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UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR

Artes e Letras

Adriano Moreira e o Império Português

José Maria dos Santos Coelho

Tese para obtenção do Grau de Doutor em Letras (3º ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor António dos Santos Pereira Co-orientador: Prof. Doutor Alexandre António da Costa Luís

Covilhã, Novembro de 2015 Adriano Moreira e o Império Português

UNIVERSIDADE DA BEIRA INTERIOR Artes e Letras

Adriano Moreira e o Império Português

José Maria dos Santos Coelho

Tese para obtenção do Grau de Doutor em Letras (3º ciclo de estudos)

Orientador: Prof. Doutor António dos Santos Pereira Co-orientador: Prof. Doutor Alexandre António da Costa Luís

Covilhã, Novembro de 2015

I José Maria S. Coelho

II Adriano Moreira e o Império Português

Dedicatória

Quero dedicar este trabalho aos meus. Foram eles que mais atentos seguiram o meu es- forço e a minha abnegação para atingir o objectivo que me propus quando iniciei esta Tese sem reclamação que me lembre. Suportaram o meu cansaço, a minha ansiedade e algum mau humor. Agradeço em parti- cular a compreensão da minha mulher, Anabela Lamelas, da minha filha, Ana Miguel, e do meu filho, Diogo Nuno. No próximo futuro, recompensarei tudo o que por mim fizeram durante estes anos. Muito obrigado.

III José Maria S. Coelho

IV Adriano Moreira e o Império Português

Agradecimentos

Endereçar agradecimentos é sempre um acto que me torna feliz. Contudo, apesar dessa minha satisfação, temo não ser capaz de o fazer sem que me esqueça de alguém. Assumo, por isso, a responsabilidade de qualquer esquecimento que venha a ocorrer. Agradeço todo o apoio e a disponibilidade que me foram dispensadas pelos Senhores Professores Doutores António dos Santos Pereira, Orientador, e Alexandre António da Costa Luís, Coorientador. A sabedoria e o empenho que emprestaram ao meu trabalho foram decisivos. Agradeço aos meus amigos, não destacando nenhum, todo o apoio que sempre me deram. Agradeço, igualmente, a compreensão da Direcção do Agrupamento de Escolas do Sabugal, onde sou Professor do Quadro, e que sempre me apoiou facilitando-me as ausências que, em- bora ao abrigo da lei vigente, nunca me foram negadas. Agradeço, por fim, à minha família no sentido alargado e, especialmente, à nuclear, todo o apoio e compreensão. Agradeço aos proprietários da Tipografia Marques e Pereira na Guarda e, em especial, à funcionária Rosa Gonçalves.

V José Maria S. Coelho

VI Adriano Moreira e o Império Português

Prefácio

A complexidade de trabalhos como este que nos propusemos realizar resulta, antes de mais, do facto de tratar temas muito contemporâneos, que implicam personalidades ainda vivas e assentam em documentação, muita dela, ainda insuficientemente tratada. Contudo, o apelo da temática que aqui apresentamos foi de grande peso na hora da escolha do assunto que poderíamos tratar nesta tese. Ponderados que foram os constrangimentos que determinariam o sucesso ou insucesso do nosso trabalho, concluímos que os mesmos poderiam ser ultrapassados na sistematização dos conteúdos, alicerçando o nosso estudo em bases documentais sólidas e assumindo, desde o início, a vulnerabilidade do conhecimento que apresentaríamos no final, já que, ao ritmo a que se vão apresentando novos documentos e novos estudos, as conclusões a que chegámos podem ser ultrapassadas em curto espaço de tempo. Ao mesmo tempo em que nos questionávamos acerca de todos estes considerandos, tínhamos, igualmente, a vontade ina- balável de não desperdiçar a “sorte” de ainda permanecer entre nós o protagonista desta tese. Seria imperdoável perder, de viva voz, as explicações, as informações e os considerandos que o Prof. Adriano Moreira nos pôde ainda prestar. Mesmo tendo consciência dos riscos que corría- mos ao escolher este tema, justamente pela natureza das coisas, sabíamos que poderíamos não mais ter acesso ao último ministro vivo de Oliveira Salazar. O interesse pelo conhecimento dos verdadeiros motivos do afastamento de Adriano Mo- reira da pasta do Ultramar, de forma inusitada e em tempo menos oportuno conduziu-nos à curiosidade própria de quem espera respostas, a confirmações de teses, aclarações ou mesmos desmentidos. Aquilatar o peso da relação entre o ministro Moreira e os militares interessava-nos numa perspectiva de avaliar as pressões que Oliveira Salazar terá sofrido, ao ponto de colocar termo às reformas ultramarinas que tanto ambicionara quando chamara Adriano Moreira ao go- verno. Afinal, quisemos sempre saber qual o verdadeiro peso do “Príncipe” que residiu no seio do mundo militar durante todo o , até que ponto António de Oliveira Salazar foi um refém dos militares durante o seu longo consulado. O Professor Adriano Moreira foi muito claro na sua afirmação quanto ao excessivo peso do meio castrense na política ultramarina por- tuguesa. Foi-o, ainda mais, quando a guerra em Angola e, sucessivamente, em Moçambique e na Guiné, denunciou a fragilidade do velho Presidente do Conselho em determinar o papel dos militares na questão ultramarina Este trabalho clarifica dois segmentos fundamentais na política ultramarina portuguesa durante o Estado Novo: um, o mais teórico, a adopção do luso-tropicalismo como doutrina ofi- cial do Estado português, a partir dos anos de 1940, numa tentativa de justificar o injustificável – o colonialismo; o outro avalia o papel das Forças Armadas na política nacional e, particular- mente, na política ultramarina. Temos consciência das limitações implícitas a este tipo de tra- balho e, em particular, também às que se prendem com o nosso esforço pessoal. Há, contudo, que levar em conta que a nossa intenção foi somente a de podermos acrescentar algo mais ao que já se estudou e, se possível, servir de lastro de partida para outros estudos. Trata-se de um estudo condicionado pelas contingências documentais resultantes do fac-

VII José Maria S. Coelho to de uma boa parte dos instrumentos de informação não estarem, ainda, disponíveis; contudo, clarificador em relação aos objectivos que estiveram na base da opção por nós feita. O estudo continua em aberto e encerra em si mesmo a capacidade de ser acrescentado e clarificado.

VIII Adriano Moreira e o Império Português

Resumo

O trabalho que desenvolvemos no âmbito da relação vivenciada entre o Prof. Doutor Adriano Moreira e o Estado Novo na vertente de resolução da questão ultramarina a partir do final da Segunda Guerra Mundial assenta, justamente, na tentativa que fizemos de identificação das linhas fundamentais que nortearam o papel do Professor. Este teve uma acção enquanto ideólogo, assumindo o lusotropicalismo de Gilberto Freyre, mas, de igual modo, desenvolveu um papel de diplomata integrando as delegações que, no estrangeiro, nomeadamente na ONU, tentaram legitimar a posse das Províncias Ultramarinas por parte de . Quanto à acção de ideólogo, há que reafirmar o papel de reformador, nomeadamente na questão do Sistema Prisional Ultramarino, ou, com maior repercussão, a revogação do estatuto do Indígena. Já no papel de diplomata, devemos realçar a inteligência e a antecipação que o Professor demonstrou nas Nações Unidas ao antever uma evolução lógica da situação colonial portuguesa. A interpre- tação quer da composição da ONU, onde prevaleciam as potências vencedoras guerra, quer da evolução dos equilíbrios que, naquela Organização, se iam gerando, fizeram de Adriano Moreira um dos homens com maior conhecimento do mundo e da sua evolução nas décadas de 1960 e de 1970. Defensor acérrimo da autonomia progressiva das Províncias Ultramarinas portuguesas, empreendeu, enquanto ministro, reformas de extrema importância, entre as quais as que já destacámos neste texto. Para além dessas, importa referenciar a criação de várias escolas no Ultramar, incluindo os Estudos Superiores Universitários. Pretendia, assim, criar uma elite instruída que pudesse tomar em suas mãos o futuro daqueles territórios. A luta pelo poder ti- nha começado nos inícios dos anos sessenta do século XX. Tentava-se identificar, entre os mais próximos, aquele que viria a ser o sucessor do presidente do Conselho – Oliveira Salazar. Franco Nogueira, e também Adriano Moreira eram apontados como delfins do velho chefe do governo. Entretanto, apesar de embrenhados na guerra ultramarina, os militares não ficavam de fora desta luta pelo poder. ONovíssimo Príncipe apertava o cerco aos ministros civis e isso aconteceu com o ministro do Ultramar – Adriano Moreira. Acabaria por se demitir quan- do Salazar lhe comunica que, tendo receio das acções dos militares e não tendo a garantia de poder continuar no comando do regime, era obrigado a abandonar as reformas iniciadas pelo ministro do Ultramar, Adriano Moreira. Após este acontecimento, verificou-se um retrocesso enorme na evolução das Províncias Ultramarinas. Defensor incondicional da língua portuguesa, Adriano Moreira recusa qualquer tipo de acordo normativo para a mesma que unificaria todas as formas de escrita nas diferentes lati- tudes onde diferentes povos falam o português. O Professor usa, amiúde, uma expressão por si criada e que se tornou já bandeira dos defensores da língua lusa: “A língua não é nossa, tam- bém é nossa”. Moreira defende que a língua, depois de entregue aos povos que a passam a ter como língua oficial, passa a evoluir de acordo com influências próprias de cada lugar e com as influências endógenas e exógenas que sobre ela se exercem. Adriano Moreira apostou, cedo na necessidade e na validade da criação de uma Comuni-

IX José Maria S. Coelho dade de Países de Língua Portuguesa, ainda enquanto Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa. Depois foi o Brasil quem criou a Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. O grande papel na criação da CPLP coube, sem dúvida, ao brasileiro Jorge Aparecido de Oliveira. O Pro- fessor acreditou, e acredita ainda, que esta organização de países falantes do português consti- tui uma janela de liberdade para Portugal e para a Europa. Esse núcleo de países deve tornar-se um potentado económico e um espaço de liberdade que marque, definitivamente, o Atlântico Sul. Portugal deve constituir uma ponte de passagem entre o mundo marítimo na África, nas Américas e mesmo no Oriente e a velha Europa, cujo euromundismo desaparecera há muito. De forma clara, Adriano Moreira assume que se não tivesse saído do Ministério do Ul- tramar e, em consequência, abandonado as reformas em curso, e, ao mesmo tempo, tivesse sucedido a Salazar, a guerra no Ultramar teria tido um fim rápido, negociado e sem que se per- petuassem cicatrizes profundas como aconteceu. Ao mesmo tempo, esclarece que a evolução de Portugal para a democracia ter-se-ia verificado sem sobressaltos. A transição que o Professor fez do Estado Novo para a Democracia foi calma e com a assunção dos valores democráticos que lhe foram propostos. De certa forma, eles encaixavam nos valores do respeito cristão pela pessoa humana, o que deu alguma paz ao futuro Presidente do CDS. Moreira mantém-se extre- mamente interessado pelos temas actuais, internos e externos, o que lhe permite emitir claras opiniões sobre os mesmos. Continua a sonhar para Portugal um futuro auspicioso que passará, sem dúvida, por uma grande viragem deste país para o Atlântico. Palavras-chave

Adriano Moreira, Estado Novo, Império/Ultramar, Luso-tropicalismo, CPLP.

X Adriano Moreira e o Império Português

Abstract

The work we have developed regarding the relationship experienced between Professor Adriano Moreira and the Second Portuguese Republic (Estado Novo) in relation to the resolu- tion of the overseas question as from the end of the second world war, is exactly based on the attempt we made to identify the fundamental lines the guided the Professor’s role. He played the part of ideologist, assuming the Lusotropicalism of Gilberto Freyre, but, similarly he deve- loped a role as a diplomat by integrating the delegations abroad, namely the UN, attempting to legitimize the possession of the overseas provinces in Portugal’s name. As far as his action as an ideologist, we need to reaffirm the role of reformer, namely in the issue of the Overseas Prison System, or with greater repercussions, the revocation of the Indigenous status. As a diplomat, we should emphasize the Professor’s intelligence and the anticipation shown at the United Nations, foreseeing a logical evolution of the Portuguese Colonial Situation. The interpretation both of the composition of the UN (where victorious power wars prevailed) and the evolution of the equilibria that the Organization would generate, made Adriano Moreira one of the men with the greater knowledge of the world and its evolution in the 1960’s and 1970’s. Staunch supporter of the progressive autonomy of the Portuguese Provinces Overseas, as minister, he undertook extremely important reforms among which the ones already highlighted in this text. Furthermore, the establishment of various schools overseas, including Higher Edu- cation Universities should be noted. In this way, he intended to create an educated elite who could take the future of these territories into their own hands. The fight for power had begun in the beginning of the sixties in the 2oth century. Among those closest, an attempt was made to identify the one who would be Oliveira Salazar, the Prime Minister’s successor. Franco Nogueira, Marcello Caetano and also Adriano Moreira were names put forward as the political heirs of the old head of government. Meanwhile, despite being caught up in the war overseas, the milita- ry did not stay out of this power struggle. The New Prince/ Novíssimo Príncipe tightened the circle against civil ministers and this happened with the Overseas Minister – Adriano Moreira. He eventually resigned when Salazar informs him that fearing military action and not having the guarantee of being able to continue in charge of the regime, he was forced to abandon the reforms initiated by the Overseas Minister, Adriano Moreira. Following this event, a huge step backwards in the evolution of the provinces overseas took place. Unconditional defender of the Portuguese language, Adriano Moreira refuses any kind of legal agreement which would unify all forms of writing in different latitudes where different people speak Portuguese. The Professor often uses an expression he himself created and which has become a flag flown by the defenders of the Portuguese language. “The language is not ours, it is also ours.” Moreira defends that after a language is handed to the people who will use it as an official language, it begins to evolve according to the influences of each place and the endogenous and exogenous influences that are exerted on it. Very soon Adriano Moreira invested on the need and validation in what concerns the cre- ation of a Community of Portuguese Languages, while he was, still, the President of the

XI José Maria S. Coelho

Geography Society. Later on, it was Brasil that created the Community of Portuguese Lan- guages. The major role on the CPLP Foundation was, doubtless, played by the brasilian Jorge Aparecido de Oliveira. The Professor believed and still believes that this organization of Portu- guese speaking countries constitutes a window of freedom for Portugal and Europe. These core countries must become an economic potentate and a space of freedom that definitely marks the South Atlantic. Portugal should be a bridge crossing between the maritime worlds in Africa, The Americas, even in the East and the old Europe where the European World has long gone. Clearly and unequivocal manner, Adriano Moreira assumes that if he had not left the Over- seas Ministry, consequently abandoning the ongoing reforms and at the same time succeeded Salazar, the overseas war would have had a quicker negotiated end, without the perpetuation of deep scars. At the same time, he clarifies that the evolution of Portugal towards democracy would have occurred smoothly. The transition the Professor carried out from the Estado Novo to Democracy was calm, without alarms and with the assumption of the democratic values that were proposed. In a way, they fit in with the Christian values of respect for the human being which brought some peace to the future President of CDS. Moreira maintains extreme interest in current affairs, both internal and external, which allows him to articulate clear opinions on these issues. He continues to dream about an auspicious future for Portugal, which undoubtedly will include a new turning point of this country towards the Atlantic. Key Words

Adriano Moreira, Estado Novo, Empire/Overseas, Lusotropicalism , CPLP.

XII Adriano Moreira e o Império Português

Indíce

Dedicatória ...... III

Agradecimentos ...... V

Prefácio ...... VII

Resumo ...... IX

Abstract ...... XI

Siglas e Acrónimos ...... XV

Introdução ...... 3 Capítulo I

Adriano Moreira: um percurso...... 29

1. Adriano Moreira: dados biográficos...... 29

2. A formação do ideário de Adriano Moreira...... 34

3. Alguns contemporâneos de Adriano Moreira...... 39

4. A aproximação de Adriano Moreira ao Estado Novo...... 47 Capítulo II

Gilberto Freyre, o Luso-tropicalismo e Adriano Moreira...... 59

1. Luso-tropicalismo: uma teoria social...... 59

2. 0 Luso-tropicalismo na perspectiva de Adriano Moreira...... 63

3. O Luso-tropicalismo em outros autores...... 69

4. Luso-tropicalismo: uma teoria do Estado Novo? ...... 77 Capítulo III

Adriano Moreira, o Ultramar Português e os Organismos Internacionais...... 83

1. A ONU e o princípio da descolonização...... 83

2. Portugal, o Império e a ONU...... 86

3. A questão ultramarina em Portugal e a posição da Igreja Católica...... 93

4. A diplomacia portuguesa após 1945 e as relações com os aliados tradicionais...... 103 Capítulo IV

Adriano Moreira para além do Estado Novo...... 109

1. Adriano Moreira e o Portugal do pós 1945...... 109

2. Adriano Moreira: um crítico do Estado Novo...... 114

3. Adriano Moreira: um conhecedor do Império...... 117

4. Adriano Moreira: escolhido para Ministro do Ultramar...... 122

5. O alcance das reformas empreendidas pelo Ministro do Ultramar Adriano Moreira. .... 125

XIII José Maria S. Coelho

Capítulo V

Adriano Moreira: a construção de uma alternativa...... 133

1. Adriano Moreira: a antevisão do futuro do Ultramar...... 133

2. Adriano Moreira e as reformas ultramarinas que o Regime recusou...... 136 3. O Ministro Adriano Moreira: uma alternativa à guerra Ultramarina e a posição dos milita-

res...... 141

4. A Língua como elemento agregador ou o nascimento do V Império? ...... 156

5. A CPLP: da criação à actualidade - o Futuro...... 165

Conclusão ...... 179

Bibliografia e Netgrafia ...... 197

Bibliografia de Adriano Moreira - corpus da tese ...... 198

Bibliografia Geral ...... 200

Netgrafia ...... 207

Apêndices ...... 213

Questões a colocar ao Prof. Dr. Adriano Moreira ...... 215

Apêndice A ...... 217

Apêndice B ...... 224

XIV Adriano Moreira e o Império Português

Siglas e Acrónimos

AM - Adriano Moreira CDS – Centro Democrático Social CEE – Comunidade Económica Europeia. CEPS – Centro de Estudos Políticos e Sociais. CPLP - Comunidade dos Países de Língua Portuguesa. EUA – Estados Unidos da América. ISCSPU – Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas do Ultramar. JC – José Coelho MUD – Movimento de Unidade Democrática. NATO – Organização do Tratado do Atlântico Norte. ONU – Organização das Nações Unidas. OUA – Organização de Unidade Africana. SDN – Sociedade das Nações. UBI – Universidade da Beira Interior. URSS – União das Repúblicas Socialistas Soviéticas.

XV José Maria S. Coelho

XVI Adriano Moreira e o Império Português

Adriano Moreira e o Império Português

Um Projecto Reformista

1 José Maria S. Coelho

2 Adriano Moreira e o Império Português

Introdução

“Tinha esse poder sobre todos os territórios ultramarinos. Era um poder enorme”1

Iniciamos esta introdução com uma das frases emblemáticas de Adriano Moreira em epí- grafe: “Era um poder enorme”2. Trata-se, pois, da assunção das responsabilidades inerentes a este poder que, por ser grande, terá representado, ou não, um marco indelével na relação de Portugal com as Províncias Ultramarinas nos inícios da década de 1960. Interessa-nos, assim, a partir desta afirmação, interpretar o pensamento e a acção do autor face a um período crucial da história de Portugal, que pretendemos situar entre a Segunda Guerra Mundial e a Revolução de 25 de Abril de 1974. O que se espera com este trabalho prende-se, justamente, com a cla- rificação que se torna necessária das posições de Adriano Moreira face a um poder ditatorial e decadente, que caracterizou o Estado Novo, em especial depois dos finais da década de 1950, bem como aos meandros das relações de Portugal com as possessões Ultramarinas. Aqui, como o próprio título deste trabalho indica, deter-nos-emos mais tempo, pois que é, justamente, o âmago da nossa Tese. O mundo mudara com a Declaração Universal dos Direitos do Homem (1948). Os impérios chegavam ao fim e a realidade geopolítica global alterava-se. Fora definitivamente consagrado o direito dos povos à autodeterminação, o que implicava, para as potências colonizadoras, uma nova visão do mundo – um mundo de contrastes económicos e culturais que, em pé de igual- dade, sentava à mesma mesa países ricos e países pobres, povos com Estados consolidados e outros recém-chegados à independência. Mesmo os impérios mais estruturados politicamente, como era o caso do britânico, começaram a desmoronar-se. As potências colonizadoras acei- taram, na maioria dos casos, que os territórios não autónomos por si detidos tinham o futuro aberto para a independência. A ONU constituiu, a partir do final da Segunda Guerra Mundial, a estrutura jurídica internacional que garantia o direito dos povos a serem donos do seu destino. A autodeterminação passou a ser um princípio normativo dos novos desígnios do Direito Interna- cional. A Carta das Nações tonou-se uma espécie de Constituição para os povos que a aceitaram ao aderirem à ONU. Logo na declaração de intensões e na definição dos meios para alcançar os objetivos definidos, os povos signatários da Carta das nações Unidas deixam bem claras as linhas da Política Internacional para o futuro. A Seguinte transcrição é disso a prova. “ Nós, os povos das Nações Unidas, decididos: a preservar as gerações vindouras do flagelo da guerra que por duas vezes, no espaço de uma vida humana, trouxe sofrimentos indizíveis à humanidade; a reafirmar a nossa fé nos direitos fundamentais do homem, na dignidade e no valor da

1 SOROMENHO, Ana; CASTANHEIRA, José Pedro – Tive um poder enorme como ministro do Ultramar [em linha]. Expresso. Lisboa: 22 de Novembro de 2008. Disponível em http://expresso.sapo.pt/tive-um- poder-enorme-como-ministro-do-ultramar=f459552. Consultado em 23 de Abril de 2013. 2 Id., Ibid.

3 José Maria S. Coelho pessoa humana, na igualdade de direitos dos homens e das mulheres, assim como das nações, grandes e pequenas; a estabelecer as condições necessárias à manutenção da justiça e do respeito das obriga- ções decorrentes de tratados e de outras fontes do direito internacional; a promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de um conceito mais amplo de liberdade; e para tais fins: a praticar a tolerância e a viver em paz, uns com os outros, como bons vizinhos; a unir as nossas forças para manter a paz e a segurança internacionais; a garantir, pela aceitação de princípios e a instituição de métodos, que a força armada não será usada, a não ser no interesse comum; a empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos; Resolvemos conjugar os nossos esforços para a consecução desses objectivos. Em vista disso, os nossos respectivos governos, por intermédio dos seus representantes reunidos na cidade de São Francisco, depois de exibirem os seus plenos poderes, que foram achados em boa e devida forma, adoptaram a presente Carta das Nações Unidas e estabele- cem, por meio dela, uma organização internacional que será conhecida pelo nome de Nações Unidas”.3 Neste contexto, Portugal mostrava total incapacidade para integrar o pelotão da mu- dança, resistindo tanto quanto podia, mesmo sentindo esfumarem-se as velhas alianças, como era o caso da mantida com a Grã-Bretanha. Apoiado em postulados como o de Império, o de Missão e o de Evangelização, Salazar ambicionava justificar o pretenso particularismo da colo- nização portuguesa. Insistia numa realidade geopolítica inexistente: um país pluricontinental e multirracial. Na realidade, era esta a tipificação que o regime usava para recusar a aplica- ção dos ditames da Carta das Nações e do artigo 73º da mesma. Na linha deste pensamento político de Salazar e incorporado pelo próprio regime, alguns políticos usaram teorias mais ou menos fundamentadas para alicerçarem a determinação do Estado Novo em manter o Império. Encontramos neste grupo teorizadores como Adriano Moreira. Para ele, havia particularismos linguísticos, históricos, culturais e até administrativos que tinham permitido aos portugueses criar um mundo luso. Este pensamento está bem patente em toda a obra do sociólogo Gilberto Freyre, como se pode inferir do texto imediato:

“Em Casa Grande e Senzala e nos livros de Gilberto Freyre que se seguiram, procura estabe- lecer-se uma interpretação para o processo global da cultura e de vivência que considera ser a base do sucesso brasileiro. Nelas se definem dois pontos diferentes, ainda que, não raro, solidários: um, salienta o ajustamento bem-sucedido do português no mundo tropical, em diversas modalidades regionais que, não obstante, apresentam um como que “ar de família”. O outro visa ou envolve,

3 Carta das Nações Unidas, [em linha], disponível em http://www.fd.uc.pt/CI/CEE/pm/Tratados/carta- onu.htm, consultado em 11 de Março de 2015.

4 Adriano Moreira e o Império Português

para esse efeito, uma interpretação da mentalidade e da cultura portuguesas, com vista a explicar o sucesso da sua transferência para o meio tropical”.4

É deste pensamento em parte inovador e, por isso mesmo, cativante, que Adriano Morei- ra se torna arauto e defensor. A justificação para o colonialismo português parece perfeita. A defesa de uma comunidade intrinsecamente consciente da sua pertença a uma cultura lusa po- deria tornar-se tese de aceitação obrigatória nas Nações Unidas. Na verdade, Freyre acreditava existirem particularismos na cultura portuguesa que fabricaram uma realidade multicultural no Brasil que podia, justamente, multiplicar-se em Angola, Moçambique e restantes Províncias Ultramarinas. Verdadeiramente digna de admiração, a realidade brasileira constituía no Pós- Segunda Guerra Mundial um referencial no processo de emancipação dos povos colonizados. A própria Grã-Bretanha terá sentido vontade de aplicar este modelo sociocultural na região da Índia e do Paquistão, não tendo, contudo, obtido sucesso. O Luso-tropicalismo reflete particularidades muito próprias da realidade brasileira. Con- tudo, a África não era o Brasil e este não se emancipou pela via dolorosa da luta contra o colo- nizador, mas sim com o acordo deste. O tempo, o modo e os protagonistas da emancipação bra- sileira não eram repetíveis. O Brasil do século XIX era, no fundo, um caldeirão de culturas, de etnias, de cores e de origens. De facto, no caso do Brasil, foram povos de África e da Europa que se encontraram numa terra estranha. As populações autóctones no território brasileiro foram pouco interventivas face à força dos povos que nela se instalaram. A exploração das riquezas no Brasil (o açúcar o ouro…) conduziram para aquele território populações diversas e com línguas e modos de vida diferentes. Foi este particularismo que conduziu a uma economia de escala mundial, aumentada pela fixação da Corte no Rio de Janeiro, em resultado das invasões fran- cesas (1807). Foi esta a realidade que inspirou Gilberto Freyre na criação do luso-tropicalismo como teoria explicativa da essência do Portugal único. O último tempo da Monarquia em Portugal saldou-se por dificuldades em manter um Im- pério vasto e disperso. O Ultimato inglês de 1890 revelou as debilidades da organização política e administrativa portuguesa naquilo que respeitava às colónias. Os modelos ideológicos vigentes após 1945 são substancialmente diferentes daqueles que vigoravam antes daquele conflito bélico. Os novos paradigmas ideológicos mostraram-se defensores da emancipação nacionalista e da defesa dos direitos do Homem. O mundo mudara e, apesar dessa mudança, alguns países, velhas potências coloniais, teimavam em manter o sonho do imperialismo. Era neste grupo que Portugal se encontrava. No contexto do Estado Novo, havia, pois, que legitimar a manutenção dos territórios ultramarinos. O grande desígnio que o regime português acreditava ser o de civilizar e missionar aqueles territórios era um tema quase dogmático. Esta realidade justificava a adesão de uma grande parte dos intelectuais lusos do tempo, e não só os ligados às cúpulas do poder ou à filosofia freyreana. Corroborando esta ideia, Carlos Monjardino afirmou:

4 MACEDO, Jorge Borges de - O Luso-tropicalismo de Gilberto Freire: metodologia, prática e resulta- dos [em linha], Revista ICALP. Disponível em http://www.instituto-camoes.pt/cvc/bvc/revistaicalp/luso- tropical.pdf. Consultado no dia 22 de Março de 2014.

5 José Maria S. Coelho

“Falar de Tropicologia é, ainda, evocação de Gilberto Freyre por conhecer a importância do luso-tropicalismo como contribuição decisiva para essa nova perspectiva. Portugal, na sua expan- são pelo mundo, iniciou as primeiras rotas regulares de ligação entre os povos e culturas. E diria até que nessa atitude inicial, própria da aproximação dos povos, apesar de todos os elementos negativos, com o que também foi feito, mostra que houve, da nossa parte, um elemento decisivo, que foi a relação do português com o diferente. Ora, nós nos conhecemos através do diferente, e é perante outras culturas que tivemos consciência da nossa. Os diferentes ou nos fascinam ou nos actualizam. Creio que esse fascínio pelo diferente está na base da nossa aproximação com outros povos. A Carta de Pêro Vaz de Caminha, por exemplo, revela porventura, o único encontro entre os povos feitos através da alegria, da dança e do jogo. Por outro lado, A Peregrinação, de Fernando Mendes Pinto, continua a ser o grande documento literário da peregrinação portuguesa pelo mun- do. É um relato continuado da importância, diria mesmo do deslumbramento, que a surpresa do diferente nos pode provocar”.5

Já quanto a Adriano Moreira, que anteriormente se mostrara, em certa medida, distante do regime político, a partir dos inícios da década de 1950, começa a ensaiar uma certa apro- ximação ao Estado Novo, tendo prestado serviços a Salazar, nomeadamente na ONU. Por se ter tornado visivelmente afecto e cooperante com o Governo, Adriano Moreira chega mesmo a integrar, em lugar cimeiro, a lista de nomes para possíveis sucessores de António de Oliveira Salazar. O próprio não o assume, mas vários dos seus contemporâneos falam nisso. Chegados a este ponto da nossa reflexão, assume importância dar expressão a algumas dúvidas que nos têm assaltado: o que terá levado Adriano Moreira a aproximar-se do Regime político? Terá Moreira aceitado que só dentro dele poderia tentar as reformas necessárias nas antigas colónias? Talvez. Já quanto à sua fortíssima aceitação e defesa do luso-tropicalismo, temos dúvida se esta teoria do sociólogo brasileiro funcionou como teoria estruturante de uma doutrina defensora do Império Colonial Português, ou se, pelo contrário, terá sido ela mesma apropriada pelo salazarismo como força impulsionadora e motivadora para consolidar a colo- nialismo português. Procurando conhecer os contornos da ligação de Adriano Moreira ao regime de Salazar, interessa-nos percepcionar de que forma o pensamento social cristão preponderante no meio académico nesta altura contribuiu para a especificidade dessa ligação. O que terá motivado o chefe do governo português a depositar em Moreira tão alta confiança ao ponto de o encarregar da defesa das posições portuguesas nas Nações Unidas? Que Adriano Moreira temos nós a partir dos inícios da década de 1950 – um cooperante com o regime de forma desinteressada ou, pelo contrário, um homem com ambições políticas inconfessáveis? É a estas e outras interrogações que procuraremos responder, para tentarmos compreender uma história pessoal que também é nacional. De que “armas” estava o Ministro Adriano Moreira munido para resolver a questão ultramarina?

5 Cunha, Lúcia Carvalheira; Vila Nova, Sebastião - Os Trópicos: na era da globalização: anais da reu- nião especial comemorativa dos 30 anos do Seminário de Tropicologia, Setúbal, Portugal (1996), I.ª sessão. Recife: Fundação Joaquim Nabuco: Editora Massangana, 1998.

6 Adriano Moreira e o Império Português

Não pretendemos, com este trabalho, dar resposta a todas as questões que os aconteci- mentos na vida de Adriano Moreira nos foram sugerindo. Tratando-se de um dos homens mais marcantes da política portuguesa na segunda metade do século XX, identificar linhas estru- turantes do seu pensamento ideológico-político e das suas relações com o poder castrense, o Príncipe,6 será imperativo desta tese. Onde residia o real poder no Portugal do Pós-Segunda Guerra Mundial? No governo? Nos militares? Nos grupos económicos que nasceram e cresceram após o impulso industrializador de finais da década de 1950? Na década de 1950, a propaganda que pretendia aliciar colonos para o Ultramar começa- va a ser intensa. Havia um imperativo de ocupar, de forma organizada e sistemática, territórios até aí com pouco interesse para os emigrantes metropolitanos. Havia que replicar em Angola e em Moçambique a realidade provinciana das Beiras ou de Trás-os-Montes, caracterizada por agricultores pobres, analfabetos e com vontade de aproveitar as promessas de uma vida me- lhor. Colonizar o interior daqueles territórios africanos pretendia aumentar a ocupação branca de modo a torná-la equilibrada com a autóctone. Nunca foi possível conseguir tal feito, como havemos de demonstrar. Foi neste contexto que Adriano Moreira, no concurso para professor or- dinário, apresenta provas com uma dissertação sobre O Problema Prisional do Ultramar, tendo sido aprovado por unanimidade. Como curiosidade, diremos que Marcello Caetano foi arguente nestas provas e, ironia do destino, arguente e arguido haveriam de se cruzar mais tarde nos corredores do poder. Os trabalhos académicos sucedem-se e adensa-se e a simpatia de Moreira pelos temas do Ultramar também. Notamos em Adriano Moreira uma vontade enorme de levar a cabo reformas no Ultramar que, segundo a sua visão, acabariam por conduzir a uma autonomia controlada desses territórios. O Luso-tropicalismo defendido por Gilberto Freyre acabaria por ser a base do pensamento do Professor Moreira. Pensamos que a atenção do Professor para com os problemas do Ultramar se prende com duas realidades: uma, talvez a mais importante, a que tem a ver com a necessidade de Portugal investir nas Províncias Ultramarinas, tornando-as peças integrantes do território nacional como, aliás, convinha ao regime; a outra, certamente, o despertar nos académicos do interesse por uma questão supranacional que se evidencia após o fim da Segunda Guerra Mundial – a descolonização. É nesta linha de pensamento que integra- mos a posição de Adriano Moreira favorável à revogação do Acto Colonial em 19517 e que, de

6 De facto, a noção de Príncipe aparece clara no pensamento de Maquiavel e repete-se na obra de Adria- no Moreira O Novíssimo Príncipe, ambas referenciadas na bibliografia desta tese. Incorporámos também nós essa noção aplicável ao poder das armas. Tal como com Maquiavel, também os militares durante o Estado Novo preferiram ignorar os meios para atingir determinados fim. Este foi sempre o domínio da sede do Poder. 7 Como afirmou o Prof. Fernando Rosas, “em 1930 quando interinamente assume a pasta das Colónias Salazar promove a publicação do Acto Colonial – o Decreto n.º 18.570, de 8 de Julho –, diploma em cuja elaboração têm papel importante Quirino de Jesus e Armindo Monteiro, dois homens intimamente ligados aos interesses coloniais. O Acto Colonial resume os princípios dos diplomas anteriores e acrescenta-os, vindo substituir o título V da Constituição de 1911 e sendo posteriormente incorporado no texto da Cons- tituição de 1933 [por meio do decreto-lei n.º 22.465 de 11 de Abril de 1933 e modificado pela lei n.º 1900 de 21 de maio de 1935]. Resumidamente, esta lei-padrão da colonização portuguesa até aos anos 50 vem proclamar para o País uma ‘função histórica e essencial de possuir, civilizar e colonizar domínios ultrama- rinos’, afirmando como sua ‘ideia basilar’ que ‘o Estado não aliena, por qualquer título, nenhuma parcela do seu território colonial. In O Portal da História, História de Portugal [em linha], disponível em ht t p:// www.arqnet.pt/portal/portugal/documentos/acto_colonial.html, consultado em 16 de Maio de 2015.

7 José Maria S. Coelho igual modo, defende a nova condição jurídico-administrativa das antigas colónias, que passam a ser designadas de Províncias Ultramarinas. Também a questão da propriedade no Ultramar interessa a Moreira. Em 1956, é publicado o pensamento do Professor a este respeito com o título “A propriedade no Ultramar”8. No mesmo ano, é criado um Centro de Estudos Político- Sociais que terá na direcção Adriano Moreira. Este Centro funcionará na dependência da Junta de Investigações do Ultramar. Nota-se aqui, justamente, um interesse muito grande do Prof. Adriano Moreira pela evolução do mundo ultramarino. O que terá levado Moreira a interessar-se tanto pelo Ultramar? Questões éticas e políti- cas? Talvez, se considerarmos a sua acção na perspectiva da manutenção de um Império histori- camente ganho com sublime esforço. Questões de influência e de ganhos neste campo junto do poder? Acreditamos, sobretudo, neste último postulado. Trata-se de ganhos de poder por parte do transmontano, agora professor em Lisboa, que lhe podem permitir adquirir uma influência capaz de colocar os seus conterrâneos no caminho da emigração colonial. Neste particular, é curioso o aumento dos colonos idos de zonas rurais da metrópole, analfabetos muitos deles, para colonizarem regiões longínquas de Angola e de Moçambique. Neste particular convém referir que, apesar dos lavradores que emigram para o Ultramar, havia muitos outros com uma formação média superior a muitos dos habitantes que ficam por cá. Esses, detentores de for- mação, ocupam cargos na administração pública e, também, no tecido empresarial que, ainda que condicionado, vai crescendo naquelas paragens africanas. Fosse pelas razões avocadas ou por outras quaisquer, o certo é que Adriano Moreira se mostrava, nos finais da década de 1950, como um dos cérebros mais esclarecidos acerca do Ultramar e capaz de empreender estudos de fundo, fazendo valer a posição portuguesa no pa- norama internacional. Interessa-nos perscrutar da bondade, ou da falta dela, no pensamento luso-tropicalista de Adriano Moreira. Foi com ele que António de Oliveira Salazar se escudou face a um mundo cada vez mais hostil à manutenção de territórios não autónomos por parte de potências europeias. Adriano Moreira produz, ao longo da sua actividade de homem do regime, muitos artigos clarificadores da sua doutrina. Referimos apenas os seguintes, como exemplo: “Portugal Ultramarino – contribuição de Portugal para a valorização do Homem no Ultramar”9. “O pensamento do Infante D. Henrique e a actual política ultramarina de Portugal”10. Nestes escritos, o autor refuta veementemente a ideia corrente de que o Homem ocidental teria pas- sado a agredir o mundo por si descoberto. Este pensamento implica uma dimensão civilizacional e desenvolvimentista. Recusa a ideia do branco mau e do negro bom. Adriano Moreira assume-se, nos finais dos anos de 1950, como um homem convictamen- te luso-tropicalista, que assimilou de forma inequívoca o pensamento de Gilberto Freyre. Ao mesmo tempo, reforçava a sua ligação ao regime. O mundo tornara-se complexo demais para que Portugal usasse da simplicidade argumentativa que lhe era comumente peculiar. Tornava- se indispensável fundamentar, categoricamente e com sustentabilidade, a sua posição e, para

8 Id., Ibid. 9 Id., Ibid. 10 Id., Ibid.

8 Adriano Moreira e o Império Português tanto, Moreira havia-se revelado o homem ideal. Escreve Duarte Silva sobre o valor das teorias de Gilberto Freyre na conduta do Ministro Adriano Moreira:

“A tese do Luso-tropicalismo passou a ser conhecida e admirada em Portugal e resumia, nesta década de 50, uma espécie de plataforma comum a autores e políticos do regime e da opo- sição «todos empenhados em saudar o sociólogo brasileiro que tem sabido realçar a benignidade da colonização portuguesa, o seu carácter cristocêntrico, tolerante e igualitário». De resto, “o pensamento gilbertiano” foi o pano de fundo da acção reformista empreendida por Adriano Moreira enquanto Ministro do Ultramar, sobretudo quanto à revogação do “Estatuto dos Indígenas” – deci- são «que Gilberto Freyre festejou» (…)”11.

O Professor Adriano Moreira adoptou, na íntegra, a ideologia lusotropicalista. Tê-lo-á feito por duas ordens de razões: a primeira prende-se com a validade que o Prof. Reconhece no pen- samento de Gilberto Freyre em relação à colonização portuguesa, a segunda por ter pretendido que essa teoria validasse internacionalmente as posições de Portugal face aos particularismos da sua colonização. Contudo, existem outros que duvidam e criticam Gilberto Freyre. Neste ponto, torna-se necessário evidenciar algumas das críticas que são feitas ao Luso-tropicalismo. Se é clara a aceitação da teoria de Freyre quer por parte de Moreira, quer pelo regime de Sa- lazar, que a usam internacionalmente como arma, ela é, igualmente, alvo de críticas, algumas delas violentas. Mário de Andrade critica abertamente o luso-tropicalismo, negando mesmo a sua validade na construção da realidade brasileira. Escreve Andrade: “O Luso-tropicalismo não é válido para explicar a formação do Brasil e é inteiramente falso para as circunstâncias do co- lonialismo português na África”12. Do mesmo modo, encontramos no pensamento do historiador britânico Charles Boxer uma crítica clara às teorias luso-tropicalistas de Gilberto Freye. Boxer considera que o racismo português existiu e não foi, de forma alguma, substituído pela vontade da mestiçagem na perspectiva da construção de uma sociedade inovadora. Ele expressa de for- ma sistematizada o seu pensamento, numa obra que congregou várias conferências que o autor havia proferido nos Estados Unidos em 1962. A obra intitula-se “Race relations in the Portuguese Colonial Empire, 1415- 1825”. Nela, segundo Alberto Luiz Schneider, Boxer denunciou “com um rigor histórico e erudição as práticas raciais no Império Português da Era Moderna”13. César Braga Pinto apresenta-nos no pensamento de Maria Lúcia Garcia Pallares-BurK algu- ma incongruência nas teorias de Gilberto Freyre. Em artigo intitulado “Os “Desvios” de Gilberto Freyre”, Braga Pinto remete para Pallares-Burk, escrevendo o seguinte: “Segundo Pallares- Burk, antes de se tornar autor de Casa-grande & senzala, Freyre teria de sucumbir, para depois

11 SILVA, António E. Duarte - Sarmento Rodrigues, a Guiné e o Luso-tropicalismo, (O Luso-tropicalismo e o colonialismo português) [em linha]. Disponível em http://cultura.revues.org/586. Consultado em 7 de Outubro de 2014. 12 In PEREIRA, José Maria Nunes - Mário de Andrade e o Luso-Tropicalismo [em linha]. Disponível em www.biblioteca.clacso.edu.ar/ar/libros/aladaa/nunes.rtf. Consultado em 18 de Maio de 2015. 13 SCHNEIDER, Alberto Luiz - Charles Boxer (contra Gilberto Freyre): raça e racismo no Império Portu- guês ou a erudição histórica contra o regime salazarista [em linha]. Disponível em http://www.scielo. br/scielo.php?pid=S0103-21862013000200001&script=sci_arttext. Consultado em 7 de Outubro de 2014.

9 José Maria S. Coelho se distanciar, daquilo que ela chama de “paradigma racial” – que ele teria aceitado, quando não defendido, pelo menos até cerca de 1926”14. Pesem embora as críticas que foram e continuam a ser feitas às teorias de Gilberto Freyre, elas tornaram-se, no que à África portuguesa diz respeito, quase uma cartilha. Políti- cos, militares e intelectuais, entre eles Adriano Moreira, aderiram de forma voluntariosa e com alguma convicção a uma explicação científica para os particularismos da ocupação territorial que os portugueses levaram a cabo em várias partes do mundo e, especialmente na região dos trópicos. Esta teoria explicava esses particularismos quer interna quer externamente. O Estado Novo contribuiu sempre para manter o poder no centro do Império, a Metrópole. As autonomias nunca seriam suficientemente alargadas ao ponto de deslocar os centros de deci- são. Como afirma o Professor Adriano Moreira, “O principal elemento dos sistemas políticos é a sede do Poder, e todo o processo político se traduz essencialmente numa luta pela sua ocupação e manutenção”15. Esta luta também existiu em Portugal ao longo de toda a sua história. Existiu com períodos de maior ou menor ênfase e, com particular clareza, durante o Estado Novo. As sucessivas alterações jurídico-administrativas levadas a cabo pelo poder de Salazar tiveram, na sua essência, o objectivo primordial de manter em Lisboa o centro do Portugal Multirracial e Pluricontinental. Essa inabalável convicção conduziria Portugal primeiro à condenação externa e, depois, à própria guerra em África.

Na visão de Moreira, o pensamento de Maquiavel “obrigou a olhar para o poder como um facto, despido de considerações éticas”16. Neste pensamento materializa-se a norma funda- mental do acesso e da manutenção do Príncipe. Para além das questões éticas, levantam-se as razões de “Estado” que legitimam os meios usados para atingir o fim primeiro que é o de captar e manter o centro do poder. Moreira vai mais longe na análise desta questão, comparando o pensamento de Maquiavel com o de Aristóteles. Assim escreve o Professor:

“O capítulo XVII de O Príncipe destina-se a introduzir esse ponto de vista na análise do processo político. Em vez de, como Aristóteles, procurar vincular o Poder a um valor, Maquiavel trata o próprio Poder como o mais importante dos valores. Por isso explica como é que o tirano mente e esconde a sua natureza sob a capa de uma completa honestidade, e como sabe estabele- cer um pacto com o Diabo, não recuando na utilização dos meios para alcançar, manter e exercer o Poder”.17

Certamente que António de Oliveira Salazar também leu, para além de Aristóteles, Ma- quiavel. Faz parte da literatura clássica dos estudos em Política, pelo que, se o leu, aplicou até ao fim os ensinamentos que bebeu. Na verdade, até ao final da vida, tentou manter a sede do

14 PINTO, César Braga - Os “Desvios” de Gilberto Freyre, [em linha]. Disponível em http://www.scielo. br/pdf/nec/n76/17.pdf. Consultado em 7 de outubro de 2014. 15 MOREIRA, Adriano - Ciência Política, Coimbra: Almedina, 2009, p. 158. 16 Id., Ibid., p. 158. 17 Id., Ibid., pp. 158 e 159.

10 Adriano Moreira e o Império Português poder do “Portugal Uno” em Lisboa e, por outro lado, quis garantir a unidade imperial sempre superior a todos os sacrifícios individuais, em prol do bem comum e da Nação. Quando se fala de unidade imperial, torna-se necessário reflectir sobre essa realidade a que chamamos Impé- rio. Importa saber até que ponto a noção de Império Ultramarino deixou de ser abstrata e se tornou uma realidade político-geográfica inerente ao próprio regime do Estado Novo. O conceito de Império tem merecido da parte de vários estudiosos uma atenção constan- te. Um dos estudiosos que mais se tem debruçado sobre este tem sido Michel Cartier. No seu artigo Impérios in Enciclopédia Einaudi, Cartier começa por escrever os seguinte:

“Designa-se geralmente com o termo ‘império’ toda a organização hegemónica que trans- cenda os quadros étnicos ou políticos naturais e tenda para um certo tipo de dominação universal. Este conceito, que releva indiferentemente do campo político em sentido estrito ou do económico, é susceptível de se aplicar a um grande número de estados da Antiguidade, da Idade Média ou dos tempos modernos.”18

Cartier dá-nos uma definição de Império abrangente mas, simultaneamente, actual. Na verdade, os princípios que presidem à construção de um Império, parece serem intemporais. Mais adiante, Cartier constrói uma teoria interessante quanto à forma de organização e durabilidade dos Impérios. Escreve Cartier:

“A conquista não é senão uma condição necessária à constituição dos impérios; com efeito, qualquer construção política não dura senão na medida em que consegue dotar-se de uma estru- tura capaz de assegurar a continuidade. Esta regra é particularmente importante tratando-se de sistemas que reúnem pela força populações e culturas sem qualquer elemento comum na origem. Conhecem-se numerosos impérios que não conseguiram manter a sua coesão para além da exis- tência física do seu criador; o exemplo mais célebre de uma conquista bruscamente interrompida pelo desaparecimento do seu promotor é, sem dúvida, o da expedição de Alexandre o Grande, cujo império se desmembra imediatamente”.19

Mais adiante, Michel Cartier reflete sobre a evolução da realidade império na sua evolu- ção até ao conceito de imperialismo. Analisa mesmo os casos ibéricos de Portugal e da Espanha comparando-os com outros como o inglês. O que se pretende com debates e estudos sobre este tema é, tão-somente, distinguir as várias interpretações que o vocábulo Império permite. Tratando-se de uma realidade político- jurídica muito antiga, um Império, no sentido mais actual do seu significante, abrange reali- dades várias que vão muito para lá das concepções tradicionais. O século XIX traduziu para os tempos modernos a ideia burguesa e capitalista do significado de Império. Trata-se, portanto,

18 CARTIER, Michel, Impérios, Enciclopédia Einaudi, volume 14, Estado-Guerra, Director, Ruggiero Roma- no, Coordenador-responsável, Fernando Gil, Edição Portuguesa, Imprensa nacional-Casa da Moeda, 1989, p. 318. 19 Id., Ibid., p. 320

11 José Maria S. Coelho nos tempos modernos, de uma construção ideológica determinada pela pressão burguesa sobre as velhas concepções que apenas interpretavam com sentido político a noção de Império. Es- creve, em relação a esta temática, Luís Moita:

“O conceito de império tem sido objecto de debates interessantes, designadamente em tor- no da sua aplicabilidade às relações internacionais contemporâneas. Numa palavra: será o termo adequado para interpretar a actual posição norte-americana no mundo? Tenho a convicção de que pode ter alguma utilidade explorar esse tema do Império, como tantos outros o têm feito, nem que seja como pretexto para, justamente, percorrer a actualidade e dela explicitar alguns traços salientes”20.

No seguimento deste raciocínio interessa-nos, igualmente, desligar o conceito de Império daquele outro que é o de Imperialismo. De facto, o primeiro, ainda que assumindo várias mo- dalidades, é muito antigo, remontando mesmo à Antiguidade pré-clássica. O conceito existiu já no Antigo Egipto e mesmo na região da Pérsia onde hoje se situa o Irão. Contudo, a significância desta palavra evolui de acordo com o período a que respeita e a consciência que os Imperadores tiveram dessa realidade. Tratava-se, pois, de um território geralmente vasto, governado por um Imperador. Contudo, nem sempre o Imperador se mostrou capaz de manter esse Império. Por questões diversas, económicas, sociais mas igualmente culturais e étnicas, nem sempre os impérios foram sustentáveis sem uma integração económica e social à semelhança dos seus criadores. Também em relação a este ponto Cartier escreve:

“Os impérios representam uma forma quase universal de organização política supra-étnica independente dos tipos ecológicos e das estruturas socioeconómicas, cujo sucesso prossegue muito além da persistência das condições que permitiram o seu aparecimento. Na medida em que, pelo contrário, as instituições imperiais se revelam incapazes de assegurar uma integração económica ou política comparável à dos estados nacionais que se desenvolvem na Europa Ocidental a partir do fim da Idade Média, os impérios são progressivamente eliminados ou constrangidos a reformarem- se sobre o modelo dos estados nacionais. A expansão europeia que se segue à época dos grandes descobrimentos não destrói numa primeira fase senão os impérios americanos dos Aztecas e dos Incas (…). No resto do mundo, na África como na Ásia, as conquistas permanecem limitadas a zonas marginais, simples pontos de apoio cuja dispersão através do espaço marítimo confere todavia à Espanha e a Portugal, primeiro, à Inglaterra, aos países baixos e à França, em seguida, uma supe- rioridade económica e militar indiscutível”.21

De facto, o conceito de Império tornou-se diferente num processo evolutivo resultante

20 MOITA, Luís - A Propósito do Conceito de Império, [em linha], Nação e Defesa. Disponível em http:// comum.rcaap.pt/bitstream/123456789/1264/1/NeD110_LuisMoita.pdf. Consultado em 29 de Agosto de 2014. 21 CARTIER, Michel, Impérios, Enciclopédia Einaudi, volume 14, Estado-Guerra, Director, Ruggiero Roma- no, Coordenador-responsável, Fernando Gil, Edição Portuguesa, Imprensa nacional-Casa da Moeda, 1989, p. 320.

12 Adriano Moreira e o Império Português dos condicionalismos de cada época. Já quanto ao segundo conceito, o de Imperialismo, é bem mais recente. Constitui uma realidade abstracta, ideológica e política resultante da concorrência capitalista característica da época de dominação burguesa – séculos XIX e XX. A necessidade de dominar mercados e fon- tes de produtos primários conduziu, no século XIX, as grandes potências a essa realidade que designamos de Imperialismo. Foi neste contexto que, em 1885, se realizaram as Conferências de Berlim22. Por vezes, este imperialismo sustenta-se na existência de um Império Colonial. Este novo conceito de Império confunde-se geralmente com o próprio colonialismo. Determina este a existência de colónias, politicamente dependentes de uma metrópole que exerce não apenas o poder político, mas, igualmente, o económico. Trata-se de um domínio da metrópole sobre a colónia no que conduz à exploração desta. Neste sentido, é de toda a conveniência apropriar- mo-nos da verdadeira relação entre dominado e dominador. Ela consiste, justamente, numa re- lação desigual, desequilibrada e de benefício para metrópole. Na verdade, desde a apropriação de bens pelo Homem e das trocas que os mesmos propiciam que as relações entre as diferentes comunidades estão estruturadas com base em diferentes níveis de relação. São eles o centro, as semiperiferias e as periferias. Estas últimas foram sempre identificadas com as colónias. A relação destas com as metrópoles (Centro e semiperiferias) estabeleceu-se justamente na base de uma relação desigual, o que deu sempre vantagens à metrópole. Trata-se, assim, de uma relação imperialista. É um tipo de imperialismo comum na Europa dos séculos XIX e na primeira metade do século XX. Trata-se, pois, de um imperialismo capitalista. O Professor da Universidade de Coimbra Amadeu Carvalho Homem analisa a teoria do inglês Cecil Rhodes,23 homem de grande peso na política imperialista britânica, escrevendo o seguinte acerca da acção de Rhodes na política colonial inglesa na África:

“Se Cecil Rhodes conseguisse realizar a sua espantosa e portentosa visão, o melhor das ri- quezas africanas seria despejado na cornucópia mercantil do seu país. Por isso Londres o elevaria, em 1890, a governador do Cabo, reconhecendo nele o mandatário insubstituível da sua estratégia para a África meridional”.24

A eclosão da Primeira Guerra Mundial e, sobretudo, os resultados geopolíticos definidos

22 Entre Novembro de 1884 e Fevereiro de 1885, realizou-se em Berlim uma conferência que viria a ficar conhecida como a Conferência de Berlim. Nela foram discutidas seis questões fundamentais relativas aos interesses coloniais na África Central: liberdade de comércio na bacia do Congo e seus afluentes; interdi- ção ao comércio de escravos; neutralidade dos territórios na bacia do Congo; navegação no Congo e no Níger; condições essenciais a serem seguidas nas novas ocupações no Continente Africano; e por último, quais as ocupações já efectuadas que seriam consideradas como efectivas. In Sociedade de Geografia de Lisboa, [em linha]. Disponível em http://www.spocgeografialisboa.pt/historia/conferencia-de-berlim. Consultado em 30 de Setembro de 2014. 23 Colonizador e homem de negócios britânico. As suas teorias estão na base da questão do Ultimato inglês a Portugal em 1890, relativo ao chamado “Mapa cor-de-rosa”. Desta forma tornou-se uma das prin- cipais figuras no alargamento e consolidação do Império Colonial britânico. 24 HOMEM, Amadeu Carvalho - XXV, Cecil Rhodes e o Peão Português, [em linha]. Disponível em ht t p:// lagosdarepublica.wikidot.com/XXV-cecil-rhodes-e-o-peao-portugues. Consultado em 01 de Outubro de 2014.

13 José Maria S. Coelho em Versalhes (1919) trouxeram à discussão as questões do Imperialismo e, em particular, da questão colonial. O fim dos regimes imperialistas europeus e a nova visão democrática do es- tatuto das possessões europeias no mundo esbarraram com o fim do império euromundista. De facto, a velha Europa deixava de ser o centro económico, político, científico e financeiro do mundo. As reformas nos sistemas políticos europeus avolumavam-se em redor dos princípios democráticos consagrados na Sociedade das Nações (SDN). Escreve Caio Martins Bugiato:

“Para além das fórmulas apologéticas, foram duas as principais vertentes de interpretação crítica do imperialismo que se formaram do início do século até à Primeira Guerra Mundial: a refor- mista e a revolucionária. A formulação crítica reformista, seja marxista ou não, tende a observar a política imperialista como um desvio ou uma deformação do processo civilizatório capitalista, que deveria ser corrigido, até para que se preservasse o potencial democrático, supostamente contido na ordem burguesa. A leitura reformista do imperialismo está principalmente vinculada ao debate iniciado na Alemanha, no seio do movimento socialista, em torno das ideias de Eduard Bernstein sobre a necessidade de revisão da teoria socialista marxista por conta das importantes novidades trazidas pelo desenvolvimento capitalista recente”.25

Consideramos ser necessário, ainda que muito sumariamente distinguir dois conceitos chave: Império e Império Colonial. Quanto ao significado deste último não o encontramos ex- plícito nas obras de Adriano Moreira. Mesmo na sua obra de memórias “Espuma do Tempo, Memórias do Tempo de Vésperas”26, o Professor não deixa, de forma clara, a noção de Impe- rialismo Colonial a que por vezes se refere. Neste contexto, deixamos para mais tarde e Capí- tulo apropriado o debate desta questão. Contudo, avaliamos já a posição de Marcello Caetano quanto a este assunto. Interessa conhecer o sentido que o mesmo atribuía à expressão “Império Ultramarino”. Escreve Marcello Caetano:

“Pertenci a uma geração para a qual o Ultramar surgiu como a grande missão de Portugal no Mundo. Leitores apaixonados de Eça de Queiroz – não era a África o caminho apontado na Ilustre Casa de Ramires aos portugueses que quisessem fugir à mediocridade das lutas partidárias em que se esgotava o regime Liberal?”.27

Encontramos no pensamento de Caetano, acerca do Ultramar, a referência a variadas influências para além da que se encontra na transcrição que fizemos. Reporta-se às influên- cias que teve das Leis Republicanas derivadas da Constituição de 1911 relativas às Colónias, remete para os princípios consagrados na Constituição do Estado Novo de 1933, refere-se ao pensamento de Oliveira Salazar e, igualmente, àquilo que internacionalmente se ia definindo

25 BUGIATO, Caio Martins - Teoria do Imperialismo: John Hobson, [em linha]. Disponível em ht t p:// www2.marilia.unesp.br/revistas/index.php/ric/article/viewFile/171/(157. Consultado em 01 de Outubro de 2014. 26 Op. cit. 27 CAETANO, Marcello - Depoimento, Capítulo I, O Ultramar, Record, Rio de Janeiro, 1974, p. 17.

14 Adriano Moreira e o Império Português como as decisões tomadas nas reuniões de Versalhes em 1919 ou as que, mais tarde, a ONU veio a consagrar na sua Carta. Decerto que as actividades desenvolvidas por Marcello Caetano relacionadas com o Mun- do Colonial Português moldaram-lhe o espírito e ter-lhe-ão dado uma interpretação própria do conceito de Império Ultramarino. Essa consciência impôs-lhe as escolhas políticas que fez quando tomou conta do governo em 1968. O imperialismo de que partilhava Caetano não era mais que uma forma moderna e prática de manter o Portugal Multirracial e Pluricontinental. Defendia essa unidade na base de um federalismo que, metodologicamente, nunca estruturou. Tornava-se necessário avaliar os percursos longos que conduziriam a esse federalismo. A impre- paração das populações autóctones para a participação em órgãos de gestão local tornou-se, advogamos nós, um dos principais limites a essa consecução federalista. Por seu turno, embora o grosso dos colonos brancos fosse mais culto e letrado do que poderia esperar-se,28 estes não estavam à espera de integrar órgãos de governo de um momento para o outro. Tratemos, agora, da questão relativa à categorização que alguns autores fazem dos re- gimes políticos. No pensamento de Adriano Moreira ressalta a necessidade de classificar os regimes políticos. Não que se trate de uma inevitabilidade, mas essa classificação torna mais clara a identificação de normativos das várias categorias. Segundo Adriano Moreira, é possível estabelecer dois tipos fundamentais. Escreve o Professor:

“Uma classificação dos regimes que simultaneamente atenda à forma, à sede do Poder e à ideologia talvez os possa arrumar em duas categorias fundamentais, que são tipos ideais: monistas e pluralistas. Serão regimes monistas aqueles em que não se consente nem a circulação da sede do Poder nem a alternância ideológica, o que estabiliza facilmente a forma e encaminha o Estado para autoritário ou totalitário, conforme apenas propõe ou também impõe uma concepção ideológica à sociedade civil. Serão pluralistas aqueles em que a revolução legal está prevista, de tal modo que a forma torna viável a alternância no Poder e a alternância ideológica pelo consentimento expresso da sociedade civil”.29

A identificação do Estado Novo português com um regime monista acabaria por conduzir o país a um Estado Totalitário que repudiou sempre a alternância na sede do poder. Mesmo quando tal alternância parecia prestes a concretizar-se, como foi a candidatura do General Norton de Matos, em 1949, ao cargo de Presidente da República, ou a do General Humberto Del- gado, em 1958, ao mesmo cargo, também aí, o medo de perder, a sede do poder levou o regime a aplicar os princípios de Maquiavel, de acordo com os quais os fins justificam os meios. De entre os diferentes regimes políticos conservadores e ditatoriais que se desenvolve- ram em vários países europeus no período que medeia entre as duas grandes guerras (1914-1918 e 1939-1945), o regime salazarista isola-se. Embora haja pontos de contacto ideológico com

28 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Porto: Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011. 29 Id., Ibid., p. 160.

15 José Maria S. Coelho outras ditaduras europeias, nomeadamente a italiana, o certo é que o Estado Novo assumiu facetas muito particulares que o tornam, aos olhos de alguns investigadores, único. O Professor Luís Reis Torgal é um dos estudiosos que mais afincadamente se tem debruçado sobre o assunto. Para este autor, um dos problemas mais complexos é mesmo caracterizar o regime salazarista na sua máxima amplitude, por forma a ser possível classificá-lo ideologicamente. Nem sempre a praxis se aproxima da teoria, contudo é na junção das duas que podemos chegar a conclusões aceitáveis. Escreve Torgal:

“O que foi o «Estado Novo» em Portugal? Por mais que queiramos de um problema quase insolúvel, perguntaremos ainda: poderemos nós incluí-lo no conceito abrangente de «fascismo»? É certo que a caracterização que tem vindo a ser feita ao longo dos anos por Fernando Ro- sas, sem discutir o problema de forma directa, nos leva a entender que, segundo ele, se trata de uma forma de «fascismo». E é verdade ainda que na obra mais recente saída em Portugal de um académico, Manuel Loff, o extenso e complexo livro com o título principal muito significativo «O nosso século é fascista», se encara o salazarismo e o franquismo como fazendo parte da «galáxia eurofascista». No entanto, julgamos não errar se dissermos que a representação de hoje mais co- mum entre nós – no meio de muitos silêncios, de muitos subentendidos e de algumas afirmações – é que o Estado Novo constitui uma forma de autoritarismo conservador e intervencionista sem pro- priamente se poder integrar na lógica dos regimes ditos «fascistas», em especial se considerarmos como tipos peculiares de «fascismo» os casos do fascismo italiano e, já mais discutivelmente (pela sua «originalidade» e radicalismo), do nazismo alemão”.30

Tem sido tarefa complexa a categorização do Salazarismo de entre os regimes ditatoriais europeus do século XX. Alguns autores colocam o Estado Novo português no grupo dos fascis- mos europeus da primeira metade do século XX. Contudo, outros há que tendem a afirmar que Portugal teve com o Estado Novo aquilo que se pode designar de Fascismo à Portuguesa, ou simplesmente um regime ditatorial musculado. Manuel Braga da Cruz e António Costa Pinto têm-se debruçado sobre este tema em conjunto com outros autores, o que concorre para uma crescente clarificação. É surpreendente verificar que uma boa parte dos actores do Salazaris- mo incluindo o próprio Professor Oliveira Salazar se esforçaram sempre por afastar o regime político português daquele que era protagonizado por em Itália. Mesmo em relação ao regime alemão de Hitler as diferenças eram recorrentemente a firmadas e vinca- das. Ninguém duvida do apreço que Oliveira Salazar nutria pela personalidade de Mussolini. A construção do estado fascista italiano tornou-se inspiradora para o modelo nacional. Daí que, amiúde, se considere o Salazarismo mais próximo do regime italiano que de outro qualquer. Escreve Reis Torgal:

“Salazar admirava Mussolini e essa admiração manteve-se intacta até, pelo menos, ao início

30 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo, Ensaios de História Política e Cultural, Vol. I, 2.ª Edição Revista, Imprensa da Universidade de Coimbra. Coimbra: 2009, pp. 53 e 54.

16 Adriano Moreira e o Império Português

da Segunda Grande Guerra. Veio mesmo a chamar-lhe, num discurso oficial e para uma grande au- diência, em 1938, no contexto da invasão alemã dos Sudetas e do tratado de Munique (29-30 de Se- tembro de 1938), «génio político»; teve a sua fotografia na mesa de trabalho, que foi reproduzida no jornal oficioso do Estado Novo, Diário de Notícias, ainda em meados de 1939; mandou preparar uma sua foto com dedicatória que terá endereçado ao Duce”.31

Outros autores debatem estas questões do poder e da sua sede, dos meios para manter esse poder e da categorização em que se podem formatar os vários regimes. Destacamos alguns deles como Powell, Gabriel Almond, Max Weber, entre outros. Este último distingue, ainda, dois tipos de sede do poder: a sede de apoio e a sede do exercício. Segundo Adriano Moreira, “A primeira diz respeito aos grupos, estratos sociais e classes, que estão numa situação de obedi- ência consentida com o aparelho do Estado (…) A segunda diz respeito ao próprio aparelho do poder”.32 Certamente que o regime político português em questão se caracterizou, igualmente, por esta visão de Max Weber. Na verdade, para além da sede do exercício do poder que residia no governo, existia igualmente a sede de apoio a esse poder. Podemos mesmo afirmar que os grupos de apoio ao exercício do poder do Estado Novo eram de vária índole, da Igreja, aos meios conservadores e à própria sociedade castrense. Eram os militares quem detinha o verdadeiro poder por serem os detentores das armas. A estes chamará Adriano Moreira Novíssimo Príncipe em obra com o mesmo nome e referente às Forças Armadas pós 25 de Abril de 1974. Nela es- creve o autor:

“E isto nos leva de novo a Maquiavel e à doutrina do Príncipe, porque foi Maquiavel também quem primeiro entendeu a importância do carácter nacional do exército. Não chega definir o tipo normativo do militar, e introduzir no conceito a referência às virtudes profissionais que são classi- camente enumeradas. Tais virtudes já eram as mesmas antes de a Nação ser o valor político básico, e não são diferentes das que para si próprios reclamam os mercenários. Um bom combatente não é, só por isso, um soldado nacional. Mas não há exército nacional se as virtudes tradicionais do soldado não forem preservadas nas fileiras. Um exército nacional é umaInstituição no sentido rigo- roso do termo, isto é, um conjunto de homens aos quais se confiam os meios supremos do poder de coagir, para que assegurem com eles a integridade dos valores nacionais em que acreditam”.33

Fica claro que, para Adriano Moreira, a importância do poder militar foi, e é ainda, muito forte. Ela manifesta-se tanto nas ditaduras como nas democracias sendo que, nas primeiras, as- sume um carácter mais rude. Constitui um mecanismo coercivo ao dispor do exercício do poder. Mas, de facto, nos regimes monistas que evoluem em geral para regimes de ditadura, o poder castrense é um instrumento intrínseco ao próprio poder político. Neste contexto, o Professor

31 Id. Ibid., p. 57. 32 Id., Ibid., pp. 164 e 165. 33 MOREIRA, Adriano - O Novíssimo Príncipe: Análise da Revolução. Edição da Prefácio, Lisboa, 2003, p. 111.

17 José Maria S. Coelho

Moreira escreve o seguinte: “Em conjunturas graves, também os povos tradicionalmente acei- tam que a Instituição Militar exerça directamente o Poder, teoricamente quando o risco agudo exija a prontidão para o sacrifício excepcional”34. Oliveira Salazar viveu sempre na dependência do poder militar. Foi este que o colocou no governo, foram os militares que determinaram, em momentos cruciais, as medidas a tomar, como aconteceu com a destituição do Ministro Adriano Moreira, após a contenda entre este e o Governador de Angola, General Deslandes. O exercício do “Novíssimo Príncipe” face ao poder político foi claro e eficaz no longo período entre 1926 e 1974. Apesar das dificuldades que o Ministro Adriano Moreira encontrou no seio de um governo que não lhe era particularmente fa- vorável, não desarmou. Mesmo contra a vontade de muitos, nomeadamente da ala militar mais conservadora, produziu um conjunto de legislação para o Ultramar que acabaria por alterar completamente o curso da História. Referimo-nos, em particular, à revogação do Estatuto do Indígena o que, na prática, concedia a cidadania a todos os habitantes do Portugal de além-mar. Esta alteração legislativa terá representado uma revolução tão importante como o fim da es- cravatura. Esta ideia foi-nos transmitida, na primeira pessoa, quando conversámos com Adriano Moreira a seis de março de 2014, pela manhã, na Academia das Ciências de Lisboa. A propósito da assinatura do Decreto que abolia o Estatuto do Indígena, o Professor contou-nos: “Eu disse- lhe assim: “Senhor Presidente, esta revogação (já estava assinada), não muda a Constituição, mas muda a estrutura social do país. É importantíssimo. Isto é tão importante como a revoga- ção da escravatura”35. Este extrato da conversa a que já aludimos e que aqui transcrevemos mostra bem a vontade de reformar do Ministro Adriano Moreira. Conhecia bem os meandros das políticas nacional e internacional, o que lhe permitia antever os resultados a obter com a sua acção governativa. Contudo, nem sempre é possível consumar as propostas que fazemos e as alterações que advogamos. Os limites existem. Eles são endógenos e exógenos. O mundo rola para lá daquilo que os detentores do poder decidem para a sua acção. Estas verdades também se aplicam à obra de Adriano Moreira enquanto Ministro. Destacamos entrevista a propósito. À questão “após a Segunda Guerra Mundial, com o aparecimento do MUD (Movimento de Unida- de Democrática), quando fez o seu estágio junto de figuras como Acácio Gouveia, Abranches Ferrão, poderia ter seguido um percurso político bem diferente. Chagou a assinar as listas do MUD”. Adriano Moreira responde: “O mestre de todos quantos estudam estas coisas, o Karl Po- pper, diz que “nunca no passado aconteceu tudo”, e o futuro é para ser construído de acordo com a maneira como vamos respondendo aos desafios. Eu, pelo menos, tive esta circunstância que considero feliz”.36 Para além de muitos outros autores, Karl Popper exerceu desde muito cedo uma influ- ência forte na formação política e ideológica de Adriano Moreira. Por não ser oportuna neste ponto do nosso trabalho maior referência a este autor, fá-la-emos mais à frente.

34 Id., Ibid., p. 112. 35 Vide Apêndice A, s/p. 36 Entrevista ao Prof. Adriano Moreira sobre Salazar - O Estado-Novo, a oposição (interna) ao regime e o pós-Salazar, [em linha] realizada a 30 de Março de 2011, publicada por mitouverdade. Disponível em http://mitouverdade.blogs.sapo.pt/5738.html. Consultado em 12 de Fevereiro de 2014.

18 Adriano Moreira e o Império Português

Adriano Moreira bem conhecia o desencanto que, em termos de política, tinha atraves- sado grande parte do século XIX e, de forma mais fechada ainda, uma boa parte do século XX. O Professor expressa assim o seu pensamento sobre este assunto:

“Não faltam escritores e poetas, nos séculos XIX e XX, que chamam o País à grandeza, desafiados pelo confronto entre um passado glorificado e um presente desanimador, em face dos avanços civilizacionais da Europa. No seu excelente ensaio de 2007, José Carlos Seabra Pereira vai trazendo à memória colectiva os anseios, angústias e votos, do nacionalismo de Garrett ao país sem esperança de António Nobre. Na exaltação de Afonso Lopes Vieira, Alberto de Oliveira, João de Barros, António Sardinha, Corrêa de Oliveira, Teixeira de Pascoaes, Fernando Pessoa, Miguel Torga, por todos passa o mesmo apelo deste último à redescoberta de um «caminho português» para a «Pátria sem rumo», mas não são frequentes lamentos sobre a incapacidade do povo”.37

O Prof. Moreira debruça-se com afinco sobre as teorias do poder que, desde a Antiguidade Clássica aos tempos do Liberalismo, passando pelo tempo Medieval e pelo Renascimento, classi- ficam a relação do poder com o indivíduo e deste com o divino. Justifica, amiúde, esta interde- pendência como plena de bondade para o ser humano38. Nestas teorias que Moreira apresenta sobre o poder, caracteriza-as como promotoras da “acção clandestina do Estado”. Clandestinas, escreve o autor, porque “excedem os quadros legais”39. Esclarece ainda o Professor que muitos dos tipos de “acção clandestina do Estado” são características dos regimes dos nossos dias. Refere-se, certamente, tanto à ditadura, como aos regimes democráticos. Nuns e noutros podemos identificar características comuns que determi- nam o controlo do poder pelos mecanismos que, embora repudiados pelos regimes democráti- cos, também eles usam. Neste ponto escreve Moreira:

“Tentaremos aqui, com brevidade, indicar alguns dos tipos de acção clandestina do Estado, e que são característicos da nossa época. Em primeiro lugar, a desinformação, que se traduz numa actividade clandestina a ocultar os factos, a divulgar versões inexactas, tendenciosas ou propositadamente equívocas. Já foi chamada e defendida como doutrina da mentira plausível ou razoável (…) o manejo das estatísticas para deturpar os índices de inflação, do custo de vida, do custo dos serviços (…) o controlo directo ou indirecto dos meios de comunicação social (…)”.40

Quanto à sede do poder no Estado Novo português, Moreira esclarece, com fundada convicção, que ela se encontrava no Presidente do Conselho e não no Presidente da República, como era preceito da Constituição de 1933. De facto, a “Lei Fundamental” de 1933 foi sempre

37 MOREIRA, Adriano - VII Portugal e a Geopolítica da Interculturalidade, [em linha], p. 303. Disponível em http://www.oi.acidi.gov.pt/docs/Col_Percursos_Intercultura/4_PI_Cap7.pdf.Consultado em 18 de Maio de 2015. 38 MOREIRA, Adriano - Ciência Política, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 255 a 261. 39 Id., Ibid., p. 255. 40 Id., Ibid., pp. 255 e 256.

19 José Maria S. Coelho uma aparente Constituição Liberal, mas enganadora dos mais incautos, já que, na realidade, ela mais não era do que um articulado de preceitos e ditames completamente ignorados. Neste contexto, desenvolvem-se, igualmente, aquilo a que o Professor chama tipos de actividade clandestina do Estado à censura, à manipulação da informação, à opinião mentirosa e à ig- norância. Foram estes, entre outros, os mais comuns meios para o Estado exercer a “acção clandestina”. No pensamento de Moreira, o peso que o Príncipe exerce sobre o poder político é sempre muito grande. Em Portugal, ele torna-se mais claro e incisivo após a intentona militar de Moniz Botelho em 1961. De facto não é claro o motivo ou motivos que conduziram ao insucesso do gol- pe de Estado de Botelho Moniz. Estamos convencidos de que a principal razão que determinou a não consecução desse golpe palaciano foi, antes de tudo, o facto de ser exactamente um gol- pe palaciano. Moniz não ambicionava uma revolução mas apenas uma redefinição do caminho político em Portugal. Contudo, a maioria conservadora dos militares preferiam manter Salazar no poder ainda que apenas ficticiamente. Abalado pela idade e incapaz de realizar reformas, o Presidente do Conselho era uma pedra facilmente manobrável no tabuleiro do jogo dos milita- res – manter o mando. O poder militar torna-se, então, mais do que um poder, torna-se o único poder. É dele que depende a permanência de Salazar na chefia do governo e, nesse sentido, o estadista aceita as imposições castrenses, incluindo aqui a destituição de Adriano Moreira do cargo de Ministro do Ultramar. Mais uma vez remetemos para a obra “O Novíssimo Príncipe”, para expor o pensamento de Adriano Moreira. Escreve ele:

“A Constituição de 1933 era um documento mais preocupado com a imagem do que com a realidade do sistema político. Por isso, muitas vezes concluí, com outros, em cursos e trabalhos, pela sua falta de autenticidade. O ponto mais conhecido é que, consagrando um regime também instaurado militarmente, e definindo como figura principal o Chefe de Estado, ninguém duvidava de que o poder estava no presidente do Conselho, que decidia o provimento da presidência da República, e dialogava directamente, até à conspiração de 1961, com as Forças Armadas. Daí em diante as coisas passaram-se diferentemente, mas o poder nunca esteve onde a Constituição dizia. Quanto aos princípios, designadamente no que respeitava ao Ultramar, a distância entre as teses e as hipóteses era constante”.41

É sempre difícil adivinhar o desfecho de uma situação que não existiu. Por não ter existi- do, não teve desfecho. No entanto, é possível aquilatar a vontade de Adriano Moreira em mudar o rumo de Portugal no tempo em que foi Ministro. Isto mesmo ele no-lo disse em entrevista42 quando lhe perguntámos se, caso se tivesse mantido no governo, a evolução política em Por- tugal metropolitano e no Portugal Ultramarino teria sido diferente, no sentido de uma ampla abertura do regime; a resposta foi imediata – “Era”, dando a sua concordância. Sabemos bem as dificuldades do regime de Salazar nos últimos tempos, nomeadamente depois de 1958, e a

41 MOREIRA, Adriano - O Novíssimo Príncipe: Análise da Revolução. Op. Cit., p. 73. 42 Vide Apêndice A, s/p.

20 Adriano Moreira e o Império Português questão das eleições fraudulentas para a Presidência da República com o caso Humberto Delga- do. Não ignoramos as intrigas palacianas dentro do próprio governo e que, em última análise, lutavam pela sucessão de Salazar, mas conhecemos igualmente a tenacidade do Ministro Adria- no Moreira e a vontade que tinha em conduzir Portugal a uma situação de respeito internacional que já não tinha ou que, pelo menos, tinha perdido em boa parte. Pelo contrário, crescia o isolamento, mesmo por parte dos velhos aliados. Devemos, contudo, regressar à importância que, tradicionalmente, os militares têm em todas as sociedades, mesmo naquelas que designaremos “Sociedades tradicionais de Mando”. Estas são, muitas vezes, identificadas com as que ainda se organizam num poder tribal depen- dente de um chefe, em geral ligado à condição de exímio lutador, ou seja, representante do “Príncipe”. Quanto às outras sociedades, elas dependem sempre do poder de imposição das armas. Esse poder, por vezes, nem se mostra, mas está lá. Escreve Adriano Moreira:

“A deferência especial que os militares tradicionalmente merecem dos povos resulta de estes os olharem como tendo adoptado um modo de morte quando as circunstâncias o exigirem, e não como tendo escolhido um modo de vida, entre outros possíveis. Por isso, em conjunturas graves, também os povos tradicionalmente aceitam que a Instituição Militar exerça directamente o Poder, teoricamente quando o risco agudo exija a prontidão para o sacrifício excepcional”.43

O mundo adoptou novas regras jurídico-políticas no final da Segunda Guerra Mundial. O Direito Internacional, comumente assim chamado, é aquele que resultou dos tratados e dos acordos conseguidos entre as Nações ganhadoras da Guerra. Esses consensos começaram com as decisões de Ialta44. O Portugal isolado e “orgulhosamente só”45 deu lugar, no início da década de 1960, a um país falado no mundo, criticado nas Nações Unidas e que deveria respeitar o direito dos povos não autónomos à autodeterminação, tal como previa a Carta das Nações. Portugal, ao aderir a esta Organização em 1955, ficou obrigado ao cumprimento do constante no artigo 73º da referida Carta o que, de forma implícita, conduziria à autodeterminação os povos do Ultramar. Não foi este o entendimento de quem detinha a sede do poder nem de uma boa parte da sociedade castrense. As vozes que se opuseram a esta política contaram, evidentemente, com um factor que permite sempre a manutenção das ditaduras: a ignorância da maioria da po- pulação. Era possível ler as considerações da ONU, como sempre acontece, sob vários prismas. Se, por um lado, era imperativo descolonizar e atender às ambições autonomistas dos povos

43 Id., Ibid., p. 111 e 112. 44 Cidade da Crimeia onde se reuniram, no início do Verão de 1945, os previsíveis vencedores da guerra – O primeiro-ministro do Reino Unido – Churchill, o Presidente dos EUA, Roosevelt, e o Presidente da URSS, Estaline. 45 No plano africano, quatro anos de sacrifícios deram tempo a que se esclarecesse melhor o problema das províncias ultramarinas portuguesas, a diversidade das instituições criadas em séculos naquele Con- tinente e os ganhos ou perdas, em todo o caso as dificuldades que a independência, tão ambicionada por poucos, trouxe a todos os mais e os dirigentes não sabem como resolver. Assim bastantes povos africanos nos aprecem mais compreensivos das realidades e mais moderados de atitudes. Eis o ganho positivo desta batalha em que – os portugueses europeus e africanos – combatemos sem espectáculo e sem alianças, orgulhosamente sós.» Discursos, Vol. VI, 1967, p. 368. (1965) in BRANDÃO, Fernando de Castro (Org.), 1.ª Edição, Edição do Autor, 2008, p. 54.

21 José Maria S. Coelho dominados, era, igualmente legítimo considerar que esses mesmos povos optassem por uma qualquer ligação à metrópole, ainda que de forma autonómica. Havia, assim, mais de uma via para a autonomia: a independência pura, a autonomia federada ou mesmo a integração. Era dentro destas três vertentes que se assistia ao agrupar das forças políticas portuguesas. A nossa convicção é a de que a conjugação de factores internos e externos ao governo português favoreceu o fortalecimento das linhas mais conservadoras em detrimento das mudan- ças que eram propostas, entre outros, por Adriano Moreira. De entre esses factores, identifica- mos, nos exógenos, a pressão internacional, nomeadamente a da ONU, o interesse americano no alargamento da sua influência às nossas colónias, só possível com a descolonização das mesmas, o crescente afastamento da Grã-Bretanha em relação ao apoio que tradicionalmente dava a Portugal e o isolamento generalizado a que foram votando este os Organismos Suprana- cionais. Internamente, os factores mais determinantes são a desinformação política de uma boa maioria da população, o analfabetismo, a crença no ideal nacionalista que se exprimia através da valorização excessiva de figuras históricas como Nuno Álvares Pereira, entre outros. Perante tais condicionantes, as forças que tudo faziam para manter o regime e a sua orientação, e que vamos designar de Forças da Permanência, souberam controlar o Presidente do Conselho no sentido de este recusar as reformas do Ministro Adriano Moreira. Contudo, torna-se necessário questionar se Salazar recusou as reformas em causa por vontade própria ou coagido. É comum apontar-se à posição internacional a suprema responsabilidade na pressão exer- cida sobre o regime de Salazar no sentido da descolonização. Este assunto terá, assim, sofrido um crescente internacionalismo após a entrada de Portugal na ONU, em 1955. Contudo, torna- se necessário aquilatar o valor das normas internacionais. Elas foram criadas e impostas pelas potências que manifestavam crescente interesse nos novos territórios independentes nas ver- tentes política, certamente, mas, sobretudo, económica e estratégica. É de interesse para este estudo identificar os diferentes modelos de ocupação por parte das potências colonizadoras europeias. Neste campo, Adriano Moreira considera haver apenas duas realidades opostas: “Os Portugueses com a sua política de igualdade e unidade, os Ingleses com a sua política de desenvolvimento separado”.46 De todas as formas, as potências europeias que descolonizaram em tempo oportuno, isto é, antes do início de conflitos armados, fizeram-no porque chegaram à conclusão que, na modernidade, os interesses económicos das antigas metrópoles eram mais bem defendidos na relação com Estados independentes do que com colónias submissas. Se Adriano Moreira consi- dera ter havido apenas dois modelos de ocupação e de separação entre metrópole e colónias (os casos português e o inglês), considera igualmente que as restantes potências coloniais não conseguiram definir um modelo próprio, tendo baseado a sua actuação no oportunismo da tradição maquiavélica47. Quer isto significar que, para além de Portugal e do Reino Unido, os restantes Estados europeus com colónias, na ausência de ideologias definidas, optaram por,

46 MOREIRA, Adriano - A Europa em Formação (A Crise do Atlântico). Lisboa: Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, s/L, 2004, p.315. 47 Id., Ibid., p.315.

22 Adriano Moreira e o Império Português passo a passo, tomar medidas que lhes dessem ou a posse daqueles territórios ou, chegados à independência, permitissem a exploração dos mesmos. A ideologia política vigente até à Pri- meira Guerra Mundial, que assentava no eurocentrismo, foi dando à velha Europa a falsa noção de capacidade de comando político e económico do planeta. Pois bem, tudo isso não passou de um sonho efémero, nascido com a Conferência de Berlim de 1885, reunião em que os Grandes pensaram poder tomar conta da África e reparti-la definitivamente.48 O conflito bélico de 1914- 1918 veio alterar profundamente as realidades políticas e económicas que pareciam imutáveis. O mundo deslocara o centro da economia de Londres para Nova Iorque e a Europa passou a de- pender dos capitais americanos. Foi este o grande marco nas realidades coloniais estruturadas no século XIX. Depois de 1918, as premissas das relações internacionais alteraram-se e o jogo de cada país faz-se na vontade de sobreviver numa economia aberta aos velhos, mas também aos novos Estados. Esta necessidade de sobrevivência permite o uso de todos os estratagemas que chamaremos dignos de Maquiavel, na medida em que os interesses das populações se sujeitam, cada vez mais, às vontades dos poderes político-militares. A Europa encarnou o espírito ocidental, ancorando-o nos rastos histórico-culturais das civilizações judaico-cristãs. Esqueceu-se de que, ao exportar esse espírito ocidentalista para os territórios que ocupou, entregou-o, dando-lhe autonomia. Isto significa, tão somente, que no início do século XX, com a eclosão do primeiro conflito à escala mundial, se iniciou o defi- nhamento da Europa como repositório único dos valores do Ocidente. Novos espaços políticos e económicos apareceram reivindicando o seu papel no jogo do equilíbrio internacional. É o caso dos Estados Unidos da América. Este é o pensamento de Adriano Moreira. Vejamos o que ele escreve:

“O Euromundo foi construído segundo duas linhas ideológicas principais: o personalismo e o maquiavelismo. O personalismo, compreendendo os valores mais significativos do Ocidente, foi a expressão da sua unidade; o maquiavelismo, traduzindo a importância dos interesses conjunturais e da força, deu expressão ao pluralismo interior. O direito internacional foi a mais alta expressão do personalismo ocidental; a balança de poderes, regra do ocidente das potências, foi a expressão do seu pluralismo interior. A Conferência de Berlim (1885) marca o ponto crítico do auge do Euro- mundo e do começo do seu recuo”.49

Por outro lado, ainda que nos pareça estranho, o mundo ocidental alicerçou-se, desde muito cedo, no exército que determinou o rumo das relações entre o ocidente e o leste. Ou seja, foi desde o Império Romano (sendo que foi este que originou o mundo ocidental moderno, na medida em que a sua desintegração deu origem a uma Europa de Estados, mas, essencial- mente, unida pelas heranças latinas e cristã) que o exército se revelou peça fundamental na

48 Conferência de Berlim, Acta Geral redigida em Berlim em 26 de Fevereiro de 1885, in Prof. Luiz Arnaut Textos e documentos, Universidade Federal de Minas Gerais, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas Departamento de História, [em linha], disponível em http://www.casadehistoria.com.br/sites/ default/files/conf_berlim.pdf, consultado em 16 de Maio de 2015. 49 Id., Ibid., p. 320.

23 José Maria S. Coelho estruturação da Europa Cristã. Os Estados absolutos encontraram na força militar dos exércitos permanentes a arma mais eficaz na imposição da vontade docondotieri 50. Aplicou-se, com fre- quência, o pensamento de Maquiavel. A este propósito, escreve Adriano Moreira, referindo-se a este autor:

“De facto autonomiza a análise dos factos em face da apologética, e conclui que as rela- ções entre os principados são reguladas pelo equilíbrio dos poderes, e que a força é o elemento fundamental. O facto é sempre reunir as forças suficientes para alcançar o objectivo: se aquelas existem, o principado passa à acção; se não existem, tem de abster-se. Afirma “A guerra é a ver- dadeira profissão de quem governa; é por terem negligenciado as armas e terem-lhe preferido as delícias do ócio que vimos soberanos perderem os seus Estados’”.51

Mesmo os regimes mais liberais exerceram a sua vontade governativa através da força militar. Esta foi, algumas vezes, usada como o poder intimidatório. Os militares foram ganhando consciência da capacidade de manter ou derrubar o poder político. Este, ainda que ambicionas- se no sentido da submissão do primeiro, nunca o conseguiu. A criação de exércitos permanentes e nacionais, profissionalizados, foi a garantia dos poderes absolutos para se manterem no leme dos Estados. Esta foi igualmente a lógica das ditaduras nos tempos mais recentes. Desta reali- dade fala o Professor quando escreve:

“[…] E isto nos leva de novo a Maquiavel e à doutrina do Príncipe, porque foi Maquiavel tam- bém quem primeiro entendeu a importância do carácter nacional do exército. Não chega definir o tipo normativo do militar, e introduzir no conceito a referência às virtudes profissionais que são classicamente enumeradas. Tais virtudes já eram as mesmas antes de a Nação ser o valor político básico, e não são diferentes das que para si próprios reclamam os mercenários. Um bom combaten- te não é, só por isso, um soldado nacional. Mas não há exército nacional se as virtudes tradicionais do soldado não forem preservadas nas fileiras. Um exército nacional é uma Instituição no sentido rigoroso do termo, isto é, um conjunto de homens aos quais se confiam os meios supremos do poder de coagir, para que assegurem com eles a integridade dos valores nacionais em que acreditam”.52

O pensamento de Moreira em face do poder militar contemporâneo segue, genericamen- te, os fundamentos que Maquiavel havia definido para o papel de um exército nacional. De fac- to, apesar de muitas vezes o poder das armas estar entregue a mercenários que apenas o usam pelo numerário auferido, a realidade mais plausível de sucesso assenta num exército nacional, composto por soldados imbuídos do espírito de sacrifício que só os valores nacionalistas podem impor. Vejamos, para exemplo, a realidade da guerra que Portugal desenvolveu no Ultramar

50 Déspota - ditador que se impõe pela força. Figura típica das Cidades/Estado italianas no período do Renascimento. 51 MOREIRA, Adriano - Teoria das Relações Internacionais. Almedina, 6ª Edição, Coimbra, 2010, p. 292. 52 MOREIRA, Adriano - O Novíssimo Príncipe: Análise da Revolução. Lisboa: Edições Prefácio, 2003, p. 111.

24 Adriano Moreira e o Império Português durante cerca de treze anos. Ela não seria tão prolongada se aos militares não estivesse ligado um profundo sentimento nacionalista. Um exército mal armado, mal treinado, como era o por- tuguês nas terras de África, só resiste porque acredita defender os valores profundos de uma Nação e os desígnios desta. É justo afirmar que oPríncipe , significando oPoder , nem sempre se materializa só na eli- te militar. Esse poder repousa em vários campos políticos, sociais e económicos. Ele radica em várias das bases já apontadas, de acordo com o tempo e o modo como as sociedades evoluem. A grande brecha que se encontra na identificação destepoder/Príncipe é, sem dúvida, a altera- ção no regime produtivo que se verificou na transição do Antigo Regime para os tempos contem- porâneos. Com o advento do capitalismo industrial e financeiro, a sede do Príncipe altera-se. Neste sentido, Adriano Moreira avança em defesa de Maquiavel, advogando que a recusa da sua teoria política resulta de alguns grupos que a querem esconder53. Escreve ainda o Professor:

“Ele não fez um tratado de moral, nem doutrinou o que se deve fazer. Descreveu simples- mente o poder, isto é, o Príncipe e os seus procedimentos. Para usar a expressão de Gama e Castro, depois que o chamado ancien regime foi derrubado, o Novo Príncipe vestiu-se com roupagens varia- das: burguesia, personalidade carismática, partido, tecnocracia, exército. Mas é sempre do poder que se trata, e os cépticos analistas de ciência política vão concordando em que o povo soberano vota mas não manda. O máximo de liberdade que até hoje conseguiu foi ter intervenção na escolha de quem manda, usando listas que não escolhe. Mas, inevitavelmente, uma classe política toma a direcção e mantém-se nela tão longamente quanto pode”.54

Moreira acrescenta ainda algo muito interessante e inquestionável, por ser demasiado evidente para quem estuda História: “Cada conjuntura traz o seu Novíssimo Príncipe”55. A este propósito, devemos referir a realidade da descolonização portuguesa, já que, embora o poder tenha residido durante algum tempo, em elites políticas e intelectuais, o certo é que foi o po- der militar que determinou a evolução da Nação portuguesa nos finais do século XX. Ao longo dos quase nove séculos de História de Portugal, a relação entre os dois poderes a que aludimos foi-se alterando conforme as circunstâncias do momento. Foi também assim com a questão colonial. O valor do Estado Uno que Salazar defendia aparece como indissociável da própria sobrevivência do Estado Nação que era Portugal. O Portugal europeu não sobreviveria sem o Portugal Ultramarino. Contudo, sabemo-lo, a identidade nacional é, em geral, uma construção da História de uma dada Nação, das suas angústias e das suas realizações. Raramente depende de intrusões coercivas de poderes mais ou menos ocultos. Trata-se de uma classificação a que já nos referimos nesta introdução e que é construção ideológica de Adriano Moreira. Que poderes são esses? Os económicos, os intelectuais e outros. Moreira tem uma visão curiosa sobre a liga- ção de cada um de nós ao país que amamos. Segundo este autor, podemos nascer num qualquer

53 Id., Ibid., p. 65. 54 Id., Ibid., p. 65. 55 Id., Ibid., p. 65.

25 José Maria S. Coelho país, mas não nos identificarmos com ele. Escreve assim: “Sempre lembrarei que não se escolhe o país em que se nasce, mas que decidir ficar é um acto voluntário e de amor. Uma decisão, que não se toma a benefício de inventário do passado, toma-se, com esperança, a benefício do futuro da maneira portuguesa de estar no mundo”.56 Conhecemos os limites desta introdução, nomeadamente naquilo que à teoria do poder diz respeito. Não é nosso propósito estabelecer um tratado de ciência política, mas apenas ponderar conceitos e estabelecer linhas de pensamento que nos permitirão desenvolver o nos- so trabalho. Terminaremos afirmando que, no início da década de 1960, o Novíssimo Príncipe fixou-se de forma especialmente ancorada no mundo militar e foram os homens das armas quem colocou fim ao Estado Novo, para evitar que o Poder mudasse de sede de forma anárquica. Estabeleceu-se uma plataforma de entendimento entre as grandes sedes do poder cujo objecti- vo comum passou a ser a descolonização. Esta não conheceu o rumo esperado e que convinha, objectivamente, tanto a Portugal como aos territórios descolonizados. Portugal encontrava-se em total ebulição, pelo que, como era de esperar, não foi capaz de elaborar um projecto de descolonização estruturado e sem sobressaltos. Bem sabemos que, depois da revolução de 25 de Abril de 1974, a abaladíssima confiança entre a Metrópole e as Colónias se tornava insufi- ciente para descolonizar de outra maneira. Entendemos, conhecendo posições diversas sobre o assunto, que foi a descolonização possível e não a desejável. A descolonização que nos con- viria, a nós e aos povos autóctones, teria privilegiado uma autonomia atempada, valorizando o crescimento administrativo nas Províncias Ultramarinas e o seu desenvolvimento económico. A realidade foi bem diferente: as reformas implementadas por vários responsáveis, entre eles o Ministro Adriano Moreira, foram abandonadas, sendo que o poder político, coagido pelo militar optou pela guerra. Em 1974, Portugal vivia tempos de incerteza e sofria da incapacidade para negociar própria de momentos de revolução. Ao mesmo tempo, a autonomização do Ultramar já se tinha dado, o que impossibilitava grande intervenção de Portugal na determinação das relações futuras. Interessa, pois, assumir que foram os militares que puseram fim à Primeira República, iniciando uma Ditadura Militar. Esta evoluiu para o Estado Novo por vontade dos mesmos. An- tónio de Oliveira Salazar manteve-se décadas no poder sustentado por esse mesmo poder: o das armas. Finalmente, foram os militares que derrubaram o regime ditatorial, iniciando-se o processo de construção democrática que vigora hoje. A deferência de Salazar para com os militares resultou sempre da consciência que tinha da volatilidade do seu próprio poder. Daí, a escolha que sempre fez de um militar de topo para ocupar a chefia do Estado. Essa opção não foi nunca ingénua. Terminamos esta introdução com referência a alguns dos autores portugueses que, ao longo dos séculos, foram reflectindo e escrevendo sobre o chamado Pensamento Político. Desde o Rei D. Duarte, com o “Leal Conselheiro” (1420), passando por António de Sousa de Macedo (Século XVII), Magalhães Mexia e Alexandre Herculano, Teófilo Braga, (Século XIX), ou aos mais

56 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola. Almedina, Coimbra, 2013, p. 141.

26 Adriano Moreira e o Império Português contemporâneos como António Lino Neto, António Sardinha, António de Oliveira Salazar, Manuel Gonçalves Cerejeira, Marcello Caetano, Freitas do Amaral, Francisco Lucas Pires e, inevitavel- mente, Adriano Moreira. A produção de teorias sobre o poder e a forma de o exercer teve e tem, em Portugal, uma gama rica e diversificada de autores. Queremos ainda referir, mesmo que de forma muito sumária, a opção que tomámos rela- tivamente às grandes linhas orientadoras na elaboração da presente tese. A primeira é a de que escolhemos redigir este trabalho sem obedecer ao Acordo Ortográfico, por não concordarmos com o mesmo e termos tido o apoio expresso do Professor Adriano Moreira, o que, versando este trabalho aquela personalidade, nos deixou mais sustentados na nossa opção. A segunda prende-se com o facto de termos privilegiado a transcrição de excertos de obras referenciadas por nelas serem mais claras as ideias que pretendemos transmitir. Desta forma, realçaremos o valor de conceitos e posições relevantes para o nosso trabalho. O valor do texto que agora concluímos, se o tiver, resulta das intensas e vastas leituras dessas obras. Identificámos em alguns autores a utilização dessa mesma metodologia como, por exemplo, em Reis Torgal. Optámos, ainda, por traduzir textos que transcrevemos de autores estrangeiros e aos quais apenas tivemos acesso em línguas de outros povos. A tradução é da nossa inteira respon- sabilidade, sendo certo que a fizemos com a honestidade que esse acto impõe. Estará, por isso, sempre sujeita a alterações não na linha fundamental, mas em pormenores. Por último, mas não de menor importância, assumimos alguma admiração pela personali- dade de Adriano Moreira, tendo mesmo sido criados dois apêndices com comentários do Profes- sor, escritos na primeira pessoa, o que, só por si, constitui documentos primários importantes de relevante valor. Embora possa parecer que há pouco distanciamento face à afectividade que sentimos pela personagem central desta tese, tal não se verifica, pois que, reiteradamente, nos esforçamos por manter apenas a ligação indispensável para que a condução do nosso trabalho identificasse precisamente o âmago do mesmo.

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Capítulo I Adriano Moreira: um percurso.

Nascer no meio rural envolto nos valores da solidariedade, do respeito, da verticalidade e de uma moral cristã teve, na definição da personalidade de Adriano Moreira, uma importância decisiva. Esta tornou-se uma âncora fundamental na vida de Moreira e, até hoje, é facilmente identificável no homem e no Professor. Esta constatação é assumida por Adriano Moreira que, quando questionado sobre o assunto, responde: “Devo-o à minha Mãe”.57 Para além de profundamente tocado pela Doutrina Social da Igreja, baseada nos escritos do papa Leão XIII, nomeadamente na Encíclica Rerum Novarum, bem como em outras Encíclicas posteriores como a Quadragesimo Ano do Papa Pio XI, Moreira interliga-se com outras ideologias em diversos campos: tanto social, como no filosófico, onde sobressaem a importância de Karl Popper, ou, de forma marcante, as ideologias sociais e políticas, como o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre. Trata-se, justamente, de uma formação eclética, na qual as influências ideo- lógicas abundam e traçam a formação do Professor Adriano Moreira. Nestas influências encon- tramos um considerável pendor europeísta que não deve ser esquecido. Hoje, pese embora a provecta idade do Professor, o seu interesse pelas novas visões sobre as coisas e a vontade de continuar a marcar o pensamento científico e político português conti- nuam. A língua e o espaço lusos têm sido temas de constante estudo e interesse. A sua oposição ao Acordo Ortográfico e a defesa da língua dentro de Portugal, mas igualmente no seio da CPLP, continuam a ser levados em conta.58

1. Adriano Moreira: dados biográficos.

Se Adriano Moreira é a individualidade central da nossa tese, torna-se necessário re- produzir marcos fundamentais da sua biografia, sendo que as origens e a formação académica representam, naturalmente, vertentes essenciais. As origens, os valores da ruralidade trans- montana e da velha família nuclear tradicional são pontos fundamentais a ter em conta. Os princípios de honestidade, respeito, sinceridade, apego ao trabalho e aos valores da ruralidade ter-lhe-ão sido transmitidos por seus pais. Estes, oriundos das terras de Grijó, no interior de Trás-os-Montes, eram provincianos que arriscavam, como tantos outros, na vinda para a grande cidade, Lisboa. Esta era, ao tempo, a terra de todas as oportunidades. Para os rapazes, essa saída das suas terras costumava coincidir com o fim do serviço militar. Ingressavam frequente- mente na Polícia de Segurança Pública, na Guarda Nacional Republicana ou na Guarda Fiscal. É esta realidade a retratada por Adriano Moreira quando, em suas memórias, escreve:

“Há uma lei sem réplica que obriga os pobres a emigrar, e os ricos a exportar capitais. Os

57 Vide Apêndice B, s/p. 58 Vide Apêndice A, s/p.

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transmontanos emigravam, para constituírem colónias interiores em lugares do destino. Assim fez o meu Pai António que, com a minha Mãe Leopoldina, vieram para Lisboa, em 1923. Compreendi muito cedo quanto a vida era difícil para eles. As carreiras abertas aos emigran- tes que vinham do norte, e mais ambicionadas pela estabilidade que ofereciam, eram a Polícia de Segurança Pública, a Carris de Lisboa, a Guarda Fiscal e a Guarda Nacional Republicana. O meu Pai entrou para a PSP, e nela ficou até terminar a carreira em subchefe ajudante na Administração do Porto de Lisboa”.59

Possuidor dos valores ligados aos princípios do respeito e da honradez, apanágios dos homens e das mulheres do mundo rural, Adriano Moreira entrou no cosmopolitismo lisboeta ainda com tenra idade. Como era costume naquele tempo, as mulheres, esposas e mães, para além dos trabalhos domésticos e da criação dos filhos, tarefas que lhes estavam acometidas, desempenhavam, com frequência, trabalhos manuais em casa, como o da costura, de forma a complementar os rendimentos familiares. Foi assim que muitas famílias oriundas de classes humildes, mas fartas de vontade de vencer e fazer vencer os seus filhos, puderam dar a estes formação escolar que os guindou para novos estatutos sociais. Este percurso foi, também, o da família Moreira: “Um dia tomaram a decisão heroica de me mandar formar, e sei hoje o que isso deve ter representado de coragem em vista dos fracos rendimentos”60. A descrição que Adriano Moreira faz da sua aldeia, e igualmente do percurso que muitos dos seus habitantes fizeram na vinda para a cidade, pode parecer-nos exagerada e mesmo idí- lica; contudo, em face das nossas próprias origens, sabemos que assim era. Filho único até aos nove anos, Adriano Moreira teve, nessa idade, uma irmã, Olívia. Também ela haveria de usufruir dos esforços dos pais. Posta a estudar, acabaria por se formar em Medicina. Os valores de solidariedade e de protecção estiveram sempre presentes nesta fa- mília. Adriano clarifica isso mesmo ao afirmar: “A diferença de idades permitiu que a incitasse a fazer o seu curso de Medicina. Amei os seus filhos que nasceram todos antes dos meus, e gostei de fazer com eles o que tinha feito com ela, quando as circunstâncias o exigiram”61. Adriano Moreira frequentou liceus de renome em Lisboa. Primeiro, o Liceu Passos Manuel, em seguida, o Liceu do Carmo (este uma extensão do primeiro) e, novamente, o Liceu Passos Manuel, onde acabaria os seus estudos liceais. Depois, havia de ingressar na Universidade. Era este o caminho que seus pais lhe haviam traçado ao decidir pô-lo a estudar. Frequentou, pois, a Faculdade de Direito de Lisboa. Os tempos da juventude de Adriano foram, internacionalmen- te, algo conturbados. Assistiu a duas agressivas guerras – a Guerra Civil de Espanha e a Segunda Guerra Mundial. Das suas memórias, retiramos o seguinte texto:

“Nos anos que decorreram entre a entrada no Liceu e a saída da faculdade, a minha gera- ção foi marcada por duas convulsões: a guerra da Espanha e a Segunda Guerra Mundial. A primeira

59 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 19. 60 Id., Ibid., p. 20. 61 Id., Ibid., p. 21.

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decorreu enquanto frequentava o Liceu do Carmo, e ficava do entendimento dos garotos que éramos nesse tempo. Sabíamos que havia um movimento vanguardista, tínhamo-nos apercebido antes de um sindicalismo de Rolão Preto, instituía-se a Mocidade Portuguesa obrigatória. (…) Pelo Passos Manuel e Carmo a Mocidade Portuguesa fez umas primeiras tímidas aparições, a tentar organizar-se, mas o meu curso já não foi geralmente apanhado pela iniciativa. (…). Mas a guerra de Espanha serviu para sermos o objecto do condicionalismo da informação, da batalha ideológica, da propaganda em doses fortes. Recordo-me que, de todos, o Jorge Borges e Macedo parecia o mais informado e esclarecido”.62

Em 1944, Adriano Moreira terminava o seu curso de Direito com uma classificação final fora do comum, dezassete valores. Ao lermos o artigo a ele dedicado no Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, p. 532, ficamos a saber que terá havido dois professores que o terão influenciado profundamente. Um deles, Rocha Saraiva, e o outro, Marcello Caetano. Em relação a este último, parece ter havido maior proximidade de posições e de pensamento quanto à orgânica do poder dentro do Estado Novo. Desde cedo se percebeu que as questões da política interna, mas igualmente as da externa, haveriam de interessar ao futuro político e ministro. Terminado o curso, urgia começar a trabalhar de modo a contribuir para o sustento da família, já que os parcos recursos de seus pais tinham de chegar para que a irmã pudesse formar-se. É assim que, logo em 1944, Adriano Moreira entrou para o Arquivo de Identificação em Lisboa, onde se manteria até 1947. Durante esse período, para além de outras incumbências, chefiou a Secção do Arquivo Geral do Registo Criminal e Policial. Saído da esfera pública onde se ocupara até 1947, passa para a economia privada, trabalhando na Standard Eléctrica. Nos cerca de trinta anos seguintes, sem embargo da formação pessoal e de outros trabalhos a que esteve ligado, manter-se-á ligado a esta empresa privada. Apesar de toda a intensa actividade que o foi ocupando, foi sempre expressando o seu pensamento em jornais e revistas de interes- se público, ao mesmo tempo que se dedicava à advocacia. Leia-se o seguinte:

“[…] Também se dedicou à advocacia, depois de estagiar junto dos conhecidos causídicos oposicionistas Fernando Abranches Ferrão e Acácio de Gouveia. E ainda lhe sobrou tempo para es- crever, sobre temas do direito penal e ramos afins, em revistas tão diversamente inspiradas como a Jornal do Foro, dirigida pelo liberal (e maçon) Fernando Abranches Ferrão, O Direito cujo director era Marcello Caetano e a Revista de Direito e Estudos Sociais, de Coimbra, entre cujos luminares se contavam Eduardo Correia, Ferrer Correia e Teixeira Ribeiro”.63

Queremos tornar relevante a ligação que Adriano Moreira mantém com Fernando Abran- ches Ferrão e Marcello Caetano. Relativamente a Fernando Abranches Ferrão, por este ser ma- nifestamente afecto à maçonaria; com Marcello Caetano, claramente conotado com o regime

62 Id., Ibid. 63 BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, p. 532.

31 José Maria S. Coelho do Estado Novo. Trata-se de ligações que acreditamos terem-se justificado, não pelas filiações ideológicas dos dois antigos professores de Moreira, mas antes pelo facto de ambos representa- rem dois dos mais influentes pensadores e ideólogos do tempo. Com o passar dos anos, estas re- lações revelar-se-iam profícuas na produção de textos referentes ao Direito e à Administração Pública por parte de Adriano Moreira. Em 1947, a euforia pelo trabalho ou o sentido do dever deste advogado conduziu-o a um acto que o colocaria em situação de perigo face ao Estado Novo. Aceitou ser advogado da família do general Mendes Godinho, que acusou o coronel Fer- nando dos Santos Costa. Na visão dos acusadores, o coronel teria cometido homicídio voluntário enquanto desempenhara o cargo de Ministro da Guerra.64 Este trabalho terá representado uma afronta ao Regime, o que lhe causou alguns danos pessoais. Tal processo marcou profundamen- te uma viragem nas opções de Adriano Moreira face ao Estado Novo e ao seu mentor – Salazar. Veremos, mais à frente, que a aproximação a Oliveira Salazar não tirou a Adriano Moreira o ne- cessário afastamento e a clarividência relativamente às ideias mais retrógradas do Presidente do Conselho. Marcamos, agora, no percurso do Professor, o início do interesse pelas questões coloniais, que data dos princípios da década de 1950. Trata-se, de certa forma, da aproximação ao regime político português, iniciando, simultaneamente, a sua carreira de professor:

“AM começou a ensinar na Escola Superior Colonial, posteriormente metamorfoseada em sucessivas instituições a cujo corpo docente também pertenceu, entre elas se contando o actual Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, ISCSP, onde em 1992 se jubilou. Na ESC, escola de quadros coloniais, entrou para professor do grupo de ciências jurídicas e administrativas, cabendo- lhe o ensino das mais diversas matérias: Princípios Gerais do Direito, Direito Privado e Prática Judiciária, Direito Corporativo, Administração Colonial… Em 1954 apresentou-se a concurso para professor ordinário com uma dissertação sobre O Problema Prisional do Ultramar – foram arguentes Marcello Caetano e Joaquim Silva e Cunha. (…) Ainda em 1954, publicou essa dissertação em livro – logo seguido por outro, conexo: Administração da Justiça aos Indígenas”.65

A transcrição que acabamos de fazer apresenta as primeiras publicações acerca da ques- tão colonial portuguesa. Os problemas referentes à administração da justiça aos indígenas mar- caram, de forma indelével, a vocação de Adriano Moreira pelas questões coloniais. Parece-nos, como veremos ao longo do nosso trabalho, que terá sido a partir daqui que o futuro ministro do Ultramar se terá feito notar como especialista nos temas das terras de além-mar. Um novo organismo ligado às questões ultramarinas surgirá no ano de 1956. Trata-se da criação de um Centro de Estudos Político Sociais, na dependência da Junta de Investigações do Ultramar, cuja direcção será entregue a Adriano Moreira. Este Centro de Estudos foi com Adriano Moreira um organismo de relevância e grande dinamismo:

64 Id., Ibid., p. 533. 65 BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, pp. 533 e 534.

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“ […] Enviando bolseiros ao estrangeiro e missões de estudo às colónias, organizando confe- rências e colóquios que juntaram especialistas de ciências sociais e figuras gradas da política, da diplomacia e da administração e publicando dezenas de trabalhos sobre os mais diversos aspectos da problemática colonial portuguesa e das relações internacionais que a condicionavam; trabalhos esses entre cujos autores figuram pessoas de diversas tendências intelectuais e políticas: sociólo- gos, etnólogos e geógrafos como Gilberto Freyre, Jorge Dias e Orlando Ribeiro (…)”.66

Adriano Moreira faz uma aproximação gradual a vários autores dos mais diversos campos do saber. Importante torna-se a sua ligação ideológica a Gilberto Freyre e às suas ideias sobre o Luso-tropicalismo. Na verdade, segundo Cláudia Castelo, é o próprio Gilberto Freyre que, durante as viagens que faz às colónias portuguesas, vê confirmada a «intuição antiga»67, de que existe um modo português de estar no mundo. Escreve Cláudia Castelo:

“Aquela «confirmação» tem eco, ainda durante a viagem, nas conferências lidas em Goa e em Coimbra: «Uma cultura moderna: a luso-tropical» (Instituto Vasco da Gama, Novembro de 1951) e «Em torno de um, novo conceito de tropicalismo» (Universidade de Coimbra, Janeiro de 1952). O Luso-tropicalismo é formulado pela primeira vez nestas conferências, reunidas depois na obra Um brasileiro em terras portuguesas. A introdução a este livro representa, segundo o seu autor, uma tentativa de sistematização da nova doutrina, que será depois desenvolvida em Integração portuguesa nos trópicos (1958) e O Luso e o trópico (1961)”.68

Sabemos que Adriano Moreira foi o grande introdutor das ideias de Gilberto Freyre em Portugal. Ele próprio é o grande defensor das mesmas, que pensamos ainda hoje mantém. A partir de 1955-1956, Adriano Moreira passa a reger a cadeira de Política Colonial e, em 1958, o mesmo Adriano Moreira passa a acumular a Direcção do Instituto com a da CEPS69. Em simultâ- neo, vai sendo chamado a estudar assuntos coloniais, o que lhe permite uma grande visibilidade como especialista nessa temática. Por várias vezes, integra missões oficiais portuguesas partici- pantes em vários fóruns internacionais, sempre ligadas aos temas ultramarinos:

“[…] em 1953, participou, na reunião da “Comissão de peritos de política social nos territó- rios não-metropolitanos”. Em 1955, numa missão do Ministério do Ultramar, foi outra vez a Angola e Moçambique, donde seguiu para Bukavu, como membro da delegação portuguesa à Conferência Interafricana de Ciências Sociais; e assistiu em Londres, à reunião do Instituto das Civilizações Di- ferentes (…). Em 1956, participou na reunião de peritos em Ciências Sociais da CCTA, Comissão de Cooperação Técnica em África ao Sul do Sahara, e (com Franco Nogueira) na reunião da ONU em Genebra que elaborou uma “convenção suplementar” relativa à abolição da escravatura. Em 1956

66 Id., Ibid., pp. 534 e 535. 67 Gilberto Freyre in Um Brasileiro Em Terras Portuguesas, op. cit., p. 10. 68 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 35. 69 Id., Ibid., p. 535.

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e seguintes fez parte das delegações portuguesas à Assembleia Geral das Nações Unidas (…) em apoio das posições defendidas por Franco Nogueira. (…) Em 1959 de novo o encontramos de braço dado com Franco Nogueira (…) junto da NATO em Paris”.70

A aproximação ao regime político vigente em Portugal torna-se evidente. Será esta apro- ximação e a assunção das ideias do luso-tropicalismo que o levarão à nomeação para Ministro do Ultramar. Até 1961, ele havia produzido escritos vários que ilustravam, de forma clara, as suas opções relativas às questões coloniais. Entre eles, refiram-se Portugal Ultramarino – con- tribuição de Portugal para a valorização do Homem no Ultramar e O pensamento do Infante D. Henrique e a actual política ultramarina de Portugal.71

2. A formação do ideário de Adriano Moreira.

A primeira metade do século XX somou ao novo modelo imposto pela segunda revolução industrial as convulsões ideológicas vividas no último quartel do século XIX e repercutiu as consequências advindas da Primeira Guerra Mundial. No caso português, concretizou o ideário republicano, reforçando a dimensão da cidadania, deu uma maior atenção à escola primária, diversificou a oferta do Ensino Superior e abriu as portas a uma cultura de massas. A dimensão dos fenómenos económicos, políticos e militares aumentava, os novos inventos nas diferentes indústrias e particularmente na comunicação globalizavam e transformavam o mundo a cami- nho do que hoje é, de forma conflituosa a todos os níveis. A implantação da República extre- mou os campos entre o sector mais conservador do mundo católico e o positivismo republicano e maçónico. Este entrincheiramento ideológico diminuiu depois do primeiro conflito mundial (1914/1918). Todavia, ganhou novos contornos com a Revolução Russa e a emergência dos partidos comunistas. Em simultâneo, os nacionalismos ganham novas expressões e as ditaduras mobilizam massas em alguns países. A ciência política moderna tem, pois, no período, um cam- po de estudo muito profícuo. O neotomismo do século XIX, associado à doutrina social da Igreja que se defrontara com o republicanismo e o anarco-sindicalismo, encontra agora motivos de combate face à versão que o leninismo trouxe ao marxismo. As utopias que marcadamente influenciaram os contemporâneos do socialismo revolucio- nário deram origem, em muitos casos, a realidades bem inovadoras no pensamento político. Até aí, tal como afirma Adriano Moreira, as grandes linhas do pensamento político basearam-se nos pressupostos normativos. Escreve:

“A primeira e mais antiga tradição do pensamento devotado ao estudo dos fenómenos po- líticos é do tipo normativo. Platão dedicou o melhor do seu esforço a doutrinar o que deveria ser a república excelente e deixou vincado o pressuposto do rei filósofo, cuja sabedoria seria garantia de uma justa e apropriada governação. Esta atitude filosófica encontra-se na generalidade dos

70 Id., Ibid., p. 535. 71 Id., Ibid., loc. cit.

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clássicos, incluindo Aristóteles, Hobbes, Locke, Rousseau, os teólogos, os monarcómanos e todos os utopistas”.72

No pensamento político-filosófico de Adriano Moreira, a questão da valorização da pessoa humana é, desde muito cedo, um tema central. Trata-se, justamente, de valorizar o princípio inalienável da cidadania de que todos os seres humanos devem usufruir. Neste sentido, a liga- ção entre cidadania e pressupostos cristãos da existência humana coligam-se, o que torna o seu pensamento político indissociável da doutrina social da Igreja Católica. Adriano Moreira dá um especial valor à questão da cidadania, referindo mesmo que esta tem sido objecto de permanente pesquisa e discussão desde a Antiguidade. A cidadania implica o direito do Homem a usufruir dela e é condição obrigatória da realização da pessoa humana e imperativo de qualquer poder instituído. Disto mesmo ele nos dá conta no seguinte texto:

“A cidadania é um tema que ocupa o pensamento político desde as primeiras meditações dos politólogos gregos. Como se pode ver em Heródoto e Tucídides, os gregos orgulhavam-se da sua condição de cidadãos, que consideravam superior à condição dos súbditos do imperador da Pérsia e do faraó do Egipto. Mas Aristóteles tinha a noção de que essa cidadania era uma aquisição recente e repre- sentava um avanço em relação à ainda não esquecida submissão a chefes tribais despóticos. Esta cidadania, em relação ao Poder, significa que este está limitado na esfera da coacção que é da sua própria natureza; em relação ao homem, significa que lhe está reservada uma esfera de autonomia que inclui participar na definição do aparelho de coacção. Estes limites muito gerais do facto da cidadania servem de referência para a caracterização de uma pluralidade de situações que exprimem a variável relação entre o homem e o aparelho do Poder (…)”.73

Como se pode inferir do pensamento político de Adriano Moreira, a questão da cidadania prende-se, sempre, com a questão das liberdades individuais permitidas pelos regimes políti- cos, posto que elas são inerentes à dignidade da pessoa humana. Esta questão da cidadania irá influenciar substancialmente a posição de Adriano Moreira no respeitante às reformas do mundo ultramarino português, bem como à solução que se pretendia para esses territórios, no âmbito da evolução política mundial após 1945. Em todas as construções ideológicas, políticas ou outras, desde que versem a pessoa humana, existe uma dimensão ética. Ela prende-se não apenas com a Razão e a Coerência, mas, igualmente, com o equilíbrio dos tecidos sociais, que são a base de um progresso consis- tente e equitativo. Para pensadores como Adriano Moreira, assumidamente cristãos, a ética e a religião estão entrançadas de forma duradoura. Trata-se, assim, da aceitação das virtudes da doutrina cristã na construção do pensamento humanista. Valores como o trabalho, a digni-

72 MOREIRA, Adriano - Ciência Política, Almedina, Coimbra, 2009, p. 75. 73 Id., Ibid., pp. 35 e 36.

35 José Maria S. Coelho dade, a cidadania, o respeito pela pessoa humana, entre outros, são pilares deste pensamento político-cristão. Encontramos, neste contexto, a legitimação para os poderes públicos na cir- cunstância de se imbuírem da ética e da moral. Com efeito, escreve o mesmo sobre a questão do relacionamento Igreja, Estado e Sociedade, remetendo às encíclicas do Papa Leão XIII e ao seu principal conteúdo político, ético e social:

“O Estado poderia acolher moderadamente o princípio democrático na sua constituição desde que respeitasse a doutrina católica sobre a origem e exercício do poder público. Em 1890, ao lançar a Sapientiae Christianae, nota que o progresso material tem sido acom- panhado do retrocesso da ética, que manda ao cristão amar e defender as suas «duas pátrias». Na Rerum Novarum, de 1891, aborda finalmente a questão social e repudia a luta de classes como princípio, para doutrinar a cooperação entre elas, utilizando preferentemente os sindicatos mis- tos. Isto porque, segundo afirma, a natureza não armou «os ricos e os pobres para se combaterem mutuamente em duelo obstinado»”.74

O advento da revolução soviética e as consequentes reformas marxista leninistas im- plementaram, segundo Adriano Moreira, um conjunto de medidas que colidiram e aniquilaram os princípios a que temos vindo a fazer referência e que estavam, marcadamente, na base do mundo chamado de Ocidental. O poder soviético e a respectiva mutação de valores onde o ma- terialismo ganhou preponderância e passou a constituir-se como o novo deus. Os princípios defendidos por Karl Marx relativos à colectivização dos meios de produção e à ditadura do proletariado acabavam, a partir de Outubro de 1917, com a revolução bolche- vique, de colidir com uma sociedade assente na ética e nos valores ancestrais herdados da antiguidade clássica e do mundo cristão. Na verdade, este mundo repudiava muitos dos princí- pios agora dogmatizados pela revolução soviética. Derivando do conteúdo da Rerum Novarum, afirma Adriano Moreira que na Graves de Communi Re se faz, de certa forma, uma clarificação importante:

“O Estado deve funcionar no sentido de remediar os abusos, fazendo convergir os interesses no conceito global de bem comum. Como que fazendo a síntese do seu pensamento, na Graves de Communi Re, de 1901, repudia expressões como socialismo cristão, cristianismo social e acção popular cristã, para se fixar na defesa da democracia cristã: esta compreende a defesa da proprie- dade legítima, conciliação das classes, obediência à autoridade justa que se conforme com a Lei de Deus. Traduzir na prática esta orientação era um problema de sociedade civil, na qual os cristãos deveriam intervir activamente. (…) Tudo isto se passa num mundo totalmente dominado pela estrutura política ocidental. (…) Mas tudo isto se afundou a partir de 1918, e muito particularmente depois da guerra de 1939- 1945. O sovietismo assumiu o Poder em países que foram exemplo de fidelidade ao catolicismo, como aconteceu na Polónia, e nas várias nacionalidades que em tempo constituíram o império da

74 Ib., Ibid., p. 304.

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catolicíssima Áustria. Nestes lugares, não só o Estado deixou de incluir a ética na sua ordem públi- ca, como passou a considerar a Igreja como inimiga, de acordo com o princípio de que a religião é o ópio do povo”.75

As palavras de Adriano Moreira que acabamos de transcrever delimitam bem os paralelos do seu pensamento político-formal e as origens do mesmo. Aliás, interessa fazer sobressair o aspecto da negação da validade das propostas soviéticas, quer para a questão do poder, quer para a construção social. Esta matriz conceptual de Moreira vai refletir-se ao longo de todo o seu percurso político e, em particular, em relação às opções políticas que terá de tomar mais tarde, face a um Ultramar descontextualizado num mundo como o dos anos de 1960. Isto mes- mo teremos oportunidade de observar à medida que formos analisando a acção do Professor. Como já afirmámos, o século XIX é, certamente, o século que produz as grandes linhas do pensamento político que irão vingar no século seguinte – o século XX. Há duas escolas de enor- me peso neste campo: a escola alemã, de onde se destacam Karl Marx, Engels, entre outros, e, por outro lado, a escola francesa, com destaque para Proudhon e Saint Simon. Visões diferen- ciadas das realidades políticas de futuro ou, pelo menos, dos meios de as atingir. Os primeiros mais revolucionários e extremistas, os segundos eminentemente reformistas e gradualistas, na medida em defendem um processo lento de reformas que não cause turbulências desnecessá- rias. O Socialismo e o Sindicalismo formam-se neste contexto, e à revelia, muitas vezes, dos princípios do pensamento social cristão de teor neotomista. Conhecedor profundo de todas estas correntes, Adriano Moreira molda-se num contexto de grandes mudanças: as provocadas pela Grande Guerra (1914-1918), as que resultaram da revolução russa de 1917 e, em grande medida, as resultantes da Segunda Guerra Mundial (1939-1945). A emergência de regimes fascistas e outras ditaduras conservadoras, nos anos 20 e 30 do século XX, terá provocado em muitos dos pensadores contemporâneos fortes interrogações acerca da evolução política e ideológica das sociedades europeias em particular e das mundiais em geral. De igual modo, os finais do século XIX e os inícios do século XX ficaram fortemente marcados por dois movimentos muito importantes quanto às concepções sobre o trabalho. Por um lado, a construção da consciência de classe por parte do operariado e o consequente forta- lecimento dos movimentos operários reivindicativos; por outro, a luta sufragista encetada pelo mundo feminino na maioria dos países ocidentais, que explicitam a vontade da mulher de ace- der ao mundo laboral. Estas movimentações, mais que reivindicativas, resultam de alterações de mentalidade. O mundo mudara radicalmente ao longo de todo o século XIX e permitira o aparecimento de movimentos de procura e de reivindicação. A arte rapidamente mostrou esta realidade, ao tornar-se numa experimentação constante de conquista de formas desafiadoras do velho mundo romântico. Do Fauvismo de Henri Matisse ao Cubismo de Pablo Picasso, a procu- ra de novos equilíbrios na relação do Homem com o Universo tornou-se numa luta de dia-a-dia. Sigmund Freud descobre a razão da psicanálise e reabre o debate contra o positivismo. É este o mundo ideológico em que Adriano Moreira se forma como pessoa e como intelectual. É daqui

75 Id., Ibid., pp. 304 e 305.

37 José Maria S. Coelho que parte a realidade da acção do Professor, do africanista e do homem do Estado Novo. Quando nos debruçamos sobre o pensamento político do Professor, e ao lermos muitos dos seus escritos, damos conta de que Karl Popper aparece frequentemente como uma forte re- ferência.76 Popper atravessou praticamente todo o século XX (1902-1994) e as suas ideias foram e continuam a ser marcantes no pensamento político-filosófico contemporâneo. Muito daquilo que Adriano Moreira tenta concretizar na sua trajectória social, e também na política prende-se, indubitavelmente, com princípios que Karl Popper assume como essen- ciais na procura da verdade, já o afirmámos anteriormente. Destaca-se, sobretudo, o princípio da relatividade do conhecimento que sempre é efémero. Popper recusa liminarmente o positi- vismo, defendendo que “a teoria científica será sempre conjectural e provisória”.77 Sobre Karl Popper, a quem chama mestre, Adriano Moreira escreve: “Karl Popper diz que “nunca no passado aconteceu tudo”, e que o futuro é para ser construído de acordo com a ma- neira como vamos respondendo aos desafios”.78 Na verdade, Popper era judeu e, vivendo na Alemanha, foi vítima dos métodos nazis. Foi neste contexto que o filósofo reflectiu e procurou a origem e fundamentação ideológica dos regimes totalitários. Popper considerava Platão, Hegel e Marx como os principais teóricos deste tipo de regimes.79 O pensamento político-filosófico de Popper acabaria por se sintetizar nos seguintes pressupostos segundo o próprio:

“A história da humanidade não tem um sentido concreto que antecipadamente possa ser conhecido, o único sentido que possui é aquele que os homens lhe dão. O progresso da humanidade é possível, e não carece de um critério último de verdade. A razão humana é essencialmente falível, o dogmatismo não tem pois qualquer fundamento. A única atitude justificável para atingir a verdade é através do diálogo, o confronto de ideias por meios não violentos. Na ciência significa aceitar o risco de formular hipóteses que venham depois a ser refutadas pela experiência. Na política, significa que cada um deve aceitar o risco de ver as suas propostas serem recusadas por outros no confronto de ideias ou projectos”.80

O pensamento dos “Doutores da Igreja” está frequentemente presente na formação e,

76 Karl Popper intelectual que marcou profundamente o século XX. De formação eclética foi no campo da filosofia que mais se destacou. Nasceu em Viena em 1902 e morreu em Londres em 1994. Perseguido pelos nazis devido às suas origens judaicas, o pensamento político toma-lhe algum do seu estudo, tendo produzido neste campo uma obra essencial: A Sociedade Aberta e os seus Inimigos. Informação recolhi- da de Fontes, Carlos - Referências Históricas, Navegando na Filosofia. Disponível em http://afilosofia. no.sapo.pt/10popper.html. Consultado em 18 de Maio de 2015. 77 SILVEIRA, Fernando Lang da, A Filosofia da Ciência de Karl Popper: O Racionalismo Crítico, Insti- tuto de Física - UFRGS Porto Alegre, RS, [em linha], disponível em moodle.unipampa.edu.br/pluginfile. php/154948/mod_resource/content/1/popper_racionalismo%20crítico_7046-21213-1-PB.pdf, consultado em 17 de Maio de 2015. 78 Entrevista ao Prof. Adriano Moreira sobre Salazar, O Estado-Novo, a oposição (interna) ao regime e o pós-Salazar [em linha]. Disponível em http://mitouverdade.blogs.sapo.pt/5738.html. Consultado em 22 de Janeiro de 2014. 79 POPPER, Karl (1902-1994) Navegando na Filosofia, [em linha], in http://afilosofia.no.sapo.pt/10popper. htm. Consultado a 18 de maio de 2015. 80 POPPER, Karl, [em linha], in http://afilosofia.no.sapo.pt/10popper.htm. Consultado a 18 de Maio de 2015.

38 Adriano Moreira e o Império Português por consequência, no modo de pensar de Adriano Moreira. São Thomás de Aquino e mesmo São Paulo são frequentemente referidos pelo Professor. Apoia-se, sem hesitações, nestes autores para expressar a formulação das suas teorias face às relações inter-raciais e coloniais. Foram tantos e tão variados os autores que influenciaram o pensamento de Adriano Mo- reira que seria fastidioso enumerá-los a todos. Todavia, sempre que o ouvimos ou lemos, des- cobrimos mais umas referências, mais umas transcrições, mais uns princípios. Trata-se de um nunca acabar de gente e de propostas ideológicas. Amiúde, Adriano Moreira revela os nomes daqueles que mais admira justamente em termos de pensamento crítico. Fá-lo de modo claro, o que nos permite identificar esses mesmos autores e respectivas teses. Abordámos, sumariamente, algumas das bases do pensamento político de Adriano Mo- reira. Interessam-nos, neste pensamento político do Professor, não apenas as grandes linhas conceptuais genéricas, mas, em especial, aquelas que se prendem com a questão do Império Colonial Português. Desde cedo, a África tornou-se um dos motivos de preocupação de Adriano Moreira, sendo a partir dos seus estudos mais aprofundados que irá construir o modelo que gostaria de aplicar à África portuguesa.

3. Alguns contemporâneos de Adriano Moreira.

Considerar critérios para a construção desta prosopografia não foi fácil e será sempre objecto de análise crítica. Porquê estes e não outros contemporâneos de Adriano Moreira? O principal critério usado nesta escolha foi o de seleccionar figuras também elas ligadas à polí- tica ultramarina. Pretendemos, desta forma, apontar caminhos diferentes num tempo comum a vários vultos intelectuais e políticos. Por outro lado, entendemos que a confrontação entre ideias diferentes para a mesma realidade, a da manutenção das Províncias Ultramarinas, seria clarificadora das opções de Adriano Moreira no campo político e, com especial enfoque, no que respeita à política Ultramarina. À geração de Adriano Alves Moreira, nascido na década de 1920 (1922), pertence um leque de intelectuais e políticos de renome e de consagração maior. Trata-se de um grupo de individualidades que, nos diferentes planos do saber e da acção, marcaram o seu tempo, dei- xando para a posteridade traços indeléveis. Tal é a vastidão destas personalidades que se torna difícil selecionar algumas delas. Não queremos ser injustos, mas temos plena consciência da incapacidade de elaborar uma selecção abrangente e elucidativa do tempo de Adriano Moreira. Optamos, aceitando desde já as críticas, por apresentar o percurso de algumas dessas indivi- dualidades. Trata-se, justamente, de um vasto grupo de individualidades que, de uma ou outra forma, nas mais variadas vertentes da acção humana, influenciam o seu tempo, alguns na justa medida em que intervieram no decurso das coisas e das questões acerca delas. Adriano Moreira refere isto mesmo quando afirma o seguinte: “A nossa geração do Liceu teve o primeiro desafio para se preocupar com o mundo, com a Guerra Civil Espanhola (…)”.81

81 Adriano Moreira na Academia das Ciências de Lisboa, por ocasião do lançamento do livro Nove ensaios na Tradição de Jorge Borges de Macedo [em linha], 18 de Março de 2009. Disponível em http://www2.

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Adriano Moreira sobressai tanto no campo ideológico e de defesa de valores humanistas, como no campo político, nomeadamente naquele que, de perto, se entrelaçou com as questões coloniais. Foi justamente neste campo que a sua acção deixou as maiores marcas. Interveio enquanto intelectual e político. Nesta última vertente, em particular, na qualidade de Minis- tro do Ultramar. As reformas administrativas, educacionais e mesmo orgânicas dos territórios ultramarinos expuseram-no ao universo da crítica interna e externa. Neste campo, a nossa pre- ocupação é encontrar alguns pontos de contacto ou de afastamento com personalidades suas contemporâneas que apresentem percursos diferenciados. Passamos, agora, à análise que nos propomos realizar. Iniciemos esta reflexão, come- çando com um dos grandes vultos intelectuais do século XX em Portugal, António José Saraiva. Nasceu em Leiria, a 31 de Dezembro de 1917, tendo falecido em Lisboa, em 199382. Marcou o seu tempo em particular na esfera intelectual, sendo, ainda hoje, um importante ponto de referência no campo da História da Cultura Portuguesa, em particular da esfera literária. Para além das muitas publicações, aquela que mais terá marcado as gerações que ensinou na Univer- sidade foi História da Literatura Portuguesa, que elaborou em conjunto com Óscar Lopes. Em 1942, era já Doutor em Filologia Românica. António Saraiva optou, desde cedo, por ter, a par com a vida académica e intelectual, uma atitude cívica e política activa. De facto, as duas vertentes da vida interligam-se quando se trata de indivíduos conscientes da plenitude das potencialidades e das obrigações do ser humano. Como desde cedo se mostrou opositor ao pensamento e política de Salazar, tendo apoiado assumidamente a candidatura oposicionista de Norton de Matos para a Presidência da República em 1949, acabaria por sofrer represálias que o atingiram até no aspecto laboral. Acabou por ser impedido de ensinar no país. Ideologicamente, alinhou o seu pensamento pela via esquerdista, chegando mesmo a filiar-se no Partido Comunista Português, de onde haveria de sair algum tempo depois. O seu percurso de homem crítico haveria de conduzi-lo ao exílio em França, logo em 1960, e depois na Holanda. Neste último país, tornou-se professor univer- sitário. O seu regresso a Portugal só se dá após a revolução de 25 de Abril de 1974. A partir daí, ingressa na Universidade como Professor Catedrático. Trata-se, assim, de uma personalidade com um percurso diferenciado do de Adriano Moreira, já que assentava em bases ideológicas diametralmente opostas. Importa estabelecer algumas correlações com outros contemporâneos de António José Saraiva e comparar percursos. Desde logo nos vem à mente a figura de seu irmão, José Her- mano Saraiva, formado em Direito e em História e franco colaborador do regime ditatorial de Salazar. Foi mesmo titular de alguns cargos governativos: deputado, procurador à Câmara Corporativa e Ministro da Educação, entre 1968 e 1970. Neste aspecto, os destinos de José Hermano Saraiva distanciaram-se dos de seu irmão, mas aproximaram-se dos de Adriano Mo- reira, no ponto em que ambos foram homens do regime e ambos transitaram para a democra- iict.pt/archive/doc/adrianoMoreira-ACL-9Ensaios.pdf. Consultado em 15 de Março de 2014. 82 SARAIVA, António José, (Leiria, 1917 – Lisboa, 1993). In BARRETO, António Barreto e MÓNICA, Maria Filomena; DICIONÁRIO DE HISTÓRIA DE PORTUGAL, (coord.), suplemento 9, Edição de Livraria Figueirinhas, 1ª edição, Lisboa, 2000,pp. 402 e 403.

40 Adriano Moreira e o Império Português cia com alguma facilidade e aceitação. Tratando-se, pois, de dois homens ministros da ditadura, as animosidades foram uma constante. Isto mesmo refere José Hermano Saraiva, quando lhe é perguntado da seguinte forma:

“E assim chega a ministro da Educação. Mas antes de ser ministro fora reitor do Liceu D. João de Castro e antes ainda tinha estado no ICSPU, na Junqueira. Foi uma década muito marcada pelo ensino… Foi. Gostei muito de estar no ISCSPU. Mas arranjou um inimigo para a vida. Arranjei um inimigo, sem razão nenhuma. Nenhuma! O prof. Adriano Moreira, que era o director, sabia que eu era um dos predilectos do Dr. Salazar, porque o Dr. Salazar me deu muitas palavras de consideração. Por exemplo, na sessão comemorativa dos 40 anos do regime, como disse atrás, eu é que fiz o discurso na Câmara Corporativa. E ao sair com o Supico, o Salazar disse-lhe: “pode dizer ao Saraiva que eu na minha vida nunca tive inveja de ser um grande orador. Mas hoje tive”. Foi este discurso que eu depois tive de repetir de madrugada. (…). O prof. Adriano Moreira estava furioso e começou a fazer-me umas patifariazinhas. Daquelas escolares: “Olhe você não pode dar esta cadeira tem de dar aquela”. Eu preparava aquilo, levava lá o esquema e ele dizia; Mas esta cadeira não é sua”. Mas foi você que me disse… . “Eu não disse nada”. Fez-me isto quatro vezes”.83

Interessa-nos, pois, tecer alguns comentários ao relacionamento que estes dois homens do regime desenvolveram entre si e que, de forma clara, ilustra bem aquele que era o clima de concorrência entre os homens do poder e que rodeavam o ditador. Percebe-se, se levarmos em conta as palavras de José Hermano Saraiva, que a competição entre este e Adriano Moreira era grande. O desaguisado entre ambos era igual ou semelhante a outros que tentaremos trazer à luz neste trabalho. Percebe-se o quanto se manobrava em torno do velho ditador no sentido de disputar lugares e, certamente, tentando ser o delfim que lhe iria suceder. Deste epíteto gozou, nomeadamente, Adriano Moreira, o que ao tempo não agradaria a outros seus concorrentes. As manobras de bastidores na política são sempre mais importantes que aquelas que são públicas. Os jogos políticos fazem-se mais nos gabinetes do que nas plateias. O desentendimento entre os dois duraria para o resto da vida de ambos. Isto mesmo ficou decidido na conversa que ambos terão levado a cabo ainda no tempo do ISCSPU e que passamos a transcrever nas palavras de Hermano Saraiva:

“[…] Dei a cadeira mas fui ter com ele e disse-lhe: “O que vale mais, um amigo ou um em- prego?”. Ele não percebeu. Respondeu: “Depende do emprego e do amigo”. “O amigo é você, de tantos anos, o emprego é isto. Portanto, venho entregar-lhe o emprego para conservar o amigo”.

83 Entrevista de José Hermano Saraiva, (1ª parte) [em linha]. Sol. Lisboa, 20 de Julho de 2012. Disponível em http://sol.sapo.pt/inicio/Sociedade/Interior.aspx?content_id=54853. S/data de consulta.

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Estendi-lhe a mão e fui-me embora. Nunca mais nos falámos”.84

Na verdade, nem sempre as relações de poder são compatíveis com as amizades. Por ve- zes, as primeiras sobrepõem-se às segundas, o que, a avaliar pela entrevista de José Hermano Saraiva, a que recorremos, terá sido o caso. Por outro lado, embora ambos tenham sido minis- tros do Estado Novo, na verdade, os percursos foram visivelmente diferentes. José Hermano Saraiva sempre se assumiu como salazarista convicto e defensor dos princípios em que o Estado Novo assentava. Por seu turno, Adriano Moreira soube adaptar-se aos tempos, ainda que, indu- bitavelmente, se manifestasse conservador, mas pouco situacionista. Um outro intelectual contemporâneo de Adriano Moreira, justamente da mesma idade e, ao tempo em que escrevemos as presentes palavras, ainda vivo, é Eduardo Lourenço. Intelec- tual de renome, originário de uma aldeia pobre e isolada da Beira Alta, faz lembrar as origens de Adriano Moreira – ambos saíram do Portugal profundo. Há entre estes dois homens forte divergência ideológica que, parece-nos, sempre foi clara. Ainda na Universidade em Coimbra, Eduardo Lourenço mostrou algum desencanto com o rumo da política do Estado Novo. Quis o destino que, após um estágio na Universidade de Bordéus, em 1949, se lhe abrissem as portas em várias universidades, o que lhe permitiu radicar-se em França, de onde regressou, em 1988, como professor jubilado. Após uma breve procura acerca de algumas referências biográficas de Eduardo Lourenço, queremos, agora, identificar os principais traços politico-ideológicos deste intelectual. Homem de esquerda, nunca escondeu as suas mais incisivas críticas ao modelo governativo do Estado Novo português e também não poupou críticas à política colonial seguida pelo governo do seu país. Desde cedo comprometido com os ideais democráticos, Eduardo Lourenço apoiou, de forma assumida, a via do socialismo democrático. Esta ideia é veiculada por Miguel Real em Eduardo Lourenço e o conceito de “colonialismo orgânico”:

“Desde ‘Europa ou o Diálogo que nos falta’, de Heterodoxia I, publicado em 1949, que a opção política de Eduardo Lourenço é indubitavelmente pelo sistema democrático. Em 1958, no texto analítico referente às Forças Armadas portuguesas, de novo revigora a pulsão democrática de Eduardo Lourenço, repetida no texto ‘A nova República deve nascer adulta’ publicado em 1959 no jornal paulista Portugal Democrático, onde o autor apela para a construção de uma democracia europeia em Portugal”.85

De igual modo, conhecemos a posição do pensador relativamente às questões coloniais. Considera, assim, a necessidade de resolver a questão de forma negociada e em conformidade com a Carta das Nações. A este propósito, escreve Miguel Real:

84 Ib., Ibid. 85 REAL, Miguel - Eduardo Lourenço e o conceito de “colonialismo orgânico” [em linha]. , 2008. Disponível em http://www.eduardolourenco.com/6_oradores/oradores_PDF/Miguel_Real.pdf. Consultado em 08 de Setembro de 2014.

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“Em 1960, […] interpretando a viagem a Portugal do Presidente do Brasil, Juscelino Kubits- chek no artigo ‘Brasil – caução do colonialismo’, publicado no jornal oposicionista português de São Paulo, Portugal Livre, Eduardo Lourenço considera que, no interior do ‘irrealismo prodígios’ desenvolvido pela ‘mitologia’ heróica e patrioteira portuguesa do Estado Novo, Portugal ‘não é acidental mas essencialmente colonialista, único no mundo […] tragicamente conforme a essa vocação…’”.86

Pelo que se apresenta, apesar de contemporâneos, Adriano Moreira e Eduardo Lourenço terão percorrido caminhos ideológico-políticos bem diversos. Adriano Moreira sistematicamen- te colocado ao lado do regime, de acordo com ideais que defendia. Já Eduardo Lourenço, ape- sar de origens em tudo semelhantes a Adriano Moreira, envereda pela oposição democrática de esquerda a uma ditadura que perturbava os espíritos mais esclarecidos, em particular, após a Segunda Guerra Mundial. O anti-colonialismo torna-se cada vez mais evidente na obra de Eduardo Lourenço. Isto mesmo escreve Miguel Real em Democracia e Anti-colonialismo em Eduardo Lourenço: 1959- 1963:

“O texto ‘O Exército ou a Cortina da Ordem’, de 1958, constitui o primeiro ensaio escrito de Eduardo Lourenço da sua directa e frontal oposição ao regime político do Estado Novo. Porém, devido à sua tardia publicação, integrado no livro Os Militares e o Poder (1975), o empenhamento político de Eduardo Lourenço a favor de um futuro regime democrático em Portugal, na passagem entre as décadas de 50 e 60, como que teria ficado ocultado se não tivessem sido publicados, em 1959 e 1960, nos jornais Portugal Democrático e Portugal Livre, ambos de S. Paulo, no Brasil, dois artigos de carácter político, que a constituem, estes sim, como a mais directa intervenção pública de Eduardo Lourenço contra o regime de Oliveira Salazar na passagem entre as décadas de 50 e 60”.87

Eduardo Lourenço tinha plena consciência de que dificilmente o regime ditatorial portu- guês consentiria alterações no Império, mesmo sofrendo as crescentes pressões internacionais. Havia, pois, que lutar por um Portugal moderno, europeu e, nesta justa medida, democrático. Nestes propósitos, distinguiu-se Eduardo Lourenço do pensamento de Adriano Moreira, o que lhe valeu um percurso mais combativo ligado a uma mudança de paradigma governativo alterá- vel apenas com a revolução de Abril de 1974. Eduardo Lourenço manifestava, por diversas vezes, e através de distintos meios as suas convicções políticas anti-salazarismo. Fê-lo, com igual vigor, em relação à questão colonial, desmistificando a questão do “Modelo Brasileiro”. O pensador entende que, com grande fre- quência, o Estado Novo se serviu do mito do sucesso da miscigenação brasileira para explicar a

86 Ib., Ibid. 87 Miguel Real [em linha], disponível em www: http://recil.grupolusofona.pt/bitstram/handle/10437/2382/ Democracia.pdf?sequence=1. Consultado em 18 de Maio de 2015.

43 José Maria S. Coelho bondade das opções colonialistas em África, nomeadamente. Critica profundamente a visita do Presidente brasileiro kubitschek a Portugal em 1960, vendo nela uma promoção do colonialismo salazarista, sendo que a mesma coincide com as «Comemorações Henriquinas». Tratou-se, na opinião do autor, da promoção da missão histórica da colonização lusa, e, simultaneamente da apresentação do modelo brasileiro defendido pelo luso-tropicalismo. Numa carta dirigida aos amigos Miguel Urbano Rodrigues e Victor Cunha Rego, intitulada “Brasil – caução do colonialis- mo português”, o autor escreve:

“[…] Qual seja a figura que o Brasil do presidente Kubitschek assumiu vindo receber em Lisboa, em 1960, de mãos dadas com Salazar, os convidados às «Comemorações Henriquinas», é claro como água: é a de caução do Colonialismo. E isto é mil vezes mais grave e imperdoável do que a falta moral e política de injectar através da mesma presença mais um balão de oxigénio a uma hipócrita política totalitária. […] O Brasil era a última das Nações a poder participar sem se renegar na sua essência, no insultante e louco festival de colonialismo que são as «Comemorações Henriquinas». Mas por isso mesmo era a única que não podia faltar sem que as «Comemorações» perdessem todo o sentido para que foram orquestradas. Toda a vitória de Salazar é resumida pela ingénua confissão dos seus escribas religando a celebração à presença do presidente do Brasil”88.

A oposição de Eduardo Lourenço à justificação lusotropicalista que o Estado português assume e às manifestações imperialistas que o mesmo Estado leva a terreiro chocam de forma clara com a posição de Adriano Moreira em relação ao mesmo assunto. Este encontra-se colado à posição oficial do regime que aceita, divulga e até cauciona89.

Na obra já citada e na referida carta dirigida a Miguel Urbano Rodrigues e a Victor Cunha Rego, Eduardo Lourenço expressa ainda mais a sua repugnância pelo espírito colonialista do regime político português. Escreve:

“ Meus caros amigos, é isto que importa frisar e já nada tem com a visita de Kubitschek: a hipocrisia sem nome do nosso colonialismo na qual todos participamos, a tal ponto que uma gaffe como a de Kubitschek é por assim dizer sustentada, sem que isso o desculpe, pela generalidade dos portugueses. […] Quando se pensa que o Portugal Livre é um jornal confessadamente antico- lonialista, pode fazer-se ideia da alienação profunda da nossa consciência de portugueses, mesmo

88 LOURENÇO, Eduardo - Do Brasil Fascínio e Miragem, Organização e prefácio de Maria de Lourdes Soa- res. Gradiva, 1.ª edição, Lisboa, 2015, pp. 116 e 117. 89 O texto referenciado pode ser considerado a primeira publicação de Eduardo Lourenço assinada com o seu nome em que se posiciona frontalmente em oposição ao regime salazarista, uma vez que O Exército ou a cortina da ordem, escrito em 1958 ou 1959, só seria publicado em Os Militares e o Poder (1975) e A Nova República deve nascer adulta foi publicado sob pseudónimo no Portugal Democrático (1959). Id., Ibid., p. 109. KUBITSCHEK, de Oliveira (Jucelino) – Presidente da República do Brasil (n. Diamantina, Minas Gerais, 1902). Descendente de checos por via materna. Formou-se em Medicina, em Minas Gerais (1927) e estagiou em Paris, Viena e Berlim. […] Presidente da República do Brasil (1956-1961). […] Visitou oficialmente Portugal de 6 a 8.11.1960, tendo sido feito (8.8.1960) doutor honoris causa pela Universidade de Coimbra. Retirado de Enciclopédia Luso-Brasileira de Cultura, 11.º volume (Iroqueses-Libânio), Verbo, s/d., p.1214.

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os mais corajosos, lúcidos e democráticos. A maior miséria do colonialismo é que ele coloniza os colonizadores”90.

Torna-se efectiva a oposição ideológica e pragmática entre Eduardo Lourenço e Adriano Moreira. Igualmente contemporâneo de Adriano Moreira, se bem que mais velho, foi um dos maiores vultos da Igreja portuguesa do século XX: D. António Ferreira Gomes (1906-1989), bis- po do Porto. Trata-se de um homem cuja formação se encontra profundamente ancorada na doutrina social da Igreja e nos escritos de eminentes pensadores, como o Papa Leão XIII, autor da Encíclica Rerum Novarum91. Este homem da Igreja é, igualmente, um homem político, na medida em que procura alcançar a verdade e a justiça social através da ética e da moral. O pensamento dos filósofos Karl Marx, Nietzche e mesmo do psicanalista Freud foram objecto de estudo e debate nos trabalhos de D. António Ferreira Gomes. Em diálogo com as doutrinas sociais e políticas em voga no seu tempo, tentou organizar um pensamento coerente, de acordo com os ditames do Concílio Vaticano II. Tratou-se, justamente, de adaptar a praxis da Igreja Católica às realidades mais terrenas e sociais com que o mundo se ia debatendo, ao fim de duas guerras mundiais num só século. Certo de que o seu caminho era a defesa dos mais pobres, D. António Ferreira Gomes revela, desde muito cedo, a oposição ao regime de António de Oliveira Salazar. Ancorado em princípios filosóficos como os que se prendem com o direito natural dos povos à autodeterminação e, em simultâneo, na doutrina da Cúria Romana depois do Concílio Vaticano II, ainda que a base das suas ideias seja anterior à magna reunião da Igreja católica, o bispo do Porto mostra a sua indignação face ao poder vigente. Fá-lo de forma ve- emente, chegando mesmo a escrever a Salazar, criticando o acto eleitoral desencadeado em 1958 e a “derrota” de Humberto Delgado. A sua atitude viria a valer-lhe o exílio. Sem dúvida, foi um reformista face às questões ultramarinas, mas pouco alinhado com as soluções propostas pelos sucessivos ministros do Ultramar, incluindo as de Adriano Moreira. Quanto à têmpera da personalidade de D. António Ferreira Gomes, a mesma espelha-se nas seguintes frases por ele criadas: “De joelhos diante de Deus, de pé diante dos homens” e “Fostes resgatados por grande preço, não queirais tornar-vos servos dos homens”.92” A alternativa extremamente crítica assumida por Dom António Ferreira Gomes face a uma ditadura que perdurava para lá do razoável e do admissível influenciou decisivamente a posição de muitos católicos em Portugal. Quando um alto dignatário da Igreja rompe com a tra- dicional aliança entre Estado e Igreja, dá um sinal claro da obrigação que cada cristão tem na tomada de posições face ao poder e à sociedade. Foi isso que aconteceu. A opção do bispo do Porto acabaria por contagiar outros prelados em Portugal e nas Províncias Ultramarinas, como

90 LOURENÇO, Eduardo - Do Brasil Fascínio e Miragem, op. cit., p. 119. 91 LÉON XIII, ENCYCLIQUE DE, Rerum Novarum…, “sur la Condition des Ouvriers”, Nouvelle Édition, Pré- face du R. P. RUTTEN, O. P., Sénateur de Belgiques, Directeur du SecrétariatvGénéral des Oeuvres Sociales à Bruxelles, Librairie-Edition A. Giraudon, Paris, 1924. 92 Frase emblemática do Bispo Dom António Ferreira Gomes e que se encontra colocada nas paredes do Seminário de Vilar, segundo Dom Carlos A. Moreira Azevedo, Bispo auxiliar de Lisboa [em linha]. Disponível em http://dafgemrc.webnode.com.pt/products/d-antonio-ferreira-gomes/. Consultado em 22 de Agosto de 2014.

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é o caso do arcebispo da Beira, Dom André de Resende. A abertura do Vaticano aos movimentos independentistas, manifesta na audiência do Papa Paulo VI aos líderes da guerrilha africana, em conjunto com a rebeldia de uma boa parte das elites católicas portuguesas acabaria por tornar a relação de Portugal com o mundo católico numa relação complexa e de alguma tensão diplomática. Dom António Ferreira Gomes deixou alguns seguidores, nomeadamente Dom António Martins bispo emérito de Setúbal, que sempre se expressou em termos de liberdade de igual maneira. Curioso é que sendo Adriano Moreira um católico convicto e, de certa forma, amarrado à velha aliança da igreja com o regime, acabaria por se dar de perto com alguns destes prelados a que nos referimos, nomeadamente o arcebispo da Beira. Com D. António Ferreira Gomes não consta que tivesse qualquer aproximação.

José de Sousa Saramago foi outra personalidade marcante do século XX e contemporâneo de Adriano Moreira. Curioso é que, tratando-se de duas individualidades de peso no seu tempo, e mesmo depois dele, o cruzamento dos seus percursos não se deu e, porventura, nunca poderia ter-se dado, em face das ideologias que os caracterizavam e constituíam “tabuleiros de jogo” diferentes. Referimo-nos, justamente, às diferentes ideologias políticas e às diferentes visões face a uma sociedade que se pretendia reformar. Adriano Moreira, um cristão conservador, e Saramago, um comunista marxista-leninista. Curioso é que ambos tenham nascido no ambiente de aldeia e, ainda de tenra idade, te- nham vindo viver para Lisboa. Não se trata, evidentemente, de qualquer tipo de determinismo, mas de uma simples coincidência. Poderíamos pensar em percursos académicos semelhantes, mas não. Adriano Moreira cursou o Ensino Superior; José Saramago, cujos pais tinham recursos económicos limitados, apenas pôde formar-se numa escola técnica. Especializado em serralha- ria mecânica, não era plausível que enveredasse pela produção cultural e, em especial, pela literatura. O mundo político em que se movimentava abriu-lhe as portas à autoformação. O mesmo foi proporcionado pela vida em comum com a escritora Isabel da Nóbrega. O tempo ha- veria de fazer dele um funcionário público e o gosto por Hegel, Tolstói, entre outros, trouxe-lhe conhecimentos acrescidos. Foi mesmo tradutor de algumas obras destes autores. Adriano e Saramago terão iniciado a produção cultural sensivelmente ao mesmo tempo: entre os meados da década de 1940 e os inícios da seguinte. Ambos filhos de polícias na capital tendo vindo da província. Em 1947, José Saramago inicia as publicações com o título A Terra do Pecado. Para lá das publicações de cariz mais literário Saramago, escreveu crónicas em várias publicações. Na verdade, ainda que sabendo um do outro, Adriano Moreira e José Saramago seguiram percursos bem diferentes, quer nas letras, quer na política, o que os distanciou de qualquer hipotética colaboração. Torna-se claro que tendo Adriano Moreira nascido numa geração que produziria grandes vultos intelectuais e políticos, muitos deles seguiram distanciados do regime, ao contrário de si próprio. É, neste particular, importante perceber que, mesmo distante ideologicamente, Adriano Moreira sabia do pensamento dos seus contemporâneos mais eminentes. Vejamos um

46 Adriano Moreira e o Império Português de quem foi próximo e em simultâneo distante, ainda que de forma sucinta, Marcello Caetano, anunciando todavia retoma da matéria mais adiante. Marcello José das Neves Alves Caetano é, antes de tudo o mais, um homem muito presen- te no percurso de Adriano Moreira. No seu curso de Direito, Adriano Moreira foi aluno de Mar- cello Caetano. Este tê-lo-á marcado indelevelmente. Ao início, a visão política de ambos para o país e, em particular, para o Ultramar, eram coincidentes. Com o passar do tempo, as relações vão-se esfriando e chegam mesmo a ser cortadas, como escreve Adriano Moreira a propósito de um derradeiro encontro com Salazar: “Ainda voltaria a falar-lhe a propósito de um lastimoso incidente com o Doutor Marcello Caetano, pouco antes da sucessão […]”93. Este afastamento resulta, em parte, das diferentes visões sobre o futuro do Ultramar. Estamos certos de que este processo de rompimento das relações se prendeu, igualmente, com a competição gerada entre ambos quanto às preferências de Salazar para a sua sucessão. Ao mesmo tempo, o peso político de Marcello Caetano no aparelho ideológico do Estado Novo era bem maior do que o de Adriano Moreira. Este não garantiria de forma inequívoca a continuidade das políticas de Salazar. O Pro- fessor Adriano Moreira havia manifestado, enquanto Ministro e mesmo antes disso, a vontade de reformar e de alterar a visão de Portugal sobre o Ultramar, coisa que não agradava aos mais conservadores do regime, incluindo o Presidente do Conselho. As intrigas e a competição pela sucessão na chefia do governo eram cada vez maiores. O Professor Marcello Caetano, Ministro da Presidência desde 1955, acabaria por ser afas- tado do cargo em 1958, em virtude de uma crise interna do regime que não cabe aqui e agora explanar. Interessa-nos, sobretudo, marcar a data como o início do afastamento que Caetano fará da política activa. As discordâncias com as posições de Moreira face aos territórios ultra- marinos aumentam.

4. A aproximação de Adriano Moreira ao Estado Novo.

Adriano Moreira começou por se posicionar, em termos políticos, com algum distancia- mento, face a uma ditadura profundamente conservadora como era a portuguesa, mas rapida- mente se interlaçou com o regime. O mundo do Pós-Segunda Guerra Mundial exigia plataformas de negociação com as instituições supranacionais, como a ONU, mas também com os repre- sentantes dos povos colonizados. Tratava-se de responder a novas exigências de uma realidade mundial bipolar. Se é verdade que o consenso nas Nações Unidas apelava para uma descoloni- zação negociada, é igualmente seguro que tanto os EUA como a URSS ambicionavam aumentar as respectivas zonas de influência. Neste contexto, ambas as superpotências pressionavam no sentido de uma descolonização rápida e sem quaisquer condições prévias. Ao mesmo tempo, as novas ideias de liberdade e de direito à autodeterminação dos povos colonizados, inscrita na Carta das Nações, tornava ilegítimos os Impérios Coloniais. Estes haviam, portanto, perdido o direito de existirem pelo que o seu fim era imperativo do novo direito internacional. No caso de Portugal, a complexidade da situação colonial em África e no Oriente residia,

93 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas. op. cit., p. 334.

47 José Maria S. Coelho essencialmente, no facto da vigência de uma ditadura que fazia recrudescer a vontade de man- ter um império extemporâneo na forma e no conceito jurídico. Na forma, através da designação oficial de um “Portugal Pluricontinental e Multirracial”; no conceito jurídico, um “Portugal Uno e Indivisível construído na base da missão civilizacional e na missionação cristã”. Adriano Moreira, ainda aluno, e mesmo nos primeiros anos como advogado, revelou-se opositor ao regime salazarista, sendo simpatizante da oposição democrática. Em 1945, terá mesmo assinado uma lista do MUD. Em 1948, na condição de advogado, representa a família do general José Marques Godinho, falecido na prisão, numa acção contra o Ministro da Guerra Fernando Santos Costa. A situação complicou-se, visto este processo afrontar directamente o poder instituído, tendo o advogado Adriano Moreira sofrido fortes represálias pela ousadia de defender a família do citado general94. A partir daqui, a aproximação de Adriano Moreira ao regime é rápida e definitiva. Na década de 1950, Salazar descobre em Moreira um homem competente, não apenas para teorizar futuras reformas para o Ultramar, mas, de igual modo, um forte carácter para intervir nas Nações Unidas, a par com o Ministro dos Negócios Es- trangeiros, Franco Nogueira. As incumbências acometidas a Adriano Moreira, relativamente à apresentação de estudos especializados referentes ao Ultramar, deram ao Professor um lastro de conhecimentos que o irão valorizar dentro do próprio regime. Na verdade, as viagens que Adriano Moreira realiza a Angola e a Moçambique, em 1953, no âmbito da reforma dos Serviços Prisionais naquelas paragens, marcam, justamente, o grande momento de cooperação com o Estado Novo. Esta colaboração estende-se a vários campos da governação, sendo que ela será, eminentemente, relacionada com a questão ultramarina. A aproximação de Adriano Moreira à esfera governativa do Estado Novo pô-lo em contacto com individualidades verdadeiramente marcantes da vida política e cultural portuguesa da épo- ca, personalidades das mais diversificadas áreas da cultura e, igualmente, homens da política:

“Sociólogos, etnólogos e geógrafos como Gilberto Freyre, Jorge Dias e Orlando Ribeiro; eco- nomistas como José da Silva Lopes, João Dias Rosas, Mário Murteira e Alfredo de Sousa; estudiosos de questões diplomáticas e de relações internacionais como Alberto Franco Nogueira, Henrique Martins de Carvalho e Hall Themido (…)”.95

Verdadeiramente integrado no seio do Estado Novo, e pesem embora todas as diligên- cias feitas fora de Portugal no sentido da defesa das posições oficiais do regime, nem sempre Adriano Moreira mostrou comungar dessas mesmas posições. Grande conhecedor dos meandros da política e da diplomacia mundiais, Adriano Moreira tentou conduzir o processo de relaciona- mento de Portugal com as Províncias Ultramarinas num sentido muito próprio – talvez aquele que se ia formalizando a partir dos países emancipados da Grã-Bretanha e que mantinham a língua inglesa. Este assunto será tratado mais adiante, em capítulo autónomo. Gostaríamos,

94 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas, op. cit., pp. 113 e 114. 95 BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, p. 535.

48 Adriano Moreira e o Império Português para já, de referir apenas que Moreira esboçava uma perspectiva de mais uma unidade cultural e linguística do que propriamente uma unidade político-territorial. Isto mesmo se depreende quando lemos as suas memórias: “A Espuma do Tempo, Memórias do Tempo de Vésperas”96. Quando, em 1956, Adriano Moreira cria o Centro de Estudos Políticos e Sociais da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, ligado ao Instituto Superior de Ciências e Políticas do Ultramar, o professor institui a “sua escola”. Será a partir desta base que o seu pensamento mais fortemente se fixará nas questões coloniais e luso-tropicais. A admiração pela administra- ção colonial inglesa foi, naquele tempo, evidente. Neste sentido, Adriano Moreira criava a “sua Escola” depois de ter visitado e conhecido a fundo o Instituto Internacional Colonial de Londres. As influências tornam-se evidentes e a admiração pelo sistema de relacionamento britânico com as colónias e as antigas colónias fica clara. Com o Centro de Estudos, pretendia-se conhe- cer melhor as realidades sociais e culturais das Províncias Ultramarinas. Na verdade, até então, as características das terras ultramarinas, diversas e complexas na sua génese e no respectivo processo de desenvolvimento, eram vagamente conhecidas. O parco conhecimento que existia foi até então muito baseado nos aspectos negativos, entre eles o facto de aqueles territórios servirem tradicionalmente como locais de degredo para os portugueses condenados. A comunhão do pensamento de Gilberto Freyre relativamente às questões do luso-tro- picalismo levou Adriano Moreira a veicular a ideia de originalidade em relação à colonização portuguesa no mundo. Referimo-nos, evidentemente, à colonização portuguesa nos trópicos. Esta teria mais a ver com a cultura e a missionação do que com as práticas de subjugação dos autóctones, levadas a cabo por outras potências coloniais. Tratava-se, então, de propor ao go- verno português a adopção de uma visão muito própria de ocupar territórios, cujas populações deixariam de se sentir tuteladas por se ter processado a assimilação a que sabiamente o soció- logo Gilberto Freyre deu o nome de Luso-tropicalismo. Contra esta visão de uma realidade de quimeras, levantou-se, entre outros, Eduardo Lourenço quando escreve:

“Sob o título desenfadado, assaz grosseiro e vago, de a Propósito de Frades (RODAPÉ: Pu- blicação da Universidade da Bahia, Brasil [1959]), o conhecido sociólogo brasileiro Gilberto Freyre tece um certo número de considerações avulsas acerca do papel cultural dos «frades» em terras brasileiras, que nada acrescentam ao seu renome de sociólogo. Diríamos mesmo que tais páginas, assim como quanto ultimamente vem publicando, convidam a uma revisão total, senão desse re- nome, ao menos da espécie de sociologia em que ele assenta. Tal encargo é melhor deixá-lo às jovens gerações de sociólogos brasileiros em vias de descobrir o caos interno da metodologia de Gilberto Freyre, a sua pouca ou nenhuma seriedade objectiva e o falso brilho de fórmulas feitas, remastigadas de livro em livro com fatigante ênfase97.”

96 Op. cit. 97 LOURENÇO, Eduardo - DO BRASIL FASCÍNIO E MIRAGEM, A propósito de Freyre (Gilberto), (1961), Gradiva Publicações S. A., 1ª edição, Lisboa, 2015, p.125.

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Contudo, e apesar de inúmeros críticos do luso-tropicalismo, Adriano Moreira irá assumi- lo e fazer dele a base de sustentação do Império Ultramarino. Segundo esta teoria, o que se passou foi que, na base da cultura e da língua, Portugal ficara mais lato em território e mais di- versificado em gentes. Este pensamento político-cultural foi habilmente explorado pelo Estado Novo. O regime aproveitou-se da ideologia e esta expandiu-se graças a ele. Há, portanto, um apoio mútuo que radica, essencialmente, nas marcas culturais e religiosas deixadas pelos lusos. Gilberto Freyre acabaria por se aproximar também do regime salazarista, ao ponto deste o ter encarregado de visitar o mundo ultramarino português, conhecendo-o, apontando caminhos a seguir na unificação do mundo lusófono, baseado num sentimento de pertença entre todos. O poder político português trata de organizar eventos propiciadores do encontro dos portugueses com a teoria de Gilberto Freyre. Destacamos, entre outros, a realização do Congresso Inter- nacional de História dos Descobrimentos em Lisboa, no ano de 196098. Cláudia Castelo remete para os objectivos de José Caeiro da Matta, Presidente da Comissão Organizadora do Congresso, quando o mesmo se referiu na abertura do dito Congresso à necessidade de estudar as questões do Ultramar, proferindo as seguintes palavras:

«Desejou a Comissão que esse tema fosse tratado por um estrangeiro de nome universal- mente consagrado, possuidor de conhecimentos especiais para dele se ocupar com a maior com- petência, com a maior liberdade e também com a maior fidelidade histórica. Um nome se impôs desde logo ao espírito da Comissão: o do eminente sociólogo e historiógrafo brasileiro, Dr. Gilberto Freyre»99.

Vindas de fora as teorias sociológicas de Freyre baseadas nos princípios do Luso-tropi- calismo garantiam o sucesso das justificações científicas para a manutenção de territórios não autónomos – as Províncias Ultramarinas. A identificação de pontos de vista entre Adriano Morei- ra e o regime em relação ao assunto aumentava. A valoração dos princípios de Gilberto Freyre era crescente em Portugal e tornava-se uma questão de grande interesse para muitos sectores políticos e sociais. A própria massa crítica académica portuguesa, em boa parte, atribuía algum valor às teorias de Freyre. O poder político português antevia naqueles fundamentos luso- tropicalistas a âncora para a sua política. Desta estratégia dá conta Adriano Moreira:

“Do alargamento da perspectiva à totalidade geográfica e humana do passado interventor dos portugueses, deu conta o ensaio teorizador de O mundo que o português criou, ainda afastado de uma experiência directa do autor com as realidades da época que viviam as várias colónias por- tuguesas subsistentes, e as restantes comunidades que deixei referidas. Da sua aproximação a essa realidade, mundo da teorização que já chamara a atenção crí- tica das escolas fora do Brasil, deve salientar-se a viagem pelas terras, e gentes, e almas da

98 Castelo, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo, op. cit., p. 98. 99 MATTA, José Caeiro da, in Cláudia Castelo - O Modo Português de estar no Mundo, op. cit., p. 98.

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África de meados do século, para a qual foi desafiado pelo Almirante Sarmento Rodrigues, e que viria a ficar documentada com o seu Aventura e Rotina, que desencadeou a crítica resistente e conservadora”.100

Adriano Moreira torna-se, em particular desde o fim da Segunda Guerra Mundial, um arauto do luso-tropicalismo como realidade em que acredita e que faz valer, quer interna, quer externamente. O plano de Adriano Moreira para a futura relação jurídico-administrativa entre Portugal e o Ultramar assentou sempre na premissa de que a realidade colonial portuguesa era diferente de todas as outras verificadas nos diferentes continentes. Diferente porque se baseara na miscigenação e na missionação. A visão de Moreira para o futuro do Portugal “uno e indivisível” defendido por Salazar passava, antes de mais, pela aplicação de reformas que garantissem uma autonomia crescente capaz de, paulatinamente, conduzir a uma autonomia alargada, ainda que o Professor nunca assuma claramente a sua solução para o Ultramar, não explicando, portanto, em que se traduziria na prática essa sua proposta. Há, contudo, que refe- rir a ausência sistemática da palavra «independência» nos discursos dos protagonistas políticos portugueses. Referimo-nos, especialmente, a Adriano Moreira e Marcello Caetano. Em relação à posição deste último, ainda que primeiramente defendesse a posição federalista, escreve Cláudia Castelo: “No seio do regime, as posições dividem-se. Caetano vê-se, então, obrigado a procurar uma «via intermédia», capaz de conciliar «integracionistas» e «partidários da autono- mia». Só a independência continua afastada dos seus planos”101. Ultrapassado que foi o período em que se aboliu o Acto Colonial e se procedeu à redefi- nição da nomenclatura atribuída aos territórios ex-coloniais, se Moreira não encarna o espírito salazarista, dava-lhe alguma importância e sentido. Este radicava, para além de outros, no con- ceito que defendia a existência de um desígnio nacional inalienável. Defende a missão para que Portugal era impelido e encarregado de desempenhar e que se tratava de manter e defender a integridade territorial de um Portugal multisecular, pluricontinental e multirracial. Após o fim da Segunda Guerra Mundial, colocou-se ao nosso país a questão da adesão ou não às grandes Organizações Internacionais. Em 1949, Portugal adere formalmente, e como membro fundador, à NATO. Começava o processo de internacionalização da vida portuguesa e, através dela, o regime talvez procurasse intervir nas grandes decisões que o mundo tinha de tomar face à realidade bipolar. Já em relação à adesão do país à ONU, embora tentada ante- riormente e vetada pela URSS acabaria por se formalizar em 1955. Foi neste palco, o das Nações Unidas, que o papel de Adriano Moreira se jogou. Interveio ao lado do Ministro dos Negócios Es- trangeiros, Franco Nogueira. Trabalharam no sentido de fazer valer a argumentação portuguesa face às pressões da ONU no sentido da descolonização102. Adriano Moreira escreve mesmo:

100 MOREIRA, Adriano; VENÂNCIO, José Carlos (org.) - Luso-Tropicalismo, Uma Teoria Social em Questão. Veja Editora, Alpiarça, 2000, p. 19. 101 Castelo, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo, op. cit., p. 66. 102 O Regime leva a cabo reforma e acções que tentam uma operação de cosmética em relação às críticas internas e externas. A revogação do Acto Colonial e as várias idas às Nações Unidas são disso exemplo. A pressão internacional sobre Portugal no sentido da concessão da independência às Províncias Ultramari- nas aumentava e, na mesma medida, crescia a tentativa do regime de lavar a face no exterior. Pretendia

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“A minha principal responsabilidade foi a de elaborar a resposta jurídica à exigência da ONU no sentido de Portugal se submeter ao processo de descolonização dos ‘non-self governing territo- ries’, com os resultados que tornei públicos em Portugal e o artigo 73 da Carta das Nações Unidas, de 1957, relatório de serviço para o Ministro do Ultramar, que completaria com novo relatório intitulado A jurisdição interna e o problema do voto na ONU (Documentos), de 1958. O Prof. Paulo Cunha perfilhou a doutrina, mas sobre ela o Doutor Salazar escreveu um despacho simples dizendo que nos apoiávamos no artigo 2 (7) da Carta, e mais não seria necessário”.103

Como se pode inferir do excerto transcrito, a colaboração de Adriano Moreira com o Re- gime salazarista era, na década de 1950, intensa e de responsabilidade, assumida tanto pelo Professor como pelo Regime. Este havia identificado na posição ideológica e nos conhecimentos adquiridos por Adriano Moreira um bom trunfo na batalha da diplomacia. O Centro de Estudos Ultramarinos continuava a aprofundar os conhecimentos e a delinear as possíveis soluções que mais conviriam a Portugal, nos diferentes aspectos que ao Ultramar diziam respeito: as ques- tões da mão-de-obra, a demografia colonial, a economia e a sua relação com a metrópole e todos os restantes assuntos que urgia resolver. O Professor Adriano Moreira era, na década de 1950, uma voz a ter em conta e de crucial relevância para o país, não apenas por parte do go- verno, mas, igualmente, por parte dos intelectuais que pretendiam aproximar-se das questões de além-mar. O próprio Adriano Moreira escreve a este respeito:

“Gosto de recordar que Jorge Dias no Prefácio do volume do Colóquio sobre Metodologia das Ciências Sociais (1956), que organizou, escreveu o seguinte: ‘confesso que se aceitei não foi por ingenuidade ou ignorância da responsabilidade que me caberia, foi por reconhecer que o Prof. Adriano Moreira era uma pessoa animada das melhores intenções, cheio de espírito renovador e consciente do esforço que devíamos fazer para estar à altura das nossas responsabilidades. A uma pessoa destas não se devia negar concurso’”.104

Fica claro o apreço que os encarregados da política ultramarina e os demais intelectuais ligados ao tema nutriam pelo Prof. Adriano Moreira. Ele tornara-se, claramente, o “sábio” dos temas ultramarinos e esperava-se, mesmo, dentro de algumas das alas do regime, que o Profes- sor propusesse uma solução para a questão colonial. Já em 1961, ainda como Subsecretário da Administração Ultramarina, Adriano Moreira intervém junto de Oliveira Salazar no sentido de assegurar que a questão governativa, após o levantamento militar chefiado pelo Ministro da Defesa Nacional, General Botelho Moniz, seria resolvida e tudo voltaria ao normal. Como revelam os registos, é ainda no ano de 1961 que Adriano Moreira acederá ao cargo de Ministro do Ultramar. Tornava-se efectiva a entrada do Professor para o aparelho governativo ao nível ministerial. Adriano Moreira considera que não conquistar as graças e apoios os mais favoráveis à sua visão do Império Colonial Português. 103 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas, Almedina, Coimbra, 2009, op. cit., p. 160. 104 Id., Ibid., p. 167.

52 Adriano Moreira e o Império Português era provável, ao tempo, a sua entrada para o governo, nem com Subsecretário, nem como Ministro do Ultramar. Atendendo a que era um tempo em que se adivinhavam guerras e de difi- culdades externas, teria sido mais provável a nomeação de militares para os cargos referidos. Disto mesmo dá conta o Professor numa entrevista:

“Este chamamento foi um pouco surpreendente. Tinha estado nas Nações Unidas e escrito relatórios (para o Ministério do Ultramar) sobre o que lá se passava porque a Escola – durante bas- tante tempo – dependia, administrativamente, do Ministério do Ultramar por causa dos orçamen- tos. Fui chamado porque num dos relatórios tinha escrito que Portugal tinha evitado a condenação das Nações Unidas porque tinha conseguido manter o terço de segurança que impede a condena- ção, mas que entre 1960/61 a questão passaria para o terreno. Tudo isto indicava que deixaria de ser um debate puramente parlamentar. E isso aconteceu… Fui chamado para me questionarem como tinha previsto isso. Dei uma explicação simples. Não foi uma grande ciência porque vi o programa de entrada de novos países e, nessa data e com a entrada desses países, perderíamos o terço. Portanto, a condenação viria aí. E com esta, a legitimidade de reacção poderia ser armada de acordo com a experiência que já tínhamos do mundo”.105

Conjugaram-se, naquele início da década de 1960, para além de outros, dois factores determinantes para a chegada de Adriano Moreira ao poder ministerial: por um lado, o cres- cente estudo sobre o Ultramar, por parte da Escola de Adriano Moreira; por outro, uma relativa unanimidade que se gerou em redor da figura do futuro Ministro do Ultramar106. Este consenso foi, de certa forma, uma derradeira tentativa para evitar a eclosão da guerrilha que, apesar de tudo, haveria de se verificar. Alguns indivíduos no meio militar emprestavam ao Professor um respeito pouco usual em tempos de guerra, já que era um civil. Esta ligação está patente nas palavras de Adriano Moreira que passamos a transcrever:

“A mim próprio, em data próxima da crise, me procurou o General Beleza Ferraz, Chefe de Estado-Maior General das Forças Armadas, regressado de uma viagem de inspecção a Ango- la. Falou-me longamente das dificuldades que verificara e considerava militarmente insuperáveis. Acrescentou, enigmático, que as circunstâncias poderiam exigir da minha parte uma cooperação excepcional”.107

Afinal, de que tipo de cooperação falava o General Beleza Ferraz? Seria uma questão de apoio institucional baseado na criação de mecanismos jurídicos capazes de garantirem aos mili-

105 Grande entrevista a Adriano Moreira/Secretariado Nacional da Pastoral da Cultura [em linha]. Dispo- nível em http://www.snpcultura.org/premio_de_cultura_padre_manuel_antunes_2009_entrevista_adria- no_moreira_1.html. Consultado em 26 de Janeiro de 2014. 106 Dizemos relativa unanimidade, pois se é verdade que Oliveira Salazar antevia na acção reformista de Adriano Moreira uma possível harmonização das posições antagónicas face ao Ultramar, por outro lado os integracionistas e os sectores mais conservadores, incluindo as Forças Armadas, não viam com bons olhos um civil na pasta do Ultramar e, além do mais, com ideais de abertura pouco aconselháveis em tempo de guerra. 107 Id., Ibid., pp. 177 e 178.

53 José Maria S. Coelho tares a força necessária para empreenderem as campanhas militares? Seria a dotação das forças armadas com verbas mais avultadas que, em tempo de guerra, se tornavam indispensáveis à persecução dos objectivos? Não sabemos. O que justamente se deduz é que o Ministro Adriano Moreira estava sob uma pressão muito forte por parte dos militares. Estes, dado o panorama de guerrilha que se avizinhava, prefeririam um ministro militar, estamos disso certo. Esta rea- lidade poderá explicar, em grande parte, a destituição do Ministro do Ultramar em Dezembro de 1962. A partir do momento em que o Professor incentivou reformas administrativas e educa- cionais, no sentido de dotar o Ultramar de quadros com formação adequada, foi crescendo em Portugal um certo mal-estar gerado pelo medo da autonomia que ia alastrando naqueles terri- tórios ultramarinos. Ao mesmo tempo, a proximidade entre Adriano Moreira e Salazar colocava em risco as aspirações de alguns que se consideravam aptos a suceder ao velho ditador. Entre estes, estava, com forte evidência, Marcello Caetano. Oliveira Salazar vira no conhecimento que Adriano Moreira tinha acerca do mundo ultramarino uma “arma” capaz de combater as intrigas endógenas ao regime. Acreditava Salazar que Adriano Moreira faria um trabalho de evolução do Ultramar, sem quebrar o rumo da continuidade. O Presidente do Conselho reconhecia a Adriano Moreira não só competências para delinear a política interna relativamente aos territórios ultramarinos, mas, ainda, competências na condução das relações externas no que às questões ultramarinas res- peitava. Oliveira Salazar conhecia bem os meandros das relações internacionais, assunto sobre o qual se mantinha actualizado e que teimava em conhecer ao pormenor; pelo menos pensava ele estar informado. Deste interesse de Salazar dá conta Adriano Moreira:

“De todos os negócios públicos, os que Salazar mais preferiu foram sempre os relacionados com a política externa. Lia tudo, perguntava tudo, interrogava os funcionários e os particulares. Retinha e classificava todos os factos e opiniões. Para abonar os seus pontos de vista, citava con- versas com o rigor com que citamos documentos nos pés de página. Era fascinante vê-lo ler um documento ou escutar uma resposta. Se recebia um telegrama, e recebia praticamente todos os do Ministério dos Negócios Estrangeiros, lia cuidadosamente cada parágrafo”.108

Só um elevado grau de relacionamento e até de compromisso na sintonia entre os pontos de vista poderia permitir a Adriano Moreira conhecer os pormenores que acabamos de trans- crever. Neste ponto queremos, contudo, referir a clareza ou a falta dela nesta afirmação de Adriano Moreira. De facto, o Professor afirma, de forma enfática, que Oliveira Salazar tentou, durante muito tempo, conhecer as realidades políticas externas. Fazia-o perguntando, lendo, procurando opiniões. Na verdade, a convicção que temos é de que assim era. Esta nossa ideia resulta, em grande parte, dos estudos que realizámos, quando, no âmbito da Dissertação por nós apresentada para obtenção do Grau de Mestre em Ciências Documentais, com o título “Lei- turas de Salazar”, apresentámos no ano de 2011 e em depósito na UBI. A agenda pessoal do

108 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas, Almedina, Coimbra, 2009. P. 188.

54 Adriano Moreira e o Império Português

Presidente do Conselho, que estudámos afincadamente, mostrou as leituras que o mesmo fazia e que buscavam, muitas delas, informação sobre a política internacional. Certamente que a aproximação do Professor Moreira ao regime se deu pela via do dossier ultramarino, mas foi muito para lá dessa temática. Trata-se de uma realidade que nos permite questionar até que ponto Salazar olhava para ele como um sucessor ao seu cargo. A este propó- sito escreve Adriano Moreira:

“Na sua última entrevista, o Marechal Costa Gomes, que morreu em 2001, declarou que en- tendia que se eu tivesse sido Presidente do Conselho depois da queda do Doutor Salazar, a transição seria talvez semelhante à que pacificamente decorreu em Espanha depois da morte de Franco. Quando se deu o desastre que afastou o Doutor Salazar, estava no Brasil e por lá continuei a desempenhar-me dos objectivos da viagem, absolutamente alheio ao processo que levou à solução de tardiamente nomear o Doutor Marcello Caetano para a chefia do último governo da Constituição de 1933”.109

A possibilidade de Adriano Moreira suceder a Salazar era colocada. O Marechal Costa Gomes admitiu-a, o que significa tê-la colocado. Por outro lado, é perceptível nas palavras de Adriano Moreira que o seu afastamento do governo, em Dezembro de 1962, o remeteu para algum ostracismo, o que viria a confirma-se quando foi necessário substituir Oliveira Salazar. Primeiro, ainda como Subsecretário do Ultramar, e, de seguida, já como Ministro dessa mesma pasta, Adriano Moreira interferiu de forma contundente nos destinos das relações de Portugal com o estrangeiro. Mostrando uma sintonia limitada com o pensamento do regime sobre as questões ultramarinas, intervém com relativa frequência, apontando o caminho que poderia ser seguido para o futuro daqueles territórios. Fê-lo em várias ocasiões e também em Março de 1961:

“Em 17 de Março, na Casa do Infante do Porto, fiz a última intervenção pública como Sub- secretário, falando sobre Provocação e Resposta, num ambiente internacional marcado pelas de- clarações de Mennen Williams, Subsecretário para Assuntos Africanos de Kennedy, que na 3ª Sessão da Comissão Económica para a África, de novo em Adis Abeba, proclamara o “princípio de que a África é para os africanos”, que para ele eram os de etnia negra, sem inquietação por não poder proclamar que a América era para os aborígenes, porque entretanto os tinham eliminado”.110

Questiona-se, amiúde, se Adriano Moreira estaria integrado ideologicamente no espírito salazarista. Será que esta aproximação era desejada pelas duas partes? Terá Adriano Moreira concordado com o essencial da política ultramarina do Estado Novo? Esta mesma questão foi colocada ao Professor na entrevista já citada, tendo o mesmo respondido da seguinte forma:

109 Id., Ibid., p. 169. 110 Id., Ibid., p. 191.

55 José Maria S. Coelho

“O que houve foi um julgamento sobre a crise que, subitamente, desafiou toda a estrutura. Aquilo que me pediam para fazer era uma ruptura que foi feita, em muitos aspectos, sem grande continuidade. Não existia, nas instâncias dessa altura, a noção de que o racismo estava a ser o di- namizador – mais importante talvez – da revolta contra os poderes coloniais. Na primeira definição do Estatuto dos Indígenas havia a debilidade de começar a identificá-los por serem da raça negra. Revogar o Estatuto dos Indígenas era fundamental…”.111

Chegados a este ponto da nossa reflexão, torna-se necessário delimitar o espaço de acção do Ministro Adriano Moreira no jogo do poder que se desenrolava dentro do Estado português de inícios da década de 1960. Para todos os efeitos, embora Adriano Moreira fosse, por vezes, apontado como possível sucessor de Oliveira Salazar112, o certo é que a questão da sucessão ainda não se colocava em 1961. Mais importantes que esta, outras questões havia por resolver, entre elas a questão do Estado português da Índia e as relações com Nehru. Aliás, Marcello Ca- etano aparecia, desde finais da década de 1950, como uma esperança na evolução do regime português face às relações externas e às pressões que daí resultaram. Contudo, só a doença de Oliveira Salazar, em 1968, levaria Marcello Caetano à chefia do Governo. Em 1961, pese embora a relutância do aparelho do Regime Salazarista face ao exterior, e também em relação às Pro- víncias Ultramarinas, o certo é que se avolumavam no país vozes de desconcerto face ao estado das coisas. De certa forma, Adriano Moreira poderá ter sido uma dessas vozes que incomodavam quer os mais conservadores quer os militares integracionistas. Mesmo com a perda do Estado da Índia em Dezembro de 1961, e com os crescentes ata- ques no norte de Angola por parte da guerrilha separatista, o Estado português continuava a ignorar as mudanças a que o mundo tinha assistido e a recusar algumas das reformas propostas pelo Ministro Adriano Moreira, nomeadamente na promoção da formação de quadros no Ultra- mar. Esperava-se do Ministro do Ultramar a resolução dos problemas crescentes. Em tudo o que a isto se reportava, ele era uma referência. Tal aparece claro na transcrição que se segue, no contexto do decurso da Semana do Ultramar, em 1962:

“O Chefe de Estado presidiu, na Sociedade de Geografia, com a solenidade do costume (…). Recebido à entrada do edifício, de tão largas tradições históricas relacionada com a nossa vida ultramarina, pelos Ministros do Ultramar, da Marinha e da Saúde (…) o Senhor Almirante Américo Thomaz (…) encaminhou-se para a Sala Portugal, vistosamente decorada com as cores nacionais, onde a numerosa e selecta assistência (…). Ladearam o Chefe do Estado, à direita, os Profs. Drs. Adriano Moreira, ministro do Ultramar (…)”.113

O Ministro Adriano Moreira aparecia como a grande esperança para travar o desmembra- mento do Ultramar. O regime concedia-lhe enormes poderes na espectativa de que fosse ainda

111 Entrevista, Id., Ibid. 112 Vide MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo : Memórias do Tempo de Vésperas, op. cit., p. 169. 113 PATRÍCIO, João - Quarto ano na Chefia da Nação, 1962, Orbis - Edições Ilustradas, Lisboa, 1964, p. 214.

56 Adriano Moreira e o Império Português possível evitar em África o que se tinha passado na Índia. É clara esta posição assumida pela estrutura do regime:

“Viemos de todos os pontos do Mundo onde a incomparável audácia e o espírito empreende- dor dos portugueses criaram para sempre as múltiplas parcelas que hoje constituem uma maravi- lhosa Comunidade plurirracial profundamente integrada na Nação portuguesa (…). Esta memorável jornada histórica que, por inspirada decisão de S. Ex.ª o Ministro do Ultramar, oportunamente nos reuniu, nesta hora alta da vida nacional, em fraterno diálogo das nossas mútuas aspirações e ansie- dades e em perfeita comunhão de sentimentos pátrios, constitui, sem dúvida, um passo importante da nossa política ultramarina e contribuirá decisivamente para estreitar ainda mais os laços de solidariedade entre todas as províncias ultramarinas e a metrópole, que é, certamente, condição essencial da nossa unidade e, porventura, da nossa própria sobrevivência”.114

Quando nos familiarizamos com as obras pertença de Adriano Moreira como “Memórias do Outono Ocidental: um Século sem Bússola” Op. Cit., ou “A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas” Op. Cit., ou ainda com muitas das entrevistas que o Professor foi dando ao longo da sua vida apercebemo-nos de que em poucas coisas o pensamento de Adriano Moreira se cruzava com a ideologia do Regime, particularmente com as ideias de alguns dos ministros. Exemplo disso foi o progressivo afastamento de Marcello Caetano. Apesar desta discordância Adriano Moreira teve pontos fortes de interesse comuns aos do poder político instituído, no- meadamente no que respeitava ao valor do Ultramar para a identidade nacional. Se era claro que a fórmula colonial já não era a adequada, era igualmente perceptível que, sob uma outra fórmula jurídico-administrativa, havia que criar o novo mundo lusófono. A clareza com que esta posição é assumida pelo regime implicava a defesa de alguns princípios. Que princípios eram estes? Ficam identificados na seguinte transcrição:

“(…) Somos também portadores de uma mensagem de fé e de confiança de todos quantos vivem e labutam no ultramar com os olhos postos na Pátria: fé inquebrantável nos destinos his- tóricos de Portugal, caldeada nos duros sacrifícios e na indómita coragem dos que lutam com a firme determinação de manter e valorizar a nossa presença em todos os lugares do vasto Mundo Português e no extraordinário heroísmo dos que já tombaram (…)”.115

O início da década de 1960 haveria de se revelar pródigo em dificuldades para o Estado Português. A manutenção das Províncias Ultramarinas apresentava-se, cada vez mais, como uma batalha perdida na ONU. Adriano Moreira abraça de forma convicta a tarefa de repensar as relações da Metrópole com o Ultramar. Ele conhecia bem os riscos pessoais face a um regime enquistado e pouco sensível a alterações no seu Império. A guerra avizinhava-se. Adriano Morei- ra havia-a antevisto, para surpresa de Salazar. Em dado momento, este questionou o Ministro do

114 Id., Ibid., p. 220. 115 Id., Ibid., p. 220.

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Ultramar acerca da antevisão da guerra e dos apoios que os guerrilheiros haviam de angariar no mundo. Adriano Moreira explicou que se tratara apenas de uma questão básica de aritmética. À medida que iam aderindo novos países à ONU, sobretudo países recém-chegados à indepen- dência, o equilíbrio nas votações contra e a favor da posição portuguesa havia de se alterar. Os dois terços favoráveis a Portugal acabariam por se perder e o apoio internacional ao nosso país acabaria. Por seu turno, no sentido inverso, aumentava o apoio externo aos movimentos guer- rilheiros, incluindo o da Santa Sé – o Papa Paulo VI acabaria por receber os líderes da guerrilha de Angola, da Guiné-Bissau e de Moçambique.116 Externamente, os velhos aliados mostravam alguma dualidade no apoio a Portugal: se, por um lado, continuavam a dispensar à posição portuguesa apoio nas instâncias internacionais, por outro, começavam a pressionar a descolonização. Mesmo os EUA, tradicionalmente aliados de Portugal, começavam a ter algumas dificuldades em manter a “face” perante outras po- tências. Sobre as relações do Governo de Salazar com os seus tradicionais aliados escreve Luís Barroso:

“[…] Desde o início dos anos 1960 que as relações com os seus aliados mais importantes, a Grã-Bretanha e os EUA, sofriam de uma atrição indesejável em Lisboa. As administrações Kennedy e Johnson não escondiam o seu desconforto com a irredutibilidade de Salazar em relação às “pro- víncias” e à sua política colonial, enquanto o governo de Harold Wilson esfriava as relações com Lisboa devido ao envolvimento de Salazar na decisão de Ian Smith”.117

Torna-se evidente que as velhas alianças entre Portugal, a Grã-Bretanha e os EUA foram enfraquecendo, num contexto de guerra fria e de um novo desenho geoestratégico resultante do bipolarismo saído da Segunda Guerra Mundial. Já quanto à África do Sul, superpotência re- gional na África Austral, interessava-lhe que a política de Salazar em relação ao domínio branco na África portuguesa não fosse alterada. Essa manutenção de política garantia-lhe estabilidade interna e externa face à prática de segregação racial que levava a cabo. Mesmo quando, em 1968, Marcello Caetano sobe ao poder, a África do Sul esforça-se para garantir que em Portugal nada se altera quanto à política africana118.

Nos finais de 1962, a crise africana avolumava as desconfianças entre os diferentes vérti- ces do poder em Portugal. As dificuldades questionavam a continuidade de Adriano Moreira na Pasta do Ultramar. De facto, por pressão das alas militares e civis mais conservadoras, Moreira acabaria por se demitir do cargo de Ministro em Dezembro desse ano.

116 Esta informação foi recolhida na entrevista que tivemos com o Professor Adriano Moreira, no dia 6 de Março de 2014 na Academia das Ciências de Lisboa. 117 BARROSO, Luís - Salazar, Caetano e o “Reduto Branco”, A Manobra Político-Diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974). Fronteira do Caos Editores, 1.ª edição, Porto, 2012, p. 245. 118 Id. Ibid., pp. 248 e 249.

58 Adriano Moreira e o Império Português

Capítulo II Gilberto Freyre, o Luso-tropicalismo e Adriano Moreira.

1. Luso-tropicalismo: uma teoria social.

O Luso-tropicalismo é uma teoria criada pelo sociólogo brasileiro Gilberto de Melo Freyre e que se debruça fundamentalmente sobre uma realidade que ele e os seus seguidores consi- deram única: a maneira de os portugueses estarem no mundo. Por seu turno, Adriano Moreira considera Gilberto Freyre o criador de uma nova classificação das civilizações. O sociólogo brasileiro coloca o papel desempenhado por Portugal no mundo ao nível dos desempenhados pelas grandes civilizações. Escreve Adriano Moreira: “(…) Tem por isso razão o grande sociólogo Gilberto Freyre, quando oportunamente repara que na obra de Toynbee, ao extremar e classifi- car as civilizações, falta a consideração desta forma peculiar de estar no mundo que afortuna- damente designou por luso-tropicalismo”.119

Defende Freyre que o português tem dado ao mundo uma mestiçagem única numa dinâ- mica de interacção que permite perpetuar uma criação singular nas relações de e entre povos distintos. Ilídio Amaral escreve o seguinte, referindo-se a Gilberto Freyre:

“Teórico do chamado luso-tropicalismo. Considera que o português se tem perpetuado, dis- solvendo-se sempre noutro povo a ponto de parecer ir perder-se nos angues e culturas estranhas. Mas comunica-lhes sempre tantos dos seus motivos essenciais de vida…Ganhou a vida perdendo-a. É que o português, por todas aquelas predisposições da raça, de mesologia e de cultura… não só conseguiu vencer as condições de clima e de sol desfavoráveis ao estabelecimento de europeus nos trópicos, como suprir a extrema penúria de gente branca para a tarefa colonizadora unindo-se com mulher de cor”.120

Verdadeiro defensor da posição colonizadora portuguesa no mundo, Gilberto Freyre distingue-a de todas as outras formas desenvolvidas pelas restantes potências coloniais para interagirem com os povos autóctones. Quando, em 1933, o sociólogo publica uma das suas principais obras, Casa-grande & senzala, regista logo nos seus escritos os fundamentos do luso- tropicalismo. A obra desenrola-se à volta de uma exploração açucareira marcadamente seis- centista. O colono branco, senhor da casa grande, organiza à sua volta toda a actividade da

119 MOREIRA, Adriano - Ensaios, Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e So- ciais, n.º 34, Lisboa, 1960, p.13 120 AMARAL, Ilídio - A Geografia Tropical de Gilberto Freyre, in Leituras do Tempo [em linha]. Lis- boa, Universidade Internacional, 1990. Disponível em http://www.iscsp.utl.pt/~cepp/autores/sul-america- nos/1900._gilberto_freyre.htm. S/data de consulta.

59 José Maria S. Coelho exploração. Trata-se justamente da família patriarcal tipicamente portuguesa e que coordena, aglutinando à sua volta, todos os restantes habitantes da fazenda. Na verdade, este tipo de organização social que, segundo Gilberto Freyre, é próprio do povo português, permitiu uma miscigenação em grande escala, o que, por sua vez, evitou a proliferação do racismo. Isto mes- mo refere Cláudia Castelo, referindo-se a Casa-grande & senzala:

“Este livro toma como objecto de estudo a “condição colonial” no Brasil dos séculos XVI e XVII, mais especificamente no nordeste açucareiro, sob o regime de economia de plantação de base esclavagista, estruturada em torno da casa-grande e da família patriarcal dirigida pelo senhor do engenho. A especificidade dessa sociedade resultaria da intensa miscigenação nela efectua- da, quer no plano biológico, através de frequentes cruzamentos entre brancos, índios e negros, quer no plano cultural, pela adopção recíproca de valores e comportamentos dos vários povos em contacto”.121

São muitos os adeptos das teorias de Gilberto Freyre que encontram na realidade de mestiçagem brasileira um travão ao avanço do racismo que se verificou em outros paragens, mesmo em alguns casos das Américas. O português, ao avançar para o desbravamento de terri- tórios, mesmo que ocasionalmente tenha recorrido à violência sobre as populações autóctones, na generalidade, tratou-as com respeito, fazendo criar alguma tensão entre o que aí existia, culturalmente falando, e a matriz judaico-cristã transportada pelos lusos. É nesta confluência de culturas e no cruzamento das mesmas que reside a especificidade do modo português de estar no mundo. Segundo Cláudia Castelo, Freyre encontra no comportamento português face a novas realidades culturais pontos de tensão que obrigam a que a adaptação seja recíproca:

“Segundo Freyre, no comportamento do português sente-se a tensão entre as duas culturas, a europeia e a africana, a católica e a maometana, a dinâmica e a fatalista… Só levando em linha de conta esses antagonismos de cultura, e a flexibilidade, a indecisão, a harmonia ou a desarmonia deles resultantes, é que se poderia compreender a especificidade da colonização do Brasil, a for- mação sui generis da sociedade brasileira, igualmente equilibrada desde sempre em antagonismos. O autor considera que desse dualismo de cultura e de raça decorrem três características do povo português – a mobilidade, a miscibilidade e a aclimatabilidade – analisadas nas primeiras páginas de Casa-grande & senzala”.122

Para Gilberto Freyre, a política de assimilação cultural praticada pelos portugueses em todas as terras onde se fixaram foi a chave do sucesso da colonização lusa. O criador do Luso- tropicalismo defende mesmo que a realidade brasileira se tornara num exemplo acabado de como a política de assimilação foi a mais correcta. É justo concordar que, na realidade, a socie-

121 CASTELO, Cláudia - Uma incursão no Lusotropicalismo de Gilberto Freyre [em linha], 2011, p. 261. Disponível em http://www2.iict.pt/archive/doc/bHL_Ano_VI_16_Claudia_Castelo__Uma_incursao_no_lusotropicalis- mo.pdf. Consultado em 06 de Outubro de 2014. 122 Id., Ibid., pp. 262 e 263.

60 Adriano Moreira e o Império Português dade brasileira é o fruto de culturas tão díspares como a portuguesa, a africana, a índia, a ja- ponesa, a italiana e tantas outras que ali encontraram abrigo. A mentalidade e cultura judaicas encontraram na tolerância da sociedade brasileira a protecção que não tinham na metrópole. É curioso constatar a aceitação de credos e princípios por tantas almas que se aclimataram ao Brasil. As teorias de Gilberto Freyre tornam-se especial objecto do nosso estudo, na medida em que se prendem com a construção da realidade cultural portuguesa no mundo e, em particular, com a adopção deste pensamento para defesa das posições salazaristas face à manutenção do Ultramar Português, após as vagas de descolonização subsequentes ao fim da Segunda Guerra (1945). Embora o regime português se aperceba das ideais de Gilberto Freyre ainda no decurso das décadas de 1930 e 1940, é, contudo, a partir de 1945 que Salazar começa a olhar para o luso-tropicalismo como uma boa fundamentação teórico-científica para a defesa do Império nas instâncias internacionais. Isto mesmo escreve Cláudia Castelo:

“Nas décadas de 30 e 40, a política colonial do Estado Novo anda longe do etnocentrismo e, mais longe ainda, das ideias de Freyre. Armindo Monteiro, principal ideólogo da mística imperial, filia-se nas teses do «darwinismo social». Não concebe o relacionamento harmonioso e fraterno, numa base igualitária, entre brancos e negros. «O branco, por agora pelo menos, está destinado a ser o dirigente, o técnico, o responsável. Nos Trópicos faria triste figura a trabalhar com o seu braço, ao lado do nativo. Este é a grande força de produção, o abundante e dócil elemento de consumo que a África oferece»”.123

Gilberto Freyre isola de entre todos o colonizador português. Considerado como único, este colonizador desenvolveu capacidades especiais que o diferenciaram profundamente dos colonizadores espanhóis, franceses e ingleses. A capacidade de respeitar etnias diferentes, a predisposição para a miscigenação, a ambição de sair vitorioso da ocupação de novos territórios muitas vezes hostis conduziram o colono português a uma forma própria de agir e de se rela- cionar. Quando é questionado sobre o perfil do colonizador que se instalou no Brasil, Gilberto Freyre responde:

“Figura vaga, falta-lhe o contorno ou a cor que o individualize entre os imperialistas mo- dernos. Assemelha-se nuns pontos à do inglês; noutros à do espanhol. Um espanhol sem a flama guerreira nem a ortodoxia dramática do conquistador do México ou do Peru; um inglês sem as duras linhas puritanas. O tipo do contemporizador. Nem ideais absolutos, nem preconceitos inflexíveis. Embora tenha ficado em nossa história como o implacável escravocrata que só faltou transportar da África para a América a população inteira de negros, foi por outro lado o colonizador europeu que melhor confraternizou com as raças chamadas inferiores, além de revelar-se o menos cruel com os escravos”.124

123 Id. Ibid., p. 85. 124 JUNQUEIRA, Ivan - Gilberto Freyre e o Colonizador Português [em linha], Academia das Ciências de

61 José Maria S. Coelho

Segundo G. Freyre, a particularidade do colonizador português é que, embora tendo um pouco de todos os outros colonizadores europeus, se emancipou e construiu uma civilização própria. Evidentemente que estes particularismos a que Gilberto Freyre alude são apenas ingre- dientes que “fabricaram” esse colonizador. Cláudia Castelo escreve sobre este tema:

“Especificidade das relações estabelecidas pelos portugueses com os povos dos trópicos obedecia, portanto, a um modelo específico, aprendido com os mouros e diferente do adoptado pelos europeus do norte. A capacidade para «confraternizar lírica e franciscanamente» com os afri- canos, ameríndios e asiáticos, para amar as suas mulheres, para incorporar os seus valores… é única no português. Isto porque «soube em tempo extra-europeizar-se e tropicalizar-se ele próprio (…), amorenando-se sob o sol dos trópicos ou sob a acção da mestiçagem tropical. Contudo, ao «dissol- ver-se amorosamente» noutros povos, nunca perdeu «a alma ou o sentido cristão da vida»”.125

Usando expressões criadas por Gilberto Freyre, Cláudia Castelo especifica os particularis- mos desta teoria que serviu para ancorar a política colonialista do Estado Novo. O regime salazarista herdara a obrigação de valorização do Império e da missão civiliza- dora dos portugueses e, ao assumir as ideias freyrianas como suas, mais não fez que garantir a posse desses territórios ultramarinos sem os quais, na sua visão, a Nação não poderia sobrevi- ver. Esta necessidade conduziu o regime à introdução de alterações jurídicas na designação das possessões de além-mar. Alterações que, no essencial, nada alteraram. São apenas processos ilusórios para o mundo externo que pressionava a descolonizar. As alterações feitas à Constitui- ção pela revisão de 1951 são disso exemplo. Escreve Luís Reis Torgal:

“A modificação mais sensível opera-se em 1951 (lei nº 2.084, de 11 de Junho). É então revo- gado o Acto Colonial, integrando-se as disposições sobre o «Ultramar» no título VII da própria Cons- tituição, exactamente intitulado «Do Ultramar Português». Mas, não há grandes alterações para além das modificações cosméticas que foram peculiares ao regime do pós-guerra. Com efeito, se, por pressões do tempo e para contrariar o referido processo de descolonização, se altera o nome de «Colónias», voltando a chamar-se «Províncias Ultramarinas» (título VII, por exemplo, artigos 134º a 136º), e se elimina a designação de «Império» atribuída aos domínios ultramarinos portugueses, nada mais de essencial se modifica, nomeadamente no que diz respeito à «política indígena», em- bora se possa dizer que se começa a sentir a influência de uma cuidada política assimilacionista, na medida em que as «medidas especiais» aplicadas aos «indígenas» eram já consideradas «como regime de transição» (artigo 141º)”.126

Foi da natureza do próprio regime político português camuflar as situações de coloni-

Lisboa, Classe de Letras, p. 5. Disponível em http://acadciencias.pt/files/Mem%C3%B3rias/Ivan%20Jun- queira/Gilberto%20Freyre%20e%20o%20colonizador%20Brasileiro.pdf. S/data de consulta. 125 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 36. 126 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Coimbra, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, p. 485.

62 Adriano Moreira e o Império Português zação que prosseguia, usando estratagemas na alteração das aparências de forma a aliviar as pressões internacionais o que, de facto, nunca conseguiu. A prova desta incapacidade está no crescente isolamento internacional que, ainda que relativo, era crescente. Por outro lado, a exacerbada apetência das superpotências para a ocupação de novos territórios preocupava o regime. Este liderava uma metrópole pobre e que sempre se esquivara a investir nas colónias. Esta realidade encontra-se bem fundamentada no texto de Valentim Alexandre:

“Tal como finalmente se constitui em finais de Oitocentos, o sistema colonial português sofria, no entanto, de um pecado original – a sua dependência de uma metrópole débil, economica- mente atrasada, de fracos recursos financeiros, sem dúvida o elo mais fraco de entre as potências imperiais europeias. (…) daí resultava uma permanente sensação de fragilidades e de insegurança que, por reflexo, contribuía para alimentar e exacerbar o nacionalismo imperial nascido no século XIX”.127

Se é verdade ser o luso-tropicalismo uma teoria valorativa da colonização portuguesa, impõe-se colocar algumas questões de clara pertinência. Terá Gilberto Freyre ignorado as dia- metralmente opostas formas de ocupação verificadas no Brasil, por um lado, e na África, por outro? De facto, enquanto o Brasil é uma terra de encontro de brancos e de negros, onde se desenvolve desde cedo uma economia produtiva segundo os moldes capitalistas, na África, para além da tardia colonização, os brancos subjugam ao seu o poder o negro aí instalado e autócto- ne. A procura de sobrevivência dos brancos não encontrou igual preocupação entre os negros. Estes já eram daquelas paragens. Esta desigualdade pode explicar a maior miscigenação entre brancos e negros no Brasil e a quase inexistência dela na África. Há, portanto, uma clara dife- rença de posicionamento do branco no Brasil e na África. Cremos que a teoria de Freyre não foi apropriada pelo regime português numa perspectiva de emancipação dos povos colonizados, mas que, pelo contrário, essa apropriação funcionou como força motivadora para impor, em meados do século XX, um maior empenho na colonização africana. Tratou-se justamente da «arma» usada pelo regime do Estado Novo, entre outras, para justificar de forma mais ou menos científica a não-aceitação das imposições da ONU, nomeadamente as contidas no artigo 73º das Carta das Nações.

2. 0 Luso-tropicalismo na perspectiva de Adriano Moreira.

Quando pretendemos reflectir acerca do luso-tropicalismo, torna-se inevitável falar do seu fundador – o sociólogo brasileiro Gilberto Freyre. É a ele que se deve a construção desta teoria inovadora e, ao mesmo tempo, explicativa para um fenómeno que Freyre e os seus par- tidários consideram único – a construção do mundo luso. Considera-se, unanimemente, que as

127 PINTO, António Costa (coord.) [et. al.] - Portugal Contemporâneo, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2005, pp. 70 e 71.

63 José Maria S. Coelho bases do luso-tropicalismo são lançadas pelo seu criador logo nos inícios da década de 30 do século XX. Ao publicar em 1933 a obra Casa-grande & senzala, Gilberto Freyre inicia a apresen- tação dos fundamentos da sua teoria que, de forma clara, aponta, desde logo, para a realidade social brasileira como um construção portuguesa e única no mundo. Já referenciámos estas considerações anteriormente, pelo que ficaremos por esta simples abordagem. Adriano Moreira escreve a este propósito, no capítulo Revisitar Gilberto Freyre:

“Foi bem lembrado pela Universidade da Beira Interior, à qual pertence a iniciativa deste colóquio sobre o Luso-tropicalismo Revisitado, que o local dos trabalhos fosse a sede da veneranda Sociedade de Geografia de Lisboa em que nos encontramos. Em primeiro lugar porque a Sociedade de Geografia de Lisboa nasceu de uma iniciativa da sociedade civil, liderada por Luciano Cordeiro, no período em que o Ultimatum de 1890 acordou a consciência cívica para as responsabilidades coloniais secularmente assumidas pelo país (…) afirmou a urgência da inventariação e conhecimen- to das múltiplas culturas envolvidas no processo então em curso de redefinição da presença das soberanias europeias nos trópicos, assumiu a especialização dos quadros que seriam responsáveis pelas administrações alienígenas a implantar, e ainda lançou o paradigma da “nação peregrina em terra alheia”, como mais tarde eu próprio lhe chamaria quando, por meados do século, se tornou evidente e urgente identificar as fronteiras culturais que subsistiram para além do destino das fronteiras políticas portuguesas ameaçadas”.128

O Professor Adriano Moreira é, certamente, um dos melhores conhecedores do luso-tro- picalismo e do seu criador, Gilberto Freyre. Moreira eleva mesmo a figura deste como uma das mais proeminentes no tema em análise, na década de 1960: “era o único sociólogo que tentava formular uma teoria geral do fenómeno do encontro de etnias e culturas, no quadro unificador do modelo político da colonização europeia”129. A unidade pretendida, e certamente ainda não alcançada pela CPLP na construção do Mundo Luso, deve-se, em muito, a Gilberto Freyre. Ainda que possamos discordar das suas teorias, e é legítimo fazê-lo, é igualmente lícito avocar o pensamento freyriano no contributo que deu para o lançamento da própria CPLP. Isto mesmo considera Adriano Moreira quando escreve: “Parece razoavelmente apoiada nos factos a iniciativa da Universidade da Beira Interior no sentido de revisitar o luso-tropicalismo na data em que a Comunidade dos Países de Língua Oficial Portuguesa tem uma fronteira limitadora e um conteúdo identificador”.130O Professor Adriano Moreira é, sem dúvida, um dos precursores da própria CPLP. Adriano Moreira vê nesta teoria a fundamentação para a permanência e preservação dos valores culturais portugueses assentes na língua de Camões, de Pessoa e de outros tantos. É este o lastro sobre o qual repousa a identidade do mundo português que, como pensava Gil- berto Freyre, garantia a sua singularidade. Adriano Moreira refere-se directamente à iniciativa

128 MOREIRA, Adriano; VENÂNCIO, José Carlos (org.) - Luso-Tropicalismo, Uma Teoria Social em Questão. Veja Editora, Alpiarça, 2000, p. 17. 129 Id., Ibid., p. 18. 130 Id., Ibid., p. 19.

64 Adriano Moreira e o Império Português desenvolvida pela UBI, relativa ao lusotropicalismo e à sua análise, da seguinte forma:

“(…) O projecto da Universidade da Beira Interior, com o acento tónico posto na criação literária, na memorialística, na literatura de queixa e de combate, nos sonhos de esperança e de redenção, conviria sublinhar que, que na complexa geografia do espaço da comunidade dos povos de língua portuguesa, esta, com todos os valores que transporta, é de facto, agora em sentido alargado, a Pátria de que falava Pessoa”.131

Para muitos dos iniciais defensores do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, como Adriano Moreira, a teoria continua válida. A globalização iniciada pelos portugueses assentou, antes de mais, numa perspectiva de trocas comerciais, sem dúvida, mas, essencialmente, nas trocas culturais, tendo os portugueses aplicado os princípios de respeito pela pessoa humana. Trata- se, justamente, da assunção do princípio de que a missionação e as relações inter-raciais por ela promovidas conduziram a uma forma peculiar de colonização – a portuguesa. Veja-se, a este propósito, a acção do Padre António Vieira no Brasil face à tentativa de submissão dos índios ao trabalho forçado que alguns lhes exigiam. É no contexto deste pressuposto que alguns autores, nomeadamente Adriano Moreira, comparam variadas teorias face ao colonialismo para, em se- guida, explicarem a validade do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre. Escreve Adriano Moreira: “Tem por isso razão o grande sociólogo Gilberto Freyre, quando oportunamente repara que na obra de Toynbee, ao extremar e classificar as civilizações, falta a consideração desta forma peculiar de estar no mundo que afortunadamente designou por luso-tropicalismo”.132 As particularidades da formação do Estado Português e a própria organização política e social terão influenciado, de forma indelével, também o pensamento deAdriano Moreira.

“O português provém de velhas sociedades comunitárias, cujas raízes entroncam no clã proto-histórico. A sociedade comunitária é uma espécie de família complexa formada por um con- junto de famílias extensas de natureza patriarcal. O governo da comunidade está confiado ao conselho formado pelos chefes de família (…). Nas regiões mais abertas ao progresso a sociedade comunitária desapareceu há muito, ficaram só alguns exemplares refugiados em lugares mais ar- caizantes pela dificuldade de acesso. Porém, as famílias patriarcais mantiveram-se, umas vezes intactas, com as suas características iniciais, ou então foram-se transformando, todavia sem per- der as tendências fundamentais que provêm da sua origem comum. Portanto o Português onde chegou e se fixou procedeu de acordo com a sua tradição. Os homens que o serviam faziam parte do agregado familiar. (…) O Português agia como um ser humano que lida com outros seres humanos, num plano de fraternal convívio, e não me canso de repetir este postulado fundamental. Isto é tão típico e está tão arreigado, que até nas regiões onde utilizámos o trabalho escravo – que aliás não foi inovação nossa, mas o aproveitamento de um estado de coisas vigente então entre outras

131 Id., Ibid., p. 21. 132 MOREIRA, Adriano - Ensaios, Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e So- ciais, n.º 34, Lisboa, 1960, p.13.

65 José Maria S. Coelho

sociedades -, repito: quando utilizávamos o trabalho de escravos não deixávamos muitas vezes de incluir estes na nossa família patriarcal, multifuncional, como alguns autores brasileiros puseram em evidência”.133

Se é verdade que o espírito do português foi, e ainda é, de solidariedade e de interajuda, mostrando tradicionalmente respeito pelos direitos humanos, é igualmente verdade que no processo de colonização nem sempre estes princípios estiveram presentes. De facto, a questão da escravatura negra foi estimulada por outras sociedades, mas foi também fortemente prati- cada pelos portugueses no Brasil, na restante América e até no Portugal Europeu. A necessidade de suprir a falta de mão-de-obra e a urgência em explorar comercialmente os novos territórios levou a que, nos finais do século XVI, os lusos relegassem para segundo plano a questão hu- manista. Ainda relativamente ao pensamento de Adriano Moreira, escreve o mesmo em dada altura: “Era o objectivo da assimilação que nunca mais se perdeu na tradição portuguesa, uma assimilação que foi sempre interpenetração de culturas, que foi sempre a negação de qualquer etnocentrismo”.134 Nas suas memórias, o Professor Adriano Moreira revela manter a admiração pelas ideias de Gilberto Freyre. Escreve:

“(…) O longo relatório do diploma de 6 de Setembro de 1961 com um só artigo, foi escrito por mim, e por muito que continuasse a hoje atenuada crítica ao luso-tropicalismo, este tem de ser lembrado, até pela participação que tivemos, na sua divulgação, Sarmento Rodrigues no Centro de Estudos da Guiné quando a governou, e eu na Universidade Técnica ao introduzir a matéria na cadeira de Política Ultramarina”.135

O pensamento de Moreira denuncia, de forma clara, a sua ligação aos ideais de Freyre. Esses ideais despertaram, em muitos dos homens do Estado Novo, um interesse relevante, visto tratar-se da justificação cientificamente plausível para a manutenção do Ultramar. Nesta questão da cientificidade das teorias de Gilberto Freyre, importa referir que alguns dos seus opositores a questionam fortemente. Deste assunto trataremos no ponto 3 deste Capítulo. Ao mesmo tempo, o pensamento de Adriano Moreira sempre se pautara pela aceitação dos particu- larismos portugueses na ocupação de novos territórios. A ideologia freiriana veio, tão-somente, dar consistência científica, criando um modelo de pensamento que pode tornar-se parte do pensamento de Adriano Moreira. Defende, assim, não apenas a valoração que deve ser feita do percurso colonizador dos portugueses, ligando-o ao valores humanos, cristãos e civilizacionais, mas igualmente elogia a teoria de Freyre, considerando-a como que uma moldura que enquadra a forma única de estar no mundo, criada pelos portugueses a que chamou de Luso-tropicalismo. Mais ainda, faz remontar essa característica da evolução do povo luso, quer às suas próprias

133 Id., Ibid., pp. 14 e 15. 134 Id., Ibid., p. 20. 135 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo, op. cit., p. 243.

66 Adriano Moreira e o Império Português origens, quer à organização social e administrativa que foi criando ao longo dos tempos. Adriano Moreira defendia, em 1961, o luso-tropicalismo, vendo nesta teoria a explicação de um mundo luso vasto e pluralista. Quando outras potências, especialmente os EUA e a URSS, apontam a Portugal o “crime” de praticar o colonialismo, o Professor vê nas posições das mes- mas um interesse oculto no domínio de novas áreas económico-geográficas. Escreve Adriano Moreira:

“Somos dos que acreditam ser a política chamada anticolonialista, não diremos oficial, dos Estados Unidos, mas de alguns dos seus políticos na África e no Oriente, uma preparação para seu domínio económico e veladamente político em áreas tropicais ainda sob governo ou influência europeia – inclusive hispânica: principalmente portuguesa – e onde se vêm formando, como em An- gola e Moçambique, sociedades e culturas lusotropicais semelhantes à brasileira. Do mesmo feitio lusotropical de sociedades e culturas mistas, simbióticas, difíceis, por conseguinte, de poderem ser confundidas com os domínios coloniais de ingleses, franceses e holandeses nos trópicos”.136

Adriano Moreira assumiu sempre a importância das teorias de Gilberto Freyre face à África Portuguesa. De tal forma o fez que acabaria introduzir por mesmo o estudo do Luso- tropicalismo no currículo da cadeira que leccionava com o nome de “Política Ultramarina”. Escreve Cláudia Castelo:

“No ano lectivo de 1955-56, Adriano Moreira introduz o estudo do luso-tropicalismo no pro- grama da sua cadeira de Política Ultramarina, do 2º ano do curso de Altos Estudos Ultramarinos. A doutrina de Gilberto Freyre passa a ser sistematicamente ministrada num estabelecimento de ensino superior português e a inspirar numerosos trabalhos teóricos e de campo, dissertações de licenciatura e de doutoramento. Muitos desses trabalhos são depois publicados”137.

De facto, na sequência dos estudos ministrados por Adriano Moreira relativos ao Luso- tropicalismo, são vários os trabalhos publicados. Destacamos os seguintes autores: Narana Cois- soró, Jorge Dias, José Luís Gonçalves, Manuela Alfredo Morais Martins entre muitos outros138. Parecia a Adriano Moreira ser possível recriar em Angola e Moçambique sociedades do tipo da que nascera no trópico brasileiro sem, no entanto, negar as diferenças evolutivas a ter em conta. Entretanto, apesar do crescente peso da ONU na política internacional, as duas su- perpotências rivais iam delimitando as zonas de influência de cada uma. Estas zonas incluíam, de forma cada vez mais clara, as Províncias Ultramarinas portuguesas. É nesta matéria que o continente africano se autonomiza em relação a outras regiões do planeta que, depois da Segunda Guerra Mundial, se vão emancipando face ao poder branco. De facto, as colónias africanas assumiram várias modalidades de administração branca desde a

136 MOREIRA, Adriano - Ensaios, Edições Panorama, Lisboa, 1961, p. 18. 137 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo, op. cit., p. 102. 138 Id. Ibid., p. 102.

67 José Maria S. Coelho independência com a manutenção do domínio branco, como foi o caso da África do Sul. No caso português, a assimilação foi sempre uma prioridade que explicaria as teses integracionistas. Isto mesmo admitia Adriano Moreira:

“(…) Sendo a África Negra um continente originariamente alheio ao princípio das nacionali- dades, foi moldada por cada potência colonizadora em termos de se terem ali radicado caracteres, tradições, solidariedades que fazem de cada território uma projecção inconfundível da respectiva metrópole. Não parece que nesta análise, valha a pena autonomizar os países africanos que se tornaram independentes com base no clássico nacionalismo ultramarino dos Brancos, que animou o anticolonialismo do século XIX, porque nesses novos Estados, extinta a colónia, manteve-se uma situação colonial cujos caracteres culturais não foram alterados pela mutação política. Concorrem assim em África a administração indirecta, o protectorado e o institucionalismo português”.139

Verdadeiramente informado das questões africanas e dos intentos das superpotências, Adriano Moreira reconhece a particularidade das possessões portuguesas em África, que, com- parativamente a outras realidades coloniais naquele continente, configuravam um caso único. O continente africano apresentava-se como uma extensão das nacionalidades europeias. Era, justamente, uma espécie de prolongamento das características nacionais de cada potentado europeu. Desta guisa, Portugal, apoiado no luso-tropicalismo, pretendia gerar uma realidade que havia vingado no Brasil. Faltava, contudo, a consciência de que o tempo e o modo de agir eram outros, distantes dos que, no século XIX, haviam proporcionado a independência do Brasil, mantendo-se o novo Estado cooperante cultural e institucionalmente com a antiga potência colonizadora – Portugal. Recorrendo ao luso-tropicalismo, Adriano Moreira defende medidas que pudessem con- duzir à construção de uma realidade nova: não a que assentava na dependência política e administrativa, mas, essencialmente, a que dependia das ligações culturais entre os diferentes povos. Aqui sobressai, efectivamente, a questão da língua. A forma como essa ligação pudesse vir a verificar-se não era a principal substância do problema, mas antes interessaria que Portu- gal não se desmembrasse politica e afectivamente. Consideramos que Adriano Moreira decidiu, enquanto actor da política externa primeiro, e, depois, enquanto Ministro, abrir caminho à criação de uma entidade politico-cultural baseada nas afinidades culturais, começando, justa- mente, pela principal que é a língua portuguesa. De certa forma, a acção de Adriano Moreira antecipa o nascimento da CPLP, ainda que numa perspectiva mais agregacionista. Pretende Moreira aplicar um sistema muito próximo daquele que o Reino Unido conseguiu efectivar no seu vasto império. Neste sentido, escreve Adriano Moreira:

“A política de administração indirecta apresenta-se como o traço mais característico da política colonial inglesa, mas convém notar que não se trata de uma política homogénea e, por outro lado, que a sua relevância actual depende da circunstância de estar unida a uma política

139 Id., Ibid., p. 32.

68 Adriano Moreira e o Império Português

de coexistência racial permanente no território colonial. (…) Nos finais do século XIX escrevia Franqueville: «A imaginação fica confusa quando se pensa na imensidade deste império colonial. Como resolver o problema de governar países tão diferentes, conciliar tantos interesses opostos? Parece, na verdade, que a raça britânica recebeu um dom especial para triunfar numa tal empre- sa». A autonomia traduziu-se na centralização de uma pequena parte do poder político, incluindo a jurisdição do Conselho Privado e do Supremo Tribunal, e na entrega da gestão dos interesses locais aos próprios colonos. Dizia Pitt ao Parlamento, em 6 de Março de 1791: «Estou convencido de que o único meio de conservar vantajosamente as colónias afastadas é pô-las em estado de se governarem por si próprias»”.140

Embora Adriano Moreira nunca tenha assumido claramente um modelo definitivo para o futuro daqueles territórios africanos, pelo menos não encontrámos referência a essa opção, o certo é que a sua ideia foi a de manter uma forte unidade entre todo o mundo ultramarino português e a metrópole. É igualmente plausível que essa ligação fosse, sobretudo, baseada na cultura e na língua, antecipando, assim, a construção de uma realidade que só mais tarde se veio a efectivar – a CPLP.

3. O Luso-tropicalismo em outros autores.

Cláudia Castelo é uma das mais proeminentes estudiosas do Luso-tropicalismo. A autora tem-se debruçado sobre vários aspectos dessa teoria de Gilberto Freyre, fazendo uma ligação forte entre a “fabricação” do luso-tropicalismo e a necessidade que o Estado Novo tinha de encontrar uma base científica capaz de explicar a manutenção do Império. Cláudia Castelo re- fere-se, com clareza, à assunção por parte da ditadura saída da revolução de 1926, do espírito imperialista que derivou das complexas negociações de finais do século XIX, nomeadamente dos acordos firmados em Berlim em 1894/95. Oliveira Salazar, mesmo antes de se tornar Presidente do Conselho, participa, activamente, na formulação desse espírito imperialista que irá nortear as relações do Estado português com as Colónias até à revisão constitucional de 1951. Escreve Cláudia Castelo: “Em 1930, antes mesmo do Estado Novo ser consagrado constitucionalmente, Salazar, com o concurso de Armindo Monteiro e Quirino de Jesus, elabora um Decreto que inclui o seu projecto político parta as colónias; o Acto Colonial”141. A autora estabelece um marco in- delével na ocupação portuguesa das colónias e esclarece a vontade do regime, afastando-se dos ideais republicanos, em assumir o espírito imperialista baseado na missionação, na capacidade de os portugueses civilizarem povos ainda num estado de desenvolvimento muito rudimentar e, sobretudo, assume uma posição de defesa intransigente de um Império herdado dos esforços de várias gerações de portugueses. Trata-se do princípio nacionalista que se prende com a visão histórica da questão. Cláudia Castelo explica a construção desta mística imperial analisando a

140 MOREIRA, Adriano - Política Ultramarina, Junta de Investigações do ultramar, I, Lisboa, 1960, pp. 286 e 287. 141 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 45.

69 José Maria S. Coelho posição de Armindo Monteiro142:

“Subjacente a esta política está uma ideologia imperial, cujo principal teorizador é Armindo Monteiro, ministro das Colónias de 1931 a 1935. Este concebe o Império como algo de atemporal, que paira acima de todos os interesses e se confunde com a vontade profunda do povo: «Portugal pode ser apenas uma nação que possui colónias ou pode ser um Império. Este será a realidade espi- ritual de que as colónias sejam a corporização. A par da extensão territorial, o Império resulta, so- bretudo, da existência de uma mentalidade particular. Funda-se esta, essencialmente, na certeza que a nação possui do valor da obra que já realizou, na vontade de a prosseguir ininterruptamente, na convicção que pode prossegui-la, vencendo todas as dificuldades». À frente do Ministério das Colónias, Monteiro trabalha em prol da criação de uma verdadeira mística imperial capaz de enraizar em todos os portugueses o amor pelo império e de contribuir para a afirmação do Estado Novo”.143

A autora esclarece a pouca adesão dos políticos portugueses dos anos de 1930 às teorias luso-tropicalistas de Gilberto Freyre. A doutrina deste, ainda que construída nos anos 30 do século XX, encontrava pela frente a oposição daqueles que, a todo o custo, ambicionavam cons- truir um Império indivisível e centralizado na Metrópole. Mais tarde, é o próprio Estado Novo e, em particular o seu inventor, Oliveira Salazar, quem se associa ao luso-tropicalismo. A construção do Estado Novo coincide com a construção de uma nova ideia de Império. Esta deve muito à acção de Armindo Monteiro que a constrói num lastro de epopeia levada a cabo por heróis que fizeram do povo português um povo especial. Romanceando esse espírito de Império, Armindo Monteiro elabora uma tese que suportará, até ao fim, a posição do Estado Novo face às possessões de além-mar. A nova ideologia imperial de Armindo Monteiro confunde- se com a própria ideologia salazarista. A este propósito escreve Cláudia Castelo:

“Num artigo publicado no Boletim Geral das Colónias, em 1933, é apresentado como «uma criação maravilhosa, cimentada pelo esforço de inúmeros pioneiros através dos séculos, levantan- do-se para o céu sobre o soco sangrento de muitos soldados, funantes, missionários, gente de saber e gente de aventura, homens de paz e homens de guerra, caídos na luta com o desconhecimento dos mares e das selvas». Pelo empolamento retórico e pela manipulação da história, Monteiro co- loca o Império «acima das finanças, da economia e da política», em comunhão com o passado, a moral e o sentimento nacionais, qual «consubstanciação do próprio ideal português»”.144

Cláudia Castelo mostra-nos, de forma clara, a nova visão de Império que, formatada na história e no espírito de missão do povo português, irá, mais tarde, aliar-se ao Luso-tropicalis- mo de Freyre.

142 Armindo Monteiro desempenhou o cargo de ministro das Colónias entre 1931 e 1935. 143 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 47. 144 CASTELO, Cláudia, op. cit., p. 47.

70 Adriano Moreira e o Império Português

Sebastião Vila-Nova é outro dos autores que se debruçam atentamente sobre o pensa- mento de Gilberto Freyre145 Para este académico, quando no Brasil se fala em Gilberto Freyre, ocorre, na maioria dos espíritos, a ideia de que se está a falar de um sociólogo. É esta, de facto, a ligação que habitualmente se faz entre a linha de pensamento freyriana e o seu autor. Não sem mostrava viável a ideia de identificar como semelhantes a realidade brasileira e as diversas realidades da África portuguesa. Por outro lado, o Acto Colonial e o Estatuto do Indígena garantiam a diferenciação social e jurídica das populações autóctones e da população branca aí instalada. Quanto ao Acto Colonial, dada a sua importância para a concretização das orientações da política colonial do Estado Novo, acabaria por ser considerado uma peça fundamental na futura Constituição Política. Foi Salazar quem lhe atribuiu essa importância, conforme transparece do seguinte texto:

“[…] Apenas algumas semanas após a promulgação do Acto Colonial, no seu discurso de 30 de Julho, Salazar já o comentava em termos mais políticos, associando-o à independência da nação portuguesa, inspirando-se na redacção do artigo 2º do Acto que, pela primeira vez num texto jurí- dico desta natureza, acabava de conferir um valor constitucional à missão colonizadora concebida como inerente à identidade da nação portuguesa: «Na nossa ordem política, a primeira realidade é a existência independente da Nação portuguesa, com o direito de possuir fora do continente europeu, acrescendo à sua herança peninsular, por um imperativo categórico da história, pela sua acção ultramarina em descobertas e conquistas, e pela conjugação e harmonia dos esforços civili- zadores das raças, o património marítimo, territorial, político e espiritual abrangido na esfera do seu domínio ou influência.» Na década de 50, uma vez realizadas as revisões, a revisão constitu- cional de 51 e a substituição dos termos «império colonial» e de «províncias ultramarinas», Salazar devia resumir assim as três principais linhas de força do Acto Colonial, revogado durante a revisão de 1951: «maior concentração de poderes, quer no governo central, quer no governo ultramarino; forte reivindicação de ordem nacional e um pensamento de coordenação e integração das várias partes na unidade pluriforme da Nação Portuguesa – a que, logo a seguir, acrescentará como outra grande ideia do Acto Colonial a ideia de império […]”.146

De facto, tudo parecia garantir a manutenção de uma realidade colonial que, a menos que houvesse fortes convulsões, reunia todas as condições para a manutenção do poder domi- nante de Portugal sobre as suas Colónias. Omar Ribeiro Thomaz escreve o seguinte sobre este tema:

“Devemos, contudo, olhar com cautela a adoção do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre por parte dos setores da “intelligentsia” e do poder portugueses. Suas teses não foram, inicialmente, bem recebidas e entre os anos 30 e 40 foram rejeitadas por importantes intelectuais e colonialis-

145 A bibliografia sobre estudos referentes ao pensamento do sociólogo brasileiro é vasta e encontra-se referenciada nesta tese. 146 LÉONARD, Yves - O Império colonial salazarista, in História da Expansão Portuguesa, Último Império e Recentramento (1930-1998), Volume 5. Navarra: Espanha, Edições Temas e Debates, 2000, pp. 18 e 19.

71 José Maria S. Coelho

tas, para quem o processo observado no Brasil pouco ou nada servia para interpretar a realidade das colónias africanas; quando muito era um sinal de alerta do que deveria ser evitado a todo o custo pela administração colonial: a miscigenação, em contexto africano, não poderia ser celebra- da, e o processo de assimilação cuidadosamente controlado pelo rigoroso regime do “indigenato”, legislação que afirmava a nacionalidade portuguesa de todos os territórios e gentes sob jurisdição lusa, ao mesmo tempo em que fixava a desigualdade característica desses grupos, inscrita na pró- pria diversidade de seus “usos e costumes””.147

Para este autor, a consistência do luso-tropicalismo freyriano é problemática. É-o, na justa medida em que se deve considerar uma teoria arredada da realidade africana no contexto das Colónias portuguesas. De facto, enquanto o território brasileiro foi sendo ocupado siste- maticamente por portugueses da metrópole, a África portuguesa viveu até à segunda metade da década de 1940 uma segregação rácica resultante da fraca emigração branca para aqueles territórios ultramarinos. Assim, há que considerar dois períodos diametralmente opostos, quer quanto ao envio de portugueses metropolitanos para África, quer em relação à aceitação do luso-tropicalismo. Considera-se, segundo inferimos da perspectiva do autor, o período anterior à Segunda Guerra Mundial e o tempo que se afirma a seguir ao fim desta em 1945. Omar escreve o seguinte:

“É nos anos 50 que, entre muitas controvérsias, se fixa uma interpretação luso-tropical para as colónias e enclaves portugueses; paradoxalmente, é nesse período que ganham vulto as pressões pela descolonização, ao tempo em que o estabelecimento de famílias brancas em Angola e Moçam- bique acirra uma realidade social segregacionista e temos, enfim, a estruturação dos modernos movimentos de libertação nacional e a acumulação de tensões que levariam a mais de uma década de guerra, por si só questionadora do modelo luso-tropical elaborado por Gilberto Freyre. Pela for- ça das armas, angolanos, moçambicanos e guineenses afirmavam: “Nós não somos portugueses”, e a crise do império viria a significar a crise da nação”.148

Apesar de todas as contrariedades, os ideais do luso-tropicalismo, assentes, sobretudo, na língua portuguesa e no valor integracionista da mesma, e ainda na miscigenação, vão sendo recordados ou mesmo, em parte, recuperados. Entre saudosistas do “antigo império” e mesmo entre os europeístas confessos, o período do pós-colonialismo é fértil no ressurgimento do velho luso-tropicalismo. Vejamos o que diz a este respeito, mais uma vez, Omar Ribeiro:

“(…) num período pós-colonial que implicou profundas transformações em Portugal e nos países remanescentes do império, volta e meia vemos a retórica luso-tropical a todo o vapor. Longe de ser um património apenas de saudosistas do império, traços do luso-tropicalismo reaparecem

147 THOMAZ, Omar Ribeiro - Uma retórica luso-tropical [em linha]. Folha de São Paulo, Caderno Mais!, 12/03/2000. Disponível em http://www.cefetsp.br/edu/eso/patricia/retoricalusafreyre.html. Consultado em 18 de Maio de 2015. 148 Ib., Ibid.

72 Adriano Moreira e o Império Português

em debates sobre a “identidade portuguesa” (pertencentes a uma longa linhagem) que envolvem intelectuais e políticos progressistas como Boaventura de Souza Santos, Eduardo Lourenço e Mário Soares, num momento em que Portugal redefine sua história e suas fronteiras no contexto da União Europeia”.149

Entre os autores que se têm debruçado sobre a validade das teorias luso-tropicalistas de Gilberto Freyre, encontramos, por um lado, os pensadores ligados ao regime do Estado Novo e, por outro, aqueles que pelejavam pela independência das Províncias Ultramarinas, nomea- damente os líderes dos movimentos de guerrilha nos diferentes territórios africanos. Nos pri- meiros incluímos, naturalmente, Adriano Moreira, mas igualmente, Orlando Ribeiro, Almerindo Lessa, J. J. Gonçalves, Jorge Dias e, evidentemente, Marcello Caetano. No segundo grupo, temos, entre outros, o cabo-verdiano Baltasar Lopes ou o angolano Mário Pinto de Andrade. Evidentemente que, nesta breve referência, não podemos ignorar o guineense Amílcar Cabral. A oposição deste último grupo baseava-se, naturalmente, naquilo que consideravam ser uma mis- tificação que era a comparação entre o Brasil e a África, dado que não aceitavam naturalmente aquilo a que Freyre chamou o modo português de estar no mundo. Negavam, em concreto, este espírito que se resumia genericamente no seguinte texto:

“Na base de todo este edifício lusotropical estava, portanto, o português colonizador, aves- so ao racismo, eroticamente vocacionado a ligar-se sem quaisquer preconceitos racistas com índias e negras, o português reinol que era já, ele mesmo, produto de miscigenações de judeus, árabes e cristãos… Este português, vitoriosamente aclimatado aos trópicos, criara a pujante cultura e civilização do Brasil, criação para a qual Freyre vinha há muito pedindo a fundação de uma nova ciência explicativa do fenómeno sem par na história geral das civilizações – Toynbee, por exemplo, esquecera-se de mencionar o nosso grande êxito ecológico-histórico nos trópicos de Vera Cruz -, a Luso-tropicologia“.150

Os opositores de Gilberto Freyre viam neste pensamento uma construção ideológica que, antes de mais, deveria servir para justificar a posição salazarista face ao Império Colonial Por- tuguês. Não é estranho verificar que quem deu visibilidade a esta teoria foi, essencialmente, o Estado Novo português. Entre muitos outros críticos da teoria luso-tropicalista, encontramos Mário Pinto de An- drade. Trata-se de um ensaísta e activista político angolano. Homem culto, iniciou os seus estu- dos em Luanda, tendo concluído os estudos secundários no Colégio das Beiras ainda em Angola. Cursou Filologia Clássica na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa. Intelectual reco- nhecido, privou com outros activistas seus contemporâneos, nomeadamente Agostinho Neto e

149 Ib., Ibid. 150 MEDINA, João - Gilberto Freyre Contestado: o lusotropicalismo criticado nas colónias portuguesas como alibi colonial do salazarismo [em linha]. Revista USP, São Paulo, n.º 45, p. 48-61, Março/Maio 2000, p. 51. Disponível em http://www.usp.br/revistausp/45/05-joaomedina.pdf. Consultado em 22 de Março de 2015.

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Amílcar Cabral. Chegou mesmo a fundar, em 1951, o Centro de Estudos Africanos. A sua forte ligação aos movimentos independentistas africanos e a postura de forte crítica ao Estado Novo português acabariam por levá-lo ao exílio. Refugiado em França, trava conhecimentos com ou- tros representantes da causa independentista africana. Entre estes, encontramos as ligações a Léopold Senghor, um dos fundadores da OUA, e a correligionários de Nelson Mandela. Trata-se, portanto, de um vulto em termos de pensamento anticolonialista e de um fervoroso defensor da causa africana. Acabaria mesmo por se tornar o líder do MPLA. Interessa-nos, agora, evidenciar a recusa do luso-tropicalismo anunciada por Mário Pinto de Andrade. Na verdade, embora reconhecendo algumas particularidades na forma como os portugueses se fixaram nos territórios ultramarinos, recusa ver nelas a identificação deum processo único e formal válido para o Brasil e para as restantes possessões portuguesas. Esta questão seria, antes de mais, uma construção ideológica, tanto de Gilberto Freyre como, so- bretudo, dos homens do regime salazarista. João Medina é claro quando se refere à crítica de Mário Pinto de Andrade ao Luso-tropicalismo:

“A noção, ou melhor, o mito de que Portugal não seria racista nem colonizaria porque era, desde a sua mais íntima natureza, multirracial e pluricontinental, aparecendo portanto como uma nação africana também, estaria presente nos principais discursos dos dirigentes da Ditadura salaza- rista, tanto nos discursos do próprio Salazar como em Franco Nogueira, sem esquecer académicos ou ideólogos como Adriano Moreira, Orlando Ribeiro, Almerindo Lessa, J. J. Gonçalves, Jorge Dias, etc. e no seu complemento marcelista (1968-74), tendo sido naturalmente repudiada pelos líderes e pensadores dos movimentos de emancipação das colónias lusas, tais como os escritores e dirigen- tes políticos acabados de mencionar. O anti-lusotropicalismo destes dirigentes dos movimentos de libertação africana comprova assim que as ideias pró-ditatoriais e colonialistas (portuguesas), ou o seu alibi legitimador, colhidas em G. Freyre, repugnaram aos povos que lutavam por se libertarem do “imperialismo”.151

A razão das críticas ao pensamento de Freyre adoptado pelo regime de Oliveira Salazar era pertinente. Na verdade, se a justificação luso-tropicalista para a construção de um hipo- tético mundo luso estivesse cientificamente comprovada, ela serviria, antes de mais, para legitimar a manutenção do colonialismo africano. Restava aos opositores à manutenção do Império Colonial Português recusar tal teoria. Da parte de Pinto de Andrade, a crítica aberta ao luso-tropicalismo iniciou-se durante o seu exílo em França. Havia, pois, que dar voz à oposição protagonizada por tantos e tantos africanos refugiados. Afirma João Medina:

“Cremos que a primeira crítica explícita e politicamente assumida ao lusotropicalismo freyria- no surgiu nas páginas da revista parisiense Présence Africaine, em 1955, sob o pseudónimo de Buanga Fele: intitulava-se “Qu’est-ce que le ‘Lusotropicalismo’ ?” e saiu no nº 4 (outubro/novembro de 1955)

151 Id., Ibid.

74 Adriano Moreira e o Império Português

dessa importante revista teórica do nacionalismo africano dessa década e da seguinte””.152

As ideias expressas por Pinto de Andrade influenciariam muitos dos seus contemporâne- os, alguns dos quais homens de relevo da emancipação da África portuguesa, como . Este, por curiosidade, acabaria por estabelecer excelentes relações de amizade com Adriano Moreira. Tal informação foi-nos prestada pelo próprio, em entrevista que com ele tivemos a seis de Março de 2014, na Academia das Ciências de Lisboa. Ainda segundo a mesma fonte, Mondlane acabaria por apreciar os esforços encetados pelo Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, no sentido da autonomização dos territórios ultramarinos. Para muitos dos opositores ao Luso-tropicalismo, a extrema valorização que alguns au- tores deram às teorias de Gilberto Freyre e, em particular, às questões da mestiçagem e do cruzamento de culturas e de etnias, como marcos decisivos na formação do chamado “mundo português”, acabaria por exacerbar os contributos civilizacionais dos lusos, o que, em última instância, descredibilizou a própria teoria de Freyre. Já no que respeita à importância da língua portuguesa na construção de um modelo operativo capaz de identificar o mundo luso, torna-se necessário compreender a troca de in- fluências que as línguas, ou melhor, os dialetos autóctones tiveram com a língua de Portugal. Decerto, o factor mais determinante na construção de um Mundo Português foi mesmo a língua. Como diz Adriano Moreira, “A língua não é nossa, também é nossa”.153 Aprofundando mais este conceito, escreve ainda Adriano Moreira:

“Em coerência com a conclusão que tenho sustentado sobre a língua portuguesa – que não é nossa, mas também é nossa, e referindo palavras anteriores, ditas na Faculdade de Filosofia de Braga – prefiro a formulação que usei nos Congressos das Comunidades de Cultura Portuguesa, na década de sessenta do século passado, e foi ela a maneira portuguesa de estar no mundo, em cuja definição a língua teve uma intervenção determinante, transmitindo e recebendo valores, porque a língua nem é neutra nem é imune à mestiçagem derivada dos encontros com as variadas gentes e culturas por cuja história passou. Este sincretismo de valores articulados com valores locais, que, por exemplo, tem no Brasil circunstâncias diferenciadas das que teve nos territórios africanos ou no Oriente, obriga a reconhe- cer que a língua não é nossa, também é nossa”.154

Um dos vultos intelectuais portugueses contemporâneo de Adriano Moreira e ainda vivo, Eduardo Lourenço, apresenta com reforço profundamente crítico a sua oposição ao luso-tropi- calismo. Como já escrevemos nesta tese, Eduardo Lourenço seguiu sempre, ideológica e politi- camente, caminhos distintos dos de Moreira. Lourenço considera que o pensamento de Gilberto Freyre é tendencioso, pernicioso e até maléfico, no sentido em que cria ilusões sociológicas sem

152 Id., Ibid. 153 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental, Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, p. 145. 154 Id., Ibid., p. 145.

75 José Maria S. Coelho bases científicas. Escreve Eduardo Lourenço:

“De onde terá vindo a Gilberto Freyre a bizarra ideia de que o europeu se autodefinia com etnológica precisão justamente como europeu, metafisicamente, resultando assim a priori impos- sível que ele compreendesse o alheio? Só tal hipótese implícita explica os êxtases luso-tropicais de Gilberto ao verificar esta coisa simples de portugueses e espanhóis (e outros, e outros, ilustre sociólogo…) terem feito sua uma realidade estranha. […] Tudo isto não teria importância alguma se a não-verdade fosse inocente, mas jamais o é. Em particular, o sociologismo polémico e apologéti- co de G. Freyre esconde, sob a cordialidade luxuriante de um «universalismo tropical», intenções nada inocentes. As suas sínteses abusivas, os seus slogans primários são o emblema de cruzadas duvidosas. Este resultado histórico da sua apologética não pode nem deve ser silenciado”.155

Eduardo Lourenço não reconhece validade às teorias de G. Freyre e acusa o sociólogo de perseguir objectivos pouco claros, numa evidente alusão ao facto de Freyre se ter prestado a construir uma teoria à medida do Salazarismo. A crítica a Freyre assume mesmo níveis de ata- que feroz quando Lourenço escreve:

“Fácil é de ver que a originalidade de Gilberto Freyre repousa menos sobre uma compreen- são nova e positiva de uma realidade histórico-cultural delimitada – a da civilização que tem os Tró- picos por quadro e os portugueses, índios e negros por agentes -, que sobre uma prévia mitificação da realidade tropical. Da realidade diversa e complexa que são os Trópicos, Gilberto Freyre fala, não como sociólogo, mas como apologeta, sem quere saber de contradições nem de desmentidos mais evidentes da experiência. Da geração nordestina de romancistas, G. Freyre encontrou nos Trópicos a sua matéria romanesca”.156

Há, de forma evidente, uma recusa na aceitação do Luso-tropicalismo de Freyre por par- te de Eduardo Lourenço. Evidentemente que sendo Lourenço um homem de esquerda, exilado pela ditadura de Salazar, jamais poderia aceitar a “invenção” de uma teoria social que seria, antes de tudo o mais, um instrumento político do regime. Atrevemo-nos a afirmar que Adriano Moreira continua profundamente imbuído do espírito luso-tropicalista. Inferimo-lo, não apenas das leituras que temos feito acerca do seu pensa- mento, mas igualmente das palavras experimentadas que lhe ouvimos no encontro que com ele mantivemos e a que já aludimos. Para o Professor, a questão da identidade de uma Nação e, também, de um grupo de Nações que se sentem interligadas pela cadeia cultural, reside, essen- cialmente na partilha da língua. Neste particular, que é o alicerce da construção de qualquer realidade político-cultural, o factor de união entre os povos ligados durante séculos a Portugal esteve sempre na partilha do mesmo código linguístico e nas tradições a ele associadas. Por seu

155 LOURENÇO, Eduardo - Do Brasil fascínio e miragem, organização e prefácio de Maria de Lourdes Soa- res. Gradiva, 1.ª edição, Lisboa, 2015, pp. 132 e 133. 156 Id., Ibid., pp. 128 e 129.

76 Adriano Moreira e o Império Português turno, nem sempre as realidades Estado/Nação são coincidentes. Muitas vezes, várias Nações coabitam no mesmo Estado, sendo este uma forma de unidade meramente jurídica e não afec- tiva. Esta deriva só de questões culturais onde a língua partilhada se apresenta, frequentemen- te, como elo de unidade. Isto mesmo escreve Adriano Moreira:

“Apenas depois da guerra de 1914-1918, se fixou, por iniciativa do Presidente Wilson, o princípio ocidental da desejável coincidência entre Nação e Estado, uma proclamação que ainda hoje anda largamente distanciada da realidade. Daqui que a língua tenha necessária relação com a identidade, mas não necessariamente com o que, para distinguir, podemos chamar de nacionalismo agressivo, ante uma movimentação da identidade a favor da conquista e afirmação da independência política. De facto, a língua co- mum, embora outros factores possam concorrer para a vocação da independência soberana, como aconteceu com a descolonização do século XX, cresceu de importância à medida que o nacionalis- mo a definia como uma sólida precondição”.157

O Professor Adriano Moreira aparece, justamente, como um verdadeiro crente na bonda- de dos elementos contidos no pensamento de G. Freyre.

4. Luso-tropicalismo: uma teoria do Estado Novo?

Uma das críticas que amiúde é feita ao pensamento luso-tropicalista de Gilberto Freyre é a de que a realidade brasileira, como todas as realidades, é única na vastidão dos casos de descolonização e da construção de uma sociedade com características próprias. Justamente porque a construção social do Brasil foi única, dependente de factores endógenos e exógenos irrepetíveis, muitos autores apontam irrealismo no pensamento freyriano. Vários traços da re- alidade brasileira terão contribuído para que a antiga colónia portuguesa se tornasse indepen- dente ainda no século XIX e tivesse permanecido unificada. As miscigenações criadas naquele território, tanto culturais como raciais, formaram uma realidade única. A instalação dos portugueses em África assumiu feições diferenciadas das verificadas na América ou na Ásia. Ao encontro de sociedades organizadas em pequenas comunidades tribais, os portugueses rumaram à África negra com o intuito superior da exploração de recursos. Aí, a fixação lusa foi muito tardia e de forma descontinuada no tempo e no espaço, não tendo, por isso, nada a ver com a instalação lusa em terra de Vera Cruz. Por outro lado, ao contrário da realidade asiática ou americana, no caso africano, é de notar que, até ao século XX, foram mais as influências de África em Portugal, que dos portugueses naquele continente. Esta troca de africanos, que se instalaram em Portugal, dando a uma boa parte da população lusa alguma tez escura, deveu-se, essencialmente, à vinda de escravos, o que não aconteceu com os povos das Américas ou da Ásia. A irregular instalação de portugueses em África limitou a criação naquelas paragens de repositórios da cultura lusa. A criação de um legado cultural e linguístico portu-

157 Id., Ibid., p. 155.

77 José Maria S. Coelho guês em África foi menos sistemático e pouco profundo, se comparado com o que se passou em terras brasileiras. A ocupação dos territórios africanos não teve a mesma intensidade, não de- vendo, portanto, ser comparada com a verificada no Brasil. Aqui, pela inexistência de materiais imediatamente comerciáveis, a instalação e exploração da terra foi a forma encontrada para a fixação dos portugueses. Na África, a realidade foi bem diferente – as capitanias deram lugar às feitorias e estas a formas de fixação branca muito mais aligeirada. Contudo, há que considerar que, tal como aconteceu com outras potências coloniais, o etnocentrismo luso contribuiu para a formação de uma comunidade alargada com traços culturais comuns. De entre esses traços, sobressai, justamente, a língua. Isto mesmo refere Jorge Dias:

“Eu creio que o grande êxito das relações que os Portugueses estabeleceram com popula- ções de todos os continentes, algumas das quais ainda perduram com o mesmo equilíbrio e vigor e outras deram lugar a sociedades novas e completamente originais na história da humanidade, como o Brasil, é a consequência de uma forma de etnocentrismo sui generis. De facto, o Português não tem necessidade de se afirmar negando, antes, pelo contrário, movido por um ideal de fraternida- de, afirma-se amando. Está nisso o segredo da harmonia que se observa em todos os territórios em que os Portugueses se fixaram”.158

Embora Dias considere haver similitude entre as várias formas de colonização feita pe- los portugueses, a verdade é que as diferenças entre a realidade brasileira e as restantes são grandes. De facto, ainda que tenha sido um sonho dos governantes do Estado Novo replicar em África a realidade brasileira, tal nunca seria possível. Adriano Moreira considera mesmo que, após a Segunda Guerra Mundial, e no momento em que a ONU pressiona Portugal no sentido de autonomizar os territórios sob a sua administração, Angola e Moçambique encontravam-se num processo de construção social e cultural semelhante ao criado no Brasil. Disto mesmo dá conta Adriano Moreira:

“Somos dos que acreditam ser a política chamada anticolonialista, não diremos oficial, dos Estados Unidos, mas de alguns dos seus políticos na África e no Oriente, uma preparação para seu domínio económico e veladamente político em áreas tropicais ainda sob governo ou influência europeia – inclusive hispânica: principalmente portuguesa – e onde se vêm formando, como em An- gola e Moçambique, sociedades ou culturas lusotropicais semelhantes à brasileira. Do mesmo feitio lusotropical de sociedades e culturas mistas, simbióticas, difíceis, por conseguinte, de poderem ser confundidas com domínios coloniais de ingleses, franceses e holandeses nos trópicos”.159

A colonização sistemática da África portuguesa por brancos da metrópole só se verificou

158 DIAS, Jorge - A Expansão ultramarina, p. 147. In Macagno, Lorenzo - Lusotropicalismo e nostalgia étnica: Jorge Dias entre Portugal e Moçambique [em linha], pp.107 e 107. Disponível em http://www. afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n28_p97.pdf. Consultado a 17 de Novembro de 2014. 159 MOREIRA, Adriano - Ensaios, Edições Panorama, Lisboa MCMLXI, p. 18.

78 Adriano Moreira e o Império Português a partir dos finais da década de 1940,160 o que não permitia ainda verificar o resultado dessa mesma ocupação nos inícios da década de 1960. Internacionalmente, a pressão sobre Portugal no sentido da descolonização era cada vez maior. René Rémond retrata bem o ambiente internacional do pós-Segunda Guerra Mundial, relativo às emancipações coloniais que se verificaram:

“A evolução das relações internacionais nas duas décadas que se seguiram à Segunda Guerra Mundial foi largamente dominada pela luta dos povos colonizados pela emancipação e pelo apare- cimento de um terceiro mundo que aspirava a manter-se neutro entre os dois blocos antagónicos. Um dos acontecimentos mais importantes da história contemporânea é o acesso das colónias à independência e a entrada na cena das relações internacionais, como actores sujeitos, de povos que, durante muito tempo, apenas aí tinham figurado como objectos”.161

Até que ponto o Estado Salazarista aproveitou e legitimou a sua política colonial através das teorias de Gilberto Freyre? É disso mesmo que queremos tratar, agora introduzida que foi a ocupação lusa da África. Na verdade, para além das viagens realizadas por Freyre à África a expensas do próprio Estado português, a apropriação que este desejava fazer das teorias luso-tropicalistas conduziu mesmo o governo nacional a «encomendar» obras a Gilberto Freyre que pudessem legitimar a situação ultramarina portuguesa. Disso dá-nos conta Cláudia Castelo quando escreve:

“Gilberto Freyre vai escrever mais duas obras especificamente sobre a temática do luso- tropicalismo: Integração portuguesa nos trópicos (1958) e O luso e o trópico (1961). Importa su- blinhar que estas duas obras são «encomendas» e publicadas por organismos do Estado português. A primeira, pela JIU, na coleção ECPS; a segunda, pela Comissão Executiva das Comemorações do Quinto Centenário da Morte do Infante D. Henrique, no âmbito do Congresso Internacional de História dos Descobrimentos. O Estado Novo utiliza estes livros, supostamente científicos, como instrumento de propaganda e de legitimação da sua política colonial. Se a manipulação político- ideológica é exterior aos textos, no interior dos textos radica a sua possibilidade. O autor não deixa de ser conivente com esse processo”.162

Que o regime português do Estado Novo absorveu na íntegra o essencial das teorias luso-tropicalistas de Gilberto Freyre já o afirmámos. Deve contudo vincar-se que algumas das parcelas do pensamento de Freyre foram fortemente instrumentalizadas pelo Salazarismo quer para consumo interno, quer para propaganda externa. Apesar dessa constatação as suas teorias acerca das mesmas e construíra um raciocínio lógico que terminaria na criação da teoria luso- tropicalista. Isto mesmo é afirmado por Jerry Dávila:

160 Já foi referido por nós anteriormente. 161 RÉMOND, René - Introdução à História do nosso tempo, do Antigo Regime aos nossos dias. Gradiva, Lisboa, 2011, pp. 404 e 405. 162 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo, op. cit., p.37.

79 José Maria S. Coelho

“Apesar de não ter ido às colónias portuguesas na África e na Ásia e de não haver tido acesso a uma boa quantidade de material de pesquisa a respeito delas, Freyre estava convencido de que poderia interpretá-las da mesma forma que o Brasil. Como para ele os povos de cor desses con- tinentes eram indiferenciáveis naquele momento, suas culturas locais perdiam importância ante as virtudes portuguesas. Isso significava que Freyre podia generalizar suas descrições do Brasil, considerando-as válidas igualmente no caso do colonialismo lusitano em África e na Ásia, e perti- nentes não apenas no âmbito da longínqua conquista e do estabelecimento de colónias do século XVI, como também do colonialismo de meados do século XX”.163

Em boa verdade, o criador do luso-tropicalismo cometeu um erro de análise – extrapolou a realidade brasileira para a África, o que conduziu a generalizações que são sempre perigosas. Embora com pressupostos idênticos, as realidades coloniais das diferentes áreas ocupadas por Portugal não podiam resultar da mesma forma, pois que pertenciam, antropologicamente, a complexidades humanas diferentes na forma organizativa e igualmente nos lastros culturais. Contudo, seja como for, o certo é que a proposta teórica de Gilberto Freyre sofreu uma apro- priação por parte do Estado Novo. Dessa realidade não duvidamos e baseamos a nossa convicção na posição de autores como Yves Léonard. Este considera que as viagens de Gilberto Freyre ao Ultramar entre 1951 e 1952 representam, inequivocamente, o ponto de partida dessa mesma apropriação. Escreve Léonard:

“A viagem oficial - «de estudo e de pesquisa» - que Gilberto Freyre iria efectuar durante mais de seis meses pelas províncias portuguesas, de Agosto de 1951 a Fevereiro de 1952, a convite do ministro do Ultramar, Sarmento Rodrigues, deveria simbolizar o ponto de partida para a apro- priação das teorias do sociólogo brasileiro pelo regime salazarista. Um ponto de partida tanto mais simbólico quanto por ocasião deste longo périplo Gilberto Freyre iria utilizar pela primeira vez a expressão «Luso-tropicalismo», que já germinava nos seus trabalhos anteriores. Foi, de facto, em Goa, no início de Novembro de 1951, que o «Brasileiro em terras portuguesas» pronunciou uma conferência no Instituto Vasco da Gama sobre o tema «Uma cultura moderna: a luso-tropical»”.164

Infere-se desta posição que, mais importante do que a posição de Gilberto Freyre face à vontade de exportar a sua teoria colonial, foi a vontade do Estado Novo de se apropriar do Luso-tropicalismo como fundamento progressivamente construído pelo autor, para justificar externamente a posição portuguesa face ao Império que a ONU recusava admitir.Neste sentido escrevem Alexandre Luís e Carla Luís:

“(…) Perante o leque e a complexidade dos desafios que evoluíam, tornava-se imperioso,

163 DÁVILA, Jerry - Raça, Etnicidade e Colonialismo Português na Obra de Gilberto Freyre [em linha]. Disponível em http://desigualdadediversidade.soc.puc-rio.br/media/revista7_artigo7.pdf. Consultado a 15 de Janeiro de 2014. 164 LÉONARD, Yves - O Império colonial salazarista, in História da Expansão Portuguesa, Último Império e Recentramento (1930-1998), Volume 5. Navarra : Espanha, Edições Temas e Debates, 2000, p.39.

80 Adriano Moreira e o Império Português

para o Estado Novo, promover e divulgar uma imagem nacional de natureza positiva que elevasse e identificasse o valor do País por via de uma série de referências históricas, culturais, mitológicas, entre outras. Ora a recuperação do luso-tropicalismo pelo Salazarismo operava, precisamente, como um engenhosa retórica de propaganda da lusitanidade (portugalidade), procurando firmar/ fortalecer o retrato vinculador do casamento exemplar e sentimental entre a Metrópole e as pro- víncias Ultramarinas (…)”.165

A Segunda Guerra Mundial estabeleceu um marco indelével na visão que o Estado Novo passou a ter das colónias. O antes e o depois aplicam-se com total propriedade. Na verdade, as visões internacionais do pós-1945, relativas à autodeterminação dos povos não autónomos, levariam o regime salazarista a alterar as suas nomenclaturas relativas às Colónias. A revisão constitucional de 1951 e a substituição da designação de Colónias pela de Províncias Ultrama- rinas pretende justificar internacionalmente a não existência de colónias nos territórios sob administração portuguesa. É neste pano de fundo que a progressiva aceitação das teorias de Gilberto Freyre se faz. Torna-se conveniente criar uma base argumentativa com lógica e subs- tância que permita a Portugal responder às questões levantadas nomeadamente pela ONU. A este propósito, escreve António E. Duarte Silva:

“A ‘boa ideia’ e o ‘bom momento’ para convidar Gilberto Freyre a visitar o Ultramar portu- guês foram sugeridos pelo referido José Osório de Oliveira (então chefe de divisão de propaganda da Agência Geral das Colónias) ao Ministro Sarmento Rodrigues, o qual teve a cautela de, antes de proceder ao convite formal, se certificar da sua receptividade junto de Salazar (a quem emprestou bibliografia) e do próprio Governo brasileiro. Não se conhecendo previamente, Gilberto Freyre sabia do papel de Sarmento Rodrigues, como ‘homem de estudo’, no CEGP. O convite (preparado em princípios de 1951) foi contemporâneo da fase final dos trabalhos da revisão constitucional e, à data, Gilberto Freyre ‘acabava de voltar do Peru’, tencionando visitar ‘a Europa com a família’. Sarmento Rodrigues convidou-o, então, ‘para, de volta da França, demorar-me em Portugal; e de Portugal ir ao Ultramar Português, numa viagem que ele deseja que dure um ano’”.166

O interesse de alguns dos membros do Governo de Portugal, certamente os mais ligados ao Ultramar, em se associarem às teorias gilbertianas, torna-se evidente. Mesmo conhecendo- se o processo imparável que era a descolonização iniciada logo após o fim da Segunda Guerra Mundial, o Governo de Salazar orquestrava uma teoria fundada no pensamento de Gilberto Freyre e da qual nem o seu autor se desviava. Seria o próprio sociólogo brasileiro a construir em redor das possessões portuguesas a “muralha” do modo português de estar no mundo. Na

165 LUÍS, Alexandre António da Costa e LUÍS, Carla Sofia Gomes Xavier, A imagem de Portugal promovi- da pela instrumentalização salazarista do luso-tropicalismo, p. 20, in CRISTINA Costa Vieira (et. Al.), PORTUGAL – BRASIL – ÁFRICA, Relações Históricas, literárias e Cinematográficas, edição dos Serviços Gráficos da Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2014. 166 Silva, António E. Duarte - Sarmento Rodrigues, a Guiné e o luso-tropicalismo [em linha], Cultura (online), Vol. 25/2008, posto online no dia 24 de Janeiro 2013, consultado a 26 de Março 2014. Disponível em http://cultura.revues.org/586; DOI:10.4000/cultura.586.

81 José Maria S. Coelho verdade, após o convencimento de Oliveira Salazar, por parte de Sarmento Rodrigues, da bon- dade e do interesse das viagens de Gilberto Freyre ao Ultramar Português, o périplo por aqueles territórios inicia-se em 1951. Esta data marca, justamente, a verdadeira apropriação do luso- tropicalismo pelo regime político português. Relativamente a essas várias viagens às possessões lusas, Gilberto Freyre afirmava o seguinte:

“Em contacto com o Oriente e com a África portuguesa, (…) senti confirmar-se uma reali- dade por mim há anos adivinhada ou pressentida através de algum estudo e de alguma meditação (…) esta viagem, apenas, confirmou em mim a intuição do que agora, mais do que nunca me parece uma clara realidade: a da que existe no mundo um complexo social, ecológico e de cultura, que pode ser caracterizado como ‘Lusotropical’”.167

As observações e as teorias resultantes das viagens de Freyre explicando a existência de “um mundo criado pelos portugueses” não colheu apenas simpatias. Se é verdade que muitos intelectuais e políticos portugueses viram no Luso-tropicalismo os alicerces para a construção de uma unidade se não política pelo menos cultural, entre os territórios portugueses de além- mar, outros houve, que criticaram profundamente as teorias freyrianas, acusando o seu autor de mais não fazer do que propagandear o regime salazarista. Por seu turno, a ONU rejeitava claramente estas justificações dadas por Portugal. Os processos de descolonização aceleravam-se não apenas no Oriente, mas, de igual forma, numa boa parte da África. A pressão dos novos países recém-entrados nas Nações Unidas aumentava na justa medida em que a concessão da independência ia sendo realidade em vários locais. Este sentimento expressa Lourenzo Macagno:

“É de se imaginar que o contexto internacional não estava muito disposto a dar as boas vindas a tal proposta. Num momento em que as Nações Unidas empreendiam uma campanha anti- colonialista na África, sugerir a existência de um estilo português não racista de estar no mundo” não resultava muito convincente. É precisamente nesta época, que o nacionalismo do Estado Novo português reforça seu discurso de cooperação racial na África e, neste caso, as formulações de Gil- berto Freyre se apresentam como uma justificativa ideal para a presença colonial portuguesa”.168

Cientificamente aceite por uns, objectivamente recusada por outros, a verdade é que a teoria de Gilberto Freyre, o luso-tropicalismo, pelo menos em parte, acabaria por servir de base à argumentação do Estado salazarista.

167 MACAGNO, Lourenço - Lusotropicalismo e Nostalgia Etnográfica: Jorge Dias entre Portugal e Mo- çambique [em linha]. Disponível em http://www.afroasia.ufba.br/pdf/afroasia_n28_p97.pdf. Op. Cit. 168 Id., Ibid.

82 Adriano Moreira e o Império Português

Capítulo III Adriano Moreira, o Ultramar Português e os Organismos Internacionais.

1. A ONU e o princípio da descolonização.

O fim da Segunda Guerra Mundial (1945) trouxe consigo profundas alterações, tanto na geopolítica mundial como na redefinição dos novos centros de decisão tendentes a assegurar uma paz duradoura. Em menos de três décadas, o mundo assistira a dois conflitos generalizados que alteraram o conceito tradicional de guerra. Mesmo as regiões não afectadas directamente foram apanhadas no turbilhão bélico. A divisão planetária entre partidários de dois sistemas económico-políticos e, sobretudo, ideológicos opostos, capitalismo/liberal e socialismo de Es- tado, tinha conduzido a uma realidade de sobressalto permanente, assente no terror e no cres- cimento do armamento, particularmente do nuclear. A sujeição de uns povos a outros pela via das dependências coloniais já não era admis- sível aos olhos libertários dos ideais pós 1945. A Europa perde a importância relativa que até então tinha no mundo, a questão dos povos por ela colonizados colocava-se com premência e a defesa da autodeterminação dos mesmos é tomada nas mãos da ONU. O fim da Segunda Guerra Mundial representou uma inversão de ideais face às colónias, relativamente àquilo que a SDN tinha propagado em 1919. O novo garante da Ordem Internacional, a ONU, iniciará o processo conducente à descolonização dos povos asiáticos, africanos e dos demais continentes, onde a autodeterminação ainda não se tinha feito. Portugal fazia parte dos países que, administrando territórios não autónomos, iriam en- contrar nas Nações Unidas um “muro” de exigências que tornarão a política externa portuguesa numa cruzada contra a desintegração do velho Império Colonial. Colocava-se, desta forma, em causa o euro-mundismo centrado nos princípios da superio- ridade civilizacional defendida pela velha Europa. Este espírito de forçar a autodeterminação dos povos constituiu, desde a sua criação, uma matriz inalienável da ONU. Isto mesmo pensa Adriano Moreira: “O espírito de retirada geral, em que se traduziu o colonialismo admitido pela ONU, evidenciou-se na geral tendência para entender que os povos colonizados deviam em prin- cípio ser encaminhados para a independência (…)”.169 Na verdade, o processo de descolonização começara logo com a primeira vaga em 1946/47, nomeadamente com a independência da União Indiana e do Paquistão, em 1947, seguido da Indonésia e de outros territórios como a maioria daqueles que se situam no norte de África. As pressões anticolonialistas exerciam-se em várias frentes e tinham várias origens. Da ONU, vinha, sem dúvida, a maior das pressões que, no fundo, representava a vontade

169 MOREIRA, Adriano - Política Ultramarina, 1, 3.ª Edição, Junta de Investigações do Ultramar, Centro de Estudos Políticos e Sociais, Lisboa 1960, p. 69.

83 José Maria S. Coelho do “núcleo duro” do Conselho de Segurança. A própria divisão do mundo em blocos políticos antagónicos, Bloco Capitalista, liderado pelos EUA, e Bloco Comunista, liderado pela URSS, conduzia a uma competição internacional pelo domínio ideológico de novos territórios. A des- colonização tornava-se, assim, vantajosa para ambos os blocos, que viam nela a possibilidade de aumentar o seu poder geoestratégico. Embora as Nações Unidas pretendessem ser uma Organização paritária entre todos os seus membros, a verdade é que o Conselho de Segurança, ao consagrar direito de veto e assento permanente a cinco dos seus quinze membros, eliminava, liminarmente, essa mesma paridade. Nem sempre a visão anticolonialista foi aplicada por igual aos casos em análise que, por serem variados e distintos, exigiam tratamentos diferenciados. Por outro lado, os interesses das duas superpotências (EUA e URSS) conduziram a desigualdades muitas vezes insanáveis. A este propó- sito, escreve Adriano Moreira: “(…) O anticolonialismo americano se revela apenas em face de cada caso concreto e não segundo uma teoria geral, favorecendo, por exemplo, o separatismo de Marrocos, mas apoiando o status quo na Argélia”170. Exemplo daquilo que acabamos de referir encontra Adriano Moreira em relação à URSS. Também esta acabava por ter vários pesos e várias medidas, de acordo com a particularidade dos territórios e os interesses do Bloco Político-Militar que liderava. Leia-se o que escreve Mo- reira: “A posição anticolonialista da URSS também obedece a paradigmas diferentes, conforme o problema colonial é examinado em relação aos territórios sujeitos à soberania Russa, ou em relação aos territórios sujeitos à soberania de outras potências”.171 A necessidade de contentar os ímpetos imperialistas de ambos os blocos, capitalista e comunista, conduziria, inevitavelmente, a atropelos aos princípios vertidos no texto da Carta das Nações. A estes alude Adriano Moreira quando escreve:

“O acordo inicial sobre determinado anticolonialismo não impediu que a política da ONU evolucionasse num sentido que se afigurava bastante afastado desse objectivo essencial. Essa evo- lução (…) resultou em grande parte da importância que a África assumiu na política mundial, como consequência da última grande guerra. Procurando sistematizar os factores que determinaram essa importância, podemos, como Mc Kay, reduzi-los a sete: 1) o factor estratégico (…) 2) o rápido desenvolvimento do nacionalismo, (…) 3) a revolta contra a exploração económica ou real ou ima- ginária (…) 4) o acesso repentino de elementos das classes mais evoluídas dos povos colonizados aos postos de direcção (…) 5) a contribuição da África para a recuperação europeia (…) 6) o avanço ideológico do comunismo (…) 7) finalmente e em consequência de todos estes factores, o progresso do princípio da fiscalização internacional sobre todas as situações coloniais”.172

O jogo de interesses, mesmo no seio da ONU, é cada vez maior e determinará a evolução das diferentes situações de colonialismo, como temos vindo a esclarecer. Segundo o Professor

170 Id., Ibid., p. 177. 171 Id. Ibid., p. 182. 172 Id., Ibid., pp. 190 e 191.

84 Adriano Moreira e o Império Português

Adriano Moreira, torna-se possível inferir o sentido da política da ONU:

“(…) Pode resumir-se assim: a tendência para a fiscalização de todas as situações coloniais, quer o poder político tenha sido recebido da comunidade internacional, quer seja originariamente próprio da potência colonizadora, evolucionou no sentido de se estabelecer uma fiscalização inter- nacional sobre todos os territórios, coloniais ou não coloniais, em nome da Declaração Universal dos Direitos do Homem. Deste modo se pretende submeter a uma disciplina comum o national trus- teeship e o international trusteeship, disciplina que um dos blocos pretende alargar ao fenómeno dos satélites, e o outro à questão social dentro de cada país”.173

Com a clarificação da ONU em relação ao colonialismo, expressa no conteúdo do artigo 73.º 174, a questão colonial passa a estar na ordem do dia. Entre os que entendiam que eram de generalizar todas as situações coloniais, tratando-as de igual maneira, e os que consideravam ser necessário estudar caso a caso, o certo é que a esmagadora maioria dos países defendia a observação rígida das situações coloniais. Havia, assim, que identificar os territórios não autó- nomos e as respectivas potências administrantes. Isto mesmo refere Adriano Moreira quando escreve:

“A primeira questão importante suscitada pelo artigo 73.º foi portanto a de saber quais os membros da O. N. U. e quais os territórios visados e a tal dificuldade estão ligadas as tendências generalizadoras e os debates referidos. Em 1946, a Assembleia Geral tentou uma definição, mas isso foi-lhe absolutamente impossível, quer pela dificuldade da matéria, quer pela oposição de algumas potências. Perante essa dificuldade parece ter-se provisoriamente consagrado o método de serem as próprias potências a declarar se consentem em ficar abrangidas pela disposição, deci- dindo prestar as informações prévias”.175

Neste contexto, Portugal apressa-se a rever a Constituição de 1933 e introduz-lhe um Acto Adicional em 1951. Este contempla a designação dos territórios coloniais que passam a denominar-se Províncias Ultramarinas. Reforça-se, desta forma, um Portugal pluricontinental e multirracial. Tão português era aquele que nascia na Beira Alta, no Algarve, como o que nascia em Luanda, ou Timor. Era assim possível informar as Nações Unidas de que o país não possuía territórios não autónomos e, dessa forma, furtar-se à aplicação das imposições contidas no artigo 73º da Carta das Nações.176 A encenação do poder a que Salazar procede é concebida e executada pelo grande inte- lectual e homem do regime, António Ferro a quem estava acometida a responsabilidade da Pro- paganda Nacional177. A produção cinematográfica e a produção cultural baseada na valorização

173 Id., Ibid., pp. 191 e 192. 174 Capítulo XI, Declaração relativa a territórios não autónomos -Artigo 73.º. 175 Id., Ibid., p. 198. 176 Artigo já referenciado. 177 António Ferro escritor, jornalista e político. Nasceu em 1895 e morreu em 1956. Foi editor da revista Orpheu a convite de Mário de Sá-Carneiro; fundou e foi Director do Secretariado da Propaganda Nacional

85 José Maria S. Coelho das “coisas” do mundo português passa a ser pedra fundamental na propaganda que o regime faz de si próprio. Ao mesmo tempo, durante a Segunda Guerra Mundial, tornou-se essencial para Portugal, por forma a manter a neutralidade colaborante, encenar o poder de maneira a iludir as ditaduras beligerantes e a cooperar com os velhos aliados (Grã-Bretanha e EUA). Esta forma de Salazar apresentar o Estado Português permitiu-lhe relacionar-se, em simultâneo, com os dois lados do conflito. De facto, pode considerar-se Oliveira Salazar como um mago da ilusão política. Escreve Luís Reis Torgal:

“A grande arma de Salazar é, pois, a «retórica da invisibilidade», conforme a descreveu, de modo muito significativo, o filósofo José Gil. Eduardo Lourenço, na fina ironia da sua escrita paradoxal, dizia por isso, de forma surpreendente, que o «fascismo nunca existiu», não só porque Salazar havia criado habilmente um «fascismo» perspectivado como «não fascismo», como também porque não existiu como a maioria da oposição democrática o pensou antes do 25 de Abril”.178

Bem sabemos que a discussão sobre a natureza do Estado Novo é hoje tema de debate entre muitos académicos. Contudo, tal discussão não faz parte deste trabalho, pelo menos de forma objectiva, pelo que apenas o afloramos.

2. Portugal, o Império e a ONU.

A adesão de Portugal à ONU não se verificou nos tempos iniciais desta organização e não foi um processo pacífico. A questão tornar-se-ia um assunto de disputa entre as duas super- potências: Os EUA e a URSS. O tempo era de “guerra fria”179 e a competição entre o mundo bipolar era muito intensa, ao ponto de se jogar em todos e quaisquer palcos da política interna- cional. Por conseguinte, quando, em 1946, Portugal solicitou a adesão à ONU, essa entrada foi vetada pela URSS. Ainda assim, Oliveira Salazar desdenhara quando soube da não-aceitação de Portugal nas Nações Unidas. Questionava-se, mesmo, nos meios mais conservadores do regime salazarista, se a adesão a um Organismo que se preparava para pôr em causa a existência de possessões coloniais seria conveniente. É neste sentido que vai o pensamento de Duarte Silva quando escreve:

“A entrada de Portugal na ONU foi atrasada pelas peripécias da guerra fria e, vetada pela a convite de António de Oliveira Salazar. Pretendia-se promover a «política do espírito» do «Estado Novo». Foi extremamente hábil na articulação da acção cultural com a acção política. In BARRETO, António; MÓ- NICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, Porto: Livraria Figuei- rinhas, 1999, artigo de Ernesto Castro. 178 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Coimbra, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, p. 131. 179 Convencionou-se designar de “Guerra Fria”, grosso modo, as relações turbulentas vividas entre o Bloco Capitalista e o Bloco Comunista constituídos após o fim da Segunda Guerra Mundial. Este período assim designado duraria até ao fim do sistema imperialista soviético, nos finais da década de 1980, com Michael Gobbachev. Tratou-se de uma “guerra de nervos” entre dois blocos antagónicos ideologicamente e que, devido à grande corrida aos armamentos, em especial aos nucleares, colocou por diversas vezes a paz mundial em perigo.

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URSS a adesão em 1946, só se verificou em 14 de Dezembro de 1955, através do package deal que permitiu superar o beco sem saída a que haviam chegado Ocidente e Leste quanto à admissão de novos membros. No mesmo dia foram também admitidos a Albânia, Bulgária, Camboja, Ceilão, Finlândia, Hungria, Irlanda, Itália, Jordânia, Laos, Líbia, Nepal, Roménia e Espanha”.180

António de Oliveira Salazar, ainda que de forma velada, admitia o interesse na adesão do nosso país à ONU. Queria, com a presença nas Nações Unidas, poder influenciar o rumo do Império Colonial Português. Contudo, não contara com a crescente animosidade internacional face ao regime musculado que Portugal teimava em manter. Quando, em 1946, foi formalizado o pedido de adesão à ONU e de imediato recusado através do veto soviético, o regime portu- guês terá compreendido duas coisas: a primeira, que o mundo e a política internacional tinham mudado; a segunda, que os EUA já não comandavam o mundo, havendo, agora, um outro polo de poder supranacional igualmente forte – o bloco comunista. É esta a posição de Salazar que Bernardo Fustscher Pereira transmite:

“Em público e em privado, Salazar vinha sinalizando discretamente desde o fim da guerra vontade de aderir à Organização das Nações Unidas. No discurso de 18 de maio de 1945, em que fizera o balanço da situação internacional após a rendição da Alemanha, incluíra um longo desen- volvimento largamente favorável à organização, cujos princípios considerava plenamente compatí- veis com os do Estado Novo. Salazar começava por elogiar o facto de ela assentar na «existência de nações diferenciadas, independentes e livres, organizadas em Estados soberanos e iguais», em vez de optar por «federações artificialmente decretadas ou impostas» ou «super-Estados hegemónicos com os seus Estados-vassalos». (…) Por fim, salientava que «quem, como nós, proclama e aceita que o Estado é limitado pela moral e pelo direito achará que a sociedade internacional deve igual- mente considerar-se limitada pelos imperativos de uma justiça superior», os quais estavam na base e suportavam todo o edifício da nova organização”.181

Vetada a entrada de Portugal na ONU em 1946, Salazar acreditou que o apoio das Grandes Nações vencedoras da Guerra, como a Grã-Bretanha ou os EUA, se manteria inquestionável. Tratava-se de uma premissa pouco consistente como se viria a verificar mais tarde. De facto, não foi isso que aconteceu e Portugal foi sendo travado na vontade de aderir à Organização até 1955. Neste ano, o país foi, finalmente, admitido nas Nações Unidas. Desde esse momento, a pressão para que o Estado português desse resposta à questão contida no artigo 73º da Carta das Nações aumentou. Salazar optou, de imediato, por responder negativamente à pergunta sobre se o país administrava territórios não autónomos. Duarte Silva escreve a este propósito o seguinte:

180 SILVA, A. E. Duarte, - O Litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974) [em linha]. Análise Social, vol. XXX (130), 1995 (1.º), 5-50. Disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223379275O6tBL0an1Az23 CC9.pdf, consultado em 26 de Julho de 2014. 181 PEREIRA, Bernardo Futscher - A Diplomacia de Salazar (1932-49), Publicações D. Quixote, Alfragide, 2012, p. 469.

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“Considerando que Salazar, com esta resposta, ‘assume uma posição, coerente no plano interno, que desafia a corrente política mundial’ e, no plano internacional, ‘rompe as coordenadas em que se está movendo a comunidade das nações’, Franco Nogueira recorda não ter sido recebida ou enviada, a este propósito, mais nenhuma correspondência e acrescenta, numa interpretação ex- tensiva resumindo bem a próxima futura política portuguesa sobre a matéria. ‘Nesta simples troca de notas, todavia, Salazar acaba de tomar uma decisão de profundo significado, das mais sérias im- plicações e extensas consequências. Que querem dizer a atitude de Salazar e a resposta do governo de Lisboa? Indicam às Nações Unidas que as províncias Ultramarinas portuguesas não têm vocação para a independência separada; sublinham que o governo português se arroga o exclusivo de inter- pretar e aplicar a sua ordem constitucional e que neste domínio não admite interferências alheias; afirmam que Portugal não submeterá a sua administração ultramarina a qualquer sistema de censu- ra internacional e que, portanto, não transmitirá quaisquer informações à comunidade dos países; finalmente, notificam as Nações Unidas de que, se se respeita a letra do artigo 73º, é repudiada a prática política e processual que à sombra deste a ONU fora estabelecendo gradualmente’”.182

Duarte Silva recorre às palavras de Franco Nogueira183 para caracterizar nos planos inter- no e externo o valor da posição do Governo português face à questão contida no artigo 73.º da Carta das Nações Unidas. Não é por acaso que o faz. Franco Nogueira e também Adriano Moreira serão, doravante, os arautos dos argumentos que Portugal irá usar na defesa das suas posições face ao Ultramar. Oliveira Salazar tentou que na ONU a resposta dada pelo governo português funcionas- se de forma mais ou menos equivalente àquela posição de neutralidade colaborante com o “Eixo”.184Esquecera-se, no entanto, que o tempo era outro e a posição política que havia adop- tado durante a Segunda Guerra Mundial não tinha sido propriamente apreciada pelos aliados. Ao mesmo tempo, o governo português acreditava que os pressupostos argumentativos base- ados nos direitos históricos continuariam a ser respeitados, mas não. Na verdade, o direito dos povos à autodeterminação tornara-se inalienável e justificava até a posição mais forte da nova Organização supranacional, a ONU. Nas palavras de Fernando Martins, que cita amiúde o Professor Adriano Moreira, a realidade internacional era outra após o fim da Segunda Guerra Mundial, refletindo assim:

“Como mais tarde afirmou Adriano Moreira, a ‘primeira resposta governamental portugue- sa’, no período de 1956-60, e portanto assente nos pressupostos políticos subjacentes à argu- mentação histórico-jurídica, era consequência da utilização noutras circunstâncias históricas ‘da doutrina da neutralidade colaborante». (…) Era uma ‘doutrina’ que «assentava na convicção de que seria respeitado o direito internacional clássico; na inviolabilidade da jurisdição interna; na

182 SILVA, A. E. Duarte, O Litígio entre Portugal e a ONU (1960-1974) [em linha], Análise Social, vol. XXX (130), 1995 (1.º), 5 e 6. Op. Cit. 183 Nogueira, Franco - Salazar, vol. IV; O Ataque (1945-1958), Atlântida, s/l, 1980, p. 423. 184 De facto, embora Portugal se declarasse neutral na Segunda Guerra Mundial, a realidade é que colabo- rou activamente com a Alemanha e os regimes fascistas. Fê-lo exportando minério (volfrâmio) e colaborou não dando guarida aos judeus refugiados.

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permanência de uma vontade ocidental do domínio; na intangibilidade das fronteiras; na capaci- dade permanente de, a partir daquelas premissas» se poder conservar a estrutura interna (…) e, sobretudo, o regime’”.185

Adriano Moreira mostra a sua interpretação do momento e faz reflectir nela o seu próprio conhecimento sobre todo o processo diplomático que o país levou a cabo nas Nações Unidas, com o intuito de legitimar a posse de territórios não autónomos. Entre os anos de 1957 e 1959, o Professor Adriano Moreira, já tido como grande conhecedor dos meandros ultramarinos, e também dos das próprias Nações Unidas, é chamado pelo poder político para integrar a De- legação Portuguesa na ONU. Primeiro, integrando a Comissão liderada pelo Engenheiro Carlos Abecassis e, depois, com Franco Nogueira, esforça-se por explicar as razões de Portugal assen- tes, fundamentalmente, nas razões históricas, mas igualmente na teoria do luso-tropicalismo com a qual se identificava. Relativamente a Franco Nogueira, último Ministro dos Negócios Estrangeiros de Oliveira Salazar, Adriano Moreira confessou-nos nunca ter compreendido uma mudança radical no pensamento de Nogueira. Este fora, durante bastante tempo, um crítico de muitas das posições assumidas por Salazar e, depois dos finais da década de 1950, tornara-se admirador e defensor incondicional do Presidente do Conselho. Aliás, ainda segundo Adriano Moreira, Salazar, que não viajava, conhecia um mundo monocolor – era aquele que Franco No- gueira lhe apresentava. Se tivermos em mente aquilo que expusemos já, e que transcreve um apontamento do pensamento de Adriano Moreira, onde se lê que Salazar tudo lia e procurava saber sobre a política externa, ficamos com a ideia de haver aqui uma contradição. Porém, tal não se verifica. Se é verdade que, até finais da década de 1950, Oliveira Salazar lia e se infor- mava com empenho acerca daquilo que internacionalmente dizia respeito a Portugal, é de igual forma certo que, depois das eleições presidenciais de 1958, quando o regime estremeceu com o General Humberto Delgado, passou a fazê-lo cada vez menos. A partir daí, o Chefe de Governo fecha-se mais e mais sobre si próprio e em redor daqueles que lhe diziam aquilo que ele queria ouvir. É aqui que entra o papel do Ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira. De fac- to, nem sempre a política formal, aquela que é dada a conhecer, coincide com a política real. Esta é a mais importante e circula em gabinetes e corredores. Temos, portanto, dois períodos quanto aos meios de que Salazar se serviu para se informar: o primeiro, até aos inícios da dé- cada de 1960, tempo em que ocorreram vários reveses para o regime, a informação nacional e, sobretudo a internacional, chegam ao presidente do Conselho através das leituras que o próprio faz; o segundo, o período para lá desse marco cronológico, e que coincide com a decadência física e psicológica de Salazar, é, simultaneamente, o tempo da ascensão de Franco Nogueira à Sede do Poder. De facto, pelas leituras realizadas, nomeadamente as relativas ao vol. V. da obra de Franco Nogueira intitulada SALAZAR, A Resistência (1958-1964),186 evidenciam bem o

185 MARTINS, Fernando - A Política Externa do Estado Novo, O Ultramar e a ONU, Uma Doutrina Histó- rico-Jurídica (1955-68) [em linha]. In Penélope fazer e desfazer a história, 1998, p. 189-206. Disponível em http://old.www.cidehus.uevora.pt/textos/artigos/fmartins_polexterna_estadonovo.pdf, consultado em 2 de Dezembro de 2014. 186 Op. Cit.

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“poder” que Franco Nogueira exercia sobre Oliveira Salazar nos inícios da década de 1960187. Consideramos, pois, não haver qualquer contradição. O estudo que realizámos e que constituiu a nossa dissertação de mestrado com o título “Leituras de Salazar”, encaminhou-nos para esta conclusão. A proximidade entre Salazar e Nogueira foi perpetuada até ao fim da vida do primeiro. Essa cumplicidade criou em muitos espíritos, e também no do próprio Franco Nogueira, a espec- tativa de poder vir a suceder a Oliveira Salazar na chefia do Governo. Eram vários os “delfins” que se apresentavam à sucessão, entre eles, também, Adriano Moreira. Para o velho Presidente do Conselho, a sua última missão era, eliminar, preservar o mun- do português. A sua última grande batalha foi, justamente, lutar pela preservação do Império Ultramarino, constituinte de um Portugal uno, historicamente justificado pelo espírito missio- nário e civilizacional. É isto mesmo que Adriano Moreira pensa quando escreve:

“O Ultramar foi a última das suas preocupações maiores. Como se, ao crescer em anos e diminuir em vida, quisesse guardar todas as energias para sublinhar a essência das coisas. Todos os cuidados para a trave-mestra. Doendo-se por cada jovem sacrificado. (…) Voltando às sequelas da queda no mundo que foi o significado principal da entrada na ONU, uma das experiências mais ricas de ensinamentos foi a participação na delegação, liderada pelo Engenheiro Carlos Abecassis, que esteve na reunião da Comissão Económica para a África, da ONU, na Etiópia, iniciada em 29 de Dezembro de 1958, e que ali demorou cerca de um mês”.188

Adriano Moreira retrata bem o sentimento de Salazar, perante a herança ultramarina que considerava ser um “fardo” do qual não devia nem queria desligar-se. Era uma espécie de incumbência divina a obrigação de manter inviolável o vasto Império conseguido com sangue, lutas, tratados e demais acordos feitos pelos ancestrais precursores do Portugal uno e indivisí- vel. A pressão sobre Portugal para que descolonizasse aumentava de dia para dia e tornava- se uma questão internacional de extrema importância, já que dela dependiam algumas das aspirações expansionistas das superpotências (EUA e URSS). Cedo, Oliveira Salazar adoptou a teoria luso-tropicalista, se não na totalidade, pelo menos na exacta medida em que ela expli- casse cientificamente a permanência de Portugal em terras de além-mar. Disto mesmo dá conta Adriano Moreira quando escreve o seguinte:

“Um dos pontos que me pareciam fundamentais para a definição e entendimento da políti- ca que o governo se proporia seguir dizia respeito à atitude adoptada quanto à legitimidade para estar no Ultramar. O Doutor Salazar não tinha hesitações em filiar tal política na vontade nacional.

187 vide Apêndice A, e LUCENA, Manuel de - vol. XXXVI (160), 2001, 863-891 [em linha], disponível em http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1218729444Y3aQE3ub5Qn57SA0, consultado em 18 de Agosto de 2013. 188 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p.171.

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Entendia esta no sentido institucionalista que decorria da sua formação. Nunca lhe ocorreria submeter a um plebiscito a definição da conduta do país em tal do- mínio. Não era a vontade popular que tinha em vista. Era a vontade da Nação, essa comunida- de sucessiva de gerações. Adoptou uma expressão minha, dando-lhe sentido pessoal –“a maneira portuguesa de estar no mundo” - para acentuar que se tratava da essência da Nação. Gostava de lembrar um conceito do Almirante Sarmento Rodrigues, segundo o qual – “Moçambique só pôde ser Moçambique por ser Portugal”.189

Nas expressões que, segundo Adriano Moreira, Salazar usava, estão presentes três princí- pios essenciais: um, o valor do lastro histórico e a vontade da Nação no seu sentido colectivo; outro, uma certa afinidade do pensamento do Doutor Salazar com o luso-tropicalismo de Gil- berto Freyre; e, por fim, o de que não havia lugar a dúvidas quanto à manutenção do Ultramar nem a possíveis compromissos com referendos. A aceitação por parte do Presidente do Conse- lho, ainda que, em parte, das teorias ligadas ao luso-tropocalismo, consideramos que se deve, no essencial, à procura de uma explicação tão científica quanto possível para a expressão: “O modo português de estar no Mundo”, usado por muitos autores, nomeadamente Cláudia Castelo em obra já por nós citada. Numa entrevista dada por Salazar à Revista “LIFE”, de Nova Iorque, e publicada em Maio de 1962, o governante responde à seguinte questão:

“Pergunta: Existirão factores que tornem o problema dos territórios portugueses em África dife- rente daqueles de outras regiões que pretendem ou receberam autonomia ou independência? Resposta: Nós temos sido criticados pela nossa persistente adesão ao ideal da sociedade multir- racial a desenvolver-se nos trópicos, como se tal ideal se opusesse à natureza humana, à ordem moral universal ou aos interesses dos povos, quando é o contrário que se verifica. Sem discutir o problema, direi que nós, portugueses, não sabemos estar no mundo de outra maneira, até porque foi num tipo social de multirracialidade que, há oito séculos, nos formámos como Nação, no termo de diversas invasões, oriundas do Oriente, do Norte e do Sul, isto é, da própria África. Daí nos ficou talvez um pendor natural – que citamos tanto mais à vontade quanto é certo tem sido reconhecido por notáveis sociólogos estrangeiros – para os contactos com outros povos, contactos de que sem- pre estiveram ausentes quaisquer conceitos de superioridade ou discriminação racial”.190

Quando Oliveira Salazar se refere a “notáveis sociólogos estrangeiros”, evidentemente que se está a referir ao brasileiro Gilberto Freyre e o “à vontade” que o Presidente do Conselho usa para citar os particularismos da colonização portuguesa advém-lhe da aceitação do luso- tropicalismo em que se fundamenta. A referência à realidade brasileira como paradigmática da colonização portuguesa volta Oliveira Salazar a fazê-la em entrevista ao Semanário U. S.

189 Id., Ibid., p. 187. 190 SALAZAR, Oliveira - Entrevistas (1960-1966), Coimbra Editora, s/ed., Coimbra, 1967, p. 84.

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NEWS AND WORLD REPORT de Nova Iorque, publicada em 1962 no n.º9, “[…] Daí resultaram, com o decorrer dos tempos e com a naturalidade própria das verdadeiras evoluções históricas, as sociedades multirraciais do tipo da que tornou possível esse magnífico exemplo de grandeza material e espiritual que é o Brasil […]”191. Não se equacionava a hipótese de perguntar ao povo se a manutenção do Império era ou não aceitável. As posições assumidas pelas Nações Unidas e a sua relutância em aceitar a diferenciação da situação colonial portuguesa, em comparação com outras potências, levan- tavam algumas perplexidades em muitos meios intelectuais portugueses. Estes não anteviam na posição da ONU nada de bom, já que, num processo de descolonização, haveria sempre a possibilidade de os territórios ultramarinos entrarem na disputa existente entre as superpotên- cias. Em 1961, quando caiu o Estado da Índia, a incompreensão foi total. Neste sentido, escreve Adriano Moreira:

“O caso do Estado da Índia (Goa) feriu mais profundamente a consciência popular, pela li- gação aos valores históricos, pela presença de Os Lusíadas na definição da identidade portuguesa. Ainda hoje é difícil compreender como é que a Carta da ONU foi tão levianamente interpretada neste caso, é misterioso o processo que até aos críticos nacionais fez ignorar a jurisprudência da Organização. Este capítulo da História da ONU, que é o da descolonização, obrigou-me a criticar vivamen- te a maneira como ela estava a falsear os seus objectivos e as esperanças que lhe eram atribuídas. Primeiro com o abandonado factor tempo, a que a Carta obrigava para a desmobilização das sobe- ranias coloniais, com os resultados que hoje esmagam áreas vastíssimas da Ásia e da África; depois com a instrumentalização a favor da competição bipolar, como aconteceu no caso de Goa, e isso era responsabilidade das superpotências que verdadeiramente anularam a Carta da ONU”.192

Adriano Moreira confirma que Portugal sempre procurou alianças e compromissos exter- nos que o auxiliassem a manter a face perante as adversidades que iam surgindo. Tal ocorreu variadas vezes ao longo da sua história. No início da Nacionalidade, ao procurar apoio na Santa Sé; mais tarde, na Aliança com a Inglaterra e, durante o Estado Novo, dizemos nós, nos Estado Unidos da América. Acreditou-se, durante largo tempo, que era de todo vontade daquele país, tornado superpotência, aliar-se a Portugal no Pós-Segunda Guerra Mundial. Tratava-se do valor utilitário das bases em território português, nomeadamente da base das Lajes nos Açores. Os EUA serviriam como escudo de protecção na ONU contra aqueles que exigiam a retirada portu- guesa dos seus territórios ultramarinos. Nada de mais falso. Na verdade, embora existisse uma cooperação estratégica entre Portugal e os EUA, o certo é que, numa realidade bipolar como a que se vivia após 1945, o que mais pesava na balança das alianças era a supremacia de uma superpotência face à sua adversária. Ao mesmo tempo que os EUA forneciam algum apoio e até meios bélicos, exigiam uma conduta que não lhes comprometesse o seu ímpeto expansionista.

191 Id. Ibid., p. 125. 192 Id. Ibid., p. 209.

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Para o Estado Novo e para o seu principal obreiro, Salazar, nem o Ultramar Português estava fechado à curiosidade externa nem, por outro lado, o Estado Português reconhecia competên- cias à Assembleia das Nações Unidas para decretar território não autónomo qualquer pedaço do território nacional. Isto mesmo afirmou Oliveira Salazar:

“(…) Todos os nossos territórios estão abertos à observação de quem quer e o Governo e os seus Serviços publicam dados suficientes para se saber em cada momento como marcha a admi- nistração. A posição que havemos tomado, e manteremos, não vem pois de pretendermos ocultar seja o que for mas de que nos é impossível aceitar para as nossas províncias ultramarinas, que fazem parte da Nação, situação equivalente à de territórios tutelados pela O. N. U. destinados a subsequente secessão, bem como prestar contas ali de como os Portugueses entendem governar-se na sua própria casa. É ilegítimo da parte das Nações Unidas resolver discriminatoriamente contra Portugal; a Assembleia Geral não tem competência para declarar não autónomos territórios de qualquer potência. (…)”.193

As expressões de Oliveira Salazar revelam bem o que pensava o governo português de todo o processo que a ONU conduzia com base no chamado “Direito Internacional”. O mundo mudara, o Poder Político em Portugal bem dera conta (apercebemo-nos lendo algumas entre- vistas concedidas por Salazar194, contudo, não quisera adaptar-se a essa mudança. Embora au- mentasse a pressão externa vinda quer da ONU quer de outros Organismos, como “O Movimento dos Não-Alinhados”, ou mesmo da “OUA”, o apoio tradicional afrouxara (caso dos EUA e da Grã-Bretanha).

3. A Questão Ultramarina em Portugal e a posição da Igreja Católica.

Em Portugal, na década de 1950, a maioria da população entendia ser a questão colonial um assunto resolvido. De facto, mercê da propaganda salazarista face à importância da manu- tenção do legado, manter o Império era uma missão acometida por decisão divina. A unidade territorial portuguesa deveria manter-se sem quaisquer amputações. A maioria da população portuguesa, quer pela pouca formação, quer pela deficiente informação, não questionava a integridade territorial do país na sua forma alargada nem o mo- delo administrativo do mesmo. Nos meios mais esclarecidos, ia-se acompanhando o processo de emancipação colonial advogado pelas Nações Unidas e, em muitos casos, partilhava-se a recusa do regime em abrir mão de quaisquer territórios ultramarinos. Considerava-se, pois, tal como a propaganda do regime político defendia, que Portugal era um país pluricontinental e multi-

193 Salazar, Discurso de 23 de Maio de 1959 [em linha], in A posição portuguesa em face da Eu- ropa, da América e da África, Lisboa, S.N.I., 1959. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_ rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_rd=ssl#q=Salazar%2C+Discurso+de+23+de+Maio+de+1959+%5Be m+linha%5D%2C+in+A+posi%C3%A7%C3%A3o+portuguesa+em+face+da+Europa%2C+da+Am%C3%A9rica+e+d a+%C3%81frica%2C+Lisboa%2C, consultado em 18 de Maio de 2015. 194 Op. cit.

93 José Maria S. Coelho cultural. A adopção do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre por parte do regime de Salazar, a partir das décadas de 1950/60, viera dar às teorias imperialistas do Estado Novo um cunho mais científico, fazendo recair no processo histórico português e na importância da missionação um certo pendor sagrado da missão civilizadora dos portugueses. A Igreja tinha, por seu turno, adoptado uma postura de defesa das teorias salazaristas face ao Império. Esta “colagem” verificou-se com maior empenho após 1940. À data, o Estado Português assina com o Estado do Vaticano uma Concordata que estabelece as relações entre os dois Estados e entre o Estado Português e a Igreja Católica. São reparados alguns danos que os governos da Primeira República haviam causado à Igreja e estabelece-se um claro relaciona- mento de cooperação entre o poder político e o poder religioso. O interesse do Estado coincidia e ajustava-se perfeitamente ao interesse da Igreja. Ambos partilhavam de um forte espírito conservador. Devemos aqui ressalvar a posição de alguns prelados que se desviaram das linhas salazaristas. A seu tempo, trataremos deste assunto com a devida ênfase. A opinião pública portuguesa recusava, pois, a perda das possessões no Ultramar, qualquer que fosse a forma de separação desses territórios. Considerava-as indispensáveis à manutenção de um Portugal independente e respeitado. A exiguidade do território português europeu, sem as suas Províncias Ultramarinas, poderia conduzir à anexação pela Espanha. O velho fantasma espanhol agitava-se de quando em vez, trazendo consigo o ressurgimento das ancestrais animo- sidades entre os dois países. Na memória colectiva dos portugueses mantinha-se ainda viva, em meados do século XX, a questão do mapa cor-de-rosa e consequente Ultimato inglês feito a Portugal em 1890, exigindo a saída dos portugueses dos territórios africanos situados entre Angola e Moçambique. De facto, o incidente diplomático entre Portugal e a velha aliada Inglaterra resultara, antes de mais, da nova visão colonialista decorrente dos acordos firmados nas Conferências de Berlim (1884/85). A subalternização do direito histórico em face do direito de ocupação marcou, indelevelmente, a sociedade lusa, o que se encontra bem plasmado na “Portuguesa,” transformada em hino nacional. Este sentimento de perda manter-se-ia e acabaria por marcar a alma colectiva, na recusa em aceitar a amputação de territórios coloniais ao longo da vigência do Estado Novo. Até à década de 1940, a África pouco interesse tinha suscitado na população da metró- pole. Aqueles territórios eram muitas vezes identificados como terras de degredo, onde os me- tropolitanos condenados acabavam os seus dias. Tratava-se, até, de paragens pouco apetecíveis quanto ao clima, se comparadas com o Brasil, Venezuela ou Argentina. Até à Segunda Guerra Mundial, eram estes os destinos que com maior peso captavam a emigração nacional. A chegada de Hitler ao poder na Alemanha e as primeiras evocações deste à formação de um Império acabariam por transportar para o sentimento popular português algum temor quanto à manutenção da independência e, em particular, dos territórios coloniais. Ainda era memória viva o ataque que a Alemanha tinha levado a cabo contra as colónias portuguesas du- rante o primeiro conflito mundial (1914-1918). A possibilidade da repetição do mesmo cenário parecia ainda mais plausível então pela cumplicidade do regime de Franco em Espanha com os fascismos europeus de Hitler e Mussolini. Adriano Moreira escreve sobre o assunto:

94 Adriano Moreira e o Império Português

“Um país disperso por vários continentes, com uma ideologia de Estado, apoiada na convic- ção popular, defensora da integridade global dos territórios, temia por igual a ameaça do Eixo, que seria potencializada por uma eventual adesão de Espanha, e uma ameaça do poder marítimo no caso de a este ser desfavorável a atitude peninsular”.195

O medo vindo da proximidade espanhola agudizou-se sempre em épocas de crise externa. Mais uma vez esse sentimento se mostrou nas vésperas da Segunda Guerra Mundial. Oliveira Salazar soube manter um jogo duplo, estabelecendo o princípio da neutralidade, mas não hos- tilizando a Alemanha e tornando-se, até, seu cooperante na questão do volfrâmio; tal permitiu ao nosso país ter estado a par das evoluções políticas. A ligação entre o Estado português e a Igreja Católica havia-se cimentado com a apro- vação da Constituição de 1933 e, ainda mais, com a assinatura da Concordata com a Santa Sé, como já referimos anteriormente. Nestes consensos estabelecidos entre os dois poderes (temporal e espiritual), sobressaía a questão colonial como pedra angular da estabilização das relações entre os dois mundos. Era fecundo para ambos os lados que se mantivesse o Império Colonial Português, numa perspectiva de civilização e de missionação. A estratégia parecia perfeita quando a aliança entre o regime de Salazar e a Igreja se consolidou. Escreve Adriano Moreira:

“(…) Foi em 1940 que o Governo decidiu celebrar o duplo centenário da Independência e da restauração. As celebrações foram magníficas (…) e nessa data foram assinadas a Concordata que pacificou a consciência católica, e o Acordo Missionário que passou a reger a missionação ca- tólica no Ultramar, colaborando com a execução do conceito estratégico da Constituição de 1933. Nesta se consagrava a missão colonizadora e evangelizadora, que o Acordo entregava às missões católicas. O Papa Pio XII expressamente louvou a nação portuguesa pelo passado colonial, tornou pública a confiança numa acção sustentada e duradoira para o futuro, deste modo fortalecendo o conceito de governo, do qual Augusto de Castro foi brilhante apóstolo naquela circunstância”.196

Verdadeiramente consonantes, Estado e Igreja criaram um sistema de inculcação de va- lores e ideais na população portuguesa, que conduziria, com eficácia, a uma situação de plena aceitação do sistema colonial, independentemente das questões da política externa que se iriam verificar, como, por exemplo as que resultavam da pressão da ONU. Temos, até agora, aludido sobretudo ao sentimento dos anónimos face aos problemas com que Portugal se ia defrontando relativamente à manutenção de um Império Colonial, anó- nimos estes que, quando se abre a emigração para os territórios ultramarinos após 1945, viam na sua partida, que era geralmente definitiva, a ida para uma parte da sua própria casa. Mesmo

195 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 86. 196 Id., Ibid., p. 129.

95 José Maria S. Coelho quando as dificuldades de permanência naquelas paragens aumentaram, devido ao início da guerrilha nos princípios dos anos de 1960, a população oriunda da metrópole considerava sua aquela terra e por ela estava disposta a lutar. Sentimento idêntico se vivia nos que permane- ceram inabaláveis na metrópole, mas que consideravam ser seu dever defender os territórios de além-mar. A frase muitas vezes pronunciada pelos regimentos enviados para a guerra do Ul- tramar, “Angola é Nossa”, tornou-se bem o espelho da total aceitação dos sacrifícios militares necessários à manutenção das Províncias Ultramarinas. É imperativo tratar-se, agora, da visão das elites portuguesas relativamente à questão colonial. Falamos, pois, das elites intelectuais e políticas. Não é desapropriado afirmar que, como sempre acontece, as vontades nunca pesam só para um dos lados, seja qual for o proble- ma em análise. Foi o que aconteceu com a problemática ultramarina portuguesa interpretada pelas diferentes elites: as sociais, as políticas, as religiosas e as intelectuais. Se é verdade que se estabeleceu desde o início do Estado Novo uma elite intelectual mais próxima do regime e, portanto, conivente com a situação colonialista oficial, é igualmente certo ter nascido entre os mais esclarecidos um movimento de contestação à manutenção do Império Colonial Portu- guês. A crise política resultante das eleições presidenciais a que concorreu o General Hum- berto Delgado, em 1958, e as fraudes cometidas pelo regime elevaram o tom das críticas das elites em Portugal. Dentro do mundo mais académico, mas igualmente nos meios literários, a oposição aumentou. A abertura de membros importantes da Igreja para a questão da repressão do Estado Novo “autorizou”, de certa forma, o maior empenho das oposições. Afinal, a própria Igreja, outrora cooperante com o regime, era, agora, um dos postos avançados de contestação ao mesmo. Lembremo-nos, a este propósito, da oposição do bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, e do bispo da Beira, em Moçambique, D. Sebastião de Resende. São apenas duas entre várias personalidades de destaque na oposição ao regime e ao colonialismo português. Adriano Moreira acreditou sempre na viabilidade de uma solução para o Ultramar que abarcasse, entre outros, o apoio da Igreja Católica. Sabia da influência desta numa boa parte das populações nativas em virtude dos esforços de missionação. Esperava que o espírito cris- tão, que fora sempre uma característica do povo português, tornasse mais fácil uma solução de autonomia para aqueles territórios ultramarinos. Acreditava, ainda, numa ajuda aberta pela Santa Sé no campo da diplomacia e da política internacional. Moreira comungava dos fundamentos da política colonial defendida pelo Vaticano; ad- mirou, e ainda hoje elogia, a doutrina social da Igreja fundada em encíclicas de vários papas e também na praxis da própria Igreja. A questão social foi sempre um dos pilares do pensamento do Professor, tanto para o Portugal europeu, como para os territórios ultramarinos. Admirou alguns bispos titulares de dioceses ultramarinas e com alguns deles manteve mesmo uma iden- tificação ideológica próxima que acabaria por determinar algumas das suas atitudes. Entretan- to, os dois homens, o do poder espiritual, Cerejeira, e o do poder temporal, Salazar, assumem uma relação de coordenação de interesses mútuos na assinatura dos acordos entre Portugal e a Santa Sé. Escreve Nuno Estêvão:

96 Adriano Moreira e o Império Português

“Se ao Estado Novo importava assegurar a colonização portuguesa dos territórios; à Igreja católica interessava garantir a sua autonomia organizativa ao nível missionário. A este propósito, afirmava o Cardeal Cerejeira aos microfones da Emissora Nacional: «Continua no Ultramar a nossa vocação missionária de “dilatar a Fé no império”. A constituição da hierarquia nas mais importan- tes das nossas colónias é como um acto simbólico da sua ocupação para Cristo e para Portugal». Por seu turno, Salazar, em Discurso à Assembleia Nacional, identificava e subordinava a liberdade de missionação da Igreja à política colonial portuguesa: «Povo descobridor, povo colo- nizador, povo missionário – tudo é revelação do mesmo ser colectivo, demonstração ou desdobra- mento da mesma política nacional. Quer dizer: não pode pôr-se entre nós o problema de qualquer incompatibilidade entre a política da Nação e a liberdade evangelizadora; pelo contrário uma fez sempre parte essencial da outra» ”.197

Se interpretarmos a posição da Igreja Católica Portuguesa face ao Império, apercebemo- nos de que ela não foi sempre equilibrada nem se pautou pela isenção face ao poder político. É igualmente sabido que, apesar de amigos de longa data, nem sempre Salazar e Cerejeira estiveram do mesmo lado em relação aos assuntos mais importantes, como foram a questão ultramarina ou os acordos entre Igreja e Estado. Oliveira Salazar sentia bem a necessidade de estabelecer regras de convivência muito definidas entre os dois mundos: a religião e o poder. As conveniências momentâneas tanto do Poder como da Igreja foram moldando, passo a passo, essas relações institucionalizadas por vários acordos diplomaticamente elaborados. Isto mesmo refere Nuno Estêvão quando escreve:

“No interior da Igreja Católica portuguesa, a questão colonial surge em diferentes momen- tos com os contornos de problemática missionária. Neste sentido, há a registar que, por um lado, não foi encarada de modo uniforme ao longo do tempo pelos meios católicos, e, por outro, foi importante na configuração das mentalidades, formas organizativas e práticas eclesiais. As próprias relações entre a Igreja e o Estado em Portugal, sem serem o único âmbito de equacionamento desta questão, são por elas marcadas e tantas vezes definidas. Este facto verifica-se em diferentes momentos, desde o Ultimato ao processo de descolonização, passando pelas missões laicas ao tem- po da I República, pela assinatura da Concordata e Acordo Missionário e, obviamente, pela própria guerra colonial”.198

Amiúde, a Santa Sé aprecia as medidas do Estado português. Elogia-as mesmo. O texto que seguidamente transcrevemos é exemplo disso mesmo:

“Quando, em 1940, em plena guerra mundial, e celebrando o oitavo centenário da fundação de Portugal e o terceiro centenário da Restauração, o Estado Português assinou com a Santa Sé uma

197 ESTÊVÃO, Nuno - Os Meios Católicos perante a Guerra Colonial: Reconfigurações da Questão Reli- giosa em Portugal [em linha], Lusitania Sacra, 2ª série, 12 (2000), p. 227. Disponível em http://repositorio. ucp.pt/bitstream/10400.14/4393/1/LS_S2_12_NunoEstevao.pdf. Consultado a 26 de Junho de 2014. 198 Ib., Ibid., p. 222.

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Concordata e um Acordo Missionário, que punha termo ao conflito em que vivia a consciência dos católicos desde a Revolução republicana de 1910. Por isso mesmo, a hierarquia representada por D. Manuel Gonçalves Cerejeira, Cardeal Patriarca de Lisboa, proclamou o ano e os actos diplomáticos como sendo dos mais notáveis e promissores acontecimentos das celebrações. De resto, na Carta Encíclica Saeculo Exeunte Octavo, de 13 de Junho de 1940, Pio XII não apenas se associa às cele- brações da “gloriosa e nobre Pátria”, mas também honra o sangue derramado pelos missionários portugueses, “semente de cristãos”, estimula ao aproveitamento da “hora actual” que considera “particularmente propícia” para incrementar o espírito missionário nacional (…)”.199

A grande reviravolta no posicionamento do Vaticano face ao Ultramar deu-se com o início do Concílio Vaticano II, convocado pelo Papa João XXIII. A abertura da Igreja à discussão do mundo permitiu elevar o tom de contestação de uma boa parte do clero português. Com alguma relutância, pouco a pouco, alguns dos bispos portugueses metropolitanos e ultramarinos vão abrindo brechas na relação de cumplicidade com o Estado Novo. Dois dos mais imponentes altos dignatários da Igreja portuguesa expuseram de forma clara as respectivas posições. Escreve Adriano Moreira que “Foram atempadas, mas de lento progresso, as mensagens renovadoras de membros da hierarquia como D. António, Bispo do Porto, e D. Sebastião de Resende, Bispo da Beira”.200 De facto, os finais da década de 1950 marcaram a inversão da posição cooperante de grande parte da Igreja Portuguesa com o regime. Acerca deste assunto escreve Luís Reis Tor- gal:

“O final dos anos cinquenta e os anos sessenta que se seguem estão menos estudados pela escassa historiografia que se tem interessado por perceber o papel dos católicos no contexto do Estado Novo, embora tenham surgido recentemente algumas memórias bastante interessantes, de Bérnad da Costa ou de Joana Lopes. E o certo é que também a sua acção teve seu significado entre as linhas de força que levarão finalmente à queda do regime. Se a posição oficial da hierarquia católica mantém basicamente o apoio ao Estado Novo, em particular no início da «guerra colonial», também «é verdade que se torna mais visível a atitude de certos membros do clero e das elites católicas contra o sistema. Sucedendo-se a po- sições assumidas desde os anos trinta e quarenta por alguns padres e leigos católicos (a que nos referiremos), pela primeira vez um membro do episcopado, o bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes, por altura das eleições presidenciais de 1958, toma uma posição crítica em relação ao regime de Salazar, numa «carta» dirigida ao presidente do Conselho datada de 13 de Julho desse ano, que, por circunstâncias que se desconhecem, se veio a tornar pública. Esta situação, que valeu o exílio ao «bispo rebelde», foi sempre considerada emblemática de que a Igreja se afas-

199 Textos de Adriano Moreira, D. Sebastião de Resende, profeta em Moçambique [em linha]. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_rd=ssl#q=Textos+de+Adriano+ Moreira%2C+D.+Sebasti%C3%A3o+de+Resende%2C+profeta+em+Mo%C3%A7ambique+, consultado em 12 de Agosto de 2014. 200 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 130.

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tava cada vez mais do Estado Novo […]”.201

As reformas do sistema de governo ultramarino e das complexidades que o mesmo en- cerrava eram urgentes e disso D. Sebastião de Resende tinha consciência clara. Na sua posição, face ao colonialismo, existem dois períodos distintos: o primeiro, aquele em que vivendo na metrópole, alinhava pelas teses tradicionais do regime e do espírito da Concordata de 1940; o segundo, aquele em que teve maior visibilidade, o tempo em que chega à Diocese da Beira como bispo titular, em 30 de novembro de 1943. É a partir da percepção de bispo, da realidade colonial in loco que o mesmo altera as suas ideias e passa a ser uma voz crítica do regime. Desta realidade dá conta D. Carlos Azevedo, ex-bispo auxiliar de Lisboa e historiador, quando escreve: “foi perante a realidade que as suas posições se foram definindo”202. O bispo D. Sebastião de Resende afirmava que, para conhecer o Ultramar, era necessário viver lá, os ministros tinham de visitar as realidades ultramarinas, coisa que poucos faziam, mas que Adriano Moreira fez. Sobre o pensamento de Resende, escreve António Marujo:

“O contacto com a realidade indígena leva-o a entender que o problema é mais vasto que as condições de trabalho ou da justiça social, temas que vai tratando, nos primeiros anos, em sucessivos textos. A carta Hora Decisiva para Moçambique, de 1953, no décimo aniversário da sua chegada à Beira, é redigida a partir de dados da realidade fornecidos pelos missionários e zanga o ministro do Ultramar. Defende o direito dos indígenas à propriedade sem limitações e estende as críticas ao apar- theid da África do Sul. Em 1958, na carta Moçambique na Encruzilhada, faz a pergunta proibida: “Há que pôr, corajosamente em termos claros, aquele problema de Moçambique que encerra todos os outros problemas. Qual o futuro, político e nacional, de Moçambique? Será o da independência, em época mais ou menos remota ou próxima, como país integrado plenamente no conjunto dos países africanos?””.203

Esta pergunta decisiva que o bispo Dom Sebastião de Resende faz, está, temporalmente, situada no período agitado das eleições presidenciais de 1958, aquelas a que o General Humber- to Delgado concorre como oposicionista ao regime. Recordemos, também, que é na sequência destas eleições fraudulentas que D. António Ferreira Gomes, Bispo do Porto, escreve a famosa “Carta Aberta a Salazar” (Pró-Memória), de profunda crítica ao chefe do governo e que acabaria por conduzir o bispo ao exílio204.

201 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Coimbra, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, pp. 459 e 460. 202 MARUJO, António - O Bispo que abalou o Colonialismo em Moçambique [em linha], home- nagem a Sebastião Soares de Resende, por altura dos 100 anos do seu nascimento em Santa Ma- ria da Feira. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_ rd=ssl#q=MARUJO%2C+Ant%C3%B3nio+-+O+Bispo+que+abalou+o+Colonialismo+em+Mo%C3%A7ambique+%5 Bem+linha%5D%2C+homenagem+a+Sebasti%C3%A3o+Soares+de+Resende%2C+por+altura+dos+100+anos+do +seu+nascimento+em+Santa+Maria+da+Feira.+, Consultado em 12 de Maio de 2015. 203 MARUJO, António, O Bispo que abalou o Colonialismo em Moçambique [em linha], homenagem a Se- bastião Soares de Resende, por altura dos 100 anos do seu nascimento em Santa Maria da Feira. Op. Cit. 204 PRÓ-MEMORIA, Carta do Bispo do Porto D. António Ferreira Gomes a António Oliveira Salazar,

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O próprio regime apresentava, nos finais da década de 1950, mais e mais perigosas fissu- ras que poriam em causa a confiança no real poder de Salazar. As Forças Armadas, elas próprias, sentiam igualmente algumas brechas no apoio incondicional tradicionalmente dispensado ao Regime. Escreve Fernando Rosas a este propósito:

“Conta Adriano Moreira que na primeira entrevista que teve com Salazar como novo minis- tro do Ultramar, logo a seguir aos dias agitados do putsch gorado do ministro da Defesa, em Abril de 1961, o presidente do Conselho, ajeitando o cinto das calças num gesto nele habitual, lhe con- fidenciou: «Desta vez foi por pouco.» Mais tarde escreverá, nas suas memórias, que ouviu Salazar «desabafar que nunca se sentira tão perplexo em toda a sua vida política, e admitir que o General Moniz tinha na mão todos os co- mandos». É bem provável que assim fosse. A perplexidade resultaria, como sugere Adriano Moreira, «da dificuldade de saber qual seria o gesto político que poderia evitar um conflito com as forças armadas e, ao mesmo tempo, assegurar a execução da política que tinha decidido». E a ela subja- zia a magna questão, que antes já abordámos, de que na lógica legitimadora do regime não havia razão válida perante a Razão das Forças Armadas, suprema entidade tutelar do Estado Novo”.205

Por seu turno, a abertura do Concílio Vaticano II, em 1962, no qual participou activa- mente o Bispo da Beira, D. Sebastião de Resende, deu à ala mais crítica do clero português, na metrópole e no Ultramar, maior consciência da verdadeira situação de Portugal na Europa e no Mundo. Permitiu-lhe, ainda, clarificar certas posições mais tradicionalistas do Vaticano, o que se tornou claro com a abertura a que o próprio Concílio obriga. É esta ala que passa ao ataque do colonialismo do Estado Novo, entendendo-o como intolerável e muito próximo do sistema segregacionista da África do Sul. Escreve Manuel Gonçalves Martins:

“De facto, essa Ala, em 1965 (cento e um católicos) criticou claramente a guerra colonial portuguesa e disse que defender a “civilização cristã” não significava apoiar o Colonialismo (con- denado pelo Papa) e afirmar que “nas Colónias (Províncias Ultramarinas) portuguesas o Salazaris- mo defendia a civilização cristã”; em 1968 pronunciou-se contra a guerra e a política colonial do Governo; em 1969 comemorou a “Noite de São Silvestre”, na Igreja de S. Domingos, em Lisboa (não saiu da igreja e obrigou o cardeal Cerejeira a escutar um discurso contra a defesa do Império português)”.206

A desconfiança e a falta de cooperação entre a Igreja Católica e o Estado Novo avoluma- se cada vez mais e, nos finais da década de 1960, a tradicional aliança havia-se esfumado. Já disponível em https://www.google.pt/?gfe_rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_rd=ssl#q=Pro+M emoriam%2C+carta+do+Bispo+do+Porto+a+Salazar, consultada em 3 de Junho de 2014. 205 ROSAS, Fernando - Salazar e o poder, a arte de saber durar. Tinta da China, 1.ª edição, Lisboa, 2012, p. 246. 206 MARTINS, Manuel Gonçalves - O Estado Novo e a Igreja Católica em Portugal (1933-1974) [em linha], IV Congresso Português de Sociologia, s/l, s/d. Disponível em http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/ DPR462e076ebe701_1.PDF, consultado em 11 de Fevereiro de 2015.

100 Adriano Moreira e o Império Português não havia porta de saída para o regime face a uma Igreja cujas cúpulas haviam dado o seu apoio aos movimentos independentistas africanos. Ao mesmo tempo, a oposição ao regime de uma boa parte da Igreja Católica efectiva-se nas Províncias Ultramarinas. Os finais da década de 1950 foram para o Regime o início dos tempos mais difíceis, in- terna e externamente, tendo atingido o seu auge em 1961. O Presidente do Conselho discursa no dia 6 de Dezembro de 1958, diante da Comissão Executiva da União Nacional, onde “falou da ruptura da Frente Nacional, efectuada por alguns católicos; e disse que os rebeldes deviam, quanto antes, ser chamados à ordem, caso contrário (…) a Concordata e as relações existentes entre o Estado e a Igreja Católica serão alteradas”.207 No Ultramar, nomeadamente em Moçambique, os remoques entre Igreja e Estado au- mentam de tom. As discórdias entre D. Sebastião de Resende e o Ministro do Ultramar, Raul Ventura, haviam levado o Prelado a tomar posições públicas contrárias ao regime e altamente criticadas por Salazar. O desenrolar dos acontecimentos levaria a que Salazar apelasse para o Núncio Apostólico em Portugal que prometeu resolver a questão, não o tendo conseguido, já que D. Sebastião (bispo da Beira) continuou a levantar-se contra as imposições do regime. Oli- veira Salazar acabaria por referir:

“Desde que o Senhor Bispo não cumpriu a lei, a pastoral podia ser apreendida, mas não o foi. O facto de não ser apreendida não elimina a responsabilidade do autor por ter publicado a pastoral sem a sujeitar à Censura e por injuriar o governo na pessoa do Ministro do Ultramar. (…) Como o caso tem tendência para repetir-se, temos primeiro um problema de princípio a resolver – como levar o Episcopado a cingir-se ao artigo 2º da Concordata, desde que pretenda reivindicar o privilégio que ali lhe é concedido. Isto é, tem de saber-se se a Santa Sé se dispõe a tomar providên- cias a este respeito, ou se as não toma e prefere que o governo as tome, no cumprimento da letra e do espírito da Concordata, enquanto esta vigorar. (…) O governo não prescinde de que o Bispo reponha em público a verdade dos factos e a Santa Sé informe o governo da sanção que vai aplicar ao prelado para satisfação da verdade, da consciência pública e da dignidade do poder”.208

A Pastoral, centro de toda a polémica, resulta da intransigência do Ministro do Ultramar em autorizar a abertura de um Colégio dos Maristas na Beira e de o ter substituído por um liceu público. De facto, o que resta deste atrito é, sobretudo, a continuada afronta de D. Sebastião de Resende ao poder político, quer na questão ultramarina em geral, quer na relação da Metró- pole com os poderes e as populações do mesmo Ultramar. Consumava-se, assim, uma ruptura forte e decisiva entre a Igreja e o poder político. O Bispo da Beira manteve ao longo de todo o seu ministério episcopal uma postura de liberdade de consciência, de defesa dos direitos humanos e de independência face aos poderes públicos que, com frequência, desafia. Escreve Carlos Azevedo:

207 Id., Ibid. 208 NOGUEIRA, Franco - Salazar, IV, O Ataque (1945-1958), Livraria Civilização Editora, s/d, s/l, p. 458.

101 José Maria S. Coelho

“Quem se bate pela verdade, com inteira coerência de vida, ganha espaço de liberdade por dentro da alma e revelá-la a outros ou exigi-la ao poder é corolário imediato. É neste contexto que se ergue a defesa dos direitos humanos. Partindo da afirmação clara da união de valores da justiça e da caridade para garantir a paz, aplica esse princípio às situações vitais dos indígenas. Há injustiças clamorosas que vitimam os negros. Por exemplo, a imposição pelos ricos da exploração do algodão exclusivamente a negros. Outra realidade social que o inquietava. Assim descreve: «(…) a vida do indígena na palhota, em companhia da mulher e dos filhos, encontra-se per- manentemente ameaçada pelo temor e suspeita constantes da chegada de alguém a qualquer hora do dia ou da noite, para os arrebatar ao lar tão bruscamente que nem podem anunciar à família o lugar do seu destino, ou porque o ignoram ou porque nem tempo lhes resta para tanto»”.209

Entende-se o fascínio que o pensamento de D. Sebastião de Resende exerceu sobre o Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, um Ministro reformista e visionário em relação ao futu- ro do Império. Aliás, o Professor refere com total transparência e prontidão a ligação que se estabeleceu entre ele e o prelado, tanto em questões gerais da administração ultramarina, como no que respeitava à emancipação dos povos africanos. Disse-no-lo pessoalmente. Adriano Moreira assume, sem quaisquer complexos, a admiração que sentiu pelo Bispo da Beira e pela sua Pastoral. E não só perante nós. Também responde, assim, à entrevista a Paulo Rocha e Luís Filipe Santos da Agência Ecclesia, quando lhe é perguntado se as suas reformas para África eram apoiadas por alguns elementos da Igreja, nomeadamente D. Sebastião Soares de Resende:

“Segui muito a vida dele, mesmo antes de o conhecer. As homilias dele mereciam ser lidas e mereciam uma meditação. Teve conflitos constantes com o governo e morreu em querela judicial com o governo. Algumas coisas que D. Sebastião Soares de Resende desejou e vaticinou durante anos e anos eu pude fazê-las. Uma delas foi a criação do ensino universitário. Ele pedia isso há vinte anos e guardei o anúncio para a cidade da Beira. Nesta cidade – numa assembleia convocada pela Associa- ção Comercial – fiz este anúncio que lhe deu uma alegria enorme. Nessa altura já tinha sido revo- gado o «Estatuto dos Indígenas», mas recordo que ele – era muito franco e animado no diálogo – me disse que a revogação já tinha seis meses, mas não tinha tido uma aplicação muito rápida. (…). À pergunta se posteriormente ficaram amigos, Adriano Moreira continua: Ficámos amigos”.210

Por seu turno, as próprias missões católicas espalhadas um pouco por todo o Ultramar e, em particular, pelo interior de África, conheciam bem as dificuldades em continuar a defender

209 AZEVEDO, Carlos A. Moreira - Perfil Biográfico de D. Sebastião Soares de Resende [em li- nha], Lusitânia Sacra, 2.ª série, 6 81994), pp. 407 e 408. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_ rd=cr&ei=KGpcVb2CCsqZOq_FgcAH&gws_rd=ssl#q=AZEVEDO%2C+Carlos+A.+Moreira+-+Perfil+Biogr%C3%A1f ico+de+D.+Sebasti%C3%A3o+Soares+de+Resende+, consultado em 16 de Julho de 2014. 210 Segunda parte da entrevista concedida por Adriano Moreira [em linha], distinguido com a edição de 2009 do «Prémio de Cultura Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes», a Paulo Rocha e Luís Filipe Santos, da Agência Ecclesia. Disponível em http://www.snpcultura.org/premio_de_cultura_padre_manuel_antu- nes_2009_entrevista_adriano_moreira_1.html, consultado em 23 de Abril de 2014.

102 Adriano Moreira e o Império Português uma situação que mais não era do que colonial. A manutenção da situação acarretava, cada vez mais, conflitos descontrolados e escaramuças crescentemente perigosas, o que punha em causa não apenas a segurança das próprias missões como, em última análise, permitiam o cres- cimento de religiões alternativas como o islamismo no norte de Moçambique. Escreve Manuel Martins:

“Durante o período analisado (1933-1974), alguns sectores da “Igreja Católica missionária portuguesa” também atacaram o Estado Novo, principalmente o seu colonialismo. De facto, afir- mou Adriano Moreira, a Igreja Católica missionária chegou a compreender que o Estado Novo se ti- nha manifestado incapaz de continuar a impor o seu direito, se aproximava um novo poder político para o Império português e era necessário abandonar, antes do fim da luta, o Acordo Missionário; ou, segundo Vieira Pinto, essa Igreja viu as Colónias portuguesas avançarem a marchas forçadas para as suas independências Políticas e compreendeu a necessidade de adaptar a pastoral à nova conjuntura”.211

Na verdade, a Igreja Católica portuguesa andou mais depressa que o Estado na percepção da urgência em alterar a forma de administrar aqueles territórios de além-mar e, por outro lado, soube entrosar-se com os novos poderes locais que começavam a emergir.

4. A diplomacia portuguesa após 1945 e as relações com os aliados tradicionais.

Portugal confiou, desde os primórdios da nacionalidade, nas ligações e aliança coma Inglaterra. É sabida a participação inglesa na conquista de pontos-chave do Reino Português, durante a sua formação, designadamente Lisboa em 1147. O casamento de D. João I com Dona Filipa de Lencastre, em 1387, firmou definitivamente uma aliança que, apesar das tensões que se verificaram entre os dois países em épocas específicas, se manteria firme ainda ao longo do século XX, pelo menos até à Segunda Guerra Mundial. Os governos republicanos confiaram no apoio inglês para a defesa e integridade do Império Colonial durante a Primeira Grande Guerra (1914-18) e, mesmo com Salazar, as relações com a Grã-Bretanha mantiveram-se a um nível de confiança bastante elevado. Queremos, ainda que de forma superficial, referenciar o interesse crescente que as co- lónias lusas, nomeadamente as africanas, despertaram em ingleses e alemães. Esse interesse revelou-se logo após as conferências de Berlim de 1885 e, de forma mais incisiva durante a Primeira República. Por várias vezes correram boatos de que Portugal negociara aqueles ter- ritórios com aqueles Estados. Negociara-os sob a forma de arrendamento. Ora, a propósito de tais rumores, Oliveira Salazar discursa dizendo o seguinte:

211 MARTINS, Manuel Gonçalves - O Estado Novo e a Igreja Católica em Portugal (1933-1974) [em linha], IV Congresso Português de Sociologia, s/l, s/d. Disponível em http://www.aps.pt/cms/docs_prv/docs/ DPR462e076ebe701_1.PDF, consultado em 18 de Novembro de 2014.

103 José Maria S. Coelho

“O SUPOSTO ARRENDAMENTO DE ANGOLA À ALEMANHA Passadas poucas semanas sobre uma arremetida, nova tempestade de boatos se desenca- deou acerca das colónias portuguesas. Gerou-se em Basileia como a anterior, correu as capitais da Europa e deu a volta ao mundo porque a sentimos na América do Sul e na África. Como havíamos desmentido a venda, aparece a atoarda agora sob a forma de arrendamento com notáveis por- menores: contrato por 99 anos deixava intacta a soberania portuguesa; citam-se as firmas alemãs interessadas e os trabalhos que vão empreender; intensificar-se-á a produção de Angola para pagar o armamento adquirido para o Exército; o Chanceler no seu discurso de 30 do corrente dará mesmo público conhecimento do acordo realizado. O jornalista de Basileia interrogado acerca da notícia, garantiu a sua «rigorosa exactidão», pois a tinha da melhor fonte; em certos meios diplomáticos e políticos, já certamente informados, tomaram-se atitudes confirmativas; e jornais ingleses, com o sentido apurado da precisão, escreveram que Portugal já tinha desmentido a venda de colónias, mas o arrendamento a longo prazo era negócio, quer dizer, podia ser considerado. No meio de tudo, o Governo português absolutamente ignorante de tal acordo […]. Mas tudo é inútil. Alheios a todos os conluios, não vendemos, não cedemos, não arrendamos, não partilhamos as nossas coló- nias, com reserva ou sem ela de qualquer parcela de soberania nominal para satisfação dos nossos brios patrióticos. Não no-lo permitem as nossas leis constitucionais; e, na ausência desses textos, não no-lo permitiria a consciência nacional”.212

No extrato do discurso de Salazar identificam-se claramente três características: a primei- ra, o forte interesse da Alemanha fascista pelas possessões portuguesas em Africa; a segunda, a referência histórica que Salazar faz à manutenção do Império Colonial; e a terceira, talvez a mais importante naquele contexto, a impossibilidade de alienar qualquer parcela do território nacional, de cá ou de além-mar, por questões de consciência nacional. Estas três marcas do discurso definem de forma clara a visão que o Estado Novo tem do Império Ultramarino.

A profunda convicção de que a proximidade da Espanha às políticas dos países do Eixo constituiria um perigo à integridade do Estado Português clarificou, no pensamento estratégico do Presidente do Conselho português, que a melhor e mais conveniente posição portuguesa na Segunda Guerra Mundial era a neutralidade, a que alguns chamam de “colaborante”. Na ver- dade, Salazar nunca hostilizou a Alemanha e soube até tirar partido económico da cooperação com o regime germânico, a quem forneceu volfrâmio em quantidades muito elevadas, como já referimos. A posição portuguesa jogava na habilidosa política de não comprometimento aberto, mas sempre de forma encapotada, através de um jogo duplo. Salazar, se, por um lado, mostrava alguma cooperação com a facção aliada, por outro, afirmava a neutralidade cooperante com os países do Eixo. Isto mesmo escreve António José Telo: “Penso que podemos concluir que a neutralidade portuguesa na II Guerra Mundial foi sobretudo um fruto das circunstâncias. Em

212 SALAZAR, Oliveira - Discursos e notas políticas, II, 1935-1937. Coimbra Editores, Coimbra, 1937, pp. 257, 258 e 264.

104 Adriano Moreira e o Império Português termos simples, a beligerância formal do país nunca interessou a nenhum dos lados em qualquer fase da guerra”.213 A diplomacia de Salazar enquadrou-se sempre numa perspectiva mais atlântica que eu- ropeia. Disto estamos certos, a avaliar pelo interesse que o Brasil sempre exerceu no espírito dos dirigentes do Estado Novo. Ao mesmo tempo, a visão imperialista de Portugal explanava-se na manutenção da África e do Oriente. As relações com os EUA revelaram-se em crescendo, nomeadamente a partir da vitória dos aliados na Segunda Guerra Mundial e, em especial, no contexto do bipolarismo daí resultante. Paulatinamente, o período posterior à Segunda Guerra Mundial ia denunciando as fragi- lidades das chamadas “grandes Potências Europeias”. Os esforços de guerra haviam conduzido algumas delas, como a Grã-Bretanha, a situações internas difíceis e, externamente, a condi- cionalismos inesperados, nomeadamente em relação às colónias que mantinha. Acontecia o mesmo à maioria dos países com territórios coloniais. Fucsher Pereira explicita isso mesmo quando afirma:

“Ao longo do ano de 1946, foi-se tornando evidente que o enorme esforço bélico feito pela Inglaterra a tinha deixado praticamente exangue e incapaz de manter durante muito tempo o seu vasto império colonial. Era na Índia, a joia da coroa do império, que a fragilidade da posição ingle- sa se manifestava de forma mais evidente, obrigando Londres a acelerar o processo de transição para a independência. Lentamente, o regime de Salazar começou a aperceber-se das inevitáveis repercussões deste facto para as colónias portuguesas, embora ostensivamente as negasse, com o argumento da singularidade da experiência portuguesa”.214

A desconfiança de que novos tempos haveriam de colocar o Império português em sérias dificuldades atingiu Salazar e o Regime. Este temor é bem patente, tanto nas embaixadas de Portugal à ONU, sendo que nelas desempenhou papel importante Adriano Moreira, como na necessidade de prestar maior atenção aos territórios coloniais, implementando reformas que os aproximassem mais da metrópole. Sério e competente defensor do luso-tropicalismo, Adria- no Moreira pretendia fazer valer os particularismos da ocupação portuguesa dos territórios do Ultramar. Essa especial forma de ocupação baseava-se na miscigenação e no espírito missio- nário que norteara as relações dos portugueses europeus com os “portugueses” autóctones. O sociólogo brasileiro Gilberto Freyre influenciava, cada vez mais, a posição oficial portuguesa, acabando mesmo por ser um dos principais defensores das reformas aplicadas àqueles territó- rios ultramarinos. De modo a atingir os fins previstos de manter o Império Ultramarino, Salazar conduziu a política interna no sentido da revisão constitucional de 1951, que altera a denominação de Co- lónias para Províncias Ultramarinas, aplicada às possessões portuguesas em outros continentes. Quando, em 1947, a Índia inglesa alcança a autodeterminação, em Portugal, um punhado de es-

213 TELO, António José - A Neutralidade portuguesa e o ouro nazi, Quetzal Editores, Lisboa, 2000, p. 84. 214 Id., Ibid., p. 47.

105 José Maria S. Coelho tudiosos da realidade política internacional temeu pela segurança do Estado Português da Índia. Goa, Damão e Diu estavam agora na mira dos interesses de Nehru, Primeiro-ministro indiano. Ainda em Julho de 1946, o pacifista Gandhi afirmava, num artigo jornalístico, que “na Índia livre, Goa não podia subsistir como entidade separada”215. Era essencial tomar consciência da gravidade das afirmações dos líderes independentistas que, da Índia à Indonésia, proclamavam a libertação de todos os povos sujeitos à administração colonial. Portugal deveria antever duas situações: se, por um lado, era evidente a necessidade de encetar negociações com a União Indiana, de modo a preservar a identidade portuguesa naquelas paragens, por outro, o governo português deveria prevenir-se face à difícil posição da Inglaterra quanto à dualidade União Indiana/apoio a Portugal. Para os ingleses, mais importante do que apoiar Portugal, o velho aliado, numa causa previsivelmente perdida, havia que garantir a ligação do novo país à antiga potência colonizadora. A Grã-Bretanha antecipava a concretização de uma comunidade inglesa assente na língua, coisa que Portugal não foi capaz de realizar oportunamente. O peso da Inglaterra no mundo, ainda que grande, era menor do que anteriormente à Segunda Guerra Mundial. O poder e a influência ganhos pelos Estados Unidos da América com o fim do primeiro conflito mundial acentuavam-se agora na década de 1940 – pós-guerra. A Grã- Bretanha sabia disso e pugnava por combater essa superioridade americana com a criação de uma entidade britânica alargada que congregasse todos os povos, independentes ou não, mas falantes da língua inglesa. A França, também ela detentora de territórios não autónomos, vira-se igualmente desa- possada de uma boa parte deles, na Ásia e também no Norte de África. Note-se, contudo, que esta potência mantinha territórios de grande importância, como a Argélia, sob a sua autoridade colonial, o que acabaria por conduzir à luta armada pela libertação. A par com Portugal, a Fran- ça terminaria o seu Império com guerra. Os Estados Unidos da América olhavam Portugal, desde o fim da Guerra (1945), mais como um país de conveniência do que um Estado aliado. O facto de não ter participado no conflito mundial e de, mais ou menos, veladamente, ter cooperado com os regimes do “Eixo” afastou o país, definitivamente, dos acordos de paz. Ialta e Potsdam foram sobretudo palco decisório para os “grandes”. Portugal, na sua mesquinhez ditatorial, não foi capaz de ingressar na nova ordem mundial. Há, contudo, que levar em conta que em 1949 se torna membro fundador e de pleno direito da Aliança Atlântica (NATO) e, depois de tentativas falhadas, é aceite na ONU em 1955. Estas adesões explicam-se, sobretudo, pela necessidade de Portugal conter o ímpeto expansionista da URSS num tempo de confronto bipolar e, por outro lado, integrar a ONU na perspectiva de que assim teria uma voz activa na defesa do Império, situação que aquela Or- ganização repudiava. Salazar recusava-se a aceitar a inevitabilidade de descolonizar e de abrir o sistema polí- tico. Recusa, igualmente, aceitar a Nova Ordem Internacional fiscalizada e ditada pelas Nações Unidas e, por fim, negava-se a admitir que os apoios internacionais ao país já não eram os que a história garantira durante séculos, como era o caso da aliança com Inglaterra. Em suma, Salazar

215 Id. Ibid., p. 478.

106 Adriano Moreira e o Império Português estava ultrapassado no tempo e no modo de agir, interna e externamente, ao mesmo tempo que a política portuguesa passava a depender mais de pressões exógenas do que endógenas. Para efeitos práticos, Portugal passou a pertencer a um mundo que já não existia. No tocante às relações de Portugal com os EUA, é de salientar que, aos poucos, elas se foram degradando. Se não oficialmente, pelo menos, na prática. Na realidade bipolar em que os EUA ambicionavam a supremacia face à URSS, a ligação a um Portugal conservador e colo- nial tornava-se incómoda e limitava a expansão da influência americana no mundo. Nos finais da década de 1950, o apoio dispensado pelos americanos ao nosso país constituía uma ligação perigosa, no sentido em que se tratava de sustentar um regime ditatorial decidido a manter um império que, para os EUA, deveria ser descolonizado. Os acontecimentos no Médio Oriente, a Guerra dos Seis Dias, em 1967, (Israel e o mundo árabe circundante), e a do Yom Kippur, em 1973, levam ao abandono por aqueles da causa portuguesa, segundo Adriano Moreira:

“Numa data em que a fadiga causada pela guerra no Ultramar já estava a ponto de causar a queda do regime da Constituição de 1933, e justamente quando os EUA revelaram de uma forma dura a decisão de não apoiar a política africana portuguesa, iniciou-se a chamada Guerra Yom Ki- ppur, quando o Egipto e a Síria atacaram Israel, municiados pela URSS”.216

Na realidade, para os EUA, a política colonial portuguesa já não se adaptava às necessi- dades da política externa americana e nem tampouco aos tempos de emergência de conflitos regionais bem perigosos para o equilíbrio bipolar. A partir de meados da década de 1960, o apoio americano a Portugal, embora se reduza, continua a existir devido à necessidade estra- tégica dos Açores para os aliados e, particularmente, para a estratégia da Aliança Atlântica. A NATO via naquele “porta-aviões no Atlântico” uma mais-valia na conjugação da interligação das diferentes posições armadas no mundo face ao bloco comunista. Contudo, mesmo com o peso que o arquipélago dos Açores tinha, os EUA começavam a efectivar o apoio secreto, mas real, aos movimentos de libertação no Ultramar português. Ao mesmo tempo que os america- nos criticavam Portugal na ONU por manter colónias e ajudavam discretamente os movimentos independentistas, também apoiavam o governo português por este lhes parecer útil na dispu- ta bipolar. A invasão do Estado Português da Índia por Nehru, em Dezembro de 1961, levou o governo português a ponderar o apoio incondicional quer da velha aliada Grã-Bretanha, quer dos EUA. A primeira não se envolveria, de forma alguma, numa contenda militar com a União Indiana a favor de Portugal. Quanto aos Estados Unidos da América, ainda que fosse pedido ex- pressamente por Portugal um comunicado público de condenação da acção de Nehru, o mesmo nunca se verificou. O texto que segue explicita bem essa realidade:

“O Governo Norte-Americano também não estava determinado a desencorajar Nehru. Du- rante o Verão e Outono de 1961, o Governo Português tentou que a administração Kennedy decla-

216 MOREIRA, Adriano - O Estado exíguo e as hipóteses estratégicas, o Sistema Internacional e o con- texto estratégico mundial, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Lisboa, 2011 s/p.

107 José Maria S. Coelho

rasse publicamente que se oporia a qualquer tentativa armada da União Indiana sobre Goa, Damão e Diu. Essa declaração nunca veio a acontecer, apesar de Washington fazer saber ao embaixador indiano que o assunto seria levado ao Conselho de Segurança das Nações Unidas no caso do uso da força e que os EUA tomariam posições contra qualquer acção militar”.217

O crescente isolamento de Portugal na cena internacional e, sobretudo, entre os velhos aliados fazia antever um fim que Salazar não aceitava ser possível: a falta de apoio às políticas portuguesas. Contudo, Eisenhower visita Portugal em Maio de 1960, o que deixa antever um apoio dúbio ao país colonizador que não se preparava para a independência dos territórios por si administrados. Sem se aperceber, o ditador acabaria por deixar cair o próprio regime numa espécie de “espaço sem chão” que conduziria ao seu próprio fim.

217 BARROSO, Luís - Salazar, Caetano e o “Reduto Branco”, A Manobra Político-Diplomática de Portugal na África Austral (1951-1974). Fronteira do Caos Editores, 1.ª edição, Porto, 2012, p. 151.

108 Adriano Moreira e o Império Português

Capítulo IV Adriano Moreira para além do Estado Novo.

1. Adriano Moreira e o Portugal do pós 1945.

Formado em Direito havia pouco, quando a Segunda Guerra Mundial terminou (1945), Adriano Moreira era, ao tempo, um académico ligado emocionalmente aos territórios do Im- pério Colonial Português. Como tivemos oportunidade de expor em capítulo anterior, o luso- tropicalismo cedo interferiu no pensamento dele. Por seu turno, também as novas realidades geopolíticas saídas da guerra (1939-45) preocupavam o Professor. Logo se apercebeu de que a criação de um organismo supranacional como a ONU acabaria por ditar as regras do chamado Direito Internacional que, em boa verdade, mais não era que o Direito imposto pelos vence- dores, a avaliar pelo peso destes no Conselho de Segurança. Verdadeiramente convicto de que Portugal deveria acompanhar activamente estas mudanças e tirar delas algum partido, sempre se posicionou no sentido da abertura ao mundo e de aceitação das coisas tal como passaram a ser após 1945. Adriano Moreira olhava para a Constituição de 1933 e identificava nela contradições imensas. Considerava mesmo ser um texto que proporcionara fortes distanciamentos entre o espírito e a letra na prática do poder político. É nestes termos que se refere à Lei fundamental de 1933:

“A Constituição de 1933 tinha uma ideologia de Estado, com o equívoco trajecto que trocava as teses pelas hipóteses, e que recebia do municipalismo de Herculano sem revitalizar o conceito de senhorio colectivo; (…) proclamava o poder limitado pela moral tradicional (católica) do país mas hesitava em aceitar a doutrina da função social da propriedade e do privilégio dos pobres de que o Padre Abel Varzim (1902-1964) foi um dos principais suportes com a sacrificada defesa de uma justiça social inadiável; consagrava a dignidade humana como matriz dos direitos, liberdades e garantias, mas restringindo o exercício; assumia o conceito estratégico nacional histórico da nação colonizadora e evangelizadora, mas condicionava o desenvolvimento da acção pelos dogmas do pacto colonial; declarava a igualdade das etnias e culturas, mas praticava que as populações colonizadas eram a cera mole que seria moldada pelos padrões do ocidentalismo”.218

Evidencia-se aqui a visão de Adriano Moreira em relação às grandes contradições do próprio Estado Novo. Frequentemente, o poder executivo desrespeitava a Constituição. Esta questão intrigava Adriano Moreira que considerava não haver um rumo equilibrado entre a

218 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 146.

109 José Maria S. Coelho teoria e a prática. Esta faceta do regime colocava em perigo a sua subsistência no Pós-Guerra (1945). É que a observação da praxis governativa não poderia ocultar a sua disfunção face à ideologia plasmada na Constituição. As últimas linhas da transcrição que fizemos mostram bem a posição de Moreira face à forma como o regime interpretava a sua relação com as colónias. O Professor sabia bem que o Direito Internacional após 1945 não consentiria mais uma espécie de faz de conta, no respeitante à tradicional metodologia na relação com os povos colonizados. É desta realidade que Adriano Moreira trata quando escreve: “A ilusão de que a circunstância de Portugal ter uma História, uma identidade, e uma dimensão imperial, o colocava com peso específico no processo internacional […]”.219 Ao mesmo tempo, a forte simpatia que Adriano Moreira nutria pelas ideias luso-tropica- listas de Gilberto Freyre tinha-lhe trazido novas concepções acerca da realidade ultramarina portuguesa. Para Adriano Moreira, o futuro dos territórios portugueses de além-mar deveria ser desenhado tendo em conta a realidade internacional do Pós-Guerra e, de igual modo, garantin- do o respeito pelo lastro histórico e civilizacional de Portugal. Tornava-se, no entanto, premen- te alterar uma visão passadista que Salazar e o seu regime tinham sobre o Império português. Na verdade, o rumo que as possessões ultramarinas portuguesas tiveram após 1919, o Tratado de Versalhes que regula o mundo depois da 1ª Guerra Mundial, não poderia ser replicado com o fim do Segundo Conflito Mundial (1945). Contudo, era a aplicação desse mesmo rumo que o Estado Novo queria ver perpetuado. Esta ideia assentava numa visão tradicional que Jaime No- gueira Pinto muito bem identifica no seguinte excerto:

“O Estado Novo, na senda do patriotismo ultramarino da Primeira República, manteve os ideais e mitos da expansão colonial, fazendo do império e do ultramar a essência da Nação. Desde a Restauração que era objectivo nacional criar, conservar e consolidar um conjunto estratégico lusó- fono que englobasse Lisboa, os arquipélagos atlânticos, os portos brasileiros, Luanda e Lobito. Este conjunto continuava na costa oriental africana entre Lourenço Marques e Nacala. Goa, Damão, Diu, Macau e Timor, as relíquias do império oriental, também nunca tinham deixado de estar presentes na cultura e no imaginário português”.220

Adriano Moreira bem sabia que esta não poderia ser a visão de Portugal sobre os territó- rios ultramarinos, num tempo em que as independências se multiplicavam. Com efeito, havia que alterar a visão sobre o Império apesar das dificuldades internas. Em alternativa, o país de- veria empenhar-se em criar uma unidade afectiva e linguística que fosse capaz de empreender reformas justas e negociadas. As dificuldades para atingir esta nova postura do governo situ- avam-se essencialmente nos meios conservadores que dominavam o regime. Neste particular, era convicção dos mais conservadores e, sobretudo, Salazar, de que, sem o Império, Portugal ficava demasiado pequeno, exíguo, incapaz de se afirmar na Península Ibérica. Salazar entendia

219 Id., Ibid., p. 147. 220 PINTO, Jaime Nogueira - Portugal: Ascensão e Queda: Ideias e Políticas de Uma Nação Singular, colaboração de Inês Pinto Bastos, Publicações Dom Quixote, Alfragide, 2014, p. 213.

110 Adriano Moreira e o Império Português que sem o Império Portugal se tornava “presa fácil” de uma Espanha que continuava a sonhar com a “união ibérica”. Adriano Moreira antecipara estes temores, chamado que foi a intervir na cena internacional, nomeadamente na ONU, na defesa da posição colonialista portuguesa. Aí se apercebera da impossibilidade de continuar a insistir numa solução que ia ao invés dos percur- sos trilhados pelas restantes potências colonialistas. Foi assim, e conhecendo bem a situação internacional, que Adriano Moreira foi propondo reformas institucionais e administrativas nos territórios ultramarinos. O Professor tinha uma visão muito própria para o futuro do Ultramar português. Propunha, pois, uma nova realidade nas relações entre o Portugal continental e o ultramarino. É esta a opinião de Nogueira Pinto quando escreve:

“[…] Dentro do bloco defensor da unidade Metrópole-Ultramar havia outras versões para a legitimação das posições portuguesas, versões mais globais e ideológicas, como a de Adriano Morei- ra, subsecretário de Estado da Administração Ultramarina a partir de Março de 1960 e ministro do Ultramar entre Abril de 1961 e Dezembro de 1962. Moreira foi o autor de uma série de reformas le- gislativas de resposta às críticas internacionais, numa linha integradora e de universalização da ci- dadania: reforma do trabalho, abolição do estatuto do indigenato, reforma político-administrativa e económica, culminando nos sete decretos de Setembro de 1961. Adriano Moreira tinha formação jurídica e académica e experiência forense; a sua acção no Ministério do Ultramar acabaria em De- zembro de 1962, após um conflito com o general Venâncio Deslandes, governador-geral de Angola, que teria, exorbitando as suas competências, avançando com uma descentralização e autonomia de decisão no governo da província”.221

Moreira antecipou o desastre da guerra colonial. Exposta a situação a Salazar e apelando para reformas rápidas e consistentes no Ultramar, acabaria por perder o apoio do Presidente do Conselho à continuação das reformas que vinha implementando naqueles territórios. Na sequência da pressão dos mais conservadores sobre Salazar no sentido de travar a emancipação dos territórios ultramarinos, e em particular das forças castrenses, que detinham, de facto, o poder naquele tempo, Adriano Moreira acabaria por abandonar a liderança do Ministério do Ultramar, em 1962, de forma abrupta. Forçado pelos militares, estamos certos, que não viam com bons olhos um reformista à frente daquela pasta ministerial, em tempo de guerra. Tratava- se de reformas que preparavam as Províncias Ultramarinas para uma autonomia progressiva que conduziria, certamente, à independência. Adriano Moreira olhara desde cedo para aqueles territórios, com a espectativa de aí criar um corpo de funcionários, capaz de assegurar uma governação autónoma daquelas terras. A realidade inglesa quanto ao Império Colonial e às dificuldades da sua manutenção após o fim da Segunda Guerra Mundial tinha elucidado os portugueses mais atentos e abertos às mudanças. Entre eles, estava Adriano Moreira. Para o Professor, o efeito desagregador que a Segunda Guerra Mundial tinha provocado no Império britânico era, adivinhava-o, prenúncio do que aí vinha para Portugal. Havia, pois, que aceitar essa nova realidade e saber geri-la de

221 Id., Ibid., pp. 218 e 219.

111 José Maria S. Coelho maneira a causar os menores danos possíveis. Não foi este o entendimento da ala conservadora e integracionista do governo. A esta realidade alude Futscher Pereira quando escreve:

“Ao longo do ano de 1946, foi-se tornando evidente que o enorme esforço bélico feito pela Inglaterra a tinha deixado praticamente exangue e incapaz de manter durante muito tempo o seu vasto império colonial. Era na Índia, a joia da coroa do império, que a fragilidade da posição ingle- sa se manifestava de forma mais evidente, obrigando Londres a acelerar o processo de transição para a independência. Lentamente, o regime de Salazar começou a aperceber-se das inevitáveis repercussões deste facto para as colónias portuguesas, embora ostensivamente as negasse, com o argumento da singularidade da experiência histórica portuguesa. A vaga de contestação que submergiu a Índia após o final da guerra não tardou a alcançar Goa. O momento decisivo em que essa oposição se cristalizou foram as manifestações contra o do- mínio colonial português organizado pelo Dr. Ram Manohar Lohia222, um membro destacado do Par- tido do Congresso, que tiveram lugar em Margão, a 16 de Junho de 1946, poucos meses depois do primeiro-ministro inglês, Clement Attlee, ter prometido à Índia a independência. Em vez de tolerar o protesto, como faziam os ingleses, as autoridades portuguesas optaram, como era seu costume, pela repressão. Lohia foi preso e colocado em solitária, e vários outros dirigentes da oposição goesa foram igualmente detidos e posteriormente deportados”.223

Oliveira Salazar considerava que, tendo sido o Império Português construído na base da miscigenação e da missionação, herdado de uma realidade histórica bem diferente das restan- tes congéneres na Europa, não havia que seguir exemplos de outros com características dife- rentes e, essas, sim, próprias de colonialista. Referia-se, naturalmente, ao percurso que a Grã- Bretanha estava a seguir. Para o Presidente do Conselho, a herança que recebera era pesada, contudo obrigatoriamente suportável. Oliveira Salazar aparecia aos olhos de muitos como um “novo Infante D. Henrique”. Este dera início aos descobrimentos, chegara à Serra Leoa, abrira o caminho para o Império Colonial que sobrevivera até ao século XX. Era, assim, um imperativo mantê-lo. Escreve Maria Isabel João em relação à figura do Infante D. Henrique:

“Tradicionalmente, a historiografia portuguesa considerava o Infante D. Henrique como o iniciador e o principal obreiro da expansão e dos descobrimentos e procurava descortinar as cau- sas daquela através das razões que o tinham movido. Já Zurara tinha colocado o problema nesses moldes: conhece-se a obra quando se conhece o fazedor dela. Por isso, para explicar a génese da expansão portuguesa procedia-se à análise das cinco razões, enunciadas por Zurara na Crónica de Guiné, que tinha movido o Infante. Vitorino Magalhães Godinho reformulou os termos da questão, distinguindo três ordens na

222 Ram Manohar Lohia, (23 de Março de 1910 – 12 de Outubro de 1967). Foi um activista do movimento de independência da Índia, tanto da inglesa como das possessões portuguesas, e um líder político nacionalista fervoroso adepto de Mahatma Gandhi, o grande herói da independência da Índia. 223 PEREIRA, Bernardo Futscher - A Diplomacia de Salazar (1932 – 1949), Publicações Dom Quixote, Alfra- gide, 2012, pp.477 e 478.

112 Adriano Moreira e o Império Português

explicação das causas da expansão: - as causas da expansão, vista como processo sócio-económico, têm de ser procuradas esta- belecendo relações sérias de factos e “não é necessário conhecer as intenções dos dirigentes. - as causas da conduta dos dirigentes, no caso presente o Infante D. Henrique, têm de ser encontradas no quadro sociopolítico e mental da época em que são realizadas; - as razões conscientes ou inconscientes, que moveram os dirigentes contribuem para com- preender a actuação dos indivíduos, mas não explicam os acontecimentos e o processo global. Nesta ordem de ideias, as causas da expansão são vistas como um complexo de factores que compete ao historiador descobrir e encadear de forma sistemática para explicar a génese de todo o processo”.224

A figura do Infante, crescentemente valorizada pelo regime salazarista, representava para os desígnios nacionais uma espécie de leme que deveria guiar os portugueses na relação com os autóctones do Ultramar. Totalmente errado, pensamos nós, e os tempos o demonstra- ram também. A teimosia em manter o Império Colonial, mesmo alterando-lhe a designação com a revisão constitucional de 1951, havia de conduzir a uma guerra depauperante das finanças públicas e decapitadora de parte da juventude. Por outro lado, as informações que chegavam de Londres, do Foreign Office, aconselhavam Portugal a repensar a sua posição face a Goa, Damão e Diu. Do lado português, o governo entendia que não tinha necessidade de seguir o exemplo inglês pelos particularismos que acreditava haver na colonização portuguesa e que, portanto, não tinha paralelo em outras colonizações. Entretanto, os ingleses avisavam Portugal que seria provável que o tradicional apoio ao nosso país fosse quebrado, em resultado dos in- teresses que a Inglaterra tinha na Índia e que pretendia manter após a descolonização. Escreve Futscher Pereira:

“Os ingleses (…), mais tarde ou mais cedo, acabariam por ser confrontados com uma esco- lha penosa entre a Índia e Portugal. (…). Marcelo Caetano insistia na singularidade da colonização portuguesa, argumentando que longos séculos de convivência e assimilação tinham criado em Goa, Damão e Diu, uma civilização «luso-indiana» inteiramente original”.225

O Estado português prosseguia, assim, a teoria criada pelo sociólogo Gilberto Freyre, segundo a qual a colonização portuguesa nos trópicos fora criadora de uma realidade civiliza- cional distinta. Tratava-se da assunção do luso-tropicalismo por inteiro. Adriano Moreira comun- gava destes princípios freyreanos, mas, mercê dos contactos diversos com o exterior, sabia bem que a evolução dos territórios coloniais havia de ir no sentido da independência. A composição da Assembleia Geral da ONU ia-se alterando na medida em que novos países, muitos deles recém-chegados à independência, iam aderindo à Organização. Esta nova composição pesaria

224 In JOÃO, Maria Isabel - O Infante D. Henrique na historiografia, edição do Grupo de trabalho do Minis- tério da Educação para as Comemorações dos Descobrimentos Portugueses, 1.ª Edição, s/l, 1994, p. 48. 225 Id., Ibid., p. 479.

113 José Maria S. Coelho contra Portugal quando os antigos colonizados formassem um forte grupo de pressão nas Nações Unidas. Por outro lado, o apoio tradicional inglês ia-se esfumando tanto quanto a Inglaterra ne- cessitava de estabelecer novos acordos com as suas antigas colónias como a Índia e, aí, os seus interesses seriam sempre mais fortes. Adriano sabia bem que a evolução do Império português no sentido da autonomia seria irreversível. Era, portanto, necessário que, usando os princípios do luso-tropicalismo, se caminhasse para uma emancipação negociada dos territórios portugue- ses de além-mar. A ausência de reformas e a incapacidade de acompanhar o ritmo de mudança no mundo levaram o regime de Salazar a assistir ao início da derrocada do Império, logo em finais de 1961, com a perda dos territórios que constituíam o Estado Português da Índia, Goa, Damão e Diu, como já escrevemos. Escreve Adriano Moreira: “O discurso do Doutor Salazar, na Assembleia Nacional em 3 de Janeiro de 1962, deu conta da perda do Estado da Índia, com dra- matismo que correspondia aos valores históricos nacionais atingidos, e afirmando que a questão de Goa não terminava com a invasão sofrida, antes realmente começava”.226 E o desastre começava ali. Viriam as condenações estrangeiras, o isolamento do regime e do país que, apesar de não ser total, é penalizador das políticas coloniais do governo português. Por fim, a guerra colonial. Mesmo quando a liderança do governo foi assumida por Marcello Caetano, tal não provocou no espírito de Adriano Moreira qualquer sobressalto de alegria. Ele vaticinava um fim trágico para o regime e, em consequência, para o Império. É isto que ele diz quando escreve: “Quanto ao regime, circulava sem grandeza para o fim do tempo de véspera do desastre anunciado, com a enganosa designação de primavera”.227

2. Adriano Moreira: um crítico do Estado Novo.

Não questionamos alguma consonância de Adriano Moreira com os fundamentos do Estado Novo, pelo menos até ao fim da Segunda Guerra Mundial. O próprio nos confidenciou, que, para mal de Portugal e da evolução política, Oliveira Salazar manteve-se ao leme do governo para lá de 1945 – fim da Segunda Guerra Mundial. Se, naquela altura, tivesse abdicado do poder, sendo que o ajustamento financeiro estava feito e a não participação na Segunda Guerra Mundial tinha sido conseguida, hoje, Oliveira Salazar poderia ser recordado positivamente pela maioria dos portugueses. Ainda segundo o Professor, o mundo que mudara radicalmente não fora mostrado a Salazar. A evolução política internacional levaria Adriano Moreira a desenvolver acções de sen- sibilização em fóruns internacionais, em prol da política ultramarina portuguesa. Referimo-nos, entre outras, às idas às Nações Unidas onde, integrando as diversas delegações, se foi aperce- bendo da inevitabilidade da descolonização. Esta era impossível de travar, concluiu cedo o Pro- fessor, mas a via de o fazer não estava predefinida. Havia que interpretar bem os fundamentos da ocupação portuguesa do Ultramar, a questão da missionação e da própria língua. Aliás, é nesta âncora, a da língua, que Adriano Moreira se funda para defender muito daquilo que é a

226 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 314. 227 Id., Ibid., p. 347.

114 Adriano Moreira e o Império Português sua visão para a evolução do processo ultramarino português. Trata-se de uma visão que não foi, mas poderia ter sido, alternativa à que conhecemos. Constituía, certamente, uma terceira via em alternativa aos integracionistas e àqueles que defendiam uma independência pura e sim- ples. Desta nossa convicção faremos defesa a seu tempo. A forma como Adriano Moreira geriu a sua vida política e intelectual foi sempre pautada pela vontade de valorizar o nacionalismo em que fora educado, mas também de aceitar e defender as mudanças que o tempo cronológico não adiava, embora o tempo afectivo teimasse em manter. Escreve-se no Dicionário de História de Portugal (Supl. 8. Coordenado por António Barreto e Maria Filomena Mónica):

“Em AM, a nação, bem-amada mas não divinizada, serve fins e valores que a transcendem. Nesta ordem de ideias, Portugal devia prestar contas do serviço ao qual se devotará além-mar, aí representando a Europa e o Ocidente. E o eventual incumprimento das suas obrigações de coloni- zador seria duramente penalizado pela progressiva desafeição de populações indígenas e europeias sem o decidido apoio das quais uma defesa essencialmente militar e diplomática estava votada ao fracasso”.228

Para Adriano Moreira, muito mais do que manter territórios ultramarinos, situação que não era sustentável em meados do século XX, era urgente determinar uma outra forma de co- munhão entre os povos de língua lusa. De facto, eram e são hoje laços fundamentais da identifi- cação afectiva e cultural entre os povos que pertenceram ao antigo Império colonial português. A CPLP tornou-se realidade e, com maior ou menor sucesso, tem desempenhado a missão de catalisar as sinergias dos diferentes Estados de língua oficial portuguesa. Moreira há já muito que defende uma forte interligação entre os diferentes Estados que falam português. Por va- riadíssimas vezes, o Professor tem referido que a desagregação do Império luso, politicamente falando, não beliscou em nada as afinidades culturais. Embora, num período subsequente à descolonização, as relações da antiga potência colonial (Portugal) com os novos Estados não fossem nem muito abertas, nem de grande confiança, o que é compreensível, dada a forma como a descolonização foi feita – com recurso a uma guerra. Certo é que o lastro da lusofonia estava e manteve-se presente na matriz cultural desses povos. O final da Segunda Guerra Mundial apanhou Adriano Moreira já a trabalhar, após ter terminado o curso de Direito. Quando referimos este percurso, é apenas para clarificar a não dependência de Adriano Moreira, em termos financeiros, do próprio Estado, o que o manteve sempre livre para criticar o regime e a administração colonial que o mesmo teimava em manter. Em resposta, indicava soluções para esse estado de coisas. Terá sido essa liberdade e as críticas sistemáticas à administração colonial que, em determinada altura, levaram Salazar a chamá-lo para junto de si. Mesmo quando entrou para o governo, não deixou de assumir claramente o passado de crítica e de oposição.229

228 BARRETO, António ; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, artigo de Manuel Lisboa (sociólogo), Livraria Figueirinhas, Porto. 1999, p. 532. 229 Artigos reunidos em Estudos Jurídicos. Lisboa: Junta de Investigação do Ultramar.

115 José Maria S. Coelho

Na verdade, a jorrada de legislação que Adriano Moreira fez publicar enquanto Ministro do Ultramar, a partir de 1961, tornou-se o conjunto mais apreciável de toda a legislação publi- cada referente às Províncias Ultramarinas. Limitado e de fracas consequências práticas era o conjunto de normas anteriores à sua actividade de legislador sobre o Ultramar. Muitas dessas normas aplicadas às Colónias pouca eficácia produziam, visto o interesse pelo desenvolvimento desses territórios ser limitado, até, pelo menos, à questão da não autonomia levantada pelo artigo 73º da Carta das Nações. O Professor Adriano Moreira conhecia bem a questão ultramarina, como já referimos. Para além disso, inteirara-se das disposições das grandes potências na ONU face ao apoio que Portugal podia esperar. Contrariamente ao que Salazar pensava, Moreira concluíra que o apoio que era dispensado pelos países tradicionalmente amigos, na questão ultramarina, era cada vez menor. Aliás, informou-nos o Professor que Oliveira Salazar achara sempre um enigma o facto de Adriano Moreira ter antecipado o ano do início da guerra no Ultramar. Questionado pelo Presidente do Conselho sobre essa antevisão, respondeu: “Senhor Presidente, apenas tive um bom professor na escola primária que me ensinou a fazer contas” e continuou a explicar: “eu sabia que, à medida que novos países, antigas Colónias fossem aderindo à ONU, o equilíbrio dos dois terços a nosso favor ir-se-ia alterando e acabaria por se inverter”. Quando essa inversão de facto aconteceu, o apoio que Portugal colhia junto das grandes potências tradicionalmente amigas deixou de existir. Num mundo bipolar, os interesses das superpotências como os EUA e a URSS eram bem mais voláteis que a velha amizade com países como Portugal. Por outro lado, as potências europeias já o não eram verdadeiramente. A Grã-Bretanha rodopiava em redor dos interesses estratégicos norte-americanos e a França perdera peso na cena internacional. A constatação destas realidades da política mundial por Adriano Moreira fizeram-no de- cidir-se por medidas legislativas que, hipoteticamente, pudessem suster a guerra de libertação dos povos africanos sob tutela lusa. Esse compasso de espera daria tempo para equacionar uma solução negociada. O Professor disse-nos isso mesmo quando lhe perguntámos se com ele mais tempo no Ministério do Ultramar, a independência das Províncias Ultramarinas se teria verifica- do de forma verdadeiramente negociada. Respondeu-nos afirmativamente, acrescentando que, se tivesse sido ele (Adriano Moreira) a suceder a Oliveira Salazar na chefia do Governo, a evo- lução para a democracia teria sido uma realidade num prazo curto230. Já quanto à desafeição que se gerou entre Adriano Moreira e Marcello Caetano, a mesma é do conhecimento público. Nem o primeiro o nega, nem o segundo o evitou, demonstrando-o no curto período em que foi Presidente do Conselho (1968-1974). Entre 1953 e 1959, Adriano Moreira desenvolvera intensa actividade em prol do progresso do Ultramar Português, servindo, com frequência, de peça fundamental ao lado de Franco No- gueira, nas discussões internacionais sobre o colonialismo em que Portugal era frequentemente visado. A partir de 1958, o Professor passa a desempenhar cargos junto do poder central portu- guês. Questionemo-nos acerca da convicção do Professor em relação ao caminho que o regime tomava, particularmente, após a adesão à ONU em 1955. Seria ele um defensor acérrimo do

230 Vide Apêndice A.

116 Adriano Moreira e o Império Português regime? Comungaria das orientações que o mesmo dava relativas à questão do artigo 73º da Carta das Nações Unidas e à resolução 1514? Temos plena convicção de que a ligação de Adriano Moreira ao regime era apenas circunstancial sem, no entanto, perder de vista a necessidade de promover alterações nas políticas interna e externa do país, de forma a acompanhar o restante mundo livre. Havia, por isso, que entender a evolução que Salazar não conhecia e, portanto, não defendia. Internamente, o Presidente do Conselho tinha os informadores mais diversos, entre eles, ironicamente, a Dª. Maria, no plano mais caseiro, no sentido da sensibilidade inter- na231. As convicções sociais, económicas e políticas de Adriano Moreira continuavam alicerçadas na doutrina da Igreja e, sem dela se desligar, tentava contribuir para soluções urgentes no go- verno de Portugal metropolitano e ultramarino. Externamente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, controlava aquilo que Oliveira Salazar devia ou não conhecer. Este é o pensamento de Adriano Moreira sobre o assunto quando nos referiu232 que “Salazar só conhecia o mundo que Franco Nogueira lhe mos- trava”.

3. Adriano Moreira: um conhecedor do Império.

Desde cedo, Adriano Moreira se interessou pelas questões coloniais. Fê-lo nos aspectos mais práticos da questão, propondo alterações administrativas, mas foi mais longe; inteirou- se das propostas ideológicas aderindo a algumas delas, como é o caso do Luso-tropicalismo de Gilberto Freyre. Ao entrar para docente da Escola Superior Colonial, os seus ensinamentos expressando o seu pensamento passaram a ser mais sistemáticos. O interesse pelos problemas e possíveis soluções para os territórios ultramarinos jamais o abandonariam, o que, com entu- siasmo, ainda hoje comenta. Para o Professor, a questão ultramarina, entendida no contexto da descolonização impos- ta pela ONU, merecia mais ponderação do que a simples construção de um modelo qualquer que pudesse enquadrar o futuro desses territórios.Com efeito, Adriano Moreira não nega a realidade resultante dos acordos pós Segunda Guerra Mundial, nem sequer questiona a justeza das pre- tensões dos povos não autónomos. Esta postura fica bem clara quando defende uma progressiva e vasta autonomia para as Províncias Ultramarinas Portuguesas. Aquilo que Adriano Moreira refere com frequência prende-se, antes de tudo o mais, com a necessidade de coadunar os an- seios de autonomia dos povos autóctones, com a necessidade de organizar os sistemas políticos e administrativos que conduzam a esse estado de coisas.

231 Trata-se da governanta que serviu Salazar desde os tempos de Coimbra, altura em que o Presidente do Conselho chegou a coabitar com o Cardeal Cerejeira, Patriarca de Lisboa. Trata-se de uma mulher com parca formação escolar (apenas a básica), mas com um sentido de observação e de análise muito apura- dos. Tomou a direcção da casa de Oliveira Salazar sem, contudo, se ficar por aí. Amiúde se intrometia nas questões mais políticas fazendo de “correio” entre o mundo exterior a São Bento e o Chefe do Governo. Tratou-se da pessoa que mais e melhor conhecia Salazar e que a ele se manteve fiel até à morte, sem nada ter exigido em troca. Vide VIEIRA, Joaquim, A Governanta, D. Maria, Companheira de Salazar, edição de A Esfera dos Livros. 232 Em entrevista que com ele tivemos a 6 de Março de 2014, na Academia das Ciências de Lisboa, a nosso pedido e que decorreu das dez horas e quinze minutos até às onze horas, sensivelmente.

117 José Maria S. Coelho

É por demais sabido que, na história dos povos, organizados ou não em Estados, há a consciência do transporte de um lastro histórico que, muitas vezes, se transforma em “desígnio nacional”. Portugal e a Nação portuguesa não se furtam a esta realidade. O fim da Segunda Guerra Mundial tratou de, por acordos mais irrealistas do que o esperado, alterar as tradicionais políticas coloniais dos Estados europeus. Esta realidade afectou profundamente a estabilidade interna de alguns países, como é o caso de Portugal, que via agora a necessidade premente de solucionar um problema para o qual não estava preparado. Adriano Moreira expressa claramen- te o seu pensamento em relação a esta questão que considera polémica e complexa, quando escreve:

“O desígnio nacional forma-se por misteriosas maneiras, que toda a humildade é pouca quando se abordam as revisões constitucionais. Não é um problema do foro dos juristas. Nem dos conceptualistas. É um problema do povo e da sua vida. Da herança de todos e do futuro de todos. (…) Um povo necessita de um desígnio. (…) O desígnio nacional não precisa de estar inscrito na Constituição. Mas é um lugar excelente para estar inscrito”.233

Para Adriano Moreira, as realidades ultramarinas iam muito mais para além da simples questão de saber se o país deveria promover esta ou aquela emenda à Constituição, ou se, mes- mo a reboque das pressões internacionais, seria prudente equacionar alterações mais profundas no estatuto daqueles territórios à luz do chamado “desígnio nacional”. O excerto que acabámos de transcrever diz respeito às questões que Adriano Moreira levanta em face da proposta de revisão constitucional que foi feita em 1971. Essa proposta esbatia o princípio do interesse na- cional face a interesses obscuros que se movimentavam na sociedade portuguesa. Aliás, Adriano Moreira questionava mesmo se a alteração que se propunha face ao estatuto dos territórios ultramarinos devia ser levada a cabo em pleno processo de guerra colonial, sem que ao povo fosse pedido o apoio para a mesma. Evidentemente que, para lá das questões relativas à po- lítica interna portuguesa, se levantavam, de modo mais claro e perigoso, aquelas que tinham a ver com o futuro das Províncias Ultramarinas, atendendo à sua diversidade administrativa e ao nível de desenvolvimento de cada uma delas. Adriano Moreira conhecia o mundo colonial, provavelmente, melhor do que a maioria das figuras do regime. Tinha-o visitado e mantinha relações próximas com organismos da sociedade civil ultramarina, para além das relações que tinha com alguns dos dirigentes independentistas como Eduardo Mondlane234. Este manteve uma relação com Adriano Moreira enquanto Ministro do Ultramar e para lá dessa circunstância. A

233 MARQUES, Vasco Silvério; BORGES, Aníbal Mesquita - Portugal do Minho a Timor, Nova Vega, Lda., Lisboa, 2008, p. 55. 234 Eduardo Mondlane nasceu em 1920 numa aldeia no sul de Moçambique na Província de Gaza. Começou os seus estudos em Moçambique tendo continuado os mesmos em Lisboa e viajado, posteriormente, pelo mundo, nomeadamente pelos Estados Unidos da América. Regressou a Portugal em 1961, no preciso mo- mento em que se inicia o conflito armado em Angola. Depois de viajar por Moçambique e de se reencontrar com os seus na sua terra natal, Eduardo Mondlane decide abraçar a causa da luta pela independência de Moçambique. Acabaria assassinado na Tanzânia a 3 de Fevereiro de 1969 não tendo, por isso, assistido à descolonização do seu país. BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, pp. 514 e 515.

118 Adriano Moreira e o Império Português este propósito, Adriano Moreira escreve o seguinte:

“Dos líderes africanos, depois de sair do Governo, tive apenas espaçadas mensagens de cumprimentos vindos de Eduardo Mondlane (…). Tínhamos travado conhecimento em Nova Iorque, sendo ele funcionário da ONU (…). Era Doutor em Sociologia e Antropologia pela Northwestern University que organizou e dirigiu o Instituto de Estudos Internacionais de Genève, para onde encaminhei alguns bolseiros. Quando o conheci não falava de intervir em movimentos armados, e olhava para a evolução africana com perspectiva académica e exigências éticas, embora tendo passado brevemente pela Casa do Império, onde conhecera Agostinho Neto, Amílcar Cabral, Mário Pinto de Andrade, e outros que ali se encontravam. Fui visita de sua casa em Nova Iorque, a sua mulher Janet era inteligente, informada, determinada, e empenhada na carreira do marido e nas causas da autodeterminação e direitos humanos. (…)”.235

A diferenciação de estatutos e de grau de dependência que se estabelece em todos os casos entre colónias e metrópoles exige, segundo Adriano Moreira, a interpretação dos signi- ficantes correspondentes a vocábulos como colonização, colono, colónia, cidadania, direitos humanos, além de outros que nos dispensamos de elencar. Escreve o Professor:

“Por definição, a questão colonial que interessa à ciência política é uma situação depen- dente da intervenção de um poder político e, por consequência, obra do Estado, como sujeito do direito internacional. A Encyclopédie definiu colonização como «o transporte de um povo de um país para outro» e definiu colónia como «um número de pessoas, de um e de outro sexo, que se envia de um país para habitar noutro». Deste modo, o primeiro elemento a considerar, por inte- ressar fundamentalmente os elementos do estado, é a população que emigra, fenómeno insepará- vel, evidentemente, de uma exportação de capitais. É necessário que uma parte da população se desloque para um território que até então não era local de existência desse elemento do estado. Esta deslocação pode dar-se para um território já ocupado por outra população ou desocupado. Em qualquer dos casos se poderá falar de colonização, mas, realmente, os problemas peculiares da política colonial dizem apenas respeito aos casos em que a emigração se dá para um território ocupado por diferentes do que emigra”.236

Quando Adriano Moreira levanta as questões que acabamos de transcrever, fá-lo, certa- mente, na convicção de que as realidades a que a ONU se refere no artigo nº 73 da Carta das Nações não são nem iguais, muito menos, devem ser resolvidas recorrendo à mesma solução de autodeterminação verificada em outras paragens. As realidades são sempre diferentes e exigem, por isso, soluções pensadas e esquematizadas uma a uma. Todo o conhecimento que Adriano Moreira acumulara em relação ao Ultramar conduzira-o

235 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, pp. 288 e 289. 236 Op. cit., pp. 27 e 28.

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à Direcção do Centro de Estudos Políticos e Sociais, dependente da Junta de Investigações do Ultramar, criada em 1956. Uma das principais actividades que este Centro de Estudos desenvol- veu, sob o forte impulso do seu Director, foi o de acelerar os estudos referentes ao Ultramar. Isto mesmo se afirma no texto que a seguir transcrevemos:

“Em 1956, surgiu, na dependência da Junta de Investigações do Ultramar, um Centro de Estudos Político Sociais, cuja direcção foi entregue a AM. Sob o seu impulso, o CEPS revelou-se uma instituição dinâmica: enviando bolseiros ao estrangeiro e missões de estudo às colónias, organizan- do conferências e colóquios que juntaram especialistas de ciências sociais e figuras gradas da po- lítica, da diplomacia e da administração e publicando dezenas de trabalhos sobre os mais diversos aspectos da problemática colonial portuguesa e das relações internacionais que a condicionavam; trabalhos esses entre cujos autores figuram pessoas de diversas tendências intelectuais e políticas: sociólogos, etnólogos e geógrafos como Gilberto Freyre, Jorge Dias e Orlando Ribeiro; economistas como José da Silva Lopes (…), estudiosos de questões diplomáticas e de relações internacionais como Alberto Franco Nogueira (…) sem esquecer o próprio AM, naturalmente”.237

Torna-se evidente o esforço de Adriano Moreira no sentido de conhecer e dar a conhecer o mundo ultramarino. Dentro deste esforço exploratório das realidades coloniais, encontra-se, certamente, a necessidade de equacionar soluções possíveis para o futuro daqueles territórios com base na percepção das diversas realidades. Conjugando todos estes campos do saber e da pesquisa a que aludimos, e visitando ele próprio aqueles territórios do Portugal não europeu, tornou-se um conhecedor profundo das questões referentes ao Império e dos diferentes proces- sos de autonomia a que o mundo ia assistindo, Adriano Moreira compara duas formas diferentes de ocupação colonial, a inglesa e a portuguesa, para concluir que nenhuma delas abarcou de forma suficiente as esferas cultural e política. O conhecimento que ele havia conseguido sobre as diferentes realidades coloniais impelira-o a considerar que era imperativo tratar de maneira distinta as múltiplas realidades a esse nível. Ora, a proposta da ONU para a descolonização contrariava por completo esta ideia. A organização que agora (1945) detinha a tarefa de criar o chamado Direito Internacional olhava para os territórios não autónomos (artigo 73º da Carta das Nações) como sendo todos iguais nas diferentes componentes. De facto, não o eram. Isto mesmo refere Adriano Moreira quando escreve:

“A acção colonizadora tinha-se desenvolvido segundo dois modelos: o inglês, que procurava instaurar uma solidariedade interna das populações, suficiente para uma final independência; o português, que a França também quis aplicar na Argélia, e que procurava repetir o processo euro- peu, levando à integração das populações nativas na comunidade nacional. Nem o modelo inglês foi capaz de evitar a discriminação racial nos territórios que se tornaram independentes, mas com significativa implantação de europeus; nem o modelo português, incluindo a experiência francesa,

237 BARRETO, António; MÓNICA, Maria Filomena (coord.), Dicionário de História de Portugal, Suplemento 8, Livraria Figueirinhas, Porto, 1999, pp. 534 e 535.

120 Adriano Moreira e o Império Português

conseguiu sobreviver à modificação da conjuntura internacional. Os novos regimes aceitaram, da acção do colonizador, as fronteiras físicas estabelecidas arbitrariamente pelo concerto ocidental, na época da expansão colonial, e em nenhum lugar se mostraram dispostos a consentir em rectifi- cações. (…) A heterogeneidade dos grupos, sem língua geral comum, tem obrigado a aceitar tam- bém a língua do colonizador como instrumento de comunicação. Para além desta herança colonial, não existe nada que possa corresponder a uma solidariedade equivalente à de uma comunidade nacional”.238

Adriano Moreira considera que as fronteiras dos novos países, nomeadamente em África, construídas pelos europeus de forma anárquica e muito em resultado dos acordos que foram sendo feitos ao longo dos séculos, não representam divisões étnicas, nem culturais e, muito menos, linguísticas. Na maioria dos casos, se observarmos o mapa da África pós-colonial, rapi- damente se conclui da existência de traçados rectos de fronteira que, em grande parte, resul- taram dos acordos de Berlim de 1885. Adriano Moreira sabia que a realidade portuguesa, ainda que usasse eufemismos como aquele que passou a designar as Colónias de Províncias Ultrama- rinas, não perduraria no tempo. É que, de entre as potências coloniais europeias, incluindo Portugal, a maioria com destaque especial para os casos da Inglaterra e França, tinha iniciado o processo de independência dos territórios coloniais. Escreve António Marinho:

“O continente africano vive o turbilhão das independências. São os «ventos de mudança» que, no entanto, ainda não sopram em Portugal e nos seus territórios africanos que denomina por «províncias». As grandes potências coloniais, como a França e a Grã-Bretanha, tinham iniciado o processo de descolonização no final dos anos 50. Só no ano de 1960, tornaram-se independentes dezassete colónias africanas”.239

No caso de Portugal, a imposição da herança histórica e do desígnio nacional ligado à manutenção do Império Colonial tolhiam o regime e, sem se dar conta, Oliveira Salazar arras- tava o país para uma situação de ter de aceitar a independência das Províncias Ultramarinas, mesmo sem qualquer negociação séria. Acabaria por ser este o desfecho do problema colonial. Entretanto, acontecia uma guerra de treze anos e dela saíam mutilados milhares de jovens, para além dos que pereceram. Adriano Moreira conhecia bem as pressões que, a partir dos finais da década de 1950, se dirigiam a Portugal. Os velhos aliados estavam agora mais interessados em participar no desen- rolar de uma nova realidade política internacional, ditada pelo bipolarismo, do que em apoiar uma ditadura que teimava em se isolar, já o afirmámos. Verdadeiramente convicto das consequências da posição do regime vigente, Adriano Mo-

238 MOREIRA, Adriano - Ciência Política, Almedina, Coimbra, 2009, pp. 376 e 377. 239 MARINHO, António Luís - 1961, O ano horrível de Salazar, Maia: Círculo de Leitores, Temas e Debates, s/l, 2011, p. 28.

121 José Maria S. Coelho reira alertava, com frequência, para a necessidade de ver o mundo para lá dos olhos do curto círculo de conselheiros de Salazar.

4. Adriano Moreira: escolhido para Ministro do Ultramar.

Como já ficou escrito, os primeiros anos da década de 1950 pautaram-se por uma apro- ximação de Adriano Moreira ao regime de Salazar, sendo que, por vontade do Presidente do Conselho, aquele vai desempenhando, cada vez com maior regularidade, missões em nome do Estado. O conhecimento do Império, a ligação ao Luso-tropicalismo e as críticas por vezes acu- tilantes às acções do próprio regime haviam criado em Salazar a ideia de que Adriano Moreira era o homem certo para tratar da questão ultramarina. Na verdade, embora Adriano Moreira tenha concordado com muito do espírito do Estado Novo em relação à política em geral, pelo menos até 1945, é igualmente verdade que nunca se mostrou temeroso nas críticas que ia fa- zendo e das quais Oliveira Salazar tinha pleno conhecimento. Em 1961, mais do que uma ideia, tornou-se uma certeza que culminava com a nomeação do Professor para a pasta ministerial do Ultramar. Oliveira Salazar ia sabendo que o nome de Portugal começava a ser bastante falado nos fóruns internacionais quando se tratava não apenas da questão do tipo de regime político, mas igualmente e, sobretudo, quando se debatiam as questões das autonomias independentis- tas das antigas colónias. Escreve Newitt:

“Salazar mantivera Portugal deliberadamente afastado da ribalta e as políticas adotadas pela sua ditadura pouco interessavam os políticos europeus e mundiais. Tudo isto começou a mudar em 1958 e, no início da década de 1960, os acontecimentos em Portugal e no seu império começa- ram a fazer manchete e ameaçaram desequilibrar decisivamente o delicado equilíbrio alcançado pela diplomacia da Guerra Fria”.240

Para efeitos práticos, Portugal era, a partir da década de 1950, uma peça no tabuleiro do jogo entre a URSS e os EUA, servindo de peão na guerra-fria. Que medos atingiam agora o “Portugal Conservador”? O que poderia provocar uma derrocada imensa no equilíbrio nacional ao ponto de ter causado em Salazar uma sensação de insegurança? Parte da resposta está justa- mente na nova realidade internacional de que o seguinte excerto pode fazer eco:

“As nuvens a anunciar a tempestade começaram a juntar-se à volta de Salazar no início da década de 1950, a princípio «não maiores do que a palma da mão». Desde a independência, em 1947, que a Índia tentava que a França e Portugal renunciassem aos territórios que tinham neste subcontinente. Os franceses acordaram a retirada dos seus dois enclaves em 1953, mas Portu- gal recusou-se até a discutir o assunto. Em 1954, «voluntários» indianos invadiram os territórios portugueses de Dadrá e Nagar-Haveli mas, enquanto o Tribunal Internacional deliberava sobre a legitimidade desta ação, Nehru não intentou nenhuma ação contra os territórios maiores de Goa,

240 NEWITT, Malyn - Portugal na História da Europa e do Mundo, Texto Editores Lda., Alfragide, 2012, p. 27.

122 Adriano Moreira e o Império Português

Damão e Diu. Entretanto, a Grã-Bretanha via-se perante a revolta dos Mau Mau, no Quénia, e a França perante a guerra da independência na Argélia. Portugal observava e aguardava e começou a construir pistas de aterragem nas colónias africanas”.241

Nos meios políticos portugueses mais esclarecidos, começavam a ficar claras duas ideias: a primeira, a de que o mundo não parara e o tempo dos impérios tinha chegado ao fim com as novas regras internacionais ditadas pela ONU; a segunda, a mais importante para o país, a de que se potências como a Grã-Bretanha e a França se decidiam por conceder a independência a muitas das suas colónias, Portugal, cada vez mais isolado, deveria seguir o mesmo caminho. Esta situação internacional causava nos meios políticos mais conservadores do regime, e tam- bém no espírito de Salazar, o temor pela perda do Império que, para fins de propaganda, já o não era desde a revisão constitucional de 1951. Nos inícios da década de 1960, o perigo do crescimento da oposição era evidente. Ainda nos finais da década de 1950, durante a campanha para as Presidenciais, a resposta de Humber- to Delgado a um jornalista sobre o futuro de Salazar caso ganhasse as eleições, não podia ser mais clara: “obviamente demito-o”.242 O regime começou a juntar as peças do jogo: de um lado, o perigo internacional e a cres- cente falta de apoios; por outro, a possibilidade de ruína do regime com a vitória da oposição nas presidenciais de 1958. A reacção do ditador e dos seus mais próximos não se fez esperar, nem interna nem externamente. Humberto Delgado não ganhou as eleições devido ao facto de os resultados terem sido falseados, como acontece em qualquer ditadura. O fim da Guerra (1945) trouxera consigo novas regras nas relações entre colónias e me- trópoles. Adriano Moreira revelou-se aberto a essas alterações e aceitou, como um processo normal, a ambição de autonomia das Províncias Ultramarinas. Reconhecia que eram inevitáveis mudanças estruturais, quer na organização administrativa, quer no relacionamento entre esses territórios e a metrópole. Se as possessões ultramarinas deveriam seguir o caminho da indepen- dência ou outro qualquer não sabia, ou, pelo menos, não clarificou a sua posição. Isto mesmo expressou no seguinte texto:

“Pode o esquema colonial ser definido em função de uma final separação entre o Estado colonizador e o povo colonizado, que vem a adquirir a independência; ou pode acontecer que o fim

241 Id., Ibid., p. 278. 242 Quanto à exacta frase que o General Humberto terá pronunciado, não há unanimidade. Contudo, pa- rece pacífico que a palavra “demito-o” foi pronunciada e com vigor. “Obviamente demito-o!” é uma frase com várias versões. É assim que começa a notícia da LUSA – Agência de Notícias de Portugal S.A. - a seis de Maio de 2008. Acrescenta: “Há 50 anos, a 10 de Maio de 1958, no café Chave d’Ouro, no número 38 do Rossio, em Lisboa, o candidato da oposição às presidenciais deu a conferência de imprensa em que o cor- respondente em Lisboa da France Presse, Lindorfe Pinto Bastos, fez a pergunta: “Sr. General, se for eleito Presidente da República, que fará do Sr. Presidente do Conselho?”. “Obviamente demito-o!” foi a resposta usada pelos jornalistas; mas, mesmo passado meio século, as versões não são todas coincidentes, como descreve o neto do general, Frederico Delgado Rocha, no livro Humberto Delgado – Biografia do General sem Medo (Esfera dos Livros). A frase, lê-se no livro, foi registada com “nuances” pelos diferentes jornalis- tas, desde a pontuação ao tempo verbal e à própria ordem das palavras. As duas variações assinaladas no livro são: “Demito-o, obviamente” e “mas obviamente demito-o”. Informação disponível em, http://www. rtp.pt/noticias/index.php?article=61630&tm=&layout=121&visual=49, consultado a 7 de Março de 2015.

123 José Maria S. Coelho

procurado para a dependência colonial seja a integração numa unidade política, que pode revestir qualquer das formas clássicas de Estado unitário ou federado, ou mesmo qualquer forma nova, como parecesse o objectivo da União Francesa; de qualquer modo, todas estas formas de autono- mia constitucional são formas de uma política de integração numa unidade política, embora em termos diferentes da simples autonomia administrativa, única concebível num Estado que obedeça ao esquema clássico dos Estados unitários”.243

Parece-nos que, mesmo não encontrando expresso nos escritos que Adriano Moreira pro- duziu até hoje, qualquer tomada clara de posição em relação ao futuro do Ultramar, pode, contudo, aceitar-se que existia nele uma vontade de construção de um modelo que preservasse a unidade do Portugal pluricontinental. Unidade política, sim, mas que se identificasse cultu- ralmente entre si e que valorizasse a língua lusa. Esta solução parecia a Adriano Moreira a mais viável, num processo em que urgia tomar decisões de forma a não deixar crescer a animosidade entre Portugal e as Províncias do Ultramar. As várias participações de Adriano Moreira nas delegações que se deslocaram às Nações Unidas saldaram-se por alguma visibilidade exterior sobre a complexidade do processo autonó- mico das possessões portuguesas. De facto, Portugal alicerçava a sua argumentação na questão da jurisdição interna, o que, visivelmente colidia com as determinações internacionais. Escreve Adriano Moreira sobre o assunto:

“A minha principal responsabilidade foi a de elaborar a resposta jurídica à exigência da ONU no sentido de Portugal se submeter ao processo da descolonização dos “non-self governing territo- ries”, com os resultados que tornei públicos em Portugal e o artigo 73 da Carta das Nações Unidas, de 1957, relatório de serviço para o Ministro do Ultramar, que completaria com novo relatório intitulado A jurisdição interna e o problema do voto na ONU (documentos), de 1958. O Prof. Paulo Cunha perfilhou a doutrina, mas sobre ela o Doutor Salazar escreveu um despacho simples dizendo que nos apoiávamos no artigo 2 (7) da Carta, e mais não seria necessário. (…) O que consegui na 6ª Comissão (jurídica), nessa 12ª Sessão de 1957, foi que o parecer sobre o entendimento do artigo 18, em relação ao Capítulo XI, solicitada pela 4ª Comissão, fosse no sentido de que a questão portu- guesa era importante, o que obrigava a que as decisões fossem tomadas por maioria de dois terços, pelo que então ainda não foi possível que os opositores reunissem os votos suficientes para criar um Comité de seis membros encarregado de julgar se os Estados administrariam ou não territórios não-autónomos, uma pergunta abstracta que apenas dizia respeito a Portugal”.244

Torna-se evidente, pela exposição de Adriano Moreira agora transcrita, que as ligações do Professor a Salazar constituíram pedra angular de Portugal no contexto internacional e, em particular, no que ao Ultramar diz respeito, nas décadas de 1950 e de 1960.

243 MOREIRA, Adriano - Política Ultramarina, 1, (3.ª edição), Junta de Investigação do Ultramar – Centro de Estudos Políticos e Sociais, Lisboa, 1960, p. 37. 244 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, pp. 161 e 162.

124 Adriano Moreira e o Império Português

As críticas de Adriano Moreira ao regime e, em particular, à forma como Portugal organi- zava as relações com o Ultramar eram frequentes e consistentes. O regime e, concretamente, o seu mentor – Salazar - conheciam-nas bem. Sabiam que, antes de mais, elas representavam a consciência de alguém que partilhava as suas preocupações com o futuro do Ultramar; alguém que propunha reformas administrativas e preparava uma autonomia inevitável. Olhava-se para Adriano Moreira como o homem-chave para conduzir o país nos perigosos caminhos das relações com a comunidade internacional. O conhecimento de Adriano Moreira sobre a questão ultramarina era vasto e de relevo. Já referimos as viagens efectuadas às Nações Unidas no âmbito da defesa da posição portuguesa face ao Ultramar. Desempenhou o cargo de Subsecretário de Estado da Administração Ultramarina, sendo que, chegados a 1961, é esco- lhido para a Pasta do Ultramar. Será Ministro do Ultramar entre 1961 e 1962. Gostaríamos de esclarecer que, embora empenhado nas tarefas que lhe foram acometidas, sempre que ocupou cargos políticos durante a Ditadura, fê-lo como independente. Quer como Subsecretário da Administração Ultramarina, quer enquanto Ministro do Ultramar, Adriano Moreira empreendeu reformas importantes que se tivessem sido tomadas mais cedo, a evolução das relações entre Portugal e os territórios ultramarinos seria diferente. Destas reformas, trataremos em articu- lado autónomo.

5. O alcance das reformas empreendidas pelo Ministro do Ultramar Adriano Moreira.

Desde cedo, Adriano Moreira advogava reformas profundas para o Ultramar, já o afirmá- mos por diversas vezes. Considerava que após o fim da Segunda Guerra Mundial não seria mais possível a manutenção das relações tradicionais com aqueles territórios da África, da Ásia e da Oceânia. O mundo mudara e, apesar de Salazar não o entender desta maneira, a verdade é que o tempo havia de dar razão ao Professor. A Carta das Nações determinava novas formas de organização mundial baseadas no respeito pelas autonomias e pelas relações entre os Estados de igual para igual. Tratava-se de aplicar os princípios definidos pelos vencedores da Segunda Guerra Mundial e plasmados quer na Carta das Nações Unidas (1945), quer na Declaração Uni- versal dos Direitos do Homem (1948). As grandes potências europeias davam sinais de cedência quanto à autonomia dos terri- tórios coloniais. Portugal continuava renitente em alinhar com a maioria das potências. Adriano Moreira considerou importante que o Ultramar criasse as suas próprias estruturas administrati- vas, educativas e económicas. Em sua opinião, não se poderia continuar a querer considerar o Império como parte integrante do país, um todo, e, ao mesmo tempo, limitar a própria evolu- ção daqueles territórios ultramarinos. Partindo destes pressupostos, o Ministro levava a peito reformas importantes que tinham como objectivo criar estruturas capazes de sustentar uma mais que provável autonomia alargada, fosse qual fosse o significado desta expressão. O impulso reformista de Adriano Moreira era grande e ele tinha razão. As populações autóctones sentiam-se excluídas do todo nacional. O Estatuto do Indígena limitava, de forma

125 José Maria S. Coelho drástica e até desumana, aquilo que o luso-tropicalismo defendia – uma plena integração das populações. O Ministro inicia o seu processo legislativo pela abolição do Estatuto do Indíge- na. Com efeito, aquele considerava esta alteração como crucial para o avanço das reformas, na tentativa de recuperar o tempo perdido pelos ministros anteriores. Por seu turno, Salazar considerava mesmo que o atraso nas reformas ultramarinas não se devia à sua vontade, mas, sobretudo, aos medos dos anteriores ministros, o que ele não fora capaz de alterar. O Presi- dente do Conselho, pelo menos numa primeira fase, apoiou claramente as reformas do novo Ministro, dispensando mesmo o aval do Conselho de Ministros em questões tão sensíveis como a aprovação da extinção do Estatuto do Indígena, que acabaria assinado apenas por si próprio e pelo Ministro Adriano Moreira. Este desabafa quando se refere a Salazar, escrevendo: “Tive mesmo a surpresa de o ouvir dizer que algumas vezes incitara os Ministros do Ultramar a corrigir os abusos, mas que lhe respondiam com uma lista de receios”.245 A abolição do Estatuto do Indígena representava o alargamento da cidadania portuguesa a todas as populações dos territórios de Além-Mar. Tratou-se de um avanço crucial na integra- ção dos povos ultramarinos na Nação portuguesa. Perguntamo-nos, mesmo, como é que tendo Salazar defendido alguns fundamentos do luso-tropicalismo, se permitiu manter o Estatuto do Indígena até tão tarde. Esta realidade não abonava nada a favor do regime, nem interna nem externamente. Adriano Moreira tinha viajado por Angola, mesmo no auge da recusa das populações au- tóctones em se manterem arredadas da cidadania portuguesa e, em consequência, dos direitos a ela ligados. Escreve Moreira:

“[…] Seria necessário corrigir a atitude, e adoptar também o conceito, que sempre defendi de soberania de serviço. Tudo me parecia dizer realmente respeito ao sentido das coisas, aos va- lores da justiça e da dignidade humana. Nos dias angustiosos em que percorri Angola das horas do desespero, compreendi que o povo estava disposto ao sacrifício na esperança da restauração da autenticidade”.246

Interessa refletir sobre esta medida legislativa que impõe a cidadania portuguesa em todos os cantos do mundo luso. De facto, até à alteração da legislação a que nos referimos, aos naturais dos territórios ultramarinos, não gozando da cidadania portuguesa, era-lhes ve- dado o acesso a muitos dos direitos que a mesma cidadania proporcionava. O acesso ao ensino e ao exercício de funções administrativas passava a estar entre as muitas prerrogativas que a revogação do Estatuto do Indígena permitia. Como jurista, Adriano Moreira seguia o exemplo clássico deixado no Édito de Caracalla ou Constitutio Antoniniana de Civitate do imperador Marcus Aurelius Antoninus e que chegou até nós no Corpus Iuris Civilis: Digesta ou Pandectas de Ulpiano (I, 5, 17) que concedia a cidadania romana a todos os homens livres do Império

245 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 189. 246 Ib. Ibid., p. 190.

126 Adriano Moreira e o Império Português

Romano: “In orbe Romano qui sunt ex constitutione imperatoris Antonini cives Romani effecti sunt”. Pensou-se, e com alguma razão, que reformas deste tipo poderiam acalmar a agitação autonómica que começava a levantar-se. Neste processo legislativo inclui-se, igualmente, a pu- blicação do Código do Trabalho Rural, em 1962, e ainda um outro Decreto que proibia as cultu- ras tidas como obrigatórias, sendo o caso da cultura do algodão.247 Outra das grandes reformas do Ministro Adriano Moreira prende-se com a criação, em Angola e em Moçambique, dos Estudos Gerais Universitários. No que a isto respeita, as oposições foram muitas e variadas. Havia a ala mais conservadora, ligada ao regime, que entendia que os estudos universitários deveriam ser um exclusivo da metrópole. A ela acorreriam os estudantes dos vários pontos, da metrópole, mas também dos territórios ultramarinos. A centralidade dos estudos superiores universitários daria uma noção clara de unidade nacional. O general Deslandes, Governador de Angola, era um dos principais opositores às reformas do Ministro do Ultramar. O governador tinha um projecto próprio para aquele território que, claramente, não coincidia com o do Ministro Moreira. Este conhecia in loco os territórios ultramarinos, nomeadamente os africanos. Neles se apercebera das espectativas das populações e neles tomara medidas legislativas urgentes. É a esse período que o Professor, então Ministro, se refere quando escreve:

“Dessa viagem por Angola de sessenta quero recordar, sem resumir, os discursos necessários que espero terem contribuído para que aquilo que chamei “a batalha da esperança” congregasse vontades, imaginação, e coragem para refazer um projecto de futuro, sem renúncias causadas pelo sofrimento que fora infligido às populações. Fui a todos os lugares, falei com centenas de pessoas, legislei nas mais inesperadas condições e lugares no exercício de uma magistratura itinerante tal- vez sem precedente”.248

Sabemos que, apesar de no início o Doutor Salazar se ter predisposto a apoiar, sem reser- vas, as reformas que Adriano Moreira propunha, o certo é que as forças mais conservadoras do regime iniciaram um processo de intriga palaciana no sentido de travar o processo reformista. Muitos deles não aceitavam as reformas por as entenderem como um primeiro passo para a per- da do Ultramar. Oliveira Salazar foi convencido disso mesmo e cremos, que um dos principais in- tervenientes nesse processo foi Franco Nogueira, íntimo de Salazar e, ao tempo, tido como um dos seus mais que prováveis sucessores. O medo que o Presidente do Conselho tem em relação

247 A cultura do algodão é um exemplo paradigmático da imposição do cultivo de algumas plantas que, em detrimento de culturas essenciais para a subsistência das populações nativas, garantia uma economia de tipo mercantil/capitalista aos colonizadores. Escreve-se no Dicionário de História de Portugal, (Direcção de Joel Serrão, Vol. I, Livraria Figueirinha/Porto, p.101), “O enquadramento administrativo das populações africanas a sul do Sáara levou ao subsequente enquadramento económico; em muitas áreas o Africano foi compelido a dar preferência ao algodão, como cash-crop, muitas vezes em detrimento de culturas alimentares que, embora praticadas por processos simples e pouco compensadores, supriam, no entanto, à sua subsistência”. Foi neste contexto que o Ministro do Ultramar Adriano Moreira fez publicar legislação reformista de grande alcance que resultava da revogação do Estatuto do Indígena que, doravante, garantia a cidadania a todos os habitantes do Portugal de aquém e de além-mar. De entre essa legislação reformista aplicada às Províncias Ultramarinas está aquela que punha fim às culturas obrigatórias como era o caso da do algodão (decreto n.º 43875, de 24 de Agosto de 1961) MOREIRA; Adriano - A Espuma do Tempo, op. cit., p. 246. 248 Id. Ibid., p. 194.

127 José Maria S. Coelho

à perda do poder torna-se evidente. Deste recuo do Doutor Salazar dá conta Adriano Moreira:

“[…] O Doutor Salazar, invocando o realismo, hesitou frequentemente, quando começaram a concretizar-se as reformas que se dispusera a apoiar, enfraquecendo essa determinação, como se veria, à medida que os efeitos colaterais lhe abalavam a base tradicional de apoio. E foi essa hesitação crescente que finalmente me impediria de o acompanhar. A clientela defensora dos interesses organizou-se rapidamente contra a tentativa, quando o mito da guerra ganha, que o Ministro dos Negócios Estrangeiros adoptou com convicção, permitiu sustentar que quem ganha a guerra não reforma, para não dar sinais de fraqueza”.249

Contrariamente à maioria dos membros do governo, Adriano Moreira não cumpria o papel de suavizar as dificuldades sociais e militares que se viviam no ultramar nos inícios da década de 1960. Ele não escondia a necessidade de proceder a reformas urgentes; não se calava contra alguns abusos aí cometidos e, por fim, não se vergava perante as hostilidades dos militares face à escolha de civis para os cargos de administração nas Províncias Ultramarinas. É desta forma que Adriano Moreira se explica a este respeito, após o regresso de uma viagem a África:

“No regresso a Lisboa, onde fui surpreendido pela multidão que me esperava no aeroporto, não minimizei nenhuma fundada angústia, transmiti ao Doutor Salazar e ao Conselho de Ministros a minha apreensão com a enormidade do desafio interno e externo sem precedentes, referi a obriga- ção de evitar qualquer triunfalismo, e a necessidade de manter a população sempre informada, e de sustentar um diálogo permanente com os meios de informação nacionais e internacionais”.250

As reformas empreendidas pelo Ministro Adriano Moreira se, por um lado, favoreceram uma abertura dos territórios ultramarinos a novas possibilidades de desenvolvimento, por ou- tro, provocaram nos mais receosos do regime medos de que elas pudessem conduzir rapida- mente à independência aqueles territórios. Entre estes, encontrava-se a ala mais conservadora dos militares e, particularmente, dos que desempenhavam cargos no Ultramar como o general Deslandes. Este era, ao tempo, governador de Angola. Pensamos que, em grande parte, se de- senvolveu neste período de início dos conflitos no Ultramar a ideia de que sendo aos militares que cabia defender aqueles territórios, também lhes devia ser acometida a responsabilidade da direcção da política ultramarina. Mais tarde, já na década de 1970, Adriano Moreira escreverá uma obra intitulada “O Novíssimo Príncipe”, em alusão ao de Maquiavel, certamente, mas re- ferindo-se às forças militares. Este Novíssimo Príncipe esteve sempre presente no Estado Novo, já que Salazar contou sempre com o apoio militar. Tratou-se de um compromisso tácito entre o Presidente do Conselho e o poder castrense que, de forma evidente, começou a ser posto em causa com a intentona de Botelho Moniz em 1961. Reforçamos esta ideia para que fique claro o ganho de importância que os militares vão tendo.

249 Id., Ibid., p. 190. 250 Id., Ibid., pp. 204 e 205.

128 Adriano Moreira e o Império Português

Definitivamente, Adriano Moreira afasta-se dos rostos mais conservadores do regime em face de um Império que já não tinha nada para se manter. Moreira não alinhava com os conser- vadores das Forças Armadas, mas também não se identificava com uma saída rápida e incondi- cional das Províncias Ultramarinas. Existia naquele uma vontade quase explícita de levar a cabo a construção de uma realidade que se alicerçasse na identidade lusa, no seu sentido mais lato, que abrangesse todo o mundo de língua portuguesa. Que forma dar a essa realidade? Não era clara; no entanto, tornava-se perceptível que Adriano Moreira ambicionava criar uma realidade geopolítica única e exemplarmente referenciada perante a ONU e restantes organismos inter- nacionais. Esta ideia é mostrada na seguinte transcrição:

“A posição de Adriano Moreira afastava-se da linha realista de exclusiva razão de Estado portuguesa, que aliás não desconhecia nem rejeitava, mas reclamava a herança cultural do cristia- nismo e do humanismo. Herança presente nas memórias culturais da Expansão, de Camões a Diogo do Couto. Recorria também a outros fundamentos contemporâneos, como o luso-tropicalismo de Gilberto Freyre e à obra missionária do bispo da Beira, D. Sebastião Soares de Resende. Para todos eles, a legitimidade do Império e da obra de Portugal estava na tolerância étnica, cultural e reli- giosa e no respeito pela dignidade das pessoas e das culturas”.251

As alterações legislativas levadas a cabo pelo Ministro Adriano Moreira seguiram, em boa parte, esta visão que Nogueira Pinto tem do Professor. Elas visavam, antes de mais, dotar as Províncias Ultramarinas de estruturas capazes de sustentar um futuro de autonomia mais ou menos gradativo, mas que, em última análise, haveria de conduzir à autonomia total com uma ligação linguística e cultural muito forte, quer a Portugal, quer às restantes Províncias Ultrama- rinas, tornadas, também, autónomas. Era, no fundo, a execução do luso-tropicalismo de que Adriano Moreira era e continuou a ser um dos principais defensores. Na ala mais conservadora e integracionista do regime político português, as medidas legislativas levadas a cabo pelo Ministro Adriano Moreira colidiam com os interesses mais na- cionalistas e colocavam em perigo a integridade do país multirracial e pluricontinental. Nesta perspectiva, as reformas empreendidas por Moreira foram sendo boicotadas quer na aprovação interna do governo, quer na sua aplicação no terreno. Evidentemente que a maioria dos opo- sitores se encontrava entre os militares, sobretudo de alta patente, dos quais destacamos o General Deslandes. Igualmente, exemplo desta oposição é o episódio relatado por Adriano Mo- reira, quando afirma que ainda que tenha proposto ao Presidente do Conselho levar a discussão da revogação do Estatuto do Indígena ao Conselho de Ministros, Salazar não o fez, argumentan- do que estava já aprovado e assinado por um Conselho – Adriano Moreira e Oliveira Salazar. Esta informação deu-no-la o Professor Adriano Moreira. As alterações jurídico-administrativas, quando tocam sistemas e regimes governativos instalados, como era o caso do Estado Novo, colidem sempre com interesses corporativos e com calculismos predefinidos. Era esta a situação das reformas levadas a letra de lei por parte do

251 Ib. Ibid., p. 219.

129 José Maria S. Coelho

Ministro Adriano Moreira. Ainda que consciente da oposição que a legislação por ele produzida poderia suscitar, o Professor levou por diante a tarefa que considerava determinante para a evolução do Portugal Ultramarino. Moreira produz legislação reformista em quantidade e com profundas implicações, das quais nem todos se aperceberam de imediato. Muitos dos seus opositores julgaram tratar-se de um momento efusivo do Ministro que, com o tempo, haveria de perder força. Contavam, alguns ligados ao regime, que a força militar teria condições para, de forma rápida e eficaz, colocar a ordem naqueles territórios sublevados. Se assim fosse, o ímpeto reformista do Ministro teria de abrandar devido à falta de utilidade das suas reformas. Esta incerteza e o cinzentismo que povoava algumas das mentes mais influentes do regime eram marcas fundamentais dos inícios da década de 1960. Escreve o Professor Doutor Óscar Soares Barata a este propósito:

“A verdade é que a rapidez das mudanças em curso na legislação ultramarina estava a sus- citar cada vez mais visíveis resistências. As conclusões dos estudos do CEPS e as recomendações dos colóquios, em que se fundavam muitas das novas medidas, estavam então muito avançadas em relação ao estado de espírito de grande número dos detentores de posições de mando e de lugares de influência, que tendiam a encarar as alterações da ordem como coisa passageira, sem apoio de fundo na população, e susceptível, por isso, de ser controlada em pouco tempo por um esforço militar apropriado. (…) O próprio brilho pessoal do Ministro demarcava-se do cinzentismo mais apreciado em muitos meios influentes e não era o menor motivo das reacções negativas”.252

Denota esta posição de Soares Barata a crença de que a maioria da população acreditava na eficácia militar para pôr fim às rebeliões no Ultramar. Não era apenas a população que assim pensava. Também, os detentores do mando. Aqueles que se encontravam na “Sede do Poder”, destacando-se o poder militar, também o pensavam. Sendo verdade que o poder militar deter- minou sempre a evolução política de Portugal desde 1926 até 1974, é igualmente claro que, nos finais da década de 1950, em particular depois das eleições de 1958, a maioria dos cargos e dos postos de decisão passam a ser ocupados por militares. Nos inícios dos anos de 1960 encon- tramos vários ministros militares. Os governadores no Ultramar eram maioritariamente milita- res, os chefes da censura eram militares, enfim, o “Príncipe” tinha alcançado completamente todo o controle do poder. Pensamos mesmo que, apesar de o Presidente da República não ter efectivamente poder, pelo menos depois do Marechal Carmona, as escolhas de Salazar para o cargo recaíram sempre em militares. O Presidente do Conselho tinha plena consciência de onde residia verdadeiramente o poder – no mundo militar. É neste contexto que se devem interpretar os desentendimentos entre Adriano Moreira e alguns dos poderes instituídos no Ultramar. Serve como exemplo o contencioso gerado pela de- missão de Deslandes de governador de Angola. Dificilmente o corporativismo castrense aceitaria

252 BARATA, Óscar Soares - Estudos em homenagem ao professor Adriano Moreira, Adriano Moreira: quarenta anos de docência e acção pública. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas Universidade Técnica de Lisboa, Volume I, 1995, p. 57.

130 Adriano Moreira e o Império Português um civil aos comandos da África em guerra. Por mais competente que fosse, Adriano Moreira era um civil, um intelectual. Desde o início que os militares tinham desempenhado um papel crucial na manutenção e defesa do Estado Novo e, agora, em tempo de guerra, Salazar entregara o comando a um civil. Neste caso de extrema importância, encontramos nós um dos principais espinhos nas relações do Ministro Moreira com o poder militar, o “Novíssimo Príncipe”. O que se devia esperar desta situação de contencioso crescente com Adriano Moreira dentro do próprio regime? Certamente que não a vitória do Professor. Na verdade, entre o temor do poder militar e o abandono das reformas no Ultramar, Oliveira Salazar decide pela suspensão do processo reformista ultramarino, mudando de Ministro do Ultramar. Com a demis- são de Adriano Moreira de Ministro do Ultramar, chegam ao fim as reformas legislativas que, em última análise, poderão ter travado o caminho das províncias Ultramarinas para uma indepen- dência negociada.

131 José Maria S. Coelho

132 Adriano Moreira e o Império Português

Capítulo V Adriano Moreira e a Construção de uma alternativa para o Ultramar e não só.

1. Adriano Moreira: a antevisão do futuro do Ultramar.

A década de 1950 marca, definitivamente, uma nova era nos conceitos internacionais acerca das relações das potências coloniais com os territórios não autónomos. A ONU estabele- cera novos pressupostos e exigira a descolonização, com base não apenas nos valores exarados na sua Carta, mas, igualmente, nos princípios estabelecidos na Declaração dos Direitos do Ho- mem de 1948. Havia, assim, novas “balizas” nas relações internacionais que era preciso ter em conta. A justificação para manter territórios sob o regime colonial não poderia assentar mais nas razões históricas ou civilizacionais. A assunção de que todos os povos têm direito à sua autodetermi- nação e são iguais em direitos e deveres na cena internacional passou a ser a regra sagrada nos compromissos aceites nas Nações Unidas, quer pelos seus membros fundadores, quer por aqueles que iam aderindo à Organização. O regime político português tinha assumido, com base na teoria de Gilberto Freyre – o luso-tropicalismo - a especificidade do mundo português. O próprio Adriano Moreira, íntimo de Freyre e partidário das suas teorias, embrenhou-se no esforço que Portugal desenvolveu para justificar a não existência de territórios não autónomos, segundo a designação oficial das nações Unidas. O Professor sabia que o tempo do colonialismo chegara ao fim e que na exacta medida em que os novos povos descolonizados fossem aderindo à ONU, havia de se formar um núcleo, cada vez maior, contrário ao colonialismo. Franco Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros, pautava a sua actuação por prin- cípios bem diferentes dos de Adriano Moreira. Integrava-se na corrente realista. Isto mesmo escreve Jaime Nogueira Pinto:

“Franco Nogueira era um realista à Morgenthau: interesse nacional super omnia, num mun- do que seguia o paradigma de Hobbes e era regido pelas regras do egoísmo dos Estados e por uma balança de poder quase aritmética, feita do equilíbrio entre as forças próprias e os blocos de in- teresses agregados e consolidados à sua volta; um mundo em que as ideologias eram derivações, à maneira paretiana, ou simples discursos cosméticos para iludir as opiniões públicas e os ingénuos. (…) Neste mundo de ferozes egoísmos e interesses nacionais, o papel dos portugueses era fazerem como os outros, isto é, cuidarem dos seus interesses não se deixando comover pelos discursos ideo- lógicos, fossem eles o humanitarismo das Nações Unidas, o europeísmo das Comunidades Económi- cas Europeias, o socialismo de Moscovo ou Cuba, ou o liberalismo norte-americano”.253

253 PINTO, Jaime Nogueira - Portugal: Ascensão e Queda: Ideias e Políticas de Uma Nação Singular,

133 José Maria S. Coelho

A inevitabilidade da descolonização portuguesa passava ao lado do pensamento de Franco Nogueira, Ministro dos Negócios Estrangeiros. Para ele, as alianças internacionais que Portugal deveria criar iam muito para lá das históricas, como era a velha aliança com a Grã-Bretanha. Afirmava, mesmo, que, se para manter o Estado Português do Oriente fosse necessário uma aliança com a China contra a Índia, ambas rivais uma da outra, ela deveria ser feita. Era um esforço suplementar que, como no pensamento de Maquiavel, em o “Príncipe”, os fins justifi- cam os meios. Franco Nogueira não incorporou sozinho, evidentemente, a vontade e o esforço para manter a unidade entre Metrópole e Ultramar. Houve outros dirigentes que elaboraram concei- tos, determinaram princípios e definiram estratégias para esse fim. Há, contudo, que estabele- cer os objectivos das várias correntes delineadas em relação ao problema. A questão não é a de saber se os argumentos para defender a posição portuguesa são mais ou menos fundamentados e realistas; a verdadeira questão prende-se com saber se as medidas e reformas levadas a cabo naqueles territórios objectivavam, ou não, aquilo que já se apresentava como inevitável - a autodeterminação. Adriano Moreira tinha a convicção de que a manutenção da unidade política entre as Províncias Ultramarinas e Portugal, pelo menos nos moldes tradicionais, já não tinha futuro. O Professor seguira de perto os processos de autodeterminação das possessões inglesas no Oriente e observou idênticos processos relativos aos Impérios belga e holandês. À medida que ia enve- lhecendo e perdendo algum contacto com a realidade política internacional, Salazar construía uma visão própria do mundo baseada nas informações que recebia dos mais próximos. Havia, assim, uma grande diferença entre aquele período (anos de 1949 e de 1950) em que o Presiden- te do Conselho se informava avidamente de todos os assuntos internos e externos e o período da sua decadência em que, muito isoladamente, se foi afastando das evoluções nacional e mun- dial. Embora Salazar tivesse uma percepção limitada da política mundial, não se apercebendo claramente dos jogos geopolíticos, pelo menos na fase final do seu consulado, Moreira superava esse desconhecimento. Detinha uma visão muito mais ampla, o que lhe permitia equacionar possíveis alternativas à política seguida pelo regime. Em entrevista concedida a Adelino Gomes, publicada no Jornal “Público”, Adriano Moreira responde, em determinada altura, quando lhe é colocada a questão relativa ao rumo seguido pelo processo de descolonização, visto ter estado por dentro do processo:

“P. – Mas o senhor viveu por dentro o que se passou… R. – Churchill (líder que muito admirei) disse no acto de posse que não tinha sido nomeado para presidir à liquidação do império britânico, e não tinha sido nomeado para outra coisa… Já nessa altura Portugal era um país exógeno, isto é, dependente da pressão de factores externos. Provavelmente a perspectiva portuguesa, durante muitos anos, foi a de conseguir que a guerra de 1939-45 se resolvesse de acordo com o método antigo da balança de poderes: vencer o perturbador da ordem internacional (o Eixo, naquele caso) e depois recuperá-lo para a restauração da ordem colaboração de Inês Pinto Bastos, Publicações Dom Quixote, Alfragide, 2014, p. 218.

134 Adriano Moreira e o Império Português

antiga. E até talvez (trata-se de uma hipótese, apenas) houvesse no governo quem entendesse, como (o ex-Presidente dos EUA) Richard Nixon, que a III Grande Guerra era inevitável, o que tor- nava útil para os aliados a manutenção das estruturas portuguesas”.254

Deste extracto da entrevista, concluímos duas coisas: a primeira é que Portugal, tal como hoje, dependeu sempre dos mais fortes que determinaram o rumo das relações internacionais; a segunda, talvez a que mais nos interessa, é que Adriano Moreira conhecia bem o terreno em que se movia, quer interna quer externamente. Conhecia, por conseguinte, os perigos quanto à discordância de alguns face às suas reformas. A consciência desse mundo que se pautava pelos medos de um novo conflito mundial, onde estrategicamente a situação geográfica de Portugal contaria, dava ao Ministro Moreira uma perspectiva global da questão colonial, o que o em- purrava para uma solução bem mais aberta e progressista que a da maioria dos seus pares no governo. Era na linha da autonomia progressiva de África e auscultando opiniões de alguns prela- dos titulares em dioceses ultramarinas, como o bispo D. Sebastião de Resende, que o Professor orientava a sua visão sobre o futuro do Império. No seu pensamento, esteve sempre bem vinca- da a matriz católica resultante do Concílio Vaticano II que o Papa João XXIII decidira iniciar. É o que responde quando questionado sobre o rumo que defendia para o Ultramar, afirmando:

“Era necessário proceder-se a uma autonomia progressiva e irreversível de todos os terri- tórios para manter o povoamento europeu que já existia e sem o qual não haveria sociedade civil viável. Concordava com o vaticínio de D. Sebastião de Resende, bispo da Beira e um dos grandes interventores portugueses no Concílio Vaticano II, segundo o qual aquele continente vivia “as suas horas de decisão definitiva”, pelo que se necessitava de “audácia atrevida” ou se corria o risco de haver “no futuro muito sangue a correr em África””.255

A clareza com que Adriano Moreira se refere ao futuro da África após o rescaldo da Segun- da Guerra Mundial e a assinatura da Carta das Nações torna-se o prenúncio de uma realidade que, infelizmente, se veio a verificar. A ligação que o Professor vai criando à Igreja Ultramarina e a alguns dos seus mais proeminentes prelados, como é exemplo a amizade com o Bispo da Beira, D. Sebastião de Resende, permite-lhe o aprofundamento do conhecimento das várias realidades dos territórios ultramarinos. O conhecimento que ele tinha das pressões sobre Por- tugal e a política portuguesa do Ultramar tornavam-no mais responsável na procura de uma via alternativa, aquela que foi seguida por vários territórios conduzidos, de forma atabalhoada, à independência. As cautelas eram necessárias. Foi neste sentido que Adriano Moreira respondeu na entrevista a que temos aludido quando lhe é perguntado se, acreditando, como afirma, numa transição pacífica dos territórios do Ultramar para a independência, não a deveria discu- tir com os africanos:

254 Entrevista de Adelino Gomes [em linha], in Público, 22 Abril 1995, disponível em http://www.espolia- dosultramar.com/n9.html, consultado em 19 de Maio de 2014. 255 Id., Ibid.

135 José Maria S. Coelho

“Convoquei o último plenário do conselho ultramarino da História de Portugal, onde vieram figuras de todo o lado. Foi lá que apareceu o célebre papel atribuído a Marcelo Caetano (mas por ele nunca reivindicado), defendendo a ideia da federação. Num mundo onde tudo evolucionou em guerra – a Argélia, ou o Vietname, a Índia, onde se esquecem que morreram 400 mil pessoas -, tentámos uma evolução em paz e esta ideia estava muito generalizada”.256

O afastamento dos EUA relativamente à questão colonial portuguesa torna-se crescente a partir do fim da Segunda Guerra Mundial, já o escrevemos. Esta realidade torna-se cada vez mais visível, à medida que o bipolarismo e a guerra fria se tornam realidades duras e perigosas. A posse de novos territórios, nomeadamente as colónias portuguesas, interessava às duas super- potências: EUA e URSS. Dessa realidade dá conta Adriano Moreira quando escreve:

“Numa data em que a fadiga causada pela guerra do ultramar já estava a ponto de cau- sar a queda do regime da Constituição de 1933, e justamente quando os EUA revelaram de uma forma dura a decisão de não apoiar a política africana portuguesa, iniciou-se a chamada guerra Yom Kippur, quando o Egipto e a Síria atacaram Israel, municiados pela URSS. Estávamos em 1973, vésperas da Revolução portuguesa de 1974, com um governo inquieto e inseguro, que pouco tempo depois entregaria o poder ao General Spínola”.257

De facto, há duas ideias fundamentais que Adriano Moreira transmite: uma, o afastamen- to dos EUA da posição portuguesa em relação ao ultramar; a outra, não menos importante, a fraqueza enorme de que padecia o regime político português. Os dois factores acabaram por ser determinantes na perda de força de Portugal na cena internacional. Faltava coragem aos detentores do poder para avaliar os resultados destas realidades. O Professor, havia muito, en- tendera este perigo. Expusera-o com clareza quando defendeu reformas profundas no Ultramar que pudessem conduzir a uma autonomia alargada. Ninguém o ouvira e fora até substituído no Ministério do Ultramar. Em simultâneo, o poder político avaliava mal a sede do poder. Os mili- tares, ainda embrenhados na emergente guerra africana, não descuravam a ambição de deter- minar o futuro de um país que sempre comandaram. O “Príncipe” mantinha-se nos detentores das armas, aliás, como sempre acontece.

2. Adriano Moreira e as reformas ultramarinas que o Regime recusou.

O espírito reformista que Adriano Moreira desenvolve em relação ao Ultramar teve início muito antes de o mesmo se ter tornado Ministro. Havia no espírito de Moreira um sentimento de inconformismo face à recusa do regime em reformar a administração ultramarina e em preparar

256 Id., Ibid. 257 MOREIRA, Adriano - O Estado exíguo e as hipóteses estratégicas, O Sistema Internacional e o con- texto estratégico mundial, Instituto Português da Conjuntura Estratégica, Lisboa, 2011, s/p.

136 Adriano Moreira e o Império Português o futuro inevitável daqueles territórios, a autonomia. Salazar impunha restrições absurdas ao desenvolvimento do Ultramar, tanto ao nível económico, como nos planos educacional e admi- nistrativo. Esta situação ia-se revelando nos finais da década de 1950 como intolerável e, pior, insustentável. Salazar conhecia bem as críticas de Adriano Moreira a toda esta situação. Não concordava com a maioria das soluções propostas, mas admitia que era cada vez mais necessá- rio introduzir algumas alterações. Um dia, o convite para Ministro do Ultramar aconteceu:

“Um dia, Salazar chamou-o para o desafiar a pôr em prática as críticas que vinha formulan- do à política ultramarina do regime. Três anos antes, chegado de Nova Iorque, onde participara na 11ª sessão da Assembleia Geral da ONU na qualidade de representante do Ministério do Ultramar, Adriano Moreira alertara o regime para a inevitabilidade da batalha “que se travará em África, com os meios de propaganda, de infiltração subversiva, de descrédito e (…) de sedição”. Aceite o seu programa de uma “autonomia progressiva e irreversível”, legisla a um ritmo frenético: estatuto do indigenato, lei das terras, código do trabalho rural, estudos gerais universitários”.258

O Professor aceitou o desafio. O interesse pelas questões africanas, em particular, e pelo Império Ultramarino em geral, tinha-se tornado num dos seus temas de estudo. Ligado que esteve, sempre, aos fundamentos do luso-tropicalismo, via em Angola e em Moçambique as possíveis replicações do caso brasileiro - colonização portuguesa na base da miscigenação, da aculturação e da missionação. Evidentemente que ressalvou sempre as diferenças naturais resultantes do tempo, da organização política portuguesa e do nível civilizacional daqueles territórios. O sociólogo Gilberto Freyre tinha criado, de facto, uma estrutura ideológica a que Adriano Moreira chamaria “Forma portuguesa de estar no mundo”. Esta visão era, contudo, errada, como se verificaria mais tarde. De facto, o tempo, o espaço e o modo eram diferentes. O Brasil não era a Angola nem Moçambique e o tempo era já não aquele em que o euromun- dismo se impunha. Pensamos mesmo que, pesem embora algumas semelhanças, sobretudo no campo da língua, o pensamento de Adriano Moreira partia de premissas erradas, como veremos a seguir. As reformas que se foram levando a cabo, muitas delas tardiamente, como o próprio Bispo da Beira, D. Sebastião de Resende, referiu a Adriano Moreira em visita à diocese da Beira – Moçambique, assustavam os imobilistas do regime que advogavam soluções mais consensuais que obviassem ao perigo da desintegração da Nação lusa. Deambulava-se, ideologicamente, entre duas soluções: os integracionistas, mais conservadores e incapazes de aceitar a evolução dos acontecimentos interna e externamente; e os federalistas, de entre eles, o Professor Mar- cello Caetano. Embora a questão das independências em África só se colocasse com pertinência após 1945, a verdade é que o próprio modelo ideológico republicano sempre apontou para uma maior abertura dos sistemas coloniais, prevendo, entre outras, a solução federalista. O estu-

258 Adriano Moreira, Ministro do Ultramar de 1961 a 1962, Era possível uma solução política [em linha], entrevista de Adelino Gomes in PÚBLICO, 22 de Abril de 1995. Disponível em http://www.espoliadosul- tramnar.com/n9.html. 25 de Setembro de 2014.

137 José Maria S. Coelho dioso José de Macedo escreve o seguinte: “Politicamente o socialismo é a autêntica expressão da autonomia regional e local […]”.259 É neste contexto que se destaca, igualmente, Marcello Caetano. Apontam-se-lhe, tam- bém, ideais federalistas sem que, pelo menos de forma clara, as tenha assumido no período em que esteve à frente do governo. Hermínio Martins escreve:

“(…) A iminência de uma rebelião armada contra o domínio português e a sua posterior eclosão em 1961 engendraram um renascimento de projectos federalistas. Na última reunião do Conselho Ultra- marino, um dos corpos consultivos do regime, uma figura cimeira da elite governante e antigo Ministro das Colónias, Marcelo Caetano, que talvez tenha sido federalista desde os anos 50, apresentou uma curta comunicação advogando a criação dos Estados Unidos Portugueses, uma federalização da relação das Pro- víncias Ultramarinas com o Governo Central para assuntos de defesa e de relações externas, bem como de coordenação macroeconómica (essencialmente, os Estados Unidos Portugueses juntariam Portugal, Angola e Moçambique) ”.260

As reformas implementadas pelo Ministro Adriano Moreira eram produzidas a uma veloci- dade que alguns achavam demasiado acelerada. Entre estes contavam-se, certamente, alguns governadores das Províncias Ultramarinas e, sem dúvida, homens como Franco Nogueira. A revogação do Estatuto do Indígena havia criado em boa parte dos homens do regime o medo de uma abertura excessiva e o próprio fantasma da sublevação das populações indígenas, agora transformadas em cidadãs, pairava sobre as cabeças mais conservadoras e imobilistas. A consci- ência de que assim era pode explicar a recusa do Presidente do Conselho em levar ao Conselho de Ministros a discussão do diploma tal como Adriano Moreira sugeriu.261 Para Oliveira Salazar, a assinatura do Ministro do Ultramar e a sua constituíam já um Conselho, e a questão de um espaço público informado e participativo, naquilo que significava já em alguns países e hoje significa, em Portugal não se punha. Em termos sociais e políticos, a revogação do Acto Colonial e a concessão da cidadania a todos os habitantes de Portugal alargado era um acto de coragem e, sobretudo, de extrema importância. Importante, porque útil, e tudo o que é útil é importante. Contudo, esta nova re- alidade jurídico-administrativa colidia com princípios enraizados em muitos dos defensores da diferenciação étnica e dos respectivos graus de desenvolvimento. Politicamente, a igualdade entre os diferentes grupos populacionais, autóctones e europeus colocava em causa a supre- macia branca no acesso às terras, aos cargos públicos, às riquezas em geral. Neste aspecto,

259 Macedo, José de, in Martins, Hermínio - O Federalismo no Pensamento Político Português, S. Antony’s College, Oxford. Disponível em http://www.ics.ul.pt/rdonweb-docs/2006_RazaoTempoeTeoriaIn- troducao.pdf, consultado em 12 de Fevereiro de 2015. José de Macedo (1876-1948), um militante republicano que, tal como muitos republicanos da sua geração, especialmente do norte de Portugal, era um convicto federalista, influenciado por Proudhon e Benoît Ma- lon. Umas das suas mais conhecidas obras é “A Autonomia de Angola”, disponível http://www.fd.unl.pt/ ConteudosAreasDetalhe_DT.asp?I=1&ID=1753, consultado a 10 de Outubro de 2014. 260 Martins, Hermínio - O Federalismo no Pensamento Político Português, op. cit., p. 23. 261 Informação prestada por Adriano Moreira no encontro que connosco teve, pela manhã do dia 6 de Março de 2014, na Academia das Ciências de Lisboa.

138 Adriano Moreira e o Império Português gostaríamos de questionar até que ponto a letra da lei foi levada a cabo de imediato e se em todos os territórios ultramarinos. De facto, pela natureza das coisas, aceitamos como provável que o tempo que mediou entre a publicação da legislação em apreço e a sua aplicação a todos os territórios tenha sido um tempo relativamente longo. Acreditamos que nos centros urbanos mais populosos e, por consequência, com maior controle sobre os poderes administrativos, a realidade tenha sido bem diferente da verificada no interior de Angola ou de Moçambique, por exemplo. Não temos, nestes casos, nem noutros, dados que comprovem esta nossa afirmação; contudo, aceitamos que assim fosse. As novas leis do trabalho isentavam da obrigatoriedade do trabalho, mais ou menos for- çado, aqueles que não eram portadores da cidadania e que passaram a possuí-la. Quanto ao demais, há uma marca de grande importância que não se pode esquecer. Trata-se da partilha do poder que agora é feita entre todos os cidadãos de várias etnias e de várias origens. O mo- nopólio de decisão dos colonos brancos tinha chegado ao fim. Neste contexto, torna-se clara a oposição de muitos sectores sociais, políticos e económicos às alterações legislativas de Adriano Moreira. É o autor das reformas que esclarece:

“Ter uma cidadania igual com um complexo de culturas diferenciadas é um trabalho que exige muita autenticidade. Mas a revolta e as circunstâncias agravaram-se. Há uma questão nas reformas que é muito séria, sobretudo em regimes de autoridade: a defesa da sede do poder é um travão, muitas vezes, à evolução. Realmente, essas reformas coincidiram – não digo que fossem a causa directa – num abalo muito sério da sede do poder. (…) Quando as reformas abalam a sede do poder, a sede reage e esse foi o caso”.262

O Presidente do Conselho apoiou desde o início as reformas propostas por Adriano Mo- reira; no entanto, em virtude das pressões dentro do próprio Governo e, em especial, no meio militar, foi obrigado a negar esse apoio ao Ministro do Ultramar. Já o afirmámos anteriormente neste trabalho. Trata-se do medo da perda do poder. É aquilo a que o Professor chama domínio da “sede de poder” que, em última instância, se sobrepôs aos interesses da Nação. É desta forma que Adriano Moreira se refere ao assunto: “O Presidente do Conselho disse-me que nunca colocou qualquer objeção às reformas – foi para isso que o convidei -, mas, neste momen- to, tenho que reconhecer que está a abalar a minha capacidade de continuar a controlar o governo”.263 A dificuldade de recrutamento de quadros para o Ultramar e, em particular, paraos territórios em África, tornou-se tão grande que acabaria por concentrar nas mesmas pessoas os poderes militares e civis, o que, na verdade, nem sempre é o mais recomendável. Adriano Moreira escreve:

262 Primeira parte da entrevista concedida por Adriano Moreira [em linha], distinguido com a edição de 2009 do «Prémio de Cultura Árvore da Vida – Padre Manuel Antunes», a Paulo Rocha e Luís Filipe Santos, da Agência Ecclesia. Disponível em http://www.snpcultura.org/premio_de_cultura_padre_manuel_antu- nes_2009_entrevista_adriano_moreira_1.html, consultada a 23 de Fevereiro de 2014. 263 Id., Ibid.

139 José Maria S. Coelho

“Por estranho que hoje pareça, uma das difíceis tarefas era a de nomear Governadores para Angola, já em tormenta, e para Moçambique que não deixaria de ser envolvido no plano de ataque em desenvolvimento contra os interesses portugueses. A concentração de poderes civis e militares na mesma pessoa, na lógica do conceito geral da administração africana agora desafiada pela questão da segurança, não admitia a solução de ser escolhido um civil num regime cuja trave-mestra de apoio eram as Forças Armadas”.264

Adriano Moreira impôs a si próprio, enquanto Ministro, um conhecimento no terreno das principais preocupações das populações ultramarinas. Mesmo sob ameaças de desestabilização e até de insegurança pessoal, desloca-se ao Ultramar, o que lhe valeu a atribuição do epíteto de “Ministro sem Medo”. Neste tempo em que os mass media se tinham já instalado com alguma força na socie- dade portuguesa, o papel desempenhado pela televisão na divulgação de imagens para que a opinião pública fosse sentindo algum alívio era muito importante. Há, contudo, que clarificar que desta imagem da nova realidade nas Províncias Ultramarinas, a da guerra, só chegava dela a Portugal aquilo que a censura permitia. A propósito, escreve Adriano Moreira:

“Transmitir à opinião pública a imagem confiável recolhida da realidade emergente, contou com os primeiros grandes profissionais da Televisão Portuguesa, devendo não ser esquecidos ho- mens como Horácio Caio, António Silva, e José Eliseu, que ali deram provas de saber, probidade, decisão, e coragem. Não lhes faltaram incómodos, sobretudo ao primeiro, pelo desassombro das atitudes. Pareceram ter causado inquietação textos como o que o jornal Povo da Lousã reproduziu em 27 de agosto de 1961: “Durante uma das emocionantes manifestações com que a população de Angola recebeu o Prof. Adriano Moreira, que Deus enviou, na hora própria, para dirigir as Províncias do Ultramar Português, um grito se fez ouvir atirado aos ares por voz anónima: “Viva o Ministro sem medo!”.265

Havia, pois, por parte de um grupo substancial da população branca, sobretudo a ur- bana, uma confiança quase sem limites nas capacidades reformistas de Adriano Moreira. Ela era maior, evidentemente, naquelas Províncias onde os conflitos armados começavam a tomar maior expressão. As reformas propostas pelo novo Ministro pareciam realistas e enquadradas no processo evolutivo que outros Estados colonialistas levavam a cabo. Nesta medida, esperava-se que o Governo de Salazar aceitasse e apoiasse as reformas de maneira a evitar o alastrar dos conflitos e a garantir a manutenção do poder branco naqueles territórios. Uma das mais interes- santes reformas, mas igualmente questionada, foi a criação do Ensino Superior no Ultramar. De facto, muitos dos homens de topo do Regime entendiam que a abertura do Ensino Superior aos colonos, fora da Metrópole, era uma permissividade questionável por desviar o

264 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 205. 265 Id., Ibid., p. 202.

140 Adriano Moreira e o Império Português centro de gravidade da formação universitária do coração de Portugal. Desta forma, deixava de ser possível controlar com o necessário aperto o acesso à formação. É neste sentido que Adriano Moreira escreve:

“Recordamos que, na tradição imperial portuguesa, os centros de ensino universitário foram mantidos na metrópole, com o fundamento de que assim era melhor garantida a fidelidade das eli- tes à unidade política de império. Apenas em 1961, com a criação dos Estudos Gerais Universitários para Angola e Moçambique, tal pressuposto foi abandonado”.266

O ímpeto reformista do Ministro Adriano Moreira foi fugaz e não teve continuidade. A incapacidade do grosso dos membros do Governo em aceitar as reformas inevitáveis que con- duziriam o Ultramar a uma situação de autonomia progressiva tinha causado no espírito de Oli- veira Salazar o temor da sublevação política e, particularmente, militar que, de modo nenhum, esperava, mas que antecipava, caso Adriano Moreira continuasse a empreender o processo re- formador no Ultramar. Desta forma, quando Salazar convoca o Ministro Adriano Moreira para lhe solicitar que sustivesse o dito reformismo, o Governo perde o Ministro do Ultramar.267 Adriano Moreira demite-se do cargo em colisão com a tentativa de controle da sua acção.

3. Adriano Moreira: uma alternativa à guerra Ultramarina e a posição dos militares.

Mexer com o poder instituído e com os interesses instalados é um processo arriscado e difícil em qualquer tempo e em todos os espaços. Quem detém o poder não quer perdê-lo e quem assume a vontade de alterar a situação que sustenta esse poder corre riscos. O esforço desenvolvido no sentido de dotar as possessões ultramarinas de institutos di- versos ao nível da educação e, dessa forma, criar uma elite intelectual e administrativa obte- ve, por parte dos mais conservadores, uma reacção francamente negativa. Antecipavam nesse processo o perigo da perda do domínio metropolitano sobre as populações autóctones e mesmo sobre a população branca aí instalada. Esta assumira, desde muito cedo, pelo menos nos casos de Angola e de Moçambique, aquela terra como sua. Tal convicção foi fortemente abalada com a revogação Estatuto do Indígena e subsequente legislação publicada pelo Ministro Adriano Moreira. A cidadania portuguesa passou a ser igual para brancos e negros, para naturais e para colonos. Esta igualdade acarretava outros direitos para os autóctones, nomeadamente a re- vogação das Leis do Trabalho e as que se prendiam com a distribuição da terra. As alterações jurídicas introduzidas por Adriano Moreira colidiam, em força, com visões passadistas de grupos de colonos mais conservadores, mas, simultaneamente, viam em algumas delas, como a intro- dução do Ensino Superior, a possibilidade da criação de uma elite administrativa que mantivesse

266 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 167 e 168. 267 Vide Apêndice A, s/p.

141 José Maria S. Coelho a supremacia branca, mesmo na possibilidade da independência se vir a verificar. Consideramos mesmo que, neste particular, as influências do regime segregacionista sul-africano (Apartheid) se faziam notar nos espíritos mais temerosos dos colonos em Angola e em Moçambique. Na sequência das deslocações do Ministro Adriano Moreira a África, o mesmo escreve:

“(…) Regressando aos métodos tradicionais da nossa monarquia popular, quando o Rei ouvia directamente o Povo e resolvia com razão e a justiça no interesse da Grei, o Ministro ouviu todos, inquiriu de todos, atendeu todos, numa ânsia de conhecer os problemas nos seus aspectos mais diversos e nas suas facetas mais variadas, para logo tomar a decisão mais apropriada e conforme ao progresso ou à equidade gerais. Não foi à África por acaso, não fez essa viagem de vinte dias, como intervalo da sua gestão administrativa, não procurou ajustar as suas visitas com inaugurações de melhoramentos espalhafatosos, nem tão pouco conduzi-las como digressão turística. Antes, deu a nítida certeza a todos que as suas opiniões eram não só ouvidas mas serviam de base a meditação e estudo, que todos os «casos» mereciam igual atenção, idêntica e justa apreciação, e, como a sua presença era para decidir, fê-lo com simplicidade, quase com humildade, quer dizer sem diminuir os atingidos, mas com a rigidez própria de quem sabe o que quer e para onde vai”.268

A descrença na política seguida pelo Ministro Adriano Moreira em relação ao Ultramar avolumava-se dentro do próprio governo e entre os militares com ideais mais integracionistas. Anteviam naquelas alterações legislativas a janela de oportunidades para os povos autóctones africanos alimentarem a pressão sobre Portugal no sentido da descolonização e, em consequên- cia, a abertura a um dos blocos político-militares mundiais liderados pelos EUA e pela URSS. Marcello Caetano não apreciava particularmente a acção reformista de Adriano Moreira. Havia, pois, uma desconfiança crescente face à sua atuação. Ainda mal refeitos da invasão e posterior anexação do Estado Português da Índia por Nerhu, temiam a multiplicação destes desmembra- mentos do Império Português. O crescente perfilar de candidatos à sucessão de Oliveira Salazar não permitia ao Presidente do Conselho tomar nos seus já débeis ombros o peso de “navegar contra a maré”. O Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, convocou, em Outubro de 1962, aque- le que seria o último Plenário do Conselho Ultramarino. Tratou-se de uma decisão importante e que deixou marcas indeléveis. Sobre a matéria confirma:

“O Conselho era, com o Supremo Tribunal Militar, o mais antigo órgão da administração, e reunia as mais autorizadas personalidades da área colonial, às quais agreguei, nos termos legais, uma larga representação de interesses económicos, culturais e científicos, e todos os antigos Minis- tros e Subsecretários de Estado do Ultramar que quiseram responder ao convite. As, nem sempre identificáveis, forças em presença, compreenderam que se tratava de um palco onde dificilmente deixariam de se tornar visíveis as contradições de interesses e respectivos titulares, pelo que a tormenta foi grande. A censura, que assim documentava a situação interior do Estado, passou a

268 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 203.

142 Adriano Moreira e o Império Português

exercer uma descontrolada acção, suprimindo textos. (…) Pequenos factos faziam suspeitar que tinham levado aos extremos da tensão a luta pelo poder, que já era verdadeiramente a da tomada de posição para suceder ao Presidente do Conselho. (…) Deve esclarecer-se um facto que anda a ser objecto de leituras contraditórias, a posição do Doutor Marcello Caetano em relação ao Plenário. Convidado, como todos os antigos Ministros do Ultramar, a participar na reunião, escreveu-me uma carta, já publicada, de 9 de Outubro, a escusar-se porque “afastado total e definitivamente da vida pública, longe dos problemas, desconsiderado pelo Governo, a minha presença nessa reunião seria inútil’”.269

Verdadeiramente importante, esta reunião não produziria grandes frutos como foi, an- tecipadamente, vaticinado pelo seu organizador. A exoneração do Governador-geral de Angola, Deslandes, causara, ainda que timidamente, alguma agitação nos meios militares que olhavam para o poder político com crescente desconfiança. As chefias militares bem conheciam a luta pelo poder que se iniciara entre os mais próximos de Salazar. Se desde 1926 o poder militar controlava o poder político em Portugal, não era espectável que esse poder militar abdicasse desse controle. A situação política de Adriano Moreira enquanto Ministro do Ultramar tornava- se, progressivamente, insustentável e caminhava para a sua substituição no governo, o que, de facto, viria a acontecer. Escreve Moreira:

“O ponto final posto no reformismo estava colocado, e não desejo alterar nada aos comen- tários com que finalizei o relato publicado sobre o Plenário, repetindo os parágrafos seguintes, relativos à reunião final com o Presidente do Conselho. “Na conversa que tivemos no Forte do Esto- ril, e que foi longa, depois do Plenário terminar, não lhe manifestei espírito diferente daquele que consta da carta para o almirante Sarmento Rodrigues, como também evitei dizer claramente o que pensava da anarquia que se tinha instalado na Administração, em defesa de interesses sectoriais, que nem se davam ao trabalho de ter rosto, limitavam-se a demonstrar que tinham máquina. Em relação às coisas desagradáveis, o Presidente do Conselho tomou a atitude do pretor, condenando- as com higiénica distância, mas assumiu o facto de que o seu poder estava em erosão, explicou o alheamento não como indiferença mas como meditação, entendia que a descentralização já exis- tente tinha demonstrado, especialmente em Angola, a incapacidade política em que se encontrava de controlar iniciativas aberrantes que ameaçariam multiplicar-se, e assim não estava seguro de poder manter-se como Presidente do Conselho se continuasse na linha que lhe demonstrara perigos graves, lhe fazia prever novas confrontações, pelo que era imperativo mudar de política. Disse-lhe que acabava de mudar de Ministro (…)”.270

Os esforços de Adriano Moreira no sentido da construção de uma solução na base de refor- mas de fundo e na confiança que deveria existir entre Portugal e os dirigentes independentistas daqueles territórios acabavam por ser lançados fora pelos poderes ocultos, mas identificáveis,

269 Id., Ibid., pp. 278 a 280. 270 Id., Ibid., p. 281.

143 José Maria S. Coelho que se moviam em redor do Chefe do Governo, já na fase de despedida. Estes poderes, para além do meio militar, abrangiam também a elite económica que ia crescendo no Ultramar, a elite intelectual radicada sobretudo em Luanda e em Lourenço Marques e, ainda, aqueles que disputavam a sucessão de Oliveira Salazar. Adriano Moreira havia proposto uma via alternativa que assentava, sobretudo, num processo autonómico progressivo baseado na teoria luso-tropi- calista, valorizando justamente os aspectos culturais, linguísticos e afectivos. As vontades nacionalistas têm mostrado que não há armas que derrotem as autonomias quando estas são desígnios de um povo. Desta realidade poucos se tinham apercebido. Escreve Adriano Moreira em A Espuma do Tempo: “O Almirante Sarmento Rodrigues dizia por vezes que, no regime, para viver era necessário fazer de morto, mas esta noção não a tinha adquirido, e percebi, com total frieza, que as consequências viriam em tempo não demorado”.271 O Profes- sor refere-se à sua destituição de Ministro do Ultramar em finais de 1962. Um dos maiores espinhos para Oliveira Salazar nos últimos anos do seu exercício político foi, como bem se conhece, a sua timidez face ao poder militar. O jogo de poderes, em que as Forças Armadas envolviam os políticos, encontrou em Salazar um homem temeroso, des- confiado, nomeadamente depois da intentona de Botelho Moniz. Por seu turno, o velho chefe do governo nunca perdera a exacta noção de que era dos militares que dependia o seu poder. Fora-o no início do Estado Novo, continuou a sê-lo durante as várias intentonas para derrubar o Presidente do Conselho e continuava a sê-lo no fim da vida deste. As relações do Ministro Adriano Moreira com o Governador de Angola, o general Deslan- des, nunca foram nem amistosas, nem de relacionamento institucional fácil. Mesmo difíceis, elas iam-se estabelecendo sempre com a certeza de ambos de que a missão dos dois era supe- rior às desavenças pessoais que deviam ser relegadas para o plano privado. Há, no entanto, um episódio que demonstra bem a incapacidade de uma boa parte dos militares em aceitar uma liderança ministerial civil. Escreve Adriano Moreira:

“A confiança estava quebrada e o trabalho para trazer a Lisboa o Governador foi difícil, não obstante a intervenção mediadora do General Gomes de Araújo, que se surpreendia com o teor da prosa com que se aliviava o correspondente, que por outro lado lamentava a falta de recepção de telegramas do Ministro do Ultramar, e se dizia vítima de falhas técnicas da Marconi quando queria e não conseguia diligentemente responder ao Ministério da sua dependência civil. Quando finalmente encontrou oportunidade de obedecer e vir a Lisboa, foi obrigado a apresentar-se ao Ministro do Ultramar, a hierarquia civil que o incomodava, para uma conversa que se esperava esclarecedora. Fardado, e com todas as insígnias, não suportou ouvir os primeiros termos de referência, e, dando um violento murro sobre a secretária, decidiu iniciar um discurso que pareceu do teor da instrução castrense, começando pelo prestígio e autoridade de um Comandante-Chefe. Levantei-me com tranquilidade, disse-lhe que aquela mesa era uma preciosidade da Fundação Espírito Santo que era necessário tratar com delicadeza (…)”.272

271 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p. 226. 272 Id., Ibid., pp. 260 e 261.

144 Adriano Moreira e o Império Português

Para o Ultramar, “Era possível uma solução política”273. Trata-se de uma afirmação feita pelo Professor Adriano Moreira em entrevista a Adelino Gomes. De facto, desde o início da ligação do Professor às questões coloniais que o mesmo defendeu uma solução política, nego- ciada e, portanto, pacífica para os territórios ultramarinos. Essa solução foi sempre proposta numa linha alternativa a duas outras vias possíveis: à integracionista e à independentista pura e simples. Com alguma frequência, Adriano Moreira remete-se ao silêncio quando é questionado se o futuro do Ultramar poderia ter sido outro. Na verdade, os “se’s” são sempre comprometedo- res, pois que o poder de equacionar um futuro que não existiu é um risco de cálculo para com a verdade histórica. Quando Adelino Gomes, em entrevista já referenciada, pergunta a Adriano Moreira se “Podia ter sido de outra maneira o que aconteceu nas ex-colónias portuguesas de África?”, o Professor responde de uma forma evasiva, mas reveladora do seu sentido afirmativo: “Não vale muito a pena tentar averiguar o destino do mundo se o nariz de Cleópatra tivesse sido diferente e feio…”274. A alternativa constituía uma visão aberta e adequada à evolução do mundo, sendo que, neste aspecto, Adriano Moreira seria, talvez, quem melhor conhecia os meandros internacionais relacionados com o tema da descolonização. Quando, na manhã do dia seis de Março de 2014, na Academia de Ciências de Lisboa, naquele gabinete acolhedor, mas sem luxos, perguntámos ao Professor Adriano Moreira se caso se tivesse mantido no governo, e sucedido a Salazar, o rumo do País e das Províncias Ultramarinas teria sido diferente, sem hesi- tar, foi perentório respondendo afirmativamente275. Bem sabemos que nem sempre as reformas levadas a cabo pelo Ministro Adriano Moreira, por falta de apoio interno, foram bem-vistas no exterior. As reacções de países cuja diplomacia era determinante para a credibilização dessas reformas nem sempre foram as melhores. Mostraram, antes, desconfiança na bondade dessas alterações legislativas. Escreve a este propósito Filipe de Menezes:

“O vigor e a postura ideológica de Adriano Moreira ganharam a Salazar algum tempo no plano internacional. Embora baseada numa leitura muito selectiva da História e das condições nas colónias, pelo menos agora Portugal tinha uma política que se poderia considerar progressiva e algumas reformas em curso. Porém, poucos observadores cientes da realidade viram nas refor- mas uma solução para os problemas do país. O embaixador britânico apelou aos seus superiores em Londres para saudarem as reformas, coisa que eles não fizeram por temerem essencialmente o incentivo à emigração branca. A 19 de Setembro, numa reunião realizada no Departamento de estado, diplomatas britânicos e americanos concluíram que as reformas pouco tinham a oferecer: não havia quaisquer medidas no sentido da autodeterminação e temia-se que as possibilidades abertas pela revogação do Estatuto dos Indígenas fossem limitadas por restrições no acesso à edu- cação e ao noto”.276

273 Adriano Moreira, Ministro do Ultramar de 1961 a 1962, Era possível uma solução política [em linha], entrevista de Adelino Gomes in PÚBLICO, 22 de Abril de 1995. Op. Cit. 274 Id., Ibid. 275 Vide Apêndice A. 276 MENESES, Filipe Ribeiro de - Salazar – Uma Biografia Política, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2010, pp. 536 e 537.

145 José Maria S. Coelho

Adriano Moreira não teve tempo nem o apoio necessário para concluir o processo de au- tonomização que desejava para o Ultramar. As populações ultramarinas olhavam para Adriano Moreira como o Ministro da revolução autonomista. Era apreciado tanto pelos brancos como pelos negros. Esse apoio e admiração haviam-lhe permitido a aproximação dos líderes da resis- tência e tinha inspirado nos seus espíritos a confiança que precisava para levar a cabo as refor- mas propostas. Diremos apenas que, como exemplo, a ligação de Adriano Moreira a Mondlane é claramente exemplificativa. O Presidente do Conselho, Oliveira Salazar, apoiou, pelo menos no início, Adriano Morei- ra; no entanto, os que de facto já tinham usurpado o poder do ditador não dispensavam esse apoio ao Ministro. Esta nossa opinião encontra apoio nas palavras de Filipe Meneses:

“Adriano Moreira revelou-se um ministro do Ultramar popular a nível interno, mas de pouca dura. Saiu do Governo em Dezembro de 1962, na sequência de uma remodelação ministerial na qual Salazar deixou a pasta da Defesa Nacional. Moreira foi vítima de uma disputa do poder envol- vendo o general Deslandes, cuja linha populista e dura, aliada à sua impaciência com restrições legais à sua acção e a planos dispendiosos para uma transformação imediata das infra-estruturas de Angola, o tornaram popular aos olhos dos brancos locais. Agindo unilateralmente, Deslandes decidiu criar uma universidade em Luanda. Moreira, considerando que isso seria ir longe de mais, suspendeu o decreto em causa e chamou Deslandes a Lisboa; Deslandes retaliou demitindo-se. Embora Salazar tenha tentado dissuadi-lo, Deslandes insistiu na recusa de se encontrar com Mo- reira em Lisboa, tendo assim sido exonerado do seu posto, conforme anunciado a 25 de Setembro. Seguiu-se um momento tenso, temendo-se genuinamente em Lisboa que Deslandes organizasse um golpe de estado culminando numa declaração de independência”.277

Os militares acreditavam na força das armas e negligenciavam a “razão” internacional face à manutenção de territórios não autónomos, contrariando, assim, o espírito do artigo 73º da Carta das Nações. De facto, a “sede do poder” deixava de ter qualquer ligação tanto ao Presidente do Conselho como ao Presidente da República, pese embora este ser um militar. O verdadeiro poder deslocara-se, definitivamente, para os quartéis como, aliás, se veio a verificar em toda a evolução da política de Portugal até à derrocada do regime em 25 de Abril de 1974. O “Príncipe” ressuscitava e os perigos para Salazar e para os seus correligionários eram reais. As movimentações das diferentes facções políticas face à inovação que as reformas con- figuravam e que questionavam a ordem estabelecida cresciam e tomavam forma de rebeldia institucional. Neste ponto, desenvolviam-se alguns posicionamentos militares. Para clarificar melhor este assunto convém dizer que, na verdade, nunca Adriano Moreira foi verdadeiramen- te claro quanto à solução que pretendia implementar no Ultramar. Fala frequentemente em “autonomia alargada”, contudo não esclarece exactamente o significado prático da expressão. Não encontrámos, em qualquer fonte escrita ou oral, a clarificação deste conceito. Assim, não é fácil aquilatar o possível sucesso de tal solução.

277 Id., Ibid., p. 538.

146 Adriano Moreira e o Império Português

A idade do Presidente do Conselho e a sua desgastada imagem desde as eleições presi- denciais de 1958 não apontavam para que a aposta na velha ordem política fosse viável. Desta situação dá conta Filipe Meneses:

“Em 1960, Salazar, já septuagenário, dificilmente podia ser visto como o futuro de Portugal. Conseguira vencer Humberto Delgado na contenda eleitoral, mas com grandes custos para a sua reputação. A alteração constitucional sobre a eleição do chefe de Estado era geralmente encarada como um sinal de fraqueza, não de força. Como um diplomata do Vaticano em Lisboa, monsenhor Luigi Gentile, disse em 1958 a um interlocutor da União Nacional, «o salazarismo é uma acção diá- ria e não um corpo doutrinário a projectar-se no futuro». Quando o ditador saísse de cena, previa Gentile, os partidos políticos, que eram uma característica central da vida moderna, reafirmar-se- iam”.278

Salazar vivia em meados da década de 1960, o ocaso do seu poder. As referências da sua linha política iam-se mantendo sempre numa perspectiva de um rompimento abrupto que se adivinhava face às crescentes contestações ao regime. Veja-se o que representou o ano de 1961 para Salazar em termos de reveses: perda do Estado Português da Índia, tentativa de golpe de Estado de Botelho Moniz, aprisionamento do paquete Santa Maria, entre outras vicissitudes. O início dos conflitos armados em Angola ia limitando o espaço de manobra do governo português e as respectivas reformas. Assim mesmo, a acção reformista de Adriano Moreira criou em Portugal e no estrangeiro o sonho do início de um processo de renovação que poderia conduzir Portugal à concessão da emancipação aos territórios ultramarinos. Esta esperança depositada na acção do Ministro do Ultramar permitiu a Portugal e a Salazar ganhar tempo. Escreve Meneses:

“O vigor e a postura ideológica de Adriano Moreira ganharam a Salazar algum tempo no plano internacional. Embora baseado numa leitura muito selectiva da História e das condições nas colónias, pelo menos agora Portugal tinha uma política que se poderia considerar progressista e algumas reformas em curso. Porém, poucos observadores cientes da realidade viram nas reformas uma solução para os problemas do país. O embaixador britânico apelou aos seus superiores em Londres para saudarem as reformas, coisa que eles não fizeram por temerem especialmente o in- centivo à emigração branca. A 19 de Setembro, numa reunião realizada no Departamento de Esta- do, diplomatas britânicos e americanos concluíram que as reformas pouco tinham a oferecer: não havia quaisquer medidas no sentido da autodeterminação e temia-se que as possibilidades abertas pela revogação do Estatuto dos Indígenas fossem limitadas por restrições no acesso à educação e ao voto”.279

278 MENEZES, Filipe Ribeiro de - Salazar - Uma Biografia Política. Publicações Dom Quixote, 2.ª edição, Lisboa, 2010, p. 477. 279 Id., Ibid., pp. 536 e 537.

147 José Maria S. Coelho

Quanto à maior ou menor bondade das reformas de Moreira, não é possível vê-las apenas numa perspectiva. Ainda que cautelosas e tímidas em alguns aspectos como o da educação, representaram no campo do progresso dos direitos dos nativos uma mais-valia importante. A questão da cidadania foi de extrema importância280. A duração do Mandato do ministro Adriano Moreira foi extremamente curto para que fosse possível envolver a sociedade de aquém e de além-mar. As oposições afunilavam o espaço de manobra do Professor enquanto responsável pelo sucesso das reformas. A destituição do Professor da pasta do Ultramar invalidou qualquer sucesso das suas propostas. De facto, uma das principais limitações na aplicação rápida de um programa de autonomia ao Ultramar prendia-se, já o dissemos, com a deficiente administração pública. A falta de quadros tornava inviável a entrega do poder a organismos que, com efeito, só existiam como referencial de administração e não como serviços funcionalmente assim considerados. Isto mesmo escreve Adriano Moreira, referindo-se à administração nos diferentes territórios de além-mar:

“ […] algum historiador virá a prestar justiça ao corpo administrativo, espalhado pelas in- terioridades tropicais, com frequência em grande solidão, certamente falhando algumas vezes na resistência à vertigem do poder, com deficiência de recursos, mas de regra atentos, interventores, registando e relatando os desvios, os riscos, as disfunções que os excediam. Nos Governos inter- médios, e nos Governo das províncias, a presença de oficiais das Forças Armadas era numerosa, e o conceito de espelho da Nação era referência dominante”.281

Portugal foi sempre, estruturalmente, um país exíguo em população e, ainda mais, em técnicos qualificados, nomeadamente na administração pública. Esta realidade condicionou sempre as reformas e a própria modernização do país. As Províncias Ultramarinas não ficavam de fora desta realidade. As palavras do Professor Adriano Moreira são claras quanto ao descon- forto que a questão ultramarina causava em certos meios políticos e o desinteresse que alguns dos protagonistas da política governamental expressavam acerca dos assuntos do Ultramar. A demissão do Ministro Adriano Moreira acontecia, justamente, no exacto momento em que o poder de Oliveira Salazar já não tinha qualquer consistência, nomeadamente entre os militares. No encontro com Adriano Moreira, perguntámos-lhe se, em 1963, o “Novíssimo Príncipe”, não a obra, mas o poder militar, como um poder determinante, já existia. A resposta foi a seguinte: “Eu tive a certeza disso, de que Salazar já não mandava na Tropa. O primeiro sinal foi o caso Botelho Moniz. Foi o primeiro sinal. Eu tenho uma prova disso. Como sabe, quem se opôs ao Botelho Moniz foi Kaúlza de Arriaga e eu até conto isso porque ele mo disse (…)”.282 Portugal acabava de perder a oportunidade de conduzir o processo de emancipação das Províncias Ultramarinas, seguindo uma via alternativa ao integracionismo puro, defendido pelos

280 Vide Apêndice A. 281 Id., Ibid., p. 285. 282 Vide Apêndice A.

148 Adriano Moreira e o Império Português mais situacionistas e, por outro lado, aqueles que advogavam a independência incondicional. Implementar reformas na legislação ultramarina não foi, nunca, tarefa fácil no consulado de Salazar. Houve mesmo reformas quase revolucionárias, já que alteraram as estruturas rela- cionais com a metrópole. Quisemos averiguar o nível de informação que Salazar detinha da evo- lução do mundo, nomeadamente quanto à crescente afirmação do racismo e do separatismo nos territórios coloniais. Quando colocámos esta questão a Adriano Moreira, o Professor foi claro:

“Para revogar o Estatuto dos Indígenas (….) foi preciso muita conversa. (…) Eu queria-o convencer disso… e disse-lhe: “Senhor Presidente, um dos maiores perigos para a humanidade é o racismo, está a crescer terrivelmente em África. Se o senhor chegasse às Nações Unidas veria o que era o racismo; se o senhor fosse a África, via o que era o racismo. Como o senhor não vai a lado nenhum...”.283

A pressão que Salazar fizera desde o início do Estado Novo, no sentido da submissão do poder militar ao seu próprio projecto de Estado, conduziria a uma constante necessidade de controlar os militares e evitar o seu descontentamento. O Presidente do Conselho sabia bem os males que poderiam advir da autonomia do poder militar característico dos inícios da década de 1930. Havia, pois, que enquadrar esse poder no âmbito mais geral do Estado Novo. Escreve Fernando Rosas:

“Quando Salazar alcança a chefia do Governo, em julho de 1932, o poder que obtém é ain- da limitado ou condicionado: as Forças Armadas permanecem numa espécie de autogestão, sob o comando realmente separado das suas chefias onde predominam os oficiais de matriz republicana conservadora. É certo que estes, aceitaram apoiar e integrar o novo regime, mas só negociadamen- te, como vimos, coexistindo como que uma dualidade de poderes entre a esfera civil e a militar. Ora o projecto contra-revolucionário que Salazar dirigia não se coadunava com um poder que só condicionalmente pudesse usar a plenitude da sua força. A unidade do poder político e militar sob um mando único era da essência do próprio Estado Novo, condição para existir, para cumprir a sua missão e para sobreviver”.284

De facto, ainda que a tentativa de submeter ao seu poder o dos militares tenha sido uma constante na governação de Oliveira Salazar, tal acabaria por nunca suceder. A prová-lo estão algumas tentativas de golpe de Estado como a dirigida por Botelho Moniz ou a deslealdade com que alguns dos militares detentores de cargos públicos lidaram com o chefe do Governo. A ques- tão do Governador de Angola, General Deslandes, face às reformas de Adriano Moreira é outro exemplo. A constatação de que as escolhas para Presidente da República recaíram ao longo de todo o Estado Novo em militares, pertencentes aos diferentes ramos das Forças Armadas, já o

283 Vide Apêndice A. 284 ROSAS, Fernando - Salazar e o poder, a arte de saber durar, Tinta da China, 1.ª edição, Lisboa, 2012, p. 212.

149 José Maria S. Coelho afirmámos anteriormente, é exemplo final dessa incapacidade que Salazar revelou: dominar o poder militar – o “Príncipe”. Adriano Moreira não teve relações fáceis com alguns militares nomeadamente com o general Deslandes, Governador de Angola. No encontro que ambos tiveram no Ministério do Ultramar a cooperação que poderia vir a existir entre os dois, desvaneceu-se. A conversa entre os dois azedou e acabou por levar o Ministro do Ultramar a produzir as seguintes palavras:

“O senhor General vai-se embora e eu vou-lhe mandar as perguntas por escrito. Apareceu o Capitão às ordens e eu disse: faz o favor de levar o senhor Governador até à porta. E disse assim: com as honras do estilo. Pu-lo na rua. Bom, escrevi-lhe as perguntas e mandei uma cópia para Salazar. Salazar telefona-me na manhã seguinte, ainda de madrugada. O senhor já entregou aquilo ao Governador de Angola? Referia-se às questões. Eu disse: já. É que eu estou muito preocupado. Mas, ó senhor Presidente, está lá alguma coisa que não seja verdade? Não. A mim não me importam as palavras que lá estão, o que me importa é a maneira como o senhor as põe umas a seguir às outras”.285

As informações que chegavam ao Presidente do Conselho, vindas dos meios militares mais influentes, não garantiam nem o poder de Salazar, nem a unidade do Império. Na verdade, como nos disse o Professor Adriano Moreira, a possibilidade de o Governador de Angola, Ge- neral Deslandes, conduzir aquela Província Ultramarina a uma independência branca era real. Tão real, que os medos da desintegração anárquica do Império conduziram ao afastamento de Deslandes do cargo de Governador. A de desavença entre o Governador de Angola, Deslandes, e o Ministro do Ultramar, Adriano Moreira, tem sido, algumas vezes, justificada com a questão polémica relativamente à criação dos Estudos Gerais naquela Província Ultramarina, o que é totalmente desmentido por Moreira. “É mentira que fosse por causa dos Estudos Gerais. É mentira”, intervim, chamando a atenção para a existência de quem defenda isso. A resposta de Moreira foi a seguinte: “Não, não. Mas agora já está documentado. Estão aí as Memórias de um Embaixador286 que assistiu à reunião em que ele queria fazer a independência branca. Deveria ser uma mortandade em Angola que nunca mais acabava”.287 A independência pura e simples não era a solução de Moreira para o Ultramar. O Minis- tro sabia bem os riscos de uma independência não negociada e não planificada. Conduziria, certamente, à queda do poder nas ruas. A anarquia haveria de tomar conta dos territórios in- dependentizados e a guerra civil seria, certamente, o resultado dessa solução imponderada. O que propunha Adriano Moreira? Certamente que, admirador incondicional do luso-tropicalismo de Gilberto Freyre, acreditava ser possível uma autonomia progressiva, conducente à indepen- dência futura, sim, mas no quadro de uma qualquer Organização que congregasse em si a glo- balidade dos países de língua oficial portuguesa. Já o afirmámos anteriormente como tese, não

285 Vide Apêndice A. 286 Neste momento o Professor Adriano Moreira não identificou o nome do referido Embaixador. 287 Vide Apêndice A.

150 Adriano Moreira e o Império Português encontrámos expressa em lado nenhum a posição de Adriano Moreira. Fala de uma autonomia alargada, mas o que significava isso? Nunca o clarificou. Salazar nunca terá discutido as propostas de Adriano Moreira no Conselho de Ministros. Na verdade, os inícios da década de 1960 confirmam essa atitude de Salazar tão-somente, a continuação de uma prática que vinha sendo seguida – a não convocação do Conselho de Minis- tros. Tomava as decisões por si, que plasmava em leis que apenas ele e o círculo mais apertado assinavam. Fê-lo com o ministro Adriano Moreira, quando assinou a abolição do Estatuto do Indígena. O início do fim do Império começara com a perda do Estado Português na Índia em finais de 1961. Os esforços para travar o reconhecimento internacional da anexação de Goa, Damão e Diu pela União Indiana foram em vão. Os últimos anos do “Consulado” de António de Oliveira Salazar foram já de decadência interna e externa do regime. Mesmo a chegada de Marcello Cae- tano ao governo (1968) pouco alterou, ainda que, no início, parecesse haver uma certa abertura do regime. Desde o princípio da derrocada do Ultramar (1961) até à “descolonização desorga- nizada” feita em 1975, Portugal deambulou entre a prioridade que tinha o interesse nacional e, por outro lado, a realidade exterior que não se compadecia com imobilismos ideológicos. É neste sentido que se expressa Jaime Nogueira Pinto:

“A dualidade interesse nacional-ideologia manteve-se na inspiração e legitimação da po- lítica externa portuguesa em toda a fase final do Estado Novo, isto é, nos quase vinte anos que decorreram desde a abertura das hostilidades pela União Indiana e o marco simbólico de Bandung, até ao 25 de Abril de 1974, abrangendo os últimos governos de Salazar e o governo de Marcelo Caetano”.288

Nem sempre as relações entre Adriano Moreira e os seus pares no governo foram fáceis e, no que se refere à relação do Professor com Marcello Caetano, diremos mesmo que, para além das conhecidas dificuldades de relacionamento entre os dois homens, havia diferenças ideoló- gicas de fundo. Adriano Moreira refere isso mesmo:

“O Marcello foi meu professor numa série de disciplinas. Era um professor um pouco distan- te. […] Mas era um professor que sabia, era um bom professor. Não deixou doutrinas próprias, não era um teorizador, mas foi um homem com enormes responsabilidades em relação à formação do ultramar. […] Realmente, ele criticava muito as coisas do regime, isso vê-se nas suas Memórias, que eu acho que foram escritas apressadamente, pois ele quis que saíssem antes das do Franco Noguei- ra. A verdade é que hoje não se vê ninguém citar as Memórias dele, porque publicou-as a correr. E depois deu-se o caso de ele ser monárquico e ter sido encarregado pelo chefe do Governo de ir ao congresso da União Nacional em Coimbra dizer que deixava de o ser. Mas, de qualquer modo, estava tão ligado à doutrina do regime, que a mudança foi muito difícil”.289

288 PINTO, Jaime Nogueira - Portugal: Ascensão e Queda: Ideias e Políticas de Uma Nação Singular, colaboração de Inês Pinto Bastos, Publicações Dom Quixote, Alfragide, 2014, p. 221. 289 MOREIRA, Adriano; Gonçalves, Vítor - Este é o tempo, Portugal, o Amor, a Política e Salazar. Clube do

151 José Maria S. Coelho

O Professor Moreira mostra nesta passagem do seu depoimento alguns traços da persona- lidade de Marcello Caetano e, igualmente, indícios das difíceis relações entre os dois homens. A corroborar esta ideia acrescenta:

“Comigo teve uma guerra, pois eu achava que tinha de acabar com a Escola Colonial (por- que já não se tratava de ter colónias e já não se tratava de colonizar] e queria criar uma escola de Ciências Sociais e Políticas, porque era preciso entender as culturas que eram diferentes. A tal ideia: o outro não é inimigo, é diferente. E deu aquela zaragata, e eu tive pena. Primeiro, era uma coisa que achava que não podia transigir porque correspondia à mudança do mundo, e, segundo, parecia-me uma coisa de interesse nacional. Eu disse, «Tenho muita pena mas a amizade não tem que ver com isto»”.290

Adriano Moreira e Marcello Caetano acabaram sem se falar. dá disso conta, quando escreve a propósito de desabafos da mulher de Marcello Caetano, Teresa:

“[…] «Ai que saudades eu tenho de ver o André Gonçalves Pereira de calções. Mas também gostava muito do Adriano: ai o Adriano de calções, como eu gostava do Adriano.» Na altura, em 1969, não era uma conversa politicamente correcta, dadas as más relações entre Marcelo Caetano e Adriano Moreira. Mas Marcelo Caetano não dizia nada”.291

Marcello Caetano parecia ter aberto uma porta para a resolução rápida e pacífica da questão da democracia em Portugal e, em simultâneo, do problema ultramarino. A vinda de exilados políticos a partir de 1970, como Mário Soares e Álvaro Cunhal, além de outros, como D. António Ferreira Gomes, bispo do Porto, tinha criado nos espíritos mais incautos a ideia de uma evolução no sentido de fazer de Portugal um país do seu tempo. O sentimento de que poderia ter sido diferente permanece no espírito de Adriano Moreira. Na tomada de posse, Caetano tinha sido claro no seu discurso “Evolução na continuida- de”. A linha política deixada por Oliveira Salazar era para ser seguida. De facto, as coisas não se passaram como as expectativas supunham e, inconsequentemente, a repressão sobre os opositores políticos ao regime recrudesceu após a campanha eleitoral de 1973. Ainda que numa impetuosa vontade de mudança se supusesse que o consulado de Mar- cello Caetano pudesse ter um rumo diferente e autónomo do anterior sem, no entanto, haver corte com a herança do mentor do Estado Novo – Salazar, a verdade é que não se pode, segundo Reis Torgal, identificar no pensamento de Caetano uma inequívoca originalidade. Escreve Reis Torgal:

“Será que se deveria utilizar o termo «marcelismo» como «designação atribuída ao período

Autor, 1.ª edição, Lisboa, 2014, pp. 116 e 117. 290 Id., Ibid., p. 117. 291 SOUSA, Marcelo Rebelo de - Um Homem Excepcional. In CRUZ, Manuel Braga; RAMOS, Rui (org.) - Mar- celo Caetano: Tempos de Transição, Porto Editora, Porto, 2012, p. 70.

152 Adriano Moreira e o Império Português

final do regime do Estado Novo»? O sufixo «ismo» supõe, se não a existência de um sistema de pensamento ou de acção, pelo menos um processo original de agir ou de pensar, ou um movimento que se criou, independentemente da importância da matriz original. O certo, porém, é que – a nosso ver – não existe propriamente uma lógica de originalidade política no período do governo de Marcello Caetano, que se verificou entre 27 de Setembro de 1968 e 25 deAbril de 1974”.292

De facto, não encontramos qualquer originalidade no pensamento de Marcello Caetano e, muito menos, na sua acção. O discurso de tomada de posse revela isso bem, ainda que de uma forma velada: “Evolução na continuidade”. Ao mesmo tempo, a guerra no Ultramar continuava sem fim à vista. Uma boa parte das cúpulas militares começavam a dar sinais de cansaço e de recusa em continuar a cooperar com a política colonialista do regime. É o caso de Costa Gomes e de Spínola. Quanto a Adriano Moreira, que, depois de destituído de Ministro do Ultramar, regressa ao ensino Universitário, continua, ainda que de forma mais discreta, a advogar um processo reformista e promove o encontro com os líderes africanos, de modo a evitar uma anarquia na descolonização, o que, como bem sabemos, acabaria por vir a acontecer, em relativa medida, em 1975. Apesar da evolução prometida pelo novo Presidente do Conselho, Marcello Caetano, a ideologia em rela- ção ao Ultramar não tinha tido alteração oficial. A comunicação de Marcello Caetano, em 3 de Julho de 1972, é disto reveladora:

“A construção pacífica da sociedade multirracial portuguesa é a única via que leva a resulta- dos construtivos – com vantagem para a África e para o mundo… Não falo do orgulho nacional. Não falo de glórias passadas e de tradições esplendorosas. Falo do presente e penso no futuro. O pre- sente tem de ser esforço para mais rapidamente construirmos a sociedade multirracial portuguesa. Para erguermos, neste mundo de divisões e de ódios, uma comunidade fraterna e harmoniosa. Os continentes não pertencem às cores das peles. A África não é dos pretos, como a América não é dos peles-vermelhas. O mundo é dos homens”.293

A reeleição do Almirante Américo Tomás em 1972 para um novo mandato como Presidente da República conduziu, irreversivelmente, à manutenção da linha salazarista de que o Almiran- te era partidário. É interessante a visão de Reis Torgal sobre o assunto:

“[…] No caso do marcelismo pode dizer-se que o poder esteve sempre dividido entre dois polos. Por um lado, o poder do presidente da República, almirante Américo Tomás […] o qual sim- bolizava – com militares, ministros e deputados «conservadores» - a manutenção da política salaza- rista tal como vinha a ser conduzida antes de 1968, sobretudo no que dizia respeito ao ultramar e à manutenção do estatuto constitucional e extra-constitucional, referente à privação ou limitação

292 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Coimbra, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, 2009, pp. 615 e 616. 293 CRUZ, Manuel Braga - RAMOS, Rui (org.) - Marcelo Caetano: Tempos de Transição, Porto Editora, Por- to, 2012, p. 283.

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de liberdades políticas dos cidadãos. No outro lado está o presidente do Conselho de Ministros, Marcello Caetano, que representou a corrente de salazarismo social, de desenvolvimento econó- mico, de «liberalização» dentro dos parâmetros do Estado Novo e de «autonomização» relativa das chamadas «províncias» ultramarinas»”.294

Na verdade, provava-se a impossibilidade de manter o «Salazarismo» sem Salazar, con- trariamente àquilo que os mais fiéis seguidores do antigo Presidente do Conselho pensavam. O regime entra em acelerada desagregação no dia em que Oliveira Salazar é substituído por Caetano na chefia do Governo. A gestão do poder e das diferentes fações que o compunham tornou-se um processo sem futuro. Marcello Caetano foi sendo isolado no labirinto de interesses contraditórios que se faziam sentir igualmente no meio militar. A questão ultramarina sofria das mesmas complexidades que as restantes pastas do governo. Era necessário gerir uma abertura do regime que os mais conservadores não admitiam – a primavera marcelista -, tornava-se im- perioso pacificar a ala mais sublevada do militares e, por fim, dar um rumo às Províncias Ultra- marinas, abandonadas que foram as reformas propostas por Adriano Moreira em finais de 1962. A complexidade esbarrava em contradições insanáveis, nomeadamente com a manutenção, no governo, de ministros que rejeitavam a viragem marcelista. Reis Torgal escreve:

“[…] Mais que Salazar, Marcello Caetano ficou, no fim do seu governo de seis anos, isolado, com ataques da «direita» e da «esquerda». Não se pode dizer que tenha ficado «orgulhosamente só», parafraseando as palavras de Salazar de 1965, mas tristemente só. O certo é que não con- seguira dar qualquer passo significativo no sentido da «liberalização» do regime, nem conseguira recriar o estado Novo por via de regresso a uma ideia de «revolução de direita», que – a nosso ver - […] terá estado mais no seu horizonte ou na sua memória de político. Mas, isso seria impossível com o segundo poder que representou Américo Tomás e alguns ministros de Salazar que permane- ceram durante o seu governo ou durante parte significativa dele. […] Esta contradição verifica-se também no Ultramar, cuja pasta foi ocupada por Silva Cunha, vindo do último ministério de Salazar […]”.295

O governo chefiado por Marcello Caetano sofreu, sobretudo, de uma incapacidade de autonomização face à herança de Oliveira Salazar. Muitos ministros mantiveram-se no poder por tempo demais, a ala mais conservadora dos militares teve abertura para continuar a influenciar as decisões em muitos dos campos mais sensíveis, como era, justamente, a questão ultrama- rina. Esta resistência dos conservadores a um novo poder – o de Caetano - e a âncora que pro- curaram no Presidente Américo Tomás não permitiu que a abertura prometida no discurso de posse de Marcello Caetano, «evolução na continuidade», fosse por diante. Há, contudo, quem considere que Marcello Caetano nunca teve qualquer intenção de

294 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2009, pp. 617 e 618. 295 Id., Ibid., pp. 624 e 625.

154 Adriano Moreira e o Império Português fazer evoluir o regime político no sentido da democracia. Não teve essa intenção porque ele próprio era salazarista convicto, formado na mesma ideologia em que o fora Oliveira Salazar e, acreditando que ninguém muda radicalmente as ideias ao longo da sua vida, Caetano não apreciava as virtudes da democracia. Evidentemente que nunca seria um democrata e muito menos advogaria o fim do Império. Vão neste sentido as palavras escritas por Mário Soares na obra que publica em 1969, intitulada Escritos Políticos:

“[…] Marcello Caetano não veio ao poder para fazer evoluir o regime no sentido da democra- cia (em que nunca acreditou!) mas sim para assegurar a continuidade do salazarismo, de que foi um dos teorizadores e, durante longos anos, um servidor dos mais eminentes. Simplesmente, a conti- nuidade do salazarismo implica adaptação aos tempos de agora, alargamento da sua base de apoio (perigosamente restrita) e, portanto, uma certa evolução ou rejuvenescimento, nos métodos de acção e no estilo. Essa é a «operação» em que Marcello Caetano está empenhado, tendo-a até ago- ra executado (importa reconhecê-lo) com um virtuosismo e um «brio» que cumpre destacar”.296

Mário Soares alude, efectivamente, à falta de elasticidade política de Marcello Caetano que, limitado ainda pelas forças conservadoras, tanto políticas como militares, foi incapaz de dar ao regime o dinamismo necessário para continuar o Estado Novo sem Salazar. Quanto à questão ultramarina Marcello Caetano não parece mostrar, nos inícios da déca- da de 1970, ideias muito diferentes daquelas que havia apresentado, repetidamente, ao longo da sua vida enquanto estudioso desse assunto. A sua ideia de «autonomia progressiva»297 expres- sa por diversas vezes, já enquanto Presidente do Conselho, não se afastou consideravelmente daquela que tinha sido a sua posição ao longo dos tempos mais problemáticos para Portugal e que coincidiram com o pós-segunda Guerra Mundial. Neste sentido há, aliás, uma certa identi- ficação com a posição de Adriano Moreira a que já nos referimos nesta tese. Reis Torgal escreve acerca do assunto:

“[…]Marcello continuou a defender a mesma política para o Ultramar, com uma receo- sa política inovadora, quer em relação ao estatuto político dos territórios, quer às negociações políticas com países africanos, que só timidamente terá iniciado, sem qualquer resultado politi- camente relevante. E ainda em 5 de Março de 1974 continua a reflectir sobre o Ultramar, cada vez mais aclamado por deputados que correspondiam, praticamente na totalidade, a uma lógica salazarista”.298

Adriano Moreira que, embora afastado de qualquer cargo político, continuou a interessar- se profundamente pelas questões ultramarinas, não esquecendo a base do luso-tropicalismo, não viu, na governação de Marcello Caetano, de quem se afastara como já referimos, uma evo-

296 SOARES, Mário - Escritos Políticos, 1969, pp. 166 e 167, in TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo, 2.ª Edição, Imprensa da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2009, p. 627. 297 Discurso de Marcello Caetano em Lourenço Marques em 18 de Abril de 1969 298 TORGAL, Luís Reis - Estados Novos, Estado Novo. Op. Cit., p. 641.

155 José Maria S. Coelho lução considerável nas posições relativas àqueles territórios. A autonomia tardava em ser con- cedida e, relativamente à guerra, a sua perpetuação no tempo não deixava margem para ne- gociações com os movimentos independentistas. A própria revisão constitucional levada a cabo por Marcello Caetano em 1971 não avançou significativamente nas soluções para o Ultramar, limitando-se a dar nova redacção aos artigos 5º e 133º da Constituição de 1933 que se mantinha em vigor.299 Em relação ao primeiro, passou a ter a seguinte redacção: “O Estado Português é unitário, podendo compreender regiões autónomas com organização político-administrativa adequada à sua situação geográfica e às condições do respectivo meio social”.300 Relativamente ao artigo nº 133, passou a ter seguinte redacção: “Os territórios da Nação Portuguesa situados fora da Europa constituem Províncias Ultramarinas, as quais terão estatutos próprios como regiões autónomas, podendo ser designadas por Estados, de acordo com a tradição nacional, quando o progresso do seu meio social e a complexidade da sua administração justifiquem essa qualificação honorífica”.301 Como se conclui, as alterações jurídico-administrativas implementadas por Marcello Ca- etano em relação às Províncias Ultramarinas em nada alteraram a relação destas com o Estado português, mantendo o mesmo grau de dependência das primeiras e, simultaneamente, garan- tiu a manutenção de um Estado unitário, ainda que com a guerra interna a crescer. Percebe-se, então, a ineficácia das reformas a que alguns decidiram associar à ideia de “Primavera Marce- lista”.

4. A Língua como elemento agregador ou o nascimento do V Império?

Que a língua é hoje aceite como factor de identidade por muitos investigadores já não é ideia nova. Na verdade, a investigação neste campo tem sido grande e, em muitos e variados níveis, conclusiva na importância que lhe é atribuída como factor construtor de identidade. Um dos investigadores mais actuais neste campo é Dionísio Vila Maior. Escreve este investigador: “É pacífica a noção segundo a qual o conceito de língua se restitui a uma particular tradição histórica”302. Ainda na mesma obra, Vila Maior identifica diversos autores com estudos importantes relativos a este assunto. Refere-se, nomeadamente, a José Herculano de Carvalho, (Teoria da Linguagem, 1967), o qual afirma que a língua “é sobretudo uma entidade histórico-social”. Alude, igualmente, a Mikhail Bakhtine, que, em 1929, afirmava: “La véritable substance de la langue n’est pas constituée par un système abstrait de formes linguistiques ni par l’énonciation- monologue isolée, ni par l’acte psycho-physiologique de sa production, mais par le phénomène

299 TORGAL, Luís Reis, op. cit., p. 662 e 663. 300 TORGAL, Luís Reis, op. cit., p. 662. 301 Id., Ibid., p. 663. 302 MAIOR, Dionísio Vila - Identidade Linguística e “consciência da unidade espiritual” [em linha]. Dispo- nível em http://www.lusosofia.net/textos/20121023-vila_maior_dionisio_identidade_linguestica_e_cons- ciencia_da.pdf, consultado em 22 de Abril de 2015.

156 Adriano Moreira e o Império Português social de l’inyteration verbale (…)”.303 Vila Maior continua a apresentar o pensamento de Baktine, no sentido de esclarecer a dimensão do social no processo de construção linguística. Escreve Vila Maior:

“Para a clarificação deste ponto, torna-se obrigatório recordar um importante texto de Bakhtine, de 1952-1953 (intitulado “Os géneros do discurso”), onde este defende o carácter social e intersubjectivo da linguagem e do pensamento; e, como se pode ver, a importância desta pro- blemática remete de imediato para a tese que advoga que qualquer produção discursiva deve ser entendida enquanto prática dialógica inscrita no social. Sob esta ótica, qualquer texto verbal pode considerar-se como um enunciado dialoga sempre com outros textos (configurando-se, dialética e dialogicamente, como um espaço de pergunta-resposta): “Je vis dans l’univers des mots d’autrui”, escreve Baktine (1984: 363). Por aqui se percebe, aliás, o motivo pelo qual este filósofo da lingua- gem, concede uma enorme importância à consciência do sujeito falante – a mesma consciência que deverá ser encontrada na relação entre a condição social do sujeito e a orientação social da actividade racional deste mesmo sujeito”.304

A análise que Vila Maior faz da evolução do código linguístico, bem como da significância do mesmo nas diferentes latitudes, encaixa, justamente, na expressão de Adriano Moreira e por nós já usada neste trabalho, em que o Professor afirma que “A língua não é nossa, também é nossa”. Quer com isto explicar a evolução do código linguístico nas diferentes latitudes onde o mesmo é usado. Esta concepção não invalida, contudo, a necessidade de considerar, igualmen- te, que qualquer língua instalada em diferentes partes do globo e entregue a falantes distintos evolui em sentidos diversos devido às influências autóctones. Refere ainda Vila Maior:

“(…) no que diz respeito ao capital identitário de uma comunidade, duas linhas de pensa- mento afiguram-se centrais: por um lado, esse capital identitário evolui; por outro, esse capital identitário repousa sobre substratos culturais diversos com os quais uma comunidade reclama um compromisso com o futuro”.305

Não sendo o único factor agregador de uma identidade, a língua é, no entanto, o mais forte. Ela determina a base da compreensão e da cooperação entre os membros falantes, o que a torna o elo mais forte numa relação entre indivíduos que a utilizam de forma utilitária. O próprio Adriano Moreira expressa a validade suprema da língua num contexto de identificação social e política. Escreve o professor:

“O que se conserva, nas várias latitudes por onde passa a colonização, a evangelização, e as

303 Id., Ibid. 304 Id., Ibid. 305 Id., Ibid.

157 José Maria S. Coelho

estruturas da sociedade civil, é a trave mestra da língua portuguesa, mas a variedade dos valores que a língua transporta é plural. Esta talvez simples divagação destina-se a afirmar uma conclusão abrangente que proponho adoptar: a língua portuguesa não é nossa, também é nossa”.306

Adriano Moreira considera que em todos os casos de colonização mais ou menos intensa e, por isso mesmo, também no caso português, a Língua é sempre um factor de identidade que ultrapassa em muito as relações políticas. Trata-se de um elo de unidade cultural e de matriz identificadora de uma certa maneira de olhar o mundo e de nele se posicionar. Os casos inglês e espanhol são bem o exemplo da agregação de povos de várias latitudes em redor de um código linguístico que, não sendo uniforme em todos os povos que o usam, foi, contudo, o eixo identitário que permitiu criar realidades culturais alargadas, em que a língua se torna o cimento da construção de um determinado edifício cultural. Foi com base neste pressuposto linguístico que Adriano Moreira, desde cedo, advogou a construção de um “mundo luso”. A língua comum a uma determinada comunidade humana foi, e é, ainda, um dos factores determinantes na assunção do estatuto de Nação. Esta, muitas vezes repartida por vários espaços geográficos, é, no entanto, o principal elo argumentativo na exigência das populações quanto à constituição de Estados Nacionais. Nesta linha de pensamen- to, escreve Adriano Moreira:

“O primeiro critério que nos acode ao espírito quando tratamos da língua portuguesa é o da relação com a identidade nacional. (…) De facto, a língua comum, embora outros factores pos- sam concorrer para a vocação da independência soberana, como aconteceu com a descolonização do século XX, cresceu de importância à medida que o nacionalismo a definia como uma sólida precondição”.307

Adriano Moreira encontrou, desde cedo, na língua, um factor de unidade dentro do plura- lismo étnico que, dependendo das vontades firmadas nas relações ancestrais entre colonizado- res e colonizados, poderia servir de lastro à construção de um espaço identitário na globaliza- ção crescente do planeta, nomeadamente a partir dos finais da década de 1980. Quando, antes de tudo o resto, se debatia no Portugal salazarista a questão da autonomia para as Províncias Ultramarinas, nomeadamente na sequência das pressões internacionais, o Professor antevia na força da língua portuguesa a possibilidade de constituir uma comunidade de Estados indepen- dentes, interligados culturalmente pela língua de Camões. Como sempre, afirma o Professor Moreira, as línguas de antigos colonizadores estruturam áreas geográficas claramente identifi- cáveis num mundo de globalização crescente. Escreve:

306 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, p. 158. 307 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Coimbra: Almedina, 2013, pp. 154 e 155.

158 Adriano Moreira e o Império Português

“O contexto em que vivemos reserva memória histórica dessa passada situação, em que as potências europeias da frente marítima atlântica detinham, em regime de conflitualidade interna, a supremacia da governança mundial, agora mais ligada à imagem que vai enfraquecendo dos EUA. Do sul ao norte desse continente americano, o português, o espanhol, o inglês, e modestamente o francês, definiram fronteiras geográficas onde cresceram identidades nacionais, que conservam ligações, de importância variável, com as metrópoles originárias da acção colonizadora. (…) Nessas regiões, como viria a acontecer na África negra do último impulso imperial europeu, a língua foi componente fundamental de tecido unificador da pluralidade étnica e cultural dos grupos inscritos nas respectivas sociedades civis”.308

De igual modo afirma Adriano Moreira, “no caso da língua, que não é neutra, que trans- porta valores…”309 os povos que a usam para se expressar integram nela as influências que lhes são intrínsecas. O mesmo autor refere ainda algumas conjecturas relacionadas com o tema da língua e feitas por intelectuais de renome: “A consciência portuguesa do valor primacial da língua, como pilar estruturante da identidade, foi secularmente assumida, e ainda ilumina a versão possível do sonhado V Império, desde o Padre António Vieira ao último dos seus visioná- rios que foi Agostinho da Silva”.310 É comum, no mundo actual em que, aparentemente, as ligações afectivas e linguísticas se têm revelado substitutas dos anteriores domínios territoriais, que a língua seja o elo estrutu- rante na relação entre povos que a usam. Meditar na célebre frase de Fernando Pessoa, e que já todos citamos de cor, sobre o seu conceito de Pátria, afirmando que ela se materializa na língua portuguesa, torna-nos mais crentes nos valores culturais como valores unificadores. Uma Nação pluridimensional assente nas marcas culturais só se pode admitir se a língua for comum a todos os povos dessa comunidade. Trata-se, certamente, da marca mais impor- tante e autonomizante dessa mesma comunidade. Esta é a visão de Adriano Moreira quando escreve: “De facto, a língua comum, embora outros factores possam concorrer para a vocação da independência soberana, como aconteceu com a descolonização do século XX, cresceu de importância à medida que o nacionalismo a definia como uma sólida precondição”311. Ao mesmo tempo que afirma esta realidade, Moreira acrescenta que não considera ser a língua o único factor do nacionalismo. Pensamos o mesmo. De facto, outros factores contribuem para a cons- trução desse sentimento, como as origens étnicas ou as tradições antropológicas. Há, também, uma outra realidade e que se prende com o facto de existirem Estados sem, contudo, possuírem uma língua unificadora. Conhecem-se, na actualidade, casos assim na Europa e até fora dela. Por exemplo, os casos da Espanha ou da Bélgica são claros exemplos disso. O que se passou,

308 MOREIRA, Adriano - Dois Temas de Segurança: A Língua e o Mar [em linha]. Lisboa: Centro de Con- gressos de Lisboa, 2010, pp. 1 e 2. Disponível em http://icnsd.afceaportugal.pt/noticias/001/A-LINGUA-E- O-MAR.pdf, consultado em 21 de junho de 2014. 309 Id., Ibid. 310 MOREIRA, Adriano - O Direito Português da Língua, Academia das Ciências de Letras, Classe de Le- tras, p. 5, (Comunicação apresentada na Academia Brasileira de Letras na sessão de 18 de Novembro de 2009). 311 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, p. 155.

159 José Maria S. Coelho então, para que a unidade política exista? Existirá nacionalismo nestes casos? Unidade política parece haver; no entanto, jamais nacionalismo. Assistimos amiúde à referência de nacionalismo dentro dessa unidade política, não a abrangendo, contudo na sua totalidade. Esse, sim, tem a ver com a língua. Ser galego não é ser espanhol. Ser castelhano não é ser catalão. A unidade política só se conseguiu à custa de outros símbolos de identidade. Referimo-nos, por exemplo, às realidades simbólicas de chefia do Estado – a monarquia. A realidade mais conseguida nesta questão da força da língua encontramo-la no chamado mundo inglês. Na verdade, o grande Império inglês começou a desmoronar-se com a indepen- dência da Índia. A joia da coroa tinha sido entregue.312 Com ela haviam de ir outras jóias, mas sobrava uma realidade bem mais rica e abrangente – uma comunidade de países anglófonos. Nela se espraiou o respirar do sentimento de pertença que todos os povos que usam a língua inglesa como língua oficial sentem. No caso português, o intuito de criar um qualquer organismo supra nacional, para agregar os países de língua oficial portuguesa, não é coisa recente. Muito antes do desaparecimento do império luso já alguns313 advogavam que esse devia ser o caminho. Uma unidade que não seria jurídico-administrativa, certamente, mas cuja âncora passaria a ser a língua portuguesa e a cultura pluriétnica. Adriano Moreira assume que, nesta questão, Portugal tem caminhado de forma lenta, deixando-se ultrapassar por outros, ainda que tenha sido o nosso país a iniciar o processo da construção da CPLP. De facto, na entrevista que tivemos com o Professor Moreira314, foi-nos transmitida de viva voz:

“Quem teve a ideia da CPLP foi Portugal, foi a Sociedade de Geografia era eu Presidente. Pois quem fez foi o Brasil. Quem fez o discurso de que era preciso um Instituto Internacional da Língua Portuguesa, com o fundamento de que a língua estava entregue a duas Academias, os países não tinham elites ainda para fazerem Academias e precisavam de um sítio onde estivessem em pé de igualdade, fui eu. Mas quem fez foi o Brasil. Não é aceitável que isto aconteça. Nós nunca fazemos”.315

312 Em 1947, na sequência da luta desenvolvida desde a década de 1920 por Gandhi, a Grã- Bretanha viu- se obrigada a reconhecer a independência daquela colónia que se divide em dois novos países: a União Indiana e o Paquistão. 313 Na estreita passagem que se criou entre Portugal e os novos Estados resultantes da descolonização após a revolução de 1974, alguns anteviram a possibilidade da construção de um “mundo novo” assente na língua portuguesa, na História, nas cumplicidades e nos conhecimentos recíprocos comuns a Portugal, ao Brasil e aos novos Estados de língua oficial portuguesa. Destacamos, entre outros, Joaquim Barradas de Carvalho que escreve “[…] Perante a encruzilhada, a Europa ou o Atlântico, pronunciamo-nos pelo Atlântico, como única condição para que Portugal reencontre a sua individualidade, a sua especificidade, a sua genuidade, medieva e renascentista. Ora esta opção passa forçosamente pela pela formação de uma autentica Comunidade Luso-Brasileira. Esta autêntica Comunidade Luso-Brasileira poderá vir a estender- se a África, poderá vir a transformar-se numa Comunidade Luso-Afro-Brasileira, se um dia os legítimos representantes dos povos de Angola, Guiné e Moçambique assim o entenderem, assim o decidirem… Nela todas as partes se reencontrariam na mais genuína individualidade linguística e civilizacional. É esta a con- dição para que Portugal volte a ser ele próprio”. CARVALHO, Joaquim Barradas de, num texto escrito em Março-Abril de 1974, disponível em http://reflexao.webnod.com.pt/cplp-comunidade-dos-paises-da-lingua- portuguesa/, consultado em 22 de Abril de 2015. 314 Vide Apêndice A. 315 Vide Apêndice A.

160 Adriano Moreira e o Império Português

Adriano Moreira considera que temos feito pouco pela língua nos recônditos lugares do Oriente, mas também do Golfo Pérsico ou mesmo no Japão. Contudo, pensa que, quando a questão da língua foi entregue a Portugal e ao Brasil, as respectivas Academias tentaram não esquecer esses lugares316, sem, contudo, pouco se ter feito no sentido de alargar até eles os meios e as acções que deveriam ter sido criados para preservação do idioma. Hoje, Adriano Moreira fala frequentemente num Império Euromundista, sendo que, como é claro, se refere àquilo que foi construído culturalmente, partindo sempre da velha Europa. Considera que a realidade de globalização que hoje existe no planeta resulta, em toda a linha, das transferências linguísticas e culturais da Europa. Relativamente às apropriações culturais e linguísticas que cada potência europeia reservou para si, escreve Moreira:

“Comecemos por mostrar que a Inglaterra apropriou o maior quinhão do Império Euromun- dista, tem uma fragilizada Comunidade Britânica de povoadores europeus, mas não tem uma CPLP; a França que teve uma língua dominante e um vasto Império, tem redutos de defesa da sua presen- ça cultural, como a Allience Française, mas não fez emergir nenhum grande país a falar francês, e não possui uma CPLP; e Espanha, que chegou a deter o maior Império do mundo renascentista, espalhou a língua, defende a presença cultural, mas não tem uma CPLP”.317

O que Adriano Moreira quer evidenciar é uma realidade muito simples. Trata-se de um mundo único, criado com a CPLP, que, para além da defesa da língua lusa, aposta, também, numa diplomacia comum e num controle político interno. Trata-se, pois, de uma “casa” única e que vale a pena acarinhar. Esta será sempre uma janela de oportunidades, não apenas para Portugal, mas também para a Europa. Para Moreira, além da preservação da língua portuguesa na sua diversidade e pluralidade, a CPLP evidencia uma capacidade muito grande de influenciar a política mundial e pode determinar rumos diferentes nas instâncias internacionais, como é o caso da ONU. Se agir em bloco, a CPLP tem peso no mundo e a janela é mesmo essa. Não se trata de uma abertura estreita onde cabe apenas Portugal e, porventura, o Brasil, não. Trata-se de uma janela larga que engloba não apenas o mundo lusófono em África, mas, de igual forma, territórios como Macau, Goa, Timor, Diu, etc. É, sem proselitismo, uma vasta manta onde se encontram as culturas fundadas na língua lusa e apropriadas pelos povos autóctones. No mesmo sentido da valorização da realidade que é a CPLP vai também o pensamento do jornalista Paulo M. A. Martins quando escreve que o dia 17 de Julho de 1996, data da assinatura da Declaração Constitutiva da CPLP, representa “O abrir de um novo capítulo para a união dos países lusófonos”.318 Provavelmente o maior construtor da CPLP o Embaixador José Aparecido de Oliveira es- creve o seguinte:

316 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, p. 158. 317 Id., Ibid., p. 160. 318 MARTINS, Paulo M. A., Documento, 17 de Julho de 1996, O abrir de um novo capítulo para a união dos países lusófonos, [em linha], disponível em http://pt.calameo.com/read/000970645ebf39fd3cb1a, consul- tado a 30 de Maio de 2015.

161 José Maria S. Coelho

“Do desejo de alguns homens ilustres nasceu a ideia que vingou, ou a dizer com mais propriedade, floresceu… Despertou. A CPLP, instituída, tem de ser elo cultura, político, social e económico entre os povos que falam o português”.319 Outros intelectuais, nomeadamente portugueses, elogiam o Embaixador Aparecido de Oliveira e reconhecem-lhe o mérito de dar corpo à CPLP. Neste grupo integra-se António Alçada Baptista quando escreve: “Não será verdade que um dos fundamentos desta epopeia é, exacta- mente, a nossa afectividade? Por isso, José Aparecido de Oliveira tinha que ser aquele que iria dar corpo e rosto a esta realidade como a CPLP”.320 O jornalista Paulo Martins escreve acerca de Aparecido de Oliveira considerações tais que nos remetem para a importância que os brasileiros tiveram na consumação da Organização a que se deu o nome abreviado pelas iniciais CPLP:

“Todavia, falar (…) da CPLP obriga, por imperativo, à evocação do seu grande obreiro e res- ponsável por essa luta messiânica, desenvolvida ao longo de décadas, em prol da comunidade da língua: José Aparecido de Oliveira. Poderíamos caracterizá-lo como um brasileiro revestido de uma forte personalidade multifacetada e carismática, que, para além de ser uma verdadeira máquina de fazer amigos e de cultivar e intensificar as amizades… (…)”.321

Adriano Moreira identifica outros elos unificadores do mundo luso, para lá da língua. Escreve o seguinte:

“Além de que o Mar é a outra evidente janela de liberdade de Portugal, e todos os países da CPLP são marítimos, são pobres, e devem ter aprendido na história recente que o desafio do fraco ao forte tem probabilidade de êxito. É por isso que qualquer das memórias dos países da CPLP pode repetir Pessoa, e que nós podemos orgulhosamente dizer que a língua não é nossa, também é nossa”.322

Chegados a este ponto do nosso trabalho, torna-se necessário discutir a questão do Acor- do Ortográfico. É um tema apaixonante e que tem interessado a muitos intelectuais, linguistas, políticos e até simples cidadãos. Ora aqui está um dos particularismos deste tema: não se trata de um Acordo nascido da evolução dinâmica que a língua tem, mas da imposição de alguns, sem mandato para o fazerem e, muito menos, sem o dar a conhecer aos menos embrenhados nestas matérias. Temos a convicção de que muitos dos falantes da língua lusa, apesar de o Acordo já ter entrado em vigor em Portugal, e só em Portugal, não sabem que ele existe. Neste ponto, a ausência de vontade em discutir as alterações impostas na caligrafia do português de Portugal

319 OLIVEIRA, José Aparecido de, CPLP – Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, [em linha], in MARTINS, Paulo M. A., Documento, 17 de Julho de 1996, O abrir de um novo capítulo para a união dos países lusófonos, http://pt.calameo.com/read/000970645ebf39fd3cb1a, consultado a 30 de Maio de 2015. 320 Id., Ibid. 321 Id. Ibid. 322 Id., Ibid., p. 161.

162 Adriano Moreira e o Império Português tem provocado inúmeras rejeições, o que, no nosso olhar, nos parece razoável. Moreira refere em relação à língua portuguesa que, tal como os homens e mulheres que a falam, ela é mestiça e que, por isso mesmo, nos une a todos.323 Nesta mesma obra escreve Moreira: “A discussão sobre a oportunidade e validade do Acordo Ortográfico obriga a insistir no tema, porque tem posto em evidência que nenhuma soberania é dona da língua, pelo que não haverá nenhum acordo que impeça as evoluções descontroladas”.324 Para os mais incautos, poderá parecer que o Professor Adriano Moreira pre- tende deixar a evolução da língua cair numa anarquia total. Não, nada disso. Aquilo que ele afirma com veemência é que a língua incorpora sempre a cultura e a forma de ser de quem a fala e, nesse sentido, não é possível, nem será conveniente, amarrá-la a convenções esparta- nas. Em casos análogos ao português, em que a língua do colonizador foi entregue aos povos colonizados, verificaram-se sempre adaptações e a incorporação de línguas autóctones. Acon- teceu com a língua inglesa, com a língua castelhana e, embora menos, com a língua francesa, pelas razões a que já aludimos anteriormente. No caso português, parece que houve quem entendesse dever normalizar uma língua que é, por definição, dinâmica. Por quanto tempo a norma se impõe? Não sabemos, mas uma coisa é certa: não podemos normalizar a língua portuguesa a par e passo. Quando nos avistámos com Adriano Moreira, não hesitei em lhe colocar a seguinte questão: “Quanto ao acordo ortográfico, o que é que o Senhor Professor pensa? Eu recuso-me a aceitá-lo nas condições actuais”.325 A resposta foi imediata e tão espontânea que mostrou o sentimento de recusa do Acordo Ortográfico por parte de Adriano Moreira. Respondeu-me:

“Olhe, eu tenho um ensaio sobre isso. Eu tive aqui uma situação muito difícil, porque eu era Presidente da Academia das Ciências de Lisboa nesse ano e, portanto, eu devia obediência ao decreto. Até me telefonaram do “Diário de Notícias” a perguntar se eu queria a ortografia antiga. Lembraram-me: “O Senhor é o Presidente da Academia das Ciências, tem de obedecer”. Bom, agora escrevi um ensaio onde digo que a língua não é nossa, também é nossa e, por isso, a língua, conforme os povos que a vão adaptando, cria valores que são diferentes em cada sítio. E, por isso, é um ser vivo. Aquilo que nós temos de defender é o que, resumidamente, eu chamo “A maneira portuguesa de estar no mundo”. Dominar a língua a gente não domina. Por exemplo, o Brasil tem valores ameríndios, africanos, italianos, alemães e nós não temos. Em Timor, têm valores que receberam do invasor e que nós não temos. E, portanto, ninguém manda na língua. Por isso a gente repara que, por exemplo, a Inglaterra teve um grande Império, tem a Comunidade Britânica e não tem nenhum tratado. A Espanha tem a América Latina a falar espanhol, não tem nenhum tratado. E, portanto, não se fazem tratados sobre a língua. Agora, quem é que tem a responsabilidades nisto? Quem teve a

323 Id., Ibid., p. 161. 324 Id., Ibid., pp. 161 e 162. 325 Vide Apêndice A.

163 José Maria S. Coelho

primeira vez intervenção nisto foi o Governo português republicano”.326

Fica clara a posição de Adriano Moreira em relação ao Acordo Ortográfico. Não o aceita porque não vê nele quaisquer virtudes. Não identifica qualquer vantagem na normalização da língua lusa, contrariamente ao espírito do Acordo. Encontramos autores em Portugal e em ou- tros países lusófonos que, à semelhança de Adriano Moreira, se escusam a aceitar o Acordo Or- tográfico. Se, por vezes, se supõe que essa recusa é apenas característica de alguns intelectuais portugueses, é tão grande essa suposição como o engano que a mesma transporta. De facto, em Portugal, particularmente, a oposição é grande. Neste ponto do nosso estudo, não poderíamos esquecer a acutilante crítica de Vasco Graça Moura ao referido Acordo. Para além de criticar, passo a passo, o conteúdo do mesmo e de o fazer de forma extremamente fundamentada, Gra- ça Moura aponta ainda um dos grandes pecados daqueles que elaboraram o Acordo. De facto, nenhum Acordo pode ser imposto de cima e de maneira abrupta contra aqueles que, na sua origem, falam e escrevem uma língua. Recusou, por isso, a posição daqueles que em Portugal advogam que a culpa da não-aceitação do Acordo na totalidade do Mundo Lusófono é, em pri- meiro plano, dos portugueses. Rebate, profundamente, a posição do Prof. Malaca Casteleiro. Vejamos:

“No DN de 15.3.08, o prof. Malaca Casteleiro considera que o incumprimento, pelo Brasil, do Acordo Ortográfico de 1945 se deve a um “pecado capital” cometido pela parte portuguesa, pois esta “conseguiu convencer a parte brasileira a adoptar os pontos de vista portugueses, nos quais predominava a perspectiva etimológica”… Esta bizarra autoflagelação mostra bem a atitude de subordinação servil a interesses brasi- leiros que norteou o Acordo de 1991. E visa, no fundo, iludir a qualidade científica dos negociadores de ambos os lados que, em 1945, foram até onde era possível e sensato ir-se. Ao culpar-nos a nós da inoperância das autoridades brasileiras, como se o acordo fosse o tra- tado de Versalhes e o Brasil a Alemanha do pós-1918, o ilustre professor mostra bem a fragilidade das posições que defende”.327

A colagem que alguns em Portugal tentaram fazer ao português do Brasil tornou o Acordo insuportável para os mais puristas da língua e, de igual modo, para aqueles que, como nós, desprezam a adulteração da forma e do conteúdo da língua de Camões. Desta forma, e com a oposição que, quer em Portugal, quer em África, se tem revelado crescente, a manutenção do polémico Acordo, bem como a sua aplicabilidade, passam a estar profundamente comprome- tidas. Por outro lado, Adriano Moreira criou um outro conceito relativo à questão da preser- vação da língua do colonizador. Trata-se da utilidade da mesma328. Nesta vertente da falta de

326 Vide Apêndice A. 327 MOURA, Vasco Graça - Acordo Ortográfico: A Perspectiva do Desastre, Alêtheia Editores, Lisboa, 2008, pp. 49 e 50. 328 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra,

164 Adriano Moreira e o Império Português utilidade da língua, quando alguns povos deixaram de a usar como código de comércio ou com outro fim, essa mesma língua sofre erosão e vai-se desgastando e enfraquecendo. Segundo Adriano Moreira, isso aconteceu com a língua portuguesa. Escreve:

“Existem locais onde os factos tornaram evidente que a língua não resiste à falta de utili- dade (…) por isso o português sofre dessa erosão no longínquo oriente do primeiro império, tem marcas pequenas em Macau, luta com o passado apagador da língua pela ocupação de Timor pelo invasor e também com os interesses da Austrália pela expensão da língua inglesa, vai enfraque- cendo em Goa. O critério da utilidade diferente para cada um dos povos e comunidades talvez por isso não seja dispensável no discurso dos procedimentos a adoptar para que o essencial seja uma preocupação e empenho constante dos governos que têm a língua portuguesa como língua oficial, cada um sabendo que não é sua, é apenas também sua”.329

Efetivamente, assim parece ser. Sempre que a língua tem préstimo, ela persiste. Mesmo em regiões onde essa utilidade é apenas social, como acontece em Goa, a língua é preservada. Sim, porque naquele território, hoje pertencente à União Indiana, as elites culturais e sociais continuam a usar a língua portuguesa como factor de distinção e até de alguma superioridade cultural. Por enquanto, a geração que ainda foi portuguesa naquelas paragens da União Indiana cultiva a língua lusa como língua de cultura e que distingue socialmente quem a fala. Até quan- do se verificará esta situação? Será justo que estes falantes não sejam apoiados por institutos portugueses no esforço para manter o português como língua usada? Esta questão remete-nos, novamente, para a questão do Império Perdido, aquele que foi territorial, e para o Império Mantido, aquele que deve ser o linguístico e cultural. Trata-se de cumprir o desígnio da cons- trução do V Império pessoano. Outro exemplo de como Portugal e os restantes países falantes da língua portuguesa, os da CPLP, devem construir um Império linguístico e cultural prende-se com o interesse de alguns longínquos recantos onde a identidade linguística e religiosa permitiram alcançar a autonomia e a liberdade política. Falamos do exemplo de Timor Leste. A resistência à ocupação indonésia passou, em grande parte, pela preservação não apenas da língua portuguesa, mas também pela forma de estar dos portugueses, o que incluiu a preservação da religião católica. Num mundo maioritariamente islâmico como é a Indonésia, o cristianismo timorense, a par com a língua lusa, criaram uma barreira que haveria de isolar identitariamente aquele território e conduzi-lo à independência.

5. A CPLP: da criação à actualidade – o Futuro.

O Professor Adriano Moreira anteviu, como uma necessidade, a criação de um organismo agregador dos diferentes povos que comungam na maneira própria do português estar no mun-

2013, p. 162. 329 Id., Ibid., p. 162.

165 José Maria S. Coelho do. Trata-se de uma referência implícita ao luso-tropicalismo numa evidência de que, desin- tegrado o Império territorial, era possível e desejável perpetuar o Império cultural e afectivo, cujo elo mais importante é a língua lusa. O Professor assume o valor que continua a dar ao pensamento de Gilberto Freyre, o luso-tropicalismo. Verdadeiramente entusiasta da criação de um organismo que servisse tais fins, Adriano Moreira propôs a criação da CPLP quando ainda era Presidente da Sociedade de Geografia. Soubemo-lo quando nos avistámos com ele: “Quem teve a ideia da CPLP foi Portugal, foi a Sociedade de Geografia, era eu Presidente”.330 Pretendeu-se, assim, preservar a unidade linguística e cultural de uns tantos países que haviam feito parte do Império português. Sim, referimos cultural para dar um sentido mais amplo e ambicioso à Comunidade. Neste sentido, escreve Moisés de Lemos Martins: “[…] A afirmação de uma área cultural de influência, baseada numa língua comum, mas que transcende largamente a questão linguística, mobilizando mesmo povos inteiros, os seus governos, as organizações não-governa- mentais, a sociedade civil”.331 Na visão de alguns autores, a criação de uma Comunidade da Lusofonia era inevitável, podendo a mesma assumir a actual forma ou outra qualquer. As ligações afectivas e linguísticas entre os territórios tocados pela língua de Camões não permitiam outra saída que não fosse o aprofundamento desses sentimentos. Está nesta linha de pensamento o que escreve Victor Marques dos Santos:332

“A génese de uma ideia – O relacionamento informal estabelecido, ao longo de vários sé- culos, entre os povos que utilizam a língua como vector comunicacional, constitui o embrião da CPLP. No entanto, o “espírito de comunidade” que inspirou a sua génese precedeu, de mais de um século, a fase constitutiva actual. Talvez possamos considerar como uma das primeiras manifestações concretas desse espí- rito “espírito de comunidade”, o interesse demonstrado pela Sociedade de Geografia de Lisboa sobre o acompanhamento da diáspora lusíada, através da recolha e do tratamento de dados sobre a comunidades portuguesas residentes no estrangeiro, processo cuja origem remonta à proposta de um “curso colonial”, avançada em 1878, e ao inquérito lançado, no ano seguinte, por Luciano Cordeiro”.333

Victor dos Santos segue, grosso modo, o pensamento de outros autores, no que respeita a esta questão. Tanto assim é que o autor remete para a obra de Óscar Soares Barata334. O au-

330 Vide Apêndice A. 331 MARTINS, Moisés de Lemos [et. al.], Comunicação e Lusofonia. Para uma abordagem crítica da cul- tura e dos media, Campo das Letras, s/l., s/d., p. 79. Disponível em http://repositorium.sdum.uminho.pt/ bitstream/1822/29957/1/MM_lusocentrismo.pdf, consultado em 25 de Abril de 2015. 332 Professor Associado ISCSP – UTL. 333 SANTOS, Victor Marques dos - Portugal, a CPLP e a Lusofonia – Reflexões sobre a Dimensão Cultu- ral da Política Externa [em linha], Texto da Oração de Sapiência Solene de Abertura do Ano Lectivo de 2004/2005 do Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas da Universidade Técnica de Lisboa, profe- rida no Auditório Adriano Moreira, do ISCSP – UTL, em 12 de Janeiro de 2005, p. 72. Disponível em ht t p:// www.infoeuropa.eurocid.pt/files/database/oooo33oo1-000034000/000033959.pdf. Consultado em 25 de Novembro de 2014. 334 Adriano Moreira: Quarenta Anos de Docência e Acção Política, in Estudos em Homenagem ao Profes-

166 Adriano Moreira e o Império Português tor não esqueceu, como não poderia, o papel de Adriano Moreira como impulsionador da CPLP. Escreve:

“Ao longo deste processo, são particularmente significativas as propostas do Professor Adriano Moreira sobre a criação da Universidade Internacional Luís de Camões e, sobretudo, a sua proposta de organização de um Instituto Internacional da Língua Portuguesa, ideia esta que seria, posteriormente, “rebuscada” e “reinventada” por “outros arquitectos do edifício lusófono”. Com efeito, a proposta seria retomada e reformulada pelo Embaixador José Aparecido de Oliveira, e concretizada pelo Presidente do Brasil, José Sarney, antes mesmo, do próprio governo português ter lançado as bases do Instituto Camões, o que viria a acontecer em 1992”.335

Há, hoje, contudo, um apreço crescente pela língua portuguesa, mesmo nas regiões mais recônditas do globo. Na verdade, como tem referido muitas vezes Adriano Moreira, trata-se da circunstância de se encontrar utilidade na língua. Acontece que, devido à abertura geográfica que caracteriza o território português, este constitui uma porta de entrada na velha Europa. Tratar a questão da abertura de Portugal ao mar implica duas vertentes: uma, a de que Portugal se encontrar no extremo ocidental europeu, banhado pelo Atlântico, que lhe permitiu descobrir novas terras e novos povos, aos quais não deve nem pode virar as costas; a outra, talvez a de maior importância, o facto de o nosso país deter uma das maiores plataformas marítimas do mundo. Daqui resulta que o mar constitui uma matriz intrínseca à situação de ser português. O Dr. José Manuel Durão Barroso escreveu em 2006, acerca da CPLP, o seguinte:

“A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa existia já muito antes de ter sido institucio- nalizada há 10 anos em Lisboa, em 1996. A partilha da língua portuguesa, uma herança histórica e cultural, demonstrou ser um elo muito forte para aquilo que constitui hoje uma associação de oito países em quatro continentes. Por muito diversos que fossem e por mais longe que geograficamente se situassem, estes países sempre se sentiram como parte de uma comunidade cultural, mantendo ligações muito chegadas e cooperando em áreas de âmbito muito vasto”.336

A institucionalização da Comunidade tornou-se necessária no âmbito da intervenção organi- zada de um grupo de Estados, cada vez mais fortes, num mundo efectivamente globalizado. Per- tencer a uma Comunidade de afetos é, justamente, sentir-se em casa. A solidariedade que se gera torna-se o elo de coesão entre povos distintos mas “cúmplices”. Escreve ainda Durão Barroso:

“A solidariedade é um elemento chave da comunidade e assume particular importância cada vez que um dos seus membros entra em crise. Aconteceu no passado e ainda acontece hoje. Creio

sor Adriano Moreira, 2 vols., Lisboa, ISCSP-UTL, vol. I, pp. 67-68. 335 Id., Ibid. 336 BARROSO, José Manuel Durão, in LOPES, Luís Ferreira; Santos, Octávio dos, Os novos descobrimen- tos, do Império à CPLP: Ensaios sobre História, Política, Economia e Cultura Lusófonas, (prefácio). Coimbra: Almedina, s/ed., 2006.

167 José Maria S. Coelho

que nessas alturas a solidariedade e todas as acções da comunidade na assistência a um dos seus membros se revelam contribuições importantes para resolver a crise, ao mesmo tempo que servem para unir mais o conjunto”.337

A crença que se foi avolumando em vários espíritos mais abertos, como Moreira ou Bar- roso de que a Comunidade CPLP poderia ultrapassar a mera partilha linguística acabaria por se tornar realidade. Hoje, mercê da evolução das relações entre os diferentes membros da Comu- nidade, tornou-se possível cooperar em vários níveis do linguístico ao económico, do social ao cultural. Uma das grandes características dos membros da CPLP é a de que todos são países ma- rítimos. Quer isto dizer que, para além do território terrestre, contam, também, com imensas zonas exclusivas marítimas que administram e das quais é possível obter recursos. Torna-se necessário, justamente pelo que acabámos de escrever, unir esforços no sentido da viragem para o mar que Portugal tão cedo experimentou e que parece ter abandonado com a adesão à CEE, em 1986. Na verdade, julgamos ser uma evidência, Portugal é tão atlântico como europeu. Situado no extremo ocidental da Europa, o país dos lusos foi, tradicionalmente, empurrado para o mar e excluído das grandes decisões europeias. As conferências de Berlim em 1885, os acordos de Versalhes em 1919 e os acordos do pós-Segunda Guerra Mundial são disso exemplo. Ora, numa perspetiva realista, diremos que o futuro de Portugal se encontra, em grande parte, no regresso ao Atlântico, nas relações com os mundos tropicalistas criados pelos portugueses e não só. Escreve Luís Ferreira Lopes:

“Comemorar os Descobrimentos Portugueses não deve constituir apenas uma oportunidade para conservar, defender e expandir a língua e a cultura portuguesas. Comemorar os Descobri- mentos Portugueses deve constituir também uma oportunidade para se concretizar algo que há já muito tempo se impõe: regressar ao mar. É preciso – e urgente – regressar ao mar. E para regressar ao mar são necessários barcos. Como é possível que Portugal, país marítimo, com uma extensa faixa litoral, com uma vastíssima zona económica exclusiva, protagonista das Navegações e das Descobertas, não tenha hoje uma frota à medida das suas responsabilidades?”.338

Quando se pretende entender e avaliar o percurso da CPLP, há que ter em conta que se trata, como referem Adelino Torres e Manuel Ennes Ferreira, de um projecto condicionado339. Condicionado por factores diversos sendo que o primeiro deles é a diversidade de povos que integram o projecto. Para avaliar o percurso da CPLP de forma sistemática e metodologica- mente correcta, determinando os problemas e perspectivas da própria Organização, torna-se

337 Id., Ibid., (Prefácio). 338 LOPES, Luís Ferreira; Santos, Octávio dos, Os novos descobrimentos, do Império à CPLP: Ensaios sobre História, Política, Economia e Cultura Lusófonas. Coimbra: Almedina, s/ed., 2006, p. 63. 339 TORRES, Adelino; Ferreira, Manuel Ennes - A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa no con- texto da globalização: problemas e perspectivas [em linha]. Disponível em http://www.repository.utl. pt/bitstream/10400.5/1106/1/cplp.pdf. Consultado em 6 de Janeiro de 2015.

168 Adriano Moreira e o Império Português necessário ter em conta três factores:

“Em primeiro lugar o factor “mundial”, ou seja, de que modo a existência da CPLP é con- dicionada pelo contexto global em que está inserida e como a poderemos apreciar à luz de alguns debates teóricos contemporâneos que circunscrevem a questão do desenvolvimento e das relações internacionais; Seguidamente, o factor “intra-comunitário”, quer dizer os elementos que estão na origem (ou resultam) do equilíbrio das relações entre os países dentro do espaço da CPLP. […]. Por último o factor “interno”, o qual corresponde às experiências nacionais e à óptica se- gundo a qual cada um dos países membros apreende o futuro da CPLP”.340

Será tendo em conta estes três itens de orientação metodológica que analisaremos a criação e a evolução da CPLP. Se é verdade que Portugal é um país europeu assumindo o lugar que por direito lhe pertence, não é menos verdade que vai muito para lá dessa condição. É também um país atlântico e partilha com todos os países a que deu origem a circunstância de ser banhado pelo mar, já o afirmámos. O mar deve constituir, como constituiu durante séculos, uma porta de saída e de entrada da Europa, sendo que esse mar que nunca pode ser esquecido transformou a CPLP num dos blocos económico-linguístico mais importantes no mundo global de que os portugueses foram pioneiros. Estas características, em consonância com a importância da língua, resultaram numa herança lusa que une muitos dos recantos por onde os portugueses andaram desde o século XV. Bem sabemos que, hoje, mercê da globalização da economia, da ciência e da própria política, os interesses pela herança deixada pelos portugueses no mundo resulta, antes de mais, da própria necessidade da cooperação económica e diplomática. A própria preservação da língua no espaço de influência portuguesa advém da necessidade de permutar conhecimentos e produtos. Escreve Adriano Moreira:

“Em 2005 o governo de Pequim (…) delegou no governo de Macau seguir as relações com os países da CPLP pra aproveitar a herança portuguesa, o objectivo é mundialmente diplomático e económico, tal como sucede com o Japão em relação ao Brasil, o que muda radicalmente a cir- cunstância, no interesse, no objectivo, na prioridade. Por isso, as instituições responsáveis pela língua, como as Universidades, a Academia de Letras do Brasil, a Academia de Ciências de Lisboa, ou o Instituto Internacional da Língua Portuguesa, hoje instalado em Cabo Verde, proposto por mim no Recife, no Instituto de Gilberto, e criado por Sarney para que houvesse uma instituição em que todos os Estados estivessem em pé de igualdade, possuem uma função no domínio da investigação e do ensino, que não necessita de uma maior variedade de responsáveis e competências, embora se deva apoiar a manutenção de uma instituição igualitária em toda a CPLP”.341 Não é estranha à atitude da China, que encarregou Macau de se relacionar com os países

340 Id., Ibid. 341 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, p. 198.

169 José Maria S. Coelho da CPLP, a utilidade da língua portuguesa nos planos económico e diplomático. A emergência de gigantes económicos, como o Brasil ou Angola, trouxe à China a necessidade da aproximação à identidade portuguesa. O próprio Japão entendeu isso muito cedo. Este país tornou-se obser- vador da CPLP. Esta visão é igualmente comprovada pelo crescente interesse das universidades japonesas em ministrar cursos de português. Embora Portugal não seja, na União Europeia, um país com grande peso quanto à defini- ção de políticas, tem, contudo, uma situação geográfica e uma herança cultural muito impor- tantes para a própria União. Portugal interliga grandes espaços planetários, o que, apesar da sua exiguidade territorial, determina um enorme espaço cultural. Escreve Moreira:

“Portugal está na articulação da segurança do Atlântico Norte com a segurança do Atlântico Sul, na articulação destas seguranças com a segurança do Mediterrâneo, titular da soberania, em redefinição geral, no território continental e nos Arquipélagos da Madeira e dos Açores, obrigado com os Estados de língua portuguesa na CPLP, que tem no Atlântico Sul uma importante e poderosa presença”.342

Hoje, sempre que se pensa em Portugal, torna-se necessário pensar em duas das muitas dimensões: por um lado, a magnitude do espaço da lusofonia; por outro, na larga Plataforma Continental. .Nestes considerandos assim, queremos evidenciar a grandeza do mundo portu- guês assente tanto na herança cultural como na utilidade económica. Adriano Moreira reforça esta ideia do valor da Plataforma marítima portuguesa e do apetite que ela tem suscitado em poderes externos. Torna-se, portanto, necessário registar juridicamente essa Plataforma como espaço luso, face a uma crescente integração no espaço comunitário. Adriano Moreira percebeu desde muito cedo este perigo e fez eco dessa preocupação, tanto junto das autoridades na- cionais como das comunitárias. Considera o Professor que a Plataforma Portuguesa é território nacional que deve ser preservado na perspectiva da afirmação do mundo lusófono. A propósito desta questão, contou-nos o seguinte:

“O Presidente da Comissão Europeia veio cá a Portugal receber o título Honoris Causa da Técnica, antes desta fusão (fusão de Universidades) e eu era o Presidente do Conselho Geral, de maneira que tive de fazer o discurso. Eu disse as palavras amáveis do costume, mas aproveitei e disse assim: o senhor Presidente da Comissão Europeia anda a definir o mar europeu, nós andamos a definir a nossa Plataforma Continental que devia ter sido aprovada em 2013 e já foi transferida para 2015, se o senhor aprovar o mar europeu antes de nós termos aprovado a nossa Plataforma, eu lembro-me (ele é português) do mapa cor-de-rosa. Se, além disso, tivermos ainda a sorte de a Plataforma ser nossa e haver o mar europeu, não faça a mesma coisa que fizeram com a agricultu- ra, ficámos sem agricultura”.343 A visão que o Prof. Adriano Moreira mantém sobre o futuro de Portugal não é a de um

342 Id., Ibid., p. 200. 343 Vide Apêndice A.

170 Adriano Moreira e o Império Português país exíguo, sem voz e remetido à sua posição periférica de que muitos falam. Hoje, como se tem visto em inúmeras situações, Portugal não é um país longínquo do centro europeu que, tradicionalmente, é quem decide as políticas mais importantes. Não, já não é assim. O mundo lusófono iniciou um processo de “contágio” em várias direcções. A Guiné Equatorial pediu há uns anos a adesão à CPLP, baseando o seu pedido no passado histórico que ligou, em tempos, aquele território ao Império português. De facto, ainda que muito pouco reste da estada por- tuguesa naquelas paragens, o certo é que aquelas terras foram tocadas, primeiramente, pelos portugueses. É igualmente certo que a primeira vez que aparece registada em mapas a ilha de Bioko, actual Guiné Equatorial, foi por mão de Fernão do Pó, descobridor de parte da Guiné. O negócio de escravos que os portugueses desenvolveriam mais tarde contou, igualmente, com estes territórios como fornecedores de mão-de-obra negra. O rei português D. João II ter-se-á proclamado em 1493 “Senhor de Guiné” e o primeiro “Senhor de Corisco”.344 Depois da imposição de um conjunto de reformas a que o governo daquele país esteve obrigado, acabou por ser admitido na Comunidade de Países de Língua Portuguesa na Cimeira de Díli em 23 de Julho de 2014. Contudo, parece que este alargamento pouco sustentado na base linguística e cultural comum aos restantes países não é consensual e parece alterar os pressupostos que presidiram à criação da própria CPLP. O Professor Adriano Moreira tem-se re- velado bastante crítico deste tipo de alargamentos. Escreveu recentemente o Professor:

“[…] O caso da Guiné Equatorial tem o significado não apenas de ferir a filosofia e a realida- de da CPLP como de vir apoiada numa motivação que não pode deixar de ser lida, com alarme, de que é uma nova diferente concepção estratégica que desponta, a qual exige atenção diplomática e política não apenas quanto à origem, que foi suficientemente determinante, mas quanto aos objectivos que a orientam, talvez de acordo com uma regra pouco recomendável, que é a de não ser a seta que procura o alvo, é o alvo que orienta a seta. Esse alvo não é seguramente o que foi devotada e trabalhosamente o que animou os esquecidos e devotados servidores do projecto, sem paralelo, da CPLP”.345

Com a adesão da Guiné Equatorial iniciou-se um processo de alargamento que vai muito para lá da ligação cultural e linguística dos povos, ainda que seja esse um dos primeiros argu- mentos dos novos países aderentes. Muitos outros territórios no planeta apresentam resquícios da língua e cultura portuguesas. Lembramo-nos de Goa, Damão, Diu, Ormuz, e tantas paragens onde os apelidos de família são os “Lopes”, os “Antunes” e tantos outros caracteristicamente portugueses. Para autores como Moreira, o alargamento da CPLP não deveria ultrapassar o mun- do que pertenceu ao Império Colonial português e que recebeu, por tal facto, a língua lusa como matriz. Escreve Adriano Moreira: “[é] o poder cultural, e não outro, que devidamente ajudado

344 República da Guiné Equatorial, História da Guiné Equatorial, Domínio Português [em linha]. Dispo- nível em http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Historia_da_Guiné_Equatorial&oldid=39235728. Con- sultado em 5 de Dezembro de 2014. 345 MOREIRA, Adriano - A CPLP e o futuro [em linha]. Diário de Notícias. Lisboa: publicado a 22 de Julho de 2014. Disponível em http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4039597. Consultado em 25 de Novembro de 2014.

171 José Maria S. Coelho deve presidir aos esforços e acompanhar a evolução” 346. Há, contudo, que tecer algumas con- siderações oportunas neste aspecto. A criação da CPLP teve, evidentemente, no seu início, o grande alicerce da língua e da cultura lusas. Tem-se tornado claro, desde a criação desta Orga- nização, que muitos países se mostram interessados na adesão à mesma. Apelam, em geral, ao legado histórico e às marcas linguísticas que ainda aí permanecem. Ainda que nos pressupostos iniciais da CPLP a força mais importante devesse ser a cultural e línguística, as outras vertentes como a económica não podem nem devem ser ignoradas. Estas devem constituir igualmente pontos de contacto fortes entre as Nações que constituem a Organização. O vector económico tem-se revelado uma característica forte nas relações entre os Estados da CPLP. Partindo das afinidades culturais, elaboram-se projectos de cooperação de extrema importância para a Co- munidade. Na medida em que a CPLP se transforme num bloco de grande interesse económico num mundo crescentemente globalizado, a pretensa adesão de outros Estados coloca-se como uma realidade plausível. Ainda que para os mais puristas defensores das bases ideológicas da Organização esse alargamento seja uma adulteração dos objectivos fundadores, não é mais possível fecharmo-nos no “casulo” do mundo previamente concebido. A defesa da democracia e do respeito pelos Direitos do Homem torna-se mais efectiva se os países que desejam entrar para a CPLP forem compelidos a levar a cabo alterações legislativas nesse sentido. A suspensão da aplicação da pena de morte na Guiné Equatorial é disso exemplo. Por outro lado, esse país revelou interesse em restaurar alguma ligação à língua portuguesa tornando-a oficial e parte integrante dos currículos escolares. Não se pode perder a oportunidade de revitalizar o peso da língua lusa. Com ela serão arrastados os sectores económico e estratégico. A atlantização das relações externas de Portugal é um desígnio nacional a que já tivemos oportunidade de nos referir. Que outros Estados veremos ainda a integrar a CPLP, nomeadamente Estados asiáticos? A utilidade da Organização determinará a sua expansão e a sua validade. Tal como Adriano Moreira se refere frequentemente à língua, dizendo que ela não é nossa, mas que também é nossa, afirmando que quando se entrega uma língua a um povo diferente daquele de que a mes- ma é originária se entrega também a liberdade de a adaptarem e de lhe darem uma evolução própria, pensamos ser possível aplicar o mesmo conceito à CPLP. De facto, a sua criação e os pressupostos que estiveram na sua origem podem e devem adaptar-se aos diferentes momentos e à vontade do conjunto dos países que a compõem. Ficar agarrado à originalidade da CPLP na sua criação, negando a autonomia que a mesma deve adquirir é, decisivamente, um erro. Portugal é a ponta da lança europeia virada para o triângulo atlântico, cada vez mais poderoso em termos económicos, que liga a velha Europa à América e à África, com ramifica- ções importantes no Oriente. O velho Império português perdeu eficácia na maneira como se estruturou ao longo de séculos. Essa utilidade perdeu-se com a descolonização e o consequente afastamento dos novos países em relação ao velho colonizador. Hoje, ultrapassado que está esse complexo, o mundo luso alarga-se e vai muito para lá da língua. As questões económicas sobrepõem-se. As riquezas da África e do Brasil ao nível do subsolo têm despertado interesses

346 MOREIRA, Adriano - O Poder Cultural, in Nação e Defesa, n.º 18. Lisboa: Instituto da Defesa Nacional, Abril/Junho de 1981, p. 51.

172 Adriano Moreira e o Império Português variados. A própria Namíbia tem, actualmente, um intenso programa de ensino da língua por- tuguesa. Os antigos territórios outrora designados de “mapa cor-de-rosa” vêm hoje reclamar as suas ancestrais ligações ao mundo luso. É interessante verificar que o Professor Adriano Moreira, homem de extrema cultura e que atravessou já vários períodos da história portuguesa, mas também da mundial, mercê da sua já provecta idade, mantém uma clarividência acerca deste assunto que o torna uma das principais referências sobre o mesmo,347ainda que discordando da evolução da CPLP em alguns aspectos, encontra nesta organização a perpetuação da cultura portuguesa e a centralidade de Portugal que alguns têm insistido em negar. A realidade actual da Organização pode, à primeira vista, denunciar alguma incongru- ência nas decisões tomadas. Deste assunto trataremos mais adiante, quando nos referimos ao processo de alargamento da Organização. Tratando-se de uma Comunidade que inclui já nove membros, ela é, igualmente, um centro de partilha, com uma visão pluralista, o que a torna numa Organização já com algum peso internacional. Referindo-se à CPLP, Adriano Moreira es- creve:

“[…] Permitiu criar uma organização que não tem equivalente em qualquer das tentativas das restantes potências coloniais europeias de organizar para o futuro uma solidariedade que não necessita de ignorar o passado, e teve não apenas a língua com os seus valores diferenciados pelas latitudes, mas também a maneira portuguesa de estar no mundo, como a diferença que permitia a sonhada unidade”.348

Nestas palavras de Adriano, subentendem-se os princípios do luso-tropicalismo e, cla- ramente, a diversidade de culturas que se entrecruzam numa Organização pluralista como a CPLP. Quando se refere à “maneira portuguesa de estar no mundo”, avoca ao seu discurso o pensamento de Gilberto Freyre e, ainda, a negação da condição de colonizadores que não pode nem deve aplicar-se aos portugueses. A cooperação entre os diferentes membros da CPLP apresenta um ritmo crescente e diversificado. O número de cidadãos dos diferentes países da Organização que estudam hoje em Portugal é considerável. A formação técnica tem permitido dotar os países mais novos de massa crítica capaz de levar por diante o desenvolvimento em áreas tão diversificadas como a agricultura ou a exploração dos recursos marinhos. Há hoje uma troca de conhecimentos e uma complementaridade de formação e informação entre o mundo universitário dos diferentes países integrantes da CPLP. Escreve Ivo Carneiro de Sousa:

“A Universidade dos Açores mantém acordos e convénios em fase exploratória com Angola e Cabo Verde, tendo celebrado um protocolo de cooperação na área das Ciências Agrárias com São

347 MOREIRA, Adriano - Memórias do Outono Ocidental: Um Século sem Bússola, Almedina, Coimbra, 2013, pp. 208 a 214. 348 MOREIRA, Adriano - A CPLP e o futuro [em linha]. Diário de Notícias. Lisboa: publicado a 22 de Julho de 2014. Disponível em http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4039597. Consultado em 01 de Dezembro de 2014.

173 José Maria S. Coelho

Tomé e Príncipe. […] A Universidade do Algarve assinou com o Brasil convénios de cooperação de carácter geral, de intercâmbio de ciência e tecnologia, bem como no âmbito da horticultura do intercâmbio de formação. […] A Universidade da Beira Interior acordou com Angola e Cabo Verde um convénio geral e dirige para universidades brasileiras seis protocolos, a que somam outros nos campos dos têxteis e pastas. […] A Universidade de Coimbra assinou até ao presente 10 convénios gerais com diferentes Universidades do Brasil, bem como dois acordos particulares na área da His- tória, outros dois no campo das Ciências Humanas, quatro em ciências e tecnologia, um em gestão, um em investigação e desenvolvimento, um em economia e um protocolo concreto envolvendo a Faculdade de Letras”.349

O texto que acabámos de transcrever refere apenas algumas cooperações ao nível de universidades, sendo que, como é sabido, existem muitas outras que abrangem Institutos Po- litécnicos e Escolas Profissionais. Como já escrevemos neste trabalho, o futuro de Portugal passa muito pela atlantização das relações. Através da CPLP, Portugal pode e deve assumir a sua missão universalista. Escreve Luís Ferreira Lopes:

“Sem perder um minuto na reconversão e no aumento da competitividade das suas empre- sas, Portugal tem de selecionar novos mercados onde pode obter vantagens. Como temos defen- dido nestas páginas desde há quase dois anos, isso significa uma viragem para sul, para a África Austral e para o Brasil-Mercosul, sem abandonar o entusiasmo com o projecto europeu”.350

O espírito universalista e a vontade que os portugueses têm da procura das suas marcas culturais, semeadas um pouco por todo o mundo no período dos descobrimentos, leva-os a aceitar pacificamente o alargamento da Comunidade CPLP a países onde as marcas linguísticas lusas já são incipientes, mas ainda visíveis. Comecemos por ler um pequeno texto de Octávio dos Santos:

“A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa, instituída formalmente no dia 17 de Julho de 1996, talvez devesse ser designada por Comunidade das Pessoas de Língua Portuguesa. O espaço lusófono não é apenas constituído por sete países independentes e por outro – Ti- mor – que ainda não o é. A lusofonia também abrange todos os outros locais do Mundo onde existem comunidades de emigrantes portugueses, africanos e brasileiros. Cada homem ou mulher que fala português é um elemento desse território sem fronteiras. E se as novas tecnologias da informação forem utilizadas no aproveitamento de todas estas potencialidades, poderá tornar-se real a ideia de Fernando Pessoa de a nossa pátria ser a língua portuguesa”.351

349 SOUSA, Ivo Carneiro - A Cooperação no espaço CPLP: Universidades e investigação ciêntifíca, in MOREIRA, Adriano (Coord.), Comunidade dos países de Língua Portuguesa, Cooperação, Almedina, s/ ed., Coimbra, 2001, pp. 166 e 167. 350 LOPES, Luís Ferreira; Santos, Octávio dos, Os novos descobrimentos, do Império à CPLP: Ensaios sobre História, Política, Economia e Cultura Lusófonas. Coimbra: Almedina, s/ed., 2006, p. 130. 351 Id., Ibid., p. 147.

174 Adriano Moreira e o Império Português

Na verdade, ainda que na base de uma interpretação livre daquilo que deverá ser a CPLP, é mais correcto chamar-lhe “Comunidade das Pessoas de Língua Portuguesa” como escreve Octávio dos Santos. As marcas da presença portuguesa no mundo, nomeadamente em territó- rios descobertos no século XV, devem ser preservadas e valorizadas. Essas marcas constituirão a semente para a revitalização da presença portuguesa nessas paragens onde, para além da questão linguística patente em muitos dos apelidos de família aí preservados, se vislumbram igualmente em construções arquitectónicas, como é o caso de muitas fortalezas existentes de Marrocos a Ormuz. Não nos parece que devamos levar ao purismo da existência ou não da língua portuguesa usada em determinado território, para determinar a acedência desse mesmo ter- ritório à CPLP. Interessa-nos, sobretudo, que, através de uma organização de matriz lusa, seja possível agregar povos e, desta forma, ressuscitar a língua portuguesa em locais onde a mesma deixou de ter utilidade e, por isso, deixou de ser falada. Ao mesmo tempo, não é possível negar aos diversos membros desta Comunidade a ambição de a tornar num dos maiores mercados mundiais. Mesmo a promoção do respeito pelos Direitos do Homem e pela consagração dos prin- cípios registados na Carta das Nações podem e devem ser promovidos dentro da Comunidade de uma forma integrada e construtiva. A posição actual da Comunidade é a de aceitar como observadores diferentes países que, por se sentirem ligados afectiva ou linguisticamente, que- rem vir a integrar uma promissora aliança de Estados que poderá vir a configurar um mercado mundial de elevadíssima relevância. A propósito da vontade de vários países em aderir à CPLP, o Secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros da República Portuguesa, Luís Campos Ferreira, disse à Agência Lusa:

“O prestígio do mundo lusófono fica bem patente pela progressiva importância da CPLP, como fica demonstrado pelo número de países que já têm o estatuto de observadores associados, como é o caso da Guiné Equatorial, do Senegal e das Ilhas Maurícias, e de outros que pretendem adquirir esse mesmo estatuto, nomeadamente, a Namíbia, Marrocos, a Suazilândia ou a Turquia e também o Japão”.352

A própria União Indiana tem demonstrado interesse em aderir à CPLP, o que tem reve- lado uma maturidade na própria Organização. Isto mesmo referiu o brasileiro Gilvan Muller de Oliveira:

“O director-executivo do Instituto Internacional da Língua Portuguesa (OIILP), o brasileiro Gilvan Muller de Oliveira, declarou, durante a reunião do Conselho Científico do IILP na cidade da Praia, que o interesse da Índia em aderir à CPLP mostra o amadurecimento, a importância e o crescimento que o bloco vai tendo internacionalmente. “É um termómetro para este crescimento.

352 FERREIRA, Luís Campos - Cada vez mais países querem juntar-se à CPLP como membros observa- dores [em linha]. Agência Lusa. Lisboa: 6 de Maio de 1914. Disponível em https://ventosdalusofonia.word- press.com/2014/05/15/cada-vez-mais-paises-querem-ser-membros-observadores-da-cplp/. Consultado em 5 de Janeiro de 2015.

175 José Maria S. Coelho

Isso para nós é uma grande felicidade”.353

A vontade em aderir à CPLP leva a União Indiana a valorizar o legado linguístico e cul- tural de Goa, Damão e Diu. Esse imenso país pede a adesão e os próprios membros da CPLP consideram-na legítima. Esta mesma posição é partilhada por Constantino Xavier:

“O investigador do Instituto Português de Relações Internacionais da Universidade Nova de Lisboa, Constantino Xavier, defendeu que a Índia tem “interesse” em aderir à CPLP e que pretende aproveitar o longo legado histórico e linguístico para juntar-se ao bloco lusófono. O investigador declarou que está confiante relativamente à formalização de um pedido de adesão”.354

A realidade dos pedidos de adesão à CPLP demonstra bem duas coisas: uma, a que mais ressalta desse facto, a forte pujança económica que se espera desta Organização que, assu- mindo a sua dimensão planetária, cativa povos e respectivos governos; a outra prende-se com a recuperação da influência lusa em muitos locais do globo, onde já estivera anteriormente, mas cuja influência se perdera pela fraqueza da própria economia que a Portugal e ao seu Im- pério estava associada. No Jornal Digital de 25 de Julho de 2014, pelas 17 horas e 18 minutos, escrevia-se o seguinte:

“Díli – A X Conferência de Chefes de Estado e de Governo da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) aprovou, a 23 de Julho, a Declaração de Díli, que inclui a entrada de quatro novos países observadores. A Geórgia, o Japão, a Namíbia e a Turquia são os quatro novos países observadores da CPLP, segundo a Declaração de Díli assinada esta quarta-feira, 23 de Julho, na capital de Timor-Leste. […] O encontro em Díli ficou ainda marcado pela aprovação da Guiné Equatorial como membro de Pleno Direito da CPLP e pela passagem da Presidência bienal para Timor-Leste, que pertencia a Moçambique”.355

Quanto ao alargamento da CPLP a outros países e não apenas às antigas Colónias portu- guesas, alguns, entre eles o Professor Adriano Moreira, expressaram a sua oposição. Argumen- tam, os mais puristas, que a CPLP nasceu tendo por base o uso da língua portuguesa. Escreve Adriano Moreira:

“[…] O caso da Guiné Equatorial tem o significado não apenas de ferir a filosofia e a reali- dade da CPLP como de vir apoiada numa motivação que não pode deixar de ser lida, com alarme, de que é uma nova diferente conceção estratégica que desponta, a qual exige atenção diplomática e política não apenas quanto à origem, que foi suficientemente determinante, mas quanto aos

353 Id., Ibid. 354 Id., Ibid. 355 CPLP admitiu quatro novos países Observadores Associados [em linha], in Jornal Digital, 25 de Julho de 2014. Disponível em http://jornaldigital.com/noticias.php?noticia=42760. Consultado em 5 de Janeiro de 2014.

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objetivos que a orientam, talvez de acordo com uma regra pouco recomendável, que é a de não ser a seta que procura o alvo, é o alvo que orienta a seta. Esse alvo não é seguramente o que foi devotada e trabalhosamente o que animou os esquecidos e devotados servidores do projeto, sem paralelo, da CPLP”.356

Do mesmo modo, a eurodeputada Ana Gomes, eleita pelo Partido Socialista, revela, com palavras duras, a sua oposição à entrada da Guiné Equatorial na CPLP. Num artigo de opinião podemos ler:

“[…] Os actuais Líderes da CPLP regozijam-se com a entrada da Guiné Equatorial na CPLP, pelos benefícios, o investimento, a “dimensão económica estratégica” trazida por este país de riquíssimos recursos naturais, que abre oportunidades sem par para as empresas dos restantes países. Todos ganhamos, juram eles. Mas a entrada da Guiné Equatorial presta-se, desde já, a ensombrar a imagem da CPLP. Pois confere um carimbo de respeitabilidade internacional a um regime ditatorial que procura lavar mais, e mais facilmente, no exterior, os proveitos da tirania e da corrupção”.357

Um dos aspectos mais relevantes da crítica feita em relação à entrada da Guiné Equa- torial prende-se com dois aspectos que, embora discutíveis, não são de somenos importância. O primeiro liga-se à questão linguística, visto aquele país não falar o Português que, depois da adesão, passou a ser uma das três línguas oficiais, a par com o Castelhano e o Francês; o segun- do tem a ver com a realidade política e social da Guiné Equatorial: o facto de o seu regime polí- tico ser considerado uma ditadura, onde não são respeitados os Direitos do Homem, e a questão da própria pena de morte que, apesar de suspensa, ainda não foi oficialmente abolida. Outra das vozes mais críticas em relação à questão que gira em volta da entrada da Guiné Equatorial na CPLP tem sido a de Baptista Bastos. Escreve este autor:

“As coisas parecem indicar que, no próximo dia 23, a CPLP […] na cimeira de Timor, vai ter o seu requiem. Cabisbaixos e servis, os governos dos países que constituíram aquela vasta sociedade abandonaram os princípios, as normas e os valores morais dos fundadores e cedem aos grandes in- teresses dos negócios […] A entrada da Guiné Equatorial, antiga colónia espanhola, cujos costumes, cultura, ideologia, política e comportamento são contrários, e até opostos, aos da comunidade, não é só absurda: possui as características de uma usurpação”.358

356 MOREIRA, Adriano - A CPLP e o futuro [em linha], opinião. Diário de Notícias. Disponível em http://www. dn.pt/inicio/opinião/interior.aspx?content_id=4039597&seccao=Adriano%20Moreira&tag=Opini%E30%20 -%20Em%20Foco. Consultado em 6 de Janeiro de 2014. 357 GOMES, Ana - A memória deles pode ser curta, a minha não [em linha], 23 de Julho de 2014, opinião. Disponível em http://www.publico.pt/politica/noticia/a-memoria-deles-pode-ser-curta-a-minha- nao-1663865. Consultado em 6 de Janeiro de 2014. 358 BASTOS, Baptista - A sinistra relação das coisas [em linha]. Diário de Notícias. Lisboa: publicado a 23 de Julho de 2014. Disponível em http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4041731. Con- sultado em 6 de Janeiro de 2014.

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Não nos podemos esquecer que também a adesão de Portugal à ONU se verificou durante a ditadura do Estado Novo (1956), não tendo essa entrada levantado perplexidades aos mem- bros daquela Organização. A pertença de Portugal à ONU levou a que o governo de Salazar fosse pressionado no sentido da abertura que se esperava, incluindo a descolonização (aplicação do artigo 73º da Carta das Nações). Ora, nesta perspectiva, será sempre mais fácil pressionar os regimes de alguns países cujas ditaduras se conhecem, como é o caso da Guiné Equatorial, se esses países pertencerem à CPLP, do que se os mesmos estiverem de fora. Por outro lado, a globalização da economia e a internacionalização dos negócios não pode ser desvalorizada. Seria ingenuidade pensar que os membros fundadores da CPLP e em particular os menos desenvolvidos negariam a outros Estados a oportunidade de entrar num mundo de crescimento assinalável, em favor do respeito rígido pelos valores que presidiram inicialmente à criação da CPLP. A discussão sobre este tema é apaixonante. Contudo, a Organização seguirá o seu ca- minho e definirá os objectivos, passo a passo de acordo com os valores primordiais que foram aceites aquando da sua criação, estamos certos. Somos apaixonados pelo processo evolutivo da CPLP e antevemos nela a consecução do Império a que Pessoa deu voz ao afirmar o valor da língua lusa como o lastro que define uma Nação. Acreditamos nesta construção organizativa e nas potencialidades que a mesma possui. Temos sérias esperanças de que o “mundo português”, materializado na CPLP possa vir a constituir um dos pilares sociais, económicos e humanistas mais importantes no mundo e, dessa forma, retomar a valorização da cultura. Não temos re- ceios da evolução e do alargamento que se adivinha. Somos daqueles que ainda acreditam na viabilidade das Organizações criadas com o coração, como aconteceu com CPLP. Se o “Império português” assume a feição que deve ter nos tempos actuais, da língua, da cultura, dos Direi- tos do Homem e, em suma, os caminhos do Humanismo, ainda que associados aos interesses económicos, então, sem dúvida que se está a dar continuidade aos esforços civilizacionais que estiveram na base da expansão portuguesa.

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Conclusão

É comum a maioria dos autores entender que os regimes políticos dependem sempre das bases militares que os instauram ou os sustentam. Tal Antiguidade Clássica, foi herdado pelos regimes da Idade Média e, com maior relevo, foi aplicado durante o Antigo Regime com os Es- tados Absolutos. No século XIX, assistiu-se à generalização da forma de governo liberal a que a Inglaterra tinha chegado mais cedo depois das duas revoluções do século XVII, tendo apostado na valorização das classes burguesas como as detentoras do poder na base da representativi- dade parlamentar. Supostamente detentora do poder, a burguesia ancorava a sua vontade na força da instituição militar que, de forma mais ou menos velada, dominava as tentativas de alterações sociais que tendiam à assunção de posições igualitárias. O século XX, por seu turno, assistiu a diversas experiências ditatoriais, na Europa e fora dela, que assentaram toda a base da sua sustentabilidade no poder militar. Aliás, muitas vezes o próprio regime ditatorial nasce com rebeliões militares, o que aconteceu com Benito Mussolini na Itália, logo a seguir à Primeira Guerra Mundial ou, no caso português, com o golpe militar do General Gomes da Costa, em 28 de Maio de 1926. Existem estudos de diversos autores sobre os sistemas políticos, devendo dar-se especial enfoque aos contemporâneos, que revelam curiosidades importantes. Neste grupo de cientis- tas, encontra-se Maurice Duverger, cujos estudos de politólogo se relacionam com a necessi- dade de clarificar os diversos sistemas políticos. Desta forma, o autor pretende sistematizar a realidade histórico-política de um determinado período, explicando-a com base na organização partidária que a mesma estipula. Interessa-nos, particularmente, o pensamento do autor em relação aos sistemas políticos europeus no século XX. Referindo-se às realidades políticas re- sultantes da existência ou não de um só partido, Duverger denuncia a existência de regimes políticos ditatoriais fundados em partidos únicos. O autor faz alicerçar a existência de uma ditadura na realidade de “partido único”. No caso português, aceitando que a União Nacional fundada por Oliveira Salazar foi um partido político e o único durante o Estado Novo, aceitaremos que não apenas os militares, mas também as massas, se encontraram nele como se de um repositório de valores formais de regi- me se tratasse. A politização das populações conduziu a que a adesão ao regime se fizesse não apenas de forma mecânica, mas, posteriormente, mais pela via da doutrinação política. Aludin- do a Roberto Michels359, escreve Maurice Duverger, sobre à questão do crescimento do poder:

359 Robert Michels, economista e sociólogo, nasceu em 1876 na cidade alemã de Colónia, e veio a fale- cer em Roma, em 1936. Especialista em Sociologia Política leccionou em universidades durante a maior parte da sua vida, mormente em Itália. A sua Lei de Ferro da oligarquia, segundo a qual os partidos políticos, assim como outras organizações, tendem inevitavelmente para a oligarquia, o autoritarismo e a burocracia, ficou patente na sua obra mais importante, Zur Soziologie des Parteiwesens in der modernen Demokratie (Para uma sociologia dos partidos políticos na democracia moderna, (1911). Para este amigo e colega de Max Weber, quanto mais cresce e se burocratiza uma organização, maior grau de poder se concentra nas mãos de um pequeno número de pessoas em posições elevadas. Infelizmente, para o fim da vida, Michels cola-se à inevitabilidade da concentração dos poderes num grupo restrito de pessoas e chega mesmo a defender esta regra como desejável. In Língua Portuguesa com Acordo Ortográfico [em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2015. Disponível em http://www.infopedia.pt/$robert-michels. Consultado em

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“Já em 1910, Robert Michels observava os progressos da obediência dos membros, analisan- do as estruturas dos partidos socialistas e, especialmente, da Social - Democracia alemã. O que terá dito ao ver os partidos de tipo moderno, comunistas ou fascistas? Tinha observado não só que a obediência das massas se tornou mais rigorosa e mais precisa, mas também que a sua natureza se havia transformado, que a docilidade mecânica deu lugar à docilidade psicológica e que a dou- trinação se havia convertido numa das bases fundamentais da disciplina”.360

Esta perspectiva não colide com as afirmações que anteriormente fizemos de que o poder militar sustentou, amiúde, os regimes ditatoriais da Europa do século XX. De facto, os poderes militares, o “Novíssimo Príncipe”, na linguagem de Adriano Moreira, são os responsáveis pela existência de um partido único nos regimes de ditadura. Bruno Queiroz Oliveira e Erika Pereira Duailibe escrevem o seguinte:

“Segundo Maurice Duverger, o Estado contemporâneo adopta três sistemas principais de partidos: o unipartidarismo, o bipartidarismo e o multipartidarismo. O unipartidarismo é próprio de regimes totalitários como o fascismo, o nazismo e o comunismo. As ditaduras do século XX, com raras excepções, fizeram do partido único o instrumento máximo da conservação do poder, sufo- cando o pluralismo político, sem o qual a liberdade se extingue. O partido único é o sustentáculo da ditadura, conforme assinala Duverger”.361

A categorização que Duverger faz dos sistemas políticos permite fundamentar o crescen- do de regimes ditatoriais emergentes na Europa antes da Segunda Guerra Mundial e a que já fizemos alusão. Para este autor, a categorização dos regimes políticos tem atravessado épocas e ocupado o pensamento de diversos estudiosos ao longo da História, mesmo desde a antiguidade clássica. Escreve Duverger:

“Até ao final do século XIX viveu-se sob uma tipologia dos regimes herdados dos gregos, que opunha a monarquia, a oligarquia e a democracia. Monarquia ou governo de um só, oligarquia o go- verno de alguns, democracia ou governo de todos: estas definições simples correspondiam simulta- neamente a uma classificação lógica e à descrição concreta dos regimes existentes na antiguidade helénica. A primeira fórmula precisa desta distinção encontra-se em Heródoto […]. Aristóteles dará dela mais tarde um quadro célebre, ao opor a tirania, a oligarquia e a democracia, forma corrom- pidas, à monarquia, à aristocracia e à «timocracia» - ou democracia censitária -, formas puras. Antes dele, Platão havia exprimido ideias análogas […]. A trilogia «monarquia, aristocracia,

20 de Fevereiro de 2015. 360 DUVERGER, Maurice - Los partidos políticos, tradução de Julieta Campos e Enrique González Pedrero. México: Fondo de Cultura Económica, 1957, p. 198. 361 OLIVEIRA, Bruno Queiroz; Duailibe, Erika Pereira - Sistemas partidários e sistemas eleitorais: As leis sociológicas de Maurice Duverger e Giovanni Sartori no cenário político brasileiro [em linha]. Trabalho publicado nos Anais do XIX Encontro Nacional do CONPEDI realizado em Fortaleza – CE nos dias 09, 10, 11 e 12 de Junho de 2010. Disponível em http://www.compedi.org.br/manaus/arquivos/anais/fortaleza/3069. pdf. Consultado em 09 de Dezembro de 2014.

180 Adriano Moreira e o Império Português

democracia» domina o pensamento político até Montesquieu, e mais para diante. Cada autor im- portante aplica-a no pormenor, sem tocar no essencial. Bodin aplica-a, separadamente, às formas de Estado e às formas de governo, o que lhe permite combinações estranhas, mas frequentemente interessantes. O Estado monárquico, por exemplo, em que a soberania está nas mãos de um rei, pode ter um governo democrático, se todos os cidadãos tiverem um igual acesso às funções públi- cas […]. Aparentemente, Montesquieu parece o primeiro afastar-se da tipologia tradicional, visto que escreve: «Há três espécies de governos: o republicano, o monárquico e o despótico»”.362

Estipular categorias para os regimes políticos torna-se, assim, uma questão polémica que, de forma mais ou menos permanente, tem atravessado os tempos. O século XX conheceu diferentes regimes políticos na Europa que se opuseram e se contrariaram em duas guerras mundiais. Torna-se arriscado encaixar numa espécie de “catálogo” as diferentes formas de exercício do poder ao longo do século passado. Democracias, oligarquias e mesmo modelos despóticos terão tido a sua existência. O culto da personalidade do chefe, em alguns regimes, acabaria por ser determinante na evolução política de certos países. Mais uma vez remetemos para o pensamento de Duverger:

“Há quem pense que a autoridade dos dirigentes políticos, nos países subdesenvolvidos, possui um carácter pessoal mais acentuado do que nos outros. A autoridade individual do chefe seria o elemento essencial da coesão do partido e da adesão dos seus membros; ideologias e pro- gramas quase não teriam importância. Este terceiro elemento de originalidade parece mais discu- tível do que outros. Não há dúvida de que o poder está muito personalizado nas sociedades pouco desenvolvidas, e que os partidos são aí essencialmente formados em torno de um homem”.363

Cremos que o sistema político que se iniciou em Portugal com o fim da Primeira Repú- blica, e que havia de evoluir para o Estado Novo, se encaixa nesta realidade apresentada por Duverger. Ele caracteriza-se, em primeira mão, pela imposição da ditadura através da força militar. Já numa segunda fase, nomeadamente após a entrada de Oliveira Salazar para o Go- verno, em 1928, a criação de um partido único revela-se importante e até determinante na perspectiva da governação legitimada nas urnas. Neste ponto, o regime político português dos inícios dos anos de 1930, e que seguirá nas décadas subsequentes até 1974, alicerçou-se nas te- orias correntes na época. Duverger explica, então, esta realidade com recurso à categorização que faz dos regimes políticos. Nos diversos tempos e nos diferentes espaços, o papel das Forças Armadas é sempre idêntico. Mesmo nos regimes democráticos, a importância do “Príncipe”, como designa Adriano Moreira o poder supremo, não se deteriora, antes se afasta da erosão própria do contacto com os que comanda.

362 DUVERGER, Maurice - Introdução à Política. Colecção Ideias e Formas, Estúdios Cor, tradução de Mário Delgado, Lisboa, 1964, pp. 130 e 131. 363 Id., Ibid., p. 157.

181 José Maria S. Coelho

Feita esta reflexão introdutória, interessa-nos, agora, determinar os níveis de relacio- namento que se terão, ou não, estabelecido entre Adriano Moreira, ministro do Ultramar, e o “Príncipe”, representado pelas Forças Armadas. Ou se, pelo contrário, não se estabeleceu qualquer relação cooperante e mesmo aquela que institucionalmente deveria existir não se clarificou. A visão que o governo português tinha da realidade internacional, nos inícios da década de 1960, conduziu ao erro de avaliação evidenciado quanto à capacidade das Forças Armadas de repor a paz e o controle da situação de guerrilha iniciada em Angola em 1961:

“Na primeira fase da guerra, o regime português estava convencido de que seria capaz de encontrar uma solução para a agitação interna em Angola e de construir uma via capaz de extinguir o problema. Portugal era um país colonial experiente e, de uma forma geral, sempre encontrara soluções, mesmo quando foi necessário mudar. Para o regime, os acontecimentos de Angola eram mais uma expressão da influência externa, vinda do Congo e fomentada pelo comunismo, do que uma vontade saída das elites negras angolanas, que o regime bem sabia ser praticamente inexis- tente. A equipa que foi nomeada para lidar com o novo problema criado pelas acções violentas, com Venâncio Deslandes para Angola, Sarmento Rodrigues para Moçambique e Adriano Moreira para o Ministério do Ultramar, era um sinal inequívoco de uma estratégia que parecia pensada e adequa- da à situação, tanto quanto isso é possível num regime de compromissos permanentes, embora no âmbito exclusivo dos seus apoiantes”.364

Como se percebe pela constituição do núcleo governativo que deveria conseguir debelar as agitações iniciadas em Angola e que se estenderam a Moçambique, foi constituído por dois Governadores militares: Venâncio Deslandes e Sarmento Rodrigues. Havia, contudo, relações diferentes entre Adriano Moreira e Deslandes e entre Adriano Moreira e Sarmento Rodrigues. Com este último, tratava-se de uma relação de proximidade e que se iniciara quando Adriano Moreira visitara as colónias, com vista à elaboração do Projecto de Reforma do Sistema Prisio- nal do Ultramar. Adriano Moreira assume mesmo que a destituição de Sarmento Rodrigues de Governador de Moçambique se deu porque “[…] aderiu totalmente àquilo que eu queria fazer enquanto ministro do Ultramar”.365 A admiração de Adriano Moreira por Sarmento Rodrigues é, frequentemente, expressa nas suas memórias. A propósito da ocupação do Estado Português da Índia pela União Indiana, em Dezembro de 1961, foram tomadas medidas de represália contra os indianos residentes em Moçambique, onde Morais Sarmento era Governador sob a autoridade do Ministro do Ultramar, Adriano Moreira. A respeito da conduta do Governador Morais Sarmento escreve Adriano Morei- ra:

364 AFONSO, Aniceto; GOMES, Carlos de Matos - Alcora: O Acordo Secreto do Colonialismo, Lisboa: Divina Comédia Editores, 2013, p. 42. 365 SOROMENHO, Ana; CASTANHEIRA, José Pedro – Tive um poder enorme como ministro do Ultramar [em linha]. Expresso. Lisboa: 22 de Novembro de 2008. Disponível em http://expresso.sapo.pt/tive-um- poder-enorme-como-ministro-do-ultramar=f459552. Consultado em 23 de Abril de 2013.

182 Adriano Moreira e o Império Português

“[…] Por essa altura já tínhamos mandado simbolicamente internar os indianos (não os goe- ses) que habitavam o território português e congelar os respectivos bens, coisa que apenas se po- deria fazer selectivamente e quando necessário, tudo na responsabilidade de Sarmento Rodrigues, o qual, como de hábito, conduziu o processo sem alarde, sem queixas, sem injustiças”.366

As aspirações de alguns, nomeadamente militares como Deslandes ou Botelho Moniz, provocavam, no seio do regime, desconforto e desconfiança em alguns dos mais próximos de Sa- lazar. As intrigas palacianas avolumavam-se na real proporção do envelhecimento do Presidente do Conselho. Algumas dessas intrigas conduziram, por vezes, a tentativas de derrube do regime, como aconteceu com Botelho Moniz, a quem Oliveira Salazar terá perdoado apesar de Kaúlza de Arriaga defender a prisão do revoltoso. A permanência de alguns dirigentes no regime exigia destes discrição e apagamento. Isto era defendido nomeadamente por Sarmento Rodrigues. Escreve Moreira acerca deste assunto: “O Almirante Sarmento Rodrigues dizia por vezes que, no regime, para viver era necessário fazer de morto […]”.367 De facto, apesar de ter a noção de que as forças militares prefeririam um Ministro do Ultramar militar, Adriano Moreira perseguiu os seus objectivos de visitar a África, o que concretizou. Distinguiu, contudo, a realidade angolana da realidade moçambicana, que eram diferentes por diferente ser o Governador de cada uma das Províncias. O seu desentendimento com Deslandes, governador de Angola, é conhecido e já aqui foi realçado. O Professor dá disso conta nas suas memórias quando refere o seguinte:

“Na referida viagem a Moçambique, com a passagem por Luanda, queria já ter publicado a revogação do Estatuto dos Indígenas, e isso fora conseguido em 6 de Setembro de 1961. O Governo de Moçambique não causava as apreensões de Luanda em vista da categoria excepcional do Almi- rante Sarmento Rodrigues, da sua larga experiência, do seu sentido de dignidade do Estado que imediatamente transmitia às instituições e ao seu funcionamento, e ainda a qualidade de colabo- radores sempre dispostos a acompanhá-lo”.368

Fica claro, pensamos, que mesmo dentro do mundo castrense que, à partida, parecia ad- verso ao Ministro Adriano Moreira, encontravam-se alguns elementos de topo da hierarquia que apoiavam as reformas propostas. O Almirante Sarmento Rodrigues é um desses exemplos. Este militar era tido como um possível sucessor de Salazar. A luta pelo poder aumentava à medida que enfraquecia o próprio regime muito por causa da guerra ultramarina. Sarmento Rodrigues era um homem de carácter e capaz de falar com o coração, o que o terá excluído dessa suces- são. A apelidada “abrilada”,369 que se verificou justamente em Abril de 1961, e fora enca- beçada pelo General Botelho Moniz, Ministro da Defesa Nacional, não passou de mais uma

366 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas - Almedina, Coimbra, 2009, p.216. 367 Id., Ibid., p. 226. 368 Id., Ibid., pp. 242 e 243. 369 Golpe palaciano encabeçado por Botelho Moniz, Ministro da Defesa Nacional e que tinha como principal objectivo destituir António de Oliveira Salazar.

183 José Maria S. Coelho hostilidade contra o velho ditador – Salazar. A força militar encontrava aqui a expressão do seu descontentamento, dando o seu apoio ao general revoltoso. A consciência do grupo que rodeava Moniz de que a solução para a questão ultramarina ia muito para lá da vertente militar compelia-os na procura de um novo líder de governo, capaz de indicar o rumo de uma solução negociada e política para o Ultramar revoltoso. Moniz tinha um plano. Se resultasse, a inversão da política portuguesa iria no sentido de, em cooperação com os militares, resolver a questão ultramarina:

“O plano de Botelho Moniz era simples, pois consistia em ganhar o apoio consistente das altas patentes das Forças Armadas, e através de estreitos contactos com a embaixada americana, exigir reformas institucionais, e em última instância pressionar o presidente Américo Thomaz a destituir Salazar do cargo, seguindo, sempre, a mais estrita legalidade constitucional. O plano em causa não previa o envolvimento de oficiais de baixa e média patente, mormente dos capitães, considerados desnecessários, fiado na garantia de lealdade das altas esferas castrenses”.370

Com a observação tão isenta quanto possível, devemos considerar a tentativa de depo- sição de Salazar por Botelho Moniz muito mais que um simples golpe palaciano. Este episódio perfaz a complexidade do regime no ano de 1961: perda do Estado da Índia, aprisionamento do paquete Santa Maria, início das actividades armadas em Angola após o massacre perpetrado no Norte desta Província Ultramarina. Neste foram mortos dezenas de colonos brancos, incluindo mulheres e crianças. O apoio, ainda que de forma secreta e velada, que os EUA dava ao possível derrube do Presidente do Conselho era, certamente, a garantia do reconhecimento internacio- nal da viragem da política portuguesa. De facto, a posição dos norte-americanos face à questão colonial portuguesa ter-se-á alterado após a chegada de Kennedy ao poder depois dos mandatos de Eisenhower mais tolerante com as posições do ditador português. Filipe Meneses esclarece esse ponto quando escreve:

“Até à Administração Kennedy, cujo advento coincidiu com o início da violência em Angola, a posição portuguesa em África não constituíra um foco de tensão nas relações entre Washington e Lisboa. Em Maio de 1960 Salazar encontrou-se com o presidente Eisenhower em Queluz e, entre outros assuntos, discutiram África. Enquanto Eisenhower sugeriu a criação de uma organização que, liberta dos constrangimentos das Nações Unidas, supervisionasse o desenvolvimento racional de África, atraindo-a para o Ocidente, Salazar revelava uma vez mais, a título confidencial, as suas ideias sobre o continente […]”.371

Quais eram então as ideias de Salazar para o Continente africano e que expôs ao Presi- dente americano? Eram as que recorrentemente usava para explicar a missão civilizadora dos

370 A Abrilada de 1961: O Golpe Palaciano Contra Salazar [em linha]. Disponível em http://abril-de-novo. blogspot.pt/2009/04/abrilada-de-1961-o-golpe-palaciano.html. 371 MENESES, Filipe Ribeiro de - Salazar – Uma Biografia Política, Publicações Dom Quixote, Lisboa, 2010, p. 499.

184 Adriano Moreira e o Império Português portugueses naquele Continente. Nas palavras de Salazar:

“Na quási totalidade dos casos, nos povos de África não existe a noção de nação, como a conhecemos na Europa. As sociedades negras têm um grau de civilização muito baixo, por vezes extremamente rudimentar, e não revelam ainda uma consciência colectiva que lhes permita criar instituições políticas, aceitar as responsabilidades e os deveres de um país independente, como o entendemos. A sua estrutura política própria reduz-se praticamente ao regime tribal”.372

O azedume nas relações entre Estados Unidos da América e Portugal aumentou quando o Presidente Kennedy se recusou a aceitar as justificações do governo de Lisboa para se eximir ao cumprimento do conteúdo do artigo 73º da Carta das Nações. O Presidente americano terá dado mesmo instruções muito precisas ao seu embaixador em Portugal, Charles Burke Elbrick 373 no sentido de “advertir Salazar de que não deveria contar com o apoio norte-americano no debate que se seguiria”.374 O debate a que o Presidente americano se referia tinha sido agendado pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas com o apoio dos EUA. O embaixador americano em Lisboa foi mais longe e, em tempo útil, escreveu a Salazar dizendo-lhe o seguinte:

“Os Estados Unidos não estariam a cumprir o seu dever como parceiros na NATO se não manifestassem a sua convicção de que se impõem medidas de pequenos passos com vista a as- segurar o progresso político, económico e social de todos os habitantes da África portuguesa, no sentido de uma autodeterminação dentro de um prazo realista. Tentativas de manter o statu quo poderão, pelo contrário, ser extremamente prejudiciais a longo prazo. O Governo dos Estados Unidos julga ser seu dever manifestar francamente a sua convicção, baseada numa análise com- preensiva das políticas portuguesas em África, de que cessas políticas se encontram desfasadas dos desenvolvimentos políticos e económicos na restante África negra. Julgamos que, a não ser que Portugal se adapte às realidades nesta matéria, serão de esperar revoltas cada vez mais violentas no futuro”.375

Ficava claro que o tradicional apoio americano às políticas colonialistas portuguesas ia- se esgotando e, com ele, mudava-se a realidade internacional face a Portugal. O isolamento de Salazar e da sua política aumentava, o que se traduzia, inevitavelmente, em dificuldades crescentes da diplomacia portuguesa nos Organismos internacionais a que pertencia, como era o caso da NATO e da ONU.

372 Id., Ibid., pp. 499 e 500. 373 Charles Burke Elbrick foi diplomata americano tendo desempenhado o cargo de embaixador em Portu- gal, na Jugoslávia e no Brasil. Foi Embaixador dos EUA em Portugal entre 1959 e 1963, coincidindo ainda com o consulado de Kennedy como Presidente dos EUA. Falando fluentemente português, além de outras línguas, serviu de intermediário entre Kennedy e Salazar na questão das relações problemáticas entre os dois países, devido ao facto de os EUA retirarem o apoio a Portugal na ONU, face à descolonização que Portugal recusa levar a cabo. 374 Id., Ibid., p. 500. 375 Id., Ibid., p. 501.

185 José Maria S. Coelho

O regime político português esboroava-se internamente e prova disso mesmo é a tenta- tiva de derrube de Salazar pelo gorado golpe dirigido por Botelho Moniz que, embora Ministro da Defesa, não se conformava com a situação, dando rosto a uma boa parte das Forças Arma- das. Moniz sentia o apoio interno e a motivação que lhe advinha dos contactos secretos com as oposições externas, nomeadamente o regime americano. Os contactos que manteve com certa regularidade com o embaixador americano Elbrick ilustram o que acabamos de afirmar. Filipe Ribeiro de Meneses escreve acerca do assunto:

“Os contactos entre Botelho Moniz e Elbrick tornaram-se regulares: o Ministro da Defesa mantinha assim o embaixador a par da vaga contra Salazar. Elbrick informou Botelho Moniz do sentido de voto do seu Governo nas nações Unidas antes de informar Salazar. A 27 de Março, dia de uma grande manifestação contra os Estados Unidos junto à Embaixada em Lisboa, Botelho Moniz informou Salazar de que ia convocar o Conselho Superior do Exército, sob a sua presidência, e que a ele assistiriam os chefes de Estado-Maior da Marinha e da Força Aérea, com o estatuto de obser- vadores, para «apreciar a situação militar do Ultramar»”.376

A relativa lentidão com que Botelho Moniz e os seus correligionários tomavam medidas no sentido de derrubar o regime permitia a Oliveira Salazar precaver-se contra a crescente ebulição no seio das Forças Armadas. Avesso ao uso revolucionário da força militar, Botelho Moniz tentou, segundo Filipe Meneses, uma via mais reformista que revolucionária. Atentemos no seguinte extrato:

“Na tarde de 11 de Abril, Botelho Moniz conseguia marcar uma audiência com o presiden- te da República para as 23.30h, na residência deste. Américo Tomás informou Salazar do facto, chamando-o também ao Restelo, garantiu-lhe que nada mudaria na relação de ambos: tencionava, aliás, resistir ao pedido de Botelho Moniz para uma mudança de Presidente de Conselho. A reunião dos conspiradores com o presidente acabou por ser uma farsa. Segundo Franco Nogueira, e na pre- sença de Américo Tomás, Botelho Moniz e o ministro do Exército, Almeida Fernandes, envolveram- se numa discussão sobre o rumo a seguir e sobre o futuro de Salazar, em vez de apresentarem uma frente unida. […]”.377

Muitos dos actores políticos identificados com o regime do Estado Novo não perceberam, a partir de finais da década de 1950, que o poder estava de novo nos quartéis. Na verdade, o golpe liderado por Botelho Moniz em 1961 falhara. Contudo, tal não significou nunca que o po- der militar estivesse enfraquecido. Ele falhou pela falta de apoio dos mais fortes, daqueles que comandavam os destinos do país cá e nas Províncias Ultramarina, acreditando ainda na capaci- dade militar para debelar a guerrilha africana. De facto, o regime tinha-se esgotado na forma e no conteúdo. As explicações quer para a pertinência das reformas empreendidas por Adriano

376 Id., Ibid., p. 503. 377 Id., Ibid., p. 505.

186 Adriano Moreira e o Império Português

Moreira no Ultramar, quer para o desastrado abandono das mesmas foram, desde o início, o ponto fulcral do nosso trabalho. Quisemos, igualmente, descortinar a “ambição” do Professor/ Ministro relativamente ao futuro daqueles territórios ultramarinos que tinha a obrigação de conduzir a um estatuto de autonomia aceitável. Consequentemente, o nosso estudo pretendeu identificar as forças que limitaram a aplicação das reformas de Moreira nas Províncias Ultrama- rinas e, ainda, aquilatar o papel dos militares em Portugal no desenrolar dos acontecimentos relativos à destituição de Adriano Moreira de Ministro do Ultramar. Adriano Moreira é um estadista que atravessou já dois séculos: dois terços do século XX e as primeiras décadas do século XXI. Esta graça da longevidade permitiu-lhe conhecer a evolução de Portugal e do mundo em épocas bem distintas. Tal conhecimento deu-lhe a capacidade de transitar, sem convulsões intelectuais ou políticas, da ditadura para a democracia. Fê-lo com a dignidade de um homem de estatura intelectual e humanista de elevado quilate. O Professor Moreira considerou sempre como erro a visão que os europeus estabelece- ram em relação aos povos por si contactados durante as Descobertas. A questão do euromun- dismo atribuiu ao europeu a tarefa de encontrar rumos para as sociedades geradas em outros continentes. Foi esta, justamente, a maior das limitações que se opôs à construção de um mundo inter-relacional que poderia ter existido ainda nos finais do século XIX. Contudo, graças à mentalidade europeia, as Conferências de Berlim de 1885 ditaram a partilha da África de maneira arbitrária e iludindo todos os anseios de autonomização, como já havia acontecido nas Américas. Este Império chamado por Adriano Moreira de “Euromundista” terá durado de 1885 até ao final da Segunda Guerra Mundial (1945). Este conceito estratégico europeu conduziu a julgamentos discriminatórios, sendo que estes não terão ajudado, em tempo útil, à resolução da questão colonial, nomeadamente da portuguesa. A este propósito escreve Adriano Moreira:

“(…) A circunstância de a Europa ter criado um verdadeiro Império Euromundista (…) levou a conceptualizar o resto do mundo como habitado por povos bárbaros ou selvagens, em relação aos quais a missão europeia se mostrava composta de variantes: os peninsulares assumiram a missão de evangelizar, os franceses a de disseminar as luzes, os ingleses invocaram o pesado cargo de levar a civilização aos povos que viviam sob os céus distantes”.378

Conhecendo esta realidade como ninguém, Adriano Moreira debruçou-se desde cedo so- bre as possíveis soluções para a questão ultramarina. Foi, por isso, nossa intenção, ao reali- zarmos o presente trabalho, averiguar os esforços desenvolvidos pelo Professor no sentido da abertura do Império Colonial Português, sendo o mais importante a revogação do Estatuto do Indígena. Tratou-se de uma alteração de tal modo importante no ordenamento jurídico de Por- tugal que acabaria por despoletar animosidades e oposições em vários sectores da sociedade portuguesa. Esta foi uma entre outras reformas introduzidas pelo Ministro Moreira no Ultramar.

378 MOREIRA, Adriano – Encontro das Áreas Culturais: O Desafio [em linha]. Disponível em https://www. google.pt/?gfe_rd=cr&ei=B85cVb-MGuar8wf4-IDYCA&gws_rd=ssl#q=MOREIRA%2C+Adriano+%E2%80%93+En contro+das+%C3%81reas+Culturais:+O+Desafio+, consultado em 15 de janeiro de 2015.

187 José Maria S. Coelho

Os resultados deste tipo de reformas não foram, de facto, os esperados, não pela inutilidade das mesmas, mas, essencialmente, porque as oposições limitaram o trabalho de Adriano Mo- reira, afastando-o mesmo dos centros de decisão. É este um dos assuntos que mais nos inte- ressaram neste trabalho: saber que razão, limites ou imposições levaram o regime político a abandonar as reformas empreendidas pelo Ministro do Ultramar. Pensamos, sem falsas modés- tias, ter compreendido as motivações para esse abandono. As relações de poder regem-se, na maioria das vezes, por interesses corporativos. Temos a certeza de que assim foi em relação ao afastamento de Adriano Moreira do governo. O poder militar (Novíssimo Príncipe) ocupava já a sede do poder político, sendo Salazar apenas o rosto cansado e isolado de um regime que dependeu sempre dos militares. O Presidente do Conselho não conhecia, de facto, nem as realidades ultramarinas, nem as movimentações internacionais no sentido da descolonização. Das primeiras, recebia mais as informações que queria ouvir e menos as que expressavam a realidade; das segundas, recebia as informações que Franco Nogueira permitia que fossem transmitidas, especialmente a partir dos inícios da década de 1960. Deste modo, Salazar vivia o Outono da sua vida completamen- te enclausurado num mundo restrito e controlado quer pelos militares, quer pelos políticos mais próximos e mais influentes. Ao mesmo tempo, mercê da formação política e intelectual do velho governante, o entendimento das realidades mundiais já não era possível. Quisemos, igualmente, identificar as linhas estruturais que fundamentavam a proposta de Adriano Moreira relativamente ao Ultramar. Elas assentam, antes de mais, no conhecimento das teorias Gilber- tianas, cujo objectivo era a criação de uma realidade cultural e linguística única no globo – o “Mundo que o Português Criou”. A ligação de Adriano Moreira às teorias do sociólogo brasileiro Gilberto Freyre (Luso-tropicalismo) é largamente conhecida. O Professor desenvolveu essas te- orias e tornou-as uma das bandeiras do Estado Novo. Ainda hoje o pensamento luso-tropicalista tem efectivos adeptos, nomeadamente o próprio Professor. Adriano Moreira, enquanto Ministro, soube fazer a síntese entre as duas posições anta- gónicas vigentes nos meios políticos portugueses. De um lado estavam aqueles que, de forma definitiva, defendiam a integração dos territórios ultramarinos no todo português; em oposição, encontrava-se uma outra corrente, disseminada sobretudo pelas oposições políticas, religiosas e mesmo económicas, defendendo a descolonização rápida e sem condições. Identificámos no pensamento de Adriano Moreira uma alternativa que poderia ter sido aplicada ao Império portu- guês, de uma forma equilibrada e integrando as várias forças independentistas. A desintegração do Império Ultramarino era uma realidade e isto mesmo afirmou Adriano Moreira. O projecto do Ministro Moreira para os territórios ultramarinos estava muito alicerçado na valorização da língua portuguesa, na cultura trocada entre os diferentes povos que constitu- íam o “Portugal Uno” e, sobretudo, na necessidade de construir uma realidade identitária única que englobasse os diferentes territórios, independentemente da classificação político-jurídica que viessem a ter. Assentava, pois, na valorização do mundo comum que todos tinham ajudado a construir e que deveria marcar posição num planeta cada vez mais aberto pela globalização crescente. A proposta de Adriano Moreira para o Ultramar, ainda que extemporânea, poderia

188 Adriano Moreira e o Império Português ter tido algum sucesso se os poderes instalados não tivessem pressionado Salazar a recusá-la. Evidentemente que a História não se constrói de “ses”. Contudo, torna-se necessário equacio- nar as alternativas que o não foram. Cabe aqui, igualmente, dar conta de que não encontrámos em lado nenhum, pelo menos de forma clara e objectiva, a fórmula político-administrativa que Adriano Moreira defendia para o Ultramar. Falava frequentemente de “autonomia alargada”; contudo, nunca explicou como se traduzia essa ideia na realidade concreta daqueles territórios ultramarinos. Advogou com tenacidade a criação de uma realidade cultural assente na língua, mas essa, apesar de importante, não enformava qualquer solução política para o Ultramar. De- vemos apontar esta questão como uma das incongruências do pensamento de Moreira. Afinal, que solução político-administrativa propunha em concreto? Não sabemos. A CPLP e a criação de instituições capazes de preservar o legado linguístico, mas igualmente o étnico e religioso, estiveram sempre na mente de Moreira, como fomos revelando ao longo deste nosso trabalho. A autonomia crescente a que o Professor muitas vezes se refere quando pretende falar das suas propostas de reforma era, justamente, o caminho para uma autonomia alargada que, em última análise, conduziria à independência, pensamos nós. Desenvolveu uma forte acção reformista na perspectiva de criar no Ultramar um corpo de funcionários suficientemente forte para sus- tentar uma futura independência, mas uma independência que respeitasse a população branca. Ora, para isso, era necessário aumentar em número essa mesma população. Nesta vertente do problema cabe a tese de que Adriano Moreira desenvolvia, com as viagens à África e com o apaziguamento que transmitia, uma política de sedução junto de futuros colonos brancos para a África. O Professor conhecia bem esta realidade por se ter passado com outros impérios e em outras latitudes. Acompanhava-a desde havia muito, quer na ONU, nos territórios ultramarinos e também nas ligações que mantinha com alguns dos líderes negros nesses territórios. A amiza- de com Mondlane é disso uma evidência. O fenómeno das emancipações nacionalistas verificado com especial relevo no período subsequente ao fim da Segunda Guerra Mundial encontrou, de forma inequívoca, terreno pro- pício em muitos dos territórios subjugados pelos impérios coloniais europeus. Destacam-se a independência de muitos dos territórios do Norte de África, mas, igualmente, de possessões como a Índia ou o Paquistão. O sentido prático da acção de Adriano Moreira é também uma das suas grandes ca- racterísticas. De facto, para ele, a acção humana tem um tempo e um espaço. Não há duas oportunidades para realizar a mesma tarefa de modo igual. Foi este o grande dilema que se colocou a Adriano Moreira quando se demitiu de Ministro do Ultramar. Se, por um lado, tinha a consciência de que os esforços por ele feitos no sentido da resolução da questão ultramarina seriam abandonados, por outro, não se sentia capaz de negar a sua obrigação de trabalhar na solução para o problema. Apesar de tudo, Moreira e Salazar não se incompatibilizaram e foram tendo alguns contactos, ainda que esporádicos. O último, o mais redentor, foi quando Oliveira Salazar morreu. De igual modo se expressa Marcos Farias Ferreira, quando escreve relativamente ao pen- samento de Adriano Moreira: “O sincretismo dialógico da via media de Adriano Moreira resulta

189 José Maria S. Coelho assim, em meu entender, dos pressupostos de uma espécie de cristianismo existencialista”.379 De modo claro defendemos que as propostas de Adriano Moreira para a questão do Ultra- mar, visando no final a autodeterminação, se fundaram sobretudo na questão dos valores cris- tãos nas relações entre os povos, materializado na evangelização missionária, mas, também, no pragmatismo resultante da evolução das sociedades e das regras que as relações entre Estados passaram a ser após 1945. Era esta a antevisão do conteúdo do artigo 73º da Carta das Nações. Neste ponto, a nossa argumentação é consolidada pela evolução das relações internacionais que se desenharam após a descolonização apressada que Portugal promoveu. A Língua portuguesa não ficava de fora da solução para a questão ultramarina. Adriano Moreira antevia nela a força agregadora dos povos que a falam. Entendia, como está documen- tado, que, num mundo português, a língua seria o cimento que ligaria todos os países falantes. O Professor considera que ela não assume uma única forma de se expressar, embora seja a mesma. Ela é entregue aos povos que passam a usá-la e que nela integram as características culturais endógenas. A CPLP foi atempadamente proposta por Adriano Moreira enquanto Presidente da Socie- dade de Geografia.380 Percebeu que seria numa comunidade de países de língua portuguesa que seria possível preservar a cultura e a unidade do mundo luso. Concluímos que a proposta de au- tonomia progressiva para os territórios Ultramarinos feita pelo Ministro Moreira era, ao tempo, a tentativa de evitar todo o processo bélico que se desenrolou até 1974. Acreditamos que a história da descolonização portuguesa teria sido diferente se três dos aspectos da política interna tivessem sido alterados, mesmo logo no início da década de 1960: primeiro, era necessário que o poder político ainda controlasse o poder militar nos inícios da década de 1960 o que, segundo Adriano Moreira, já não se verificava.381 Segundo, tornava-se ne- cessário aumentar os poderes autonómicos nos territórios de além-mar com vista à autonomia total (Propostas do Ministro Adriano Moreira); e, terceiro, era necessário que as velhas alianças de Portugal com os países tradicionais se mantivessem, o que de facto não se verificou, num mundo bipolar de crescente concorrência entre a URSS e os EUA. As grandes potências saídas da Segunda Guerra Mundial hierarquizavam-se de acordo com interesses económicos e geopo- líticos. Desta forma nova de organização internacional sobravam os Estados com menor repre- sentatividade no jogo das conveniências políticas e dos interesses económicos. Ora, Portugal integrava este grupo. Quanto à recusa de Oliveira Salazar em aceitar as inevitáveis reformas no Ultramar, para além de outros factores identificados por Adriano Moreira, como a ignorância das realidades colonial e internacional, sobressai uma em especial. O Professor crê que o Presi- dente do Conselho acreditou sempre na inevitabilidade de uma terceira guerra mundial e terá morrido mesmo com esse convencimento.382 Neste contexto em que o Presidente do Conselho admitia a forte possibilidade de um

379 FERREIRA, Marcos Farias - Cristãos & Pimenta, Almedina, Coimbra, 2007, p. 435. 380 Vide Apêndice A. 381 Vide Apêndice A. 382 Se assim fosse, se a ebulição bélica se tivesse verificado, então, pensava Salazar, o Império Colonial era a joia de troca para repetir a neutralidade que tinhamos tido entre 1939 e 1945. Vide Apêndice A.

190 Adriano Moreira e o Império Português terceiro conflito armado à escala mundial, os medos da derrocada do Portugaluno e indivisível eram muitos. Era justamente nesta perspectiva que se enquadrava a apologia da intervenção militar nos territórios ultramarinos. Foi para contentamento das forças militares mais situa- cionistas e com medo das consequências que adviriam de possíveis sublevações militares que Oliveira Salazar abandonou as reformas do Ministro Adriano Moreira. Este escreve a propósito dos medos de Salazar:

“O Doutor Salazar quando reconhecia os males receava que o remédio diminuísse a coesão da sua base de apoio. Parecia-me pelo contrário que a intervenção militar que levasse a resulta- dos, prometidos a essa intervenção, não era viável sem uma política vigorosa de saneamento que atraísse as populações e convencesse a juventude da autenticidade da política governamental, um pressuposto que as Forças Armadas assumiram como elemento fundamental da sua estratégia. Pen- sava, ao antever os anos de provação que nos esperavam, que o sacrifício devia ser acompanhado de uma purificação recompensadora”.383

Algumas animosidades geradas entre Adriano Moreira e outros agentes políticos do Re- gime durante a permanência daquele no Ministério do Ultramar foram para lá da demissão de Moreira em 1963. Parece-nos que as relações pessoais, e até institucionais, do Professor com o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Franco Nogueira, não foram de grande cumplicidade até 1963 e continuaram a não o ser após a saída de Moreira do governo. As visões quanto ao futuro da África portuguesa haviam-se extremado e conduziriam a opiniões bastante opostas. Isto mesmo testemunha o Professor Moreira nas suas memórias:

“Em 1964 vagou a Presidência (Sociedade de Geografia de Lisboa), e fui eleito Presidente sem oposição, excepto a clara do Ministro do Ultramar e a discreta do ministro dos Negócios Es- trangeiros, o primeiro sempre incapaz de subtilezas e atreito, como se diz da cavalaria, a correr e a pensar, por esta ordem, a primeira operação de ritmo mais acelerado do que o ritmo da segunda. Eram muitas as personalidades de importância relacionadas com a Sociedade, que tinha no seu passado, de acordo com os Estatutos, contribuido para o estudo das emigrações portuguesas. Todos os anos se realizava uma Semana do Ultramar, versando temas relacionados com a conjuntura, havendo sempre uma sessão solene inaugural, presidida pelo Chefe de Estado […]”.384

Se atentarmos no tempo em que Adriano Moreira permaneceu como Ministro do Ultramar, conseguimos distinguir dois períodos distintos. O primeiro coincide, grosso modo, com o acto de posse e as primeiras viagens às Províncias Ultramarinas. Neste tempo curto, mas intenso, nasce no coração dos colonos, e mesmo dos autóctones, a esperança de uma solução rápida e eficaz para a ameaça que pairava sobre as possessões portuguesas no Ultramar e que seria,

383 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo: Memórias do Tempo de Vésperas, Coimbra: Almedina, 2009, p. 189. 384 Id., Ibid., p. 317.

191 José Maria S. Coelho inevitavelmente, a independência. Esperava-se de um ministro civil, e, sobretudo, muito fami- liarizado com as questões ultramarinas, a capacidade para demover o Presidente do Conselho e a máquina conservadora que o apoiava do imobilismo insustentável. O segundo período decorre já no dealbar de 1962. Coincide, justamente, com o medo suscitado pela acção reformista de Adriano Moreira que se inclinava para uma solução pacífica do conflito africano. O medo do alcance destas reformas existia entre os militares, mas, de igual modo, também em alguns meios civis próximos de Salazar. Neste grupo, encontrava-se Franco Nogueira que se tornara fiel seguidor de Salazar e das suas posições mais conservadoras. É nossa convicção que a destituição de Adriano Moreira do Ministério do Ultramar terá contado com o apoio de Franco Nogueira. Embora no período em que ambos desenvolveram, na ONU, acções diplomáticas em prol da po- sição portuguesa Adriano Moreira sentisse o apoio de Nogueira, tecendo-lhe este elogios, mais tarde, sem qualquer explicação, notou-se um forte afastamento por parte deste último devido a uma fidelidade incondicional de Franco Nogueira a Salazar.385 O Poder do Ministro dos Negócios Estrangeiros era um poder oculto, mas muito forte. Antecipava-se já, nos inícios da década de sessenta, a luta pela sucessão de Salazar. Nestas questões, as velhas alianças costumam desfa- zer-se em proveito das ambições de cada um. Franco Nogueira sabia que a luta pelo poder teria de ser uma luta solitária e sem confidentes. Por sua vez, Oliveira Salazar dispensava a Franco Nogueira um apoio incondicional e uma deferência visível. A reunião do Conselho Ultramarino fora palco de lutas pelo poder e pela sucessão do Presidente do Conselho. As ambições a que nos reportámos eram frequentemente mostradas em público e sem preocupação alguma de as esconder. Isto mesmo lembra Adriano Moreira quando escreve:

“Pequenos factos faziam suspeitar que tinham levado aos extremos da tensão a luta pelo poder, que já era verdadeiramente a da tomada de posição para suceder ao Presidente do Con- selho. Uma distraída proposta do Almirante Sarmento Rodrigues, feita em recente reunião de um restrito Conselho de Ministros para o qual fora convidado, aumentava a concentração de atenções no Plenário. O Almirante tinha ali dito que todos os serviços nacionais deveriam ser subordinados a um Vice-Presidente do Conselho, que lhe parecia dever ser o Ministro do Ultramar, dirigindo um Ministério de simples coordenação das administrações autónomas das Províncias. Quando caiu em si era tarde, e a distracção, a que depois chamavam atrevimento, teve sequelas que não precisavam de especificação”.386

Os reformadores constituíram sempre, a História comprova-o, um foco de medo para os ditadores. Isto aconteceu entre Adriano Moreira e Salazar. A destituição do primeiro era inevi- tável. Mesmo após a demissão, Adriano Moreira continuou a tratar os assuntos do Ultramar e do país em geral, com o empenho que lhe é reconhecido e a dar o seu contributo para os problemas que foram surgindo. Ainda hoje o faz. O interesse pela comunidade portuguesa no mundo, bem como a cultura por ela veiculada, continuou a representar um dos pontos fortes da acção de

385 Vide Apêndice A. 386 MOREIRA, Adriano - A Espuma do Tempo, op. cit., p. 279.

192 Adriano Moreira e o Império Português

Adriano Moreira enquanto Presidente da Sociedade de Geografia de Lisboa. Nas suas memórias Moreira refere isso mesmo:

“Assegurada a recuperação das instalações, e para confirmar a qualidade fortalecida da intervenção da Sociedade de Geografia, decidi, na data da Semana do Ultramar desse ano de 1964, que se realizou em Aveiro, lançar o projecto de uma Congregação Geral das Comunidades Portugue- sas, com o objectivo de institucionalizar as relações entre os portugueses espalhados pelo mundo, abrangendo os descendentes de portugueses nos territórios de destino das emigrações, e também as comunidades filiadas na cultura portuguesa porque por elas passara a soberania, a evangeliza- ção, ou a aculturação resultante dos contactos”.387

O interesse de Moreira pelo estudo e pela disseminação da cultura portuguesa no mundo manteve-se, como se pode inferir do trecho transcrito. Nota-se nele a manutenção de influên- cias do luso-tropicalismo de que sabemos ter sido, e ser ainda, um grande apoiante. Valoriza-se a compreensão dos princípios de Gilberto Freyre que haviam feito escola no pensamento ultra- marino defendido pelo próprio Estado Novo, em particular no seu criador e mentor, Salazar. O mundo construído pelos portugueses nos trópicos continuou, mesmo até hoje, a provocar fascí- nio nos estudiosos. A acção de Adriano Moreira enquanto Professor e especialista das questões ultramarinas continuou. Na opinião de Adriano Moreira, o verdadeiro poder é aquele que procede dos militares. Foi assim ao longo da história longínqua e também da recente. Escreve o Professor: “A má re- putação criada a Maquiavel, em alguns sectores, foi talvez obra de interessados em que os con- tribuintes não o leiam. Ele não fez um trabalho de moral, nem doutrinou o que se deve fazer. Descreveu simplesmente o poder, isto é, o Príncipe e os seus procedimentos.388 A década de 1960 em Portugal caracteriza-se, em termos militares, pela progressiva desintegração da cadeia de comando das Forças Armadas. Alguns generais mais influentes mani- festaram o seu crescente desacordo face à situação militar no Ultramar. Foi o caso dos generais Spínola e Costa Gomes, que acabaram mesmo por ser destituídos dos seus postos de comando. O fim do regime político vigente estava próximo e, com ele, cairia a ideia de manter uno o Estado português. Adriano Moreira assistiu à queda do Estado Novo, já sem Salazar, e à subsequente disputa pelo poder inicialmente detido pelos militares. Foi o que se viveu nos tempos que se seguiram à revolução, nomeadamente com a radicalização do processo revolucionário em 1975. A forma como Adriano Moreira assistiu a tudo isto e à luta pelo poder saído da revolução tem-na expres- sa na obra “O Novíssimo Príncipe” a que já aludimos por várias vezes. Nele traça, com a clareza que lhe é habitual, a análise dos tempos conturbados que Portugal atravessou. A questão da língua e a importância da mesma na definição de um mundo português tem ocupado uma boa parte do estudo e da atenção de Adriano Moreira nos últimos anos. O

387 Id., Ibid., p. 319. 388 MOREIRA, Adriano - O Novíssimo Príncipe: Análise da Revolução. Prefácio, Lisboa, 2003, p. 65.

193 José Maria S. Coelho

Professor defende, como ficou já dito, que a língua não tem dono. “Ela também é nossa, mas não é nossa.” Trata-se de uma expressão de grande significância no sentido em que explicita, de forma objectiva, o pensamento que Moreira tem sobre a evolução da língua portuguesa nos diferentes territórios onde se fala com utilidade, permitindo-lhe subsistir. De facto, a utilida- de da língua é a razão essencial da sua manutenção como código comunicativo. Quando essa utilidade se esfuma, o uso da língua desaparece. Neste mundo de problematização da criação de sistemas de preservação da língua, Adriano Moreira rejeita liminarmente qualquer acordo uniformizador da mesma. Considera que, sendo esta pertença de vários povos que a usam autonomamente, uniformizá-la será sempre um atentado à sua evolução, na medida em que, embora partindo de um tronco comum, a língua evolui por si só, incorporando as influências decorrentes de vários intervenientes em cada circunstância. O Professor remete para vários exemplos das ex-colónias portuguesas, como o Brasil, que recebeu muitíssimas influências de vários povos e que, pela proximidade e pelas conveniências económicas, se tem aproximado dos países de língua inglesa como os Estados Unidos da América do Norte. Para Adriano Moreira, o peso da palavra em português faz da língua de Camões uma “janela de liberdade”.389 Trata-se, pois, da CPLP. Embora proposta pelos portugueses, foi criada pelos brasileiros.390 A Comunidade dos Países de Língua Portuguesa tornou-se, apesar das vicissitudes por que tem passado, num clube de países que ganha cada vez mais peso mundial pela expressão económica que os países que a compõem têm, nomeadamente o Brasil e Angola. Dentro de uma Europa cada vez mais comandada pelas potências do norte, a viragem da ponta mais ocidental para o Atlântico pode e deve ser uma oportunidade a não perder. Consi- deramos mesmo que não renegando a pertença de Portugal à Europa, devemos, contudo, abrir uma porta grande para o Atlântico e construir uma Comunidade forte e poderosa de países ribeirinhos constituídos pelas antigas possessões ultramarinas de Portugal, aceitando mesmo a integração de países que, de uma forma mais próxima ou de forma mais longínqua, tenham tido contacto ancestral com a cultura portuguesa. Retomar o domínio do Atlântico já não é hoje uma necessidade só de Portugal, mas tornou-se um imperativo dos países da costa ocidental de África e do próprio Brasil. O alargamento da CPLP é encarado por alguns como um processo limitado a antigas colónias portuguesas. Está neste grupo Adriano Moreira. Por outros é visto como uma inevitabilidade de alargamento a países que, não tendo sido colónias portuguesas no tempo recente, foram territórios ocupados pelos lusos. Neste caso, encontra-se a União Indiana devido à singularidade de Goa, Damão e Diu. Consideramos que, neste aspecto interessa procu- rar enquadrar na realidade económica, linguística e cultural da CPLP não apenas os territórios que pertenceram ao Império Colonial português até à sua derrocada em 1975, mas igualmente aqueles outros onde os resquícios da língua lusa permanecem, mesmo que expressos em apeli- dos de família e pouco mais. Além disso, nessa base, é possível alcançar a promoção do respeito pelos Direitos do Homem em territórios onde hoje esses princípios de pouco ou nada valem. A utilidade da CPLP deve estar muito para lá da preservação da língua e, mesmo quanto a esta,

389 Expressão usada pelo Prof. Adriano Moreira muitas vezes. 390 Vide Apêndice A.

194 Adriano Moreira e o Império Português deve ser restaurada onde for possível restaurar. Fazer da CPLP uma Comunidade integradora é um desígnio dos portugueses e dos restantes povos fundadores dessa mesma Comunidade, com especial destaque para o Brasil. O Euromundismo acabou, de facto, com a Segunda Guerra Mundial. Dele restou meia Europa submissa aos EUA e outra meia sujeita à URSS e às contendas criadas pelas duas Super- potências da guerra-fria – os EUA e a URSS. Adriano Moreira escreve o seguinte:

“Não há portanto nem um princípio substantivo (ideologia) nem um princípio processual (maquinaria) que cubra e organize o que resta do ocidente. É um espaço vazio de poder que oscila entre a finlandização e o atlantismo. (…) Nesta conjuntura a Península Ibérica parece estar em situação de impulsionar a organização de um Atlântico Sul, que possa servir com independência o projecto atlântico e evitar a finlandização. Neste projecto atlântico entrariam os Estados ribeiri- nhos de todas as etnias”.391

Se neste trabalho tivéssemos tido a veleidade de tratar de todos os assuntos estudados por Adriano Moreira, teríamos de ser apelidados de ingénuos. Não, nunca foi essa a nossa inten- ção. Quisemos apenas trabalhar um dos temas mais importantes na vida do Professor: a questão do Império e a evolução que não foi permitida. Ao mesmo tempo, pretendemos provar que, se o tempo político do Professor no Estado Novo tivesse sido maior e mais autónomo, o rumo de Portugal e das suas possessões de além-mar teria sido diferente. Quanto ao Luso-tropicalismo, apesar de posto em causa com alguma visibilidade por opositores a Gilberto Freyre, o modelo social por ele criado foi-se mantendo actual em certos meios mais académicos que políticos. Apenas com o Estado Novo ganhou foros de teoria política caracterizando mesmo, em parte, o sonho português de um mundo luso cuja mística sebastia- nista teima em manter. Cláudia Castelo escreve a propósito da validade do Luso-tropicalismo:

“Divulgado no campo cultural desde meados dos anos 30, aproveitado pelo campo político e reproduzido no campo académico, na conjuntura internacional de avanço do movimento anti- colonialista, o luso-tropicalismo entrará progressivamente no imaginário nacional, contribuindo para a preservação da estrutura de hiperidentidade que, segundo Eduardo Lourenço, continua a caracterizar os portugueses. O estudo da recepção do luso-tropicalismo em Portugal ajuda-nos, de certa forma, a perceber porque é que as ideias de Gilberto Freyre ainda ecoam no actual discurso político e cultural. Libertas da componente colonialista que o Estado Novo lhes imprimiu, servem agora para justificar a criação formal de uma comunidade lusófona com propósitos culturais, eco- nómicos e de cooperação em matéria de política externa”.392

Há, portanto, ainda hoje uma certa cultura luso-tropicalista não apenas nos meios aca-

391 MOREIRA, Adriano - A Europa em Formação (A Crise do Atlântico), Universidade Técnica de Lisboa, Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, Lisboa, 2004, pp. 321 e 322. 392 CASTELO, Cláudia - O Modo Português de estar no Mundo: O Luso-tropicalismo e a ideologia colonial portuguesa (1933-1961). Edições Afrontamento, 2.ª Edição, Porto, 2011, p. 140.

195 José Maria S. Coelho démicos portugueses, mas, igualmente no espírito mais conservador de uma boa parte da po- pulação. A distância que medeia entre o fim do Império e os nossos dias é ainda muito curta, o que, justamente, não permite o distanciamento necessário para clarificar marcas deixadas pelo modelo do luso-tropicalismo e, ao mesmo tempo, rever a validade do mesmo. Concluímos, acentuando, mais uma vez, a lucidez e a clareza com que, ainda hoje, Adriano Moreira reflete acerca dos problemas nacionais e internacionais. Debate-os de forma articulada e sábia, só possível a quem já viveu o suficiente para que o tempo não tenha mais de explicar a realidade social, política e económica dos nossos dias. O seu pensamento sobre o mundo actual expressa-o, com regularidade, no jornal “Diário de Notícias”. Continua a parti- cipar em diversas conferências e debates que o mantêm activo e com capacidade interventiva de grande relevo. Só como exemplo, no dia dez de Março de 2015, o Professor interveio numa conferência sobre o tema “A Europa entre projectos e as memórias” que decorreu na Sociedade de Geografia, dando início a um ciclo de debates organizados pela “Comissão Europeia”. Adria- no Moreira afirmou que “[…] a União Europeia seguiu um trajecto errado e que Portugal está sujeito a decisões em que não participa”393. O Professor continua a considerar ser necessário manter a sede do poder no poder militar, pelo menos em parte, quando na mesma Conferência afirmou: “A situação de alarme europeu em relação à segurança agravou-se enormemente e há uma coisa segura, é a de que não há recursos na Europa para organizar uma segurança e uma defesa comum”.394 Já sobre Portugal, o Professor Adriano Moreira continua a considerar que o país tem uma característica muito própria. É a de ser exógeno. E explica: “Sobre a situação de Portugal, Adriano Moreira referiu que Portugal chegou a uma situação de país “exógeno”, e explicou: “é um país sujeito a decisões em que não toma parte, de maneira que não depende da situação portuguesa os efeitos da situação alarmante a que chegámos neste momento”.395. Mantém-se no pensamento de Moreira a necessidade de Portugal se abrir ao mundo e constituir em si mesmo o núcleo aglutinador de sinergias económicas, políticas e culturais que não o confinem à Europa de que faz parte, mas não em regime de exclusividade.

393 MEIRELES, Luísa - Situação na Europa é alarmante, diz Adriano Moreira [em linha]. Expresso. Lis- boa: 10 de Março de 2015. Disponível em https://www.google.pt/?gfe_rd=cr&ei=B85cVb-MGuar8wf4- IDYCA&gws_rd=ssl#q=MEIRELES%2C+Lu%C3%ADsa+-+Situa%C3%A7%C3%A3o+na+Europa+%C3%A9+alarmante %2C+diz+Adriano+Moreira+%5Bem+linha%5D.+Expresso.+Lisboa:+10+de+Mar%C3%A7o+de+2015, consultado em 15 de Maio de 2015. 394 Id., Ibid. 395 Id., Ibid.

196 Adriano Moreira e o Império Português

Bibliografia e Netgrafia

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Bibliografia

Como método organizativo da bibliografia optámos por: 1. destacar como Corpus da Tese - principal a bibliografia de Adriano Moreira, 2. organizar a Bibliografia procedendo à ordenação alfabética partindo do nome do autor. Bibliografia de Adriano Moreira – corpus da tese

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212 Adriano Moreira e o Império Português

Apêndices

213 José Maria S. Coelho

214 Adriano Moreira e o Império Português

Com o propósito de nos avistarmos com Adriano Moreira o que aconteceu a seis de Março de 2014, na Academia das Ciências de Lisboa, elaborámos uma lista de possíveis questões a colocar ao Professor que aqui registamos.

Questões a colocar ao Professor Doutor Adriano Moreira na en- trevista de seis de Março de 2014.

Nota: as questões que se seguem foram acordadas com o Orientador desta Tese, Professor Doutor António dos Santos Pereira.

A – Sendo humanista, acha que actualmente se pode falar de um novo humanismo? Se há um novo humanismo, quais os acréscimos deste à valorização da responsabilidade individual que as interpretações anteriores trouxeram? B – Como vê os movimentos ecologistas e o que pensa da conquista do Espaço? Não acha que se regrediu em relação à década de sessenta quando o homem conseguiu chegar á lua? Vê o homem como um habitante da terra ou do Universo? C – Sendo um transmontano, considera haver em si marcas de identidade transmontana e quais? Que pode dizer-nos sobre uma figura como a do Abade de Baçal? D – como se podem valorizar as regiões? Em projecto de Desenvolvimento Português, que papel para as regiões? Considera que tem havido suficiente reflexão a propósito? E – Sendo um intelectual, quais as suas leituras preferidas, que autores o marcaram mais nos seus tempos de formação. E, actualmente, que autor me recomendaria para perceber Por- tugal e o Mundo? F – Quais as personalidades que ao longo da sua vida admirou mais? Conheceu os dois prémios nobel portugueses? Indicaria um outro? G – Conheceu Aquilino Ribeiro e Miguel Torga? Conhece Eduardo Lourenço e outros au- tores com uma ideia de Portugal? Acha que os portugueses se reconhecem geralmente como patriotas e têm uma ideia de Portugal? H – Sendo um político, que importância confere à política? Como devem ser politicamen- te formados os povos? Terá Portugal os políticos de que precisa na actual conjuntura? I – Sendo um profundo conhecedor da História de Portugal, qual o destino português no século actual? E o da Europa? Qual o papel de Portugal no Mundo? Ainda é possível falar de um Mundo português? Vão no bom caminho os países da CPLP? J – Sendo um universitário, como vê a Universidade Portuguesa hoje? L – Sendo católico, que pensa do actual Papa? Teremos necessidade de um terceiro Con- cílio do vaticano? Que papel para o Cristianismo no Mundo actual?

Outras questões:

1. A matriz social-cristã da sua personalidade foi, ao longo da vida, uma âncora funda-

215 José Maria S. Coelho mental. Correcto? 2. Quando nasceu em si o interesse pelo estudo das questões africanas? Porquê? 3. O fim da Segunda Guerra Mundial representou uma nova era para o Mundo e também para Portugal. Como se deveria ter comportado Salazar face à nova Ordem Internacional? 4. Entre o primeiro pedido de adesão de Portugal à ONU e a sua aceitação naquele or- ganismo (1955) mediaram alguns anos. O que impediu o nosso país de ser aceite nas Nações Unidas mais cedo? 5. As deslocações às Nações Unidas tiveram receptividade naquele Fórum? 6. Como definiria a sua relação com Franco Nogueira nesse período? 7. Em que medida o Luso-tropicalismo foi, ou ainda é, uma teoria válida? 8. As suas relações com Marcello Caetano e com outros membros do núcleo próximo de Salazar eram de confiança ou de mera formalidade? 9. O que o levou a aceitar ser primeiro Sub-Secretário do Ultramar e depois Ministro da mesma. 10. Promoveu a emigração portuguesa para África. De Trás-os-Montes saiu muita gente para esses territórios? 11. Ao criar o ensino Superior na África portuguesa, quis preparar a descolonização de modo a deixar o futuro governo desses novos países nas mãos de brancos? 12. A destituição do cargo de Ministro foi provocada pelos militares? 13. Como viu o processo de descolonização em 1975? 14. O que quis dizer quando no velório de oliveira Salazar afirma “(…) aqui termina tudo”?

Uma boa parte das questões foi respondida na conversa que gravámos e que consta do Apêndice A. Quanto às restantes as respostas foram enviadas pelo Professor Adriano Moreira, via correio electrónico. Apresentamos, seguidamente, o texto que nos foi enviado e do qual guardamos o origi- nal.

216 Adriano Moreira e o Império Português

Apêndice A

Transcrição da entrevista com o Prof. Doutor Adriano Morei- ra realizada na manhã de 6 de Março de 2014, na Academia das Ciências de Lisboa.

O início da conversa foi para acertar a metodologia a seguir na entrevista. Acordámos que, quanto às questões que eu levava escritas, a resposta às mesmas seria dada por escrito e que, em tempo útil, me seriam enviadas por mail, tal aconteceu na semana seguinte, através da Secretária do Senhor Professor. O texto que agora se transcreve é o resultante da conversa havida com Adriano Moreira e gravada em suporte áudio. Doravante, usarei a abreviatura de AM para significar Adriano Moreira e JC para José Coelho.

JC: Quanto ao acordo ortográfico, o que é que o Senhor Professor pensa? Eu recuso-me a aceitá-lo nas condições actuais. AM: Olhe, eu tenho um ensaio sobre isso. Eu tive aqui uma situação muito difícil, porque eu era Presidente da Academia (Academia das Ciências de Lisboa) nesse ano e, portanto, eu

217 José Maria S. Coelho devia obediência ao decreto. Até me telefonaram do “Diário de Notícias” a perguntar se eu queria a ortografia antiga. Lembraram-me: “O Senhor é o Presidente da Academia das Ciências, tem de obedecer”. Bom, agora escrevi um ensaio onde eu digo que a língua não é nossa, também é nossa e, por isso, a língua, conforme os povos que a vão adaptando, cria valores que são diferentes em cada sítio. E, por isso, é um ser vivo. Aquilo que nós temos que defender é o que, resumi- damente, eu chamo “A maneira portuguesa de estar no mundo”. Dominar a língua a gente não domina. Por exemplo, o Brasil tem valores ameríndios, africanos, italianos, alemães e nós não temos. Em Timor, têm valores que receberam do invasor e que nós não temos. E, portanto, nin- guém manda na língua. Por isso, a gente repara que, por exemplo, a Inglaterra teve um grande império, tem a Comunidade Britânica e não tem nenhum tratado. A França deixou uns bocadinhos de terra onde ainda se fala francês, mas não tem nenhum tratado. A Espanha tem a América Latina a falar espanhol, não tem nenhum tratado. E, portanto, não se fazem tratados sobre a língua. Agora, quem é que tem a responsabilidade nisto? Quem teve a primeira vez intervenção nisto foi o Governo Português republicano. O “ph” desapare- ceu, o “sc” de ciência, etc. O Brasil é que tomou a iniciativa. O resultado: os países de África não aceitaram, o Brasil adiou a publicação e nós, aqui, todos cumpridores, publicámos já o livrinho com as novas orto- grafias, esse livrinho está escrito com a nova ortografia e aquilo não vai entrar em vigor. É por esta razão que eu insisto que “a língua não é nossa, também é nossa”. Fui a Ponte de Lima a uma coisa que é a “Corrente da Linguagem”. Trata-se de um evento que realizam todos os anos e fui lá defender o mesmo. JC: Eu penso da mesma forma. Defendo que deve haver um repositório dos fundamentos da língua. AM: Sim, sim… JC: E esse repositório é o país que primeiro a falou. AM: Eu conheço bastante o Brasil, dei lá aulas, etc. Se o senhor lá passar um filme portu- guês, tem de o traduzir. Eles não entendem. Eu até lhe explico: ouvi, sei que foi um Professor brasileiro, já não sei o nome, foi há muitos anos, dizia ele que, quando há uma colonização como nós tivemos, o colonizador abre as vogais que é para o agudo ficar no ouvido daquele que está a ouvir a nova língua. É por isso que o Brasil guardou a musicalidade que nós perdemos. Mas, quando a sociedade se industrializa, os gestos e as ordens são mais rápidos e as vogais caem. Se o senhor está num país invadido, não muda. Eu fiquei nesta posição quando veio o acordo. Quem é responsável pela Academia das Ciências de Lisboa não pode desobedecer. JC: Escrever hoje uma tese com o português antigo é grave? AM: Não. Nada. O senhor tem toda a liberdade. Aliás, porque em Portugal está a aconte- cer uma coisa terrível, e eu aqui (no livro) trato desse assunto. Quem teve a ideia da CPLP foi Portugal, foi a Sociedade de Geografia, era eu Presidente. Pois quem fez foi o Brasil. Quem fez o

218 Adriano Moreira e o Império Português discurso de que era preciso um Instituto Internacional da Língua Portuguesa, com o fundamento de que a língua estava entregue a duas Academias, os países novos não tinham elites ainda para fazerem Academias e precisavam de um sítio onde estivessem em pé de igualdade, fui eu. Mas quem fez foi o Brasil. Não é aceitável que isto aconteça. Nós nunca fazemos nada. Agora digo-lhe outra coisa: quanto à Plataforma Continental, a gente está a correr um risco formidável. JC: Vamos perdê-la? AM: O Presidente da Comissão Europeia veio cá a Portugal receber o título Honoris Causa da Técnica, antes desta fusão (fusão de Universidades) e eu era o Presidente do Conselho Geral, de maneira que tive de fazer o discurso. Eu disse as palavras amáveis do costume, mas aprovei- tei e disse assim: o senhor Presidente da Comissão Europeia anda a definir o mar europeu, nós andamos a definir a nossa Plataforma Continental que devia ter sido aprovada em 2013 já foi transferida para 2015. Se o senhor aprovar o mar europeu antes de nós termos aprovado a nos- sa Plataforma, eu lembro-me (ele é português) do mapa cor-de-rosa. Se, além disso, tivermos ainda a sorte de a Plataforma ser nossa e haver o mar europeu, não faça a mesma coisa que fizeram com a agricultura, ficámos sem agricultura. JC: É uma das facetas que eu sempre gostei no senhor Professor e muitos dos seus dis- cursos, mesmo de quando o senhor foi Ministro, a acutilância que o senhor usava e continua a usar. Nunca se acanhou. AM: Não. E as reformas, sim, as reformas. JC: Sim, as que não eram aceites pelo grosso dos conservadores do regime. AM: Sabe, eu tenho um filho que esteve três anos em Moçambique. Trabalha num escritó- rio. Ele é formado em Direito. Agora, o escritório mandou concentrar tudo em Lisboa e prefere tratar a partir daqui. E tem lá um condiscípulo, um amigo africano, um rapaz já formado que lhe disse: o meu pai disse-me que o único dia feliz da sua vida, tinha já setenta anos de idade, foi quando recebeu o Bilhete de Identidade por causa do Decreto do seu pai. JC: Eu percebo isso muito bem. Aquilo foi uma revolução. Aliás, a ideia que eu tenho muito presente e que eu tenho defendido naquilo que vou escrevendo é que teríamos tido uma evolução completamente diferente da situação, cá e lá, se o senhor Professor tivesse permane- cido mais tempo no governo. AM: Era. Aqui (livro) falo pouco nisso. No fundo havia um movimento, eu nunca tinha pertencido a nada. Politicamente, escrevia, claro, e depois estive nas Nações Unidas como De- legado e mandava relatórios. Eu previ que a revolta começava naquela data. E até o Doutor Sa- lazar, quando falou comigo, perguntou: como é que o senhor adivinhou isto? (início da revolta). Eu disse-lhe: porque tive uma professora de instrução primária muito boa. E porquê? Porque a Carta das Nações Unidas dizia que um país era condenado quando não tivesse a seu favor um terço dos votos. Ora, eu fiz a conta aos países que entravam e concluí: no ano tal eu perco o terço. Se perco o terço, eles são legítimos na revolta, vão receber armas, isto e aquilo. Escrevi isso. Portanto, foi uma conta de somar. Bem, qual era a ideia? Eu tinha uma pessoa que acreditava muito nisto que lhe vou dizer.

219 José Maria S. Coelho

Era o Almirante Sarmento Rodrigues. Tenho uma veneração pela memória dele, porque ele foi meu Ministro. A minha Escola dependia dele administrativamente e pedagogicamente, do Mi- nistério da Educação. E tendo ele sido meu Ministro e quem me encarregou de fazer o estudo sobre a Reforma Prisional, aceitou que eu o nomeasse Governador-geral de Moçambique, às minhas ordens. JC: Isso é de uma humildade extrema! AM: Extraordinário! Mas qual era a ideia? A gente queria que ele fosse Presidente da República, porque ele acreditava nas reformas todas. Ele conhecia muito bem a política co- lonial e dizia: “Se a gente fizer reformas, a gente chega lá”. Foi quando eu convidei Eduardo Mondlane para vir para aqui como professor. Fui muito amigo de Eduardo Mondlane. Ele aceitou ser professor. E porque é que não veio? Porque a mulher dele pediu-me para ir a Moçambique e trataram-na mal. Era branca. Foi ela que veio para a York House. Pediu-me para eu ir lá avistar- me com ela. Eduardo Mondlane tinha ido a Genève, ao Instituto de Relações Internacionais, cujo Director era amigo dele e meu amigo e ela disse-me o seguinte: “Eu é para lhe dizer que o Eduardo não vai para Moçambique porque eu não estou de acordo”. E depois escreveu uma carta, que está num livro de biografia que fizeram dela, tem uma carta para o marido dizendo assim: “Estive com o Adriano, está cansadíssimo. É como quem anda a subir uma montanha com uma pedra e a pedra cai e torna a subir. É o único português de quem eu gosto, com excepção da empregada da York House”. JC: Há uma frase do Senhor Professor que eu não posso esquecer. Quando Salazar morre o senhor vai aos Jerónimos. AM: Estava uma mosca a passear… JC: “E sobre o seu rosto pousava uma mosca a lembrar violentamente que tudo acaba em nada”. AM: É assim… JC: É um existencialismo… AM: Mas foi verdade. JC: Existencialismo cristão, evidentemente! AM: Mas foi verdade, sabe? Não havia ninguém. Estavam quatro soldados, mas mais nin- guém, ele e a mosca. JC: Eu achei isto de uma profundidade! AM: É… Ele e a mosca. É uma coisa… Eu acho que aquele homem, independentemente do regime político, se tivesse saído quando foi o fim da Segunda Guerra Mundial, hoje era respei- tado em toda a parte. JC: Também tenho essa ideia. Aliás, para mim, houve dois Salazares – um antes e outro depois da guerra. AM: (Corrobora). E sabe qual era um dos defeitos? Para revogar o Estatuto dos Indígenas foi uma revolução, claro! Não foi chegar ao pé dele e dizer “revogue aí o Estatuto dos indíge- nas”. Foi preciso muita conversa. Eu até conto aí no livro. Há dois incidentes com muita piada, o que fala bem dele, quer dizer, mostra-o. Uma, eu queria-o convencer disso… e disse-lhe:

220 Adriano Moreira e o Império Português

“Senhor Presidente, um dos maiores perigos para a humanidade é o racismo, está a crescer terrivelmente em África. Se o senhor chegasse às Nações Unidas veria o que era o racismo; se o senhor fosse à África, via o que era o racismo. Como o Senhor Presidente não vai a sítio ne- nhum… Há uns romances de combate, eu tenho alguns, empresto-lhos para o senhor fazer ideia do que isto é”. Ele fica calado e diz-me esta coisa horrível “Há mais de vinte anos que eu não leio um romance”. Assinámos o Decreto, era só ele e eu que tínhamos de assinar porque há uma coisa de que as pessoas, em geral, não tomam nota – mesmo países como a Inglaterra ou a França, que eram países democráticos - nas questões do Ultramar ninguém era democrático. O Governador tinha os poderes legislativo, executivo e judicial. JC: Era, portanto, um poder absoluto. AM: Poder absoluto. Eu já lhe conto uma história, que essa não pode contar mas vai di- vertir-se. Eu disse-lhe assim: “Senhor Presidente, esta revogação já estava assinada, não muda a Constituição, mas muda a estrutura social do país. É importantíssimo. Isto é tão importante como a revogação da escravatura. Eu acho que devia ir ao Conselho de Ministros”. Ele olha para mim e diz assim: “Tem toda a razão, mas em sendo dois, já é um Conselho”. (Risos de AM). Ora bem, este homem citava conversas como nós citamos livros. Há um caso curioso. Franco Nogueira, que era muito inteligente, e as memórias dele são…, ele era de uma esquerda limitada, enfim, todos nós éramos, bom, eu era mais vincado à Doutrina Social da Igreja do que ele. Ele teve uma paixão súbita por Salazar. JC: Sim, ele é de uma fidelidade incondicional. AM: (Corrobora dizendo que aquilo fora uma coisa súbita). JC: Onde é que ele terá ido buscar isso, senhor professor? AM: Não sei. Ele era chamado, em geral, para servir de intérprete a Salazar. Ele era Con- selheiro de embaixada e, portanto, era sempre chamado. Mas quando entrou para o Governo ficou… foi súbito, aquilo. JC: Franco Nogueira lidava muito bem com o senhor Professor! Estiveram os dois na ONU. AM: Muito bem. Ouça, quando veio a questão das Nações Unidas, o relatório que ele man- dou para o Ministério dos Negócios Estrangeiros a falar de mim era uma coisa, assim com um respeito… Foi assim e, portanto, Salazar passou a saber do mundo o que ele lhe dizia. E sabe? O meu convencimento, não conheço nenhum documento, nunca vi nenhum papel, é puramente conclusão minha, Salazar acreditou que vinha aí a terceira guerra mundial. E, então, os ame- ricanos e outros países tinham interesse em que se mantivesse o Império Português. Foi isso. E morreu talvez nesse convencimento. JC: Em 1963 o “Novíssimo Príncipe”, não a obra, mas o poder militar como um poder determinante já existia? AM: Eu tive a certeza disso, de que Salazar já não mandava na Tropa. O primeiro sinal foi o caso Botelho Moniz. Foi o primeiro sinal. Eu tenho uma prova disso. Como sabe, quem se opôs ao Botelho Moniz foi Kaúlza de Arriaga e eu até conto isso porque ele mo disse. O Kaúlza

221 José Maria S. Coelho de Arriaga é que impediu que aquilo fosse para diante (Golpe de Estado de Botelho Moniz). Era Secretário de Estado, era Subsecretário, naquele tempo não havia Secretários de Estado, de- pois é que passou a Secretário de Estado. Ele queria era ser Ministro da Força Aérea e depois de tudo acabado ele foi ao Salazar e disse-lhe: “Eu agora vou prender o General Botelho Moniz”. E o Salazar disse assim: “Deixe ir o velhote para casa”. Veja bem. Pouca gente sabe disto, apesar do rigor de Salazar. JC: Foi muito compassivo. AM: Por acaso. Eu fui a casa do Kaúlza, porque eu tinha sido nomeado há pouco tempo para começar a fazer reformas. E depois, um dia, aparecem-me uns tipos em casa a dizer: “Ve- nha para Monsanto”. E eu disse: “Vou para Monsanto, porquê?” (Risos) E ele contou-me: “Sabe o que é que eu disse ao Kaúlza? Você não vai estar muito tempo no governo”. “Porquê?” “Fez ao Doutor Salazar um favor que ele não lhe pode desculpar”. E foi assim. Bom, mas isso foi o primeiro sinal. O segundo sinal foi o Deslandes. É mentira que fosse por causa dos Estudos Gerais. É mentira. JC: Há quem defenda isso, de facto. AM: Não, não. Mas agora já está documentado. Está uma coisa de um embaixador, as Memórias dele, que assistiu à reunião em que ele queria fazer a independência branca. Deveria ser uma mortandade em Angola que nunca mais acabava. JC: Sim, os brancos eram muito poucos. AM: Foi de tal maneira que, para ele vir a Lisboa, vi-me aflito, vi-me aflito. Só consegui porque o general, que era Director do Instituto de Altos Estudos Militares, agora não estou a lembrar o nome, lá conseguiu que ele viesse. Mandou-se vigiar o aeroporto para ele não regres- sar a Angola. JC: Porque, se não, tinha um problema muito sério, não é? AM: Muito sério. Eu fiz-lhe um questionário e levei isso ao Presidente do Conselho e disse- lhe: ele é comandante militar e depende de si, mas como a desculpa é os Estudos Gerais, que é aquela que a gente deixa circular. A gente não ia dizer que não era nada disso. Ele (Salazar) disse: ele vai falar é comigo. Ele foi falar comigo e eu comecei a dizer-lhe as asneiras que ele tinha feito. Ó senhor General, eu era muito novo ao pé dele, apareceu fardado, com as me- dalhas todas… E quando eu estava a falar, ele ferra um murro em cima da mesa. Eu levantei- me e disse assim: ó senhor General fui tocando a campainha, esta mesa é uma obra-prima da Fundação Espírito Santo. Em cima desta mesa, só eu é que posso dar murros e não dou, porque é uma obra de arte da Fundação Espírito Santo. O senhor General vai-se embora e eu vou-lhe mandar as perguntas por escrito. Apareceu o capitão às ordens e eu disse: faz o favor de levar o senhor Governador até à porta. E disse assim: com as honras do estilo. (risos). Pu-lo no olho da rua. Bom, escrevi-lhe as perguntas e mandei uma cópia para Salazar. Salazar telefona-me na manhã seguinte, ainda de madrugada. O senhor já entregou aquilo ao Governador de Angola? Referia-se às questões. Porque ele estava a cortá-las. Eu disse: já. É que eu estou muito preo- cupado.- Mas, ó senhor Presidente, está lá alguma coisa que não seja verdade? Não. A mim não me importam as palavras que lá estão, o que me importa é a maneira como o senhor as põe

222 Adriano Moreira e o Império Português umas a seguir às outras. JC: A combinação é que era perigosa! AM: E foi assim, olhe, foi assim (risos). AM: Quanto às perguntas que me deixa por escrito, eu vou mandar-lhe as respostas. Diga- me o número de telefone. Ditei o meu número de telefone o que o Professor Adriano Moreira registou, dizendo ain- da: eu depois falo para si. Esteja descansado. Nota: Efectivamente, na semana seguinte, sem que eu esperasse tanta celeridade, a Secretária do Professor Adriano Moreira telefonou-me dizendo que era da parte do Senhor Professor. Era apenas para confirmar o meu endereço electrónico e dizer que me ia enviar as respostas, o que de facto aconteceu. Agradeço profundamente ao senhor Professor Doutor Adriano Moreira o ter-me recebido e o ter tido a amabilidade de responder às minhas questões de maneira tão clara. Agradeço- lhe, ainda, a prontidão com que acedeu à minha solicitação para a entrevista. Quem é grande, torna-se pequeno diante dos pequenos.

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Apêndice B

224 Adriano Moreira e o Império Português

225 José Maria S. Coelho

226 Adriano Moreira e o Império Português

227 José Maria S. Coelho

228 Adriano Moreira e o Império Português

Nota: o apêndice B encontra-se formatado com um tipo de letra diferente da usada no resto do trabalho pelo facto de se tratar do documento original enviado pelo Professor Adriano Moreira.

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