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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019

18 ANOS DA VIOLÊNCIA DE GÊNERO EM BRASILEIRAS: um balanço crítico1 18 YEARS OF GENDER VIOLENCE IN BRAZILIAN TELENOVELAS: a critical review Lorena Rúbia Pereira Caminhas 2

Resumo: Este artigo produz um diagnóstico sobre as imagens da violência de gênero presentes em telenovelas nacionais de horário nobre (21h), retomando quase duas décadas (2000 a 2018) dessas produções. Questionando a estratégia de merchandising social como via exclusiva de retratação dessa temática, esta investigação lançou um olhar crítico às novelas, buscando perceber nas narrativas outras situações de representação de agressão contra mulheres. Foram identificadas 18 tramas que abordaram a questão, seja por meio de mensagem educativa, seja por meio da normalização dessas violações. O texto é divido em duas partes: a) construção de uma cronologia histórica que contextualiza as telenovelas selecionadas em meio ao desenvolvimento de políticas públicas e legislações para combate à violência de gênero no Brasil; b) discernimento dos mecanismos narrativos mais proeminentes para representar (diferencialmente) situações de injúrias à personagens femininos, fundamentando imagens dissidentes do sofrimento de mulheres.

Palavras-Chave: . Violência de Gênero. Sofrimento.

Abstract: This paper produces a diagnosis about the images of gender violence present in prime-time (21h) national telenovelas, recovering almost two decades (2000 a 2018) of these productions. Questioning the social merchandising strategy as an exclusive via of representation of this phenomenon, this research critically analyzed the telenovelas, trying to find in these narratives other situations of the portrayal of aggressions against women. It was selected 18 stories that address this issue, through either an educational message or the normalization of forms of violation. This text is divided in two sections: a) construction of a historical chronology that contextualizes the selected telenovelas in the midst of the development of public policies and legislations to combat gender violence in ; b) discernment of the most prominent narrative mechanisms to represent (differentially) the situation of injuries to the female characters, based on dissident images of the suffering of women.

Keywords: Telenovela. Gender Violence. Suffering.

1. Introdução Nas últimas quatro décadas acompanhamos na esfera sociojurídica o desenvolvimento e a expansão das discussões e das denúncias do fenômeno da violência de gênero3, que reverberaram para outras importantes instâncias sociais, dentre as quais se destaca a produção

1 Trabalho apresentado ao Grupo de Trabalho Comunicação, Gêneros e Sexualidades do XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2018. 2 Doutoranda em Ciências Sociais pela Unicamp. Mestra em Comunicação Social pela UFMG. Integrante do GEICT/Unicamp. [email protected]. 3 Violência de gênero é uma categoria abrangente que engloba uma miríade de formas de violência sofridas por mulheres e sujeitos feminizados, relacionadas à condição e ao status do feminino. A base para esse tipo de violação são as hierarquias próprias à divisão de gênero, que criam dissimetrias de poder (físico, simbólico, patrimonial, etc.). Neste texto emprego o termo violência de gênero como categoria analítica e descritiva (BANDEIRA, 2014) que compreende situações de agressão contra mulheres.

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 ficcional televisiva. Desde o contexto das amplas mobilizações do movimento feminista nacional na década de 1970 (em especial após caso Doca Street) até a implementação das Delegacias da Mulher em 1985 inicialmente na cidade de São Paulo (primeira política pública para combate às violações contra mulheres), presenciamos o advento e a expansão de narrativas de ficção televisionadas que pretendiam debater esse problema público, com especial atenção para as minisséries Quem Ama não Mata (1982) e Delegacia de Mulheres (1990)4, ambas distribuídas pela Rede Globo de Televisão. Esse intrincado campo social, institucional, cultural e televisivo reflete a notável penetração e crescente expansão das agressões contra mulheres no Brasil, país no qual ocorrem, por dia, 13 feminicídios, 135 estupro e 606 casos de lesão corporal dolosa registrados5. Entretanto, mesmo diante dessa conjuntura alarmante, os avanços legislativos, jurídicos e socioculturais para combate às injúrias motivadas por gênero convivem com a constante relativização e naturalização do sofrimento das mulheres, bem como retrata pesquisa do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) “Tolerância Social à Violência Contra as Mulheres” de 2014 (discutida mais adiante). É justamente no interior desse contexto multifacetado, imbricado e até mesmo contraditório que se insere a reflexão que desenvolvo neste artigo: a produção de um balanço crítico cujos pilares são a) uma reconstrução conjuntural que parte da retomada dos principais avanços legislativos das últimas quatro décadas para combate à violência de gênero, somada à recapitulação das telenovelas (em especial da Rede Globo) que pretenderam retratar, discutir e educar sobre esse problema público; b) uma sistematização dos mecanismos e das estratégias centrais acionados nas narrativas das novelas para representarem e simbolizarem situações de agressões contra mulheres. É fundamental ressaltar de antemão a alçada crítica desse amplo diagnóstico: seleciono e analiso as histórias novelescas para além da fachada do merchandising social, questionando os núcleos específicos de violência doméstica criados pela própria emissora como a única via através da qual essas violações são apresentadas ao público. Em função disso, o corpus selecionado compreende 18 telenovelas, todas da faixa

4 A primeira foi escrita por Euclydes Marinho, com direção de Daniel Filho e Dennis Carvalho; a segunda foi criada por Patrícia Travassos, Miguel Falabella, Charles Peixoto, Geraldo Carneiro, Luís Carlos Góes e Ronaldo Santos, dirigida por Wolf Maya, Denise Saraceni e Del Rangel. 5 Estatísticas do dossiê “Violência Contra as Mulheres em Dados” da Agência Patrícia Galvão. Acesso em: https://dossies.agenciapatriciagalvao.org.br/violencia-em-dados/.

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 das 21 horas, exibidas entre 2000 a 20186. Todas essas produções apresentaram em seus enredos direta ou indiretamente a violência de gênero: seja por meio de mensagens educativas, encenadas em tramas específicas para essa finalidade; seja por meio da banalização do sofrimento de personagens mulheres, tornando-as alvos preferenciais da agressividade dos homens (como vemos acontecer com as vilãs). Ao fim desse extenso percurso, demonstro uma dissidência nas imagens da violência de gênero7 construída nesses produtos televisivos, escancarando os sofisticados mecanismos de dessensibilização moral para determinadas circunstâncias de sofrimento de mulheres. As telenovelas, como bem sabemos, são importantes atores sociais no contexto brasileiro, principalmente porque dialogam com os dramas da nação (LOPES, 2009; BORELI, 2001), transbordando o universo narrado para o cotidiano de seus telespectadores. Essas narrativas compõem um mundo sensível projetado, que engendra e suprime simultaneamente um a diversidade de moralidades e padrões de conduta sociais, sensibilizando ou dessensibilizando seus espectadores para determinados problemas públicos. A urgência em compreender as imagens da violência de gênero erigidas pelas novelas está associada à sutileza desse fenômeno, que por seu caráter difuso e onipresente consegue estabelecer dinâmicas discrepantes e contrastantes de definir sofrimento e castigo necessário, colocadas em circulação contínua entre o factual e o ficcional.

2. Violência de gênero: do contexto nacional às telenovelas Se quisermos compreender o desenvolvimento do combate à violência de gênero no Brasil, precisaremos nos concentrar no conjunto de legislações desenvolvidas ao longo dos últimos 40 anos no Brasil, desdobramentos das reivindicações do movimento feminista nacional. Na literatura sobre o tema, a exemplo de Pasinato e Santos (2008), Blay (2003) e Bandeira (2014), é lugar comum apontar como principal marco das mobilizações para erradicação das violações contra mulheres o contexto do caso Doca Street, que vai do

6 A escolha desse faixa temporal se baseou na primeira novela a tratar especificamente da violência doméstica: (2003), televisionada em contexto de expansão das Delegacias da Mulher e da criação do Pacto Nacional para Enfrentamento da Violência contra a Mulher. Essa demarcação foi realizada em consonância às autodescrições das novelas encontradas no site Memória Globo (memoriaglobo.globo.com/programas/entretenimento/novelas.htm). Todas as informações sobre as tramas e os personagens também foram consultadas nesse mesmo website. Mantive apenas telenovelas das 21h porque são elas que historicamente procuram retratar os problemas sociais brasileiros (LOPES, 2009). 7 É importante assinalar que esse balanço é fruto de pesquisa mais ampla desenvolvida pela autora, publicada previamente em três artigos principais, quais sejam: Caminhas (2018a, 2018b, 2019 no prelo). Nesses outros textos são analisadas cuidadosa e meticulosamente as narrativas das novelas, bem como a construção das cenas e dos personagens.

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 assassinato de Ângela Diniz em 1976 até a condenação do réu em 1981. Esse crime é considerado um divisor de águas exatamente porque ele contrasta dois momentos distintos de sensibilidade moral em relação aos delitos motivados por gênero: anteriormente considerados como problemas privados da família, em que as agressões e mortes se sustentavam na prerrogativa de legítima defesa da honra, passaram a ser interpretados como questões de saúde e segurança públicas, envolvendo diretamente os direitos humanos das mulheres. Interessante notar que em 1982 a Rede Globo se apropria do debate em efervescência à época e lança a minissérie Quem Ama não Mata, fazendo coro ao lema apregoado pelas feministas. Ainda na década de 1980 uma série de esforços legislativos e políticas públicas8 foram implementados para conter a violência de gênero e para atender suas vítimas. Essas iniciativas passaram a configurar um campo narrativo (BANDEIRA, 2014), possibilitando enquadrar agressões e morte de mulheres na categoria de delitos, apontando as punições cabíveis. Nesse sentido, a esfera jurídico-política assume, conforme Segato (2003), uma eficácia simbólica, nomeando e caracterizando esse fenômeno, e também um êxito instrumental, coibindo parcialmente agressões e assassinatos por meio da penalização9. Seguindo pela linha temporal, aponto a primeira política pública de atendimento às mulheres em situação de violência: as Delegacias Especiais de Atendimento às Mulheres (DEAM), criadas na cidade de São Paulo em 1985. Nesse mesmo ano surge o Conselho Nacional dos Direitos da Mulher (CNDM), desarticulado no governo Collor. O SOS Mulheres (organização feminista) também atuava desde o início de 1980, oferecendo apoio jurídico e psicológico gratuito. Em 1986 inaugurou-se a primeira Casa Abrigo para mulheres com risco de morte. Nos primeiros anos da década de 1990, mais especificamente em 1994, o Brasil se torna signatário da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, mais conhecida como Convenção Belém do Pará, um dos mais importantes protocolos de combate à violência de gênero. Outro marco desse decênio é a criação dos Juizados Especiais Criminais (JECRIM) em 1995, que serviriam para agilizar os julgamentos

8 Apresento apenas iniciativas centrais de combate e assistência. Para um panorama mais completo, consultar Pasinato e Santos (2008) e Bandeira (2014), bem como o Observatório Maria da Penha (http://www.observe.ufba.br/). 9 Reconheço o amplo debate a respeito da eficácia/ineficácia da penalização em relação à violência de gênero. Devido ao limite de espaço, não avanço nessa discussão; apenas pontuo que as punições são eficazes construtos simbólicos, colaborando na reinterpretação dos crimes de honra. Para uma compreensão mais ampla dessa discussão, ver Karam (2006) e Celmer e Azevedo (2007).

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 e as sentenças de crimes contra a mulher. Contudo, os delitos enviados para o JECRIM eram considerados de menor potencial ofensivo, o que facilitava a aplicação de penalidades alternativas e pecuniárias. Durante esse período a Rede Globo lança minissérie intitulada Delegacia de Mulheres (1990), retratando o cotidiano do atendimento das vítimas de agressão. Nos anos 2000 é implementada a Política Nacional de Prevenção, Enfrentamento e Erradicação da Violência Contra a Mulher, que se torna Secretaria Especial de Políticas para Mulheres (SPM) em 2003, assumindo status de ministério. Em 2005 a SPM funda o Ligue 180 (Central de Atendimento à Mulher em Situação de Violência), primeira linha telefônica a receber exclusivamente denúncias de violência de gênero. No início da década de 2000 também aparece a primeira telenovela a retratar especificamente a violência doméstica: Mulheres Apaixonadas (2003) destaca o drama de Raquel (), que apanha incessantemente de seu marido Marcos ()10. Em 2005, a Globo apresenta a trama de , retratando as agressões de Cigano (Ronnie Marruda) a sua esposa Rita (Adriana Lessa). Em 2006 é instituída a Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, o mais importante mecanismo para combater e coibir a violência contra as mulheres na legislação nacional. Outro acontecimento fundamental na segunda metade dos anos 2000 foi a mudança na legislação sobre o crime de estupro (Lei 12.105/09), que passa a considerar infração tanto o constrangimento por meio de ameaças ou violência, quanto a permissão ou estímulo à conjunção carnal, ampliando o escopo das condutas interpretadas como estupro. Avançando para a década de 2010, em 2015 é criada a Lei do Feminicídio (Lei 13.104/15), que considera o assassinato de mulheres como homicídio e o classifica como crime hediondo. Mais recentemente, foi aprovada a Lei 13.718/18 com alteração no código penal para tipificar os delitos de importunação sexual e divulgação de cenas de estupro. Ainda em 2018 o Decreto 9.586 instaurou o Sistema Nacional de Políticas para Mulheres e o Plano Nacional de Combate à Violência Doméstica. Durante as décadas de 2000 e 2010, as telenovelas, sobretudo as produzidas pela Rede Globo11, acompanharam os debates e o desenvolvimento das legislações a respeito da

10 Os atores inclusive compareceram ao lançamento do Programa Nacional de Combate à Violência contra a Mulher do governo Lula, criado em 2003. 11 A Rede Record de Televisão também apresentou duas telenovelas com essa temática, a saber: (2006/07) e Vidas em Jogo (2011/12).

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 violência de gênero, algumas delas inclusive abordando os mecanismos da Lei Maria da Penha em suas tramas. Entre 2006 e 2018, são televisionadas oito dessas narrativas ficcionais, todas exibidas em horário nobre: (2008) com o casal Catarina (Lilia Cabral) e Leonardo (Jackson Antunes); (2008) com Dália (Leona Cavalli) e Ronildo (); Insensato Coração (2011) com o relacionamento abusivo entre Cecília (Giovanna Lancellotti) e Vinícius (Thiago Martins)12; (2011) com Celeste () e Baltazar (); Amor à Vida (2013) com Marilda (Renata Castro) e Ivan (Adriano Toloza); (2015) com Domingas (Maeve Jinkings) e Juca (Osvaldo Mil); Lado do Paraíso (2017) com Clara (Bianca Bin) e Gael (Sérgio Guizé); e (2018) com Nice (Kelzy Ecard) e Agenor (Roberto Bonfim). Destarte, se considerarmos o montante total de novelas dedicadas a representar as agressões contra mulheres exibidas de 2000 a 2018, teremos 10 enredos que correspondem a 32,2% das produções dos últimos 18 anos13. Apesar do diagnóstico positivo evidenciado nas últimas páginas, identifico igualmente um movimento inverso, que aponta para a normalização da violência de gênero no contexto brasileiro. De um prisma, a despeito das legislações para combater e coibir as agressões e morte de mulheres, essas violações continuam a ser consideradas possíveis quando se trata de uma vingança ou de uma correção aplicada por um homem no contexto de relações afetivas e familiares (SEGATO, 2003). Em pesquisa de 2014 realizada pelo IPEA14, constatou-se uma alta tolerância de formas de agressão contra mulheres, percebida através dos 58% de entrevistados que concordaram que “se as mulheres soubessem se comportar haveria menos estupros”, dos 63% que afirmaram que “casos de violência dentro de casa devem ser discutidos somente entre membros da família”, dos outros 89% que admitiram que “a roupa suja deve ser lavada em casa”, dos 82% que aprovam a frase “em briga de marido e mulher não se mete a colher”. De outro prisma, existe um padrão recorrente em novelas nacionais de retratarem mulheres sendo agredidas constantemente por homens de sua convivência, sem que essas ocorrências sejam interpretadas como violações – geralmente as tramas que envolvem vilãs

12 Nessa novela não há merchandising social sobre a violência doméstica. Ainda assim, a violência entre o casal destacado recebeu atenção do público como um caso grave de violação. 13 Foram apresentadas 31 telenovelas durante o período citado. 14 “Tolerância social à violência contra as mulheres”. Acesso em: http://www.compromissoeatitude.org.br/wp- content/uploads/2014/04/IPEA_sips_violenciamulheres04042014.pdf

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(CAMINHAS, 2018a, 2018b, 2019 no prelo). Mesmo nas narrativas que tratam especificamente da violência doméstica, presenciamos as malfeitoras em situação de extrema vulnerabilidade, sendo açoitada e espancada por homens com quem têm relações familiares ou afetivas: em Mulheres Apaixonadas vemos as surras e humilhações de Carlão () a sua filha Dóris (); em Fina Estampa presenciamos Rafael () esbofetear sua ex-amante Zuleika (Juliana Knust); em Amor à Vida assistimos César (Antônio Fagundes) ameaçar de morte sua esposa Aline (Vanessa Giácomo) e também Thales (Ricardo Tozzi) e Daniel (Rodrigo Andrade) baterem e humilharem Leila (Fernanda Machado); em A Regra do Jogo Atena () é mantida em cárcere privado e humilhada por Vander (Roney Vilella) e Romero (Alexandre Nero); em O Outro Lado do Paraíso presenciamos Gael ameaçar e enforcar sua mãe Sophia (Marieta Severo); em Segundo Sol testemunhamos Roberval (Fabrício Boliveira) humilhar publicamente sua noiva Cacau (Fabíola Nascimento)15. Além dessas produções, outras oito telenovelas produzidas entre 2000 a 2018 repetem as cenas de agressão contra vilãs perpetrada por homens próximos a elas: as ameaças e palmadas de Pedro (José Mayer) em seu par romântico Íris () em Laços de Família (2000); May (Camila Morgado) e Edward () de América (2005), em momentos de xingamentos e empurrões agressivos; em Páginas da Vida (2006) Alex (Marcos Caruso) enforca, ameaça e estapeia sua esposa Marta (Lilia Cabral); Carminha () apanha de seu marido Tufão (Murilo Benício) e toma uma surra de seu amante Max () em Avenida Brasil (2012); em (2012) o oficial do exército Théo () esgana e ameaça Lívia Marine (Cláudia Raia); José Alfredo (Alexandre Nero) sufoca Cora (Drica Moraes) em Império (2014); em Babilônia (2015) é Otávio () quem mantém Beatriz (Glória Pires) em cárcere privado mediante coação e chantagem; em (2016) Magnólia () é estapeada por seu marido Fausto (Tarcísio Meira) e leva um soco na face de seu amante Tião (José Mayer). Se considerarmos todas as telenovelas que representaram a violência de gênero incluindo nessa somatória aquelas produções que naturalizaram essa violação, teremos um total de 18 narrativas ficcionais exibidas entre 2000 a 2018 a abordarem essa problemática

15 Cacau não é propriamente uma vilã, mas destoa do padrão de mulher de bem da novela, porque comete adultério toda a trama, enganando o apaixonado Roberval.

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 em suas tramas, que correspondem ao montante de 58% de todas as novelas exibidas nessas quase duas décadas. Vale notar que a maior parte desses enredos (14 ou 45,1%) apresentam vilãs apanhando constantemente de homens. Diante do exposto, fica evidente que situações de violações de mulheres são tão presentes e naturalizadas nas novelas como no cotidiano nacional, corroborando o triste diagnóstico de Saffioti (1994, 1997), para quem as diferentes formas de injúrias são interpretadas ora como excessos passíveis de punição (porque considerados abusos por excelência), ora como condutas necessárias e admissíveis perante à situação. Se essa é a realidade simbólica da violência de gênero, é urgente questionar como essas imagens são construídas e fundamentadas, circulando nacionalmente sem causar consternação pública. Na sequência me dedico a essa tarefa, apresentando uma síntese dos principais mecanismos adotados em telenovelas para distinguir a violência doméstica da punição necessária, normalizando o sofrimento de determinadas mulheres.

3. Paradigmas da retratação da violência contra a mulher A fim de avançarmos nossa compreensão sobre a constituição das imagens de violência de gênero em telenovelas, precisamos apreender a estrutura narrativa16 dessas produções permeadas por mecanismos que permitem ou impedem o reconhecimento do sofrimento de mulheres. O primeiro eixo das tramas a ser considerado é a importância substancial das personagens femininas, diretamente relacionada à centralidade da vida doméstica e familiar nessas histórias. Para Gomes (2007), o universo das novelas corresponde ao ambiente da casa, sendo que todo o mundo social construído se desdobra a partir da lógica do lar. Nesse sentido, podemos perceber um processo de privatização do espaço público, construído por meio da expressão de “dramas privados em termos públicos e dramas públicos em termos privados” (LOPES, 2010, p. 5). Para além dos enredos, Leal (1986) nos lembra que esses produtos televisivos, que versam sobre relações familiares, são assistidos e comentados também no seio da família, ambiente no qual a dimensão subjetiva de interpretação e experimentação das intrigas é fundamentada. Para a discussão na sequência vale frisar que a trajetória das personagens femininas aglutina as experiências públicas e privadas das novelas, expressando em suas performances as moralidades incrustradas na narrativa. Conforme Lopes (2009) e Gomes (2007), são as mulheres as principais articuladoras do enredo (ao acompanhar suas trajetórias conhecemos a

16 Reconheço a necessidade de pesquisa de recepção para construir um diagnóstico mais preciso sobre essas imagens dissidentes da violência de gênero, apreendendo como elas são percebidas pelos telespectadores.

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 história contada), sendo também o termômetro de julgamento moral (suas condutadas são avaliadas, modelando o certo e o errado). Obviamente as regras sociais ensejadas pela telenovela recaem mais diretamente sobre elas, que são consideradas mais ou menos dignas e decentes à medida em que se aproximam ou se afastam dessas mesmas regras. Todos os elementos de conformação dessas produções ficcionais – regulação da vida pública pela lógica do privado, normatização de comportamentos e centralidade de questões consideradas femininas – constroem um mundo proposto pela trama, que direciona e catalisa as sensibilidades éticas sobre os dramas experimentados por mulheres. É exatamente essa coordenação e construção narrativa que permite a veiculação de imagens dissidentes de violência de gênero, ecoando a prerrogativa dos crimes de honra que, de acordo com Saffioti (1999), enclausura as mulheres e seus problemas no espaço doméstico, permeado por parâmetros morais restritivos que devem ser estritamente respeitados. O segundo elemento que regula a representação de violações contra mulheres em telenovelas é a adoção da violência doméstica como caso paradigmático17, desconsiderando outras formas de sofrimento. A dinâmica típica que fundamenta o ciclo das agressões em relações violentas são constantemente encenadas nas novelas, reafirmando a situação de injustiça sofrida pelas personagens femininas dos núcleos de merchandising social sobre injúrias motivadas por gênero: Raquel e Marcos (Mulheres Apaixonadas), Rita e Cigano (Senhora do Destino), Catarina e Leonardo (A Favorita), Dália e Ronildo (Duas Caras), Cecília e Vinícius (Insensato Coração), Celeste e Baltazar (Fina Estampa), Marilda e Ivã (Amor à Vida), Domingas e Juca (A Regra do Jogo), Clara e Gael (O Outro Lado do Paraíso) e Nice e Agenor (Segundo Sol) reprisam as mesmas experiências de relacionamento abusivo. Se tratam de casais em que os homens desrespeitam e maltratam constantemente suas esposas ou namoradas, revelando sua agressividade primeiro por meio de tapas, sacolejos, empurrões e xingamentos, reafirmando sua autoridade em relação ao funcionamento da casa; à medida em que a situação se agrava, vemos esganamentos, espancamentos, estupro, cárcere privado, humilhação pública e até mesmo tentativas de assassinatos; a terceira fase corresponde à recuperação dos ferimentos na mulher e ao arrependimento do agressor, reajustando a união e harmonia conjugal (sempre a partir da resignação e sujeição da personagem feminina). Esse esquema se repete em vários episódios até que são acionadas vias legais para proteger a

17 Segundo Debert e Gregori (2008), ainda hoje o ciclo da violência doméstica é o parâmetro central de avaliação social e jurídica de casos de agressão contra mulheres.

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 vítima e conter seu algoz, ou simplesmente há um rompimento total ou parcial do vínculo afetivo. Evidentemente as situações de violência sofridas pelas vilãs destoam completamente desse ciclo tradicional: em geral, elas apanham quando suas falcatruas e malfeitorias são descobertas, revelando seus reais interesses e suas personalidades. Dóris apanha de Carlão (Mulheres Apaixonadas) por destratar seus avós e por sair com homens em busca de presentes e dinheiro; Zuleika apanha da Rafael (Fina Estampa) quando tenta humilha-lo publicamente; Aline é ameaçada de morte por César (Amor à Vida) quando revela sua vingança; Leila é esbofeteada e humilhada por Thales e Daniel (Amor à Vida) devido à sua ganância; Atena é mantida em cárcere privado por Vander e humilhada e ameaçada por Romero (A Regra do Jogo) porque tenta enganar a ambos; Sophia é esganada por Gael (O Outro Lado do Paraíso) quando revela seu jogo de manipulação; Cacau apanha de Roberval (Segundo Sol) por seu adultério; Íris é estapeada por Pedro (Laços de Família) por sua ganância e libertinagem; May apanha de Edward (América) por ser fingida e ardilosa; Marta é esganada por Alex (Páginas da Vida) devido ao seu egoísmo e egocentrismo; Carminha é agredida por Tufão e Max (Avenida Brasil) por suas mentiras; Lívia Marine é esganada por Théo (Salve Jorge) por ironizar suas armações; Cora é esganada por José Alfredo (Império) quando revela suas tramoias; Beatriz é mantida prisioneira de Otávio (Babilônia) para compensar suas ações nefastas; Magnólia é agredida por Fausto e Tião (A Lei do Amor) quando ambos descobrem seu golpe por dinheiro. A partir dessa breve descrição das ocasiões em que as mulheres sofrem violência em telenovelas, podemos depreender dois regimes representativos distintos: no primeiro caso, em que as agressões são tratadas como excessos passíveis de punição, acompanhamos um cotidiano incessante de violações, ritualizado em dinâmicas de briga e reconciliação, fundamentando relações violentas – isto é, relacionamentos cujo cerne é a injúria permanente e rotineira. No segundo caso (o das vilãs), vemos abusos físicos e psicológicos em momentos específicos e circunscritos, especialmente nas ocasiões de desmascaramento dessas mulheres nas quais é preciso repreendê-las e puni-las. Nesse caso, estamos diante de violência pontual. Essa distinção da configuração da violência permite uma interpretação dissidente desses dois tipos de ocorrências: uma é compreendida pelas lentes da exorbitância e da covardia, enquanto a outra entra na lógica da necessidade e da correção pedagógica. Como perceberemos mais adiante, toda forma de opressão e intimidação às mulheres tem uma

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 função regulatória, que visa estabelecer as interações conforme as normatividades morais inscritas na trama; a diferença é que em alguns casos a regulação é considerada fundamental para manutenção do mundo proposto pela narrativa, enquanto em outros ela é despropositada e excessiva. Para construir essas imagens da violência de gênero, as telenovelas edificam condutas padronizadas e personalidades específicas para os personagens envolvidos em situações de violação, que direcionam as avaliações sobre a justeza ou inadequação das agressões. Em primeiro lugar, quando as novelas retratam contextos de violência doméstica, apresentam uma mulher vítima de um homem algoz que utiliza seu poder físico e simbólico para subjugá- la; em segundo lugar, quando as injúrias atuam como corretivos, presenciamos uma relação que aponta para uma similaridade de forças dos sujeitos envolvidos. Nesse segundo caso, o papel de opressor é atribuído à vilã (porque ela contamina os laços sociais e corrompe demais personagens) enquanto a virtude é representada pelo homem que vai restaurar o mundo narrado através de surra ou humilhação corretiva. Aqui é possível destacar, por um lado, uma interação pautada pela dicotomia vítima versus algoz e, por outro lado, uma perversão versus virtuosidade. Para percebemos o caráter dos indivíduos que compõem esses enredos, seus vínculos e seus papéis, apresento abaixo dois quadros demonstrativos:

QUADRO 1 Personalidade e relacionamento de personagens masculinas e femininas (vilãs)

Novela Personagem feminina Personagem masculina Relação dos personagens Laços de Íris (vilã) é uma mulher ambiciosa Pedro é um homem do campo, Casal e indecente; saí de roupas austero e exigente; trabalhador Família (2000) provocativas para encontros com honesto e excelente profissional; objetivo de causar ciúmes em personalidade forte e paciência Pedro; desrespeitosa e imitada. desobediente. Mulheres Dóris (vilã) é mal educada, Carlão é o típico pai de família, Pai e filha Apaixonadas desrespeitosa com a família, dedica e boa gente. (2003) ambiciosa; saí com homens em troca de presentes; pretende viver uma vida luxuosa. América (2005) May é extremamente apaixonada Edward é tranquilo e Casal por Edward e não aceita perde-lo; compenetrado; um homem mau-caráter e traiçoeira. romântico. Páginas da Vida Marta é encrenqueira, Alex é um típico pai de família, Casal (2006) inescrupulosa, uma péssima mãe e atencioso e dedicado esposa. Fina Estampa Zuleika é ambiciosa, desonesta e Rafael muda de personalidade, Ex-amantes (2011) encrenqueira. tornando-se um homem

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apaixonado e focado em reparar suas ações desleais. Avenida Brasil Carminha é ambiciosa, desonesta, Tufão é mais um típico pais de Tufão é marido e (2012) trambiqueira, desonrada e família de com coração; Max é Max amante traiçoeira um vilão que gosta de luxo, afeito à mentiras e falcatruas Salve Jorge Lívia Marine é criminosa, ávida Théo é oficial do exército Par romântico (2012) por dinheiro e poder virtuosos, romântico e dedicado. Amor à Vida Aline é ressentida e ávida por César é um médico renomado, Casal vingança, dissimulada e com família estável, mas que (2013) ludibriadora. teve caso extraconjugal. Daniel é um ótimo filho, uma Daniel é irmão e Leila é ambiciosa, amante da vida pessoa honesta e ética; Thales é luxuosa, mentirosa e sem caráter. Thales é um vilão, incialmente namorado. inescrupuloso, mas posteriormente arrependido. Império (2014) Cora é mentirosa e ótima José Alfredo é empresário bem Par romântico articuladora, é invejosa e sucedido, com família estável, ambiciosa. mas mantém um caso extraconjugal. A Regra do Atena é estelionatária, obcecada Romero é vilão, integrante de Romero é amante por dinheiro, mentirosa e facção criminosa; Vander é um e Vander ex- Jogo (2015) inescrupulosa. carrasco impiedoso. marido. Babilônia Beatriz é uma empresária Otávio é também um vilão, rude Amantes gananciosa, mentirosa e e violento. (2015) articuladora. A Lei do Amor Magnólia é mentirosa e ambiciosa, Fausto é um pai de família Fausto é ex- (2016) péssima mãe e esposa, adúltera. tradicional. marido e Tião Tião é um homem bruto, de amante. pouca convivência social e muito ambicioso. O Outro Lado Sophia é criminosa, desonesta, Gael é violento, descontrolado e Mãe e filho do Paraíso mentirosa, violenta e articuladora. tem péssima índole. (2017) Segundo Sol Cacau é bem relacionada, muito Roberval é ambicioso, ávido por Noivos (2018) simpática, mas traí seu noivo toda a vingança, mas um homem trama e o engana. apaixonado e empresário bem sucedido. FONTE: autoria própria.

QUADRO 2 Personalidade e relacionamento de personagens masculinas e femininas (violência doméstica)

Novela Personagem feminina Personagem masculina Relação dos personagens Mulheres Raquel é professora, delicada e Marcos é violento, apresenta Casal Apaixonadas atenciosa, cheia de amigos, pacata traços de loucura, obcecado. (2003) e recatada Senhora do Rita é uma mulher castigada pela Cigano é um criminoso, viciado Casal Destino (2005) pobreza, que tenta criar os filhos em álcool e mau-caráter em meio as dificuldades A Favorita Catarina é uma mãe e esposa Leonardo é um homem bruto, Casal (2008) dedicada, delicada e atenciosa, traí a esposa, é pai omisso e cuida da casa e dos filhos. marido imprestável. Duas Caras Dália vive atônita porque Ronildo a Ronildo é traficante, violento e Casal (2008) obriga usar drogas, ela só inescrupuloso.

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desenvolve a personalidade doce após abandona-lo. Insensato Cecília é inocente, meiga e Vinícius é mentiroso e ardiloso, Namorados Coração (2011) carinhosa, boa filha e ligada à criminoso e violento família Fina Estampa Celeste é dona de casa, boa mãe e Baltazar é alcóolatra, violento e Casal (2012) esposa, amigável e decente. dominador, mas possui fachada de bom moço Amor à Vida Marilda é uma mulher respeitável, Ivã é sadomasoquista e muito Namorados (2013) boa profissional bem relacionada violento A Regra do Domingas é boa esposa, sustenta a Juca é alcóolatra, malandro, Casal Jogo (2015) casa, honesta, recatada e tímida violento e mau caráter O Outro Lado Clara é uma moça do interior, Gael é violento, impulsivo e Casal do Paraíso meiga e inocente, apaixonada, inescrupuloso (2017) recatada e delicada Segundo Sol Nice é dona de casa modelo, esposa Agenor é turrão e grosseiro, Casal (2018) e mãe dedicada, fiel e recatada. muito violento, alimentado por ideias conservadoras FONTE: autoria própria.

Como podemos notar, as personagens femininas que aparecem nas tramas de violência doméstica geralmente incorporam características mistificadas do feminino (SEGATO, 2003), traduzidas pelas imagens do maternal e do virginal atrelados à meiguice, ao recato, à subserviência, ao cuidado e ao fraternal. Essas mulheres são bem quistas na comunidade em que vivem, donas de casa exemplares e mães zelosas, esposas dedicadas, decentes e comportadas. Apenas Dália e Rita não se encaixam nesses padrões, porque são representadas como submissas: a primeira devido ao uso forçado de drogas, a segunda por causa da extrema pobreza. Entretanto, as duas se regeneram ao longo das novelas assim que se livram de seus algozes, assumindo as qualidades supracitadas. O extremo oposto dessa mulher exemplar são as vilãs: têm caráter corrompido, são afeitas à mentira e às trapaças, têm postura soberba, são gananciosas e promíscuas, péssimos exemplos na trama. Exatamente por isso alguns dos homens que as agridem se assemelham a elas: são corruptos, mau-caráter, violentos e ardilosos. Essa aproximação entre personagens femininos e masculinos cria uma equivalência de poder (os dois são “farinha do mesmo saco”) que tornam as cenas de agressão mais digeríveis porque ocorrem entre iguais. Vale notar que os homens das tramas da violência doméstica são o oposto de suas vítimas: agressivos, viciados em drogas ou álcool, descontrolados e obsessivos, conservadores e hipócritas. Esse abismo entre sofredora e perpetrador, calcado no desequilíbrio, torna as violações injustas e abusivas.

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É essencial pontuarmos mais uma diferença substancial da índole dos agressores: se nas tramas da violência doméstica eles são agressivos, motivados por álcool, drogas, distúrbios mentais ou ideais conservadores, nos núcleos de vilania os homens têm um surto de raiva momentâneo ou agem conforme demanda a situação, mas não são necessariamente violentos e descontrolados. Quando a violação é perpetrada por alguém considerado “violento por natureza”, as agressões são consequências do temperamento do personagem; ao contrário, quando se trata de alguém pacífico e comedido, as injúrias são desdobramentos do contexto no qual elas ocorrem. QUADRO 3 Índole e temperamento dos personagens masculinos

Novela Personagem Índole e temperamento Laços de Família Pedro Bruto, mas não violento. Teve um surto de fúria. (2000) Mulheres Apaixonadas a) Carlão a) É calmo e compenetrado, mas reagiu conforme a (2003) gravidade da situação (surto de fúria); b) Marcos b) É violento e controlador por natureza, e ainda sofre de distúrbios psicológicos. Senhora do Destino Cigano Criminoso violento por natureza (2005) América (2005) Edward Pacífico, mas agiu conforme a necessidade, para se proteger de May. Páginas da Vida Alex Pacífico, mas teve um surto de fúria em decorrência da (2006) situação A Favorita (2008) Leonardo Bruto e rude, violento por natureza Duas Caras (2008) Ronildo Criminoso violento por natureza Insensato Coração Vinícius Criminoso violento por natureza (2011) Fina Estampa (2011) a) Rafael a) Pacífico, mas agiu conforme a necessidade, para se proteger de Zuleika; b) Baltazar b) Violento e alcóolatra. Avenida Brasil (2012) a) Tufão a) Pacífico, mas teve um surto de fúria em decorrência da situação; b) Max b) Criminoso violento por natureza. Salve Jorge (2012) Théo Pacífico, mas teve um surto de fúria em decorrência da situação. Amor à Vida (2013) a) Ivan a) Sadomasoquista, sente prazer na dor; b) Pacífico, mas teve um surto de fúria; b) César c) Violento e impetuoso; c) Thales d) Pacífico, mas teve um surto de fúria. d) Daniel Império (2014) José Alfredo Impetuoso, mas não violento; teve um surto de fúria devido à situação. A Regra do Jogo a) Romero e Vander a) Criminoso violento por natureza (2015) b) Juca b) Bruto e rude, somado ao alcoolismo Babilônia (2015) Otávio Violento por natureza A Lei do Amor (2016) a) Fausto a) Pacífico, mas teve um surto de fúria em decorrência da

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b) Tião situação. b) Bruto e violento por natureza O Outro Lado do Gael Violento e impulsivo por natureza Paraíso (2017) Segundo Sol (2018) a) Agenor a) Bruto e rude, violento por natureza; b) Roberval b) e atencioso, mas teve um surto de raiva FONTE: autoria própria.

Os agressores de vilãs têm duas possibilidades de índole: ou são tão desonestos e inescrupulosos quanto elas, propensos à violência, ou são bons moços e pessoas decentes que se viram em situação de injustiça que precisava ser escancarada e reparada. Muito do que embasa o tratamento diferencial das violação às malfeitoras é tanto um imaginário de justiça agregado a alguns homens que as agridem, quanto uma imagem de corrupção que marca a elas e seus algozes. Ou as injúrias são desdobramentos do mau-caratismo de ambos os envolvidos, ou elas são uma corretivo necessário e justificado aplicado por um indivíduo moralmente superior. Em ambos os casos, as agressões atuam como punição e lição para reajustar o comportamento dessas mulheres más. Outro mecanismo narrativo empregado nas telenovelas para distinguir violência de castigo merecido são as motivações que geraram a agressão, estabelecendo um vínculo entre tipos específicos de violação e suas finalidades. Nos deparamos mais uma vez com um regime representativo sustentado pela oposição, que situa casos extremos e injustificáveis ao lado de casos pontuais e necessários. Essas duas situações consideradas díspares nas narrativas de novelas não esconde, porém, a coincidência das agressões sofridas tanto pelas mulheres decentes quanto pelas indignas. Apresento abaixo mais dois quadros demonstrativos que distinguem as injúrias e seus propósitos: QUADRO 4 Tipos de agressão e sua finalidade (vilãs)

Novelas Personagens Agressões Finalidade Laços de Íris e Pedro Empurrões, tapas e palmadas, Função pedagógica, atuando Família (2000) xingamentos e humilhação como um corretivo moral pública Mulheres Dóris e Carlão Agressão de cinto, empurrões, Função pedagógica, atuando Apaixonadas esganamentos e humilhação como um corretivo moral (2003) pública América (2005) May e Edward Empurrões e xingamentos Demonstração de reprovação e desprezo, aliado à função corretiva Páginas da Vida Marta e Alex Empurrões, socos, Revide do mal causado, aliado à (2006) esganamentos, xingamentos e função corretiva ameaças. Fina Estampa Zuleika e Rafael Tapa na face, empurrões, Revide e desforra pelas tramoias, (2011) xingamentos e humilhação advertência para a ousadia e

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pública também correção moral Avenida Brasil Carminha e Agressão de cinto, tapas no Revide e desforra pelas tramoias, (2012) Tufão/Max rosto, empurrões, xingamentos e advertência para a ousadia e ofensas, humilhação pública também correção moral Salve Jorge Lívia Marina e Empurrões e esganamentos Demonstração de reprovação e (2012) Théo desprezo, aliado à função corretiva Amor à Vida a) Aline e César a) Ameaça de morte, empurrões b) Desforra aliada à função (2013) e xingamentos corretiva b) Leila e Daniel/Thales b) Empurrões, tapas e b) Função corretiva e pedagógica humilhação pública Império (2014) Cora e José Alfredo Esganamentos, ameaça de morte Demonstração de reprovação e e xingamentos desprezo, aliado à função corretiva A Regra do Atena e Ameaças, cárcere privado em Função corretiva e disciplinadora Jogo (2015) Vander/Romero cativeiro, prisão com coleira Babilônia Beatriz e Olavo Chantagem, cárcere privado, Função corretiva e disciplinadora (2015) humilhação e xingamentos A Lei do Amor Magnólia e Empurrões, soco na face, Revide e desforra pelas tramoias, (2016) Fausto/Tião xingamentos e humilhação advertência para a ousadia e pública também correção moral O Outro Lado Sophia e Gael Ameaças, esganamentos e Forma de revide e desforra do Paraíso safanões (2017) Segundo Sol Cacau e Roberval Humilhação pública, Forma de revide e desforra, aliada (2018) xingamentos, empurrões e à função de correção moral nudez forçada FONTE: autoria própria.

QUADRO 5 Tipos de agressão e sua finalidade (violência doméstica)

Novela Personagens Agressão Finalidade Mulheres Raquel e Marcos Agressão com raquete, Função de coação e submissão Apaixonadas estupro, tapas, socos e chutes, (2003) humilhação Senhora do Rita e Cigano Ameaças, xingamentos, tapas, Função de opressão e Destino (2005) empurrões e humilhação demonstração de poder e masculinidade A Favorita Catarina e Leonardo Humilhação, xingamentos, Função de opressão e (2008) tapas, puxões e empurrões demonstração de poder e masculinidade Duas Caras Dália e Ronildo Cárcere privado, uso forçado Função de controle e regulação (2008) de drogas, humilhação e das ações da mulher xingamentos, puxões e ameaças Insensato Cecília e Vinícius Estupro, humilhações, Retaliação por ciúmes e fim do Coração (2011) sacolejos e empurrões relacionamento Fina Estampa Celeste e Baltazar Esganamentos, tapas, Função de opressão e (2012) xingamentos, socos, ameaças demonstração de poder e e humilhação masculinidade Amor à Vida Marilda e Ivan Socos e esganamentos (marcas Retaliação por ciúmes e fim do (2013) no corpo) relacionamento A Regra do Domingas e Juca Humilhação, xingamentos, Função de opressão e

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Jogo (2015) socos, tapas, chutes e ameaças demonstração de poder e masculinidade O Outro Lado Clara e Gael Estupro, empurrões, socos, Função de opressão e do Paraíso espancamentos, humilhação e demonstração de poder e (2017) xingamentos masculinidade Segundo Sol Nice e Agenor Humilhação, tapas, socos, Função de opressão e (2018) xingamentos e espancamento demonstração de poder e masculinidade FONTE: autoria própria.

Nas tramas da violência doméstica as agressões servem para submeter as mulheres aos desejos de seus maridos e namorados, ou para regular seu comportamento, demonstrando quem domina a relação. Outra possibilidade é que as violações atuem como desforra ou retaliação pelo fim do relacionamento. Em ambos os casos a agressividade do homem é injustificada, ou porque as personagens femininas já estão conformadas dentro dos padrões de boa esposa, mãe e dona de casa, ou porque elas apenas abandonaram seu companheiro devido à violência sofrida. Já nas tramas de vilania, as humilhações e surras assumem função corretiva e pedagógica (um castigo moralizante), acompanhada de reprovação e desprezo, ou de revide e vingança. Todavia, as modalidades de desrespeito e abuso são praticamente as mesmas nos dois contextos, com destaque para vexação, empurrões e tapas, esganamentos, xingamentos. As ameaças de morte, o cárcere privado, os socos (sobretudo na face), o estupro e o espancamento aparecem em cenas que destacam o auge do ciclo de violência (para as mulheres comportadas) ou o ápice das tramoias e trapaças (para as malfeitoras). Ainda que consigamos detectar uma coincidência entre as modalidades de agressão sofridas pelas diferentes mulheres nas novelas, a forma como elas serão interpretadas depende do contexto de sua ocorrência e de quem são os personagens envolvidos. Destarte, nem sempre que vemos cárcere privado ele é necessariamente representado como uma violação. Conforme Segato (2003) e Saffioti (1997), no Brasil os crimes considerados violência de gênero são aqueles em que as violações são percebidas como excessos – ocorrências desproporcionais e ilegítimas. Esse traço da nossa cultura nacional se difunde nas telenovelas, impossibilitando que as tramas das vilãs sejam representadas a partir da chave do excesso: sua personalidade e seu comportamento são nefastos, suas ações são avassaladoras e imorais, seu mau-caratismo é incontestável, e os momentos em que são agredidas são pontuais com finalidade reparadora. Por fim, destaco mais um importante elemento na construção narrativa que permite uma retratação desigual das agressões contra mulheres: no caso das vilãs, a violência assume

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 também a função de manter ou restaurar a ordem social e a moralidade instituídas no interior das novelas. Essas personagens são responsáveis pelo rompimento do equilíbrio nas tramas, corrompendo os valores e os papéis do feminino, destroçando os laços de solidariedade da comunidade. A causalidade é propriamente o que justifica seu constante sofrimento nas mãos de homens: todo o mau que causaram retornou a elas, ecoando o antigo ditado popular “aqui se faz, aqui se paga”. Aqui percebemos um compasso entre causa e efeitos. Ao contrário, nos núcleos de violência doméstica não há a necessidade de ordenar ou recompor a organização das relações, tornando as violações abusivas e desnecessárias. Nessas situações notamos um descompasso entre causas e consequências. Em um dos casos, a recomposição da ordem social precisa ser realizada por meio dos maus-tratos; no outro caso, ela funciona como uma desculpa para perpetrar o terror e o medo. Em um dos casos as agressões reestabelecem e reconstituem efetivamente as normatividades da telenovela; no outro caso, elas rompem com essas mesmas normatividades, instaurando instabilidade e fragilidade. Em resumo, são sete os mecanismos empregados em telenovelas para retratar diferencialmente a violência de gênero (ora como violação, ora como punição necessária): a) os problemas públicos são tratados como desdobramentos das relações pessoais e familiares, centralizando a figura da mulher como o elo entre esses dois espaços sociais; b) a violência doméstica é compreendida como um ciclo de ocorrências típicas; c) dicotomização entre relações violentas e violência pontual; d) a personalidade dos personagens são estáticas, fundamentadas pela diferenciação entre bons e maus; e) elaboração de índoles e temperamentos específicos para os homens agressores; f) definição das finalidades das agressões, que são consideradas ora como casos extremos e injustificados, ora como casos pontuais e necessários; g) manutenção da ordem moral ensejada pela novela, criando ou um compasso ou um descompasso entre causas e consequências das injúrias.

4. Considerações finais O alarmante quadro de relativização e naturalização de violência de gênero edificado e distribuídos pelas telenovelas nacionais não estaria completo se eu não citasse as mais recentes produções que centralizaram em suas tramas falsas denúncias de violência doméstica, apresentadas como um mecanismo utilizado por algumas mulheres para

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 castigarem seus ex-parcieros românticos. A trama de (2016) mostra Mariane (Ana Cecília Costa) mentindo que Gui (Vladmir Brichta), seu ex-namorado, a teria agredido: na verdade a personagem caí da escada, mas decide gravar um vídeo denunciado a agressão para se vingar pelo fim do relacionamento. Em A Força do Querer (2017), Cibele (Bruna Linzmeyer) registra uma ocorrência na polícia contra Ruy (Fiuk), seu ex-noivo, para “incriminá-lo” por injúria porque não aceita o rompimento da relação. Como se não fosse suficiente todos os mecanismos de apagamento da violência de gênero, na telenovela Segundo Sol (2018) acompanhamos o casal Doralice () e Ioan (Armando Babaioff), em que a esposa agride o marido, contrariando as estatísticas nacionais que apontam para 49% de agressores como homens com relação afetiva com as mulheres e outros 21% de ex-companheiros18. Ao final desse balanço crítico cabe salientar que regimes de normalização e banalização da violência de gênero colaboram, sem dúvidas, para uma trivialização dos diversos tipos de sofrimento infringidos às mulheres, recuperando a antiga e permanente distinção entre crimes de fato e crimes de honra. A busca por demonstrar o quadro político- institucional brasileiro no enfrentamento a essas violações em consonância com a produção das novelas que abordam esse grave problema nacional teve como objetivo revelar a constante oscilação entre as diversas formas de interpretação desse fenômeno. Se acompanhamos avanços notáveis na esfera legislativa ao longo dos últimos anos, principalmente após a sanção da Lei Maria da Penha, vemos também um país povoado por uma percepção distorcida da violência de gênero, não muito distante dos regimes representativos das telenovelas aqui analisadas. Casos como os das personagens femininas apresentadas neste texto são parte de um cotidiano habituado a ter mulheres apanhando e sendo violentadas. Longe de querer afirmar uma influência direta das narrativas aqui apresentadas para a relativização da violência de gênero no contexto nacional, e sem a menor intenção de apresentar as novelas como reflexos imediatos das concepções sócio institucionais sobre as agressões de mulheres, o que estou buscando chamar atenção é a constante construção e fundamentação das sensibilidades morais que direcionam nossa interpretação sobre as

18 Dados da pesquisa “Violência doméstica e familiar contra a mulher” publicada em 2017 pelo Data Senado (https://www12.senado.leg.br/institucional/datasenado/arquivos/aumenta-numero-de-mulheres-que-declaram- ter-sofrido-violencia).

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Associação Nacional dos Programas de Pós-Graduação em Comunicação XXVIII Encontro Anual da Compós, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre - RS, 11 a 14 de junho de 2019 situações de sofrimento e de injustiça – que circulam tanto nas instâncias sociais, culturais, políticas e institucionais, quanto em narrativas ficcionais televisionadas nacionalmente. Se concordarmos o diagnóstico de Saffioti (1997) e Segato (2003) de que a violência de gênero compõem as estruturas socioculturais brasileiras, deveremos nos questionar sobre as possibilidades de instauração de justiça para as mulheres, sobretudo ao que se refere à sua posição no sistema de status social e de representação jurídica (FRASER, 2009), em um país que não se cansa de relega-las à precariedade e à vulnerabilidade.

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