido entre duas pessoas, mediante o reconhecimento governamental, religioso ou social e que pressupõe uma relação interpessoal de intimidade, cuja representação arquetípica é a coabitação, embora possa ser visto por muitos como um contrato.
Segundo o Dicionário do Pensamento social do século XX (1996), o casamento é encarado como a ligação socialmente aprovada de um homem e uma mulher para fins de comunhão sexual procriação e colaboração económica. No entanto, esta concepção tem sofrido várias críticas principalmente para a disjunção da função económica. Para John Locke, o casamento por exemplo não é mais do que um pacto voluntário que tem a sua importância apenas na proteção das crianças.
No entanto, se pode dizer que ao longo dos anos a ideia do casamento teve várias vertentes, desde a vertente espiritual com a igreja no centra das atenções, encarando este como um acto sacramental e divino, passando a ideia mais contratual, onde o mesmo assumia uma característica mais de um contrato de pacto social, até as ideias mais marxista em que procuravam colocar o matrimónio mais no contexto das lutas de classes e das teorias feministas, tendo como principal foco a exploração da mulher na instituição casamento.
Assim as discussões e debates sobre o casamento levaram os sociólogos a olharem para vários aspectos e mudanças (positivos e negativos) da vida familiar e do casamento enquanto instituição social que a proclamava. Porém, as mudanças que se seguiam enfatizaram a nova importância do casamento no ajustamento da personalidade adulta e posteriormente os sociólogos, imbuídos das ideias feministas,
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começaram a olhar para um casamento com um pendor mais igualitário entre as partes como o modelo para o futuro.
Por outro lado a palavra Precoce é o nome atribuído a algo que nasce, se desenvolve ou acontece antes do tempo previsto; referente ao que surge ou ocorre com antecedência, fora do período habitual.
Etimologicamente, o termo "precoce" surgiu do latim praecox, e na língua portuguesa é utilizado como um adjetivo para qualificar um processo, uma condição ou uma pessoa.
A palavra precoce pode ser empregada para adjetivar determinado acontecimento prematuro, ou seja, que aconteceu mais cedo do previsto. Quando uma criança nasce antes dos nove meses de gestação da mulher, por exemplo, diz-se que nasceu precocemente (prematuro), antes do período considerado normal pela medicina para a formação completa e sadia do bebê.
O termo precoce também caracteriza os acontecimentos que podem provocar complicações ou problemas futuros, por exemplo, os recém-nascidos que nascem de maneira precoce, normalmente, apresentam complicações após o parto, como dificuldades para respirar. Por norma, as crianças prematuras devem permanecer em observação em incubadoras ou berços sob cuidados específicos de enfermeiros e médicos.
Dai que, o casamento precoce é definido como um casamento formal ou união informal entre duas pessoas, desde que uma delas ou as duas tenham menos de 18 anos de idade.
Alguns sociólogos definem ainda o casamento precoce como um vínculo ou união estabelecido por duas pessoas sendo uma delas menor, sem o reconhecimento governamental, que muitas vezes tem sido forçado originado por várias razões que apoquentam a sociedade.
Assim, porque uma pessoa com idade inferior a 18 anos (criança) não é capaz de dar o seu consentimento válido para se casar, os casamentos em que ambas ou apenas uma
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das partes é menor de idade, são considerados como uniões forçadas, o vulgarmente chamado casamento precoce.
2.1 CAUSAS
Existem vários factores que influenciam ou facilitam o envolvimento de crianças em relações que chegam a ser de convivência familiar na condição de marido ou mulher. Assim podemos agrupar a causas do casamento precoce nos seguintes níveis:
Nível Económico: o casamento precoce muitas vezes é usado como forma de melhoria de renda da família e para a redução de custos familiares com a saída de um dos membros. Nesta condição, o facto de a família ser de renda baixa leva muitas vezes os pais a decidirem mais cedo o futuro conjugal de seus filhos de modo a “liberarem-se” destes como peso na situação financeira da família, como despesa. Ainda para os casos nos quais a menina é de família pobre, o casamento é uma forma para obter algum rendimento com dote do alambamento e que melhorar a renda económica da família.
Nível Social: a nível social encontramos como uma das causas do casamento precoce, o comportamento social do individuo na adolescência, ou seja, geralmente o comportamento que o adolescente tem a causa da influência do meio social em que está inserido. Esta influência, é fundamental na formação da consciência da pessoa. O individuo muitas vezes toma decisões porque é influenciado no seu comportamento por parte dos outros, sob condição de que se não o fazer poder ser julgado e até mesmo afastado do grupo.
Isso pode acontecer quando os adolescentes têm tendência de partirem para a vida sexual muito mais cedo, faz com que muitos o façam sem mesmo terem noção dos riscos, mas apenas para poder estar em concordância com o grupo, provocando muitas vezes as gravidezes precoces e consequentemente o casamento precoce.
Outros motivos podem ser identificados nas influências que o mau aproveitamento dos meios de comunicação modernos produz. Os adolescentes de hoje fazem apenas um uso negativo dos serviços de comunicação social como televisão, internet, redes sociais. Por exemplo de uma novela pegam apenas a parte do namoro e do sexo,
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deixando de lado toda a mensagem positiva que a mesma traz sobre estes temas ou ainda utilizam internet não para enriquecer o próprio conhecimento, mas para visitas em sites pornográficos e inscrições nestes.
Nível Cultural: Os ritos de iniciação masculina e feminina em áreas muito mais rígidas culturalmente funcionam como o período em que a criança é preparada para ter uma vida sexualmente activa e a partir daí a mesma é também considerada como apta para iniciar uma vida familiar.
Esta visão muito limitada das crianças que completam estas fases de iniciação sejam já confrontadas e obrigada a nível familiar e comunitário com a ideia de constituir uma família.
Nível Familiar: A pobreza familiar leva os pais, garantes do bem-estar social e económico dos filhos, imbuídos muitas vezes de ideias que o casamento dos filhos é uma responsabilidade deles, procuram um casamento para os filhos que vise satisfazer os interesses da família, sem que os filhos em causa sejam tidos em conta.
Familiarmente os pais são responsáveis pela felicidade dos filhos e são estes que devem procurar o parceiro ou parceira para o mesmo ou mesma. Este acto geralmente acontece após o nascimento da criança, ou seja, duas crianças que nascem na mesma época podem ser acordadas para um futuro casamento pelos pais e, de forma a garantir que isso aconteça na normalidade, as mesmas crianças são criadas e educadas com ideia de que serão marido e mulher, o que faz com que isso possa acontecer antes dos 18 anos de idade.
Nível Religioso: Há ainda aqueles que se casam porque veem no casamento uma forma de fugir da tentação de fornicar. Neste caso o casamento passa a ter o único objetivo de dar ao jovem a liberdade de se relacionar sexualmente sem pecar.
Além dos conflitos que o jovem enfrenta para manter uma vida de castidade, existem ainda as cobranças em casa e principalmente na igreja, resultando muitas vezes em casamentos apressados, com um tempo muito curto de namoro, não dando aos noivos a oportunidade de se conhecerem bem.
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Embora o casamento possa ser um meio de extravasar legitimamente os impulsos sexuais, isto não significa que se deva apressar o casamento apenas por esta razão.
Jovens que se casam apenas por essa razão ignoram completamente o verdadeiro sentido do casamento e o compromisso que estão assumindo.
2.2 CONSEQUÊNCIAS
O casamento precoce, mesmo a causa da imaturidade de um ou de ambos os parceiros, provoca algumas consequências, que poem em risco nao somente o direito a felicidade no seio da família e da sociedade de cada pessoa, como também a vida da parte mais vulnerável no casamento e da sua descendência. A seguir podem ser identificadas as principais consequências do casamento precoce, sobretudo do ponto de vista das meninas.
Violência domestica: As meninas estão sujeitas a um elevado risco de violência dos seus parceiros e famílias, porque não tem capacidade de se defender e poder gerir as situações familiares. As meninas de facto são mais propensas em sofrer actos de agressão física ou ameaças por parte dos seus maridos do que as mulheres que se casam mais tarde.
Violência sexual: Também neste caso, as meninas são mais propensas em descrever a sua primeira experiência sexual como forçada e não desejada, quase traumática e, em geral, também porque casam com homens muito mais velhos.
Violência psicológica e emocional: Muitas vezes as meninas sofrem pressão emocional de suas famílias, dos maridos ou dos parentes limitando assim a sua capacidade em tomar decisões sobre a sua própria vida, corpo e filhos.
A iniciação sexual forçada e a gravidez precoce também podem ter efeitos duradouros e nefastos sobre a saúde física, emocional e psicológica da rapariga vitima durante toda a sua vida.
Limitações no desenvolvimento humano das meninas/mulheres: O casamento prematuro enfraquece a rapariga, limita as suas oportunidades de desenvolvimento
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seja do ponto de vista pessoal como do seu envolvimento e contribuição no crescimento nacional. Ainda, a gravidez precoce pode ter consequências e uma ligação directa com a taxa de mortalidade materno-infantil, diminuindo o numero dos cidadãos e das pessoas que possam desenvolver o país.
Abandono escolar: O casamento prematuro é uma das principais causas da desistência escolar entre as raparigas.
Do ponto de vista da saúde nacional, podem ser encontradas três principais consequências do casamento precoce: