Compram-se corpos ultramedidos. Representações do corpo feminino na mídia impressa no carnaval brasileiro. 1

Selma Felerico2 é doutoranda em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP. [email protected] .

GT: História da Publicidade e Propaganda

Resumo

Este artigo é o resultado parcial de meu projeto de doutorado intitulado “Do Corpo Desmedido ao Corpo Ultramedido. Imaginário e Significação do Corpo Feminino nas Campanhas Publicitárias de Mídia Impressa, nos períodos de 1950,1970 e 2000”, desenvolvido no Curso de Comunicação e Semiótica da PUC-SP. Neste texto são feitas reflexões sobre o corpo feminino e a influência da mídia na construção do modelo de beleza no país. O período escolhido foram os meses de janeiro e fevereiro, de 2001 até 2008, considerando-se que o Carnaval é um momento de grande exposição de modelos e atrizes na mídia. Fez-se necessário o levantamento de matérias com textos e imagens jornalísticas, capas de revistas e anúncios publicitários em revistas femininas como: Dieta Já, Boa Forma, Corpo a Corpo, Pense Leve, que tratam do tema corpo e em revistas de interesse geral como: Manchete e Caras, que registram, também, de forma significativa a festa do Momo no Brasil. Observa-se no corpus mencionado que a publicidade e os meios de comunicação têm importância fundamental na comunicação, pois são as principais fontes de informação que norteiam o imaginário feminino na sociedade contemporânea.

Palavras-chave: Corpo feminino; mídia impressa; publicidade brasileira.

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1Trabalho apresentado ao GT de História da Publicidade e Propaganda, do VI Congresso Nacional de História de Mídia, Rio de Janeiro, 2008. 2Doutoranda e Mestre em Comunicação e Semiótica pela PUC/SP. Coordenadora e Professora de Comunicação no Curso de Pós Graduação Lato Sensu na Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM/SP) e Professora de Graduação no Curso de Propaganda e Publicidade na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP/SP).

1 Quesito Comissão de frente: Introdução

Trata-se de uma pesquisa de caráter teórico, sobre a compreensão do corpo e da mídia baseada em diversos autores: Denise Bermuzzi Sant`anna, Gilles Lipovetsky, Miriam Goldenberg, Naomi Wolf, Nizia Vilaça, Wilton Garcia, entre outros e aplicação a um corpus definido. O período escolhido foram os meses de janeiro e fevereiro, de 2001 até 2008, considerando-se que o Carnaval é um momento de grande exposição de modelos e atrizes na mídia. Fez-se necessário o levantamento de matérias com textos e imagens jornalísticas, capas de revistas e anúncios publicitários em revistas femininas como: Dieta Já, Boa Forma, Corpo a Corpo, Pense Leve, que tratam do tema corpo e em revistas de interesse geral como: Manchete e Caras, que registram, também, de forma significativa a festa do Momo no Brasil. A mídia impressa, mais especificamente, a revista feminina foi escolhida, por ter um forte contraste com a mídia eletrônica. Como possui um ritmo próprio, ela pode oferecer um grande número de informações detalhadas sobre os produtos e ainda comunicar com eficácia o imaginário do consumidor e do seu uso. Também, por ter um período de vida útil maior que os comerciais de televisão e que os anúncios de jornais, permite ao fabricante trabalhar mais intensamente a construção de uma imagem desejada na mente do consumidor. Os elementos de formato como tamanho, cor, texto e ilustração também afetam o impacto de um anúncio impresso. Das hipóteses apresentadas no projeto, duas foram abordadas neste texto: 1) Em sociedades coletivistas, o amor-próprio de um indivíduo diz mais respeito ao sistema social do que as realizações individuais. 2) O imaginário do corpo brasileiro se transforma, nos vários períodos da sociedade, significações ganham re-significações, mas não são eliminadas.

Quesito Evolução: O Discurso do Corpo na Mídia

O corpo tornou-se o mais belo espetáculo da sociedade contemporânea, a verdade absoluta. Verdade essa, que obriga o indivíduo, em particular a mulher, a submeter seu corpo a modernas intervenções cirúrgicas, a dietas e a exercícios físicos buscando um corpo perfeito.

2 Nem sempre a maneira de tratar os corpos foi a mesma ao longo da história. O ideal de beleza sofreu suas transformações e o modo de encarar a gordura, também. Em seu livro Corpos de Passagem, Denise Bernuzzi de Sant’anna apresenta o dilema dos gordos na história (1995:20-21): Foram inúmeras as sociedades que acolheram com alegria a presença dos gordos e desconfiaram da magreza, como se esta expressasse um déficit intolerável para com o mundo. Magreza lembrava doença e o peso do corpo não parecia um pesar. Entretanto no decorrer deste século, os gordos precisaram fazer um esforço para emagrecer que lhes pareceu bem mais pesado do que o seu próprio corpo. Ou então foram chamados a dotar sua gordura de alguma utilidade pública, transformando-a, por exemplo, em capacidade de trabalho duro, ou em travesseiro acolhedor das lágrimas alheias... Como se os gordos precisassem compensar o peso do próprio corpo, sendo fiéis produtores de alegria e consolo. ...Há quem diga: um colo magro não é um colo; o abraço de um magro não aquece, nem conforta.

A antropóloga Mirian Goldenberg, em seu livro O Nu e o Vestido (2002), afirma que a aparência corporal parece ter um papel fundamental determinante nos processos de aquisição de identidade e de socialização; na condição de variável determinante e determinada. Pode-se dizer que um corpo “em forma”, com tudo o que ele simboliza, promove nos indivíduos das camadas médias do Rio de Janeiro uma conformidade a um estilo de vida e a um conjunto de normas e conduta, recompensada pela gratificação de pertencer a um grupo de “valor superior”. O corpo é um valor que identifica o indivíduo com determinado grupo e, simultaneamente, o distingue dos outros. O corpo, como as roupas, surge como um símbolo que consagra e diferencia os indivíduos. Corpos bem-construídos, com proporções equilibradas, devem ser obtidos por meio de muito esforço. Cada vez mais, há interesse pelas mediações que contemplam o consumo exacerbado da preparação do corpo na tentativa de retardar o envelhecimento corporal com cirurgias plásticas, implantes de silicones, tratamentos estéticos para pele, cabelos, além de exercícios em parques e academias de ginásticas e musculação. Com tantas obrigações e opções para o embelezamento do corpo hoje, só é feio, quem quer. Só envelhece quem não se cuida. Só é gordo quem é preguiçoso. “Não existem indivíduos gordos e feios, apenas indivíduos preguiçosos, poderia ser o slogan deste mercado do corpo” (GOLDENBERG, 2002:5).

Naomi Wolf, em seu livro O Mito da beleza (1992) nos fala sobre a contribuição das revistas no discurso corpóreo da sociedade principalmente na década de 1970. À medida que as mulheres da classe média foram abandonando o seu papel de dona de casa consumidora e entrando para a força de trabalho, seu envolvimento com questões do mundo

3 exterior as levaram a perder o interesse total pela realidade isolada das revistas femininas, que tinham como centro do universo feminino: a casa, os filhos e o lar. Realidade esta, que já havia sido abalada na década de 1950, quando a mulher, ou melhor, a dona-de-casa insegura e entediada abandonou a mística feminina (conceito que, segundo a feminista Bety Friedman, significava o grande interesse feminino pelos eletrodomésticos e pelos serviços e produtos para a casa) pelo local de trabalho. Além disso, a autoridade das revistas foi abalada pela revolução da moda que teve início no mesmo período, com o fim da alta costura e o crescimento da produção especializada em escala, o pret-à-porter . Segundo a autora, entre 1965 e 1981, as vendas das revistas femininas na Grã Bretanha sofreram uma queda de 555,3 milhões de exemplares por ano para 406,4 milhões. “As revistas então foram obrigadas a encontrar outro discurso mentor em seus editoriais (WOLF:1992, 87)”. Foi necessário criar uma nova ideologia para levar as mulheres ao mesmo consumismo inseguro de antes.“O Mito da beleza assumiu as funções da religião da domesticidade... Uma heroína não pode parar de ser linda (WOLF: 1992, 87)”. A Revista Vogue começou a focalizar o corpo tanto quanto as roupas, em parte por haver pouco que eles pudessem ditar em meio aos estilos anárquicos. Destituída de sua antiga autoridade, objetivo e gancho publicitário, as revistas inventaram – de forma quase inteiramente artificial – uma nova atração. Toda uma cultura de substituição foi criada pela indicação de um problema que praticamente não existia, até então... De 1968 a 1972, o número de artigos sobre dietas aumentou em 70% ... A lucrativa transferência de culpa foi ressuscitada bem na hora. (WOLF: 1992, 88).

Outro autor preocupado com o discurso midiático da beleza feminina e que merece destaque neste texto é o sociólogo Gilles Lipovetsky, que em seu livro A terceira Mulher (2000:131-132), discute amplamente o tema:

A estética da magreza ocupa evidentemente um lugar preponderante no novo planeta beleza. Os periódicos femininos são cada vez mais invadidos por guias de magreza, por seções que expõem os méritos da alimentação equilibrada, por receitas leves, exercícios de manutenção e de modelagem do corpo. Prolifera a publicidade em favor de produtos emagrecedores, da mesma maneira que os livros sobre os regimes: em 1984, cerca de trezentas obras de regimes foram publicadas na América, e uma dúzia delas foi best seller. Na França, o livro de Montignac, Je mange, donc je maigris (como, logo emagreço), teve 1,5 milhão de exemplares vendidos. Estrelas como Jane Fonda ou Victoria Principal publicam seus métodos para viver bela e esbelta. As publicações científicas e técnicas sobre a obesidade se contam aos milhares. De agora em diante, culto à beleza e receitas de magreza são inseparáveis.

O discurso publicitário, que antes formulava suas mensagens exaltando as qualidades do produto, passou a incentivar o consumo como estilo de vida, produzindo um indivíduo

4 eternamente insatisfeito com suas conquistas. Jean Baudrillard, em seu livro A Razão do Consumo também discute o assunto (s/d: 140-141): A verdade é que a beleza constitui um imperativo tão absoluto pelo simples fato de ser uma forma do capital... A beleza reduz-se então a simples material de signos que se intercambiam. Funciona como valor/ signo. Pode, portanto, dizer-se que o imperativo da beleza é uma das modalidades do imperativo funcional – o que vale tanto para os objetos como para as mulheres (e os homens) – sendo toda a mulher que se tornou esteta homóloga do designer ou do estilista na empresa.

Os anúncios publicitários apresentam o discurso de “sucesso” das pessoas que mantêm o corpo belo e passam a fazer parte da memória afetiva do consumidor. Mais do que mensagens apelativas, carregadas de desejo, o corpo perfeito aparece como algo fundamental para uma nova vida, “leve”, “bem acabada” e “feliz”. São significados facilmente reconhecidos e marcantes que fazem parte do repertório coletivo. Afinal a mídia impressa, principalmente as revistas femininas e algumas de interesse geral e também a televisão, em novelas e em programas de entrevistas diários apresentam “celebridades”, com seus corpos deslumbrantes, realizadas, felizes, “bem sucedidas”. Sthefanie Malysse (2002: 92) registra: ..., por meio de um diálogo incessante entre o que vêem e o que são, os indivíduos insatisfeitos com sua aparência (particularmente as mulheres) são cordialmente convidados a considerar seu corpo defeituoso. Mesmo gozando de perfeita saúde, seu corpo não é perfeito e “deve ser corrigido” por numerosos rituais de autotransformação, sempre seguindo os conselhos das imagens-normas veiculadas pela mídia. (...) Elas constituem o esteriótipo ideal da aparência física em uma cultura de massa ao banalizar a noção de metamorfose, de uma transformação corporal normal, de uma simples manutenção do corpo: “ Mude seu corpo, mude sua vida” ou “Você pode ter um corpo perfeito”.

Para Le Breton (1985), o corpo é uma construção social. Ele corresponde a uma solicitação da vida social por meio de gestos, imagens, linguagem e comportamento que representam os códigos e significações de uma sociedade. “O corpo é o operador semântico sobre o qual se funda a condição humana e, conseqüentemente, o redutor da angústia por excelência (1985:37)”. No Brasil, cada vez mais as revistas femininas como: Dieta Já, Boa forma, Corpo a Corpo Pense Leve encontram no discurso corpóreo de sucesso, o tema central de suas matérias, de seus editoriais e conseqüentemente dos seus anunciantes publicitários. Para exemplificar o assunto eis a matéria publicada na Revista Dieta Já, no mês de janeiro de 2008, com o persuasivo título: Programa” SECA GORDURA” para o carnaval. O texto continua sua

5 promessa de sucesso: Siga o menu de 10 dias e torre 5 kg: você ficará linda! Para manter a energia e aproveitar bem a festa, a nuturóloga Daniela Hueb indica o que deve comer durante e depois da diversão! E uma coluna lateral finaliza a matéria, com o “sagrado” texto: Os dez mandamentos da folia quase perfeita... Uma série de dicas que comumente freqüentam as páginas das revistas femininas, mas que aqui enobrecem a dieta perfeita para o carnaval. Na mesma edição, encontramos outra referência à preocupação com a beleza, no carnaval: “Fantasie-se de Cinderela na Festa de Momo!” Matéria essa que apresenta uma série de cosméticos e produtos de beleza que garantem um resultado instantâneo para o fim da flacidez. Isto é:“aplique hoje e fique firme no carnaval”, poderia ser o slogan dessa matéria. Os cosméticos têm a função da Fada Madrinha, que promete a Cinderela um encantamento até a meia-noite. Aqui o efeito deve durar até a quarta-feira de cinzas. E a disciplinarização do corpo continua a pautar as revistas entre janeiro e fevereiro, período de verão e de Carnaval. A revista Corpo a Corpo de janeiro de 2008 traz as seguintes manchetes: “Da lipo direto para o biquíni. A cirurgia reduz 2 manequins de um dia para ”. “Perca até 8 kg em um mês (com a novíssima dieta da sopa”. Na revista Boa Forma, de fevereiro de 2008, as manchetes que imperam são:“ Claudia Leitte, a musa do Babado Novo. Faz da dança a sua malhação”. E outro destaque é: “ A nova dieta dos pontos. Emagreça comendo na rua”. A revista Nova traz na capa o seguinte texto: Corpo Perfeito, neste fim de semana: 30 truques urgentes e infalíveis para sereias de última hora. Deus existe!.

Quesito Harmonia: Análise dos Corpos na Avenida.

No período de Carnaval o corpo nu passa a significar a verdadeira roupa, muitas vezes (re) transformado por intervenções cirúrgicas, por exercícios físicos e outros recursos estéticos. O corpo escultural tornou-se um símbolo de poder, como a riqueza e a fama. Celebridades e corpos anônimos ocupam as matérias da mídia neste período e ditam os padrões de beleza para a sociedade atual. Alguns exemplos merecem destaque, nesse texto, comprovando o recorte acentuado que o discurso corpóreo de disciplinarização é imposto ao imaginário feminino com o lema: “todo sacrifício vale a pena para ser bela”. Frase confirmada pela modelo Ângela Bismarchi , que já passou por 42 cirurgias plásticas, como o aumento dos

6 seios cinco vezes, o do bumbum duas, o furo no queixo duas e restaurou o nariz também outras duas vezes , entre outras e que, para este carnaval, sofreu mais uma intervenção cirúrgica nos olhos a fim de se passar por gueixa , no desfile da escola de samba Porto da Pedra do Rio , que homenageou os 100 anos de Imigração Japonesa no Brasil. Outro depoimento de sacrifício na mídia é o de Adriana Bombom, rainha de bateria da Portela no Rio de Janeiro e da Tom Maior em São Paulo, que afirmou que três meses antes do Carnaval, ela faz uma dieta diária de oito claras de ovos e 50 gramas de batata cozida de duas em duas horas, completando uma alimentação com suplementos e vitaminas , galões de água e quarenta minutos de exercícios físicos diários. Já a modelo Luiza Brunnet foi ovacionada pela mídia, nos meses de janeiro e fevereiro, ao exibir seu corpo mais magro e ser destaque como rainha de bateria da escola de samba carioca Imperatriz Leopoldinense. A Revista Dieta Já, de janeiro de 2008, traz a modelo na capa com a manchete: “Luiza Brunet. Aos 45 anos, 7 kg mais magra brilhando até na novela das 9! “ No interior da revista, a matéria continua sua campanha a favor da :”Luiza Brunet, 45 anos e corpinho de 20 anos. Ela está sua melhor forma: depois de dois anos afastada da folia, a morena volta à Sapucaí e ainda faz uma participação especial em , na TV GLOBO. O segredo para manter o corpo enxuto (ela secou 7 kg) e os exercícios para conquistar bumbum, coxas e abdômen perfeitos você vai ver agora”. Nota-se um título mais que informativo, persuasivo, que pretende encantar a leitora na eterna busca pelo corpo ultramedido. Observa-se neste discurso corpóreo uma referência clara a sociedade terapêutica, que segundo Jean Baudrillard (2005:177-178), é uma sociedade que se ocupa continuamente do corpo e culmina na ideologia que trata o ser humano como doente virtual. É necessário crer que o corpo social está doente e que os consumidores são frágeis e devem ser tratados em toda parte. Os profissionais de comunicação geram um discurso terapêutico na mídia. Os empresários se consideram os missionários do bem-estar e da prosperidade geral. E o consumidor tem necessidade de ser consolado, de ter alguém que zele por ele. O discurso midiático inclina-se para alimentar o mito da sociedade doente e com alegria e otimismo que os produtos se apresentam com a tarefa de curar os corpos da sociedade. A Revista Veja também contribuiu com o assunto ao trazer, na semana do Carnaval, uma matéria de capa questionando o excesso de exercícios físicos para a obtenção de um corpo

7 perfeito, com destaque para a rainha de bateria da escola de samba Mangueira, Gracyanne Barbosa. Uma mulher que tornou o seu corpo musculoso e se transformou numa quase fisiculturista. Ela faz uma hora diária de pesados exercícios aeróbicos, mais três sessões semanais de musculatura profissional: enfrenta quatro séries de oito agachamentos segurando uma barra de ferro de 180 quilos, anda 30 metros agachada com 70 quilos nas costa e empurra uma plataforma com meia tonelada para exercitar as coxas. Para desfilar na Marques de Sapucaí, a dançarina perdeu seis quilos, pois segundo seu treinador, “Mulher musculosa não vende bem na avenida”. (MOHERDAUI e VILLAVERDE, 2008:57). O resultado se mostrou eficiente. Gracyanne, após o Carnaval, passou a cobrar R$ 10.000,00 por aparição em qualquer evento corporativo. A apresentadora de televisão e atriz, Fernanda Lima, também exibiu seu belo corpo como destaque no desfile da Grande Rio, e fez questão de afirma que foi obrigada engordar um pouco, pois estava muito magra para uma mulher grávida de gêmeos, aos sete meses de gestação. O desfile de beldades contou ainda com Juliana Paes, a rainha de bateria da Viradouro, eternizada como “Boa”, ícone da campanha publicitária da cerveja Antártica, desde os anos 2000. Vale ressaltar que modelos, atrizes e apresentadoras de televisão, desde a década de 1980, ganham cada vez mais espaço na mídia, roubando a cena dos foliões, dos sambistas e dos passistas na Avenida Marques de Sapucaí. Várias celebridades fizeram sua fama a partir do carnaval, como Luma de Oliveira, Monique Evans, Valéria Valenssa, Viviane Araújo, Nani Venâncio, entre outras. Além das revistas femininas, a revista Manchete também dedica uma edição inteira sobre o tema, após o carnaval. A edição especial traz um resumo de todos os desfiles do grupo especial e das escolas de São Paulo e do Rio de Janeiro, e salienta as beldades com imagens e textos eufóricos. Eis alguns exemplos: “A beleza da rainha da bateria, a Miss Brasil Natália Guimarães deu trabalho aos seguranças da escola de samba (Vila Isabel), ela foi a sensação da Sapucaí”. “No quesito mulher bonita, a Salgueiro pareceu superar-se, trazendo figuras como Sabrina Sato e Viviane Araújo, além de um naipe de variedade de lindas passistas”. “A escola de Niterói (Viradouro) também não poupou esforços para atender ao quesito mulher bonita”. Mas quem roubou a cena foi a goiana Viviane Castro, que desfilou na São Clemente com um tapa sexo de apenas 4 cm e foi a sensação da mídia nacional e internacional. Vários artigos informam que todo o sacrifício das modelos e

8 atrizes tem, muitas vezes, como objetivo serem reconhecidas pela mídia e assim conseguirem bons papéis na televisão, fechar contratos publicitários vantajosos ou posarem para a revista Playboy. Pode-se elencar os corpos apresentados até de aqui, seguindo a classificação sugerida por Miriam Goldenberg em 2002, tendo como critério a imagem e o conteúdo apresentado nos textos. O corpo é, portanto, um valor nas camadas médias cariocas estudadas, um corpo distintivo. Que parece sintetizar três idéias articuladas: a de insígnia (ou emblema) do policial que cada um tem dentro de si para controlar, aprisionar e domesticar seu corpo para atingir uma “boa forma”, a de grife (ou marca), símbolo de um pertencimento que distingue como superior quem o possui e a de prêmio (ou medalha) justamente merecido pelos que conseguiram alcançar, por intermédio de muito esforço e sacrifício, as formas físicas mais “civilizadas” (GOLDENBERG, 2002:39).

Os corpos “insígnias” (ou emblemas) que controlam, aprisionam e domesticam a fome, o cansaço e o prazer para atingir a “boa forma”, o corpo ideal, como Gracyanne Barbosa, Adriana Bombom e Viviane Araújo. Já os corpos de “grife” (ou marcas), contemplam as celebridades que segundo o discurso da mídia são naturalmente belas e perfeitas e que por isso se distinguem das demais mulheres, são elas; Fernanda Lima e Juliana Paes. E por último, encontram-se os corpos “prêmios” (ou medalha), como Luiza Brunnet, Natália Guimarães e Ângela Bismarchi, que têm o mérito reconhecido, por conseguirem alcançar com muito esforço e sacrifício um corpo perfeito.

Encerramento do Desfile: Conclusão

O corpo tornou-se o grande espetáculo que o homem pode apresentar na sociedade. Lembrando as palavras de Guy Debord, em A Sociedade do Espetáculo: ”tudo o que era vivido diretamente tornou-se uma representação(1967:13)”. Atrizes e celebridades afirmam diariamente que com muito rigor, disciplina, exercícios físicos, horas de sono adequadas e uma alimentação reeducada podemos rapidamente obter um corpo ultramedido. Só depende do indivíduo chegar à perfeição corporal. Somos os responsáveis por nosso sucesso e o futuro brilhante depende de um presente extremamente vigiado e punido. O corpo-espetáculo é dilacerado em imagens que se confundem no imaginário da sociedade. Assim como os produtos têm um ciclo de vida, os corpos mantêm-se por pouco tempo na mídia. Num tempo-espetáculo imediatista, que concorre com o tempo

9 cronológico da humanidade. “Há uma obsessão pela novidade: corpos aparecem e desaparecem... A banalização e o desgaste, decorrente da repetição da mesma informação, resultam em esquecimento” (Hoff, 2005). Surgem novos corpos continuamente. Esta multiplicidade de representações na mídia sugere que: o imaginário do corpo brasileiro se transforma, nos vários períodos da sociedade, significações ganham re-significações, mas não são eliminadas e a linguagem da propaganda brasileira revela as representações do imaginário do corpo feminino, retrata a identidade cultural da sociedade e reconta a nossa história. Confirmando também a primeira hipótese deste texto, a realização corpórea das modelos e atrizes diz mais respeito ao discurso sócio-cultural,econômico e globalizado contemporâneo do que as suas próprias realizações individuais.

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