0 Cds Ea Democracia Crista 1974-1992
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0 CDS EA DEMOCRACIA CRISTA 1974-1992 Adolfo Mesquita Nunes Mestre em Ciencias Juridico-Politicas pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa Advogado 0 Polis: Revista de Estudos Juridico-Polfticos, n. ' 13 / 16 (2007) 101 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 1. Objecto No momento em que se fundou a actual ordem constitucional, a democracia crista era das maiores e mais importantes familias politicas europeias. Seria por isso natural que, nesse momento em que tambem se fundou o actual sistema de partidos, surgisse uma forma<;:ao politica que assumisse a democracia crista. Assim efectivamente aconteceu corn o COS, o unico dos partidos politicos corn relevancia eleitoral que assumiu essa tradi<;:ao politica e que desempenhou, durante largos anos, a representa<;:ao nacional da entao Uniao Europeia das Oemocracias Cristas, depois convertida em Partido Popular Europeu (PPE). Essa filia<;:ao europeia, que alias veio a ser pasta em causa pelo proprio PPE a quando da transforma<;:ao do discurso europeu do COS em 1992, foi quase sempre tomada como urn dado adquirido pelo proprio partido, ate que, precisamente, a transforma<;:ao do COS em COS/Partido Popular determinou urn maior e mais assumido afastamento dessa familia politica. E, por isso, tradicional considerar o COS como urn partido que nasceu democrata cristao e que foi paulatinamente perdendo essa orienta<;:ao apos a saida de Oiogo Freitas do Amaral da presidencia do partido, primeiro em 1982, de forma provisoria, depois em 1991, de forma mais definitiva. E ainda que as recentes direc<;:6es do partido tenham feito urn esfor<;:o de aproxima<;:ao do partido a democracia crista, quer por via de aproxima<;:ao ao PPE, quer por via do discurso politico, a verdade e que persiste a ideia de que a democracia crista em Portugal se ficou pelo COS dos tempos de Oiogo Freitas do Amaral. Nao estou entre os que concorda corn essa analise. E certo que nao tenho duvidas de que 0 cos nao e, actualmente, urn partido marcadamente democrata cristao, nao somas tambem por fazer pouco sentido falar em partidos democratas 1 cristaos nos dias que correm . Mas ja tenho, isso sim, duvidas fundadas acerca da 1 De facto, a democracia crista tern actualmente uma expressao bastante diferente daquela que assumia em 1976. Continua a existir em grande parte da Europa, mas nao corn a grandeza daqueles tempos. Nalguns casos, sao correntes ou fao;oes de partidos catch all, como o PP espanhol, que no seu Congresso de 1989, na refunda<;ao da AP em PP, se considerou conservador e democrata cristao, ou a! guns membros da Democracia Cristiana Italiana integrada na Forza Italia. Noutros cas os, representam franjas de eleitorado, como nos paises escandinavos, ou apresentam-se ainda como partidos de governo, como a CDU alema ou os Democratas Cristaos holandeses. Internacionalmente, o PPE Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, 11. 0 '13/16 (2007) 103 Adolfo Mesquita Nunes caracteriza<;ao do quadro doutrinal e politico que esteve na origem do CDS como sendo urn quadro democrata cristao. Alias, as constantes oscila<;6es ideol6gicas do CDS explicam-se, precisamente, pelo facto de o quadro politico e doutrinal da funda<;ao do CDS nao permitir caracteriza-lo como urn partido verdadeira ou predominantemente democrata cristao, antes como urn partido destinado a agrupar as varias correntes da direita nao socialista. Essas oscila<;6es, que permitiram ao CDS aproximar-se do liberalismo, corn Lucas Pires ou do conservadorismo, corn Adriano Moreira, mereceriam uma aten<;ao que escapa a economia deste artigo. Por agora, procurarei descrever o quadro doutrinal e politico fundacional do CDS, oferecendo urn contributo para urn maior acerto e rigor na sua caracteriza<;ao como partido politico, bem coma a sua evolu<;ao ate que Diogo Freitas do Amaral abandonou, pela segunda vez, a lideran<;a do CDS, levando alegadamente consigo a democracia crista. 2. A democracia crista como corrente partidaria A democracia crista come<;ou por ser entendida como urn movimento social. Isto e, coma urn movimento em que militavam os cristaos, fora da hierarquia da Igreja, corn o intuito de encontrar solu<;6es para os problemas politicos, econ6micos 2 e sociais a luz dos principios cristaos e destes deduzindo uma pratica • 3 Nascida na segunda metade do seculo XIX , a democracia crista come<;ou por afirmar-se como uma manifesta<;ao de simultaneo combate ao liberalismo 4 e capitalismo exacerbados e ao movimento proletario inspirado no marxismo , buscando clara motiva<;ao na ac<;ao de Leao XII, assente sobretudo na Aeterni 5 Patris e na Rerum Novarum • Enquanto se manteve coma mero movimento social, a democracia crista mereceu o beneplacito da Santa Se, que a considerava tao s6 como urn movimento 6 de cat6licos de fei<;6es marcadamente assistencialistas • engloba agora democratas cristaos, conservadores e liberais, testemunhando uma reorganiza~ao das for~as politicas de centra e centro-direita que ajuda a demonstrar uma crescente descaracteriza~ao dos partidos democratas cristaos. 2 Cfr. MICHAEL P. FOGARTY, Historia e Ideologia de la Democracia Cristiana, Madrid, 1964, pag. 54. 3 Nomeadamente no seguimento das revolu~6es de 1848, cfr. JEAN MARIE MAYEUR, Des Partis Catholiques ala Democracie Clm?tienne, Paris, 1980, pag. 161 e ss. 4 Cfr. ROBERTO PAPINI, Os Fundamentos da Democracia Crista in Democracia e Liberdade, n. 0 39, Lis boa, 1986, pag. 9, e The Blackwell Encyclopaedia Of Political Science, Londres, 1991, pag. 89. Sobre as primeiras origens da democracia crista, v. tambem, MICHAEL P. FOGARTY, ob. cit.,pag. 259 e ss, e CATHERINE BRICE, Essay d'Une Politique Chn?tienne en Europe Jusqu'en 1914, in Nouvelle Histoire des Idees Politiques, Paris, 1997, pag. 444-454. 5 Mas tambem na Diuturnum Illud, Immortale Dei e Libertas Praestrantissimum, cfr. MANUEL BRAGA DA CRUZ, A Igreja eo Estado Democratico in Nova Cidadania, n. 0 6, Sao Joao do Estoril, 2ooo, pag. 26. 6 Cfr. MANUEL BRAGA DA CRUZ, As Origens da Democracia Cristae o Salazarismo, Lisboa, 1978, pag. 20. 0 104 Polis: Revista de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 0 CDS ea Democracia Crista (1974-1992), pp. 101-136 E assim, alias, que melhor se entende a defini<;ao que em 1901 dela faz a endclica Graves de Comuni. A democracia crista e ai caracterizada como urn movimento relacionado corn os problemas da classe trabalhadora, que procurava melhorar as suas condi<;6es de vida e pugnava pelo reconhecimento da dignidade 7 da pessoa humana • Esta tolerancia da hierarquia da Igreja come<;ou, no entanto, a atenuar-se a partir do momento em que a democracia crista come<;ou a manifestar-se como 8 movimento politico , uma vez que a Igreja parecia estar apenas interessada em reconhecer a existencia de urn movimento assistenciat numa primeira fase e de urn 9 movimento socioprofissional de forte componente sindicat numa segunda fase . A verdade e que a limita<;ao eclesiastica contida na defini<;ao da Graves de Comuni 10 nao conseguiu evitar o aparecimento de alguns partidos politicosn, que abriram caminho a uma autonomia da democracia crista enquanto fen6meno politico. No entanto, apenas ap6s a 11 Grande Guerra se podera dizer que a democracia crista se consolidou, atraves de novos partidos, alguns deles resultantes das 12 transforma<;6es dos anteriores partidos cat6licos , como movimento politico, ultrapassando de vez a predominancia que ate entao estava reservada a dimensao 13 social e sindical . Estes novos partidos eram clara e expressamente inspirados na doutrina social da Igreja, na exegese de textos eclesiais, nomeadamente pastorais e textos emitidos corn nihil obstat, nos autores que sobre esses textos se debru<;aram e inspiraram, como o personalismo humanista de Jaques Maritain ou Emmanuel 14 Mounier , na contribui<;ao das Igrejas protestantes para a elabora<;ao da doutrina e tambem, mas nao s6, nas reflex6es produzidas por organiza<;6es de leigos eclesialmente dependentes. Mas a democracia crista enquanto fen6meno politico-partidario nao se esgotou ai, antes continuou na pratica politica dos partidos que a assumiram 15 como patrim6nio ideol6gico e na sua pratica de governo • 7 Cfr. MICHAEL P. FOG ARTY, ob. cit., pag. 51. 8 A este respeito, cfr. MARCEL PRELOT, As Doutrinas Politicas, vol. IV, Lisboa, 1974, pag. 196-197. 9 Cfr. MANU EL BRAG A DA CRUZ, As Origens .. ., pag. 21-22. 1°Cfr . JOSE LUIS DA CRUZ VILA<;:A, 0 Contributo da Democracia-Crista para a Uniao Europeia, in Democracia e Liberdade, n. 0 34, Lisboa, 1985, pag. 8. 11 Partidos esses que, no entanto, tern sido classificados como partidos cat6licos, cfr. JEAN MARIE MAYEUR, ob. cit., pag. 6-9. Alias, estes partidos excluiam estrategicamente as referencias confessionais nas suas designa.;oes. Era o caso do partido alemao, Zentrum, do Partito Populare Italiano, da Union Civica de Uruguay, ou do chileno Falanje Nacional. 12 Foi o que aconteceu, nomeadamente, na Italia e na Alemanh a, cfr. RAFAEL CALDERA, A Revolu~iio da Democracia Crista, Lisboa, 1974, pag. 53. 13 Cfr. PERCY ALLUM, State and Society in Western Europe, Cambridge, 1995, pag. 208. 14 Ainda que estes se tivessem, de alguma forma, distanciado da democracia crista enquanto ideologia fundadora de urn partido politico, cfr. JEAN TOUCHARD, Hist6ria das Ideias Polfticas, vol. IV, Mem Martins, 1991, pag. 188-180, JEAN MARIE MAYEUR, ob. cit, pag. 152-155, e JOAO BENARD DA COSTA, N6s, Os Vencidos do Catolicismo, Coimbra, 2003, pag. 77. 15 No caso dos partidos democratas cristaos, a pratica de governo foi fundamental para a defini.;ao do 0 Polis: Revis ta de Estudos Juridico-Politicos, n. ' 13/16 (2007) 105 Adolfo Mesquita Nunes Alias, a pratica governativa e determinante na tentativa de perceber e definir esta nova fase da democracia crista porque, paradoxalmente, apesar da riqueza ideol6gica que existe na doutrina social da Igreja em que se baseiam, os partidos democratas cristaos tern-se caracterizado por uma certa elasticidade ideol6gica.