ATH #1 Anarquismo, teoria e história , theory and history Anarquismo, teoría y historia Anarchisme, théorie et histoire

# 1, 10/2015 ISSN: 0000-0000 ITHA-IATH

Editorial (pt/en) ... 03 ITHA-IATH

Anarquismo, Teoria e História (pt) ... 07 Felipe Corrêa e Rafael Viana da Silva

Presenting (en) … 49 Michael Schmidt and Lucien van der Walt

Apresentando Chama Negra (pt) ... 81 Michael Schmidt e Lucien van der Walt

ITHA-IATH 2015

ATH é uma publicação multilingue do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) que reúne, semestralmente, um conjunto de textos selecionados pelo Corpo Editorial visando contribuir com os objetivos do ITHA: difundir pesquisas históricas e teóricas sobre o anarquismo, investigações de questões teórico-metodológicas e conjunturais realizadas desde uma perspectiva libertária, assim como material de fontes primárias, produzidos pelos próprios anarquistas. O ITHA adota uma abordagem interdisciplinar e não necessariamente acadêmica; aceita também contribuições de interessados, estudiosos autônomos e militantes do anarquismo, desde que respeitados os Critérios de Publicação. Publica textos de autores clássicos e contemporâneos, inéditos ou não, e utiliza como critério principal de publicação a qualidade dos textos e a seriedade no tratamento do assunto. Aceita material em distintos idiomas (português, inglês, espanhol e francês). É gerido por um Corpo Editorial (Editores e Conselho Editorial), que avalia e aprova as publicações e é responsável pela atualização do site, das redes sociais e pela edição da revista. A revista ATH tem formato acadêmico, ainda que não se restrinja à publicação de textos acadêmicos. O critério de seleção dos artigos para revista é variado, podendo priorizar eixos temáticos, de acordo com decisão do Corpo Editorial. Os artigos devem ser, sempre, submetidos para publicação no site; quando o autor tiver interesse que seu texto seja publicado, também, na revista, esse desejo deve ser manifestado no momento do envio do artigo para o ITHA. Entretanto, a publicação ou não na revista, e a escolha da edição em que isso será feito, cabe ao Corpo Editoral.

ATH is a multilingual publication of the Institute for Anarchist Theory and History (IATH) that collects, every six months, a set of texts selected by the Editorial Board with the aim of contributing to the IATH objectives: to disseminate historical and theoretical research on anarchism, investigations of theoretical, methodological and conjunctural issues, carried out from a libertarian perspective, as well as primary sources of material produced by anarchists themselves. IATH adopts an interdisciplinary and not necessarily academic approach; it also accepts submissions from sources of general interest, independent researchers and anarchist militants, provided the Criteria for Publication are respected. It publishes texts by classic and contemporary authors, unpublished or not, and uses as its main publication criteria the quality of the texts and their seriousness in handling the matter. It accepts materials in different languages (Portuguese, English, Spanish and French). It is managed by an Editorial Board (Editors and Editorial Council) which evaluates and approves publications and is responsible for updating the website and social networks and the editing of the journal. The ATH journal has an academic format, although it is not restricted to the publication of academic texts. The criteria for selection of articles for the magazine is varied and it is possible to prioritize themes, according to the decision of the Editorial Board. Papers should always be submitted for publication on the website; when the author is interested in their text also being published in the journal this desire must be expressed at the time of sending the article to IATH. However, publishing it or not in the journal, and the choice as to which issue it will be published in is the responsibility of the Editorial Board.

Corpo Editorial / Editorial Board

Editores /Editors * Daniel Augusto Alves (Rio Grande do Sul, Brasil) * Felipe Corrêa (São Paulo, Brasil) * Dimitris Troadis (Melbourne, Australia) * Lucien van der Walt (Grahamstown, South * Emilio Crisi (Rosário, ) Africa) * Gabriel Amorin (, Brasil) * Michael Schmidt (Johannesburg, South Africa) * Henrique Bezerra (Ceará, Brasil) * Rafael Viana da Silva (Rio de Janeiro, Brasil) * João Gabriel da Fonseca Mateus (Goiás, Brasil) * Jonathan Payn (Johannesburg, South Africa) Conselho Editorial / Editorial Council * Kauan Willian dos Santos (São Paulo, Brasil) * Anderson Romário Pereira Corrêa (Rio Grande * Luiz Felippe de Castro Henning (Paraná, Brasil) do Sul, Brasil) * Raphael Fernando Amaral (São Paulo, Brasil) * Brenda Aguilar (Cidade do México, México) * Victor Calejon (Santa Catarina, Brasil) * Bruno Lima Rocha (Rio Grande do Sul, Brasil)

ITHA-IATH http://ithanarquista.wordpress.com/ [email protected]

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EDITORIAL (pt/en)

ITHA-IATH

A revista Anarquismo, Teoria e História (ATH) é uma publicação semestral do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA) e visa contribuir com seus objetivos: difundir pesquisas históricas e teóricas sobre o anarquismo, investigações de questões teórico-metodológicas e conjunturais realizadas desde uma perspectiva libertária, assim como material de fontes primárias, produzidos pelos próprios anarquistas. Esta ferramenta, que se soma às outras existentes, pretende estimular e difundir as pesquisas do anarquismo e de suas estratégias (que incluem o sindicalismo de intenção revolucionária), e dar visibilidade ao material que tem sido produzido por pesquisadores de distintas partes do mundo. Mais do que juntar e disseminar textos sobre o anarquismo, o ITHA – e, assim, a revista ATH – pretende promover uma mudança na maneira de se estudar o anarquismo. Por meio de uma crítica a vários estudos precedentes, seu objetivo é promover novos elementos teórico-metodológicos que permitam um enfoque distinto e, a nosso ver, mais adequado deste objeto. Os textos escolhidos para compor esta primeira edição de ATH fundamentam estes elementos que vêm pautando nossas pesquisas. Ambos foram escritos por membros fundadores do ITHA e que são, também, editores de seu site e desta revista. “Anarquismo, Teoria e História”, de Felipe Corrêa e Rafael Viana da Silva analisa o contexto atual com foco nos estudos do anarquismo, promove uma crítica de estudos precedentes, redefine o anarquismo e estabelece sete teses que contestam conclusões de produções prévias que têm como base o senso comum, os enfoques ideológicos e os estudos de referência do tema. “Apresentando Chama Negra”, de Michael Schmidt e Lucien van der Walt, é o primeiro capítulo do livro Chama Negra: a política classista e revolucionária do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária, publicado em 2009 pela editora AK Press dos Estados Unidos. O texto introduz as complexas discussões do livro, discute o contexto atual e reestabelece novas bases para as investigações do anarquismo. Os autores conceituam o que entendem por “ampla tradição anarquista”, defendem a necessidade de um enfoque global, propõem uma nova maneira de se definir as correntes anarquistas e passam por questões como guerra, gênero, anti-imperialismo e marxismo.

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Estes textos introduzem os elementos teórico-metodológicos que temos buscado promover com o ITHA e que queremos difundir com esta revista. Entendemos que eles podem contribuir, juntamente com outras publicações – destes e de outros autores, que vêm sendo realizadas nos últimos anos – para um entendimento mais adequado do anarquismo. Esperamos, finalmente, que ATH constitua um espaço de discussões sérias sobre o anarquismo, de contribuições originais e de debates entre pesquisadores, sempre buscando o respeito mútuo e o aprofundamento do conhecimento deste tema, ao mesmo tempo tão relevante e tão inadequadamente estudado. ITHA / IATH

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The Anarchism, Theory and History (ATH) magazine is a biannual publication of the Institute for Anarchist Theory and History (IATH) and aims to contribute to its objectives: to spread historical and theoretical research on anarchism, investigations of theoretical and methodological and contextual issues held since a libertarian perspective, as well as material from primary sources produced by the anarchists themselves. This tool, which adds to the other existing, aims to stimulate and divulge the research of anarchism and its strategies (including ), and give visibility to the material that has been produced by researchers from different parts of the world. More than gather and disseminate texts on anarchism, IATH – and, thus, ATH magazine – aims to promote a change in the way of studying anarchism. Through a critique of several previous studies, its goal is to promote new theoretical and methodological elements required for a different, and, in our view, more appropriate approach of this object. The texts chosen to compose this first ATH edition underlie these elements that have been guiding our research. Both were written by founding members of IATH, who are also editors of your site and of this magazine. “Anarquismo, Teoria e História”, by Felipe Corrêa and Rafael Viana da Silva, analyzes the current context focusing on studies of anarchism, promotes a critique of previous studies, redefines anarchism and establishes seven theses contesting findings of previous productions which was based on common sense, ideological approaches and reference studies of the theme.

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“Presenting Black Flame”, by Lucien van der Walt and Michael Schmidt, is the first chapter of the book Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism, published in 2009 by AK Press in the United States. The text introduces the book’s complex and interlocking themes, discusses the key elements of the classic anarchist canon and restores a new basis for investigations into anarchism. The authors conceptualise what they mean by “broad anarchist tradition”, advocate the need for a global approach, propose a new way of defining the anarchist currents and go through issues such as theoretical and organisational approaches to the militant minority’s relationship to the masses, to war, race, gender, anti-imperialism, and . Together these texts introduce the theoretical and methodological framework that we have sought to promote with IATH and that we want to spread with this magazine. We understand that they can contribute, along with other publications – by these and other authors, working in recent years – for a better understanding of anarchism. We hope ultimately that ATH constitutes a space for serious discussions on anarchism, and for original contributions and debates among researchers, always seeking mutual respect and deeper understanding of this living tradition, yet so relevant and so inadequately studied. ITHA / IATH

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ANARQUISMO, TEORIA E HISTÓRIA (pt) Felipe Corrêa1 e Rafael Viana da Silva2

OS ESTUDOS DO ANARQUISMO E O CONTEXTO ATUAL Ainda que seja um fenômeno que existe, permanente e globalmente, há praticamente 15 décadas, e que esteja relacionado à parte significativa das mudanças sociais do mundo contemporâneo, o anarquismo é pouco estudado e, mesmo, pouco conhecido, dentro e fora da academia. A motivação do primeiro estudo acadêmico sobre o anarquismo, realizado por Paul Eltzbacher (2004, p. 3), em 1900, foi a vontade de compreensão científica desse objeto, partindo da constatação sobre a “completa falta de idéias claras sobre o anarquismo”, “não somente entre as massas, mas entre acadêmicos e homens de Estado”. Realizando um levantamento bibliográfico de sua época, de maneira a analisar as definições vigentes desse objeto, o pesquisador constatou, nas distintas fontes encontradas, que: ora a lei suprema do anarquismo é descrita como uma lei histórica da evolução, ora é a felicidade do indivíduo, ora é a justiça. Ora dizem que o anarquismo culmina na negação de todo programa, que ele possui somente um objetivo negativo; ora, por outro lado, que seu aspecto negativo e destruidor é equilibrado por um aspecto afirmativo e criativo; ora, em conclusão, que o que é original no anarquismo relaciona-se exclusivamente às suas afirmações sobre a sociedade ideal, que sua essência verdadeira e real está em seus esforços positivos. Ora se diz que o anarquismo rejeita o direito, ora que ele rejeita a sociedade, ora que ele rejeita somente o Estado. Ora se declara que, na sociedade futura do anarquismo, não há vínculos contratuais ligando as pessoas; ora, por outro lado, que o anarquismo busca ter todas as questões públicas solucionadas por contratos entre comunas e sociedades federativamente constituídas. Ora se diz que, em geral, o anarquismo rejeita a propriedade, ou pelo menos a propriedade privada; ora se realiza uma distinção entre o anarquismo comunista e individualista, ou mesmo entre o anarquismo comunista, coletivista e individualista. Ora se declara que o anarquismo concebe a sua realização por meio do crime, especialmente por meio de uma revolução violenta e com o auxílio da propaganda pelo fato; ora, por outro lado, que o anarquismo rejeita as táticas violentas e a propaganda pelo fato, ou que esses não são, necessariamente, elementos constitutivos do anarquismo. (Eltzbacher, 2004, pp. 3-4)

1 Editor pós-graduado pela Escola de Sociologia e Política de São Paulo, mestre pela Universidade de São Paulo (USP), doutorando do Programa de Pós-Graduação em Educação, área de concentração Ciências Sociais na Educação, da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Membro da Comissão Editorial da Faísca Publicações e do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA). E-mail: [email protected]. 2 Historiador graduado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), mestre e doutorando pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), no Programa de Pós-Graduação em História. Membro da Comissão Editorial da Faísca Publicações e do Instituto de Teoria e História Anarquista (ITHA). E-mail: [email protected].

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Por meio das constatações de Eltzbacher, nota-se que havia, naquele momento, um problema, caracterizado pela dificuldade de compreensão do anarquismo e que envolvia sua definição, suas negações, proposições, estratégias e correntes. Mesmo que tenham se passado mais de cem anos de sua realização, e que sejam levados em conta os inúmeros esforços levados a cabo desde sua publicação para solucionar o problema por ele colocado, pode-se dizer que continuam havendo, ainda hoje, debates e discordâncias nas soluções e respostas dadas a esse problema fundamental. Desde a publicação do estudo de Eltzbacher houve, basicamente, dois tipos de estudos que lidaram com o problema por ele colocado. Por um lado, uma produção militante, dos próprios anarquistas que, com função mais política do que científica, refletiu sobre os pontos em questão; alguns autores, como no caso de Piotr Kropotkin, buscaram conciliar as posições políticas e científicas, não sem grandes dificuldades. Por outro lado, uma produção acadêmica, que, bastante escassa, debruçou-se sobre algumas dessas questões. A escassez dos estudos levados a cabo nas universidades pode ser compreendida como resultado de um complicado contexto, do qual se podem destacar alguns aspectos. Primeiramente, uma correlação de forças desfavorável entre o status-quo e as idéias contestadoras em geral. Pode-se dizer que, pelo fato de a produção de conhecimento – e, por isso, a educação e, particularmente, a universidade – constituir um dos pilares dos sistemas de dominação, é natural que investigações que, de certa maneira, coloquem em xeque pressupostos básicos destes sistemas, apresentem ou fortaleçam alternativas a ele, tendam a ser desfavorecidas. Em segundo lugar, uma correlação de forças desfavorável dentro do próprio campo contestador, que inclui a esquerda e o socialismo. Em termos históricos – principalmente após a ascensão do marxismo-leninismo, o estabelecimento da URSS e a bipolarização do mundo –, o fato de o anarquismo ter constituído uma corrente minoritária fez com que, com freqüência, se identificasse completamente esquerda e socialismo com o marxismo, num processo em que as experiências soviética, chinesa e cubana contribuíram significativamente. Em diversos países, os comunistas ocuparam muitos espaços militantes dos quais os anarquistas outrora se nutriam; as disputas de memória, nesse sentido, minimizavam ou negavam o tronco socialista do anarquismo. Nesse contexto, o anarquismo foi, muitas vezes, apagado da história; em outros casos, ao ser tratado por seus adversários e/ou inimigos, foi completamente deturpado e/ou ridicularizado. Soma-se a isso o fato de, em diversos países, os marxistas terem, deliberadamente, decidido disputar espaço na academia, o que lhes proporcionou, em

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várias circunstâncias, condições para o estudo e a difusão de suas idéias, processo bastante beneficiado pelo apoio, inclusive financeiro, do antigo mundo “socialista”. Os anarquistas, em geral, não vêm priorizando a universidade como um espaço de disputa e têm se dedicado, com freqüência, às produções próprias, com foco político- ideológico e militante, executadas e distribuídas, geralmente, em meio a imensas dificuldades. Ainda assim, há uma minoria que, ingressando na academia, tem encontrado alguns simpatizantes e conseguido recolocar o anarquismo em cena. Para além dessas questões, mais políticas do que técnicas, há outra dificuldade, que é o acesso às fontes. No Brasil, o acesso às fontes primárias traduzidas ao português é restrito, como no caso das obras dos clássicos e autores anarquistas; fontes secundárias de qualidade, de estudos sobre o tema, também são escassas. É praticamente impossível realizar, hoje, uma pesquisa abrangente sobre o anarquismo, sem o estudo de obras em outros idiomas, as quais, também não são abundantes e nem sempre simples de serem encontradas. Esse panorama explica, em grande medida, o motivo de o anarquismo ser pouco estudado – e, portanto, pouco compreendido – nas universidades. Conforme afirma Lucien van der Walt (s/d, p. 6), “mais do que qualquer outra ideologia moderna, o anarquismo tem sido mal-compreendido, inclusive pelos acadêmicos”. Segundo sustenta, “o anarquismo ‘não tem sido bem tratado na academia’; marginalizado no currículo universitário, suas visões continuam a não ser ‘completamente respeitáveis, em termos acadêmicos’”. Constatamos, sem dificuldades, que essas constatações do autor são verídicas. Entretanto, há exceções; algumas produções – realizadas por anarquistas, pesquisadores simpáticos ao anarquismo e, em menor grau, acadêmicos comprometidos com o rigor metodológico –, lidando com todas as dificuldades em questão, conseguiram atingir excelente qualidade e proporcionar avanços significativos. Desenvolveram-se investigações sobre o anarquismo na História, nas Ciências Sociais, na Pedagogia, na Geografia, na Filosofia entre outras áreas do conhecimento.3 Muitas dessas pesquisas, buscando solucionar a problemática das fontes, têm se apoiado nas produções próprias dos anarquistas (jornais, panfletos, brochuras, livros, estudos etc.), as quais não são muito fáceis de encontrar, visto que estão dispersas e, diversas vezes, restritas ao universo dos próprios militantes; entretanto, iniciativas como o Arquivo Edgar Leuenroth, da UNICAMP; a Biblioteca Social Fábio Luz, do Rio de Janeiro; o Arquivo de Memória Operária do Rio de Janeiro (AMORJ); e, mais

3 Para uma compilação ampla das produções realizada no Brasil, ver a seção “Teses” do site da Biblioteca Terra Livre [http://bibliotecaterralivre.noblogs.org/biblioteca-virtual/teses/].

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recentemente, a Biblioteca Terra Livre, de São Paulo, oferecem possibilidades. Outras investigações têm se apoiado nas fontes de adversários dos anarquistas, como no material produzido por correntes distintas da esquerda e/ou do socialismo, e lidam com a problemática política anteriormente mencionada. Há, também, aquelas que têm se apoiado em material produzido por seus inimigos, como no caso de arquivos do Estado, incluindo os da polícia política. Entre os anos 1960 e 1980 houve, globalmente, uma retomada do interesse nos estudos sobre o anarquismo, motivada, em grande medida, pela Nova Esquerda, potencializada pelo Maio de 1968 e pelo fim das ditaduras civis-militares em muitos países. Desenvolveram-se, nesse período, algumas das produções que constituem, até o presente, estudos referências do anarquismo. Num balanço histórico panorâmico, que leva em conta estudos realizados desde o século XIX até o presente, podemos dizer que, em meio a avanços significativos, proporcionados pelas várias pesquisas em questão, há, também, problemas significativos; permanecem, principalmente pela influência desses estudos de referência, elementos metodológicos, teóricos e históricos que complicam e limitam a continuidade das investigações. O processo de globalização, fortalecido nos fins dos anos 1990 com o desenvolvimento e a generalização da internet, a reorganização e o aumento da visibilidade dos anarquistas no último período vêm contribuindo com uma mudança de contexto que oferece possibilidades imensas para as investigações em geral, e do anarquismo em particular. Duas delas merecem ser comentadas. Primeiramente, as possibilidades abertas pela internet, que envolvem a melhoria no acesso e no compartilhamento das fontes e na comunicação entre os pesquisadores; hoje, sem grandes dificuldades, podem-se acessar materiais on-line, comprar livros atuais e antigos, mesmo os raros, contatar pessoas de dentro e de fora do país e trocar informações com outros pesquisadores. Isso, ao mesmo tempo, e em alguma medida, tem contribuído para a melhoria na qualidade dos estudos. Em segundo lugar, em termos globais, o crescimento das traduções e das publicações de obras anarquistas e de estudos sobre o tema, realizados, dentro e fora da internet, por novos projetos e editoras; especialmente no Brasil, houve, a partir dos anos 1980, um aumento significativo das traduções de obras clássicas e históricas do anarquismo, em especial as realizadas pela editora Novos Tempos / Imaginário. Os estudos atuais do anarquismo inserem-se nesse complexo contexto, representado, por um lado, por todas as dificuldades relacionadas à pesquisa do anarquismo – tanto no que diz respeito às questões políticas, quanto os problemas que

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envolvem método, teoria e história, em especial na academia; por outro, por esse momento particularmente favorável às investigações. O principal desafio colocado àqueles que hoje se debruçam sobre o estudo do anarquismo é solucionar os problemas precedentes e usufruir deste contexto, de maneira a avançar nas pesquisas, colocando-as em outro patamar. O contexto, apesar de ser favorável e oferecer possibilidades sem precedentes, não soluciona, por si só, todas essas questões; é necessário encontrar os entraves que têm impedido os avanços nas investigações e, debruçando-se sobre eles, avançar para compreensões e explicações mais adequadas do anarquismo. Trabalhos que vêm buscando cumprir este desafio têm sido empreendidos por alguns pesquisadores, dentro e fora do Brasil, dentre os quais se destacam o dos africanos Michael Schmidt e Lucien van der Walt. Entre outras produções, eles vêm trabalhando, há mais de uma década, na série Counter-Power, que inclui dois livros: Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism (Schmidt; van der Walt, 2009), de base teórica, e Global Fire: 150 fighting years of international anarchism and syndicalism (Schmidt; van der Walt, no prelo), de base histórica.4

A PROBLEMÁTICA DOS ESTUDOS DO ANARQUISMO As concepções vigentes de anarquismo têm estado profundamente permeadas de senso comum, abordagens completamente ideológicas5 e problemas teórico- metodológicos. Isso tem contribuído significativamente para que o anarquismo não seja compreendido adequadamente.

Senso comum e abordagens ideológicas Primeiramente, trataremos das abordagens que se pautam no senso comum. Os termos “anarquia” e seus derivados vêm sendo conceituados em termos de desordem, confusão, desorganização e caos. O Dicionário Online de Português6, por exemplo, em sua conceituação de “anarquia”, inclui “desordem, confusão: uma instituição onde reina

4 Ambos os livros, produzidos concomitantemente e apoiando-se na noção de interdependência entre teoria e história, foram elaborados a partir de um conjunto muito amplo de autores e episódios – em termos históricos, vai de 1868 ao presente; em termos geográficos, abarca os cinco continentes. Black Flame, de aproximadamente 700 laudas, já foi publicado, e Global Fire, de aproximadamente mil laudas, está em processo de finalização; seu manuscrito original nos foi disponibilizado pelos autores. A introdução de Black Flame está inserida neste livro, com o título de “Apresentando Chama Negra”. 5 Quando nos referimos às abordagens ideológicas, não sustentamos que há uma pesquisa livre dos valores do pesquisador. Consideramos que os “fatos do passado obtidos pela pesquisa empírica somente se articulam para formar o constructo significativo de uma história, isto é, o conhecimento histórico só é possível se e quando se atribui aos fatos um significado para a orientação na vida prática no tempo presente; sem o recurso a normas e valores, isso é totalmente impossível.” A grande questão não é “libertar o conhecimento histórico do espectro da subjetividade”, mas ter precauções com a prática histórica que incorpora “naturalidades prévias” e concepções sobre o anarquismo que nada mais fazem do que reproduzir o senso comum sobre essa ideologia. (Rüsen, 2001, pp. 113; 132) 6 http://www.dicio.com.br/.

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a anarquia; a anarquia dos espíritos”. O Dicionário Informal7 coloca como sinônimos de “anarquia”: “bagunça, confusão, desordem, fuzarca, presepada, atrapalhação, babel, balbúrdia, caos, desarranjo, desorganização” e como antônimos “autoridade, ordem, organizado”. Mesmo autores que, em tese, defendem o anarquismo, como no caso de Hakim Bey (2003, p. 85), afirmam que “anarquISMO em última análise implica anarquia – e anarquia é caos”. Na realidade, do ponto de vista histórico, esse senso comum vem sendo forjado há séculos, em grande medida como uma caricatura e um contra-imaginário produzido pelos adversários do anarquismo. No que tange ao campo político, as origens etimológicas do termo “anarquia” remetem-se, conforme sustenta Kropotkin (1987, p. 19), à sua raiz grega “an – e arke”, significando “contrário à autoridade”. George Woodcock (1998, p. 11) confirma essas raízes gregas do termo: “archon, que significa governante, e o prefixo an, que indica sem. Portanto, anarquia significa estar ou viver sem governo”. Em alguma medida, essa noção foi adotada por pensadores clássicos da teoria política, que contribuíram com essa significação terminológica. Thomas Hobbes (2008, p. 159), em Leviatã, de 1651, afirma que anarquia “significa ausência de governo”; John Locke (2005, p. 560), em Segundo Tratado sobre o Governo, provavelmente de 1689, defende que a anarquia “muito se assemelha à ausência total de governo”; Jean-Jaques Rousseau (2010, pp. 56; 71), em Do Contrato Social, de 1762, coloca que “o Estado, dissolvido, cai assim no despotismo ou na anarquia” e que “quando o Estado se dissolve, o abuso do governo, qualquer que seja, toma o nome de anarquia”. Essa utilização terminológica se fortalece no contexto da Revolução Francesa, conforme notam Alexandre Samis (2002, p. 47) e James Joll (1970, p. 48), o qual afirma que “anarquista” era “o termo adotado por Robespierre para atacar os da esquerda, de que se servira para os seus próprios fins, mas de quem resolvera se libertar”. Sans- cullotes franceses afirmavam serem seus amigos “aqueles a quem os aristocratas chamam anarquistas, facciosos, maratistas”. Em suma, são bastante antigas as noções de que “anarquia” constitui ausência de governo e dissolução do Estado e, a partir da Revolução Francesa, de que “anarquistas” são aqueles que possuem um papel desagregador e nocivo para a sociedade, visto que, questionando o status-quo, o Estado, o governo, colocam em xeque a própria sociedade. A concepção de que Estado é sinônimo de sociedade, hegemônica durante significativo período, contribuiu amplamente para que a contraposição a ele significasse a destruição da sociedade e o próprio caos.

7 http://www.dicionarioinformal.com.br/.

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Entretanto, termo “anarquia” foi reivindicado positivamente, tanto em contextos isolados – como foi o caso do venezuelano Antonio Muñoz Tébar (apud Gonzáles, 2009) que, em 1811, defendeu, como forma para a república, a anarquia, dizendo ser ela a liberdade: “Senhores, que a anarquia, com a tocha das fúrias em mãos, nos guie ao congresso, para que sua fumaça embriague os facciosos da ordem e os siga pelas ruas e praças gritando: Liberdade!” –, quanto em casos mais conhecidos e relacionados aos movimentos populares – como foi o caso de Pierre-Joseph Proudhon (1988, p. 233-237) que, em 1840, afirmou ser anarquista, entendendo por isso uma oposição aberta ao governo dos homens pelos homens e a “ausência de senhor, de soberano”. No Brasil, ainda antes de 1890, em uma das matérias publicadas em Província de São Paulo, Euclides da Cunha, à época simpático a Proudhon, escreve: “Nós (os republicanos), podíamos perfeitamente levantar esta palavra (a anarquia), que se nos atira como um armamento inquebrável; podíamos revestir-nos do título de anarquistas”. (Cf. Lopes, 2004, p. 27) Ainda assim, o sentido comum atribuído aos termos “anarquia” e seus derivados continuou a existir e grandes anarquistas da primeira onda8, como foram os casos de Mikhail Bakunin e James Guillaume, conforme apontam Marianne Enckel (1991, p. 199) e René Berthier (2010, p. 127), tiveram reticências em relação à utilização dos termos, justamente por razão do senso comum que existia em torno deles. Foi somente a partir da cisão da Primeira Internacional, em 1872, e da fundação, naquele mesmo ano, da Internacional Antiautoritária, uma associação popular e operária que reuniu a maior parte dos anarquistas europeus, que o termo “anarquia” e seus derivados passaram a ser utilizados mais constantemente pelos próprios anarquistas. Ainda assim, apesar dos esforços contrários dos anarquistas, o senso comum vem subsidiando, até o presente, a compreensão de grande parte da sociedade. Em segundo lugar, enfocaremos as abordagens completamente ideológicas, em geral relacionadas aos adversários políticos do anarquismo. Especialmente o marxismo tem contribuído, tanto em termos político-ideológicos, quanto dentro das universidades, para que o anarquismo seja considerado uma doutrina pequeno burguesa, liberal,

8 Para fins esquemáticos, Schmidt (2012b, pp. 40-45) propõe uma periodização do anarquismo intitulada de “teoria das cinco ondas” [five waves theory], que não pretende ser uma “lei de ferro” do progresso e da reação, mas um guia histórico aberto a adaptações. Esse guia fornece uma visão mais ampla do anarquismo do que, em geral, se tem sustentado. “A primeira onda, de 1868-1894, pouco conhecida, e a segunda onda, de 1895-1923, bem mais estudada, que cobre as revoluções no México, na Rússia e na Ucrânia. [...] A terceira onda, de 1924-1949, igualmente famosa, que abarca as revoluções na Manchúria e na Espanha, e que, juntamente com a segunda onda, constitui o ‘período glorioso’ do anarquismo. [...] A quarta onda, de 1950-1989, cujo ápice se deu na Revolução Cubana em 1952-1959 e, novamente, com a Nova Esquerda de 1968. [...] A quinta onda, atual, gerada em 1989 pela queda do Muro de Berlim e pelo surgimento de mobilizações ‘horizontalistas’ contrapondo-se ao antigo e velho ‘comunismo’ marxista (na realidade, um capitalismo de Estado autoritário), às ditaduras de direita e ao neoliberalismo, por meio de novos movimentos das classes populares globalizadas.”

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idealista, individualista, espontaneísta, contrária à organização e ligada essencialmente aos camponeses e artesãos do “mundo atrasado” em declínio. A relação entre o anarquismo, o idealismo e o individualismo já se encontra nas obras de Karl Marx e Friedrich Engels. Marx (1976, p. 23) critica os proudhonianos franceses da Primeira Internacional, falando no “individualismo antiautoritário desses senhores”, que defenderiam a economia burguesa vulgar, “à maneira do idealismo proudhoniano”. Engels (1976, p. 162) afirma ser Max Stirner “o profeta do anarquismo moderno”. Lênin (1976, pp. 173-174), na esteira de Marx e Engels, mas ideologizando ainda mais, enfatiza que “o anarquismo é o individualismo burguês invertido. O individualismo como base de toda a concepção de mundo do anarquismo”. Dentre os aspectos constitutivos do anarquismo ele lista: a “defesa da pequena propriedade”, a negação das decisões por maioria, a “incompreensão do desenvolvimento da sociedade – papel da grande produção – na transformação do capitalismo em socialismo”, a “incompreensão da luta de classes do proletariado”, a “negação absurda da política na sociedade burguesa”, a “incompreensão do papel da organização e da educação dos operários”. Enfim, o anarquismo, em sua história, não teria produzido, para Lênin, “nenhuma doutrina, nenhum ensinamento revolucionário, nenhuma teoria”. Kolpinsky, ao reafirmar as posições leninistas em sua reflexão sobre o anarquismo, coloca: Esta doutrina, alheia ao proletariado por seu conteúdo de classe, substitui o pensamento revolucionário pela fraseologia dogmática; a autêntica organização proletária pelo sectarismo; a tática bem pensada, baseada em uma análise serena dos fatores objetivos, pelo aventureirismo, nascido de concepções voluntaristas; a análise científica das leis do desenvolvimento social por sonhos utópicos sobre a liberdade absoluta do indivíduo. (Kolpinsky, 1976, p. 333)

Eric Hobsbawm (1985, pp. 96; 91) argumenta que o anarquismo fundamenta-se em “versões extremadas do liberalismo individualista”, “não tem qualquer contribuição significativa a fazer à teoria socialista” e apóia-se no atrativo “emocional e não intelectual”. Em termos históricos, Hobsbawm (1985, pp. 90-92) continua: o anarquismo pertence “ao período pré-industrial e, em todo caso, à era anterior à Primeira Guerra Mundial e à Revolução de Outubro, exceto na Espanha”; “como movimento revolucionário” foi “ideado quase para o fracasso” constituindo “um capítulo definitivamente encerrado no desenvolvimento dos movimentos revolucionários e operários modernos”. Tais abordagens não possuem qualquer fundamento histórico ou teórico e fundamentam-se, na maioria dos casos, em um “senso comum douto”9, uma transcrição

9 Segundo Pierre Bourdieu (1998, p. 44), “estes instrumentos fazem que ele corra um perigo permanente de erro, pois se arrisca a substituir a doxa ingênua do senso comum pela doxa do senso comum douto, que atribui o nome de ciência a uma simples transcrição do discurso de senso comum”.

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do discurso do senso comum para o campo científico, mas, ainda assim, senso comum. Elas têm servido somente para a disputa política; por meio da desqualificação dos adversários tem-se visado fortalecer o próprio campo. Fatores como o financiamento que as produções marxistas receberam do antigo “mundo socialista” e a inserção acadêmica de pensadores vinculados ao marxismo têm contribuído com a difusão dessas visões.

Estudos referenciais do anarquismo Em terceiro lugar, sairemos do senso comum e das produções ideológicas. Avaliaremos sete estudos referenciais do anarquismo10 que, juntamente com alguns outros, vêm sendo realizados por autores em alguma medida simpáticos ao anarquismo, e que avançam significativamente – em termos históricos e teóricos e, portanto, científicos – em relação às abordagens previamente mencionadas. Dentre esses estudos, que sem dúvidas possuem inúmeros méritos, em especial se considerarmos o contexto em que foram produzidos, e que têm subsidiado investigações posteriores, dois deles se destacam: O Anarquismo: da doutrina à ação, de Daniel Guérin (1968) e o Anarchist FAQ, de Iain McKay (2008). Ainda assim, todos esses estudos, incluindo esses dois mais destacados, não estão isentos de problemas teórico-metodológicos, que subsidiam uma série de conclusões equivocadas. Consideramos imprescindível realizar uma crítica das limitações desses estudos, ainda que seja uma crítica generosa, que reconhece sua importância, em seu tempo e lugar e as dificuldades contextuais de sua produção; não se trata, por isso, de desqualificá-los, mas de identificar problemas precedentes de maneira a avançar nas pesquisas, colocando-as, conforme falamos, num patamar distinto. Há nesses estudos pelo menos sete problemas, que serão discutidos a seguir: 1.) Conjunto restrito de autores e episódios tomados em conta nas investigações, assim como generalizações a partir de um restrita base de dados. 2.) Foco quase exclusivo na Europa Ocidental / eixo do Atlântico Norte. 3.) Foco nos grandes homens, com a utilização da história vista de cima. 4.) Abordagens ahistóricas, que vinculam o anarquismo à utilização terminológica e/ou à autoidentificação dos anarquistas. 5.) Abordagens teóricas sem base histórica e vice-versa. 6.) Desconsideração dos vetores sociais do anarquismo, em especial o sindicalismo de intenção revolucionária. 7.) Definições inadequadas de anarquismo que não permitem compreendê-lo adequadamente e nem diferenciá-lo de outras ideologias. O conjunto restrito de autores e episódios e o foco em grande medida eurocêntrico aparecem em praticamente todo o conjunto desses estudos.

10 Eltzbacher, 2004; Nettlau, 2008, no prelo; Woodcock, 2002; Joll, 1970; Guérin, 1968; Marshall, 2010; McKay, 2008.

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Eltzbacher (2004) trata do anarquismo a partir de uma abordagem teórica que se fundamenta na obra de “sete sábios”: William Godwin, Proudhon, Stirner, Bakunin, Kropotkin, Benjamin Tucker e Liev Tolstoi. Na maioria, esses autores são europeus; Eltzbacher não aborda episódios e movimentos em que o anarquismo esteve envolvido. Max Nettlau (2008; no prelo), ainda que tome um conjunto mais amplo de autores, em relação ao escopo geográfico aborda fundamentalmente a Europa ocidental e a Rússia, discutindo brevemente os Estados Unidos e dedicando ao leste Europeu, América Latina, Ásia e Oceania menos de 10% de seus dois volumes. Woodcock (2002) dedica praticamente todo seu volume teórico à análise da produção de seis teóricos, todos europeus: Godwin, Stirner, Proudhon, Bakunin, Kropotkin e Tolstoi. No volume que analisa a prática do anarquismo, o autor dedica em torno de 60% de seu conteúdo às análises de França, Espanha, Itália e Rússia; dedica somente algumas páginas à América Latina e aos Estados Unidos. Joll (1970), na parte teórica de sua obra, dedica-se ao estudo de idéias, lutas por liberdade e surgimento do socialismo, com o foco na Europa; dedica-se, também, ao estudo aprofundado da obra de Proudhon e Bakunin. A parte prática – tanto os debates estratégicos que envolvem a propaganda pelo fato, quanto o sindicalismo, além das experiências revolucionárias – tem foco principalmente na Europa. Guérin (1968) fundamenta sua elaboração teórica, basicamente, em três autores: Proudhon, Bakunin e Stirner; a partir da prática de fenômenos revolucionários na Europa Ocidental e na Rússia, trabalha com uma bibliografia basicamente européia, sem também dedicar espaço a outros continentes. Peter Marshall (2010) elabora quase que toda sua reflexão teórica de mais de 200 páginas com a análise de dez autores – Godwin, Stirner, Proudhon, Bakunin, Kropotkin, Élisée Reclus, Errico Malatesta, Tolstoi, Emma Goldman e Mahatma –, na grande maioria, europeus. Em seu volume de mais de 800 páginas dedica menos de 10% aos estudos da Ásia e da América Latina; África e Oceania não são abordadas. McKay (2008) trabalha com um conjunto bem mais amplo de autores do que a maioria dos estudos de referência. Ainda assim, destacam-se significativamente os clássicos europeus e os autores norte-americanos. Além disso, a maioria desses estudos utiliza um modelo de história das idéias políticas, que prioriza a análise e o comentário das grandes obras, dos “grandes homens”. O anarquismo – em especial nos casos de Eltzbacher (2004), Woodcock (2002), Joll (1970), Guérin (1968) e Marshall (2010) – é conceituado a partir de um conjunto restrito de seus “grandes representantes”. Outro problema desses estudos – em especial os de Marshall, Nettlau e Woodcock – é que o anarquismo não é situado historicamente; para esses autores, o

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anarquismo sempre teria existido e constituiria, assim, um fenômeno ahistórico, sem relação com o contexto. Marshall (2010, pp. 3-4) considera que o “primeiro anarquista foi a primeira pessoa que sentiu a opressão de outra e rebelou-se contra ela” e que o anarquismo é uma “tendência reconhecível na história humana”, cuja origem deve ser buscada “milhares de anos atrás”. Nettlau (2008, no prelo) inicia sua história do anarquismo um capítulo que vai desde Zenão (333-264 a.C.) até a Revolução Francesa. Woodcock (2002, vol. I, p. 40) também remete o anarquismo aos tempos remotos, identificando elementos anarquistas nas obras de filósofos como “Lao Tsé e Zenão, Étienne de la Boetie, Fénelon e Diderot”, na Abadia de Thélème e em Rabelais, “com seu lema libertário: ‘Faça o que quiser!’”, e também em movimentos religiosos como “anabatistas, hussitas, os doukhobors e os essenes”, além do próprio Jesus Cristo. Os estudos referenciais também se utilizam de um recurso de partir da análise etimológica do termo “anarquia” e seus derivados para chegar a um conceito de anarquismo, como são os casos de Woodcock (2002, vol. I, p. 8) e Marshall (2010, p. 3). Woodcock (1998, p. 11), conforme mencionado, explica as origens gregas da palavra anarquismo e afirma: “anarquia significa estar ou viver sem governo”. Ainda que Guérin (1968, p. 19-20) e McKay (2008, p. 19-21) façam referência às análises etimológicas, não as tomam como fundamento para suas definições do anarquismo. Woodcock e McKay apóiam-se na autoidentificação como um critério fundamental para definir quem são os anarquistas e, assim, o que é o anarquismo. Woodcock (2002, vol. I, p. 17) sustenta que o anarquismo “existe na Europa desde 1840 ininterruptamente”, um marco que certamente se refere à utilização positiva que Proudhon (1988, p. 233-237) fez do termo “anarquia”, em O que é a Propriedade? Ainda que não se apóie nesse critério de maneira absoluta, McKay (2008) toma em conta, em diversos momentos, individualistas como Susan Brown, Tucker, o periódico : a journal of desire armed, primitivistas como John Zerzan e o periódico Green Anarchy que, para além do fato de se considerarem anarquistas, não possuem muito em comum com os princípios históricos do anarquismo. Podemos notar que a problemática da relação interdependente entre teoria e história, já notada e discutida por Eltzbacher (2004), continua a complicar estudos do anarquismo. Sua obra tem como foco o pensamento dos autores considerados anarquistas e não os movimentos históricos com os quais estiveram envolvidos. Outras obras, distintamente – como Nettlau (2008, no prelo), Woodcock (2002), Joll (1970) e Marshall (2010) –, buscam abordar o anarquismo conectando teoria e história. O problema dessas obras, parece-nos, está ligado à maneira de estabelecer essa relação. Teorizações são freqüentemente realizadas sem respaldo histórico e as seleções de

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autores e episódios históricos, também, com freqüência, não obedecem aos critérios teóricos estabelecidos pelos próprios autores. Outro ponto crítico que tem sido relativamente comum é a realização de estudos do anarquismo que tomam em conta exclusivamente militantes, periódicos ou grupos/organizações que se reivindicavam explicitamente anarquistas, deixando de lado as lutas sociais com as quais os anarquistas estiveram envolvidos e foram, muitas vezes, a força hegemônica, como no caso do sindicalismo revolucionário e do anarco- sindicalismo. Dos estudos referenciais que abordam as lutas sociais, podemos dizer que a maioria deles, conforme apontamos, prioriza os personagens de destaque em relação aos processos de mobilização e os movimentos populares neles envolvidos. No caso específico do sindicalismo de intenção revolucionária, a posição de Joll (1970, pp. 244), que coloca Georges Sorel como um de seus grandes teóricos, é um dos fatores que tem permitido o afastamento desse sindicalismo de suas origens anarquistas: “a admiração de Sorel pelo proletariado, pela ação direta e pela violência revolucionária, que o aproximaram dos anarquistas militantes e o levaram a ser olhado como o teórico do anarco-sindicalismo”. Há outros autores que vão ainda mais longe, como Edilene Toledo (2004, p. 12) que, juntamente a outros historiadores, vem defendendo que o sindicalismo revolucionário deve ser considerado como uma ideologia distinta e concorrente do anarquismo. O sindicalismo revolucionário constituiria, para ela, uma ideologia própria, “um movimento que, em várias partes do mundo, se transformara em uma corrente política autônoma em relação ao anarquismo e o socialismo”. Finalmente, esses estudos referenciais apresentam definições de anarquismo que não conseguem identificar seus traços fundamentais e nem diferenciá-lo de outras ideologias. Isso ocorre especialmente com as definições que conceituam o anarquismo como sinônimo de luta contra a dominação (ou contra a autoridade), em geral, ou como antiestatismo, em particular; isso subsidia, para alguns autores, a afirmação do anarquismo como uma doutrina que é a antítese do marxismo. Nettlau (2008, p. 27) afirma que “uma história da idéia anarquista é inseparável da história de todas as evoluções progressivas e das aspirações à liberdade”. Woodcock (2002, vol. I, p. 7) enfatiza que “todos os anarquistas contestam a autoridade e muitos lutam contra ela”. Marshall (2010, p. 3), embora considere ser “enganoso dar uma definição clara de anarquismo”, afirma: “todos os anarquistas rejeitam a legitimidade do governo exterior e do Estado e condenam a autoridade política, a hierarquia e a dominação impostas”. Tais posições relacionam-se à afirmação de Sébastien Faure (1998, p. 58): “quem nega a autoridade e luta contra ela é um anarquista”. De acordo com a

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discussão conceitual dos estudos de referência do anarquismo realizada em Corrêa (2012a, pp. 29-36), pode-se afirmar que as definições de anarquismo de Nettlau, Woodcock e Marshall, assim como a de Faure, caminham no sentido de definir o anarquismo como sinônimo de luta contra a dominação.11 Eltzbacher (2004, p. 292) conceitua o anarquismo como sinônimo de antiestatismo: “os ensinamentos anarquistas têm em comum apenas uma coisa: eles negam o Estado no futuro”, concepção também utilizada por autores como Kedward (1971) e Jacker (1968). Para Horowitz (1982, p. 23), o classismo, a crítica da propriedade privada e da centralização do poder pertencem exclusivamente ao socialismo marxista e, assim, são estranhos ao anarquismo. Também no campo das definições amplas, ainda que num outro sentido, Joll (1970) define o anarquismo como uma busca da transformação social e da crença na racionalidade humana e na possibilidade do aperfeiçoamento humano.

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Há inúmeras conclusões equivocadas que derivam desses problemas, dentre as quais apontamos seis, que sustentam que o anarquismo: 1.) É sinônimo de luta contra a dominação, antiestatismo e/ou antítese do marxismo; 2.) Constitui uma ideologia incoerente; 3.) Não teve um impacto popular significativo; 4.) Praticamente terminou depois da derrota na Revolução Espanhola, em 1939, episódio que, inclusive, constitui uma exceção na história anarquista, por ter sido um dos poucos casos em que converteu-se em um significativo movimento de massas; 5.) Mobilizou bases classistas restritas, restringindo- se aos camponeses e artesãos em declínio, não conseguindo adaptar-se ao capitalismo industrial; 6.) Fundamenta-se em bases idealistas, espontaneístas, individualistas e juvenis. As definições de anarquismo mencionadas anteriormente – elaboradas por Nettlau, Woodcock, Marshall, Faure, Eltzbacher, Kedward, Jacker e Horowitz – que conceituam o anarquismo como sinônimo de luta contra a dominação, antiestatismo e/ou antítese do marxismo, apresentam problemas teórico-metodológicos e, de fato, não definem adequadamente o anarquismo. As definições do anarquismo como luta contra a dominação não permitem situá-lo historicamente, e nem distingui-lo de outras lutas antiautoritárias que foram levadas a cabo durante a história. Conceituar o anarquismo como sinônimo de antiestatismo tem permitido extrapolações que beiram o absurdo, quando, por exemplo, Marshall (2010, p. 559-565) fala em uma corrente “anarco-

11 Nettlau (2008; no prelo; 2011) define o anarquismo a consciência e a aspiração de uma existência de liberdade e bem estar para todos. Woodcock (2002) o caracteriza como uma crítica da sociedade presente, fundamentada na autoridade, e, mais especificamente, no Estado, uma proposta de sociedade futura e uma estratégia de transformação social que poderia ou não ser violenta. Marshall (2010) o define como uma filosofia antidogmática, que se fundamenta na crítica da dominação – envolvendo a autoridade, a hierarquia, o Estado, o governo – e na defesa na defesa de uma sociedade libertária e igualitária, que implica descentralização, auto-regulação e a federação de associações voluntárias.

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capitalista” e inclui entre os anarquistas Margareth Thatcher, Buda, Marques de Sade, Che Guevara e outros. Eltzbacher (2004, p. 270) concluiu que os sete sábios do anarquismo, em geral, “nada têm em comum”; Joll (1970, p. 29) afirma que “foi o conflito entre estes dois tipos de temperamento, o religioso e o racionalista, o apocalíptico e o humanista, que tornou a doutrina anarquista tão contraditória”; Kedward (1971, p. 6) afirma que “nunca surgiu um programa coerente do anarquismo”. Essa incoerência apontada pelos autores motivo de celebração por outros autores. Tal é o caso de Marshall (2010, p. 3) e de McKay (2008, p. 18), que consideram que o antidogmatismo do anarquismo permite abarcar todas essas concepções e, de algum modo, conciliá-las. Guérin (1968, p. 12), também nesse sentido, afirma: “malgrado a variedade e a riqueza do pensamento anarquista, malgrado as suas contradições [...] estamos perante um conjunto de concepções muito homogêneas”. Essas posições consideram que não há grandes contradições entre Stirner e Bakunin, ou entre Tucker e Kropotkin; em alguns casos, elas têm subsidiado posições como as de Caio T. Costa (1990, p. 7; 12), que falam na existência de “anarquismos”, definidos por distintas e inconciliáveis maneiras de se conceber o próprio anarquismo. Ou, segundo uma versão mais extremada e igualmente problemática: “há tantos anarquismos quanto anarquistas”, já que, segundo uma análise baseada na “ereção do texto em objeto fechado e auto-suficiente” (Bourdieu, 2004, p. 19), a singularidade/distinção de seus teóricos seria tão grande, que justificaria a adoção do conceito no plural. Kedward (1971, p. 120) enfatiza que o “ideal da anarquia nunca foi popular, que ele encontrou a oposição de todas as classes e de todas as idades”. Horowitz (1982, p. 9) aponta o “desaparecimento virtual do anarquismo como um movimento social ‘organizado’”; ele considera que o anarquismo não somente teria desaparecido nos anos 1930 ou 1960 como um movimento social organizado, da maneira como sustentam outros autores. Para ele, o anarquismo nunca teria ultrapassado um ideal utópico, sem impacto popular relevante. Woodcock (2002, vol. II, p. 295), ainda que tenha revisado sua afirmação posteriormente, coloca que a perda da Revolução Espanhola “foi a última e a maior derrota do movimento anarquista histórico. Nesse dia, virtualmente deixou de existir como uma causa viva. Restaram tão-somente anarquistas e a idéia anarquista.” Guérin (1968, p. 155) enfatiza, de maneira semelhante, que “a derrota da Revolução Espanhola privou o anarquismo do seu único bastião no mundo”. Joll (1970, p. 325), fundido os argumentos do fim do anarquismo em 1939 e de sua incoerência, afirma: “quando olhamos para os repetidos fracassos do anarquismo em ação, fracassos que culminaram na tragédia da guerra civil espanhola”, enfatiza, poder-

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se-ia afirmar que “as contradições e as inconsistências da teoria anarquista, a dificuldade, se não a impossibilidade de pô-la em prática, parecem ilustradas pelas experiências dos passados cento e cinqüenta anos”. Além disso, de acordo com Joll (1970, p. 327-328), o anarquismo sustenta-se em uma “visão romântica, saudosista, de uma sociedade do passado” composta por “artesãos e camponeses”, a qual lhe caracterizaria como algo antigo, do passado, e pouco adaptado para a sociedade industrial; trata-se de um argumento similar ao de Hobsbawm discutido anteriormente. Essa inadequação do anarquismo à sociedade moderna justificaria, segundo Woodcock (2002, vol. II, p. 293; 290), sua falta de influência: “as pessoas comuns das classes média e operária [...] rejeitaram a visão anarquista por que esta [...] carecia de concretismo e precisão tranqüilizadores que elas desejavam”. Essa inadequação ao presente também se demonstraria pela vontade dos anarquistas de voltar ao passado e pelo desenvolvimento do anarquismo, de maneira mais evidente, nas sociedades atrasadas: “os países e as regiões onde o anarquismo fez- se mais forte foram aqueles em que a indústria era menos desenvolvida e em que o pobre era mais pobre”. Esse flerte com certo “primitivismo” seria, assim, uma característica inata do anarquismo e um dos fatores que o teria impedido de se desenvolver de maneira mais ampla, fundamentalmente entre o operariado urbano e industrial; a rejeição do anarquismo às lutas por reformas, conforme afirmam Woodcock (2002, vol. II, p. 293) e Joll (1970, p. 30; 327), sua política do “tudo ou nada”, teria reforçado esse distanciamento entre os anarquistas e os trabalhadores modernos. Inadequado para a sociedade de seu tempo, o anarquismo possui, de acordo com Woodcock (2002, vol. I, p. 15; 23; 28), bases idealistas que “em muitos países teve muito pouco a ver com a realidade”. Além disso, ele afirma que o anarquismo sempre teve uma “visão naturalista da sociedade”, venerando “tudo que fosse natural, espontâneo e individual”, o que permite, conforme colocado por Joll (1970, p. 32-33) e Horowitz (1982, p. 16), relacioná-lo às idéias de Rousseau e sua concepção de natureza humana. O individualismo, também de acordo com estudos referenciais, seria também uma característica básica do anarquismo. Sobre isso, Woodcock (2002, vol. I, p. 36) enfatiza que “a preocupação extremada com a soberania da escolha individual domina [...] as idéias anarquistas” e que, ao passo que a “democracia prega a soberania do povo”, o “anarquismo [defende] a soberania da pessoa”. “Rebeldes diletantes altamente individualistas” (Woodcock, 2002, vol. II, p. 292), os anarquistas, segundo Costa (1990, p. 11), “se é que se pode encontrar algo de comum entre eles, têm sempre em mira apenas o indivíduo, sem delegações, produtor, naturalmente em sociedade”.

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Finalmente, Joll (1970, p. 330) afirma que “o ardente e irreprimível otimismo das doutrinas anarquistas terá sempre uma aceitação entre a juventude em revolta contra as concepções morais e sociais dos mais velhos”. Reafirmamos que essas conclusões estão, a nosso ver, bastante equivocadas e a razão desses equívocos funda-se, pensamos, na problemática teórico-metodológica anteriormente discutida. Tentaremos, em seguida, apontar alguns caminhos para soluções desses problemas e buscar respostas para contrapor essas conclusões.

ANARQUISMO, TEORIA E HISTÓRIA Realizar uma discussão adequada do anarquismo implica realizar uma crítica às abordagens teórico-metodológicas prévias, presentes em grande medida nos estudos referenciais, e apresentar os elementos teórico-metodológicos sobre os quais compreendemos ser imprescindível que as novas investigações se apóiem, de maneira a solucionar os problemas discutidos. Nos dedicaremos, a seguir, a essa tarefa. Partido desses elementos, elaboraremos na seqüência um conjunto de sete teses sobre o anarquismo, que tem por objetivo apresentar as principais conclusões que temos extraído das investigações realizadas por meio desse novo aparato teórico- metodológico, que consideramos ser mais adequado que os antigos.

Crítica às abordagens teórico-metodológicas prévias Conforme vêm demonstrando novas pesquisas sobre o anarquismo – como os estudos de Michael Schmidt e Lucien van der Walt (Schmidt e van der Walt, 2009, no prelo; van der Walt e Hirsch, 2010a, Schmidt, 2012a) e nossas próprias produções (Corrêa, 2012a, 2013; Silva, 2013) –, o anarquismo é um fenômeno global, com presença permanente nos cinco continentes do mundo, há praticamente 15 décadas, ainda que entre fluxos e refluxos. Por isso, não consideramos ser possível discutir o anarquismo de maneira adequada sem tomar em conta autores desses diversos contextos e episódios fundamentais em que o anarquismo esteve presente. Alguns desses episódios vêm tendo destaque em produções precedentes, como o caso Haymarket, que envolveu as mobilizações do Primeiro de Maio e a morte dos Mártires de Chicago entre 1886-1887; a Confédération Générale du Travail (CGT) francesa, fundada em 1895, cuja Carta de Amiens, de 1906, teve significativa influência no desenvolvimento do sindicalismo revolucionário; a Revolta de Kronstadt, no contexto da Revolução Russa, em 1921; a Revolução Espanhola de 1936-1939 e as revoltas francesas do Maio de 68.

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Entretanto, outros episódios, fundamentais a nosso ver, e alguns dos quais maiores e mais significativos que esses, são, em geral, pouco abordados ou mesmo completamente ignorados: a Primeira Internacional (1864-1877), os levantes cantonalistas ocorridos na Espanha em 1873, a Revolta da Macedônia de 1903, a Revolução Mexicana iniciada em 1910; a Revolução Russa e Ucraniana iniciadas em 1917, a Revolução na Manchúria (1929-1931), a Revolução Cubana, entre 1952 e 1959 entre outros. Consideramos imprescindível para as investigações contemporâneas do anarquismo tomar em conta não somente suas manifestações nos países da Europa ocidental e da América do Norte, mas também nos países do Leste Europeu, em especial na Rússia, na Ucrânia e na Bulgária; da América Latina, em especial em Cuba, no México, na Argentina, no Uruguai, no Brasil e no Chile; da Ásia, em especial na China, no Japão e na Coréia; da África, em especial na África do Sul, no Egito e na Argélia; da Oceania, em especial na Austrália e na Nova Zelândia. Esse constitui um dos principais motivos de consideramos insuficientes as conclusões precipitadas levadas a cabo pelos estudos referenciais, visto que conceituam o anarquismo a partir de uma base restrita de autores e episódios, generalizando sobre um número muito restrito de autores e ignorando grande parte, senão a maior, das manifestações históricas do anarquismo. Entendemos, também, ser necessário criticar as abordagens que se apóiam na “história vista de cima”; muito mais do que uma história de vida de alguns grandes homens, o anarquismo constituiu uma vasta experiência histórica, que envolveu milhões de pessoas. Consideramos, nesse sentido, que os maiores autores anarquistas, dentre os quais se encontram Bakunin e Kropotkin, não foram gênios isolados, que inventaram uma ideologia descolados da realidade, comunicando-a posteriormente aos trabalhadores do mundo todo. Há, inegavelmente, nesse movimento, uma relação dialética: mesmo que esses grandes homens tenham influenciado os movimentos populares de seu tempo, eles também são produtos desses movimentos, foram influenciados por eles, e grande parte daquilo que elaboraram teoricamente teve por base as práticas desses movimentos. Por isso, consideramos que esse modelo de história – que teve seus limites demonstrados por diversos historiadores, com destaque para a influência de E. P. Thompson e, de modo mais ampliado, da História Social do Trabalho – não pode continuar subsidiando as investigações sobre o anarquismo. Como o estudo de qualquer categoria política (tal como o anarquismo) remete necessariamente ao ambiente em que ela opera, é necessário superar a “história do pensamento político abstrato desenvolvido sem relação com o contexto”. (Clark, 2006, p. 687)

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Consideramos, também, que as abordagens ahistóricas são insuficientes para o estudo de um fenômeno como o anarquismo. Não consideramos adequado relacionar o anarquismo com o surgimento de um “espírito antiautoritário”, mais ou menos ligado à natureza humana, e que teria se manifestado desde o início dos tempos. Concordamos com Schmidt e van der Walt (2009, p. 34) que o verbete sobre o anarquismo da Encyclopaedia Britannica, produzido por Kropotkin (1987), foi provavelmente o primeiro estudo a elaborar essa “meta-história” do anarquismo, e, mais do que produzir um estudo historiográfico, criou um “mito legitimador”. Seu objetivo, assim como o entendemos, era demonstrar aos adversários do anarquismo que aquilo que pregavam os anarquistas não contrariava a natureza humana; e, para isso, ele sem dúvidas contribuiu, ao demonstrar que as manifestações autoritárias acompanham o desenrolar de toda a história humana. Entretanto, acreditamos que esse texto não pode ser considerado uma história adequada do anarquismo, visto que não analisa o fenômeno em seu contexto, não consegue explicar por que ele surge ou não em alguns contextos e não em outros, por que se destaca mais ou menos em um contexto ou em outro. Portanto, parece-nos bastante problemática a continuidade dessa abordagem ahistórica, que continua a ser utilizada.12 Vincular a conceituação do anarquismo às análises etimológicas, à utilização dos termos “anarquia” e seus derivados e à autoidentificação dos anarquistas também não nos parece adequado, principalmente se esses critérios forem tomados em conta isoladamente como único fundamento para definir quem são os anarquistas e o que é o anarquismo. Podemos questionar a equiparação pura e simples de um termo com um fenômeno histórico, o que já nos parece bem problemático; um fenômeno histórico não pode ser reduzido ao termo utilizado para referir-se a ele. Além disso, uma análise etimológica do termo “anarquia” e de seus derivados só pode apontar para uma negação – do governo, do Estado, da autoridade –, ou seja, para elementos “destrutivos”, de crítica social; o anarquismo, entretanto, sempre possuiu elementos construtivos, objetivos e estratégias para atingi-los. Conforme colocamos, a utilização histórica do termo anarquismo surge em meio ao senso comum. Mesmo que Proudhon tenha sido o primeiro pensador conhecido a reivindicar sua utilização positiva, o fato de grandes anarquistas clássicos, como Bakunin e Guillaume, terem utilizado os termos “anarquismo” e “anarquista/s” com reservas e, em diversos casos, se recusado a utilizá-

12 Tais são os casos, por exemplo, de Rocker, 1978 e Marshall, 2010; este último livro, escrito nos anos 1990, fundamenta-se abertamente na abordagem estabelecida por Kropotkin.

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los13, parece contribuir com a nossa posição. A autoidentificação também não nos parece um critério adequado para tanto. Há uma tradição histórica anarquista, que apresenta continuidades e permanências, e consideramos que a autoidentificação deve ser analisada dentro dos parâmetros estabelecidos por essa tradição. Se uma organização ou teórico afirma ser anarquista, mas os aspectos fundamentais de seu pensamento e sua ação encontram-se no campo do marxismo, ela deve ser considerada anarquista? Parece- nos evidente que não. Para nós, teoria e história são interdependentes; assim, uma pesquisa de anarquismo só pode ser adequadamente realizada se houver um conceito de anarquismo que possua respaldo em um conjunto de fenômenos históricos e, ao mesmo tempo, se houver uma experiência histórica que tenha respaldo em uma conceituação teórica adequada. No caso de Eltzbacher (2004, p. 292), que estava plenamente ciente dessa questão, pesquisadores considerados por ele comprometidos cientificamente com as investigações do anarquismo indicaram-lhe os “sete sábios” que foram por eles avaliados e comparados. Sua conclusão foi a seguinte: “os ensinamentos anarquistas têm em comum apenas uma coisa: eles negam o Estado no futuro”. Certamente, conscientes ou não disso, as fontes de Eltzbacher, esses “pesquisadores comprometidos cientificamente com as investigações do anarquismo”, possuíam de antemão um conceito de anarquismo que o colocava como sinônimo de antiestatismo. Assim, quando Eltzbacher os comparou, chegou inevitavelmente a essa conclusão. Ainda assim, as conclusões do estudo de Eltzbacher poderiam ter sido melhor avaliadas pelos pensadores posteriores; se aqueles autores só possuem em comum a oposição ao Estado no futuro, e se isso não é suficiente para definir o anarquismo, pois, por exemplo, não permite diferenciá-lo do marxismo, necessariamente há algo de errado. Se o anarquismo é mais que oposição do Estado no futuro, então há “sábios” em seu estudo que não são anarquistas. Entretanto, isso parece não ter sido devidamente observado, pois os “sete sábios” continuaram presentes em grande parte dos estudos referenciais. Os recentes estudos anteriormente apresentados também nos permitem afirmar que o sindicalismo de intenção revolucionária foi o maior “vetor social” histórico do anarquismo14; durante o século XX, por exemplo, a principal tarefa à qual se dedicaram os anarquistas foi a construção de sindicatos revolucionários e a participação nesses

13 Conforme afirma Berthier (2010, p. 127), no contexto da Primeira Internacional, os anarquistas preferiam utilizar outros termos: “não se falava de ‘anarquismo’ à época. Bakunin dizia-se socialista revolucionário ou coletivista”. Naquela época, conforme coloca Enckell (1991, p. 199), esses termos eram ainda pouco utilizados: “Bakunin, quatro anos antes [de 1872], saiu do Congresso da Paz dizendo aos amedrontados burgueses: Sou anarquista, retomando a afirmação provocativa de Proudhon. Em seu relato do Congresso da Basiléia da AIT, em 1869, James Guillaume fala de coletivismo anarquista, mas ele nunca utilizará a palavra anarquista isoladamente, por razão de sua aparência negativa.” 14 Sobre este conceito, desenvolvido a partir de uma análise do anarquismo no Brasil, cf. Samis, 2004.

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sindicatos. Portanto, ignorar as manifestações do anarquismo nos movimentos populares, em especial no seio do sindicalismo de intenção revolucionária, implica amputar do anarquismo sua principal manifestação histórica. Finalmente, definir o anarquismo como uma crítica da dominação e/ou do Estado é insuficiente; se o anarquismo é uma oposição ao Estado no futuro, por que todo o marxismo clássico não é considerado parte do anarquismo? Marx (1850) sustentou um conceito de comunismo que, por razão do fim da contradição entre as classes, existiria sem o Estado: “A abolição do Estado só tem sentido entre os comunistas, como uma conseqüência necessária da abolição das classes, com a qual desaparece automaticamente a necessidade de um poder organizado de uma classe para manter as outras sob seu jugo”. E não somente Marx, visto que também Engels, Lênin, Trotsky e Mao Tsé-Tung e outros defenderam posições semelhantes. Se há uma necessidade de se diferenciar anarquismo de marxismo – e consideramos essa uma diferenciação fundamental – a oposição simples à dominação e ao Estado no futuro não pode subsidiar, sozinha, uma definição de anarquismo.

Elementos teórico-metodológicos fundamentais Uma definição adequada do anarquismo, conforme a concebemos, deve ser elaborada sobre um conjunto de categorias e conceitos precisos, conter os aspectos comuns aos autores e episódios anarquistas e, ao mesmo tempo, permitir diferenciar o anarquismo de outras correntes político-ideológicas, como, por exemplo, o marxismo. Conforme enfatizado por Alexandre Skirda (2002, p. 183-184), um estudo do anarquismo exige uma precisão, em termos de categorias e conceitos, de maneira a evitar “confusões e equívocos”, os quais podem “levar a tragédias reais” nas pesquisas. “Em suma, necessitamos saber sobre o que estamos falando.” Consideramos, também, que as abordagens históricas são imprescindíveis nos estudos do anarquismo. Schmidt e van der Walt (2009, p. 18) afirmam que “somente uma análise histórica e social pode realmente explicar o surgimento e o desaparecimento do anarquismo” e, por isso, acreditam ser imprescindível buscar “uma compreensão historicizada e cuidadosa em termos históricos do anarquismo”. Esse método histórico, segundo o compreendemos, precisa identificar continuidades e permanências do anarquismo, no espaço e no tempo, levando em conta uma noção de longo prazo, que aqui é buscada, por razão da evidente amplitude de sua história. Um estudo geral do anarquismo precisa levar em conta o contexto, mas não deve ter como foco as particularidades de cada época ou localidade ou buscar as exceções – isso, consideramos, é uma das funções dos estudos historiográficos dedicados a autores e

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episódios particulares, os quais, devemos ressaltar, são também fundamentais; deve, também, buscar encontrar as grandes linhas teóricas, práticas e históricas, de pensamento e ação, que vêm fundamentando a trajetória do anarquismo. Por esse motivo, as abordagens ahistóricas devem ser descartadas. Ao mesmo tempo, acreditamos que as periodizações precedentes – que, conforme colocado, em geral terminam em 1939, aos fins da Revolução Espanhola e, em alguns casos, passam pelo Maio de 68 francês – precisam ser estendidas até o presente, por razão da relevância de autores e episódios posteriores a 1939. Além disso, compreendemos ser fundamental tomar em conta não somente essas praticamente 15 décadas de desenvolvimento do anarquismo, que se estendem, pelo menos, da Primeira Internacional ao presente. De acordo com argumentos já colocados, compreendemos também ser fundamental estender o escopo geográfico para os cinco continentes, levando a cabo uma abordagem, de fato, global; tarefa que não pode ser esgotada individualmente e deve figurar como um horizonte dos pesquisadores. Entretanto, não afirmamos somente a necessidade de um método histórico, mas que esse método fundamente-se nos pressupostos da história social, da “história vista de baixo” (Thompson, 1997, 2009) e da “nova história do trabalho” (van der Linden, 2003). Esse modelo de história enfatiza a história social das classes populares e a necessidade de se examinar os movimentos populares de baixo para cima [e] oferece um corretivo necessário a essas perspectivas [da “velha história do trabalho”, que enfatiza as organizações formais e as lideranças], dirigindo sua atenção às formas culturais e organizações informais. (Schmidt; van der Walt, 2009, p. 275)

Essa abordagem implica inserir os clássicos anarquistas em seus contextos, compreender sua relação com os movimentos populares de sua época e reconhecer a relação dialética anteriormente mencionada entre eles e as lutas sociais de seu tempo, protagonizadas por milhares de militantes anônimos. Não é possível limitar-se à leitura de uma tradicional histórias das idéias políticas, elaboradas somente sobre as obras anarquistas, como, por exemplo, faz Woodcock. Essas obras podem apresentar sínteses muito convenientes e, por vezes, facilitadoras de determinado trabalho de pesquisa; no entanto, não se sustentam em qualquer problemática global. (Rosanvallon, 1995) Insistimos na incorporação dos clássicos/teóricos anarquistas nas análises históricas. Tal procedimento, a nosso ver, aprofunda a compreensão de seu léxico político-militante e, articulado aos elementos mencionados anteriormente, constitui um poderoso recurso da pesquisa sobre o anarquismo. (Cerruti, 2004)

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Consideramos que os estudo do anarquismo devem fundamentar-se nas relações de totalidade e interdependência, que unem teoria, prática e história; pensamento e ação. Concebemos a totalidade e a interdependência entre teoria, prática e história como um círculo, que permite elaborar e testar hipóteses, reforçando e aprimorando os argumentos de estudos determinados. Totalidade e interdependência também devem ser levadas em conta nas análises entre forma e conteúdo, buscando solucionar as problemáticas apontadas nos estudos referenciais, alguns dos quais, apegando-se apenas à forma, definem e discutem o anarquismo a partir das análises etimológicas, da utilização dos termos “anarquia” e seus derivados e da autoidentificação dos anarquistas. Ainda que esses elementos de forma possam ser levados em conta, eles devem ser analisados em perspectiva e na relação com o conteúdo. Forma e conteúdo devem, portanto, ser tratadas conjuntamente. Tomando em conta as amplas relações entre o anarquismo e seus vetores sociais, em especial o sindicalismo de intenção revolucionária, consideramos ser imprescindível não desvincular o anarquismo das lutas sociais com as quais esteve envolvido. Recordemos que as maiores expressões históricas do anarquismo estão ligadas a esses vetores. Entretanto, compreendemos que buscar essa relação entre anarquismo e lutas sociais não é tarefa simples, visto que os movimentos populares que tiveram participação e/ou hegemonia anarquista incluíram milhares de militantes que nunca se identificaram com o anarquismo. Por isso, acreditamos ser fundamental compreender o papel e a influência do anarquismo nesses movimentos, identificando a força dos anarquistas dentro deles e, em que medida suas estratégias pautaram os rumos dos movimentos; se o anarquismo constituiu uma força majoritária e hegemônica dentro deles ou não. O anarquismo só pode ser devidamente compreendido por meio de suas complexas relações com esses vetores sociais; ele é tão indissociável dos anarquistas quanto das lutas sociais. Compreendemos, também, que o anarquismo envolve um conjunto de críticas e proposições, aspectos negativos (destrutivos) e positivos (construtivos), que também não podem ser dissociados. As noções de totalidade e interdependência subsidiam também a abordagem das críticas anarquistas e de suas proposições. Ao mesmo tempo que os anarquistas realizam uma crítica do sistema de dominação, eles também elaboram a defesa de um sistema de autogestão e das estratégias capazes de promover a transformação social de um sistema para outro. As noções em questão subsidiam a exposição daquilo que os anarquistas pretendem destruir, daquilo que pretendem construir e como deverão realizar isso.

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Enfim, a ideologia anarquista constitui uma tradição político-doutrinária que envolve teoria, prática e história, pensamento e ação nas três esferas: econômica, política/jurídica/militar e cultural/ideológica. Por isso, também consideramos fundamental, a partir das noções de totalidade e interdependência, que os estudos do anarquismo se debrucem sobre os projetos que foram levados a cabo nessas três esferas, ou, pelo menos, que considerem essa evidente relação.

Sete teses sobre o anarquismo Conforme colocado, contestaremos, por meio de sete teses sobre o anarquismo, as conclusões dos estudos referenciais, subsidiando-as nos procedimentos teórico- metodológicos acima estabelecidos e em um conjunto de estudos da historiografia recente: Schmidt e van der Walt, 2009, no prelo; van der Walt e Hirsch, 2010a, Schmidt, 2012a; Corrêa, 2012a, 2013; Silva, 2013. As afirmações aqui elaboradas possuem respaldo histórico nesses estudos, que constituem parte do que chamamos acima de “novas pesquisas sobre o anarquismo”. Remetemos os leitores que porventura tenham interesse em um aprofundamento temático às nossas próprias fontes.

1.) Anarquismo não é sinônimo de individualismo, antiestatismo ou antítese do marxismo; constitui um tipo de socialismo caracterizado por um conjunto preciso de princípios político-ideológicos, que inclui a oposição ao Estado, mas que não se resume a ela. Tomando por base a produção de Corrêa (2012a), que define o anarquismo a partir de mais de 50 autores, dos cinco continentes, de 1868 ao presente, podemos dizer que o anarquismo é uma ideologia socialista e revolucionária que se fundamenta em princípios determinados, cujas bases se definem a partir de uma crítica da dominação e de uma defesa da autogestão; em termos estruturais, o anarquismo defende uma transformação social fundamentada em estratégias, que devem permitir a substituição de um sistema de dominação por um sistema de autogestão. O anarquismo caracteriza-se por um conjunto de dez princípios. 1.) Ética e valores. A defesa de uma concepção ética, capaz de subsidiar críticas e proposições racionais, pautada nos seguintes valores: liberdade individual e coletiva; igualdade em termos econômicos, políticos e sociais; solidariedade e apoio mútuo; estímulo permanente à felicidade, à motivação e à vontade. 2.) Crítica da dominação. A crítica das dominações da classe – constituídas por exploração, coação física e dominações político-burocrática e cultural-ideológica – e de outros tipos de dominação (gênero, raça, imperialismo, etc.). 3.) Transformação social do sistema e do modelo de poder. O

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reconhecimento de que as estruturas sistêmicas fundamentadas em distintas dominações constituem sistemas de dominação e a identificação, por meio de uma crítica racional, fundamentada nos valores éticos especificados, de que esse sistema tem de ser transformado em um sistema de autogestão. Para isso, torna-se fundamental a transformação do modelo de poder vigente, de um poder dominador, em um poder autogestionário. Nas sociedades contemporâneas, essa crítica da dominação implica uma oposição clara ao capitalismo, ao Estado e às outras instituições criadas e sustentadas para a manutenção da dominação. 4.) Classes e luta de classes. A identificação de que, nos diversos sistemas de dominação, com suas respectivas estruturas de classes, as dominações de classe permitem conceber a divisão fundamental da sociedade em duas grandes categorias globais e universais, constituídas por classes com interesses inconciliáveis: as classes dominantes e as classes dominadas. O conflito social entre essas classes caracteriza a luta de classes. [...] Outras dominações devem ser combatidas concomitantemente às dominações de classe, sendo que o fim das últimas não significa, obrigatoriamente, o fim das primeiras. 5.) Classismo e força social. A compreensão de que essa transformação social de base classista implica uma prática política, constituída a partir da intervenção na correlação de forças que constitui as bases das relações de poder vigentes. Busca-se, nesse sentido, transformar a capacidade de realização dos agentes sociais que são membros das classes dominadas em força social, aplicando-a na luta de classes e buscando aumentá-la permanentemente. [...] 6.) Internacionalismo. A defesa de um classismo que não se restrinja às fronteiras nacionais e que, por isso, fundamente- se no internacionalismo, o qual implica, no caso das práticas junto a agentes dominados por relações imperialistas, a rejeição do nacionalismo e, nas lutas pela transformação social, a necessidade de ampliação da mobilização das classes dominadas para além das fronteiras nacionais. [...] 7.) Estratégia. A concepção racional, para esse projeto de transformação social, de estratégias adequadas, que implicam leituras da realidade e o estabelecimento de caminhos para as lutas. [...] 8.) Elementos estratégicos. Ainda que os anarquistas defendam estratégias distintas, alguns elementos estratégicos são considerados princípios: o estímulo à criação de sujeitos revolucionários, mobilizados entre os agentes que constituem parte das classes sociais concretas de cada época e localidade, as quais dão corpo às classes dominadas, a partir de processos que envolvem a consciência de classe e do estímulo à vontade de transformação; o estímulo permanente ao aumento de força social das classes dominadas, de maneira a permitir um processo revolucionário de transformação social; a coerência entre objetivos, estratégias e táticas e, por isso, a coerência entre fins e meios e a construção, nas práticas de hoje, da sociedade que se quer amanhã; a utilização de meios autogestionários de luta que não impliquem a

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dominação, seja entre os próprios anarquistas ou na relação dos anarquistas com outros agentes; a defesa da independência e da autonomia de classe, que implica a recusa às relações de dominação estabelecidas com partidos políticos, Estado ou outras instituições ou agentes, garantindo o protagonismo popular das classes dominadas, o qual deve ser promovido por meio da construção da luta pela base, de baixo para cima, envolvendo a ação direta. 9.) Revolução social e violência. A busca de uma revolução social, que transforme o sistema e o modelo de poder vigentes, sendo que a violência, como expressão de um nível mais acirrado de confronto, é aceita, na maioria dos casos, por ser considerada inevitável. Essa revolução implica lutas combativas e mudanças de fundo nas três esferas estruturadas da sociedade e não se encontra dentro dos marcos do sistema de dominação presente – está além do capitalismo, do Estado, das instituições dominadoras. 10.) Defesa da autogestão. A defesa da autogestão que fundamenta a prática política e a estratégia anarquistas constitui as bases para a sociedade futura que se deseja construir e envolve socialização da propriedade em termos econômicos, o autogoverno democrático em termos políticos e uma cultura autogestionária. […] (Cf. Corrêa, 2012a, pp. 143-147)

2.) O anarquismo baseia-se em análises racionais, métodos e teorias que não são idealistas (explicações metafísicas/teológicas). Não afirma, em geral, a prioridade das idéias em relação aos fatos; apresenta distintas posições teóricas a este respeito. O fato de termos definido o anarquismo como uma ideologia, uma doutrina política, significa que não o resumimos a uma teoria. Compreendemos que um aspecto histórico e constitutivo do anarquismo é sua certeza ideológica e sua dúvida teórica permanente. A ideologia, essencialmente pensamento e ação, apresenta distintos elementos de ordem não-científica, como aspirações, valores, sentimentos, motivações, que impulsionam práticas políticas, principalmente em função dos objetivos finalistas que se propõe atingir. A teoria, distintamente, relaciona-se com método de análise e busca elaborar instrumentos conceituais para conhecer a realidade em profundidade, tendo de fazer isso com a maior precisão possível, e buscando aproximar-se ao máximo da ciência. A teoria tem por objetivo conhecer uma realidade determinada e a ideologia tem por objetivo motivar uma prática política para a intervenção nesta realidade. (Malatesta, 2007, pp. 41-43; FAU, 2009a; Rocha, 2009, p. 102) O anarquismo constitui uma ideologia que vem se fundamentando, historicamente, em distintos métodos de análise e teorias para a interpretação da realidade. Os métodos de análise e as teorias elaboradas no sentido de compreender a realidade social possuem relação com a ideologia anarquista, mas não são parte

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constitutiva dela. Desde seu surgimento, os anarquistas vêm se utilizando distintas matrizes teórico-epistemológicas, diversos métodos e teorias para conhecer a realidade, sem que isso implique um abandono de seus pressupostos ideológicos. As posições dos anarquistas variam significativamente e vêm sendo fundamentadas em métodos indutivo- dedutivos, dialéticos, estruturalistas; em abordagens mais ou menos “materialistas”, mais ou menos “voluntaristas”, que levam em conta a maior ou menor capacidade de determinação entre as esferas sociais, umas em relação às outras. Se tomarmos em conta o caso da determinação entre as esferas sociais (econômica, política/jurídica/militar e cultural/ideológica), encontraremos posições distintas entre os anarquistas, o que não faz deles, por esse motivo, mais ou menos anarquistas. Bakunin (2000, p. 14) afirma o predomínio da esfera econômica em relação às outras: “toda a história intelectual e moral política e social da humanidade é um reflexo de sua história econômica”; ainda assim, Bakunin (2001, pp. 39-40) relativiza, evitando cair em um determinismo mecanicista, reconhecendo que a política e a cultura, uma vez dadas, possuem capacidade de influenciar a economia. Kropotkin (2005, p. 173), além de afirmar-se materialista, assim como Bakunin, enfatiza que a lei foi “feita para garantir os frutos da pilhagem, do açambarcamento e da exploração”, tendo seguido “as mesmas fases do capital: irmão e irmã gêmeos, caminharam de mãos dadas, nutrindo-se ambos dos sofrimentos e das misérias da sociedade”. Ambas as posições, de Bakunin e Kropotkin, podem ser colocadas dentro do campo do materialismo, se ele for definido conforme a afirmação de Bakunin (2000, p. 14), de que “os fatos têm primazia sobre as idéias”. Além deles, outros anarquistas reivindicaram o materialismo, como foram os casos de Ba Jin (2008), Georges Fontenis (2006) e da organização Resistencia Libertaria (Diz; Trujillo, 2007). Há outros anarquistas, que reconhecem, também a partir de uma análise racional, a relevância de elementos subjetivos e idéias, presentes da esfera cultural/ideológica, assim como sua capacidade de determinação dos fatos, das esferas política/jurídica/militar e econômica. Quando Malatesta (1989, p. 141) afirma que “a emancipação moral, a emancipação política e a emancipação econômica são indissociáveis”, ou mesmo quando Rocker (1956, p. 23) enfatiza que os “acontecimentos sociais realizam-se por obra de uma série de diversas causas, que na sua maioria se entrelaçam”, defendem certa interdependência entre as esferas na determinação do social, a qual também é sustentada na “teoria da interdependência das esferas” elaborada pela Federação Anarquista Uruguaia e pela Federação Anarquista Gaúcha. (FAU; FAG, 2007).

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Há ainda posições que enfatizam uma prioridade da esfera cultural/ideológica na determinação das outras. Nesse sentido, Rocker (1956, p. 56) chegou a sustentar que “toda a política emana em última instância da concepção religiosa dos homens” e que “todo o econômico é de natureza cultural”. Reclus (2002, p. 25) afirmou que “a grande evolução intelectual, que emancipa os espíritos, tem por conseqüência lógica a emancipação, na realidade, dos indivíduos em todas as suas relações com outros indivíduos”. Esses elementos nos permitem afirmar que há diferenças entre os modelos teóricos, que dizem respeito à relação entre as esferas, adotados pelos anarquistas ao longo do tempo. Há alguns que conferem centralidade à economia; outros, pautando-se também mais nos fatos que nas idéias, consideram que são a economia e a política, inter- relacionadas, que determinam o real. Há também aqueles que consideram que as três esferas são interdependentes; outros, ainda, que conferem centralidade à esfera cultural/ideológica. No entanto, essas diferentes posições teórico-metodológicas não são, conforme argumentamos, mais ou menos anarquistas, umas em relação às outras, mas evidenciam uma busca antidogmática de ferramentas teóricas e metodológicas adequadas para a compreensão da realidade. Por isso, é natural que possuam uma relação com a época em que são produzidas, que se modifiquem e que usufruam das conquistas científicas que tentam explicar a realidade social. Podemos, sem dúvidas, afirmar que algumas dessas posições são mais materialistas que outras, se tomarmos em conta a definição de Bakunin. Entretanto, todas essas abordagens, independente de seus fundamentos teóricos, superaram o paradigma idealista do século XIX, que estabelecia como fundamento das análises a filosofia de base metafísica e teológica. Os anarquistas nunca buscaram explicar a realidade sem a utilização da racionalidade, de métodos e de teorias; não podem, assim, ser considerados idealistas, no sentido de utilizarem fundamentos metafísicos e teológicos para as análises sociais. Cumpre, entretanto, esclarecermos que essa afirmação de que os elementos teóricos não constituem fundamentos da ideologia anarquista não implica dizermos que eles não tenham tido relevância e que não tenham sido discutidos durante toda a trajetória histórica do anarquismo. Não significa, também, fazer tabula rasa dos métodos e das teorias sociais e afirmar que todas as ferramentas teóricas para a compreensão da realidade sejam similarmente eficazes. Reconhecemos, sem dúvidas, que alguns métodos e determinadas teorias sociais são mais adequados que outros. 3.) Os debates fundamentais do anarquismo se dão em torno dos seguintes temas: organização, lutas de curto prazo e violência. Os anarquistas não negam

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completamente a organização e as lutas de curto prazo, que são defendidas pela maioria deles. As posições dos anarquistas, considerando um período histórico amplo e suas continuidades e permanências no longo prazo, não constituem um todo homogêneo, e envolvem debates e divergências. Tomando por base três eixos que permitem conceituar e discutir o anarquismo, podemos dizer que em relação à crítica da dominação não há divergências muito significativas entre os anarquistas; sobre a defesa da autogestão há debates relevantes e em relação à estratégia fundamental estão, a nosso ver, os debates mais significativos, sobre os quais propomos estabelecer as correntes anarquistas. Segundo as posições de Corrêa (2012a), afirmamos que os principais debates em torno da defesa da autogestão são: mercado autogestionário X planificação democrática; coletivismo X comunismo; política no local de moradia X política no local de trabalho; cultura secundária X prioridade na cultura. Entretanto, três motivos nos permitem dizer que esses debates são secundários em relação àqueles que apresentaremos a seguir: alguns deles são completamente marginais na literatura (como o caso do mercado X planificação); outros estão restritos a um contexto (em especial coletivismo X comunismo, relacionado à Europa nos fins do século XIX); há também posições intermediárias, que foram hegemônicas na maioria do tempo (no caso da política pelo local de moradia ou trabalho e do debate cultural). Sustentamos que os debates mais relevantes relacionam-se à estratégia fundamental do anarquismo e são, principalmente, três: defesa da organização X contra a organização, defesa das reformas X contra as reformas, violência decorrente X violência gatilho, os quais serão em seguida discutidos. Há um quarto debate relevante, sobre o modelo da organização anarquista, que, mesmo sendo importante, não discutiremos, pois, ainda que divida posições entre os modelos de organização programática e flexível, não constitui as bases para o estabelecimento das correntes anarquistas. Em relação ao primeiro debate, identificamos três posições fundamentais: antiorganizacionismo, sindicalismo/comunitarismo, dualismo organizacional. Dentre os antiorganizacionistas encontra-se Luigi Galleani (2011, p. 2), que é contrário às organizações formais e diz que uma organização política programática, ainda que anarquista, “é uma superposição gradual de corpos por meio dos quais uma hierarquia real e verdadeira se impõe entre os vários níveis desses grupos”, ou seja, “a disciplina, as violações, as contradições que são tratadas com punições correspondentes, que podem ser tanto a censura quanto a expulsão.” Ele defende as associações informais que atuem por meio da educação, da propaganda e da ação violenta.

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O sindicalismo/comunitarismo exclusivo vincula-se à idéia de que o movimento popular possui as condições de abarcar posições libertárias, de maneira a cumprir todas as funções estratégicas necessárias a um processo revolucionário. Murray Bookchin (1992) é contrário ao sindicalismo e defende as organizações de massas no nível exclusivamente comunitário, envolvendo “trabalhadores, camponeses, profissionais e técnicos”, e superando os interesses corporativos e setoriais, vinculados necessariamente aos sindicatos. Distintamente dessa posição, bastante marginal no anarquismo, está o sindicalismo de intenção revolucionária, que abarca tanto o sindicalismo revolucionário quanto o anarco-sindicalismo. Para nós, o que distingue essas duas estratégias é o fato de o segundo possuir um vínculo programático explícito com o anarquismo, ou seja, uma ideologia oficial, como ocorreu com a Federación Obrera Regional Argentina (FORA), a partir de 1905 e com a Confederación Nacional del Trabajo (CNT) espanhola, a partir de 1919, ambas as quais são, a nosso ver, anarco-sindicalistas. Outros exemplos, como por exemplo a Confédération Générale du Travail (CGT) francesa, ou mesmo a Confederação Operária Brasileira (COB) brasileira, por não possuirem esse vínculo político-doutrinário com o anarquismo, defendendo a “neutralidade política” dos sindicatos, são sindicalistas revolucionárias. Embora consideremos tanto o anarco-sindicalismo como o sindicalismo revolucionário estratégias anarquistas, elas devem ser diferenciadas, visando uma melhor compreensão dos debates. Muitos foram os anarquistas que defenderam a organização exclusiva de massas pelo nível sindical, dentre os quais Pierre Monatte (1998, pp. 206-207), que, no contexto do Congresso Anarquista de Amsterdã, em 1907, sustentou que o sindicalismo revolucionário “se basta a si próprio”. Ele acreditava que o movimento popular iniciado pela CGT, na França, em 1895, havia possibilitado uma reaproximação entre os anarquistas e as massas e por isso recomendava: “que todos os anarquistas ingressem no sindicalismo”. Essa posição de Monatte, essencialmente sindicalista revolucionária, foi preponderante no anarquismo do século XX, senão em teoria, pelo menos na prática. Dentre os dualistas organizacionais encontra-se Amédée Dunois (2010), que sustentou, neste mesmo congresso, para além do trabalho sindical, de massas, a necessidade de uma organização anarquista: “Seria suficiente à organização anarquista agrupar, em torno de um programa de ação prática e concreta, todos os companheiros que aceitem nossos princípios e que queiram trabalhar conosco, de acordo com nossos métodos”. Assim, deveriam haver dois níveis de organização: um social, de massas, e outro político-ideológico, anarquista; no nível social, dos sindicatos, os anarquistas organizam-se como trabalhadores; no nível político, organizam-se como anarquistas. A

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função da organização anarquista seria promover um programa dentro das organizações de massas. Em relação ao segundo debate, sobre a contribuição ou não das reformas para um projeto revolucionário, há duas posições, uma possibilista e outra impossibilista. Dentre os possibilistas encontra-se Ba Jin (2008), que sustenta que “a sociedade ideal” não surgirá de uma hora para outra, “como um milagre: isso será feito gradualmente”; ele enfatiza: “devemos caminhar para nosso ideal passo a passo”. Isso implica, para ele, que anarquistas, como trabalhadores, se unam ao movimento sindical para “pensar nas preocupações de nossos companheiros e levantar novas bandeiras, como a redução nas horas de trabalho, proteções para a vida dos trabalhadores e educação”. Essas reformas, se conquistadas por meio da luta de classes articuladas por trabalhadores organizados, poderiam contribuir com a aproximação de um processo revolucionário. Dentre os impossibilistas encontra-se Alessandro Cerchiai (apud Romani, 2002, p. 175), que só defende as greves na medida em que elas tenham por objetivo imediato a revolução social: “não seremos livres se, ao invés de gastar nosso esforço em abolir o governo e a propriedade privada, nos dedicarmos simplesmente a mendigar reformas”. Para ele, as reformas simplesmente ajustariam o sistema capitalista e não colocariam em xeque seus principais fundamentos. Em relação ao terceiro debate, sobre a questão da violência, ainda que os anarquistas, em geral, afirmem que num processo revolucionário ela será necessária, evidenciam-se também duas posições. Ravachol (1981, p. 36) dizia que para que a revolução se realizasse, só faltaria “um empurrão”, que poderia ser dado por militantes encarregados de “exterminar todos os que, pela situação social ou pelos seus atos, são nocivos à anarquia”. Para ele, a violência funciona como uma ferramenta para criar movimentos revolucionários, um gatilho, uma forma propaganda que, por meio da vingança, inspira membros das classes dominadas a ingressarem em um processo mais radicalizado de luta. A Federación Anarquista Uruguaya (FAU) (2009b, p. 46; 56) sustenta, distintamente, que “é impossível conceber uma insurreição sem participação das massas”, as quais devem se envolver nesse processo essencialmente violento por “uma série de ações de massas de distintos níveis”. Segundo ela, uma das condições para o sucesso de uma insurreição é “o apoio das massas ou de setores de massas suficientemente importante para gravitar no ato insurrecional”. Para isso, é fundamental, antes de uma ação deste tipo, “um trabalho político prévio”, desenvolvido pela organização anarquista em meio às massas. Assim, a violência deve ser utilizada a partir de movimentos populares previamente estabelecidos, de maneira a aumentar sua força no processo de luta de classes; a violência é, nesse caso, uma ferramenta para favorecer

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lutas de massas já existentes e não um gatilho para criá-las ou a melhor maneira de realizar propaganda para atrair pessoas para a luta. Para nós, a defesa da organização, das reformas como caminho para a revolução e da violência decorrente de movimentos previamente utilizados constituem os fundamentos do anarquismo de massas; as posições contrárias à organização, às lutas por reformas e a defesa da violência como gatilho constituem os fundamentos do anarquismo insurrecionalista. Essas são, conforme afirmam Schmidt e van der Walt (2009), a duas grandes correntes históricas anarquistas. E, conforme demonstrado por esses autores, as posições vinculadas ao anarquismo de massas são bem majoritárias em relação às posições relacionadas ao anarquismo insurrecionalista.

4.) O anarquismo não é incoerente, sendo que seus princípios demonstram a existência de uma coerência. As divergências estão nos debates estratégicos, que dão origem às diferentes correntes anarquistas. As teses discutidas anteriormente fundamentam essa posição. Afirmamos que a ideologia anarquista é coerente, pois possui um conjunto de princípios – apontado na primeira tese – que demonstra coerência em seu núcleo político-doutrinário central. Conforme colocamos na segunda tese, as diferentes posições teórico-metodológicas, por razão da distinção apontada entre ideologia e teoria, não podem subsidiar a afirmação de que o anarquismo é incoerente, visto que ele não constitui uma ferramenta teórico- científica para compreensão da realidade, mas uma ferramenta política que visa motivar uma prática de intervenção nessa realidade. A terceira tese aponta exatamente onde estão as principais divergências entre os anarquistas. Conforme colocamos, são os debates em torno da organização, das reformas e da violência que se mostram, por sua continuidade e permanência, os mais relevantes. São essas diferenças que, a nosso ver, devem fundamentar o estabelecimento das correntes anarquistas. Por isso, discordamos de abordagens precedentes que tendem a conceituar as correntes anarquistas como anarco-comunismo, anarco-individualismo, anarco-sindicalismo, coletivismo, mutualismo etc.

5.) O anarquismo não é negação da política, do poder. Os anarquistas defendem uma determinada concepção de política e de poder; entretanto, para essa reflexão, é necessária uma padronização conceitual. Para nós, o anarquismo fundamenta-se em uma determinada noção de poder e política. Consideramos, de acordo com Corrêa (2012a, p. 80), o poder como uma “relação social concreta e dinâmica entre diferentes forças assimétricas, na qual há

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preponderância de uma(s) força(s) em relação à outra(s)”. O poder, assim concebido, “encontra-se em todos os níveis e todas as esferas da sociedade e fornece as bases para o estabelecimento de regulações, controles, conteúdos, normas, sistemas, que possuem relação direta com as tomadas de decisão.” Assim, os fundamentos do poder estão na correlação de diversas forças sociais, a qual define nossa concepção de política: a participação jogo dinâmico de forças. O anarquismo emerge de uma relação entre determinadas práticas das classes oprimidas e formulações de distintos teóricos e tem como objetivo transformar a capacidade de realização (uma força em potencial) das classes dominadas em força social e, por meio do conflito social caracterizado pela luta de classes, substituir o poder dominador que surge como vetor resultante das relações sociais por um poder autogestionário, consolidado nas três esferas estruturadas da sociedade. Essa afirmação baseia-se na distinção desenvolvida por Corrêa (2012a, p. 98) entre poder autogestionário e poder dominador. Cada um deles fundamenta-se em um conjunto distinto de elementos: o primeiro, em “autogestão, participação ampla nas decisões, agentes não alienados, relações não hierárquicas, sem relações de dominação, sem estrutura de classes e exploração”; o segundo, em: “dominação, hierarquia, alienação, monopólio das decisões por uma minoria, estrutura de classes e exploração”. Para o desenvolvimento desse projeto de poder, o anarquismo considera atores principais os agentes sociais que são membros das classes sociais concretas, presentes em cada tempo e lugar, as quais constituem as classes dominadas de maneira mais ampla. O anarquismo busca, em meio a elas e como parte delas, aumentar permanentemente sua força social, por meio de processos de luta que impliquem: participação crescente, visando à autogestão, estímulo da consciência de classe, construção das lutas de baixo para cima, com independência em relação aos agentes e estruturas dos inimigos de classe – sustenta, assim, meios condizentes com os fins que pretende atingir. A consolidação desse projeto de poder se dá por meio de uma construção permanente, que encontra em um processo revolucionário, em que a violência é inevitável, um marco de passagem de um sistema de dominação para um sistema de autogestão. Afirmações históricas dos anarquistas contra o poder e a política são, em geral, realizadas, quando se equipara poder com dominação ou quando se reduz o termo poder ao aparelho de Estado. Com as definições aqui utilizadas, podemos afirmar que o anarquismo defende uma concepção de poder e de política, pois a “política dos anarquistas não se esgota na luta contra as instituições existentes. [...] Ela também inclui a luta pela construção de outro tipo de sociedade.” (Zarcone, 2005)

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6.) A extensão e o impacto do anarquismo são amplos: de 1868 ao presente nos cinco continentes. Schmidt, representando essas informações históricas graficamente e expondo a presença geográfica do anarquismo no mundo, de seu surgimento ao presente, elaborou o seguinte mapa.

(Schmidt, 2012b, slide 10)

Observando as áreas coloridas, que indicam presença anarquista, verificamos que o anarquismo esteve/está presente em todas as Américas, em praticamente toda a Europa, na maioria dos países da Ásia, em grande parte da Oceania e em parte significativa da África. Suas continuidades e permanências, no espaço e no tempo, levando em conta uma noção de longo prazo, indicam que se trata de um fenômeno global, com amplo impacto e extensão. As cores do gráfico demonstram as localidades em que ocorreram revoluções com participação anarquista determinante, onde prevaleceram as estratégias anarquistas e sindicalistas de intenção revolucionária, onde elas foram minoritárias e as localidades em que redes relevantes foram formadas, ainda que sem a presença de sindicatos. Em preto, estão os países em que os anarquistas tiveram protagonismo em processos revolucionários: México, Espanha, Ucrânia, Manchúria (Coréia). Em vermelho

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escuro, estão os países em que o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária foram hegemônicos, dentre os quais se destacam: Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, Cuba, França, Paraguai, Peru, Portugal e Uruguai. Em vermelho claro, estão os países em que houve presença significativa do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária, ainda que não tenham sido hegemônicos, dentre os quais se encontram: África do Sul, Alemanha, Argélia, Austrália, Bulgária, Canadá, China, Egito, Equador, Estados Unidos, Grécia, Inglaterra, Itália, Japão, Namíbia, Nigéria, Nova Zelândia, Rússia, Suécia, Venezuela, Zâmbia e Zimbábue. Em amarelo, encontram-se os países em que se estabeleceram redes importantes, dentro os quais se encontram: Bielo-Rússia, Camboja, Cazaquistão, Cingapura, Estônia, Finlândia, Guiana Francesa, Guiana, Índia, Islândia, Letônia, Líbia, Lituânia, Marrocos, Moçambique, Nicarágua, Quênia, Romênia, Tailândia, Tunísia, Uganda, Vietnã, além de vários países do Oriente Médio. A análise de Schmidt também permite avaliar o impacto histórico do anarquismo, nas “cinco ondas” estabelecidas por ele: 1868-1894, 1895-1923, 1924-1949, 1950-1989, 1990 ao presente. Elaborando outro gráfico, o autor apresenta, entre outras coisas, o impacto do anarquismo em cada uma das ondas.

(Schmidt, 2012b, slide 16 simplificado)

Essa representação, ainda que aproximada, dá uma idéia interessante sobre o impacto das ondas do anarquismo. Verificamos que o “período glorioso” encontra-se nas segunda e terceira onda; ainda assim, notamos que tanto a primeira, quanto a quarta e a quinta onda não são desprezíveis, afirmação que possui respaldo histórico. Isso permite afirmar que o anarquismo possui uma existência contínua, ainda que entre fluxos e refluxos, caracterizados por suas próprias ondas, de 1868 ao presente.

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Consideramos, assim, equivocadas as teses que afirmam: que o anarquismo praticamente deixou de existir em 1939, com a derrota da Revolução Espanhola; que foi somente na Espanha que o anarquismo adquiriu uma expressão de massas significativa, constituindo a “excepcionalidade espanhola”. Analisando as grandes lutas em que o anarquismo esteve historicamente inserido, podemos dizer que a Espanha, entre 1936 e 1939, certamente, constitui um de seus pontos altos. Entretanto, depois de 1939, muitos outros episódios relevantes, que contaram com participação determinante dos anarquistas, foram levados a cabo: o processo na Bulgária, em torno da Federação dos Anarco-Comunistas da Bulgária (FAKB), que permaneceu muito forte até meados dos anos 1940; a participação determinante, por meio dos sindicatos revolucionários, no processo revolucionário cubano; a participação nas lutas de libertação nacional na Argélia, que culminaram em 1962; o processo organizativo encabeçado pela FAU, nos anos 1960 e 1970 no Uruguai; além de participações relevantes nas lutas do Maio de 68, na Revolução Iraniana, nos movimentos de libertação nacional africanos, na Revolução de 1960 e na Comuna de Gwangju na Coréia, na greve de 1951 da Nova Zelândia, nas revoltas gregas dos anos 1970 até o presente, na Comuna de Oaxaca de 2006 entre outros episódios. Todos esses casos também contrapõem a tese da excepcionalidade, que podem ser complementados com casos anteriores à Revolução Espanhola, dentre os quais se destacam, na primeira onda, a Federación Regional Española (FRE) e as Revoltas Cantonalistas, a Central Labor Union (CLU) norte-americana e as lutas em torno do Primeiro de Maio, os sindicatos revolucionários cubanos – Junta Central de Artesanos (JCA), Círculo de Trabajadores de La Habana (CTH), Sociedad General de Trabajadores (SGT) – e as lutas anticoloniais; na segunda onda, as lutas protagonizadas pela FORA Argentina, e as participações massivas dos anarquistas nos processos revolucionários na Macedônia, no México, na Rússia e na Ucrânia; na terceira onda, a força anarquista na Bulgária e a participação determinante na Revolução da Manchúria. Tais exemplos são suficientes para contrapor as teses do fim do anarquismo em 1939 e da excepcionalidade espanhola; em todos esses casos, anteriores e posteriores à Revolução Espanhola, assim como em outros, o anarquismo converteu-se em significativas expressões de massas, de envergadura considerável e, a depender dos critérios utilizados, comparáveis ao caso espanhol. Outro mapa elaborado por Schmidt, no qual representa graficamente os principais intentos revolucionários do anarquismo, sustenta esses argumentos.

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(Schmidt, 2012b, slide 14)

Pode-se dizer que em todos os casos apontados, o anarquismo converteu-se em amplas expressões populares de massas. Dos 23 episódios avaliados, quatro deles, quase 20%, que incluem participação anarquista significativa, foram levados a cabo depois da Revolução Espanhola: Revolução Cubana (1959), Independência da Argélia (1962), sindicalismo e guerrilhas no Uruguai (anos 1960-1970) e Revolução Iraniana (1978-1979).

7.) O anarquismo mobilizou classes dominadas como um todo, em especial proletariado urbano (operariado). Uma análise mais pormenorizada do impacto classista do anarquismo foi também abordada no estudo de Schmidt (2012b) e demonstra que, ainda que tenha impactado diretamente os camponeses e trabalhadores rurais, o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária foram, na maioria dos casos, levados a cabo pelos trabalhadores urbanos. Representando as principais fortalezas do anarquismo nos campos e nas cidades, o autor elaborou o seguinte mapa.

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(Schmidt, 2012b, slide 12)

Em um breve comparativo entre as 27 localidades analisadas, em que os anarquistas mobilizaram trabalhadores industriais e camponeses, em 19 delas, as bases do anarquismo estão nas cidades, entre os trabalhadores da indústria, correspondendo a 70% dos casos em questão; em oito delas, as bases do anarquismo estão nos campos, principalmente entre camponeses, correspondendo a 30% dos casos. Esses dados permitem realizar duas afirmações. Por um lado, confirma-se, por meio dos dados históricos, a concepção anarquista de sujeito revolucionário, demonstrando a mobilização de trabalhadores e camponeses, das cidades e dos campos, assim como sua noção de classes dominadas. Angel Cappelletti (2006, p. 14), sustentando este argumento, afirma: “onde o anarquismo floresceu e conseguiu influência decisiva sobre o curso dos acontecimentos, suas bases foram majoritariamente compostas por operários e camponeses”. Por outro, coloca em xeque afirmações, repetidas incansavelmente pelos adversários do anarquismo, que este seria uma ideologia do “mundo atrasado”, que só teria se desenvolvido em países não- industrializados, mobilizando principalmente “classes em declínio”, como o campesinato e os pequenos artesãos. Cappelletti continua: No passado, os marxistas, sem exceção, empenharam-se em apresentar o anarquismo como uma ideologia dos pequenos proprietários rurais e da pequena burguesia (artesãos etc.), ou mesmo como uma ideologia do lúmpem-proletariado. (Cappelletti, 2006, p. 13)

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Os exemplos históricos são abundantes para afirmar que, mesmo investindo na mobilização do campesinato, de artesãos, do lúmpem etc. – por sua concepção de classes dominadas, que não se resume ao proletariado urbano-industrial, e por não sustentar uma concepção teleológica e evolucionista da história, que considera camponeses e artesãos atores antigos em filmes novos, os quais só teriam condições de “girar para trás a roda da história” –, na maior parte dos casos, o anarquismo desenvolveu-se nas cidades entre o proletariado urbano e industrial. Cappelletti (2006, p. 15) corrobora este argumento ao enfatizar: “ainda que surja, desenvolva-se e alcance sua maior força dentro da classe operária, [o anarquismo] é uma ideologia de todas as classes oprimidas e exploradas”. Ou seja, o anarquismo, mesmo sustentando uma concepção das classes e da luta de classes fundamentada na dominação, e considerando como potenciais sujeitos revolucionários as classes dominadas de maneira ampla, teve, em termos históricos, suas bases forjadas, principalmente, entre os trabalhadores industriais das cidades, o operariado.

Apontamentos conclusivos Os apontamentos analíticos e históricos aqui realizados obviamente não esgotam o debate, mas apresentam a problemática e os horizontes que podem ser abertos nas pesquisas sobre o anarquismo. Decerto muitos pesquisadores já estão debruçados sobre alguns dos problemas e soluções apresentados em nossa exposição e novas pesquisas se seguirão, ampliando os caminhos das análises. Esperamos, modestamente, contribuir com o estudo e o debate sobre o anarquismo, entendendo que as pesquisas sobre esse tema podem avançar para além das fronteiras estabelecidas.

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PRESENTING BLACK FLAME (en) Michael Schmidt15 and Lucien van der Walt16

Let’s start this book with a few sketches. From September 6 to 12, 1869, seventyfive delegates gathered in Basel, Switzerland, for the fourth general congress of the International Workingmen’s Association, better known as the First International. Representing working-class organisations in Austria, Belgium, Britain, Germany, France, Italy, Spain, Switzerland, and the United States, they came out in favor of the common ownership of property. Prominent among the delegates was Mikhail Bakunin, a Russian emigre and revolutionary whose name was legendary across Europe. On November 11, 1887, four men—unionists and activists—were hanged in Chicago, Illinois. Mounting the scaffold, August Spies declared, “There will come a time when our silence will be more powerful than the voices you are strangling today!” Half a million people filled the funeral cortege, a crowd of twenty thousand surged around the cemetery, and May Day was adopted as an international day of remembrance for the Chicago martyrs and their fight for an eight-hour day. On June 19, 1918, a mainly African crowd of several thousand people gathered on Market Square in Johannesburg, South Africa, in the shadow of the mine dumps that girdle the city. Addressed by African and white radicals, the crowd roared its approval for proposals for a for a one-shilling-a-day pay rise. Although the strike was called off at the last moment, several thousand African miners came out and clashed with armed police. In 1923, in the wake of the chaos following the Great Kantō Earthquake, the union militant Ōsugi Sakae, the activist Itō Noe and a six-year-old relative were arrested by the military police in Tokyo. They were beaten to death, and several days later their bodies were found in a well. On July 18, 1936, Spanish generals announced the formation of a military government. When troops moved into position in Barcelona, they were confronted by armed workers’ patrols and immense crowds, and were overwhelmed. Within a few months, millions of acres of land and thousands of industrial enterprises were under the direct control of workers and peasants.

15 Veteran investigative journalist, anarchist militant, published non-fiction author, researcher and journalism trainer who has worked across Africa, and parts of North, Central and South America, Europe, the Middle East, and Australasia. His speciality is global anarchist movement history, though he is a renowned theoretician also. Member of the Editorial Board of the Institute for Anarchist Theory and History (IATH). E-mail: [email protected]. 16 South African writer and professor of Sociology, who teaches at Rhodes University, the Eastern Cape. Winner of the 2008 international Labor History and the 2008/2009 CODESRIA dissertation prizes for his PhD thesis on South African anarchism and syndicalism, Member of the Editorial Board of the Institute for Anarchist Theory and History (IATH). E-mail: [email protected].

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In October 1968, a quarter of a million workers and students gathered on the great plaza in Mexico City in antigovernment protests. Addressing the crowd, a speaker attacked the regime of Gustavo Diaz Ordazo and invoked the memory of the famed Mexican revolutionary Ricardo Flores Magon, who died in 1922 in a Kansas prison: “Was Flores Magon a sell-out?” Two hundred and fifty thousand voices shouted back “No!” Later, helicopters and troops moved against the crowd, leaving hundreds of dead in their wake. The calm of quiet Seattle in the United States is shattered on November 30, 1999, when hundreds of thousands of activists, environmentalists, protesters, and unionists arrived to contest the opening of the World Trade Organisation conference. The sea of humanity forced the cancellation of the World Trade Organisation’s opening ceremonies, and millions of viewers worldwide witnessed the escalation of the demonstrations into dramatic confrontations. By the end of “N30,” a state of civil emergency was declared; by the next morning the city resembled an armed camp. What do these sketches have in common? What binds figures like Bakunin, Spies, Ōsugi, and Flores Magon together, and links the First International, the martyrs of Chicago, the revolutionary unionists of Tokyo, the militants in Johannesburg and Mexico City, the revolutionaries of Barcelona, and many of the protesters in Seattle? They are all part of the story of the broad anarchist tradition—influenced by the tradition that forms the subject of our two volumes. “Anarchism” is often wrongly identified as chaos, disorganisation, and destruction. It is a type of , and is against capitalism and landlordism, but it is also a libertarian type of socialism. For anarchism, individual freedom and individuality are extremely important, and are best developed in a context of democracy and equality. Individuals, however, are divided into classes based on exploitation and power under present-day systems of capitalism and landlordism. To end this situation it is necessary to engage in class struggle and revolution, creating a free socialist society based on common ownership, self-management, democratic planning from below, and production for need, not profit. Only such a social order makes individual freedom possible. The state, whether heralded in stars and stripes or a hammer and sickle, is part of the problem. It concentrates power in the hands of the few at the apex of its hierarchy, and defends the system that benefits a ruling class of capitalists, landlords, and state managers. It cannot be used for revolution, since it only creates ruling elites—precisely the class system that anarchists want to abolish. For anarchists the new society will be classless, egalitarian, participatory, and creative, all features incompatible with a state apparatus.

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Now, “every anarchist is a socialist, but not every socialist is an anarchist.”1 Since its emergence, socialism has been divided into two main tendencies: , which rejects the state and hierarchy more generally; and political socialism, which advocates “a political battle against capitalism waged through … centrally organised workers’ parties aimed at seizing and utilising State power to usher in socialism.”2 Anarchism is an example of the first strand; classical Marxism is an example of revolutionary political socialism, while social democracy stands for a peaceful and gradual political socialism. For anarchism it is a struggle by the working class and peasantry—the “popular classes”—that can alone fundamentally change society. These two groups constitute the great majority of humanity, and are the only ones with a basic interest in changing society as well as the power to do so. The emancipation of the popular classes—and consequently, the creation of a free society and the emancipation of all human beings— must be undertaken by those classes, themselves. Struggles against the economic, social, and political injustices of the present must be waged from below by “ordinary” people, organised democratically, and outside of and against the state and mainstream political parties. In stressing individual freedom, and believing that such freedom is only realized through cooperation and equality, anarchism emphasises the need to organize the popular classes in participatory and democratic movements, and the significance of . It is critical to build movements that are able to develop a counterpower to confront and supplant the power of the ruling class and the state. At the same time, it is essential to create a revolutionary popular counterculture that challenges the values of class society with a new outlook based on democracy, equality, and solidarity. The most important strand in anarchism has, we argue, always been syndicalism: the view that unions—built through daily struggles, a radically democratic practice, and —are crucial levers of revolution, and can even serve as the nucleus of a free socialist order. Through a revolutionary general strike, based on the occupation of workplaces, working people will be able to take control of production and reorient it toward human need, not profit. Syndicalism envisages a radically democratic unionism as prefiguring the new world, and aims to organize across borders and in promotion of a revolutionary popular counterculture. It rejects bureaucratic styles of unionism as well as the notion that unions should only concern themselves with economic issues or electing prolabour political parties. There are many debates and differences within anarchism and syndicalism, but there are core ideas that are sufficiently coherent to be thought of as a shared “broad

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anarchist tradition.” While the tradition shares common principles and aims, it is characterised by wide diversity, and major debates over tactics, strategies, and the features of the future society. To struggle in the present, learn from the past, and create the future, anarchism invokes rationalism, critical thinking, and science, and couples it with a passion for justice and for the creation of one world and a universal human community, free of economic and social inequalities and hierarchies. The broad anarchist tradition stresses class, but this should not be mistaken for a crude workerism that fetishises male factory workers in heavy boots and hardhats. The working class and peasantry are understood in expansive terms: the working class includes all wageworkers who lack control of their work, whether employed in agriculture, industry, or services, including casual and informal workers as well as their families and the unemployed; the peasantry includes all small farmers who are subject to the control and exploitation of other classes, including sharecroppers and labour tenants. The stress on class also does not mean a narrow focus on economic issues. What characterises the broad anarchist tradition is not economism but a concern with struggling against the many injustices of the present. As the popular classes are international, multinational, and multiracial, anarchism is internationalist, underscoring common class interests worldwide, regardless of borders, cultures, race, and sex. For anarchists, a worker in Bangalore has more in common with a worker in Omsk, Johannesburg, Mexico City, or Seoul than with the Indian elite. Karl Marx’s ringing phrase “Working men of all countries, unite!” is taken in its most literal and direct sense. To create a world movement requires, in turn, taking seriously the specific problems faced by particular groups like oppressed nationalities, races, and women, and linking their struggles for emancipation to the universal class struggle. There is a powerful anti-imperialist, antimilitarist, antiracist, and feminist impulse— “feminist” in the sense of promoting women’s emancipation—in the broad anarchist tradition, all within a class framework.

Our Project We want to look at the ideas and history of the broad anarchist tradition since it initially emerged. It is a tradition rich in ideas, and one that has had an enormous impact on the history of working-class and peasant movements as well as the Left more generally. While the broad anarchist tradition has received more attention in recent years due to the prominent role of anarchists in the “antiglobalisation” movement and the rebirth of significant syndicalist union currents, its ideas and history are not well known today. In many cases, a proper appreciation of the ideas and activities of the movement

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have been obscured by unsympathetic scholarship and media, but the problem goes deeper than that. Even sympathetic accounts often misunderstand the core ideas and underestimate the historical reach of the broad anarchist tradition. In our two volumes, we will undertake several key tasks: challenging many commonly held views about anarchism and syndicalism, reexamining the ideas of the broad anarchist tradition, and synthesising a global history of the movement. In doing this, we are motivated in part by a concern with demonstrating that an understanding of the role of anarchism and syndicalism is indispensable to the understanding modern history. It is simply not possible to adequately understand the history of, for instance, unions in Latin America or peasant struggles in East Asia without taking anarchism and syndicalism seriously. The history of the broad anarchist tradition is an integral—but often forgotten—part of popular and socialist history. Besides, it is a fascinating body of thought and history. The first volume concentrates on several main areas. First, it defines anarchism and outlines its main ideas, developing the case that anarchism is a form of revolutionary and libertarian socialism that initially arises within the First International. This volume then examines the relationship between anarchism and other ideas, particularly the views of Pierre-Joseph Proudhon (1809–1865), the classical Marxists, and economic liberalism. Third, it explores the relationship between anarchism and syndicalism. It then looks at the major strategic and tactical debates in the movement. Next, the first volume discusses some of the major historical themes in the history of that tradition, such as its class character, along with its role in union, peasant, community, unemployed, national liberation, women’s emancipation, and racial equality struggles. Sixth, it argues that the broad anarchist tradition was an international movement that cannot be adequately understood through the focus on Western anarchism that typifies most existing accounts. And finally, it suggests that an understanding of the broad anarchist tradition can play an important part in informing progressive struggles against contemporary neoliberalism. We reject the view that figures like William Godwin (1756–1836), Max Stirner (1806–1856), Proudhon, Benjamin Tucker (1854–1939), and (1828–1910) are part of the broad anarchist tradition. Likewise, we reject the notion that anarchist currents can be found throughout history: the anarchist movement only emerged in the 1860s, and then as a wing of the modern labour and socialist movement. If we exclude Godwin and the others, for reasons that will become apparent, we include under the rubric of the broad anarchist tradition syndicalists like Daniel De Leon (1852–1914), James Connolly (1868–1916), and William “Big Bill” Haywood (1869–1928). The key figures in defining

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anarchism and syndicalism were, however, Bakunin (1814–1876), and Pyotr Kropotkin (1842–1921). The broad anarchist tradition was profoundly influenced by both Proudhon and Marx, but its outlook went far beyond the ideas and aims of both, was centred on an internationalist politics that sought to address a wide range of social issues in a class framework, and was historically primarily a movement of the working class even if peasants also played an important role. If we pay a great deal of attention to syndicalism in our work, it is because syndicalism is central to the story of the broad anarchist tradition. When we speak of syndicalism, we mean a revolutionary union movement capable of a wide range of tactics and actions: syndicalism should not be narrowed down to the politics of forming brand-new unions, for many syndicalist unions were created through capturing and revolutionising existing unions. Contrary to the view that anarchism was “never more than a minority attraction,” the poor cousin of other Left traditions, we demonstrate that mass anarchist and syndicalist movements emerged in a number of regions, notably parts of Europe, the Americas, and East Asia.3 Having laid out this framework in this volume, we turn in volume 2 to developing a global history of the broad anarchist tradition. Volume 1 looks at the class politics that fuels the black flame of the broad anarchist tradition, and examines how that flame was lit. Volume 2 explores the global fire of anarchist and syndicalist struggles over the last 150 years. Throughout both volumes, we use a basic distinction between principles (the core ideas of the broad anarchist tradition), strategies (broad approaches to implementing the anarchist agenda), and tactics (short-term choices made to implement strategy). What we aim to do in the two volumes is, in short, to weave together a story and an analysis that examines the politics of the broad anarchist tradition, discusses the lives and struggles of anarchists and syndicalists as well as their movements, and demonstrates the historical importance of the broad anarchist tradition.

Beyond Capitalism: History, Neoliberalism, and Globalisation We are also influenced by the view that the 150-year history of anarchism and syndicalism is of interest to many people in the world of today—a world marked, on the one hand, by appalling injustices, gross inequalities, and political hypocrisies, and on the other hand, by millions of people looking for an alternative. What exists now will one day be history; it is the duty of those who long for something better to make sure that the future is an improvement on the present. The dismal record of the old East bloc regimes,

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the decline of the welfare state, and the economic and environmental crises afflicting the world complicate the search for alternatives. The 1990s’ mantra “There Is No Alternative” to neoliberal capitalism has, in the wake of Seattle and other struggles, been replaced by the more optimistic slogan “Another World Is Possible.” But what type of world, and how is it to be created? We believe that the ideas and history of the broad anarchist tradition have much to contribute to progressive movements in the years to come. A multiracial and international movement with a profound feminist impulse, a movement with an important place in union, worker, and rural struggles, prizing reason over superstition, justice over hierarchy, self-management over state power, international solidarity over nationalism, a universal human community over parochialism and separatism—anarchism and syndicalism is this, and much more. The twenty-first century is a world of extremes. One of its most striking features is a spiralling increase in inequality between and within countries. In 1996, the combined wealth of the world’s 358 richest people, all billionaires, was equal to the total income of 45 percent of the world’s population, around 2.3 billion people.4 The share of world income held by the top 20 percent rose from 70 percent in 1960 to 85 percent in 1991.5 The United States, the most powerful state and industrial economy in history, has a higher level of inequality than struggling Nigeria, and income inequality is at its highest since the 1920s.6 Wealth is overwhelmingly concentrated in the hands of a few, with the top 1 percent having an income equal to that of the bottom 40 percent; “America has a higher per capita income than other advanced countries … mainly because our rich are much richer.”7 The collapse of the centrally planned economies in the old East bloc saw the number of people in these regions living in extreme poverty shoot up from 14 to 168 million.8 Inequality has deepened in Asia and Latin America (with 350 million in abject poverty in China alone).9 And most of Africa is marginalised from the world economy, with average incomes lower than in colonial times.10 In 1996, almost a billion people were either unemployed or underemployed worldwide; the unemployment was highest in the agromineral and semi-industrial countries, but many highly industrialised economies had unemployment rates over 10 percent.11 Enormous pressures on the peasantry, particularly the evolution of landlords into agricultural capitalists, had led to massive and unprecedented urbanisation; for the first time, the world’s population is now predominantly urban. At least a third of the world’s three billion urban dwellers currently live in slums, with perhaps 250,000 slums worldwide, and it is estimated that by 2020, half of the total urban population might live in severe poverty on a “Planet of Slums.”12 The modern working class has grown

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enormously, becoming the largest single class in history, in part due to the industrialisation of large parts of Eastern Europe and Russia, East Asia, Southern Africa, and Latin America. There are at present more industrial workers in South Korea alone than there were in the entire world when Marx and Friedrich Engels wrote The Communist Manifesto in 1848, and industrial workers are only one part of the working class.13 With perhaps two billion members, the working class is now arguably the largest single class in human history.14 Underlying the growing class divisions is a larger set of processes of international restructuring. From the 1930s to the 1970s, the world could be fairly neatly divided into three main zones: the “First World” of advanced capitalism, based increasingly on mixed economies and the Keynesian welfare state; a “Second World” of centrally planned command economies that described itself as “socialist”; and the “Third World,” comprising much of the former colonial world, where policies of import-substitution industrialisation and closed economies, promoted by nationalist and populist regimes, held sway. Starting in the mid-1970s, and gathering momentum in the 1980s and 1990s, all regions of the world began to converge around a single model of capitalist accumulation, known as neoliberalism. Drawing directly on the free market ideas of classical and neoclassical economics pioneered by Adam Smith—that is, the tradition of economic liberalism—neoliberals argued that the relentless pursuit of profit would create growing economies as well as free and equitable societies.15 In other words, crude self-interest could, through a free market, create major social benefits. There had to be a strong and lean state, able to enforce law and order as well as property rights, prevent monopoly, issue currency, and deal with externalities and public goods where necessary, but there was no place for restrictions like minimum wages, extensive welfare systems, price controls, progressive taxation, state-provided old-age homes, strong unions, and so forth.16 In the context of a global economic crisis starting in the 1970s, the increasing integration of different national economies, and a crisis of the Left arising from the decline of the East bloc and the inability of social democracy and import-substitution industrialisation to restore economic growth, neoliberalism became a dominant economic policy model worldwide. That such policies—variously known as economic rationalism, monetarism, shock therapy, Reaganomics, Thatcherism, and structural adjustment—should increase inequality is hardly surprising: they are associated with the casualisation of labour, the commodification and privatisation of public goods and natural resources, free trade and deindustrialisation, the expansion of transnational corporations including

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agrobusinesses, rising unemployment, and substantial cutbacks in state-provided services, all creating, in Pierre Bourdieu’s words, a “utopia of endless exploitation.”17 The importance of the broad anarchist tradition, in this context, is clear. It is striking to observe that no coherent radical, popular alternative to neoliberalism has yet emerged. The impact of neoliberalism on the popular classes, and the massive social polarisation along with the vast growth of the working class and the urban population with which it is associated, might be expected to lead to widespread class struggles and a radical, even revolutionary popular politics. This has not taken place. From the start, neoliberalism attracted popular opposition: the anti-International Monetary Fund (IMF) “riots” of Africa and Latin America in the 1980s, the Zapatista uprising in Mexico in 1994, the mass strikes in France and elsewhere in the years that followed, and the antiglobalisation movement that captured the public consciousness in 1999 in Seattle. Such protests demonstrate growing disenchantment with the current state of the world, and increasingly show a visceral opposition to capitalism unseen in decades, but they have not been linked to a systematic project to replace neoliberalism or the capitalism that underlies it with a different social order. In many cases, for “the moment at least, the agenda is one of reform rather than revolution.”18 Struggles in Africa against the structural adjustment programmes designed by both the IMF and World Bank in the 1980s and 1990s, for example, rejected neoliberal measures and their effects, but focused their attention on demands for parliamentary democracy. But while the movements had a good deal of success in winning political reforms, they never had much in the way of a socially transformative politics; their concern was winning a framework for democratic debate, yet they did not have real positions to articulate within that framework. All too often, the popular movements, headed in many cases by unions, ended up electing new parties to office on vague platforms—parties that, in practice, simply continued to implement the neoliberal agenda. The collapse of much of the former Second World, the East bloc, offers a partial explanation for the lack of substance to a popular politics. These developments shook a whole generation that identified socialism with the Soviet model. At the same time, social democracy suffered a severe blow from the manifest inability of Keynesian welfare states to restore economic growth, reduce unemployment, or effectively finance welfare, and most social democratic parties drifted toward neoliberalism by the 1990s. Across the postcolonial world, the import-substitution model began to crumble from the 1970s on; unable to deliver jobs and a modicum of welfare, the old nationalist and populist regimes either collapsed, or else embraced structural adjustment and the IMF.

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In short, the statist politics that had dominated the popular classes from the 1930s to the 1970s proved unable to resolve the international economic crisis. The era of neoliberalism was associated with the rapid integration of economies across the world, and this underlay the second failure of the old approaches: the reliance on the state management of relatively closed economies. Central planning, the Western welfare state, and import-substitution industrialisation were all singularly ill-suited to deal with an increasingly globalised capitalism. In a memorable paper, the conservative writer Francis Fukuyama described the period after the collapse of USSR as the “end of history,” the “unabashed victory of economic and political liberalism,” and “the end point of mankind’s ideological evolution.” There are numerous problems with his analysis, but it cannot seriously be disputed that the 1990s were characterised by a “total exhaustion of viable systematic alternatives to Western liberalism.”19 The older left and nationalist projects were no longer desirable nor feasible. The enabling state was crippled, its alternatives to liberal economics were found wanting, and as a result, popular opposition to neoliberal politics remained unable to effectively confront the neoliberal order. On the one hand, the crisis of popular progressive politics has enabled the neoliberal agenda to continually accelerate; an effective radical politics may have been able to fundamentally disrupt the neoliberal agenda from its inception. On the other hand, it has meant that antineoliberal struggles tend to be primarily defensive, directed against the effects of neoliberalism, rather than addressing its causes and developing an effective, lasting solution. These struggles thus tend to be limited, sporadic, and at best sidetracked into moderate (if important) reforms that do not stop neoliberalism, such as prodemocracy movements. For all their limitations, the prodemocracy movements of Africa, Asia, and Latin America as well as post-1999 East Europe are at least broadly progressive in outlook. The dark side of the general crisis of progressive popular politics has been the frighteningly rapid rise of mass right-wing nationalist and religious movements, like Christian and Hindu fundamentalism, radical Islam, and neofascism. Antidemocratic, antimodern, and antisecular in orientation, these movements can deliver nothing but endless ethnic and racial conflicts, authoritarian regimes, and an epoch of reaction comparable to the darkest years of the mid-twentieth century. Their rise is made possible precisely by the collapse of progressive alternatives; that some selfdeclared leftists can defend and even work with these reactionary currents, describing them as “anti-imperialist,” is itself a sign of the climate of the Left’s crisis. It is here that the broad anarchist tradition can make a real contribution. It provides a rich repertoire of ideas and actions that are particularly appropriate to the

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present period. For one thing, it can play a key role in the renewal of the socialist project. That the East bloc model failed in many respects is no longer widely disputed on the Left. It was not democratic, egalitarian, or emancipatory; looking back, there can be little doubt that it was based on a class system enforced by ongoing repression. It does not follow, however, that capitalism, particularly in its neoliberal form, offers anything better, that it is capable of solving the massive social problems that confront humanity— alienation, inequality, injustice, and poverty—or that it can avert the terrible spectre of the planet of slums. Taking the great promises of the Enlightenment (egalitarianism, individual freedom and democracy, rationalism and progress) seriously, and providing an analysis, strategy, and tactics to realize that promise, the broad anarchist tradition can make many contributions to the current impasse of peasant and working-class movements. The broad anarchist tradition emerged as a movement of the peasantry and working class, as mentioned earlier, and there is much that contemporary struggles against neoliberalism can learn from an examination of its ideas and history. Without a progressive Left alternative, contemporary struggles against neoliberalism will inevitably be unable to fundamentally challenge the capitalist system that gave rise to neoliberalism. By rejecting the “frequent assumption that is by and large covered by the term ‘Marxism-Leninism,’” it becomes possible to rediscover alternative, libertarian socialist traditions like anarchism and syndicalism.20 To “recall anarchism, which Leninist Marxism suppressed,” Arif Dirlik contends, is to rethink the meaning and possibilities of the socialist tradition, and “recall the democratic ideals for which anarchism … served as a repository.”21 In a world where nationalism and racial prejudice seem endemic, not least among many on the Left, the consistent internationalism of the broad anarchist tradition is worthy of rediscovery as well. This means a rediscovery of libertarian socialism more generally. Social democracy, or parliamentary socialism, the moderate wing of political socialism associated with bodies like the Labour Party in Britain and the Socialist Party in France, aimed at a “piecemeal settlement by means of organisation and legislation” rather than “universal, instantaneous and violent expropriation.”22 It embraced John Maynard Keynes’s theory of managed capitalism from the 1930s onward and was associated with the implementation of comprehensive welfare states in Western countries. Yet economic globalisation, declining economic growth, and a drive by the ruling classes to implement neoliberalism have undermined the basis for the social democratic reforms of the post– World War II era: an economic boom able to fund redistribution, a closed economy that could be managed on Keynesian lines, and a ruling class willing to make major

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concessions to the popular classes. By the 1990s, social democratic parties had for the most part embraced neoliberalism. Finally, it is worth noting that the “glorious period” of anarchism and syndicalism from the mid-1890s to the mid-1920s took place in an earlier phase of globalisation, marked by high levels of international economic integration and free trade, immigration, rapid advances in telecommunications and transport, and the rise of supranational institutions, including early transnational corporations.23 This is a period distant in time, but in many ways not so different from the twenty-firstcentury world of neoliberalism, and the ways in which the broad anarchist tradition responded to this earlier period of globalisation speak directly to current antiglobalisation concerns, particularly when the statist approaches that have dominated much of the twentieth century have been found so very wanting.

Rethinking the Broad Anarchist Tradition There has been a resurgence of syndicalism following the reestablishment of the anarcho-syndicalist National Confederation of Labour (CNT) in Spain in 1977, and a rapid growth of anarchism in the 1990s, notably in the contemporary antiglobalisation movement, where it provided the main pole of attraction for many.24 By 2004, the syndicalist General Confederation of Labour (CGT) in Spain represented nearly two million workers in terms of that country’s industrial relations system.25 Even so, syndicalism and anarchism are not always taken seriously, and are often misunderstood. In this book, we reject the view that the broad anarchist tradition is an atavistic throwback to the precapitalist world, and argue that it was a response to the rise of capitalism and the modern state, that its origins were as recent as the 1860s, and that it emerged within and was an integral part of modern socialist and working-class movements. We also challenge the view that any philosophy or movement that is hostile to the state, or in favour of individual freedom, can be characterised as anarchist. Anarchism is part of the libertarian wing of socialism, and dates back to the First International, which lasted from 1864 to 1877. If classical Marxism had Marx and Engels, anarchism and syndicalism were above all shaped by two towering figures, Bakunin and Kropotkin. We take issue with the common view that anarchism “became a mass movement in Spain to an extent that it never did elsewhere.”26 This is the common “Spanish exceptionalism” argument. Mass movements in the broad anarchist tradition developed in many countries, and the Spanish movement was by no means the largest. The twentieth-century Spanish syndicalist unions, which represented only half of organised

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Spanish labour, when considered in relation to the size of the working class and the organised , were smaller than movements in Argentina, , Chile, Cuba, France, Mexico, Peru, Portugal, and , where the broad anarchist tradition dominated almost the entire labour movement. Justifying his pioneering research on anarchism in the early 1960s, James Joll suggested that it was a mistake to think “it is the causes which triumph that alone should interest the historian.”27 What we assert is that there were many moments of “triumph” for the broad anarchist tradition, and it is a mistake to assume that anarchism was always the poor cousin of socialist traditions like classical Marxism and social democracy. The thesis of “Spanish exceptionalism” took Western Europe and North America as its point of comparison, but ignored many important movements in these areas, as well as elsewhere, thereby diverting a great deal of energy into trying to explain a “Spanish” peculiarity that did not exist.28

Social Base and Global Reach Rather than see the broad anarchist tradition as an expression of some sort of vague yearning, “a timeless struggle,” we stress its novelty and relatively recent roots.29 Against the view that anarchism was “not a coherent political or philosophical movement,” and was full of “contradictions and inconsistencies,” without a “fixed body of doctrine based on one particular world view,” we stress the coherence of its ideas.30 And crucially, an opposition to capitalism and landlordism, and a politics of class struggle, is integral to anarchism and syndicalism: the state is certainly a target of the anarchist critique, but views that hold that anarchists see the state as “responsible for all inequality and injustice,” or “as the root of all evil,” seriously distort the anarchist position, and purge it of its socialist content and origins.31 The notion of “anarcho-capitalism,” used by some writers, is a contradiction in terms.32 In place of the stereotype of anarchism as a movement and secular religion for a petty bourgeoisie of artisans and peasants ruined by modernity, “social classes that were out of tune with the dominant historical trend,” “thrust aside by … industrial progress,” and “threatened” by “industry and mechanisation,” led by ruined aristocrats and composed of declining peasants and craftspeople only rarely “involved in centralisation or industrialisation,” and hankering for a premodern past, we demonstrate that the movement was historically based predominantly among the modern working class, or proletariat.33 It was, above all, among the urban working class and farm labourers that the broad anarchist tradition found its recruits, and it found them in the millions. Contrary to

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the common view that syndicalism was a movement comprised of skilled artisans, the syndicalist unions were primarily made up of groups of people like casual and seasonal labourers, dockworkers, farmworkers, factory workers, miners, and railway employees, and to a lesser extent white-collar workers and professionals, notably teachers. Issues of de-skilling and work restructuring played an important role in attracting some to syndicalism, but the movement as a whole drew in a great many unskilled and semiskilled workers. The broad anarchist tradition also had a significant appeal to the peasantry, and there were large anarchist peasant movements—fighting the power of landlords, rural capitalists, and the state, particularly where rural commercialisation was taking place— but its largest constituency was the working class. Because anarchism did not dismiss the peasantry, peasants were crucial to at least three major attempts at making an anarchist revolution: the Ukrainian Revolution (1917–1921), the Kirin Revolution (1929–1931), and the Spanish Revolution (1936–1939). Anarchists were also a central force in other peasant struggles in eastern and southern Europe, East Asia and Latin America. In short, the broad anarchist tradition is certainly not a revolt against the modern world by declining classes. It is above all a dynamic, modern, and predominantly working-class movement that seeks to collectivise and self-manage production, and replace the modern state with international self-management. It had a large peasant constituency historically, but even this emerged precisely where capitalism was penetrating and changing the countryside. The broad anarchist tradition is a movement that aims to harness modern technology for human emancipation: it does not, contrary to the stereotype, advocate “crude village ” or aim to “turn the clock back.”34 Syndicalism is very much a part of the story of anarchism. Many accounts have presented syndicalism as a movement distinct from—or even hostile to—anarchism. In this vein, many works present Georges Sorel, a retired French engineer and former Marxist, as “the theorist of anarcho-syndicalism,” “the leading theorist of Revolutionary Syndicalism,” and “syndicalism’s foremost theoretician.”35 To the contrary, we demonstrate that syndicalism was always part of the broad anarchist tradition. It is often assumed that syndicalism emerged for the first time in the 1890s in France: we show, however, that it was Bakunin in the 1860s, not Sorel forty years later, who was the key theorist of syndicalism, and that a whole first wave of syndicalism took place in the 1870s and 1880s. Syndicalism is a variant of anarchism, and the syndicalist movement is part of the broad anarchist tradition. This point is applicable to all the main variants of syndicalism: anarcho-syndicalism (which explicitly situates itself within the anarchist tradition),

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revolutionary syndicalism (which does not make so explicit a connection, due to ignorance or a tactical denial of the link to anarchism), De Leonism (a form of revolutionary syndicalism that claims to be Marxist), and rank-and-file syndicalism (a form of syndicalism that builds independent rank-and-file groups that overlap with, but are independent of, orthodox unions). Syndicalism, in essence, is an anarchist strategy, not a rival to anarchism. When we use the term syndicalism without prefixes or qualifications, we use it in an inclusive manner to describe all variants of syndicalism. Here, it should be stressed, we make the case that the Industrial Workers of the World (the IWW, or “Wobblies”), a radical union current that emerged in 1905 in the United States and spread worldwide, was an integral part of a second wave of syndicalism that started in the 1890s. We specifically reject the notion that the history of the IWW is separate from that of syndicalism, and the view that the IWW arose from endogenous U.S. radical traditions or Marxism.36 The historical IWW was syndicalist in outlook, drew heavily on the legacy of first-wave syndicalism and the broad anarchist tradition more generally in the United States, and was inspired and influenced by the rebirth of syndicalism elsewhere. The IWW split in 1908 into two main wings: first, the well-known “Chicago IWW,” which was important in the United States, Australia, Chile, and elsewhere, was associated with figures like Haywood, and was strictly opposed to any participation in government elections; and second, the smaller “Detroit IWW,” which had an influence in Britain, South Africa, and elsewhere, was associated with De Leon and Connolly, and advocated a conditional use of elections. We argue that both currents were and are syndicalist—and therefore form part of the broad anarchist tradition. That some syndicalists described themselves as Marxists or rejected the anarchist label does not invalidate their place in the broad anarchist tradition; we do not use self-identification but rather ideas as the basis for inclusion in the broad anarchist tradition. Some of the consequences of these arguments are quite striking and force a rethinking of the canon of the broad anarchist tradition. Following a tradition established by Paul Eltzbacher’s Anarchism: Exponents of the Anarchist Philosophy published in 1900, the conclusions of which “have been incorporated into almost every study of the subject up to the present day,” the standard works on anarchism and syndicalism have spoken of the “Seven Sages” of the movement: Godwin, Stirner, Proudhon, Tucker, Tolstoy, Bakunin, and Kropotkin.37 For Eltzbacher, these sages could be “taken as equivalent to the entire body of recognised anarchist teachings.”38 According to Eltzbacher, the sages shared an opposition to the state, for “they negate the State for our future.”39 He was aware that “the negation of the State” had

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“totally different meanings” for his sages.40 It nonetheless followed that anyone who held an antistatist position must be an anarchist, even if they disagreed over fundamental issues like the nature of society, law, property, or the means of changing society.41 This minimalist definition of anarchism overlapped with the tendency of many anarchists and syndicalists to invent myths about their own history. Kropotkin was not alone in constructing an imagined prehistory for the anarchist movement, a supposed genealogy of anarchist ideas and movements that dated back to the antiquity of Asia and Europe.42 These anarchist narratives, which remain common, centred on listing a range of actors and ideas that purportedly shared the basic concerns of the anarchist movement, ranging from Lao-tzu in ancient China (the founder of Taoism), to late medieval Anabaptists, to Bakunin in nineteenth-century Europe. The aim of such mythmaking was to legitimise anarchism by providing it with a lengthy pedigree, and claiming many famous and respected figures. The most important study from within the movement, Max Nettlau’s (1865–1944) ninevolume history of anarchism, spent the first volume dealing with events before the 1860s, starting from ancient China and Greece.43 There are obvious problems here. If an anarchist is someone who “negates” the state, it is by no means clear how anarchism differs from the most radical economic liberals, like Murray Rothbard, who envisage a based on private property and an unrestrained free market. Likewise, classical Marxism’s ultimate objective is a stateless society without alienation and compulsion. Using Eltzbacher’s definition, both Rothbard and Marx could arguably earn a place in the pantheon of anarchist sages; it would be arbitrary to exclude them. In other words, Eltzbacher’s definition fails the basic task of clearly delineating anarchism from other ideas and therefore cannot be regarded as adequate. The tendency to project anarchism onto all of human history has related problems: on the one hand, no serious examination of Lao-tzu, the Anabaptists, and Bakunin can maintain that they shared the same views and goals, so it is not clear why they should be grouped together; and on the other hand, if anarchism is a universal feature of society, then it becomes very difficult indeed to explain why it arises, or to place it in its historical context, to delineate its boundaries, and analyse its class character and role at a particular time. To claim that anarchism is universal is a useful legitimising myth for an embattled movement; to take such a claim seriously, however, does little to advance the analysis and activities of that movement. It fails to historicise the broad anarchist tradition, or explain why it arose as well as why it appealed to particular classes. The obvious temptation is to take refuge in psychological explanations. Peter Marshall, for example, claims that the “first anarchist” was the first person who rebelled

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against “authority,” and that anarchism was rooted in human nature, “a timeless struggle” between “those who wanted to rule and those who refused to be ruled or to rule in turn,” premised on a “drive for freedom,” a “deeply felt human need.”44 The radical environmentalist and libertarian socialist Murray Bookchin made the same argument, adding a Freudian touch: anarchism is a “great libidinal movement of humanity to shake off the repressive apparatus created by hierarchical society” and originates in the “age-old drive” of the oppressed for freedom.45 Yet there is no real evidence for this line of argument, and it fails to explain why anarchism has been significant in some periods and almost entirely absent in others. If anarchism is a human drive, why have its fortunes varied so dramatically over time? Only a historical and social analysis can really explain the rise and fall of anarchism, and this requires recourse to social science, not psychology. The “seven sages” approach that grouped a wide range of thinkers with little in common, and the anarchists’ own mythmaking, stunted any analysis of the broad anarchist tradition. For all of these reasons, we have found it imperative to use a narrower, more clearly delineated, and more historicised and historically accurate understanding of anarchism and syndicalism. Of Eltzbacher’s sages, only Bakunin and Kropotkin may be considered anarchists. Godwin, Stirner, and Tolstoy have no place at all in the broad anarchist tradition; Proudhon and his disciple Tucker represented an approach, mutualism, that influenced anarchism profoundly—along with Marxism, Proudhonism provided many ingredients for the broad anarchist tradition—but that cannot truly be called anarchist. There are many libertarian ideas —ideas stressing individual freedom— but not all libertarians are also socialists. It is in the context of the rise of the modern state and capitalism—and concomitantly, the modern working-class and socialist movement— that anarchism first emerged. By arbitrarily grouping together figures that have, as shown in this book, little in common, as the key thinkers in anarchism, the seven sages approach inevitably creates the impression that anarchism is contradictory as well as unfocused, and renders the theoretical analysis of anarchism a frustrating task at best. This apparent incoherence is the result of a problematic analysis of anarchism, not of the poverty of anarchism itself. A sweeping and loose definition of anarchism tends to group quite different ideas together, and does not historicize anarchism; by presenting anarchism as vague and rather formless, it also makes it difficult to consider how the broad anarchist tradition can inform contemporary struggles against neoliberalism.

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What Is the Broad Anarchist Tradition? Using a narrower definition, we believe we have been able to bring the broad anarchist tradition along with its ideas and history into sharper focus, and thus are able to present a fairly thorough and systematic examination of anarchist and syndicalist ideas, debates, and developments. In our analysis, anarchism is presented as a definite and clear set of positions. In examining the history of the broad anarchist tradition, we likewise sacrifice apparent breadth for real depth. Many accounts spend a great deal of time discussing figures like Stirner, Tolstoy, and the Anabaptists. We regard these people as extraneous and largely irrelevant to an account of the broad anarchist tradition. Nor do we use terms like “” (often used in reference to Godwin), “” (often used in reference to Stirner, but sometimes also for Proudhon and Tucker), “” (for Tolstoy), or “lifestyle anarchism” (sometimes used to refer to contemporary forms of ), as we do not regard these currents as part of the broad anarchist tradition. The point is not to dismiss other libertarian ideas and the wide range of antiauthoritarian ideas that have developed in many cultures but to suggest that we need to differentiate anarchism and syndicalism from other currents, including libertarian ones, the better to understand both anarchism and these other tendencies. “Class struggle” anarchism, sometimes called revolutionary or communist anarchism, is not a type of anarchism; in our view, it is the only anarchism. We are aware that our approach contradicts some long-standing definitions, but we maintain that the meaning of anarchism is neither arbitrary nor just a matter of opinion—the historical record demonstrates that there is a core set of beliefs. Many writers have drawn a supposed distinction between “anarchist communism… perhaps the most influential anarchist doctrine” and “another doctrine of comparable significance, anarcho-syndicalism.”46 We reject this approach as a misleading analysis of the broad anarchist tradition. Not only is this alleged distinction absent from the bulk of anarchist writings until recently, but it also simply does not work as a description of different tendencies within the broad anarchist tradition. Moreover, the vast majority of people described in the literature as “anarchist communists” or “anarcho-communists” championed syndicalism, including Kropotkin, Alexander Berkman (1870–1936), Flores Magon, and Shifu. On the other hand, the majority of syndicalists endorsed “anarchist communism” in the sense of a stateless socialist society based on the communist principle of distribution according to need. It is difficult to identify a distinct “anarchist-communist” strategy or tendency that can be applied as a useful category of anarchism.

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Insurrectionist Anarchism, Mass Anarchism, and Syndicalism Instead, we develop a distinction within the broad anarchist tradition between two main strategic approaches, which we call “mass anarchism” and “insurrectionist anarchism.” Mass anarchism stresses that only mass movements can create a revolutionary change in society, that such movements are typically built through struggles around immediate issues and reforms (whether concerning wages, police brutality, high prices, and so on), and that anarchists must participate in such movements to radicalise and transform them into levers of revolutionary change. What is critical is that reforms are won from below: these victories must be distinguished from reforms applied from above, which undermine popular movements.47 The insurrectionist approach, in contrast, claims that reforms are illusory, that movements like unions are willing or unwitting bulwarks of the existing order, and that formal organisations are authoritarian. Consequently, insurrectionist anarchism emphasises armed action—“propaganda by the deed”—as the most important means of evoking a spontaneous revolutionary upsurge. What distinguishes insurrectionist anarchism from mass anarchism is not necessarily violence as such but its place in strategy: for insurrectionist anarchism, propaganda by the deed, carried out by conscious anarchists, is seen as a means of generating a mass movement; for most mass anarchism, violence operates as a means of self-defence for an existing mass movement. This line of argument raises questions about the anarchist canon. Having rejected the seven sages, we do not ourselves develop a new canon, except to suggest that it must centre on Bakunin and Kropotkin, and include key figures from the broad anarchist and syndicalist tradition both within and beyond the West. If Godwin, Stirner, and Tolstoy have no place in the canon, people like Pyotr Arshinov (1887–1937), Juana Belem Gutierrez de Mendoza (1875-1942), Camillo Berneri (1897–1937), Luisa Capetillo (1880– 1922), Connolly, Christian Cornelissen (1864–1942), Voltairine de Cleyre (1866–1912), De Leon, Elizabeth Gurley Flynn (1890–1964), Praxedis Guerrero (1882–1910), Emma Goldman (1869–1940), He Zhen (born He Ban [n.d.]), Petronila Infantes (1920–?), Itō, Kōtoku Shūsui (1893–1911), Li Pei Kan (1904–2005, also known by the pseudonym Ba Jin), Maria Lacerda de Moura (1887–1944), Liu Sifu (1884–1915, also known as Shifu), Errico Malatesta (1853–1932), Flores Magon (1874–1922), Nestor Ivanovich Makhno (1889– 1934), Louise Michel (1830–1905), Ferdinand Domela Nieuwenhuis (1861–1919), Ōsugi (1885–1923), Albert Parsons (1848–1887), Lucy Parsons (1853–1942), Fernand Pelloutier (1867–1901), Enrique Roig de San Martin (1843–1889), Juana Rouco Buela (1888–1968), Rudolph Rocker (1873–1958), Lucia Sanchez Saornil (1895–1970), Shin Ch’aeho (1880– 1936), and others are all serious candidates as people who made significant intellectual

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contributions to the movement. This list is not exhaustive, and is only indicative of the possibilities. Without discounting the importance of the relatively well-known movements of Italy, France, Spain, and the United States, we also believe it necessary to stress the centrality of movements in Asia, Africa, Eastern Europe, Latin America, and the Caribbean, asserting that a truly global history of anarchism and syndicalism provides a crucial corrective to Eurocentric accounts, and demonstrates that the notion that anarchism was “never more than a minority attraction” has little basis in fact.48 The commonly held thesis of Spanish exceptionalism, and the notion that only in Spain did anarchism become “a major social movement and … threaten the State,” are among the views that are challenged as a result.49 At the heart of the mass anarchist tradition is the view that it is necessary to build a popular revolutionary movement—centred on a revolutionary counterculture and the formation of organs of counterpower—in order to lay the basis for a new social order in place of capitalism, landlordism, and the state. Such a movement might engage in struggles around reforms, but it ultimately must aim to constitute the basis of a new society within the shell of the old, an incipient new social order that would finally explode and supersede the old one. Insurrectionist anarchism is impossibilist, in that it views reforms as impossible and futile; mass anarchism is possibilist, believing that it is both possible and desirable to win, to force reforms from the ruling classes, and that such concessions strengthen rather than undermine popular movements and struggles, and can improve popular conditions. Through direct action, for example, progressive changes in law can be demanded and enforced, without the need for participation in the apparatus of the state. Syndicalism is a powerful expression of the mass anarchist perspective. Historically, it was above all syndicalism that provided the anarchist tradition with a mass base and appeal. Not all mass anarchists were syndicalists, however. Some were supporters of syndicalism, but with reservations, usually around the “embryo hypothesis”: the view that union structures form an adequate basis for a postcapitalist society.50 There were other mass anarchists who were antisyndicalist, for they did not believe unions could make a revolution. Here we see two main variants: those who rejected the workplace in favour of community struggles, and those who favoured workplace action with some independence from the unions. Syndicalism is caricatured as a form of economistic or workerist unionism by Marxists like Vladimir Ilyich Lenin and Nicos Poulantzas.51 However, embedded in larger popular movements and countercultures, linked to other organised popular

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constituencies, taking up issues that went well beyond the workplace, playing a central role in community struggles, and at the heart of a project of revolutionary counterculture, including the production of mass circulation daily and weekly newspapers, the historical syndicalist unions were social movements that never reduced the working class to wage earners, or the aspirations of the working class to wages. Economism and workerism are particularly inappropriate labels for syndicalism. The view that insurrection was something that “trade unions seem never to organise” also cannot be reconciled with the history of syndicalism.52 Syndicalist unions were involved in general strikes that assumed an insurrectionary character in Mexico in 1916; Spain in 1917, 1919, and 1936; Brazil and Portugal in 1918; Argentina in 1919; and Italy in 1920. In many cases syndicalists helped organise workers’ militias, including in the United States in the 1880s, Ireland from 1913, Mexico beginning in 1916, Argentina in 1919, Italy in 1920, and Spain from 1936. Historically, syndicalism was a revolutionary union movement that was part of a larger popular movement of counterpower and counterculture, and care should be taken not to set up an artificial divide between syndicalist unions and the larger union numbers and formal structures provide only a partial estimate of the impact of anarchism and syndicalism; while we have used these criteria to critique the notion of Spanish exceptionalism, we are mindful that they are limited guides to anarchist and syndicalist strength. Syndicalism shares many features with the “social movement unionism” that emerged in a number of late industrialising countries like Brazil and South Africa, in that syndicalist movements historically formed alliances beyond the workplace, and raised issues that went well beyond immediate concerns over wages and working conditions, but there are important differences.53 Like social movement unionism, syndicalism engages struggles both within and beyond the workplace, and also seeks major reforms. Unlike social movement unionism, however, syndicalism is explicitly anticapitalist, antilandlordist, and antistatist, and envisages the union structures as the building blocks of a self-managed, stateless, socialist order. Fromthis perspective, immediate struggles are important in themselves, but also because they contribute to the confidence, organisation, and consciousness of the working class that syndicalists believe is essential to revolution from below. In many cases—not least Brazil and South Africa—social movement unions have allied themselves with mainstream political parties and even engaged in an industrial strategy to help strengthen the “national” economy. Syndicalism, in contrast, typically rejects linkages to such parties, stressing the significance of building popular

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counterpower outside of and against the state apparatus; an industrialization strategy is not its concern, for a revolutionary workers’ movement can take no responsibility for the salvation of capitalism. Strong unions are critical, but that strength is to be measured in terms of the participation and politicisation of the members, and the extent to which the union is able to fight immediate battles and ultimately form the basis for workers’ self- management of the means of production. It is not simply a question of numbers.

Organisational Dualism One of the key debates we discuss in this volume is the question of whether anarchists and syndicalists need political groups dedicated to the promotion of the ideas of the broad anarchist tradition, and if so, what form such groups should take. When the editors of the Paris-based anarchist newspaper Dielo Truda (“Workers’ Cause”) issued the Organisational Platform of the Libertarian Communists in 1926, they were met by a storm of controversy.54 Some anarchists saw the editors’ advocacy of a unified anarchist political organisation with collective discipline as an attempt to “Bolshevise” anarchism and accused its primary authors, Arshinov and Makhno, of going over to classical Marxism. We argue, on the contrary, that the Platform and “” were not a break with the anarchist tradition but a fairly orthodox restatement of well-established views. From the time of Bakunin—who was part of the anarchist International Alliance of Socialist Democracy, which operated within the First International—the great majority of anarchists and syndicalists advocated the formation of specific anarchist political groups in addition to mass organisations like syndicalist unions. In other words, most supported organisational dualism: the mass organisation, such as unions, must work in tandem with specifically anarchist and syndicalist political organisations. Moreover, most believed that these groups should have fairly homogeneous principled, strategic, and tactical positions as well as some form of organizational discipline.

War, Gender Issues, and Anti-Imperialism While the broad anarchist tradition historically tied itself closely to class, it also engaged with questions of social oppression that were not necessarily reducible to class. It was an international movement and an internationalist one: rejecting nationalism and the state, consistently opposing national oppression and racial prejudice, the broad anarchist tradition was at the forefront of attempts to organize the popular classes across the barriers of nationality and race. It developed as a movement with supporters from among almost all the nationalities and races of the world, with organisations across the

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world, and played a key role in struggles for equal rights and against segregation (for instance, in Cuba, Japan, Mexico, the U.S., and South Africa), in anti-imperialist struggles and national liberation movements (for example, Bulgaria, Cuba, Korea, Macedonia, and the Ukraine), and in opposing militarism and war between peoples and states. was a central feature of the history of the broad anarchist tradition, including mass revolts within the major powers against imperialist aggression such as the Japanese occupation of Korea, Manchuria, and China, Spain’s colonial wars against Cuba, Morocco, and the Philippines, and Italian attacks on Abyssinia, Libya, and Albania. In 1914, the Labour and Socialist International (also known as the Second International) collapsed with the outbreak of the First World War, with all the major parties supporting the war efforts of their respective states. (The Labour and Socialist International, formed in 1889, was dominated by classical Marxism and social democracy; the key affiliate was the great Marxist bastion of the time, the Social Democratic Party [SDP] of Germany, which Marx and Engels helped found in 1875). Contrary to the view that Lenin alone rallied antiwar opposition, the radical opposition to the war was largely confined to the anarchists and syndicalists. Gender was another important concern. We admit to a certain discomfort with the tendency of many writers to label women anarchists and syndicalists “anarchist- feminists” or “anarcha-feminists.” There is no doubt that women played a critical role in promoting a feminist analysis in anarchism, but it is problematic to assume that women activists in the movement were necessarily feminists or that they should primarily be defined by . The feminist elements of anarchism and syndicalism were neither the exclusive province of women activists, nor should the activities of women activists in the broad anarchist tradition be reduced to an advocacy of a feminist perspective. The broad anarchist tradition, on the whole, championed gender equality, rejected the patriarchal family, and sought a means to link up feminist concerns with the larger project of class struggle and revolution. Anarchists and syndicalists differed among themselves on the implications of women’s emancipation, and there were certainly many anarchists and syndicalists whose views and lives contradicted gender equality. The important point is that such equality was a principle of the broad anarchist tradition. At the same time, anarchist and syndicalist women like Choi Seon-Myoung, Luisa Capetillo, Voltairine de Cleyre, Elizabeth Gurley Flynn, Emma Goldman, He Zhen, Petronila Infantes, Lucy Parsons, and Itō Noe should not be reduced to gender activists. They played a wide range of roles in the movement, as writers, unionists, strike leaders, community organisers, and militia members, and saw themselves as part of a larger movement of the popular classes that crossed gender boundaries. Like their male

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counterparts, they argued that the class system and other forms of oppression were integrally linked, and that only a universal and unifying popular movement against all domination and exploitation could create a new social order.

Anarchism and Marxism Finally, the broad anarchist tradition is important as an alternative to the other major revolutionary class-based movement: classical Marxism, also known as Bolshevism, and associated with Marx, Engels, Karl Kautsky, Lenin, Leon Trotsky, Joseph Stalin, Mao Tse-tung, and others. For classical Marxism, the capitalist state must be destroyed, replaced by a revolutionary state, “a political transition period, whose State can be nothing else but the revolutionary dictatorship of the proletariat,” a “centralised organisation of force, of violence,” of “undivided power.”55 This regime would control the means of production and be headed by a revolutionary party. The “revolutionary dictatorship of a proletarian party” was an “objective necessity” due to “the heterogeneity of the revolutionary class.”56 And “without a party, apart from a party, over the head of a party, or with a substitute for a party, the proletarian revolution cannot conquer.”57 A person who refuses to recognise that the “leadership of the Communist Party and the state power of the people’s dictatorship” are necessary for revolutionary change “is no communist.”58 In practice, regardless of the intents or the emancipatory aims of classical Marxism, these politics provided the basic rationale for the one-party dictatorships of the former East bloc. The view that “Marx’s socialism was simultaneously antistatist and anti- market” is rather misleading.59 There are many tensions and ambiguities in Marx’s thought, but the predominant element—and the historical record of Marxism in practice—has been overwhelmingly authoritarian and statist. The creation of the gulag system in the USSR, which placed tens of millions into concentration camps based on forced labour, was an integral part of the Soviet system, but was probably not part of Marx’s plan.60 The harsh circumstances under which the Russian Revolution and the establishment of the USSR took place obviously also left a profound imprint. The features of the USSR and the later Marxist regimes cannot, then, simply be reduced to Marxist politics. Yet this does not exonerate classical Marxism from a good deal of responsibility for the oppression and inequities of the old East bloc. Marxist ideology was a central influence on these regimes, and the heavy emphasis that Marx and his successors placed upon the need for a highly centralized state, headed by a communist party, controlling labour and the other forces of production and claiming to be the sole repository of

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“scientific” truth, was absolutely critical to the evolution of Marxism in the twentieth century into an ideology of dictatorship after dictatorship. Marx and Marxism cannot be exonerated by attributing the consistently repressive character of Marxism in power to the force of circumstances, or a misreading of Marx’s texts by “more or less faithless successors.”61 The history of Marxism in the third of the world once ruled by Marxist regimes is a part—the major part—of the history of Marxism, and there is a direct link between Marx’s strategy of a centralised dictatorship headed by a vanguard party as the agent of revolution and the one-party dictatorships established in Russia, China, and elsewhere. Even Trotsky, a vehement Marxist critic of Stalin, envisaged socialism as “authoritarian leadership … centralised distribution of the labour force … the workers’ State … entitled to send any worker wherever his labour may be needed,” with dissenters sent to labour camps if necessary.62 The Communist movement failed to emancipate humanity and discredited socialism for hundreds of millions, and its rise and fall are central to the current problems facing the Left. By contrast, libertarian socialism always rejected the view that fundamental social transformation could come about through the state apparatus or that socialism could be created from above. Its rejection of capitalism is part of a broader opposition to hierarchy in general, and part of a larger understanding of the freedom and development of the individual as the aim of socialism. Classical Marxism from the beginning was a form of political socialism, but it is crucial to note that there were also libertarian Marxists. These included the council communists Herman Gorter, Anton Pannekoek, and Otto Ruhle, who held views close to syndicalism and were openly hostile to Bolshevism.63 More recently, an “autonomist” Marxism has emerged that it is often antiauthoritarian in its outlook. Above all, though, libertarian socialism was represented by the broad anarchist tradition, which combined a commitment to the view that individuals should be free, provided that this does not undermine the freedom of others, with a critique of the economic and social inequities that prevented this freedom from being exercised. Liberty, Bakunin argued, required “social and economic equality,” “established in the world by the spontaneous organisation of labour and the collective ownership of property by freely organised producers’ associations, and by the equally spontaneous federation of , to replace the domineering paternalistic State,” “from the bottom up.”64 Many of the ideals and practices associated with the broad anarchist tradition—direct action, participatory democracy, the view that the means must match the ends, solidarity, a respect for the individual, a rejection of manipulation, a stress on the importance of freedom of opinion and diversity, and an opposition to oppression by race,

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nationality, and gender—are precisely those that appeal to millions of people in the post- Soviet age. These anarchist ideals and practices were consciously designed to avoid the fate that overtook classical Marxism. By stressing antiauthoritarian values, maximizing democracy, and valorising self-management, the broad anarchist tradition sought to prevent the emergence, from within popular struggles, of new ruling elites. Bakunin and Kropotkin warned that the classical Marxist strategy would, regardless of its good intentions, culminate in the perpetuation of economic and social inequality and oppression. The state, Kropotkin insisted, “having been the force to which the minorities resorted for establishing and organising their power over the masses, cannot be the force which will serve to destroy those privileges.”65

Before We Start Before moving on to the main account, a few final points are in order. One is that a work like this is, by necessity, based primarily on a synthesis of the existing literature and the assistance of people with expertise from across the world. The eclipse of the broad anarchist tradition in the mid-twentieth century by statist politics—classical Marxism, social democracy, and nationalisms of various sorts—froze research on the subject as political socialism came “nearly to monopolise the attention of those who write on labour and radical history.”66 This situation changed from the 1960s. The rise of the New Left, which questioned official Marxism and reexamined alternative radical traditions, was particularly important in laying the basis for new scholarship on anarchism and syndicalism. The resurgence of anarchism from the 1960s onward and the collapse of much of the East bloc from 1989 to 1991 led to another upsurge in relevant scholarly work. The growing body of studies on anarchism and syndicalism promises to fundamentally reshape our views about the past. In China, for example, where the history of socialism has long been reduced to the “progressive evolution of a correct socialism under the guidance of Mao Zedong or the Communist Party,” the central role of anarchism in the first four decades of the twentieth century is being rediscovered.67 In Cuba, where the broad anarchist tradition has “largely been ignored or misrepresented,” with an “almost complete lack of historiography,” its critical part “in the political and economic development of the country” is increasingly recognised.68 Likewise, the “historical amnesia” regarding “the appeal of anarchism to Koreans” has started to be challenged.69 While the implications of the growing research have not yet

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been as widely accepted as might be hoped, there is no doubt that many researchers are now taking anarchism and syndicalism seriously.70 Our two volumes have relied heavily on the growing scholarship, supplemented in some cases by “movement” publications and in a few instances by interviews with key figures. Doubtless there are some materials we have missed, but our general analysis and account is, we believe, an accurate portrayal of the broad anarchist tradition. Although every attempt has been made to ensure the accuracy of the facts and figures presented, it is possible that some of our sources have errors of their own; we take responsibility for any other errors. Doubtless there are also important issues we have left out of our analysis of the core themes in the history and politics of the broad anarchist tradition. Readers are directed to the notes and bibliography for sources and further reading. For the most part (although not exclusively) we have used English-language sources. This can introduce two main biases: we may have overlooked some crucial works in other languages; and some areas and issues are better covered in the English- language literature than others. We have tried to be as comprehensive as possible. Certainly, some of the arguments presented here will be controversial. This is to be welcomed: good scholarship proceeds through debate, rather than the creation of orthodoxies. If this book succeeds in promoting new research into anarchism, even if that research contradicts our arguments, we consider our work well done. Similarly, we believe that debate is essential to the development of any political tradition, and we hope that this work is a fruitful contribution to sharpening perspectives within the broad anarchist tradition. In terms of naming conventions, we have generally used the English-language version of the names of organisations for the purposes of clarity. When using acronyms for organisations, however, we have preferred the most commonly used ones, wherever possible; these are typically, but not always, derived from the home language of the organisation. Thus, the Macedonian Revolutionary Clandestine Committee is referred to as the MTRK, in reference to its original name, but the Interior Revolutionary Organisation of Macedonia and Adrianopole is referred to as VMRO, the French acronym that is most commonly used. When referring to the titles of periodicals or books in other languages, we have used the original names of the publications, but provided translations of the titles in brackets. Finally, a few words about the origins of this book are in order. It began as a brief and rather didactic booklet in the late 1990s, and simply grew and grew. We were, frankly, rather amazed by the rich history of the broad anarchist tradition; expecting to

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fill in a few gaps, we found our eyes opened to an unexpected world, a global history unknown to many of the anarchists and syndicalists themselves. It was an evocative and intriguing history, replete with sacrifice, tragedy, suffering, and sometimes even humour and pathos, but shot through with heroism, creativity, beauty, and achievement. It also became clear to us that we were not simply writing an obituary of a movement or an antiquarian account but discussing a living tradition of interest to many people who want to change the world. As such, this is also a work about the future, and it is to a better world and a better tomorrow that we dedicate it.

Notes

1. A. Fischer, “Adolph Fischer,” in Anarchism: Its Philosophy and Scientific Basis, ed. A. R. Parsons (1887; repr., New York: Kraus Reprint Co., 1971), 78.

2. W. Thorpe, “The Workers Themselves”: Revolutionary Syndicalism and International Labour,1913–23 (Dordrecht: Kulwer Academic Publishers, 1989), 3.

3. R. Kedward, The Anarchists: The Men Who Shocked an Era (London: Library of the Twentieth Century, 1971), 120.

4. United Nations Development Programme, Human Development Report (New York: United Nations, 1996), 13.

5. K. Moody, Workers in a Lean World: Unions in the International Economy (London: Verso, 1997), 54.

6. M. D. Yates, “Poverty and Inequality in the Global Economy,” Monthly Review 55, no. 9 (2004): 38.

7. P. Krugman, “For Richer,” New York Times Magazine, October 20, 2002.

8. M. Davis, “Planet of Slums: Urban Involution and the Informal Proletariat,” New Left Review 26 (2004): 22.

9. Yates, “Poverty and Inequality in the Global Economy,” 42.

10. J. S. Saul and C. Leys, “Sub-Saharan Africa in Global Capitalism,” Monthly Review 51, no. 3 (1999): 13–30.

11. Moody, Workers in a Lean World, 41.

12. Davis, “Planet of Slums,” 5, 13–14, 17.

13. C. Harman, A People’s History of the World (London: Bookmarks, 1999), 614–15.

14. Ibid.

15. See A. Smith, An Inquiry into the Nature and Causes of the Wealth of Nations, vol. 2, The Glasgow Edition of the Works and Correspondence of Adam Smith (1776; repr., Indianapolis, IN: Liberty Fund, 1981).

16. Key twentieth-century statements of this position include L. von Mises, Socialism (1922; repr., Indianapolis, IN: Liberty Classics, 1981); F. A. von Hayek, The Road to Serfdom (London: Routledge, 1944); M. Friedman with R. Friedman, Capitalism and Freedom (Chicago: University of Chicago Press, 1962).

17. P. Bourdieu, “Utopia of Endless Exploitation: The Essence of Neo-liberalism,” Le Monde Diplomatique (December 8, 1998): 3.

18. A. G. Hopkins, “The History of Globalisation—and the Globalisation of History?” in Globalisation and World History, ed. A. G. Hopkins (London: Pimlico, 2002), 19.

19. F. Fukuyama, “The End of History?” National Interest (Summer 1989): 3, 4, 12.

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20. D. Schechter, Radical Theories: Paths beyond Marxism and Social Democracy (Manchester: Manchester University Press, 1994), 1–2.

21. A. Dirlik, Anarchism in the Chinese Revolution (Berkeley: University of California Press, 1991), 3–4; see also 7–8.

22. E. Bernstein, The Preconditions for Socialism, ed. and trans. H. Tudor (1899; repr., Cambridge: Cambridge University Press, 1993), 158.

23. The “glorious period” is a phrase from H. Beyer-Arnesen, “Anarcho-syndicalism: A Historical Closed Door … or Not?” Libertarian Labor Review (Winter 1997–1998): 20. From 1870 to 1914, for example, world trade and output grew steadily at 3.5 and 3.45 percent, respectively, with major powers developing trade to gross domestic product ratios exceeding 35 percent (around 44 percent in the case of Britain). The ratios of 1913 were generally not reached by the mid-1990s. In this earlier period, capital exports (both direct investments in production and portfolio investment) took place on a scale that had not been matched by the end of the 1990s. See, inter alia, E. Hobsbawm, The Age of Capital, 1848–1875 (London: Abacus, 1977), 66ff; P. Hirst, “The Global Economy: Myths and Realities,” International Affairs 73, no. 3 (1997): 411.

24. B. Epstein, “Anarchism and the Anti-Globalisation Movement,” Monthly Review 53, no. 4 (2001): 1–14 ; see also D. Graeber, “The New Anarchists,” New Left Review 13 (2002): 61–73.

25. Following the union election process in the public and private sector in 2004, it represented around one million workers through elections to industrial committees, a further 600,000 workers in collective bargaining, and 300,000 in the smaller subcontracting shops, with an average of 560 workers in the workplaces where it was active. This made the CGT the third-largest union federation in Spain; “Espagne: La CGT s’affirme comme la troisieme organisation syndicale” (Spain: CGT Is Now the Third Biggest Union,” trans. N. Phebus), Alternative Libertaire, November 2004.

26. J. Joll, The Anarchists (London: Methuen and Co., 1964), 224.

27. Ibid., 11–12.

28. For a survey of such attempts, see J. Romero Maura, “The Spanish Case,” in Anarchism Today, ed. D. Apter and J. Joll (London: Macmillan, 1971). Even Murray Bookchin’s groundbreaking examination tends to explain the role of anarchism in Spain by reference to the peculiarities of Spanish culture and society; see M. Bookchin, The Spanish Anarchists: The Heroic Years, 1868–1936 (New York: Harper Colophon Books, 1977), especially chapters 1 and 2.

29. P. Marshall, Demanding the Impossible: A History of Anarchism (London: Fontana Press, 1994), xiv, 3–4.

30. Joll, The Anarchists, 173, 275; Marshall, Demanding the Impossible, 3.

31. Kedward, The Anarchists, 6; M. Statz, introduction to The Essential Works of Anarchism, ed. M. Statz (New York: Bantam, 1971), xiii.

32. See, for example, Marshall, Demanding the Impossible, 53–54, 422, 443, 544–45, 500–1, 559–65; T. M. Perlin, (New Brunswick, NJ: Transaction Books, 1979), 109.

33. G. M. Stekloff, History of the First International, rev. ed. (London: Martin Lawrence, 1928), 312; E. Yaroslavsky, History of (London: Lawrence and Wishart, ca. 1937), 26, 28, 41, 68–69; E. Hobsbawm, Primitive Rebels: Studies in Archaic Forms of Social Movement in the 19th and 20th Centuries, 3rd ed. (Manchester: Manchester University Press, 1971); E. Hobsbawm, Revolutionaries (London: Abacus, 1993); G. Woodcock, Anarchism: A History of Libertarian Ideas and Movements, rev. ed. with postscript (London: Penguin, 1975), 444–45; Kedward, The Anarchists, 24–26; C. M. Darch, “The Makhnovischna, 1917–1921: Ideology, Nationalism, and Peasant Insurgency in Early Twentieth Century Ukraine” (PhD diss., University of Bradford, 1994), 57.

34. For a contrary view, see Darch, “The Makhnovischna,” 70.

35. Joll, The Anarchists, 207; Schechter, Radical Theories, 28, 25; J. Jennings, “The CGT and the Couriau Affair: Syndicalist Responses to Female Labour in France before 1914,” European History Quarterly 21 (1991): 326.

36. A sophisticated version of this view may be found in M. Dubofsky, “The Origins of Western Working- Class Radicalism,” Labour History 7 (1966): 131–54; M. Dubofsky, We Shall Be All: A History of the IWW (Chicago: Quadrangle Books, 1969), 5, 19–35, 73, 76–77. It was also accepted by some anarchists; see, for example, R. Rocker, Anarcho-Syndicalism (Oakland: AK Press, 2004), available at

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http://www.spunk.org/library/writers/rocker/sp001495/rocker_as6.html (accessed November 12, 2000). An excellent overview and critique of this approach can be found in S. Salerno, Red November, Black November: Culture and Community in the Industrial Workers of the World (New York: State University of New York Press, 1989).

37. P. Eltzbacher, Anarchism: Exponents of the Anarchist Philosophy (1900; repr., London: Freedom Press, 1960); M. Fleming, The Anarchist Way to Socialism: Elisee Reclus and Nineteenth-Century European Anarchism (London: Croom Helm, 1979), 19.

38. Eltzbacher, Anarchism, 188.

39. Ibid., 189, 201.

40. Ibid., 189, 191.

41. See ibid., 184–96.

42. Most notably in a celebrated article on anarchism written for the Encyclopaedia Britannica; P. Kropotkin, “Anarchism,” in Kropotkin’s Revolutionary Pamphlets: A Collection of Writings by Peter Kropotkin, ed. R. N. Baldwin (1905; repr., New York: Dover Publications, 1970).

43. On Nettlau’s research, see the editor’s notes to M. Nettlau, A Short History of Anarchism (1934; repr., London: Freedom Press, 1996).

44. Marshall, Demanding the Impossible, xiv, 3–4.

45. Bookchin, The Spanish Anarchists, 17.

46. R. Graham, preface to Anarchism: A Documentary History of Libertarian Ideas, Volume 1: From Anarchy to Anarchism, 300 CE to 1939, ed. R. Graham (Montreal: Black Rose, 2005), xiii.

47. R. J. Holton, “Syndicalist Theories of the State,” Sociological Review 28, no. 1 (1980): 5.

48. Kedward, The Anarchists, 120.

49. Marshall, Demanding the Impossible, 453.

50. Nettlau, A Short History of Anarchism, 277–78.

51. See Holton, “Syndicalist Theories of the State,” 5–7, 12–13, 18–19.

52. J. Krikler, Rand Revolt: The 1922 Insurrection and Racial Killings in South Africa (Cape Town: Jonathon Ball, 2005), 153.

53. On social movement unionism, see, inter alia, Moody, Workers in a Lean World.

54. P. Archinov, N. Makhno, I. Mett, Valevsky, and Linsky, The Organisational Platform of the Libertarian Communists (1926; repr., Dublin: Workers Solidarity Movement, 2001).

55. K. Marx, The Gotha Programme (1875; repr., New York: Socialist Labour Party, 1922), 48; V. I. Lenin, “The State and Revolution: The Marxist Theory of the State and the Tasks of the Proletariat in the Revolution,” in Selected Works in Three Volumes, ed. V. I. Lenin (1917; repr., Moscow: Progress Publishers, 1975), volume 2, 255.

56. L. Trotsky, Writings of Leon Trotsky, 1936–37, 2nd ed (New York: Pathfinder Press, 1975), 513–14.

57. L. Trotsky, The Lessons of October (1924; repr., London: Bookmarks, 1987), 72.

58. Mao Tsetung, “On the People’s Democratic Dictatorship: In Commemoration of the Twenty-eighth Anniversary of the Communist Party of China,” in Selected Readings from the Works of Mao Tsetung, ed. Editorial Committee for Selected Readings from the Works of Mao Tsetung (1949; repr., Peking: Foreign Languages Press, 1971), 371.

59. As claimed by D. McNally, Against the Market: Political Economy, Market Socialism, and the Marxist Critique (London: Verso, 1993), 3.

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60. See G. M. Ivanova, Labor Camp Socialism: The Gulag in the Soviet Totalitarian System (New York: M. E. Sharpe, 2000).

61. For a contrary view, see D. Guerin, “Marxism and Anarchism,” in For Anarchism: History, Theory, and Practice, ed. D. Goodway (London: Routledge, 1989), 109, 125.

62. Trotsky, quoted in Thorpe, “The Workers Themselves,”’ 128, 132.

63. See S. Bricianer, Pannekoek and the Workers’ Councils (St. Louis, MO: Telos Press, 1978); J. Gerber, Anton Pannekoek and the Socialism of Workers’ Self-Emancipation, 1873–1960 (Dordrecht: Kluwer Academic Publishers, 1989); R. Gombin, The Radical Tradition: A Study in Modern Revolutionary Thought (London: Methuen and Co., 1978); M. Shipway, “,” in Non-Market Socialism in the Nineteenth and Twentieth Centuries, ed. M. Rubel and J. Crump (Basingstoke, UK: Macmillan, 1987); M. Shipway, Anti- Parliamentary Communism: The Movement for Workers’ Councils in Britain (Basingstoke, UK: Macmillan, 1988); D. A. Smart, ed., Pannekoek and Gorter’s Marxism (London: Pluto Press, 1978). Ruhle characterised Lenin as the pioneer of fascism; O. Ruhle, The Struggle against Fascism Begins with the Struggle against Bolshevism (1939; repr., London: Elephant Editions, 1981), 10–11, 13, 20.

64. M. Bakunin, “The Paris and the Idea of the State,” in Bakunin on Anarchy: Selected Works by the Activist-Founder of World Anarchism, ed. S. Dolgoff (1871; repr., London: George Allen and Unwin, 1971), 262, 263.

65. P. Kropotkin, “Modern Science and Anarchism,” in Kropotkin’s Revolutionary Pamphlets: A Collection of Writings by Peter Kropotkin, ed. R. N. Baldwin (1912; repr., New York: Dover Publications, 1970), 170.

66. Thorpe, “The Workers Themselves,” x.

67. Dirlik, Anarchism in the Chinese Revolution, 15, 27, 170; see also P. Zarrow, Anarchism and Chinese Political Culture (New York: Columbia University Press, 1990).

68. K. R. Shaffer, “Purifying the Environment for the Coming New Dawn: Anarchism and Counter-cultural Politics in Cuba, 1898–1925” (PhD diss., University of Kansas, 1998), vii, 2.

69. J. M. Allen, “History, Nation, People: Past and Present in the Writing of Sin Ch’aeho” (PhD diss., University of Washington, 1999), 4, 263–64.

70. A fuller discussion of this point falls outside the scope of this work, but two examples are illustrative. Writing in a recent issue of the Journal of World-Systems Research on the history of labour internationalism and its relevance to the present, Dimitris Stevis concluded that “labour unions, therefore, are confronted with the need for a modicum of syndicalism decades after the latter’s premature demise”; see D. Stevis, “International Labor Organizations, 1864–1997: The Weight of History and the Challenges of the Present,” Journal of World-Systems Research 4, no. 1 (1998): 66. Likewise, exploring the creation of mass slums over the last century, Mike Davis drew attention to the importance of anarchism and syndicalism as key factors in the development of militant working-class communities in the early twentieth century; see M. Davis, “Planet of Slums,” 28, 30–32.

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APRESENTANDO CHAMA NEGRA (pt) Michael Schmidt e Lucien van der Walt

Iniciaremos [Chama Negra] com alguns episódios. De 6 a 12 de setembro de 1869, 75 delegados reuniram-se na Basiléia, Suíça, para o quarto congresso da Associação Internacional dos Trabalhadores, mais conhecida como Primeira Internacional. Representando organizações da classe trabalhadora da Áustria, Bélgica, Inglaterra, Alemanha, França, Itália, Espanha, Suíça e dos Estados Unidos, ele declarou-se favorável à propriedade coletiva. Proeminente entre os delegados, estava Mikhail Bakunin, imigrante e revolucionário russo, cujo nome era lendário em toda a Europa. Em 11 de novembro de 1887, quatro militantes e sindicalistas [unionists]17 foram enforcados em Chicago, Illinois. Subindo o cadafalso, August Spies declarou: “Virá um tempo em que nosso silêncio será mais poderoso que as vozes que vocês hoje sufocam!” Meio milhão de pessoas seguiram o cortejo funerário, uma multidão de 20 mil pessoas mobilizou-se em torno do cemitério e o Primeiro de Maio passou a ser considerado um dia internacional de recordação dos mártires de Chicago e de sua luta pelas oito horas de trabalho diárias. Em 19 de junho de 1918, uma multidão de milhares de pessoas de maioria africana reuniu-se na Market Square, em Johanesburgo, África do Sul, sob as sombras de um lixão que cercava a cidade. Influenciados por radicais brancos e africanos, a multidão aprovou sob gritos as propostas para uma greve geral com vistas a um aumento de salário de um xelim ao dia. Embora a greve tenha sido cancelada na última hora, milhares de mineiros africanos saíram às ruas e enfrentaram a polícia armada. Em 1923, na esteira do caos gerado pelo Grande Sismo de Kantô, o sindicalista [union militant] Ôsugi Sakae, a militante Ito Noe e um parente de seis anos de idade foram presos pela polícia militar em Tóquio. Foram espancados até a morte e, alguns dias depois, seus corpos foram encontrados em um poço.

17 Há uma problemática complexa de tradução que se apresenta em todo esse texto. Em inglês, os termos “syndicalism” e “unionism” servem para designar dois tipos distintos de sindicalismo; o primeiro refere-se a um sindicalismo de intenção revolucionária, que, conforme argumentam adiante os próprios autores, constitui parte da “ampla tradição anarquista” e abarca estratégias como o sindicalismo revolucionário e o anarco-sindicalismo; o segundo refere-se tanto ao sindicalismo anterior ao anarquismo, quanto ao sindicalismo reformista, desenvolvido em países como Inglaterra e Estados Unidos e que foi chamado, em algumas ocasiões, de “trade-unionismo” ou simplesmente “unionismo”. Por razão desses dois últimos termos não serem correntemente utilizados no Brasil, optou-se pelas seguintes traduções dos termos relacionados: “syndicalism” foi traduzido como “sindicalismo de intenção revolucionária”; “unionism” foi traduzido simplesmente como “sindicalismo”, adicionando-se, entre colchetes, o termo original em inglês (“unionism”); os termos “syndicalists” e “unionists”, utilizados para se referir aos militantes dessas duas tradições sindicais, foram traduzidos como “sindicalistas”, sendo que, no caso dos segundos, colocou-se entre colchetes o termo original em inglês (“unionists”); nos casos em que o termo “syndicalist” adjetiva os próprios sindicatos (“syndicalist unions” etc.), optou-se por “sindicatos revolucionários”; o termo “union/s”, quando utilizado como substantivo (“sindicato/s”) e como adjetivo (“sindical/is”), foi assim mesmo traduzido. (N.T.)

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Em 18 de julho de 1936, generais espanhóis anunciaram a formação de um governo militar. Quando as tropas avançaram sobre Barcelona, foram confrontadas por milícias armadas de trabalhadores e imensas multidões, tendo de recuar. Em alguns meses, imensas quantidades de terra e milhares de indústrias estavam sob controle direto de operários e camponeses. Em outubro de 1968, 250 mil trabalhadores e estudantes reuniram-se na grande praça da Cidade do México em protestos contra o governo. Mobilizando a multidão, um orador atacou o regime de Gustavo Díaz Ordazo e invocou a memória do célebre revolucionário mexicano Ricardo Flores Magón, que morreu em 1922, em uma prisão no Kansas: “Flores Magón era um traidor?” 250 mil vozes responderam: “Não!” Mais tarde, helicópteros e tropas colocaram-se contra a multidão, deixando centenas de mortos no caminho. A calma da tranqüila cidade de Seattle nos Estados Unidos foi abalada em 30 de novembro de 1999, quando centenas de milhares de ativistas, ambientalistas, manifestantes e sindicalistas [unionists] chegaram para contestar a abertura da conferência da Organização Mundial do Comércio (OMC). Um mar de gente forçou o cancelamento das cerimônias de abertura da conferência e milhões de espectadores testemunharam as manifestações, que terminaram se convertendo em confrontos dramáticos. No fim do “N30”, declarou-se estado de emergência civil e, na manhã seguinte, a cidade parecia um campo de guerra. O que esses episódios têm em comum? O que une personagens como Bakunin, Spies, Ôsugi e Flores Magón e os vincula à Primeira Internacional, aos mártires de Chicago, aos sindicalistas revolucionários de Tóquio, aos militantes de Johanesburgo e da Cidade do México, aos revolucionários de Barcelona e a muitos do manifestantes de Seattle? Todos eles constituem parte da história da ampla tradição anarquista; foram influenciados pela tradição que constitui o tema de nossos dois volumes.18 O “anarquismo” é freqüente e equivocadamente identificado com o caos, a desorganização e a destruição. O anarquismo é um tipo de socialismo contrário ao capitalismo e ao latifundiarismo [landlordism], mas é, também, um tipo libertário de socialismo. No anarquismo, a liberdade individual e a individualidade são extremamente importantes, sendo melhor desenvolvidas num contexto de democracia e igualdade. Entretanto, nos atuais sistemas capitalista e latifundiarista, os indivíduos estão divididos em classes, cujo fundamento encontra-se na exploração e no poder. Para acabar com

18 Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism [Chama Negra: a política classista e revolucionária do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária] constitui o primeiro de dois volumes da série Counter-power [Contrapoder]; o segundo volume, ainda no prelo, intitula-se Global Fire: 150 fighting years of international anarchism and syndicalism [Fogo Global: 150 anos de luta internacional do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária]. (N.T.)

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essa situação é necessário engajar-se na luta de classes e buscar a revolução, criando uma sociedade socialista livre, fundada na propriedade comum, na autogestão, no planejamento democrático, realizado de baixo para cima, e na produção com vistas à necessidade e não ao lucro. Apenas uma ordem social desse tipo torna possível a liberdade individual. O Estado, seja ele apresentado por meio de estrelas e listras ou por foices e martelos, é parte do problema. Ele concentra poder nas mãos dos poucos que se encontram no topo de sua hierarquia e defende o sistema que beneficia uma classe dominante de capitalistas, latifundiários e gestores do Estado. O Estado não pode ser utilizado para a revolução, visto que ele mesmo cria elites dominantes – precisamente o sistema de classes que os anarquistas querem abolir. Para os anarquistas, a nova sociedade não terá classes, será igualitária, participativa e criativa, aspectos incompatíveis com o aparelho de Estado. Sendo assim, “todo anarquista é um socialista, mas nem todo socialista é um anarquista”. (Fischer, 1971, p. 78) Desde seu surgimento, o socialismo vem se dividindo em duas tendências principais: o socialismo libertário, que rejeita o Estado e a hierarquia de maneira geral; e o socialismo político, que defende “uma batalha política contra o capitalismo promovida por meio de [...] partidos operários centralmente organizados e com o objetivo de tomar e utilizar o poder de Estado para promover o socialismo”. (Thorpe, 1989, p. 3) O anarquismo é um exemplo da primeira tendência; o marxismo clássico é um exemplo do socialismo político revolucionário e a social-democracia defende um socialismo político pacífico e gradualista. Para o anarquismo, a luta da classe trabalhadora e do campesinato, as “classes populares”, pode, por si só, modificar fundamentalmente a sociedade. Esses dois grupos constituem a grande maioria da humanidade e são os únicos com um interesse básico na mudança da sociedade e com o poder de fazer isso. A emancipação das classes populares – e, conseqüentemente, a criação de uma sociedade livre e a emancipação de todos os seres humanos – deve ser empreendida por essas próprias classes. As lutas contra as injustiças econômicas, políticas e sociais do presente devem ser empreendidas de baixo para cima, por pessoas “comuns”, ser organizadas democraticamente, fora do Estado, dos grandes partidos políticos e contra eles. Ao ressaltar a liberdade individual, e por acreditar que tal liberdade é somente realizada por meio da cooperação e da igualdade, o anarquismo enfatiza a necessidade de organizar as classes populares em movimentos democráticos, participativos, e também o significado da ação direta. Torna-se crucial construir movimentos capazes de desenvolver um contrapoder para confrontar e suplantar o poder da classe dominante e

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do Estado. Ao mesmo tempo, é essencial criar uma contracultura popular revolucionária que se oponha aos valores da sociedade de classes, por meio de uma nova perspectiva, cujos fundamentos estão na democracia, na igualdade e na solidariedade. Para nós, a linha mais importante do anarquismo foi sempre o sindicalismo de intenção revolucionária: a posição de que os sindicatos – construído por meio de lutas diárias, práticas radicalmente democráticas e educação popular – são alavancas cruciais da revolução e podem servir como o núcleo de uma ordem livre e socialista. Por meio de uma greve geral revolucionária, que tenha por base a ocupação dos lugares de trabalho, os trabalhadores estarão aptos para tomar o controle da produção e reorientá-la às necessidades humanas e não ao lucro. O sindicalismo de intenção revolucionária considera que um sindicalismo [unionism] radicalmente democrático pode prefigurar o novo mundo e busca organizá-lo além das fronteiras e promovendo uma contracultura popular e revolucionária. Ele rejeita formas burocráticas de sindicalismo [unionism], assim como a noção de que os sindicatos devem preocupar-se apenas com questões econômicas ou com a eleição de partidos políticos que favoreçam os trabalhadores. Há muitos debates e diferenças entre o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária, mas há idéias centrais suficientemente coerentes que permitem concebê- los como parte de uma “ampla tradição anarquista”. Ao passo que essa tradição compartilha princípios e objetivos comuns, ela também se caracteriza por uma grande diversidade e por debates relevantes sobre táticas, estratégias e aspectos da sociedade futura. Para lutar no presente, aprender com o passado e criar o futuro, o anarquismo reivindica o racionalismo, o pensamento crítico, a ciência e os une a uma paixão pela justiça e pela criação de um mundo e uma comunidade humana universal livres das desigualdades e hierarquias econômicas e sociais. A ampla tradição anarquista enfatiza a questão de classe, mas isso não pode ser confundido com um obreirismo [workerism] grosseiro, que transforma em fetiche operários fabris masculinos, com pesadas botas e grandes capacetes. A classe trabalhadora e o campesinato são compreendidos em termos amplos: a classe trabalhadora inclui todos os assalariados que não possuem controle sobre seu próprio trabalho, sejam eles empregados na agricultura, na indústria ou nos serviços, incluindo trabalhadores temporários e informais, assim como suas famílias e os desempregados; o campesinato inclui todos os pequenos agricultores submetidos ao controle e à exploração de outras classes, inclusive meeiros e arrendatários. A ênfase na questão de classe também não significa um foco restrito na economia. O que caracteriza a ampla tradição anarquista não é o economicismo, mas uma preocupação com a luta contra muitas injustiças do presente. Assim como as classes

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populares são internacionais, multinacionais e multi-raciais, o anarquismo é internacionalista e enfatiza os interesses de classe que são comuns em todo mundo, independente de fronteiras, culturas, raça e sexo. Para os anarquistas, um trabalhador em Bangalore possui mais em comum com um trabalhador em Omsk, Johanesburgo, Cidade do México ou Seul, do que com a elite indiana. A retumbante frase de Karl Marx, “trabalhadores de todos os países, uni-vos!” é tomada em seu sentido mais literal e direto. Criar um movimento mundial implica, por sua vez, levar a sério os problemas específicos enfrentados por grupos particulares, como nos casos da opressão de nacionalidade, raça e gênero, e conectar suas lutas pela emancipação à luta de classes universal. Na ampla tradição anarquista há um poderoso impulso anti-imperialista, antimilitarista, anti-racista e feminista – “feminista” no sentido da promoção da emancipação da mulher –, sempre dentro de uma perspectiva classista.

Nosso projeto Queremos olhar para as idéias e para a história da ampla tradição anarquista desde seu surgimento. Trata-se de uma tradição rica em idéias e que teve um enorme impacto na história dos movimentos operários e camponeses, assim como na história da esquerda de maneira geral. Embora a ampla tradição anarquista tenha recebido mais atenção nos últimos anos por razão do papel proeminente dos anarquistas no movimento “antiglobalização” e do renascimento de correntes importantes do sindicalismo de intenção revolucionária [syndicalist union currents], suas idéias e sua história, ainda hoje, não são bem conhecidas. Em muitos casos, uma apreciação adequada das idéias e das atividades do movimento tem sido obscurecida pelos estudiosos e pela imprensa, que não lhe são simpáticos; no entanto, o problema é mais profundo. Mesmo as produções simpáticas freqüentemente interpretam mal as idéias centrais e subestimam o alcance histórico da ampla tradição anarquista. Em nossos dois volumes, empreendemos várias tarefas centrais: recusamos muitas posições comumente sustentadas sobre o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária, reexaminamos as idéias da ampla tradição anarquista e realizamos uma síntese da história global do movimento. Ao fazer isso, preocupamo-nos, em parte, em demonstrar que compreender o papel do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária é indispensável para compreender a história moderna. Simplesmente não se pode compreender adequadamente a história, por exemplo, dos sindicatos na América Latina ou as lutas camponesas no leste asiático, sem tomar em conta seriamente o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária. A história da

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ampla tradição anarquista é parte integrante – mas, com freqüência, esquecida – da história popular e socialista. Além disso, ela constitui um corpo fascinante de pensamento e história. O primeiro volume concentra-se em várias áreas principais. Primeiro, ele define o anarquismo e esboça suas principais idéias, desenvolvendo o argumento de que o anarquismo é uma forma de socialismo libertário e revolucionário, que surge, inicialmente, dentro da Primeira Internacional. Esse volume examina, em seguida, a relação entre o anarquismo e outras idéias, particularmente as posições de Pierre-Joseph Proudhon (1809-1865), dos marxistas clássicos e do liberalismo econômico. Em terceiro lugar, ele investiga a relação entre o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária. Analisa, então, os maiores debates estratégicos e táticos do movimento. Em seguida, o primeiro volume discute alguns dos maiores temas na história dessa tradição, como seu caráter classista, juntamente com seu papel nas lutas sindicais, camponesas, comunitárias, de desempregados, de libertação nacional, de emancipação da mulher e de igualdade racial. Em sexto lugar, ele sustenta que a ampla tradição anarquista foi um movimento internacional que não pode ser adequadamente conhecido com um foco exclusivo no anarquismo ocidental, típico na maioria das abordagens existentes. Finalmente, ele sugere que uma compreensão adequada da ampla tradição anarquista pode ser importante para inspirar as lutas progressistas contra o neoliberalismo contemporâneo. Rejeitamos a posição de que personagens como William Godwin (1756-1836), Max Stirner (1806-1856), Proudhon, Benjamin Tucker (1854-1939) e Liev Tolstoi (1828- 1910) constituem parte da ampla tradição anarquista. Rejeitamos também a noção de que as correntes anarquistas podem ser encontradas em toda a história; o movimento anarquista só surgiu nos anos 1860, como um setor do movimento operário e socialista. Se excluímos Godwin e outros, por motivos que serão apresentados, incluímos sob o título da ampla tradição anarquista sindicalistas como Daniel de Leon (1852-1914), James Connolly (1868-1916) e William “Big Bill” Haywood (1869-1928). Entretanto, os personagens-chave na definição do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária são Bakunin (1814-1876) e Piotr Kropotkin (1842-1921). A ampla tradição anarquista foi profundamente influenciada tanto por Proudhon quanto por Marx, mas suas perspectivas foram muito além das idéias e dos objetivos de ambos, centrando-se em uma política internacionalista que buscou tratar de uma vasta gama de questões sociais, dentro de uma perspectiva classista, constituindo, em termos históricos, principalmente, um movimento da classe trabalhadora, ainda que os camponeses tenham tido um importante papel. Se damos grande atenção ao sindicalismo

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de intenção revolucionária em nosso trabalho é porque esse sindicalismo é central para a história da ampla tradição anarquista. Quando falamos de sindicalismo de intenção revolucionária, nos referimos a um movimento sindical revolucionário [revolutionary union movement] capaz de levar a cabo um amplo conjunto de táticas e ações: esse sindicalismo não deve ser reduzido às políticas de formação de novos sindicatos, já que muitos sindicatos revolucionários foram criados a partir da apropriação e do revolucionamento de sindicatos existentes. Contrariamente à posição de que o anarquismo “nunca foi mais do que uma atração das minorias” (Kedward, 1971, p. 120), o primo pobre de outras tradições da esquerda, demonstramos que movimentos de massa anarquistas e sindicalistas de intenção revolucionária surgiram em uma série de regiões, notavelmente em partes da Europa, das Américas e do leste asiático. Tendo traçado esse quadro nesse volume, dedicamo-nos, no volume 2, ao desenvolvimento de uma história global da ampla tradição anarquista. O volume 1 observa a política classista que abastece de combustível a chama negra da ampla tradição anarquista e examina como essa chama foi acesa. O volume 2 explora o fogo global das lutas anarquistas e sindicalistas durante os últimos 150 anos. Nesses dois volumes, utilizamos uma distinção básica de princípios (as idéias centrais da ampla tradição anarquista), estratégias (abordagens amplas para implementar as proposições anarquistas) e táticas (escolhas de curto prazo realizadas para implementar a estratégia). O que objetivamos realizar nesses dois volumes é, em resumo, combinar uma história e uma análise que examine as políticas da ampla tradição anarquista, que discuta as vidas e lutas de anarquistas e sindicalistas, assim como seus movimentos, e que demonstre a importância histórica da ampla tradição anarquista.

Para além do capitalismo: história, neoliberalismo e globalização Estamos também persuadidos de que os 150 anos de história do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária interessam a muitas pessoas no mundo de hoje – um mundo marcado, por um lado, por pavorosas injustiças, graves desigualdades e hipocrisias políticas, e, por outro, por milhões de pessoas buscando uma alternativa. O que existe agora, um dia será história; é um dever daqueles que almejam algo melhor garantir que o futuro será melhor do que o presente. A sombria recordação dos regimes soviéticos, o declínio do Estado de bem-estar social e as crises econômicas e ambientais que afligem o mundo dificultam a busca por alternativas. O mantra dos anos 1990, de que “não há alternativa” ao capitalismo liberal, foi, nos rastros de Seattle e de outras lutas, substituído pela consigna mais otimista “outro mundo é possível”. Mas, que tipo de

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mundo? E, como criá-lo? Acreditamos que as idéias e a história da ampla tradição anarquista podem contribuir significativamente com os movimentos progressistas dos anos vindouros. Um movimento multi-racial e internacional, com um profundo estímulo feminista, um movimento com destaque nas lutas sindicais, operárias e rurais, priorizando a razão sobre a superstição, a justiça sobre a hierarquia, a autogestão sobre o poder de Estado, a solidariedade internacional sobre o nacionalismo, a comunidade humana universal sobre o paroquialismo e o separatismo – o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária são isso e muito mais. O século XXI é um mundo de extremos. Um de seus aspectos mais impressionantes é um crescimento paulatino da desigualdade dentro dos países e entre eles. Em 1996, a soma das fortunas das 358 pessoas mais ricas do mundo, todas bilionárias, era igual à renda total de 45% da população do mundo, por volta de 2,3 bilhões de pessoas. (UNDP, 1996, p. 13) A parcela da riqueza mundial possuída pelos 20% mais ricos cresceu de 70%, em 1960, para 85%, em 1991. (Moody, 1997, p. 54) Os Estados Unidos, cujo Estado e a economia industrial são os mais poderosos da história, possuem um nível de desigualdade mais alto que a esforçada Nigéria e sua desigualdade de renda é a mais alta desde os anos 1920. (Yates, 2004, p. 38) A riqueza é esmagadoramente concentrada nas mãos de poucos, com os 1% mais ricos tendo uma renda igual aos 40% mais pobres: “Os Estados Unidos possuem uma renda per capita maior que outros países desenvolvidos [...], principalmente porque nossos ricos são muito mais ricos.” (Krugman, 2002) O colapso das economias centralmente planificadas do velho bloco soviético assistiu o número de pessoas vivendo na extrema pobreza nessas regiões crescer de 14 para 168 milhões. (Davis, 2004, p. 22) A desigualdade tornou-se mais profunda na Ásia e na América Latina; somente na China, 350 milhões de pessoas vivem na extrema pobreza. (Yates, 2004, p. 42) A maior parte da África está excluída da economia mundial, com rendas médias menores do que nos tempos coloniais. (Saul; Leys, 1999, pp. 13-30) Em 1996, quase um bilhão de pessoas estavam desempregadas ou subempregadas em todo o mundo; o desemprego era mais alto nos países agrominerais e semi-industriais, mas muitas economias altamente industrializadas tinham taxas de desemprego acima de 10%. (Moody, 1997, p. 41) Pressões enormes sobre o campesinato, particularmente com a transformação dos latifundiários em capitalistas agrícolas, levaram a uma urbanização massiva nunca antes vista; pela primeira vez, a população mundial é predominantemente urbana. Pelo menos um terço dos três bilhões de habitantes urbanos do mundo vive atualmente em favelas com, talvez, 250 mil favelas em todo o mundo; estima-se que, em 2020, metade da população urbana poderá estar

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vivendo na extrema pobreza em um “planeta favela”. (Davis, 2004, pp. 5, 13-14, 17) A classe trabalhadora moderna cresceu enormemente, tornando-se a maior classe da história, em parte devido à industrialização de grande parte da Europa Oriental, da Rússia, do leste asiático, do sul da África e da América Latina. Há, na atualidade, mais trabalhadores industriais na Coréia do Sul do que havia no mundo inteiro quando Marx e Friedrich Engels escreveram o Manifesto Comunista, em 1848, e os trabalhadores industriais são apenas uma parte da classe trabalhadora. Com talvez 2 bilhões de membros, a classe trabalhadora é, agora, sem dúvidas, a maior classe da história humana. (Harman, 1999, pp. 614-615) Sustentando as crescentes divisões de classe encontra-se um conjunto mais amplo de processos de reestruturação internacional. Dos anos 1930 aos 1970, o mundo poderia ser razoável e claramente dividido em três zonas principais: o “Primeiro Mundo”, do capitalismo avançado, cada vez mais baseado em economias mistas e no estado de bem estar keynesiano; um “Segundo Mundo”, de economias centralmente planificadas que se descreviam como “socialistas”; e o “Terceiro Mundo”, que compreendia grande parte do antigo mundo colonial e onde predominaram políticas de industrialização baseadas em substituição de importações e economias fechadas, promovidas por regimes nacionalistas e populistas. Num processo iniciado em meados dos anos 1970 e que ganhou força durante os anos 1980 e 1990, todas as regiões do mundo começaram a convergir para um único modelo de acumulação capitalista, conhecido como neoliberalismo. Valendo-se diretamente das idéias dos economistas clássicos e neoclássicos encabeçados por Adam Smith – ou seja, da tradição do liberalismo econômico –, os neoliberais sustentavam que a busca implacável do lucro impulsionaria o crescimento econômico e a criação de sociedades livres e equitativas. (Cf. Smith, 1981) Em outras palavras, a promoção aberta dos interesses privados poderia, por meio de um mercado livre, criar maiores benefícios sociais. Deveria haver um Estado forte e enxuto, capaz de reforçar a lei e a ordem, assim como os direitos de propriedade; o Estado deveria impedir o monopólio, emitir moeda, tratar das externalidades e dos bens públicos quando fosse necessário, mas não estabelecer restrições como salários mínimos, sistemas amplos de bem-estar, controle de preços, taxação progressiva, asilos estatais, sindicatos fortes e medidas do tipo.19 No contexto de uma crise econômica global que começava nos anos 1970, da integração crescente de diferentes economias nacionais, de uma crise da esquerda que surgia com o declínio do bloco soviético, da incapacidade da

19 Declarações fundamentais dessa posição incluem: Mises, 1981; Hayek, 1944; Friedman, 1962.

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social-democracia e da industrialização baseada em substituição de importações em retomar o crescimento econômico, o neoliberalismo tornou-se o modelo de política econômica dominante em todo o mundo. O fato de que essas políticas – conhecidas por vários termos como racionalismo econômico, monetarismo, terapia de choque, reaganomics, thatcherism e ajuste estrutural – provavelmente aumentariam a desigualdade não surpreende: elas estão associadas à precarização do trabalho, à comoditização e à privatização de bens públicos e recursos naturais, ao livre comércio e à desindustrialização, à expansão das corporações transnacionais que incluem o agronegócio, ao aumento do desemprego, aos cortes substanciais nos serviços públicos; tudo isso criando, nas palavras de Pierre Bourdieu (1998, p. 3), uma “utopia de uma exploração sem limites”. A importância da ampla tradição anarquista, nesse contexto, é clara. É surpreendente observar que ainda não surgiu uma alternativa popular e coerente ao neoliberalismo. Poder-se-ia esperar que o impacto do neoliberalismo nas classes populares e a massiva polarização social, juntamente com o vasto crescimento da classe trabalhadora e da população urbana com a qual ela está relacionada, deveriam conduzir a uma generalização das lutas de classes e a uma política popular radical, ou mesmo revolucionária. Isso não ocorreu. Desde o início, o neoliberalismo encontrou oposição popular: as “revoltas” contra o Fundo Monetário Internacional (FMI) na África e na América Latina nos anos 1980, o levante zapatista no México em 1994, as greves massivas na França e em outras localidades nos anos seguintes, o movimento antiglobalização, que conquistou a opinião pública, em 1999 em Seattle. Esses protestos demonstram um crescente desencantamento com o atual estado do mundo e mostram, cada vez mais, uma oposição visceral ao capitalismo que não era vista há décadas; no entanto, essas lutas não estão vinculadas a um projeto sistemático, que coloca a necessidade de substituir o neoliberalismo ou o capitalismo que o sustenta por uma ordem social diferente. Em muitos casos, “pelo menos neste momento, as propostas são de reforma, não de revolução”. (Hopkins, 2002, p. 19) As lutas na África contra os programas de ajuste estrutural concebidos pelo FMI e pelo Banco Mundial nos anos 1980 e 1990, por exemplo, rejeitaram as medidas neoliberais e seus efeitos, mas direcionaram sua atenção às reivindicações pela democracia parlamentar. Porém, ainda que os movimentos tenham tido bastante sucesso na conquista de reformas, eles nunca desenvolveram políticas de transformação social; sua preocupação foi conquistar uma estrutura para o debate democrático, ainda que eles nunca tivessem posições reais para a articulação dentro dessa estrutura. Foi também muito freqüente os movimentos populares, liderados em vários casos pelos sindicatos, terminarem elegendo novos partidos para trabalhar em

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plataformas vagas – partidos que, na prática, continuaram simplesmente a implementar a agenda neoliberal. O colapso de grande parte do antigo Segundo Mundo, o bloco soviético, oferece uma explicação parcial para a falta de substância de uma política popular. Esses desenvolvimentos abalaram toda uma geração que identificava o socialismo com o modelo soviético. Ao mesmo tempo, a social-democracia sofreu um duro golpe pela incapacidade manifestada pelos estados de bem-estar social keynesianos em restaurar o crescimento econômico, reduzir o desemprego ou financiar efetivamente as medidas de bem-estar; a maioria dos partidos social-democratas foi conduzida ao neoliberalismo durante os anos 1990. No mundo pós-colonial, o modelo baseado na substituição de importações começou a se desintegrar a partir dos anos 1970. Incapazes de gerar emprego e proporcionar condições mínimas de bem-estar, os antigos regimes nacionalistas e populistas também entraram em colapso ou adotaram o ajuste estrutural e vincularam-se ao FMI. Em resumo, as políticas estatistas, hegemônicas entre as classes populares dos anos 1930 aos anos 1970, provaram-se incapazes de solucionar a crise econômica internacional. A era do neoliberalismo foi associada à rápida integração das economias em todo o mundo e isso evidencia um outro fracasso das antigas posições, que confiaram na gestão estatal de economias relativamente fechadas. A planificação centralizada, o Estado de bem-estar social ocidental e a industrialização baseada na substituição de importações foram todos mal sucedidos ao lidar com o capitalismo crescentemente globalizado. Em um notável artigo, o conservador Francis Fukuyama (1989, pp. 3, 4, 12) descreveu o período posterior ao colapso da URSS como o “fim da história”, “a vitória impassível do liberalismo econômico e político” e “o ponto final da evolução ideológica humana”. Há muitos problemas em sua análise, mas não se pode seriamente questionar o fato de que os anos 1990 caracterizaram-se por uma “exaustão total de alternativas sistemáticas ao liberalismo ocidental”. Os antigos projetos de esquerda e nacionalistas não eram mais desejáveis e nem factíveis. O Estado, responsável por facilitar essas medidas, mostrou-se incapaz; suas alternativas à economia liberal foram insuficientes. Como resultado, a oposição popular às políticas neoliberais permaneceu incapaz de confrontar efetivamente a ordem neoliberal. De um lado, a crise das políticas progressistas e populares possibilitou a aceleração contínua da agenda neoliberal; uma política radical efetiva poderia ter interrompido a agenda neoliberal em seu início. Por outro lado, isso fez com que as lutas contra o neoliberalismo tendessem a ser, principalmente, defensivas e dirigidas aos efeitos e não às causas do neoliberalismo, sem apresentar soluções efetivas e

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duradouras. Essas lutas tendem a ser limitadas, esporádicas, e, no melhor dos casos, a visar reformas moderadas (ainda que importantes) que não detêm o neoliberalismo, como é o caso dos movimentos pró-democracia. Mesmo com todas suas limitações, os movimentos pró-democracia da África, da Ásia e da América Latina, assim como os da Europa Oriental depois de 1999, pelo menos possuem uma perspectiva bastante progressista. O lado sombrio da crise geral das políticas populares progressistas tem sido uma rápida e assustadora ascensão de movimentos massivos de direita, nacionalistas e religiosos, como o fundamentalismo cristão e hindu, o islamismo radical e o neofascismo. De orientação antidemocrática, antimoderna e anti-secular, esses movimentos não trarão nada além de infindáveis conflitos étnicos e raciais, regimes autoritários e uma época de reação comparável aos anos mais obscuros de meados do século XX. Sua ascensão foi possibilitada precisamente pelo colapso de alternativas progressistas; o fato de parte da autodeclarada esquerda defender e mesmo trabalhar com essas correntes reacionárias, considerando-as “anti-imperialistas”, é, em si mesmo, um sinal da crise da esquerda. É aqui que a ampla tradição anarquista pode fazer uma contribuição real. Ela fornece um rico repertório de idéias e ações que são particularmente apropriadas para os tempos presentes. Por um lado, ela pode ter um papel central na renovação do projeto socialista. O fato de o modelo do bloco soviético ter fracassado em muitos aspectos nem é mais motivo de grande controvérsia na esquerda. Ele não era democrático, igualitário ou emancipatório; olhando para trás, há poucas dúvidas de que ele fundamentava-se em um sistema de classes reforçado por uma repressão contínua. Isso não significa, entretanto, que o capitalismo, particularmente em sua forma neoliberal, ofereça algo melhor, que ele seja capaz de resolver os imensos problemas sociais que confrontam a humanidade – alienação, desigualdade, injustiça e pobreza – ou que ele possa afastar o terrível espectro do planeta favela. Tomando seriamente as grandes promessas do Iluminismo (igualitarismo, liberdade individual, democracia, racionalismo e progresso) e oferecendo elementos de análise, estratégia e tática para concretizar essas promessas, a ampla tradição anarquista pode realizar muitas contribuições ao atual impasse dos movimentos de trabalhadores e camponeses. Conforme mencionado anteriormente, a ampla tradição anarquista surgiu como um movimento da classe trabalhadora e do campesinato; uma investigação de suas idéias e de sua história tem muito a ensinar às lutas contemporâneas contra o neoliberalismo. Sem uma alternativa progressista de esquerda, as lutas contemporâneas contra o neoliberalismo serão, sem dúvidas, incapazes de colocarem realmente em xeque o sistema capitalista, que permitiu a ascensão do neoliberalismo.

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Rejeitar a “freqüente suposição de que o socialismo revolucionário é, em geral, abarcado pelo termo ‘marxismo-leninismo’”, torna possível redescobrir tradições alternativas, socialistas e libertárias, como o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária. (Schechter, 1994, pp. 1-2) “Evocar o anarquismo, que foi suprimido pelo marxismo leninista”, argumenta Arif Dirlik (1991, pp. 3-4; 7-8), é repensar o significado e as possibilidades da tradição socialista e “evocar os ideais democráticos para os quais o anarquismo [...] serviu de repositório”. Em um mundo em que o nacionalismo e o preconceito racial parecem endêmicos, e não menos entre muitos membros da esquerda, o internacionalismo consistente da ampla tradição anarquista também merece ser redescoberto. Isso significa uma redescoberta mais geral do socialismo libertário. A social- democracia – ou o socialismo parlamentar, a corrente moderada do socialismo político associada à organismos como o Partido Trabalhista na Grã-Bretanha e o Partido Socialista na França – almejava um “arranjo gradativo por meio da organização e da legislação” em vez da “expropriação violenta, instantânea e universal”. (Bernstein, 1993, p. 158) Ela adotou, desde os anos 1930, a teoria do capitalismo administrado de John Maynard Keynes e esteve associada com a implementação de Estados de bem-estar social abrangentes em países ocidentais. Contudo, no período posterior à Segunda Guerra Mundial, a globalização econômica, o declínio do crescimento econômico e o impulso das classes dominantes na implementação do neoliberalismo solaparam as bases para as reformas social-democratas: um boom econômico capaz de financiar a redistribuição, uma economia fechada que pudesse ser gerida em linhas keynesianas e uma classe dominante decidida a fazer grandes concessões às classes populares. Por volta dos anos 1990, a maioria dos partidos social-democratas tinha aderido ao neoliberalismo. Finalmente, é importante notar que o período glorioso do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária, que vai de meados dos anos 1890 a meados dos anos 1920, foi levado a cabo num período inicial da globalização, marcado por altos níveis de integração econômica internacional, livre comércio, imigração, rápidos avanços nas telecomunicações, nos transportes, e pelo surgimento de instituições supranacionais, incluindo as primeiras corporações transnacionais.20 Mesmo que esse seja um período distante no tempo, em muitos aspectos ele não difere tanto do mundo neoliberal do século XXI. A maneira com que a ampla tradição anarquista respondeu a esse período inicial da globalização relaciona-se diretamente às preocupações atuais

20 “Período glorioso” é um termo de H. Beyer-Arnesen (1997-1998, p. 20). De 1870 a 1914, por exemplo, o comércio mundial e os níveis de produção cresceram constantemente em 3,5% e 3,45%, respectivamente, com os maiores poderes desenvolvendo o comércio e chegando a taxas de crescimento do produto interno bruto que excederam 35% (por volta de 44% no caso da Inglaterra). As taxas de 1913 não foram, em geral, atingidas até meados dos anos 1990. Nesse período inicial, os afluxos de capitais (tanto os investimentos diretos na produção, quanto o investimento em ativos financeiros) chegaram a proporções só atingidas nos fins dos anos 1990. Ver, entre outros: Hobsbawm, 1977; Hirst, 1997, p. 411.

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dos movimentos “antiglobalização”, particularmente num contexto em que as abordagens estatistas, hegemônicas em grande parte do século XX, revelaram-se tão insuficientes.

Repensando a ampla tradição anarquista Houve um ressurgimento do sindicalismo de intenção revolucionária depois do restabelecimento da Confederação Nacional do Trabalho (CNT) na Espanha, em 1977, e um rápido crescimento do anarquismo nos anos 1990, notavelmente no âmbito do movimento antiglobalização contemporâneo, que atraiu muitas pessoas. (Epstein, 2001, pp. 1-14; Graeber, 2002, pp. 61-73) Por volta de 2004, a Confederação Geral do Trabalho (CGT) espanhola, sindicalista revolucionária, representava aproximadamente 2 milhões de trabalhadores, de acordo com o sistema de relações industriais vigente no país.21 Ainda assim, o sindicalismo de intenção revolucionária e o anarquismo nem sempre têm sido levados a sério e são, com freqüência, mal compreendidos. [Em Chama Negra], rejeitamos a posição de que a ampla tradição anarquista constitui um regresso atávico ao mundo pré-capitalista e sustentamos que ela foi uma resposta à ascensão do capitalismo e do Estado moderno, que suas origens estão nos anos 1860 e que ela surgiu nos movimentos modernos e socialistas da classe trabalhadora, dos quais ela constituiu parte integrante. Também contestamos a posição de que qualquer filosofia ou movimento que se oponha ao Estado ou que defenda a liberdade individual possa ser considerado anarquista. O anarquismo constitui parte da corrente libertária do socialismo e surge na Primeira Internacional, que durou de 1864 a 1877. Se o marxismo clássico teve Marx e Engels, o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária foram formulados principalmente por dois grandes personagens, Bakunin e Kropotkin. Discordamos da posição comum de que o anarquismo “converteu-se em um movimento de massas na Espanha, com um alcance nunca atingido em outros lugares”. (Joll, 1964, p. 224) Esse é o argumento comum da “excepcionalidade espanhola”. Na ampla tradição anarquista, os movimentos de massas desenvolveram-se em muitos países e o movimento espanhol não foi, de maneira alguma, o maior. Os sindicatos revolucionários espanhóis do século XX, que representavam apenas metade dos trabalhadores espanhóis organizados, se considerados em relação ao tamanho da classe trabalhadora e do movimento organizado de trabalhadores, eram menores que os movimentos de vários países: Argentina, Brasil, Chile, Cuba, França, México, Peru,

21 Depois do processo de eleição sindical no setor público e privado em 2004, ela passou a representar por volta de 1 milhão de trabalhadores através das eleições aos comitês industriais, além de 600 mil trabalhadores em negociações coletivas e 300 mil em empresas terceirizadas menores, com uma média de 560 trabalhadores por local de trabalho em que ela atuava. Isso fez da CGT a terceira maior federação sindical da Espanha. (AL, 2004)

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Portugal e Uruguai, onde a ampla tradição anarquista foi hegemônica em praticamente todo o movimento operário. Justificando sua pesquisa pioneira do anarquismo, realizada no início dos anos 1960, James Joll (1964, pp. 11-12) sugeriu ser um erro pensar que “são somente as causas que triunfam que devem interessar ao historiador”. O que defendemos é que houve muitos momentos de “triunfo” na ampla tradição anarquista e que é um erro assumir que o anarquismo foi sempre o primo pobre das tradições socialistas como o marxismo clássico e a social-democracia. A tese da “excepcionalidade espanhola” foi formulada a partir de comparações com a Europa Ocidental e a América do Norte; entretanto, essas comparações ignoraram importantes movimentos nessas e em outras regiões, investindo muita energia para tentar explicar uma peculiaridade “espanhola” que, na realidade, inexiste.22

Base social e alcance global Em vez de ver a ampla tradição anarquista como uma expressão de algum tipo de aspiração vaga, “uma luta eterna”, enfatizamos sua inovação e suas raízes relativamente recentes. (Marshall, 1994, pp. xiv, 3-4) Contra a posição de que o anarquismo “não foi um movimento político ou filosófico coerente”, por apresentar muitas “contradições e inconsistências” e não ter um “corpo fixo doutrinário fundamentado em uma visão de mundo particular”, enfatizamos a coerência de suas idéias. (Joll, 1964, pp. 173, 275; Marshall, 1994, p. 3)

O anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária constituem, antes de tudo, uma oposição ao capitalismo, ao latifundiarismo e uma política classista: o Estado é certamente objeto de suas críticas, mas as posições que sustentam que os anarquistas vêem o Estado como o “responsável por todas as desigualdades e injustiças” ou “como a raiz de todos os males” distorcem seriamente o anarquismo, ao eliminar dele seu conteúdo e suas origens socialistas. (Kedward, 1971, p. 6; Statz, 1971, p. xiii) A noção de “anarco-capitalismo” utilizada por alguns autores é uma contradição em termos. (Marshall, 1994, pp. 53-54, 422, 443, 544-545, 500-501, 559-565; Perlin, 1979, p. 109) Consideramos estereotipada a noção de que o anarquismo é um movimento e uma religião secular de uma pequena burguesia composta de artesãos e camponeses arruinados pela modernidade, “classes sociais que estavam fora de sintonia com a

22 Para uma avaliação desses esforços, ver: Maura, 1971. Mesmo o exame inovador de Murray Bookchin tende a explicar o papel do anarquismo na Espanha por meio das peculiaridades da cultura e da sociedade espanholas; ver: Bookchin, 1977, especialmente os capítulos 1 e 2.

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tendência histórica dominante”, “excluídas pelo [...] progresso industrial” e “ameaçadas” pela “indústria e a mecanização”; conduzidas por aristocratas arruinados e compostas por camponeses em declínio e artesãos raramente “envolvidos na centralização ou na industrialização”, essas classes almejavam um retorno ao passado pré-moderno. (Stekloff, 1928, p. 312; Yaroslavsky, 1937, pp. 26, 28, 41, 68-69; Hobsbawm, 1971, 1993; Woodcock, 1975, pp. 444-445; Kedward, 1971, pp. 24-26; Darch, 1994, p. 57) Distintamente, demonstramos que esse movimento baseou-se, em termos históricos, predominantemente, na classe trabalhadora moderna, ou seja, o proletariado. Foi, acima de tudo, na classe trabalhadora urbana e entre os trabalhadores rurais que a ampla tradição anarquista encontrou seus membros, e os encontrou aos milhões. Contrariando a posição comum de que o sindicalismo de intenção revolucionária foi um movimento composto por artesãos qualificados, afirmamos que os sindicatos revolucionários foram, principalmente, formados por pessoas que eram trabalhadores temporários e sazonais, estivadores, trabalhadores rurais, operários fabris, mineiros, ferroviários e, em menor grau, funcionários administrativos e profissionais liberais, em especial professores. Questões de desespecialização e de reestruturação do trabalho foram importantes para atrair algumas pessoas ao sindicalismo de intenção revolucionária, mas o movimento como um todo cresceu com base em uma maioria de trabalhadores semi-qualificados ou não-qualificados. A ampla tradição anarquista também teve significativo apelo entre o campesinato e houve amplos movimentos anarquistas de camponeses – que combateram o poder dos latifundiários, dos capitalistas do campo e do Estado, em particular onde o comércio rural estava se estabelecendo –, mas a classe trabalhadora constituiu sua maior parte. Por razão de o anarquismo não rejeitar o campesinato, os camponeses foram cruciais pelo menos em três dos principais intentos de se levar a cabo uma revolução anarquista: a Revolução Ucraniana (1917-1921), a Revolução de Jilin (1929-1931) e a Revolução Espanhola (1936-1939). Os anarquistas também constituíram uma força de primeira ordem em outras lutas camponesas na Europa Oriental, na Europa Meridional, no leste asiático e na América Latina. Em suma, a ampla tradição anarquista certamente não constitui uma revolta contra o mundo moderno levada a cabo pelas classes em declínio. Ela é, acima de tudo, um movimento dinâmico, moderno e predominantemente da classe trabalhadora, que busca coletivizar e autogerir a produção e substituir o Estado moderno pela autogestão internacional. Historicamente, essa tradição foi bastante difundida entre os camponeses, mas, ainda assim, isso ocorreu precisamente nas localidades em que o capitalismo estava sendo introduzido e, por isso, modificava o campo. A ampla tradição anarquista é um

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movimento que tem por objetivo subordinar a tecnologia à emancipação humana: ao contrário do estereótipo, ela não defende o “comunismo primitivo” e nem busca “voltar o relógio para trás”.23 O sindicalismo de intenção revolucionária constitui, em grande medida, parte da história do anarquismo. Muitas abordagens apresentaram esse sindicalismo como algo distinto do anarquismo ou mesmo hostil a ele. Nessa linha, muitos trabalhos apresentam George Sorel – um engenheiro aposentado francês, outrora marxista – como “o teórico do anarco-sindicalismo”, “o maior teórico do sindicalismo revolucionário”. (Joll, 1964, p. 207; Schechter, 1994, pp. 28, 25; Jennings, 1991, p. 326) Contrariamente, demonstramos que o sindicalismo de intenção revolucionária sempre foi parte da ampla tradição anarquista. Freqüentemente se assume que esse sindicalismo surgiu pela primeira vez na França dos anos 1890; demonstramos, no entanto, que foi Bakunin, nos anos 1860, e não Sorel, 40 anos depois, seu principal teórico e que toda uma primeira onda desse sindicalismo foi levada a cabo entre os anos 1870 e 1880. O sindicalismo de intenção revolucionária é uma variação do anarquismo e esse movimento sindicalista é parte da ampla tradição anarquista. Isso se aplica a todas as principais variantes do sindicalismo: o anarco-sindicalismo (que se situa, explicitamente, dentro da tradição anarquista), o sindicalismo revolucionário (que não faz de maneira explícita essa conexão por ignorância ou por uma negação tática de sua ligação com o anarquismo), o deleonismo (uma forma de sindicalismo revolucionário que se reivindica marxista) e o sindicalismo de base (uma forma de sindicalismo que constrói grupos independentes de base que se envolvem com sindicatos ortodoxos, apesar de serem independentes deles). O sindicalismo de intenção revolucionária, em essência, é uma estratégia anarquista e não um rival do anarquismo. Quando falamos em sindicalismo de intenção revolucionária, o fazemos de maneira a abarcar todas essas variantes do sindicalismo. Assim, sustentamos que o Industrial Workers of the World (IWW ou “Wobblies”), uma corrente sindical radical que surgiu em 1905 nos Estados Unidos e que se espalhou por todo o mundo, constituiu parte integrante da segunda onda do sindicalismo de intenção revolucionária, a qual se iniciou nos anos 1890. Não concordamos que a história do IWW deva ser separada da história desse sindicalismo; também discordamos das posições que sustentam que o IWW teve origem nas tradições autóctones e radicais dos Estados Unidos ou no marxismo.24 O IWW histórico possuía uma perspectiva sindicalista,

23 Para uma posição contrária, ver: Darch, 1994, p. 70. 24 Uma versão sofisticada dessa posição pode ser encontrada em Dubofsky, 1966, pp. 131-154; Dubofsky, 1969, pp. 5, 19- 35, 73, 76-77. Ela também foi aceita por alguns anarquistas; ver, por exemplo: Rocker, 2004. Uma excelente visão geral e crítica dessa abordagem pode ser encontrada em Salerno, 1989.

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usufruiu amplamente do legado do sindicalismo de intenção revolucionária da primeira onda, da ampla tradição anarquista nos Estados Unidos e foi inspirado e influenciado pela retomada do sindicalismo de intenção revolucionária em outras localidades. O IWW cindiu em 1908, dando origem a duas correntes principais: primeiro, o conhecido “IWW de Chicago”, que foi importante nos Estados Unidos, na Austrália, no Chile e em outros países, que se vincula a personagens como Haywood e se opõe radicalmente à participação em eleições; segundo, o “IWW de Detroit”, menor, que teve influência na Grã-Bretanha, na África do Sul e em outros países, que se vincula a De Leon e Connolly e defende a utilização condicional das eleições. Sustentamos que ambas as correntes pertencem ao sindicalismo de intenção revolucionária – e, por isso, constituem parte da ampla tradição anarquista. O fato de alguns desses sindicalistas considerarem- se marxistas ou rejeitarem o rótulo de anarquistas não os retira da ampla tradição anarquista; não utilizamos a autoidentificação, mas as idéias como base para essa inclusão. Algumas conseqüências desses argumentos são bem surpreendentes e nos obrigam a reconsiderar o cânone da ampla tradição anarquista. Seguindo uma tradição estabelecida pelo livro Anarchism: Exponents of the Anarchist Philosophy [Anarquismo: expoentes da filosofia anarquista] de Paul Eltzbacher, publicado em 1900, cujas conclusões “foram incorporadas em quase todos os estudos desse tema até o presente”, os trabalhos mais comuns sobre o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária falaram dos “sete sábios” do movimento: Godwin, Stirner, Proudhon, Tucker, Tolstoi, Bakunin e Kropotkin. (Eltzbacher, 1960; Fleming, 1979, p. 19) Para Eltzbacher (1960, p. 188), esses sábios poderiam ser “considerados equivalentes a todos os ensinamentos reconhecidamente anarquistas”. De acordo com Eltzbacher (1960, pp. 189, 201, 191, 184-196), os sábios compartilhavam uma oposição ao Estado, já que “negam o Estado para nosso futuro”. Ele estava ciente que “a negação do Estado” tinha “significados completamente distintos” para esses sábios. Disso se seguiu que qualquer um que sustentasse uma posição antiestatista deveria ser considerado anarquista, mesmo discordando sobre questões fundamentais como a natureza da sociedade, do Direito, da propriedade ou os meios para a transformação da sociedade. Essa definição minimalista do anarquismo coincidiu com a tendência de muitos anarquistas e sindicalistas criarem mitos sobre sua própria história. Kropotkin não estava sozinho na construção de uma imaginada pré-história do movimento anarquista, uma suposta genealogia das idéias e movimentos anarquistas, que remetia à Antiguidade da Ásia e da Europa.25 Essas narrativas anarquistas, ainda

25 Mais notavelmente em um célebre artigo sobre o anarquismo escrito para a Encyclopaedia Britannica (Kropotkin, 1970a).

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comuns, concentram-se em enumerar um conjunto de autores e de idéias que supostamente compartilham os interesses básicos do movimento anarquista, indo desde Lao Tsé na China Antiga (o fundador do taoísmo), passando pelos anabatistas medievais e chegando até Bakunin, na Europa do século XIX. O objetivo dessa criação mítica era legitimar o anarquismo, proporcionando a ele uma longa linhagem, que reivindicava personagens famosos e respeitados. O estudo mais importante produzido dentro do movimento foi a obra de nove volumes escrita por Max Nettlau (1865-1944), a qual dedica o primeiro volume à discussão dos eventos anteriores aos anos 1860, começando na Grécia e na China antigas.26 Há óbvios problemas nessas abordagens. Se anarquista é aquele que “nega” o Estado, também não há dúvidas que o anarquismo se diferencia dos liberais econômicos mais radicais, como Murray Rothbard, que defendia uma sociedade sem Estado baseada na propriedade privada e no mercado livre e irrestrito. O objetivo último do marxismo clássico também é uma sociedade sem Estado, na qual não haveria alienação e coerção. Com a utilização da definição de Eltzbacher, tanto Rothbard quanto Marx mereceriam um lugar no panteão dos sábios anarquistas; seria arbitrário excluí-los. Em outras palavras, a definição de Eltzbacher fracassa na tarefa básica de distinguir claramente o anarquismo de outras idéias e, por esse motivo, não pode ser considerada adequada. A tendência de projetar o anarquismo em toda a história humana possui problemas relacionados: de um lado, nenhuma investigação séria de Lao Tsé, dos anabatistas e de Bakunin pode sustentar que eles compartilharam as mesmas posições e os mesmos objetivos, e, portanto, não é claro por que eles devem ser agrupados; de outro, se o anarquismo é um aspecto universal da sociedade, torna-se, assim, muito difícil explicar realmente por que ele surge, colocá-lo em seu contexto histórico, estabelecer suas fronteiras e analisar seu caráter de classe e seu papel em uma época determinada. Reivindicar o anarquismo como algo universal é um mito legitimador útil para um movimento em combate; no entanto, aceitar seriamente essa reivindicação contribui pouco para o avanço das análises e das atividades desse movimento. Isso não permite historicizar a ampla tradição anarquista, explicar por que ela surgiu e nem por que atraiu algumas classes em particular. A tentação óbvia é refugiar-se nas explicações psicológicas. Peter Marshall (1994, pp. xiv, 3-4), por exemplo, sustenta que o “primeiro anarquista” foi a primeira pessoa que se rebelou contra a “autoridade”, que o anarquismo está radicado na natureza humana, em “uma eterna luta” entre “aqueles que queriam mandar e aqueles que se recusavam a obedecer ou a mandar”, e que se baseia em um “impulso para a

26 Sobre a pesquisa de Nettlau, ver as notas do editor em Nettlau, 1996.

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liberdade”, em uma “necessidade humana profundamente sentida”. O ambientalista radical e socialista libertário Murray Bookchin (1977, p. 17) utilizou o mesmo argumento, adicionando um toque freudiano: o anarquismo é um “grande movimento libidinal da humanidade para livrar-se do aparato repressivo criado pela sociedade hierárquica”, cujas origens encontram-se no antiqüíssimo impulso dos oprimidos para a liberdade. Também não há evidências para essa linha de argumento e ela não consegue explicar por que o anarquismo foi significativo em alguns períodos e quase completamente ausente em outros. Se o anarquismo é um impulso humano, por que seu destino variou tão dramaticamente no tempo? Somente uma análise histórica e social pode realmente explicar a ascensão e a queda do anarquismo e isso implica utilizar recursos das ciências sociais e não da psicologia. A abordagem dos “sete sábios”, que agrupa um extenso conjunto de pensadores com pouco em comum, e a criação mítica dos próprios anarquistas impossibilitam qualquer análise da ampla tradição anarquista. Por todas essas razões, consideramos ser imprescindível adotar uma interpretação do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária que seja mais restrita, mais claramente delimitada, mais historicizada e precisa historicamente. Dos sábios de Eltzbacher, somente Bakunin e Kropotkin devem ser considerados anarquistas. Godwin, Stirner e Tolstoi, definitivamente, não constituem parte da ampla tradição anarquista. Proudhon e seu discípulo Tucker são representantes do mutualismo, que influenciou profundamente o anarquismo – juntamente com o marxismo, o proudhonismo forneceu muitos elementos para a conformação da ampla tradição anarquista –, mas que, na realidade, não pode ser considerado anarquista. Há muitas idéias libertárias – idéias que enfatizam a liberdade individual –, mas nem todos os libertários são socialistas. Foi no contexto da ascensão do capitalismo e do Estado moderno – e, concomitantemente, da classe trabalhadora moderna e do movimento socialista – que o anarquismo surgiu pela primeira vez. Por razão de agrupar arbitrariamente personagens que têm, conforme mostramos em Chama Negra, pouco em comum, colocando-os como os maiores pensadores do anarquismo, a abordagem dos sete sábios dá, inevitavelmente, a impressão de que o anarquismo é contraditório e que não possui foco, fazendo com que as análises teóricas do anarquismo sejam, no melhor dos casos, uma tarefa frustrante. Essa aparente incoerência é o resultado de uma análise problemática do anarquismo e não da pobreza do próprio anarquismo. Uma extensa e vaga definição do anarquismo tende a agrupar idéias completamente diferentes e a não historicizá-lo; apresentar o anarquismo como algo indefinido e sem forma também dificulta considerar em que medida a ampla tradição anarquista pode inspirar as lutas contemporâneas contra o neoliberalismo.

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O que é a ampla tradição anarquista? Por meio de uma definição mais restrita, [utilizada em Chama Negra,] pudemos dar um foco mais preciso à ampla tradição anarquista, com suas idéias e sua história e, dessa maneira, tivemos como apresentar uma investigação sistemática e razoavelmente completa das idéias, dos debates e dos desenvolvimentos do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária. Em nossa análise, o anarquismo é apresentado por meio de um conjunto claro e definido de posições. Ao examinar a história da ampla tradição anarquista, nós também sacrificamos a aparente amplitude em favor de uma profundidade real. Diversas abordagens gastam muito tempo discutindo personagens como Stirner, Tolstoi e os anabatistas. Consideramos essas pessoas distantes e bastante irrelevantes para uma abordagem da ampla tradição anarquista. Também não utilizamos termos como “anarquismo filosófico” (freqüentemente utilizado em referência a Godwin), “anarquismo individualista” (freqüentemente utilizado em referência a Stirner, mas, também, algumas vezes, a Proudhon e Tucker), “anarquismo cristão” (em referência a Tolstoi) ou “anarquismo de estilo de vida” (algumas vezes utilizado para referir-se a formas contemporâneas de individualismo), assim como não consideramos que essas correntes constituem parte da ampla tradição anarquista. Para nós, a questão não é rejeitar outras idéias libertárias e a ampla extensão de idéias antiautoritárias que têm sido desenvolvidas em muitas culturas, mas sugerir que devemos diferenciar o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária de outras correntes, incluindo as libertárias, para conhecer melhor tanto o anarquismo quanto essas outras tendências. O anarquismo “classista”, algumas vezes chamado de anarquismo revolucionário ou anarquismo comunista, não é um tipo de anarquismo; do nosso ponto de vista, trata-se do único anarquismo. Sabemos que nossa abordagem contradiz algumas definições que vêm sendo sustentadas há muito tempo, mas sustentamos que o significado do anarquismo não é arbitrário e nem apenas uma questão de opinião; os registros históricos demonstram haver um conjunto central de crenças. Muitos escritores estabeleceram uma distinção entre o “comunismo anarquista [...], talvez a doutrina anarquista mais influente” e “outra doutrina de significância comparável, o anarco-sindicalismo”. (Graham, 2005, p. xiii) Rejeitamos essa abordagem por acreditar que ela fundamenta-se em uma análise enganosa da ampla tradição anarquista. Essa alegada distinção não apenas está ausente na maior parte dos escritos anarquistas produzidos até bem recentemente, como, também, simplesmente não funciona para descrever as diferentes tendências da ampla tradição anarquista. Além disso, a grande maioria das pessoas descritas na literatura como “comunistas

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anarquistas” ou “anarco-comunistas” defenderam o sindicalismo, incluindo Kropotkin, Alexandre Berkman (1870-1936), Flores Magón e Shifu. Por outro lado, a maioria dos sindicalistas defendia o “comunismo anarquista”, no sentido de uma sociedade sem Estado baseada no princípio comunista da distribuição de acordo com as necessidades. É difícil identificar uma estratégia ou tendência “anarco-comunista” que possa ser utilizada utilmente como uma categoria do anarquismo.

Anarquismo insurrecionalista, anarquismo de massas e sindicalismo de intenção revolucionária Em vez de utilizar essas categorias, desenvolvemos uma distinção dentro da ampla tradição anarquista entre duas abordagens estratégicas principais, que chamamos de “anarquismo de massas” e de “anarquismo insurrecionalista”. O anarquismo de massas enfatiza que somente os movimentos de massas podem promover uma transformação revolucionária na sociedade, que esses movimentos são, em geral, construídos por meio de lutas em torno de questões imediatas e reformas (relativas a salários, brutalidade policial, preços altos etc.), e que os anarquistas devem participar desses movimentos para radicalizá-los e convertê-los em alavancas da transformação revolucionária. É crucial que as reformas sejam conquistadas de baixo para cima: essas vitórias distinguem-se das reformas concedidas de cima para baixo, que enfraquecem os movimentos populares. (Holton, 1980, p. 5) A abordagem insurrecionalista, distintamente, sustenta que as reformas são ilusórias, que movimentos como sindicatos são baluartes, conscientes ou não, da ordem existente e que as organizações formais são autoritárias. Conseqüentemente, o anarquismo insurrecionalista enfatiza a necessidade da ação armada – a “propaganda pelo fato” – como meio mais importante para despertar um levante revolucionário espontâneo. O que distingue o anarquismo insurrecionalista do anarquismo de massas não é necessariamente a violência como tal, mas o lugar que ela ocupa na estratégia: para o anarquismo insurrecionalista, a propaganda pelo fato, levada a cabo por anarquistas conscientes, é vista como um meio de gerar um movimento de massas; para a maior parte do anarquismo de massas, a violência funciona como um meio de autodefesa de movimentos de massa já existentes. Essa linha argumentativa traz questões sobre o cânone anarquista. Ao rejeitar os sete sábios, não propusemos um novo cânone, exceto ao sugerir que ele deve concentrar-se em Bakunin e Kropotkin e incluir personagens fundamentais da ampla tradição anarquista e sindicalista, tanto do ocidente quanto de fora dele. Se Godwin,

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Stirner e Tolstoi não estão nesse cânone, vários outros militantes são sérios candidatos a fazer parte dele, principalmente pela significativa contribuição teórica que deram ao movimento. Dentre outros, podemos citar Piotr Arshinov (1887-1937), Juana Belem Gutiérrez de Mendoza (1875-1942), Camilo Berneri (1897-1937), Luisa Capetillo (1880- 1922), Connolly, Christian Cornelissen (1864-1942), Voltairine de Cleyre (1866-1912), De Leon, Elizabeth Gurley Flynn (1890-1964), Praxedis Guerrero (1882-1910), Emma Goldman (1869-1940), He Zhen (nascida He Ban [sem data]), Petronila Infantes (1920–?), Ito Noe, Kôtoku Shûsui (1893-1911), Li Pei Kan (1904-2005, também conhecido pelo pseudônimo Ba Jin), Maria Lacerda de Moura (1887-1944), Liu Sifu (1884-1915, também conhecido como Shifu), Errico Malatesta (1853-1932), Flores Magón (1874-1922), Nestor Ivanovich Makhno (1889-1934), Louise Michel (1830-1905), Ferdinand Domela Nieuwenhuis (1861-1919), Ôsugi Sakae (1885-1923), Albert Parsons (1848-1887), Lucy Parsons (1853-1942), Fernand Pelloutier (1867-1901), Enrique Roig de San Martín (1843- 1889), Juana Rouco Buela (1888-1968), Rudolph Rocker (1873-1958), Lucia Sanchez Saornil (1895-1970), Shin Chaeho (1880-1936). Essa lista não é exaustiva e constitui somente um indicativo de possibilidades. Sem diminuir a importância dos movimentos relativamente bem conhecidos na Itália, na França, na Espanha e nos Estados Unidos, acreditamos ser também necessário enfatizar a centralidade dos movimentos na Ásia, na África, na Europa Oriental, na América Latina e no Caribe, e insistir que uma história verdadeiramente global do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária proporciona correções decisivas às abordagens eurocêntricas e demonstra que a noção de que o anarquismo “nunca foi mais do que uma atração das minorias” tem, na realidade, poucos fundamentos. (Kedward, 1971, p. 120) A tese comumente sustentada da excepcionalidade espanhola e a noção de que foi somente na Espanha que o anarquismo tornou-se “um grande movimento social e [...] ameaçou o Estado” estão entre as posições cujos resultados são questionáveis. (Marshall, 1994, p. 453) No coração da tradição do anarquismo de massas está a posição de que é necessário construir um movimento popular revolucionário – fundamentado em uma contracultura revolucionária e na formação de órgãos de contrapoder –, de maneira a estabelecer as bases para uma nova ordem social que possa substituir o capitalismo, o latifundiarismo e o Estado. Esse movimento poderia engajar-se em lutas por reformas, mas, no fim das contas, ele deveria ter por objetivo constituir as bases para uma nova sociedade no seio da antiga, uma nova ordem social incipiente que finalmente destruiria e substituiria a antiga. O anarquismo insurrecionalista é impossibilista, pois vê nas reformas algo impossível e inútil; o anarquismo de massas é possibilista, visto que

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acredita ser possível e desejável a conquista de reformas arrancadas das classes dominantes, por meio da força, sustentando que essas concessões fortalecem, e não enfraquecem, as lutas e os movimentos populares e que elas podem melhorar as condições do povo. Por exemplo, por meio da ação direta podem-se reivindicar e conquistar mudanças progressivas nas leis, sem a necessidade de tomar parte no aparelho de Estado. O sindicalismo de intenção revolucionária é uma poderosa expressão do anarquismo de massas. Em termos históricos, foi, principalmente, esse sindicalismo que proporcionou à tradição anarquista uma base e um apelo de massas. Entretanto, nem todos os anarquistas de massas foram sindicalistas. Alguns apoiaram o sindicalismo, mas com reservas, geralmente em relação à “hipótese do embrião”: a noção de que as estruturas sindicais constituem uma base adequada para uma sociedade pós-capitalista. (Nettlau, 1996, pp. 277-278) Houve outros anarquistas de massa que eram anti- sindicalistas, pois não acreditavam que os sindicatos teriam condições de fazer uma revolução. Vemos aqui duas variantes: aqueles que rejeitaram as lutas nos locais de trabalho em favor de lutas comunitárias e aqueles que defenderam a ação por local de trabalho com alguma independência dos sindicatos. O sindicalismo de intenção revolucionária é caricaturado como uma forma de sindicalismo [unionism] economicista ou obreirista por marxistas como Vladimir Ilych Lênin e Nicos Poulantzas. (Holton, 1980, pp. 5-7, 12-13, 18-19) Entretanto, os sindicatos revolucionários históricos foram movimentos sociais que nunca reduziram a classe trabalhadora aos trabalhadores assalariados ou a aspiração da classe trabalhadora às lutas salariais; esses sindicatos estiveram imersos em contraculturas e movimentos populares mais amplos, vincularam-se a outros círculos populares organizados, abordaram questões que foram muito além do local de trabalho, tiveram um papel central nas lutas comunitárias, estiveram no coração de um projeto de contracultura revolucionária que incluiu a produção de jornais diários e semanais de circulação massiva. Por isso, economicismo e obreirismo são qualificativos inapropriados para o sindicalismo de intenção revolucionária. A posição de que a insurreição é algo que “os sindicatos parecem nunca organizar” também não se ajusta à história do sindicalismo de intenção revolucionária. (Krikler, 2005, p. 153) Sindicatos revolucionários envolveram-se em greves gerais que assumiram caráter insurrecional no México, em 1916; na Espanha, em 1917, 1919 e 1936; no Brasil e em Portugal, em 1918; na Argentina, em 1919; na Itália, em 1920. Em muitos casos, sindicalistas contribuíram com a organização de milícias de trabalhadores, como foram os casos nos Estados Unidos, durante os anos 1880; na Irlanda, em 1913; no

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México, a partir de 1916; na Argentina, em 1919; na Itália, em 1920 e na Espanha, em 1936. Historicamente, o sindicalismo de intenção revolucionária foi um movimento sindical revolucionário [revolutionary union movement] que conformou parte de um movimento popular mais amplo de construção de contrapoder e contracultura; deve-se ter cuidado para não se estabelecerem divisões artificiais entre os sindicatos revolucionários e os maiores movimentos anarquistas, dos quais esses sindicatos foram parte integrante. Isso nos recorda que os números e as estruturas formais dos sindicatos constituem somente uma estimativa parcial do impacto do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária; ao passo que utilizamos esses critérios para criticar a noção da excepcionalidade espanhola, sabemos que eles constituem marcos limitados para avaliar a força anarquista e sindicalista. O sindicalismo de intenção revolucionária compartilha muitos aspectos com o “movimento social de base sindical” [social movement unionism] que surgiu em uma série de países de industrialização tardia como o Brasil e a África do Sul, nos quais os movimentos sindicais historicamente estabeleceram alianças para além dos locais de trabalho e enfrentaram questões muito mais amplas que as preocupações imediatas com os salários e as condições de trabalho; entretanto, há diferenças importantes entre eles.27 Assim como o movimento social de base sindical, o sindicalismo de intenção revolucionária engaja-se em lutas tanto nos locais de trabalho como fora deles, e também busca a conquista de grandes reformas. Distintamente do movimento social de base sindical, entretanto, o sindicalismo de intenção revolucionária é explicitamente anticapitalista, antilatifundiarista e antiestatista, e considera que as estruturas sindicais constituem os blocos para a construção de uma ordem social autogerida e sem Estado. Nessa perspectiva, as lutas imediatas possuem importância não somente em si mesmas, mas por contribuírem com a confiança, a organização e a consciência da classe trabalhadora, as quais são consideradas essenciais pelos sindicalistas para que uma revolução seja levada a cabo de baixo para cima. Em muitos casos, incluindo o Brasil e a África do Sul, os movimentos sociais de base sindical aliaram-se aos grandes partidos políticos e chegaram até a engajar-se numa estratégia industrial para ajudar a fortalecer a economia “nacional”. O sindicalismo de intenção revolucionária normalmente rejeita o vínculo com esses partidos, enfatizando a importância de se construir um contrapoder popular fora e contra o aparelho de Estado; uma estratégia de industrialização não é de seu interesse, visto que

27 Sobre o movimento social de base sindical [social movement unionism], ver, entre outros: Moody, 1997.

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um movimento revolucionário de trabalhadores não pode assumir a responsabilidade pela salvação do capitalismo. Os sindicatos fortes são fundamentais, mas essa força deve ser mensurada tanto pela participação e politização dos membros, quanto pela capacidade dos sindicatos envolverem-se em batalhas imediatas e constituírem as bases para a autogestão dos meios de produção, a ser protagonizada pelos próprios trabalhadores. Não se trata, simplesmente, de uma questão de números.

Dualismo organizacional Um dos debates mais importantes que discutimos [em Chama Negra] é sobre a necessidade ou não de grupos políticos anarquistas e sindicalistas dedicados à promoção das idéias da ampla tradição anarquista e, em caso positivo, quais são as formas mais adequadas que esses grupos devem adotar. Quando os editores do jornal anarquista Dielo Truda [Causa Operária] (2001), editado em Paris, publicaram “A Plataforma Organizacional da União Geral dos Anarquistas”, em 1926, envolveram-se em uma tempestuosa controvérsia. Alguns anarquistas enxergaram a defesa dos editores da necessidade de uma organização política anarquista unificada com disciplina coletiva como uma tentativa de “bolchevizar” o anarquismo, e acusaram seus principais autores, Arshinov e Makhno, de estarem aderindo ao marxismo clássico. Argumentamos, contrariamente, que a Plataforma e o “plataformismo” não constituíram uma ruptura na tradição anarquista, mas uma reafirmação bastante ortodoxa de posições bem estabelecidas. Desde os tempos de Bakunin – o qual era membro da Aliança Internacional da Democracia Socialista, que operou dentro da Primeira Internacional – a grande maioria dos anarquistas e dos sindicalistas defendeu a formação de grupos especificamente anarquistas, para além das organizações de massa, como os sindicatos revolucionários. Em outras palavras, a maioria apoiou o dualismo organizacional: as organizações de massa, como os sindicatos, deveriam caminhar juntas com organizações políticas especificamente anarquistas e sindicalistas. Além disso, a maioria sustentou que esses grupos deveriam ter estratégias, táticas e princípios homogêneos, assim como alguma forma de disciplina organizativa.

Guerra, questões de gênero e anti-imperialismo Em termos históricos, embora a ampla tradição anarquista tenha vinculado-se amplamente à questão de classe, ela também engajou-se em outras questões relacionadas à opressão social, que não se reduzem ao classismo. Essa tradição foi

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constituída por um movimento internacional e internacionalista: rejeitando o nacionalismo e o Estado, opondo-se consistentemente à opressão nacional e ao preconceito racial, a ampla tradição anarquista esteve a frente dos esforços de organizar as classes populares para além das barreiras de nacionalidade e raça. Ela se desenvolveu como um movimento que teve respaldo entre quase todas as nacionalidades e raças do mundo, com organizações em todo o globo, e teve um papel central nas lutas por igualdade de direitos e contra a segregação (por exemplo, em Cuba, no Japão, no México, nos Estados Unidos e na África do Sul), nas lutas anti- imperialistas e de libertação nacional (por exemplo, na Bulgária, em Cuba, na Coréia, na Macedônia e na Ucrânia), e na oposição ao militarismo e à guerra entre os povos e Estados. O antimilitarismo foi um aspecto central na história da ampla tradição anarquista e incluiu revoltas massivas levadas a cabo no seio de poderosos países contra a agressão imperialista, como nos casos da ocupação japonesa da Coréia, da Manchúria e da China, das guerras coloniais da Espanha contra Cuba, Marrocos e Filipinas, dos ataques italianos à Abissínia, à Líbia e à Albânia. Em 1914, a Internacional Operária e Socialista (também conhecida como Segunda Internacional) desmoronou com a deflagração da Primeira Guerra Mundial, com todos os grandes partidos apoiando os esforços de guerra de seus respectivos Estados.28 Contrariamente à posição de que Lênin, sozinho, levou a cabo uma oposição à guerra, sustentamos que a oposição radical à guerra restringiu-se, em grande medida, aos anarquistas e sindicalistas. A questão de gênero foi outra preocupação importante. Admitimos certo desconforto com a tendência de muitos autores qualificarem as mulheres anarquistas e sindicalistas de “anarquistas-feministas” ou “anarco/a-feministas”. Não há dúvidas que as mulheres tiveram um papel fundamental na promoção de análises feministas do anarquismo, mas é problemático assumir que as mulheres militantes foram necessariamente feministas ou que elas devam ser, prioritariamente, definidas pelo feminismo. Os elementos feministas do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária não foram um campo exclusivo das mulheres e nem as atividades das mulheres na ampla tradição anarquista podem ser reduzidas a uma defesa da perspectiva feminista. A ampla tradição anarquista, como um todo, promoveu a igualdade de gênero, rejeitou a família patriarcal e buscou meios de unir seus interesses feministas com os projetos mais amplos classistas e revolucionários. Anarquistas e sindicalistas discordaram entre si sobre as implicações da emancipação das mulheres e

28 A Internacional Operária e Socialista, formada em 1889, foi hegemonizada pelo marxismo clássico e pela social- democracia; seu membro fundamental foi o grande bastião marxista daquele momento, o Partido Social-Democrata (SPD) da Alemanha, que Marx e Engels ajudaram a fundar em 1875.

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certamente houve muitos anarquistas e sindicalistas cujas posições e vidas contradisseram a igualdade de gênero. O ponto mais importante é que essa igualdade foi sempre um princípio da ampla tradição anarquista. Ao mesmo tempo, mulheres anarquistas e sindicalistas como Choi Seon-Myoung, Luisa Capetillo, Voltairine de Cleyre, Elizabeth Gurley Flynn, Emma Goldman, He Zhen, Petronila Infantes, Lucy Parsons e Ito Noe não podem ser reduzidas a militantes de gênero. Elas tiveram um amplo conjunto de funções no movimento: foram escritoras, sindicalistas, líderes de greves, organizadoras comunitárias, milicianas; viam-se como parte de um movimento mais amplo das classes populares que transpunha as fronteiras de gênero. Assim como os homens, elas sustentaram que o sistema de classes e outras formas de opressão estavam integralmente ligados e que somente um movimento popular unificado contra toda dominação e exploração poderia criar uma nova ordem social.

Anarquismo e marxismo Finalmente, a ampla tradição anarquista é relevante como uma alternativa a outro grande movimento revolucionário e classista: o marxismo clássico, também conhecido como bolchevismo, e associado a Marx, Engels, Karl Kautsky, Lênin, Leon Trotsky, Joseph Stálin, Mao Tsé-Tung e outros. Para o marxismo clássico, o Estado capitalista deve ser destruído e substituído por um Estado revolucionário, caracterizado como um período político de transição em que o Estado nada mais é que a “ditadura revolucionária do proletariado”, uma “organização centralizada da força, da violência” de um “poder indiviso”. (Marx, 1922, p. 48; Lênin, 1975, vol. 2, p. 255) Esse regime controlaria os meios de produção e seria encabeçado por um partido revolucionário. A “ditadura revolucionária de um partido proletário” era uma “necessidade objetiva” devido “à heterogeneidade da classe revolucionária”. (Trotsky, 1975, pp. 513-514) E “sem um partido, à parte de um partido ou com um substituto de um partido, a revolução proletária não pode triunfar”. (Trotsky, 1987, p. 72) Uma pessoa que se recusa a reconhecer que a “liderança do Partido Comunista e o poder de Estado da ditadura popular” são necessários para a transformação revolucionária “não é comunista”. (Tsé- Tung, 1971, p. 371) Na prática, apesar das intenções ou dos objetivos emancipatórios do marxismo clássico, essas políticas forjaram as bases fundamentais para as ditaduras de partido único do antigo bloco soviético. A posição de que “o socialismo de Marx era simultaneamente antiestatista e contrário ao mercado” é enganosa. (McNally, 1993, p. 3) Há muitas tensões e ambigüidades no pensamento de Marx, mas o elemento

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preponderante – que constitui a evidência histórica do marxismo na prática – foi predominantemente autoritário e estatista. A criação do sistema de gulags na URSS, que colocou dezenas de milhões em campos de concentração, os quais tinham por base o trabalho forçado, foi parte integrante do sistema soviético, mas, provavelmente, não estava nos planos de Marx. (Ivanova, 2000) As ásperas circunstâncias sob as quais se deram a Revolução Russa e o próprio estabelecimento da URSS, obviamente, deixaram marcas profundas. Por esse motivo, os aspectos da URSS e dos regimes marxistas posteriores não podem ser simplesmente reduzidos às políticas marxistas. Ainda assim, isso não exime o marxismo clássico de ser o responsável pela opressão e pelas desigualdades do antigo bloco soviético. A ideologia marxista foi uma influência central para esses regimes e a intensa ênfase de Marx e seus sucessores em algumas posições – a necessidade de um Estado altamente centralizado, encabeçado por um partido comunista, que controlaria o trabalho e outras forças de produção, reivindicando ser o único depositário da verdade “científica” – foram absolutamente fundamentais para que o marxismo, durante o século XX, constituísse uma ideologia que caminharia de uma ditadura a outra. Marx e o marxismo não podem ser isentados desse fato, por meio da alegação de que o caráter repressivo constante dos marxistas no poder deve-se à força das circunstâncias ou às interpretações inadequadas dos textos de Marx por parte de “sucessores mais ou menos infiéis”.29 A história do marxismo em um terço do mundo, que esteve sob o governo de regimes marxistas, constitui parte – a maior parte – da história do marxismo e há um vínculo direto entre a estratégia de Marx de uma ditadura centralizada encabeçada por um partido de vanguarda como agente da revolução e as ditaduras de partido único estabelecidas na Rússia, na China e em outros países. Mesmo Trotsky (citado em Thorpe, 1989, pp. 128, 132), um veemente crítico marxista de Stálin, considerava o socialismo “a liderança autoritária [...], a distribuição centralizada da força de trabalho [...], o Estado operário [...] autorizado a mandar qualquer trabalhador para onde seu trabalho for necessário” e, se necessário, mandar os dissidentes para campos de trabalho. O movimento comunista fracassou em sua tentativa de emancipar a humanidade, fazendo com que centenas de milhões de pessoas desacreditassem no socialismo; as questões que envolvem sua ascensão e queda são centrais para os problemas enfrentados atualmente pela esquerda. Em contraste, o socialismo libertário sempre rejeitou a posição de que uma transformação social fundamental pudesse ser levada a cabo pelo aparelho de Estado ou

29 Para uma posição contrária, ver: Guérin, 1989, pp. 109, 125.

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que o socialismo pudesse ser criado de cima para baixo. Sua oposição ao capitalismo é parte de uma oposição mais ampla à hierarquia em geral, e parte de uma compreensão mais ampla da liberdade e do desenvolvimento individuais como objetivos do socialismo. Desde o início, o marxismo clássico foi uma forma de socialismo político, mas é importante ressaltar que houve também marxistas libertários. Entre eles, estiveram os comunistas conselhistas Herman Gorter, Anton Pannekoek e Otto Rühle, que sustentavam posições próximas do sindicalismo de intenção revolucionária e eram abertamente hostis ao bolchevismo.30 Mais recentemente, surgiu um marxismo “autonomista” que, com freqüência, sustenta uma perspectiva antiautoritária. No entanto, o socialismo libertário foi representado, principalmente, pela ampla tradição anarquista, a qual conciliou a noção de que os indivíduos deveriam ser livres, sustentando que isso não poderia minar a liberdade dos outros, com uma crítica das desigualdades econômicas e sociais que impedissem o exercício dessa liberdade. A liberdade, sustentava Bakunin (1971, pp. 262, 263), exigia “igualdade econômica e social” e deveria ser “estabelecida no mundo por meio da organização espontânea do trabalho e da propriedade coletiva levadas a cabo pelas associações de produtores livremente organizadas e pela igualmente espontânea federação de comunas, para substituir o Estado dominador e paternalista”, “de baixo para cima”. Muitos dos ideais e das práticas associadas à ampla tradição anarquista – ação direta, democracia participativa, a posição de que os meios devem ser combinados com os fins, solidariedade, o respeito pelo indivíduo, a rejeição da manipulação, a ênfase na importância da liberdade de opinião e da diversidade, a oposição à opressão de raça, nacionalidade e gênero – são precisamente aqueles reivindicados por milhões de pessoas no período pós-soviético. Esses ideais e práticas anarquistas foram conscientemente projetados para evitar o destino que terminou por tragar o marxismo clássico. Ao enfatizar valores antiautoritários, maximizar a democracia e valorizar a autogestão, a ampla tradição anarquista buscou evitar o surgimento, de dentro das lutas populares, de novas elites dominantes. Bakunin e Kropotkin advertiram que a estratégia do marxismo clássico poderia, apesar das boas intenções, culminar na perpetuação da opressão e da desigualdade econômica e social. O Estado, insistia Kropotkin (1970b, p. 170), “tendo sido a força à qual as minorias recorreram para estabelecer e organizar seu poder sobre as massas, não pode ser a força que servirá para destruir esses privilégios”.

30 Ver: Bricianer, 1978; Gerber, 1989; Gombin, 1978; Shipway, 1987, 1988; Smart, 1978. Ruhle (1981, pp. 10-11, 13, 20) caracterizou Lênin como pioneiro do fascismo.

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Antes de começar Antes de prosseguirmos com o conteúdo principal, alguns aspectos devem finalmente ser mencionados. Em primeiro lugar, um trabalho como esse baseia-se, pela necessidade, em uma síntese da literatura existente e no auxílio de pessoas que são habilitadas no tema em várias partes do mundo. O obscurecimento da ampla tradição anarquista em meados do século XX, levado a cabo pelas políticas estatistas – marxismo clássico, social-democracia e nacionalismos de vários tipos – implicou num congelamento das pesquisas sobre esse tema, e o socialismo político chegou “perto de monopolizar a atenção daqueles que escrevem sobre a história radical e do trabalho”. (Thorpe, 1989, p. x) Essa situação modificou-se a partir dos anos 1960. O surgimento da Nova Esquerda, que questionou o marxismo oficial e voltou-se às tradições radicais alternativas, foi importante, em particular, para o estabelecimento das bases de novos estudos do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária. O ressurgimento do anarquismo dos anos 1960 em diante e o colapso da maior parte do bloco soviético, entre 1989 e 1991, levou a um outro aumento na produção de investigações relevantes. Os crescentes estudos sobre o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária prometem modificar nossas posições sobre o passado. Na China, por exemplo, onde a história do socialismo foi, por muito tempo, reduzida à “progressiva evolução de um socialismo correto sob a orientação de Mao Tsé-Tung ou do Partido Comunista”, o papel central do anarquismo nas primeiras quatro décadas do século XX está sendo redescoberto. (Dirlik, 1991, pp. 15, 27, 170; Zarrow, 1990) Em Cuba, onde a ampla tradição anarquista foi “amplamente ignorada ou deturpada”, com “uma carência quase completa de historiografia”, seu papel fundamental “no desenvolvimento econômico e político do país” vem sendo cada vez mais reconhecido. (Shaffer, 1998, pp. vii, 2) Da mesma maneira, a “amnésia histórica” relativa “ao apelo do anarquismo entre os coreanos” começou a ser combatida. (Allen, 1999, pp. 4, 263-264) Embora as implicações desse crescimento das pesquisas não tenha sido ainda amplamente aceito, como é de se esperar, não há dúvidas de que muitos pesquisadores estão agora levando a sério o anarquismo e o sindicalismo de intenção revolucionária.31 Nossos dois volumes contaram amplamente com esses crescentes estudos e foram complementados, em alguns casos, por publicações do “movimento” e, em outros, por entrevistas com personagens relevantes. Sem dúvidas, há materiais que deixamos

31 Uma discussão mais completa dessa questão está fora do escopo deste trabalho, mas dois exemplos são ilustrativos. Escrevendo em uma edição recente do Journal of World-Systems Research sobre a história do internacionalismo operário e sua relevância para o presente, Dimitris Stevis (1998, p. 66) concluiu que “sindicatos operários, portanto, são confrontados com a necessidade módica do sindicalismo de intenção revolucionária décadas depois de seu prematuro fim”. Da mesma maneira, ao examinar a criação de favelas massivas durante o último século, Mike Davis (2004, pp. 28, 30-32) chamou atenção para a importância do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária, colocando-os como fatores-chave para o desenvolvimento das comunidades militantes de trabalhadores no início do século XX.

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escapar, mas acreditamos que nossa análise e abordagem, em termos gerais, apresentam um retrato preciso da ampla tradição anarquista. Apesar de termos envidado todos os esforços para garantir a precisão dos fatos e dos personagens apresentados, é possível que algumas de nossas fontes contenham erros; assumimos a responsabilidade por quaisquer outros erros. Sem dúvidas, há também questões importantes que não foram abordadas em nossa análise dos temas centrais na história e nas políticas da ampla tradição anarquista. Recomendamos que os leitores se remetam à bibliografia para as leituras complementares. Na maior parte dos casos (ainda que não em todos), utilizamos fontes de língua inglesa. Isso pode influenciar duplamente nosso trabalho: podemos ter negligenciado alguns trabalhos fundamentais em outros idiomas e algumas áreas e questões melhor abordadas na literatura de língua inglesa podem ter sido melhor tratadas do que outras. Tentamos ser o mais compreensível possível. Certamente, alguns dos argumentos aqui apresentados serão controversos. E isso deve ser bem-vindo: a boa pesquisa se realiza por meio do debate e não da criação de ortodoxias. Se [Chama Negra] puder estimular novas pesquisas sobre o anarquismo, mesmo que elas contradigam nossos argumentos, consideramos ter feito um bom trabalho. Similarmente, acreditamos que o debate é essencial para o desenvolvimento de qualquer tradição política e esperamos que esse trabalho constitua uma contribuição frutífera para estimular discussões dentro da própria tradição anarquista. [...] Finalmente, diremos algumas palavras sobre a origem de [Chama Negra]. Esse livro começou como uma brochura sintética e didática no fim dos anos 1990 e simplesmente foi crescendo. Estávamos francamente surpresos com a rica história da ampla tradição anarquista; esperando complementar algumas lacunas, nossos olhos encontraram um mundo inesperado, uma história global desconhecida por muitos dos próprios anarquistas e sindicalistas. Era uma intrigante e evocativa história, repleta de sacrifício, tragédia, sofrimento e, algumas vezes, de humor e ternura, mas que havia sido levada a cabo com grande heroísmo, criatividade, beleza e realizações. Também ficou claro para nós que não estávamos escrevendo um simples obituário de um movimento ou realizando uma abordagem de algo antigo, mas discutindo uma tradição viva de interesse para muitas pessoas que querem mudar o mundo. Assim, esse livro também é um trabalho sobre o futuro e é por isso que o dedicamos a um mundo e um amanhã melhores.

Bibliografia AL (Alternative Libertaire). “Espagne: La CGT s’affirme comme la troisieme organisation syndicale”. In: Alternative Libertaire, novembro de 2004.

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* Este texto constitui a introdução do livro Black Flame: the revolutionary class politics of anarchism and syndicalism [Chama Negra: a política classista e revolucionária do anarquismo e do sindicalismo de intenção revolucionária], publicado em 2009 pela editora AK Press. Tradução: Felipe Corrêa. Revisão: Victor Calejon.

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