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0 CDS EA DEMOCRACIA CRISTA 1974-1992

Adolfo Mesquita Nunes Mestre em Ciencias Juridico-Politicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Advogado

0 Polis: Revista de Estudos Juridico-Polfticos, n. ' 13 / 16 (2007) 101

0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136

1. Objecto

No momento em que se fundou a actual ordem constitucional, a democracia crista era das maiores e mais importantes familias politicas europeias. Seria por isso natural que, nesse momento em que tambem se fundou o actual sistema de partidos, surgisse uma forma<;:ao politica que assumisse a democracia crista. Assim efectivamente aconteceu corn o COS, o unico dos partidos politicos corn relevancia eleitoral que assumiu essa tradi<;:ao politica e que desempenhou, durante largos anos, a representa<;:ao nacional da entao Uniao Europeia das Oemocracias Cristas, depois convertida em Partido Popular Europeu (PPE). Essa filia<;:ao europeia, que alias veio a ser pasta em causa pelo proprio PPE a quando da transforma<;:ao do discurso europeu do COS em 1992, foi quase sempre tomada como urn dado adquirido pelo proprio partido, ate que, precisamente, a transforma<;:ao do COS em COS/Partido Popular determinou urn maior e mais assumido afastamento dessa familia politica. E, por isso, tradicional considerar o COS como urn partido que nasceu democrata cristao e que foi paulatinamente perdendo essa orienta<;:ao apos a saida de Oiogo Freitas do Amaral da presidencia do partido, primeiro em 1982, de forma provisoria, depois em 1991, de forma mais definitiva. E ainda que as recentes direc<;:6es do partido tenham feito urn esfor<;:o de aproxima<;:ao do partido a democracia crista, quer por via de aproxima<;:ao ao PPE, quer por via do discurso politico, a verdade e que persiste a ideia de que a democracia crista em se ficou pelo COS dos tempos de Oiogo Freitas do Amaral. Nao estou entre os que concorda corn essa analise. E certo que nao tenho duvidas de que 0 cos nao e, actualmente, urn partido marcadamente democrata cristao, nao somas tambem por fazer pouco sentido falar em partidos democratas 1 cristaos nos dias que correm . Mas ja tenho, isso sim, duvidas fundadas acerca da

1 De facto, a democracia crista tern actualmente uma expressao bastante diferente daquela que assumia em 1976. Continua a existir em grande parte da Europa, mas nao corn a grandeza daqueles tempos. Nalguns casos, sao correntes ou fao;oes de partidos catch all, como o PP espanhol, que no seu Congresso de 1989, na refunda<;ao da AP em PP, se considerou conservador e democrata cristao, ou a! guns membros da Democracia Cristiana Italiana integrada na Forza Italia. Noutros cas os, representam franjas de eleitorado, como nos paises escandinavos, ou apresentam-se ainda como partidos de governo, como a CDU alema ou os Democratas Cristaos holandeses. Internacionalmente, o PPE

Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, 11. 0 '13/16 (2007) 103 Adolfo Mesquita Nunes caracteriza<;ao do quadro doutrinal e politico que esteve na origem do CDS como sendo urn quadro democrata cristao. Alias, as constantes oscila<;6es ideol6gicas do CDS explicam-se, precisamente, pelo facto de o quadro politico e doutrinal da funda<;ao do CDS nao permitir caracteriza-lo como urn partido verdadeira ou predominantemente democrata cristao, antes como urn partido destinado a agrupar as varias correntes da direita nao socialista. Essas oscila<;6es, que permitiram ao CDS aproximar-se do liberalismo, corn Lucas Pires ou do conservadorismo, corn Adriano Moreira, mereceriam uma aten<;ao que escapa a economia deste artigo. Por agora, procurarei descrever o quadro doutrinal e politico fundacional do CDS, oferecendo urn contributo para urn maior acerto e rigor na sua caracteriza<;ao como partido politico, bem coma a sua evolu<;ao ate que Diogo Freitas do Amaral abandonou, pela segunda vez, a lideran<;a do CDS, levando alegadamente consigo a democracia crista.

2. A democracia crista como corrente partidaria

A democracia crista come<;ou por ser entendida como urn movimento social. Isto e, coma urn movimento em que militavam os cristaos, fora da hierarquia da Igreja, corn o intuito de encontrar solu<;6es para os problemas politicos, econ6micos 2 e sociais a luz dos principios cristaos e destes deduzindo uma pratica • 3 Nascida na segunda metade do seculo XIX , a democracia crista come<;ou por afirmar-se como uma manifesta<;ao de simultaneo combate ao liberalismo 4 e capitalismo exacerbados e ao movimento proletario inspirado no marxismo , buscando clara motiva<;ao na ac<;ao de Leao XII, assente sobretudo na Aeterni 5 Patris e na Rerum Novarum • Enquanto se manteve coma mero movimento social, a democracia crista mereceu o beneplacito da Santa Se, que a considerava tao s6 como urn movimento 6 de cat6licos de fei<;6es marcadamente assistencialistas •

engloba agora democratas cristaos, conservadores e liberais, testemunhando uma reorganiza~ao das for~as politicas de centra e centro-direita que ajuda a demonstrar uma crescente descaracteriza~ao dos partidos democratas cristaos. 2 Cfr. MICHAEL P. FOGARTY, Historia e Ideologia de la Democracia Cristiana, Madrid, 1964, pag. 54. 3 Nomeadamente no seguimento das revolu~6es de 1848, cfr. JEAN MARIE MAYEUR, Des Partis Catholiques ala Democracie Clm?tienne, Paris, 1980, pag. 161 e ss. 4 Cfr. ROBERTO PAPINI, Os Fundamentos da Democracia Crista in Democracia e Liberdade, n. 0 39, Lis boa, 1986, pag. 9, e The Blackwell Encyclopaedia Of Political Science, Londres, 1991, pag. 89. Sobre as primeiras origens da democracia crista, v. tambem, MICHAEL P. FOGARTY, ob. cit.,pag. 259 e ss, e CATHERINE BRICE, Essay d'Une Politique Chn?tienne en Europe Jusqu'en 1914, in Nouvelle Histoire des Idees Politiques, Paris, 1997, pag. 444-454. 5 Mas tambem na Diuturnum Illud, Immortale Dei e Libertas Praestrantissimum, cfr. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A Igreja eo Estado Democratico in Nova Cidadania, n. 0 6, Sao Joao do Estoril, 2ooo, pag. 26. 6 Cfr. MANUEL BRAGA DA CRUZ, As Origens da Democracia Cristae o Salazarismo, Lisboa, 1978, pag. 20.

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E assim, alias, que melhor se entende a defini<;ao que em 1901 dela faz a endclica Graves de Comuni. A democracia crista e ai caracterizada como urn movimento relacionado corn os problemas da classe trabalhadora, que procurava melhorar as suas condi<;6es de vida e pugnava pelo reconhecimento da dignidade 7 da pessoa humana • Esta tolerancia da hierarquia da Igreja come<;ou, no entanto, a atenuar-se a partir do momento em que a democracia crista come<;ou a manifestar-se como 8 movimento politico , uma vez que a Igreja parecia estar apenas interessada em reconhecer a existencia de urn movimento assistenciat numa primeira fase e de urn 9 movimento socioprofissional de forte componente sindicat numa segunda fase . A verdade e que a limita<;ao eclesiastica contida na defini<;ao da Graves de Comuni 10 nao conseguiu evitar o aparecimento de alguns partidos politicosn, que abriram caminho a uma autonomia da democracia crista enquanto fen6meno politico. No entanto, apenas ap6s a 11 Grande Guerra se podera dizer que a democracia crista se consolidou, atraves de novos partidos, alguns deles resultantes das 12 transforma<;6es dos anteriores partidos cat6licos , como movimento politico, ultrapassando de vez a predominancia que ate entao estava reservada a dimensao 13 social e sindical . Estes novos partidos eram clara e expressamente inspirados na doutrina social da Igreja, na exegese de textos eclesiais, nomeadamente pastorais e textos emitidos corn nihil obstat, nos autores que sobre esses textos se debru<;aram e inspiraram, como o personalismo humanista de Jaques Maritain ou Emmanuel 14 Mounier , na contribui<;ao das Igrejas protestantes para a elabora<;ao da doutrina e tambem, mas nao s6, nas reflex6es produzidas por organiza<;6es de leigos eclesialmente dependentes. Mas a democracia crista enquanto fen6meno politico-partidario nao se esgotou ai, antes continuou na pratica politica dos partidos que a assumiram 15 como patrim6nio ideol6gico e na sua pratica de governo •

7 Cfr. MICHAEL P. FOG ARTY, ob. cit., pag. 51. 8 A este respeito, cfr. MARCEL PRELOT, As Doutrinas Politicas, vol. IV, Lisboa, 1974, pag. 196-197. 9 Cfr. MANU EL BRAG A DA CRUZ, As Origens .. ., pag. 21-22. 1°Cfr . JOSE LUIS DA CRUZ VILA<;:A, 0 Contributo da Democracia-Crista para a Uniao Europeia, in Democracia e Liberdade, n. 0 34, Lisboa, 1985, pag. 8. 11 Partidos esses que, no entanto, tern sido classificados como partidos cat6licos, cfr. JEAN MARIE MAYEUR, ob. cit., pag. 6-9. Alias, estes partidos excluiam estrategicamente as referencias confessionais nas suas designa.;oes. Era o caso do partido alemao, Zentrum, do Partito Populare Italiano, da Union Civica de Uruguay, ou do chileno Falanje Nacional. 12 Foi o que aconteceu, nomeadamente, na Italia e na Alemanh a, cfr. RAFAEL CALDERA, A Revolu~iio da Democracia Crista, Lisboa, 1974, pag. 53. 13 Cfr. PERCY ALLUM, State and Society in Western Europe, Cambridge, 1995, pag. 208. 14 Ainda que estes se tivessem, de alguma forma, distanciado da democracia crista enquanto ideologia fundadora de urn partido politico, cfr. JEAN TOUCHARD, Hist6ria das Ideias Polfticas, vol. IV, Mem Martins, 1991, pag. 188-180, JEAN MARIE MAYEUR, ob. cit, pag. 152-155, e JOAO BENARD DA COSTA, N6s, Os Vencidos do Catolicismo, Coimbra, 2003, pag. 77. 15 No caso dos partidos democratas cristaos, a pratica de governo foi fundamental para a defini.;ao do

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Alias, a pratica governativa e determinante na tentativa de perceber e definir esta nova fase da democracia crista porque, paradoxalmente, apesar da riqueza ideol6gica que existe na doutrina social da Igreja em que se baseiam, os partidos democratas cristaos tern-se caracterizado por uma certa elasticidade ideol6gica. Elasticidade essa sobretudo motivada pela sua condi<;ao de partidos interclassistas, que reflectem a composi<;ao social dos cristaos e que praticamente permitem que, sobre os mesmos principios, se construam programas politicos 16 distintos . Esta circunstancia normalmente localiza estes partidos no centra politico, pendendo para a direita ou para a esquerda consoante a lideran<;a dos mesmos esteja mais proxima de uma ou de outra area, embora tradicionalmente se 17 localizem no centro-direita • 0 facto de a nova gera<;ao de partidos democratas cristaos ter ocupado o governo no periodo p6s-guerra, sobretudo nos paises corn fortes comunidades 18 cristas , orientou estes partidos para a resolu<;ao dos problemas econ6micos e sociais da epoca, incentivando uma cultura politica mais assente no pragmatismo politico. Assim sendo, de uma forma geral, os partidos democratas cristaos tendem a partir do especial conceito de dignidade da pessoa humana que adoptam (a qual consideram como realidade basica e anterior a qualquer outra), e procuram criar as condi<;6es necessarias para que o Homem possa cumprir e realizar essa dignidade de forma plena e integral, nela afirmando a sua dimensao espiritual e 19 0 transcendente e nao, apenas, o aspecto econ6mico, social ou culturaF . Partindo desta realidade, os partidos democratas cristaos acreditam que a democracia representativa e pluralista2I, organizada de acordo corn o respeito pelos corpos intermedios da sociedade22 e essencial para realizar essa tarefa. Integrado numa comunidade internacional, a qual pertence e a qual o une a 23 solidariedade , o Estado e apenas mais urn corpo intermedio, que deve ter a seu cargo apenas aquilo que efectivamente nao puder ser assegurado, de forma mais eficaz, pelos corpos intermedios inferiores.

que e a democracia crista enquanto fen6meno politico-partidario, ja que estes partidos formaram, em muitos casos, governo, chegando mesmo, em alguns pafses, a ser partidos hegem6nicos, cfr. a este respeito, JEAN MARIE MAYEUR, ob. cit, pag. 161 e ss. 16 Para uma breve explica~ao e descri~ao dessas diferen~as programaticas, v. UNION EUROPEENE DEMOCRATE CHRETIENNE, La Dbnocracie Chretienne en Europe, Roma, 1979, pag. 28 e ss. 17 De facto, estes partidos constituem, na maioria dos sistemas de partidos em que se encontram, uma alternativa ao socialismo, cfr. The Oxford Companion to Politics of the World, New York, 1993, pag. 136. 18 Por exemplo, Austria, Alemanha, Holanda, Belgica, Italia ou Sui~a, cfr. AREND LIJPHART, Dimensions of Ideology in The West European Party System, New York, 1989, pag. 259. 19 Cfr. JOSE LUIS DA CRUZ VILA~A, ob. cit., pag. 9. 20 A este respeito, o pequeno estudo publica do em IDL, Democracia e Liberdade, n. 0 1, Lisboa, 1976, pag. 92-93. 21 Cfr, RAFAEL CALDERA, ob. cit., pag. 55 e ss, MICHAEL P. FOGARTY, ob. cit., pag. 101 esse o citado estudo IDL, Democracia e Liberdade, n. 0 1, Lisboa, 1976, pag. 89-90. 22 Cfr. JOSE LUIS DA CRUZ VILA~A, ob. cit., pag. 9. 23 Cfr. JOSE LUIS DA CRUZ VILA~A, ob. cit., pag. 9-10.

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Oposta, como ja se disse, ao liberalismo e ao socialismo, a democracia crista inspira os seus partidos para uma terceira via de modelo econ6mico, a economia 24 social de mercado , na qual se conjuga a liberdade de iniciativa ea propriedade privada corn amplas preocupa<;6es sociais.

3. A recep\ao da nova gera\ao de partidos democratas cristaos em Portugal

Ao contrario do que sucedeu em grande parte da Europa Ocidental, o p6s-guerra nao foi urn momento de ruptura na vida politica portuguesa, nao se assistindo ao surgimento de uma alternativa politica assente na democracia crista. Ainda que as rela<;6es entre o Estado Novo ea Igreja Cat6lica tivessem sofrido altera<;6es nesse periodo, o certo e que essas altera<;6es, apesar de significativas, nao serviram para afastar a ideia de que o catolicismo era a "argamassa do Estado 25 Novo" . Foi sensivelmente neste periodo de p6s-guerra que alguns grupos da Ac<;ao Cat6lica come<;aram a manifestar divergencias corn o regime de Salazar, tendo 26 por isso mesmo sido apelidados de "cat6licos progressistas" • E bem se entende, alias, que estes cat6licos nao tenham sequer procurado agrupar-se na expressao "democracia crista", uma vez que o proprio regime se tinha, de certa forma, apoderado da mesma, atraves do Centra Academico da Democracia Crista, reactivado em 1912 sob a influencia de Gon<;alves Cerejeira e Ant6nio de Oliveira Salazar.

3.1. Os movimentos cat6licos "progressistas"

Desde a Associa<;ao Cat6lica Portuguesa27 e as suas estruturas aut6nomas, nomeadamente a fuventude Universittiria Cat6lica depois do seu I Congresso em Abril de 1953 28 as revistas Encontro e 0 Tempo e o Modo, passando pela Editora Moraes, surge todo urn empenhamento dos cat6licos na vida politica portuguesa. No entanto, importa notar, antecipando, que a expressao destes grupos se ficou, quase sempre, pela actividade cultural e filos6fica, devido as limita<;6es politicas existentes no Regime. Evidentemente que existiram excep<;6es a este dima de limita<;ao politica, de que darei breve conta, mas estas foram manifestamente insuficientes para inspirar urn movimento politico.

24 Cfr. JOSE LUIS DA CRUZ VILA<;:A, ob. cit., pag. 9. 25 A expressao e de JOSE ADELINO MALTEZ, Nas Encruzilhadas do Pafs Polftico, Lisboa, 1987, pag. 53. 26 Para uma breve analise do significado hist6rico dos cat6licos progressistas, cfr. PERNANDO ROSAS, J. M. BRANDAO DE BRITO, Diciomirio de Hist6ria do , Venda Nova, 1996, pag. 137-139. 27 Sobre a Ao;ao Cat6lica Portuguesa, cfr. PAULO PONTES, A Acrao Cat61ica Portuguesa (1933-1974) in Lusitania Sacra, Lisboa, 1994, pag. 61 e ss. 28 Cfr. PAULO PONTES, ob. cit., pag. 88 e JOSE ADELINO MALTEZ, ob. cit., pag. 53.

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A carta de D. Ant6nio Ferreira Games, Bispo do Porto, a Salazar, no dia 13 de Julho de 1958, no qual este lhe lan<;ava urn "repto pastoral a recupera<;ao 29 da Doutrina Social da Igreja" , bem coma toda a sua ac<;ao, alicer<;ada quer na 0 doutrina social da Igreja, quer no seu trabalho pastoraP , desempenharam urn papel verdadeiramente dinamizador da consciencia politica dos cat6licos que come<;avam divergir do regime, os quais, genericamente, se poderiam considerar 31 democratas cristaos . E os desenvolvimentos do "caso Bispo do Porto", entretanto exilado, causaram larga agita<;ao junto dos chamados cat6licos progressistas, o que 32 levou a sucessivas tomadas publicas de posi<;ao de padres e conhecidos leigos , demonstrando a existencia de uma gera<;ao atenta e politicamente empenhada. Ao mesmo tempo, a Editora Moraes, sob a direc<;ao de Ant6nio Al<;ada 33 Baptista e, urn pouco mais tarde, a revista 0 Tempo e o Modo , tambem sob a primeira direc<;ao de Ant6nio Al<;ada Baptista, encarregaram-se de dar voz aos pensadores personalistas e democratas cristaos, propiciando urn forum de difusao de ideias onde se reuniram os nomes mais significativos da gera<;ao de 34 cat6licos em oposi<;ao ao regime . Outros cat6licos, urn pouco mais tarde, tentaram estabelecer uma via de compromisso, colaborando na medida do possivel corn o regime de Marcello 35 Caetano, formando o chamado grupo dos tecnocratas , ou formando uma oposi<;ao 6 parlamentar, a comummente designada Ala LiberaP . 37 A Ala Liberal, nao sendo urn grupo nem coeso nem organizado , conseguiu mesmo assumir urn importante protagonismo de oposi<;ao ao regime, que ajudou a sedimentar urn carisma e prestigio que vieram a ser determinantes na vida politica portuguesa do p6s-revolu<;ao. Tambem a Ala Liberal era profundamente influenciada pelos movimentos

29 Cfr. ANT6NIO CAMPELO AMARAL, D. Ant6nio Ferreira Games - Carta ao Cardeal Cerejeira, (recensao) in Gepolis, Lisboa, 1997, pag. 112. 30 Cfr. PAULO PONTES, ob. cit., pag. 95. 31 Disto mesmo se da conta Salazar, na carta que escreve ao Nuncio Fernando Cento, em Roma, relatando o impacto da carta do Bispo do Porto e onde contesta a manutenc;ao da Acc;iio Cat6lica Portuguesa se esta, no seguimento da acc;ao do Bispo do Porto, se convertesse em partido politico democrata cristiio, o que niio seria permitido nos termos da Constituic;ao, cfr. MANUEL BRAGA DA CRUZ, 0 Estado Novo ea Igreja Cat6lica, Lisboa, 1998, pag. 118. 32 Entre os quais se contavam Ant6nio Alc;ada Baptista, Joiio Benard da Costa, Gonc;alo Ribeiro Telles, Nuno Teot6nio Pereira, Maria de Jesus Serra Lopes, Augusto Ferreira do Amaral, Jose Manuel Galviio Teles, Helena Cidade Moura, Francisco Sousa Tavares, Jose Pedro Pinto Leite, Helena Vaz da Silva ou Sophia de Melo Breyner Andresen, entre tantos outros. 33 Sobre a actividade da revista 0 Tempo e o Modo, NUNO ESTEVAO FIGUEIREDO MIRANDA FERREIRA, 0 Tempo e o Modo. Revista de Pensamento e Acfiio, in Lusitania Sacra, Lisboa, 1994, pag. 129 e ss, e JOAO BENARD DA COSTA, ob. cit., pag. 56-57 e 77 e ss. 34 Ainda que participassem tambem niio cat6licos, cfr. JOSE ADELINO MALTEZ, ob. cit., pag. 53-54. 35 Composto, entre outros, por Maria de Lourdes Pintasilgo, Joiio Loureiro, Freitas do Amaral e Valentim Xavier Pintado. 36 Formada, entre outros, por Joiio Pedro Pinto Leite, Magalhiies Mota, Francisco Sa Carneiro e Joiio Pedro Miller Guerra. 37 Cfr. NUNO MANALVO, Sti Carneiro - Biografia Politica, si, sd, pag. 24.

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38 associativos dos cat6licos ditos progressistas , nomeadamente Jose Pedro Pinto 9 Leite, o mais destacado dos deputados da Ala LiberaP , muito ligado a revista 0 Tempo eo Modo e Francisco Sa Carneiro, cat6lico fervoroso e muito ligado ao Bispo do Porta, par cujo regresso batalhou e cujo exilio nele despertou uma forte 40 41 convic<;ao politica , forjada em torno do pensamento de Emmanuel Mounier •

3.2. A ausencia de alternativas politicas oriundas dos cat6licos "progressistas"

Cam excep<;ao da mencionada Ala Liberal, este movimento intelectual dos varios grupos de cat6licos quase nunca caminhou para um movimento de 42 contornos politicos, coma chegou a reclamar o Bispo do Porto • A grande maioria destes cat6licos nao se identificava de plena cam os movimentos politicos democratas cristaos europeus e nao pretendia ser tomada 43 coma "a nova direita ou a direita do futuro" , mas antes coma um conjunto de 44 "leigos para os novas tempos" . Nestes termos, foram raras as tentativas de gerar um movimento politico designado de democrata cristao, alternative ao socialismo e comunismo nascidos 45 na clandestinidade e que se assumiam coma a unica oposi<;ao ao regime . 0 que parece ser evidente e que os cat6licos estavam mais identificados cam as primeiras fases do movimento democrata cristao do que propriamente cam as correntes politicas que normalmente nela se baseavam, ficando talvez mais pr6ximos do socialismo, sobretudo depois dos acontecimentos de Abril de 1974, do que propriamente da democracia crista enquanto movimento politico. E nao e estranho que assim seja, atento nao s6 o contexto do Estado Novo, mas tambem o facto de a democracia crista nao ter necessariamente que derivar numa manifesta<;ao partidaria. Na verdade, esta pode funcionar coma ponte 46 entre alternativas contradit6rias , tendo mesmo havido quem transitasse do 47 catolicismo para o socialismo materialista ou quem fizesse o percurso inverso •

38 Cfr. TIAGO FERNANDES, A Ala Liberal da Assembleia Nacional (1969-1973) in Penelope- Revista de Hist6ria e Ciencias Sociais, Oeiras, 2001, pag. 47 e ss. 39 Cfr. NUNO MANALVO, Sa Carneiro .. . , pag. 25. 40 Cfr. MARIAJOAO AVILLEZ, Francisco Sa Carneiro: Solidiio e Poder, Lisboa, 1981, pag. 38. 41 Cfr. ANT6NIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, A Cisiio Social-Democrata ea Forma~iio da ASDI in Estudos Polfticos e Sociais, vol. XII, Lisboa, 1984, pag. 96. 42 A este respeito, cfr. JOAO BENARD DA COSTA, ob. cit., pag. 57. 43 0 facto de, em quase todos os paises europeus, a democracia crista ser identificada como urn movimento politico de centro-direita ou direita, de certa forma repugnava a estes cat6licos que, quase na sua maioria, recusando o epiteto de "cat6licos progressistas", se consideravam cat6licos de esquerda, cfr. JOAO BENARD DA COSTA, ob. cit., pag. 57-58. 44 Cfr. JOAO BENARD DA COSTA, ob. cit., pag. 57. 45 Ainda assim, ha noticia de algumas tentativas frustradas de Ant6nio Alc;ada Baptista, Jose Pedro Pinto Leite e Francisco Sousa Tavares nesse sentido, cfr. JOAO BENARD DA COSTA, ob. cit., 79-80. 46 Cfr. PINHARANDA COMES, Jacques Maritain e o Pensamento Polftico Portugues in Democracia e Liberdade, n. 0 35, pag. 116. 47 Veja-se o caso de varias dissidencias dos partidos democratas cristaos da America Latina, cfr. PAUL

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4. A revolU<;ao de Abril e reacc;;ao da Igreja Cat61ica e dos cat6licos

A analise da reao;ao a revolw;:ao de Abril par parte dos cat6licos e da Igreja Cat6lica e, bem assim, das suas tomadas de posi<;ao no decorrer do processo revolucionario nao encontra espa<;o na economia deste artigo, mas importa dar 48 conta, pela sua relevancia, de alguns aspectos relativos a essas reac<;6es .

4.1. A reac<;ao da Igreja Cat6lica

49 Em Nota Pastoral publicada logo no dia 4 de Maio de 1974 , os bispos portugueses afirmaram a Igreja coma uma organiza<;ao independente e que, coma tal, nao aceitaria a reivindica<;ao da sua autoridade par parte de nenhum movimento politico. Este foi o primeiro sinal de varios outros dados pela Igreja no sentido de que esta se iria abster de fomentar urn partido que albergasse os cat6licos portugueses sob a egide da democracia crista. Algreja estava nao s6 demasiadamente comprometida corn o anterior Regime coma tambem estava consciente de que partilhava esse comprometimento corn 50 grande parte da comunidade cat6lica • Par esta razao, o periodo revolucionario que se iniciava nao era propicio a forma<;ao, pelo menos corn base e corn apoio da Igreja, de urn partido democrata cristao coma fora tradi<;ao em muitos paises europeus, ainda que as democracias cristas tivessem surgido coma compromissos entre os totalitarismos de esquerda e os totalitarismos de direita, e ainda que em Portugal se colocasse a possibilidade de se carninhar para urn totalitarismo de esquerda. Foi nesta sequencia que surgiu a "Carta Pastoral sabre o Contributo dos Cristaos para a Vida Social e Politica"51, em 16 de Julho de 1974, na qual a Igreja reafirmou que nenhum partido politico poderia arrogar-se o direito de invocar a autoridade da Igreja Cat6lica. Mais do que isso, a Igreja incitou a filia<;ao dos cat6licos em varios partidos, considerando que nem todos os socialismos estavam dominados par ideologias

E. SIGMUND, Latin American Catholicism's Opening to the Left in The Review of Politics, vol. 35, Indiana, 1973, pag. 61 -76. 48 Acerca das reac~6es da Igreja Cat6lica a revolu~iio de Abril, cfr. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A Igreja na Transiriio Democrtitica, in Lusitania Sacra, VOL. VIII/IX, Lisboa, 1996/1997, pag. 523 e ss, ANT6NIO TEIXEIRA FERN ANDES, Relaroes entre a Igreja eo Estado - no Estado Novo e no p6s 25 de Abril de 1974, Porto, 2001 e, para uma sucinta, ainda que completa, cronologia das reac~6es da Igreja Cat6lica a revolu~iio, organizada pelos Cristiios em Reflexiio Permanente, CERP, Perguntas ii Nossa Igreja- Igreja e Politica do 25 de Abril ao 25 de Novembro, Lisboa, 1976. 49 Pode ser consultada em CONFERENCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Documentos Pastorais (1967- 1977), Lisboa, 1978, pag. 130. 50 Veja-se o discurso de Nuno Teot6nio Pereira, no dia 1 de Maio de 1974, em nome dos "cat6licos progressistas", cujo r6tulo explicou ter sido determinante para os distinguir da hierarquia cat6lica tradicional, que fora urn elemento da repressao que esmagou os portugueses, CERP, Textos Cristiios - 25 de Abril, Novembro 25, Lisboa, 1977, pag. 5. 5 1 Cfr. CONFERENCIA EPISCOPAL PORTUGUESA, Documentos ... , pag. 132.

0 110 Polis: Revista de Estudos Juridico-Polit icos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 inaceitaveis para urn cristao. 0 que a Igreja Cat6lica assim legitimou foi o voto livre dos cat6licos portugueses, mesmo em partidos socialistas desde que estes procedessem a 52 defesa de valores cristaos , entre os quais se contavam a defesa da familia, do matrim6nio, da propriedade privada, da liberdade de iniciativa ou da liberdade religiosa.

4.2. A reac<;ao dos cat6licos

Dessa liberdade de escolha deram conta os varios movimentos cat6licos, 53 em varios comunicados e tomadas de posi<;ao , havendo mesmo quem alinhasse 54 criticas a invoca<;ao da doutrina democrata crista • Por exemplo, na segunda Assembleia Livre de Cristaos, ocorrida no dia 7 de Maio de 1974, e na qual participaram cerea de trezentas pessoas, entre padres e leigos e entre cat6licos ditos progressistas e nao progressistas, foi aprovada uma mo<;ao na qual se rejeitou a designa<;ao de partido cristao ou cat6lico de cristaos, ou cat6licos progressistas para representar urn partido politico, ou mesmo uma tendencia dentro de urn partido politico. Conclus6es semelhantes tiveram a Terceira Assembleia Livre de Cristaos do Porto reunida em 10 de Maio de 1974, o comunicado das Liga Operaria Cat6lica/ Liga Operaria Cat6lica Feminina e Juventude Operaria Cat6lica/Juventude Operaria Cat6lica Feminina de 1 de Maio de 1974, o Comunicado do Conselho Presbiterial do Patriarcado de 9 de Maio de 1974, o Comunicado dos Padres da Cova da Beira, de 14 de Maio de 1974, o Comunicado da Assembleia Magna dos Parocos do Porto, da mesma data, entre muitos outros Como se adivinhava pela forma como (nao) estavam organizados os cat6licos progressistas, nao existiu, da parte destes, urn exodo maci<;o ou organizado para nenhum partido especifico. A maior parte optou pelo Partido Socialista (PS) ou pelo Partido Popular Democratico (PPD), mas outros houve que seguiram caminhos tao dispares como o Partido Comunista Portugues (PCP), o Movimento da Esquerda Socialista (MES), o Partido do Centro Democratico e Social (CDS) ou mesmo o Partido Popular Monarquico (PPM). Tal como acontecera eo m o periodo do Estado Novo, os cat6licos progressistas nao enveredaram pela forma<;ao de uma verdadeira alternativa politica, quer porque a sua ideologia politica era heterogenea, quer porque o ambiente politico vivido ap6s a revolu<;ao a isso nao aconselhava, ou ainda porque da hierarquia da Igreja, ou de algumas figuras destacadas da mesma, como D. Ant6nio Ferreira Comes, nao partiu qualquer iniciativa relevante nesse sentido.

52 Cfr. ANT6NIO TEIXEIRA FERNANDES, ob. cit., pag. 395. 53 To dos citados em CERP, Textos Cristaos - 25 de Abril, .... 54 Caso da Assembleia Magna dos Parocos do Porto, reunida em 14 de Maio de 1974, CERP, Textos Cristiios- 25 de Abril, .. ., pag. 46 e ss.

0 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n . ' 13/16 (2007) 111 Adolfo Mesquita Nunes

E ao pulverizarem-se por diversos partidos as diversas referencias que poderiam considerar-se democratas cristaB, se pulverizou tambem o eleitorado que genericamente poderia considerar-se democrata cristao, como se confirmara de seguida, a prop6sito da funda<;ao do CDS.

5. 0 CDS como partido que assume a democracia crista

0 unico partido portugues corn relevancia eleitoral e parlamentar que se assumiu como partido democrata cristao foi o CDS - Partido do Centro Democratico Social e a ele se deveu a afirma<;ao da doutrina democrata crista em Portugal, quer no plano governativo, quer no plano parlamentar.

5.1 A funda<;ao do CDS

0 CDS teve a sua funda<;ao no dia 19 de Julho de 197455 e foi produto, essencialmente, do labor politico de dois homens que marcariam para sempre a 56 vida do CDS, e Adelino Amaro da Costa • Apesar de serem estes os dois principais fundadores do CDS, o certo e que este resultou tambem de impulsos end6genos, nomeadamente de press6es do poder revolucionario para a forma<;ao de urn partido moderado e liberal, que 57 parecia faltar na sociedade portuguesa • Foi corn base neste quadro partidario que Diogo Freitas do Amaral sofreu as press6es, quer do Movimento das For<;as Armadas (MFA) quer, posteriormente, do Chefe da Casa Militar de Spinola, o coronel Almeida Bruno, no sentido de este 58 patrocinar a funda<;ao de urn partido de cariz liberal e centrista • Tera sido apenas depois destes pedidos que Diogo Freitas do Amaral se decidiu a avan<;ar para a constitui<;ao de urn "partido do centro, de tipo neo­ 59 liberal e de inspira<;ao giscardiana" . 60 De acordo corn Freitas do Amaral , o partido que se decidiu a fundar pretendia ser a casa de pessoas de centro-esquerda, como Adelino Amaro da

55 Apenas uns meses mais tarde ap6s a elei.;ao de Valery Giscard d'Estaing para Presidente da Republica Francesa, personalidade que, pelas suas caracteristicas de homem centrista e liberaL mais contribuira para moldar a personalidade politica de urn dos fundadores do CDS e seu primeiro presidente, DIOGO FREITAS DO AMARAL, 0 Antigo Regime e a Revoluriio - Mem6rias Politicas (1941/1975), 6." Edi.;ao, Venda Nova, 1996, pag. 179. 56 Cfr. RICHARD H. ROBINSON, 0 CDS-PP na Politica Portuguesa, in Anrilise Social, vol. XXXI (138), 1996, Pag. 951. 57 A essa data, a direita do PS, aparecia urn vasto conjunto de partidos: o PPD, o Partido Social­ Democrata Cristao (PSDC), o Partido Nacionalista Portugues (PNP) eo Partido Liberal (PL) . Sendo que, destes partidos, apenas o PPD (que nao se qualificava como liberal) aparecia corn urn a lideran.;a definida, apresentando urn conjunto de quadros corn qualifica.;oes necessarias para exercer fun.;oes governativas e administrativas no novo regime e seria mesmo o unico a ter relevancia eleitoral. 58 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit. , pag. 184 e ss. 59 Esta ea caracteriza.;ao feita por DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 184. 60 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 185.

0 112 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136

Costa e de centro-direita, como o proprio Freitas do Amaral. No entanto, esse centro-esquerda excluia por completo o socialismo e esse centro-direita excluia pessoas comprometidas corn o Antigo Regime, no sentido em que nao tivessem, a seu tempo, dado mostras de serem adeptas da abertura 61 politica e da evolw;ao liberalizante . Depois de tomada a decisao de formar urn partido politico, decidiram Adelino Amaro da Costa e Diogo Freitas do Amaral divulgar, em artigos de opiniao de Adelino Amaro da Costa, as grandes linhas de fon;a do que viria a 62 constar do Programa do novo partido . Nesses artigos, Adelino Amaro da Costa defende a consagra<;ao da democracia pluralista corn base no humanismo centrista -" o centra como sintese entre os desafios da esquerda e os reptos das direitas, e como {mica orienta<;ao que leva as suas ultimas consequencias os equilibrios requeridos pela busca da justi<;a, da liberdade, da igualdade e do progresso". 63 Tendo estas ideias recebido reac<;6es "positivas e numerosas" , e decididos que estavam Freitas do Amaral e Amaro da Costa a fundar urn partido, foi necessaria encontrar urn conjunto de personalidades que pudessem, corn aqueles dois homens, fundar o novo partido centrista e liberal. No total, foram 25 as personalidades que fundaram o CDS e que aceitaram 64 o repto de assegurar a existencia de urn partido nao socialista em Portugal . No entanto, nos fundadores do CDS nao vamos encontrar personalidades conhecidas dos portugueses, corn urn passado de oposi<;ao moderada ao regime, como encontrariamos no PPD, nem sequer as grandes referencias dos cat6licos progressistas. Eram, na sua maioria, "personagens de segunda linha que compunham o sector tecno-burocratico universitario e do alto-funcionalismo do regime politico 65 anterior" • Quase nenhum deles se havia destacado nos movimentos cat6licos progressistas e destes nomes apenas Diogo Freitas do Amaral, Valentim Xavier Pintado, Adelino Amaro da Costae Basilio Horta eram conotados corn o grupo dos tecnocraticos, ainda que corn uma relevancia muito inferior a nomes como os

61 E assim que Freitas do Amaral justifica a nao aceitac;ao da filiac;ao no partido de membros do aparelho local da ANP, que acabariam por se filiar no PPD, DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 185. RICHARD H. ROBINSON ve nessa atitude uma perda de apoio potencial no CDS, que reverteu a favor do PPD, onde muitos desses quadros se viriam a filiar, cfr. RICHARD H . ROBINSON, ob. cit., pag. 957. 62 Esses artigos estao compilados in Democracia e Liberdade, vol. 18, Lisboa, 1981, pag. 25-40. 63 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 188. 64 Diogo Freitas do Amaral, Adelino Amaro da Costa, Victor Sa Machado, Valentim Xavier Pintado, Silverio Martins, Maria Laura Pinheiro, Paulo Marques, Isabel Marques, Luis Moreno, Ant6nio Norton de Matos, Basilio Horta, Alberta Ralha, Joao Morais Leitao, Joao Lopes Porto, Joaquim Barros Pol6nia, Maria Elizete Carvalhas, Anselmo Carvalhas, Arnaldo Celestino Santos, Augusto Leite Faria, Carlos Madureira Teixeira, Helena Guedes Salgado, Joao de Korth Brandao, Jose Afonso Gil, Jose Sim6es Cortez, Julio Baptista Coelho, Leonor Sousa Mendes, Maria do Pilar Cabral Paes e Maria Teresa Forjaz. 65 Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAlS, Os Partidos Politicos - Modelo e Pratica em Portugal in Futuro Presente, Lisboa, 1984, pag. 12.

Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n .0 ' 13/16 (2007) 113 Adolfo Mesquita Nunes que compuseram a Ala Liberal. Diogo Freitas do Amaral ainda tentou convencer alguns dos cat6licos pragressistas e liberais a aderir e a fundar este novo partido, mas quase todos 66 recusaram, nomeadamente por terem optado pelo PPD . Reunidos os fundadores do partido, colocou-se a questao da lideran<;a. A escolha recairia em Freitas do Amaral, nao sem antes se terem envidado esfor<;os para que Veiga Simao ou Adriano Moreira, dois ex-ministros de Salazar 67 considerados reformistas, aceitassem o desafio • Perante a recusa de ambos, foi Freitas do Amaral quem assumiu a primeira lideran<;a do CDS. Depois destes primeiras passos, o CDS foi finalmente apresentado a 19 de Julho de 1974, afirmando-se como urn partido centrista, como sintese harmoniosa entre o centra-direita e o centra-esquerda, assente no humanismo personalista, democratico, que procurava a economia social de mercado, que aceitava a auto­ determina<;ao das col6nias e que defendia a integra<;ao de Portugal na CEE e a sua participa<;ao na Confedera<;ao Europeia.

5.2. 0 quadra doutrinal fundacional do CDS e a democracia crista

5.2.1. 0 centrismo neo-liberal como matriz fundacional do CDS

68 Nemo nome do partido, Centra Democratico e Social , nem qualquer urn dos documentos ou declara<;6es publicas iniciais do CDS incorporaram qualquer referenda a doutrina democrata crista. De acordo corn Freitas do Amaral, terao sido as tomadas de posi<;ao da hierarquia da Igreja Cat6lica relativamente ao uso da expressao "democracia crista" 9 que afastaram os fundadores do CDS dessa designa<;ad , tendo-se optado primeira por Centra Democracia e Pragresso e depois por Centra Democratico e Social. Mas ainda que o nome do partido nao evocasse a democracia crista, sempre as declara<;6es de prindpios e outros documentos ou interven<;6es politicas poderiam ter apontado no sentido da identifica<;ao do partido corn a democracia crista, assumindo-se o partido como o herdeiro portugues dessa grande corrente partidaria mundial. Mas nao foi isso que sucedeu. E nao se diga que a omissao da expressao "democracia crista" desses documentos e interven<;6es se deveu as reticencias da Igreja Cat6lica, pois ficaria por explicar como e que, decorridos uns quantos meses, o CDS passou a usar de forma recorrente essa expressao e a reclamasse

66 Foram os casos de Sousa Franco, Joao Salgueiro, Servulo Coreia, Paulo Pitta e Cunha ou Rui Almeida Mendes, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag.189. 67 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag.191. 68 Para uma descri<;ao do processo de escolha do nome do partido, DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 197-198 e JOSEADELINO MALTEZ, ob. cit., pag. 76. 69 Refira-se, no entanto, que a data da funda<;ao do CDS, ja existia urn Partido da Democracia Crista, apresentado a 23 de Maio e que resultava de uma dissidencia do Partido Cristao Social Democrata, surgido a 5 de Maio de 1974, ambos contrariando as orienta<;6es da hierarquia da Igreja.

114 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n ."' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 para o seu patrim6nio ideol6gico. 0 mote de todas as primeiras interven<;6es do CDS foi o centrismo como modelo de supera<;ao das imperfei<;6es da esquerda e da direita, a semelhan<;a da filosofia polftica de Giscard d'Estaing. Foi verdadeiramente o centrismo que imperou nas primeiras declara<;6es 70 e documentos do CDS, ficando a democracia crista "praticamente esquecida" . Afinal de contas, o repto lan<;ado a Diogo Freitas do Amaral, e que ele assumiu como tal, foi o da funda<;ao de urn partido do centro, de tipo neo-liberal e de inspira<;ao giscardiana. Ainda que Diogo Freitas do Amaral fa<;a reportar a inten<;ao de afirmar o CDS, desde a sua origem, como partido da democracia crista, tal parece entrar em contradi<;ao, por urn lado, corn as referencias ideol6gicas de Freitas do Amaral e corn o repto que lhe e lan<;ado para formar urn partido e por outro, corn a forma como Freitas do Amaral descreve a entrada do CDS para a Uniao Europeia das Democracias Cristas, como adiante evidenciarei. No primeiro comfcio do CDS, em Agosto de 1974, Freitas do Amaral definiu o seu partido como centrista e assumiu o centrismo como op<;ao polftica. Distinguiu o CDS da direita, porque esta e conservadora, autoritaria, corporativa e nacionalista eo CDS e progressista, pela liberdade, pela igualdade e pela participa<;ao na comunidade internacional. E distinguiu o CDS da esquerda, porque esta rejeita o m undo em que vive, e colectivista, estatizante e revolucionaria eo CDS aceita a evolu<;ao do mundo, defende a liberdade de iniciativa, preconiza 71 o sector privado amplo, robusto e empreendedor e e reformista • Esta defini<;ao do CDS por Freitas do Amaral marcara todas as restantes interven<;6es e declara<;6es do partido nos primeiros meses e ilustra, corn meridiana clareza, a origem do CDS e a ausencia de referencias a democracia crista. De que direita distinguiu Freitas do Amaral o CDS? Distinguiu-o da direita conservadora, nacionalista, ultramarina e reaccionaria. Nao ha aqui uma distin<;ao do CDS face a direita liberal, antes pelo contrario, poise pelo liberalismo econ6mico que o CDS supera a esquerda. E de que esquerda distinguiu Freitas do Amaral o CDS? De uma esquerda muito mais ampla, afinal de contas, da esquerda comunista e socialista. 0 que resta, das distin<;6es de Freitas do Amaral? 0 centro liberal giscardiano, 72 tal quallhe havia sido pedido • Num encontro corn Francisco Sa Carneiro poucos dias depois deste comfcio, Diogo Freitas do Amaral confessou-lhe que estivera tentado a aderir ao PPD, mas que acabara por se distanciar desse partido porque, sendo ele urn homem

70 Cfr. JOSE ADELINO MALTEZ, ob. cit., pag. 76-77. 71 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 226-227. 72 Registe-se que e a seguir a este discurso que Francisco Lucas Pires, urn verdadeiro liberal, se aproxima do CDS e se declara seu apoiante e simpatizante, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 227.

Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, 11. 0 ' 13/16 (2007) 115 Adolfo Mesquita Nunes de centra e nao de esquerda, neo-liberal e nao social democrata e favoravel a 73 economia de mercado mas nao ao socialismo, nao poderia filiar-se no PPD • A defini<;ao politica que Freitas do Amaral fez de si a Sa Carneiro ajuda, precisamente, a confirmar a raiz do CDS como urn partido neo-liberal, que via no PPD urn partido socialista. 0 CDS existia, segundo Freitas do Amaral, porque nao existia urn partido mao socialista, proximo do liberalismo. Daqui se explica que, em rigor, as primeiras declara<;6es e interven<;6es do CDS se tenham dispensado de referir a democracia crista. Ainda que o humanismo e personalismo fossem sendo citados e destacados, o certo e que tal nao bastava para uma identifica<;ao corn a democracia crista. Mais do que isso, o personalismo e humanismo que influenciaram os catolicos progressistas acabariam por determinar que os mesmos se espalhassem pelos varios partidos portugueses. 0 proprio Francisco Sa Carneiro, conotado corn os circulos catolicos do Porto, levou a imagem do humanismo para o seu partido. 0 Programa do PPD74 75 reclamava entao urn "socialismo democratico e humanista" , corn a finalidade ultima do livre desenvolvimento da personalidade integral do ser humano, considerado em si mesmo coma urn valor absoluto, para que se possa construir 76 uma "sociedade socialista, democratica e humanista" •

5.2.2. A descoberta da democracia crista

Coma aparece entao a democracia crista no patrimonio doutrinal do CDS? Quando e que o CDS vai afirmar, pela primeira vez e de forma clara, a democracia crista como sua familia ideologica? Tal apenas sucedeu quando, no seguimento dos acontecimentos do 28 de Setembro e impossibilitada a entrada do CDS no II Governo Provisorio, o partido necessitou de encontrar uma forma de sever protegido da estrategia de salamiza<;ao que estava a ser imposta pelo MFA e que havia ja determinado a extin<;ao de alguns partidos a direita, como o Partido Nacionalista Portugues. A estrategia encontrada pelo CDS foi a de estreitar os contactos corn os partidos europeus que se tinham iniciado no Verao de 1974, de forma a garantir protec<;ao internacional. Os primeiros partidos que o CDS decidiu contactar foram, sem surpresa, os Republicanos Independentes de Giscard d'Estaing eo Partido Conservador britanico 7 de Margaret Tatcher7 • Se o CDS pretendia ser urn partido herdeiro das doutrinas de Adenauer, De

73 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 231. 74 Aprovado no I Congresso Nacional do partido, em Novembro de 1974. 75 Programa do Partido Popular Democratico, pag. 19 76 idem, pag. 22. 77 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 260.

0 116 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n . ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136

Gasperi e Schummann, porque nao encetou contactos primordiais corn os partidos por eles fundados e que formavam a famflia democrata crista europeia? A descoberta dos partidos democratas cristaos foi mais tardia e deveu-se, por ironia ou talvez nao, ao director de uma empresa holandesa de consultoria e marketing politico, Max Beauchez. Foi ele quem, em Outubro de 1974, aconselhou Freitas do Amaral e Amaro da Costa a procurar uma internacional partidaria e foi para essa empreitada que Max Beauchez foi contratado. Max Beauchez era urn homem muito relacionado corn varias internacionais partidarias e foi ele quem colocou os dois fundadores do CDS em contacto corn a 78 internacional partidaria que mais "convinha" ao partido : a Uniao Europeia das Democracias Cristas, integrada na mais vasta Uniao Mundial das Democracias Cristas. De acordo corn a versao relatada por Freitas do Amaral, este reconheceu a Max Beauchez que conhecia mal as democracias cristas europeias (recorde-se que estamos em Outubro de 1974), pelo que o tera bombardeado corn perguntas, entre as quais, se os partidos democratas cristaos eram confessionais, se eram de 79 direita ou de esquerda, se impunham politicas em quest6es morais • Ora, estas duvidas, expressas meses depois da funda<_;ao do partido, nao sao compativeis corn uma inscri<_;ao fundacional na democracia crista, como facilmente se constata. E dai se justifica que tenham sido os Republicanos Independentes de Giscard d'Estaing e o Partido Conservador britanico de Margaret Tatcher a serem primeiro contactados pelo CDS e nao a Uniao Europeia das Democracias Cristas. Apenas depois de ter ficado agradado corn as respostas e que Freitas do 80 Amaral contratou o holandes para iniciar os contactos necessarios . E assim, em Novembro de 1974, o CDS apresentou o seu pedido de admissao na UEDC, onde foi admitido corn o estatuto de observador no dia 22 desse mes81, tendo no ano seguinte passado a membra efectivo, acompanhando tambem de perto a cria<_;ao do Partido Popular Europeu que se preparava para congregar os democratas cristaos no Parlamento Europeu, ao qual aderiu como observador e ao qual 82 pretendia aderir plenamente assim que Portugal aderisse a entao CEE .

78 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 261. 79 etc ... , IDEM, ibidem, pag. 261. so IDEM, ibidem, pag. 261-262. 81 Cfr. A Oemocracia-Cristii em Portugal - Tres Congressos do COS , Lisboa, sd, pag. 22. Nao sem ter no~ao de que o PPD era o partido que reunia maiores prefen2ncias da UEDC, prejudicadas pela posi~ao dubia de Sa Carneiro relativamente a filia~ao internacional do PPD, cfr. NUNO MANALVO, PSO, A Marca dos Lideres, Lisboa, 2001, pag. 43. 82 Cfr. A Oemocracia-Cristii em Portugal ... , loc. cit., pag. 74. 0 CDS desempenharia, depois, importantes fun~6es no seio desta organiza~ao: em 1978, Diogo Freitas do Amaral seria eleito Vice-Presidente da UEDC, no 20.° Congresso (A Oemocracia-Cristii em Portugal ... ,pag. 187), e em 1981 chegaria mesmo a Presidente, (RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, Evolurao Politico Ideol6gica do COS/PP, Tese de Mestrado, Lisboa, 1999, pag. 84) . Nesse mesmo ano, o CDS subscreve todos os documentos federalistas do PPE, para alem de, fa zendo parte do II Governo Constitucional e ocupando nesse Governo a pasta dos Neg6cios Estrangeiros, ter personalizado, na ac~ao do Ministro Sa Machado, importantes iniciativas no sentido da adesao de Portugal as Comunidades Europeias, cfr. RUI

Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n .0 ' 13/16 (2007) 117 Adolfo Mesquita Ntmes

Foi pois apenas a partir da sua adesao a UEDC, que o CDS se assumiu como 83 urn partido democrata cristao , herdeiro da corrente doutrinaria europeia que inspirara De Gasperi, Adenauer ou Schuman. Foi assim pela mao de uma empresa de marketing politico que o CDS descobriu os partidos democratas cristaos. Apenas a pm·tir de essa altura e que os discursos, interven<;6es e posi<;6es politicas do CDS o identificavam como herdeiro desta importante corrente de pensamento, procurando dar ao eleitorado os sinais necessarios para que o CDS fosse efectivamente encarado como tal, sem no entanto abandonar o centrismo 84 como metodologia • Todas estas indica<;6es permitem concluir que o CDS nao nasceu como partido democrata cristao, mas antes como urn partido moderado e de centro, corn vertentes amplamente liberais e algumas vertentes sociais e que representava 85 a "direita orleanista- parlamentar, liberal, gradualista e consensual" • Alias, o Programa do partido, que conheceu a sua versao final apenas dois 86 dias depois da admissao na UEDC , afirmou-se sobre inspira<;ao crista, embora 87 nao reclamando o monop6lio dessa inspira<;ao • Em lado algum do Programa se afirmava a democracia crista ou se faziam 88 referencias a doutrina social da Igreja, a textos bfblicos ou eclesiasticos . De 89 facto, o CDS assumiu-se como urn partido de Governo e de centro , que tern no Homem e na sua dignidade o "fim eo come<;o de toda a ac<;ao politica"90 e que adopta uma "atitude positiva em face da uniao politica e monetaria europeia"91 mas nao se assumiu, em termos programaticos, como o partido da democracia crista portuguesa. Isso nao significa, porem, que o Programa do CDS nao fosse, ao tempo, proximo da democracia crista, algo que nao pode sequer negar-se, nem que o mesmo fosse c6pia fiel das orienta<;6es do liberalismo, algo que decididamente nao era. Apenas significa que o partido nao assumiu, de origem, a democracia

ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, Evoluriio Politico Ideol6gica do CDS/PP - Do centra social, federalista e regionalizante ii direita popular, intergovernamental e unitarista (1974-1998) in A Reforma do Estado em Portugal - Problemas e Perspectivas, Lisboa, 2001, pag. 385. Para uma breve analise dessas iniciativas, A Democracia-Cristii em Portugal ... , pag. 138-139. 83 Considerando que a descoberta da democracia crista pelo CDS foi tardia, JOSE FREIRE ANTUNES, Sa Carneiro - Um Meteoro dos Anos Setenta, Lisboa, 1982, pag. 164. 84 Em varios documentos doutrinais apresentados pelo CDS, este nao se cansara de referir (contrastando corn o silencio dos primeiros meses) a sua origem democrata crista, sendo a filosofia do CDS resultante do ideario cristao e a politica do CDS a pragmaticidade da doutrina social da crista, como por exemplo, ADELINO MARQUES DE ALMEIDA, ob. cit., pag. 15. 85 Cfr. JAIME NOGUEIRA PINTO, A Direita e as Direitas, Lis boa, pag. 244. 86 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 257. 87 Programa do CDS- Partido do Centro Democratico e Social, Agueda, 1975, pag. 6. 88 Cfr. RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, Evoluriio Politico Ideol6gica do COS/PP, Tese de Mestrado, Lisboa, 1999, pag. 13. 89 Programa ... , pag. 4. 90 Programa ... , pag. 5. 91 Programa ... , pag. 7.

0 118 Polis: Revista de Estudos Juridico-Po!Hicos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136

crista coma motor da sua funda<;ao, razao pela qual teriam de admitir-se, coma aconteceria, aproxima<;6es quer ao liberalismo quer ao conservadorismo, nas suas bases e nas suas direc<;6es politicas. Por isso mesmo, nao surpreende que exista quem inclusivamente considere que o que verdadeiramente caracterizava o CDS era o centrismo liberal, que se 92 sobrepunha a ideologia democrata crista • Nao estarei tao certo disso. Mas olhando para as personalidades que fundaram o CDS, que nao provinham dos drculos de cat6licos progressistas, olhando para as personalidades convidadas para liderar o CDS, que tambem nao eram conhecidas coma partidarios da democracia crista e, finalmente, olhando para a forma coma, historicamente, o partido se fundou e sedimentou, nao tenho duvidas em considerar que o CDS nasceu coma urn partido centrista destinado a ocupar urn espa<;o neo-liberal e que apenas se aproximou da democracia crista par forma a obter protec<;ao internacional.

5.2.3. 0 quadro doutrinario fundacional do PPD ea democracia crista

Criado a 6 de Maio de 1974, havia no PPD urn cruzamento entre uma linha cat6lica-social, onde se encontravam representantes de movimentos cat6licos, grupos de cristaos, associa<;6es, cooperativas, jornais e revistas, uma linha social­ 93 liberal, uma linha social-democratica e uma linha tecnocratico-social • Par ter sido criado alguns meses antes do CDS, o partido fundado par Sa Carneiro, Magalhaes Mota e Pinto Balsemao conseguiu arregimentar uma significativa parte dos chamados cat6licos progressistas94 cam base, par urn lado, no carisma pessoal de Sa Carneiro, a quem era reconhecida a extraordinaria influencia do personalismo cristao e, par outro lado, na experiencia da Ala Liberal, que transitou quase toda para este partido. Nestas circunstancias, o PPD apareceu coma a sequencia l6gica, na 95 democracia, do esfor<;o de renova<;ao iniciado naqueles tempos do Marcelismo • 96 Enquanto "partido instantaneo" , o PPD arregimentou as suas bases mais pelo que o PPD parecia representar devido ao passado dos seus fundadores, do que propriamente pelo seu programa e ideias, que alias eram desconhecidas de 97 grande parte dos que a ele aderiram . Daf que o PPD desde sempre tenha constitufdo uma amea<;a a hegemonia do CDS no eleitorado tradicionalmente adepto da democracia crista, ajudando,

92 Neste sentido, RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, E volu ~iio ... , Tese de Mestrado, pag. 15. 93 Cfr. , A R evolu ~iio eo Nascimento do PPD, 1. 0 Volume, Lisboa, 2000, pag. 14-15. 94 Casos de Guilherme d'Oliveira Martins, Joao Salgueiro, Magalhaes Mota ou Joao Bosco Mota Amaral. 95 No sentido de que a Ala Liberal funcionaria coma referencia invocada pelo PPD, cfr. JOAQUIM AGUIAR, A Ilusiio do Pode 1~ Antilise do Sistema Partidtirio Portugues 1976-1982,Lisboa, 1983, pag. 239 %A expressao e de JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pag. 240. 97 Cfr. ANT6NIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, ob. cit., pag. 115.

Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. 0 ' 13/16 (2007) 119 Adolfo Mesquita Nunes por isso, a espartilha-lo e a impedir a sua homogeneiza<;:ao ou mesmo a sua autonomiza<;:ao. Apesar da influencia do personalismo humanista, tao caro aos democratas cristaos, o PPD foi fundado como partido da social democracia, corrente ideol6gica por que Francisco Sa Carneiro ja mostrara preferencia mesmo antes 98 da Revolu<;:ao , optando por nunca se afirmar democrata cristao. Para isso contribuiu nao s6 a ausencia de urn verdadeiro e autonomizado eleitorado democrata cristao, mas tambem a crise de identidade que entao se 99 verificava nas democracias cristas europeias , causada especialmente pela seculariza<;:ao da vida politica e o dominio do espectro politico do centro-direita por for<;:as politicas sociais democratas ou por for<;:as conservadoras. Claramente preocupado em fazer aceite o seu partido no quadro partidario portugues, todo o discurso inicial do PPD se conduzia para a esquerda e falava na constru<;:ao do socialismo, do qual a social democracia constituia o verdadeiro 100 caminho • No entanto, esse posicionamento a esquerda contrastava corn grande parte dos dirigentes fundadores do PPD, levando mesmo a que se considerasse esse partido mais como uma reac<;:ao dos "liberais" a revolu<;:ao de Abril do que como urn partido socialista. Afinal, o PPD era considerado como urn partido que se afirmava em torno 11 do objectivo liberal de afirma<;:ao da classe media"101 e que se poderia definir 102 como urn bloco "girondino e liberal" . Existia portanto urn desfasamento evidente entre o entendimento da classe dirigente do PPD e o programa entao apresentado. Fen6meno identico sucedia tambem no CDS. No entanto, ao contrario do que sucedia no CDS, o PPD, e depois PPD/PSD, fez da falta de "tradi<;:ao politica consistente, dotada de uma posi<;:ao ideol6gica reconhecida no sistema das classifica<;:6es politicas usuais"103 urn dos seus principais atractivos. 0 PPD /PSD tornou-se rapidamente num partido pragmatico, que vai alterando, consoante as lideran<;:as104 e as circunstancias, o seu rumo e a sua 105 106 ideologia de base e vai fazer desse pragmatismo a sua imagem de marca .

98 Numa entrevista a Jaime Gama, entao jornalista do A Reptiblica, em Janeiro de 1972, cfr. MARIA JOAO AVILLEZ, ob. cit., pag. 69. 99 Sucintamente descrita em ROBERTO PAPINI, L'Intemationale Dbnocrate-Chretienne 1925-1986, Paris, 1988, pag. 197 e ss. 100 In Por uma Social-Democracia Portuguesa, Lisboa, 1975, pag. 32-33. 101 Cfr. JOAQUIM A GUlAR, ob. cit., pag. 242. 102 Cfr. CARLOS BLANCO DE MORAlS, ob. cit., pag. 11. 103 Cfr. JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pag. 240. 104 Para uma total compreensao do papel dos lideres do PSD na formac;ao da ideologia tfpica do partido, v. por todos NUNO MANALVO, PSD, A Marca .. .. 105 0 pragmatismo ea constante alternancia entre as vertentes mais socializante e mais liberal do partido encontram-se plasmadas, por exemplo, na formac;ao da AD, que ocorre como resposta a recusa do PS em se aliar corn os sociais democratas. Neste sentido, cfr. JOAQUIM AGUIAR, ob. cit., pag. 262. 106 Jose Freire Antunes chama-lhe "hibridismo ideol6gico", o que cedo teria trazido "vendavais internos" ao partido, cfr. JOSE FREIRE ANTUNES, ob. cit., pag. 100.

0 120 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136

Tal estrah~gia nao deixou, no entanto, de criar alguns problemas na vida interna do partido, culminando, algumas das vezes, corn a saida dos militantes que 107 discordavam da deriva pragmatica que Sa Carneira impunha .

5.2.4. 0 falso centrismo do CDS

0 CDS nasceu, como ja tive oportunidade de evidenciar, afirmando-se coma urn partido de centra. No seu Programa, define-se como "partido centrista, 108 aberto a uma genuina criatividade politica" , que nao e nem de esquerda nem 109 de direita • A preocupa<;ao em afirmar-se de centra seria uma constante t6nica de Diogo Freitas do Amaral, em varios discursos e interven<;6es, demonstrando 110 claramente 0 centrismo como elemento caracterizador do CDS • Apesar de doutrinalmente se encontrar ao centra politico, o certo e que urn centra s6 se afirma como tal se estiver entrincheirado entre dois polos. E no sistema politico portugues, o CDS nunca esteve entre dois polos, antes pelo contrario. 0 CDS era a direita portuguesa e era no CDS que a direita portuguesa votava. Para tal contribuiram variados factores. Em primeira lugar, o facto de todos os partidos que estavam a direita do CDS nunca terem tido qualquer expressao eleitoral relevante. 0 CDS era o partido mais a direita no espectro parlamentar e o unico partido a direita do PPD corn 111 reais possibilidades de chegar ao Governo • Em segundo lugar, o facto de o CDS se ter predisposto a fazer uma coliga<;ao 112 pre-eleitoral corn o PDC para aAssembleia Constituinte • 0 PDC era considerado coma urn partido direitista e que nao enjeitava a sua filia<;ao na direita portuguesa.

107 Veja-se, por exemplo, o caso das Opfi5es Inadiaveis, ou a forma<;ao da ASDI, cfr. ANT6NIO PEDRO RIBEIRO DOS SANTOS, ob. cit., pag. 107 e ss e FERNANDO FARELO LOPES E AND RE FREIRE, Partidos Polfticos e Sistemas Eleitorais- Uma Introdufi'iO, Oeiras, 2002, pag. 45. 108 Cfr. Programa ..., lac. cit., pag. 4. 0 CDS era, afinal, a resposta a uma pergunta lan<;ada por Adelino Amaro da Costa num artigo de opiniao assinado antes da funda<;ao do partido: "Esse centrismo que e, enfim, urn contraste fecundo e colaborante entre o centro-direita eo centro-esquerda, onde esta, em Portugal? Quem o interpreta? Quem o prop6e como atitude fundamental de Governo? Eis urn enorme espa<;o politico que apesar de tudo continua vago, em termos de institui<;6es partidarias, corn genuina expressao popular", Artigo publicado no Diario Popular em 19 de Junho de 1974, e que consta de urna colectanea de artigos do autor: ADELINO AMARO DA COSTA, 0 Govemo Centrista e Democratico in Democracia e Liberdade, n. 0 18, Lisboa, 1981, pag. 40. 109 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 226. 110 Vejam-se as respostas de Freitas do Amaral no programa Responder ao Pais da RTP, em Junho de 1975, e onde Freitas do Amaral descreve o partido como centrista, entre homens e ideias de centro­ esquerda e centro-direita, in Freitas do Amaral na RTP, Lisboa, 1977, pag. 5-7. 111 Efectivamente, o Unico partido a direita do CDS corn possibilidades de vir a ter algum relevo eleitoral, o Partido da Democracia Crista (PDC), viu suspensa a sua actividade na sequencia dos acontecimentos do 11 de Mar<;o (Decreto-Lei n. 0 137-E/75 de 13 de Mar<;o) e foi proibido de participar nas elei<;6es para a Assembleia Constituinte, pelo que foi o CDS o partido mais a direita a obter representa<;ao parlamentar, sentando-se por isso no extremo direito do hemiciclo. 0 PDC chegou mesmo a ser membra observador, juntamente corn o CDS, da UEDC. 112 E que resultou na condi<;ao apresentada pelo CDS para se manifestar favoravelmente a entrada como observador do PDC na UEDC, motivada pelo receio que a sigla do mesmo viesse a roubar eleitorado ao CDS, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 333-334.

0 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 121 Adolfo Mesquita Nunes

Urn dos seus fundadores, Nuno Kruz Abecasis, que alias aderiria ao CDS, tendo desempenhado importantes cargos partidarios, bem coma sido Presidente da Camara Municipal de Lisboa, eleito em coliga<;:ao CDS/PPD/PPM, viria mesmo 113 a dizer que o PDC nao era nem democratico nem cristao . Em terceiro lugar, a dificil afirma<;:ao do CDS coma partido do arco democratico, visto que, ate ao 25 de Novembro de 1975, o partido sofreu "ataques 114 de toda a ordem", tendo sido "caluniado, insultado, perseguido" • Momento emblematico deste clima foi o cerco ao I Congresso do CDS, que se realizou no 115 Porto em Janeiro de 1975 • Todos os epis6dios vividos pelo CDS ate ao 25 de Novembro, aos quais nao faltam sedes pilhadas ou comfcios interrompidos por manifestantes, contribufram para criar a sensa<;:ao de que o CDS era urn partido a direita e nao urn partido do 116 centro • Em quarto lugar, o facto de o CDS ter sido fundado apenas em Julho, nao tendo por isso integrado o I Governo Provis6rio, deu espa<;:o ao PPD para, por urn lado, cativar o eleitorado moderado e de centra, e por outro, chamar as figuras 117 mais emblematicas e representativas desse eleitorado • Em quinto lugar, o facto de o PPD, e ate o PS, terem envidado varios esfor<;:os para se demarcar do CDS, procurando, corn isso, encostar o CDS a direita. Corn esta estrategia, o PPD poderia afirmar-se como urn partido de centro-esquerda, 11 8 apto a captar os votos do centro-direita , tornando o CDS menos atractivo para

11 3 Citado em RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., ;x1g. 958. 114 In 4 Anos CDS- A Fon;a de urn Futuro Melhor, Agueda, 1978, pag. 11. 11 5 Para urn referenda mais detalhada a este epis6dio, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 303-305 e 4 Anos CDS- A Forra de urn Futuro Melhor, Agueda, 1978, pag. 11 e ss. 116 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 257 e ss e 287 e ss. 117 A atitude de Diogo Freitas do Amaral em niio avanc;ar corn a fundac;ao de urn partido politico assim que teve a primeira sugestiio nesse sentido viria por este a ser considerada como o seu maior erro politico, em virtude do qual o CDS se veria afastado do arco governativo, niio beneficiando por isso dessa legitimidade, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 167. 118 Diogo Freitas do Amaral relata nas suas mem6rias politicas alguns dos epis6dios que demons tram alguma incapacidade de relacionamento entre o CDS eo PPD, como urn convite que dirigiu a Carlos Mota Pinto para urn almoc;o politico, o qual fez condicionar a resposta positiva de deliberac;iio nesse sentido da Comissao Politica Nacional do PPD, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 391-392, e 234, sendo que por variadas vezes esses factos eram levados ao conhecimento do Congresso do CDS, in A Democracia-Cristii em Portugal ... , pag. 73 e 113. Em 2 de Dezembro de 1974, por exemplo, o PPD emitiu urn comunicado em que afirmava que a "sua situac;iio no xadrez politico nacional e bem diferente da do CDS", afirmando depois que o "PPD, por ultimo, percebe que alguns receios possam existir nos representantes do CDS pelos ataques de que tern sido alvo, mas a marcac;ao politica do PPD ja e suficientemente clara e distinta para que iguais tratamentos se dirijam a partidos que nada tern de comum", citado por JOSE RIBEIRO E CASTRO, A Bipolarizariio eo Anti-Fascismo, Lisboa, 1978, pag. 3. Numa intervenc;ao em 1979, Francisco Lucas Pires sintetizaria as preocupac;oes do CDS, dizendo que o CDS, ao recusar-se sera muleta do PSD, estava a empurrar o PSD "para a esquerda ea fazer-lhes alargar o seu campo a esquerda e nao a direita. Porque o campo em que e legitimo que os sociais democratas pesquem e urn campo de esquerda e nao urn campo de direita". Mais adiante chegaria a dizer que o PSD tinha urn grande problema "porque nasceu em Portugal para integrar no regime socialista forc;as liberais quando historicamente os sociais democratas apareceram sim para integrar em regimes liberais, forc;as socialistas", cfr. FRANCISCO LUCAS FIRES, 0 CDS ea Situariio Politica Naciona/, Coimbra, 1979, pag. 15.

0 122 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n . ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 o eleitorado moderado que este tanto pretendia, o que, alias, desde cedo foi percebido pelos dirigentes do CDS.

5.2.5. As bases e o eleitorado do CDS

119 Num estudo feito em 1983 , o CDS apresentava, no respeitante aos seus militantes, uma estrutura envelhecida, sobretudo se comparada corn a do PSD, profissionalmente mais ligada aos quadros medios e superiores, bem como aos industriais e comerciantes e corn muito pouca incidencia em operarios, estudantes 120 e agricultores • Em termos de camadas socioprofissionais, o CDS tinha especial incidencia nas classes superior e media alta, as quais compunham 51,2% dos seus militantes, enquanto que sao as camadas media baixa e baixa que dominavam no PSD, perfazendo 59,3% dos seus filiados. Corn base nestes dados, as conclus6es desse estudo foram as de que o CDS, representando essas categorias sociais especificas, nao poderia ascender ao estatuto de urn partido de "reuniao" e estaria mais vocacionado para ser urn partido de defesa de uma clientela particular, ao passo que o PSD era caracterizado como urn partido de fei<;ao mais populista, corn elites sociologicamente representativas, 121 aproximando-se muito da no<;ao de catch-all party • Se tradicionalmente os partidos democratas cristaos se caracterizam por ser interclassistas, o certo e que em Portugal tal nao aconteceu corn o partido que se assumiu democrata cristao. 0 CDS e, ainda hoje, urn partido em que dominam as classes alta e media alta e em que profissionalmente sao os quadros medios e superiores que dominam, nunc a tendo conseguindo ser urn partido interclassista, 122 ainda que tal incapacidade nunca tivesse sido admitida pelos seus dirigentes . Por outro lado, num outro estudo que averigua da classifica<;ao do eleitorado 123 de cada partido entre esquerda e direita realizado em 1984 , o CDS era nao s6 124 o partido portugues mais a direita , como tambem, quando comparado corn os principais partidos de todos os sistemas partidarios dos entao 10 membros da Comunidade Econ6mica Europeia (e onde se incluiu a Espanha), o segundo partido mais a direita da CEE, apenas sendo superado pelo Nova Democracia da Grecia. Quando comparado corn os restantes partidos democratas cristaos 125 europeus, essa tendencia e ainda mais acentuada •

119 Cfr. MARIAJOSE STOCK, A Base Social de Apoio eo Recrutamento dos Uderes do PSD e do CDS, in Revista de Ciencia Politica, n. 0 1, Lisboa, 1985, pag 103-121. 120 Em termos de quadros superiores, o CDS tinha mais 49,1% do que o PSD, em termos de operarios tinha menos 98,5% do que o PSD e em termos de agricultores tinha menos 13,7% do que o PSD. 121 Cfr. MARIAJOSE STOCK, ob. cit., pag.l18-119. 122 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 466. 123 Cfr. JOSE MANUEL DURAO BARROSO E JONAS CONDOMINES, A Dimensao Esquerda-Direita ea Competic;ao Partidaria na Europa do Sul, in Revista de Ciencia Politica, n.0 1, Lisboa, 1985, pag 35-60. 124 Com o valor de 7,8 quando o PSD tinha 7,1, sendo a esquerda equivalente a 0 ea direita a 10. 125 Os partidos belgas PSC:7,4 e CVP:7,2; o CDAholandes: 6,9; o CSV luxemburgues: 6,9; o FG irlandes:

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Isto e, o CDS nao conseguiu congregar bases e eleitores de quadrantes politicos diversos, antes sendo considerado como o partido da direita e numa perspectiva comparativa, 0 segundo partido mais a direita do quadro parlamentar comunitario de entao. Se o PS conseguiu reproduzir as varias correntes socialistas existentes na Associac;ao Socialista Portuguesa (ASP), congregando desde os antigos republicanos e socialistas a cat6licos progressistas, passando por sindicalistas, neo-marxistas e mac;ons; se o PSD conseguiu agregar socialistas, cat6licos progressistas, ligados quer a SEDES, quer as juventudes e organizac;oes cat6licas 126 e ainda os conservadores , o CDS foi o partido onde se filiou a "direita 127 declarada" . Se atentarmos quernos documentos programaticos do CDS, quernas sucessivas declarac;6es e intervenc;6es polfticas dos fundadores do CDS que pretenderam colocar o partido na corrente democrata crista, encontramos urn evidente desfasamento entre o que era o posicionamento politico das elites fundadoras do partido, as bases que a eles aderiram e os eleitores que nele votaram. E opiniao corrente que, devido ao condicionalismo revolucionario, quer o PPD, quer o CDS e quer tambem o PS, tiveram de colocar os seus programas a 128 esquerda dos seus eleitorados . No caso do CDS, pelo que deixa entender o seu primeiro presidente, tal situac;ao foi ainda mais dramatica, pois Diogo Freitas do Amaral nunca afirma que o seu Programa ficou a sua esquerda, antes pelo contrario. Segundo ele, o Programa do CDS estava conforme aos seus dirigentes, pelo que, em rigor, s6 resta concluir que o que existia nao era uma mera divergencia entre o partido e o 129 seu programa, mas entre as bases do partido e os seus dirigentes . No entanto, sera demasiado simplista declarar a existencia de urn desfasamento entre os dirigentes e as bases e eleitores do partido, quando existem varios epis6dios que nos demons tram que tambem entre os dirigentes se encontravam personalidades mais pr6ximas da direita conservadora do que do centrismo tao vincado por Diogo Freitas do Amaral. Coma explicar o convite a Adriano Moreira para ser lfder do partido, quando este era urn homem marcadamente conservador? Coma explicar a presenc;a de Basflio Horta nas direcc;6es do CDS, quando este viria a ser considerado por Freitas

6,3; a AP espanhola que englobava os democratas cristaos do PDP: 7,2 ea CDU /CSU alema: 6,7. 126 Cfr. FERNANDO FARELO LOPES E ANDRE FREIRE, ob. cit., pag. 47. 127 A expressao e de FERNANDO FARELO LOPES E ANDRE FREIRE, ob. cit., pag. 47. 128 Referindo-se ao caso do CDS, cfr. JOAQUIM A GUlAR, ob. cil., Lisboa, 1983, pag. 290. 129 Isso mesmo parece admitir Freitas do Amaral, quando refere, a prop6sito de muitos militantes se terem desfiliado depois da visita do CDS ao PCP, que "tinha comec;ado o longo "brac;o de ferro" entre o caracter centrista e moderado que os dirigentes do CDS queriam imprimir ao seu partido e as posic;oes de direita pura e dura que muitas das bases desejavam ver assumir pelo partido "delas"", DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 225. "0 CDS, tal coma os seus fundadores o criaram em 1974 - centrista, social, e pr6-europeu - durou 19 anos, e terminou em 1993. Comec;ou par mudar de natureza e de posicionamento politico: tern toda a 16gica que tambem tenha mudado de name em Fevereiro de 1995", DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 195.

124 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n .0 ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 do Amaral como urn extremista130? Como explicar que sao os pr6prios fundadores do Partido que tern relutancia em aceitar no Pragrama do partido o div6rcio ou a auto-determina<;ao das col6nias131? Como explicar o convite ao General Galvao de Melo para ser candidato a Assembleia Constituinte nas listas do CDS? Ao contrario de Freitas do Amaral, creio mesmo que grande parte dos fundadores estava mais proximo da direita declarada do que do centra, ou do centrismo como metodologia. Nao se pode, obviamente, negar que o CDS conquistou parte do eleitorado cristao, moderado e de centra e que tal se reflectia nas bases do partido. Mas tambem nao se pode negar que grande parte do eleitorado do CDS reagia corn indiferen<;a ao centrismo. Dai que nao se pode, corn propriedade, afirmar que as posteriores viragens a direita do CDS constituiram uma especie de desvirtua<;ao do ideario do partido, mas antes, tao somente, o despontar das varias sensibilidades que, desde a sua origem, convivem no mesmo espa<;o.

5.2.6. A lideran<;a de Diogo Freitas do Amaral desde as elei<;6es para a Assembleia Constituinte ate a sua demissao

Diogo Freitas do Amaral foi Presidente do CDS desde 1974 ate 1982, ano em que apresentou a sua demissao. A sua primeira presidencia marca e confirma o quadra fundacional do partido, uma vez que, ate ao seu termo, o partido nao sofreu qualquer ruptura doutrinal. Este periodo foi marcado por 3 factos determinantes para a compreensao do quadro doutrinal fundacional do CDS: a vota<;ao da Constitui<;ao da Republica Portuguesa, a coliga<;ao governamental corn o PS e a coliga<;ao eleitoral corn o PPD /PSD e o PPM, a Alian<;a Democratica (AD). 32 0 CDS foi o unico partido que votou contra o texto constitucionaP • A

130 Cfr. NUNO CINTRA TORRES, Televisao Politica, sl, 1996, pag. 172. 131 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, ob. cit., pag. 193-195. 132 No entender do CDS, a CRP era demasiadamente socialista e transpersonalista, apartando-se por isso da proposta personalista crista defendida pelo CDS. E exemplifica algumas das solu~6es que considera inaceitaveis da CRP, que vao desde a "apropria~ao dogmatica pela colectividade de meios de produ~ao, dos solos e recursos naturais; a concep~ao antidemocratica de exercicio do poder democratico apenas pelas classes trabalhadoras; ao convite contradit6rio em democracia, de vincula~ao das For~as Armadas e Governo a urn projecto politico restrito"; que vao desde urn "ensino particular reduzido as precarias caracteristicas de supletividade do ensino publico; a impossibilidade de se legislar sobre 0 ambito de urn justamente inalienavel direito a greve; a absurda mitifica~ao do piano como instrumento privilegiado de progresso econ6mico; a aparente recusa de promover o acesso dos trabalhadores a propriedade; as graves limita~6es acerca do direito de propriedade de pequenos e medios agricultores; a defini~ao limitativa e nao criadora do sector privado da economia a urn papel remanescente e soberante no quadro geral da actividade econ6mica, a nao aceita~ao positiva da familia como fundamento natural da sociedade: as resh·i~6es, inexplicaveis e desconfiadas, a legitima autonomia politico-administrativa dos A~ores e da Madeira no quadro da unidade nacional; e, enfim, ao nao reconhecimento, na for~a hist6rica do seu puro significado, da ideia de Estado de Direito no articulado constitucional", Declara~ao de voto do Deputado Vi tor Sa Machado, in, Diario da Assembleia Constituinte, n.0 132, pag. 4438

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vota<;:ao do CDS foi determinante para refor<;:ar a sua identidade como urn partido da direita parlamentar e como o unico partido que recusava o socialismo. Foi alias assim que, poucos dias depois, o CDS alcan<;:ou, nas primeiras elei<;:6es legislativas, realizadas em 25 de Abril de 1976, o seu melhor resultado de sempre, obtendo 16% dos votos e elegendo 42 Deputados. Estes resultados eleitorais demonstraram o entiio espa<;:o natural do CDS, o qual abrangia nao s6 a direita eleitoral, como tambem captava grande parte dos eleitores do centra. Sao alias estes resultados que permitem perceber, de certo prisma, o dilema em que sempre viveria o CDS. Por urn lado, os resultados eleitorais demonstraram que nenhum partido a direita do CDS obteve relevancia eleitoral, pelo que, grande parte do eleitorado do CDS estava a direita, estando por isso o partido refem desse eleitorado133 e, por outro lado, o Presidente do CDS manifestava-se mais empenhado em buscar 134 os votos ao centro • Foi talvez corn base nestas preocupa<;:6es e corn este contexto, que o CDS optou por integrar, em 1977, o II Governo Constitucional, acedendo ao convite de Mario Soares. Ao aceitar o convite de Mario Soares, o CDS procurava aumentar "a respeitabilidade e a credibilidade democraticas ( ... ) como potencial partido 135 de governo" , ao mesmo tempo que procurava estrangular o espa<;:o politico existente entre o PS e o CDS. Os objectivos nao foram, como o tempo demonstrou, verdadeiramente conseguidos. Antes pelo contrario, a op<;:ao do CDS criou varios problemas acrescidos, como a "apreensao entre os militantes de base" ea "perda de simpatia 136 das confedera<;:6es de agricultores, industriais e retalhistas" , que pareciam ver no acordo de governo celebrado entre o PS eo CDS, urn "acordo anti-natural, entre urn partido socialista corn fortes raizes marxistas, e urn partido democrata­ 137 cristao, corn uma linha programatica muito diferente" . Quando em 1979, o PPD/PSD, o CDS eo PPM se coligaram eleitoralmente na AD138 e formaram Governo, o CDS marcou novamente a hist6ria da polftica portuguesa, passando a ser o unico partido portugues a ter tido experiencia governativa em coliga<;:ao corn os dois maiores partidos portugueses, tornando­ se num verdadeiro partido de charneira. Corn ambas as coliga<;:6es, o CDS de Freitas do Amaral demonstrou ser urn partido mais preocupado em colocar em pratica as suas polfticas, influenciando a ac<;:ao governativa, do que, escudado no seu programa, recusar coliga<;:6es eleitorais.

133 0 PPD, ao conseguir 24,38% dos votos, tornava-se no partido alternativo ao PS, e captava muitos votos no centro politico, pelo que se tornava arriscado para o CDS desprezar os votos que !he chegavam da direita. 134 Neste sentido, cfr. RICHARD H. ROBINSON, ob. cit., pag. 960. 13s Cfr. RICHARD A. H . ROBINSON, ob. cit., pag. 961. 136 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 961. 137 In 4 Anos CDS- A For~a de urn Futuro Melhor, Agueda, 1978, pag. 49. 138 A que se juntou o Grupo dos Reformadores do PS.

0 126 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Dernocracia Crista (1974-1992), pp. 101-136

E corn esta atitude, o CDS demonstrava em Portugal, a pragmaticidade que caracterizava os partidos democratas cristaos europeus em materia de coliga<;6es, 139 menos apegados aos "separatismos ideol6gicos" • A AD correspondia mesmo ao ideal governativo do CDS, sempre interessado em governos maioritarios, corn 140 base em coliga<;6es eleitorais • Assim, mesmo quando a democracia crista foi, em todo o seu esplendor, a familia politica assumida do partido, o CDS dispos-se, numa abertura ideol6gica de grande amplitude, a conviver no governo corn dois partidos de fei<;6es assumida ou moderadamente socialistas. Isto e, a democracia crista nao funcionou, antes pelo contrario, como elemento excludente de outras formas de entendimento da governa<;ao. Talvez por isso mesmo, a AD nao deixou de sofrer crfticas por parte de dirigentes e de bases do CDS. 0 rumo que estava a ser seguido por Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa foi sendo, de forma mais ou menos discreta, mais ou menos evidente, posta em causa por destacados dirigentes do partido. Francisco Lucas Pires chegou mesmo a exigir uma nova base programatica para 141 a AD , apresentando urn tom crftico relativamente a politica de coliga<;6es do CDSI42. A morte de Sa Carneiro e Amaro da Costa em Dezembro de 1980 veio perturbar os planos do CDS de se assurnir como o bra<;o democrata cristao de uma grande frente eleitoral. Em 1982, no seguimento do definhar da AD e da ruptura corn Francisco Pinto Balsemao, Diogo Freitas do Amaral demitiu-se de todos os seus cargos no Governo e no partido e abriu caminho a sua sucessao. Agora que Diogo Freitas do Amaral safa do partido e que a AD chegava ao fim, o CDS estava finalmente em condi<;6es de saber qual o seu espa<;o e qual o seu papel no sistema partidario portugues. Finalmente, depois de 3 anos integrado numa coliga<;ao governamental que reunia uma frente que agrupava figuras do centro-esquerda ate a direita, o CDS poderia testar a estrategia seguida ate af. Seria o CDS urn partido capaz de congregar o eleitorado tradicionalmente proximo da democracia crista, moderado, de centra, a par do eleitorado conservador? Seria o CDS capaz de se imp or no panorama politico portugues, competindo corn o PPD /PSD pela lideran<;a do espa<;o politico a direita do Partido Socialista? Sem o comando dos seus criadores maximos, chegava finalmente a hora de perceber o que era, ao certo o CDS. Sem a presen<;a tutelar de Diogo Freitas do

139 Cfr. FRANCISCO LUCAS PIRES, 0 Centrismo e o Realismo Cristiio in Democracia e Liberdade, n.0 3, Lisboa, 1977, pag. 2a . 14°Cfr. RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, Evolufiio ... , Tese de Mestrado, pag. 47-48. 141 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 962. 142 De acordo corn Francisco Lucas Pires, na altura Vice-Presidente do CDS, urn partido dernocrata cristao nao deveria ser apenas urn partido de poder, tendo rnesrno de ser, por vezes, urn partido de protesto, pelo que se tornava essencial, na sua opiniao, rever a dernocracia crista, nisso irnplicando urn reposicionarnento do partido no sisterna politico portugues, FRANCISCO LUCAS PIRES, Rever a Democracia Crista in Democracia e Liberdade, n.0 20, Lis boa, 1981, pag. 65.

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Amaral ou de Adelino Amaro da Costa, o que decidiriam os militantes do COS? Assumir a democracia crista?

6. As evoluc;oes doutrinais do CDS

6.1. A aproxima~ao ao liberalismo

A crise de sucessao aberta pela dernissao de Diogo Freitas do Amaral culminou em Fevereiro de 1983 corn a elei<;ao de Francisco Lucas Pires para presidente da Cornissao Politica Nacional do COS. A candidatura de Lucas Pires opunha-se a candidatura de urn fundador do partido e tambem ex-ministro da AD, Luis Barbosa, apoiado por nomes hist6ricos muito associados a Freitas do Amaral e a chamada corrente democrata crista, como Luis Beiroco, Morais Leitao, Teresa Costa Macedo, Ribeiro e Castro ou Anacoreta Correia. E sobretudo pelo contraponto corn esta candidatura de Luis Barbosa que e possivel melhor entender que a lideran<;a de Lucas Pires vai traduzir-se na prirneira viragem a direita do COS, na tentativa de encontrar o eleitorado natural do partido Francisco Lucas Pires ganhara notoriedade no COS por representar a ruptura corn o estilo centrista e democrata cristao de Diogo Freitas do Amaral. 0 seu discurso era manifestamente menos vocacionado para a doutrina democrata crista, encontrando maior eco na direita liberal, falando na necessidade de encontrar urn "elan" liberal para 0 cos. A sua ascensao a lider do partido foi por isso encarada como a ascensao de urn direitista a lider do CDS143 e como a vit6ria das bases da provincia sobre as bases da 44 capitaP • Poucos meses depois da sua elei<;ao como lider do COS, em Abril de 1983, Lucas Pires tern de enfrentar urn desafio eleitoral, em resultado da dissolu<;ao da Assembleia da Republica pelo entao Presidente da Republica, General Ramalho Eanes. Sem muito tempo para estruturar urn discurso novo e sin6nirno da viragem 145 entao ocorrida no partido, o COS desceu para 12% dos votos e 30 Deputados . Na oposi<;ao ao govemo de bloco central entao forma do pelo PS e pelo PPD I PSD, Lucas Pires dispos do tempo que necessitava para organizar o partido e para lhe dar urn novo rurno.

143 RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, ob. cit., pag. 395. 144 Vasco Pulido Valente chamou-o de "encarna.;ao da audacia provinciana", VASCO PULIDO VALENTE, As Avessas, Lisboa, 1990, pag. 217. 145 0 resultado eleitoral obtido demonstrou, em primeiro lugar, que o CDS nao foi beneficiario da AD, antes saiu da mesma prejudicado, descendo percentualmente e em numero de deputados. Em segundo lugar, o resultado eleitoral demonstrou que o PPD / PSD estava mais apto a reunir os votos do centra direita do que o CDS. De facto, o PPD / PSD, agora corn a lideran<;a de Mota Pinto, obteve 27,24% dos votos e 75 Deputados.

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Lucas Pires procurou entao criar urn novo programa liberal e de inspira<;ao crista, a que chamou primeiro de nacionalismo liberal e depois de conservadorismo 146 popular . Corn esse programa, reunido no documento Programa Para Uma Nova Decada, procurou Lucas Pires urn "regresso a pureza do prindpio da subsidariedade, na 147 ordem pol:i:tica, econ6mica, educativa e social" , para tal juntando urn conjunto significativo de jovens quadros do CDS e de outras figuras independentes ligadas 148 ao liberalismo, denominados coma Grupo de Ofir • 0 programa entao elaborado era transversalmente atravessado pelo liberalismo. De acordo corn este novo programa, as principais metas do pais seriam a liberdade da economia, a autoridade do Estado e a mobilidade da sociedade, sendo o Homem considerado coma alguem que aspira a uma maior 149 liberdade de alternativas . Coexistia corn esta vertente liberal, uma acentuada preocupa<;ao social acompanhada de arrojadas e liberais concep<;6es do sistema de seguran<;a 50 sociaP • 0 objectivo de Lucas Pires era colar a imagem do PSD e Mota Pinto ao PS de Mario Soares, culpando ambos pelas medidas impopulares e de conten<;ao e ainda pelo caminho socializante do pais. Lucas Pires afirmou que ambos nao passavam de uma ideia velha e falhada 151 tornando-se necessaria contrapor uma nova ideia e urn novo programa . 0 objectivo era conquistar o eleitorado democrata cristao, liberal e conservad01~ 152 construindo a partir desse eleitorado urn partido popular de centro , contando sempre corn a imagem de esquerda que Mota Pinto imprimia ao PSD. Lucas Pires afirmaria que o PSD eo PS estavam a operar uma socializa<;ao do pais que urgia combater, vista ser esta a responsavel pela ineficiencia econ6mica, a instabilidade pol:i:tica, a injusti<;a social, a corrup<;ao e a falta de afirma<;ao 153 externa do pais . 0 projecto parecia ser do agrado dos eleitores, vista que o CDS subia nas

146 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 964 e RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, Evolufiio Politico Ideol6gica do COS/PP, Tese de Mestrado, Lisboa, 1999, pag. 58. 147 In GRUPO DE OFIR, Objectivo 92- No Caminho da Sociedade Aberta, Lisboa, 1988, pag. 9. 148 Entre estes nomes contavam-se os de Jose Luis Nogueira de Brito, Miguel Anacoreta Correia, Jose Adelino Maltez, Paulo Portas (entao independente, vindo a filiar-se em 1996, e sendo eleito Presidente da Comissao Politica Nacional do COS/PP em 1998), Jose Gabriel Queir6, Ant6nio Lobo Xavier, Jose da Cruz Vila<;a, Vitor de Sa Machado, Vieira de Carvalho, Manuel Queir6, Jose Carlos Vieira de Andrade, Paulo Lawndes Marques, Manuel Cavaleiro Brandao, Ant6nio Bagao Felix e Gomes de Pinho. Algo que Anibal Cavaco Silva tambem procurara fazer, ao atrair os quadros do Clube da Esquerda Liberal, de onde sobressaia o nome de Jose Pacbeco Pereira, cfr. ANIBAL CAVACO SILVA, Autobiografia PoUtica, Lisboa, 2002, pag. 277. 149 In GRUPO DE OFIR, ob. cit., pag. 21 e ss. 50 ' In GRUPO DE OFIR, ob. cit., pag. 133 e ss. 15 1 Cfr. FRANCISCO LUCAS PIRES, Corn Portugal No Futuro - Perspectivas de mudan<;a cultural e politica em Portugal, Lisboa, 1985, pag. 7. 52 ' Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 964. 53 ' Cfr. FRANCISCO LUCAS PIRES, COS, A Chave Para Mudar Portugal, 1985.

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154 sondagens para valores perto dos 20% . Ainesperada elei<;ao de Anfbal Cavaco Silva para Presidente do PSD, corn urn programa liberal, em ruptura corn o Bloco Central, apostando em Diogo Freitas do Amaral para Presidente da Republica e corn urn discurso muito proximo do de Lucas Pires, vem baralhar a estrategia do CDS. Lucas Pires ter-se-a mesmo apercebido de que toda a sua estrategia poderia ter sido posta em causa corn a elei<;ao de Cavaco Silva, mas isso nao o impediu de recusar reedi<;ao da AD, ao nao aceitar as condi<;6es impostas pelo PSD para 155 que esta se realizasse . 156 Nem os votantes de protesto, que acabaram por se refugiar no PRD , acabaram por salvar o CDS nas elei<;6es legislativas de 1985 que se seguiram e este desceu aos 10%, elegendo apenas 22 Deputados. Estes resultados eleitorais confirmaram, sobretudo, que o CDS nao estava apto a definir uma estrategia independente da estrategia do PSD, antes teria sempre de se conformar corn aquela. Falhava o projecto de urn partido popular de centro-direita e de direita, capaz de albergar o eleitorado democrata cristao, liberal e conservador. 0 CDS, fora, mais uma vez, ultrapassado pelo PSD no seu discurso natural. A tentativa mais ousada que o CDS ate entao fizera de alargar a sua base eleitoral e de se afirmar como verdadeiro partido alternativa ao socialismo fracassou corn Lucas Pires. Nunca, como corn Lucas Pires, o partido jogou tao 157 forte na tentativa de liderar o espa<;o politico a direita do PS .

6.2. A aproxima<;ao ao conservadorismo

Depois da derrota do seu projecto eleitoral, Lucas Pires pede a demissao da lideran<;a do CDS e novamente se abre uma crise de sucessao. Pela primeira vez se defrontam as tres correntes distintas existentes no partido. De urn lado, Joao Morais Leitao representa a democracia crista. De outro lado, Comes de Pinho representava o liberalismo herdeiro de Lucas Pires e por fim, do outro lado, Adriano Moreira, Ministro do Estado Novo, representa as correntes mais conservadoras do partido. Uma vez mais, o partido rejeitou a alternativa democrata crista alegadamente herdeira do espfrito fundacional do CDS e optou pela alternativa mais a direita.

154 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 965. 155 Lucas Fires chegou mesmo a an·ogar o direito de indicar o nome do primeiro ministro em caso de vit6ria. Para uma breve descric;ao destes acontecimentos, cfr. ANIBAL CAVACO SILVA, ob. cit., pag. 86 e ss. 156 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 965. 157 Se nos tempos da primeira lideranc;a de Freitas do Amaral, e como se vera, tambem nos tempos da segunda, o CDS se contentou em ser urn partido charneira, adoptando o modelo de equidistancia do FDL germanico, nos tempos de Lucas Fires, o CDS ambicionava liderar o espac;o nao socialista, congregando, e sobretudo assumindo, todas as correntes ideol6gicas que compunham este espac;o.

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Assim, em Abril de 1986, e Adriano Moreira que sobe a lider do partido. Se a lideran~a de Lucas Pires, apesar de criticada por ser direitista, foi tolerada por alguns fundadores democratas cristaos e encarada como urn interregna no rumo do partido, a lideran~a de Adriano Moreira afastava-se ja muito do rumo que esses fundadores haviam delineado. Assim, varios destacados militantes do CDS fundaram o grupo "Nova 158 Democracia" , tutela dos pela figura de Diogo Freitas do Amaral, entao candida to derrotado a Presidente da Republica, alguns dos quais assumiam a possibilidade 159 de se candida tar em elei~oes legislativas nas listas do PSD • 0 CDS de Adriano Moreira estava, de facto, longe das inspira~oes doutrinarias dos tempos fundacionais do CDS. Este aspecto esta bem patentenum documento da direc~ao deAdriano Moreira, que prop6e as exigencias politicas imediatas do CDS para uma Democracia Crista em Portugal, nele se resumindo uma renova~ao do discurso democrata cristao, muito para alem da renova~ao que Lucas Pires entendera urgente. A primeira exigencia, que se imp6e mesmo antes da exigencia de respeito total pela dignidade da pessoa humana, e precisamente a da consagra~ao de Portugal como o valor fundamental superior a todos os outros valores politicos. Para a nova direc~ao do CDS, "a Na~ao Portuguesa devera manter-se viavel e independente na igualdade corn todos os outros Estados e ser capaz 160 de enfrentar corn autonomia o desafio supranacional que nasceu em 1986" , num claro distanciamento do que ate af tinha sido o federalismo, econ6mico 61 nomeadamente em Lucas Pires e politico sobretudo em Freitas do AmaraP . Nao que a democracia crista possa repugnar o sentimento nacionalista, antes ele e integrado numa perspectiva mais ampla, visto que 0 nacionalismo nao e a ultima das associa~6es naturais. Essa realidade e a pessoa humana, envolta numa 62 comunidade internacionaP • Mas a nova direc~ao do CDS vai ainda cortar outra das mais simb6licas aspira~6es do partido. Em 1986, o CDS assumiu-se como urn partido municipalista, que rejeita

158 Entre esses membros estavam Luis Barbosa, Vitor Sa Machado, Roberto Carneiro, Maria do Rosario Carneiro, Jose Ribeiro e Castro, Maria Celeste Cardona e Rui Pena, in Diario Digital de 14 de Mar~o de 2003. Estes names seguiram, depois, rumos e destinos diferentes. Luis Barbosa, Vitor Sa Machado e Maria do Rosario Carneiro formariam uma nova Associa~ao, nos anos 90, que, integrada nas listas do PS, elegeria alguns deputados nas Elei~6es Legislativas de 1995, 1999 e 2001, Roberto Carneiro seria Ministro da Educa~ao em Governo PSD, Jose Ribeiro e Castro e Maria Celeste Cardona regressariam posteriormente as Direc~6es do COS, chegando este a Presidente do COS/PP e esta a Ministra da Justi~a, em Governo PPD/PSD em coliga~ao corn o COS/PP e Rui Pena seria Ministro da Defesa em Governo PS. 159 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 966. 160 In COS- Exigencias Politicas Imediatas, Lisboa, 1986. 161 A este respeito, cfr. RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, ob. cit., pag. 397. Veja-se tambem, a titulo de compara~ao, os discursos ja citados de Freitas do Amaral e as linhas referentes a integra~ao europeia que estiveram na base do programa de Lucas Pires, no qual se faz referencia expressa a manuten~ao da independencia e especificidades portuguesas, In GRUPO DE OFIR, ob. cit., pag. 183 e ss. 162 IDL, Democracia e Liberdade, n. 0 1, Lisboa, 1976, pag. 94.

Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. 0 ' 13/16 (2007) 131 Adolfo Mesquita Nunes as regioes administrativas. Por serem urn "instrumento da implanta<;iio partidaria, 163 da fragmenta<;iio da soberania e do crescimento da burocracia do Estado" • Ao mesmo tempo, o CDS passou a utilizar uma linguagem menos moderada, em assuntos anteriormente deixados em branco. E assim que o CDS veio falar em impedir a venda do pais ou que veio afirmar que a esquerda dos interesses 164 ambiciona o totalitarismo politico • Adriano omitiu mesmo qualquer referenda ao centrismo e niio vai 165 preocupar-se em afastar o CDS da direita portuguesa . Se o CDS manteve corn Adriano Moreira algumas das suas bandeiras, o certo e que este CDS estava ja muito diferente do que foi legado por Diogo Freitas do Amaral e Adelino Amaro da Costa. Adriano Moreira veio operar uma profunda revisiio da doutrina democrata crista, que mais niio foi do que uma aproxima<;iio ao conservadorismo politico, ainda que corn profundas liga<;6es a Doutrina Social da Igreja. Adriano Moreira veio abrir portas ao sentimento de que o CDS deveria ser urn verdadeiro partido popular, na esteira do que Lucas Pires havia ja defendido para o partido, retomando o que havia dito quando entrara para o partido, ao falar de populismo166 como "conservar-se fiel a personalidade basic a do povo que serve, atento as necessidades da mudan<;a, pregador da reforma pelo 167 consentimento, motor da cristaliza<;iio e efectiva<;iio das aspira<;6es" . Ao mesmo tempo que se operava esta profunda transforma<;iio do CDS, o PSD passava, tambem ele, por altera<;6es significativas, nomeadamente atraves da sua ac<;iio governativa. Corn Anibal Cavaco Silva, o PSD virara tambem a direita, abandonando referencias ao socialismo e aproximando-se de uma perspectiva mais econ6mica 168 e menos politica da integra<;iio europeia , niio aparecendo como urn partido federalista ou de pendor federalizante. Anibal Cavaco Silva preparou o PSD para uma grande reforma ideol6gica, que culminou em 1992 corn a revisiio do Programa do PSD. Nessa revisiio consagram­ se, de forma clara, alguns dos prindpios caros aos partidos democratas cristiios, 169 coma o personalismo cristao , a familia como celula essencial da sociedade,

163 In COS- Exigencias Politicas Imediatas, Lisboa, 1986. 164 In COS- Exigencias Politicas Imediatas, Lisboa, 1986. 165 Vasco Pulido Valente definiria a face de Adriano Moreira como "a face impertinente dos que tudo mandavam ( ... ),dos tiranos, menores, sibilinos e seminaristas", VASCO PULIDO VALENTE, Ob. cit., pag. 217. ' 66 Adriano Moreira afasta a vertente pejorativa de populismo e procm·a recuperar o seu verdadeiro sentido em autores como Savigny. A este respeito, cfr. RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, ob. cit., pag. 401. 167 Cfr. ADRIANO MOREIRA, Sabre a Doutrina Social, Loures, 1981, pag. 5. 168 No sentido de que a primeira metade do consulado de Amoal Cavaco Silva foi marcado por uma reserva critica ao processo de integrac;ao europeia, cfr. JAIME NOGUEIRA PINTO, ob. cit., pag. 256. A este respeito, v. ANIBAL CAVA CO SILVA, Autobiografia Politica, Lis boa, 2002, pag. 172 e ss. 169 Que o Programa do PSD considera como a fonte do humanismo, Programa do Partido Social Democrata, pag. 16.

0 132 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 a solidariedade humanista, a livre iniciativa econ6mica ou a subsidiariedade 70 da ac<;ao estataP • Em suma, o Programa do PSD enrafza-se no Cristianismo e 171 Humanismo • Apesar da flagrante aproxima<;ao do PSD a doutrina democrata crista, mormente a sua pratica polftica e governativa, a verdade e que nunca o PSD se assumiu coma partido democrata cristao, antes coma urn partido defensor do 172 liberalismo polftico • Bern atentas as coisas, a mudan<;a de discurso do CDS, correspondeu tambem uma mudan<;a no discurso do PSD, provocando uma profunda identifica<;ao do tradicional eleitorado do CDS corn o rumo tra<;ado por Cavaco Silva. Mesmo as maiores bandeiras de Adriano Moreira, quer alertando para os receios da apressada integra<;ao europeia, quer alertando para os problemas da institucionaliza<;ao das regioes administrativas acabaram par passar despercebidas, antes se real<;ando as vertentes mais conservadoras do discurso 173 de Adriano Moreira • Uma vez mais, perante uma realidade pouco propfcia ao desenvolvimento eleitoral do CDS, colocou-se a questao de uma coliga<; ao pre-eleitoral entre o PPD /PSD e o CDS, que foi recusada pelo PPD /PSD. Optou-se por urn acordo oral para a forma<;ao de urn governo maioritario, caso os resultados eleitorais 174 isso indicassem • Desta forma, toda a campanha eleitoral de Adriano Moreira decorreu apelando ao voto no CDS para a forma<;ao de urn governo maioritario, o que, a par de todo o contexto politico ja evidenciado, veio, uma vez mais, refor<;ar a ideia de que votar no CDS era urn voto no PSD. Esta sera seguramente uma das varias explica<;6es plausfveis para o desaire eleitoral do CDS nas elei<;6es de 1987, onde obteve cerea de 4% dos votos, elegendo apenas 4 Deputados. 0 pior resultado de sempre para o partido, que se ve, inclusivamente, incapaz de impedir uma maioria absoluta do PSD, perdendo a hip6tese de vir a tornar-se urn partido de charneira. Estes resultados eleitorais traziam ainda mais amarguras para o CDS, se observados os resultados eleitorais do CDS noutras elei<;6es realizadas no mesmo dia: as elei<;6es para o Parlamento Europeu. 0 discurso e campanha aut6noma de Lucas Pires, entao candidato do CDS ao Parlamento Europeu, apelando ao federalismo econ6mico e a urn liberalismo

170 Popularizada por Cava eo Silva atraves da expressao Menos Es tado e Melhor Estado . 171 Cfr. NUNO MANALVO, PSD, A Marca.... , pag. 132. 172 Cfr. Programa do Partido Social Dernocrata, pag. 18. 173 Neste sentido, afirrnando que urn acordo entre o PSD e o COS seria demasiadarnente redutor do espectro eleitoral do PSD, lirnitando a possibilidade de o PSD crescer tarnbern il. esquerda, irnpedindo por isso o objectivo de alcant;ar uma maioria absoluta monopartidaria, cfr. ANfBAL CAVA CO SILVA, Autobiografia Politica, Lisboa, 2002, piig. 276 e NUNO MANALVO, PSD, AMarca ... , pag. 127-128. 174 Cfr. ANfBAL CAVA CO SILVA, Autobiografia Polftica, Lisboa, 2002, piig. 276. Para alern deste acordo oral, existia jii urn acordo de cooperat;ao parlarnentar entre os dais partidos, uma vez clarificada a oposit;ao ao governo por parte do PRD, cfr. MARITHERESA FRAIN, 0 PSD Coma Partido Dominante, in Analise Social, vol. XXXI (138), 1996, piig. 985.

0 Polis: Revista de Estudos Juridico-Po!iticos, n. ' 13/16 (2007) 133 Adolfo Mesquita Nunes muito distante do conservadorismo de Adriano Moreira, renderam ao CDS 15,4% dos votos. 0 que dizer dos resultados de Lucas Pires confrontados corn os de Adriano Moreira, no mesmo dia? Existem varias teorias para esta disparidade e para o fracasso de Adriano Moreira. No entanto, uma coisa parece ser certa: o eleitorado potencial do CDS representava, como em 1976, cerea de 16% dos portugueses. Mas este eleitorado, por algum motivo estava a preferir o PPD /PSD.

6.3. 0 regresso ao centrismo

Depois da demissao de Adriano Moreira, o CDS viu regressar o fundador 175 do partido • Diogo Freitas do Amaral apresentou-se assim ao VIII Congresso do CDS, em Fevereiro de 1988, corn a mo<;ao intitulada "Urn Projecto Democrata Cristao para Portugal", onde procurou recuperar a democracia crista como identidade ideol6gica do CDS, demonstrando e confirmando, afinal de contas, que o partido estivera ausente dessa orienta<;ao. De acordo corn Freitas do Amaral, caberia apenas ao CDS defender essa corrente ideol6gica em Portugal, pelo que se o CDS desaparecesse Portugal 176 ficaria sem uma alternativa nao socialista • Apesar de reconhecer que o PSD recebera o apoio de uma parte muito substancial do eleitorado democrata cristao, Freitas do Amaral entendia ser possfvel voltar a cativar esse eleitorado, estando o PSD a governar segundo uma 177 linha social-democrata de centro esquerda • Diogo Freitas do Amaral procurou combater a hegemonia do PSD, apostando mais fortemente num novo posicionamento politico do CDS do que propriamente na apresenta<;ao de urn programa polftico178 que alias, seria caracterizado de 179 centrismo liberal, mais do que propriamente da democracia crista • Depois de dois embates eleitorais de resultados contradit6rios em 1989, as Autarquicas em que o CDS perde 7 camaras municipais, e as europeias em que o CDS obtem 14,1% corn a candidatura de Lucas Pires, o partido chega ao IX Congresso. Foi nesse Congresso que Freitas do Amaral avan<;ou corn a sua estrategia eleitoral para as elei<;6es de 1991. De acordo corn essa estrategia, o CDS tornava­ se urn partido equidistante relativamente ao PSD e ao PS, podendo coligar-se

175 Freitas do Arnaral, apesar de candidato derrotado nas eleic;oes presidenciais de 1986, conseguira arregirnentar rnais de 45% dos portugueses no apoio asua candidatura, e esse nurnero irnpressionava urn partido que arregirnentava agora dez vezes rnenos apoios. 176 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Pela Unidade e Renovac;ao do CDS - Dois discursos no Congresso da P6voa do Varzirn, sl, 1988, pag.3. 177 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Pela Unidade ... , pag.14. 178 De facto, grande parte das propostas de Freitas do Arnaral estavarn absorvidas pelas propostas de Anfbal Cavaco Silva, corno sejarn a atribuic;ao de urn canal de televisao a Igreja Cat6lica, urna politica de privatizac;oes, a dirninuic;ao dos irnpostos, o aurnento das pens6es ou a abertura e liberalizac;ao da econornia portuguesa, cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Pela Unidade ... , pag.2. 179 Cfr. JAIME NOGUEIRA PINTO, ob. cit., pag. 249, nota 26.

0 134 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, 11. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Dernocracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 p6s eleitoralmente corn qualquer urn deles, nao manifestando o CDS qualquer 180 preferencia especial por algum dos partidos • Apesar de ter visto esta estrategia aprovada no Congresso do CDS corn mais de dois ter<;:OS dos VOtOS, 0 certo e que a equidistancia do partido nao estava a ser bem acolhida pelas bases do partido. Freitas do Amaral teve mesmo que combater a candidatura de Manuel Monteiro, jovem lider da Juventude Centrista, a Presidente do CDS, sem ter conseguido evitar que a mesma candidatura 81 ganhasse as elei<;:6es para o Conselho NacionaP . Pela primeira vez, Diogo Freitas do Amaral via a sua estrategia ser combatida directamente. Nunca antes Freitas do Amaral tivera de disputar a lideran<;:a do CDS e nunca antes, enquanto estivera na lideran<;:a do CDS, tivera uma oposi<;:ao tao organizada e frontal. Manuel Monteiro aparecia ao partido como urn jovem de direita que reivindicava a afirma<;:ao do CDS como urn partido que nao era de centra, antes era de direita, e que afirmava que o eleitorado do CDS nao compreenderia a equidistancia do partido. 0 combate entre ambos fez-se, pois, nao no ambito da doutrina ou do programa, mas antes no posicionamento politico do partido. E este debate sobre o posicionamento politico do CDS demonstra bem aquilo que venho procurando evidenciar: a ausencia de urn quadro fundacional assente numa unica trave mestra. Debate esse que veio a ser retomado a prop6sito das elei<;:6es presidenciais de 1991. Perante o apoio do PSD a recandidatura de Mario Soares, Freitas do Amaral decidiu apresentar urn dos fundadores do partido, Basilio Horta, como candidato presidencial, nao sem a oposi<;:ao de alguns dos fundadores do partido, como Sa Machado, que optara por apoiar Mario Soares. Alias, dez anos mais tarde, a prop6sito das elei<;:6es presidenciais que elegeram Jorge Sampaio, outras destacadas figuras do CDS dos tempos de Freitas do Amaral voltariam a apoiar o candidato da esquerda, como o caso de Narana Coissor6. A campanha de Basilio Horta depressa se assumiu mais de direita do que de centra, (o seu lema era: "Basilio, urn homem as direitas") pouco consonante corn o apoio de urn partido que se dizia equidistante. A candidatura de Basilio Horta recolheu 14,2% dos votos, e deu urn sinal claro de que existia urn eleitorado que se identificava, afinal, corn urn discurso de direita, nao centrista, afinal mais proximo de Adriano Moreira do que de Freitas do Amaral. Para baralhar ainda mais as tentativas de identifica<;:ao do eleitorado do CDS, Freitas do Amaral obtem uma pesada e total derrota nas elei<;:6es legislativas de Outubro de 1991, obtendo pouco mais do que 4% dos votos e 5 deputados, nao 182 evitando uma maioria absoluta do PSD , nao evitando que Cavaco Silva fosse

180 Cfr. DIOGO FREITAS DO AMARAL, Corn a Dernocracia Crista Veneer 1991 (Discurso do Professor Diogo Freitas do Arnaral no IX Congresso - 1990), si, sd, pag.12-13. 181 Cfr. RICHARD A. H. ROBINSON, ob. cit., pag. 968. 182 Ditando pois, a falencia da afirrna.;ao do CDS corno urn partido charneira, ao estilo do FDP alernao, cfr. JORGE FERREIRA, Ha Direita, Lisboa, 2001, pag. 221.

0 Polis: Revista de Estudos Juridico-Polfticos, n. ' 13/16 (2007) 135 Adolfo Mesquita Nunes considerado como lider da Direita183 e nao afirmando o CDS como terceira for<;a do sistema politico portugues. Ao apresentar a sua demissao, Freitas do Amaral deixou o CDS corn a maior crise existencial da sua hist6ria. Como explicar, afinal, que o CDS centrista e moderado acabara por ter os mesmos resultados que o CDS conservador e nacionalista de Adriano Moreira e poucos meses depois de uma candidatura de direita a presidencia da Republica ter tido urn resultado muito proximo do estimado eleitorado potencial do CDS? 0 CDS estava, agora, corn todas as solu<;6es esgotadas. Ja fora urn partido liberal e perdera votos. Ja fora urn partido conservador e perdera ainda mais votos. Ja regressara a matriz democrata crista e poucos mais votos conseguira obter. 0 dilema do CDS ja nao era somente o de tentar conciliar dois tipos de eleitorado distinto, antes perceber, afinal, qual era o eleitorado que estava disposto a nao votar no PSD, partido totalmente identificado corn o poder, que ocupava ja desde 1979. A somar a este desnorte, desfiliaram-se do CDS figuras como Lucas 184 Pires e Vieira de Carvalho, que entram em rota de aproxima<;ao corn o PSD .

7. Conclusao

Foi neste contexto que o partido avan<;ou para a sua transforma<;ao em CDS I Partido Popular e, alegadamente, perdeu de vez a sua matriz democrata crista. No entanto, tudo o que veio sendo apontado permite ja duvidar de que essa transforma<;ao tenha operado qualquer desvirtuamento da origem democrata crista do partido. Antes pelo contrario, tudo o que veio sendo apontado permite concluir nao s6 que a democracia crista esteve ausente da funda<;ao do partido como igualmente foi sempre preterida em Congressos que se seguiram a safda de urn Hder. Assim, o CDS nasceu e viveu como urn partido que combinou elementos conservadores, liberais e democratas cristaos e o rumo que foi sendo escolhido pelo partido foi variando de acordo corn o contexto polltico e as lideran<;as que se candidatavam. Nao existe pois uma matriz ideol6gica dominante no CDS, ainda que a democracia crista, originaria ou adaptada, tenha sido a corrente ideol6gica que mais sucessos garantiu ao partido. Alias, a Unica caracterfstica que o CDS mantem desde a sua funda<;ao e a de partido mais a direita no panorama partidario portugues.

183 Titulo que nao gostava de ostentar, mas que ganhara, sobretudo depois da derrota de Freitas do Amaral nas elei<;6es presidenciais. A derrota de Freitas do Amaral chegaria mesmo a ser considerada um "vit6ria depois potenciada", cfr. NUNO MANALVO, PSD, A Mm-ea ..., pag. 144-145. 18 ' Lucas Pires havia ja sugerido a fusao do CDS corn o PSD no VIII Congresso do CDS, cfr. RUI ANT6NIO MADEIRA FREDERICO, ob. cit. (tese de Mestrado), pag. 65.

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