RESENHA DE NOTÍCIAS CULTURAIS

Edição Nº 69 [ 29/12/2011 a 4/1/2012 ] Sumário

CINEMA E TV...... 3 Jornal de Brasília - Tom nas telas e na música/ ENTREVISTA-ANA JOBIM ...... 3 O Estado de S. Paulo - O outro lado de Dercy...... 4 O Globo - Cinema ...... 6 Correio Braziliense - Desenhar é com elas ...... 8 O Globo - ‘Xingu’ integra mostra do Festival de Berlim ...... 10 Estado de Minas - Sai a cota deste ano...... 10 TEATRO E DANÇA...... 11 O Globo - Musical volta aos palcos e ao carnaval ...... 11 O Globo - O registro do efêmero e o DVD de teatro ...... 12 Folha de S. Paulo - Bonitos bacanas sacanas modernos...... 13 ARTES PLÁSTICAS...... 14 O Globo - Puro cristal ...... 15 Estado de Minas - Exílio forçado...... 16 FOTOGRAFIA...... 18 O Globo – Artigo / Sérgio Eduardo Moreira Lima *...... 18 MÚSICA...... 21 O Estado de S. Paulo - Wado melancolia e maturidade...... 21 O Globo - Zé Geraldo ...... 22 Estado de Minas - Sintonia mágica...... 23 Isto É - Tom é o primeiro brasileiro a ganhar o Grammy póstumo...... 24 Zero Hora - Quem é Maria Gadú?...... 24 Estado de Minas - O melhor de dois mundos...... 25 Folha de S. Paulo - Mercado brasileiro tem armações internacionais das gravadoras...... 26 Folha de S. Paulo - Música brasileira é tema de mostra de documentários...... 27 Folha de S. Paulo - Álbuns reeditados recuperam dois momentos distintos de Gismonti...... 27 Estado de Minas - Tecnologia com arte...... 28 Zero Hora - Pirataria erudita...... 29 Zero Hora - O mistério do som perfeito...... 30 LIVROS E LITERATURA...... 30 O Estado de S. Paulo - Amado centenário...... 30 O Estado de S. Paulo - Mercado festeja aniversários...... 31 O Globo - A literatura brasileira em busca de difusão mundial ...... 32 QUADRINHOS...... 33 O Globo - Super amigos brasileiros da DC Comics ...... 34 OUTROS...... 34 Correio Braziliense - O traço certo de Virgílio...... 35 O Estado de S. Paulo - Daniel Piza morre aos 41 anos...... 35 Folha de S. Paulo - Opinião / Mário Gruber (1927-2011)...... 37 Zero Hora - Monumentos da Capital serão restaurados...... 38

2 CINEMA E TV

JORNAL DE BRASÍLIA - Tom nas telas e na música/ ENTREVISTA-ANA JOBIM

(31/12/2011) Ninguém pensou em fazer de 2012 um ano Tom Jobim, mas os astros parecem se posicionar para isso. Em 20 de janeiro, cinco dias antes da data em que o maestro completaria 85 anos, estreia A Música Segundo Tom Jobim, um filme de Nelson Pereira dos Santos e de Dora Jobim, neta do maestro – algo capaz de “fazer chorar e fazer sorrir”, como define a viúva de Tom, Ana Jobim. Quase um mês depois, em 12 de fevereiro, Tom será homenageado pelo conjunto de sua obra durante a 54ª edição do Grammy, em Los Angeles (em 1995, recebeu prêmio, póstumo, pelo álbum Antônio Brasileiro). Steve Jobs também será lembrado pela revolução musical que criou nos meios digitais. E, paralelo a tudo, em ares mais densos, Ana Jobim vai a um tribunal nos Estados Unidos tentar colocar fim a uma causa que há anos incomoda a família mais no peito do que no bolso. Norman Gimbel, compositor norte-americano que fez versões para um punhado de músicas de Jobim, incluindo Garota de Ipanema, tem recebido direitos autorais há anos pelas versões como se fosse o criador das músicas.

Tom Jobim não recebeu um Grammy em vida. Acha que o fato de ser homenageado agora é uma espécie de justiça póstuma?

Não, Tom morreu bastante reconhecido pelo mundo. O que acontece agora é que sua música ficou ainda mais consolidada, estudada nas escolas aqui, nos Estados Unidos. Ele virou um herói para muita gente. Engraçado que o presidente do Grammy (Neil Portnow) me ligou e disse: “Quando acontece essa homenagem, a família recebe uma carta. Mas, neste caso, quis ouvir sua emoção”.

Como é ser a mulher de Tom Jobim? Imagina-se que a demanda de pedidos para regravações seja uma avalanche.

Quando um artista quer gravar uma música dele, não temos como dizer não. Mas tomamos muito cuidado com a imagem, não fazemos nada que possa ferir os ideais do Tom, algo que ele não faria por princípios.

Por exemplo?

Algo como propagandas de cigarro, que ele nunca fez na vida. E não digo isso agora porque o cigarro está proibido não, ele não fazia.

Não teme que um pedido para uma regravação possa ser uma roubada?

Se a pessoa fizer um arranjo terrível, pior para ela (risos). No caso das versões em outras línguas, que acho até que é um caso de amor, pessoas pedem autorização para fazer versão até para idiomas nos quais já existem versões das músicas que estão pedindo. Francês e espanhol são os pedidos mais comuns. Os que mais me surpreendem são os que vêm da Noruega e da Suécia.

Discute-se muito sobre novas formas de trabalhar com direitos autorais. Há modelos que pretendem facilitar a liberação desses direitos. Acha um caminho?

Sim, é um caminho. A web é a mídia vigente, não temos como lutar contra isso. Mas o direito autoral é um patrimônio intelectual que tem de ser respeitado. As coisas têm de tomar seus devidos lugares, autor não pode ser esquecido, aquilo que você toca pertence a alguém. Acho que as coisas estão se ajeitando com a chegada do iTunes. Mudou o conceito. Um adolescente de 15 anos não pensa como a minha geração, o acesso às coisas para ele respeita um outro código, uma outra história.

O que achou do filme sobre Tom Jobim, prestes a estrear aqui no Brasil?

Foi um trabalho de pesquisa bem grande. A Dora dirige com o Nelson, o que foi um fator muito positivo, já que ele teve a oportunidade de estar bem perto de tudo. E ela conhece muito bem as coisas do Tom, por estar sempre pesquisando. Acho que ficou muito bom, a música fala por si. Não tem tradução, legenda, nada. As pessoas cantam, isso torna tudo muito emocionante. Você vê a

3 quantidade de pessoas que a música dele tocou. Não tinha me lembrado de que ele faria 85 anos em janeiro, isso está acontecendo naturalmente. E o filme deixa tudo mais comovente, você chora, você ri.

Você estará no Brasil para a estreia?

Não, vou ficar aqui este mês inteiro, tenho assuntos relacionados não só ao Grammy, mas ao que vai acontecer em Los Angeles em fevereiro.

E o que vai acontecer?

Tem uma causa aqui que já está andando há anos, uma questão com relação a um versionista americano, um processo.

Imagino que relacionado a direitos autorais...

O versionista no caso (Norman Gimbel) se considera um autor original de umas seis músicas de Tom Jobim e Vinícius de Morais para as quais ele fez versões (incluindo Garota de Ipanema). Ele chega a autorizar versões de suas versões (e a ganhar por elas). O nosso processo é contra a Universal Music Publishing (que edita tais músicas).

As versões que ele fez foram autorizadas por vocês?

Sim, tudo certo, mas criou-se um impasse. Existe uma lei aqui, nos Estados Unidos, que diz que, depois de 28 anos de copyright, esse direito deve voltar para o autor. Só que, no caso, os direitos dessas músicas ficaram para o versionista, como se ele tivesse feito a música original. Ele é versionista, mas se considera um grande autor. Ele nunca foi a Ipanema. É de uma esperteza e de uma má-fé...

Acha que podem ganhar o caso logo?

É um caso importante e difícil porque têm muitos autores brasileiros que vêm para os Estados Unidos, editam músicas aqui e suas suas obras vão para as mãos dos versionistas. Falo isso em termos de divisão de royalties mesmo, não dá para entender. Essa batalha é difícil porque será um grande precedente se eles perderem a briga. O que viria atrás (em processos) não seria bom para eles.

E vocês devem subir muito a guarda para pedidos de versões.

Sim, claro. Quando falo que é um caso de amor, penso mesmo que alguns queiram se tornar parceiros dos ídolos que eles amam. Mas isso gera tanta confusão que nossa tendência é não autorizar mesmo. A gente já ganhou boas causas, mas a Justiça aqui é muito complicada. Não existe essa questão de ganhos morais, a questão é toda dinheiro. Se o cara acertar o que ele deve (financeiramente), esse argumento moral fica enfraquecido. Então, temos de fazer auditorias para provar que existe dano financeiro, mas nossa questão não é apenas financeira, é de apropriação indevida. Mas a cabeça dos juízes aqui funciona assim, é a mentalidade americana, dinheiro e ponto. Só posso ser lesado se o cara não me pagar.

Quais serão os próximos passos nisso?

A gente vai ter aqui uma mediação em Los Angeles com um desembargador ou um juiz. Ficam as partes lá propondo um acordo e a autoridade vai levando as propostas de um para o outro. Se a gente chegar a algum acordo, ótimo, é o que queremos.

O ESTADO DE S. PAULO - O outro lado de Dercy

Minissérie de quatro capítulos deve quebrar preconceitos e revelar face mais careta da artista

ALLINE DAUROIZ

4 (01/01/2012) Dercy Gonçalves costumava dizer uma frase que mexia com seu brio e, hoje, acaba por resumir a proposta da minissérie de quatro capítulos Dercy de Verdade, prevista para ir ao ar na Globo no dia 10: "Eu posso ser escrachada, mas não sou bandalha". "Bandalha, para ela, era uma mulher de quinta, vulgar, uma prostituta. E ela não era isso mesmo, embora tenha levado esse estigma por muitos anos", explica a dramaturga , autora da minissérie baseada em seu livro Dercy de Cabo a Rabo. "Não queria que ela ficasse reduzida àquela velha que falava palavrão. Porque é essa a imagem que ficou pra muita gente. Só eu sei quanto preconceito essa mulher sofreu até depois de morrer."

O preconceito a que Maria Adelaide se refere, e a minissérie pretende reverter, foi medido pela própria autora e pela atriz Fafy Siqueira, quando elas tentavam levantar patrocínio para a peça Dercy por Fafy. Ideia de Dercy, a peça contaria a história da artista e seria encenada por Fafy, com texto de Adelaide e direção de Marília Pêra, mas não saiu do papel por falta de verba.

"Foram três anos de busca (de 2007 a 2010), mas ninguém quis dar dinheiro. As empresas diziam: 'Não queremos nosso nome ligado à Dercy Gonçalves. Ela fala muito palavrão'", lembra Fafy. Agora, enfim, a atriz de 57 anos viverá Dercy, dos 70 aos 101 anos, na minissérie.

Para Fafy, o preconceito que Dercy sofria desde o início da carreira se estende até hoje a todas as humoristas. "A mulher no humor sempre foi escada para o homem, a chacota, a feia, a piranha, a loira burra, a sapatão. E, hoje, são poucas as que têm oportunidade na TV", desabafa a atriz. "Na MTV, é um bando de homem e a Dani Calabresa (e a Tatá Werneck). No CQC, só a Mônica Iozzi. No Pânico, um monte de gostosas. No fim, é a Globo que dá mais espaço: foi ela que apostou na Regina Casé, na Cláudia Gimenez, na Heloísa Périssé, na Ingrid Guimarães, na Cláudia Rodrigues, na Fernanda Torres e em tantas outras."

E se é a Dercy artista, desbocada e debochada que ficou no imaginário popular, o público agora vai conhecer a Dercy pudica, careta e rígida na educação da única filha, Dercimar (que na trama será vivida por Samara Felippo).

"Dercy se surpreendeu em 1994 com a maneira digna com que a biografei. Mas eu a apresentei como eu a via. Ela foi uma das pessoas mais dignas que já conheci. Tinha um brio, um orgulho, uma integridade. É isso que quero mostrar para o Brasil."

Entre as faces desconhecidas da artista, Maria Adelaide lembra quando ela telefonou para questionar por que a autora havia se separado do marido. "Fiquei até brava com ela, porque ela falou: 'Separou por quê? Vai começar a dar?'", lembra Adelaide. "Ela zelava pelo casamento de todos, porque achava que mais importante do que o amor era a manutenção da família."

Na minissérie, a autora diz que vai mostrar a luta de Dercy para manter a filha longe da imagem negativa que carregava.

"Ela fez de tudo para que a filha não fosse apontada na rua, fosse uma mulher educada e casasse virgem. Aguentou o Diabo com o marido (Danilo Bastos que, na trama, mudou de nome para Augusto Duarte, vivido por Tuca Andrada) só para que Dercimar tivesse alguém que a conduzisse ao altar."

Longe de ser a mulher fogosa que interpretou muitas vezes no teatro e no cinema, Dercy quase nada falava de sexo e dizia não ser muito afeita à intimidade. Mas, talvez, essa não seja sua característica mais contraditória.

Para Maria Adelaide, a artista era "a pessoa mais triste que ela já conheceu". "Ela era solitária - não ficava sozinha, mas era só. Estou acostumada a lidar com personagens assim. Escrevi peças sobre Chiquinha Gonzaga e Coco Chanel. Elas são semelhantes. Pertencem à linhagem de mulheres transgressoras que tiveram de se fazer por si mesmas e lutar pelas conquistas, cada uma delas. Mulheres sofridas e discriminadas."

Sem censura. Dirigida por Jorge Fernando - que comandou Dercy nas novelas Que Rei Sou Eu? e Deus nos Acuda -, a minissérie contará a vida da artista, desde a infância, quando, ainda Dolores, foi abandonada aos 5 anos pela mãe e era espancada pelo pai. Nessa fase, a menina será interpretada por Luisa Périssé, de 12 anos, filha de Heloísa Périssé, que vive a Dery dos 17 aos 60.

5 "Quando soube que a Fafy faria uma peça sobre a Dercy, sugeri um outro projeto a ela e a Adelaide. E foi disso que nasceu a minissérie", lembra Heloísa. "Sempre tive o sonho de interpretar um personagem real", diz a atriz, conhecida na TV por seus personagens cômicos.

Para interpretar seu primeiro papel dramático, Heloísa disse ter contado com um elemento fundamental na comédia: a verdade. "Pensar naquela mulher sozinha com a filha sofrendo tudo o que ela sofreu me deu uma tristeza tão imensa que chorei de verdade nas cenas."

Na trama, também vão aparecer personalidades importantes na carreira de Dercy. Ficam de fora e , mas ganham representação Boni (vivido por Bruno, filho caçula do empresário), Oscarito (interpretado por Carlos Loffler, neto do ator), (vivido pelo filho do humorista, Nizo Netto), entre outras figuras famosas.

Permitido pela classificação indicativa do horário (após o Big Brother), o palavrão também está liberado. "Foi o palavrão que me uniu a Dercy", lembra a autora. "Nós nos conhecemos em 1993 na casa de Homero Kossak e logo ela falou: 'Você fala palavrão direitinho. Deve ter começado criança. Para quem sabe falar palavrão, ele é um som, quase uma pontuação e não uma ofensa'." Adelaide conta ainda que, dez minutos de conversa depois, Dercy a convidou para escrever sua biografia, "porque era intelectual, mas não metida a besta". "Por isso, achei indispensável o palavrão. E que hipocrisia é essa de dizer que as pessoas não falam palavrão?"

O GLOBO - Cinema bossa nova

Nelson Pereira dos Santos revisita obra e vida de Tom Jobim em dois documentários recheados de música e histórias sobre o maestro

André Miranda

(01/01/2012) O jeito despojado de Nelson Pereira dos Santos anda lembrando bastante a conhecida leveza de espírito do personagem de seus dois novos filmes. Numa entrevista em sua casa, na última quintafeira, o visivelmente feliz e afetuoso Nelson contava piadas, contemplava a vida e dizia querer evitar brigas com quem quer que fosse. Falava de seu trabalho com juventude e narrava a boemia do passado como quem viveu o suficiente para ter muitas histórias para contar. Em determinado momento, ao lado de uma mesa em que estavam seu iPad e seu notebook e próximo à coleção de vaquinhas em miniatura disposta numa prateleira, Nelson ainda disse: “Vou tomar meu remedinho, você me acompanha?” E pegou um copo, pôs algumas pedras de gelo, serviu-se de uísque e completou com água. Foi só aí que o grande cineasta de 83 anos começou a falar sobre Antonio

6 Carlos Jobim, o grande maestro e compositor morto em 1994, aos 67 anos, conhecida figura afetuosa, boêmia e fã de uísque. Nelson está prestes a lançar dois documentários sobre Tom Jobim. Está prestes, mais uma vez, a tentar encantar a plateia com imagens e música. Muita música.

Os filmes de Nelson, ambos documentários, chamam-se “A música segundo Tom Jobim” e “A luz do Tom”. O primeiro, que será lançado em circuito comercial no próximo dia 20 e foi codirigido por Dora Jobim, neta de Tom, reúne dezenas de imagens de arquivo de cantores e instrumentistas interpretando composições do maestro ao longo dos anos. Há cenas lindas e raras de , Agostinho dos Santos, Frank Sinatra, Judy Garland, Elis Regina, Nara Leão, Aloysio de Oliveira, Silvinha Telles, Pierre Barouh, Ella Fitzgerald, , Dizzy Gillespie e muitos outros. Não há diálogos, entrevistas, voz em off, nem legendas. O filme começa com imagens de um Rio antigo, feitas nos anos 1950 por Jean Manzon, e logo depois parte para a música. A primeira a aparecer é , cantando “Se todos fossem iguais a você”, e o último é o próprio Tom, com “Garota de Ipanema”.

— O nosso orçamento inicial previsto aumentou em 50% por conta dos preços dos direitos autorais. O pesquisador Antonio Venancio foi quem cuidou disso. Outro problema que tivemos foi com a qualidade do som de algumas imagens. O Paulo Jobim (filho de Tom), que fez a direção musical, prestou atenção para tudo ficar bom — conta Nelson. — Nossa ideia inicial, no “Música segundo Tom Jobim”, era fazer um filme em três atos, sobre os três temas recorrentes nas canções dele, que eram o Rio, a natureza e as mulheres. Mas percebemos que seria uma opção artificial, imposta de fora para dentro. O material nos fez entender que não era necessário estabelecer uma estrutura dramática. Era só colocar as músicas organizadas numa cronologia do tempo em que foram feitas. Não eram necessárias palavras.

Já o segundo documentário, previsto para este ano, mas ainda sem data definida, não apenas tem palavras, como é todo baseado no Rio, na natureza e nas mulheres. Com codireção de Marco Altberg, “A luz do Tom” também já está pronto, e a expectativa de Nelson é que ele seja lançado até o fim do ano. Nele, o ponto de partida foi o livro de memórias “Um homem iluminado”, de Helena Jobim, irmã do maestro. Percorreu- se a história de Tom com entrevistas com a própria Helena; com Thereza Hermanny, primeira mulher do maestro; e com Ana Lontra Jobim, sua segunda e última mulher. As locações — Florianópolis, um sítio em Itaipava e o Jardim Botânico, no Rio — têm a função de remeter o espectador ao Rio de Tom Jobim, quando, por exemplo, Ipanema era um “imenso areal”, representado por uma praia de Florianópolis.

— São locais com uma presença forte da natureza — diz Nelson. — Eu as deixei totalmente livres para falar sobre o Tom. A Helena tem uma paixão imensa pela memória do irmão, ela se empolga ao lembrar dele. A Thereza tem humor e traz histórias afetuosas e engraçadas. E a Ana tem um jeito tranquilo, também com humor, e tratou muito do namoro deles.

Em “A luz do Tom”, Helena conta que “o mesmo parteiro que trouxe o Tom foi quem trouxe ” — não por acaso, a única música do filme não composta pelo maestro é “Três apitos”, de Noel. Thereza, por sua vez, se recorda de como Tom implicava com ela, chamando-a de pirralha. Já Ana diz que ele “foi um superbom pai”, agregador com a família.

Nelson Pereira dos Santos conheceu To m Jobim naqueles anos de Bossa Nova e Cinema Novo, entre as décadas de 1960 e 1970. Ele não recorda bem a ocasião, mas diz que foi Cacá Diegues quem apresentou os dois. O convívio se tornou mais intenso em 1978, quando Tom, Miúcha, Toquinho e Vinicius de Moraes passaram quase um ano fazendo shows no Canecão. Na época, Nelson namorava Miúcha e a acompanhava frequentemente às apresentações. A cantora, aliás, assina com Nelson os roteiros dos dois documentários.

Anos depois, em 1984, Nelson fez seu primeiro filme com Tom, que foi intitulado... “A música segundo Tom Jobim”. Tratavase de um programa para a antiga TV Manchete, em que o maestro recebia outros artistas em sua casa, no Jardim Botânico, para falar de Música Popular Brasileira. De acordo com Nelson, os originais do programa foram perdidos. Mas, na internet, é possível encontrar vídeos em que Tom conversa com Gal Costa, e Radamés Gnattali, por exemplo.

— O pessoal do Cinema Novo tinha muita relação com o Tom. Ele fez músicas para o Joaquim (Pedro de Andrade, no filme “Os Inconfidentes”) e para o Paulo Cesar (Saraceni, em “Porto das

7 caixas”) — afirma Nelson. — O Tom foi universal. Eu me lembro de estar em Nova York nos anos 1970, pegar um táxi e ouvir uma música dele no rádio. Aí falei para o taxista que aquilo era música brasileira. O taxista então se revoltou. Disse que não, que aquilo não era música brasileira, que era bossa nova.

A data de estreia de “A música segundo Tom Jobim” — o novo documentário, é claro — parece ter sido escolhida a dedo: 20 de janeiro, dia de São Sebastião, padroeiro do Rio, cidade em que Tom nasceu e pela qual se declarou tantas vezes apaixonado. Pouco depois, em 25 de janeiro, celebra-se o nascimento do maestro.

Passagem por festivais

O filme já teve passagens pelos festivais de Nova York, Copenhague e Santa Maria da Feira, em Portugal. No Festival Internacional de Documentários de Amsterdã (IDFA), o principal do mundo no gênero, em novembro, uma sessão de “A música segundo Tom Jobim” estava lotada numa quarta- feira, às 13h15m. A plateia, inclusive, manteve-se firme e atenta até a hora em que sobem os créditos, que é quando são apresentadas as legendas de todos os intérpretes que estão no filme.

— Esse estilo de se colocar legenda em tudo é um hábito criado pelo jornalismo televisivo, onde há uma necessidade de se explicar tudo o que aparece na tela. No cinema isso não é necessário — diz Nelson. — O que a gente quis fazer foi deixar o espectador ter prazer com a música. A informação vem depois.

CORREIO BRAZILIENSE - Desenhar é com elas

2011 foi o ano das mulheres na animação. Lá fora, novidades da DreamWorks e da Aardman provam o tino comercial de diretoras estreantes. Em Brasília, elas trabalham em produções independentes

FELIPE MORAES

8 Juliet Jones: ''As mulheres estão se tornando supermulheres. Há cinco anos, era mais difícil encontrar quadrinistas, por exemplo''.

3/01/2012 - Desde que Kathryn Bigelow levou duas estatuetas do Oscar (direção e filme), em 2010, por Guerra ao terror — fato inédito para uma diretora —, o mercado do cinema parece observar o sexo feminino com outros olhos. E, curiosamente, o segmento de animação tem sentido o “efeito” Bigelow com mais intensidade e rapidez que o cinema tradicional, ainda resistente à presença delas — em Hollywood, apenas 7% das cineastas são mulheres, de acordo com estudo da Universidade de San Diego, Califórnia.

A sul-coreana Jennifer Yuh Nelson, radicada nos Estados Unidos desde pequena, tornou-se a primeira a comandar um desenho a bordo de um grande estúdio: Kung fu panda 2, da DreamWorks (de Shrek), arrecadou US$ 663 milhões e é uma das 50 maiores bilheterias da história. Mais recentemente, a britânica Sarah Smith, experiente produtora e roteirista de comédias adultas, lançou Operação presente, pelo selo Aardman, conhecido pelos filmes de stop-motion, como Wallace e Gromit e Fuga das galinhas.

O cinema brasileiro acompanhou a tendência timidamente, com produções como Brasil animado, da paulistana Mariana Caltabiano, primeiro longa-metragem nacional feito em 3D. Já Brasília segue o movimento de um jeito bastante particular. No ano passado, na primeira vez em que o Festival de Cinema da cidade acolheu uma mostra competitiva de curtas de animação, quatro mulheres, de um total de 12, competiram pelo Candango. A mineira Natália Cristine, de 26 anos, que concorreu com Cafeka, acredita que, tanto no cinema como na publicidade, o portfólio feminino é visto com alguma reticência. “Quando avaliam, acham que é coisa de menininha”, conta. “Já ouvi gente dizendo que, quando é de mulher, só tem cachorrinho, bichinho.

Mas não é assim. Menina também pode fazer coisas como dragões e robôs. Meu filme, por exemplo, tem uma estética do bizarro”, acrescenta.

Rabisco experimental As brasilienses Raquel Piantino e Juliet Jones, com pouco tempo de formadas, têm em comum um traço artesanal. Raquel, 24 anos, é graduada em artes plásticas na Universidade de Brasília (UnB) e desenvolve esboços feitos a mão, sem retoques digitais. “Minha pesquisa é muito ligada à videoarte. O que faço é um desenho quadro a quadro. No computador, eu apenas faço a edição final, monto e, às vezes, incluo cor. Mas procuro fazer sem muita interferência de programas”, detalha. Em 2009, ela ganhou prêmio de melhor animação com Giro, no Festival Internacional de Filmes Curtíssimos.

9 Atualmente, depois de experiências com projetos experimentais e uma exposição (Quadro a quadros), ela planeja um curta de produção independente, em parceria com Juliet, inspirada em As mil e uma noites, e outro com recurso obtido via Fundo de Apoio à Cultura (FAC). Dificuldades no mercado para as mulheres? Para ela, autônoma, nem tanto. Mas a artista nota algumas saudáveis divergências de linguagem. “A maioria dos desenhos animados é feita por homens. No independente, isso não faz tanta diferença. A animação de tevê geralmente é mais masculina, como coisas da Walt Disney e outros produtos. No meu caso, busco simplicidade, um desenho rápido, econômico, sem falas ou diálogos”, descreve.

Egressa do curso de cinema e mídias digitais do Instituto de Educação Superior de Brasília (Iesb), Juliet Jones, 26 anos, também crê na sobrevivência da animação independente. “Quero acreditar na possibilidade de ser autossuficiente”, diz a diretora, que se especializa na área. A maioria masculina, de alguma maneira, ainda intimida. Mas ela percebe que o aumento do número de mulheres em outras áreas, como os quadrinhos, tem modificado o campo. “Há sempre um aspecto misógino em algumas artes, na comunicação. É complicado. Mas as mulheres estão se tornando supermulheres. Há cinco anos, era mais difícil encontrar quadrinistas, por exemplo. Hoje, elas encarnam um papel de artistas profissionais. Elas são sensíveis. De alguma forma, captam um universo que, muitas vezes, escapa aos homens. Estão predispostas biologicamente para essa sensibilidade, para essa sutileza”, analisa.

Juliet é apaixonada pelos ângulos extremos e pelas linhas inclinadas do expressionismo alemão, e tenta levar essa referência para seus trabalhos. Além do projeto que divide com Raquel, finaliza um curta chamado Os pontos e elabora, ao lado da parceira de roteiro Tamara Costa, uma série animada sobre “o que é ser mulher no planeta”. “Seriado precisa de equipe gigantesca. Pesquisamos sobre o assunto há três anos. Infelizmente, teríamos que ir para o Canadá ou Estados Unidos para que a coisa fluísse de vez. Mas o ‘start’ já foi dado”, diz.

O GLOBO - ‘Xingu’ integra mostra do Festival de Berlim

Filme, no entanto, não disputará prêmios

Cao Hamburger vai apresentar seu novo longa - metragem , “Xingu”, no 62o- Festival de Berlim, que será realizado de 9 a 19 de fevereiro. Indicado ao Urso de Ouro em 2007 com “O ano em que meus pais saíram de férias”, o cineasta paulistano exibirá o filme, produzido pela O2 de , na seção competitiva Panorama. Estrelada por Caio Blat, João Miguel e Felipe Camargo, a produção, orçada em cerca de R$ 14 milhões, reconstitui a saga dos sertanistas Orlando, Leonardo e Cláudio Villas Bôas, pioneiros na proteção dos índios e do meio ambiente no Brasil.

Este ano, os curadores de Berlim incluíram na Panorama trabalhos inéditos de dois realizadores consagrados: o alemão Volker Schlöndorff, de “O tambor”, exibe “La mer à l’aube”. Já Hou Hsiao- hsien, chinês radicado em Taiwan, apresenta “10+10”, um projeto coletivo integrando cineastas asiáticos de diferentes gerações.

LONGA DE CAO Hamburger recria a saga dos irmãos Villas Boas

ESTADO DE MINAS - Sai a cota deste ano

Já está em vigor o decreto que determina a cota de tela de 2012, estipulando o número de dias e a diversidade mínima de títulos brasileiros a serem exibidos nas salas do país este ano.

10 Dependendo do número de salas do complexo, as empresas terão que cumprir cota mínima entre 28 e 63 dias por sala e exibir de três a 14 fitas nacionais diferentes. Para complexos de seis e sete salas, a obrigação será de 63 dias por cada uma delas e o mínimo de oito e nove títulos no complexo. Manteve-se o patamar de cota praticado em 2011.

Por falar em cinema nacional, o mercado doméstico tem se transformado em opção importante para produtores e cineastas. Dia 19, por exemplo, a Paramount começa a distribuir o DVD de O homem do futuro, estrelado por Wagner Moura e Alinne Moraes.

O ator interpreta João, um nerd gago e atrapalhado que se deixa seduzir pela bela estudante de física Helena (Alinne Moraes). Dirigido por Cláudio Torres, o filme foi assistido por 1,2 milhão de pessoas. Ficou nove semanas em cartaz e faturou cerca de R$ 11,4 milhões. TEATRO E DANÇA

O GLOBO - Musical volta aos palcos e ao carnaval

‘Sassaricando’ reestreia no dia 12, no Teatro Leblon, vai a desfile na Sapucaí e mantém tradicional bloco de rua

Luiz Felipe Reis

(31/12/2011) Logo após a virada do ano, com o verão e os preparativos para o carnaval, “Sassaricando — E o Rio inventou o carnaval” assume função similar à que o balé “O quebra-nozes” tem no final do ano: enquanto o clássico com música de Tchaikovsky marca as tradições natalinas, o musical funciona como um abre-alas da temporada teatral carioca. No próximo dia 12, no Teatro Leblon, “Sassaricando” volta aos palcos do Rio, onde se apresenta desde 2007.

— O musical é um fenômeno — diz Rosa Maria Araújo, idealizadora da montagem ao lado do pesquisador Sérgio Cabral. — Percorremos todo o país, de Porto Alegre a Manaus, e voltamos por causa dos pedidos.

Com direção de Claudio Botelho, a peça fica em cartaz até 26 de fevereiro e, além das apresentações no teatro, o se desdobra em outros dois eventos. O primeiro será na Marquês de Sapucaí, no dia 18 de fevereiro, quando todos os atores desfilam num carro alegórico da escola São Clemente, que defende o enredo “Uma aventura musical na Sapucaí”. O segundo (e também no carnaval) será no dia 20, com o bloco Sassaricando, que desfila na Glória pelo quarto ano consecutivo. Em setembro, uma versão infantil do musical deve ganhar os palcos.

— Vamos para a rua, para a avenida e depois vamos estrear o “Sassariquinho”, que é uma versão reduzida e adaptada, com cinco novas marchinhas — conta.

Crônica de costumes

Rosa Maria brinca que há, inclusive, “um certo lobby” para que o musical se torne um patrimônio da cidade, assim como ocorreu com “A ratoeira”, de Agatha Christie, na Inglaterra. Lá, a peça está em cartaz há 58 anos ininterruptos, desde a estreia em 1952.

— Todo ano é a mesma coisa. Os turistas chegam e querem assistir à peça para conhecer melhor o país.

Se “A ratoeira” arrebatou, ao longo de 23 mil apresentações, mais de oito milhões de espectadores, “Sassaricando” acumula mais de 200 mil em quatro anos de estrada. Para Rosa Maria, o musical reflete uma natural vocação do brasileiro e, em especial, do carioca.

— Somos inclinados ao prazer, e um deles é se juntar para cantar. Na peça, essa espontaneidade se une a um grande trunfo: as canções.

11 Diferentemente do mais recente musical dela e de Cabral, “É com esse que eu vou”, que se voltava para os sambas de carnaval, “Sassaricando” é inteiramente dedicado às marchinhas e se apoia no talento de, pelo menos, três mestres do gênero: Lamartine Babo, e Haroldo Lobo.

Radiografia dos carnavais passados entre os anos 1920 e 1970, o musical tem mais de cem canções. Nas vozes de Eduardo Dussek, Alfredo Del- Penho, Pedro Paulo Malta, Juliana Diniz, Inez Viana e Beatriz Faria, funcionam como uma crônica de costumes da cidade.

— As marchinhas fazem com que nos demos conta das nossas características.

O GLOBO - O registro do efêmero e o DVD de teatro

Pioneiro em documentar peças em vídeo, projeto Memória, da Cia. Armazém, completa dez anos e lança sua quinta gravação

Audrey Furlaneto

(01/01/2012) Quando Paulo de Moraes, diretor da Cia. Armazém de Teatro, decidiu registrar os espetáculos do grupo em DVD, não tinha notícias de outros produtos desse tipo no mercado. O projeto, batizado de Memória, completa agora dez anos — e já existem dezenas de DVDs de espetáculos de teatro brasileiro. O , por exemplo, compilou numa caixa os DVDs das peças “Bacantes”, “Boca de Ouro”, “Cacilda!” e “Ham-Let”. A Companhia Latão também registrou em DVD experimentos em vídeo e leituras de peças. E o próprio Armazém acaba de lançar o DVD de “Antes da coisa toda começar”, o quinto do projeto Memória.

Pioneiro, o projeto surgiu, segundo o diretor, do desejo de ver registrados os espetáculos do grupo.

— No Brasil, existem poucos registros de determinadas épocas do teatro, e achamos que devíamos ser responsáveis por nossa própria história — afirma Paulo de Moraes. — Fizemos o primeiro DVD de peça no país e tivemos que entender uma forma de gravar teatro, para que o produto não fosse teatro, mas algo entre ele e o audiovisual.

A primeira gravação, de “Da arte de subir em telhados”, em 2002, foi quase “artesanal”, lembra o diretor Pedro Asbeg, à frente dos DVDs do Armazém desde o princípio do projeto. Ao contrário do que ocorre atualmente, o registro foi feito numa apresentação para o público.

12 — Desde o primeiro DVD até o formato atual, a ideia era a mesma: a percepção de que devíamos distanciar o olhar de espectador de teatro e pensar como espectador de cinema e televisão — diz Asbeg.

No recém-lançado “Antes da coisa toda começar”, cinco câmeras (incluindo uma grua) percorrem o cenário. Os atores usam microfone de lapela. A percepção, claro, é bem diferente da que se tem na plateia do espetáculo.

— Sabemos disso. Quem vai ver o DVD tem a experiência de ver pela televisão. O teatro é aquela coisa mais mágica e pura de estar dentro da sala, vendo o ator fazendo aquilo naquela hora. Queremos acreditar que chegamos o mais perto que podemos disso — completa Asbeg.

Para Paulo de Moraes, o DVD de teatro é um híbrido. Ele diz que o “efêmero no teatro é importante e se mantém”. Registrar em DVD, completa o diretor, é apenas uma forma de documentar as criações do teatro brasileiro do início deste século.

FOLHA DE S. PAULO - Bonitos bacanas sacanas modernos

Artistas do Rio defendem uma estética carioca em tempos de arte dominada pelo mercado

SILAS MARTÍ

Em pé, Bruno Queiroz, Ana Hupe, Maíra das Neves, Felipe Braga, Bernardo Mosqueira, Isabela Sá Roriz, Daniel Toledo, Jona Traub Cseko e Ícaro dos Santos; sentados, Saulo Laudares, Laura Burocco, Gustavo Speridião, Pedro Victor Brandão, Franz Manata e Rafael Polo, no Rio

Num apartamento no Leme, janelas abertas à brisa do mar da zona sul do Rio, um artista e professor da Escola de Artes Visuais do Parque Lage define o que entende por uma "estética carioca".

"Se existe uma pesquisa de ponta na arte brasileira, ela está no Rio", diz Franz Manata, entre goles de uísque. "Tem essa linhagem clara, de ir para a rua, esse projeto que herdamos do Hélio Oiticica, uma intensidade violenta."

Faz mais de meio século que a rixa entre paulistas e cariocas ganhou nome com o neoconcretismo de Oiticica, Lygia Clark, Lygia Pape e afins contra o concretismo -paulista- dos irmãos Augusto e .

Agora, essa rivalidade sobrevive, opondo uma cena pautada pelo mercado em São Paulo a propostas de arte mais experimentais no Rio.

Enquanto o dinheiro se concentra quase todo de um lado da ponte aérea -Fortes Vilaça, Millan e Luisa Strina, as maiores galerias do país, fazem "business" em SP-, as estrelas brasileiras na cena global hoje trabalham no Rio -Adriana Varejão, , Ernesto Neto, e Tunga, entre outros.

13 Mas, além deles, uma nova cena desponta, de artistas ainda despreocupados com o mercado, engajados em performances que cruzam estética e política e defensores de um hedonismo vistoso, que resiste à ideologia da Operação Choque de Ordem, da atual administração carioca.

Em rodinhas na calçada, entre a "miséria e a burguesia" muito próximas uma da outra no tecido urbano do Rio, artistas e ativistas costumam tramar seus planos, que vão de exposições a manifestações, debates e estratégias para chamar a atenção.

"Somos um sucesso de público e um fracasso de vendas", diz Pedro Victor Brandão, jovem artista que ficou conhecido por criar fotografias que se apagam com o passar do tempo. "Aqui tem uma rede de afetos, um ritmo mais cooperativo do que competitivo, algo que envolve o galerista, o artista e a instituição numa trama mais fértil."

Dessa fertilidade brotou o projeto que ele e os artistas do coletivo Opavivará mostraram na primeira edição da ArtRio no ano passado, uma tenda que servia chás alucinógenos em plena feira. Não ficou vazia nem um minuto, mas tampouco chegou a ser arrematada por algum dos colecionadores mais alegres.

Mesmo assim, o total de vendas da feira bateu recorde no país, com um balanço de R$ 120 milhões que causou inveja entre paulistas, sinal de que logo as águas calmas do mercado carioca podem engrossar em tormenta.

"Às vezes, a presença forte do mercado dá uma obliterada no que acontece", diz Brandão. "Aqui tem uma experimentação maior e obras são menos formatadas, mas tem o caos das Olimpíadas e da especulação imobiliária", diz o artista Daniel Toledo.

Nessa alta de preços, Toledo teve de trocar um amplo ateliê em Santa Teresa por um "cubículo" no Humaitá.

FACTORY CARIOCA

Mais radical, Maíra das Neves, paulistana que adotou o Rio, criou um ateliê minúsculo, de um metro quadrado, numa antiga fábrica de doces e bancou a ocupação do terreno com doações de amigos.

"Queria usar a unidade mínima do mercado imobiliário para fazer o máximo", diz Das Neves, ajustando cadeiras penduradas sobre seu metro quadrado, onde costuma servir cachaça aos amigos. "Encontrei um espaço aqui que não tive em São Paulo, as instituições são mais descontraídas e não tem tanta pressão."

Ela divide com outros 21 artistas o espaço da Bhering, uma antiga fábrica de chocolate na zona portuária convertida em conjunto de ateliês, uma espécie de Factory de Andy Warhol à moda carioca, com direito a churrasco nas festinhas de aniversário.

"Enquanto o mercado sempre foi em São Paulo, aqui você fica meio sem rumo", diz Barrão, do coletivo Chelpa Ferro, que também trabalha na fábrica. "E isso é bom."

Nessa falta de rumo, artistas ainda sem galeria e sem ateliê conseguem emplacar suas obras em grandes acervos lidando direto com os colecionadores, evitando a mediação -cara- de galerias.

Gilberto Chateaubriand, patrono do Museu de Arte Moderna do Rio, é um desses que compram direto dos artistas, às vezes levando a obra debaixo do braço.

"Nem sei quanto vale meu trabalho, os artistas aqui estão envolvidos com a experiência de sair fazendo", conta Isabela Sá Roriz. "Mesmo com trâmites burocráticos e falta de estrutura, você faz funcionar", diz Felipe Braga. ARTES PLÁSTICAS

14 O GLOBO - Puro cristal

Artesão paulista cria peças que estão sendo colecionadas por cariocas

Bety Orsini

(31/12/2011) Quem esteve no Jardim Botânico, há algumas semanas, provavelmente esbarrou com um homem discreto, pele clara, fotografando troncos de palmeiras imperiais. Era o paulista Eduardo de Castro, o novo queridinho da Dona Coisa, no Jardim Botânico. Gravadas em cristal, com desenhos que remetem a rendas delicadas, os trabalhos de Edu estão sendo colecionados por gente como Izabel Gros, Mila Moreira e Lilia Cabral.

As peças, únicas, são gravadas à mão por Eduardo, que usa uma técnica chamada de drill engraving. Elas pretendem resgatar a sofisticação e suntuosidade das classes dominantes entre os século XVI e XIX. Com máquinas similares às dos dentistas e ourives, o artista desgasta o cristal com precisão, criando as mais variadas imagens de flores, frutos, animais e o que mais surgir. E pensar que esse talento foi descoberto por acaso.

— Eu trabalhava numa loja desenvolvendo produtos. Tivemos a ideia de fazer desenhos em cristal e encomendamos algumas imagens para uma empresa. Depois de uma espera de três meses, recebemos um material ruim — lembra Edu. — Insatisfeito, comecei a procurar máquinas para gravar no cristal. Quando minha chefe viu o resultado, me demitiu! (risos). Disse que eu tinha feito um trabalho especial e podia me dedicar a ele.

Ao longo dos últimos seis anos, o artesão lançou várias linhas, como a Rendas Belgas (primeira coleção lançada na Dona Coisa) e Iluminuras, inspirada em ilustrações medievais da Bíblia.

— Trabalhei anos com moda, lançando no mínimo quatro coleções por ano. Acabei levando isso para a gravação de cristais. A coleção das rendas começou como uma brincadeira, quando o banco americano Lehman Brothers quebrou, em 2008. Estávamos diante de uma crise de renda, não é? (risos). Já as Iluminuras nasceram de uma percepção particular, acho que estamos vivendo um momento parecido com a época medieval, com crises de valores e governos que não funcionam — observa.

Eduardo trabalha em casa, na própria biblioteca, adaptada para abrigar o maquinário e as peças. O processo é artesanal, mas tem um quê de tecnologia. Para começar, ele precisa ter a peça, seja uma garrafa, um aquário, um copo... Em seguida, fotografa o objeto e começa a mexer na imagem, usando photoshop. A etapa seguinte consiste em criar um molde, onde o desenho começa a ganhar vida. Por último, ele desenha na peça, usando o molde como referência.

— O desenho básico é feito com uma ponta de diamante bem fina. Parece loucura, mas a própria peça diz quando está pronta, da mesma forma que o jornalista sabe quando deve botar o ponto final em um texto. Para acabamentos mais detalhados, uso instrumentos como o pirógrafo, que derrete o diamante e dá um brilho especial — explica.

As encomendas são de um público seleto, mas nem por isso são peças caras. Em São Paulo, Edu vende para as lojas Benedixt, PaperHouse e Bessarábia (essa última na cidade de São Sebastião das Três Orelhas, uma espécie de nova Campos do Jordão, conta Eduardo).

— Se eu começasse a cobrar muito caro, ia encalhar. Alguns copos custam R$ 60 ou R$ 80, um preço razoável. Já os vasos, que medem de 70cm a 1m, giram em torno de R$ 380 e R$ 1.800. Estou trabalhando também para uma fábrica de lustres de cristal. Eles me entregam os lustres desmontados e eu faço os desenhos.

Existem contatos para vender na Europa, principalmente Alemanha, que tem tradição na gravação de cristais, e Bélgica.

— Estou pensando em trabalhar com objetos lúdicos e com peças que projetam formas, dependendo da incidência da luz. Dá para ver que os planos para 2012 são muitos — brinca.

15 Eduardo vive do trabalho com gravações em cristal, no entanto, mais do que dinheiro, o que fica é emoção de conseguir sensibilizar os outros com suas pequenas obras de arte.

— Lembro que durante uma exposição de peças, a Scarlett Moon apareceu de cadeiras de rodas. Como ela não podia chegar até onde estavam os objetos, eu fui correndo levar alguns para ela ver. Algum tempo depois, ela comprou uma coleção inteira. Eu fiquei emocionado, porque conseguir tocar uma pessoa não é fácil. Meu trabalho é sutil, não tem cores para chamar a atenção. Mas, se você der uma chance a ele, e parar para olhar, certamente vai gostar, vai perceber que alguém ficou muitas horas para produzir aquilo — completa.

ESTADO DE MINAS - Exílio forçado

Vista do mezanino do Museu Inimá de Paula, que abriga coleção de pinturas e desenhos do artista plástico mineiro

Museu Inimá de Paula pode perder parte significativa de seu acervo com a retirada de obras cedidas em comodato. Colecionador espera só até o fim do mês por uma proposta de compra

Inaugurado em abril de 2008, o Museu Inimá de Paula está prestes a perder parte significativa de seu acervo. Nascido a partir do encontro de colecionadores que, desde 1998, vêm organizando e preservando a obra do artista mineiro (1918 – 1999) por meio da Fundação Inimá de Paula, o espaço cultural no Centro de Belo Horizonte abriga atualmente 120 quadros do pintor. O acervo foi criado a

16 partir de empréstimos de colecionadores. O maior deles, o marchand carioca Maurício Pontual, por comodato, cedeu há quatro anos 73 quadros (63 óleos; o restante é formado por desenhos, aquarelas e guaches). Até o final deste mês ele vai retirar a maior parte de sua coleção, levando-a de volta para o .

Dono de galeria que leva seu nome, com atuação há quatro décadas na capital fluminense, Pontual está tentando, há pelo menos dois, vender sua coleção. Conseguiu aprovar pela Lei Rouanet R$ 4,4 milhões, divididos em dois projetos, no valor de R$ 2,2 milhões cada, para compra de acervo. Desde 2009, procurou diferentes empresas do estado na tentativa de patrocínio. “Fiz um trabalho que o museu não fez, pois não procuraram um captador.” Nas empresas procuradas por Pontual, a resposta foi a mesma: “Todos canalizam seus recursos para projetos próprios.” Nesse período, somente uma cota, de R$ 440 mil, foi comprada pelo Banco Itaú, para doação de algumas obras.

“Sei de vendas duas ou três vezes maiores do que essas. Houve uma de R$ 5 milhões por Guignard, R$ 6 milhões por Ismael Nery, R$ 10 milhões por Tarsila. Lanço a pergunta: ‘E o Inimá, o maior pintor de Belo Horizonte, não vale nada?’”, questiona Pontual, que queria que sua coleção permanecesse no museu. “Sou um homem de 81 anos, trabalho com arte e tenho paixão pelo museu. Se há uma coisa que fiz na vida foi ajudar a fazer um museu em Belo Horizonte. Antes da criação, o Mauro Tunes (mecenas que investiu R$ 4,5 milhões para a restauração da antiga sede do Clube Belo Horizonte; atualmente é vice-presidente da Fundação Inimá de Paula) me procurou dizendo que só iria restaurar o prédio se eu desse, por escrito, a garantia que deixaria minha coleção em comodato. Na época, havia obras de dois ou três colecionadores, não uma coleção como a minha. Só que um museu não é um prédio, é o que tem ali dentro”, acrescenta.

Diretora administrativa e financeira do museu, Cláudia Tunes afirma que a Fundação Inimá de Paula não tem recursos para adquirir a coleção de Pontual. “A fundação vive de doações. O que entra de recurso é para a sua sobrevivência. Quando ficamos sabendo que o Pontual queria voltar com as obras para o Rio, tentamos tirar o melhor disso. Corremos atrás de outros colecionadores que se dispuseram a colocar suas obras no museu. A saída da coleção dele representa um grande desfalque, mas também será uma renovação, já que desde a inauguração estamos com as mesmas obras.” Cláudia Tunes não sabe, por ora, quantas obras serão emprestadas ao museu, que tem uma visitação média de 3 mil pessoas por mês. Depois da coleção Maurício Pontual, a segunda maior do museu é a de Mauro Tunes, composta por cerca de duas dezenas de telas.

Atualmente o museu, que tem três andares expositivos, apresenta, no mezanino, parte do acervo de Inimá de Paula. São quarenta telas – paisagens, naturezas mortas e flores –, além da sala de autorretratos, um dos destaque do projeto museográfico. No espaço com seis quadros, o que causa maior impacto é o autorretrato da década de 1950, um dos trabalhos mais conhecidos de Inimá. “Guignard fez alguns autorretratos, Pancetti e Portinari também. Mas coloco esse como o melhor momento em que um artista pintou a si próprio no Brasil”, diz Pontual sobre a joia de seu conjunto. O marchand começou a colecionar Inimá em 1982. “Na época, vi os quadros dele das décadas de 1960 e 1970 e achei a pintura muito boa. Além disso, o preço, em relação à qualidade, era baixo.”

O primeiro Inimá custou a Pontual, há 30 anos, US$ 5 mil. Nos anos subsequentes ele continuou comprando, e em meados da década de 1980 já era identificado como colecionador de Inimá. “As pessoas começaram a me trazer os quadros e tive a oportunidade de comprar o que ele tinha de melhor. Quando minha coleção tinha 50 e poucos quadros nasceu em BH a ideia de fazer um catálogo (que foi o ponto de partida da Fundação Inimá de Paula).” Hoje, ele diz que nos leilões só têm aparecido quadros secundários. “Não existe a possibilidade de fazer essa coleção de novo. A melhor época do Inimá é a dos anos 1960. E ela está no museu. Tive a proposta de um colecionador que quis comprar 20, 25 quadros. Para mim seria atraente, colocaria R$ 1 milhão no bolso. Mas o valor do Inimá não é individual, mas da coleção. Então prefiro guardar os quadros para os meus filhos, não quero sair como um mascate”, conclui.

DEPOIMENTOS

“Inimá de Paula teve formação artística sólida: realizou cursos de pintura na França depois da participação no Núcleo Antônio Parreiras, em Juiz de For a, bem como no Rio de Janeiro. Trabalhou na Sociedade Cearense de Artes Plásticas (SCAP) no início de 1940 em Fortaleza onde foi companheiro de Aldemir Martins, entre outros. Sua paisagem é expressiva, rigorosamente plástica,

17 cuja poética refinada conquistou espaço no exigente colecionismo do país. A permanência dessas obras em seu estado de origem não é apenas uma homenagem a sua memória, mas também constitui riqueza considerável para o acervo de artes em Minas em relação aos renomados artistas do país. Espera-se sensibilidade na cultura artística do Estado e vontade política para que a obra de Inimá de Paula permaneça em Belo Horizonte.” Ivone Luzia professora e pesquisadora de arte

“Inimá de Paula fez raras investidas no abstracionismo, mas soube manter com dignidade seu estilo próprio. Apesar de vítima de investidores afoitos, sua obra tem se equilibrado numa margem um pouco injusta, porém ainda saudável, no ranking do mercado de arte brasileiro. Ele tem um museu, uma casa própria, que é o principal. Mas é uma vergonha para Minas que essa casa não cumpra o destino para o qual foi criada. Pode-se manter o nome e ser um bom centro cultural, mas isso fica aquém de seu objetivo principal. Não vejo porque durante esse tempo ninguém tenha tido a ideia de fazer realmente um acervo próprio para o Museu Inimá de Paula. Nenhum museu sobrevive só de empréstimos eventuais. Seu acervo não precisa ser grande, mas tem que haver um núcleo que o salve. Com a saída de uma coleção significativa, é hora de os investidores começarem a fazer suas doações ao museu.” Celma Alvim crítica de arte

PALAVRA DE ESPECIALISTA

Frederico Morais Crítico de arte autor do livro Inimá de Paula

Revisão necessária

“Inimá foi um artista de esquerda, num certo momento até vinculado ao Partido Comunista. Seu trabalho é realista, porém não o realismo no sentido soviético, mas uma pintura que mantinha certa fidelidade à paisagem. Teve um período abstrato, de menor importância. Como paisagista, ele tem um colorido fauve, quase selvagem. Talvez a cor tenha uma importância maior do que a própria paisagem. E não só ela como a própria pincelada, que ganhou materialidade maior, com uma matéria rica, quase sensual.

Ele nunca foi um artista do primeiro plano, não faz parte do pequeno grupo de figuras paradigmáticas da arte brasileira. É um artista que estaria numa posição mediana. E há um preconceito com o tipo de pintura chamado ‘realista’. Inimá foi para o Rio nos anos 1940, uma década pouco estudada no Brasil. Certamente merece uma análise mais ampla, com caráter retrospectivo, para ver como o trabalho dele resiste ao confronto, seja com seus contemporâneos, seja com a produção atual. De qualquer maneira, Inimá nunca foi vanguarda no sentido pleno da palavra. Mas tinha um domínio técnico, dominava seu métier, tanto na paisagem quanto nos retratos. Ele está merecendo uma exposição em que realmente se analisasse seu conjunto. De tempos em tempos, temos que rever obras de certos artistas com um olhar diferente.” FOTOGRAFIA

O GLOBO – Artigo / Sérgio Eduardo Moreira Lima *

SÉRGIO EDUARDO MOREIRA LIMA é embaixador do Brasil na Hungria e o foi também na Noruega

18 O Museu Nacional da Hungria, em Budapeste, expôs até fins deste mês parte da obra do húngaro André Kertész (1894-1985), fotógrafo que viveu as duas guerras mundiais e se tornou um dos maiores artistas contemporâneos. Suas imagens, que não apenas capturam a realidade, mas lhe conferem nova dimensão estética e humana, têm inspirado diferentes gerações. Dentre os gênios do século XX marcados por seu talento, destacam-se Henri Cartier-Bresson e Robert Capa, este também de origem húngara. No caso do Brasil, a obra de Kertész adquire importância na medida em que é considerada a influência maior sofrida por Mário Peixoto na concepção de “Limite” (1930), marco da cinematografia brasileira.

Kertész é, segundo os críticos, um inovador em termos de linguagem fotográfica e um precursor do fotojornalismo moderno. Sua obra não constitui registro do que o olho humano pode captar, mas atitude complexa de transformação da imagem para reproduzir uma realidade interior, um estado de espírito. Rompeu alguns dos cânones de sua época. A força de suas concepções penetra o inconsciente. Evoca a dinâmica dos movimentos, a geometria das formas, bem como a relação entre estética e ética.

Sob esse aspecto, poder-se-iam buscar elementos que o aproximariam não apenas de Cartier-Bresson, mas até mesmo de Sebastião Salgado. Trata-se de um artista de vanguarda, que não temeu ousar desde as primeiras expressões fotográficas antes e durante a Primeira Guerra Mundial. Terá sido ela o cenário de introdução nas contradições do seu mundo, então parte do Império Austro-Húngaro. Nesse universo centro-europeu, econômica e tecnicamente avançado, conviviam fatores de tensão oriundos das diferentes etnias, religiões, aspirações nacionais e condições sociais.

Cineasta viu a foto de Kertész em 1929, em

Com a derrota na guerra, o Império Austro-Húngaro se dissolve, a Hungria perde dois terços do seu território e da sua população. A ascendência judaica marcaria profundamente o destino daquele jovem que, vindo de família burguesa, acabou tendo que emigrar de sua terra natal. Primeiro para Paris e depois para Nova York. A exposição no Museu Nacional da Hungria é especial, pois compreende acervos diferentes que,

19 reunidos, representam uma mostra da evolução, da versatilidade, dos estilos, temas e técnicas utilizados pelo artista ao longo de uma obra profusa e diversa, sempre original, com uma contribuição a mais nesse processo de descoberta e redescoberta da vida por meio da fotografia. É pena que nenhuma das fotos exibidas reflete aquela que iria inspirar o jovem brasileiro apaixonado por cinema, que foi tocado por uma das imagens de Kertész, feitas após o fim da Primeira Guerra.

É em companhia do pai que Mário Peixoto, aos 19 anos, viaja à capital francesa, em 1929, e se depara com uma foto de autoria de André Kertész na 74 edição da revista “VU”. Tratava-se de um rosto feminino de olhar sensual, misterioso e penetrante, que exibia mãos acorrentadas como em clamor ou denúncia. Não se sabe bem se as próprias, pois, embrutecidas, parecem mãos masculinas e contrastam com a beleza do rosto e do olhar. Essa criação kertesziana, que vai muito além da estética, causou impressão profunda em Peixoto.

A imagem da mulher olhando fixamente para a câmera, com as mãos algemadas bem em frente ao rosto, inspirou foto semelhante que aparece no começo de “Limite”, exibido no Rio de Janeiro em 1931. É difícil explicar toda a mensagem da foto. Alguns creem traduzir a opressão e a profunda melancolia que permeiam a obra-prima de Peixoto, representativa dos primórdios da cinematografia brasileira. Outros a veem impregnada de símbolos como escravidão, dominação da mulher e submissão, agravados pela tristeza do preto e branco.

Em 2010, “Limite”, após restauração pela Cinemateca Brasileira, foi exibido pela primeira vez na Ópera de Oslo, num espetáculo que marcou o aniversário da World Cinema Foundation, criada por Martin Scorsese, com a participação de , para recuperar e preservar obras históricas da cinematografia mundial, em particular de

20 países de América Latina, África, Ásia e Europa centro-oriental. A trilha sonora foi composta pelo maestro norueguês Bugge Wesseltoft, com acompanhamento de Ola Kvernberg (violino) e dos brasileiros Rodolfo Stroeter (baixo), (percussão) e (flauta e voz). Concebido à época do cinema mudo, o filme, com essa nova trilha sonora, parece ter fortalecido sua identidade brasileira dentro de uma dimensão artística verdadeiramente universal.

Quando assisti a “Limite” pela primeira vez, na ocasião desconhecia a história da foto, que também me marcou. Foi aí que descobri, num texto norueguês da Cinemateca de Oslo, a ligação entre o cineasta brasileiro e o fotógrafo húngaro, cuja obra agora está sendo exibida em Budapeste, graças à iniciativa do museu parisiense Jeu de Paume, curador da exposição. Muitas das pessoas com quem conversei a respeito do filme se disseram igualmente tocadas pela imagem-síntese inspirada em André Kertész. Única, complexa, indefinível, a foto original marca e desafia conceituação. Por coincidência, ao partir para Budapeste, recebi de Lasse Skagen, diretor do festival de cinema norueguês Film Fra Sor, a foto de “Limite”, que estabelece relação entre dois mestres: o húngaro da fotografia e o outro, brasileiro, da cinematografia.

Em comum, inspiração artística, estética e ética

Ao contrário de Kertész, que concebeu milhares de fotos durante uma vida artística produtiva, ainda que com altos e baixos, Mário Peixoto não logrou deixar outra obra do mesmo nível de “Limite”. No entanto, ambos têm em comum o processo que os ligou: a inspiração artística, estética, psicológica e ética. Da mesma maneira que a foto de André Kertész deixou marca profunda e inspirou a linguagem cinematográfica de Mário Peixoto, “Limite” continua e continuará a inspirar todos os que se interessarem por essa extraordinária expressão de vanguarda da cinematografia brasileira.

Por meio dessas duas impressionantes imagens se pode verificar conexões entre a mente e a criatividade humana em diferentes partes da geografia e da cultura do Ocidente.

MÚSICA

O ESTADO DE S. PAULO - Wado melancolia e maturidade

Disponível para download gratuito, álbum traz boas parcerias com Marcelo Camelo, Chico César e Zeca Baleiro

EMANUEL BOMFIM

(31/12/2011) Dez anos separam a estreia de Wado, com Manifesto da Arte Periférica (2001), e seu mais novo álbum, Samba 808. Pode parecer pouco, mas há nesta imensidão de tempo outros quatro discos, a fuga definitiva do eixo Rio-São Paulo e uma única certeza: o fim do CD. E não é papo de nostálgico. O novo trabalho do artista catarinense radicado em Maceió não dispõe de formato físico. Existe só em MP3, oferecido para baixar na internet. E de graça.

Surpreendente é notar certa decepção com o ofício musical, expressada em carta que acompanha as doze faixas do disco, endereçada a amigos, compositores, parceiros, jornalistas e ouvintes. "Fazemos isso mais por necessidade de expressão e realização pessoal que por questões de mercado", escreve.

Wado não tem problemas com a falta de fama, encara com sobriedade a complexa missão de ser "indie cabeça". "Eu conquistei coisas bem bonitas, fui bem mais longe do que eu imaginava", diz ao Estado. E logo avisa: ano que vem vai deixar a música de lado para cuidar de outras coisas. "Esse ano eu acabei sem grana, não gosto de viver uma vida restritiva", desabafa.

21 Samba 808 não contou com gravadora, lei Rouanet ou qualquer espécie de padrinho para que pudesse ser viabilizado. O único incentivo externo foram R$ 8 mil cedidos pela Secretaria de Cultura do Estado de Alagoas. "O resto foi do bolso", explica o compositor. "Eu não sou contra as gravadoras, só que as propostas que tive não foram justas. Acho até que isto prejudica um pouco o espectro do disco. Ele poderia ser mais amplo se tivesse alguém para me ajudar", admite.

Esta falta de uma estrutura mais pujante não o coibiu de usufruir de suas nobres amizades. O álbum está repleto de ótimas parcerias, muitas delas com artistas consagrados, como Marcelo Camelo, Zeca Baleiro e Chico César. "São pessoas da minha relação diária de internet. O disco acabou tendo esta cara da internet. Pouquíssima gente eu gravei presencialmente."

Diferente do ambiente 2.0 da produção, foi a máquina escolhida para sustentar o groove e efeitos eletrônicos presentes nas faixas inéditas. Assim como já havia feito Kanye West, Timbaland e outros magos da criação de bases e samplers, Wado resgatou um sintetizador TR-808 para compor este samba-pop meio torto do disco. A primeira vez que viu um destes, ele ainda morava no Rio, era amigo de Hermano Vianna, irmão do Herbert, que foi quem mandou encomendar um exemplar da bateria eletrônica para dar de presente ao DJ Malboro. Era o início do funk no Brasil, reverenciado agora pelo próprio Wado.

"O 808 é um sampler que não tem muita qualidade de definição, mas ele tem uma assinatura própria pela força dos timbres", explica. Mas a incorporação deste elemento rítmico de origem oitentista não é o diferencial do novo trabalho de Wado. De tão introspectivo, ora melancólico, Samba 808 chega a parecer um disco construído só nos acordes do violão, tamanha a fartura de melodias arrebatadoras. Não seria nada descabido colocar a romântica Com a Ponta dos Dedos, com Camelo e Mallu Magalhães, como uma das melhores músicas de 2011. "As coisas mais radicais que tinha para fazer, eu já fiz. Hoje em dia eu respeito mais a melodia do que o conteúdo."

Desde que deu as caras na música e vendeu seu primeiro lote de mil CDs, Wado já sofria de uma certa incompreensão da crítica. Queriam colocá-lo no mesmo bolo do mangue-beat ou do samba elétrico de Fred Zero Quatro. Dez anos depois, ele prefere não perder tanto tempo encontrando definições. "Eu me coloco do lado das pessoas que acho que são meus pares. O resultado mercadológico disso são questões que eu às vezes posso tentar amenizar, às vezes não. Você vai ver poucos autores que tenham gravado seis discos com 34 anos. Ao mesmo tempo, a gente tem que viver, tem que almoçar, tem que estar feliz também."

O GLOBO - Zé Geraldo

Radicado em São Paulo, cantor e compositor celebra 30 anos de carreira com DVD e prepara disco com inéditas

Donizeti Costa

(01/01/2012) Em 1979, o mineiro Zé Geraldo ficou conhecido como o intérprete da música “Cidadão”, composta por Lúcio Barbosa. Os versos da canção contavam a história do operário da construção civil que ajudou a erguer um prédio e um colégio, e lamentava não poder frequentá-los por sua condição financeira. A música sobre a dura rotina do trabalhador (“Lá eu quase me arrebento/ pus a massa, fiz cimento/ ajudei a rebocar”) foi um marco na carreira do cantor e compositor, que repassou sua trajetória no DVD recém-lançado “Cidadão: trinta e poucos anos”. Apostando numa fusão de folk, rock e música regional brasileira, ele segue com um público fiel, mesmo longe das rádios e sem o suporte de uma grande gravadora.

Lançado por seu próprio selo, chamado Sol do Meio-Dia, o novo DVD foi gravado num concorrido show no Auditório Ibirapuera, em São Paulo, em setembro de 2010. No palco, as participações especiais da filha (cantora e compositora) Aniela, que adotou o nome artístico Nô Stopa, e do amigo Geraldo Azevedo. O set list incluiu a canção “O amanhã é distante”, versão de “Tomorrow is a long time”, de Bob Dylan, nome que exerceu influência marcante sobre a obra do músico brasileiro, de 66 anos.

22 José Geraldo Juste nasceu na pequena Rodeiro, município de cinco mil habitantes, mas logo migrou para Governador Valadares, cidade a 320 quilômetros de Belo Horizonte. Aos 18 anos, mudou para São Paulo. Recém-formado em Administração, trabalhou numa construtora. Não chegou a encarar o trabalho pesado descrito na música “Cidadão”. Mas dividiu alojamentos com operários durante a construção do Elevado Costa e Silva, o Minhocão, localizado no Centro da capital paulista.

— Lá conheci muito “peão de trecho”, o que acabou me inspirando a fazer uma música com esse nome anos depois (em 1990), quando minha carreira já estava consolidada — lembra o compositor.

Entre os fãs de Zé Geraldo está o ex-presidente Lula, que sugeriu a inclusão de “Cidadão” na trilha sonora do filme “Lula, o filho do Brasil”, dirigido por Fábio Barreto.

No início do ano passado, Zé Geraldo foi morar numa casa na Serra da Cantareira, com 15 mil metros quadrados de área, nos limites de Mariporã, na Região Metropolitana de São Paulo. Cercado pelo verde, adotou um estilo de vida mais próximo de “Um pé no mato, um pé no rock”, título de seu CD lançado em 2006.

— Aqui, em meio aos jaús que vêm cantar no final da tarde e podendo ver da janela os bandos de macacos fazendo sua bagunça nas árvores, mesmo sem gado, me sinto mesmo um vaqueiro urbano — diz o músico, fazendo referência a sua canção de 1981 batizada de “Vaqueiros urbanos”.

Antes de optar pela Serra, o artista tentou viver em São Luiz do Paraitinga, município a 190 quilômetros da capital paulista.

— Minhas duas filhas (a advogada Anielisa e a cantora Aniela) se queixavam da distância, que dificultava muito os nossos encontros.

Zé Geraldo cedeu aos apelos e mudou para a Cantareira, após conversar com um amigo que morava por lá.

— Encontrei o Renato Teixeira (autor de “Romaria”) num show e falei da minha ideia de morar aqui. Ele se lembrou então desta casa.

Além de Renato, ele tem como vizinhos o cantor e instrumentista Chico Teixeira (filho de Renato) e o violeiro Almir Sater. Outros nomes conhecidos circulam pelo amplo quintal da casa: Elvis Presley e Tina Turner, seu casal de labradores. As homenagens a ídolos da música pop prosseguem: Bob Dylan é filho da primeira ninhada. Depois vieram Shakira, Madonna, Janis Joplin, Bob Marley, Mick Jagger... Atualmente, apenas Elvis, Tina e Dylan estão na casa da Serra. O músico fala com orgulho de seus labradores.

— O James Brown ganhou há uns dois anos um prêmio como guia de cegos na Vila Madalena — cita Zé Geraldo, que já teve vários labradores roqueiros. — Dei o Keith Richards para um sobrinho, filho do meu irmão, que ainda mora numa fazenda em Rodeiro. Só que, como o cachorro morreu picado por uma cobra, mandei outro, o Ozzy Osbourne, que ainda está aprontando das suas.

No meio da mata, ele compõe novas canções para seu próximo CD de músicas inéditas. Uma delas, inclusive, menciona os roqueiros caninos em versos como: “Vou cantar canções de Elvis e Dylan/pra te agradar/ e te deixar feliz/Abana o rabo, Tina, cachorra menina.”

— Quem ouve só descobre no final que estou falando dos meus cães — antecipa Zé Geraldo, enquanto tenta se esquivar, em vão, das lambidas de gratidão dos homenageados.

ESTADO DE MINAS - Sintonia mágica

Arnaldo Antunes e Edgar Scandurra se juntam ao malinês Tumani Diabaté para produzir CD e DVD em que a diversidade cultural flui com naturalidade, rompendo as fronteiras na arte

Ana Clara Brant

23 “A música muda você. Você muda mais alguém. Alguém muda outro alguém. Que muda você também. Você muda a cada momento. A música muda o tempo. Você é um instrumento. A música muda você.” A letra da canção Kaira, com melodia do instrumentista malinês Toumani Diabaté e letra de , traduz um pouco a tônica do encontro “mágico” dos dois artistas e o guitarrista Edgar Scandurra. O trio acaba de lançar o projeto A curva da cintura, que reúne CD e DVD e que foi gravado em São Paulo e em Bamako, capital do Mali.

Já há algum tempo, Arnaldo e Scandurra vinham se apresentando juntos e desejavam concretizar essa profícua parceria. Mas no caminho surgiu um terceiro elemento que alterou os planos. “Na verdade, eu e Edgar tínhamos a intenção de desenvolver um trabalho, porque há muitos anos a gente estava tocando e compondo juntos. Foi quando, durante uma apresentação no Festival Back2 Black, no Rio de Janeiro, fomos convidados a dividir o palco com o Toumani. Fizemos apenas um ensaio e tudo rolou com muita naturalidade e uma magia impressionante. Ficamos com aquilo na cabeça e decidimos registrar a parceria inédita”, lembra o ex-integrante dos Titãs.

Toumani Diabaté é considerado um dos músicos africanos mais importantes da atualidade e ficou conhecido por tocar kora, uma espécie de harpa com 21 cordas, instrumento tradicional da África ocidental. Nasceu em Bamako, numa família de griots (casta de músicos e historiadores) que conta com 71 gerações tocando o instrumento. Já lançou 10 álbuns e se consagrou como vencedor do Grammy Awards de 2010 e 2011 de melhor álbum de world music, numa parceria com o guitarrista Ali Farka Touré.

No DVD do projeto, que traz um documentário com direção de Dora Jobim, Toumani Diabaté conta que, curiosamente, aprendeu a tocar o instrumento com a mãe, já que seu pai era um homem muito ocupado. Enquanto a mãe cantava, ele dedilhava a kora. “São 700 anos de música na minha família. Uma tradição que passa de pai para filho. E além de tocar, também faço o instrumento. Todo mundo que vem oficialmente visitar o Mali ganha uma kora de presente. Fabrico e entrego ao presidente malinês para ele presentear. O Bush já ganhou, os reis da Espanha, o Berlusconi. Tem umas 50 espalhadas por todo o mundo”, declarou em depoimento no vídeo.

Encontro de culturas A química e a sintonia entre o africano e os brasileiros foi intensa e isso se reflete nas 14 faixas inéditas do disco, com mais quatro instrumentais de bônus. Destaques para a canção-título, além de Que me continua, Coração de mãe, Meu cabelo, Kaira e Yacine. Para Arnaldo Antunes, a interação da kora de Toumani com os violões e a guitarra de Edgar Scandurra foi grande e tudo fluiu da melhor maneira possível. “Foi uma experiência muito intensa, e ter estado lá no Mali mais ainda. As surpresas que a cultura e os ritos nos proporcionaram, o carinho das pessoas, a música deles têm outra escala, outros ritmos. Foi muito interessante”, ressalta.

O novo álbum contou também com a participação de Sidiki Diabaté, filho de Toumani, e de músicos locais. Arnaldo Antunes diz que se emocionou com tudo o que vivenciou por lá e que se impressionou como a música consegue proporcionar esse território de encontros. “O som é algo que ficou muito evidente neste projeto e algo que me encantou bastante foi a capacidade de improviso dos artistas malineses como na faixa Kaira. As cantoras criaram na hora, sem ensaio, sem nada e ficou maravilhoso. Isso é muito comum por lá e o resultado ficou ótimo”, resume.

O show de lançamento de A curva da cintura ocorreu dia 10 em São Paulo e agora os músicos vão colocar o pé na estrada. “A gente pretende trazer o Toumani para se apresentar conosco em março e dali para a frente vamos fazer sim uma turnê, não necessariamente com ele, porque o Toumani tem sua agenda também. Este projeto ficou muito bacana e merece ter essa continuidade”, conclui Antunes.

ISTO É - Tom é o primeiro brasileiro a ganhar o Grammy póstumo

Antônio Carlos Brasileiro de Almeida Jobim, o Tom, ficou conhecido em todo o mundo com a canção “Garota de Ipanema”. E é graças a essa música (parceria com Vinicius de Moraes) que ele se consagrará como o primeiro brasileiro a receber postumamente o prêmio Grammy. A cerimônia será em Los Angeles no dia 12 de fevereiro.

ZERO HORA - Quem é Maria Gadú?

24 Segundo álbum de estúdio da cantora, “Mais uma Página” carece de coesão

Fernando Corrêa

Ao abrir a embalagem de Mais uma Página, novo disco de Maria Gadú, tem-se a impressão de que se trata de uma coletânea. No encarte, Caetano, Lenine, Ana Carolina e outros compositores assinam a próprio punho o crédito das faixas em que participam, como para legitimar um trabalho cuja consistência, a esta altura, não se conhece.

Maria Gadú adiou o segundo disco por dois anos e meio. Espremeu até a última gota o sumo de seu álbum de estreia (Maria Gadú, de 2009), ao ponto de azedar o doce hit Shimbalaiê. O CD parecia uma fonte inesgotável: deu origem a dois registros ao vivo – um deles com – que venderam mais de 100 mil cópias cada. Mais uma Página sinaliza o desejo de que o sucesso se repita, com um novo conjunto de composições próprias, parcerias com medalhões da MPB e regravações.

Na busca pela diversificação, expressa na faixa de abertura, No Pé do Vento (“Sem ser mais do mesmo / Ainda sou quem era”), Gadú exagera no ecletismo, como se sua vontade artística estivesse fracionada pela necessidade de agradar a um fã genérico. O que amarra, em parte, o trabalho é a produção de Rodrigo Vidal, que torna palatáveis mesmo as canções menos inspiradas (vide Taregué, espécie de “Shimbalaiê 2”), e a banda de apoio. O resultado é um disco que carece de coesão – está mais para um cartão de visita de cantora “pau para toda obra”.

Maria Gadú tem o que ninguém lhe pode tirar: uma boa voz. Em determinados momentos, como na funkeada Linha Tênue, ela canta com intensidade inédita. Mas fica-se na dúvida se Gadú é uma intérprete competente ou uma compositora pouco original.

Algumas das 14 tentativas de Mais uma Página, porém, devem garantir fôlego para Gadú ir adiante na caminhada de sucesso.

ESTADO DE MINAS - O melhor de dois mundos

Kiko Ferreira

Bebê Kramer e Toninho Ferraguttti promovem um diálogo de sanfonas

25 Diálogos musicais envolvendo sanfonas são boa tradição da música instrumental brasileira. & Rosinha de Valença, com Yamandu Costa e com Toninho Horta são alguns momentos memoráveis. O mais recente deles é o disco Como manda o figurino, que registra a parceria do paulista Toninho Ferragutti com o gaúcho Alessandro “Bebê” Kramer.

Autor de trabalhos emblemáticos como Sanfonema (200) e Nem Sol, nem Lua (2006), Ferragutti pode ser visto e ouvido enriquecendo as músicas de Maria Bethânia, , Zizi Possi e Mônica Salmaso. Nascido em Socorro, criou um estilo próprio em que muitas vezes o virtuosismo comum ao instrumento dá lugar a um lirismo que acolhe melodias como orquestra de confortos. Já Bebê Kramer, filho de Vacaria, vem da tradição gaúcha, em que a vocação para o baile e a festa contrasta com a generosa melancolia portenha.

A ideia do encontro surgiu no início de 2011, quando foram convidados a tocar no projeto Reflexos, mostra de duos que aconteceu no Rio de Janeiro, e desaguou no projeto Sonora Brasil, do SESC paulista, com shows no Sul e no Sudeste com repertório de música contemporânea feita para o acordeão.

Com 11 temas originais, o CD aproxima a linguagem do forró nordestino e do choro paulistano e carioca com o sotaque dos chamamés, vanerões e milongas gaúchas. Iniciado com Na sombra da Asa branca, de Ferragutti, uma clara demonstração da importância de para a história do instrumento, o álbum mostra a facilidade do diálogo dos dois músicos na sinuosa Caminante (Kramer), dá ares gaúchos ao Choro da madrugada (Ferragutti) e soa nostálgico e dolente no Choro esperança (Kramer).

A animação de salão de baile começa na faixa-título, de Kramer, criando um clima de duelo de teclas que se confirma no bem batizado Forró classudo, de Ferragutti. Sivuca e Hermeto certamente aprovariam a sentimental Mestre Paulo (Kramer) e a envolvente Outra valsa (Kramer/Guto Wirtti). A agilidade de O sorriso de Manu (Ferragutti) abre a sequência final, que traz as equilibradas experimentações de Negra (Ferragutti) e o ritmo frenético de Pano pra manga (Kramer), capaz de tirar o sono de muito estudante de música disposto a repetir a performance alucinante da dupla.

FOLHA DE S. PAULO - Mercado brasileiro tem armações internacionais das gravadoras

No Brasil, o esquema de participações de cantores em gravações de outros é incipiente e se resume a extremos: grande armação de gravadora ou favor de amigos.

Ontem apareceu à venda na iTunes Store a faixa "Long Live", dueto entre a cantora americana Taylor Swift e a sertaneja Paula Fernandes.

A brasileira canta em português parte da música, que é do repertório da outra.

Esse tipo de colaboração vem desde os anos 80. Serve para divulgar o artista gringo aqui e apresentar o brasileiro ao mercado internacional.

Paula Fernandes, bonita e com fluência em inglês, é a bola da vez. Já foi assim com Fábio Jr., Joanna, Paulo Ricardo, Alexandre Pires e outros menos lembrados.

A parceria que mais fez sucesso no Brasil foi "Sem Limites para Sonhar", de 1987, dueto de Fábio Jr. e a loira de voz rouca Bonnie Tyler, famosa mundialmente por "Total Eclipse of the Heart".

A colaboração mais recente e badalada entre artistas nacionais está no novo disco de . É a faixa "O Que se Quer", assinada e cantada por Rodrigo Amarante (Los Hermanos).

Vários artistas lançam discos de duetos, com convidados que fecham cachê com a gravadora. Paula Fernandes promete um para este ano.

Já as canjas de estúdio e participações em shows que rendem álbuns ao vivo ficam por conta da amizade, sem dinheiro envolvido.

26 Um produtor de peso no mercado entrevistado pela Folha acredita que o artista mais famoso da parceria se sente constrangido em pedir dinheiro pela colaboração. Para o menos famoso, a simples presença ao lado do astro vale como divulgação.

FOLHA DE S. PAULO - Música brasileira é tema de mostra de documentários

Iuri de Castro Torres

CCBB abre hoje Cine MPB, com filmes sobre grandes mestres e personagens contemporâneos e inventivos

Para curador, longas saciam curiosidade do público sobre vida e obra de artistas, por isso fazem sucesso

O que Elza Soares e a cena punk brasileira dos anos 1970 têm em comum? E o samba de Riachão e o pop dos Titãs?

Todos são temas de documentários recentes e estão reunidos, com outros 13 filmes, na mostra Cine MPB, que começa hoje na sede paulista do Centro Cultural Banco do Brasil e vai até o dia 15.

Segundo o cineasta Francisco César Filho, curador da mostra, a retrospectiva pode ser vista por três eixos: grandes mestres, tendências contemporâneas e personagens inventivos.

Do primeiro grupo fazem parte "Elza", sobre Elza Soares, " - Meu Tempo É Hoje", "Samba Riachão", "Vinicius", sobre Vinicius de Moraes, "O Milagre de Santa Luzia", sobre Luiz Gonzaga, e "".

Entre as tendências contemporâneas estão "Titãs - A Vida até Parece uma Festa", "Fala Tu", sobre rappers, "Botinada" (punks) e "Rock Brasília - Era de Ouro".

O terceiro eixo reverencia Itamar Assumpção, Tom Zé, Novos Baianos, Jards Macalé e Arnaldo Baptista.

"O documentário musical tem entretenimento, que é uma palavra de regra em ficções", diz César Filho. "E isso nem sempre acontece em documentários sobre temas áridos, como política."

Segundo o curador, o documentário musical faz sucesso porque o público tem curiosidade sobre vida e obra de seus artistas favoritos.

No entanto, ele lembra que a maior parte das produções são "a favor", ou seja, celebram a vida de seus objetos, não expondo críticas.

A única exceção, segundo o curador, é o filme sobre Wilson Simonal, "que pega bastante pesado com o cantor".

"Em termos de cultura, é perdoável os filmes serem a favor, pois, de uma forma ou de outra, eles contribuem para a memória da música, que é ainda muito rara no Brasil."

FOLHA DE S. PAULO - Álbuns reeditados recuperam dois momentos distintos de Gismonti

Fabricio Vieira

Dois clássicos de editados pelo selo alemão ECM retornam às prateleiras nacionais: "Dança das Cabeças" e "Infância".

Representando alguns dos momentos mais expressivos da carreira de Gismonti, 64, os discos trazem formações e propostas distintas.

27 Gravado em 1976, "Dança das Cabeças" é um duo com o percussionista Naná Vasconcelos. Com temas sugestivos como "Tango" e "Bambuzal", o trabalho de enorme repercussão e abriu o mundo aos dois instrumentistas.

Gismonti tem no piano e no violão seus veículos de expressão mais significativos. Entre o popular e o erudito, ele desenvolveu uma obra refinada e de grande impacto internacional.

"Infância", que também está sendo editado em vinil, retrata um universo diferente. Registro de 1990, o álbum é marcado pelo diálogo entre teclas e cordas, tendo o acompanhamento de Nando Carneiro (sintetizadores), Zeca Assumpção (baixo) e Jacques Morelenbaum (violoncelo).

Os relançamentos fazem parte de uma nova parceria entre o ECM e a gravadora paulista Borandá. Nos próximos meses, mais títulos do instrumentista voltarão às lojas, ao lado de outras preciosidades do ECM.

ESTADO DE MINAS - Tecnologia com arte

Lula Queiroga lança quarto CD solo, Todo dia é o fim do mundo, com canções inéditas em parceria com Lenine e Lucky Luciano

O pernambucano Lula Queiroga destaca a força criativa e a pluralidade da arte produzida em seu estado

Qualquer ruído pode ser afinado, constata o cantor e compositor Lula Queiroga, especialista em “ruidagem”, que está lançando Todo dia é o fim do mundo, o quarto disco de uma cada vez mais instigante carreira solo. Parceiro de Lenine que permanece no Recife, contribuindo para o enriquecimento da cena musical pernambucana, Lula esclarece que os ruídos com os quais trabalha nada mais são do que os harmônicos que os instrumentos liberam e que podem ser afinados posteriormente.

“Basta tentar domesticar o ruído selvagem e fazer com que ele seja o seu aparelho de trabalho”, explica o processo que o leva a criar canções para, a partir de então, buscar a sonoridade e o conceito do projeto que está fazendo. No caso de Todo dia é o fim do mundo, a própria capa, ilustrada com foto que explora o colorido, de Marcelo Lyra, já traz à tona a ideia base do trabalho: a de que todo dia é o fim do mundo. Algo como o apocalipse diário, o pequeno drama cotidiano, segundo o artista, que foge das previsões fatalistas que geralmente envolvem o tema.

28 “É a respeito dos sobreviventes do cataclismo pessoal de cada instante. Dos heróis anônimos que têm que matar um leão a cada dia e, que, no dia seguinte, acordam para enfrentar tudo de novo”, acrescenta Lula Queiroga. Para chegar ao repertório integralmente autoral, o compositor diz ter utilizado técnica da imersão para criar as 12 canções inéditas, muitas das quais em parcerias com o amigo Lenine (Se não for amor eu cegue – Love), o sobrinho Yuri Queiroga (Os culpados, Voo cego e Lua do mal), Vinícius Sarmento (Unha e carne), Lucky Luciano (Dias assim e Padrões de contato, com Alex Madureira, também) e Lulu Oliveira (Dos anjos). Sozinho, Lula compôs Um do outro, Atlantis, Poeira de estrelas e a faixa-título.

“Não tenha pressa que o fim não é agora”, avisa na abertura dos inspirados versos, pelos quais conclui que “todo dia é o fim do mundo”. Masterizado no célebre Abbey Road, por Sean Magee, o disco é reflexo do que há de mais contemporâneo na música brasileira atual, com a característica fórmula do cantor e compositor pernambucano, que é exatamente a de não ter fórmulas. Vítor Araújo, Marcelo Jeneci e Luiza Possi são convidados de Lula, que foi – ou no momento está sendo – gravado por gente como Roberta Sá, Mart’nália, , Maria Rita, Tereza Cristina e Patrícia Ahmaral.

Revolução O difícil hoje, de acordo com Lula, é escolher a tecnologia com a qual se pretende gravar, tamanha é a oferta de um mercado em constante revolução. “É mais fácil ter o seu caminho. Daí a necessidade da imersão”, recorre novamente à prática que ele diz ter aprendido a utilizar com o estilista Ronaldo Fraga, para quem arte é pura imersão. Para o cantor-compositor pernambucano, apesar da fartura tecnológica da atualidade, “o processo da internet pode ser deletado, enquanto o disco, independentemente do suporte físico, será sempre uma obra”, avalia.

De olho nas oportunidades, antes de as primeiras 1 mil cópias de Todo dia é o fim do mundo – que já se estão se esgotando – chegarem às lojas, Lula Queiroga lançou todo o conteúdo do álbum no Facebook, via streaming. “Com a chegada do disco às lojas, o acesso diminuiu”, constata, contabilizando 26 mil acessos ao disco. Tamanha audiência eletrônica, acredita, se deve ao aspecto autoral que fica muito claro em sua obra, que vai do texto aos detalhes de timbre da música. “Eu prego muito por timbres”, revela o cantor, que, no novo álbum, chegou a gravar uma bateria ao pé de uma escada, com seis microfones.

SEMPRE ALERTA Enquanto está gravando um novo disco, Lula Queiroga diz que jamais interrompe o fluxo de audição. “Ele é meio caótico e frenético”, diz. Ele contabiliza 18 lançamentos recentes de discos na cena pernambucana. “Foram 170 ao ano”, comemora Lula, salientando que a grande contribuição do Recife e arredores para a música brasileira se deve à diversidade e à pluralidade da arte pernambucana. “De Júnio Barreto a Lirinha, de China a Fred Zero 4, de Siba a Karina Bhur”, lista, destacando a cantora baiana cuja formação ocorreu no Recife.

ZERO HORA - Pirataria erudita

Em Restinga Seca, violino de cem anos leva selo provavelmente falsificado da marca Stradivarius

No universo da música, pirataria não se restringe a copiar e comercializar discos ilegalmente. Vide a história de um antigo violino em Restinga Seca, na região central do Estado.

Uma família do município a 228 km de Santa Maria guarda como patrimônio um instrumento que pertenceu a Romilda Dorneles de Lima, a Nita, morta em 2007, aos 85 anos. No interior do violino, há um selo onde se lê “Antonius Stradivarius Cremonensis; Faciebat 1.721”. Trata-se da célebre marca de instrumentos artesanais da família do italiano Antonio Stradivari (1644 –1737).

A família resolveu buscar uma avaliação. Descobriu que não era um legítimo Stradivarius e conheceu a curiosa história da pirataria de instrumentos.

– Não podemos ter muita esperança de que seja um Stradivarius. Por isso, indiquei outros luthiers (artesãos que fabricam instrumentos) para opinarem – explica Marco Antonio Penna, violinista e maestro da Orquestra Sinfônica de Santa Maria, que fez uma das avaliações.

29 – Lido com isso há 45 anos e digo que, com certeza absoluta, não é Stradivarius. No Brasil, não há. E encontrar um é como achar lambari no oceano – brinca o luthier e violinista Paulo Ricardo Leonardi Paranhos, da Ospa, aludindo ao fato de que hoje, no mundo, existem apenas cerca de 600 exemplares.

O “Stradivarius” de Restinga Seca está um tanto deteriorado. Tem cerca de cem anos e ficou mais de seis décadas nas mãos de dona Nita. Não tem valor comercial nenhum, e talvez seja de uma fábrica alemã.

Penna explica que a prática da pirataria já era comum entre os antigos artesãos que fabricavam instrumentos musicais. Quando a marca Stradivarius começou a fazer sucesso, muitos passaram a usar um selo falso:

– A família Stradivarius era do norte da Itália, na região de Cremona, que, nos séculos 14, 15 e 16, se tornou centro de construção de instrumentos ao redor dos Alpes, em função da boa qualidade das madeiras. Depois, com o ciclo da industrialização no século 19, começaram a surgir as primeiras fabriquetas, já produzindo instrumentos em série. E algumas delas colocavam o selo de nomes de artesãos famosos para enganar o freguês.

Paranhos complementa:

– Só eu tenho uns 20 violinos com Stradivarius escrito dentro. Nenhum deles passa nem perto de um verdadeiro.

ZERO HORA - O mistério do som perfeito

Violinos, violas e violoncelos Stradivarius hoje circulam pelo mercado de leilões. Um violino batizado de “Lady Blunt”, datado de 1721 e pertencente à Fundação Japonesa de Música, foi vendido em junho por US$ 15,9 milhões. A renda ajudou as vítimas do tsunami e do terremoto de março de 2011.

– Somente na Grã-Bretanha existem avaliações que certificam os instrumentos, e são bastante caras. Mas também existem cópias de Stradivarius que são muito valiosas – diz Marco Antonio Penna.

Segundo Paulo Ricardo Paranhos, casas inglesas de leilões, como a Hill e a Christie’s, têm técnicos especializados:

– Pelo visual, já podemos ter uma ideia. Se a dúvida persistir, passa-se para os exames de madeira, com produtos químicos como o carbono 14. Só essa avaliação custa em torno de US$ 15 mil.

Mas qual é a magia do som de um Stradivarius? Responde Paranhos:

– Stradivari construiu instrumentos ao longo de 78 anos. Por isso, eles tiveram diversas fases de qualidade. Cogita-se que ele encontrou toras de madeira na baixada de um morro, onde havia um riacho com ligação ao mar. Ou seja, a madeira submersa nessa água salgada pode ter ganho qualidade. Também havia os produtos químicos. Stradivari usou cinza vulcânica e cera de abelha, e coloriu os violinos a partir de um planta que Marcopolo levou da Ásia para a Europa. O som de um Stradivarius é uma loucura. LIVROS E LITERATURA

O ESTADO DE S. PAULO - Amado centenário

Festa pelos 100 anos do autor baiano inspira de desfile de escola de samba a exposição e nova Gabriela

UBIRATAN BRASIL (29/12/2011) O ano de 2012 será iluminado pela prosa solar e saudável de . O motivo é a comemoração do centenário de nascimento do escritor baiano, que ocorre no dia 10 de agosto - ele morreu em 2001, quatro dias antes de seu aniversário. Uma ampla programação, que vai de

30 exposição a tema de escola de samba, está prevista para celebrar o autor de Gabriela Cravo e Canela, aquele que, no entender da escritora , foi capaz de trazer para a ficção contribuições positivas da sociedade, como o interculturalismo, a miscigenação, o hibridismo cultural.

A nova presidenta da Academia Brasileira de Letras, aliás, pretende transformar a sede da centenária entidade em palco para a literatura do autor baiano. "Queremos fazer uma revisão crítica da obra de Jorge Amado e abrir possibilidades para que outros também façam isso no Brasil e no exterior. Vamos ver como ele é recebido hoje", comentou.

Outro grande evento (veja lista acima) vai acontecer no Museu da Língua Portuguesa. Lá, em março, será aberta a exposição Jorge, Amado e Universal, que reunirá manuscritos, fotos e objetos do escritor. "Queremos apresentar um panorama de Jorge Amado, ou seja, oferecer elementos que ajudarão o visitante a compor uma imagem desse autor", conta Ana Helena Curti, coordenadora de curadoria, que contará ainda com Ilana Goldstein, consultora de conteúdo do projeto, e William Nacked, diretor coordenador. Todos terão o apoio da Fundação Casa de Jorge Amado, de Salvador, fiel mantenedora do acervo do romancista.

A exposição será interativa, ou seja, os visitantes vão dispor de sons e imagens - muitas delas acessadas pelo tato - que apresentarão aspectos da obra do autor de Dona Flor e Seus Dois Maridos. Para isso, é a figura do próprio escritor que conduzirá o público pelos corredores do Museu da Língua Portuguesa. O espaço físico será criado por uma dupla de craques, Daniela Thomas e Felipe Tassara. "O objetivo é mostrar que Jorge continua atemporal, seja em seus escritos, seja em suas atuações políticas e sociais."

A reedição da obra pela Companhia das Letras permite comprovar isso. Autora de um livro em que analisa a escrita amadiana (Romântico, Sedutor e Anarquista - Como e Por Que Ler Jorge Amado, lançado pela Objetiva), Ana Maria Machado defende a importância para a literatura nacional do romancista baiano, que fez a fusão amorosa entre o erudito e o popular, que erotizou a narrativa, que trouxe à tona questões sobre o não sectarismo, a miscigenação, a luta contra o preconceito e contra a pseudo erudição europeia.

Uma mistura tão heterogênea que explica o interesse da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense, que prepara seu próximo desfile inspirado nos personagens de Amado. Ainda na mesma linha popular, também justifica a decisão da TV Globo em novamente adaptar Gabriela no formato de novela, agora com Juliana Paes como a sedutora morena, com estreia prevista para agosto. Já na outra vertente, Jorge Amado vai inspirar debates comandados por intelectuais. Em todas as searas, ele continua irresistível.

O ESTADO DE S. PAULO - Mercado festeja aniversários

Reedições de Drummond e Joyce são destaques literários do próximo ano

MARIA FERNANDA RODRIGUES

(29/12/2011) Jorge Amado e fariam 100 anos em 2012. Carlos Drummond de Andrade, 110. James Joyce, 130 - mas neste caso, mais importante que a data do aniversário é que 2012 representa o primeiro ano desde a entrada de sua obra em domínio público, ou seja, qualquer editora interessada na obra do irlandês poderá ter sua própria edição sem passar pelo crivo, ou pelas garras, da família do escritor a partir do ano-novo. Essas datas redondas são sempre um bom motivo para as editoras reavivarem a obra de seus autores, e os leitores podem esperar novidades para o ano que vem.

De Joyce, o selo Penguin-Companhia das Letras lança, em abril, uma nova tradução de Ulisses feita por Caetano Galindo. Já a Iluminuras publica o infantil O Gato e o Diabo, com tradução da pesquisadora e escritora Dirce Waltrick do Amarante, e De Santos e Sábios, seleção de escritos estéticos e políticos organizados por Sérgio Medeiros e por Dirce. Mais misteriosa é a programação de lançamentos da Nova Fronteira, que edita Nelson Rodrigues. Ela garante que publicará textos inéditos do autor, releituras de suas peças e edições populares, mas não dá detalhes.

31 Drummond ressurge nas livrarias com nova roupagem também pela Companhia das Letras, que ganhou, em 2011, o direito de publicar toda a obra do poeta mineiro. A Rosa do Povo, o primeiro, chega em março, em tempo da homenagem da 10.ª Festa Literária Internacional de Paraty, marcada para julho. Ainda em 2012, outros três serão lançados.

Quando a obra de um autor muda de editora é natural que ela ganhe revisão e novo projeto gráfico. É isso o que também vai acontecer com Mario Quintana, antes no catálogo da Globo e agora no da Alfaguara. Os primeiros cinco títulos, entre os quais uma coletânea inédita, serão publicados no segundo semestre. Vale também para a obra de Pedro Nava, em novas edições da Companhia das Letras a partir de fevereiro. E para Cecília Meireles (38 livros em 40 meses), se nada mais der errado entre seus herdeiros, Manuel Bandeira (23 reedições e 13 inéditos) e Orígenes Lessa (34 antigos e 7 novos), todos agora no catálogo da Global.

Os 90 anos da Semana de Arte Moderna também serão lembrados em livro. Um deles será 1922, a Semana, do jornalista Marcos Augusto Gonçalves, que sai pela Companhia das Letras.

Mas nem só de datas comemorativas e reedições vive o mercado editorial brasileiro - que, a propósito, está deixando passar o bicentenário de Charles Dickens. Em 2012, serão lançados livros para todos os gostos e se a produção continuar em crescimento, como nos últimos anos de acordo com pesquisa feita pela Fipe, os leitores podem esperar pelo menos 18 mil novos títulos (e 36 mil reedições) no Brasil. Isso sem contar os e-books.

Para quem gosta de biografia e livros de memória, a dica é preparar o bolso, já que o gênero é um dos mais frequentes nas listas das editoras. A L&PM prepara dois títulos sobre Andy Warhol - uma biografia escrita por Mériam Korichi e o diário do artista, que será dividido em dois volumes e editados no formato bolso. A Ediouro lança American Rebel, a história de Clint Eastwood contada por Marc Eliot. Já a vida de Norman Bengell será resgatada pelo historiador Davi Araújo para a NVersos.

Pela LeYa, sai a edição revista e ampliada de Furacão Elis, lançada pela jornalista Regina Echeverria em 1985. A Globo publica as biografias de Neil Young e Rod Stewart escritas pelos próprios músicos. A Balada de Bob Dylan, de Daniel Mark Epstein, sai pela Zahar. O gênero também é uma das apostas da Lafonte/Larousse para o ano. Ela manda para as livrarias biografias ilustradas de Pink Floyd e de Elvis Presley, por Marie Clayton; de Led Zeppelin e Eric Clapton, por Chris Welsh; de Keith Richards, escrita por Victor Bockris; dos Beatles, por Terry Burrows; e do Nirvana, por Gillian Gaar. Um livro sobre os 40 anos do Queen também está nos planos. A Melhoramentos vai editar um livro de Paul McCartney, mas sem relação com sua história ou com música. Sem título definido, tratará de culinária vegetariana.

Saindo do ambiente artístico e voltando para o da vida alheia, a Zahar lança Por Amor a Freud: Memórias de Minha Análise com Sigmund Freud, de Hilda Doolittle. O jornalista Augusto Nunes escreve sobre Jânio Quadros para a Record e Mario Magalhães prepara livro sobre Carlos Marighella para a Companhia das Letras, que também edita, em três volumes, a biografia de Getúlio Vargas, feita por Lira Neto.

Histórias de times também têm destaque. Celso de Campos Jr. e Dario Palhares contam, em livro da Realejo, a do Santos em seu centenário. E Ruy Castro escreve sobre o Flamengo para a Companhia das Letras.

O GLOBO - A literatura brasileira em busca de difusão mundial Novo programa federal pôs a tradução no centro dos debates neste ano (30/12/2011) Guilherme Freitas - Historicamente defasada, a difusão da literatura nacional no exterior ganhou um incentivo neste ano, com a reformulação do programa de estímulo à tradução da Fundação Biblioteca Nacional (FBN). Anunciado em julho, durante a nona edição da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip), o novo programa prevê investimentos de R$12 milhões até 2020 na edição de obras brasileiras em outros países. Um dos objetivos imediatos do projeto é alavancar a participação do país em grandes eventos internacionais:

32 nos próximos anos, o Brasil será convidado de honra das feiras de Bogotá, em 2012, Frankfurt, em 2013, e Bolonha (maior feira de livros infantis do mundo), em 2014. O primeiro edital do novo programa (com inscrições abertas no site www.bn.br) oferecerá R$2,7 milhões para a edição de obras nacionais no exterior até agosto de 2013, dois meses antes da presença do Brasil como país convidado no maior evento editorial do mundo, em Frankfurt. Articulação entre instituições Em entrevista ao GLOBO em julho, o presidente da feira, Juergen Boos, elogiou o programa de tradução, mas ressaltou que o sucesso da participação brasileira ainda exige mais articulação entre governo e editoras e intercâmbio com instituições culturais alemãs. A internacionalização da literatura brasileira foi discutida também na 25ª Bienal do Livro do Rio, quando a FBN organizou uma exposição sobre a tradução de clássicos como Guimarães Rosa e . Mas o tamanho do desafio foi ilustrado pela informação, divulgada durante o evento pela organização da Feira de Frankfurt, de que as editoras alemãs têm hoje apenas 61 títulos brasileiros em catálogo - 30 deles de Paulo Coelho. Veja mais alguns destaques do meio editorial em 2011: BIENAL NO LIMITE: Realizada em setembro, a 25ª Bienal do Livro do Rio teve o maior público de sua história, 670 mil visitantes em 11 dias. A feira teve faturamento recorde de R$58 milhões (12% a mais que a anterior), mas a confusão e os problemas de infraestrutura nos dias mais movimentados levaram a organização a afirmar que o evento atingiu sua capacidade máxima. PENGUIN NO BRASIL: Em dezembro, a Companhia das Letras anunciou que a britânica Penguin, com a qual é associada desde 2009, comprou 45% das ações da editora brasileira. O acordo segue uma tendência de participação crescente de grandes grupos editoriais estrangeiros no Brasil: nos últimos anos, aportaram no país as espanholas Planeta e Santillana e as portuguesas Leya e Babel. O impacto da parceria no mercado brasileiro poderá se fazer notar sobretudo nas áreas de e-books e didáticos, dois focos do conglomerado editorial Pearson, dono da Penguin. RUBENS FIGUEIREDO: Um dos principais tradutores do país, Rubens Figueiredo obteve reconhecimento também como escritor neste ano. Seu romance "Passageiro do fim do dia" (Companhia das Letras) recebeu duas das maiores distinções literárias nacionais: o Prêmio São Paulo de Literatura e o Portugal Telecom. Além disso, Figueiredo publicou em dezembro, pela Cosac Naify, a primeira tradução brasileira feita diretamente do russo de "Guerra e Paz", de Tolstói. CECÍLIA MEIRELES: Com reedições paralisadas há anos por uma disputa judicial entre herdeiros, a obra de Cecília Meireles pode voltar às livrarias em 2012. A editora Global anunciou em dezembro a compra de parte do catálogo da poeta - e ainda dos de Manuel Bandeira e Orígenes Lessa. Depois do anúncio, porém, o advogado de uma das filhas de Cecília contestou o acordo e afirmou que a questão não está resolvida nos tribunais.

QUADRINHOS

33 O GLOBO - Super amigos brasileiros da DC Comics

Editora de ‘Batman’ lança coletânea com obras de quadrinistas nacionais

Ninho para talentos tipo exportação do quadrinho nacional, a DC Comics, um dos grupos mais bem- sucedidos do mercado editorial americano graças a personagens como Super-Homem e Batman, resolveu prestigiar seus principais colaboradores brasileiros com uma antologia que acaba de chegar às bancas. “DC made in ” reúne histórias desenhadas por seis ilustradores que têm vaga cativa nos gibis dos EUA. Entraram na seleção os paulistanos Ivan Reis e Joe Prado, o santista Paulo Siqueira, o cearense Ed Benes, o paraense Eddy Barrows e o gaúcho Rafael Albuquerque, atualmente nas bancas com a série “American Vampire”, idealizada pelo escritor Stephen King. Os textos são de roteiristas estrangeiros.

Editado em português pela Panini Comics (distribuidora da DC em diversos países), o álbum surgiu como reação a uma série de prêmios conquistados nos EUA por quadrinistas brasileiros envolvidos com editoras estrangeiras. É o caso dos gêmeos Fábio Moon e Gabriel Bá, laureados em 2011 com o prêmio Eisner, considerado o Oscar do setor, pela minissérie “Daytripper” (também da DC), compilada no Brasil numa única edição, lançada no fim do ano passado.

— Não existe um padrão de arte estabelecido pela DC. Existem estilos de artistas que agradam a alguns públicos mais do que a outros, então, naturalmente, alguns quadrinistas acabam optando por seguir um estilo já estabelecido do que por desenvolver um estilo novo e correr o risco de não agradar — explica Albuquerque, que participa de “DC made in Brazil” desenhando um roteiro de Michael Green e Mike Olson estrelado pela Supergirl e por Robin. — Isso não é uma imposição da editora. É algo que o próprio artista acaba fazendo por sua conta.

Escrita por Geoff Johns, a aventura “Recrutamento”, com o traço de Ivan Reis, abre o mix de “DC made in Brazil” numa trama que resgata o super - herói Capitão Átomo e o vilão Major Força, tendo o Homem-Morcego e o Homem de Aço como coadjuvantes. Desenhista do Lanterna Verde e do Aquaman em território americano, Ivan também assina a capa do quadrinho, que tem 148 páginas.

Com experiência em títulos de sucesso nos anos 1990 como “Gen 13” e “WildC. A.Ts”, Ed Benes desenha um enredo pontuado pelo romantismo escrito por Mark Verheiden, acompanhando o relacionamento entre Lois Lane e o Super- Homem. Joe Prado ilustra uma parábola de Sterling Gates com o Lanterna Verde. Já Barrows ajuda o escritor Sean McKeever a narrar as peripécias dos Novos Titãs, e Siqueira recorre à Liga da Justiça ao ilustrar “Deixados para trás”, de Andrew Kreisberg.

Prática comum na Europa

Especializado em marketing editorial para o mercado de HQs, o publicitário Helio Eduardo Lopes lembra que na França e na Bélgica são comuns antologias de quadrinistas de diferentes nacionalidade envolvidos na produção europeia.

— Para desenhistas iniciantes, edições como “DC made in Brazil” é uma base para entender o que o mercado estrangeiro, em especial o dos EUA, deseja como resultado daquele profissional — diz Helio. — Para um artista brasileiro, essas publicações servem como um aprendizado para se trabalhar com roteiros previamente pautados e prazo curto. (Rodrigo Fonseca)

OUTROS

34 CORREIO BRAZILIENSE - O traço certo de Virgílio

(31/12/2011) Fluxo-floema é o título de um livro da escritora , mas poderia, também, intitular a obra e o processo criativo do artista brasiliense Virgílio Neto. Pois, a combinação destas palavras significa algo que flui, e a obra dele não segue as margens, fronteiras ou proporções. No entanto, não é algo como o cubismo de Pablo Picasso nem surrealista, como as pinturas oníricas de Salvador Dalí. Os traços são sobrepostos e orgânicos, se espalham no papel e imprimem as experiências visuais, literárias, musicais, ou seja, tudo que aguça o olhar dele.

Em algumas obras, além das figuras humanas, animalescas e outras, estão escritos nomes como o de Jorge Luis Borges, Milan Kundera, Gal Costa e até mesmo o de Hilda Hilst, que se misturam aos outros elementos. “Você sempre tira coisas, vai pegando um pouco de tudo, não tem alguém ou algo, unicamente, que me inspire”, explica Virgílio. A liberdade é percebida tanto nos desenhos quanto na sua personalidade leve e jovial, desde o jeito articulado de falar até o tênis All Star vermelho jogado no canto do quarto.

Toda a sua produção é fruto de pesquisas e horas de estudo. Aí, desmistifica-se a ideia de que o ato de criar vem de uma inspiração repentina ou de um momento de epifania. Para ele, o ofício de artista exige labor, entrega. “Deve-se encarar o trabalho para o desenvolvimento. Não tem isso de estar ou não estar inspirado. Tem que ler, pesquisar, rever os desenhos, jogar fora os que você não gostou. Assim o trabalho vai tomando um corpo.”

É em um quarto, no Espaço Laje (uma casa aconchegante localizada na 708 Sul), que ele produz. Lá, estão espalhadas — pelas paredes do seu ateliê (ou quarto) ou guardadas em caixas — imagens de pessoas, arquitetura, fotos pessoais e tiradas de internet, recortes de revistas, que servem como arquivo e nas quais busca alguma informação e referências. Uma das séries de desenhos, por exemplo, retrata o vazio nos espaços físicos; ideia criada depois de ver sucessivas imagens de apartamentos e casas desocupadas.

Afinidade O desenho e a escolha da arte como profissão não foram coisas planejadas desde criança. A sua história como artista começou como a de muitas pessoas que, depois de terminarem o ensino médio, deixam a cidade natal e migram para estudar, na capital. No caso dele, saiu de Anápolis (GO) e cursou design de programação visual na Universidade de Brasília (UnB), por afinidade com a área visual e o talento para desenhar, este sim, adquirido desde a infância.

Essa mudança o possibilitou entrar em contato com um mundo cheio de informações e coisas a descobrir. Hoje, com 24 , já conquistou bons resultados e reconhecimento do seu trabalho. Foi selecionado para participar do salão Rumos Artes Visuais 2011/2013, do instituto Itaú Cultural, considerado uma das principais curadorias do país. “Eu me lembro de ter ido visitar a exposição do Rumos três anos atrás e via com um certo distanciamento. Você fica com medo, porque a galera tá fazendo coisa totalmente diferente do que eu estou fazendo. Eu ficava pesando: será que eu estou no caminho certo? Aí eu mandei meu material e foi legal ter sido selecionado.”

Compromisso A liberdade autoral se afirmou depois de uma temporada de quase um ano em Londres. O contato com galerias, museus, a cultura londrina e a oportunidade de passar um tempo sem compromisso fizeram com que ele produzisse sem pensar em regras e clientes. “Como eu não tinha nada o que fazer lá, obrigatoriamente, comecei a me aproximar das coisas que me interessavam. E também foi em Londres que me deu vontade de voltar para o Brasil e fazer alguma coisa nessa área”.

Depois de ser selecionado para o Rumos, ter participado do Salão Novíssimos, no Rio de Janeiro, e realizar a primeira individual no Museu de Arte Contemporânea do Mato Grosso do Sul (Marco), ele diz que a carreira fica mais crível. “No começo o artista novo tem uma insegurança natural. A gente vai criando nossas noias. Mas, o negócio é acreditar no que você está fazendo. Na arte tem muito isso de estar em compromisso com a sua pesquisa, não tente inventar moda. Se eu faço desenho, é no desenho eu tô, é onde eu to me encontrando para fazer as coisas e minhas pesquisas imagéticas”.

O ESTADO DE S. PAULO - Daniel Piza morre aos 41 anos

35 Ligado à literatura e às artes plásticas desde o início da carreira, ele transitava com conhecimento pelo cinema, dança, música e teatro

João Luiz Sampaio

(01/01/2012) Morreu na noite de sexta-feira, aos 41 anos, o jornalista e escritor Daniel Piza. Ele passava o fim de ano com a família em Gonçalves, no interior de Minas, quando sofreu um acidente vascular cerebral (AVC). Seu corpo foi velado no sábado, 31, em São Paulo, e o enterro será neste domingo, 1º, às 10h30, no Cemitério de Congonhas. Ele deixa a mulher e três filhos.

Piza nasceu em São Paulo em 1970. Estudou Direito no Largo de São Francisco (USP), mas logo passou a se dedicar ao jornalismo. Começou a carreira no Estado, onde, de 1991 a 1992, foi repórter do Caderno 2 e editor assistente do Cultura. Trabalhou na Folha de S. Paulo (1992-95) e Gazeta Mercantil (1995-2000). Em maio de 2000, retornou ao Grupo Estado como editor executivo e colunista cultural - desde 2004, tinha uma coluna sobre futebol. Na rádio Estadão ESPN, apresentava os programas Estadão no Ar e Direto da Redação.

Piza encarnava a verdadeira definição do jornalista cultural. Ainda que muito ligado à literatura e às artes plásticas desde o início de sua carreira, transitava com desenvoltura e conhecimento pelo cinema, dança, música, teatro e moda, oferecendo análises que faziam dialogar de forma ampla as manifestações artísticas.

Mas o espírito de repórter o levaria também a outros campos. Na coluna Sinopse, publicada aos domingos no Caderno 2, a política e a economia nacionais eram temas frequentes. Apaixonado por futebol, foi responsável por reportagens exclusivas também nesta área, como a notícia da aposentadoria do jogador Ronaldo.

Em 2009, com o repórter fotográfico Tiago Queiroz, refez a expedição de 1905 do jornalista e escritor Euclides da Cunha pela Amazônia, que resultou na publicação de uma série de reportagens, no livro Amazônia de Euclides e no documentário Um Paraíso Perdido. Colaborou com o diretor Luiz Fernando Carvalho na preparação do roteiro de Capitu, minissérie da TV Globo.

Ao saber da morte, o ex-jogador Ronaldo escreveu no Twitter: “Um jornalista fantástico e um amigo partiu hoje. Descanse em paz”. O escritor Zuenir Ventura destacou sua personalidade. “O que mais me surpreendia era a modéstia e a serenidade.”

“O Brasil perdeu um grande jornalista, um jovem intelectual com tanto ainda a contribuir”, disse o diretor de Conteúdo do Grupo Estado, Ricardo Gandour. “Pessoalmente, sempre me chamou atenção a habilidade com que ele soube trafegar entre o jornalismo e a literatura.”

Para Roberto Gazzi, diretor de Desenvolvimento Editorial do Estado, Piza era um “exemplo para os colegas”. “Um profissional completo, capaz de fazer uma grande reportagem especial, dar furos em várias áreas e manter uma coluna semanal brilhante.”

Literatura. Os livros são prova da diversidade de sua trajetória. A produção como jornalista está reunida em Questão de Gosto, Perfis & Entrevistas, Contemporâneo de Mim - Dez Anos da Coluna Sinopse, Aforismos sem Juízo e Jornalismo Cultural. Como biógrafo, assinou livros sobre Ayrton Senna (O Eleito) e Paulo Francis (Brasil na Cabeça) antes de lançar sua obra principal no gênero, Um Gênio Brasileiro, sobre Machado de Assis.

Foi tradutor, entre outros autores, de Henry James (A Arte da Ficção) e H.G. Wells (A Máquina do Tempo). Brincava que flertara a vida toda com a ficção - foi, porém, mais do que um flerte. Nos anos 90, lançou um romance, As Senhoritas de Nova York; cinco anos depois, seu primeiro livro infantil, Mundois; e, em 2010, a coletânea de contos Noites Urbanas.

O pendor para a polêmica foi herdado de escritores como o brasileiro Paulo Francis, o americano H. L. Mencken e o irlandês Bernard Shaw, cujos textos estão reunidos em coletâneas organizadas por ele (O Dicionário da Corte de Paulo Francis, Dentro da Baleia - Ensaios e O Teatro das Ideias de Bernard Shaw, respectivamente). Não se tratava, porém, de emular ídolos da juventude, ou mesmo de ser fiel a suas ideias, mas, antes, de perseguir, como eles, a clareza do texto, a união natural de

36 informação e opinião. Com a certeza de que, como escreveu certa vez, a “inteligência é a única virtude indomesticável” e de que vozes autorais sempre farão a diferença - como a dele.

FOLHA DE S. PAULO - Opinião / Mário Gruber (1927-2011)

José Roberto Teixeira Leite é historiador da arte

Nem sempre compreendido, artista foi fiel a suas ideias

Gruber pode ser considerado um precursor do realismo fantástico

Autodidata em pintura, o santista Mário Gruber, que morreu no último dia 28, aos 84 anos, tinha 20 anos quando tomou parte, em São Paulo, no imediato pós-Guerra, na hoje histórica exposição do Grupo dos 19.

Nela se revelou toda uma constelação de jovens pintores e desenhistas que nos próximos anos desempenhariam destacado papel nos cenários artísticos paulista, brasileiro e inclusive internacional.

Dava assim início a uma carreira que, em mais de 60 anos, iria enriquecer nosso acervo cultural com uma obra vasta e original, tecnicamente apurada e de alta qualidade artística, tanto na pintura quanto na gravura e no muralismo. Isso sem mencionar a constante atividade docente, mestre e incentivador da gravura que foi.

Autor de dezenas de individuais dentro e fora do país, possuidor de obras em museus nacionais e estrangeiros, ele acumulou longas temporadas de aperfeiçoamento e trabalho em Paris, Nova York e Olinda.

Mas foi em Santiago, em 1957, durante um Congresso Continental de Cultura, que se deu o encontro que lhe nortearia os passos até os últimos dias: a aproximação de Diego Rivera, Gabriela Mistral e Pablo Neruda.

O consequente intercâmbio de ideias e de experiências com o que havia de melhor nas artes, nas letras e no pensamento latino-americanos confirmou suas posições estéticas e políticas.

Gruber foi um artista imperturbavelmente figurativo, mesmo quando se tornaram moda quase obrigatória os abstracionismos, concretismos e demais tendências que nas últimas décadas se manifestaram na arte brasileira.

Pagou por isso alto preço a uma crítica que nem sempre o compreendeu e muitas vezes fez questão de ignorá-lo.

37 Mas permaneceu fiel a seu mundo de ideias. Criou um universo pictórico pessoal, que povoou de mascarados, crianças, fantasiados, carnavalescos e figuras bizarras, sempre partindo de imagens do cotidiano, mas observadas em meio a uma atmosfera mágica.

Pode inclusive ser considerado um dos precursores do realismo fantástico latino-americano -ainda que esse reconhecimento nem sempre lhe seja dado.

Agora que Gruber não está mais conosco, talvez seja tempo de observarmos com mais atenção e agudeza sua produção, a singularidade de sua arte, as muitas e estranhas belezas que deixou.

ZERO HORA - Monumentos da Capital serão restaurados

Obras danificadas receberão reparos e limpeza, em investimento de R$ 298,5 mil

A partir de fevereiro, uma reforma geral será feita em pelo menos 27 monumentos de Porto Alegre. Estátuas, bustos e placas de bronze das praças da Matriz e da Alfândega ganharam verba federal para serem limpos, reformados ou restaurados.

Instaladas em homenagem a personagens históricos ou em alusão a datas comemorativas, as obras – algumas já quase centnárias – sofreram a ação de vândalos ou deterioraram-se com o tempo. O custo para recuperá-las foi orçado em R$ 298,5 mil, e o prazo de entrega é de 135 dias – 90 para a Alfândega e 45 dias para a Matriz.

Algumas obras já saíram de cena, como a estátua de Carlos Drummond de Andrade, na Praça da Alfândega. Desde novembro, ela está guardada em um galpão, onde será limpa e receberá solda e polimento. Como apresentava danos no pedestal, os restauradores optaram por retirá-la da praça, para evitar que voltasse a ser alvo de vandalismo. Outro monumento que deverá receber atenção especial é o conjunto dedicado ao Barão do Rio Branco, em frente ao prédio do Memorial do Rio Grande do Sul. Além da limpeza, ele vai precisar ser reconstruído em parte, já que o braço de uma das alegorias (a estátua que representa a República) foi arrancado.

Serão no total 18 obras na Alfândega e nove na Matriz, sendo que uma delas, o conjunto de esculturas que homenageia Júlio de Castilhos, terá uma licitação à parte.

– Como se trata de uma estrutura mais complexa, foi aberta uma licitação em separado para a obra. A restauração deste monumento, especificamente, deverá contar com verbas do PAC das Cidades Históricas – afirma o arquiteto Luiz Merino Xavier, do Monumenta, que integra o projeto de restauração das obras, capitaneado pela Coordenação da Memória Cultural da Secretaria Municipal da Cultura.

A expectativa é de que o término das restaurações coincida com o fim das obras de revitalização da Praça da Alfândega.

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