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MANZVINHAS HISTORIA DE UM MECENAS Foi provavelmente o empresário mais vigiado durante o regime de Salazar. Era um dos grandes acionistas da Central de Cervejas, enquanto geria várias outras empresas. Foi dono da Cuca, em Angola, da Laurentina, em Moçambique e da Skol, no Brasil, A PIDE seguia-lhe os passos. Era uma voz incómoda para a ditadura, porém, convivia de perto com os homens do . Angola era a sua paixão e era lá que queria começar a mudança

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MENINO Manuel Vinhas nasceu em 1920, no mesmo ano de Amália Rodrigues, e VI fir A tal como a fadista, de quem era amigo, , HOMEM conseguiu contornar o regime fascista à sua maneira. Em 1964, os dois jun- taram-se a outros empresários para darem apoio financeiro à construção do Teatro Villaret. O empréstimo foi cedi- De menino a homem Dos primeiros anos à vida de estudante no curso do a Raul Solhado, que mais tarde fez de Histórico-Filosóficas e a passagem pela tropa questão de devolver o dinheiro à familia. Raul foi um dos seus grandes amigos, assim como Júlio Pomar, Agostinho da Silva ou Cruzeiro Seixas, tudo nomes —L. Zip-Zip (gravado no Teatro Villaret que fogem ao conluio da ditadura. pelo trio de entrevistadores Fialho Uma das recordações mais em- De seu livre pensamento Gouveia, Carlos Cruz e Raul Solnado) blemáticas da vida de Manuel Vi- foi igualmente financiado pelo mece- nhas é um serão na sua Herdade do Foi a escrita que deu mais voz e nas, assim como peças do Teatro da Zambujal, perto de Setúbal, em que que se revelou ser fonte de mais Comuna, com João Mota e Manuela de Amália Rodrigues e Vinicius de Mo- dissabores para Manuel Vinhas. Freitas à frente do elenco, que tiveram raes cantaram e declamaram poemas Escreveu Para um Diálogo sobre os primeiros ensaios num espaço da pela noite fora. Victor Pinto de Sousa, Angola, dedicado a Adriano Moreira Central de Cervejas. Como principal amigo de Manuel Vinhas, foi um dos e Venâncio Deslandes (ministro do acionista da Sociedade Central de privilegiados que estiveram presentes Ultramar e governador de Angola) Cervejas, grupo que detinha o setor nessa ocasião, assim como na festa e editou mais três sobre a nação de várias bebidas, da cerveja Sagres às organizada em setembro de 1968, africana: Aspectos Actuais de Águas do Luso e refrigerantes como sob sugestão de Salazar, em resposta Angola, Plano do Luso e Conversar a Schweppes, Manuel Vinhas passava a outras duas festas, na Quinta do Amanhã, este último com uma parte do seu tempo nos escritórios do Vinagre e Quinta Patifio, organiza- dedicatória: "A Agostinho da Silva, prédio anexo à Portugália. Muitas ve- das por estrangeiros em Portugal, o melhor homem que conheço." zes convidou amigos para assistirem Pierre Schlumberger e Antenor Pa- O livro Profissão Exilado, o diário às peças da Comuna. Foi um dos ele- tifio. Segundo Victor Pinto de Sousa, que escreveu no Brasil, editado em mentos do corpo-gerente do Centro que teve novamente o privilégio de 1976, é o seu maior legado afetivo, Português de Bailado, organização estar presente, foi a melhor das três que faz a ponte entre o Manuel referida como sendo de esquerda e festas. Manuel Vinhas sabia receber e Vinhas descrito pelos seus amigos subsidiada pela Fundação Calouste sabia fazer diferente. Na Herdade do e o relato íntimo que espelha uma Gulbenkian. Entre os escritores que Zambujal, estrelas como Audrey He- reflexão por vezes filosófica. A admirava, estava Luiz Pacheco, um elegância da escrita, sem o rancor pburn, Givenchy e Capucine beberam que seria de esperar de um exilado. autor que não assertava o passo, mas vinho em copos de barro e comeram é o que mais surpreende neste com uma escrita que deixava Manuel caldo-verde, pormenores rústicos ti- livro, escrito com a clara intenção Vinhas siderado. Durante mais de dez picamente portugueses que acharam de um dia ser lido. Afirma por anos, auxiliou-o com dinheiro, renda muito charmosos, tal como o caris- diversas vezes ser antifascista e de casa, livros e até uma máquina de ma do anfitrião. A festa durou até às anticomunista, e que ambas as escrever. "Nunca tive nem creio que tantas, mas Manuel Vinhas retirou-se posições lhe deram dissabores. venha a ter mecenas tão delicado e cedo, como sempre fazia. O Teatro O humor está sempre presente, escrupuloso", escreveu no posfácio do Villaret foi apenas uma das formas em qualquer das publicações livro Profissão Exilado, o diário pu- de apoio a artistas ou projetos que, da sua vida. blicado por Manuel Vinhas no exílio, de alguma maneira, eram contrários no Brasil, país onde se refugiou um à ditadura. Houve mais. O programa ano após o 25 de Abril.

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A grande paixão Maria Alice Carneiro Bustorff Silva, mais conhecida por Concha, com quem se casou e teve oito filhos

Morrer aos 56 anos é deixar uma A história de Manuel Vinhas é a tos rapazes da sua geração fizeram? vida pela metade. Nunca saberemos história de uma época, mas é também A explicação pode estar na formação o que teria feito a partir desse mo- o legado pouco conhecido de uma fi- do Ensino Primário e Secundário, que mento, mas sabemos que fez muito. gura portuguesa com um espírito de se deu no Colégio Infante de Sagres, Quem o conheceu diz que tinha uma iniciativa muito particular. Não tinha inaugurado em 1928 por Manuel Silva personalidade única, que era um hu- medo de investir em boas ideias, de Leal, uma instituição que trouxe um manista metódico, com interesses contratar técnicos valiosos ou avançar novo fôlego ao ensino dos alunos que iam além de acumular milhões. para novos negócios, mesmo quando que podiam gozar do privilégio de Apesar da sua pequena estatura física, isso implicava um risco inicial dispen- frequentar uma escola privada. Esta enchia uma sala com a sua graça, a sua dioso (característica pouco habitual era diferente não só pela liderança do maneira de ser. nos seus conterrâneos, facto do qual fundador como também por ser um Parte do seu património e das em- se queixava). Era um viajante incan- colégio misto e pelo conjunto de pro- presas que detinha foi herdada pela sável, um curioso e um devoto à arte. fessores que ali se encontravam. Entre família, mas Manuel Vinhas tinha Juntava um imenso talento para os estes estava Agostinho da Silva, que se um talento raro para os negócios. A negócios, um interesse pela literatu- tornou amigo de Manuel Vinhas para sua fortuna aumentou com o investi- ra e filosofia, um espírito intrépido e o resto da vida. Terá sido a sua forma mento que fez em diversas empresas. uma enorme capacidade de comuni- de ensinar e incentivar os alunos que A Sociedade Central de Cervejas era cação, fosse à mesa de um jantar, num direcionou a escolha de Manuel Vi- um dos pilares da sua gestão, e foi discurso ou na escrita de um livro. nhas para Histórico-Filosóficas. Este com este grupo que avançou para a colégio, apesar de seguir as regras criação da Cuca, em Angola. Tinha SINAIS DE PENSAMENTO CRÍTICO de um regime que dava os primeiros por hábito juntar-se a outras em- A formação académica de Manuel passos, foi sempre marcado por uma presas ou outros sócios para novos Vinhas mostra que, desde cedo, não conduta própria. negócios, principalmente em África. estava alinhado com um modo de vida Foi lá que Manuel Carvalho Brito Dos pais herdou também a Herdade convencional. Sabia que o seu futuro das Vinhas conheceu Maria Alice Car- do Zambujal, entre Setúbal e Alcácer seria a gerir as empresas herdadas neiro Bustorff Silva, com quem veio a do Sal, onde explorava gado e produ- pela familia, contudo escolheu o cur- casar-se. Mais conhecida por Concha, zia cortiça, entre outras coisas, num so de Ciências Histórico-Filosóficas Maria Alice era filha de António Bus- negócio impulsionado em conjunto na Faculdade de Letras. Porque não torff Silva, um dos mais importantes com o seu irmão Mário. Económicas ou Direito, como mui- advogados da época, grande adversário Meio: Imprensa Pág: 34

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de Azeredo Perdigão (os duelos entre Vida social À esquerda e à direita, familiares insistem no o, mas na ver- os dois em tribunal ainda hoje são re- Audrey Hepburn e Capucine numa dade o próprio sempre usou u, e é cordados), e homem próximo de Sala- festa realizada na Herdade do por isso que neste artigo se opta pela zar. Nos primeiros anos de casamento, Zambujal em 1968. Ao centro, Manuel preferência do biografado. viveram em casa da mãe e dos avós de Vinhas, a mulher. Concha, e o filho Manuel (quando tinha 18 anos o pai Francisco VIDA EM ANGOLA morreu, deixando-o à frente dos ne- Quando o 25 de Abril chegou, viviam gócios e como mentor de Mário, irmão cerca de 400 mil colonos em Angola. oito anos mais novo). A família come- mentada pela sublimação da condição Na sua maioria, viajaram para aquele çou a aumentar (ao todo, tiveram oito humana, quando em espírito de per- país com o objetivo de terem uma filhos) e foram morar para o Estoril, feita liberdade se dedica à gratuidade vida melhor. Muitos também para onde Manuel Vinhas chegou a montar maravilhosa de criar." sentirem mais liberdade de movi- uma exposição no jardim. A coleção Toda a vida leu e escreveu muito. mentos, pois o cerco e a censura não que desenvolveu incluiu arte antiga e A biblioteca da sua casa, devidamente funcionavam de forma tão apertada contemporânea. Nomes como Alma- catalogada, era uma espécie de templo nos países ocupados. Manuel Vinhas da Negreiros, Mário Cesariny, Álvaro sagrado onde os filhos podiam entrar levou os seus investimentos para An- Perdigão, Vespeira, Josefa de Óbidos, e requisitar livros. Grande parte deles gola, por volta de 1950. Os negócios Tomás da Anunciação, Lagoa Henrique, chegavam através do dono da livraria em Portugal estavam estabelecidos no Lima de Freitas, Nikias Skapinakis, Bertrand, que lhe passava edições em setor das bebidas e queria expandir. A Carlos Calvet, Cargaleiro, Domingos francês da Gallimard ou da Hachette. primeira empresa a formar foi a Com- Sequeira, Eduardo Nery, Vieira da Silva, A grafia do seu nome é oscilante panhia União de Cervejas de Angola Helena Almeida e Paula Rego, entre durante o seu percurso de vida e até — CUCA —, juntamente com os sócios muitos outros, fazem parte de um depois. Num cartão de visita está ins- da Central de Cervejas portuguesa. acervo que entretanto se desmantelou. crito Manoel, nos livros que escreveu Antes disso, em Angola, a cerveja era Recebia habitualmente artistas no es- assina Manuel, muitos dos amigos e importada, mais cara, por isso a Cuca critório do prédio anexo à Portugália. foi um sucesso imediato. As visitas eram tão frequentes que os Ao todo, Manuel Vinhas criou cerca quadros se acumulavam no gabinete, de 50 empresas naquele país (além encostados à parede. Mas nem por ORGANIZOU UMA dos investimentos em Moçambique, isso alguma vez recusou receber um Congo e Brasil), da cerveja à pecuária, artista ou escritor para dar o apoio de FESTA DE ARROMBA das garrafas de vidro e cápsulas à fá- que precisavam. A arte foi, desde cedo, EM INÚMERAS brica de ração animal e produção de a sua forma de insubmissão. Num texto 1968 COM caixas de cartão (quase tudo na zona que Manoel Cargaleiro lhe pediu para CELEBRIDADES industrial de Cazenga). Tinha uma fa- a abertura do futuro museu de Vieira zenda de maracujá, que vendia como da Silva e Arpad Szenes, as primeiras INTERNACIONAIS, POR concentrado de polpa, uma plantação palavras são: "Aqui não é a entrada de de abacaxi, que transformava em vi- um museu, mas sim de uma casa ci- SUGESTÃO DE SALAZAR nho, e chegou a cultivar vetiver, uma Meio: Imprensa Pág: 35

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ir 2020.0 músico participou em vários desses eventos, em encontros mais íntimos, com voz e violão, ou em fes- tas de arromba. Era um dos elementos da banda Negoleiros do Ritmo. Em 1964, viajou com Manuel Vinhas para Portugal, para tocar no festival de Santa Marta de Portuzelo, em Viana do Castelo. Manuel costumava deslo- car-se de avião, mas dessa vez foi pelo mar, com uma equipa grande. "Nesse 14. navio fomos todos na mesma onda. A figura principal era a Alba Clinton, mas foi também o Geraldo Morgado, um grupo de marimbeiros e bailarinas", conta Dionísio. Voltou a Portugal com Manuel Vinhas noutras ocasiões e foi também com ele para o Brasil, em 1966, 4Ib para ver o Carnaval do Rio de Janeiro. Foi assim que trouxeram pela primeira vez a Angola (mais uma vez patrocinado pela Cuca). A par dos negócios, a arte também • foi ganhando espaço na vida de Ma- r, nuel Vinhas em Angola. E não estava sozinho nesta busca pela criatividade. raiz para fazer água de colónia. Em Uma das suas companhias em Luanda 1970 juntou-se ao grupo Neográfica, e J era Artur Cruzeiro Seixas, pintor sur- passou a estar também no mundo das realista que viveu ali até 1964 e com publicações, com as revistas Noite e Mecenato gastronómico quem o empresário mantinha o sonho Dia e Notícia, com edição angolana e de criar um museu. Manuel Vinhas portuguesa, da qual a jornalista Edite Era conhecido o gosto gourmet de não só levou muitas peças de arte Soeiro foi diretora. Foi um dos funda- Manuel Vinhas. Os filhos têm inúmeras para Angola como comprou outras lá, dores do Banco Comercial de Angola recordações de episódios que giram algumas de arte tradicional africana. (que ergueu o edifício mais alto das à volta de experiências de mesas E organizou inúmeras exposições de colónias, finalizado em 1967), e do recheadas de iguarias. Comer e beber arte, com o patrocínio da Cuca. A his- Banco Inter-Unido. Ficou por realizar era um prazer que gostava de partilhar toriadora Raquel Henriques da Silva o seu Plano do Luso, uma exploração com a família e os amigos. Seria talvez tentou, em 2013, localizar o acervo essa uma das razões mais fortes para em um milhão de hectares, para a qual os encontros festivos que organizava, já disperso, mas encontrou apenas 21 os outros proprietários não quiseram que se retirava cedo, enquanto a noite se pinturas em diferentes locais (que dispor de tanto investimento em es- alongava com os restantes convidados. não indicavam ser de Manuel Vinhas, tudos e segurança, visto o território Foi de Paris que veio um contingente de mas que podem ter sido doadas por já estar sob fogo cruzado. cozinheiros com Estrelas Michelin, para ele). Em 2020, continua por localizar Hermínio Escórcio foi uma das uma super-refeição que se realizou na a coleção, não havendo conhecimento pessoas que conviveram com ele em Herdade do Zambujal, e foi de Paris que desta por parte do Ministério da Cul- Luanda e conta-nos: "Para mim foi o veio a equipa que confecionou um jantar tura angolano. melhor industrial e melhor investidor para 400 pessoas no Grémio Literário, que Angola teve, de todos os tempos, quando o seu amigo Victor Pinto de EMPRESÁRIO HUMANISTA até hoje. Ainda não apareceu ninguém Sousa dirigia a instituição. Foi também A Cuca "era um emprego muito ape- como ele. Sabia investir. E era um Victor que um dia estava sentado no tecível, remuneravam bem os funcio- homem extrovertido, que gostava de restaurante Tavares Rico, a almoçar nários". A frase é de Ribeiro Cristóvão, viver a vida." O ex-diplomata acha "com uns estrangeiros das cervejas", e conhecido em Portugal como locutor mesmo que "Angola precisava de mil um dos funcionários da casa, um rapaz da Rádio Renascença e homem ligado Manuel Vinhas". Até na aparência era que recolhia os pratos das mesas, lhe ao desporto desde sempre. Trabalhou diferente, lembra Escórcio. Vestia-se dirigiu umas palavras, para saber "se lá durante 16 anos na Cuca de Huambo de linho, usava calções e sandálias, na cervejeira" alguém o podia ajudar a (Nova Lisboa), nos serviços adminis- nada de gravatas no seu dia a dia, "comprar uma cota que estava à venda". trativos e como promotor de vendas. como os outros empresários. A resposta foi "se a Central de Cervejas "Não tenho dúvida de que ele era o As festas que deu em Luanda fica- não quiser, eu faço pessoalmente". principal impulsionador de todas Manuel Vinhas emprestou o dinheiro a ram conhecidas, principalmente as que Fernando Lopes, que se tornou a cara as medidas na empresa", conta, "ele aconteciam numa casa do Morro da mais emblemática do Tavares durante compensava as pessoas". Luz. Dionísio Rocha foi um dos amigos as décadas seguintes. Uma das melhores memórias desse de Manuel Vinhas entrevistados para tempo é a criação do orfeão da Cuca esta pesquisa, em Luanda, no início de em Nova Lisboa, um grupo com 40 Meio: Imprensa Pág: 36

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A carta aberta que nunca chegou a ver luz do dia

Manuel Vinhas não queria envolver- se em política, mas não tinha como escapar às suas tramas. Se, por um lado, continuava fiel às ideias de autodeterminação de Angola, por outro, mantinha encontros com a alta esfera do governo. Quando Marcelo Caetano subiu ao poder, Manuel Vinhas, tal como muitas • outras pessoas, teve esperança num novo começo. Um dia, quando se juntou a Américo Tomás para uma caçada, este pediu-lhe que expressasse publicamente o seu apoio a Marcelo Caetano (logo após este assumir o cargo, em 1969). Raramente falavam de política, porque "os pontos de vista quanto Família Manuel Vinhas e a mulher, à condução de Portugal eram Concha, com os oito filhos bem diferentes". No entanto, quis e o namorado da filha mais velha. aproveitar o momento e seguir a Em baixo, explica aos filhos sugestão: "Entendi que não me a geografia de Angola devia esquivar, pois era até uma ‘\‘ oportunidade, em que o sistema político não era muito pródigo, de elementos, fundado em 1959. Ribeiro dizer, em voz alta, o que muitos Cristóvão ainda guarda as músicas e de nós então pensávamos." O as capas do disco de originais, gravado documento era assinado por em 1965 em Lisboa, para onde todo 829 portugueses "de todas as o conjunto se deslocou. Lembra-se profissões, das mais diversas também de fazer os relatos dos jogos origens", entre eles José Manuel de Mello e Francisco Pinto Balsemão. de futebol organizados pela Cuca. Manifestavam a sua intenção de A vida em Angola não era fácil para defenderem um futuro com uma os africanos de pele escura. O recru- democracia mais ativa, "um urgente tamento para a Cuca não distinguia aumento de nível de vida dos mais salários pela cor, por isso era dos necessitados" e "respeito pelo locais mais ambicionados para traba- • homem". Demonstravam vontade lhar por toda a população. Agostinho de ter uma "revolução desejável Matos entrou na Cuca com 16 anos, evitando uma tragédia indesejável." em 1967, primeiro como telefonista, O conteúdo não era o esperado depois na área de contabilidade, e lá pelo Chefe de Estado Américo permaneceu até 1978. Era muito jovem um campo de ténis. Havia uma bolsa Tomás, considerou que a publicação quando teve de começar a trabalhar. de estudos da Cuca, que permitia a "não era oportuna", apesar da "A medida que fui conhecendo a vida, formação noutros países. No Rádio concordância de Marcelo Caetano. fui vendo que Manuel Vinhas já via Clube do Huambo havia o programa A leitura perante a Imprensa foi longe naquela altura. Enquanto outros bilingue Hora Cuca, em português e cancelada. Sobre este episódio, tinham vontade de acumular, ele fazia umbundu. Todos os anos, o aniversário Manuel Vinhas remata: "Dentro da as coisas na perspetiva de valorizar da empresa celebrava-se a 26 de abril regra de ouro da nossa convivência o homem, as pessoas com quem ele em Luanda e a 1 de maio em Nova nunca do assunto falei ao almirante trabalhava. Havia todos os níveis, de Lisboa (Huambo), data que disfarçava Américo Tomás porque sabia de motoristas a engenheiros." a celebração do Dia do Trabalhador. antemão que os nossos pontos de vista eram inconciliáveis." Afinal, o Além das regalias salariais e das co- Manuel Vinhas não falhava um ani- sistema político continuava fechado tas de mérito, os funcionários do grupo versário, e tinha um presente especial a opiniões. da Cuca tinham médicos e enfermeiras para os funcionários que cumpriam ao dispor na fábrica para toda a família. cinco, dez ou 15 anos de casa, um pin Havia uma creche, uma biblioteca e em ouro com o logo da marca, além do Meio: Imprensa Pág: 37

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PIDE Em 1963, Manuel Vinhas foi interditado de viajar para fora do País. À direita, o anúncio que o indicava como financiador do MPLA

Sporting, praticava ténis regularmente também bons funcionários, gratos e promovia várias atividades nas fá- pelos benefícios e pelo apoio a quem bricas. Ainda hoje, quando se fala da estivesse em apuros. Cuca às gerações mais velhas de Luan- Adriano Moreira conviveu com da, o primeiro pensamento é para os Manuel Vinhas através de António torneios. As finais chegaram a ter 30 Bustorff Silva, e foi por causa da admi- mil pessoas a assistir, no estádio dos ração que tinha pelo colega advogado Coqueiros, em Luanda. que ajudou por duas vezes Manuel Justino Fernandes é um dos ho- Vinhas. A primeira foi em Angola e foi g mens desde sempre ligados ao des- para resgatar um funcionário da Cuca. em Angola. Veio a Portugal jogar "Naquele tempo havia uma grande com a equipa angolana no início da agitação", relembra, "ele foi ajudar al- década de 60, em Coimbra. Perderam guém que estava fora da província, teve porque os campos eram relvados e dificuldades. Quando me procuraram, "estavam habituados aos campos não foi para resolver um problema re- pelados, por isso escorregávamos", lacionado com ele. Acabou por ter de conta o jogador, que entretanto, nessa intervir o Presidente da República. Foi ocasião, já em Lisboa, foi convidado a um ato de bondade de Manuel Vinhas, discursar num jantar de confraterni- era generoso." Esta história é provavel- zação no Benfica. Foi assim que, entre mente a do irmão de Justino Fernan- os ouvintes, estava Manuel Vinhas, des, Carlos, que foi preso pela PIDE em que ao chegar a Angola o chamou Angola, e que saiu graças à intervenção para trabalhar na Cuca como pro- de Manuel. A segunda vez que Adria- motor de vendas: procurava sempre no Moreira ajudou Manuel Vinhas foi bons oradores para essa função. "Era quando este já estava no Brasil, em 1975 uma benesse ser trabalhador da Cuca, ou 76, para salvaguardar algumas das porque tinha melhores condições e empresas. O episódio é caricato por- vencimentos", contou-nos Justino que Adriano Moreira disse que tinha 1 em janeiro de 2020, em Luanda. Viu a solução, mas que só avançava com o rapidamente o seu cargo elevado a António Bustorff à sua frente, e então organizador dos torneios da Cuca lá foi o velho advogado, com os seus que enchiam campos de futebol fei- 80 anos, de Portugal para o Brasil, e tos de terra batida, onde dezenas de dali para a Suíça, em comitiva, onde espectadores bebiam muita cerveja. foi tratado o assunto de forma legal e, envelope com uni salário extra que era A marca ficou tão conhecida que era segundo Adriano Moreira, inovadora, entregue a todos os que trabalhavam normal alguém pedir "uma Cuca No- porque os próprios suíços replicaram na fábrica, sem exceção. A festa era cal, por favor", em vez de "uma cerveja a fórmula. Sobre o que foi salvo e de normalmente animada por Renato Nocal" Cuca era sinónimo de cerveja. que maneira foi, não quis esclarecer, Lima. Conta-se que os contingentes de A rivalidade entre as duas marcas re- porque há segredos que se mantêm soldados tinham sempre uma receção sultou um dia num slogan da Nocal para sempre. nos primeiros dias em Angola, uma um pouco mais agressivo: "A Cuca maneira de lhes apresentar a bebida. ajuda a UPA, a Nocal ajuda Portugal." QUEM TENTOU TRAMAR MANUEL Esta podia ser considerada uma das UPA (União dos Povos de Angola) era VINHAS? formas de marketing, assim como os um dos movimentos anticolonialistas. A 13 de Abril de 1963, o jornal Diário torneios de futebol. "As pessoas diziam que ele tinha de Notícias apresentava entre as suas Manuel Vinhas era um desportista. ideias progressistas", diz Justino Fer- páginas um anúncio que, apesar de Até a PIDE referia frequentemente nandes. "Pequenino, mas um gigante. pequeno, se destacava pela mensa- esse facto nos relatórios que pode- Sabia como fazer dinheiro, tinha um gem: "Grupo importante, conheci- mos ler hoje. Fez parte da direção do grupo bom de administradores?' Tinha dos e honrados capitalistas propõe Meio: Imprensa Pág: 38

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financiar desenvolvimento MPLA, Lta, em Angola contra garantias totais de salvaguarda das suas proprieda- '111•1•1 des naquela província ultramarina. Respostas a M. Vinhas, Rua Afonso Henriques, 20 - Estoril." Não é preciso analisar muito a per- sonalidade de Manuel Vinhas para sa- ber que nunca iria anunciar num jornal solop a sua morada pessoal, muito menos MOO .00 com este conteúdo. O anúncio foi cla- roo ramente um golpe e as suspeitas, com r a devida distância cronológica, recaem sobre a PIDE, mas na verdade nunca r,! saberemos quem fez chegar aos jornais estas palavras. Poderia ser igualmente

uma estratégia de elementos de extre- ÃO 11‘ ÓV ma-direita que reagiam desta forma às T CRIS suas ideias demasiado democráticas. Não deixa de ser curioso o pormenor RO 64Nwaa RIBEI r do Lt a seguir a MPLA, como se de •••••11, DE 111111111~~ eril

uma empresa se tratasse. IVO Antes disso, no dia 4 de abril, foi U ARQ R

chamado à PIDE para um interrogató- D rio, ordenado por Silva Pais e conduzi- do por Cunha Passo, Sílvio Mortágua e Marcante A primeira edição da desde cedo compreendeu o processo Inácio da Conceição. Foi um mês tenso Miss Angola foi em 1971, com o histórico que estava a ocorrer naquele para Manuel Vinhas. Um relatório da patrocínio da Cuca. A publicidade país, e depreende-se pelos testemunhos PIDE acusa-o de dar apoio financeiro da marca fez História. Ao lado, atuais e registos da PIDE da época que à UPA e outro relatório refere apoio anúncios de época da Cuca e Skol. houve uma tentativa de contactar com ao dirigente Holden Roberto (de um Eusébio protagoniza um deles dirigentes nacionalistas. É difícil saber montante diferente). A 19 de abril de quais, mas concluiu-se pela leitura do 1963, Raul Rosa Porto Duarte, subdire- livro que Holden Roberto não seria tor da PIDE, informava o diretor desta um deles, mas sim um opositor, Mário instituição sobre o conteúdo do dito Pinto de Andrade. anúncio, dizendo que "a sua redação é "Seria estúpido e imoral ignorar estranha porquanto parece querer re- este estado de coisas, e nada mais há ferir-se à organização subversiva com a fazer que não seja enfrentá-lo ale- sede em Leopoldeville, denominada gremente na medida em que fomos `Movimento Popular para a Libertação os seus provocadores", escreveu. Pa- de Angola - M.P.L.A', e ao conhecido lavras que, naturalmente, não caíram capitalista Dr. Manuel Vinhas, que tem Um bar antirracista bem ao Estado Novo. Assim como as grandes interesses financeiros naquela Luanda está cheia de histórias, umas referências à necessidade de descen- nossa província." antigas, outras que dizem respeito à tralização e à falta de planificação no A reação de Manuel Vinhas foi História contemporânea. A ocupação crescimento de Angola: "O governo exposta nos jornais. Terminava com portuguesa é prolífera nesse aspeto. português não tem dado boas pro- palavras desarmantes: "Continuarei, Uma delas foi contada por Dionísio vas de orientação económica." "Os como até hoje, a dormir de cons- Rocha e está relacionada com um homens que resolveram o problema ciência tranquila; a detestar cada vez episódio que envolveu o fundador do terrorismo serão, amanhã, com a mais as politiquices; cada vez mais da Cuca. Além de sustentar o sua maneira de pensar, o novo pro- apaixonado pela nobre condição de consultório de Agostinho Neto, blema?' Não podia estar mais certo. A ser português, sejam as condições houve uma outra ajuda, tudo no segunda edição do livro, de outubro fáceis ou difíceis." bairro onde Dionísio vive e sempre de 1962, foi apreendida pela PIDE. A história deste anúncio tem antece- viveu. Havia um bar chamado Alguns exemplares ainda escaparam dentes. A 6 de março do mesmo ano, o América que não aceitava negros ou pela mão do administrador Martins exaustivo 1963, uma circular da policia mestiços. Manuel Vinhas construiu da Costa, cerca de 250 foram levados política informava que estava proibida a outro na mesma rua, gerido por para Angola, como se conta no livro sua saída da metrópole. Um ano antes, William Toné. Chamava-se Ngola Negócios Vigiados, uma obra que Manuel Vinhas tentara desafiar o regi- e foi inaugurado pelo conjunto revela a relação de grandes empresá- me, assumindo a sua posição no livro Ngola Ritmos. Só vendiam Cuca rios com o poder durante a ditadura, e conhaques. Tinha um aviso em Para um Diálogo sobreAngola, editado grande destaque: "Servimos Todas escrita por Filipe S. Fernandes e Luís em março de 1962, no qual dispõe sem as Raças." Villalobos (Oficina do Livro, 2008). pudor as suas opiniões sobre os desen- O caso foi arquivado no fim de 1963. volvimentos em Angola. Manuel Vinhas Mas as suspeitas não, como era típico Meio: Imprensa Pág: 39

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A RERIDA DO PRESENTE ...a...a 4. V... , .•••••••• da Costa. Estes dados fornecidos pela • •••••• • «IN*. • • • *ar • a.** 10. delegação da PIDE em Luanda datam

111.4~ ••• • or.. ••• ••••••••• de 10 de maio de 1965. Referem um ..«.• TOM., ar. e rara.. 4.• Ir.. ara onere CIMO ra "manifesto" do grupo "para incitar as massas", mas pouco mais desenvolvem iriewmer, sobre as suas atividades. Em 1966, um novo relatório da PIDE dava continui- dade às suspeitas de estar "envolvido em 1961 nos assuntos das chacinas de Angola, tendo contribuído para as causas dos terroristas."

SItOl refresca o mundo HOMEM DE DIÁLOGO Um dos grandes mistérios que envol- C vem a vida de Manuel Vinhas é o seu 114,. •• hir.at lb Ir IN* 01. apoio aos movimentos de libertação UM PRAZER QUE PEDE MS aCERVEJA Internacional em Angola. Até onde foi esse apoio? Para muitos, foi também financeiro. f"."111:r4 Calouste Gulbenkian, entidade que Segundo a apertada vigilância da PIDE, UMA MOA RAZA0 PAPA "também dedica um carinho especial a esta suspeita começou em 1963, coin- BEBER CERVEJA tudo o que é adverso ao atual regime", cidentemente após o ano de publicação como escreviam num relatório de 1962 de Para um Diálogo sobre Angola. onde consta o nome de Manuel Vinhas. Dos boatos, relatados pela PIDE, Eram habituais estes escrutínios constava um valor entregue numa via- 4i por parte da PIDE e da PSP, mas não gem à Rodésia e um cheque que mais • foi isso que impediu Manuel Vinhas tarde teria sido entregue em Leopold- tlf de se envolver em diversas iniciativas ville. Sobre a sua veracidade, provavel- e atividades. Mesmo sabendo que cada mente nunca se saberá. Dois relatórios passo seu era observado. Na verdade, dão conta de apoio à UPA, ambos em desde que demonstrou, nos anos 1950, abril de 63, um que refere a entrega de vontade de construir uma fábrica de cinco milhões de escudos, outro em cerveja, ouviu "atónito", que "o Dr. que um agente da PIDE se engana no Salazar não era partidário de que se nome e diz que "José Manuel Vinhas" criassem interesses nas colónias", como terá entregado 17 mil contos ao "Ro- conta em Profissão Exilado. Há quem berto Preto, para garantir que, no caso diga que em Luanda esta vigilância era da vitória dos terroristas, os mesmos ainda mais apertada, mas para Manuel não tocarão nos bens (...)". Podiam ser, Vinhas não seria tanto assim. O seu eventualmente, mais golpes para o amigo Victor Pinto de Sousa afirma incriminar. No entanto, segundo vá- da polícia política. Em julho de 1964, o que "o inspetor da PIDE em Luanda, rias testemunhas, o seu apoio não se comandante do posto da PSP de Cas- São José Lopes, tinha uma grande ad- reduziu à escrita de um livro. O facto cais recebia uma declaração da PIDE miração pelo Manel. Em vez de o des- de a sua secretária pessoal ser Maria de que dizia (ipsis verbis): "Tem bom ido- truir, reconhecia que ele tinha razão, Jesus Haller ajuda a chegar a essa con- neidade moral e, quanto à sua conduta acreditava em muito do que ele dizia." clusão. Segundo Hermínio Escórcio, política, apenas consta que, em Angola, Na lista denominada pela PIDE de por exemplo, o contributo ao MPLA teve 'qualquer coisa' desafeto à actual "Independentistas", aparecem os no- foi através da secretária. A viagem a Situação, não me sendo contudo pos- mes de Manuel Vinhas, António Garcia Leopoldville foi para se encontrar com sível saber o que nisto há de verdade ou de Castilho, Venâncio Guimarães So- Maria de Jesus e o marido, Jean Haller, se não passa apenas de um boato sem lembo, Baptista Borges e Oscar Vieira ambos com ligações a Mário Pinto de fundamento." O pedido de informação Andrade. Manuel Vinhas foi padrinho seria primeiro para licença e porte de de casamento do casal e foi essa a jus- arma (para caça) e depois para "efeitos tificação que deu para a visita. de aprovação dos Corpos Gerentes da ERA UM HUMANISTA "A PIDE sabia que ele era um mem- Federação Portuguesa de Lawn Termis", bro ativista", afirma Dionísio Rocha. um dos seus desportos preferidos. A METÓDICO, "Quando o Manel foi proibido de es- mesma informação foi solicitada para tar cá, não foi pelo livro. O primeiro aprovação na integração dos corpos COM INTERESSES cheque que apareceu como subsídio gerentes do Clube Atlético de Luan- QUE IAM ALÉM DE dele era para o MPLA, um valor exor- da e para sócio do Centro Português bitante, não faço ideia quanto, foi des- de Bailado, para obter informações ACUMULAR MILHÕES. contado aqui no banco." Perto da casa sobre o "ambiente político". O Centro onde Dionísio mora, a cerca de 500 de Bailado era um exemplo de como o ENCHIA UMA SALA metros, ficava o consultório de Agos- binóculo da policia do Estado funcio- tinho Neto, que segundo Dionísio, era nava, por ser subsidiado pela Fundação COM A SUA GRAÇA pago por Manuel Vinhas: "O Agos- Meio: Imprensa Pág: 40

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L PA S R/ POMA ÚLIO J ÃO NDAÇ FU © RTESIA CO

O retrato de Júlio Pomar e o coração

A amizade entre os dois era de longa data e levou Manuel Vinhas a visitar o atelier de Júlio Pomar, em Paris, várias vezes. Tinha uma admiração enorme pelo artista, que a dada altura lhe pintou 4 o retrato. No quadro ainda existente, de grandes dimensões, no lugar do coração está uma mancha vermelha. Manuel Vinhas achou curioso esse pormenor, mesmo antes de saber que seria operado ao coração, de forma inesperada. Foi numa viagem aos Estados Unidos da América, na década de 1960, para acompanhar o amigo Caetano Beirão da des: "Estávamos a andar no pátio da da, até perceber que o caos em que Veiga, que não falava inglês e tinha uma consulta marcada com um cardiologista. fábrica, a falar sobre a intenção dele de se encontrava o processo de desco- Manuel aproveitou para fazer um fazer mais uma fábrica de cerveja em lonização era demasiado arriscado. check-up. Acabou por ser operado de Benguela. Era uma pessoa que gostava Muitas balas perdidas, muito ódio urgência e o amigo não. Anos depois, de falar comigo informalmente, fazer aos brancos, muita incerteza no jogo nos momentos anteriores à operação à umas perguntas... Apareceu um contí- de protagonismos entre Portugal, o vesícula, na carta que escreveu antes nuo a correr, subiu, e nunca mais o vi." MFA e os movimentos de libertação. de morrer, Manuel Vinhas dizia que O mesmo Justino Fernandes mais Dionísio Rocha é um dos que con- delegava pela segunda vez no amigo tarde, durante o período da Indepen- sideram que esta injustiça não pode Caetano a tarefa de guardar a sua dência, ascendeu a diretor nacional da passar incólume. Já na altura pensava, mensagem. "Já que da primeira deu Indústria Alimentar, depois vice-pre- e talvez essa tenha sido uma das ra- sorte e o destino te continua a cruzar sidente da Indústria, depois ministro zões que o levaram a estar dois anos com os meus nada queridos 'bisturis', da Indústria, até chegar a assessor de presos (desde 1977), sem aparente jus- aqui ficam dirigidas à minha Família José Eduardo dos Santos. A pergunta tificação. Uma das coisas que lhe per- algumas palavras muito sucintas que inevitável para Justino Fernandes, e guntaram era a razão de ter escolhido serão o meu adeus, se o destino o para todos aqueles que reconheciam um branco, o produtor Luís Montez, quiser." E o destino assim o quis, ou a em Vinhas um homem democrata, para padrinho de casamento. Sobre incúria. Morreu em 1977, no Brasil. que defendia a autodeterminação Manuel Vinhas e o período pós-25 11 de Angola, é qual a razão de ter sido de Abril, diz: "Além de ser esquecido, esquecido por todos os que ascen- quase que o agrediam. Quem tentou diam ao poder. Eram pessoas que o dar apoio foi preso também. Depois tinho Neto não tinha dinheiro, dava conheciam, que foram apoiadas por do 25 de Abril houve o famoso 27 de consultas diárias gratuitamente. Manel ele, incluindo Agostinho Neto. Por- Maio. Não há família que não tenha Vinhas mandava, por um de nós, eu que não foi defendido? A resposta alguém que foi castigado. Nem todos fiz muitas vezes, levava duas caixas de é quase sempre lacónica: "A direção os que estiveram presos eram de facto cervejas, eu fingia que não sabia o que das empresas desmoronou, aban- culpados pelo 27 de Maio. Em Angola, estava lá, mas era dinheiro." donaram tudo, foram-se embora, depois de 75, todos queriam ser presi- o Estado tinha de tomar conta", diz dentes, todos queriam mandar, estar SEM CHÃO PARA PISAR Justino Fernandes. Mas era possível bem na vida. Ocorreram situações Em abril de 1974, na tarde do dia 25, ficar? Não, não era. Nem para Manuel muito graves. Hoje, digo isto à vonta- Manuel Vinhas encontrava-se em An- Vinhas, nem para o seu filho Manuel, de, até há dois anos, era milagre estar gola, a conversar com Justino Fernan- que esteve mais uns meses em Luan- a falar nisto. No Banco Inter-Unido Meio: Imprensa Pág: 41

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Amizades

Em cima. um poema •••••.,..è escrito por Amália Rodrigues para Manuel Vinhas. No lado esquerdo, o escritor Luiz Pacheco, a quem 40001•11". durante muitos anos Manuel Vinhas pagou a renda de casa e comprou máquinas 111 ..14.1}. • • •,• • • °•'. de escrever

tive muitos colegas que iam embo- Neves e Sousa. Não quis aceitar car- um futuro diferente." "Estou cada vez ra no primeiro avião, diziam: 'Fica gos em empresas, não quis sequer mais atento ao balançar dos coqueiros com o meu carro' Recebi uns três ou juntar-se ao séquito de saneados. De e menos interessado na multiplicação quatro carros de amigos, fiquei com vez em quando, ia à Europa tratar de das chaminés fabris. Obrigado revo- um BWM, um Suzuki, um VW, e eu assuntos pendentes. Adriano Moreira lução. Revolução em que pus a maior tinha um Ford Escort 1300, também foi um dos que estavam também no esperança e me trouxe as maiores patrocinado pelos Vinhas." Brasil durante essa altura, como pro- desilusões." O ambiente na fábrica tornou-se fessor universitário no Rio de Janeiro, Um ano depois, em 1977, foi opera- insustentável. O grande império da e conta que Manuel Vinhas "foi para a do à vesícula no Rio de Janeiro. Deixou Cuca manteve-se durante mais um Baía, tentar desapegar-se do mundo". uma carta dirigida ao seu amigo Caeta- ano com alguns administradores, en- Talvez essa seja a melhor maneira de no Beirão da Veiga, com palavras para tre eles Mattos Chaves, que foi salvo resumir o espírito que se elevava em Concha e cada um dos filhos. Como por Agostinho Matos quando o seu Manuel Vinhas durante o seu curto se fosse um adeus, caso alguma coisa carro já estava a ser abanado por um exílio no Brasil, o desapego. Instalou- corresse mal. Não foi uma premonição, grupo de pessoas no pátio interior da -se inicialmente em casa de Vinicius foi mais um ato de generosidade, a fábrica. Agostinho conseguiu que ele de Moraes em Itapoã. "Tenho agora juntar-se a todos os que teve ao longo escapasse, e foi a última vez que o viu. 55 anos. É tarde para iniciar uma nova da vida. O pós-operatório complicou- Entretanto, Manuel Vinhas saía de vida; mas tempo certo para aproveitar -se com uma paragem cardíaca mal Portugal a monte pelo Alentejo, da da experiência passada, construindo acompanhada. Do enorme legado que mesma forma que muitos antifascis- deixou, ficou o património afetivo ain- tas o tinham feito durante a ditadura, da por transmitir. Como Agostinho da através da herdade do amigo José Ma- Silva escrevia no prefácio de Profissão nuel Martins. Quem o conta é Victor AMALIA E VINICIUS Exilado: "Foi empresário, proprietário, Pinto de Sousa, que se juntou a ele administrador, negociador de acordos, algumas vezes em Madrid e em Paris, DE MORAES CANTARAM e não sei que mais; faltava-lhe cum- tal como Concha. E DECLAMARAM PELA prir o dever primordial de nós todos: Mais tarde, acabou por cruzar o sermos o que somos; e, como o faz na oceano, rumo ao destino de muitos NOITE FORA, NUM humana e humanizadora atmosfera exilados. Foi no Brasil que encon- brasileira, homem de sorte, esse Ma- trou o seu pedaço de Angola, foi nos SERAO NA HERDADE nuel Vinhas." Agostinho da Silva per- baianos que reviu as feições dos an- cebeu o que se passava: era o começo golanos, tal como o seu amigo pintor DE MANUEL VINHAS de uma nova vida. _LI [email protected]

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AVIDA FASC I DE UM MECENAS INCOMODO O EMPRESÁRIO E FUNDADOR DA CERVEJA CUCA, EM ANGOLA, FOI UM DOS MAIS VIGIADOS PELA PIDE DURANTE O ESTADO NOVO. A HISTÓRIA DO HUMANISTA, VIAJANTE E AMANTE DAS ARTES, QUE FAZIA FESTAS DE ARROMBA COM AMÁLIA, E AUDREY HEPBURN