Resenha de 5 JAN 2015

Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 2

MINISTÉRIO DA DEFESA 5 JAN 15 Resenha Semanal EXÉRCITO BRASILEIRO

GABINETE DO COMANDANTE das Revistas Segunda-feira

CCOMSEX

EDIÇÃO Nº 225-. OUT 2014

As novas aeronaves CARACAL HM-4 (EC-725)

De acoro com o Ministério da Defesa, a recente aquisição, junto à fabricante francesa Airbus Helicopter, de um pacote de 50 novas aeronaves EC 725 Caracal não é uma simples aquisição de material; pois, de acordo com a Estratégia Nacional de Defesa, que amparou esta aquisição, é obrigatória a transferência de tecnologia para o Brasil. Tal Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 3 procedimento permitirá a montagem e a venda das aeronaves para toda América do Sul a partir da Helibrás, com sede em Itajubá (MG), representante brasileira da Airbus Helicopter. No dia 20 de dezembro de 2010, foram entregues as três primeiras aeronaves ao Brasil, sendo uma para a Marinha do Brasil (MB), uma para o EB e outra para a Força Aérea Brasileira (FAB). O EB, à semelhança da MB e da FAB, receberá 16 aeronaves, além de outras duas para uso exclusivo da Presidência da República. O cronograma prevê a entrega das últimas unidades em 2016. Até abril de 2014, a Aviação do Exército recebeu quatro aeronaves. Segundo o ex-Ministro da Defesa , os equipamentos entregues, em 20 de dezembro de 2010, são os únicos produzidos na França. Os próximos lotes serão construídos integralmente na fábrica da Helibrás. O projeto é resultado da parceria estratégica assinada em dezembro de 2008 pelos então presidentes do Brasil e da França. O programa prevê transferência de tecnologia e aumento progressivo de conteúdo nacional até um mínimo de 50%, com benefício às diversas empresas brasileiras que se tornarão fornecedoras. A compra dos helicópteros é uma das primeiras consequências da Estratégia Nacional de Defesa (END). A partir do momento em que as discussões internas da estratégia apontavam para a necessidade de aumento da capacitação nacional em defesa e de coordenação do Ministério nos projetos estratégicos das Forças Armadas, providências nesse sentido passaram a ser tomadas, antes mesmo da publicação do decreto que instituiu a END, que ocorreu em dezembro de 2008.

Características do HM-4 (EC 725)

Segundo o Comando de Aviação do Exército (CAvEx), o helicóptero EC 725 fabricado pela Empresa Eurocopter é o novo integrante da frota da Aviação do Exército (AvEx) e foi batizado HM-4 Caracal. É um helicóptero biturbina médio, da classe de 11 toneladas, com performance garantida pela já experiente família Super Puma/Cougar. Permite o transporte de até 29 combatentes equipados e dois pilotos. Na AvEx, à semelhança do HM-3 Cougar, o HM-4 será tripulado por dois pilotos e dois mecânicos de voo; sendo possível então o transporte de até 27 combatentes armados e equipados. O helicóptero tem capacidade de carregar, também, carga de combustível de 2.268 kg, o que garante uma autonomia de voo de até cinco horas. O Caracal foi desenvolvido com alta tecnologia, incluindo projeto modular dos conjuntos mecânicos e emprego de material composto de alta resistência como fibra de carbono. A aeronave conta com painéis de Liquid Crystal Display (LCD) – multifunções adaptados para missões com a utilização de óculos de visão noturna; possui dois motores Makila 2A, que permitem potência suficiente e segurança, graças a uma total redundância com duplo canal no sistema FADEC – Full Authority Digital Engine Control, que permite à aeronave um controle digital de combustível, inclusive com partida automática. O HM-4 está apto para cumprir todas as missões de transporte logístico, exfiltração e infiltração aéreas de tropa em área de difícil acesso para aeronaves de asa fixa. Pode, também, cumprir missões de busca e resgate; operações especiais; evacuação aeromédica; missões cívico- sociais, de integração nacional, de misericórdia e humanitárias. O Caracal possui cabine Glass Cockpit, uma tecnologia de última geração na qual a cabine de comando da aeronave possui vários displays de instrumentos eletrônicos com telas de LCD. Um painel de comando tradicional, como os que equipam as outras aeronaves da AvEx, depende de inúmeros instrumentos analógicos para exibir as informações Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 4 do voo e da aeronave. A cabine Glass Cockpit usa vários monitores digitais, impulsionados pelos sistemas de gestão de voo, que podem ser ajustados para exibir informações de voo, conforme seja necessário. Com isso, fica simplificada a operação das aeronaves e da navegação, o que permite aos pilotos focarem nas telas de LCD apenas as informações mais importantes para determinada fase do voo.

Possibilidades e Limitações do HM-4 Caracal

Para o emprego desta aeronave, é necessário o pleno conhecimento de suas características, possibilidades e limitações. Com seu peso máximo de decolagem na casa das 11 toneladas, ou seja, duas toneladas a mais que o HM-2 Black Hawk e o HM-3 Cougar, o Caracal se torna um elemento facilitador do planejamento e da execução das operações militares. De acordo com a Airbus Helicopter (2010), o HM-4 é aprovado para voar em qualquer parte do mundo durante o dia ou à noite, em condições de voo visual ou sob condições de voo por instrumentos, nas quais a visibilidade é baixa ou nula. Foi desenvolvido para operações de busca e salvamento, transporte de tropas, transporte de cargas internas ou externas, evacuação aeromédica, voo de translado, além das missões que requerem a utilização de armamento. São proibidos, segundo a fabricante Airbus Helicopter, o voo para a retaguarda, de forma que os gases de exaustão entrem na cabine; pouso corrido em solo macio; penetração intencional em nuvens com grande desenvolvimento vertical (excesso de turbulências); o pouso em autorrotação 1 completa intencional; o voo monomotor intencional fora de treinamento; a transferência de combustível entre tanques durante pouso e a decolagem e o voo sob condições de gelo conhecidas.

Conclusão

O EC 725 encontra-se em fase de implantação no 1º Batalhão de Aviação do Exército (1ºBAvEx) e já está sendo utilizado nas atividades operacionais em que a Aviação do Exército é empregada. Durante a Copa do Mundo da FIFA 2014, o HM-4 teve plena participação nas operações, inclusive foi empregado na preparação da Brigada de Operações Especiais, em Goiânia.

OBSERVAÇÕES : – a fábrica de Helicópteros Eurocopter foi recentemente adquirida pela Airbus e tornou-se a Airbus Helicopter; – a aeronave EC 725 foi denominada de CARACAL pela fabricante. Na AvEx, foi batizada de Jaguar; – até junho de 2014, a AvEx recebeu quatro aeronaves HM-4. A única organização militar da AvEx que recebeu este modelo é o 1º BAvEx. 1– Autorrotação é uma manobra de emergência na qual os pilotos realizam o pouso com os motores apagados, ou simplesmente “desengrazados” (como se estivesse em marcha neutra.)

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EDIÇÃO Nº 2.407.- 7 Jan 2015

Coluna Da Noruega para a África e outros desastres da Petrobras Maílson da Nóbrega

Quem diria, um partido de linhagem estatista e, assim, avesso à privatização, o PT, comandou ações desastrosas na nossa mais admirada estatal, a Petrobras. É enorme o dano à empresa — na imagem, no respeito, no valor de mercado, na saúde financeira, no mercado de capitais e na capacidade de investir. São cinco pelo menos os desastres. Primeiro, o uso da Petrobras para financiar campanhas eleitorais, mediante criminosa e sofisticada rede de captação de fundos via superfaturamento de bens e serviços à empresa. De lambuja, os operadores fizeram fortuna pessoal. O escândalo de corrupção está ligado às indicações políticas para cargos de direção. Segundo, a mudança das regras de exploração do pré-sal. Saiu o regime de concessão, típico de países de instituições fortes como Estados Unidos, Reino Unido e Noruega. Entraram a cessão onero-sa e o regime de partilha característico de países de instituições frágeis da África. No regime de concessão, confia-se nas regras do jogo e se fazem negócios como em qualquer atividade. No de partilha, desconfia-se da estabilidade das regras e prefere-se receber em óleo. Por ideologia, voluntarismo e megalomania, atribuiu-se à Petrobras o ônus de liderar a exploração do pré-sal — a totalidade no caso da cessão onerosa e pelo menos 30% no de partilha. A excessiva responsabilidade lhe impôs gigantescas obrigações e grave endividamento. Terceiro, o controle de preços dos combustíveis, que eram vendidos no mercado interno abaixo dos custos de importação. Abandonou-se a fórmula pela qual os preços internos eram ajustados forma transparente e previsível, com base nos seus valores no Golfo do México e na variação da taxa de câmbio. Passaram a prevalecer a vontade e os interesses eleitorais do governo. A Petrobras amargou prejuízos de 60 bilhões de reais, o que agravou sua situação financeira. Quarto, negócios superfaturados e sem justificativa empresarial, de que são destaques a refinaria de Pasadena e a de Abreu e Lima, cuja construção foi decidida por Lula com base em critérios políticos. Escassos de justificativa técnica e plenos de custos excessivos, tais investimentos dificilmente trarão resultados semelhantes a outros da empresa — a rigor, caberia ajustá-los à rentabilidade média, com a correspondente redução do patrimônio líquido. Quinto, e em consequência dos demais, o valor de mercado da Petrobras caiu cerca de 80% nos últimos seis anos. Os investidores estrangeiros, que interpretam a perda como efeito da corrupção, moveram ações coletivas contra a empresa na Justiça Federal americana. Além disso, existem investigações de natureza criminal e administrativa nos Estados Unidos. Acrescente-se a humilhação de os balanços da Petrobras não terem sido auditados por auditores externos, o que pode acarretar novos problemas à frente. Serão lentas, difíceis e custosas a reconquista da confiança Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 6 dos investidores e a volta do acesso aos mercados interno e internacional de capitais. Ficará mais difícil financiar os investimentos bilionários do pré-sal. Arrasada e aviltada, a Petrobras precisa de um líder capaz, decente e de alto respeito profissional, designado sem interferência política e que possa preencher os demais cargos com gente preparada. A recuperação da confiança de investidores e fornecedores vai exigir mudanças ciclópicas, incluindo a restauração do regi me de concessão (algo difícil para um governo que não reconhece erros). A Petrobras precisa deixar de ser a operadora única e de controla pelo menos 30% dos campos. Deve-se dotar a empresa de sólida governança corporativa. Os dirigentes devem ser escolhidos — no mercado ou nos quadros técnicos — com o apoio de empresas especializadas (headhunters). Indicações políticas devem ser abolidas. É necessário criar e/ou fortalecer órgãos internos típicos de companhias abertas e canal interno para denúncias. A Petrobras é plenamente recuperável. Possui quadros técnicos qualificados e comprovada competência na criação e no uso de tecnologia de pesquisa e exploração de petróleo. A vontade política e a coragem na tomada de difíceis decisões devem prevalecer sobre a ideologia e o voluntarismo.

Carta ao Leitor Agora, ao trabalho...

Uma reportagem desta edição de VEJA, a primeira do ano que começa, trata da urgência em consertar a economia brasileira em desarranjo. Nessa tarefa, o governo não pode perder tempo nem dispersar energia em egocentrismos ou disputas ideológicas internas. É hora de, juntos, reativarmos os motores que fazem o Brasil andar para a frente e, assim, lidar com os desafios de 2015, que não são poucos nem simples. A reportagem mostra que está ava- riada a casa de máquinas da economia brasileira. Será preciso, simultaneamente, manter em funcionamento os geradores de riqueza e consertá-los — um desafio de dupla complexidade apresentado aos dirigentes do país neste segundo mandato da presidente . Junto com a faixa presidencial, Dilma recebeu de Luiz Inácio Lula da Silva, há quatro anos, uma economia organizada e em crescimento. Em um mundo ainda soprando as feridas da crise financeira de 2008, o Brasil sobressaía por ter agido com vigor e no momento adequado, conseguindo absorver muitos dos impactos negativos do turbulento cenário internacional. Ao tomar posse em seu segundo mandato, na quinta-feira passada, em Brasília, Dilma recebeu de si mesma uma herança amarga. Resultado de apostas erradas, ditadas por uma visão preconceituosa e arcaica das relações do Estado com as forças de mercado, Dilma 1.0 entregou a Dilma 2.0 uma economia com urgência de ajustes drásticos e imediatos. A operação de salvamento vem sendo planejada há um mês por Joaquim Levy, o novo ministro da Fazenda, que Dilma foi buscar no Bradesco (o segundo maior banco privado brasileiro) e é um profundo conhecedor da máquina pública. O Plano Levy tem por objetivo prioritário devolver ao país a credibilidade perdida nos quatro últimos anos. Isso significa demonstrar, sem rodeios, a vontade e a possibilidade do Brasil de defender "a sanidade da moeda e a santidade dos contratos", sabedoria secular inglesa para uma política econômica capaz de manter a inflação sob controle e de respeitar os termos financeiros dos acordos, especialmente aqueles firmados por empresas privadas com o governo. Essa, acima, é a condição básica para atrair capital de longo prazo, dinheiro de investidores convencidos das vantagens de ficar muito tempo no Brasil, tornando-se parceiros do nosso sucesso e solidários nas adversidades do caminho que, mesmo às vezes tortuoso, eles sabem ser o correto. Esses investidores foram afugentados do Brasil pelos erros de política econômica cometidos nos primeiros quatro anos de Dilma Rousseff no Palácio do Planalto. No vácuo deles, vieram não os dólares comprometidos com a saúde financeira duradoura do Brasil, mas aqueles que lembram as aves de arribação, pois "se faz bom tempo elas vêm, se faz mau tempo elas vão". Se os juros estão altos e o câmbio valorizado, eles vêm; do contrário se mandam. VEJA acredita na possibilidade da nova política econômica de atrair investimentos produtivos e, assim, retomar o caminho para trazer estabilidade e progresso para todos os brasileiros.

Brasil Mandato novo, problemas velhos... Um Congresso nervoso com o petrolão, um ministério fisiológico e inimigos em seu próprio partido: o segundo governo de Dilma será difícil ADRIANO CEOLIN

Quando subiu pela primeira vez a rampa do Palácio do Planalto, há quatro anos, Dilma Rousseff era o retrato da empolgação. A primeira mulher eleita presidente do Brasil assumia o mais alto posto da República exalando otimismo. A economia ia razoavelmente bem, embora o país não estivesse crescendo como poderia (e deveria). A descoberta de petróleo nas camadas do pré-sal embalava as expectativas de um futuro tranquilo. A presidente, em seu discurso de posse, dava forma ao otimismo. Segundo ela, o país vivia um dos "melhores momentos da vida nacional". Para completar, depois de oito anos de governo petista manchado pela nódoa da corrupção e pela indelével marca do mensalão, Dilma encarnava a chefe de Estado que poderia, enfim, sanar os defeitos dos dois mandatos de Lula, seu Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 7 antecessor, que a escolheu para herdar a cadeira de presidente. A petista havia sido vendida aos eleitores como uma gestora competente e intolerante com corruptos de toda espécie, cuja vassoura saneadora limparia o país dos ímprobos. Na quinta-feira passada, 67 dias depois de ter saído vitoriosa da eleição presidencial mais disputada desde a redemocratização do país, com uma diferença de pouco mais de 3 milhões de votos na frente do senador tucano Aécio Neves, Dilma escalou de novo a rampa do Planalto para receber a faixa verde-amarela. Mas os ânimos eram diferentes, muito diferentes, dos de 2011. Em frente ao parlatório, na Praça dos Três Poderes, pouco mais de 10 000 pessoas ouviram Dilma, em cena de melancólica audiência, no avesso da extraordinária empolgação da primeira posse de Lula — e mesmo da segunda e da inaugural de Dilma. Em quatro anos, o país que a presidente desenhou originalmente não é aquele que ela continuará a comandar a partir de 2015, até 2018. O Brasil que Dilma herdou da gestora exemplar que passara pelo Ministério de Minas e Energia e pela chefia da Casa Civil de Lula pede uma ampla arrumação tanto na economia quanto do ponto de vista ético. Uma maneira didática para entender o que quatro anos fizeram com o governo de Dilma é cotejar o discurso da posse para o segundo mandato com o de 2011, evidentemente mais emocionado. Ao falar para o Congresso na primeira posse, ela citou uma única vez a palavra Petrobras, e em um contexto esperançoso, o do pré-sal. Na semana passada. Petrobras apareceu nove vezes, sempre na defensiva, com acusações a "predadores internos e inimigos externos", como se eles existissem, no velho truque de dizer que o inferno são os outros. A corrupção também foi multiplicada na nova prosa dilmista. Apareceu uma solitária vez em 2011 e dez vezes agora (embora, evidentemente, ela não tenha dito "petrolão"). Oposição, antes lembrada em uma oportunidade, agora sumiu, um indício de que o diálogo anunciado em outubro, logo depois da vitória, era mesmo pura retórica. E convém lembrar que Lula também vai desaparecendo — despontou oito vezes e agora foi reduzido a duas tímidas lembranças. Ficou nítido, portanto, nos 44 minutos de preleção a deputados e senadores, que os próximos quatro anos serão mais difíceis que os anteriores. Petrobras, corrupção, oposição e Lula. Os problemas são grandes. As soluções existem, mas dependerão muito da vontade de Dilma de aplicá-las. Na economia, o primeiro passo foi dado no bom caminho, com a nomeação de Joaquim Levy, que a presidente buscou no Bradesco, um profundo conhecedor da máquina pública, certeza de racionalidade e sensatez. Do casamento do poder de Dilma com o saber de Levy, a economia brasileira pode atravessar com galhardia o tormentoso 2015. Se a dupla se desentender, o Brasil perderá. A boa escolha de Joaquim Levy, tecnicamente adequada e politicamente corajosa, ao enfrentar grupos mais radicais do PT, não se reproduziu em parte decisiva das outras escolhas ministeriais, eivadas de flsiologismo — fisiologismo que, quase sempre, fez Dilma tropeçar no primeiro mandato. Para tentar garantir a governabilidade, os votos de que precisa dentro do Congresso, Dilma novamente cedeu, e fatiou a Esplanada de maneira generosa entre as siglas aliadas sem levar em conta a vida pregressa de muitos dos novos integrantes do primeiro escalão. Nem mesmo a memória de escândalos que atormentaram o governo petista nos últimos anos foi suficiente para demovê-la de certas escolhas. No Ministério dos Transportes, por exemplo, a presidente viu eclodir em 2011 a onda de denúncias de corrupção que a levou a realizar a chamada "faxina ética", durante a qual demitiu seis de seus ministros por envolvimento em diferentes esquemas de malversação de dinheiro público. Na ocasião, uma reportagem de VEJA revelou um azeitado esquema de corrupção montado na pasta pelo Partido Republicano (PR), uma das siglas da base aliada. Licitações de obras em rodovias e ferrovias estavam sendo fraudadas em favor de empreiteiras que, em troca, pagavam propina de até 4% do valor dos contratos para abastecer o caixa do PR. O então ministro, Alfredo Nascimento (AM), acabou mandado embora. Com o tempo, o ímpeto sanitário de Dilma fez água. A mesma turma complicada do PR foi, aos poucos, recuperando espaço no ministério. E vai seguir por lá no segundo governo da presidente. O novo titular dos Transportes, o vereador paulistano Antonio Carlos Rodrigues, foi uma escolha pessoal de Valdemar Costa Neto, condenado no mensalão, que continua mandando no partido. Suplente da petista , Rodrigues recentemente passou uma temporada no Senado. Nesse mesmo período. Costa Neto ameaçou levar o PR para a oposição. Coube a Rodrigues o papel de pombo-correio entre o mensaleiro e o governo. Advogado por formação. Rodrigues chegou a receber uma procuração formal de Costa Neto para poder visitá-lo na cadeia sempre que precisasse. A contrapartida para que o PR permanecesse na base de apoio a Dilma era a retomada do poder no Ministério dos Transportes. Pedido feito, pedido atendido — e agora, ironicamente, é o próprio Rodrigues quem assume a pasta. Não é o único caso de interesses cruzados entre a caneta de Dilma e a turma onipresente nos escândalos. , cuja experiência no executivo se resumia à cadeira de prefeito de um município paraense, será ministro da Pesca. Por indicação de seu pai, o notório senador Jader Barbalho, que ganhou prestígio no Planalto por seu engajamento na campanha de Dilma à reeleição. Para o Ministério do Esporte, Dilma nomeou George Hilton, um pastor da Igreja Universal do Reino de Deus que, durante o período em que foi deputado, nunca apresentou uma única proposta relacionada a qualquer atividade esportiva. Sua nomeação, criticada por atletas e entidades da área, se deu porque a presidente precisava contemplar o PRB, outro partido da base de apoio. Em tempo: em sua passagem mais conhecida pelo noticiário, Hilton fora flagrado pela polícia a bordo de um avião com onze malas pelas quais estavam distribuídos 600 000 reais em dinheiro vivo. E por aí vai a lista de integrantes do primeiro escalão do novo governo. Os partidos listados como beneficiários do petrolão — PT, PMDB e PP, os principais — estão todos lá. firmes e fortes. No entanto, nem mesmo fazendo tantas concessões Dilma pode esperar um futuro tranquilo no Congresso Na- cional, onde 2 + 2 nem sempre dá 4. A base governista está repleta de descontentes, que discretamente já prometem criar embaraços para o novo governo. A presidente coleciona inimigos até mesmo dentro de seu próprio partido, o PT. Facções petistas, entre elas a do ex- presidente Lula. se queixam por ter perdido poder na montagem do novo ministério. Na escolha dos chamados ministros palacianos, aqueles que despacham no Palácio do Planalto, Dilma expurgou Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 8 petistas ligados a Lula. como Gilberto Carvalho, e pôs no lugar companheiros mais próximos a ela que ao seu antecessor. O próprio Lula, que passou silenciosamente pela posse, tem reclamado das decisões da presidente. Como se não bastasse, espera-se para este primeiro semestre a abertura de uma nova CPI, agora menos chapa- branca, para investigar o petrolão. Além disso, devem chegar à Justiça as primeiras acusações contra deputados e senadores envolvidos no esquema. Uma crise política parece ser inevitável — e o único modo de atenuá-la é ajustar a economia e recuperar a credibilidade perdida nos últimos quatro anos.

Brasil 2015 morro acima Ana Luiz Daltro e Bianca Alvarenga

Desde a redemocratização de 1985, a duras penas, sucessivas administrações federais implantaram mecanismos que, em resumo, se somaram para tirar dos governantes a possibilidade de produzir grandes desastres na economia. O ápice dessa caminhada se deu com Fernando Henrique Cardoso, no Ministério da Fazenda no governo de Itamar Franco e, depois, por oito anos na Presidência da República. FHC entregou a Lula uma gestão de posse do instrumental legal e gerencial suficiente para manter a economia brasileira no rumo correto. Lula cuidou de, no comentário sábio de um ex- ministro de seu governo, "não desmontar o relógio do vovô, por não saber como remontá-lo". A receita lógica a ser seguida pela presidente Dilma Rousseff ao receber a faixa das mãos de Lula, em 2011, era consolidar os avanços das administrações anteriores. Mas Dilma achou por bem no primeiro mandato interromper a série histórica de governos comprometidos com a estabilidade econômica. Deu errado. Agora reempossada, a presidente tenta recuperar o tempo perdido. Com Joaquim Levy na Fazenda, ela dispõe de um economista especializado em pôr ordem nas finanças públicas, fundamento desprezado nos últimos quatro anos. "Os primeiros passos desta caminhada passam por um ajuste nas contas públicas", reconheceu Dilma no discurso de posse para o segundo mandato. Desde que Levy consiga fazer seu trabalho sem boicotes nem intrigas palacianas, o prognóstico é bom. Se antes a chance de dar certo era zero, agora pelo menos a possibilidade de erro é muito menor. Joaquim Levy tem como tarefa mais urgente reverter a falta de confiança dos investidores nos rumos do Brasil e tudo de ruim que isso acarretou: a diminuição dos projetos e das ambições dos empresários e o consequente arrefecimento do crescimento. O PIB ficou estagnado em 2014, e as vendas do comércio no fim de ano foram as piores em uma década. O segundo quadriênio de Dilma começa sem o ambiente de euforia de outrora. Pelo contrário. A previsão do Banco Central (BC) para o avanço do PIB em 2015 é um magérrimo 0,2%. um número desalentador e inferior ao aumento populacional. Diz Gustavo Franco, ex-presidente do BC e sócio da Rio Bravo Investimentos: "A sensação é que voltamos aos poucos ao ponto de partida. A hiperinflação ainda não está de volta, mas o fracasso econômico é evidente. E ele foi inteiramente produzido pelo governo". Com Joaquim Levy, tudo indica, pelo menos vai ser desativada a usina de fracassos autoproduzidos pelo governo. Os obstáculos de outra origem já são muitos. O ministro deverá executar um programa de ajustes para reequilibrar a economia que poderá ser doloroso a curto prazo, mas que será capaz, se bem- sucedido, de restabelecer a confiança, voltando a atrair os investimentos de longo prazo. Com um plano de ações coerentes e sensatas, o governo poderá deixar de ser um problema e instilará a perspectiva de um ano mais luminoso. O custo dos ajustes será um preço tolerável a ser pago para recolocar o Brasil em sua rota original. "A gente tem de ter a coragem de fazer o que for necessário para conseguir isso", reiterou Levy durante a posse, na quinta-feira passada, sobre os objetivos de retomar o crescimento e gerar empregos. Os próximos meses não serão fáceis porque se espera, para 2015, um ano de ajustes. A nova equipe econômica precisará combater com mais ênfase a inflação e terá de apertar o cinto de seus gastos. "Vamos ter de pagar vários pe- cados de uma só vez", diz o economista e consultor Alexandre Schwartsman, ex-diretor do BC. "Consertar o estrago dos últimos quatro anos exigirá trabalho." Dilma 2.0 tem muito a corrigir de Dilma 1.0. Também não aparece no radar de 2015 um aumento expressivo dos investimentos. Alguns projetos deverão ser afetados pelo escândalo do petrolão. que envolve as maiores empreiteiras brasileiras: 23 delas foram suspensas temporariamente de licitações da Petrobras pela suspeita de envolvimento no caso. As exportações serão impactadas pela desvalorização de alguns dos produtos mais vendidos pelo Brasil, especialmente o minério de ferro e a soja. Mas é preciso evitar o derrotismo. Cada notícia boa precisa ser capitalizada a favor do Brasil. A espetacular recuperação dos Estados Unidos deve ser festejada. A maior economia do planeta tem crescido em ritmo acima das previsões mais otimistas, prenúncio de cenário internacional mais favorável. Quando os Estados Unidos crescem, consomem com maior apetite bens produzidos na China, que, por sua vez. também toma impulso. Com o eixo sino- americano girando com vigor, torna-se mais provável um cenário de demanda crescente para as exportações brasileiras. Demanda aquecida puxa para cima o preço da soja e do minério de ferro, diminuindo a pressão sobre o câmbio e, por meio de um mecanismo conhecido dos economistas, ajudando no controle da inflação. A seguir. VEJA avalia o estado dos cinco principais motores da economia brasileira e como eles podem reagir pa- ra ajudar na travessia de 2015.

PÚBLICAS A desaceleração do crescimento fez com que Dilma Rousseff se escorasse no aumento ininterrupto dos gastos públicos e na redução seletiva de tributos para sustentar minimamente a atividade econômica. As famílias e os setores mais dependentes do governo foram os menos afetados pela retração. Tal fórmula. obviamente, não pode durar para sempre, porque as medidas perdem eficácia com o tempo e o potencial de crescimento a longo prazo também é afetado. Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 9

Na indústria automotiva, por exemplo, a produção caiu 16% no ano passado até novembro, apesar do imposto mais baixo. Sustentar um governo a cada ano mais inchado requer absorver também, a cada ano, mais recursos do setor privado, seja por meio de impostos, seja pelo aumento do endividamento do Estado. Nos anos Dilma, o total da divida pública, como proporção da economia, subiu de 53% para 63% do produto interno bruto (PIB). É uma dinâmica perversa: quanto maior a dívida, maiores os juros cobrados para refinanciá-la e maior o custo do dinheiro, o que derruba os investimentos privados e o crescimento. Além disso, a conta dos juros reduz o volume de recursos públicos destinados ao investimento no futuro do país, ou seja, para ampliar os gastos em educação, saneamento, infraestrutura e saúde. Daí ser motivo de esperança a nomeação de Joaquim Levv como ministro da Fazenda. Trata-se de um espe- cialista na administração das finanças públicas, com resultados já comprovados em sua passagem pela Secretaria da Fazenda do . O novo ministro deixou claro que não tolerará manobras contábeis e fará com que o governo caiba dentro do PIB, deixando de abocanhar uma parcela ainda mais gorda da economia. Os primeiros sinais são auspiciosos: depois de anos de promessas não cumpridas, o governo anunciou, na véspera da virada de ano, regras menos permissivas para a concessão de alguns benefícios sociais, como seguro-desemprego, pensão por morte, auxílio-doença e seguro-pescador. Há outras decisões relevantes já anunciadas. Diminuirá, por exemplo, a mamata com recursos do BNDES. O banco estatal de fomento a investimentos cortará o volume de subsídios, um custo coberto nos últimos anos pelo Tesouro por meio do aumento da dívida federal. O rigor nas finanças públicas, embora difícil de ser executado, traz a recuperação da confiança de investidores. Outro benefício é que o país afastará o risco de ser rebaixado pelas agências de classificação de crédito, o que representaria a perda do chamado grau de investimento. Se isso ocorresse, o Brasil abriria mão de bilhões de dólares de fundos que só podem aplicar recursos em destinos que ostentem esse atestado de credibilidade.

INVESTIMENTOS "Temos muitos motivos para preservar e defender a Petrobras de predadores internos e de seus inimigos externos", disse Dilma no discurso de posse , vendo inimigos onde eles inexistem, como se a retórica tivesse o poder de solucionar os buracos econômicos criados em sua própria gestão e os escândalos de corrupção. Recuperar a maior empresa brasileira e sua capacidade de tornar realidade os projetos de expansão será imprescindível para ampliar os investimentos. Um primeiro passo será pôr fim à venda subsidiada de combustíveis, que custou 60 bilhões de reais aos cofres da estatal desde 2011. Será essencial também agir com celeridade para apurar as denúncias e punir os en- volvidos no escândalo do petrolão, para que tanto a Petrobras como empreiteiras que cuidam de algumas das principais obras do país possam retomar os projetos de investimento. Investigadas no escândalo, algumas empresas do setor de infraestrutura já encontram dificuldades financeiras. A OAS está se desfazendo de bens e demitindo funcionários. A empresa tem 1,4 bilhão de reais em dívidas para vencer a curto prazo e apenas 1,6 bilhão de reais em caixa. A Iesa e a Galvão Engenharia tiveram contratos com a estatal cancelados. O advogado de um grande escritório especializado nessa área explica que as empreiteiras médias terão muita dificuldade para renegociar dívidas ou contrair novas. "Os bancos possuem listas negras próprias e não querem se envolver com as empresas investigadas, seja por medo de tomar um calote, seja por não querer se relacionar ao escândalo", diz. É uma péssima notícia para o país, porque a má qualidade da infraestrutura é uma das principais amarras ao crescimento: ela reduz a produtividade da indústria e do co- mércio, encarece produtos e diminui a competitividade das exportações. Fazer deslanchar o programa de concessão de rodovias, ferrovias, portos e aeroportos, tornando-os atraentes para a iniciativa privada, servirá como um impulso para a economia. Fora da infraestrutura, as empresas mantêm a cautela ao tratar de projetos de expansão. Segundo uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas, só 41% das companhias consultadas esperam ampliar os investimentos em 2015, o menor índice desde 2009, na época da crise financeira global. "As pessoas percebem que a economia não está progredindo e que dificilmente o Brasil voltará a crescer, a médio prazo, no ritmo visto entre 2007 e 2010", diz Aloisio Campeio, coordenador da pesquisa. O setor otimista é o de bens de consumo, o mais favorecido pela política econômica dos últimos anos. "Mas diversas atividades estão com alto nível de ociosidade, o que reduz a perspectiva de investimentos", afirma Campeio. Para outros ramos, entretanto, é em momentos como o atual que deve ser feita a expansão para colher os resultados no futuro. A queda no preço dos aluguéis comerciais e no custo de construção de galpões, por exemplo, favorece o investimento de grupos de varejo, como o Pão de Açúcar, que prevê contratar 20 000 funcionários neste ano.

CONSUMO O ano passado não foi fácil para o comércio, como ficou evidente nas vendas fracas de fim de ano. O faturamento dos shoppings no período de Natal avançou apenas 3% em relação a 2013, segundo a Associação Brasileira de Lojistas de Shopping (Alshop). Foi o pior resultado desde 2003, culpa da combinação perversa de aumento dos juros, inflação em alta e valorização do dólar, que encareceu produtos importados. Ao longo do ano, outros fatores prejudicaram as vendas. "Houve muitos dias de comércio fechado por causa da Copa e muita incerteza no período que antecedeu as eleições", diz Nabil Sahyoun, presidente da Alshop. Uma prova do esfriamento do setor foi a inauguração de shoppings com até metade de suas lojas desocupadas. Segundo Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, empresa especializada em análise de crédito, "o consumidor foi cauteloso em 2014 e se preocupou em reduzir o seu endividamento, pagando dívidas já assumidas". É um comportamento que pode se aprofundar neste ano com o aumento das taxas de juros nos bancos e no comércio e a sombra do desemprego. Mas os lojistas esperam um cenário um pouco mais positivo em 2015 se o governo tornar realidade uma política econômica mais equilibrada para conter a inflação, de acordo com Sahyoun. O aumento dos preços é preocupação real dos consumidores, como atestou uma pesquisa da Confederação Nacional da Indústria (CNI) em parceria com o Ibope. Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 10

Os entrevistados disseram que o controle da inflação tem de ser o segundo maior compromisso de Dilma neste ano, atrás apenas da melhora do serviço de saúde. Há dois anos, o combate ao aumento de preços não constava entre as prioridades. São lembretes, para o governo, de que a estabilidade monetária é fundamental.

EXPORTAÇÕES Da fase em que a demanda superava a oferta, o mundo passou para um período de excesso na produção de matérias-primas, as chamadas commodities. O preço do minério de ferro, insumo básico para produzir o aço utilizado na construção civil e na produção de veículos, caiu 50% no ano passado. Má notícia para a Vale, uma das maiores produtoras do mundo, e também para a balança comercial brasileira. As exportações de minério alcançaram estimados 340 milhões de toneladas em 2014, um ligeiro aumento em relação ao ano anterior. Ainda assim, com a queda nos preços, o total faturado caiu 6 bilhões de dólares. A queda nas cotações reflete, além de estoques mundiais elevados, a desaceleração chinesa. O avanço espetacular de 10% ao ano ficou para trás, mas a China continua a crescer a um ritmo invejável, superior a 7% ao ano, e sobre um PIB muitas vezes mais alto do que era há dez anos. Por isso, passada a fase de reequilíbrio, as exportações brasileiras deverão voltar a aumentar. Na área agrícola, o apetite asiático continua avassalador. "Ainda não sentimos o efeito da desaceleração chinesa", afirma Anderson Galvão, diretor da consultoria Céleres, especializada no agronegócio. O resultado é que a soja passou o minério como o principal produto exportado. Para a indústria, o dólar valorizado deverá favorecer as vendas no mercado internacional. A Fiat, por exemplo, anunciou a retomada das exportações para o México. Antes, com o real fortalecido em relação ao dólar, os carros brasileiros chegavam com um preço muito elevado ao mercado externo, sobretudo em comparação com mercadorias asiáticas. A recuperação dos Estados Unidos e de outras nações ricas já começa a beneficiar a venda de produtos industriais sofisticados, como os jatos da Embraer — as exportações de aviões para o mercado americano subiram 84% em 2014. Na outra ponta, o embarque de produtos para a Argentina e a Venezuela, dois dos maiores clientes na América Latina, continuará fraco, por causa da crise que ambas enfrentam. Um incentivo ao comércio virá se a política externa brasileira deixar de ser guiada pelo afago a países subdesenvolvidos e priorizar economias ricas.

ECONOMIA MUNDIAL Este ano deve ser marcado pela recuperação dos países mais ricos, que superarão definitivamente a crise iniciada em 2008. Os números recentes dos EUA revelaram uma retomada forte do consumo e dos investimentos: o crescimento chegou a 5% no terceiro trimestre do ano passado, o maior em uma década. Na Europa, o desalento ainda é grande, mas países que adotaram as reformas necessárias crescem em um ritmo mais acelerado. Outra notícia positiva foi a queda no preço do petróleo. De acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o crescimento mundial poderá ser até 0,7 ponto porcentual mais alto em 2015 graças ao custo mais baixo da energia. A China passa por uma desaceleração suave, e não ocorreu por lá a crise que muitos analistas chegaram a prever. As notícias negativas partem dos países que optaram por desperdiçar os dias de bonança com a exportação de matérias- primas, acima de todos a Venezuela, mas também a Argentina e agora a Rússia. Uma surpresa positiva, contudo, poderá vir da Argentina. Nas eleições de outubro, espera-se a vitória de um candidato comprometido com a racionalidade econômica, dando fim ao reinado populista dos Kirchner.

CONCLUSÃO Nunca é tarde para tentar recolocar a economia nos eixos. Dilma Rousseff terá, no segundo mandato, a chance de fazê-lo. São tantas as potencialidades do Brasil e tão fortes nossas vantagens competitivas em relação a outros mercados que basta o governo deixar de ser o problema e se tornar parte das soluções para que os investidores readquiram a confiança necessária para fazer aqui suas apostas de longo prazo. Esse cenário interessa a cada um dos brasileiros, pois a geração de bons empregos, o aumento da qualidade de vida para todas as camadas sociais e o bem- estar geral são resultado de uma economia funcional, eficiente, competitiva e com destaque internacional. A isso se chama crescimento sustentável. Que possamos chegar ao fim de 2015 comemorando as vitórias que recolocaram o Brasil no rumo do crescimento sustentável.

A INFLAÇÃO BATE À PORTA DO BC O ano começa com incômodas fontes de pressão sobre a inflação. Reajustes anunciados nos últimos dias de 2014 - e há tempos represados além de outros já esperados nas tarifas de energia e de água, nos bilhetes do transporte público e no preço dos combustíveis e dos carros em decorrência da recomposição de tributos, podem resultar em uma inflação de 1% neste mês de janeiro, de acordo com estimativas de economistas. O presidente do Banco Central, , já declarou que um dos objetivos do aumento dos juros é evitar que os reajustes se espalhem pela economia. Só a elevação das tarifas de energia elétrica deverá responder por um quarto do índice mensal. A partir deste ano, as contas de luz ficam sujeitas ao efeito das chamadas bandeiras tarifárias (verde, amarela ou vermelha), que refletem o custo de geração de energia no país. Elas indicarão mensalmente se haverá necessidade de repasse ao consumidor de custos adicionais com o acionamento, por exemplo, de usinas termelétricas, mais caras. É o que acontece agora por causa dos baixos níveis dos reservatórios nas principais usinas hidrelétricas das regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Com a atual bandeira vermelha (reservatórios baixos e térmicas a todo o vapor), em uma conta de 100 reais, haverá um acréscimo de 6 reais. O custo de vida também sofrerá o impacto do transporte público, cujas tarifas estavam congeladas, em muitas capitais, desde a onda de protestos de junho de 2013. Em Belo Horizonte, por exemplo, o reajuste foi de 8,8% no preço Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 11 da passagem de ônibus mais cara, que passou de 2,85 para 3,10 reais. Em São Paulo, cidade onde as manifestações tiveram início, o reajuste anunciado é de 16,7%: tanto a passagem de ônibus como a de metrô e a de trens metropolitanos (CPTM) sobem de 3 para 3,50 reais a partir desta terça-feira (dia 6).

Brasil Carreiras promissoras Em anos difíceis como este que acaba de começar, as empresas tendem a buscar profissionais que saibam gerar ganho de eficiência e definir novas estratégias BIANCA ALVARENGA

A preocupação com o baixo crescimento da economia chegou ao mercado de trabalho no ano passado. Foram criadas 940 000 vagas com carteira assinada de janeiro a novembro, um número ainda expressivo, mas que representou uma queda de 40% em relação ao mesmo período de 2013. Na indústria, que paga salários mais altos do que o comércio, o saldo foi de apenas 8 000 postos de trabalho. A expectativa é que agora, em 2015, o emprego seja atingido com mais força pela estagnação da atividade. Mas, apesar da perspectiva negativa, algumas carreiras apresentam um horizonte promissor. É o que revela um estudo elaborado pela consultoria de recursos humanos Michael Page. Foram selecionados onze cargos com alta demanda por mão de obra já a partir deste ano. São posições de média e alta remuneração, que exigem boa formação acadêmica e experiência profissional. A cadeia de petróleo e gás natural e a indústria de bens de consumo, como a de eletrônicos, são dois setores em que a demanda por profissionais continuará aquecida. "São segmentos que apostam em uma recuperação da economia a médio prazo", diz Leonardo de Souza, diretor executivo da Michael Page. Além disso, o Brasil tem uma carência de longa data de profissionais com formação técnica de qualidade, vetor da demanda constante nesses setores. Apesar do escândalo do petrolão, a Petrobras tenta preservar os investimentos para não comprometer a expansão da produção do pré-sal. No lado do consumo, a expectativa da indústria é que a determinação da nova equipe econômica de combate firme à inflação resgate a confiança e o poder de compra dos brasileiros a partir do segundo semestre. Neste ano, em especial, alguns cargos que tradicionalmente já são valorizados pelas companhias devem ficar ainda mais requisitados. É o caso do gerente de planejamento tributário, responsável pela estratégia de gestão fiscal e pagamento de tributos de uma companhia. Suas decisões podem significar uma economia de milhões de reais em impostos. "Dado o ambiente econômico adverso, as empresas procurarão enxugar custos e aumentar a produtividade para superar um futuro ano de ajustes. A palavra de ordem é otimização", diz Souza. Também são promissores cargos ligados à ciência de dados, em especial ao big data e aos dispositivos móveis, como celulares e tablets. Os novos profissionais da área de tecnologia ganham relevância pela capacidade de aprofundar a análise de informações e pela criação de estratégias dentro de empresas. A tendência é que, à medida que esse mercado se desenvolva no Brasil, aumentem as oportunidades nos próximos anos. Em momentos de incerteza econômica, buscar soluções para aumentar a produtividade é uma escolha certeira para sobreviver e prosperar: nesse sentido, as empresas brasileiras estão fazendo o dever de casa.

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Brasil Uma corrida de obstáculos Garantir aos atletas que virão ao Rio em 2016 comida, conforto e uma logística que funcione demandará da organização dos Jogos trabalho intenso a partir de agora Cecília Ritto

Os números são extraordinários: mais de 11 milhões de refeições servidas, 18 600 quartos para limpar, 40 000 camas para fazer, 480000 toalhas lavadas e passadas, 17 000 toneladas de lixo processadas. Pôr de pé a Olimpíada do Rio de Janeiro em agosto de 2016 é um feito de planejamento e logística que só uma engrenagem muito bem azeitada poderia conseguir. Para que não haja problemas quando os Jogos começarem, essa máquina deve ser acelerada já nos primeiros meses de 2015, período em que serão decididas as concorrências e licitações de fornecedores. Ao todo, serão 2 500 prestadoras de serviço para atender os mais de 10 500 esportistas, técnicos e equipes de apoio de 205 países que ficarão hospedados na Vila dos Atletas, um conjunto de 31 prédios de apartamentos em construção na Barra da Tijuca que, posteriormente, servirá de base para um bairro novo na cidade. Isso sem contar o atendimento ao público, que envolverá outro tipo de preparação e seleção. A esta altura, apenas 15% dos fornecedores foram selecionados, na segurança, na limpeza e na informática. As contratações serão feitas até a última hora, mas, para que tudo funcione adequadamente, a meta é ter pelo menos 50% das empresas definidas até julho deste ano. A tarefa, com o perdão do clichê, é verdadeiramente olímpica, e não apenas em razão dos números. Todo o trabalho de seleção dos fornecedores tem de respeitar critérios específicos, estabelecidos pelo Comitê Olímpico Internacional. Para escolher camas que abriguem confortavelmente até mesmo os jogadores de basquete e um Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 13 mobiliário que atenda às necessidades dos atletas paralímpicos, foi convocado um grupo de ex-atletas que passaram uma tarde deitando-se em camas e testando móveis de cinco fornecedores. Já selecionar os cardápios — que deverão se encaixar nas preferências de brasileiros, asiáticos, mexicanos, europeus, americanos e adeptos da alimentação orgânica, além de subdivisões como o modo kosher para judeus ou halal para muçulmanos — tem exigido dos funcionários trabalho um pouco mais árduo. Como o da gerente de sustentabilidade Julie Duffus, que em janeiro do ano passado navegou três dias pela Amazônia selecionando pescadores de pirarucu que não atuassem em áreas em que a espécie estivesse ameaçada de extinção. "Foi uma aventura, dez horas de barco para ir e onze para voltar, debaixo de chuva, enlameada", lembra. A cozinha industrial em que os alimentos serão preparados já foi construída, mas não está equipada. O restaurante ficará aberto 24 horas por dia e os atletas poderão se servir à vontade — ou poderiam, se não tivessem nutricionistas de olho no que consomem (a maioria das equipes dispõe desses profissionais). Para calcular as quantidades, explica Leila Luiz, gerente de alimentos e bebidas, avalia-se o "aporte de calorias" de cada modalidade e tira-se uma média entre aqueles que comem mais (como os ciclistas e os triatletas) e os que comem menos (os esgrimistas). Outro tipo de atleta terá mais mimos: os 320 cavalos das equipes de hipismo, estrelas de tanta grandeza (ou maior) quanto os cavaleiros — mesmo que entre eles esteja uma nobre, como Zara, neta da rainha Elizabeth, que monta High Kingdom e é candidatíssima a uma vaga na Olimpíada do Rio. O trabalho para trazer os animais começou em janeiro passado, por um bom motivo: só a viagem da tropa envolve mais de vinte órgãos ligados a transporte, documentação e outros serviços. Os cavalos viajam em aviões cargueiros, acompanhados de até doze tratadores, em onze voos exclusivos. Embarcam em aeroportos na Bélgica e nos Estados Unidos já dentro do air stable, uma estrutura fechada com piso emborrachado forrado de palha. São alimentados com ração e capim (não, cavalos não enjoam). Quando os aviões chegarem, estábulos inteiros vão descer por uma rampa direto para os caminhões que os levarão em comboio para o complexo esportivo de Deodoro, na Zona Oeste do Rio, onde acontecerão as competições hípicas. "O sistema é como uma bolha. Os animais desembarcam, são examinados e seguem para Deodoro sem contato com o mundo exterior", explica Loier Cunha, gerente de logística internacional. Curiosidade: por exigência da vigilância sanitária, o capim que sobra da viagem é incinerado assim que chega ao país. Já as 80 toneladas de esterco passam por uma quarentena e depois são exportadas para fábricas de adubo orgânico no exterior. Planejamento intensivo também será necessário para garantir o transporte de 700 barcos, pelo tamanho, e das armas de fogo das competições de tiro, por motivos óbvios. A maior parte das embarcações a vela, remo e canoagem virá de fora, em navios específicos (só as das categorias laser e RS:X podem ser alugadas aqui). Do porto, desembarcam no mar mesmo e seguem para os locais de partida das provas, na Lagoa Rodrigo de Freitas e na Marina da Glória. A marina, por sinal, treinou para essa função em agosto passado, num evento-teste da modalidade cuja nota final foi afetada pela sujeira ainda acima do aceitável da Baía de Guanabara (o que mostra desde já que nem todos os compromissos da organização poderão ser cumpridos). As armas usadas nas competições virão no mesmo avião que os atletas, junto com uma equipe de segurança. Serão recebidas no Aeroporto do Galeão pelo Exército, que examinará a documentação dos atletas para autorizar a sua entrada no país. Dali, serão escoltadas até a área da prova, em Deodoro, e ficarão a cargo de cada delegação. Segurança reforçada em carros-fortes e cofres especiais será requisitada também para as medalhas — 4924 de premiação e 75 0 00 de participação. Mesmo os dias seguintes ao do encerramento dos Jogos têm de ser meticulosamente programados a partir de agora, uma vez que o retorno dos atletas para casa costuma congestionar os aeroportos locais. Os dias de partida foram os de maior movimento na história dos aeroportos de Pequim, em 2008, e de Londres, em 2012. "Para evitar confusão, estamos organizando um sistema em que os atletas farão check-in na própria Vila Olímpica e despacharão a bagagem horas antes de embarcar", explica Valeria Sorrentino, gerente de Chegadas e Partidas, com a tarimba de quem trabalhou em função parecida durante treze anos no Festival de Cinema de Miami e, mais recentemente, no Rock in Rio. E boa parte do processo começa de novo dias depois, entre 7 e 18 de setembro, com a Paralimpíada, que envolverá 4350 atletas de 176 países na disputa por medalhas em 23 esportes. Deixar tudo em ordem é uma corrida de obstáculos tão ou mais árdua que as competições.

Brasil Eles vão morrer logo mais O boto-cor-de-rosa é caçado para virar isca de peixe. E um crime, tratado até hoje com leniência, que a partir de 2015 passará a ter controle rigoroso Jennifer Ann Thomas, de Tefé (AM)

A matança ocorre à noite. Os pescadores entram no Rio Amazonas, numa região conhecida como calha do Alto e Médio Solimões, no noroeste do estado, à procura de uma presa que, se a lei fosse seguida, não deveria ser alvo de arpões nem de redes: o boto-cor-de-rosa. A espécie, endêmica da região, é um dos símbolos da fauna brasileira, uma das mais diversas do planeta. O golfinho é um mamífero inofensivo a humanos. Além de subir à superfície a cada cinco minutos, é facilmente avistado de fora da água, em virtude de sua cor característica. Fascina os turistas, principalmente estrangeiros que vêm ao Brasil para admirar a natureza bela e crua, tida como intocada. Por séculos, a convivência do homem com os botos foi equilibrada. Sua carne, repleta de fibras musculares, é insossa. Por isso, não o caçamos. Era o que acontecia até os anos 2000, quando estudiosos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia notaram que os botos estavam sumindo em ritmo alarmante, com redução de 7% ao ano na população. O motivo: os pescadores descobriram que o animal é uma eficiente isca para capturar o piracatinga, peixe carniceiro vendido em mercados Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 14 colombianos e do norte do Brasil. A matança noturna ignora a lei que protege a espécie, e em teoria deveria punir caçadores com prisão de seis meses a cinco anos. É um cenário que pode mudar a partir de 2015, já que a fiscalização finalmente aprimorou um modo de flagrar os criminosos, utilizando-se de recursos científicos na descoberta da cadeia bandida. Todo ser vivo tem de tirar da natureza seu sustento. Mas nossa espécie supera qualquer outra no quesito destruição. Segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza, ao menos 200 espécies são extintas todos os anos em consequência de ações humanas. Há neste momento 20 000 em risco de sumir do planeta. No Brasil, 1173 estão à beira do desaparecimento, segundo relatório divulgado pelo Ministério do Meio Ambiente. Entre elas figuram animais que só podem ser encontrados em habitats da América do Sul, a exemplo da ararinha-azul, do mico-leão- dourado e do boto-cor-de-rosa. O golfinho brasileiro de água doce é capturado facilmente em redes — e nem esboça reação, já que por séculos esteve acostumado a uma relação pacífica com humanos. Os caçadores não distinguem machos, fêmeas ou filhotes. Matam todos e os cortam em pedaços, transformados em isca para pegar o piracatinga. "Um boto nos rende entre 350 quilos e 1 tonelada de peixe", diz Juvenal dos Santos, pescador da cidade de Tefé (AM), ao confessar um crime ambiental que deveria levá-lo à cadeia. "Consigo pegar mais de um boto por dia, então é possível calcular quanto isso dá de lucro", acrescenta. A turma de Badá Cunha, de Manacapuru (AM), garante ser ainda mais tristemente eficiente: um grupo de outros oito pescadores captura 3000 exemplares de boto por ano. Quem deveria impedir a matança? O Ibama, o Ministério Público, o Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas e, em última instância, o Ministério do Meio Ambiente. Por que não fizeram isso até agora? "É impossível fiscalizar o Amazonas", protege-se o procurador da República no estado, Rafael Rocha. Mas ele mesmo já apresenta uma solução: "Em vez de investir em ter 100 000 homens procurando caçadores, pode-se cortar o sistema pelo topo, pelos frigoríficos, os que mais lucram com o comércio ilegal". Deu-se um primeiro passo com uma moratória que proíbe por ao menos cinco anos, contados a partir deste mês, a pesca de piracatinga — afinal, capturar esse peixe é a principal razão de os botos serem transformados em iscas. Agentes de fiscalização, por incompetência ou má-fé, dizem nunca ter flagrado um caçador em ação. Mas há até um vídeo da Associação Amigos do Peixe-Boi mostrando a pesca ilegal. VEJA visitou uma série de confessos caçadores e frigoríficos que vendem toneladas de piracatingas sabendo que foram pescados com iscas do golfinho ou, o que também configura crime ambiental, com carne de jacaré (a alternativa mais abundante, mas ao mesmo tempo mais perigosa). Apenas no maior frigorífico de Manacapuru há cerca de 50 toneladas do peixe em estoque. Estima-se que pelo menos metade tenha sido pescada atraída por tripas de boto. Os 64 frigoríficos da região exportam todos os anos 1550 toneladas de piracatinga para a Colômbia. Para que isso ocorra, 4000 botos são mortos. Em restaurantes e mercados do Norte, porém, o piracatinga é vendido com outro nome, douradinha, para tentar disfarçar o indisfarçável, o crime cometido por toda a cadeia de pesca, distribuição e venda (veja o quadro na pág. 70). O Ministério Público desconfia da existência de uma quadrilha organizada, chefiada por homens que ganharam o apelido de "patrões da pesca" e estão sob investigação. As pistas levam a crer que são os próprios donos de frigoríficos. Na pesca de piracatinga poderiam ser usadas iscas regulares, como a de boi. O boto é preferido por duas razões. A primeira é puramente mesquinha: a carne de boi precisa ser comprada, enquanto o boto é capturado sem custos, para além da desfaçatez moral. A segunda mostra a crueldade desses caçadores. O boto solta um cheiro que atrai enormes cardumes. Por isso, os pescadores gostam de despedaçá-lo e espalhar as partes pela beira do rio, como armadilhas para que o piracatinga caia nas redes. Para chegar aos "patrões da pesca", a fiscalização desenhou um plano elaborado. Amostras de piracatinga foram analisadas por geneticistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Mesmo no caso de a isca ter sido usada há mais de um ano, o DNA do boto (ou do jacaré) continua no estômago do peixe. Detectá-lo é evidência de que o produtor levou ao mercado o piracatinga pescado com boto. Diz Haydée Cunha, chefe do projeto da UFRJ: "A ciência forense é o melhor caminho para chegar a qualquer matador, inclusive o de animais. Tenho certeza de que, se identificarmos onde estão os resquícios do DNA da espécie ameaçada, chegaremos aos culpados". Os pescadores amazonenses reclamam, é claro — e convém lembrar que os honestos pagam o pato pelos desonestos. O esforço maior da fiscalização em 2014, de modo a preparar o terreno para a proibição da pesca de piracatinga agora a partir de 2015, fez com que eles trabalhassem com cautela. Um deles, Nilson de Oliveira Cunha, revela já ter abandonado a isca ilegal, a contragosto, para trocá-la pela de boi. "Não é bacana ser preso", diz, para avançar na certeza de impunidade, "mesmo sabendo que ficaria muito pouco tempo na cadeia". A reportagem de VEJA acompanhou Cunha durante uma pesca de piracatinga com boi. Ele só se queixava: "Se tivesse boto, já estaria cheio de peixe. Mas, como é boi, demorou a aparecer". À fragilidade do controle soma-se a arte dos fiscais de circular pelas áreas de pesca olhando para o lado contrário de onde está um caçador irregular. Antes desse renovado esforço para pegar os criminosos, mesmo organizações criadas para garantir a defesa dos animais silvestres fingiam que nada acontecia — ou, quando é ainda mais preocupante, chegavam a deixar que os pescadores cometessem o crime em áreas de preservação onde atuam. O caso mais grave, e que simboliza o cenário de "terra de ninguém" da Amazônia, é o do Instituto Mamirauá. Em 2014, a organização conservacionista, fomentada pelo governo federal, publicou o livro A Mortalidade de Jacarés e Botos Associada à Pesca de Piracatinga na Região do Médio Solimões, no qual contabiliza o abate de 2300 jacarés na área sob seu cuidado, mas de nenhum boto. Em apenas uma semana na Amazônia, VEJA identificou uma série de réus confessos da captura do boto no Rio Solimões. Pesquisadores do Instituto Mamirauá, contudo, negam a caça do boto — os que aparecem mortos, asseguram, morreram naturalmente ou emalhados em redes de pesca. Ex-funcionária do Mamirauá, a bióloga Verónica Iriarte escreveu em 2013 um relatório no qual afirma ter "coletado evidência empírica que indica que o boto é usado como isca nos rios da reserva ambiental". No mesmo ano, e- Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 15 mails trocados por pesquisadoras do instituto e um aluno da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com o qual o Mamirauá tem uma parceria firmada, destacavam que ao menos 363 amostras de isca de boto-cor-de-rosa foram coletadas nas reservas de Mamirauá. Um dos animais mais belos de nossa fauna, antes numeroso na Amazônia, está à beira da extinção pelo claro descaso tanto da fiscalização do governo federal quanto de conservacionistas que, embora contratados para protegê-lo, constroem uma parceria que, evidentemente, preocupa pela irresponsabilidade.

Política - Rio de Janeiro A ressaca da UPP O próprio governo estadual admite a estagnação do programa por Chico Alves

Há 41 anos morador de Camarista Méier, na zona norte do Rio de Janeiro, André Luiz Bezerra encheu-se de esperança quando foi instalada na favela uma das 38 Unidades de Polícia Pacificadora. Sonhava com duplo benefício: mais segurança para o lugar por tanto tempo dominado pelo tráfico e a chegada de serviços básicos. Mais de um ano depois da implantação da UPP, resta a frustração. “Muitos pontos da comunidade continuam sem saneamento e água encanada”, lamenta. A paz, promessa inscrita no próprio título do programa do governo fluminense, também não foi restabelecida completamente. Em outras comunidades que receberam UPPs em seis anos, a realidade é a mesma: pequena melhora dos serviços públicos e ressurgimento do clima de medo. Aos poucos, a rotina volta a ser bem parecida com aquela do passado. Voltaram as trocas de tiros, os trechos controlados por traficantes e a lei do silêncio. Na segunda-feira 10, criminosos agrediram o jornalista Henrique Soares, do site G1, nas proximidades do Complexo do Alemão, em episódio que reacendeu na memória o assassinato do também jornalista Tim Lopes, ocorrido há poucos quilômetros dali, em 2002. Dias antes, o próprio secretário de Segurança Pública, José Mariano Beltrame, admitiu nas entrelinhas a estagnação do projeto considerado inovador ao ser adotado em 2008. Ao anunciar sua permanência no cargo na gestão do governador Luiz Fernando Pezão, Beltrame falou em mudanças no chamado processo de pacificação: “Estamos terminando um diagnóstico, um redimensionamento”. Diante da frustração crescente dos moradores depois da enorme expectativa criada com as UPPs, a correção de rota não será tarefa fácil. Se procurar sugestões de estudiosos em segurança para a tal remodelação, Beltrame ouvirá críticas bastante contundentes. “Esse é um projeto de mera ocupação militar, não de pacificação”, define a socióloga Vera Malaguti, secretária-geral do Instituto Carioca de Criminologia. Segundo ela, as UPPs são uma ideia imposta de cima a baixo, sem levar em conta as peculiaridades de cada comunidade. “Não acredito que o povo das favelas precise de mais repressão da polícia que dita seus horários e controla suas vidas.” A especialista ataca ainda a implantação prioritária de unidades perto das vias de circulação dos turistas. “Por isso há um grande apoio midiático”, acredita. Avaliação parecida consta do recém-lançado livro Os Donos do Morro, dos pesquisadores Ignacio Cano, Doriam Borges e Eduardo Ribeiro. Para os autores, a implantação das UPPs privilegiou principalmente localidades com maior Índice de Desenvolvimento Humano e roteiros de visitas turísticas, não aquelas com maiores taxas de criminalidade. “O critério deveria ser justamente o oposto. Áreas de maior ocorrência de crimes, como a zona oeste do Rio e a Baixada Fluminense, não receberam UPPs”, afirma o sociólogo Ignacio Cano. O projeto, admite Cano, alcançou objetivos importantes. “Ele diminuiu drasticamente o número de homicídios, especialmente aqueles praticados por policiais, e de roubos nessas comunidades.” Além disso, locais antes inacessíveis voltaram a ser frequentados pelos moradores. Isso proporciona muitos benefícios, entre eles a instalação de empresas. Esperava-se também, diante de maior segurança, a chegada de mais serviços públicos, o que aconteceu parcialmente. Um complicador foi a multiplicação apressada dessas unidades, o que torna mais difícil administrá-las. E militarização é um mau sinal, diz Malaguti. “Se para tudo ficar tranquilo é necessário encher as ruas das comunidades de soldados, isso é indício de que nada está tranquilo.” O programa mobiliza 9.453 policiais, número considerado pelo governo estadual abaixo do necessário. Pezão, eleito governador, pediu à União para estender até o início de 2015 a permanência do Exército no complexo de favelas da Maré. A atuação das Forças Armadas é um capítulo à parte nos impasses das UPPs. Pela Constituição, os militares federais não poderiam atuar em policiamento de rotina. Para atender ao pleito de Pezão, o Ministério da Defesa criou, há oito meses, a Diretriz Ministerial número 09, com o objetivo de dar amparo legal à intervenção. “Não se pode dizer que a atuação do Exército seja ilegal, pois foram criadas leis. Mas é inconstitucional”, aponta o advogado João Tancredo, presidente do Instituto Defensores de Direitos Humanos. O malabarismo jurídico não garantiu à comunidade a paz esperada. São frequentes os confrontos entre traficantes da Maré e soldados do Exército. Segundo informações da “Força de Pacificação”, em mais de sete meses foram presos 390 suspeitos, além de 150 menores, e realizadas 241 apreensões de drogas. A truculência continua a ser uma das reclamações dos moradores. Há duas semanas, uma reunião serviu para denunciar esse tipo de violência. O Exército informa que nenhum desvio de conduta de seus soldados foi comprovado. Resenha Semanal das Revistas 5/01/15 16

Conhecida por manter um projeto pedagógico no Complexo da Maré, a artista plástica Yvonne Bezerra de Mello lamenta que a decantada “pacificação” não se verifique na prática. Em um dos tiroteios acontecidos em 3 de novembro, ela fez com que seus alunos se jogassem ao chão para se proteger. “Vejo várias formas de violência, mortes... A lei ali não vale nada.” Enquanto for assim, a paz não passará de uma palavra a embalar uma promessa.