A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental...... 1

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO GRANDE – UERN CAMPUS AVANÇADO “PROFª. MARIA ELISA DE A. MAIA” – CAMEAM DEPARTAMENTO DE LETRAS – DL Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL Mestrado Acadêmico em Letras Área de concentração: Estudos do Discurso e do Texto

A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL

Ananias Agostinho da Silva

Pau dos Ferros 2012

Ananias Agostinho da Silva – Dissertação de Mestrado (2012) A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental...... 2

ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

A ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Letras – PPGL, do Campus Avançado Professora Maria Eliza de Albuquerque Maia – CAMEAM, da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN, como requisito obrigatório para conclusão do Curso de Mestrado Acadêmico em Letras.

Orientador: Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza

Pau dos Ferros 2012

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Catalogação da Publicação na Fonte.

Silva, Ananias Agostinho da.

A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do ensino fundamental. / Ananias Agostinho da Silva. – Pau dos Ferros, RN, 2012.

132 f.

Orientador (a): Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza.

Dissertação (Mestrado em Letras). Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. Departamento de Letras. Programa de Pós- Graduação em Letras. Área de Concentração: Estudos do Discurso e do Texto.

1. Argumentação – Dissertação. 2. Alunos – Ensino Fundamental – Dissertação. 3. Textos Escritos – Dissertação. I. Souza, Gilton Sampaio de. II. Universidade do Estado do Rio Grande do Norte. III.Título. UERN/BC CDD 401.41

Bibliotecário: Tiago Emanuel Maia Freire / CRB - 15/449

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ANANIAS AGOSTINHO DA SILVA

A dissertação “A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental” foi submetida à seguinte Banca Examinadora, constituída pelo Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte, como requisito obrigatório para conclusão do Curso de Mestrado Acadêmico em Letras.

Banca Examinadora

______Prof. Dr. Gilton Sampaio de Souza Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (Orientador e Presidente)

______Profª. Drª. Rosiane Maria Soares da Silva Xypas Universidade Federal de Campina Grande - UFCG (Examinador I)

______Prof. Drª. Maria Edileuza da Costa Universidade do Estado do Rio Grande do Norte - UERN (Examinador II)

______Profª. Drª. Rosângela Maria Bessa Vidal Universidade do Estado do Rio Grande do Norte – UERN (Suplente)

Pau dos Ferros, 14 de Dezembro de 2012.

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Aquele que é único e digno de receber toda honra e toda glória, Jesus Cristo.

Aqueles que sempre me aplaudiram no universo afora, Antônio e Ester, meus pais.

Aquele que me orientou na escritura desse texto, Gilton Sampaio de Souza.

Dedico.

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AGRADECIMENTOS

“Tudo tem o seu tempo determinado, e há tempo para todo o propósito debaixo do céu.” (Eclesiastes, cap. 03, vers. 01)

Há tempo também de agradecer. E este é um momento bastante especial, porque as pessoas que mais contribuíram para a concretização deste sonho serão lembradas. Na verdade, foram tantas que, desde já, peço desculpas se, por uma eventual falha de minha memória já tão desgastada nesses últimos meses, não lembrar de todas. Vale dizer que parto, nestes agradecimentos, de minha vida particular à profissional e à acadêmica, o que não quer dizer que há uma relação hegemônica entre elas, nem em relação às pessoas que delas participam. Todos contribuíram de forma peculiar e ímpar nessa árdua, mas prazerosa, empreitada. Em primeiro lugar, eu preciso agradecer aos meus pais (Antonio e Ester), por terem cuidado tão bem daquele menino desnutrido e desprovido de beleza, tão diferente do outro filho primeiro. Grato por terem feito de mim o que sou hoje. Por terem sido meus primeiros e principais exemplos. À mãe, minha primeira professora, por sua força, sua garra e, acima de tudo, sua sentimentalidade e sua ajuda em cada uma de minhas conquistas. Por ser aquela que resolve todos os meus problemas, que me compreende tal como sou. Lembro de muitas coisas que vivemos juntos. Todas foram especiais, principalmente aquele dia que aprendi a escrever meu nome. Naquele dia, realmente me senti como um sujeito social, como um ser vivo e ativo, dono de uma identidade própria. Ao meu pai, grato por me compreender, por sempre me dar razão, mesmo quando eu não a tinha e por sempre fazer quase o impossível para me oferecer o melhor. Grato por renunciar aos seus sonhos para concretização dos meus. Amo vocês dois com todas as forças de minha alma. Além de minhas duas pérolas apresentadas acima, minha família como um todo fez parte desta conquista. Ezequias e Walhéria (irmãos que sempre confiaram em minha capacidade e me tiveram como o mais íntimo exemplo de perseverança e dedicação); Tia Iolanda (e demais tios e tias) pelo apoio moral, carinho e confiança; Quésia, Iracema, Madalena, Tamires e meus dois amores Miguel e

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Gabriel (e demais primos e primas) por estarem presentes, sendo meus refúgios nas horas de cansaço, pelo sorriso destes dois últimos; Dorinha (avó), que, mesmo com suas constantes ausências, sempre me teve como neto espelho; Felicidade (avó), Zé Fernandes (avô) e Neco (avô) que, mesmo partindo, e deixando eternas saudades, sei que ainda torcem por mim no lugar lindo onde estão. Todos vocês fazem minha história, me constroem e me constituem enquanto sujeito, enquanto homem, enquanto filho, enquanto amigo. Já dizia o poeta que "meus amigos são todos assim: metade loucura, outra metade santidade. Escolho-os não pela pele, mas pela pupila, que tem que ter brilho questionador e tonalidade inquietante. Escolho meus amigos pela cara lavada e pela alma exposta.”. Meus amigos, todos, foram meu seguro nesta caminhada. Cada um deles, com seus defeitos, com suas qualidades, com suas dúvidas, com seus problemas, com suas carências, com suas peculiaridades. Eles são tantos, que, na verdade, não sei por onde começar. Por isso, vou agradecê-los por conjunto. Primeiro, à turma da Calçada da Fama: Wirlândia, Rachel, Ada, Mirian, Simone e todos os outros. Não conheço pessoas mais unidas, mais amigas, mais preocupadas uns com os outros, mais humanas, do que vocês. À turma da lanchonete: Reijane, Netinha, Zé, Joelma, Bel e demais. Vocês não sabem o quanto são importantes. São meu descanso todas as noites, após um longo dia de trabalho. São vocês que evitam minha depressão. Aos amigos de Pau dos Ferros: são tantos, que prefiro nem citá-los, para não cometer o erro de esquecer algum. Enfim, a todos aqueles que amo intensamente: vocês são muito especiais. E há também os amigos da Escola Josefina Xavier, a quem tenho muito que agradecer. Agradeço a todos os colegas professores, mas principalmente, preciso agradecer a todos os meus alunos. Vocês são ótimos, me realizam como profissional. Fazem-me querer continuar sendo professor. Agradeço por terem respeitado minhas ausências, os estresses advindos desta dissertação, a falta de atenção, muitas vezes, nas próprias aulas. Grato pela amizade que vocês me votam, por meus defeitos que vocês nem notam. Um agradecimento especial à turma do segundo ano. Adoro cada um de vocês, porque aceitam meus desafios, porque vão à luta comigo, porque me compreendem. Além disso, preciso

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agradecer à direção (Ivaneide e Monica) desta escola, pela compreensão e flexibilidade em relação às minhas ausências durante estes últimos meses. Agradeço também aos meus mestres do Mestrado Acadêmico em Letras: Gilton Sampaio de Souza, por me fazer adentrar no mundo da Nova Retórica, Maria Lúcia Pessoa, pelos excelentes conselhos em Metodologia da Pesquisa, por me explicar o que é um método, Socorro Maia, pelos ótimos diálogos com Mikhail Bakhtin em Linguagem e Discurso, Rosângela Vidal, pelas discussões sobre o funcionalismo e ensino de gramática, Paulinho, por mostrar-me de verdade a Análise do Discurso, Edileuza, pela dedicação à coordenação do Mestrado e aos demais aqui não citados. E já que falamos em professores, passo a agradecer ao meu querido orientador Gilton Sampaio de Souza, pelas conversas, pela liberdade de expressão e pela condução da orientação de forma ética, profissional e harmoniosa. Enfim, agradeço intensamente pela oportunidade de aprender com sua humildade, sua dedicação à universidade, sua história de vida e pelas valiosas contribuições para a realização deste trabalho. Grato por confiar em mim e acreditar em minha capacidade. Há ainda um grande mestre que aqui precisa ser lembrado. José Cezinaldo Rocha Bessa, ou simplesmente Cezi, não foi apenas um professor de minha vida acadêmica na graduação. Ele foi quem me fez acreditar ser possível e capaz de realizar um mestrado. Depois disso, me fez ver a importância da publicação na academia como forma de divulgação e propagação do conhecimento ali produzido. Foi com ele que publiquei meu primeiro artigo. Cezi me criou na academia e, por isso, além de mestre, ele se tornou um grande amigo, um companheiro para todas as horas. Um exemplo de pessoa, de profissional, de pesquisador. O meu espelho. E em nome dele, agradeço também ao Grupo de Pesquisa em Produção e Ensino do Texto (GPET). Foi nesse grupo acolhedor que aprendi – se é que se pode aprender – como funciona o verdadeiro fazer acadêmico. A troca de experiência, as discussões teóricas, a iniciação científica, a publicação, a convivência entre pesquisadores que corroboram, mas que também discordam de determinados pontos de vistas. Um grupo fértil, construído por pesquisadores dedicados, interessados em discutir questões de análise e ensino de texto sob perspectivas diversas. Esse é o GPET. Foi nesse grupo que conheci também um

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grande número de pessoas especiais, com quem convivi nesses dois anos. Gilton Sampaio, José Cezinaldo, Rosângela Bernardino, Crígina Cibelle, Rosa Leite, Ilderlândio Nascimento, Elvis Alves, Jorge Queiroz, Leidiana Alves, todos esses aqui citados e os demais que compõem o grupo se tornaram mais que companheiros de pesquisa, verdadeiros amigos, que me auxiliaram, quando necessária, nessa jornada. Agradeço também aos meus colegas de classe do PPGL. Corrigindo, não colegas, aos meus amigos. Sim, porque nesse período, Sérgio Freire, Doralice, Eveuma, Francisco Vieira, Márcia, Ivanúcia e, claro, Gorete Torres, bem como todos os demais se tornaram amigos verdadeiros. Vocês todos foram e ainda são muito importantes para mim. Pessoas unidas, compreensivas, humildes, intelectuais, maravilhosas. Agradeço a Deus por ter colocado em meu caminho pessoas como vocês. Nossa amizade não terá fim aqui. E entre esses amigos, não posso esquecer de um agradecimento mais especial. Gorete Torres é aquela amiga de fé, irmã, camarada, amiga de todas as horas e muitas jornadas. E olha que a jornada já é um pouco longa, tem mais de meia década. Conhecemo-nos ainda na graduação, amigos durante todo o Curso de Letras. Tivemos o mesmo orientador, estudamos para o mestrado, passamos e cá estamos. Grato por me compreender, por me aturar durante todo esse tempo, por ler cada linha que escrevo, por opinar sobre essas linhas, por rabiscá-las. Grato pelas caronas para Pau dos Ferros, pelos artigos publicados em parceria, pelas ligações atendidas todos os dias. Grato por me deixar participar de sua vida e por participar da minha. Tenho muito orgulho de ser seu amigo. Não poderia deixar de agradecer à Marília e Ricardo, secretários do PPGL. Esses dois me toleraram durante esses anos, responderam prontamente aos e- mails, compreenderam-me em diversas situações, esclareceram dúvidas, enfim, foram duas pérolas. Agradeço a cada um deles pelo apoio, pela dedicação e pela luta por uma pós-graduação de qualidade em nossa universidade. Aos membros da Pesquisa Desafio, também quero expressar um agradecimento especial. A professora Socorro Maia, Rosângela Vidal e Gilton Sampaio, aos colegas de mestrado Midiã, Francisco Vieira, aos colegas da graduação Jackeline, Veridiana, Marciel, Gelcimar, Elvis e Netanias e aos professores Ieda, Evanilda, Terezinha e Macário. Foram muitas experiências, muito

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aprendizado. Aproveito também para agradecer aos colegas de pesquisa da Universidade Federal do Pará, na pessoa do professor Thomas Massud, e da Universidade de São Paulo, na pessoa do professor Claudemir Belintane e da professora Conceição, pelo intercâmbio de experiências, pelo aprendizado conjunto, pela construção de conhecimentos, por contribuirmos juntos, mesmo que de forma ainda tímida, com a educação de nosso país. Ainda agradeço a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), pelo apoio financeiro oferecido desde o início do curso, essencial para minha permanência em Pau dos Ferros, bem como para o deslocamento nos eventos regionais, nacionais e internacionais. Agradeço às professoras Rosiane Maria Soares da Silva Xypas, Maria Edileuza da Cosya e Rosângela Maria Bessa Vidal, por aceitarem prontamente o convite para comporem a Banca de Defesa desta dissertação de Mestrado e pelas contribuições apresentadas. Por fim, agradeço a Deus por tudo que escrevi.

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“Eu fico com a pureza da resposta das crianças...”

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SILVA, A. A. A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental. 132 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em Letras (PPGL). Pau dos Ferros: UERN, 2012.

RESUMO

Nesta dissertação, analisamos textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente, no 2° ano), focalizando os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido que eles produzem nos textos. Essas crianças são alunos da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, Pau dos Ferros- RN, instituição que funciona como escola de aplicação da pesquisa “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola pública brasileira”, na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Partimos do pressuposto de que a argumentação é um fenômeno inerente à linguagem, sendo esta essencialmente argumentativa, de maneira que, inclusive crianças em fase inicial de aprendizagem conseguem mobilizar determinados argumentos para defesa de suas teses. Orientando-se, de maneira geral, pela perspectiva sociointeracionista de Bakhtin (2002; 2005), e de maneira mais específica pela Teoria da Argumentação no Discurso (TAD) ou Nova Retórica, de Perelman e Tyteca (1996), analisamos vinte textos produzidos pelos alunos acima citados, coletados no primeiro bimestre letivo (março-abril) de 2012. Na análise empreendida, percebemos que os alunos mobilizam vários tipos de argumentos na defesa por suas teses, dentre os quais se destaca, principalmente, o emprego de argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e de coexistência, e de argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo e pela ilustração. Quanto aos lugares argumentativos, os alunos extraem seus argumentos dos lugares da ordem, da essência, da pessoa e do existente, o que revela uma tendência dos alunos em mobilizarem argumentos relacionados à sua vivência. Esses argumentos são mobilizados pelos alunos com o intento de persuadirem os auditórios (particular, porque é constituído por seres determinados – professora, bolsistas e colegas de classe) sobre a validade de suas teses, que correspondem a proposições unificadas do conteúdo dos textos, ou seja, frases ou orações resumitivas que conservam, em sua essência, a informação principal dos textos. De um modo geral, às teses analisadas, estão subjacentes efeitos de sentido relacionados à temática do desprezo e do abandono, uma vez que as duas propostas de produção textual enfatizam o abandono nas histórias contadas em sala de aula. Portanto, conforme pudemos observar, mesmo não tendo sido desenvolvido um trabalho sistemático com a argumentação em sala de aula, os alunos argumentam em prol de suas teses, porque a argumentação é inerente à própria linguagem.

Palavras-chave: Argumentação; Alunos do Ensino Fundamental; Textos escritos.

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SILVA, A. A. A argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental. 132 f. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós- Graduação em Letras (PPGL). Pau dos Ferros: UERN, 2012.

ABSTRACT

In this thesis, we analyze texts written by children in early elementary school (more specifically, in the 2nd year), focusing on the arguments constructed by them and the effects of meaning in the texts they produce. These children are students of the City School Professor Nila Rego, the Irons Pau-RN, who works as a school institution for implementing the research "The challenge of teaching reading and writing in the context of elementary school for nine years and inserting the laptop at school Brazilian public, "the University of Rio Grande do Norte (UERN). We assume that the argument is a phenomenon inherent in the language, which is essentially argumentative, so that even children in early learning can mobilize certain arguments to defend their theses. Orienting Yourself, in general, the social interactionist perspective of Bakhtin (2002, 2005), and more specifically the Theory of Argumentation in Discourse (TAD) or New Rhetoric of Perelman and Tyteca (1996), we analyzed twenty texts produced by students mentioned above, collected in the first two months of school (March-April) 2012. In this analysis, we noticed that students mobilize various types of arguments in defense of their theses, among which stands out, especially the use of arguments based on the structure of the real links for succession and coexistence, and arguments that underlie the structure of reality, by example and illustration. As for places argumentative, students draw their arguments places the order, the essence of the person and the existing, which shows a tendency of students to mobilize arguments related to their experience. These arguments are mobilized by the students with the intent to persuade their audiences (particularly because it consists of certain beings - teacher, classmates and fellows) on the validity of his theses, unified propositions that correspond to the content of texts, ie , phrases or sentences that retain resumitivas, in essence, the main information of the text. In general, the thesis analyzed, underlying meaning effects related to the subject of scorn and neglect, since the two proposals emphasize textual production abandonment in storytelling in the classroom. Therefore, as we have seen, even if not developed a systematic work with the argumentation in the classroom, students argue in favor of their thesis, because the argument is inherent in language itself.

Keywords: Argumentation; Elementary School Students; Texts written.

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 01: Renda mensal das famílias dos alunos...... 76 Gráfico 02: Oralidade dos alunos...... 77 Gráfico 03: Habilidades de leitura...... 79 Gráfico 04: Habilidades de escrita...... 80 Gráfico 05: Coordenadas subjetivas...... 81

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LISTA DE QUADROS

Quadro 01: Teses da primeira proposta de produção textual...... 88 Quadro 02: Teses da segunda proposta de produção textual...... 89 Quadro 03: Argumentos axiais da primeira proposta de produção textual...... 90 Quadro 04: Argumentos axiais da segunda proposta de produção textual...... 91 Quadro 05: Transcrição do texto 07...... 93 Quadro 06: Transcrição do texto 10...... 94 Quadro 07: Transcrição do texto 16...... 96 Quadro 08: Transcrição do texto 19...... 98 Quadro 09: Transcrição do texto 02...... 99 Quadro 10: Transcrição do texto 05...... 100 Quadro 11: Transcrição do texto 12...... 102 Quadro 12: Transcrição do texto 17...... 103 Quadro 13: Transcrição do texto 01...... 104 Quadro 14: Transcrição do texto 06...... 105 Quadro 15: Transcrição do texto 14...... 106 Quadro 16: Transcrição do texto 19...... 107 Quadro 17: Transcrição do texto 19...... 108 Quadro 18: Transcrição do texto 06...... 109 Quadro 19: Transcrição do texto 11...... 111 Quadro 20: Transcrição do texto 18...... 113

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS

CAMEAM – Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia

CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior

CNPq – Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

DL – Departamento de Letras

EA – Escola de Aplicação

IES – Instituições de Ensino Superior

GPET – Grupo de Pesquisa em Produção e Ensino de Texto

MEC – Ministério da Educação

MELP – Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa

PBF – Programa Bolsa Família

PPGL – Programa de Pós-Graduação em Letras

RN – Rio Grande do Norte

SAEB – Secretaria de Avaliação da Educação Básica

TAD – Teoria da Argumentação no Discurso

UERN – Universidade do Estado do Rio Grande do Norte

UFPA – Universidade Federal do Pará

USP – Universidade de São Paulo

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...... 18

CAPÍTULO I: PRESSUPOSTOS TEÓRICOS DA PESQUISA: DA ORIGEM DA RETÓRICA À TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO...... 24 1.1 A origem da Retórica...... 24 1.2 A Retórica Aristotélica...... 25 1.3 A Nova Retórica: o discurso em foco...... 27 1.4 O auditório e a dialogia na linguagem: aspectos de Bakhtin e de Perelman...... 29 1.5 Os lugares argumentativos...... 31 1.6 As teses e os efeitos de sentido...... 34 1.7 As técnicas argumentativas...... 36

CAPÍTULO II: O TRABALHO COM A ARGUMENTAÇÃO EM SALA DE AULA...... 53 2.1 Argumentação em sala de aula...... 53 2.2 Argumentação e níveis de escolaridade...... 56 2.3 Um enfoque enunciativo-discursivo para a argumentação...... 58 2.4 Situações de trabalho com a argumentação...... 61 2.5 Argumentação e alfabetização: algumas concepções...... 63

CAPÍTULO III – ASPECTOS METODOLÓGICOS: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA...... 69 3.1 Situando a Pesquisa Desafio...... 69 3.2 Contextualização e caracterização da pesquisa...... 72 3.3 Universo de estudo...... 73 3.3.1 A Escola Municipal Professora Nila Rêgo...... 74 3.3.2 A turma do 2° ano...... 75 3.3 Condições de produção dos textos...... 82 3.4 Constituição do corpus...... 85

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3.5 Procedimentos para análise dos dados...... 86

CAPÍTULO IV: ANÁLISE DOS DADOS: ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL...... 92 4.1 As técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos...... 92 4.2 Para quem ou com quem os alunos escrevem seus textos...... 99 4.3 De onde as crianças extraem seus argumentos...... 104 4.4 As teses defendidas pelos alunos e os efeitos de sentidos produzidos...... 107 4.5 Correlações...... 115 4.6 Implicações para o trabalho com a argumentação em sala de aula...... 117

CONSIDERAÇÕES FINAIS...... 120

REFERÊNCIAS...... 124

ANEXOS

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INTRODUÇÃO

As escolhas que realizamos ao desenvolvermos esta dissertação de mestrado não foram neutras, mas estão ligadas a motivações (pessoais e profissionais) e questões essenciais, que serão enfocadas neste texto introdutório. Em primeiro lugar, é preciso dizer que nossa investigação, desenvolvida no Programa de Pós-Graduação em Letras (PPGL), do Departamento de Letras (DL), do Campus Avançado Professora Maria Elisa de Albuquerque Maia (CAMEAM), da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), na cidade de Pau dos Ferros (RN), teve como objetivo principal analisar textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente, no 2° ano), focalizando os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentidos produzidos em seus textos. A escolha por essa temática se justifica, inicialmente, pelo fato da presente investigação estar vinculada ao Grupo de Pesquisa em Produção e Ensino de Texto (GPET), cadastrado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e certificado pela UERN, mais especificamente à linha de pesquisa “Estudos dos processos argumentativos”. A vinculação de nossa pesquisa a este grupo não se dá simplesmente pelo fato de sermos membros e pesquisadores do mesmo, mas, principalmente, pela aproximação entre os objetivos propostos nessa pesquisa e os objetivos das investigações desenvolvidas no GPET (SOUZA, 2003, 2007, 2008; SOUZA & COSTA, 2009; COSTA, 2010; SOUZA & BESSA, 2011; ALVES, 2011; LIMA, 2011; dentre outros). Esses estudos, de modo geral, procuram investigar o caráter argumentativo da linguagem nos processos de produção e ensino de texto, com ênfase nos componentes retóricos (ethos, pathos e logos), considerando a especificidade dos gêneros textuais/discursivos e as condições de produção dos discursos, sob a ótica de teorias que reflitam sobre a argumentação no discurso. Além disso, trabalhamos com argumentação porque acreditarmos, conforme tem apontado Leal (2004), ser essa uma atividade social especialmente relevante, que permeia a vida dos indivíduos – sejam eles crianças ou adultos – em todas as esferas da sociedade, pois a defesa de pontos de vista é fundamental para que se

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conquiste espaço social e autonomia. De acordo com Faria (2004), no Brasil e no exterior, muitas das pesquisas realizadas sobre argumentação no campo da Psicologia e da Psicolinguística revelam que a linguagem infantil na fase de alfabetização ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental se apresenta num estágio pré-argumentativo ou argumentativo rudimentar. Por isso, possivelmente, nas escolas, primeiro se ensina a descrição, depois a narração e, por último, a argumentação, dando a entender que esses tipos de textos funcionam isolados, de modo que à determinada faixa etária ou determinado grau de escolaridade correspondesse certo grau de desenvolvimento cognitivo, que permitisse apenas a aprendizagem de um desses tipos textuais. Entretanto, compreendemos que a argumentação não corresponde a uma capacidade desenvolvida pelos indivíduos apenas quando atingem certo grau de maturidade cognitiva – quando atingem a fase adulta ou a adolescência, por exemplo. Desde cedo, as crianças argumentam em favor de seus interesses, seja em favor de um brinquedo, de um passeio que desejam realizar, de uma nova roupa, do que desejam comer, enfim, de uma série de situações cotidianas que lhe dizem respeito. É claro que quanto mais amadurecido for o intelecto, mais capacidade terá o sujeito de organizar racionalmente sua argumentação em favor de determinadas teses. Porém, como salienta Leal (2004), a argumentação é parte substancial da experiência cotidiana de qualquer indivíduo. Na instituição escolar, esse pressuposto parece ser desconsiderado, pois são poucas ou quase nenhumas as diretrizes curriculares, direcionadas à Educação Infantil e aos anos iniciais do Ensino Fundamental, que sugerem aos professores a oferta de aulas voltadas para o desenvolvimento da capacidade argumentativa dos alunos. Concordamos com Faria (2004) quando afirma que a criança, a partir dos quatro anos de idade, já faz uso constante do discurso argumentativo, que se constrói alicerçado nos diálogos orais travados com os seus interlocutores. Defendemos também a ideia de que, quando a criança começa a utilizar a linguagem escrita, seja na Educação Infantil ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental, ela recorre, em seus textos, a diversos tipos de argumentos para defenderem suas teses. Esses argumentos podem não estar dispostos no papel somente conforme o que determina o sistema linguístico alfabético de nossa

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língua, mas através de outras formas de manifestação escrita, como por exemplo, as garatujas e os desenhos. Partindo desse pressuposto, examinamos produções textuais escritas de alunos do 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Nila Rego, localizada na cidade de Pau dos Ferros-RN, procurando analisar os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido que eles produzem nos textos analisados. A opção por esse corpus se justifica pelo fato de nossa pesquisa ainda estar vinculada ao projeto “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do ensino fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola pública brasileira” (Doravante, Pesquisa Desafio), financiado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) e desenvolvido por um núcleo em rede que congrega pesquisadores de programas de pós-graduação de três Instituições de Ensino Superior (IES) do Brasil: Universidade de São Paulo (USP), Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e Universidade Federal do Pará (UFPA). Além de sermos pesquisadores bolsistas deste projeto, nossa pesquisa se vincula ao mesmo justamente por uma de suas principais preocupações, dentre outros aspectos, estarem relacionadas ao desenvolvimento de habilidades linguísticas (leitura, oralidade e escrita) de alunos em fase de alfabetização, principalmente no que diz respeito ao acesso desses sujeitos ao universo da escrita, da leitura e das demais ferramentas culturais de nosso tempo. É na Escola Municipal Professora Nila Rego e, mais especificamente, nas turmas do 1° e do 2° anos, onde são desenvolvidas atividades ministradas por um grupo de bolsistas (do qual fazemos parte) da Pesquisa Desafio na UERN. Essas atividades são planejadas semanalmente pelos bolsistas e pelas professoras das referidas turmas e, de modo geral, procuram proporcionar aos alunos o domínio de habilidades básicas necessárias à aquisição da leitura e da escrita. O desafio maior dos bolsistas e das professoras é lidar com a complexa heterogeneidade de aprendizagem que os alunos apresentam. As discrepâncias entre esses sujeitos não são apenas de caráter socioeconômico, cultural e linguístico, mas também no que diz respeito aos níveis de aprendizagem. Em um diagnóstico inicial realizado nessas turmas, percebemos que enquanto alguns alunos já conseguem facilmente ler e produzir textos com proficiência, outros tantos ainda apresentam certas

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dificuldades de leitura e de escrita - formar monossílabos ou dissílabos simples, por exemplo – que precisam ser cuidadosamente trabalhadas em sala de aula. Apesar da heterogeneidade, pudemos constatar nesse mesmo diagnóstico que os alunos conseguem produzir textos (com níveis diferentes, dada a heterogeneidade da turma) pertencentes a gêneros textuais/discursivos diversos e apresentar, nesses textos, argumentos para defesa de determinados pontos de vista. Em outras palavras, podemos dizer que os alunos conseguem apresentar, nos textos por eles produzidos, estratégias argumentativas que procuram suportar uma tese específica subjacente a um determinado discurso. Isso porque, independentemente da faixa etária, todos nós somos seres retóricos e, por meio da palavra, procuramos argumentar para revelar nossas impressões sobre o mundo, nossos sentimentos, nossas convicções, dúvidas, paixões e aspirações; tentamos influenciar as pessoas, orientar-lhes o pensamento, excitar ou aclamar as emoções para, assim, guiar suas ações, seus interesses e estabelecer acordos que nos permitam viver em harmonia. São justamente os argumentos empregados pelos alunos em seus textos (escritos) e os efeitos de sentido provocados que constituíram o foco de estudo dessa pesquisa. Ao analisarmos as produções textuais desses alunos, procuramos:

 Identificar e examinar o emprego de técnicas argumentativas utilizadas pelos alunos na produção dos textos, observando suas regularidades e correlacionando-as às teses defendidas e aos efeitos de sentidos produzidos;  Verificar e descrever os lugares a que se referem os argumentos empregados pelos alunos em suas produções textuais, considerando o pressuposto bakhtiniano de que todo discurso é constitutivamente dialético e dialógico;  Observar se e em que medida o auditório (professora, pesquisadores, bolsistas, pais, colegas) influencia na construção dos textos pelos alunos e nas teses por eles defendidas;  Analisar e interpretar as teses defendidas pelos alunos em suas produções textuais escritas e os efeitos de sentidos a elas subjacentes;

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 Contribuir com os estudos e pesquisas que tematizam questões relacionadas à argumentação, principalmente com aqueles voltados para o ensino de produção de textos nos anos iniciais do Ensino Fundamental.

Para consecução desses objetivos, construímos nossa investigação baseando-se, de forma macro, nos pressupostos dos estudos sociointeracionistas e enunciativos da linguagem (BAKHTIN, 2003, 2006), por compreendermos a orientação dialógica como um elemento típico de todo discurso, uma condição necessária à interação humana, nas mais diversas esferas da comunicação, toda vez que um interlocutor toma a palavra – escrita ou falada – e a lança ao outro. De forma mais específica, como nosso escopo é analisar os argumentos utilizados pelos alunos, nos fundamentamos na Teoria da Argumentação no Discurso ou Nova Retórica, proposta por Perelman e Tyteca (1996), e em estudos que, adotando essa corrente teórica, focalizam a argumentação nos discursos (REBOUL, 2004; BRETON, 1999; LEAL, 2004; MEYER, 2007; ABREU, 2006; PLANTIN, 2008; SOUZA, 2003, 2008, 2010; FERREIRA, 2010; entre outros). Além desses, também recorremos a estudos que tematizam questões relacionadas ao trabalho com a argumentação em sala de aula, dentre os quais, destacamos, Faria (2004), Leitão (2011), Goulart (2011), Souza (2003) e Ribeiro (2003). Compreendendo a pertinência em se estudar um determinado corpus tomando como referência essas vertentes teóricas, alguns pesquisadores têm desenvolvido estudos procurando examinar aspectos linguísticos e discursivos variados. A título de ilustração, podemos citar a tese de doutorado de Leal (2004), que analisa processos argumentativos em produções textuais escritas por crianças dos anos finais do Ensino Fundamental; a tese de Souza (2008), que procura analisar o processo de (des)construção de sentidos sobre o Nordeste em discursos veiculados na mídia jornalística; a tese de Fabrino (2008), sobre argumentação em produção de textos de alunos universitários; a dissertação de mestrado de Duarte (2010), que investiga o processo argumentativo em artigos científicos sobre o ensino de língua portuguesa e as dissertações de Costa (2010), sobre o ethos de egressos de curso de graduação em Letras, de Alves (2011), sobre o ethos de

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alunos de curso de graduação em Letras em relatórios de estágio supervisionados e de Lima (2011), sobre o ethos de professores universitários de Letras. Esses trabalhos revelam a importância de se pesquisar questões de argumentação em diversos corpora, no sentido de compreender os mais variados aspectos textual-discursivos, e apresentam contribuições diretas para a nossa pesquisa, seja de ordem teórica ou metodológica, uma vez que adotamos ou adequamos procedimentos utilizados pelos autores citados, conforme veremos ao longo desta dissertação. É, portanto, na tentativa de compreender como alunos em fase inicial do Ensino Fundamental (do 2° ano do Ensino Fundamental) evocam determinados argumentos em produções textuais escritas para defesa de suas teses, procurando observar os efeitos de sentidos por eles produzidos, que nossa pesquisa se inscreve no âmbito dessas investigações que articulam a Nova Retórica e o Sóciointeracionismo para o estudo de certo corpus. Por fim, as discussões teóricas e metodológicas e o trabalho de análise dos dados aqui construídos conferiram a esta dissertação que ora apresentamos uma organização que se estrutura em três capítulos, descritos abaixo:

 No primeiro capítulo, apresentamos, mesmo que sinteticamente, um panorama histórico da Retórica, enfocando sua origem na Sicília grega (Itália), por volta de 465 a.C., as contribuições de Aristóteles e o surgimento, no século XX, da Teoria da Argumentação no Discurso (TAD) ou Nova Retórica, de Perelman e Tyteca. Além desse contexto histórico, destacaremos também noções como dialogismo, auditório, lugares argumentativos, teses, efeitos de sentido e técnicas argumentativas.  No segundo capítulo, nos detemos à apresentação de algumas questões relacionadas à argumentação em sala de aula, focalizando aspectos relativos aos contextos de produção de práticas argumentativas. Introduzimos uma discussão sobre os níveis de escolarização adequados ao trabalho com a argumentação em sala de aula, bem como sobre as principais situações de aprendizagem – planejadas ou não – que favorecem esse trabalho. Ainda apresentamos um enfoque discursivo-enunciativo para o trabalho com a argumentação,

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com base em Mikhail Bakhtin, e as concepções de alfabetização que norteiam a presente investigação.  No terceiro capítulo, apresentamos os principais aspectos metodológicos da investigação, destacando, inicialmente, sua vinculação com o projeto “O desafio de ensinar a leitura e escrita no contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola pública brasileira” e, posteriormente, o tipo de pesquisa que ora apresentamos, o método de análise empregado, a caracterização do universo de estudo, os critérios para constituição e seleção do corpus e os principais procedimentos de coleta e análise dos dados.  Por último, no quarto capítulo, procedemos à análise dos dados propriamente dita. Em um primeiro momento, analisamos as teses defendidas pelos oradores (os alunos), confrontando-as ao uso específico de determinadas técnicas argumentativas, que, nos textos, variam, dependendo da tese principal e dos efeitos de sentido buscados pelos alunos. Além disso, também procuramos observar a que lugares se referem os argumentos mobilizados pelos alunos, bem como a influência do auditório (professora, pesquisadores, bolsistas, pais, colegas, dentre outros) na construção dos textos pelos alunos e nas teses por eles defendidas.

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CAPÍTULO I – DA ORIGEM DA RETÓRICA À TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO NO DISCURSO

Antes de empreendermos uma discussão sobre os principais pressupostos da Teoria da Argumentação no Discurso, linha teórica dos estudos argumentativos que norteará a presente investigação, necessário se faz conhecer, ainda que de forma breve, a história da Retórica, focalizando, especialmente, a Retórica Aristotélica, de quem Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca retomam conceitos basilares para a Nova Retórica. Assim, nesse capítulo, inicialmente, faremos uma retrospectiva do percurso histórico da Retórica para, em seguida, apresentarmos os fundamentos da Teoria da Argumentação no Discurso ou Nova Retórica.

1.1 A origem da Retórica

Tentar descrever cronologicamente a história da Retórica não parece ser uma tarefa simples. Até mesmo os grandes historiadores encontrariam dificuldades se pretendessem executar tal empreitada. Na verdade, a retórica é anterior à sua própria história, e mesmo a qualquer outra história, de maneira que, nos termos de Reboul (2004), é absolutamente inoportuno pensar que os homens, em algum momento, não tenham empregado a linguagem para persuadir ou convencer o outro em prol da defesa de determinado ponto de vista. Entretanto, é possível, conforme o autor acima citado, traçar um panorama histórico da Retórica como arte do convencimento. Enquanto tal, a Retórica nasceu na Sicília grega (Itália), por volta de 465 a.C., quando os cidadãos sicilieneses, extorquidos e despojados pelos tiranos, passaram a reclamar seus bens e seus diretos, o que culminou em uma guerra civil permeada por vários conflitos judiciários. Como na época não existiam profissionais advogados para assegurar

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os interesses destes cidadãos, era preciso oferecer aos “litigantes1” possibilidades de defender suas causas. Os retores – mestres da Retórica – procuraram, então, escrever uma espécie de coletânea de preceitos práticos que continham exemplos para uso das pessoas que recorressem à justiça. Esses argumentos, considerados imbatíveis, não se sustentavam em verdades absolutas, mas no verossímil (eikos), naquilo que podia vir a ser verdadeiro. Ainda de acordo com Reboul (2004), como Atenas (Grécia Antiga) mantinha estreitos laços com a Sicília, adotou imediatamente a Retórica, de modo que, por volta de 427 a.C., os atenienses viviam a primeira experiência de democracia da história da humanidade. Como estavam isentos de qualquer tipo de autoritarismo, era fundamental que os cidadãos conseguissem dominar a arte do manejo hábil da palavra para argumentarem nas assembleias populares, nos tribunais, fóruns e praças públicas. Para tanto, surgiram em Atenas vários mestres itinerantes com competência para ensinar os cidadãos a arte do bem falar e do argumentar de maneira satisfatória. Esses mestres se autodenominavam de sofistas, termo que designa pessoas sábias, capazes de professarem a sabedoria. A partir de então, a Retórica começa a ultrapassar os âmbitos do universo jurídico e passa a ser ensinada nas escolas gregas como uma importante disciplina do currículo escolar2. O método empregado pelos professores – os sofistas – consistia em mostrar aos alunos como trabalhar com as palavras de modo que elas se tornassem convincentes e elegantes. Em outros termos, a preocupação dos mestres era mostrar aos seus alunos como encadear os argumentos de modo coerente e eficaz, cuidar do estilo, encontrar figuras exatas, falar distintivamente e com vivacidade (REBOUL, 2004). Começava, então, surgir a retórica de caráter pedagógico e os sofistas foram os primeiros pedagogos.

1.2 A Retórica Aristotélica

1 Para compreensão do termo empregado por Reboul (2004) – litigantes – vejamos a ilustração que o Aurélio (2011) apresenta: “Em uma ação civil uma parte faz o chamamento à outra no processo, isso é o litígio, ou seja, as partes são litigantes”. 2 É claro que, na época, essa nomenclatura utilizada no atual âmbito escolar ainda não existia, mas preferirmos usá-la por falta de um termo que melhor explicasse o conjunto de ensinamentos ministrados nas escolas gregas daquele período,

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Como a Tradição Retórica limitava-se, basicamente, à oratória forense, Aristóteles, em sua Arte Retórica (20053), parece querer ir mais longe e decide estudar não apenas a argumentação no discurso jurídico, mas também outros tipos de discurso. O pensador grego se interessou pelo exame das razões porque, em alguns casos, os oradores que pronunciavam seus discursos obtinham êxito e em outros pareciam apresentar argumentos falhos, que não se sustentavam. Com esse propósito, Aristóteles sistematiza uma teoria da argumentação, atribuindo à Retórica não mais o título de arte, técnica ou mesmo prática – que alguns levavam a vida inteira para dominar –, mas o lugar de ciência. Nas palavras do próprio filósofo: “a retórica não é meramente uma arte de persuasão, mas antes uma faculdade de descobrir especulativamente o que, caso a caso, pode servir para persuadir” (ARISTÓTELES, 2005, p. 29). Assim, no pensamento aristotélico, a Retórica não era simplesmente um sistema de persuasão ou uma arte de argumentar que podia ser ensinada nas escolas, mas a ciência que permite distinguir e escolher os meios adequados para persuadir o auditório. Para tanto, necessário se fazia, de acordo com o próprio Aristóteles, recorrer a três tipos de provas técnicas: o ethos (quando orador produz confiança, fé), o pathos (quando o orador leva o auditório à emoção, à paixão) e o logos (quando o orador mostra o que parece ser verdade; o raciocínio). Além dessas provas técnicas, o filósofo grego também apresenta provas não-técnicas, que se sustentam, de modo geral, em registros ou na transcrição de confissões. Entre essas últimas provas, ele destaca a lei, o testemunho, os contratos e a confissão. Concebendo assim a Retórica, Aristóteles propôs a constituição de um sistema retórico formado por quatro partes, que representam, segundo Reboul (2004), as quatro fases pelas quais passa o sujeito que compõe um discurso ou pelas quais se acredita que passe. Essas partes, respectivamente, são a invenção, a disposição, a elocução e a ação.

3 Esta data não corresponde ao ano original da primeira publicação do livro. Na verdade, há uma imprecisão por parte dos estudiosos de Aristóteles quanto ao ano de publicação dessa obra, já que se trata de um texto bastante antigo. Entretanto, não nos interessa entrar no mérito dessa discussão. A data que expomos acima corresponde a uma publicação recente das obras de Aristóteles, pela editora Ediouro.

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A invenção corresponde ao primeiro passo da argumentação, no qual o orador recorre aos lugares argumentativos4 (topoi) e aos gêneros do discurso para criar os seus argumentos. Nos termos de Reboul (2004, p. 44), na invenção, “antes de empreender um discurso, é preciso perguntar-se sobre o que ele deve versar, portanto, sobre o tipo de discurso, o gênero que convém ao assunto”. Aristóteles classificava os gêneros do discurso em três tipos: judiciário, o deliberativo ou político e o epidíctico. No gênero judiciário, o orador acusa ou se defende, empregando os valores do justo e do injusto. No gênero deliberativo, ou gênero das assembleias, o orador aconselha ou desaconselha, com base em valores como o útil e o nocivo. Enfim, no gênero epidítico, ou gênero das festas públicas, o orador louva ou censura, com bases nos valores do belo e do feio, empregando as técnicas de narração e amplificação. A disposição, para Reboul (2004), se refere à etapa em que são organizados e distribuídos os argumentos de maneira racional e plausível no discurso, em busca de uma solução para determinado problema. Portanto, a disposição corresponde ao cerne do edifício retórico, ao plano do tipo ao qual recorremos para construir e sustentar nosso discurso. Esse plano de tipo se divide em cinco partes, quais sejam: o exórdio, a narração, a confirmação, a refutação e a conclusão, assim descritas por Aristóteles (2005, p. 206):

O exórdio é o início do discurso: ele dispõe e prepara o espírito do ouvinte ou do juiz para escutar. A narração expõe o desenrolar dos fatos, como eles acontecem ou podem acontecer. Na divisão dos argumentos, elucidamos os pontos de acordo e os de desacordo, e expomos aquilo sobre o que falaremos. A confirmação expõe, com base em prova, nossos argumentos. A refutação expõe ou deduz os tópicos básicos da conclusão adversa. Por último, a conclusão fecha com maestria o discurso.

A elocução, segundo Reboul (2004, p. 116), em sentido técnico, é a redação ou oralização do discurso. “Envolve o tratamento da língua em sentido amplo, abrange o plano da expressão e a relação forma e conteúdo: a correção, a clareza,

4 Em um dos tópicos seguintes abordaremos com mais detalhes os lugares argumentativos de Aristóteles, com a reformulação que Perelman e Tyteca (1996) fazem desse conceito no Tratado da Argumentação.

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a adequação, a concisão, a elegância, a vivacidade, o bom uso das figuras com valor de argumento”. Se a elocução refere-se às formas de expressão do discurso, ela está diretamente ligada ao estilo do orador e às suas escolhas pessoais. Na verdade, conforme Aristóteles (2005), depois de definido o auditório e o assunto a ser abordado (entenda-se o gênero do discurso), o orador deve preocupar-se com a forma do discurso, com a sua composição, para que pudesse conseguir os seus objetivos, ou seja, convencer o auditório da validade dos argumentos apresentados. Por fim, a ação, enquanto última etapa do discurso retórico, funciona como o arremate final, um fechamento do discurso proferido pelo orador, com o objetivo de atingir o seu público alvo. Para Souza (2003), a ação trabalha com os componentes emotivos da emissão da palavra: a gestualidade e a interação com o espaço. Por isso, embora a ação em si seja parte integrante do logos, também está ligada ao ethos do orador e à sua atuação no discurso, o que reforça a relevância de sua mensagem, de maneira a provocar a adesão dos interlocutores.

1.3 A Nova Retórica: o discurso em foco

No apogeu do Império Romano, a Retórica parece desfrutar de um grande desprestígio, por ocasião do predomínio de um pensamento cartesiano, no qual uma determinada tese só poderia ser confirmada a partir da evidência de fatos empíricos e não mediante argumentos sustentados em opiniões mais ou menos aceitáveis ou em demonstrações obtidas com base em premissas apenas plausíveis. Na verdade, conforme salienta Souza (2003), o desejo de construção de um sistema de pensamento que pudesse atender à dignidade de uma ciência racional só poderia se contentar com provas analíticas, ou seja, aquelas obtidas necessariamente por meio de premissas absolutamente verdadeiras e universalmente válidas, em conformidade com o método científico característico das ciências naturais. Entretanto, passado esse período de “adormecimento” da Retórica, mais especificamente a partir da década de 1960, começaram a surgir abordagens teóricas modernas, influenciadas pelas correntes de estudos linguísticos que também surgiram nesse mesmo período, principalmente a Linguística, a

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Semiologia e a Pragmática (SOUZA, 2003). Essas novas perspectivas não se limitam ao estudo da argumentação no discurso judiciário, deliberativo e epidíctico, tal como fazia Aristóteles em sua Retórica, mas se propõem a estudar todas as formas de discurso – todos os gêneros discursivos. De acordo com Reboul (2004, p. 82), elas se “apoderam de todas as espécies de produções verbais e não- verbais, elaborando-se, assim, uma retórica do cartaz, do cinema, da música e do inconsciente”. Conforme Souza (2008), essas perspectivas teóricas preocupadas com as questões argumentativas da linguagem, de uma forma geral, podem ser classificadas em duas instâncias: Teoria da Argumentação na Língua, cuja atuação se dá por compreender o funcionamento argumentativo de elementos linguísticos inerentes à estrutura da língua; e Teoria da Argumentação no Discurso, que propõe uma abordagem discursiva da argumentação e parte do princípio da interação entre os interlocutores do discurso. Como já dito anteriormente, é essa última abordagem que norteará a presente investigação, já que não nos interessa analisar os mecanismos argumentativos relativos à estrutura do sistema linguístico, mas sim o funcionamento discursivo da argumentação nas práticas sociais de linguagem. Isso porque, como acertadamente propôs Bakhtin (2003), a verdadeira substância da língua não é constituída por um sistema abstrato de formas linguísticas nem pela enunciação monológica isolada ou mesmo pelo sistema psicofisiológico de sua produção, mas pelo fenômeno social da interação verbal realizada através da comunicação. As principais bases teóricas da argumentação no discurso estão presentes no Tratado da Argumentação, de Chaïm Perelman e Lucie Olbrechts-Tyteca, escrito em 1958 e publicado em 1970, mais de uma década depois de sua escritura. Nessa obra, esses autores recuperam – e ressignificam – vários conceitos da Retórica Aristotélica, tais como auditório, orador, lugares argumentativos e os aplicam à funcionalidade de qualquer tipo ou gênero do discurso. Partindo de uma concepção interacionista de linguagem, os fundadores da Nova Retórica se interessam pelo estudo das práticas discursivas, considerando os aspectos sociais, históricos, dialógicos e ideológicos das teses defendidas pelos interlocutores em seus processos de discursivização. Para Perelman e Tyteca (1996, p. 50),

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O objetivo de toda argumentação [...] é provocar ou aumentar a adesão dos espíritos às teses que se apresentam a seu assentimento: uma argumentação eficaz é a que consegue aumentar essa intensidade de adesão, de forma que se desencadeie nos ouvintes a ação pretendida (ação positiva ou abstração) ou, pelo menos, crie neles uma disposição para a ação que se manifestará no momento oportuno.

Depreende-se do exposto que a argumentação, nos termos da Nova Retórica, deve ser entendida como uma ação humana, uma ação que implica o ato de convencer e/ou persuadir o outro sobre a validade de uma opinião defendida. Para ser efetivada, esta ação necessita de uma interação entre o orador e um auditório, em situações reais de uso da linguagem. Assim, o próprio ato de argumentar, conforme defende Souza (2008), envolve tanto uma tese – a parte racional do discurso – (logos) a ser defendida por um orador, como a imagem que ele tem de seu auditório (pathos), bem como a sua autoimagem (ethos). E é nesse processo de interação que o orador visa à adesão de seu interlocutor, por meio de argumentos plausíveis, às teses que lhes são apresentadas.

1.4 O auditório e a dialogia na linguagem: aspectos de Perelman e Bakhtin

Como anunciou Bakhtin no início do século passado, a linguagem, por natureza, é essencialmente dialógica. O diálogo não é aqui compreendido enquanto conversa espontânea que caracteriza a interação, como mostra Faraco (2009), mas o diálogo entre seres situados, marcados pela história. É o diálogo que travamos entre o locutor e o seu auditório em qualquer enunciação, seja ela falada ou escrita, dirigida ou não a um público imediato. É a interação social que caracteriza o ato de enunciação e que se dá em processos variados. Segundo Souza (2003), ao enunciar, o locutor estabelece um diálogo com os discursos alheios, com vários enunciados que circulam na sociedade e, também, com um auditório definido, ou seja, com o outro, com um interlocutor para quem o seu discurso é dirigido numa situação concreta imediata. Como a argumentação propende obter a adesão daqueles a quem se direciona o discurso, ela é, por assim dizer, essencial e inteiramente relativa ao auditório que procura influenciar. Esse auditório, para Perelman & Tyteca (1996, p.

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22), corresponde ao “conjunto daqueles que o orador quer influenciar com sua argumentação”. Com efeito, ao construir seu discurso, consciente ou inconscientemente, o orador pensa e procura conhecer os sujeitos que constituem seu auditório e que, portanto, precisa convencer e/ou persuadir. Para tanto, o orador precisa considerar os valores de seu auditório e, assim, criar com ele um vínculo de confiança e aceitabilidade, uma predisposição ou disponibilidade do auditório para ouvir seus argumentos. Nessa conquista, orador e auditório estabelecem um acordo, que se efetiva ou se delimita por objetos que colocam ambos numa mesma esfera de compreensão. Isso é fundamental para que a argumentação não seja concebida como uma violência que o orador exerce sobre seu auditório, mas sim como a arte de convencer e persuadir esse auditório, considerando suas especificidades. Os autores acima citados retomam a noção de auditório (pathos) dos estudos aristotélicos, desdobrando-a em dois tipos de auditórios: o primeiro, constituído pela humanidade inteira ou pelo menos por membros mais competentes e razoáveis (homens adultos e normais) de uma sociedade, é chamado de auditório universal; o segundo, denominado de auditório particular, é composto por uma equipe mais definida de ouvintes com interesses compartilhados (ou não) ou mesmo por um único interlocutor para quem se dirige o discurso do orador. Para Perelman & Tyteca (1996), a principal diferença entre esses dois tipos de auditórios está no fato de que o primeiro representa um grupo de indivíduos sobre os quais o orador não consegue controlar as variáveis (gênero, quantidade, classe social, profissão, nível de instrução, diferentes culturas). É o caso, por exemplo, do público que assiste a um programa de televisão: eles são constituídos por homens e mulheres de todas as classes sociais, de idades diferentes, profissões as mais diversas, níveis de instrução variados e distintas regiões do país. Inversamente ao anterior, no auditório particular, o orador consegue ser sensível às crenças e juízos de valor comuns a um determinado grupo no momento de selecionar os argumentos mais adequados para se obter a adesão. É o que ocorre, por exemplo, em uma turma de alunas do segundo ano de uma

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determinada escola: trata-se de pessoas jovens, do sexo feminino, com o mesmo nível de escolaridade e com interesses compartilhados5. Conforme propõe Souza (2003), a concepção de auditório dos fundadores da Nova Retórica se aproxima com a atualização desses conceitos retóricos proposta por Bakhtin (2006). Esse último autor também entende o auditório como elemento essencial a toda forma de comunicação humana, podendo ser classificado em auditório social e auditório médio. O primeiro compreende um público alvo a quem o orador se dirige, isto é, um interlocutor bem estabelecido e construído “pelo mundo interior e pela reflexão de cada indivíduo”. O auditório médio refere-se a um interlocutor menos definido, no qual “o interlocutor ideal não pode ultrapassar as fronteiras de uma classe e de uma época bem definidas” (BAKHTIN, 2006, p. 112). Acompanhando o pensamento de Souza (2003, 2008), é possível perceber que entre Bakhtin e Perelman e Tyteca há aproximações e distanciamentos teóricos. Esses autores adotam uma concepção interacionista e dialógica de linguagem e adotam o conceito aristotélico de auditório, classificando-o, inclusive, em dois tipos que se assemelham: o auditório particular se assemelha ao auditório social e o auditório universal se assemelha ao auditório médio. Entretanto, apesar das analogias, as propostas desses autores se distanciam quanto ao foco de investigação de cada teoria. Enquanto Bakhtin prioriza o aspecto sócio-histórico e ideológico da linguagem, focalizando a relação dialógica dos discursos e a multiplicidade dos sujeitos falantes, Perelman e Tyteca destacam o caráter argumentativo das práticas discursivas, o poder de convencimento que o orador apresenta mediante o emprego de técnicas específicas que buscam a adesão do auditório a determinada tese. Essas especificidades de cada autor não devem ser vistas, conforme defende Souza (2008), como discrepâncias de suas teorias, mas como particularidades próprias de cada uma delas. E é assim que as compreendemos, como abordagens complementares.

1.5 Os lugares argumentativos

5 Exemplos retirados de Abreu (2006).

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Retomados por Perelman e Tyteca (1996) da Retórica Aristotélica, os lugares argumentativos (ou lugares-comuns) correspondem a premissas de ordem bastante genérica utilizadas pelo orador para estabelecer acordos com o auditório e, consequentemente, assegurar a adesão a determinados valores. Esses são os lugares de onde os oradores extraem os argumentos para constituírem seus discursos e defenderem suas teses. Em Tópicos, Aristóteles apresenta vários lugares argumentativos, “que podem servir de premissas para silogismos dialéticos ou retóricos” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 95). Dentre os principais lugares citados por esse filósofo, destacam-se o lugar do acidente, da definição, do próprio, da divisão, da etimologia, do gênero, da espécie, da diferença, da propriedade, da casualidade e dos termos contrários. Entretanto, conforme defendem os autores acima citados, esses lugares parecem ser bastante particularizados, vinculados a uma metafísica particular do próprio Aristóteles. Por isso, eles propõem, na Nova Retórica, lugares que possam ser aplicados a sociedades diversas, independentemente das crenças e dos valores dos indivíduos a elas pertencentes. Para Souza (2008), a classificação apresentada pelos fundadores da Nova Retórica tem a finalidade de colaborar com o entendimento e domínio geral da argumentação e de se prestar a todos os auditórios: lugares da quantidade, da qualidade, da ordem, do existente, da essência e da pessoa. O lugar da quantidade consiste em afirmar que qualquer coisa vale mais ou é melhor que outra em função de razões quantitativas. Esse lugar parte do princípio de que um bem útil a um número elevado de pessoas ou fins tem mais valor do que um bem que serve apenas a um pequeno número. A noção de superioridade presente nesse axioma e, consequentemente, no lugar da quantidade, aplica-se tanto aos valores positivos como aos negativos, “no sentido de que um mal duradouro é um mal maior do que um mal passageiro” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 97). Assim, como exemplifica Ferreira (2010), um candidato a um cargo político pode, pelo lugar da quantidade, mostrar que recebeu um grande número de votos no pleito anterior e isso se deve à sua superioridade sobre os demais candidatos. Do mesmo modo, outro candidato pode alegar ter recebido um menor número de votos, mas servido a um número

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significativo de eleitores, e assim o mérito está não no número de votos, mas na quantidade de pessoas às quais se prestam serviços. Contrariamente ao lugar acima apresentado, o lugar da qualidade, menos apreensível, aparece na argumentação quando se contesta a virtude ou o poder dos números. Consiste na afirmação de que algo se impõe sobre os demais de sua espécie não porque é quantitativamente superior a eles, mas por ter mais qualidade, porque é único, raro, diferente, original. “E apresentar algo como difícil ou raro é um meio de valorizá-lo” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 101). Um exemplo prototípico do lugar de qualidade é o de um animal de estimação: um gato, de um modo geral, é apenas um exemplar comum da espécie dos felinos, mas para a criança a quem ele pertence, é um exemplar único, que não pode ser substituído por nenhum outro de sua espécie, mesmo que apresente semelhanças ou as mesmas características físicas. Ele é único e o que parece tão singular se torna algo precioso, de exímio e incalculado (quantitativamente) valor. O lugar da ordem se sustenta na ideia de superioridade do anterior sobre o posterior, da causa sobre o efeito, do princípio sobre o fim. “O que é causa é razão de ser dos efeitos e, por isso, lhes é superior” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 105). De acordo com esses autores, muitas das discussões filosóficas giram em torno da definição do que foi dito antes e do que vai ser dito depois, para, a partir de então, extrair conclusões quanto à predominância de um aspecto sobre o outro. Além disso, muitos dos fundamentos de jogos e competições, bem como a valorização das grandes invenções da humanidade também se enquadram no lugar da ordem. Em uma competição que envolve corridas, por exemplo, vence aquele que alcançar o primeiro lugar e, consequentemente, será posto em uma posição hierárquica superior aos demais lugares. Assim como o lugar da ordem, o lugar do existente também se fundamenta na noção de superioridade: o que existe, o que é atual e o que é real são superiores ao que não existe, ao possível, ao eventual ou mesmo ao impossível. Por centrar-se na ideia de existência, esse lugar não dá credibilidade a suposições, idealizações, hipóteses ou possibilidades. Não interessa aquilo que poderia ter existido ou aquilo que ainda poderá existir, mas vale aquilo que realmente existe, pois este último é hierarquicamente superior ao primeiro. Muitos dos ditos populares frequentemente utilizados pela sociedade ocidental se sustentam no

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lugar do existente, tais como mais vale um pássaro na mão do que dois voando ou é melhor prevenir do que remediar-se. O lugar da essência, por sua vez, não corresponde “a atitude metafísica que afirmaria a superioridade da essência sobre cada uma de suas encarnações, o que é fundamental num lugar da ordem” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 106), mas afirma a superioridade dos indivíduos que melhor representam a classe a que pertencem, pois são seres modelos, caracterizados por uma essência própria e apresentam as marcas prototípicas de sua espécie. Para Abreu (2006), os concursos de misses, os vultos históricos, os galãs ou estrelas de cinema e até mesmo os objetos de consumo de marcas famosas, tidos como legítimos, bons e caros, exemplificam no lugar da essência, pois representam o melhor ser ou produto da categoria da qual fazem parte. Por último, o lugar derivado do valor da pessoa afirma a ideia de que há uma superioridade das pessoas em detrimento das coisas: “Primeiro as pessoas, depois as coisas” (ABREU, 2006, p. 91). As pessoas são melhores que as coisas porque seus atos se sustentam em valores vinculados à dignidade, à autonomia, à coragem, ao senso de justiça. Para o autor acima citado, é nesse lugar que se fundamentam, por exemplo, as leis que asseguram os direitos humanos ou os estatutos de direito de grupos sociais específicos.

1.6 As teses e os efeitos de sentido

O empreendimento de análise dos argumentos presentes em determinados discursos exige, dentre outros procedimentos, que admitamos certas definições operacionais, que nos permitem adentrar os meandros dos efeitos argumentativos. Dentre essas definições, é fundamental assumirmos uma noção clara de tese, pois, no processo dialógico argumentativo, ela se apresenta como um elemento axial: o logos, ou seja, o lado racional da argumentação (SOUZA, 2008). As teses são tão centrais que, nos termos de Perelman e Tyteca (1996), todo processo argumentativo procura provocar ou aumentar a adesão dos espíritos – seus interlocutores – às teses que se apresentam ao seu assentimento. Assim, as teses parecem funcionar como elementos que permitem ao orador dialogar com seus interlocutores, de modo que, nesse diálogo, aquele pretende convencer esses

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últimos da veracidade de seus argumentos e de sua tese (logos) ou ainda interpelá-los (pathos) a agir de uma forma por ele desejada (ethos). Nesse sentido, como defende Ide (2000, p. 51), “a tese define-se, pois, como uma proposição (uma frase) que formula precisamente o que diz o discurso (e de maneira mais geral, o que diz a inteligência em face da realidade), tendo em vista enunciar o verdadeiro ou o falso”. A priori, a tese assume a função de formular o que diz o discurso, constituindo o que se pode chamar de problemática (para este e outros autores, tese e problemática devem ser concebidas como expressões equivalentes) ou ideia geral do discurso. Entretanto, o objetivo último e principal de uma tese, conforme propõe o autor acima citado, é dizer, no dito (discurso), o verdadeiro ou falso, o verossímil ou o plausível. Ademais, a tese permite que o interlocutor construa uma melhor avaliação crítica do pensamento do autor. Por isso, como defende Souza (2003), quando se identifica uma tese e a confronta com as técnicas argumentativas utilizadas pelo orador, se encontrará não só a ideia central, mas também, e principalmente, outros efeitos de sentido, às vezes contraditórios, dos discursos, inscritos em seu processo argumentativo. Ainda acompanhando o pensamento de Ide (2000, p. 73), há alguns critérios essenciais que devem ser aplicados no processo de identificação de uma tese, os quais descrevemos abaixo:

Em geral, uma única palavra exprime a idéia. Procure a idéia que: - é a mais verossímil; - é a mais unificadora dos diversos aspectos do texto; - é teoricamente única, se o texto for bem construído; - responde à questão: “o que se diz disso?”

Esses critérios sugerem que, quando se analisa um discurso, a tese deve ser buscada na ideia central, na mais verossímil e mais provável, naquela em que os argumentos utilizados colaboram para a sua delimitação, naquela que resume e, concomitantemente, representa todos os demais elementos do discurso. Para Souza (2008, p. 67), “a tese se apresenta no texto como a proposição mais unificadora, a que enuncia as nuances sócio-ideológicas do orador e os efeitos argumentativos do próprio texto”. Assim, a tese corresponde aos principais efeitos

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de sentido de cada discurso que revelam os discursos situados em determinados momentos históricos e temporais e argumentativamente construídos no discurso. Entretanto, é preciso dizer que os efeitos de sentido não estão dispostos nas teses – e nos discursos, de forma geral – em si. Como defende Possenti (2001), não há sentido pronto e estável em um discurso, uma vez que ele sempre retoma outro(s) discurso(s), outro(s) sentido(s) e, ainda, porque os sentidos são construídos na interação do orador (sujeito histórico-ideológico) com o auditório social e com outros discursos. Nesses termos, o sentido jamais pode ser visto como algo prévio, pronto, a partir da forma da língua, mas, ao contrário, o sentido é, antes de tudo, um efeito, e, além disso, “o (efeito de) sentido nunca é o sentido de uma palavra, mas de uma família de palavras que estão em relação metafórica (ou: o sentido de uma palavra é o conjunto de outras palavras que mantêm com ela uma certa relação)” (POSSENTI, 2001, p. 50). Portanto, os efeitos de sentido de um discurso são determinados pelas posições ideológicas dos sujeitos envolvidos no processo sócio-histórico no qual as palavras, expressões, proposições ou teses são produzidas ou defendidas.

1.7 As técnicas argumentativas

As técnicas argumentativas podem ser compreendidas como recursos discursivos empregados por um orador na produção de um discurso, tendo como finalidade a defesa de uma determinada tese. Como propõem Perelman e Tyteca (1996), as técnicas argumentativas ajudam a provocar ou aumentar a adesão das pessoas às teses que são apresentadas à sua aceitação. Geralmente, em cada discurso, uma técnica funcionará como axial, constituindo a própria tese a ser defendida, mas jamais essa técnica será exclusiva, pois outras reforçarão a argumentação principal. Na verdade, quando o orador define a estrutura argumentativa de seu discurso e adota, mesmo que inconscientemente, uma técnica argumentativa como central, as outras não serão descartadas, mas funcionarão como técnicas argumentativas de ancoragem, como elementos de ligação entre as teses de adesão inicial e a tese principal (COVRE, 1997). De acordo com Perelman e Tyteca (1996), de modo geral, as técnicas argumentativas constituem quatro grandes grupos de argumentos, que podem ser

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classificados por meio de associações (os três primeiros grupos) e dissociações de ideias (o último grupo): i) argumentos quase-lógicos; ii) argumentos baseados na estrutura do real; iii) argumentos que fundamentam a estrutura do real; e iv) os argumentos por dissociação de noções. A seguir, abordaremos, mesmo que de forma abreviada, considerando a extensão do presente trabalho, as principais características de cada uma dessas técnicas argumentativas.

1.7.1 Argumentos quase-lógicos

Os argumentos quase-lógicos, como o próprio nome sugere, são aqueles amparados por princípios lógicos, que pretendem encerrar força de convicção por se apresentarem comparáveis a raciocínios formais, matemáticos ou lógicos. Para Perelman e Tyteca (1996, p. 220), nos argumentos quase-lógicos, “o orador designará os raciocínios formais aos quais se refere prevalecendo-se do prestígio do pensamento lógico, ora estes constituirão apenas uma trama subjacente”. Por obedecerem a regras lógicas, esses argumentos estabelecem, de acordo com Robrieux (1993), pontes entre definições, comparações e distinções com os princípios de identidade (a = a ≠ b) e não identidade (a ≠ b). Assim, os argumentos quase-lógicos, com sua aparência lógica, procuram a identidade ou a transitividade. Por serem quase-lógicos, esses argumentos apresentam uma estrutura lógica bastante próxima daquela dos argumentos baseados na lógica formal (de validade reconhecida, aceita e incontestável), mas, diferentemente desses, eles podem ser refutados, pois não possuem o mesmo rigor e o valor conclusivo daqueles. Assim, “ao contrário dos princípios lógicos da demonstração matemático-científica, os argumentos quase-lógicos podem ser rejeitados, demonstrando-se que não são „puramente‟ lógicos” (REBOUL, 2004). E não são inteiramente lógicos porque a própria linguagem não pode ser considerada como inteiramente unívoca. Na verdade, é impossível eliminar da linguagem todas as formas de ambiguidade e as várias possibilidades de interpretação que ela pode apresentar. A seguir, vejamos, conforme apontado por Perelman e Tyteca (1996), as modalidades em que esses argumentos podem se apresentar.

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(i) Argumento de contradição e de incompatibilidade

O argumento de contradição e de incompatibilidade permite ao orador demonstrar que a tese de adesão inicial, com a qual o auditório previamente concordou, é compatível ou incompatível com a tese principal (ABREU, 2006). A contradição faz com que o sistema se torne incoerente e, desse modo, inutilizável, porque a incoerência faz com que uma tese seja refutada. Assim como ocorre com a contradição formal, o argumento de contradição apresenta duas teses: uma de negação e outra de afirmação para serem aplicadas simultaneamente a uma mesma realidade, de modo que há incompatibilidade em harmonizar tais ideias. Essa incompatibilidade, para o autor acima citado, obriga a uma escolha que sempre é penosa, pois o orador precisará sacrificar uma das duas regras – a não ser que se renunciem as duas, o que acarreta muitas vezes novas incompatibilidades – ou então, cumpre recorrer a diversas técnicas que permitem remover as incompatibilidades e que se pode qualificar de trato (acordo), no sentido mais amplo do termo, porém, na maioria das vezes, também acarretam um sacrifício. De acordo com Perelman e Tyteca (1996), ainda existem algumas situações particularmente interessantes em que a incompatibilidade não opõe, reciprocamente, regras diferentes, mas uma regra a consequências resultantes do próprio fato de ter sido ela afirmada. Esse tipo de incompatibilidade é denominado por esses autores de autofagia. Nesse caso, o orador não precisa apresentar contra-argumentos que refutem o argumento apresentado pelo adversário ou mesmo utilizar os argumentos do adversário contra ele próprio. Na verdade, o orador procura mostrar que o enunciado do adversário se destrói por ele mesmo, ou seja, não possui sustentação lógica, pois é frágil e, portanto, pode ser refutado por si só. Segundo Souza (2003), a autofagia corresponde a uma batalha que o orador trava com o outro (outro discurso ou outro orador), refutando-lhe a argumentação, provando a ineficiência e fragilidade dela, em prol da tese. O uso mais célebre da autofagia é a retorsão, que consiste em utilizar um argumento para mostrar que “o ato empregado para atacar uma regra é incompatível com o princípio que sustenta esse ataque” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 231). A retorsão é utilizada pelo orador de um discurso para retomar o

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argumento do adversário, mostrando que, na verdade, esse é aplicável contra ele mesmo. Dito de outro modo, a retorsão corresponde a uma resposta que se dá aos argumentos com os quais o interlocutor quis rebater uma tese apresentada pelo orador, servindo-se, para tal, desses mesmos argumentos. E assim, há uma contradição, uma incompatibilidade que expõe o orador ao ridículo. O argumento pelo ridículo, por sua vez, é aquilo que merece ser sancionado pelo riso. Trata-se de uma forma de condenar um comportamento excêntrico, que não se julga bastante grave ou perigoso para ser reprimido com meios violentos. Por isso, Perelman e Tyteca (1996) consideram o ridículo como a arma mais poderosa de que o orador dispõe contra os interlocutores que podem, provavelmente, abalar-lhe a argumentação, recusando-se, sem razão, a adesão à determinada premissa de seu discurso. O ridículo consiste em admitir provisoriamente uma tese oposta àquela que se deseja defender, em desenvolver- lhe as consequências, em mostrar a incompatibilidade dessas com o que se crê e em pretender passar daí a verdade que se sustenta. Portanto, o argumento pelo ridículo expõe a tese do outro à condição de incompatível, contraditória, infundada e irrelevante.

(ii) Argumento por identidade e definição

Conforme Perelman e Tyteca (1996), a identificação de elementos que são objetos de um determinado discurso corresponde a uma das técnicas essenciais da argumentação quase-lógica. Essa técnica consiste em definir um termo dando- lhe uma identificação, isto é, indicando qual o sentido conferido a uma palavra em um determinado meio e em um determinado momento. Entretanto, a identificação de um termo em relação a outro, por mais próximo ou verossímil que seja, jamais revela uma identidade pura, pois sempre será uma preferência ou um posicionamento do orador, um recorte possível, seja ele de caráter descritivo, normativo ou de outro tipo. E se a definição implica uma escolha por parte do orador, revela um direcionamento, uma subjetividade implícita que é inerente ao processo de argumentação. O procedimento mais característico de identificação corresponde ao recurso das definições, que funcionam, pois, como argumentos quase-lógicos. Perelman e

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Tyteca (1996, p. 238) afirmam que não podemos conceber ou compreender essas definições como “fundamentadas na evidência de relações nocionais, pois isso suporia a clareza perfeita de todos os termos cotejados”. Além de não se sustentarem em noções lógico-matemáticos, também é preciso entender que nessas definições não há inteira clareza de todos os termos cotejados, pois elas podem ser utilizadas tanto em prol de defesa como para combater determinada tese. De um modo geral, essas definições são classificadas em quatro categorias, que descreveremos abaixo:

a) Definições normativas: “indicam a forma em que se quer que uma palavra seja utilizada”. Essa palavra pode ter um valor individual, pode ser uma ordem destinada aos outros ou uma regra que se crê que deveria ser seguida por todos. E, justamente por isso, uma definição normativa sempre partirá de um acordo prévio com o auditório. b) Definições descritivas: “indicam qual o sentido que se atribui a uma palavra, num certo momento, num determinado meio”. Essas definições podem ser verdadeiras ou falsas, uma vez que podem não descrever realmente o objeto. c) Definições de condensação: “indicam elementos essenciais das definições descritivas”. d) Definições complexas: “combinam, de forma variável, elementos das três espécies precedentes” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 239).

Esses autores ainda ressaltam que o caráter argumentativo dessas definições pressupõe a possibilidade de definições múltiplas e variadas de um mesmo termo, extraídas do uso ou criadas pelo orador, dentre as quais ele pode fazer uma opção por apenas uma delas, desde que apresente as condições suficientes da aplicação desse termo. Após escolhida determinada definição, seja ela apresentada como óbvia ou defendida por argumentos, será considerada expressão de uma identidade, pois, como argumentos quase-lógicos, as definições podem conter apenas o que interessa ao orador e podem ser justificadas.

(iii) Argumento por analiticidade e tautologia

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Para os fundadores da Nova Retórica, ao se empregar a técnica argumentativa de determinada definição, pode-se considerar analítica a igualdade estabelecida entre expressões declaradas sinônimas. Entretanto, essa analiticidade terá, no conhecimento, o mesmo estatuto da definição da qual depende. Nesse sentido, quando se admite a igualdade de duas expressões, para substituir, por juízo de análise, uma pela outra, de modo que o valor das proposições em que essas expressões aparecem não sofra alteração, a analiticidade de um juízo só poderá ser afirmada, sem correr o risco de cometer equívocos, numa língua em que novos usos linguísticos já não ameaçam introduzir-se definitivamente na linguagem formal dessa língua. Na verdade, toda análise, “na medida em que não se apresenta como convencional, pode ser considerada uma argumentação quase-lógica, utilizando quer definições, quer um procedimento por enumeração, que limita a extensão de um conceito aos elementos relacionados” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 243). Além da analiticidade, outro argumento que também está relacionado às definições é a tautologia, que corresponde à apresentação de uma “afirmação como resultado de uma definição, de uma convenção puramente linguística, que nada ensina no tocante às ligações empíricas que um fenômeno pode ter com outros” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 245). Ainda de acordo com esses autores, a tautologia pode parecer evidente e voluntária, como em enunciados do tipo “um tostão é um tostão”, “crianças são crianças”. Nesses casos, denominados de tautologia aparente, os termos apresentam identidade formal, mas serão interpretados com significados diferentes, desde que o enunciado apresente algum interesse para o interlocutor. E é justamente por isso que a tautologia tem um aspecto quase-lógico, porque, inicialmente, apresenta termos unívocos, mas após serem interpretados, serão compreendidos de maneiras diferentes.

(iv) Argumento por regra de justiça e por reciprocidade

O argumento por regra de justiça, conforme Perelman e Tyteca (1996), se fundamenta no princípio de que seres de uma mesma espécie, completamente intercambiáveis e integrados em uma mesma categoria, devem ter direitos iguais,

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pois na identidade está a legítima causa para a justiça, que permite julgar como justos ou injustos os atos de alguém, apontando como injustos certos comportamentos diferentes para situações semelhantes. Entretanto, esse tipo de argumento provoca certos conflitos, pois não existe uma identidade realmente unívoca entre os seres, mesmo que eles sejam idênticos. Na verdade, para Perelman e Tyteca (1996, p. 248), “os objetos sempre diferem em algum aspecto, e o grande problema, o que suscita a maioria das controvérsias, é decidir se as diferenças constatadas são não irrelevantes ou se os objetos não diferem pelas características que se consideram essenciais”. Numa relação direta com a regra de justiça está o argumento de reciprocidade, que visa aplicar um mesmo tratamento a duas situações correspondentes. Nesse tipo de argumento, em situações consideradas simétricas, o orador pode recorrer ao princípio da reciprocidade, que se baseia nas relações entre o antecedente e o consequente de uma mesma relação. Essa simetria ocorre quando uma proposição conversa lhe é idêntica, ou seja, quando a mesma relação pode ser estabelecida entre a e b e entre b e a, de modo que a ordem do antecedente e do consequente pode ser invertida. De acordo com Souza (2003), a reciprocidade dá-se, sempre, por argumentos construídos a partir de uma relação quase-lógica, isto é, a própria simetria em pauta é amparada no processo argumentativo e construída discursivamente.

(v) Argumentos que se apoiam em raciocínios matemáticos: transitividade, inclusão e divisão

Alguns argumentos quase-lógicos se apoiam em raciocínios matemáticos para apresentarem determinada conclusão. É o caso dos argumentos por transitividade, inclusão da parte no todo e divisão do todo em partes. A transitividade ocorre quando uma ideia ou noção transita de um termo a outro ou de uma situação para outra. Nas palavras de Perelman e Tyteca (1996, p. 257), “a transitividade é uma propriedade formal de certas relações que permite passar da afirmação de que existe uma mesma relação entre os termos a e b e entre os termos c e d, à conclusão de que ela existe entre os termos a e c”. Dizendo de outro modo, se uma proposição a é igual a uma proposição b (a=b) e se a proposição b é igual a uma proposição c (b=c), logo a proposição a também é igual

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à proposição c (a=c). As relações que se estabelecem entre essas proposições, que podem ser de igualdade, de superioridade, de inclusão e de ascendência, podem ser compreendidas como relações transitivas. De acordo com Perelman e Tyteca (1996), a relação de inclusão pode ocorrer de duas maneiras específicas: por meio da inclusão das partes num todo e por meio da divisão do todo em suas partes e as relações entre as partes resultantes dessa divisão. No primeiro caso, o argumento por inclusão da parte no todo se fundamenta na ideia de totalidade para afirmar que “o todo vale mais que uma parte” ou que “o que não é permitido ao todo não é permitido à parte” (PERELMAN, 1993, p. 89). Esse tipo de argumento se limita a confrontar o todo com uma de suas partes, sem se preocupar em atribuir nenhuma qualidade específica a determinada parte ou ao conjunto, que é tratado como igual às suas partes. Portanto, no argumento de inclusão, importa analisar apenas as relações que possibilitem uma comparação quase-matemática – e, por isso, quase-lógica – entre o todo e suas partes. O argumento por divisão do todo em partes, como o próprio nome indica, se fundamenta no princípio de que um todo pode ser provado por partes, pois apresenta a mesma propriedade. Para Perelman (1993), no argumento por divisão, as partes podem ser relacionadas de maneira exaustiva, mas também podem ser escolhidas conforme queira o orador e de modo muito variado, contanto que sejam capazes, mediante adição, de reconstituírem um conjunto dado. Esse argumento, assim como o argumento da transitividade e o de inclusão, também assume um caráter quase-matemático, para o qual a divisão do todo em partes surge como forma de orientação argumentativa (SOUZA, 2003).

(vi) Argumento de comparação

“A argumentação não poderia ir muito longe sem recorrer a comparações, nas quais se cotejam vários objetos para avaliá-los um em relação ao outro” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 274). Na verdade, a comparação é uma das principais armas da argumentação, pois, através dela, como defende Souza (2003), o orador pode avaliar e julgar vários objetos (pessoas, coisas, dentre outros) relacionando-os mutuamente. Mesmo que semelhantes, o argumento de

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comparação não deve ser compreendido como equivalente aos argumentos por identificação ou definição (apresentados anteriormente) ou como argumentos do raciocínio por analogia, nos quais se apresentam dois objetos equivalentes, sem lhes atribuir valores. No argumento de comparação, o orador confronta realidades concretas entre si conferindo-lhes um valor axiológico, o que é muito mais suscetível de prova do que uma simples comparação por semelhança ou analogia.

1.7.2 Os argumentos baseados na estrutura do real

Os argumentos que se baseiam na estrutura do real, diferentemente dos quase-lógicos, não se fundamentam na lógica e na matemática, mas na experiência, nos elos ou ligações existentes entre as coisas do mundo real. Eles se utilizam de “validades” que se apresentam na própria sociedade “[...] para estabelecer uma solidariedade entre juízos admitidos e outros que se procura promover” (PERELMAN e TYTECA, 1996, p. 298). Essas ligações, ao serem enunciadas, produzem efeitos de sentido argumentativamente orientados. Por isso, segundo Perelman (1993, p. 97), “desde que haja elementos do real associados uns aos outros numa ligação reconhecida, é possível fundar nela uma argumentação que permite passar daquilo que é admitido ao que se quer admitir”. As ligações podem ser de sucessão (vínculo causal, argumento pragmático, os fins e os meios e os argumentos de desperdício, da direção e da superação), de coexistência (o argumento da pessoa e seus atos, da autoridade, das técnicas de ruptura e refreamento) e de ligações simbólicas (das hierarquias e das diferenças de grau e ordem).

(i) As ligações de sucessão

As ligações de sucessão pressupõem um vínculo causal entre acontecimentos sucessivos seja pela evidência de um efeito seja pela descoberta de uma nova causa. Nessas ligações, “partindo da afirmação de um vínculo entre fenômenos, a argumentação pode dirigir-se para a procura de causas, para a determinação de efeitos e para a apreciação de um fato pelas suas conseqüências” (PERELMAN, 1993, p. 97). Portanto, os argumentos que são

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construídos por essas ligações se estruturam nas relações de causa-efeito e consequência-finalidade e essas relações se baseiam justamente em dados ou fatos da vida real, do dia adia dos interlocutores. De acordo com Perelman (1993), alguns argumentos utilizam essas ligações de sucessão. É o caso do argumento pragmático, do argumento de desperdício, do argumento de direção e do argumento de superação. O primeiro, argumento pragmático, permite analisar algo a partir de suas consequências favoráveis ou desfavoráveis. Esse argumento desempenha um papel essencial na argumentação, de modo que, conforme Perelman e Tyteca (1996), muitos autores quiseram ver nele o esquema único da lógica dos juízos de valor. Isso porque o argumento pragmático inspira credibilidade por ser bastante verossímil e presumir confiança. E, como afirma Reboul (2004, p. 174), “a verdade é a crença que nos presta serviço”. O argumento de desperdício se refere à sucessão dos argumentos e consiste em dizer que, uma vez que já se iniciou algo, “que já se aceitaram sacrifícios que perderiam em caso de renúncia à empreitada” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 317), cumpre prosseguir na mesma direção para não perder o tempo e o investimento, mesmo que apareçam certas “pedras” no meio do caminho. Para esses autores, é essa a justificativa apresentada, por exemplo, pelo banqueiro que continua emprestar ao seu devedor insolvente, esperando, no final das contas, ajudá-lo a sair do aperto. O argumento de direção, por sua vez, busca, conforme Perelman e Tyteca (1996), estabelecer relações de causa entre os fins e os meios, fundamentando-se na ideia de finalidade, ou seja, de que o valor de uma coisa depende da finalidade a que se destina e não, necessariamente, do (s) meio (s) ou da (s) etapa (s) que a originou. Nesse tipo de argumento, mesmo se admitindo a inofensividade de uma coisa, ela deve ser rejeitada, pois servirá de meio para um fim que não é desejado, mudando a direção almejada pelo orador. O argumento de direção aparece comumente em negociações entre estados, entre representantes patronais e operários, quando não se quer ceder à força, à ameaça ou à chantagem para se resolver determinado conflito. Por fim, o argumento de superação “desperta o temor de que uma ação nos envolva num encadeamento de situações cujo desfecho se receia” (PERELMAN,

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1993, p. 102). Esse tipo de argumento insiste na possibilidade de ir sempre mais longe num certo sentido, sem que se vislumbre um limite nessa direção e isso com um crescimento contínuo de valor. Portanto, quando se emprega um argumento de superação, o que interessa não é concretizar certo objetivo ou alcançar determinada etapa, mas sim continuar, superar, prosseguir em um sentido dado.

(ii) As ligações de coexistência

As ligações de coexistência, diferentemente das ligações de sucessão, que procuram unir elementos pertencentes a um mesmo plano fenomênico, buscam unir realidades de níveis desiguais, que estão ligadas às pessoas e aos seus atos, sendo que uma dessas realidades é mais fundamental ou explicativa do que a outra. É justamente o caráter mais estruturado, mais explicativo de uma dessas realidades que distingue as ligações de coexistência das ligações de sucessão. Dentre os principais argumentos pertencentes a estas ligações estão: o argumento da pessoa e seus atos, o argumento da autoridade e o argumento da essência. Para Perelman e Tyteca (1996, p. 337), “a reação do ato sobre o agente é capaz de modificar a nossa concepção da pessoa, em se tratando de atos novos que lhe atribuímos ou de atos antigos aos quais nos referimos”. Assim sendo, a imagem que o auditório constrói de um orador coincide com o conjunto de seus atos comuns. No entanto, como ressaltam os próprios autores, os atos não podem ser considerados como indícios reveladores do caráter íntimo de uma pessoa, “o qual seria invariável, mas inacessível sem o intermédio do ato” (p. 338). Na verdade, nem sempre é possível afirmar que os atos de uma pessoa revelam verdadeiramente sua imagem, porque os comportamentos humanos são ambíguos e não podem ser facilmente interpretáveis. Mesmo assim, o prestígio de uma pessoa está relacionado e é influenciado por seus atos ou comportamentos, que serão julgados como corretos ou incorretos pelo auditório. Muitos argumentos são influenciados ou condicionados pelo prestígio. É o caso, por exemplo, do argumento de autoridade, que utiliza os atos de uma pessoa ou de um grupo de pessoas como prova a favor de uma determinada tese defendida pelo orador. Nesse tipo de argumento, o prestígio, o caráter, o ethos do orador ou da pessoa a qual ele está fazendo referência é fator crucial para a

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validação de suas intenções e, consequentemente, para conseguir a adesão do auditório à tese principal. Portanto, a autoridade se baseia na vida e na moralidade que o orador ou a pessoa citada apresenta e, por isso, uma mesma autoridade pode ser valorizada ou desvalorizada conforme seus atos ou comportamentos coincidam ou não com a opinião do auditório. “A palavra de honra, dada por alguém como única prova de uma asserção, dependerá da opinião que se tem dessa pessoa como homem de honra” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 347). Diferentemente dos argumentos que se sustentam na relação ato-pessoa, há técnicas de ruptura e refreamento opostas a essa relação. De acordo com os autores acima citados, essas técnicas são postas em ação quando existe uma incompatibilidade entre “o que julgamos da pessoa e o que pensamos do ato, e recusamo-nos a operar as modificações que se imporiam, porque queríamos manter quer a pessoa ao abrigo da influência do ato, quer este ao abrigo da influência da pessoa.” (p. 353). Para impedir a reação do ato sobre o agente, a técnica de ruptura mais adequada consiste em considerar esse último como um ser perfeito, no sentido do bem ou do mal, concebendo-o como um deus ou um demônio, de modo que o ato não pode influenciá-lo. Por outro lado, para impedir a reação do agente sobre o ato, a técnica mais indicada é considerar o ato como uma verdade ou como a expressão de um fato incontestável, que, portanto, não pode ser influenciado pelo agente.

(iii) As ligações simbólicas

Conforme Perelman (1993, p. 115), na argumentação, as ligações simbólicas podem se aproximar das ligações de coexistência, “tal como existe entre o símbolo e o que ele evoca, e que se caracteriza por uma relação de participação, assente numa visão mítica ou especulativa de um todo do qual símbolo e simbolizando fazem igualmente parte”. Isso porque o símbolo não é instrumento meramente convencional, tal como ocorre com o signo. Diferentemente deste último, o símbolo apresenta um significado e um valor representativo. As ligações simbólicas acarretam transferências entre o símbolo e o simbolizado. “Quando a cruz, a bandeira, a pessoa do rei são encarados como

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símbolos do cristianismo, da pátria, do estado, essas realidades disputam um amor ou um ódio, uma veneração ou um desprezo” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 378). Sentimos que seriam praticamente incompreensíveis e ridículos se, com o caráter representativo que os símbolos apresentam, não estivessem relacionados a um vínculo de participação. Nesses casos citados acima, conforme esses autores, esse vínculo entre o símbolo e a coisa que ele representa torna-se indispensável para despertar o fervor patriótico ou religioso. Dentre os principais argumentos que se sustentam a partir desse tipo de ligação, podemos citar os argumentos das hierarquias e das diferenças de grau e ordem. As hierarquias, de acordo com os fundadores da Nova Retórica, constituem os acordos que servem de premissas aos discursos, podendo, também, argumentarem a propósito delas, mostrando que determinado termo deveria ocupar certo lugar de preferência a outro. Para isso, o orador se baseia numa correlação entre os termos de uma hierarquia discutida e os termos de uma hierarquia aceita, constituindo um argumento de hierarquia dupla. De acordo com Souza (2003), é estabelecendo uma escala de valores entre termos, e relacionando-os com outra escala, já admitida pela sociedade, que construímos a dupla hierarquia. Semelhante aos argumentos de hierarquias duplas, os argumentos concernentes às diferenças de graus e de ordens preocupam-se em mostrar que as hierarquias que servem àqueles primeiros argumentos podem ser qualitativas ou quantitativas. Essas últimas “só apresentam entre seus termos diferenças numéricas, diferenças de grau ou de intensidade, sem que haja entre um termo e o seguinte um corte devido ao fato de se passar a outra ordem” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 393). Portanto, nesse tipo de argumento o que importa é justamente considerar o valor eminente da distinção existente entre diferença de grau e diferença de ordem.

1.7.3 Os argumentos que fundamentam a estrutura do real

Os argumentos que fundamentam a estrutura do real correspondem àqueles que “generalizam aquilo que é aceite a propósito de um caso particular ou transpõem para um outro domínio o que é admitido num domínio determinado”

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(PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 297). Esses argumentos, diferentemente dos argumentos que se apóiam na estrutura do real, “criam-na, ou pelo menos a complementam, fazendo que entre as coisas apareçam nexos antes não vistos, não suspeitados” (REBOUL, 2004, p. 181). Eles lidam com argumentações fundamentadas pelo recurso ao particular (o argumento pelo exemplo, por ilustração, por modelo ou antimodelo) ou por raciocínios por analogia.

(i) Argumento pelo exemplo

O argumento pelo exemplo “implica certo desacordo acerca da regra particular que o exemplo é chamado a fundamentar, mas essa argumentação supõe um acordo prévio sobre a própria possibilidade de uma generalização a partir de casos particulares” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 399). Assim, esse tipo de argumento apresenta um caso particular e vai do fato à regra, ou seja, faz referência a um caso, um evento ou um acontecimento para se chegar a uma proposição maior, a uma conclusão, tendo como finalidade a adesão do auditório à tese que está sendo defendida. O argumento pelo exemplo pode ser apresentado de várias maneiras, mas, de acordo com esses autores, independentemente da maneira como ele for apresentado, em qualquer área do conhecimento em que se desenvolva a argumentação, o exemplo invocado deverá, para ser compreendido como tal, apresentar estatuto de fato, pelo menos provisoriamente. Isso porque se o argumento pelo exemplo se fundar apenas em um pressuposto ou em uma suposição, a validade do exemplo poderá perder sua credibilidade ou ser abalada, de modo que o argumento poderá ser recusado. Entretanto, na argumentação pelo exemplo, o argumento escolhido não pode, de forma alguma, ser contestado, uma vez que é esse exemplo que vai servir de fundamentação à conclusão (SOUZA, 2003).

(ii) Argumento pela ilustração

O argumento da ilustração pode ser confundido com o argumento pelo exemplo, mas ambos se diferem “em razão do estatuto da regra que uma e outro

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servem para apoiar” (PERELMAN &TYTECA, 1996, p. 407). A argumentação pela ilustração utiliza fatos ou eventos particulares para esclarecer o enunciado geral, buscando reforçar a adesão a uma regra reconhecida e aceita, diferentemente do argumento pelo exemplo, que fundamenta a regra. Além disso, enquanto o argumento pelo exemplo, em hipótese alguma, poderá ser refutado, a ilustração pode ser duvidosa, mesmo que deva impressionar a imaginação para impor-se à atenção. Isso porque o argumento de ilustração pode ser baseado em algo fictício, em uma suposição, já que não tem a função de provar a veracidade de uma regra nem de convencer o auditório a aderir a determinadas teses, mas invocar ou aumentar a adesão. E como a ilustração visa a aumentar a “presença na consciência”, isto é, aumentar a adesão do auditório à tese, concretizando uma regra abstrata por meio de um caso particular, é bastante comum a tendência de se ver nela uma imagem, “a vivid picture of an abstract matter6” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 410). Conforme Ferreira (2010), a ideia consiste em enriquecer o que resultou dum processo de generalização com a exposição de fotos, filmes, gravações, quadros, dentre outros elementos, que não só esclarecem a regra, mas também demonstram a sua aplicabilidade. Além disso, muitas vezes, a ilustração é definida pela repercussão afetiva que pode ter e o seu objetivo é facilitar a compreensão da regra.

(iii) Argumento pelo modelo e pelo antimodelo

A argumentação pelo modelo é uma variação do argumento pelo exemplo. Entretanto, nesse último tipo de argumento, um comportamento particular, em vez de servir de exemplo ou ilustração, como nos tipos de argumentos apresentados anteriormente, pode ser apresentado como um modelo a ser imitado. Entretanto, não é qualquer comportamento, fato, ação, evento, acontecimento ou pessoa que são dignos de serem imitados. Na verdade, de acordo com Perelman (1996, p. 123), “só se imitam aqueles que se admira, que têm autoridade, prestígio social, devidos à sua competência, às suas funções ou ao extracto social a que pertencem”. Assim sendo, para que alguém ou algo possa ser considerado como

6 Uma imagem vivida de um assunto abstrato (Tradução nossa).

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modelo precisa exercer certa admiração sobre o orador, apresentando condutas ou comportamento que inspirem prestígio social, de modo que “se alguém serviu de modelo é porque possui, portanto, certo prestígio, cuja prova pode ser fornecida por esse próprio fato” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 414). De modo inverso funciona o antimodelo, que ao ser apresentado como referência não sugere condutas que serão aprovadas pelo auditório, mas indica algo que deve ser evitado justamente porque foge dos parâmetros geralmente aceitos por esse auditório. “Se a referência a um modelo possibilita promover certas condutas, a referência a um contraste, a um antimodelo permite afastar-se delas” (PERELMAN & TYTECA, 1996, p. 417). Um exemplo comum de antimodelo, segundo Abreu (2006), é o do pai alcoólatra. Dificilmente um pai alcoólatra terá filhos alcoólatras, pois o horror ao antimodelo é tamanho que os filhos, na maioria das vezes, acabam se tornando totalmente abstinentes.

(iv) Argumento por analogia

A analogia corresponde à semelhança entre dois pares de termos, que são semelhantes, mesmo que pertençam a áreas distintas. Um desses pares, o mais conhecido, é denominado de foro, que serve de apoio para o raciocínio que será estabelecido. O outro, menos conhecido, é denominado de tema e conduz à conclusão (FERREIRA, 2010). Para Souza (2003, p. 79), “o argumento por analogia busca, na verdade, esclarecer o tema (o que se quer provar, o mais abstrato) pelo foro (algo concreto, sensível); é uma busca pela verdade, pela prova dos fatos, a partir de uma semelhança de relações”. Uma das principais formas de argumentar por analogia é utilizando a metáfora, que funciona como uma analogia através da qual podemos expressar elementos do tema e do foro como omissão de outros elementos (SOUZA, 2003). Para Perelman e Tyteca (1996, p. 453), tradicionalmente, a metáfora consiste em “transportar-se, por assim dizer, a significação própria de um nome para outra significação, que só lhe convém em virtude de uma comparação que existe na mente”. Na perspectiva da Nova Retórica, a metáfora deve ser concebida como uma analogia condensada, resultante da fusão de um elemento do foro com um dos elementos do tema. Portanto, segundo Souza (2003), é por corresponder a

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uma transferência parcial de sentido e a uma analogia, relacionando aspectos do tema ao foro, que a metáfora funciona como um argumento que fundamenta a estrutura do real.

1.7.4 Argumento por dissociação de noções

Diferentemente das técnicas argumentativas apresentadas anteriormente, que propunham associação de noções ou de elementos aparentemente independentes, os argumentos por dissociação de noções são aqueles que tentam, de algum modo, resolver uma incompatibilidade do discurso para restabelecer uma visão coerente da realidade. Esse tipo de argumento consiste, pois, em afirmar que determinados elementos indevidamente associados deveriam permanecer separados e independentes (PERELMAN & TYTECA, 1996). Portanto, o foco dessa técnica argumentativa é justamente a incompatibilidade que há entre esses elementos, pois é na dissociação que novas noções surgem, adquirindo consistência quando adotadas adequadamente pelas pessoas. O caso mais prototípico de toda dissociação nocional, conforme Perelman e Tyteca (1996), corresponde ao par aparência-realidade, por causa de seu uso generalizado e de sua primordial importância filosófica. Para esses autores, a dissociação entre essas noções faz com que onde exista uma única realidade sejam vistas duas: uma verdadeira e outra aparente, pois nem sempre a realidade aparente constitui a verdade. A título de ilustração, esses autores apresentam o exemplo do bastão, que, parcialmente mergulhado na água, parece curvo quando o olhamos e reto quando o tocamos, mas, na realidade, ele não pode ser curvo e reto simultaneamente. Portanto, a impossibilidade do bastão ser as duas coisas permite afirmar que aparência e realidade são incompatíveis. Além do par aparência-realidade, muitos outros pares são construídos a partir da dissociação de noções, tais como meio-fim, ato-pessoa, ocasião-causa, relativo-absoluto, subjetivo-objetivo, multiplicidade-unidade, normal-norma, individual-universal, particular-geral, teoria-prática, linguagem-pensamento, letra-espírito, dentre outros. As técnicas aqui apresentadas funcionam como elementos formuladores de teses presentes em quaisquer tipos de discursos. São estratégias discursivas condizentes com os objetivos do orador e utilizadas por ele para conseguir que

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seus possíveis interlocutores apoiem suas teses. Entretanto, essas técnicas não são totalmente infalíveis ou irrefutáveis, porque qualquer argumento pode, de algum modo, ter sua validade colocada em dúvida, sendo, portanto, refutado por outro argumento.

CAPÍTULO II – O TRABALHO COM A ARGUMENTAÇÃO EM SALA DE AULA

Neste segundo capítulo da presente dissertação, enfocaremos o trabalho com a argumentação em sala de aula, destacando algumas questões relativas aos contextos de produção de práticas argumentativas – sejam as mais ou as menos institucionalizadas. Discutiremos, também, sobre em que níveis de escolarização da criança o professor ou a escola de modo geral deve iniciar um trabalho sistemático com a argumentação em sala de aula, bem como sobre as principais situações de ensino-aprendizagem que favorecem ou possibilitam esse trabalho. Por fim, recorrendo à perspectiva sócio-interacionista de linguagem de Mikhail Bakhtin, já destacada no capítulo anterior, apresentaremos um enfoque discursivo- enunciativo para o trabalho com a argumentação e, posteriormente, uma discussão sobre as concepções de alfabetização que norteiam a nossa investigação.

2.1 Argumentação em sala de aula

A argumentação é uma prática discursiva recorrente nas mais diversas esferas da vida cotidiana, pois é constitutiva da própria linguagem. Argumentamos em situações corriqueiras do cotidiano – quando fazemos compra, defendemos um ponto de vista relativo a uma questão em discussão, entre outras – e também em contextos mais institucionalizados – quando defendemos uma posição referente a uma questão jurídica, educacional, política. Assim, como propõe Leitão (2011),

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argumentamos em situações públicas nas quais necessitamos defender ideias diante de interlocutores que não partilham conosco dos mesmos pontos de vista. Além disso, considerando a interioridade da linguagem, também recorremos à argumentação em contextos mais privados, quando “argumentamos conosco mesmos”, engajados em um tipo de diálogo interior, que permite explorar os aspectos positivos e negativos de questões controversas que se nos apresentam. Nesta perspectiva, ainda de acordo com Leitão (2011, p. 14), a argumentação é não somente uma prática discursiva da qual os indivíduos eventualmente participam, mas, sobretudo, “uma forma básica de pensamento que permeia a vida cotidiana – quer este pensamento ocorra de forma pública e interpessoal, quer aconteça em um plano privado e interpessoal”. Portanto, recorremos à argumentação quando interagirmos com um auditório – social ou universal – para conseguirmos sua adesão a uma tese que defendemos ou mesmo quando queremos nos convencer – falando aqui em um plano mais intersubjetivo – da validade de certos argumentos. Assim sendo, recorremos à argumentação mesmo em nossa consciência (e isso é possível porque a nossa consciência não é individual), quando pretendemos formular um ponto de vista ou opinião sobre determinada questão. Por isso, a argumentação desencadeia nos indivíduos processos cognitivo- discursivos essenciais à construção do conhecimento e ao exercício da reflexão, como propõe Schwarz (2009). Quando o indivíduo se envolve em atividades argumentativas é levado a formular claramente seus pontos de vista e fundamentá- los mediante a apresentação de argumentos (justificativas) que sejam aceitáveis por seu auditório. Para tanto, esses argumentos são formulados em situações nas quais pontos de vistas diferentes em relação a certo tema são colocados em discussão, no sentido de serem contrariados ou confirmados por nossos interlocutores. Na verdade, até mesmos em nossa consciência parece existir uma arena, onde esses pontos de vistas são colocados em confronto, até que entremos na defesa de um deles – influenciados por uma série de fatores. E são esses movimentos cognitivo-discursivos, segundo afirma Leitão (2011), de fundamentar pontos de vista ou opiniões, de considerar os contra- argumentos levantados e de respondê-los com novos argumentos construídos a partir de falhas destes outros que conferem à argumentação “uma dimensão

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epistêmica”, ou seja, a argumentação passa a ser compreendida como um mecanismo de produção-apropriação reflexiva do conhecimento, essencial em situações de ensino-aprendizagem, sejam estas formais ou informais. Essa constatação têm levado muitos pesquisadores da área educacional a buscarem compreender o papel específico que a argumentação desempenha nos processos educativos e como ela pode ser produtivamente implantada em situações de ensino-aprendizagem. Conforme Souza (2003), as investigações desses pesquisadores têm apontado para duas direções que, apesar de distintas, são complementares e de igual relevância. Na primeira direção encontram-se os estudos de Cavalcante e De Chiaro (2011), Goulart (2011), Vargas e Leitão (2011), dentre outros, que compreendem a argumentação como uma atividade cognitivo- discursiva que permite e possibilita uma melhor articulação de termas do currículo escolar pertencentes a campos diferentes do conhecimento – história, ciências, matemática, linguagem, dentre outros. Nesses termos, o interesse dessa vertente de pesquisa está na argumentação enquanto possibilidade de aprendizagem de conceitos e procedimentos específicos pertencentes a essas áreas do conhecimento. Em uma outra direção, na qual se enquadra os estudos de Castro (1992), Leitão (2008), Cury (2011), Vieira (2011), dentre outros, a argumentação é vista como uma atividade que demanda competências cognitivo-discursivas particulares – de identificação, produção e avaliação dos argumentos – a serem, elas próprias, adquiridas e desenvolvidas através de práticas educacionais específicas. Nesta perspectiva, conforme aponta Leitão (2011), mesmo que desde cedo as crianças já argumentem, elas precisam percorrer um longo caminho para que atinjam, com o amadurecimento, níveis mais elevados de reflexão e crítica sobre a realidade. Assim, nessa segunda direção de estudos sobre a argumentação, o foco está no aprender argumentar e não no argumentar para aprender. A constatação de que a argumentação deve estar presente em sala de aula – seja para os alunos aprenderem a argumentar ou mesmo para argumentarem para aprender – tem desafiado professores a planejarem ambientes ou situações educacionais que possibilitem o desenvolvimento de competências argumentativas essenciais para a formação dos indivíduos. Entretanto, conforme Leitão (2011), os professores precisam compreender que o uso da argumentação em sala de aula

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não pode ou deve ser algo improvisado, pois demanda do professor disposições e ações específicas. É claro que determinadas situações que surgem naturalmente no cotidiano escolar devem ser aproveitadas pelo professor para trabalhar a argumentação, como por exemplo, na resolução de conflitos gerados entre alunos por apresentarem pontos de vista distintos referentes a uma dada questão. O trabalho com a argumentação precisa ser planejado e sistematizado pelo professor. Por isso, algumas questões devem ser consideradas. Em primeiro lugar, o professor deve apresentar disposição para trabalhar com a argumentação em sala de aula, pois, caso não tenha uma motivação pessoal, provavelmente, o trabalho não será desenvolvido de forma eficiente. Além disso, o professor deve empenhar- se no desenvolvimento de competências enquanto argumentador e estar atento às oportunidades que podem surgir de forma espontânea ou àquelas deliberadamente criadas de se trabalhar com a argumentação em sala de aula. Ademais, cabe ao professor “o domínio não só dos conceitos próprios do seu campo de atuação, mas também de raciocínios (modos de pensar-argumentar) típicos do mesmo campo” (LEITÃO, 2011, p. 17). Por fim, é preciso considerar os níveis de aprendizagem dos alunos com os quais se pretende trabalhar, conforme detalharemos no tópico seguinte.

2.2 Argumentação e níveis de escolaridade

Como enfatizado na introdução desta pesquisa, a indagação sobre em qual nível de escolaridade da criança o professor ou a escola deve iniciar um trabalho com as práticas de argumentação apresenta-se como questão de suma importância em nossa investigação, uma vez que observamos como crianças em fase inicial do Ensino Fundamental mobilizam argumentos na defesa de suas teses. Ao observarmos algumas propostas curriculares de trabalho com textos diversos em sala de aula, logo percebemos que a argumentação tem lugar reservado apenas nas séries finais do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio, sobretudo na construção de textos dissertativo-argumentativos. As propostas que são orientadas por esta concepção entendem que a argumentação é aprendida

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pelos indivíduos naturalmente, por meio de uma “maturação cognitiva”, ou seja, apenas quando alcançam determinado nível de desenvolvimento cognitivo, os sujeitos estão aptos a utilizar a linguagem argumentativa. A seguir, apresentamos, mesmo que de forma sintética, algumas propostas de trabalho que parecem, ao menos em um primeiro olhar, orientar-se por esta perspectiva. Na proposta de agrupamento de gêneros do grupo de pesquisadores da Universidade de Genebra, por exemplo, os gêneros prototípicos da ordem do argumentar (como o artigo de opinião, o debate) são reservados para séries mais avançadas, especificamente a partir do quarto ano do Ensino Fundamental. Em ciclos iniciais, como primeiro e segundo, sugere-se o trabalho com gêneros como carta de solicitação ou reclamação. A sugestão merece ser repensada por duas questões: i) gêneros prototípicos do argumentar não são indicados para o trabalho com todas as séries de ensino; ii) o trabalho com carta de solicitação nas primeiras séries do Ensino Fundamental parece ser inadequado, pelo menos considerando o contexto brasileiro, pois, muitas vezes, os alunos ainda não possuem o domínio da habilidade de escrita, além da produção não ter funcionalidade específica em sala de aula, dada as especificidades do gênero. A proposta dos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), semelhante a proposta do Grupo de Genebra, ao indicar os gêneros a serem trabalhados nos anos iniciais do Ensino Fundamental, não prioriza gêneros argumentativos. Ademais, só enfatiza a argumentação em gêneros orais, quando defende que um dos objetivos da escola, nesse período de escolarização, é fazer com que os alunos utilizem a linguagem oral com eficácia, sabendo adequá-la a intenções e situações comunicativas que requeiram conversa em grupo, expressar sentimentos e opiniões, defender pontos de vista e relatar acontecimentos. Assim, na visão desse documento, o trabalho com a argumentação, nos anos iniciais do Ensino Fundamental, parece restringir-se apenas aos gêneros orais – estes indicados também em número restrito. Em consequência, muitos professores dessa fase de ensino de escolas brasileiras, influenciados por essas propostas de trabalho, acabam priorizando o ensino de outras competências comunicativas – narração e descrição, principalmente – em sala de aula, deixando a argumentação em um plano

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secundário, conforme comprovou Leitão (2000) em pesquisa sobre a construção discursiva da argumentação em sala de aula. Essa pesquisadora defende que o trabalho com a argumentação em níveis diversos de escolaridade deve ser regulado pelas possibilidades de argumentação que o professor reconhece existir na criança e pelos níveis de desenvolvimento dessas mesmas possibilidades a que se pretende conduzi-la. Partindo dessa ideia e da afirmação empírica que realizamos na introdução dessa dissertação (de que quando a criança começa a utilizar a linguagem escrita recorre, em seus textos, a diversos tipos de argumentos para defenderem suas teses), acreditamos que é possível trabalhar com a argumentação em sala de aula em quase todos os níveis de escolaridade, considerando as especificidades das crianças que constituem cada sala. Neste sentido, o desenvolvimento da argumentação não é consequência apenas da maturação cognitiva dos indivíduos, mas, como propõe a autora citada no parágrafo anterior, uma implicação de aprendizagens desenvolvidas a partir de interações sociais. São muitas as pesquisas realizadas no Brasil, algumas recentemente, que parecem defender pontos de vista semelhantes ao nosso. O estudo de Faria (2004) sobre a argumentação de crianças em diálogos orais travados com os seus interlocutores mostrou que a criança argumenta seja em favor de um brinquedo, em discussões sobre uma história contada em sala de aula ou mesmo de dilemas reais ou fictícios vividos em certo momento da aula. Semelhante a este trabalho, a investigação de Basílio (2008) demonstrou que crianças de três a seis anos argumentam de diversas formas quando, trabalhando em grupos, precisam realizar acordos sobre a escolha de itens a serem utilizados em um dado empreendimento. Por fim, o trabalho de Almeida (2009) ressaltou o papel do professor enquanto engajador de práticas argumentativas em crianças de quatro a cinco anos de idade quando interrompe uma história contada em sala de aula e solicita que as crianças construam diversas continuações possíveis para a história. Entretanto, esses estudos enfatizam apenas a possibilidade e necessidade de se trabalhar com a argumentação em textos orais nos anos iniciais do Ensino Fundamental. As pesquisas referentes ao trabalho com textos escritos, dentre os quais se enquadra o trabalho de Leal (2004), Riolfi e Costa (2010), dentre poucos outros que investigam questões de argumentação em textos escritos, priorizam as

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produções de sujeitos concluintes do Ensino Fundamental. Reconhecemos apenas a pesquisa de doutorado de Souza (2003), que trabalha com crianças em fase inicial do Ensino Fundamental, focalizando textos de opinião. Apesar de assumir que sua investigação sustenta-se em uma perspectiva de argumentação como atividade de linguagem discursiva e enunciativa, a autora prioriza a análise de aspectos linguístico-textuais nas produções dos alunos. Nesse sentido, nossa pesquisa difere da investigação de Souza (2003) porque não nos interessa os elementos ou mecanismos de textualização dos textos analisados, mas a análise do processo argumentativo (técnicas, lugares, auditório e teses) e os efeitos de sentido produzidos pelos argumentos mobilizados pelos alunos em suas produções textuais escritas. 2.3 Um enfoque enunciativo-discursivo para a argumentação

Temos assumido neste trabalho que a linguagem é constitutivamente argumentativa, porque as práticas de linguagem se constituem nas relações sociais, na troca entre os sujeitos, enfim, no diálogo com o outro. Essa afirmação ganha força quando consideramos os estudos de Bakhtin (2003) sobre a natureza dialógica da linguagem. Ora, se a linguagem é essencialmente dialógica, porque é orientada para o outro, a argumentação deve ser compreendida como um fenômeno inerente ao princípio dialógico, uma vez que todo discurso é produzido na direção e orientação do outro, no movimento de uma interminável cadeia de enunciações. Quando enunciamos, não apenas nos comunicamos, mas agimos sobre o outro porque argumentamos na defesa de um ponto de vista. Conforme sugere Bakhtin (1998, p. 146), “nossa transformação ideológica é justamente um conflito tenso no nosso interior pela supremacia dos diferentes pontos de vistas verbais e ideológicos, aproximações, tendências e avaliações”. Nesses termos, nossos discursos, os enunciados que pronunciamos disputam sentidos produzidos nas relações com o outro e se transformam motivados pelos valores axiológicos das palavras dos participantes das situações sociais de comunicação, aqueles com quem dialogamos. Essa disputa não corresponde a uma discussão entre sujeitos situados, como ocorre, por exemplo, em um debate regrado de políticos, mas ela é puramente ideológica e diz respeito à luta travada

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entre os sentidos em uma arena de valores, que parece está situada em nossa consciência individual, tal como sugere o próprio Bakhtin (1998, p. 147):

Esse processo de luta com a palavra de outrem e sua influência é imensa na história da formação da consciência individual. Uma palavra, uma voz que é nossa, mas nascida de outrem, ou dialogicamente estimulada por ele, mais cedo ou mais tarde começará a se livrar da palavra do outro. Este processo se complica com o fato de que diversas vozes alheias lutam pela sua influência sobre a consciência do indivíduo (da mesma forma que lutam na realidade social do ambiente).

O autor observa que o processo de apreensão do discurso de outrem tem influência direta na formação de nossa consciência individual, pois nossos pontos de vista, nossos sentidos, nossas compreensões sobre o mundo, sobre a realidade são construídos com base e a partir das ideologias do outro, que nos estimula a pensar e a compreender as coisas de certa forma. Nossa consciência só adquire independência – sempre relativa – em relação à palavra do outro quando atingimos certa maturidade, variável de indivíduo para indivíduo, de modo a construirmos uma compreensão, um sentido nosso sobre a realidade. Mesmo sendo entendido como nosso, esse sentido sempre será influenciado pelos dizeres de outro, porque ele se constituiu na disputa entre diversas vozes alheias. Entretanto, o sentido se torna nosso porque passamos a compreendê-lo enquanto tal, pois construímos com ele, inconscientemente, uma relação de pertencimento, de modo que argumentamos de variadas formas em sua defesa. É preciso compreender que essa luta que se estabelece entre os sentidos, ou melhor, as relações dialógicas estabelecidas entre os enunciados produzidos por sujeitos socialmente situados não devem ser interpretadas apenas como procedimentos de refutação, controvérsias, discordância, tal qual sugere o termo luta, mas também como um procedimento de concordância. Assim, nos casos em que discordamos de certo ponto de vista ou de uma dada tese defendida por outrem, e argumentamos na tentativa de refutá-la, trata-se, evidentemente, de uma relação dialógica entre discursos. Mas nos casos em que concordamos com essa tese, e argumentamos para sustentá-la, também ocorre uma luta entre os sentidos

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na arena dos discursos, porque a concordância diz respeito a “uma tensão inerente a qualquer enunciado, que se caracteriza pela dialética interna aos signos” (BAKHTIN, 1992, p. 354). É por isso que se propõe a linguagem como constitutivamente dialógica e a argumentação como princípio constitutivo do dialogismo. Essa afirmação ganha sustentação nos estudos de Goulart (2011), quando sugere que a argumentatividade da linguagem é inerente ao princípio dialógico, porque todo enunciado é produzido intencionalmente na direção do outro. Na perspectiva defendida pela autora, se os discursos não apenas compreendem ou respondem enunciados, mas são direcionados para o outro, se eles são povoados de intenções outras, se são produzidos para convencer ou persuadir o outro acerca da veracidade ou não de certa informação, eles são constitutivamente argumentativos. Isso porque, “ao escolher a palavra, partimos das intenções que presidem ao todo do nosso enunciado” (BAKHTIN, 1992, p.310), ou seja, quando enunciamos não temos apenas a pretensão ou intento de nos comunicarmos com o outro, mas de afetá-lo, de alguma forma, com o nosso discurso. Na verdade, como sugere o próprio Bakhtin (1992), todos os enunciados estão fundidos com julgamentos de valor social, com uma entonação, com um tom apreciativo. E é a comunhão desses julgamentos de valor presumidos por sociedades, grupos sociais, dentre outros, que constitui o contexto no qual a enunciação viva desenha o contorno da entonação. Acreditamos que todos esses aspectos elencados neste tópico são fundamentais para o trabalho do professor com a argumentação em sala de aula, nos mais variados níveis de ensino-aprendizagem. É preciso compreender que a argumentação não constitui simplesmente um conteúdo da grade curricular das escolas e, portanto, deve ser enfocada apenas em determinado período do ano letivo. Muito além disso, a argumentação, como temos defendido, é inerente ao discurso, porque este é constitutivamente dialógico. Portanto, a argumentatividade deve ser compreendida como elemento presente nas mais variadas práticas discursivas, inclusive, naquelas que constitui a dinâmica de sala de aula. Por isso, a argumentação não deve ser enfocada apenas em certo momento específico do currículo, mas o professor precisa construir cotidianamente situações que promovam ou facilitem o trabalho com a argumentação e, principalmente,

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aproveitar as situações que surgem espontaneamente em sala de aula para desenvolver um trabalho sistemático com o argumentar. Trataremos desta questão no tópico seguinte.

2.4 Situações de trabalho com a argumentação

A diversidade de situações cotidianas que envolvem a argumentação permite-nos concebê-la como uma habilidade fundamental, o que indica a necessidade de que ela seja apresentada e, consequentemente, ensinada na sala de aula e aprendida pelos alunos com alto grau de eficácia desde os primeiros anos de escolarização. Pensar no trabalho com a argumentação em sala de aula implica uma reflexão sobre as situações ou contextos de ensino-aprendizagem favoráveis ao desenvolvimento de habilidades argumentativas dos alunos em práticas discursivas. A sala de aula pode e deve constituir-se como um espaço para o desenvolvimento da argumentação. A princípio, e de modo bastante genérico, podemos distinguir dois tipos específicos de situações de sala de aula em que a argumentação poderia ser trabalhada: as planejadas e as espontâneas. Conforme Leitão (2011), no primeiro caso, as situações planejadas, como o próprio nome sugere, o surgimento da argumentação depende da criação deliberada de situações de reflexão sobre tópicos curriculares, a partir do planejamento de atividades cuja execução exija dos alunos engajamento em argumentação. Elas exigem do professor, além da intencionalidade de trabalhar com o tema, disponibilidade para idealizar a proposta de trabalho. Por meio de formas as mais diversas, ele precisa apresentar uma questão aos alunos, e promover ou possibilitar que estes argumentem na defesa de um ponto de vista, que já pode ter sido constituído, a partir da interação com outros sujeitos com os quais os alunos dialogam, ou mesmo no momento de sala de aula, com base nas ponderações do professor. Este tipo de atividade é passível de um controle, mesmo que relativamente estável, sob as práticas argumentativas produzidas pelos sujeitos que interagem, porque o professor atua como mediador das discussões que se instauram em sala de aula. Assim, quando se alteram os ânimos, por exemplo, ou mesmo quando, no

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caso de crianças, um aluno insiste em não aceitar que o outro pense de forma distinta, recorrendo, algumas vezes, a atitudes extremas, como agredir o colega ou mesmo tornar-se omisso em relação à atividade, o professor pode mediar o conflito, sugerindo possibilidades mais harmônicas de convivência e diálogo. Essas possibilidades, inclusive, já devem ser pensadas pelo professor no próprio planejamento das situações argumentativas, porque já conhecendo seus alunos, ele pode prevê, hipoteticamente, é claro, se dado aluno apresentará um comportamento estranho em relação à opinião dos colegas. Conforme Ribeiro (2003), para que a argumentação seja efetivamente ensinada em contexto planejado, é fundamental que o trabalho do professor seja apresentado com certas características. Uma delas está relacionada à necessidade do professor ser capaz de propor, no mínimo, dois conjuntos de objetivos de ensino: o primeiro deve estar mais diretamente relacionado ao que delimita a disciplina que leciona e o outro relacionado à argumentação propriamente dita. Assim, numa disciplina como história, por exemplo, caberia ao professor propor objetivos de ensino que fossem específicos dessa disciplina (avaliar fatos históricos, relacioná-los com a época e o contexto geográfico em que aconteceram, dentre outros aspectos) e objetivos de ensino específicos da argumentação (identificar teses, avaliar premissas que sustentam a tese, apresentar conclusões, dentre outros). Para a autora, essas exigências são necessárias para que o professor mantenha-se atento tanto aos comportamentos de seus alunos em relação aos objetivos de ensino que definem a disciplina, quanto aos comportamentos relacionados ao argumentar. Nas situações espontâneas, diferentemente daquelas primeiras, o surgimento da argumentação decorre do imprevisto da sala de aula, ou seja, são geradas a partir de oportunidades não criadas deliberadamente para o trabalho com a argumentação. De acordo com Leitão (2011), particularmente interessante é considerar situações dessa ordem em sala de aula, nas quais são especialmente relevantes a prontidão e a habilidade do professor para identificar oportunidades de argumentação e efetivamente sustentá-las. Para tanto, ele precisa compreender que não é necessário a existência, no currículo escolar, de uma disciplina específica para o ensino da argumentação, como a Lógica ou a Retórica, por exemplo, como se a argumentação fosse um assunto ou um tema específico

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daquele componente curricular. Na verdade, um determinado assunto ou tema, qualquer que seja, pode servir como objeto a ser avaliado por meio da argumentação, nas mais diversas situações cotidianas de sala de aula. Por isso, o professor deve ter o cuidado de não frustrar o aluno ou de desperdiçar as oportunidades que surgem em sala de aula, mas de implementar ações discursivas que expandam a argumentação espontaneamente surgida. Assim, nos casos em que surgem conflitos espontâneos em sala de aula, em vez de encerrá-los recorrendo à autoridade que lhe confere a posição que ocupa ou mesmo à palavra autoritária, o professor precisa instigar e promover o debate, porque é na interação, no diálogo, na defesa de seus pontos de vista que os alunos construirão sentidos e formularão opiniões sobre as mais diversas questões. Assim, pois, até mesmo as situações cotidianas, não previstas nem planejadas, devem ser aproveitadas pelo professor para trabalhar a argumentação em sala de aula.

2.5 Argumentação e alfabetização: algumas concepções

Como esta investigação se propõe a analisar os argumentos construídos, em textos escritos, por crianças em fase de alfabetização, é substancial apresentarmos a concepção de alfabetização que norteia este trabalho. De um modo bastante geral, a alfabetização tem sido compreendida como o aprendizado mecânico do alfabeto e de sua utilização como código de comunicação. Entretanto, essa definição é demasiadamente restritiva, porque limita o processo de alfabetização à aquisição de habilidades mecânicas – codificação e decodificação – do ato de ler e escrever e compreende o aluno, como um sujeito passivo no processo de ensino-aprendizagem, porque ele apenas absolve as regras linguísticas, fonéticas e morfológicas ditadas pelo professor em sala de aula. Por isso, muitos autores rejeitaram tal concepção e propuseram outras mais amplas, dentre as quais procuraremos descrever aqui algumas, mesmo que sucintamente, principalmente aquelas que tiveram, nas últimas décadas, maior aceitação entre os educadores brasileiros. Essas concepções, na verdade, foram difundidas na forma de métodos e metodologias que, de alguma maneira, dispensam a complexidade do processo de alfabetização e apostam em esquemas

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facilitadores, que parecem corroborar, como defende Belintane (2011), com a ideia de que educar não só é um bem possível, mas também facilmente formulável. Na área da Linguística, o método sintético de alfabetização fragmenta a palavra ou a frase em seus constituintes menores (sílabas e letras) e valoriza a correspondência entre a fonética e a grafia (o oral e o escrito). Conforme Souza (2003), as implicações deste método em termos da aprendizagem da leitura e da escrita são várias, mas destaca-se, principalmente, a importância da identificação do som (fonema) e de sua associação às representações gráficas (grafemas), até chegar às palavras ou às orações. Assim, primeiro o aluno identifica a forma correta do som, para, posteriormente, decifrar e escrever o texto. No entanto, se por um lado a percepção do som é importante para o aprendizado da escrita, por outro, as sílabas, nesse método, são apresentadas de forma descontextualizada, repetitiva, mecânica e fragmentada, como se a comunicação fosse realizada apenas por meio de fragmentos sonoros e gráficos, sem se considerar o aspecto semântico. O método analítico ou método global de alfabetização, proposto pelo pesquisador europeu Decroly, contrapõe-se ao método apresentado anteriormente, porque valoriza mais o aspecto visual da palavra do que o aspecto sonoro. De acordo com Souza (2003), nesse método, o processo de alfabetização começa partindo do princípio de que a criança deve ter uma percepção da totalidade da palavra, antes de chegar de se chegar à análise das sílabas e das letras. Esses dois métodos influenciaram bastante a elaboração de diversos materiais didáticos e a forma de condução das aulas, principalmente das cartilhas de alfabetização usadas em muitas das escolas brasileiras, que, mesmo quando elaboradas com recursos editorias mais sofisticados, com ilustrações e atividades lúdicas, permanecem, na verdade, como tem demonstrado Belintane (2010), os mesmos processos: mecanização, repetição e fragmentação da linguagem. Nessas cartilhas, conforme pesquisa de Tfouni (1997), de modo geral, a escrita se resume em cobrir linhas, marcar alternativas, completar e ligar nomes às gravuras, reescrever sentenças, preencher lacunas e juntar sílabas para formar palavras. A alfabetização, portanto, a partir desses métodos, desconsidera a funcionalidade comunicativa da linguagem, o ponto de vista de quem aprende, bem como as práticas sociais de produção e leitura de textos.

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Outro método7 de alfabetização difundido no Brasil em larga escala corresponde à proposta do professor pernambucano , voltada, inicialmente, à alfabetização de adultos no nordeste do país. De modo geral, o método Paulo Freire consiste em um processo de avaliação ancorado em princípios sociais e políticos, com o objetivo de fazer o aluno trabalhador – que não teve oportunidade de ser alfabetizado durante a infância – perceber sua condição social. Na perspectiva freireana, de acordo com Souza (2003), a alfabetização não é compreendida como a aprendizagem mecânica e abstrata da leitura e da escrita, mas como um veículo mediador que oferece possibilidades ao aluno de conhecer sua condição social, para, posteriormente, ser alfabetizado. Assim, em Paulo Freire, o objetivo da alfabetização é conscientizar o educando para que ele possa ter conhecimento da realidade. O método de alfabetização do professor pernambucano foi revolucionário porque leva o aluno a refletir sobre a sua realidade econômico-social e, sobretudo, desenvolver sua capacidade crítica e política. Trata-se de uma prática que vai além dos métodos tradicionais, nos quais se predomina o ensino do código escrito. O que interessa é o ensino da ação política e da conscientização. Entretanto, conforme propõem Souza (2003) e Belintane (2010), bem como outros autores, no que se refere aos conhecimentos linguísticos, o método de Paulo Freire é semelhante aos métodos tradicionais de alfabetização, porque tem preocupação com os aspectos fonéticos da palavra, assim como sua fragmentação em sílabas e letras. Além deste acima citado, outro método que influenciou – e ainda influencia – bastante as práticas de alfabetização no Brasil foi o construtivismo de Emília Ferreiro e Ana Teberosky (1985). Aplicando à didática da alfabetização os princípios construtivistas de extração piagetiana, que fundamentam a teoria da psicogênese da escrita, essas autoras procuraram descrever as operações cognitivas que são elaboradas pelas crianças na aquisição da escrita inicial, aspecto do desenvolvimento infantil que, até então, não era percebido. Para tanto, as autoras sistematizam a aprendizagem das crianças em níveis ou fases, assim por elas descritos: (i) pré-silábico, quando a criança não estabelece vínculo entre a

7 Mesmo que alguns autores não compreendam o trabalho deste autor como tal, por questões didáticas, preferimos adotar a nomenclatura, tendo em vista que assim temos procedido com as demais propostas.

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fala e a escrita; (ii) intermediário, momento em que a criança começa a ter consciência de que existe alguma relação entre pronúncia e escrita; (iii) silábico, nível em que a criança já supõe que a escrita representa a fala e tenta fonetizar a escrita, dando valor sonoro às letras; (iv) silábico-alfabético, no qual a criança já compreende que a escrita representa o som da fala e passa a combinar vogais e consoantes numa mesma palavra, na tentativa de combinar sons; (v) alfabético, quando a criança compreende que a escrita tem função social. Muitos professores, ainda hoje, fazem diagnósticos semestrais, nos quais procuram classificar seus alunos conforme os níveis ou fases acima descritos. Muitas vezes, o resultado é desastroso e frustrante, porque um aluno que, considerando sua faixa etária, deveria estar no nível alfabético, ainda se encontra no nível silábico. É como se as crianças permanecessem, por determinados períodos, em fases estanques, que desconsideram o fato de a aprendizagem fazer parte de um processo que vai se alterando, conforme as oportunidades que são oferecidas em situações de leitura e produção de textos. Por isso, esse método tem sido criticado por vários pesquisadores e professores brasileiros e estrangeiros, que têm apresentado outras possibilidades de se compreender o processo de alfabetização. É o caso de Leda Tfouni (1997) e de Magda Soares (1998), que apresentam, aqui no Brasil, o conceito de letramento como uma forma mais ampla de se compreender a alfabetização. Nas últimas décadas, são muitos os estudos em torno dessa questão, em sua maioria, decorrentes das necessidades que os pesquisadores envolvidos com a alfabetização tiveram em explicar as influências da escrita no mundo social e no sujeito. Essas autoras – e outros – apresentam distinção entre alfabetização e letramento, mesmo reconhecendo que, na prática, esses são processos indissociáveis. Para elas, a alfabetização, de maneira geral, pode ser compreendida como um conjunto de habilidades que devem ser desenvolvidas no sujeito e que são necessárias ao domínio da leitura e da escrita. O letramento, por sua vez, refere-se “aos aspectos sócio-históricos da aquisição de um sistema escrito por uma sociedade” (TFOUNI, 1997, p. 20), não se limitando ao estudo individual de pessoas que estão sendo ou ainda não foram alfabetizadas. Com se pode perceber, enquanto o letramento é visto como um fenômeno complexo, que

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“[…] engloba um amplo leque de conhecimentos, habilidades, técnicas, valores, usos sociais e funções (SOARES, 1998, p.95), a alfabetização está relacionada à aquisição da língua escrita e envolve múltiplos processos e facetas: “[…] consciência fonológica e fonêmica, identificação das relações fonema-grafema, habilidades de codificação e decodificação da língua escrita, conhecimento e reconhecimento dos processos de tradução da forma sonora da fala para a forma gráfica da escrita” (p. 15). Apesar da inovação do conceito de letramento e de se compreender os processos acima citados – letramento e alfabetização – como indissociáveis e simultâneos, a definição de alfabetização apresentada parece ser ainda insuficiente, porque desconsidera as práticas sociais da leitura e da escrita, bem como retira da escrita, conforme afirma Souza (2003), sua dimensão crítica e a reduz a um conjunto de habilidades voltadas para o domínio de regras gramaticais. Por isso, mesmo reconhecendo a importância e as contribuições que as propostas citadas tiveram para a educação brasileira, principalmente para a Educação Infantil e os anos iniciais do Ensino Fundamental, não adotamos, prontamente, nenhuma delas em nossa pesquisa. Se nos limitássemos apenas a uma dessas concepções encontraríamos diversos problemas, porque cada uma delas apresenta restrições em determinados aspectos. Antes, consideramos as especificidades de cada uma delas, atentando para seus aspectos positivos – que são muitos – para, a partir de então, apresentarmos a concepção que norteou esta investigação. Partimos do pressuposto de que a escrita tem dupla origem, na imagem e na oralidade (BELINTANE, 2010), por incluir elementos que se referem tanto às capacidades de leitura e escrita quanto à oralidade e à memória dos alunos. Assumimos a perspectiva de que a familiaridade e o domínio da criança – seja na Educação Infantil ou mesmo nos anos iniciais do Ensino Fundamental – sobre certos gêneros da oralidade – em especial aqueles marcados pelo ludismo, pelo jogo com a linguagem e pela elaboração poética, tais como contos cumulativos, trava-línguas, acalantos, fórmulas de escolha, trovas, parlendas, adivinhas e seus similares, além de narrativas de diversos matizes, como contos de fadas, lendas, mitos, fábulas, causos, dentre outros – podem ser decisivos em termos de favorecer a aprendizagem da escrita, tanto quanto ou mais do que o contato com

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livros ou situações tipicamente pensadas como “de letramento”. Isso porque, segundo defende Belintane (2008), todos esses gêneros lúdicos presentes na diversidade cultural brasileira já trazem em si os elementos essenciais de uma escrita. Para esse autor, os textos de origem oral permitem estratégias excelentes de alfabetização e de engajamento subjetivo no universo da leitura e da escrita. É possível, por exemplo, classificar os trava-línguas, as fórmulas de escolha, as adivinhas, as mnemonias de acordo com o tipo de dificuldade que o processo de alfabetização vai enfrentar no momento. Se o professor, por exemplo, estar interessado em trabalhar com encontros consonantais, pode brincar oralmente com o trava-língua “troque o trinco e traga o troco”, pronunciando-o de dois jeitos: com o encontro consonantal ou reduzida à sílaba canônica: “toque o tinco e taga o toco” (as crianças reconhecem aí, na falta do /r/, o outro que ainda tem dificuldade de fala e acaba percebendo o encontro consonantal). Ao fazer o percurso de passagem para a escrita, seguindo roteiro semelhante ao dado acima, teremos um pareamento que evidencia a forma e a função do encontro consonantal. Portanto, acreditamos, conforme defende Belintane (2010), que na oralidade já há os elementos fundamentais de uma escrita, ou seja, que a estética que permite a memorização e o jogo são elementos fundamentais não apenas para que o aluno aceite o jogo de “cola-descola” da intermitência silábica e fonemática, mas também para que coloque em jogo uma subjetividade que se compraza em descobrir um espaço de movimento entre textos orais e os textos escritos e, de uma forma mais geral, entre os elementos segmentáveis e analisáveis da fala e da escrita, sejam eles fonemas, silabas, grafemas, morfemas, frases, referências intra e intertextuais. É claro que outros tipos de textos (escritos, inclusive) podem e devem ser trabalhados em sala de aula, pois também acreditamos na importância de se trabalhar com a diversidade textual, tendo em vista a atuação futura dos alunos nos diversos domínios discursivos da sociedade. O que insistimos em defender é a necessidade de não se polarizar o trabalho com a alfabetização nos textos escritos – como propuseram alguns dos métodos aqui citados – como se a escrita sobrepusesse – social e cognitivamente – à oralidade. Na verdade,

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compreendemos que a oralidade e a escrita não são práticas dicotômicas, mas complementares.

CAPÍTULO III – ASPECTOS METODOLÓGICOS: A CONSTRUÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO DA PESQUISA

Neste capítulo, visualizamos um panorama geral do processo investigativo que adotamos para a realização desta dissertação com base na apresentação dos principais aspectos metodológicos da pesquisa. A metodologia, de acordo com Andrade (2011), deve ser entendida como o conjunto detalhado e sequencial de métodos e técnicas científicas a serem executados ao longo da pesquisa, de tal modo que se consiga atingir os objetivos inicialmente propostos e, ao mesmo tempo, atender aos critérios de maior rapidez, maior eficácia e mais confiabilidade de informação. Este se apresenta, portanto, como um capítulo fundamental desta dissertação de mestrado, uma vez que enfocamos as especificidades da investigação, apresentando, com detalhes as etapas e os processos desenvolvidos na realização da pesquisa. Inicialmente, apresentamos uma breve caracterização da “Pesquisa Desafio”, com o qual esta investigação apresenta uma vinculação direta. Posteriormente, enfocamos o tipo de pesquisa que ora apresentamos, o método de análise empregado, a caracterização do universo de estudo, os critérios para constituição e seleção do corpus e os principais procedimentos de coleta e análise dos dados.

3.1 Situando a Pesquisa Desafio

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Considerando a vinculação de nossa pesquisa ao projeto “O desafio de ensinar a leitura e escrita no contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola pública brasileira” (Doravante Pesquisa Desafio), acreditamos ser prudente apresentarmos, mesmo que de forma breve, uma descrição desse projeto, focalizando, principalmente, seus objetivos. Financiada pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), a Pesquisa Desafio reúne, em um núcleo em rede, pesquisadores de três universidades públicas de diferentes regiões do Brasil: a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN) e a Universidade Federal do Pará (UFPA). Esse núcleo, de modo geral, é constituído por professores e alunos de Programas de Pós-Graduação das referidas universidades, alunos de graduação dos cursos de Letras e de Pedagogia e por professores da Educação Básica (dos anos iniciais do Ensino Fundamental, mais especificamente 1º e 2º anos) de escolas públicas brasileiras. A Pesquisa Desafio articula sua proposta em torno de uma perspectiva interdisciplinar de alfabetização, que prioriza o trabalho com a oralidade, a leitura, a escrita e as linguagens dos suportes eletrônicos e dos meios de comunicação contemporâneos (internet, cinema, televisão). O foco da investigação está, especificamente, nas dificuldades de transição da Educação Infantil para o Ensino Fundamental (séries iniciais) e o fluxo escolar do Ensino Fundamental I para o Ensino Fundamental II, tendo como principal preocupação a heterogeneidade de aprendizagem e a disparidade entre a faixa etária dos alunos e o ano escolar em que estudam, conforme se pode verificar em avaliações realizadas pela Secretaria de Avaliação da Educação Básica (SAEB), tais como a Provinha Brasil e a Prova Brasil. De modo mais específico, a pesquisa contempla três objetivos que correspondem a frentes de trabalho, nas quais os grupos de cada universidade devem atuar:

 Partindo de diagnósticos mais completos que incluam a oralidade, a leitura, a escrita e a linguagem dos recursos tecnológicos contemporâneos, esboçar um plano de ensino (modelo) que ajuste a continuidade programática entre Educação Infantil e Ensino Fundamental, tendo como

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referências e objetivos, o domínio da escrita e dos sistemas notacionais contemporâneos, incluindo, nesse contexto, o uso do suporte eletrônico e de redes;  A partir da inserção no cotidiano de salas de aulas do ano final da Educação Infantil e das séries iniciais do Ensino Fundamental I, projetar um programa de ensino mais adequado à realidade brasileira (diversidade e heterogeneidade) que leve em conta a possibilidade e as potencialidades de um trabalho em equipe – ou seja, buscar um modelo de ensino que atribua, a grupos de profissionais com formação direcionada para o ensino de língua portuguesa (Pedagogos e licenciados em Letras), responsabilidade ética e capacidade pedagógica pela inserção da criança brasileira no mundo letrado contemporâneo;  Por meio do estudo dos currículos, programas, aulas de Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa (MELP) e Alfabetização, pretende-se estudar a relação entre os programas de formação de professores da área e as demandas emergentes do cotidiano escolar brasileiro, apuradas pelos sistemas nacionais de avaliação e nas pesquisas de campo (PESQUISA DESAFIO, 2011).

Para reunir e interpretar dados que possibilitem a concretização desses objetivos, principalmente dos dois primeiros, a Pesquisa Desafio sugere um monitoramento das turmas dos anos iniciais do Ensino Fundamental de cada uma das escolas parceiras, quais sejam: Escola de Aplicação (EA) da Faculdade de Educação da USP (São Paulo/SP), Escola de Aplicação (EA) da UFPA (Belém/Pará) e Escola Municipal Professora Nila Rêgo (Pau dos Ferros/Rio Grande do Norte). Nessas escolas, os bolsistas (da graduação e da pós- graduação) acompanham, semanalmente, as aulas ministradas pelas professoras, preenchem notas de campo, gravam as aulas, assessoram na organização das salas, realizam atendimentos especiais individualizados ou em grupos com os alunos, dentre outras variadas tarefas. Além disso, os bolsistas de cada universidade participante desenvolvem atividades pedagógicas nas turmas do 1° e do 2º anos, voltadas para o domínio das habilidades mais fundamentais da aprendizagem: a oralidade, a leitura e a

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produção escrita. Dentre as principais práticas desenvolvidas pelos bolsistas, podemos citar a contação de histórias (principalmente daquelas pertencentes à tradição oral, à literatura clássica e à literatura regional), leitura e interpretação de textos (em especial aqueles marcados pelo ludismo, pelo jogo com a linguagem e pela elaboração poética, tais como contos cumulativos, trava-línguas, acalantos, fórmulas de escolha, trovas, parlendas, adivinhas e seus similares, além de narrativas de diversos matizes, como contos de fadas, lendas, mitos, fábulas, causos, dentre outros), produções textuais orais e escritas, atividades com softwares educativos (o rébus, o alfabeto móvel, a palavra valise), dentre outras. Esse conjunto de tarefas deve possibilitar aos pesquisadores a construção de um diagnóstico detalhado das condições iniciais de oralidade e letramento de todos os alunos, que, nesse momento, estarão vivenciando a transição entre os dois ciclos – Educação Infantil-Ensino Fundamental. Nesse sentido, em nossa dissertação de mestrado, quando analisamos os textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente, no 2° ano do Ensino Fundamental), focalizando os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentidos produzidos em seus textos, estamos também contribuindo diretamente com a concretização dos objetivos da Pesquisa Desafio, principalmente com aquele primeiro que diz respeito à construção de um diagnóstico completo das habilidades linguísticas dos alunos (oralidade, leitura e escrita). Portanto, a relação de nossa investigação com a Pesquisa Desafio não se dá simplesmente por estarmos institucionalmente vinculados a essa pesquisa (enquanto bolsista), mas também, e principalmente, pela analogia que há entre os objetivos de ambas.

3.2 Contextualização e caracterização da pesquisa

A investigação sobre a argumentação em textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental, de que trata esta dissertação de mestrado, na medida em que analisa os argumentos construídos por essas crianças e os efeitos de sentido por eles produzidos nesses textos, se inscreve dentro de uma perspectiva de estudos do discurso, haja vista que nossa investigação não prioriza a análise de textos enquanto material linguístico propriamente dito, mas os

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discursos que se materializam nos textos coletados. Além disso, a presente pesquisa se insere no quadro macro de estudos em análise de discurso porque toma, como referenciais teóricos, de modo genérico, a noção de dialogismo presente no sóciointeracionismo de Bakhtin (1997; 2003) e, de forma mais específica, os pressupostos e postos teóricos da Nova Retórica ou Teoria da Argumentação no Discurso, proposta por Perelman e Tyteca (1996), considerando a contribuição e atualização desses referenciais por diversos estudiosos e pesquisadores, tais como Reboul (2004), Meyer (2007), Souza (2007; 2008), dentre outros. Ademais, dado o objeto de estudo desta investigação, podemos caracterizá- la como uma pesquisa documental e de corpus. Ela é uma pesquisa documental (ANDRADE, 2011) pelo fato de trabalharmos com material escrito de primeira mão, aqui especificamente textos produzidos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental, que ainda não se prestaram a tratamento analítico de caráter e rigor científico. É também uma pesquisa de corpus, porque nos ocupamos em coletar e analisar criteriosamente um conjunto de dados linguísticos (as produções dos alunos) que constituem o objeto desta pesquisa. Em consonância com essa definição, este estudo também se caracteriza como uma pesquisa descritiva e interpretativa (MICHEL, 2005), uma vez que a análise perpassou, primeiramente, pela identificação e descrição dos argumentos mobilizados pelas crianças em seus textos escritos, para, em seguida, analisarmos e interpretarmos esses argumentos com maior precisão possível, procurando observar a funcionalidade e os efeitos de sentido que eles produzem nos discursos das crianças. Sendo assim caracterizada, a investigação se orienta por uma abordagem qualitativa, pois não empregamos instrumentos estatísticos como base do processo de análise ou a manipulação de variáveis em estudos experimentais. Tampouco tivemos a pretensão de numerar ou medir a recorrência de determinados tipos de argumentos nos textos analisados. Nosso foco não recai sobre a quantificação, mas sobre as questões particulares do universo pesquisado. Conforme Mason (1996), a abordagem qualitativa encontra-se baseada em uma perspectiva interpretativista, uma vez que o mundo social está sendo interpretado, compreendido pelo pesquisador. Ao lidarmos com efeitos de sentido, com os usos da linguagem (argumentos) em contextos reais de uso, com discursos produzidos

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em situações específicas, enfatizamos muito mais a análise e interpretação dos processos e suas construções do que um produto acabado, pronto, cristalizado. Por fim, como toda investigação de caráter científico, para consecução dos objetivos propostos, se sustenta em determinado método de análise – definido, dentre outros aspectos, pela seleção dos objetivos, pela escolha antecipada de uma perspectiva teórica e pela natureza do corpus – em nossa pesquisa, adotamos o método dedutivo de análise, definido por Oliveira (2005) como um procedimento de estudo que vai do geral para o particular, ou seja, parte de princípios conhecidos para se chegar a certas conclusões. Assim, partimos de categorias de análise propostas e definidas pelas correntes teóricas aqui adotadas (técnicas argumentativas, lugares da argumentação, auditório, teses e efeitos de sentido) para aplicá-las aos textos que constituem o nosso corpus e, assim, analisar os argumentos mobilizados pelas crianças em seus discursos, focalizando os efeitos de sentido produzidos.

3.3 Universo de estudo

Conhecer e definir o ambiente de pesquisa, bem como os indivíduos que estarão envolvidos no processo de coleta dos dados é fundamental para se estudar com eficiência determinado problema de pesquisa. Assim sendo, o universo de estudo desta investigação é constituído por alunos em fase inicial do Ensino Fundamental – mais especificamente do 2° ano do Ensino Fundamental (ano letivo 2012) – da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, localizada na cidade de Pau dos Ferros-RN. Desde o início de 2011, essa instituição funciona como Escola de Aplicação da Pesquisa Desafio na Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN), no Campus Avançado “Profª. Maria Elisa de Albuquerque Maia” (CAMEAM). Portanto, a opção por esse universo de estudo se justifica, principalmente, em função da vinculação de nossa dissertação com a Pesquisa Desafio, da qual somos integrantes como bolsista de mestrado. Antes de apresentarmos uma descrição mais detalhada dos alunos da turma acima citada, delineamos abaixo uma sucinta retrospectiva histórica da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, bem como uma contextualização da atual situação desta instituição.

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3.3.1 A Escola Municipal Professora Nila Rêgo

A Escola Municipal Professora Nila Rêgo foi fundada no dia treze de fevereiro de mil novecentos e oitenta e nove (1989), quando o então prefeito, o senhor José Fernandes de Melo, juntamente com o senhor Luiz Eduardo Costa, que, na época, assumia o cargo de Secretário de Educação e Cultura do Estado do Rio Grande do Norte (RN), no uso de suas atribuições legais e em conformidade com o Decreto 691/88 assinado pelo senhor prefeito, resolveram criar o estabelecimento, situado à Rua Raimundo Sampaio do Rêgo, no Bairro Princesinha do Oeste. Nesta época, a escola contava com um total de cento e sessenta alunos, sete professores e quatro profissionais de apoio, distribuídos em dois turnos – matutino e vespertino. Atualmente, a escola, situada no mesmo endereço acima citado, atende, ainda nos turnos matutino e vespertino, aproximadamente, duzentos e setenta e quatro alunos, pertencentes aos segmentos da Educação Infantil e ao Ensino Fundamental (níveis I e II). O corpo docente é constituído por onze professores, sendo todos graduados em Pedagogia ou em ciências específicas (Letras, Matemática, Geografia, Ciências, dentre outras); desse total, alguns (quatro) possuem curso de aperfeiçoamento ou especialização. O quadro de pessoal de apoio da escola é formado por um conjunto de dezenove profissionais, que desempenham, conforme sua função, diversas tarefas na escola. Dentre esses, destaca-se a atuação de duas coordenadoras pedagógicas (uma atua no turno matutino e outra no vespertino), de coordenador de informática e de uma psicopedagoga. Além desses profissionais, é constante a presença de estagiários e de alunos universitários, que executam diversas atividades de extensão na escola. Para atender aos seus alunos, a escola conta com uma estrutura física composta pelas seguintes dependências: cinco salas de aula, uma sala de direção, uma sala de secretaria, uma cozinha, três banheiros, uma biblioteca, uma sala multifuncional e um laboratório de informática. Esse último, mesmo estando montado em uma sala de pequena extensão, contendo apenas dez computadores, atende parcialmente a demanda dos alunos e professores. Vale salientar que,

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nesse espaço, são desenvolvidas algumas atividades didáticas pelos bolsistas da Pesquisa Desafio, como, por exemplo, a utilização de softwares que permitem aos alunos utilizarem o recurso arraste e solte para fazer as associações entre imagens e seus respectivos nomes ou mesmo para reorganizar imagens conforme a ordem das ações contadas em uma determinada história. A biblioteca da escola também está situada em uma sala de pequena extensão, onde também funciona uma sala de aula, o que prejudica o funcionamento pleno da biblioteca. Além da estrutura física insatisfatória, o acervo bibliográfico também é insuficiente, registrando apenas, aproximadamente, quatrocentos livros, distribuídos entre obras literárias diversas (infantis, juvenis, clássicos), livros das disciplinas do currículo escolar, revistas, dentre outros. Apesar disso, consideramos a biblioteca como um instrumento fundamental para a formação de leitores críticos, competentes, que não se deixam manipular pelos outros e, por isso, são capazes de exercer a sua cidadania de maneira digna e consciente. E essa deve ser, conforme defende Teodoro da Silva (1998), uma das principais prioridades de qualquer instituição de ensino. Na Escola Municipal Professora Nila Rêgo também são desenvolvidos alguns projetos de extensão advindos da Prefeitura Municipal de Pau dos Ferros, Ministério da Educação (MEC) e da Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (UERN). Dentre os projetos financiados e executados por essas instituições, podemos citar o Pró-Letramento, a Escola Ativa e o Alfa e Beto, programas voltados para a formação continuada e o aperfeiçoamento profissional dos professores e demais profissionais da escola. Para os alunos, ressaltamos o projeto do laboratório de informática e os projetos de extensão desenvolvidos por vários bolsistas e estagiários (principalmente de Pedagogia, Letras e Educação Física) da UERN, que desenvolvem nessa escola atividades de extensão e ensino. Além desses projetos, destaca-se ainda, desde o início do ano de 2011, o desenvolvimento das atividades da Pesquisa Desafio na escola, projeto do qual fazemos parte, já apresentado em um tópico anterior.

3.3.2 A turma do 2º ano

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Como ressaltado anteriormente, de modo específico, nosso universo de estudo é constituído pelos alunos da turma do 2º ano (ano letivo de 2012) do Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Nila Rêgo. Essa turma é formada por um grupo de trinta alunos, pertencentes a uma faixa etária de sete a oito anos, sendo dezoito homens e doze mulheres. Desse total, três alunos apresentam necessidades educacionais especiais: dois possuem dificuldades para enxergar e usam recursos didáticos como a régua e a lupa com lentes de aumento e um possui retardamento mental, sendo necessário, portanto, de um atendimento educacional especializado, que é realizado, principalmente, pela psicopedagoga da escola e por bolsistas da Pesquisa Desafio na sala multifuncional e no laboratório de informática. Em relação à situação socioeconômica dos alunos, um diagnóstico inicial realizado com os pais desses alunos, permitiu-nos perceber que os mesmos são integrantes de uma classe social relativamente baixa, possuindo uma renda mensal de, aproximadamente, dois salários mínimos, conforme demonstra o gráfico abaixo:

Gráfico 01: Renda mensal das famílias dos alunos

Como se pode perceber no gráfico acima, a maioria (24) dos alunos do 2º ano pertence a famílias de baixa renda, que possuem menos de dois salários mínimos mensais para sobreviverem. Portanto, grande parte desses alunos e suas respectivas famílias são beneficiárias de programas sociais do Governo Estadual e do Governo Federal, principalmente do Programa Bolsa Família (PBF) – programa de transferência direta de renda com condicionalidades, que beneficia famílias em

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situação de pobreza e de extrema pobreza. Tal realidade reforça a necessidade da escola preocupar-se em garantir a esses alunos, para além da permanência na escola, as condições básicas de letramento suficientes para que possam prosseguir seus estudos e desenvolver-se enquanto sujeitos críticos e reflexivos, capazes de atuarem e de transformarem efetivamente a sociedade na qual estão inseridos. No que diz respeito ao desenvolvimento da aprendizagem dos alunos, apresentamos, a seguir, uma caracterização desses sujeitos com base em um diagnóstico realizado pelos bolsistas da Pesquisa Desafio no início (mês de março) do corrente ano. Esse diagnóstico está estruturado, basicamente, em quatro eixos centrais relacionados às habilidades de linguagem dos alunos: oralidade, leitura, escrita e coordenadas subjetivas. Os diagnósticos foram realizados, individualmente, com os alunos, de maneira que elementos externos não pudessem interferir nos resultados a serem obtidos. Entretanto, certos itens – principalmente alguns relacionados à leitura e à oralidade – foram preenchidos com base na observação, por parte dos bolsistas, do desempenho e da participação dos alunos na sala de aula. Vejamos, inicialmente, um gráfico relativo à oralidade.

Gráfico 02: Oralidade dos alunos

Considerando que a turma do 2º ano é composta por trinta alunos, podemos perceber, no gráfico acima, que os alunos, de forma geral, apresentam um bom desempenho no que diz respeito à oralidade. Essa habilidade linguística é compreendida aqui não simplesmente como uma conversa cotidiana, diálogo entre alunos ou professor e alunos, mas como um conjunto de textos orais que os alunos

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podem ter na memória, textos completos, oriundos, na maioria das vezes, da tradição oral: parlendas, cantigas, contos de fada, causos, trava-línguas, advinhas. Nos termos de Belintane (2008; 2010), a oralidade é um recurso à formulação, ao uso de linguagem que permite formar memória textual, matrizes textuais e a emprestar à fala uma dimensão expressiva que ela não teria se se reduzisse ao uso prático da linguagem cotidiana. No diagnóstico realizado, observamos que muitos dos alunos (vinte e oito) conseguem, por exemplo, nomear corretamente várias imagens que lhes são apresentadas – essas imagens foram bastante diversificadas: animais, frutas, construções, transportes, personagens de desenhos animados, personagens do folclore nacional e regional – o que revela um amplo conhecimento de mundo por parte dos alunos. Alguns desses, além de identificarem as imagens também reconheceram algumas características ou funções de certos objetos, como garfo “serve para comer”, abacaxi “é uma fruta deliciosa”, panela “serve para cozinhar os alimentos”, dentre outras. A identificação das imagens facilita a leitura de rébus, estratégia fundamental para acelerar o processo de aquisição de habilidades de linguagem de alunos que ainda não conseguem descobrir as sílabas. Para Belintane (2011), o rébus é uma estratégia que ajuda a criança a descobrir a relação quantitativa da palavra (quantas partes ou sílabas têm uma palavra) e também qualitativa (com que se pode expressar cada parte, no caso do rébus com uma imagem que perde o valor de imagem e se transforma em fonograma). No diagnóstico, alguns alunos que não dominavam a escrita mesmo após um ou dois anos de escolarização, conseguiram ler a imagem focando apenas as primeiras sílabas, ou seja, por meio de um rébus. A título de ilustração, vejamos o exemplo abaixo que foi utilizado nos diagnósticos:

Imagem 01: O rébus

GAlo TOmate

Fonte: Imagens retiradas do sítio: www.google.com

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Em primeiro lugar, o sujeito tem que se “descolar” da imagem do galo (sair da “pregnância imaginária”) e ler a figura apenas como GA, cortando o LO. Logo após, deve fazer o mesmo com a segunda imagem. O sujeito terá que aceitar os ajustes entre os dois fragmentos para encontrar aí a palavra GATO. Na montagem da palavra, há também uma ultrapassagem da “pregnância sonora”, pois o sujeito tem que se descentrar da silabação e assumir o sentido. Os rébus prendem a atenção dos alunos e desenvolvem a aprendizagem, pois permitem que eles façam associações entre as imagens e os sons, facilitando, assim, a escrita das palavras apresentadas em cada rébus. Além disso, atividades como estas permitem um enredamento de níveis (sílaba, palavra, texto), de modo que o gato redescoberto, assim como outras palavras, permite redescobrir uma parlenda escondida (as palavras gato, mato, fogo, água, boi, trigo, galinha, ovo, padre e missa, por exemplo, podem formar a parlenda “Cadê o toucinho daqui?”). Ainda de acordo com o último gráfico, percebemos que muitos dos alunos também conseguem, quando lhes é solicitado, redizer um texto completo (parlendas, trava-línguas) ou recontar uma história que outrem lhes contou (a professora, os pais, os bolsistas ou mesmo outro colega). Conforme Belintane (2011), qualquer criança, ao ouvir uma história, dominar sua matriz, fazer retroação para ajustar os sentidos, já está lendo, independentemente de ter ou não um texto escrito diante dos olhos. Quando recontam um causo ou redizem um advinha, por exemplo, os alunos estão desenvolvendo suas habilidades orais, pois realizam uma série de modificações (na estrutura do texto, inserem novos elementos na história, baseados no seu cotidiano, reinventam o enredo) ao reformularem esses textos. Portanto, ao realizar atividades como essas os alunos conseguem se expressar oralmente com maior destreza, facilitando, inclusive, a construção de argumentos para defesa de suas teses. A seguir, vejamos um gráfico referente às habilidades de leitura dos alunos:

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Gráfico 03: Habilidades de leitura

Conforme demonstra o gráfico acima, a maioria dos alunos já consegue realizar a leitura de pequenos textos, como as parlendas, os trava-línguas, os poemas da tradição oral ou da literatura clássica, dentre outros. Muitos desses textos são, inicialmente, memorizados pelos alunos quando trabalhados oralmente em sala de aula pela professora e pelos bolsistas, o que facilita a leitura do texto escrito, pois como os alunos já os conhecem, é provável que a previsibilidade e os sentidos antecipados ajudem no fluxo da leitura. Outros textos correspondem ao repertório cotidiano dos alunos, textos ditos por seus pais, avós, amigos ou mesmo aqueles textos memorizados de filmes, de vídeos ou músicas que assistem em suas casas. Quanto mais rico o repertório de textos orais dos alunos, mais facilidade eles terão em desenvolver suas habilidades de escrita. Além disso, um repertório amplo de textos diversos permite aos alunos estabelecer relações intertextuais e interdiscursivas quando na leitura de um determinado texto. Isso fica patente no gráfico anterior, considerando que muitos dos alunos (vinte e três) estabelecem facilmente relações com outros textos quando escutam ou leem uma história em sala de aula. Por exemplo, quando os alunos escutaram a história de João e Maria, logo lembraram que o primeiro personagem também é o principal de outra história já contada pela professora, João e o pé de feijão. A questão principal da turma era se os personagens das duas histórias eram os mesmos, de onde surgiram outros questionamentos, tais como: Por que Maria não está na segunda história? O que aconteceu com ela? Por que o João voltou a ser pobre, mesmo tendo fugido da bruxa? Portanto, ao ouvirem a segunda história, o personagem João funcionou como dispositivo ativador da memória dos alunos, levando-os a relacionarem esse elemento com

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outro semelhante, que conheciam de outra história. Tal fato indica que os alunos não simplesmente decodificam os textos que leem, mas já conseguem interpretar/compreender esses textos. Vejamos agora o gráfico seguinte:

Gráfico 04: Habilidades de escrita O gráfico acima demonstra que, nas habilidades de escrita dos alunos, todos (trinta) dominam os instrumentos necessários para a concretização do ato de escrever, como o lápis, o caderno, a borracha, dentre outros. Os alunos apresentam um cuidado especial com seus materiais, mantendo-os, quando não utilizados, em seus lugares específicos, além de evitarem danificar (rasurar, rasgar ou manchar) os cadernos ou atividades. É importante o cuidado adequado com o material didático porque a atividade de escrita não é apenas uma atividade cognitiva, mas também motora, seja traçando letras na superfície do papel ou mesmo em um teclado do computador. Dominar os instrumentos de escrita é passo fundamental para que as crianças iniciem suas experiências com esta prática tão complexa (o ato de escrever), mas ao mesmo tempo instigante, que permite não apenas a escritura de palavras ou dizeres, mas a construção de opiniões, de pontos de vista, enfim, a (re)construção do mundo. Muitos dos alunos (vinte e dois) da turma do 2º ano já conseguem produzir pequenos textos coerentes, que apresentam uma sequência lógica completa, ou seja, com início, meio e fim, pertencentes a gêneros textuais diversos. Esses textos, na maioria das vezes, são resultados de propostas de produção de textos planejadas pela professora e pelos bolsistas da Pesquisa Desafio, tais como o são os textos que constituíram o nosso corpus. Uma análise dos elementos linguísticos e estruturais das produções dos alunos revelou que esses escrevem utilizando

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letras (maiúsculas ou minúsculas) e conseguem distingui-las de outros elementos de escrita, como os números, rabiscos ou simples garatujas. Entretanto, alguns dos alunos (oito deles, mas precisamente) ainda não utilizam corretamente as convenções do sistema alfabético de escrita, não distinguindo, por exemplo, letras de rabiscos ou de números. Por fim, vejamos o gráfico seguinte relativo às coordenadas subjetivas dos alunos.

Gráfico 05: Coordenadas subjetivas O gráfico acima demonstra os conhecimentos dos alunos em relação às suas identidades e suas localizações no tempo e no espaço. Todos sabem escrever seus nomes e reconhecê-los quando escritos em quaisquer suportes textuais. Em outros termos, os alunos sabem que possuem identidades, que lhes distinguem dos demais sujeitos e que lhes permitem ser conhecidos entre estes. Eles também sabem que, por motivos diversos, alguns dos colegas não são chamados por seus nomes próprios, mas por apelidos ou alcunhas familiares. Entretanto, pelos dados do gráfico anterior, percebemos que alguns elementos básicos de cidadania ainda representam um problema considerável para algumas dessas crianças. A data de nascimento, por exemplo, ainda é uma dificuldade para quase metade (doze) dos alunos – mesmo que o entrevistador utilizasse outras expressões mais típicas da fala e da infância para traduzir o termo data de nascimento: “quando é seu aniversário?”, “quando você faz aniversário?”, as respostas eram incompletas, forneciam, em geral, somente o dia ou o mês. O nome completo dos familiares chegava a ser uma descoberta para alguns alunos (dezesseis deles que não sabiam os nomes completos dos pais), pois ficavam

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surpresos ao saber que seu sobrenome coincidia com o de seu pai ou da mãe. Outros também não souberam dizer mesmo o endereço onde moram, citando apenas o nome do bairro, elementos espaciais (“lá em cima”, “lá embaixo”) ou simplesmente pontos de referências (“perto da igreja”, “próximo à praça”). Portanto, os alunos que constituem os sujeitos de nossa investigação, mesmo pertencendo, basicamente, à mesma classe social, são bastante heterogêneos no que diz respeito à aprendizagem de habilidades linguísticas, o que se constitui em um desafio para a professora e para os bolsistas. Mesmo assim, conforme demonstraremos em nossas análises, esses alunos conseguem produzir diversos discursos que são materializados em textos (mesmo naqueles que apresentam problemas de ordem linguística, gramatical ou mesmo semântica), nos quais argumentam em defesa de teses também diversas.

3.3 Condições de produção dos textos

Costumeiramente, nas práticas tradicionais de alfabetização, é comum a ocorrência de atividades de leitura para a identificação de letras, sílabas ou palavras isoladas. As atividades de escrita, por sua vez, são limitadas aos exercícios de prontidão, como os de coordenação motora (cobrir linhas e letras ou simplesmente reproduzir frases ou pequenos textos curtos), de discriminação visual e auditiva (distinção entre letras e sons), de completar lacunas e de ligar nomes às gravuras correspondentes. De modo geral, são práticas escolares cotidianas nas quais as crianças não leem nem produzem textos efetivamente. De forma diferente dessas práticas, nas propostas elaboradas pelos bolsistas e professoras da Pesquisa Desafio procurou-se vivenciar um processo de alfabetização e letramento, no qual as crianças não simplesmente reproduzissem textos escritos por outro, mas fossem incentivadas a produzir diversos tipos e gêneros de textos, procurando observar sua funcionalidade nas mais diversas esferas sociais. No início do ano letivo de dois mil e doze, as primeiras atividades de produção textual propostas aos alunos foram fundamentadas na escrita espontânea. Nosso intento era que os alunos entrassem no mundo da escrita de uma maneira mais natural, sem pressão ou coação, evitando, inclusive, avaliações

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corretivas tais como: “apague o que escreveu porque está errado”, “ninguém entende sua letra”, “sua letra está muito feia, incompreensível, apague”. Assim, esperávamos que as crianças usassem a linguagem escrita de maneira espontânea, para interagir com alguém, falar de seus sentimentos, de suas experiências, de seus gostos, de suas opiniões e não apenas repetissem as frases bem escritas de cartilhas de alfabetização ou mesmo dos livros didáticos. Aquelas que ainda não sabiam escrever de forma convencional – escrita alfabética – foram incentivadas a apresentar seus textos por meio de desenhos ou pinturas. Esses recursos, além de atenderem aos desejos das crianças, por serem atividades divertidas, espontâneas, desenvolvem a percepção espaço-temporal. E, conforme postula Souza (2003), o desenvolvimento dessas habilidades espaciais e temporais, por meio do desenho e da pintura, é importante para que a criança perceba o espaço ocupado pela letra ou pelas frases e veja que no texto elas não são amontoadas, dispostas de qualquer forma, mas seguem uma ordem sequencial. Durante as situações de produção de textos tecíamos várias discussões. Havia um verdadeiro cruzamento de vozes que caracteriza a produção de textos como um processo dialógico, em que os sentidos construídos pelos alunos entram em diálogos com as vozes alheias – professor, bolsistas, alunos, autores de textos diversos que serviam de apoio. Nesse sentido, procuramos criar situações de produção textual em que a escrita não fosse apenas reprodução de frases ou textos curtos, mas algo mais real, semelhante aos textos que produzimos na vida social cotidiana, valorizando a comunicação e a interação entre os sujeitos. Isso porque, como defende Souza (2003), a cópia ou reprodução de textos só tem sentido na escola se for realizada para atender a uma atividade sistematizada e planejada, ou seja, como um recurso a mais para alcançar determinado objetivo e não para ocupar o tempo do aluno. Além disso, nas atividades propostas, tentamos priorizar textos oriundos da tradição oral e da literatura infantil, pois acreditamos, conforme propõe Belintane (2011), que esses devem constituir a base do letramento da criança, porque lhes proporcionam um encantamento com mundos distantes, mas, simultaneamente a isto, também permite um encontro com o seu próprio mundo. Assim, trabalhamos com textos diversos, que compreendiam contos populares, parlendas, lendas

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regionais, trava-línguas, histórias de troncoso, clássicos literários infantis de Charles Perrault, Irmãos Grim, as fábulas de Esopo, de La Fontaine, bem como textos de autores brasileiros, tais como Henriqueta Lisboa, Câmara Cascudo, Silvio Romero, , dentre outros. Quando trabalhamos com esses textos, procuramos oferecer condições para que as crianças escrevessem suas próprias histórias e reconstruíssem, de acordo com as interpretações que realizavam, os contos e histórias contadas em sala de aula. É preciso dizer também que não limitamos nosso trabalho em classe aos textos acima citados. Outros tipos de textos foram trabalhados com os alunos, como o diário, o bilhete e o artigo de opinião. Esse último fundamentado, principalmente, em temas de histórias da literatura infantil ou da tradição oral contadas em sala de aula. Selecionamos fatos ou ações marcantes de determinada narrativa, que incitassem a discussão e, consequentemente, a tomada de opinião por parte dos sujeitos ouvintes, e sugerimos que as crianças procurassem apresentar um ponto de vista a respeito, considerando o contexto situacional da história contada. Também aproveitamos, para produção de textos de opinião, fatos reais que aconteciam em classe ou na escola sobre os quais as crianças tivessem condições de opinar. As situações de produção, de modo geral, se baseavam em discussões sobre o tema, momento em que procurávamos resgatar as experiências dos alunos, seus conhecimentos prévios, ouvir suas opiniões, bem como ressaltar os pontos de vista positivos e negativos sobre a questão.

3.4 Constituição do corpus

Concordamos com Bauer e Aarts (2002) quando dizem que toda pesquisador precisa justificar em seus relatórios a seleção que é base de sua investigação. Em outros termos, quando se pensa em fazer uma pesquisa é preciso selecionar e esclarecer, dentro de uma coleção finita de materiais (textos, imagens, sons, dentre outros), com que corpus se irá trabalhar. Nesse sentido, tendo realizado as considerações acima sobre o universo de pesquisa desta investigação, necessário se faz apresentarmos o corpus aqui analisado, bem como os procedimentos empregados para sua constituição.

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Desde o início do ano letivo de 2012, especificamente a partir do mês de março, passamos a acompanhar a turma do 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, assistindo à professora no planejamento das aulas – que ocorria semanalmente – e na aplicação das atividades planejadas. Frequentamos a escola pelo menos duas vezes por semana, até o mês de abril, com o intento de coletar todos os textos produzidos pelos alunos em sala de aula. Durante esse período (março-abril), cada aluno escreveu, aproximadamente, dez textos, o que nos permitiu contabilizar um total de quase duzentos textos. Com esse material em mãos, nos deparamos com três procedimentos possíveis para realização de nossas análises: (i) analisar a totalidade dos textos coletados; (ii) analisar uma amostra representativa dos textos; ou (iii) estudar apenas alguns componentes específicos, ainda que não representativos, dos textos. A primeira opção não nos pareceu plausível de ser realizada porque demandaria bastante tempo (muito mais do que determinado para conclusão de uma dissertação de mestrado), tendo em vista o grande número de textos. A terceira opção também não daria conta de nossos objetivos, porque não nos permitiria construir uma compreensão do todo de nosso universo de pesquisa. Nesse sentido, considerando os objetivos desta pesquisa e o tempo determinado para sua execução (dois anos), optamos por selecionar uma amostra representativa dos textos, que nos permitiu uma melhor descrição possível do todo, mesmo pesquisando apenas parte dele. Conforme Bauer e Aarts (2002), existem dois tipos básicos de amostras: uma probabilística, em que todas partes de um todo têm igual probabilidade de ser selecionadas – por meio de sorteio aleatório simples, por exemplo; e uma não probabilística, na qual as partes amostrais são selecionadas de acordo com a conveniência do pesquisador ou os objetivos da investigação. Desse modo, tendo em vista que esta pesquisa se propõe a analisar os argumentos mobilizados pelos alunos em suas produções textuais escritas, atentando para os efeitos de sentidos produzidos, optamos por selecionar os textos que constituíram o corpus por meio de amostra não probabilística, que é definida com base em critérios indicados pelo pesquisador. Essa amostra foi constituída por vinte produções escritas, parte matematicamente representativa (10%) dos quase duzentos textos coletados.

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Inicialmente, separamos os textos conforme as propostas de produção textual, de modo que o corpus fosse constituído por textos pertencentes a gêneros diferentes. Dentre essas, selecionamos duas propostas de produção textual: na primeira, após contar em sala a história do Patinho Feio, do escritor dinamarquês Hans Christian Andersen, a professora sugeriu que os alunos assumissem o lugar do patinho e produzissem um texto explicando o que sentiriam, caso vivenciassem esta situação. Na segunda proposta, por sua vez, após contar em sala de aula a história de João e Maria, dos irmãos Grimm, a professora sugeriu que os alunos escrevessem um artigo de opinião explicando os motivos pelos quais os pais dos personagens decidiram abandoná-los na floresta. De cada uma dessas propostas, selecionamos dez textos, priorizando aqueles que apresentavam maior teor de material linguístico propriamente dito. Com isso não estamos querendo deixar implícita uma concepção equivocada de que textos com pouca ou nenhuma linguagem verbal não são argumentativos. Nesta pesquisa, partimos do pressuposto de que a argumentação permeia toda forma de comunicação humana, em qualquer esfera de interação social, independentemente da modalidade linguística (oral ou escrita) e da forma de linguagem (verbal, não-verbal, mista). O critério acima descrito se justifica porque, nesta dissertação, como já ressaltamos anteriormente, nosso interesse foi analisar os argumentos mobilizados pelas crianças em produções textuais escritas. Portanto, quanto mais material linguístico apresentarem os textos que constituem o corpus, melhor atenderá aos nossos propósitos.

3.5 Procedimentos para análise dos dados

Considerando a natureza desta investigação, o universo de estudo caracterizado em tópico anterior e os procedimentos descritos acima empregados na constituição do nosso corpus, bem como os objetivos descritos na introdução desta dissertação, passamos agora a descrever, detalhadamente, os principais procedimentos utilizados para análise dos dados coletados. Em um primeiro momento, para analisarmos os argumentos mobilizados pelos alunos em suas produções escritas, atentando para os efeitos de sentidos produzidos por eles, intento geral de nossa pesquisa, elaboramos, primeiramente, com base em

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procedimentos metodológicos da investigação de Souza (2003), cinco questões para que, aplicadas aos vinte textos que constituíram o corpus, pudéssemos respondê-las e, depois, compararmos os resultados obtidos. As questões elaboradas foram as seguintes:

i) De que fala o texto (a tese principal)? ii) Quais os principais argumentos utilizados (as técnicas argumentativas axiais e de ancoragem)? iii) A que lugares se referem esses argumentos? iv) Em que medida o orador interfere na produção dos textos dos alunos e nas teses defendidas? v) Que efeitos de sentido esse texto revelou?

Ao respondermos essas questões com base nos textos em análises, pudemos perceber que as teses defendidas pelos alunos são variadas, mas muitas vezes se assemelham em vários aspectos, considerando que foram produzidas em um mesmo contexto situacional, atendendo a uma mesma proposta de produção textual. O mesmo ocorre com o uso das técnicas argumentativas, que, mesmo sendo diversificadas, frequentemente, se repetem em textos de alunos diferentes. Assim, as questões acima descritas, quando respondidas, permitiram-nos construir uma impressão mais geral sobre o corpus, bem como sobre o processo argumentativo empregado pelos alunos na produção dos textos, aspecto fundamental para iniciarmos nossas análises. Com a finalidade de sistematizar as informações obtidas nas respostas às questões anteriormente citadas, elaboramos quatro quadros demonstrativos para posterior interpretação e análise. Para uma melhor compreensão, apresentamos as teses defendidas pelos alunos nos dois primeiros quadros e, em seguida, nos últimos dois quadros, apresentamos as principais técnicas argumentativas (os argumentos axiais) mobilizadas pelos alunos no processo argumentativo dos textos. Esse procedimento se mostra interessante porque nos permite representar uma síntese das teses defendidas pelos alunos em seus textos e dos principais argumentos que lhes dão sustentabilidade, tendo em vista a construção de uma visão macro sobre o corpus pesquisado.

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N° TESES DEFENDIDAS Texto 01 Toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz. Texto 02 Quando a gente ama supera tudo Texto 03 A madrasta queria se livrar das duas crianças (João e Maria) Texto 04 A história de João e Maria é muito triste porque as crianças são abandonadas Texto 05 O pai e a madrasta de João eram muito ruins e queriam abandonar os filhos na floresta Texto 06 Os pais de João e Maria não tinham comida e a madrasta não gostava dos filhos Texto 07 Abandoar os filhos não é a melhor solução Texto 08 Os pais de João e Maria abandonaram os filhos por não ter condições suficientes de criá-los com conforto e educação Texto 09 João e Maria foram abandonados pelos seus pais porque não tinham condições de criá-los Texto 10 João e Maria foram abandonados porque seus pais não tinham condições de manter as crianças Quadro 01: Teses da primeira proposta de produção textual

Como as teses apresentadas no quadro acima foram defendidas pelos alunos em textos produzidos em um mesmo contexto situacional e correspondem também a uma mesma proposta de produção textual, elas se assemelham em muitos aspectos, principalmente no conteúdo temático. As teses dos últimos dois textos (nove e dez), por exemplo, são praticamente idênticas, do ponto de vista linguístico, porque possuem um paralelismo léxico quase total e a mesma estrutura sintática. Entretanto, como veremos no capítulo seguinte desta dissertação, cada tese apresenta especificidades próprias e produz efeitos de sentido também peculiares sobre o abandono de crianças, questão central dos textos analisados, o que justifica a análise detalhada de cada uma delas. Vejamos, no quadro a seguir, as teses defendidas pelos alunos na segunda proposta de produção textual.

N° TESES DEFENDIDAS

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Texto 01 Se eu fosse o Patinho Feio acharia muito ruim Texto 02 Eu me sentiria muito triste por causa de todos que me desprezaram Texto 03 O Patinho Feio ficou muito triste Texto 04 Se eu fosse o Patinho Feio eu sofreria muito Texto 05 Eu ficaria muito chateado e muito triste com os meus amigos Texto 06 Se eu fosse o Patinho Feio eu me sentiria triste porque todos iam me olhar feio Texto 07 Eu sentiria muita angústia e muita tristeza Texto 08 Eu me sentiria muito magoada e muito triste por ser desprezada por minhas amigas e por minha família Texto 09 Eu me sentiria magoada e muito triste por ser abandonada por minhas amigas Texto 10 O Patinho Feio foi abandonado pelos amigos e ficou muito triste Quadro 02: Teses da segunda proposta de produção textual

No quadro acima exposto, assim como no anterior, as teses defendidas pelos alunos também apresentam diversas semelhanças entre si, inclusive, algumas delas, por exemplo, praticamente se repetem, como é o caso da tese do texto oito e da tese do texto nove. Entretanto, apesar disso, nos textos, como veremos nas análises realizadas no capítulo seguinte desta dissertação, os alunos mobilizam argumentos diferentes, provocando efeitos de sentido distintos – e, algumas vezes, também semelhantes. Na verdade, nesses casos, o modo como os alunos defendem suas teses, ou seja, como constroem a argumentação em torno do ponto de vista defendido é que irá distinguir esses textos. A seguir, vejamos as técnicas argumentativas axiais utilizadas pelos alunos para sustentarem e defenderem as teses apresentadas nos quadros anteriores:

N° ARGUMENTO PRINCIPAL Texto 01 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão. Argumentos quase lógicos, por regra de justiça. Texto 02 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência.

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Texto 03 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência. Texto 04 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão. Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo. Texto 05 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão. Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo. Texto 06 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão. Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo. Texto 07 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência. Texto 08 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão. Argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo. Texto 09 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração. Texto 10 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência. Argumentos quase lógicos, por regra de justiça. Quadro 03: Argumentos axiais da primeira proposta de produção textual

Como se pode perceber, as técnicas argumentativas axiais mobilizadas pelas crianças nos textos escritos na primeira proposta de produção, em sua maioria, restringem-se aos argumentos baseados na estrutura do real(por ligações de sucessão e ligações de coexistência) e em argumentos que fundam a estrutura do real (pelo exemplo). Apenas no texto um e no texto dez os alunos mobilizam argumentos quase lógicos (por regra de justiça) para sustentarem suas teses. Por fim, vejamos o último quadro deste capítulo, no qual apresentamos as técnicas axiais mobilizadas pelos alunos na segunda proposta de produção textual:

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N° ARGUMENTO PRINCIPAL Texto 01 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Texto 02 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência. Argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração. Texto 03 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência. Texto 04 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Texto 05 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Texto 06 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Texto 07 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Texto 08 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e ligações de coexistência. Argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração. Texto 09 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Texto 10 Argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência. Argumentos quase lógicos, por regra de justiça. Quadro 04: Argumentos axiais da segunda proposta de produção textual

As técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos nos textos referentes à segunda proposta de produção, assim como nos primeiros, correspondem, em sua maioria, aos argumentos baseados na estrutura do real (por ligações de coexistência e por ligações de sucessão. Apenas no texto dois e no texto oito os alunos recorrem a argumentos que fundam a estrutura do real (por ilustração) e no texto dez a argumentos quase lógicos (por regra de justiça).

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Essas são as principais teses e as principais técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos na construção de seus textos. Após definirmos e delimitarmos cada uma delas, passamos, agora, à análise dos dados aqui apresentados.

CAPÍTULO IV: ANÁLISE DOS DADOS: ARGUMENTAÇÃO EM TEXTOS ESCRITOS POR CRIANÇAS EM FASE INICIAL DO ENSINO FUNDAMENTAL

Tendo realizado as discussões teóricas e metodológicas nos capítulos anteriores, neste terceiro capítulo desta dissertação nos deteremos à análise dos textos escritos pelos alunos do 2º ano do Ensino Fundamental da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, Pau dos Ferros-RN. Nosso intento, como já expresso anteriormente, de modo geral, é analisar textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente no 2º ano), focalizando os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido produzidos nos textos. De modo mais específico, procuramos identificar e examinar o emprego de técnicas argumentativas utilizadas pelos alunos na produção dos textos, bem como verificar e descrever os lugares a que se referem os argumentos empregados pelos alunos em suas produções textuais. Além disso, considerando o pressuposto bakhtiniano

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de que todo discurso é constitutivamente dialético e dialógico, procuramos, ainda, observar se e em que medida o auditório (professora, pesquisadores, bolsistas, pais, colegas, dentre outros) influencia na construção dos textos pelos alunos e nas teses por eles defendidas. Como os textos que constituem o corpus desta investigação correspondem a duas propostas de produção distintas (a primeira sugeria que os alunos se colocassem no lugar do Patinho Feio e dissessem o que sentiam ao serem discriminados seus amigos; a segunda solicitava dos alunos uma reflexão sobre os motivos pelos quais os pais de João e Maria lhes abandonaram na floresta), analisaremos, em cada tópico, conforme os objetivos delimitados nesta dissertação, dois textos (ilustrativos) referentes a cada proposta.

4.1 As técnicas argumentativas mobilizadas pelos alunos

Como visto nos quadros apresentados no terceiro capítulo desta dissertação, nos textos analisados, os alunos recorrem a vários tipos de argumentos ou técnicas argumentativas para defenderem suas teses, o que pode ser compreendido como forma de intensificar o efeito da argumentação. Neste tópico, pretendemos identificar justamente os argumentos mobilizados pelos alunos, examinando a recorrência e regularidades, para, em seção posterior, correlacioná-las às teses defendidas e aos efeitos de sentidos produzidos. A seguir, apresentamos alguns exemplos dos textos que constituem o nosso corpus para ilustrarmos os argumentos mobilizados pelos alunos.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 078 Sentiria muita angustia, muita tristeza porque ninguém ia querer brincar comigo e eu me sentiria muito solitário Quadro 05: Transcrição do texto 07

Mesmo sendo um texto curto, o aluno recorre a algumas técnicas argumentativas para sustentar a tese de que, caso fosse o Patinho Feio, “sentiria

8 Os algarismos identificados nos títulos dos quadros correspondem ao número de identificação dos textos no corpus tabulado. Os textos originais escritos pelos alunos encontram-se disponíveis nos anexos desta dissertação.

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muita angústia e muita tristeza”. Para tanto, ele mobiliza argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência, que incluem a interação ato-pessoa e estabelecem um vínculo entre realidades de níveis desiguais, que estão ligadas às próprias pessoas e aos seus atos. No texto em análise, a ligação de coexistência se dá pela relação entre o locutor (o aluno) e o seu comportamento (sentir-se muito solitário), quando se coloca no lugar do personagem principal da história contada. A ligação estabelecida entre ambos institui um vínculo entre uma realidade fictícia, marcada no texto pela expressão se eu fosse – mesmo estando elíptica no texto do aluno, conseguimos recuperá-la pelo enunciado da proposta de produção de texto já apresentado anteriormente – e uma realidade real, que corresponde à vida do aluno, sendo que a primeira apresenta um caráter mais fundamental, mais explicativo do que a outra, porque é essa realidade primeira que o aluno quer enfatizar em seu texto. Além dessa ligação, encontramos no texto uma argumentação sustentada em ligações de sucessão por causa-consequência. Como já afirmamos na parte teórica desta dissertação, nessas ligações, conforme Perelman (1993), a argumentação dirige-se à procura de causas, para a determinação de efeitos e para a apreciação de um fato pelas suas consequências. No texto em análise, o aluno se sentiria triste e angustiado, porque haveria de ser abandonado pelos amigos, ficando solitário, sem ter com quem brincar. Logo, o abandono seria a causa, o sentimento de tristeza e angústia o efeito, e a solidão a consequência. Por serem baseadas na estrutura do real, essas relações se fundamentam em dados ou fatos do cotidiano dos interlocutores. O aluno constrói, pois, sua argumentação a partir das experiências de vida, de modo que algum acontecimento ou fato vivido lhe fez pensar que agiria de tal modo caso vivenciasse uma situação semelhante a do Patinho Feio. Vejamos, a seguir, os argumentos mobilizados no texto abaixo:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 10 O patinho feio foi abandonado pelos amigos. Ele ficou muito triste. Imagine se fosse você. Não faça com os outros o que não quer que o faça com você. Nos tem que respeitar os outros. Eles é igual a você. Ele ficou muito triste. Só porque ele é feio você não é amigo dele. Não faça isso porque pode acontecer

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com você e você vai ficar muito triste. Quadro 06: Transcrição do texto 10

Em seu texto, o aluno inicia um jogo argumentativo com o interlocutor, sugerindo-o que se coloque no lugar do Patinho Feio, com a intenção de convencê-lo a não agir tal qual fizeram os amigos do patinho. Para isso, ele recorre a algumas técnicas argumentativas axiais, que fundamentam sua tese e influenciam os interlocutores a aceitarem sua tese como verdadeira. Dentre essas técnicas, inicialmente, quando fala sobre a tristeza do patinho ao ser abandonado por todos, o aluno mobiliza um argumento baseado na estrutura do real, por ligação de coexistência, pois ele procura unir elementos pertencentes a um mesmo plano fenomênico, a tristeza do Patinho Feio por causa do abandono de seus amigos, que estão ligados às pessoas e aos seus atos. Unindo esses dois planos, a intenção do aluno é que o auditório construa uma imagem (ethos) do Patinho Feio enquanto um sujeito bondoso, amigo, companheiro, mas, por causa de sua feiura, os seus colegas lhe abandonaram. Desse modo, constrói-se uma imagem dos colegas como sujeitos que não priorizam os sentimentos alheios, nem seus atos, mas apenas a aparência externa. Mesmo que os atos não sejam indícios reveladores do caráter íntimo de uma pessoa, como propõem Perelman e Tyteca (1996), o prestígio de uma pessoa está relacionado e é influenciado por seus atos ou comportamentos, que serão julgados como corretos ou incorretos pelo auditório. Nesse sentido, o autor do texto recorre ao argumento da pessoa e dos seus atos para construir imagens referentes ao personagem principal da história, o Patinho Feio, e de seus amigos – estes últimos atuam como antagonistas da narrativa. Além dessa técnica, o aluno também recorre a argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração, quando sugere que seus interlocutores se coloquem no lugar do Patinho Feio: “Imagine se fosse você”. De acordo com Perelman e Tyteca (1996), a argumentação pela ilustração utiliza fatos ou eventos particulares para esclarecer o enunciado geral, buscando reforçar a adesão a uma regra reconhecida e aceita, diferentemente do argumento pelo exemplo, que fundamenta a regra. Apesar de não construir textualmente a ilustração, o aluno sugere que seus interlocutores a construam a partir de uma suposição, porque o argumento de ilustração pode ser baseado em algo fictício, em uma suposição, já

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que não tem a função de provar a veracidade de uma regra - no caso do texto em análise, de que não se pode abandonar o outro apenas com base em sua aparência – mas invocar ou aumentar a adesão dos interlocutores às teses que lhes são apresentadas. E esta parece ser a intenção do aluno, fazer com que seu auditório se convença da validade de sua tese. A ilustração pode ser definida pela repercussão afetiva que pode apresentar, como ocorre no texto do aluno. Sua intenção parece ser mexer com as paixões dos interlocutores, para que estes sintam o sofrimento do personagem da história contada em sala de aula. Por isso, ele recorre a uma ilustração, mesmo que fictícia, uma suposição hipotética, baseada na vida dos interlocutores, portanto, um argumento que funda a estrutura do real. Por envolver os sentimentos do auditório, este tipo de técnica argumentativa está intimamente relacionado ao pathos, aos valores dos interlocutores, porque quando o locutor mobiliza os afetos parece ter como objetivo, conforme afirma Breton (1999), condicionar o público – o auditório – de tal forma que ele aceite sua tese sem questioná-la. Por fim, no texto em análise, ainda podemos identificar que o aluno mobiliza argumentos quase-lógicos por regras de justiça e de reciprocidade, porque se fundamenta no princípio de que seres de uma mesma espécie, completamente intercambiáveis e integrados em uma mesma categoria, devem ter direitos iguais. Nesse tipo de argumento, a legítima causa para a justiça está na identidade, que permite julgar como justos ou injustos os atos de alguém, apontando como injustos certos comportamentos diferentes para situações semelhantes. Em outros termos, quando afirma “Não faça com os outros o que não quer que o faça com você” e “Não faça isso porque pode acontecer com você”, o aluno equivale o interlocutor ao Patinho Feio ou mesmo a qualquer pessoa que, por causa de sua aparência, foi abandonado pelos amigos, sugerindo que ambos têm igualdade de direitos e, por isso, não podem ser discriminados, pois, na verdade, são iguais porque estão integrados em uma mesma categoria – todos são seres humanos: “Eles é igual a você”. Além disso, o recurso a esse argumento, como já enfatizamos, permite que os interlocutores avaliem ou julguem os atos discriminatórios como injustos, porque infringem a regra da justiça, da identidade igualitária entre os sujeitos de uma mesma espécie. Assim, o aluno tenta influenciar os seus interlocutores para que

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pensem dessa forma a respeito de atos discriminatórios, porque, assim, conseguirá a adesão destes à sua tese. A argumentação, portanto, é construída a partir de uma relação quase-lógica baseada na simetria dos argumentos apresentados, de modo que o processo argumentativo é construído no texto discursivamente. Agora, vejamos dois exemplares da segunda proposta de produção dos textos que constituem o corpus desta investigação.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 16 Os pais de João e Maria não tinha comida. Eles não gostavam dos filhos. Eu já vi na televisão uma mulher abandonar os filhos para ir beber. Eu acho que ela (palavra incompreensível) Joao e Maria. Ela achava que alguém podia dar de comer para João e Maria. Fim. Quadro 07: Transcrição do texto 16

O aluno apresenta uma série de argumentos que parecem justificar o abandono de João e Maria por parte dos pais. Esses argumentos não se anulam, mas completam os seus sentidos. Ele recorre, no início do texto, a argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de coexistência e ligações de sucessão. Ao afirmar que os pais de João e Maria não tinham como oferecê-los alimentação suficiente para sustentá-los, o aluno parece amenizar a culpa dos pais, porque justifica seu ato com base num argumento fundamentado nas necessidades de sobrevivência humana. Em seguida, o aluno recorre às ligações de sucessão, por causa e consequência, para afirmar que João e Maria foram abandonados porque os pais não gostavam deles. Desse modo, por não gostarem dos filhos (causa), os pais decidiram abandoná-los (consequência). Mesmo não estando ligados por um elemento de coesão, esses dois argumentos não podem ser compreendidos separadamente, porque seriam opostos, contraditórios. É preciso compreendê-los, portanto, como unidades de sentido de um todo – o texto produzido pelo aluno – semanticamente interligadas, mas com particularidades. Na verdade, parece interessar ao aluno apresentar as duas faces da mesma moeda, ou seja, mostrar que se, por um lado, a falta de afeto influenciou o ato cometido

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pelos pais, as condições financeiras das quais dispunham também constituíram fator decisivo para que eles tomassem a decisão de abandonar os filhos. No texto em análise, o aluno também recorre a argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo, quando se lembra de uma reportagem de televisão de uma mãe que abandonou os filhos porque era alcoólatra. Cenas como essas são comuns em nosso país, por isso, casos semelhantes aparecem com frequência na mídia televisiva. Além disso, o aluno coloca em discussão um tema bastante polêmico no Brasil, o abandono infantil. Os pais que abandonam seus filhos, independentemente dos motivos, além de infringirem os direitos humanos defendidos pela constituição e por documentos como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), atraem a atenção da mídia porque este é um ato julgado como injusto em nossa sociedade ocidental, onde, convencionalmente, os pais são responsáveis pela criação dos filhos. Assim, ao recorrer ao argumento do exemplo, o aluno influencia diretamente as paixões de seus interlocutores, porque meche com sua cultura, seus modos de viver, de pensar, seus sentimentos. Conforme Perelman e Tyteca (1996), buscando exemplificar para dar fundamento a uma tese, este tipo de argumento visa a apresentar eventos ou casos particulares com vista a uma generalização. No exemplo citado pelo aluno, mesmo não especificando os nomes dos sujeitos envolvidos no acontecimento, data e local onde ocorreu ou até mesmo o canal ou programa de televisão que apresentou a reportagem, podemos compreendê-lo como um exemplo, porque se trata de um evento único, irrepetível em sua singularidade – recorrendo aqui a termos de Bakhtin (1993) – mesmo que se possa estendê-lo a conclusões mais genéricas, como a de que os pais que abandonam acreditam que alguém cuidará dos filhos, suprindo suas necessidades, tal qual sugere o aluno ao final do texto. Por constituir um evento empírico, que funda ou cria uma realidade irrepetível, o exemplo citado, ou melhor, o argumento apresentado pelo aluno não pode, de forma alguma, ser contestado ou refutado. Ninguém pode discordar porque, de fato, o exemplo não constitui apenas uma ilustração, mas corresponde a um acontecimento real, vivenciado por certos sujeitos. Nesse sentido, a argumentação do aluno transcende o plano do fictício, do imaginário apresentado na narrativa contada em sala de aula, e passa a discutir importantes questões da realidade do mundo concreto.

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No texto seguinte, o aluno produtor também discute uma questão relativamente polêmica, mobilizando argumentos variados para defesa de sua tese.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 19 João e Maria eram de famílias pobres e seus pais não tinham o que lhe oferecer para comer e Joao e Maria saíram em busca de algo para comer, porque eles estava com muita fome. Na televisão acontece muito isso de criar seus filhos e os filhos tem que buscar alimento fora porque se não eles não tem o que comer. Eu tenho muita pena deles. Quadro 08: Transcrição do texto 19

Inicialmente, o aluno recorre a argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão de causa-consequência: porque seus pais não tinham condições financeiras suficientes para lhes sustentar (causa), João e Maria sentem-se obrigados a buscar comida em outros lugares (consequência). A história, pois, é apresentada, no texto do aluno, sob uma ótica diferente da versão contada em sala de aula. Enquanto na versão original dos Irmãos Grimm, as duas crianças foram abandonadas pelos pais na floresta, no texto do aluno, João e Maria decidem sair de casa em busca de comida, por causa das condições precárias de seus pais. Essa transformação é possível porque o tipo de texto solicitado permite que o aluno reflita sobre e recrie o enredo da narrativa a partir de experiências adquiridas no seu cotidiano. O aluno também mobiliza argumentos que fundam a estrutura do real, por ilustração, quando diz que “na televisão acontece muito isso de criar seus filhos e os filhos tem que buscar alimento fora porque se não eles não tem o que comer”. Diferentemente do texto anterior, no qual o aluno apresenta um exemplo de um caso específico que assistiu na televisão, neste o foco recai sobre uma ilustração genérica, utilizada para reforçar a adesão dos interlocutores à tese defendida pelo aluno, de que muitas crianças saem de casa em busca de alimentação por causa das condições financeiras dos pais. A ilustração do aluno busca impressionar, mexer com a imaginação do auditório, porque lhes permite rememorar casos semelhantes à ilustração, até mesmo alguns vivenciados pelo próprio auditório. A

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ilustração funciona, portanto, como um recurso de presença, porque esclarece a tese que o aluno pretende defender. Como pudemos perceber, os alunos recorrem a várias técnicas argumentativas para sustentarem suas teses e conseguirem a adesão dos seus interlocutores. Nos textos analisados, é frequente a recorrência a argumentos baseados na estrutura do real, por ligações de sucessão e de coexistência, argumentos que fundam a estrutura do real, pelo exemplo e pela ilustração e, em alguns casos, argumentos quase-lógicos, por regras de justiça. Não encontramos, no entanto, argumentos baseados em dissociação de noções. A argumentação dos alunos sustenta-se, pois, em técnicas fundamentadas ou baseadas no real ou em raciocínio relativamente lógicos.

4.2 Para quem ou com quem os alunos escrevem seus textos

Na perspectiva teórica adotada pela Nova Retórica, quando enunciamos, estabelecemos um diálogo com os discursos alheios, com vários enunciados que circulam na sociedade e, também, com um auditório definido, ou seja, com o outro, com um interlocutor para quem nosso discurso é dirigido numa situação concreta imediata. Em caso de discursos argumentativos, por visarem à adesão dos interlocutores a determinada tese, são essencialmente relativos ao auditório que pretendem influenciar. Por isso, pretendemos identificar, nos textos que constituem o corpus de nossa investigação, os interlocutores dos alunos, procurando observar se e em que medida o auditório influencia na construção desses textos pelos alunos e nas teses por eles defendidas. Vejamos o texto a seguir:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 02 Eu mim sentiria muito triste por causa de todo que mim desprezava pois não gosto de se senti mal eu sou uma pessoa que todos não gostam de mim sempre diz as coisas de mim diz que eu sou isso sem eu ser e tudo mais. Ai eu sou muito triste com essas coisas e queria que mudasse isso tudo. Quadro 09: Transcrição do texto 02

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O produtor do texto em análise procura atender a proposta de produção textual, apresentando como se sentiria, caso fosse o Patinho Feio. Na verdade, o aluno se coloca no lugar do personagem, reencontrando sua história de vida na narrativa contada em sala de aula: “Eu mim sentiria muito triste por causa de todo que mim despreza”. Assim, em primeira instância, o texto dialoga diretamente com a história do Patinho Feio, pois o aluno assume o lugar do personagem no texto por ele escrito, de maneira que parece haver uma mescla entre o mundo fictício da narrativa e o mundo real do aluno. Em um âmbito mais restrito, o aluno dialoga com seus amigos ou colegas de classe, quando afirma: “(...) eu sou uma pessoa que todos não gostam de mim sempre diz as coisas de mim diz que eu sou isso sem eu ser e tudo mais”. O aluno retoma acontecimentos de sua vida cotidiana para mostrar certa rejeição proveniente de seus colegas, que, segundo ele, constroem discursos não verídicos a seu respeito. É essa rejeição que permite ao aluno reencontrar-se na história e assemelhar-se com o personagem do Patinho Feio: ambos são rejeitados pelos amigos. Assim como ocorre na narrativa infantil, o aluno anseia por uma mudança de situação: “queria que mudasse isso tudo”, uma metamorfose, tal qual ocorreu com o Patinho Feio. Assim, o texto acima dialoga diretamente com a história contada em sala de aula, mas apresenta como interlocutores específicos os amigos ou colegas de classe do aluno produtor. Nos termos de Perelman e Tyteca (1996) e de Bakhtin (2003), respectivamente, esses interlocutores correspondem ao auditório particular e social do aluno, porque é constituído por um grupo específico, delimitado, de sujeitos, quais sejam, os colegas de classe do aluno. Esse auditório influencia diretamente o produtor na construção de seu discurso, que constitui uma espécie de reivindicação, de protesto ou mesmo de desabafo. Assim, movido por um sentimento de revolta, resultado da rejeição de seus colegas, o aluno argumenta na defesa de uma mudança no comportamento destes, tendo em vista a sua aceitação e inserção no grupo. No texto seguinte, mesmo também dialogando em sentido amplo com a história contada em sala de aula, como é de se esperar, considerando o contexto de produção, desta vez, o aluno apresenta um interlocutor menos delimitado, porque dialoga com o discurso da ideologia do cotidiano sobre a beleza.

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TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 05 Eu ficaria muito chateado e muito triste com os meus amigos, mas perdoaria, pois nem todo mundo é igual. Mas o patinho feio (palavra incompreensível) muito e eles mesmo estaria, pois ele descobriu que mesmo que tinha amigos que não se importavam com isso. Descobriu que no fundo era lindo. Se eu fosse o patinho feio não se importaria com isso, pois a beleza não importa, pois o que importa é a felicidade. Quadro 10: Transcrição do texto 05

Ao defender que a felicidade não está relacionada à aparência externa, o aluno dialoga com o discurso da ideologia do cotidiano sobre a beleza. Para a ele, a beleza parece ser um aspecto secundário, que não reflete a personalidade dos indivíduos, nem tampouco seu caráter, mas apenas um padrão criado pela sociedade, a partir de estereótipos diversos. Esta concepção, é claro, não foi formulada pelo aluno nessa ocasião, mas diz respeito a um discurso construído no cotidiano, com o intuito de desmitificar os estereótipos de beleza. A ideologia do cotidiano, conforme aponta Bakhtin (1992), apresenta-se como importante base para a vida na formação das pessoas, porque é permeada por conhecimentos e valores que se organizam e fazem sentido no interior de grupos sociais, ao longo do tempo e do espaço. Nesse sentido, no texto em análise, a argumentação do aluno se sustenta no discurso da ideologia do cotidiano sobre a beleza enquanto aspecto acessório na vida das pessoas. Na sala de aula, espaço social de convivência do aluno, esse discurso foi pregado pela professora após contar a história do Patinho Feio, quando destacou a necessidade dos alunos não julgarem a personalidade do colega pela aparência, mas de avaliá- la por sua índole, por suas atitudes. Desse modo, o discurso do aluno dialoga, em primeira instância, com o discurso da professora, porque ele, inclusive retoma frases citadas por ela, que, por sua vez, está pautada na ideologia do cotidiano. Além disso, ao defender o princípio da subjetividade do sujeito como elemento característico de sua individualidade, afirmando que “nem todo mundo é igual”, o aluno, mais uma vez, dialoga com o discurso da ideologia do cotidiano, porque sua proposição corresponde a uma afirmação genérica, aceita pela

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sociedade na qual ele está inserido. Não há uma voz primeira que enuncia esse discurso, de modo que este possa ser compreendido como um discurso de um outro específico, mas corresponde a um enunciado comumente dito pelos membros de seu grupo social, quando intentam enfatizar que as pessoas, apesar de conviverem em um mesmo espaço, em uma mesma comunidade, se diferem em muitos aspectos, porque possuem uma singularidade própria de sua personalidade. A seguir, passamos a analisar textos referentes à segunda proposta de produção textual que constitui o nosso corpus, buscando identificar com quem os alunos dialogam ou para quem escrevem seus textos, ou seja, observar quem são os auditórios – particular ou universal, social ou médio – dos alunos.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 12 Porque eles eram muito danados e também davam muito trabalho. Porque seus pais não tinham condições de criar eles. Mas, acima de tudo, seus pais não o amavam, (palavra incompreensível) pois quando a gente ama supera tudo. Quadro 11: Transcrição do texto 12

Em seu texto, o aluno defende que João e Maria, personagens da história contada em sala de aula, foram abandonados na floresta porque os pais não os amavam. Para sustentar essa tese, ele recorre ao discurso religioso comumente aceito em seu grupo social, afirmando que “quando a gente ama supera tudo”. O discurso do aluno dialoga explicitamente com o texto bíblico do capítulo treze da primeira carta de Paulo aos Coríntios, quando defende a supremacia do amor em relação aos demais sentimentos. Especificamente no versículo sete, o apóstolo propõe que o amor “tudo sofre, tudo crê, tudo espera, tudo suporta”. A semelhança entre os discursos se apresenta de forma tão intensa, que poderíamos dizer que o aluno, mesmo que de forma não intencional, parafraseia o texto bíblico para defender sua tese. Nossa análise ganha sustentação quando observamos a estrutura argumentativa do texto do aluno. Ele organiza os argumentos em uma ordem hierárquica, colocando o argumento de que o amor tudo suporta, em sua ordem de

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valores, como aquele mais importante, uma vez que é introduzido pelo elemento conectivo “mas acima de tudo”. O termo tudo funciona como elemento anafórico encapsulador, porque retoma os argumentos anteriormente elencados, e introduz o último argumento como aquele mais importante na ordem estabelecida pelo aluno. Ademais, ao retomar o discurso religioso para sustentar sua argumentação, o aluno não apresenta um interlocutor específico em seu texto, de maneira que não podemos delimitar os membros que constituem seu auditório imediato. Poderíamos pensar que se trata de um auditório universal, mas o conceito da Nova Retórica é bastante amplo para tal, pois o compreende como um conjunto de membros adultos de uma comunidade ou até mesmo as pessoas do mundo inteiro. Considerando o contexto de produção dos textos dos alunos, podemos pensar seu auditório, portanto, como particular, mesmo que o texto não apresente indícios para tal. A produção foi realizada em sala de aula, por solicitação da professora, portanto, o auditório do aluno, em primeira instância, é constituído por ela, pelos bolsistas que acompanharam a atividade e pelos demais colegas de classe. Passemos a análise do segundo texto:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 17 Muitos pais abandonam seus filhos como os de João e Maria porque diz que não tem condições. Abandonar não é o melhor. Quando os pais abandona os filhos não precisam dividir comida que os eles tem com os filhos. E também é muito melhor para os filhos ter alguém para dar comida, do que ficar passando necessidade. Os filhos precisam de amor e carinho dos pais e não só de comida. Quadro 12: Transcrição do texto 17

Aparentemente, podemos pensar, em uma primeira leitura, que o texto do aluno, de um modo geral, apresenta algumas contradições. Ele defende, por exemplo, que abandonar – entendemos que aqui o verbo é ressignificado, porque não diz respeito apenas a casos de abandono no sentido literal da palavra, mas também de doações espontâneas e declaradas de crianças em orfanatos, em creches, hospitais – não é a melhor opção, mas, por outro lado, sugere ser mais proveitoso para as crianças serem adotadas por pessoas que lhes proporcionarão

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conforto e suprirão suas necessidades, do que serem criadas pelos pais sem gozarem desses atributos. Entretanto, essas confusões não comprometem o sentido do texto, porque ao final o aluno retoma sua tese, reafirmando-a, defendendo que os filhos não precisam apenas de alimentação, mas do carinho e amor dos pais. O aluno introduz seu texto com uma generalização, relacionando o abandono das crianças na história contada em sala de aula com fatos atuais do cotidiano. Em seguida, ele nega essa afirmação, sugerindo que os pais que abandonam os filhos alegando falta de condições financeiras não apresentam justificativas que se sustentam. Isso porque, como ele sugere, muito além de aspectos financeiros, as crianças precisam de atenção e carinho dos pais. Ao realizar essa afirmação, o aluno retoma o discurso da professora, quando enfatizou, após a contação da história, que, para os personagens, não importavam as condições de seus pais, eles queriam apenas ser amados, por isso insistiram tanto em voltar para casa. Percebemos, pois, que o aluno adere à tese da professora, passando, inclusive, a defendê-la em seu texto. Esse discurso que atribui ao sentimento um valor acima do financeiro se sustenta em princípios religiosos, principalmente do cristianismo, que defendem a supremacia daquilo que é espiritual sob aquilo que é material. E é nesse princípio que está pautado o discurso da professora e, consequentemente, o discurso do aluno, considerando a influência que o primeiro exerceu sob este último. Portanto, no texto em análise, o diálogo é travado, principalmente, com o discurso da professora da turma, que, por sua vez, dialoga e é influenciado por um discurso da ideologia cristã. Assim, o auditório do aluno é constituído, imediatamente, pela professora e pelos demais alunos da classe, pois ele argumenta na defesa de sua tese, com intuito de conseguir a adesão dos colegas. Trata-se, pois, de um auditório particular ou social, porque é constituído por membros específicos, delimitados. Na verdade, conforme pudemos constatar, na maioria dos textos analisados, os alunos dialogam com discursos outros, enunciados por interlocutores mais imediatos, a professora, os colegas, os bolsistas, ou por interlocutores indeterminados, porque, nesses casos, correspondem a discursos do senso comum, da ideologia do cotidiano. Por isso, nos textos analisados, o auditório dos

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alunos, em sua maioria, é particular, porque os interlocutores são bem estabelecidos, delimitados. No caso da ideologia do cotidiano, também compreendemos enquanto auditório particular, pois, como sugerem Perelman e Tyteca (2005), o auditório particular pode também ser construído “pelo mundo interior e pela reflexão de cada indivíduo”. Esse mundo interior, retomando Bakhtin (1992), é influenciado e formado a partir da interação do indivíduo com os sujeitos em certas esferas de comunicação.

4.3 De onde as crianças extraem seus argumentos

Conforme enfatizamos na parte teórica desta dissertação, os oradores não extraem seus argumentos de um lugar vazio, mas de lugares argumentativos, compreendidos como premissas de ordem genérica, utilizadas pelo orador para estabelecer acordos com o auditório e, consequentemente, assegurar a adesão a determinados valores. Assim sendo, nesse tópico, procuramos verificar e descrever os lugares a que se referem os argumentos empregados pelos alunos nos textos que constituem o corpus dessa investigação. Vejamos o primeiro texto.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 01 Se eu fosse o pato feio acharia muito ruim porque eu não gostaria de não ter amigos e não tinha com quem brincar. É muito ruim. Os pais não gostava dele porque eu era diferente de todos. Quadro 13: Transcrição do texto 01

No texto acima, ao afirmar sobre como se sentiria caso fosse o Patinho Feio, o aluno argumenta do lugar da pessoa, porque coloca o ser humano no topo de sua hierarquia de valores. O aluno não gostaria de ser o patinho porque não teria amigos com quem brincar. Ele parece não se importar, necessariamente, com a aparência em si, mesmo que admita a feiura do patinho como fator decisivo para este ser abandonado por todos. O foco da argumentação do aluno está na solidão, na falta de companhias ocasionada por causa da aparência do personagem. Além disso, na ordem como estão dispostos os argumentos (não ter amigos e não ter com quem brincar), percebemos que os amigos são mais importantes do que os

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próprios brinquedos, porque o que realmente parece importar para o aluno não são propriedades materiais, mas a companhia de pessoas que lhe queiram bem. Além disso, ao defender que “os pais não gostava dele porque eu era diferente de todos”, o aluno recorre ao lugar da essência, porque valoriza o Patinho justamente por ser diferente dos demais de sua espécie, por possuir uma essência particular que lhe distingue dos outros patos. Desse modo, a feiura do patinho não é encarada pelo aluno como um aspecto negativo, como convencionalmente é compreendida pelas pessoas, mas como uma marca prototípica do seu ser, que lhe torna especial, “diferente” dos outros. A seguir, analisemos outro texto ainda pertencente à primeira proposta de produção que constitui o corpus desta dissertação.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 06 Se eu fosse o patinho eu me sentiria triste porque todos iam me achar feio. Eu não teria amigos e ficaria só. É muito ruim ficar sem amigos. Quadro 14: Transcrição do texto 06

Nesse texto, diferentemente do primeiro, o aluno produtor possui uma grande preocupação com a aparência. Na verdade, ele se sentiria triste, caso fosse o Patinho Feio, principalmente, porque todos iam lhe achar feio. Na ordem dos argumentos apresentados, este é o primeiro e, possivelmente, o mais importante argumento apresentado pelo aluno, mesmo que, em seguida, ele acrescenta outros argumentos, como a falta de amigos e a, consequente, solidão. Considerando, portanto, a disposição dos argumentos no texto, podemos dizer que o aluno recorre ao lugar da ordem para organizar o seu texto, partindo de argumentos mais importantes para aqueles que possuem menor relevância. Além disso, dada a importância à beleza, percebemos que o aluno também recorre ao lugar da essência para sustentar sua argumentação, pois valoriza sua aparência (sua essência) como importante característica para manter seus amigos e, consequentemente, não ficar só. Vejamos, agora, os lugares argumentativos mobilizados pelos alunos nos textos referentes à segunda proposta de produção textual.

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TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 14 Porque não tinha nada para comer. Porque não tinha dinheiro. Porque tudo o que o pai fazia não dava certo. Quadro 15: Transcrição do texto 14

O aluno estrutura seu texto a partir de três respostas para a pergunta contida no enunciado da proposta de redação apresentada pela professora. Os argumentos estão organizados a partir de uma hierarquia de valores: i) não tinha nada para comer, argumento relacionado às necessidades biológicas do ser humano; ii) não tinha dinheiro, relacionado à questões econômicas-financeiras; iii) tudo o que o pai fazia não dava certo, relacionado aos investimentos realizados pelo chefe da família. Para organizar estes argumentos, o aluno recorre ao lugar da ordem e da essência, porque ele coloca em primeiro lugar, na ordem de seus argumentos, as necessidades básicas do ser humano, ou seja, a alimentação. Ademais, o aluno também mobiliza argumentos fundamentados no lugar do existente, quando faz menção à falta de dinheiro dos pais de João e Maria: “Porque não tinha dinheiro”. Ele valoriza o que existe (ou melhor, o dinheiro deveria existir), em detrimento do que não existe (a falta de dinheiro). Nesta perspectiva, se os pais de João e Maria possuíssem dinheiro suficiente para sustentá-los, possivelmente, não teriam abandonado os filhos na floresta. Logo, na argumentação do aluno, a principal razão para os pais terem abandonado os filhos encontra-se na escassez de recursos financeiros da família. Esse raciocínio é comprovado quando observamos o último argumento empregado pelo aluno: “Porque tudo o que o pai fazia não dava certo”, ou seja, o pai tentava desenvolver alguma tarefa que lhe possibilitasse algum recurso, mas os resultados não eram agradáveis, porque eram insuficientes. Por fim, vejamos mais um texto pertencente à segunda proposta de produção textual, no qual observamos os lugares argumentativos de onde o aluno extraiu argumentos para convencer seus interlocutores da validade de sua tese, pretendendo a adesão destes à tese apresentada.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 19

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João e Maria eram de famílias pobres e seus pais não tinham o que lhe oferecer para comer e João e Maria saíram em busca de algo para comer, porque eles estava com muita fome. Quadro 16: Transcrição do texto 19

No texto em análise, o aluno escreve do lugar da essência da vida. Ele coloca a vida no topo de sua hierarquia de valores, de maneira que viver, dignamente (isto é, ter uma alimentação adequada, um lar, o aconchego e o carinho dos pais, bem como um trabalho probo), parece estar acima de qualquer outro valor. Em outros termos, para o aluno, nada está acima desse direito à alimentação e, consequentemente, do direito de viver. E, para isso, alimentar-se adequadamente se apresenta como uma exigência necessária (“... não tinham que lhe oferecer para comer.”), mas que, por motivos já explicitados, não é assegurada aos personagens da história, que se veem obrigados, na versão do aluno, a saírem de casa em busca de alimentação em outros lugares. Portanto, os argumentos mobilizados pelos alunos em suas produções textuais pertencem a diversos tipos de lugares, especificamente, o lugar da pessoa, o lugar do existente e o lugar da essência. Argumentos pertencentes a outros lugares, como o ligar da quantidade ou da qualidade, não foram mobilizados pelos alunos nos textos analisados. Possivelmente, isso ocorre porque a argumentação dos alunos não se fundamenta numa estrutura lógica matemática, baseada em proposições formais, mas está sustentada no pathos, nas emoções e nas paixões dos alunos e de seus auditórios.

4.4 As teses defendidas pelos alunos e os efeitos de sentidos produzidos

Uma tese, de maneira bastante genérica, pode ser compreendida como a ideia principal de um texto ou de um discurso. Entretanto, para além disso, as teses são elementos centrais de todo processo argumentativo porque são os motivos pelos quais o orador procura provocar ou aumentar a adesão de seus interlocutores. Nos textos escritos pelos alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental – especificamente aqueles pertencentes à turma do 2° ano da Escola Municipal Professora Nila Rêgo, que constituem o corpus desta pesquisa – várias teses são defendidas, conforme demonstrado nos quadros do capítulo anterior.

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Nesse tópico, como já anunciado, nosso interesse é justamente analisar as teses defendidas por esses alunos, focalizando os efeitos de sentido a elas subjacentes. Nos textos pertencentes à primeira proposta de produção textual, as teses defendidas pelos alunos são bastante homogêneas. Em sua maioria, afirmam a opinião dos alunos de que ficariam muito tristes, caso fossem o Patinho Feio, porque seriam abandonados pelos amigos e por familiares. Em uns poucos casos, alguns alunos afirmam que ficariam tristes, caso fossem o patinho, simplesmente porque seriam feios. A seguir, vejamos alguns exemplos das teses defendidas.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 19 Eu me sentiria muito magoada e muito triste por ser desprezada pelas minhas amigas e familiares. Eu ficaria arrasada e pensaria até em sair de casa e nem sabia o que ia fazer da vida porque sem eles como eu iria sobreviver no mundo. Ainda bem que eu não sou desprezada e sim muito amada por meus familiares e amigos. Quadro 17: Transcrição do texto 19

Como podemos observar, o aluno toma uma posição inicial (“Eu me sentiria”) e elabora uma justificativa pautada, basicamente, em argumentos fundamentados na estrutura do real. Tal qual sugere a proposta de produção, ele tenta colocar-se no lugar do Patinho Feio e afirma o que sentiria ao ser desprezado por seus amigos, mostrando, inclusive, certa maturidade ao falar sobre seus sentimentos, suas emoções (“Eu me sentiria muito magoada e muito triste”), que são enfatizados com o uso de advérbios de intensidade. O texto é construído a partir de hipóteses, como sugere o emprego dos verbos no tempo futuro, por isso, ao final, o aluno apresenta uma conclusão que quebra a estrutura hipotética do texto, com uma informação sobre sua vida real, introduzida pelo organizador lógico-argumentativo “ainda bem”. Os argumentos mobilizados no texto, de um modo geral, fundamentam a seguinte tese:

Eu me sentiria muito magoada e muito triste por ser desprezada por minhas amigas e por minha família.

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A tese defendida pelo aluno se apresenta como uma proposição unificada do texto, porque resume toda a argumentação nele contida. Para defendê-la, o aluno recorre a argumentos baseados na estrutura do real, quando sugere que “pensaria até em sair de casa e nem sabia o que ia fazer da vida”. Ao sugerir um comportamento como este – fugir de casa – o aluno procura imitar o Patinho Feio, que, ao ser abandonado por todos, saiu sem rumo, à procura de um lugar onde fosse aceito do modo como realmente era. Sua intenção, pois, é intensificar os efeitos de sentido apresentados em sua tese, esclarecendo-os por meio de argumentos que os justificam, tendo em vista convencer seu auditório sobre a validade da tese apresentada. Além disso, é evidente a preocupação do aluno, na própria tese do texto, com seus amigos e familiares, seres constitutivos de sua vivência: “sem eles como eu iria sobreviver no mundo”. Não é o fato de ser feio que lhe preocupa, mas sim a possibilidade de ser abandonado pelas pessoas mais queridas – amigos e familiares. O aluno recorre, portanto, ao lugar da pessoa e do existente para formular argumentos que sustentem sua tese. Dada à sua preocupação, essa possibilidade é logo negada ao final do texto: “Ainda bem que eu não sou desprezada e sim muito amada por meus familiares e amigos”, como se a hipótese apresentada no texto jamais pudesse tornar-se realidade. O uso da primeira pessoa do singular permeia todo texto, inclusive o argumento principal, ou seja, a tese, indicando que o aluno coloca-se como sujeito que assume e se responsabiliza por seu ponto de vista. Essa posição, comumente recorrente em gêneros textuais do tipo artigo de opinião – o que também foi verificado no corpus desta pesquisa – evidencia o engajamento do produtor do texto como o conteúdo do que é enunciado, porque além de locutor, ele também é sujeito do discurso. Funciona, ainda, como um recurso argumentativo que influencia o auditório na aceitação da tese defendida pelo aluno. No texto seguinte, a preocupação do aluno não corresponde apenas ao fato de ser abandonado pelos amigos, mas também de sentir-se e ser feio:

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 06 Se eu fosse o patinho eu me sentiria triste porque todos iam me achar feio. Eu não teria amigos e ficaria só. É muito ruim ficar sem amigos.

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Quadro 18: Transcrição do texto 06

Logo no início do texto, o aluno implica-se, engaja-se, quando utiliza a primeira pessoa, o que evidencia uma tomada posição e a construção de um discurso com base em seu ponto de vista pessoal, sem dar ênfase ao seu auditório. Entretanto, observamos que o aluno desenvolve o texto recorrendo ao emprego de pequenas frases, que sintetizam sua opinião, que, por conseguinte, não é explorada no próprio texto. Além disso, o aluno não apresenta uma conclusão que retome sua tese e seus argumentos, tal qual faz o produtor do texto anterior, quebrando, portanto, a estrutura tese-argumentos-conclusão, recorrentemente encontrada nos textos analisados. Apesar de curtas e desconexas sintaticamente, as frases que constituem o texto do aluno apresentam coerência semântica, de modo que podemos compreender que as duas últimas correspondem a argumentos de ancoragem, que sustentam sua tese.

Se eu fosse o patinho eu me sentiria triste porque todos iam me achar feio.

Neste texto, o aluno demonstra uma maior preocupação com a própria beleza, defendendo a tese de que se sentiria triste justamente porque todos o achariam feio, mesmo que sustente essa tese com argumentos que enfatizam a falta de amigos, de companhia. Entretanto, essa ausência de amigos, na ótica do aluno, já seria uma consequência de sua possível feiura, caso fosse o Patinho Feio. Nos textos pertencentes à segunda proposta de produção, tal qual na primeira, podemos observar orientações argumentativas distintas, mas que se assemelham em alguns aspectos, principalmente pelo fato dos textos corresponderem à mesma proposta de produção. Por isso, classificamos as teses defendidas pelos alunos nos textos pertencentes a esta segunda proposta em dois blocos temáticos: i) aqueles que apresentam uma compreensão mais global sobre os direitos das crianças; ii) aqueles que compreendem a falta de recursos financeiros como justificativa plausível para o abandono. Vejamos a tese defendida no texto a seguir, que pertence ao primeiro bloco temático:

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TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 11 Porque não tinha nada para comer. Por que não tinha dinheiro. Por que no que o pai trabalhava não dava pra sustentar a família e ele teve que deixar os filhos na floresta. João e Maria sofreram muito. Toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz. Quadro 19: Transcrição do texto 11

Neste texto, o aluno procura a atender o que sugere a proposta de produção textual apresentada, refletindo sobre os motivos pelos quais os personagens João e Maria foram abandonados na floresta. Conforme contam os Irmãos Grimm, autores da história9, por falta de recursos financeiros suficientes para alimentar as crianças, o pai, carpinteiro, e a madrasta elaboraram uma estratégia para levarem as crianças até a floresta e ali serem abandonados. Entretanto, por serem sagazes, João e Maria conseguem encontrar o caminho de volta para casa, porque o menino havia deixado migalhas de pão espalhadas pelo caminho percorrido. Inconformados, o pai e a madrasta resolvem realizar uma nova investida. João realiza a mesma astúcia, mas dessa vez foi traído pelos passarinhos, que comeram as migalhas espalhadas pelo garoto. As crianças, perdidas na floresta, seguem sem rumo, até encontrarem uma casa de doces, na qual vivia uma velha bruxa. Ela conseguiu prender as crianças, para que lhes servissem de alimento. Entretanto, mais uma vez, João mostra ser um menino inteligente e elabora um plano. Eles conseguem fazer com que a bruxa caia em sua própria armadilha, morrendo queimada. Os meninos encontram seus pais e “vivem felizes para sempre”. Vários fragmentos da história são recuperados pela aluna em seu texto, como a falta de alimentação (“não tinha nada para comer”), o abandono das crianças na floresta (“ele teve que deixar os filhos na floresta”), o trabalho do pai de João e Maria (“no que o pai trabalhava não dava pra sustentar a família”) dentre outros. Esses elementos parecem funcionar como argumentos de autoridade no

9 Reconhecemos que há certa controvérsia quanto à autoria da história infantil João e Maria. Entretanto, admitimos aqui os Irmãos Grimm como autores porque a história contada em sala é assinada por esses em uma coletânea de contos infantis.

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texto do aluno, porque ao dialogar com fatos presentes na própria história contada pela professora em sala, ele consegue dar maior sustentação aos argumentos apresentados, porque lhes acrescenta um matiz de verdade, dando a entender que esses são os verdadeiros motivos pelos quais João e Maria foram abandonados na floresta. Além disso, como a proposta de produção textual se apresenta em forma de uma pergunta, o aluno inicia o texto com o organizador “porque” para introduzir os argumentos que sustentam sua tese, como se estivesse literalmente respondendo ao questionamento do enunciado. Por isso, possivelmente, o texto é construído por frases curtas, quase não apresentam conectivos de ligação entre si (apenas no terceiro parágrafo há dois períodos simples ligados por uma conjunção coordenativa), de maneira que estão dispostas no texto como se fosse uma lista de respostas para a questão apresentada. Mesmo assim, é possível observarmos que o texto é coerente, uma vez que os argumentos apresentam conexão semântica de causa-consequência – como veremos a seguir – e são fundamentais para sustentarem a tese que é apresentada ao final do texto:

Toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz. (Texto 01).

O aluno defende a tese de que ficar junto dos pais e ser feliz são direitos de toda criança, mas que, por motivos diversos, não foram assegurados aos personagens da história contada em sala de aula. Dentre esses motivos, ela cita em seu discurso a insuficiência de recursos financeiros dos pais de João e Maria para oferecerem condições adequadas de sobrevivência às crianças. O aluno, inclusive, faz referência à profissão do pai dos personagens, lenhador, associando- a a um tipo de trabalho que não possibilita a obtenção de recursos suficientes para sustentar a família. Ao apresentar esses argumentos que sustentam sua tese, a criança parece demonstrar ter uma visão de mundo que compreende a dinâmica da sociedade capitalista em que vivemos, caracterizada, principalmente, pelo imperativo interesse em obtenção de lucro (recursos financeiros) e pela desigualdade social existente entre a população. Tal realidade é patente em seu cotidiano, considerando o contexto geográfico e econômico no qual o aluno está inserido, qual seja, interior do Estado do Rio Grande do Norte, região onde a má distribuição de renda é um problema evidente.

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Esta tese se sustenta basicamente em argumentos que fundam a estrutura do real, por ligações de sucessão, porque são construídos por relações de causa- efeito e consequência-finalidade que se baseiam justamente em dados ou fatos da vida real. Assim, a estrutura do texto se apresenta da seguinte forma: o pai e a madrasta de João e Maria não tinham nada pra comer porque não tinham dinheiro e, por sua vez, não tinham dinheiro porque o trabalho do pai – responsável pelo lar – não lhe possibilitava adquirir recursos suficientes para comprar comida. Além disso, a aluna recorre ao argumento pragmático para analisar o abandono das crianças a partir de suas consequências favoráveis (que parecem justificar tal atitude: “eles não tinham nada para comer” e, portanto, seria melhor para os pais deixá-los em um lugar onde pudessem, de alguma forma ainda indefinida, obter comida) ou desfavoráveis (“João e Maria sofreram muito” e “toda criança merece ficar junto dos pais”: independentemente das condições financeiras, entende-se que união familiar, o aconchego, o carinho dos pais parece ser essencial à vida). Apesar de tentar, aparentemente, ser imparcial, apresentando ora argumentos que justificam o abandono e ora outros que criticam a atitude dos pais, esses últimos parecem ser defendidos pela aluna com mais veemência, como se pode perceber no próprio argumento axial (tese) de seu discurso: “toda criança merece ficar junto dos pais e ser feliz”. Além disso, a tese defendida pelo aluno não parte de um vazio, como se fosse um discurso primeiro, mas dialoga, além da própria história contada em sala de aula, como já demonstramos, com outras vozes que ecoam na sociedade na defesa pelos direitos dos seres humanos. São vozes de pessoas ou instituições diversas, principalmente daquelas preocupadas em assegurar os direitos das crianças e dos adolescentes, tais como o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO), dentre outras. O discurso dessas instituições parece ser incorporado ao discurso do aluno, mesmo que de forma não mostrada, tornando-se a ideia central (a tese) de seu texto. Esta tese se sustenta em uma técnica argumentativa axial – que constitui a própria tese – baseada em um argumento quase-lógico por regra de justiça, pois parte do princípio de que todas as crianças – enquanto seres de uma mesma espécie, completamente intercambiáveis e integrados em uma mesma categoria – independentemente de quaisquer situações em que se

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encontrem, devem ter direitos iguais, dentre eles ficar junto dos pais e ser feliz. Portanto, é na identidade de ser criança que está a legítima causa para a justiça no argumento empregado pelo aluno. A seguir, vejamos um texto pertencente ao segundo bloco temático de textos que constituem o corpus desta investigação, em que o aluno, de um modo geral, compreende as condições financeiras dos pais de João e Maria como justificativa plausível para o abandono das crianças.

TRANSCRIÇÃO DO TEXTO 18 Os pais de João e Maria abandonaram eles por que não ter condições suficientes de criar as crianças do jeito que elas mereciam. Muitas crianças são abandonas pelos pais hoje em dia. Por não ter experiência com a vida. A mãe de Carlinhos foi embora e deixou ele só. Mas minha mãe disse que não vai abandonar porque ela gosta muito de mim. Quadro 20: Transcrição do texto 18

Neste texto, assim como no anterior, o aluno procura responder a questão posta no enunciado da proposta de produção sugerida pela professora e pelos bolsistas – por que os pais de João e Maria deixaram os filhos na floresta. Entretanto, diferentemente daquele, o aluno constrói parágrafos mais longos, nos quais desenvolve ideias e apresenta argumentos para sustentar uma tese que é apresentada logo no início do texto. Inclusive, nesse texto, ele utiliza conectivos de ligação que unem os parágrafos do texto, permitindo-nos observar uma progressão do início ao fim: primeiro o aluno apresenta a tese, em seguida contextualiza o problema de que trata o texto – abandono de crianças – na sociedade atual, cita um exemplo de seu cotidiano e conclui com uma afirmação genérica sobre sua vida pessoal. Ele parte de um âmbito mais geral para situações mais específicas de seu cotidiano. A seguir, vejamos a tese defendida pelo aluno neste texto:

Os pais de João e Maria abandonaram os filhos por que não tinhas condições suficientes de criar as crianças do jeito que elas mereciam. (Texto 08).

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O aluno defende a tese de que o abandono de João e Maria pelos pais – entenda-se o pai e a madrasta – está relacionado ao fato destes não disporem de condições financeiras suficientes para criar as crianças do jeito que elas mereciam. A tese do aluno implica a compreensão de que criar filhos requer uma série de condições e especificidades, que, apesar de não serem explicitadas no texto, podem ser identificadas a partir de inferências várias: as crianças precisam, por exemplo, de alimentação adequada, conforto em seu lar, educação de qualidade, lazer, dentre outras condições necessárias à sobrevivência de forma digna. Para assegurá-las aos filhos, considerando a sociedade capitalista na qual estamos inseridos, é essencial que os pais possuam recursos financeiros que lhes permitam dispor de tais condições aos filhos, o que não ocorre com os pais dos personagens da história infantil contada em sala de aula. Este parece ser o raciocínio apresentado pelo aluno em sua tese. Ao formular sua tese a partir deste raciocínio, o aluno parece não querer apresentar um julgamento ou juízo de valor sobre o fato dos pais terem abandonado as crianças na floresta. Na verdade, ele parece estar mais interessado em expor motivos que justifiquem tal procedimento, como a falta de recursos financeiros, por exemplo. Em sua ótica, o abandono não é visto como um delito criminoso, conforme determina a lei de nosso país, mas como uma atitude tomada pelos pais em um momento de desespero, preferindo deixar os filhos ao acaso na floresta, do que vê-los privados de necessidades biológicas primárias, como a alimentação. Portanto, o aluno parece se posicionar em defesa dos pais de João e Maria, recorrendo a argumentos baseados na estrutura do real (PERELMAN & TYTECA, 1996) que sustentem sua tese, como o argumento pelo exemplo, quando cita “a mãe de Carlinhos foi embora e deixou ele só”.

4.7 Correlações

Acreditamos que as considerações sobre o corpus analisado foram suficientes para confirmarmos a hipótese apresentada inicialmente, de que já nos primeiros anos do Ensino Fundamental, quando começam a dominar as habilidades da escrita, os alunos mobilizam argumentos variados em suas produções textuais. Assim, neste tópico, construímos uma síntese das

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observações realizadas, tendo em vista um maior esclarecimento sobre como os alunos argumentam em seus textos. A priori, carece esclarecermos que o modo como organizamos o capítulo metodológico dessa investigação – cada objetivo desenvolvido em um tópico – corresponde a uma escolha essencialmente didático- metodológica. Na prática, não há como separarmos os elementos apresentados – argumentos, lugares, teses, efeitos de sentido – porque eles constituem o todo do processo argumentativo. Por isso, a necessidade de estabelecermos algumas correlações entre ambos. Conforme pudemos perceber, foi frequente o emprego de argumentos baseados na estruturado real por ligações de sucessão e de coexistência, senão os mais recorrentes no corpus analisado. Esses argumentos fundamentam-se na experiência dos alunos, em ligações que eles estabelecem entre coisas do mundo real – ou não, porque as duas histórias contadas em sala são fictícias – para tentar compreendê-las a partir das relações entre ambas. O emprego de um ou de outro tipo de ligação produziu efeitos de sentido variados, seja de causa-consequência, como no caso em que o aluno afirma que o patinho ficou triste porque foi abandonado pelos amigos, seja de fins e meios, dentre outros. Além disso, percebemos também a recorrência a argumentos que fundamentam ou fundam a estrutura do real pelo exemplo e pela ilustração. Quando empregam esses argumentos, os alunos recorrem a um caso particular para generalizá-lo ou transportá-lo para outro domínio. Em alguns textos da segunda proposta de produção textual, por exemplo, os alunos recorreram a casos que assistiram na televisão para, a partir de então, realizarem afirmações mais genéricas. Como esses argumentos estão mais relacionados à emoção, ao pathos dos alunos, eles estão situados, principalmente, em lugares argumentativos de pessoa, de ordem, da essência e do existente. Por exemplo, quando mobiliza um argumento pelo exemplo, o aluno recorre ao lugar do existente, porque ele prioriza um fato ou acontecimento existente em relação aquilo que é inexistente. De modo semelhante, quando organiza seus argumentos, colocando em primeiro lugar as necessidades básicas de existência do indivíduo, o aluno coloca a vida no topo de sua hierarquia de valores, recorrendo, portanto, ao lugar da ordem e da essência. Ou ainda, quando o aluno afirma que ficaria triste, caso fosse o Patinho Feio, porque seria abandonado por seus amigos e não teria com quem brincar, ele

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recorre ao lugar da pessoa, porque, em sua argumentação, perpassa a ideia de que as pessoas (os amigos) são superiores as coisas (os brinquedos). Quando mobilizam os argumentos para fundamentarem suas teses, os alunos dialogam com interlocutores delimitados, que constituem, principalmente, auditórios particulares. Este tipo de auditório é constituído, imediatamente, pela professora da turma, pelos bolsistas que assistiam às aulas da professora e pelos colegas de turma de cada aluno produtor do texto. Em alguns textos, percebemos que os alunos não fazem referência a um interlocutor específico nem deixam marcas nos textos que nos permitam identifica-lo. Entretanto, observamos que eles dialogam com outros discursos, com vozes outras que se mesclam com a voz do aluno na tessitura dos textos. Essas vozes, algumas vezes, pertencem a instituições específicas (a UNESCO, por exemplo), a grupos sociais delimitados (religiosos) ou até mesmo a ideologia do cotidiano, o que torna os auditórios dos alunos, nesse caso, menos particularizado. Quanto às teses defendidas pelos alunos, essas correspondem a proposições unificadas do conteúdo dos textos, ou seja, frases ou orações resumitivas que conservam, em sua essência, a informação principal dos textos. Essas teses são defendidas através do uso de argumentos diversos, constituídos por especificidades das próprias teses. De um modo geral, às teses analisadas, estão subjacentes efeitos de sentido relacionados à temática do desprezo e do abandono, uma vez que as duas propostas de produção textual enfatizam o abandono nas histórias contadas em sala de aula. Os alunos demonstram uma preocupação com o problema – menores abandonados – evidenciando, inclusive, que compreendem os motivos pelos quais muitos pais abandonam ou desprezam os filhos, mas que não querem ser abandonados por motivos também explicitados nos textos e já analisados anteriormente. Na verdade, a argumentação dos alunos constitui, em muitos dos textos analisados, uma forma de apresentação de sua realidade – semelhante ou não às histórias contadas: em alguns textos, os alunos procuram justamente construir uma imagem de sua família como um lar exemplar, afirmando que não será abandonado pelos pais nem pelos amigos, porque estes lhes amam; em outros textos, alguns alunos demonstram que se identificam com os personagens das histórias contadas, principalmente com o Patinho Feio, por ser rejeitado pelos amigos.

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Portanto, a argumentação dos alunos é pautada em suas relações cotidianas, porque trazem para os textos elementos de sua vida pessoal, que interagem com fragmentos das histórias contadas, com discursos outros de instituições ou pessoas, com discursos que já integraram sua consciência individual, que são mobilizados pelos alunos para defenderem suas teses e convencerem seu auditório da validade das mesmas. Para tanto, eles recorrem, como visto, a estratégias argumentativas variadas que, além de apresentarem especificidades das teses, lhes dão sustentação e lhes acrescentam um tom de veracidade.

4.8 Implicações para o trabalho com a argumentação em sala de aula

Considerando o trabalho de análise empreendido neste capítulo, achamos prudente concluí-lo, mesmo que brevemente, com uma reflexão sobre as implicações de nossa pesquisa para o trabalho com a argumentação em sala de aula, uma vez que em um de nossos objetivos específicos pretendemos contribuir com os estudos e pesquisas que tematizam questões relacionadas à argumentação, principalmente com aqueles voltados para o ensino de produção de textos nos anos iniciais do Ensino Fundamental. De um modo geral, pudemos perceber que os alunos, em suas produções textuais, procuraram defender algumas teses, sustentadas em vários tipos de argumentos. Em outros termos, observamos que a argumentação apresenta-se como elemento característico dos textos dos alunos, porque é constitutiva da própria linguagem. Esse fato corrobora com a hipótese apresentada no início do trabalho, de que os alunos, já nos anos iniciais de escolarização, recorrem à argumentação para sustentarem seus pontos de vistas, suas opiniões e impressões sobre o mundo e a realidade. Por isso, os professores precisam considerar essa constatação e pensarem em perspectivas de trabalho para argumentação desde o período de alfabetização dos alunos, quando começam a interagir pela linguagem escrita, necessária à nossa atuação nas mais diversas esferas de comunicação. Além do desenvolvimento de habilidades cognitivas (seja de expressar-se com fluência, de formular e articular raciocínios lógicos, de construir e tomar

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posicionamento acerca de determinadas questões ou temática, dentre outras possibilidades), o trabalho com a argumentação em sala de aula é fundamental para a implementação de tópicos curriculares e extracurriculares em sala de aula. Por isso, é primordial que a escola, e principalmente o professor, tenha consciência da necessidade de se desenvolver um trabalho mais sistemático com a argumentação em sala de aula. Ele precisa compreender, por exemplo, que o argumentar não se restringe apenas a uma habilidade a ser desenvolvida em algumas poucas aulas de língua materna, quando se trabalha com gêneros argumentativos, mas que as práticas argumentativas estão presentes nos mais diversos gêneros, nos conteúdos de variadas disciplinas e até mesmo em situações extracurriculares. Nos textos analisados, mesmo que as situações de produção não tenham se concretizados exclusivamente como momentos específicos para o trabalho com a argumentação, percebemos que os alunos produziram textos argumentativos. Outrossim, mesmo que a professora não tenha desenvolvido um trabalho sistemático ou até intencional com a argumentação, pudemos observar que argumentos foram mobilizados pelos alunos em seus textos, porque lhes interessava convencer um auditório sobre a validade de suas teses. Ora, se mesmo quando não desenvolvemos um trabalho planejado com a argumentação os alunos recorreram a argumentos diversos para validarem suas teses, possivelmente, ao agirmos dessa forma, esses alunos aprenderão a mobilizar estratégias argumentativas outras, de maneira mais consciente e sistemática, o que favorecerá seu desempenho em anos escolares futuros, quando o trabalho com a argumentação é mais intenso em nosso sistema educacional brasileiro. Neste contexto, a mediação do professor é essencial para o desenvolvimento do aluno. O professor, nas mais diversas práticas escolares (seja na contação de história, na produção de textos, na didatização de conhecimentos científicos, na resolução de conflitos, no trabalho com temas transversais, dentre outros) deve atuar como um instigador, um provocador capaz de prender a atenção do aluno e de lhe favorecer o desenvolvimento de estratégias argumentativas de persuasão. Como propõe Freitas (2005) em seu trabalho sobre contação de histórias, o professor deve ser um efetivo argumentador por excelência, tendo em

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vista que sua função é influenciar o aluno, de promovê-lo no uso de práticas argumentativas. Quando o professor consegue promover atividades que favorecem a argumentação dos alunos ou mesmo aproveitar situações não planejadas, e atua como mediador do processo argumentativo, ele consegue contribuir para o desenvolvimento de habilidades linguísticas e discursivas dos alunos necessárias à argumentação, porque o aluno apreenderá a mobilizar argumentos e estratégias argumentativas de forma planejada e intencional. Com isso não estamos querendo dizer que, no caso dos textos analisados, quando não houve, anteriormente, um trabalho sistemático com a argumentação em sala de aula, os alunos mobilizaram argumentos de forma inconsciente. Eles argumentaram porque, conforme defendemos, a argumentação é inerente à linguagem, de modo que quando utilizamos a linguagem estamos argumentando na defesa de alguma questão. No entanto, defendemos a necessidade de um trabalho com a argumentação desde os anos iniciais porque acreditamos que assim os alunos conseguirão desenvolver aquelas habilidades com mais facilidade, tendo um melhor desempenho na produção de textos argumentativos em séries futuras.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta dissertação, buscamos analisar textos escritos por crianças em fase inicial do Ensino Fundamental (mais especificamente no 2° ano), focalizando os argumentos por elas construídos e os efeitos de sentido produzidos nesses textos. Para tanto, realizamos o seguinte percurso: i) identificamos e examinamos o emprego de técnicas argumentativas utilizadas pelos alunos na produção dos textos, observando suas regularidades e correlacionando-as às teses defendidas e aos efeitos de sentidos produzidos; ii) verificamos e descrevemos os lugares a que se referem os argumentos empregados pelos alunos em suas produções textuais; iii) observamos a influência do auditório na construção dos textos pelos alunos e nas teses por eles defendidas, considerando o pressuposto bakhtiniano de que todo discurso é constitutivamente dialógico; iv) analisamos e interpretamos as teses defendidas pelos alunos em suas produções textuais escritas e os efeitos de sentidos a elas subjacentes.

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Assim sendo, em um primeiro momento, observamos que os alunos recorrem a várias técnicas argumentativas para sustentarem suas teses, priorizando o emprego de argumentos baseados na estrutura do real e de argumentos que fundamentam a estrutura do real. Na maioria das vezes, eles funcionam como argumentos de ancoragem, porque sustentam as teses defendidas pelos alunos, ou seja, funcionam como técnicas argumentativas que influenciam o auditório na adesão das teses que lhes são apresentadas. Ademais, o emprego desses argumentos revela que o processo argumentativo dos alunos fundamenta-se, principalmente, em raciocínios pautados nas emoções e na realidade dos alunos, porque seus argumentos compreendem elementos, fatos ou acontecimentos ligados ao cotidiano dos alunos. Essa constatação ganhou força quando analisamos os lugares argumentativos de onde os alunos retiraram seus argumentos: lugares de pessoa, da essência, do existente e da ordem. Esses lugares não dizem respeito a raciocínios matemáticos, mas destacam as especificidades das pessoas, do ser humano. O foco não está em valores numéricos, lógicos, mas nos sentimentos, nas emoções, nas paixões. Mesmo quando recorrem ao lugar da ordem, os alunos estão preocupados em organizar seus argumentos, colocando em primeiro lugar, em sua hierarquia de valores, aqueles relacionados às pessoas e não raciocínios matemáticos. Nesse sentido, compreendemos que a argumentação, ao menos quando se trata de crianças em fase inicial do Ensino Fundamental, constitui uma habilidade que está bastante ligada à experiência dos alunos. Isso porque, mesmo que a professora não tenha desenvolvido um trabalho sistemático com a argumentação, os alunos conseguiram recorrer, nos textos analisados, a argumentos variados para defenderem suas teses. Na verdade, aprendemos a argumentar interagindo com o outro, quando correlacionamos ideias, construímos hipóteses, estabelecemos relações de causa-consequência, buscamos justificativas para nossas teses, buscamos recursos para conseguirmos a adesão de nossos interlocutores, dentre outras estratégias. Por isso, também procuramos observar com quem os alunos dialogam em seus textos e se são influenciados por seus interlocutores na construção de teses e na elaboração de estratégias argumentativas. Nos textos analisados, verificamos

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que, em sua maioria, os alunos dialogam com sujeitos bastante delimitados, principalmente a professora regente da turma, os colegas de classe e os bolsistas que auxiliavam nas aulas. Alguns textos, inclusive, apontam explicitamente esses sujeitos como interlocutores específicos, quando a intenção do aluno é convencê- los ou persuadi-los sobre a validade de suas teses. Além disso, observamos em alguns textos o diálogo com instituições que tematizam questões relacionadas aos direitos das crianças e dos adolescentes, como a UNESCO, ou com discursos religiosos, como livros da Bíblia, ou mesmo com a ideologia do cotidiano. Nesses casos, os alunos dialogam com auditórios particulares, porque são delimitados e especificados. Com essas constatações, pudemos comprovar a hipótese apresentada no início deste trabalho, de que, desde os anos iniciais do Ensino Fundamental, quando começam a utilizar a linguagem escrita, os alunos argumentam na defesa de suas teses, recorrendo a argumentos diversos para sustentá-las. Mesmo que não apresentem uma argumentação complexa, dado o nível de maturidade cognitiva em que se encontram, os alunos apresentam um processo argumentativo estruturado, constituídos por uma tese a ser defendida, por argumentos que validam essa tese e por uma conclusão que reafirma o conteúdo da tese10. Assim, mostramos que a argumentação não é uma habilidade restrita a sujeitos adultos ou adolescentes, mas uma atividade substancial da experiência cotidiana de todo indivíduo. Ora, se mesmo quando não desenvolvemos um trabalho planejado com a argumentação em sala de aula os alunos conseguem mobilizar argumentos diversos com eficácia, acreditamos que se desde os anos iniciais do Ensino Fundamental os professores e a escola procurarem estimular as crianças para desenvolverem a prática da argumentação, estas conseguirão uma maior capacidade de pensamento crítico e, certamente, o trabalho com a argumentação em seres posteriores será menos traumático. Em outros termos, quanto mais cedo se colocar a disposição da criança um ambiente com situações que favoreçam o desenvolvimento do pensamento crítico, mais chances ela terá de conseguir atingir um bom nível nesse tipo de raciocínio.

10 É claro que nem todos os textos apresentam essa estrutura argumentativa, mas foi recorrente na maioria dos textos analisados.

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Para isso, as escolas precisam reavaliar seu currículo, pensando em possibilidades que favoreçam o trabalho com a argumentação em sala de aula. É preciso redimensionar a organização dos tipos de textos e gêneros trabalhados em cada nível de ensino, no sentido de sugerir textos prototipicamente argumentativos já nos anos iniciais do Ensino Fundamental e não secundarizar o trabalho com a argumentação neste nível de ensino, indicando-o apenas nos anos finais do Ensino Fundamental ou até mesmo do Ensino Médio, tal qual tem sido realizado em muitas escolas brasileiras. É nesse ponto, principalmente, que está a contribuição direta de nossa dissertação à pesquisa “O desafio de ensinar a leitura e a escrita no contexto do Ensino Fundamental de nove anos e da inserção do laptop na escola pública brasileira”. Como ressaltado, um dos objetivos desta pesquisa é elaborar diagnósticos completos dos alunos envolvidos, que incluam a oralidade, a leitura, a escrita e a linguagem dos recursos tecnológicos contemporâneos, para, a partir de então, se elaborar um novo modelo de ensino, que ajuste a continuidade programática entre Educação Infantil, anos iniciais e anos finais do Ensino Fundamental. Em nossa investigação, buscamos construir um diagnóstico das habilidades argumentativas escritas dos alunos e sugerimos a necessidade de elaboração de um plano de ensino que favoreça espaços e sugestões para o trabalho com a argumentação em sala de aula desde os anos iniciais do Ensino Fundamental. Não estamos querendo dizer que o trabalho com a argumentação deva seguir padrões rígidos, mas sugerimos a importância de se propor diretrizes que favoreçam o desenvolvimento do potencial dos alunos em sala de aula. Cabe ao professor escolher as estratégias metodológicas, o melhor caminho a percorrer para desenvolver este trabalho. É claro que não é fácil, porque ele tem de lidar com todos os problemas pelos quais passa o sistema educacional, como a heterogeneidade de aprendizagem, por exemplo, enfatizada logo no início deste trabalho. Mas observamos também, nas análises empreendidas, mesmo este não sendo um objetivo específico de nossa dissertação, que, independentemente do nível de aprendizagem, os alunos conseguiam argumentar, com maior ou menor desempenho, na defesa por suas teses, por ser a argumentação elemento constitutivo da própria linguagem. Daí a importância de um trabalho planejado,

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sistemático e contínuo, pautado em parâmetros pré-estabelecidos – pelo professor, pela escola e pelo próprio sistema de ensino – com a argumentação em sala de aula. Diante disso, acreditamos que, com esses resultados, estamos contribuindo diretamente com os estudos da argumentação, especialmente, com aqueles que focam o trabalho em sala de aula, porque apresentamos uma investigação sobre os argumentos mobilizados por alunos dos anos iniciais do Ensino Fundamental em textos escritos, para além de uma perspectiva meramente didático-pedagógica. Não nos interessou destacar em que nível se encontra os alunos no que diz respeito ao desenvolvimento de habilidades argumentativas, mas sim mostrar que, independentemente disso, estes recorrem a argumentos diversos, quando produzem textos escritos, para defenderem suas teses. Outras possibilidades de estudos semelhantes podem ser desenvolvidas, no sentido de aprofundar as discussões aqui realizadas e as constatações observadas a partir da análise dos textos dos alunos. Na verdade, as discussões que constituem este estudo não podem ser consideradas como concluídas. É urgente a necessidade de investigações que, além de propor a necessidade de reestruturação do currículo escolar brasileiro no que diz respeito ao trabalho com a argumentação, também possa elaborar propostas de trabalho, que considerem as observações ressaltadas aqui em nossa dissertação.

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