XAMANISMO E REDES DE RELAÇÕES INTERINDÍGENAS: AMAZÔNIA E NORDESTE BRASILEIRO SHAMANISM AND INTER-INDIGENOUS RELATIONSHIP NETWORKS: AMAZON AND BRAZILIAN NORTHEAST

Ugo Maia Andrade [email protected] Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Programa de Pós-Graduação em Arqueologia da Universidade Federal de Sergipe. Doutor em Antropologia/USP. Orcid: https://orcid.org/0000-0002-0359-3214

RESUMO

Trata-se de produzir considerações a partir de dois contextos etnográfi cos distintos de relações de trocas interindígenas baseadas no xamanismo: o submédio São Francisco (divisa BA/PE) e o baixo Oiapoque e rio Uaçá (fronteira Brasil/Guiana Francesa). Ca- racterizadas por suas respectivas literaturas etnológicas como antigas zonas de contato entre índios e entre índios e não índios – experimentando densamente as presenças colonial e missionária – as regiões em pauta apresentam ainda hoje relevantes circuitos de trocas xamânicas que vão da complementaridade ritual à dissensão provocada por dossiê | dossier acusações de feitiçaria, modulando relações políticas intra e intercomunitárias. Essas permutas estão conectadas a outras de tipos matrimonial, comercial, etc., não confi gu- rando um domínio autônomo de relações intersociais. Contudo, dada a importância dos intercâmbios rituais nos registros das relações interindígenas em ambas regiões, faz-se necessário indagar e cotejar os princípios que os ordenam e suas transformações nas respectivas histórias regionais.

Palavras-chave: Xamanismo. Submédio São Francisco. Baixo Oiapoque e rio Uaçá.

ABSTRACT

It is about producing considerations from two distinct ethnographic contexts of interin- digenous relations based on shamanism: the sub-middle São Francisco River (BA-PE limits) and the lower Oiapoque River (-French Guiana border). Characterized by their respective ethnological literatures as ancient zones of contact between Indians and 84 between Indians and non-Indians, densely experiencing the colonial and missionary presences – the regions on the agenda still present relevant circuits of shamanic ex- changes that range from ritual complementarity to dissension caused by sorcery accu- sations, establishing intra and inter-community political relations. These exchanges are

54 connected to matrimonial and commercial exchanges, not confi guring an autonomous domain of inter social relations. However, given the importance of ritual exchanges in both regions, it is necessary to inquire and compare the principles that order them and their transformations in respective regional histories. vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 Keywords: Shamanism. Sub-middle San Francisco River. Lower Oiapoque River and Uaçá River.

INTRODUÇÃO Este artigo tem por tema relações interindígenas de trocas baseadas no xamanismo em dois contextos etnográfi cos distintos onde há vinte anos venho pesquisando: submédio rio São Francisco e baixo rio Oiapoque e rio Uaçá, respectivamente na divisa / e fronteira Brasil/Guiana Francesa. Em ambas as regiões os intercâmbios interindígenas excedem o âmbito do xamanismo, mas encontram aí um dos principais vetores a sustentar redes de relações regionais, transnacionais e de longa duração (ANDRADE, 2007; 2008; 2012b; 2018) que colocam em evidência múltiplas dinâmicas intra e intercomunitárias, de maneira que as trocas entre os coletivos indígenas acontecem simultâneamento e nos mesmos circuitos das trocas estabelecidas com os espíritos auxiliares dos pajés (Karuãna e Encantados).

Penso o xamanismo como sistema de idéias e práticas, ou de pensamento e ação (BUTT, 1966), cujo propósito precípuo é produzir, por meio de técnicas e teorias diversas, a comunicação controlada entre distintos mundos, domínios ou camadas do cosmos a fi m de permitir a continuidade da sociedade humana em meio a uma série de sociedades não humanas (de animais, de plantas, de artefatos, de mestres de espécies, de mortos, etc.), todas relacio- nadas em fl uxos transformacionais que, simultaneamente, reafi rmam as dife- renças objetivas e a unidade na pessoa (sujeito) a elas subjacente (DESCOLA, 2013, pp. 5-13), possibilitando que o conhecimento produzido pelo xamanismo almeje “assumir o ponto de vista do que deve ser conhecido” (VIVEIROS DE CASTRO, 2004, p. 468), uma vez que “é preciso saber personifi car, porque é preciso personifi car para saber” (VIVEIROS DE CASTRO, 2002, p. 360). O xamanismo enquanto instituição social se ocuparia dos efeitos dos fl uxos de energias, representadas pelas sociedades não humanas, sobre o bem estar dos humanos, procurando interferir em tais fl uxos (LANGDON, 1992, p. 13). As dimensões ritual, política, terapêutica e religiosa do xamanismo revelam estratégias diferentes de gestão de relações com não humanos e necessitam ser analisadas de forma integrativa a fi m de possibilitar que o xamanismo seja compreendido holisticamente (ib., p. 20)

O BAIXO RIO OIAPOQUE E BACIA DO RIO UAÇÁ Na área compreendida entre os rios Oiapoque e Cassiporé, a BR-156 e o Parque Nacional do Cabo Orange, no extremo norte do estado do Amapá, estão as Terras Indígenas Uaçá, Galibi e Juminã, habitadas pelos índios , Galibi-Marworno, Galibi-Kali’na e Karipuna. São falantes, respectivamente, das línguas parikwaki (arawak), patois (pidgin originário da Guiana Francesa), galibi (karib) e patois, esta a língua franca da região, mais falada entre os índios que o português. O baixo Oiapoque passou a constar do território brasileiro apenas em 1900 a partir de um arbítrio internacional a favor do Brasil que pôs 85 fi m a uma antiga contestação francesa dos limites de seu território Ultramarino na América do Sul, estipulando-se o rio Oiapoque como fronteira natural entre as duas nações. Durante o longo tempo de vigência do território contestado – cujos limites longitudinais iam do rio Branco (RR) ao Oceano Atlântico – a 54 área em litígio esteve completamente aberta ao fl uxo de pessoas originárias de vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 diferentes nacionalidades e etnias que ora agiam politicamente como unidade autônoma, ora subordinavam-se a interesses do governo francês.

Essa região inclui a baía onde deságua o rio Oiapoque e a bacia do rio Uaçá, formada pelos afl uentes Curipi e Urukauá e por uma rede de igarapés que alimenta lagos e lagoas. A foz do rio Uaçá, caracterizada pela presença de grandes manguezais, manifesta singular importância para a cosmologia dos Karipuna, Galibi-Marworno e Palikur, além de ser forte referência na obtenção de caranguejo e caramujo, proteínas complementes à caça e ao peixe.

Figura 1 – Localização das Terras Indígenas do Oiapoque, com suas respectivas aldeias

Fonte: CCPIO (2019, p. 18-19)

No que concerne à morfologia social, os Galibi-Marworno e Palikur tendem a seguir um padrão de residência uxorilocal, com o ideal de autonomia do núcleo familiar. Sem adotarem o mesmo padrão de residência, os Karipuna vêm ocupando novas áreas ao longo do rio Curipi e da BR 156 a partir da for- mação de assentamentos motivada pelo ideal da dispersão dos grupos locais com tendência pendular ao fechamento (adotando o casamento avuncular ou com primos patrilaterais como preferenciais) e à abertura (casando os homens com mulheres Galibi-Marworno ou as mulheres com brasileiros e franceses vizinhos das TIs Uaçá e Juminã) (TASSINARI, 2003). Os Palikur, com descendência patrilinear regida por regras de casamento entre seis clãs exogâmicos, proíbem, implicitamente, uniões entre todos os primos, exceto os paralelos patrilaterais, 86 restando somente dois grupos casáveis para cada clã que poderão repetir as uniões entre si após quatro gerações (CAPIBERIBE, 2007, p. 67). Os clãs palikur são provavelmente oriundos de povos multilingues (PASSES, 2006, p. 76; GALLOIS-CEDI, 1983, p. 27) que passaram a adotar a organização social 54 do grupo majoritário, de língua arawak. No passado esses clãs eram treze e hoje estão reduzidos a seis, mas preservando a descedencia patrilinear e a regra de casamentos fora do clã (CAPIBERIBE, 2007, pp. 67-69). vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 Os núcleos domésticos Galibi-Marworno são denominados de hã (VIDAL; TASSINARI, 2002, p. 4; TASSINARI, 2006, p. 19) e constituem-se de um casal α, suas fi lhas casadas, seus maridos e os fi lhos desses casais, além dos fi lhos solteiros de α. É defi nido pelos Galibi-Marworno como “um mutirão de pessoas” ou “um grupo que trabalha junto” (TASSINARI, 2006, p. 19) e podem manter-se unido até em ocasiões de escolhas eleitorais (VIDAL; TASSINARI, 2002, p. 6). Corresponde à unidade doméstica matrilocal presente na região das Guianas que conforma a autoridade dos sogros sobre os genros mediante o controle sobre suas fi lhas, sendo a uxorilocalidade “o meio pelo qual a família natal pode manter controle sobre as capacidades produtivas e reprodutivas de suas mulheres jovens” (RIVIÈRE, 2001, p. 68). Os pais da mulher do casal α podem ainda integrar o conjunto doméstico, mas é comum que passem a habitar uma outra residência quando velhos, de modo que difi cilmente haverá quatro gerações co-habitando a mesma casa. Para os Galibi-Marworno, e também para os Palikur do Urukauá (CAPIBERIBE, 2007, p. 56), um casal recém formado e sem fi lhos habita a casa dos pais da mulher temporariamente, período em que o genro terá seu comportamento matrimonial “avaliado” pelos sogros e receberá do pai de sua esposa instruções complementares sobre como desempenhar com efi ciência as atividades de subsistência necessárias à manutenção de sua família.

SOBRE O XAMANISMO NAS RELAÇÕES REGIONAIS Dentre as múltiplas qualidades de trocas intra e inter regionais, as xamânicas mobilizam, com força e eloqüência, fl uxos de colaboração e agres- são. Relativamente às permutas xamânicas de colaboração, os primeiros regis- tros etnográfi cos para a região foram realizados por Nimuendaju (1926) no contexto das interações entre Palikur,Waiãpi, Emerillon (Teko) e créoles1 da Guiana francesa. Com os índios Waiãpi e Emerillon (ambos Tupi) do Camopi, região do alto rio Oiapoque, a cooperação é sublinhada pela transformação de espíritos de pajés desses povos em Yumawali2 (ib., p. 47) homenageados com danças durante o turé (ib., 50). Os créoles do rio Oiapoque, ainda hoje reputa- dos como bons feiticeiros e curadores, igualmente assistiam os antigos pajés palikur,“o que não raras vezes acontecia” (ib.; p. 49), durante sessões de cura e cantos. Inversamente, dinâmicas entre pajés palikur eram, até pouco antes da chegada de Nimuendaju à região do baixo Oiapoque e rio Uaçá, em 1925, lastreadas em acusações de feitiçaria que mobilizavam tensões entre os clãs palikur e terminavam, quase sempre, em assassinatos de pajés.

Por ocasião da presença de Nimuendaju, os Palikur frearam os atos belicosos motivados por acusações de feitiçaria, mas não esconderam as tensões intracomunitárias, uma vez que, sob a “atmosfera de harmonia e paz digna de nota” (ib., p. 40) que o etnólogo lá diz ter encontrado, persistiam o ódio e o desejo de vingança, em especial dirigidos aos grandes pajés locais, como Lexan Chevalier, exilados compulsoriamente com suas famílias nas ilhas do rio (ib., p. 48). A reputação desses pajés alcançava os índios galibi do rio Uaçá3 que se deslocavam com freqüência ao Urukauá em busca de serviços xamânicos, hospedando-se com suas famílias na casa do pajé durante todo o tratamento, conforme testemunho de Nimuendaju (ib., p. 48). 87

Nos anos de 1960, Expedito Arnaud empreende, na qualidade de funcionário do SPI, incursões aos rios Urukauá, Uaçá e Curipi, sublinhando a tensão nas relações entre grupos locais palikur, galibi e karipuna devido às 54 acusações de feitiçaria que produziam uma enorme desconfi ança em relação aos pajés, mas não em relação ao xamanismo propriamente (ARNAUD, 1996, vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 pp. 316-317). Arnaud corroborava, quarenta anos depois, as observações de Nimuendaju sobre o papel da agressão nas permutas xamânicas intracomuni- tárias na região. Os anos de 1950 e 1960 coincidem com o esgotamento dos tradicionais mecanismos de mitigação das tensões geradas pelas acusações de feitiçarias, em especial o exílio de pajés em novos assentamentos longe dos focos de tensão, conduzindo a assassinatos de pajés palikur ou de seus parentes. Esse tempo antecede à evangelização em massa dos Palikur, iniciada em meados dos anos de 1960 por um casal de missionários norte-americanos do Summer Institute of Linguistics (SIL) que, por doze anos, desenvolveu um trabalho de tradução da Bíblia para o parikwaki (CAPIBERIBE, 2007, pp. 166-167).

As permutas de agressões xamânicas e os serviços terapêuticos se estendiam para a vizinhança não-indígena, tanto da Guiana Francesa quanto do rio Cassiporé. Da Guiana vinham acusações de pajés Saramaká - ainda hoje procurados por índios brasileiros do baixo Oiapoque e rio Uaçá devido à repu- tação de deterem conhecimentos superiores de agressão e cura - contra pajés palikur, galibi e karipuna que habitavam as mesmas aldeias (ou vizinhas) de seus consulentes (ARNAUD, 1970, p. 15), acirrando as tensões intracomunitárias no baixo Oiapoque e rio Uaçá. As relações entre populações do baixo Oiapoque e da Guiana Francesa envolveram os Saramaká desde, provavelmente, a época em que esses chegaram ao rio Oiapoque, passando, em seguida, a explorar ouro na bacia do rio Uaçá e a comercializar aviamentos com os índios. Simul- taneamente, alargavam as relações para as trocas matrimoniais e, certamente, xamânicas (ANDRADE, 2007, p. 105).

No que concerne às relações com os ribeirinhos do Cassiporé, no limite leste da TI Uaçá, elas concentram-se atualmente nas trocas comerciais, a exemplo dos batelões que, de dezembro a abril, quando a pesca do pirarucu é suspensa, adentram o rio Uaçá a fi m de vender nas aldeias o peixe salgado. Os índios, por sua vez, vendem farinha, goma e beiju a esses atravessadores que, buscando os produtos nas aldeias, tornam-se uma interessante alternativa ao comércio nas distantes cidades de Oiapoque e Saint Georges (ANDRADE, 2007, p. 105). Tais relações comerciais contemporâneas foram precedidas pela prestação de serviços terapêuticos por pajés galibi que atendiam nas vilas ao longo do rio Cassiporé, expediente vantajoso para eles, uma vez que recebiam pagamentos em dinheiro ou em bens materiais, não usuais no Uaçá (ARNAUD, 1970, p. 11). Aqui os serviços dos antigos pajés galibi do rio Uaçá foram, pro- vavelmente, o motor para outros contextos de permutas com as comunidades ribeirinhas do Cassiporé, atualizados em especial pelo comércio sazonal de peixe salgado e pelo intercâmbio esporadicamente realizado entre as escolas da aldeia galibi-marworno Tukay, na BR-156, e da vila do Cassiporé.

Relato ainda outros dois cenários de permutas interregionais ensejadas pelo xamanismo e que relacionam os Karipuna, Palikur, Saramaká e índios do alto Oiapoque. O primeiro desses contextos refere-se à iniciação, no fi nal dos anos de 1950, do grande pajé karipuna Aniká pelos pajés Panô (Saramaká, de alta reputação), Kaimã, Anapi e Chandele, índios waiãpi ou emerillon do rio Camopi (ANDRADE, 2018, pp. 216-217). O segundo cenário é sobre a amizade entre o pajé palikur Guiome e Kaimã, iniciada com o deslocamento dos índios do alto para o baixo Oiapoque, conforme narrativa de Uwet, neto de Guiome: 88 Ele fi cou quase dois anos aqui. Quando ele chegou foi lá com meu vovô (o pajé Guiome), fi cou lá com ele trabalhando, fazendo farinha mui- ta aqui. Teve muita pessoa que veio aqui. Kaimã chegou com maracá

54 grande dele, de manhã cedo, do Oiapoque. Foi pra casa de meu vovô e pediu licença pra cantar. Tirou o maracá dele e cantou (Uwet imita o som grave de um canto monotônico). Meu vovô fi cou escutando ele (in ANDRADE, 2007, pp. 120-121). vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 Uwet segue contando que Kaimã desceu o rio Oiapoque com mais 25 pessoas, em fuga de ataques de índios inimigos que destruíram sua aldeia e os fi zeram perder o conhecimento das etapas de produção da farinha de mandioca. Daí eles terem ido parar no rio Urukauá no intuito de “procurar aqui como fazia farinha para levarem pro pessoal deles”4 (in ANDRADE, 2007, p. 121).

No tempo atual, as permutas xamânicas inter-regionais são desem- penhadas por pajés galibi-marworno e karipuna e tendem a dar mais espaço à agressão (na forma de feitiços, doenças, ataques de espíritos auxiliares, etc.) oriunda do alto Oiapoque, não obstante conservarem a cooperação por inter- médio da presença de Karuãna5 waiãpi (ou emerillon) no plantel de espíritos auxiliares dos pajés da região. A atividade xamânica continua atuante nas aldeias principais do rio Curipi (Manga, Espírito Santo e Santa Izabel) e do rio Uaçá (Kumarumã); todavia, o uso dos potás ou sufl ê, espécie de breathing sorcery ou evil spells (WRIGHT, 2004, p. 89; BUCHILLET, 2004, p. 111), é comum entre os índios do Oiapoque (até entre os evangélicos Palikur), sendo normal- mente associado à prática da feitiçaria. Como prescindem de relações com os Karuãna, posto ser, basicamente, uma técnica mnemônica cuja efi cácia decorre da conjunção do sopro com a recitação em segredo de fórmulas incantatórias, os potás não confi guram atividade xamânica clássica, não obstante rivalizarem com o xamanismo enquanto recurso de agressão.

Se o xamanismo continua operante na região do baixo Oiapoque e bacia do rio Uaçá, experimenta nos dias de hoje o arrefecimento das sessões de cantos e cura (xitotós ou cantarolas), tradicionalmente de ocorrência regular nas principais aldeias galibi-marworno e karipuna, em função, sobretudo, do avanço das igrejas evangélicas nos rios Uaçá e Curipi. Tais igrejas, de denominações diferentes, arrebanham os assistentes dos pajés (incluindo as koiaminãs, mulhe- res cantadoras, e os palikás, assistentes principais) e suas famílias, difi cultando a realização do rito. Como o turé6 goza de prestígio e reconhecimento geral entre os povos indígenas do Oiapoque, sua realização vem sendo preservada e mesmo aquecida pelo interesse dos jovens, alguns deles estudantes da licen- ciatura indígena do campus de Oiapoque da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP). Esse interesse pelo xamanismo foi recentemente ilustrado durante o VI Encontro dos jovens indígenas do Oiapoque, realizado na aldeia karipuna Santa Isabel em agosto de 2019. Na ocasião houve a encenação de uma cura xamanística e invocação dos espíritos auxiliares, realizada com o apoio de um pajé local, apresentação denominada pelos atores de “chamamento dos Kahuan”. Como costuma acontecer com o turé realizado no dia do índio e em outras datas comemorativas, seguiram-se especulações sobre ser ou não, do ponto de vista dos Karuãna, apenas uma “encenação”, agravada pela tempestade que interrompeu o resto da programação e foi logo interpretada como possível reação dos Karuãna.7 Esse novo interesse no xamanismo regional (talvez, apenas mais um ciclo de sua revigoração) pode ensejar a emergência de jovens pajés em confl ito com as tradicionais lideranças rituais e seu controle sobre o processo de iniciação. Somente o tempo poderá dizer se esses jovens ofi ciantes fi xar-se-ão enquanto pajés ou não

Vejamos agora o segundo contexto etnográfi co em tela neste artigo.

89 O SUBMÉDIO SÃO FRANCISCO

Utilizarei aqui um recorte do universo das relações interindígenas 54 na região do submédio São Francisco, próximo à divisa BA/PE/AL, focando os Tumbalalá como um dos vários pontos densos de um complexo regional de redes de trocas vigentes na longa duração. Enquanto uma nova alteridade, vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 esse coletivo é produto da confl uência de tal complexo com um campo multi institucional contemporâneo no qual o poder de defi nição nas narrativas sobre sua história é controlado pelo capital simbólico – convertido em poder de enunciação (BOURDIEU, 1998[1989]) – acumulado por algumas famílias tumbalalá ao longo da história de permutas com os Truká (PE), Tuxá (BA), (PE), Fulni-ô (PE) e famílias do Caxoí e Ilha das Vargens (PE), hoje autodenominadas Tuxí.

A vasta região do submédio rio São Francisco é coabitada por diversos coletivos indígenas cujas histórias estão, quase sempre, associadas às missões insulares aí instaladas a partir do século XVII e extintas em períodos distintos, corroborando e reinventando circuitos de reciprocidades interindígenas que provavelmente já existiam antes da presença colonial. Se a presença colonial na América indígena produziu novos arranjos sociais, i. e., ensejou e decantação de coletivos fl uidos em “grupos” organizados segundo critérios étnicos, como é, por exemplo, a leitura de BOCCARA (2001) – simultaneamente à fulminação de outros coletivos, sobretudo com a escravização e a atividade missionária – é porque ela foi agregada às dinâmicas de relações interindígenas, e não porque foi a sua causa (ANDRADE, 2008). Assim, são as redes de relações sociais de trocas multiqualitativas que ressaltam uma história regional de longa duração, motivo pelo qual os coletivos indígenas na região do submédio São Francisco devem ser dentro e a partir delas compreendidos em suas trajetórias e multi- plicidades contemporâneas (ANDRADE, 2008).

Figura 2 – Localização dos povos indígenas na região do submédio rio São Francisco

Fonte: Mapa da bacia hidrográfi ca do rio São Francisco - Povos indígenas e barragens / Secretaria de Meio Ambiente e recursos hídricos da Bahia (modifi cado).

Partindo dos Tumbalalá da região de Pambu (BA), considerarei as reci- procidades historicamente instituídas com os Truká da Ilha da Assunção (PE) e os Tuxá de Rodelas (BA), concentrando-me nas de ordem ritual que gravitam em torno do complexo do toré.8 Essas estão associadas a outras qualidades de trocas, de modo que são mutuamente determinantes, e o recorte aqui produzido é tão somente analítico. As relações de permutas rituais entre Truká e Tuxá são mais fortes, pois lastreadas no parentesco por ambos reconhecido. Tal ligação sustentaria a continuidade de trocas matrimoniais, rituais e políticas: 90 Para começar, a minha avó era descendente dos Truká. Meu avô casou com ela e trouxe pra’qui, para os Tuxá. Mas daí então quando meu avô começou a procurar o direito dele, aí ele ia até o Rio de Janeiro. Eu

54 não era nem nascido. Minha mãe já era nascida, só que era criancinha. Quando ele foi a primeira vez para o Rio, a velha estava doente, a mãe de minha mãe, e ele foi com ela e deixou lá com a família, nos Truká” vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 (ORMANDO, TUXÁ, NETO DO EX-CACIQUE E “CAPITÃO” JOÃO GOMES. In: BATISTA, 2001, p. 54-55).

Lá tem os Proká-Truká do tronco da jurema, são os cabocos de lá da Assunção. São amigos dos Tuxá. Podemos conviver bem. Eu mesmo já morei lá 12 anos. Conheço tudo, da ponta da ilha de cima até a parte de baixo (CACIQUE TUXÁ DOS ANOS 70. In: SAMPAIO-SILVA, 1997, p. 173).

No início, as relações de permutas rituais e de solidariedade entre os Tumbalalá e Tuxá foram mediadas pelos Truká; foi também por meio deles que os Tumbalalá acessaram as redes de relações com outros povos do submédio rio São Francisco, a exemplo dos Atikum. No tempo atual as relações dos Tumbalalá com os Tuxá são sustentadas pelo reconhecimento de contigüidades culturais entre ambos:

A gente foi a Tumbalalá depois que tomamos conhecimento do pessoal Tumbalalá procurando sua reivindicação. Como nós somos de uma al- deia, a terceira aldeia reconhecida desse nordeste e a primeira na Bahia, tomamos conhecimento que Tumbalalá pode até fazer parte da nossa tribo (BIDU, CACIQUE TUXÁ DE RODELAS. In: BATISTA, 2001, p. 53).

Não obstante o caráter coletivo das representações formuladas pelos Truká, Tuxá e Tumbalalá a respeito das permutas rituais, elas não são totais e alcançam um número restrito de núcleos domésticos ou indivíduos que efeti- vamente participam das redes regionais de trocas interindígenas, constituídas, por sua vez, por níveis de redes (ou subredes) que incluem imediatamente os Pankararu, Pankaru, Fulni-ô e Pankararé, mas expandem (ou contraem) na seqüência dos vários circuitos de comunicação dos quais participam os povos indígenas do Nordeste, a exemplo de encontros nacionais, manifestações e movimentos em defesa de direitos territoriais organizados por entidades como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), a articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, e Espírito Santo (APOINME).

Tais movimentos constituem níveis mais inclusivos de redes, com a presença de coletivos indígenas de praticamente todas as regiões do Brasil, e representam ocasiões oportunas para o início, consolidação ou ampliação de trocas multiqualitativas, em especial de apoio, de solidariedade (sobretudo no que concerne a ameaça de direitos territoriais em situações específi cas) e de cantos xamânicos, conforme assinalou certa vez o mestre de toré tumbalalá Aprígio Fatum – que frequentara algumas assembléias, reuniões e manifesta- ções indígenas em Brasília, Paulo Afonso, Salvador e Porto Seguro – a fi m de explicar-me como aprendera cantos de origem Pataxó e de índios do Parque do Xingu. Uma parte desse repertório dinâmico de cantos trocados durante intera- ções nas mobilizações do movimento indígena é incorporada ao toré tumbalalá quando um participante, no momento apropriado do rito, tira uma linha de seu gosto, seguindo-se de comentários sobre o canto novo e que poderão aprová-lo ou não, defi nindo a possibilidade de ser cantado por outrem nas ocasiões rituais subseqüentes. No que concerne à memória da origem de um canto de toré, os 91 Tumbalalá do núcleo do São Miguel, cuja história das trocas rituais é mais antiga e robusta, não apresentam objeção alguma à idéia de que o seu toré possui linhas

e Encantados oriundos de diferentes povos do submédio rio São Francisco ou 54 de fora desta região. Ao contrário: parecem ciosos de que quanto mais cantos e Encantados de fora e de longe melhor, posto que a presença de ambos no vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 complexo xamânico desse núcleo político-ritual revela a participação antiga e intensa da família Fatum e aliados nas redes regionais interindígenas de trocas.

Entretanto, o diálogo mediante as trocas históricas entre os Tuxá, Truká e Tumbalalá mostra que suas relações confi guram muito claramente representações pontuais a cerca da contigüidade entre estes povos e – inver- tendo-se os atributos, mas mantendo-se a mesma lógica da reciprocidade – das rupturas. A memória dessas contiguidades é exemplifi cada de forma eloquente nos desempenhos rituais, conforme se vê no seguinte trecho de uma linha de toré truká:

Adeus, Casa Grande Adeus sentinela Eu vou buscar minha tribo Dentro da aldeia de Rodelas.

Embora as relações de apoio estejam evidentes tanto no presente quanto no passado da história das relações entre estes grupos, a disputa por capital ritual é a contrapartida imediata delas. O ensinamento de segredos ritu- ais e a antiguidade de uma aldeia revelada na comunicação com os Encantado podem estimular um grupo a ocupar a posição de tronco (matriz) dos galhos ou ramas, novos grupos detentores de uma ciência (conhecimento do toré) menos elaborada. Tal concorrência é mais presente entre os Truká e Tumbalalá, provavelmente devido à proximidade geográfi ca, histórica e matrimonial, dis- pondo as rupturas circunstanciais sob o mesmo estatuto de reciprocidade que comanda as relações de contiguidade (ANDRADE, 2008, p. 196). Na rede de comunicação da qual fazem parte, dentre outros povos, os Tumbalalá, Truká e Tuxá, as relações pacífi cas e hostis se sobrepõem e dependem de dois fatores fundamentais: os contextos em que elas se desenrolam e os atores envolvidos (quais famílias ou indivíduos).

FINAL: CONSIDERANDO REDES XAMÂNICAS REGIONAIS Tendo apresentado, sinteticamente e em seus respectivos recortes, as redes de trocas lastreadas no xamanismo do baixo rio Oiapoque/rio Uaçá e submédio rio São Francisco, tentarei agora considerá-las conjuntamente, refl e- tindo sobre elas e olhando-as com atenção em suas possíveis semelhanças e singularidades. Não se trata, entretanto, de compará-las, processo mais refi nado e que demandaria espaço maior do que dispomos aqui, uma vez que, enquanto método analítico, a comparação – e em especial, a comparação etnológica – deve construir os comparáveis por meio do movimento de “desmontar e remontar lógicas parciais de pensamento” (DETIENNE, 2004, p. 16), destoando das cren- ças na independência, em relação ao observador, das propriedades de objetos previamente comparáveis.

O primeiro ponto em comum a se destacar é que não convém pensar em relações entre grupos enquanto unidades sociais coesas e acabadas. Grupos 92 sociais são abstrações socio-lógicas restritas e operadores conceituais enquanto que as relações de trocas são travadas no campo da prática de sujeitos con- cretos que apresentam formas diversas de classifi car e representar as mesmas

54 alteridades (ANDRADE, 2008, p. 198). Os agentes de trocas são indivíduos ou grupos de indivíduos baseados quase sempre no parentesco e não unidades sociais vis-à-vis (GALLOIS, 2005, p. 25). vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 O segundo ponto está direcionado aos elementos das trocas ou aos conteúdos do diálogo interindígena. Em um gradiente qualitativo, as trocas no baixo Oiapoque e rio Uaçá e no submédio São Francisco podem ser tanto de apoio político, mulheres, bens, conhecimentos rituais, cantos xamânicos, etc. quanto de acusações de feitiçaria ou de inépcia ritual que muito raramente resultam em agressões mais signifi cativas, o que, de resto, corrobora largamente os exemplos disponíveis em outras regiões etnográfi cas. O terceiro ponto mos- tra que a comunicação interindígena desenvolve-se em planos complexos, circunstanciais e coextensivos, haja vista que, como se disse, elas são fruto de trocas entre famílias, indivíduos ou grupos de indivíduos e não um diálogo uníssono entre unidades sociais fechadas e delimitadas. Indivíduos e parentelas participando de redes de trocas alargam suas próprias fronteiras e produzem uma cultura regional como um processo ou fl uxo não estruturado de símbolos (HANNERZ, 1992).

No baixo Oiapoque e rio Uaçá as permutas situadas no xamanismo são, a semelhança do que ocorre no submédio São Francisco, de ordens que podería- mos chamar de “positivas” e “negativas” (LIMA; CÓRDOBA, 2011, p. 16), não obstante serem ambas constitutivas do próprio xamanismo e, a rigor, sintetizada pelas capacidades de cura e de agressão da empresa xamânica (ANDRADE, 2016, p. 185). Estas competências não podem ser exercidas separadamente, uma vez que apenas no discurso etnifi cado sobre o xamanismo regional é que a feitiçaria e a cura emergem como domínios autônomos e separados, discurso cuja versão “nativa” é encontrada nas declarações públicas de pajés e mestres de toré que afi rmam acionar seus conhecimentos apenas para promoverem curas de doenças e “fazer o bem”, ao mesmo tempo que acusam ofi ciantes rivais, próximos e individualizados ou distantes e difusos, de promoverem a feitiçaria e o mal. Tal discurso etnifi cado é, entretanto, confrontado pela prática ritual que corrobora a complementaridade entre agressão e cura, conforme ilustram as narrativas a seguir:

[...] o índio, ele tem uma parte tola, não sabe? Ele tem uma parte tola. [Podia trabalhar com xangô9], mas quando estivesse tudo regimado [...] Ele (Acilon Ciriaco, cacique Truká) não trabalhava, ele não trabalhava nisso não. Ele é que dizia, quando estivesse tudo regimado, a aldeia estivesse bem prosperada, estivesse com todo... podia ser, não era? Aí o índio podia trabalhar no outro trabalho pra se defender. (APRÍGIO FATUM, MESTRE DE TORÉ TUMBALALÁ. In: ANDRADE, 2008, p. 222).

[...] Em português você já sabe que é feitiçaria, mas para nós é piaii, pajé que chama. [...] Piaii, faz bem e faz mal. É a mesma coisa. Tem canto pra fazer bem, tem pra fazer mal. É como um enfermeiro. É a mesma coisa, pode anotar. Um enfermeiro, se quiser curar a pessoa, tem remédio para fazer bem; se ele quiser lhe matar, dá uma injeção de cal- mante e acaba com você na hora. É um piaii, é um pajé. É um curador e pode lhe matar também. Assim é a mesma coisa conosco aqui. Sabe assoprar pra fazer bem e na mesma hora pode lhe matar. (GETÚLIO, CANTADOR GALIBI-MARWORNO. In: ANDRADE, 2007, pp. 87- 88).

As permutas “positivas” e “negativas” – correspondendo, respectiva- 93 mente, às trocas de conhecimento, cantos, grafi smos, iniciação no xamanismo, etc., de um lado e às agressões entre pajés, acusações de feitiçaria, etc., do outro – estão presentes como marcadoras do próprio xamanismo. No pólo das permutas negativas, as acusações de feitiçaria e de inépcia ritual são as formas 54 prevalentes, seguidas de roubos de cantos e de padrões gráfi cos (para o baixo Oiapoque e bacia do rio Uaçá). Cantos e grafi smos importam porque eles são vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 dádivas, senhas e registros de relações com os Encantados e Karuãna, sendo apropriados diferentemente em ambas as regiões etnográfi cas, uma vez que, enquanto no baixo Oiapoque e rio Uaçá os pajés são ciosos de seus repertórios particulares de cantos, no submédio São Francisco investem tanto nos repertó- rios locais ̶ representados por dádivas de Encantados de um terreiro de toré, de uma aldeia ou de um coletivo indígena em geral ̶ quanto nas linhas de toré aprendidas com outros povos, empenhando-se em sublinhar que seus respecti- vos núcleos rituais participam de circuitos regionais de comunicação formados por humanos e não humanos de diferentes povos/lugares no cosmos.

No que concerne aos Tumbalalá em geral e em especial às famílias do núcleo do São Miguel, a prática ritual espelha, ou melhor, ela é a facilitadora de permutas de apoio político ao longo da história das relações interindígenas no submédio rio São Francisco. Aqui, em função dos movimentos por identidade – que remontam aos anos 40 do último século – os desempenhos rituais pas- saram a operar como o principal componente de fronteiras, função ensejada (e desejada) pelo próprio Estado. Por conta disso, a mediação cosmopolítica da ação xamânica foi depurando-se em mediação política, a ponto do toré ser “reduzido”, em certas circunstâncias, a “expressão de indianidade”, trans- formando-se a política dos rituais em rituais da política de identidade. Essa redução, entretanto, ocorreu mais por conta de escolhas analíticas sobre o xama- nismo no Nordeste indígena que por ação dos atores sociais nele envolvidos, uma vez que sendo o xamanismo regional a forma de relação entre humanos e Encantados, ele se impõe enquanto modelo co-extensivo de relações interhu- manas, importanto menos a qualidade dos termos relacionados (Encantados e humanos) que o próprio fato da relação. O xamanismo regional, operando por meio das redes de comunicação interindígenas, é uma espécie de consciência histórica de relações cosmopolíticas, de tal forma que, sendo um modelo frac- tal de produção do alter e do mesmo, encontra-se presente nas escalas micro e macropolíticas, conferindo-lhes unidade (CARNEIRO DA CUNHA, 1998, p. 9). Assim, das acusações de inepcia ritual trocadas entre famílias tumbalalá à solidariedade nas mobilizações por território e identidade que articulam-se nas redes de trocas interindígenas regionais ou nacionais, das quais fazem parte os povos do submédio São Francisco, há uma completude subjascente que permite pensar nesses diferentes níveis de redes em termos homólogos, conforme ilus- tra o diálogo abaixo que mantive no ano de 2000 com três pessoas do núcleo tumbalalá do São Miguel:

Áurea Fatum - Os Encantados das outras aldeias, os Encantados das outras aldeias vêm trabalhar aqui. Cícero Marinheiro - É, nós trabalhamos com os Encantos da aldeia da- qui e de outras aldeia também. Áurea Fatum - Essa linha aí mesmo, que Cícero cantou, é do Encanto de outra aldeia, não é? Ele vem trabalhar aqui. Aprígio Fatum - É, é daí da Serra do Umã [...] Áurea Fatum - A quatrinha que eles cantam lá no Belém, canta aqui também [...] Cícero Marinheiro - Belém, São Francisco, tem uma ilha (da Vargem), 94 que é uma aldeia... Áurea Fatum - Tem, mas eles (os Encantados) vêm aqui [...] Aprígio Fatum - Oh Cícero, essa aldeia do Caxoí, tá continuando? 54 Cícero Marinheiro - No Caxoí, no Caxoí o pessoal diz que tem um toré no Caxoí, dizem que tem, mas deve ser sobre a ilha da Vargem, não é? Que a ilha da Vargem é que é aldeia. vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 Revelando unidade em torno da relação cujos termos são humanos e não humanos, o diálogo fl ui entre a circulação de Encantados e linhas de toré e a sequência de tradições por meio das sociogêneses regionais, algo marcante na pergunta de Aprígio Fatum sobre a continuidade da “aldeia do Caxoí”, ligada à antiga missão do Beato Serafi m na ilha das Vargens ou da Vargea (ANDRADE, 2008, pp. 140 e 376), em Pernambuco, e que hoje abriga os autodenominados Tuxí, um dos últimos “emergentes” nessa porção do rio São Francisco. Passar do micro ao macro, das relações estritamente rituais (se é possivel assim dizer...) às geradas no âmbito das políticas de identidade não é um problema, uma vez que esses distintos níveis de, às vezes, uma mesma rede são transformações uns dos outros. Tais transformações sinalizam que a “conexão evidente e imperativa entre homens e Encantado sublinha que qualquer possibilidade de produção contingente de conteúdos culturais passa pelas trocas simbólicas reativadas com a sobrenatureza, demonstrando o lugar das cosmologias nas etnogêneses no nordeste indígena. É a elas que se retorna a fi m de (re)produzir a cultura e se desvencilhar do hiato estabelecido com elas mesmas” (ANDRADE, 2008, p. 310).

Relativamente às trocas xamânicas “negativas”10 – basicamente asso- ciadas às acusações de feitiçaria, de roubos de cantos e de grafi smos e de inépcia ritual – no submédio São Francisco elas tendem a se concentrar nas acusações de inépcia ritual, serem de natureza intracomunitárias (i.e., acusa-se alguém próximo) e, assim, comporem redes ou subredes distintas, uma vez que, em geral e não como regra, os circuitos das acusações são diferenciados daqueles das solidariedades, transcorrendo que entre parceiros de trocas “negativas”, obstam-se trocas “positivas”, não obstante acusações de inepcia ritual e aliança matrimonial serem possíveis para os mesmos parceiros. A excessão também vale para acusações de feitiçaria (trabalho de xangô) dirigidas aos Tuká da ilha da Assunção, defronte ao território dos Tumbalalá. Todavia, tais acusações não são feitas aos Truká em geral, mas a segmentos ou subgrupos político-rituais, da mesma forma que os acusadores não são os Tumbalalá em geral, mas pes- soas vinculadas, por descendencia ou fi delidade ritual, a um de seus núcleos. O mesmo pode-se afi rmar sobre os Truká: dirigem acusações ou não de inépcia ritual aos Tumbalalá conforme a pertença aos subgrupos político-rituais. Por- tanto, no submédio São Francisco, as relações em torno das trocas “negativas”, assim como em torno das trocas “positivas”, são entre segmentos intracomuni- tários lastreados no parentesco e na atividade ritual, revelando a inocuidade de se considerar “grupos étnicos” enquanto sujeitos de tais relações.

No baixo Oiapoque e rio Uaçá as acusações de feitiçaria, de inépcia ritual e de roubos de cantos e de grafi smos circulam conjuntamente às trocas “positivas”, de maneira que todas elas podem ser dirigidas aos mesmos par- ceiros concretos ou potenciais. Aqui é necessário distinguir duas formas de agressão por feitiçaria: aquela produzida por ação de um Karuãna que age como patógeno canibal enviado por um pajé e aquela produzida por meio dos potás, formulárias incantatórias para múltiplas fi nalidades, recitadas em segredo e assopradas. A primeira é tipica do xamanismo regional e utiliza o consórcio com os espíritos auxiliares, enquanto a outra consiste em uma técnica de produção de efeitos por meio do sopro e da manipulação da intencionalidade da palavra (ANDRADE, 2012a, p. 980). Apenas os pajés estão habilitados a manterem relações com os Karuãna, de modo que a feitiçaria por este meio é sua prerro- 95 gativa, quase sempre associada à geração de doenças. Os potás, por outro lado, exigem apenas recursos mnemônicos para decorar as fórmulas incantatórias, além, é claro, de alguém que as ensine. Tais fórmulas, quando visam à feiti- 54 çaria, aludem a coisas perigosas, a exemplo de animais peçonhentos, e podem constituir repertórios privados transmitidos dentro do grupo de descendencia (BUCHILLET, 2004, pp. 118-119) ou serem de domínio mais amplo (VIDAL; vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 WHITEHEAD, 2004, p. 63; WILBERT, 2004, p. 38; WRIGHT, 2004, p. 89). Seja como for, a recorrência e facilidade de uso desse tipo de breathing sorcery faz com que os potás e os sopradores (seus praticantes) sejam temidos no baixo Oiapoque e rio Uaçá, evitando-se aldeias da região com fama de concentrarem tais atividades; algumas, dizem, a ponto de crianças aprenderem as fórmulas ao escutarem, involuntariamente, sendo transmitidas a terceiros. No entanto e con- forme os Galibi-Marworno, os mais perigosos potás vêm de longe, em especial do Suriname, onde são oferecidos de porta em porta ou circulam facilmente, sendo vendidos na rua “como picolé”.

Da diferença entre essas duas modalidades de feitiçaria decorre que um feitiço pode vir de perto ou de longe, a depender de como foi gerado.11 Os que utilizam patógenos canibais têm a sua autoria quase sempre associada a pajés de povos distantes, tais como os Waiãpi e os Saramaká da Guiana Fran- cesa e os e Aparaí do Suriname. Feitiços gerados por potás são mais complicados, devido à facilidade em produzí-los, e há grande possibilidade, para os Galibi-Marworno, de seus autores serem do próprio grupo de residencia matrilocal. Nesse caso, a agressão emergirá entre pessoas ligas por relações dos tipos WF-DH / WM-DH / ZH-WB e mais ramente WZH-WZH, manifestando- -se, portanto, entre aqueles com afi nidade concretizada, diferentemente do que se passa para os Tumbalalá, cujas trocas de acusação de inépcia ritual ocorrem entre afi ns potenciais (os que, prefencialmente, moram em aldeias diferentes), tendendo a arrefecer com a consumação da relação de aliança.

Note-se ainda que no grupo de residencia matrilocal galibi-marworno deve prevalecer a cooperação entre seus membros, que tratam-se por termos de parentesco consanguíneos ou consanguinizadores, exatamente como estratégia de administrar o risco proveniente da co-residência entre afi ns (ANDRADE, 2007, pp. 36-38), o que, conforme argumentado, é insufi ciente para evitar a feitiçaria no seio do grupo de residência. Por seu turno, acusações de roubos de cantos xamânicos e de grafi smos, ambos dádivas dos Karuãna, são feitas em relação a pajés: as primeiras a pajés próximos geografi camente, pois precisam escutar os cantos, e as outras feitas difusamente a pajés próximos ou distantes, dada a possibilidade dos padrões gráfi cos circularem indefi nidamente por meio de fotografi as.

Essas são algumas das características gerais das trocas xamânicas, “positivas e “negativas”, nas redes de relações interindígenas no baixo Oipo- que e rio Uaçá e no submédio São Francisco, devendo ser qualifi cadas a partir de um momento, mas tendo em vista as transformações ensejadas por eventos localizados nas histórias regionais, pois as intenças trocas interclânicas de acu- sação de feitiçaria, quase sempre terminadas em assassinatos de pajés, entre os Palikur de outrora; ou os intercâmbios rituais, nos anos de 1940, entre o núcleo tumbalalá do São Miguel, o grupo político truká de Acilon Ciriaco e os Atikum de Serra do Umã; ou ainda a prestação de serviços terapêuticos por pajés do rio Uaçá feita a ribeirinhos do rio Cassiporé, são manifestações temporais de fl uxos de relações moldados pela história regional, especialmente pela história de contato com missões, SPI, FUNAI e demais agentes não indígenas capazes de impactarem defi nitivamente as trocas xamânicas regionais, seja a elas agre- gando bens e conhecimentos ou produzindo novas regras a fi m de administrar 96 relações entre coletivos indígenas. Mas é em função desses eventos históricos, a um só tempo transversais e constitutivos do universo ameríndio, que as redes interindígenas de trocas xamânicas no baixo Oiapoque e rio Uaçá e no submédio São Francisco estão aí, indissociáveis, em um certo sentido, das redes regionais 54 de relações com não índios, pois são nas redes de relações que se deve procurar “quaisquer indícios de permanência, durabilidade e contigüidade associadas vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 a uma história regional de longa duração assentada nas trocas entre coletivos humanos e entre esses e a sobrenatureza” (ANDRADE, 2008, p. 309).

NOTAS

1 Os creóles não formam um coletivo particular, mas uma mescla difusa e análoga aos ribeirinhos amazônicos brasileiros. Diferenciam-se e são diferenciados dos negros Saramaká, esses sim passíveis de serem caracterizados enquanto “grupo étnico”, com memória particular de origem e potencial mobilizador. 2 Os Yumawalí possuem um céu próprio (Yinoklin), embora morem nas montanhas ao longo do rio Uarukauá, e são os espíritos auxiliares dos pajés palikur de outrora que persistem na cosmologia evangelizada desse povo. Numerosos, apresentam-se sob a forma de pássaros Tukumaská e são os inventores de importantes artefatos rituais (Ni- muendaju, 1926, pp. 46-47). 3 Nos anos de 1980, os índios Galibi do rio Uaçá passaram a adotar o autoreferente Galibi-Marworno a fi m de se diferenciarem dos Galibi (depois Galibi-Kali´na) do rio Oiapoque, população pequena que lá chegou, vinda do litoral da Guiana Francesa, em 1950 (VIDAL, 2000) . 4 A razão do deslocamento do grupo liderado por Kaimã foi fornecida, em interlocução paralela com Uwet, por Hélio Labonté, índio palikur que traduzia trechos da conversa. Malcher (2019, p. 248) menciona um tuxaua emerillon (chamado Caimã) que, em fun- ção de brigas provocadas por divergências internas, deixou a Guiana Francesa com um grupo de índios e buscou refúgio junto à Inspetoria do SPI no alto Oiapoque. Teria este líder do alto Oiapoque, após o aval do SPI, descido o rio e alcançado o Urukauá com seus congêneres? 5 Versão galibi-marworno e karipuna dos Yumawali palikur. 6 Rito amplamente presente na região das Guianas e que, no baixo Oiapoque e bacia do rio Uaçá, pode ser sintetizado com uma festa, com dois dias de danças e caxiri, ofertada aos Karuãna para que eles continuem a aliança com um pajé, possibilitando que este prossiga com as atividades de cura (enunciadas) e agressão (segredadas). 7 Baseio-me em relato feito por Rita Lewkowicz, coordenadora do Programa Oiapoque do Iepé - Instituto de pesquisa e formação indígena. 8 Embora quase homônimos toré e turé são ritos distintos em termos de performances, seqüências e parafernália empregada em sua execução. As similitudes – tais como pre- sença de espíritos auxiliares do pajé, uso de tabaco e bebida (respectivamente vinho da jurema e caxiri), referencia a um ponto central no espaço do desempenho ritual (o cruzeiro no terreiro e o mastro no lakhu) e o desdobramento do rito em etapas privadas (chamadas particular e xitotó) – são constitutivas dos complexos rituais xamânicos em geral (ELIADE, 1986; LANGDON, 1996; MÉTRAUX, 1944). Portanto, elas são in- sufi cientes para, conjuntamente aos nomes, sugerir conexões históricas ou derivações entre o toré dos índios do Nordeste e o turé da região etnográfi ca das Guianas. 9 Nome para variações regionais do candomblé. 10 O termo é usado aqui com parcimônio, pois sendo agressão e cura atos coextensivos no xamanismo, trocas “positicas” e “negativas” produzirão um sentido para efeito da análise, mas não, necessariamente, para os atores sociais envolvidos no xamanismo. 11 Considere como contraste os do Xingu, que vêem sentido apenas em feitiços entre pessoas geografi camente próximas e em relação (VANZOLINI, 2011, p. 212).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 97 ANDRADE, Ugo Maia. O real que não é visto. Xamanismo e relação no baixo Oiapoque. Tese de doutorado em Antropologia Social – PPGAS-USP, 327 p.

2007. 54 ______. Memória e diferença: os Tumbalalá e as redes de trocas no submédio São Francisco. São Paulo: Humanitas/FAPESP, 2008. vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 ______. Sobre artefatos-pessoa e produção ritual no baixo Oiapoque - Amapá. Revista de Antropologia. São Paulo, v. 55, n. 2, p. 971-1016, 2012a. ______. A Jurema tem dois gaios: história Tumbalalá. In: CARVALHO, Maria Rosário G. de; CARVALHO, Ana Magda de. (orgs.). Índios e caboclos: a his- tória recontada. Salvador: EDUFBA, p. 183-222, 2012b. ______. A forma e o espírito: Bancos e Mastros rituais como pessoas invisíveis. In: VIDAL, Lux B.; LEVINHO, José C. e GRUPIONI, Luis D. (orgs.). A pre- sença do invisível: vida cotidiana e ritual entre os povos indígenas do Oiapoque, Rio de Janeiro: Iepé / Museu do Índio, p. 174-186, 2016. ______. Na fronteira: mobilidades xamânicas entre Brasil e Guiana Francesa. Horizontes Antropológicos, Porto Alegre, ano 24, n. 51, p. 203-227, 2018. ARNAUD, Expedito. O xamanismo entre os índios da região do Uaçá. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, nova série, Antropologia, n. 44, p. 1-22, 1970. _____. O sobrenatural e a infl uência cristã entre os índios do rio Uaçá (Oiapo- que, Amapá): Palikur, Galibi e Karipuna. In: LANGDON, Esther Jean Matteson (org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996. BATISTA, Mércia R. Rangel. Laudo Antropológico do Grupo Autodenominado Tumbalalá - Bahia. Rio de Janeiro: dig, 2001. BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1998[1989]. BUCHILLET, Dominique. Sorcery beliefs, transmission of shamanic know- ledge, and therapeutic practice among the Dessana of the Upper Rio Negro region, Brazil. In: WHITEHEAD, Neil L.; WRIGHT, Robin (eds.) In darkness and secrecy. The anthropology of assault sorcery and witchcraft in Amazonia. Durham: Duke University Press, p. 109-131, 2004. BUTT, Audrey. The shaman’s legal role. Revista do Museu Paulista, Nova Série, XVI, p. 151-186, 1966. CAPIBERIBE, Artionka M. G. Batismo de fogo: os Palikur e o cristianismo. São Paulo: Annablume/FAPESP/NUTI, 2007. CARNEIRO DA CUNHA, Manuela. Pontos de vista sobre a fl oresta amazônica: xamanismo e tradução. Mana, v. 4, n. 1, p. 7-22, 1998. 7-22, 1998. CCPIO - Conselho dos Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque. Protocolo de consulta dos Povos Indígenas do Oiapoque. São Paulo: Iepé, 2019. DESCOLA, Philippe. Beyond nature and culture. Chicago: The University of Chicago Press, 2013. DETIENNE, Marcel. Comparar o incomparável. São Paulo: Ideias & Letras, 2004. ELIADE, Mircea. El chamanismo y las técnicas arcaicas del éxtasis. Ciudad del México: Fondo de Cultura Económica, 1986. GALLOIS-CEDI. Povos Indígenas no Brasil: Amapá e Norte do Pará. São Paulo, v. 3, 1983. GALLOIS, Dominique Tilkin. Introdução. In: Redes de relações nas Guianas. São Paulo: Associação Editorial Humanitas, FAPESP, 2005. 98 HANNERZ, Ulf. The global ecumene as a network of networks. In: KUPER, Adam. (ed.) Conceptualizing Society. New York: Routledge, 1992. LANGDON, Esther Jean M. Introduction: shamanism and anthropology. In: LANGDON, Esther Jean M.; BAER, Gerhard. Portals of power: shamanism 54 in South America. Albuquerque: University of New Mexico Press, 1-21, 1992. vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 LANGDON, Esther Jean M. Introdução: Xamanismo – velhas e novas pers- pectivas. In: _ (org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis: Editora da UFSC, 1996. LIMA, Edilene Coff aci de; CÓRDOBA, Lorena. Apresentação. In: _ (orgs.). Os outros dos outros: relações de alteridade na etnologia sul-americana. Curitiba: Ed. UFPR, p. 12-18, 2011. MALCHER, José. Índios da região do rio Oiapoque. In: RONDON, Cândido Mariano da Silva (org.). Índios do Brasil – das cabeceiras do Rio Xingu, dos Rios Araguaia e Oiapoque (vol. II). Brasília: Senado Federal, p. 245-306, 2019. MÉTRAUX, Alfred. Le shamanisme chez les Indiens de l’Amerique du Sud tropicale - I. Acta Americana, v. 2, n. 3, p. 197-2019, 1944. NIMUENDAJÚ, Curt. Os índios Palikur e seus vizinhos. Tradução de Thekla Hartmann do original “Die Palikur Indianer und ihre Nachbarn”. NHII/USP, mimeo, 1926. PASSES, Alan. Not alone in the multiverse: borrowing from others, remain Pa’ikwené (Palikur). Comunicação apresentada no colóquio Guiana Amerín- dia: etnologia e história. Realização NHII-USP, EREA/CNRS e Museu Emílio Goeldi. Belém, 2006. RIVIÈRE, Peter. O indivíduo e a sociedade na Guiana. São Paulo: Edusp, 2001. SAMPAIO-SILVA, Orlando. Tuxá: índios do nordeste. São Paulo: Annablume, 1997. TASSINARI, Antonella M. I. No bom da festa: o processo de construção cul- tural das famílias Karipuna do Amapá. São Paulo: Edusp, 2003. TASSINARI, Antonella M. I. História e parentesco Galibi-Marworno. Comu- nicação apresentada no colóquio Guiana Ameríndia: etnologia e história. Realização NHII-USP, EREA/CNRS e Museu Emílio Goeldi. Belém, 2006. VANZOLINI, Marina. O parentesco pervertido: nota sobre a feitiçaria entre os Aweti do Alto Xingu. In: LIMA, Edilene Coff aci de; CÓRDOBA, Lorena (orgs.). Os outros dos outros: relações de alteridade na etnologia sul-ameri- cana. Curitiba: Ed. UFPR, p. 211-223, 2011. VIDAL, Silvia; WHITEHEAD, Neil L. Dark shamans and the shamanic state: sorcery and witchcraft as political process in Guyana and Venezuelan Amazon. In: WHITEHEAD, Neil L.; WRIGHT, Robin (eds.) In darkness and secrecy. The anthropology of assault sorcery and witchcraft in Amazonia. Durham: Duke University Press, pp. 51-81, 2004. VIDAL, Lux B. Outros viajantes. Revista USP, n. 46, p. 42-51, 2000. VIDAL, Lux; TASSINARI, Antonela. De cunhados a irmãos: afi nidade e con- sangüinidade Galibi-Marworno. Comunicação apresentada no GT Desenvol- vimentos recentes do Americanismo Tropical. XXIII RBA, Gramado, 2002. VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Perspectivismo e multinaturalismo na América indígena. In:_ A inconstância da alma selvagem e outros ensaios de antropologia. São Paulo: Cosac & Naify, p. 347-399, 2002. VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo B. Exchanging perspectives: the transfor- mation of objects into subjects in Amerindian ontologies. Common Knowledge, 10(3), p. 463-484, 2004. WILBERT, Johannes. The order of dark shamans among the Warao. In: WHI- TEHEAD, Neil L.; WRIGHT, Robin (eds.) In darkness and secrecy. The anthro- 99 pology of assault sorcery and witchcraft in Amazonia. Durham: Duke University Press, p. 22-50, 2004.

WRIGHT, Robin. The wicked and the wise men: witches and prophets in the 54 history of the Northwest Amazon. In: WHITEHEAD, Neil L.; WRIGHT, Robin (eds.) In darkness and secrecy. The anthropology of assault sorcery and witch- craft in Amazonia. Durham: Duke University Press, p. 82-108, 2004. vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100 100 SUBMETIDO EM: 17/03/2019

APROVADO EM: 15/10/2019 54 vivência ANTROPOLOGIA DE REVISTA

n. 54|2019|p. 84-100