Simpósio Nacional De História - 2007
Total Page:16
File Type:pdf, Size:1020Kb
Associação Nacional de História – ANPUH XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA - 2007 As relações entre a música popular e o ensino de história na Argentina e no Brasil: o período ditatorial Alexandre Felipe Fiuza∗ Resumo: Esta comunicação estabelece comparações entre as trajetórias dos músicos brasileiros e argentinos, suas militâncias políticas e suas canções durante as ditaduras argentina (1976-1983) e brasileira (1964-1984). Portanto, por meio da atuação dos músicos, nas intersecções do campo artístico e político, igualmente pela produção musical daí advinda, propõe-se reflexões no ensino de história sobre os dois países. Tal perspectiva busca analisar a importância da preservação da memória do período ditatorial a partir de canções, a exemplo das compostas e/ou interpretadas pelos argentinos Maria Elena Walsh, Mercedes Sosa, Charly García e León Gieco, e pelos brasileiros Raul Ellwanger, José Rogério Licks e Manduka. Palavras-chave: Ensino de história, canções, ditaduras. Abstract: This communication aims at establishing comparisons between the personal histories of Brazilian and Argentinian musicians, their political militancy and their songs composed during the Argentinian (1976-1983) and Brazilian (1964-1984) dictatorships. Therefore, by means of the musicians’ activities in the intersections of the artistic and political fields, as well as by the musical production originated from that, this study proposes some reflections on the teaching of the history of both countries. Such perspective highlights the importance of preserving the memory of the dictatorial period by means of songs, like the ones composed and/or interpreted by the Argentinian Maria Elena Walsh, Mercedes Sosa, Charly García and León Gieco, and by the Brazilian Raul Ellwanger, José Rogério Licks and Manduka. Key-words: History teaching, songs, dictatorships. Com o Golpe Militar1 em 1964, o Brasil passou a viver uma experiência não tão comum, a do exílio. Imediatamente ao início desta ditadura uma primeira leva de exilados afastou do país brasileiros de já destacada atuação, como profissionais liberais, políticos e professores. Já conhecidos em suas atividades no Brasil e mesmo no exterior, foram contratados por Universidades e diferentes órgãos não-governamentais de diferentes países. No exterior, realizaram atividades de denúncia contra a ditadura e criaram redes de informação para abastecer de notícias sobre as ações da ditadura brasileira, particularmente sobre a repressão política e a censura. Professor do Colegiado de Pedagogia e do Mestrado em Educação da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE). Doutor em História – UNESP/ Assis. 1 Inúmeras pesquisas apontam para a necessidade de uma revisão da caracterização do regime mediante a incorporação do termo “civil-militar”. Por esta perspectiva, o Golpe e a manutenção da ditadura se constituiriam da conjugação de interesses civis e militares. Ao nosso ver, tal preocupação procede desde que não maximize este apoio civil e atenue o decisivo protagonismo dos militares nestes vinte anos de ditadura no Brasil. ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007. 2 Contudo, em relação aos músicos, poucos se exilaram no início da ditadura. Uma significativa parcela destes fugiu do país a partir de 1968, quando da decretação do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Este ato manteve a Constituição imposta pelos militares em 1967, mas acresceu a possibilidade de fechar as assembléias legislativas estaduais e federal, decretar a intervenção nos Estados e Municípios, suspender os direitos políticos de quaisquer cidadãos pelo prazo de 10 anos, cercear ainda mais a liberdade, decretar o estado de sítio e prorrogá-lo, suspender a garantia de habeas corpus, entre outras. Tal endurecimento do regime não se deu unicamente nesta legislação, afinal, esta política possibilitou também um maior controle sobre os sindicatos, o movimento estudantil, a oposição política como um todo. A Censura já era exercida antes mesmo do Golpe, mas, a partir de 1964 e em maior grau a partir de 1968, o veto aos temas políticos e morais acentuou-se significativamente. Portanto, estavam banidos do cenário político não apenas os movimentos políticos, mas também qualquer atividade jornalística ou manifestação artística contrárias aos interesses do regime militar. Em meio a esse clima repressivo, alguns dos músicos da chamada música popular brasileira, que encontraram nos festivais da canção a partir de 1966 uma vitrine decisiva, foram atingidos duplamente na medida em que conjugavam a militância política nas universidades com a atividade artística cada vez mais cerceada. Portanto, para aqueles músicos que tiveram relação direta ou indireta com os movimentos armados de oposição ao regime e para aqueles que tiveram um controle acentuado de sua produção artística através da censura e das freqüentes intimações para prestar depoimentos nas delegacias, o exílio foi a saída escolhida. Em Paris, no Quartier Latin quase tudo era possível para estes exilados: as revoluções, os contratos com as gravadoras, os movimentos políticos, sindicais e de luta contra as ditaduras e pela anistia. Não foi diferente em Santiago do Chile, em Buenos Aires, ou em alguns bairros londrinos. Nessas pequenas “ilhas”, entre as décadas de 1960 e 1970, se encontravam músicos advindos das ditaduras da América Latina, da Península Ibérica, da Grécia, como náufragos de mares agitados por golpes militares. Contudo, houve também um movimento inverso com a vinda de músicos chilenos e argentinos para o Brasil, apesar da ditadura em comum. Foi também em razão da existência da ditadura, no caso da Argentina, que levou o violonista argentino Juan Falú, natural de Tucumán, a exilar-se no Brasil. Juan é sobrinho do também renomado violonista argentino Eduardo Falú. A militância política de Juan Falú começou nos tempos de Universidade, como aluno de Psicologia Clínica e teve continuidade mediante sua participação em grupos revolucionários. Em seu exílio, entre os anos de 1978 e 1980, integrou-se ao grupo Tarancón ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007. 3 e também acompanhou Abílio Manoel em suas apresentações. O grupo musical, a exemplo do grupo Raíces de América, foi fundamental para a divulgação de canções folclóricas latino- americanas, além de serem responsáveis pelo êxito das canções de protesto argentinas e chilenas no Brasil. Nos arquivos dos DOPS (Departamento de Ordem Política e Social) também se encontram prontuários de inúmeros músicos estrangeiros. Por exemplo, no DEOPS estão dezesseis documentos em que o nome da cantora argentina Mercedes Sosa foi citado primária ou secundariamente entre 1977 e 1982. Esta documentação se refere a espetáculos no Brasil; participação em eventos, como no Festival Nacional Mulheres nas Artes, em 1982; por ter sido aludida em um manifesto: “Ref. Citada no panfleto ref. 30.000 desaparecidos na Argentina”2; ou ainda por ser “cantora conhecida como intérprete de canções de protesto”3; entre outros. No Brasil, também não foi diferente a repressão aos estrangeiros considerados inimigos da Segurança Nacional, constam entre os “desaparecidos” três argentinos: Noberto Armando Habeger, o padre Jorge Oscar Adur e Ernesto Ruggia (TELES, 2001: 179). O músico gaúcho Raul Ellwanger é um dos músicos advindos do movimento estudantil e que entrou na luta armada. Ele é muito citado nos documentos dos DOPS. Novamente a causa principal não se deve diretamente às suas composições. Sua ficha foi encontrada no DEOPS/SP e a dois mil quilômetros de distância no arquivo do DOPS do Estado da Paraíba, cujo prontuário de nº. 230, trazia apenas seu local de nascimento e filiação, além da informação de que era “militante foragido da VAR [Vanguarda Armada Revolucionária] – Palmares, Rio Grande do Sul”. No mesmo arquivo aparece numa lista de procurados, sob o pseudônimo de “Gaspar”. No arquivo paulista, aparece na relação dos elementos envolvidos em subversão, “implicados com a VAR – Palmares e procurados pela SSP/RS”.4 Ainda em São Paulo, a ficha de Ellwanger remete a outros 120 documentos, trazendo num deles um outro pseudônimo, “Juca”. Num outro documento do DEOPS está anexa sua ficha originada na 2a Seção do II Exército: “Comunista fanático. Elemento ligado à ex-UNE [União Nacional dos Estudantes]. Considerado um dos mais violentos esquerdistas dentro da PUC. Orador com temas esquerdistas (festivais de canção)”. 5 Sua ficha é adensada 2 Arquivo do Estado de São Paulo. Arquivo DEOPS, Divisão de Informações do DOPS, nº. 20-C-44-9505, datado de 13 abr. 1980. 3 Idem, nº. 21-Z-14-3836 rm, datado de out. 1977. 4 Pasta 30-Z-10-7113, Arquivo do DEOPS, Arquivo Público do Estado de São Paulo. 5 Pasta 50-Z-9-181728, idem. ANPUH – XXIV SIMPÓSIO NACIONAL DE HISTÓRIA – São Leopoldo, 2007. 4 com: “Agitador. Orador de alguns recursos. Participa de concursos de música com temas esquerdistas (Festivais de Canção).” 6 Raul Ellwanger teve uma significativa inserção no meio musical do Cone Sul. Gravou em 1984 um disco intitulado Gaudério que contou com a participação de dois argentinos: o músico León Gieco e a cantora Mercedes Sosa, além da participação do cubano Pablo Milanés. Este disco teve duas de suas dez faixas gravadas em Buenos Aires e as demais no Rio de Janeiro. Em Pialo de Sangue, contou com a produção de León Gieco, autor da outra faixa Eu só peço a Deus, numa versão de Raul, mais tarde gravada por Beth Carvalho. Estes contatos foram iniciados ainda durante seu exílio na Argentina entre 1973 e 1977. Em seu disco Raul Ellwanger, de 1980, grava