Resenha de 28 MAR 2015

Continuação da Resenha Diária 28/03/15 2

MINISTÉRIO DA DEFESA 28 MAR 15 EXÉRCITO BRASILEIRO Resenha GABINETE DO COMANDANTE Diária Sábado CCOMSEX

DESTAQUES O GLOBO - Recessão adiada FOLHA DE S. PAULO - Projeto de lei antiterrorismo deve ser aprovado? O ESTADO DE S. PAULO - Dilma faz aceno à militância e escolhe ministros que agradam a Lula e ao PT CORREIO BRAZILIENSE - Filósofo na Educação, petista na Comunicação

Recessão adiada PIB fica parado em 0,1% em 2014. Para o início deste ano, até Levy vê ‘desacelerada forte’ CÁSSIA ALMEIDA, RENNAN SETTI, CLARICE SPITZ, LUCIANNE CARNEIRO E MARCELLO CORRÊA

O crescimento inesperado de 0,3% do último trimestre de 2014, frente aos três meses anteriores, salvou o país da recessão. A economia brasileira ficou estagnada ano passado, com alta de apenas 0,1% no Produto Interno Bruto (PIB, conjunto de bens e serviços). O dado positivo continuou vindo das famílias brasileiras, que aumentaram seu consumo pelo 11º ano seguido, informou o IBGE ontem. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 3

Já o investimento, que terminou 2014 com a maior queda em 15 anos, deve amargar novo recuo. Os números piores do início deste ano vão empurrar a economia mais para baixo, desta vez ao terreno negativo, com queda na economia acumulada nos 12 meses encerrados em março. Assim, a recessão que era esperada para ano passado foi adiada para o primeiro trimestre de 2015. — Quando se olha o comportamento do PIB frente a igual período de 2013, são três trimestres negativos seguidos. Paramos de crescer no primeiro trimestre de 2014. Como o início deste ano deve ficar negativo também, só adiamos a recessão — afirmou o economista Estêvão Kopschitz, do Ipea. O ministro da Fazenda, , endossa as opiniões de que o primeiro trimestre será difícil. Ele diz que o país iniciou 2015 "sem impulso" e que a economia deve ver uma "desacelerada forte" nesses primeiros meses. — A economia deu uma desacelerada forte no começo do ano porque havia uma série de questões. Essas questões estão sendo respondidas e, nesse sentido, a gente vai também construindo essa estratégia da retomada do crescimento, certamente a economia vai responder. Porque o principal fator era a incerteza que havia na virada do ano —afirmou Levy, depois de participar de reunião do Conselho de Administração do BNDES, no Rio. O ministro tem razão. Se o ano começasse em abril de 2014 e terminasse em março deste ano, a economia teria registrado recessão de 0,7%, calcula o economista Igor Velecico, do Bradesco. E o pior momento ainda está por vir. O economista estima recuo de 1% no segundo trimestre. Segundo ele, a economia se estabiliza no segundo semestre, e a confiança dos empresários será retomada ano que vem. — Estamos tendo uma deterioração mais importante no primeiro trimestre de 2015, com a destruição forte de empregos formais e a redução da atividade. No segundo semestre, com o ajuste fiscal, vão se tirar os problemas da sala para se investir em 2016 — disse Velecico. Levy já vê recuperação nas exportações, ajudando no crescimento. — O resultado do PIB mostrou que a gente está em uma transição. Primeiro, uma desaceleração, mas, principalmente, uma transição. Este ano, esperamos uma recuperação das exportações e que, portanto, o setor externo possa ajudar o crescimento da economia. Nos últimos anos não foi assim. Então, essa pode ser uma mudança positiva, o setor externo contribuindo para o crescimento do PIB — avaliou o ministro. Em relação aos investimentos que caíram 4,4% no ano passado, ele espera uma recuperação no segundo semestre deste ano. — O investimento foi realmente um pouco mais fraco no ano passado. Há um esforço para que a gente veja, mais para a segunda metade do ano, uma recuperação. Talvez o próprio caso da exportação possa criar uma demanda para o investimento. Firmas que talvez queiram se aparelhar, não só para exportar mas também para atender ao mercado local. Vamos procurar expandir essa tendência — disse Levy. Na avaliação da economista-chefe da XP Investimentos, Zeina Latif, o prognóstico para os próximos trimestres é de taxas negativas no PIB. O Boletim Focus, pesquisa do Banco Central com cem instituições financeiras, prevê retração em todos os trimestres de 2015. — Vivemos um quadro recessivo do setor privado, mas não dá para dizer que chegamos ao fundo do poço. Ainda teremos choques pela frente e devemos ter queda da economia nos 12 meses encerrados em março. A questão não é saber se vai ser negativo, mas o quão negativo será — afirmou Zeina. Professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), Victor Leonardo de Araújo destaca que o país conseguiu evitar um recuo do PIB por pouco: — A economia brasileira escapou da recessão por um triz. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 4

Sem fazer projeções, o professor da FEA/USP e economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, afirma que o ano de 2015 já começou em recessão, e os números vão mostrar isso: — É muito claro que a economia este ano já vive uma recessão. Isso tem que entrar na conta do Banco Central. Está combinado que a Taxa Selic (os juros básicos) sobe mais 0,75 ponto percentual para 13,5% ao ano. Mas não dá para aumentar além disso se a economia já está se contraindo. Ganha em inflação, mas arrebenta o país. PIB PER CAPITA CAIU 0,7% O IBGE revisou a maneira de calcular o PIB, com isso, constatou-se que o tamanho da economia brasileira é maior, chegando R$ 5,5 trilhões. O instituto agregou investimentos com pesquisa e desenvolvimento, exploração mineral e está medindo melhor a construção civil e gastos com saúde. Como os números anteriores foram revistos, consultorias e bancos ainda estão recalculando suas projeções para 2015. Por enquanto, a expectativa se mantém em recessão de cerca de 1% este ano. Em 2014, o PIB per capita, que é o valor de R$ 5,5 trilhões dividido pela população, caiu 0,7%, alcançando R$ 27.229, a primeira queda desde 2009.

O PT com a verba e o verbo MERVAL PEREIRA

Mais importante que a constatação de que a economia brasileira está estagnada desde o ano da eleição, o que foi escondido do povo brasileiro por uma ação publicitária que distorceu números e fatos numa clara agressão ao sistema democrático, é saber que a culpa pelos nossos males é coisa nossa, não de crises internacionais. Um levantamento do professor Reinaldo Gonçalves mostra que o Brasil, em 2014, ficou em 172ª posição num conjunto 188 países, o que quer dizer que nada menos que 91% dos países tiveram melhor desempenho que o nosso. Em relação ao quadriênio de (201114), nossa posição tem uma melhora relativa: ficamos na 126ª posição, sendo superados por 67% dos países. No plano interno, Dilma continua na mesma posição constrangedora de ser a presidente com a terceira pior média de crescimento do PIB da República brasileira, ao lado de Venceslau Brás, com 2,1% de crescimento, superando apenas dois presidentes que tiveram média negativa de crescimento em seus mandatos: Fernando Collor -1,3; Floriano Peixoto -7,5. Se as previsões se confirmarem para este ano, com retração do PIB que pode chegar a até 1% segundo alguns economistas, a média para cinco anos cairá abaixo de 2%. Como a situação política é fortemente influenciada pela economia, dificilmente Dilma encontrará este ano condições de recuperação de sua popularidade, que as pesquisas de opinião mostram estar num momento crucial, provavelmente na casa de um dígito de aprovação se tomarmos a média dos institutos de pesquisa. Foi sob o impacto da informação de que o nível de aprovação de Dilma estava em 7 pontos num tracking encomendado pelo Planalto que o ex-ministro da Comunicação Social Thomas Traumann escreveu aquele já famoso relatório que afinal o derrubou. Entre as ilegalidades que defendia, destacam-se o uso dos blogs sujos para atacar os adversários do governo. No que via como uma “guerrilha de comunicação”, o documento lamentava que os robôs que atuaram na campanha presidencial para espalhar boatos e elogios a favor de Dilma tivessem sido desativados, e recomendava que o Planalto desse “munição” para “os soldados de fora” dispararem. Há também a defesa do uso da Voz do Brasil e da televisão oficial para mostrar os feitos do governo, numa confusão entre órgãos do governo e do Estado brasileiro. A demissão de Traumann, ao contrário do que se podia supor, não foi devida ao conteúdo do documento, mas ao seu vazamento. Infere-se isso pela escolha por Dilma de seu tesoureiro de campanha, o petista Edinho Silva, para o cargo, entregando ao PT a verba e o verbo da comunicação do governo. Como nos governos petistas as pessoas importam mais que os cargos que ocupam, Edinho quase foi nomeado para diretor da Autoridade Pública Olímpica, mas Dilma desistiu ao constatar que ele não seria aprovado pelo Senado. Como a nomeação para o ministério é de inteira responsabilidade da presidente, lá se vai Edinho Silva tratar da imagem do governo federal. Logo ele, que foi tesoureiro da campanha de 2014 de Dilma e, segundo anotações atribuídas a Ricardo Pessoa, dono da UTC, “está preocupadíssimo”. E segue texto de Pessoa: “Todas as empreiteiras acusadas de esquema criminoso da Operação Lava-Jato doaram para a campanha de Dilma. Será que falarão sobre vinculação campanha x obras da Petrobras?”. Esse e outros textos encontrados se parecem com chantagem, no momento em que delações premiadas estão sendo negociadas. Mas Edinho Silva pode trazer mais problemas políticos para Dilma. Ele afirmou recentemente que as manifestações de rua são coisa da elite golpista, e que é preciso “combater a direita” em todo o continente. Coroando seu pensamento, antes mesmo de assumir a missão palaciana, ele já havia dito o que pensava especificamente sobre a área em que vai atuar: “Temos que criar efetivamente condições para que haja uma democratização da comunicação no país. E isso passa pela democratização da propriedade dos veículos”. Mesmo que tenha salientado que o debate “deve ser feito com muita tranquilidade, sem partidarismo e em parceria com a sociedade”, Edinho já disse a que veio.

Os pontos-chave 1 - Levantamento do professor Reinaldo Gonçalves mostra que o Brasil, em 2014, ficou em 172ª posição num conjunto de 188 países, 91% dos países tiveram melhor desempenho que o nosso Continuação da Resenha Diária 28/03/15 5

2 - Demissão de Traumann não foi devida ao conteúdo do documento, mas ao seu vazamento. Infere-se isso pela escolha do petista Edinho Silva para ministro da Comunicação Social, entregando ao PT a verba e o verbo da comunicação do governo

3 - Edinho Silva pode trazer mais problemas políticos para Dilma. Ele afirmou recentemente que as manifestações de rua são coisa da elite golpista, e que é preciso “combater a direita” em todo o continente. A “democratização da comunicação” é um de seus objetivos

Na CCJ, maioria quer reduzir idade penal Partidos contrários, como PT, PSOL e PPS, tentam adiar votação ANDRÉ DE SOUZA E JÉSSICA MOURA

Votações preliminares e articulações na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara demonstram que, quando for votada a proposta de emenda constitucional (PEC) da redução da maioridade penal, o projeto deve ser aprovado com facilidade. Não à toa, setores contrários à redução, como PT, PSOL e PPS, resistem e protelam ao máximo essa votação. Nem sempre com sucesso. Em 17 de março, a CCJ rejeitou por 37 votos a 19 um requerimento que pretendia adiar a análise da proposta. Nessa votação, para cada deputado contrário à PEC, havia outros dois favoráveis. Mesmo que a CCJ decida favoravelmente à PEC, isso não significa que ela estará automaticamente aprovada. A CCJ decide apenas sobre sua admissibilidade, ou seja, se ela não viola a própria Constituição. Depois disso, precisa ser apreciada por uma comissão especial, pelo plenário da Câmara e também pelo Senado. Uma vez aprovada, a PEC pode ser promulgada, sem necessidade de ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff. O requerimento rejeitado em 17 de março era de autoria dos deputados Décio Lima (PT-SC) e Chico Alencar (PSOL-RJ). Eles queriam retirar a proposta da pauta da comissão e, assim, impedir a leitura do relatório. Com a derrota, o relator, Luiz Couto (PT-PB), teve que ler o seu texto. Couto se opõe à proposta, mas o resultado mais provável é que o relatório seja rejeitado quando for votado. — A gente quer combinar a obstrução regimental, que é um direito da minoria, com o debate. Vamos usar a leitura da ata, a inversão da pauta (instrumentos de obstrução). Mas também reconhecemos que isso tem um limite, e aí vamos para a discussão do conteúdo — explicou Chico Alencar. A CCJ tem 66 deputados titulares. No dia da votação do requerimento, 43 estavam presentes. Outros 13 suplentes na comissão votaram no lugar dos titulares. Isso significa que a lista de deputados votantes pode ser alterada quando o projeto finalmente for apreciado na CCJ, mas não deverá mudar substancialmente a ponto de alterar essa tendência. Em geral, titulares e suplentes de cada bancada votaram de forma parecida em 17 de março. No bloco liderado pelo PMDB, por exemplo, 13 titulares votaram contra o requerimento e quatro foram favoráveis. Entre os suplentes, o placar foi quatro a um. Entre os partidos, o que mais deu votos contra o requerimento foi o PSDB. Entre titulares e suplentes, foram oito deputados favoráveis à PEC e um contrário. Na outra ponta está o PT. Todos os nove deputados do partido tentaram adiar a leitura do relatório. Outros partidos que se posicionaram amplamente a favor da PEC foram o DEM, PR, PSD e PDT. O PMDB e o PP ficaram mais divididos.

PIB de 2014 reflete os equívocos da política econômica Editorial

A divulgação dos resultados preliminares do Produto Interno Bruto referentes ao último trimestre de 2014 (e do ano como um todo) serviu mais para se avaliar o efeito da nova metodologia de cálculo do PIB adotada pelo IBGE, pois todas as demais estatísticas já vêm refletindo a difícil conjuntura econômica do país. Crescimentos abaixo de 0,5% ao ano não são considerados relevantes pelos próprios especialistas do IBGE (assim como uma retração de igual proporção), pois, em qualquer dessas hipóteses, trata-se de um quadro de estagnação. É claro que existe uma sensação psicológica de alívio por ter havido um crescimento de 0,1% e não um encolhimento de 0,1%. O que importa agora é a análise das causas dessa estagnação. Ainda que desacelerando, o consumo das famílias registrou crescimento no ano passado (variação de 0,9%, a menor desde 2003). Preocupante foi a queda dos investimentos, da ordem de 4,4%. Durou pouco a satisfação de sabermos que, pela nova metodologia, o país registrara taxas de investimentos de mais de 20% do PIB em 2011 e 2012 — 25% é considerado o índice ideal. Com a retração ocorrida no ano passado, a taxa de investimento voltou a ser inferior a 20%. Também, nesse caso, estar um pouco acima ou um pouco abaixo só tem mesmo um efeito psicológico de curto prazo. A retração de investimentos é de fato muito séria devido às circunstâncias em que ocorreu. O primeiro governo Dilma tentou manter a economia ativa abrindo as torneiras das finanças públicas. Emitiu uma montanha de títulos públicos para repassar recursos ao BNDES, que, com empréstimos a taxas subsidiadas, acabou se tornando a única fonte de financiamentos de longo prazo na economia brasileira. Pura ilusão, calcada na visão equivocada de que o Estado deve ser sempre o ator principal e determinante nos rumos da economia, cabendo ao setor privado papel coadjuvante. Se no lugar do intervencionismo estatal o governo Continuação da Resenha Diária 28/03/15 6 tivesse se orientado mais a estimular forças de mercado, o país já poderia ter poupança privada suficiente para financiar os investimentos, pois os próprios negócios gerariam renda e capital capazes de sustentar um processo de crescimento. Mas, mesmo quando governo se convenceu da necessidade de usar mais o regime de concessões nos empreendimentos de infraestrutura, perdeu-se um tempo precioso tentando-se definir taxas máximas de retorno calculadas com base em critérios fora da realidade, devido à ojeriza ao lucro. Daí a grande expectativa que se criou em torno do ajuste fiscal em andamento. A desaceleração econômica do ano passado se aguçou nesses primeiros meses de 2015, o que é evidenciado pelo aumento do desemprego. No entanto, a política econômica segue agora um curso que se afasta do artificialismo, dando mais chance para o mercado funcionar. Os dados podem até espelhar uma deterioração de imediato, mas as perspectivas hoje são bem mais promissoras do que as do último trimestre de 2014.

Erros na diplomacia Política externa repete tropeços do governo Lula MARCELO COUTINHO

Até mesmo o ex-ministro das relações exteriores , padrinho político do atual chanceler, , está insatisfeito com a política externa. Tem razão. Os erros na diplomacia continuam. Todavia, eles começaram nos últimos dois anos do governo Lula. A aventura no Irã; a desestabilização de Honduras; o patrocínio às ditaduras africanas; a carta enviada aos membros do Comitê de Direitos Humanos da ONU solicitando que parassem de censurar repressões políticas; o estremecimento das relações com os EUA; a desindustrialização das nossas exportações; a substituição das prioridades do Mercosul pelo BRIC, a favor da China; o incentivo à corrosão das democracias sul- americanas, entre outros, foram graves tropeços estratégicos da política externa em 2009 e 2010, quando Lula e Amorim tomavam as decisões. Não obstante o menor ativismo internacional, Dilma e Vieira permanecem degradando a posição brasileira no comércio e nos direitos humanos, como fizeram os seus antecessores. Das atuais adversidades, a menor delas é o não pagamento das contas de água e luz em algumas embaixadas do país. Apenas nos dois meses iniciais do seu segundo mandato, desconsiderando todos os inúmeros desacertos do primeiro, Dilma já foi capaz de colocar em risco a venda de aviões Embraer para a Indonésia, ao quase romper relações, e perdeu a oportunidade de censurar as prisões políticas ilegais numa Venezuela cada vez mais autoritária. No caso indonésio, cometeu- se um enorme exagero. O próprio governo Dilma reforçou em 2013 as relações bilaterais com o país, considerado estratégico. A mesma intromissão foi abandonada na ditadura venezuelana. Há uma cláusula notória do Mercosul que torna tudo que se passa contra a democracia no país vizinho um problema também nosso. Com respeito à ascensão chinesa, o governo Dilma segue escavando os erros iniciados no período Lula-Amorim. O último capítulo foi assistirmos este ano a um acordo comercial entre Pequim e Buenos Aires que, simplesmente, escanteia o Brasil em um momento muito delicado para a nossa economia. A política externa brasileira aprofunda, portanto, erros que se reiteram há sete anos. Alguns dos deslizes podem ser facilmente corrigidos, basta acabar com os excessos. Já outras falhas nos afetam de maneira mais duradoura. A última esperança de que o governo caia em si e elabore uma agenda internacional mais favorável está na recente reaproximação com os Estados Unidos. Para solucionar a atual crise econômica que enfrentamos, um dos passos importantes seria também uma nova parceria Brasília-Washington. Além de outras travas internas, temos ainda uma âncora externa pesada, que nos impede de crescer. Enquanto não compreendermos a política das “duas canoas”, com um pé nos EUA e outro na China, adotada já por países menores, não teremos como elaborar uma estratégia eficaz que nos retire desse atoleiro.

Netanyahu e a comunidade internacional BERNARDO SORJ

Os resultados eleitorais que permitirão ao premier Netanyahu continuar no poder frustraram quem acreditava numa retomada das negociações para a criação de um Estado palestino sob a liderança do candidato de oposição. Discordo. Não que acredite que Netanyahu, por livre iniciativa, mudará de posição. Ele mostrou uma capacidade enorme para manipular os medos da opinião pública israelense e, assim, avançar sua agenda ideológica ultranacionalista, que objetiva anexar territórios palestinos. Certamente, os medos da população de Israel têm fundamentos numa realidade regional problemática. Mas o papel do estadista não é o de promover a paralisia, mas avançar uma visão de futuro. Quem assegura, em última instância, a existência do Estado de Israel não é a retórica de Netanyahu, mas suas Forças Armadas, sustentadas no apoio e criatividade de seu povo, hoje com um ingresso per capita superior ao da França. Pois se o tema for segurança, é só consultar as centenas de altos oficiais das Forças Armadas, polícia e serviços de inteligência que são membros do Conselho para a Paz e Segurança — todos eles a favor da criação de um Estado Palestino e o fortalecimento das instituições democráticas. O argumento da oposição de que Netanyahu está levando o país para o isolamento é correto, mas, para grande parte da população, é até hoje igualmente abstrato, pois esta não sentiu nenhuma consequência da política externa do Continuação da Resenha Diária 28/03/15 7 premier. Esta situação deve mudar com a declaração de Netanyahu de que é contra a criação de um Estado palestino e seus comentários preconceituosos sobre voto de “manada” árabe, pois eliminou qualquer dúvida ou ambiguidade sobre suas intenções. A história muitas vezes é escrita por linhas tortas, e a permanência de Netanyahu poderá levar à retomada do processo de paz como produto da pressão internacional. A posição dos Estados Unidos e da Europa — de que não devia se fazer nada que pudesse prejudicar o caminho diplomático de negociações entre as partes — não se sustenta mais. Ainda que os líderes mundiais tivessem sérias dúvidas sobre as intenções de Netanyahu, eles se escudavam na promoção de negociações para protelar atitudes firmes frente ao governo de Israel. E a declaração de Netanyahu, 48 horas após o resultado eleitoral, de que, na verdade, ele pode apoiar a criação de um Estado Palestino, mas não no contexto atual, não muda no essencial sua declaração anterior. O que ele está dizendo é que, enquanto for premier, não haverá negociações de paz. Neste novo quadro internacional, não pode ser mais esgrimido o argumento que a comunidade internacional não deve fazer nada para não prejudicar as negociações, pois elas foram abandonadas. Entramos numa fase onde cabe às Nações Unidas, em particular através de seu principal instrumento, o Conselho de Segurança, promover ativamente uma agenda que inclua a denúncia de novos assentamentos e a elaboração de uma proposta que indique o caminho que assegure a convivência em paz e segurança dos dois Estados. Aqueles que desconhecem a história diplomática pensarão que os Estados Unidos apoiam incondicionalmente os governos de Israel. Não é o caso. Presidentes republicanos e democratas em várias ocasiões entraram em confronto com os governantes israelenses. Cabe especialmente ao presidente Obama o privilégio de poder ter um protagonismo histórico, que salvará os dois povos de suas tendências autodestrutivas.

Crescimento com Dilma é o menor desde Collor Resultado da petista é o 3º pior da República, junto com Venceslau Brás

O crescimento da economia durante o primeiro governo de Dilma Rousseff (20112014) atingiu média de 2,1% ao ano. É o pior desempenho desde a gestão de Fernando Collor de Mello (1990 e 1992) quando, após o confisco da poupança, o Produto Interno Bruto (PIB) recuou, em média, 1,3% ao ano. E é o terceiro pior da história republicana, posto ocupado também por Venceslau Brás (1914-1918). O pior de toda a República é o de Floriano Peixoto (-7,5%). O levantamento, que compara o desempenho econômico obtido em cada gestão desde o governo de Deodoro da Fonseca (1889-1891), foi feito pelo professor Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do (UFRJ). Na listagem, Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) aparece uma posição acima de Dilma, com crescimento médio anual de 2,3%. Já Luiz Inácio Lula da Silva (2003-2010), tem o 12º pior resultado econômico entre 30 presidentes, com alta de 4% no PIB. O melhor desempenho depois da democratização do país é de (1992-1994), com crescimento de 5%. José Sarney (1985-1990), com 4,4%, vem na sequência. O melhor desempenho entre 1890 e 2014 foi de Emílio Garrastazu Médici, que governou, durante o regime militar (1969 - 1974), com média de crescimento de 11,9%, seguido por Deodoro da Fonseca (10,1%) e Café Filho (1954 - 1955), cuja expansão chegou a 8,8%.

Indústria e investimentos devem ter 2015 ainda pior Especialistas estimam retração de até 8,9% nos investimentos

SÃO PAULO E RIO- No pior desempenho em 15 anos — desde o recuo de 8,9% de 1999 —, o investimento caiu 4,4% em 2014 e caminha para uma redução ainda maior em 2015. O resultado da Formação Bruta em Capital Fixo (que mede o investimento em máquinas, equipamentos e construção civil) no ano passado veio melhor do que o esperado por economistas, mas ainda assim foi o que mais contribuiu negativamente para o Produto Interno Bruto (PIB). — Tudo o que desestimulou o investimento no ano passado continua aí. Incerteza com a economia, juros altos e a própria desaceleração econômica. E agora ainda temos incerteza política, não vejo como o investimento possa aumentar — diz o professor da FEA/ USP e economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves. — A maior contribuição negativa para o PIB no ano veio dos investimentos — afirmou a coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, Rebeca Palis, que explica parte da queda pela base elevada de 2013, ano em que ficou concentrada a maior parte dos investimentos em construção para a Copa do Mundo. O tombo de 4,4% do investimento é resultado de uma queda de 3,3% da construção — que responde por 52,6% da FBCF — e de recuo de 9,5% em máquinas e equipamentos — com participação de 33,1%. Já o componente Outros, que incorporou pesquisa e desenvolvimento e exploração de petróleo e de minérios e softwares na nova metodologia, reduziu essa queda do investimento ao avançar 5,5%. O peso desse componente passou de 5% para quase o triplo (14,3%). Economistas preveem redução ainda maior no ritmo dos aportes neste ano. A falta de confiança no futuro e dúvidas sobre como se dará o ajuste fiscal prometido pelo governo tornam o horizonte do empresariado nebuloso, dizem especialistas.

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FALTA DE CONFIANÇA TEM FORTE IMPACTO Sérgio Vale, economista-chefe da MB Associados, estima diminuição de 8,9% na FBCF neste ano. Alessandra Ribeiro, economista da Tendências Consultoria, prevê redução de 7%. Ambos enxergam “possível melhora” apenas em meados de 2016. O motivo para o pé no freio nos investimentos, segundo Paulo Skaf, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), é a falta de confiança, estabilidade e previsibilidade da economia. O alto custo do crédito é outro fator que inibe os aportes, diz ele. Um exemplo disso é a indústria Triade Autopeças, fabricante de componentes para motor, câmbio e embreagem, com unidades em São Paulo e Minas Gerais. Em 2014, a empresa registrou retração de resultado pela primeira vez em 14 anos. Impactados pelo esfriamento da demanda, alta do dólar e pela falta de confiança dos clientes na economia, a empresa viu seus pedidos minguarem e demitiu um terço dos empregados, o que acarretou no corte de investimentos. — Começamos 2014 com cem empregados trabalhando em três turnos, 24 horas por dia. Em março, reduzimos para dois turnos e demitimos 30 pessoas. No meio do ano, diminuímos para um turno e demos férias coletivas a outros 30. Foi um ano para esquecer — desabafou Rogério Savoy Teixeira, sócio e diretor da Triade, que engavetou planos de expansão. — As empresas se adaptaram e, de repente, o governo voltou atrás. É preciso ter regras claras — disse Skaf, que não acredita que os rumos da economia não vão mudar no curto prazo. Para ele, a retomada do investimento pode acontecer apenas em 2017, se o governo levar a cabo o ajuste fiscal, cortando despesas e não aumentando impostos. A Fiesp estima que neste ano a economia se retraia 1,4%. Para o PIB industrial, a projeção da entidade é de queda de 4,9%. Para Rogério César de Souza, economista do Instituto de Estudos para Desenvolvimento Industrial (Iedi), há espaço para o governo contribuir com a recuperação da trajetória da indústria. Ele sugere, por exemplo, que sejam promovidas melhorias na infraestrutura e uma reforma tributária: — Os investimentos públicos devem ser mantidos para compensar, ainda que em parte, o declínio dos investimentos privados. As concessões devem ser agilizadas e ampliadas. E, na questão do câmbio, o governo deve contribuir para o estabelecimento de uma taxa favorável às exportações. Os trabalhadores não veem possibilidade de melhorias para a indústria. Miguel Torres, presidente da Força Sindical, criticou “políticas erráticas que a equipe econômica vem adotando”: — O PIB fajuto vem de uma política econômica equivocada, que só beneficia o setor financeiro e especuladores, em detrimento da produção e do emprego.

Este ano, Índia deverá ultrapassar o Brasil Com recessão e dólar caro, PIB brasileiro cairá para 8ª posição entre maiores JOÃO SORIMA NETO

SÃO PAULO - Com a expectativa de uma retração do Produto Interno Bruto (PIB) entre 0,8% e 1,4%, este ano, o Brasil deverá perder o posto de sétima maior economia do planeta, sendo ultrapassado pela Índia. A estimativa é feita pela agência de classificação de risco Austin Rating, com base em projeções de crescimento das principais economias feitas pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). De acordo com a Austin Rating, este ano, a economia da Índia deverá crescer 6,6% chegando a um PIB de US$ 2,3 trilhões, frente ao US$ 1,8 trilhão que o Brasil deverá produzir em 2015 — o país deixará de ter o PIB de US$ 2,3 trilhões de 2014 com a recessão e com o novo patamar do dólar, pois o ranking é feito na moeda americana. Entre as dez primeiras colocadas, o Brasil deve ficar à frente apenas do Canadá e da Itália. Segundo a Austin Rating, Estados Unidos, China e Japão, nessa ordem, deverão se manter como as três maiores economias do mundo. O economista Alex Agostini, da Austin, lembra que o ano começou nada animador. Somente no primeiro bimestre, houve um corte de mais de 200 mil empregos com carteira assinada, por exemplo. — Os investimentos no setor produtivo continuam em compasso de espera aguardando não apenas as definições das medidas de política econômica do governo, o desfecho nas investigações da Petrobras, o que ainda traz incerteza se o Brasil conseguirá seu grau de investimento — diz Agostini. Mesmo com a estagnação da economia brasileira em 2014, com um crescimento de apenas 0,1% do PIB, o Brasil se manteve entre os dez maiores PIBs, à frente de nações como Índia (8ª), Itália (9ª) e Rússia (10ª), que deve sair do “top 10” este ano. — No campo doméstico, a instabilidade econômica trouxe impactos negativos sobre o crescimento no ano passado. No plano externo, o fim dos estímulos à economia americana e a expectativa de uma alta de juros no segundo semestre vêm alterando a paridade das principais moedas do mundo, entre elas o real, em relação ao dólar — explica Agostini, lembrando também que a China, principal parceiro comercial do Brasil, está crescendo a um ritmo mais lento. Entre os países do G-20, grupo que engloba as economias mais industrializadas do mundo, o PIB do Brasil teve um dos piores desempenhos em 2014. Só ficou à frente de Itália, cuja economia retraiu-se 0,4% em 2014, e do Japão, que teve crescimento zero. Entre os integrantes do Brics, grupo de economias emergentes, a China cresceu 7,4%; a Índia, 7,2% e a Rússia, 0,3%. Também na comparação com a América Latina, o desempenho da economia brasileira também foi decepcionante. O país foi superado pela Argentina, que teve alta de 0,5%, e pelo México, com expansão de 2,1%.

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O professor de economia internacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Reinaldo Gonçalves compilou o crescimento do PIB de 187 países, entre 2011 e 2014, com base em dados publicados pelo FMI. Na média dos quatro anos, o Brasil ficou na 126ª posição, com um crescimento médio de 2,1%. — Isso demonstra que o argumento do governo, de que o cenário internacional prejudica o crescimento do Brasil, não é verdadeiro — diz Gonçalves.

TENDÊNCIAS/DEBATES Projeto de lei antiterrorismo deve ser aprovado? SIM Uma realidade mundial

A imprensa brasileira revela que órgãos incumbidos de reprimir ações terroristas reclamam da falta de instrumentos legais para levar a cabo a atividade repressora. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 10

Por outro lado, agências de inteligência descobriram a ocorrência de tentativas de cooptação de brasileiros e pelo menos dez jovens convertidos atuam na internet. E as redes sociais constituem importantes mecanismos de arregimentação de pessoas para os mais diversos fins. Assim, a inexistência de lei específica que tipifique, às inteiras, atos terroristas, impede investigações, por exemplo, no rastreamento de e-mails e de conversas nas redes sociais, tolhendo, de modo geral, a atuação dos órgãos estatais. É certo que se tem, no Brasil, a criminalização do terrorismo (lei nº 7.170/83, artigo 20). Mas não é menos certo que terrorismo é gênero de que condutas terroristas são espécies. Estas, sim, precisam ser claramente especificadas, tendo em vista o princípio da legalidade com o rigor que deve ser observado na tipificação do crime. Todavia, sempre que se fala na edição de lei, para o fim de conceituar e tipificar condutas terroristas, surgem clamores contrários, fundados no receio de que essa criminalização atinja movimentos e manifestações populares pacíficas. Não raro há os que alegam que somos um povo ordeiro e que não há ameaças contra o Brasil e a sua gente, não obstante o reconhecimento de que o terrorismo é uma realidade no mundo. Há terrorismo na Europa, na Ásia, na África, na América do Norte, especialmente nos Estados Unidos. Na Argentina ainda se discute a ação terrorista contra a entidade judaica Amia, em 1994, em Buenos Aires, que resultou em quase uma centena de mortes, tendo ocorrido, recentemente, o assassinato do promotor que investigava o atentado. Então, os que, ao argumento de que somos um país pacífico, simplesmente põem-se na linha do dito popular "deixa ficar como está para ver como é que fica", como ocorreu relativamente durante anos com a questão hídrica, ao argumento de que o Brasil teria água demais. De repente, o país descobre que está secando e que podemos não ter água nem para necessidades mínimas. Queira Deus que a negligência daqueles que, sob color de que não pairam ameaças contra os brasileiros, não acabe resultando na morte de inocentes. Ações terroristas objetivam provocar impactos matando não combatentes. Precisamos, sim, de uma legislação inteligente, racional, que defina e criminalize condutas terroristas. Movimentos sociais pacíficos, discursos, não obstantes contestadores, mas que se comportam na liberdade de expressão, manifestações populares que não causam danos ao patrimônio público e privado, evidentemente que não cabem no conceito de terrorismo. A Constituição Federal de 1988 repele expressamente o terrorismo, ao consagrar como princípio a ser observado nas relações internacionais, o repúdio a essa prática (artigo 4º, inciso VIII). Na tábua dos direitos fundamentais, o terrorismo é equiparado à tortura, ao tráfico de entorpecentes e drogas afins, que a lei deverá considerar como crime hediondo, inafiançável e insuscetível de graça ou anistia (artigo 5º, inciso XLIV). Quer-se não uma norma qualquer, mas lei, em sentido formal e material, que, traduzindo a vontade geral e aperfeiçoada pela jurisprudência, estabeleça democraticamente modos e meios de repressão ao terrorismo, um mal do século. CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, 79, advogado, foi presidente do Supremo Tribunal Federal (1999-2001) e do Tribunal Superior Eleitoral (1994-96 e 2005). É professor emérito da UnB (Universidade de Brasília) e da PUC/Minas

Projeto de lei antiterrorismo deve ser aprovado? NÃO Consequências nefastas

O Estado Islâmico (EI) representa atualmente uma das ameaças mais iminentes à segurança internacional. Não só por sua brutal agressividade e pelo avanço para além dos territórios do Iraque e da Síria, aproveitando o desmantelamento de ambos. O EI é, sobretudo, uma ameaça pelo recrutamento diário de jovens cidadãos europeus e americanos, por intermédio das redes sociais, numa intensa atividade de proselitismo que não conhece fronteiras. A "jihad 2.0", um verdadeiro exército on-line do "CyberCalifado", que faz do terror sua propaganda e das decapitações e destruição do patrimônio cultural uma nova e pavorosa forma de marketing. Segundo informações da Abin (Agência Brasileira de Inteligência), os tentáculos do EI chegaram ao Brasil, um país que lidera indignamente as estatísticas da segurança pública, mas que nunca se viu diante da ferocidade do terrorismo, pois aqui o inimigo sempre foi interno. O Brasil não tem uma lei antiterrorismo específica, o que dificulta o combate ao EI. Eis um fato. O fato seguinte é que esse tipo de legislação sempre é polêmica pelos elevados impactos que tem nos direitos básicos da população e o livre exercício de sua cidadania, além da ausência de uma definição internacional do conceito de terrorismo. São conhecidos os problemas das leis antiterroristas de vários países, como aumento da duração da detenção preventiva, acesso a dados de caráter pessoal e interceptações telefônicas sem mandado judicial, criação de tribunais militares de exceção ou detenção por tempo indefinido de estrangeiros. Alguns desses métodos duvidosos já estão incrustados nas práticas brasileiras. Em um país como Brasil, com grandes dificuldades de garantir o cumprimento dos princípios democráticos para muitos de seus cidadãos, o debate de uma lei antiterrorista deve ser levado a cabo com extremo cuidado e responsabilidade. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 11

É preciso ter claras as margens do Estado democrático de Direito e impedir que deixe ainda mais vulnerável uma população cotidianamente exposta a um sistema muitas vezes ineficaz e degradante. A política do medo e da neurose coletiva, o discurso do inimigo que desrespeita a liberdade em nome da segurança, a lei que se escreve com motivações político-partidárias ou eleitorais, nunca são iniciativas aconselháveis. Suas consequências podem ser nefastas. O projeto de lei nº 728/11, do senador Romero Jucá (PMDB-RR), é uma proposta como muitas outras que foram votadas em diversos países desde o 11 de Setembro, nunca isentas de controvérsia, mas que, pelo bem de nossa frágil democracia, deveria ser discutida com ponderação e cautela, e não nas sombras do poder. Sinto uma grande preocupação ao escutar do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que não vê problemas na votação da lei ser feita com celeridade e sem envolver os diversos setores da população no debate. Para quem, como a grande maioria dos brasileiros, não confia na boa vontade do sistema e de seus representantes, as palavras de Cunha, são, mais uma vez, uma afronta à democracia. O Brasil precisa se proteger do terrorismo internacional nas suas mais variadas formas e, para isso, deve aprovar uma lei antiterror como a maioria dos países que se considera em risco? Provavelmente, sim. Mas um país em cujo território direitos humanos são aniquilados diariamente, cuja violência interna virou uma rotina selvagem diante de um Estado incapaz --quando não conivente--, deve aprovar essa lei às pressas, sem construir um debate? Definitivamente, não. ESTHER SOLANO GALLEGO, 31, doutora em ciências sociais, é professora de relações internacionais da Universidade Federal de São Paulo

Dilma define três ministros para tentar contornar crise Ex-tesoureiro vai para Comunicação e professor da USP assume Educação Presidente faz aceno ao PMDB e convida o ex-deputado para o Ministério do Turismo DE BRASÍLIA DA EDITORA DO PAINEL

Enfrentando problemas com a articulação política no Congresso e em um dia marcado por notícias negativas na economia, a presidente Dilma Rousseff tentou sair da defensiva articulando a definição de três novos ministros. Dilma pôs um petista para comandar a comunicação do governo, escolheu um nome para tentar se reconciliar com a ala do PMDB na Câmara, onde seu governo tem enfrentado derrotas, e nomeou um acadêmico para substituir na Educação um político que saiu após brigar no Congresso. Na manhã desta sexta (27), após o anúncio de que a economia ficou estagnada no ano passado e agora caminha para a recessão, Dilma divulgou o nome do petista Edinho Silva, que foi seu tesoureiro de campanha, para comandar a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência. No início da noite, oficializou a escolha do professor da USP para substituir (Pros-CE), que deixou o governo depois de embate com aliados do governo em sessão tumultuada no Congresso. Fez ainda um gesto na direção da bancada do PMDB na Câmara, comandada pelo deputado Eduardo Cunha (RJ), e convidou oficialmente o ex-deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para o Ministério do Turismo. A nota confirmando a indicação do peemedebista estava praticamente pronta, mas a divulgação foi suspensa à noite porque faltava um sinal verde vindo do PMDB de que o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) não vai se opor à escolha, já que Eduardo Alves irá ocupar o lugar de Vinicius Lages, afilhado político de Renan. Edinho substitui o jornalista Thomas Traumann, que pediu demissão na quarta (25) depois do vazamento de uma análise interna da secretaria com críticas ao PT e à comunicação do governo. Ex-prefeito de Araraquara (SP) e ex-deputado estadual, Edinho atualmente estava dando aulas em uma faculdade particular. Ele aceitou o convite depois de se reunir com Dilma no Palácio do Planalto. Sua posse está marcada para a próxima terça (31). À Folha o novo ministro afirmou que a presidente pediu a ele a implantação de uma "política de diálogo" com os meios de comunicação e elogiou seu antecessor. Sobre o desejo do PT de controlar a distribuição de verbas publicitárias da área de comunicação para beneficiar grupos simpáticos ao governo, Edinho disse que a presidente foi clara na orientação para "manter critérios técnicos" na distribuição das verbas publicitárias do governo. O petista afirmou também que priorizará o diálogo do Planalto com os ministros, hoje uma das grandes reclamações na Esplanada, e a publicidade das obras do governo federal. Na Educação, área considerada prioritária por Dilma, a presidente optou por um ministro com perfil oposto ao de Cid Gomes, que construiu sua carreira na política e não "media as palavras", segundo seus próprios aliados, quando discordava de algo. Janine fez carreira na academia. Professor de Ética e Filosofia Política na USP (Universidade de São Paulo), ele trabalhou no governo Lula de 2004 a 2008 como diretor de Avaliação da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), do Ministério da Educação. Sua escolha surpreendeu porque a pasta da Educação era disputada por petistas e peemedebistas e, recentemente, ele fez críticas duras tanto a Dilma como ao PT. Em entrevista à edição de março da revista "Brasileiros", Janine criticou o fato de os avanços sociais do país nos últimos anos terem ocorrido pela via do consumo e disse que a presidente Dilma está isolada porque não dialoga. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 12

Ele também criticou a falta de uma explicação mais clara do governo para as medidas do ajuste fiscal e disse que Dilma não dá autonomia aos integrantes de sua equipe. "Os ministros continuam tendo as orelhas puxadas cada vez que falam uma coisa de que ela não gosta", disse. A oficialização do nome de Henrique Eduardo Alves esbarrava, dentro do PMDB, em dois aspectos. Renan Calheiros, que esteve na quinta-feira (26) com o ex-presidente Lula, quer uma compensação pela eventual perda da pasta do Turismo. Gostaria de indicar um nome para o Ministério da Integração Nacional. Além disto, a entrega de um ministério neste momento a um expoente do PMDB contraria o discurso de Renan e Eduardo Cunha, que em público passaram a defender o corte de metade dos ministérios. A assessores, a presidente disse que estava tudo em suspenso, depois de ter acertado a indicação com o próprio Henrique Alves. (Valdo Cruz, Mariana Haubert, Flávia Foreque, Vera Magalhães e Marina Dias)

PETROLÃO Polícia prende presidente de empreiteira e lobista Operador é suspeito de pagar propina de US$ 8,2 mi à empresa Sete Brasil Empresário da Galvão diz que ato da PF foi 'ilegal e sem fundamento' e que pedirá habeas corpus DE CURITIBA ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA

Em mais um capítulo da Operação Lava Jato, a Polícia Federal prendeu nesta sexta (27) o diretor-presidente do Grupo Galvão, Dario de Queiroz Galvão Filho, e um lobista apontado como o operador de pagamentos de propina à empresa Sete Brasil. Guilherme Esteves de Jesus é suspeito de intermediar transferências no exterior no total de US$ 8,2 milhões. Os beneficiários seriam dois executivos da Sete Brasil. A empresa, formada por sócios privados e pela Petrobras, administra o aluguel de sondas para os projetos do pré-sal. A suspeita foi citada em despacho que ordenou a prisão do lobista, assinado pelo juiz federal Sergio Moro. No documento, é dito que a origem dos pagamentos é a Jurong, empresa de Cingapura com negócios no Brasil. Moro afirma que há prova de que o "esquema sistemático" de propinas nos projetos da Petrobras "se estendeu aos contratos da Sete Brasil". Quatro pessoas se beneficiaram dos pagamentos fora do Brasil, diz o documento: o ex-presidente da Sete Brasil João Ferraz, o ex-diretor de participações Eduardo Musa, o ex-diretor da Petrobras Renato Duque e o ex-gerente da estatal Pedro Barusco.

Barusco já havia dado depoimento ligando o estaleiro a pagamento de propina para executivos da Sete Brasil. Na decisão, Moro diz que, da mesma maneira que a Petrobras foi prejudicada por irregularidades, a Sete Brasil também sofreu danos, "o que coloca em risco à exploração do pré-sal". Os dois presos nesta quinta foram levados para a sede da PF em Curitiba. Em despacho ordenando a prisão do empresário do Grupo Galvão, o juiz federal considerou que Dario Galvão foi o "mandante" de crimes praticados pela empresa e que, em liberdade, mais irregularidades poderiam continuar sendo cometidas. Dario Galvão é o segundo executivo do grupo a ir para a prisão na Lava Jato. Erton Fonseca, diretor-presidente da Galvão Engenharia, está detido desde novembro. Moro afirmou que seria "estranho" manter apenas Fonseca detido, já que Dario Galvão teria tomado as decisões. Um outro argumento para a prisão foi o depoimento do operador Shinko Nakandakari, que deu detalhes sobre o suposto pagamento de propina no início do mês. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 13

Erton Fonseca diz ter sido vítima de extorsão. A Galvão Engenharia entrou com um pedido de recuperação judicial na Justiça do Rio nesta semana. O objetivo do procedimento, em que fornecedores e credores deixam de ser pagos, é evitar a falência.

OUTRO LADO A defesa de Galvão afirmou que a prisão foi "ilegal" e sem fundamento. Também afirmou que vai encaminhar um pedido de habeas corpus. Procurada, a Sete Brasil não se manifestou. A defesa de Guilherme Esteves de Jesus não foi encontrada. A reportagem não conseguiu localizar representantes dos outros citados. (Felipe Bächtold e Flávio Ferreira)

ANO PERDIDO Economia para, e Dilma tem PIB mais fraco desde Collor Crescimento foi de 0,1% em 2014 e de 2,1% na média do primeiro mandato Investimento desaba, consumo esfria e renda encolhe, pondo fim à política econômica iniciada em 2009 GUSTAVO PATU ENVIADO ESPECIAL AO RIO PEDRO SOARES DO RIO

Com derrocada dos investimentos e desânimo no consumo, os brasileiros ficaram mais pobres no ano passado, o que pôs fim à política econômica iniciada em 2009. Dados divulgados nesta sexta-feira (27) mostram que o Produto Interno Bruto, a medida da produção e da renda do país, cresceu apenas 0,1% em 2014. Insuficiente até para acompanhar o aumento da população, a taxa significa uma queda de 0,7% na renda nacional média por habitante, que ficou em R$ 27.229 - ou R$ 2.269 mensais. Os dados mostram uma retração aguda dos investimentos, ou seja, dos gastos de empresas e governos em obras de infraestrutura e compras de equipamentos destinados a ampliar a capacidade de produção. A queda, de 4,4%, foi a maior em 15 anos. O consumo das famílias, esteio da economia e evidência da ascensão social nos anos Lula, perdeu ritmo pelo quarto ano consecutivo e cresceu apenas 0,9%, ante taxas acima de 6% comuns na década passada. A queda ajuda a entender por que a política de expansão de gastos públicos, desonerações tributárias e crédito subsidiado deu lugar a um ajuste fiscal ortodoxo no segundo mandato da presidente Dilma Rousseff. Iniciada há seis anos para enfrentar a crise global, a estratégia desenvolvimentista teve sucesso inicial e foi decisiva na primeira eleição de Dilma. Os resultados, porém, foram declinantes. Rombos crescentes nas contas do governo alimentaram a dívida pública e a inflação, contida artificialmente com o controle de tarifas, o que comprometeu o caixa das empresas estatais. Mesmo com uma revisão para cima dos resultados do PIB promovida pelo IBGE, o crescimento médio anual no governo da petista não passou de 2,1%, o pior desde as recessões dos anos Collor. No papel, o resultado de 2014, acima de zero, foi melhor que o de 2009, quando o PIB encolheu 0,2%. Aquele ano, porém, diferentemente do ano passado, foi encerrado com a economia em franca recuperação. Os investimentos seguiram em baixa, agora acompanhados das despesas do governo após as eleições. No resto do mundo, os preços dos produtos primários, exportados pelo país, desabaram. Em reflexo da demanda escassa, a produção conjunta de indústria, serviços e agropecuária teve expansão de apenas 0,3% no trimestre.

Brasil se abstém na ONU sobre Irã e Síria Diplomacia se esquiva de resoluções sobre direitos humanos nos dois países, contrariando posições anteriores Decisão brasileira sofre críticas de ONGs; para analistas, pode ser uma estratégia para elevar o comércio exterior PATRÍCIA CAMPOS MELLO DE SÃO PAULO

O Brasil se absteve na votação de duas resoluções na ONU sobre a situação dos direitos humanos no Irã e na Síria, nesta sexta (27). É a primeira vez, desde 2011, que o país se abstém em uma votação condenando o Irã no Conselho de Direitos Humanos da ONU, sinalizando uma inflexão na política externa. ONGs criticaram duramente as abstenções. "Não faz nenhum sentido o Brasil se abster, uma vez que o texto da resolução é muito parecido com os aprovados pelo Brasil anteriormente, e a situação de direitos humanos no Irã não teve nenhuma melhora", disse Camila Asano, coordenadora de Política Externa da Conectas. Shirin Ebadi, iraniana vencedora do Prêmio Nobel da Paz (2003), foi igualmente crítica. "Onde está a forte liderança que a presidente Dilma mostrou no passado?" afirmou. "Esperamos que Dilma preste atenção à situação de discriminação contra as mulheres no Irã e saiba que, no país, um homem pode ter quatro esposas, o testemunho judicial de duas mulheres equivale ao de um homem e, se uma mulher insistir em ir ao ginásio assistir a um jogo de vôlei, pode ser presa." Continuação da Resenha Diária 28/03/15 14

A resolução foi aprovada com 20 votos a favor, 11 contra (entre eles Bolívia, China, Cuba, Rússia e Venezuela) e 16 abstenções. O texto renova por um ano o mandato do relator da ONU para direitos humanos no Irã e insta as autoridades a cooperarem. Em seu primeiro mandato, Dilma reverteu a política de aproximação com o Irã do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Segundo o governo, não há mudança agora. "Houve uma evolução na conduta dos iranianos e é necessário dar um crédito a eles", disse à Folha uma fonte diplomática. "A linguagem da resolução não acompanhou essa evolução, então nos abstivemos." ONGs discordam. "O Brasil não deveria se deixar enganar pelas promessas do Irã, enquanto centenas são vítimas de pena de morte no país e jornalistas estão presos.", disse Philippe Dam, da Human Rights Watch. O Brasil também se absteve na resolução que renova o mandato do brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro na comissão para crimes na Síria. O governo afirmou que a resolução ainda não reconhece "a responsabilidade de vários grupos armados da oposição, com exceção dos Daesh [acrônimo em árabe para o Estado Islâmico] e Al-Nusra, por graves violações" e que não enfatiza a necessidade de uma saída não militar. Para observadores, a mudança pode ser uma estratégia do Itamaraty para elevar o comércio exterior em momento de crise. A pasta nega.

Demétrio Magnoli O impeachment silencioso A presidente Dilma Rousseff perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Seu governo já terminou

Dilma Rousseff "está numa armadilha", diagnosticou FHC à Folha (26/3). "Ela não tem o que fazer. O que tinha, já fez: nomeou o Levy. E isso só aumenta a armadilha, porque agora ela não pode demitir. É refém dele." O diagnóstico está certo, mas ilumina só um terço do cenário. A presidente é refém, igualmente, do PMDB (de fato, do trio Renan Calheiros/Eduardo Cunha/) e do lulopetismo (de fato, de Lula e dos movimentos sociais que operam ao redor dele). Numa entrevista ao "Estadão", Eduardo Graeff explicou que o governo Dilma "chegou ao fim". É verdade: imobilizada na armadilha triangular, sem "credibilidade" nem "capacidade de ação política" (FHC), Dilma reduziu-se a "uma assombração política" (Graeff). Já aconteceu um impeachment tácito, informal. Levy é proprietário da credibilidade econômica. O ministro funciona como uma delgada película que separa a economia de um catastrófico rebaixamento pelas agências de rating. Dilma não pode demiti-lo pois, sem a promessa do ajuste fiscal que ele personifica, o país seria tragado no vórtice da fuga de capitais. Mas, como registrou FHC, "a racionalidade econômica pura esmaga tudo" --ainda mais, acrescente-se, quando essa "racionalidade" está contaminada pelo dogma ideológico do equilíbrio fiscal a qualquer custo. O ajuste sem reformas estruturais de Levy, complemento simétrico da farra fiscal de Mantega, não serve ao país, mas conserva no Planalto a "assombração" de uma presidente sem poder. O trio peemedebista é proprietário da maioria no Congresso, que hoje se forma pela oscilação do PMDB entre o governo e a oposição. Dilma não pode confrontá-los, pois eles empunham o sabre do impeachment formal e o fazem girar, sadicamente, em torno do pescoço da presidente. O jogo da chantagem, uma norma do nosso doentio "presidencialismo de coalizão", atinge níveis agônicos. Os chefões do PMDB utilizam esse poder extraordinário em nome dos seus próprios interesses, desenhando a reforma política que lhes convêm e articulando com o governo os acordos de leniência destinados a resgatar as empreiteiras do "petrolão". Lula, com seu cortejo de movimentos sociais (CUT, a UNE, o MST), é proprietário da sustentação partidária de Dilma. O candidato declarado às eleições de 2018 pode cortar, num momento conveniente, o tubo do regulador que ainda fornece ar comprimido ao fantasma do Planalto. Os andrajos da autonomia da presidente, que atendem pelos nomes de , Miguel Rossetto e Pepe Vargas, já foram descartados no cesto de roupa suja. Nas ruas, dia 7, repetindo o dia 13, o "exército" de Lula, força mercenária em declínio, não oferecerá um contraponto impossível às manifestações anti-Dilma, mas cobrará novos gestos de submissão da "companheira". Eles exigem iniciativas simbólicas (e verbas publicitárias sonantes), destinadas a compensar a militância pela dores do apoio ao ajuste fiscal. No presidencialismo, o chefe de Estado não pode tudo --mas tem o poder de determinar os rumos estratégicos do governo. A legitimidade emanada do voto popular é o ativo intangível que proporciona ao presidente o poder de contrariar interesses entranhados no sistema político. FHC confrontou o conjunto da elite política ao estabelecer a Lei de Responsabilidade Fiscal. No seu primeiro mandato, Lula confrontou o PT ao conservar o tripé da estabilidade macroeconômica herdado de seu antecessor. Capturada na teia da mentira, Dilma perdeu a legitimidade concedida pelos eleitores. Sem o rito da denúncia, processo e julgamento, a presidente sofreu um impeachment silencioso. Assombrado pela figura errante da presidente destituída, o Planalto está entregue ao triângulo de beneficiários do impeachment silencioso, que agem em direções diferentes, sob motivações distintas. O desgoverno não pode perdurar por quatro anos.

Continuação da Resenha Diária 28/03/15 15

Nigéria vota enquanto combate o Boko Haram Eleição deste sábado é a mais acirrada desde o retorno à democracia, em 1999 DO "GUARDIAN", EM LAGOS

A população da Nigéria vota neste sábado (28) na mais disputada eleição do país desde o retorno à democracia, em 1999. O pleito ocorre enquanto o Exército combate o Boko Haram, movimento que tenta estabelecer um califado islâmico no país. Nesta sexta-feira (27), o Exército afirmou que destruiu o quartel-general da facção na cidade de Gwoza e expulsou os extremistas de todos os três Estados no nordeste do país, que se tornou um reduto da milícia em seus seis anos de insurgência. Não foi possível confirmar a declaração de vitória um dia antes das eleições cruciais, em que o presidente Goodluck Jonathan, cristão do sul, enfrenta Muhammad Buhari, antigo líder da junta militar que governou o país. A dupla já se enfrentou em 2011. Naquele pleito, ao menos 500 pessoas foram mortas depois que resultados contestados causaram dias de violentos distúrbios no norte. Para "garantir a segurança" na votação deste sábado, o chefe de polícia da Nigéria, Suleiman Abba, proibiu a circulação de veículos das 8h (4h em Brasília) --quando as seções eleitorais começam a funcionar-- às 17h. Segundo Abba, "a ordem de restrição se aplica a todos os veículos, exceto ambulâncias, carros de bombeiros e outras funções essenciais". O Ministério do Exterior nigeriano também anunciou o fechamento por três dias das fronteiras marítimas e terrestres do país desde a meia-noite de quarta-feira (25), para "permitir eleições pacíficas". Na semana passada, Abba se imiscuiu na campanha ao alertar que os eleitores não deveriam ficar nos locais de votação para acompanhar a apuração dos votos. Segundo constitucionalistas, essa ordem não tem base legal. Críticos dizem que os serviços de segurança estão envolvidos demais no processo, o que inclui as Forças Armadas, que pressionaram por um adiamento de seis semanas da eleição, inicialmente marcada para 14 de fevereiro. Nesta semana, um tribunal impediu o Exército de guardar os postos de votação - decisão que não se aplica à região nordeste por causa do combate ao Boko Haram. A oposição acionou a Justiça após a forte presença de soldados nas eleições para os governos dos Estados de Ekiti e Osun, no sul, no ano passado. Informações vazadas para a imprensa acusaram soldados de ter conspirado para manipular os resultados desse pleito. O Exército e o partido da situação rejeitaram confirmar ou negar as alegações. Se o Exército se posicionar nos locais de votação apesar da ordem judicial, a oposição deve usar o fato para contestar o resultado caso perca, o que pode estimular violência dos partidários de Buhari.

Brasileiro prefere fim de visto a vaga em Conselho, diz Shannon Ex-embaixador dos EUA diz que aposta no Brasil é de longo prazo RAUL JUSTE LORES DE WASHINGTON

Isenção de visto é "o que o brasileiro na rua quer dos EUA", declarou o conselheiro do Departamento de Estado e ex-embaixador americano no Brasil Thomas Shannon, nesta sexta-feira (27), em um evento na Universidade George Washington. "Se perguntar a meu amigo chanceler Mauro Vieira, o que o Brasil quer dos EUA, ele dirá que é o apoio americano a uma vaga no Conselho de Segurança na ONU", afirmou. "Mas se eu perguntar a um brasileiro na rua o que ele quer dos EUA, ele vai falar que não quer mais ir até o Consulado e pagar US$ 160 por um visto." Segundo Shannon, "os donos de hotéis e restaurantes da Flórida também querem o fim do visto". O ex- embaixador disse que, pouco depois de deixar o Brasil, em 2013, os consulados americanos estavam perto de emitir 1,8 milhão de vistos por ano, para brasileiros que "visitam Miami, Nova York, Las Vegas" - onde surgem "relações inusitadas", do crescimento do diálogo entre igrejas evangélicas nos dois países ao aumento do intercâmbio entre estudantes e pesquisadores do Ciência sem Fronteiras. Na maior parte da palestra, que abriu um evento sobre a economia brasileira na universidade, Shannon disse que a aposta dos EUA no Brasil é de "longo prazo". Desviando-se de perguntas sobre a possível visita de Estado da presidente Dilma Rousseff a Washington, adiada em setembro de 2013, depois das revelações de espionagem em alta escala, ele relatou uma declaração de Jeffrey Immelt, presidente da gigante General Electric, após uma visita ao Brasil. "Se alguma empresa americana estiver deixando o Brasil, me avisem, que eu compro o que estiverem deixando por lá". Parafraseando Tom Jobim - "o Brasil não é para amadores -", Shannon disse que "o Brasil não é para curto- prazistas". Por fim, o ex-embaixador disse que a próxima Cúpula das Américas, no mês que vem no Panamá, será "histórica", pela presença de Cuba, reatando relações diplomáticas com os EUA, e que os americanos farão um esforço em dialogar com a Venezuela, "depois das críticas às sanções de Washington a funcionários do país responsáveis por violações dos direitos humanos". Disse que o engajamento seria uma maneira de responder "aos nossos parceiros na região".

Continuação da Resenha Diária 28/03/15 16

Dilma faz aceno à militância e escolhe ministros que agradam a Lula e ao PT Esplanada sob ajuste. Presidente leva para a Educação filósofo simpático à esquerda que já criticou falta de diálogo no governo; ex-tesoureiro de campanha da petista assume Comunicação Social, pasta responsável pela verba publicitária, com aval do ex-presidente Rafael Moraes Moura Ricardo Della Coletta Lisandra Paraguassu/ BRASÍLIA

No momento em que o governo enfrenta resistências da base aliada para emplacar o ajuste fiscal no Congresso, a presidente Dilma Rousseff decidiu ontem fazer um aceno ao PT. Nomeou para a Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom) o ex-deputado estadual petista Edinho Silva, tesoureiro da campanha presidencial em 2014; e para o Ministério da Educação (MEC) o professor de ética e filosofia política da USP Renato Janine Ribeiro, nome simpático à legenda. Em outro movimento, sinalizou ao PMDB, partido que tem imposto as principais derrotas ao governo no Legislativo, que vai nomear para o Ministério do Turismo o ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (RN), conforme antecipou o Estado na quarta-feira. O novo ministro da Educação já vinha cuidando da transição na pasta com auxiliares do MEC nos últimos dias. Ele foi um dos primeiros nomes especulados para assumir a Educação quando se revelou a intenção da presidente de optar pelo perfil de um educador para a pasta, em vez de um político. Janine vai substituir o ex-governador do Ceará Cid Gomes (PROS), que deixou o governo após dizer que a Câmara tinha “300, 400 achacadores”. O PT – que não esconde a insatisfação com a escolha de parte do primeiro escalão de Dilma, como as nomeações de Kátia Abreu para a Agricultura e Joaquim Levy para a Fazenda – recebeu bem a escolha de Janine, intelectual com ideias alinhadas à esquerda. Em artigos recentes, o professor da USP apontou problemas do atual governo e da própria Dilma, como a propensão à falta de diálogo, mas fez ponderações sobre críticas baseadas “na raiva e nos insultos”, e não na mobilização política. Na terça-feira, em artigo no jornal Folha de S. Paulo, Janine analisou os protestos contra o governo. “Há uma reação tola: não quero saber do preço. Um dos modos dessa reação é carimbar um culpado bem afastado de nós. O PT cumpre hoje esse papel de demônio, que já foi de Getúlio Vargas. Assim se afasta de nós esse cale-se. Somos poupados. As manifestações do dia 15 de março, legítimas na medida em que ‘tem razão quem ser e volta’ (mas alguma razão, não toda), caíram no engodo de construir um Outro demoníaco, aquele que acabou com o que era doce”, escreveu. Uma semana antes, no jornal Valor Econômico, Janine questionou se é possível governar o País com competência e honestidade simultaneamente. “E se Dilma for representativa de nosso desejo difuso de uma política competente e sem corrupção? Ela se irrita, sim, com quem está a sua volta, o que é politicamente inábil, mas isso porque cobra eficiência”, afirmou. “Pode até governar mal, só que detestando a corrupção e a ineficiência. Mas basta detestá-las para superá-las?” ‘Batalha’. Na Secom, a escolha por Edinho Silva marca uma maior influência do PT sobre a “batalha da comunicação” pretendida pelo Planalto para recuperar a popularidade de Dilma. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva respaldou a indicação. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 17

Edinho vai substituir o jornalista Thomas Traumann, que deixou o cargo após o portal estadão.com.br revelar documento interno que a pontava uma “comunicação errática” do governo em meio a um “caos político”. O PT defendia um perfil político para o cargo e cobrará do ministro “democratização” da publicidade oficial. Setores da sigla questionam os gastos com anúncios na grande imprensa, por considerá-la “oposicionista”, e pregam mais repasses a veículos regionais, “progressistas” e “alternativos”. “Nenhum governo pode menosprezar o peso das grandes empresas (de comunicação). Mas não podemos abandonar os pequenos veículos de comunicação”, disse o coordenador da corrente majoritária do PT, Construindo um Novo Brasil (CNB), Francisco Rocha, o Rochinha. Edinho já presidiu o diretório paulista do PT e foi o tesoureiro da campanha de Dilma à reeleição. O plano original da presidente era escalar Edinho para a Autoridade Pública Olímpica (APO), consórcio formado pelos governos federal e fluminense e pela prefeitura do Rio, que coordena as ações da Olimpíada de 2016. O cargo está vago desde fevereiro, mas o Planalto desistiu da indicação por temer o risco de o Senado rejeitar o nome do petista como retaliação ao governo. Edinho também fez análises recentes sobre a atual conjuntura. Em carta aberta de 10 de março, disse que PT e governo formam um binômio e “engana-se quem pensa que um superará esse momento sem o outro”, além de apontar problemas da legenda. “Há, sim, erros no nosso campo político. Nunca na nossa história assimilamos com tanta facilidade o discurso oportunista de uma direita golpista e nunca estivemos tão paralisados.”

Incandescência e desorientação MARCO AURÉLIO NOGUEIRA

Não foram somente o 15 de março, a demissão do ministro Cid Gomes, a queda vertiginosa dos índices de popularidade da presidente e o documento-bomba da Secretaria da Comunicação Social (Secom), mas esses acontecimentos e o cruzamento diabólico entre eles deram o tom da chamada conjuntura política das últimas semanas. Chacoalharam o governo Dilma, aumentaram os desencontros em seu interior e lançaram uma perturbadora interrogação sobre o que serão seus próximos quatro anos. O governo Dilma, porém, não acabou e seria um erro dar como favas contadas que não terá como se recuperar. Ficou mais difícil, mas não impossível. Se o 15 de março e a queda de popularidade mostraram que a resistência social ao governo se está convertendo em fato político, os outros dois acontecimentos revelaram um governo com demasiados problemas internos, desorientado e carente de articulação. Um governo sem rumo e sem unidade torna-se produtor de problemas, não de soluções. Ter um governo assim logo no início de um período governamental é algo que excita seus adversários e alimenta a crise. Mostra, por exemplo, que não há plano de voo e não se pode saber quem apoia a presidente e quem lhe faz oposição. Turvam se as águas, aumenta a confusão. As próprias forças tidas como sustentáculo governamental– o PT e o PMDB – se dessolidarizam e ficam, cada uma a seu modo, fazendo só o próprio jogo, sem sincronia como Palácio do Planalto. Fazem contas para saber como evitar os respingos da crise. Passam a olhar para as eleições municipais de 2016, ao passo que a Presidência precisa olhar para o dia-a-dia e para 2018. PT e PMDB podem até fazer juras recíprocas de amor, falar bem de Dilma em público, mas por trás do pano agem de forma defensiva, terminando por produzir desgastes e contra pontos. Não é só Eduardo Cunha, esse presidente da Câmara que opera sem pudor em favor dos próprios interesses, age corporativamente e consegue se fortalecer mesmo cercado de suspeitas, mostrando ser um animal político difícil de enfrentar. É ele, com certeza, mas também é o PMDB como um todo e parte importante do Congresso. O caso Cid Gomes chamou a atenção pela incandescência e pelo baixo nível. O ex-ministro fez seus cálculos. Não queimou munição à toa, num ímpeto de descontrole emocional. Quis sair de dedo em riste, como aquele que confrontou os que “achacam” a República. Jogou para uma parte da plateia, que não suporta os políticos atuais. O episódio foi péssimo tanto para o Planalto quanto para a imagem do Parlamento e deixou patente que falta graxa nas relações entre os Poderes da República, que não há qualidade no Ministério, que o Legislativo é hoje uma bomba que explode a intervalos regulares, sem que haja quem a desarme. Os pedaços do Congresso que desafiam a Presidência deitam e rolam na mesma proporção em que os demais pedaços não se movimentam. O documento da Secom – divulgado pelo Estado dias atrás – foi sintomático. Podemos deixar de lado suas impropriedades (a confusão entre governo e partido, por exemplo) e ficar apenas como que disse a respeito do “caos político” que estaria a ser fomentado pela inação governamental. Segundo o texto, “o governo e o PT passaram a só falar para si mesmos”. Foi um diagnóstico duro, incômodo, chega a ser surpreendente que tenha chegado ao grande público. O ministro responsável pelo texto demitiu-se, mas o estrago se espalhou. O presidente do PT, Rui Falcão, fez crescer o vespeiro ao propor que o governo corte averba de publicidade destinada a veículos de comunicação que “apoiaram e convocaram” as manifestações. O 15 de março ajudou, de forma ruidosa e polifônica, a descortinar a desconexão entre o palácio e as ruas. Diante dele, o governo falhou duplamente. Errou ao responder por dois porta vozes que não conseguiram expressar a gravidade do momento, como se ao governo fosse indiferente o protesto, e errou na análise do fato. Nem ele nem seus apoiadores parecem entender o que está acontecendo com as ruas do País de 2013 para cá. Não decodificaram as vozes que se manifestaram ostensivamente contra a presidente agora em 2015. Optaram por tentar deslegitimar a manifestação, convertendo as pessoas em massa de manobra da “elite branca” e da “mídia golpista”. Pior que isso, não conseguem explicar por que a “direita” mostra hoje tanto vigor, a ponto de fazer inveja à Continuação da Resenha Diária 28/03/15 18

“esquerda”. Aceitam com incrível facilidade a tese de que os “ricos” têm “ódio” de Dilma e do PT. Estão congelados na mesmice adjetivada, repetindo que a parte (as faixas pedindo intervenção militar) explica o todo, que o 15 de março fez lembrar a Marcha com Deus pela Liberdade de 1964. Querem banalizar a multidão, mas só fazem irritá-la. As ruas não se movem por utopias substantivas, não têm um programa com que lutar. São contra Dilma, políticos e partidos. Não são a favor de nada. Exprimem uma gigantesca insatisfação social com a política, processo em que se misturam indignação, ressentimentos e frustração. Mas pau que bate em Chico também bate em Francisco. Não é só o governo que está à deriva, mas o País todo, o sistema político tal como em funcionamento. Hoje o que prejudica o governo não beneficia a oposição a ele. Não há partidos, núcleos democráticos articuladores ou dirigentes políticos a lucrar com a crise, fato que faz o quadro ficar ainda pior. Quem fala pela oposição? O que faz ela, qual seu programa de ação? Se há bons nomes para liderar os que se opõem ao governo, por que não assumem o primeiro plano e se apresentam para “salvar” a República? A resposta provável talvez nos ajude a relativizar a situação. Os líderes oposicionistas não se projetam pelas mesmas razões que fazem a Presidência sangrar a céu aberto: porque não dispõem de nexos com as correntes vivas da sociedade. É aí, nessa praga maior do capitalismo líquido e globalizado, que reside o maior desafio.

Notas e Informações Com essa Lula não contava

Em 2010, o presidente Lula surfava na popularidade e achava-se insuperável. Tanto que escolheu um poste para lhe suceder – a chefe da Casa Civil Dilma Rousseff. Com os principais nomes do PT envolvidos no escândalo do mensalão, a escolha de Dilma parecia um golpe de mestre. Ela, que nunca tinha concorrido a uma eleição, podia apresentar-se sem mácula ao eleitorado. E, principalmente, ao criar uma candidata sem sustentação política própria, Lula seria o seu esteio – e poderia continuar dando as ordens. Diante das graves necessidades do País, a escolha de Dilma era um passo mais que arriscado. A Presidência da República exige não poucas habilidades administrativas e políticas nas quais a então candidata não tinha sido testada. Mas os interesses do País nunca pesaram muito nos cálculos de Lula. O importante era manter a continuidade do seu projeto de poder. Como ficou evidente ao longo dos quatro anos do primeiro mandato de Dilma, a escolha de Lula significou um enorme prejuízo para o País. As piores expectativas concretizaram-se. Com o seu voluntarismo, sua inabilidade para a política, sua incompetência administrativa e, principalmente, sua incapacidade de enxergar objetivamente a realidade, Dilma simplesmente desgovernou o País, afetando negativamente todos os setores da economia. A presidente Dilma Rousseff foi capaz de criar tamanho caos que, mesmo com todo o assistencialismo estatal – os repasses econômicos diretos do governo federal à população de baixa renda –, por pouco a oposição não ganhou as eleições de 2014. Mas o fato é que o PT venceu mais uma eleição presidencial e Lula ganhava, assim, mais um round da vida política brasileira. No entanto, o ex-presidente esqueceu-se de uma coisa. Ao escolher um poste para suceder-lhe, não colocou em risco “apenas” o País. Lula não percebeu, na sua infinita esperteza, que aquela escolha significava mais do que pôr o interesse particular – a manutenção do PT no poder – acima do interesse coletivo. Ao escolher Dilma, ele estava colocando em risco o próprio PT. Lula não fez apenas um cálculo egoísta e irresponsável. Fez um cálculo errado. Tanto é assim que o País assiste agora a um inusitado fenômeno. Ao invés de atrair apoios, o partido que controla o governo federal e deveria ter folgada maioria no Congresso provoca rejeição. É rejeitado por grande parte da população e, agora, por alguns de seus membros. foi a primeira a avisar que abandonaria o barco. Ao Estado, a senadora afirmou: “Ou o PT muda ou acaba”. Esperta, deu-se conta dos rumos da opinião pública. Mas Marta não é a única insatisfeita. O também senador Paulo Paim, petista histórico do Rio Grande do Sul, com quatro mandatos na Câmara e dois no Senado, também está preparando as malas. Em entrevista ao Estado, Paim afirmou que, caso as coisas se mantenham como estão, terá “muita dificuldade de ficar” no PT. E há outros tantos insatisfeitos nas bancadas petistas, incluindo outro senador, Walter Pinheiro (PT-BA). Diante dessa movimentação, Lula – que é muito ativo quando o seu interesse está em jogo – tem arregaçado as mangas e ido à luta. Em primeiro lugar, foi falar mais uma vez com a sua criatura, a presidente Dilma Rousseff. E num tom de voz que não deixava dúvidas quanto ao seu estado de ânimo. Agora, Lula vem gastando todo tempo que pode para dissuadir os insatisfeitos de dissentir ou desertar. Talvez tenha se dado conta de que não estão em jogo apenas as eleições de 2018 nem muito menos as de 2016. O que agora parece estar em jogo é a continuidade do PT como partido relevante na política brasileira. As recentes votações na CPI da Petrobrás – com a convocatória de João Vaccari Neto, tesoureiro do PT, e de Luciano Coutinho, presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) – mostram um cenário impensável até bem pouco tempo atrás. Sem nem desconfiar, Lula pode ter assinado a sentença de morte do próprio partido, ao ter escolhido Dilma Rousseff para suceder-lhe. Os fatos dirão.

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Abstenção do Brasil na ONU provoca críticas Jamil Chade CORRESPONDENTE / GENEBRA

O Brasil absteve-se ontem no Conselho de Direitos Humanos da ONU, em Genebra, de votações de resoluções contra violações dos direitos humanos na Síria e no Irã, provocando críticas na comunidade internacional–incluindo do governo americano. Um dos textos renovou o mandato do brasileiro Paulo Sérgio Pinheiro como investigador de violações na Síria. Mas não teve apoio do Itamaraty. A resolução que renovou o mandato de Pinheiro na Síria “condena fortemente” sequestros, tortura, violência sexual, mortes de civis e execuções sumárias conduzidas pelo “governo e suas milícias afiliadas, grupos armados não estatais, assim como grupos terroristas”. Mas Regina Dunlop, a embaixadora do Brasil na ONU, afirmou que o texto se limita a condenar o governo sírio e o Estado Islâmico, sem repudiar outros grupos armados no país. O Brasil também se absteve em uma votação de resolução que aprovou uma condenação à situação dos direitos humanos no Irã e prorrogou por um ano a investigação independente sobre o tema no país. A chancelaria brasileira declarou que as resoluções não eram equilibradas e, portanto, não poderia apoiá-las. “Como é, Brasil?”, tuitou em português o embaixador americano na ONU, Keith Harper. “Triste fracasso na votação contra a Síria e Irã”, concluiu em inglês. A Prêmio Nobel da Paz Shirin Ebadi afirmou que “muitos defensores de direitos humanos no Irã estão surpresos pela abstenção do Brasil e pelo País ter ficado em silêncio sobre o assunto”. “Onde está a forte liderança que a presidente Dilma Rousseff mostrou no passado?”

Sob ataques de sauditas, houthis conquistam porto no Iêmen Riad e Cairo posicionam navios de guerra em passagem estratégica no Mar Vermelho; operação terrestre seria iminente ÁDEN, IÊMEN

A Força Aérea saudita lançou ontem, pelo segundo dia consecutivo, bombardeios contra os rebeldes do grupo xiita Houthi, no Iêmen, mas, mesmo assim, os insurgentes e os militares iemenitas que os apoiam ganharam importantes posições na costa sul do país. Os houthis conquistaram o porto da cidade de Shaqra, 100 quilômetros ao leste de Áden, garantindo uma saída para o Mar Arábico. Navios de guerra sauditas e egípcios foram enviados para o Estreito de Al-Mandab, estratégica passagem entre o Mar Vermelho e o Golfo de Áden. Riad e Cairo consideravam pôr em prática uma intervenção terrestre no Iêmen, para garantir ao presidente Abd-Rabu Mansur Hadi, que fugiu do país na quarta-feira, uma base para que ele possa retornar ao território iemenita. Um provável ponto de entrada para a invasão das tropas da coalizão militar árabe – composta por outros oito países além de Arábia Saudita e Egito – seria o Porto de Áden, segundo oficiais das forças egípcias e iemenitas. Mas essa hipótese poderia ser apenas uma especulação: Áden é um campo de batalha sobre o qual as forças rebeldes, que têm o apoio do ex-presidente iemenita Ali Abdullah Saleh, avançavam ontem. Em Riad, o porta-voz das operações sauditas no Iêmen, o general Ahmed al-Asseri, afirmou que a coalizão árabe domina o espaço aéreo iemenita e, em alusão ao Irã, disse que a aliança não permitirá que nenhum tipo de ajuda chegue aos houthis. O ex-presidente Saleh – que apoiaria os houthis como parte de um plano para retomar o poder que exerceu por 33 anos – pediu um cessar-fogo no Iêmen ontem. Em sua página na internet, o líder solicitou ainda a retomada do diálogo entre as diferentes facções que atuam no conflito iemenita, citando o movimento xiita que conquistou a capital, Sanaa, em setembro, e avançou para o sul na tentativa de depor o presidente definitivamente, milícias tribais separatistas e a rede terrorista Al Qaeda. Xiismo unido. O primeiro-ministro iraquiano, o xiita Haider al-Abadi, pediu ontem às facções que lutam pelo poder no Iêmen “um diálogo sério” para salvar o país das “intervenções estrangeiras que somente pioram e complicam mais a situação”. O líder do movimento libanês xiita Hezbollah, Hassan Nasrallah, condenou a intervenção árabe no Iêmen, qualificando-a como “surpreendente e dolorosa” e acusando Riad de se omitir no conflito entre os palestinos e Israel./ , AP e EFE

Novos líderes sauditas e nova política externa Respaldada pela monarquia, nova geração dá sinais de que mudança no reino terá desdobramentos geopolíticos de longo alcance NAWAF OBAID

Apenas dois meses depois do falecimento do rei Abdullah, a ampla intervenção da Arábia Saudita no Iêmen lançada na quinta-feira serve de alerta ao mundo: uma importante mudança geracional em curso no reino certamente terá desdobramentos geopolíticos de longo alcance. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 20

A nova liderança saudita – centrada num quadro de figuras da realeza e tecnocratas jovens e dinâmicos – está desenvolvendo uma doutrina de política externa capaz de fazer frente a antigas tensões regionais. Essa doutrina tem como base a legitimidade da monarquia saudita e a centralidade do reino para o mundo muçulmano. Como guardiã das cidades sagradas de Meca e Medina, a Arábia Saudita está numa posição única para se colocar acima das disputas da última década e começar a estreitar as diferenças consideráveis que dividem as principais nações sunitas. Com quase 90% dos muçulmanos se identificando como sunitas, e a Arábia Saudita no epicentro do mundo sunita, os sauditas acreditam que podem suprir a urgente necessidade de uma frente sunita unida contra o Irã xiita e também os movimentos terroristas que estão dilacerando o mundo árabe. O rei Salman, sucessor de Abdullah, herdou uma situação desastrosa na região. Com o governo Barack Obama abandonando responsabilidades históricas dos EUA e, por extensão, a maior parte de seu prestígio no Oriente Médio, os sauditas não tiveram escolha senão liderar de modo mais enérgico, mais coerente e mais sustentável. Este manto se assenta na base religiosa conservadora do reino e sua herança tribal árabe única. Mais concretamente, ela é respaldada por US$ 150 bilhões em gastos para modernizar as forças militares sauditas para permitir que enfrentem inimigos simultaneamente em dois fronts, eliminando a necessidade de depender de ajuda estrangeira para defender a pátria. Intermediação. A nova doutrina dos sauditas retorna à política externa do reino dos anos 70 e 80. Na época, os sauditas trabalharam incansavelmente para pôr fim a 15 anos de uma guerra civil sangrenta no Líbano, conseguindo o Acordo de Taif, de 1989, que estabeleceu relações especiais entre Líbano e Síria e criou um sistema político que garantiu uma divisão de poderes entre denominações religiosas. É de esperar que os sauditas procurem promover pactos igualmente inclusivos e de longo alcance como soluções para o caos reinante na Síria e noutros pontos quentes da região. A liderança saudita enfrenta alguns problemas, mas a maioria deles decorre da agressividade iraniana. No Iêmen, o golpe dos combatentes do grupo Houthi apoiados pelos iranianos que derrubou o governo central retirou pressão sobre a Al-Qaeda na Península Arábica e produziu anarquia, com a possibilidade crescente de uma guerra civil. Na Síria, os esforços do regime de Bashar Assad para reter o poder, respaldados também pelo Irã, brutalizaram a população e insuflaram vida no grupo jihadista Estado Islâmico. No Iraque, sucessivos governos centrais sustentados por milícias xiitas controladas pelos iranianos destruíram qualquer semelhança com cidadania e criaram as condições que permitiram que o Estado Islâmicos e apoderasse de vastas porções do território. No Líbano, o movimento Hezbollah, uma criação iraniana, reina soberano num país que mal consegue se manter unido. Um Hamas apoiado por Teerã mantém o controle da Faixa de Gaza enquanto uma solução do conflito entre israelenses e palestinos continua sendo uma possibilidade remota. Os sauditas e seus principais aliados sunitas sabem que somente um bloco unificado de Estados que pensem igual pode conter o Irã. Com esse intuito, os sauditas já começaram a contatar a maioria dos maiores Estados sunitas – sendo os principais deles Turquia, Egito e Paquistão – para dar início ao complexo processo de reconciliação. Finalmente, há as negociações nucleares iranianas que os sauditas estão observando atentamente. A Arábia Saudita simplesmente não pode permitir que o Irã, sob quaisquer circunstâncias, use seu “quase status” de potência nuclear para expandir sua influência e prestígio na região. Conformar-se com um chamado “guarda-chuva nuclear” americano é impensável para Riad. Seja qual for o acordo que os iranianos obtenham, os sauditas buscarão um programa equivalente para alcançar a paridade nuclear. Embora esta lista de problemas pareça desanimadora, uma nova era desponta no Oriente Médio. Apesar de toda a dura retórica que vem de seus líderes, o Irã está sofrendo sérias pressões em razão das sanções das Nações Unidas e do colapso dos preços do petróleo que poderão ter consequências perigosas para a estabilidade do Estado iraniano. A doutrina saudita tem como premissa reforçar estas realidades geoeconômicas enquanto pressiona a enfraquecida capacidade do Irã de projetar poder no exterior até as raias da ruptura. / TRADUÇÃO DE CELSO PACIORNIK. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 21

Filósofo na Educação, petista na Comunicação Renato Janine Ribeiro, professor da Universidade de São Paulo, substituirá Cid Gomes no MEC. Edinho Silva entrará no lugar de Thomas Traumann AMANDA ALMEIDA PAULO DE TARSO LYRA

Ribeiro tomará posse no próximo dia 6: Dilma optou por um perfil técnico para o Ministério da Educação (Gustavo Scatena/Folhapress) Ribeiro tomará posse no próximo dia 6: Dilma optou por um perfil técnico para o Ministério da Educação Pressionada pelo PT a ter uma postura mais ativa a fim de reverter a queda de popularidade, a presidente Dilma Rousseff atendeu ontem a legenda ao escolher um petista para a Secretaria de Comunicação da Presidência (Secom) — Edinho Silva — e um filósofo ligado ao partido para o Ministério da Educação — Renato Janine Ribeiro. Havia a expectativa de a presidente confirmar também a nomeação do ex-presidente da Câmara Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN) para o Ministério do Turismo, em substituição a Vinicius Lages, mas divergências no PMDB adiaram o anúncio oficial. Renato Janine Ribeiro é professor de Ética e Filosofia na Universidade de São Paulo, o que aproxima a sua trajetória de outro docente da USP, , que também foi ministro da Educação e hoje é prefeito de São Paulo. Ele assume no lugar de Cid Gomes, que deixou o cargo na semana passada após confirmar, no plenário da Câmara, as declarações dadas diante de alunos no Pará de que aliados que não votam com o governo são “achacadores”, incluindo o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A posse será em 6 de abril. Ao escolher Ribeiro, Dilma atende à ala do PT, e, ao mesmo tempo, opta por um perfil técnico para o ministério. O filósofo declarou voto em Dilma Rousseff no ano passado, dizendo que o PT conduz melhor as políticas públicas. Em entrevista à revista Carta Capital, depois da reeleição da petista, disse que não a conhecia e que ela teria de fazer concessões à direita e à esquerda para fazer um bom governo. Ribeiro foi diretor de avaliação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) entre 2004 e 2008. Ele é autor de 18 livros, entre eles A sociedade contra o social, ganhador do Prêmio Jabuti de Ensaio em 2011. Já para a Secretaria de Comunicação da Presidência, Dilma Rousseff escolheu seu tesoureiro da campanha à reeleição em 2014, Edinho Silva (PT). Ele toma posse na próxima terça-feira no lugar de Thomas Traumann, que caiu após o vazamento de um documento interno afirmando que existe um “caos político no país” e que a comunicação do governo e do PT está “errada e errática”. Edinho é nome de confiança também do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Nos últimos meses, o PT pressionou a presidente a transferir a verba publicitária do governo — estimada em R$ 200 milhões/ano — para o Ministério das Comunicações, comandado pelo petista . Em reunião fechada, há 10 dias, o presidente nacional do PT, Rui Falcão, defendeu uma administração mais política dessa verba. Depois de reclamar da maneira com que os veículos de comunicação cobriram as manifestações de 15 de março, ele disse que o governo deveria cortar anúncios nesses meios. A assessoria de Falcão afirmou que as palavras dele foram “mal interpretadas e descontextualizadas”. Continuação da Resenha Diária 28/03/15 22

Edinho Silva foi prefeito de Araraquara (SP) por duas vezes, além de presidente do PT-SP e deputado estadual. Durante a reforma ministerial, chegou a ser cotado para o cargo, mas a presidente recuou depois de as contas de campanha dela terem sido questionadas pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Com a aprovação das mesmas pela Corte, Edinho passou a ser cotado para a presidência da Autoridade Pública Olímpica, órgão do governo que acompanha os preparativos das Olimpíadas de 2016. Mas desistiu por temer ser reprovado na sabatina do Senado.

Análise da notícia PMDB deixado de lado Se atende aos anseios do PT, a “reforma ministerial pontual” anunciada ontem pela presidente Dilma Rousseff não resolve o impasse com o mais perigoso aliado do Planalto no momento, o PMDB. Cid Gomes, antecessor de Renato Janine Ribeiro no MEC, foi derrubado pelo partido do Michel Temer, após acusar a legenda de ter achacadores, como o presidente Eduardo Cunha, e ajudar, ao lado do ministro das Cidades, , a planejar uma nova legenda — o PL — para desidratar o PMDB. O auge do prestígio dado ao peemedebista foi a “deferência” concedida pelo Planalto de ser Cunha o porta-voz oficial, para o Brasil, da demissão de Cid. Tão logo ela foi confirmada, o PMDB desfilou uma série de nomes para o MEC: Gastão Vieira, Saraiva Felipe e, por último, Gabriel Chalita, o atual secretário municipal de Educação de São Paulo. Pupilo do vice-presidente Michel Temer, Chalita foi sondado pelo padrinho se aceitaria o cargo, caso fosse indicado. Afirmou que, a princípio, gostaria de permanecer em São Paulo, para ser vice na chapa de Haddad em 2016. “Mas convite da presidente não se recusa”, deixou em aberto. O convite não veio e o PMDB ficou sem a pasta. (PTL)

Para Aécio, ciclo do PT acabou Em Lima, senador tucano diz que a população foi enganada pelo governo e critica o desempenho do PIB

Ao comentar a crise no Brasil durante seminário em Lima, no Peru, o presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), afirmou ontem que “o ciclo de governo do PT já acabou, para a felicidade dos brasileiros”. A declaração foi feita em resposta a um questionamento do escritor peruano Álvaro Vargas Llosa — filho do prêmio Nobel de Literatura Mario Vargas Llosa — sobre o mistério do Brasil “que não termina de decolar e que todos os latino-americanos precisamos que decole para que se torne a potência da região, como uma Alemanha”. O tucano foi convidado para palestra durante o Seminário Internacional América Latina: Desafios e Oportunidades, organizado pela Fundação Internacional para a Liberdade (FIL). De acordo com o senador, um dos pontos principais da crise é a centralização de poder adotada pelo PT, que classificou como “presidencialismo imperial”. O tucano afirmou ainda que governos populistas, como no Brasil, “têm muito pouco apreço” por regras de boa gestão fiscal e criticou o baixo crescimento do PIB do país em 2014, cujo índice foi de 0,1%. “Essa é a herança de um governo que abandonou os pilares macroeconômicos solidificados no governo do presidente Fernando Henrique e nos levou a uma absoluta aventura. E hoje o que existe no Brasil não é apenas uma insatisfação em relação aos vergonhosos casos de corrupção, não é apenas uma enorme indignação com a perda desses pilares econômicos que nos têm levado a esse crescimento medíocre, ao retorno da inflação, à fuga dos investimentos. Há, hoje, no Brasil, um sentimento que permeia a nossa sociedade, de engodo”, disse.

Impeachment Em relação à pesquisa CNT/MDA, que mostrou que 59% de eleitores apoiam o impeachment de Dilma, Aécio disse que “os brasileiros se sentem enganados” e acusou o PT de abdicar de um projeto de país pra ter um “projeto de poder”, estabelecendo o “vale-tudo”. Apesar de classificar a crise brasileira como “gravíssima”, o senador Aécio Neves elogiou o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, em quem reconhece méritos, mas enxerga pouca margem de manobra. “É um técnico extremamente competente, mas está longe de ter a autonomia para fazer a reforma estruturante que o Brasil precisa. O que se apresenta até agora é absolutamente rudimentar, por mais que se apresente na direção correta. É rudimentar porque se limita ao aumento de tributos, e o Brasil já tem uma escorchante carga tributária de mais de 35% do PIB”, afirmou.

Em outro tema discutido no seminário, a relação com a Venezuela, o tucano acusou o governo federal de ser “cúmplice” da escalada de repressão adotada por Nicolás Maduro contra opositores e manifestantes. “Uma das mais dramáticas consequências dos equívocos do governo do PT se dá na política externa.”

Dirceu tem pico de pressão e é internado O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu teve um pico de pressão — que chegou a 19/14 — e foi levado a um hospital em Brasília no fim da tarde de ontem, para exames. Segundo o advogado Luis de Oliveira Lima, responsável pela defesa dele no processo do mensalão, Dirceu teria sentido dores de cabeça ao longo da tarde. Amigos chegaram a temer um acidente vascular cerebral, o que foi descartado pelos exames. Atualmente, Dirceu cumpre prisão domiciliar em Brasília e é investigado pela força-tarefa responsável pela Operação Lava-Jato. No fim do dia, ele teve alta e voltou para casa.

Continuação da Resenha Diária 28/03/15 23

Os limites entre a liberdade e privacidade Ao julgar caso específico de um assassinato na década de 1950, STF determinará até onde vai o direito ao esquecimento e à liberdade de expressão da imprensa MARCELLA FERNANDES

O Supremo Tribunal Federal (STF) analisará a aplicação do chamado “direito ao esquecimento”, que garante a uma pessoa impedir que um fato, ainda que verídico, seja exposto ao público. O recurso foi apresentado à Justiça por familiares de uma vítima de homicídio de grande repercussão ocorrido na década de 1950, em Copacabana, no Rio de Janeiro. A família alega que a dor do episódio voltou à tona após a exibição do caso em um programa de televisão em 2004. No texto, os irmãos da vítima alegam que notificaram a empresa sobre a objeção à lembrança do episódio e alegam que “a transmissão foi conduzida de forma extremamente desrespeitosa, mostrando cenas chocantes sem qualquer interesse público”. A emissora, por sua vez, alega que as informações estão disponíveis em arquivos públicos e fazem parte da história brasileira. Segundo a empresa, a exibição tinha como objetivo “trazer à balha questões importantes como a violência contra a mulher, a impunidade e a responsabilidade penal de menores de idade”. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro negou o pedido da família. Para o ministro do STF Luis Roberto Barroso, o direito à privacidade não pode limitar a imprensa. “A liberdade de expressão deve ser tratada como preferencial porque é pressuposto para um bom exercício de boa parte dos direitos fundamentais da democracia”, afirmou Barroso durante evento no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). Ele lembrou o histórico de cerceamento das liberdades no país, especialmente durante a ditadura militar, em que os veículos de imprensa passavam por censura prévia. O ministro ponderou, contudo, que a liberdade de expressão não é um direito absoluto e que a questão deve ser julgada caso a caso. Em relatório publicado em novembro no acórdão que definiu que o processo será julgado pelo Supremo, o ministro-relator Dias Toffoli escreveu que “esse julgamento terá o condão de detalhar e tornar um pouco mais nítida a proteção à dignidade humana frente aos órgãos de mídia e de imprensa”, uma vez que a decisão da Corte deverá ser acatada por outras instâncias judiciais. A legislação brasileira permite decisões favoráveis tanto à privacidade quanto ao direito à informação. Para Laura Schertel, especialista do IDP em direito à privacidade, a questão deve ser tratada com cuidado por envolver a colisão de direitos. “A difusão de informações é muito importante para a democracia e para a liberdade de expressão, mas por outro lado elas também trazem riscos à personalidade”, afirma.

Vitórias O Superior Tribunal de Justiça determinou em 2013 o pagamento de R$ 50 mil para um homem inocentado da acusação de envolvimento na chacina da Candelária e, posteriormente, retratado pelo mesmo programa de televisão envolvido na polêmica do caso da jovem que chegou ao STF. Ele foi absolvido por unanimidade da sequência de homicídios ocorridos em 23 de julho de 1993, no Rio de Janeiro. No processo, o homem alega que o episódio, em 2006, evocou uma situação já superada, reacendendo o ódio na comunidade onde morava e a imagem de assassino. Ele foi obrigado a abandonar o local. No entendimento do ministro-relator do caso, Luis Felipe Salomão, a notícia poderia ter sido contada sem usar a imagem e o nome do homem. Para Salomão, tanto pessoas inocentadas quanto aquelas que já cumpriram suas pena têm o direito de serem esquecidas. O juiz reconheceu, contudo, a importância da liberdade de expressão. “Em qualquer país do mundo não há Judiciário livre sem imprensa livre e vice-versa”, afirmou.

Informações pessoais A discussão sobre o direito ao esquecimento ganhou destaque em maio de 2014, quando o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que o Google deveria remover dos resultados de buscas referências a sites com informações pessoais que os cidadãos considerem inadequadas. A decisão partiu do caso do espanhol Mario Costeja González, que pediu a retirada de links referentes a um leilão de terras de sua propriedade publicado pelo jornal La Vanguardia, em 1998. Desde então, dos 232 mil pedidos que a empresa recebeu, 60% das solicitações foram negadas.

Casos famosos Relembre polêmicas entre direito à privacidade e à liberdade de expressão:

Topless O Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu em 2004 que uma mulher que fez topless em uma praia pública em Santa Catarina e teve uma foto publicada em um jornal não seria indenizada por danos morais. Ela alegou que se expôs apenas às pessoas da praia e não a um veículo de circulação nacional. Segundo o jornal, a cena foi publicada sem chamada sensacionalista ou uso irregular da foto e o fotógrafo tinha direito a fazer a imagem.

Chico Buarque O cantor defendeu que teve a privacidade violada ao ser fotografado em uma praia no Rio de Janeiro aos beijos com Celina Sjostedt, esposa do dono de um estúdio de música frequentado pelo artista. A fotografia estampou a capa de duas revistas em 2005. Dias após o episódio, Celina publicou uma nota dizendo que, apesar de ser casada, tem uma vida independente do marido, mas que não era namorada do cantor.

Daniela Cicarrelli Continuação da Resenha Diária 28/03/15 24

A modelo Daniela Cicarrelli conseguiu em 2007 que um vídeo dela com o namorado em cenas íntimas em uma praia na Espanha fosse retirado do YouTube. A decisão foi tomada pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. O caso gerou grande repercussão e chegou a veículos internacionais, como o jornal The New York Times. Apesar dos esforços em retirar as imagens do ar, muitos usuários do site relocaram as imagens na internet.

Maitê Proença Após posar nua para a revista Playboy, a atriz teve as fotos publicadas em um jornal carioca sem consentimento. Ela ingressou com ação de indenização por danos material e moral, alegando que a foto a colocava em uma situação constrangedora, especialmente porque o público das publicações era distinto. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro entendeu que não havia dano moral, mas a decisão foi revista no Superior Tribunal Federal (STJ).

Pior do pior Vicente Nunes

A presidente Dilma Rousseff, estrategicamente, não fez comentários públicos sobre o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) de 2014— alta de 0,1% —, mas se espera que, no conforto do Palácio do Planalto, tenha se conscientizado do mal que fez ao país nos quatro primeiros anos de mandato. A estagnação da economia no ano passado e o tombo de até 2% previsto para 2015 mostram que a política que esteve sob a batuta do então ministro da Fazenda, , foi um fracasso. Foram muitos os alertas sobre os erros que o governo estava cometendo, mas, em vez de ouvir os avisos, Dilma preferiu desqualificar os que ela chamava de críticos pessimistas. Se ao menos tivesse tido um pouco de humildade para avaliar os resultados que estava colhendo, certamente os brasileiros não estariam hoje ameaçados pelo desemprego e pela queda da renda. Dilma, que segundo o seu professor na Universidade de Campinas, Luiz Gonzaga Beluzzo, entrava muda e saia calada das aula de economia, apostou todas as fichas na teoria de que o Brasil poderia conviver com um pouco mais de inflação para impulsionar o crescimento. Acreditou que o Estado poderia bancar, por tempo indeterminado, estripulias para cobrir tarifas de energia elétrica. Não se intimidou em destroçar o caixa da Petrobras ao segurar os preços dos combustíveis. Em vez de atingir seus objetivos, Dilma destruiu a capacidade de avanço da economia. Semeou a desconfiança que travou os investimentos produtivos e o consumo das famílias. O estrago foi tamanho que ela conseguiu reverter duas das principais bandeiras do PT, o partido dela: a redução das desigualdades sociais e a manutenção do emprego. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), desde 2012, com a inflação alta, vem aumentando o fosso que separa pobres e ricos e, apenas nos dois primeiros meses deste ano, a taxa de desocupação saltou de 4,3% para 5,9%. A situação só não é mais desesperadora porque, depois das eleições presidenciais, uma nova Dilma deu as caras. Como num passe de mágica, ela, que havia negado qualquer problema na economia durante a campanha à reeleição, admitiu que o Brasil flertava com o descalabro administrativo. Para dar um tom de responsabilidade ao governo, demitiu Mantega e nomeou Joaquim Levy para a Fazenda. A partir daí, o país foi se conscientizando do tamanho do buraco que havia sido cavado pela tal nova matriz econômica de Dilma. As contas públicas escancararam um rombo de quase 7% do PIB e a inflação encostou nos 8%, o que não se via desde 2003, quando Lula tomou posse pela primeira vez. Justamente para reverter esse desastre, o país terá que fazer o maior esforço fiscal dos últimos 16 anos. Esse arrocho, combinado ao aumento da taxa básica de juros (Selic), que está em 12,75% ao ano, e à suspensão de obras da Petrobras por causa da corrupção, levará a uma pesada recessão. Não se sabe até quando Dilma terá estômago para aguentar a pressão política contra os ajustes tão necessários à economia. Mas é certo que, sem ele, dificilmente ela conseguirá terminar o mandato de cabeça em pé. Pode até permanecer no trono. Mas sua biografia depois de 2018 ostentará o título de uma das piores presidentes da história do Brasil. Pelo resultado do PIB nos quatro primeiros anos do mandato, ela já está na linha de frente quando se avalia o período pós-redemocratização do país. O avanço médio anual de 2,1% do PIB só não é menor do que a contração de 1,7% nos dois anos de Collor de Mello. Dilma é séria candidata ao pior do pior.

Liga Árabe discute aval a intervenção Líderes se reúnem no Egito para analisar o conflito no país, onde aviões sauditas bombardearam os rebeldes xiitas pelo segundo dia consecutivo

A Liga Árabe discute hoje a intervenção de uma coalizão liderada pela Arábia Saudita no conflito do Iêmen, onde foram bombardeados pelo segundo dia consecutivo alvos identificados como bases dos rebeldes xiitas houthis. A operação foi lançada depois de o presidente Abd-Rabbo Mansour Hadi pedir socorro e se refugiar na capital saudita, Riad. Hadi não conseguiu conter o avanço dos opositores, que há meses ameaçam a estabilidade do governo com apoio de militares leais ao ditador deposto, Ali Abdullah Saleh. Nas primeiras 24 horas da operação, batizada de Tempestade Decisiva, ao menos 39 civis morreram. A ação dividiu opiniões, dentro e fora do país, e forçou famílias que viviam na Continuação da Resenha Diária 28/03/15 25 capital, Sanaa, a buscar refúgio em outras cidades, após prédios e casas serem destruídos. Ontem, longas filas se formaram em frente a postos de gasolina e vários comércios passaram o dia com as portas fechadas. Os houthis denunciaram a intervenção como uma “agressão injustificada” ao país, e prometeram responder aos ataques. O apoio à coalizão, no entanto, ganhou mais força. O Reino Unido anunciou que se juntará aos Estados Unidos e fornecerá ajuda técnica ao reino saudita. Em declaração à imprensa, o chanceler Philip Hammond afirmou que o país contribuirá “com tudo que puder para a operação dos sauditas e o Conselho de Cooperação do Golfo”. Ele ressaltou, porém, que Londres não se envolverá em uma ação militar por terra. Na noite de quinta-feira, o presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, também se manifestou em apoio à intervenção internacional e reiterou a acusação ao Irã por supostamente apoiar os rebeldes iemenitas. “Teerã deve retirar todas as forças que tem no Iêmen, bem como na Síria e no Iraque, e respeitar a integridade territorial desses países.” O regime islâmico iraniano, controlado pelo clero xiita, é acusado pelo presidente Hadi e por seus aliados internacionais de dar apoio militar e financeiro para os houthis. Apesar dos indícios, o país nega qualquer envolvimento na crise. O chanceler Mohammed Javad Zarif alertou que a operação estrangeira fere a soberania do Iêmen e coloca em risco a segurança de toda a região. “Eles precisam parar. Todo mundo deve encorajar o diálogo e a reconciliação nacional no Iêmen, em vez de tornar ainda mais difícil para os iemenitas se entenderem”, defendeu Zarif. Riad Yassin, ministro das Relações Exteriores do Iêmen, que no início da semana fez apelos à comunidade árabe sunita para que interviesse em favor do seu governo, disse esperar que a operação estrangeira termine rapidamente. “Acho que, se eles completarem a missão nos próximos dias ou horas, isso (conflito) será contido. É uma campanha curta e rápida que fomos forçados a requisitar”, justificou-se Yassin, em entrevista à rede britânica BBC. Descartando um prazo para o fim da intervenção, um porta-voz da coalizão disse que “os bombardeios da operação Tempestade Decisiva foram um sucesso e se estenderão até que se alcancem os objetivos”. A entrada de forças internacionais no conflito iemenita não diminuiu a tensão entre tribos e etnias rivais. Separatistas do sul do país, que recentemente se alinharam com Hadi, protagonizaram um ataque a tiros contra houthis, deixando 21 mortos. As vítimas circulavam em três veículos e foram atingidas na região de Al Waht, 15 km ao norte de Áden, no sul, onde o presidente se refugiou antes de deixar o país. Após fugir, com ajuda saudita, Hadi viajou ontem de Riad para o Egito, onde participa hoje de uma reunião de cúpula da Liga Árabe, em Sharm El-Sheikh, no litoral do Mar Vermelho. Entre outros temas, os líderes devem discutir a possibilidade de uma intervenção militar por terra no Iêmen.

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